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Um beijo sem autoriza- ção, uma brincadeira de cunho sexual e ofensiva ou um elogio recheado de insinuações não são uma “simples paquera”. Acompanhado ou não de uma ameaça, o assédio sexual é um dos piores tipos de violência que uma mulher pode sofrer no local de trabalho e traz sé- rias consequências para a saú- de das trabalhadoras. No mês em que se cele- bra o Dia Internacional de Luta das Mulheres – 08 de março –, o Mulher 24 Horas traz relatos de bancárias que foram vítimas de assédio sexual em bancos do Estado e que tiveram a co- ragem de denunciar os abusos que sofreram. Apesar das res- trições, o assédio sexual é cri- me no Brasil. Transpor a bar- reira do medo e da vergonha e denunciar o abusador ainda é um desafio para as vítimas des- sa violência. Embora muitas vezes o assédio ocorra de forma indivi- dual, ele é uma prática generali- zada. Por isso, superar essa vio- lência depende de uma atitude individual, mas sobretudo de uma ação coletiva. Esta edição mostra que é possível romper a barreira do silêncio e ir além, buscando o fim de toda a forma de violência contra a mulher. Editorial Informativo do Sindicato dos Bancários/ES - Coordenador Geral: Carlos Pereira de Araújo - Diretor de Imprensa: Jonas Freire Santana - Editoras: Bruna Mesquita Gati - MTb 3049-ES, Elaine Dal Gobbo MTb 2381-ES e Ludmila Pecine dos Santos - MTb 2391-ES - Estagiária: Lorraine Paixão - Diagramação: Jorge Luiz (MTb 041/96) - nº 106 - Março/2015 - [email protected] - Tiragem: 10.000 exemplares Mulher 24 HORAS Denúncia que vence o medo Como o assédio sexual interfere no cotidiano das mulheres bancárias VEJA NESTA EDIÇÃO 2 4 Mulheres que tiveram a coragem de denunciar a violência Ergue a cabeça E olha de frente Fala pra eles a tua verdade Levanta os olhos, e tem confiança E faz valer a tua dignidade Conta pros homens a tua luta Fala com força, e fala sempre E tem certeza Vai ter quem te escuta Mostra pro mundo a tua beleza Fala pra eles da tua importância Se, pro futuro, é a porta de entrada Pra humanidade É você a saída Já que carrega a semente da vida Diga pra todos que só quer respeito E que você também tem direito E que você não é objeto, mulher; Você é sujeito Fala pra eles quem você é E na beleza do ser mulher Mostra a firmeza que tem você Mas não te deixa embrutecer Pra você mesma, fala o seguinte: Que se orgulha de ser o que é Que tem ternura; Que tem coragem E acima de tudo, é uma linda mulher Fala pra eles da tua importância... Beleza de Mulher *Música vencedora do Festival Municipal de Música de Colatina/2014, de autoria do bancário da Caixa José Benezoli

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Um beijo sem autoriza-ção, uma brincadeira de cunho sexual e ofensiva ou um elogio recheado de insinuações não são uma “simples paquera”. Acompanhado ou não de uma ameaça, o assédio sexual é um dos piores tipos de violência que uma mulher pode sofrer no local de trabalho e traz sé-rias consequências para a saú-de das trabalhadoras.

No mês em que se cele-bra o Dia Internacional de Luta das Mulheres – 08 de março –, o Mulher 24 Horas traz relatos de bancárias que foram vítimas de assédio sexual em bancos do Estado e que tiveram a co-ragem de denunciar os abusos que sofreram. Apesar das res-trições, o assédio sexual é cri-me no Brasil. Transpor a bar-reira do medo e da vergonha e denunciar o abusador ainda é um desafio para as vítimas des-sa violência.

Embora muitas vezes o assédio ocorra de forma indivi-dual, ele é uma prática generali-zada. Por isso, superar essa vio-lência depende de uma atitude individual, mas sobretudo de uma ação coletiva. Esta edição mostra que é possível romper a barreira do silêncio e ir além, buscando o fim de toda a forma de violência contra a mulher.

Editorial

Informativo do Sindicato dos Bancários/ES - Coordenador Geral: Carlos Pereira de Araújo - Diretor de Imprensa: Jonas Freire Santana - Editoras: Bruna Mesquita Gati - MTb 3049-ES, Elaine Dal Gobbo MTb 2381-ES e Ludmila Pecine dos Santos - MTb 2391-ES - Estagiária: Lorraine Paixão - Diagramação: Jorge Luiz (MTb 041/96) - nº 106 - Março/2015 - [email protected] - Tiragem: 10.000 exemplares

Mulher 24 HORAS

Denúncia que vence o medo

Como o assédio sexual interfere no cotidiano das

mulheres bancárias

VEJA NESTA EDIÇÃO

2 4

Mulheres que tiveram a coragem de denunciar

a violência

Ergue a cabeçaE olha de frente Fala pra eles a tua verdade Levanta os olhos, e tem confiançaE faz valer a tua dignidadeConta pros homens a tua lutaFala com força, e fala sempreE tem certezaVai ter quem te escutaMostra pro mundo a tua belezaFala pra eles da tua importância Se, pro futuro, é a porta de entradaPra humanidadeÉ você a saídaJá que carrega a semente da vidaDiga pra todos que só quer respeito E que você também tem direitoE que você não é objeto, mulher;Você é sujeitoFala pra eles quem você éE na beleza do ser mulherMostra a firmeza que tem vocêMas não te deixa embrutecer Pra você mesma, fala o seguinte:Que se orgulha de ser o que éQue tem ternura;Que tem coragemE acima de tudo, é uma linda mulherFala pra eles da tua importância...

Beleza de Mulher*Música vencedora do Festival Municipal

de Música de Colatina/2014, de autoria do bancário da Caixa José Benezoli

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Assédio sexual: a realidade da opressão feminina nos bancos

“Os comentários eram do tipo: gostosa, deixa eu te chupar! Por..., car..., buc...,

vem cá chupar meu p... Era assim que ele falava com as subordinadas. En-quanto não cumprisse a meta, ele não deixava a equipe ir embora”. Por cerca de dois anos, bancárias de uma agência do Santander da Grande Vi-tória foram submetidas a esse tipo de violência cometida por um gerente da unidade. Apesar de ter sido criminali-zado no Brasil desde 2001, o assédio sexual está presente no cotidiano do trabalho de muitas mulheres, as prin-cipais vítimas.

Na maioria dos casos, o assé-dio começa de forma sutil, com pia-dinhas, brincadeiras desagradáveis e insinuações de cunho sexual. Com o tempo e sem medo de punição, o assediador passa a agir insistentemen-te, pondo a vítima em situações cons-trangedoras, sob ameaça de perda do emprego ou de punições.

Para as mulheres assediadas, o simples ato de trabalhar passa a ser uma tortura. “Algumas reclamavam, outras choravam, outras ficavam quietas. Mas o clima era tenso, por-que ninguém suportava olhar na cara dele. Quem trabalhava diretamente com ele chorava todos os dias, e teve bancária que chegou a ir ao psicólo-go”, conta uma bancária que testemu-nhou os casos.

Pesquisador de Assédio Moral e Sexual e Ética Institucional, o Prof. Dr. Roberto Heloani enfatiza que as-sédio sexual não é paquera. “Quem confunde assédio com paquera quer, na verdade, causar confusão concei-tual e prática, justamente para poder continuar a fazer o que quiser sem dor na consciência ou arcar com as conse-quências sociais e criminais. Paquera não causa medo, repulsa, nojo e nem angústia”, diz o professor da Unicamp.

Segundo dados da Organiza-

Assédio sexual X paqueração Internacional do Trabalho (OIT), 52% das mulheres economicamente ativas no mundo já sofreram assédio sexual no trabalho. Os dados refor-çam que essa é mais uma das faces da discriminação de gênero no trabalho, e uma das mais violentas. Para Helo-ani, a ideia da mulher como objeto e da superioridade masculina ainda está fortemente presente nas relações sociais atuais.

“O que está por trás do assédio sexual não é uma vontade de fazer

um galanteio. Esse comportamento é uma tentativa de explicitar poder e é passível de ocorrer com qualquer mu-lher, independente da roupa que usa, do local onde está, da aparência física ou do seu comportamento social e se-xual. Ocorre com casadas e solteiras, desquitadas ou noivas, jovens ou ido-sas. É errado achar que uma roupa seja um sinal verde para qualquer tipo de violência sexual, inclusive a verbal. Essa ideia precisa mudar. O consenti-mento deve ser dado de livre e espon-tânea vontade, para qualquer aproxi-mação de cunho sexual”, enfatiza.

Marcas no corpo e na menteO assédio sexual pode trazer

consequências graves para a saú-de da vítima, como o estresse, a ansiedade, a depressão e a síndro-me do pânico. Os prejuízos psico-lógicos também levam ao mal es-tar físico, como explica a psicóloga e diretora do Sindicato dos Psicó-logos do Espírito Santo (Sindpsi-ES), Danielle Lacerda.

“A ansiedade pode levar a compulsões. Uma das mais co-muns é a alimentar, mas é possível chegar ao outro extremo, que é a

falta de apetite. O mesmo pode acontecer com o sono. A trabalha-dora pode dormir demais ou ter insônia”, diz Danielle.

Outras consequências pos-síveis são os vícios. “Assim como a comida é uma válvula de escape, o álcool, medicamentos e as drogas ilícitas podem ser ingeridos de for-ma descontrolada. Além disso, a de-pressão e outros problemas psicoló-gicos podem levar até ao suicídio”, alerta a diretora do Sindipsi.

Os prejuízos para a saúde são piores para as mulheres que se cul-pabilizam pelo assédio. “O assédio sexual é um atentado contra a dig-nidade humana. Porém, muitas mu-lheres se culpabilizam pela violência sexual, não só pelo assédio. Elas se questionam se não deram a enten-der que o homem podia ter esse comportamento, se a roupa que usavam estava adequada. Algumas

ouvem da própria família coisas como ‘isso aconteceu

porque você vive trocando de na-morado’. Contu-do, a culpa nun-ca é da vítima”, afirma Danielle.

Danielle Lacerda, psicóloga

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“Quando a luta é coletiva ela é muito mais eficaz”

Bernadete Martins é bancária aposentada da

Caixa, ex-diretora de Saúde e Condições de Trabalho do Sindibancários/ES e integrante do Coletivo de Mulheres do Sindicato.

“A mulher tem direito sobre o seu corpo, tanto de se vestir como quiser quanto de

se manifestar como quiser”

Palavra de Mulher

Como é caracterizado o assédio sexual nos bancos?

O assédio sexual tem ca-racterísticas próximas ao assé-dio moral, mas inclui o desejo de uma pessoa que está num cargo superior por algum su-bordinado. Normalmente o as-sediador é o chefe e se a vítima não ceder ao assédio ela corre o risco de ser demitida, trans-ferida ou deixar de ter uma promo-ção. Do ponto de vista da igualdade de oportunidades, as mulheres são bastante prejudicadas, pois perdem chances de crescimento dentro do banco em função de uma situação de assédio sexual.

Os casos de assédio sexu-al são mais comuns em bancos públicos ou privados?

Não existe uma pesquisa es-pecífica sobre isso, mas acredito que seja mais comum em banco privado em virtude das condi-ções por meio das quais as mu-lheres entram na empresa. Num banco público elas passam por um concurso público, entram em pé de igualdade com os homens. No privado, muitas vezes são con-vidadas e prioriza-se mulheres con-sideradas bonitas, jovens, que fun-cionam como atrativo para o cliente.

Ao sofrer assédio, o que a vítima deve fazer?

É preciso evitar estar junto do assediador. Sempre que precisar abordá-lo, é importante fazer isso quando estiver no coletivo, pois se

estiverem sozinhos ele vai se opor-tunizar desse momento para praticar o assédio. Outra coisa é ser clara, ta-xativa ao dizer não. Falar para o as-sediador: “você está me assediando, eu não quero ser assediada e vou te denunciar”. Ao dizer isso ela pode colocar um freio nele. É recomendá-vel, ainda, dar visibilidade ao acor-rido dizendo aos colegas o que está acontecendo.

Além disso, denunciar ao Sin-dicato, ao Departamento de Recur-sos Humanos e, se necessário, à De-legacia de Mulheres. É aconselhável também reunir provas, como bilhe-tes que ele manda e presentes, além de usar colegas como testemunha.

Como o Coletivo de Mu-lheres do Sindibancários/ES tem atuado na luta contra o as-sédio sexual nos bancos?

Uma das medidas to-madas pelo Coletivo de Mu-lheres foi a distribuição de uma cartilha nacional sobre assédio sexual no trabalho em todas as agências, que é uma ação educativa e preventiva. Depois da entrega dessa car-tilha novas denúncias chega-ram ao Sindicato. Mulheres que não tinham coragem de denunciar ousaram fazer isso. Também visualizamos ações muito interessantes de mu-lheres se organizando contra o assédio coletivo. Para mim, quando a luta é coletiva ela é muito mais eficaz do que in-dividualmente.

Com a chegada das de-núncias o Sindicato cria formas de abordagem. Já fizemos reunião em agência para conversar com as víti-mas, já fizemos reuniões individual-mente para dar orientações e, inclusi-ve, ações sindicais que culminaram na transferência do assediador. Também estamos sempre trazendo debates por meio de seminários e outros eventos não somente sobre esse tema, mas so-

bre toda e qualquer situação em que a mulher está impedida de ter ascensão funcional, se manifestar e dizer o que pensa.

Além disso, o Sindicato tem uma assessoria jurídica, e o Coletivo de Mulheres acompa-

nha a trabalhadora caso seja neces-sário uma ação na justiça.

É comum que a mulher as-sediada seja acusada de ter pro-vocado a situação de violência?

O argumento de que a mulher provocou o assédio não nos con-templa, pois a mulher tem direito sobre o seu corpo, tanto de se vestir como quiser quanto de se manifes-tar como quiser.

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Envie suas sugestões, poesias e comentários para o e-mail [email protected]

@

Mulheres antenadas@

Mulher 24 HORAS

Mala Direta PostalBásica

9912258789/2014-DR/ESSINDIBANCÁRIOS-ES

... CORREIOS ...

Relatos da violência

Confira algumas orientações e saiba como denunciar essa violência. 4 O que fazer para provar o as-

sédio na Justiça?Todo meio de prova legal e

moral é admitido. Testemunhas, gra-vações em vídeo ou áudio, bilhetes e e-mails valem como prova. Mas, a orientação é de que a pessoa procu-re um órgão de proteção, relate todos os detalhes possíveis e deixe que os profissionais conduzam o caso.

4 Quais as penalidades previs-tas e a importância de levar o caso à Justiça?

O assédio sexual como crime está previsto na Lei n° 10.224/2001 e a pena pode chegar a dois anos de detenção. É importante destacar que, para a Justiça, somente será assédio se houver chantagem ou

Assédio sexual é crime. Denuncie!

ameça, ou seja: ou a vítima presta o favor sexual ou sofre retaliação empregatícia. Apesar de ser um im-portante avanço, a lei não tipifica to-dos os tipos de assédio que podem ocorrer nas relações sociais e traba-lhistas. Mesmo assim, a denúncia de qualquer forma de assédio deve ser feita. Vítima calada passa a ser es-crava de uma chantagem e de uma violência, que normalmente se repe-tirá muitas vezes.

4 O que fazer ao ser assediada? Denuncie imediatamente a

um órgão de proteção, como o Sin-dibancários/ES e o Ministério Públi-co do Trabalho (MPT).

Fique atenta às orientações:

• Diga “não” claramente ao assediador.• Conte para as/os colegas o que está acontecendo.• Reúna provas, como bilhetes, pre-sentes e outras.• Arrole colegas que possam ser testemu-nhas e reporte o acontecido ao Sindicato.

Atenção: A vítima não deve procu-rar diretamente a delegacia ou de-nunciar sem amparo o fato a um su-perior do assediador ou a um órgão de inspetoria. Embora seja crime, é preciso apresentar algum indício do assédio, caso contrário, a vítima pode ser processada por denuncia-ção caluniosa. A denúncia pode ser anônima e a apuração dos fatos será sigilosa, seja por meio do Sindicato ou pelo MPT.

* Com a contribuição da assesso-ria jurídica do Sindibancários/ES/Dr. Rogério Ferreira Borges.

Bancárias venceram o medo e relataram para o Mulher

24 Horas os casos de assédio sexual vividos por elas.

“O gerente era conhecido por ser brincalhão, mas eram brincadeiras ofensi-vas. Fazia piadinhas direcionadas às mu-lheres, passava a mão na nossa cintura. As pessoas levavam numa boa. Não sei se fingiam por ele ser gerente. Certa vez, ele falou algumas coisas bem pesadas e de cunho sexual no meu ouvido. Pensei: ‘tá errado isso’. Deixei passar, mas teve outras situações.

Na terceira vez, achei ofensiva demais. Saí do banco chorando. Liguei para o meu pai e para o departamento. Eu chorava muito quando procurei o de-partamento. Eles acharam estranho, dis-seram que não tinha um histórico desse problema com o gerente, mesmo sabendo

“Fui trabalhar no interior por um dia e me pediram para ficar mais. O inspetor es-tava lá. Ele insistiu que me colocassem no hotel onde ele estava, que segundo ele era melhor. À noite ele me convidou para jantar, com a justificativa de que eu não conhecia a cidade. Perguntei se no hotel não tinha nada para comer, mas fiquei sem saída.

Na mesa ele começou a me elogiar, disse que eu era linda, que sempre me ob-servou na agência. Eu estava constrangida. Fiquei na minha para não dar motivo. Quando ia para o hotel ele falou: ‘vem no meu quarto que quero te mostrar um e-mail do banco’. Eu disse: ‘não quero, depois a gente vê isso. Ele insistiu e eu fiquei acuada por ele ser chefe. Perguntei: ‘qual é o e-mail?’. Quando ele abriu mostrou fotos de mulher pelada e começou a rir. Aquilo foi me dando vontade de chorar, fui ficando nervosa, me senti oprimida, invadida como mulher. Fiquei nervosa, saí, fechei a porta e fui para o meu quarto.”

Bancária do Bradesco

que havia. Me desestimularam. Voltei para a agência e só resolveu mesmo quando ameacei processar o banco e o gerente.”

Bancária do Banestes