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LINGUÍSTICO, PARALINGUÍSTICO, EXTRALINGUÍSTICO Publicado em outubro 16, 2020 por linguisticaufrjcarlota Maria Carlota Rosa – UFRJ – Linguística I – 2020-1 Três adjetivos aparecerão de forma mais ou menos recorrente nos materiais de leitura em Linguística: linguístico, paralinguístico e extralinguístico. Linguístico Nos textos da área, dentre os três adjetivos acima, o mais frequente é linguístico, compreendido como que focaliza a estrutura de uma língua, que é parte do estudo da Linguística. Com o professor genebrino Ferdinand de Saussure (1857-1913), tradicionalmente apontado como o fundador da Linguística, uma língua passava a ser compreendida como um sistema em que cada elemento vale pelo que não é, um sistema de oposições ou diferenças funcionais. Cada elemento não existe senão como oposição a outro elemento, ou em outros termos, só existe linguisticamente porque existe outro elemento com que entra em oposição. Assim, em português, temos um “feminino” por causa da oposição com o “masculino”, ou a vogal /e/ de timbre aberto por causa da oposição com a vogal /e:/ de timbre fechado. (Camara Jr., 1973: 289) Essas diferenças fundamentaram os níveis de estrutura linguística: Fonologia, Morfologia, Sintaxe e Semântica. E a Fonética? Não era Linguística? Até meados do século XX, alguns autores não incluíam a Fonética na Linguística, porque ao contrário da Fonologia, que estuda o “som vocal com valor linguístico” (Camara Jr., !973: 182), a Fonética ficava com a fonação, com os sons da UFRJ-2020 MCarlotaRosa

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  • LINGUÍSTICO, PARALINGUÍSTICO, EXTRALINGUÍSTICO Publicado em outubro 16, 2020 por linguisticaufrjcarlota

    Maria Carlota Rosa – UFRJ – Linguística I – 2020-1

    Três adjetivos aparecerão de forma mais ou menos recorrente nos materiais de leitura em Linguística: linguístico, paralinguístico e extralinguístico.

    Linguístico Nos textos da área, dentre os três adjetivos acima, o mais frequente é linguístico, compreendido como que focaliza a estrutura de uma língua, que é parte do estudo da Linguística.

    Com o professor genebrino Ferdinand de Saussure (1857-1913), tradicionalmente apontado como o fundador da Linguística, uma língua passava a ser compreendida como um sistema em que cada elemento vale pelo que não é, um sistema de oposições ou diferenças funcionais.

    Cada elemento não existe senão como oposição a outro elemento, ou em outros termos, só existe linguisticamente porque existe outro elemento com que entra em oposição. Assim, em português, temos um “feminino” por causa da oposição com o “masculino”, ou a vogal /e/ de timbre aberto por causa da oposição com a vogal /e:/ de timbre fechado. (Camara Jr., 1973: 289)

    Essas diferenças fundamentaram os níveis de estrutura linguística: Fonologia, Morfologia, Sintaxe e Semântica. E a Fonética? Não era Linguística?

    Até meados do século XX, alguns autores não incluíam a Fonética na Linguística, porque ao contrário da Fonologia, que estuda o “som vocal com valor linguístico” (Camara Jr., !973: 182), a Fonética ficava com a fonação, com os sons da

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    fala. Veja-se, por exemplo, este trecho de Halliday, MacIntosh & Strevens (1974 [1964]): 29) que explicam porque separar a Fonética e a Linguística: “Se considerarmos a língua falada como um ruído organizado, podemos dizer que a fonética estuda o ruído e a linguística, a organização“. Daí a denominação Ciências Linguísticas, empregada quando se queria fazer referência conjunta à Fonética e à Linguística.

    Paralinguístico Dos três adjetivos, é aquele de uso mais recente em português. Vamos entendê-lo aqui como relativo à expressão de atitudes e emoções pelo tom de voz.

    Os termos paralinguístico e paralinguagem surgiram, inicialmente em inglês, com o linguista George L. Trager (1906-1992) no final da década de 1950. Bem antes, porém, na década de 1930, Leonard Bloomfield (1887-1949) já chamava a atenção para fenômenos que lhe pareciam, então, estar na periferia do que era linguístico e que tinham importância: por exemplo, “pitch é o traço acústico em que variações [….] não distintivas mas socialmente eficientes se aproximam mais das genuínas distinções linguísticas” (Bloomfield, 1933: 114). Em 1966 David Crystal discutia se estes fenômenos eram ou não linguísticos em The linguistic status of prosodic and paralinguistic features. Em 1967, David Abercrombie chamava a atenção para uma mudança que começava a ocorrer nos estudos fonéticos: “Uma quantidade cada vez maior de pesquisas [….] está atualmente se voltando para a fonética da conversação, e isso inevitavelmente envolve atenção ao que tem sido chamado de fenômenos ‘paralinguísticos‘” (Abercrombie, 1967: 130).

    Quando me dirijo a alguém, por exemplo, posso fazer da minha voz um meio de demonstrar desrespeito, ao parodiar a fala do meu interlocutor usando voz de falsete: a atitude ofensiva pode não estar necessariamente nas palavras empregadas, mas como foram ditas. Certamente essa atitude seria entendida como sarcasmo entre brasileiros; no entanto falantes de outras culturas que nos ouvissem poderiam não entender a situação: Laver (1994: 22), por exemplo, refere o respeito honorífico do cumprimento em voz de falsete em tzeltal, uma língua maia do México. A estrutura linguística não é tudo na comunicação: não importa só o que se diz, mas como se diz. U

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    Extralinguístico Para a transmissão de significados que acompanham a fala por meio de expressões faciais e de gestos reservamos o adjetivo extralinguístico. Por exemplo: entre nós, um movimento de ombros informa nossa falta de interesse.

    Referências

    ABERCROMBIE, David. 1967. Elements of General Phonetics. Chicago: Aldine Publishing Co.

    BLOOMFIELD, Leonard. 1933. Language. Chicago, London: The University of Chicago Press.

    CAMARA Jr., J. Mattoso. 1973. Dicionário de Filologia e Gramática. 5a. ed. Rio de Janeiro/São Paulo: J. Ozon.

    CRYSTAL, David. 1966. The linguistic status of prosodic and paralinguistic features. Proceedings of the University of Newcastle-upon Tyne Philosophical Society, 1: 93–108. http://www.davidcrystal.com/?fileid=-4924

    HALLIDAY, M.A.K. ;MCINTOSH, Angus & STREVENS, Peter. 1964. As ciências linguísticas e o ensino de línguas. Trad. Myriam freire Morau. Petrópolis: Vozes, 1974.

    LAVER, John. 1994. Principles of Phonetics. Cambridge: Cambridge University Press.

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    http://www.davidcrystal.com/Files/BooksAndArticles/-4924.pdf

  • UFRJ/ Linguística I – 2020-1 Prof. Maria Carlota Rosa – Arquivo 3 17

    TRASK, R. L. 2004. Dicionário de linguagem e linguística. Trad. Rodolfo Ilari. São Paulo: Contexto, 2004.

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