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MÁRIO PEDROSA E AS PRÁTICAS DISCURSIVAS DA CRÍTICA DE ARTE NO BRASIL: APONTAMENTOS PARA ‘UMA’ HISTORIOGRAFIA DA ARTE MÁRIO PEDROSA AND THE DISCURSIVE PRACTICES OF ART CRITICISM IN BRAZIL: NOTES FOR 'A' HISTORIOGRAPHY OF ART Ivair Reinaldim / UFRJ RESUMO O presente ensaio analisa, em particular, a produção crítica de Mário Pedrosa, a partir de uma perspectiva ampla da crítica de arte e sua relação com a historiografia da arte no Brasil, evidenciando o intercâmbio de suas práticas discursivas. PALAVRAS-CHAVE Mário Pedrosa; crítica de arte; historiografia da arte. ABSTRACT The present essay analyzes, in particular, the critical production of Mário Pedrosa, from a broader perspective of Art Criticism and its relation with the Historiography of Art in Brazil, showing the exchange of their discursive practices. KEYWORDS Mário Pedrosa; Art Criticism; Historiography of Art.

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MÁRIO PEDROSA E AS PRÁTICAS DISCURSIVAS DA CRÍTICA DE ARTE NO BRASIL: APONTAMENTOS PARA ‘UMA’ HISTORIOGRAFIA DA ARTE

MÁRIO PEDROSA AND THE DISCURSIVE PRACTICES OF ART CRITICISM IN

BRAZIL: NOTES FOR 'A' HISTORIOGRAPHY OF ART

Ivair Reinaldim / UFRJ RESUMO O presente ensaio analisa, em particular, a produção crítica de Mário Pedrosa, a partir de uma perspectiva ampla da crítica de arte e sua relação com a historiografia da arte no Brasil, evidenciando o intercâmbio de suas práticas discursivas.

PALAVRAS-CHAVE Mário Pedrosa; crítica de arte; historiografia da arte.

ABSTRACT The present essay analyzes, in particular, the critical production of Mário Pedrosa, from a broader perspective of Art Criticism and its relation with the Historiography of Art in Brazil, showing the exchange of their discursive practices. KEYWORDS Mário Pedrosa; Art Criticism; Historiography of Art.

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REINALDIM, Ivair. Mário Pedrosa e as práticas discursivas da crítica de arte no Brasil: apontamentos para „uma‟ historiografia da arte, In Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas, 26o, 2017, Campinas. Anais do 26o Encontro da Anpap. Campinas: Pontifícia Universidade Católica de Campinas, 2017. p.3554-3567.

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A pesquisa sobre crítica de arte no Brasil pode revelar tanto o exaustivo

empreendimento de identificação dos diferentes períodos de uma produção por

vezes descontínua quanto, uma vez direcionada para seu contexto mais recente, a

tarefa incerta de reconhecer manifestações esparsas de uma forma de discurso

percebida como próxima ao ocaso. Seria a crítica apenas um objeto da literatura

histórica, fonte privilegiada para compreensão do gosto artístico em diferentes

épocas e contextos, ou, na ausência de uma extensa tradição de história da arte

mais ou menos estruturada no país, uma agente fundamental na constituição

discursiva de uma historiografia possível para a arte aqui produzida? É com esse

questionamento que começamos nossa análise, pois compreendemos que somente

desse modo seria admissível assumir uma posição crítica em relação ao próprio

objeto investigado. Caberia, em primeiro lugar, considerar certos elementos

históricos da crítica, objetivando melhor compreender seu sentido, características e

jurisdição. No entanto, não é nosso interesse desenvolver neste ensaio uma história

exaustiva da crítica de arte no país, mas sim evidenciar o quanto sua própria

historicidade nos permitiria um entendimento menos homogêneo do modo como foi

definida e praticada.1 Nosso propósito é dimensionar a crítica de arte em um campo

mais amplo – o da produção de arte e história na contemporaneidade –, em que

diversas áreas específicas têm passado por transformações, tomando como

parâmetro de análise a atividade crítica de Mário Pedrosa e alguns de seus

desdobramentos na década de 1970 e início da de 1980. A partir desse recorte,

cabe a pergunta: seria possível evidenciar o exercício de uma crítica específica,

frente a uma concepção histórica multifacetada e fragmentária? Ou, dito de outro

modo, analisar o que seriam “apenas” as práticas da crítica e da história possíveis?

Para muitos intelectuais brasileiros, o período áureo da crítica de arte no país

confunde-se com a trajetória de seu crítico mais ilustre: Mário Pedrosa (1900-1981).

Diversas compilações de seus textos – organizadas em primeiro lugar por Aracy

Amaral2, em seguida, por Otília Arantes3, mais recentemente, pelas duplas Lorenzo

Mammì/Guilherme Wisnik4 e Glória Ferreira/Paulo Herkenhoff5, esta última em

língua inglesa –, contribuíram para dar visibilidade a um grande volume de produção

textual em que, apesar de sua origem multifacetada, é possível identificar certa

coerência conceitual. Desse modo, essas publicações permitiram e têm permitido o

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contato direto com variadas estratégias de abordagem do fenômeno artístico

desenvolvidas por Pedrosa durante seu „itinerário crítico‟, reforçando ainda mais o

discurso historiográfico que vê em seu trabalho um paradigma teórico, político e

ético para a crítica de arte no Brasil. Concordando em termos com essa posição, de

modo a viabilizar o desenvolvimento de um exercício de reflexão, mesmo que de

modo esquemático e recaindo, em princípio, na problemática do historicismo,

poderíamos distinguir três momentos principais da produção crítica nacional. Se há

um período central da prática da crítica de arte, coincidente com a intensa atuação e

militância de Mário Pedrosa (1940-1970), haveria, então, pelo menos outro, anterior

a esse contexto excepcional, e ainda um terceiro, posterior, em que não só seria

necessário enfrentar o legado de Pedrosa e a conjuntura de destaque assumida pela

crítica de arte, como repensar em essência a própria atividade, a partir dos novos

rumos da produção de arte no contexto global.

Para Aracy Amaral, Mário Pedrosa teria sido o primeiro crítico não oriundo da

literatura a dedicar-se à produção de artes plásticas. Mais do que uma constatação,

o comentário ressalta a principal particularidade do amplo período que compreende

o que aqui nomeamos primeiro momento da história da crítica de arte no Brasil, e

em que, como na Europa, caberia fundamentalmente aos “homens de letras”

escrever sobre as artes plásticas.6 Seja por uma aproximação retórica entre

produção plástica e literária (evidenciada em grande parte da arte do século XIX), ou

por uma identificação dos anseios comuns de renovação de linguagem (durante o

que se convencionou chamar Modernismo), escritores e artistas, de modo geral,

cultivaram relações bastante próximas, fossem elas de acordo, rivalidade ou

cooperação. Entre os críticos que tiveram atuação importante no cenário artístico

brasileiro do período destacam-se Gonzaga Duque, Angelo Agostini, Monteiro

Lobato, Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Manuel Bandeira, Rubem Navarra e

Murilo Mendes, autores que supostamente desenvolveram uma passagem direta

dos métodos da crítica literária para a de artes plásticas.

Claro está que incluir em uma mesma categoria histórica uma grande variedade de

críticos atuantes no período aproximado de cinquenta a sessenta anos,

considerando-se um critério único de avaliação, é um método de análise passível de

questionamento. Bastaria traçar um paralelo entre os escritos de Gonzaga Duque7 e

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os de Murilo Mendes8, idealmente posicionados nos extremos desse recorte

temporal, e também considerar o modo como ambos se relacionaram com seus

respectivos contextos sócio-históricos, para constatarmos um número considerável

de diferenças entre eles. Outro problema que poderia igualmente ser identificado

nesse critério é a subestimação (para não falar em completa desconsideração) da

produção textual desenvolvida por artistas. Nesse sentido, podemos citar Manuel de

Araújo Porto Alegre, cuja formação não era literária, e que, mesmo assim, é visto por

alguns historiadores como fundador tanto da história da arte – foi o primeiro

professor da cátedra na Academia Imperial de Belas Artes – quanto da crítica de

arte no Brasil – tendo publicado textos sobre a arte de sua época em diversos

periódicos oitocentistas.9

É a partir da década de 1940, no entanto, que começa a se estabelecer um novo

modelo de crítica, seja por uma necessidade premente de desenvolvimento de

metodologias e abordagens direcionadas para as artes plásticas e arquitetura –

frente a uma produção visual que se afastava cada vez mais dos parâmetros do

academicismo e que, a partir disso, não se submetia adequadamente aos antigos

métodos da crítica literária –, seja pela diversificação profissional, uma vez que os

críticos provenientes da literatura passaram a ter que compartilhar seu espaço de

atuação com intelectuais formados em outras áreas do conhecimento. Nesse

sentido, a criação das primeiras faculdades brasileiras de filosofia, na década de

1930, teve grande impacto na substituição de uma abordagem por outra, ancorada

em princípios estéticos e na teoria da arte, e cuja ênfase recaia no pensamento

crítico-reflexivo. Segundo Flora Süssekind, tem-se aí a

tensão cada vez mais evidente entre um modelo de crítico pautado na imagem do „homem de letras‟, do bacharel, e cuja reflexão, sob a forma de resenhas, tinha como veículo privilegiado o jornal; e um outro modelo, ligado à „especialização acadêmica‟, o crítico universitário, cujas formas de expressão dominantes seriam o livro e a cátedra. (SÜSSEKIND, 1993, p. 13)

Se no caso da crítica literária a atuação do crítico-scholar começava não só a

modificar sua estrutura discursiva, mas também a deslocar a produção dos jornais

para o contexto da universidade e do mercado editorial, no das artes visuais é

justamente no meio jornalístico que a crítica irá encontrar solo fértil para desenvolver

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plenamente seu projeto de constituição de uma esfera autônoma para si e

igualmente para a arte a que se referia. Seja nas colunas especializadas dos

cadernos culturais ou mesmo nos espaços já exclusivos dedicados às artes nos

suplementos literários, a ampla tiragem, a periodicidade e o fácil acesso que

caracterizam o jornal contribuíram para que durante a década de 1950 a crítica de

arte atingisse uma importância política nunca antes vista no país. Em meio ao

debate cultural e à forte ideologia desenvolvimentista que agitaram os anos de

acelerado crescimento econômico, a nova geração de críticos posicionou-se não só

em relação à arte que vinha sendo produzida naquele momento, mas também

preocupou-se em elaborar um projeto mais amplo para o novo Brasil que se

anunciava nos prognósticos mais otimistas.

No campo das artes visuais, em verdade, a atuação dos primeiros críticos de origem

acadêmica – nada comparável ao que vem ocorrendo desde as últimas décadas do

século XX, com profissionais formados nos cursos de pós-graduação em História e

Crítica da Arte –, parece ter preparado a passagem do primeiro momento da crítica

para o segundo. Entre os intelectuais ligados à faculdade de Filosofia da USP,

destacou-se Lourival Gomes Machado, então colega de Antonio Candido, este

último o mais emblemático representante da presença do scholar na prática da

crítica literária. No entanto, Gomes Machado direcionou seus interesses para o

estudo da arte e arquitetura barrocas, evidenciando posição semelhante a de outros

teóricos, como Quirino Campofiorito e Mário Barata. Outro crítico importante desse

período foi Sérgio Milliet, que soube aliar sua formação em Ciências Econômicas e

Sociais com seu interesse particular em poesia, dedicando-se tanto à crítica literária

quanto à crítica de arte. Antonio Candido chega mesmo a assinalar que Milliet “partiu

da poesia e foi chegando aos poucos para a crítica, até ficar inteiramente absorvido

por ela.” (GONÇALVES, 2004, p. 21)10

No entanto, o perfil do novo crítico não poderia estar limitado apenas à formação

acadêmica. Era fundamental que conhecesse uma ampla gama de áreas

especializadas, da história da arte à filosofia, passando pelas ciências sociais e pela

psicologia, e, sobretudo que estivesse sintonizado com as mudanças que vinham

ocorrendo no mundo naquele momento; deveria acompanhar de perto os artistas e

sua produção, circular entre ateliês, jornais, museus, instituições e salas de aula;

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apresentar senso e atitude política, atuando como militante em favor das

manifestações de vanguarda e como promotor da capacidade transformadora da

arte no espectro mais amplo da sociedade. Em suma, era preciso que assumisse

intensamente o projeto moderno como ordem do dia. E Mário Pedrosa era aquele

que melhor representava esse perfil de crítico de arte – até mesmo porque sua

atuação e trajetória exemplares ajudaram a moldá-lo como ideal entre os intelectuais

e críticos das gerações posteriores. Podemos vislumbrar tal evidência, por exemplo,

nas seguintes palavras de Otília Arantes:

Mário Pedrosa não foi obviamente o primeiro a reconhecer a necessidade de conhecimentos técnicos, ou de reunir tão vasta gama de informações, mas talvez tenha sido o nosso primeiro crítico profissional, stricto sensu, a acompanhar de perto a produção artística do seu tempo do ponto de vista de um especialista, fazendo coincidir de forma feliz a crítica jornalística e a crítica culta. Já não era mais a crítica ensaística de cunho nitidamente literário dos mestres modernistas, que embora tivesse trazido a pintura para o centro do processo cultural, não se queria especializada [...]; também não era o discurso erudito e culturalmente bem aparelhado, saído da Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo, formado à sombra dos professores franceses, mas voltado sobretudo para o nosso passado [...]; muito menos a crônica de circunstância, a crítica de rodapé, coisa de autodidata, que, por mais viva e bem escrita que fosse, não era capaz de inserir a produção local e avaliá-la dentro de um quadro mais amplo de referências, históricas ou mesmo teóricas, e, sem desmerecê-la, ficava quando muito num bom plano descritivo. (ARANTES, 2004, p. 20) 11

Essa nova agenda crítica, tão bem representada na figura de Pedrosa, não se

restringiu a ele, sendo assumida mesmo por jovens críticos oriundos da literatura,

demonstrando o quão complexo era o campo da crítica de arte naquele período.

Podemos com isso novamente constatar que as mudanças da crítica ocorreram mais

na abordagem do fenômeno artístico e na estrutura discursiva do que

necessariamente na formação lato sensu do profissional, como seríamos a princípio

induzidos a pensar. Ferreira Gullar, em quem Mário Pedrosa encontrou um

interlocutor „à altura‟, é um bom exemplo. Embora nos anos 1950 houvesse

identificado um universo conceitual comum entre poesia e artes plásticas, Gullar

soube respeitar os limites de cada campo e as especificidades de linguagem,

desenvolvendo textos que se tornariam emblemáticos para o entendimento da arte

brasileira, tais como Manifesto neoconcreto, do qual foi signatário juntamente com

os artistas do grupo, e Teoria do não-objeto. Desse modo, tanto Mário Pedrosa

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quanto Ferreira Gullar tornaram-se porta-vozes e militantes das vanguardas

construtivas, dialogando com artistas como Hélio Oiticica, Lygia Clark, Lygia Pape,

Amilcar de Castro, entre outros, e ainda, especialmente no caso de Pedrosa,

assumindo uma postura entusiasta em relação à construção de Brasília, entendida

como síntese da vocação brasileira para o moderno. O intenso debate crítico

característico daquele momento chegou até mesmo a estimular nas gerações

posteriores a afirmação – vale ressaltar, não unânime – de que só a partir dos anos

50 teria havido uma verdadeira vanguarda no Brasil.12

Se o contexto e a produção artística dos anos 1960 vieram impor desafios à postura

crítica de Mário Pedrosa e Ferreira Gullar, fazendo com que assumissem

preocupações diversas naquela década, não menos intenso foi o debate que se

seguiu, focado nas transformações da cultura brasileira frente à produção popular

(Gullar) ou à cultura de massas (Pedrosa), bem como na problemática da

constituição de uma vanguarda genuinamente nacional proposta pelos artistas da

nova figuração e da nova objetividade.13 Enquanto o regime ditatorial decorrente do

golpe militar de 1964 criou certos impasses para a prática dos dois críticos – embora

Pedrosa ainda tenha tido bastante representatividade na sua atuação junto à arte

mais ousada produzida naquele momento (o que poderia ser um diferencial em

relação a Gullar) –, tornou-se urgente e necessária uma tomada de posição mais

contundente por parte dos artistas, reagindo à crítica de viés conservador, que

simbolicamente reproduzia os ideais da camada mais reacionária da sociedade

brasileira. Desse modo, os escritos de artistas – sejam eles na forma de cartas,

manifestos, declarações, entrevistas, textos ficcionais ou ensaios – vão procurar

redimensionar tanto o debate crítico quanto o próprio estatuto da criação artística,

agora, em geral, menos voltada para uma investigação específica da linguagem,

como o que ocorria com os artistas não figurativos. Para Glória Ferreira, “a tomada

da palavra pelo artista significa seu ingresso no terreno da crítica, desautorizando

conceitos e criando novos, em franco embate com os diferentes agentes do circuito”,

para com isso “tornar solidários a ideia de arte e o questionamento do conceito de

arte” (FERREIRA; COTRIM, 2006, p. 10). Desse modo, as fronteiras entre quem

produzia e quem criticava passaram a ser menos pronunciadas, conflitando qualquer

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abordagem historiográfica que não considere a possibilidade de certos escritos de

artistas serem entendidos como variedade de crítica de arte.14

As mudanças no debate crítico dos anos 1960 começaram então a redimensionar o

campo de produção simbólica da arte brasileira, diluindo fronteiras e

descaracterizando a forma convencional dos papéis outrora assumidos por seus

atores. Se o regime militar colaborou, sem dúvidas, para que isso acontecesse, não

foi em si sua causa primeira. As amplas transformações ocorridas na sociedade

como um todo, a partir do processo crescente de industrialização e da proliferação

dos meios de comunicação de massa, estimularam a gradual inclusão do país em

novo contexto global, transformando antigos comportamentos, crenças e estruturas,

embora certos arcaísmos tenham migrado e se adaptado mais facilmente de um

momento a outro do que fosse a princípio de se esperar. Nesse contexto

fragmentado e difuso, tornou-se flagrante a dificuldade de afirmação de um crítico

aos moldes de Pedrosa, constituindo uma dupla problemática latente nos anos 1970:

por um lado, o acirramento dos indícios de esfacelamento da agenda crítica e, por

outro, a falência (do discurso) de um projeto cultural e político moderno, em amplo

sentido.

O regime ditatorial ao qual o país foi submetido teve maior impacto sobre a

sociedade brasileira a partir da perda de seus direitos civis e da interdição do debate

político, ou seja, de qualquer manifestação que pudesse ser vista como „subversiva‟

pelo governo militar. Após a instituição do AI-5, em dezembro de 1968, houve a

intensificação do controle social por meio do uso de métodos abusivos como

perseguições, tortura e instalação da censura, o que acarretou, particularmente, na

dificuldade de manutenção de uma dimensão pública para o exercício da crítica na

década de 70. Ferreira Gullar e Mário Pedrosa, assim como muitos outros

intelectuais e artistas, enfrentaram tal situação até quando a mesma tornou-se

insustentável, e, antes que fossem presos, abandonaram o país.15 Na ausência

daqueles que desempenharam intensamente a atividade crítica até aquele

momento, desenvolveu-se, a princípio, um descompasso em relação à nova geração

de críticos, intelectuais que tiveram que enfrentar a impossibilidade de convivência

contínua e direta com seus antecessores e se relacionaram de diferentes modos

com o contexto da arte naquele momento.

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Por outro lado, o processo de industrialização e crescimento econômico progrediu

em ritmo ainda mais acelerado nos anos 70, com o apoio do governo militar à

instalação de empresas multinacionais no país, o incentivo ao crescimento do

mercado de bens de consumo e a caracterização de uma forte indústria cultural,

centrada, sobretudo na difusão das emissões de televisão como modo de

entretenimento. No campo das artes há a ascensão de um mercado ávido por

novidades, capaz de promover a ampla circulação de produtos e sustentar o

interesse pela informação como estratégia de estímulo à rápida sucessão de

modismos. Com isso, tornaram-se mais frequentes textos que objetivavam

unicamente a fornecer dados a respeito dos trabalhos e dos artistas, muitas vezes

de caráter meramente laudatório, evitando qualquer confronto com as obras ou

mesmo a problematização do contexto político-cultural. Se é fato que a simples

notícia, a crônica e o caráter retórico retornaram à agenda crítica, seja para

assegurar os interesses do mercado de arte, seja para não comprometer a

„tranquilidade‟ imposta pelo regime militar, é importante considerarmos igualmente o

processo de expansão do jornalismo cultural, empreendido, na maior parte das

vezes, em detrimento dos espaços antes dedicados à crítica de arte.16

É justamente em meio a essas transformações de ordem social, política e cultural, e

à crise da dimensão pública da crítica, mais especificamente, que podemos

evidenciar um terceiro momento da crítica de arte no Brasil, quando uma jovem

geração assumiria a tarefa de dar continuidade ao legado de Mário Pedrosa e de

questionar-se (ou não) sobre a possível falência do projeto moderno, compreendido

agora por seu caráter utópico. Pedrosa, ao conceder entrevista a Roberto Pontual,

em 1980, evidencia o quanto sua atividade crítica estava comprometida com uma

agenda moderna ampla, com uma visão compartilhada entre artistas, arquitetos,

críticos e historiadores. Entretanto, seu otimismo na capacidade de transformação

social e política da arte entra em conflito com a emergência e consolidação do

regime de mercado e a decorrente perda de força combativa da crítica. Na ocasião

declara:

A continuidade da crítica de arte me parece muito precária. Sem uma visão universalista, sem a possibilidade de buscar o estilo mundial que a arquitetura, em certa época, deu a impressão que iria alcançar, as coisas ficam soltas, deixam de ter um rumo preciso. Eu sou cético.

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Acho que a crítica de arte não desapareceu nem desaparece simplesmente assim. Mas tanto o crítico quanto o artista, hoje em dia já não tem o apoio da luta de antes. Perdeu-se a unidade de ação, capaz de abranger o mundo todo, da América do Norte, da Europa à Ásia, da África à Oceania. (Pedrosa apud Pontual, PUCU; MEDEIROS, 2013, p. 540)

Entre as inúmeras e plurais respostas críticas a essa conjuntura, passando por

Aracy Amaral, Frederico Morais, o próprio Roberto Pontual, há uma que evidencia a

relação problemática entre o moderno e o contemporâneo, à qual Pedrosa dedicou-

se desde o final dos anos 60. Para Ronaldo Brito, essa passagem se daria por uma

“resistente inadequação” da arte contemporânea em relação aos “esquemas formais

modernos”, desaparecendo a “nitidez da instância genealógica da História da Arte”,

em oposição à tensa e complexa proliferação da instância teórica, ou seja, a

promoção e coexistência de inúmeras teorias, muitas vezes divergentes, sem que

houvesse um discurso unificador. Ao agrupar informalmente em torno de si alguns

críticos e artistas que tinham o passado artístico das vanguardas construtivas e o

questionamento dos ranços existentes no meio cultural brasileiro como interesses

em comum, Brito salientou a necessidade urgente de assumir novo projeto na

década de 70: instituir um campo para a arte contemporânea no Brasil.”17

Mais do que estabelecer um critério comparativo, atrelando a imagem de um ou

outro crítico àquele perfil modelar, referencial – o que evidenciaria a posição de que

Mário Pedrosa seria efetivamente um paradigma histórico para a crítica de arte no

Brasil, e, ao mesmo tempo, um constante sentimento de saudosismo frente à crítica

contemporânea, sempre vista a partir de outra, anterior, considerada

qualitativamente melhor –, torna-se premente analisar a crítica de arte, produzida a

partir da década de 1970, considerando-se outros aspectos. Nesse sentido, a maior

problemática em relação ao intercâmbio discursivo entre crítica e história da arte

encontra-se na prática do comentário, comum entre historiadores da arte que se

dedicam a manifestações artísticas recentes e que, muitas vezes, vivenciaram aquilo

que se propõem a analisar. Segundo Hans Belting, os comentários são diferentes

dos textos históricos, na medida em que olham retrospectivamente para o

acontecimento, conferindo-lhe um sentido atual. Na prática, seu diferencial encontra-

se na constatação de que

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as mesmas pessoas primeiro escrevem o comentário e depois – com o devido distanciamento temporal – os textos históricos nos quais utilizam os comentários daquela época ou, muito simplesmente, valorizam suas próprias recordações como material de história da arte. (BELTING, 2006, p. 40)

A partir dessas considerações, poderíamos analisar o posicionamento de Sonia

Salzstein, por exemplo, para quem a produção de Pedrosa transformou-se numa

evidência do “que poderia ser a crítica de arte quando exercida com independência

intelectual e com suprema exigência ética e política” (SALZSTEIN, 2001, p. 73). Ao

abordar o modo como sua geração assimilou o legado de Pedrosa, Salzstein tece o

seguinte comentário:

O contato com essa crítica foi, portanto, uma revelação para mim, considerando que eu pertencia a uma geração crescida na ditadura, para a qual a crítica de arte era aquela que se praticava na grande imprensa, quase sempre diletante, mundana, inócua, quando não simplesmente venal e servil a interesses mercadológicos. Para nós era difícil acreditar, imersos como estávamos naquele ambiente deprimido e intelectualmente desalentador que marcou a década de 1970, que algumas décadas antes o meio de arte brasileiro fora animado pela militância de críticos como Mario e Ferreira Gullar, cujas obras haviam se constituído na urgência do debate cotidiano do país, e estavam disponíveis ao leitor não especializado nas páginas dos principais órgãos da imprensa, mobilizando toda uma geração de artistas e redirecionando a própria reflexão sobre arte no país. (SALZSTEIN, 2001, pp. 72-73)

Percebemos, desse modo, que a memória de seu contato com os textos de Pedrosa

no início dos anos 1980, frente à experiência direta do modo como Salzstein

vivenciou a produção crítica e o contexto cultural da década anterior, consolidou-se

diretamente em interpretação histórica. Poderíamos citar ainda o historiador José

D‟Assunção Barros que, ao realizar recente análise da trajetória intelectual de Mário

Pedrosa, ao mesmo tempo em que ilumina certos aspectos pouco investigados na

prática e na produção teórica em geral do crítico, salienta que nos anos 70 “a

recepção da reflexão crítica sobre a arte havia (...) se esvaziado, deixando saudades

de um tempo em que a crítica de arte conseguia mobilizar gerações de artistas e

apreciadores, interferindo com constância e intensidade nos rumos desta última.”

Em seguida, procurando explicar essa situação, considera que “nem sempre os

artistas, intelectuais e mediadores da indústria cultural brasileira souberam se

adaptar prontamente ao ingresso em um regime internacional de agenciamento e

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REINALDIM, Ivair. Mário Pedrosa e as práticas discursivas da crítica de arte no Brasil: apontamentos para „uma‟ historiografia da arte, In Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas, 26o, 2017, Campinas. Anais do 26o Encontro da Anpap. Campinas: Pontifícia Universidade Católica de Campinas, 2017. p.3554-3567.

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comunicação”, o que leva o autor a concluir que o decorrente atrelamento da arte ao

mercado, a partir dos anos 70, ocasionou tanto “um sensível cerceamento da

originalidade da arte brasileira em vistas de uma adaptação ao que já se produzia no

exterior” quanto “um esvaziamento da reflexão nacional sobre a arte e a cultura.”

(BARROS, 2008, pp. 41-42)

Sem desconsiderar completamente a validade das observações de Barros,

percebemos aí a manutenção de um discurso que, primeiro, considera a falência da

crítica de arte, a partir dos anos 70, pela própria falência de sua dimensão pública;

segundo, acredita na ideia de uma perda de originalidade presente naquilo que

definiria uma identidade nacional na arte brasileira, quando, historicamente sabemos

que as manifestações artísticas nacionais sempre se constituíram a partir de

relações com a arte internacional; terceiro, reforça o sentimento saudosista de um

esvaziamento reflexivo no campo da arte, sendo hábil para constituir o prognóstico,

mas incapaz de identificar as transformações mais profundas que teriam ocorrido na

prática da crítica. Se Barros estiver certo em seus apontamentos, o esforço de

manutenção tanto de definições precisas da crítica de arte quanto de princípios

constantes de avaliação, constituiria condição suficiente para nos conduzir ao

reconhecimento de que, desde sempre, só poderia haver uma única e previsível

conclusão para essa história.

Sendo assim, não é nossa intenção aqui desconsiderar a importância de Mário

Pedrosa, muito menos menosprezar a contribuição que os comentários podem

oferecer para a história da arte, mas sim redimensionar tanto uma instância quanto

outra. Portanto, a nosso ver, o mais importante passaria a ser a identificação das

diferenças de contexto, compreendendo de que modo seria possível a prática da

crítica de arte tanto em uma conjuntura (décadas de 1950 e 60) quanto em outra

(décadas de 1970 e 80). E, mais profundamente, inverter o parâmetro de avaliação,

não aceitando a prática de Pedrosa como paradigma, mas sim procurando

compreender de que modo os críticos de arte, a partir dos anos 70, relacionaram-se

com as referências que tomaram para si, com suas experiências anteriores, fossem

elas vivenciadas por contato direto ou não, e de que modo igualmente estas

passaram a se constituir como parâmetros de ordem pessoal, isto é, geraram

expectativas capazes de configurar uma determinada concepção da crítica de arte.

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REINALDIM, Ivair. Mário Pedrosa e as práticas discursivas da crítica de arte no Brasil: apontamentos para „uma‟ historiografia da arte, In Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas, 26o, 2017, Campinas. Anais do 26o Encontro da Anpap. Campinas: Pontifícia Universidade Católica de Campinas, 2017. p.3554-3567.

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Caso não façamos essa inversão metodológica, corremos o risco de continuar

reproduzindo tal discurso ad infinitum.

Notas

1 Essa investigação, numa conjuntura “ocidental”, foi realizada de modo criterioso pelo menos em duas propostas

historiográficas consideradas clássicas: uma do historiador alemão Albert Dresdner (DRESDNER, Albert. La Genèse de la critique d’art. Paris: École Nationale Supérieure des Beaux-Arts, 2005), publicada originalmente em 1915, e outra do historiador italiano Lionello Venturi (VENTURI, Lionello. História da crítica de arte. Lisboa: Ed. 70, 2007), publicada em 1936. 2 AMARAL, Aracy (org.). Mundo, homem, arte em crise. São Paulo: Perspectiva, 1975; _____ (org.). Dos murais

de Portinari aos espaços de Brasília. São Paulo: Perspectiva, 1981. 3 ARANTES, Otília (org.). Política das artes. Textos escolhidos I. São Paulo: Edusp, 1995; _____ (org.). Forma e

percepção estética. Textos escolhidos II. São Paulo: Edusp, 1996; _____ (org.). Acadêmicos e modernos. Textos escolhidos III. São Paulo: Edusp, 1998; _____ (org.). Modernidade cá e lá. Textos escolhidos IV. São Paulo: Edusp, 2000. 4 MAMMÌ, Lorenzo (org.). Arte. Ensaios: Mário Pedrosa. São Paulo: Cosac Naify, 2015; WISNIK, Guilherme

(org.). Arquitetura: ensaios críticos: Mário Pedrosa. São Paulo: Cosac Naify, 2015. 5 FERREIRA, Gloria; HERKENHOFF, Paulo (ed.). Mário Pedrosa: Primary Documents. New York: MoMA, 2015.

Além desta publicação, à recente visibilidade internacional de Pedrosa soma-se a exposição Mário Pedrosa - De la naturaleza afectiva de la forma, realizada no Museo Reina Sofía, Madrid, de 28 de abril a 16 de outubro de 2017, sob curadoria de Gabriel Pérez-Barreiro e Michelle Sommer. 6 Em sua origem a crítica de arte era considerada uma vertente da crítica literária, ambas compreendendo um

gênero per se. Abordando outro sentido para o termo “gênero”, a expressão recorrente “homens de letras” visa igualmente a salientar uma histórica e questionável predominância masculina no campo de atuação crítica, algo que vem sendo colocado em xeque desde os anos 1970. 7 Segundo Vera Lins, o livro A arte brasileira (1888) de Gonzaga Duque pode ser visto como a primeira revisão

crítica da arte no país. Contudo, a pesquisadora Rosangela de Jesus Silva considera que Belas artes: estudos e apreciações (1885) de Felix Ferreira já apresentaria tais pretensões. Sobre Gonzaga Duque, cf.: GONZAGA-DUQUE, Luiz. A arte brasileira. São Paulo: Mercado de Letras, 1995; LINS, Vera. Gonzaga Duque, a estratégia do franco-atirador. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1991; _____. Graves e frívolos: (por assuntos de arte). Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa: Sette Letras, 1997. Sobre Felix Ferreira, cf.: FERREIRA, Félix. Belas Artes: estudos e apreciações. Porto Alegre: Zouk, 2012; SILVA, Rosangela de Jesus. Imprensa e crítica de arte no Brasil: Angelo Agostini. 19&20, Rio de Janeiro, v. III, n. 3, jul. 2008. Disponível em: <http://www.

dezenovevinte.net/artistas/aa_rosangela.htm>. 8 Cf.: NEHRING, Marta Moraes. Murilo Mendes, crítico de arte: a invenção do finito. São Paulo: Nankin, 2002.

9 O confronto com os escritos de artistas será um dos aspectos que colocará em xeque a própria prática da

crítica de arte, bem como a posição de supremacia assumida por alguns críticos, sobretudo a partir da segunda metade do século XX. Sobre a produção textual de Porto Alegre, cf.: SQUEFF, Letícia. O Brasil nas letras de um pintor: Manuel de Araújo Porto Alegre. Campinas: Ed. da Unicamp, 2004. 10

Sobre Milliet, cf.: GONÇALVES, Lisbeth Rebollo (org.). Sérgio Milliet 100 anos: trajetória, crítica de arte e ação cultural. São Paulo: ABCA: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2004; _____. Sérgio Milliet, crítico de arte. São Paulo: Perspectiva, 1992. 11

O livro Mário Pedrosa: itinerário crítico, de Otília Arantes, foi publicado originalmente em 1991, antecedendo a série de quatro compilações de textos de Pedrosa que a autora organizou entre 1995 e 2000, já referidas. 12

A declaração feita por Ronaldo Brito aparece em sua análise sobre o neoconcretismo, realizada em 1975. O texto foi comissionado por Marcos Marcondes e Luiz Buarque de Hollanda, os direitos autorais tendo sido comprados pela RioArte e mais tarde cedidos à Funarte, quando então foi finalmente publicado. Cf.: BRITO, Ronaldo. Neoconcretismo: vértice e ruptura do projeto construtivo brasileiro. Rio de Janeiro: MEC/Funarte, 1985. Sobre o debate em relação à vanguarda nacional, cf.: FABRIS, Annateresa. Modernidade e vanguarda: o caso brasileiro. In: _____ (org.). Modernidade e modernismo no Brasil. Campinas: Mercado de Letras, 1994, pp. 9-25; COUTO, Maria de Fátima Morethy. Por uma vanguarda nacional: a crítica brasileira em busca de uma identidade artística (1940-1960). Campinas: Ed. da Unicamp, 2004; FABRIS, Annateresa. 1922. Semana de Arte Moderna: uma revisão crítica. In: CAVALCANTI, Ana; OLIVEIRA, Emerson Dionísio de; COUTO, Maria de Fátima Morethy; MALTA, Marize (orgs.). Histórias da arte em exposições: modos de ver e exibir no Brasil. Rio de Janeiro: Rio

Books, 2016, pp. 81-95. 13

Entre vários estudos dedicados ao período, cf.: DUARTE, Paulo Sérgio. Anos 60: transformações da arte no Brasil. Rio de Janeiro: Campos Gerais, 1998; ALVARADO, Daisy V. M. Pechinini. Figurações Brasil anos 60: neofigurações fantásticas e neo-surrealismo, novo realismo e nova objetividade. São Paulo: Edusp: Itaú Cultural, 1999; REIS, Paulo. Arte de vanguarda no Brasil: os anos 60. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006; BASUALDO, Carlos (org.). Tropicália: uma revolução na cultura brasileira (1967-1972). São Paulo: Cosac Naify, 2007.

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REINALDIM, Ivair. Mário Pedrosa e as práticas discursivas da crítica de arte no Brasil: apontamentos para „uma‟ historiografia da arte, In Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas, 26o, 2017, Campinas. Anais do 26o Encontro da Anpap. Campinas: Pontifícia Universidade Católica de Campinas, 2017. p.3554-3567.

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Ao desconsiderarem os escritos de artistas nos anos 60, historiadores acabam não identificando que as transformações na prática contemporânea da crítica de arte tiveram início nesse momento, embora certamente tenham tido maior ênfase na década seguinte. 15

Ambos exilaram-se em países da América do Sul: Pedrosa no Chile (depois França), entre 1970 e 1977, e Gullar, sobretudo na Argentina, entre 1971 e 1977. No caso de Pedrosa, Lorenzo Mammì comenta: “No ano seguinte, o fatídico 1968, Pedrosa se envolve em polêmicas contra a censura. Em 1969, organiza o boicote à X Bienal de São Paulo. Processado com um pretexto (teria difamado o Brasil no exterior), é condenado e seu mandato de prisão, emitido. Em 1970, já com setenta anos e recuperando-se de um AVC, parte para seu terceiro exílio.” MAMMÌ, Lorenzo (org.). Op. cit., p. 18. 16

Cabe aqui alertarmos para o equívoco comum em considerar jornalismo cultural como crítica de arte, mesmo que seja possível identificar casos em que essas atividades estejam sutilmente atreladas uma a outra. A exceção não pode ser a regra. 17

“Não há uma diferença evidente entre o trabalho moderno e o trabalho contemporâneo, válida por si, há, isto sim, démarches distintas agindo „dentro‟ e „fora‟ deles. „Dentro‟ porque o trabalho de arte contemporâneo não encara mais a ação modernista como esta se idealizava e sim como resultou assimilada e recuperada. [...] „Fora‟, os procedimentos são outros também. A mudança da hegemonia do mercado de Paris para Nova York não foi somente uma questão geográfica. Foi uma mudança estratégica. Nova York não é um centro como Paris o era. Representa um novo tipo de hegemonia que age pelo descentramento, pela expansão volátil, sem fronteiras nacionais ou outras delimitações fixas.” BRITO, Ronaldo. O moderno e o contemporâneo (o novo e o outro novo). In: BASBAUM, Ricardo (org.). Arte contemporânea brasileira: texturas, dicções, ficções, estratégias. Rio

de Janeiro: Rios Ambiciosos, 2001, pp. 206-207.

Referências Bibliográficas ARANTES, Otília B. F. Mário Pedrosa: itinerário crítico. 2ª ed. São Paulo: Cosac Naify, 2004. BARROS, José D‟Assunção. Mário Pedrosa e a crítica de arte no Brasil. Ars, São Paulo, v. 6, n. 11, pp. 40-61, 2008. BASBAUM, Ricardo (org.). Arte contemporânea brasileira: texturas, dicções, ficções, estratégias. Rio de Janeiro: Rios Ambiciosos, 2001. BELTING, Hans. O fim da história da arte: uma revisão dez anos depois. São Paulo: Cosac Naify, 2006. DRESDNER, Albert. La Genèse de la critique d’art. Paris: École Nationale Supérieure des Beaux-Arts, 2005. FERREIRA, Glória; COTRIM, Cecilia (orgs.). Escritos de artistas: anos 60/70. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006. GONÇALVES, Lisbeth Rebollo (org.). Sérgio Milliet 100 anos: trajetória, crítica de arte e ação cultural. São Paulo: ABCA: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2004. PUCU, Izabela; MEDEIROS, Jacqueline. Roberto Pontual: obra crítica. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2013. SALZSTEIN, Sônia. Mário Pedrosa: crítico de arte. In: MARQUES NETO, José Castilho (org.). Mário Pedrosa e o Brasil. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2001. SÜSSEKIND, Flora. Papéis colados. Rio de Janeiro: Ed. da UFRJ, 1993. VENTURI, Lionello. História da crítica de arte. Lisboa: Ed. 70, 2007. Ivair Reinaldim Doutor em Artes Visuais, com ênfase em História e Crítica da Arte, pela Escola de Belas Artes da UFRJ. Professor adjunto do Departamento de Teoria e História da Arte e do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da EBA-UFRJ, desenvolvendo a pesquisa „Estudos curatoriais: perspectivas atuais e históricas‟, da qual esse artigo faz parte.