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Metodologia da Economia O: Fernández (2011); S: Garnett (2006); Sent (2006). Aula 12 PLURALISMO 1

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Page 1: Metodologia da economia 2013   aula 12

Metodologia da Economia

O: Fernández (2011);

S: Garnett (2006); Sent (2006).

Aula 12

PLURALISMO

1

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1. Introdução - I

• Os economistas divergem hoje sobre questões fundamentais, como é o caso da crise atual:

• Houve poucas e localizadas previsões sobre a crise econômica internacional atual. • Não há consenso sobre explicação e muito menos sobre prescrições de políticas para a saída (austeridade ou austericídio?). • Debates mostram diferenças fundamentais entre profissionais respeitados.

• Como conviver com essa situação? •A existência de diferentes visões é boa ou ruim? • Ela deve ser promovida?

• Pluralidade de visões no centro das discussões contemporâneas em economia.

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1. Introdução - II

• A primeira grande questão: como pode haver pluralidade de visões se a realidade é uma só? •Podemos aceitar que (quase) todos acreditam(os) que há um mundo lá fora que opera independentemente de nossos desejos, presença, etc. • Nesse mundo há respostas não ambíguas para muitas coisas:

• O Triceratops está extinto. • A Alemanha perdeu a segunda guerra mundial. • O Paraná Clube ganhou os campeonatos paranaenses de 1993-7.

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1. Introdução - III

• Também sabemos que há certas leis que podemos considerar basicamente certas:

• Sabemos que F = m.a, • Não é: F = 5 m.a, nem F = m.a. Temperatura/2

• Portanto, essa pluralidade, numa primeira reação, parece uma confissão de ignorância (ainda não sabemos a resposta certa). • A pluralidade seria provisoriamente admissível, dado esse limite, mas não como uma situação definitiva.

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2. Pluralismo e pluralidade - I

Uma questão conceitual preliminar: • Pluralidade é a situação em que existem diversos elementos (é algo essencialmente descritivo).

• Pode (ou não) haver pluralidade de significados, verdades, valores, teorias, estilos musicais, times de futebol, etc.

• Pluralismo é a posição normativa/valorativa de que é desejável e legítimo que exista essa pluralidade.

• Exemplo: A e B podem constatar que existem as posições x1, ... xn a respeito de X, mas A, pluralista acha bom que isso ocorra, enquanto B, monista, preferiria que só existisse x1.

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2. Pluralismo e pluralidade - II • Neste caso, a questão seria: naquilo que estuda a economia, qual é a pluralidade? Temos diversidade de quais “coisas”?

• a) Pluralidade de interpretações: • Embora a realidade seja única, nós a acessamos através de nossos sentidos, nossa razão, etc. Portanto, nós interpretamos a (nossa) realidade .

• Diferentes pessoas podem interpretar a realidade de diferentes modos, pensando que diferentes coisas ocorrem (são verdadeiras).

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2. Pluralismo e pluralidade - III

• b) Pluralidade de teorizações: • Imediatamente após a observação da realidade, refletimos (teorizamos) sobre ela. Mesmo interpretações semelhantes podem levar a uma pluralidade de teorias.

• c) Pluralidade de métodos de teorizar: • Posteriormente, podemos refletir sobre qual é a melhor maneira (método) de obter conhecimento. Aqui também pode haver diversidade de perspectivas.

• Nesta breve reflexão já temos bases para ver a existência de pluralidade (e a possibilidade de pluralismo) sobre a verdade, sobre a teoria e sobre o método.

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3. Pluralidade de visões em economia - I Quais podem ser as causas da existência de diferentes visões em economia (e outras ciências)? 1. Nunca podemos saber se uma teoria é

verdadeira (Popper), nem podemos falseá-la com certeza (tese Duhem-Quine).

2. Os fatos estão “carregados” de teoria. 3. O mundo é muito complexo, é impossível

construir representações abrangentes do mesmo.

4. Nossas limitações cognitivas só permitem que façamos representações parciais.

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3. Pluralidade de visões em economia - II Quais podem ser as causas da existência de diferentes visões em economia? [cont.]. 5. Todos temos uma perspectiva específica

(social, temporal, geográfica, etc.). 6. Todos temos experiências pessoais

diferentes. 7. Temos diferentes motivos (técnico,

político, prático, etc.) para nos voltarmos a uma questão.

8. O conhecimento, tanto das pessoas quanto o coletivo, tem uma certa trajetória (depende de uma história).

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3. Pluralidade de visões em economia - III •Temos portanto motivos teóricos para entender por que podem existir diferentes visões.

• Um olhar rápido nos mostra a existência de diferentes escolas, com maior ou menor afinidade entre elas.

• Portanto, na economia certamente há pluralidade teórica e metodológica.

• Isto é algo bom ou ruim? Como fica o pluralismo?

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4. Pluralismo em economia - I • Podemos entender que, se o mundo e nosso conhecimento dele são como dissemos, nunca podemos ter a verdade absoluta

• Ou, mesmo chegando nela, nunca poderíamos ter certeza de que a alcançamos.

• Nesse caso, defender que exista uma pluralidade de visões é claramente salutar: se nosso conhecimento é incompleto, saber quais são as perspectivas de outros (mesmo erradas) necessariamente o enriquece.

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4. Pluralismo em economia - II

E qual seria o risco do pluralismo? 1. O (fantasma do) relativismo: se não posso ter

certeza, tanto faz uma explicação como outra. Fico impossibilitado de escolher entre medicina e feitiçaria, entre criacionismo e darwinismo, entre teorias geocêntricas e heliocêntricas.

2. O (fantasma do) ceticismo: se não posso ter certeza, não posso agir. Fico paralisado por falta de garantias ante qualquer decisão prática: não sei se os juros devem subir ou cair, se devo investir em creches ou em viadutos, etc. O mesmo se aplica a escolhas teóricas.

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4. Pluralismo em economia - III

• Essas críticas confundem o que é bom para a comunidade com o que é bom ao nível individual.

• Ao nível coletivo, é bom que exista diversidade: alguém pode ter visto algo que eu não percebi (nem podia perceber?).

• Ao nível individual, eu não posso defender coisas que eu percebo como contraditórias, logo tenho que fazer “escolhas justificadas”, ou seja, no mínimo tenho que dar para mim mesmo as razões de porque eu escolho esta teoria e não aquela, esta ação e não aquela.

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4. Pluralismo em economia - IV

• Em conseqüência, eu devo ser pluralista ao nível da comunidade de pesquisadores, sem que isso me transforme em um esquizofrênico.

• Ao nível individual, eu faço minha escolha (defino meu ponto de entrada). Para chegar a isso, eu participo ativa ou passivamente dos debates, e tomo minha decisão.

• A qualidade de minha escolha estará positivamente correlacionada com a qualidade dos debates, sendo esta garantida pela pluralidade de vozes. Se não existir o debate, pode que minha escolha seja a mesma, mas meus motivos para fazê-la serão mais fracos.

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4. Pluralismo em economia - V

• Estes argumentos deveriam resultar familiares, porque são os mesmos que usamos para defender a democracia.

• Defender a democracia não significa que eu tenha que apoiar ao mesmo tempo todas as posições políticas.

• Posso ser o quão enfático eu quiser defendendo minha visão, desde que respeite a dos outros.

• Obviamente, eu vou tentar convencer os outros de que minha posição é a correta.

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4. Pluralismo em economia - VI

• Estou propondo que o procedimento que consideramos melhor para tomar nossas decisões políticas deveria ser utilizado para tomar as decisões científicas: sem debate com visões diferentes, o conhecimento produzido fica mais pobre.

• Isso não quer dizer que todas as opiniões num debate, especialmente se é científico, valham o mesmo: nossa participação em discussões de nefrologia ou de mecânica de solos provavelmente seria ignorada, e com bons motivos.

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4. Pluralismo em economia - VII

• Nesse sentido, o pluralismo é vantajoso: uma ciência que tenha uma única voz pode acertar muito, mas nunca saberá quando errou.

• Esse pluralismo não pode ser um pluralismo estratégico: eu não posso ser pluralista quando estou em minoria, monista quando sou maioria.

• Vejam-se p.ex. as polêmicas criadas pelo concurso do IPEA em 2008: muitos dos que questionaram uma suposta falta de pluralismo desse processo não parecem ter se preocupado muito com isso em outros momentos, quando os critérios os favoreciam.

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5. Pluralismo, retórica e verdade em economia - I

• Mas como fica nosso papel como cientistas ou especialistas? Como ter certezas? Nunca chegaremos à verdade?

• Com efeito, pode que algumas coisas, especialmente em ciências sociais, não tenham respostas “certas”.

• Vejamos um exemplo: é melhor o protecionismo ou o livre comércio para promover o crescimento de um país?

• Há muitos livros e artigos de pessoas muito inteligentes, defendendo uma e outra dessas posições, baseados em evidência das mais diversas.

•Além disso, quanto “protecionismo” e quanta “abertura”?

• Isso pode ser independente do momento histórico e das características culturais e dotação de fatores dos países?

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5. Pluralismo, retórica e verdade em economia - II

• Todavia, em algumas coisas talvez consigamos chegar a algo que consideremos “a verdade”.

• Para isso, resgato um conceito de Peirce: “A opinião que está destinada a ser finalmente aceita por todos aqueles que investigam [certa questão]é o que queremos dizer com verdade”.

• Para todos os fins práticos, podemos entender que chegamos à verdade sobre determinado assunto quando não há mais polêmicas na comunidade relevante.

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5. Pluralismo, retórica e verdade em economia - III

• Nessa perspectiva, a maneira que temos de chegar ao conhecimento passa necessariamente pelo processo de argumentação.

• Nós trabalhamos em nossos computadores, laboratórios, escritórios, nas pesquisas de campo, etc., e chegamos às nossas conclusões.

• Isso todavia vale muito pouco se não conseguimos que a comunidade relevante para nós aceite nossas conclusões.

• Portanto, o estudo do processo de argumentação (a retórica) deve ser considerado como um meio fundamental de promover o conhecimento.

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5. Pluralismo, retórica e verdade em economia - IV

• Isso quer dizer que, além dos métodos (receitas) específicos de cada ciência, não há um grande Método (com maiúsculas) para se chegar à verdade além do engajamento no debate .

• Se o debate é o processo fundamental para garantir a produção de conhecimentos, a única meta-regra que pode existir é a que garanta que os debates respeitem as regras da ética do discurso.

• Segundo Deirdre McCloskey, estas regras são:

“Não minta; preste atenção; não se burle; coopere; não grite; deixe os outros falarem; tenha uma mente aberta;

se explique quando solicitado; não recorra à violência ou à conspiração para ajudar suas idéias”.

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5. Pluralismo, retórica e verdade em economia - V

• Veja-se, portanto, que nem todo consenso é aceitável como garantia (temporária) de conhecimento:

• O consenso imposto pela maioria sobre a minoria, ou por uma minoria poderosa sobre a maioria, não é válido.

• Logo, uma comunidade científica que não tenha altos padrões éticos de respeito às vozes divergentes terá mais dificuldade para poder avançar.

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6. A situação atual da economia - I • A economia se caracteriza pela presença muito forte de uma corrente dominante (mainstream).

• Essa corrente também tem diferentes vertentes que debatem entre si. Todavia, há algum tipo de acordos (implícitos) que permitem que elas constituam esse mainstream.

•Paralelamente, há diversas correntes que divergem do mainstream (heterodoxias).

• A heterodoxia também tem diferentes escolas, as quais têm mostrado uma importante tendência ao diálogo entre elas, apesar de que suas divergências às vezes são muito importantes.

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6. A situação atual da economia - II • O mainstream tem se modificado em várias questões nos últimos anos. • Muitas delas consistem na incorporação de assuntos que eram exclusividade das escolas heterodoxas (ou que, no mínimo, eram muito mais destacados por estas, enquanto a ortodoxia dava de ombros a estas críticas).

• Instituições • Limites da racionalidade • Falhas de mercado.

• Como afirmam Colander, Holt & Rosser: “A economia [mainstream] está saindo de uma aderência estrita à santíssima trindade – racionalidade, egoísmo e equilíbrio – para uma posição mais eclética com comportamento motivado, auto-interesse iluminado e sustentabilidade”.

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6. A situação atual da economia - III • Esse avanço mostra (deveria mostrar) ao mainstream a conveniência do pluralismo, no mínimo como fonte de ideias novas.

•Todavia, o mainstream continua intolerante em relação à característica da formalização: trabalhos não formalizados continuam sendo vistos como insuficientes, os quais no máximo podem dar insights interessantes para os quais faltaria “tratamento analítico sério”.

• Isso mostra-se particularmente complicado quando o trabalho interdisciplinar (muitas vezes não formalizado) é crescentemente visto como algo necessário e positivo.

•A atitude típica do economista mainstream ao trabalhar em outras áreas têm sido a de “levar a luz ao gentio”, o chamado “imperialismo econômico”.

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6. A situação atual da economia - IV Quanto à(s) heterodoxia(s), dois riscos devem ser evitados:

• a) O já mencionado “pluralismo estratégico”: somos pluralistas enquanto estamos na minoria.

• b) O diálogo entre correntes é positivo, e provavelmente leve a algumas convergência entre diversas escolas.

• Todavia, há que abandonar a obsessão de pensar que só conseguiremos “superar o mainstream” quando tivermos “O PARADIGMA ALTERNATIVO” (ciência como batalha de paradigmas).

•Devemos destacar que um movimento forte e mais organizado pelo pluralismo têm surgido nos últimos anos, e pode ser favorecido pela crise atual.

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7. Algumas breves conclusões

• De qualquer modo, as conclusões mais importantes que pode se tirar para todas as visões é que:

• O pluralismo é vantajoso como princípio.

• O pluralismo é necessário.

• O pluralismo deve ser promovido ativamente a nível institucional.

• Portanto, as escolas (graduação ou pós, ortodoxas ou heterodoxas) ou instituições que não promovem o pluralismo estão tendo mais um caráter de igrejas (defensoras de dogmas e eliminadoras de heresias) do que de promotoras da ciência.