[língua portuguesa] rodolfo ilari - brincanco com as palavras - introdução ao estudo do léxico

192
Int ro dução ao es t udo do léxico BRINCANDO COM AS PALAVRAS

Upload: thiago-miyaguchi

Post on 12-Oct-2015

277 views

Category:

Documents


3 download

TRANSCRIPT

  • Introduo ao estudo dolxico

    BRINCANDO COM AS PALAVRAS

  • Introduo aoestudo do lxico

    BRINCANDO COM AS PALAVRAS

    Rodolfo Ilari

  • Preparao de originais

    Camila Kintzel

    Diagramao

    Fbio Amancio

    RevisoVera Quintanilha

    Projeto de capa

    Antonio Kehl

    Copyright 2002 Rodolfo Ilari

    Todos os direitos desta edio reservados EDITORA CONTEXTO (Editora Pinsky Ltda.).

    Diretor editorial Jaime PinskyRua Acopiara, 199 Alto da Lapa

    05083-110 So Paulo SPPABX: (11) 3832 5838FAX: (11) 3832 1043

    [email protected]

    Ilari, Rodolfo.

    Introduo ao estudo do lxico brincando com as palavras / Rodolfo Ilari. SoPaulo: Contexto, 2002.

    Bibliografia.ISBN 85-7244-194-8

    1. Lingstica. 2. Portugus Estudo e ensino. 3. Portugus Gramtica4. Portugus Semntica. I. Ttulo.

    01-0818 CDD-469.2

    2002

    ndices para catlogo sistemtico:1. Semntica: Portugus: Lingstica 469.2

    Proibida a reproduo total ou parcial.

    Os infratores sero processados na forma da lei.

  • 5

    Prefcio

    Profundo conhecedor dos segredos da linguagem, pesquisador dos mais lci-dos e argutos, lingista atuante em todas as reas desse ramo do conhecimento,visceralmente comprometido com a sua prtica e com as questes de ensino dalngua, Rodolfo Ilari nos oferece agora este novo produto de suas reflexes: Intro-duo ao estudo do lxico - brincando com as palavras, partindo da mesma con-vico que o levou escrever Introduo Semntica - brincando com a gramti-ca (Contexto, 2001): quem quiser compreender como acontece a significao dasmensagens lingsticas tem interesse em pensar essas mensagens como constru-es, nas quais tanto as peas escolhidas como os processos pelos quais as junta-mos produzem significao.

    Se, em Introduo Semntica, tratou mais especificamente da sintaxe (isto, dos procesos que nos permitem juntar as palavras) como construo de sentidos,desta vez o autor centra o foco de ateno nas palavras, essa peas multifacetadasque compem as construes sintticas como ingredientes significativos das men-sagens lingsticas. Todavia, o seu brincar com as palavras toca nas questesbsicas da construo dos sentidos nos mais variados gneros textuais.

    Nas vinte e cinco rubricas que compem a obra, com base em uma coleo demateriais lingsticos dos mais variados e sempre fiel aos seus problemas preferi-dos, como bem ressalta Geraldi em sue prefcio ao livro Introduo Semntica,intitulado Sagacidade, argcia e lupa, Rodolfo Ilari conduz seus leitores a umareflexo (epilingstica) sobre a linguagem, procurando levar seu destinatrio pri-vilegiado o futuro professor da lngua materna por meio de diferentes prticasde anlise e exerccios criativos e diversificados, a refletir sobre os recursoslingsticos em seu funcionamento, de forma que com base nessa reflexo, no s capaz de extrair conhecimento sobre a linguagem como tambm tornar-se apto aensinar seus futuros alunos a pensar de maneira crtica e independente.

    Assim, Ilari comprova mais uma vez ser um dos lingistas brasileiros quemais se destaca pela profundidade de seus conhecimentos, pela versatilidade comque transita pelos vrios campos da cincia da linguagem, pela necessidade impe-riosa que sente em estabelecer a ponte teoria-prtica e pela constante preocupao

  • com o ensino de lngua e com os professores que nele militam, enfrentando, entreas mil outras dificuldades que todos ns to bem conhecemos, a falta de materialdidtico apropriado e de orientao sobre como utiliz-lo adequadamente em suasaulas.

    Este livro um farol que ilumina esse caminho!

    Campinas, janeiro de 2002

    Ingedore Grunfeld Villaa Koch

  • Sumrio

    11. Ambigidades .................................................................................. 7

    12. Anglicismos ..................................................................................... 17

    13. Antonmia ........................................................................................ 23

    14. Arcasmos ........................................................................................ 29

    15. Campos lexicais ............................................................................... 37

    16. (In-) compatibilidades entre partes de uma sentena ........................... 47

    17. Definies ........................................................................................ 55

    18. Distribuio: os constituintes da orao ............................................. 63

    19. Estrangeirismo ................................................................................. 71

    10. Etimologia ....................................................................................... 79

    11. Flexo nominal ................................................................................ 85

    12. Formao de palavras novas e sentidos novos .................................... 92

    13. Homonmia ...................................................................................... 101

    14. Motivao icnica ............................................................................ 108

    15. Nexos entre oraes .......................................................................... 114

    16. Nmeros .......................................................................................... 125

    17. As palavras-pro ................................................................................ 133

    18. Reconhecimento de formas de um mesmo paradigma flexional........... 143

    19. Polissemia ........................................................................................ 149

    20. Predicados de predicados; predicados de eventos ............................... 157

    21. Sinonmia ........................................................................................ 167

    22. Substantivos contveis e no-contveis .............................................. 173

    23. Sufixos ............................................................................................ 179

    24. Termos genricos e termos especficos .............................................. 185

    25. Variao diastrtica e de registro (nveis de linguagem) ...................... 193

  • 9

    Ambigidades

    Objetivo

    Alertar para os fatores lingsticos que provocam ambigidade. Mostrar apossibilidade de neutralizar as ambigidades mediante operaes de ordem sint-tica ou semntica e pela insero das sentenas em contextos maiores.

    Caracterizao geral

    Ambigidade a caracterstica das sentenas que apresentam mais de umsentido.

    Um bom teste para saber se uma sentena tem mais de um sentido consisteem propor a ela duas reformulaes, inventando em seguida uma situao em quea primeira reformulao seja verdadeira e a segunda falsa ou inaplicvel.

    Tomemos como exemplo esta manchete de jornal (FSP, 17.10.1996)

    Ladres inovam no ataque a mulheres em carros

    Primeira reformulao: Os ladres descobrem novas maneiras de atacarmulheres motoristas.

    Segunda reformulao: Ladres que atacam de carro descobrem novasmaneiras de atacar mulheres.

    Situao-teste: Imagine que essa frase fosse usada em 1940, quando as mu-lheres no dirigiam. A primeira reformulao no se aplicaria, a segunda poderiaser verdadeira.

    Pode-se ento concluir que a manchete em questo ambgua.

    Material lingstico

    Os fatores lingsticos da ambigidade so muitos. Eis alguns:

    A sentena aceita duas anlises sintticas diferentes:Ex. Ambulante vende clandestino no centro (FSP, 2.8.1998)[Ambulante vende clandestinamente... / Clandestino vendido no centro].

    Um mesmo pronome aceita dois antecedentes:Ex. Duquesa de York diz que nobreza quer manchar sua imagem (Hoje emDia BH, 20.1.1996) [[...] manchar a imagem da duquesa / [...] manchara imagem da nobreza];

  • 10 Introduo ao estudo do lxico brincando com as palavras

    Uma mesma palavra tem dois sentidos diferentes;

    Um mesmo operador se aplica de duas maneiras diferentes aos contedos dasentenaEx. Palmeiras s empatou com Bahia pelo Brasileiro 1996 (FSP,11.8.1996)[Jogando contra o Bahia pelo Brasileiro de 1996, o Palmeiras no vaialm do empate / A nica ocasio em que o Palmeiras empatou com oBahia at hoje foi durante o Campeonato Brasileiro de 1996]

    Uma mesma seqncia de palavras pode ou no ser interpretada como umafrase feita.Ex: A O Senhor Guimares caiu das nuvens.

    B Ficou surpreso com alguma coisa?A No, caiu das nuvens mesmo. O avio em que ele voava sofreu uma pane.

    Alm dos fatores que chamamos aqui de lingsticos, a ambigidade podederivar de nossa dificuldade em decidir se as palavras foram usadas literalmenteou de maneira indireta (por exemplo: para fazer ironia). Todos ns j passamospela difcil situao de no saber se determinada frase nos foi dita ironicamente, ouse continha alguma indireta.

    Atividade

    Conte um caso que tenha por fundamento a interpretao equivocada de umainformao ou de uma ordem.

    Exerccios

    1. As ambigidades sintticas so muito comuns nas manchetes de jornais. Vejaestas e compare em seguida com o contedo da matria. Analise:

    (1) Quais so as interpretaes sugeridas pelas manchetes?(2) Qual dessas interpretaes prevalece na notcia?

  • 11

    Pel critica futebolmovido por dinheiroBudapeste (APF) O dinheirodestruiu a beleza, o atrativo e olado espetacular do futebol, poisos patrocinadores de hoje s exi-gem eficincia e gols, Pel comen-tou ontem em Budapeste.Os jogadores de hoje j no jo-gam por prazer. No tm nada aver com Puskas, a estrela dos anos50 que eu considero meu mestre...

    [A Tarde, Salvador, 6.9.1994]

    Time pega Flamengo semcinco titulares

    da Reportagem Local

    O So Paulo no ter cinco titulares contrao Flamengo, amanh, no Morumbi. Axel,Pedro Lus, Djair e Belletti, suspensos, eAristizbal, na seleo colombiana.

    Temos bons reservas, mas o time sen-tir falta de entrosamento, disse o tc-nico Parreira, que ainda no definiuos substitutos.

    [FSP, 1.0.1996]

    Detido acusado defurto de processos

    A Polcia Civil de So Pauloprendeu funcionrio do Po-der Judicirio acusado deliderar esquema de furtos deprocessos nos tribunaispaulistanos.

    [FSP, 8/7/2000]

    AGROTXICOSPlantao de fumo ser investigada

    Sade apura causas desuicdios no Sul

    CARLOS ALBERTO DE SOUZAda Agncia Folha em Porto Alegre

    O Ministrio da Sade deve realizar umInqurito epidemiolgico para apurar ascausas das mortes por suicdio na re-gio do Vale do Rio Pardo (RS).H suspeita de que a contaminao poragrotxicos organofosforados estejaassociada a 21 suicdios ocorridos em95 em Venncio Aires, uma das cida-des do Vale, a maioria delas envolven-do agricultores que plantavam fumo [...]

    [Folha de So Paulo, 1/0/96]

    Banespianos exigemreajuste salarial eabono da FENABAN

    [O Conselho, 14/10/1996]

    Ambiguidades

  • 12 Introduo ao estudo do lxico brincando com as palavras

    [FSP, 25.3.2000]

    2. Mantendo os mesmos ttulos, escreva uma notcia para cada uma das interpreta-es que foram descartadas no exerccio 1.

    3. So muitas as piadas que tiram proveito de alguma ambigidade. Quando issoacontece, geralmente rimos da personagem que, contrariando o bom-senso, esco-lheu a interpretao menos apropriada. Veja as piadas transcritas a seguir e expli-que quais so as duas interpretaes em jogo.

    JOS SIMO

    A Migalha! Fiz o mnimopossvel, diz FHC

    Buemba! Buemba! Macaco Simo urgente! O brao armado da gandaia nacional!A melhor piada sobre o salrio mnimo o prprio salrio mnimo! Dessa vez o DonDoca se superou no deboche. Mais um captulo de A migalha. Cento e 51. Boaidia, toma uma 51 e esquece o resto do ms! E adorei esse UM real. Por que eleno deu 150 e Um passe? E o que fazer com esse um real? A Babi, do ProgramaLivre, acha que a melhor coisa a fazer emoldurar e colocar na parede. Ouento enrola e manda pro Malanta!E eu que tinha dito que no tava falando muito de rei eleito FHC porque pecadochutar cachorro morto. E a uma leitora disse: pois o cachorro morto acabou deabanar o rabo. Lanou o salrio mnimo. Alis, diz que ele disse: Fiz o mnimopossvel...

    (a)Marido 1 - Como voc ousa dizer palavresna frente da minha esposa?Marido 2 - Por qu? Era a vez dela?

    (b)Indivduo A - No deixe sua cadela entrarem minha casa. Ela est cheia de pulgas.Indivduo B - Diana, no entre nessa casa.Ela est cheia de pulgas.

    (c)Marido - Quando comearem as obras doporto, minha velha, eu hei de te mostrar comosei ainda fazer uma atracao.Mulher - Sim, mas compra primeiro um cabonovo.

    (d)Indivduo A - A primeira coisa que faoquando acordo de manh tocar a campai-nha para chamar a criadagem.Indivduo B - Voc tem criados?Indivduo A - No, mas tenho a campainha.

  • 13

    4. Retorne s piadas do exerccio anterior. Verifique, para cada uma dessas piadas,qual o fator (dentre os listados no Material Lingstico) que causou a ambigi-dade em questo.

    5. Aqui vo mais algumas piadas que tambm se originam de alguma ambigida-de. Explique essa ambigidade com suas prprias palavras.

    (e)A mulher entra numa loja de roupas femi-ninas, chama o vendedor e pergunta:- Senhor, posso experimentar este vestidona vitrine?O vendedor responde:- Ser que a senhora no preferiria experi-mentar no provador?

    (f)Quando a namorada disse para o rapaz queestava cheia dele, ele perguntou:- E para quando ?

    (g)- Desculpe, querida, mas eu tenho a im-presso de que voc quer casar comigo sporque herdei uma fortuna do meu tio.

    - Imagine, meu bem! Eu me casaria com vocmesmo que tivesse herdado a fortuna de ou-tro parente qualquer!

    (h)- Garo, um chopp!- No servimos menor de idade.- Pode ser um chopp adulto, eu no ligo.

    (i)Uma moa liga para uma loja de materiaisde construo e pergunta:- O senhor tem saco de cimento?- Sim.- Puxa, ento o senhor deve usar cueca deao.

    Aula de catecismo- Qual dos alunos sabe onde est Deus? -perguntou o professor.- No banheiro de casa! - responde oJoozinho, levantando o dedo.- No banheiro de sua casa, Joozinho???- sim, professor! Todos os dias amame bate na porta do banheiro epergunta:- Meu Deus, voc ainda est a?

    Seu AgenorO pai, a caminho do hospital, dizia para ofilhinho que o acompanhava:- Olha aqui, Francisquinho, ns vamos vi-sitar o seu Agenor, mas voc, pelo amorde Deus, no v falar nada do nariz do seuAgenor.O menino balanou a cabea positivamen-

    te. Chegaram no hospital e o menino j vai logoolhando pra cara do seu Agenor. Olhou dumlado, olhou do outro, todo confuso, olhou propai e disse:- U, papai! No entendi por que o senhor pediupra eu no falar nada do nariz do seu Agenor!...O seu Agenor no tem nariz!

    Bbado valenteDois bbados esto no bar e comeam a pertur-bar um valento. Um deles leva um soco na carae cai com tudo no cho. E o outro bbado sedi:- Ah, Antnio! Eu...se...eu fosse voc... noagentaria uma porrada dessa no!Nisso o valento mete a mo nele tambm quecai do outro lado da mesa e diz:- E... no te falei, Antnio/ Que eu tambm no agentava?

    Ambiguidades

  • 14 Introduo ao estudo do lxico brincando com as palavras

    6. No trecho a seguir (extrado de uma matria da Gazeta de Baro, um jornal debairro da cidade de Campinas, edio de agosto de 1993) h duas passagens malredigidas. Aponte essas duas passagens e explique uma delas pelo uso inadequadode um anafrico, que sugere uma interpretao diferente da desejada:

    O que incomoda a populao [...] o piolho da cabea, que se hospeda geralmente emcrianas em idade pr-escolar. No se sabe ao certo o porqu da maior incidncia emcrianas, mas se acredita que seja provavelmente pelo contato mais ntimo entre elas.Afinal, s pode ocorrer infestao se a criana entrar em contacto com outra,desmitificando assim que o piolho voa ou que o uso em comum de pentes e escovaspode ser transmitido.Outro mito [...] a transmisso do piolho animal para o ser humano. Isto no existeporque cada espcie tem seu piolho e se o parasita picar outra espcie que no seja asua, morre.

    OxignioO oxignio, disse o professor, essen-cial vida! No pode haver vida semele; o oxignio foi descoberto h pou-co mais de um sculo.- Puxa! disse Carlinhos; e como queo pessoal se virava antes de sua desco-berta?

    A sogra e o genroA secretria, ao telefone, diz ao patro:- Doutor Marcelo, telefone para o se-nhor! a sua sogra. Ela est na linha!O senhor fala com ela ou quer que eu amande esperar?- Manda ela esperar, claro! At o trempassar!

    Reza antes da refeioA professora pergunta ao Pedrinho:- Pedrinho, l na sua casa vocs rezamsempre antes das refeies?- No, professor, tamos descansados.A me cozinha muito bem.

    Tele-esperto- O que voc est fazendo, filho? Colocando a tele-viso no freezer?- Quero congelar a imagem, mame.

    RatoUma mulher entrou, afobada, numa loja. Estava commuita pressa.- Por favor, rpido, uma ratoeira pediu ao balco-nista.- Uma ratoei...?- Sim, sim, mas rpido, por favor. Tenho de pegar onibus!- Ah, mas ratoeira desse tamanho ns no temos,minha senhora.

    Sade de ferroNum lugarejo, comemora-se o aniversrio de umhomem de 100 anos. O prefeito, muito orgulhoso,dirige-se ao velhinho e diz:- Vov, meus parabns. No prximo ano espero fes-tejar seus 101 anos.O ancio olha demoradamente para o prefeito e fala:- Por que no? Voc no me parece estar doente.

  • 15

    7. Veja esta piada:

    Um pai leva o filho ao mdico: Doutor, meu filho no abre o olho Quem tem de abrir o olho voc: no v que o menino japons?

    Seu fundamento lingstico a possibilidade de entender abrir o olho comouma frase feita (significando ficar esperto) ou composicionalmente (abrir +o + olho). Conte mais cinco piadas que tenham por fundamento esse mesmotipo de ambigidade.

    8. Dekassguis

    O tablide Papo Livre editado em So Paulo e divulga as realizaes de umvereador cujo nome indicaremos apenas pelas iniciais A.N. Em uma edio dejulho de 1996, esse jornal trazia, logo abaixo do ttulo, Vereador pede apoio aosdekassguis, a seguinte transcrio de um discurso pronunciado pelo tal vereador:

    [...] nos ltimos anos em funo de nossas dificuldades econmicas, mais de150 mil trabalhadores brasileiros, em sua maior parte descendentes de japone-ses, esto no Japo, conhecidos como dekassguis, conquistando melhoressalrios e cooperando para o desenvolvimento em todos os setores daquelepas amigo, motivo pelo qual peo a todas as autoridades uma ateno espe-cial queles irmos brasileiros que se encontram em sua grande maioria, semseus amigos e familiares, para que juntos possamos minimizar as suas dificul-dades e lutar para que tenham uma vida mais digna e ascenso cada vez maior.

    Para quem l a notcia, fica claro o que se quis dizer no ttulo: (1) o pedido dovereador dirigido s autoridades, (2) as autoridades deveriam apoiar os dekassguis[cidados brasileiros de origem japonesa, que vo ao Japo em busca de trabalho].Mas o ttulo se presta tambm a uma outra interpretao, no desejada.

    a) Formule com suas palavras essa segunda interpretao do ttulo.b) Esclarea: a quem dirigido o pedido do vereador e quem deveria apoi-ar quem nessa outra interpretao?c) Escreva uma brevssima notcia que seja coerente com a segunda inter-pretao do ttulo.d) A dupla interpretao que afeta o ttulo acima resulta do fato de que duaspalavras nele empregadas regem a mesma preposio. Quais so as palavrase a preposio em questo?e) Modifique o ttulo de modo a tornar impossvel a interpretao indesejada.f) Que diferena faz para o sentido saber que aos dekassguis comple-mento de apoio ou de pede?

    Ambiguidades

  • 16 Introduo ao estudo do lxico brincando com as palavras

    9. Dada uma construo Si + conjuno + Sj, em que Si e Sj so duas sentenascompletas, a possibilidade de negar aplica-se em princpio a trs lugares distintos:Si, Sj ou ao nexo expresso pela prpria conjuno. Podemos assim prever quediferentes aplicaes da negao sobre

    Si + conjuno + Sj

    resultaro em sete esquemas distintos, contendo uma ou mais negaes. Se indi-carmos a negao por um trao, as possibilidades so, de incio, as seguintes

    Si + conjuno + Sj Si + conjuno + Sj Si + conjuno + Sj

    Si + conjuno + Sj Si + conjuno + Sj Si + conjuno + Sj

    Si + conjuno + Sj

    Assim, a partir da frase

    (1) Viajou porque queria ver os pais

    podemos imaginar uma srie de construes negativas: No viajou porque queriaver os pais, Viajou porque no queria ver os pais, Se no viajou no foi porqueno queria ver os pais, No viajou, porque no queria ver os pais etc., quecorrespondem a uma ou outra daquelas frmulas. (Note que a verbalizao dasvrias frmulas pode exigir manobras complicadas, como a clivagem por queou o uso de um tipo especial de orao condicional):

    a) Pede-se que voc d exemplos de todas as combinaes possveis a propsi-to de uma frase de sua escolha em que, como em (1) acima, a conjuno sejaporque .b) Depois de responder pergunta anterior, tente substituir porque por pois emseus exemplos e comente os resultados dessa tentativa.

    10. Esta bonita propaganda, criada pela agncia Z+G Grey para homenagear osjornalistas, lana mo de alguns nomes de animais que, na linguagem de certasatividades, assumem um sentido especfico:

    Os tubares do oramento,os elefantes das estatais,os cobras da informtica,

    as zebras do futebol, as gatasda moda e os dinossaurosdo rock. Para lidar comtodos estes bichos, s

    comeando como foca.

  • 17

    A propaganda em questo pode ser explicada, parcialmente, por esta tabela:

    Coluna 1 Coluna 2 Coluna 3tubaro finanas grande capitalistaelefante empresas estatais empresa de gesto emperradafoca jornalismo reprter inicianteetc.

    D um bom ttulo a cada uma das colunas; tente lembrar se voc conheceoutros nomes de animais que no esto na propaganda e so utilizados para indicarprofisses ou tipos humanos.

    Ambiguidades

  • 18 Introduo ao estudo do lxico brincando com as palavras

  • 19

    Anglicismos

    Objetivo

    Examinar alguns anglicismos que foram incorporados pelo portugus do Brasil, mostrandoque sua incorporao acompanhou a assimilao dos artefatos, tecnologias e hbitos queeles nomeiam.

    Caracterizao geral

    Em todas as pocas, o contato de povos que tm culturas e lnguas diferentes resulta numacirculao de hbitos, tecnologias e artefatos que so recebidos com seu respectivo vocabu-lrio. D-se o nome de anglicismos s palavras e s construes gramaticais que o portugu-s recebeu do ingls.

    Material lingstico

    A tendncia das palavras recebidas de outras lnguas serem reconhecidas,num primeiro momento, como palavras estrangeiras, porque soam diferentes e seescrevem segundo a grafia da lngua de origem. Aos poucos, acontece uma adap-tao tanto da pronncia como da grafia; com isso, as palavras importadasacabam por confundir-se com as palavras mais antigas da lngua

    whiskey > wiski > usque

    As palavras estrangeiras so mais facilmente aceitas quando se aplicam aobjetos, tcnicas ou modos de viver que so em algum sentido novos; assim, aassimilao de palavras estrangeiras acontece na maioria das vezes como parte deum processo de assimilao que no apenas lingstico, mas cultural.

    O portugus do Brasil recebeu muitas palavras do ingls, sobretudo nos s-culos XIX e XX; trata-se de palavras ligadas ao vesturio, comrcio, esporte, cinemae tecnologia. Um ramo da tecnologia responsvel hoje pela transferncia ao portu-gus do Brasil de uma grande quantidade de anglicismos a informtica.

    Atividades

    Quando o futebol comeou a se popularizar no Brasil, os brasileiros viram-ses voltas com palavras inglesas que identificavam, por exemplo, as posiesocupadas pelos diferentes jogadores no campo e as principais jogadas. Muito

  • 20 Introduo ao estudo do lxico brincando com as palavras

    desse vocabulrio acabou sendo substitudo ou adaptado ao longo do tempo.Veja como um cronista que viveu na primeira parte do sculo XX relembra aquelesjogos; em seguida, imagine-se no papel de locutor de rdio ou reprter de campodaqueles tempos e transmita alguns minutos de jogo.

    Naquele tempo, toda a terminologia futebolstica era em lngua inglesa, pois a prticado association football (abreviadamente soccer) era regida pelas regrasintroduzidas no Brasil por um grupo de ingleses a cuja frente se encontrava, se nome engano, um tal de Charles Miller. Assim, os jornais, ao descrever uma partida emtodos os seus detalhes, vinham repletos de termos empregados na grafia original,pois a nacionalizao das expresses futebolstizcas ainda no tinha sido empreen-dida.A disposio dos players (jogadores) no ground (campo) para o kickoff (pontapinicial) era publicada no jornal em forma de pirmide, em cujo vrtice se colocava o goal-keeper, num esquema que seria o sequinte: 1-2-3-5. Estes nmeros correspondiam,alm do goleiro, aos dois backs direito e esquerdo: aos trs halves e aos cincoforwards. Quem jogava na direita ou na esquerda mantinha-se em sua posio, en-quanto que o center-half e o center-forward podiam movimentar-se de um lado paraoutro do campo. Tirada a toss e escolhido o campo, o referee trilava o apito inician-do-se com o shoot do centro-avante a partida. As infraes como os hands, osfalts, os offsides e os penalties assim como o recurso do corner eram comenta-dos pela crnica esportiva, que descrevia lance por lance a peleja. Com oaportuguesamento da palavra futebol (alguns gramticos defenderam ludopdio oubolipede) e demais termos ingleses o goal-keeper passou a ser guardio, guarda-vala,guarda-meta ou goleiro. O back passou a ser zagueiro. O half hoje mdio e o forwardavante, assim como o referee o rbitro. Surgiram, ento, escanteio, impedimento etoque de mo para designar corner, off-side e o hand.

    A terminologia da crianada era em ingls deturpado, entretanto. Tomando co-nhecimento de oitiva dessa terminologia, nossa gente mida a aplicava estropi-ando a pronncia, adotando a prosdia condizente com a sua cultura, alis deacordo com o esprito de nossa lngua: Half e hand (desconhecia-se o ag aspi-rado da lngua inglesa) eram simplesmente alfo e ende. As vrias categorias daequipe eram assim designadas gortipa, beque, alfo e linha. O beque central eracenteralfo. O tranco e outras safadezas constituam fau, sendo permitida amarreta. No havia filigranas como agora, nem passos de minueto. O violentoesporte breto era jogo para maches, dele s participando quem entrasse emcampo sem amor pele... (Os ludopedistas do violento esporte breto, em Oitobananas por um tosto: crnicas campineiras. Campinas, Secretaria Municipalde Cultura, Esportes e Turismo, 1955).

    Pesquise com algum mais velho o que vinha a ser a prtica do footing. Expliqueo que isso tem a ver com o sentido da palavra inglesa foot (p).

  • 21

    Exerccios

    1. Na lista de palavras a seguir, separe aquelas que, de acordo com sua opinio sode origem inglesa daquelas que foram formadas dentro da lngua portuguesa. Con-fira em seguida as respostas na p. 22.

    2. Os anglicismos listados a seguir dizem respeito atividade poltica. Expliquesua significao:

    apartheidestablishmentimpeachmentlobbyboicote

    3. Os anglicismos listados a seguir dizem respeito ao esporte, e alguns, mais espe-cificamente, ao futebol. Explique o que significam e, se possvel, encontre umequivalente em portugus.

    anti-dopinghooliganrecordecockpitpnalti (penalty)crner (corner)off sidebeque (back)cruzar a bola (cross)drible (dribling)

    4. Procure equivalente que no seja de origem inglesa aos anglicismos: smoking,pulver, suter, top.

    clubefutebol(office) boylanchereportagembest sellergangueiate

    lderflertarbiquinixerifefxeroxbondetreinar

    doparbingosuper-mercadolincharsanduchejeansclip

    Anglicismos

  • 22 Introduo ao estudo do lxico brincando com as palavras

    5. Os anglicis mos listados a seguir referem-se atividade de produo ou s rela-es humanas que se estabelecem na produo. Explique o que significa:

    canibalizarreengenhariatraineereciclar

    6. Tente explicar a diferena entre um trainee e um aprendiz, entre um top e umablusa, entre locaute e greve, entre um biquini e uma tanga.

    7. Os anglicismos listados a seguir referem-se a formas de comercializao oupropaganda de produtos: escolha dois deles e d um exemplo da situao que elesdescrevem. Pea a seu professor que explique as demais:

    dumpingfranchisingleasingshopping centermerchandising

    8. Gangster, gentleman, playboy, esnobe, caubi: procure entre as personagens dahistria, literatura ou cinema um exemplo de cada um desses tipos humanos. Digapor que ele mereceu o ttulo. Tente ento uma traduo aproximada para as cincopalavras.

    9. Faa, em conjunto com seus colegas, um levantamento de palavras que se refe-rem ao uso de computadores. Separe, em seguida, as que so de origem inglesa.Confira em seguida a resposta na pgina 22.

    10. s vezes, o nome estrangeiro mais conhecido do que o nome portugus.Voc sabe o que vem a ser:

    uma toranja? [um grapefruit]o jogo do ludopdio (ou balipdio)? [o futebol]um co rateiro [um fox-terrier]um co de gua [poodle]um triceto [hamster]

    11. Dos inmeros anglicismos que entraram para o portugus nos ltimos 150 anos,

  • 23

    alguns eram inicialmente siglas. Os exemplos mais famosos so, provavelmente,Dedet DDT por Difenil dimetil tricloroetano, o nome do mais famoso inseticidade todos os tempos.Esse--esse SOS Save Our Souls, era a mensagem transmitida para pedir so-corro em situaes extremas, tais como os naufrgios e outras grandes catstrofes.Literalmente, significa salvem nossas almas.Pec PC, por personal computer ou computador pessoal Os primeiros pecsforam criados para substituir os computadores de grande porte, que geralmentepertenciam a grandes firmas ou corporaes e eram usados de maneira no pessoal,mas compartilhada.Aids AIDS, por Acquired Immunological Deficiency Syndrome, ou Sndromeda Imunodeficincia Adquirida; a aids instala-se pela ao de um vrus, o HIV, quedestri o sistema imunolgico dos pacientes.

    Pesquise num dicionrio a origem das seguintes palavras ou siglas:

    HIV

    modemVIP

    W.O.UFO

    yuppielaser

    12. Ache na lista de palavras de origem inglesa a seguir:

    Dois nomes de gneros musicais Dois nomes de tipos de veculos Dois nomes de espetculos Dois tipos de filme Dois tipos de tecido

    camping, cartoon, check-up, cult, flash, folclore, ghost writer,happening, iate, insight, jazz, jersey, massmedia, mdia, look, overnight,paging, performance, pick-up (picape), piquenique, show, skate,slogan, estoque, strip-tease, suspense, triler, joint-venture, truste,country, disk-jockey, soul, copidescagem, briefing, best-seller, release,coquetel, fast food, videoclipe, zapping, chinz.

    13. Muitas das palavras inglesas que o portugus recebeu tm uma histriacuriosa em ingls. Veja estas:

    Anglicismos

  • 24 Introduo ao estudo do lxico brincando com as palavras

    sanduche : no sculo XVIII, John Montagu, conde Eduardo de Sandwich(1718-1792) sentia-se to bem mesa do jogo que nem mesmo paratomar as refeies dela se afastava. Teve, ento, a idia de mandar pre-parar fatias de po com carne ou queijo, saboreando-as enquanto jogava. linchar: derivado do nome prprio ingls Lynch, e da expressoLynchs law [lei de Lynch]. Entre o sculo XV e o sculo XIX, vriosjuzes com o mesmo nome, na Irlanda e na Amrica, condenaram cri-minosos sem processo legal. Linchar significa executar sumaria-mente, segundo a lei chamada de Lynch; aplicao da lei de Lynch;execuo sumria por uma populaa. boicote: ingl. boycott, do nome do capito ingls James ou CharlesCunningham Boycott (1832-97), administrador das fazendas de LordErne, no distrito de Comemara, Irlanda. Boycott provocou, por voltade 1880, em conseqncia de suas exigncias excessivas e severidadesexageradas, uma recusa geral de trabalhar s suas ordens. Boicotesignifica forma de coero ou represlia que consiste em impedir ouromper qualquer relao social ou comercial. slogan: ingl. slogan, grito de guerra dos antigos montanheses da Es-ccia. Breve frmula para fins e propaganda, apelo, lembrana, suges-to em poucas palavras, divisa, lema.

    [Fonte: Jrgen Schmidt-Radefeldt eDorothea Suring Dicionrio dos Anglicismos e

    Germanismos da Lngua Portuguesa,

    Frankfurt am Main, Ferrer de Mesquita, 1997]

    Resposta do exerccio 1: Todas essas palavras so de origem inglesa.

    Resposta do exerccio 9: Personal computer, software, hardware, disquete, programa, salvar, deletar .

  • 25

    Antonmia

    Objetivo

    Explorar palavras e frases que podem ser colocadas em oposio, como umrecurso para o enriquecimento da reflexo e da expresso.

    Caracterizao geral

    Informalmente, as pessoas costumam chamar de antnimas quaisquer pala-vras ou expresses que podem ser colocadas em oposio: nascer vs. morrer, ir vs.vir, grande vs. pequeno etc. Os antnimos costumam ser comparados aos pares eentre dois antnimos que formam par h sempre uma propriedade em comum.Assim, grande e pequeno indicam tamanho; ir e vir indicam deslocamento; nascere morrer so os dois extremos do mesmo processo de viver etc.

    Material lingstico

    Os antnimos formam pares que se referem a realidades opostas:Aes: perdi o lpis, mas em compensao achei uma nota de 10 reais.Qualidades: a sopa estava quente , mas o caf estava frio.Relaes: o gato estava embaixo da mesa; a gaiola do canrio estava

    sobre a mesa.

    A oposio existente entre dois antnimos pode ter fundamentos diferen-tes:

    diferentes posies numa mesma escala. Ex. quente e frio representamduas posies na escala da temperatura.

    incio e fim de um mesmo processo: florescer e murchar. diferentes papis numa mesma ao: bater e apanhar.

    Encontramos antnimos entre: substantivos: bondade versus maldade adjetivos: duro versus mole verbos: dar versus receber advrbios: l versus c preposies: sobre versus sobetc.

  • 26 Introduo ao estudo do lxico brincando com as palavras

    Costuma-se pensar na antonmia como uma relao de oposio que diz respeito spalavras, no sistema da lngua. Mas os textos podem construir oposies entre palavrase expresses que, normalmente, no consideraramos como antnimas.

    Atividade

    O Maniquesmo foi uma doutrina religiosa da Idade Mdia segundo a qual o mun-do dominado por dois seres de qualidades opostas: Deus ou o bem absoluto, eo Diabo ou o mal absoluto. Tudo aquilo que acontece no mundo teria de ser expli-cado pela ao de um ou outro desses dois seres. Hoje em dia, o termomaniquesta usado para descrever a atitude das pessoas que avaliam assituaes e as pessoas ou como inteiramente boas ou inteiramente ms, sempossibilidade de meio-termo. Nos jornais fcil encontrar editoriais, artigos ecartas de leitores que se manifestam totalmente a favor ou totalmente con-tra uma determinada idia ou iniciativa. Localize um desses textos e expliquepor que ele merece ser qualificado como maniquesta.

    Exerccios

    1. A poltica um terreno frtil para o surgimento de antnimos, que s vezesnomeiam partidos em luta entre si, s vezes indicam posies conflitantes diantede um determinado conjunto de problemas. A seguir, voc encontra vrios paresde palavras que surgiram num contexto poltico determinado, e que fazemlembrar momentos diferentes da histria brasileira. Procure estabelecer o quesignificam as palavras em questo e a que momentos da histria se referem.

    constitucionalistas x legalistasmaragatos x ximangosnacionalistas x entreguistasmonarquistas x republicanosparlamentaristas x presidencialistasdireitistas x esquerdistasemboabas x paulistas

    2. A freqncia com que se recorre a certas oposies de palavras marca, emalguma medida, as preocupaes e inovaes prprias de uma poca. Procurecontextualizar os pares que seguem, pensando nas escolhas e nos valores a quefazem referncia:

  • 27

    relgio de pulso mecnico x relgio de pulso movido pilhacontrole manual x controle remoto (de um aparelho de televiso, por exemplo)telefonia fixa x telefonia celularcaf de mquina x caf de coadoracar x adoantecarro nacional x carro importadonibus regular x nibus executivoovo comum x ovo caipiracoalhada x iogurtefotocpia x xeroxembalagem retornvel x embalagem descartveldireo mecnica x direo hidrulicaetc.

    3. Quando algum pergunta se o poo raso ou fundo, est perguntando pelafundura do poo (no por sua rasura). Qual a propriedade que se quer determi-nar com estar perguntas?

    A porta alta ou baixa?A parede branca ou colorida?O elefante leve ou pesado?O avio veloz ou lento?O rio largo ou estreito?A muralha da China comprida ou curta?A lista telefnica grossa ou fina?etc.

    4. Nem sempre a negao nos faz passar de um adjetivo a seu oposto: h coisas,por exemplo, que no so feias e nem por isso so bonitas; conte um caso,ilustrando uma situao em que se possa dizer que a ausncia de uma determina-da propriedade no leva necessariamente propriedade contrria.

    5. H antnimos que admitem meio termo (por exemplo: o caf da garrafatrmica pode estar quente ou frio, mas pode tambm estar morno). Na lista aseguir, escolha um par de antnimos e descreva uma situao que representa omeio-termo:

    nacional importadobrega chiqueencadernado brochado

    Antonmia

  • 28 Introduo ao estudo do lxico brincando com as palavras

    moderno antigoleve pesadomamfero peixecriana velhorico pobre

    6. Imaginar que um certo objeto possa ter as propriedades contrrias (que seexpressam por um par de antnimos) contrrio ao bom-senso. Mas os provr-bios, com sua antiga sabedoria, lembram-nos que essas situaes paradoxaispodem acontecer. Escolha um desses provrbios e conte uma histria a que elese aplica:

    O barato sai caro.O timo inimigo do bom.H males que vm para bem.Mais vale um mau acordo do que uma boa demanda.

    7. O volume 12 da Enciclopdia popular de Pdua (um folheto distribudo gratuitamentenos bairros de Campinas, SP) trazia a seguinte seo:

    ORGANIZE-SE

    Voc abriu, fecheAcendeu, apague.

    Ligou, desligue.Desarrumou, arrume.

    Sujou, limpe.Est usando algo, trate-o com

    carinho.Quebrou, conserte.

    No sabe consertar, chame quem ofaa.

    Para usar o que no lhe pertence,pea licena.

    Pediu emprestado, devolva.No sabe como funciona, no

    mexa. de graa, no desperdice.

    No sabe fazer melhor, no critique.No veio ajudar, no atrapalhe.

    Prometeu, cumpra.Ofendeu, desculpe-se.

    Falou, assuma.Seguindo estes preceitos, viver

    melhor.

  • 29

    Alguns dos preceitos foram formulados utilizando pares de antnimos. Quais?[Depois de responder, confronte seus resultados com os dos seus colegas.]

    8. Muitas das duplas que povoam o cinema/seriados da televiso/histrias em qua-drinhos e outras formas de fico so formadas por personagens com caractersti-cas (fsicas, psicolgicas, sociais, raciais etc. contraditrias). Lembre de uma des-sas duplas e explique o que distingue as duas personagens.

    9. O adjetivo integral assume sentidos parcialmente diferentes em expresses comopo integral, leite integral, edio integral de uma obra, arroz integral, aposenta-doria integral etc. Como voc chamaria um po que no integral? E um leite queno integral? E uma edio de obra que no integral? E uma aposentadoria queno integral? Voc seria capaz de lembrar outras palavras cujos diferentes senti-dos correspondem a antnimos tambm diferentes?

    10. O Dicionrio analgico da lngua portuguesa do Pe. Spitzer utiliza a antonmiacomo um recurso para distribuir as palavras dentro de uma grande gradeclassificatria. Veja como ele trata o vocabulrio referente riqueza e pobreza.Feita a leitura desse trecho, responda s perguntas:

    560. Riqueza (v.559,447) - S. riqueza, di-nheiro, fortuna, abastana, bens (de fortu-na), prosperidade, boas finanas, condiesde solvncia, independncia, recursos, gan-ho, receita, po, opulncia, abundncia, c-pia, dinheiro a valer, ufa, boa soma, bolsorecheado, mammon, remdio, tesouro, ndia,Eldorado, Peru, Potosi, Califrnia, milhes,maquia, Creso, milionrio, ricao, homemabastado, arranjado, remediado, capitalista,financeiro, aristocrata do dinheiro, hautefinance, argirocrata, plutocrata, sobejido,fartura, arca, tesouro, queijo, melgueira,chuchadeira, pechincha (economias), bola-da, bolo, vazabarris, chapa, mina de ouro,ricao, recheio, corda de enforcado (talism),lavrador, grosso. V. fazer dinheirama, dinheiro a rodo, terde seu, ter o seu arranjo, ter chorume, terchelpa, pesa ouro ou monta ouro, nadar emgrande gua, estar cheio como um ovo, tirara algum o p do lodo, ter para dar e vender. A. rico, abastado, remediado, solvente,solvel, opulento, a rodo, ufa, endinheira-do, cherudo, apatacado, podre de rico.

    561. Pobreza (v.448) - S. pobreza, indigncia, necessida-de, misria, apertura, penria, mendicidade, proletariado,empobrecimento, pauperismo, asilo de mendigos,mealheiro, esmola, po dos pobres (de Sto. Antnio),hospital de pobres, um pobre, mendigo, indigente, neces-sitado, lzaro; pobre diabo, proletrio, pobre, envergo-nhado, mendicante; alforje dos pobres, mngua, mendi-garia, lazeira, peregrino, piolharia, limpeza de bolsa, fra-ca-roupa, pobreto, maltrapilho, escatima. V. ser pobre, empobrecer, viver da mo para a boca, men-digar, pedir, viver de esmolas, reduzir pobreza, recolher es-molas, esmolar, ver-se em apertos, na indigncia, pedinhar,depauperar, viver mngua, no ter nem cheta, andar aolambisco, na espinha, no espinhao, no ter onde cairmorto, andar pingando ou pingar misria, no ter nempara a cova de um dente, no ter nem eira nem beira nemramo de figueira, limpar algum, ficar a pedir chuva, an-dar aos tombos, andar aos paus, deitar remendos suavida, tirar a camisa a, ficar sem camisa, tomar a mulher emcamisa, viver aos dias, dia por dia; deixar algum em bran-co, abunhar, tomar o po a algum, ser um pobre de Cris-to, comer o po que o diabo amassou, estar na pindaba. A. insolvente, reduzido indigncia, pedicho, umaesmola, por amor de Deus, para o pobre cego, mn-gua, mngua de pinga, baldo, ao naipe, escorrido,sem real, maltrapilho.

    Antonmia

  • 30 Introduo ao estudo do lxico brincando com as palavras

    1. Que outras palavras referentes riqueza e pobreza voc conhece?2. A que mitos remetem as palavras ndia, Eldorado, Peru e Califrnia?3. Quem foi Creso e o que ele tinha a ver com riqueza?4. Qual das expresses da segunda coluna (Pobreza) descreve a situao

    em que a moa se casa sem levar dote?

    11. Veja esta letra de Caetano Veloso: ela tira proveito de algumas antonmias bemestabelecidas na lngua e cria algumas outras. Aponte as que voc achar mais inte-ressantes e tente explic-las.

    Os quereres

    Onde queres revlver sou coqueiroOnde queres dinheiro sou paixoOnde queres descanso sou desejoE onde sou s desejo queres noE onde no queres nada, nada faltaE onde voas bem alto eu sou o choE onde pisas o cho minhalma saltaE ganha liberdade na amplido.

    Onde queres famlia sou malucoE onde queres romntico, burgusOnde queres Leblon sou PernambucoE onde queres eunuco, garanhoOnde queres o sim e o no, talvezE onde vs, eu no vislumbro razoOnde queres o lobo eu sou irmoE onde queres caubi, eu sou chins.

    Ah bruta flor do quererAh bruta flor, bruta flor[...]

  • 31

    Arcasmos

    Objetivo

    Explorar os efeitos que pode produzir, num texto, o uso de expresses queso reconhecidas como antigas ou desusadas.

    Caracterizao geral

    Chamamos de arcasmos as expresses que, tendo j sido de uso corrente nalngua, caram em desuso; quando usadas, refletem um estado de lngua mais antigo.

    Os arcasmos so pouco comuns na fala corrente; aparecem maisfreqentemente na literatura, em especial naqueles gneros em que as obras dopassado continuam servindo de referncia produo dos autores contemporne-os e em autores que fazem do arcasmo um recurso de estilo.

    Material lingstico

    possvel encontrar arcasmos em todos os domnios da lngua: vocabul-rio, morfologia, sintaxe... Constituem arcasmo:

    No lxico, o uso de certas palavras, por exemplo, coita por angstia, mil-risou contos de ris por reais etc.

    Na morfologia: formas antigas, com o artigo definido el: el rei e certosparticpios passados que sobrevivem apenas em frases feitas (ex. teda emanteda).

    Na sintaxe: a anteposio do pronome tono palavra que o atrai, como nafrmula Esta So Paulo onde eu me criei, recorrente nos discursos decampanha do ento candidato a governador Jnio Quadros.Com freqncia, o arcasmo consiste em usar uma palavra com um sentido

    que ela j teve, mas que hoje no corrente: se algum usar, hoje em dia, a palavraformidvel com o sentido de assustador, estar falando como os escritores dosculo XVI.

    Com freqncia,, as falas mais tipicamente regionais continuam usando for-mas e expresses que, do ponto de vista da lngua brasileira comum seriam arcaicas.

    As razes por que as palavras e construes se tornam arcaicas so vrias:

    Os objetos, tcnicas e hbitos correspondentes caram em desuso; A palavra perdeu a ligao com outras que tinham origem comum.

  • 32 Introduo ao estudo do lxico brincando com as palavras

    A lngua sofreu um processo de regularizao que fez desaparecer formasparcialmente diferenciadas. Em uma fase muito antiga da lngua portuguesa, ofeminino de senhor era senhor (isso mesmo: os trovadores medievais qualifica-vam sua amada de fremosa mia senhor) e os adjetivos terminados em -s forma-vam o feminino em -s (isso mesmo: uma princesa leons) essas formas modifi-caram-se mais tarde para receber a terminao -a, que hoje a terminao genera-lizada dos femininos: formosa senhora, princesa leonesa.

    Atividade

    O texto a seguir adaptao de uma carta do sculo XVIII, escrita por um padre daCria de So Paulo a um oficial do imprio que servia na regio das Minas, entoem pleno ciclo da minerao. Como voc poder observar, trata-se de duas pesso-as ligadas por laos de parentesco, amizade e interesses comuns. A grafia e apontuao foram adaptadas. Nessa carta h algumas passagens que hoje noseriam escritas da mesma maneira. Aponte essas passagens e discuta-as emseguida com seu professor, tentando estabelecer se constituem arcasmos.

    Meu Primo e [...] Irmo. J escrevi a Vossa Merc por um correio da Cria que levoucartas para Bicudo Bueno e outras vrias para moradores dessas minas que, pelo tempoem que partiu, estar a chegar nesse lugar. Dizia a Vossa Merc ser eu chegado comvida, e lhe pedia me fizesse diligencia por remeter todas as cousas inteis que pudessehaver, como cristais e outras pedras de nenhum valor, penas de pssaros e tudo o maisque fosse de galantaria para um curioso de bom gosto em Lisboa. J sei que Vossa Mer-c ter nesta minha petio alguma molstia, e que antes me poderia Vossa Merc ser-vir com ouro ou diamantes pelo valor que os homens lhe deram e que, j que ocupo aVossa Merc em cousas to vis e de nenhum preo, pr a grande pessoa de VossaMerc em nenhuma estimao. Confesso que em outros haveria razo de reparo quan-do das minas s se espera ouro ou cousa semelhante; mas como sei que Vossa Merctem que acudir a tantos, no quero eu ser instrumento por que Vossa Merc desvie osacrescentamentos de sua casa; e s quero para mim a ateno de Vossa Merc e queno me despreze quando chegar sua porta. A casa de Vossa Merc est em paz, e eucom a mesma paz comigo vivo. Remeto a Vossa Merc 206 medidas tocadas na mila-grosa Imagem do Senhor Jesus da freguesia de So Mamede da Cidade de Lisboa emuma boceta encapada para Vossa Merc nos fazer merc de repartir pelos fiis cris-tos pelos preos que em um papel incluso na mesma boceta vo declarados; advertin-do a Vossa Merc que no podendo dar sada pelos preos apontados, ser por aquelesque o zelo e devoo de Vossa Merc puder conseguir. [...] A petio do Senhor JESUSa Vossa merc e no digo mais. Ao Capito Incio Diaz Paes tambm remeto outra bocetacom 105 e lhe peo o mesmo favor. Vossa Merc aplicar aos enfermos e tendo f vivaexperimentaro efeitos milagrosos. Eu vou vivendo como quem no tem dinheiro e, comoVossa Merc no me convida para as suas lavras, no ponho em execuo esta jornada.

  • 33

    Tambm pedia a Vossa Merc em primeiro lugar alguma casca de cabriva da muito chei-rosa, que o Capito-Mor Bicudo Bueno diria a Vossa Merc o lugar onde se acha, aindaque dssemos algumas patacas ao sujeito da diligncia que Vossa Merc arbitrar,conforme a sua distncia.Fico obedincia de Vossa Merc com aquela antiga vontade, pedindo a Deus aumentea Vossa Merc na alma e no corpo, e que o guarde como muito muito muito desejo. S.Paulo 24 de Mayo de 1734

    Senhor Capito-Mor Diego de Toledo LaraSaudoso primo e muito seu negrinho de Vossa MercJoz de Almeyda Lara

    [Esta carta foi publicada no Tomo XVI da Revista do Instituto Historico e Geogrfico de S Paulo. Prof.a MirtaGroppi F. a estudou no contexto do Projeto de Estudo da Histria do Portugus Brasileiro].

    Exerccios

    1. Os ditados e os provrbios contm, s vezes, palavras que j no se usam nalinguagem corrente. Considere os provrbios que seguem. Usando a pequena ex-plicao das palavras que mantm neles um sentido antigo, explique o que signifi-cam:

    Quem usa, cuida(usa faz lembrar de usos e costumes, useiro e vezeiro)

    A co fraco acodem as moscas(acudir usado aqui no sentido antigo de aproximar-se, chegar perto)

    No se pescam trutas a bragas enxutas(braga era um tipo de calo, geralmente curto e largo, que se usava outrora)

    Mais vale uma m arrumao que uma boa questo(arrumao e questo j no se usam hoje com o sentido jurdico que tm noprovrbio)

    Vinho bom no precisa de ramo(o ramo, no caso, era o emblema que distinguia as casas de pasto, em que o vinhopodia ser encontrado).

    2. Da mesma forma que as palavras e construes que ele emprega, a ortografiaoriginal de um texto denuncia sua antiguidade. Veja como foi escrito, originalmen-

    Arcasmos

  • 34 Introduo ao estudo do lxico brincando com as palavras

    te, este famoso soneto de Olavo Bilac (Via Lctea, XIII) e tente l-lo em voz alta,sem cometer erros. Transcreva-o em seguida para a ortographia (desculpe, ortogra-fia) actual:

    XIII

    Ora (direis) ouvir estrellas! CertoPerdeste o senso! - E eu vos direi, no emtanto,Que, para ouvil-as, muita vez despertoE abro as janellas, pallido de espanto...

    E conversamos toda a noite, emquantoA via lctea, como um pallio aberto,Scintilla. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,Inda as procuro pelo co deserto.

    Direis agora : - Tresloucado amigo!Que conversas com ellas? Que sentidoTem o que dizem, quando esto comtigo?

    E eu vos direi : - amae para entendel-as!Pois s quem ama pde ter ouvidoCapaz de ouvir e de entender estrellas.

    3. Na linguagem da burocracia, conservam-se com um sentido antigo algumas pa-lavras que perderam esse mesmo sentido na linguagem corrente. Procure esclare-cer o que acontece quando um funcionrio pblico dispensado do servio pormotivo de gala ou nojo.

    4. Na histria da lngua portuguesa, comum o caso de palavras que caram emdesuso e foram substitudas por outras, formadas com a mesma raiz. s vezes, noentanto, o caso de pensar se a palavra que se perdeu no era melhor, do que a queficou, para expressar a idia correspondente. Compare:

    formas arcaicas formas atuaissoffrena sofrimentoperdoana perdomentideiro mentirosoconhecena conhecimentovizindade vizinhanasemelhvel semelhantefalsura falsidadedulcido douralongura comprimento

  • 35

    trigana pressabeio lbio

    5. Os anncios que voc ler a seguir foram retirados da revista O Careta,publicada no comeo do sculo XX, no Rio de Janeiro, e que teve como ponto altoo humor poltico. Como voc pode notar, o estilo da propaganda mudou muito aolongo dos ltimos 100 anos. Tente explicar o que mudou, na lngua e na concepode propaganda.

    Arcasmos

  • 36 Introduo ao estudo do lxico brincando com as palavras

    6. Nos bons colgios do sculo XIX, os alunos tratavam-se por o senhor, talvezcomo parte de uma pedagogia que os imaginava adultos, interagindo com outrosadultos. Tente se colocar nessa situao e escreva uma carta a um colega, sobre umassunto que esteja na ordem do dia, usando aquela forma de tratamento. Reflita noefeito de usar a expresso o senhor no sculo XIX e hoje.

    7. O trecho que segue foi extrado do livro A linguagem usual e a composio, deJlio Nogueira e faz parte de uma orientao sobre como fazer uma boa redaosobre o tema O Carnaval. Escrito na primeira metade do sculo XIX, o texto des-creve uma realidade diferente da atual e s vezes usa palavras diferentes para des-crever coisas que no mudaram muito. Assinale as passagens em que se descrevemrealidades antigas ou se usam expresses que caram em desuso.

    Poderemos limitar-nos ao carnaval do bairro onde moramos, ou ao grandecarnaval do centro. No primeiro caso aludiremos aos preparativos, como aarmao do coreto para a msica; a decorao festiva que tomam certas casascomerciais vendedoras de artigos de carnaval: mscaras, roupas de fantasia,lana-perfumes, confetti, serpentinas etc. Mencionaremos o rudo ensurdece-dor dos bombos, pandeiros, gaitas, apitos, etc., com que os caixeiros procu-ram atrair a freguesia. Na hora da batalha de confetti, h uma verdadeiramultido no local e dela poderemos destacar alguns tipos curiosos pela extra-vagncia de sua vestimenta ou pelas suas maneiras, cnticos, esgares. Noesqueamos a passagem dos blocos ou cordes, cuja riqueza, originalidadeou falta de gosto descreveremos. Dessa descrio constar tambm a ordemem que se apresenta o rancho, vindo frente a porta-estandarte, em requebrose meneios que ela procura tornar graciosos; de justia mencionar o homemdo leque, cuja funo fazer evolues com ela; descreveremos os anjos,meninas que por vezes ostentam fantasias caras e fazem passos de dana so-bre o asfalto por todo o trajeto, revelando uma resistncia surpreendente; te-remos algumas palavras para o carro alegrico, explicando-lhe o assunto ouenredo, como dizem os jornais; em seguida as pastoras, que constituem ocoro de cnticos; depois a banda de msica ou o simples choro, isto , peque-no grupo de msicos, conforme a riqueza e importncia do rancho; no es-queceremos os fogos de bengala, o fumo que deitam e os aplausos dos entusi-astas.[...]Se preferirmos o grande carnaval, descreveremos o que ocorre na Avenida.A teremos a multido, o atropelo, os agrupamentos nos passeios e escadariasde edifcios pblicos cheios de gente. Descreveremos a espera impaciente dopblico, os ditos de esprito, as discusses sobre qual ser o prstito vitorio-so; os vendedores ambulantes de refrescos, doces e artigos de carnaval; osalugadores de cadeiras e bancos improvisados; a agitao que se opera namassa popular quando se ouve o clarim da primeira sociedade que entra na

  • 37

    avenida; indivduos que se erguem na ponta dos ps; outros que sobem paraseus bancos e cadeiras; os garotos que se instalam nas rvores. O prstitoaproxima-se. J chegam polcias e inspetores de veculos montados em moto-cicletas, ante os quais o povo que invadira o leito da avenida vai abrindocaminho. Se j noite, cabe aludir iluminao do prstito: fogos de bengalae lmpadas eltricas. No esqueceremos os homens que, com grandes varas,afastam os galhos das rvores ou suspendem os fios para desembaraar apassagem dos carros altos. Diremos agora como so organizados os prstitos:a guarda de honra bem montada, composta de diretores do clube, cujo papel cumprimentar o pblico e sorrir-lhe, agradecendo os aplausos; depois vem ocarro-chefe, em geral uma alegoria de assunto histrico, ou com figuras lend-rias: centauros, drages, pgasos, gigantes etc.; colocadas em vrios pontos sevem pessoas vestidas a carter, sobretudo mulheres que atiram beijos multi-do. Esses carros tm movimentos engenhosos para diversos efeitos. Alm docarro-chefe, h outros tambm alegricos ou de crtica, e os em que seguemoutros diretores do clube.Descrever o entusiasmo da multido quando passam esses prstitos, as acla-maes, as discusses em voz alta entre os partidrios das diferentes socieda-des etc.Uma ateno especial nos deve merecer a volta dos assistentes s suas resi-dncias, com o costumeiro assalto aos bondes e nibus, sobretudo se o tempose mostra ameaador.

    8. A Botica ao Veado de Ouro foi, no passado, uma das mais famosas farmciasde So Paulo. Hoje o nome indica uma rede de farmcias de manipulao. Boti-ca, boticrio so os nomes que se usavam, antigamente para designar o que hojese chama mais comumente de farmcia e farmacutico. Tente descobrir, emsua cidade, algum estabelecimento comercial antigo e verifique se ele j foi conhe-cido por algum nome que hoje j no seja muito comum (armazm, emprio, casade secos e molhados, leiteria).

    9. Escritos antes de 1970 como crnicas, o texto Antigamente e AntigamenteII, do poeta Carlos Drumond de Andrade, recupera muitas frases feitas que noeram de uso corrente. Localize-os no livro Caminhos de Joo Brando, ou em umaantologia, leia-os e pea ao seu professor que explique as frases que para voc hojeso incompreensveis. Comente em seguida a representao que o poeta faz nasduas crnicas da vida que as pessoas viviam, antigamente.

    10. Os textos transcritos a seguir so anncios extrados de jornais brasileiros dosculo XIX, e foram recolhidos (com outras centenas de anncios) no livro deMarymrcia Guedes e Rosana Berlinck E os preos eram commodos. Como seriade esperar, contm palavras que j no se usam, ou que, quando usadas, soamarcaicas. Comente, a esse propsito, as palavras destacadas.

    Arcasmos

  • 38 Introduo ao estudo do lxico brincando com as palavras

    ATTENO !!AO NOVO ARMAZEM DE MOLHADOS

    Participa-se ao respeitavel publico desta capital, que acaba deabrir se um completo e variado sortimento de molhados, bemcomo ferragens, drogas, loua e miudezas de armarinho, cala-dos e muitos outros objectos que se vendero por commodospreos no largo do Chafariz no 4, esquina da rua Fechada; estacasa estar aberta desde as 7 horas da manha at as 9 da noite.(O 19 de dezembro, 12.8.1854)

    ANTIGA LOJA DO QUEIMALino de Sousa Ferreira, chegado ultimamente do Rio de Janei-ro com um dos melhores sortimentos e ultima moda, sendoricos cortes de cala de casimira, manteletes, toucados, colletes,mangas, e camisinhas bordadas, calado, e todo mais perten-cente ao seo estabelecimento que vender por todo preo; as-sim mais transferiu seu estabelecimento do largo da matriz n42 para a rua das Flores no 12. (O 19 de dezembro, 12.8.1854)

    MANOEL Ferreira dos Santos, com loja de fazendas na rua doCommercio no 12, casa de Joaquim de Souza Ferreira, fazsciente ao respeitavel publico, que por liquidao pretende ven-der por atacado e retalhos as fazendas a seu cargo, pelo custoda crte, constando o sortimento de todos aquelles artigos queum grande estabelecimento pode ter em fazendas de luxo e delei, tanto para homens como para senhoras, e se obriga a mos-trar as facturas querendo os compradores conferenciar seuscustos. (O 19 de dezembro, 26.8.1854)

    Respostas do Exerccio 1: Quem tem um certo hbito ruim, desconfia das pessoas que tm o mesmo hbito / Quemno sabe se defender vira vtima dos outros / Nada que valha a pena se consegue sem esforo / Mais vale um mauacordo que uma boa demanda / O que bom no precisa de propaganda.

  • 39

    Campos lexicais

    Objetivo

    Ampliar os recursos para a anlise dos aspectos nocionais do significado daspalavras.

    Caracterizao geral

    Constituem um campo lexical as palavras que nomeiam um conjunto de ex-perincias em algum sentido anlogas. Os nomes das cores, por exemplo, que sereferem a um tipo particular de experincia visual ou os nomes dos animais, queorganizam parte de nossa experincia dos seres vivos, constituem campos lexicais.

    Material lingstico

    Para organizar um campo lexical, dispomos de pelo menos dois recursos: achamada anlise componencial e a anlise por prottipos.

    A anlise componencial parte do princpio de que a significao das palavraspode ser quebrada em unidades menores (geralmente chamadas de compo-nentes ou traos semnticos) e que as unidades encontradas na anlise deuma determinada palavra reaparecero em outras palavras. Seria possvel, as-sim, verificar que duas ou mais palavras tm em comum, realizando operaesque lembram a fatorao da aritmtica. Por exemplo:

    quadrado = [+ figura geomtrica][+ plana][+ cncava][+ com quatro lados][+ lados iguais][+ ngulos iguais]

    Alguns desses traos so igualmente necessrios na caracterizao de um tri-ngulo, losango, retngulo, pentgono etc.

    Na anlise por prottipos, identificamos indivduos que representam melhortoda uma categoria e procuramos entender os demais elementos da categoria apartir da nossa experincia (no traduzida em traos) daqueles indivduos. Para

  • 40 Introduo ao estudo do lxico brincando com as palavras

    organizar a categoria dos pssaros, por exemplo, podemos tomar como refe-rncia o pardal e perguntar-nos quais so os animais que mantm com ele umasemelhana incontestvel: feito esse teste, provavelmente diremos que o sabi um pssaro, mas o peru no .

    Atividade

    Uma forma de prototipicidade muito prpria das sociedades industrializadasconsiste em associar determinados produtos manufaturados a determinadosfabricantes, que supostamente ofereceriam a melhor verso do produto. Comseus colegas de classe, monte uma lista de 20 produtos correntes (tais como:refrigerante de guaran, mquina de lavar roupa, tnis, vela de ignio de auto-mvel, pilha de lanterna, lmpada, tinta vinlica para paredes, canos e conexespara a instalao domstica de gua etc.). A respeito desses mesmos produ-tos, voc far junto a uma classe vizinha a seguinte pesquisa de opinio:Que marca imediatamente lembrada quando se menciona o nome do produto?Em seguida, discuta com seus colegas de classe a seguinte questo: por queantigas marcas so s vezes preservadas, depois de consumada a unificaode duas grandes firmas concorrentes? (Um exemplo: a firma que resultou daunificao dos fabricantes Brasilit e Eternit produz uma nica srie de produ-tos, que continuam sendo comercializadas pelos nomes Eternit e Brasilit).

    Exerccios

    1. Na tabela a seguir, o sinal (+) indica a presena de um determinado trao, e osinal () indica sua ausncia. Considerando que um conjunto de traos define umapalavra, escreva na coluna da direita as palavras que correpondem a cada linha. Emordem alfabtica, so elas:

    automvel charretebicicleta motocicletabonde a cavalo riquixcaminho tratorcarriola tren de nevecarroa

  • 41

    + + - - + - - + - - Bicicleta+ - + - + - - + + -+ + - + + - - + - -+ + - + - + + - -+ - + + - + - + + -+ - + - - - - - - -+ + + + + -+ - - + - + - + - -+ - + + + - - + - -+ + - + + - - + - -+ - + - - + + + - -+ - - + - + - - - +

    2. Mediante um clculo simples, possvel mostrar que trs traos binrios bas-tam em condies ideais para distinguir at oito palavras. Pense cada uma daslinhas da ltima coluna como o final de um percurso que comea em mvel parasentar e passa pelas trs escolhas indicadas. Decida em que linhas voc colocariaas palavras cadeira, banquinho, sof, banco, pufe, poltrona.

    para uma com encosto com estofamentopessoa sem estofamento

    sem encosto com estofamentomvel para sentar sem estofamento

    para mais de com encosto com estofamentouma pessoa sem estofamento

    sem encosto com estofamentosem estofamento

    3. Assim como possvel escrever propores aritmticas, possvel escreverpropores lingsticas. Diga quais, dentre as seguintes esto corretas:

    Rei prncipe Veado bode Cavalo gua vacarainha princesa cora cabra potro potranca bezerra

    Vec

    ulo

    Prop

    uls

    o hu

    man

    a

    Tra

    o a

    nim

    al

    A g

    asol

    ina

    ou v

    apor

    Duas

    rod

    as

    Qua

    tro ro

    das

    Sobr

    e Tr

    ilhos

    Sobr

    e es

    trada

    Para

    car

    ga

    Para

    uso

    agr

    col

    a

    = = = = =

    Campos lexicais

  • 42 Introduo ao estudo do lxico brincando com as palavras

    Banquinho poltrona Brasileiro japons gato borboleta--------------------- ------------------ --------------------------- ----------------- ------------ ---------------------banco sof sul-americano asitico gata larva

    sabi sabioca cocker co = = lagarto lagartixa gato siams gato

    4. Junte as peas da direita e da esquerda, de modo a construir frmulas intuitiva-mente verdadeiras:

    gaveta puxador = bosta vacabarbante corda = focinho bichoporta casa = guido bicicletaleme barco = minhoca cobrasapato civil = xcara asarosto gente = abertura grutamotorista carro = coturno militartitica galinha = piloto avio

    5. Suponha que voc quisesse fornecer a um selvagem um bom exemplo do que

    um carrouma caneta esferogrficaum sanducheum funcionrio pblicoum telefone celularum chineloum iogurteuma cerveja

    que exemplos voc usaria? Procure ser bastante especfico. No caso da cerveja,por exemplo, cerveja branca ou preta? Embalagem de 666 ml ou latinha de 350ml? Brahma, Antrctica ou Schincariol? etc.

    6. O grfico a seguir foi extrado sem modificaes do verbete Gentica da Enci-clopdia Mirador (onde utilizado para explicar como a transmisso do chamadoFator Rh negativo afeta as pessoas conforme a hereditariedade e o sexo). Aqui,utilizaremos esse grfico para pesquisar os nomes de parentesco em uma rvoregenealgica fictcia. D um nome de pessoa aos quadrados (homens) e s bolinhas(mulheres). Em seguida, localize-se no indivduo identificado pela seta e diga qual a relao de parentesco que tm com ele as demais pessoas do grfico.

    = = = = =

  • 43

    7. Entre as palavras dispostas a seguir, h uma relao hierrquica que pode serintuitivamente recuperada, mesmo sem grandes conhecimentos de zoologia. Mos-tre essa relao hierrquica organizando todas essas palavras por meio de um qua-dro sintico:

    vertebradomamferofelinogatoroedorratocandeoraposacopitbulldobermanbovdeorenaboirptilcobracascavel

    Campos lexicais

  • 44 Introduo ao estudo do lxico brincando com as palavras

    8. Exclua , em cada conjunto, a figura que no cabe. Explique em seguida o quemotivou a excluso.

    9. Os lingistas utilizam, s vezes, o nome de campo lexical para indicar o conjun-to das palavras que designam as partes de um objeto ou o conjunto dos termos quedizem respeito a uma mesma tcnica, a um mesmo ramo de atividades. Para osno-especialistas, normalmente difcil enumerar todas as palavras de um dessescampos lexicais; em geral, eles lembram algumas, compreendem algumas outrasquando as ouvem e desconhecem as restantes. Tente lembrar os nomes de todas aspeas que compem uma bicicleta de passeio. Compare em seguida a lista a quevoc ter chegado com a lista das legendas da figura. Separe aquelas legendas emtrs conjuntos, conforme constituem para voc (a) um vocabulrio ativo, (b) umvocabulrio passivo, (c) um vocabulrio desconhecido.

    quadroalavanca demudana demarchas

    alavanca do freio

    cabo do freioguido

    freio dianteiro

    garfo dianteiro

    pra-lama

    pneu com cmara dearporta-cantil

    pedal cala-pcorrente

    olho-de-gato(catadiptrico)

    pra-lama

    cmbiotraseiro

    bagageiro

    selimcano doselim

    bomba pneumtica

    freio traseiro

  • 45

    10. O trecho a seguir transcrio parcial de uma entrevista do Projeto de Estudoda Norma Urbana Lingstica Culta (Nurc), realizada em 1971 entre umDoc(umentador) e um Inf(ormante) ento um advogado de 31 anos que descreveas operaes por que passava o caf, na fazenda que ele conheceu na infncia,desde a colheita at a venda. Leia a entrevista, e elabore a partir dela um grfico dotratamento dado ao caf. Discrimine todas as operaes, inclusive os locais em quese realizam e os implementos utilizados; no ponto conveniente do grfico, anote aspalavras que as pessoas da cidade provavelmente desconheceriam.

    Doc. e com que se colhe... o caf por exemplo o senhor se lembra?Inf. bom... o:: era colhido tudo manualmente... mas nessa poca ento:: de::colheita... at as mulheres passavam a:: ajudar... porque a colheita teria que serfeita dentro de uma certa poca... ento preciso mais gente pra colher...::...... costumava-se colocar em baixo do p de caf uma espcie de:: lona... umaesteira... e a:... e depois vai-se pa?...passando a mo no galho... e caindo osgros... depois colhe-se tudoDoc. sabe como que se chama esse ato de passar a a mo no galho?Inf. esse no e... tem uma palavra especial, viu?...:... (en)derrear no derrear...uma coisa assim mas no me lembro bem... derrear o caf eu achoDoc. e depois que se... ahn que se...esse vai esse gro vai pro...vai pro pano ouno o pano s pra:: ahn::Inf. ... vai pro pano... vai pro pano e depois vai pra um saco e naturalmenteainda o gro est muito misturado com::...pedrinhas... terra... e depois preci-sa:: ento limpar aquiloDoc. e como que se limpa?Inf. a limpa a::... bom inclusive o gro de caf precisa ser secado...ento pre-cisa colocar no terreiro... e deixar secar no sol... hoje tem secador tambm::( ) mecnico... mas o:: o normal e at hoje:: que se faz bastante ::... jogar ocaf no terreiro... e deixar alguns dias l no solDoc. como o terreiro?Inf. o terreiro uma:: uma poro de..de terra.... ah... calada... com::...lajota...bom ou s vezes cimentada mas em geral com lajota... e fica ali::.. ::um ( ) como se poderia chamar? um cho... ou s vezes at:: cho:: batidobatido mas... normalmente tem lajota no terreiroDoc. e .. gro ::Inf. e:: espalhado aliDoc. e tem algum cuidado especial durante essa secagem ou no?Inf. :: deve-se revolver um pouco o gro... s vezes at com:: com burro... euma::... e uma espcie de::... no seria de um arado mas enfim u::ma umacoisa de madeira que se colocava... que o burro puxava... arrastava... ento jse ia revolvendo... o caf... pra no ficar sempre com o mesmo gro em cimaDoc. e manualmente se fazia isso tambm no?Inf. tambm... poderia se fazerDoc. com algum:: instrumento especial?

    Campos lexicais

  • 46 Introduo ao estudo do lxico brincando com as palavras

    Inf. no uma pessoa quase que faz fazendo o papel do burro ... ((risos)) depuxar o:: a madeira, n?Doc. uhn uhn... e essa pea de madeira?Inf. depois no final do dia se recolhe todo o caf... se faz um :: um monte... ese cobre com uma lonaDoc. uhn uhn... e depois desse caf fei/h seco o que se faz?Inf. a se recolhe num::... num lugar que costuma se chamar de tulha... a atulha :: uma:: vamos dizer um barraco... fechado... onde o caf fica armaze-nadoDoc. e:: ele j est nessa fase j para... para industrializao ou ele ainda temque passar por outro processo?Inf. no depois ele tem que ser::... depois de seco ele ainda tem que ser::... como que se diz?... tem que ser descascado... pra... pra o que tem:: mqui-nas especiais tambm.Doc. e a fazenda geralmente tem tudo isso ou manda pra fora?Inf. ho/hoje costuma-se mandar pra fora mas ahn:: antigamente tinha pelomenos esse de::... de descascar o caf j havia nas fazendas... era tudo feitoassim::... com roda dgua... ou de animais..........................................................................................................................Doc. mas... e me diga uma coisa esse caf descascado... ele j est pronto proconsumo?Inf. no.. depois... a ele est pronto pra ser vendido pelo fazendeiro... e vai servendido ento pra se::... modo ou exportado... agora:: o:: o caf j descascadoele pode ser exportado assim...Doc. ah simInf. quer dizer no ... ahn:: o caf que vai ser utilizado pela dona de casa...mas ele j exportado em saco descascado

  • 47

    (In-) compatibilidades entre partesde uma sentena

    Objetivo

    Mostrar que a possibilidade de combinar palavras para construir frases sofrerestries cuja transgresso resulta em enunciados anmalos.

    Caracterizao geral

    H duas fontes possveis de incompatibilidade: lingstica e prtica. Sabe-mos que certas propriedades so incompatveis na prtica, um mesmo objeto porexemplo no pode ser simultaneamente redondo e quadrado. Por outro lado, nouso corrente da linguagem, certas combinaes de palavras ficam excludas; porexemplo, causa estranheza atribuir propriedades fsicas a entidades abstratas, comoem idia gorda, velocidade pontuda.

    Material lingstico

    Para explicar o fato de que certas palavras no combinam em condies nor-mais, os lingistas formularam a hiptese de que as palavras se selecionamreciprocamente, ou, dito de outra maneira, que h entre elas restries deseleo.

    H restries de seleo entre o substantivo e o adjetivo, entre o substantivo everbo, entre o verbo e o advrbio.

    Dormir profundamente vs.[???] dormir exatamenteDiscurso demorado, casa envidraada vs. [???] discurso envidraado,casa demoradaA pergunta incomoda vs.[ ???] a pergunta torce para o Corinthians

    A combinao de palavras em princpio incompatveis resulta, s vezes, em umefeito de sentido. O adjetivo indigesto, por exemplo, deveria aplicar-se, em princ-pio, apenas a comidas. Mas um livro indigesto pode ser um livro de leitura difcilou chata. E, s vezes, a gente fica horas seguidas ruminando uma idia...

    Entre os enunciados anmalos, a tradio distingue os que so absurdos (isto, os que no tm chance de ser verdadeiros em nenhuma circunstncia) dos

  • 48 Introduo ao estudo do lxico brincando com as palavras

    que so paradoxais (isto , contrrios opinio corrente). s vezes, um enun-ciado paradoxal resulta ser verdadeiro.

    Atividades

    Uma histria mentirosa pode ser, simplesmente, uma histria que nocorresponde aos fatos. Mas h histrias que falam, de propsito, de situaesfrancamente impossveis ou absurdas. Aponte os absurdos da histria menti-rosa que segue. Se possvel, continue a histria ou conte outra, com muitosabsurdos. No esquea de comparar a histria que ter inventado com a deseus colegas.

    O heri desta histria no tem nome. Ele se chama Cisco Kid. Cisco Kid era um bandoleiroque viajava pelas montanhas do Mxico num transatlntico. Certo dia, chegando a umacidade do interior que ficava bem no litoral, Cisco Kid resolveu conhecer o bar da praacentral, que ficava num bairro fora de mo. No bar, que estava ento movimentadssimo,no havia ningum. Quando Cisco entrou no bar, uma pessoa que estava do outro lado dapraa o empurrou, e ele estatelou-se no cho. Abaixando-se um pouco mais, conseguiualcanar o teto. As lmpadas do lustre, todas apagadas, iluminavam um velho analfabeto,que lia o jornal da cidade, onde, claro, no havia jornal. Cisco piscou com uma das orelhas,que fez um barulho parecido com um bocejo. Nesse momento, as lmpadas, que estavamapagadas, apagaram-se ainda mais, e assim, finalmente, foi possvel enxergar. Cisco e apessoa que o tinha empurrado comearam a brigar de socos, apesar de que nenhum dosdois tinha braos. A confuso s terminou quando Cisco apartou a briga entre ele mesmoe o desconhecido, atirando para o ar com o revlver apontado para um buraco do soalho,que era feito de terra batida...

    Jogo do pssaro voa: A pessoa que manda no jogo vai dizendo, sucessivamente frasesdo tipo Pssaro voa, borboleta voa, avio voa, cavalo voa etc. Enquanto fala, er-gue a mo. Os outros jogadores devem erguer a mo apenas quando o objeto nomeadoefetivamente voa. Quem erra, cai fora. Vence o ltimo que ficar.

    Exerccios

    1. Sujeitos e predicados so normalmente escolhidos de modo a fazer sentidojuntos. Com base nesse critrio,

    a) Descubra o predicado correto, nas chaves abaixo:

    Meu gato Gregrio {relincha para pedir leite, mia para pedir leite, late de madruga-da}.

  • 49

    O Joo { falou pelo telefone com sua viva, trabalha na fbrica de chocolate, nasceumaior de idade}.O papa {lanou mais uma encclica, abriu oficialmente a temporada de caa,suspendeu por indisciplina o atacante do Corinthians}.O avio {cometeu seu segundo erro de lgica, saiu da rota, concentrou-se em suastarefas domsticas}.

    b) Pelo mesmo critrio do exerccio anterior, aponte o sujeito correto

    A {o mudo, o recm-nascido, o homem que todos apontavam como culpado} falou:assim no d.{A porta, A enxada, A pgina central} est rangendo por falta de leo nas dobradi-as.{O dente, O piano de cauda, O vidro de comprimidos}teve que ser submetido atratamento de canal.{O papel mata-borro, O mico-leo dourado, O atual diretor do meu instituto} estem extino.

    2. Escolha os objetos apropriados para os verbos, nas duas listas abaixo:

    debulhar rvorespodar frutasbritar cereaisacender canos, esgotosdesentupir aparelhos eletrodomsticosligar aulasdescascar pedrascabular rios, crregosdesassorear fogo

    3. As restries de seleo nos proporcionam um dos tantos mecanismos textuaisde resoluo da ambigidade. Pense nos diferentes sentidos que um bom dicion-rio apresentaria para cada uma das palavras grifadas; em seguida, explique o raci-ocnio por meio do qual escolhemos para elas o sentido que prevalece na frase.

    O sargento no d mais aperto porque est com a rosca espanada.O namorado no fresco, porque suas guelras esto esverdeadas.No deixe os brigadeiros no sol, que eles ficam com gosto de sabo.O cavalo perdeu um pra-lama no acidente.O macaco agenta at 3000 quilos, desde que o cho seja firme e ele

    esteja bem calado.Batida com acar deixa qualquer um etilizado.

    (In-) compatibilidade entre partes de uma sentena

  • 50 Introduo ao estudo do lxico brincando com as palavras

    As projees do governo baseiam-se em dados viciadosEssa preguia nasceu em cativeiro.

    4. Os termos integrantes de uma orao so sempre escolhidos de modo a darcerto com o verbo. Por isso, conhecendo o verbo de uma sentena, podemos svezes prever, dentro de certos limites, quais sero os termos integrantes. Teste essaprevisibilidade completando os espaos vazios no texto que segue. Escolha, paracada espao, um dos nomes propostos como opes.

    Ingredientes:

    1 kg de batata2 gemas100g de farinha de trigo1 colher de manteiga

    Modo de preparo

    Cozinhe _________________________e esprema-as

    ainda quentes. Acrescente ____________________,

    misture bem e deixe esfriar. Quando estiver frio, jun-

    te as gemas e _____________________________.

    Amasse bem e corte em ______________________.

    Coloque __________________ para ferver. Quando

    estievr fervendo, jogue ______________________

    e espere que subam na panela. Retire com uma

    escumadeira e coloque em ____________________

    de servir. Cubra com o molho de sua preferncia.

    a escumadeira,as batatas

    o espremedor debatatas, a manteiga

    gemas, pedacinhospequenos

    os gnocchi, duaspedras

    as batatas, amanteiga

    a gua, a farinha

    um recipiente, umaescumadeira

  • 51

    5. Frases como a orelha do urso rasgou ou a mo do santo esfarelou no so boasse o urso for um bicho e o santo for uma pessoa; mas essas mesmas frases tornam-seperfeitamente possveis se o urso for de pano e se o santo for uma esttua de gesso.Invente uma histria em que uma das frases abaixo possa ser interpretada

    O rabo do cavalo quebrouA gua da lagoa furouA fumaa do trem caiuO azul do cu manchouetc.

    6. Explique o que h de estranho com estes dois dilogos, cujas personagens soum juiz de instruo e um perito designado pelo tribunal:

    Juiz - O que significa a presena de esperma?Perito - Indica que houve relao sexual.Juiz - Esperma masculino?

    Juiz - Doutor, quantas autpsias o senhor j realizou em cadveres?Perito - Todas as autpsias que realizei foram em cadveres.

    7. Uma lio que no faltava nunca nas gramticas de outros tempos era a dos coletivos.Neste exerccio, vamos fazer a voc a mesma pergunta que as gramticas normal-mente faziam, mas lembrando que a relao entre nome comum e coletivo sempreenvolve restries de seleo. Na matriz que segue, coloque um x na(s) casa(s)que indica(m) a(s) correspondncia(s) correta(s) entre as linhas e as colunas.

    BurrosCamelosCarneirosElefantesFormigasAbelhasCes de caaLobosPorcosGafanhotos

    Nuv

    em

    Reba

    nho

    Col

    nia

    Enxa

    me

    Trop

    a

    Mat

    ilha

    Man

    ada

    Cf

    ila

    Alca

    tia

    Vara

    (In-) compatibilidade entre partes de uma sentena

  • 52 Introduo ao estudo do lxico brincando com as palavras

    8. Nos anncios imobilirios que voc ler a seguir, os nomes dos imveis noaparecem, mas algumas de suas caractersticas so apresentadas com grande desta-que. Tomando por base essas caractersticas, procure descobrir se esses annciospromovem uma casa, um apartamento, uma chcara etc.

    Campo dos Amarais. Pequena entrada e prestaes. 1000metros quadrados, sem benfeitorias. Excelente negcio paravalorizao futura. Ligar para 239-1501.

    Cobertura. Bairro dos Alecrins. 350 m2 de puro luxo. Maisinformaes pelo telefone 239-1501.

    Recm-construdo. Centro. Vendo todo carpetado. Ed. Cru-zeiro do Sul, sala ampla, 3 quartos com AE, banheiro privativo,banheiro social, dependncias completas para empregadas,cozinha, rea de servio, garagem privativa coberta. Dois porandar, acesso direto pelo elevador. Chaves com o Zelador.

    Pr-fabricada. Madeira tratada segundo mtodo americano.Para negcio rpido. Tratar pelo telefone 239.1501 com Lus.

    Jardim Chapado prximo a finas residncias. Cercadocom 5 fios de arame farpado. 370-0000.

    Jardim Flamboyant 700 mil Novinha. Fachada colonial.4 quartos com armrios embutidos, sala de jantar, cozinha,banheiro social com teto solar. Fora: quarto para empregadaenorme, WC, lavanderia e bom quintal. Chaves Rua CamargoPimentel, 272.

    9. O revisor do jornal embaralhou os ttulos desses anncios. Ajude-o a recoloc-los no lugar apropriado.

    Hotel em Itatiaia com motor novo 1300, pneus novos, freio a disco em timo estado geral. Tratar Rua Frei Manuel 25.Lampies e fogareiros precisa-se para caminho, servio na cidade. Papis Amlia Ltda. Fone666-6666.Moas a gs e querosene completo estoque de peas nas Lojas Aladim, Rua Costa Aguiar, 377,Leme.Dlmata com 30 apartamentos inteiramente mobiliados, vendo. Tratar com o proprietrio do CinemaIdeal no horrio de projeo.Motorista macho de boa linhagem, desmamado e vermifugado, compro. Tratar Rua Duque deCaxias, 77 com Telmo.Wolks Sedan 13 a 16 anos. Boa aparncia. Precisa-se para servio externo. Tratar com a indstriade cosmticos Clava rua Carolina Florence, 114.

    [Fonte: Correio Popular, Campinas]

  • 53

    10. O texto de Lus Fernando Verssimo que voc vai ler a seguir mostra duaspersonagens falando as mesmas coisas de duas realidades muito diferentes. Oequvoco dura at o final. Explique o que isso tem a ver com restries de seleo.

    Parole, parole, parole

    De uns tempos para c eu s penso naquilo Eu penso naquilo desde os meus, sei l. Onze anos. . E o tempo todo. No. Eu, antigamente, pensava pouco naquilo. Era uma coisa que no mepreocupava. Claro que a gente convivia com aquilo desde cedo. Via acontecer nossa volta, no podia ignorar. Mas no era, assim, uma preocupao cons-tante. Como agora. Pra mim sempre foi, alis eu no penso em outra coisa. Desde criana? De dia e de noite. E como que voc conseguia viver com isso desde criana? Mas uma coisa natural. Acho que todo mundo assim. Voc que anor-mal, se s comeou a pensar naquilo nessa idade. Antes eu pensava, mas hoje uma obsesso. Fico imaginando como ser. Oque que vou sentir. Como ser o depois. Voc se preocupa demais. Precisa relaxar. A coisa tem que acontecer natu-ralmente. Se voc fica ansioso pior. A sim, a coisa se torna uma angstia,em vez de um prazer. Um prazer? Aquilo? Bom, na sua idade no sei. Pra mim o maior prazer que um homem podeter. quando o homem chega no paraso. Bom, se voc acredita nisso, ento pode pensar naquilo como um prazer. Pramim o fim. Voc precisa de ajuda, rapaz. Ajuda religiosa? Perdi a f h muito tempo. Da ltima vez que falei com umpadre a respeito, s o que ele me disse foi que eu devia rezar. Rezar muito,para poder enfrentar aquilo sem medo. Mas voc foi procurar logo um padre? Precisa de ajuda psiquitrica. Talvezclnica, no sei. Ter pavor daquilo no saudvel. E eu no sei? Eu queria ser como voc. Viver com a expectativa daquilonaturalmente, at alegremente. Ir para aquilo assoviando. Ah vou. Assoviando e dando pulinho. Olhe, j sei o que eu vou fazer. Vouapresentar voc a uma amiga minha. Ela vai tirar todo o seu medo. J sei, uma dessas transcendentalistas. No, daqui mesmo. Codinome Biba. Com ela tiro e queda. Figurativa-mente falando, claro.

    (In-) compatibilidade entre partes de uma sentena

  • 54 Introduo ao estudo do lxico brincando com as palavras

    Hein? O qu? Do que ns estamos falando? Do que voc est falando? Daquilo, da morte. Ah. E voc? Esquece.

  • 55

    Definies

    Objetivo

    Mostrar como se podem formular definies claras e corretas, apontando osdefeitos mais comuns desse tipo de texto.

    Caracterizao geral

    Uma definio um pequeno texto em que se formula o significado de umapalavra. Em geral, ao definir uma palavra, identificamos a classe maior qual per-tencem os objetos que ela nomeia e, em seguida, apontamos as propriedades quedistinguem esses objetos no interior dessa classe maior, como nestes exemplos:

    [Monarquia] [uma forma de governo] [em que o poder supremo exercido por uma s pessoa]

    palavra que se expresso que expresso que recorta uma quer definir delimita uma subclasse, dentro da classe maior.

    classe maior

    [Tringulo] [um polgono] [de trs lados].

    Material lingstico

    Os verbos que mais aparecem nas definies so: ser, significar, consistir,constituir...

    As razes para definir podem ser vrias:

    Aumentar o vocabulrio diante de palavras desconhecidas, pode ser inte-ressante definir para melhor compreenso do que foi dito.Eliminar ambigidades quando uma palavra ambgua em um contexto,isto , quando no est claro em qual de seus sentidos est sendo usada,convm definir (1) para evitar que se tirem concluses falsas; (2) para evitardiscusses meramente verbais.Tornar exatos os limites de aplicao de palavras conhecidas, mas vagas.Por exemplo: Neste texto, entenderemos por montanha toda elevao doterreno com mais de 500 metros acima do nvel do mar. Neste contrato,produto significa o inseticida PHD, objeto da presente transao comercial

    O que uma boa definio no deve ser:

  • 56 Introduo ao estudo do lxico brincando com as palavras

    Uma mera enumerao de exemplos: Arranha-cus so, por exemplo, osedifcios tal e tal (se, por acaso, os dois edifcios ficam na rua principal dacidade, algum poderia entender que todo prdio da rua principal da cidade um arranha-cu).Circular: azul a cor do que azul ou Confiana a qualidade de quemconfia.Obscura uma definio obscura quando usa termos mais difceis do quea palavra que pretende definir, possivelmente desconhecidos da pessoa aquem se destina etc. Quimioterapia uma forma de tratamento oncolgico[...] (possivelmente as pessoas que no sabem o que quimioterapia, sa-bem menos ainda o que significa oncolgico).Demasiado ampla: Sapato uma coisa que se pe nos ps (as meias tam-bm cobrem os ps). nibus um veculo motorizado que transporta pas-sageiros (essa definio serve tambm para txi etc.)Demasiado estreita: Bonde o veculo que circula no Parque Taquaral, emCampinas (no mundo, existem outros bondes, alm do que circula aos do-mingos na Lagoa do Taquaral em Campinas)Figurada: A arquitetura msica congelada, Uma rvore um cabide defolhas, Um pente um coador de piolhosNegativa quando pode ser positiva: Um div no uma cama nem uma cadei-ra (a av do presidente do Senado tambm no uma cama nem uma cadeira)

    Atividade

    Leia este texto, extrado das memrias do psiclogo e filsofo americano WilliamJames (1842-1910) e, em seguida, discuta a afirmao de que uma definiopode evitar uma discusso meramente verbal.

    H alguns anos, quando participava de um grupo de camping, nas montanhas, voltei deum passeio solitrio encontrando todos, no acampamento, empenhados numa ferozdiscusso metafsica. O objeto da discusso era um esquilo um esquilo vivo que sesupunha estar trepado de um lado de um grosso tronco de rvore, enquanto que, pr-ximo, no lado oposto da rvore, imaginava-se que um homem estivesse parado. Estehomem experimentava ver o esquilo e, para consegui-lo, corria ao redor da rvore mas,por mais depressa que se deslocasse, o esquilo movia-se com velocidade igual na dire-o oposta, mantendo sempre a rvore entre ambos, de modo que o homem jamaisconseguia ver o animal. O problema metafsico resultante o seguinte: o homem move-se ou no ao redor do esquilo? Ele move-se ao redor da rvore, sem dvida, e o esquiloest na rvore. Mover-se-, ento, o homem