mendes e vale - cap. 19 conhecimento e crescimento

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Capítulo 19 Conhecimento Tecnológico, Externalidades e Crescimento Económico — Versão Final — 1 Vivaldo Mendes e So…a Vale c ° Copyright. All rights reserved: Vivaldo Mendes e So…a Vale ”Macroeconomia Moderna”, a publicar em 2002 ISCTE, Julho 2001 1 Pequenos lapsos na hifenização serão corrigidos pela Editora.

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Page 1: Mendes e Vale - Cap. 19 Conhecimento e Crescimento

Capítulo 19

Conhecimento Tecnológico, Externalidades eCrescimento Económico

— Versão Final — 1

Vivaldo Mendes e So…a Vale

c° Copyright. All rights reserved: Vivaldo Mendes e So…a Vale”Macroeconomia Moderna”, a publicar em 2002

ISCTE, Julho 2001

1Pequenos lapsos na hifenização serão corrigidos pela Editora.

Page 2: Mendes e Vale - Cap. 19 Conhecimento e Crescimento

Conteúdo

1 Conhecimento Tecnológico, Externalidades e Crescimento 41.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41.2 Conhecimento e Crescimento Económico . . . . . . . . . . . . . . 6

1.2.1 Conhecimento tecnológico e bens públicos . . . . . . . . . 81.2.2 Direitos de propriedade: patentes, copyrights e trade marks 11

1.3 Externalidades e a Acumulação de Conhecimento . . . . . . . . . 121.4 O Modelo Completo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16

1.4.1 Produção de bens físicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 171.4.2 Acumulação de capital físico . . . . . . . . . . . . . . . . 221.4.3 Reprodução da população . . . . . . . . . . . . . . . . . . 221.4.4 O equilíbrio de longo prazo . . . . . . . . . . . . . . . . . 231.4.5 Taxas de crescimento no equilíbrio de longo prazo . . . . 27

1.5 Um Exemplo Numérico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 301.5.1 Círculo virtuoso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 301.5.2 Armadilha da pobreza . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33

1.6 Sumário . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37

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Page 3: Mendes e Vale - Cap. 19 Conhecimento e Crescimento

Lista de Figuras

1.1 Os principais pontos de divergência entre os dois modelos. . . . . 71.2 A representação grá…ca da dupla faceta do conhecimento tec-

nológico. A parte oval re‡ecte o domínio público do conheci-mento tecnológico, enquanto que a parte rectangular mostra aaplicação privada do conhecimento na produção de bens materi-ais. As linhas a tracejado re‡ectem a utilização do conhecimentopreviamente existente para produzir novo conhecimento. . . . . . 13

1.3 A taxa de crescimento do nível do conhecimento em termos médiospor empresa. O ponto A re‡ecte o patamar mínimo a partir doqual as economias podem obter taxas de crescimento positivas eobter sucesso económico. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17

1.4 Os acréscimos obtidos na produção de bens físicos (Qi); resul-tantes de aumentos sucessivos do nível do factor capital físico(Ki), permanecendo os restantes factores constantes (Ai = Ai;Li = Li): . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19

1.5 Os acréscimos obtidos na produção de bens físicos (Qi); resul-tantes de aumentos sucessivos do nível do factor conhecimentotecnológico (Ai), permanecendo os restantes factores constantes(Ki = Ki; Li = Li): . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19

1.6 Caso Ai e Li permaneçam constantes ao longo do tempo, umaumento permanente do nível de Ki levará a uma diminuiçãogradual e permanente da produtividade marginal deste stock decapital. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20

1.7 A acumulação de conhecimento tecnológico pára o declínio da pro-dutividade marginal do capital físico. A partir do período em quea empresa i inicia o processo de produção de novo conhecimento, aprodutividade do seu capital físico pode permanecer constante nolongo prazo, continuando a existir incentivos para a acumulaçãode capital físico. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21

1.8 O equilíbrio de longo prazo da taxa de crescimento do stock deconhecimento tecnológico. Este equilíbrio não depende da taxade crescimento do capital físico. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25

1.9 O equilíbrio de longo prazo da taxa de crescimento do stock decapital físico. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26

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1.10 A representação gr á…ca do equilíbrio de longo prazo da empresai (o qual é também o equilíbrio da economia como um todo).No longo prazo, a taxa de crescimento do stock de capital físicoconverge para o valor da taxa de crescimento do conhecimentotecnológico. No longo prazo ambas estas taxas são iguais no pontoE. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28

1.11 A evolução dinâmica da taxa de crescimento do capital físico (gKi)no cenário do círculo virtuoso. Todas as economias convergempara uma taxa de crescimento económico dada pela taxa de cresci-mento do conhecimento tecnológico (gAi), quer as suas taxas gKi

iniciais sejam mais elevadas ou mais baixas do que aquela. . . . . 321.12 A linha de fases relativa à simulação do círculo virtuoso. . . . . . 331.13 Três casos para explicar a existência da armadilha da pobreza.

A economia tem uma taxa de crescimento do conhecimento tec-nológico negativa (gAi = ¡3% ao ano) e apresenta três alter-nativas para gKi : (1) gKi > 0; (2) ¡3% < gKi < 0%; e (3)gKi < ¡3%: Em todos estes casos as condições médias de vidavão–se degradando ao longo do tempo. . . . . . . . . . . . . . . . 35

1.14 Linha de fases para o exemplo da armadilha da pobreza. . . . . . 36

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Capítulo 1

Conhecimento Tecnológico,Externalidades eCrescimento

1.1 IntroduçãoOs modelos apresentados no capítulo anterior permitem já eliminar as trêsgrandes limitações dos modelos de Solow e de MRW. O crescimento passa aser endógeno e, portanto, a política económica pode ter um papel determinanteno sucesso (ou insucesso) do processo de crescimento económico de longo prazo.Por outro lado, a existência ou não de convergência económica entre os paísesricos e os países pobres …ca dependente da qualidade das políticas económicasescolhidas pelos dois grupos de países. O importante a salientar aqui é que ainexistência de convergência é de facto um resultado que pode ser facilmenteobtido nos modelos AK e ”learning–by–doing”.

Devemos notar que apesar destes modelos representarem um avanço relati-vamente aos anteriores, apresentam ainda uma limitação bastante séria, a qualresulta do facto do conhecimento tecnológico ser inteiramente determinado comoum efeito meramente lateral do processo de acumulação de capital físico. Con-forme vimos, nestes a existência de externalidades positivas associadas à acumu-lação de capital físico levava a uma situação em que a taxa de crescimento delongo prazo passava a ser determinada pelas forças que re‡ectem o comporta-mento endógeno ao nível da poupança e da aprendizagem: a taxa de poupança(s) e o coe…ciente de aprendizagem (a).1 Ou seja, apesar do conhecimento tec-nológico ser o factor fundamental para o crescimento económico, as empresas eoutros agentes económicos não mostram quaisquer interesses ou incentivos nabusca deliberada deste mesmo conhecimento, com o intuito de bene…ciarem domesmo quando produzido. Portanto, naqueles modelos, se o conhecimento é jádeterminado por uma força endógena (por K), o mesmo continua a ser total-

1 No caso do modelo AK, a taxa de crescimento era fundamentalmente determinada por se por A, sendo A um somatório de parâmetros. Como vimos a diferença entre os dois modelos(AK e ”learning–by–doing”) é mínima.

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19. CONHECIMENTO TECNOLÓGICO E CRESCIMENTO 5

mente ”de borla” para a economia e para as empresas.Seguindo a lógica do modelo ”learning–by–doing”, os países serão pobres se

tiverem taxas de poupança baixas e/ou se não tiverem sucesso em bene…ciardo processo de aprendizagem que resulta da acumulação de capital físico. Noentanto, existem países pobres que têm tido taxas de poupança mais elevadas doque, por exemplo, os EUA ao longo de várias décadas e não há evidência de queesses países tivessem crescido muito mais depressa do que a economia americana.Durante a década de 1990 os EUA tiveram uma das mais elevadas taxas médiasde crescimento económico a nível mundial, mas a sua taxa de poupança era umadas mais baixas dos países desenvolvidos. Como explicar este fenómeno? Seráporque esta economia tem grande capacidade para usufruir das externalidadesda acumulação de capital físico, enquanto que outras economias (mesmo quecom taxas de poupança mais elevadas) não apresentam tal habilidade? Comoexplicar estes hiatos entre as diferentes capacidades que os países apresentampara ”absorver” ou criar conhecimento tecnológico?

A melhor resposta deve residir no abandono da hipótese do conhecimentotecnológico ser um mero resultado ”lateral” de um outro processo económico.Ou seja, a resposta deverá consistir na hipótese de que o conhecimento tecnológi-co é o resultado de uma actividade económica que envolve a procura deliberadado conhecimento por parte dos vários agentes económicos, que esta procura tembenefícios notáveis, mas que também tem custos bastante signi…cativos e envolvetempo e esforço para ser desenvolvida. Como iremos veri…car, este esforço delib-erado para produzir um activo económico de natureza intangível (conhecimento)e de importância crucial, não implica a total eliminação de ”externalidades” namodelização do crescimento económico de longo prazo. De facto, implica queas externalidades passam a ter um papel ainda mais importante no processode crescimento económico, dando maior peso à intervenção do Estado na activi-dade económica no sentido de fomentar a criação de conhecimento e de progressoeconómico, e permitindo assim explicar alguns puzzles do processo de convergên-cia a nível mundial, os quais passamos a apresentar de seguida.

Armadilha da pobreza. Se levarmos em consideração a evolução da maio-ria dos países da economia mundial, e não apenas o grupo de países mais de-senvolvidos economicamente, não será difícil aceitar a evidência daquilo a quepodemos chamar de ”armadilha da pobreza”. Em vastas zonas do mundo, dé-cadas após décadas, regime político após regime político, muitos países pura esimplesmente não só não conseguem convergir para os níveis de rendimento dospaíses mais desenvolvidos, como não conseguem nem sair de um nível de extremapobreza, onde grassam enormes problemas económicos e sociais por resolver.

Externalidades positivas e negativas. Se olharmos para o mapa do mun-do, é curioso observar que países ricos têm normalmente à sua volta países ricos;países pobres, são rodeados por outros países pobres; e …nalmente, países muitopobres têm à sua volta países também muito pobres. Ou seja, a pobreza e ariqueza estão relativamente concentradas em algumas áreas especí…cas do globo,sugerindo que deverão existir externalidades positivas associadas à riqueza, eexternalidades negativas associadas à pobreza. Este efeito de contágio (ou deexternalidades) do sucesso e insucesso económico contraria o modelo de Solowna medida em que neste modelo riqueza e pobreza dependem apenas das car-acterísticas individuais dos agentes económicos: não existe qualquer razão para

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que a economia possa bene…ciar da concentração de riqueza ou pobreza.Vamos referir apenas mais duas características que também violam o modelo

de Solow. Fluxos de capitais e condições de partida. No modelo de Solow,existem rendimentos decrescentes na acumulação de capital e eram estes queexplicavam os ‡uxos de capital dos países ricos para os países pobres. Se ossalários são mais baixos nos países pobres, e se a rentabilidade do capital émais elevada nos países pobres por terem stocks de capital mais baixos queos países ricos, deveríamos assistir a um ‡uxo de capitais destes países paraos países pobres, e não a um ‡uxo no sentido oposto. No entanto, podemosfacilmente constatar que a nível internacional o capital ‡ui dos países pobrespara os países ricos, e não ao contrário como podemos concluir deste modelo.Porquê? Como iremos mostrar este tipo de ‡uxos de capitais pode ser facilmenteexplicado se assumirmos a existência de rendimentos constantes (ou crescentes)na acumulação de capital.

Segundo, as condições de partida, que no modelo de Solow são totalmenteirrelevantes quanto ao ”destino” das diferentes economias, mostram que na re-alidade estas condições podem explicar em grande medida o sucesso ou insuces-so económico dos vários países no processo de convergência económica a nívelmundial. Se os países pobres estiverem de facto muito pobres, é pouco prováv-el que possam de per si encetar um processo de convergência real em termoseconómicos e sociais, caso admitamos a existência de rendimentos constantes(ou crescentes) na acumulação de capital.

Portanto, a conjugação de rendimentos constantes (ou crescentes) na acumu-lação de capital com diferentes condições iniciais em termos de pobreza/riquezapoderão explicar uma grande parte da falta de convergência económica a nívelmundial. E o que está por detrás da existência de rendimentos constantes naacumulação de capital? Como iremos ver, o factor que permite explicar estetipo de rendimentos é a acumulação de conhecimento tecnológico (e cientí…co),o qual apresenta as características de um bem público com externalidades posi-tivas, e que pode ser tornado temporariamente privado através do atribuição dedireitos de propriedade (patentes, copy rights, etc.) aos seus inventores. Esta éa mensagem fundamental do modelo que vamos analisar ao longo deste capítulo.Na Figura 1.1 confrontamos os pontos principais deste modelo com o modelode Solow, a qual permite fornecer uma imagem dos aspectos fundamentais queiremos desenvolver.

1.2 Conhecimento e Crescimento EconómicoNo capítulo anterior, ao analisarmos os modelos ”learning–by–doing” e AK, vi-mos que a existência de externalidades positivas associadas à acumulação decapital físico conduzia a uma situação em que a taxa de crescimento de longoprazo passa a ser determinada por forças endógenas ao funcionamento da econo-mia. No entanto, nestes modelos o conhecimento tecnológico é inteiramentedeterminado como um efeito meramente lateral do processo de acumulação decapital físico, o que origina uma limitação bastante séria e que limita bastantea riqueza dos resultados dos referidos modelos.

Vamos agora apresentar um modelo onde as empresas para obterem conheci-

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Modelo de Solow

• Externalidades: não existem

• Acumulação de Capital (K ) tem Rendimentos Decrescentes

• Armadilha da pobreza não existe

• Riqueza e pobreza dependem apenas das características individuais: não existe qualquer razão para que a economia possa beneficiar da concentração de riqueza ou pobreza

• Países pobres convergem para o nível dos países ricos

• Condições iniciais são irrelevantes

• O capital flui dos países ricos para os países pobres

• Políticas nacionais têm pouco ou nenhum efeito sobre o crescimento de longo prazo

Modelo de Conhecimento Tecnológico Endógeno

• Externalidades: existem e são relevantes

• Acumulação de Capital (K e A ) temRendimentos Constantes/Crescentes

• Armadilha da pobreza existe

• Riqueza e pobreza estão concentradas em áreas ou zonas específicas: a existência de externalidades faz com que a economia possa beneficiar (sofrer) com a concentra-ção de riqueza ( pobreza)

• Países pobres podem não convergir para os países ricos: armadilha da pobreza

• Condições iniciais são relevantes

• O capital flui dos países pobres para os países ricos

• Políticas nacionais têm normalmente um grande efeito sobre o crescimento de longo prazo

Figura 1.1: Os principais pontos de divergência entre os dois modelos.

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mento tecnológico têm de afectar recursos económicos a esta actividade. Assim,nesta economia passam a existir dois sectores de actividade:

² A produção de bens e serviços, a qual continua a ser designada em cadaperíodo de tempo por Qt;

² A produção de conhecimento tecnológico, aqui designada por _At: Noteque o ponto por cima de At não é uma gralha, em virtude da produçãode conhecimento tecnológico num dado ano corresponder à variação desteconhecimento entre dois períodos de tempo, t e t ¡ 1.2

Em relação ao modelo anterior temos duas novidades fundamentais. Aprimeira consiste na existência de dois sectores de actividade (Qt e _At), e nãoapenas um como o modelo anterior. A segunda novidade consiste no facto doconhecimento tecnológico ser tratado como um bem ”público”, contrariamenteaos bens materiais ou físicos que são na sua maioria bens ”privados”. Esta segun-da novidade assume uma importância crucial e é aquela que acaba por permitirobter resultados bem diferentes dos modelos anteriores. Vamos começar por ap-resentar uma distinção entre estes dois tipos de bens e iremos também analisara sua importância para a produção de conhecimento tecnológico.

1.2.1 Conhecimento tecnológico e bens públicosOs bens económicos têm características que resultam das suas propriedades nat-urais (físicas e químicas), e outras que resultam do facto de terem uma naturezaeconómica, ou seja por serem objecto de uma actividade de produção e por seremtransaccionados e consumidos. Vamos começar por apresentar as característicasdos bens privados, passando depois para os bens públicos.

Bens privados

Um bem privado apresenta três características fundamentais:

² Rivalidade no consumo do bem

² Exclusividade no consumo do bem

² O bem ”desaparece” uma vez consumido

A rivalidade no consumo está relacionada com as características físicas ounaturais dos bens e resulta do facto de um bem material não poder estar emdois sítios ao mesmo tempo. Por isso, quando alguém consome uma maçã, essamesma maçã não poderá ser consumida por qualquer outro consumidor. Damesma forma, quando um agente compra um carro e o está a conduzir, maisnenhum outro agente poderá possuir e guiar o mesmo carro simultaneamente.Portanto, os bens que têm forma material, física ou tangível, apresentam acaracterística de serem rivais no consumo.

Esta característica dos bens materiais leva a que o sistema de mercado possacriar de forma relativamente fácil um mecanismo para decidir quem consome

2 Iremos discutir este ponto com maior detalhe numa subsecção seguinte.

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os bens, e quem …ca excluído do seu consumo: o mecanismo de preços. Estemecanismo implica que quem pretender consumir o bem tem de licitar e pa-gar um determinado preço por esse mesmo bem. Portanto, a exclusividade noconsumo signi…ca que os consumidores podem ser facilmente excluídos do con-sumo dos bens através do mecanismo de preços, bastando para tal que nãoestejam dispostos a pagar o preço que é solicitado pelo vendedor. Note queesta característica dos bens privados não está directamente relacionada com ascaracterísticas naturais dos bens, mas sim com as suas características sociais eeconómicas, embora estas dependam em grande das primeiras.

Quanto à terceira característica, ela é bastante fácil de explicar. Uma maçã,um bolo, uma caneta, etc., todos deixam de ter forma física após terem sidoconsumidos, ou seja desaparecem, e por esta razão não poderão voltar a sertransaccionados no mercado. Por exemplo, um carro após ter sido integralmenteconsumido como carro, pode ser vendido não como carro, mas como sucataapenas.

Destas três características podemos retirar duas conclusões importantes emtermos económicos. Primeiro, em virtude do mecanismo de preços poder fun-cionar na afectação deste tipo de bens, o sistema de mercado pode ser normal-mente um sistema e…ciente na sua produção, não levando à sub–produção nema sobre–produção dos mesmos no longo prazo, caso o sector onde estes bens sãoproduzidos não seja constituído por estruturas monopolistas ou oligopolistas.Segundo, como o mecanismo de mercado é e…ciente (continuando a assumir aausência de monopólios e oligopólios), o Estado não deverá intervir na produçãodestes bens por razões de e…ciência, embora o possa fazer por razões de equidadee justiça social.3

Em termos de conclusão, devemos realçar as duas questões importantes queresultam da análise económica dos bens privados:

² O mecanismo de preços pode funcionar e pode levar à e…ciência na pro-dução destes bens, caso o sector não seja constituído por estruturas mo-nopolistas ou oligopolistas;

² O Estado não deve intervir por razões de e…ciência económica.

Bens públicos

Contrariamente aos bens privados, os bens públicos apresentam as seguintescaracterísticas fundamentais:

² Não existe rivalidade no consumo do bem

² Não existe exclusividade no consumo do bem

² O bem não ”desaparece” com o seu consumo3 A questão da equidade e justiça social é uma questão que iremos desenvolver em pormenor

num dos próximos capítulos.

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A não existência de rivalidade no consumo está relacionada também com ascaracterísticas físicas ou naturais dos bens e resulta do facto de determinadosbens ou activos, por não terem forma material, poderem estar em vários sítios aomesmo tempo e na posse de diferentes pessoas. Por isso, e ao contrário do queacontecia com o consumo da maçã, neste caso o bem poderá ser consumido porvários consumidores simultaneamente e, portanto, o bem não é rival no consumo.

Um exemplo servirá para clari…car melhor este aspecto. A derivação defunções foi descoberta por Newton e Leibnitz no século XVII, e praticamentetoda a actividade produtiva como nós a conhecemos hoje (carros, computadores,electricidade, televisão, telefones, produtos alimentares, etc.) está inteiramentedependente desse princípio matemático muito simples que é a derivação. Noentanto, o conhecimento sobre derivadas tem a particularidade de que quandoalguém que está na posse desse conhecimento o transacciona não …ca destituídodo mesmo, ou seja, a aquisição do bem por parte de um agente não implicaque o vendedor …que privado desse mesmo bem. É este facto que permite que omesmo bem possa estar simultaneamente na posse de vários agentes económicos,não sendo, portanto, sujeito a rivalidade no consumo.

Quanto à segunda característica — não existência de exclusividade no con-sumo do bem — a mesma resulta directamente da primeira. A não existência derivalidade no consumo de um bem cria à partida uma situação em que existemgrandes di…culdades para que o mecanismo de mercado possa implementar umsistema e…ciente no sentido de excluir os agentes económicos do seu consumo eque não queiram pagar um preço pelo mesmo. Veja–se o exemplo da ”pirataria”de software informático, a qual resulta do facto do conhecimento associado aoreferido software não ser rival no consumo: um agente económico pode usar osmesmos programas informáticos que milhões de outros consumidores tambémusam (e fazer uso do mesmo simultaneamente), sem que o software que aqueleagente utiliza sofra quaisquer limitações técnicas por esse facto.

Mas o mesmo resultado também se aplica a um princípio cientí…co ou tec-nológico, já que uma vez tornados públicos através de jornais, revistas, ou confer-ências, estes princípios podem ser usados por qualquer outro agente económico,para seu próprio benefício, sem que tenham de suportar qualquer custo económi-co suplementar de montante razoável. Portanto, o sistema de preços não consti-tui um mecanismo e…ciente para excluir agentes económicos do consumo destetipo de bens, já que os agentes económicos poderão adquirir e consumir o bemsem terem que licitar um preço pela sua aquisição. Uma vez produzido e divul-gado publicamente, o bem está à disposição de inúmeros agentes económicos,que o poderão utilizar para benefício próprio.

A terceira característica é também extremamente importante: contraria-mente ao que acontece com os bens privados, o bem ”conhecimento” não ”de-saparece” com o seu consumo. Antes pelo contrário, o conhecimento tende areproduzir–se e a levar a um aumento do seu nível perante situações onde esteé exercitado, é consumido e usado na actividade económica. A descoberta denovos princípios cientí…cos e tecnológicos é normalmente obtida usando o con-hecimento acumulado sobre estas áreas, sendo muito raros os casos em que umadescoberta relevante é totalmente independente do nível de conhecimento previ-amente acumulado. Esta característica do conhecimento sobre os vários aspectosda actividade humana (quer resultante da relação do ser humano com a natureza,

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19. CONHECIMENTO TECNOLÓGICO E CRESCIMENTO 11

quer relativo ao próprio processo económico) apresenta uma característica suigeneris em termos económicos: pode tornar o activo conhecimento no principalfactor da sustentabilidade do crescimento económico de longo prazo, conformevamos mostrar de seguida.

Portanto, destas três características podemos retirar duas conclusões im-portantes. Primeiro, em virtude do mecanismo de mercado não funcionar naafectação destes bens, o sistema de mercado não pode ser considerado como umsistema e…ciente na produção de bens públicos (e, em particular, de conheci-mento tecnológico), levando ao sub–investimento e à sub–produção deste tipode bens no longo prazo. Segundo, como o mecanismo de mercado não é e…ciente,o Estado deverá intervir na produção destes bens por razões de e…ciência (noteque também o poderá fazer por razões de equidade e justiça social).

Em termos de síntese, devemos salientar as duas questões fundamentais queresultam da consideração de bens públicos:

² O mecanismo de preços não funciona e leva à ine…ciência na produçãodestes bens;

² O Estado deverá intervir por razões de e…ciência económica, subsidiandoa produção destes bens.

² O Estado poderá criar sistemas de direito de propriedade (patentes, copy-rights, trade marks, etc.) no sentido de limitar o sub investimento em bensintangíveis, por exemplo, em conhecimento tecnológico.

1.2.2 Direitos de propriedade: patentes, copyrights e trademarks

Como vimos acima, as características dos bens públicos levam geralmente aosub–investimento e à sub–produção dos mesmos. Do ponto de vista social, estasituação não é óptima na medida em que a sociedade como um todo poderáalcançar um nível de produção e de consumo mais elevados caso se veri…que aintervenção do Estado através da concessão de subsídios à produção de conheci-mento. No entanto, este tipo de intervenção pode levar ao mau uso dos recursosque o Estado coloca à disposição dos agentes privados para a produção de con-hecimento e, por isso, foi desenvolvida uma forma alternativa de intervenção doEstado neste tipo de actividades: a criação de um sistema legal de protecção dosdireitos de propriedade dos bens de natureza intelectual, o qual engloba patentes,copyrights e trade marks.

Em termos económicos, o que este sistema de direitos de propriedade pre-tende fazer consiste em tornar um bem público temporariamente num bem pri-vado, ou num bem parcialmente privado. Vejamos o exemplo das patentes. Osprincípios legais associados ao registo de patentes estipulam que:

² Os agentes que descobrirem um novo principio tecnológico para produzirum bem ou serviço já existente, ou mesmo se descobrirem novos produtosou serviços, têm a possibilidade de uso exclusivo destas descobertas seregistarem a respectiva patente;

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19. CONHECIMENTO TECNOLÓGICO E CRESCIMENTO 12

² Esta patente implica que os princípios tecnológicos fundamentais das de-scobertas terão de ser tornados públicos, podendo ser usados por outrosagentes para descobrir novos princípios tecnológicos;

² Quem pretender utilizar a aplicação dos princípios desenvolvidos por outrosagentes para seu próprio benefício, só o poderá fazer com o consentimentodos mesmos, o que implica na maioria dos casos o pagamento de direitos(royalties)

² A patente tem uma duração limitada para evitar períodos de monopóliorelativamente ao uso das descobertas tecnológicas muito elevados. Namaioria dos casos o período da patente rondará os 20 anos, ao …m dosquais o princípio tecnológico que era já do domínio público pode ser usadopara benefício próprio por todos os agentes económicos sem que qualquerpagamento de royalties esteja associado a esta utilização.

Ou seja, uma patente coloca o conhecimento de princípios tecnológicos nodomínio público, os quais podem ser de facto usados para se produzir novoconhecimento e, portanto, contribuir assim para o benefício social. No entanto,a patente restringe temporariamente a utilização dos mesmos princípios parabenefício dos agentes que não os desenvolveram no que diz respeito à produçãode bens e serviços por parte destes.

Este duplo aspecto do processo de produção de conhecimento tecnológicoestá representado gra…camente na Figura 1.2. A parte oval da mesma apresentaos ‡uxos no domínio da existência do bem público, ou seja o nível de A é osomatório de todo o conhecimento produzido por cada …rma individualmente(Ai; Aj ; Ap; :::), e tornado público pelo registo e atribuição da respectiva patentea cada empresa, o qual …ca depois à disposição de todas para produção denovo conhecimento. A parte rectangular da …gura representa o lado privadoda produção de conhecimento. Cada empresa em termos individuais possui aspatentes do conhecimento que desenvolveu, e só ela o pode utilizar para produzirbens materiais (Q). Obviamente que o grande benefício para toda a economiaresulta do conjunto de relações que se encontram representadas na parte ovalda …gura, e este tipo de relações só é possível devido à natureza particular doconhecimento tecnológico como um bem público.

1.3 Externalidades e a Acumulação de Conheci-mento

Nesta secção vamos demonstrar que as características relativas à natureza doconhecimento tecnológico acima apresentadas levam à existência de rendimentosconstantes na acumulação de conhecimento e, consequentemente, à existênciade rendimentos constantes na acumulação de capital social. Por capital socialentende–se todo o stock de capital de uma economia, englobando este a somado capital físico (K) e do capital intangível (ou seja, conhecimento tecnológico,A). Vamos agora demonstrar a existência destes rendimentos constantes.

O nível de conhecimento tecnológico A é um stock e, portanto, a produçãode novo conhecimento (ou a difusão de conhecimento já previamente produzido

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19. CONHECIMENTO TECNOLÓGICO E CRESCIMENTO 13

A

Ai Aj Ap ...

Qi Qj Qp ...

Utilização das patentes por cada empresa

Domínio privado do conhecimento tecnológico (sua aplicação)

Domínio público do conhecimento tecnológico (sua produção)

Registo de patentes

Registo de patentes

Figura 1.2: A representação grá…ca da dupla faceta do conhecimento tecnológico.A parte oval re‡ecte o domínio público do conhecimento tecnológico, enquantoque a parte rectangular mostra a aplicação privada do conhecimento na produçãode bens materiais. As linhas a tracejado re‡ectem a utilização do conhecimentopreviamente existente para produzir novo conhecimento.

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19. CONHECIMENTO TECNOLÓGICO E CRESCIMENTO 14

por novos agentes económicos) não será mais do que a variação deste stock entredois períodos de tempo t e t¡1. Ou seja, a produção de novo conhecimento numdeterminado ano será dada, assumindo que o tempo decorre de forma discreta,pela seguinte expressão

¢A ´ At ¡ At¡1

Em tempo contínuo, a expressão acima passa a ser escrita como

dAdt

´ _A

Como o conhecimento passa a ser neste modelo produzido endogenamente,para que uma economia produza novo conhecimento é indispensável que agenteseconómicos individuais afectem recursos a esta actividade. Suponha que umaempresa i pretende desenvolver um novo método de produção ou um novo pro-duto. Para tal esta deverá contratar técnicos quali…cados (por exemplo, engen-heiros, cientistas, informáticos, etc.), os quais iremos designar por Ri, que rece-berão uma determinada remuneração pela sua participação no processo económi-co, e que irão utilizar o stock de conhecimento já existente sobre esta área deactividade (A) para alcançar os novos resultados tecnológicos que a empresa pre-tende obter. Desta forma, podemos representar a seguinte função de produçãode novo conhecimento da empresa i no período t 4

_Ai = aiRiA , a > 0 (1.1)

onde o parâmetro ai representa a produtividade do grupo de investigadores des-ta empresa. Deve–se realçar dois pontos importantes nesta equação. Primeiro,note que a empresa i utiliza (ou pode utilizar) todo o stock de conhecimentodisponível na economia (A) para produzir novo conhecimento ( _Ai), e não ape-nas o conhecimento previamente obtido por si própria (Ai). Isto resulta do factodo conhecimento ser um bem público. Segundo, deve notar também que difer-entes grupos de investigadores utilizando o mesmo stock total de conhecimentopoderão possuir diferentes produtividades, ou seja, ai varia de empresa para em-presa, consoante as quali…cações e o esforço dos investigadores e pessoal técnicode cada empresa individual.

Vamos agora acrescentar mais um pequeno dado à equação (1.1). Comoem qualquer stock, também o stock de conhecimento tecnológico sofre depre-ciação com as transformações na actividade económica no decorrer do tempo.Por exemplo, a descoberta de novos métodos mais e…cientes para produzir cer-tos produtos torna o conhecimento previamente existente sobre estes produtosredundante e totalmente inútil em muitos casos. Nesta situação, podemos dizerque o nível total de conhecimento existente (e útil do ponto de vista económico)em toda a sociedade sofre uma redução. Por outro lado, quando engenheiros,técnicos, ou cientistas que são importantes para as empresas onde trabalham sereformam ou falecem, o nível de stock de conhecimento total existente dentro daempresa e, portanto, em toda a economia, também sofre uma diminuição.

4 No sentido de evitar complicação com a simbologia que vamos utilizar, passamos a omitiro índice t das equações. No entanto, não deve esquecer que estamos a analisar um modelodinâmico e, portanto, todas as variáveis estão representadas em função do tempo, ou seja,todos os anos terão um determinado valor que é ditado pela evolução da economia.

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19. CONHECIMENTO TECNOLÓGICO E CRESCIMENTO 15

Vamos denominar a depreciação por período de tempo do stock total deconhecimento economicamente útil por ±A ¢ A; sendo ±A a taxa de depreciaçãopor período de tempo e obviamente positiva. Assim, podemos reescrever a funçãode produção de novo conhecimento tecnológico incluindo a depreciação do stockde conhecimento como

_Ai = aiRiA ¡ ±A ¢ A , ai; ±A > 0 (1.2)

Resta agora esclarecer como se determina o nível do stock total de conheci-mento em toda a economia (A). Na realidade as empresas têm diferentes dimen-sões, diferentes níveis de produtividade na investigação que conduzem e, conse-quentemente, diferentes níveis de conhecimento produzido. Se considerássemosestas diferenças entre as empresas para determinar o nível agregado do stock deconhecimento teríamos de introduzir a distribuição das empresas na economiaque estamos a apresentar, o que poderia complicar signi…cativamente a nos-sa análise. Por exemplo, se existissem poucas empresas a produzir investigaçãoteríamos de levar em consideração as reacções oligopolistas das empresas na con-dução da sua investigação. Se existissem grandes empresas e pequenas empresas,talvez fosse conveniente considerar que as grandes empresas sub–contratariamas pequenas, devendo estas últimas apresentar uma produtividade mais baixaque as primeiras. Ou talvez mais alta?

Para evitar estes detalhes, os quais poderão ser de importância crucial emanálises mais avançadas mas não são determinantes para o esclarecimento doponto que estamos a analisar neste capítulo (a sustentabilidade do crescimentono longo prazo), vamos assumir que existem N empresas na nossa economia eque são aproximadamente iguais em termos de tamanho e do conhecimento queproduzem. Portanto, o nível de conhecimento acumulado em toda a economiapode ser dado pela expressão

A = N ¢ Ai (1.3)

Substituindo esta equação na (1.2), obtemos a seguinte expressão

_Ai = N (aiRi ¡ ±A)Ai (1.4)

onde se pode facilmente constatar os dois principais aspectos relacionados com aacumulação de conhecimento numa economia: externalidades positivas e rendi-mentos constantes na acumulação de conhecimento. Senão vejamos. A existênciade rendimentos constantes pode ser con…rmada pelo facto de d _Ai=dAi ser con-stante independentemente do nível de Ai; desde que a empresa mantenha umnível constante de investimento em investigação dado por Ri. Isto signi…ca quea contínua acumulação de conhecimento não reduz as possibilidades de obtençãode novo conhecimento, e isto veri…ca–se hoje, daqui a 100, ou daqui a 1000 anos.Obviamente que a produção de novo conhecimento só será positiva ( _Ai > 0)caso aiRi > ±A; hipótese que assumimos sem qualquer risco para a maioria dospaíses desenvolvidos.

Quanto ao efeito–externalidades associado ao conhecimento, este tambémpode ser facilmente identi…cado na equação (1.4). Quanto maior for o númerode empresas que contribuam para o bolo da investigação e da produção de con-hecimento — ou seja quanto maior for N — maior tenderá a ser o nível daprodução de novo conhecimento ( _Ai);em virtude do stock total de conhecimento

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19. CONHECIMENTO TECNOLÓGICO E CRESCIMENTO 16

que cada uma poderá utilizar para produzir novo conhecimento para seu proveitoindividual ser também maior (N ¢ Ai). Esta ideia pode parecer estranha, no en-tanto, tem uma lógica bastante poderosa. Suponha que o conhecimento é umprocesso cumulativo (o que não é difícil de aceitar) e uma pequena ilha ondeapenas existem 2 pessoas. Se uma delas descobrir um método bastante útil parase produzir um determinado objecto, então este novo método só poderá ser pas-sado para o segundo habitante. Mas se em vez da ilha, tiver uma economialargamente povoada, a descoberta poderá ser transmitida a um número muitomaior de habitantes do que no primeiro caso. E como é muito mais fácil en-contrar ideias novas num milhão de pessoas do que em 2 pessoas, o intercâmbioentre elas deverá levar a que as economias onde o número de investigadores se-ja elevado deverão obter mais elevados níveis de conhecimento por empresa ouagente económico do que numa ilha isolada e fracamente povoada.

Para terminar esta secção, dividindo os dois lados da equação (1.4) por Ai,obtemos a taxa de crescimento de Ai

_Ai

Ai= (aiRi ¡ ±A)N

Para que se veri…que uma taxa de crescimento positiva na produção de novoconhecimento é su…ciente que existam empresas ou agentes a afectarem tempo erecursos à investigação (N > 0), ou que a produção de novo conhecimento sejasuperior à depreciação do conhecimento até então existente, ou seja se aiRi >±A: Resta acrescentar que quanto maior for a produtividade dos investigadores(quanto mais elevado for ai), maior tenderá a ser a taxa de crescimento de Ai.

Na Figura 1.3 representa–se gra…camente a taxa de crescimento do nível doconhecimento em termos médios por empresa. O ponto A re‡ecte o patamarmínimo a partir do qual as economias podem obter taxas de crescimento pos-itivas e com elas obter progresso económico. No caso das economias onde asempresas não consigam investir um mínimo em investigação (ou onde a produ-tividade associada à investigação seja muito baixa) tal que o novo conhecimentonão consiga superar a depreciação do mesmo, as suas taxas de crescimento donível do conhecimento tornar–se–ão negativas, e como iremos constatar na secçãoseguinte, estas taxas de crescimento negativas generalizam–se para toda a econo-mia. Isto é, a taxa de crescimento de toda a actividade económica é dada pelonível desta taxa de crescimento do conhecimento tecnológico, e caso esta taxa se-ja negativa, então toda a economia passa a crescer a uma taxa negativa, levandoa uma situação de pobreza generalizada em toda a economia.

Portanto, pode–se de…nir a armadilha da pobreza como o limiar a partir doqual uma economia conseguirá obter crescimento económico positivo e, conse-quentemente, progresso económico e social. Se uma economia não conseguirultrapassar este patamar, estará condenada a uma situação de pobreza que nãoé eliminada ao longo do tempo, podendo mesmo agravar–se no longo prazo. Nonosso caso, a armadilha da pobreza veri…ca–se quando aiRi > ±A.

1.4 O Modelo CompletoNesta secção vamos demonstrar que a economia como um todo obterá uma taxade crescimento igual à taxa de crescimento do conhecimento tecnológico porque

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19. CONHECIMENTO TECNOLÓGICO E CRESCIMENTO 17

A

aNRiLimiar da armadilha da pobreza

NδA

Rimin

gAi

Ri

.gAi > 0

gAi < 0

Figura 1.3: A taxa de crescimento do nível do conhecimento em termos médiospor empresa. O ponto A re‡ecte o patamar mínimo a partir do qual as economiaspodem obter taxas de crescimento positivas e obter sucesso económico.

este sector passa a ser o motor de toda a economia. A existência de rendimentosconstantes na acumulação de conhecimento propaga–se também à acumulaçãode capital físico a partir do momento em que passam a existir interações entre osdois sectores produtivos: bens e serviços (Q) e conhecimento (A). Note que istose mantem válido mesmo que existam rendimentos decrescentes na acumulaçãode capital físico no sector da produção de bens e serviços.

Vamos agora passar a especi…car as funções de comportamento relativas àprodução de bens e serviços (Q), à acumulação de capital físico ( _K), e à re-produção da população total ( _L): Devemos notar que a população total (L) sereparte entre força de trabalho não quali…cada (L) e técnicos quali…cados (R).

1.4.1 Produção de bens físicosSuponha que a empresa i produz bens e serviços (Qi) com a seguinte função deprodução

Qi = K®i (AiLi)1¡® (1.5)

onde Ki representa o stock de capital físico da empresa, Li o volume de mãode obra não quali…cada da empresa, e Ai o número de patentes que a empresapode utilizar para produzir bens e serviços, ou seja o nível de conhecimentotecnológico desenvolvido pela empresa i. Note que, obviamente, a empresa i sópode produzir bens materiais a partir das suas patentes ou trade marks (Ai), maspode desenvolver novas patentes ou trade marks a partir de todo o conhecimentodisponível na economia (A). Os parâmetros ®; 1 ¡ ® são elasticidades relativas

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19. CONHECIMENTO TECNOLÓGICO E CRESCIMENTO 18

à acumulação de capital (respectivamente, físico e intangível ou tecnológico), eobedecem às seguintes restrições

0 < ® < 1

Note que como ambas as elasticidades ® e 1 ¡ ® tem valores compreendidosentre zero e um, ou seja (®; 1 ¡ ®) 2 (0; 1); temos rendimentos decrescentes naacumulação de capital físico e de conhecimento tecnológico quando consideramosapenas o sector de bens e serviços. Nas Figuras 1.4 e 1.5 mostramos os impactossobre o nível de produção de bens físicos (Qi) resultantes da acumulação suces-siva de Ki e de Ai em termos individuais (ou seja, quando um factor varia osrestantes factores produtivos permanecem constantes).

Começamos por analisar a variação de Ki. Como se pode facilmente veri…carFigura 1.4, quando uma empresa tem um determinado número de patentes outrade marks constante (Ai = Ai), e aumentar de forma permanente e sucessivao seu nível do stock de capital físico (Ki), a contribuição marginal deste stockpara o nível de Qi vai diminuindo também sucessiva e gradualmente, tornando–se cada vez mais pequena no longo prazo. Isto resulta do facto de 0 < ® < 1:Assim, fazendo aumentar sucessivamente Ki num mesmo montante, leva a que oaumento do produto total Qi seja cada vez menor, tendendo para zero no longoprazo. Este impacto de Ki sobre Qi, mantendo o resto constante, designa–se porprodutividade marginal do capital físico, e como a mesma diminui ao longo dotempo, dizemos que temos uma produtividade marginal do capital decrescenteno longo prazo.

Podemos também aplicar o mesmo tipo de raciocínio relativamente aos au-mentos no conhecimento tecnológico (vide Figura 1.5). Fazendo aumentar Aisucessivamente, e mantendo os restantes factores constantes, o resultado é semel-hante ao caso anterior, veri…cando–se também uma produtividade marginal de-crescente na acumulação deste conhecimento. Este facto resulta da elasticidadede Qi (produto total) relativamente a Ai ser também inferior à unidade — con-forme vimos acima 0 < (1 ¡ ®) < 1 — o que faz com que a relação entre estasduas variáveis seja dada por uma função côncava.

Vejamos melhor esta diminuição da produtividade marginal do capital e doconhecimento perante a acumulação dos mesmos ao longo do tempo, e vamosilustrar este aspecto com o capital físico. A expressão da produtividade mar-ginal do capital físico (PMGKi) determina–se calculando a derivada parcial daprodução de bens físicos relativamente a Ki, ou seja

PMGKi =@Qi

@Ki= ®K®¡1

i A1¡®i Li

1¡®

= ®µ

Ai

Ki

¶1¡®

Li1¡®

Assuma agora que a empresa i não afecta recursos à investigação e, portanto,Ai permanece constante ou seja Ai = Ai. Para simpli…car, suponha também quea mão de obra da empresa permanece constante (Li = Li). Nestas circunstânciasé fácil perceber que se a empresa continuar a aumentar Ki, então o PMGKi vaidiminuir gradual e progressivamente tendendo para zero no longo prazo. Na

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19. CONHECIMENTO TECNOLÓGICO E CRESCIMENTO 19

Qi

Qi

Q1

Q0

K0 K1 Ki

Q i = f ( Li , Ai , Ki )+ + +

..

Figura 1.4: Os acréscimos obtidos na produção de bens físicos (Qi); resultantesde aumentos sucessivos do nível do factor capital físico (Ki), permanecendo osrestantes factores constantes (Ai = Ai; Li = Li):

Qi

Qi

Q1

Q0

A0 A1 Ai

Q i = f ( Ki , Li , Ai )+ + +

..

Figura 1.5: Os acréscimos obtidos na produção de bens físicos (Qi); resultantesde aumentos sucessivos do nível do factor conhecimento tecnológico (Ai), per-manecendo os restantes factores constantes (Ki = Ki; Li = Li):

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19. CONHECIMENTO TECNOLÓGICO E CRESCIMENTO 20

PMGK

K0 K1 Ki

PMGK (i) = g ( Ai , Li , Ki )+ + −

PMGK(i)

PMGK 1

PMGK 0.

.

Figura 1.6: Caso Ai e Li permaneçam constantes ao longo do tempo, um aumen-to permanente do nível de Ki levará a uma diminuição gradual e permanenteda produtividade marginal deste stock de capital.

Figura 1.6 mostramos esta diminuição da produtividade marginal do capitalfísico. 5

No entanto, esta diminuição gradual do PMGKi deixa de se veri…car quandose introduz no processo de acumulação de capital também o efeito da produçãode capital tecnológico (ou conhecimento tecnológico, o qual é obtido no sectorda investigação). Se Ai aumentar período após período, então a produtividademarginal de Ki permanecerá constante se Ai e Ki crescerem à mesma taxa, oque de facto acontece como vamos mostrar de seguida. Portanto, o crescimentopermanente de Ai ao longo do tempo tem o efeito de fazer parar o decréscimo doPMGKi e com isto manter aceso o incentivo para a continuação do investimentoem bens materiais. Na Figura 1.7 mostramos o efeito do crescimento permanentedo nível do conhecimento tecnológico sobre o processo de acumulação de capitalfísico.

Vamos agora demonstrar que a taxa de crescimento dos dois stocks de capitalsão iguais. Para tal é necessário explicitar as equações de movimento do capitalfísico e da mão de obra não quali…cada.

5 Note que o mesmo tipo de raciocínio poderia ser feito relativamente ao capital humano,ou seja, o conhecimento. Fica como exercício para o leitor demonstrar que o mesmo tipo decomportamento se aplica ao produto marginal de Ai.

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19. CONHECIMENTO TECNOLÓGICO E CRESCIMENTO 21

K0 K1 Ki

PMGK(i)

PMGK 1

PMGK 0.

.

Início do processo de investigação (produção de Ai positiva )

Antes do processo de investigação (produção de Ai

nula)

PMGK(i)

Figura 1.7: A acumulação de conhecimento tecnológico pára o declínio da pro-dutividade marginal do capital físico. A partir do período em que a empresai inicia o processo de produção de novo conhecimento, a produtividade do seucapital físico pode permanecer constante no longo prazo, continuando a existirincentivos para a acumulação de capital físico.

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19. CONHECIMENTO TECNOLÓGICO E CRESCIMENTO 22

1.4.2 Acumulação de capital físicoEsta função segue totalmente os conceitos já anteriormente introduzidos relati-vamente a este tipo de acumulação, por exemplo no modelo de Solow. Assim,o comportamento dinâmico do stock de capital físico da empresa i ao longo dotempo (Ki) depende de duas forças: do investimento bruto e da amortização oudepreciação física do capital. Estas duas forças têm o seguinte impacto sobre ostock de capital:

² o investimento bruto (Ii), no caso de ser positivo faz aumentar o nível deKi, e no caso de ser negativo provoca uma diminuição neste stock;

² a depreciação física do capital, sendo a taxa de depreciação dada pelaconstante ±K cujo intervalo de variação é 0 < ±K < 1; provoca uma reduçãono nível de Ki.

Utilizando esta informação, a variação do capital em termos absolutos emcada ano ou período de tempo ( _Ki) pode ser expressa em termos algébricos pelaseguinte equação:

_Ki = Ii ¡ ±K ¢ Ki ; 0 < ±K < 1 (1.6)

Sabendo que o nível do investimento será determinado como uma partedo rendimento gerado pela empresa, sendo esta proporção dada pela taxa depoupança dos titulares da empresa

Ii = si ¢ Qi ; 0 < si < 1

podemos então reescrever a equação (1.6) da seguinte forma

_Ki = si ¢ Qi ¡ ±K ¢ Ki (1.7)

com as seguintes restrições relativamente aos dois parâmetros que estão aquipresentes: 0 < (si; ±K) < 1:

1.4.3 Reprodução da populaçãoPara simpli…car vamos assumir que a população total existente na economiapermanece constante ao longo do tempo, ou seja a taxa de crescimento da mesmaé nula: n = 0. Portanto, sendo a taxa de crescimento nula, isto signi…ca que onível da população ao longo do tempo será igual ao seu nível inicial L0:

_L = nL ; n = 0 , L = L0 (1.8)

Relativamente à empresa i, faz sentido assumir que o nível da população quea mesma emprega seja também mantido como constante ao longo do tempo.Devemos notar que o emprego total da empresa i; ou seja Li; se reparte entreforça de trabalho não quali…cada que é utilizada na produção de bens físicos (Li);e técnicos quali…cados utilizados no sector da investigação, ou seja na produçãode novo conhecimento (Ri). Portanto, temos

Li = Li + Ri

Li = Li (0) ; constante

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19. CONHECIMENTO TECNOLÓGICO E CRESCIMENTO 23

1.4.4 O equilíbrio de longo prazoA partir deste momento temos já todos os ingredientes para analisar a situaçãoeconómica para a qual esta empresa (bem como toda a economia) converge nolongo prazo.

Suponha que no ponto de partida, a nossa empresa tem os níveis iniciaisde capital físico, mão de obra quali…cada e não quali…cada, e conhecimentotecnológico como dados e positivos

Ki(0) > 0 , Ri(0) > 0 , Li(0) > 0 , Ai(0) > 0

Uma vez conhecidas as condições iniciais das várias variáveis, toda a evoluçãoda actividade da empresa irá ser determinada pelo conjunto de equações que seencontram na Tabela 1, as quais são uma síntese das secções anteriores.

Tabela 1: Síntese das Equações de Comportamento do Modelo

1. Qi = K®i (LiAi)

1¡® , produção da empresa i

2. _Ki = si ¢ Qi ¡ ±K ¢ Ki , variação do capital físico

3. _Ai = N (aiRi ¡ ±A)Ai , variação do conhecimento, N = no empresas investindo em I&D

4. Li = Li + Ri , Li = trabalho não quali…cado, Ri = trabalho quali…cado

5. Li é mantido constante variação de Li é nula (n = 0)

Para se determinar o equilíbrio de longo prazo devemo–nos concentrar nasequações de movimento relativas a Ki e a Ai; ou seja as equações diferenciais(2) e (3) da referida tabela.

Podíamos utilizar a mesma técnica que foi usada no modelo de Solow parareduzir o modelo ao menor número possível de equações de movimento (ouequações diferenciais). No entanto, neste modelo torna–se mais fácil e expe-dito utilizar o método alternativo da análise das taxas de crescimento dos doisstocks de capital. Através deste método, o modelo pode ser reduzido a duasequações de movimento que são facilmente estudadas.

A dinâmica de Ai

A dinâmica de Ai é bastante fácil de analisar. De facto, a mesma já foi analisadaem grande detalhe numa secção anterior. Dividindo os dois lados da equação (3)

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19. CONHECIMENTO TECNOLÓGICO E CRESCIMENTO 24

contida na Tabela 1 por Ai obtemos uma expressão para a taxa de crescimentodo stock de capital físico, a qual é dada por

_Ai

Ai´ gAi = N (aiRi ¡ ±A) (1.9)

O estudo do equilíbrio de longo prazo desta equação é imediato. Do lado dire-ito da equação temos apenas parâmetros (ai; ±A) ou variáveis pré–determinadas(N;Ri); não existindo qualquer variável endógena ao funcionamento económico:Como nem os parâmetros nem as variáveis pré–determinadas sofrem variaçõescom a evolução da economia — já que permanecem como constantes do modeloe da empresa (ou da economia) — então gAi terá de permanecer constante aolongo do tempo. Ou seja, nesta situação

_gAi = 0 é sempre veri…cada

pois não existem variáveis (ou forças económicas) que façam com que a taxa decrescimento gAi possa variar endogenamente no longo prazo. Portanto, a taxade crescimento do conhecimento tecnológico será sempre constante e dada pelaexpressão gAi = N (aRi ¡ ±A) :

Gra…camente o equilíbrio desta variável pode ser também representado noplano

¡gKi

; gAi

¢, conforme Figura 1.8. Qualquer valor da taxa de crescimento do

stock de capital físico é compatível com o equilíbrio de longo prazo para a taxade crescimento do stock de conhecimento tecnológico. Ou dito de outra forma,variações na taxa de crescimento do capital físico não afectam minimamente onível da taxa de crescimento do stock de conhecimento tecnológico.

A dinâmica de Ki

Dividindo os dois lados da equação (2) contida na Tabela 1 por Ki obtemosuma expressão para a taxa de crescimento do stock de capital físico, a qual serádada por

_Ki

Ki´ gKi = si ¢ K®¡1

i (LiAi)1¡® ¡ ±K (1.10)

No sentido de saber se gKitenderá (ou não) para um valor constante no longo

prazo, precisamos de transformar a equação (1.10) em taxas de crescimento.Assim teremos que a taxa de crescimento de gKi

, a qual é de…nida pela expressão_gKi

=gKi, será dada por

_gKi

gKi

= (® ¡ 1) gKi+ (1 ¡ ®)

¡gAi

+ gLi

¢(1.11)

Se a condição _gKi= 0 tiver solução explícita, então esta solução implicará

que gKipermanecerá constante no longo prazo. Portanto, para _gKi

= 0; ouseja igualando a equação (1.11) a zero e resolvendo em ordem a gKi

; teremos oseguinte resultado

gKi=

(® ¡ 1)¡gAi

+ gLi

¢

® ¡ 1

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19. CONHECIMENTO TECNOLÓGICO E CRESCIMENTO 25

gAi

gKi

iAg

)( AiaN δ−R .

0 gKi (0) gKi (1)

Figura 1.8: O equilíbrio de longo prazo da taxa de crescimento do stock deconhecimento tecnológico. Este equilíbrio não depende da taxa de crescimentodo capital físico.

Esta equação pode ser ainda simpli…cada. Devido à hipótese simpli…cadoraapresentada atrás, a taxa de crescimento da população é nula. Então, seguindoa lógica desta hipótese, também a taxa de crescimento da mão de obra nãoquali…cada deverá ser nula, ou seja gLi

= 0. Assim, substituindo gLi= 0 na

expressão anterior, eliminando os termos (® ¡ 1); obteremos a condição queapresenta o valor de equilíbrio de longo prazo para gKi

gKi= gAi

(1.12)

A equação anterior apresenta o valor para onde gKiconvergirá ao longo do

tempo, mesmo partindo de diferentes condições iniciais. Na Figura 1.9 repre-sentamos gra…camente a dinâmica da variável gKi ao longo do tempo no plano(gKi ; gAi).

Como se pode ver facilmente, existem duas situações diferentes quanto àevolução possível desta variável, dependendo dos valores iniciais de gKi

e gAiserem positivos ou negativos. Caso ambos sejam positivos, qualquer que seja ataxa de crescimento do stock de conhecimento que a empresa tenha à partida,a taxa de crescimento do stock de capital físico irá sempre convergir para umasituação de equilíbrio com um valor positivo. Suponha que o valor inicial degAi é positivo e dado por gAi(0), conforme primeiro quadrante. Assim, caso aempresa i comece o processo de acumulação de capital físico com uma elevadataxa de crescimento deste stock, por exemplo conforme ponto B, esta taxa decrescimento irá diminuir até atingir o seu ponto de equilíbrio de longo prazo,dado pelo ponto E. O inverso acontece se a taxa de crescimento inicial de Ki

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19. CONHECIMENTO TECNOLÓGICO E CRESCIMENTO 26

0=•

iKg

.

.

.

.E

B

A

F

D

C.

.

0 >•

iKg

0 <•

iKg

0 <•

iKg

0 >•

iKg

iKg

iAg

*iKg

Equilíbrio estável

Equilíbrio instável

.

.

)0(iAg

)0(iAg

Figura 1.9: O equilíbrio de longo prazo da taxa de crescimento do stock decapital físico.

for muito baixa relativamente ao seu valor de equilíbrio de longo prazo, o quese veri…ca através do processo dinâmico do ponto A para E. Portanto, E é umponto de equilíbrio estável da economia, onde as as variáveis económicas crescemà taxa g?

Ki= g?

Ai= g?. 6

Uma outra situação que convém analisar é aquela em que as duas taxas decrescimento são negativas à partida, ou seja, em termos de condições iniciais. Istopassa–se ao nível do terceiro quadrante na Figura 1.9. Suponha que inicialmentea taxa de crescimento de A é negativa e dada por gAi(0) situada no terceiroquadrante. Neste caso, o movimento dinâmico de Kt é o oposto do que aconteceuno primeiro quadrante, sendo este representado pela direcção das setas a partirdos pontos C e D. Ou seja, se a taxa de crescimento do stock de capital físico forsuperior à taxa de crescimento do conhecimento tecnológico — o que aconteceno ponto D, gKi

> gAi— então gKi

irá aumentar e não diminuir, contrariamenteao que aconteceu no primeiro quadrante. No ponto C passa–se precisamente aocontrário, tornando–se o valor de gKi

cada vez mais negativo à medida que otempo vai decorrendo.

A explicação deste comportamento de gKino terceiro quadrante não parece

à partida muito lógico, no entanto, o mesmo pode ser facilmente explicado se6 O asterisco designa o valor das taxas de crescimento no equilíbrio de longo prazo.

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19. CONHECIMENTO TECNOLÓGICO E CRESCIMENTO 27

utilizarmos a equação dinâmica que nos dá a sua evolução (equação 1.11). Noteque a mesma pode ser reescrita, assumindo que gLi

= 0 conforme temos vindoa fazer, do seguinte modo

_gKi= (® ¡ 1)

¡gKi

¢2 + (1 ¡ ®)gAi¢ gKi

Suponha que ® = 0:4: Se tivermos gAi= 0:03 e gKi

= 0:04; o que acontece a_gKi

? Substituindo estes valores na equação acima, teremos _gKi= ¡0:000 24 < 0.

Ou seja, como _gKié negativo, então gKi

estará a decrescer ao longo do tempo, eisto veri…ca–se conforme o movimento do ponto B para E no primeiro quadrante.Agora, atribua os seguintes valores iniciais (mas negativos) para as duas taxas decrescimento: gAi

= ¡0:03 e gKi= ¡0:02: Note que a relação gKi

> gAitambém

se veri…ca neste exemplo. Calculando novamente o valor de _gKi, obtemos agora

_gKi= 0:000 12 > 0: Ou seja, neste caso temos gKi

> gAi, no entanto como

ambas as taxas têm valores iniciais negativos, gKicrescerá ao longo do tempo

conforme movimento do ponto D para cima, o que contraria os movimentos noprimeiro quadrante quando esta relação se veri…ca entre as taxas.

O equilíbrio do modelo

Para se determinar o equilíbrio de longo prazo da empresa (e, consequentemente,da economia) basta impor a as condições seguintes

_gKi= 0

_gAi= 0

Usando as equações (1.12) e (1.9), o equilíbrio de longo prazo para a economiaé dado pelo seguinte resultado

gKi = gAi = N (aRi ¡ ±A)

sendo estas taxas positivas desde que a armadilha da pobreza não se veri…quenesta empresa e economia, ou seja, desde que aRi > ±A: 7

Gra…camente este equilíbrio pode ser obtido através da sobreposição das duasúltimas …guras. Restringindo a análise apenas ao quadrante onde ambas as taxassão positivas (porque se está a excluir a armadilha da pobreza), o resultado é fácilde visualisar e, por essa razão, não comentamos em detalhe esta representaçãográ…ca. No longo prazo, a taxa de crescimento do capital físico converge parao valor da taxa de crescimento do conhecimento tecnológico, sendo esta últimao verdadeiro motor do progresso económico e do bem estar social. Em formade conclusão, podemos dizer que o equilíbrio de longo prazo existe, é único, e éestável para a empresa (bem como para a economia como um todo) que temosvindo a analisar neste capítulo.

1.4.5 Taxas de crescimento no equilíbrio de longo prazoComo vimos na secção anterior, no equilíbrio de longo prazo teremos

gKi= gAi

= N (aRi ¡ ±A)7 Vide secção anterior onde esta condição foi discutida em grande detalhe.

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19. CONHECIMENTO TECNOLÓGICO E CRESCIMENTO 28

gAi

gKi

.E

0 =•

iKg

iAg

)( AiaN δ−R

ii AK gg =

.

.0

Figura 1.10: A representação gr á…ca do equilíbrio de longo prazo da empresai (o qual é também o equilíbrio da economia como um todo). No longo prazo,a taxa de crescimento do stock de capital físico converge para o valor da taxade crescimento do conhecimento tecnológico. No longo prazo ambas estas taxassão iguais no ponto E.

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19. CONHECIMENTO TECNOLÓGICO E CRESCIMENTO 29

Mas qual será a taxa de crescimento da produção de bens físicos produzidospela empresa i? E relativamente à economia como um todo, quais serão as taxasde crescimento que a mesma obterá no referido equilíbrio? As respostas a estasquestões são bastante fáceis.

Primeiro, utilizando a função de produção de bens físicos da empresa i —dada por Qi = K®

i (LiAi)1¡® ; vide equação 1 da Tabela 1 — e transformando

a mesma em taxas de crescimento, obtemos o seguinte resultado

gQi= ® ¢ gKi

+ (1 ¡ ®)¡gAi

+ gLi

¢

Como das nossas hipóteses simpli…cadoras sabemos que gLi= 0; e como do

resultado fundamental do equilíbrio de longo prazo da empresa obtivemos quegKi = gAi ; então a substituição destes dados na equação acima leva ao seguinteresultado para as taxas de crescimento da empresa i 8

gQi= gKi

= gAi

= N (aRi ¡ ±A)

Quanto à economia como um todo, esta obtém taxas de crescimento iguaisàs da empresa i, caso o número de empresas existentes na economia permaneçaconstante. Sabendo que da nossa hipótese de simetria no tamanho das empresastemos

A = N ¢ Ai

então, em termos de taxas de crescimento podemos obter

gA = gN + gAi

Se assumirmos que gN = 0; temos o resultado que referimos

gA = gAi

gK = gKi

gQ = gQi

Ou seja, no equilíbrio de longo prazo, tanto as empresas em termos individ-uais, como a economia como um todo, obterão taxas de crescimento que sãototalmente dependentes dos recursos afectos pelas empresas à produção de no-vo conhecimento. Esta será a conclusão mais relevante que podemos retirar domodelo onde o conhecimento tecnológico é produzido endogenamente, e onde severi…ca a existência de externalidades positivas na acumulação de conhecimen-to. Este tipo de activo é um bem com a natureza de um bem público, tornadoparcialmente e temporariamente privado através da atribuição de direitos depropriedade (patentes, copy rights, e trade marks) às empresas ou agentes queinvistam recursos na sua obtenção.

8 Deve recordar também que gAi= N (aRi ¡ ±A).

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19. CONHECIMENTO TECNOLÓGICO E CRESCIMENTO 30

1.5 Um Exemplo NuméricoVamos agora proceder a uma simulação numérica no sentido de exempli…car osvários aspectos que analisámos ao longo deste capítulo. No sentido de permi-tir comparações com os modelos anteriores vamos utilizar os mesmos valorespara os parâmetros que sejam comuns aos vários modelos. Obviamente queos parâmetros e variáveis pré–determinadas que sejam especí…cos deste modeloreceberão valores de forma a fornecerem resultados de acordo com a realidadecontemporânea relativamente às variáveis económicas fundamentais, como sejama taxa de crescimento do PIB per capita, do consumo per capita, etc.

Vamos fazer as simulações relativamente a dois tipos de cenários: (i) círcu-lo virtuoso, onde a economia cresce a uma taxa positiva permanentemente nolongo prazo, devido às interacções positivas entre I&D e acumulação de capitalfísico; e (ii) armadilha da pobreza, onde a economia não consegue afectar ummontante mínimo de recursos a I&D de forma a obter uma taxa de crescimentopositiva para o conhecimento tecnológico, situação que acaba também por pro-duzir efeitos negativos na acumulação de capital físico, levando à regressão daeconomia em termos gerais.

1.5.1 Círculo virtuosoParâmetros. Vamos assumir os seguintes valores para parâmetros e variáveispré–determinadas:

® = 0:4 , Ri = 5 , N = 20

ai = 0:0163 , ±A = 0:08 ,

Equações dinâmicas. As duas equações que re‡ectem o comportamentodinâmico do modelo discutido ao longo das secções anteriores são as expressões(1.11) e (1.9). Relativamente à primeira, vamos assumir que gLi

= 0, conformefoi feito nas secções anteriores. Assim a equação que nos dá o movimento dinâmi-co de Ki pode ser expressa (após ter passado gKi

para o lado direito da equação)por

_gKi= (® ¡ 1)

¡gKi

¢2 + gAi(1 ¡ ®)gKi

(1.13)

enquanto que o comportamento dinâmico de At virá dado por

_Ai

Ai= gAi = N (aRi ¡ ±A) (1.14)

Condições iniciais. As condições iniciais são não–triviais (ou seja, os val-ores iniciais são todos positivos), porque não faz sentido uma economia ter zerotrabalhadores, ou um nível de conhecimento igual a zero, ou um nível do stockde capital nulo. Ou seja,

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19. CONHECIMENTO TECNOLÓGICO E CRESCIMENTO 31

Ki(0) > 0 , Ri(0) > 0 , Li(0) > 0 , Ai(0) > 0

No entanto, em virtude da simulação ser feita utilizando equações diferenciaisexpressas em termos de taxas de crescimento (e não em termos de valores abso-lutos das variáveis do modelo), é estritamente necessário que os valores iniciaispara estas taxas tenham de ser apresentados. Assim, os valores iniciais para asduas taxas de crescimento que mostram a evolução dinâmica da economia aolongo do tempo são os seguintes

gAi(0) > 0 , gKi

(0) > 0

Note que o valor inicial de gAi pode ser ainda mais preciso. Substituindo osvalores dos parâmetros acima apresentados na equação (1.14) obteremos imedi-atamente o valor que a taxa de crescimento do conhecimento tecnológico terápermanentemente ao longo do tempo. Neste caso o valor inicial permaneceráinalterado com o decorrer do tempo e teremos

gAi(0) = 20 (0:0001 £ 40 ¡ 0:096)

= 0:03

Equilíbrio de longo prazo de toda a economia. O equilíbrio de longoprazo de toda a economia depende de ambas as taxas de crescimento gKi e gAi :O comportamento da taxa de crescimento do conhecimento tecnológico ao longodo tempo é conhecido, já que o seu valor foi acima calculado: gAi = 0:03. Noentanto, como podemos facilmente veri…car na equação (1.13), o comportamentodinâmico de gKi depende de gAi . Portanto, substituindo gAi = 0:03 na equação(1.13) teremos o comportamento dinâmico do crescimento de Ki já incluindo ain‡uência do crescimento de Ai. Substituindo também nesta equação o valor de® = 0:4; a expressão virá

_gKi= (¡0:6)

¡gKi

¢2 + (0:03 £ 0:6) gKi

Note que conhecemos o valor para onde gKi convergirá no longo prazo, emvirtude de já termos obtido numa secção anterior o resultado: gKi = gAi : Recor-remos agora ao computador para proceder à respectiva simulação e con…rmareste resultado, usando vários valores iniciais para gKi , todos positivos para sim-pli…car a análise grá…ca.9 Na Figura 1.11 representamos a evolução dinâmicade gKi , a qual permite re‡ectir também a evolução de Ki: Como se pode ver na…gura, qualquer que seja a taxa de crescimento inicial do capital físico (e sendopositiva), a mesma converge gradualmente para o seu equilíbrio de longo prazo,o qual é dado pelo valor de 3%. Portanto, no cenário que estamos aqui a simular,este equilíbrio é único e é estável.

Caso o valor inicial para a taxa de crescimento de Ki seja superior ao seunível de equilíbrio de longo prazo, então a mesma irá diminuir gradualmente atéalcançar aquele nível. Caso o valor inicial seja inferior, o mesmo irá aumentando

9 Num exercício pede–se para analisar o equilíbrio de longo prazo deste modelo se a taxa decrescimento do capital físico inicial for negativa, por exemplo ¡3%:

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19. CONHECIMENTO TECNOLÓGICO E CRESCIMENTO 32

0 50 100 150 200 250 300 350 400

0.01

0.02

0.03

0.04

0.05

0.06

0.07

tempo

Tax

a de

cre

scim

ento

Figura 1.11: A evolução dinâmica da taxa de crescimento do capital físico (gKi)no cenário do círculo virtuoso. Todas as economias convergem para uma taxade crescimento económico dada pela taxa de crescimento do conhecimento tec-nológico (gAi), quer as suas taxas gKi iniciais sejam mais elevadas ou mais baixasdo que aquela.

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19. CONHECIMENTO TECNOLÓGICO E CRESCIMENTO 33

0 0.005 0.01 0.015 0.02 0.025 0.03 0.035 0.04 0.045 0.05-2

-1.5

-1

-0.5

0

0.5

1

1.5

2x 10

-4V

aria

ção

da ta

xa d

e cr

esci

men

to

Taxa de crescimento

Linha de Fase

Instável Estável

Figura 1.12: A linha de fases relativa à simulação do círculo virtuoso.

até atingir o valor de equilíbrio de 3%. Conforme esta simulação mostra, noequilíbrio de longo prazo ambas as taxas de crescimento da economia serãoiguais, independentemente do valor inicial da taxa gKi ser inferior ou superiorao valor que gAi assume neste exemplo numérico e que é de 3%.

Uma outra …gura que pode também exempli…car o tipo de comportamentodinâmico desta economia, mas fazendo–o de uma forma alternativa, é a linhade fases, a qual está representada na Figura 1.12. A taxa de variação da taxade crescimento gKi só será nula e estável quando a mesma tiver alcançado oequilíbrio de longo prazo que é estável, dado por uma estrela na referida …gura.Quando o valor inicial da referida taxa de crescimento é inferior ao valor quecorresponde ao equilíbrio de longo prazo, a mesma irá aumentando ao longo dotempo até atingir este valor, e quando isto acontecer a sua variação passará aser nula. Obviamente que quando o nível inicial da taxa de crescimento gKi forsuperior ao nível do equilíbrio de longo prazo, veri…car–se–á o oposto: esta taxairá diminuir até alcançar o equilíbrio de longo prazo.

1.5.2 Armadilha da pobrezaSuponha agora uma economia que apresenta uma taxa de crescimento nega-tiva relativamente à produção de conhecimento tecnológico, ou seja gAi < 0.Contrariamente ao que se possa pensar à primeira vista, esta hipótese pode

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19. CONHECIMENTO TECNOLÓGICO E CRESCIMENTO 34

ser facilmente encontrada em muitos países contemporâneos. Veja o que temacontecido, por exemplo, nos países da Europa de Leste. Estes países não têmapresentado capacidade para afectar recursos à produção de conhecimento tec-nológico ao longo das últimas décadas, e para além disso o conhecimento jáexistente apresenta uma elevada taxa de depreciação devido à fuga generalizadade cientistas e engenheiros para o exterior (Europa Ocidental, EUA, Canadá eAustrália, entre outros).

Vamos agora proceder à simulação desta situação. Supondo que a taxa anualde crescimento do conhecimento tecnológico é de gAi = ¡3%, a dinâmica daeconomia passa a ser descrita pelas seguintes equações

gAi = ¡0:03

²gKi= (¡0:6)

¡gKi

¢2 + gAi|{z}¡0:03

£ 0:6 £ gKi

Na Figura 1.13 representamos gra…camente a evolução dinâmica de gKi den-tro deste cenário. Como se pode ver, existem três comportamentos possíveispara gKi ; os quais podem ser ilustrados pelas trajectórias 1 a 3. No caso datrajectória 1, gKi vai diminuindo e converge para zero ao longo do tempo.Portanto, neste processo dinâmico, o stock de capital continuará a crescer, noentanto crescerá sucessivamente a taxas cada vez menores até que o seu nívelpassa a ser constante quando gKi = 0. Quando isto se veri…car, a economia teráo capital físico a crescer a uma taxa nula e o conhecimento tecnológico a crescera ¡3% ao ano (ou seja, gKi = 0 e gAi = ¡0:03). Nesta situação, a economiacrescerá todos os anos a uma taxa negativa determinada fundamentalmente pelovalor de gAi .10 Ou seja, temos aqui um primeiro exemplo de como uma econo-mia poderá regredir ao longo do tempo em termos económicos e em termos decondições médias de vida da população.

No caso da trajectória 2, para além da economia continuar a ter gAi = ¡0:03,a mesma começa com um valor negativo também para gKi : No entanto, esteúltimo valor é superior ao de gAi . Nesta situação o valor de gKi convergirá parazero, e quando isto tiver acontecido a economia obterá uma taxa de crescimentoda produção igual à da trajectória 1. No entanto, entre o ponto de partidae enquanto o equilíbrio de longo prazo não tiver sido alcançado, a economiairá regredindo ao longo do tempo a uma velocidade superior à da trajectóriaanterior, em virtude de ambas as taxas serem negativas durante um grandeperíodo de tempo. Assim, a degradação contínua das condições médias de vidadas populações é alcançada muito mais rapidamente do que no caso da trajectória1.

Quanto à trajectória 3, as condições médias de vida também se degradarãoao longo do tempo. Contudo, agora a velocidade a que este processo ocorreserá muito mais elevada do que nos dois processos anteriores por duas razões.

10 Se utilizarmos a expressão da função de produção de bens físicos, e a expressarmos emtermos de taxas de crescimento teremos: gQi

= ® ¢ gKi+(1¡®)

³gAi

+ gLi

´: Como uma das

nossas hipóteses é que gLi= 0, como obtivemos o resultado gKi

= 0, e como estamos a assumirque gAi

= ¡0:03; então com ® = 0:4 teremos o seguinte valor para a taxa de crescimento daprodução física: gQi

= (1¡ 0:4)(¡0:03) = ¡0:018 .

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19. CONHECIMENTO TECNOLÓGICO E CRESCIMENTO 35

0 50 100 150 200 250 300 350 400-0.05

-0.04

-0.03

-0.02

-0.01

0

0.01

0.02

0.03

tempo

Tax

a de

cre

scim

ento

Equilíbrio estável

Equilíbrio instável

trajectória 2

trajectória 1

trajectória 3

Figura 1.13: Três casos para explicar a existência da armadilha da pobreza. Aeconomia tem uma taxa de crescimento do conhecimento tecnológico negativa(gAi = ¡3% ao ano) e apresenta três alternativas para gKi : (1) gKi > 0; (2)¡3% < gKi < 0%; e (3) gKi < ¡3%: Em todos estes casos as condições médiasde vida vão–se degradando ao longo do tempo.

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19. CONHECIMENTO TECNOLÓGICO E CRESCIMENTO 36

-0.04 -0.035 -0.03 -0.025 -0.02 -0.015 -0.01 -0.005 0 0.005 0.01-1

-0.5

0

0.5

1

1.5x 10

-4V

aria

ção

na ta

xa d

e cr

esci

men

to

Taxa de crescimento

Linha de fase

Instável Estável

Figura 1.14: Linha de fases para o exemplo da armadilha da pobreza.

Primeiro, porque ambas as taxas de crescimento (gAi ; gKi) são negativas nestatrajectória, e segundo porque a taxa gKi vai–se tornando cada vez mais negativaà medida que o tempo decorre.

Na Figura 1.14 apresentamos a linha de fase para a taxa de crescimento docapital físico neste exemplo da armadilha da pobreza. Como se pode facilmenteconstatar, as três trajectórias acima descritas podem ser vistas nesta …gura sobuma outra perspectiva, a qual pretende dar resposta à questão dos equilíbriosserem estáveis ou instáveis. Como se pode comprovar na Figura 1.14, este modeloapresenta dois equilíbrios de longo prazo. O primeiro é instável e é dado pelovalor de gKi = ¡3%: Qualquer valor inicial para a taxa gKi ligeiramente superiora ¡3%; leva esta taxa para zero, e para qualquer valor inicial ligeiramente inferiora ¡3%, a mesma tenderá ao longo do tempo para ¡1: No caso do equilíbrioestável, o qual é dado pelo valor gKi = 3%; qualquer valor inicial para esta taxano intervalo ] ¡ 0:03;+1[ leva a que a mesma tenda ao longo do tempo para oseu equilíbrio de longo prazo de 3% ao ano.

Um dos aspectos mais interessantes do modelo que temos vindo a analisarao longo deste capítulo consiste no facto do mesmo permitir a existência deequilíbrios múltiplos de longo prazo, uns estáveis, outros instáveis, e que podemser aplicados para representações teóricas de aspectos da realidade económicacontemporânea em muitos países do mundo em que vivemos. Por exemplo, nãoé possível analisar o crescimento económico de países que tenham níveis iniciais

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19. CONHECIMENTO TECNOLÓGICO E CRESCIMENTO 37

negativos de população, de capital físico e humano, de conhecimento tecnológi-co, porque não existem valores negativos para estas variáveis na realidade emque vivemos. Mas é possível analisar o crescimento económico com modelosonde as condições iniciais possam consagrar a hipótese de taxas de crescimen-to iniciais positivas ou negativas como …zemos nesta secção. Esta possibilidadepermite mostrar de uma forma rigorosa a dinâmica associada a situações ondevigoram círculos virtuosos do crescimento, ou situações onde impera a armadilhada pobreza, onde os países …cam prisioneiros de processos económicos que nãoeliminam nem reduzem a pobreza ao longo do tempo.

1.6 Sumário² O conhecimento tecnológico (A) é produzido endogenamente e apresenta

as características de um bem público com externalidades positivas.

² Este bem pode ser tornado parcialmente privado durante um período detempo limitado (por exemplo, 20 anos) através da atribuição de direitos depropriedade (patentes, copy rights e trade marks) aos seus inventores. Sãoestes direitos de propriedade que permitem que agentes privados invistamem actividades de I&D.

² A taxa de crescimento do PIB per capita é uma função positiva dos recursosinvestidos em I&D, e é dada por gQ=L = gA = aNRi ¡ N±A:

² Esta taxa é positivamente afectada por:

– Número de empresas que façam investigação cientí…ca e tecnológi-ca (N); devido à existência de externalidades positivas associadas àprodução de conhecimento tecnológico;

– Recursos afectos à investigação cientí…ca e tecnológica (Ri):

² As economias mais pobres só convergirão para o nível de rendimento daseconomias mais ricas se investirem na produção de conhecimento cientí…coe tecnológico.

² Existe um nível mínimo de recursos afectos à investigação cientí…ca e tec-nológica que permite evitar a armadilha da pobreza.

² As economias mais pobres necessitam de apoio internacional para con-seguirem evitar a armadilha da pobreza. Apoios internacionais canalizadospara a educação e produção de conhecimento tecnológico são a forma maisfácil de ajudar estas economias a saírem dos níveis de pobreza em que seencontram.

² Políticas económicas nacionais, no sentido de favorecer a canalização derecursos económicos para a educação e a produção de conhecimento cien-tí…co e tecnológico, favorecem o crescimento económico. Isto é válido paraos países ricos, mas também o é para os países pobres.