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  • Percepes Interiores e Exteriores de Pesquisa Etnogrfica entre Professores da T. I. Raposa e Serra do Sol - RR1.

    Prof. Wanderley Gurgel de Almeida (Autor) Programa de Ps-Graduao em Antropologia Social.

    Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN. Secretaria de Educao, Cultura e Desporto de Roraima BR.

    Prof. MSc. Jonildo Viana dos Santos (Cooperador) Programa de Ps-Graduao em Educao

    Universidade Federal do Amazonas - UFAM Universidade Federal de Roraima - UFRR

    Resumo

    Professor pesquisando professores em espao de igualdade profissional como a escola, implica em reflexes e posturas desiguais sobre aspectos objetivos e subjetivos de ambos os atores. O trabalho feito durante o ano de 2007 parte da pesquisa de campo para o Mestrado em Antropologia Social do PPGAS-UFRN, sobre o conflito intertnico entre Macuxi e Wapixana na Terra Indgena Raposa e Serra do Sol, Roraima, Brasil. Utilizou-se a observao participante com entrevistas e cobertura videogrfica na Maloca Barro. As evidncias apontam para uma compreenso diversificada quanto importncia do professor e da escola na vida comunitria, suas posturas na sociedade e a participaes em pesquisa.

    PALAVRAS CHAVES: conflito, observao participante, professores ndios.

    1. Apresentao

    Este texto pretende colaborar com as discusses em torno dos Desafios Contemporneos para uma Antropologia da Educao: ensino, pesquisa e polticas de igualdade tema deste grupo de trabalho, medida que se deseja provocar uma aproximao entre Antropologia e Educao, trilhando por desafios, mas tambm por conformaes de uma relao prpria e adequada entre ambas. A deciso em propor este texto veio no intuito de contribuir, tambm, com a reflexo da identidade docente e prtica pedaggica dos professores e professoras indgenas e no indgenas, particularmente do Centro de Formao e Cultura Indgena da Raposa/Serra do Sol ou com aqueles e aquelas que desempenham funes em reas indgenas. Traz, assim, parte

    1 Trabalho apresentado na 26 Reunio Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 01 e 04 de junho,

    Porto Seguro, Bahia, Brasil.

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    da pesquisa etnogrfica para a dissertao de mestrado intitulada Conflito Intertnico entre Makuxi e Wapixana na Terra Indgena Raposa/Serra do Sol, no Estado de Roraima, realizada durante o segundo semestre de 2007. As fontes de pesquisa consistem em observao participante como mtodo e entrevistas no-diretivas na Maloca Barro, antiga Vila Surumu, somada gravaes em fitas magnticas (cassetes) e produo de um curta metragem para vdeo gravado em fita 8mm, trabalhos que est em processo de concluso. Portanto, se quer aqui perseguir algumas indagaes que levaram ao delineamento do olhar de um professor formador de professores que atua com o referido grupo profissional a dez anos, considerando ainda parte de um fazimento docente iniciado em 1989 quando por deciso pessoal, este professor ingressou no curso de Licenciatura Plena em Cincias Sociais pela Universidade Estadual do Rio Grande do Norte UERN. Isto nos impulsionou aos estudos da Metodologia do Ensino Superior e da Pesquisa Cientfica em 1996 na UERN e, agora, ao Mestrado em Antropologia Social pela UFRN (2006-2007). Afinal, como uma pesquisa etnogrfica pode ser recebida por professores indgenas e no indgenas (percepes internas)? Como pesquisador, respondo s expresses deles (percepes externas)? Por que um professor no indgena necessita de conhecimentos de professores indgenas? Como se formam ou so formadas as posturas daqueles e daquelas envolvidos e envolvidas no processo de investigao? Que espaos para pesquisa podem se mostrar mais adequados para os encontros e desencontros entre os envolvidos numa pesquisa deste tipo? Que implicaes as posturas assumidas inter sujeitos so requeridas antes, durante e depois da pesquisa? Esclareo que para marcar quem quem nos textos falados, deixo a partir de agora a condio da impessoalidade do trabalho cientfico visto que a generalidade seria pouco provvel de facilitar o entendimento tanto da pesquisa realizada quanto do presente texto, ressaltando que, estou convicto de uma fora que a pesquisa antropolgica me fez descobrir: aquela em que a diversidade identitria to dinmica quanto s foras que mobilizam uma sociedade, seja indgena ou no.

    2. Nascimento e descoberta desta reflexo

    Estudar conflitos intertnicos no foi por acaso. Sempre tive um certo envolvimento com movimentos de participao poltica. Foi assim desde que cooperava com as comunidades eclesiais de base cebs da igreja catlica, ainda quando residia no Municpio de Carabas, Rio Grande do Norte. Naquele perodo (dcada de 1990), quase que semanalmente mantinha contato com trabalhadores rurais no municpio. Eram ocasies em

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    que, reunidos, debatamos sobre os problemas sociais de cada uma delas e pensvamos em alternativas de super-los. De certa forma, isto me serviu de escola, uma espcia de espo de iniciao.

    Com a licenciatura em Cincias Sociais, sobretudo pelas experincias de pesquisa vivenciada no Programa Especial de Treinamento (CAPES/UERN), e o curso de Especializao em Metodologia do Ensino Superior e da Pesquisa Cientfica (UERN), h 12 anos que procuro identificar, enquanto docente de Ensino Fundamental, Mdio e na Educao Superior, os fatores que incidem direta e indiretamente no ato do conhecimento do outro, visto que o exerccio profissional docente requer esta habilidade, inclusive para verificao da aprendizagem.

    Como formador de professores que sou hoje, me sinto participando da personificao profissional de outras pessoas, mesmo enquanto pesquisador, aspecto evidenciado em conversas estabelecidas com meus pares, sobretudo quando de trs atuaes por mim exercidas, sendo a primeira quando docente do Magistrio Parcelado Indgena2 (1999-2001), a segunda, por ocasio da docncia no Instituto Superior de Educao de Roraima ISE RR, e quando lecionava disciplinas antropolgicas para alunos de cursos de licenciatura e bacharelado na Universidade Federal de Roraima UFRR (1998-1999; 2002-2003). Por todas as experincias anteriores, percebia que eram apreendidos no apenas teorias e mtodos, mas tambm percebia aproximaes de pensamento, ao, sentimentos, falas, relaes e construes de conhecimentos do professor, manifestos nos discentes. Devia acontecer o mesmo com outras caractersticas de outros docentes.

    Foi ento no primeiro semestre do mestrado (2006) medida que estudava as disciplinas, particularmente duas Antropologia e Meio Ambiente e Etnologia Indgena fui iniciado em um processo de reconstruo terico-metodolgica, que resultou numa descoberta muito importante para mim: ns professores no somos apenas um produto social, mais um encontro entre indivduo, coletividade e ambiente. Pronto. Meu problema estava invertido: entender a mim mesmo enquanto professor pesquisador e aos outros, necessitava de uma imerso na trilogia Homem, Natureza e Sociedade.

    3. Ambincia

    2 Curso preparatrio de professores para o Ensino Fundamental desenvolvido pela Escola Estadual de Formao

    de Professores de Boa Vista RR. Em 2002 foi transformado no Instituto Superior de Educao de Roraima ISE-RR e em 2006, na Universidade Estadual de Roraima, onde participei da elaborao do Projeto Pedaggico das duas ltimas instituies.

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    Apoio-me em elementos apreendidos de estudos e pesquisas na Terra Indgena Raposa Serra do Sol, terras habitadas predominantemente pelas etnias Makuxi de tronco lingstico Caribe e Wapixana Aruak (FREITAS, 1997). Contudo, reporta-me aqui s etnias Makuxi e Wapixana, por serem aquelas que se mantiveram da linha de frente do processo demarcatrio e se mantm frente de defesa de sua homologao. A rea de estudo encontra-se situada a nordeste do estado de Roraima. Persegue-se aqui alguns desdobramentos e repercusses ao nvel coletivo e individual, na perspectiva de perceber compreenses sobre as relaes de conflito3 a partir do olhar de professores.parte-se do pressuposto que a tradio4 vai definir as expectativas dos indgenas que vo ficar em conflito entre os anseios elaborados no seu grupo e aqueles, novos, adquiridos de um grupo dominante intrusivo, rizicultores, fazendeiros e religiosos. A rea em foco alcana os municpios de Pacaraima, Uiramut, Normandia e Bonfim, fazendo fronteira ao Norte com a Venezuela e a Leste, com a Guiana Inglesa, como mostra o mapa abaixo:

    Todo o Estado de Roraima apresenta 1.922 km de divisas internacionais, sendo: 958 km com a Venezuela, a Norte e a Oeste, e 964 Km com a Repblica Cooperativista da

    3 Uma definio para ambas pode ser identificada no livro de Prsio Santos de Oliveira (2001) como processo

    social que decorre da luta pelo status social. Quando indivduos ou grupos procuram derrotar ou destruir um rival, de forma consciente e pessoal, surge um conflito. (op. Cit., p. 236). 4 Tradio aqui no no sentido de traos originais de uma cultura, mas como definida na direo pensada por

    Melvina Arajo (2006): tradio como resultado da resignificao sugerida pela gramtica religiosa da Misso Consolata. Neste sentido, as formas de ao destes ndios [Makuxi] passam a ser concebidas na perspectiva alheia aos seus atores, propiciando uma reapropriao do simblico e do ritualstico, aferindo uma outra extenso, no que seja classificado como prximo queles traos anteriores.

    Figura RR 1. Mapa de localizao dos municpios no estado (Fonte SEPLAN RR 2001 / Adaptao Ruschmann Consultores)

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    Guiana. A capital estadual Boa Vista sendo que 15 municpios compem o estado, totalizando 225.116,1 km2, o que corresponde a 2,63% do territrio nacional5.

    H uma razovel produo de literatura6 que permite compreender um pouco da histria deste Estado, o que necessrio, tambm, para o entendimento deste conflito. Nesta literatura pode-se perceber um consenso que aponta ao entendimento de que a distribuio demogrfica indgena e no indgena mantem um vnculo com a histria, o que independe do olhar do observador, contemplado, com brevidade, em uma seo posterior. A Maloca Barro no foi escolhida por mim ao acaso, como o local onde deveria realizar a pesquisa. Havia comigo a hiptese de que um conflito intertnico presumia a priori, uma considerao entre a trilogia Homem, Natureza e Sociedade, e que, portanto, ela [a pesquisa] toda seria contextualizada. Ento, era mesmo a Maloca Barro, pois l se concentra a organizao e a coordenao poltica da Terra Indgena Raposa Serra do Sol, por sinal, local onde fica a mais antiga escola indgena do Estado, a Escola Estadual Pe. Jos de Anchieta (50 anos) e o Centro de Formao e Cultura Indgena Raposa Serra do Sol (4 anos apesar de o Projeto Poltico Pedaggico ter sido concludo em 2006). Na primeira, ocorre o Ensino Fundamental desde a Educao Infantil ao Ensino Mdio no profissionalizante, e a segunda realizada a formao em ensino profissionalizante com concentrao em tcnicas agropecurias e manejo ambiental, instituio criada em 2006, alm dos demais espaos [centro comunitrio, posto de sade, sub-prefeitura de Pacaraima, quadra de esporte e caminhos7].

    As fotos a seguir, ilustram os espaos estudados nos quais foram entrevistados 10 professores: oito da Escola Estadual Pe. Jos de Anchieta e dois do Centro de Formao e Cultura Indgena Raposa Serra do Sol.

    5 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica IBGE, 2000.

    6 Entre outras: DIOCESE DE RORAIMA. ndios e brancos em Roraima. Coleo histrico-antropolgica, n. 2.

    Boa Vista: Centro de Informao da Diocese de Roraima, 1990, 86 p.; SOUZA, Antnio Ferreira. Roraima: fatos e lendas. Boa Vista: s. Ed., s.a., 97p.; COSTA, Luis Pereira da. Anlise da poltica fundiria do estado de Roraima. Boa Vista: Unigrfica Ltda, 1998, 133 p.; SABATINI, Silvano. Massacre. Boa Vista: Conselho Indigenista de Roraima; So Paulo: Conselho Indigenista Missionrio: Loyola, 1998, 239 p.; FREITAS, Aimber. Geografia e histria de Roraima. 5. ed., Manaus: Grafina, 1997, 158 p. No final do trabalho, segue uma relao de outros fontes bibliogrficas. 7 No identifico como ruas pois no h placas que as denomine ou identifique. Da opto por caminhos.

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    Refletir sobre a relao de igualdade e desigualdade entre professores em pesquisa, como em qualquer pesquisa antropolgica de base etnolgica, requeria uma contextualizao. Pois ali eu no era um igual. Humano e professor, mas diferente desde o espao cultura. Eu, um professor em busca de aprimorar o self profissional. Os demais, o que vim descobrir quando convivi com eles durante o ms de novembro de 2006, professores e ndios. Sim, eles: dois em um mesmo ser, envolvidos por um processo nada fcil que o de conciliar trabalho profissional com trabalho comunitrio.

    Vejamos as seguintes fotos que por si mesmas, demonstram o contexto social e poltico de onde vieram os elementos para este texto.

    Foto 1: Viveiro de criao de coelhos Centro Indgena de Formao e Cultura Raposa Serra do Sol novembro de 2007. [Wanderley G. de Almeida]

    Foto 3: Viveiro de ervas medicinais. Centro Indgena de Formao e Cultura Raposa Serra do Sol novembro de 2007 [Wanderley G. de Almeida]

    Foto 2: Pocilga Centro Indgena de Formao e Cultura Raposa Serra do Sol. [Wanderley G. de Almeida]

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    Vestgio de Incndio Criminoso na Maloca Surumu Pacaraima RR

    em 06 de janeiro de 2004

    Encontrava-me, pois, em um lugar traumatizado por uma ao criminosa. A sensao de estar l bastante diferente daquela de estar aqui. Em julho de 2007 estive no referido local por ocasio da minha primeira viagem a que chamei de visita de reconhecimento, onde fiz as seguintes fotografias.

    Vestgios de aes estratgicas

    Fotos: Gonalo

    Posto de Sade

    Foto 4: G. - Tipiri queimado

    Foto 5: G. Moradia

    Foto 6: G. - Creche

    Foto 7: Ponte incendiada sobre o rio Surumu. Fonte: Jornal Folha de Boa Vista Boa Vista RR em 07.01.2004.

    Para segurana de quem me disponibilizou as fotografias, guardo o anonimato apenas o identificando pela letra G, pois, como do conhecimento de todos, h quem diga que Roraima uma terra sem lei.

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    4. Teoria e Prtica da Pesquisa

    No caso em estudo, exigida uma compreenso de conflito intertnico como fato construdo historicamente. Nessa perspectiva, carece aqui de um dilogo com a Histria, pois havendo duas culturas em situao de conflito como aponta a literatura local consultada, histria e cultura sugerem uma inter relao mesmo que uma esteja oposta outra neste contexto. Como entender isto? Marshall Sahlins (1990) reconhece que h sim uma relao simtrica entre ambas, j que uma participa da ordenao da outra, ao que ele chama transformao estrutural e a repercusso disto, de mudana sistmica (op. Cit., p. 7). Como ento estabelecer uma relao conflitante sem haver uma produo armas para uso em situao de guerra?

    Janice Theodoro8 (1998) reconhece que as populaes meso-americanas ou mesmo andinas, resolviam o conflito intertnico, evitando criar uma cultura basicamente beligerante. Em que medida a cultura europia se constitua e trazia em seu bojo uma narrativa em torno da guerra, inclinando-se ao conflito permanente? Ela prossegue: As relaes de reciprocidade na Amrica constituem-se em parte substantiva da resposta. Entenda-se bem,

    8 Professora Janice Theodoro Doutora em Histria pela Universidade de So Paulo em 1997. Seu texto est

    disponvel em http://www.fflch.usp.br/dh/ceveh/public_html/cultura/conferencias/ja-p-co-assis7.htm. Acessado em: 28 de maro de 2008.

    Foto 8: Interior da Igreja Catlica Misso Consolata Maloca Barro Nov 2007. Anexo ao Centro de Formao.

    Foto 9: ngulo da parte superior do que era o dormitrio masculino da sede da Misso Consolata. [Wanderley G. de Almeida]

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    havia culturas que tinham sido vencidas por meio da guerra, como ocorrera no Brasil e em outras partes da Amrica.

    O que diz a literatura local? O mestre e doutor em Histria (UNB) Prof. Burgardt (2006) aponta ao entendimento

    da possibilidade de um conflito intertnico que soma e no de divide, que aquele reivindicado pela realidade em estudo. Vejamos:

    Segundo colquios com ndios em Maturuca, o garimpo s acabou na TIRASOL quando os prprios ndios desta maloca tomaram a iniciativa de expulsar os garimpeiros, em 1992, aps os ltimos seis terem resistido aos prazos estipulados, primeiro pela justia, aps, pela Polcia Federal. Na ocasio, conta um dos autctones, fomos em um bom nmero para solicitar que deixassem o garimpo em que ainda estavam, s margens do rio Mau. Cinco deles saram sem problemas, porm, um reagiu com uma arma, ferindo a perna de nosso professor e, alm de confirmar a narrativa do acontecimento, a cicatriz em sua perna parece confirmar estas informaes (op. Cit., p. 87-8).

    A mestra em Antropologia Social Profa. Alexandra Lemos (UFRR)9, escreve acerca do problema, hiptese, justificativa e mtodo da pesquisa. Nesta, caracteriza os Macuxi quanto a localizao (entre os rios Ma, Cotingo e Surumu), alimentao (mandioca e peixes) grupos sociais adjacentes (missionrios catlicos da Misso Consolata) em que este grupo de missionrios seria, em hiptese, responsvel pela inspirao da organizao poltica e de suas relaes com o poder extra tribal, ou seja, com organismos governamentais, cuja importncia do estudo seria, sinteticamente, a oportunidade de conhecer o processo de ndios adaptados e de se averiguar os impactos do pensamento missionrio catlico (Lemos, p. 4-9).

    De seu trabalho, as sees que mantm maior relao com esta pesquisa so a segunda e a terceira. Na segunda seo, The Brazilian State of Roraima and Macuxi Indians, a Professora Alessandra apresenta as dimenses geogrficas do territrio em que habitam os Macuxi, cerca de 7.410,000 a 9.880,00 acres e localizadas entre as latitudes 3 ao 4 N. e longitude 58 ao 61 W, afirmando que estes, naquele ano, consistiam uma populao de cerca de 12.500 ndios habitantes na Maloca e nos centros urbanos [Pacaraima e Boa Vista], segundo informaes da FUNAI. Ela, alm de recuperar parte da histria do contato entre Macuxi e no ndios, acentua que ndios foram tomados como aliados na defesa territorial brasileira, referindo-se ao Sculo XVII no que faz interface FARAGE (1991), HEMMING (1978) e WAGLEY (1976) quanto a relao de dominao e explorao da mo de obra indgena e a resistncia Macuxi ocorrida entre 1784 e 1789 no espao fsico do que era chamado de Fazendas Nacionais (op. Cit., p. 14-28).

    9 Ex-professora do Departamento de Antropologia da Universidade Federal de Roraima. Mestra em

    Antropologia Social pela Universidade da Califrnia EUA, pessoa com quem tive a oportunidade de trabalhar quando ramos colegas do Departamento de Antropologia da UFRR (1998).

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    quando os Macuxi estabelecem aliana com os Caripuna, tambm de origem Caribe. Da mesma forma, a autora relembra que no perodo de 1970 at 1995, portanto, por 15 anos, garimpeiros invasores tambm entraram em conflito com ndios Macuxi, j que o acesso aos garimpos clandestinos dava-se principalmente pela BR-174 que liga Manaus Venezuela, cortando terras habitadas por Macuxis. Foi quando em visita s terras da Raposa Serra do Sol em 1995, reprteres e polticos do Estado de Roraima, foram impedidos de entrar em Maturuca, alegando que estariam levando morte s crianas (Lemos, p. 38).

    Lemos ainda percorre historicamente, a insero do projeto catlico entre os Macuxi. Refere-se a KELSEY (1972), citando sobre a existncia das trs fazendas: So Jos, So Bento e So Marcos que ladeavam o Rio Branco e que eram a garantia do empreendimento portugus no extremo norte brasileiro (op. Cit., p. 41), servindo de ponto de distribuio dos produtos vindos de Manaus, para consumo dos habitantes das terras, inclusive ndios, o que at 1920, a densidade demogrfica consistia de 0,04 pessoas por Km enquanto que a quantidade de cabeas de gado [grifo da autora] era de 223.861. quando recorrendo a BORGES DA SILVA (1996), para enfatizar que a etnia Macuxi mesmo uma sociedade indgena integrada sociedade nacional, pois alm de produtos de alimentao, tambm se utilizam de ferramentas para plantao, tendo passado por quatro estgios de evoluo, segundo Borges da Silva: 1) isolamento, 2) contato espordico com a sociedade nacional, 3) contato permanente e 4) integrao final (op. Cit., p. 46), mostrando sua capacidade de resilincia em prol da manuteno de sua identidade tnica, mesmo utilizando-se de dinheiro e na aquisio de outros produtos a partir de uma cantina instalada pelo Conselho Indgena de Roraima, o que tambm fora percebido por SCHMINK e WOOD (1992) em seus estudos sobre a expanso da fronteira amaznica.

    Examinando a tese do Professor e ex-colega de departamento, Dr. Carlos Alberto Marinho Cirino (UFRR), chama ateno de imediato, quando o Autor abre seu texto pondo uma epgrafe que diz O povo indgena traz na sua raiz uma religio forte que a prpria vontade de viver (ALVINO, apud Cirino, s.p.). Alvino, ndio Macuxi e ex-padre.

    Logo em seu Resumo, Cirino aponta para seu objetivo que de delinear o processo de evangelizao catlica na regio do Rio Branco [...] as alteraes que esse processo provocou na cultura do grupo indgena Wapichana no decorrer do sculo XX. O que, pargrafo frente, vai denominar de contornos ideolgicos da catequese, as estratgias Wapichanas de reafirmao identitria e de reordenao de seu cdigo cultural na Maloca da Malacacheta.

    Para tal empreendimento, refere-se situao poltica econmica da regio e a estrutura organizacional marcadamente em trs datas: 1909 disputa pela rea; 1915 ano

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    em que missionrios da Ordem de So Bento deixa a regio e 1948 ano de entrega da rea pela Ordem de So Sento Ordem Consolata.

    Da Introduo de seu trabalho identifico o fator que o levou a atentar-se para a pesquisa dele: a traduo em Wapischana do evangelho de So Marcos produzido pela Diocese de Roraima. O texto segue apresentando todo o percurso seguido at as referidas malocas (aldeias). Foi enftico ao dizer que em todos seus encontros com os habitantes, explicava o propsito de seus trabalhos e em escrever sobre a ateno e desconfiana destes para com suas palavras; os momentos de fortalecimento de vnculos com seus informantes, no caso o padre Macuxi Alvino Andrade, ocasio em que ia conhecer a maloca do Moscou (Cirino, p. 13).

    Vale perguntar: estando em maior nmero que os Makuxi, o que teria levado os Wapixana a passarem da posio de lderes a liderados? Cirino sustenta a tese de que as hostilidades foram atenuadas com a evangelizao catlica, tornando possvel a convivncia pacfica de demarcao fronteiria entre ambas. Penso assim que a condio de passividade instalaria um senso de aceitao, passividade. Acrescenta que, segundo dados da Fundao Nacional de Sade, eram cerca de 6 mil ndios Wapischanas no lado brasileiro at 1995. E do lado da Repblica da Guiana, segundo o Centro de Informao da Diocese de Roraima, at 1989 existiam cerca de 8.348 Wapischanas (op. Cit., p. 64). Quanto lngua Wapischana, segundo Brett (1868 apud Cirino, p. 68) uma lngua especfica, que foi se tornando predominantemente falada at pelos Atorais, grupo indgena do Sul da Guiana Inglesa numa expedio (1913-1916), patrocinada pelo Museu da Universidade da Pennsylvania e publicada no trabalho de Currtis Farabee.

    Foi exatamente o que constatei. Se alunos de uma e de outra escolas no tendem a agregarem-se na sala de aula, da mesma forma comprovei o mesmo entre os professores. Enquanto eu os entrevistava isoladamente, percebi que l no havia um elo forte de comunicao inter docentes na relao externa etnias. O Tuxaua encontrava-se perto de mim, me acompanhando a todo lugar e sempre me apresentava aos seus.

    Burgarth (2006) em sua tese de Doutorado em Histria, intitulada Bravas Gentes - Cotidiano, Identidade e Representaes na Terra Indgena Raposa/Serra do Sol e Parque Nacional Canaima: ambincias de Boa Vista (Brasil) e Cidade Bolvar (Venezuela), reconhece que artimanhas estabelecidas entre fazendeiros, pecuaristas e Wapixana em terras Wapixana, era to intensas que um favor aqui, outro acol, um batizado de criana indgena aqui mais um compadre ali. Desta forma foi menos problemtico o avano do gado na TIRASOL(Burgarth, 2006, p. 78), concordando com Santilli (1994), para explicar que o termo compadre conota, neste contexto, uma relao de intimidade, e ainda, alguma

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    permissividade, que variava, conforme o status respectivo de compadres, de uma condio igualitria a uma distncia que impunha o reconhecimento da hierarquia (Santilli, 1994, p. 57).

    Ainda considerando a reconstruo scio-poltica do Professor Cirino, ele recorre a Farabee, e cita que uma outra etnia integrante do ciclo social Wapixana - os Atorais - tinham abandonado quase por completo o velho dialeto para s falar ouapichiane. [...] No mais existiam como grupo separado e nem tampouco falavam sua prpria lngua (FARABEE, apud Cirino, p. 69). Por outro lado, os missionrios beneditinos classificavam a lngua Wapischana como um dialeto da lngua Tupi ou Nhenhegatu, pelo que consta na anotao de D. Bda Goppert (1910 apud Cirino, p. 69). Porm, segundo Ildefonso ndio Macuxi da regio do Surumu , depoimento coletado por D. Bda Goppert, o Nhenhegat desaparecia junto com os mais velhos e pelo desprezo dos Wapischana mais novos. Este foi o fato que levou os beneditinos a concluir erradamente que as lnguas Wapischanas (Aruak) e Macuxi (Karib) eram sim dialetos Nhenhegat. E para uma melhor compreenso [grifo meu] o desaparecimento lingstico [idem, ibden], teria ocorrido pela disperso contnua dos ndios, o desaparecimento dos antigos missionrios que falavam a lngua, as epidemias, o desenvolvimento da regio do Rio Negro e a extrao da borracha (Cirino, p. 70).

    Cirino descrevendo o espao fsico habitado pelos Wapixana, recorrendo a Henri Coudreau, que, acometido de febres, permaneceu entre Wapischana na maloca Maracachite em 1987[?]. Sobre as moradias Wapischana, ele constatou que:

    tinham o hbito de construir suas malocas a cerca de meia hora de caminhada das margens dos rios ou igaraps, precavendo-se das constantes enchentes no perodo de inverno. A maioria das casas tinha formato redonda ou oval (sic), mas era possvel encontrar algumas de forma retangular. As casas tinham apenas uma porta, de mais ou menos um metro de altura, com telhado em forma de cone e coberto com folhas da palmeira buriti (COUDREAU, apud Cirino, p.71).

    E sobre os traos humanos, acrescenta, que caractersticas fsicas dos Wapischana [Cirino grafa a etnonmia com o fonema scha. No entanto, todos os Wapixana por mim entrevistados, grafaram com x. Por tal motivo, todas as vezes que quero me referir a esta etnia, emprego assim como os prprios] do final do sculo XIX e XX. Mencionando o prprio Coudreau, Gillen (1963), Brett (1868), Farabee (1918), Koch-Grnberg e D. Bonaventure Barbier (1911), para indicar-lhes traos fsicos: poucos plos no queixo e lbio inferior, estatura baixa, mas robusta, pele escura, cabea longa e face redonda, nariz aquilino, poa pequena, olhos retos, ps e mos pequenos (sic), pulsos e tornozelos finos, de corpo parcialmente pintado de jenipapeiro; mulheres e crianas de cabelos cortados tesoura, porm um pouco mais longos do que os dos homens.

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    As atividades econmicas dos Wapischanas encontravam-se caracterizadas, segundo Cirino, de roas [mandioca, tabaco, milho, cana de acar, banana, anans, inhame, batata e jerimum], cermica, tecelagem (exclusivas de mulheres), pesca, caa e fabricao de instrumentos de trabalho (exclusivas de homens). O excedente da farinha de mandioca era exportado para abastecer, regularmente, o mercado de Boa Vista, cujo processo de produo da farinha j fora descrito por D. Eggeerath (1924). Somada ao milho, a mandioca tambm era empregada na produo de uma bebida denominada caxiri bem descrita por Coudreau (1887) e qualificada por Koch-Grnberg como refrescante, resultado da fermentao obtida da mastigao de pedaos de cana de acar ou pedaos de bolo de farinha e cuspidos dentro de uma gamela, acrescidos de gua e abafado com folhas de bananeiras, para posterior cozimento e coagem. Um processo verdadeiramente repugnante (D. EGGERATH, apud Cirino, p.78).

    Necessitando de alguma remunerao, era comum a prestao de servio no municpio de Boa Vista, o que j fora percebido e descrito por Coudreau e por Koch-Grnberg. Isto era para atender aquisio de fuzis, chumbo, facas, machados, tecidos, etc. Para o segundo, tratava-se de trabalho escravo em fazendas e comrcios, gerando quase sempre, endividamento. Uma insero, segundo Cirino, de uma insero numa nova ordem econmica (Cirino, p. 81). Tal situao denunciada em crnicas beneditinas ao bispo do Amazonas, D. Frederico Costa, dava conta de maltratos de ndios Wapischanas por fazendeiros e comerciantes que chegavam a retirar fora, de arma em punho, os ndios das malocas [...] quando se rebelavam contra a explorao, eram chicoteados nas margens dos rios. Quando fugiam, eram capturados por homens especialmente treinados pelos fazendeiros e comerciantes (op. Cit., p. 82).

    Tudo isto, segundo os beneditinos, em conseqncia da acessibilidade e vulnerabilidade dos Wapischana civilizao [grifo do Autor] que para Cirino, corresponde a uma interpretao etnocntrica dos missionrios [que] os impedia de admitir a sua capacidade de formular um pensamento lgico e racional (op. Cit., p. 83). Entretanto s denncias feitas pelos missionrios, estes no deixavam de se beneficiar do mesmo modelo relacional, pois encontravam-se na companhia de duas domsticas e duas crianas que trabalhavam na misso [...] trabalhando na cozinha da misso, outras duas no jardim e duas outras como serradores na marcenaria e outros kurumys encarregados de capinar, cultivar a terra, cuidar do rebanho e da limpeza da misso (op. Cit., p. 84).

    Se no tivessem de enfrentar as aes dominantes dos Makuxi invasores, os Wapixana necessitaram de resistir ao uso da fora de no ndios, fazendeiros, comerciantes e mais tarde, mineradores e da prpria igreja catlica, sem deixarem por extinguir, a lngua e a

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    organizao poltica, de modo geral, a cultural, mesmo que para isto, adotassem estratgias de convivncia pacfica com estes. Nesta tarefa, destaca Cirino do seu entendimento a Coudreau sobre os Wapischana, o Tuxua chefe da maloca, o paj curandeiro e detentor do conhecimento e da religio conseguiam mant-los unidos e este ltimo, tinha um verdadeiro poder de mando [...] sendo suas qualidades socialmente reconhecidas: a inteligncia, energia, autodomnio, conhecimento das plantas medicinais e das lendas que glorificavam o seu povo e o seu poder (op. Cit., p. 86).

    Assim, a vida na maloca desde as constataes de Coudreau, era tranqila. Wapixana levantava cedo antes do nascer do sol. Havia dias de fartura e de escassez, quando se alimentavam apenas de beiju. Para Coudreau (1887), devido a maior parte de suas vidas passava dentro de uma rede, a se balanar, fumando ou passeando uns com os outros, conversando e bebendo caxiri em meio a animais domsticos como ces e tartarugas tidos mais como ornamentos vivos at mesmo nas festas constantes em que se acrescia a

    embriagues e a mistura de sons instrumentais vindos de flautas, o teiquiem, o you, o yat, cabaas cheias de seixos e o tilel feitos de uma dezena de talos de cana, que animavam a dana Parischara (COUDREAU, apud Cirino, p. 91-92).

    Cirino esclarece que a referida dana originou-se, segundo uma lenda Wapischana, quando um paj recebeu dos animais os instrumentos mgicos da caa e da pesca, mas teve de devolv-los, por causa de uns parentes mal intencionados (op. Cit., p.92), tornando-se assim, uma dana-ritual festiva tambm executada, segundo Herrmann [1947] (apud Cirino) na fertilizao da caa e da pesca e por nascimento de criana do sexo masculino, talvez por que ocupasse uma posio hierrquica superior na estrutura poltica local, merecendo o cuidado de todos (op. Cit., p. 94), inclusive para o ensinamento das atividades paternas para os meninos (brincadeiras de arco e flecha). No entanto, no so mencionadas ocupaes das crianas meninas.

    Metodologicamente, apoio este texto acima que empreguei para recuperar parte da histria das etnias e suas caractersticas sociais, primeiro porque a atividade da escrita permite a consolidao de um pensamente e reflexo ou como nos disse Roberto Cardoso de Oliveira, a funo de escrever o texto mais do que uma tentativa de exposio de um saber: tambm e, sobretudo, uma forma de pensar, portanto, de produzir conhecimento (op. Cit., p. 12), ou noutra expresso dele, atos cognitivos (op. Cit., p. 18; p. 25), que procedem ao ver e ouvir.

    Quanto conduo em campo, no poderia seguir apenas por entrevistas visto que percepes ocorrem no exclusivamente em palavras, mais em pequenas atitudes cotidianas. Quanto mais se a pesquisa centrada em conflitos entre ndio e ndio, o que causaria a presena

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    de um caderno ou folha agravada por algum anotando? Mas, um olhar no pode ser aplicado sem um norte. Requer, portanto, uma orientao. Ral Rojas Soriano esclarecendo sobre a observao participante, advoga que para este fim, se requer:

    um esquema de trabalho para captar as manifestaes e aspectos mais transcendentes e significativos da vida familiar e comunitria [...] avaliando suas atitudes, expressas pela linguagem corporal (aceno, gestos, e posturas do corpo, bem como a linguagem oral exclamaes, expresso emocional da voz. Observa tambm se o grupo est dividido em subgrupos, se heterogneo ou homogneo; observa suas vestimentas, o tipo de participao [...] e a atitude dos lderes. Observa o meio ambiente onde se desenvolve o acontecimento (op. Cit., p. 146).

    Ele ainda adverte que ocorrendo em ncleos indgenas, h de se persistir, pois embora aquele e aquela que tenham sido aceitos, podem gerar uma averso, alterando a normalidade do cotidiano, agindo, portanto com uma formalidade, distorcendo e invalidando a observao.

    Havendo observao participante, no tinha como eu deixar de alterar aquela realidade social. Ento, o que fazer para ter a confiana daqueles a quem observara? Pensei: proporia-me a trabalhar com as crianas da escola Pe. Jos de Anchieta. Mas o que fazer com elas? Lembrei que havia lido sobre isto, nas idias de Carlos Rodrigues Brando (1999). Para ele, se um conhecimento resulta de uma insero na histria de um grupo, implica em tomar posse deste conhecimento. E, da, torna-se tica uma retribuio, uma forma em que pesquisadores-e-pesquisados [palavra composta pelo autor] so sujeitos de um trabalho comum (op. Cit., p. 11). Assim, decidi que eu poderia atuar diretamente com os alunos, contando e ouvindo histrias deles e, com os professores, ouvindo, primeiro, a histria de vida profissional e pessoal deles e em seguida, contar a minha histria tambm, filmar tudo isto e viabilizar uma maneira de inserir esses participantes na socializao dos resultados do trabalho de pesquisa.

    James Clifford (2002) colaborou para a certeza de que a observao participante seria o mtodo principal para captar essas percepes minhas e deles. Para ele:

    A observao participante obriga seus praticantes a experimentar tanto em termos fsicos quanto intelectuais, as vivissitudes da traduo. Ela requer um rduo aprendizado lingstico, algum grau de desenvolvimento direto e conversao, e frequentemente, um desarranjo das expectativas pessoais e culturais (op. Cit. p. 20).

    Mas, e o que fazer com as histrias? E se elas viessem repletas de mitos? Ora, enquanto essas variveis circulavam em minha cabea, mal lembrava que Darrell Posey em sua Introduo Etnobiologia: teoria e prtica, j chamava a ateno que:

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    Em ecossistemas da Amaznia e os modos pelos quais podem ser explorados encontram-se, direta ou indiretamente, expressos nos mitos e rituais dos grupos indgenas da regio. Com efeito, sua concepo do mundo influencia e influenciada em graus diversos pela maneira como o ecossistema percebido. Por outro lado, o modo como os ndios interagem com seu hbitat oferece informaes preciosas sobre as inter-relaes ecolgicas, todas elas cruciais para o funcionamento dos microssistemas (1997, p. 12).

    Porm, como dialogar com os participantes? Do mesmo autor aprovisionei-me de sua valiosa compreenso de que quanto menos pergunta, melhor [...]. Um mito em cujo enredo compaream elementos vegetais, animais e seres humanos pode constituir a chave para decodificar a percepo por uma determinada cultura de importantes inter-relaes. [...] A metodologia geradora [grifo do autor] (op. Cit., p. 13).

    Com essa indicao, me compenetrei no mito de origem Makunaima e a Raposa [grifo meu], obtido de um documento escrito e ilustrado por professores, e o segundo, pronunciado pelo Tuxaua Anselmo Dionsio Filho [Tuxaua da Maloca Barro Surumu] no final da tarde do dia 26 de novembro de 2007, durante um dilogo onde investigava sobre minha pesquisa. Assim pronunciou-se: Somos um povo de passado aguerrido. Sempre estivemos a frente da luta por nossa terra. E todos esses jovens que estudam aqui no Centro de Formao, se preparam para isto: a defesa de nosso povo, de nossa cultura. Quando os entrevistava individualmente na sede da escola entre perguntas e solicitaes para que falassem sobre o passado de suas etnias, apenas me respondiam que tinha sido de muita explorao e dominao. Se havia conflito entre Makuxi e Wapixana, a resposta era no. Que ambas as etnias conviviam em paz. S no me souberam explicar o porqu de se ensinar a alunos das etnias mencionadas, a lngua Makuxi como lngua materna; de que no conseguiam, assim como pude observar no Centro de Formao e Cultura da Terra Indgena Raposa Serra do Sol, agrupar alunos de etnias diferentes em um mesmo grupo de trabalho, quando todos falavam e entendiam em lngua portuguesa; que, como me disseram em entrevista o professor do Ncleo de Educao Superior Indgena INSIKIRN [nome de um dos filhos mitolgicos de Makunaima], ter ouvido relatos de seus alunos,

    Por que no seguir Antropologia britnica de tomar a etnografia recortado do passado, entendendo o problema em seu tempo? Porque estou diante de um conflito que tem uma trajetria construda historicamente. No uma construo minha, mas das prprias etnias. Da, no tinha como seguir um parmetro radcliffiano ou malinowskiano de buscar exaustivamente, a descrio das etnias em foco, embora tenha optado por um mtodo de pesquisa plenamente empregado, e por que no dizer, inventada na escola Funcionalista, a observao participante. Por uma razo que penso prpria: no sou indgena e sequer tenho residncia na T. I. Raposa Serra do Sol.

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    Estudei a lngua Makuxi. Portanto, como apreender uma totalidade integrada [grifo meu] diante das circunstncias? Como imergir e emergir do todo cultural adentrando nos meandros da economia, parentesco e organizao social, religio, ritual e mitologia, e cultura material, se a todo tempo eu aguardava uma ordem para deixar a Terra Indgena? Como conviver em meio a etnias sem tempo certo para sair, se a qualquer momento, poderia ser convidado a deix-la? Restou-me por necessidade terica e prtica, minhas e daqueles a quem observei e entrevistei, convivncias curtas, intercaladas por retornos capital, Boa Vista.

    Vinha estudando em casa boa parte das formaes gramaticais Makuxi. Isto me facilitou na percepo e checagem de algumas informaes. Pois no foi uma ou duas vezes que em minha frente, ndios falaram em lngua Makuxi ou Wapixana, pensando que eu no tivesse um saber capaz de tirar um entendimento. Reconheo este saber poltico como uma alta expresso de etnoconhecimento poltico, se assim posso categorizar.

    E ento me vieram algumas reflexes. As primeiras delas a partir daquelas presentes em um dos textos estudados durante a disciplina do Mestrado, Teorias Antropolgicas Contemporneas A Experincia Etnogrfica. Em James Clifford (2002), encontrei aportes que me permitiram entender algumas crises que senti l e c: poderia eu retratar um conflito que, de fora, s est percebido por mim? Como ento retratar as etnias envolvidas?

    Por retomar a mxima malinowskiana de que o etngrafo poderia alcanar um atributo sobrenatural de pensar, sentir e perceber o mundo (op. Cit., p. 86) desde que se colocasse na condio do nativo, Clifford Geertz (1999) no considera como um problema, visto de dentro ou de fora, na primeira ou na terceira pessoa, mas sim, de estabelecer, como dizia o psicanalista Heinz Kohut diz: experincia prxima e distante (apud Geertz, p. 87), a tal modo que constate a impossibilidade de estar sob a pele do nativo e sim, de esforar-se em no se envolver por empatias internas com os informantes, para ento saber expressar o que uma explicao nativa de uma no nativa

    J na Apresentao, que foi feita por Jos Reginaldo Santos Gonalves10, encontro o primeiro argumento para esta crise que mexeu comigo. Ele reconhece que:

    No saber convencional da disciplina, a etnografia desempenha um papel metodolgico central. [...] entendida por certos autores como a observao e anlise de grupos humanos considerados em sua particularidade (...) e visando a reconstituio, to fiel quanto possvel de cada um deles [grifo do apresentador. Lvi-Strauss, apud Gonalves, 1973: 14] da vida dos grupos estudados e problematizam o entendimento mesmo do que seja a prtica da etnografia [grifo do apresentador] (GONALVES, op. Cit., p. 9).

    10 PhD em Antropologia Cultural pela Universidade de Virginia, Charlottesville, Estados Unidos (1989). Mestre

    em Antropologia Social pelo PPGAS do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (1980). Disponvel em: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id=K4781996H6. Acessado em: 27 de maro de 2008.

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    Da, me deixa uma margem para justificar que as particularidades necessrias esta pesquisa, poderiam ser contempladas pela averiguao nas histrias das etnias, mediante um exame mais apurado das fontes. Pretendi consultar a fundo as fontes primrias com prioridade. Porm, restries financeiras me impediam de alcanar essa meta. Mas a possibilidade considerada pelo antroplogo francs, penso, me d a exceo. E se considerar a interlocuo feita pelo apresentador no qual faz em Clifford Geertz, para quem a etnografia uma atividade eminentemente interpretativa, uma descrio densa [grifos do apresentador], voltada para a busca de estruturas de significao (GUEERTZ, apud Gonalves, 1978: 15, op. Cit.), responderia, persigo e intento encontrar o sentido mais prximo ao que os estudos e vivncias pessoais me inspiram, para o conflito intertnico entre Makuxi e Wapixana. Pois como ressalta o propsito do James Clifford, uma etnografia deve se propor a

    entender a diversidade mesma dos processos de construo dos textos etnogrficos, visualizando-os como empreendimento textuais situados em circunstncias histricas e culturais especficas [...] parte de um sistema complexo de relaes [...] vividas por etngrafos, nativos e outros personagens situados no contexto de situaes coloniais. [...] Ela se configura na verdade como um campo articulado pelas tenses, ambigidades e indeterminaes prprias do sistema de relaes do qual faz parte (Gonalves, 2006, p. 10).

    No sou aquela autoridade a que me foi atribuda no primeiro almoo que tive com alunos e demais autoridades locais, segundo o Tuxaua, quando fui convidado a sair da mesa dos alunos e passar mesa deles. Autoridade mesmo reconheci na competncia de professores Makuxi e Wapixana nas duas escolas, em lidarem com relaes de poder no mais abrangente sentido do termo. Pois os textos que eu tanto procurava para pensar, refletir e escrever, j estavam em elaborao nos encontros e desencontros dos professores. Recordo bem de uma observao que fiz durante uma reunio da comunidade. Emprego este termo comunidade por que foi o utilizado na ocasio, fato escrito em eu Dirio de Campo e por representado a seguir na imagem:

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    5. Consideraes finais

    A atividade de pesquisa em qualquer rea deve ser bastante planejada, de preferncia, prevendo e provendo possibilidades. Foi assim que a ansiedade por reencontrar com ex-alunos e agora colegas professores, tomava minha concentrao. S no foi pior por que de longe a releitura do dirio de campo me propiciou links de lembranas para puder fazer algumas reflexes aqui apontadas.

    Lembro bem quando eu cheguei a um automvel Pick-up, preto, com vidro fum preto, quatro portas, em pleno tempo e espao de conflito. Eu fora recebido no mnimo como um filho ou representante de rizicultor. Desde a sede do Conselho Indgena de Roraima na cidade de Boa Vista, que recebi a distino de um problema, como fui classificado por algum. E tendo chegado Maloca Barro, por ocasio da minha primeira visita escola Pe. Jos de Anchieta recebi as boas-vindas de todos os professores e funcionrios. Mas, na segunda visita escola, ningum queria falar sobre nada. Foi desencorajador para mim. Se possvel uma leitura da percepo dos professores ndios pesquisados, diria: quando esto juntos, assumem compromissos coletivamente. Mas, quando esto para executar uma determinada ao de exposio detalhada da pessoa, ento reina a lei do silncio [grifo meu]. nesta direo que hoje, professores ndios ou no, querem conhecer a prtica profissional de cada um. Caso contrrio, no haveria a instituio escola. Assim, as posturas, da maneira como aconteceu comigo, diria que em conscincia em que de que est sendo observado, houve em meus grupos de pesquisa, mudana de receptividade, variando entre outra de aceitao ou de recusa, talvez com medo de serem

    Figura 2: Esboo do espao onde ocorria a reunio da comunidade. Ao centro, uma diagramao a partir de meu olhar. Destaco a distribuio de gnero e das autoridades. Eu, no penltimo banco. Todos, sombra de uma rvore. Dirio de Campo pessoal (Almeida, 2007, p. 8 v).

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    surpreendidos pelos seus lderes. Isto insita pesquisas com permanncias maiores que a minha, o que gera um comprometimento tico para que uma antipatia inicial no progrida a uma crnica. Mas diria que, antes da pesquisa, ser fiel s fontes; segundo, guardar o anonimato quando para proteo das fontes humanas; levar em considerao os moradores locais.

    S para recordar, quando havia descido do automvel Pick-up que me levara para o Barro, j fui recebido pelo Tuxaua. Com ele, combinamos sobre minha estadia e trabalho; dialogamos sobre o que, como e para que pesquisava. Com todos os professores das duas escolas, detectei a participao coletiva em trabalhos dirios: capinar, ajudar ao vizinho, participar das reunies no centro da Misso; fazer cerca; pegar uma rs (gado) foragida. No. A profisso de professor no omissa da vida comunitria. Tais professores conhecem cada canto da Villa Barro, mesmo quando no escuro. Da mesma forma, as crianas que deitam e rolam nas guas do Surumu faziam acrobacias mergulhando de cabea. Portanto, professores sempre com o domnio da prtica docente e da vida comunitria, extensivo vida poltica, a quem credito a vigilncia a Terra demarcada onde rizicultores teimam em permanecer. Durante as entrevistas eu tambm era entrevistado e sempre fui tratado com diferena: chamavam-me como professor e no pelo meu nome; sentia-me observado pelos professores, alunos e idosos. s vezes eu perguntava e me respondiam com perguntas. Os melhores espaos para pesquisa so aqueles em que surge a espontaneidade e a mtua e recproca confiana.

    Todos reconhecem o grande problema da Maloca: o conflito entre ndios e no-ndios. Mas no se do conta de que h um conflito dentro do conflito, que aquele que se d nas arenas das escolas, dos caminhos de passeio que vi, uns fechando entradas das malocas para que outros ndios no entrassem e at sentarem-se prximos a outros, mesmo que da mesma etnia, mas de posio contrria retirada de no ndios de terras da Maloca. Tive de ouvir mais de uma vez a reclamao de que a maioria dos antroplogos nunca que retornaram para pelo menos agradecerem. Pessoalmente, me comprometi que, por ocasio do trmino de minha pesquisa, voltaria ao meu grupo de pesquisa professores ndios para editar com ele, as imagens, exibi-las e discutir o que for necessrio promoo das etnias. Fiz isto diante do Tuxaua e do Diretor da escola. A escola indgena na localidade estudada o centro da vida social das etnias Makuxi e Wapixana. Um empreendimento que fortalece e fortalecido por todos que l residem, ndios ou no.

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    6. Fontes ARAJO, Melvina. 2006. Do Corpo Alma missionrios da Consolata e ndios Macuxi em Roraima. So Paulo: Associao Editorial Humanitas/ FAPESP. 234 pp.

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