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MÉDICOS, DOENTES E HOSPITAIS: a construção de uma memória da criação dos espaços
hospitalares em Teresina entre 1889 e 1920
MÁRCIA CASTELO BRANCO SANTANA
A prática de caridade para com o pobre teve como principal iniciativa as entidades religiosas que
ajudavam os doentes, bêbados, loucos, aleijados e mendigos. Essas ações começaram a disseminar a
ideia de medicalização nesses espaços, bem como o louco passou a ser alvo de uma prática de
internamento. Essa relação entre caridade, Santa Casa de Misericórdia (hospital) e criação dos asilos
de alienados encontra seus mecanismos de atuação em todo o território brasileiro. Assim, refletiremos
sobre tais questões, objetivando desenvolver uma análise do processo de medicalização dos doentes no
Piauí durante o processo de implantação das primeiras instituições hospitalares em Teresina no espaço
conhecido como Campo de Marte. Ao percorrermos a trajetória de uma política de construção dos
hospitais para tratar dos diferentes doentes observamos como foi realizado toda uma campanha nos
jornais locais e, em textos de médicos, no sentido que fossem viabilizadas essas ações. Assim, a figura
dos médicos, enquanto facultativos das duas instituições, tornaram-se fundamentais para tal objetivo,
pois em torno de seus nomes constituiu-se uma memória de luta pela construção desses espaços.
PALAVRAS-CHAVE: Hospital. Doenças. Médico. Memória. Jornal.
No Piauí, a assistência aos doentes esteve ligada também à ordem da Misericórdia.
Inicialmente, os pobres da Província eram tratados no incipiente Hospital de Caridade que foi
fundado em 1835. No entanto, colocou-se posteriormente a necessidade de que tal
estabelecimento ficasse a cargo de uma irmandade da misericórdia. Tal fato não se deu de
imediato, tendo em vista que, antes de acontecer isso, esse mesmo hospital foi transferido para
a nova sede da província que viria a ser Teresina. Apenas 25 anos depois, em dezembro de
1860, diante da péssima condição do edifício em que estava instalado o hospital, o presidente,
Dr. Manoel Antônio Duarte de Azevedo, fundaria a Irmandade da Santa Casa de
Misericórdia, e em agosto de 1861, na administração do Dr. Gayoso, o Hospital de Caridade
seria substituído pela Santa Casa de Misericórdia (FREITAS, 1988).
Como núcleo gerador dos primeiros hospitais de caridade, as irmandades religiosas
cuidaram primeiramente dos pobres, um papel que era mais caritativo do que hospitalar e só
no século XIX veio a assistência aos loucos. Razão por que, quando se fala de assistência aos
alienados, relacionam-se esses papéis às Santas Casas de Misericórdia. Nesse sentido,
encontramos os primeiros asilos para alienados, anexo a uma Santa Casa ou sob sua
UESPI/UFPE, Doutoranda em História, apoio FAPEPI.
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administração, que, por sua vez “[...] estavam sob a jurisdição dos respectivos governos
provinciais e a eles prestavam contas do funcionamento dos ‘estabelecimentos pios’ que lhes
pertenciam e de suas atividades filantrópicas [...]” (ODA; DALGALARRONDO, 2005: 985).
É notório também que a prática de caridade para com o pobre teve como principal
iniciativa as entidades leigas. Formadas por brancos advindos de uma elite local, esses grupos
prestavam ajuda a doentes, bêbados, loucos, aleijados e mendigos. A ação desses grupos
aumentava à medida que os espaços urbanos nascentes cresciam, pois, além do papel de ajuda
que desempenhavam, funcionavam junto ao Estado como outro mecanismo de vigilância à
desordem de uma vagabundagem cada vez mais proeminente no mundo da cidade. Por outro
lado, essas benfeitorias traziam prestígio e privilégios a seus membros, pois significava
circular entre a elite e obter alguns valores financeiros que tais entidades possuíam. Segundo
Lilia Ferreira Lobo (LOBO, 2008), no Brasil uma das ordens mais destacada seria as
Misericórdias, que se espalharam não só pelo vasto Império português e seus domínios, como
também por quase todas as regiões do Brasil.
Essa relação entre caridade, Santa Casa de Misericórdia e criação dos asilos de
alienados encontra seus mecanismos de atuação em todo o território brasileiro. Ao fundar os
hospitais e realizarem o tratamento dos doentes pobres, as Santas Casas passaram também a
abrigar em seus espaços os doentes mentais que chegavam a sua porta. A solicitação de seus
serviços tornou-se cada vez mais proeminente, com o crescimento da pobreza nas cidades,
que passava a ser objeto de desconfiança e de controle, já que a pobreza em si não era o que
se temia, mas as transgressões que acompanhavam esse grupo.
Nesse mesmo patamar de discussão, Lília Ferreira Lobo reafirma três pontos que
perpassaram essas instituições no século XIX: criação de estabelecimentos especializados
como os hospícios para loucos, o caráter médico que os hospitais receberam e, para nós em
particular, um terceiro ponto que foi a “[...] as separações institucionais [que] ocorreram
também nos saberes especialmente o médico-psiquiátrico das apropriações classificatórias das
alienações [...]” (LOBO, 2008: 261). São esses três fatores que começaram a disseminar não
só uma atenção aos doentes de maneira diferente, como o louco também passaria a ser alvo de
uma prática de internamento nos asilos, mesmo que esse tipo de internação fosse mais de
assistencialismo do que de tratamento médico.
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Em relação a Santa Casa de Misericórdia de Teresina nota-se também que a presença
médica no hospital ocorria de forma muito limitada, visto que o médico era funcionário
pertencente ao partido público, conforme coloca o relatório de 1878 do Dr. Sancho Pimentel
(FREITAS, 1998). Soma-se na esfera da Santa Casa uma gama de fatores que permitiria
manter seu papel muito mais caritativo do que completamente médico. Somente na última
década do Império, definiram-se melhor não só os serviços do hospital como a especificação
do pessoal do serviço médico e suas atribuições. Definia-se melhor também quem poderia ser
o facultativo clínico para ser admitido na Santa Casa. É desse período outro grande ponto a
ser observado no decreto provincial nº 25 de 22 de abril de 1890, em que se regulamentam essas
questões acima, que foi o aparecimento, no seu artigo 40, da primeira menção aos doentes
alienados.
No Piauí, a atuação dos médicos, seria sentida com força a partir da presença em
atendimentos privados, nas enfermarias militares, onde se atendiam os presos e soldados e no
Hospital de Caridade. Sua formação vinculava-se, também, às faculdades do Rio de Janeiro e
da Bahia, e seu retorno era bastante prestigiado pela sociedade. Muitos dos médicos tiveram
um papel relevante na sua profissão como ganharam destaque na área política e das letras. A
documentação nos aponta que podiam ser identificados atuando como clínicos, como
legisladores, jornalistas e literários, não se restringindo apenas ao papel social de médicos.1
Nesse ponto, podemos citar como exemplo os médicos Simplício de Sousa Mendes, durante o
século XIX, e Areolino Antônio de Abreu que teve destaque maior na área política no século
XX.
Simplício de Sousa Mendes formou-se em medicina na Bahia em dezembro de 1845.
Ao retornar para o Piauí, atuaria como professor no Liceu e depois como Diretor da Instrução
Pública. Posteriormente foi médico do Partido Público. Entre os cargos políticos, assumiu o
de deputado provincial, em várias legislaturas, e em 1861 o de Deputado Geral pelo Piauí.
Monsenhor Chaves, em relação à biografia do médico, destaca que ele “estava sempre a
serviço da comunidade, principalmente dos pobres, de quem nada recebia pelo seu trabalho”
1 Identificamos ofício dos médicos solicitando licença dos cargos que ocupavam para assumirem a vaga de
deputado, bem como nos jornais consultados visualizamos várias notas sobre outras atividades exercidas pelos
médicos em Teresina como a de jornalista.
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(CHAVES, 1998: 515). Já Areolino Antônio de Abreu se destacaria como vice-governador do
Piauí e um dos principais articuladores na fundação de um espaço para recolher os doentes
mentais em Teresina em 1907, que foi o asilo para alienados. Como médico, teve sua
formação ligada à Faculdade da Bahia, defendendo sua tese em 1887. Além desses cargos,
ainda foi professor e jornalista, sendo sempre elogiado na imprensa local como grande orador
e articulador político. Como médico lhe atribuíam a condição de sempre exercer uma “clínica
illustrada e generosa” e dar continuidade aos trabalhos de “Simplício Mendes e Arêao
Leão”(DR. AREOLINO DE ABREU, 1909: 2). Mais tarde se destacaria na luta pela fundação
do Asilo para Alienados em Teresina.
Com um número razoável de facultativos, Teresina não se caracterizava, portanto,
como uma cidade em que o saber médico, e mesmo sua atuação, fosse algo raro na segunda
metade do século XIX e início do XX. Isso porque a presença médica na capital se fazia
visível em vários espaços de atuação e principalmente nos momentos de epidemias que
ocorreram no Estado, e o governo nomeava as comissões médicas que agiam ativamente em
seu controle.
Desse modo, médicos como Constantino Luiz da Silva, Portella Parentes, Beijamim
Baptista, Mario Rocha, Vaz da Silveira, entre outros, atuavam nesses setores e colocavam os
anúncios para informar à população o local, a data e horário em que consultavam. Esses eram
anúncios das consultas particulares realizadas por esses médicos, como identificamos no
publicado por Constantino Luiz no jornal local Liga e Progresso: “O Dr. Constantino Luiz da
Silva Moura, se acha residindo na Rua da Palma, casa n. 6, onde pode ser procurado a
qualquer hora do dia ou da noite para o exercício da sua profissão médica. Presta-se
igualmente a chamado fora da cidade” (LIGA E PROGRESSO, 1865: 05). Em anos
posteriores, encontramos outros anúncios dessa prestação de serviço com a inclusão de um
horário para atender os pobres ou especificando os tipos de doenças que eram possíveis ser
tratadas pelo médico:
Dr. M. Affonso Ferreira - Médico
Consultas grátis aos pobres das 2 às 4 horas da tarde
Na Pharmacia Collect (DR. M. AFFONSO FERREIRA, 1907: 03).
Dr. Vaz da Silveira: Especialidade: operações e moléstias nervosas
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Consultas: Segunda, quartas e sabbados, das duas as cinco horas da tarde
Residência e Consultório: Rua Senador Pacheco (Rua Bella) n. 39 (DR. VAZ DA
SILVEIRA, 1911: 04).
Além desse anúncio, o dr. Vaz da Silveira publicou outro texto informando que, sob
sua direção, tinha um consultório médico na “Pharmacia Nova” onde o atendimento aos
pobres era gratuito (CONSULTÓRIO MÉDICO, 1911: 04). O que parece ter sido uma prática
entre os médicos, que tinham tanto uma clientela que pagava pelas consultas, como
destinavam alguns horários para atender de forma gratuita à população carente de recursos
financeiros. As especialidades a que cada um estava habilitado a cuidar também já
começavam a fazer partes dos anúncios, conforme expressou o médico Vaz da Silveira no
anúncio de seu atendimento. Assim, os anúncios publicados na impressa local nos permitem
uma boa visualização desse fato tão presente na vida dos médicos da capital no qual
anunciavam o local, os dias e horários de atendimentos. Por outro lado, o médico passa a ser
uma peça fundamental como divulgador e portador do conhecimento para a cura das doenças,
no combate às causas das epidemias e o articulador de meios preventivos para promoção da
saúde da população. A partir desses pontos era visível que a ação médica era relevante na
organização e administração da cidade e do bom funcionamento dos hospitais. A concepção
de que as recomendações médicas deveriam ser incorporadas para redução das moléstias
transmissíveis no seio de uma população, que se caracterizava cada vez mais como urbana,
ganhou voz mais proeminente entre as falas das autoridades que buscavam nas explicações
médicas o apoio para disseminar essas ideias.
Uma dessas iniciativas foi expressa pelo presidente da Província em sua mensagem
em 1874 ao falar do estado sanitário de Teresina. Focalizando as febres paludosas como uma
doença, que desde 1868, não possuía caráter epidêmico, e no ano de 1874 dava sinais de que
poderia voltar a ser, o governo agiria da seguinte forma:
Para estudar as causas de tão terrível moléstia e indicar os meios de melhorar as
condições hygiênicas da capital, nomeei uma comissão de profissionais composta
dos Drs. Simplício de Souza Mendes, Raimundo Arêao Leão, Joaquim Antônio da
Cruz, Constantino Luiz da Silva Moura e Antônio Hermenegildo de Castro (PIAUÍ,
1874: 16).
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Conforme trecho da mensagem, nota-se a preocupação do gestor em constituir uma
cidade limpa dos fatores disseminadores do surto da doença entre a população. É importante
ressaltar que a tomada de medidas baseadas nas recomendações médicas relativas à questão
da higiene nas cidades passou a ser um pensamento que aparecia cada vez mais forte entre as
autoridades do Piauí, pois buscavam seguir os conselhos e empregar meios de atingir o estado
de salubridade elencado pelas várias falas da medicina.
Nesse contexto, em junho de 1884, o médico do Partido Público de Teresina oficiava
ao então presidente da província do Piauí, Emígdio Adolpho Victorio da Costa, uma série de
medidas que deveriam ser tomadas pelo governo “a bem da salubridade pública” da capital.
Segundo o médico, o estado sanitário de Teresina apresentava-se bem distante do que era
considerado lisonjeiro e desejável para uma capital. A correspondência, bem longa, trazia
alusão a vários itens que precisavam ser modificados, pela população e pelo poder público,
para que a cidade alcance costumes civilizados, bem como os visitantes não tivessem uma má
impressão quando chegassem à capital (PALÁCIO DO GOVERNO DO PIAUÍ, 1884: 02).
Para o médico, as medidas eram necessárias em virtude do “adiantado estado de
civilização” em que se encontrava a sociedade e da qual Teresina, como capital, deveria estar
no mesmo patamar. Nesse ponto, o médico Raimundo Arêa Leão, elencou 5 (PALÁCIO DO
GOVERNO DO PIAUÍ 1884: 02) medidas que manteriam a cidade dentro dos preceitos
higiênicos recomendados e que resumidamente, eram:
1 Limpeza da cidade com a retirada de lixo das ruas, praças e largos;
2 Cessar a criação de porcos em quintais da décima urbana, bem como expor ao sol
couros secos e salgados;
3 Um médico da Câmara municipal deveria fiscalizar todos os dias o abatimento das
rezes destinadas ao consumo público;
4 Remoção de todos os açougues existentes na cidade em quartos mal arejados e
imundos para a casa do mercado público onde seriam usadas as medidas higiênicas na venda
da carne;
5 Proibição dos enterramentos em catacumbas.
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Não resta dúvida de que as diretrizes postas pelos médicos, no que concerne à
higiene pública, constituía-se a partir de uma medicina social encaminhada dentro de uma
nova concepção em que se pensava as questões de doença e saúde. O médico, como portador
desse conhecimento, adquirido nas faculdades de medicina, apregoava essa luta e procurava
cada vez mais colocar em prática tais questões. Nesse sentido, ocupar os cargos de médico do
Partido Público e atuar junto às autoridades traduz em bom termo estratégias usadas por
muitos deles para conseguir a promoção de uma nova visão da medicina.
Yonissa Marmitt Wadi aborda que essa foi uma luta lenta, porém “[...] contínua por
parte dos defensores dessa nova medicina para alterar as relações e concepções vigentes no
país quanto a questões de doença e saúde” (WADI, 2002: 89). E que se mostrou também
como uma luta para projetar cada vez mais esse conhecimento na sociedade, mas apenas
possível de ser realizado por homens portadores desse conhecimento adquiridos nas
faculdades. Um conhecimento aplicado pelos médicos nas mudanças de costumes, em uma
intervenção nos mais diversos lugares públicos como hospitais, mercados, cadeias e
cemitérios, além de regular a atuação da venda de medicamentos e desenvolver estudos para o
controle das diversas doenças, das epidemias e endemias. Existia, pois, na cidade, a circulação
dessa medicina desenvolvida dentro dos preceitos modernos e preventivos. É evidente que
nem sempre suas ações vão ter o respaldo no seio da população, considerando que muitas
medidas ainda eram distantes da realidade de boa parte da população humilde de Teresina.
Porém, existia um movimento forte em direção a sua aplicação, traduzido nas
regulamentações formuladas pelos poderes públicos e no interior das instituições em que era
necessário a atuação dos médicos.
Fatores que motivariam, segundo Roberto Machado et al, “modificações importantes
no âmbito da medicina, que alargarão os limites de sua ação e presença na sociedade”
(MACHADO, 1978: 167). Daí para frente, a intervenção de um saber especializado do
médico cresceria como condição de medidas que levariam à constituição de uma saúde
pública e de práticas para obtenção de uma população saudável e de uma polícia médica,2 que
2 Para Machado et al, “A polícia médica passa a ser definida como o conjunto de teorias, políticas e práticas que
se aplicam à saúde e bem-estar da população, dizendo respeito a: procriação, bem-estar da mãe e da criança,
prevenção de acidentes, controle e prevenção de epidemias, organização de estatísticas, esclarecimento do povo
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no Brasil era uma novidade, pois, segundo Roberto Machado et al, essa já era uma ideia há
muito presente na Europa, em países como Alemanha e França.
Isso levaria cada vez mais a necessidade de expandir a presença médica, bem como
uma medicalização maior da população com a ampliação de formas de tratamento e de
espaços de atuação desse médico. A própria criação dos lazaretos, das enfermarias para
bexigosos na Santa Casa e de um espaço para cuidar dos loucos, muito além dos que
ocupavam nas celas da Cadeia Pública, significariam o olhar mais preciso desse profissional
na sociedade. Outras esferas de influência direta do médico ocorriam na elaboração dos
códigos de posturas da cidade, no que tange à fiscalização higiênica dos espaços como a
cadeia, estabelecimentos de caridade, profissão médica, fábricas e mercados.3
De qualquer forma, o médico passa a ser uma figura importante no hospital da Santa
Casa, galgando cada vez mais espaços, à medida que o hospital passava a ser visto como o
que melhor atendia à população do Piauí. A importância do médico da Santa Casa se fazia
perceber, através de algumas mensagens que os colocavam como profissionais competentes à
frente de seu cargo e que zelavam pelo bem dos pacientes em situações, muitas vezes,
adversas nas quais se achava o hospital, como bem expressa o relatório do presidente da
província Manoel Espínola Júnior, em 1870, relativo ao hospital ao médico que atendia os
enfermos pobres que chegavam à Santa Casa:
Para os enfermos pobres existem apenas na província dois hospitais, o da Santa
Casa de Misericórdia n’esta capital, que recebe o auxílio dos cofres públicos, e o de
Oeiras sustentado exclusivamente pelos mesmos. Acham-se o primeiro sôb os
cuidados do ilustrado médico Dr. Simplício de Sousa Mendes (PIAUÍ, 1870: 13).
Constava também dos relatórios dos provedores o bom desempenho dos médicos em
relação ao seu trabalho na instituição. Assim como as recomendações que estes realizavam
em termos de saúde, garantia de cuidados médicos, organização da profissão médica, combate ao
charlatanismo”. 1978, p. 167. 3 Em dezembro de 1886, o médico Dr. Raimundo de Arêa Leão, que exercia o cargo de Inspetor da Higiene
Pública do Piauí, oficia ao Presidente da Província cobrando que o mesmo providencie as medidas de higiene na
Casa de Detenção conforme o médico tinha solicitado no relatório feito sobre a instituição durante aquele ano.
As medidas que deveriam ser tomadas seguiam o que estava posto no Regulamento referente ao Decreto n. 9554
de 03 de fevereiro de 1886 que reorganizava o serviço sanitário do Império. (SECRETÁRIA DE SAÚDE. Ofício
de 06 de dezembro de 1866)
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para aquisição de material hospitalar e de medicamentos. Decorrente desses fatos,
compreende-se que o médico ampliava seu papel na instituição com ações cada vez mais
fortes de solicitações de medicamentos para os procedimentos médicos nos doentes, nas
solicitações da compra de equipamentos para melhor prover a sala de cirurgia do hospital e
mesmo, no que concerne aos procedimentos médicos que iam das visitas às cirurgias
conforme, relatório do provedor sobre este ponto:
Tem desempenhado cabalmente as suas funções o Dr. Raimundo de Arêa Leão,
Diretor do Hospital de Caridade, visitando com assiduidade as enfermarias,
receitando os doentes e fazendo as operações cirúrgicas necessárias, com
proficiência e zelo que todos lhes reconhecem (RELATÓRIO, 1899: 03).
Cirurgias essas que aumentaram seu número no final do século XIX e início do XX,
passando a exigir um número maior de médicos na Santa Casa para realiza-las, não só pela
quantidade que eram realizadas, mas também pela complexidade dos procedimentos. Para
essa complementação, o hospital contaria posteriormente com mais quatro médicos em suas
dependências, além, é claro, dos dois que passaram a fazer parte, desde a divisão feita nos
serviços médicos da Santa Casa em duas secções (PIAUÍ, 1898). Quando o Asilo de
Alienados foi fundado e passou a funcionar, verificamos que a presença de um médico
destinado apenas a essa instituição passaria também a fazer parte dos quadros da Santa Casa.
Esse médico atuaria como diretor e clínico do Asilo (PIUAI, 1907).
O relatório de 1899 trazia também a informação de que o hospital da Santa Casa
possuía duas enfermarias separadas para homens e mulheres e uma enfermaria especial para
os praças do corpo militar de polícia (RELATÓRIO, 1899: 07). A divisão simples por sexos
parece ter sido utilizada desde a fundação do hospital, não se modificando ao longo de sua
existência. O que podemos perceber é que houve, apenas em alguns momentos, a criação de
alguns espaços de isolamento, quando ocorriam doenças contagiosas ou epidemias que
necessitavam de uma assistência mais cuidadosa aos doentes. O cuidado com os doentes da
enfermaria masculina tinha como responsável um enfermeiro; do mesmo modo, na enfermaria
feminina, atuava uma enfermeira. Os dois funcionários seguiam as ordens médicas em termos
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de assistência ao doente e as ordens administrativas partiam do provedor e demais membros
da Santa Casa, tais como Secretário, Tesoureiro e Escrivão.
Ao analisarmos o funcionamento da Santa Casa, observamos que sua estrutura não
foi pensada para amparar os ditos loucos, mas enfermos que apresentavam moléstias das mais
diferentes ordens e que eram recolhidos a suas enfermarias para serem tratados. Por ser o
único hospital na cidade, passou posteriormente a recolher em suas enfermarias os loucos que
eram encaminhados às suas dependências, porém não há de forma constante, na
documentação do século XIX da Santa Casa, especificações sobre esses casos, na medida em
que não havia também uma especialização para esse tratamento nos muros do hospital. Com a
criação do Asilo de Alienados e sua administração repassadas aos cuidados da Santa Casa, é
que começaremos a observar o registro dos doentes mentais na instituição hospitalar com
maior ênfase.
Observamos que essas medidas passavam a ser incorporadas em várias falas da
classe dirigente de Teresina, tais como a dos governantes e autoridades médicas e policiais de
acordo com alguns relatórios já destacados neste trabalho. Além dessas pessoas, Maria
Mafalda B. Araújo coloca que, no início do século XX, a imprensa passaria a fazer uma
campanha no sentido da “necessidade de criação dos Asilos de Loucos e de
Mendicidade”(ARAÚJO, 2010: 134). A partir da consulta do jornal Diário do Piauí, do ano
de 1912, a historiadora problematiza que os artigos e crônicas refletem o interesse da
fundação de tais instituições no Piauí. O argumento principal destacado nos artigos articulava-
se ao sentimento de compaixão que se deveria ter para com os indigentes, bem como a
distribuição de forma adequada das esmolas que se davam para esses pobres, a fim de que
esses não desviassem para outros fins, como o álcool. Por fim, os articulistas colocavam que
os Asilos trariam muitos benefícios à cidade, visto que não só impediria que indigentes,
inválidos e loucos vivessem perambulando pela rua pedindo esmolas, como resultaria em
ações de investimento no progresso da cidade.
Outro ponto enfatizado pela autora faz referência ao destaque que os articulistas
envolvidos, no movimento, atribuíam ao médico. Visto como uma peça importante no êxito
do movimento, na medida em que estes teriam a responsabilidade de realizar os exames
principais para identificação dos que estavam em condição de ir para essas instituições;
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aqueles que não fossem classificados como doentes, seriam mandados para o xadrez. Diante,
esses argumentos, compreende-se que estariam presentes na fala dos jornalistas as ideias
circulantes na época de que era imperante a criação de espaços de ordenamentos para os
indivíduos considerados fora das normas e a partir do que já era discutido pela medicina.
Nesse contexto, caminhava-se paulatinamente para formação de um novo espaço que
guardaria agora apenas os indivíduos loucos. Contudo, sua efetiva construção, em Teresina,
estaria mais visível no final do Império e primeiros anos da República. Até lá os alienados
ficaram dependendo das internações nas enfermarias de hospitais, que sobreviviam,
precariamente, com as poucas verbas, ou então nas celas da Cadeia. Tal contexto engendrou a
formulação, por parte de alguns notáveis de Teresina, da defesa da importância do
conhecimento da psiquiatria como imprescindível para o tratamento dos loucos, fortalecendo
naquele momento a criação de espaços, com o objetivo de tratar e curá-los: os asilos de
alienados.
Razão que conduziria as reivindicações por um local com melhores condições
higiênicas e que prestasse assistência dentro do que versavam os discursos médicos. Já
transparecia na mensagem do governador Raimundo Arthur de Vasconcelos, a importância
que a mudança de postura quanto a essas questões encaminharia para uma melhor definição
do melhoramento de várias instituições, bem como para a elaboração de um código sanitário
municipal que definiria as atribuições e responsabilidades sobre vários pontos do saneamento
do meio e da fiscalização das instituições:
A hygiene pública, tão descurada entre nós, é questão inadiável para o bem estar
das populações. Os benefícios resultantes de uma repartição convenientemente
instalada, embora com maior economia e simplicidade, são evidentes pela própria
natureza do seu destino. Demais, urge ser confeccionado o código sanitário
municipal, no qual fiquem completamente definidas as atribuições das Intendencias,
no qual se relaciona com o saneamento do meio em suas particularidades (PIAUÍ,
1898: 14).
A organização dessa repartição desembocaria em medidas e cobranças mais
enérgicas para o enquadramento de um hospital que viesse a atender de forma satisfatórias os
vários tipos de doenças que se manifestavam na população e, particularmente, os loucos, pois,
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segundo relatório do Inspetor de Higiene, não havia na Santa Casa enfermaria para “reclusão
dos monomaníacos”, devendo isso acontecer para que os alienados mentais viessem a
“receber um tratamento conveniente e regular”. Nesse ponto, alertava médico, no final do
relatório, que: “a terminação d’aquele edifício [Santa Casa], Exm. Sr. Além de ser uma
medida higiênica de alto alcance, é uma necessidade pública e tal ordem, que si impõe ao
espírito esclarecido de um administrador correcto e moralizado” (RELATÓRIO, 1899: 158).
A recomendação passaria a ser seguida para o hospital na medida em que Raimundo
Arthur de Vasconcelos, depois de 9 anos, afirmava à Assembleia:
Ocorre ainda comunicar-vos que, dando execução a vontade legislativa expedi
novos estatutos para a Santa Casa de Misericórdia. O desvelo que sempre
manifestei por essa instituição de caridade e o apelo que fiz a beneméritos cidadão,
que gentilmente corresponderam a minha confiança, hão de concorrer para eleva-la
em breve o grau de prosperidade a que deverá atingir para realizar mais
vantajosamente seus respeitáveis destinos.
Operada a reforma, já vae ella produzindo seus desejados fins: outro o aspecto,
outras as condições do hospital (PIAUÍ, 1898: 14).
Pelas mesmas fontes, analisou-se que esse pensamento foi levado adiante por outros
governadores nos primeiros anos do século XX, não só para Santa Casa como para pensar na
construção do Asilo para os alienados mentais na medida em que, segundo Álvaro Mendes, a
Santa Casa, que recolhia e dava tratamento aos desvalidos, deveria ter anexo um prédio para
receber os loucos e retirá-los da Casa de Detenção. Tal fala se constitui já no ano de 1905
quando o governador diminuiu a subvenção anual da Santa Casa para metade do que o Estado
concedia à instituição. O objetivo era começar o prédio anexo à Santa Casa para abrigar os
loucos (PIAUÍ, 1905: 11-12).
Essa ação contaria com verbas advindas, tanto de um grupo de médicos como do
Estado, que se empenharam para a concretização desse lugar. A urgência de que houvesse
uma mudança leva esses cidadãos a se mostrarem empenhados em ação filantrópica para a
configuração de outro espaço para os loucos, tendo sido, então, escolhido como local a
estação experimental Agrícola do Pirajá conhecido como Estadual-Pirajá e que pertencia ao
Ministério da Agricultura (MONTEIRO, 2015: 291). Porém percebe-se, seguindo as leituras
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de fontes hemerográficas, que esse lugar teria mudado para a praça de Marte, ou seja, nas
imediações do hospital da Santa Casa de Misericórdia.
É perceptível que a classe médica já se fazia muito interessada pela construção desse
espaço ao entrar com a arrecadação da maior parte da verba. Esse interesse demonstra
também como a presença e o olhar médico passariam a aliar-se ao Estado na formação desse
espaço em um momento em que as ideias de higienização se faziam muito presentes. Nesse
sentido, o Asilo de Alienados seria o ambiente que estaria de acordo com a obediência às
normas do grupo de médicos, tendo em vista que as do prédio construído possuíam uma
“planta [que] obedece às modernas prescipções da hygiene e architetura hospitalar” (PIUAÍ,
1908: 06). De instalações sub-humanas, os loucos seriam abrigados no que de melhor a
medicina poderia oferecer em termos de assistência, em um espaço com novos padrões de
higiene. De desvalidos, indigentes e entregues à própria sorte em qualquer espaço, os loucos
passaram a ter um espaço com uma arquitetura hospitalar recomendada para melhor abrigá-
los. O Asilo de Alienados de Teresina constituiu-se nesse lugar carregado da simbologia de
que lá estariam o melhor tratamento e o melhor local para “reter os loucos” (PIAUÍ: 1913).
Assim, o acesso ao tratamento médico para os loucos foi algo que se deu aos poucos
na medida que a assistência predominava mais do que o saber médico. Este inclusive, só
ganhou contornos mais fortes nas terras piauiense à medida que as concepções de ciências, de
novas formas de cuidar e atuar sobre o doente se espalhavam junto com o desenvolvimento
tecnológico, criando um novo perfil de conduta clínica, tanto nos hospitais públicos como nos
filantrópicos e nos consultórios médicos. De acordo com André de Faria Pereira Neto, “o
conhecimento médico começou a se especializar, compartimentando-se segundo a área do
corpo ou o tratamento de doenças específicas”, (PEREIRA NETO, 2001: 29) exigindo um
trabalho médico que o autor chama de “parcelar, independente, solidário e coletivo”, logo,
com a intervenção de vários profissionais.
Referências Bibliográficas
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Fontes
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15
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PIAUÍ. Governo 1908-1908 (Silva). Mensagem apresentada pelo Exm. Sr.
Desembargador José Lourenço e Silva, à Câmara Legislativa do Piauí, em 01 de junho de
1908.
PIAUÍ. Governo 1912-1916 (Rosa). Mensagem apresentada pelo Exm Sr. Governador,
Miguel de Paiva Rosa, à Câmara Legislativa, em 01 de junho de 1913.
RELATÓRIO apresentado ao Exm. Sr. Presidente da Província do Piauí, Sr. Raymundo
José Vieira da Silva, pelo Inspetor da Higiene Pública, Dr. Raimundo Arêa Leão, em 07
de maio de 1889. Item Santa Casa de Misericórdia.
RELATÓRIO apresentado ao Exm. Sr. Governador do Estado do Piauí, Dr. Raimundo
Arthur de Vasconcelos, pelo provedor da Santa Casa de Misericórdia de Teresina, José
Furtado de Mendonça, em 18 de maio de 1899. (Documentação da Santa Casa de
Misericórdia de Teresina. Arquivo Público do Piauí – “Casa Anísio Brito”).
Decretos e Ofícios
PIAUÍ. Decreto n. 71. Publica os estatutos da Santa Casa de Misericórdia de Teresina.
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PIAUÍ. Decreto n. 327. Regulamento do Asilo de Alienados. Palácio do Governo, em 15 de
janeiro de 1907.
Ofício de 06 de dezembro de 1886 do Inspetor de Higiene Pública do Piauí, Dr. Raimundo de
Arêa Leão, ao Presidente da Província, Exm. Sr. Dr. Antônio Jansen de Matos Ferreira
(Documentação da Secretária de Saúde- Arquivo Público do Piauí “Casa Anísio Brito”).
Jornais
CONSULTÓRIO MÉDICO. Monitor, Teresina, Ano IV, n. 240, 03 jan. 1911, p. 04
16
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PALÁCIO DO GOVERNO DO PIAUÍ. A imprensa, Teresina, Ano XIX, n. 824, 7 jun. 1884,
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