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ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING ESPM/SP PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO E PRÁTICAS DE CONSUMO - PPGCOM Walfredo Ribeiro de Campos Junior A PRODUÇÃO DE SENTIDO DE EMPREENDEDORISMO E O SEU CONSUMO SIMBÓLICO NO TENSIONAMENTO ENTRE ENSINO SUPERIOR, MUNDO DO TRABALHO E INCUBADORAS DE NEGÓCIOS São Paulo 2019

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Page 1: modelo para dissertação de Mestrado ESPM … · trabalho. Ao professor Vander Casaqui, que me recebeu e orientou, nos primeiros momentos desta tese. Aos professores e funcionários

ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING – ESPM/SP

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO E PRÁTICAS DE

CONSUMO - PPGCOM

Walfredo Ribeiro de Campos Junior

A PRODUÇÃO DE SENTIDO DE EMPREENDEDORISMO E O SEU CONSUMO

SIMBÓLICO NO TENSIONAMENTO ENTRE ENSINO SUPERIOR, MUNDO DO

TRABALHO E INCUBADORAS DE NEGÓCIOS

São Paulo

2019

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Walfredo Ribeiro de Campos Junior

A PRODUÇÃO DE SENTIDO DE EMPREENDEDORISMO E O SEU CONSUMO

SIMBÓLICO NO TENSIONAMENTO ENTRE ENSINO SUPERIOR, MUNDO DO

TRABALHO E INCUBADORAS DE NEGÓCIOS

Tese apresentada ao PPGCOM ESPM como

requisito parcial para obtenção do título de

Doutor em Comunicação e Práticas de

Consumo.

Orientador: Prof. Dr. João Anzanello Carrascoza

São Paulo

2019

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Autorizo a reprodução total ou parcial da minha tese A produção de sentido de

empreendedorismo e o seu consumo simbólico no tensionamento entre ensino superior,

mundo do trabalho e incubadoras de negócios, para fins de estudo e pesquisa, desde que seja

sempre citada a fonte.

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Dedico a minha esposa Thais e ao meu filho

Dante pela compreensão e apoio nessa etapa tão

importante de minha vida

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AGRADECIMENTOS

À Deus por ter me dado a oportunidade de trilhar esse caminho do conhecimento, colocando,

no meu trajeto, pessoas especiais que tanto me auxiliaram.

Ao meu orientador João Anzanello Carrascoza, pela acolhida e confiança depositados em meu

trabalho.

Ao professor Vander Casaqui, que me recebeu e orientou, nos primeiros momentos desta tese.

Aos professores e funcionários do PPGCOM.

Aos dirigentes das incubadoras do CIETEC e da ESPM. Em especial o professor Balian, da

incubadora da ESPM, pelo apoio na concretização dessa pesquisa.

Aos meus pais Walfredo e Rose por estarem sempre presentes, me apoiando e acreditando na

minha vitória.

A minha esposa Thais e meu filho Dante, por existirem e serem um alento em todos os

momentos dessa jornada.

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CAMPOS JUNIOR, Walfredo Ribeiro. A produção de sentido de empreendedorismo e o seu

consumo simbólico no tensionamento entre ensino superior, mundo do trabalho e

incubadoras de negócios. 2019. Tese (Doutorado em Comunicação e Práticas de Consumo) –

Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Práticas de Consumo, Escola Superior de

Propaganda e Marketing (ESPM) São Paulo.

RESUMO

O tema empreendedorismo apresenta-se, no contexto atual, como um caminho viável e

valorizado do sujeito poder se inserir no mercado de trabalho atual. Essa representação do

empreendedor circula em um cenário de reconfiguração do ambiente de trabalho, bem como

em mudanças de políticas do Estado, que se identificam com as políticas neoliberais e globais.

A incubadora universitária é uma entidade que se encontra na fronteira e intersecção entre

dois universos sociais que possuem dinâmicas e preocupações distintas: o ensino superior e o

mundo do trabalho. A presente tese teve como objetivo: Investigar como se dá a produção de

sentido em torno do empreendedorismo e do seu consumo simbólico nas narrativas de vida

comunicadas por universitários associados a incubadoras de negócio. Para tanto, efetuou-se

uma Pesquisa Qualitativa e Exploratória, em duas incubadoras associadas a Instituições de

Ensino Superior, uma pública – o CIETEC da Universidade de São Paulo (USP) – e outra

privada – a Incubadora da ESPM, da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).

Como técnica de coleta de dados, foram realizadas entrevistas em profundidade com

incubados das duas Instituições. Como técnica de tratamento de dados, utilizou-se da

Hermenêutica em Profundidade, em conjunto com a Análise do Discursos e a Teoria

Narrativa. A análise possibilitou observar estratégias semelhantes de produção de sentidos

adotadas por todos os universitários associados a incubadoras de negócio, e também

estratégias particulares, que dialogam com as especificidades do empreendedorismo praticado

no CIETEC e na Incubadora da ESPM.

Palavras-chave: Comunicação e Consumo. Consumo simbólico, Narrativas,

Empreendedorismo. Incubadora.

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CAMPOS JUNIOR, Walfredo Ribeiro. The production of a sense of entrepreneurship and its

symbolic consumption in the tension between higher education, labor market and business

incubator. 2019. Thesis (Doctorate in Communication and Consumption Practices) –

Postgraduate Research Program in Communications and Consumption Practices, School of

Advanced Studies in Advertising and Marketing/Escola Superior de Propaganda e Marketing

(ESPM), São Paulo

ABSTRACT

The subject of entrepreneurship presents itself, in the current context, as a feasible and valued

way for the subject to be inserted in the current job market. This representation of the

entrepreneur circulates in a scenario of reconfiguration of the work environment, as well as

changes in state policies, which are identified with neoliberal and global policies. The

university incubator is an entity that lies on the border and intersection between two social

universes that have different dynamics and concerns: higher education and the world of work.

The purpose of this thesis was to investigate how the production of meaning about

entrepreneurship and its symbolic consumption in the life narratives communicated by

university students associated with business incubators. For this purpose, a qualitative and

exploratory survey was carried out in two incubators associated with Higher Education

Institutions, one public - CIETEC of the University of São Paulo (USP) - and another private

one - the Incubator of ESPM, Escola Superior de Propaganda and Marketing (ESPM). As a

data collection technique, in-depth interviews were conducted with incubators of the two

institutions. As a data-processing technique, hermeneutics in depth was used in conjunction

with Discourse Analysis and Narrative Theory. The analysis made it possible to observe

similar strategies for the production of meanings adopted by all university students associated

with business incubators, as well as particular strategies that dialogue with the specificities of

entrepreneurship practiced in CIETEC and in the ESPM Incubator.

Keywords: Communication and Consumption. Symbolic consumption, Narratives,

Entrepreneurship. Incubator.

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 –Interesse e participação em disciplinas de ensino de empreendedorismo…17

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Perfil dos entrevistados...................................................................................115

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..................................................................................................................................................... 10

1. A MEDIAÇÃO DO EMPREENDEDORISMO PELO ESTADO NEOLIBERAL .......................................... 29

1.1. A EMERGÊNCIA DO EMPREENDEDORISMO E DA PESQUISA DIRIGIDA PARA O MERCADO ... 33

1.2. DISCURSOS DA EMPREGABILIDADE E DO EMPREENDEDORISMO NA EDUCAÇÃO

CONTEMPORÂNEA ........................................................................................................................................... 38

2. COMUNICAÇÃO E LUGAR DE FALA DO EMPREENDEDOR UNIVERSITÁRIO.................................. 46

2.1. A ESTRUTURA DOS CAMPOS, CAMPO ECONÔMICO E A IMPORTÂNCIA RELATIVA DOS

DIPLOMAS .......................................................................................................................................................... 47

2.2. O GOSTO PELA UNIVERSIDADE ............................................................................................................. 55

2.3. O CAMPO DO EMPREENDEDORISMO .................................................................................................... 61

2.4. NOMOS E ILLUSIO DO CAMPO ECONÔMICO E DO CAMPO CIENTÍFICO ........................................ 65

3. O CONSUMO SIMBÓLICO DO TRABALHO ............................................................................................... 72

3.1. A DUPLA VERDADE DO TRABALHO ..................................................................................................... 75

3.2. CONSUMO DE JUSTIFICATIVAS NO NOVO ESPÍRITO DO CAPITALISMO ...................................... 78

3.3. O CONSUMO DA UNIVERSIDADE E A EXPECTATIVA DO EMPREGO ............................................. 84

3.4. PERCURSO DE DEVANEIOS E DE ESTEREÓTIPOS NA TRAJETÓRIA UNIVERSITÁRIA ............... 91

3.5. A NARRAÇÃO COMO SUPORTE DO CONSUMO SIMBÓLICO ............................................................ 97

3.5.1. O poder simbólico da linguagem e da ilusão biográfica .............................................................................. 97

3.5.2. Narrativas de si como apresentação e criação identitária .......................................................................... 101

3.5.3. A entrevista em profundidade como processo comunicacional ................................................................. 107

4. INCUBANDO PROJETOS DE VIDA E DE NEGÓCIOS ............................................................................. 110

4.1. DELIMITAÇÃO DO CORPUS ................................................................................................................... 112

4.2. COLETA DOS DADOS ............................................................................................................................... 117

4.3. TRATAMENTO DOS DADOS ................................................................................................................... 118

4.4. RESULTADOS ............................................................................................................................................ 122

4.4.1 Produções de sentidos do empreendedorismo e do mundo do trabalho ..................................................... 122

4.4.2 Produções de sentidos da universidade e da incubadora ............................................................................ 155

CONCLUSÃO..................................................................................................................................................... 172

REFERÊNCIAS .................................................................................................................................................. 179

APÊNDICE A ..................................................................................................................................................... 187

APENDICE B...................................................................................................................................................... 188

APENDICE C...................................................................................................................................................... 189

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Introdução

Nas sociedades capitalistas, desde a sua consolidação após a revolução industrial,

existe a crença de que o sujeito é livre para escolher seu próprio status social – tanto como

profissão, relações, modo de vida –, bem como serviços e bens que deseja consumir e possuir

(BOLTANSKI, CHIAPELLO, 2009. Trata-se, no entanto, de uma liberdade relativa, que

acompanha novas formas de opressão, disciplina e controle, alicerçadas em justificativas

morais, que preenchem de sentido as atividades que os trabalhadores realizam. O discurso que

se apresenta é de que o sujeito é livre para aceitar ou recusar o trabalho nas condições que

lhes são apresentadas pelo capitalista, e esse é livre para não propor trabalho nas condições

que são solicitadas pelo trabalhador. O contrato aqui se estabelece a partir de um acordo

mútuo em que, mesmo que as relações de forças sejam desiguais, na medida em que o

trabalhador não consegue sobreviver muito tempo sem o seu trabalho, nem o empregador sem

mão-de-obra, são relações muito diferentes da escravidão ou do trabalho forçado que

existiam, no passado, e, por causa disso, são relações que exigem certa submissão voluntária.

Desde o seu surgimento até o momento de agora, a sociedade capitalista passou por

diversas transformações. No entanto, ainda é possível observar que a sua lógica base ainda

permanece, que é a busca constante pelo lucro a partir da exploração que o capitalista faz da

força-trabalho do seu empregado (MARX, 2004; HARVEY, 2011). Essa dinâmica básica – na

qual os trabalhadores aceitam voluntariamente, e de forma pacífica, serem explorados por um

capitalista que consome seu tempo e esforço – permanece, mesmo sendo possível observar

mudanças em relação às formas que as esferas da produção e do consumo assumem em cada

estágio do capitalismo, e a maneira como cada época de fato efetiva o acúmulo do capital a

partir do ciclo constante de exploração e geração de lucro. O capitalismo permanece

conservando sua lógica base, pois, conforme Boltanski e Chiapello (2009), em cada época e

sociedade, existe um espírito do capitalismo que ali circula, ou seja, um conjunto de

justificativas morais que auxiliam os sujeitos a alinharem-se voluntariamente a ordem

capitalista, aceitando-a como uma ordem desejável, única ordem possível, ou até mesmo a

melhor ordem na qual se poderia viver.

Outra explicação em torno dos motivos dos sujeitos se engajarem voluntariamente,

nas relações de exploração do trabalho, é, conforme Bourdieu (2007a), o fato de existir em

torno das atividades laborais um conjunto de aspectos subjetivos, que também deve ser levado

em consideração na hora de se compreender o porquê de os trabalhadores aceitarem

voluntariamente engajar-se na atividade que realizam. Desse modo, mesmo que o trabalhador

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não seja um alienado, e tenha consciência da situação de exploração na qual está submetido, o

que faz ele permanecer nessa relação de trabalho, além do dinheiro, são diversos outros

motivos, como por exemplo, o valor que cada sujeito atribui aos dilemas e conflitos que são

característicos de cada trabalho, e que dão forma ao jogo social no qual o sujeito se envolve, e

que preenchem o seu tempo de vida em torno de uma “razão de ser” associada a sua vida.

O fato de as relações entre contratantes e contratados serem relativamente livres, e o

fato de o trabalho possuir uma dimensão subjetiva, que é povoada por justificativas morais e

por sentidos atribuídos ao jogo social que se faz presente em cada relação de trabalho, são

dois fatores que contribuem para se pensar em uma série de práticas de consumo e de

consumos simbólicos que ali se fazem presentes nas relações laborais. Conforme Douglas e

Isherwood (2013), o consumo é a área das relações sociais na qual as transações ocorrem

livremente, por escolha dos parceiros, possuindo, além disso, uma dimensão simbólica por

meio da qual seus consumidores conseguem pensar, criar e dar sentido, comunicando

mensagens sobre si mesmos, sobre o outro e sobre o mundo em que vivem. Para pensar a

presença do consumo simbólico, no mundo do trabalho e nas relações entre contratante e

contratado, parte-se da seguinte citação de Marx.

A procura por homens regula necessariamente a produção de homens assim como

de qualquer outra mercadoria. Se a oferta é muito maior que a procura, então uma

parte dos trabalhadores cai na situação de miséria ou na morte pela fome. A

existência do trabalhador é, portanto, reduzida à condição de existência de qualquer

outra mercadoria. O trabalhador tornou-se uma mercadoria e é uma sorte para ele

conseguir chegar ao homem que se interesse por ele. E a procura, da qual a vida do

trabalhador depende, depende do capricho do rico capitalista (MARX, 2004, p. 24.

Grifo no original).

Trazendo essa citação para pensar as relações de consumo simbólico associadas ao

trabalho que se fazem presentes, na contemporaneidade, tem-se que, de um lado, o

trabalhador consome simbolicamente a profissão que almeja ter, e, para alcançá-la, envolve-se

em diversas práticas de consumo, como, por exemplo, o da Universidade e de diversos outros

cursos preparatórios; de outro lado, tem-se que esse trabalhador também é consumido por seu

contratante, a princípio, simbolicamente, quando disputa com outros sujeitos por uma vaga ou

promoção, e, posteriormente, como força-trabalho, tendo seu tempo de vida consumido, na

etapa da produção, durante o processo de construção e/ou comercialização de mercadorias.

Além das relações de consumo destacadas, é possível observar que as atividades laborais e

outros elementos do mundo do trabalho atuam como um sistema de classificação próprio de

cada cultura e sociedade (WOORDWARD, 2008), que contribui para os sujeitos, a partir

desse sistema, comunicarem mensagens sobre si mesmos, sobre o outro, e sobre o mundo em

que vivem, revelando informações como, por exemplo, a atividade que se realiza, na profissão

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que exerce, o estilo de vida que a atividade possibilita alcançar, a contribuição social que o

trabalho oferece, se ele diz respeito a uma atividade atual ou ultrapassada, etc. (VERIGUINE,

2008).

Casaqui, Riegel e Budag (2011, p.36) observam que o consumo simbólico do

trabalho é um consumo que “vem acompanhado de sua imagem profissional, e do que se

imagina dela”. Para os autores, “talvez seja esse o lugar no qual projete seu imaginário, sua

identidade, a vida que gostaria de levar, vinculando ao mundo do trabalho certo ideal de

felicidade” (idem). Além disso, quando investigam o consumo simbólico do trabalho, na

perspectiva dos universitários do curso de publicidade, os autores também ressaltam a

importância de se analisarem as atribuições de sentido em torno desse consumo simbólico do

trabalho, situando-as no contexto histórico, social e cultural em que se manifesta:

As novas tecnologias e o traço distintivo da “criatividade” da “inteligência” como

identificador do campo publicitário movem o jovem para a busca de seus projetos,

de seus desejos, de seus sonhos; ao passo em que a concorrência, as condições

progressivamente precárias do trabalho assombram. Racionalidade e paixão fazem o

estudante oscilar entre a euforia e o temor, entre a convicção e a dúvida. [...] ele

alimenta expectativas de mudanças e se projeta como potencial transformador de

realidades, às vezes a serviço do sistema no qual se insere como trabalhador

explorado e simultaneamente feliz, em outras, como sujeito que vê a comunicação

em compasso com a mudança dos consumidores e de um mundo melhor (idem,

p.71).

Desse modo, investigar o consumo simbólico do trabalho, na contemporaneidade,

envolve situá-lo dentro de um contexto histórico, social e cultural específico. No caso desta

tese, trata-se da sociedade brasileira de 2015 a 2018, período em que se observa

reconfigurações nas lógicas de produção e de consumo da sociedade, orientadas a partir de

políticas neoliberais que se fazem presentes de forma dominante, na mentalidade política

daqueles que governaram o Estado. A dinâmica neoliberal do capitalismo é um fenômeno

global, constituindo-se como a grande racionalidade dos tempos atuais, que se manifesta, na

sociedade, como “um sistema de normas que hoje estão profundamente inscritas nas práticas

governamentais, nas políticas institucionais, nos estilos gerenciais” e que “estende à lógica do

mercado muito além das fronteiras estritas do mercado” (DARDOT, LAVAL, 2016, p.30).

Desse modo, observam-se políticas que incentivam ações da iniciativa privada do capitalista,

terceirizando diversas funções que poderiam ser assumidas pelo Estado – educação e

inovação, por exemplo – e fazendo isso de forma a valorizar culturalmente a mentalidade do

mercado e a lógica da empresa. Com isso, tem-se, conforme os autores, o fato de que o

neoliberalismo produz “uma subjetividade ‘contábil’ pela criação da concorrência sistemática

entre os indivíduos” (idem).

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Uma característica das políticas neoliberais é o de tomar decisões buscando ampliar

o “exército industrial de reserva” (MÉZSÁROS, 2002; HARVEY, 2011), em vez de combatê-

lo. Esse conceito foi empregado por Marx, no período da industrialização, para pensar o papel

essencial do desemprego para a geração de capital e de novas riquezas. Com base nisso, o

“exército industrial de reserva” corresponde a uma parcela de desempregados na população

que contribui para pressionar e baratear a força trabalho dos funcionários. As políticas

neoliberais, que são aplicadas dentro de um contexto de globalização da economia, buscam,

desse modo, acabar com as barreiras legais que garantem e protegem o emprego dos

trabalhadores, além de promoverem políticas educacionais que incentivem os trabalhadores a

buscarem capacitação por conta própria, de modo a adquirirem qualificações que lhes ajudem

a conquistar um bom emprego. Conforme Harvey (2011, p.55):

A acumulação perpétua [do capitalismo] depende da disponibilidade permanente de

reservas suficientes de acesso à força de trabalho. O que Marx chama de “exército

industrial de reserva” é, portanto, uma condição necessária para a reprodução e a

expansão do capital. Esse exército de reserva deve ser acessível, socializado e

disciplinado, além de ter as qualidades necessárias (isto é, ser flexível, dócil,

manipulável e qualificado quando preciso). Se essas condições não forem satisfeitas,

então o capital enfrenta um sério obstáculo à acumulação contínua.

É nesse cenário que se observa uma diminuição dos direitos dos trabalhadores

brasileiros, como a criação de jornada de trabalho intermitente, modalidade de trabalho

adotada no Brasil a partir da Reforma Trabalhista (BRASIL, 2017), bem como uma mudança

nas políticas e discursos governamentais em torno da educação, retirando o Estado da

obrigação de garantir o emprego, e responsabilizando o sujeito pela manutenção da sua

própria empregabilidade (DREWINSKI, 2009). Essa mudança de lógica faz com que o sujeito

passe a se relacionar com a educação e com outros âmbitos da sua vida, atentando-se ao valor

que aquelas experiências, títulos e/ou aprendizados podem agregar a sua própria

empregabilidade. No entanto, essa dinâmica não oferece garantias de que o emprego será

alcançado, mesmo quando se está bem preparado. Esse contexto se torna ainda mais agravante

quando se observa que o atual cenário da produção capitalista não apenas produz um grande

“exército industrial de reserva”, mas também uma ampla “força de trabalho supérflua”

(MÉZÁROS, 2002), que vive o “fantasma da inutilidade” (SENNETT, 2006).

Trata-se de um cenário em que a condição de desemprego é ampliada pelas novas

tecnologias de economia de trabalho, que automatizam o ambiente da produção, e que são

capazes de “fazer coisas de valor econômico que os seres humanos não são capazes”

(SENNETT, 2006, p.90), tecnologias que possibilitam aos capitalistas reagirem com rapidez

às aceleradas mudanças do mercado do capitalismo flexível, visto que as máquinas podem ser

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reconfiguradas com rápida velocidade, em comparação aos humanos que precisam de um

tempo de aprendizado para adquirirem novas capacidades. Outro fator agravante do

desemprego é a oferta global de mão-de-obra, na qual os trabalhos formais abandonam países

de salários ou encargos trabalhistas altos para migrarem para economias que aceitam salários

baixos e que possuem trabalhadores capacitados. Essas duas forças afetam o mundo do

trabalho como um todo, fazendo com que surja uma grande quantidade de sujeitos “formados,

mas impossíveis de empregar, pelo menos nos terrenos para os quais foram treinados” (idem,

p.83).

É perante essa falta de garantias de ser contratado em um emprego formal, mesmo

para os sujeitos que investiram fortemente em capacitação para melhorar sua própria

empregabilidade, que se observa, na contemporaneidade, o aumento de discursos que

promovem o empreendedorismo entre os trabalhadores. Os sentidos em torno do

empreendedorismo que circulam, na contemporaneidade, conjugam, em torno dele, tanto a

chance de se aumentar a própria empregabilidade – a partir do desenvolvimento de

competências empreendedoras que são atraentes para o mercado de trabalho –, quanto a

possibilidade de se construir o próprio trabalho (DREWINSKI, 2009). No entanto, o consumo

simbólico do trabalho empreendedor é algo que tem que ser observado com cuidado, visto que

diversas condições de trabalho, que no passado eram percebidas negativamente, como é o

caso do trabalho informal e precário, passam a ser relidas agora a partir da semântica do

empreendedorismo, dando uma nova cara a problemas sociais antigos, sem de fato resolvê-

los.

Salgado (2016) exemplifica isso quando observa a retórica em torno do

microempreendedor individual (MEI), um projeto de lei criado pelo Estado, que possibilitou

os trabalhadores informais ascenderem à condição de microempreendedores, retirando-os da

condição de cidadãos desajustados que não pagam impostos. A pesquisa da Organização

Internacional do Trabalho (OIT), chamada “Promoção do empreendimento e a inovação

social juvenil na América Latina” (OIT, 2016), também contribui para se observar o uso do

termo empreendedorismo como forma de ressignificar um trabalho que é informal e precário.

De acordo com a pesquisa, 20% dos jovens do continente latino-americano, com idade entre

15 a 29 anos e que participam do mercado de trabalho, consideram-se empreendedores, mas

apenas 2% podem ser vistos como empregadores. Desse modo, tem-se que a maioria dos

jovens trabalha por conta própria, enfrentando condições de trabalho precárias que são

semelhantes à dos assalariados informais.

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A retórica que torna positivo o empreendedorismo é própria das sociedades

neoliberais. Conforme Dardot e Laval (2016), é nela que se valoriza o empreendedor não por

sua capacidade de criar empresas, mas pela maneira como lida com diversas situações de sua

vida a partir de um modo de pensar empresarial, internalizando valores diversos, tais como

pragmatismo, competitividade, individualidade, olhar voltado para identificar oportunidades

de lucro, entre outros. Além disso, a nova razão do mundo neoliberal acompanha também um

ideário de sociedade empreendedora (DRUCKER, 2011), que busca espalhar o espírito do

empreendimento de forma sistematizada a todos os domínios da vida pessoal e coletiva dos

sujeitos, como uma maneira de melhorar a sociedade. Com base nesse ideário, o

empreendedorismo é elevado, nas sociedades neoliberais, à condição de cura para todos os

problemas da sociedade contemporânea, uma proposta que oculta o fato de o capitalismo –

lógica ao qual o empreendedorismo está associado –, ser o grande responsável por gerar

muitos dos males que o empreendedorismo tenta combater, como, por exemplo, as

desigualdades que são derivadas e ampliadas pela exploração e pela ganância do capital.

Associado ao empreendedorismo existe também um outro conjunto de

representações relacionadas à inovação, à criatividade, à intuição e à capacidade de

revolucionar o mercado como um todo, ao trazer o novo e apostar naquilo que ainda não foi

arriscado. Trata-se do empreendedor de Schumpeter (1997, p.89), um dos primeiros teóricos a

discutir com profundidade o papel que o empreendedor exerce, na sociedade, descrevendo-o

como um indivíduo raro, com uma identidade possível para poucos, e uma conduta que “é

acessível em medida muito desigual e para relativamente poucas pessoas, de modo que isso

constitui sua característica destacada”. Esse empreendedor raro é o empreendedor disruptivo,

que se apresenta como o responsável pela “destruição criativa” da sociedade, propondo

inovações que substituem antigos modos de produzir e de consumir por novos modos,

modificando toda a dinâmica da economia e das relações sociais que dela derivam. Nas

palavras do autor, o empreendedor, ao desempenhar o seu papel na vida econômica, deve

levar em conta que:

[...] o sucesso depende da intuição, da capacidade de ver as coisas de uma maneira

que posteriormente se constata ser verdadeira, mesmo que no momento isso não

possa ser comprovado, e de se perceber o fato essencial, deixando de lado o

perfunctório, mesmo que não se possa demonstrar os princípios que nortearam a

ação (idem, p. 92).

Esse empreendedor de Schumpeter é amplamente valorizado e comunicado, na

sociedade contemporânea, sendo cultuados como heróis, no atual contexto em que a produção

e o descarte de mercadorias ocorrem numa grande velocidade, exigindo uma demanda

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constante por novos produtos (e ideias de novos produtos). Empreendedores da era digital

exemplificam isso, como é o caso de Steve Jobs, e, mais recentemente, Mark Zuckerberg.

Trata-se de um cenário no qual a conquista do lucro pelo capitalista ocorre quando se coloca o

capital em constante movimento, apostando em inovações e patentes que podem atrair um

grande lucro, em escala global, em um curto período de tempo. O empreendedor do tipo

inovador e disruptivo é um grande desejo dos investidores e capitalistas contemporâneos, que

buscam lucrar no atual momento do capitalismo, e, por causa disso, não se é de estranhar que

se torne referência para o consumo simbólico de muitos sujeitos, que buscam decidir para si

mesmos que profissão seguir. Bauman (2008) descreve a lógica do capitalismo em que o

empreendedor do tipo disruptivo é cultuado:

Como não se pode saber com antecedência qual das ofertas será capaz de estimular o

desejo de consumo, a única maneira de verificação passa pelas tentativas de acerto e

erro, que custam caro. A produção contínua de novas ofertas e o volume sempre

ascendente de bens oferecidos também são necessários para manter a velocidade da

circulação de bens e reacender constantemente o desejo de substituí-los por outros,

“novos e melhorados”; também são necessários para evitar que a insatisfação dos

consumidores com um produto em particular se condense num desapreço geral em

relação ao próprio estilo consumista de vida. (BAUMAN, 2008, p.35-36).

O empreendedor e o empreendedorismo, portanto, ganham grande força no sistema

classificatório que circula, na cultura contemporânea, em torno das profissões e do mundo do

trabalho. Atentando-se ao fato de que o cenário incentiva o empreendedorismo como um

caminho possível e viável para seguir uma trajetória profissional, seja ressignificando

trabalhos precários e informais, seja glorificando empreendedores inovadores e

revolucionários, ou que atuem de outras formas. Nesse contexto, é possível observar, no

Brasil contemporâneo, um movimento que busca incentivar o empreendedorismo, em sala de

aula, da educação infantil às universidades brasileiras, independentemente do curso ou da

profissão que, no âmbito do ensino superior, o sujeito queira percorrer. Esse projeto, que é

articulado por diversos representantes do campo social do empreendedorismo, reflete e refrata

essa preocupação anteriormente descrita, de que é preciso preparar os sujeitos para o

empreendedorismo, dando-lhes condições para empreender, caso queiram seguir essa

trajetória de vida, ou caso não consigam se alocar nas profissões para as quais eles se

prepararam. Trata-se de um discurso que promove o empreendedorismo, na educação,

reconhecendo esse espaço como importante para se aumentar a confiança do sujeito em

empreender, e para ajudá-lo a desenvolver competências empreendedoras que lhe serão úteis

em outras etapas da sua vida.

O relatório desenvolvido pela Endeavor (2014), intitulado “Empreendedorismo nas

universidades brasileiras”, é um exemplo das ações realizadas visando impactar a educação

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superior. Além de considerar a universidade como uma importante mediadora do

empreendedorismo, na sociedade contemporânea, o relatório, que é voltado para educadores e

instituições de ensino, também traz a seguinte tabela que revela o “interesse e participação em

disciplinas de Ensino de Empreendedorismo (EE), por curso (%)”, na qual apresenta dados

com a opinião dos alunos de instituições de ensino superior de todo o Brasil:

Gráfico 1: Interesse e participação em disciplinas de Ensino de Empreendedorismo (%)

Fonte: Endeavor (2014)

Tal tabela evidência, portanto, que até mesmo cursos como ciência da saúde, ciências

humanas, letras e artes apresentam disciplinas dedicadas ao empreendedorismo. Além disso,

mesmo nesses cursos, quando não há a existência dessa oferta, existe uma demanda latente do

próprio aluno que quer aprender sobre empreendedorismo durante sua formação. Essa

demanda deixa implícita a existência de representações sociais e de consumos simbólicos do

trabalho que afetam o pensamento desses estudantes e orientam o desejo. Além das

disciplinas, centros universitários também oferecem diversas outras atividades e espaços

voltados à divulgação e ao ensino do empreendedorismo, como, por exemplo, palestras,

concursos e incubadoras de negócios. Tais atividades e espaços costumam não estar

vinculados a um curso específico, permitindo que os membros de outros cursos da

universidade participem.

O grupo social dos universitários é entendido, nessa tese, como sendo a parcela da

população que cursa ou cursou o ensino superior no Brasil. Comparando informações dos

censos realizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), no ano de 2000

e 2010, e da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, realizada também pelo

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IBGE, no ano de 2016, tem-se que o percentual geral de pessoas com diploma universitário,

no Brasil, aumentou de 4,4% da população brasileira, em 2000, para 7,9%1, em 2010, e 15%2,

em 2016, demonstrando que, no período de 16 anos, houve um grande aumento na quantidade

de universitários formados dentro da sociedade brasileira.

Com relação ao número de universitários em formação, o Censo da Educação

Superior, realizado em 20163 pelo Ministério da Educação (MEC) em parceria com o Instituto

Nacional de Estudos e Estatísticas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), descreve que, no

Brasil, existe o total de 8.048.701 alunos matriculados em cursos de graduação presenciais e a

distância, sendo que, desse total, o número de estudantes que ingressaram no ensino superior

nesse ano foi de 2.985.644; e o número de formados foi de 1.169.449. Todos esses dados

demonstram que uma parcela significativa da população brasileira vivencia ou já vivenciou,

na sua trajetória de vida, a experiência de consumir um curso de ensino superior.

O grupo social dos universitários diz respeito a uma parcela da população cuja

trajetória social de vida é ou foi marcada pelo consumo de cursos universitários e/ou

tecnólogos em instituições de ensino superior. Trata-se de um consumo particular e complexo,

pois mobiliza diversas outras práticas de consumo como, da vida universitária, da própria

instituição de ensino, do curso escolhido e do mundo do trabalho no qual se almeja atuar.

Além disso, na contemporaneidade, também é possível observar o consumo simbólico do

empreendedorismo operando dentro das universidades. Independentemente da classe social

dos universitários consumidores, tem-se que o ensino superior é uma prática de consumo

complexa, que, de um lado, é consumida pelo universitário, e, de outro, produz o próprio

universitário para ser consumido pelo mercado de trabalho. Isso se dá em meio a uma

sociedade que encara a educação e o conhecimento como elementos estratégicos para a

reprodução do capital, solicitando que o sujeito invista em sua própria formação, de forma

contínua, de modo a garantir sua própria empregabilidade. Para aqueles que não conseguem

1 GUIA DO ESTUDANTE. Censo do IBGE mostra crescimento no número de brasileiros com ensino superior.

2012. Disponível em: <https://guiadoestudante.abril.com.br/universidades/censo-do-ibge-mostra-crescimento-

no-numero-de-brasileiros-com-ensino-superior/>. Acesso em: 15 out. 2018

2 PARROTE, A. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) 2016 apresenta retrato

da educação no Brasil. Jornal Opção. Dez/2017. Disponível em: <https://www.jornalopcao.com.br/ultimas-

noticias/apenas-15-dos-brasileiros-tem-ensino-superior-completo-mostra-ibge-113091/>. Acesso em: 25 out.

2018

3 INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA. Sinopse

Estatística da Educação Superior 2016.Brasília:Inep 2017. Disponível em: <http://portal.inep. gov.br/basica-

censo-escolar-sinopse-sinopse>. Acesso em: 25 out. 2018.

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se inserir, no mercado de trabalho, existe sempre a via do empreendedorismo. Além disso,

não é apenas por necessidade que o sujeito pode buscar empreender, havendo diversos outros

fatores associados a essa escolha, dentre eles sentidos variados ligados ao consumo simbólico

do empreendedorismo, tais como a busca de um trabalho que valorize a criatividade, a

autonomia, etc.

Além das universidades, outras instituições buscam promover o empreendedorismo,

esse é o caso das incubadoras de negócio. Conforme a ANPROTEC (Associação Nacional de

Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores), incubadoras são entidades que

buscam “oferecer suporte a empreendedores para que eles possam desenvolver ideias

inovadoras e transformá-las em empreendimentos de sucesso”4. Com base nesses objetivos,

tais entidades oferecem auxílio, infraestrutura e orientações relacionadas à gestão gerencial,

ao aumento da competitividade e a outras questões que são essenciais para o desenvolvimento

de uma empresa. Em uma pesquisa realizada pela ANPROTEC, em 2016, verifica-se que,

atualmente, existem cerca de “369 incubadoras em operação que abrigam 2.310 empresas

incubadas e 2.815 empresas graduadas, gerando 53.280 postos de trabalho”5 e um faturamento

que ultrapassa 15 bilhões de reais.

O Ministério da Ciência e Tecnologia (2000)6, em seu manual voltado para agentes

que buscam implementar incubadoras de negócio, comenta que as incubadoras contribuem

para melhorar a “capacidade gerencial dos empresários” e também “a incorporação de

tecnologia aos produtos e processos da empresa” (idem, p.8), tendo entre seus objetivos

“capacitar empresários-empreendedores; estimular a associação entre pesquisadores e

empresários; estabelecer uma cultura empreendedora; gerar empregos” (idem, p. 18), e etc..

Outra informação que o manual traz é a importância de a incubadora manter contato com

instituições de apoio, tais como “grupos empresariais, [...] universidades e/ou outras

instituições de ensino e de pesquisa que tenham potencial para o desenvolvimento de

inovações tecnológicas e organizacionais” (idem, p.14).

A incubadora, dessa forma, é apresentada como uma entidade que se encontra, na

fronteira e na intersecção entre dois universos sociais que possuem dinâmicas e preocupações

distintas: o ensino superior e o mundo do trabalho. Além disso, a incubadora também é

4 Disponível em: < http://anprotec.org.br/site/menu/incubadoras-e-parques/ > Acessado em 10 jun. 2017.

5 Idem.

6 Esse ministério, no ano de 2019, tem atualmente o nome de Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e

Comunicações

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descrita como um espaço que incentiva a cultura empreendedora e auxilia o sujeito a tornar-se

empreendedor. Sobre esses dois aspectos da incubadora, alguns estudos trazem informações

interessantes para se pensar as relações de comunicação e de consumo simbólico que se fazem

presentes, no processo de incubação, nesse tensionamento entre ensino superior e mundo do

trabalho.

O estudo realizado por Ribeiro (2013) sobre uma incubadora de negócios que possui

um enfoque social, exemplifica algumas relações de mediação do empreendedorismo que se

apresentam no tensionamento entre incubadora, mundo do trabalho e academia. Por se tratar

de uma incubadora social, que, segundo a autora, apoia “empreendimentos oriundos de

projetos sociais e que atendem à demanda de emprego e de renda e de melhoria da qualidade

de vida da comunidade” (idem, p.43), o estudo de Ribeiro tem como particularidade o perfil

dos seus empreendedores entrevistados: pessoas sem escolaridade, muitas vezes analfabetas,

que atuam como cooperados dentro de uma cooperativa de materiais recicláveis, e que se

habituaram a viverem marginalizados e estigmatizados. Na análise de Ribeiro, ela observou

que os catadores de materiais recicláveis da cooperativa e os gestores e mentores da

incubadora – que eram professores e alunos da universidade em que se localizava a

incubadora – eles possuíam competências discursivas diferentes, o que exigia um aprendizado

que envolvia o aperfeiçoamento e a adequação da capacidade de expressão de ambas as

partes. Conforme Ribeiro:

Na interação entre os saberes, observou-se duas realidades antagônicas: acadêmica e

a dos empreendimentos. A realidade acadêmica baseada em leis e teorias e a

realidade dos empreendimentos com sujeitos que possuem conhecimentos práticos,

adquirido na experiência de vida e do trabalho, contudo marginalizados em

decorrência da atividade que atuam e da situação em que vivem (RIBEIRO, 2013,

p.100).

Nas interações comunicacionais decorrentes do processo de incubação, trocas de

saberes foram estabelecidas, nas quais os agentes de ambos os lados – que pertencem a

realidades socioculturais muito distintas – passaram a se apropriar de alguns repertórios

discursivos para conseguirem se fazer entender uns pelos outros. Dentre essas apropriações,

destaca-se a realizada pelos catadores de materiais reciclados em torno de algumas

terminologias e modos de falar dos empreendedores e dos empreendedores sociais. Tal

apropriação lhes possibilitou descobrir uma nova maneira de comunicar suas identidades

laborais, antes associadas aos sentidos pejorativos e estigmatizantes atribuídos ao “lixo” que

coletavam. Conforme Ribeiro (2013, p.129): “muitos chegam com autoestima baixa devido à

marginalização do trabalho como catador ou decorrente de outras atividades também

marginalizadas”, mas após a interação com a incubadora e a aquisição de um novo repertório

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discursivo associado ao “empreendedorismo social”, os catadores da cooperativa passaram a

descrever o que faziam da seguinte forma: “Bom, eu acho interessante pra poder ajudar o

meio ambiente. Isso é importante né” e “Me sinto uma agente ambiental” (idem). Desse

modo, observa-se o processo anteriormente descrito, do uso simbólico do empreendedorismo

para ressignificar um trabalho que era dito como precário e informal. Sobre o consumo

simbólico do empreendedorismo social, Casaqui (2016c, p.48/49) comenta que a semelhança

entre o empreendedor e o empreendedor social está no seu modus operandi, ao utilizarem de

técnicas e tecnologias do mercado, na busca de alcançarem seus objetivos. A diferença, no

entanto, está no objetivo de suas ações, pois o empreendedor, em tese, busca o lucro e os

interesses da organização e, o empreendedor social, a resolução de problemas sociais.

Nesse sentido, se o empreendedor comporta o caráter heroico, o empreendedor

social alia os atributos do empreendedor com o termo social, a revestir suas ações

com a aura do bem comum [...]. Forjado nos quadros do capitalismo neoliberal, ou

formado tecnicamente para atuar em seus processos, o empreendedor social seria um

subversor do capitalismo, um revolucionário que, no entanto, não abala os

princípios do sistema que o concebe. [...] o empreendedor social, a nosso ver,

incorpora contemporaneamente o espírito do capitalismo, com vantagens simbólicas

em relação à figura do empreendedor, por portar, em sua dimensão narrativa, a

lógica do trabalho pela justiça social e a ação com vistas a “mudar o mundo”.

Com isso, tem-se que as incubadoras atuam como agentes mediadores do

empreendedorismo e da cultural empreendedora para os sujeitos que nelas participam,

permitindo que nela ocorra o consumo simbólico do trabalho empreendedor, que acompanha

o aprendizado de repertórios discursivos e de conhecimentos que autorizam os participantes

das incubadoras a falarem e apresentarem-se como empreendedores. O tensionamento entre o

saber teórico da academia e o conhecimento prático do mercado opera a partir das trocas e das

mediações resultantes das múltiplas interações e afetações que circulam no universo social

das incubadoras. A incubadora, desse modo, é um ambiente comunicacional, no qual são

travadas trocas e disputas de sentido entre diferentes agentes que, com ela, interagem,

existindo uma predominância de se reconhecer o empreendedorismo como algo positivo e

valorizado, e, nesse processo, ressignificando – de forma voluntária, mas também negociada

ou até mesmo com resistência – identidades laborais e percepções relacionadas ao mundo

acadêmico e do trabalho.

A presente tese busca investigar o ponto de vista de um agente específico: o

universitário formado, ou em processo de formação, que se associa atualmente a uma

incubadora de negócios, ocupando nela a posição de empreendedor de uma empresa.

Investiga-se esse agente por ele ter vivenciado, no decorrer de sua trajetória social de vida,

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duas situações distintas, em que o consumo simbólico do trabalho é realizado: a universidade

e a incubadora. Além disso, na sua atual condição social de existência pressupõe-se que o

sujeito esteja engajado ativamente no jogo social (BOURDIEU, 2007a) do

empreendedorismo, achando-o relevante, visto que se trata de um sujeito envolvido com sua

empresa numa incubadora de negócios. Os empreendedores investigados nesta tese não

participam de incubadoras sociais, mas sim, de incubadoras cujo critério de seleção das

empresas participantes exige delas algum grau de inovação. Além disso, são incubadoras que

estão diretamente ligadas a instituições de ensino superior, no caso o CIETEC (Centro de

Inovação, Empreendedorismo e Tecnologia), associado à USP, e à Incubadora da ESPM,

associada à instituição que possui o mesmo nome.

A escolha de se investigar uma incubadora de uma instituição de ensino pública

(USP), e outra de uma instituição de ensino privada, voltada para a elite (ESPM), deve-se ao

pressuposto de que os envolvidos em cada uma dessas instituições apresentariam alguns

elementos em comum, em suas trajetórias de vida ou em suas condições sociais de existência,

que seriam semelhantes entre os sujeitos que participam da mesma incubadora, mas

contrastantes aos que participam da outra. Além disso, a USP e a ESPM são instituições de

ensino que se posicionam de forma diferente, quando se observa o que elas “vendem” aos

sujeitos que querem consumi-las. O lema atual da USP, por exemplo, é “Scientia vinces”

(vencerás pela ciência), enquanto o lema da ESPM, durante muito tempo, foi “Ensina quem

faz”, e atualmente é “Quem faz transforma”. Desse modo, essas duas instituições se

posicionam em contextos distintos, a primeira ligada ao universo da ciência e da produção do

conhecimento, e a segunda associada, desde a sua fundação, ao mercado de trabalho.

Outro ponto a ser destacado é que ambas as incubadoras estão localizadas na cidade

de São Paulo. Trata-se da cidade mais populosa do país e da América do Sul, com uma

população estimada em 12 milhões de habitantes7. Além disso, a cidade representa, sozinha,

10,7% de todo o PIB brasileiro8, e dela se origina mais de 40% das patentes produzidas no

país9. A Endeavor,10 durante três anos seguidos (2015, 2016 e 2017), elegeu a cidade de São

7 https://www.ibge.gov.br/estatisticas-novoportal/sociais/populacao/9103-estimativas-de-

populacao.html?=&t=resultados

8 https://cidades.ibge.gov.br/municipio/355030

9 https://www.brookings.edu/wp-content/uploads/2016/09/metro_20160928_gcitypes.pdf

10 A Endeavor é uma entidade sem fins lucrativos que existe no mundo desde 1997, mas se fez presente, no

Brasil, apenas no ano de 2000, e sua atuação consiste em conferir visibilidade a empreendedores de alto impacto,

disseminando sua trajetória de vida como “exemplos que inspiram e incentivam a ir além”.

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Paulo como sendo a cidade que possui o melhor índice para o empreendedorismo, pelo fato de

ela beneficiar-se “com sua potência econômica e se destaca pelas condições de mercado,

acesso à capital e à conectividade” (ENDEAVOR, 2016, p.20), e por receber “quase 60% de

todos os investimentos de capital de risco do Brasil” (idem, p.81). Todos esses detalhes fazem

com que a cidade seja considerada “extremamente atraente aos empreendedores de alto

impacto” (idem, p.20), e, justamente por causa disso, particularmente interessante para se

pensar suas incubadoras de negócios e o consumo simbólico do empreendedorismo realizado

por seus empreendedores.

Essa investigação se atenta à comunicação que o universitário incubado produz

quando se solicita que ele narre sua vida em torno dos consumos simbólicos, por ele

realizado, do empreendedorismo, da universidade, do mercado de trabalho e da incubadora de

negócios. Ao comunicar sua narrativa de vida, o universitário incubado assume o papel de

“sujeito da comunicação” (FRANÇA, 2006), realizando a ação de produzir e de receber

material significante para e em decorrência do outro sujeito com quem ele interage (no caso o

pesquisador desta tese). Trata-se de uma situação de mútua afetação e co-presença na qual a

produção de narrativas de vidas e de perguntas é influenciada antecipadamente pela futura e

provável afetação do outro. Como “sujeitos da comunicação” (idem), tanto o pesquisador

quanto os universitários entrevistados elaboram enunciados inferindo a reação e as

expectativas recíprocas um do outro, e projetando as consequências antes e durante a

realização de suas ações – tais como pensar e enunciar sua pergunta ou resposta.

As narrativas de vida produzidas por esses universitários incubados são o objeto

comunicacional investigado nesta tese. Tais narrativas realizam uma apresentação pública do

sujeito, que visa oficializar a representação privada da sua vida enquanto empreendedor

universitário, organizando-a num processo comunicacional que prevê censuras específicas e

limitações, e, construindo nesse processo um “postulado do sentido da existência contada”

(BOURDIEU, 1996, p.78), que organiza a vida do incubado em torno de uma narrativa

coerente e de uma sequência significativa de eventos, que contribui para a construção de uma

ilusão retórica de que o sujeito é aquela pessoa que ele narra. Com isso, o universitário

associado a uma incubadora de empresa, ao narrar sua vida, traz também informações

relativas a outros momentos e etapas da sua história, não sendo o suficiente para entender sua

trajetória real de vida, mas gerando um conteúdo bastante relevante para se entender os

sentidos que são ali produzidos, dentro de uma enunciação situada em um determinado

contexto histórico, cultural e social.

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Tema, Problema e Objetivos

Com base no que foi apresentado, a presente tese tem como tema as produções de

sentidos em torno do empreendedorismo e do seu consumo simbólico, nas narrativas de vida

comunicadas por universitários associados a incubadoras de negócio.

O problema que a tese procura responder é: Como as narrativas de vida

comunicadas por universitários associados a incubadoras de negócio produzem sentidos em

torno do empreendedorismo e do seu consumo simbólico?

O objetivo geral que esta tese almeja alcançar é: Investigar como se dá as produções

de sentidos em torno do empreendedorismo e do seu consumo simbólico, nas narrativas de

vida comunicadas por universitários associados a incubadoras de negócio.

Ao perseguir esse objetivo geral, também almeja-se alcançar os seguintes objetivos

específicos: (1) Compreender o lugar de fala do empreendedor universitário, posicionando-o

como um agente cuja trajetória social de vida e de condição social de existência perpassa os

campos científico, universitário, econômico e do empreendedorismo; (2) Refletir sobre as

particularidades do consumo simbólico do trabalho e da sua relação com o consumo

simbólico da educação universitária. (3) Investigar no processo de produção de sentido

realizado pelos universitários incubados, os tensionamentos existentes entre

empreendedorismo, universidade, mundo do trabalho e incubadoras de negócios.

Método

Esta pesquisa adota uma abordagem qualitativa. Tal abordagem é recomendada em

estudos que buscam “a compreensão das relações e atividades humanas com os significados

que as animam” (MINAYO, SANCHES, 1993, p.244), sendo uma abordagem que realiza

uma aproximação “fundamental e de intimidade entre sujeito e objeto, uma vez que ambos

são da mesma natureza: ela se volve com empatia aos motivos, às intenções, aos projetos dos

atores, a partir dos quais as ações, as estruturas e as relações tornam-se significativas” (idem).

As narrativas de vida, que são analisadas nesta pesquisa, foram construídas a partir

de um processo de entrevista em profundidade, orientado por um questionário

semiestruturado. A entrevista é considerada por Gil (2008, p.109) como uma técnica de coleta

de dados “bastante adequada para a obtenção de informações acerca do que as pessoas sabem,

creem, esperam, sentem ou desejam, pretendem fazer, fazem ou fizeram, bem como acerca

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das suas explicações ou razões a respeito das coisas precedentes”. Além disso, trata-se de um

processo comunicacional, visto que:

[...] pode-se definir entrevista como a técnica em que o investigador se apresenta

frente ao investigado e lhe formula perguntas, com objetivo de obtenção dos dados

que interessam à investigação. A entrevista é, portanto, uma forma de interação

social. Mais especificamente, é uma forma de diálogo assimétrico, em que uma das

partes busca coletar dados e a outra se apresenta como fonte de informação (GIL,

2008, p. 109).

Desse modo, a presente pesquisa reconhece que a entrevista em profundidade

mobiliza um processo comunicacional que gera uma situação de mútua afetação e co-presença

entre entrevistador e entrevistado, impactando o modo como eles produzem e recebem suas

comunicações nessa interação. No entanto, trata-se de um método que privilegia a fala do

entrevistado, sendo a narrativa de vida por ele produzida o material a ser analisado nesta tese.

Com isso, tem-se que, no processo de comunicação, investiga-se o entrevistado como

assumindo o papel de produtor da mensagem.

As narrativas de vida por eles produzidas são analisadas a partir da proposta

metodológica da hermenêutica de profundidade, desenvolvida por Thompson (1990), que

sugere a utilização de múltiplos métodos de apoio, desde que, a partir deles, atente-se a: (1)

análise sócio-histórica, (2) análise discursiva e (3) interpretação e reinterpretação. Seguindo

sua proposta, é importante, portanto, situar as narrativas de vida investigadas, dentro do

contexto histórico, social e cultural no qual foram produzidos, além da situação imediata em

que a comunicação é realizada. Além disso, a narrativa de vida também deve ser analisada em

termos do seu conteúdo discurso, podendo-se apoiar-se em outros métodos para realizar essa

investigação. Desse modo, o presente trabalho se apoia em alguns fundamentos da análise do

discurso (BAKHTIN, 2006; ORLANDI, 2010), bem como da análise narrativa

(BROCKMEIER; HARRÉ, 2003; BRUNNER, 1991). O terceiro momento, o da

interpretação/reinterpretação, que implica “um movimento novo de pensamento, ela procede

por síntese, por construção criativa de possíveis significados” (idem, p. 375), no qual se apoia

nas reflexões teóricas realizadas sobre o consumo simbólico do trabalho e do

empreendedorismo para pensar o fenômeno investigado nesta tese.

Justificativas

A relevância desse estudo para o campo da comunicação é que, conforme o banco de

dissertações e teses da Capes, são poucos os estudos da área da comunicação que

investigaram incubadoras de negócio; no caso, apenas três dissertações foram encontradas

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abordando o tema incubadora, e, dessas, apenas uma buscou investigar a perspectiva dos

agentes envolvidos no processo de incubação. A abordagem dada por essa pesquisa

(RIBEIRO, 2013) não envolveu, no entanto, uma análise da produção de sentido produzidos

pelos incubados, e nem se atentou ao processo de consumo simbólico ali presente,

preocupando-se com a investigação das mediações educacionais que ocorrem em ambientes

de incubadora. Quando se observa artigos publicados, em congressos do campo da

comunicação, tem-se que, na Capes, não existe nenhuma pesquisa realizada que aborda o

tema incubadora, e, nos Anais do Intercom, dez artigos foram encontrados, mas todos

abordando processos comunicacionais que envolvem a incubadora em si, ou as empresas

incubadas, não explorando a perspectiva dos agentes ali envolvidos.

Conforme o banco de dissertações e teses da Capes, outros campos associados às

ciências sociais e às humanidades também produziram estudos que investigavam interações

comunicacionais de agentes envolvidos em incubadoras de negócios, mas apenas, na área da

psicologia, encontram-se estudos que se preocuparam em investigar os sentidos do trabalho

realizados por agentes envolvidos em incubadoras de negócio. Trata-se das dissertações

realizadas por Bunchaft (2004), Magro (2006) e Nobrega (2006), todos tendo como

característica em comum investigar a perspectiva de um empreendedor marginalizado e

estigmatizado, que participa de incubadoras sociais e que atuam em cooperativas. A presente

tese se diferencia dessas investigações, por abordar a perspectiva de agentes envolvidos em

incubadoras de negócio que exigem algum grau de inovação das empresas nela incubadas.

Além disso, nenhuma das dissertações realizou um estudo profundo sobre o modo como se

opera a produção de sentido na fala dos entrevistados, e nem se atentou à investigação do

consumo simbólico do trabalho e do empreendedorismo que ali operam. A temática estudada

é uma singularidade do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Comunicação e

Práticas de Consumo da ESPM (PPGCOM ESPM), que se dedica ao estudo da interface entre

comunicação e consumo e das relações a ela articuladas.

Em relação à relevância desse estudo para o campo científico que investiga a

comunicação e as práticas de consumo, tem-se que, quando se investiga o termo “consumo

simbólico”, no banco de dissertações e teses da Capes, 63 resultados aparecem, mas desses,

apenas três dissertações abordam temas relacionados ao consumo simbólico do trabalho e/ou

do empreendedorismo, no caso, a pesquisa de Sinato (2016), em torno das narrativas heroicas

de empreendedores sociais, a pesquisa de Batista (2016), a respeito do empreendedorismo

social em plataformas de investimento coletivo, e a pesquisa de Gonçalves (2011), a respeito

das representações do trabalho publicitário. Todas essas investigações têm em comum terem

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sido realizadas, no PPGCom em Comunicação e Práticas de Consumo da ESPM. Investigando

o banco de teses e dissertações desse PPGCom, outros 16 estudos podem ser identificados,

abordando questões próximas ao consumo simbólico do trabalho (9 estudos) e ao consumo

simbólico do empreendedorismo (7 estudos), com grande ênfase nos discursos que circulam,

na cultura midiática, havendo apenas um estudo, o de Spina Junior (2017) que se atenta às

produções de sentido realizadas por agentes que participam ativamente em uma instituição

que medeia o empreendedorismo, no caso específico, o ambiente de coworking. A presente

tese se difere do trabalho de Spina Junior por abordar outro ambiente de mediação do

empreendedorismo, no caso, as incubadoras de negócio. Sobretudo, é importante ressaltar que

nenhum dos estudos do PPGCom da ESPM observa o consumo simbólico do

empreendedorismo a partir da sua aproximação com o ambiente universitário.

Em pesquisa no Google acadêmico, em torno do termo “consumo simbólico do

trabalho”, surgem 22 resultados, dos quais se destaca o artigo “Google e o consumo simbólico

do trabalho criativo”, escrito por Casaqui e Riegel (2010), e referenciado por 19 dos estudos

relacionados ao resultado dessa pesquisa. Todos os estudos encontrados são da área da

comunicação, e abordam o fenômeno do consumo simbólico a partir dos discursos que

circulam, na mídia, relacionados ao mundo do trabalho, com exceção do trabalho de Hansen e

Weizenmann (2015), que investigaram o fenômeno, atentando-se ao consumo simbólico do

trabalho publicitário, por agentes que atuavam nesse setor. Quando se busca, no Google

acadêmico, o termo “consumo simbólico do empreendedorismo”, nenhum resultado é

encontrado, no entanto, aumentando a investigação para “consumo simbólico” +

“empreendedorismo”, encontram-se 407 resultados, dos quais se observa, nas 10 primeiras

páginas de pesquisa do Google, uma grande presença de estudos associados ao PPGCom da

ESPM, seja porque foram realizados por egressos e professores da instituição, seja porque se

vinculam ao Congresso Internacional de Comunicação e Consumo (COMUNICON) da

ESPM, que, nos de 2014, 2015, 2016 e 2018, tiveram um grupo de trabalho dedicado à

investigação da cultura empreendedora na sua interface entre comunicação e consumo. Tanto

nas pesquisas realizadas, no Google acadêmico, quanto nas realizadas nos anais do

COMUNICON, não se encontrou nenhum artigo que abordasse incubadoras de negócios, ou a

comunicação e o consumo simbólico de empreendedores que estivessem associados a essas

entidades.

Estrutura do Trabalho

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A presente tese está estruturada em quatro capítulos. No primeiro, intitulado “A

mediação do empreendedorismo pelo estado neoliberal”, busca-se contextualizar o cenário

histórico, social e cultural no qual se dá a produção de narrativas de vida dos universitários

incubados. O enfoque da discussão está nas influências que as políticas neoliberais exerceram

sobre a educação e a pesquisa científica voltada à inovação e à tecnologia. Trata-se de um

capítulo que faz uma abordagem histórica, dando ênfase ao cenário brasileiro. A emergência

da figura do empreender, na sociedade brasileira, é uma das pautas centrais abordadas pelo

capítulo.

O segundo capítulo, intitulado “Comunicação e lugar de fala do empreendedor

universitário”, busca trazer um referencial teórico que situe os universitários incubados como

agentes atuantes em campos sociais diversos, no decorrer de uma trajetória social de vida e de

uma condição social de existência. Na construção desse capítulo, utiliza-se a teoria de

Bourdieu, devido à relevância que suas reflexões trazem para a pesquisa aqui realizada, e

também por ser um autor que abordou assuntos múltiplos em suas obras, trazendo

contribuições tanto para se entender o fenômeno da comunicação do consumo, bem como o

universo social da educação científica e do trabalho.

O terceiro capítulo, intitulado “O consumo simbólico do trabalho”, discute esse

consumo simbólico, trazendo diferentes perspectivas, entre elas, a dos campos científicos da

comunicação e do consumo, das ciências sociais, e da orientação de carreira – área do

conhecimento que faz reflexões interessantes em torno do consumo simbólico da universidade

e da sua ligação com as profissões. Esse capítulo também investiga a narrativa como sendo o

meio a partir do qual o consumo simbólico do trabalho é comunicado.

No quarto capítulo, intitulado: “Incubando projetos de vida de negócios”, descreve-

se detalhadamente toda a metodologia de coleta e análise aplicado nessa pesquisa. Além

disso, é o capítulo no qual ocorre a investigação das produções de sentido realizadas pelos

universitários incubados.

No quinto capítulo, apresentam-se as Considerações Finais, em que se descreve o

percurso realizado nessa pesquisa, bem como o modo como o objetivo geral e os específicos

foram contemplados nessa tese.

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1. A mediação do empreendedorismo pelo estado neoliberal

Na introdução deste capítulo almeja-se contextualizar a política neoliberal e a

influência que ela exerce sobre as decisões do Estado. O intuito aqui é construir um local

comum a partir do qual serão discutidos os subcapítulos seguintes: um que situa

historicamente o campo científico brasileiro, em específico, sua produção de pesquisa e

tecnologia, até o momento em que o campo tecnológico se consolida e passa a ser articulado

pela figura do empreendedor; e outro que pontua a influência que as políticas neoliberais

exerceram, na educação brasileira, articulando imaginários de empregabilidade e de

empreendedorismo. A escolha por focar a discussão do neoliberalismo a partir da influência

que ele exerce sobre as decisões do Estado deve-se à capacidade e ao poder que esse possui de

alterar as dinâmicas e as estruturas do campo científico, do campo econômico e de outros

campos sociais.

De acordo com o Bourdieu (2004a, p.55), nos campos científicos, existe um grande

paradoxo a respeito da sua condição de autonomia visto que uma das condições de sua

garantia é o fato de os campos científicos serem “financiados pelo Estado, logo colocados

numa relação de dependência de um tipo particular, com respeito a uma instância capaz de

sustentar e de tornar possível uma produção que não está submetida à sanção imediata do

mercado”. Essa independência que também é dependência possibilita que os objetivos do

campo científico sejam outros do que a conquista declarada pelo lucro. No entanto, o

paradoxo se estabelece no fato de que “o Estado que assegura as condições mínimas de

autonomia também pode [...] se fazer de expressão ou de transmissor das pressões de forças

econômicas [...] das quais supostamente ele libera” (idem). É justamente esse o cenário que se

apresenta hoje, no qual se situam as incubadoras de negócio, e para o qual buscou-se uma

proposta de estabelecimento de um campo híbrido, denominado campo tecnológico. Em parte,

isso se deve à grande influência que as propostas neoliberais vão exercer sobre o Estado e,

consequentemente, sobre o campo científico.

O Estado também é o grande responsável por conferir autonomia ao campo

econômico, quando criou um mercado nacional, unificando a moeda de uma nação,

construindo um espaço relativamente estabilizado para ocorrerem trocas e circulação

monetária, estabelecendo monopólio fiscal, etc. Quando se pensa o modo como o campo

econômico está estruturado em termos de posições, capitais e disputas de poder, tem-se, no

olhar de Bourdieu (2005), um Estado que exerce grande autoridade, no campo econômico,

sendo o responsável por conferir direito à propriedade, incentivos fiscais, poder de

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regulamentação entre outros aspectos. Na década de 1970, no setor de imóveis, por exemplo,

a influência do Estado era tamanha que agentes atuantes do campo econômico adotavam

como estratégia “utilizar seu capital social para exercer pressões sobre o Estado e obter dele

uma modificação do jogo a seu favor” (idem, p.40). Desse modo, Bourdieu descreve que:

[...] o que se chama mercado é apenas, em última instância, uma construção social,

uma estrutura de relações específicas, para a qual os diferentes agentes engajados no

campo contribuem em diversos graus, através das modificações que eles conseguem

lhe impor, usando poderes detidos pelo Estado, que são capazes de controlar e

orientar (idem).

O cenário do campo econômico do início da década de 1970, na França, era um

cenário em que o Estado ainda era visto como um agente cujas ações contribuíam para

combater as “patologias sociais” atribuídas ao capitalismo, tal como descreve, Dardot e Laval

(2016, p.209), patologias como “desemprego, desigualdades sociais, inflação e alienação”. No

entanto, esse cenário econômico e essa percepção do Estado se modificou após a década de

1970, principalmente nos anos de 1980, muito por causa de um novo cenário que estava sendo

desenhado em torno da globalização da economia e da popularização das políticas neoliberais.

O Estado, com sua grande influência sobre o campo econômico e os outros campos, passou a

adotar uma postura que poderia ser descrita como sendo uma “demissão” (BOURDIEU,

2008a, p.215), deixando a responsabilidade pela manutenção dos mecanismos de

solidariedades, de representatividade e de desenvolvimento para agentes do setor privado.

A estratégia neoliberal consistirá, então, em criar o maior número possível de

situações de mercado, isto é, organizar por diversos meios (privatização, criação de

concorrência dos serviços públicos, ‘mercadorização’ de escola e hospital, solvência

pela dívida privada) a ‘obrigação de escolher’ para que os indivíduos aceitem a

situação de mercado tal como lhes é imposta como ‘realidade’, isto é, como única

‘regra do jogo’, e assim incorporem a necessidade de realizar um cálculo de

interesse individual se não quiserem perder ‘no jogo’ (DARDOT, LAVAL, 2016,

p.217).

Trata-se de um projeto político que, paulatinamente, contribuiu para que o Estado

deixe de ser percebido como um agente que combate as mazelas do capitalismo, para ser

percebido como o grande responsável pelos seus males “associando eficácia e modernidade à

empresa privada, por um lado, arcaísmo e ineficácia ao serviço público, por outro” e

colocando o Estado como o responsável “por toda ineficiência e excesso de formalismo”

(BOURDIEU, 2008a, p.217). Fato que fez com que o mercado e o capitalismo, pouco a

pouco, passassem por uma ressignificação tornando-se uma solução universal para todos os

males e não sendo mais vistos como o problema. Conforme Dardot e Laval (2016, p.198) as

políticas econômicas e sociais do neoliberalismo visavam: “aumentar a capacidade de reação

das empresas, diminuir a pressão fiscal sobre os rendimentos do capital e os grupos mais

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favorecidos, disciplinar a mão de obra, baixar o custo do trabalho e aumentar produtividade”

(DARDOT, LAVAL, 2016, p.198).

O campo econômico, nos dias de hoje, difere-se da realidade investigada por

Bourdieu, na década de 1970, por se situar em um contexto marcado pela globalização e por

políticas econômicas neoliberais. Bourdieu enxerga a globalização econômica como fruto de

uma política realizada por um conjunto de instituições e agentes, e resultado “da aplicação de

regras deliberadamente criadas com fins específicos [...]: a eliminação de todas as

regulamentações nacionais que criam obstáculos às empresas e aos seus investimentos”

(BOURDIEU, 2006, p.313). Desse modo, não se trata de uma construção automática das leis

da economia e da tecnologia. O mercado mundial seria, portanto, uma criação política, com

grande influência do Estado, do mesmo modo que foi também a criação do mercado nacional,

e um dos objetivos dessa política neoliberal seria o de “criar as condições de domínio,

confrontando brutalmente os agentes e as empresas, até então encerrados nos limites

nacionais, com a concorrência [global] de forças produtivas e modos de produção mais

eficazes e poderosos” (idem). Além disso, Bourdieu (2006, p.312) também observa que:

[...] a globalização passa assim a designar uma política econômica que tem como

objetivo unificar o campo econômico através de todo um conjunto de medidas

jurídico-políticas destinadas a derrubar todas as barreiras a esta unificação, todo os

obstáculos, na sua maioria ligados ao Estado-nação, a este alargamento. O que

corresponde exatamente à política neoliberal, inseparável de uma verdadeira

propaganda econômica que lhe confere uma parte da sua força simbólica.

Dois agentes importantes para a implementação de uma racionalidade neoliberal, em

escala global, foram o FMI e o Banco Mundial, agentes de contribuíram prescrevendo

recomendações sobre como os países deveriam seguir com suas políticas públicas para

conseguirem auxílios e empréstimos. Conforme Dardot e Laval (2016, p.198):

As organizações internacionais tiveram um papel bastante ativo na difusão dessa

norma. O FMI e o Banco Mundial viram o sentido de sua missão mudar

radicalmente, nos anos 1980, em consequência da adesão dos governos dos países

mais poderosos à nova racionalidade governamental. As economias mais frágeis

tiveram, em sua maioria, de obedecer às recomendações desses organismos pra

conseguir ajuda ou, ao menos, ‘aprovação’, a fim de melhorar sua imagem diante

dos credores e dos investidores internacionais. [...] A intervenção do FMI e do

Banco Mundial visava a impor o quadro político do Estado concorrencial, ou seja,

do Estado cujas ações tendem a fazer da concorrência a lei da economia nacional,

seja essa concorrência a dos produtores estrangeiros, seja a dos produtores nacionais.

As influências das políticas neoliberais sobre o Estado, e, consequentemente, a

influência do Estado sobre as dinâmicas dos diferentes campos sociais por onde transitam os

sujeitos contribuiu para “uma nova ordenação das atividades econômicas, das relações

sociais, dos comportamentos e das subjetividades” (DARDOT, LAVAL, 2016, p.202). O

neoliberalismo, desse modo, passa a atuar como “uma nova lógica normativa, capaz de

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incorporar e reorientar duradouramente políticas e comportamentos numa nova direção”

(idem, p.190). A nova norma que o neoliberalismo estabelece como exigência tanto dos

governantes quanto dos governados é a liberdade de escolha, tema central na conduta desse

sujeito neoliberal que se desenha. Conforme Dardot e Laval (idem, p.223): “trata-se de

construir novas exigências que ponham os indivíduos em situações em que são obrigados a

escolher entre ofertas alternativas e incitados a maximizar seus próprios interesses”, e, desse

modo, construir indivíduos empreendedores, proativos, “protagonistas de suas escolhas” e

“arrojados” (idem, p.224). Neste contexto, o “[...] empreendedor foi erigido como modelo de

vida heroica porque ele resume um estilo de vida que põe no comando a tomada de riscos

numa sociedade que faz da concorrência interindividual uma justa competição”

(EHRENBERG, 2010, p.13).

O empreendedor é a figura emblemática para se pensar a nova lógica normativa do

neoliberalismo. Conforme Dardot e Laval (2016, p.151): “Essa valorização do

empreendedorismo e a ideia de que essa faculdade só pode se formar, no meio mercantil, são

partes interessadas na redefinição do sujeito referencial da racionalidade neoliberal”. O que se

atenta, nessa figura, é menos a sua capacidade real de empreender, e sim a faculdade

empresarial que ele carrega no modo como ele encara diversos aspectos da sua vida. Entre as

características desse empreendedor, tem-se a:

[...] orientação, talvez mais disfarçada ou menos imediatamente perceptível, que visa

a introduzir, restabelecer ou sustentar dimensões de rivalidade na ação e, mais

fundamentalmente, moldar os sujeitos para torna-los empreendedores que saibam

aproveitar as oportunidades de lucro e estejam dispostos a entrar no processo

permanente de concorrência. Foi particularmente do campo do management que essa

orientação encontrou sua expressão mais forte (DARDOT; LAVAL, 2016, p. 136).

O modo como o empreender é visto, nesse contexto neoliberal, pode ser pensado a

partir do ideário de sociedade empreendedora proposto por Peter Drucker (2011), que

identifica a inovação como o espírito empreendedor. Trata-se de um autor renomado do

campo do marketing e do empreendedorismo, que dá ênfase a um ideário pragmático de

sociedade, na qual o empreendedorismo guiará tanto a economia quanto toda a sociedade, a

partir de uma gestão empresarial responsável. Conforme Dardot e Laval (2016, p.154):

A nova “gestão de empreendedores”, tal como define Drucker, pretende espalhar e

sistematizar o espírito do empreendimento em todos os domínios da ação coletiva,

em particular no serviço público, fazendo da inovação o princípio universal de

organização. Todos os problemas são solucionáveis dentro do “espírito da gestão” e

da “atitude gerencial”: todos os trabalhadores devem olhar para sua função e seu

compromisso com a empresa com os olhos do gestor.

A terceirização e a privatização que o Estado neoliberal faz de suas funções e

responsabilidades contribui para que, junto com o projeto de sociedade neoliberal, estabeleça-

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se também o projeto da sociedade empreendedora. Ambos são projetos políticos, associados a

determinadas ideologias e a maneiras de ver o mundo, e se concretizam em termos de uma

racionalidade a partir de estratégias constituídas por um “conjunto de discursos, práticas,

dispositivos de poder visando à instauração de novas condições políticas, a modificação das

regras de funcionamento econômico e a alteração das relações sociais” (DARDOT, LAVAL,

2016, p.191). Com base nesse cenário, pensa-se, a seguir, o contexto da pesquisa brasileira, e,

em seguida, o da educação.

1.1. A emergência do empreendedorismo e da pesquisa dirigida para o mercado

A presente tese investiga um perfil específico de empreendedor: aquele que frequenta

ou já frequentou o ensino superior e que, hoje, encontra-se numa incubadora de negócios. Este

subcapítulo tem como intuito fazer uma retomada histórica do campo científico e tecnológico

do Brasil, até chegar ao cenário atual das incubadoras. A formação da pesquisa científica e

tecnológica, no Brasil, se dá por volta do final de 1940 e metade de 1960. De acordo com

Dias (2012), é um período em que se fundam entidades com o intuito de fomentar a pesquisa,

e também se observa a expressão de uma ideologia que busca justificar a pesquisa em torno

do progresso e do nacionalismo. Entre as entidades que surgem nesse período, tem-se, no ano

de 1951, o Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq) e a Coordenação de Aperfeiçoamento de

Pessoal de Nível Superior (CAPES).

Da metade de década 1960 até o final da de 1970, observa-se um período em que a

pesquisa científica se consolida em união com o período militar. Diversas entidades de

fomento à pesquisa são desenvolvidas nesse período, tal como a Financiadora de Estudos e

Projetos (FINEP), em 1967. De acordo com Jardim (2015), trata-se de um período de grande

apoio à pesquisa científica, no qual o Estado militar buscou a adesão de uma parte da

intelectualidade da época, para a formação de uma tecnocracia que se coloca a serviço do

governo. O desenvolvimento da macroeconomia e a segurança nacional era o ideário que

guiava essa coalização entre poder e ciência, e que justificava o plano de uma modernização

conservadora nacionalista. A diversidade de apoios e de agências de fomento estatais

ajudavam a consolidar a autonomia do campo científico brasileiro, conferindo segurança

financeira aos pesquisadores, para que eles pudessem produzir conhecimento.

No final dos anos 1970 e no decorrer da década de 1980, observa-se o fim da união

anterior entre cientistas e militares, que diminui bastante o poder de barganha da comunidade

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científica do Brasil. Conforme Jardim (2015, p.176): “duma relação que, nos anos 1970, era

marcada pela quase exclusividade de financiamento, passaríamos, nos anos 1980 para uma

relação marcada pela disputa por recursos escassos com outros centros de pesquisa,

instituições tecnológicas e reclames sociais”. Com o propósito de aumentar a capacidade de

negociar projetos junto ao Estado, surge, desse momento, uma coalização entre engenheiros,

burocratas neoliberais, agentes das ciências exatas, e potências interessados na exploração das

tecnologias. O discurso que engendra essa coalizão é a do empreendedorismo. Começa a

aparecer, aqui, a figura do empreendedor e do pesquisador cuja fala endossa o empresariado,

atraindo a atenção do Estado para a pauta que ele aborda. Desse encontro, aparecem esforços

para a criação de incubadoras de empresa de base tecnológica (1984) e empresas juniores

(1988). Conforme Jardim (2015, p.181):

Em 1982, a criação do Programa de Inovação Tecnológica do CNPq fez surgirem

núcleos de inovação tecnológica nas universidades, o que foi decisivo para, a partir

deles, a nova elite criar as bases duma postura e cultura pró-mercado e pró-inovação

dentro do ambiente acadêmico. Foi a partir desses núcleos de inovação que

surgiriam mais tarde muitos spin-offs universitários hospedados em incubadoras. [...]

em 1987 foi criada a ANPROTEC: Associação Nacional de Promotoras de

Empreendimentos Inovadores, com o objetivo de articular uma onda de fundações

de incubadoras de empresas que teve início anos antes. A partir do período seguinte,

tem início uma multiplicação de instituições destinadas a criar pontes entre a

pesquisa e o mercado ou, como dissemos no capítulo anterior, entre o campo

científico e o campo econômico: fundações privadas, escritórios de transferência de

tecnologia, empresas juniores, parques científicos, parques tecnológicos, spin-offs,

startups e incubadoras de empresas.

Com o objetivo de articular as fundações de incubadoras de empresas, foi criado, em

1987, a ANPROTEC: Associação Nacional de Promotoras de Empreendimentos Inovadores.

Em paralelo, acontece uma multiplicação de instituições que tinham como objetivo criar

pontes entre a pesquisa e o mercado: “fundações privadas, escritórios de transferência de

tecnologia, empresas juniores, parques científicos, parques tecnológicos, spin-offs, startups e

incubadoras de empresas” (JARDIM, 2015, p. 181).

No período do governo Collor-Itamar (1990-1994), e sua identificação com as

políticas neoliberais, o Brasil passa a manter maior dependência estrangeira, ampliar sua

dívida externa, e viver uma situação de hiperinflação. É nesse período também que a

linguagem dos interesses começa a tomar forma, no campo científico, pois aumenta a

necessidade de se buscar apoio na iniciativa privada para custear as atividades de pesquisa e

de desenvolvimento. O mercado e as empresas começam, aos poucos, a virarem o novo

critério da pesquisa brasileira, tornando-se referências e agentes fundamentais nas estratégias

de inovação. Com isso, o que se observa é que os projetos científicos e tecnológicos começam

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a ganhar um novo aspecto: uma maior preocupação em torno das chances de serem aplicados

em tecnologias e convertidos em mercadorias.

Aliando-se às gravidades convergentes da crise fiscal do Estado e da abertura do

mercado nacional, tem-se uma ideologia tão poderosa quanto insidiosa: a ideologia

da eficiência acadêmica mensurável, do mercado inevitável, do bom casamento

entre capital e ciência, da pesquisa pública gerida como empresa privada, do

pesquisador como estrategista, da tecnologia como mercadoria, da salvação pelos

negócios — ideologia que é uma mistura bizarra entre a ideia do Brasil-grande,

oriunda dos militares, e do Estado-mínimo, conforme o paradigma neoliberal.

Expressões como desestatização, privatização, desregulação também entraram no

repertório dessa época (JARDIM, 2015, p.188).

Dá segunda metade de 1990 até o começo dos anos 2000, período em que ocorreu a

presidência de Fernando Henrique Cardoso, observa-se a formalização de uma nova

legislação relacionada à propriedade intelectual, além de projetos de renúncia fiscais para

empresas que decidissem investir em tecnologia. Novas leis e instituições são implementadas

de forma a conferir segurança jurídica aos encontros que se estabelecem entre ciência e

mercado, que antes eram feitas de forma ilegal. O Estado se coloca na função de um mero

facilitador da aproximação entre empresários e pesquisadores, promovendo um novo ideário

de inovação. É também, nessa época, que se dá a reforma de universidades estaduais e

federais e de institutos públicos de pesquisa com o intuito de direcionar as pesquisas

acadêmicas às demandas do mercado, um mercado que, infelizmente, não demandou muito

das universidades (JARDIM, 2015).

É nessa época que se dá o grande aumento do número de fundações do campo

tecnológico, como incubadoras de empresa, parques científicos, escritórios de transferência de

tecnologia, núcleos de inovação, instituições que ajudariam a estabelecer sinergias entre

pesquisadores e empresários.

Os anos que se seguiram após 2000 revelaram o crescimento de uma “postura pró-

mercado da comunidade de pesquisa brasileira, da qual a parte sobrevivente e bem-sucedida

passaria a performar, voluntariamente, num momento seguinte, um comportamento

empreendedor” (JARDIM, 2015, p.216), que acompanhou, ao menos no decorrer da primeira

década, um aumento de autonomia e de fartura de recursos das estruturas acadêmicas. No

campo acadêmico, Jardim (idem) observa que, nesse período, aumentam “os conflitos

dialéticos entre uma velha elite residual em declínio e uma nova elite próspera em ascensão”

associada ao empreendedorismo, ao mesmo tempo que se consolida com maior propriedade o

campo tecnológico, como sendo um espaço em que esses conflitos são travados.

Neste contexto, de emergência do empreendedor e da pesquisa científica orientada, o

Estado, mesmo variando em termos do volume da verba que dedica para a pesquisa e para o

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desenvolvimento de tecnologias, continuou investindo, disponibilizando diversos editais que

visam fomentar pesquisa e empreendedorismo. Esse Estado, cujas decisões impactam

diretamente as dinâmicas do campo científico, tecnológico e do empreendedorismo, possui

um papel importante para o desenvolvimento econômico, agindo numa perspectiva bem

diferente das dos militares nacionalistas, e se enquadrando numa racionalidade neoliberal.

Pensando sobre esse tipo de comportamento, Mazzucato (2014) cunha o termo Estado

empreendedor, a partir de um estudo que investigou diferentes países que tiveram

empreendimentos atuais bem-sucedidos, em áreas como biotecnologia, energia verde,

nanotecnologia e tecnologias da informação.

Como resultado, a autora observa que nem todos os Estados são igualmente

empreendedores, exigindo que eles estejam inseridos em uma lógica capitalista de eficiência e

produtividade. Outro resultado da investigação é que o Estado, quando atua direcionando seus

investimentos à pesquisa e à inovação, e, desse modo, apostando na criação de novos produtos

e mercados com potencialidade de gerar lucro, eles estão agindo sobre a economia para

produzir transformações que podem influenciar o desenvolvimento econômico, e compensar

um desequilíbrio decorrente da falta de investimentos privados. Por outro lado, nota-se

também que o que se está em jogo é que essas novas políticas que incentivam a produção

tecnológica fazem com que ocorra a privatização dos lucros e a socialização dos prejuízos.

Muitos dos problemas enfrentados atualmente pela administração Obama se devem

ao fato de que os contribuintes americanos desconhecem que seus impostos

fomentam as inovações e o crescimento econômico do país; eles não percebem que

as corporações estão ganhando dinheiro com inovação que foi financiada com seus

impostos. E essas corporações não estão devolvendo uma parte dos lucros para o

governo e nem investido em inovação [...]. A história que os contribuintes ouvem é

que o crescimento econômico e a inovação são obtidos graças a indivíduos

“geniais”, “empreendedores” do Vale do Silício, investidores ou “pequenas

empresas”, desde que a legislação seja negligente (ou inexistente) e os impostos

baixos – principalmente quando comparada ao “Grande Estado” por trás de boa

parte da Europa (MAZZUCATO, 2014, p. 178-179).

Trata-se de um cenário que contribui para alimentar uma relação parasitária entre o

empresariado e o Estado, visto que o setor privado acaba se utilizando dos benefícios que

foram produzidos, no setor público, sem oferecer contrapartidas que poderiam ajudar o Estado

a continuar incentivando o empreendedorismo cada vez mais. A análise de Mazzucato (2014)

aponta para um cenário em que o Estado se coloca em desvantagem pois acaba por assumir

prejuízos enquanto lucros são privatizados, não podendo investir em outros serviços.

Na pesquisa realizada por Silva (2010), a relação de parceria entre universidades-

empresas estabelecida a partir das incubadoras, é considerada um importante mecanismo de

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transferência de conhecimento da universidade para o setor produtivo. Na sua investigação, o

processo de transferência de conhecimento ocorre, principalmente:

[...] a partir do contato com os professores das universidades e/ou por meio de

projetos desenvolvidos conjuntamente por ex-alunos e professores; cursos de

capacitação para os empresários; programas de estágio; consultorias; eventos

promovidos pela universidade ou por outras instituições e; também pelo

relacionamento direto com as outras empresas incubadas (SILVA, 2010, p.2008).

Além disso, a autora observa que, no caso das universidades públicas, algumas das

dificuldades da transferência de conhecimento entre universidade-empresa ocorriam por causa

da diversidade ideológica entre acadêmicos e empresários, visto que há resistência de alguns

pesquisadores da universidade em apoiar a prática da realização de pesquisas que sejam

aplicáveis ao mercado. Os professores/pesquisadores da universidade pública investigados

afirmavam que empreender conhecimentos científicos “afetaria o principal papel da

universidade, que é o social, e só beneficiaria as empresas, cujo papel é a geração de lucros,

motivo pelo qual buscam maior capacidade tecnológica e de recursos humanos” (SILVA,

2010, p.208). Tal preocupação demonstra alguns tensionamentos existentes entre academia e

mundo do trabalho, principalmente naquilo que diz respeito à produção de pesquisas “cujo

produto tenha aplicabilidade mercadológica, pois há um temor de que a ciência seja

privatizada e com isso perca sua autonomia” (idem).

A investigação de Silva (2010) revela, desse modo, embates relacionados ao ponto

de vista de diferentes agentes envolvidos no processo de incubação, evidenciando

posicionamentos favoráveis e desfavoráveis ao empreendedorismo, principalmente no que

tange à aproximação da academia com o mundo do trabalho. Esses posicionamentos indicam

também outro fenômeno: o de que o empreendedorismo é um projeto de mundo, que se

coloca a favor do sistema capitalista. Diversos autores em outros estudos já observaram que a

promoção do empreendedorismo, na contemporaneidade, contribui para mobilizar uma

“racionalidade” (DARDOT, LAVAL, 2016), ou mesmo um “espírito” (BOLTANSKI,

CHIAPELLO, 2009) que colabora para a manutenção do sistema capitalista, e da sua lógica

de acumulação e exploração do trabalhador por meios pacíficos.

As incubadoras de negócio, tendo como alguns dos seus objetivos divulgar a cultura

do empreendedorismo e capacitar os sujeitos para a prática empreendedora, estariam, desse

modo, contribuindo para promover essa racionalidade e esse espírito entre os agentes neles

envolvidos, o que não indica, no entanto, que seja um processo que ocorra de forma pacífica e

sem resistência, justamente pelo fato de a incubadora reunir sujeitos e agentes de diferentes

lugares e com diferentes pontos de vista – tal como exemplificado por Silva (2010), no caso

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dos professores de universidades públicas. A incubadora de negócios, portanto, age como um

agente mediador do empreendedorismo, e essa mediação ocorre por meio de processos

comunicacionais e interacionais.

1.2. Discursos da empregabilidade e do empreendedorismo na educação contemporânea

Autores diversos (DREWINSKI, 2009; MENDONÇA, 2007; NASCIMENTO,

RAMOS JUNIOR, 2018) apontam mudanças socioculturais que se iniciaram, no Brasil, na

década de 1980, e que se desenvolveram de forma mais acentuada a partir de 1990. Tais

mudanças dizem respeito a algumas estratégias adotadas por diferentes agentes, com o intuito

de manter ativa a produção capitalista, ao lidar com as crises que lhe são inerentes e cíclicas.

Dentre esses agentes, destaca-se o Estado brasileiro, que passou a incorporar ideias

neoliberais em suas políticas, tal como descreve Mendonça (2007, p.1):

Do governo Collor, no início da década de 1990, os produtos importados passaram a

invadir o mercado brasileiro, com a redução dos impostos de importação. O

processo acelerado de abertura econômica, mais intenso no governo Fernando

Henrique Cardoso fez com que muitas empresas não conseguissem se adaptar às

novas regras de mercado, levando-as à falência ou a vender seu patrimônio. Em

apenas uma década as multinacionais mais que dobraram sua participação na

economia brasileira. O governo Lula não mudou a orientação da política econômica

do governo que o antecedeu.

A implementação de uma economia de mercado neoliberal, no Brasil, veio

acompanhada por outras decisões políticas e, também, por discursos ideológicos. No governo

de Fernando Henrique Cardoso, buscou-se legitimar as medidas tomadas como sendo

necessárias para o desenvolvimento do Brasil, utilizando, por exemplo, de discursos cujas

construções validavam a “crença do esforço individual, desvinculado das condições objetivas

de existência” (NASCIMENTO, RAMOS JUNIOR, 2018, p.85). Esse é o caso das falas de

Nassim Gabriel Mehedeff, Secretário Nacional da Secretaria de Formação e Desenvolvimento

Profissional (SEFOR), que, nos anos entre 1995-1997, durante o governo de Fernando

Henrique Cardoso, proferiu diversos discursos em torno da noção da “empregabilidade”, um

termo que se refere ao preparo que cada indivíduo deve realizar, atentando-se às exigências do

mercado de trabalho, para garantir as condições de venda e de consumo de sua força laboral.

Nas palavras de Mehedeff (apud, DREWINSKI, 2009, p.88) empregabilidade é:

[...] um conjunto de conhecimentos, habilidades, comportamentos e relações que

tornam o profissional necessário não apenas para uma, mas para toda e qualquer

organização. [...] tão importante quanto ter um emprego, é tornar-se empregável, e

manter-se competitivo neste mercado em constante mutação, onde provavelmente o

indivíduo terá que se preparar para várias carreiras, e diferentes trabalhos.

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A partir da ideologia neoliberal, a concepção de empregabilidade acompanha um

entendimento de meritocracia que significa o mérito como sendo uma conquista alcançada em

virtude de um esforço individual. Não se levam em conta, nessa concepção, as condições

sociais dos sujeitos, havendo uma compreensão de que as dificuldades podem ser vencidas

apenas com empenho e determinação. Trata-se de uma perspectiva que, segundo Nascimento

e Ramos Junior, “consiste em dissimular as contradições entre as classes, que se acirraram a

partir da revolução técnico-científica” (2018, p.84), visto que tal discurso mascara as

desiguais condições de acesso que as classes possuem com relação à educação de qualidade,

às tecnologias e a outros fatores que influenciam a empregabilidade.

A década de 1990 foi uma época em que o avanço da tecnologia e da ciência

contribuíram para a automatização dos processos produtivos, e, consequentemente, para

eliminação de empregos formais. Desse modo, tais discursos buscavam convencer a parcela

da população que só possuía a força de trabalho para garantir seu sustento, de que as

condições que se desenhavam, no atual contexto neoliberal, eram irremediáveis e naturais, e

que era necessário se adaptar às novas exigências da acumulação capitalista para sobreviver

no Brasil. O comentário do Jornalista Igor Gielow (apud, DREWINSKI, 2009, p.86)

publicado, no Jornal Folha de São Paulo, em 8 de abril de 1997, ilustra, a partir das falas do

presidente, a dimensão discursiva de tal argumento:

A realidade econômica do chamado neoliberalismo criou uma casta de pessoas

“inempregáveis” no Brasil. Esse é o mais recente neologismo do presidente

Fernando Henrique Cardoso [...]. “Inempregável” [...] Os “inempregáveis” de FHC

são aqueles trabalhadores que foram “engolidos” pelo desenvolvimento tecnológico

e não têm mais lugar natural na economia. Ele não citou nenhuma categoria. Para

FHC, não é possível agir “como avestruz”. Diz que a globalização e o

neoliberalismo são fatos. As considerações, de tom crítico com a própria realidade

do governo federal, foram feitas na abertura do “Seminário Internacional de

Emprego e Relações de Trabalho”, [...]. O encontro visa buscar opções justamente

para integrar os “inempregáveis” de FHC.

Drewinski (2009) descreve que o Estado, ao promover políticas públicas que adotam

o discurso da inempregabilidade em prol da empregabilidade, assim o faz de forma abdicar-se

de qualquer intenção de manter uma política efetiva de emprego vinculado ao

desenvolvimento econômico. O desemprego passa a ser justificado a partir das inevitáveis leis

do mercado que se formam em um mundo globalizado, sendo a baixa qualificação da força de

trabalho a principal causa, e o foco primário de atuação das políticas públicas que ali se

consolidam. A empregabilidade passa a ser considerada um atributo que o trabalhador deve

buscar ter, para potencializar a probabilidade de permanecer no seu trabalho ou de obter um

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novo emprego. O Estado passa a assumir a função de desenvolver políticas que facilitem a

aquisição de competências e habilidades pelos trabalhadores, mas, para os sujeitos, transfere a

responsabilidade pela trajetória profissional, promovendo um processo de individualização

que se apresenta como elemento chave para a construção da ideia de empregabilidade.

O discurso da empregabilidade, para Gentili (2004), desvalorizou o princípio

universal do direito ao trabalho e passou a significar uma revalorização de uma lógica

individual e competitiva, na busca de se inserir num ambiente de trabalho que é excludente.

Para o autor, “a tese da empregabilidade acaba também com a concepção do emprego e da

renda como esferas de direito” (GENTILI, 2004, p. 54-55), visto que a renda passa a depender

da efetiva inserção, no mercado de trabalho, dentro de uma lógica competitiva. Na perspectiva

de Gentili (2004, p.55), tem-se que:

A possibilidade de obter uma inserção efetiva no mercado depende da capacidade do

indivíduo em “consumir” aqueles conhecimentos que lhe garantam essa inserção.

Assim, o conceito de empregabilidade se afasta do direito à educação: na sua

condição de consumidor o indivíduo deve ter a liberdade de escolher as opções que

melhor o capacitem a competir.

A educação também se torna alvo de políticas públicas neoliberais no decorrer da

década de 1990. O Estado, vinculando-se aos interesses do mercado, começa a incentivar a

funcionalidade econômica e utilitarista do saber, no campo da educação, além de expandir o

acesso à educação superior. O governo de Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, permitiu

que instituições de ensino superior fossem abertas sem que houvesse nelas a exigência de

pesquisa e extensão, além de liberar a aberturar de cursos de ensino a distância para diversos

níveis educacionais. Outra política pública adotada foi a diminuição da verba que era

repassada para as universidades públicas, entrando em pauta “a autonomia universitária, mas

com enfoque estreitamente relacionado às verbas, ou seja, a responsabilidade pela captação de

recursos financeiros junto às empresas privadas, via parcerias, e a comunidade”

(NASCIMENTO, RAMOS JUNIOR, 2018, p.85).

Em oposição a essa concepção de ensino e universidade que se desenha, no contexto

neoliberal brasileiro, tem-se uma ideia do ensino superior que, em “sua romântica visão

clássica, sempre foi percebida como o templo do saber, argumento que se baseia no seu papel

ilustrado como construtora do conhecimento crítico e científico, revestindo seus egressos com

a áurea capa da elite intelectual” (RAMOS, 2014, p.35). A partir do momento em que as

universidades passam a ser encaradas como empresas, e os alunos como consumidores que

buscam formar-se para aumentarem suas chances de atuarem de forma bem-sucedida, no

mercado de trabalho, reprime-se essa visão romântica da universidade para incentivar uma

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visão utilitária do saber. Com isso, a universidade deixa, ao menos no discurso político

oficial, de ser concebida como o espaço em que se incentiva o pensamento livre, e a criação

de identidades críticas, além de assumir o papel de “estabelecer uma possível mediação do

conhecimento universitário com os respectivos compromissos com a vida social entendida

como prática da cidadania e sobretudo com a construção da democracia” (idem, p.28).

No âmbito da educação, observa-se, nesse cenário, o surgimento de um discurso que

desloca a ênfase dos processos educacionais, dos conteúdos disciplinares, para o sujeito que

aprende. Trata-se de uma compreensão da educação que é construída em torno do postulado:

“aprender a aprender”, um lema que corresponde ao ideário educacional das pedagogias ativas

de ensino, dentre elas, a Escola Nova, que dialoga de forma crítica com a Pedagogia

Tradicional. Conforme Saviani (2007), na pedagogia da Escola Nova, a proposta do “aprender

a aprender” relaciona-se ao processo de convivência infantil e da relação que se estabelece

entre o adulto e a criança. Trata-se de uma pedagogia que incentiva a capacidade de buscar

conhecimentos, e que foi concebida para preparar um sujeito capaz de cumprir determinados

papéis e funções que são essenciais à organização funcional da sociedade e que tinha a

finalidade de beneficiar a esfera social como um todo. É uma pedagogia cuja proposta se

adequava à época e à sociedade na qual foi concebida, em que se vivia um clima de otimismo,

devido à expansão econômica e à possibilidade de pleno emprego. Quando aplicada, no

contexto atual, o lema aprender a aprender ganha outros contornos: o de ensinar o trabalhador

a necessidade de atualizar permanentemente suas condições de empregabilidade para

sobreviver em um contexto de aumento contínuo de desemprego e de precarização do

trabalho. Conforme Drewinski (2009, p.97):

[...] o trabalhador deve estar constantemente capacitado para acompanhar a dinâmica

social resultante de uma economia mundializada, altamente competitiva e instável.

Para isso, [...], deve sentir, pensar e agir de acordo com a insegurança e a

vulnerabilidade que cercam seu emprego, de acordo com a possibilidade de perda

repentina de seu posto de trabalho. Cabe a ele desenvolver um perfil profissional

flexível que contribua para sua adaptação às exigências do mercado. Uma condição

imprescindível para adquirir essa flexibilidade é aprender a aprender, descobrir qual

é o seu melhor método de aprendizagem, de forma a se apropriar rapidamente dos

saberes necessários à assunção de um determinado posto de trabalho, se assim

consegui-lo.

No neoliberalismo brasileiro que se desenha, na década de 1990, e que repercute até

a atualidade, a empregabilidade torna-se uma busca, na vida do trabalhador, exigindo um

processo de atualização constante de competências. O ideário do aprender a aprender bem

como a noção de competências são elementos articulados como propostas de ensino e de

formação para o trabalho pelo discurso empresarial e governamental. Para Silva (2003, p.75),

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a “competência derivaria, [...] da capacidade do sujeito de acionar eficazmente os esquemas

requeridos pelas situações que se diferenciam pelo grau de complexidade e em face das

exigências dos processos de acomodação e de assimilação”. A noção de competência

fundamenta-se na sobreposição dos saberes sociais e implícitos aos conhecimentos formais e

científicos (DREWINSKI, 2009). Trata-se de saberes implícitos que são adquiridos por

intermédio da ação, da experiência, da atividade e que o indivíduo deve responsabilizar-se em

adquirir.

No modelo de competências, o que importa é a capacidade de mobilizar os saberes

escolares ou técnico-profissionais, para a resolução de problemas. Nesse sentido, assumem

grande relevância componentes como qualificações tácitas ou sociais e subjetividade do

trabalhador. “O modelo de competências remete, assim, às características individuais dos

trabalhadores” (DELUIZ, 2001, p.2). A noção de competência possui um caráter funcional,

no âmbito das relações capitalistas, “visto que as competências são tomadas como fator de

produção e de adaptação do comportamento humano às mudanças sociais e ao processo

produtivo” (idem, p.5). O contexto do ensino que se exibe a partir das políticas públicas de

1990 apresenta propostas educacionais que objetivam a capacitação dos sujeitos. Por meio da

aquisição e do desenvolvimento de competências, são apresentados aos sujeitos

contemporâneos um caminho mais provável para a aquisição de postos de trabalho.

Segundo Deluiz (2001), o modelo de competências traz, para o trabalhador,

implicações contraditórias, com aspectos positivos e negativos. Como aspecto positivo, tem-

se a valorização do trabalho, em razão da mudança de um trabalho prescritivo, para um

intelectualizado, o que demanda exigências de qualificação do trabalhador, com uma elevação

do seu nível de escolaridade. Outro aspecto positivo é a valorização dos saberes em ação,

relacionado à inteligência prática dos trabalhadores, que lhe permite assumir diferentes

funções, bem como a possibilidade de o trabalhador adquirir competências coletivas a partir

do trabalho em equipe. Como aspectos negativos, têm-se a “intensificação do trabalho e a

desprofissionalização, que são consequências de uma polivalência estreita e espúria,

decorrente do reagrupamento das tarefas pela supressão de postos de trabalho, ou [...] com

demissões”. (idem, p. 15) Outros aspectos apontados pela autora são o sofrimento resultante

do estresse e da ansiedade, relacionados ao medo de perda do emprego, às relações de

trabalho inseguras, ao aumento da jornada de trabalho, ao ambiente de trabalho competitivo e

individualista.

Frigotto (2001, p. 81) relata que em um cenário de crise endêmica do desemprego

estrutural, em que coexistem os incluídos, os precarizados e excluídos, cabe à escola a função

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econômica da “empregabilidade ou a formação para o desemprego. No plano ideológico,

desloca-se a responsabilidade social do Estado para o plano do individual. Já não há política

de emprego, nem perspectiva de uma carreira, mas indivíduos empregáveis ou não,

requalificáveis.”

Em 2002, Lula foi eleito Presidente da República, com o apoio de movimentos

populares, sociais e sindicais, e, após o segundo mandato, foi sucedido por Dilma Rousseff.

Conforme Nascimento e Ramos Junior (2018), com o advento dos governos Lula e Dilma, ao

longo do período de 2003 a 2016, houve algumas melhoras com relação a aspectos sociais. No

entanto, em 2008, diante de uma nova crise do capitalismo, algumas medidas são tomadas. O

discurso da empregabilidade – que foi usado com grande intensidade da década de 1990 até

2008, justificando algumas tomadas de decisões do governo e orientando outras –, começa

agora a ser substituído por um outro discurso, que passava a ter presença na mídia nacional.

Trata-se do discurso do empreendedorismo.

Conforme Nascimento e Ramos Junior (2018, p.8. Grifo no original): “Já não basta

ter empregabilidade. É preciso inovar, utilizar os conhecimentos e habilidades desenvolvidas

para ofertar mercadorias e serviços a terceiros”. O discurso do empreendedorismo vem a

atender aos novos desafios da sociedade capitalista neoliberal, que é a necessidade de

construir o seu próprio emprego, mesmo com um alto investimento, na sua própria

empregabilidade, caso o sujeito não consiga vender sua força de trabalho. O discurso do

empreendedorismo se une ao discurso neoliberal, disseminando a “ideia de que o diploma,

apesar de importante, não é mais garantia de inserção profissional, uma vez que os empregos

formais, com benefícios fixos e garantias trabalhistas, são uma característica do passado e não

condizem com o atual avanço tecnológico” (idem, p.85-86).

Com isso, o projeto de universidade também se modifica. Um exemplo é a oferta de

disciplinas sobre empreendedorismo, nas universidades públicas, sendo reconhecidas como

formas para incentivar a criação do próprio emprego e, ao mesmo tempo, modernizar a

sociedade. No discurso educacional que se destina à formação do trabalhador, Drewinski

(2009) observa que a atual articulação com o empreendedorismo diz respeito à tendência de

integrar o discurso empresarial às propostas educacionais. Trata-se de um discurso que

divulga a necessidade de uma formação que, não apenas atende às demandas do mercado,

como o aumento da eficiência, da racionalidade e da produtividade, mas que também

promova mudanças, além de propagar a ideia de que as condições para que tudo isso ocorra se

encontra, sobretudo, nos sujeitos estudantes e trabalhadores.

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Os discursos que são difundidos, no ambiente educacional contemporâneo, e que se

apoiam nas noções de competência, de empregabilidade, e de empreendedorismo, justificam

um novo perfil profissional que passa a ser procurado, e que toma como base demandas que

se originam no processo de reestruturação produtiva do atual capitalismo neoliberal. De

acordo com Drewinski (2009), esses discursos servem de sustentáculo para que as reformas

educacionais sejam implementadas, construído uma base para que ocorra apropriação ligeira e

linear das mudanças no mundo do trabalho. Trata-se de discursos ideológicos que buscam

aproximar a educação da lógica do mercado, e que se revelam, muitas vezes, frágeis,

pragmáticos e generalistas. A autora também comenta que “ao afirmar que o novo perfil

profissional exigido pelo mercado de trabalho corresponde ao de empreendedor; que os

critérios para a ocupação de vagas devem ser meritocráticos, centrados na posse ou não da

capacidade de aprender a aprender” (idem, p.113) e que os desempregados devem, por conta

própria, se transformarem em empreendedores, “propaga-se uma ideologia que acaba por

justificar a férrea seleção no mercado de trabalho e, ao mesmo tempo, a exclusão do mercado

formal de um grande contingente de trabalhadores” (idem).

A proposta de integrar a educação empreendedora ao discurso pedagógico

acompanha tanto o ideário do aprender a aprender quanto à noção de competências, dois

elementos que são articuladores do ideário empresarial e que acompanham as propostas de

educação direcionadas à formação do trabalhador. No entanto, a proposta da educação

empreendedora, ao mesmo tempo em que se apresenta como um desdobramento daquele

ideário, possui especificidades que lhe são próprias e que originam de teorias empreendedoras

da área empresária e econômica. Aprender a aprender torna-se aprender a empreender,

aproximando a educação das exigências do mercado e adequando-as ao capital.

O incentivo à formação empreendedora tem como intuito adequar o perfil

profissional do trabalhador a conjuntura de ausência de emprego, no setor formal, bem como

contribuir para que o capital garanta a ampliação da sua reprodução, a partir da possibilidade

de se explorar a mais-valia de empresas pequenas, subcontratadas ou terceirizadas. Com a

reestruturação produtiva, formas de trabalho que não estavam sujeitas ao assalariamento, tais

como terceirização e subcontratação, pulverizaram-se, possibilitando o crescimento do

trabalho parcial, informal, por conta própria e temporário. Para Harvey (2011), essas novas

formas de produção e de trabalho passam a ser necessárias dentro do atual contexto da

produção flexível, sendo formas que servem ao capital, fazendo parte do seu sistema de

reprodução, de controle e de funcionamento. Desse modo, tem-se que a mais-valia passa a ser

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extraída e apropriada a partir da subcontratação e da terceirização do trabalho de pequenas

empresas, desses novos empreendedores produzidos pela sociedade.

No cenário brasileiro, com a posse do vice-presidente Temer, em 2016, após o

impeachment da presidente Dilma Rousseff, a situação dos trabalhadores e dos

desempregados foi agravada, visto que, ao mesmo tempo em que ajustes orçamentários foram

feitos para conter gastos do setor público, foi sancionada a Lei nº 13.467, de 13 de julho de

2017, que alterou a Consolidação das Leis do Trabalho, e que tornou oficial os novos modelos

de contratos de trabalho, flexíveis e temporários, legitimando, assim, as novas dinâmicas de

produção de mais-valia. Com isso, tem-se que os discursos que propõem para o trabalhador, a

educação empreendedora, para crianças e jovens, a educação para o empreendedorismo

tornam-se interessantes do ponto de vista ideológico, pois legitimam, de um lado, a crença

que “esse tipo de formação pode propiciar ao trabalhador sua inserção, no mercado de

trabalho formal”, (DREWINSKI, 2009, p.104) e, de outro, “que pode contribuir para torná-lo

dono do seu próprio negócio, ocupando nichos de mercado e servindo ao grande capital, como

pequeno empresário, terceirizado ou subcontratado pelas empresas líderes de mercado"

(idem). Sibilia comenta que a proposta de uma pedagogia empreendedora procura:

[...] inculcar nas crianças o espírito empresarial para que elas mesmas encontrem

alternativas ao desemprego, criando pequenas empresas ou carreiras pautadas pela

autossuficiência, em vez de terem como único horizonte o emprego formal

assalariado, que foi hegemônico nas sociedades disciplinares. [...]. Um dos

ingredientes de seu receituário sugere que não é necessário ser exatamente um “bom

aluno” para triunfar dessa nova maneira, priorizando outras qualidades, como a

originalidade e a ousadia, além da agilidade e da velocidade que permitiram dar o

passo adequado antes dos demais e, assim, ganhar muito dinheiro e reconhecimento,

já que é disso que se trata” (SIBILIA, 2012, p.130-131).

Na contemporaneidade, a cultura empreendedora afirma-se como sendo um grande

paradigma, por meio do qual ocorre a tradução de diversos elementos para o seu campo

semântico, tais como atividades laborais, a educação e diferentes aspectos da vida cotidiana

dos sujeitos. Acompanhando essa ressignificação empreendedora do mundo, Casaqui (2016b,

p.5) observa “a construção do imaginário em torno do país empreendedor, o que se relaciona

com o Brasil, mas também com uma série de outros países, alinhados com o sistema

capitalista e com o mercado neoliberal”. Tal projeto de sociedade é uma concepção

contemporânea, que se diferencia das formulações semânticas de Fernando Henrique Cardoso

em torno da empregabilidade, sendo um desdobramento dela, mas agora adequado ao atual

espírito do tempo.

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É possível observar que o Estado contemporâneo divulga muitos programas que

visam à promoção do empreendedorismo como uma solução para o desemprego. Esse é o

caso do programa Projeto Empreendedor Juvenil do governo do Ceará. Na notícia “Educação

e primeiro emprego como caminho mais acertado” (HOLANDA, s/d), tem-se que esse projeto

também é direcionado aos jovens que se encontram em situação de vulnerabilidade social, e

almeja “qualificar profissionalmente 2500 jovens de 57 municípios, para o

empreendedorismo”. O Estado, promovendo o empreendedorismo como uma forma de

contornar a situação do desemprego, é algo que está bastante atrelado à razão neoliberal

contemporânea, visto que em vez de solucionar o problema, o Estado está responsabilizando o

próprio sujeito para contorná-lo.

A formalização de uma cultura em torno do empreendedorismo só se tornou possível

após a atividade empreendedora ter se institucionalizado e entrando no consenso da

população. Para Berger, “as instituições têm sempre uma história da qual são produtos”

(NASCIMENTO, RAMOS JUNIOR, 2018, p.79) e, uma vez criadas, “experimentam-se as

instituições como se possuíssem realidade própria, realidade com a qual os indivíduos se

defrontam na condição de fato exterior e coercitivo” (p.84). Conforme Dornelas (2005), foi,

em 1990, que o empreendedorismo se iniciou no Brasil da forma como conhecemos hoje. Isso

não quer dizer que a atividade empreendedora não existia antes, mas sim, que ela passa a ser

alvo, a partir dessa data, de uma institucionalização que lhe oferece conceituação e

significação, e que é apoiada e legitimada por diferentes agentes, tais como o Sebrae, a

Endeavor e o campo científico da administração e da economia. Tendo adentrado no

imaginário da população, ela passa a mobilizar uma cultura própria que, com o tempo, torna-

se paradigmática para se compreender o atual espírito do capitalismo brasileiro.

2. Comunicação e lugar de fala do empreendedor universitário

A materialidade comunicacional investigada, nesta tese, foi produzida por sujeitos a

partir do seu lugar de fala enquanto empreendedores universitários associados a uma

incubadora de negócios. Trata-se de um lugar de fala específico, de um sujeito que, em algum

momento da sua vida, ocupa ou ocupou a posição de estudante dentro do “campo científico”

(BOURDIEU, 1976) da universidade, e que, atualmente, assume a posição de empreendedor

ao se envolver com o campo do empreendedorismo, que seria uma derivação do “campo

econômico” (BOURDIEU, 2005), e que englobaria, em partes, o “campo tecnológico”, tal

como proposto por Jardim (2015). Para ampliar a compreensão desse lugar de fala do

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universitário incubado e trazer um novo conjunto de conceitos para pensar as dinâmicas de

comunicação e de consumo dentro dos campos sociais, apresenta-se, nesse subcapítulo, a

abordagem acadêmico-científica de Bourdieu.

Os conceitos centrais que Bourdieu elaborou para a sua sociologia são retomados

diversas vezes no decorrer de suas obras, possuindo minúsculas adaptações de acordo com

cada utilização particular. Este capítulo tem como propósito apresentar os elementos

fundamentais e relativamente invariantes dos conceitos centrais do seu pensamento,

localizando-os na discussão da comunicação e do consumo. Além disso, o capítulo busca

delimitar o que seria o campo do empreendedorismo, trazendo as discussões de Bourdieu em

torno do campo científico e econômico, e apoiando-se também no pensamento de Jardim

(2015), um dos seus leitores, que cunha o termo “campo tecnológico” para pensar o universo

social no qual se localizam as incubadoras de negócio.

2.1. A estrutura dos campos, campo econômico e a importância relativa dos diplomas

Uma reflexão central, no pensamento de Bourdieu, é a sua teoria dos campos, que foi

definida combinando propriedades pertencentes a diferentes linhas das ciências sociais, em

particular, Weber e Durkheim. Sua teoria parte da constatação sociológica de que as

sociedades modernas e industriais são povoadas por universos sociais que possuem leis

próprias e uma relativa autonomia – por exemplo a religião, a arte e a ciência –, mas que, não

necessariamente se configuravam assim na sua origem, posto que em muitas sociedades

antigas e pré-capitalistas, tais universos eram vistos como indiferenciados, havendo muitas

condutas polissêmicas e multifuncionais, que seriam interpretadas como sendo, ao mesmo

tempo, religiosas, estéticas, econômicas, etc. Esses universos sociais originaram-se, portanto,

de um processo histórico e progressivo de diferenciação.

Bourdieu (1989) denominou esses universos relativamente autônomos e que possuem

regras próprias como sendo campos. Trata-se de um universo social que mobiliza disputas,

jogos sociais e conflitos pelo que é legitimo e reconhecido como tal no interior de cada

campo. Esses diferentes universos sociais que povoam as sociedades modernas, as industriais

e as contemporâneas – tais como o campo universitário, científico, econômico, político,

artístico, entre outros –, cada um deles possui a sua própria lógica e seus próprios recursos, a

partir dos quais joga-se o jogo social. Como exemplo para se pensar os jogos é que existem

diferenças nas regras para ocupar uma boa posição dentro do campo científico, e para assumir

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uma posição de destaque dentro do campo do econômico, por serem muito distintas as

questões que estão em disputa em cada um desses universos sociais.

No interior de cada campo, são travadas lutas pelo monopólio de um capital

específico àquele domínio – como, por exemplo, lutas em busca de capital econômico,

cultural ou social. O conceito de “capital” é tomado de empréstimo da economia e repensado

por Bourdieu na perspectiva de uma economia geral das práticas. Desse modo, o capital

adquire o sentido de um recurso que confere uma forma de segurança ao agente que o possui,

principalmente quando o agente pensa o seu próprio futuro. O capital também possui a

característica de um poder que, em determinados casos, pode ser acumulado e investido de

modo relativamente ilimitado. Trata-se de um conceito usado tanto para definir o que é

móvel, nas lutas de um campo, quanto para descrever o recurso que os diferentes agentes

mobilizam nessas lutas.

Dentre os vários capitais em disputa em um campo, pode-se destacar: 1) o “capital

econômico”, que é proveniente do acúmulo ou do controle de recursos monetários ou

financeiros, por meios dos quais os agentes podem exercer seu domínio no campo que atuam

ou em outros campos; 2) o “capital cultural”, que pode ser tanto um “capital

institucionalizado”, como, por exemplo, os diplomas escolares, ou um “capital não-

institucionalizados”, que são as formas aceitas como legítimas, em cada campo, de um

determinado comportamento ou estilo de vida, traduzido muitas vezes a partir da questão do

consumo; 3) o “capital social”, que é baseado em relações de cooperação e influência com

outros agentes do campo, que podem ser mobilizadas pelo possuidor na forma de alianças,

vantagens, facilidades e recursos. Além desses três capitais, Bourdieu também menciona

outras formas de capital, tais como o científico, o escolar, o universitário, o financeiro, e

assim por diante. Esses capitais são específicos de cada campo, e dizem respeito àquilo que é

móvel e que é o seu objeto central de disputa.

Nos capitais não econômicos, circula também o que o Bourdieu denomina de “poder

simbólico”, um poder que pode ser pensado na forma de capital, e que confere alguma forma

de prestígio, legitimidade e/ou autoridade a quem o detém. O capital simbólico, que se origina

da junção de um capital específico com o poder simbólico, mobiliza, geralmente, sentidos a

favor dos agentes dominantes do campo, e opera a partir da aceitação voluntária dos

dominados em relação a esses sentidos, que acolhem “com frequência à sua revelia, outras

vezes contra sua vontade, para sua própria dominação, aceitando tacitamente como que por

antecipação, os limites impostos” (BOURDIEU, 2007a, p. 205). Também pode agir por meio

de uma violência simbólica, “que não se mostra enquanto tal por não implicar eventualmente

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qualquer ato de intimidação [e que] só tem condições de se exercer sobre uma pessoa

predisposta [...] a senti-la enquanto outros a ignoram” (BOURDIEU, 2008, p.38).

Os diferentes tipos de capitais podem ser acumulados, convertidos uns nos outros,

transmitidos entre gerações, etc. O capital cultural “diploma”, por exemplo, pode vir a se

transformar em capital econômico, da mesma forma que o capital econômico pode se

converter em capital cultural, por meio do consumo de universidades. Sobre o assunto,

Bourdieu (2007b) comenta que, quando se observa o capital cultural que os sujeitos possuem,

na forma de conhecimentos e competências adquiridas em uma universidade, a maneira que

se tem de adquiri-lo é por meio da incorporação: ação que mobiliza um trabalho de

assimilação e “custa tempo que deve ser investido pessoalmente pelo investidor” (idem, p.74).

A incorporação é uma forma do capital cultural que o sujeito adquire indo para a escola e

para a universidade, sendo uma aquisição realizada a partir do, “trabalho do ‘sujeito’ sobre si

mesmo [...] um ter que se tornou ser, uma propriedade que se fez corpo e tornou-se parte

integrante da ‘pessoa’ [...]. Aquele que o possui ‘pagou com sua própria pessoa’ e com aquilo

que tem de mais pessoal, seu tempo” (idem, p.75). O diploma, por outro lado, é a forma

“objetificada” desse capital, servindo como uma “certidão de competência cultural que

confere ao seu portador um valor convencional, [...] uma forma de capital cultural que tem

uma autonomia relativa em relação ao seu portador e, até mesmo em relação ao capital

cultural que ele possui, efetivamente” (idem, p.78). O diploma age por meio de uma crença

coletiva, auxiliando o sujeito a fazer-se ver, crer e reconhecer perante os outros.

Ao conferir ao capital possuído por determinado agente um reconhecimento

institucional, o certificado escolar permite, além disso, a comparação entre os

diplomados [...]; permite também estabelecer taxas de convertibilidade entre o

capital cultural e o capital econômico, garantindo o valor em dinheiro de

determinado capital escolar. Produto da conversão de capital econômico em capital

cultural, ele estabelece o valor, no plano do capital cultural, do detentor de

determinado diploma em relação aos outros detentores de diplomas e,

inseparavelmente, o valor em dinheiro pelo qual pode ser trocado no mercado de

trabalho – o investimento escolar só tem sentido se um mínimo de reversibilidade da

conversão que ele implica for objetivamente garantido (BOURDIEU, 2007b,

p.78/9).

Desse modo observa-se, nos diplomas, o poder de certificar a competência cultural

que o seu portador possui, agindo não apenas como um capital cultural, mas também como

um capital simbólico, capaz de diferenciar seu portador dos outros nas competições que

ocorrem em campos diversos, e de ser usado como recurso estratégico na conquista de novos

capitais. O capital cultural incorporado pela educação, por outro lado, é mais difícil de ser

evidenciado, podendo ser, como afirma Bourdieu (2007b), simulado ou dissimulado por

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alguém que queria usufruir, ou deixar de usufruir, dos seus benefícios simbólicos. Conforme o

autor, o capital cultural “está mais predisposto a funcionar como capital simbólico, ou seja,

desconhecido e reconhecido, exercendo um efeito de (des)conhecimento, por exemplo, no

mercado matrimonial ou no mercado de bens culturais” (idem, p.75).

Ainda pensando a questão do diploma e do conhecimento incorporado, observa-se,

no campo do empreendedorismo, um movimento que busca ensinar empreendedorismo e

instituir “diplomas” universitários que certifiquem as competências empreendedoras dos seus

detentores. Esse é o caso do Sebrae11, que, em 2018, lançou a Escola Superior de

Empreendedorismo, a primeira faculdade da instituição, que tem como objetivo desenvolver

competências empreendedoras em uma nova geração de jovens. Conforme notícia sobre o

assunto publicada por outro agente formador de opinião do campo do empreendedorismo, no

caso o site Pequenas Empresas e Grandes Negócios (JULIO, 2018):

[...] a faculdade foi desenvolvida para fomentar as competências empreendedoras

nos estudantes. “Queremos que os alunos saiam dali com uma cabeça

empreendedora. Não quer dizer necessariamente que eles precisam abrir um

negócio, mas com habilidades para isso”, diz [a gerente do Sebrae-SP, responsável

pelo projeto] (JULIO, 2018, s/n)

Atentando-se ao contexto histórico e social no qual se dá essa comunicação, o

surgimento desse tipo de certificação em torno do empreendedorismo estabelece diálogo com

o espírito do seu tempo, refletindo e refratando as novas demandas do campo econômico, que

sofreram modificações na sua estrutura a respeito das estratégias que os trabalhadores

utilizam na busca por empregos, e das exigências das empresas cujos empregos lhes

oferecem. Esse também é o ponto de vista do site Guia do Estudante, agente formador de

opinião do campo da educação, que também publicou notícias sobre o lançamento da Escola

Superior de Empreendedorismo do Sebrae: “O mercado de trabalho valoriza cada vez mais

profissionais que tenham competências empreendedoras e possam usá-las de diferentes

maneiras dentro das organizações. E isso é encontrado por meio de especialização e da devida

educação” (CONTENT, 2018, s/n).

A quantidade e a constituição dos diferentes capitais que cada agente detém

influencia diretamente na posição hierárquica que ele ocupa dentro dos diferentes campos de

que participa. Além disso, as estratégias que o agente adota, e as disputas de interesse que

realiza também sofrem influência da quantidade e da constituição dos capitais que ele possui.

11 O Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) é um órgão sem fins financeiros que

existe desde 1972, e que, conforme o seu site, tem como propósito promover “a competitividade e o

desenvolvimento sustentável dos empreendimentos de micro e pequeno porte”.

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Essa complexa separação que se dá entre capitais e campos possibilita, por exemplo, que o

mesmo agente seja dominante em um campo e dominado em outro. Quaisquer alterações, no

volume de capital que é mobilizado por um determinado agente, pode provocar o

deslocamento das posições hierárquicas dentro do campo, modificando sua estruturação.

Por causa disso, quando um agente aumenta a proporção do capital global que ele

possui, e que é valorizado pelo campo, ao mesmo tempo faz crescer seu poderio frente aos

demais agentes, alterando a relação de forças dentro desse universo social. Da mesma forma,

porém, os agentes que sofrem os efeitos da mudança da estrutura do campo também podem

tentar afetá-la, por meio de estratégias que busquem maximizar seu capital e a firmar novos

critérios de classificação e hierarquização dentro daquele universo social. Com isso, do

mesmo modo que os agentes são formados e conformados pela estrutura do campo, eles

também podem deformar e reformar essa estrutura.

Tal lógica se aplica ao campo econômico. Bourdieu (2005, p.24), por exemplo, ao

analisar a relação de campo que as empresas estabelecem umas com as outras, descreve que

são “os agentes, isto é, as empresas, definidas pelo volume e a estrutura do capital específico

que possuem, que determinam a estrutura do campo e, assim, o estado das forças que se

exercem sobre o conjunto [...] das empresas engajadas na produção de bens semelhantes”.

Além disso, com relação às disputas e às dinâmicas de poder que ocorrem dentro desse campo

e que modificam a lógica da sua estrutura, Bourdieu as descreve da seguinte maneira:

[...] as firmas dominantes exercem sua pressão sobre as firmas dominadas e sobre

suas estratégias. É sua posição na estrutura (portanto, a estrutura) que faz com que

elas definam as regularidades e, às vezes, a regra do jogo e os próprios limites do

jogo; que faz com que elas modifiquem, apenas pela sua existência e também por

sua ação [...], todo o ambiente das outras empresas e o sistema das pressões que

pesam sobre elas ou o espaço das possibilidades que se oferecem a elas, limitando e

delimitando o espaço dos deslocamentos táticos e estratégicos possíveis. As decisões

(dos dominantes, como dos dominados) são somente escolhas entre possíveis

definidos (em seus limites) pela estrutura do campo (BOURDIEU, 2005, p.26/7).

A partir dessas reflexões de Bourdieu sobre o campo econômico, é possível pensar

alguns movimentos que ocorrem atualmente no âmbito das disputas em torno da

empregabilidade dos trabalhadores e da ressignificação do papel do diploma. Como foi

apresentado, as dinâmicas e as disputas de poder que ocorrem no campo econômico, colocam

as empresas que detêm maior volume de capitais em posições dominantes dentro setor,

capazes de exercer maior influência e pressão sobre as empresas pequenas. Com base nisso, é

possível observar que a notícia publicada pelo site infomoney.com.br12, em 2018, intitulada

12 Canal de notícias especializado em investimentos pessoais e educação financeira.

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“Diploma não será mais requisito para contratação com revolução tecnológica” (SUTTO,

2018, s/n), revela o posicionamento oficial de grandes empresas do ramo de tecnologia, tais

como o Google, IBM e Apple, que publicamente manifestaram desconsiderarem o diploma e

a graduação, no ensino superior, como critérios decisivos na hora da contratação. Tal

visibilidade que a notícia confere às empresas dominantes do ramo tecnológico age como uma

espécie de capital simbólico, contribuindo para prescrever comportamentos aos agentes que

ocupam posições dominadas nesse setor, e que, por causa disso, não possuem, ou possuem

pouca visibilidade e influência nas dinâmicas do campo.

Tal notícia é significativa, pois informa modificações do mercado encabeçadas pelas

grandes empresas. Além disso, ela é sintomática do atual espírito do tempo, visto o acesso ao

diploma universitário aumentou se comparado ao passado, de um lado, devido (1) ao aumento

do número de vagas e de faculdades, (2) às novas formas de financiamento estudantil, (3) à

popularização da modalidade “ensino a distância”, etc.; e do outro lado, devido às novas

formas de mediação do conhecimento formal e prático, cujo acesso não se limita mais a esfera

escolar, sendo compartilhados também pela tecnologia, através de plataformas como

scholar.google.com, google.com, e-books, tutoriais diversos e disponíveis gratuitamente na

internet, etc. Tal cenário descreve algumas modificações, no campo da educação, que

contribuíram para que ocorra uma desvalorização do poder simbólico associado ao diploma.

Sobre o assunto Bourdieu comenta que:

Pelo fato de que os benefícios materiais e simbólicos que o certificado escolar

garante, dependem também de sua raridade, pode ocorrer que os investimentos (em

tempo e esforços) sejam menos rentáveis do que se previa no momento em que eles

foram realizados (como a modificação, de facto, da taxa de convertibilidade entre

capital escolar e capital econômico). As estratégias de reconversão do capital

econômico em capital cultural, que estão entre os fatores conjunturais da explosão

escolar e da inflação de diplomas, são comandadas pelas transformações da estrutura

de oportunidades de lucro asseguradas pelas diferentes espécies de capital

(BOURDIEU, 2007b, p.79).

A teoria dos campos de Bourdieu (2006) possibilita, desse modo, fugir da dicotomia

entre um individualismo metodológico – que reconhece indivíduos como unidades egoístas,

com ações livres e desejos racionais – e um estruturalismo determinista – que confere pouco

espaço à iniciativa individual. A teoria dos campos de Bourdieu coloca o sujeito no meio-

termo, posicionando os agentes como possuindo alguma liberdade de ação e jogo, e ao mesmo

tempo, reconhecendo que as decisões desses agentes estão inscritas dentro de um espaço de

possíveis e de pensáveis, delimitado pela estrutura daquele campo. Essa é a lógica do

pensamento do autor, uma dialética das estruturas estruturantes – a sociedade composta por

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indivíduos –, e das estruturas estruturadas – indivíduos que são socializados coletivamente.

Com isso, tem-se que as ações dos sujeitos possuem orientação e efetividade de acordo com a

estrutura das relações objetivas que foram por eles produzidas e com as quais eles mesmos

sofrem.

Um campo é um espaço social estruturado, um campo de forças – há dominantes e

dominados, há relações constantes, permanentes, de desigualdade, que se exercem

no interior desse espaço – que é também um campo de lutas para transformar ou

conservar este campo de forças. Cada um, no interior desse universo, empenha em

sua concorrência com os outros a força (relativa) que detém e que define sua posição

no campo e, em consequência, suas estratégias (BOURDIEU, 1997, p.57).

Conforme a perspectiva de Bourdieu (2006), existe uma diferença entre a capacidade

de mudança que o agente possui para alterar o campo, e o seu interesse em alterá-lo. Isso se

deve ao fato de que os agentes ocupam posições dominantes dentro de um campo, geralmente

não possuem o interesse de modificá-lo. As forças do campo costumam orientar os

dominantes a adotarem estratégias que perpetuem e reforcem sua dominação. Por outro lado,

os sujeitos que ocupam as posições dominadas, na estrutura do campo, por mais que possuam

o interesse de modificar as dinâmicas de distribuição de capital, no campo em que atuam, não

possuem geralmente a capacidade para fazê-los. Com isso, tem-se que os mais interessados na

mudança da dinâmica do campo são aqueles que possuem menos capacidade de realizarem

uma modificação eficaz, e os sujeitos mais capazes de realizarem transformações

revolucionárias, nas dinâmicas e nas estruturas de um campo, costumam ser os menos

interessados em realizá-las.

Quando se pensam os empreendedores universitários associados a incubadoras, tem-

se que, no âmbito do negócio que empreendem, eles são os agentes dominantes na hierarquia

da sua empresa. No entanto, mesmo detendo uma capacidade relativa de alterar as dinâmicas

internas da sua empresa, a partir do pensamento de Bourdieu, pode-se afirmar que não se trata

de uma capacidade total. Isso se dá porque:

[...] a estrutura do campo do poder no seio da firma é, ela própria, estreitamente

relacionada com a posição da firma no campo, por meio, notadamente, da

correspondência entre, de um lado, o volume (ele mesmo ligado à anterioridade da

empresa e à sua posição no ciclo de vida, portanto, grosso modo, ao seu tamanho e à

sua integração) e a estrutura do capital da firma (notadamente, o peso relativo do

capital financeiro, do capital comercial e do capital técnico) e, de outro, a estrutura

da distribuição do capital entre os diferentes dirigentes da firma, proprietários –

owners – e “funcionários” – managers – e, no meio destes últimos, entre os

detentores de diferentes espécies de capital cultural, com dominância financeira,

técnica ou comercial (BOURDIEU, 2005, p.42-43).

Desse modo, observa-se que a estrutura do seu negócio é formada por uma relação

complexa com outros agentes – internos e externos a sua empresa – e capitais, não

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dependendo unicamente da vontade do empreendedor para conseguir modificar os aspectos e

dinâmicas da sua estrutura. Mesmo assumindo uma posição dominante, dentro da hierarquia

interna da sua empresa, relações de embates entre diferentes agentes e disputas de poder

ocorrem a todo o instante, fazendo com que a estrutura interna do campo da empresa se

coloque em constante transformação.

Outro aspecto que é importante ressaltar é que as relações e estruturas de poder, no

interior de uma pequena empresa incubada, não podem ser apreendidos apenas por uma

avaliação do senso comum e prático de quem nela participa, exigindo certo rigor

metodológico para conhecer as relações objetivas que configuram as dinâmicas do campo da

empresa. É isso que Bourdieu (2013) afirma, pelo menos, quando se depara com o desafio de

analisar um campo no qual ele estava completamente imerso, que é o campo universitário.

Conforme suas palavras: “Ao tomar como objeto um mundo social no qual se está preso,

somos obrigados a encontrar, numa forma que se pode dizer dramatizada, um certo número de

problemas epistemológicos fundamentais” (idem, p.21). Dentre eles, o principal que Bourdieu

sinaliza é “à dificuldade particular da ruptura com a experiência autóctone e com a restituição

do conhecimento obtido à custa dessa ruptura” (idem).

Quando se pensa a ação do empreendedor dentro do campo da sua empresa, tal fato

também se aplica. A dinâmica e as exigências práticas do dia a dia do empreendedor

universitário não contribuem para que ele opere, em si mesmo e na sua situação de vida, um

distanciamento que lhe permita entender, com detalhes e rigor científico, a estrutura do campo

no qual está inserindo e as dinâmicas de interação nas quais ele é participante e das quais ele é

resultado. Por outro lado, essa imersão prática nas dinâmicas da empresa, sem um

distanciamento epistemológico, contribui para que, no interior de cada empresa, ocorra o

seguinte fenômeno observado por Bourdieu (2005, p.44):

[...] é preciso substituir os cálculos racionais de um “decisor” esclarecido pela luta

política entre agentes que tendem a identificar seus interesses específicos (ligados a

sua posição na empresa) com os interesses da empresa, e cujo poder se mede,

provavelmente, por sua capacidade em identificar, para o melhor ou para o pior [...],

os interesses da empresa com seus interesses na empresa.

Desse modo, parte-se do pressuposto (a ser verificado nessa pesquisa), que o

empreendedor, ao narrar seus interesses na empresa, apresentá-los-á como sendo os interesses

da empresa, colocando-se como o principal, se não o único responsável por essa tomada de

decisão, e não levando em consideração a influência que as dinâmicas do ambiente interno da

empresa, e do campo externo no qual ela se localiza, exercem sobre suas ações e decisões e

sobre a ação e decisões dos outros agentes do campo.

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Devido às rotinas e as regularidades inscritas nas lutas e nos jogos sociais que

ocorrem dentro dos diferentes campos que os sujeitos se envolvem – econômico, científico,

familiar, artístico, religioso, etc –, esses universos sociais acabam por manter estruturas de

relações relativas e de dinâmicas, que possibilitam o sujeito, a partir do seu saber prático do

campo, realizar previsões e antecipações do futuro que lhe aguarda, e orientar suas estratégias

e suas expectativas de acordo com suas previsões (BOURDIEU, 2006). Desse modo, observa-

se, na sociedade, a presença de campos de forças e de lutas, que atuam buscando transformar

ou manter a estrutura do campo, estrutura esta que é resultado de lutas passadas e presentes, e

da distribuição do capital de cada agente.

2.2. O gosto pela universidade

Na perspectiva de Bourdieu (2001), a vida social dos sujeitos envolve a interação

cotidiana com diferentes “campos sociais”. Desse modo, um sujeito, em uma determinada

condição social de existência, posiciona-se diferentemente em cada campo de que participa,

exercendo papéis sociais distintos nos variados momentos e lugares da sua rotina e de sua

vida. No entanto, para o sujeito e para o senso comum, existe certa “ilusão biográfica”

(BOURDIEU, 2001) que se manifesta nesse processo, o que possibilita ao sujeito a percepção

de que é a “mesma pessoa” nos diferentes encontros e interações que ele realiza. Woodward

(2000) também comenta sobre essa “ilusão biográfica”, atentando-se ao fato de que contextos

sociais díspares fazem com que o sujeito se envolva com variados significados sociais:

Consideremos as diferentes “identidades” envolvidas em diferentes ocasiões, tais

como participar de uma entrevista de emprego ou de uma reunião de pais na escola,

ir a uma festa ou a um jogo de futebol, ou ir a um centro comercial. Em todas essas

situações, podemos nos sentir, literalmente, como sendo a mesma pessoa, mas nós

somos, na verdade, diferentemente posicionados pelas diferentes expectativas e

restrições sociais envolvidas em cada uma dessas diferentes situações,

representando-nos, diante dos outros, de forma diferente em cada um desses

contextos. Em um certo sentido, somos posicionados – e também posicionamos a

nós mesmos – de acordo com os “campos sociais” nos quais estamos atuando

(WOODWARD, 2000, p. 30. Grifo no original).

Ao invés de compreender o sujeito como possuindo uma essência que o define, a

perspectiva de Bourdieu (2001) e de Woodward (2000) reconhece os sujeitos como vivendo

experiências que são fragmentadas, ocupando uma diversidade de posições disponíveis dentro

de uma variedade de “campos sociais”. Tal perspectiva revela um sujeito cuja trajetória de

vida e condição social de existência mobilizam uma variedade de identidades diferentes, que

podem, muitas vezes, entrar em conflito. Para Woodward (2000, p. 1), “podemos viver, em

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nossas vidas pessoais, tensões entre nossas diferentes identidades quando aquilo que é exigido

por uma identidade interfere com as exigências de uma outra”. Desse modo, mesmo que o

sujeito seja capaz de organizar narrativamente sua vida em torno da ideia de que ele é uma

“mesma pessoa”, tal organização não passa de uma ficção narrativa, posto que, na vida

cotidiana, o sujeito é demandado, a todo o momento, a agir conforme as particularidades de

cada campo social com o qual se envolve.

O princípio irredutível que possibilita apreender uma certa coerência do

comportamento dos sujeitos, no transitar dos diversos campos, não é, conforme Bourdieu, a

identidade que o sujeito narra de si, mas o habitus que o sujeito formulou no decorrer de sua

vida. Para Bourdieu (2007c, p. 191), o habitus é um “sistema das disposições socialmente

constituídas que, enquanto estruturas estruturadas e estruturantes, constituem o princípio

gerador e unificador do conjunto das práticas e das ideologias características de um grupo de

agentes”. É algo que está naturalizado no modo de ser, agir e se comportar dos sujeitos, e que

orienta suas apreciações, suas percepções e suas ações.

O habitus opera como um mapa de conduta de comportamento, uma espécie de

maestro invisível que conduz as ações das pessoas num piloto automático, automatizando as

ações e eliminando o tempo de reflexão. É um sistema de disposições duráveis e

transponíveis, que reúne as experiências passadas e que opera, a cada momento, como uma

matriz de apreciações, percepções e ações que possibilita ao sujeito cumprir diversas tarefas

diferenciadas, a partir da transferência analógica de esquemas aprendidos numa prática

anterior. O habitus refere-se a uma competência prática na e para a ação, operando no nível

da consciência, sendo uma construção social e não uma aptidão natural do ser humano, e, por

causa disso, é variável no decorrer do lugar e do tempo.

Com o habitus, os agentes adquirem senso prático das lutas e dos jogos, apoiando-se

nele para lutar e jogar. Trata-se de um saber prático sobre o mundo, que revela sua força pelo

fato de ser obtido no lugar em que se aplica, o que garante sua eficácia relativa nas

orientações da ação do sujeito dentro do campo. Todo campo corresponde a um habitus que é

próprio do campo (habitus empreendedor, habitus universitário, habitus científico). Apenas os

sujeitos que tiverem incorporado o habitus, que é próprio do campo, estão, de fato, em

condições para disputar os jogos sociais que ali se fazem presentes e de acreditar na

importância dele.

Além de ser possível pensar um habitus específico de cada campo social, é possível

também pensar a existência de um habitus de classe. Para o Bourdieu, classes sociais referem-

se aos “conjuntos de agentes que ocupam posições semelhantes e que, colocados em

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condições semelhantes e sujeitos a condicionamentos semelhantes, têm, com toda a

probabilidade, atitudes e interesses semelhantes, logo, práticas e tomadas de posição

semelhantes” (idem, 1989, p. 136). O conceito de classe social de Bourdieu (1989) liga-se à

ideia de uma classe provável, ou classes no papel, não podendo ser entendida como uma

classe efetiva, um grupo que une forças e se mobiliza para a luta. Não são classes que existem

como grupos reais, mas contribui para pensar a probabilidade de constituírem grupos práticos,

clubes, famílias, e até mesmo movimentos sindicais e políticos. Sua compreensão de classe é

no sentido de um conjunto de agentes que sofrem condicionamentos sociais semelhantes, por

ocuparem posições semelhantes dentro do espaço social. Por causa disso, é possível supor que

eles possuem uma grande probabilidade de terem interesses e atitudes semelhantes, e,

decorrente disso, adotam práticas similares. Outro fator é a trajetória dos indivíduos e

instituições, posto que, mesmo ocupando posições aparentemente semelhantes, eles podem se

diferir a respeito das suas origens sociais ou em relação a suas perspectivas de mobilidade

social.

Essas classes, no papel, manifestam-se, na prática social de diferentes formas, tendo

o habitus como o princípio mediador entre essas classes e suas práticas. O habitus é o produto

da condição de existência de se viver em uma posição de classe, no espaço social, que se liga

também a uma provável trajetória social do agente semelhante aos dos outros sujeitos que

ocupam a mesma posição. O sentido provável da trajetória do sujeito, se ele for vivenciado

como parte de uma trajetória de classe, tende a gerar, a partir das disposições inscritas, no

habitus, percepções semelhantes acerca do passado, do presente e do futuro. Souza (2011

apud GROHMANN, 2016) exemplifica a distinção entre agentes que, mesmo possuindo uma

condição financeira parecida, comportam-se de forma diferente e revelam, portanto, habitus

de classe díspares:

Tomemos um professor universitário iniciante que ganhe R$ 6 mil. Tomemos agora

um trabalhador qualificado que monitora os robôs da Fiat, em Minas Gerais, que

também ganhe algo em torno de R$ 6 mil mensais. Todas as escolhas dessas pessoas

vão ser, com muita probabilidade, distintas, desde a mulher que se escolhe, os

amigos, o tempo de lazer, as roupas que se compram, o padrão de consumo, os livros

que se leem etc. Quando muito, essas pessoas vão poder conversar sobre futebol

entre si. Qual o sentido de dizer que essas pessoas são da mesma classe porque

ganham um salário semelhante? Ajuda a nossa compreensão de alguma delas

estabelecer esse tipo de relação? O que esta concepção dominante sobre as classes

em todas as ciências hegemônicas e em toda a esfera pública dos jornais e das TVs

permite é “esquecer” e relegar às sombras o principal: que as classes sociais são

formadas por “culturas de classe” muito diferentes entre si. Não existe “o”

brasileiro, nem “a” mulher. É o pertencimento de classe que permite qualificar e

compreender as pessoas na sua diferença (SOUZA, 2011 apud GROHMANN, 2016,

p.136).

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Com relação às vidas dos universitários, é possível observar um percurso comum,

marcado pela entrada, no campo social da universidade, por meio do vestibular, e seguido

pela posição provisória de estudante universitário, uma formatura, e o continuar da vida,

agora detendo o título de graduado. Nesse percurso comum, seria possível pensar na

existência de uma “classe universitária”, que teria necessidades e dilemas parecidos,

formando, talvez, uma “cultura de classe” própria. No entanto, é importante ressaltar que, no

interior de cada instituição de ensino superior, existem sujeitos com habitus diferentes. Além

disso, toda instituição de ensino, a partir das suas condições de acesso e de seleção de

candidatos, pode concentrar perfis de alunos com habitus semelhantes. Malki (2015, p. 206)

exemplifica isso:

Hipoteticamente, uma sala de aula na USP é a reunião dos alunos de melhor

desempenho em seus respectivos colégios de origem. Um ambiente intelectualmente

desafiador e competitivo, em que a disputa se dá pelo posto de melhor: mais

inteligente, com as perguntas mais brilhantes, com as melhores notas, o mais

interessante para o professor, etc.

Tal percepção que Malki possui dos alunos da USP é contrastada com outra, que ela

revela ter em relação a uma instituição particular de ensino superior direcionada a alunos da

classe alta, onde lecionou por algum tempo. Segundo a pesquisadora, nessa instituição de

ensino, a disputa de poder:

Não se concentrava no desempenho ou no conhecimento, mas em outros atributos:

na roupa cara, na viagem exclusiva, nos contatos, no sobrenome, na marca do carro.

Alunos com desempenho ruim ou medíocre não eram rebaixados pelo grupo por

isso. Pode-se dizer que o desempenho acadêmico era importante, mas não era levado

tão a sério, apesar de ser uma instituição exigente (MALKI, 2015, p. 206).

Outro ponto que merece atenção é que, para Bourdieu (2007d), a família torna-se

uma referência central para se entender o habitus, principalmente pelo grande impacto que

esse campo exerce no decorrer da socialização primária, ou seja, no aprendizado que acontece

nos primeiros anos de vida. Esse habitus é algo que acompanha o sujeito no transitar dos

diferentes campos, naturalizando um conjunto de referências, de valores e de crenças que

influencia o modo como o sujeito toma decisões, age e orienta suas necessidades. Souza

exemplifica a relação entre o habitus e a família quando afirma que, nas classes altas, que

monopolizam o poder econômico, “os filhos só terão a mesma vida privilegiada dos pais se

herdarem também o ‘estilo de vida’, a ‘naturalidade’ para se comportar em reuniões sociais, o

que é aprendido desde tenra idade na própria casa com amigos e visitas dos pais” (SOUZA,

2010, p. 23).

Uma das formas pelas quais o habitus de uma classe social pode ser observado é a

partir do “gosto pessoal” dos seus integrantes. Para Bourdieu (2007d), o gosto revela a

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posição do sujeito, no mundo social em que ele habita, não sendo algo gratuito ou neutro. Ele

é “o princípio das práticas ajustadas às regularidades inerentes a uma condição”,

transformando necessidades comuns de um determinado grupo social em estratégias, suas

obrigações em preferências, e engendrando, de maneira sutil, “o conjunto das escolhas

constitutivas de estilos de vida classificados e classificantes que adquirem seu sentido”

(BORDIEU, 2007d, p. 365). O gosto pessoal atribui uma dimensão estética ao estilo de vida,

posto que mobiliza práticas de consumo cujos sentidos são compartilhados numa sociedade e

numa cultura. Cada classe social possui seu próprio modo de consumir e preferências sobre o

que consumir, que foram aprendidas no decorrer de uma trajetória social de vida e que diz

respeito às necessidades e às estratégias inerentes a uma determinada condição social de

existência.

Quando se observa o gosto que jovens das classes médias e altas possuem pela

universidade, nota-se uma grande influência da família. Bardagi (2007, p. 131), por exemplo,

observa que:

[Um] ponto que marca a ênfase dada pelas famílias ao Ensino Superior é a sensação

de obrigatoriedade de escolha referida pelos participantes do estudo. Os alunos,

apesar de relatarem que se sentiam livres para realizar a escolha, no sentido de não

sofrerem pressões explícitas por parte da família, não viam outra opção de

profissionalização fora da universidade. O vestibular, em nosso sistema educativo,

torna-se uma continuidade natural entre a vida escolar e o mundo do trabalho, a

única alternativa para os alunos de classe média e alta [...], e transforma-se em um

ritual de passagem para a vida adulta, em uma tarefa evolutiva de carreira por si

mesmo.

Desse modo, o consumo da universidade por jovens das classes médias e altas

caracteriza-se por um rito de passagem em que ocorre a transição da condição social de filho e

estudante para a condição social de adulto e trabalhador. Tal fato também é importante de ser

levado em conta quando se observa que, para Bourdieu (2007d), a reprodução dos diferentes

capitais – poderes – nos distintos campos da vida social é transmitido “principalmente a partir

da família e da escola, que auxiliam na reprodução das distinções entre as classes e fazem-nas

incorporar (mais do que ‘inculcar’) e aprender as disposições de determinado habitus, às

vezes como ‘saberes desinteressados’” (GROHMANN, 2016, p. 134). Se a família, de um

lado, prepara o sujeito para a graduação, influenciando seu gosto a partir do habitus que lhe é

transmitido; de outro lado, a expectativa que se tem da graduação é que ela auxilie no

aprendizado de um habitus que individualize e naturalize modos de ser, agir e se comportar,

que são sociais e que podem garantir o acesso à profissão, assim como o sucesso respectivo.

Além disso, Bardagi (2007) observa que esse rito de passagem da condição de filho

para a vida adulta, partindo do consumo da universidade, é algo que diz respeito ao habitus

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das classes mais abastadas do cenário brasileiro, visto que elas oferecem “um protecionismo

maior em relação aos filhos. Por exemplo, é raro que os adolescentes tenham tido qualquer

experiência de trabalho antes de entrarem na universidade, ou mesmo até a formatura” (idem,

p. 132). Tal comportamento é apontado como algo diferente dos habitus das classes médias e

altas, no cenário internacional, “em que os adolescentes e adultos jovens são incentivados a

buscar atividades de trabalho, diversificar suas experiências escolares e, já na universidade,

experimentar diferentes cursos e áreas antes de definir a opção de carreira” (idem).

Em relação ao modo como as classes mais abastadas consomem a universidade, o

estudo de Faht (2011) traz algumas pistas. Para o pesquisador, os jovens universitários, na

situação apenas de estudo e que não trabalham, são geralmente os jovens das classes sociais

que detêm maior renda, sendo que a maior parcela desses jovens se encontra na posição de

“filho”, sustentados pela família durante o ensino superior. Com isso, Faht observa que a

dedicação exclusiva aos estudos coloca esses jovens numa posição distinta dentro do campo

social da graduação, já que podem aplicar seu tempo na busca por um trabalho que seja

diretamente relacionado à área de atuação escolhida. Essa busca, se bem sucedida, geraria

distinção e agiria como símbolo de status perante os outros jovens universitários.

No Brasil, é possível observar uma historicidade com relação ao consumo do ensino

superior, que, durante muito tempo, caracterizou-se como uma prática de consumo exclusiva

de uma elite detentora dos capitais. O acesso a esse ensino exigiu, e ainda exige, a detenção

de determinados capitais – como o econômico e o cultural –, privilegiando a entrada de

algumas classes sociais em detrimento de outras. Durante muito tempo, os sujeitos que tinham

condições para acessarem essa prática de consumo eram aqueles que possuíam uma trajetória

social em comum e que desfrutavam de uma condição social de existência parecida. Santos

(2006, p.11) descreve, por exemplo, que:

Alunos formados nas escolas públicas de ensino fundamental e médio não eram

aprovados nos vestibulares das escolas públicas, cada vez mais concorridos e

“difíceis” para alunos oriundos de um sistema enfraquecido e que viu seu conteúdo

programático diminuído e seus profissionais desmotivados com níveis salariais

achatados e perspectivas de carreira praticamente inexistente. As escolas superiores

públicas, paradoxalmente, tornaram-se apanágio da elite econômica que tinha tido

acesso ao ensino privado na formação básica e intermediária.

Políticas públicas diversas buscaram, nas últimas décadas, alterar esse cenário, dentre

elas: o Programa Universidade para Todos – PROUNI, instituído pela Lei 11.096, de 13 de

janeiro de 2005, criado com o objetivo de conceder bolsas de estudos integrais e parciais, de

50% ou 25%, para estudantes de cursos de graduação e sequenciais de formação específica,

em instituições privadas de ensino superior, com ou sem fins lucrativos. Tais políticas

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exemplificam algumas medidas que contribuíram para ampliar o perfil dos sujeitos na

graduação.

O entendimento que o presente estudo tem em relação ao grupo social dos

universitários é de que são sujeitos que ocupam ou ocuparam a posição de estudantes dentro

do campo social do ensino superior, enfrentando, nesse campo, condições semelhantes de

existência; sofrendo, no percurso universitário, condicionamentos parecidos; e que, por causa

dessa trajetória, possivelmente compartilham de algumas atitudes e interesses. Por serem

sujeitos que são posicionados, e que também se posicionam, na condição social de estudantes

universitários, é provável a existência de expectativas, restrições, necessidades e obrigações

em comum, que resultam em gostos parecidos para o consumo.

Ampliando-se a perspectiva do campo universitário, tem-se o campo científico, com

suas características de pesquisa e inovação. Os empreendedores, conforme os estudos

efetuados por Jardim (2015, p. 19) podem constituírem-se como um “híbrido de empresário e

pesquisador”, uma confluência dos campos científico e econômico. Buscando aprofundar os

estudos, nesta perspectiva, apresenta-se a seguir o campo do empreendedorismo.

2.3. O campo do empreendedorismo

Quando se busca delimitar o campo do empreendedorismo, tópico que não foi

abordado diretamente por Bourdieu, nos seus estudos, observa-se que se trata de uma

derivação direta do campo econômico, mas que possui características e uma complexidade

própria. Um exemplo disso é o sistema de posições dos agentes que atuam, no campo, visto

que, de um lado, têm-se empreendedores dos mais diferentes tipos: de oportunidade,

inovadores, por necessidade, sociais, culturais, educacionais, microempreendedores

individuais, intraempreendedores, empreendedores de palco, etc.; e de outro lado, instituições

que visam fomentar esse empreendedorismo, como incubadoras de negócio, aceleradoras,

parques tecnológicos, ONGs, etc.

Para entender um pouco mais essa complexidade, tomando como exemplo os

“intraempreendedores”, eles seriam um novo perfil de funcionário que, conforme a notícia

“Profissional empreendedor ganha espaço em empresas”, do site Guia do Estudante, teria

como uma das características do seu perfil o “senso de dono”, ou seja, ser um “funcionário

que pensa que, se ele não fizer aquilo, ninguém vai fazer, e a organização vai ser prejudicada.

Ele pensa na organização como um bem maior” (CONTENT, 2018). Mas nessa situação, em

que medida os dilemas que o “intraempreendedor” enfrenta são frutos de disputas de capitais

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específicos que circulam no campo do empreendedorismo, ao invés das pressões imediatas da

firma, do campo econômico no qual ele está diretamente vinculado?

Outro tópico de complexificação é o microempreendedor individual (MEI), um tipo

de trabalhador que empreende sozinho para o sustento próprio, e que simbolicamente foi

alçado à categoria de empreendedor com o auxílio do Governo Federal, após esse ter criado o

projeto do microempreendedor individual (MEI), que conferiu novos benefícios ficais,

auxiliando a ajustar simbolicamente “cidadãos desajustados, a saber, os trabalhadores ditos

‘informais’, que não pagam impostos” (SALGADO, 2016, p.38). Esses vivem dilemas

diretamente relacionados à posição que ocupam dentro do campo econômico como um todo,

mas, em que medida algumas de suas preocupações estariam relacionadas à estrutura e às

disputas internas do campo do empreendedorismo?

Uma pista para pensar as particularidades do campo do empreendedorismo pode ser

observada, na dissertação de Figueiredo (2018), que investigou os “empreendedores de

palco”, uma cena composta por sujeitos que se tornaram celebridades por meio da visibilidade

que adquiriram ao comunicarem discursos em torno do empreendedorismo e de trajetórias de

vida empreendedoras. A partir da sua investigação, a autora propõe que o que se está em jogo,

no campo do empreendedorismo, é a ideia de se obter sucesso: “No caso do

empreendedorismo, os empreendedores de sucesso são estes troféus” (idem, p.14). Ser

reconhecido pelos seus semelhantes como alguém que obteve o “sucesso” – dentro dos

parâmetros e lógicas definidas pelo campo – é uma espécie de capital, de poder simbólico,

que confere domínio nas relações e que está em jogo nas disputas entre os agentes do campo.

Devido à variedade de tipos de empreendedores e a complexidade de se entender o

campo do empreendedorismo como um todo, a presente tese, como mencionado, concentrará

sua atenção ao empreendedorismo que é praticado dentro das incubadoras de negócio. A

principal fonte que contribui para essa reflexão é Jardim (2015), pesquisador da área de

sociologia, que desenvolveu um pensamento consistente, a partir de Bourdieu, em torno do

cenário de incubadoras de empresa, no Brasil, e que adotou como objeto os empreendedores

da incubadora de base tecnológica CIETEC, vinculada à USP, que corresponde a um dos

recortes que compõe o corpus da presente tese. Sua proposta para entender o CIETEC é situá-

lo como parte do campo tecnológico, que seria um híbrido entre o campo econômico e o

campo científico. Conforme Jardim (idem, p.152):

Como campo híbrido, o campo tecnológico manifestará muitas características

comuns ao campo econômico e ao campo científico, sem, todavia, ter natureza

própria e definida. É nele que a conversão do capital científico em capital

econômico se concretizará — e vice-versa. É nele que podemos encontrar tanto

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agentes “internos” (cientistas, engenheiros, tecnólogos) como agentes “externos”

(políticos, empresários, burocratas).

Muitas incubadoras de empresas, no Brasil, funcionam em parques técnicos,

conglomerados tecnocientíficos e próximos a importantes universidades públicas ou privadas.

A proposta de Jardim (2015) de situar as incubadoras num campo tecnológico intermediário

deve-se ao fato de serem instituições que conjugam cientistas, tecnólogos, empresários e

investidores, e que agem como interfaces entre a pesquisa, a produção, a comercialização e a

transferência de tecnologias, possibilitando um mútuo aprendizado, entre o campo científico e

o econômico, por interação. As incubadoras são, nessa perspectiva, enclaves do mercado,

atuando no interior da academia, representando a crescente mercadorização do conhecimento

e uma espécie de proletarização do pesquisador, que adentra as incubadoras de base

tecnológica para transformar suas pesquisas em empreendimento.

Conforme Jardim (2015), sua opção por situar as incubadoras num campo

tecnológico no lugar do campo científico contribui para “entender tudo o que os campos de

produção intelectual têm de específicos e irredutíveis, sem, todavia, desprezar tudo o que as

inovações tecnológicas têm de não-científicas e de não-específicas — sobretudo econômicas”

(idem, p.155), evitando correr o risco de adentrar em “oposições (equivocadas ou moralistas)

entre a ‘ciência escrava’ e a ‘ciência pura e livre’” (idem). No campo tecnológico, ocorreria,

portanto, um jogo duplo, mantendo posturas ambíguas, que, no campo científico, seria visto

como condenável, mas que, no campo tecnológico, é percebido como perdoável. No interior

das incubadoras, as práticas e os valores da ciência se confundem e se misturam com as

relações de mercado, unindo a demanda do mercado com a oferta da ciência.

As preocupações de Jardim (2015) em situar as incubadoras de negócio de base

tecnológica em um campo diferente do científico, e intermediário ao econômico, ficam mais

evidentes quando se observam as dinâmicas que são próprias do campo científico. Conforme

Bourdieu (1976), no universo social em que opera a ciência, ocorrem relações de força, lutas

concorrenciais, mobilização de estratégias, busca por monopolizar os capitais que nele

circulam, e diversas outras dinâmicas semelhantes ao dos outros campos sociais. O que se está

em jogo, no campo científico, no entanto, é o monopólio da autoridade científica, entendida

como sendo a capacidade de agir e falar legitimamente, ou seja, com autoridade e de maneira

autorizada, a partir do lugar de fala de cientista. Desse modo, todas as práticas do campo

científico estão orientadas para a busca e à aquisição de autoridade científica, a qual se

consegue construindo conhecimentos que sejam reconhecidos como interessantes e

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importantes pelos seus pares, e que, com isso, faça com que o pesquisador pareça ser

interessante e importante diante os olhares deles:

[...] num campo científico fortemente autônomo, um produtor particular só pode

esperar o reconhecimento do valor de seus produtos ("reputação", "prestígio",

"autoridade", "competência" etc.) dos outros produtores que, sendo também seus

concorrentes, são os menos inclinados a reconhecê-lo sem discussão ou exame. De

fato, somente os cientistas engajados no mesmo jogo detêm os meios de se apropriar

simbolicamente da obra científica e de avaliar seus méritos. E também de direito:

aquele que faz apelo a uma autoridade exterior ao campo só pode atrair sobre si o

descrédito (BOURDIEU, 1976, p.6).

A condição de autonomia do campo científico se deve, conforme será aprofundado

no próximo subcapítulo, pela distinção que ele faz do universo econômico. Para manter sua

autonomia, o interesse científico busca se distanciar dos interesses dos outros campos,

principalmente o do campo econômico, em termos de obtenção de lucro. Desse modo: “Se

você deseja triunfar sobre um matemático, é preciso fazê-lo matematicamente pela

demonstração ou refutação” (BOURDIEU, 2004a, p.32). É apenas seguindo a lógica da

ciência que se consegue acesso ao capital científico puro, adquirido “principalmente, pelas

contribuições reconhecidas ao progresso da ciência, as invenções ou as descobertas” (idem,

p.36). Diante desse cenário, Bourdieu observa que (idem, p.48)

[...] todas as instituições científicas podem e devem acomodar pesquisas não

aplicáveis das quais elas, inevitavelmente, têm exemplos, e isso sem animosidades

[...] , é a miséria, mas também a grandeza dos pesquisadores dos institutos voltados

para a pesquisa aplicada, que a todo instante são lembrados pelos outros e por eles

próprios, com inquietude, apesar de toda honra, da sua inutilidade social.

Por outro lado, Bourdieu (BOURDIEU, 2004a) reconhece que, mesmo em campos

que busquem se manterem puros e autônomos, como é o caso da ciência, existem agentes que

não se posicionam de forma totalmente “pura” tal como o campo exigiria. Um exemplo disso,

trazido pelo próprio Bourdieu, é que, no âmbito da ciência, existem pesquisadores

“aplicados”, que buscam realizações científicas que se colocam ao lado das aplicações

práticas. As incubadoras de negócio e a proposta de Jardim (2015) de pensá-las situadas, no

campo tecnológico, servem como uma resposta a uma situação problema que o campo

científico enfrenta quando tenta estabelecer uma comunicação com o campo econômico.

Bourdieu (2004a), por exemplo, descreve essa situação, quando trata do momento da

invenção e do momento da inovação, sendo a inovação entendida como transformação de

invenções científicas em novos produtos, que geram lucros no mundo econômico. Segundo

ele, um dos problemas a ser resolvido, para que ocorra a passagem de invenção à inovação, é

o da comunicação entre os campos científico e econômico.

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Os desafios não são os mesmos, os fins não são os mesmos, os agentes têm

filosofias de vida inteiramente diferentes, e até opostas, e, portanto, geradoras de

profundos mal-entendidos: de um lado, a lógica da luta específica, interna ao campo,

de outro, a pesquisa do lucro, da rentabilidade, que leva a dar prioridade ao

problema [...] da indicação das invenções capazes de se tornar inovações [...]

(BOURDIEU, 2004a, p. 54)

As incubadoras de empresas e as empresas nelas incubadas, desse modo, atuam nesse

meio de campo, mantendo relações com instituições de ensino e de produção de ciência, mas

posicionando-se declaradamente a favor de objetivos comuns ao campo econômico, como o

de viabilizar determinado conhecimento na forma de um negócio. É importante ressaltar,

porém, que nem toda incubadora está diretamente associada a agentes que se inserem no

campo científico. Esse é o caso de uma série de incubadoras que surgiram, nos últimos anos, e

que possuem vínculos diretos com empresas, tais como a Incubadora Pense Grande, da

fundação Telefônica, e o Cubo do Itaú Unibanco.

Também é importante destacar que nem toda instituição científica produz

conhecimentos que são distantes do mercado. Esse é o caso, por exemplo, da ESPM, uma

universidade que foi criada pelo mercado, e que só posteriormente começou a produzir

conhecimentos científicos pensando nesse público. Bourdieu comenta sobre os saberes

científicos que são produzidos por instituições de ensino diretamente associados ao campo

econômico, revelando que tais saberes são: “expressamente produzidos com vistas a assistir

os agentes e, em particular, os dirigentes, nas suas decisões, e explicitamente ensinados, nas

escolas, onde se formam estes dirigentes, como as grandes business schools”. (BOURDIEU,

2005, p.34).

2.4. Nomos e illusio do campo econômico e do campo científico

A base da distinção dos campos está em suas “leis fundamentais”, apelidas por

Bourdieu (1996, p.147) como sendo nomos, que são caracterizadas por afirmações

prescritivas e redundantes: “A do campo econômico, elaborada pelos filósofos utilitaristas:

negócios são negócios; a do campo artístico, explicitamente colocada pela escola que se diz

da arte pela arte: a finalidade da arte é a arte, a arte não tem outro objetivo que não seja a

arte...”. Essas leis fundamentais orientam as dinâmicas de um campo e contribuem para que as

leis dos outros campos sejam tomadas como ilegítimas, de modo a assegurar a autonomia do

campo, submetendo-o unicamente às suas próprias exigências e imposições. Nas palavras de

Bourdieu, os campos sociais possuem “uma lei fundamental, um nomos independente do de

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outros universos, que são auto-nomos, que avaliam o que se faz aí, as questões que aí estão

em jogo, de acordo com princípios e critérios irredutíveis aos de outros universos” (idem).

Com isso, tem-se que cada campo possui regras próprias que são irredutíveis às que

regem os outros campos, fato que lhe confere uma autonomia relativa, tornando-o um lugar

que mobiliza lógicas, desafios e necessidades particulares. O nomos, a “lei fundamental”,

serve como código implícito que indica os direitos e os deveres do campo, conferindo-lhe

coesão e unidade. O nomos é imposto como um dogma autônomo a ser seguido pelos agentes

do campo, de modo a garantir que o campo seja submetido unicamente a suas próprias

imposições e exigências, evitando demandas extra-campo. Nas palavras de Bourdieu, “Não há

nada a dizer a respeito dessa lei, a não ser, como dizia Pascal, ‘que a lei é a lei, e nada mais’”

(2007a, p.117). O nomos, portanto, é uma lei naturalizada entre os agentes do campo, que

adquire um caráter insubstituível e inquestionável, ao ser paulatinamente inculcada àqueles

que nele adentram. Conforme Jardim (2015, p.137):

Aos agentes para os quais se aplica, o nomos impõe modalidades de pensamento

específicas (um eidos) e crenças pré-reflexivas e pré-conscientes acerca do valor dos

objetos do campo, assim como sobre os modos de construí-los e de consegui-los (um

ethos). Desse modo, a norma social dita posturas e composturas, posições e

disposições.

O nomos, que atua como “lei fundamental” de cada campo, institui-se, nas estruturas

objetivas de um universo socialmente regulado, ao mesmo tempo que, nas estruturas mentais

dos sujeitos que nele se inserem, e que, por isso, tendem a aceitar como evidente a lógica do

funcionamento do campo. O nomos, portanto, é a matriz base a partir da qual os sujeitos que

atuam, no campo, definem “o pensável e o impensável, o prescrito e o proscrito”

(BOURDIEU, 2007a, p.117), de modo a permanecerem incapazes de produzir questões aptas

a questionar as leis fundamentais que a compõem. Conforme Bourdieu (idem, p.117-118),

“cada campo confina assim os agentes a seus próprios móveis de interesse os quais, a partir de

um outro ponto de vista, ou seja, do ponto de vista de um outro jogo, tornam-se invisíveis ou

pelo menos insignificantes ou até mesmo ilusórios”.

Os campos são, portanto, auto-nomos, possuindo “leis fundamentais” que orientam

suas dinâmicas e os distinguem de outros campos sociais. No entanto, o valor do que se está

em jogo, em cada campo social, costuma não ser percebido, ou é visto de forma pejorativa,

por pessoas que estão fora do campo. Para refletir sobre o assunto, Bourdieu (1996) elabora o

conceito de illusio, que diz respeito à característica de estar envolvido no jogo e de levá-lo a

sério. Os campos sociais, que são orientados por uma “lei fundamental”, e que se encontram,

em um determinado momento, estruturados em campos de forças e de lutas pela manutenção

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ou reconfiguração dá sua dinâmica, têm em comum o fato de os participantes levarem a sério

as suas dinâmicas, e agirem ativamente para manterem em funcionamento as lógicas básicas

do campo que dão forma ao jogo social ali presente. A illusio, portanto, é: “participar, admitir,

portanto, que o jogo merece ser jogado e que os alvos engendrados no e pelo fato de jogar

merecem ser perseguidos; é reconhecer o jogo e reconhecer os alvos” (BOURDIEU, 1996,

p.139). Conforme Aguiar, 2017, p.231):

O que a noção de illusio reflete, como interesse em um campo, é uma cumplicidade

e o ajustamento entre as estruturas mentais dos sujeitos (seu habitus ou suas

disposições) e as estruturas objetivas (os próprios campos, suas regularidades, os

alvos em jogo, as disputas), manifestados numa tendência à ação, ao investimento,

que nasce desse acordo.

Os jogos sociais do cotidiano são jogos que se fazem esquecer enquanto jogos, e a

illusio é a relação encantada que opera nesse processo, estabelecendo uma relação de

cumplicidade entre estruturas objetivas e as estruturas mentais do espaço social. Os jogos

sociais dos campos têm importância para os sujeitos, pois quem nele participa consegue

enxergar o sentido do jogo. O oposto de illusio é a ataraxia, é ser indiferente ao jogo, é não

ver sentido de nele participar. Os sujeitos que adentram um campo, para ocupar posições

dominantes ou dominadas na sua hierarquia, enxergam o jogo social ali presente como sendo

importante, querendo envolver-se nele, engajar-se nele, não sendo indiferentes.

As pessoas que ocupam posições dominadas, na hierarquia de um campo, e que

buscam o interesse em modificá-lo a partir de uma revolução, são pessoas que estão imersas,

na illusio do jogo, e levam ele a sério. Conforme Bourdieu (1996, p.140): “Querer fazer a

revolução em um campo é concordar com o essencial do que é tacitamente exigido por esse

campo, a saber, que ele é importante, que o que está em jogo aí é tão importante a ponto de se

desejar aí fazer a revolução”. Existe, portanto, nos sujeitos envolvidos no jogo, um acordo

oculto e naturalizado a “respeito do fato de que vale a pena lutar a respeito das coisas que

estão em jogo no campo” (idem, p.141). Com isso, a illusio age como uma espécie de

cumplicidade profunda, que garante que dominantes e dominados permaneçam inseridos, no

mesmo campo, enfrentando-se, mas permanecendo em acordo ao menos em relação ao objeto

de que estão em desacordo. Para Bourdieu (idem, p.142):

O que é vivido como evidência na illusio parece ilusório para quem não participa

dessa evidência, já que não participa do jogo. [...] Os agentes bem ajustados ao jogo

são possuídos por ele tanto mais, sem dúvida, quanto melhor o compreendem. Por

exemplo, um dos privilégios associados ao fato de se nascer em um jogo é que

podemos economizar cinismo, já que temos o sentido do jogo; como um bom

jogador de tênis, estamos localizados, não onde a bola está, mas onde ela vai cair.

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Diante de tudo que foi apresentado, é possível observar que os sujeitos

contemporâneos vivem em um mundo povoado por campos diversos e auto-nomos, que

possuem regras de funcionamento próprias, estruturadas em torno de suas “leis

fundamentais”. Os sujeitos que participam desse campo, que nele se engajam, assim o fazem,

pois, reconhecem que o jogo social ali presente vale a pena ser jogado, envolvendo-se, na

illusio jogo, no sentido do jogo, independente se eles ocupam posições dominantes ou

dominadas na hierarquia desse campo. A vontade por manter ou reestruturar a dinâmica do

campo se dá porque entende-se que o que se está em jogo, no campo, é importante, e o

próprio envolvimento, na illusio do jogo, contribui para que os sujeitos pensem suas

estratégias, no jogo, de forma natural ou cínica, antecipando e prevendo futuros possíveis a

partir dos saberes práticos adquiridos nas experiências presentes e passadas dentro do jogo

social do campo.

Para Aguiar (2017, p.232), “Compartilhar de uma mesma illusio significa ter em

comum sistemas de expectativas, de esperança, princípios de classificação, avaliação, enfim,

disposições, que se adequam e se ajustam às regularidades de um universo social específico”.

De certa maneira, a manutenção dessa ilusão comum em torno do valor superior a respeito do

que está em disputa, no campo, é uma maneira de preservar a lógica ali presente da intrusão

de um princípio exterior, por exemplo, os preceitos e dinâmicas de outros campos. Enquanto

os agentes que se localizam, no campo, mantiverem-se comprometidos a buscar sua finalidade

específica e distintiva, ou seja, o nomos daquele campo, vendo-o como sendo mais valiosa e

digna frente às demais, garante-se, desse modo, que a autonomia do campo permaneça

relativamente intacta.

No subcapítulo anterior, apresentou-se o campo tecnológico como sendo o lugar em

que as incubadoras de negócio estão localizadas. Além disso, pontuou-se tal campo como

sendo um híbrido do campo econômico com o campo científico, mobilizando agentes

diversos: cientistas, empreendedores, tecnólogos, investidores, etc. Com base nisso, a seguir,

serão apresentadas as reflexões que Bourdieu fez em torno do nomos e da illusio desses dois

campos, reconhecendo que o presente trabalho não tem como pretensão posicionar o campo

tecnológico como tendendo a adotar a nomos ou a illusio de um campo mais do que de outro,

e sim observar a incubadora como um espaço de tensionamento, em que agentes oriundos do

mercado e da academia convivem em torno de um jogo em comum: o de incubar empresas

inovadoras. É importante também ressaltar que as reflexões em torno do nomos e da illusio

dos campos científicos e econômicos contribuem para se pensar eventuais dilemas, conflitos e

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estratégias que se manifestem, nas falas dos universitários incubados, quando a análise de

suas falas for realizada no final desta tese.

Ao investigar o processo histórico da construção e da instalação do nomos, ou seja,

da “lei fundamental” do campo econômico, que garantiu a separação desse campo dos outros

âmbitos da existência, Bourdieu (2005) comenta que foi muito progressivamente que as

transações econômicas deixaram de ser concebidas no modelo das trocas domésticas, que

eram comandadas por obrigações familiares ou sociais, para serem orientadas pelo cálculo e

por lucros individuais, impondo, assim, o nomos “negócios são negócios”. Devido ao

distanciamento que o universo econômico passou a manter em relação às obrigações sociais e

familiares, Bourdieu (2005, p.19) descreve o nomos do campo econômico como também

possuindo o sentido de “nos negócios não existe sentimento”. Além disso, para analisar a

progressiva conquista da autonomia do campo econômico, é preciso levar em consideração

que:

A história das origens, na qual as disposições capitalistas se inventam, ao mesmo

tempo em que se institui o campo no qual elas se efetuam, e, sobretudo, a

observação das situações (muitas vezes coloniais) nas quais agentes dotados de

disposições ajustadas a uma ordem pré-capitalista são brutalmente arremessados

num mundo capitalista permitem afirmar que as disposições econômicas exigidas

pelo campo econômico, tal como nós o conhecemos, não têm nada de natural e de

universal, mas são produto de toda uma história coletiva, que deve ser sempre

reproduzida nas histórias individuais (BOURDIEU, 2005, p.19).

A partir desse nomos, o campo econômico passou a se diferenciar dos outros campos,

incentivando condutas que assumem publicamente, como fim, a busca aberta pela

maximização do lucro individual. Bourdieu (2005, p.22) descreve o interesse econômico

como sendo “a forma específica que reveste o illusio, o investimento, no jogo econômico,

quando o campo é apreendido por agentes dotados das disposições adequadas, porque

adquiridas em e por uma experiência precoce e prolongada das necessidades do campo”.

Desse modo, parte-se do princípio de que os sujeitos envolvidos, no campo econômico, não

lhes são indiferentes, possuem uma inclinação pela busca do lucro individual e uma crença

particular no valor do jogo econômico, mesmo que discordem em relação à forma de obtê-lo.

Atentando-se a uma análise sociohistórica do campo econômico, a partir do processo

de formação da sua “lei fundamental” até a popularização da sua illusio, nas sociedades

industriais, modernas e contemporâneas, Bourdieu (2006) sinaliza o papel decisivo do Estado,

por ser ele o responsável por unificar a moeda de uma nação, criar monopólio fiscal e

construir um espaço relativamente estabilizado em que se pode ocorrer trocas, bem como a

circulação monetária. Para o autor: “[...] mais que qualquer outro campo, o campo econômico

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se encontra habitado pelo Estado que contribui, em cada momento, para a sua existência e sua

persistência, mas também para a estrutura da relação de forças que o caracteriza” (idem, p.28).

Com base no que foi apresentado, tem-se que o nomos e a illusio do campo

econômico são produtos de um processo sociohistórico, no qual diferentes agentes – tais

como economistas, o Estado, os empreendedores, a burguesia, entre outros – participaram

ativamente para consolidar a esfera econômica com um universo social alheio e independente

de outros aspectos da vida cotidiana, tal como a esfera familiar, possuindo lei próprias, que

poderiam ser descritas como algo do tipo: amigos são amigos, negócios a parte. Partindo

desse princípio, observa-se que em paralelo ao surgimento sociohistórico do campo

econômico, outros campos sociais foram formados, moldando, desse modo, o espaço social

em que os sujeitos das sociedades industriais, modernas ou contemporâneas transitam: um

espaço povoado por campo sociais diversos que possuem cada um uma relativa autonomia.

Bourdieu (2007a, p.28) comenta que “o processo de diferenciação pelo qual os diversos

campos de produção simbólica tornaram-se autônomos e constituíram-se como tais”, tem

como característica o fato de eles buscarem “distinguir do universo econômico, o qual

também estava em constituição” (idem, p.29). Desse modo, tem-se que:

Tal processo é inseparável da verdadeira revolução simbólica pela qual as

sociedades europeias foram pouco a pouco superando a negação do econômico em

que se fundavam as sociedades pré-capitalistas e a reconhecer explicitamente nas

ações econômicas, numa espécie de autoconfissão, as finalidades econômicas em

relação às quais elas sempre se haviam orientado (idem).

Bourdieu (1976, p.6) entende a economia, não no sentido exclusivo de troca e de

acumulação de capitais financeiros, mas também no sentido de troca e de acumulação de

capitais diversos, como, por exemplo, o cultural, o simbólico, o social, e os específicos de

cada campo, tal como o capital científico, em torno do qual se dá “a luta pela autoridade

científica, espécie particular de capital social que assegura um poder sobre os mecanismos

constitutivos do campo e que pode ser reconvertido em outras espécies de capital”.

Historicamente (2007a, p.30), Bourdieu situa, na Itália renascentista, “o processo de

diferenciação da religião e da ciência, da razão analógica e da razão lógica, da alquimia e da

química, da astrologia e da astronomia, da política e da sociologia, e assim por diante”, sendo

o início das primeiras fraturas que irão se ampliar ao longo do tempo, dando forma a uma

sucessão completa de campos autônomos, como o científico, o artístico e o literário.

Para Bourdieu (1996, p.148), “O que faz com que as pessoas corram e concorram no

campo científico não é a mesma coisa que faz com que elas corram e concorram no campo

econômico”. Quando Bourdieu observa a lei fundamental do campo científico, que pode ser

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descrita pelo nomos “a ciência pela ciência”, ele observa que a autonomia desse campo se

mede “pelo grau em que [a produção intelectual] se mostra capaz de operar como mercado

específico, gerador dum tipo de valor e raridade irredutíveis ao valor e raridade tipicamente

econômicos” (2007c, p.108-109). Com relação a illusio científica, Bourdieu comenta que:

[...] a economia antieconômica [...] produz essa forma particular de illusio que é o

interesse científico, ou seja, um interesse que com relação as formas de interesse

correntes na existência cotidiana (e em particular no campo econômico) aparece

como desinteressada, gratuita. Mas, mais sutilmente, o interesse "puro",

desinteressado, é um interesse pelo desinteresse, forma de interesse que convém a

todas as economias dos bens simbólicos, economias antieconômicas, nas quais, de

alguma maneira, é o desinteresse que "compensa" (BOURDIEU, 2004a, p.31).

Desse modo, os agentes do campo científico trazem essa dupla face ambígua que é,

ao mesmo tempo, interessada e desinteressada, pois são inspiradas por uma espécie de

interesse pelo desinteresse” (BOURDIEU, 2004a, p.31), o interesse pelo capital científico e o

aparente desinteresse pelo capital econômico. Desse modo, os cientistas ao manterem a illusio

do campo científico, que é o interesse científico, eles se mostram interessados no jogo do

campo “têm vontade de chegar primeiro, de serem os melhores, de brilhar” (idem).

A nomos e a illusio do campo econômico e científico podem ser tópicos de conflitos

entre pesquisadores que estão participando de incubadoras de base tecnológica. Um exemplo

que Jardim (2015) traz para pensar alguns dilemas que se podem vivenciar ao transitar pelo

campo tecnológico, que é o campo híbrido entre o científico e o econômico, diz respeito ao

dilema entre publicar ou patentear:

Ao escolher publicar, o cientista reafirma sua adesão ao campo e sua preferência

pela remuneração simbólica específica dada pelos companheiros-concorrentes; ao

preferir patentear, o cientista evidencia sua preferência pelo pagamento puramente

econômico por seu trabalho de pesquisa, dado por demandantes ou empregadores

externos ao campo da ciência. Noutras palavras, com a publicação, o pesquisador

opta por realizar internamente (no campo científico) o lucro simbólico do seu

trabalho intelectual ainda emancipado; já com o patenteamento, ele opta por realizar

externamente (no campo econômico) o lucro monetário do seu trabalho intelectual

agora subsumido (JARDIM, 2015, p.147-148).

No âmbito do empreendedorismo, tende-se a acreditar que a produção científica

acaba por inclinar-se em direção ao cumprimento das demandas econômicas. Mas como

agentes que ocupam posições distintas em campo diferentes, dentro de uma determinada

condição social de existência e em uma determinada trajetória social de vida, os conflitos que

podem surgir, na fala dos empreendedores universitários entrevistados são vários. O campo

tecnológico das incubadoras surge como esse espaço de tensionamento entre o ambiente

científico e o econômico, relevante para se pensar o atual cenário em que transitam, por

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exemplo, projetos tais como o de um país empreendedor (CASAQUI, 2016b), e o de uma

educação empreendedora.

3. O consumo simbólico do trabalho

Algumas questões exemplificam dilemas que povoam a vida de muitos sujeitos nas

sociedades contemporâneas, tais como: O que fazer da vida? Que profissão seguir? Por que

abrir um negócio e ser empreendedor, ao invés de se buscar um trabalho assalariado

convencional? Ao responder essas perguntas, o que se evidência é o consumo simbólico que

cada sujeito faz de cada profissão, os sentidos que cada um mobiliza para pensar um

determinado trabalho (ou condição de não trabalho), em oposição a outros. O consumo é aqui

entendido tal como propõe Douglas e Isherwood (2013, p.196), ou seja:

[...] a função essencial do consumo é sua capacidade de dar sentido. Esqueçamos a

ideia da irracionalidade do consumidor. Esqueçamos que as mercadorias são boas

pra comer, vestir e abrigar; esqueçamos sua utilidade e tentemos em seu lugar a

noção de que as mercadorias são boas para pensar, tratemo-las como um meio não

verbal para a faculdade humana de criar (idem, p.106).

Tal como se consomem mercadorias para dar sentido às relações cotidianas, para

criar e também para pensar, os sujeitos também consomem, no seu dia a dia, representações

associadas ao mundo do trabalho e a atividades laborais. Consomem-se sentidos diversos do

trabalho, sentidos que, quando usados e apropriados pelos sujeitos, nos seus atos de

comunicação, contribuem para que eles consigam transmitir “mensagens sobre nós,

sinalizando proximidade ou distância em relação ao outro. O consumo implica transmissão de

mensagens intencionais (ou não) que podem ser lidas socialmente” (ROCHA, 2005, p.136). O

trabalho consumido enquanto representação, e articulado na forma de comunicação, age,

desse modo, “como um código e por ele são traduzidas muitas das nossas relações sociais”

(idem). Um código cujos sentidos só podem ser reconhecidos pelos outros, por serem em certa

medida públicos, compartilhados por uma mesma sociedade – por mais que os usos e

apropriações desses sentidos, nas diversas comunicações que circulam na sociedade, difiram-

se em relação a cada sujeito que os mobiliza.

Para Woodward (2000, p.8), “as identidades adquirem sentido por meio da

linguagem e dos sistemas simbólicos pelos quais elas são representadas”. Desse modo, por

meio das práticas de consumo, – que operam como sistemas classificatórios dentro das mais

variadas culturas, tendo grande centralidade na sociedade contemporânea –, torna-se possível

pensar o modo como as relações sociais são divididas e organizadas dentro do cenário atual.

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A representação inclui as práticas de significação e os sistemas simbólicos por meio

dos quais os significados são produzidos, posicionando-nos como sujeito. É por

meio dos significados produzidos pelas representações que damos sentido à nossa

experiência e àquilo que somos. Podemos inclusive sugerir que esses sistemas

simbólicos tornam possível aquilo que somos e aquilo no qual podemos nos tornar.

A representação, compreendida como um processo cultural, estabelece identidades

individuais e coletivas e os sistemas simbólicos nos quais ela se baseia fornecem

possíveis respostas às questões: Quem eu sou? O que eu poderia ser? Quem eu quero

ser? Os discursos e os sistemas de representação constroem os lugares a partir dos

quais os indivíduos podem se posicionar e a partir dos quais podem falar

(WOODWARD, 2000, p.17).

O trabalho age como um sistema de representações e se insere em um “mercado de

ideias”, no qual “os textos e as ideologias circulam e são apreciados, do mesmo modo que os

objetos materiais que lhes servem de suporte, livros e jornais, são fabricados e vendidos no

mercado comercial. O mercado discursivo fornece aos ideologemas um valor de troca”

(ANGENOT, 2010, p.79). Esse sistema de representações, em torno do trabalho, é consumido

pelos sujeitos, tal como propõe Silverstone (2005, p. 150), quando ele afirma que:

“consumimos objetos. Consumimos bens. Consumimos informação. Mas, nesse consumo, em

sua trivialidade cotidiana, construímos nossos próprios significados, negociamos nossos

valores e, ao fazê-lo, tornamos nosso mundo significativo”.

Um exemplo de consumo simbólico do trabalho se relaciona à comunicação

realizada pelo Google em torno do seu ambiente corporativo e produtivo, que está associado a

uma espécie de criatividade espetacularizada. Conforme Casaqui e Riegel (2009, p.166/167.

Grifo no original), as imagens desse ambiente de trabalho criativo alimentam “o ‘sonho de

consumo’ de milhares de jovens pelo mundo, [...] o de trabalhar nessa empresa”. Essas

imagens criativas desse ambiente corporativo do Google possibilita o consumo simbólico dos

seus valores e das significações que essa corporação almeja atribuir aos serviços que oferece

para os usuários da internet. Além de suas comunicações oficiais, outras comunicações

voluntárias de internautas, como blogs, endossam a comunicação e o consumo simbólico que

se faz do trabalho ali dentro:

A imagem do Google, apreendida a partir dos discursos manifestados, consumidos,

atualizados por blogs pessoais, alia esse tom lúdico a outro tom, o do despojamento,

que tem conotações de cotidianidade, de informalidade nas relações que,

representadas por suas formas de visibilidade, propõem-se para o âmbito do

consumo simbólico da corporação e do revestimento do ato de uso de seus serviços

(idem, p.174).

Esses tipos de comunicações contribuem para atribuir valores intangíveis em torno

do que se espera do que seja “trabalhar no Google”. A midiatização – informações mediadas

pela mídia – desses imaginários em torno do trabalho, no Google, contribui para popularizar

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sentidos comuns a partir dos quais os jovens se apoiam para construir seus imaginários e

projeções de si mesmo. Desse modo, observa-se que, por meio do consumo simbólico que

realizam, e dos usos e apropriações que fazem desse consumo ao comunicarem seus

pensamentos, nos seus blogs, os jovens “desejam e idealizam um mundo do trabalho mais

adequado à forma como projetam a si mesmos no mundo: criatividade, despojamento,

irreverência, espontaneidade, ruptura com valores e traços do ‘passado’” (CASAQUI,

RIEGUEL, 2009, p.178). O consumo simbólico desse ambiente de trabalho criativo “serve

como moeda valiosa na negociação simbólica da marca Google com seus consumidores”

(idem, p.179).

Outro exemplo para se pensar o consumo simbólico do trabalho é o estudo de

Grohmann (2015) em torno do consumo simbólico do trabalho adjetivado que retrata uma

gramática aparentemente hegemônica do mundo do trabalho contemporâneo. Seu estudo

observa em específico a startup 99jobs: “uma plataforma – nas palavras da própria empresa –

[....] que ajuda na busca por ‘emprego dos sonhos’. Em sua página do Facebook, o slogan é:

‘temos ‘amor’, com o desaparecimento da palavra ‘vagas’” (idem, p.1. Grifos no original).

Sua investigação se atenta justamente a essa circulação de adjetivos como amor, criativo e

inovador nos discursos em torno do mundo do trabalho, que se direcionam à conquista do

“trabalho dos sonhos”. Conforme o autor:

Ora, o que chamamos, então, de “trabalho adjetivado”? Os adjetivos que

acompanham a palavra “trabalho” de forma mostrar um posicionamento

melhorativo, como se fosse dito: “não estamos falando de um trabalho industrial”,

colocado como ultrapassado para o “presente flexível”. Então pululam conceitos

como os de trabalho criativo, classe criativa, trabalho cultural, economia (ou

indústria) criativa, trabalho afetivo, capitalismo estético... Assim, o termo proposto

de “trabalho adjetivado” nada mais é que um conceito provocador a essas

adjetivações, no sentido de questioná-las. Perguntamo-nos: a quem serve essa

adjetivação? O trabalho, que é visto muitas vezes como “obrigação” ou algo “chato”

pode ser positivado se for algo cool e descolado, com significações de modernidade

(GROHMANN, 2015, p.6).

Trata-se de um fenômeno comunicacional no qual o consumo simbólico do trabalho,

acompanhado com esses adjetivos, busca uma forma discursiva que se distancie das retóricas

que caracterizavam um mundo do trabalho de outro tipo, considerado antigo e ultrapassado,

para se aproximar de uma nova realidade de justificativas, pautadas em ideias como

satisfação, bem-estar, tranquilidade, paixão, entre outros. Fenômeno que contribui para

estabelecer uma fachada simbólica em torno do mundo do trabalho, com o intuito de esconder

as relações de exploração que se fazem presentes nas relações laborais. Mesmo que em termos

de comunicação oficial a plataforma 99jobs comunique uma ideia apaixonada do trabalho

para promover a conquista do trabalho dos sonhos, os comentários dos usuários em torno das

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vagas mostram outros usos e apropriações dos sentidos e representações do trabalho ali

presente:

[...] os discursos sobre o trabalho por parte dos trabalhadores na plataforma ajudam a

revelar outros lugares de fala que não os das organizações, com contradições e

“senões” dessas prescrições, ajudando a tencioná-las, em processos contraditórios de

ajustamentos e resistências (GROHMANN, 2015, p.13).

Esses dois exemplos, o do Google e do 99jobs, demonstram que em torno do mundo

do trabalho e do seu consumo simbólico, existem diversos sentidos, que dialogam com o

espírito de sua época e que, em certa medida, contribuem para mascarar as formas de

exploração que se fazem presentes nas sociedades capitalistas. Vive-se numa sociedade em

que as relações de trabalho e de produção são importantes para manter a lógica capitalista em

funcionamento. Autores como Marx (2004), e seus seguidores, denunciam o aspecto da

exploração que se faz presente em toda relação de trabalho nas sociedades capitalistas: um

sujeito empregador, que detendo os meios de produção, compra a força de trabalho de seu

empregado (o seu tempo), em troca de um salário, no qual se está subtraído todo do lucro que

faz seu empregador enriquecer; trata-se de uma forma de exploração que permanece até hoje,

que mantém o sistema capitalista, e que ocorre, em certa medida, de forma voluntária por

ambas as partes. Por que tal fenômeno acontece? Em que medida os sentidos que circulam em

torno do consumo simbólico do trabalho contribuem para deixar os sujeitos engajados nesse

sistema? E em que medida esses sentidos servem a outros propósitos além de mascarar as

relações de exploração? No próximo subcapítulo, reflete-se sobre esses assuntos, no decorrer

do seu desenvolvimento, atentando-se também às particularidades do consumo que ocorre em

torno desse trabalho que se manifesta na forma de representação e comunicação.

3.1. A dupla verdade do trabalho

Um posicionamento que Bourdieu (2007a) declara em algumas de suas reflexões é a

importância de se levar em consideração tanto a perspectiva objetivista do mundo, quanto a

subjetivista. Para o autor, levar em consideração apenas o mundo social em si, a partir de uma

perspectiva objetivista, contribui para entender as lutas políticas que os agentes realizam para

modificar sua condição de existência e suas representações, pensando um contexto no qual os

sujeitos ocupam posições em um mundo sobre o qual agem e do qual são produto. No entanto,

essa perspectiva objetivista costuma considerar os pontos de vista dos agentes como sendo

meras ilusões, não se atentando a algo que a perspectiva subjetivista do mundo ajuda a pensar:

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o “esforço dos agentes, para construir sua representação subjetiva deles mesmos e do mundo,

por vezes, a despeito e até contra todos os dados objetivos” (idem, 230).

Manter junto essa dupla perspectiva, integrá-las é o esforço que Bourdieu (2007a) se

propõe a fazer em seu pensamento. No entanto, trata-se de uma tarefa que o próprio autor

considera como sendo muito difícil de ser realizada, visto que os jogos sociais são complexos

de serem pensados a partir dessa dupla verdade. De um lado, tem-se que aqueles que

participam ativamente do mundo social, ocupando posições em diferentes campos, nem

sempre mostram o interesse ou estão preocupados em entender os jogos sociais dos quais

participam para além da sua perspectiva subjetiva. De outro lado, tem-se que os sujeitos que

se encontram fora desses campos e jogos sociais, e que, por isso, possuem maior chance de

entenderem a situação de forma objetiva, geralmente não têm a competência para sentirem e

experimentarem tudo aquilo que só é possível de se aprender participando e acreditando no

jogo. Com isso, tem-se que, no ponto de vista de Bourdieu (2007a, p.233), o sujeito que

queira de fato chegar mais próximo de alguma verdade em relação ao mundo social, tem que

buscar, ao mesmo tempo, essa dupla verdade, mantendo um ponto de vista duplo, bifocal.

É com base nessa dupla perspectiva que Bourdieu (2007a) busca analisar a dupla

verdade do trabalho. A dimensão objetiva do trabalho seria, no ponto de vista de Bourdieu,

aquela que está associada à abordagem marxista das ciências sociais, e que pensa o trabalho

como baseado na exploração econômica. O trabalho, na sua versão assalariada, é entendido

aqui como uma pura relação comercial, na qual se observa um aparente contrato entre iguais,

que encobre uma relação de desigualdade entre as forças do empregador e as fraquezas do

proletário. No entanto, para Bourdieu, a condição em que se dá o trabalho assalariado, pouco

se limita a uma relação em que o trabalhador apenas espera o seu salário.

Quando se observa a gama de experiências possíveis de trabalho, há dois extremos:

de um lado, o trabalho forçado, e de outro, a atividade quase lúdica de ser um escritor ou de

um artista. Quanto mais distante se encontra do trabalho forçado, menos o sujeito espera

ganhar apenas dinheiro e mais ele estaria envolvido no interesse pelo trabalho (na sua illusio),

e na gratificação que acompanha o fato de cumpri-lo. Exemplos dessas gratificações são os

ligados “aos ganhos simbólicos associados ao nome da profissão ou ao estatuto profissional e

à qualidade das relações de trabalho que frequentemente acompanham o interesse intrínseco

pelo trabalho” (BOURDIEU, 2007a, p.247). É com base nesses ganhos que a perda do

trabalho acaba por gerar uma espécie de mutilação simbólica, como se o sujeito perdesse as

“razões de ser” associadas ao mundo do trabalho e ao trabalho em si. Sobre o assunto,

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Bourdieu comentou, no prefácio, que realizou para um livro que investigava os

desempregados austríacos durante a crise econômica de 1929, a seguinte fala:

[...] a experiência do desemprego se expressa em [...] sentimento de abandono, de

desespero, até mesmo de absurdo, que se impõe a todos esses homens subitamente

privados [...].Privados desse universo objetivo de incentivos e indicações que

orientam e estimulam a ação e, consequentemente, toda a vida social, não podem

viver o tempo livre que lhes resta, exceto como tempo morto, [...]. Se o tempo

parece desaparecer, é porque o trabalho é o suporte, se não o princípio, da maioria

dos interesses, expectativas, demandas, e investimentos no presente (e no futuro),

enfim, uma das principais fundações da illusio como engajamento no jogo da vida,

no presente, como presença ao jogo, assim, ao presente e ao futuro, como

investimento primordial [...] (BOURDIEU, 1981, s/n, tradução nossa).

As condições objetivas do campo em que se insere a atividade de trabalho

acompanham, desse modo, a illusio do jogo, que faz com que o sujeito se engaje

voluntariamente, na atividade, e preencha sua existência de sentido. Além da illusio do jogo,

tem-se também, em paralelo, um conjunto de “representações dos agentes as quais, ora

realistas, frequentemente fictícias, outras vezes fantásticas, mas forçosamente parciais”

(BOURDIEU, 2007a, p.249), que ajudam a mascarar as verdades objetivas do jogo, tal como

a exploração, muitas vezes, por consentimento dos trabalhadores que as ignoram

voluntariamente. Desse modo, retirando o caso extremo dos trabalhadores serem forçados a

realizarem determinado trabalho, na subjetividade dos trabalhadores existem motivações que

os levam a um engajamento voluntário, no jogo social, do qual participam, para além do

dinheiro que eles podem ganhar.

Esse engajamento se dá também a partir das dinâmicas de jogo do campo no qual o

trabalhador está inserindo, havendo, na realização do seu trabalho, certa margem de

liberdade, muitas vezes ínfimas, outras funcionais, por meio do qual o sujeito age em busca

de seus objetivos pessoais, no campo, engajando-se, muitas vezes, e de forma voluntária, em

situações de maior autoexploração e de investimento no trabalho. Bourdieu (2007a) supõe que

a verdade subjetiva está mais afastada da verdade objetiva do trabalho, quanto maior for o

domínio que o trabalhador exerce sobre seu trabalho. Esse é o caso das novas formas de

controle que são adotadas pelas empresas contemporâneas:

As novas técnicas de gestão das empresas e, em particular, tudo aquilo que se

engloba sob o nome de “administração participativa” podem ser compreendidas

como um esforço para tirar partido, de maneira metódica e sistemática, de todas as

possibilidades que a ambiguidade do trabalho oferece objetivamente às estratégias

patronais. [...] Todavia, a ilusão que se poderia ter por vezes de que se ache

realizada, ao menos em alguns lugares, a utopia do domínio integral do trabalhador

sobre seu próprio trabalho, não deve fazer esquecer as condições ocultas da

violência simbólica exercida pela nova administração [...] essa violência doce

continua a se apoiar numa relação de força que ressurge na ameaça da dispensa e no

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temor, mais ou menos sabiamente reavivada, ligada à precariedade da posição

ocupada (BOURDIEU, 2007a, p.250-251).

O consumo simbólico do trabalho pode-se ser pensado, a partir de Bourdieu (2007a),

como trazendo três sentidos em torno das atividades laborais. O primeiro diz respeito ao

consumo simbólico que o sujeito realiza em torno da distinção e do poder simbólico que cada

profissão pode lhe oferecer. O segundo corresponde à margem de liberdade que o sujeito

pode ter ao se envolver nas disputas de um campo e nele ocupar uma posição. E o terceiro se

relaciona a illusio do campo no qual o sujeito poderá se envolver. Se o sujeito vir valor na

illusio do campo, não achando-a sem sentido ou insignificante, provavelmente terá mais

chances de buscar se envolver voluntariamente naquela profissão, ou desejá-la,

independentemente da consciência ou não que ele tenha das relações de exploração que

aquela profissão está submetida. Se o sujeito vir sentido no jogo, terá mais propensão a querer

ocupar o tempo da sua vida com ele, e construir em torno dele sua “razão de ser”.

Boltanski e Chiapello (2009) são autores cujas reflexões dialogam e complementam

essa abordagem bifocal que Bourdieu (2007a) dá ao trabalho, em torno da sua dupla verdade.

Isso porque eles compreendem as relações de trabalho tanto a partir de uma perspectiva

objetivista do mundo, quanto de uma perspectiva subjetivista. Apresentam-se, a seguir, alguns

pontos convergentes e divergentes, nas teorias dos referidos autores.

3.2. Consumo de justificativas no novo espírito do capitalismo

É importante ressaltar que existem diferenças em relação à abordagens de Bourdieu

(2007a) e Boltanski e Chiapello (2009). A principal diz respeito à dimensão subjetiva do

trabalho, que é pensada por Boltanski e Chiapello (idem) em termos de justificativas morais,

que preenchem de sentido as atividades que os trabalhadores realizam, ao invés de se pensar

na lógica dos campos e dos jogos sociais tal como faz Bourdieu.

A compreensão de Boltanki e Chiapello (2009) em torno da verdade objetiva do

trabalho, de modo semelhante à de Bourdieu, apoia-se em Marx para pensar o funcionamento

das relações de exploração na sociedade capitalista. Na leitura que os autores fazem de Marx,

eles entendem que o capitalismo tem como grande ambição “repor perpetuamente em jogo o

capital no circuito econômico com o objetivo de extrair lucro” (idem, p.35), por meios

formalmente pacíficos. Com isso, as relações de trabalho assalariado assumem um papel

central, pois são nessas relações que ocorrem a exploração da força de trabalho do empregado

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pelo empregador, com a intenção de lucro. Trata-se de uma relação de forças que se difere da

escravidão, porque pressupõe certa liberdade de escolha por parte do trabalhador:

O trabalhador é teoricamente livre para recusar-se a trabalhar nas condições

propostas pelo capitalista, assim como este tem a liberdade de não propor emprego

nas condições demandadas pelo trabalhador, de tal modo que essa relação, embora

desigual no sentido de que o trabalhador não pode sobreviver muito tempo sem

trabalhar, distingue-se muito do trabalho forçado ou da escravidão, e sempre

incorpora, por isso, certa parcela de submissão voluntária (BOLTANSKI,

CHIAPELLO, 2009, p.38).

É justamente nessa parcela da servidão voluntária que a dimensão subjetiva do

trabalho entra em jogo, visto que “as pessoas precisam de poderosas razões morais para aliar-

se ao capitalismo” (idem, p.40), um sistema movido por exploração e insatisfação, e que tem

uma lógica que produz desigualdades. A possibilidade da conquista de um salário, por

exemplo, não é um argumento suficiente para deixar o trabalhador engajado no trabalho: “Os

psicólogos do trabalho têm evidenciado com regularidade a insuficiência de remuneração para

provocar o empenho e aguçar o entusiasmo no cumprimento das tarefas; o salário constitui, no

máximo, um motivo para ficar num emprego, mas não para empenhar-se” (idem, p. 38-39).

Desse modo, Boltanski e Chiapello (2009) passam a investigar precisamente o

conjunto de justificativas morais que circulam na cultura capitalista de cada época para que os

sujeitos “não achem insuportável o seu universo cotidiano” (idem, p.41) e reconheçam o

sistema capitalista como sendo uma “ordem aceitável e até desejável, a única possível, ou a

melhor das ordens possíveis” (idem, p.42) ao invés de sentirem “o desespero ou o niilismo

que a ordem capitalista não para de inspirar, não só aos que são por ela oprimidos, mas

também, às vezes, aos que têm a incumbência de mantê-la e de transmitir seus valores”

(idem).

A base teórica que Boltanski e Chiapelo (2009) utilizam para pensarem essas

justificativas morais são os pensamentos realizados por Weber em torno do espírito do

capitalismo. Conforme esse autor, o espírito do capitalismo seria uma espécie de “espírito”

que se relaciona às questões culturais de uma determinada época, agindo como uma

“individualidade histórica, isto é, um complexo de conexões que se dão na realidade histórica

e que nos encadeamos conceitualmente em um todo, do ponto de vista de sua significação

cultural” (WEBER, 2013, p.51). Boltanski e Chiapello (2009, p.39) adaptam o pensamento de

Weber, compreendendo o espírito do capitalismo como sendo a “ideologia que justifica o

engajamento no capitalismo”, e definindo-o da seguinte maneira:

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O espírito do capitalismo é justamente o conjunto de crenças associadas à ordem

capitalista que contribuem para justificar e sustentar essa ordem, legitimando os

modos de ação e as disposições coerentes com ela. Essas justificações, sejam elas

gerais ou práticas, locais ou globais, expressas em termos de virtude ou em termos

de justiça, dão respaldo ao cumprimento de tarefas mais ou menos penosas e, de

modo mais geral, à adesão a um estilo de vida, em sentido favorável à ordem

capitalista. (BOLTANSKI, CHIAPELLO, 2009, p.42).

Como o objetivo deste capítulo é compreender o consumo simbólico do trabalho, a

contribuição que Boltanski e Chiapello (2009) trazem está em torno das justificativas que

mobilizam os sujeitos a se engajarem voluntariamente no sistema capitalista. Para pensar as

particularidades desse consumo simbólico, resgatam-se as reflexões realizadas por Grohmann

(2015), em torno da startup 99jobs. No seu estudo, o autor observou que, nas comunicações

oficiais dessa plataforma digital de emprego o mundo do trabalho passa a ser “adjetivado”, ou

seja, acompanhado de palavras como “criatividade”, “amor”, “inovador”, etc., que traduzem

valores associados ao atual mundo do trabalho, e que expressam uma determinada

configuração do capitalismo que se opõem ao dos mundos do trabalho anteriores. Com base

nessa reflexão, o presente subcapítulo buscará, na obra de Boltanski e Chiapello (2009), as

justificativas morais que os autores elegeram como compondo o atual espírito do capitalismo,

e os que o antecedem, para, com isso, compor um quadro de “justificações” que podem

aparecer na forma de “adjetivações”, positivas ou negativas, nas falas dos empreendedores

universitários.

Um conjunto potente de justificativas que se fazem presentes, no capitalismo, desde

o seu início, são aquelas que se relacionam à ideia de liberdade. No primeiro espírito do

capitalismo, que corresponde ao contexto social, entre 1650 até 1930, centrado na figura do

burguês, e diretamente relacionado aos valores burgueses, a ideia de que se pode alcançar

liberdade associando-se ao capitalismo está presente, ganhando o seu sentido especial em

oposição às sociedades tradicionais, que eram definidas como opressivas, e as sociedades

capitalistas da época: “únicas capazes de possibilitar autorrealização individual”

(BOLTANSKI, CHIAPELLO, 2009, p.423). A ideia de liberdade que se fazia presente, no

primeiro espírito do capitalismo, na subjetividade dos trabalhadores e capitalistas associa-se

às promessas de autorrealização e autonomia que foram herdadas do Iluminismo, e que se

caracterizavam em pelo menos dois aspectos diretamente relacionados ao mercado:

“possibilidade de escolher o próprio estado social (profissão, lugar e modo de vida, relações,

etc.), assim como os bens e os serviços possuídos ou consumidos. (idem, p.425).

No segundo espírito do capitalismo, cujo período engloba os anos 1930 e 1960, e que

é caracterizado pela presença da grande empresa nacional e industrial, burocratizada, a ideia

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de liberdade e de autonomia passam a ter algum respaldo legal pelo Estado, que fazem

diminuir a sujeição dos trabalhadores ao seu ambiente de trabalho, dando-lhes a possibilidade

de escaparem da pressão de longas horas de trabalho e salários baixos. Outro aspecto aqui

presente foi certa liberação identitária, no sentido de ser um período que permitiu uma

pluralização maior de identidades nos ambientes internos da empresa.

O terceiro espírito do capitalismo surge a partir da década de 1970 em um

capitalismo que é progressivamente mais globalizado e calcado em novas tecnologias de

comunicação. Trata-se de um espírito que busca dar sentido aos novos processos de

acumulação do capital, e à perda do valor e da legitimidade das ideologias que compunham o

segundo espírito do capitalismo. A pluralização de identidades que surgiram, no interior do

segundo espírito do capitalismo, ainda era julgada como limitada, posto que “a gama de

papéis possíveis era muito restrita no que se refere às mulheres, cujo acesso às identidades

derivadas do trabalho estava impedido” (BOLTANSKI, CHIAPELLO, 2009, p.437). Além

disso, criticam-se, também, as coerções hierárquicas, que prescrevem relações de

preferenciais dentro das corporações. Logo, terceiro espírito do capitalismo buscou cooptar

esse tipo de reivindicação de liberdade, associado ao estilo de vida e a autorrealização

profissional, de modo que os sujeitos passaram a acreditar que a partir de então “é possível

mudar de atividade e de projeto com a mesma frequência, que todos os elos e pertenças locais

podem ser rompidos por serem fonte de rigidez, para afinal reconhecido o direito formal de

cada um poder vir a ser o que quiser e quando quiser” (BOLTANSKI, CHIAPELLO, 2009,

p.438). A ideia de liberdade e autonomia surge apresentada como possibilidade e um direito,

algo que passa a ser exigido dos sujeitos que tem sua grandeza apreciada em relação a sua

capacidade de atingir a autorrealização. Os autores comentam que:

[...] a libertação é concebida acima de tudo liberação do desejo oprimido de ser

outro; de não ser aquele cujo projeto foi concebido por outros (pais, professores,

etc.); de ser aquele que se deseja ser, no momento em que o deseje, o que deixa

aberta a possibilidade de uma pluralidade de identificações adotadas do modo como

se adota um estilo (um look) e, por conseguinte, de escapar aos vínculos identitários

de nação, região, etnia e, sobretudo [...] da família [...] (BOLTANSKI,

CHIAPELLO, 2009, p.434-435).

Também se tem, no terceiro espírito do capitalismo, um novo universo em que as

palavras de ordem são criatividade e flexibilidade, o que aumenta a ideia possibilidades que

os sujeitos engajados no trabalho podem alcançar. Surge, aqui, um novo sentido comum de

justiça, associado a um “mundo flexível, constituído por projetos múltiplos dirigidos por

pessoas autônomas” (idem, p.124). Trata-se de uma justiça que se pauta em projetos, que lhes

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oferecerão a “oportunidade de conhecer novas pessoas, há possibilidade de ser apreciado

pelos outros” (idem, p.125).

Segundo Boltanski; Chiapello (2009, p. 143), ao se utilizar o termo projeto, para toda

e qualquer realização, “apagam-se as diferenças entre um projeto capitalista e uma realização

banal (clube do lazer)”, mascarando, dessa forma o capitalismo e a crítica que lhe é feita. O

termo projeto permite equiparar coisas que são muito diferentes, tais como, projeto de

reengenharia com projeto de peça teatral. Dessa forma, pode-se “seduzir as forças hostis ao

capitalismo, propondo uma gramática que o supere, gramática de que elas se valerão, por sua

vez, para descrever sua própria atividade, permanecendo cegas para o fato de que também o

capitalismo pode nela se infliltrar” (BOLTANSKI; CHIAPELLO, 2009, p. 143.)

A orientação para o sucesso, que acompanha esse momento, estabelece novos

princípios e constitui-se em um novo sistema de valores, que dão subsídio para que os sujeitos

possam realizar julgamentos, abalizar os comportamentos que são ou não adequados, aferir

qualidades e atitudes, legitimar novas posições de poder e escolher as pessoas que dele serão

beneficiados. (BOLTANSKI; CHIAPELLO, 2009).

Nesse novo espírito, são apontados, como garantia de sucesso, as seguintes

qualidades:

“[...] autonomia, espontaneidade, mobilidade, capacidade rizomática, polivalência

[...], comunicabilidade, abertura para os outros e para as novidades, disponibilidade,

criatividade, intuição visionária, sensibilidade para as diferenças, capacidade de dar

atenção à vivência alheia, aceitação de múltiplas experiências, atração pelo informal

e busca de contatos interpessoais [...] (BOLTANSKI, CHIAPELLO, 2009, p.130).

Visando orientar a análise de justiça presentes nos vários momentos do capitalismo,

Boltanski e Chiapello (2009, p. 140) criaram diversas tipologias de cidades, bem como

apresentaram o “estado de grande” nelas presentes, “sendo o grande o que encarna em alto

grau os valores da cidade”. Na cidade por projetos, “o grande” corresponde a alguém

[...] adaptável, flexível, capaz de oscilar de uma situação para outra muito diferente e

ajustar-se a ela; mostra-se polivalente, capaz de mudar de atividade ou de

instrumentos, segundo a natureza da relação na qual entra, com os outros ou com os

objetos. Exatamente essa adaptabilidade e essa polivalência o tornam empregável,

ou seja, no universo da empresa, em condições de inserir-se num novo projeto. [...]

Ele é “líder de si mesmo, líder de suas relações passadas e futuras, líder em suas

redes” [...] O grande [...] toma a iniciativa dos compromissos e sabe assumir riscos

para conectar-se, estabelecer contatos sempre novos e cheios de possibilidades [...]

Ele sabe identificar as boas fontes de informação [...] O grande [...] é um “saqueador

de ideias’ [...]. Para tanto, ele precisa ter intuição, talento (no sentido em que se fala

de talento de um artista). [...] sabe prever, farejar os elos que merecem ser

estabelecidos. [...]o grande não é somente aquele que sabe engajar-se, mas também

aquele que é capaz de engajar os outros, de obter envolvimento, de tornar desejável

o ato de segui-lo, porque inspira confiança, é carismático. Sua autoridade só

depende da competência. Ele não impõe regras ou objetivos, mas admite discutir

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suas posições (princípio de tolerância) (BOLTANSKI; CHIAPELLO, 2009, p. 144-

158)

Por sua vez, Boltanski; Chiapello (2009, p. 139-140) descrevem o “estado de

pequeno” como o destituído da qualidade de grande, sendo os comportamentos, “do

pequeno”, inadequados, em termos dos valores da cidade. O “pequeno” corresponde a alguém

que “não pode ser engajado” em um projeto, ou que tem a incapacidade de “mudar de

projeto” (idem, p. 152). O não ser engajável está no fato do sujeito não saber “depositar

confiança” nos outros, ou ser aquele em que não se pode confiar, em razão de não

corresponder a aquilo que dele é esperado, ou “por não divulgar a informação que tem e atuar

de modo personalista, o que é uma forma de desonestidade (oportunismo)” (idem, p. 152).

Outro aspecto do ser “pequeno” está no fato de não saber se comunicar, pelo fato de ser uma

pessoa fechada, ou por ter ideias atrasadas; ser autoritário e intolerante, condições que “o

torna incapaz de estabelecer composições” (idem, p. 152).

Com relação à importância da criatividade e da inovação na cidade por projetos, os

autores afirmam que essa característica já estava presente na cidade inspirada, porém,

enquanto na cidade inspirada, para serem criativas, as pessoas ficavam recolhidas em si

mesmas, em sua interioridade, “na cidade por projetos a criatividade é função do número e da

qualidade dos elos. (BOLTANSKI; CHIAPELLO, 2009, p. 163.)

Na cidade por projetos, a atividade profissional passa de um modelo hierárquico de

carreira, para um que privilegia os encontros e conexões temporárias, porém reatáveis, em

grupos diversos, sendo, o “projeto”, a oportunidade para que a conexão ocorra, uma vez que

ele “apresenta-se como um “segmento de rede fortemente ativado” (BOLTANSKI,

CHIAPELLO, 2009, p.135) em um curto período de tempo, mas que possibilita a criação de

“laços duradouros, que permanecerão adormecidos, mas sempre disponíveis” (idem, p. 135).

Nesse sentido, torna-se, de grande importância o sujeito buscar inserir-se em redes, com o

intuito de encontrar pessoas e gerar um projeto. (BOLTANSKI, CHIAPELLO, 2009, P.135).

Algumas características do mundo conexionista, apresentadas por Boltanski;

Chiapello (2009) são: (1) que as pessoas são instigadas a deslocar-se, estabelecendo elos, de

forma pessoal, utilizando-os, no trabalho. Nesse sentido, deve-se desconfiar de estruturas

previamente formatadas, uma vez que elas podem vir a levá-los a um ambiente demasiado

conhecido; (2) o maior triunfo das pessoas são a sua flexibilidade e capacidade de adaptar-se e

aprender. Assim sendo, elementos relacionados à personalidade, qualidades comunicativas,

valem mais do que a eficiência relativa à capacidade de atingir objetivos anteriormente

definidos. (3) que os métodos de trabalho não são fixos, sendo elaborados em razão de

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necessidades, o que leva as pessoas a se auto organizarem, a criarem regras, para atender a

esse novo modo de trabalho, por projeto.

Outro aspecto levantado por Boltanski; Chiapello (2009, p. 161) é o fato de que, o

mundo funcionando em rede, possibilita ao ser humano satisfazer, ao mesmo tempo, o seu

querer estar livre e compromissado, uma vez que os compromissos assumidos, apesar de

usurpar a liberdade de agir autonomamente, do sujeito, lhe dá, em contrapartida, sentido à

vida e ao trabalho. “Sem essa dualidade radical que cada um traz em si, a série de

engajamentos e desengajamentos que a cidade por projetos supõe se mostraria propriamente

desumana”

Essa busca por liberdade calcada na autonomia e autorrealização surge, no terceiro

espírito do capitalismo, junto com novas formas de gestão que, como apontou Bourdieu

(2007a) anteriormente, confere uma maior margem de liberdade ao trabalhador, ao mesmo

tempo em que contribuem para aumentar sua autoexploração e engajamento no sistema, que

ainda explora sua força trabalho. Para Boltanski e Chiapello (2009), esses novos modos de

produção associados a realidade objetiva do trabalho, removeram do trabalhador a esperança

de seguir uma carreira na hierarquia de uma empresa, aumentou a responsabilidade a

autonomia do trabalhador às custas de proteções trabalhistas que foram conquistas e que

ajudavam a sustentar o segundo espírito do capitalismo. Para eles, a “autonomia foi obtida em

troca das garantias, de tal modo que se trata frequentemente de uma autonomia imposta, não

escolhida, dificilmente sinônima de liberdade” (idem, p.430).

3.3. O consumo da universidade e a expectativa do emprego

Atentando-se, em específico, ao grupo social dos universitários, a prática de

consumo que declaradamente revela um gosto semelhante desses estudantes é o consumo do

ensino superior. Para Canclini (2008, p. 53), o consumo pode ser entendido como um

“conjunto de processos socioculturais em que se realizam a apropriação e o uso dos

produtos”. Tal ponto de vista dialoga com os de Douglas e Isherwood (2013) que

compreendem as práticas de consumo como possuindo a capacidade de dar sentido, criar e

pensar, mobilizando uma dimensão simbólica importante, que impacta o modo como o sujeito

atribui sentido ao mundo em que habita, dialogando com a cultura e com as relações sociais

que ali se fazem presentes. Nas palavras de Douglas e Isherwood (2013, p. 113): “o indivíduo

usa o consumo para dizer alguma coisa sobre si mesmo, sua família, sua localidade, seja na

cidade ou no campo, nas férias ou em casa. A espécie de afirmações que ele faz depende da

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espécie de universo que habita”. Desse modo, as práticas de consumo que o sujeito realiza

comunicam algo sobre sua identidade, revelando também sentidos sobre a sociedade em que

vive, as relações de poder que ali se fazem presentes, e os valores que regulam as relações

sociais das quais participa.

Quando se observa o consumo do ensino superior pelo grupo social dos

universitários, Faht (2011, p. 94), em um estudo que realizou com jovens em processo de

formação universitária, constata que “na visão dos jovens, foram unânimes as respostas

referentes à importância dos estudos na vida profissional”. O pesquisador observa que: “a

relevância dada à educação na visão dos jovens é pelo fato desta vir a somar com o

emprego/atividade profissional” (idem), além de que:

Os jovens acreditam que a educação é capaz de proporcionar um bom emprego ou

até mesmo mudar de emprego. Também possibilita criar expectativa de conseguir

uma oportunidade melhor, proporcionando qualidade de vida e remuneração mais

elevada. A maioria dos jovens afirma que a educação qualifica para o mercado de

trabalho (FAHT, 2011, p. 97).

Atentando-se ao contexto sóciohistórico no qual as práticas de consumo de

graduação ocorrem, mobilizando sentidos relacionados ao desejo pelo acesso ao mercado de

trabalho, tem-se que o trabalho é aqui narrado pelos estudantes no sentido de emprego, de

trabalho assalariado, tal como apresenta Schwartz (2011, p. 23):

Em parte de maneira errônea [...], nossa cultura moderna tem tendência a limitar o

trabalho ao que foi desenhado e circunscrito pela Revolução Industrial e pelo

assalariamento: a porção de tempo trocada por remuneração. É precisamente isso

que permite distinguir ‘o trabalho’ do ‘fora do trabalho’ (do ‘lazer’) ou do ‘não

trabalho’ (desemprego), a esfera socioprofissional e a do privado. É em torno dessa

troca amplamente desigual, desde o início imposta, que vão se organizar as classes

sociais, os movimentos sociais, a experiência da exploração. A partir do século XIX,

as lutas e as contradições sociais, a estruturação das relações de forças políticas vão

amplamente se desenvolver em torno dessa noção mercantil do trabalho.

Essa concepção de atividade laboral implica mobilização de um contrato (formal ou

informal) de trabalho que se assemelha a “um simples contrato de troca entre dois indivíduos”

(GAUTIÉ, 1998, p. 74), em que se especifica a permuta de dinheiro por uma porção de

“tempo de vida vendido” (SCHWARTZ, 2011, p. 23). Nesse cenário, o funcionário possui a

liberdade para escolher qual atividade laboral seguir, e o empregador torna-se livre para não

oferecer trabalho, ou deixar de oferecê-lo, caso assim desejar ou precisar.

Tal perspectiva em torno do trabalho assalariado dialoga com o pensamento de

Douglas e Isherwood (2013, p.196) quando definem o consumo como sendo “a área das

relações sociais em que as transações são realizadas livremente, por escolha livre dos

parceiros, não limitados por qualquer coisa que não sua percepção de suas próprias intenções,

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além da lei do comércio”. Com isso, observa-se que a atividade de trabalho pode ser encarada

como uma prática de consumo, na qual o empregador consome a força-trabalho do

funcionário, e na qual, por sua vez, o funcionário também pode escolher, dentro das opções

que lhe estão disponíveis, o trabalho que busca exercer.

No Brasil, as ideologias desenvolvimentistas da ditadura civil-militar (1964-1985)

foram, conforme Ciavatta (2009), bastante influenciadas pela “teoria do capital humano”, que

coloca em evidência o papel da educação como uma forma de gerar benefícios econômicos.

Surge aí um cenário em que a educação é vista “como potenciadora de trabalho e [...] um

recurso da reprodução ampliada do capital” (idem, p. 27). A partir da perspectiva do “capital

humano”, que influenciou as políticas desenvolvimentistas da ditadura, amplia-se, na

sociedade brasileira, a divulgação da ideia de uma qualificação, que é acessada pela educação

e que diz respeito à criação da capacidade de trabalho a ser consumida pelo empregador,

ficando à disposição do capital.

A teoria do capital humano, no entanto, é criticada por Bourdieu (2007b). Conforme

o autor, trata-se de um conceito que tenta colocar explicitamente a relação entre o

investimento educativo e as taxas de lucro e retornos econômicos que se pode alcançar depois.

Trata-se de um conceito “que ignora a contribuição que o sistema de ensino traz à reprodução

da estrutura social, sancionando a transmissão hereditária do capital cultural” (idem, p.74) e

que não leva em consideração o fato de que “o rendimento escolar da ação escolar depende do

capital cultural previamente investido pela família e que o rendimento econômico e social do

certificado escolar depende do capital social – também herdado – que pode ser colocado a seu

serviço” (idem). Desse modo, ao invés de se pensar o “capital humano”, Bourdieu sugere que

se busque entender os investimentos escolares como auxiliando a ampliar o capital cultural,

social e até mesmo simbólico, e que se reconheça que a lógica do “capital humano” é apenas

uma proposta economicista que traz consigo uma maneira ideológica de se ver o mundo.

Biazon (2017, p. 28), ao estudar a comunicação e o consumo da educação, nas

instituições de ensino privadas, observa que elas “vendem o acesso à formação superior ao

aluno que é ao mesmo tempo consumidor e produto na indústria da educação”. A expectativa

é que os alunos “serão transformados, ao longo do tempo, em profissionais, geradores de

informação, conhecimento, mas que também tiveram suas vidas impactadas, transformadas

pela indústria do ensino” (idem, p. 19), posto que tais “alunos são o produto e devem também

ser vistos como os clientes das [instituições de ensino superior] privadas já que compram e

consomem o serviço prestado por elas” (idem, p. 84).

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Desse modo, observa-se, no consumo do ensino superior, uma expectativa dupla: (1)

de um lado, tem-se a graduação como uma mercadoria a ser consumida, para a garantir o

acesso a um bom trabalho; (2) de outro, tem-se a compreensão de que, ao consumir a

graduação, o sujeito está se construindo como uma mercadoria atraente para o mercado de

trabalho, sendo ele o produto final dessa prática de consumo. Com isso, observa-se que, “no

caso da ‘venda’ do ensino superior, muitas vezes o que se vende é o sucesso, o status dos que

passaram pelos bancos da graduação” (BIAZON, 2017, p. 87).

Educação e profissão são elementos chaves, na construção identitária dos

universitários, sendo mediadas por práticas de consumo que envolvem o consumo simbólico

da graduação e da profissão desejada. O modo como o sujeito busca se posicionar, no mundo,

a partir de uma trajetória de consumo de educação é também ilustrado por Biazon (2017, p.

87) quando ele observa a reprodução de uma lógica social vigente, na qual ocorre:

A internalização dos indivíduos que foram aculturados para que somente a partir ou

por meio do estudo, da educação, poderiam se tornar aquilo que desejam no futuro,

[...] [existe] até hoje famílias e escolas preparando alunos, desde a sua infância, com

discurso de que precisam estudar para se tornarem “alguém” (idem, p. 97).

A ideia de ser “alguém”, a partir do consumo do ensino superior e da sua relação

com a carreira, é algo também percebido por Malki (2015, p. 206). Nas narrativas de vida de

universitários coletadas pela autora, observa-se o acesso ao trabalho “como centralidade de

sentido na angústia dos alunos da amostra”, sendo que, durante o consumo de um curso

universitário, os conflitos identitários com relação à profissão escolhida transmitem a

sensação de que “um pedaço significativo – quase corpóreo de suas existências está

paralisado, confuso, atrapalhado em função dos conflitos com a carreira escolhida, de que a

vida não pode continuar sem a resolução deste problema” (idem, p. 207), visto que, para uma

parte das pessoas, a importância psicossocial do trabalho é a de “prover estabilidade

identitária e de autoestima, protegendo da ansiedade e do desamparo” (idem).

A identidade laboral é uma identidade central em relação às outras que o sujeito

possui, uma vez que é a esfera do trabalho que confere os recursos financeiros necessários

para sustentar e manter uma determinada condição social de existência e possibilitar que uma

variedade de relações identitárias se concretize na vida cotidiana. Veriguine (2008) fornece

um bom exemplo para ilustrar esse pensamento, no qual em torno de um fazer profissional,

circulam sentidos a respeito do potencial estilo de vida que os sujeitos podem ter no futuro,

bem como sobre “o ambiente de vida, as possibilidades de desenvolvimento, as circunstâncias

materiais, as probabilidades de progresso, o nível de cultura, a duração da saúde, as futuras

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circunstâncias familiares, a posição social e a independência financeira” (VERIGUINE, 2008,

p. 19).

Dessa maneira, tem-se que, no grupo social dos universitários, compartilha-se o

gosto comum de consumir o ensino superior, visando à obtenção de um bom emprego. Trata-

se de uma prática de consumo que dialoga com um contexto sociocultural no qual o sujeito

tem liberdade para escolher a profissão que irá buscar, sendo também o responsável por gerir

seu próprio capital cultural a partir do consumo da educação e visar sempre alcançar o sucesso

e a empregabilidade. As angústias que se relacionam com as dúvidas em relação a que

profissão seguir colocam em evidência a centralidade que as identidades profissionais

possuem na contemporaneidade.

Quando se observa o consumo simbólico que os universitários realizam de sistemas

de classificação diversos que circulam, na cultura, tem-se que os sistemas de representações

sociais relacionados à profissão e ao curso de graduação são vistos como comunicando

sentidos variados, porém muito próximos. Os universitários utilizam-se de representações de

profissões (médico, administrador, psicólogo, fonoaudiólogo, engenheiro, cientista social,

entre outros) para produzirem significações em torno da identidade profissional que se almeja

alcançar, e que poderá proporcionar uma determinada condição social de existência e estilo de

vida. Sentidos relacionados à remuneração, a status, ao prestígio, ao reconhecimento

profissional são alguns exemplos daquilo que é mobilizado pelos universitários para descrever

cada profissão. Folmer-Johnson (2000, p.102) observa também que, para além desses

sentidos, os universitários também associam as atividades profissionais:

[...] à definição do papel do indivíduo na ordem social do trabalho, atendendo a uma

exigência social; às expectativas familiares; ao papel do profissional; às condições

de preparo, ingresso e às oportunidades de exercício efetivo das profissões; à

ascensão na carreira; ao status do profissional; ao campo de atuação profissional e à

valorização da profissão no mercado de trabalho; aos problemas enfrentados e às

recompensas esperadas.

Por outro lado, o sistema de representações dos cursos de graduação produz sentidos

em relação às disciplinas, aos professores, às avaliações, ao perfil dos outros estudantes, entre

outros aspectos. Existe uma hierarquia que se faz presente entre os cursos. Um exemplo de

hierarquia é o apresentado por Silva (2016a), em torno da dificuldade de admissão, no qual os

cursos de psicologia e odontologia, muitas vezes, são consumidos como “prêmios de

consolação” por aqueles que não conseguiram passar em medicina, e decidiram cursar sua

segunda opção do vestibular. Outra hierarquia diz respeito à dificuldade dos cursos,

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sinalizando, por exemplo, que medicina, engenharia são cursos considerados difíceis

(BARGADI, 2007).

Cada curso de graduação também tem seu sentido vinculado ao de uma profissão,

sendo encarado como um espaço de preparo para o futuro mercado laboral. Bardagi (2007,

p.140), por exemplo, descreve “a associação que os alunos fazem (assim como muitas outras

pessoas) entre desempenho no curso e desempenho profissional. Assim como as condições do

curso e a satisfação com o curso são associadas à satisfação com a profissão”. Outro exemplo

que Bardagi (2007, p.136) traz é de que: “Sentir-se parte do ambiente e do novo grupo é

fundamental para a consolidação da identidade profissional, uma vez que o aluno tende a

fazer uma associação entre o curso, os colegas, a instituição e a profissão em si”.

Nota-se também que, entre os universitários que se encontram nos primeiros anos da

graduação (BARDAGI, 2007), e estudantes, no período pré-vestibular (FOLMER-

JOHNSON, 2000), representações do curso povoam com mais intensidade o imaginário dos

estudantes, do que representações da profissão. Conforme Folmer-Johnson (2000, p.104):

As preocupações dos sujeitos voltam-se, prioritariamente, para as etapas mais

próximas, no tempo e na experiência – a escolha de uma carreira para candidatar-se

no processo seletivo da universidade para um curso superior. As preocupações com

questões relativas ao ingresso na profissão e seu exercício aparecem como

secundárias e menos frequentes.

E para Bardagi (2007, p.135):

[...] nesta amostra os participantes tiveram mais facilidade para descrever

expectativas em relação ao curso e à universidade do que em relação à profissão

propriamente dita. Como o vestibular, o Ensino Superior e os cursos universitários

talvez sejam temas mais correntes na vida dos alunos do que a carreira, sendo mais

fácil para eles imaginar como será a vida acadêmica e o ambiente universitário

(ainda que isso tenha sido também difícil) do que projetar ideias sobre a vida

profissional e as atividades de trabalho. [...] a profissão aparece nas entrevistas como

uma realidade muito distante, difícil de avaliar e, em certo sentido, desconectada da

experiência universitária, ao menos inicialmente.

No sistema de representações sociais associadas à vida universitária, têm-se parte

dos seus sentidos operando em oposição aos outros estágios da trajetória de vida dos sujeitos,

em especial, o ensino médio e o momento após a graduação. Bardagi (2007, p.126) traz

algumas comparações da vida universitária com o ensino médio, observadas a partir das

narrativas de vida de universitários nos primeiros anos do curso:

Entre as diferenças percebidas positivamente, pode-se citar a percepção que os

alunos têm de que será possível ter mais autonomia na universidade do que havia na

escola, por ser ela um ambiente mais restrito, protegido; a expectativa de maior

independência é avaliada como algo bom, uma conquista de quem entra na

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universidade. Nesse sentido, a saída da escola é vista como um passo em direção à

adultez, maior responsabilidade e autonomia.

A partir das observações de Silva (2016b), os universitários reconhecem a condição

de estudante como sendo um status social provisório, que entra em oposição ao de se manter

no meio-termo do cursinho pré-vestibular, posto que mobiliza um sentimento de utilidade, de

que se está cursando algo em direção à formação de um projeto de vida. O caminho a ser

percorrido, na universidade, também é percebido pelos universitários do primeiro ano

entrevistados por Silva (2016b), como podendo ser mais calmo do que o que foi anteriormente

vivido no cursinho pré-vestibular.

A vida universitária, ao mesmo tempo em que é entendida como um estágio

provisório, também é encarada como “intervalo iniciático para o ingresso na vida adulta”

(SANTOS, 2006, p.126). Sendo possível observar que, quando posicionados nas

representações da vida universitária, diversos sujeitos passam a perceberem-se “agora como

adulto por estar na faculdade” (BARDAGI, 2007, p.105). A vida universitária também está

associada a representações de repúblicas e festas, calouros e veteranos, trotes e formaturas,

bem como do campus universitário.

O sistema de representações da vida universitária, para Santos (2006, p.126),

“reveste-se de qualidades míticas, que provocam no candidato aos cursos superiores um alto

nível de expectativa, muitas vezes responsável pela frustração observada nos primeiros

períodos: a realidade encontrada não corresponde à fantasia imaginada”. Nota-se também que

esse sistema mobiliza sentidos que localiza a vida universitária em uma determinada época.

Santos (2006, p.29) observa, por exemplo, que: “A uma postura contestatória, politizada e

“intelectual” característica dos ambientes estudantis, até os anos 1970, opõe-se hoje a uma

preocupação predominante com a inserção, no mercado de trabalho, o sucesso profissional e o

enriquecimento”.

No sistema de representações associado às instituições de ensino superior, têm-se

sentidos que se relacionam, por exemplo, ao renome da instituição, ao seu prestígio e ao valor

do seu diploma no mercado de trabalho. Xikota (2004, p.71) descreve, a partir de narrativas

de vida de egressos universitários, que: “O diploma e o título com ele obtido é visto como

deixando de ser pré-requisito para alguém conseguir um emprego ou manter-se nele, o que se

difere, no entanto, com o fato de obter um diploma em um curso ou instituição bem

conceituados”.

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Outros sentidos mobilizados referem-se ao das instituições de ensino acadêmico,

serem: “símbolos do saber e autoridades capazes de conferir saber” (SANTOS, 2006, p.4). No

entanto, cada instituição de ensino superior também pode ser entendida, conforme Santos

(2006, p.27), como sendo “‘grifes’: as marcas como ‘FGV’, ‘IBMEC’, ‘Pitágoras’, ‘UMA’,

‘Estácio de Sá’, ‘Veiga de Almeida’, ‘FAAP’, ‘Cândido Mendes’, ‘PUC’, ‘COC’, ‘Objetivo’,

correspondem diferentes percepções e associações”. E, nesse entendimento da instituição de

ensino superior como “grifes”, observa-se que ela também pode estar associada a

representações publicitárias, e mobilizar outros conjuntos de sentidos para além da educação

oferecida, tal como exemplifica Santos (2006, p.26), a partir da citação de Sampaio:

Em outubro de 1992, a Fundação Armando Álvares Penteado, de São Paulo,

provocou escândalo ao colocar nas ruas outdoors com uma jovem bonita, vestindo

roupas de grife e o texto “Na FAAP só tem avião”. Os outdoors da FAAP causaram

indignação. Afinal, o que estava sendo oferecido, ou melhor, vendido? Amizade,

sexo ou formação superior? [...] O cartaz parecia dizer: qualidade é secundária, e

daí? Somos jovens, elegantes e, sobretudo, ricos. Fazemos parte de uma tribo

endogâmica e aqui, enquanto obtemos o diploma, temos caça e/ou caçador.

Outros sentidos mobilizados por esse sistema de representações dizem respeito ao

fato de se tratar de uma instituição de ensino superior pública ou privada. Sendo que as

instituições públicas possuem um grande apelo por serem gratuitas, e as instituições privadas,

devido à grande concorrência, muitas vezes, “precisam se fazer presentes, ou seja, precisam

anunciar para se confirmarem como opção de escolha diante do público de interesse”

(BIAZON, 2017, p.18).

Os diversos sistemas de representações sociais aqui apresentados, no caso, os que

dizem respeito à profissão, ao curso de graduação, à vida universitária e às instituições de

ensino circulam, no campo social do ensino superior, e são mobilizados pelos universitários

quando buscam produzir sentidos sobre si próprios, o outro e o ambiente em que vivem. São

sistemas de representações que revelam diálogos com os valores e normas de uma sociedade e

de uma época, e que circulam nos diversos ambientes em que os sujeitos habitam durante a

sua trajetória educacional.

3.4. Percurso de devaneios e de estereótipos na trajetória universitária

Diversos autores apontam a centralidade que as práticas de consumo assumem nas

relações sociais e culturais presentes na sociedade contemporânea. Campbell (2001) é um dos

autores que reflete sobre essa questão, buscando encontrar alguma característica exclusiva do

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atual modo de consumir, que se diferencie das demais épocas e sociedades. Como resultado

de sua investigação, o autor propõe que a resposta para sua dúvida seria o “consumo como

devaneio”.

Na sua discussão sobre esse conceito, Campbell (2001) apresenta duas formas como

o consumo simbólico opera na subjetividade contemporânea: de um lado, manifestando-se

como fantasia, e, de outro, como devaneio. A fantasia diz respeito a imaginações irreais,

improváveis, fictícias. O devaneio, por outro lado, refere-se a pensamentos que se ligam à

realidade, na medida em que o sujeito projeta a si mesmo em futuros prováveis e em

plausíveis acontecimentos prazerosos, sonhando com possibilidades de felicidade. Para o

autor:

[...] muitos dos produtos culturais oferecidos à venda nas sociedades modernas são

consumidos, de fato, por servirem de apoio à elaboração dos devaneios. Isso é mais

claramente real quanto aos romances, mas também se aplica a quadros, a peças,

discos e filmes, assim como a programas de rádio e televisão (CAMPBELL, 2001,

p.135).

O devaneio, por exemplo, existe ao contemplar a vitrine numa loja, sem

necessariamente consumir o seu produto. Nos pensamentos, circulam representações diversas

com relação ao produto, consome-se simbolicamente ele, e, na forma de um devaneio, o ato

de ansiar e desejar se torna prazeroso. Ao atribuir significações agradáveis, e sonhar com o

objeto de desejo, o sujeito adquire mais prazer do que ocorreria ao adquirir, de fato, a

mercadoria, correndo o risco de ser frustrante, para o sujeito, envolver-se no consumo real. O

prazer do devaneio estaria em uma certa idealização, que perde o seu encanto quando

concretizada. Trata-se de um desfrute estético do prazer imaginativo.

É possível, portanto, haver “devaneios” (CAMPBELL, 2001) no “mercado de ideias”

(ANGENOT, 2010) em que circulam representações sobre profissões, cursos de graduação, a

vida universitária e instituições de ensino? Para Malki (2015), isso seria possível, posto que:

“A experiência universitária é uma experiência de integração entre sonho e realidade, entre

expectativas e realização, entre passado e presente, entre as fantasias sobre si mesmo e o

embate com uma nova realidade de demandas e entrega” (p.201).

O consumo simbólico, como devaneio, pode ser observado durante o percurso do

vestibular. Nessa situação, “escolher uma profissão é muito mais do que escolher o que fazer

na maior parte dos nossos próximos dias. É também responder a uma série de desejos e

fantasias que não são apenas seus, mas também das pessoas mais significativas para você”

(SOARES, 2009, p.76). O caráter coletivo do devaneio, durante o percurso do vestibular, é

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algo também observado por Bardagi (2007, p.130), quando afirma que “Os alunos e também

as famílias [...] tendem a supervalorizar a decisão tomada na adolescência”.

Sobre os devaneios articulados à escolha da profissão que ocorre, no período pré-

vestibular, Folmer-Johnson (2000, p.104) descreve que os estudantes, “Falam em realizar-se,

em obter sucesso, em prestar uma contribuição para a sociedade, mas parecem fazê-lo de

modo idealizado, abstrato”. O autor detalha mais os devaneios profissionais dos pré-

vestibulandos, quando comenta que:

O fim visado pelo futuro trabalho é, primeiramente, sua realização pessoal, sua

felicidade, representada, principalmente por satisfação pessoal, psicológica, prazer,

interesse e gosto pelo que fazem. A realização pessoal inclui também, embora com

menor frequência e ênfase, a expectativa de recompensas financeiras necessárias ao

atendimento de necessidades materiais da existência. Nota-se a preocupação

frequente com a conciliação da sua satisfação pessoal com uma contribuição social.

Importa que o trabalho contribua para a minimização de problemas sociais, para a

otimização da qualidade de vida da sociedade. (FOLMER-JOHNSON, 2000, p.93).

Com relação aos devaneios associados ao curso de graduação escolhido, Faht (2011,

p.96) descreve, a partir de estudos com pré-vestibulandos, que “a maioria dos estudantes

universitários escolhe o curso de graduação e/ou profissão a partir da visão idealizada de

trabalho”. Na amostra de Bardagi (2007, p.107), que consiste em universitários que desistiram

do seu curso de graduação, a autora constata que: “Entre os participantes, a maioria relatou

que iniciou o curso com expectativas positivas em relação à futura profissão, mesmo sem

muitos elementos que embasassem essas expectativas”. Além disso, a autora também

descreve que “especificamente, percebeu-se, de forma geral, uma expectativa de que a

entrada, no curso, fosse resolver todas as dúvidas e problemas e trazer satisfação

incondicional ao aluno” (idem, p.104). Para a autora:

Os alunos descreveram um início de curso meio ‘no escuro’, sem ideias claras do

que encontrariam e de como seria a vida universitária. Apenas, relataram

expectativas de ‘gostar de tudo’, ‘se encontrar’, de uma resolução natural das

dúvidas em relação à escolha. Essas expectativas utópicas são mais prováveis de

serem frustradas e levar à evasão. [...] O aluno precisa estar ciente do fato de que

nenhum curso superior atenderá a todas as suas necessidades, não será prazeroso

100% do tempo, não reunirá somente pessoas parecidas com ele e não o preparará

totalmente para a atividade e o mercado a ser enfrentado. Se as expectativas iniciais

forem construídas nessa direção, a probabilidade de decepção é grande e o

descontentamento com a realidade universitária pode ser intransponível (BARDAGI,

2007, p.134).

Com relação aos devaneios de alunos que abandonaram seus cursos, observa-se uma

idealização relacionada à escolha do curso/profissão no vestibular. Bardagi (2007, p.130), por

exemplo, descreve que os alunos por ela entrevistados, ao avaliarem suas escolhas iniciais,

após terem saído de seus cursos “são unânimes em dizer que ‘escolheram errado’, supondo

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que se tivessem ‘escolhido certo’ não teriam se decepcionado ou tido razões para evadir”.

Malki (2015, p.199) já observa que, entre os alunos que evadiram:

[..] havia presente também a fantasia de uma “nova escolha” como recomeço, algo

mágico, uma forma de voltar no tempo e “escolher certo”. Nestes alunos, esta época

perdida bem como algum curso que tenha sido preterido no passado – como nos

casos de alunos que não se desligaram da 1ª opção, reveste-se, na maioria das vezes,

em idealização, ainda que de diferentes graus.

Em relação às narrativas de vida de universitários que já se formaram, observam-se

devaneios que correlacionam o continuar dos estudos com possibilidades futuras de avanço na

trajetória profissional. Xikota (2004, p.70), por exemplo, descreve que: “A grande maioria dos

participantes do estudo coloca, no aperfeiçoamento constante, a expectativa de conseguir

segurança na prática profissional e na entrada/permanência no mercado de trabalho”. E

Kanabem (2016, p.140), observa a percepção da “volta aos estudos como maneiras de

ascensão na carreira”.

O consumo simbólico que mobiliza devaneios povoa cada etapa da trajetória de vida

dos universitários, assinalando futuras possibilidades de prazeres e felicidades. Trata-se de

devaneios que são formulados a partir de representações sociais da profissão, do curso de

graduação, da vida universitária e das instituições de ensino. Os autores do campo da

orientação profissional observam que, logo após cada etapa do percurso universitário se

concretizar, devaneios perdem o encanto que possuíam quando existia apenas na imaginação.

Silva (2016a) exemplifica isso, quando observa que a entrada na universidade,

acompanha sentimentos de alegria e felicidade, além de estranhamento, ansiedade e medo,

posto que as ilusões e os mitos da universidade são, aos poucos, abandonados conforme o

sujeito passa a compreender as rotinas desse novo ambiente. O estranhamento é um

sentimento que prova a mudança do lugar de fala do sujeito envolvido, e dos discursos que

povoam suas falas, sendo o estranhamento também o momento em que alguns devaneios são

testados, sob a luz de novas informações e conhecimentos.

Outro exemplo é dado por Knabem (2016, p.122. Grifo no original), quando observa

que a escolha pelo curso de turismo, conforme os egressos entrevistados, ocorreu “pelo

interesse na área e por uma ideia de que ‘fazer turismo’ é uma profissão interessante”,

havendo uma grande maioria que escolhe o curso por gostar de viajar, mas sendo essa

considerada, para os egressos, a maior ilusão possível, visto que esse “equívoco faz parte do

entendimento da profissão no senso comum e que inclusive depois de formado o não ingresso,

no mercado de trabalho, é permeado ainda por essa confusão, pois com o curso você ‘vai

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fazer os outros viajarem, talvez você não viaje muito’” (KNABEM, 2016, p. 122.Grifo no

original).

Para Malki (2015, p.199), os sujeitos que tiveram seus devaneios em relação ao curso

e à profissão desconstruídos, “lastimam não ter aproveitado o momento pré-vestibular de

escolha para refletir melhor e escolher diferente; por terem cedido a pressões externas e

internas (pais, escola, cursinho, medos, imaturidade, etc.)”. Bardagi (2007, p.131)

complementa esse ponto de vista, quando observa, nas narrativas de universitários que

abandonaram seus cursos, que:

Ao avaliarem as decisões iniciais que fizeram, os participantes do estudo salientaram

a falta de reflexão, a impulsividade, o estado de estresse em que se encontravam, a

falta de informações consistentes e de busca de novas informações e o excesso de

confiança em informações vindas de uma única fonte (pessoal ou material).

Para Faht (2011, p.96), a idealização da profissão pode “se relacionar a falta de

contato com o mundo do trabalho que, muitas vezes, surge entre as pessoas – sobretudo, entre

os adolescentes – como um dos fatores dificultadores da possibilidade de uma decisão mais

consciente”. Bardagi (2007, p.131), de forma complementar, comenta que:

Pode-se pensar que a ansiedade relativa à escolha do curso e ao vestibular

estivessem prejudicando a atividade exploratória, uma vez que a exploração gera

dúvidas ao aumentar as possibilidades e/ou confrontar certezas e estereótipos que os

alunos possam ter, gerando angústia e ambiguidade e aumentando a dificuldade de

decisão.

Conforme Bardagi (2007, p.101), os alunos por ela entrevistados: “expressaram

ideias relativas a estereótipos profissionais, ou seja, referiram como critérios nos quais

basearam suas escolhas informações supergeneralizadas e/ou pouco consistentes com as

práticas profissionais propriamente ditas”. Segundo Schaff (1973, p.139, tradução nossa),

estereótipos dizem respeito a uma concepção “que no lugar de ser sustentada a maneira de

uma hipótese que abandona certas provas, vem a ser falsamente assumida – em sua totalidade

ou só em parte – como uma verdade irrefutável”. Os estereótipos são tão poderosos, que

“Dizem-nos tudo sobre o mundo antes que o vejamos. Imaginamos a maioria das coisas antes

de experimentá-las. E [...] essas preconcepções governam profundamente todo o processo da

percepção” (LIPPMANN, 1972, p.156). A mobilização de estereótipos relacionados ao curso

de graduação, à profissão escolhida e à vida universitária é um elemento constantemente

resgatado pelos autores do campo científico da orientação de carreira, para explicar o modo

como os devaneios associados ao ensino superior são construídos.

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Por nem sempre o sujeito ter a oportunidade de verificar determinado saber, na sua

vida cotidiana, os estereótipos são vistos como algo necessário, ao mesmo tempo que um

“risco”. O fato da vida universitária e da vida profissional estarem distante das vivências dos

estudantes de ensino médio faz com que a tomada de decisão e as escolhas, em relação ao

consumo da universidade, do curso e da profissão, opere mediado por estereótipos diversos,

que são colocados à prova quando o sujeito vivencia suas escolhas. Além disso, Bardagi

(2007, p.103) comenta que:

Com relação à busca de informações (comportamento exploratório), os participantes

em geral se engajaram em atividades exploratórias esporádicas e não planejadas. A

exceção foi P5, que relatou ter buscado propositadamente várias fontes de

informação sobre o curso de administração desde o interesse inicial. Os outros

participantes verbalizaram consistentemente que não houve busca intencional de

informações, que o conhecimento que adquiriram sobre os cursos de interesse

vieram por terceiros, pelo que a mídia veiculava espontaneamente e através de

material promocional.

Para Bosi (2003), a opinião é o meio pelo qual repousa os estereótipos, que confirma

uma percepção que está relacionada ao senso comum, àquilo que é esperado por um

determinado grupo de sujeitos, não tendo compromisso, ou não se preocupando com a

possibilidade da existência de outra “verdade”, para além da que é defendida pela própria

opinião. Para Bosi (2003, p.115), a opinião “é a posição de uma consciência subjetiva, tida

como válida, mas sem a universalidade da verdade. O conhecimento é a opinião verificada”.

O conhecimento, desse modo, se opõe à opinião, pois busca se afastar dos prejulgamentos dos

estereótipos, ao se aproximar com o objeto de sua investigação e comparar conhecimentos. Os

autores do campo científico da orientação profissional sinalizam a importância de os

universitários buscarem tomar suas decisões pautadas no conhecimento, e não em opiniões.

Ressalta-se a importância de ter alguma experiência prática relacionada à área, e de se

consultarem várias fontes de informação, não confiando demais em apenas uma.

Ao compreender o universitário como um consumidor do “mercado de ideias”

(ANGENOT, 2010) do mundo do trabalho, questiona-se se é possível, mesmo com acesso ao

conhecimento, em vez de opiniões, envolver-se com a universidade sem mobilizar devaneios.

O consumo simbólico da universidade e da profissão é algo complexo, pois envolve a

projeção de si mesmo em futuro ainda não habitado.

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3.5. A narração como suporte do consumo simbólico

Ao narrarem suas vidas em uma situação de entrevista, os universitários

empreendedores mobilizam diversos sentidos que revelam consumos simbólicos por eles

realizados. O ato da comunicação presente numa situação de entrevista e a narrativa dela

resultante são importantes para se entender o modo como os sentidos são produzidos pelos

universitários empreendedores. Esse subcapítulo busca aprofundar mais sobre essa reflexão,

trazendo temas que são caros para situar a narrativa como o suporte do consumo simbólico

que os entrevistados realizam. Na primeira parte do subcapítulo, discute-se a perspectiva de

Bourdieu (1996, 2008) sobre o ato de comunicação e de narração. A segunda parte do

subcapítulo traz outros autores, que abordam narrativas e seu papel, no processo identitário,

para complementar o pensamento aqui presente. Na terceira parte, realiza-se uma discussão

que busca situar a entrevista em profundidade como um processo comunicacional.

3.5.1. O poder simbólico da linguagem e da ilusão biográfica

Um tópico que também foi abordado por Bourdieu (2008b) é a linguagem. Sua

análise desse tema busca trazer contribuições para a construção da sua “teoria científica” da

prática. Em um estudo que ele realizou sobre a economia das trocas linguísticas, Bourdieu

posiciona seu pensamento se diferenciando dos pressupostos linguísticos de Saussure, que,

para o autor, reduz a investigação do ato de comunicação a ser decifrado mediante apenas um

código, uma língua ou um universo de trocas simbólicas, não levando em conta que a

comunicação também é uma ação que deve ser observada localizada em um mundo social.

Bourdieu (2008b) situa a língua, a linguística e os atos de comunicação como

basilares para compreender o funcionamento do mundo social, visto que se tratam de uma

forma mais naturalizada, e, por isso, muitas vezes desconhecida, de capital cultural, além

também de serem uma espécie de capital a partir do qual opera o poder simbólico, marcando

formas de distinção que auxiliam na obtenção de “lucros” nos mais diferentes campos. A

linguagem e os atos de comunicação, portanto, também são instrumentos de ação e de poder.

Nas palavras de Bourdieu (2008b, p.23-24).:

[...] embora seja legítimo tratar as relações sociais – e as próprias relações de

dominação – como interações simbólicas, isto é, como relações de comunicação que

implicam o conhecimento e o reconhecimento, não se deve esquecer que as trocas

linguísticas – relações de comunicação por excelência – são também relações de

poder simbólico onde se atualizam as relações de força entre os locutores ou seus

respectivos grupos. Em suma, é preciso superar a alternativa comum entre o

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economicismo e o culturalismo, para tentar elaborar uma economia das trocas

simbólicas.

Para Bourdieu (2008b), o capital linguístico seria uma dimensão acobertada do

capital cultural, sendo composta por signos, diretamente associados ao sujeito, e que são

utilizados para compor o ato de comunicação. Entre os signos que compõem o capital

linguístico, é possível pontuar o conjunto e a performance do corpo, no ato de fala, o domínio

que o sujeito possui da língua formal, as decisões que são tomadas em torno do que se vai

dizer, o tom de voz, o modo como começa e interrompe uma interação, a maneira como se

senta e gesticula, etc. Parte desse capital é desenvolvido precocemente, no interior da família,

não sendo facilmente modificável após certo estágio da construção do habitus primário do

sujeito.

A quantidade e a consistência do capital linguístico podem atuar como capital

simbólico, agindo como indicadores de posição nos diferentes campos e esferas do mundo

social que o sujeito habita. Esse capital é usado por ele, no interior de cada campo, de acordo

com seu habitus linguístico específico, que orienta e direciona a comunicação conforme as

expectativas esperadas sobre o desempenho em cada situações. De acordo com Bourdieu

(2008b, p.24):

Todo ato de fala e, de um modo geral, toda ação é uma conjuntura, um encontro de

séries causais independentes: de um lado, as disposições, socialmente modeladas, do

habitus linguístico, que implicam uma certa propensão a falar e a dizer coisas

determinadas (interesse expressivo), definida ao mesmo tempo como capacidade

linguística de engendramento infinito de discursos gramaticalmente conformes e

como capacidade social que permite utilizar adequadamente essa competência numa

situação determinada; do outro, as estruturas do mercado linguístico, que se impõem

como um sistema de sanções e de censuras específicas.

Bourdieu, inspirado em Bakhtin, observa que numa sociedade diferenciada, que

possui uma diversidade de campos socias e de classes sociais, os sujeitos possuem a

capacidade de compreender e produzir uma variedade quase infinita de sentenças, a partir de

um número reduzido de signos comuns. Desse modo, as palavras que dentro de uma

sociedade “chamamos comuns, ‘trabalho’, ‘família’, ‘mãe’, ‘amor’ recebem na realidade

significações diferentes, e até antagônicas, pelo fato de que os membros da mesma

‘comunidade linguística’ mal ou bem utilizam a mesma língua e não várias línguas diferentes”

(BOURDIEU, 2008b, p.26).

Desse modo, Bourdieu (2008b) entende que as línguas são feitas para serem faladas

em situação, e a capacidade que os sujeitos têm de produzir e compreender uma variedade

quase infinita de sentenças também acompanha a competência de saber utilizar-se da

linguagem em uma situação dada (saber, por exemplo, o que dizer, em que momento se calar,

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etc). Com isso, o conhecimento prático da língua é inseparável do conhecimento prático das

situações, que possibilita aos sujeitos agirem de acordo com as expectativas de quais seriam

os discursos adequados a se utilizar.

Bourdieu (2008b) ressalta a importância de se entender a situação da interação

comunicacional dentro de um “mercado”, ou seja, dentro do quadro de condições sociais

referentes a um campo, que direciona as possibilidades de produção e circulação da

comunicação. Diferentes “mercados” teriam relativa autonomia na definição dos “preços” dos

discursos que nele circulam, possuindo categorias de valorização e de apreciação das línguas

que são conferidas a partir do plano social dos seus campos. O discurso seria, portanto, um

“bem simbólico” cujo valor dependente dos diferentes mercados nos quais é proferido. Desse

modo, tem-se que cada mercado mobilizaria seu próprio conjunto de maneiras e formas

consideradas “melhores” e “corretas” de se dizer, além, também, de instruções sobre as

situações adequadas de se usar essas formas.

Os discursos alcançam seu valor (e seu sentido) apenas através da relação com um

mercado, caracterizado por uma lei especial de formação particular dos preços: o

valor do discurso depende da relação de forças que se estabelece concretamente

entre as competências linguísticas dos locutores, entendidas ao mesmo tempo como

capacidade de produção, de apropriação e apreciação ou, em outros termos, como

capacidade de que dispõem os diferentes agentes envolvidos na troca para impor os

critérios de apreciação mais favoráveis a seus produtos (BOURDIEU, 2008b, p.54).

Outro aspecto importante, no pensamento de Bourdieu (2008b), é o “direito à fala”,

estando associado ao uso legítimo do capital linguístico, que possibilita uma linguagem

autorizada e de autoridade. Desse modo, nas diferentes situações sociais dentro de um campo,

existe uma distribuição desigual do uso da linguagem legítima entre aqueles que dominam e

os dominantes, sendo necessário, portanto, compreender as condições sociais que instauram

as relações de comunicação ali presentes. Em cada situação de “mercado” e em cada campo,

nota-se uma relação de crença entre a pessoa autorizada a falar e a autoridade de poder falar,

que delimita de forma desigual a distribuição do “poder dizer” e do “dever escutar”. Com

isso, no interior de cada mercado de trocas linguísticas, é possível observar que a

comunicação, muitas vezes, é destinada não apenas a se fazer entender, mas também a se

fazer obedecer, a censurar, a interpelar, etc.

Em outro estudo realizado por Bourdieu (1996), o autor aplica suas reflexões sobre a

economia das trocas linguísticas, para entender a produção de narrativas de vida em meio ao

processo de entrevistas em profundidade. De modo geral, ele observa que as narrativas de

vida, independentemente se são produzidas em situações de entrevista ou em outras

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circunstâncias do cotidiano, buscam apresentar oficialmente o sujeito de acordo com as leis

que atuam sobre os mercados linguísticos nas quais estão situadas:

As leis que regem a produção de discursos na relação entre um habitus e um

mercado aplicam-se a esta forma particular de expressão que é o discurso sobre si; e

a narrativa de vida vai variar, tanto em sua forma quanto em seu conteúdo, conforme

a qualidade social do mercado no qual será apresentada – a própria situação de

pesquisa contribuindo, inevitavelmente, para determinar a forma e o conteúdo do

discurso recolhido (BOURDIEU, 1996, p.80).

Em uma situação de entrevista em profundidade com o intuito de se obterem

narrativas de vida, Bourdieu (1996, p.81) nota a influência da situação de “mercado” na

entrevista, que pode variar “conforme a distância objetiva entre entrevistador e entrevistado, e

conforme a capacidade do primeiro em ‘manipular’ essa relação” de modo a direcioná-la no

sentido interrogatório oficial ou até mesmo de uma confidência. Outro aspecto que influencia

a situação de entrevista é a “representação mais ou menos consciente que o entrevistado se faz

da situação da entrevista, em função de sua experiência direta ou mediada de situações

equivalentes” (idem), que acaba por afetar todo o esforço da apresentação, e da produção, de

si. Com isso, tem-se que o resultado dessas entrevistas é “a apresentação pública, logo, a

oficialização, de uma representação privada de sua própria vida, [que] implica um acréscimo

de limitações e de censuras específicas” (idem, p.81-82).

Bourdieu (1996) descreve que, numa situação comunicacional de entrevista em

profundidade, que tenha como intuito a produção de narrativas de vida, o entrevistador e o

entrevistado têm, de certo modo, o mesmo interesse que é o de aceitar “o postulado do sentido

da existência contada (e, implicitamente, de qualquer existência)” (idem, p.75). Buscam, em

conjunto, apanhar, na unidade de uma narrativa totalizante, uma identidade entendida como

“constância de si mesmo” (idem, p.77), a partir de uma “narrativa coerente de uma sequência

significativa e coordenada de eventos” (idem, p.78), mas tudo isso não deixa de ser uma

espécie de ilusão retórica que opera “através dos pressupostos inconscientes da entrevista

(como a preocupação com a cronologia e com tudo que seja inerente à representação da vida

como história)”.

Desse modo, não é possível compreender como se dá de fato uma trajetória social

(que liga o nascimento à morte do sujeito) apenas a partir de uma narrativa de vida que o

sujeito produz. O que as narrativas de vida permitem é capturar a superfície social dos

agentes, a maneira como, orientados pelo seu habitus de campo e pelo seu habitus linguístico,

eles formulam sua apresentação pessoal, em termos de narrativa de vida, para realizarem suas

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alocações e seus deslocamentos, nos espaços sociais e nos campos sociais com os quais

interagem.

A partir das reflexões de Bourdieu apresentadas, pode-se observar que o lugar de fala

dos empreendedores universitários é o de um participante numa entrevista em profundidade

para fins científicos, e, por causa disso, as comunicações que realizam tendem a corresponder

as suas expectativas em relação ao mercado linguístico que ali se desenha. Desse modo,

censuras específicas e limitações estão previstas em sua fala, mesmo que a pesquisa científica

esteja apoiada em termo de confidencialidade, protegendo o anonimato dos entrevistados.

Além disso, as respostas contêm estratégias de apresentação pública de si das representações

privadas que o sujeito realiza da sua própria vida, sendo estratégias que dialogam com a

situação imediata da entrevista, e os interesses particulares de cada envolvido, que podem

visar outros ganhos para além da própria situação de entrevista, como, por exemplo, a busca

de novas redes de contatos, reconhecimento pelo trabalho que realiza, etc.

A situação de entrevista em profundidade atua também como uma espécie de ritual

que autoriza o entrevistador a falar a partir da posição de um pesquisador acadêmico, e o

entrevistado a partir da posição de empreendedor universitário. Para Bourdieu (1996, p.89):

“o êxito destas operações de magia social que são os atos de autoridade (ou então, o que dá

no mesmo, os atos autorizados) está subordinado à confluência de um conjunto sistemático de

condições interdependentes que compõem os rituais sociais”, no caso, exemplos de rituais que

compõem a situação da entrevista são: o ato de assinar um contrato de confidencialidade,

pedir autorização para gravar, seguir um protocolo orientado por um questionário

semiestruturado, etc. Ao ser autorizado a falar a partir de papéis que variam entre a de um

estudante universitário e a de empreendedor de um negócio associado a uma incubadora, o

entrevistado comunica uma apresentação pública da sua superfície social enquanto agente

nesses campos.

3.5.2. Narrativas de si como apresentação e criação identitária

A narrativa é um objeto de interesse de muitas investigações científicas, podendo ser

concebida, numa parcela desses estudos, como “uma nova abordagem teórica, [...] um novo

gênero da filosofia da ciência” (BROCKMEIER e HARRÉ, 2003, p. 525), cuja ênfase está

nas interpretações. Os estudos de narrativas contribuem para se pensar o “problema do

entendimento dos padrões dinâmicos do comportamento humano” (idem), posto que é

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sobretudo por meio de narrativas que entendemos textos e contextos mais amplos, complexos

e diferenciados da nossa experiência.

Para Bruner (1991, p. 4), narrativas são “uma versão de realidade cuja aceitabilidade

é governada apenas por convenção e por ‘necessidade narrativa’, e não por verificação

empírica e precisão lógica, e, ironicamente, nós não temos nenhuma obrigação de chamar as

histórias de verdadeiras ou falsas”. Com isso, para o autor, as narrativas não são apenas uma

forma de representar a realidade humana, mas também de construí-la, operando como um

instrumento mental de construção da realidade.

A “verdade” narrativa é julgada por sua verossimilhança e não por sua

verificabilidade. Isso parece apontar para o fato de que há algum sentido em dizer

que a narrativa mais do que referir a “realidade”, pode criá-la da mesma maneira que

a “ficção” cria um “mundo” para si própria (BRUNER, 1991, p.12)

Brockmeier e Harré (2003) descrevem que um erro comum ao se investigar

narrativas é pressupor a existência subjacente de um nível de estruturas de significados que

antecedem o discurso narrativo. Um exemplo dessa dinâmica é quando se compara a

“realidade” de uma vida com a “narrativa de vida” que alguém produziu, afirmando que a

última é menos verdadeira que a primeira, ou apenas uma representação da primeira. O erro

está em aceitar a “realidade” como uma espécie de critério objetivo, quase documental, que

deixa o processo narrativo de atribuição de significados à vida humana em segundo plano.

Mesmo que Bourdieu (1996) tenha demonstrado que a narrativa não deixa de ser uma ilusão

bem construída, de acordo com as necessidades de uma determinada situação comunicacional,

ao partir do princípio de que “viver é atribuir significado a uma vida” (BROCKMEIER e

HARRÉ, 2003, p. 530), tem-se que esses significados “assumem forma, ordem e coerência

apenas através do processo da própria narrativa” (idem). As narrativas são formas inerentes à

maneira como buscamos conhecimentos que organizam a experiência do mundo e de nós

mesmos. Para além de simples modo de representação, elas são um modo específico de

construção e constituição da realidade (BRUNER, 1991).

Quando se pensa o uso da narrativa para narrar a si próprio, pode-se observar que o

processo identitário, que ali se manifesta, não privilegia a busca da “verdade”, dando lugar à

verossimilhança. Ao estudar “narrativas do eu”, Sibilia (2008, p. 31) descreve que, na

contemporaneidade, o “eu de cada um de nós seria uma entidade complexa e vacilante. Uma

unidade ilusória, construída, na linguagem, a partir do fluxo caótico e múltiplo de cada

experiência individual”. Tal como foi apresentado anteriormente por Bourdieu (1996), essa

ideia de eu é uma ilusão biográfica, cuja forma se manifesta de acordo com a situação

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imediata na qual ela é produzida. Além disso, Sibilia (2008, p.31) afirma que “o eu é uma

ficção gramatical, um centro de gravidade narrativa, um eixo móvel, e instável onde

convergem todos os relatos de si”. Desse modo, as “narrativas do eu” possibilitariam ao

sujeito não só organizar, por meio do discurso e da linguagem, o “tumultuado fluir da própria

experiência e dar sentido ao mundo, mas também estabilizar o espaço e ordenar o tempo, em

diálogo constante com a multidão de outras vozes que também nos modelam, coloreiam e

recheiam” (idem). Outro aspecto que merece destaque é que:

A experiência de si como um eu se deve, portanto, à condição de narrador do sujeito:

alguém que é capaz de organizar sua experiência na primeira pessoa do singular.

Mas este não se expressa unívoca e linearmente através de suas palavras, traduzindo

em texto alguma entidade que precederia o relato e seria “mais real” do que a mera

narração. Em vez disso, a subjetividade se constitui na vertigem desse córrego

discursivo, é nele que o eu de fato se realiza. Pois usar palavras e imagens é agir:

graças a elas podemos criar universos e com elas construímos nossas subjetividades,

nutrindo o mundo com um rico acervo de significações (SIBILIA, 2008, p.31).

Ao construírem narrativas, os sujeitos organizam sua trajetória de vida de modo a

colocar em evidência determinados fatos e ocultar outros, promovendo construções

identitárias. Além disso, Worcman (2013, p. 147), em seu estudo, observou que após realizar

entrevistas que incentivavam a produção de narrativas de si, “o que havia em comum, nas

narrativas, não era necessariamente o fato de que todas as histórias terminavam bem, mas sim,

de que narradores e narradoras quase sempre chegavam a uma conclusão, ou melhor, à

atribuição de um sentido ao que haviam vivido”.

No mundo, quando se observa uma criança, um adulto, ou um homem de negócios,

pode-se notar que, independentemente da idade ou da cultura, a narrativa se faz presente,

povoando o cotidiano desse ser humano. Ao nascer, a narrativa já está lá, na fala dos pais, na

rotina dos médicos e das enfermeiras, no cotidiano da família, nas transmissões da TV, do

rádio, do celular. A narrativa preenche a vida do sujeito com sentidos, sendo também uma

prática comunicacional, por meio da qual o ser humano realiza interações consigo mesmo e

com o outro. Os empreendedores universitários são sujeitos imersos em narrativas, que

cresceram em um mundo de narrativas, e que dela se utilizam para interagir, socializar e

significar.

A narrativa é um tipo específico de discurso e, por causa disso, possui elementos

comuns a todas as outras categorias discursivas, tais como: (1) o fato de ser elaborada por um

emissor e direcionada para um receptor; (2) a mobilização de signos cujos sentidos são

codificados e decodificados de diferentes formas, de acordo com o contexto histórico-social-

cultural no qual ela é produzida e/ou consumida. Desse modo, a narrativa se assemelha nesses

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aspectos a outros tipos de discursos, como pinturas, fotografias, listas, embalagens, entre

outros. Por outro lado, a narrativa também se difere desses a partir de sua particularidade: a de

possuir “um enredo que se desenvolve no tempo” (BROCKMEIER e HARRÉ, 2003, p. 527).

As narrativas do eu, enquanto discursos, posicionam o sujeito em um determinado

momento histórico, de uma sociedade e de uma cultura. Para Bourdieu (2001, p. 190), é

preciso entender o contexto em que a vida é narrada a partir da complexidade da situação

social que ali se apresenta, visto que não é possível conceber uma trajetória sem situar “o

conjunto das relações [...] que uniram o agente considerado [...] ao conjunto dos outros

agentes envolvidos, no mesmo campo, e confrontados com o mesmo espaço dos possíveis”

(idem, p.190). Para Brockmeier e Harré (2003, p. 532):

Desde muito cedo, as crianças aprendem como se expressar e apresentar o seu ponto

de vista [...]. Se um contador de estórias não tiver se apropriado devidamente das

convenções, os ouvintes irão reclamar, parar de ouvir, zombar, corrigir o contador e

assim por diante. Seguir corretamente as convenções mantém a atenção dos

ouvintes. A mera repetição levará ao aborrecimento, principalmente se os

espectadores forem maduros. Assim, portanto, o contador de estórias deverá

dominar a delicada arte de combinar o tradicional e o novo, o usual e o inesperado, o

padronizado e sua ruptura.

Um cenário cultural mais amplo de ordens discursivas fundamentais está entrelaçado

ao repertório local de formas narrativas. São essas ordens discursivas que determinam “quem

conta qual estória, quando, onde e para quem” (BROCKMEIER e HARRÉ, 2003, p. 527). As

narrativas tratam de versões da realidade muito específicas aos sujeitos e à situação, mas, ao

narrarem, elas utilizam de convenções linguísticas, estruturas de enredo, gêneros, e diferentes

modalidades retóricas, que tem uma base histórico-cultural. Dessa maneira, aqueles sujeitos

que falam e aqueles que ouvem (os interlocutores) conseguem compreender os sentidos que

são ali produzidos. Para Brockmeier e Harré (2003, p. 532), “precisamos refletir se contar

uma vida e viver uma vida é essencialmente a mesma coisa [...]. Talvez nós entenderemos

vida e estória de vida como intrinsicamente interligadas em uma contínua produção de

significado e sentido”.

As convenções narrativas são próprias à prática de contar histórias. São padrões pré-

existentes aos quais as histórias devem se ajustar para serem reconhecidas. Os sujeitos são

envolvidos por histórias desde a infância, pelas quais aparentam ter gosto ilimitado, não

apenas pela sua variedade e pelo gosto em si, mas por sua repetição. A abstração de padrões

por meio da experiência é eficaz ao orientar a ação, para se conduzir a sequência correta de

ações e assim por diante. A narrativa pode ser entendida como um repertório especial de

normas e instruções sobre o que deve ser (ou não) feito na vida, além de como um indivíduo

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deve almejar ser integrado a um padrão generalizado e estabelecido culturalmente. Para

Brockmeier e Harré (2003, p. 531):

A narrativa[...] é muito comumente utilizada como se fosse apenas uma palavra para

designar uma modalidade ontológica. A narrativa deveria antes ser considerada

como uma expressão de um conjunto de instruções e normas para se realizar uma

variedade de práticas comunicativas, ordenar, dar sentido às experiências, promover

conhecimento, apresentar desculpas e justificativas e assim por diante. Apesar de

parecer uma entidade linguística e cognitiva firme e bem definida, a narrativa deve

ser tratada como um conjunto condensado de regras, englobando aquilo que é

coerente e plausível em uma certa cultura.

As identidades também sofrem influências dessas normas e instruções das narrativas,

posto que os sujeitos encontram os modelos narrativos a partir dos quais se espelham para a

construção e apresentação da própria identidade. A narrativa se apresenta como um modelo

especialmente flexível, que age, em termos gerais, por analogia. Ela relaciona aquilo que é

desconhecido ao conhecido, sendo um modelo utilizado para interpretar ou explicar um

conjunto de fenômenos e associá-los a um conjunto de regras próprias, que são altamente

dependentes do contexto cultural no qual são usadas. O padrão cultural permite que a analogia

pareça ser inteligível e plausível. Além disso, as narrativas atuam como formas de mediação

extremamente mutáveis entre a realidade específica do sujeito e o padrão generalizado da

cultura. As narrativas, desse modo, “são ao mesmo tempo modelos do mundo e modelos do

self. É através de nossas estórias que construímos a nós mesmos como parte de nosso mundo”

(BROCKMEIER e HARRÉ, 2003, p. 533).

Outra característica importante da narrativa a ser levado em consideração é que é

preciso atentar-se ao fato de que ela coloca em evidência eventos que ocorrem

sequencialmente, atribuindo sentidos à passagem do tempo. Além disso, tem-se que a

narrativa fala sobre personagens que realizam ações em um cenário. Os eventos e os

acontecimentos que se sucedem, portanto, são povoados com os estados intencionais dos

personagens ali envolvidos – intenções motivadas por valores, desejos, convicções, teorias,

etc. (BRUNER, 1991).

Para Ricoeur (1994, p.15), “o tempo torna-se tempo humano na medida em que é

articulado de um modo narrativo, em compensação, a narrativa é significativa na medida em

que esboça os traços da experiência temporal”. Em seu estudo sobre as narrativas, Ricoeur

(1994) observa que o ato de narrar mantém forte a relação com a própria definição estrutural

do tempo. Na sua perspectiva, a narrativa configura-se: (1) na capacidade de identificar

eventos que narrativamente se presentificam, na vivência, imitando as estruturas inteligíveis

da ação e do mundo; (2) na capacidade de estabelecer articulação simbólica das ações

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estruturais, permitindo a imitação das ações para a composição da expressão; (3) na

capacidade de temporalizar as ações articuladas simbolicamente, possibilitando a inter-relação

de tais ações em uma estrutura narrativa e narrando-as propriamente.

Para Bourdieu (2001a, p. 183), quando observa o postulado de sentido de existência

que existe em toda narrativa, ele observa que “falar de história de vida é pelo menos pressupor

[...] que a vida é uma história e que, [...] uma vida é inseparavelmente o conjunto dos

acontecimentos de uma existência individual concebida como uma história e o relato dessa

história”. Trata-se de descrever a vida como um caminho, um trajeto, um percurso orientado,

linear e unidirecional, com “um começo (‘uma estreia na vida’), etapas e um fim, no duplo

sentido, de término e de finalidade (‘ele fará seu caminho’ significa ele terá êxito, fará uma

bela carreira), um fim da história” (idem). Tal perspectiva é compartilhada por Giele e Elder

Jr. (1998), que descrevem a importância de se entender a forma como a vida narrada se

organiza a partir de momentos e marcos de transformação, para a consequente compreensão

identitária do sujeito.

Outro aspecto a ser destacado, que relaciona a identidade às particularidades da

narrativa e do tempo, é que, ao produzirem “narrativas do eu”, os sujeitos passam a assumir,

ao mesmo tempo, os papéis de autores-narradores-personagens (SIBILIA, 2008). Com isso,

tais narrativas se tornam “um relato feito por um narrador no aqui e agora, sobre um

protagonista que tem o seu nome e existiu num passado, desembocando a história no presente,

quando o protagonista se funde com o narrador” (BRUNER, 1991, p. 149).

A partir desse entendimento de que nas “narrativas do eu” existe um personagem-

autor-narrador, podem-se pensar as relações identitárias do sujeito, tanto a partir do modo

como a narrativa é contada – pois o sujeito é, ao mesmo tempo, o autor-narrador da história –,

quanto por meio do conteúdo da narrativa – pois o autor-narrador passa a existir enquanto

personagem, relacionando-se com outros personagens. Sobre isso, as relações identitárias aqui

presentes são permeadas por relações de identificações, vínculos e alteridades, posto que, ao

narrar as “vidas interligadas” (GIELE e ELDER JR., 1998) do personagem principal, as

pessoas com quem ele interagiu na história e suas relações sociais contribuem para produzir

um sentido sobre o outro, que também diz respeito ao próprio sujeito que o narra. Conforme

Bakhtin (2003, p.141):

Ao narrar sobre minha vida cujas personagens são os outros para mim, passo a passo

eu me entrelaço em sua estrutura formal da vida [...], coloco-me na condição de

personagem, abranjo a mim mesmo com minha narração; as formas de percepção

axiológica dos outros se transferem para mim onde sou solidário com eles. É assim

que o narrador se torna personagem (BAKHTIN, 2003, p. 141).

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A intencionalidade dos personagens – intenções que, na narrativa, são motivadas por

valores, desejos, convicções, teorias, etc. – cria um postulado do sentido da existência, que

revela informações sobre o sujeito. Isso nos ajuda a assimilar “pelo que faz valer a sua luta, a

sua persistência, as suas recompensas, as suas vitórias, mas também possibilita compreender a

dimensão de seus fracassos, de seus sonhos frustrados, das metas não alcançadas”

(CASAQUI, 2013, p.877). Essa intenção revela, na narrativa, o passado de forma a trazer

questões relacionadas tanto ao atual projeto do sujeito quanto ao seu projeto futuro, de modo

que noções como “desde pequeno”, “desde então” ou “sempre” estivessem predestinadas a

resultarem no agora da narração (BOURDIEU, 2001a).

3.5.3. A entrevista em profundidade como processo comunicacional

O objeto comunicacional que é investigado nesta pesquisa é produzido por meio de

entrevistas em profundidade com roteiros semiestruturados. Nessa técnica, os entrevistados

são convidados a assumirem o papel de enunciadores, e narrem suas vidas para um

enunciatário que, no caso, seria o pesquisador desta tese. No entanto, é importante ressaltar

que esse processo ocorre após os entrevistados terem sido estimulados e afetados pelo

entrevistador que, em uma temporalidade anterior, adotou previamente o papel de enunciador

ao propor uma pergunta. Trata-se, portanto, de um processo interativo, no qual, tanto o

entrevistador quanto o entrevistado assumem o papel de “sujeitos da comunicação”

(FRANÇA, 2006), realizando a ação de produzir e receber material significante para e em

decorrência um do outro.

A entrevista em profundidade é, portanto, uma situação de mútua afetação e co-

presença na qual a produção de narrativas de vida e de perguntas é influenciada

antecipadamente pela futura e provável afetação do outro. Como “sujeitos da comunicação”,

tanto o pesquisador quanto os universitários entrevistados elaboram enunciados inferindo a

reação e as expectativas recíprocas um do outro, e projetando as consequências antes e

durante a realização de suas ações – tais como pensar e enunciar sua pergunta ou resposta.

Conforme Souza, Branco e Oliveira (2008, p.365), o momento da entrevista em profundidade

pode ser entendido:

Como um espaço interativo, dialógico, permeado de significados co-construídos, nos

quais os papéis de entrevistador e entrevistado são flexíveis e a qualidade do vínculo

entre os dois é de fundamental importância. A entrevista conduzida sob o enfoque

dialógico é significada como uma interação intencional [...]. Nela é compartilhada a

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construção dos significados, convertendo-se em contexto de transformação dos

sujeitos.

A entrevista em profundidade, a partir das reflexões de Bakhtin (2006), pode ser

entendida como sendo dialógica, visto que, para o autor, qualquer enunciado, mesmo que

ocorresse em uma situação solitária, sempre é direcionado para um auditório social com o

qual se estabelece um processo de diálogo, sendo o auditório real ou imaginário, individual ou

coletivo. De acordo com sua perspectiva, toda a aplicação prática da língua – seja um ato de

fala ou um pensamento – pressupõe um interlocutor para o qual se dirige a comunicação,

visando alguma persuasão. Na entrevista, tanto o entrevistador como o entrevistado concebem

para si um interlocutor, adequando sua comunicação em torno das expectativas que se possui

dele. Completando essa perspectiva dialógica proposta do Bakhtin, Orlandi (2010, p.39)

aponta que existe, na construção dos discursos, mecanismos de antecipação a partir dos quais

“todo sujeito tem a capacidade de experimentar, ou melhor, de colocar-se no lugar em que o

seu interlocutor ‘ouve’ suas palavras. Ele antecipa-se assim a seu interlocutor quanto ao

sentimento que suas palavras produzem”. Para Orlandi, o enunciador, em todo ato de

enunciação, constrói “formações imaginárias” dos elementos envolvidas na comunicação.

Dessa forma, projeta para si e para o outro, papéis e posições sociais, que acabam por

influenciar o próprio desenvolvimento do discurso:

[...] não são os sujeitos físicos nem os seus lugares empíricos como tal, isto é, como

estão inscritos na sociedade, e que poderiam ser sociologicamente descritos, que

funcionam no discurso, mas suas imagens que resultam de projeções. São essas

projeções que permitem passar das situações empíricas – os lugares dos sujeitos –

para as posições dos sujeitos no discurso. Essa é a distinção entre lugar e posição”

(ORLANDI, 2010, p. 40).

Outro ponto importante a ser pensado é que, conforme Bakhtin (2006), não é

possível pensar a linguagem como algo separado do discurso, visto que não é possível

dissociar o signo das suas formas concretas de comunicação social, e nem dissociar a

comunicação da sua base material. Para o autor, todo signo social resulta do consenso entre

sujeitos socialmente organizados, no decorrer de um processo de interação, “razão pela qual

as formas do signo são condicionadas tanto pela organização social de tais indivíduos como

pelas condições em que a interação acontece. Uma modificação destas formas ocasiona uma

modificação do signo” (idem, p.43). De modo similar, Orlandi (2010, p.19) comenta que não

se pode separar forma e conteúdo, visto que a língua não pode ser compreendida apenas

“como uma estrutura, mas sobretudo como acontecimento”. A partir dessa perspectiva, tem-se

que as narrativas de vida produzidas dentro de uma situação de entrevista em profundidade

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são influenciadas não apenas pela situação imediata da interação, mas também por um

contexto mais amplo, histórico, social e cultural, que afeta os sentidos dos discursos.

Outro aspecto da entrevista em profundidade é que ela “explora a percepção e os

sentidos de si elaborados pelo sujeito, considerando que o participante tem a oportunidade de

reconstruir seu passado na própria dinâmica da interação da entrevista” (SOUZA, BRANCO,

OLIVEIRA, 2008, p.365). Trata-se de um processo comunicacional que possibilita, portanto,

observar o ponto de vista ideológico de quem nele participou. A perspectiva de Bakhtin

(2006) reconhece que todo signo é ideológico por natureza, possuindo sentidos que,

determinados por uma condição de produção específica, mostram uma maneira particular de

ler o mundo, que reflete o ponto de vista de uma classe ou de um grupo social. Um mesmo

signo pode ter vários sentidos ideológicos circulando em torno dele. Capturar esses sentidos e

compreendê-los a partir do contexto em que eles foram produzidos, coloca em evidência os

diversos embates – simbólicos, sociais, culturais – que se fazem presentes na sociedade em

uma determinada época.

Orlandi (2010), sob a ótica da análise do discurso de linha francesa, contribui para

compreender como se manifesta essa ideologia no ato de comunicação, descrevendo que toda

formação discursiva é acompanhada e delineada por formações ideológicas. Na perspectiva da

autora, que dialoga com o pensamento de Bakhtin (2006), na sociedade, circulam diversos

discursos, que chegam ao sujeito por meio da interação comunicacional, contribuindo para

formular repertórios e subjetividades. Esses discursos trazem consigo sentidos que foram

produzidos, no social, e que dizem respeito a um determinado ponto de vista sobre o mundo,

sendo, muitas vezes, compartilhados por uma comunidade13. Ao produzir novos discursos, os

sujeitos resgatam as formações discursivas e os significados neles contidos, refletindo e

refratando as ideologias que se fazem ali presentes, de modo a produzir novos sentidos. Para

Orlandi (2010, p.43), a formação discursiva:

[...] permite compreender o processo de produção dos sentidos, sua relação com a

ideologia e permite ao analista estabelecer regularidades no funcionamento do

discurso. Trata-se daquilo que “numa formação ideológica dada – ou seja, a partir de

uma posição dada em uma conjuntura sócio-histórica dada – determina o que pode e

deve ser dito”.

Para Orlandi (2010), a linguagem não é um sistema estável de formas normativas

idênticas, e sim como um processo ininterrupto em constante transformação. Ela possui uma

13 Os sentidos atribuídos as formações discursivas podem variar de acordo com o horizonte social e o ponto de vista

ideológico, da classe/grupo social que as leem.

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determinação histórica “que não é mero reflexo do fora mas se constitui já na própria tessitura

da materialidade linguística” (idem, p.29), e, portanto, a linguagem é o resultado das diversas

transformações que acontecem no decorrer das interações comunicacionais presentes na vida

cotidiana. Todo discurso é formulado a partir de outros que se fazem presentes na memória

coletiva da cultura. Conforme Orlandi (2010, p.31), existe uma memória discursiva, um

“saber discursivo que torna possível todo dizer e que retorna sob a forma do pré-construído,

do já-dito, que está na base do dizível, sustentando cada tomada da palavra”. Essa memória

discursiva também é conhecida como interdiscurso, e engloba todos os sentidos que já foram

produzidos por alguém, em outros momentos, em algum lugar. No entanto, ao produzirmos

nossos próprios discursos, fazemos de uma maneira e não de outra, esquecendo que o “nosso

modo de dizer não é indiferente aos sentidos” (idem, p.35). Por outro lado, esquecemos

também que os sentidos “são determinados pela maneira como nos inscrevemos na língua e

na história e é por isto que significam e não pela nossa vontade” (idem).

Na entrevista em profundidade, portanto, os sujeitos ali presentes fazem usos de

formações discursivas e ideológicas, para produzir seus discursos. Tais produções refletem e

refratam sentidos, que são compartilhados, no social, e que dizem respeito também às

condições de produção dos enunciados, referindo-se ao contexto imediato no qual os sujeitos

estabelecem interações uns com os outros, e também ao cenário histórico, social e cultural,

que afeta o espírito de uma época e o modo como os sentidos são nela codificados e

interpretados.

4. Incubando projetos de vida e de negócios

O presente capítulo se dedica à descrição dos procedimentos metodológicos desta

tese, em específico, no que se refere à coleta das narrativas de vida dos universitários

associados a incubadoras de negócio e à descrição do protocolo de análise dessas narrativas.

Além dos procedimentos metodológicos, este capítulo também contém a análise efetiva das

narrativas coletadas, nas quais se procurou alcançar o objetivo principal desta tese, que é

investigar como se dá as produções de sentidos em torno do empreendedorismo e do seu

consumo simbólico, nas narrativas de vida comunicadas por universitários associados a

incubadoras de negócio.

A investigação aqui realizada é de tipo exploratório (GIL, 2008) com o objetivo de

esclarecer e proporcionar uma visão geral, de tipo aproximativo, em torno da produção de

sentido e do consumo simbólico do empreendedorismo na perspectiva comunicacional dos

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universitários incubados. Esse tipo de pesquisa foi escolhido por se tratar de um

acontecimento comunicacional que ainda não foi abordado pelos pesquisadores brasileiros do

campo da comunicação e do consumo, exigindo uma visão mais detalhada de como se dá o

fenômeno.

A abordagem adotada nesta pesquisa é a qualitativa, buscando lidar com as

intepretações e codificações do empreendedorismo, a partir do olhar dos sujeitos que

vivenciam a realidade social das incubadoras de negócios. Conforme Bauer e Gaskell (2002,

p. 32/33), esse tipo de abordagem “defende que é necessário compreender as interpretações

que os atores sociais possuem do mundo, pois são estes que motivam o comportamento que

cria o próprio mundo social”. Trata-se de um enfoque que procura atingir um conhecimento

que é significativo, na sua singularidade histórica, social e cultural atentando-se à

subjetividade e ao simbolismo que se emana das relações comunicacionais investigadas.

Conforme Minayo e Sanches (1993, p.245),

[...] a realidade social é qualitativa e os acontecimentos nos são dados primeiramente

como qualidades em dois níveis: a) em primeiro lugar, como um vivido absoluto e

único incapaz de ser captado pela ciência; b) em segundo lugar, enquanto

experiência vivida em nível de forma, sobretudo [...] dos significados, motivos,

aspirações, atitudes, crenças e valores, que se expressa pela linguagem comum e na

vida cotidiana – o objeto da abordagem qualitativa.

A abordagem qualitativa aqui adotada realiza a tarefa de confrontamento entre a fala

dos universitários incubados e o contexto imediato, histórico, social e cultural, no qual estão

envolvidos, atentando-se às estratégias de produção de sentido, adotadas pelos entrevistados,

em um contexto de interação comunicacional. Nestes termos, a fala dos entrevistados torna-se

reveladora de condições: “estruturais, de sistemas de valores, normas e símbolos (sendo ela

mesma um deles), e, ao mesmo tempo, possui a magia de transmitir, através de um porta-voz

(o entrevistado), representações de grupos determinados em condições históricas, sócio-

econômicas e culturais específicas” (idem).

Conforme Minayo e Sanches (1993, p. 245/246), é possível observar certa

representatividade das falas coletadas em campo, para uma pesquisa qualitativa, justamente

por se inferir, a partir da abordagem do habitus, tal como proposta por Bourdieu, que “a

identidade de condições de existência tende a produzir sistemas de disposições semelhantes,

através de uma harmonização objetiva de práticas e obras [...]. Daí, a possibilidade de se

exercer, na análise da prática social, o efeito da universalização e da particularização”. Com

isso, tem-se que “se um estudioso do social está apto a entender a linguagem e a definição da

situação típica de um grupo, estrato ou sociedade – respondendo às indagações tradicionais da

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ciência –, ele está apto também a predizer as respostas desse grupo com um certo grau de

probabilidade”.

A abordagem qualitativa define tanto o método de coleta dos dados – que é a

entrevista em profundidade –, quanto os procedimentos da análise – que se embasa na

hermenêutica de profundidade, tal como proposto por Thompson (2002). Nos subcapítulos a

seguir, apresenta-se, em um primeiro momento, o delineamento detalhado da pesquisa,

descrevendo a delimitação do corpus e o modo como ocorreu a coleta e o tratamento dos

dados, e, em um segundo momento, os resultados das análises realizadas.

4.1. Delimitação do corpus

Conforme foi apresentado, na introdução dessa tese, o objeto comunicacional que é

investigado nessa pesquisa são as narrativas de vida produzidas por universitários associados

à incubadoras de negócios. Desse modo, a primeira preocupação da delimitação do corpus foi

decidir as incubadoras com as quais se entraria em contato. O primeiro critério foi a sua

localização geográfica. Decidiu-se por investigar incubadoras localizadas na cidade de São

Paulo, pelo fato de ela ser a cidade mais populosa do país e da América Latina (12 milhões de

habitantes14), que, sozinha, representar 10,7% do PIB brasileiro15. Além disso, São Paulo foi

eleita pela Endeavor (2016) – uma entidade formadora de opinião do campo do

empreendedorismo –, três anos consecutivos (2015, 2016 e 2017), como a cidade mais

atraente para empreendedores que buscam inovação e alto impacto, visto que a cidade de São

Paulo representa 40% das patentes produzidas no país16, e quase 60% de todos os

investimentos de capital de risco do Brasil. A questão da inovação é importante para essa tese

pois esse é um dos critérios de seleção adotados pelo pesquisador, em relação as incubadoras

que serão investigadas: elas devem incentivar o desenvolvimento de empresas com algum

grau de inovação, diferenciando-se, por exemplo, de incubadoras cujo enfoque se dá apenas

em empreendimentos sociais.

Com base nesse primeiro critério de decisão, identificou-se quais eram as

incubadoras da cidade de São Paulo ativas no ano de 2018. Para tanto, consultou-se o mapa de

14 https://www.ibge.gov.br/estatisticas-novoportal/sociais/populacao/9103-estimativas-de-

populacao.html?=&t=resultados

15 https://cidades.ibge.gov.br/municipio/355030

16 https://www.brookings.edu/wp-content/uploads/2016/09/metro_20160928_gcitypes.pdf

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associados17 da Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos

Inovadores (ANPROTEC), no qual foram encontradas oitos incubadoras relacionadas à

capital paulista. Quatro delas possuem relação direta com a instituição de ensino superior USP

(Universidade de São Paulo), no caso, a ESALQTEC (Incubadora de Empresas

Agrozootécnicas), o HABITS (Habitat de Inovação e Tecnológica e Social), CIETEC (Centro

de Inovação, Empreendedorismo e Tecnologia) e a UNICETEX (Centro de Inovação,

Empreendedorismo e Extensão Universitária). Outras três incubadoras possuem relação direta

com instituições de ensino superior privadas, entre elas a Incubadora de Negócios da ESPM,

vinculada a Escola Superior de Propaganda e Marketing; a Incubadora Mackenzie, do

Instituto Presbiteriano Mackenzie; e a Incubadora Zumbi, da Faculdade Zumbi dos Palmares.

Por fim, a oitava incubadora incubada, chamada Plataforma Kaleydos, possui vínculo com a

organização não governamental Instituto Jatobás.

O segundo critério de decisão é que as incubadoras selecionadas deveriam possuir

alguma relação com instituições de ensino superior. Tal decisão foi tomada baseada na

expectativa de se encontrar tensionamentos entre as universidades e esses ambientes de

mediação do empreendedorismo. Com base nesse critério, foram selecionadas duas

incubadoras: uma associada a USP, e outra associada a uma instituição de ensino superior

privada. Com relação a incubadora associada a USP, decidiu-se pela CIETEC, pelo fato de ela

ter o maior número de empresas ativas e em processo de incubação. Conforme seu site, no

ano de 2018, o total era de 104 (cento e quatro) empresas, em comparação a ESALQTEC (6

empresas), Habits (2 empresas), e a UNICETEC (4 empresas).

Com relação a incubadora que possui vínculo com uma instituição de ensino privada,

escolheu-se a ESPM, por diversos motivos. O primeiro deles é que se trata de uma instituição

de ensino destinada a elite, com cursos cujas mensalidades, em 2018, variavam entre

R$3200,00 a R$4200,00, em comparação ao Instituto Presbiteriano Mackenzie R$900,00 a R$

3200,00, e, em relação a Faculdade Zumbi dos Palmares, com valores que variam entre

R$300,00 a R$600,00. O segundo motivo foi pelo fato da Incubadora Zumbi ter sido lançada,

em 2018, estando em processo de formação. Acredita-se que, caso já estivesse consolidada,

essa Incubadora seria uma instituição interessante, para se constar no corpus, pelo fato de ser

uma instituição de ensino voltada para as classes com menor poder aquisitivo. O terceiro

motivo pela escolha da ESPM é o fato de ela, enquanto instituição de ensino, adotar um lema

diretamente relacionado a illusio do campo econômico, no caso, antigamente, “Ensina quem

17 http://anprotec.org.br/site/sobre/associados-anprotec/

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faz”, e, atualmente, “Quem faz transforma”; lema que se opõe diretamente ao da USP, que se

relaciona a illusio do campo científico, no caso “Scientia vinces” (vencerás pela ciência). O

lema das outras duas instituições não faz essa oposição. No caso, o do Mackenzie é “Tradição

e pioneirismo na educação”, e o da Zumbi dos Palmares é “Venha ser você na Zumbi”. E o

quinto motivo é o da acessibilidade, visto que o pesquisador desta tese já possuía vínculo com

a ESPM, facilitando o contato e o acesso à incubadora.

A seguir, apresenta-se a descrição do perfil das incubadoras escolhidas e das

instituições de ensino, nas quais estão sediadas, com base nas informações disponibilizadas

em seus sites institucionais. Com relação à USP, tem-se que ela é uma universidade pública,

criada, em 1934, pertencente à Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência,

Tecnologia e Inovação (SDECTI), do governo do Estado de São Paulo. A qualidade da

universidade é reconhecida mundialmente, principalmente, no quesito de produtividade

científica – mais de 20% de toda produção científica brasileira. Esse desempenho, gerado ao

longo de mais de oito décadas, permite à USP integrar um grupo de instituições de padrão

mundial. Em termos numéricos, a USP possui, na graduação, 183 cursos, relacionados à todas

as áreas do conhecimento, 42 unidades de ensino e pesquisa e mais de 58 mil alunos. Já, na

pós-graduação, são 239 programas, com cerca de 30 mil alunos matriculados (USP, 2019)

Conforme relato no site da instituição, o CIETEC é uma associação civil sem fins

lucrativos que tem como missão “promover o Empreendedorismo Inovador, incentivando a

transformação do conhecimento em produtos e serviços de valor agregado para o mercado”

(CIETEC, 2019, s/n). Criado há 16 anos, ele efetivou várias ações, tais como o

desenvolvimento de “metodologias e expertise na seleção e acompanhamento de empresas

nascentes de base tecnológica” (idem), sistematizando processos incubação, e criando e

gerindo “habitats de inovação” (idem), além de promover atividades que oferecem suporte à

“gestão tecnológica, de marketing e administrativa de startups.” (idem). A Incubadora

CIETEC propicia, aos incubados, além de uma infraestrutura física, suporte tecnológico e

empresarial e auxílio na captação de recursos. O ingresso das empresas, na modalidade de

incubação, ocorre por meio de uma avaliação das propostas de negócio, podendo, caso

aceitas, optarem por instalarem-se como empresas residentes, ou não, nas dependências da

incubadora.

A ESPM foi criada, em 1951, por um grupo de publicitários da mídia, que tinha

como líder Rodolfo Lima Martensen, e com o apoio de Pietro Maria Bardi, diretor do Museu

de Arte de São Paulo (Masp). A visão do grupo responsável por sua criação era de que

“somente com uma escola de excelência teríamos no Brasil uma indústria da comunicação

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forte e desenvolvida” (ESPM, 2019, s/n). Atualmente, a Instituição está instalada nas cidades

de São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre, e atende a cerca de 15.000 alunos, nos seus oito

cursos de graduação, pós, mestrados e doutorados. Sua missão é a de “formar líderes capazes

de transformar negócios e desenvolver o país” (idem) e seus valores são: “1. Excelência

acadêmica; 2. Ética e verdade; 3. Livre iniciativa e liberdade de expressão; 4. Ascensão

humana e social; 5. Diversidade” (idem).

A Incubadora de Negócios ESPM SP é um programa institucional da ESPM, que

apoia os estudantes, os ex-estudantes e os empreendedores externos, nos aspectos gerenciais e

operacionais, “a transformarem suas ideias em empresas lucrativas” (INCUBADORA, 2019,

s/n). A prioridade é dada no atendimento aos estudantes dos cursos de graduação ou pós da

ESPM, mas também atende a projetos de negócio externos, nos quais os interessados estejam

em um raio de 5km da Instituição, bem como a projetos de negócios de impacto e finanças

sociais. Em termos de infraestrutura, a Incubadora disponibiliza, gratuitamente, toda a

estrutura física para o desenvolvimento das atividades dos incubados, tais como

computadores, telefones, copiadoras, biblioteca e acesso à base de dados. Como apoio, no

planejamento e desenvolvimento de negócios, a Incubadora oferece: mentoria e consultoria,

ajudando, também, na captação de recursos. Até o segundo semestre de 2015, foram

apresentados 437 projetos, envolvendo 671 estudantes, tendo sido criados 129 postos de

trabalho (INCUBADORA, 2019).

Após definidas as instituições de ensino e as incubadoras de negócios a serem

estudadas, o último critério da seleção do corpus foi o primeiro contato do entrevistador com

o potencial entrevistado. No caso, com base na lista atual de incubados que foram

disponibilizadas, ao entrevistador, pelos coordenadores das incubadoras, foi encaminhado um

e-mail convite, (APÊNDICE A), a todos os incubados ativos, convidando-os a participarem

da pesquisa, informando-os que seria por meio de uma entrevista em profundidade. O

primeiro e-mail era padronizado e, junto ao convite, trazia-se uma convocação do perfil do

“enunciatário imaginado” com quem se pretendia estabelecer a interação comunicacional da

entrevista. Ou seja, no corpo do e-mail, esclarecia-se que, para participar da entrevista, era

preciso que o sujeito pudesse produzir discursos a partir do lugar de fala de alguém que,

atualmente, está envolvido com uma das incubadoras de empresas selecionadas, e que curse

ou já tenha cursado o ensino superior. Desse modo, o corpus dessa entrevista é composto

pelos sujeitos que responderam o referido e-mail, aceitando participar da entrevista, e que,

desde o começo da interação, se identificaram como universitários associados a incubadoras

de negócios, produzindo discursos e narrativas de vida a partir desse lugar de fala.

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Após disparado o primeiro e-mail convite, para todos os atuais incubados do

CIETEC e da Incubadora da ESPM, obtiveram-se diversas respostas. Dessas, apenas 12

respondentes descreveram-se como possuindo o perfil desejado e demonstram dispostos a

participar da entrevista em profundidade. No total, foram realizadas sete entrevistas com

incubados do CIETEC, e cinco com incubados da Incubadora da ESPM. Do grupo dos

entrevistados do CIETEC, no entanto, após realizada a entrevista, apenas um demonstrou ter

um perfil muito distinto do que era esperado do corpus dessa análise, visto que ele havia

participado do processo de incubação há 11 anos atrás, e que, apesar de ter uma empresa

localizada próximo a o CIETEC, não possuía mais o vínculo. Desse modo, essa entrevista foi

desconsiderada. O perfil dos universitários que participaram da entrevista é esse:

Tabela 1: Perfil dos entrevistados

Incubadora Nome fictício Sexo Idade Curso: graduação

ESPM Juliana Feminino 21 Sistemas de Informação

ESPM Thaiane Feminino 28 Publicidade e Propaganda

ESPM Flavia Feminino 33 Publicidade e Propaganda

ESPM Fernando Masculino 21 Sistemas de Informação

ESPM Marcos Masculino 26 Publicidade e Propaganda

USP Izabel Feminino 32 Farmácia

USP Priscila Feminino 45 Arquitetura

USP Laura Feminino 45 Engenharia Elétrica

USP Augusto Masculino 32 Farmácia

USP Douglas Masculino 35 Farmácia

USP Arthur Masculino 35 Farmácia

Fonte: (elaborada pelo autor)

O corpus investigado é composto por 11 narrativas de vida que foram registradas em

áudio e posteriormente transcritas. Dessas entrevistas, cinco são da Incubadora da ESPM e

seis do CIETEC. Em termos de perfil demográfico, nota-se que existe um equilíbrio, em

relação ao sexo dos entrevistados, sendo, seis pessoas do sexo feminino, e cinco do sexo

masculino. Esse equilíbrio, também, pode ser observado em relação ao corpus específico de

cada incubadora, na qual, a da ESPM, três são do sexo feminino, e dois, do masculino, e, na

do CIETEC, são três de cada sexo. Em relação a idade, o perfil do incubado da ESPM é mais

jovem, com idades que variam entre 21 anos a 33, em relação ao perfil do incubado do

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CIETEC, cujas idades variam entre 32 e 45 anos. Outro elemento, que pode ser observado, é o

curso de graduação no qual os entrevistados se formaram. Na Incubadora da ESPM, o corpus

é composto por narrativas de vida de sujeitos que cursaram publicidade e propaganda e

sistemas de informação, já, no CIETEC, o curso de graduação predominante, entre os

entrevistados, é o de farmácia, havendo, também, formados em engenharia e arquitetura.

Nota-se, portanto, que o perfil associado a graduação revela campos dos saberes muitos

distintos entre os participantes das diferentes incubadoras. Em relação à formação

universitária, apenas dois entrevistados da Incubadora da ESPM ainda se encontravam na

graduação, cursando o último semestre de seus cursos. Uma particularidade a ser apontada,

em relação ao corpus da pesquisa, é que em cada incubadora, uma dupla de sócios de um

mesmo empreendimento foi entrevistada, ou seja, dois de cada incubadora eram sócios um do

outro.

4.2. Coleta dos dados

Após aceito o convite, foram marcadas as datas e horários para a realização das

entrevistas, no segundo semestre de 2018. As entrevistas ocorreram de duas formas: nove

foram presenciais, na empresa do entrevistado ou na incubadora de negócios, e apenas três

ocorreram via Skype, em razão da disponibilidade dos entrevistados. Todas as entrevistas

tiveram a autorização verbal e escrita dos entrevistados, que estavam cientes das finalidades,

dinâmicas e proteções que possuíam, em relação ao que era por eles comunicados durante a

entrevista. As narrativas de vida coletadas foram gravadas, e, posteriormente, transcritas. Um

tópico importante a ser citado, com relação à coleta das entrevistas, é que, em tom de exceção,

e, por necessidade dos entrevistados, em uma delas, dois sócios, da mesma empresa,

participaram, ao mesmo tempo, da interação comunicacional da entrevista em profundidade,

respondendo, em sequência e de forma intercalada, as mesmas perguntas do roteiro

semiestruturado aplicado nessa pesquisa. Desse modo, observa-se que a interação

comunicacional ali presente, resultou na produção de um discurso polifônico, que apresenta

uma “multiplicidade de vozes equipolentes, as quais expressam diferentes pontos de vista

acerca de um mesmo assunto” (BAKHTIN, 2008, p.4). Tal particularidade, relacionada às

condições sociais de produção da entrevista, foi levada em consideração na hora em que se

realizou os tratamentos dos dados.

Durante a interação comunicacional da entrevista em profundidade, as produções dos

discursos foram orientadas por um roteiro semiestruturado (APÊNDICE B), que abordou

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cinco grupos de questões: (1) um conjunto de perguntas introdutórias, que tinha como intuito

possibilitar, ao entrevistado, construir narrativamente uma apresentação pública de si

(BOURDIEU, 2001), a partir do seu lugar de fala, enquanto universitário incubado; (2) um

conjunto de perguntas que convidava o entrevistado a produzir sentidos relacionados ao

empreendedorismo, ao negócio por ele incubado, e, também, ao consumo simbólico do

empreendedorismo por ele realizado; (3) um conjunto de perguntas que convocava o

entrevistado a produzir sentidos tensionassem o ensino superior, o empreendedorismo e o

mundo do trabalho; (4) um conjunto de perguntas que solicitava a produção de narrativas que

descrevessem as incubadoras de negócio e o processo de incubação; (5) um conjunto de

perguntas finais que convidava o entrevistado a produzir sentidos, relacionados à cultura da

inspiração, no seu tensionamento com o empreendedorismo.

A interação comunicacional da entrevista em profundidade, além de seguir um

roteiro semiestruturado de perguntas, teve, como pano de fundo, o contexto histórico, social e

cultural do campo econômico, científico e tecnológico da cidade de São Paulo, durante o

segundo semestre de 2018. Em relação ao campo econômico, tem-se que ele sofreu grandes

influências de políticas neoliberais do Estado, que foram implantadas nos últimos anos.

Como, por exemplo, tem-se a Reforma Trabalhista (BRASIL, 2017), que ocorreu, em 2017,

que possui, entre seus dispositivos, a extinção do desconto obrigatório da contribuição

sindical no salário dos trabalhadores. Já no campo científico, tem-se que, no final do ano de

2017, ocorreram diversos cortes de professores no ensino superior privado (SOUSA, 2017).

Por fim, em relação ao campo tecnológico, observa-se, na mídia, notícias, em meados de

2018, que externavam grandes preocupações com o provável corte no orçamento, previsto

para 2019, das verbas destinadas à pesquisa e inovação (ROSA, 2018), fato que aumentaria a

dependência do campo tecnológico de verbas oriundas da iniciativa privada. No segundo

semestre de 2018, também aconteceram as eleições, ocasião em que grande parte da

população brasileira se posicionou, e fez campanha, em relação aos seus candidatos.

4.3. Tratamento dos dados

As narrativas de vida registradas em áudio, e as suas respectivas transcrições, foram

interpretadas a partir da proposta metodologia da hermenêutica de profundidade,

desenvolvida por Thompson (2002). Conforme o autor, a hermenêutica propõe uma análise

qualitativa, que se atenta a interpretação das formas simbólicas. Ela parte do princípio de que

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“quando os analistas procuram interpretar uma forma simbólica, por exemplo, eles estão

procurando interpretar um objeto que pode ser, ele mesmo, uma interpretação, e que pode já

ter sido interpretado” (idem, p.359), esse é o caso das entrevistas em profundidade aqui

analisadas, visto que se encontram em materialidades diferentes da enunciação original –

como gravações e transcrições. Além disso, o próprio ato da enunciação realizado pelo

entrevistado, pressupõe uma interpretação da situação. Thompson (2002, p.359) propõe então

que os analistas hermenêuticos, ao interpretarem o simbólico: “estão oferecendo uma

interpretação de uma interpretação, estão reinterpretando um campo pré-interpretado; e

poderá ser informada pelas pré-interpretações que existem (ou existiram) entre os sujeitos que

constroem o mundo sócio-histórico”.

Thompson (1990) sugere a utilização de múltiplos métodos de apoio para se

investigar os sentidos que são produzidos pelos discursos da cultura, desde que, a partir deles,

atente-se à: 1) análise sócio-histórica, (2) análise discursiva e (3) interpretação e

reinterpretação. Assumindo a proposta metodológica da hermenêutica de profundidade como

base, o tratamento das narrativas de vida coletadas nessa pesquisa seguiu o seguinte protocolo

de análise:

Inicialmente separou-se o material empírico, que foi coletado por meio das entrevistas

em profundidade, em dois grandes grupos: um que diz respeito aos discursos produzidos pelos

entrevistados do CIETEC, e outro relacionado aos discursos dos entrevistados da Incubadora

da ESPM. Tal decisão foi tomada para facilitar a identificação das semelhanças e diferenças

nas produções de sentido dos grupos associados a incubadoras de instituições pública e

privada. Em seguida, e de forma prévia, organizou-se as narrativas de vida dos entrevistados

do CIETEC e da Incubadora da ESPM, em torno dos seguintes eixos temáticos: mundo de

trabalho, empreendedorismo, universidade e incubadoras de negócios. A escolha por se

organizar o material empírico coletado em torno desses eixos temáticos, deve-se ao fato dessa

divisão contribuir para a investigação do seguinte objetivo específico dessa tese, que é o de:

investigar, no processo de produção de sentido realizado pelos universitários incubados, os

tensionamentos existentes entre empreendedorismo, universidade, mundo do trabalho e

incubadoras de negócios.

O material empírico coletado na pesquisa em profundidade, após ter sido organizado

em eixos temáticos, foi, posteriormente, analisado seguindo a proposta metodológica da

hermenêutica de profundidade. Na primeira etapa, identificou-se, nas narrativas de vida

coletadas, as relações que elas estabeleciam com o contexto histórico, social e cultural. Para

tanto, observou-se as influências nas produções de sentido exercidas pelo: (1) atual

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“capitalismo flexível” (SENNETT, 2006), (2) e “neoliberal” (DARDOT, LAVAL, 2016); (3)

as dinâmicas do “campo econômico” (BOURDIEU, 2005), (4) “científico” (BOURDIEU,

1976) e (5) “tecnológico” (JARDIM, 2017); (6) as dinâmicas conexionistas da “cidade por

projetos” (BOLTANSKI, CHIAPELLO, 2009); (7) o contexto de transformação da educação

formal, visando capacitar os estudantes para o empreendedorismo (DREWINSKI, 2009).

Todos os entrevistados, no entanto, ao narrarem suas vidas, sofreram também

influência do contexto imediato da entrevista em profundidade, no qual foram convocados a

produzirem sentidos a partir do lugar de fala de universitários associados a incubadoras de

negócio. Com base nisso, além do contexto histórico, social e cultural, levou-se em conta que,

no contexto imediato da interação comunicacional da entrevista em profundidade, os

entrevistados atuam como “sujeitos da comunicação” (FRANÇA, 2006) que direcionam suas

falas para um entrevistador, apoiando-se, para tanto, em um habitus linguístico (BOURDIEU,

2008b), que o auxilia a lidar com a situação imediata da entrevista em profundidade, e a

produzir narrativas de si, a partir do lugar de fala que ele ocupa, na interação comunicacional,

de universitário incubado.

A segunda etapa do tratamento de dados consistiu na investigação profunda das

particularidades discursivas que se manifestavam nas narrativas. Thompson (1990) comenta

que a proposta metodológica da hermenêutica de profundidade acompanha a análise formal

ou discursiva, que objetiva analisar a estrutura articulada presente, nas construções simbólicas

complexas, por meio de análises, tais como, a semiótica, de conversação, sintática, narrativa e

argumentativa. Na presente tese, decidiu-se por se utilizar como método analítico das

narrativas de vida realizadas pelos universitários incubados, alguns fundamentos da análise do

discurso (BAKHTIN, 2006; ORLANDI, 2010), tais como, o conceito de interdiscurso, o de

formação discursiva e ideológica, o entendimento de que, ao se decidir falar de uma

determinada maneira, realiza-se escolhas, deixando de lado outras formas de se falar, ou seja,

que todo o discurso contém ditos e não-ditos, pressupostos e subentendidos, e, por fim, o

entendimento de que toda produção de sentido ocorrem em diálogo com as condições de

produção em que são realizadas, gerando discursos dialógicos.

Essa etapa do tratamento dos dados também se apoiou nos fundamentos teóricos da

análise narrativa, compreendendo que as narrativas de vida produzidas pelos entrevistados são

formas particulares de discurso, que produzem sentidos em torno da temporalidade, revelando

personagens que realizam ações ao longo do tempo e que possuem diferentes intenções em

momentos diversos de sua narrativa (BROCKMEIER; HARRÉ, 2003). No tratamento de

dados, considerou-se que as narrativas de vida produzem sentidos em torno de um

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personagem-autor-narrador (BRUNNER, 1991, SIBILIA, 2008), que é a mesma pessoa que

narra sua vida. Outro aspecto levado em consideração é que, ao narrar sua vida, os

entrevistados produzem sentidos em torno de um “postulado de sentido de existência”

(BOURDIEU, 2001), que se refere a ilusão biográfica de que a vida narrada do sujeito

corresponde ao o que ele é de fato. Por fim, em relação a teoria narrativa, em específico

aquela que estuda as narrativas de vida, observou-se também a influência que os “momentos

de vida” (GIELE, ELDER JUNIOR, 1998), a “orientação pessoal das ações” (idem), a

“localização no tempo e no espaço” (idem), e as “vidas interligadas” (idem) exercem na

produção de sentido das vidas narradas.

Os dois procedimentos de tratamentos de dados descritos anteriormente, investigam

as influências que os contextos imediatos, históricos, culturais e sociais, bem como as

particularidades do discurso e da narrativa, exercem na produção dos sentidos realizada pelos

universitários incubados entrevistados. Após a realização desses procedimentos, a análise da

hermenêutica em profundidade (THOMPSON, 2002) recomenda que o pesquisador realize

uma terceira etapa do tratamento de dados, que é o de “interpretar” e “reinterpretar” o

material empírico por ele investigado e analisado, para se compreender as produções de

sentido ali presentes. O processo de interpretação e reinterpretação dessa tese apoiou-se nas

reflexões teóricas realizadas em torno consumo simbólico da atividade de trabalho, visando

alcançar o objetivo principal dessa tese, que é o de investigar como se dá as produções de

sentidos em torno do empreendedorismo e do seu consumo simbólico, nas narrativas de vida

comunicadas por universitários associados a incubadoras de negócio.

Desse modo, interpretou-se as produções de sentido tendo em mente a “dupla verdade

do trabalho” (BOURDIEU, 2007a), ou seja, que o trabalho possui uma dimensão subjetiva,

que diz respeito ao envolvimento do sujeito na illusio do campo social com o qual se

relaciona. Além disso, a atividade de trabalho também possui uma dimensão objetiva, que diz

respeito as relações de exploração (MARX, 2004), que se fazem presentes na sociedade

capitalista. Outro aspecto levado em consideração no processo de interpretação e

reinterpretação do material coletado, é o consumo simbólico de justificativas morais

(BOLTANSKI, CHIAPELLO, 2009) associadas ao novo espírito do capitalismo, consumo

este que mobiliza um processo de adjetivação do mundo do trabalho (GROHMANN, 2015),

que se enaltecem características associadas ao atual contexto do capitalismo, e que se

denigrem as que legitimam dinâmicas de trabalho do capitalismo anterior. Outro aspecto que

é investigado é o consumo simbólico de estereótipos (LIPPMANN, 1972) e de devaneios

(CAMPBELL, 2001), que se fazem presentes, tanto nas universidades, como no mundo do

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trabalho e no campo do empreendedorismo. Após o processo de interpretação e

reinterpretação, foram identificadas as produções de sentido que se mostraram recorrentes,

nas narrativas de vida dos entrevistados. O subcapítulo a seguir apresenta as principais

produções de sentido, ressaltando as semelhanças e diferenças, em termos estratégicos e

ideológicos, que apareceram, nos discursos dos entrevistados associados à incubadora da

ESPM e ao CIETEC.

4.4. RESULTADOS

4.4.1 Produções de sentidos do empreendedorismo e do mundo do trabalho

Nas narrativas de vida dos entrevistados associados a incubadoras de negócio,

observa-se que muitos sentidos do mundo do trabalho e do empreendedorismo ocorrem em

uma relação de tensionamento entre ambas as esferas. Isso se dá porque o empreendedorismo

pode ser compreendido como uma forma de atividade laboral que se difere do trabalho

assalariado convencional, possuindo suas próprias particularidades. Tendo isso em mente,

esse subcapítulo pretende apresentar as principais produções de sentido que as narrativas de

vida dos incubados produziram em torno do mundo do trabalho e do empreendedorismo,

ressaltando aquilo que há em comum entre todas as narrativas analisadas, e algumas

produções de sentidos que são particulares de alguns entrevistados, mas que contribuem para

afrontar as diferentes estratégias e ideologias presentes em cada recorte do corpus

investigado. A seguir apresenta-se as produções de sentidos do mundo do trabalho e do

empreendedorismo, presentes nos entrevistados da incubadora CIETEC, e, posteriormente, os

da incubadora ESPM.

As produções de sentidos dos universitários associados ao CIETEC

Nas narrativas de vida dos entrevistados da CIETEC, todas as narrativas fazem

referência ao atual cenário do capitalismo flexível, de forma indireta, posto que descrevem

uma trajetória de vida marcada por diversas mudanças de profissões. Trata-se de um

fenômeno que se contrasta com as dinâmicas laborais existentes no mundo do trabalho do

sistema capitalista precedente, identificado por Sennett (2006) como sendo o capitalismo

organizado. No contexto anterior, os sujeitos transitavam por poucos empregos no decorrer de

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suas vidas, mantendo a esperança de serem, em algum momento, promovidos nas instituições

de trabalho aos quais se vinculavam. No atual cenário flexível, a mudança de emprego é algo

comum entre todos, por causa dos postos de trabalho que são constantemente recriados,

devido ao ritmo acelerado de inovações e de concorrência, e por causa de motivações internas

dos sujeitos que, ao invés de empregos, perseguem projetos (BOLTANSKI, CHIAPELLO,

2009). De todo o modo, o fato de os sujeitos narrarem com naturalidade uma trajetória de vida

com numerosas e diversificadas mudanças de atuações profissionais, produz, indiretamente,

sentidos que posicionam suas trajetórias profissionais no atual cenário do capitalismo flexível.

Os entrevistados associados a incubadora CIETEC apresentaram estratégias distintas

para contarem suas trajetórias de mudanças profissionais. Atentando-se a estrutura narrativa e

aos usos da linguagem, é possível observar a presença de duas estratégias predominantes: uma

que se utiliza exclusivamente de estereótipos (LIPPMANN, 1972) e de signos compartilhados

pela linguagem e cultura, para descreverem as profissões e os cursos de formação pelos quais

os entrevistados transitaram, e outra que complexifica as decisões tomadas pelos personagens-

autores-narradores, situando-as dentro das dinâmicas dos campos sociais (BOURDIEU,

2001), nos quais os personagens exercem as atividades de trabalho em distintos momentos da

vida narrada.

A primeira estratégia se faz presente nos discursos de Douglas, Laura e Augusto, que

utilizam de estereótipos (LIPPMANN, 1972) e de signos compartilhados pela linguagem e

pela cultura, para produzirem sentidos em torno das profissões e cursos de formação, sem

aprofundá-los ou detalhá-los. O entendimento dos estereótipos pressupõe uma compreensão

mais profunda dos repertórios e ideologias dos sujeitos envolvidos no ato de comunicação,

visto que, ainda que eles compartilhem de um mesmo sistema de classificação, as diferentes

vivências e pontos de vista dos sujeitos fazem com que haja diferentes estereótipos associados

aos mesmos signos e representações. Como a presente pesquisa mantém seu enfoque na esfera

da emissão da mensagem, o importante aqui é sinalizar que as narrativas de Douglas, Laura e

Augusto simplesmente descrevem uma trajetória de mudanças profissionais, citando o nome

das profissões e cursos que realizaram, sem detalhá-los ou aprofundá-los, deixando a

apreensão dos sentidos aberta para os sujeitos interpretarem a partir dos estereótipos presentes

em seus repertórios.

Laura, por exemplo, narra sua trajetória profissional da seguinte forma: “eu

trabalhava na área de telecomunicação e fui terminei fazendo MBA fora [...] quando eu voltei,

eu voltei pra consultoria estratégica depois trabalhei finança na área financeira [...] depois fui

indo para coisas menores e eu fui gerenciar startups de outras empresas”. Na narração de sua

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trajetória observa-se que Laura mobiliza sentidos diversos atribuídos à profissões, cargos e

cursos, para caracterizar-se enquanto uma personagem que é, atualmente, o resultado dessas

experiências. Não se descreve os motivos das mudanças, e muito menos se detalha o que a

entrevistada compreende por “área de telecomunicações”, “MBA”, “consultoria estratégica”,

“área financeira” e “gerenciar startups”, de modo que, no processo comunicacional, os

sentidos que vem à tona em relação a cada uma dessas representações são os estereótipos

(LIPPMANN, 1972) que se fazem presentes nas subjetividades dos sujeitos que codificam e

decodificam a mensagem. Laura, no entanto, não caracteriza seu personagem posicionando-o

em um único estereótipo, mas sim, a partir de uma trajetória de estereótipos que são, as vezes

complementares, outras vezes contraditórios, e que produzem sentidos nos tensionamentos

dessas semelhanças e diferenças.

A segunda estratégia narrativa que é utilizada para descrever as mudanças de

atividades de trabalho, situa as decisões dos sujeitos nas dinâmicas dos campos sociais

(BOURDIEU, 2001). Trata-se de uma estratégia utilizada por Arthur, Priscila e Izabel que,

nas suas produções de sentidos, eventualmente fazem usos de estereótipos em torno de

profissões e cursos, mas que não se limitam a eles, descrevendo com mais detalhes o campo

social em que eles se localizam em cada “momento da vida” (GIELE, ELDER JUNIOR,

1998) narrado. Trata-se de uma estratégia narrativa que constrói campos sociais imaginados,

que não revelam, necessariamente, a real estrutura e composição dos campos, mas que geram

informações sobre eles a partir do ponto de vista do entrevistado. Nessa construção utiliza-se

de elementos identitários da narrativa, como, por exemplo, a descrição das “vidas

interligadas” (idem) e das “orientações pessoais da ação” (idem) que cada personagem-autor-

narrador estabelece com outros personagens da sua história, elementos que contribuem para

caracterizar as estruturas de relações e as disputas de interesse que se fazem presentes em

cada campo social imaginado. O trecho a seguir da fala de Arthur exemplifica o uso dessa

segunda estratégia narrativa para contar as mudanças profissionais do entrevistado:

A maioria da minha carreira, eu fiz laboratório de análise [...] fazia analise estáticas

esse tipo de coisas. E aí, coisas da vida, sempre tinha uma pulga atrás da orelha, em

relação a grande automatização que estava tomando conta dos laboratórios de

analise clinicas, e vi. Eu comecei a visitar alguns laboratórios grandes a trabalho e

percebi uma linha de produção fazendo milhares de exames e poucos bioquímicos, e

isso, de alguma forma, me acendeu uma luz de alerta sobre o futuro da profissão né.

Convênios a dependência dos convênios, a pressão das grandes, grandes

corporações, de grandes laboratórios estavam encolhendo os laboratórios pequenos,

[...]. Trabalhávamos só com material de excelente qualidade, com atendimento de

excelente qualidade, e a gente estava sofrendo. E eu comecei a perceber isso e

resolvi fazer a mudança de carreira.

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Nesse discurso, observa-se uma narração da sua profissão a partir da dinâmica do

campo econômico no qual se insere. Arthur narra sua “vida interligada” (GIELE, ELDER

JUNIOR, 1998) com outros agentes do campo, a partir da posição que ocupa dentro de uma

instituição que possui “material de excelente qualidade, com atendimento de excelente

qualidade”, mas que começava a sofrer, por causa das decisões tomadas pelos agentes mais

poderosos do campo: os “grandes laboratórios”, que possuem maior capacidade de mudar as

regras dos jogos sociais ali presentes. Inserido nesse campo social em transformação, Arthur

caracteriza o seu personagem como sendo alguém que possui visão e que está atento as

mudanças, sendo, desse modo, um personagem que “sempre tinha uma pulga atrás da orelha”,

e para o qual acendia “uma luz de alerta”. Desse modo, por ser um agente inserido dentro

desse campo econômico imaginado, a decisão de mudar de carreira apresenta-se, na narrativa,

como a “orientação para a ação” (idem) do seu personagem, que produz sentidos em torno do

modo como Arthur encara a comercialização da sua força-trabalho: como detendo certa

margem de liberdade para decidir com quem comercializá-la, e assumindo a responsabilidade

da gestão da administração da sua empregabilidade.

A mudança constante de emprego não é o único elemento social, cultural e histórico

do atual capitalismo flexível (SENNETT, 2006) e neoliberal (DARDOT, LAVAL, 2016) que

encontra reflexo e refração nas produções de sentido dos entrevistados associados a

incubadora de negócio CIETEC. Outro elemento que se apresenta nas narrativas de todos os

seis entrevistados é o senso de responsabilidade individual que eles descrevem possuir,

quando o assunto é se inserir no mundo do trabalho e nele transitar. Os personagens de todas

as narrativas de vida são caracterizados como agentes que tomam decisões e que se

responsabilizam por elas. Eventualmente situações aparecem em suas narrativas de vida, que

modificam as expectativas e as orientações das ações dos personagens. Mesmo havendo

percalços, a trajetória laboral é narrada envolvendo o engajamento voluntário de cada

personagem-autor-narrador na condição social de existência na qual se encontra, tendo,

muitas vezes, o personagem se preparado para tanto, e podendo ele desligar-se dessa condição

de existência para seguir outra trajetória de vida. Desse modo, os entrevistados narram-se

como sendo livres para tomarem decisões relativas ao modo como investem e investirão seu

tempo e sua força-trabalho. A fala de Priscila exemplifica isso:

[...] me formei. Tinha um escritório normal, convencional de arquitetura e tal e,

assim, eu trabalhava muito. Eu sempre falo isso né: eu trabalhava muito; e pra

interiores também né. E aí eu vi que o negócio, era um negócio maçante. Tudo igual.

Até aborrecedor, no sentido de desperdiço dinheiro, sabe, de recursos né. As pessoas

que consomem interior, no Brasil, que consomem arquitetura, no Brasil, elas são

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uma classe privilegiada. Então, as vezes, você não consegue fazer uma coisa que

faça a diferença né, na verdade, a vontade era fazer a diferença, no mundo entendeu.

Aí foi que eu comecei a entrar nesse campo [o do empreendedorismo].

Nesse discurso observa-se um conjunto de justificativas morais quando Priscila

enuncia sua decisão de, em um determinado momento da sua vida narrada, abandonar a

prestação de serviços que exercia como profissional liberal, para engajar-se voluntariamente

no empreendedorismo. É uma decisão cuja “orientação para ação pessoal” (GIELE, ELDER

JUNIOR, 1998) da personagem de Priscila é descrita como motivada pela falta de

justificativas morais que a mobilizasse a se engajar no trabalho anterior que ela realizava. De

forma subentendida, observa-se o sentido de liberdade, associada a essa decisão tomada pela

personagem-autora-narradora, que pode decidir abandonar uma trajetória profissional para

começar outra. Essa fala de Priscila é bastante pertinente pois traz um conjunto de outras

produções de sentidos, relacionados ao mundo do trabalho e ao empreendedorismo, que se

manifestam também nas narrativas produzidas pelos outros entrevistados associados a

incubadora CIETEC.

A primeira produção de sentido se refere a um certo desencanto com a profissão de

arquiteta, quando Priscila descobre, após muito trabalhar, que as consumidoras com quem

interagia na sua “vida interligada” (GIELE, ELDER JUNIOR, 1998), possuíam “gostos”

(BOURDIEU, 2007d) muito parecidos, o que afetava as dinâmicas do seu trabalho dentro do

campo econômico imaginado, na qual participava. Nessa produção de sentido, a atividade de

trabalho convencional acompanha certa desilusão, certo desencanto, caracterizando-se como

“[...] um negócio maçante. Tudo igual” e “até aborrecedor”. Tal acontecimento narrativo

acompanha uma segunda produção de sentido, que descreve a “orientação para ação pessoal”

(GIELE, ELDER JUNIOR, 1998) da personagem de Priscila como sendo orientada pelo

desejo de uma nova justificativa moral capaz de engajar sua personagem na atividade de

trabalho que realiza. Essa justificativa moral voltada para o bem coletivo (BOLTANSKI,

CHIAPELLO, 2009) é descrita como consistindo-se na vontade de “fazer a diferença no

mundo”, aspiração que a faz buscar voluntariamente o engajamento no empreendedorismo,

apoiado na sua liberdade e responsabilidade individual em decidir sua trajetória de vida.

Produções de sentido semelhantes a realizada por Priscila ecoam em todas as

entrevistas dos incubados do CIETEC. Nelas é possível observar a presença de justificativas

morais que levam os entrevistados a engajarem-se voluntariamente no empreendedorismo,

quando, em um determinado momento de suas vidas narradas, relatam suas decisões por

abandonarem a busca de postos de trabalho assalariados, ou a prestação de serviços como

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profissionais liberais, devido a desilusão com a carreira tradicional e/ou a rejeição dos valores

associados a esse tipo de trabalho. Izabel comenta que “[...] não consigo ficar numa empresa,

trabalhando e seguindo um protocolozinho, receita de bolo.

Pelo menos, para mim, assim não deu, sabe”, revelando de forma implícita seu

desejo por criatividade e autonomia, quando opõe-se narrativamente ao “protocolozinho” e as

“receitas de bolo”. Tal perspectiva também é compartilhada por Laura, que narra que:

Eu não gosto de regras, sabe. Nunca me adaptei muito bem com nenhuma regra.

Tem aulas às oito. Só que eu vou às dez e, sei lá, regras de corporações, também, me

deixam maluca, porque, elas te prendem muito, na sua criatividade. Então, assim,

não é que eu não goste de fazer a coisa certa, eu não gosto de regras, que impedem

de você fazer a coisa certa e diferente, entendeu?

Regras, burocracias, limites em relação a criatividade e a impossibilidade de fazer o

diferente, são valores que Priscila narra estarem associados ao mundo de trabalho em

corporações, e que ela descreve rejeitar para perseguir uma trajetória empreendedora. Tais

valores estão, de certo modo, associados as dinâmicas da configuração anterior do mundo do

trabalho, identificada por Sennett (2006) como sendo o capitalismo organizado. Boltanski e

Chiapello (2009) descrevem esse ambiente de trabalho como pautado por regras e disciplinas,

no qual era possível observar trabalhadores que se engajavam voluntariamente nas atividades

laborais ali presentes, motivados pela expectativa de crescerem, por meio de promoções, nas

hierarquias de grandes corporações. As narrativas dos entrevistados da incubadora CIETEC,

no entanto, revelam uma “adjetivação” (GROHMANN, 2015) positiva, associadas as novas

exigências do capitalismo flexível, em que valores como flexibilidade, criatividade,

resiliência, capacidade de circular entre diferentes ambientes, de estabelecer novos elos, de

gerir a sua própria força-trabalho, passam a ser apreciados pelos trabalhadores que se inserem

no contexto do mundo do trabalho “conexionista”, caracterizado pela lógica da “cidade por

projetos”, em que opera o “novo espírito do capitalismo” (BOLTANSKI, CHIAPELLO,

2009). Um exemplo de como essa nova demanda se manifesta na fala dos entrevistados, e cria

sentidos em oposição ao antigo mundo do trabalho, é a seguinte enunciado de Arthur:

Se eu tivesse uma carreira. Se eu tivesse acertado [...] que me desse grana, no bolso,

pesada. Como têm pessoas que acertam, né, suas carreiras, e, você recebe seu

salário, no final do mês, e, você tem uma, vamos dizer assim, se você junta ganhos

financeiros com incentivos e flexibilidade No incentivo, eu quero dizer, se a

empresa te incentiva a ir pra frente e você consegue realizar projetos pessoais, ali

dentro, e modificar teu ambiente de trabalho e melhorar, eu não vejo porque

empreender, sabe. A não ser que tenha alguma coisa mesmo. Eu não acho que todos

deveriam empreender. Muito pelo contrário. É, comigo aconteceu.

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Nesse enunciado, Arthur comenta que sua decisão por seguir uma trajetória

empreendedora não se limita apenas a busca de ganhos financeiros maiores, mas,

principalmente a conquista de flexibilidade e a possibilidade de se alcançar projetos pessoais.

Narra-se tais características como sendo plausíveis de serem acessadas por meio de um

trabalho assalariado, no entanto, é algo que a pessoa precisa “acertar”, ou seja, algo que

sujeito conquista, no decorrer de sua trajetória de vida, caso realize as decisões certas. Com

isso, reforça-se os sentidos em torno da responsabilidade que o sujeito tem em relação a sua

condição social de existência e ao seu futuro, ocultando aí uma série de fatores sociais que se

fazem presentes e que também influenciam a possibilidade de se alcançar tal emprego, como,

por exemplo, a precarização do Estado de bem-social, que realizava ações visando o pleno

emprego, em oposição ao Estado neoliberal, que incentiva a individualidade e a

competitividade entre trabalhadores (DARDOT, LAVAL, 2016), a partir da criação de um

“exército industrial de reserva” (HARVEY, 2011). Mesmo quando não se pode usufruir de

valores como a flexibilidade, boa remuneração e possibilidade de perseguir projetos pessoais,

o empreendedorismo se apresenta como uma alternativa viável ao trabalho assalariado, uma

decisão que pode ser tomada pelos sujeitos para se viver em um mundo do trabalho que

possua essas características desejadas, associadas ao “novo espírito do capitalismo”

(BOLTANSKI, CHIAPELLO, 2009). Tal perspectiva é reforçada pelo seguinte enunciado de

Arthur, quando questionado sobre os motivos do porquê alguém deve abrir um negócio e

engajar-se na atividade empreendedora:

Cara, liberdade. Liberdade intelectual. Que você tem a liberdade de tentar fazer o

que você acredita. Por em pé, o que você imaginou. Ter algo da sua cabeça. Algo da

prancheta e materializar. Isso tem um valor intrínseco muito alto. Você sente. Não é

só a remuneração financeira. Você sente um payback de você, quando você vê, pela

primeira vez, uma coisa que você imaginou, planilhou, você vê pro mundo real. É

uma coisa muito interessante e motiva muito. Mas, de novo, essa parte mais

intangível. Eu nunca quis fazer concurso, cara. Nunca quis, que alguém dissesse pra

mim, até onde eu poderia ir. E, agora, essa sensação de ter tudo em aberto, e, que só

depende de mim, é uma sensação muito boa. Por incrível que pareça. Que eu não

tenho um teto me limitando, eu tenho limitações, mas que vão ser comigo mesmo,

ou, o próprio mercado, obviamente, mas, a maioria delas, estão comigo, então, isso

me dá uma esperança maior, me dá um tesão, uma motivação maior, de tocar pra

frente.

Esse trecho da narrativa de vida de Arthur traz diversas produções de sentidos que

dialogam com o que foi apresentado até agora. Em primeiro lugar, observa-se a rejeição ao

trabalho com características tradicionais, aqui retratado pela ideia de se “fazer concurso”

público, como associado a um ambiente de trabalho em que os outros dizem até onde alguém

pode ir. Tal produção de sentido dialoga com imaginários do funcionalismo público que

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circulam na sociedade, em que a atividade de trabalho é delimitada e restrita pelas regras e

burocracias do Estado, em troca de uma estabilidade de emprego, que desincentiva a busca

pelo auto aperfeiçoamento e pela gestão da capacitação visando aumentar a empregabilidade

do trabalhador. Em sua narrativa de vida Arthur descreve nunca ter aspirado fazer concurso

público, por desejar que ninguém “dissesse pra mim, até onde eu poderia” ir. O

empreendedorismo, por outro lado, é descrito, em oposição a esse sentido, como trazendo a

“sensação de ter tudo em aberto, e, que só de depende de mim”, além de não estabelecer “um

teto me limitando”. Tais enunciados, reforçam sentidos associados a meritocracia e a

performance (EHRENBERG, 2010), trazendo também o desejo de “ser mais” (FREIRE

FILHO, 2012), em que o sujeito desafia os seus próprios limites, buscando desempenhos

melhores do que os realizados por ele mesmo no passado. As limitações são apresentadas

como sendo estabelecidas “comigo mesmo, ou o próprio mercado, obviamente, mas a maioria

delas, estão comigo”, trazendo uma produção de sentido que reforça uma percepção de

protagonismo em relação a sua trajetória de vida, e que também reconhece, em alguma

medida, as influencias das dinâmicas do campo econômico (BOURDIEU, 2005) sobre suas

ações pessoais, mas que apresenta uma ideia de que o sujeito possui uma grande margem de

liberdade, em relação ao que acontece de fato acontece dentro desse campo, o que reforça

cada vez mais os sentidos associados a responsabilização que o sujeito deve manter em

relação ao desempenho que alcança na sua jornada.

Liberdade é a palavra-chave no enunciado de Arthur, liberdade para buscar maior

desempenho no seu trabalho. “Liberdade intelectual. Que você tem a liberdade de tentar fazer

o que você acredita. Por em pé, o que você imaginou. Ter algo da sua cabeça. Algo da

prancheta e materializar. Isso tem um valor intrínseco muito alto.”. Trata-se de uma liberdade

criativa, cujos sentidos se opõe as regras e burocracias do funcionalismo público, e na qual o

sujeito age por conta própria visando uma criação. Tal percepção estabelece um diálogo com

o ideal do artesanato, descrito por Sennett (2006), em que se busca aprender a fazer uma coisa

bem, simplesmente por faze-la bem, sendo algo, na fala de Arthur, que se opõe simplesmente

a conquista do lucro, algo que está além da “remuneração financeira”, que seria “um payback

de você, quando você vê, pela primeira vez, uma coisa que você imaginou, planilhou, você vê

pro mundo real. É uma coisa muito interessante e motiva muito”. Essa frase de Arthur é

bastante pertinente para se pensar as produções de sentido relacionadas ao

empreendedorismo, visto que, se de um lado ele apresenta esse prazer artesão de fazer uma

coisa bem feita simplesmente por fazê-la, de outro ele tem o uso de termos como “payback de

você” e, “planilhou”, que são termos utilizados na gestão e administração de empresas, o que

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reforça, a partir do modo como se fala, sentidos em torno do empreendedor como sendo um

sujeito que possui uma faculdade empresarial (DARDOT, LAVAL, 2016), utilizando-se de

linguagens do campo do management para lidar com aspectos distintos da sua vida. Payback,

por exemplo, é uma terminologia utilizada para descrever a recuperação do investimento

financeiro que um empreendedor realiza em torno do negócio que realizou. Desse modo, a

expressão “payback de você” estabelece uma interdiscursividade com esse conceito de

finanças, sinalizando um crescimento pessoal que tem uma lógica financeira, o que contribui

para posicionar o enunciado de Arthur em um ponto de vista ideológico neoliberal, que

concorda com concepções ideológicas de sujeitos que circulam nessa perspectiva ideológica,

como, por exemplo, o entendimento de que o sujeito deveria se administrar como um capital

humano (CIAVATTA, 2009), ou seja, atento ao investimento que realiza em si mesmo

visando retornos econômicos futuros.

Esse enunciado analisado de Arthur aponta um tópico que também é abordado pelos

outros entrevistados e que caracteriza a maior diferença, em termos de produção de sentido,

que a prática empreendedora estabelece com as outras atividades laborais. No caso é o fato da

atividade empreendedora estar associada a uma ideia, que o sujeito é livre para escolher qual

será, e que canalizará todos os seus esforços na busca de tentar manifestá-la na forma de um

empreendimento. As respostas dos entrevistados trazem diversas produções de sentido em

torno da ideia que o sujeito mobiliza para a realização de um projeto. Na perspectiva de

Arthur, como foi apontado, o empreendedor tem uma “liberdade intelectual” a partir da qual

pode tentar fazer o acredita, e “Por em pé o que” imaginou, “Ter algo da sua cabeça. Algo da

prancheta e materializar”. O empreendedor é aquele que tira do papel a ideia e que a

materializa na realidade, uma ideia que ele acredita, e, portanto, que o engaja na atividade

empreendedora.

Essa percepção também é compartilhada pelos outros entrevistados. Douglas, por

exemplo, descreve que ser empreendedor “É você empreender. Você fazer. Você tem uma

ideia, concretizar, e, fazer com que aquilo funcione”. Já Izabel, comenta que “empreendedor

para mim é uma pessoa que, a partir de uma ideia, uma simples ideia, ela consegue, e, dá a

vida por essa ideia. Fazer com que ela seja palpável e aplicada, na prática”, em ambas as falas

observa-se uma preocupação em fazer com que a ideia saia do imaginário e se torne algo

material a partir da ação. A expressão “dá a vida por essa ideia”, presente na narrativa de

Izabel, reforça esse sentido de engajamento que está associado a ideia que se realiza. Além da

realização prática da ideia, tem-se, na entrevista de Arthur e de Laura, o sentido de um ideal

artesão (SENNETT, 2006) do empreendedor, de querer fazer algo bem feito simplesmente por

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fazê-lo, para o qual se solicita um certo engajamento que se manifesta da própria ideia.

Conforme o enunciado de Laura:

Eu sempre soube que eu queria empreender e, inclusive, antes disso. Eu já tinha

saído do último emprego e já estava procurando ideias. Eu estava conversando com

várias pessoas pra tentar construir uma ideia legal. E, o problema da ideia, é que ela

tem que ser tão boa, pra você, que, pode estar passando pelo pior momento e querer

continuar naquilo, né. Então, assim, não é qualquer ideia que eu acho que serve pra

qualquer um, tem gente que fala há vou abrir uma empresa, mas não é bem assim.

Tem que ser uma coisa que te prende, né.

Nesse enunciado de Laura, a mudança de emprego para a atividade empreendedora

só é mediada a partir de uma ideia que vale a pena ser batalhada. A entrevistada relata que

sempre quis ser empreendedora, o que deixa implícito o fato dela se identificar com as

justificativas morais do empreendedorismo, as quais a própria Laura, em outro momento de

sua entrevista, que já foi analisado anteriormente, comenta que se identifica com a falta de

regras e o incentivo a criatividade que estão atreladas a figura do empreendedor, e que

correspondem aos valores do mundo do trabalho associado ao novo espírito do capitalismo

(BOLTANSKI, CHIAPELLO, 2009). No entanto, a produção de sentido de Laura em torno

do presente trecho revela que para ser empreendedor não basta vontade de empreender, é

necessário também uma ideia “tão boa, pra você, que, pode estar passando pelo pior momento

e querer continuar naquilo”. É justamente essa a produção de sentido da ideia que se faz

presente em todas as demais entrevistas do CIETEC: a de que a ideia é a condição do

empreendedorismo e também um motivador para se envolver nesse empreendimento.

Douglas, por exemplo, narra que “A gente tem muito isso de pegar e fazer, né. A

gente tem, vai, demorou, mas vamos fazer. E daí o [o sócio] lançou essa ideia. A minha ideia

não foi tão boa quanto a dele. [....] Essa parece ser uma ideia boa. Vamos tentar fazer. E, aí, a

gente começou”. O enunciado de Douglas demonstra que, mesmo com a tendência

empreendedora de “pegar e fazer”, e a motivação para isso, sem uma “boa ideia” não é

possível se lançar no empreendedorismo. A “boa ideia” mobiliza os entrevistados a quererem

empreender e continuar empreendendo. Priscila, do mesmo modo que Douglas, reforça esses

sentidos quando comenta que: “por que não montar um negócio? [...] Por que não montar? Se

acredita no produto, no negócio, não, necessariamente, na carreira empreendedora... É que, na

verdade, uma coisa depende da outra, né... Por que não arriscar?”. Quando Arthur é

questionado pelo entrevistador sobre o que responder caso um aluno que lhe pergunta-se,

durante um a palestra, o porquê de montar um negócio, ele responde o seguinte:

A cara, eu vou te decepcionar um pouco [...]. Ter que fazer algo pra mudar a

sociedade. Ter que seguir seus sonhos. A vida é muito curta Eu não acredito nisso.

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Calhou de o produto que que eu tive tesão, que eu me apaixonei, pela concepção do

produto, pela forma dele, pela forma, pela possibilidade de aplicação dele e, pelos

números que ele pode girar, calhou de esse produto, e, esse ingrediente, terem

resultados positivos sociais e ambientais.

A resposta de Arthur é interessante pois logo de início, ele revela ter domínio do

habitus linguístico (BOURDIEU, 2001), do empreendedor, que possui discursos que pautados

na ideia de “mudar a sociedade”, seguir “sonhos” que a “vida é muito curta”, falas que se

estabelecem relações de interdiscursividades com os discursos dos “empreendedores sociais”

(CASAQUI, 2015), dos “empreendedores de palco” (FIGUEIREDO, 2018) e da “autoajuda

empreendedora” (idem). O enunciado de Arthur “A cara, eu vou te decepcionar um pouco”,

produz sentidos em torno das expectativas que ele, enquanto enunciador, tem do auditório

social (BAKHTIN, 1999), para o qual dirige sua fala, no caso o pesquisador dessa tese,

revelando um entendimento pessoal de que, para se falar na posição de empreendedor, é

preciso utilizar-se das falas que circulam no “mercado de ideias” (ANGENOT, 2010) do

empreendedorismo. É interessante observar que, se de um lado ele tenta se afastar,

discursivamente, dessas motivações relacionadas a ao empreendedorismo social, de outro lado

ele se apoia em uma formação discursiva, utilizada por todos os outros empreendedores dessa

amostra, que é o engajamento resultante do encontro com uma “boa ideia”. No trecho

apresentado da sua fala, ele revela ter “tesão” pela ideia, se “apaixonar” pela concepção do

produto, utilizando adjetivos que descrevem relações afetivas entre os seres humanos,

relações de amor, o que realça e aprofunda ainda os sentidos de vinculo que o empreendedor

estabelece com a sua ideia, como se ambos estabelecessem um relacionamento amoroso, e

buscando mantê-lo a longo prazo. Mudar o mundo é secundário, perante essa paixão que se

estabelece com a ideia.

O posicionamento ideológico de Arthur em relação a ideia e o seu papel social, é

complementar ao posicionamento ideológico de Douglas, e se opõe ao de Priscila. Isso,

porque, na perspectiva de Priscila, “empreender é sempre a busca do novo, a busca de

soluções e, as vezes, nem são tão novas, mas são soluções diferenciadas [...] no meu caso é

social, né [...] questões sociais”. Priscila compactua com a percepção de todos os

entrevistados de entender o empreendedorismo como associado a uma ideia que se estabelece

na prática, no entanto, a distinção do seu posicionamento ideológico se dá no fato das suas

ideias buscarem articulação com “questões sociais”, e do posicionamento que a entrevistada

busca assumir no processo de comunicação ser o lugar de fala do empreendedor social. Um

trecho da sua narrativa que exemplifica isso é: “a minha incubação, ela é um negócio um

pouco diferente, porque, ela vem com apelo social também. Não sei se você tem algum

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empreendedor social, no teu grupo, mas, eu fui picada, pelo bichinho do social, né”. Trazendo

a ideia do empreendedorismo social como sendo um contágio, algo que é transmitido por um

“bichinho”, e, portanto, pode mobilizar qualquer pessoa que venha a ser infectado por ele, ao

entrar em contato com as justificativas morais associadas à busca do bem comum, a partir de

uma atuação empreendedora com foco social.

É possível entender que a narrativa de Priscila se apoia em uma formação discursiva

que contém uma formação ideológica própria, e que é mobilizada de maneira estratégica pela

entrevistada quando busca administrar sua apresentação de si enquanto empreendedora social

durante a entrevista em profundidade. A diferença ideológica que ela estabelece com Arthur é

o fato de em nenhum momento ela questionar os discursos do empreendedorismo social em

torno dos quais apoia a construção narrativa de sua identidade. Já Arthur, ele se apropria das

formações discursivas dos empreendedores sociais no começo da sua entrevista, mas, em

momentos posteriores, ele traz novos sentidos sobre esse empreendedorismo social,

posicionando-se, ideologicamente, de uma forma bem diferente de Priscila. No enunciado de

Arthur, no primeiro momento, ele comenta que: “Eu acho que inspirou de fazer algo, de não

querer tá na vala comum, de querer fazer algo, pelo país [...] eu tinha isso. Eu acho que o

Brasil representa um potencial incrível [...] e alguém precisava trabalhar isso”. Já em um

segundo momento ele comenta que “[...] eu conto uma história a mais. Eu não fui assim,

nossa tenho que procurar algo, sabe, que seja sustentável, e tal, e forçar a barra em cima

disso”. Essa contradição posiciona Arthur ideologicamente de forma distinta de Priscila,

mesmo que faça uso dos mesmos discursos que circulam no “mercado de ideias”

(ANGENOT, 2010) do empreendedorismo. As justificativas morais visando o alcance do

bem-comum, a partir de uma atuação social, são questionadas por Arthur no decorrer de suas

comunicações, posicionando-o como um empreendedor diferente daquele que Priscila

descrever ser. Desse modo, observa-se que em torno de um mesmo sistema de classificação

relacionado ao empreendedorismo, posicionamento identitários e ideológicos distintos são

desenhados, a partir de relações de semelhanças e diferenças uns com os outros

(WOODWARD, 2000). Douglas, em sua narrativa de vida, revela um posicionamento

ideológico semelhante ao de Arthur, porém mais radical:

Meu negócio é mais dinheiro. Eu não tenho pretensão de mudar o mundo. Eu acho,

na realidade, esses discursos muito ridículos. Eu tenho, até, um pouco de vergonha

de ouví-los, para ser sincero, né. E, também, acredito que as pessoas mentem. Eu

não acho que as pessoas estão querendo mudar o mundo, porra nenhuma. Acho que

elas são movidas por vaidade, por coisas muito menos gloriosas, do que isso de

mudar o mundo.

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O enunciado de Douglas o posiciona narrativamente como um sujeito que busca

distanciar-se da figura do empreendedor social, para assumir a posição declarada de alguém

que almeja abertamente o retorno financeiro. Para ele, os discursos relacionados a “mudar o

mundo”, são utilizados pelos agentes do campo do empreendedorismo como uma forma de

“poder simbólico”, em busca de distinções entre os agentes que enxergam valor nesses

discursos, o que ele declara não ser o seu caso, visto sentir “um pouco de vergonha de ouví-

los”. Sua fala, por outro lado, apresenta a busca declarada pelo lucro e pelo alcance de

maiores rendas como motivos suficientemente dignos para se engajar na atividade

empreendedora. Apenas outros dois entrevistados da incubadora do CIETEC declaram em

suas narrativas de vida apoiarem-se também nessa justificativa moral quando empreendem. O

primeiro entrevistado é Arthur, que comenta que sua vontade de empreender surgiu “muito

motivada, pelo fato de que, eu ganhava pouco, eu achava que ganhava pouco”, sendo o a sua

insatisfação com a remuneração que obtinha na sua condição de trabalho anterior, o motivo

que o levou a buscar o empreendedorismo. A segunda entrevistada é Izabel que descreve que

se deve buscar o empreendedorismo “se você quer independência financeira, sem limite.

Porque o limite quem impõe é você. Você pode sempre ir mais além”. O empreendedorismo,

na fala de Izabel, apresenta-se como um meio viável, e meritocrático, para se obter maiores

rendas, uma decisão livre, que cabe apenas ao sujeito que a realiza, e cujo limite da

remuneração depende apenas da performance pessoal, e da capacidade do sujeito “ser mais”

(FREIRE FILHO, 2012). Os três entrevistados, desse modo, declaram abertamente um

engajamento no empreendedorismo que se dá pela possibilidade de se alcançar maiores

lucros. Trata-se, desse modo, de verem valor na illusio do campo econômico, que, conforme

Bourdieu (2005) é o interesse econômico, e a partir do qual atual diretamente quando

assumem o papel de empreendedores. Outro ponto que merece destaque, e que problematiza

tanto as produções de sentidos relacionados ao trabalho, quando os relacionados ao

empreendedorismo, é a reflexão que Douglas realiza em torno das relações capitalistas de

exploração da força-trabalho:

Eu não tinha dinheiro. Sou de uma origem humilde, [...] e, eu tinha duas opções, ou,

eu trocava a minha mão de obra, vendia a minha mão de obra, por um determinado

preço, ou, eu comprava a mão de obra. Ficava num outro polo, onde, eu comprava a

mão de obra e ganhava em cima dessa mão de obra. Conhecido como mais-valia.

Então, eu preferi ficar do outro lado, porque, eu acho que é um lado, onde eu

também estou, de certa forma, trocando meu tempo e dinheiro, mas eu maximizo

essa relação. Então, essas foram, mais ou menos, as minhas motivações.

Nesse trecho da narrativa de Douglas, observa-se uma produção de sentido que opera

por meio de uma interdiscursividade estabelecida com a teoria de Marx (2004) a respeito da

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exploração da força-trabalho na relação entre empregador e empregado. Trata-se de uma

interdiscursividade que reflete e refrata essa teoria a partir do ponto de vista ideológico de

Douglas. Na formação ideológica que se manifesta em seu enunciado, tem-se que o

entrevistado possuía apenas duas opções, a de se colocar na posição de quem compra mão de

obra e a de quem vende. Não existe, por exemplo, alternativas possíveis, tal como a que o

próprio Marx desenha quando propõe sua proposta de comunismo. O ponto de vista

ideológico de Douglas, portanto, é a de um sujeito que assume o capitalismo sendo como a

única ordem possível. Além disso, ao invocar o seu passado “humilde” e sem dinheiro, e

apresentar essas duas opções – a de vender ou comprar mão de obra – como sendo os

caminhos possíveis, Douglas indiretamente realça o empreendedorismo como sendo uma das

únicas formas de alguém das classes sociais mais baixar conseguir ascender e modificar a sua

posição. A luta de classes (2004) desse modo, é silenciada em sua fala. Envolver-se com o

empreendedorismo, para Douglas, passa a significar contornar uma condição de explorado,

para conseguir enriquecer por meio da exploração, a única alternativa possível em uma

sociedade em que a lógica capitalista é predominante, e os discursos de mudar o mundo são

por ele percebidos como “muito ridículos” e vergonhosos.

Nas outras narrativas a questão da exploração não é abordada declaradamente pelos

entrevistados. Mesmo quando produzem sentidos em relação as desilusões com o trabalho

tradicional, e a respeito dos motivos que os fizeram realizar diversas mudanças de trajetória

profissional, em nenhum momento problematiza-se relações de exploração entre funcionários

e patrão. Todas as situações são narradas de forma deixar claro a responsabilização do

entrevistado pelas decisões, sucessos ou fracassos que ele obtém ou obteve no decorrer de sua

trajetória. Indiretamente tem-se apenas menções a busca de melhores salários, mas, como foi

apresentado anteriormente, nas falas de Arthur, o salário baixo é entendido como uma

consequência das escolhas erradas que o sujeito tomou no decorrer de sua vida, ao invés de

ser o resultado das relações objetivas de exploração que ocorrem dentro do campo econômico.

Isso não quer dizer, no entanto, que os sujeitos desconheçam as relações de exploração aos

quais estão submetidos, e que compactuem a favor delas, mas sim que, no processo de

narrarem suas vidas, tal conjunto de produção de sentidos não se mostro de interesse dos

entrevistados quando buscaram descrever as motivações que os levavam a engajarem-se na

atividade empreendedora.

Entre os entrevistados associados a incubadora da CIETEC, uma outra produção de

sentido associada particularmente ao empreendedorismo, diz respeito a inspiração. No

questionário semiestruturado aplicado a pesquisa, havia a seguinte questão: “Tem alguém que

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te inspirou a ser empreendedor? O que essa pessoa tem ou fez que te inspira?”. Todos os

entrevistados que responderam essa pergunta narram influências de algum empreendedor cuja

trajetória eles enxergavam como exemplares. Dos cinco entrevistados em que fora abordada a

pergunta, três fazem referências a pessoas de suas famílias. Izabel, por exemplo, comenta que:

Eu sou filha de um empreendedor, né. Meu pai sempre teve um comércio, um

negócio. Então, eu sempre via as coisas acontecerem. Ele começar uma coisa

pequenina e levar aquilo para algo maior, né. Então, as vezes, eu via, assim, que era

possível essa questão de empreendimento e tal. Então, isso ficou um pouco

incubada dentro de mim. Essa questão, essa visão de: olha, legal ser empresária. As

coisas, realmente, acontecem, multiplicam... Isso ficou incubado dentro de mim.

Nessa narrativa de Izabel observa-se uma produção de sentido associada a lógica da

reprodução de Bourdieu (2007b), em que a relações familiares exercem influência na

formação do habitus que orientara suas decisões e pensamentos em outras etapas da vida.

Izabel descreve o exemplo do pai como algo que ficou “incubado” dentro dela, o que remete a

sentidos associados as incubadoras de negócio, bem como ao ato de se cultivar um “olhar”,

uma “visão”, uma vontade de empreender que aos poucos foi crescendo nela. O pai é narrado

como um exemplo, e nessa narração ela descreve um modelo de conduta empreendedora, que

irá refletir em outros momentos de sua narrativa em termos de justificativas morais que a

levam para o engajamento, como por exemplo, o fato do seu pai fazer “as coisas

acontecerem”, de tornar algo “pequenino” em algo maior, e de mostrar que é “possível essa

questão de empreendimento”. Os sentidos que atribui ao seu pai enquanto inspiradores, são os

mesmos que Izabel utiliza para descrever o que é ser empreendedor, que no caso, na sua

opinião, diz respeito a “todas as pessoas que sonham e que querem colocar em prática os seus

sonhos. Que monetizam esse sonho, ou essa simples ideia [...] se você monetizou essa ideia, a

partir de uma coisa pequena, e você transformou em algo maior, você é um empreendedor”.

Outro entrevistado que sinaliza um membro da família como sendo alguém que lhe inspira é

Douglas. No seu enunciado ele comenta de um tio que:

[...] tinha uma fábrica de fazer peça de caminhão. Eu achava muito louco, porque ele

criava, ele produzia, ele vendia. E, era ele quem coordenava. E ele conseguiu ganhar

dinheiro. Perdeu tudo depois. Morreu devendo milhões, mas eu achava muito

interessante o trabalho dele. Era um negócio que eu via mais sentido. Eu sempre

quis participar, mas ele nunca deixou.

Da mesma forma que a narrativa de Izabel, os pontos que Douglas sinaliza terem lhe

inspirado no seu tio são os mesmos que compõe as justificativas morais, descritas por ele,

como mobilizando seu engajamento no empreendedorismo. No caso, Douglas valoriza a ideia

do empreendimento, e a capacidade do mesmo gerar dinheiro. Desse modo, por mais que o tio

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tenha morrido devendo milhões, ele foi um exemplo familiar que conseguiu ganhar dinheiro.

Outro aspecto a ser destacado é o fato de Douglas ressaltar no seu tio o fato dele “criar”,

“produzir”, “vender” e “coordenar” seu próprio negócio, sendo um trabalho que descreve

como tendo mais sentido. O que dialoga com a posição que o próprio Douglas assume, de ver

mais sentido em assumir a posição de capitalista, nas relações de exploram a mão de obra do

trabalhador. A ideia da inspiração aqui também se dá no sentido de algo que, naquele

momento, não foi possível ser vivido. O fato dele descrever que “sempre quis participar, mas

ele nunca deixou”, constrói esse sentido de desejo e de identificação e projeção (MORIN,

2011) com a trajetória profissional do tio. O terceiro entrevistado que descreve sua inspiração

a partir de membros da família é Arthur, que narra:

Cara, meu avô, pai do meu pai, nunca teve estudo. Ele foi um grande empreendedor.

Cara inteligente, ligado. Empregou muita gente. Ajudou a família. Ele faleceu, já.

Até hoje, o que ele construiu ajudou muita gente. E, eu admirava muito ele. Assim,

quando eu chegava no escritório dele, vendo ele sentado atrás daquela mesa, fazendo

conta na maquininha dele, e, sabendo que era um senhor que não tinha estudo, não

sabia fazer sistema de crediário, e sabia precificar aquilo, na ponta da língua.

Contava centavos, mas sem ser um muquirana, né. Ele era um cara generoso, mas

ele sabia, exatamente, onde o dinheiro dele estava indo. Quanto custava o quilo do

arroz. Ele sabia os valores das coisas e passava o valor do trabalho [...]. Então,

sempre foi um cara pra frente do tempo dele. E, eu acho, que me espelhei mais

assim.

Aqui, as produções de sentido que Arthur realiza do seu avô também dialogam com

as justificativas morais que o entrevistado aborda em sua narrativa ao descrever suas

motivações para o empreendedorismo. Arthur, em específico, é um entrevistado que se apoia

no discurso do empreendedorismo social, na ideia de “mudar o mundo”, de trazer benefícios

para a sociedade, mas que revela achar isso um objetivo secundário, em relação ao objetivo de

ganhar dinheiro, fatos que ficam evidentes no exemplo que traz do seu avô, que “Empregou

muita gente. Ajudou a família”, e que “sabia, exatamente, onde o dinheiro dele estava indo”.

Arthur também é um entrevistado que revela sustentar suas falas no modo em formações

discursivas que fazem referência a ideologia neoliberal (DARDO, LAVAL, 2016),

principalmente naquilo que diz respeito a adoção de uma faculdade empresarial, que se apoia

em discursos do management. Ao inspirar no seu avô justamente por sua capacidade

matemática, de fazer contas, saber dos preços e lidar com conhecimentos financeiros sem

possuir nenhum estudo, Arthur reforça seu posicionamento ideológico associado valorização

do conhecimento gerencial na subjetividade neoliberal.

Por fim, os outros dois entrevistados que responderam à pergunta em torno da

inspiração, eles trazem exemplos empreendedores cujo lugar de fala é o mesmo que eles

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revelam buscar assumir no decorrer de suas narrativas. São agentes importantes e influentes

que assumem posições de destaque dentro dos campos econômicos imaginados que eles

buscam atuar. Priscila, por exemplo, elege o primeiro empreendedor social que, no Brasil,

atuou no setor que ela empreende, valorizando-o por sua “Criatividade imensa, né. Assim...

Uma coragem imensa também, né. Uma missão, né, bem clara”. Fato que também dialoga

com as justificativas morais que ela aborda em sua discussão, lembrando que Priscila é a

entrevistada que valoriza o empreendedorismo social, e o fato de se acreditar nas ideias,

considerando importante, ao menos no seu caso pessoal, que as ideias façam a diferença e

tenham propósito sociais. Por fim, Augusto que possui um pai empreendedor, ele não o elege

como alguém que o inspirou, mas sim:

Meu pai influenciou ele [seu sócio], não a mim. [...] Teve um professor, numa

época, que era um cara que prestava consultoria, para área farmacêutica. Tinha

desenvolvido uma nova droga, que eu achei bem legal. Foi durante a faculdade de

ciências farmacêuticas [...]. O cara, realmente, era uma referência para mim. Um

cara acadêmico que fazia isso.

Augusto, desse modo, produz sentidos que o afastam da dinâmica da reprodução de

um habitus (BOURDIEU, 2011) empreendedor. Seu pai é descrito como um empreendedor

que possui um negócio pequeno e convencional, mas, no decorrer de sua narrativa Augusto se

posiciona como um cara que gosta “de várias coisas, de ciências, pra caramba”, além de

revelar que “queria ser pesquisador”. Desse modo, a pessoa que o inspira, não é o seu pai, mas

o personagem da sua história que, enquanto pesquisador, consegue empreender a partir da

ciência, o que revela uma relação de identificação e projeção (MORIN, 2011).

Um último tópico a ser abordado em relação as produções de sentido de mercado de

trabalho e de empreendedorismo no tensionamento um do outro, são os aspectos negativos

que três entrevistados relatam associados a essas esferas. Arthur narra sua trajetória de

mudanças de emprego e a sua entrada no processo de empreendedorismo, como um percurso

que envolveu muita “dor”. De um lado ele descreve que a decisão pela carreira

empreendedora foi povoada de “oportunidades mais também teve muita dor também

envolvida, pra tocar isso pra frente, né”. Além disso, narra que o empreendedorismo:

[...] é o que mais faz sentido, pra mim, hoje. Eu acho menos dolorido. Menos

doloroso, porque, você acaba sentido dores, em alguma etapa do processo, que você

atua e, você traz a solução, e, tenta desenvolver isso, internamente, sem nenhum

rompimento drástico. Eu fiz alguns rompimentos drásticos, na minha vida

profissional. Isso tem custo, né.

Se, de um lado, a todo instante, a narrativa de Arthur produz sentidos em relação a

liberdade que o sujeito possui para decidir sua trajetória de vida, e a responsabilidade que ele

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deve tomar em relação as suas decisões, de outro lado tem-se que essa responsabilidade é

sentida com muita “dor”. Arthur deixa subentendido em sua narrativa, que ele se percebe

como um sujeito que não fez as melhores decisões no início de sua trajetória profissional, fato

que o impeliu a buscar mudanças de profissões algumas vezes. Além disso, sua narrativa

também revela a presença de imaginário de trabalho assalariado, no qual ele poderia ganhar

uma boa renda e ter os benefícios de se viver em um ambiente de trabalho onde os valores do

novo espírito do capitalismo (BOLTANSKI, CHIAPELLO, 2009) são cultivados. Diante o

desejo de maiores rendas e almejando viver um ambiente de trabalho com tais valores morais,

Arthur narra ter decidido por seguir o empreendedorismo. Sua narrativa de dor, em relação a

“tocar isso para frente”, no caso seu negócio, e as dores que ele comenta sentir dos

“rompimentos drásticos” que realizou na sua vida, produzem sentidos em torno do outro

aspecto dessa liberdade e dessa responsabilização individual. O empreendedorismo é visto

como a decisão “menos dolorosa”, pois ao menos “você atua, e você traz a solução”, não

sendo submetido as regras, burocracias e dinâmicas associadas ao mundo do trabalho

convencional. A narrativa de Izabel, de modo semelhante à de Arthur, descreve também

situações de sofrimento associadas ao empreendedorismo:

Eu que agradeço também por ter me convidado, porque são coisas da nossa vida que

ninguém quer ouvir. Na verdade, quando a gente acha alguém que quer ouvir, é um

prazer falar. Eu te agradeço a oportunidade de falar, de expor, porque, eu acho que

isso que você está fazendo não tem valor, não tem, não tem sentido, as pessoas não

estão ligando para isso... [...] hoje, eu me senti muito valorizada.

O enunciado de Izabel produz sentidos em torno da solidão, e da invisibilidade que

abrange a sua atividade empreendedora. No caso ela empreende sem o apoio de uma equipe

formada, e sua narrativa de vida também descreve um cenário cheio de percalços, teve que

aprender a não confiar nas pessoas, por elas sabotarem o desenvolvimento do seu negócio por

interesses pessoais. Até mesmo alguns familiares que, a princípio, se beneficiariam do sucesso

do seu empreendimento, não a apoiavam, movidos por outros interesses. Sua jornada

empreendedora é narrada como povoada de desafios, e solidão, concorrência, produções de

sentidos que dialogam com o contexto histórico, social e cultural no qual foram produzidas,

caracterizados por uma “racionalidade neoliberal”, que naturaliza, entre os sujeitos, o espirito

da competição e do individualismo.

Além disso, a narrativa de Izabel relacionada ao seu engajamento moral ao

empreendedorismo é justamente a de alguém que, além de acreditar na liberdade e na

responsabilização individual, revela um ponto de vista que acredita na ideologia do “ser mais”

(FREIRE FILHO, 2012), ideologia associada a performance e meritocracia, em que o sujeito

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a todo instante deve buscar desafiar os seus próprios limites, buscando resultados sempre

melhores em relação aos que foram por ele obtidos no passado. Sozinha, vivendo em

concorrência, e buscando sempre “ser mais”, Izabel relata que, no meio do processo de

doutorado e de empreendedorismo, ela entrou em depressão.

Então, a primeira questão do trabalho, tem que trabalhar muito, me doar muito...

Acabei me afastando um pouco dos meus amigos. Eu acabei ficando com depressão.

Tanto, que eu fiquei afastada do trabalho. Quando eu fui diagnosticada com

depressão, tem uma pessoa, que eu coloquei no grupo, que está no projeto comigo,

eu acabei tirando, porque a pessoa não tinha um caráter muito confiável. Então, eu

acabei tirando. Foi muito estressante durante todo esse trabalho. Foram quase dois

anos, fazendo esse projeto, e você vê pessoas, assim, interesseiras... Enquanto não

tem nada, você é uma piada. Você é uma sonhadora mentirosa. Você é uma coisa.

Depois que acontece alguma coisa, que você consegue algo, a legal pô, tô com você.

Nesse enunciado, portanto, Izabel produz sentidos tanto em torno da competividade e

da solidão que envolve a atividade empreendedora, quanto da performance, na qual teve que

“trabalhar muito, me doar muito”, fato que aumento ainda mais sua solidão quando se afastou

dos amigos e contribuiu para ficar com depressão. Os outros da sua “vida interligada”

(GIELE, ELDER JUNIOR, 1998) de Izabel são personagens que competem com ela e fingem

apoiá-la, mas só quando o empreendedor obtém sucesso, e mesmo assim não são de

confiança. Esse enunciado também reforça alguns sentidos que Izabel produz em torno do

empreendedorismo, sendo aquele que mesmo sendo sonhador, é também alguém que faz

acontecer, que realiza. Por fim, o aspecto da competitividade também se faz presente na fala

de Augusto, que comenta na sua trajetória empreendedora, com seu sócio: “não confiar em

algumas pessoas, é uma das coisas que a gente aprendeu. A gente teve que aprender ali,

tomando porrada”, situando o discurso deles no mesmo contexto neoliberal, competitivo e

solitário, que o discurso de Izabel. Por outro lado, é importante ressaltar que a dimensão da

competição não é apenas consequência de uma racionalidade neoliberal. Bourdieu, em toda

sua obra, comenta sobre as situações de conflito e de disputa que ocorrem dentro dos campos

sociais, sendo esperado que, nos campos em que cada entrevistado descreve atuar, embates

entre agentes estejam presentes.

As produções de sentidos dos universitários associados à incubadora da ESPM

Nas narrativas de vida, dos entrevistados associados a Incubadora da ESPM,

observam-se algumas semelhanças e diferenças em relação as narrativas dos incubados do

CIETEC. Uma das principais distinções, é o fato de terem dois entrevistados que, no

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momento da entrevista, ainda cursavam a faculdade. O que se nota, nas narrativas de vida da

ESPM, é que todos os entrevistados revelam ter alguma experiência com o mercado de

trabalho, mas ela não é vasta, ou povoada por mudanças, tal como as descritas nas narrativas

dos incubados da CIETEC. Os discursos, dos incubados da ESPM, descrevem uma trajetória

de contato com poucos empregos, o que é um fenômeno que dialoga, de certo modo, com o

fato dos incubados da ESPM, serem mais novos que os do CIETEC, com idade entre 21 a 33

anos, em oposição, ao da outra incubadora, cujos entrevistados possuíam idades entre 32 a 45

anos. Flavia, que é a entrevistada com a maior idade entre os incubados da ESPM, narra a

relação de alteridade que ela percebe dos outros incubados, em relação a sua trajetória

profissional: “Você entendeu que eu me formei há anos, né? Então, eu sou muito diferente

nesse sentido, das pessoas que estão aqui. Eu tenho uma carreira. Eu tenho anos de

experiência em grandes corporações e tal”.

Os incubados da ESPM que ainda cursavam a universidade no momento da

entrevista, no caso o Fernando e a Juliana, em seus discursos, sobre o mundo profissional,

narram o fato dos seus personagens-autores-narradores terem se envolvido com poucos

estágios, em suas áreas de atuação, antes de tomarem a decisão, por seguir uma trajetória

empreendedora com base nessas experiências. Thaiane, Fernando e Flavia, por outro lado,

revelam uma trajetória profissional mais complexa, na qual atuaram em agências e grandes

empresas depois de formados, e que, assim como Fernando e Juliana, abandonaram seus

trabalhos para seguir a trajetória empreendedora.

Do mesmo modo que as narrativas de vida dos entrevistados da CIETEC, as dos

incubados da ESPM estabelecem diálogo com o atual contexto do capitalismo flexível

(SENNETT, 2006), bem como do neoliberalismo (DARDOT, LAVAL, 2016), e da sociedade

conexionista (BOLTANSKI, CHIAPELLO, 2009). Isso porque, além de revelarem mudanças

de empregos – mesmo que em menor número, em relação aos entrevistados da CIETEC –,

eles também revelam um posicionamento ideológico que assume a liberdade que possuem

como sendo suas responsabilidades, tomando decisões e responsabilizando-se pelos seus

sucessos ou fracassos que obtêm, não culpabilizando a estrutura social ou fatores outros que

não eles próprios. Mesmo que suas narrativas revelem percalços e oportunidades, narra-se,

sempre, uma margem de liberdade que o personagem possui, para tomar decisões, nem que

essa seja exclusivamente o de largar um emprego tradicional e perseguir uma trajetória

empreendedora. Marcos, por exemplo, comenta que:

Assim que eu sai da faculdade eu coloquei uma ... Isso já é uma questão minha, que

eu já vinha pensando a um tempo, que quanto antes eu empreendesse, se eu levasse

um tempo, ele doeria menos, né, porque eu ainda não... Tudo bem, hoje, eu tenho

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uma noiva, moro com ela, etc., mas até então, eu morava com os meus pais. Lógico,

eu ainda não pretendo ter filhos, mas, a questão é o passivo. A canseira é muito

menor, quando eu decidi empreender. Então eu decidi empreender logo, para que,

realmente, se eu tivesse tido uma queda, que eu conseguisse me recuperar com a

facilidade de ainda morar com meus pais, etc. Perdi o raciocínio, então...

A fala de Marcos exemplifica essa liberdade de escolha e esse senso de

responsabilidade que é valorizado, no atual capitalismo. Sua vida é narrada como um projeto

estratégico, no qual ele avalia os riscos e as consequências de suas decisões. No seu ponto de

vista, existe um período que a tomada de decisões peja trajetória empreendedora tem que ser

realizada, que é enquanto ainda mora com seus pais. A vida que ele narra desejar obter no

futuro estabelece uma relação de interdiscurso com o idearia de “família tradicional feliz” que

circula na sociedade: o de ser casado, ter uma moradia e ter filhos, mas sua narrativa, deixa

subentendido uma situação de instabilidade, que se apresenta na decisão de seguir uma

trajetória empreendedora, que é o risco de não se obter sucesso. A perda de raciocínio e a

confusão que se fazem presentes no seu enunciado também são significativos, produzindo

sentidos em torno da dificuldade que se racionalizar uma vida pessoal com concilia as

dinâmicas de trabalho flexível um empreendedor (SENNETT, 2006).

Ter a possibilidade de aumentar a sua margem de liberdade, nas tomadas de

decisões, é algo também narrado por Marcos, como sendo um fator que o fez decidir por

engajar-se no empreendedorismo. Em seu enunciado, ao narrar o “momento sua da vida”

(GIELE, ELDER JUNIOR, 1998) no qual cursou seu primeiro estágio, Marcos descreve que

“pra mim, ficou muito claro que eu não tinha um perfil, enfim, de seguir regras de uma

empresa e, realmente, não ter, no meu poder, a possibilidade de mudar as da empresa”. Tal

produção de sentido em relação a margem de liberdade que ele deseja ter na tomada de

decisão dentro de uma empresa, também aparece no discurso de Fernando, que narra: “não

gosto de muita gente também metendo o dedo no meu trabalho, então, eu não gosto de quem

fica decidindo o que vai ser. Eu gosto de eu ter a palavra final. Então, eu acho que isso eu vou

ter dentro da minha empresa”. Essa produção de sentido em torno de uma maior liberdade de

decisão dentro de uma empresa, também aparece no discurso de Thaiane, que narra:

Existe uma diferença entre autonomia e independência. Autonomia é a capacidade

que eu tenho de tomar decisão sozinha, independência e a capacidade de executar

essa decisão sozinha. Então alguém pode ter autonomia mais não tem independência

ou pode ter independência mais não tem autonomia. Eu acho que quando você tem

um negócio você tem essa experiência de ter os dois e ao mesmo tempo é incrível e

assustador porque sempre rola uma insegurança tipo meu só depende de mim.

Na narrativa de Thaiane, empreender é conseguir uma alta margem de liberdade. De

certa maneira, subentendido, em sua fala, tem-se o fato de que se consegue uma maior

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“autonomia e independência”, justamente pelo fato de que ao empreender, o empreendedor

cria um campo social (BOURDIEU, 1989), no qual passa a assumir uma posição dominante,

possuindo maior capacidade de tomar decisões que interfiram nas dinâmicas e estruturas

daquele campo. Além disso, a narrativa de Thaiane também produz sentidos em torno dos

sentimentos que acompanham a aquisição dessa maior margem de liberdade, ou seja, o fato

de ser, ao mesmo tempo, algo “incrível e assustador porque sempre rola uma insegurança tipo

meu só depende de mim”.

A busca por uma maior margem de liberdade, no mundo do trabalho, em relação à

capacidade de tomada de decisão, é algo descrito, por todos os entrevistados, como sendo um

desejo que levou cada um a buscar engajar-se na trajetória empreendedora. Flavia, por

exemplo, narra que, agora que é empreendedora, “eu posso escolher os meus clientes, posso

me dar esse luxo hoje”, produzindo sentidos que deixam subentendidos o fato de que, caso

fosse uma trabalhadora assalariada, esse “luxo” não poderia ser desfrutado. Outra produção de

sentido em torno de liberdade que se faz presente nas narrativas de vida de todos os

entrevistados, diz respeito a flexibilidade de escolher o próprio horário de trabalho, desde que

se consiga entregar tudo no prazo. Juliana, por exemplo, comenta que “olha eu, eu sou uma

pessoa livre e eu gosto de conseguir fazer minhas coisas, as coisas, no meu tempo”.

Tais produções de sentido em torno de liberdades, estabelecem diálogos com as

justificativas morais que levam os sujeitos a engajarem no atual espírito do capitalismo

(BOLTANSKI, CHIAPELLO, 2009), no qual se passa a valorizar a flexibilidade no trabalho,

e a maior possibilidade de o sujeito desfrutar da sua criatividade, e conquistar autonomia e

autorrealização. Com base nisso, as produções de sentido em torno do consumo simbólico do

empreendedorismo, ocorrem em oposição a dos sentidos da carreira tradicional, rejeitando-se

os valores associados a esse tipo de trabalho. Fernando, por exemplo, narra que “hoje,

dificilmente, eu me imagino entrando numa empresa tradicional, ou programa de trainee. Eu

não me vejo assim, a não ser que seja uma empresa que realmente mostre que você pode

empreender lá dentro”, declarando que os sentidos da prática empreendedora são opostos aos

do que se espera de um trabalho tradicional. Esse sentido de empreendedorismo, não

necessariamente diz respeito a possibilidade de se ter uma própria empresa, mas a uma

“faculdade empresarial” (DARDOT, LAVAL, 2016) associada a maneira como se deve lidar

com as atividades de trabalho e outras esferas da vida. Trata-se de uma produção sentido que

também surge no enunciado de Flavia, quando narra que:

Meu trabalho é meu filho. É como eu mostro a minha cara para o mundo. Então eu

tendo a olhar para esse âmbito da minha vida com uma responsabilidade muito

maior do que, mal comparando, do que uma pessoa que quer trabalhar das 8 às 5,

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então a caneta cai e foda-se... Então, eu acho que o empreender é algo que você

possa fazer mesmo dentro de organizações que é o intraempreendedorismo.

Nesse discurso de Flavia, observa produções de sentido de empreendedorismo, que

descrevem o empreendedor como aquele que lida com o trabalho, “com uma responsabilidade

muito maior” do que um trabalhador assalariado. O trabalho é apresentado como uma

possibilidade de autoexpressão, como uma forma do sujeito comunicar sua identidade para o

mundo, e, por causa disso, exige um alto comprometimento, e a capacidade do sujeito

engajar-se voluntariamente naquilo que realiza. Ao mesmo tempo que, essa produção de

sentido, rejeita os valores do trabalho tradicional, ela desenha um perfil de trabalhador que

dialoga com o “grande” da “cidade por projetos” (BOLTANSKI, CHIAPELLO, 2009). Um

sujeito que domina a capacidade de engajar-se, nos projetos dos quais participa,

comprometendo-se, e, buscando, a partir deles, promover uma imagem pública de si, positiva,

que o auxiliará a ser convidado para participar de novos projetos, mais interessantes e

promissores. Nessa narrativa de Flavia, também se observa um interdiscurso que se estabelece

com a palavra “filho”, o que atribui um sentido afetivo ao trabalho, associando a ideia de um

cuidado e de um investimento, visando o futuro. A narrativa da Thaiane, também, realiza uma

produção de sentido em torno do empreendedorismo, em oposição ao trabalho tradicional, e

está ligada a procura que o sujeito, de um projeto que o engaje e o motive:

[...] mas assim eu podia continuar trabalhando em agência e ser funcionária até hoje

mas essa experiência me fez com que me incomodasse tanto e de fato, meu... não,

não dá, não dá para fazer isso... Começava a ficar mal, assim de tipo, meu, todas as

horas dos meus dias vão ficar aqui para uma coisa que eu não quero, pra uma coisa

que eu não acredito, eu tô aqui, tipo, ficava 8 horas na [nome da agência], assim,

fazendo uma coisa sem sentido... E aí realmente vai que no incômodo... tem gente

que não se incomoda e não tem problema não se incomodar se você está feliz ok

mas eu acho que é isso a partir do momento que você tem alguma experiência e faz

com que você queira algo muito maior pronto, aí você pode se tornar um

empreendedor mesmo que você não fosse...

A produção de sentido em torno do empreendedorismo, surge do incomodo que se

sente em um ambiente de trabalho tradicional, que, diferente da “cidade por projetos”

(BOLTANSKI, CHIAPELLO, 2009), não consegue engajar o trabalhador contemporâneo na

atividade que ele realiza. A narrativa de Thaiane descreve, também, a busca de justificativas

morais que, no trabalho, atribuíssem “sentidos” ao que se realiza. O empreendedorismo, desse

modo, passa a ser significado a partir da possibilidade que o sujeito tem de rejeitar o trabalho

tradicional e buscar outro caminho. A margem de liberdade que o sujeito demonstra ter, no

enunciado de Thaiane, é grande, visto que ela narra que a partir do momento “que você queira

algo muito maior, aí você pode se tornar um empreendedor mesmo que você não fosse...”.

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Essa decisão adquire o sentido de ser algo cuja responsabilidade é única e exclusiva do sujeito

que a deseja.

As produções de sentido de empreendedorismo dos incubados da ESPM, assim como

os do CIETEC, valoriza o empreendedorismo, justamente pela liberdade individual que esta

atividade possibilita, em troca de se aceitar a responsabilidade do sucesso e do fracasso que se

obtém. Além disso, também associa-se o empreendedorismo, as características do capitalismo

atual, que é flexível (SENNETT, 2006) e orientado por projetos (BOLTANSKI,

CHIAPELLO, 2009), produzindo sentidos em oposição aos valores associados ao trabalho

tradicional. No entanto, uma diferença das justificativas morais dos incubados da ESPM que

se observa, em relação à dos incubados do CIETEC, está no fato de que, enquanto esses

últimos descrevem a importância de se ter uma boa ideia para engajar-se no

empreendedorismo, os incubados da ESPM revelam valorizar ao invés da qualidade da ideia,

a possibilidade de poder criar, a todo instante, enquanto empreendedores. Acredita-se que isso

ocorra em razão das diferentes características do corpus analisado. Os entrevistados do

CIETEC incubam projetos de natureza tecnológica, que levam bastante tempo para serem

viabilizados para o mercado, precisando, em todos os enunciados desse corpus, da construção

de fábricas que viabilizem a comercialização de seus produtos, ao mesmo tempo em que

enfrentam dilemas especifico, do “campo tecnológico” (JARDIM, 2015), como a busca de

editais de fomento e uma preocupação patentear suas descobertas. Os entrevistados da ESPM,

incubam, majoritariamente, empreendimentos que atuam na área de serviços, sendo que,

alguns, utilizam-se de tecnologias digitais para mediarem os serviços que realizam.

Diferentemente dos incubados da CIETEC, observa-se nos da ESPM menores empecilhos

para viabilizar o produto/serviço a ser comercializado, bem como para alterar os serviços

prestados. Desse modo, observa-se que nas narrativas dos entrevistados da incubadora da

ESPM, a vontade de empreender, ao invés de valorizar uma boa ideia em torna da qual se

dedicará muito tempo, valorizam a possibilidade do empreendedor poder ser criativo.

O discurso de Fernando, por exemplo, narra que “eu acho que ser empreendedor para

mim é criar coisas, assim, tirar as coisas do zero [...] criar coisas e desenvolver coisas novas

[...] que realmente vão resolver problemas de alguém, não só criar por criar”, descrevendo a

valorização de um processo de criação que foca na utilidade e na criação de valor de uso, e

não apenas na criação pela criação, como se pode observa, por exemplo, na illusio do campo

artístico (BOURDIEU, 1996), que valoriza a busca “da arte pela arte”, sem pensar em

interesses econômicos e utilitários. Juliana complementa esse ponto de vista, narrando que os

sujeitos devem desejar abrir a sua própria empresa porque quando:

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[...] ele ver o que ele criou funcionar [...] mesmo que tenha sido pequeno... o

sentimento dentro dele vai ser bom. Assim, das coisas que eu criei e vi funcionando

foi um sentimento incrível... assim de: puts, eu fiz esse aplicativo e ver sei lá minha

mãe usando é incrível então você criar o seu negócio e ver o impacto que ele vai ter,

na vida das pessoas, e ver tudo que ele vai te proporcionar... Você criou ele ali do

zero é seu 100% seu. Eu acho que falaria por conta disso de sentimento bom. Eu não

falaria por conta de dinheiro nem nada. Eu acho que é, eu acho que é um sentimento

que vai trazer assim a realização.

O sentimento de ser reconhecido como criador de algo que gera impacto na

sociedade, é o que se observa, em comum, nas narrativas de vida dos entrevistados da ESPM.

No caso da fala de Juliana, ela justifica o engajamento, no empreendedorismo, a partir dos

afetos que se sente ao empreender, como, por exemplo, o reconhecimento familiar que se

obtém ao ver sua “mãe usando” aquilo que ela criou, ou o “impacto que ela vai ter na vida das

outras pessoas”. Trata-se de algo que é maior que o dinheiro, fazendo com que a prática

empreendedora, na narrativa de Juliana, também se aproxime da illusio do campo artístico

(BOURDIEU, 1996), em que se persegue o nomos da “arte pela arte”. Mas, trata-se de uma

produção de sentido que, em parte, distingue-se dessa illusio artística, justamente por

promover sentidos em torno do “uso” e da “funcionalidade”, valores mais associados a illusio

utilitária do campo econômico. As narrativas de Fernando e Juliana exemplificam as

produções de sentido, em torno da criação, que são comuns a todos os entrevistados da

ESPM. Todos revelam, a valorização da criação, com o intuito de gerar algum impacto no

mundo. Impacto esse que é narrado por quatro dos cinco entrevistados como sendo mais

importante do que a busca pelo dinheiro.

Diferentemente das narrativas dos incubados do CIETEC, todas as da ESPM

declaram o desejo de fazer alguma diferença no mundo e/ou querer transformar o mundo em

um lugar melhor. Essa é uma produção de sentido que marca distinções entre o trabalho

tradicional e o empreendedorismo, como se esse fosse o único meio do sujeito conseguir fazer

diferença no mundo. Flavia, por exemplo, narra que, por ser empreendedora “Eu consigo

apoiar causas que precisam de apoio e que estão alinhadas com o legado que eu quero deixar

no mundo”, liberdade que ela não teria caso estivesse envolvida em uma relação de trabalho

convencional. Fernando, por outro lado, comenta que “monte um negócio pra fazer algo

diferente, algo que resolva, que mude a vida de alguém. Não necessariamente mude o mundo,

mas que mude, aquele momento que aquela pessoa está usando. Então faça aquilo, pensando

no próximo, e, não pensando no dinheiro”, a produção de sentido de Fernando valoriza os

impactos que os empreendimentos podem trazer na vida dos sujeitos, ou seja, o bem comum

que o empreendedorismo pode proporcionar. Nos enunciador de Flavia e de Fernando,

observa-se um interdiscurso com o perfil empreendedor desenhado por Schumpter (1997), a

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de alguém capaz de transformar a sociedade por meio de empreendimentos, e de alterar as

dinâmicas do mercado, afetando, consequentemente, as relações sociais de uma comunidade.

Essa também é uma produção de sentido realizada por Marcos, quando narra que:

Eu quero fazer uma grande mudança no mundo, etc. Não também falando que todo

empreendedor, necessariamente, quer fazer uma baita mudança no mundo... Mas eu

classifico, como classifiquei lá atrás, essa questão de fazer diferente, que é o

empreendedorismo, que façam com que, realmente, as pessoas queiram ser

empreendedoras. Pode ser que a pessoa acabe se desiludindo e acabe só querendo

fazer o seu, depois que construiu alguma coisa, ou, realmente, quer sempre mais e

mais, para construir, realmente, o seu lugar ao sol, a sua mudança.

Observa-se em todas as narrativas dos incubados da ESPM, uma produção de sentido

que tensiona a busca pela illusio do campo econômico (BOURDIEU, 2005), que é o interesse

econômico, em relação a ambição de gerar algum impacto na sociedade, por meio de

empreendimentos criativos, que afetem o mundo de alguma forma, promovendo algum valor

relacionado ao bem comum, como, por exemplo, “ajudar pessoas a realmente entrarem no

mercado de trabalho”, como descreve Marcos. Apenas Flavia declara, em um determinado

momento da sua narrativa, o fato de que “Eu só comecei a empresa, porque ela dava

dinheiro”, ou que se deve busca o empreendedorismo porque as “possibilidades de ganho são

tão grandes”. Mesmo posicionando-se narrativamente dessa forma, ela também faz uso de

“formações discursivas” (ORLANDI, 2010), que visam construir, a partir do

empreendedorismo, um mundo melhor. Os outros entrevistados, todos comentam que o

interesse econômico deve ser uma busca secundária. Thaiane, por exemplo, ao ser

questionada sobre o porquê se deve montar um negócio, narra que:

Eu não diria que é para ganhar dinheiro porque você vai começar a ganhar dinheiro

só depois de muito tempo. Tipo é sempre aquilo não pode ser a primeira

motivação... Como a gente [...] vive numa sociedade capitalista tem que ser uma

motivação também, mas se ela realmente for a principal eu já tive uma fase que que

era principal que era bem essa. Eu estava cheia de dívidas... Eu tive que pegar um

cliente, acabei pegando um cliente jovem que foi horrível! Horrível de verdade! Um

rapaz que eu cheguei mais próximo de desistir de tudo porque eu falei: “meu se eu

não conseguir lidar com esse cara eu não vou conseguir lidar com nenhum outro

cliente”. Nossa meu, foi bem isso, eu chorei noites assim: “Cara não é para mim

empreender... Eu acho que isso não vai dar certo. Eu não consigo...” E eu nem

estava ganhando muito dinheiro... Era, sei lá, poucos mil reais. Mas a motivação

para aceitar aquilo realmente foi o dinheiro.

A narrativa de Thaiane é interessante, pois produz sentidos em torno do interesse

econômico, que revelam ambiguidades presentes nos enunciados dos outros entrevistados. De

um lado, tem-se que ela considera o interesse econômico, como não sendo a principal

motivação que um empreendedor deve ter. De outro lado, narra que descobriu isso justamente

por causa de experiências passadas em sua vida, tendo vivenciado, na prática, esse

aprendizado, após viver grades desilusões quando perseguia prioritariamente o interesse

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econômico. Sua produção de sentido se dá por meio da narração de uma experiência prática

vivida por sua personagem. Além disso, trata-se de uma produção de sentido que estabelece

uma relação de interdiscurso com a teoria da exploração proposta por Marx (2004), visto que

ela, mesmo enquanto empreendedora, deixava-se ser explorada, quando aceitava uma relação

de trabalho desgastante, como prestadora de serviço, em troca de uma remuneração baixa. A

narrativa também faz referência ao atual espírito do capitalismo da sociedade neoliberal

(HARLEY, 2011), que revela novas dinâmicas de exploração, nas quais empreendedores

prestadores de serviço são explorados pelas empresas contratantes. Trata-se de uma narrativa

que produz sentidos em torno do empreendedorismo como uma forma de mascarar as

condições de trabalho precárias e informais que existem na atualidade, visto que a

personagem narra-se como uma prestadora de serviços terceirizada da empresa. Se, de um

lado, esse trecho do discurso de Thaiane revela as condições precárias de serviço aos quais

está submetida, de outro, ele atribui sentidos em torno que da importância de o sujeito deve

atribuir a identificação que se estabelece com o seu negócio, quando decidir empreender.

Quando descreve seu atual empreendimento Thaiane narra que:

Já tive outros (risos) mas esse é o primeiro que de fato eu tenho uma identificação.

Assim hoje a minha não é só não um negócio, é meio que a minha existência de

vida. Ela gira em torno desse tema não como horário, entre aspa, útil... Até porque a

gente empreende, você nunca desliga, né, você sempre está trabalhando. [...] minhas

outras empresas, outros negócios que eu já tive [...] não tinha de fato um vínculo.

A produção de sentido desse trecho dialoga com o conceito de “dupla verdade do

trabalho”, tal como proposto por Bourdieu (2007a). Nesse conceito o autor reconhece que

mesmo havendo relações de exploração do trabalho, os sujeitos cientes ou não da exploração,

engajam-se nas atividades laborais por outros motivos subjetivos. Na narrativa de Thaiane,

sua motivação está justamente no fato de ela se “identificar” com o seu negócio e com o

campo econômico no qual atua. Ela enxerga valor nos jogos que são travados dentro do

campo em que atua. Valoriza-se a illusio do campo, e, desse modo, Thaiane revela adquirir,

uma “razão de vida”, que se relaciona as dinâmicas associadas a esse campo. Entre os

entrevistados ela é a única que descreve, de forma indireta, a importância de se escolher o

empreendimento com o qual se deseja atuar. A busca, apenas por dinheiro, é narrada como

não sendo o suficiente para engajar o sujeito na trajetória empreendedora. É preciso, portanto,

uma identificação identitária com o empreendimento, e, com o campo no qual se atua.

Marcos, por outro lado, ao ser questionado sobre o porquê montar um negócio, ele narra que:

O primeiro fato que a pessoa tem que se perguntar é por que eu quero montar um

negócio? É só para ganhar mais dinheiro? Porque se for só para ganhar mais

dinheiro, eu tenho a certeza que hoje, se eu tivesse trabalhando hoje, provavelmente

eu já estaria, com minha vivência e conhecimento que tenho na área, eu estaria a

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nível de diretor, de diretoria e, provavelmente, eu estaria ganhando mais dinheiro do

que eu ganho hoje, sabe.

Na narrativa de Marcos, nota-se uma produção de sentido “devaneio” (CAMPBELL,

2001), em relação a seu próprio futuro, caso tivesse decidido seguir uma carreira tradicional.

Trata-se de um “devaneio”, pois não se sabe, de fato, qual seria o futuro de Marcos, caso

tivesse decidido seguir essa trajetória, no entanto, é um devaneio que contribui, para produzir

diversos sentidos, tanto em relação a suas habilidades e competências pessoais, como, em

relação às possibilidades de ganho financeiro que se pode obter, comparando a trajetória

empreendedora e a carreira tradicional. De todo o modo, essa fala coloca a busca do dinheiro

em segundo plano, deixando implícito a existência de outras justificativas morais, para

engajar os sujeitos, na trajetória empreendedora, como, por exemplo, a identificação com os

valores do novo espírito do capitalismo (BOLTANSKI, CHIAPELLO, 2009), tal como ele

descreve em outros momentos de sua narrativa. De forma semelhante, a esse ponto de vista,

Fernando comenta “eu vejo muitas pessoas querendo empreender, pra ganhar dinheiro. Isso é

a maior besteira do mundo”. As três produções de sentidos aqui apresentadas, a da Thaiane, a

do Marcos, a do Fernando, deixam a entender que, o empreendimento por eles realizado,

ainda não foi capaz de trazer grandes retornos financeiros. Isso não implica que eles não

almejem isso, mas sim, que eles narram suas identidades como sujeitos desinteressados do

interesse econômico, e que querem, por meio, do fazer econômico, transformar o mundo em

que vivem.

Em relação a exploração capitalista, algumas produções de sentido estão presentes,

nas falas dos incubados da ESPM. Uma delas, é realizada por Flavia, que narra que “Comecei

a fazer alguns projetos, daí eu vi que dava mais grana fazer projeto, do que trabalhar para

alguém. Dá mais dor de cabeça, mas também dá mais satisfação. Então, entre pontos positivos

e negativos, eu sou bem feliz assim”. Tal fala estabelece uma relação de interdiscurso com as

teorias de Marx (2004), pois descreve relações de trabalho, na qual, é possível ganhar mais

dinheiro se você não for explorado por um patrão. Seguir uma trajetória empreendedora, além

de possibilitar maiores ganhos financeiros, ganha um sentido duplo de maior satisfação em

troca de “mais dor de cabeça”. Em outro trecho do seu discurso Flavia narra que “Eu nunca

estive disposta a ter funcionários, porque eu acho que isso é um problema. Isso tem um

potencial de problema muito grande. Depois das alterações nas leis trabalhistas, eu comecei a

olhar com outros olhos. Você pode mudar de opinião, também”. O lugar de fala que Flavia

assume, nesse trecho narrado, é o do capitalista, que possui preocupações relacionadas aos

embates possíveis que existem entre funcionários e capitalistas. Sua produção de sentido

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revela um posicionamento ideológico favorável as políticas neoliberais de Estado, que visam

diminuir as proteções dos trabalhadores, facilitando a sua exploração, pelo capitalista. Se, de

um lado, Flavia narra isso, como sendo algo positivo, de outro observa-se que, ao revelar ser

uma empreendedora autônoma, que presta serviços para outras empresas, Flavia narrar ser

alvo da própria dinâmica da exploração neoliberal, visto que, como sinaliza (HARVEY,

2011), as dinâmicas de exploração não se dão mais entre patrões e funcionários, mas sim entre

empresas e microempresas prestadoras de serviço. Em relação à exploração capitalista

Thaiane produz os seguintes sentidos:

Para mim mudou muito a partir do momento que eu tive pessoas, assim, que eu

tenho, que eu sou responsável pelo pagamento do salário de pessoas. Isso nunca

tinha acontecido comigo e é uma carga emocional de preocupação absurda. [...] Para

poder existir, inclusive, para pagar as pessoas, assim eu tenho um freela fixo, vamos

dizer assim, para uma agência que eu presto consultoria uma vez por semana, e,

assim, eu uso esse dinheiro pra pagar para pagar os funcionários e mais empréstimos

e mais coisas isso é uma coisa que ninguém nunca fala nas TED... Eu esperava que

fosse difícil, mas quando você sente mesmo na pele, tipo, sei lá, receber 2000 em

um dia e no dia seguinte você ter que pagar 8000, eu não sei o que fazer sabe...

Então essa parte, assim, para mim, na minha trajetória [...]eu não esperava acontecer

isso.

Formações discursivas, semelhantes as utilizadas por Flavia, aparecem nesse trecho

do discurso de Thaiane, no qual tem-se um interdiscurso com a teoria da exploração de Marx

(2004). Verifica-se, no entanto, que, ao invés de denunciar a exploração que o capitalista

realiza da mão de obra do seu trabalhador, Thaiane narra o contrário. Ela se descreve como

sendo explorada, tanto pela necessidade mensal de pagar a mão de obra dos seus funcionários,

quanto pelo fato de ter que prestar serviços e terceirizar sua mão de obra, para conseguir lidar

com as demandas financeiras do negócio que ela empreende. São formações discursivas

semelhantes da de Flavia, pois, ambas, abordam, direta, ou, indiretamente, a exploração da

mão de obra empreendedora por empresas que terceirizam seus serviços, e a “dor de cabeça”

que é ter que lidar com os funcionários. No entanto, as narrativas revelam usos e apropriações

distintas dessas formações discursivas, posto que, no caso de Flavia, busca-se construir

narrativamente um sentido identitário de alguém que almeja obter mais dinheiro e que aceita

ter sua mão de obra empreendedora comercializada, sem a preocupação com funcionário; e,

no caso de Thaiane, a construção narrativa da identidade revela alguém que se preocupa com

os funcionários, que considera aquisição de dinheiro algo secundário, e que está disposta a

comercializar sua mão de obra empreendedora buscando o bem dos seus funcionários. O

trecho do discurso de Thaiane também produz sentidos em torno dos “devaneios”

(CAMPBELL, 2001), que circulam no mundo do trabalho, no qual agente que promovem o

empreendedorismo, tais como o “TED” constroem uma imagem em torno dessa profissão,

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que não corresponde com a realidade enfrentada, que Thaiane caracteriza como sendo “uma

carga emocional de preocupação absurda” e “uma coisa que ninguém nunca fala”.

Flavia, em outro trecho de sua narrativa, também comenta que “hoje eu vejo que tem

muita vaidade, muito ego, muito desserviço, muita falta de informação em volta da profissão

do empreendedor”. Tal fala, produz sentidos, em relação aos “devaneios” (CAMPBELL,

2001), que são produzidos pelo campo do empreendedorismo e comercializados. E, em

seguida narra que:

Eu acho que tem muito hype em volta e pouca informação útil. Você tem que caçar a

informações úteis em torno do empreendedorismo. É foda. É difícil. Tem um livro

que chama “O lado difícil das situações difíceis”, você já leu? Puta maravilhoso! Faz

esse favor para você. É de um cara que começou uma startup e aí ele vendeu para

Dell e ele conta o lado difícil, das situações difíceis. E ele fala: “Quando eu

empreendia eu dormia como uma criança. Acordava de três em três horas para

chorar”.

A narrativa de Flavia, de um lado, comenta sobre os estereótipos (LIPPMANN,

1972) que circulam na cultura e que alimentam os “devaneios” (CAMPBELL, 2001) da

sociedade, conferindo um “poder simbólico” (BOURDIEU, 1989), em torno do

empreendedorismo, que o faz ser visto como um modismo, mas não retratando a trajetória

empreendedora, ou seja, como ela é de fato. Após essa descrição inicial, do campo

empreendedor, Flavia recomenda, um especialista, que segundo ela, traz informações uteis

sobre essa profissão, como, por exemplo, o dela ser povoada de muito sofrimento.

Nas narrativas dos entrevistados associados a incubadora da ESPM, também existe

uma produção de sentido específica, particular do empreendedorismo, que diz respeito a

inspiração. A partir do roteiro semiestruturado aplicado a pesquisa, os entrevistados

responderam a seguinte questão: “Tem alguém que te inspirou a ser empreendedor? O que

essa pessoa tem ou fez que te inspira?”. Foram diversas as respostas a essa pergunta

comunicadas pelos incubados da ESPM. Fernando, Marcos e Flavia revelam inspirações que

se direcionam à pessoas de suas famílias. Fernando, por exemplo, narra que:

Desde quando eu entrei na faculdade o meu irmão empreende já, então, eu via ele

empreendendo, e dando certo, e o impacto que ele causava principalmente numa

cidade pequena... Então, eu sempre inspirei muito nele e naturalmente quando eu

comecei a desenvolver projetos dentro do curso eu já comecei a ver que era aquilo

que eu queria para mim e mais sempre no meu subconsciente. [...] A quantidade de

coisas que ele criava e dava certo então assim ele nunca estava contente era uma

pessoa muito chata assim quanto o botão não estivesse do jeito que tá ele não

mandava os caras embora e tinha que ser daquele jeito porque ele sabia porque ele

tinha pesquisado tinha validado que daquele jeito ia dar certo então ele não abria

muito a mão de muita coisa [...]. Então eu acho que ele tinha muito desse controle da

empresa.

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A narrativa de Fernando descreve características, no seu irmão, que o inspiraram a

seguir a trajetória empreendedora. São características que revelam muito do consumo

simbólico do empreendedorismo, por ele realizado, dialogando com as justificativas que o

levaram ao engajamento do empreendedorismo que se fazem presentes em sua narrativa. O

aspecto descrito é o fato do seu irmão ter gerado impacto numa pequena cidade, a partir do

seu empreendimento. Fernando, em sua narrativa de vida, produz sentidos em torno da

importância que ele confere, as influências que o empreendedor pode exercer na sociedade, a

partir das suas criações, independente do retorno financeiro que se pode obter. Fernando é

também um dos entrevistados que em nenhum momento declara abertamente interesses em

torno do acumulo de “capital econômico” (BOURDIEU, 2005), posicionando-se, muitas

vezes, contra. O fato de, em nenhum momento, Fernando descrever seu irmão a partir desse

aspecto contribui para uma produção de sentido em torno da inspiração, que a posiciona como

uma síntese das características empreendedoras valorizadas pelo personagem-autor-narrador

do discurso aqui produzido. Outro aspecto a ser levado em consideração é o fato de Fernando

valorizar a liberdade que seu irmão tem nas tomadas de decisões em torno da sua criação, fato

que ele narra como sendo por ele valorizado na trajetória empreendedora, e que o fez decidir

se distanciar do ambiente de trabalho. O personagem de Fernando é narrado como buscando

ter grande influência no campo da empresa que atua, a ponto de poder alterar suas dinâmicas

quando desejado. Valoriza-se, nesse trecho analisado, também a posição de autoridade do

capitalista, que pode mandar embora quem não o obedece.

Marcos, por outro lado, sinaliza dois familiares como sendo suas fontes de

inspiração, seu primo, que fundou um esporte, e sobre o qual narra que “ele sempre falou,

‘meu todo dia é um leão para matar’, né, é uma batalha todo dia e para mim é bem isso, assim,

é todo dia acordar com essa vontade e falar qual é a batalha de hoje, vamos enfrentar e ser

resiliente”. E sua outra fonte de inspiração é narrada como sendo seu pai, que “Abriu a

empresa dele, não herdou, nem nada...Então, meu pai é um grande exemplo pra mim.

Principalmente, que até hoje, apesar de já ter 60 anos, ele continua batalhando, trabalhando

até tarde”. Em ambas referências familiares, Marcos narra valorizar a perseverança dos

envolvidos, que continuam a trabalhar, todos os dias. Marcos utiliza-se da metáfora

“batalhar”, para narrar a jornada de trabalho dos dois empreendedores que o inspiram, o que

promove produções de sentidos relacionados as dificuldades que se enfrenta na trajetória

empreendedora. Marcos é um dos entrevistados que revela suas preocupações, relacionadas às

dificuldades de se seguir a trajetória empreendedora, mesmo tendo ele se preparado, e relata

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os riscos que ele pode enfrentar. Tal fato dialoga com as produções de sentido que ele realiza

em torno das figuras familiares que o inspiram. Outra figura, que Marcos narra admirar é o

Bill Gates, na preocupação de criar uma coisa sólida e depois que ele criou [...] , ele

tem toda essa questão da fundação dele, né, Então é uma coisa que eu quero, lógico,

se Deus me possibilitar, criar um coisa do tamanho que ele criou, mas eu tenho

muito essa preocupação de, principalmente, ajudar novos empreendedores. Ajudar

pessoas a realmente entrarem no mercado de trabalho. Tenho uma preocupação com

uma coisa que acontece na minha família, com o meu sogro que saiu do mercado e

hoje não consegue se realocar, porque ele aprendeu uma coisa que hoje já não é mais

tão utilizada.

Mesmo se referindo a um empreendedor mundialmente conhecido da área digital, no

caso o Bill Gates, Marcos narra sua preocupação com questões familiares. Trata-se de uma

preocupação que ele traz em outros momentos de seu discurso, como, por exemplo, quanto

narra sua preocupação em conciliar a trajetória empreendedora com a vida pessoal. Além

disso, Marcos é um sujeito que descreve seu interesse pelo empreendedorismo como sendo o

impacto que seu negócio pode produzir na sociedade, demonstrando uma preocupação moral

relacionada a conquista de um bem coletivo, como a geração de empregos, e filantropia, ao

invés de um bem individual, que seria o acumulo de capital.

Flavia narra que, quem a inspirou, foi seu pai: “Meu pai é profissional liberal. Ele é

médico e eu sempre gostei de alguns aspectos da vida dele, mas eu não sei se dá pra chamar

isso de inspiração, porque, profissional de saúde, não se vê como empreendedor. São

funcionários liberais, então, eu nunca olhei para ninguém”. Essa produção de sentido revela

diálogos com a própria maneira como Flavia encara sua profissão, visto que, como

apresentado antes, nesta análise, ela descreve sua profissão em termos semelhantes à de um

profissional liberal visto que, presta serviços para terceiros e não gera novos empregos. Na

sua produção de sentido, observa-se aqui os conflitos, os implícitos e os subentendidos que se

fazem presentes durante suas narrativas de vida, em relação ao que é ser empreendedor e do

que é ser um profissional liberal. O ela narra valorizar, na sua inspiração, são aspectos da

condição de existência que se obtém a partir de uma relação autônoma de trabalho.

Flavia também narra que: “Mulheres executivas me inspiram muito. Mas, por liderar

pelo exemplo, assim... Não por empreender. Elas trabalham em corporações”. Nessa produção

de sentido o que se observa é uma inspiração que se identifica com o desempenho de

mulheres que, enfrentam dificuldades semelhantes a condição social de existência dela, por se

inserir em um ambiente executivo. Juliana também relata inspirações, nesse sentido, narrando

que se inspirou em uma palestrante mulher, que atuava na área de tecnologia, e que

apresentou uma palestra um dia na ESPM. Conforme Juliana: “o fato de ela ser mulher me

inspirou muito porque é difícil você encontra mulheres líderes, assim, da tecnologia e [...] o

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fato dela ser uma mulher em tecnologia líder startup milhonaria, puts, é isso”, produzindo

sentidos em torno de uma inspiração relacionada a alguém que enfrentou as dificuldades de

uma condição social de existência semelhantes a vivida por Juliana, e que obteve sucesso.

Por fim, de forma semelhante à de Flavia e Juliana, Thaiane revela inspirar-se em

sujeitos que enfrentam a mesma condição de existência que ela. No entanto, além de serem

mulheres, são agentes que atuam no mesmo campo econômico em que empreende. Essa

narrativa produz sentido de engajamento, a partir do fato de acreditar na illusio do jogo que ali

se faz presente. Em sua narrativa Thaiane descreve que as figuras que a inspiraram são:

Os profissionais pesquisadores mulheres, mulheres incríveis, com ou sem

deficiência, que tem uma trajetória que, assim, de eu estar na mesma reunião dessas

essas pessoas, eu já fico, assim: “nossa meu, se tudo der errado, tudo acabar, tudo

bem, porque eu tive esse momento. eu aprendi essa tal coisa”. Isso para mim é uma

coisa que faz totalmente diferença.

Tal como a narrativa de Priscila, que é uma incubada do CIETEC, a narrativa de

Thaiane descreve valorizar os agentes que atuam no mesmo campo econômico imaginado que

ela, identificando-se com suas falas e vendo sentido, no que realizam e propõe. A

identificação com a área de atuação da sua empresa é algo narrado como sendo muito

importante para Thaiane, mobilizando seu engajamento na atividade empreendedora, mesmo

que enfrente diversas situações de exploração. A identificação com sua área de atuação é mais

importante do que obter retorno financeiro e sucesso.

Em relação às dificuldades associadas ao processo de empreendedorismo, além

daquelas que já foram narradas, tem-se, também, no discurso de Marcos, o fato de que o

empreendedor:

Tem que aguentar as pauladas do dia a dia, tal. Acredito que enquanto você não está

na pele de um você não sabe o quão doloroso é [...]. Na verdade, quando você está

na pele de um empreendedor, e, realmente, está sacrificando para conseguir alguma

coisa, você entende que, para realmente obter os resultados, você precisa aguentar

muito mais paulada do que você imaginava, então. Eu acho que esse é um ponto que

só fica claro, quando você está mesmo na pele.

Marcos narra o empreendedorismo como um processo “doloroso” difícil e cheio de

provações. É algo que exige “sacrifícios”, no qual é preciso aguentar “pauladas do dia a dia”,

e que é preciso “estar na pele” para entender a dor que se faz presente nessa jornada. Tal

produção de sentido estabelece relações de interdiscursos com formações discursivas

relacionadas a figura do mártir, sujeito que se submete a torturas, que se sacrifica, para não

renunciar a sua própria crença ou fé. O empreendedorismo mobiliza, portanto, nesse discurso,

uma produção de sentido quase que religiosa, para o qual é preciso de renúncia e sacrifícios,

para se obter os resultados. Outra produção de sentido, gira em torno dos “devaneios”

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(CAMPBELL, 2001), visto que é preciso vivenciar o empreendedorismo, “estar na pele” de

um empreendedor, para compreender o que se sente, deixando, subentendido a existência de

“devaneios” entre aqueles que não passaram por essa experiência.

Flavia, por outro lado, comenta que “as pessoas, elas não falam sobre as dificuldades

e quando elas falam, elas não falam de uma parte muito importante, das dificuldades de você

procurar uma rede de apoio”, produzindo sentidos sobre a solidão que se faz presente entre os

sujeitos que decidem por seguir uma trajetória empreendedora. Sobre o assunto Flavia

comenta que “Isso dói, assim... se você não tem uma rede de amigos que está no mesmo barco

que você, é capaz de você desistir”. Tal produção de sentido dialoga com a atual racionalidade

do capitalismo neoliberal (DARDOT, LAVAL, 2016), no qual os sujeitos são incentivados a

adotarem uma postura individualista e competitiva, em relação a diferentes esferas da vida.

No entanto, as narrativas de Flavia se posicionam contra a esse contexto, buscando soluções

que visam enfrentar as dificuldades do espírito do seu tempo, no caso, o de procurar uma

“rede de amigos que está no mesmo barco que você”, e que, portanto, conhecem as

dificuldades dessa condição social de existência.

Por fim, em comparação as narrativas de vida do CIETEC, é importante ressaltar que

os entrevistados da ESPM também se utilizam de algumas estratégias semelhantes ao narram

suas trajetórias de vida. Uma delas é a utilização de estereótipos (LIPPMANN, 1972) para se

descrever o percurso de cursos e profissões com os quais se envolveram, e, a outra é a

narração de campos sociais imaginados, que descrevem os asseios e ações dos personagens-

autores-narradores a partir das percepções que eles descrevem de uma situação, em um

determinado “momento da vida” (GIELE, ELDER JUNIOR, 1998), narrado.

4.4.2 Produções de sentidos da universidade e da incubadora

O presente subcapítulo apresenta os resultados das análises realizadas em torno das

narrativas de vida dos universitários incubados, atentando-se, em específico, as produções de

sentidos sobre a universidade e a incubadora. A análise buscou evidenciar as estratégias

discursivas que são comuns aos entrevistados, e outras que são particularidades, e que, por

causa disso, contribuem para evidenciar as diferenças ideológicas e estratégicas manifestas no

corpus analisado. A seguir apresenta-se as análises das narrativas de vida relacionadas ao

CIETEC, e, posteriormente, as da incubadora da ESPM.

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As produções de sentidos dos universitários associados ao CIETEC

Nas narrativas de vida, dos seis entrevistados associados à incubadora CIETEC, um

fenômeno que pode ser observado é que a primeira fala dos entrevistados localiza a formação

universitária como ponto de partida de suas trajetórias narradas, descrevendo, em seguida,

uma variedade de atuações profissionais e/ou de cursos de formação antes do momento em

que decidiram abrir suas empresas. Em parte, isso se dá, pelo fato da primeira pergunta do

questionário semiestruturado solicitar que o entrevistado comente “Quem é você? Conte-me

um pouco mais sobre o (nome do entrevistado). Quantos anos você tem? Do que você gosta?

Como você chegou até aqui?”, no entanto, não lhe é pedido que comente sobre a sua trajetória

acadêmica ou profissional. O fato dá formação acadêmica ser o primeiro elemento narrado,

quando o entrevistado busca apresentar-se para o entrevistador, por meio de uma narrativa,

sinaliza, de um lado, um habitus linguístico (BOURDIEU, 2008b) em comum, talvez

derivado do fato do corpus dessa análise ser composto por universitários associados às

incubadoras de negócio. De outro lado, observa-se uma correlação subentendida de que a

formação universitária é o ponto de partida, para os anseios e dilemas, relacionados ao mundo

do trabalho. Em relação a essa primeira pergunta do questionário, que convocava os

entrevistados a produzirem narrativas sobre eles mesmos, Douglas inicia sua resposta da

seguinte forma:

Se você quiser que, de fato, eu responda com honestidade, a gente vai ficar aqui

algumas horas conversando. Tô brincando! Tenho [...] anos. Estudei farmácia com o

[nome do sócio], depois fui fazer direito, porque queria ganhar mais dinheiro. Esse

foi um norte muito importante, desde o início. E assim cara, eu acho muito

importante a gente entender o que move as pessoas, né.

Observa-se, nesse trecho, significações em torno do “postulado do sentido da

existência contada”, tal como proposto por Bourdieu (1996, p.75), cujas reflexões sugerem a

presença de um interesse que opera entre entrevistador e entrevistado, de reconhecer, nas

narrativas, uma identidade que corresponderia as verdadeiras características e traços do

sujeito que a narra. Na fala do entrevistado, observa-se uma produção de sentido que busca

afirmar essa crença e expectativa quando, de um lado, o entrevistado comenta a complexidade

de descrever com “honestidade” quem ele é, para, logo em seguida, afirmar “Tô brincando!”,

produzindo o sentido de que seria fácil narrar o seu próprio ser. Outro sentido elaborado na

fala de Douglas, é a relação que uma determinada formação acadêmica estabelece com a

condição social de existência que o sujeito deseja usufruir após formado. Nesse caso Douglas

revela um ponto de vista ideológico que reconhece que uma formação em direito lhe daria

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mais dinheiro do que em farmácia. Além disso, sua fala também caracteriza seu personagem

como possuindo uma “orientação pessoal para ação” (GIELE, ELDER JUNIOR, 1998) que

toma decisões com base na possibilidade de maiores ganhos financeiros.

Quando questionados sobre “Como você decidiu fazer faculdade? Você fez

faculdade de que? Por que você escolheu esse curso e não outro?”, os universitários

associados a incubadora do CIETEC, descrevem diferentes práticas de consumo simbólico da

universidade. Três entrevistados revelam o interesse pela área acadêmica, mas motivados por

questões diferentes. Arthur, por exemplo, descreve que “[...] desde Guri, eu tinha kits,

daqueles kits do alquimista. Gostava de bancada. Sempre uma pegada investigativa e sabia

que, talvez, seria uma carreira acadêmica, que acabou que, me desanimei, no meio do curso”.

O consumo simbólico da universidade, portanto, é narrado como sendo orientado por

momentos lúdicos da infância, que alimentaram os “devaneios” (CAMPBELL, 2001) do

entrevistado. No entanto, revela que tais devaneios acabaram quando cursou, de fato, a

faculdade.

Augusto, por outro lado, comenta que foi em uma feira de profissões, que passou a se

interessar pela carreira acadêmica. Lá “tinha um cara que tinha feito farmácia e que estava

trabalhando com genética. Eu fui conversando e, aí, decidi fazer farmácia. Até então, eu não

fazia ideia. [...] achei que farmácia era legal, eu gostava dessa parte de novas drogas, de novos

medicamentos”. Em sua fala, observa-se que sua escolha de profissão ocorre em torno dos

“devaneios” (CAMPBELL, 2001) que ele começa a ter após o contato com “um cara que

tinha feito farmácia”, o que lhe desperta um imaginário de que poderia, futuramente, trabalhar

desenvolvendo “novas drogas” e “novos medicamentos”. Além disso, Augusto revela que,

após a faculdade de farmácia, ele ficou desiludido com a remuneração da profissão, no

mercado de trabalho, e a sua segunda faculdade ele cursou “[...] por dinheiro. Eu quis fazer

medicina, porque eu vi, eu queria ser pesquisador. Nessa época, eu não queria ser

empreendedor, nem sabia disso, mas pesquisador... E vi que, médicos que pesquisavam,

ganhavam muito mais dinheiro que farmacêutico”. Sua trajetória narrada revela ser povoada

por “devaneios” (CAMPBELL, 2001) seguidos por desilusões, narrando desencantar-se com a

carreira de medicina durante a fase da residência, e decidindo seguir, posteriormente, uma

trajetória empreendedora. A fala de Izabel, por sua vez, descreve que:

Por que eu decidi ir para área científica, para área do conhecimento? Bom, eu

sempre fui muito religiosa. Sempre gostei muito de filosofia, de história, de refletir

sobre as coisas que acontecem ao meu redor. Saber mais sobre a vida. Então, sempre

fui muito pensativa. Eu queria entender mais sobre Deus. Eu sei que, só a partir do

conhecimento, poderia tentar talvez entender Eu falei: bom eu vou estudar, vou fazer

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medicina, vou para a área de ciência, ou filosofia. Então, foi isso. Assim, acho que

minha motivação maior foi mesmo querer conhecer mais sobre Deus, sobre o

mundo, sobre o sentido da vida e aí, óbvio, também, questão tipo: bom, você tem

que fazer alguma coisa na sua vida, né. Você tem que fazer faculdade, mas, eu

poderia ter feito qualquer coisa, certo, para ter bens materiais.

A fala de Izabel produz sentidos que estabelecem relações interdiscursivas com o

nomos (BOURDIEU, 2004a) – a lei fundamental – do campo científico, que pode ser descrito

como “a ciência pela ciência”, e que confere autonomia a esse campo, distinguindo-o de

outros. Conforme Bourdieu (idem), a autonomia do campo científico foi formada no período

renascentista, quando filósofos e pesquisadores buscaram distinguir a religião da ciência. A

fala de Izabel, se apoia nesse interdiscurso, de modo a descrever uma trajetória de transição de

uma subjetividade “muito religiosa”, para uma subjetividade “científica”, que busca esse tipo

de conhecimento. Além disso, observa-se também que sua fala descreve que seus interesses

por conhecimentos – “sobre Deus, sobre o mundo, sobre o sentido da vida” –, é maior do que

sua vontade de conquistar “bens materiais”, posicionando a personagem-autora-narradora, na

hora da decisão pela faculdade, como alguém que via valor na illusio (BOURDIEU, 2004a)

do campo científico. Outra produção de sentido aqui presente é a consciência de que sua

relação com faculdade implica ser também um ritual de passagem para vida adulta, por meio

do qual Izabel conseguiria “fazer alguma coisa na sua vida”, relatando também ser a

faculdade alvo de expectativas, quase uma obrigação presente na vida de jovens que se

formaram no ensino médio. Tal percepção também é compartilhada por Douglas:

Cara, se você está numa sociedade que te propõe um modelo, em geral, as pessoas

não questionam o modelo e seguem o modelo. Então, o modelo é, você terminar o

ensino médio e ir para uma faculdade. E, a faculdade que eu escolhi era a faculdade

com maior probabilidade de eu passar. Pra que depois fazer o que? Eu não sei, mas

você é muito novo cara, você não... Você segue o protocolo.

Na fala de Douglas observa-se um envolvimento com estereótipos (LIPMANN,

1972) relacionados ao mundo universitário, retratados como um “modelo” que “em geral, as

pessoas não questionam” e seguem. A faculdade também é apresentada como um ritual de

passagem, um “protocolo” a ser seguido. Sua narrativa descreve que seu personagem, naquele

“momento de vida” (GIELE, ELDER JUNIOR, 1998), não tinha ideia do futuro que almejava

alcançar a partir das escolhas universitárias que estava fazendo.

Diferentemente de Arthur, Laura e Izabel, que descrevem seu consumo inicial da

universidade com o intuito de se tornarem cientistas, a narrativa de vida de Laura descreve

sua decisão pelo curso universitário da seguinte forma: “É, brincando com meus pais, como

todo mundo, né. Meus pais são cientistas puros. Eles acham que engenharia é o filho pobre da

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ciência, então... [...] meus pais são pessoas que estudam aquelas coisas [...] sem,

necessariamente, precisar aplicar... Agora, eu não”. Sua fala revela um posicionamento que se

contrapõe a illusio (BOURDIEU, 2004a) do campo científico, ao buscar uma profissão que

almeja aplicação, ao invés de conhecimentos puros. Laura, em sua fala, sinaliza que sua

personagem participava desses embates entre o nomos e a illusio do campo científico e do

campo econômico, na sua própria estrutura familiar, decidindo por cursar a profissão de

engenharia, motivada essa relação de “alteridade” (WOODWARD, 2000) que estabelecida

com seus pais. A última entrevistada, Priscila, descreve a sua decisão pela faculdade da

seguinte forma:

Na verdade, na época que eu escolhi, era uma aptidão natural, gostava de desenhar.

Na verdade queria ser pintora, né? Ai, aquela coisa do pai: não, você não vai ser

pintora. Você vai ser o que na vida, né? Não vai conseguir nada... Aí daquela

conversa com os pais, eu falei: então tá. Vou fazer uma coisa que mexa com

artístico, mas, não tanto artístico demais, que não tenha campo de trabalho, né? Aí,

eu fui para arquitetura.

Em sua fala Priscila descreve a influência dos pais na sua tomada de decisão, além da

sua aptidão natural para desenhar. Por outro lado descreve conflitos relacionados as

percepções que seus pais possuíam de campos sociais distintos, o campo artístico, que

conforme Bourdieu (1996), é caracterizado por desinteresses financeiro, e o campo

econômico, que cujo interesse declarado é o financeiros e que, na fala de Priscila, revela ser

alvo das expectativas dos seus pais, que almejavam que ela fosse alguém na vida, exercendo

uma profissão que tivesse algum “campo de trabalho”. Em sua fala, fica subentendido que

exercer uma atividade de trabalho em um campo profissional é a mesma coisa que “ser

alguém na vida”, além da faculdade ser a forma de se preparar para tanto.

Em todas essas falas, observa-se que ao descreverem as decisões tomadas por seus

personagens-autores-narradores em relação ao consumo da universidade, os entrevistados não

levaram em consideração, naquele momento de suas vidas, entendimentos maiores sobre o

mercado de trabalho que adentravam, tomado decisões a partir de verdades estereotipadas

(LIPMANN, 1972), com base em fontes únicas, sendo orientados por gostos pessoais, cuja

origem se dá em relações lúdicas da infância, ou aptidões naturais, além de haver a influência

dos pais na decisão da faculdade, e a crença de que se deve seguir o ritual da faculdade para

“ser alguém na vida”. O consumo simbólico da faculdade, portanto, é povoado por

“devaneios” (CAMPBELL, 2001) em relação ao seu próprio futuro e ao mercado de trabalho,

diferenciando-se, em certa medida, do consumo simbólico que os entrevistados realizam do

empreendedorismo, visto que este, como apontado no subcapítulo anterior, é descrito como

motivado pela desilusão que o entrevistado mantém com o trabalho convencional e

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tradicional, ocorrendo em um “momento da vida” (GIELE, ELDER JUNIOR, 1998) distinto,

em suas narrativas de vida.

Em torno da universidade os entrevistados produzem diversos outros sentidos. De

certo modo existe o consenso de que a universidade, em alguma medida, contribuiu para

outras etapas da vida dos entrevistados. Para Arthur, Priscila, Izabel e Augusto, trata-se do

fato dela ter oferecido o conhecimento técnico necessário para a profissão que exerceram após

formados, e também pelo fato de utilizarem-se desses conhecimentos técnicos na atividade

empreendedora que realizam. Laura, por sua vez, comenta que a universidade contribuiu para

sua trajetória de vida pelo fato de, na engenharia “a coisa mais importante que ela me ensinou,

foi aprender sozinha, né”, ressaltando a conquista da autonomia como um diferencial nas

etapas seguintes de sua jornada. Além disso Laura comenta que “na faculdade, você aprende

muitas coisas importantes, tanto da sua profissão, como aprender a trabalhar em grupo,

interagir com outras pessoas, e tal. Agora, pressão muito menor, apesar de, na época, a gente

achar que é duro, mas não é”, descrevendo a faculdade como um espaço de simulação e

aprendizado, específico de um momento da vida, onde se adquire um “capital cultural”

(BOURDIEU, 2007b) associado a profissão, e saberes importantes para se cultivar o “capital

social” (idem), como, por exemplo, “saber interagir com outras pessoas”. Por fim, Douglas

descreve a importância da universidade pelo fato de que foi nela que ele encontrou seu sócio –

o que seria uma espécie de capital social –, além dele acreditar que a universidade fornece um

capital cultural específico, mas que acaba não servindo muito por ser muito especifico para

aquilo que é exigido pelo mercado de trabalho.

Se, de um lado, todos os entrevistados narram que o consumo de cursos

universitários que realizaram trouxe contribuições para outras etapas de suas de vidas, de

outro lado, tem-se divergências entre os entrevistados em relação as contribuições que as

universidades, no geral, podem oferecer os sujeitos que atualmente buscam se inserir no

mundo do trabalho. Numa perspectiva favorável, Priscila acredita que a faculdade prepara o

sujeito para o mercado de trabalho, visto que “você precisa ainda de um conhecimento

acadêmico até mesmo porque o colégio, antigo ensino fundamental, não te preparou tão bem”,

situando, desse modo, a universidade como um agente que media duas fases distintas da vida

dos sujeitos, preparando-o para o mercado.

Augusto também acredita que a faculdade prepara para o mercado de trabalho, posto

que, “quem se formou, em farmácia, com a gente, faz trampos que, não precisaria, nem da

faculdade. Sabe. Um conhecimento mínimo. Então, forma, porque é o suficiente, para a

pessoa exercer aquela função de burocrata que tá na grande empresa”, descrevendo que, em

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termos de capital cultural (BOURDIEU, 2007b), as exigências do mercado de trabalho são

muito baixas, de modo que o preparo da faculdade acaba sendo o suficiente. No entanto,

quando questionado sobre se é preciso de diploma para ser um bom profissional, Augusto

comenta não é preciso, mas “ajuda, sei lá, a gente vai contratar funcionários, para o

laboratório. O fato dos caras terem feito química, ajuda. Terem feito biologia, ajuda. Chamar

alguém do ensino médio ia ser bem pior”. Tal narrativa dialoga com as percepções de Priscila

em relação ao papel da universidade de preparar um sujeito do ensino médio, que está mal

preparado, para o mercado de trabalho. A narrativa de Augusto também deixa implícito o

valor simbólico associado ao diploma, que age capaz de certificar alguém quem passou pela

universidade como possuindo um “capital cultural” (BOURDIEU, 2007b) específico,

relacionado ao curso consumido. Mas, na percepção de Augusto, o diploma confere um valor

simbólico relativo, visto que “têm atividades que não é necessário, você ter um conhecimento

básico”. Outro ponto importante a ser ressaltado na fala de Augusto, é que ao se referir a

importância dos diplomas para entrada no mercado de trabalho, ele narra sua opinião a partir

do seu lugar de fala enquanto empreendedor.

Laura, por outro, lado, difere-se da opinião de Priscila e Augusto, visto que acredita

que se a universidade “fosse preparar pro mercado de trabalho, teria é aprendido coisa muito

mais imediatista, assim como, ferramentas pra poder sai fazendo, agora, o que é preciso ser

feito agora, mas isso não ia me ajudar, no futuro, né”. Desse modo Laura narra sua percepção

de que o mercado de trabalho valoriza conhecimentos pragmáticos com aplicações imediatas,

mas se posiciona de modo contrário a essa perspectiva, visto que, ao observar sua própria

trajetória de vida, descreve que ao invés de aprender a usar uma ferramenta, ela “aprendeu a

aprender”, o que é um tipo de saber que “você vai ter pra toda sua vida [...] se a faculdade me

ensinar a preencher um balanço, eu só vou saber preencher balanço. Entendeu”. Apoiando-se

num ponto de vista semelhante, Douglas afirma que:

A USP não é para formar para o mercado de trabalho. Eu acho que a USP é para

formar pensadores e pessoas justamente que questionam e conseguem ter um

pensamento por si. Eu acho que faculdade, para formar para o mercado de trabalho,

é faculdade para formar gente alienante. Eu acho que essa não é a proposta da USP.

O problema é que a USP não consegue formar gente para o mercado de trabalho e

também não consegue fazer nada (risos). O rolê é que passa gente que é boa lá e aí

só faz a faculdade. Eu acho que essa não é a proposta da USP de formar gente para o

mercado de trabalho.

Tal perspectiva de Douglas dialoga com o ponto de vista de Laura, reconhecendo que

o papel da faculdade não é o de formar os sujeitos para o mercado de trabalho, mas para

prepara-los para outras etapas de vida, capacitando-os para serem questionadores e terem

pensamentos próprios. Além disso, também acredita que uma formação que é focada apenas

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no mercado de trabalho cria “gente alienante”, estabelecendo uma relação de interdiscurso

com as teorias de Marx (2004), que descrevem as relações de exploração capitalista como

possibilitadas justamente pela relação de “alienação” que os empregados estabelecem com o

sistema de produção, e os frutos do seu trabalho. Desse modo, o interdiscurso utilizado por

Douglas, possibilita compreender as faculdades que preparam para o mercado de trabalho,

com lugares em que os sujeitos não questionam, ou não questionarão as relações de produção

econômica para as quais estão se preparando, para atuar como “gente alienada” no mercado

de trabalho. O propósito maior da faculdade USP, que é a de gerar sujeitos com pensamento

crítico, no entanto, não é percebido pelo entrevistado como não sendo algo que de fato a USP

consegue realizar.

Arthur, por sua vez, concorda com Laura e de Douglas, a respeito do fato da

universidade não preparar o sujeito para o mercado de trabalho. No entanto, revela um ponto

de vista bem distinto desses autores, que demonstra posicionar a favor da perspectiva do

projeto da “universidade empreendedora” (ENDEAVOR, 2016), posto que realça o

conhecimento pragmático e voltado para o mercado como algo necessário, acima de outros

conhecimentos promovidos pela universidade. É importante ressaltar que o lugar de fala que

ele assume na sua narrativa é o de um empreendedor que contrata, e não a de um funcionário

que segue uma trajetória empreendedora.

Hoje, eu tenho estagiários e pessoal que passa lá, no projeto, que eu valorizo. O

curso técnico, por exemplo. Eu acho curso técnico uma coisa fantástica, te traz um

pragmatismo profissional e uma humildade que a universidade não produz. Eu já

tive Walfredo. Eu já tentei várias vezes engenheiro de alimento, quase formando,

cara na boca do gol, nunca fez um estágio, não sabe fazer planilha de Excel e a gente

tá falando de Unicamp meu amigo.

A falta de conhecimento prático é, portanto, algo extremamente desvalorizado por

Arthur, no seu ponto de vista de quem contrata mão de obra. Conforme seu relato, falta

“humildade” nos universitários, algo que ele consegue obter de quem realiza curso técnico. Os

sentidos em torno da “humildade” dos universitários, são produzidos a partir de

tensionamentos com outros momentos de sua fala, como, quando afirma que “nas

universidades de ponta, você pega gente que não está interessado em trabalhar”, ou quando

descreve que “eu acho importante a postura, né. E outra, saber ter comprometimento. Saber,

entender o teu lado”, características que ele relata não encontrar nos sujeitos que se formam

em universidades.

Ao serem questionados se a universidade prepara o sujeito para o

empreendedorismo, ou se é preciso de diploma para ser um bom empreendedor, Augusto e

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Laura comentam que depende da área em que se almeja atuar, se for parar “empreender na

área de ciência”, como diz Laura, ou numa “área técnica”, como se refere Augusto, seria

necessário o conhecimento ou o diploma da faculdade, caso o contrário não seria preciso. Por

outro lado, observa-se que a prática empreendedora necessita de conhecimentos relacionados

à gestão e à administração, fato que os entrevistados associados ao CIETEC revelam com

certo tom de carência. Arthur, por exemplo, comenta que: “É uma pena que a gente não teve a

parte administrativa, né. Faz muita falta. E eu tento me capacitar hoje”. Já Priscila descreve

que “eu senti essa necessidade de entender o que é a parte administrativa de gestão, então,

atualmente, eu estou estudando gestão”.

Em relação ao empreendedorismo, um entendimento que se observa na fala de todos

entrevistados é que a busca do conhecimento deve partir do próprio empreendedor, estando

relacionado aos seus interesses e necessidades particulares. Arthur, por exemplo, descreve

que, ao decidir mudar de profissão para seguir sua carreira empreendedora, ele se envolveu

com diversos cursos, fato que o ajudou a entender melhor as dinâmicas do campo econômico

no qual estava adentrando. Priscila, por outro lado, descreve que para empreender “eu acho

que não precisa de um diploma, eu acho que você vai sentir a necessidade de estudar igual eu

tô fazendo agora de estudar outras coisas e se envolver na área de empreendedorismo, mas

você não precisa”. Já Laura comenta que:

[...] a educação, daqui pra frente, vai mudar muito[...]. Não vai interessar se você

tem um diploma e sim saber aprender as coisas que você precisa ao longo do seu

caminho. Vai ser muito diferente [...] não adianta mais ser engenheiro, médico ou

biólogo. Interessa é você ser flexível, pra aprender o que você precisa naquele

momento, e de qualquer área. Saber interagir entre áreas diferentes.

A fala de Laura dialoga com o contexto social, cultural e histórico no qual é

produzida, visto que o aprendizado que a entrevistada descreve ser demando pelo

empreendedorismo, no caso, “saber aprender as coisas que você precisa ao longo do seu

caminho”, relaciona-se com as novas dinâmicas de consumo de conhecimento que circulam

no atual capitalismo flexível (SENNETT, 2006), em que o ritmo de constante inovação nas

esferas da produção e do consumo, fazem com que o conhecimento aplicado ao mercado se

torne rapidamente obsoleto, além, também de haverem novas configurações do mundo do

trabalho, associados as dinâmicas dos projetos (BOLTANSKI, CHIAPELLO, 2009), que

passam a exigir que os conhecimentos conversem com áreas diferentes, não se limitando a um

único campo do saber.

Outro ponto a ser destacado, na fala dos entrevistados, são as referências que eles

fazem a uma educação empreendedora, que visa incentivar o sujeito a querer empreender, ou

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capacitá-lo para tanto. Augusto, por exemplo, comenta de um evento que participou durante a

faculdade, uma “palestra empreendedora, por exemplo, um evento [...] superbom e trouxeram

pessoas boas”. Sobre o mesmo evento, Douglas descreve que: “Se não tem ninguém, no seu

ciclo social, que conseguiu fazer uma parada, dificilmente, você vai pegar, olhar no espelho e

falar assim: Ah é possível! Na nossa época, colocaram o cara da IBMEC. Você vê a palestra

dele, você fala: mano, dá pra fazer! Dá pra fazer!”. Tais falas fazem referência a cultura da

inspiração (CASAQUI, 2016) e a importância que histórias de vida exemplares

(BUONANNO, 2011) assumem para incentivar o consumo simbólico do empreendedorismo.

Além disso produzem sentidos em torno do modo como a educação que visa promover o

empreendedorismo faz sua aparição no ensino superior.

Priscila que assume o ponto de vista de que o empreendedorismo pode ser ensinado,

sendo algo que “desperta” no sujeito, comenta que: “eu acho que, o empreendedorismo

deveria ser ensinado desde que a criança entra na escola entendeu. [...] eu acho que, a criança

deve ser estimulada. Hoje a criança não é estimulada entendeu”. Izabel, de forma semelhante,

comenta que, “daqui 5 anos, as próprias escolas vão começar a tocar com os alunos, essa

questão [...] Não só as universidades e as escolas particulares, mas, até na escola, vão começar

dar essa cultura para as pessoas, de fazer alguma coisa, de virar um técnico em alguma coisa”.

Esses discursos também dialogam com o contexto histórico, social e cultural no qual foram

produzidos em que, conforme Drewinski (2009), observa-se a promoção de um projeto de

educação que visa educar os trabalhadores em formações para que eles consigam se inserir em

um mercado de trabalho passa a demandar habilidades e conhecimentos empreendedores, e

que, por outro lado, não é capaz de oferecer vagas formais de emprego, exigindo que o

trabalhador busque outras alternativas para adquirir dinheiro para seu sustento.

Se, de um lado, alguns entrevistados concordam que é possível ensinar

empreendedorismo para as crianças, de outro lado, existem algumas opiniões divergentes em

relação a que tipo de empreendedorismo pode ser ensinado. Tanto Augusto quanto Douglas

concordam que existe uma grande diferença, entre um sujeito que empreende um negócio

tradicional e convencional, e um sujeito que busca um empreendimento disruptivel, no

sentido proposto por Schumpter (1997), de propor um negócio tão inovador, que revolucione

a relação de produção e de consumo da sociedade. No ponto de vista de Augusto, a pessoa

que empreende algo disrupitivel nasce com características empreendedoras, mas “claro que

assim, para você ser dono de um restaurante, o negócio é diferente”. Já, Douglas narra que as

pessoas em dado momento, “depois que ela já está adulta, se ela não tem um determinado

perfil, eu acho que dá pra você ensinar algumas coisas. Mas, um empreendedor, de grande

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sucesso, tem que ter algumas características da sua personalidade para o cara ser, realmente,

muito fora da curva, entendeu?”.

Outro tópico que pode ser observado, nos discursos dos entrevistados do CIETEC é

que as instituições de ensino formal não são as únicas que são narradas como sendo

interessadas em educar e inspirar os sujeitos a empreender. O termo “ecossistema” aparece,

nos discursos de Arthur e Priscila, sempre se referindo ao contexto no qual se fazem presentes

os agentes que atuam no campo do empreendedorismo, e tal palavra estabelece uma relação

de interdiscurso por se referir ao termo “ecossistema” utilizado pela biologia para descrever

um conjunto de comunidades de seres vivos “que vivem em um determinado local e

interagem entre si e com o meio ambiente, constituindo um sistema estável, equilibrado e

autossuficiente” (SANTOS, 2019, s/n.) Tendo o sentido biológico de “ecossistema” em

mente, tem-se que no discurso de Arthur e de Priscila a ideia de que existem determinados

locais que, funcionando como um ecossistema, contribuem para “inspirar” (CASAQUI, 2016)

os sujeitos em direção ao empreendedorismo. Arthur, por exemplo, descreve um “momento

de vida” (GIELE, ELDER JUNIOR, 1998) do seu personagem, no qual passou a morar na

região do Vale do Silício, em São Francisco, nos Estados Unidos da América, região famosa

por incentivar o empreendedorismo, contendo diversos parques tecnológicos, incubadoras,

universidades, etc. Foi nesse momento de sua vida que o personagem narra ter encontrado

uma “inspiração” (CASAQUI, 2016) que o levou a desejar uma vida empreendedora e a

buscar sua ideia de produto, posto que “estava exposto aquele ecossistema de inovação”, um

“ecossistema” cujos agentes convivem e interagem pensando no empreendedorismo. Priscila

também concorda com esse ponto de vista, quando comenta que mantém seu negócio

vinculado a incubadoras de negócios, para participar do seu “ecossistema”. Ambiente que ela

descreve como sendo inovativo, e, inspirador.

Sobre as incubadoras de negócio, os entrevistados da CIETEC apresentaram um

conjunto de opiniões que são semelhantes em alguns aspectos e complementares em outros.

Em comum, Arthur e Izabel narram a incubadora como sendo, um ambiente mais profissional,

do que o da universidade. Para Arthur, a “incubadora não bate na sua porta, meu, você tem

que trazer demandas o tempo todo e ficar incomodando, porque você tá dando parte do teu

negócio ali também, então isso tem que valer a pena né”, demonstrando em seu discurso que a

principal diferença, da incubadora, com a universidade, é o fato do sujeito precisar estar

engajado e ir atrás do que a incubadora tem a oferecer, não podendo adotar uma postura

passiva. Para Izabel “na faculdade você só tem o teórico e na incubadora você tem a prática

[...] todo mundo trabalhando assim todo mundo querendo ganhar o pão ali mesmo, querendo

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ganhar dinheiro levar a empresa pra frente coisa competitiva”. Trata-se de um discurso que

evidência a busca do dinheiro e a competição, o que, de um lado, dialoga com as justificativas

morais que Izabel, enquanto personagem, descreve possuir, quando busca engajar-se no

empreendedorismo, e, de outro lado, dialoga com o atual cenário do neoliberalismo

(DARDOT, LAVAL, 2009), que promove uma racionalidade competitiva, no mercado de

trabalho. Sobre essa postura de relacionamentos e contatos que ocorrem na incubadora, Laura

descreve que:

Na incubadora existe uma interação entre várias empresas, mas é muito menor que

na faculdade, por que cada um tá concentrado na sua empresa que não é algo que

acontece toda dia toda hora entendeu. Acontece sim porque você precisa de outras

empresas e você sabe que elas estão lá e vão conversar com elas, mas não é um

negócio que acontece no dia a dia como acontece na faculdade.

Desse modo, Laura narra uma relação de contatos com outras empresas, mas quando

envolve interesses ou necessidades. Na incubadora cada sujeito está envolvido na sua própria

empresa, e focado na illusio (BOURDIEU, 2004a) específica do seu próprio negócio. Mas,

quando surge a necessidade de interação, ela costuma ocorrer. Sobre esse tópico, Arthur

comenta que, na incubador “você tem esse contato, flexão, com outras empresas de outras

áreas com outra cabeça, eu acho muito mais um ambiente muito mais ventilado, né”, no qual

há possibilidade de ampliar a criatividade e de encontrar novas “inspirações” (CASAQUI,

2016). Características das incubadoras descritas por Arthur, que também dialogam com a

percepção de Priscila. Além desses aspectos Priscila também comenta que “a incubadora ela

te apresenta possibilidade de estar em contato com outro desde o cara que financia, [...], até

troca de ideias com outras incubadoras isso é muito bacana”, situando a incubadora dentro de

um “campo tecnológico” (JARDIM, 2015), no qual interagem diversos outros agentes, como,

por exemplo, os investidores.

Arthur narra também a incubadora descrevendo aspectos do seu processo seletivo:

“tem que aplicar baseado num edital, você tem que defender, ter ideia... geralmente você tem

que aplicar o pitching, defender o porquê, mostrar o estado da arte, mercado, aplicações etc e

tal. Faculdade não se fala em mercado. Se fala em mercado de uma forma muito distante”.

Essa fala traz produções de sentidos, com uma série de elementos que fazem referências as

particularidades do “campo tecnológico” (JARDIM, 2015), dentre elas os “editais” que

possibilitam a entrada na incubadora. Observa-se, na sua narrativa, que, além de aplicações

para o mercado, o edital pede um “estado da arte”, termo que estabelece uma relação de

interdiscurso com o texto acadêmico, revelando justamente o hibridismo que o campo

tecnológico estabelece com o campo científico e o econômico, e, no qual, as incubadoras de

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negócios estão situadas. Arthur, assim como diversos outros empreendedores da CIETEC,

revelam angústias em relação à postura da universidade e dos professores com as questões

relacionadas ao campo econômico e ao mundo do trabalho. Ele narra, por exemplo, que:

A faculdade tem uma grande desconexão como o mundo real né. Os professores que

estão ali fizeram inicialização cientifica, a maioria mestrado, doutorado, pós-doc,

dentro da academia. A academia conversa pouco com mercado, pouco com mercado

privado, justamente essa mania atacanha, burra, proposionista, das universidades

federais principalmente, de ter muita resistência a iniciativa privada... No meu caso,

me formei, nos grandes laboratórios, nas grandes biotecnias tudo isso né. Hoje, você

faz um negócio dentro de uma universidade você está morto. Porquê da parte de

propriedade intelectual, compartilhamento de propriedade intelectual, é absurdo!

Não é vantajoso fazer negócio, desenvolver solução dentro das universidades com

objetivo de lucro né, e empresas. Então, eu acho que isso está mudando, um pouco,

mas na minha época, por exemplo, os caras altamente capacitados tecnicamente para

suas áreas dentro das suas referenciais bibliográficas, mas... totalmente

desconectados do mundo, totalmente, totalmente, totalmente...

Nesse discurso de Arthur, narra-se sobre professores altamente qualificados, mas

“totalmente desconectados do mundo”, fato que produz sentidos sobre o lugar de fala de

Arthur, que assume o mundo como sendo o “campo econômico”. Isso, de certo modo, reforça

as intenções iniciais da interação comunicacional proposta, entre entrevistador e entrevistado,

no qual buscou-se convocar o entrevistado a falar a partir do seu lugar de fala enquanto

universitário associado a uma incubadora de negócio. Sua fala, portanto, revela um ponto de

vista que diz respeito a um sujeito que está inserido na illusio (BOURDIEU, 2004a) do campo

econômico, que é o interesse econômico, e que, justamente por causa disso, não consegue

entender, ou achar interesse na illusio do campo científico, que é a busca da ciência pela

ciência, e o acumulo da autoridade científica. Outro sentido, que sua fala produz, é em

relação às patentes, que, assim como os editais, mostra-se como um elemento do “campo

tecnológico” (JARDIM, 2015), no qual existem diferentes perspectivas e disputas de

interesse, de acordo com os agentes envolvidos. A patente, para os cientistas, tem que ser

aberta para o mundo, assim como é o conhecimento científico, não podendo ser alvo do

interesse pessoal, pelo lucro. No entanto, como narra Arthur, para um sujeito que busca uma

trajetória empreendedora, seguir a mesma postura da campo científico e não patentear uma

propriedade intelectual é um “absurdo”, “não é vantajoso” e é estar “morto”, revelando

sentidos sobre o atual capitalismo, como, por exemplo, a grande influência que ele estabelece

em torno das patentes, para se conquistar o diferencial competitivo (LAZZARATO, 2006) e

manter a dinâmica da exploração em funcionamento. Sobre esse dilema da propriedade

intelectual que ocorre entre as incubadoras e as universidades, dentro campo tecnológico,

Izabel comenta que:

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Depois dessa definição do depósito da patente... já vai liberar os documentos de

transferência de tecnologia... aí com esse documento de transferência de tecnologia

fica mais seguro pra pegar um investimento maior com alguém, porque o investidor

bom pensa: “Se a patente é da USP porque eu vou dar o dinheiro para você? Melhor

esperar e comprar da USP”

O dilema da patente, portanto, envolve justamente o direito que o empreendedor

consegue ter de explorar a propriedade intelectual para adquirir benefícios próprios. Tal

fenômeno dialoga com o atual espírito do capitalismo, no qual as disputas de mercado

ocorrem por meio dessas propriedades intelectuais, que não são feitas apenas pela força-

trabalho dos envolvidos, mas pela sua forma-imaginação. A produção de sentido, presente

nesse discurso, também faz referência as universidades como fontes de conhecimentos

públicos a serem explorados, pelos empreendedores, em busca de diferencial competitivo.

Por fim, o último tópico a ser destacado é o papel que o Estado assume como

mediador do empreendedorismo. Nas narrativas dos entrevistados, as referências ao Estado

aparecem em diversos momentos. Trata-se de uma produção de sentido sempre ambígua,

posto que o Estado incentiva o empreendedorismo, ao entregar verbas para empreendedores

por meio de editais, ao mesmo tempo em que é descrito como bastante burocrático. Esse é,

por exemplo, o ponto de vista de Arthur, quando descreve que, ao participar de um edital,

buscando verba para empreender, “eu demorei 8 meses pra escrever porque o PIP

basicamente você escreve uma tese”, frase que reforça o caráter híbrido que o campo

tecnológico do empreendedorismo estabelece com o campo científico. Além disso, ele narra

que teve que se inscrever na Receita Federal, para ter um CNPJ: “você sabe que abrir um

CNPJ nunca mais você se livra, entre aspa, dessa situação; busca contador, sindicato

mandando carta, nunca faturei uma nota tem que pagar uma tonelada de dinheiro [...] Então eu

acho que a burocracia do Brasil aperta muito o empreendedor”. Nesse aspecto, Priscila

também concorda, afirmando que: “você não tem muito apoio legal do governo; essas coisas

você não tem [...]você faz um negócio aí você tem que, na verdade, batalhar pelo negócio e

suar pelo negócio, praticamente sozinha”. A narrativa de Priscila produz um sentido que vai

além da burocracia e a falta de apoio do governo, mas que ressalta a solidão do processo de

empreender. Subentendido nessa fala, e situando-a dentro de um contexto histórico, social e

cultural, observa-se um dialogo com a atual situação neoliberal da sociedade (DARDOT,

LAVAL, 2016), na qual, o estado parece pedir demissão de suas antigas funções,

terceirizando-as, para a iniciativa privada, e, para a sociedade civil, de modo que, o

empreendedor se torna um agente, que solitário, e, sem o apoio do Estado, deve buscar

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inovação, para conseguir a posição de capitalista no campo econômico, assumindo a

responsabilidade, pelo seu próprio sucesso ou fracasso.

Algumas narrativas revelam, como algo positivo ao empreendedorismo, a

flexibilização das leis trabalhistas. O depoimento de Arthur exemplifica isso “aí começa surgi

algumas iniciativas, alguns movimentos que dão esperança, como a flexibilidade da lei

trabalhista, etc. e tal, apesar que muita gente quer por isso pra baixo”. O uso do termo

esperança para descrever as leis trabalhistas, e o relato da opinião dos outros, que querem “por

isso pra baixo”, como sendo uma opinião de alteridade, posiciona Arthur, enquanto

personagem-autor-narrador, como alguém que ocupa a posição de capitalista, nas relações de

exploração do trabalho, descrevendo uma formação ideológica favorável a menos leis em

relação às dinâmicas de trabalho.

As produções de sentidos dos universitários associados à incubadora da ESPM

Os entrevistados, da Incubados da ESPM, utilizam-se de diferentes estratégias

narrativas, quando são convidados a produzirem narrativas, a partir da primeira pergunta do

roteiro semiestruturado, que questiona “Quem é você? Conte-me um pouco mais sobre o

(nome do entrevistado). Quantos anos você tem? Do que você gosta? Como você chegou até

aqui?”. Entre as estratégias, observa-se que, apenas uma entrevistada narra a área de atuação

do curso em que se formou, ao responder essa pergunta, e outros dois entrevistados

descrevem, apenas, que se formaram, na ESPM, mobilizando os sentidos associados a essa

instituição de ensino. As narrativas desses três entrevistados acompanham a descrição de um

percurso profissional, antes de comentarem suas decisões, pela trajetória empreendedora. Por

outro lado, no caso dos dois entrevistados que ainda cursavam a faculdade, no momento da

entrevista, eles iniciam sua narrativa, não a partir da sua formação universitária, mas pela sua

decisão de trilhar um determinado curso na ESPM, narrando, posteriormente, um rápido

percurso de estágio, antes de empreenderem. De todo o modo, as narrativas de vida dos

incubados da ESPM, assim como a dos incubados do CIETEC, localizam, suas falas inicias,

em elementos associados ao ensino superior, antes de descreverem a sua entrada, no mundo

do trabalho e do empreendedorismo. Fato esse que, semelhante ao da CIETEC, produz

sentidos em torno do ensino superior como “momento da vida” (GIELE, ELDER JUNIOR,

1998) narrada, que prepara sujeitos de um determinado grupo social para a entrada no

mercado de trabalho, revelando, desse modo, também, um habitus linguístico (BOURDIEU,

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2008b) em comum, que talvez derive do fato do corpus dessa pesquisa ser composto por

universitários associados às incubadoras de negócio.

Ao serem questionados sobre “Como você decidiu fazer faculdade? Você fez

faculdade de que? Por que você escolheu esse curso e não outro?”, os universitários

associados a Incubadora da ESPM produzem sentidos diversos. Fernando e Juliana narram

que, seus interesses pessoais, e suas identificações com atividades artísticas e criativas, os

fizeram escolher a instituição ESPM, por trazer esses sentidos, relacionados à sua marca, e

narram terem optado, pelo curso de sistemas da informação, porque ele apresenta um plano de

ensino que conciliava seus interesses artísticos pelo gosto pessoal e pela tecnologia. Marcos,

também narra ter decidido pela ESPM porque, no momento da decisão, valorizava a

criatividade e reconhecia o “poder simbólico” (BOURDIEU, 2008b) que a marca ESPM

possuía, optando, portanto, seguir a carreira de publicidade. De modo semelhante, Flavia

narra que “Eu escolhi porque eu tinha afinidade com alguns temas, [...] E por ter me

encantado com a marca ESPM”. Por fim, Thaiane comenta que decidiu pelo curso de

publicidade, por se considerar uma pessoa muito comunicativa, e porque, após perder o

interesse de cursar medicina, buscou no curso de publicidade uma possibilidade de trabalhar

com causas.

Assim como os entrevistados do CIETEC, os da ESPM narram alguns “devaneios”

(CAMPBELL, 2001) associados a sua decisão pelo curso, como, por exemplo, o discurso de

Marcos, que narra que “Eu fiquei meio com essa questão, que eu queria muito ir para parte

criativa, que é o que muita gente que entra em publicidade e propaganda acaba se iludindo”.

Também descrevem suas decisões baseadas em gostos pessoais. Além disso, assim como

alguns entrevistados do CIETEC, a universidade surge na narrativa de Flavia e Juliana como

um rito de passagem para o mercado de trabalho. O discurso de Flavia narra que: “Eu acho

que o ensino formal, nesses anos de começo de vida é essencial”, deixando subentendido que

esse “começo de vida” é o momento que precede a entrada, no mundo do trabalho. E Juliana

narra que: “eu pensei, bom, uma faculdade pelo menos eu vou me formar vou conseguir

emprego, vou estar estável, assim, ganhando uma graninha boa e tudo mais”, revelando que,

ao menos nesse “momento de vida” (GIELE, ELDER JUNIOR, 1998) de sua narrativa, ela se

identificava com os valores associados ao mundo do trabalho tradicional.

De todo o modo, assim como os entrevistados do CIETEC, os da ESPM comunicam

que sua trajetória universitária contribuiu para etapas posteriores de sua vida. Flavia, por

exemplo, narra que na “faculdade você aprende um conjunto de coisas, na faculdade, que está

bem além das matérias da tua técnica de expertise”, revelando, por exemplo que, “a ESPM te

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dá um networking muito forte. Ela tem um nome muito forte no mercado. Ela abre portas”, ou

seja, que mais do que “capital cultural” (BOURDIEU, 1989), a trajetória universitária na

ESPM, contribui para que o entrevistado também acumule capital “social” e “simbólico”,

capaz de oferecer distinções, no mercado de trabalho. Fernando narra que a faculdade

contribui para que ele aprendesse um conhecimento técnico, além de prepara-lo, para que,

como “estagiário tocasse uma reunião, que ele comunicasse bem”, descrevendo a ESPM

como um lugar no qual aprendeu certo habitus linguístico (BOURDIEU, 2008b) do mercado

de trabalho, conseguindo interagir nesse âmbito, reconhecendo as dinâmicas de poder

simbólico associados ao modo de se comunicar e expressar em situações de trabalho. Marcos

narra que “a faculdade me ensinou muito a questão de lidar com as pessoas [...] a faculdade

fez, por necessidade mesmo, que aprendesse a lidar melhor com as pessoas, a fazer trabalho

em grupo, que, enfim, é uma coisa que você tem que fazer todos os dias”, descrevendo a

faculdade como sendo capaz de desenvolver habilidades associadas a interação com os outros,

que pode contribuir para aquisição ou gestão do “capital social” (BOURDIEU, 1989).

Em relação ao mercado de trabalho, apenas alguns entrevistados reconhecem a

necessidade de diploma, dependendo da área de atuação em que se envolve. Esse é o caso de

Marcos, que narra que “eu acredito que depende da área profissional” e de Flavia que narra

que “eu acho que algumas atividades precisam de educação formal muito mais que outras,

especialmente, por conta de regulamentação e controle, de controle muito mais rígido que

outros que têm o viés mais criativo e inovativo, que precisa de moldes diferentes pra crescer”.

O trabalho que envolve a criatividade e inovação é narrado por Marcos, Flavia, Juliana e

Fernando, como não exigindo diploma, havendo a possibilidade do sujeito aprender sozinho

os conhecimentos necessários para se atuar na profissão. No entanto, todos os entrevistados

reconhecem que a universidade que cursaram preparou-os, para atuar no mercado de trabalho,

oferecendo conhecimento técnico.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Essa tese foi desenvolvida tendo como objetivo geral investigar como se dá as

produções de sentidos em torno do empreendedorismo e do seu consumo simbólico, nas

narrativas de vida comunicadas por universitários associados a incubadoras de negócio. Para

tanto, realizou-se um percurso de investigação, no qual, nos três primeiros capítulos,

investigou-se teorias relacionadas ao tema, que deram suporte teórico e metodológico para a

realização das análises no quarto capítulo dessa tese.

No primeiro capítulo, intitulado “A mediação do empreendedorismo pelo Estado

neoliberal”, buscou-se contextualizar o cenário histórico, social e cultural no qual se dá a

produção de narrativas de vida dos universitários incubados. O enfoque da discussão foi o das

influências que as políticas neoliberais exerceram sobre a educação e a pesquisa científica

voltada à inovação e à tecnologia. O intuito do capítulo foi construir um local comum a partir

do qual se observa a emergência da figura do empreendedor, em um cenário neoliberal que

modifica expectativas em relação ao papel do indivíduo, da iniciativa privada e do Estado, a

em relação as dinâmicas do mercado de trabalho, da esfera da educação e da pesquisa

científica brasileira.

O segundo capítulo, intitulado “Comunicação e lugar de fala do empreendedor

universitário”, trouxe um referencial teórico, situando os universitários incubados como

agentes atuantes em campos sociais diversos, no decorrer de uma trajetória social de vida e de

uma condição social de existência. Na construção desse capítulo, utilizou-se a teoria de

Bourdieu, devido à relevância que suas reflexões trazem para a pesquisa aqui realizada, e

também por ser um autor que abordou assuntos múltiplos em suas obras, trazendo

contribuições tanto para se entender o fenômeno da comunicação e do consumo, bem como o

universo social da educação científica e do trabalho. Além disso, o capítulo buscou delimitar

o que seria o campo do empreendedorismo, trazendo as discussões de Bourdieu em torno do

campo científico e econômico, e apoiando-se também no pensamento de Jardim (2015), um

dos seus leitores, que cunha o termo “campo tecnológico” para pensar o universo social no

qual se localizam as incubadoras de negócio.

O terceiro capítulo, intitulado “O consumo simbólico do trabalho”, discutiu esse

consumo simbólico, trazendo diferentes perspectivas, que buscou situar esse fenômeno dentro

do campo da comunicação, e que problematizou o papel que a dimensão subjetiva do trabalho

possui para o engajamento do trabalhador, bem como a influência que o consumo simbólico

do trabalho exerce nesse engajamento. Discutiu-se nesse capítulo o papel que as justificativas

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morais possuem nesse consumo, a influencia da illusio de um campo no envolvimento com a

atividade de trabalhado que em que o sujeito atua e, o fato de que, mesmo o trabalhador

participando das atividades laborais por causa de fatores subjetivo, ele continua envolvido em

situações de exploração do sistema capitalista. Discutiu-se também alguns fenômenos

particulares que relacionam o consumo simbólico do trabalho com o consumo simbólico da

universidade. Além de todos esses aspectos do consumo simbólico, esse capitulo também

apresentam a dimensão comunicacional das narrativas de vida, refletindo sobre o seu aspecto

identitário.

No quarto capítulo descreveu-se os procedimentos metodológicos relacionados a

coleta e o tratamento dos dados, bem como os principais resultados obtidos em relação as

produções de sentidos investigadas. Tendo finalizado todo esse percurso, é possível descrever

o modo como o objetivo geral e os específicos foram contemplados por essa tese.

O primeiro objetivo específico tinha como proposito compreender o lugar de fala do

empreendedor universitário, posicionando-o como um agente cuja trajetória social de vida e

de condição social de existência perpassa os campos científico, universitário, econômico e do

empreendedorismo nessa investigação entendeu-se o universitários incubados que foram

entrevistados, como sujeitos que participaram do processo comunicacional da entrevista em

profundidade, em que, desde o começo da interação, foi-se solicitado que interagissem a partir

do seu lugar de fala enquanto alguém que ocupa a posição de empreendedor, dentro do campo

social da incubadora, e que ocupa, ou já ocupou a posição social de universitário no decorrer

de sua trajetória de vida. A interação comunicacional que foi iniciada por um e-mail, e que se

desenvolveu na interação da pesquisa em profundidade, foi orientada por um roteiro

semiestruturado de perguntas, que solicitavam do participante a produção de sentidos

relacionados ao seu lugar de fala enquanto empreendedor universitário.

A tese também compreendeu que, para além da interação comunicacional, os sujeitos

participam de campos sociais nos quais desempenham papeis diversos, ocupando posições

numa hierarquia que distribui de forma desigual poderes e privilégios. Nas interações que os

sujeitos estabelecem nesses campos, no decorrer de suas trajetórias sociais de vida e na sua

atual condição social de existência, eles desenvolvem habitus específicos relacionados às

lógicas do campo e às posições que nele ocupam. Essa habitus, que é uma estrutura

estruturante e estruturada, que orienta os modos de sentir, pensar e as tomadas de ação que o

sujeito realiza dentro do campo, também pode se manifestar na forma de um habitus

linguístico específico, que orienta as estratégias utilizadas pelos sujeitos que estabelecem

relações de comunicação com outras pessoas. São comunicações cujos sentidos transcendem a

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própria materialidade da linguagem, localizando-se no contexto social do campo, onde

ocorrem disputas diversas, dentre elas simbólicas.

Tendo isso em mente, observa-se que, a partir do lugar de fala assumido pelos

entrevistados, enquanto empreendedores universitários associados a incubadoras de negócio,

tem-se que eles mobilizam um conjunto específico de estratégias discursivas, que são

recorrentemente utilizadas de forma comum, os todos os universitários incubados

entrevistados, e de forma específica, correspondendo a uma estratégia particular dos

entrevistados associados ou CIETEC ou a incubadora da ESPM. Acredita-se que esse

conjunto comum e particular de estratégias discursivas revelam características associados ao

habitus linguísticos dos entrevistados, que ocupam posições semelhantes dentro de campos

distintos, como o da incubadora e o da universidade, e que enunciam a parti de um mesmo

lugar de fala, que é a de um universitário incubado, em uma situação comunicacional da

entrevista em profundida.

Em relação ao segundo objetivo específico, que é o de refletir sobre as

particularidades do consumo simbólico do trabalho e da sua relação com o consumo

simbólico da educação universitária, observa-se relações de tensionamento e ressignificações.

Em termos de contexto social, a educação passa a ser transformada, dialogando com as

mudanças estruturais que ocorrem no mundo do trabalho, em termos de dinâmicas, velocidade

de mudança e capacidade de ofertar empregos. Em paralelo a isso, as duas esferas da vida

sofrem influencias do Estado, que, no contexto brasileiro atual, posiciona-se a favor de

políticas de economia global e neoliberal, que incentivam o aumento do exercito industrial de

reserva, bem como a promoção de uma racionalidade que busca responsabilizar o sujeito pela

conquista do seu próprio emprego, e internalizar, nele, uma faculdade empresarial, a partir do

qual deve pensar suas decisões visando a obtenção de lucros futuros.

Nesse cenário de transformação do mundo do trabalho, que, além de influencias das

políticas do Estado, convive com uma situação de ampla concorrência, por causa da

automatização que se vive na esfera da produção econômica, e a concorrência global com a

mão de obra do mundo todo, observa-se a emergência de políticas educacionais que visão

cultivar nos estudantes o “espirito empreendedor” para que eles possam inserir-se com mais

facilidade no mercado de trabalho, e serem capazes de criar o seu próprio trabalho, caso seja

necessário. De todo modo, ao mesmo tempo que a educação formal parece perder, em parte, o

seu valor, por não conseguir acompanhar as dinâmicas das novas exigências do capitalismo

contemporâneos, ela continuar atuando como uma prática de consumo por meio do qual os

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sujeitos – agora responsabilizados pelo seu próprio sucesso ou fracasso –, podem almejar

conquista melhores empregos ou mudar de carreira.

As narrativas de vida dos entrevistados revelam sentidos de que, mesmo não

precisando de diploma para ser considerado um bom profissional no mundo do trabalho, a

educação formal é capaz de conferir aprendizados que podem ajudar em outros momentos da

vida do sujeito, sendo o diploma também um indicador que possibilita a distinção entre os

trabalhadores formais, quando competem em torno de uma mesma vaga de trabalho. A

educação formal também é descrita como sendo companheira dos sujeitos que buscam mudar

de carreira, ou até mesmo empreender, sendo o modo como podem, a partir da liberdade e da

responsabilidade que declaram ter, agir no mundo de forma individualizada.

A respeito do terceiro objetivo específico, que é o de investigar, no processo de

produção de sentido realizado pelos universitários incubados, os tensionamentos existentes

entre empreendedorismo, universidade, mundo do trabalho e incubadoras de negócios,

observa-se que os universitários narram suas vidas descrevendo possuírem liberdade e

responsabilidade pelas decisões tomadas no decorrer de sua jornada. Desse modo, os

entrevistados produzem enunciados em que seus personagens-autores-narradores enfrentam

desafios diversos, sendo demandados a tomarem decisões que impactem seus presentes e seus

futuros. As ações por eles narradas envolvem o consumo de universidades e de incubadoras

de negócio, quando almejam inserir-se em uma determinada condição social de existência

relacionada a uma atividade laboral, seja está um emprego assalariado ou ao

empreendedorismo. A universidade tensiona-se com o mundo do trabalho e com a atividade

empreendedora, a partir de produções de sentidos em que ora valorizam as contribuições da

universidade, ora as menosprezam, narrando que, em certa medida, o consumo da

universidade foi importante para formação do sujeito até aquele momento, mas quando pensa-

se na universidade a partir na posição de empregador e de capitalista, observa-se que os

entrevistados não vem necessariamente valor no diploma daqueles que eles contratam.

De outro lado, a produção de sentidos de universidade tensiona-se com a incubadora

de negócios, por ser ela percebida como um espaço de simulação, em que se pode errar, e a

incubadora como um espaço em que se está vivenciando o mercado de fato, e que, por causa

disso, os erros geram consequências maiores. As incubadoras tensionam sentidos com o

mundo do trabalho e com o empreendedorismo, sendo descritas como espaços nos quais os

empreendedores podem interagir com outros agentes do campo econômico – tais como

clientes, investidores e funcionários –, além baratear os custos de produção de sues projetos

empreendedores. O mundo do trabalho tensiona sentidos com o empreendedorismo, sendo

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considerado “desmotivante”, quando percebido a partir da sua configura tradicional e

burocrática, encontrando no empreendedorismo os valores que o sujeito considera importantes

para se engajar na atividade laboral, como o de ter liberdade de decisão e de horário, incentivo

a criatividade e o de permitir que o sujeito persiga seus projetos pessoais. O mundo do

trabalho, no entanto, é narrado como uma alternativa viável, quando incorpora nele sentidos

associados ao novo espírito do capitalismo, como o de flexibilidade.

Por fim, a presente tese tinha como objetivo geral investigar como se dá as

produções de sentidos em torno do empreendedorismo e do seu consumo simbólico, nas

narrativas de vida comunicadas por universitários associados a incubadoras de negócio.

Observou-se nas análises realizadas, que os sujeitos fazem usos de formações discursivas

recorrentes que circulam no mundo do empreendedorismo para comunicarem mensagens

sobre si próprios, como é o caso, por exemplo, da formação discursiva relacionada a

possibilidade de poder “mudar o mundo”. Os sujeitos fazem usos distintos dessas formações

discursivas nas suas produções de sentido revelam diferente posicionamentos ideológicos,

demonstrando que as apropriações dessas formações discursivas empreendedoras podem ser

usadas tanto para expressar opiniões, quando para atribuir um certo poder simbólico, em torno

do empreendedor, possibilitando-o comunicar mensagens distintivas sobre si próprio.

De modo em comum, observa-se que as produções de sentido em torno do

empreendedorismo valorizam a prática empreendedora justamente por ela descrever valores

associados as justificativas morais do novo espírito do capitalismo, como o da liberdade e da

possibilidade de se conquistar autonomia, autorrealização, flexibilidade e agir com

criatividade. Os valores distintivos do empreendedorismo são produzidos em oposição a um

trabalho tradicional considerado burocrático demais, limitador e ultrapassado. O

empreendedorismo é narrado como sendo consumido simbolicamente após a desilusão que

acabou com os devaneios, gerados pelo consumo simbólico de uma profissão anterior. Ao

narrar as figuras que os inspiram, os sujeitos revelam características semelhantes às que eles

revelam valorizar a respeito do empreendedorismo, em outros momentos de sua própria

narrativa de vida. Além disso, o consumo simbólico do empreendedorismo acompanha

também um posicionamento que reconhece a illusio do campo econômico, sendo as vezes

algo declarado, como a crença na possibilidade de enriquecimento, ou outras vezes

subentendido, como algo secundário, porém não descartado ou condenado, do fazer

empreendedor.

Existem algumas diferenças que se estabelecem entre as produções de sentido em

torno do empreendedorismo, e do seu consumo simbólico, realizadas pelos universitários

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associados a incubadora da ESPM, e pelos associados ao CIETEC. A principal diferença está

no fato de que os dilemas empreendedores enfrentados pelo CIETEC, estão relacionadas as

particularidades do campo tecnológico nos quais participam. Os empreendedores do CIETEC,

por exemplo, descrevem como algo importante para o seu engajamento no

empreendedorismo, o fato de terem encontrado uma boa ideia, algo que não se faz presente na

narrativa dos incubados na ESPM. Outra questão são os dilemas relacionadas aos conflitos de

illusios que se fazem presentes no tensionamento do campo científico (produtor das

invenções) e do campo econômico (local em que essas invenções buscam ser comercializadas,

tornando-se inovações). São conflitos narrados como relacionados aos preconceitos que os

professores de instituições públicas têm em relação a apropriação de um conhecimento ou de

uma nova tecnologia visando a busca do lucro privado. Outro conflito presente, relacionado

ao campo tecnológico, diz respeito a dilemas relacionados a patente, se, de um lado, o

empreendedor deve torna-las públicas, ou mantê-las privadas, buscando benefícios próprios.

Os dilemas particulares do campo tecnológico não aparecem nas narrativas dos incubados da

ESPM. Outra característica também está no fato de que os incubados da ESPM não

descrevem a importância de se encontrar uma boa ideia antes de buscar empreender, o que

pode dialogar com o fato de suas empresas serem prestadoras deserviços, não exigindo um

longo processo de desenvolvimento do produto, como, por exemplo, a construção de uma

fabrica que produz esse produto, antes de iniciar a comercialização do mesmo.

Um ponto que merece atenção em torno da produção de sentido do

empreendedorismo e do seu consumo simbólica é a maneira como alguns dos entrevistados

descrevem perceber sua relação com as dinâmicas objetivas do trabalho, descritas por Marx

como sendo caracterizadas por relações de exploração da mão de obra do trabalhador pelo

capitalista. Alguns sujeitos declaram valorizarem o empreendedorismo justamente pela

possibilidade de ocuparem a posição de capitalista nessa relação de exploração, podendo

otimizar as suas vantagens, como a de otimização do lucro, e uma maior margem de liberdade

nas decisões associadas a empresa. De outro lado, alguns entrevistados deixam subentendidos

em suas narrativas que o empreendedorismo pode se manifestar como uma nova faceta dessa

relação de exploração, visto que o sujeito passa a comercializar sua mão de obra

empreendedora a partir de prestações de serviços, tendo que aceitar condições de trabalho

complicadas, justamente por causa da necessidades de realizar pagamentos e de se obter renda

em seus empreendimentos pessoais.

Outro aspecto a ser sinalizado é que, ao mesmo tempo que o empreendedorismo é

apresentado como uma alternativa ao mundo do trabalho tradicional, diversos sentidos

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pejorativos acompanham a prática empreendedora, como os relacionados a “dor”,

“sofrimentos”, “sacrifícios”, “depressão” e “solidão”. Em troca de mais liberdade e autonomia

os sujeitos descrever abrirem mão de relações de trabalho que, no passado, promoviam, como

contraponto, um sentido de comunidade que parece não ser mais possível de ser resgatar no

atual contexto do trabalho flexível e neoliberal. Tendo isso em mente observa-se que o

sistema capitalista assume um sentido totalizante nas narrativas dos universitários incubados,

sendo a única possibilidade narrada como possível, sendo o alvo das narrativas do

entrevistado relacionados ao de se perseguir as configuração novas ou antigas do mundo do

trabalho, e não se problematizando alternativas que busquem confrontar o próprio sistema

capitalista, buscando a criação de novos possíveis.

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APÊNDICE A

EMAIL ENVIADO AOS INCUBADOS

Título do e-mail: Participação em Pesquisa de Doutorado - ESPM Olá, boa tarde. Meu nome é Walfredo e sou professor da Escola Superior de Propaganda e Marketing de São Paulo (ESPM-SP). Atualmente, estou realizando um doutorado que investiga empreendedorismo, universidade empreendedora e incubadoras de negócios. Busco o contato com universitários, ou profissionais formados no ensino superior, que estejam empreendendo, hoje, um negócio em uma incubadora. Consegui o seu e-mail por indicação da Incubadora [nome da incubadora], e gostaria de saber se você poderia me ajudar participando de uma entrevista. Seria uma ótima oportunidade para compartilhar suas experiências num estudo acadêmico de abrangência regional. A entrevista ocorreria presencial ou digitalmente, via Skype, em [mês], data a combinar. Caso não consiga me ajudar, mas conheça algum contato que possa compartilhar, seria de grande ajuda. Agradeço a atenção e o auxílio. Walfredo Ribeiro de Campos Junior Professor da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) (12) 99144-5069

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APENDICE B

GUIA DE ENTREVISTA

MENSAGEM INTRODUTÓRIA

Muito obrigado por contribuir com este estudo científico. As informações registradas durante

a entrevista serão analisadas de forma anônima. Nesta entrevista farei perguntas sobre sua

relação com o empreendedorismo. Vou te pedir para contar algumas histórias.

NOME:

IDADE:

ESCOLARIDADE:

LOCAL DE RESIDÊNCIA:

FILHOS?

SEÇÃO 1 – INCUBADORA E COTIDIANO

1.1 Pode me contar o que que você faz? Qual é o seu negócio?

1.2 Por que esse negócio e não outro?

1.3 Quanto tempo está na incubadora?

1.4 Por que você decidiu incubar?

1.5 Já conseguiu ganhar algum dinheiro com sua empresa?

1.6 Por que incubar na ESPM e não em outro lugar?

SEÇÃO 2 – UNIVERSIDADE

2.1 Como você decidiu fazer faculdade? Você fez faculdade de que?

2.2 Por que você escolheu esse curso e não outro?

2.3 O que você aprendeu na faculdade que te ajudou nas etapas seguintes da sua vida?

2.4 A faculdade te preparou para o mercado de trabalho? E para o empreendedorismo?

2.5 É preciso ter diploma para ser um bom empreendedor? E para ser um bom profissional?

2.6 Quais são as diferenças que você observa entre participar de uma faculdade e participar de

uma incubadora?

SEÇÃO 3 – EMPREENDEDORISMO

3.1 Por que montar um negócio?

3.2 Para você o que é empreendedorismo? (Para você o empreendedorismo se aplicar apenas

ao ato de abrir novos negócios? Por quê?)

3.3 O que é ser empreendedor?

3.4 As pessoas nascem empreendedoras ou é possível se tornar empreendedor de outra forma?

(O empreendedorismo deveria ser ensinado para as pessoas desde crianças? Por quê?)

3.6 Você se considera empreendedor? Quando foi que você se descobriu empreendedor?

3.7 Tem alguém que te inspirou a ser empreendedor? O que que ele tem que te inspira?

3.8 Você se imagina empreendendo daqui cinco anos?

3.9 Como você imagina sua empresa daqui cinco anos?

3.10 Tem algo nessa trajetória empreendedora que é bem diferente do que você esperava?

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APENDICE C

CD com as transcrições das entrevistas