mendes e lucena educ mat e cult amazonica cap 2

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SABE RE S/FAZERES TRADI CIONAIS DA CULTU RA AMAZÔNI CAE A APRENDIZAGEM MATEMÁTICA ESCOÏÁR

Márci a Aparecida pueíroq 6EDUC -PA)6Isabel Cristina Rodrìgau de l-acenaT

INTRODUçÃO

No presente, torÍrâ-se importante compreender os sabetes/fazerestradicionais que orientam as prátìcas socioculturais e de manejo dascomunidades locais, bem como as possíveis mudanças ocorridas em suâsrealidades ao longo do tempo. Isto Porque precisamos identificar nesses

sabercsf fazeres potencialidades matemátic s para que possamos estabelecerrelações com a matemâíca escolar propiciando entendimento do que, nesteestudo, chamamos de saberet tradicìonais, quer dizss, saberes de popukçõu tradicionaisda Cultura Ama{ntca. Nesses termos, saber traücìonal é uma categoria que estáincoqporada no que se refere às atividades no modo de produção e no modo devida das populações tradicionais. Vale dizer, ainda, que o uso desta exptessãosaberes tradicionais não está, pois, relacionado à idéia de saberes altrapassados, saberesrudirzeúares, lmas a saberes de grupos sociais que üspõem de expetíênciase uiuências pn5prias.

Neste artigo, tratamos de algumas das reflexões de Queiroz (2009)8,atinentes

^e reconhecimento de outÍas formas de expressão do saber

construído historicamente por grupos locais, acrescido do enfoque de(re)ligação ou complementaridade de perspectivas que, possivelmente, implicará

em uma redefinição dos laços sociais, no retorÍìo do sujeito, na valorização daética e no redimensionamento do imaginário.

Sabemos que o âcesso às novas tecnologias tem se tornado, muitas vezes,obsúculo para as populações madicionais, por getar novos conflitos. De umlaáo, hâ os grandes agentes econômicos interessados Íìos ÍecuÍsos naturais eterritoriais; e, de outro, os povos ttadicionais que têm üreitos sobre seusrecuÍsÕs narurais e que Írecessitam ser incluídos nos avanços da ciência que

6 Professora da Rede Púbüca Estadual do Pará (SEDUC), Mestte em Bducação em Ciências eMatemáticas pela Univenidade Federal doPatâ. E-mail: metciaquetoz@yúoo.com.br7 Professora do Prograrna de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemáticas doInstituto de Educação Matemática e Cíentífica da Univetsidade Fedetal doPel:â, cootdenadora doGrupo de Estudos e Pesquisas em Educação Matemâaca e Culn:ra Amazônica (GEMAZ).E -maí-l: ilucena @aípa.t:t8 Reflexões coristantes da dissertação de mestrado de Queiroz (2009).

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,il) l',lat,4tttt h/lilmnilìrit r ( ,lnLunt r1ntayônìca

i l t inlìclÌì () câlÌl l)(). l l ír, ptl is, c()ní:follt() cntfe o saber científìCO dO podef

Irt.gcrrrônit:o c () s^l)cìr tratliciorritl. t'i ir"rstamente o saber tradicional qÌ]e a

societlarlc o\\trtriz;l(l'à tcm lutado pafa c()nservaÍ e ga:rantit Seus diÍeitos sobre

tt 'rrití lr ios amcaçaclos.A ca<la nova forma cle poder que se estabelece na sociedade, a educaçáo é

srrlrrnctida â novâs atribuições de valores, tânto em rrJ;ação aos métodos de

crrsino, quanto em relação às políticas educacionais. A Educação Matemática

trrrrrlrónr faz parte dessa história.'fodavia, quando exist€ um grupo de pessoas teunidas pafa se soiral6z^r,

utÌìâ ()rclem social é desenvolvida Pâfa aquele Sfupo pafticular de indivíduos,

inrlcpendente da cultura, da raça, da reügião. Isto acontece nas escolas' nas

fiillricas, nos hospitais, nos escfitófios, Íras comuÍridades onde quer que âs

l)cssoas se encontfem reguiaÍmente pafi- sociâlizarem-se de alguma forma.

l,lxiste uma ética de orgarização e um sentido que é peculiâf a este grupo

cspecificamente. Na comunidade ribeirinha da Ilha Grande Belém onde

rcüzamos estâ pesqúsa não é diferente. Sem dúvida, foi necessário estudarmos

â culturâ desse grupo observando o contexto que o envolve.

Quando se tfatâ das matemátÍcas, tida como um fenômeno intemacional

c cultufâl, âcfeditamos que não existe nenhuma t^zã.o pela quai â educâção

lnatemática deva ser igual em todas aS sociedades, mesmo sabendo que, em

nível sociocultural as matemáticas são mediatizadâs por diversas instituições da

s()ciedade e que, pof sua vez, estas estão submetidas a forças políticas e

i<fcolcigicas de cada sociedade. Porém, reconhecef que a Educação é

cìssencialmente um pÍocesso social e que, em conseqüência, a F;dacaçáo

Matemática também deve contemplar em seu núcleo essa suposição, significa(:ompfeendef que a Educação MatemâAca poÍ tef uma Íìatufezâ social, humana

c interpessoal, ignora a pressâ em adquitir técnicas matemáticas Para efltão

c( )nseg;iÍ uma Educaç ãr:' Matemâttca "efi ciente" (BISHOP, 1999, p. 31)'

Os estudos interculturais nos mostram, ainda, que o erisino e a

^Í)rendiz^gem das matemáticas em uma sociedade predominantemerÌte agricola,

1rìr. exemplo, pode sef Írotavelmente diferente dos de uma sociedade

iccnológica. Podemos üze! também, Que, em nívei social, sociedades

<ìiferentàs podem empenhar-se parâ que suas instituições educativas formais e

infìrrmais cÌirecionem suas abordagens de ensino e aptenlizagem das

rnatemáticas em função de suas aspirações e de suas metâs sociais.

Diante desse discufso, faz-Se necessáfio comPfeendef o coÍÌtexto da

investigação para podermos sitLtaf discussões e feflexões subsequentes.

Edacação Matemática e Cultara Amaqônica

ABORDAGEM INVESTIGAÏTVA DA PESQUISA

A compreensão das formas pelas quais as comunidades tradicionaisestrutuÍam suas práticas sociais estabelecem relãções com os recuÍsos dafloresta e se organtzan socialmente, toÍna-se importante, pzía umaaproxìmaçã.o üilógica, como dissemos, entre as potencialidades matemáticasdesses saberes tradicionais da Cultus Amazõnca e os saberes ditos escolates.Temos como pressuposto que o saber tradicional desses sujeitos, além deorientar as suas práticas sociais, permite resolver problemas práticos eimediatos, tais como maneiar os recursos da floresta, de forma sustenúvel ounão, assegurando, de marrdÍz- sistemática, sua reprodução social, cultural e deseu grupo familiar.

Nesse olhar sutge a necessidade de questioÍÌar, por exemplo, como essessaberes da tradição dos alunos de uma dada comunidade amazõnica, podemcorìtribúr p^ra a aprendizagem da matemática escolar e os sâberes escolâÍes,por sua vez, podem contdbuir p^n aúda desses alunos?

Essa foi à problemática que nos direcioriou a destacaÍ, neste esrudo,dentre os diversos atores sociais que fazem parte da Cultura Amazõntca, 1"1alunos ribeirinhos de uma f.atxa etâria entre 10 e 14 anos, vhculados à de 5"série do ensino fundamental. Estudantes de uma escola oública da zona urbanade Belém do Pará e residentes na nha Grande Belém, nas proximidades dacapital, estes estudântes fazem a travessia do rio Guamâ todos os dias patacondnuar os estudos apafrt da 5'série (atual 6" ano).

Para desenvolver e rcfletfu sobre esta problemáticâ estâbelecemos comoobjetivo getal desta investigação o seguinte - Cornpreender a relaçãorecíproca entre saberes tradicionais da cultura dos alunos dbeirinhos esabetes matemáticos escolares na construção de saberes outÍos,relevantes à vida do aluno ÍÌo seu cotidiano, incluindo o escolar.Definindo este iÍÌtuito, sentimos necessidade de desdobrar tal objetivo geral emdois objetivos específi.cos, quais sejamr a) Identificar que saberes maremáticopodem seÍ encontrado nas práticas ttadicionais dos alunos ribeirinhos da IlhaGrande Belém e que não são levados em conta no trâtamenta da matemâacaescolar, e b) Refletir sobre as possibilidades de (re)ügação desses saberes emsala de aula ou fora dela.

A pesquisa de campo foí rcaüzada em duas etapas, em cenáriossobremaneira diferenciados. De um lado, a Escola Estadual de EnsinoFundamental em Regime de Convênio "Monsenhor Azevedo", situada na zonpenÍénca de Belém. De outro lado, a comunidade ribeirinha da Ilha GrandeBelém situada a 1"2 km ao Sul desta capital, cuias condições de vida e detrabalho centrâm-se no extrativismo e no cultivo do açaí, bem como, em menor

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32 I idnaçiitt Malntálu e (,lnltsra Ána76nìca

lrloporçlìo, no cxtrativismo tlo ca(:au c do cupuaçu. Isto quet rlirzsl qus gss2

r:otrrtrrri<l,,rrlc tcnì c()nl() cerne (le sua subsistênita a extração dos produtos

1rr<xluzidos pela floresta. Por isso mesmo a sua relação com o rio torna-serrrrrito importatrte.

(,< rrno procedimentos metodológicos foram reaJszadas observações na salatlc: atrla, as quais foram registradas em diário de câmpo pelo período de um mêslctivo. Nesse período, foi feito um diagnóstico sócio cultural dos alunos datrrrnra selecionada de 33 alunos por meio de um questionário com perguÍrtaslrbcrtas e fechadas, sendo observado, também, o conhecimento matemático

lrrrrpedêuticc'r à série em curso. Aeapa subseqüente dareahzaçáo deste estudocnvolveu o ambiente cotidiano dos alunos. Entreüsta semi-estruturada e(ì()rìvers?ìs informais fotam registradas no diario de campo, âssim como fotamtcit<rs registros fotográficos que serviram de meios para coletar e analisarinÍìrrmações. Como havia alunos que residiam em vários locais que implicavamrrnra 'diversiclade de cotidianos', em várias ilhas e também em vários bairros datl>na penfêúca da cidade, ümos necessidade de fazer uma seleção. Em funçãorlcssa seleção, a investigação foi rcalizada no ambiente cotidiano de um gruporlc l L alunos, moÍadores da llha Grande Belém.

As constantes visitas à Ilha possibiütâram-rìos defrontar com a tealidadesocioambiental e cultuml da comunidade, bem como a tef acesso aosstúteresffrzeres produzidos por esse grupo de alunos ribeirinhos e de suacomunidade no cotidiano sócio cultural. Isso disse respeito às práticasrcligiosas, culturais e econômicas, marcantes na vida social da comunidade, asquais puderam ser observadas em festas juninas e de farrúlias, em reuniões de

interesse comunitário, ern atividades produtivas, bem como nas ttadições orais.Para estudo, investigamos as potencialidades mâtemáticas eúdenciadas

rr<rs saberes/fazercs desses dbeirinhos, nas quais identificamos especialmente aÍasae, úma unidade de medida usada para quantificar peso e volume dos

1'rrodutos gu€, além de diferir das unidades de medida conhecidas ert:conhecidas pela escola, são usadas nessa comunidade como principalirrstrumento na orgatização do processo da extração e até de cometcialtzação<kt açai e de outros produtos. Outra forma de medida diferenciada que at:omunidade ainda :ut:üza é o palmo, como a medida de comprimeÍrto, quer<lizcr, são usados 05 pahnos para contabiÏzantn netro. Comprovam, erÌtretanto,

') [ Ítn ripo de cesto confeccionado de talas dt gaatzmã (um tipo de cipó) e jacìtara (outto tipo de

t ipti) utilizado como unidade de medida de quantidade equiva.lente a duas latas de 18 litros/ou

t rLl.racicla<le de \im pafleim (outro tipo de cesto).

Edxcação Matenrítica e Cl ltura Amazôtica

esta medida contando quantos palmos tem do untbìgo para baìxo de um honen qae,segundo os moradores, sempre dará ctncrs palmos; se o homem for "muitobaixo", são arescentados de três a quatro d.edos acima do umbìgo.

A partit das teflexões que tais saberes propiciam, buscamos compreendercnno eises saberes podem contribaìr para a uida dos alunos m sea cotidiano, incluindo ocotidìano escolar.

Para ttnto, elegemos para intengir coÍrosco em um diálogo cognitivo oprocesso (i) de cultivo, (ii) de colheita, (ut) d. transporte e (iv) de comércio doaçaí, fatos que ïepreseÍÌtâm a realidade vivenciada pela maioria dos alunos dasala de aula pesquisada. Nosso intuito é mostrar a possìbilìdade de un diálogoetaomatenático entre os saberes tradicionaìs dos alunos e os saberes da matemátìca esmlar

facilitando a (re)contexíualìryção dos conhecimentos. Sabemos qlle essâs potencialidadesdo conhecimerrto matemático presente no cotidiano de uma comunidade, porvários fatores, não são deúdamente exploradas na realidade educacional.

De outro Iado, a forma como o ensino é veiculado nas instituiçõesescolares, na qual o conhecimento matemático é desvirruado de sua praticidadee âssume uma conotâção absttata pel se, sem relação com o universo do aluno.Palz adequar o trabalho escolar a esta nova realidade, mzrcada pela crescentenecessidade de qualificar a formação humana em consonância com suasnecessidades tecnológicas e, ao mesmo tempo, coÍÌservar as tradições fazendoesses saberes üalogarem, acreditamos que, como professores de matemáú,ca,devemos criar novos ambientes de aprendizâgem nos quais se pnonze aelaboração de novas metodologias de ensino.

Em função disso, no desenvolvimeÍrto deste esürdo foram estimuladasreflexões sobre a interação eflt(e saberes matemáticos escolafes e saberestradicionais dos alunos, para evidenciar e compreender a importância da relaçãoentÍe esses saberes, levando em consideração as dificuldades de aprendizagemdas matemáticas apresentadas pelos estudantes.

DIÁLOGO ENTRE AS MATEMÁTICAS DE coNTE,xToSESCOIÁRES E RIBEIRINHOS

As idéias centÍais das reflexões que advieram desta investigação foramorgatizadas, didaticamente, em três eixos temáticos, a saber: (a) Intetaçãoenffe aluno e o sabet matemático escola4 S) Interação ente aluno esabetes ttadícionaÍs, G) fntetação entÍe sabet escolat e sabetestradicionais.

Todavia, neste estudo, incidiremos ÍÌossas arválises sobte as reflexões doseixos (h) e (c), com o objetivo de ptopiciar aos professores e pesguisadores da

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34 I ilwu'ììo M alentútìm t ( )s lara .Amazônica

lilucação Matemática, e de árcas afìns, a explicitação dessa experiênciapcrlagógica de forma tal que possamos evidenciar possibilidades e apontârrlcsafìos de uma abordagem do ensino de Matemática de qualidade, sem perdet

<lc vista a Etnomatemática.Sabemos quc as necessidades cotidianas fazem corr, que os alunos

rfescnvolvam capacidades de natarcza ptâaca pan ltdat com a atividaderrratemática, () que lhe permite reconhecer ptoblemas, buscar e selecionarinformações, bem como tomar decisões. Quando essa capao'dade é

potcncializada pela escola, a aptendizagem âPreseÍÌta melhor resultado. Por isso,

ó fundamental não subestimar o potencial matemático dos alunos,

reconhecendo que muitos deles resolvem problemas, razoavelrnente

complexos, ao Iançar mão de seus conhecimentos sobre o assuÍtto e buscatt:stabelecer relações enúe o já conhecido e o novo. O significado da atiúdade

matemâtica para estudantes resulta de conexões que estes estabelecem eÍltÍe osrliferentes temas matemáticos, entre temas e as demais areas do conhecimento,

c as sitnações do cotìdiano vivenciado por eles dentro e fota da escola.Ao relacionar idéias matemáticas entÍe si, os estudaÍÌtes podem reconhecef

princípios gerais, tais como proporcionalidade, igualdade, composição,decomposição, indusão e percebet que processos como o estabelecimento de

analogias, de indução e dedução estão presentes tanto no trabalho comnúmeros e operações quanto no trabalho que envolve esPaço, formas e

meclidas. O estabelecimento de relações é fundamental palc- que o aluno

compreenda efetivamente os conteúdos matemáticos, pois, abordados de fotma

isolada, eles não se tornâm uma ferramenta eftcaz para resolver problemas e

para aprendizagem/construção de novos coÍrceitos, de procedimentos e de;rritudes.

INTERAçÕBS BN:rNB ALUNO-SABER TRADICIONAL

A matemáticâ se apresenta no mundo, em todos os ambientes, de diversastìrrmas. Para os ribeirinhos, a matemâica p^rece ser vista como uma teia designiÍicados que é tecida de acordo com a necessidade de cada um. Asmuclanças que aconteceÍn no sabetffazer deles, no estilo de vicla dacornunidade não âcontecem, poÍ acaso, ou a partir do planejamento para talacontecimento ou evolução clesses, pelo conuádo, existe a necessidade que teceo signìficado no comportamento das pessoas.

Identificar ideias matemáticas nos saberes e fazeres tradicionais dessesalunos não foi dificil, ainda que essas estivessem implícitas, pois, a r.eahdadepercebida por cada indivíduo da espécie humana é uma realidade ütz "Ítatittal".

Educação MaÍerzática e Cuhara Ama76nìca

Tais idéias são complemenradas por artefutos e ment{atos (experiências epensates), pois a humanidade age em função de sua capacidade sensorial, queresponde ao mate:l,al (artefatos), e de sua imagjnaçáo, chamada de cdatividade,que responde

^o abstrato (mentefatos), segundo explicita D,Ambrósio

QA0\.Cada ser humano processa a informação acumulada por ele e pela suacultura, definindo sua açào que resulta em seu comportamento e rÌa geração demais conhecimento.

No contexto da \ha Grande, o principal alimento presente na mesa dosribeirinhos é o açaí, além deste ser a principal fonte econômica daquelacomunidade. Â preocupação com a. extta,çã.o, o cultivo, o transporte e a rcIaçàounidade de medida-valor comercial do produto é notável quando qualquermembro da llha se refere aos saberesffazeres da comunidade. Nessaperspectiva, o cotidiano da comunidade esú sempre impregnado dos saberes efazeres da própria üvência. D'Âmbrosio (2001, p. 19), esclarece a tr/raçãodinâmica deste saber-faqrao afrtrnr:oir o seguinte;

Âs distintas maneiras d.e fazer [práticas] e de saberfteorias], qwe ca.r:acteizam \rmà cultura, são parte de umconhecimento compartilhado e do coínportamentocompatibiJizado, Assim como comportamento econhecimento, as maneiras de saber e de fazer estão empermanente interação, São faisas as dicotomias entre sâbere fazet, assim como entre teoriâ e ptâttca,

A necessidade de uma unidade de meüda parz. o comércio e para otransPorte do açat, como produto, evidencia o fato de que existe uma ciênciaincorporada à cultura tradicional daquela comunidade. Isso é observável deforma geral nas atividades cotidianas ligadas à sobrevivência da comunidade,nas técnicas patao cultivo, nas crenças, nos costumes enos mitos. Tais saberessão decorrentes de certo conhecimento compartilhado e do comporramenrocompatibiüzado que catactenzam aquela cultura. Os conhecimentos sãocultivados e transmitidos de pai para ftlho, que passâm de uma pessoa à outra.

Neste estudo buscamos compreendet a matemârtca imersa no processo deextração e caÌtiuo, Íransporte e comerrialì(ação do açaí reahzado pelos ribeirinhos. orecorte das atividades comunitárias relativa a este produto foi escolhido pelofato de se{em estas atividades tradicionais, nas quais os alunos expÍessamenvolvimento completo e intenso juntamente com seus pais e familares. Aunidade de medida usada é considerada em tefinos de um princípioetnomatemático, ou seja, uma forma própria daquela comunidade quantificarseu produto.

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36 Edwação Matemática e Czltara Amaqônica

Neste eixo temático, âs potencialidades matemáticas vivenciada pelosalun<-rs em suas atividacles cotidianas serão orgatizadas de forma a sericlentificada como saberes tadicionais e, no eixo subseqüente serãocntrelaçados aos saberes escolates ou a saberes outros.

* Unidade de medida dbeirinha

os valores socioculturais, pfeseÍrtes na vida dos dbeirinhos, evidenciam oseu desenvolvimento ao longo da história. Para os saberes acadêmicos, pensarsobre unidade de medidas nos remete a gfama, liüo, ârea, volume, etc. Nesteeixo não tratamos particularmente das unidades de medidas reconhecidas peloSistema Internacional (sr) de Medidas, mas damos ênfase à unidade de medidautilizada pelos ribeirinhos na sua comunidade -

^ tasa- - poÍ esta caractenzat

valores e potencialidades matemáticas daquela cultura.A palawa rasa é onginâna do latim, pam designar uma antiga medida de

capacidade, eqúvalente ao alqueire que, por sLta vez, é uma antiga unidade demedida de capacidade p^r^ secos e líquidos, vaiâvel de lugar paruhugar. É omasolução prâaca, que dispensa. pesat os produtos a gtanel cotno açaí, cacav eoutros. os instrumentos de medida são confeccionados com mateÍialabundante na Região sendo de fácil reintegração ao meio ambiente depois dorlescarte. outra importante função do recipierate rasa é permitir

" r"tução do,

Frutos maduros. Isto porque, neste caso, o açaí é altamente perecível,prrincipalmente depois de colhido, e o processo de fermentaçã.o é acdeìado casoseja mantido em locais abafados.

No presente, a telação de quantidade determinada pela definição de rasanão é mais respeitada da forma explicitada aama.Dependendo da microrregião,ó possível encontrar rasâs com capacidades variadas. Em Belém, ut ãs"scncontradas têm capacidade aproximada de 30 kg ou seja, duas latas de 36litros. Já em Macapá, uma Íasa eqúvale à metade da medida usada em Belém,ou seja, .umalal.a correspondente a 15 kg. A figura abaixo mostra algumas rasasde vátios tamanhos.

Educação Matenática e Caltura Amaqônica

Figura 1. Rasas: Unidades de medida dos ribeirinhos(Foto: Queiro z, Mârira, 2008)

Para os ribeirinhos, na hora de comerciahzat o produto, o volume faz a

diferença. Nesse sentido, registramos o diálogo seguinte deflagtado quandoquestionei o fato de haver rasas que tinham um volume maior que outras:

p Porqae dgumas rasas estão bem iltàa:, qztose àenamando eoatras não maito chdas?

\1. (12 anos) - Professora, Íe a rasa não esiiuer bem cbeia tem

/reguês que não qaer comprar. Mas rc a gente encber muìto podcfcar

ilo preJilí<o.

P - Sín. E aí como uoêsfaTen?

V/, - Tentamos negociar, Se a rasa "nzrmaÌ" e$iuer custanda W30,04, a gente fala asim: essa oatra é R8 35;00 por que ela utá"mait elteia'. p*ando a fregaês pede desnnto a gente lende a qaee$á "menos cÌleia".

A preocupação com o tratamento dado ao volume, à quantidade e à

qualidade do produto nessa comunidade é constante. Todavia, é habitual os

alunos dizslsrn que em uma'tasà' - tomada como unidade de medida uti)tzada

por eles - cabem duas latas de frutos e que cada lata dessas contém 18 litros.

Porém, ao mesmo tempo, surgirem dúvidas entre eles, já que alguns dizem que

umalata não contém L8 litros, mas,20 litros. No entanto, as dúvidas suÍgem

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3tl Mrcação Mahmálica t (,nllara Ána76nica

t:rrr Íìrnção da ideia de lim que eles possuem: amalata de óleo de cozinha, por

c,xc:rrplo, ó um Jitro, enquanto esta, nâ vefdade, tem volume de 900 rnl.

Os fatos e as situações são considerados em relação àunidade de rnedida que a comunidade dbeitinha conhece,dento de sua vivência. Esses saberes e fazeres estãoconstitúdos nos contextos citcunstanciais das atividades eâs suas representações cognitivas dependem dos recursossimbólicos disponíveis na rcfenda cultura $ESUS, 2007,p."t25).

Nos diálogos coÍlosco, os moradores da Ilha explicaram que esse aftefator.rtilizado como unidade de medida tem a durabilidade geralmente de uma safra,

lx)sto que o valor p^ra comprat uma tasavatia de acordo com o tamanho desta.l.lma rasa grande que tem capacidade pata daas latas de í8 litros ou i0 qailos évcn<lida pelo valor de R$ 7,00 a unidade, jâ a rasa corusiderada peqzena com

capaciclade patt- trma ,lata de 18 liíros ou í 5 quìlos é vendida pelo valor de R$ 4,00 ar-rnidade. Além desses dois tamanhos, os vendedores ainda confeccionam umarasa maior que tem capacidade para duas ktas e meia ou 45 litros ow i7,5 quìlos quet unlizada pan o transporte do açat da gJrata P^r^ cas e eqúvale a uma

ltasquetal 0 cbeia.Como mostrâ a Figtra 01 apresentada acima, a rasa ê confeccionada com

o fundo quadrado e a "bnca" circular. Segundo os dbeirinhos, esta fotma de

produção foi pensada p^r^ set produzida há muito tempo, não só comoinstrumento de medida, mas também como instrumento pan guardat e

tfanspoftâr os produtos em cânoas e outros tipos de embarcação queapresentam espaços curvos no seu interior. Âcredita-se que a rasâ foi pensada,

assim, na lateral e na "boca" curvâ para serem mais bem orgarizadas nascmbarcações, já o fundo quadrado seria para asseguÍâÍ um melhor equiÏbrio e,

também paru não desperdiçar açai. A confecção da :o,sa e outros artefatos sãoreaü,zados na nha pelo pai, mãe ou parente próximo desses alunos.

A identìflcação dessa unidade de medida ó uma evidência da

potencialidade matemática encontÍada nessa comunidade, muito embora defuadas unidades de medida representada pelos saberes escolares. As obsetvações eos diáIogos com â presença de alunos em sua própria comunidade fazem-nosrcfletir sobre como ocorre as relações matemáticas rìessas situações que torna

cvidente a "etflomâtemática deles".Tratando de unidades de medid4 é notório que não podemos identìficar

as origens das medidas, mas todos os sinais e informações encontradas desde a

I () Uma caixa retanguìar plástica" wtltzadapatz aÍrlrazeíaÍ e transPortaÍ produtos agrícolas.

É ., .enÍolâda. I) l.]tllTzacl^

Edzcação Matenática e Caltwa Amaqônìca

pré-história f á mostrarn a constante preocupação do homem em contâr e medir,Os homens primitivos podiam contaï apeÍÌas apontando os obietos contadosum a um. Da mesma rnaneita, os objetos eram importantes nas primeirasmedidas. Para medir, o homem usava instrumentos de medida como pés, uara,braça, palmo ou cribito, dentre outros. Segundo Baroni, Batârçe e Nascimento(2001), no devido tempo, tais termos perderam seus significados primitivos e,no presente, pensamos neles como medidas abstratas.

Na comunidade por nós pesquisada, ainda se utjïza coÍrcretamente opalmo como unidade de medida de comprimento, ou seja, o metro deles é amedida do umbigo até os pés que, segundo eles, tem cinco palmos. Quando apessoa é muito brixa colocam-se quatiro ou cinco dedos a mais acima doumbigo. Pallz- merTrt uma distância maior como o perímeuo de uma âtea deteÍfa, mede se um metro, ou seja, com urna vaïa ov corda mede-se do umbigopara ba-ixo ou cinco palmos. Da mesrna forma, estudos apontam que ospadrões de comprimerÌto e volume nasceram obedecendo às carências de caãacomunidade, estando associados às atividades humanas, crençâs e tradições. Asnecessidades de construção, as exigências de produção agtícoIa ou da pecuária,bem como de seu controle ou comercializaçáo determinavam os padrões aserem estabelecidos pare gatannr padronização entre os grr.rpos que oswlilizav am (ZUIN, 2009).

$- Exttação ou colheita do açaí

A extração ou colheita do açaí consiste no processo de escalada no pé daplanta e é mostrado esquemad"cameÍrte na fìgura apresentada na seqüência (Fig.2).

A etapa de coleta dos frutos se inicia com a identifìcação do cacho de açúmaduro Qnírò. Em seguida o @unhadar escolhe o estipe mais resistente datounìra, coloca a faca no cós da bermuda, com o cabo para baixo, envolve osdois pés na peconha{, abruça a palmeira com as mãos, trânça os dedos eexecuta a escalada com movimentos repetìdos de flexão e extensão das pernas.Os pés, unidos pela peconha, servem de apoio, enquanto as mãos eqi'ilig1asi 6auxiÌiam a pvxat o colpo. Â escalada é reaJtzada npidamente. O cacho é entãocortado em um dos lados da iunção com o estipe e atancado. Se existiremoutros cachos maduros na mesma touceira, o apanhador os aÌcança e os reúatambém. Se necessário, passa para ouúos estìpes sem precisar descer, o qÌle

11 Attefato de forma circular, Êeita de folhagens da palmeira do açai

envolvida nos pés da pessoa para facüta.r a subida no açaizeiro.

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4l4r) l i,lttL,rt,ht lll,itnlh.t | ( thr,rv ,'lntitinhrt

f ' ,rrlÍffc rTì,ri()r l)r(xlutivirlarlc. () ufanhalor rlcsr:c tlo estife tru.endo rÌâ mão oS(:irclr()s e: ()s (lel)(,sit?Ì rìo chão, evitand() (luc os f'rutos se percâm, ou seja, fiquemtlurriíì<:a<los, câso seiam ârremessâdos. Para reduzir â contâminâção, os frutosrntritrrs vczes são colocados sobre sacos plásticos para fazet a debulha e ar:l lssií-tcaçâ1o.

( ) aluno $í, de 1.2 anos, faz todo esse processo, e ainda constrói aÍì'rrarncnta utilizada por ele na hora da subida, isto é, um aro no formato det'ircr.rrrferência feita de folhas do próprio açuzeko e que exige muitarcsponsabilidacle, pois se o nó desata, ele cai.

As fotografias e o diálogo eÍÌcetâdo por ele em uÍn dos momentos queÍrrn<rs juntos à mata explicam com ênfase o saber adqúrido por essa críarrça fl^cxpcriência vivida. Nossas pefguntâs e as respostas do aluno se deram assim:

P - Á peconha tem um tamanlto único? Você sabe dìqer qtal oconpünento da pennha qae uocês fa4em?

W. (12 anos) - Cada um faq do tamanlto qae qiler, para fcarboa,,, Não pode ser muito grande nem muíto peqzefla, lrlas otamanbo dapeconba tem que ser mais oa ,ltenzs asdm,.. {ele abdrwos braços e estìcou, mostrando o tamanho que a correfltedeveria tetl. Agora, qaando ela é feita de saco aí dura nais, de

tlr:^" t*" sri sobe &tas ae<es em reguran(a, depois not que faTn

Naturalmente, isso implica em que, antes de desenvolverem unidades derrredida, existe uma necessidade cultural evidente de que a linguagem seja capazdc expressar qualidades mediante

"lgo- método comparativo e ordenado, A

rrredição esú relacionada com idéias como lmais que) e lmenas qae2,porque anecessidade de medir só existe se queremos comparaÍ dois ou mais fenômenos(IìISÍIOP, I99\. É, possível percebet, qr. u .óIheita do açai passa por uml)rocesso amplo que inclui (i) subir no pé do açaí, (l) coÍrar o cacho, (iii) trazerrrt.é o chão, depois de muitos cachos rirados, (iv) debulhar o açaí e (v) catar, ouscja, separar os frutos selecionando-os em açaí preto e açaí tuíra. somente depoisrle completado o processo o açaí ê depositado na r^s^ e üâosportâdo para casa'tras costâs'. Ao chegar a c s^ o produto é colocado nas rasas de tamanho padrãopara comercíalizâÍ e ou na basquetd.

l '.,1n,t1,t,, l\l,t/ru,iltrit r ( .thtr,t . larrTìnrrt

eiroz,Matcia,2008)

A fcrto acima mostra um aluno classificando o açaí. Na mão dele se

encontra o açaí, que ainda não está maduto, o qual, segundo os alunos

ribeirinhos é denom.inado "pàroI", ou seja, o açaí não está bom para apanhar.

Veja como ele explica:

R. (12 anos) - Esse açaí e$á parol, ningaén pode Íirar e/e,parque á ruint de uender, não terz sabor.

Ir - Cona dá para saber se é parol?

k - Pruta atenção, ProJessora, o açaí bom tnesnl é o tuíra, ele étão preto qae "fea cinqento" (tic) é o melhor que tetl, tem um sabarde prìneìra... En vgundo uent o preto, o preto é norwa/, estámaduro... pode leuar para uender. Agom, se leuar pxol i prquíryna cer'ïa.

P - Você disrc qte eiv que está na sua rtão é patol, mas e/etarubén ëpreto, como uoa saber a dzferença?

R . hlaitoJácil de saber... é sd olhar a "boca dele" (sic).,. se esÍìuerbranqatnha, abetta, como esse, ele está patol, não está botz parauender. E que ek pimeiro é uerde, depois qaando rnuda dt cor, fcapatol é ro>cìnha, mat co77/ a "boca branca".

Percebemos que o aluno faz comparações com a qualidade clo açaí em

suas diversas etapas de desenvolvimento ainda no pé e a necessidade de saber

âs câÍacterísticas do fruto já coihido patz. cometciahzar e ganhar dinheiro.

Nesse sentido, compâra,: mais de dois objetos desenvolve a ideia cle

ordenaçã0. Fazer est-imações "no olhcl" é ì.1ma técïúca verbai que se ernpÍega no

mundo inteiro para colocar oÌ:rietos em ordem. Porém, segundo Bishop (1999),

Figura 2. Classificação por qualidade do fruto do açaí. ffoto:

Page 9: Mendes e lucena educ mat e cult amazonica cap 2

42 Lidacação Matemática e Cultara Arzaqônìca

ì nrcclida qu.c uma qualidade cresce em importância e âÌrmerìta o número derrlrictcrs, a linguagem também desenvolve tanto palavras p^r^ os númerosordinnis como a objetivação dessa qualidade, ou seja, os termos adjetivos

lrre<:eclem os termos substantivos.Analisamos o processo da colheita ãté a comerciaJizaçào do açaí e

vcriÍìcarnos o conhecimento necessário, iniciando-se no manejo. Até poucotcr'Ììpo atrá.s, a quantidade de aças ccllhido era muito menor na Ilha. Não existiapf anejamento par manejo, pois se extraia apenas o açaí natiuo. No preserìte, oc:r:ltjvo com técnicâs do manejo jâ faz parte da tradição da comunidade e, nalrtrra ticr manejo, é preciso matematìqarpara aprodação aummtar.

Cursos oferecidos e realizados pelo SEBRÂEIz e SECOYT: já fazem parte<la vida dos ribeirinhos de Ilha Grande. Eles já sabem, por exemplo, porquelhcs é recomendado, reahzar o manejo deixando 2 oa 3 árvores adultas, 3f-ìlhotas e 3 filhos em cada touceira. Os pais aprendem e pâssâm estâinÍ.c>rmaçãofconhecimento pat^ os filhos. Muitos levam os filhos pate- asrcr-rnifies porque dizem que a rìova gerâção tem maior capacidade deaprenclizagem. Acreditamos que para educadores - não só matemáticos - setorna sobremaneira interessante observar que âs crianças dessa comunidade sãoconstrutoras de seus saberes e estão peffiarìentemente atentas a tudo quelrcontece no seu üa-a-üa. Portanto, esses saberes podem e devem serrcconhecidos e valorizados na sala de aula.

$ O tansporte do açaí

C) principal meio de transporte dos amazônidas ribeirinhos é a barco, umavcz que aíntça via que dá acesso ao continente e a outras regiões ê af/auial.

() transporte do açaí é feito em duas etapas, a saber (1) a primeira etapa éo clcsÌocamento do açai da mata (açaizal) pata a casa dos dbeirinhos. O tajetoinicia-se na m ta, quando depois de classificado é colocado em rasas feitat:specìalmente pàn esse tíânsporte, elas são maiores do que as comercializadasc fc:m a capacidade em torno de duas latas e meia, ou seja, 45 litros ou ainda.i7,5 quilos. O úansporte da rasa é feito rias costas, presa a um cinto de fibra(lìre se apóia passando pela testa.

(2) A segunda etapa. é o transporte do açai rias rasas com tamanho padrãor rir bzrsqueta, via ÍÌuvial em diferentes tipos de barco. O açaí é levado da 'tll:,a atér r lÌorto da Palha, onde se locahza a fei.ta e os ribeirinhos da llha Grande e de()utras ilhas comerci:a\zam seus produtos. A preocupação e organização

l:r Scrviç<-r Brasileúo de Apoio ao Empreendedor (e ao Pequeno Empresário).I i Secretatia Municioal de Bconomia.

Educação Matemátìca e Caltara Ama4ônica

desenvolvida nas atividades do cultivo, exüação, transporte e cometitaltzaçãodo açaí são perceptíveis na comunidade represeniando bem a trj.evància damedição.

O transporte do açú depende da matê. A quantidade de açaí a sertransportado depende do espaço disponível, ou seja, depende da ârea que podeser ocupada pelas rasas ou basquetas denrro do barco. Atualmente Qa0B-2009),a ilha dispõe de barco com disponibilidade para até 40 basquetas ou 40 rasas.

Eles organizam as basquetas formando três filas de largtra por cinco deaitura e duas de comprimento, somando 30- Na frente dessas duas filas decomprimento eles fazem mais uma por duas de largora e cinco de altura,somando L0 e peúazendo um total de 40 basquetas.

ilrganizaão de Basquetas [mdhamer& de lasqu*as

Figura 3 - Ilustração da orgatização das basquetas no inrerior do barco.

As 40 rasas ou basquetas transportadas de uma únicavez no barco, nuncade um único ribeirinho. Eles se otganizam de forma que cada familtaleva certonúmero de rasas ou bâsquetas e as despesas do batco pata cada famíh,a sãaproporcionais a tal quantidade. Observem a farcna de organtzação dasbasquetas no interior do barco:

De acordo com a embatcaçào, são "atmazenadas" as rasas cheias doproduto em grãos. O número de rasas depende do tipo de embarcação para

43

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44 Edacação Materzriüca e Ctltura Amaqônica

transportar, a distribuição das rasas ê feita levando em considetaçáo o peso e ocspaço ocupado.

Os ribeirinhos também utiïzam as rabetasla quando queÍem transportaÍ oproduto em pequena quantidade. A maioria das famílias tem umâ nbeta emr-ritas já possuem um barco de maior proporção. Â percepção é que cadafamt]ta faz o manejo do seu açuzd,, planeja sua colheitâ, seu comércio de formainclividualizada, mas sempre respeitando as regras da comunidade com o intuitode presewarem o necessáno pata a valornação de sua cultuta e sobrevivênciaatravés de seu trabalho indiúduai e coletivo. D'Ambrosio (2001), afirma que"graças a um elaborado sistema de comunicação, as maneitas e modos de lidarcom as situações vão sendo compartilhadas, ftansmitidas e difundidas".

*Â cometcielizaçfl,s do açaí

R.efletindo, é fato que em toda a cadeia de coleta e comercialização ftcaevidente que a medição esú profundamente emergida na vida econômica ecomercial de uma comunidade. Por tanto é incontestável que além de implicar

^spectos numéricos, a medição também apresenta um forte âspecto social"

 comercial-ização tradicional dos frutos do açat é feita com semelhurça ^()utros produtos agrícolas, com a particularidade de ocupar espaços específi.cos

lrela impottância, em razão da grande procuÍa, do gtande volume<'.omerciahzado e da proximidade entre produtores e consumidores. A produçãotln llha Grande é comerciahzada na feira do Porto da Palha em Belém, pois arnesma fica mais próxima àilb'a e também é rnúto rcferenciada.

O produto na muoria das vezes é comercia-lizado pelo próprio pÍodutor.Mas é comum que muitos compradores sejam também intermediários.f .cml>rando que o fruto comercidizado ainda será beneficiadct, jâ que o produtofìnal é a bebida. Desta maneira, o açaa também atravessa uma intrincada rede clec.<tmercíahzação, interferindo no preço. A comercialização ê feita nas pdmeirashoras do dia. Geralmente às 07h tudo iá foi vendido. Devido à informaiidade, a(f ì.rantidâde exata comerciahzada é controvertida.

No porto os barcos chegam todos os dias do âno com o fruto, na safracrrr rrraior quantidade. Na feira, os ribeirinhos depositam suâs rasas e basquetasrìrrrÌì espaço reservado para eles. Na safra geralmente todos os que têm açaiza)sc tlcslocam pata a, feira todos os dias, mâs na entre-safra alguns só vão umav(:z por semana, outros duas e assim por diante.

l '1 I lr rr l ipo tle canoa construída cle difetentes tamanhos, com a adaptação de um motor.

Educação Matenáíica e Cuhura Áma4ônica

Na hora da comercializaSo, segundo as vozes dos alunos que muitasvezes acompanham seus pais e o que foi possível eu presenciar na fein épossível comparar com a bolsa de valoÍes, a diferença é que os valoresnegociados são menores e a linguagem utihzaü é diferente. Os preços sobem edescem da mesma forma. Perguntei parâ um aluno se eles vendiam somenteuma rasa cheia, e se eu quisesse comprâr menos como seria. Ele me respondeu:

- A nossa medìda á a rasa. E/a é uendìda clteìa, se ofregaês qaisernenls, czmpra ,ma ftrra peqilena qae é metade da grande se quìsermais, compra uma basqaeta, ofreguês escolhe (R.).

Perguntei intencionalmente para ele como seria o preço nesse caso, outroaluno respondeu com muito entusiasmo:

- Há proJàsnra ìsso é fídl, a rata peqilena é metade da grande, opreço íantbém é metade, Se a rangrande está custando R{ 30,00, agente ãiuiCe o preçz, a rasa peqtrcfla uai ser W 15,00, porque é ametade certinha e a basqueta é mais cam R# 45,00 ela pesa maìs,nas se o fregwê,r qai,rer netaãe da basqaeía complìm porque não tembatqaeta Pequna, então a gente não uende metade da basqaeta.Agora n o fregaâs inistir a geníe pode pegar a basqaeta uirar narara pequefia e uender SJ.).

 intenção seria observar a capacidade que eles apresentav^m parrz-resolver um problema de medição na atìvidade cotidiana deles. Pelo diálogopercebe-se que ele avançou nas idéias, além de apresentar uma solução paffi oprobÌema, indicou que tem conhecimento de operações básicas e undamostroucomo faria se o problema fosse com o outro insirumento de venda, no caso abasquetâ.

De acordo com Bishop (1999), medir é considerado a terceta auvidadeu.niversal, e tem grande importância pan o desenvolvimento de idéiasmatemáticas se ocupando de comparar, ordenar e quantificar qualidades quetem valot e importância. Nesse enfoque ainda que todas as culturasreconheçam a imporância de certas coisas, nem todas as culturas valorizam asmesmas coisas na mesmâ medida, pois na maioria das vezes depencle docontexto local e das necessidades que esse provoca. O diálogo apresentadoacima reflete essâ sinração em que normalmente, o contexto local imediato équem proporciona as qualidades que se tem de medir além das unidac{es demedidas.

Dessa forma, no comércio o açú ê vendido nâs rasas ou basqueta. Na rasacabem duas latas do fruto em grãos, portanto 36 ütros ou 30 kg, já na basqueta

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4(r Iidscacão Malemútìca e (-.alt,ara Amazônica

são aproximadamcnte duas latas e meia, 45 ütros ou 37,5 kg quando está bem

cheia.Observem

^ rzsa e a basqueta nas fotos alsaixo e as formas matemáticas

irnersas Íìesses artefatos nos respectivos desenhos:

B,r\s()LrËïA

Figura 4 - Foto e desenho reptesentando os obietos rasa e basqueta,respectivamente (foto: Queiroz, Mâtcia, 2008)"

Para comerciahzat muitas vezes eles colocam somente duas latas bem

c:heias na basqueta, ou seja, sempre acabam medindo rra rusa> detramam uma

rnsa bem cheia dentro da basqueta, de maneira que não chega a ser exatâmerÌte

mcia lata a mais. Trabalhar com a basqueta, segundo os ribeirinhos é mais

lucrativo, o atravessador entende que sempre vai ter na basqueta mela lata a

rnais que n rasa, e por isso P^gam sempre mais pela basqueta.Eles trabalham com medidas aproximadas e têm consciência dessas

aproximações, assim como também os que negociam com eles sabem que suâs

rnedições não têm exatidão. Nesse sentido sabe-se que uma das peculiaridades

rln sociedade cientifica é de que uma escala ideal deve ser evidente, com

c:xaticlão. Jâ em outÍas condições, se tem preferido escâIâs fáceis de usaÍ, no

scntido de serem aproximadas, pois muitas vezes quando o critério de uma boa

Educação Matemútìca e Cultura Anaytnica

escala é pafa swa, convivência, um excesso de precisão pode converteÍ em uminconrreniente pEÂCH apud BISHOP,'1.999).

Dentre as idéias matemáticas presentes na vivencia desses alunospodemos destacar as seguintesi conta\ classifi.car, ordenar, compaLÍar, incluir,apeïa\ etc., porém em nível informal ampliamos as simbolizações e asconcepções das matemáticas de ama maneira implícita e imprecisa. Âs idéiasmatemáticas podem estar em sua maior parte emergidas no contexto de umasituação e os valores matemáticos podem s€r anulados por distintasconsiderações emocionais e sociais.

Assim, a rírsa, esse artefato ügado ao cotidiano dos ribeirinhos é parte dossaberesf fazeres tradicionais da Cultun Amazôrttca e estâ ligado há, tada umacultura histórica. Os ribeidnhos se reúnem para levarem seus produtos à feira,discutem a melhor forma de vendê-lo e preocupam-se especialmente com arnedição do produto por vários fatores, um deles ê, a trJração volume-valorcometcial.

A partìr das possíveis análises das interações vivenciadas ,unto aos alunose sua comunidade nesse estudo, é possível inferir a matemânca v"liz.ada. poreles, possibilitando a compreensão de um princípio etnomatemáticoídentifìcado Íaa construção da pnnca de medição dessa comunidade,demonstrando também a rrj.'evãncia desses saberes, vafonzando-os. Mendes(2006) atuma que:

Esses sistemas gïaças à dinâmica cultural, não sãoesáticos, mortos. A emomatemâtca lança mão dosdiversos meios de que âs culturas se utilizam paraclassiÍìcar, rn6dir, enconttar explícações para a suarealidade e vencer as diâculdades que possam surgir noseu dia-a-dia. Em todas as cultrrras, porém, nessa busca deentendimento, acaba-se tendo necessidade de quantìficar,comPâraf, o qtrc faZ surgir a matemática espontrneamenteG,29-30).

Outra idéia identificada relwante é que a rasa se tomou um instrumeatoque fepresenta na comuflidade duas grandezas a um só tempo. A unidade demedida de massa e a unidade de medida de capacidade (volume), ou seja, umarasa de açaicomporta duas latas de 18 ütros, mas também podemos dizer queela pesa 30 kg. Conobotando com Mendes (2006):

De acotdo com a evolução human4 a representaçãoformal das ações vivenciadas se deu através dasistematização clas icléias presenres ta tentativa de

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Page 12: Mendes e lucena educ mat e cult amazonica cap 2

4tì Iidumção Mnhnálìu t ( laltura Ama4ônica

solucionar si turq:ires-problema que envolvia as atividadesclas populaçõrcs (p. 49).

Procuramos nessâ perspectiva visualizar e compreender Pârte dos

stbercsffazeres dessa comunidade. Conhecer e refleú para possibi\tat a

construção de telações entre esses saberes tradicionais e os saberes da

natemâEca escolar na expectativa de conseguir (re)contexltahzar os conteúdos

tnatemáticos escolares com intúto de desenvolver habilidades, competêÍrcias,

procedimentos e atitudes na apfenüzagem dos alunos fotmando-os cidadão

crítjcos e integrados na sociedade.Freire (2005) enfatna a importância dos educadores compreendetem que

homens e mulheres são seres histórico-culturais e que o papel da cultura no

processo de libetação das classes oprimidas diz que o respeito à pessoa do

oLrtro se constitui pelo tespeito à cultura do outro, que se processâ por meio de

urna relação dialogal;

O meu respeito da identidade cultural do ouro exige demim que eu não pretencla impor ao outro rÌma forma deser de minha cultura, que t€m outros cursos, mas tambémo meu respeito não me impõe negar ao outro o que acunosidade do outto e o que ele quet saber mais daquiloque sua cultuta propõe [...] não é compreender só acultura de 1á, nem só a cultura de que eu faço parte, mas é,sobretudo compreender a re)ação entre essas duasculturas, O problema é de relação: a verdade não esú nemna cultura de lá e nem na minha, a verdade do ponto devista da minha compreensão c{ela, está é na relação entreas duas (FREIRE, 2004,p.83 e 75).

Essa ação üúógSca do educadoï Passa a ser importante mediante os

conflìtos de saberes entre as gerações apontadas nas próprias falas dos

ribeirinhos. Esses, proveniente das mudanças socioculturais e educacionais

cÍltfe â educação como estudo e a cultura de conversa do seu gfuPo.

Sustentadas por Bishop (1999) podemos dizer que como matemáticas são

parte de nossa cultura possúndo a tecnologia simbólica específica e que

sustenta os diversos valores. Falar das atiüdades de contar, Iocalszat, medir,

tìizer, iulgar e explicar tem desempenhado um papel decisivo, em iÍrteração no

<lesenvolvimento das complexas simbolizações e conceitualizações Matemáticas

clue ajusta a discipüna internacionalizaàa qu;e conhecemos hoie na escola'

l:lntfetârìto, esta tecnologia simbólica na realidade é o resultado de um coniunto

rìeterminado de interações culturais e desenvolvimentos sociais. Dessa forma,

Educação MatewáÍica e Cultura Amaqônica

outras culturas têm gerado e segúrão gerando outras tecnoÌogias simbóìicas, ogue Íros permite compreender a existência cle ouüas matemâttcas.

INTERAçÃO ENTRE SABER TRAD ICIONAL.SABE R E SCOLAR

Fazer üilogar o saber tadicional e o saber escolar ê tentar compreender ocomplexo mundo em que vivemos. Refletindo teorias e práticas vivenciadas,seria possível afrrmar que o fundamental, o ponto de partida é conhecer essesclois saberes. Nesse estudo trato de uma possibiüdade de intetação dessessâberes, discutem-se exemplos de como esses saberes dialogados podemcontdbür na aptenàizagem matemática dos alunos no seu cotidiano social-fani]jar e escolar.

Conhecer o cotidiano vivenciado pelos alunos fora da escola éextremamente importante. Nesse estudo foi uma forma enconfrada paracompreender a cultura matemâíca dos ribeirinhos em sua comunidade earticulá-lo à cultura matemáaca escolar. Entendemos que no contexto da salade aula, o planejamento das aulas de matemâúca deve partir de um diagnósticointelectual, social e cultural da turma. Cada grupo de alunos e sua comunidadetêm uma maneira própria de matematiz^t yuas idâas, ou seia, todas as culturasdesenvolvem maneitas próprias de explicar, de conhecer, de lidar com suareaüdade, e isso está em corÌstante evolução. Q)'AMBROSIO, 2001).

A"tasa", é a unidade de medida :onlizafla e identificada na comunidadepesqúsada como medida de capacidade e massa trata de um artefato utilizado econfeccionado por algumas pessoas ribeirinha da Ilha Grande para medir,servindo também para tÍansportar e comercialszar o açaí como vimos no eixoanterior. Para medir comprimento eles usam o palmo. Entretanto não significaque eles não conheçam o metÍo, paddo reconhecido pela escola. Âlguns atépossú ama frta métrica em sua residência, mas preferem medir no palmo. Aquestão é se, e como podemos corÌectar

^ m^tem^tica escolar a todo esse

ptocesso?Âcreditamos que atualmente a matelr:râíca escolar já vem se conectando

de alguma forma nesse processo da cultura social familiar dos alunos. Parainteragir os dois sabetes é preciso conectaÍ esses saberes tradicionais da culturados alunos à matemática escolar. Esses conhecimentos cultr:rais adquiridossocialmente em uma comunidade podem ser aproveitados na sala de aula pa:acontextuâlizar ou (re)contextuaLzar os diversos conteúdos da matemáticaescolar conferindo significados na constrLlção e valoitzação desses saberes esalreres outfos. Mas, como fazet üalogaf esses saberes?

49

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50 Itdacação Matenática e Cultara Antaqônica

't^alvez compreendendo que esses alunos não estão fora do coÍÌtextotrrlrirnn, ou melhor, não vivencia somente um contexto, o social fanttliarlânasua comunidacle. De outro lado, podemos estar pensando como aproveitar

csses saberesf ízzeres da comunidade, se nem todos os altrnos da sala de zt;Javivcnciam, ou seja, moÍâm num mesmo ambiente fazparte do mesmo contextocxtra-escolar?

Enüetanto, nesse mundo globalizado que vivemos hoje, qtem faz patteaï)enas de um contexto? Quem parricipa somente de uma cultura? O mundoest.á cada vez mais complexo e precisamos deixar nossos alunos conscientesrlessa junção, desse entrelaçar de conhecimentos, dessa diversidade de cultutas<1ue é necessâno pata a sobtevivência e a construção de um mundo melhor. Dot:<:mplexo mundo que vivemos.

A investigação mosfta que eles (os alunos da llha Grande Belém), todos<rs dias atíavessam o r,ct para chegat à escola, mâs nesse PercuÍso vivenciam()utros cotidianos que não é o da escola. Nesse caso, a feiralocaJjzada no porto<xrdc eles desembarcam; âs ruas e comércios que eles circulam ântes e depois dacscola e a ptópita escola são exemplos de cotidianos,/culturas diversificadas.Nesse petcurso os alunos estão em cofltato com outras formas de maLemaizatcomo a de medir e quantificar. Compram produtos industrializados quetrtilizam os padrões de medida reconhecidos pela escola, como o arroz,rt:Íiigerante, etc. grandezas que não são percebidas ao serem manuseadas noc:oticliano famitar deles, mas que de ceft^ fofir:a eles tem contâto.

Todavia, é habitual os alunos dizerem que em rtma'rasa',cabem duas latastlc frutos e que cada Ìata dessas tem 18 litros, e ao mesmo tempo surgirem<fúvidas enúe eles, iâ quc alguns rliz.em que a lata não tem 18 ütros e sim 20litros. A idéia de litro que eles possuem, é que umalata de óleo de cozinha, porcxemplo, é um lìtro, enquanto que a mesma tem volume de 900 ml. Isso mostrarlue na escola eles não apreenderam conceitos sobre grandezas e medidas, o qÌredifìculta a aprcnüzagem para a construção de competência pata entender âidéia de diferentes tipos de grandezas e medidas.

O tratamento dado a conteúdos sobre grandezas e medidas na sala de aula

lrocleria ser iniciado apaÍt:t da unidade de medida que esse grupo de alunos jáconhece e manuseia p^rà depois seÍem introduzidos os conceitos(mmprimento, massa, tempo, capacidade, temperatura). As atividades em queas noções de grandezas e medidas são exploradas proporcionam melhort:ompreensão de conceitos relativos ao espaço e às formas. São contextosrelevantes paÍâ o trabalho com os significados dos números e das operações, dairléia de proporcionaiidade e um campo fêrnl para uma abotdagem histórica(IIRASIL, 2007,p.52).

Edzcação Matenátì ca e C ultura Áma7ôdca

Na área de Educação Matemâaca pàt conectar, articulando esses sabereselegemos a Etnomatemâttca como um diálogo capaz de entrelaçat os saberestradicionais e os saberes escolares como uma teia que pode ser tecida junto.Patatratzr os conteúdos podem ser usadas diversas estratégias de ensìno, aquelaque melhor abatcat o cofltexto vivenciado na sala de aula. O fundamental é oprofessor conhecer o contexto cultural fanfiar e escolar de seus alunos erespeitá-los.

Observações como essa da vivencia dos alunos, possibütam o professor(re)contextualizar os conteúdos matemáticos, tendo como porìto de partidapotencialidades da cultura famj)ta4 social e ou escoÌar para desenvolver não sóconceitos matemáticos, mâs valores, procedimentos e atitudes, poisconstruindo conceitos de grandezas, porcentagern, cálculos aritrnéticos e ageometria, podemos elencar pxa^ compreensão de outros conceitos e valoresem especial a vaTorização de sua identidade, e da identidade do outro.Acreditamos assim ser possível o aluno consüuir seu próprio conhecimento,despertar seu espírito investigativo, construir valores, o que contdbairâ para odesem'olvimento do cidadão ético, crítico e soJidário, seja qual for sua cultura.

POSSIBILIDADES DE (RE)LIGÂçÃO DE SABERES

A investigação tata da possibilidade de (re)ìigar os saberes/fazerestradicionais e os saberes escolares de alunos de uma 5" série (ataal 6" ano) , deuma escola pública urbana de Belém/Parâ, rcgqão Amazôntca. Nessa série, oprofessot de matemática geralmente faz uma revisão de todo o conteúdodesenvolvido nas séries anteriores, entretanto com mais profundidade. Todavia,espaços do multiculturalisrno os conteúdos não podem estar distantes dasdiversas vivencias e saberes dos sujeitos que histórica e biologicamenteconstroem a Amazôtia. Os Parâmetros Curriculares e os Temas Transversaissugeíem uma íìovâ forrna de otgantzação do currículo escolar, não no sentidode produzir uma escola de carâter unicamente utilitarista pata dat respostas àsexigências dos sistemas produtivos, mas para cumprir com a finalidade defotmar seres humanos capazes de exercer sua cidadaniaplena.

Sabemos do consenso que há, a Íim de que os currículos de Matemáticacontemplem o estudo dos números e das operações (no campo da Aritmética eda Âlgebra), o estudo do espaço e das formas (no campo da Geometda) e oestudo das grandezas e das medidas (que permite intedigações entre os camposda Aritrnética, da Àlgebn, e da Geometria e de outros campos doconhecimento). Âssim como também, há necessidade de acrescentar a essesconteúdos aquele que permite ao cidadão "tÍataf informações que recebe

51

Page 14: Mendes e lucena educ mat e cult amazonica cap 2

52 Hdacação Matentática e Ciultura Arnaqônìca

c()ti(üanamente, aprendendo a üdar com dados estatísticos, tabelas e gráficos, araciocinar utiïzando idéias relativas à ptobabilidade e à combiaatória..

Nesse caso, propomos e refletimos possibìüdades de (re)ligação entre osaber ttadicional e o saber escolar e/ou vice-versâ que pode/poderá serexplorada na sala de alrla, como prática pedagógica, no sentido de tornar aapr.enüzagem signifìcativa pma o aluno. O exemplo poderá ser desenvolvidocom os conteúdos indicados para o Terceiro Ciclo, correspondente à 5" e 6série, tendo como base os Parâmetros Curuiculares, visto que todos osprofessores podem ter acesso a ess€ documento e os alunos pesqúsadoscnrsâm (2008) 5" e 6" séries.

Como no estudo ê enfadzada a unidade de medida como um pdncípioetnomatemático identificado nos saberes üadicionais dos alunos, a idêia ê c>ltloco Crandeqas e Medìdas ser tema central, ou seja, os conteúdos dos outrosblocos estâÍiam conectados a esse, levando em consideração que a tasa estÁ"preseÍrte em todas as etapas do processo discutido na irnrestigação. O temaairrda poderia ser denominada: Grandeqas e Medidas na Amaqilni4 o que nãocstaria de forma alguma teduzido aos saberes de ribeirinhos, índios, ou aoscitadinos, mas sim multirreferençiado a diversidade implícita a ser trabalhado naMatemâttca e em outJâs disciplinas a parnr de um único tema.

Nas aulas de Matemádca a tdéia deve partir da compreensão do professorde que a cnação do sistema de medidas daquela comunidade, também nasceucom base na unidade de volume do sistema internacional de medidas, a ütro.Porém, neste sistema cle medida eles utilieam um recipiente chamado ra.ia, uínarnccüda padtotizada que comporta não um único litro, mas duas latas de L8litros, perfazendo um volume de 36.000 cm3, o que corresponde a 36 cm3, queé exatamente €ual a 36 Jitros, ou ainda 30 kg. A sugestão nesse caso é oplanejamento das aulas serem divididos em momentos.

No primeiro momento nz sala de av7a, é relevante o professor interagircom

^ turma, questionando-os sobre o tema, como por exemplo, perguntândo

o que eles entendem ou sabem sobre medidas e grandezas. A idéia é pegar oviés histórico do tema ttabalhado, esclarecer para os alunos de que este sistemâcle medidas que foi adotado no nosso país foi íàeahzado pelo governo francêscm 1795 e ìmposto ao Brasil em 1862. Mosúar que o sistema partiu danecessidade de trabalhar os sistemas de medidas interügados ao sistema denumeração decimal, visto que, as coÍÌtageÍìs também são feitas com multiplostlc dez, de forma que assim f.aci:Í,ana todo o pÍocesso de medição.

As histórias da evolução de diferentes povos e épocas estariam eüdentes eas aulas ainda podem ser complementadas ou motivadas por pesquisas. Nocaso da 5" série, vídeos que retrâta idéias matemáticas de outras culturas e de()utros povos seriam atê mais interessante para iticiar uma discussão. Parte

Educação Matenátiea e Caltara Arzaqônìca

dessa discussão tetia por objetivo valorizar sua própria identidade e da dooutro, isso seria evidenciado gradualmente. A provocação à cutiosidade pelo

diferente, que não é tão clifetente assim, o disjunto que se investigarmos éjunto, desperta o espírito irn'estigativo dos alunos pata adentarem Íìos saberestradicionais mesmo que seja ÍÌo contexto da sala de aula, isso acontece quandoum aluno, ou o próprio professor levanta a questão de que atualmente aindasão usados diferentes tipos de medidas e grandezas na sociedade em gera), ef oadiferentes formas de matematizar as meüdas e grandezas, assim como, emalguns locais há a prevalência de idéias matemáticas diversificadas.

Nesse enfoque, as aúas devem ser conduzidas intencionalmente peloprofessor, isto é, o ptofessor além de estÃr ztvaf:z,ado, dominat o conteúdo dasua disciplina situando-o num contexto global, deve ser consciente de que oprincipal objetivo da educaçã.o em qualquer discipJina é a aptendizagem doaluno. Âssim, situâÍ-se no contexto local, torna-se fundamental. E nessesentido qì.re as aulas devem ser norteadas a partit da compreensão de mútosquestionamentos: Quem são esses alunos que formam essa turma? Onde elesmoram? Do que eles gostam? O que eles conhecem/sabe/fazem em seuscotidianos extra-escolares? Porque eles estão na escola? Quais são suasperspectivas parahoie ef oa aman}.rã? O que envolve a realidade vivenciadadesses alunos?

Nesse sentido, D'Ambrósio (1998) mostra sua preocupação quando falada necessidade da matemâttca no sentido de set uma rl:raneira de conhecer etomaÍ-se significativa par: o aluno:

E necessário modifìcarmos a imagem que a matemâticapossü de funcionar como umâ máquina seletora quedetermina quais alunos irão conclujr cada esúgio escolar.Devemos discutir também sobre a imoortância damatemârscz pâÍã a construção da cidadania, com ênfase,principalmente, na participação ctítica e autôooma dosalunos, proporcionando-lhes o estabelecimento deconexões da matemáticâ com ouüos temâs de sua vidacorídiana (D'AMBRÓSIO, 1 998, p. 327).

Assim, a investigação maternática entr:arra em ceÍlâ. O professor poderácorneçar a discussão corn os alunos a respeito do que eles conhecem demedidas, induzindo de certa forma eles perceberem que na vivencia cultural efanti)tar, eles utilizam unidades de medidã de capacidade e de massa que difereda unidade de medida de capa.cidade e massa do Sistema Internacional deMedidas estudado na escola.

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54 Edacacão Matemáüca e Cultura Amazônha

A partir dessa cliscussão, o professor poderá planejar junto com os alunos

uma pesqúsa de campo, uma excursão. Os objetivos no primeiro momento dairrvestigação sefiam mútos, um deles seria os alunos que não fazem parte da

vivência da ilha, conhecer o contexto vivenciado pelos colegas, assim como,conhecer a pnaca do manejo, da colheita e do transporte da principal

cc<rn<-rmia daquela comunidade, e que também é presente na mesa da rl:aioria

clcrs citadinos. Par:- os alunos que tesidem ria ilhâ, o objetivo principal seria o deenxefgar o seu ambiente com outfos olhos, e se perceberem como coÍrstrutofesde saberes.

É fundamental a orientação do professor em prepatâ-los na sala de aulapan à excursão como ajudá-los na ptodução do roteiro de entrevistas, orientá-los quanto a disciplina, a educação ambiental, o respeito pelo o outro, oscuidados a serem tomados, os pontos a serem observados, etc.

Na etapa da colheita do açú como discutido no eixo anteriot, elesconstroem sua ferramenta (a peconha), sobem nos estipes, cortam os cachos,descem com cúdado e vão juntando os cachos. Os alunos provavelmente aoobservarem os agricultores ribeirinhos debulharem os cachos do fruto,classificá-Ios e medit, perceberão ou poderão ser chamados pelo professor aperceberem a quantidade de cachos de frutos necessários para enúer a rasa, oque na muoria das vezes são necessários dez cachos de açai. De volta à sala deaula, com esse dpo de informação provenientes da excutsão, poderá se(:e)iniciar o esü-rdo do sistema de numeração, clecimal, com a idéia deagrupamentos de dez unidades. Partiríamos do agrupamento de cachos paraformar t)m r^sa, ou seja, levaríamos em consideração que cada cacho é umaunidade e que uma msa eqúvale awma dezena. Observem:

Figura 5 - Agrupamento de cachos de açai que fonnam uma râsâ

Educação Maternática e Cnltura Amaqfinìca

1. 1 cacho de aça:. = 1 unidade;

1. l0cachos deaçú = l0unidades = 1 dezenâouumarasa;

2. 100 cachos de açat = 100 unidades = 1.0 dezenas ou 10 rasas;

3. 1000 cachos deaça1 = 1000 unidades = 100 dezenas ou 100 rasas:

Esse é um exemplo de interação entfe os saberes, partindo desaberesf fazeres da üvencia de um grupo de alunos e possível de ser articuladopara desenvolver o conteúdo matemático escolar. Esses saberes poderão serdesenvolvidos (orgatizados didaticamente) na sala de aula de inúmeras formasde acordo com a capacidade cognitiva da turma, da séde trabalhada e dacriatividade e autonomia do professor, assim como poderiam ser tratados emoutras disciplinas, com outro enfoque.

Outro exemplo notável dos saberes tradicionais que se podeproblematizar na sala de aula é o manejo do açaí, a âtea ocapada pela planàçãoe a quantidade estimada da produção. Cada touceira deve ficar com 02 à 03árvores adultas, 02 à 03 filhotas e 02 à 03 filhos. Essa técnica de manejoatualmente realtzada na comunidade patz melhorar a safra do produto pode sertatado na sala de aula também como uma tecnologia inovadora abrindo espâçopat se tratar informações e discutir o social, podendo-se discorrer de assuntosglobais junto aos assuntos locais.

O Tratamento de informações poderá ser trabalhado paralelamenteaüavés da leitura de gráficos, estatística de produções de outras safras,cornparação da produção enrÍe safra e entre-safra e principalmentereÌacionando o modelo de produção dos ribeirinhos à de outras culturas. Dessaforma, motivando-os a perceberem que a busca constaflte de melhodas éimprescindível tanto nas grandes empresas, como em qualquer meio deprodução. Pode-se adentrar ainda na discussão emergida, a necessidade de queessas melhorias devam ser buscadas com responsabilidade e comprometimentonão só com o pensamento voltado p^ra o momento atualmente vivenciado,mas com gerações futurâ.

O tmnsporte do açaí também pode ser explorado na sala de aula commuito rigor Íro tratamento dado ao bloco Espaço e Forma, Números eOperações e no Trâtâmento de Informações. O rio como única via de acessopara eles comerciahzarem seus produtos e o barco como meio de transportepodeú dar abertura pa:rr- vânas discipJinas trabalharem juntas, ou seja, numprojeto interdisciplinar. Em Matemâica seria relevante levantarquestionamentos como: Qual a capacidade de carga do barco? Qual sua

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56 Iiducação Matenática e Cultura Amaqônica

r:rrpaciclade? Nesse caso, provavelmente o peso da tasa iá tivesse sido discutido.(]uant<r pesa a basqueta? Qual o número de basquetas e/ou de rasa o barco

lx)de sustentar? Como é organizado as tasa e/ou basquetas dentro do barco?l.issa <rrganização é feita de que forma? O que deve levar em consideração nessaorganizaçã.o no interior do barco? O produto ffanspottado é someÍrte de um

agricultor ribeirinho? De quem é o barco? Como ê pago a despesa do

t rar-rsporte?

Questionamentos como esses, abririam um leque de idéias matemâicas,

lrodenclo ser tecidas aos saberes escolares nos mais diversos conteúdos comotodas as operações básicas, proporção, medidas e grandezas, espacialidade e

fìrrmas em geometfia plan e espacial, estimativas, probabilidade, etc. Otransporte das rasas na rubeta é um exemplo dessa possibilidade.

Figum 6 - Foto e desenho da rabeta. Com detalhes àa organrzaçáo das rasas.(Foto:

Queiró2, Mrírcia, 2008)

O tratamento dado aos conteúdos dos temas de uma fotma getal deve ser

tratado visando e considerando o desenvolvimento cognitivo, social e cultural

cl<rs alunos. A üderança do professot em relação aos alunos deverá ser de

rutonomia, confiança e respeito. E importante ateritar p^r o fato de que a

r:xplicitação clara de papéis e de responsabilidades é fundamental pata norteaÍ

rs interações que ocorrem nâ sala de aula enúe professor e alunos, alunos e

alunos, e ainda professor, alunos e saberes. Também é necessário avüat em

Educação Matenátìra e Caltara Ana<ônica

conjunto essas relações em função dos papéis e responsabilidades definidaspata rcüteitoÍìar os nrmos do processo de ensino e aprendizagem.

Pensar no aluno, bem como no professor como seres dotados decrìatividade, autonomia e l-iberdade, desafiados a todo instante por novosparadigmas que, entre outros efeitos, desorganiza pensâmentos e organiza-osbuscando a consffução de novos conhecimentos é, também, compïeender quea multipücidade de referências nesse processo de construção é fundamental.

Nessa rcflexão sobre uma possível (re)ligação de saberes tradicionais esaberes escolares, exemplifìcado com os saberes tradicionais desse grupo dealunos pesquisados, é relevante lembrar que é impossível apresentar todos ospassos a serem conduzido por qualquer educador num üabalho desse porte,pois é impossível descrever o método antes de ter acontecido. O que foidiscutido na dissertação e âptesentado nesse artigo são possibilidades,pfopostas.

CONSIDBRAçÕES FINAIS

Sabemos gue a prânca mais freqüente no Ensino de Matemática tem sidoaquela que o professor apÍesenta o conteúdo oralmente, partindo de definições,exemplos, demonstração de propriedades, seguidos de exercícios deaprenüzagem, fixação e aplicação. Assim, pressupõe que o aluno aprenda pelareprodução. Considera-se, pois, que uma reprodução correta é evidência de queocoÍreu a aprenüzagem matemática. Essa púnca de ensino vem se mostrandoineficaz há muito tempo, pois a "reptodução cortetà", geralmente, é umasimples indìcação de que o aluno aprendeu a reproduzir procedìmentosmecânicos - por memoÀzaçã.o -, mâs não aprendeu o sentido e os signi{ìcadosdo conteúdo e de suas relações, portânto, não saberâ utjlizáJos em outroscontextos.

Na busca por uma púica que possa desenvolver aprenüzagemsigni{icativa que propicie a fotmzção de alunos críticos e reflexivosparticipantes do processo de construção de seu próprio conhecimentoteabzamos as experiências pedagógicas apresentâdas. Se tomarmos essasexperiências pedagógicas como exemplos de interações referentes à cuÌturacomunitária dos alunos na aprenüzagem da Matemática, podemoscompreender as peculiaridades dos significados das relações cognitivas advindasda cultura farnüar, independentemente do país em que se mor4 uma vez quetais relações oão se articulam com a cultura da escola e da sociedade em terrnosglobais.Todavia, tanto a pÍeseÍìça da tecnologia como as diferenças eorre âcultura familiar e a escolar não deixam de estar relacionadas enfte si. Isto nos

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58 f:idumção Matentritica e Ll,ultura Anaqônìca

l)cfrrìite cìizer que a cultura famìJ:iar, assim como a escolâr, é a base de muitas

ç,rlsiderzrções sobre os valofes educativos, sobfe a importância de diferentes

tipcrs cle conhecitrlentos e da trJlação que os indivíduos mantêm com esses

conhecimentos.Corrcrborando com Bishop 0999), não basÍa somente ensìnar ruateruáticas,

daaemos tarnbém educar acerca das matemátìcat, nedìante as ntatemáttcas e coilx as

ruafurnáücas. Ensinar as cfianças a sabefem e fazerem mâtemáticas destaca o

cr:nhecimento como "urna maneira de fazer". A Educação Matemática se

()cupa iustameflte de uma maneita de conhecef. Neste estudo, compreendemos

csses sentidos, posto que devemos tÍatâf do conhecimento matemático em uma

perspectiva cultural. Isto quef dizer que o interesse principal dc, processo de

ensino-aprendtzagem das matemáticas são os problemas da educação

m ternât1c e a necessidade de enconttar maneiras educatrvamente significatìvas

cle rclacionar as pessoâs com sua cultura matemática considerando o corìtexto

cla comunidade na qual vive. De fato, â fìossa pfeocupâção é encontrar

maneiras de re/acionar as crìan{as cum sua ca/tura etnomatemáticano carco da

, (t re n d,ìqagem da m at em á tìca e sco lar.

PàÃce dificil formular problemas e questões pertinentes ao ensino quando

se leva em considefação que educar matemat-icâmente as Pessoas é muito mais

rlue simplesmente ensiÍrâÍ "algo da matemática", pois requer consciência dos

valores ìubjacentes às matemáticas e fecoÍrhecimento da complexidade de

ensinar esses vâlofes a estudântes. Pofém, quando falamos do interesse por

cìiferenças entfe cultufas no âmbito do ensino de matemática, isto se dá não

pofque se evidencia qualquer superioridade culrural, mas sim po(que nos

,.nribilir"- as similitudes. Para nós, por exemplo, torna-se evidente que a

cxp/icação é universal não só Parà o desenvolvimento cultural e social, mas

t:rmbém p^ft o desenvolvimento matemático.

As cultoras, em gefal, estfutufam sua linguagem, usam dassificações, têm

felatos explicativos, têm maneiras de conectar idéias mediante um discutso e

rêm uma ieferência fundamental para vahdar expJicações. Assim, a expl,icação é

tiì<-i universal como é a linguagem e, sem dúvida, tem importância básica pata o

clcsenvolvimento matemático. Tanto a cultura comunitária quanto os conteúdos

rnatemádcos quando considerados e ligados poderão produzir cÔnkÌecimento

matemátìco (re) conte"t t ahzado segundo a realidade cultural dos estudantes.

A população ribeirinha adulta da comunidade pesqúsada é, em maioria,

arralfabeìa, posto que apenas alguns dos moradores estudâfâm atê a 4 série do

lrlnsino Fundamental. No entanto, esse fato n;ão os impede de desenvolvef-se e

cvoluir rìo seìr cotidiano de acordo com suas necessidacles, como é o caso do

desenvolvimento e de mudanças no Processo cfiterioso do cuÌtivo, da extração

c cla comefcialização do açai, assim como não os impede de transminÍ esses

Edacação Matenática e Cultara Arzaqônica

saberes pata a nova genção, os fìlhos. Uma unidade de medida na comunidadeda Ilha Grande é vista e conservada como uadiçã.o, a rasa continua satisfazendoa realidade dos dbeirinhos quer no processo de medição quer de quântificâçãodos seus produtos.

Nesses temos, encoÍrtramos a etnomatemâttca incoqporada naprâdcademedir nas atividades extratiústas das comunidades uadicionais de dbeirinhos, aqual assume sigruficados que devem ser observados mais amplâmente, isto é,pata alérn dos vieses puramente econômicos. Vale ressaltaÍ que marcasetÍromatemáticas são encontradas não somente nas atividades produtivasfortemente vinculadas ao meio fisico, mas também nos modos de üdaexpressos na habilidade em viver em meio a tios e florestas, e aosconhecimentos que foram construídos na tsajetoria dessa vivência.

Dessa foÍma, é compreensível que mesmo evitando a prânca dodesenvolvimento mimético tradicional, os problemas perduram e exigemgrande empenho paÍ^ ctiar soluções que auxiliem a proclução e obedeçam asnovas ünhas de conduta propostâs para determinada comunidade, região, etc.Âssim, para conduzir mudanças que surtam o efeito desejado não pode serdesprezado o conhecimento tácito desenvolvido por gerações, crucial nodesenvolvimento das estÍatégias tradicionais utilizadas.

O objetivo deste estudo é possibilitar compreensào, a partt das reflexõesapresentadas, de que o ponto de partida paru efitrelaçar saberes etnográficos dascomunidades e saberes escolares fazendo-os dialogar é conhecê-los,esclarecendo ainda que para isso é preciso vivenciá-los, mesmo que seja atravésde pesquisa. A nosso ver, na Educação Matemâtica a Etnomatemática podeestabelecer o diálogo considerado desejável iustamente eÍìtre os saberestadicionais de uma comunidade e os saberes escolares. E o diâogoetnomatemático que valoriza os sâbeÍes culturais, que é capaz de investigarideias matemáticas que emergem desses saberes e conectâ-l^s aos saberesmatemáticos escolares, dando masor concretadels a diversos conteúdos pata getaraptendtzagem significativ^ pate- o aluno e facilitar a compreeÍÌsão de ideias econceitos abstratos.

Dessa foma, é fato que a propostâ de úabal}Ìar os sabeÍes tradicionais daCultura Arr:o;zôtrica relacionados à matemática escolar, exige do professotatitudes de pesquisador, orientador e mediador efltre o saber tradicional e osaber escolar e uma forte interação enúe ptofessor, aluno e saberes. Acredita-seqÌre nâ sala de aula estâ ínteração pode ser possível atr vés do diálogo, no qual alinguagem vetbahzada e a linguagem matematzada possam entrelaçar-se num

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15 No sentido da mtltìblicidade de deíerruìnacão das coisas, no dizer de Marx

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(r0 Iiducação Matemátìca e Ciltara AmaTônica

t)r()ccsso em que a aprenüzagem rn^temâtica tenha possibiüdade de se fazer

presente, viabilizando o desenvolvimento integral do educando.

O diálogo que buscamos eÍrtÍe esses saberes é este encontro de sabetes da

humanidade, mediatizadas pelo mundo, que comunicam o mundq não

significando doação do pronunciar de uns a outros. E um ato de criação, não

scnclo apenas um instrumento do qual um homem faça uso pata conquistar o()utro, mas complementem-se um com o outro. Nesse entender, o diáÌogo se

impõe como caminho pelo qual a hurnanidade ganha significa@o, como

humanidadq aüavés dos saberes. Um diálogo capaz de nos fazer compreendeÍ

que podemos conviver com a ciência e, ao mesmo tempo, com outras

aÌrordagens de sabedoria humana como os saberes da tradiçãq as artes etc'

ïrdo conhecimento, pois, tem sua importância e a (re)ligação desses

conhecimentos é o que proporciona sentido ao mundo e à vida.

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