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UNIJUÍ UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL MARINA JAPPE PRATES IMPENHORABILIDADE NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL: A EFETIVIDADE DA TUTELA JURISDICIONAL EXECUTIVA Ijuí (RS) 2013

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UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO

DO RIO GRANDE DO SUL

MARINA JAPPE PRATES

IMPENHORABILIDADE NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL: A EFETIVIDADE

DA TUTELA JURISDICIONAL EXECUTIVA

Ijuí (RS)

2013

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MARINA JAPPE PRATES

IMPENHORABILIDADE NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL: A EFETIVIDADE

DA TUTELA JURISDICIONAL EXECUTIVA

Monografia final apresentada ao Curso de

Graduação em Direito, objetivando a

aprovação no componente curricular

Monografia.

UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste

do Estado do Rio Grande do Sul.

DCJS – Departamento de Ciências Jurídicas e

Sociais.

Orientadora: Ms. Lisiane Beatriz Wickert

Ijuí (RS)

2013

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À minha amada mãe, Sueli, e à minha

querida avó, Anny.

Ao meu noivo, Rafael, a quem reservo

o mais puro sentimento de amor e respeito.

Amo vocês!

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4

AGRADECIMENTOS

A Deus, que me deu a vida e me fez

forte para enfrentar os obstáculos.

À minha família, que sempre esteve ao

meu lado e acreditou em mim.

À minha professora orientadora, pela

dedicação e disponibilidade.

Ao meu noivo, pelo carinho,

compreensão e amor!

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5

“A justiça sustenta numa das mãos a

balança que pesa o direito, e na outra, a espada

de que se serve para o defender. A espada sem

a balança é a força brutal; a balança sem a

espada é a impotência do direito.”

(Rudolf von Ihering)

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RESUMO

O presente estudo propõe a análise das regras de impenhorabilidade absoluta e

relativa constantes no Código de Processo Civil, a fim de investigar a efetividade da tutela

jurisdicional executiva diante dessas regras. Para tanto, em um primeiro momento, analisa-se

a execução e a tutela jurisdicional executiva, apresentando-se os requisitos para propor a ação

executiva e seus princípios norteadores. Em seguida, faz-se um estudo do princípio da

responsabilidade patrimonial e apresentam-se a fraude contra credores e a fraude à execução,

seguidos de uma abordagem sobre a penhora, suas generalidades e seu objeto. Finalmente,

conceitua-se impenhorabilidade absoluta e relativa e estudam-se as regras dispostas no

Código de Processo Civil, bem como se faz uma breve análise das respectivas mudanças no

Projeto do Novo Código de Processo Civil. Verificam-se ainda casos práticos por meio de

análise jurisprudencial de diferentes tribunais.

Palavras-chave: Responsabilidade patrimonial. Impenhorabilidade absoluta.

Impenhorabilidade relativa. Efetividade da tutela jurisdicional executiva.

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ABSTRACT

This study aims to analyze the rules unseizability absolute and relative constant in

the Code of Civil Procedure in order to investigate the effectiveness of judicial executive

before these rules. Therefore, at first we analyze the execution and judicial executive,

presenting the requirements for the proposed executive action and its guiding principles. Then

it is a study of the principle of financial liability and present fraud against creditors and fraud

enforcement, following up with an approach on the attachment, their generalities and its

object. Finally, conceptualizes up unseizability absolute and relative, and we study the rules

set forth in the Code of Civil Procedure regarding these as well as a brief analysis of these

respective changes in the Project of the New Code of Civil Procedure. We analyze practical

cases by analyzing case law from different courts.

Key words: Liability Asset. Unseizability absolute. Relative unseizability.

Effectiveness of judicial executive.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 9

1 CONSIDERAÇÕES ACERCA DO PROCESSO DE EXECUÇÃO .............................. 11 1.1 Da execução em geral ....................................................................................................... 11 1.2 Pressupostos necessários para qualquer execução ........................................................ 14

1.3 Princípios da execução ..................................................................................................... 17

2 RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL ........................................................................ 21

2.1 Conceito de responsabilidade patrimonial ..................................................................... 21

2.2 Espécies de responsabilidade patrimonial ...................................................................... 23 2.3 Fraude contra credores e fraude à execução ................................................................. 25

2.4 Penhora .............................................................................................................................. 29

3 A EFETIVIDADE DA TUTELA JURISDICIONAL EXECUTIVA DIANTE DAS

REGRAS DE IMPENHORABILIDADE DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL .......... 36 3.1 Impenhorabilidade ........................................................................................................... 36 3.2 Impenhorabilidade absoluta ............................................................................................ 39

3.3 Impenhorabilidade relativa ............................................................................................. 44

3.4 A impenhorabilidade no projeto do novo Código de Processo Civil ........................... 45 3.5 Análise jurisprudencial: decisões dos tribunais sobre a impenhorabilidade .............. 48

CONCLUSÃO ......................................................................................................................... 56

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 58

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INTRODUÇÃO

O presente estudo constitui-se de uma análise das regras de impenhorabilidade

dispostas no Código de Processo Civil. Os principais objetivos propostos para o estudo

consistem em buscar o que a doutrina apresenta como impenhorabilidade absoluta e relativa,

analisando ainda como os tribunais vêm aplicando as disposições do Código de Processo

Civil referentes à impenhorabilidade, a fim de verificar se as mesmas representam obstáculos

à efetividade da tutela jurisdicional executiva.

A realização do estudo é necessária tendo em vista a busca constante dos operadores

do Direito pela efetividade da tutela jurisdicional, bem como em função da insatisfação dos

credores que não logram êxito na busca por patrimônio penhorável do devedor, ficando assim

insatisfeitos com o resultado da demanda executiva.

Destarte, para a realização deste estudo monográfico foram efetuadas pesquisas nas

doutrinas e legislações vigentes, analisando também as alterações que as regras de

impenhorabilidade poderão vir a sofrer com a instituição de um Novo Código de Processo

Civil, cuja proposta legislativa encontra-se em andamento na Câmara dos Deputados.

Estruturalmente, o texto divide-se em três partes. No primeiro capítulo é feita uma

abordagem da execução em geral e da tutela jurisdicional executiva. Após são expostos os

requisitos necessários para propor o processo de execução. Segue-se com a apresentação dos

princípios norteadores do processo executivo.

O segundo capítulo dedica-se a uma análise exclusiva do princípio da responsabilidade

patrimonial do devedor, em especial o seu conceito e sua classificação. Após são abordadas as

condutas de má-fé praticadas pelo credor com o intuito de eximir-se da responsabilidade

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patrimonial, quais sejam, a fraude contra credores e a fraude à execução. Em seguida é

apresentada a penhora como fase de individualização da responsabilidade patrimonial.

Finalmente, o terceiro capítulo trata dos conceitos apresentados pela doutrina sobre a

impenhorabilidade absoluta e relativa, analisando cada uma das hipóteses de restrição à

penhora, previstas nos arts. 649 e 650 do Código de Processo Civil.

Em seguida, são apresentadas as alterações previstas na Proposta do Novo Código de

Processo Civil que podem incidir sobre tais regras. Por fim, é apresentada a pesquisa realizada

nas decisões de diferentes tribunais sobre a impenhorabilidade de bens do devedor, a fim de

verificar sua aplicação prática.

A realização deste estudo permitirá verificar o conceito de impenhorabilidade de

acordo com a doutrina atual, permitindo conhecer e compreender as regras de

impenhorabilidade absoluta e relativa dispostas no Código de Processo Civil, bem como a sua

atuação no processo de execução e seus efeitos na efetividade da tutela jurisdicional

executiva.

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1 CONSIDERAÇÕES ACERCA DO PROCESSO DE EXECUÇÃO

Sempre que alguém assume uma prestação com outrem, mas não a cumpre, fica

configurado o inadimplemento, o qual possibilita ao credor buscar no Poder Judiciário a

concretização de seu direito violado.

A prestação devida pode ser uma obrigação de fazer, de não fazer, para entrega de

coisa ou para pagamento de quantia e será satisfeita pela execução, de forma voluntária ou

forçada (por meio da tutela jurisdicional executiva).

Tendo em vista que no ordenamento jurídico brasileiro é, em regra, vedada a

autotutela, quando o devedor não cumpre com sua obrigação de forma espontânea, o credor

tem a sua disposição a tutela jurisdicional executiva, na qual o Estado, por meio da execução

forçada pratica atos de expropriação do patrimônio do devedor para que este cumpra com a

obrigação inadimplida. Não é todo o patrimônio do executado, entretanto, que responde pelas

suas dívidas, pois em alguns casos as regras de impenhorabilidade incidem sobre seus bens,

tornando-os inacessíveis.

Diante disso, imperiosa se faz a realização de uma prévia abordagem das

generalidades das execuções forçadas e da tutela jurisdicional executiva, bem como dos

requisitos para propor o processo de execução e seus princípios norteadores, importantes para

adentrar no desenvolvimento do presente estudo.

1.1 Da execução em geral

Havendo obrigação entre duas partes e a falta voluntária do seu cumprimento por uma

delas, surge para a parte prejudicada o direito de requerer o seu adimplemento de forma

forçada, por meio da tutela jurisdicional executiva.

Em face das diversas formas de obrigação existentes, bem como dos diferentes títulos

executivos em que ela pode estar consubstanciada, a tutela jurisdicional executiva se

desenvolve de forma distinta por meio dos procedimentos executivos adequados.

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Dessa forma, estando diante de uma obrigação de dar, o procedimento será o da

execução para entrega de coisa (certa ou incerta); para as obrigações de fazer ou não fazer,

far-se-á execução de obrigação de fazer ou não fazer; e, havendo obrigação de dar dinheiro, a

execução será por quantia certa (contra devedor solvente ou contra devedor insolvente),

execução de prestação alimentícia, execução fiscal ou execução contra a Fazenda Pública.

Destaque-se desde logo que dentre os procedimentos mencionados, o mais utilizado é

o da execução por quantia certa contra devedor solvente, razão pela qual é mais detalhado e

serve como fonte para os demais. Em razão disso, o presente estudo adotará esse

procedimento como referência, o qual se encontra disciplinado nos arts. 646 e seguintes do

Código de Processo Civil (CPC).

Para proceder à execução forçada é necessário que primeiramente haja um

conhecimento do direito discutido em procedimento judicial próprio para só então ser

executado. Todavia, esse conhecimento não precisa necessariamente se dar em um processo

judicial. É admitido que se conheça o direito do credor por meio de via extraprocessual,

portanto, fora do processo judicial existem títulos que equivalem à sentença condenatória, os

quais consistem em títulos executivos extrajudiciais, expressamente descritos na lei. Esses

procedimentos permitem a pronta execução da obrigação, e permitem ao devedor discutir o

débito por intermédio dos embargos.

Assim, tratando-se de uma obrigação consubstanciada em título executivo

extrajudicial utiliza-se o processo autônomo de execução. Em se tratando de títulos judiciais

procede-se ao cumprimento de sentença, tendo em vista as modificações que ocorreram com

as leis editadas nos anos de 1994, 2002 e 2005, as quais eliminaram o processo autônomo

para execução de sentença e criaram no mesmo processo uma fase para o seu cumprimento, a

qual a doutrina denomina de sincretismo processual (DIDIER Jr. et al., 2010).

Nas palavras de Nery Jr. e Nery (2010, p. 1011):

A atual dicotomia da execução (cumprimento de sentença e execução de título

extrajudicial), produzida pelas modificações ocorridas no sistema do CPC com as

alterações provocadas pelas L 11232/05 e 11382/06, transformou a forma de

execução das sentenças e dos demais títulos executivos. Para os títulos executivos

judiciais reservou-se o instituto do cumprimento da sentença, que passou a

configurar-se como continuação do processo de conhecimento, numa simbiose que

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se tem denominado de processo sincrético. [...] A execução fundada em título

extrajudicial exerce-se mediante processo autônomo de execução, regulado pelo

Livro II do CPC.

Enquanto isso, no entendimento de Bueno (2010, p. 202, grifo do autor), execução e

cumprimento de sentença são sinônimas:

Para todos os fins, a palavra “execução” e a expressão “cumprimento da sentença”

podem e devem ser tidas como sinônimas. Ambas estão a descrever o

desencadeamento da atividade jurisdicional com vistas à satisfação do credor

naqueles casos em que, a despeito do título executivo, o devedor não cumpre a

obrigação nele retratada.

A tutela jurisdicional executiva, portanto, vem a ser o meio que o credor encontra para

satisfazer o seu crédito, seja por meio de processo autônomo ou de fase de cumprimento de

sentença, transferindo ao Estado o poder de praticar atos para compelir o devedor a cumprir

com a prestação inadimplida. Segundo Theodoro Jr. (2011, p. 116, grifo do autor):

A coatividade da ordem jurídica, outrossim, tem um sistema especial de

manifestação que se denomina sanção. Desobedecido o preceito normativo e

violado o direito subjetivo do credor, o Estado está sempre pronto a interferir,

através de seus órgãos adequados, para restaurar a ordem jurídica violada, atribuindo

a cada um o que é seu, com ou sem concordância da pessoa responsável pela

situação concreta.

A sanção, no plano patrimonial, que é o que interessa à execução forçada, traduz-se

em medidas práticas que o próprio ordenamento jurídico traça para que o Estado

possa invadir a esfera de autonomia do indivíduo e fazer cumprir efetivamente a

regra de direito.

Nesse sentido, o Estado pratica atos para vincular o patrimônio do devedor ao

cumprimento da obrigação e, se ao final o órgão executivo conceder exatamente a prestação

devida ao exequente, afirma-se que a execução é específica. Do contrário, sendo expropriados

os bens do devedor para com o produto destes satisfazer o credor, a execução é subsidiária.

A execução comporta diferentes classificações. Destarte, interessante destacar a

distinção da execução quanto ao seu procedimento que, de acordo com Didier Jr. et al. (2010,

p. 33) pode ser: procedimento comum (observado para uma generalidade de créditos, por

exemplo, a execução por quantia certa do CPC), ou procedimento especial (aquele utilizado

para créditos específicos, como execução de alimentos e execução fiscal).

Também merece destaque a classificação da execução quanto ao título executivo em

que se lastreia, que se divide em: execução por título judicial, cujo rol encontra-se no art. 475-

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N, do CPC, e execução por título extrajudicial, rol constante no art. 585, do CPC. As

diferenças entre essas duas formas de execução encontram-se na forma de provocação inicial

da jurisdição, bem como nos atos processuais a serem praticados pelo exequente e o

executado em cada uma delas (BUENO, 2010).

Ainda, cumpre mencionar que a execução também pode ser classificada quanto à

participação ou não do executado, em: execução direta (independente da vontade do

executado, as medidas executivas são concretizadas através dos meios de sub-rogação, quais

sejam: desapossamento, transformação ou expropriação), e execução indireta (para a

concretização das medidas executórias é imprescindível a colaboração do devedor, onde o

Estado de forma indireta incentiva ele próprio a cumprir com a obrigação) (DIDIER Jr. et al.,

2010). Ambas se prestam a efetivar a tutela jurisdicional executiva. Assim:

[...] tanto a “execução forçada”, ou execução por sub-rogação, como também a

“execução indireta”, ou execução por coerção indireta, são técnicas distintas de

atuação prática dos direitos, portanto, postas a serviço da mesma modalidade de

tutela jurisdicional, a saber, a prestação da “tutela jurisdicional executiva”.

(GUERRA, 2003, p. 40).

Finalmente, independente da classificação a que se submete a execução, terá ela

sempre o mesmo fim, qual seja, a realização da tutela jurisdicional executiva forçando o

devedor inadimplente a cumprir com a obrigação, satisfazendo assim os interesses do credor.

1.2 Pressupostos necessários para qualquer execução

Na busca pela efetivação de seu direito, o credor necessita provocar o Judiciário para

que este, em seu lugar, promova os atos necessários para sua realização, cuja provocação se

dá por meio da ação. Deste modo, existem as condições da ação necessárias para a obtenção

de qualquer provimento jurisdicional, as quais também devem ser observadas para a

propositura da execução.

Segundo Bueno (2010, p. 90), a fim de requerer a prestação da tutela jurisdicional

executiva,

[...] quer ela se fundamente em títulos executivos judiciais (art. 475-N), quer em

títulos executivos extrajudiciais (art. 585), deverão estar presentes as três condições

da ação conhecidas pelo direito processual civil brasileiro: legitimidade das partes;

interesse de agir e possibilidade jurídica do pedido.

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Quanto às condições da ação, Donizetti (2012) acrescenta que estas têm um tratamento

diferenciado, tendo em vista as peculiaridades do processo executivo. Destarte, nesse

procedimento não se fala em resolução do mérito, pois sua finalidade é a prática de atos com

o objetivo de satisfazer direitos do credor que já foram anteriormente definidos no título

executivo. Também não há solução de conflitos, pois existe apenas a realização do direito e,

dessa forma, se ausente qualquer das condições, haverá a extinção do processo, a qual não

comporta distinção entre extinção com ou sem resolução do mérito.

Além das condições da ação, necessárias para obtenção da solução da lide, e da

observância aos pressupostos processuais, existem outros dois pressupostos específicos de

admissibilidade do procedimento executivo, sem os quais o mesmo não poderá ser admitido:

a) o título executivo; e b) o inadimplemento.

Afirma Theodoro Jr. (2011) que a existência do título executivo é pressuposto

específico formal, o qual atesta a certeza e a liquidez da dívida. Já o inadimplemento é

condição específica prática, consistente na atitude ilícita do devedor de não cumprir com a

obrigação, comprovando a exigibilidade da prestação. O referido autor afirma ainda que não é

possível comprovar apenas um ou outro requisito para manejar a ação executiva, assim ambos

devem ser preenchidos concomitantemente.

No que se refere ao título executivo, este é requisito para propor a ação executiva e

deve acompanhar a petição inicial, pois a regra é que não existe execução sem um título que

possa servir de base, comprovando a existência das condições da ação.

Nesse sentido, assim se manifesta Didier Jr. et al.(2010, p. 92-93):

A falta de título executivo implica, sem dúvida, inadmissibilidade do procedimento

executivo, em razão de defeito do instrumento da demanda, assim como a falta de

documento indispensável à propositura da ação pode ensejar indeferimento da

petição inicial (art. 282 c/c art. 284 do CPC). O título executivo serve como meio de

prova da existência das condições da ação: é por ele que se comprovam a

legitimidade das partes, o interesse de agir e a possibilidade jurídica do pedido.

O título executivo tem a função de autorizar a execução, definir seu fim e também

fixar seus limites. Assim, este fornece ao julgador a certeza do direito do credor, bem como

comprova a obrigação que o devedor contraiu com o credor, definindo quem é o sujeito ativo,

o sujeito passivo e o objeto da execução forçada (THEODORO Jr., 2011, p. 146).

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Para que o título executivo tenha força executiva, ele precisa ser típico, isto é, deve ser

previsto expressamente em lei, podendo ser judicial (art. 475-N, do CPC) ou extrajudicial (art.

585, do CPC). Deve, ainda, ser dotado de certeza, liquidez e exigibilidade.

Para Donizetti (2012), a certeza do direito do credor transparece no título com a

natureza da obrigação, seu objeto e seus sujeitos. Já a liquidez demonstra a quantia a ser paga

ou quantidade da coisa a ser entregue ao credor (quantum debeatur) e, por fim, a

exigibilidade, como requisito para a propositura da ação executiva, estabelece que para o

cumprimento da execução não se exige termo, condição ou qualquer espécie de limitação.

Embora a doutrina seja divergente com relação ao segundo requisito para a propositura

da ação executiva (inadimplemento), se este é pressuposto específico do processo executório

ou é condição da ação, interessa saber que o mesmo configura o não cumprimento espontâneo

da obrigação pelo devedor, gerando ao credor a exigibilidade da prestação. Tal falta de

cumprimento deve ser afirmada e não demonstrada, segundo as palavras de Didier Jr. et al.

(2010, p. 95, grifo do autor):

É a afirmação do inadimplemento que impulsiona o interesse de agir do exequente.

Se não há afirmação do inadimplemento, entende-se que falta interesse de agir ao

exequente, que não tem necessidade de ir a juízo para provocar a atividade

jurisdicional executiva. Com isso, não se está dizendo que o inadimplemento é

condição da demanda executiva. Está-se dizendo apenas que o interesse de agir é

impulsionado pela afirmação do inadimplemento; se há ou não, efetivo

inadimplemento, isso já é questão de mérito.

A simples verificação no título de que a dívida já venceu configura prova suficiente

para se proceder à abertura da execução, ficando a cargo do devedor o ônus de provar o

contrário, por meio dos embargos à execução ou na impugnação ao cumprimento de sentença.

Cumpre acrescentar que, de acordo com o art. 582, do CPC, o título pode estabelecer

obrigações apenas para uma das partes ou para ambas. Segundo Donizetti (2012), no primeiro

caso, quando apenas uma das partes for obrigada e não cumprir, pode o credor promover a

ação de execução; já no último, não pode uma das partes exigir o adimplemento da outra se

ainda não tiver cumprido a contraprestação. Trata-se da chamada cláusula da exceção de

contrato não cumprido, estabelecida para todos os contratos bilaterais.

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Importante mencionar ainda que Didier Jr. et al. (2010) classificam o inadimplemento

em culposo ou fortuito, e em absoluto ou relativo. No primeiro, o devedor deixa de cumprir

com sua obrigação voluntariamente, por culpa ou dolo; no segundo, por fato alheio a sua

vontade o devedor não cumpre com a prestação devida. Já o inadimplemento absoluto

configura-se quando o não cumprimento da obrigação torna a prestação impossível ou sem

utilidade para o credor, ao passo que no inadimplemento relativo, quando o devedor cumpre a

obrigação de forma tardia ainda é possível e útil a realização da prestação ao credor.

Após análise dos pressupostos necessários para propor a demanda executiva,

importante verificar os princípios informadores da execução, os quais serão apresentados a

seguir.

1.3 Princípios da execução

No contexto deste estudo faz-se necessária uma abordagem dos princípios que

norteiam o processo executivo, tendo em vista que para o legislador eles servem de guia ao

estabelecer as normas, enquanto para o julgador eles auxiliam na sua aplicação.

De acordo com Medina (2004, p. 54):

[...] os princípios seriam guias utilizados pelo operador jurídico para atuar,

porquanto serviriam não só para ajudar o intérprete na formulação da solução correta

a ser aplicada a um determinado caso, como serviriam para integrar lacunas.

O processo executivo rege-se pelos mesmos princípios orientadores do processo de

conhecimento e, também, possui alguns específicos, aos quais têm sido elaboradas diversas

classificações pelos doutrinadores. Dessa forma, para o presente estudo será adotada a

classificação dos doutrinadores Didier Jr. et al. (2010).

O princípio da efetividade informa que ao credor deve ser garantido exatamente aquilo

a que ele tem direito. Os direitos, além de reconhecidos, devem ser concretizados. Assim, o

princípio da efetividade proporciona a garantia do direito fundamental à tutela executiva

(DIDIER Jr. et al., 2010).

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Referindo-se o direito fundamental à tutela executiva, Guerra (2003, p. 102) afirma

que este consiste “[...] na exigência de um sistema completo de tutela executiva, no qual

existam meios executivos capazes de proporcionar pronta e integral satisfação a qualquer

direito merecedor de tutela executiva.”

Quanto ao princípio da tipicidade, este prevê que os atos executivos são típicos, ou

seja, são expressamente previstos em lei. Nesse sentido, o julgador não tem o poder de alterar

os atos processuais impostos na legislação, ficando limitado a cumpri-los conforme foram

determinados.

Todavia, atualmente se faz necessária uma reanálise do conteúdo e abrangência do

princípio em comento, pois diante do “modelo constitucional do direito processual civil”, não

se pode negar que o magistrado, ao analisar o caso concreto, por vezes tenha a necessidade de

implementar técnicas ou métodos executivos não previstos em lei, sem que isso contrarie o

devido processo legal (BUENO, 2010, p. 54). Segundo o autor, a atipicidade tem cabimento

quando a lei não menciona de forma expressa os mecanismos de efetivação das decisões

judiciais, ou quando no caso concreto, as escolhas existentes se mostrarem insuficientes

porque contrárias ao “modelo constitucional do processo civil” (BUENO, 2010, p. 55).

Com relação ao princípio da primazia da tutela específica, também conhecido como

princípio do resultado, ou ainda, princípio da maior coincidência possível, significa que a

satisfação da prestação ao credor deve ser mais próxima possível daquela obrigação originária

contraída com o devedor. De acordo com Didier Jr. et al. (2010, p. 53), “o credor tem o direito

à prestação devida, tem direito à tutela específica.”

Cooperando com o entendimento supra, Theodoro Jr. (2011, p. 128, grifo do autor)

ensina que:

Em regra, o que prevalece é a inviabilidade, seja de o credor exigir, seja de o

devedor impor prestação diversa daquela constante do título executivo, sempre que

esta for realizável in natura. Por isso mesmo, nas sentenças que condenam ao

cumprimento de obrigações de entrega de coisa e de fazer ou não fazer, a lei

determina ao juiz que seja concedida, sempre que possível, a tutela específica. Na

hipótese de obrigações de fazer ou não fazer, a sentença, portanto, há de determinar

providências concretas para assegurar o resultado prático equivalente ao do

adimplemento (art. 461, caput); e, no caso de obrigações de dar, a recomendação

será de expedição, em favor do credor, de mandado de busca e apreensão ou de

imissão na posse, conforme se trate de coisa móvel ou imóvel (art. 461-A, § 2º). A

conversão em perdas e danos somente se dará quando requerida pelo próprio credor,

ou quando se tornar impossível a tutela específica (arts. 461, § 1º, e 461-A, § 3º).

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No caso da execução por quantia certa, o credor pode requerer a adjudicação do bem

penhorado, ficando com o próprio bem para si, dando por satisfeita a dívida, ao invés de ficar

com o dinheiro (DIDIER Jr. et al., 2010).

Em relação ao princípio da menor onerosidade da execução, este é expresso no art.

620, do CPC, e informa que em havendo diversos meios para o credor promover a execução,

deverá ser utilizada a forma menos gravosa ao devedor.

Nery Jr. e Nery (2010, p. 1057) lecionam sobre o princípio da menor onerosidade:

O poder de excussão do credor sobre o patrimônio do devedor sofre temperamento.

[...] Depois, como consequência desse temperamento da situação de vantagem que o

credor tem sobre o patrimônio do devedor traça limites para a atuação do credor,

impedindo-lhe de escolher o meio mais gravoso para o devedor, para a satisfação de

seu crédito. Ao juiz a lei comina o dever de dirigir o processo para que a execução

se faça de maneira menos gravosa para o devedor.

Corroborando, Donizetti (2012) aponta o fundamento para o princípio aludido ao

afirmar que nem sempre o devedor, que é considerado um vilão, deixa de cumprir com a

obrigação por vontade própria, pois algumas vezes o inadimplemento ocorre por

circunstâncias alheias à sua vontade, sendo por isso indispensável a adoção de medida menos

gravosa para atender o direito do credor.

No que tange ao princípio do contraditório, este configura o direito de participação

dos sujeitos interessados no procedimento (DIDIER Jr. et al., 2010, p. 54). Os mesmos

autores afirmam que não se pode negar a existência do contraditório na execução, ele apenas é

aplicado de forma menos intensa do que no processo de conhecimento, uma vez que o

executado é chamado ao processo para cumprir a obrigação e não para se defender, sendo

assim exercido de forma eventual (DIDIER Jr. et al., 2010, p. 55).

Outro princípio do processo executivo é o da adequação, que também é princípio

fundamental do direito processual civil, e consiste na possibilidade de os meios executivos

serem adequados à satisfação da prestação devida. Sobre isso, Bueno (2010) afirma que

conforme a modalidade de obrigação constante no título executivo há regras apropriadas para

a realização concreta do direito nele mencionado.

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20

Sobre o princípio da cooperação, este decorre do princípio do contraditório e do

princípio da boa fé. Por meio dele ocorre o aperfeiçoamento do diálogo entre as partes,

reciprocamente e com o órgão jurisdicional, reforçando assim a ética processual. Um exemplo

prático do princípio é aquele estampado no art. 475-L, § 2º, do CPC, o qual exige que o

executado ao impugnar o valor da execução desde logo apresente o valor que entenda correto

(DIDIER Jr. et al., 2010).

Há, ainda, o princípio da proporcionalidade, pelo qual fica estabelecido que na busca

pela solução do conflito deve sempre haver uma ponderação entre o direito de ambas as

partes, de modo que não seja imposto a uma delas mais sacrifícios do que à outra. Nesse

sentido, “O princípio da proporcionalidade pode ser denominado como lei de ponderação,

devendo ser sopesados os interesses e direitos em jogo para que se alcance a solução concreta

mais justa.” (NERY Jr., 2002, p. 161).

Por fim, princípio de grande relevância nos procedimentos executórios e que necessita

de uma análise mais aprofundada para o desenvolvimento do presente estudo, é o princípio da

responsabilidade patrimonial, também conhecido como princípio da realidade ou princípio

da patrimonialidade.

A título de compreensão, cumpre ressaltar que o referido princípio está inserido no art.

591, do CPC, e estabelece que a execução deve recair tão somente sobre o patrimônio e não

sobre a pessoa do devedor. Assim, devido a sua importância, o mesmo será abordado de

forma mais detalhada no próximo capítulo.

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21

2 RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL

No capítulo inicial deste estudo procedeu-se à abordagem das generalidades do

processo executivo, bem como dos pressupostos necessários para a propositura desse

procedimento. Posteriormente, foram explanados os princípios que norteiam as execuções,

dentre os quais, o de maior relevância para o presente estudo, que é o da responsabilidade

patrimonial.

Por esta razão, este capítulo será dedicado ao estudo do seu conceito e das suas

espécies. Após, discorrer-se-á sobre as condutas de má-fé do devedor, traduzidas nas fraudes

contra credores e fraude à execução, bem como será abordado o instituto da penhora, com

enfoque às suas generalidades e, em especial, no que diz respeito ao seu objeto.

2.1 Conceito de responsabilidade patrimonial

Como suscitado anteriormente, a responsabilidade patrimonial é um importante

princípio da execução, o qual informa que o devedor responde pela dívida exclusivamente

com seu patrimônio, ou seja, com seus bens presentes e futuros, conforme preceitua o próprio

art. 591, do CPC, que assim estabelece:

Art. 591. O devedor responde para o cumprimento de suas obrigações, com todos os

seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei.

A responsabilidade patrimonial, portanto, pode ser assim entendida:

A responsabilidade patrimonial (ou responsabilidade executiva) seria, segundo

doutrina maciça, o estado de sujeição do patrimônio do devedor, ou de terceiros

responsáveis (cf. art. 592, CPC), às providências executivas voltadas à satisfação da

prestação devida. Seria a sujeição potencial e genérica de seu patrimônio. Haveria a

possibilidade de sujeição de todos os seus bens (dentro dos limites da lei), não

sujeição efetiva e específica de um deles. (DIDIER Jr. et al., 2010, p. 247, grifo do

autor).

Assim, a execução recai tão somente sobre o patrimônio do devedor e, apenas de

forma excepcional poderá recair sobre a sua pessoa física, como nos casos de prisão por falta

de pagamento da pensão alimentícia (art. 733, do CPC) e de infidelidade do depositário (art.

666, § 3º, CPC, e art. 5º, LXVII, da CF/88). No último caso não há mais aplicabilidade de tal

medida desde a Emenda Constitucional nº 45/04, devido ao Brasil, em 1992, ter firmado o

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22

Pacto Internacional de São José da Costa Rica, ficando vedada a prisão do depositário infiel,

de acordo com entendimento sedimentado pela Súmula nº 419 do STJ e Súmula Vinculante nº

25. Dessa forma, prevalece apenas a prisão civil por débito alimentar.

Com relação à expressão “bens presentes e futuros”, contida no art. 591, do CPC,

significa que também responderão pela dívida, além dos bens adquiridos pelo devedor antes

de contrair a mesma, aqueles que ele adquiriu após ter se obrigado, ou seja, não importa se o

patrimônio não existia no momento da assunção do débito, o que importa é a massa de bens

existentes quando proposta a execução.

Ainda, é importante destacar a seguinte ressalva feita ao referido dispositivo:

A fórmula, embora sendo no fundo verdadeira, deve ser interpretada com cautela,

pois, como a doutrina observa, ao dizer a lei que todos os “bens presentes” do

devedor respondem para o cumprimento de suas obrigações, poderíamos imaginar

que os bens existentes em seu patrimônio, ao tempo em que a obrigação se tenha

formado, ficariam imobilizados, sem que o devedor tivesse o direito de aliená-los

livremente, o que não é verdade. A constituição da obrigação, em princípio, não

impede a livre circulação dos bens do devedor, a não ser quando ele, desfazendo-se

de seu patrimônio, fique reduzido à insolvência [...]. (SILVA, 2000, p. 70, grifo

nosso).

Note-se que o devedor é livre para administrar seu patrimônio, não havendo, portanto,

intenção do legislador em prejudicá-lo. A norma apenas visa com isso proteger o credor de

eventual fraude, garantindo seu direito de receber a prestação que lhe é devida.

Da responsabilidade patrimonial pode-se extrair um conceito material e um

processual. “A obrigação como dívida, é objeto do direito material. A responsabilidade, como

sujeição dos bens do devedor à sanção, que atua pela submissão à expropriação executiva, é

uma noção absolutamente processual.” (THEODORO Jr., 2011, p. 185).

Desse modo, o direito material determina quem é o sujeito que irá responder pela

satisfação da prestação, ao passo que o direito processual impõe limites à responsabilidade

patrimonial, informando quais bens poderão servir de garantia ao cumprimento da prestação

(DIDIER Jr. et al., 2010).

O Código de Processo Civil distingue a dívida da responsabilidade, o que é

comprovado nas palavras de Assis (2006, p. 195):

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23

O art. 591 culmina notável evolução histórica. Rompendo com as tradições romana e

germânica, que convergiam no sentido de imprimir responsabilidade pessoal ao

obrigado, a regra dissociou dívida e responsabilidade. Esta última se relaciona com

inadimplemento, que é fato superveniente à formação do vínculo obrigacional, pois

somente após descumprir o dever de prestar o obrigado sujeitará seus bens à

execução. Por conseguinte, antes do inadimplemento o credor não poderá iniciar a

execução, conforme reza o art. 581, 1ª parte, e, eventualmente, em decorrência do

adimplemento, o patrimônio se tornará inacessível à investida do credor.

Dessa forma, somente havendo o inadimplemento é que surge a responsabilidade

patrimonial do executado. Cumpre salientar que o Código de Processo Civil cuida da

responsabilidade como sujeição dos bens de uma pessoa, fixando aqueles que poderão ser

submetidos ao processo executivo, independente de seu vínculo com o negócio jurídico

material.

Nesse contexto surgem duas espécies de responsabilidade, a saber: a responsabilidade

primária e a responsabilidade secundária, as quais serão abordadas de forma mais detalhada

no tópico a seguir.

2.2 Espécies de responsabilidade patrimonial

A responsabilidade patrimonial, conforme já mencionado, pode ser primária

(originária) ou secundária, determinada de acordo com o vínculo que se estabelece entre o

sujeito responsável e a obrigação assumida.

Quando o patrimônio sujeito à execução pertence ao próprio devedor obrigado, a

responsabilidade é primária, também denominada originária, a qual é estabelecida no art. 591,

do CPC. Marinoni e Mitidiero (2012, p. 628) lecionam: “quando a responsabilidade

patrimonial recai sobre aquele a quem se imputa o débito, há responsabilidade primária [...].”

Contudo, pode por vezes, o patrimônio de um terceiro que não se obrigou ser afetado

pela responsabilidade, o que caracteriza a responsabilidade secundária. Assim, no

entendimento de Didier Jr. et al. (2010, p. 256, grifo dos autores), “a responsabilidade

secundária incidiria sobre bens de terceiro não obrigado, quando a responsabilidade se

desprende da obrigação e vai recair sobre terceiro [...].”

Nesse diapasão, o art. 592, do CPC, assim estabelece:

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24

Art. 592. Ficam sujeitos à execução os bens:

I – do sucessor a título singular, tratando-se de execução fundada em direito real ou

obrigação reipersecutória;

II – do sócio, nos termos da lei;

III – do devedor, quando os bens estiverem em poder de terceiros;

IV – do cônjuge, nos casos em que os seus bens próprios, reservados ou de sua

meação respondem pela dívida;

V – alienados ou gravados com ônus real em fraude de execução.

O inciso I refere-se àquele que adquiriu o bem litigioso por meio de negócio oneroso

ou gratuito quando a execução foi fundada em direito real ou por obrigação reipersecutória,

ou seja, traz à baila o direito de sequela dos direitos reais, possibilitando ao credor buscar o

bem onde quer que ele esteja. Nesse caso, portanto, o negócio é ineficaz para a execução.

Quanto ao inciso II, o sócio apenas em alguns casos estabelecidos pela lei responde

com seus bens particulares pelas dívidas da sociedade. Também, se o sócio violar o contrato

ou gerir a sociedade de forma abusiva, o juiz poderá decretar a desconsideração da

personalidade jurídica, tornando o seu patrimônio particular responsável pela dívida da

sociedade. De acordo com Marinoni e Mitidiero (2012), a responsabilidade dos sócios por

dívidas da empresa não é atribuída exclusivamente pelo art. 592, II, sendo que essa norma

deve ser conjugada com outras a fim de ser aplicada.

Já o inciso III refere-se aos bens do devedor em posse ou detenção de terceiros. Trata-

se de bens de propriedade do devedor, mas que apenas encontram-se na posse ou detenção de

terceiros, por isso, obviamente respondem pela dívida. Para Assis (2006), este terceiro

detentor ou possuidor permanece “terceiro” na relação processual pendente, não se

envolvendo no processo executivo. A penhora não lhe afeta a posse imediata nem poderá

opor-se a ela mediante embargos de terceiro do art. 1046, do CPC.

Ainda, o inciso IV refere-se aos bens do cônjuge. Como regra geral, há a

incomunicabilidade das dívidas quando somente um dos cônjuges as contraiu, porém, se a

dívida assumida trouxe benefícios à família, mesmo que um deles não tenha contraído a

dívida, responde por ela. A defesa da meação pelo cônjuge pode ser feita por meio de

embargos de terceiro ou embargos à execução (DONIZETTI, 2012). Trata-se contudo, de um

assunto complexo que demandaria análise mais acurada, o que não é objeto deste estudo.

Por fim, o inciso V prevê a sujeição dos bens alienados ou gravados em fraude de

execução, ou seja, quando o devedor aliena ou onera bens na pendência de um processo para

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25

desfazer-se do patrimônio e, assim, impedir o credor de receber de seu crédito. Devido à sua

importância, a fraude à execução será tratada posteriormente em item específico juntamente

com a fraude contra credores.

Além das responsabilidades elencadas no art. 592, do CPC, ainda há a

responsabilidade do fiador, estabelecida no art. 595, do CPC; a responsabilidade do espólio e

dos herdeiros, art. 597, do CPC; e, finalmente, a responsabilidade patrimonial do incapaz,

regulada no Código Civil em seu art. 928.

No que se refere aos terceiros responsáveis, há controvérsias quanto ao seu

reconhecimento como partes do processo. Por isso, a apresentação de eventual defesa por

parte dos terceiros é, na lição de Medina (2004, p. 50, grifo do autor):

Segundo pensamos, no que se refere à responsabilidade executiva de terceiros (art.

592 do CPC), que ultrapassa a responsabilidade subjetiva do executado, não se pode

dizer que se esteja diante de um mero terceiro, porquanto é indubitável que de

executado se trata. Assim, o “responsável”, muito embora originariamente não faça

parte da relação jurídico-processual, deve ser citado e ter à sua disposição os

mesmos mecanismos processuais de oposição que podem ser manejados por aquele

que é originariamente executado (v.g., os embargos do devedor referidos no art. 736

do CPC). Trata-se de solução que se impõe especialmente em razão de nossa

Constituição Federal proclamar os princípios do contraditório e da ampla defesa, que

são manifestação do princípio de devido processo legal (CF/88, art. 5º, incs. LIV e

LV).

Desse modo, o terceiro responsável deve ser tido como parte, em que pese não ter

participado da relação processual desde o início, teve seus bens penhorados sem ser o sujeito

passivo da demanda, o que lhe garante o direito de ser citado na condição de parte com a

garantia de todos os direitos resguardados pela CF/88.

Realizada uma análise das espécies de responsabilidade, pode-se verificar a

importância do princípio da patrimonialidade para o processo executivo, uma vez que a

sujeição dos bens do devedor e de terceiros à responsabilidade pela dívida possibilita a

satisfação do crédito pelo credor.

2.3 Fraude contra credores e fraude à execução

Os bens do devedor que respondem pela obrigação ficam à sua disposição e este,

sendo proprietário, tem o direito de usar, gozar e dispor desse patrimônio, nos termos que lhe

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confere o art. 1228 do Código Civil. Todavia, existe um controle sobre essa disponibilidade

de bens do devedor a fim de que o mesmo não prejudique seus credores.

Didier Jr. et al. (2010) apontam que o legislador construiu um sistema de controle da

disponibilidade dos bens do devedor, de modo que ele possa administrar o que é seu e, ao

mesmo tempo, seja garantida uma proteção ao credor.

Dessa maneira, toda vez que o devedor quiser se desonerar da responsabilidade

patrimonial e agir de má-fé, arruinando seu patrimônio e, assim, causar lesões aos interesses

de seus credores, estará configurada a fraude, conduta não aceita pelo ordenamento jurídico, a

qual pode ser classificada em: a) fraude à execução; e b) fraude contra credores.

Como bem explica Dinamarco (2002, p. 265), “seja ao sancionar a fraude contra

credores, seja a de execução, quis o legislador combater atos com que o devedor intente

desfalcar o seu patrimônio e, com isso, a garantia dos seus credores.”

Embora essas duas fraudes sejam semelhantes, são institutos que não se confundem,

conforme expressa Donizetti (2012, p. 934, grifo do autor):

Cumpre, ainda destacar, que a fraude à execução discriminada nos arts. 592 e 593 do

CPC não se confunde com a fraude contra credores. A fraude contra credores, que

está regulamentada no CC (art. 158 e seguintes), tem como requisitos a diminuição

do patrimônio do devedor que configure situação de insolvência (eventos damni) e a

intenção do devedor e do adquirente do(s) bem(s) de causar o dano por meio da

fraude (consilium fraudis). Essa modalidade de fraude, que acarreta prejuízo apenas

para o credor, é combatida por meio de ação própria (ação pauliana), tendo como

consequência a anulabilidade do ato.

Na fraude contra credores, antes mesmo que seja instaurada a execução contra o

devedor, este já começa a dissipar seus bens, diminuindo sua massa patrimonial de modo a

tornar-se insolvente, prejudicando apenas seus credores.

Didier Jr. et al. (2010, p. 298) explicam que o devedor faz com que seu passivo se

torne maior do que seu ativo, portanto, não dispondo de bens para responder pela obrigação.

Assim, o devedor já endividado começa a contrair mais dívidas, ocasionando a redução ou

perda daquele patrimônio que serviria como garantia de cumprimento das obrigações por ele

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assumidas, tornando-se deste modo insolvente e, portanto, prejudicando o recebimento do

crédito por seus credores.

Para que se configure a fraude contra credores dois pressupostos devem estar

presentes:

a) pressuposto objetivo – é a efetiva redução do patrimônio, sendo que a prova deve ser

feita pelo credor; e,

b) pressuposto subjetivo – é a ciência que o devedor e o terceiro adquirente têm de estar

causando o prejuízo (dano) ao credor, a qual também deve ser provada pelo credor. Em

situações previstas expressamente pelo Código Civil (arts. 158 e 159), a consciência da

fraude pelo devedor é presumida, assim, nesses casos somente se exige a ciência do dano

pelo terceiro beneficiário de ato oneroso.

Presentes esses pressupostos, pode o credor ingressar com a chamada ação pauliana, a

fim de invalidar o negócio fraudulento. De acordo com Didier Jr. et al. (2010), uma parte da

doutrina considera que o ato fraudulento é válido entre o devedor e o terceiro adquirente, mas

ineficaz para o credor (assim entendem Cândido Rangel Dinamarco e Humberto Theodoro

Jr.), não obstante o Código Civil seja expresso, bem como a jurisprudência e a doutrina

majoritária (Sílvio Rodrigues e Nelson Nery Jr.) entendem que seria caso de anulabilidade,

ou seja, o ato seria destruído e o bem retornaria ao patrimônio do devedor para saldar o

débito.

A fraude à execução, tal como a fraude contra credores, consiste em atos praticados

pelo devedor que acarretam a diminuição ou perda de seu patrimônio responsável pelas

dívidas contraídas. Segundo Donizetti (2012), porém, é mais grave, uma vez que ocorre

quando já estiver em curso uma ação judicial, afetando além do credor, a efetividade da

atividade jurisdicional executiva.

Sobre a fraude à execução, o art. 593, do CPC, assim dispõe:

Art. 593. Considera-se em fraude de execução a alienação ou oneração de bens:

I – quando sobre eles pender ação fundada em direito real;

II – quando, ao tempo da alienação ou oneração, corria contra o devedor demanda

capaz de reduzi-lo à insolvência;

III – nos demais casos expressos em lei.

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No inciso I há a proteção do direito de sequela dos direitos reais. A alienação é

ineficaz antes mesmo de a demanda ser julgada, podendo o credor desde então buscar o bem.

Contudo, é de grande relevância a crítica que Didier Jr. et al. (2010, p. 305, grifo dos autores)

fazem quanto a esta regra, argumentando que a mesma se apresenta simplesmente como

exemplo de fraude, haja vista contrariar outra norma mais completa disposta no próprio CPC.

Assim:

A regra, ademais, não está em conformidade com o próprio CPC, pois ignora outra,

mais ampla e completa, que é a do art. 42, que cuida da alienação da coisa ou do

direito litigioso [...]. O art. 42 abrange o art. 593, I, pois vincula o terceiro

adquirente/cessionário ao resultado do processo (qualquer processo), sem menção à

natureza da ação em cujo processo se deu a transferência do bem (CPC, art. 42, §

3º). O art. 593, I, é um mero exemplo de situação fraudulenta, que se subsume à

regra geral do art. 42 do CPC. [...].

O inciso II trata da hipótese mais relevante de fraude à execução, revelada no caso de

já haver um processo pendente que pode ser qualquer espécie de demanda em curso, a qual

possa levar o devedor à insolvência. Assim, o devedor conhecendo sua situação de iminente

insolvência, desfaz-se dos bens com intuito de prejudicar seus credores.

Por fim, o último inciso do art. 593, do CPC, trata dos demais casos expressos em lei,

como por exemplo, o art. 615-A, § 3º, do CPC, que é o caso de alienação ou oneração de bens

após já ter sido feita a averbação da penhora no respectivo registro.

Nesses casos de fraude à execução, a alienação ou oneração do patrimônio do

devedor será ineficaz para a execução, pois para o terceiro adquirente o negócio será válido e

eficaz, mas tendo possuído o bem, com ele responderá pela dívida. Theodoro Jr. (2011, p.

193, grifo nosso), esclarece nesse sentido que:

Não se cuida, como se vê, de ato nulo ou anulável. O negócio jurídico, que frauda a

execução, diversamente do que se passa com o que frauda credores, gera pleno

efeito entre alienante e adquirente. Apenas não pode ser oposto ao exequente.

Assim, a força da execução continuará a atingir o objeto da alienação ou oneração

fraudulenta, como se estas não tivessem ocorrido. O bem será de propriedade do

terceiro, num autêntico exemplo de responsabilidade sem débito.

A fraude à execução é alegada incidentalmente no processo executivo pelo credor ou

como matéria de defesa nos embargos de terceiros opostos pelo adquirente beneficiário do ato

fraudulento. Se for reconhecida a fraude e o terceiro adquirente tiver o bem subtraído, poderá

este ingressar com uma ação de regresso contra o devedor (DIDIER Jr. et al., 2010).

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Cumpre ainda referir que a fraude à execução é um ato atentatório à dignidade da

justiça, previsto no art. 600, I, do CPC, punível com multa não superior a 20% do valor

atualizado do débito e revertida em favor do credor.

Ademais, com a fraude à execução perde-se o objeto sobre o qual a execução deveria

incidir, impedindo assim que o Judiciário atue na prestação da atividade jurisdicional. Decorre

daí a necessidade de puni-la mais severamente, configurando-a como ilícito penal, previsto no

art. 179 do Código Penal, punível com detenção de seis meses a dois anos, ou multa

(THEODORO Jr., 2011). Cabe ressaltar ainda que a ação penal é de iniciativa privada.

2.4 Penhora

Conforme já exposto anteriormente, o presente estudo é baseado no procedimento da

execução por quantia certa, que de acordo com o art. 646, do CPC, tem por objeto a

expropriação de bens do devedor para satisfazer o direito do credor.

Assim, o mencionado procedimento é composto por quatro fases, quais sejam: fase da

proposição, da apreensão de bens, da expropriação e do pagamento, sendo que a penhora

integra a fase de apreensão (DONIZETTI, 2012).

Ao discorrer sobre a penhora, pertinente se faz uma primeira análise de seu conceito,

bem como a abordagem de suas funções, sua natureza jurídica, seus efeitos e, principalmente,

seu objeto, ponto importante para adentrar no desenvolvimento do objeto do presente estudo.

No processo de execução de quantia certa, ao contrário do que ocorre no processo de

conhecimento, onde o réu é citado para responder a ação, o executado é citado para pagar a

quantia no prazo de três dias sob pena de seus bens serem penhorados para garantia da dívida,

de acordo com o que dispõe o art. 652, caput e § 1º, do CPC.

Logo, se o executado não pagar a quantia no referido prazo, serão apreendidos os bens

necessários para penhorá-los, a fim de suprir o valor da dívida. Assim, Liebman (1946 apud

SILVA, 2000, p. 87) conceitua a penhora como: “[...] o ato pelo qual o órgão judiciário

submete a seu poder imediato determinados bens do executado, fixando sobre eles a

destinação de servirem à satisfação do direito do exequente.”

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Dessa maneira, penhorados bens do devedor, a satisfação do débito ocorre com a

expropriação e pode se dar de forma direta, por meio da adjudicação, ou seja, quando o

próprio bem penhorado for entregue ao credor, ou de forma indireta, no caso de alienação do

bem penhorado para com o produto pagar ao credor.

Assim, os bens penhorados necessitam ser avaliados a fim de se definir os limites da

expropriação. Essa avaliação ocorre no ato da penhora e é realizada pelo próprio oficial de

justiça, conforme dispõem os arts. 143, V e 680, ambos do CPC. Somente em casos que

demandarem conhecimentos específicos é que o juiz nomeará um avaliador.

Em alguns casos não é necessária a avaliação. Segundo Donizetti (2012), são hipóteses

que dispensam a avaliação: a não impugnação pelo executado do valor que foi atribuído aos

bens indicados pelo exequente; a aceitação pelo exequente da estimativa feita pelo executado

(na hipótese de o executado requerer a substituição do bem penhorado, atribuindo-lhe o

valor); e quando se tratarem de títulos e mercadorias com cotação em bolsa.

Sendo a penhora a apreensão dos bens do executado para garantia da dívida, existem

três corrente distintas para explicar sua natureza jurídica. A primeira entende que a penhora é

ato cautelar; a segunda que é ato puramente executivo; e a última entende tratar-se de ato

misto (cautelar em conjunto com executivo). Predomina a segunda corrente, a qual entende

ser a penhora um ato puramente executivo, uma vez que seu objetivo é a apreensão dos bens

do devedor para individualizar a responsabilidade patrimonial e então realizar os atos

expropriatórios do processo executivo para pagamento ao credor (DIDIER Jr. et al., 2010).

A doutrina explica que não se trata de ato cautelar, porque embora possua a função de

guardar os bens até que se promova a expropriação com o pagamento ao credor, não se

desenvolve em processo autônomo exclusivamente com o intuito de preservar os bens como

ocorre nos procedimentos cautelares. Pelo contrário, constitui ato essencial do procedimento

executório com a finalidade de individualizar os bens do devedor que servirão para satisfazer

o credor (THEODORO Jr., 2011).

De igual modo, também não tem natureza jurídica de ato misto (cautelar e executivo),

pois o objetivo principal é a individualização dos bens que responderão pela execução, dando

início a invasão ao patrimônio do devedor, enquanto a função cautelar de assegurar os bens

possui caráter secundário (DIDIER Jr. et al., 2010).

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31

A penhora, portanto, trata-se de um ato executivo, cuja principal função é

individualizar a responsabilidade patrimonial. De acordo com Marques (1960 apud

THEODORO Jr., 2011, p. 273, grifo do autor), com esse ato inicial de expropriação,

a responsabilidade patrimonial, que era genérica, até então, sofre um processo de

individualização, mediante apreensão física, direta ou indireta, de uma parte

determinada e específica do patrimônio do devedor.

Tanto Didier Jr. et al. (2010) como Theodoro Jr. (2011), contudo, apontam que a

penhora possui tríplice função: a) individualização e apreensão do bem; b) seu depósito e sua

conservação; e c) atribuição do direito de preferência ao credor.

Sendo assim, diante do não pagamento pelo executado, e não havendo indicação pelo

credor de bens do executado para serem penhorados, o oficial de justiça, munido de mandado

judicial, procederá à individualização e apreensão dos bens necessários para a satisfação da

dívida. Após, os referidos bens serão entregues ao depositário (que pode ser o próprio

executado) para guarda e conservação a fim de evitar o seu extravio ou deterioração, lavrando

o respectivo auto. Diante disso, ocorre a indisponibilidade desses bens para o credor e

terceiros.

A indisponibilidade dos bens apreendidos, no entanto, é relativa, visto que o executado

continua sendo o proprietário dos bens, permanecendo com todos os seus direitos sobre eles,

podendo inclusive transferi-los a terceiros. Todavia, como aduz Silva (2000), esse ato de

alienação do bem penhorado é ineficaz para o credor penhorante, que prosseguirá com a

atividade executória sobre o bem gravado mesmo contra o adquirente.

Quanto à função da penhora de atribuir ao credor o direito de preferência, o art. 612 do

CPC estabelece que sendo o executado solvente, o credor que primeiro penhorou o bem tem

preferência sobre os demais credores quirografários, resguardados os títulos legais de

preferência, estabelecidos no art. 958 do Código Civil. Pode haver mais de uma penhora sobre

o mesmo bem, cuja hipótese é descrita no art. 613 do CPC, a qual prevê que não havendo

títulos legais de preferência, receberá primeiro o crédito aquele que antecipadamente

penhorou o bem (MARINONI; MITIDIERO, 2012).

Realizada a penhora, surtirão efeitos para o credor, o devedor e também para os

terceiros. Nesse sentido, com a penhora o credor saberá exatamente os bens que irão garantir

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32

seu crédito, bem como terá o direito de preferência anteriormente referido, ao passo que o

devedor perderá a posse direta e a liberdade total de disposição desse patrimônio, pois o

mesmo ficará vinculado à execução para posteriores atos expropriatórios e pagamento ao

credor.

No que tange aos efeitos perante os terceiros, estes são afetados no momento em que

adquirem o bem do devedor executado. Como bem assevera Carnelutti (1973 apud

THEODORO Jr., 2011, p. 277, grifo nosso):

[...] a penhora atua em prejuízo de terceiros que tenham adquirido um direito real

ou pessoal, ou ainda somente um privilégio, sobre o bem penhorado, no sentido de

que, não obstante tal aquisição, o bem continua submetido à expropriação em

prejuízo do terceiro em favor do credor exequente e dos credores intervenientes.

Como anteriormente mencionado ao tratar da indisponibilidade relativa dos bens do

executado, portanto, este pode dispor de seus bens, mas os atos de disposição não possuem

eficácia perante o credor exequente, o qual seguirá com o processo executório sobre o bem

alienado ao terceiro adquirente, que restará prejudicado. Por isso, Theodoro Jr. (2011) afirma

que o terceiro deve evitar negociar o bem objeto da constrição com o executado, haja vista

que terá de responder com esse bem.

A realização da penhora normalmente se dá pelo oficial de justiça, entretanto, a

penhora pode ser efetivada por termo nos autos ou por meio eletrônico, como se verá adiante.

Quando o oficial de justiça for efetuar a penhora, irá apreender tantos bens do

executado quantos forem necessários para suprir o valor da dívida, juros, custas e honorários

(art. 659, CPC). Sendo o valor dos bens penhorados superior ao da dívida, a penhora será

igualmente efetivada, pois após o pagamento do credor o que sobrar será restituído ao

devedor. Sendo o valor inferior, também será efetivada porque pode haver o reforço de

penhora se o devedor tiver outros bens. A penhora só não será efetivada se o valor for tão

ínfimo que seja absorvido pelo pagamento das custas da execução, sem sequer satisfazer a

pretensão do credor (DONIZETTI, 2012).

Salienta-se que a Lei nº 11.382/2006 alterou a redação do art. 652, § 2º, do CPC,

permitindo que o credor na própria petição de execução, indique bens do devedor à penhora,

Page 34: MONOGRAFIA - MARINA JAPPE PRATES.pdf

33

sendo que essa indicação é uma faculdade ao exequente quando este conhece o patrimônio do

executado e deve obedecer à ordem estabelecida no art. 655, do CPC, que dispõe:

Art. 655. A penhora observará preferencialmente, a seguinte ordem:

I - dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira;

II - veículos de via terrestre;

III - bens móveis em geral;

IV - bens imóveis;

V - navios e aeronaves;

VI - ações e quotas de sociedades empresárias;

VII - percentual do faturamento de empresa devedora;

VIII - pedras e metais preciosos;

IX - títulos da dívida pública da União, Estados e Distrito Federal com cotação em

mercado;

X - títulos e valores mobiliários com cotação em mercado;

XI - outros direitos. (grifo nosso)

O credor deve observar ainda o disposto no § 1º do mesmo artigo, o qual prevê que

havendo execução de crédito com garantia hipotecária, pignoratícia ou anticrética, a penhora

recairá preferencialmente sobre a coisa dada em garantia.

Segundo Donizetti (2012), havendo indicação de bens pelo exequente, cabe ao

executado impugnar a nomeação que não obedecer à ordem legal e não o fazendo, a penhora

torna-se eficaz. Também, se o exequente não fizer a indicação, poderá o executado fazê-la.

Assim, a ordem estabelecida no referido dispositivo não é absoluta, o que pode ser

observado na própria redação do seu caput, na redação dada pela Lei nº 11.382/2006,

podendo ser relativizada quando essa escolha justificar o atendimento das circunstâncias do

caso concreto, à satisfação do crédito e à forma menos onerosa ao executado (THEODORO

Jr., 2011).

Quanto à penhora efetivada por termo nos autos, Didier Jr. et al. (2010) esclarecem

que é aquela feita em cartório, pelo próprio escrivão, quando não há necessidade de deslocar-

se até o local dos bens para penhorá-los, por exemplo, no caso de indicação de bens pelo

credor ou pelo devedor; de bens imóveis acompanhados da respectiva matrícula; de penhora

on-line, ou ainda, no caso de substituição de bens penhorados.

Outra forma de penhora é a aquela realizada por meio eletrônico, mais uma inovação

trazida pela Lei n. 11.382/2006 que acrescentou tal modalidade no art. 655-A, do CPC:

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34

Art. 655-A. Para possibilitar a penhora de dinheiro em depósito ou aplicação

financeira, o juiz, a requerimento do exequente, requisitará à autoridade supervisora

do sistema bancário, preferencialmente por meio eletrônico, informações sobre a

existência de ativos em nome do executado, podendo no mesmo ato determinar sua

indisponibilidade, até o valor indicado na execução.

A penhora eletrônica, ou penhora on-line, é uma modalidade especial de penhora que

permite ao magistrado, por meio de senha devidamente cadastrada no sistema de consulta

desenvolvido pelo Banco Central (Bacenjud), obter informações sobre a existência de ativos

em nome do executado em qualquer instituição financeira. Em caso positivo, pode bloquear

esses valores no limite do valor da execução para que o exequente possa penhorar o dinheiro

(MARINONI; MITIDIERO, 2012).

Havendo valores suficientes, o juízo será informado do bloqueio da quantia e da

instituição financeira onde a mesma se encontra. O valor bloqueado pode ser menor se o que

for encontrado não suprir o da execução, mas jamais pode ser maior. Só então será lavrado o

termo de penhora e intimado o executado da constrição (THEODORO Jr., 2011).

Cumpre referir ainda que essa forma de penhora por meio eletrônico não viola o

princípio da menor onerosidade, nem o sigilo bancário do executado, tutelado na CF/88, em

seu art. 5º, XII, uma vez que o exequente tem o direito à efetiva e adequada prestação

executiva. Nesse caso, o sigilo dos dados será mantido, pois não serão conhecidos os valores

de depósitos na conta do executado, apenas será informada a existência de valor suficiente

para suprir a execução (MARINONI; MITIDIERO, 2012).

Em qualquer modalidade de penhora o executado deverá tomar conhecimento da

constrição, que pode ser mediante intimação do oficial de justiça, que no mesmo ato, munido

do mandado, cita o executado e já apreende, penhora, avalia e deposita os bens. Ainda, a

intimação da penhora pode ser feita pelo correio, quando o executado já tiver sido citado, ou

ainda, por meio de advogado constituído (se tiver).

Finalmente, a penhora tem por objeto o patrimônio do executado e dos terceiros

responsáveis, conforme preceituam os arts. 591 e 592 do CPC, que já foram objeto de análise

em item precedente. Este patrimônio consiste em bens corpóreos (dinheiro, pedras, metais

precisos, móveis, veículos) ou incorpóreos (títulos de dívida pública, títulos de crédito que

tenham cotação em bolsa ou direitos) (DIDIER Jr. et al., 2010).

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35

Entretanto, não é todo o patrimônio do devedor que responde pela dívida, embora a

regra seja a possibilidade de penhora de todos os bens do devedor que possuam valor

econômico estimável. A lei, contudo, põe a salvo da execução alguns bens, considerados

impenhoráveis.

Destarte, as regras de impenhorabilidade encontram-se estabelecidas no Código de

Processo Civil, bem como em leis extravagantes como, por exemplo, na Lei nº 8.009/90 que

dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família. Contudo, proceder à análise de todas

essas, por tratar-se de conteúdo bastante amplo, daria ensejo à elaboração de novo estudo.

Serão analisadas, portanto, no decorrer do próximo capítulo, as hipóteses de restrição à

penhora previstas tão somente no Código de Processo Civil, em seus arts. 649 e 650.

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36

3 A EFETIVIDADE DA TUTELA JURISDICIONAL EXECUTIVA DIANTE DAS

REGRAS DE IMPENHORABILIDADE DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

No capítulo anterior examinou-se o princípio da responsabilidade patrimonial,

enfatizando seu conceito e suas espécies, bem como as condutas de má-fé do devedor

traduzidas na fraude contra credores e fraude à execução. Além disso, discorreu-se sobre a

penhora e seu objeto para, finalmente, chegar ao objeto principal do presente estudo, qual

seja, as regras de impenhorabilidade constantes no Código de Processo Civil e a efetividade

da tutela jurisdicional executiva.

Neste capítulo, em um primeiro momento faz-se uma apresentação geral da

impenhorabilidade para, em seguida, compreender a impenhorabilidade absoluta e relativa.

Ao mesmo tempo, tendo em vista a iminente reforma do Código de Processo Civil atual, será

feita uma análise do Projeto de Lei nº 8.046/2010 em trâmite na Câmara dos Deputados e ao

Projeto Substitutivo do Deputado Paulo Teixeira que faz referência ao tema.

Ao final, serão analisados alguns julgados proferidos por diferentes tribunais, o que

possibilita verificar que a aplicação dessas regras de impenhorabilidade, por vezes impõem

dificuldades no recebimento do crédito pelo exequente, prejudicando a efetividade da tutela

jurisdicional executiva.

3.1 Impenhorabilidade

Como visto, é o patrimônio do devedor ou de terceiros responsáveis que será objeto da

penhora para garantia e satisfação do débito pelo credor. Contudo, nem todos os bens são

passíveis de penhora, pois o próprio art. 591 do CPC, na sua parte final, faz a ressalva quanto

às restrições estabelecidas em lei.

Assim sendo, o art. 648 complementa dispondo que: “não estão sujeitos à execução os

bens que a lei considera impenhoráveis ou inalienáveis.” Portanto, somente podem ser

penhorados os bens alienáveis, ou seja, aqueles que podem ser negociados ou vendidos

livremente pelo devedor (THEODORO Jr., 2011).

A lei, entretanto, enumera alguns bens que mesmo sendo disponíveis, não podem ser

objeto da penhora. Trata-se dos bens impenhoráveis, cujas regras encontram-se disciplinadas

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no Código de Processo Civil e também em leis extravagantes. No entanto, como

anteriormente mencionado, o presente estudo restringe-se à abordagem das disposições

referentes às restrições estabelecidas nos arts. 649 e 650, do Código de Processo Civil, as

quais serão apresentadas em itens próprios.

A impenhorabilidade pode ser definida como a restrição imposta em lei à

penhorabilidade de alguns bens do devedor, havendo na doutrina diversos fundamentos para

explicá-la. Didier Jr. et al. (2010) esclarecem que a limitação à penhorabilidade justifica-se

em diversos critérios, sendo que o fundamento principal é a proteção da dignidade do

executado, ou seja, a garantia de um patrimônio mínimo para viver com dignidade.

Igualmente, Theodoro Jr. (2011) afirma que a impenhorabilidade tem a finalidade de

proteger as receitas alimentares do devedor e de sua família, a fim de que a execução não lhe

retire a dignidade humana.

Dinamarco (2002) assevera que não pode o Estado, na busca pela realização dos

interesses das partes, em nenhuma hipótese impor rigores para a execução forçada sem

qualquer limitação. Por isso, em alguns casos a execução é impedida ou dificultada por

limitações, sejam elas naturais (a impossibilidade de executar) ou políticas (quando a

execução é inconveniente). O aludido doutrinador afirma que as regras de impenhorabilidade

são limites políticos, uma vez que são impostos pelo legislador com o fim de permitir que o

executado permaneça com um mínimo patrimonial indispensável à sua vida digna.

Nesse contexto, importante mencionar a Teoria do Estatuto Jurídico do Patrimônio

Mínimo, elaborada pelo professor paranaense Luiz Edson Fachin, a qual defende a garantia

pelo ordenamento jurídico de um patrimônio mínimo ao indivíduo, a fim de lhe garantir o

direito fundamental à dignidade humana, consagrado pela CF/88.

A tese sustenta que ao menos uma parcela do patrimônio da pessoa deve ser

preservada para que efetivamente possa viver com dignidade. De acordo com essa teoria, o

conceito de patrimônio mínimo é relativo, pois varia de acordo com a realidade econômica de

cada um. Também é mensurável e universal, pois é aplicável a todos, partindo-se do

pressuposto de que não se pode admitir pessoa humana sem um patrimônio (QUARESMA,

2010).

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38

É nesse sentido que o Direito Civil vem sofrendo uma despatrimonialização ou

repersonalização, valorizando a pessoa e minimizando a valorização ao patrimônio, buscando

a proteção da dignidade da pessoa humana nos moldes do que estabelece a CF/88. Assim, a

criação das regras de impenhorabilidade como proteção à dignidade da pessoa humana vem

ao encontro do que prevê a referida teoria.

Isso posto, Didier Jr. et al. (2010) aduzem que a natureza jurídica das regras de

impenhorabilidade não é de ordem pública como a doutrina costuma considerar, porque

servem à proteção do executado. Excepcionada a hipótese do inciso I do art. 649, todas as

outras tratam de bens disponíveis do devedor, os quais podem ser alienados livremente na via

extrajudicial, inclusive para o pagamento da dívida executada, podendo também o ser no

âmbito judicial.

Nesta mesma senda afirma Assis (2011, p. 4, grifo nosso):

Não sendo inalienáveis, os bens simplesmente impenhoráveis comportam atos de

disposição antes do processo; por exemplo, a dação em pagamento para solver a

dívida. Ora, nada pode impedir atos dessa natureza no curso do processo.

Assim, segundo o entendimento dos doutrinadores Didier Jr. et al. (2010), haveria a

possibilidade de o executado renunciar às regras de impenhorabilidade em se tratando de bens

disponíveis, pois se constitui um direito seu.

Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça, no REsp nº 1.365.418/SP, julgado em

04 de abril de 2013, firmou entendimento de que há a possibilidade de a impenhorabilidade

ser renunciada pelo executado quando se tratar de bens impenhoráveis disponíveis e tendo

sido indicados à penhora pelo executado por sua livre vontade, com exceção dos bens

inalienáveis e bens de família, os quais reputam-se de ordem pública.

A impenhorabilidade dos bens do devedor, entretanto, protege o seu direito

fundamental à dignidade, e restringe o direito fundamental do credor à tutela executiva:

O primeiro dado que se impõe ao intérprete é que a impenhorabilidade dos bens do

devedor imposta pela lei consiste em uma restrição ao direito fundamental do credor

aos meios executivos. Realmente, excluindo determinados bens do devedor do

universo dos bens expropriáveis (em princípio, todo o patrimônio presente e futuro

do devedor, nos termos do art. 591 do CPC), a lei está impondo uma limitação às

possibilidades práticas de realização da tutela executiva. (GUERRA, 2003, p. 165).

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39

Diante disso compreende-se que o credor tem garantido o direito fundamental à tutela

executiva para buscar a satisfação de seu crédito. A limitação à penhorabilidade de certos

bens para assegurar direitos fundamentais do devedor, entretanto, se traduz em verdadeira

colisão de princípios fundamentais que deve ser solucionada por meio da ponderação,

analisando as circunstâncias de cada caso concreto (DIDIER Jr. et al., 2010).

Assim, deve o julgador, em um primeiro momento, procurar utilizar-se dos meios

adequados para atingir os fins. Após precisa observar a necessidade, ou seja, avaliar eventuais

prejuízos que os meios empregados podem causar, utilizando aqueles realmente necessários

para atingir os fins, e que, ao mesmo tempo, sejam menos prejudiciais a outros direitos

fundamentais. Por fim, o julgador precisa observar a proporcionalidade em sentido estrito,

isso quer dizer que ele deve avaliar a situação como um todo, estabelecendo as vantagens e

desvantagens em empregar os meios. Dessa forma vai sopesar os bens jurídicos envolvidos e

optar pela solução que melhor atenda a todos (GUERRA, 2003).

Apontam ainda Didier Jr. et al. (2010) que o legislador, ao estabelecer o rol de bens

impenhoráveis, já fez um prévio juízo de ponderação entre os interesses envolvidos,

mitigando o direito do exequente em favor da proteção do executado. Porém, em alguns

casos, quando se evidencia a desproporção, desnecessidade ou inadequação entre a restrição a

um direito fundamental e a proteção do outro, a impenhorabilidade não deve incidir.

A restrição à penhorabilidade de bens comporta duas classificações: a

impenhorabilidade absoluta e a impenhorabilidade relativa, como se verifica nos tópicos

subsequentes.

3.2 Impenhorabilidade absoluta

O art. 649, do CPC, apresenta o rol de bens absolutamente impenhoráveis. De acordo

com o entendimento de doutrinadores como Theodoro Jr. (2011) e Donizetti (2012), a

impenhorabilidade absoluta consiste em bens que não podem ser penhorados em nenhuma

hipótese.

Contudo, doutrinadores como Didier Jr. et al. (2010) e Assis (2011) consideram que a

impenhorabilidade absoluta, embora conste na redação do caput do art. 649, é aquela que

atinge a todos os credores, sem exceção.

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40

Destarte, imprescindível se faz a análise de cada inciso do referido artigo, alterados

pela Lei nº 11.382/2006. Dessa forma, são absolutamente impenhoráveis, segundo o art. 649,

do CPC:

I - Os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução –

Os bens inalienáveis são aqueles que não podem ser vendidos ou cedidos. A inalienabilidade

pode decorrer da lei, como é o caso dos bens públicos (art. 100, do Código Civil); ou ainda da

vontade das partes, por meio de cláusula de inalienabilidade em atos unilaterais ou bilaterais,

como nas doações e testamentos. Assim, se o bem não pode ser alienado, de igual forma não

pode ser penhorado, pois a penhora é o primeiro ato do procedimento de alienação judicial do

bem (DIDIER Jr. et al., 2010).

II - Os móveis, pertences e utilidades domésticas que guarnecem a residência do

executado, salvo os de elevado valor ou que ultrapassem as necessidades comuns

correspondentes a um médio padrão de vida – Aqui se cuida da proteção aos bens que servem

para garantia de um patrimônio mínimo ao executado e sua família sobreviverem com

dignidade. Essa hipótese de impenhorabilidade é regulamentada pela Lei nº 8.009/1990 que

prevê a impenhorabilidade do bem de família e estende a restrição aos bens móveis que

guarnecem a residência.

Entretanto, ao final do enunciado o legislador impôs limitações a essa

impenhorabilidade, permitindo a penhora dos móveis e utilidades domésticas quando

verificado que ultrapassam as necessidades comuns indispensáveis a um médio padrão de

vida (BUENO, 2010). Como a regra não estabelece parâmetros para verificar o que seriam

bens de elevado valor excluídos da impenhorabilidade, o julgador deve analisar o caso

concreto, levando em consideração as condições das partes envolvidas, definindo o que

excluirá da regra de impenhorabilidade (DONIZETTI, 2012).

III - Os vestuários, bem como os pertences de uso pessoal do executado, salvo se de

elevado valor – O legislador, ao criar essa hipótese de impenhorabilidade, levou em

consideração os mesmos critérios do inciso antecedente, ou seja, resguardar da penhora os

bens indispensáveis à sobrevivência digna do executado. Bueno (2010) enfatiza que não se

deseja preservar o padrão do executado, mas sim pretende-se garantir a ele um mínimo

indispensável a um médio padrão em sua forma de vestir-se e apresentar-se em público.

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41

IV - Os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de

aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de

terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador

autônomo e os honorários de profissional liberal, observado o disposto no § 3º deste artigo –

Trata-se de rol amplo e exemplificativo de valores destinados à subsistência do executado, ou

seja, qualquer verba de caráter alimentar não poderá ser objeto de penhora. No entanto, o § 2º

do referido artigo apresenta exceção à impenhorabilidade de todas essas verbas, para torná-las

penhoráveis quando o débito em execução se tratar de uma prestação alimentícia

(THEODORO Jr., 2011).

Atente-se que o § 3º mencionado nesse inciso foi aprovado pelo Congresso, mas

vetado pelo Presidente da República sob o argumento de que pela tradição jurídica do país as

remunerações são impenhoráveis de forma absoluta e ilimitada. Este permitia a penhora de até

40% do total recebido mensalmente que ultrapassasse o valor de 20 salários mínimos, o que

de acordo com Didier Jr. et al. (2010) seria muito razoável, pois considerar impenhorável

qualquer parcela da remuneração seria inconstitucional por aniquilar o direito fundamental à

efetividade, tendo em vista que há profissionais que auferem rendas mensais muito elevadas.

Desse modo, com o veto ao aludido parágrafo qualquer valor decorrente de relação de

trabalho não é passível de penhora.

V - os livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios, os instrumentos ou outros

bens móveis necessários ou úteis ao exercício de qualquer profissão – Cuida-se da proteção

aos bens necessários para o exercício da profissão do executado. Bueno (2010) aduz que

nesses casos o executado tem o ônus de demonstrar que os bens penhorados são utilizados

para exercer sua atividade profissional.

Como se pode observar na redação do inciso V, apenas os bens móveis são protegidos

pela impenhorabilidade, enquanto os imóveis não são abrangidos pela regra. Da mesma

forma, a regra só é válida para pessoas físicas, estendendo-se para pequenas empresas,

embora isso não seja explícito em seu texto, de acordo com o entendimento do Superior

Tribunal de Justiça, aduzido por Theodoro Jr. (2011).

VI - o seguro de vida – “A razão da vedação repousa no caráter alimentar deste crédito

em favor do beneficiário, isto é, quem recebe o pagamento do seguro” (BUENO, 2010, p.

265).

Page 43: MONOGRAFIA - MARINA JAPPE PRATES.pdf

42

Nesse caso, portanto, há a proteção ao beneficiário do seguro que tem um direito

expectativo à importância e não a proteção do segurado, pois o valor do seguro não compõe

nem comporá o seu patrimônio.

Em sendo executado o segurado, não se aplica a impenhorabilidade, enquanto que ao

ser executado o beneficiário e este já tiver recebido o valor, embora a doutrina seja divergente

em considerar impenhorável o montante recebido, entende-se que também não se a aplica a

impenhorabilidade, pois a quantia recebida faz parte do seu patrimônio e a regra só abrange o

direito expectativo de crédito (DIDIER Jr. et al., 2010).

VII - Os materiais necessários para obras em andamento, salvo se essas forem

penhoradas – Segundo Donizetti (2012), embora os materiais ainda não empregados na obra

sejam bens móveis, o legislador atribuiu-lhes a qualidade de impenhoráveis apenas

permitindo sua penhora quando a obra já estiver penhorada. Sustenta Bueno (2010) que se

fossem penhoráveis, a realização das obras ficaria comprometida.

VIII - A pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela

família – Este inciso é uma reprodução do art. 5º, XXVI, da CF/88, que prevê a

impenhorabilidade da pequena propriedade rural. Didier Jr. et al. (2010) esclarecem que a

sede da moradia rural é impenhorável por força do art. 4º, § 2º, da Lei nº 8.009/1990, sendo

que este inciso protege outros bens, como as plantações e os móveis da casa rural. Os

doutrinadores ainda acrescentam que a regra do CPC é mais ampla que a da CF/88, uma vez

que prevê a restrição à penhorabilidade para execuções de qualquer dívida, exceto para

cobrança do crédito concedido para aquisição do próprio bem (art. 649, § 1º, do CPC).

IX - Os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação

compulsória em educação, saúde ou assistência social – Trata-se da impenhorabilidade aos

recursos públicos que algumas pessoas jurídicas privadas recebem para investir em educação,

saúde ou assistência social, como é o caso das organizações sociais definidas pela Lei nº

9.637/1998 e das organizações da sociedade civil de interesse público (BUENO, 2010).

Salientam Didier Jr. et al. (2010) que somente são impenhoráveis as verbas originadas

de dotações orçamentárias de pessoas jurídicas de direito público que tenham específica

finalidade de educação, saúde e assistência social.

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43

X - Até o limite de 40 salários mínimos, a quantia depositada em caderneta de

poupança – Este inciso visa excluir da penhorabilidade a referida quantia depositada em

poupança com o intuito de dar ao executado uma segurança alimentícia ou previdência

pessoal e familiar. Acima de 40 salários mínimos é perfeitamente possível a penhora

(THEODORO Jr., 2011).

Acrescenta Bueno (2010) que a lei protege somente a conta poupança e não outros

depósitos, como as aplicações, os investimentos e até mesmo a caderneta de poupança

utilizada pelo executado como conta corrente. Nestes casos, incide a regra do inciso I do art.

655, do CPC.

XI - Os recursos públicos do fundo partidário recebidos, nos termos da lei, por

partido político – Este último inciso foi introduzido pela Lei nº 11.694/2008, que dispõe sobre

a responsabilidade civil e a execução de dívidas dos partidos políticos, e objetiva

principalmente evitar que o partido como um todo seja prejudicado pelas dívidas contraídas

por diretório estadual ou municipal (DONIZETTI, 2012).

Esclarecem Didier Jr. et al. (2010) que o Tribunal Superior Eleitoral distribui recursos

para o fundo partidário diretamente aos diretórios nacionais dos partidos políticos. Ocorre que

quando o diretório estadual ou municipal contraía uma dívida e o Judiciário determinava a

penhora de bens do fundo partidário, a decisão repercutia em todo o partido e não somente ao

órgão partidário obrigado.

Assim, pela Lei nº 11.694/2008, embora o partido político seja nacional, este foi

fracionado entre os vários órgãos que atuam em seu nome no âmbito municipal, estadual e

municipal, fixando-lhes responsabilidade exclusiva pelo cumprimento de suas obrigações,

ficando assim cada órgão responsável individualmente pelos atos que praticar e sujeitos à

execução os recursos e bens penhoráveis que lhe pertençam (THEODORO Jr., 2011).

Enfim, ressalta-se que de acordo com o § 1º do art. 649, a impenhorabilidade só afeta

os bens que já foram quitados, permitindo-se a penhora na execução de créditos relacionados

à sua aquisição.

Verificadas as hipóteses de incidência da impenhorabilidade absoluta entende-se que

sua mais correta definição é aquela apresentada por Didier Jr. et al. (2010) e Assis (2011), ou

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44

seja, de que se trata de bens que não podem ser penhorados por nenhum credor. Adiante,

serão estudadas as regras de impenhorabilidade relativa constantes no Código de Processo

Civil.

3.3 Impenhorabilidade relativa

Como já visto, os bens inalienáveis são absolutamente impenhoráveis e,

consequentemente, o mesmo ocorre com seus frutos e rendimentos. Entretanto, se o devedor

titular de bem inalienável não possuir outros bens livres, será possível a penhora dos seus

frutos e rendimentos, somente não incidindo a constrição quando esses forem destinados à

prestação de alimentos. É o que dispõe o art. 650, do CPC:

Art. 650. Podem ser penhorados, à falta de outros bens, os frutos e rendimentos dos

bens inalienáveis, salvo se destinados à satisfação de prestação alimentícia.

Assim, a impenhorabilidade relativa é aquela permitida em lei (art. 650, do CPC)

quando inexistirem outros bens penhoráveis do executado para garantir a execução

(THEODORO Jr., 2011; DONIZETTI, 2012).

Opostamente, Assis (2011, p. 6, grifo nosso) afirma que a impenhorabilidade relativa

ocorre quando os bens impenhoráveis, pela própria lei, têm essa condição afastada,

comportando assim a constrição. Em razão disso, quando se refere à impenhorabilidade

relativa, o autor destaca as exceções impostas pelos §§ 1º e 2º do art. 649 aos bens

considerados absolutamente impenhoráveis:

Ora, a renda da pessoa natural (art. 649, IV, do CPC) admite penhora no caso da

execução da prestação de alimentos (art. 649, § 2.°) e, de um modo geral, todos os

bens protegidos no dispositivo tornar-se-ão penhoráveis na execução do crédito

concedido para a respectiva aquisição (art. 649, § 1,°), ressalva feita àqueles que o

obrigado não adquiriu (por exemplo, os recursos públicos, contemplados no art. 649,

IX). A rigor, portanto, grande parte dos bens tutelados passou à classe dos

relativamente impenhoráveis.

Nesse diapasão, Didier Jr. et al. (2010) igualmente sustentam que as referidas

exceções seriam hipóteses de impenhorabilidade relativa, pois permitem a penhora na

execução de certos créditos, ou seja, os credores dos créditos conferidos para aquisição do

próprio bem (§ 1º, art. 649) e os credores de alimentos (§ 2º, art. 649) podem penhorar os bens

considerados absolutamente impenhoráveis.

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45

Por essa razão, o referido doutrinador define a regra do art. 650, do CPC, como

impenhorabilidade sob condição ou penhorabilidade eventual e não como impenhorabilidade

relativa, referindo que a diferença entre a impenhorabilidade absoluta e a relativa “está no

âmbito de oponibilidade do direito à impenhorabilidade: a qualquer credor, no caso da

impenhorabilidade absoluta, a alguns credores, no caso da relativa” (DIDIER Jr. et al., 2010,

p. 543).

Theodoro Jr. (2011, p. 292) assevera ainda que havendo débito alimentar não se fala

em impenhorabilidade relativa. Neste sentido:

A situação é outra quando o crédito exequendo corresponde à prestação alimentícia.

Aí a penhorabilidade deixa de ser relativa e torna-se plena. O credor pode, desde

logo, fazer a penhora recair sobre os frutos e rendimentos do bem inalienável, sem

ter de demonstrar a inexistência de outros bens livres para garantir a execução.

Verificando o aludido artigo, percebe-se que o projeto que resultou na Lei nº

11.382/2006 previa um parágrafo único. Esse parágrafo ampliava as expectativas de

recebimento do crédito pelo exequente, pois determinava a penhorabilidade do imóvel

considerado bem de família que ultrapassasse o valor de mil salários-mínimos, o que hoje

equivale a R$ 678.000,00 (seiscentos e setenta e oito mil reais). Entretanto, foi vetado pelo

Presidente da República, novamente sob o argumento da tradição jurídica do país.

A partir dessas considerações, e em razão do exposto sobre a impenhorabilidade

absoluta, entende-se como mais adequada a definição de impenhorabilidade relativa como

sendo aquelas regras que permitem a penhora por alguns credores sobre bens considerados

absolutamente impenhoráveis, definindo-se dessa forma, a regra do art. 650 como uma

penhorabilidade eventual.

Considerando que se encontra na Câmara dos Deputados a proposta do Novo Código

de Processo Civil (Projeto de Lei nº 8.046/2010), serão analisadas a seguir as regras de

impenhorabilidade absoluta e relativa que sofrerão alteração pela reforma.

3.4 A impenhorabilidade no projeto do novo Código de Processo Civil

O projeto do Novo Código de Processo Civil (Projeto de Lei nº 8.046/2010) já foi

aprovado pelo Senado e encontra-se em vias de ser aprovado pela Câmara dos Deputados. No

Page 47: MONOGRAFIA - MARINA JAPPE PRATES.pdf

46

dia 08 de maio de 2013 foi apresentado o Relatório Geral do Projeto Substitutivo pelo Relator

Geral Deputado Paulo Teixeira e atualmente se aguarda a votação pela Comissão Especial

prevista para o mês de junho do corrente ano.

Assim, apresentadas as regras de impenhorabilidade do atual Código de Processo

Civil, e fazendo uma comparação dessas com o Projeto e o Substitutivo, é possível verificar

que as regras de impenhorabilidade serão um pouco modificadas com a reforma.

O Projeto de Lei nº 8.046/2010 prevê as regras de impenhorabilidade absoluta em seu

art. 790, propondo a alteração do inciso X do atual art. 649, atenuando a impenhorabilidade

do valor depositado em conta poupança ao considerar impenhorável a quantia de 30 salários

mínimos e não mais 40 salários mínimos.

O § 2º do referido artigo do Projeto repete o disposto no atual § 2º do art. 649, ou seja,

permanece a possibilidade de penhora sobre as remunerações com natureza salarial para

pagamento de prestação alimentícia. Acrescenta, porém, a possibilidade de penhora desses

valores quando superiores a 50 salários mínimos mensais, assim expresso:

Art. 790. [...]

§ 2º. O disposto no inciso IV do caput deste artigo não se aplica no caso de penhora

para pagamento de prestação alimentícia, bem como relativamente às importâncias

excedentes a cinquenta salários mínimos mensais. (grifo nosso).

O dispositivo do Projeto inclui também o § 3º que amplia o rol de bens impenhoráveis

do inciso V, com a seguinte redação:

Art. 790. [...]

§ 3º. Incluem-se na impenhorabilidade prevista no inciso V do caput deste artigo os

equipamentos, implementos e máquinas agrícolas, desde que pertencentes à pessoa

física ou à empresa individual produtora rural, exceto nos casos em que esses bens

tenham sido objeto de financiamento e estejam vinculados em garantia à operação

ou quando respondam por dívida de natureza alimentar, trabalhista ou

previdenciária.

A redação do Substitutivo apresentado pelo Deputado Paulo Teixeira para alterar o

Projeto de Lei nº 8.046/2010 prevê a impenhorabilidade em seu art. 849 e retira do caput a

expressão “absolutamente”, ficando com a seguinte redação:

Art. 849. São impenhoráveis:

[...].

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47

Mantém, outrossim, em seu inciso IV, a mesma disposição do inciso IV do art. 790 do

Projeto (atual art. 649), porém acrescentando expressa ressalva ao § 2º. Dessa forma:

Art. 849. [...]

IV – os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os

proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as

quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e

de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional

liberal, ressalvado o § 2º;

[...]

§ 2º O disposto nos incisos IV e X do caput não se aplica na hipótese de penhora

para pagamento de prestação alimentícia, independentemente da sua origem,

devendo a constrição observar o disposto no § 7º do art. 542 e no § 3º do art. 543.

Note-se que na redação atual, bem como no Projeto nº 8.046/2010, não há menção ao

inciso X. Assim, o Substitutivo prevê a possibilidade de penhora de valores depositados em

conta poupança quando se tratar de débito alimentar, ampliando as expectativas de

recebimento do crédito pelo credor de alimentos que antes só poderia penhorar parcela de

salário.

Ao mesmo tempo, a redação do referido parágrafo retirou a possibilidade prevista no

Projeto de penhora por qualquer credor, dos valores referentes a salários, quando superiores a

50 salários mínimos mensais. Nesse diapasão, o Substitutivo mantém o limite estabelecido no

Projeto de Lei nº 8.046/2010 de impenhorabilidade de 30 salários mínimos depositados em

conta poupança.

Novidade trazida nas alterações propostas pelo Relator Geral no aludido Substitutivo é

a inclusão do inciso XII no art. 849 (atual art. 649 e art. 790 do Projeto) para tornar

absolutamente impenhoráveis:

XII – os créditos oriundos de alienação de unidades imobiliárias, sob regime de

incorporação imobiliária, vinculados à execução da obra.

Por fim, o Substitutivo mantém o § 3º em seu art. 849, incluído pelo art. 790 do

Projeto, acima transcrito.

Quanto às regras de impenhorabilidade relativa, tanto o Projeto de Lei nº 8.046/2010

em seu art. 791 quanto o Substitutivo apresentado pelo Deputado Paulo Teixeira, no art. 850,

suprimem a parte final do atual art. 650, resultando na seguinte redação:

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48

Art. 850. Podem ser penhorados, à falta de outros bens, os frutos e os rendimentos

dos bens inalienáveis.

Da apreciação dessas propostas para o Novo Código de Processo Civil infere-se que

serão poucas as alterações previstas para as regras de impenhorabilidade e, se aprovadas,

comparando-as com as regras atuais de restrição à penhorabilidade de bens, apenas serão

benéficas ao exequente na satisfação de seu crédito no que se refere à possibilidade de

penhora de valores acima de 30 salários mínimos depositados em conta poupança, e na

possibilidade de o credor de alimentos penhorar quaisquer valores depositados em conta

poupança.

3.5 Análise jurisprudencial: decisões dos tribunais sobre a impenhorabilidade

A seguir são apresentadas pesquisas realizadas nas jurisprudências atuais de diferentes

tribunais com relação a algumas das regras de impenhorabilidade, a fim de demonstrar que as

mesmas são aplicadas de acordo com as circunstâncias de cada caso concreto, com vistas à

efetividade do processo executivo e preservação das garantias do credor e do devedor.

Foram objeto do referido estudo julgados dos Tribunais de Justiça dos seguintes

Estados: Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e São Paulo, bem como jurisprudências

do Superior Tribunal de Justiça.

Inicialmente, demonstra-se que os Tribunais de Justiça dos Estados por vezes acolhem

as arguições de impenhorabilidade do executado, fazendo com que se afaste a penhora de tais

bens e, consequentemente, frustrando o exequente do recebimento de seu crédito.

É o que se extrai da análise de jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio

Grande do Sul, no julgamento do recurso de Agravo de Instrumento nº 70054058334, julgado

em 11 de abril de 2013, pela Décima Sétima Câmara Cível, quanto à impenhorabilidade de

salários.

O recurso foi provido reformando a decisão do julgador de primeiro grau, tendo sido

reconhecida a impenhorabilidade do salário do executado, sob o fundamento legal do art. 649,

IV, do CPC e art. 659, § 2º, já que no caso ficou comprovado que o valor depositado na conta-

corrente do executado constituía verba salarial, e a finalidade da norma é preservar as receitas

Page 50: MONOGRAFIA - MARINA JAPPE PRATES.pdf

49

alimentares do executado. Ainda, a quantia bloqueada era ínfima quando comparada com a

dívida executada, portanto, a constrição daquele valor não traria o resultado almejado pelo

exequente, apenas conferiria sacrifícios ao executado:

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PRIVADO NÃO

ESPECIFICADO. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. BLOQUEIO DE VALORES

EXISTENTES NA CONTA-CORRENTE DO EXECUTADO. VERBA SALARIAL.

QUANTIA MANIFESTAMENTE INSUFICIENTE PARA A SATISFAÇÃO DA

DÍVIDA. IMPENHORABILIDADE DECRETADA. DECISÃO AGRAVADA

REFORMADA.

Diante da comprovação de que o valor bloqueado na conta corrente do executado

possui natureza de verba salarial, de se reconhecer a impenhorabilidade de tal valor,

conforme dispõe o artigo 649, IV, do CPC. Ademais, não se admite o bloqueio de

valores insignificantes frente ao valor total da dívida. Exegese do disposto no art.

659, § 2º, do CPC. Decisão agravada reformada.

AGRAVO PROVIDO, POR DECISÃO MONOCRÁTICA. (RIO GRANDE DO

SUL, 2013a, grifo nosso).

Nesta senda, também decidiu o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo,

no recurso de Agravo de Instrumento nº 0022687-54.2012.8.26.0000, julgado em 08 de

agosto de 2012, quanto à impenhorabilidade de 30% do salário do executado.

No mencionado recurso, a exequente postulou pela penhora de 30% dos vencimentos

da executada para satisfação do débito referente a notas promissórias, que havia sido

indeferido pelo magistrado de primeiro grau. A decisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça,

negando provimento ao recurso interposto pela exequente, tendo como fundamento o art. 649,

IV, do CPC e a seguinte argumentação pelo Desembargador-Relator:

[...]

Em reforço, cabe lembrar que o Projeto de Lei da Câmara nº 51/2006, que se

converteu na Lei nº 11.382, de 6.12.2006, previa, no § 3º do art. 649 do CPC, a

possibilidade de penhora de 40% do salário cujo valor fosse superior a vinte salários

mínimos. Todavia, esse dispositivo foi vetado pelo Presidente da República, razão

pela qual a impenhorabilidade das rendas previstas no inciso IV, do artigo 649 do

CPC continua sendo absoluta. (SÃO PAULO, 2012, grifo nosso).

Note-se que, por outro lado, as mesmas arguições foram julgadas de forma diversa

pelos mesmos Tribunais de Justiça que antes decidiram pela impenhorabilidade. Nesse

sentido é o acórdão nº 70049897754, proferido pela Décima Oitava Câmara Cível do Tribunal

de Justiça do Rio Grande do Sul, em 25 de abril de 2013, no qual a impenhorabilidade não foi

reconhecida em razão de não ter sido comprovada a natureza salarial da quantia bloqueada

depositada na conta corrente do executado.

Page 51: MONOGRAFIA - MARINA JAPPE PRATES.pdf

50

A relatora do acórdão ainda considerou que seria impenhorável apenas o valor

recebido no mês da constrição, pois as remunerações anteriores já haviam sido incorporadas

ao patrimônio do devedor, portanto, não seriam impenhoráveis. Nesse sentido, a Terceira

Turma do Superior Tribunal de Justiça assim se posicionou no Recurso em Mandado de

Segurança nº 25.397-DF, julgado em 14 de outubro de 2008:

[...] Em princípio é inadmissível a penhora de valores depositados em conta corrente

destinada ao recebimento de salário ou aposentadoria por parte do devedor.

Entretanto, tendo o valor entrado na esfera de disponibilidade do recorrente sem que

tenha sido consumido integralmente para o suprimento de necessidades básicas,

vindo a compor uma reserva de capital, a verba perde seu caráter alimentar,

tornando-se penhorável. (BRASIL, 2008).

Todavia, esse entendimento não é pacífico, uma vez que grande parte da

jurisprudência pesquisada entende que são impenhoráveis as verbas salariais depositadas em

conta corrente quando devidamente comprovada sua natureza alimentar, ainda que haja saldo

remanescente de meses anteriores.

Interessante o julgado nº 954933-3 do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, de 27

de março de 2013, no qual foi permitida a penhora de 30% do salário do executado, diante das

peculiaridades do caso. Nesse sentido é a ementa:

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO DE TÍTULO

EXTRAJUDICIAL – DECISÃO QUE DETERMINA A PENHORA DE 30% DO

SALÁRIO DO EXECUTADO – IRRESIGNAÇÃO DO EXECUTADO –

ALEGAÇÃO DE QUE O SALÁRIO É IMPENHORÁVEL E QUE A DECISÃO

AGRAVADA AFRONTA OS PRINCÍPIOS DA DIGNIDADE DA PESSOA

HUMANA E DA MENOR ONEROSIDADE DA EXECUÇÃO – NÃO

ACOLHIMENTO SITUAÇÃO CONCRETA EXCEPCIONAL MITIGAÇÃO DO

ART. 649, IV DO CPC EFETIVIDADE DO PROCESSO RESPONSABILIDADE

PATRIMONIAL DO DEVEDOR - PERCENTUAL DE 30% DO SALÁRIO

LÍQUIDO RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE ANALOGIA AO

ART. 6º, §5º DA LEI Nº 10.820/03 – RECURSO DESPROVIDO. (PARANÁ,

2012, grifo nosso).

Nesse caso, o magistrado de primeiro grau decidiu pela penhora de 30% do salário do

executado e condenou o seu empregador a descontar a mesma porcentagem dos vencimentos

até a quitação do débito. Por isso, o executado interpôs o agravo de instrumento para livrar-se

da penhora constituída sobre o salário, argumentando afronta ao princípio da dignidade

humana e da menor onerosidade.

Page 52: MONOGRAFIA - MARINA JAPPE PRATES.pdf

51

Contudo, o recurso não foi provido, sob o argumento de que embora a

impenhorabilidade prevista no art. 649, IV, do CPC seja absoluta, existem casos excepcionais

onde possa haver a relativização de tal regra:

Com efeito, a intenção do legislador, ao estabelecer a impenhorabilidade absoluta do

salário do devedor, foi garantir a sua subsistência, em observância ao princípio da

dignidade da pessoa humana.

Todavia, não se pode admitir que o devedor se furte ao cumprimento de suas

obrigações, quando se demonstra que a constrição parcial de seus rendimentos não

implicará em prejuízos a sua subsistência e a de sua família, pois, do contrário,

haveria manifesta violação ao princípio da efetividade da execução e do princípio

da responsabilidade patrimonial do devedor. (PARANÁ, 2012, grifo nosso).

O relator sustentou que o magistrado deve fazer a ponderação entre os valores em

conflito. No presente caso, diante de todas as provas existentes nos autos, manter a penhora

sobre o salário do executado, além de ser adequado seria necessário para garantir a

efetividade do processo uma vez que o exequente postulava o recebimento do crédito há mais

de 10 anos, sem lograr êxito. Ademais, todas as diligências no sentido de encontrar bens

penhoráveis restaram frustradas e, ainda, o valor constrito não afetou as verbas necessárias à

sobrevivência do executado.

Outra questão de impenhorabilidade bastante discutida nos tribunais é o valor de 40

salários mínimos depositados em conta poupança (art. 649, X, do CPC). Tal quantia é

considerada penhorável se a conta poupança possui movimentações, sendo utilizada como se

conta corrente fosse. É o que se verifica no acórdão nº 70049897754 do Tribunal de Justiça do

Rio Grande do Sul citado anteriormente, bem como nos acórdãos nº 70047611389 do mesmo

Tribunal (julgado em 11 de março de 2013) e nº 0031365-58.2012.8.26.0000 do Tribunal de

Justiça de São Paulo (julgado em 06 de junho de 2012).

A impenhorabilidade prevista no inciso X do art. 649 é decretada quando a conta se

destina a uma reserva para garantir um mínimo existencial ao executado e de sua família,

conforme a decisão do Agravo de Instrumento nº 2011.031495-8, do Tribunal de Justiça de

Santa Catarina, proferida em 05 de fevereiro de 2013.

No que se refere à impenhorabilidade de móveis utilizados para o exercício da

profissão, se o executado provar sua necessidade para desenvolver o trabalho, será

reconhecida a impenhorabilidade nos termos do art. 649, V, do CPC (acórdão nº

Page 53: MONOGRAFIA - MARINA JAPPE PRATES.pdf

52

70051723419, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, julgado em 28 de março de 2013).

Caso contrário, é possível a incidência da penhora, de acordo com o disposto no acórdão nº

70048236988 do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, de 11 de abril de 2013, em que o

julgador afastou a impenhorabilidade por entender que a profissão do executado não

necessitava do veículo para ser desenvolvida e o automóvel não seria o único meio de

transporte para deslocar-se até seu local de trabalho.

Ainda com relação à impenhorabilidade dos bens móveis e utilidades domésticas que

guarnecem a residência do executado, prevista no inciso II, do art. 649, o Tribunal de Justiça

do Rio Grande do Sul, em 13 de novembro de 2012, no recurso de Agravo de Instrumento nº

70051355964 assim decidiu:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO.

EXECUÇÃO DE SENTENÇA. PENHORA DE BENS QUE GUARNECEM A

RESIDÊNCIA DO DEVEDOR. IMPOSSIBILIDADE. Os bens que guarnecem a

residência do devedor são impenhoráveis por força do art. 649, II, do CPC, como tal

se considerando uma máquina de lavar roupas, um freezer, um ar condicionado, um

forno micro-ondas e um televisor, que na modernidade não representam exceção ou

abundância.

AGRAVO DE INSTRUMENTO COM SEGUIMENTO NEGADO. (RIO GRANDE

DO SUL, 2012a).

No julgado em questão a relatora, colacionando ementas de julgados anteriores do

Tribunal no mesmo sentido, negou seguimento ao recurso interposto pelo exequente, uma vez

que a impenhorabilidade sobre os referidos bens justifica-se por estes serem essenciais à vida

moderna.

Em sentido oposto, o mesmo Tribunal, em 19 de dezembro de 2012, no recurso de

Agravo de Instrumento nº 70052637246, proferiu o seguinte:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE EXECUÇÃO. CASO CONCRETO.

MATÉRIA DE FATO. PENHORA DE BENS MÓVEIS. Na nova redação dada ao

art. 649, II, do CPC pela Lei nº 11.382/06, são absolutamente impenhoráveis “os

móveis, pertences e utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado,

salvo os de elevado valor ou que ultrapassem as necessidades comuns

correspondentes a um médio padrão de vida”. Caso concreto em que os bens

penhorados não estão abrangidos pela proteção prevista pela norma processual.

Agravo de instrumento desprovido. (RIO GRANDE DO SUL, 2012b).

Neste julgamento foi mantida a penhora sobre o notebook e a panificadora por serem

considerados utensílios domésticos dispensáveis à vida digna da executada. Também, em

razão de existir televisor em duplicidade, permitiu-se a constrição sobre um deles.

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53

Impende analisar ainda, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) com

relação às regras de impenhorabilidade.

Nesse sentido, defende o STJ que o limite de até 40 salários mínimos depositados em

caderneta de poupança é impenhorável, pois tal regra visa dar uma segurança alimentícia ao

devedor e sua família, sendo esta quantia considerada necessária para assegurar ao executado

e sua família um padrão mínimo de vida digna (REsp nº 1.191.195/RS, julgado em 12 de

março de 2013).

Assim, havendo diversas contas poupança de titularidade do executado, a

impenhorabilidade se estende até o valor limite de 40 salários mínimos, uma vez que a

quantia serve para garantir um mínimo existencial ao executado e família, proporcionando a

dignidade da pessoa humana (REsp nº 1.231.123/SP, julgado em 02 de agosto de 2012).

Com relação à impenhorabilidade de salários, as circunstâncias do caso em concreto

devem ser levadas em consideração para que se proceda a uma interpretação teleológica em

detrimento da interpretação literal do art. 649, IV, do CPC. No caso do REsp nº 1.326.394/SP,

julgado em 12 de março de 2013, a penhora de 20% dos honorários pleiteados pelo exequente

não comprometiam a subsistência dos executados, além do que a penhora de dinheiro seria a

melhor forma de garantir a celeridade e efetividade, uma vez que o exequente já contava com

mais de 80 anos de idade. Assim, a decisão não comprometeu a subsistência e dignidade dos

executados e, ao mesmo tempo, resguardou a dignidade do credor e seu direito à tutela

executiva.

Quanto à exceção prevista no § 2º do art. 649, que possibilita a penhora de verbas

salariais pelo credor de alimentos, é pacífico o entendimento do Superior Tribunal de Justiça

de que a remuneração pode ser penhorada em percentual que não prejudique a subsistência do

executado, nos termos do REsp nº 1.087.137/DF, de 19 de agosto de 2010.

Por fim, o STJ considera que geladeira, freezer, máquina de lavar louça e televisão são

impenhoráveis, pois não se tratam de objetos luxuosos, mas sim instrumentos indispensáveis a

uma vida digna, ressalvando-se a hipótese de haver mais de um desses objetos, caso em que

se desconsidera essa indispensabilidade e pode haver a penhora (REsp nº 691.729/SC, julgado

em 14 de dezembro 2004).

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54

É inegável que as regras de impenhorabilidade previstas no Código de Processo Civil,

visam à proteção do executado e, por isso, o descontentamento por parte dos credores nas

demandas executivas, uma vez que essas restrições estabelecidas em lei muitas vezes lhes

impedem de ter seu crédito satisfeito.

Há de se ter em vista, no entanto, que na medida em que o devedor é merecedor de

uma proteção em seu patrimônio, em defesa de sua dignidade – princípio fundamental

estabelecido no art. 1º, III, da CF/88, o credor também está amparado por este princípio. Além

disso, possui outros direitos constitucionalmente assegurados, como o direito fundamental à

tutela executiva, estampado na CF/88, em seu art. 5º, XXXV, o qual prevê o acesso à justiça.

Existe uma forte tendência de valorizar tão somente os direitos do executado, porém,

os direitos de ambas as partes devem ser respeitados, razão pela qual essa valorização vem

sendo atenuada com a não aplicação das regras de impenhorabilidade ao executado em certas

situações, como medida necessária à garantia também aos direitos do exequente.

Se o credor tem direito a receber uma prestação que o devedor se nega a cumprir, deve

buscar ajuda no Poder Judiciário a fim de auxiliá-lo na satisfação do seu direito. Este, por sua

vez, e por meio da tutela jurisdicional executiva, atua para forçar o devedor a cumprir com a

prestação devida. Para que essa tutela jurisdicional seja efetiva, deve entregar à parte que

possui o direito aquilo que lhe é devido, caso contrário não estará cumprindo com a sua

função.

É nesse contexto que, não raro os magistrados relativizam as regras de

impenhorabilidade com o intuito de evitar que a literalidade da lei afete de forma negativa os

interesses do credor e, consequentemente, a efetividade da tutela jurisdicional, sem, no

entanto, prejudicar os direitos do devedor, garantindo-lhe a existência de um patrimônio

mínimo.

É também o que se depreende da análise das referidas decisões, nas quais se percebe

que os julgadores consideram as peculiaridades de cada caso, visando à aplicação das regras

de restrição à penhora de bens em observância às garantias do executado e do exequente.

Estas, muitas vezes, são relativizadas a fim de obter a solução mais justa e, ao mesmo tempo,

promover a efetiva tutela jurisdicional executiva.

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55

Contudo, quando o exequente não encontra patrimônio penhorável do devedor que

responda pelo débito, e o julgador, tendo ponderado os direitos das partes, verificar a

impossibilidade de relativização dessas regras, e optar pela impenhorabilidade como a solução

mais justa, o credor não terá sucesso no recebimento daquilo que lhe é devido. Em

consequência, a efetividade da tutela jurisdicional executiva restará prejudicada.

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56

CONCLUSÃO

Com base no presente estudo é possível afirmar que a responsabilidade patrimonial do

devedor encontra limitação nas regras de impenhorabilidade presentes nos arts. 649 e 650 do

Código de Processo Civil. Essas regras representam restrição à penhora de alguns bens do

devedor, em razão de terem sido consideradas indispensáveis pelo legislador à manutenção da

vida digna do executado.

Quanto à impenhorabilidade absoluta e relativa, verificou-se a existência de duas

definições pela doutrina. Uma parte dela conceitua a impenhorabilidade absoluta como os

bens que não podem servir como garantia aos credores em nenhuma hipótese, cujo rol

encontra-se no art. 649 do Código de Processo Civil. Já a impenhorabilidade relativa consiste

nos bens que podem ser penhorados na falta de outros, estabelecidos no art. 650 do Código de

Processo Civil. Por outro lado, há doutrinadores que entendem a impenhorabilidade absoluta

como aquela imposta a todos os credores, ao passo que a relativa é aquela imposta a alguns

credores.

Destarte, da análise dos artigos permitiu-se concluir que a definição mais adequada

para as duas impenhorabilidades (absoluta e relativa) seria esta última, verificando-se que as

mesmas visam à proteção do executado, precisamente ao seu direito à dignidade estampado

na CF/88. Isso, muitas vezes, causa insatisfação e descrédito por parte dos credores nas

demandas executivas, pois são impedidos por essas regras de receber o crédito devido.

Além disso, analisando a proposta do Novo Código de Processo Civil, bem como o

Substitutivo apresentado recentemente pelo Deputado Paulo Teixeira, permite-se concluir que

as poucas alterações propõem atenuar essa insatisfação dos credores, porém, de forma muito

restrita, de modo a ampliar as possibilidades de recebimento apenas no que se refere à

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57

possibilidade de penhora sobre valores acima de 30% salários mínimos depositados em conta

poupança e na possibilidade de o credor de alimentos penhorar quaisquer valores da conta

poupança.

Ademais, pelo estudo das jurisprudências atuais de alguns tribunais, permite-se

concluir que os julgadores decidem as questões de impenhorabilidade de acordo com as

peculiaridades de cada caso, levando em consideração os princípios norteadores do processo

executivo, bem como os direitos fundamentais garantidos pela CF/88. Isso confirma que não

se pode pensar tão somente na proteção do devedor, pois o credor também é possuidor de

direitos.

Deste modo, relativizam-se por vezes essas regras de impenhorabilidade como forma

de garantir a efetividade do processo e, principalmente, oferecer a melhor solução para ambas

as partes, rompendo assim com a tendência unilateral de valorizar tão somente os direitos do

devedor.

Assim, os direitos do exequente, que antes eram renegados, começam a ganhar espaço

diante da busca pela efetividade da tutela jurisdicional e da garantia aos direitos

constitucionais, sem, contudo esquecer-se das garantias conferidas ao executado. Isso prova

que quando se deixa de aplicar as regras de impenhorabilidade em certas circunstâncias, é

garantida uma maior efetividade à tutela jurisdicional executiva, já que o exequente

conseguirá alcançar o patrimônio do executado para satisfazer seu crédito.

É evidente, entretanto, que a aplicação das regras de impenhorabilidade sobre os bens

do devedor, a fim de garantir-lhe a dignidade da pessoa humana, ocorre com razão. Por outro

lado, o credor que tem o direito reconhecido, e não logra êxito na busca por patrimônio

penhorável do devedor, fica impendido de realizar sua pretensão em face da imposição das

restrições à penhorabilidade aos bens do executado.

Por isso, pode-se afirmar que nesses casos, o direito do executado será privilegiado em

detrimento das garantias do exequente. Logo, a efetividade da tutela jurisdicional executiva

restará prejudicada, uma vez o Estado não conseguirá dar a resposta adequada à parte que

possui o direito.

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58

REFERÊNCIAS

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