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MÚLTIPLAS EXPRESSÕES DA POBREZA Salviana de Maria Pastor Santos Sousa 1 Talita de Sousa Nascimento 2 Maria do Socorro Sousa de Araújo (Coordenadora) 3 Maria Eunice Ferreira D. Pereira 4 Rosângela Dias Oliveira da Paz 5 RESUMO: A Mesa Temática Coordenada intitulada MÚLTIPLAS EXPRESSÕES DA POBREZA apresenta discussão a partir de estudos realizados pelo Gaepp, no âmbito do Observatório Social e do Trabalho. Os textos expressam conteúdos que adotam como referência a pobreza em suas múltiplas expressões e seguirão a seguinte sequência: a questão da pobreza e as estratégias utilizadas para seu enfrentamento destacando-se a prevalência dada, nos últimos governos, aos Programas de Transferência de Renda no Brasil; Dados e reflexões sobre o IDHM do Brasil e Maranhão; expressões da pobreza e suas relações com (In)Segurança Alimentar; pobreza e segregação socioespacial; e por fim,a pobreza e as condições de vida da população nos centros urbanos e as respostas da política habitacional, em particular do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), desenvolvido pelo governo federal. 1 Doutora. Universidade Federal do Maranhão (UFMA). E-mail: [email protected] 2 Mestre. Grupo de Estudo e Avaliação da Pobreza e das Políticas Direcionadas à Pobreza (GAEPP/UFMA). E-mail: [email protected] 3 Doutora. Universidade Federal do Maranhão (UFMA). E-mail: [email protected] 4 Doutora. Universidade Federal do Maranhão (UFMA). E-mail: [email protected] 5 Doutora. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). E-mail: [email protected]

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MÚLTIPLAS EXPRESSÕES DA POBREZA

Salviana de Maria Pastor Santos Sousa1

Talita de Sousa Nascimento2

Maria do Socorro Sousa de Araújo (Coordenadora)3

Maria Eunice Ferreira D. Pereira4

Rosângela Dias Oliveira da Paz 5

RESUMO: A Mesa Temática Coordenada intitulada MÚLTIPLAS EXPRESSÕES DA

POBREZA apresenta discussão a partir de estudos realizados pelo Gaepp, no âmbito do

Observatório Social e do Trabalho. Os textos expressam conteúdos que adotam como

referência a pobreza em suas múltiplas expressões e seguirão a seguinte sequência: a

questão da pobreza e as estratégias utilizadas para seu enfrentamento destacando-se a

prevalência dada, nos últimos governos, aos Programas de Transferência de Renda no

Brasil; Dados e reflexões sobre o IDHM do Brasil e Maranhão; expressões da pobreza e

suas relações com (In)Segurança Alimentar; pobreza e segregação socioespacial; e por

fim,a pobreza e as condições de vida da população nos centros urbanos e as respostas da

política habitacional, em particular do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV),

desenvolvido pelo governo federal.

1 Doutora. Universidade Federal do Maranhão (UFMA). E-mail: [email protected]

2 Mestre. Grupo de Estudo e Avaliação da Pobreza e das Políticas Direcionadas à Pobreza (GAEPP/UFMA).

E-mail: [email protected] 3 Doutora. Universidade Federal do Maranhão (UFMA). E-mail: [email protected]

4 Doutora. Universidade Federal do Maranhão (UFMA). E-mail: [email protected]

5 Doutora. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). E-mail: [email protected]

A POBREZA ESTÁ DIMINUINDO NO MARANHÃO?: reflexões sobre a pobreza e sobre as

estratégias voltadas para o seu combate

Salviana de Maria Pastor Santos Sousa6

RESUMO: Parte da Mesa Temática Coordenada “MÚLTIPLAS

EXPRESSÕES DA POBREZA”, a ser apresentada na VII Joinpp.

Tratam-se de reflexões desenvolvidas sobre a pobreza e sobre as

estratégias voltadas para o seu combate, destacando a

particularidade do Maranhão. O fio condutor da análise é a

perspectiva de que as desigualdades de renda e de oportunidades,

contrapontos ao princípio de inclusão social que baliza as chamadas

democracias modernas, constituem-se em substrato da história

brasileira, determinando os níveis de pobreza e de sua reprodução.

Tomam-se como referência informações sistematizadas no Boletim

Periódico - Ano 2 (2013) - Nº 1 publicado pelo GAEPP

(http://www.gaepp.ufma.br/site/index.php/boletim-do-observatorio-

social-e-do-trabalho) que foi construído com base em dados do

Censo do IBGE 2010 e estimativas a partir da Pesquisa Nacional por

Amostra de Domicílios (PNAD) 2011.

Palavras-chave: Política Pública, Pobreza, Desigualdade Social.

ABSTRACT: Part of the Coordinated Thematic Table "MULTIPLE

EXPRESSIONS of POVERTY", to be presented at VII Joinpp. These

are reflections undertaken on poverty and on the combat strategies,

highlighting the peculiarity of Maranhão. The thread of the analysis is

the perspective that the inequalities of income and opportunities,

counterpoints to the principle of social inclusion that guides the called

modern democracies, constitute themselves the substrate of Brazilian

history, determining the levels of poverty and of its reproduction. Are

taken as a reference systemized information in the Periodic Bulletin-

Year 2 (2013)-No.1published by

GAEPP(http://www.gaepp.ufma.br/site/index.php/boletim-do-

observatorio-social-e-do-trabalho) which was built based on census

data of IBGE 2010 and estimative from the National Research by

Household sample (PNAD) 2011.

Keywords: Public Policy, Poverty, Social Inequality.

6 Doutora. Universidade Federal do Maranhão (UFMA). E-mail:[email protected].

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo é parte da Mesa Temática Coordenada Múltiplas Expressões

da Pobreza, a ser apresentada na VII Jornada Internacional de Políticas Pública (VII Joinpp),

coordenada pela Profa. Dra. Maria do Socorro Sousa de Araújo, cujo propósito é expor

resultados e reflexões balizados em estudos e pesquisas desenvolvidos pelo Grupo de

Avaliação e Estudos da Pobreza e das Políticas Direcionadas à Pobreza (GAEPP), no

âmbito do espaço constituído pelo Observatório Social e do Trabalho. Particularmente,

nesse texto, os dados sobre o Maranhão estão relacionados ao eixo da Pobreza e constam

do Boletim Periódico - Ano 2 - Nº 1 divulgado pelo Observatório no ano 20137. As reflexões

desenvolvidas que foram aprofundadas e atualizadas 8 tratam sobre a questão da pobreza e

sobre as políticas públicas utilizadas para o enfrentamento desse problema no Brasil, com

destaque ao estado do Maranhão.

As ponderações apresentadas nesse artigo tomam como ponto de partida a

perspectiva de que as desigualdades de renda e de oportunidades, contrapontos ao

princípio de inclusão social que baliza as chamadas democracias modernas, fazem parte da

história brasileira, determinando os níveis de pobreza e de sua reprodução. Desse modo,

com a reestruturação produtiva e tecnológica em curso, a partir dos anos 1990, e em face

da última crise sistêmica que se abateu sobre o capitalismo, em 2008, velhas e novas

manifestações da pobreza são identificáveis no país: desemprego, subemprego,

desorganização, violência urbana, insegurança social, deterioração de serviços públicos

essenciais, entre outras. Nesse cenário, o Maranhão é colocado em diferentes pesquisas

divulgadas (BRASIL/IBGE, 2010; 2014) como um dos estados mais desiguais da federação

e com maior percentual de pessoas em situação de pobreza.

Em resposta as essas refrações da questão social que colocam pobreza e

desigualdade social como fenômenos entrelaçados, as opções negociadas pelos últimos

governos brasileiros caminham na construção de duas estratégias centrais: incentivo ao

empreendedorismo e efetivação de um processo de assistencialização, este que se

7Conferir GAEPP/UFMA (http://www.gaepp.ufma.br/site/index. php/boletim-do-observatorio-social-e-do-trabalho/22-boletim-periodico-ano-1-n-2).

8 Os dados sobre o Maranhão foram atualizados com base em informações diversas, entre as quais as advindas do IBGE (BRASIL/IBGE, 2014).

materializa, particularmente, nos denominados Programas de Transferência de Renda

Condicionada (PTRC) 9.

Para desenvolver as demarcações apontadas, são cotejadas reflexões

desenvolvidas no âmbito do Gaepp sobre a questão da pobreza com os dados do Censo do

IBGE 2010 e estimativas a partir da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD)

2014, além de documentos específicos relativos à realidade do Maranhão. Em relação às

estratégias governamentais, são priorizados os PTRC que, além de serem objeto de várias

pesquisas desenvolvidas pelo Gaepp, a entrevista contemplada no Boletim que serve de

referência para elaboração do presente artigo, aborda essa estratégia de forma transversal.

2 POBREZA, DESIGUALDADES SOCIAIS E OS DESAFIOS DA PROTEÇÃO SOCIAL

2.1 Pobreza e desigualdades sociais: fenômenos entrelaçados

A pobreza é aqui entendida como situação social histórica e relativa. Histórica

porque é fenômeno presente em todas as sociedades conhecidas. Relativa, porquanto é

relacionada à quantidade da riqueza coletivamente produzida em formações sociais

concretas (bens, serviços, conhecimento) e com sua forma de repartição entre os partícipes

dessas sociedades. O modo desigual de apropriação da riqueza, associado à utilização de

mecanismos diversos e cada vez mais sofisticados determinam, assim, as diferenças entre

ricos e pobres, distinções, que são datadas e situadas.

As privações materiais e seus reflexos nas diferentes dimensões da vida

capazes de interferir na reprodução social dos trabalhadores e de suas famílias são os

elementos considerados nas formas mais comumente utilizadas pelos organismos que

investigam a situação da pobreza no mundo atual. Essa mensuração é feita com base nas

denominadas linhas de pobreza traduzidas em índices. Nesses estudos, em geral, há certo

consenso de que o mundo assiste a um aumento sistemático de pessoas sem condições de

acessar o imenso cabedal de recursos materiais e conhecimentos produzidos, sobretudo, a

partir do século XX.

Dados sistematizados pelo Programa Internacional de Estudos Comparativos

sobre a Pobreza CROP (2010), radicado na Universidade de Bergen, Noruega, com fulcro

em subsídios da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO),

Organização Mundial da Saúde (OMS), Fundo das Nações Unidas para a Infância

(UNICEF), Organização Internacional do Trabalho (OIT), A Organização das Nações Unidas

9 Conferir Viana (2008) e Sousa (2015).

para a Educação, a Ciência e a Cultura UNESCO, Programa das Nações Unidas para os

Assentamentos Humanos (ONU-HABITAT) espelham a extensão do drama mundial da

pobreza: mais de um bilhão de pessoas estão abaixo da denominada linha da pobreza; 1,02

milhões de pessoas passam fome; 2,5 bilhões não têm acesso ao saneamento básico; 2

bilhões não têm acesso a medicamentos essenciais; 924 milhões não possuem moradia

adequada; 884 milhões não têm acesso à água potável; 774 milhões de adultos são

analfabetos; 218 milhões de crianças trabalham para sobreviver; 1,6 bilhão de unidades

habitacionais não possuem eletricidade; cerca de 18 milhões morrem a cada ano por causas

relacionadas com a pobreza (SOUSA, 2013).

Por outro lado, estudo da ONG Oxford Committee for Famine Relief (Oxfam)

fundamentado em relatório do banco Credit Suisse sobre a riqueza mundial, divulgado em

outubro 2014, demonstra que o 1% dos ricos (pessoas com bens de 800 mil dólares no

mínimo, concentradas, sobretudo na Europa e Estados Unidos) apodera-se de 48,2% da

riqueza mundial, enquanto os outros 99% detêm 51,8%. Mais instigante, ainda, é que, entre

os 99%, quase toda a riqueza (94,5%) é apoderada pelos 20% mais ricos desse grupo,

enquanto o restante capta apenas 5,5%10 (OXFAM, 2014).

A Oxfam aponta também que a riqueza do 1% é derivada de atividades em

poucos setores: finanças, seguros, serviços médicos e indústria farmacêutica (as duas

últimas em crescimento a partir de 2013). Um ponto destacado nesse estudo é que as

organizações mais ricas do mundo utilizam seu aporte financeiro para influenciar os

governos nacionais, por meio de lobbies, para beneficiar seus setores, o que redunda em

círculo vicioso de aumento da riqueza de uns e da pobreza de muitos.

Ao mesmo tempo em que se verifica esse processo de concentração da riqueza

no mundo e o aumento consequente da pobreza, o potencial de antagonismo e conflito que

essa desigualdade social gera, continua instigando vários pactos internacionais

estabelecidos desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, até a

Declaração do Milênio, aprovada em 2001, em Nova Iorque. Este expressa as

preocupações de 147 Chefes de Estado e de Governo e de 191 países com as

consequências da pobreza, razão pela qual, entre os propósitos definidos nesse documento

destaca-se a redução, pela metade, da percentagem de pessoas que vivem na pobreza

extrema.

10

A Oxfam International é uma confederação de 13 organizações e mais de 3000 parceiros, que atua em mais de 100 países na busca de soluções para o problema da pobreza e da injustiça, através de campanhas, programas de desenvolvimento e ações emergenciais.

No Brasil, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2010), apresenta

dados indicativos de que, embora tenha havido um redução dos níveis de pobreza no país,

conserva-se uma tendência de repartição desigual da riqueza, reiterando nossas históricas

desigualdades regionais e inter-regionais. Desse modo, enquanto a taxa de pobreza

absoluta caiu 33,6% entre 1995 e 2008 em todo o País, a redução foi de apenas 12,7% na

região Centro-Oeste. A queda da taxa de pobreza extrema, cuja média nacional caiu 49,8%

no período, foi reduzida em apenas 22,8% na Região Norte. Já a Região Sul teve resultados

bem acima da média nacional nos dois casos: queda de 47,1% da pobreza absoluta e

59,6% da extrema (BRASIL/IPEA, 2010; SOUSA; PEREIRA, 2012) 11.

Colin (2013) ressalta a concentração regional da população pobre nas regiões

Nordeste e Norte. Afirma também sua incidência na zona rural já embora “[...] apenas 15%

dos brasileiros estivessem na zona rural, um quarto da população em extrema pobreza vivia

no campo.” E destaca essa situação aguda entre famílias indígenas– quatro em cada dez

são extremamente pobres.

Esses processos de pobreza e desigualdade se reproduzem em contexto

histórico marcado, de um lado, pelo fetiche da mercadoria, materializado no encanto do

onipresente mercado colorido de consumo, de outro pelo bloqueio de oportunidades

adequadas para uma grande parte da PEA, reavivando velhas mazelas, como trabalhos

similares à escravidão, reinvenção de estratégias de sobrevivência com lastro na economia

informal, permanência do trabalho infantil, entre outras, muitas atravessadas por práticas

enviesadas eivadas pela violência, o outro suporte dessa nova configuração da pobreza12.

Nesse caso, desconhecendo, muitas vezes, as mediações da ordem jurídica definidas pela

ordem liberal, os interesses das classes dominantes passam a ser afiançados através da

ação do estado policial.

11

De acordo com o texto, a redução dos índices de pobreza no país não pode ser relacionada apenas ao nível de crescimento econômico. Nesse sentido, a região Centro-Oeste, onde se verificou a menor taxa na proporção de pessoas com renda per capita inferior a meio salário mínimo (estado de pobreza absoluta), registrou, ao mesmo tempo, a melhor média do País em termos de expansão do Produto Interno Bruto (PIB) por habitante, ou seja, uma média de crescimento anual de 5,3%. Já a região Sul apresentou, em termos proporcionais, o maior nível de redução da pobreza, embora tenha sido a que teve o menor ritmo anual de crescimento do PIB por habitante, uma média de 2,3% anual. Desse modo, o IPEA conclui sugerindo que as medidas de enfrentamento ou de redução da pobreza devem ser resultantes de uma combinação entre desenvolvimento e crescimento econômico com a estruturação de políticas públicas específicas e direcionadas para o combate à pobreza.

12

Conferir discussão aprofundada sobre esse tema em Telles (2007; 2001).

Segundo Jaccoud (2009, p. 8), a pobreza e a desigualdade no Brasil questionam

a capacidade de o sistema econômico transformar trabalho em bem-estar e a incapacidade

de garantir “[...] o fim da precariedade de vida em uma sociedade em constante produção da

riqueza.”

Frente à nova configuração societária que se materializa com as crises

sistêmicas do capitalismo e com a adesão do país aos preceitos neodesenvolvimentista,

para tentar responder a esses questionamentos, os governos recentes incorporaram a

proposta de organismos financeiros internacionais que defendem para a América Latina e

Caribe nova geração de políticas sociais de luta contra pobreza e à miséria centradas na

transferência condicionada de renda. No Brasil, o maior deles em termos de abrangência

populacional é o Programa Bolsa Família (PBF).

Esses programas acolhem a concepção multidimensional de pobreza na qual

devem ser consideradas diferentes dimensões da vida que interferem na reprodução social

dos trabalhadores e de suas famílias, como a dimensão cultural e a relacional. Também são

balizados em condicionalidades que são contrapartidas exigidas das famílias a serem

beneficiadas com os recursos transferidos, mas que também demandam responsabilidades

por parte dos governos, entre as quais, a garantia de serviços complementares nas áreas de

saúde, educação e assistência social.

O PBF é uma estratégia governamental carregada de controvérsias que se

centram, sobretudo, em torno da sua pertinência, da capacidade de reduzir a pobreza, das

condicionalidades criadas e dos seus pretendidos impactos na educação e na saúde dos

beneficiários.

Mesmo considerando que os próprios programas incluem a busca ativa como

uma das estratégias relevantes13. É importante lembrar outro ponto destacado por Telles

(2007), quando trata do processo gestionário das políticas públicas e que pode ser

incorporado na composição desse quadro de tensões do PBF: sua limitação em termos

localização dos mais pobres. A autora recorda que, além dos reconhecidos pelos cadastros

governamentais como destituídos de condições materiais de existência, há grande

quantidade de invisíveis e, portanto, tendencialmente desconsiderados nesses programas.

Entre estes, cita exemplos como os explorados em trabalho desenvolvidos em domicílio

reavivado por redes nacionais e internacionais de subcontratação e os que vivem do

trabalho autônomo que sustenta o comércio clandestino de produtos lícitos e ilícitos.

13

Segundo Denise Colin (2013), entrevistada na edição do Boletim considerado no presente artigo, a estratégia de busca ativa permitiu encontrar 800 mil famílias extremamente pobres, já incluídas no Bolsa Família em 2013.

2.2 A questão da pobreza no Maranhão

De acordo com o IPEA (2010), o Maranhão esteve, nos últimos anos, entre os

estados com os mais altos índices de pobreza no país. De tal modo, em 1995 compunha o

universo dos mais pobres (53,1%), ao lado do Piauí (46,8%) e do Ceará (43,7%). Depois de

treze anos, ostentando 27,2% de pessoas em estado de pobreza, permanecia no grupo dos

mais pobres, junto a Alagoas (32,3%) e Piauí (26,1%).

Algumas causas estruturais podem explicar essa posição negativa do Maranhão

no contexto nacional. Feitosa (1994, p. 227) se refere ao fato de que esse estado que se

conservava deslocado no cenário internacional, desde o fim do século XIX, em relação ao

processo de das trocas de mercadorias, a partir de 1950 começa a estabelecer articulação

ativa com o centro capitalista através do extrativismo de amêndoas do babaçu. Também a

expandir pequena produção do arroz e tornando-se, nas décadas seguintes, até os anos

1980, um dos grandes produtores nacionais desse grão14.

Essa posição promissora do estado começa a se inverter, de um lado, com a

apropriação das terras maranhenses por grupos do centro sul do país e a

consequentemente expulsão trabalhador rural de suas terras. De outro lado, com a

desconstrução do sistema Embrater que era responsável pelo financiamento da assistência

técnica e extensão rural no país, o que gerou a decadência da produção agrícola familiar no

estado. Esses dois fatos acentuaram processo de migração do campo para as cidades,

particularmente, para a capital, São Luís. Desse modo, entre 1991 e 2010 a taxa de

urbanização se acentuou de modo que a população rural maranhense que era de 68,4% em

1980 passa a ser de apenas 36,9% nos anos 201015.

Quadro 1 - Distribuição percentual da população do Maranhão nos Censos

Demográficos de 1960 a 2010, considerando a situação do domicílio

População 1960 1970 1980 1991 2000 2010

Urbana 18,0 25,4 31,6 40,0 59,5 63,1

Rural 82,0 74,6 68,4 60,0 40,5 36,9 Fonte: Construção própria com base em dados do Censo Demográfico do IBGE (2010).

O inchaço das cidades e a carência de postos de trabalhos e serviços públicos

capazes de atender a demanda que passou a fluir, particularmente, para a capital do estado,

14

Sobre o tema, conferir também Sousa (2004). 15

Conferir sobre o tema em Sousa (1996).

resultaram na situação de pobreza e desigualdades sociais visíveis. Nesse sentido, embora

dados atuais disponíveis sobre a situação do Maranhão deem conta de que vem se

verificando uma redução do número absoluta de pobres nesse estado, a indagação que

orientou o Boletim que serve de baliza para a elaboração do presente artigo foi: a pobreza

está diminuindo no Maranhão?

As reflexões que se seguem baseadas na análise dos mesmos dados disponíveis

indica que, se considerarmos apenas a renda como indicador de aferição da pobreza, é

possível falar, em princípio, de redução, uma vez que em 2000, 34,8% dos domicílios desse

Estado tinham um renda mensal inferior a ¼ do salário-mínimo e em 2010 esse percentual

caiu para 22,0%. Também, no ano 2000, 60,1% dos domicílios tinham renda de até 1\2

salário-mínimo e em 2010 eram 35,5% com esse ganho.

Por outro lado, o Censo 2010 revelou que no Maranhão há 1,7 milhão de

pessoas com renda mensal de até R$ 70,00 (25,8% da população)16. É o Estado brasileiro

com maior percentual de pessoas nessa condição (IBGE, 2011). E a PNAD reforça esses

dados quando conclui que em 2014, tomando como referência os indicadores de renda e

educação ainda há, por exemplo, 11% de pessoas de 25 anos ou mais de idade, residentes

em domicílios particulares, sem instrução e fundamental incompleto e 14% de pessoas de

10 anos ou mais de idade ainda percebem rendimento nominal mensal de até 1/4 de salário-

mínimo.

Dados dessa natureza são indicativos que a pobreza se expressa no setor

urbano, mediante demanda insatisfeita por trabalho, habitação e por serviços essenciais

(saúde, educação, saneamento básico etc.). No setor rural, essas mesmas demandas são

reforçadas por uma luta histórica pela posse da terra e pela ausência de incentivo às

atividades desempenhadas pelos pequenos produtores do setor agropecuário.

Os dados revelam ainda que as transferências de renda advindas de programas

federais foram o grande suporte para essa população empobrecida. Assim, em se

apreciando a relação crescimento/ano, é possível identificar que enquanto o total de

rendimentos cresceu à taxa média real de 13,9% e o rendimento do trabalho cresceu 13,0%,

as transferências cresceram 18,0%, em média.

Pela análise desses indicadores, portanto, é possível identificar a relevância da

estratégia governamental abraçada nas últimas décadas no país, particularmente o PBF,

cujo objetivo é a implementação de políticas socais compensatórias focalizadas na pobreza,

particularmente, nos extremamente pobres (SOUSA, 2014).

16

População residente em domicílios particulares permanentes.

A Tabela 1 revela a quantidade de domicílios atendidos no Maranhão pelas ações dos

Programas de Transferência de Renda do Governo Federal.

Tabela 1 - População extremamente pobre, famílias cadastradas pela Busca Ativa e

benefícios componentes do Programa Bolsa Família no Maranhão - 2013

Dados gerais População Extremamente Pobre (Censo 2010) 1.691.183

Busca AtivaBusca Ativa - famílias extremamente pobres cadastradas e recebendo

PBF (jun/11 à nov/12)35.539

Famílias atendidas (jan/13) 948.249

Expansão em famílias (jan/13 em relação a jun/11) 45.316

Aumento do limite de Benefícios Variáveis (set/11, novos benefícios) 111.775

Benefício Variável Gestante - BVG (dez/12) 10.693

Benefício Variável Nutriz - BVN (dez/12) 13.644

Benefício para Superação da Ext. Pobreza na Primeira Infância - BSP

(dez/12)343.228

Programa

Bolsa Família

(PBF)

Fonte: Brasil. Ministério do Desenvolvimento e Combate à Fome. Matriz de informações sociais.

Disponível em:<http://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/FerramentasSAGI_menu/internet. php. Acesso em 23 de abril de 2013.

É importante destacar que, mais recentemente, o Governo do Maranhão, com

base em diagnóstico sobre a realidade estadual, vem divulgando a construção de novas

estratégias para combater a pobreza no Estado. Segundo recente entrevista concedida pelo

dirigente máximo, disponível na página do Gaepp (http://www.gaepp.ufma.br/site), o Plano

de Ações Mais IDH materializaria essa nova opção governamental. O referido Plano propõe

congregar treze iniciativas de diversas secretarias estaduais com vista a promover o

desenvolvimento territorial dos trinta municípios e regiões com os menores indicadores

sociais. A perspectiva subjacente é que a riqueza produzida se traduza em melhorias das

condições de vida da maioria da população. Seria assim um contraponto às opções de “[...]

administrações que apostaram em uma economia de enclave, defendendo que poucos

grandes projetos seriam a redenção para o Maranhão.” (DINO, 2015).

3 CONCLUSÃO

As reflexões desenvolvidas nesse texto resultaram de trabalho coletivo

produzido no contexto do Gaepp. Articulam pobreza e desigualdade como dois polos da

realidade mundial e brasileira que se têm imposto no debate público, no contexto das lutas

sociais e no plano da intervenção governamental.

No caso brasileiro, a coexistência da pobreza e da desigualdade social traz à

tona, como questionamento central, as alternativas coletivas construídas, mas, sobretudo, a

pertinência e a capacidade das estratégias governamentais edificadas para combater esses

dois males, no contexto de uma ordem jurídica que se funda, justamente, no estatuto da

igualdade. Coloca em xeque, portanto, o próprio Sistema de Proteção Social construído no

país.

Em relação ao Maranhão, que no texto é apresentado, com base em dados,

como um estado pobre e com alto índice de desigualdade social, verifica-se que houve, nos

últimos anos, queda do índice de desigualdade domiciliar de renda e aumento do número de

pessoas com ganhos per capita superiores à chamada linha de pobreza, mas que esse

incremento se deu, sobretudo, pela via de transferência de recursos federais, no contexto de

Programas de Transferência de Renda, como o Bolsa Família.

Trata-se de estratégia relevante porque contribui para atenuar os efeitos mais

urgentes e danosos desses males que incidem sobre as populações ditas vulneráveis. Por

outro lado, em razão do pequeno valor das parcelas repassadas e da incapacidade

governamental de substantivar as condições estruturais relacionadas às condicionalidades

nas áreas da educação e da saúde, os recursos não são suficientes para enfrentar a

pobreza nas suas diferentes refrações, apenas dão conta de inclusão imediata dos

beneficiários no mercado de consumo. Não são, portanto, capazes de alterar as formas de

reprodução social em condições mais adequadas de vida, sobretudo, considerando a

expressiva precariedade do mercado de trabalho e a fragilidade do tecido associativo de

base. Muito menos, de reverter, de fato, a situação de desigualdade social presente.

REFERÊNCIAS

BORÓN, Atílio. Saiba o que é o capitalismo (artigo publicado no website: http://www.atilioboron.com/. Traduzido por Gabriel Brito). Disponível em http://www.correiocidadania.com.br/index2.php?option=com_content&do_pdf=1&id=4635. Acesso em 10 de maio de 2015. BRASIL. IBGE. Brasil em síntese (estados, cidades). Disponível em www.ibge.gov.br. Acesso em 29/10/2010. ________. Perfil dos municípios brasileiros. Disponível em http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/perfilmunic/2013/, acessado em 29/10/2014.

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IDHM DO MARANHÃO E DE SEUS MUNICÍPIOS

Talita de Sousa Nascimento1

RESUMO: Dados e reflexões sobre o IDH-M do Maranhão e de

seus municípios divulgados no Atlas do Desenvolvimento

Humano 2013. É perceptível que o Estado e seus municipios

vêm melhorando, sistematicamente, em todas as dimensões do

IDH-M ao longo dessas três décadas, com destaque para a

última. A dimensão com maiores avanços foi a Educação,

enquanto a renda continua sendo a principal responsável de a

maioria dos municípios não ultrapassarem a faixa e Baixo

Desenvolvimento Humano.

Palavras-chave: Maranhão, Desenvolvimento Humano,

pobreza.

ABSTRACT: data and reflections on the HDI of the Mara-

munion and its municipalities disclosed in Atlas Human Devel-

opment 2013. It is noticeable that the state and its

municipalities have improved systematically in all dimensions of

the HDI over these three Deca-of, especially the last. The

dimension with May-res advances was Educational, while the

income remains the main cause of most municipalities do not

exceed the range and Low Hu-mano Development.

Keywords: Maranhão, Human Development, Poverty

1 Mestre. Grupo de Estudo e Avaliação da Pobreza e das Políticas Direcionadas à Pobreza (GAEPP/UFMA).

E-mail: [email protected]

1 INTRODUÇÃO

É comum encontrar o Estado do Maranhão e muitos de seus municípios nas

últimas colocações das estatistas nacionais seja nos indicadores econômicos ou sociais. No

geral, são municípios de pequeno porte, com população predominantemente rural, de

criação recente e com economias dependentes e pouco diversificadas. Essa recorrente

colocação do Maranhão nas piores colocações das estatísticas nacionais expressa a

situação de pobreza e extrema pobreza que se reproduz no Estado e coloca em cheque a

incapacidade dos Governos, que vigoraram até então, de superar essa condição de extrema

precariedade.

Em termos de renda, os dados do Censo 2010 revelaram que no Maranhão 1,7

milhões de pessoas têm renda familiar per capita mensal de até R$ 70,02 (25,8% da

população). (IBGE, 2012). O Maranhão é o único Estado onde existem 18 municípios com

percentual de extremamente pobres superior ou igual a 50,0% de seus habitantes, os

demais Estados possuem, no máximo, 3 municípios nesse ranking. Destaca-se o município

de Marajá do Sena, que ganhou destaque na mídia nacional e internacional por registrar o

maior percentual de extremamente pobres do Brasil (66,7%).

No que se refere à economia, no Maranhão vigoram as rendas per capita mais

baixas do Brasil. De 2002 a 2012, o PIB per capita do Maranhão permaneceu no 26º lugar

no ranking por Unidade da Federação, com exceção do ano de 2010, em que foi para 27ª

posição (IMESC, 2014). Os municípios maranhenses são marcados, também, por uma alta

dependência das transferências federais que representa, em média, 80,0% das receitas

municipais, mas, chega a ultrapassar 90,0% em alguns municípios.

Tratando-se de indicadores sociais, o Maranhão também destaca-se,

negativamente. No Índice de Desenvolvimento Humano Municipal – IDHM do ano de 2010,

o Maranhão manteve-se como o 2º Estado com menor IDHM e passou a ser o Estado com

maior representação no ranking dos 100 municípios brasileiros com menor IDH, com 20

municípios, com destaque para Fernando Falcão, que é o segundo município com menor

IDHM do Brasil.

O presente trabalho tem como objetivo realizar uma análise Retratos da Pobreza

2 Em 2014, a linha da pobreza passou para o valor R$ 77,00, devido atualização monetária.

do Maranhão e dos seus municípios, a partir do IDHM. Essa análise foi baseada em uma

das edições do Boletim do Observatório Social e do Trabalho3, uma publicação do Grupo de

Avaliação e Estudo da Pobreza e de Políticas Direcionadas à Pobreza (GAEPP)4.

2 IDH-M: concepção e resultados

Inexiste uma única forma de se caracterizar o fenômeno da pobreza. Ela pode

ser analisada sob várias perspectivas teóricas ou abordagens encontradas na literatura

sobre essa temática. As diversas abordagens decorrem de diferentes perspectivas teóricas

e de formulações desenvolvidas por grupos sociais, a partir de dados das realidades

prevalecentes em determinados contextos históricos. Como afirma Silva (2002, p. 74, grifo

do autor):

[...] não se pode falar de solidez e estabilidade do conceito de pobreza no tempo e no espaço, sendo ilusório pensar numa definição “científica”, objetiva e universal. O que se identifica, na literatura, são conceitos desenvolvidos por grupos sociais a partir de uma dada concepção sobre a realidade social, o que significa que o conhecimento da pobreza só existe através de representações dominantes e contraditórias em confronto, numa dada sociedade, num determinado momento histórico.

3 O Boletim do Observatório Social e do Trabalho é uma publicação bimensal do Grupo de Avaliação e Estudo da Pobreza e de Políticas Direcionadas à Pobreza (GAEPP) da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), cujo objetivo é divulgar estudos sintéticos sobre a estrutura e dinâmica do mercado de trabalho e sobre a situação de pobreza no Maranhão. (GAEPP, 2015). O Presente trabalho tem por base o Boletim ano 2, número 3 do ano de 2013, que trouxe como tema “Sobre o IDHM do Maranhão e de seus Municípios”. Essa edição do Boletim foi elaborado pela seguinte equipe: Profa. Dra. Salviana de Maria Pastor Santos Sousa (Pesquisadora do GAEPP), Profa. Dra. Maria do Socorro Sousa de Araújo (Pesquisadora do GAEPP), Mestre Talita de Sousa Nascimento (Pesquisadora do GAEPP) e Mestre Dionatan Silva Carvalho (Economista do IMESC).

4 O GAEPP foi fundado em 1996. É um Grupo interdisciplinar que congrega professores de diversos Departamentos Acadêmicos e alunos de graduação e de pós-graduação da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). É vinculado ao Departamento de Serviço Social, articulado ao Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas e integra o Diretório Nacional de Grupos de Pesquisa organizado pelo CNPq. Desenvolve atividades de pesquisa, de consultoria, assessoria e capacitação de recursos humanos, privilegiando as seguintes temáticas: pobreza, trabalho e políticas sociais, centrando-se na análise e avaliação de Políticas Públicas. São, portanto, temas relevantes para estudos do GAEPP: pobreza e políticas públicas direcionadas à pobreza; trabalho e políticas de geração de emprego e renda; programas de transferência de renda; políticas sociais, com especial ênfase à política de assistência social e metodologia de análise e avaliação de políticas públicas (GAEPP, 2015).

Em consonância com esse pensamento, Dedeca (2012, p. 17) fala que a

situação de pobreza não apresenta um caráter absoluto, pelo contrário, é dinâmica, uma vez

que a sua identificação está estreitamente relacionada com o nível de desenvolvimento

socioeconômico e com os valores coletivos morais e éticos, eleitos pela sociedade.

2.1 Pobreza Multidimensional e o IDH-M

Na contemporaneidade, o maior representante da Abordagem multidimensional

da Pobreza é o economista indiano Amartya Sen, ganhador do prêmio Nobel de economia

em 1998. Ela baseia-se na concepção de Justiça de John Rawls (1981), que é uma das

mais importantes teorias contemporâneas de justiça, cujo princípio basilar é “[...] a prioridade

da liberdade formal.” Todavia, a abordagem de Sen mostra avanços em relação à Teoria

Liberal: Sen procura demonstrar que, para muitas finalidades avaliativas, o espaço

apropriado não é o das liberdades formais, mas o das liberdades substantivas5 (SEN, 2000,

p. 94). Essa maneira de apreender a pobreza leva em conta a liberdade, “[...] vista sob a

forma de capacidades individuais para fazer coisas que uma pessoa com razão valoriza.”

(SEN, 2000, p.74).

Com a abordagem da pobreza como privação de capacidades, desenvolvida

pelo economista indiano Amartya Sen (2000), passou-se a desenvolver uma série de

indicadores multidimensionais para melhor explicar o fenômeno da pobreza.

O IDH, formulado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento -

PNUD desde 1990, é o índice multidimensional mais conhecido internacionalmente. O

objetivo de sua formulação foi oferecer um contraponto a outro indicador bastante utilizado

até então, o Produto Interno Bruto - PIB, que leva em consideração somente a dimensão

econômica do desenvolvimento. Criado por Mahbub ul Haq com a colaboração de Amartya

Sen, a finalidade do IDH é apresentar-se como uma medida geral, sintética, do

5 Liberdade Formal: direitos individuais, ou seja, liberdade que cada um tem de não ser tolhido no exercício de suas faculdades ou de seus direitos, exceto nos casos em que a lei determina. São liberdades sociais básicas, cujo gozo o cidadão tem o direito de ver assegurado por tribunais ou órgãos administrativos. Liberdade Substantiva: incluem, entre outras, capacidades elementares como estar livre da fome crônica, da subnutrição, da morbidez evitável e da morte prematura, bem como as liberdades associadas, como saber ler, escrever e contar, ter participação política, liberdade de expressão, entre outros (SEN, 2000).

desenvolvimento humano (PNUD, 2010). O IDH considera três componentes na sua

elaboração: renda, longevidade e educação6:

Além de computar o PIB per capita, depois de corrigi-lo pelo poder de compra da moeda de cada país, o IDH também leva em conta dois outros componentes: a longevidade e a educação. Para aferir a longevidade, o indicador utiliza números de expectativa de vida ao nascer. O item educação é avaliado pelo índice de analfabetismo e pela taxa de matrícula em todos os níveis de ensino. A renda é mensurada pelo PIB per capita, em dólar PPC (paridade do poder de compra, que elimina as diferenças de custo de vida entre os países). Estas três dimensões têm a mesma importância no índice, que varia de zero a um. (PNUD, 2010).

O IDH é calculado anualmente e desde o ano de 2010 sua série histórica é

recalculada, devido à entrada e saída de países para os quais o Índice é calculado e às

adaptações metodológicas (PNUD, 2015).

No Brasil, o IDH inspirou o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal - IDH-

M. O IDH-M é um ajuste metodológico ao IDH Global, elaborado a partir de uma parceria do

PNUD com o IPEA e a FJP. O IDH-M foi publicado a primeira vez em 1998 (a partir dos

dados do Censo de 1970, 1980, 1991) e, em seguida, em 2003 (a partir dos dados do

Censo de 2000). O Índice pode ser consultado nas respectivas edições do Atlas do

Desenvolvimento Humano do Brasil, que compreende um banco de dados eletrônico com

informações socioeconômicas sobre todos os municípios e estados do país e Distrito

Federal (PNUD, 2015).

O IDHM é formado por três dimensões: Renda, Longevidade e Educação. O IDH

Renda e o IDH Longevidade possuem um indicador cada (renda per capita e esperança de

vida ao nascer, respectivamente), o IDH Educação possui dois subíndices: escolaridade

(que mede o percentual de pessoas de 18 anos ou mais de idade com ensino fundamental

completo) e frequência escolar (que mede o percentual de crianças de 5 a 6 anos de idade

6 O Relatório de Desenvolvimento Humano de 2010 trouxe uma mudança no cálculo do IDH. Em virtude disso não se pode comparar o novo IDH com aqueles divulgados em relatórios anteriores. O índice manteve suas características principais — varia de 0 a 1 (quanto mais próximo de 1, maior o nível de desenvolvimento humano) e engloba três aspectos essenciais do desenvolvimento humano: conhecimento, saúde e padrão de vida digno. Dos três subíndices que compõem o IDH, apenas o de longevidade não passou por alterações: continua sendo medido pela expectativa de vida ao nascer. No subíndice de renda, o PIB (Produto Interno Bruto) per capita foi substituído pela Renda Nacional Bruta (RNB) per capita, que contabiliza a renda conquistada pelos residentes de um país, incluindo fluxos internacionais, como remessas vindas do exterior e ajuda internacional, e excluindo a renda gerada no país, mas repatriada ao exterior. No subíndice de educação, houve mudanças nos dois indicadores. Sai a taxa de analfabetismo, entra a média de anos de estudo da população adulta; para averiguar as condições da população em idade escolar, em vez da taxa bruta de matrícula passa a ser usado o número esperado de anos de estudos (PNUD, 2010).

na escola, o percentual de adolescentes de 11 a 13 anos nos anos finais do ensino

fundamental ou com fundamental completo e o percentual de adolescentes de 15 a 17 anos

com o ensino fundamental completo).

2.2 IDH-M: principais resultados

A versão mais recente do Atlas foi lançada em julho de 2013. O estado do

Maranhão e os seus municípios se destacaram, mais uma vez, por seus precários

indicadores. Nos três anos, para os quais o IDHM foi calculado, o Maranhão ocupou as

últimas colocações (27º em 1991, 26º em 2000 e 2010), só ficou na frente de Alagoas, nos

anos 2000 e 2010. Todavia, ao analisar o Estado, de acordo com as faixas de

desenvolvimento7 estabelecidas pelo PNUD, o Maranhão apresenta uma melhora na última

década, sai da faixa de Muito Baixo Desenvolvimento Humano em 1991 e 2000, para a faixa

de Médio Desenvolvimento Humano em 2010. A dimensão que mais contribuiu para essa

melhoria foi a educação. O IDHM Educação do Maranhão saiu da 25º colocação em 2000 e

passou para 19º em 2010.

O Gráfico 1 mostra o IDHM e suas três dimensões para o Maranhão, nos anos

de 1991, 2000 e 2010. É perceptível que o estado vem melhorando, sistematicamente, em

todas as dimensões, ao longo dessas três décadas, com destaque para a última década.

Gráfico 1 - IDHM e suas dimensões para o estado do Maranhão - 1991, 2000 e 2010

7 As faixas do IDHM são: Muito Baixo Desenvolvimento Humano (0,00 a 0,499), Baixo Desenvolvimento Humano (0,500 a 0,599), Médio Desenvolvimento Humano (0,600 a 0,699), Alto Desenvolvimento Humano (0,700 a 0,799) e Muito Alto Desenvolvimento Humano (0,800 a 1,00).

Fonte: SOUSA, S. M. P. S. et al. Sobre o IDHM do Maranhão e de seus Municípios. Boletim do Observatório Social e do Trabalho, São Luís, ano 2, n. 3, 2013.

No que se refere ao desempenho dos municípios maranhenses, verifica-se que,

apesar de ainda se encontrarem em um nível baixo, eles apresentaram uma significativa

melhora no período de 1991 a 2010, com destaque para a última década. Em 1991, um

total de 215 municípios se encontravam na faixa de Desenvolvimento Humano Muito Baixo,

e 2 municípios na faixa de Baixo Desenvolvimento Humano. No país como um todo, a

situação não era diferente, pois 85,8% dos municípios encontravam-se na faixa de

Desenvolvimento Muito Baixo. Em 2000, a classificação dos municípios maranhenses pouco

mudou: 209 estavam classificados em Muito Baixo Desenvolvimento Humano, 6 em Baixo

Desenvolvimento e 2 em Médio Desenvolvimento Humano. No Brasil, por sua vez, houve

uma mudança maior, pois o percentual de municípios classificados em Desenvolvimento

Muito Baixo caiu para 41,9% e os percentuais nas faixas de Baixo e Médio Desenvolvimento

Humano subiram para 29,7% e 26,1%, respectivamente, e, 133 municípios (2,4%) passaram

para a faixa de Alto Desenvolvimento Humano sendo que um subiu para a faixa de Muito

Alto Desenvolvimento. No ano de 2010, os avanços foram expressivos: no Maranhão, o

número de municípios com índice muito baixo se reduziram para 4, com índice baixo

subiram para 154, com índice médio subiram para 51 e, 4 municípios passaram a ser

classificados na faixa de alto desenvolvimento (São Luís, Imperatriz, Paço do Lumiar e São

José de Ribamar); em todo o país, os resultados foram ainda mais significativos, sendo que

os percentuais de municípios com índices muito baixo e baixo reduziram-se para 0,6% e

24,6, respectivamente; os de médio e alto desenvolvimento subiram para 40,1% e 33,9%,

respectivamente; e, 44 municípios (0,8%) passaram a ser classificados na faixa de Alto

Desenvolvimento Humano, conforme pode ser constatado a seguir:

Gráfico 2 - Distribuição dos municípios do Maranhão de acordo com as faixas de

Desenvolvimento Humano Municipal – 1991, 2000 e 2010

eixo 1991 2000 2010 1991 2000 2010 1991 2000 2010 1991 2000 2010

Legenda:

IDH

M_R

IDH

M_E

IDH

M_L

IDH

M0%

25%

50%

75%

100%

Muito baixo (0,000 até 0,499)

Baixo (0,500 até 0,599)

Médio (0,600 até 0,699)

Al to (0,700 até 0,799)

Muito a lto (acima de 0,800)

Fonte: Sousa e outros (2013).

Quanto às dimensões saúde, educação e renda, no âmbito municipal, observa-

se ainda no Gráfico 2 que a longevidade é a dimensão que possui os mais elevados

índices, na qual 149 municípios estão nas faixas de alto e muito alto desenvolvimento e, os

demais estão na faixa de médio desenvolvimento. Essa dimensão registrou uma intensa

melhora em todos os municípios do país, sendo que o Maranhão é um dos poucos estados

com municípios com Médio Desenvolvimento (a maioria dos municípios do país está com

Alto ou Muito Alto desenvolvimento). Entretanto, ao comparar os índices dos municípios em

2000 com os obtidos em 2010, percebe-se que a dimensão educação foi a que apresentou o

maior desempenho na década, sendo a responsável pela variação positiva nos Índices

municipais. A despeito disso, a educação é a dimensão que apresenta a maior dispersão

(diferença entre os melhores e piores municípios) e os menores índices em todos os anos.

(Gráfico 3). O Maranhão destaca-se, positivamente, nessa dimensão, no cenário nacional,

com os municípios de São Luís e Paço do Lumiar ocupando a 12ª e a 13ª posições no

ranking nacional no subíndice escolaridade.

Em relação à Educação, houve mudanças que indicam melhor desempenho

nesse campo, embora a explicação para tais mudanças careçam de maiores estudos e

pesquisas que especifiquem o como e o porquê dessa realidade nos municípios

maranhenses, considerando as particularidades das políticas educacionais, a premissa da

intersetorialidade entre as políticas públicas de corte social e os possíveis rebatimentos no

fluxo de matrícula dos alunos e alunas; inclusive, os possíveis efeitos das condicionalidades

relativas à educação por parte dos programas de transferência de rende desenvolvidos no

país

Sobre o Gráfico 3, vale ainda destacar que, na dimensão renda, houve

municípios cujo índice de 2010 foi menor que o de 2000 (Anapurus, Marajá do Sena e Itinga

do Maranhão). Ainda se tratando da renda, a maioria dos municípios do Maranhão ocupa as

piores posições no ranking nacional. Dentre os 30 municípios com renda per capita mais

baixas, 21 são maranhenses. Marajá do Sena, Belágua, Fernando Falcão e Cachoeira

Grande ocupam as quatro primeiras posições no ranking nacional, nessa ordem.

Gráfico 3 - Diagrama de dispersão do IDHM e dimensões, para os municípios do

Maranhão - 2000 e 2010

Fonte: Sousa e outros (2013).

No que diz respeito à renda, o Maranhão possui a pior renda per capita do país,

apesar de ter havido um aumento no crescimento econômico maior que a média brasileira e

a média nordestina. A relação existente entre crescimento econômico, renda e distribuição

de renda tem sido objeto de diferentes abordagens e investigações. De fato, no que diz

respeito ao Maranhão, sua economia impulsionada pela dinâmica externa, sujeita a bruscas

oscilações, tem por base a concentração em três comodities: soja, minérios de ferro e o

alumínio. Não há incentivos e investimentos necessários às atividades internas (tais como

agricultura familiar, turismo). Resulta daí um tipo de desenvolvimento econômico

concentrador de renda e que contribui para acentuar as desigualdades econômicas e sociais

preexistentes.

3 CONCLUSÃO

O Maranhão e seus municípios registraram um significativo progresso no IDH-M,

quando comparados os anos de 2000 e 2010. Apenas 4 municípios foram classificados na

faixa de Muito Baixo desenvolvimento Humano e maioria dos municípios encontram-se na

faixa de Médio Desenvolvimento Humano. Pode-se explicar esse desempenho à melhoria

da dimensão Educação que registou melhora significativa tanto no Estado como nos seus

municípios. Por outro lado, a dimensão Renda continua sendo a principal responsável de a

maioria dos municípios não ultrapassarem a faixa e Baixo Desenvolvimento Humano.

Todavia, a realidade é muito complexa e dinâmica, para ser expressa em apenas

um Índice, por isso, dizer que o Maranhão saiu da situação de Muito Baixo Desenvolvimento

Humano para a de Médio Desenvolvimento Humano não é o suficiente para que se

abrandem as lutas por melhores indicadores econômicos e sociais. Na verdade, os

resultados apresentados pelo Estado e seus municípios expressam a necessidade de que

se acentuem processos de reivindicações e lutas por parte dos diversos setores

organizados, por políticas públicas, programas e projetos de curto, médio e longo prazos,

capazes de assegurar condições básicas de vida para nossa população.

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POBREZA E (IN)SEGURANÇA ALIMENTAR NO BRASIL E NO MARANHÃO

Maria do Socorro Sousa de Araújo1

RESUMO: O presente artigo integra a Mesa Temática Coordenada

intitulada MÚLTIPLAS EXPRESSÕES DA POBREZA que se propõe

a realizar discussão acerca da pobreza a partir das suas múltiplas

dimensões no Maranhão e Brasil, no contexto atual. Este artigo, em

particular, configura-se como uma edição ampliada de um trabalho

redigido originalmente em uma versão publicada no Boletim Ano 3

(2014) Nº 1, no âmbito do Observatório Social e do

Trabalho/GAEPP/UFMA. Apresenta considerações sobre a pobreza

e suas interfaces com a questão da (in)segurança alimentar no Brasil

e de forma particular no Maranhão, sendo que os dados e reflexões

apresentados têm por base pesquisas suplementares das PNADs

2004 e 2009.

Palavras-chave: Pobreza; fome; segurança alimentar e nutricional.

ABSTRACT: This article is part of the Thematic Coordinated Table

entitled MULTIPLE POVERTY EXPRESSIONS which proposes to

carry out discussion on poverty from its multiple dimensions in

Maranhão and Brazil , in the current context . This article , in

particular, configured as an enlarged edition of a work originally

written in a version published in the Bulletin Year 3 (2014) No. 1,

under the Social Observatory and Labour / GAEPP / UFMA . It

presents considerations on poverty and its interfaces with the question

of (in) security in Brazil and in a particular way in Maranhão, and the

data and presented reflections are based on additional research of

PNAD 2004 and 2009.

Keywords: Poverty; hunger; food security and nutrition .

1 Doutora. Universidade Federal do Maranhão (UFMA). E-mail: [email protected]

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo integra a Mesa Temática Coordenada intitulada Múltiplas

Expressões da Pobreza que se propõe a realizar discussão acerca da pobreza a partir das

suas múltiplas dimensões no Maranhão e Brasil, no contexto atual. Os artigos da referida

mesa temática foram elaborados a partir de estudos e pesquisas realizados pelo

GAEPP/PPGPP/UFMA, no âmbito do Observatório Social e do Trabalho. Este artigo aborda

em particular, a questão da pobreza e suas interfaces com a (in)segurança alimentar no

Brasil e no Maranhão. Trata-se de uma edição ampliada de um trabalho redigido

originalmente em uma versão reduzida publicada no Boletim Ano 3 (2014) Nº 1, intitulado

(in)segurança alimentar e pobreza no Maranhão, no âmbito das publicações dos Boletins

bimensais do Observatório Social e do Trabalho, como parte da produção acadêmica do

Grupo de Avaliação e Estudo da Pobreza e de Políticas direcionadas à Pobreza/GAEPP2, da

Universidade Federal do Maranhão (UFMA), do qual sou pesquisadora integrante.

A questão da segurança alimentar é ampla e complexa e diz respeito a variados

aspectos e quesitos que não estão restritos à questão da pobreza, ou a falta de recursos

financeiros para dispor do acesso aos alimentos.

Contudo, a expressão mais cruel da insegurança alimentar é, sem sombra de

dúvidas, a fome e a desnutrição, ou seja, a fome e a desnutrição causada pela falta de

recursos financeiros, ou pelo não acesso a terra e demais elementos necessários para a

produção agrícola, que propiciem dispor de alimentos em quantidade suficiente para saciar

a fome e ingerir nutrientes necessários para garantir saúde e segurança alimentar. Nessas

circunstâncias fome e desnutrição são configurações da pobreza extrema que reflete uma

das expressões da questão social na sociedade brasileira contemporânea.

É nessa perspectiva que o tema será aqui abordado, sendo a questão da

insegurança alimentar tratada como uma das expressões da pobreza no Brasil,

particularmente no Maranhão.

2 POBREZA E (IN)SEGURANÇA ALIMENTAR: faces e interfaces

2 A esse respeito consultar GAEPP/UFMA (http://www.gaepp.ufma.br/site/index. php/boletim-do-observatorio-social-e-do-trabalho-boletim-periodico-ano-3(2014)-n-1).

A concepção de segurança alimentar implica na compreensão das múltiplas

expressões que o tema abarca. Assim, no Brasil a lei nº 11.346, de 15 de setembro de 2006,

a chamada Lei Orgânica da Segurança Alimentar e Nutricional, define o direito à segurança

alimentar e nutricional da população, nos seguintes termos:

Art. 3º. A segurança alimentar e nutricional consiste na realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis (BRASIL, 2006).

A citada Lei também instituiu o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e

Nutricional (SISAN), visando propiciar o direito humano à alimentação adequada. Nestes

termos, em suas disposições gerais, fixadas no Capítulo I, são definidos as diretrizes para

as políticas públicas na área da alimentação e da Nutrição. No seu artigo 4º, a lei preconiza

a abrangência da questão da segurança alimentar e nutricional, nos seguintes termos:

Art. 4º A segurança alimentar e nutricional abrange: I – a ampliação das condições de acesso aos alimentos por meio da produção, em especial da agricultura tradicional e familiar, do processamento, da industrialização, da comercialização, incluindo-se os acordos internacionais, do abastecimento e da distribuição dos alimentos, incluindo-se a água, bem como da geração de emprego e da redistribuição da renda; II – a conservação da biodiversidade e a utilização sustentável dos recursos; III – a promoção da saúde, da nutrição e da alimentação da população, incluindo-se grupos populacionais específicos e populações em situação de vulnerabilidade social; IV – a garantia da qualidade biológica, sanitária, nutricional e tecnológica dos alimentos, bem como seu aproveitamento, estimulando práticas alimentares e estilos de vida saudáveis que respeitem a diversidade étnica e racial e cultural da população; V – a produção de conhecimento e o acesso à informação; e, VI – a implementação de políticas públicas e estratégias sustentáveis e participativas de produção, comercialização e consumo de alimentos, respeitando-se as múltiplas características culturais do país (BRASIL, 2006).

Portanto, a concepção de (in)segurança alimentar e nutricional é ampla,

complexa e não se limita à questão da pobreza3 ou mesmo da fome4, como resultante de

uma relação direta de causa e efeito. A concepção de insegurança alimentar (e nutricional)

diz respeito às várias dimensões e situações, que vão desde a falta de acesso ao mínimo

necessário para fornecer nutrientes indispensáveis ao organismo humano; passando por

situações de excessivo consumo de determinados alimentos ou nutrientes que podem levar

inclusive à obesidade, e pode acometer grupos e populações independentemente da faixa

de renda que possuam.

Nessa perspectiva, populações ou grupos classificados como pobres podem

estar em situação de segurança alimentar, dependendo das condições de acesso a recursos

naturais, característicos dos locais onde vivem. E por outro lado, populações ou grupos que

não tem problemas de baixa renda ou dificuldades de acesso aos recursos financeiros e aos

recursos naturais, por exemplo, podem estar em condição de insegurança alimentar5.

3 A pobreza é uma categoria teórica que pode ser acionada a partir de critérios diferenciados. No âmbito desse artigo será classificada a partir do critério econômico oficialmente estabelecido para inclusão nos programas de transferência de renda no Brasil, ou seja, (renda familiar per capita de até R$ 120,00).

4 Pobreza e fome são categorias teóricas, construídas a partir de diferentes critérios. Como expressão das formas das disputas pela classificação, a luta pela definição da pobreza e da fome é a luta pelo poder de impor uma identidade dominante, reconhecida e legitimada oficialmente. O que faz um determinado agente social, ou um certo grupo social ser considerado pobre ou vulnerável à fome é a representação que as agências e os agentes sociais adotam sobre a pobreza. A identificação de um determinado grupo como pobre não se restringe à particularidade da condição de se ter ou não uma determinada renda; de pertencer a uma determinada classe social; de adotar práticas culturais específicas; de possuir determinados comportamentos, mas sim, na forma como tais condições são apreendidas e determinadas simbolicamente. Apesar de se abstrair do real os elementos que definirão o conceito de pobreza e fome, o conceito não deve ser confundido com o real. Trata-se de uma representação do real, a partir de uma apreensão de determinados elementos, organizados simbolicamente.

5 Contudo, no Brasil as Políticas Públicas voltadas ao combate à fome e à insegurança alimentar costumam ser destinadas, à população em situação de pobreza, ou seja, “[...] aquela parcela da população brasileira que não possui renda para garantir sua segurança alimentar e nutricional.”, sendo denominada como vulnerável à fome. Os denominados pobres são classificados de “[...] parcela da população, milhões de brasileiros vulneráveis à fome e à insegurança alimentar e nutricional”, numa perspectiva de generalização, de homogeneidade, encobrindo as distinções, não possuindo poder de explicação, por não explicitar exatamente a quem estão se referindo. Nessa perspectiva, pode-se observar que parte de quem é definido como segmentos “[...] excluídos do acesso a bens e serviços socialmente produzidos.” são minorias, que, de formas específicas, produzem formas próprias de acesso a outros bens e serviços, partindo de conhecimentos seculares. Este é o caso dos povos indígenas, de remanescentes de quilombos que são incluídos entre os segmentos que serão atendidos pelo Fome Zero, e, portanto, considerados a priori como pobres, excluídos e grupos em situação de insegurança alimentar (ARAÚJO,2009).

Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura

(FAO), aproximadamente um bilhão de pessoas no mundo se encontram em situação de

insegurança alimentar, particularmente nos denominados países em desenvolvimento.

Contudo, a FAO afirma que o planeta terra tem potencial para alimentar o dobro da sua

população; e que ainda assim, morre uma criança a cada sete segundos, de fome,

desnutrição ou doenças relacionadas a uma dieta alimentar inadequada; ou seja, o

equivalente a mais de 40 milhões de pessoas por ano (BRASIL, 2013).

Não se trata, portanto, de um problema decorrente da insuficiência da

quantidade de alimentos produzidos e sim da falta de acesso aos alimentos produzidos em

nível mundial, inclusive no Brasil e no Maranhão.

A ideia de que a fome no mundo seria determinada pela escassez de alimentos

foi largamente difundida em âmbito mundial e ainda hoje serve de argumento para justificar

a questão.

O primeiro estudioso a desenvolver uma teoria populacional relacionando o

crescimento populacional com a fome – tida como escassez de alimentos, foi Thomas

Malthus (1798), ao afirmar que a população cresce em progressão geométrica enquanto os

recursos alimentares em progressão aritmética, o que levaria invariavelmente à existência

de escassez de alimentos – e à fome maciça.

As ideias de Malthus, através da Teoria Populacional Neo-malthusiana, serviriam

de fundamento para divulgação da concepção de que a fome seria um problema decorrente

da superpopulação em nível mundial. A partir do advento do Desenvolvimentismo, a Teoria

Populacional Neo-malthusiana estimularia os chamados países desenvolvidos a

empreenderem ações de combate à fome, principalmente, através do controle populacional

e do incentivo à produção de alimentos.

Assim:

Durante muito tempo, a atenção das organizações internacionais e dos países desenvolvidos esteve voltada para a solução do problema da fome no mundo, considerando-a como um problema concentrado geograficamente e relacionado à falta de produção de alimentos. A Conferência Mundial de Alimentação de 1974, em Roma, apontava como principais soluções medidas de ordem tecnológica com ênfase na produção, em vez da distribuição eqüitativa de alimentos. (INSTITUTO CIDADANIA, 2001, p. 18).

No Brasil, um dos grandes opositores à teoria populacional malthusiana no que

diz respeito à fome como um resultado da superpopulação foi Josué de Castro. No artigo

intitulado A explosão demográfica e a fome no mundo, contrapõe-se explicitamente às ideias

de Malthus, nos seguintes termos:

A fome não é um produto da superpopulação: a fome já existia em massa antes do fenômeno da explosão demográfica do após-guerra. Apenas esta fome que dizimava as populações do Terceiro Mundo era escamoteada, era abafada, era escondida. Não se falava do assunto que era vergonhoso: a fome era tabu.(CASTRO, 2003, p. 47).

Em seus estudos, Castro (1969) ressalta que:

A fome é, conforme tantas vezes tenho afirmado, a expressão biológica de males sociológicos. Está intimamente ligada com as distorções econômicas, a que dei, antes de ninguém, a designação de subdesenvolvimento.

Castro (2003) afirma que a fome é resultado das desigualdades econômicas e

sociais entre os diferentes povos, expressas através da divisão entre países desenvolvidos

e países sub-desenvolvidos, sendo que para o autor, o subdesenvolvimento não significa

ausência de desenvolvimento, significa concentração excessiva de riqueza de um lado e

pauperismo de outro lado. Enfatiza que, portanto, a fome não advém apenas de causas

naturais, mas que sobretudo “[...] a fome é um flagelo fabricado pelos homens contra

outros homens.” Contudo, salienta que:

Querer justificar a fome do mundo como um fenômeno natural e inevitável não passa de uma técnica de mistificação para ocultar as suas verdadeiras causas que foram, no passado, o tipo de exploração colonial imposto à maioria dos povos do mundo, e, no presente, o neocolonialismo econômico a que estão submetidos os países de economia primária, dependentes, subdesenvolvidos, que são também países de fome. (CASTRO, 2003, p.51).

Para Castro (2003), a concentração abusiva de riqueza, que dividiria os países

entre países ricos e países pobres, permitiria, também, dividir o mundo em dois grandes

grupos sociais: o grupo dos que comem e o grupo dos que não comem. Assim:

Essa tremenda desigualdade social entre os povos divide economicamente o mundo em dois mundos diferentes: o mundo dos ricos e o mundo dos pobres [...] Este fosso econômico divide hoje a humanidade em dois grupos que se entendem com dificuldade: o grupo dos que não comem, constituído por dois terços da humanidade, e que habitam as áreas subdesenvolvidas do mundo,e o grupo dos que não dormem, que é o terço restante dos países ricos,

e que não dormem, com receio da revolta dos que não comem. (CASTRO, 2003, p. 129-130).

No que diz respeito à produção de alimentos, no caso do Brasil, o país é o maior

produtor e exportador mundial de açúcar (42% da produção mundial), etanol (51%), café

(26%), suco de laranja (80%) e tabaco (29%). É também o segundo maior produtor e

exportador de soja em grãos (35% da produção mundial) e soja em farelo (25%), e o terceiro

maior produtor e exportador de milho (com 35% da produção).

No que concerne a produção agrícola no Brasil, o padrão de

modernização compulsória da agricultura, baseado na denominada revolução verde,

propiciou consideráveis acréscimos de produtividade no país, principalmente após

meados do século XX.

Contudo, o aumento da produtividade verificado no país, ocorreu em função do

predomínio econômico das monoculturas, voltadas para o mercado externo. Dessa

forma, a partir de meados do século XX ocorreu um ciclo no qual se alterna o aumento da

produtividade de grãos, e às sucessivas crises de abastecimento interno. (BRASIL, 2013).

Na atualidade, quem de fato garante a produção diversificada de alimentos no

Brasil, é a produção agrícola familiar.

Conforme aponta a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência

da República; e segundo informações do Censo Agropecuário de 2006, a agricultura

familiar representa 84,4% dos estabelecimentos rurais do Brasil. Esse contingente

ocupa uma área de 80,25 milhões de hectares, que corresponde a apenas

24,3% da área total ocupada por estabelecimentos rurais no país (BRASIL, 2013)

Dessa forma, apesar de a área produzida ser menor, a agricultura familiar é

responsável por parte das condições e possibilidade de propiciar segurança alimentar no

Brasil, pois com sua alta produtividade responde pela maior parte da produção de

alimentos no país (BRASIL, 2013)

O Censo de 2006 (BRASIL, 2013) também revelou dados sobre a participação

da agricultura familiar em algumas culturas consideradas básicas: 87% da produção de

mandioca no país, 70% do feijão, 46% do milho, 38% do café, 34% do arroz, 58% do leite e

21% do trigo; possui ainda 59% do plantel de suínos, 50% das aves e 30% dos bovinos.

Contudo, grande parte da população brasileira não dispõe do acesso aos

alimentos em quantidade e qualidade suficientes, seja pela falta de renda, ou pela falta de

acesso a terra e aos meios de produção agrícola.

A garantia do acesso aos alimentos é condição essencial para se pensar na

questão da segurança alimentar, não só em relação à quantidade, como à qualidade dos

alimentos, esta considerada do ponto de vista da ingestão de componentes indispensáveis à

vida saudável e da isenção daqueles que possam prejudicar a saúde e a vida humana.

No que diz respeito aos dados relativos à situação da segurança alimentar e

nutricional no Brasil, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) desenvolve uma

categorização da Segurança Alimentar considerando quatro categorias: Segurança

Alimentar quando os moradores dos domicílios têm acesso regular e permanente a

alimentos de boa qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras

necessidades essenciais; Insegurança Leve é quando há preocupação ou incerteza quanto

à qualidade e acesso aos alimentos no futuro; Insegurança Moderada é uma situação de

redução quantitativa de alimentos entre os adultos e/ou ruptura dos padrões de alimentação

resultante da falta de alimentos entre os adultos; Insegurança Grave quando há fome por

falta de condições efetivas de acesso à alimentação ou quando há redução quantitativa de

alimentos e/ou ruptura nos padrões de alimentação resultante da falta de alimentos entre as

crianças.

Tendo como suporte essa categorização, as PNADs 2004 e 2009, trouxeram

uma pesquisa suplementar que permite comparar a evolução da posição do Maranhão no

campo da Segurança Alimentar com a situação do Brasil e das Grandes Regiões nesses

anos.

A pesquisa demonstrou que, no Brasil, em 2004, 34,9% dos domicílios (18,0

milhões de domicílios) possuíam pelo menos um morador em situação de insegurança

alimentar, no Nordeste o percentual era de 53,6% (7,1 milhões) e, no Maranhão, chegava a

69,1% (987 mil). Em 2009, em termos percentuais, todas as esferas de análises

apresentaram redução no percentual de domicílios com insegurança alimentar, todavia, o

Estado do Maranhão mostrou uma menor intensidade na redução, chegando, inclusive, a,

em termos absolutos, aumentar o total de domicílios com pelo menos um morador em

situação de insegurança alimentar grave: em 2009, o percentual de domicílios em situação

de insegurança alimentar no Brasil era de 30,2% (1,1 milhão); no Nordeste, o percentual era

de 46,1% (7,1 milhões) e, no Maranhão, eram 64,6% (1,7milhões) (Gráfico 1).

Gráfico 1 - Domicílios particulares, por situação de segurança alimentar, Brasil,

Nordeste e Maranhão – 2004/2009

Fonte: PNAD/IBGE. In: GAEPP/UFMA. Boletim Periódico- Ano 3 (2014) - Nº 1.

A pesquisa mostra ainda que, embora, haja prevalência da situação de

insegurança alimentar leve, a situação grave ainda é bem significativa no Maranhão. Em

2004, 20,1% dos domicílios de Maranhão tinham uma situação de insegurança alimentar

grave, 21,7% moderada e 27,3% leve; no Nordeste e no Brasil, respectivamente, o

percentual de grave era 13,2% e 7,0%, de moderada, 15,5% e 9,9% e, de grave, era 13,2%

e 7,0%. Em 2009, 14,8% dos domicílios maranhenses possuíam, pelo menos, uma pessoa

em situação de insegurança alimentar grave, enquanto no Nordeste e no Brasil o percentual

era de 9,3% e 5,0%, respectivamente.

Gráfico 1 - Domicílios particulares, por nível de insegurança alimentar, Brasil,

Nordeste e Maranhão - 2004/2009

18,0 22,9 27,3

9,9

17,521,7

7,0

13,2

20,1

Brasil Nordeste Maranhão

2004

Leve Moderada Grave

18,7 24,833,4

6,5

12,0

16,4

5,0

9,3

14,8

Brasil Nordeste Maranhão

2009

Fonte: PNAD/IBGE. GAEPP/UFMA. Boletim Periódico- Ano 3 (2014) - Nº 1.

Em se tratando das pessoas em situação de insegurança alimentar, o Estado do

Maranhão destaca-se pelo seu alto percentual: 73,5% em 2004 e 69,1% em 2009, muito

superiores aos registrados no Nordeste (59,0% e 50,3%) e no Brasil (39,9% e 34,2%) nos

anos 2004 e 2009. Em termos absolutos, no Maranhão haviam 4.474 mil pessoas em

situação de insegurança alimentar em 2004 e 4.466 mil em 2009, das quais 2.747 e 2.195

estavam em situação de insegurança moderada ou grave, nos respectivos anos.

A pesquisa demonstra também (Tabela1) que quanto menor a classe de

rendimento mensal domiciliar per capita, maior a proporção de domicílios em situação de

insegurança alimentar moderada ou grave. Cerca de 80% dos domicílios nestas condições

estavam na classe de rendimento mensal domiciliar per capita de até ½ salário mínimo e

0,3% estavam na classe de mais de 2 salários mínimos, em 2009.

Tabela 1 - Moradores em domicílios particulares com insegurança alimentar moderada

ou grave (1 000 moradores), por classes de rendimento mensal domiciliar

per capita, Brasil, Nordeste e Maranhão - 2004/2009

Até 1/4 do

sm

Mais de 1/4

a 1/2 sm

Mais de

1/2 a 1 sm

Mais de 1

a 2 sm

Mais de 2

sm

(2) Sem

rendimento

Brasil 35 422 17 411 10 644 4 738 1 047 158 784

Nordeste 17 539 10 744 4 628 1 355 156 29 255

Maranhão 2 747 1 743 661 161 12 2 37

Brasil 25 394 8 430 8 126 5 883 1 713 248 516

Nordeste 12 876 5 414 4 157 2 376 468 35 232

Maranhão 2 195 906 672 428 114 6 59

Esfera de

análise

Total

(1)

Classes de rendimento mensal domiciliar per capita

2004

2009

Fonte: PNAD/IBGE (1) Inclusive os moradores em domicílios sem declaração de rendimento

domiciliar per capita. (2) Inclusive os domicílios cujos componentes recebiam somente em benefícios. In: GAEPP/UFMA. Boletim Periódico- Ano 3 (2014) - Nº 1.

Os dados disponíveis refletem, portanto, que se tiver sido mantido, em 2014, o

mesmo ritmo de redução das pessoas em insegurança alimentar do período 2004/2009, o

Maranhão deve ter contado com 1,6 milhão de pessoas nessa situação. Ao mesmo tempo

tais dados reforçam a necessidade de implantação de um sistema que garanta, de fato, a

produção, a distribuição, o acesso e o consumo de alimentos a toda a população como um

direito humano básico e sem comprometimento da segurança alimentar no futuro.

3 CONCLUSÃO

A pobreza e a fome no Brasil e no Maranhão são resultantes de questões

históricas, econômicas, sociais, políticas e culturais decorrentes do nosso modo de

produção, do processo de formação da sociedade brasileira e maranhense e do seu

posterior desenvolvimento e configurações.

A questão da pobreza, da fome e da insegurança alimentar no Brasil e no

Maranhão ainda se constitui numa grave questão a ser superada.

No Brasil, as políticas públicas de enfrentamento da fome, insegurança e

pobreza não foram (e nunca serão) suficientes para equacionar essas questões, apesar dos

investimentos realizados a partir da implantação do Programa Fome Zero e dos programas

de transferência de renda.

Nesse contexto, o Maranhão ainda figura atualmente como um dos estados com

maior percentual de pessoas em situação de pobreza (IBGE, 2014) e em situação de

insegurança alimentar (IBGE, 2010)

Os dados aqui apresentados demonstram que no Maranhão, quanto menor a

faixa de rendimento mensal domiciliar per capita, maior a proporção de domicílios em

situação de insegurança alimentar moderada ou grave. Dessa forma, em 2009, cerca de

80% dos domicílios em situação de insegurança alimentar estavam na classe de rendimento

mensal domiciliar per capita de até ½ salário mínimo; e 0,3% estavam na classe de mais de

2 salários mínimos.

Contudo, essa situação poderia ainda ser mais grave ao considerar-se que

houve no estado maranhense um significativo acréscimo dos rendimentos no período

2000/2010 (IBGE, 2010).

E ao se analisar a relação crescimento/ano, é possível verificar que o total de

rendimentos cresceu à taxa média real de 13,9%, sendo que o rendimento oriundo do

trabalho cresceu apenas 13,0%, enquanto o rendimento advindo dos programas de

transferência de renda cresceram 18,0% em média. Portanto, no Maranhão, o aumento dos

rendimentos deu-se, majoritariamente em decorrência dos Programas de Transferência de

Renda.

E ainda, é inegável que os programas de transferência de renda, particularmente

o Programa Bolsa Família têm possibilitado o acesso a determinados alimentos no

Maranhão; e reduzido sobremaneira à fome.

Em algumas áreas no Maranhão, para muitos denominados pobres, o consumo

de carne (bovina e suína) é considerado um luxo que pôde ser adquirido a partir do governo

Lula através do Programa Bolsa-Família, conforme demonstra uma matéria da revista

Época, cujo título é “Com Lula, comecei a comer carne.” (Revista Época, 2006, p. 32-33. In:

ARAÚJO, 2013).

O diagnóstico-síntese da pesquisa O Maranhão tem fome de quê? realizada pela

equipe estadual de mobilização social do Fome Zero- Talher- MA, junto às famílias

atendidas pelo Fome Zero em 44 municípios maranhenses em 2005 demonstra que, em

100% dos municípios pesquisados, a farinha, o arroz e o feijão são os alimentos que

compõem a dieta básica das famílias.

E ainda, o fato de não dispor de um determinado alimento, mesmo tendo acesso

a outros, pode ser considerado fome. Nessa lógica, em vários locais do Maranhão a farinha

é considerada um alimento indispensável e, quando ausente na refeição,

independentemente da disponibilidade de outros produtos, alguns consideram que passam

fome, conforme enfatizado na fala a seguir:

Posso ter de um tudo pra comer, mais (mas) se não tem a farinha, não tem a sustança, e a cumida (comida) parece que num tem gosto. É mermo que num ter comido nada, coisa nenuma (nenhuma), é mermo (mesmo) que tar cum (com) fome. (Beneficiária do Programa Bolsa Família no município de Lago da Pedra).

Nesse sentido, Sousa e Filho; Andrade et al. (2006), ao realizarem um citado

estudo sobre deslocamento compulsório e insegurança alimentar no município maranhense

de Alcântara, fazem várias referências à existência de fome de farinha, que se caracterizaria

pela ausência do produto nas refeições e que se constituiria, segundo os informantes da

pesquisa, como a verdadeira fome.

Com os recursos advindos do Bolsa Família, os usuários passaram a consumir

além da farinha, do arroz e do feijão (sendo que grande parte das vezes o consumo desses

produtos é alternado), algum complemento, ou um luxo, como a carne; ou um produto

diferente, anteriormente raramente consumido, como bolacha recheada, por exemplo

(ARAUJO, 2013).

Essa estratégia do governo federal apesar de não ser suficiente para equacionar

a questão da pobreza, fome e insegurança alimentar tem se constituído um instrumento

para diminuição da fome, e do acesso a denominados alimentos no Maranhão, sendo,

contudo, que obviamente não implica em assegurar segurança alimentar e nutricional.

No que diz respeito à garantia da segurança alimentar e nutricional ainda há um

longo caminho a percorrer, para assegurar a sustentabilidade dos processos de produção,

distribuição, acesso e consumo de alimentos à todos indistintamente.

E pressupõe também, dentre outros aspectos, a necessidade de conhecer os

hábitos e costumes dos maranhenses. É preciso pensar que o Maranhão, que Brasil é

multicultural e que as políticas públicas devem levar em conta as diferenças culturais

existentes, inclusive os hábitos e práticas alimentares.

REFERÊNCIAS ARAÚJO, Maria do Socorro Sousa de. Pobreza, Fome(Zero) e prefeiturização das relações sociais no Maranhão. In: SILVA E SILVA, M. Ozanira da (Org). Pobreza e políticas públicas de enfrentamento à pobreza. São Luis: EDUFMA,2013. _________. FOME DE PÃO E DE BELEZA: pobreza, filantropia e direitos sociais. São Luis: Edufma, 2009. BRASIL. Lei nº 11.346. Lei Orgânica da Segurança Alimentar e Nutricional, 2006. ________. Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Direito à alimentação adequada. – Brasília: Coordenação Geral de Educação em SDH/PR, Direitos Humanos, Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, 2013. 80 p., il. – (Por uma cultura de direitos humanos). CASTRO, Josué de. A explosão demográfica e a fome no mundo. In: CASTRO, Ana Maria de. (Org.). Fome – um tema proibido: últimos escritos de Josué de Castro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 40-71. ______. In: CASTRO, Ana Maria de. (Org.). Fome – um tema proibido: últimos escritos de Josué de Castro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 40-71. GAEPP/UFMA. Boletim Periódico- Ano 3 (2014) - Nº 1. Disponível em http://www.gaepp.ufma.br/site/index.php/boletim-do-observatorio-social-e-do-trabalho. Acesso em 13 de junho de 2015. INSTITUTO CIDADANIA. Projeto fome zero. São Paulo, 2001. Versão 3. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios: segurança alimentar 2004/2009. Rio de Janeiro: Ministério do

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POBREZA E “SEGREGAÇÃO SOCIOESPACIAL”

Maria Eunice Ferreira Damasceno Pereira1

RESUMO: Neste artigo são apresentadas reflexões sobre a questão

da pobreza e dos processos de segregação socioespacial no Brasil e

no Maranhão, particularmente na sua capital São Luís. Parte-se do

entendimento de que os processos de segregação socioespacial da

população no âmbito das cidades brasileiras é uma expressão da

questão social que tem como determinante a relação capital trabalho.

Discute-se que a pobreza e a segregação socioespacial são

processos que se articulam, portanto a sua análise exige pensarmos

sobre a forma como o Brasil tratou historicamente a questão da

concentração da terra no meio rural e urbano e também como

conformou o nosso mercado de trabalho. Verificamos como tais

questões, até hoje, impedem ou dificultam o acesso à moradia digna

para a classe que vive do trabalho, particularmente àqueles mais

pobres.

Palavras-chave: Pobreza, segregação socioespacial, políticas

públicas, trabalho.

ABSTRACT: In this article, reflections about the issue of poverty and

the processes of social-spatial segregation in Brazil and Maranhão

particularly in São Luís are presented. Based on the understanding

that the socio-spatial segregation process of the population in the

context of Brazilian cities is an expression of the social question,

which has as determinant factor the capital relationship work. It's

argued that poverty and socio-spatial segregation, are processes that

hang together, so its analysis requires thinking about how Brazil

historically addressed the issue of land concentration in rural and

urban areas, as well as conformed our labor market. It’s evident how

such issues, prevent or hinder the access to decent housing for the

class that lives from their work, particularly those poorer.

Keywords: Poverty, Sociospatial segregation, public policies, work.

1 Doutora. Universidade Federal do Maranhão (UFMA). E-mail: [email protected]

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo trata da questão da pobreza e dos processos de segregação

socioespacial no Brasil e no Maranhão faz parte de uma Mesa Temática a ser apresentada

na VII Jornada Internacional de Políticas Públicas.

O tema recortado nesse trabalho é atual e pertinente com a minha inserção no

Grupo de Avaliação e Estudo da Pobreza e das Políticas Direcionadas à Pobreza (GAEPP)

da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), onde desenvolvo estudos e pesquisas

acerca da temática da pobreza. Ademais, também entendo que os processos de

segregação socioespacial da população no âmbito das cidades brasileiras é uma expressão

da questão social que tem como determinante a relação capital trabalho.

Pois como bem diz Silva (2008, p. 136),

[...] Há uma relação íntima entre o modelo de desenvolvimento econômico e o mercado de trabalho. A cidade é nada mais, nada menos do que o espaço privilegiado da divisão do trabalho: ela surge em função da divisão do trabalho. A cidade tem, na sua composição e estrutura, um forte componente técnico que atua na sua expressão funcional que, em seu processo, espacializa o conteúdo socioterritorial aprimorando, assim, a divisão do trabalho urbano. A cidade é, antes de tudo, trabalho.

Sendo assim, a pobreza e a segregação socioespacial são processos que se

articulam e a sua análise exige pensarmos sobre a forma como o Brasil tratou

historicamente a questão da concentração da terra no meio rural e urbano e também como

conformou o nosso mercado de trabalho. Pois assim iremos verificar tais questões, até hoje,

impedem ou dificultam o acesso à moradia digna para a classe que vive do trabalho,

particularmente àqueles mais pobres.

Sobre essas dificuldades de os trabalhadores acessarem o direito a moradia

Maricato (2012, p. 187) diz:

O mercado residencial legal no Brasil atende perto de 30% da população. Ele deixa de fora, em muitas cidades, até mesmo parte da classe média que ganha entre cinco e sete salários mínimos. Essas pessoas, legalmente empregadas, podem ser encontradas morando ilegalmente em favelas de São Paulo e Rio de Janeiro. Sem qualquer alternativa legal, grande parte da população invade aterra para morar. As terras que não interessam ao mercado imobiliário e são ocupadas

pela população de baixa renda são exatamente as áreas de ecossistema frágil, sobre as quais incide a legislação de proteção ambiental. Áreas de proteção de mananciais, mangues, dunas, beiras de córregos, várzeas, encostas íngremes e espaços cobertos por matas nativas são as que sobram para a maioria da população.

Ressalvando, porém, ainda com base em Maricato (2012, p. 188), que esse

processo de ocupação ilegal de espaços ou de terra urbana, no Brasil, “[...] não diz respeito

só aos pobres. Inúmeros loteamentos fechados se multiplicam nos arredores das grandes

cidades são ilegais [...]”. É dessas questões que trata o presente texto.

2 POBREZA E SEGREGAÇÃO SOCIOESPACIAL: algumas explicações para a sua

reiteração

Sabemos que no Brasil os índices de pobreza e de desigualdade são

acentuados2, tais índices se apresentam de modo bastante evidente quando observamos os

espaços das nossas cidades, melhor dizendo, os espaços urbanos, pois como diz Lefevbre

(1975), o espaço é historicamente produzido, sendo, portanto um produto social que encerra

as determinações políticas e econômicas de cada realidade específica.

Burnett (2012, p. 32), diz que para Lefevbre (1975), o espaço, além de local de

relações sociais, é parte das forças e dos meios de produção e onde se dá o consumo

coletivo e também o consumo do próprio espaço.

Sendo assim, no caso do Brasil, a produção social dos seus espaços urbanos

demonstram que as forças sociais, políticas e econômicas acabaram configurando uma

herança social bastante perversa que subordina amplos contingentes da população até os

dias atuais a uma condição bastante adversa num quadro de verdadeira apartação social

excluídos, inclusive, do usufruto de benefícios e serviços públicos, mas também do acesso

às condições de trabalho para a sua reprodução e de seus familiares.

2 Em outro trabalho discutimos a pobreza no Brasil apontando os fatores históricos que consideramos determinantes dessa questão bem como de sua constante reiteração expressa nas inúmeras formas de desigualdades, tal como entendidos por autores como, por exemplo: Henrique (1999); Pochmann (2001; 2002; 2010); Telles (2006), Ivo (2008), os quais destacam a concentração da terra, a desestruturação do mercado de trabalho: ausência de legislações protetivas, baixo nível de incorporação e assalariamento da mão de obra; o caráter autoritário da relação capital e trabalho e baixa densidade e reconhecimentos dos direitos inerentes à condição de cidadania. Aqui destacamos o acesso a condições dignas de moradia como uma das denegações de direito de cidadania.

O resultado desse processo se expressa numa das sociedades mais desiguais

do mundo, onde o direito à moradia digna nunca se concretizou para milhões de

trabalhadores e suas famílias.

[...] uma característica marcante das suas cidades e comum em outras tantas cidades do mundo: a segregação socioespacial. Bairros abastados que dispõem de áreas de lazer, equipamentos urbanos modernos coexistem com imensos bairros periféricos e favelas marcadas pela precariedade ou total ausência de infraestrutura, irregularidade fundiária, riscos de inundações e escorregamentos de encostas, vulnerabilidade das edificações e degradação de áreas de interesse ambiental. Durante muitos anos, somente as partes das cidades brasileiras que atraíam a atenção dos planejadores foram beneficiadas pelos serviços públicos e tiveram uma participação desproporcional dos orçamentos locais. (Carvalho; Rossbach, 2010, p.03).

Ou como bem assinala Maricato (2010, p. 5):

[...] problemas estruturais de uma sociedade historicamente desigual na qual os direitos, como por exemplo, o direito à cidade ou à moradia legal, não são assegurados para a maioria da população. Parte das grandes cidades brasileiras tem a maioria de sua população morando informalmente sem observação de qualquer lei ou plano urbanístico, sem concurso de arquitetos e engenheiros para construção de seus bairros ou casas, sem financiamento para as obras que compõem uma gigantesca produção doméstica de espaço urbano que evidentemente resulta precário.

Ademais, o fato de o Brasil não processar reformas estruturais importantes

como, por exemplo, a democratização do acesso a terra via reforma agrária fez com que

milhões de pessoas continuassem sem condições de obter sua reprodução social de forma

mais digna, além disso, o êxodo rural tendeu a se elevar provocando, uma acentuada

compressão urbana.

Se tais reformas tivessem se efetivado o mercado de trabalho teria sido também

menos pressionado, portanto, com condições de inserção mais favoráveis aos

trabalhadores, além disso, teríamos evitado a convivência com problemas sociais e índices

de pobreza tão agudos quanto os que se presencia até os dias de hoje.

De fato, os inúmeros estudos existentes sobre a pobreza urbana brasileira dão

conta de que os moradores de áreas menos nobres, como as favelas, por exemplo, não são

desempregados e sim trabalhadores pobres que historicamente buscaram saídas para

resolver o problema da moradia no âmbito do processo urbano.

Num estudo sobre o fenômeno favela no município de São Paulo, Pasternak,

2008, p. p. 103 mostra que:

A proporção de empregados com emprego formal e carteira assinada é semelhante nas favelas e na população da capital como um todo. (caso de São Paulo). Isso desmistifica a ideia do favelado como desocupado. [...] Atualmente, a favela não abriga apenas os miseráveis, mas muitas famílias que antes usufruíam outro tipo de domicílio, sobretudo a casa alugada.

Prosseguindo, nesse mesmo estudo Pasternak (2008, p. 112-113) também diz

que:

No espaço urbano de São Paulo, historicamente, uma das primeiras alternativas a se impor foram as “vilas operárias”, num momento do processo de acumulação em que o capital necessitava, pela escassez de mão de obra qualificada, garantir sua presença preferencialmente perto das unidades produtivas. À medida que o processo de urbanização se ampliou, assim como a oferta de força de trabalho, isso já não se fazia necessário. Assim a população foi encontrando outras alternativas para obter um teto. Perante as rudes condições de trabalho, com jornadas prolongadas e salários extremamente baixos [...] a maior parcela dos ganhos dos trabalhadores precisava ser canalizada para os gastos com alimentação. Muito pouco sobrava para moradia. Dessa forma, o destino residencial da imensa maioria dos trabalhadores urbanos era o cortiço, já na época problema sanitário grave. Era imprescindível a proximidade do operário ao se emprego. Os gastos com transporte [...], se as distâncias fossem grandes, seriam elevados e incompatíveis com a compressão salarial da época. [...] após a opção pelo transporte rodoviário como indutor da ocupação do solo urbano, começa a ocupação das franjas periféricas da cidade pela população pobre, num processo de expansão do tecido urbanizado. A população de baixa renda tinha, basicamente, duas alternativas: a casa de “periferia” e o cortiço. As condições de moradia, tanto numa quanto noutra, são precárias.

O exposto acima serve para demonstrar que a distribuição sócio espacial da

população brasileira expressa as desigualdades típicas de uma sociedade que nunca

engendrou medidas que propiciasse a divisão das terras (rurais e urbanas) nem tampouco

de regras de assalariamento capazes de garantir dignamente a reprodução dos

trabalhadores e de suas famílias.

Na verdade, sabe-se que no Brasil o assalariamento além de sempre ter sido

muito baixo, nunca incorporou o conjunto da força de trabalho. Igualmente também se sabe

que no cálculo dos custos de reprodução da força de trabalho a habitação nunca constou

como um componente importante e primordial, ou seja, como uma mercadoria necessária à

reprodução social dos trabalhadores e de suas famílias. Na realidade, “[...] o preço dessa

mercadoria.” sempre esteve fixado pelo mercado imobiliário privado.

No Brasil, onde jamais o salário foi regulado pelo preço da moradia, mesmo no período desenvolvimentista, a favela ou o lote ilegal combinado à autoconstrução foram parte integrante do crescimento urbano. O consumo da mercadoria habitação se deu, portanto, em grande parte, fora do mercado marcado pelas relações capitalistas de produção. (MARICATO, Mimeo, s/d).

Assim é que muitas famílias sobrevivem precariamente, no geral, sem empregos

fixos habitando áreas que não oferecem condições satisfatórias de segurança e

habitabilidade, e, sobretudo, sem a titularidade de tais áreas, pois ainda como diz Maricato

(2012) “[...] a invasão de terras urbanas no Brasil é parte intrínseca do processo de

urbanização.”, o qual se fez conservando muitos aspectos das raízes da sociedade

patrimonialista e clientelistas típicos do período pré-republicano.

Essa arquitetura política contribuiu para alijar grandes contingentes da

população do acesso à habitação, pois mesmo aqueles trabalhadores melhores colocados

no mercado formal de trabalho e com salários mais elevados acabaram não tendo

condições de pagar o preço da moradia que foi sempre fixado pelo mercado imobiliário

formal.

Ao longo desse processo, apesar de algumas medidas governamentais

expressas em políticas públicas voltadas para a questão da habitação estas não foram

capazes de equacionar o histórico e persistente déficit de moradias, tampouco a extinção

das formas de ocupações irregulares e precárias - as denominadas submoradias ou sub-

habitações e os aglomerados onde estas se situam.

Na visão de Maricato (1995):

A aplicação dos vultosos investimentos do sistema SFH/BNH, ao longo de 22 anos, a partir de 1964 até a extinção do sistema, não só não permitiram quebrar com a dinâmica da ocupação ilegal de terras urbanas, mas ao contrário, aprofundou a dualidade entre mercado e excluídos, como atestam inúmeros estudos.

Sendo o espaço urbano produzido e reproduzido socialmente, no caso do Brasil

onde a sociedade conformou uma extrema desigualdade e diferenciação social, esse urbano

se constitui de espaços com elevados níveis de segregação sócio espacial refletindo à própria

divisão e segmentação das classes sociais, ou seja, estamos afirmando que os processos de

segregação sócio espacial evidenciado nas nossas cidades resultam do modo como estas se

organizaram produzindo formas de ocupações desiguais assim como a alocação dos serviços

urbanos essenciais.

Nessa perspectiva é que Lefevbre (1999) diz que a cidade capitalista se

caracteriza pela crescente concentração de meios de consumo coletivo (equipamentos e

serviços coletivos urbanos) e pela aglomeração do conjunto dos meios de reprodução (capital

e da força de trabalho). Estes requisitos que o autor denomina de Efeitos úteis da

Aglomeração são condições determinantes do desenvolvimento econômico e urbano no

âmbito das sociedades capitalistas, portanto, nas cidades do capital como ele denomina.

Desse modo podemos dizer que a cidade expressa à divisão sócio-espacial do

trabalho e as contradições (decorrentes das tensões entre capital e trabalho). Nesse mesmo

movimento encerra também as estratégias e lutas pela reprodução do capital e do trabalho.

Ainda segundo Lefevbre (1999), essas condições criam um modo de vida

específico e também novas necessidades sociais, melhor dizendo, uma determinada

sociabilidade a qual é perpassada por efeitos contraditórios, dentre estes os processos de

Segregação Socioespacial onde as frações mais empobrecidas da população passam a

ocupar (por falta de alternativa), as áreas menos nobres, da periferia urbana (morros, áreas

alagadas, vãos de pontes e viadutos, etc);

Cabe destacar ainda que no Brasil sempre se verificou um frágil processo de

intervenção estatal no sentido de regular o mercado imobiliário através de mecanismos

legais que definissem regras para a apropriação e uso da terra e modos de vida urbana.

Isso se mostra nas leis e códigos de posturas, zoneamento, mas também na proposição de

políticas públicas urbanas (moradia, transporte público, saneamento básico). Ademais,

também é frágil ou inconsistente a fiscalização e os mecanismos também legais de

enfrentamento ao descumprimento de tais legislações.

De acordo com Maricato (2012, p. 188),

Essa verdadeira terra de ninguém não foi criada por falta de planos e nem de leis [...] Para viabilizar a privatização do patrimônio público quando ele se torna um produto irresistível ao mercado de alta renda, algumas prefeituras e câmaras municipais não titubeiam em se mancomunar para aprovar leis locais que contrariam [as leis, mesmo federais]. Ou seja, bem de acordo com as circunstâncias e o interesse dos donos do poder, aprova-se uma legislação ilegal.

Nesse sentido podemos dizer que no Brasil o Estado tem sido um sujeito decisivo na

produção das desigualdades sociais e da segregação socioespacial na medida em que tem

desenvolvido políticas que tem favorecido o capital mobiliário e as classes de rendas mais altas.

Políticas que não equacionaram a questão do solo urbano e nem a problemática da moradia popular,

políticas com efeitos perversos como aquela do sistema financeiro da habitação (SFH/BNH) as quais

tem contribuído para elevar os níveis de segregação.

E como estamos constatando esses processos de segregação socioespacial

estão presentes em todas as cidades brasileiras em maior ou menor proporção e tem

repercutido na dinâmica socioespacial das cidades através dos processos de periferização

das áreas urbanas.

Pois, como bem demonstra Maricato, 2012, p. 179;

Grande parte da cidade brasileira é construída informalmente à margem da legislação urbanística e até da legislação de propriedade. O mercado residencial formal abrange menos da metade da população em nossas metrópoles. O Estado não controla a totalidade do uso e ocupação do solo e nem oferece alternativas habitacionais legais. Uma parcela da cidade, aquela que se dirige à maior parte da população e evidentemente às parcelas de rendas mais baixas é resultado da compra e venda de loteamentos ilegais ou simplesmente da [ocupação] de terras. As favelas constituem a forma de moradia de grande parte da população metropolitana. Não se trata de exceção, mas de regra.

Ainda segundo a autora acima referida

Na década de 1980, quando o investimento em habitação social foi quase nulo, a taxa de crescimento da população moradora de favelas triplicou em relação à população urbana em seu conjunto. Nos anos de 1990, a taxa duplicou. Perto de 12% da população de São Paulo e Curitiba moram em favelas. Em Belo Horizonte e Porto Alegre, até 20%. No Rio de Janeiro, 25%. Em Salvador, Recife, Fortaleza, São Luís, Belém, mais de 30% das pessoas vivem em favelas. Somando-se as moradias ilegais, encontramos aproximadamente 40% dos domicílios de São Paulo e 50% no Rio de Janeiro em situação irregular. Os moradores dessas casas se encontram em condições de insegurança permanente. (MARICATO, 2012, p. 186).

Os vários estudiosos do assunto aqui tratado como Maricato (2012); Pasternak,

2008; Telles (2010) e tantos outros apontam vários aspectos presentes na nossa vida

citadina que expressam as inúmeras formas de segregação a que estão submetidas às

classes menos favorecidas desse país. São situações que apontam para a desagregação da

vida, mas que a nossa sociabilidade se acostumou a viver com elas como se fossem

situações naturais, haja vista que vigoram desde sempre no cenário urbano de nossas

cidades.

3 POBREZA E SEGREGAÇÃO SOCIOESPACIAL EM SÃO LUÍS DO MARANHÃO

A seguir tratamos da questão da segregação em São Luís do Maranhão no

intuito de mostrar que tanto nesse município que é a capital, quanto nos demais municípios

da região metropolitana, a situação de pobreza e de segregação não são diferentes, pois

estes municípios também denotam um processo desordenado de expansão urbana,

processo que se acentuou, sobretudo, nas últimas décadas em face dos investimentos

advindos da instalação dos projetos minero metalúrgicos e da exportação dos produtos do

agronegócio, particularmente a soja.

De acordo com Diniz (2007, p. 169)

As décadas de 1970 e 1980 foram marcadas a nível econômico basicamente pela instalação de grandes capitais industriais, como a ALUMAR (Alumínio do Maranhão S/A), consórcio firmado entre as Empresas Billiton Metais S/A e Alcoa do Brasil S/A; a Companhia Vale do Rio Doce – CVRD e a CELMAR (Celulose do Maranhão S/A). Todos esses eventos proporcionaram à cidade várias mudanças sendo uma delas o aumento do contingente populacional, que no período de 1970/1980 praticamente duplicou. Em virtude desse crescimento, a cidade apresentou problemas de ordem socioeconômicas bastante visíveis. O crescimento populacional desordenado trouxe problemas de habitação, saúde, segurança e favoreceram o surgimento de ocupações irregulares, palafitas e favelas, problemas esses que têm evoluído consideravelmente, á medida que a urbanização cresce.

Diniz (2007) ainda destaca que esse período onde se instalam esses projetos

com viés industrializantes provocam posteriormente, mudanças significativas na estrutura

sócio espacial da cidade. Tais mudanças se apresentam, sobretudo, no aumento do

contingente populacional que duplicou nesse período.

Desde então, São Luís, embora apresentando uma industrialização inexpressiva,

nunca deixou de crescer em termos populacionais, mesmo porque se sabe que a situação

no interior do Estado também se complexifica, sobretudo, pela falta de medidas eficazes de

reforma agrária que propiciem a fixação dos agricultores a terra.

Na verdade como bem assinala Diniz, 2007, p.170, o que observa no campo é

“[...] a miséria gerada pelos baixos salários agrícolas, pela pressão demográfica sobre os

estoques de terras férteis ou, ainda, pela concentração da propriedade nas mãos de uma

elite, atuam como fatores de repulsão populacional.”

O impacto desse processo se fez notar sobre a dinâmica da urbanização de São

Luís e se expressou através do aumento da pobreza e pauperização de vastos segmentos

da população que chega a cidade e passa a morar nas inúmeras áreas periféricas

comumente conhecidas como vilas – a favela maranhense (Diniz, 2007), e que no geral, são

constituídas através de processos ilegais de ocupação.

Foi assim, como bem nos fala Diniz (2007), que foram ocupados precariamente

muitos terrenos, públicos e particulares e dessa forma surgiram os vários bairros da periferia

da capital que passam a se denominar de vilas tais como: Vila Cafeteira, Vila Itamar, Vila

Isabel, Vila Mauro Fecury, Vila Pavão Filho, Vila Kiola, Vila Jaracati, Vila Brasil, Vila Janaina,

Vila Santa Clara, Jardim Tropical, Divinéia, São Bernardo, Vila Cascavel.

Ainda de acordo com Diniz (2007, p. 172):

No início as habitações eram em formato de barracos construídos com material de refugo, como caixotes, tábuas soltas, folhas de zinco, ou são habitações construídas de palha, taipa e adobe. Na verdade, situados em encostas de colinas ou morros, ou em áreas de mangues, constituem outra cidade que cresce espontaneamente nos interstícios da cidade de São Luís. Nessas localidades, a pobreza e o aspecto caótico são visíveis. Os serviços públicos [quase sempre] estão ausentes [ou são insuficientes] As condições sanitárias revelam talvez o aspecto mais dramático dessas vilas resultantes das ocupações. A inexistência de tratamento de esgotos transforma essas áreas em focos de infecções e epidemias, vitimando, principalmente, as crianças.

Santana (2007), também debate essa questão das precárias condições de

moradia das populações trabalhadoras mais empobrecidas de São Luís que acabam

residindo nestas vilas, assim diz a pesquisadora:

A moradia em pequenos e precários espaços, avessos à reunião de condições adequadas à vida urbana e à proteção da vida privada e da intimidade familiar, que segundo as imposições físicas dos terrenos e à disponibilidade de espaço, repõe-se então como um dos traços mais característicos das habitações das frações pobres dos trabalhadores urbanos e afirma, entre o ideal de urbanidade e a fabricação de novas imagens para a cidade, as tendências segregacionistas da constituição do urbano em São Luís. Aliás, as

atuais alterações na morfologia territorial de São Luís e afirmação das tendências segregacionistas também guardam estreitas e profundas relações com a reposição da propriedade fundiária e a valorização de imobiliários urbanos em termos diferenciais, o que explica que certas modificações nas condições de operação do setor construtivo (projetos arquitetônicos, plano de obras e linhas de financiamento) e a construção de estruturas arquitetônicas luxuosas, verdadeiros enclaves fortificados (Caldeira, 2000), geralmente assentados em pedaços litorâneos ou próximos a eles, sobressaem-se como estratégias da dinâmica fundiária e imobiliária em curso.

Esse trecho de um trabalho de Santana (2007) mostra bem a dinâmica da

urbanização de São Luís nas últimas décadas. De fato, essa dinâmica tem sido permeada

por movimentos bastante díspares, pois de um lado temos o espraiamento das áreas

urbanas da cidade a partir da constituição das denominadas vilas, onde se localiza a

população menos aquinhoada, e por outro, temos os empreendimentos imobiliários de luxo,

localizados quase sempre nas áreas próximas das praias, configurando o que autores como

Caldeira (2000) denominou de enclaves fortificados, por se constituírem no formato de

condomínios fechados com um aparato de segurança eletrônica via câmeras de filmagens,

além de portarias com segurança armada, ou seja, o movimento segregacionista de

moradias diz respeito tanto às precárias condições de moradia reservada aos segmentos de

trabalhadores pobres, quanto no jeito mais moderno de morar adotado pelos segmentos de

rendas mais elevadas aqueles que se isolam nos condomínios de luxo fechados por muros

ou cercas altas e por um expressivo aparato de câmeras e de seguranças armados. Como

diz Burnett (2012, p. 78), “[...] a inovação fica por conta da mistura de usos e funções,

sempre rodeados por muralhas que oferecem a segurança do convívio cotidiano sob estrita

vigilância.”

Prosseguindo na discussão sobre as inovações do mercado imobiliário de São

Luís expresso no incremento dos condomínios fechados, Burnett, 2012, p.78 diz que:

Para boa parte da opinião pública, o condomínio fechado é a saída para o caos e a violência dos centros urbanos brasileiros. Porém, é uma alternativa acessível apenas aos que podem pagar por esta “felicidade vigiada”, deixando de fora a maioria da população. Justamente aquela que sofre com o transporte coletivo, a poluição ambiental, a qualidade dos hospitais públicos e o precário ensino das escolas públicas. Como proposta do mercado, o condomínio fechado é uma “solução blindada”, pois a violência e o caos permanecem na cidade, aumentando as desigualdades de vida entre os cidadãos.

Como podemos constatar existem inúmeras críticas a esse modo de morar, pois

como nos mostra Rodrigues (2013, p. 163, grifo do autor),

Os trabalhadores produzem a cidade e dentro dela os loteamentos murados e as moradias. São contratados, em geral, como trabalhadores precários da indústria de construção civil e similares. [...] Quando a área da cidade onde trabalham está “pronta” para entrar no circuito da mercadoria, eles devem desaparecer. Como não desaparecem, moram em lugares precários decorrentes dos baixos salários e do preço da terra e das edificações urbanas. São considerados os bandidos, os incultos que devem ficar fora dos muros ou apenas entrar nas áreas muradas para continuar a vender sua força de trabalho como domésticos, jardineiros, etc. São proibidos de entrar nas áreas muradas para que haja garantia de “segurança” para os proprietários e/ou moradores que vivem intramuros.

Em síntese, é no âmbito dessas contradições e conflitos que a cidade de São

Luís se expande envolvida numa acelerada dinâmica de urbanização. Nesse processo

vemos que a cidade cresce e se verticaliza, mas vemos crescer também as áreas periféricas

onde vastas faixas da população se localiza, na maioria das vezes marginalizada do acesso

a bens e serviços sociais públicos, pelo fato de não poder comprar um imóvel nas áreas

mais centrais da cidade onde no geral, tais serviços são mais bem ofertados. Desse modo, a

pobreza continua a se localizar nas franjas da cidade, melhor dizendo nas vilas as quais

estão situadas nas áreas mais periféricas.

4 CONCLUSÃO

No presente artigo foi feita uma discussão sobre a questão da segregação

socioespacial no Brasil como uma expressão da pobreza urbana, cujos determinantes

encontram raízes no processo de concentração da terra no meio rural e urbano e também

na natureza do nosso mercado de trabalho que nunca foi capaz de incorporar o conjunto da

força de trabalho e tampouco assegurou salários condizentes com as necessidades de

reprodução social daqueles que foram incorporados.

Em face desses condicionantes é possível dizer que a questão do acesso à

moradia digna para a classe que vive do trabalho, particularmente àqueles mais pobres

continua sendo bastante difícil. Desse modo, grandes contingentes de trabalhadores,

mesmo assalariados, alguns até mesmo de setores considerados mais dinâmicos da

economia acabam residindo em favelas onde as condições de habitabilidade são precárias.

Isto demonstra que as forças sociais, políticas e econômicas ao longo do

processo histórico produziram um quadro de desigualdades profundas que acaba por

subordinar amplos segmentos da população até os dias mais recentes, condições sociais

bem adversas, configurando situações de apartação social, excluídos tanto do usufruto de

benefícios e serviços públicos, mas também do acesso às condições de trabalho para a sua

reprodução e de seus familiares, dentre os bens que estão indisponíveis a esses segmentos

encontra-se à moradia digna.

. Em São Luís do Maranhão, capital do estado, mas também nos demais

municípios da região metropolitana, a situação de pobreza e de segregação não são

diferentes, pois estes municípios também denotam um processo desordenado de expansão

urbana, processo que se acentuou, sobretudo, nas últimas décadas em face dos

investimentos advindos da instalação dos projetos minero metalúrgicos e da exportação dos

produtos do agronegócio, particularmente a soja.

Nesse processo a dinâmica da urbanização de São Luís se fez com o aumento

da pobreza e a crescente pauperização de vastos segmentos da população que chega a

cidade e passa a morar nas inúmeras áreas periféricas comumente conhecidas como vilas –

a favela maranhense (Diniz, 2007), e que no geral, são constituídas através de processos

ilegais de ocupação.

Essa dinâmica se mostra com as contradições típicas das cidades capitalistas,

pois de um lado temos o crescimento das áreas urbanas periféricas com as denominadas

vilas, onde se localiza a população menos aquinhoada, e por outro, vemos crescer os

empreendimentos imobiliários de luxo, localizados quase sempre nas áreas próximas das

praias, configurando o que autores como Caldeira (2000) denominou de enclaves

fortificados, por se constituírem no formato de condomínios fechados com um aparato de

segurança eletrônica via câmeras de filmagens, além de portarias com segurança armada.

Em síntese, é no âmbito de contradições e conflitos que a cidade de São Luís se

expande envolvida numa acelerada dinâmica de urbanização. Nesse percurso vemos que a

cidade cresce e se verticaliza, mas vemos também que as áreas periféricas para onde se

desloca a população mais pobre também se expande e continua a viver sem o acesso a

bens e serviços sociais públicos. Constata-se, portanto, que a pobreza continua a se

localizar nas franjas da cidade, melhor dizendo nas vilas as quais estão situadas nas áreas

mais periféricas da cidade.

REFERÊNCIAS BURNETT. Frederico Lago. São Luís por um triz: escritos urbanos e regionais, São Luís: EDUEMA, 2012. DINIZ. Juarez Soares. As condições e contradições no espaço urbano de São Luís (MA): traços periféricos; Ciências Humanas em Revista - São Luís, V. 5, n.1, julho 2007. LEFEBVRE, Henri. A cidade do capital. Rio de Janeiro: DP&A editora, 1999. (Capítulos 1 e 2); MARICATO. Ermínia. O impasse da política urbana no Brasil, Petrópolis: Vozes, 2012. PASTERNAK. Suzana. A cidade que virou favela, In. VALENÇA. Márcio Moraes (Org.). Cidade (i) Legal, Rio de Janeiro: Mauad X, 2008. RODRIGUES. Arlete Moysés. Loteamentos murados e condomínios fechados: propriedade fundiária urbana e segregação socioespacial, IN. VASCONCELOS. Pedro de Almeida; CORRÊA. Roberto Lobato; PINTAUDI. Silvania Maria (Orgs.). A cidade contemporânea: segregação espacial, São Paulo: Contexto, 2013. SANTANA. Raimunda Nonata do Nascimento. Urbanidade e segregação: usos do território, modos segregados de moradia e imagens urbanas em São Luís, cidade patrimônio cultural da humanidade, In. LIMA. Antônia Jesuíta de. Cidades brasileiras: atores, processo e gestão pública (Org.), Belo Horizonte: Autêntica, 2007. SILVA. José Borzacchiello da. O mercado de trabalho e a cidade brasileira, In. VALENÇA. Márcio Moraes (Org.). Cidade (i) Legal, Rio de Janeiro: Mauad X, 2008.

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POBREZA, CONDIÇÕES DE VIDA E POLÍTICA HABITACIONAL: Programa Minha

Casa Minha Vida (PMCMV)

Rosangela Dias Oliveira da Paz31

RESUMO: A comunicação parte do reconhecimento de que o

direito a moradia está estritamente vinculado ao direito à

cidade e à cidadania e apresenta reflexões sobre o tema da

pobreza e das condições de vida da população nos centros

urbanos e as respostas da política habitacional, em particular

do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), desenvolvido

pelo governo federal. Reafirma-se o compromisso com a

construção de cidades mais justas, onde o direito à moradia

constitua elemento para novas formas de urbanização

baseadas no valor de uso e não no valor de troca, e na

construção de cidades em que a função social da propriedade

se sobreponha às formas de especulação fundiária e

imobiliária.

Palavras-chave: política habitacional, condições de vida,

trabalho social.

ABSTRACT: The communication of the recognition that the

right to housing is closely linked to the right to the city and

citizenship and presents reflections on the theme of poverty and

living conditions of the population in urban centers and the

answers of the housing policy, in particular the Program Minha

Casa Minha Vida (MCMV), developed by the federal

government. Reaffirms the commitment to building fairer cities

where the right to housing constitutes element for new forms of

urbanization based on use value and not on exchange value,

and in the construction of cities where the social function of

property is overlaps the forms of land and property speculation.

Keywords: housing policy, living conditions, social work.

31

Doutora. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). E-mail: [email protected]

Contamos com a participação de Maria de Lourdes da Paz Rodrigues, Marisa de Almeida Blanco e.Carola Carbajal Arregui.

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1 INTRODUÇÃO

Essa comunicação fundamenta-se em parte nos resultados de pesquisa

desenvolvida a partir de edital do Ministério das Cidades e do CNPq que avaliou os

resultados do trabalho social e os impactos do PMCMV na vida das famílias, tendo

como estudo de caso o município de Osasco/SP.

O projeto de pesquisa desenvolveu-se em duas linhas: a) avaliação da

execução e dos resultados do Trabalho Social do PMCMV na cidade de Osasco/SP e;

b) avaliação dos impactos sociais e econômicos nas famílias beneficiárias do PMCMV.

Essas duas linhas de pesquisa articulam-se com as avaliações de inserção urbana

dos empreendimentos e busca apreender e identificar os processos, resultados e

impactos das intervenções na vida das pessoas, famílias e organizações populares, na

promoção de mudanças nas relações sociais, nas condições reais de vida e na

motivação aos processos participativos.

O projeto integra a Rede CIDADE E MORADIA, uma articulação nacional

de pesquisadores que reúne instituições de ensino e pesquisa com perspectivas

analíticas em comum sobre a inserção urbana, a qualidade e o acesso à moradia, os

impactos urbanos, ambientais, sociais e econômicos dos investimentos habitacionais

do PMCMV. A articulação dessa Rede, composta por 11 equipes de diversos estados

brasileiros32 tem fortalecido e potencializado os estudos no campo da avaliação e do

monitoramento da política habitacional.

Ao tratarmos da inserção urbana e do trabalho social realizado nos

conjuntos produzidos pelo Programa Minha Casa Minha Vida, tanto do ponto de vista

dos padrões de segregação socioespacial vigentes, como do ponto de vista de seus

impactos nas vidas das famílias moradoras procuraremos estabelecer um diálogo com

32

Participam da Rede Cidade e Moradia: (1) LABCAM FAU-UFPA (RM Belém e Sudeste do Pará); (2) LEHAB DAU-UFC (RM Fortaleza); (3) PPGAU (LabHabitat)/PPEUR – UFRN (RMNatal); (4) Praxis Escola de Arquitetura –UFMG (RM Belo Horizonte); (5) IPPUR-UFRJ (RM Rio de Janeiro); (6) CiHaBe PROURB-UFRJ (RM Rio de Janeiro); (7) Polis-SP, (8) NEMOS – CEDEPE - PUC-SP (RM São Paulo / Osasco); (9) LabCidade FAUUSP (RM São Paulo e RM Campinas); (10) IAU-USP São Carlos + PEABIRU (RM São Paulo); (11) IAU-USP São Carlos (Regiões administrativas de São Carlos e Ribeirão Preto).

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um dos temas centrais de debate das políticas habitacionais contemporâneas: quais

necessidades sociais estão sendo atendidas? Que cidades estão sendo construídas?

A política habitacional no Brasil é um campo de disputa, envolve interesses

distintos e contraditórios que mobiliza movimentos sociais, desafia o Estado, pauta o

debate acadêmico e atrai as forças do mercado da construção civil e imobiliário.

A questão não se reduz a discussão sobre o déficit habitacional e a

produção de casas e apartamentos, mas deve enfrentar o debate sobre que

necessidades sociais estão sendo atendidas.

A desigualdade social se expressa nas cidades brasileiras e nos seus

territórios intraurbanos, com condições de vida precárias, no qual o acesso a bens e

serviços é muito desigual. É central para a compreensão da temática o conceito de

segregação socioespacial que se relaciona com a reprodução das desigualdades, pois

remete a distribuição do poder social, ou as possibilidades e estratégias que os

diferentes grupos e classes sociais tem para disputar o espaço urbano e definir

recursos e usos dos serviços, agravando a questão urbana como expressão concreta

da questão social. Como afirma Lavinas (2003) a pobreza, enquanto questão tem o

selo urbano, pois revela a disputa pela apropriação do espaço urbano, na luta pela

moradia e pelo controle dos novos locus de produção.

2 POBREZA, CONDIÇÕES DE VIDA E DIREITO À MORADIA

Falar em pobreza é falar em desigualdade social, das grandes diferenças

entre pobres e ricos, das formas de produção e redistribuição da riqueza socialmente

produzida. Mas é nas cidades brasileiras e nos seus territórios intraurbanos que se

expressam a pobreza e a desigualdade social, visíveis nas condições de trabalho e

vida precários, no acesso desigual a bens e serviço sociais públicos e na própria

configuração dos espaços públicos e coletivos.

A cidade do capital é marcada pela segregação socioespacial que separa,

cria guetos, consequencia da reprodução das desigualdades e da concentração do

poder, agravando a questão urbana como expressão concreta da questão social.

Como afirma Lavinas (2003) a pobreza, enquanto questão tem o selo urbano, pois

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revela a disputa pela apropriação do espaço urbano, na luta pela moradia e pelo

controle dos novos locus de produção.

A moradia é uma dimensão importante do direito à cidade e do acesso a

melhores condições de vida e de enfrentamento a pobreza e a desigualdade. Para

além do abrigo e da segurança, moradia envolve inserção na cidade, nos espaços

públicos, na mobilidade e circulação, no acesso aos serviços sociais. Como diziam

ENGELS e MARX (1987, p. 39):

[...] o primeiro pressuposto de toda a existência humana e, portanto, de toda a História, é que os homens devem estar em condições de viver para poder ‘fazer história’. Mas, para viver, é preciso antes de tudo comer, beber, ter habitação, vestir-se e algumas coisas mais. O primeiro ato histórico é, portanto, a produção dos meios que permitam a satisfação destas necessidades, a produção da própria vida material, e de fato este é um ato histórico, uma condição fundamental de toda história, que ainda hoje, como há milhares de anos, deve ser cumprido todos os dias e todas as horas, simplesmente para manter os homens vivos.

As discussões por reforma urbana no Brasil datam dos anos 1950, mas é a

partir dos anos 1980, que os movimentos de luta por moradia, grupos de profissionais

e o Fórum Nacional da Reforma Urbana ocuparam a cena política e interferiram no

processo constituinte de 1988. O reconhecimento do direito à moradia como um direito

humano fundamental na Constituição Federal de 1988 deu-se através da Emenda

Constitucional no. 26/2000, que incluiu a moradia dentre os direitos sociais elencados

no artigo 6º: "São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a MORADIA, o

lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a

assistência aos desamparados, na forma desta Constituição."

Os artigos 182 e 183 da Constituição Federal de 1988 definem os objetivos

da política de desenvolvimento urbano de ordenamento do pleno desenvolvimento das

funções sociais da cidade e a desapropriação de imóvel urbano para fins de moradia.

A regulamentação desses artigos concretizou-se com o Estatuto da Cidade (LEI n.

10.257/2001).

Entretanto, apesar dos avanços legais, o modelo de desenvolvimento

capitalista reordena as relações sociais de exploração na cidade, na qual a terra e os

recursos de infraestrutura são objetos de financeirização, gerando transformações

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urbanas e novas formas de segregação socioespacial, agravando a questão urbana

como expressão concreta da questão social.

Vivemos em uma época em que ideais de direitos humanos se deslocaram do centro da cena tanto política como eticamente. [...] vivemos num mundo onde os direitos de propriedade privada e a taxa de lucro se sobrepõem a todas as outras noções de direito. (HARVEY, 2008).

Nesse contexto a moradia é um conceito em disputa, um direito ou um

bem de consumo individual, uma mercadoria, ou um ativo financeiro. Para o capital,

representado pelo setor da construção e mercado imobiliário, a política habitacional é

um nicho de mercado para atender os seus interesses.

3 PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA E O TRABALHO SOCIAL

Com a criação do Ministério das Cidades, ampliam-se a concepção e o

reconhecimento do trabalho social (TS), que passa a ser concebido como um direito

do cidadão na Política Nacional de Habitação e sua exigência é estendida para os

Programas de Saneamento Ambiental Integrado, em particular, com o Programa de

Aceleração do Crescimento (PAC), em 2007.

De 2003 a 2005, o Ministério das Cidades estruturou suas políticas,

aprovando, no Conselho das Cidades, em 2004, a Política Nacional de Habitação, que

foi complementada e regulamentada, em 2005, pela Lei 11.124, aprovada pelo

Congresso Nacional e que dispõe sobre o Sistema Nacional de Habitação de Interesse

Social (SNHIS), cria o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS) e

institui o seu Conselho Gestor.

De acordo com Cardoso e Aragão (2013, p. 36),

Em março de 2009, com o objetivo de criar condições de ampliação do mercado habitacional para atendimento das famílias com renda de até 10 salários mínimos (SM), o governo anuncia o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV). Estabelecendo um patamar de subsídio direto, proporcional à renda das famílias, este Programa busca claramente impactar a economia através dos efeitos multiplicadores gerados pela indústria da construção. Além dos subsídios, o PMCMV aumentou o volume de crédito para aquisição e produção de habitações, ao mesmo tempo em que reduziu os juros. Com a criação do Fundo Garantidor da Habitação, foram aportados

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recursos para pagamento das prestações em caso de inadimplência por desemprego e outras eventualidades. Desta forma, buscou-se manter o desenvolvimento do setor imobiliário e reaquecer as atividades do ramo da construção civil, que experimentava uma fase de intenso crescimento desde 2006, mas que vinha sofrendo impactos da crise econômica.

A Instrução Normativa nº 8/2009, do Ministério das Cidades, definiu o TS

como,

[...] um conjunto de ações que visam promover a autonomia, o protagonismo social e o desenvolvimento da população beneficiária, de forma a favorecer a sustentabilidade do empreendimento, mediante a abordagem dos seguintes temas: mobilização e organização comunitária, educação sanitária e ambiental e geração de trabalho e renda.

Foi publicado novo normativo sobre o TS, com alterações significativas no

conteúdo do trabalho e no financiamento das ações (PORTARIA Nº 21, de 22 de

janeiro de 2014). A portaria propõe, no artigo 1º:

Art. 1º Aprovar o Manual de Instruções do Trabalho Social dos Programas e Ações do Ministério das Cidades, contendo normas e orientações para elaboração, contratação e execução do Trabalho Social nas intervenções de habitação e saneamento objetos de operações de repasse ou financiamento firmadas com o setor público; intervenções de habitação objetos de operações de repasse com entidades privadas sem fins lucrativos; nas intervenções inseridas no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) dos demais programas que envolvam o deslocamento involuntário de famílias; bem como, naquelas executadas no âmbito do programa Minha Casa Minha Vida, em todas as suas modalidades (MCIDADES, 2014), ou seja, uma instrução única para todos os programas e projetos de trabalho social na habitação e saneamento. Sustenta a mesma definição de Trabalho Social, ou seja: “O Trabalho Social, de que trata este Manual, compreende um conjunto de estratégias, processos e ações, realizado a partir de estudos diagnósticos integrados e participativos do território, compreendendo as dimensões: social, econômica, produtiva, ambiental e político-institucional do território e da população beneficiária, além das características da intervenção, visando promover o exercício da participação e a inserção social dessas famílias, em articulação com as demais políticas públicas, contribuindo para a melhoria da sua qualidade de vida e para a sustentabilidade dos bens, equipamentos e serviços implantados”.

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As reflexões da equipe de pesquisa apontam para avanços e limites

desses normativos. São avanços importantes o reconhecimento do trabalho social

como um componente da política habitacional, articulado às diretrizes das políticas

urbana e habitacional do País e também a definição de parâmetros para a execução

do TS e o seu financiamento.

Por outro lado, os normativos apresentam problemas e limites, ao

estabelecer conteúdos para o TS que não encontra capacidades institucionais e

técnica das equipes locais.

A configuração da gestão da política habitacional nos municípios é muito

diversa, seja pelo porte dos municípios, do orçamento ou da estrutura administrativa,

mas, em geral, a configuração, em especial das equipes técnicas, é precária, pelo

processo histórico de desmonte das políticas sociais.

Na trajetória das políticas públicas, a habitação de interesse social, até a

CF de 1988, não era atribuição municipal, e as ações nesse campo, quando

desenvolvidas, eram definidas como campo da política de assistência social, na

concepção conservadora de que habitação voltada para os segmento mais pobre é

uma ajuda, um favor, ou ainda restrita ao atendimento emergencial para áreas de

risco. Em plenos anos 2000, em muitos municípios, o trabalho social nos diversos

projetos habitacionais, ou mesmo os atendimentos emergenciais estão locados nas

secretarias ou departamentos de assistência social, sem que a habitação seja

reconhecida como lócus próprio da política pública e, assim, as ações praticadas são

reduzidas à prestação de alguns serviços e atendimentos individualizados e

imediatistas com vistas a minimizar condições precárias de habitabilidade, além de

sobrecarregar a área da assistência social com funções que não são suas.

A falta de estrutura e de pessoal, nas prefeituras, no contexto de

aprovação de projetos, leva a acentuada terceirização de serviços, que, no caso do

TS, exige contínuo acompanhamento, supervisão, tarefas que as pequenas equipes

das prefeituras, pelo acúmulo de trabalho, não têm condição de executar. Essa

situação gera autonomia e desconexão do trabalho terceirizado com o planejamento,

que se reflete nas famílias e na organização social dos empreendimentos.

A Secretaria Nacional de Habitação tem feito esforços e investimentos na

capacitação técnica dos municípios, com publicações, seminários e cursos, mas é fato

que há um déficit de estrutura de gestão nos municípios, desde os anos 1990, com os

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limites orçamentários e as políticas neoliberais. No caso do TS, registra-se, a partir de

2010, três cursos a distância, que introduziram os conteúdos centrais para o trabalho.

Mas, apesar dessas iniciativas, pouco se investiu em recursos humanos (verificada

pela ausência de concursos na área), equipamentos, fluxos, atribuições e

competências. A tônica tem sido a terceirização de serviços com baixa capacidade de

intervenção direta. Avalia-se que a Política Nacional de Habitação deve induzir um

reordenamento institucional por meio de programas de desenvolvimento institucional e

de implantação do Sistema Nacional de Habitação articulado nas três esferas de

governo.

Com os novos normativos, o papel da SNH é de regulação e

monitoramento. A Caixa realiza o acompanhamento e o monitoramento dos projetos

encaminhando ao Ministério das Cidades, dados, planilhas, relatórios, projetos,

quando solicitado. Dessa forma, a relação das equipes das prefeituras é muito mais

com o agente financeiro do que com o ministério, o que traz impactos na concepção e

implementação dos projetos sociais.

4 O MUNICIPIO DE OSASCO E O TRABALHO SOCIAL

Osasco, um dos 39 municípios da Região Metropolitana de São Paulo, é a

6ª maior cidade do Estado, em termos populacionais33, e o 11º Produto Interno Bruto

(PIB) entre os 5.565 municípios brasileiros34. Com uma população estimada, em 2014,

de 693.271 pessoas, em uma área total de 64,954 quilômetros quadrados,

inteiramente urbana, possui 10.264 habitantes por quilômetros quadrados (IBGE,

2014).

33

Segundo o Censo IBGE de 2010, Osasco ocupa o 6º lugar no ranking do estado de São Paulo, figurando dentre as mais populosas, ficando atrás somente de São Paulo, Guarulhos, Campinas, São Bernardo do Campo e Santo André.

34

Segundo os últimos dados divulgados pelo IBGE (Base ano de 2011), o ranking das 10 cidades de maior concentração do PIB brasileiro, em ordem decrescente, foram: São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Curitiba, Belo Horizonte, Manaus, Porto Alegre, Guarulhos, Fortaleza, Campinas, Osasco e Salvador. A cidade de Osasco, com Campinas e Guarulhos, foram as cidades paulistas que figuraram nesse ranking em meio às capitais brasileiras, ficando à frente de Salvador e Recife, por exemplo (Fonte: IBGE,PIB_municipios 2011).

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O Município de Osasco teve um processo de expansão urbana desigual e

excludente, como parte das grandes cidades brasileiras, caracterizado

predominantemente pela precariedade e informalidade. O município, que até 1962 era

um distrito de São Paulo teve, nas últimas décadas, um rápido processo de ocupação

do solo, ocasionado pelo movimento migratório e o crescimento vegetativo

desencadeado pelo crescimento econômico da Região Metropolitana.

A partir da década de 1960, Osasco atraiu numerosa população, que

ocupou não só os lotes irregularmente implantados, como também áreas públicas,

dando origem às favelas, que foram denominadas pela Prefeitura do Município de

Osasco como áreas livres. A densidade populacional aumentou significativamente com

a super ocupação de lotes, sendo comum encontrar mais de uma família residindo em

um mesmo lote, nos bairros periféricos do município.

O processo de formação do território de Osasco está diretamente ligado à

industrialização da Região Metropolitana de São Paulo e ao processo de expansão

periférica da área urbanizada de São Paulo. A instalação das primeiras indústrias

ocorreu no fim do século XIX e início do século XX. O período pós-guerra alavancou a

implantação de grandes indústrias, tornando Osasco, que então era distrito do

Município de São Paulo, importante território industrial, que, a partir dos anos 50,

reúne contingente expressivo de população migrante. Como no Município de São

Paulo, o número de favelas em Osasco e sua população moradora deram um enorme

salto, a partir dos anos 80.

Osasco possuía, em 2007, 143 núcleos habitacionais, com 30.266

domicílios precários, representando 16,72% da população total da cidade. No geral,

esses domicílios estavam em áreas públicas municipais destinadas originalmente a

espaços de lazer e recreação, praças, equipamentos públicos, sistema viário, bem

como em áreas de preservação ambiental, à beira de rios e córregos, e,

consequentemente, sujeitas a enchentes. A Secretaria de Habitação e

Desenvolvimento Urbano da Prefeitura de Osasco estimava, em 2006, em torno de

60% do território com algum tipo de irregularidade fundiária (CARVALHO, 2009).

As áreas de risco detectadas, que não haviam sido objeto de intervenção

anterior, passaram a ser prioritárias para inclusão nos programas habitacionais de

Regularização Fundiária, Urbanização de Favelas, Provisão Habitacional e Bolsa

Aluguel.

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Em 2005, na gestão do prefeito Emídio de Souza (PT), houve uma

mudança substantiva na Secretaria de Habitação, que passa a ser Secretaria de

Habitação e Desenvolvimento Urbano (Sehdu), apontando uma nova concepção que

articula e integra as intervenções na cidade.

Nesse período, o trabalho social (TS) começa a ser estruturado. Até 2005,

a Secretaria de Habitação atuava, de forma precária, em duas frentes: o Programa do

Habitar Brasil BID (HBB), com apenas um projeto habitacional em andamento (área

denominada Y, onde seriam construídas 728 unidades), e outra frente de atendimento

individualizado, com serviços de concessão de espaço para a construção de barracos,

doação de madeiras e comprovante de endereço. Essa era a política municipal de

habitação, ou melhor, a ausência de política municipal, que, em certa medida, é

responsável pelo alto índice de irregularidade da terra em Osasco.

Na área técnica, a equipe era a do HBB, por exigência do programa

federal, composta por uma assistente social, uma engenheira, uma arquiteta. A equipe

do HBB era o núcleo, pequeno, mas melhor estruturado da secretaria; dispunha de

espaço físico (uma sala), com computador, material, recurso para contratar

assessoria.

A outra frente de trabalho da Secretaria não tinha estrutura nem

planejamento, entregava madeira, fazia remoção de áreas de obras públicas, apenas

com funcionários operacionais e administrativos e alguns engenheiros, não dispondo

de assistentes sociais, mas tinha pessoas ligadas a políticos da cidade (vereadores),

que eram contratados para fazer a relação com os moradores, configurando um

atendimento clientelista.

O TS nas favelas ou áreas livres35 inexistia. Até 2005, prevaleciam as

relações de favor, eleitoreiras e clientelistas. As áreas não tinham nomes, eram

denominadas de A a Y e todas tinham um presidente, que se relacionavam

diretamente com o secretário de habitação. Exemplo da relação clientelista e

eleitoreira é o fato de que o secretário daquela época era um vereador e o cadastro

social das famílias exigia o número do título de eleitor, que induzia a uma pressão ao

voto em candidatos da situação ou indicados pelo secretário.

35

Em Osasco, as favelas são chamadas de áreas livres.

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Com a mudança de gestão, em 2005, na Secretaria de Habitação e

Desenvolvimento Urbano, cria-se a Departamento de Habitação de Interesse Social,

com três coordenações – Técnica, Regularização Fundiária e Social – que passam a

fazer a interlocução com as áreas livres e seus presidentes e, aos poucos, começam a

mudar as relações com a população. O desafio era construir um novo desenho da

política, romper com a prática clientelista e tuteladora e promover a participação e uma

direção coletiva.

Destaca-se que em agosto de 2006, foi criado o Conselho Municipal de

Habitação e as comissões de moradores passam a se articular diretamente com o

conselho e a dialogar com o secretário. Do ponto de vista dos movimentos de moradia,

Osasco teve importantes movimentos nos anos 1970 e 1980, articulados com a Igreja

católica, mas, a partir dos anos 1990, foram se fragmentando e fragilizando.

O TS em Osasco não se restringe a execução de atividades ou projeto,

mas participa do ciclo da política urbana e habitacional do município, com destaque

para o planejamento e decisões relativas ao TS, com acesso e diálogo permanente

com o secretário e demais departamentos afins.

Percebe-se que o TS em Osasco evoluiu significativamente de 2005 a

2013. Essa é a terceira gestão, com continuidade na Sehdu. Nesse período, o

Departamento de Trabalho Social passa a responder pelo trabalho nas áreas de

urbanização e regularização fundiária, organizando a equipe em duas regiões (norte e

sul) e por programas, e ainda é responsável pelo plantão de atendimento e cadastro

social.

Além de um departamento específico, de inclusão do trabalho nas

diretrizes da política habitacional, ocorre a estruturação de uma equipe social, entre os

quais assistentes sociais, sociólogos e psicólogos; o investimento na realização de

concursos públicos, minimizando a contratação de serviços terceirizados, e o

provimento de condições de trabalho essenciais, como espaço físico, computadores,

etc.

Outro desafio importante da atual gestão da Sehdu referia-se ao conjunto

dos funcionários. Mudar a concepção de TS, introduzir novos conceitos e parâmetros,

considerando a qualidade da moradia e o respeito à organização autônoma dos

moradores. Por outro lado, não havia assistentes sociais na secretaria, os que

atuavam na prefeitura eram da Secretaria da Saúde ou da Assistência Social. Num

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primeiro momento, a alternativa foi contratar, convidar pessoas para compor a equipe.

A contratação de profissionais terceirizados foi uma alternativa, mas com uma

peculiaridade: os profissionais contratados trabalhavam subordinados ao

Departamento de Trabalho Social, participando da equipe cotidianamente, garantindo

assim a direção política, apesar da condição de trabalho desigual entre funcionários

públicos e os chamados terceirizados. Nesta direção, começa-se a constituir um novo

quadro de funcionários, afinados com os princípios de uma política habitacional como

direito social.

Destacam-se, entre os princípios norteadores da Política Municipal de

Habitação (2005): o reconhecimento à moradia digna como direito social; a

participação da sociedade civil na definição, gestão e controle da política habitacional

e urbana; ações de inclusão social e fortalecimento das organizações locais;

articulação da política de habitação com as demais políticas urbanas e sociais,

considerando a qualidade da moradia (infraestrutura, equipamentos sociais e serviços

coletivos).

A trajetória, na cidade de Osasco, revela um investimento na estruturação

do TS na política pública e em sua gestão. São praticamente dez anos de gestão

continua da Sedhu. Esse aspecto merece destaque, pois fará toda a diferença na

análise dos resultados do TS. Em 2005, havia apenas um profissional e, em 2013,

uma equipe com mais de 20 profissionais, chegando, em janeiro de 2015 a uma

equipe com mais de 40 funcionários (incluído os funcionários administrativos).

5 CONCLUSÃO

É com o olhar para a construção de cidades, que deve se inserir o trabalho

social. Defende-se que os princípios que norteiam o TS nas políticas urbana e

habitacional devem afirmar o direito à cidade; o direito à moradia digna; o direito à

organização e participação da população em todos os momentos do processo

construtivo e no controle democrático da política habitacional. São muitas as questões

para refletir, nas recentes produções do PMCMV.

O Trabalho Social faz a diferença, mas não resolve problemas estruturais

do programa, como projeto, obra, inserção urbana, mobilidade, e problemas do

contexto social (acesso a serviços, emprego e presença e atuação do tráfico).

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A efetividade do TS depende da sua inserção nas estruturas administrativa

e política da secretaria responsável pela política habitacional, com definição de

competências e responsabilidades, condições de trabalho e equipe dimensionada e

capacitada de acordo com as necessidades das frentes de trabalho.

Aspecto fundamental é o investimento sistemático na formação e

capacitação técnica e política da equipe social para a definição coletiva de diretrizes,

planos de trabalho (não apenas para cumprir formalidades do financiamento das

agências) e para a própria implementação. A consistência do TS depende da

discussão coletiva e do compartilhamento de conceitos-chaves, como moradia digna,

qualidade de vida, trabalho, participação, movimentos sociais, etc. Mas isso só se faz

com equipe fixa e permanente. Cabe ao ente público dimensionar a equipe e prover as

condições para o seu funcionamento, como concurso e contratações.

As análises apontam a necessidade de investimentos em programas de

formação dos quadros técnicos sobre a política urbana e habitacional, a concepção de

trabalho social, competências, metodologia e estratégias de ação, afinadas com a

política habitacional, a qualidade da moradia, a participação e organização social.

Do ponto de vista da concepção sobre TS, parte-se da compreensão de

totalidade e integração (necessária) entre políticas habitacional, urbana, sociais e

ambientais. Nessa perspectiva, compreende-se que o TS é um componente essencial

das políticas habitacional e urbana e, portanto, deve estar articulado às suas diretrizes,

de maneira sistemática, contínua e interdisciplinar.

A natureza do TS é essencialmente relacional e processual. Trabalhar com

a população, as famílias, os movimentos sociais, as redes e organizações, implica

conhecer as relações que se estabelecem nos territórios, as disputas e os conflitos e

intervir respeitando as características socioculturais.

Essa processualidade impõe a interlocução e o planejamento entre as

diferentes equipes, a engenharia, arquitetura, o jurídico e as equipes sociais, e, ainda,

a articulação com as outras áreas de políticas públicas para responder às

necessidades das famílias.

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REFERÊNCIAS BRASIL. Ministério das Cidades. Secretaria Nacional de Habitação. Política Nacional de habitação. Cadernos M. Cidades, n. 4, Brasília, 2005. ______. Instrução Normativa nº 27. Brasília, 2007. ______. Instrução Normativa nº 50. Brasília, 2008. ______. Instrução Normativa nº 8. Brasília, 2009. CARDOSO, Adauto Lucio (Org.). O programa minha casa minha vida e seus efeitos territoriais. Rio de Janeiro: Observatório das Metrópoles: Letra Capital, 2013. CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. Cidades de muros – crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo: Editora 34: Edusp, 2000 ENGELS, Friedrich e MARX, Karl. A ideologia alemã. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p. 39. HARVEY, David.The right to the city. New Left Review, 53, set./out., 2008. LAVINAS, Lena. Rede Urbal: Documento Base URB-AL 10. REDE URBAL 10 Luta Contra a Pobreza Urbana, Documento de Guia, In: Rede Urbal. São Paulo: PSP/Sec. Rel. Internacionais, texto, 2003. MARICATO, Ermínia. Brasil, cidades – alternativas para a crise urbana. Rio de Janeiro/RJ: Vozes, 2002. ONU-HABITAT. Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos. Relatório: Estado das Cidades da América Latina e do Caribe 2012 – Rumo a uma nova transição urbana. 2012. Disponível em: <http://estaticog1.globo.com/2012/08/21/Estado-de-las-Ciudades-de-America-Latina-y-el-Caribe-2012.pdf>. PAZ, Rosangela D. O. da; TABOADA, Kleyd Junqueira. Conceitos básicos para intervenções habitacionais. In: Trabalho social em programas e projetos de habitação de interesse social. Ministério das Cidades. Curso a Distância, 2010.