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1 Setembro Outubro 2007 em português Chancellor: Mar e canibalismo à rancesa Foi realmente  Jules V erne o pai da Ficção Científca? Uma viagem à Lua pela mão de Méliès Pierre-Jean: Um inédito relato de  juventude

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Setemb

Outub

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em portug

Chancellor:

Mar e

canibalismo

à rancesa

Foi realmente

Jules Verne

o pai daFicção Científca?

Uma viagem

à Lua pela

mão de

Méliès

Pierre-Jean:

Um inédito

relato de

 juventude

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Setembro - Outubro 2007

Ariel Pérez

Começar uma publicação ésempre uma tarea diícil. É a somade muitos pequenos esorços,desde o desenho da imagem queidenticará a revista, à decisãode que tipo de letra e estilo deveter o conjunto das páginas queintegram. Quando se assumecom vontade, dinamismo einteresse o resultado tem que sernecessariamente positivo, parapelo menos, se poder classicar deválida a tentativa.

A criação de uma revista sobre o

escritor rancês Jules Verne (notemque escrevo Jules e não Júlio)não é algo mundialmente novo.Na Europa existem várias, e associedades de Verne distribuídaspor alguns pontos dos planetastambém têm as suas.

A novidade desta publicação éque em 2007, quase no seu nal,inicia a sua vida e resulta de sera primeira que se publicará nomundo hispano, eita para os quealam espanhol, que é já agora,a segunda língua mais alada domundo!1 

Em cada dois meses se publicaráem três sites na Internet: no de esteredactor, no do peruano CristianTello e no órum do Yahoo queagrupa mais de 200 membros.

1 Logo depois de a revista ter sido lançada em espanhol surgiu a ideiade azer uma versão em português,

sendo esta a razão por que não houvemodicação no editorial.

Espero que, para cada novaedição haja mais colaborações, eque se juntem pessoas de outraslatitudes a expressar as suaspalavras e opiniões dentro darevista. Trabalhar-se-á para quecada número seja melhor que oanterior e espera-se que as críticase sugestões ajudem a melhorar asuturas edições.

Nestas páginas o leitor podenão só encontrar artigos de estudosobre o escritor gaulês, comotambém textos inéditos, análises

detalhadas de cada elemento douniverso verniano que incluemas suas obras, personagens eacessórios.

Há muito que alar de Verne,quem sabe se os que encontraremesta revista pela primeira vez,se perguntem que conteúdopode manter ecaz e activa umapublicação sobre um escritor quemorreu há mais de 100 anos. Erramos que pensam assim. Acercadeste rancês há sempre notíciase novas aproximações às análisesda sua herança literária. Basta verque em 2005 se publicaram, emtodo o mundo, mais de 100 livrosacerca do criador das ViagensExtraordinárias.

Seja, desde já, bem-vindo a esteuniverso que representa o escritor,a sua obra, a sua vida, essa viagemao desconhecido, ao mundo

interior de Jules Verne

Nestenúmero

Universo verniano

Uma nova onte de inormação

para os que alam espanhol

© 2007. Mundo Verne. Revista bimensal em castelhano e português sobrea vida e obra de Jules Verne. Número 1. Setembro - Outubro de 2007. Edição

e ilustrações: Ariel Pérez. Capa: Yaikel Águila. Comité editorial: Ariel Pérez,Cristian A. Tello e Raael Ontivero. Tradução para língua portuguesa: Carlos

Patrício (páginas 8-13) e Frederico Jácome (2-7, 16). Distribuição gratuita.Correio electrónico: [email protected].

Internet: http://jgverne.cmact.com/Misc/Revista.htm.

3 A imagem... e semelhança

4Uma viagem ao extraordinário

5

A Galera“Chancellor”:

Mar ecanibalismoà rancesa

Terra Verne

8

Jules Verne: pai daFicção-Cientíca?

No grande ecrã

Até à Luapela mão de

Méliès

12

Cartas gaulesas

16

14 Pierre-Jean.Capítulo 1

Sem publicação prévia

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Número 1

Morreu Jean Chesneaux

Jean Chesneaux, escritor rancêse autor de um dos mais importanteslivros de estudo sobre a obrade Jules Verne morreu em Julhopassado com a idade de 85 anos.

Proessor emérito daUniversidade de Paris VII ondeleccionava“História contemporâneada Ásia Oriental”, era um protótipodo intelectual comprometido,presente em todos os maiorescombates do nosso tempo,particularmente no que toca àpreservação do equilíbrio ecológicodo planeta.

Deixa como testemunho assuas duas obras que constituem

reerências vernianas dos dias dehoje: Jules Verne, une lecture politique  (Uma leitura política de Jules Verne),publicada em La Découverte em1982 e   Jules Verne, un regard sur lemonde(sem tradução conhecida emcastelhano) que é uma actualizaçãodo livro precedente e oi publicadoem 2001 por Bayard Culture.

Jean Chesneaux oi directorda Escola de Altos Estudos emCiências Sociais, acessor daredacção da revista Ecologie &Politique, e ocupava outros cargos

importantes.

A mensagem secreta de

Lamy

A tradução em inglês do livro  Jules Verne, initié et initateur deMichel Lamy oi publicada nosEstados Unidos com o título The

secret message o Jules Verne.O livro original que apareceu em

França em 2005 pela editora Payot,oi agora publicado com uma capachamativa e um título comercial.

O autor do livro pretenderevelar em suas páginas, que JulesVerne, suposto iniciado nas ordensmaçónicas e nas sociedades Rosa-cruz, terá uma mensagem secretaem código em algumas das suasobras, em particular na obra Clóvis

Dardentor.Essa mensagem, de acordo com

Lamy, apenasdescodicadapeloshistoriadores,revela a chavedo mistérioque envolveo abulosotesouro de

Rennes-le-Château

Faleceu tradutor das obras

de Verne em castelhano

O escritor e tradutor de muitasdas obras de Verne em castelhano,Miguel Salabert, aleceu no passadomês de Julho em Espanha.

Salabert teve contribuiçõesinteressantes na tradução directado rancês em grande parte dostextos vernianos em que primoua boa qualidade, privilégio quegoza o mundo hispânico dadasas péssimas traduções em outraslínguas.

Também oi o autor de uma daspoucas biograas sobre o autorescritas em castelhano. Trata-se doLivro “Verne, esse desconhecido”publicado em Madrid em 1976

Ariel PérezInormático.Reside em Cuba. Já publicou artigossobre Verne emvários países.Mantém um sitena Internet sobre oescritor desde 2001.É membro do Fórum

Internacional Jules Verne de Zvi Har’El etraduziu vários textos inéditos de Verne para castelhano.

Cristian TelloEngenheiro peruano que temum site sobre Vernedesde 2004. É umdos ãs vernianosmais activos na América latina.Foi proessor deMatemática e

 publicou vários livros sobre o tema.Escreveu artigos e traduziu textos deVerne.

Colaboração para este número

Alvaro MejíaLicenciado emC o m u n i c a ç ã o .Director e guionistade cinema e televisão.Prepara um lmesobre Pedro Paulet,engenheiro peruanoque descobriu os

  princípios da era espacial em Françano nal do século XIX. Já começou a publicar a sua investigação em http:// mundopaulet.blogspot.com/ 

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Setembro - Outubro 2007

A crítica assinalou repetidamente a alta deconsistência psicológica das personagens de Verne.

Mas esse aparente deeito az parte da arte de escritado autor, pois em muitas ocasiões a intriga argumentalprecisa desse carácter enigmático, impreciso edesconhecido da personagem, envolvendo-nosnuma aura de mistério e secretismo inerente aorelato.

Em A Galera ‘Chancellor’, a tendência de julgarcomo esquemáticos as personagens de Verne estáclaramente patente. O narrador ala dos passageirosdo barco, classica-os e dene-os numa primeiraobservação. No seu relato, Verne recorre a um método

que lhes é muito comum: a interpretação psicológicaa partir dos traços ísicos.Este método az com que se atribuam qualidades

às personagens a partir das quais se explicará o seucomportamento, e tendo em conta as duríssimasprovas que deverão submeter-se os náuragosde A Galera ‘Chancelor’, era necessário a presençade alguém que levasse sobre os seus ombros aresponsabilidade de os dirigir.

O capitão Huntly que é apresentado como

um homem que carece de inteligência e energiaprevalecem, qualidades exigidas num posto como

o dele, cede o comando do ‘Chancellor’ ao segundocomandante de bordo, Robert Kurtis, “um homemde trinta anos, bem constituído, de grande orçamuscular, sempre em atitudes de acção cuja vontadevivaz, parece estar disposta a maniestar-se, semcessar, através dos seus actos”.

Robert Kurtis acaba de subir neste momentoao convés e eu observo-o atentamente –disse J. R.Kazallon– “Surpreende-me a sua orça e vivacidade.O corpo rijo, o aspecto desembaraçado, o seu olharsoberbo.”

É, portanto, debaixo desta óptica “um homemenergético, que deve possuir uma coragemindispensável como um autêntico marinheiro e aomesmo tempo ser bondoso”, e o seu comportamentona obra vai responder a este juízo inicial, aquando daliderança do grupo de náuragos perante as penúriasda ome, da sede, das terríveis condições climatéricascomo as tormentas, tempestades, do ataque dostubarões e incluindo, quando tem que enrentar arebelião a bordo para destitui-lo do comando

 A tempestade encontra-se no seu apogeu. Ovento passou para o estado de uracão e as

ondas, que são terríveis, ameaçam destruir a jangada

Robert Kurtis, acaba de agarrar um machado e,levantando a mão, golpeia.

Mas Owen lança-se para o lado, e o machadoatinge Wilson no peito

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Número 1

Os passageiros

No começo da viagem, oChancellor tinha oito passageirose vinte tripulantes, é o mesmo quedizer, vinte e oito pessoas a bordo.

J. R. Kazallon de Londres, autor1.das notas da viagem.O senhor Kear, 50 anos,2.americano de Bualo, é umhomem egoísta e vaidosoenriquecido com a exploraçãode poços de petróleo. Deixandoa sua esposa enerma,abandona o Chancellor num

bote salva-vidas durante umadas noites do naurágio.A senhora Kear, 45 anos, morre3.em consequência da ome eda sede.A senhorita Herbey, 20 anos,4.inglesa, dama de companhiada senhora Kear.O senhor Letourneur, 55 anos,5.rancês de El Havre padece degrandes sorimentos ao autoculpar-se pela enermidade

natural do seu lho.André Letourneur, 20 anos,6.aleijado da sua perna esquerdadesde nascença, viajou juntodo seu pai por muitos lugaresda Europa e América.William Falsten, inglês, 45 anos,7.engenheiro de Manchesterque passa a maior parte do seutempo absorto em cálculosmecânicos

John Ruby, comerciante inglês8. de Cardi enriquecido pelosseus negócios, nos quaissempre ganhou vantagem.Enlouquece ao saber quea sua mercearia se perdeuno incêndio de Chancellor emorre rodeado pelas chamasque consomem o barco.

A Galera “Chancellor”: Mar e canibalismo à rancesa

A jangada da MedusaEm 17 de Junho de 1816, a

ragata Medusa juntamente comoutros barcos, partiu da ilha de Aixrumo à costa de Dakkar no Senegal,levando consigo um grupo decolonos ranceses. Durante otrajecto, e depois de uma escala emTenerie, a rota dispersou-se poracção dos ventos e da inexperiênciados seus navegantes, provocandoo isolamento da ragata. A Medusanauragou ao largo das costasaricanas, pelo que se decidiuconstruir uma jangada com as suasmadeiras.

Durante duas semanas ossobreviventes do naurágiooram padecendo todo o tipo decalamidades,t o r m e n t a s ,ondas altas,a morte, es o b r e t u d o ,a ome, asede e a ortee x p o s i ç ã osolar que os iaaniquilando.A únicasolução oitambém amais terrível, os cadáveres quea cada dia se iam somando, eraaproveitados para alimento dosdemais. Das cinquenta pessoas queno princípio estavam na jangada,sobreviveram apenas quinze, queoram recolhidas pelo barco Argus.

O naurágio da Medusaemocionou a opinião públicarancesa, devido ao egoísmoda ocialidade aristocráticada monarquia de Luís XVIII aoabandonar à sua sorte grandeparte da tripulação.

A notícia caiu também entreos intelectuais e os artistas daépoca, sendo essa a razão pela

qual o pintor Théodore Géricaultdecidiu pintar em 1819, La balsade la Medusa, um amoso quadrode quase cinco metros de altura emais de sete metros de largura, querepresenta com grande realismoesta atalidade considerada comouma das mais arrepiantes nahistória da França.

Dada a predilecção literáriade Verne pelos ambientesmarinhos, não é de estranhar queo autor se inspire na história realda Medusa para escrever A Galera

‘Chancelor’, ainda mais quando otema naurágio ocupa um lugar

signicativo na sua narrativa; obrascomo A Ilha Misteriosa, Os lhos

do Capitão Grant e A Esnge dos

Gelos sãoum claroe x e m p l odisso. Ointeressede Vernepor ester e l a t ov ê - s e

relectidon u m adas suascartas ao

editor Hetzel: “Será uma obra deum realismo espantoso... nãoacredito que jangada da Medusatenha produzido algo assim de tãoterrível.”

O tema do naurágio e ocanibalismo oi também tratado

por Edgar Allan Poe em AsAventuras de Arthur Gordon Pym (conhecendo a admiração de Vernepelo autor norte-americano, é ácilcompreender a sua infuênciapara a obra), em que um dossobreviventes de um naurágio,com o estilo próprio de um diário,conta as torturas que padeceu abordo de uma jangada perdida nooceano.

Cristian A. Tello

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Número 1

Bibliograa

Constantino Bértolo Cadenas.•

Apêndice do “El Chancellor”.Hyspamérica Ediciones,Madrid, 1983.Ariel Pérez. Los mundos•

conocidos y desconocidos.El Chancellor. Disponível em:http://jgverne.cmact.com/VE/Chancellor.htm.Wikipedia. The Survivors o •

the Chancellor. Disponívelem http://en.wikipedia.org/wiki/The_Survivors_o_the_ChancellorArmando Maronese. La balsa•

de la Medusa. Disponívelem: http://www.redaccion-digital.com.ar/indice.htm

no porão evita que o ogo sepropague rapidamente, razão pelaqual os passageiros não sabiam doperigo que corriam.

No início tenta-se dominar osinistro, regando o convés do barco,e tapando todas as rinchas por ondepassa o oxigénio para o porão. Mas

os esorços são inúteis, e quando averdade se descobre é mais terríveldo que o que se esperava, já queJohn Ruby, um dos passageiros,introduziu a bordo entre as suascoisas, uma certa quantidade de ummaterial explosivo que permaneciano porão. Ao saber a notícia, surge opânico entre a tripulação, acto queajuda à propagação do ogo.

No nal, as chamas chegamao convés do barco, e o capitãoHuntly, um homem débil, abandonao comando da navegação.Nestas circunstâncias, o segundo

comandante, Robert Kurtis, assumeo controlo do Chancellor. Entretanto,o comerciante Ruby, num acto deloucura, culpa-se do perigo emque pôs todos os passageiros aotransportar clandestinamente o“picrato de potássio”, e atira-se parao ogo que consome o barco. É oprimeiro a morrer.

Com muita sorte, o Chancellorencalha numa ilhota de origemvulcânica similar à amosa gruta deFingal na Escócia. É neste recie nãoassinalado nas cartas marítimas, queos tripulantes conseguem apagar oincêndio com a inundação parcialdo barco. Mais adiante, e depois de

vários dias de reparação, o Chancellorvolta a navegar em busca de terramais perto.

Depois de uns dias em altomar, o barco começa a encher-senovamente de água e os soridosocupantes entram novamente emdesespero; e antes de se aundarem,o capitão Huntly juntamente com osenhor Kear e mais três marinheiros“escapam” a bordo com o único botedisponível. Os vinte e dois ocupantes

que restam no barco vêem-seobrigados a construir uma jangadae a lançar-se numa aventura. Masantes de embarcarem na viagem,morre a senhora Kear e outros trêsmarinheiros. Serão então dezoito osque vão submeter-se ao canibalismouma vez que as provisões escasseiam.Passam muito tempo na jangada; aspoucas provisões de que dispõemnão tardam a acabar. Só uma chuva

celestial e algumas pescas milagrosasos salvam da morte. A bordo todosmorrem de ome, chegando ao pontoem que os sobreviventes se dedicamao canibalismo. Suportam tambémterríveis tempestades que acabamcom a vida de outros marinheiros.A rebelião não tarda a maniestar-semas o carácter energético de RobertKurtis e seus homens põe m aomotim.

Muitas tentativas racassadas de

caçar algum tubarão só os levarama desperdiçar energia. Com o passardos dias suportam grandes penúrias.Quando tudo parece perdido, namanhã de 27 de Janeiro de 1870, J.R. Kazallon descobre que a água domar é doce. Não vêem terra, masencontram-se perto da oz do rioAmazonas. Estão salvos!

O Chancellor, barcoinglês à vela com

três mastros

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Setembro - Outubro 2007

“A Ficção-Científca é

uma orma de narrativa

antástica que explora as

  perspectivas imaginativas

da Ciência moderna” 

Jules Verne: pai da Ficção Cientíca?Ariel Pérez

 A exploração de outros planteas, o contato com novostipos de vida e outros temas similares são explorados

 pela Ficção-Cientíca moderna, sobretudo nos lmes.

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Número 1

tarde acabariam se convertendo emrealidade. Cito aqui o submarino, ohelicóptero, o teleone, o onógraoe tantas outras. Porém, na realidade,ao escrever suas histórias seuspropósitos distavam muito de azerapenas romancesde antecipação.

Muitas das suas“ i n v e n ç õ e s ”  já estavampreguradas emnarrações deoutros escritores,ou seja, eram ideiasque futuavamno ambiente cientíco da época. Éimportante dizer que o seu verdadeiroprojecto de escrever sobre a Ciência

resultou de algo verdadeiramenterenovador, superando assim as obrasanteriores vernianas que tinhamproundos cortes satíricos, losócose utópicos mas nunca pretendendoazer Literatura a partir da Ciência.

As Viagens Extraordináriasresultam, na sua essência, de obrascientícas, e o seu editor denemuito bem na publicação deViagens e Aventuras do capitão

Hatteras, quarto número da série,

pela primeira vez perante o grandepúblico, as intenções reais dacolecção que pretende “resumirtodos os conhecimentosgeográcos, geológicos, ísicose astronómicos da ciênciamoderna, e transmitir, de ormaatraente e pitoresca, a história doUniverso.”

O o principal de cada um dosrelatos gira sobre o ciclo: hipóteseinicial – meios e actos parademonstrá-las – demonstração dahipótese. Em geral, as diculdadesque as personagens encaram têmuma solução cientíca, quase sempreeliz. Por outro lado, quase todasas obras que integram a colecçãodesenrolam-se, mais ou menos, numperíodo similar à que se escreveu.Só Paris no século XX – publicadana capital rancesa em 1994 e que

se desenrola 100 anos depois de tersido escrita – e os contos O dia de

um jornalista no ano de 2889 e O

eterno Adão (onde volta a entrar emcena Michel que reescreve o textooriginal intitulado Edom) saem dessa

constante.A obra publicada há uns dez

anos levantou novas polémicas nos

círculos vernianos, sobretudo porter sido a segunda obra do escritore por estar pronta para ser publicada

em 1863, logo depois do êxito Cinco

semanas em balão. Hetzel, o editorde Verne, rejeitou-a e manteve-anum core mais de centro e trinta

anos. A análise das tendênciasemergentes, do que deveria ser aobra de Verne e não oi pela rejeiçãodo seu editor, é um assunto muitoextenso e poderá ser parte de umestudo mais seguro e especializado.

Enquanto ainda se debatesobre a possibilidade do

seu lho Michel ter escritooriginalmente o conto cujahistória se situa no séculoXXIX, a acção, neste caso,passa-se um século depoisda sua escrita. Apesar destaúltima obra se tratar de umahistória “rara” que também

se passa no uturo, saindo dos temasvernianos comuns, centra-se emtemas mais losócos tais como o

aproveitamento e o recomeçar davida.Em geral, as obras de Verne estão

carregadas de um grande carácterpedagógico e a sua missão principalé criar um espírito cientíco tanto noleitor, como no protagonista juvenilda época. Neste sentido, muitas dasobras que ormam a colecção, entramnesta categoria de obras iniciadoras.Nestas obras, um determinadopersonagem ou personagens,

incluindo o próprio leitor, inicia-seno mistério, perde-se na aventurae penetra no espaço preparado

para ser avaliado, como umaespécie de jogo. É a mesmaignorância que um principiante

– o cientíco, o maestro decerimónia – atravessa numa série

de provas (o abismo, a sede, aperda...) das quais sai vitorioso e,

desde logo, “convertido”.A Ciência presta serviço à cção.

Este é o componente predominanteem grande parte das suas obras, esão os Nemo, Robur, Phileas Fogg,Hatteras, Paganel, Barbicane, entreoutros, quem colocam as suasinvenções à rente de qualquer serhumano, seja para seu beneício oudano. Um notável exemplo do uso daCiência na obra verniana é o Nautilus de Vinte mil léguas submarinas,

“As obras de Verne estão carregadas de um

grande carácter pedagógico e a sua missião

 principal é criar um espírito científco tanto no

leitor, como no protagonista juvenil da época” 

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Setembro - Outubro 2007

onde a electricidade gerada pelaágua proporciona iluminação aosubmarino, e a electricidade geradapelo aquecimento do carvão doundo do mar é utilizada como orçamotriz da máquina. Os náuragosde A ilha misteriosa, por exemplo,não tinham sobrevivido sem a ajuda

dos conhecimentos cientícos(sobretudo da química) e dosentido prático de Cyros Smith, umengenheiro que, por razão do seusaber técnico e cientíco, converte-se no indiscutível líder da aventura.

EmDa Terra à Lua, apresenta-se umtrio de homens que põe em prática,desconhecido até esse momento,o lançamento de um “oguetão”à Lua, que resulta ser um enorme

projéctil, propulsionado através do

Columbiad , um gigantesco túnel-canhão instalado nas proximidadesda base espacial norte-americanaconhecida, nos nossos dias, comoCabo Canaveral. No livro são eitostodos os cálculos matemáticosnecessários para determinar quala velocidade necessária para que o

projéctil abandone a órbita terrestreque, neste caso, coincide com avelocidade inicial necessária paraque possa atravessar a atmosera.

As descrições em muitas das suasobras parecem lidar melhor com asaplicações tecnológicas da ciênciana vida humana. Verne, por natureza,um escritor dotado de habilidadepara escrever histórias, e de ormamais notável nos seus primeiros anos

de escritor, não tinha a intenção de

elevar o que escrevia à verdadeiracção cientíca. O contraste comWells é notável. O conceito, porexemplo, da quarta dimensão, tomouorma matemática à volta da décadade quarenta do século XIX. Herbert

pegou nesta ideia e, com o seu poderimaginativo, escreveu em 1895, umadas mais melhores histórias de cçãocientíca de todos os tempos, A

máquina do tempo. Verne não usouesta inormação, pois teve, muitoprovavelmente, achado absurda anoção de uma quarta dimensão.

Numa entrevista a Verne, ao serquestionado sobre a relação dassuas obras com as de Wells, o rancêsexpressou as suas ideias e razões nasquais argumentava a dierença entreos seus estilos e ormas de ocar assuas histórias.

É certo que a parte cientíca temum papel undamental e principalnas suas obras. Até as suas obrasmais puras, como Michel Strogof eA volta ao mundo em oitenta dias,tem enigmas cientícos. No casoda primeira, as lágrimas nos olhosdo protagonista que o salvam dacegueira. Na segunda, o avanço deuma hora na viagem, oi provocado

Verne ala a cerca de Wells ao serinterrogado sobre a semelhançade seus textos: “Alguns de meusamigos têm me dito que seutrabalho se parece muito com omeu, mas creio que se enganam.|Eu o considero um escritorpuramente imaginativo, dignodos maiores elogios, mas nossosmétodos são completamente

dierentes. Minhas pretensas“invenções” são idealizadassobre uma base de atos reais,utilizando métodos e materiaisque não ultrapassam os limitesdos conhecimentos técnicoscontemporâneos. Por outrolado, as criações do senhor Wellspertencem a uma época e umgrau de conhecimento cientícobastante adiante do presente, para

não dizer o mais completamentealém dos limites do possível.Não só elabora seus temas apartir do reino do imaginário,como também os elementosque servem para construí-los.Por exemplo, em seu romanceOs Primeiros Homens na Lua,ele apresenta uma substânciaantigravidade completamente

nova, da qual não conhecemos amenor pista, a mais pálida idéiade sua preparação, obtençãoou composição química real.Tão pouco az reerência aconhecimento cientíco atualque nos permita, por um instante,imaginar um método no qual sealcançasse esse resultado. Em A

Guerra dos Mundos, uma obra

pela qual sinto grande admiração,novamente nos deixa às escurasquanto a natureza real dosmarcianos, ou a orma com queabricam o maravilhoso raio térmicocom o qual provocam grandedestruição entre os seus inimigos.Que se tenha em conta que aodizer isto, não estou, de modoalgum, questionando os métodosdo senhor Wells; ao contrário, sinto

um grande respeito por seu gênioimaginativo. Apenas exponhoos contrastes que existem entrenossos dois estilos e assinalo asdierenças undamentais queexistem entre eles e desejo quese entenda claramente que nãoexpresso nenhuma opinião sobresuposta superioridade de umsobre o outro”

Herbert George Wells em 1922.

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Número 1

pela mudança de meridiano.Verne não era cientista, porém

estava muito bem inormado com asnovidades cientícas e tecnológicasdo seu tempo. Era um assíduovisitante das diversas bibliotecasespecializadas e tirava bastantesnotas em pequenas chas pessoaisque o tornavam um perito nos temasque logo utilizava nas suas obras.É possível que lhe tenham dado

um papel erróneo de “inventor” emalguns arteactos que aparecem nassuas obras mas que, simplesmente,são elaborações e refexos literáriosde algo já existente na época e queVerne conhecia através das suaspesquisas nas bibliotecas e peloscontactos com os seus amigoscientistas e exploradores.

Falar sobre a Ciência eraobrigatório quando Verne escreviaas suas histórias com a divulgaçãodos conhecimentos cientícosda época aplicados a projecçõesuturas. Mas, a esta altura, cabe-seperguntar, é Jules Verne o pai daFicção-Cientíca? Muitos acreditamque sim e o rancês manteve essetítulo por muitas gerações.

Todavia, o contraste enquadraeste escritor num género queapenas está presente numa parteda sua obra, que tem por objectivodescrever o mundo através daprópria natureza. Pela opinião desteredactor, não há motivo para que seapresente ao mundo e aos nossosuturos descendentes, o papel

de pai de uma temática que nãoteve, aparentemente, intenções dedesenvolver. Em todo o caso, bemque o poderíamos chamar “pai dacção tecnológica”.

Com as suas obras de antecipação,leitura obrigatória de qualquerescritor de cção cientíca, orancês Jules Verne poderia vir

a ser considerado o iniciadorcronológico do género, mas é maisacertado dizer que é Herbert GeorgeWells quem determinará maisdecididamente o uturo através deuma maior riqueza de temas. Os doisescritores estavam absorvidos pelopensamento cientíco da época esabiam obter um diícil equilíbrioentre a ilusão das obras com averosimilhança cientíca. Ambosescreveram relatos de aventuras“extraordinárias” onde tentam queos seus leitores se interroguemsobre as contribuições e uturasconquistas da Ciência e tecnologia.Quiçá se a dierença mais importanteseja que as especulações de Vernetêm uma vertente essencialmente

tecnológica, enquanto que as deWells incorporam elementos dasciências sociais e da losoa. Se bemque Verne é um precursor, Wellsé o verdadeiro undador e pai dogénero

“Se bem que Verne

é um precursor, Wells

é o verdadeiro

undador e pai do género” 

Bibliograa

David Pringue. ”¿Qué•

es la Ciencia Ficción?”.Em “Ciencia Ficción. Las100 mejores novelas”.Ediciones Minotauro,Barcelona, 1990, pp. 11-21Miquel Barceló. “La•

evolución histórica dela Ciencia Ficción “ Em“Ciencia Ficción. Guía delectura”. Ediciones B, S.A., Barcelona, 1990, pp.63-97Ariel Pérez. “¿Inventor o•

visionario?”. Em “Viajeal centro del Vernedesconocido”. Disponívelem: http://jgverne.cmact.com/Articulos/Inventor.htm.Na obra de Verne abundam as obras de aventura no seu estado

mais puro e os seus melhores exemplos são “Miguel Strogof“ e “Asatribulações de um chinês na China”.

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Setembro - Outubro 2007

Até à Lua, pela mão de MélièsÁlvaro Mejía

Imagem do lme do cineasta rancês que percorreu o mundo como o símbolo

de um dos primeiros lmes eitos.

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Número 1

 Georges Mélies oi um dos pioneirosda direção cinematográca, logo apósseus próprios criadores, os Irmãos

Lumiere. Nasceu a 8 de dezembro de1861 em Saint-Martin de Paris. Eralho de um empresário dos calçados,sendo obrigado por sua amília aparticipar neste negócio. Se encarrega,então, da manutenção e reparo domaquinário, adquirindo as habilidadesmecânicas que posteriormente semostraram tão úteis. Quando em 28de dezembro de 1895 Meliés assiste,convidado pelos Lumiere, à primeiraapresentação do cinematógrao,decide-se rapidamente a adquiriruma máquina dos Lumiere, os quais se

negam. Então opta por construir, a partir de outros arteatos, sua própriamáquina cinematográca. Criador de cerca de 500 lmes, a paulatinatransormação da indústria (monopolizada por Edison nos EUA e Pathéna França), junto com a chegada da Primeira Guerra Mundial, aetaramseu negócio, que entrou em declínio irreversível. Suas criações caíram emum relativo esquecimento, mas na década de 30 começou uma correntede reconhecimento do gênio de Mélies.

canhão – isso sim, inspirado emVerne – chega o melhor do lme:a alunissagem e a aventura nasuperície lunar. Naquele tempo,a linguagem cinematográca erainsipiente. Não havia movimentode câmera. Porém, Méliès usou suagenialidade movendo a cara da Luaaté a câmera e arrematando comuma cena muito deseu estilo, com umprojétil acertando oolho da Lua.

A exploração daLua se deu comona Árica destemesmo imaginário(sobre isso,recentemente um

estudante congolêsna Bélgica pediuque se retirasse decirculação a históriaTintin no Congodevido ao seu tomracista). Os viajantes,em roupas comunssão ameaçados pelos selenitas, quese comportam como selvagens e oslevam prisioneiros perante o Rei daLua, de quem acabarão ugindo e

voltando a Terra, seu lugar.O argumento, creio que

propositadamente ingênuo, revela ostemores que existiam na imaginaçãodo público, talvez porque, comodisse Jean-Luc Godard, um lmede cção é o documentário de suaprópria lmagem. Nesta, tudo queé estranho, como os selenitas ou asplantas exóticas, parecem perigosos.Uma visão que seria exacerbada

depois por vários lmes do gênero– norte-americanos em sua maioria.Um caso à parte são os eeitosespeciais idealizados por Melies: astransições entre as cenas, a passagemdos dias e das noites na Lua, a maneiracomo os selenitas são pulverizados,o movimento do barco salvador donal, são alguns dos exemplos desua ecunda imaginação.

Não se deve desmerecer o podervisionário de Verne, do qual há provasconcretas. Mas diante da dúvida seo homem verdadeiramente pisouna Lua, prero, como Melies, jogar-me nas águas tranqüilas da ilusão eagradecer a Verne por haver levado-me em suas Viagens Extraordináriascom a imaginação

Uma viagem à Lua

Direção: George Méliès.Argumento baseado nasnovelas “Da Terra à Lua” de JulesVerne e “Os primeiros homens

na Lua“ de H. G. Wells.Produção: George Méliès.Produtora: Star Films.Fotograía: Michaut e LucienTainguy.Cenários: Claudel e GeorgeMéliès.País: França.Formato: Branco e preto (1,33:1).Mudo. 35 mm.Género: Ficção-Cientíca.Duração: 50 minutos

Rolo: 257,56 metros.Estréias: 1 de setembro de 1902em França4 de outubro de 1902 nosEstados Unidos.Os primeiros passos do homem na Lua de acordo com o

lme do cineasta gaulês.

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Setembro - Outubro 2007

Tradução: Estela dos Santos Abreu

Pierre Jean - Capítulo 1

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Número 1

que se chama DarseI Nova, ca aoeste do outro, chamado DarseVelha. Os lados desses redutos, queprolongam as orticações da cidade,são uma espécie de grandes diqueseitos para conter longas construções,como as ocinas de máquinas, ascasernas, os armazéns pertencentes

à marinha. Cada uma dessas baciastem, na parte sul, uma aberturasuciente para a passagem de naviosde alto bordo. Essas bacias poderiamter-se transormadoem comportas se onível constante doMediterrâneo, poucosujeito a variações de maré,não lhes tivesse tornadoinútil o echamento. ADarse Nova é cercada aoeste por armazéns e peloparque de artilharia, e, aosul, à direita da entradaque dá para a pequenabaía, pelos cárceres.

São dois prédiosque se encontramperpendicularmente; oprimeiro, na rente daocina das máquinasa vapor, é voltado para

o sul; o segundo caderonte à Darse Velhae é continuado pelascasernas e pelo hospital;i n d e p e n d e n t e m e n t edas três salas que essesprédios contêm, há trêscárceres futuantes.Nestes vivem os presosque cumprem pena comduração determinada,enquanto os condenados à prisão

perpétua cam encarcerados nassalas.

Se há um lugar onde não deveexistir igualdade, é no presídio; asdierenças de castigo, que decorremdo grau de perversidade da mente,deveriam levar em conta dístinçõesde casta e de nível! Os condenadosde qualquer espécie, idade e delitosão vergonhosamente misturados,

e essa deplorável promiscuidade sópode gerar uma hedionda corrupção:o contágio do crime provocaestragos neastos nesses gruposgangrenados, e o remédio torna-seinútil quando o mal contamina osangue e a inteligência.

As prisões são relegadas, é

evidente, à extremidade do arsenal,o mais longe possível da cidade.

As galés de Toulon contavamentão com cerca de quatro mil

condenados; a seção administrativa,

as construções navais, a artilharia,o armazém geral, as construçõeshidráulicas e os prédios civisocupavam três mil destinadosà adiga2. Outros, que não eramrequisitados por essas cinco grandes

2 Fatigue, no original. Termomarinho. Reere-se ao trabalho dos  presidiarios ora da prisão, no porto demar.

seções, trabalhavam no porto, nalastração, no deslastre e reboquede navios, na limpeza e transportedas bóias, no desembarque demadeira para mastros e construção,etc.; outros ainda, se não estivessemdoentes, eram enermeiros, ajudantesde tareas especiais ou condenados

à corrente dupla por tentativa deuga.

Dava meio-dia e meia no relógiodo arsenal quando o Sr. Bernardon

se dirigiu para as baciasdas docas; o porto estavadeserto; os condenados, quecostumavam sair das salasao nascer do sol, haviamtrabalhado nas diversastareas até às onze e meia; osino os havia então chamadopara as respectivas prisões;cada um recebera um pãode novecentos e dezassetegramas, ou trezentosgramas de bolachas demarinheiro, e quarenta eoito centilitros de vinho.Os condenados à prisãoperpétua tinham sentadono banco, e o esbirro3 logoos havia acorrentado; os

outros presos podiam andarlivremente pela sala. Aoassobio do ajudante, elesse acocoraram em tornode gamelas que continhamuma sopa eita, todos os diasdo ano, de avas secas. Esseera o trivial, e os inelizes sótinham direito à ração devinho nos dias de trabalhomais pesado.

Retomavam as tareas à uma

hora e só largavam às oito da noite:eram então reconduzidos às prisõese deviam encontrar o sono no chãodas plataormas futuantes ou nasenxergas dos cárceres em terra,dispondo apenas de um pedaçogrosseiro de lã cinzenta paraenrentar o rio e a dureza do leito

3 Termo pejorativo para designar a polícia

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Setembro - Outubro 2007

A primeira carta conhecida de Jules Verne

Nantes, [Segunda-eira] 12 de Dezembro de 18421 

Minha querida mamã,

Soube pelo papá que estás bastante bem; é natural que agora estejas cansada. Gostaria muito de te ver, mas,minha querida mamã, não te incomodes em vir ver-me, é muito longe para ti.Espero com muita impaciência o momento em que te poderei dar amostras de ternura. Mas, por agora, só te

poderei dar por escrito, acredita, querida mamã [duas palavras ilegíveis] que os meus maiores desejos são paraa tua completa recuperação. Que outra coisa podia pedir um menino que tanta alta sente da sua mãe? Agoravou-te alar de mim e do meu irmão. O Paul está com gripe como o papá, que nos veio ver ontem, penso que já tedito. Não nos alta nada. Sobre mim, os sapatos que me mandaste não me cabem nos pés pois as palmilhas quelhe puseram az com que os sapatos quem muito apertados. Ainda não nos tinham dado lugar quando o papáesteve aqui ontem mas hoje deram-nos a classicação escolar e ui sétimo. Mamã, esqueci-me de pedir ao papáque me trouxesse um esquadro, peço-te que lho digas. Já agora que me mande também o livro “Adeus meu belobarco” para copiar pois o meu proessor desejaria tê-lo e perguntou-me se o tinha.

Adeus, minha querida mamã, quero-te e abraço-te com todo o meu coração e espero ver-te rapidamente sã.

Vou pedir a Deus.

Teu lho que te quer carinhosamente,Jules Verne

P.D. Saudações ao papá, às minhas irmãs, à minha tia e à criada que espero que cuide bem de ti. Soube, commuita alegria, que o tio já estava curado dos olhos2 .

1 A carta oi escrita logo após saber do parto da sua irmã Marie, em 4 de Dezembro de 1842. Jules era aluno em Saint-Donatien.2 Trata-se, sem dúvida, de Auguste Allotte de La Füye (1808-1876), tio pela parte da mãe de J.V. (nota de Piero Gondolodella Riva)

Esta carta oi a primeira que se sabe, escrita por Jules, aos 14 anos e está dirigida à sua mãe. Foi traduzidaespecialmente para esta primeira edição da revista. A epístola, que tem vários erros ortográcos, oipublicada no livro de Olivier Dumas, La vie et la œuvre de Jules Verne. A leitura das cartas originais doescritor contribui para um testemunho inestimável para todo o ã verniano. Além do maniesto interesseque pode ter para todos os admirados da obra genial do escritor, o conjunto desta correspondência

ormam um documento histórico, um refexo de uma época, o maniesto da vida de um estudante noséculo XIX

Tradução: Ariel Pérez