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31-07-2019
MULHERES E HOMENS NO MUNDO DO TRABALHO UMA IGUALDADE DESIGUAL
O LINA COELHO. Professora Auxiliar. Universidade de Coimbra. Faculdade de Economia e ENGIRISCO
N o quadro das transformações globais em curso — revolução tecnológica, demografia e mudança climática — as economias mais bem-sucedidas se-rão aquelas que demonstrarem capacidade para aproveitar
mais cabalmente a inteligência, o talento, a criatividade e as capacidades humanas de que dispõem, de forma abran-gente e inclusiva. A plena participação das mulheres, em condições de igualdade com os homens, em todas as es-feras da vida social, incluindo os processos de decisão, é uma questão de direitos humanos da qual depende o bem-estar de todas as pessoas, tal como reconhecido pe-los países membros das Nações Unidas na Declaração e Plataforma de Ação de Pequim (1995) e reafirmado na
Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável (2015).
Apesar de todos os progressos alcançados nas últimas
décadas, a efetiva igualdade entre homens e mulheres
no mundo do trabalho está longe de ser atingida. O Fórum
Económico Mundial estima em duzentos e dois o número
de anos necessários para que aquele objetivo se concre-
tize, a manterem-se os ritmos de progresso atualmen-
te verificados (WEF, 2018). Mesmo nas zonas do mundo
mais bem-sucedidas, como a União Europeia (UE), as de-
sigualdades continuam a manifestar-se na participação
na força de trabalho, nos tipos de ocupação ou na remu-
neração média por hora de trabalho (Comissão Europeia,
2019). As taxas de emprego dos homens e das mulheres
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são já muito semelhantes nalguns países (apenas 4 pon-
tos percentuais de diferença na Suécia ou na Finlândia)
mas mantêm diferenças acentuadas noutros (cerca de 20
p.p. em Itália ou na Grécia). As carreiras profissionais das
mulheres são mais curtas e dominadas por modalidades
de prestação de trabalho com maior precariedade e meno-
res direitos laborais, maior incidência de trabalho a tempo
parcial e trabalho temporário. Nenhum país conseguiu,
até hoje, eliminar as diferenças salariais entre homens
e mulheres, com estas a receberem, em média, menores
remunerações por hora trabalhada (menos 16% na UE).
E nem sempre as mudanças vão no sentido desejável. Por
exemplo, num contexto de redução generalizada do hiato
salarial entre os sexos na União Europeia, Portugal regis-
tou um agravamento pronunciado de 10%, em 2009, para
17,5%, em 2016.
As desigualdades remuneratórias prejudicam as mulheres
não apenas durante o período de vida ativa, mas também
na velhice, uma vez que determinam menores descontos
para a segurança social o que, até porque muitas vezes
combinado com menores períodos contributivos, resul-
ta em pensões de reforma mais baixas. Não surpreende,
pois, que as mulheres sejam mais afetadas pela pobreza,
em particular quando idosas ou responsáveis por famílias
monoparentais.
As diferenças salariais entre homens e mulheres resultam
de uma multiplicidade de fatores, onde releva a segrega-
ção ocupacional, horizontal e vertical, em função do sexo.
Os padrões de segregação são transversais a diferentes
sociedades. Mulheres e homens tendem não só a exercer
profissões diferentes, mas também funções diferentes
dentro de uma mesma profissão. A própria repartição por
sectores é assimétrica, com as mulheres desproporcio-
nalmente empregadas no sector público e no sector dos
serviços, em geral, e os homens relativamente mais no
sector privado, na indústria e nos serviços tecnológicos.
Apesar do seu melhor desempenho escolar, é escassa a
presença de mulheres nos lugares de coordenação e de-
cisão, mais bem pagos. Na UE as mulheres representam
menos de 30% dos membros dos conselhos de administra-
ção das empresas cotadas em bolsa, apesar das medidas
de estímulo que têm vindo a ser adotadas. Nas posições
executivas de topo (diretor-geral ou CE0) a representa-
ção feminina não chegava a 7% em 2018. Este défice de
representação estende-se aos lugares de decisão na es-
fera política: em 2018 só cerca de 30% dos ministros e
parlamentares de nível nacional eram mulheres. Também
significativo, na medida em que mimetiza os padrões do
emprego em geral, é o facto de as mulheres prevalecerem
nas áreas socioculturais (40,4% das ministras tutelam
as áreas da saúde, educação, assuntos sociais, emprego,
família, cultura ou desporto) enquanto os homens domi-
nam nas funções básicas do Estado (defesa, justiça, admi-
nistração interna e negócios estrangeiros), na economia
e finanças e nas infraestruturas (81,6% dos ministros).
Segundo dados recentes da OIT, também nas instituições
participantes no diálogo social a presença de mulheres é
minoritária, variando entre 20 a 35% (Beghini, Cattaneo e
Pozzan, 2019).
A polarização das profissões em função do sexo é muito
vincada e tem-se mostrado resiliente. As mulheres predo-
minam fortemente em profissões ligadas ao cuidado às
pessoas e à reprodução social (educação, saúde, proteção
social, bem-estar, apoio a idosos e deficientes, limpeza),
bem assim como nas profissões que envolvem uma re-
lação direta com clientes (caixas, rececionistas, vende-
doras) e apoio administrativo. Por seu lado, os homens
dominam claramente os lugares de gestão de topo em
geral, as atividades ligadas à engenharia e tecnologias, o
trabalho com máquinas ou a condução de veículos. A título
de exemplo, em Portugal cerca de 75% dos profissionais de
medicina, enfermagem e docência são mulheres, enquan-
to 80% dos profissionais das tecnologias de informação
e comunicação são homens. Nas profissões com menor
qualificação, a polarização é ainda mais extremada: 98%
dos profissionais de eletricidade, eletrónica e condução de
veículos são homens; 95% das trabalhadoras de limpeza e
afins são mulheres (Coelho e Ferreira, 2018).
PORQUE PERSISTEM AS DESIGUALDADES ENTRE HOMENS
E MULHERES NO MERCADO DE TRABALHO
A conquista dos direitos à educação, à participação na vida
pública [a começar pelo direito ao voto) e à independên-
cia económica alterou profundamente os padrões de vida
das mulheres, mas não produziu alterações significativas
nas trajetórias de vida e nos quotidianos dos homens. As
mulheres participam na atividade remunerada, mas não
deixaram, por isso, de ser vistas como responsáveis pelo
trabalho doméstico e pelo cuidado aos filhos e outros de-
pendentes da família, não se esperando dos homens que
assumam paritaria mente este tipo de responsabilidades
e funções. Em consequência, a maioria das mulheres tem
a sua liberdade de escolha e capacidade de dedicação à
carreira restringida pelas obrigações domésticas e fami-
liares a que está vinculada de acordo com as represen-
tações sociais de género prevalecentes. Não se espera
dos homens que continuem a trabalhar quando saem do
emprego mas, para a maioria das mulheres, sair do empre-
go significa dar início a uma segunda jornada de trabalho,
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dedicada a assegurar refeições, limpar a casa, lavar e pas-
sar a roupa, ir buscar os filhos à escola e ajudá-los a fa-
zer os trabalhos de casa, cuidar da sua higiene e da sua
saúde física e mental, enfim, um conjunto vasto e variado
de tarefas essenciais à vida que sobrecarregam o tempo
e cerceiam o descanso e o lazer e, como tal, limitam a ca-
pacidade, física e mental para a carreira profissional. No
caso português, as mulheres dedicam, em média, menos
duas horas semanais ao emprego do que os homens mas,
em contrapartida, ocupam mais catorze horas semanais
no trabalho familiar. Contas feitas, a semana de trabalho
das mulheres tem mais doze horas do que a dos homens
(Comissão Europeia, 201?). Não surpreende, pois, que as
mães tenham menores taxas de emprego e menores sa-
lários do que as mulheres sem filhos, verificando-se o in-
verso quando se comparam os pais com os homens sem filhos (Beghini, Cattaneo e Pozzan, 2019).
O desequilíbrio nos papéis sociais atribuídos a homens e
mulheres explica, em grande medida, a manutenção das
desigualdades entre eles e elas. As mulheres têm carreiras mais curtas porque estão mais vezes ausentes do empre-
go para prestar assistência aos filhos e outros familiares
dependentes e, em muitos casos, estão constrangidas a aceitar prestações de trabalho a tempo parcial para pode-
rem conciliar a vida profissional com a vida familiar. Por outro lado, os empregadores preterem as mulheres nas
contratações sem termo, antecipando as restrições que
elas enfrentam em termos de disponibilidade e, quando as recrutam, tendem a remunerá-las menos do que a um trabalhador homem com as mesmas características, aco-
modando assim o que preveem ser o seu maior absentis-
mo futuro, associado sobretudo (mas não apenas) à ma-
ternidade. Os estudos mostram também que as mulheres tendem a ser mais defensivas e cautelosas na construção da sua trajetória profissional, procurando locais de tra-balho que minimizam tempos de deslocação, preferindo empregos que garantem direitos laborais e possibilitam
flexibilidade nos horários (por exemplo, no sector público ou em unidades de menor dimensão onde a informalidade
assegura melhor resposta a necessidades familiares im-previstas) ou recusando posições de liderança geralmente associadas a exigências de disponibilidade permanente para o trabalho.
As escolhas vocacionais são, elas próprias, condicionadas pelos papéis sociais de género prevalecentes. As rapa-
rigas preferem as profissões associadas ao cuidado às pessoas e as que envolvem elevada intensidade de co-
municação interpessoal (educação, saúde, serviços de atendimento e vendas, gestão de recursos humanos) em conformidade com as representações acerca das aptidões
e competências habitualmente associadas à feminilidade.
As línguas, as humanidades, as ciências sociais, as artes
e as ciências da vida e da saúde são vistas como mais
conformes à natureza feminina. Os rapazes, por seu lado,
identificam-se com os modelos amplamente difundidos
pela cultura prevalecente que associa a masculinidade às
atividades físicas, à manipulação de objetos mecânicos e
às tecnologias. A matemática, a física, a eletrónica e a in-
formática são então perspetivadas como próprias do mas-
culino. Estes ditames identitários da masculinidade e da
feminilidade impõem-se fortemente nas escolhas profis-
sionais e educativas. Num quadro geral de feminização do
ensino superior em Portugal, só nas áreas do desporto, das
ciências físicas e matemáticas e, especialmente, das enge-
nharias e das tecnologias de informação e comunicação as
raparigas estão em minoria, evidenciando-se mesmo, nos
últimos anos, um reforço desta tendência (Coelho e Ferrei-
ra, 2018). Uma análise recente da OIT com base em dados
da rede social Linkedin sublinha precisamente o potencial
agravamento das desigualdades entre sexos decorrente
da desvantagem generalizada das mulheres no domínio
das competências digitais, requisito essencial para aceder
às profissões presentemente com maior procura e mais
bem pagas (Beghini, Cattaneo e Pozzan, 2019).
Acresce ainda que o sistema sociolaboral tende a valori-
zar de forma diferenciada as competências e capacidades
atribuídas às mulheres e aos homens determinando, por
exemplo, remunerações mais elevadas ao trabalho que
envolve esforço físico e riscos corporais do que ao traba-
lho que requer maior esforço e maiores riscos de nature-
za psicológica ou emocional. Cuidar quotidianamente de
pessoas, incluindo as que se encontram em situações de
vulnerabilidade e/ou degradação física ou mental, pode ser
um trabalho fastidioso, exigente e esgotante em termos
físicos e emocionais mas é desvalorizado e mal pago por-
que se convencionou que as mulheres são naturalmente
dotadas para o fazer, não precisando de formação especí-
fica para o efeito. Mas as profissões que exigem sobretudo
esforço físico e manipulação de máquinas e ferramentas,
mesmo que simples, são encaradas como mais exigentes
e arriscadas, tendendo a beneficiar de melhores condições
de trabalho e melhores remunerações, até porque ocorrem
em sectores em geral mais regulados, com representa-
ção sindical mais forte e maior capacidade reivindicativa.
A violência e o assédio que atingem desproporcionalmente
as mulheres são também um importante fator de desigual-
dade. Trata-se de um problema que afeta todas as socie-
dades, no espaço público e privado, mas que tende a ma-
nifestar-se especialmente em profissões e sectores onde
as mulheres predominam, como os que envolvem contacto
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direto com o público, em geral, e no serviço doméstico, em
particular (Beghini, Cattaneo e Pozzan, 2019). Trata-se de
uma dimensão especialmente grave das desigualdades
na medida em que limita a participação no emprego e a
qualidade do trabalho, ao mesmo tempo que viola direitos
humanos fundamentais.
CAMINHOS PARA UM FUTURO MAIS JUSTO E EQUITATIVO
A construção da igualdade efetiva entre homens e mulhe-
res no mercado de trabalho requer o reconhecimento so-
cial e político da centralidade do trabalho de cuidado para
o bem-estar social geral e a prosperidade económica. Só
com base nesse reconhecimento se podem superar as di-
ficuldades e resistências à implementação das medidas
necessárias à redistribuição do tempo dedicado à produ-
ção e à reprodução social entre homens e mulheres e à
socialização dos custos do cuidado. O tradicional padrão
de vida masculino não pode continuar a ser validado como
ideal de vida para todos, homens e mulheres. Temos de
interiorizar, todos e todas, que somos seres relacionais e
que a nossa sobrevivência e realização integral, enquanto
pessoas, depende de cuidar e ser cuidado. A apologia, tão
em voga, da disponibilidade permanente para o trabalho
constituiu uma clara negação do compromisso do/a tra-
balhador/a com o cuidado.
Para a superação dos entraves à igualdade é necessá-
rio um programa integrado e abrangente de reformas
que contemple modalidades de horário flexível e moldá-
vel às necessidades específicas de diferentes fases da
vida; licenças parentais, obrigatórias e não transferíveis,
para homens e mulheres; disponibilização de serviços
de cuidado a crianças, idosos e outros dependentes com
qualidade e a custos comportáveis, entre outras medi-
das. Um relatório recente da OIT dá bem conta do alcance
dos desafios que enfrentamos neste domínio, ao propor
um Quadro 5R para a Dignidade do Trabalho de Cuidado,
compreendendo um vasto conjunto de recomendações e
medidas de política dirigidas ao reconhecimento, redução
e redistribuição do trabalho não pago; à recompensa justa
e equitativa do trabalho pago através, nomeadamente, da
regulamentação das atividades de cuidado para assegurar
dignidade às/aos trabalhadoras/es deste sector, e à repre-
sentação do sector do cuidado, quer no diálogo social e
na negociação coletiva quer através da participação equi-
librada de mulheres e homens nas instâncias de decisão
política e económica (Addati et al. 2018).
A dessegregação de profissões e atividades, a começar
na educação e formação profissional, constitui também
uma orientação fundamental para a prevenção dos poten-
ciais efeitos perniciosos da revolução tecnológica e digital.
Urge adotar medidas proativas de incentivo às raparigas
para prosseguirem trajetórias educacionais e profissio-
nais no domínio das ciências, tecnologias e engenharias,
bem assim como assegurar que o desenho das ofertas
de formação ao longo da vida nestas áreas possibilita a
participação equilibrada de ambos os sexos.
E nunca será demais sublinhar que a erradicação da vio-
lência e do assédio constitui condição sine qua non para
um mundo do trabalho com igualdade e dignidade para
todas as pessoas. El
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