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LINGUÍSTICA GERAL SAUSSUREANA PARTE I Conteudista Prof. Me. VICTOR HUGO CRUZ CAPARICA

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Um introdução ao formalismo Russo

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Page 1: Linguística Geral

LINGUÍSTICA GERAL SAUSSUREANA

PARTE I

Conteudista

Prof. Me. VICTOR HUGO CRUZ CAPARICA

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FUNDAMENTOS DA LINGUISTICA SAUSSUREANA

Nesta semana, abordaremos a história da formação do campo científico

da linguística, seu contexto, seus propósitos e seus principais fundadores.

Nossa meta será construir um entendimento acerca de como o ser humano ao

longo de sua evolução foi, crescentemente, se preocupando em desvendar as

minúcias de nossa mais poderosa faculdade, a comunicação.

Quando nos aproximamos dos estudos linguísticos, o nome mais

proeminente a se encontrar é certamente o do gramático suíço Ferdinand Du

Saussure (1857-1913), autor do principal referencial moderno para tal campo, o

Curso de Linguística Geral (BALLY & SECHEHAYE, 1916).

Já de antemão, há dois esclarecimentos a se notar acerca disso.

Primeiro, que como a referência denuncia, o Curso de Linguística Geral não foi

publicado por Saussure, que falecera três anos antes, mas sim por Charles

Bally e Albert Sechehaye, dois de seus estudantes que, como os discípulos do

filósofo grego Sócrates, compilaram e organizaram as teorias do mestre em

uma obra formalizada. Segundo, ainda que Saussure seja, de fato, divisor de

águas no que toca o estudo da linguagem, seus trabalhos realmente são o

resultado de um processo histórico, que se iniciou muitos séculos antes quando

os primeiros homens começaram a questionar-se sobre as línguas humanas e

a registrar algumas reflexões interessantes a respeito. Assim, para chegarmos

de maneira adequada ao pensamento de Saussure cabe, primeiramente,

retornar um bom tanto no tempo.

NA ÍNDIA

Retornaremos à Antiguidade Clássica da Índia, em um período

culturalmente remoto, por volta do século 4 a.C. Lá, encontramos o primeiro

ancestral da linguística, ou seja, a Hermenêutica.

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A Hermenêutica foi, muito provavelmente, a primeira forma organizada

de estudo sobre a produção linguística humana e consistia, fundamentalmente,

em estabelecer normas e procedimentos para a leitura e interpretação dos

textos sagrados – quaisquer que fossem – da forma tida como adequada.

Na Antigüidade Clássica da Índia, por volta do século 4 a.C, esses textos

sagrados eram os Veda do Hinduísmo, e sua Hermenêutica se dividia em seis

subgrupos, referentes a pronúncia (Shiksha), etimologia (Nirukta), métrica

poética (Chandas), datação astrológica (Jyotisha), orientação ritualística

(Kalpa) e, finalmente, gramática (Vyakarana). Esta última, dedicada à correta

interpretação das estruturas do idioma sânscrito, está fundamentada na obra

Ashtadhyaye ( “Os Oito Capítulos”), do estudioso indiano Panini. Nela, o autor

expõe, de forma sistemática (mas não didática, visto que não se tratava de livro

para ensinar sânscrito, mas sim de um compêndio para consulta referencial),

as 3959 regras do sânscrito, constituindo não apenas as bases da Vedanga

Vyakarana (Entendimento Gramático dos Veda), mas efetivamente a peça de

estudos linguísticos mais antiga que possuímos.

Façamos aqui uma brevíssima pausa para um parêntese, mais do que

justificado ao se tratar de historiografia do conhecimento. São raros os casos

na história da ciência em que uma nova tecnologia é descoberta por um só

indivíduo em um só lugar. Grandes descobertas são, em geral, fruto de

processos históricos que ocorrem em lugares diversos e separados. Com os

estudos sobre a linguagem não foi diferente, e suas origens na Grécia, China e

Arábia serão logo adiante abordadas.

Mas, por que então tanta ênfase em Panini e nos gramáticos indianos

por ele influenciados? Porque é nessas obras que encontramos as raízes de

numerosos e fundamentais conceitos até hoje empregados para entender a

escrita, como a noção de unidades maiores (frase, sentença e verso) formadas

pela articulação de unidades menores (palavras, partículas e fonemas), bem

como a noção de que os verbos constituíam a categoria mais antiga de

palavras e que a etimologia dos substantivos residia sempre em ações.

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O etimologista Yaska, contemporâneo de Panini, também já

apresentava a ideia de que o sentido da enunciação residia nas frases

completas, e que o sentido de cada palavra era determinado não na palavra

em si, mas em sua posição e uso na frase, o que indica uma reflexão já

avançada sobre a função da sintaxe para além da morfologia.

Além disso, é nos textos de Panini e seus seguidores que encontramos

o primeiro sistema formal de mapeamento fonético de um idioma, ou seja, uma

lista completa e estruturada dos diferentes sons que se articulavam para

compor a pronúncia do sânscrito. Nessa sistematização, já estava presente,

por exemplo, a noção de universais sonoros (similar ao atual conceito de

fonema), uma categorização das consoantes baseadas em constrição da

cavidade oral e das vogais, baseadas em duração e altura. Essa ideia foi

apresentada, inicialmente, pelo gramático paniniano Barthari (século 5 d.C), o

qual propõe que as unidades da linguagem eram também as unidades do

pensamento, algo muito próximo do atual conceito de determinismo linguístico.

Barthari também considerava a frase como precedente na construção do

sentido, o que significa que as palavras têm seu sentido dado por sua função

dentro da frase. Também é de Barthari o estudo sobre os significados das

palavras com sua doutrina denominada Sprho’a, que chegou ao conhecimento

dos teóricos europeus por volta do século XVIII, tornando-se modelo de várias

reflexões teóricas da época e de estudiosos subsequentes como Leonard

Bloomfield, Ferdinand Du Saussure e Roman Jakobson.

Fritz Staal, em analisar tais gramáticos, afirma que as descobertas

acerca da natureza da linguagem, bem como as conclusões por eles obtidas,

não apenas demoraram até o século XVIII para serem redescobertas na

Europa, como constituem influência majoritária na forma como se estudou

linguística dali para frente. Após comparar diversos textos e apontamentos

dessas gramáticas antigas, ele concluiu que todo o conceito de estabelecer

regras formais da lógica matemática ao estudo das línguas, aparece primeiro

em Panini. o qual poderíamos considerar como um Euclides do seu tempo.

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Essa afirmação se fortalece quando nos aproximamos da biografia de

Ferdinand du Saussure e descobrimos uma longa série de estudos em

sânscrito por parte do mestre suíço.

Muito bem, aqui deixaremos nossos ancestrais indianos de lado, uma

vez que já observamos suas numerosas contribuições para a construção dessa

estradinha de reflexões que, lá na frente, ganhará o nome de Linguística.

Agora, com um pequeno e modesto salto, tanto em tempo como em espaço,

partiremos para a região da Ática, onde os gregos também somavam novas

ideias ao processo.

NA GRÉCIA ANTIGA

Entre os gregos, a preocupação com a linguagem é tão antiga quanto a

introdução da escrita nas antigas Pólis. Com a adaptação do alfabeto fenício

nas conhecidas letras do alfabeto grego, as grandes epopéias de Homero - que

até então eram transmitidas apenas pela tradição oral graças à habilidade dos

Aedos e Rapsodos, poetas mnemônicos que carregavam na memória os

milhares de versos da Ilíada e da Odisséia -, foram registradas e,

subseqentemente, passaram a ser estudadas. Essa tradição de estudos

literários na Grécia voltava sua atenção especialmente para as questões de

métrica poética e seus usos, mas de modo algum estavam muito distantes dos

Vedanga Vyakarana de Panini e Barthari.

A partir do domínio da linguagem escrita, os gregos deram início a uma

longa tradição de estudos gramáticos e também filosóficos. Em Platão,

encontramos os mais antigos estudos sobre a natureza e a origem da

faculdade da linguagem. Um dos principais pontos de reflexão dessa a época,

era se a linguagem era um artefato humano, um produto natural da sociedade

ou algum tipo de força sobrenatural – visto que a raça humana raramente

excedia o impulso primitivo de resolver o desconhecido com a explicação

sobrenatural.

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Em Platão, encontraremos a hipótese naturalista, cujo argumento era

que o significado das palavras surgiria de um processo natural e independente

de seus falantes. Outros pensadores gregos como os socráticos e os sofistas,

assentaram a dialética como novo gênero do discurso, o que direcionaria as

obras filosóficas posteriores para o entendimento do aspecto argumentativo e

racional da linguagem. Aqui, chegamos a um dos mais relevantes nomes nas

origens clássicas da linguística, Aristóteles.

Poucos pensadores na história do conhecimento contribuíram tanto e em

tão diversas áreas como Aristóteles. Ainda que muitas de suas afirmações

sobre ciência natural, posteriormente, tenham sido provadas incorretas ou

imprecisas, elas foram inegável base de partida para o desdobramento do que

hoje chamamos método científico. Além disso, se nas ciências naturais muitas

de suas afirmações são hoje, de fato, conhecimento obsoleto, nas ciências

humanas – em particular, nas ciências da linguagem e do discurso – os

ensinamentos do velho mestre de Estagira continuam basilares. Cabe aqui

mencionar três grandes contribuições de Aristóteles para nosso entendimento

da linguagem humana: sua arte poética, onde estabelece as bases da teoria e

crítica literária - amplamente usadas nos dias de hoje; sua arte retórica, talvez

a obra clássica que menos envelheceu em termos de aplicabilidade prática; e o

conceito, oposto a Platão, de que as palavras tinham seu significado definido

por convenções sociais geralmente implícitas. Além disso, foi o interesse de

Aristóteles pela linguagem e pela lógica que uniu os dois campos do saber,

trazendo um novo universo de perspectivas teóricas acerca da lógica dos

discursos sociais, e aqui cabe frisar que “logos”, em grego, significa tanto

“discurso” quanto “razão”

Em seu livro “Sobre a Interpretação”, Aristóteles analisa categorias

gramaticais e delineia uma série de procedimentos para classificar e definir

formas linguísticas básicas, tais como palavras simples e proposições

discursivas, verbos e substantivos e afirmações e negações lógicas, o que

certamente somou-se ao arcabouço teórico que, como pretendemos

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demonstrar, vem se formando desde os primórdios como um verdadeiro

processo histórico, ainda que com seus altos e baixos.

Ainda na cultura clássica greco-romana, é muito importante mencionar a

contribuição dos filósofos estóicos para o entendimento da linguagem. O

Estoicismo, movimento helenístico filosófico fundado por Zenão de Cítio no

século III a.C, pregava uma unidade entre o divino e o mundano no Cosmos,

uma máquina una e homogênea de funcionamento íntegro e perfeito. Entre as

contribuições importantes dos estóicos para nossos fins, encontra-se o

conceito de signo linguístico, que muito posteriormente será retomado

juntamente com as teorias do indiano Barthari nos conceitos de Significante e

Significado de Ferdinand Du Saussure. Foram os estudos dos estóicos que

trouxeram a unidade da sílaba para o centro das reflexões acerca da fonética e

fonologia das línguas, e que também contribuíram com uma grande variedade

de terminologias, ainda hoje empregadas, como o já citado signo. Ainda,

analisando escritos dos gramáticos da velha Alexandria, encontramos

pontuações interessantes sobre o papel da analogia e da metáfora nas

construções linguísticas, apontando para a ideia de que as formas linguísticas

seriam formadas por processos de analogia e paradigma, ou seja, grandes

arcabouços de palavras estabelecidas sobre variações análogas.

Posteriormente, o texto "Techné grammatiké” (século I a.C) possivelmente

escrito por pelo gramático Dionísio de Thrax, divide o discurso em oito áreas e

organiza um compêndio da morfologia do idioma grego incluindo suas

estruturas gramaticais e sintáticas. Tal obra foi empregada na Roma antiga, por

exemplo, como guia pedagógico para ensino de grego aos não-falantes

nativos.

Entre os gramáticos citados de Alexandria, talvez o mais proeminente –

tanto nos dias atuais quanto na época – tenha sido Apolonius Dyscolus, que

escreveu algumas dezenas de tratados sobre sintaxe, semântica e morfologia.

Muito infelizmente, apenas três dessas dezenas de obras de que temos notícia

chegaram intactas até nós, o que já permite desenhar mais um pouco desse

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trajeto histórico do interesse do homem por sua própria habilidade de

comunicar-se.

No século IV d.C, o gramático romano Aelius Donatus compila sua Ars

Gramatica, que passou a ser o texto definidor do gênero gramático por toda a

Idade Média. Posteriormente, uma versão resumida, com o nome Ars Minor,

cobria uma lista menor de tópicos, e foi um dos primeiros livros a ser impresso

a partir da invenção de Gutenberg no século XV. Esse modelo de prescrição de

uma norma culta e suas características morfossintáticas passou a ser a

definição, até hoje, estabelecida para uma gramática.

Uma das questões mais centrais ao se traçar uma história de qualquer

aspecto cultural humano e, ainda mais, em um tão predominante como a

linguagem, é a inevitável divisão Ocidente-Oriente. De fato, para o nível

tecnológico dos transportes da época, os Montes Urais da Rússia e os imensos

desfiladeiros do Afeganistão promoveram uma barreira cultural que demorou

muitos séculos para ser rompida, o que causou um desenvolvimento quase que

totalmente independente dos estudos linguísticos na Grécia e na Índia – que na

antiguidade clássica se encontrava muito mais inserida no contexto Ocidental

do que no Oriental – em relação à China, por exemplo, como veremos a

seguir.

NA CHINA

Os estudos básicos sobre idioma começaram na China, de maneira

pouco original em relação aos demais lugares já mencionados. A disciplina do

Xiaoxue (sim, os nomes podem e irão ficar um pouco mais complicados neste

tópico), como forma de estudo filológico, tem início na necessidade de se

codificar uma maneira de interpretação oficial para os ensinamentos da dinastia

Han. Por volta do século III a.C., o conhecimento do Xiaoxue era dividido em

três grandes áreas: o Xungu (Exegese), o Wenzi (Análise) e o Yinyun (Estudo

dos Sons); e atingiu seu apogeu de desenvolvimento no século XVII, durante a

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dinastia Qing. O compêndio denominado Glossário de Erya (século III a.C) é

considerado na cultura do idioma chinês como a primeira obra de linguística no

país. No dicionário Shuowen Jiezi (século II a.C), primeira compilação

conhecida de ideogramas chineses, foi organizava os símbolos por seus

radicais morfológicos, o que viria a ser imitado pelos lexicógrafos posteriores.

Outros grandes nomes (que vale mais conhecer do que memorizar) da tradição

clássica chinesa foram Fangyan, primeira obra em chinês a tratar da questão

dos diferentes dialetos, e Shiming, dedicado à etimologia.

Como na Grécia antiga, os pensadores da linguagem, na China,

estavam interessados em compreender a relação entre as palavras e a

realidade que estas representavam. Confúcio, o famoso filósofo do século VI

a.C, propunha que as palavras possuíam e precisavam possuir uma relação de

comprometimento com os conceitos e coisas que representavam. Ele atribuía,

em seus textos, a degradação dos costumes sociais à desatenção das pessoas

quanto ao significado das palavras. Assim, para que a sociedade se

mantivesse bem e em ordem, era preciso que o pai agisse como pai, o filho

como filho, o governante como governante e assim sucessivamente, com uma

visão, no mínimo, reacionária e integralista da ordem social.

Xun Zi (século III a.C) revisita esse conceito de relação das palavras

(Zengming), mas ao contrário de Confúcio, propõe que o significado dos nomes

precisa ser constantemente revisado para representar sempre algo mais

próximo da realidade atual. Essa visão, onde o texto teórico se propõe a

retratar a língua e não a prescrevê-la, representa um grande avanço na

reflexão sobre a finalidade das gramáticas. Um ponto de vista muito mais

consistente com o argumento de que a linguagem é oriunda de acordos sociais

mais ou menos implícitos, e não um produto da natureza ou de algo superior.

O estudo do aspecto fonológico da linguagem teve, na China, um início

tardio e totalmente influenciado pela tradição indiana, quando o budismo

começou a se espalhar pelo Oriente.

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São dessa época os primeiros dicionários chineses de rimas com

palavras organizadas por tonalidade e sonoridade, o que facilitava a

uniformização de determinados padrões de pronúncia. Os estudos de filologia

iniciaram-se na dinastia Qing, com Duan Yucai e Wang Niansun como figuras

centrais. O último grande filólogo desse período foi Zhang Binglin, que

igualmente ajudou a definir os moldes da linguística chinesa atual. O sistema

europeu de linguística comparativa foi introduzido na China pelo pesquisador

Bernard Carl Green, que foi o primeiro a decodificar o chinês antigo no alfabeto

romano, que utilizamos no Ocidente. Atualmente, na China, alguns dos

linguistas modernos mais relevantes incluem Y. R. Chao, Luo Changpei, Li

Fanggui e Wang Li. Novamente, os nomes são dados apenas para que não se

perca de vista a representatividade desses teóricos, que raramente são

mencionados no Ocidente, mas não nos caberá, em absoluto, a tarefa de

decorar esses nomes. Finalmente, para que possamos encerrar nossa

passagem pela China – e também pela antiguidade – cabe notar que, mesmo

tendo esse tipo de estudo uma tradição bastante longa entre os chineses, a

primeira gramática, propriamente dita, surgiu apenas no século XIX, e com

grande influência do formato das gramáticas latinas.

NA IDADE MÉDIA

Com a expansão do islamismo ao longo dos séculos VIII e IX, uma

grande quantidade de povos – incluindo os portugueses – passou a utilizar o

árabe como língua franca, o que suscitou o surgimento de uma grande

quantidade de tratados e estudos sobre a língua árabe produzidos por falantes

não-nativos. O mais antigo gramático da língua árabe conhecido por nós, é Abd

Allah ibn Abi Isaq al-arami (735 d.C). Depois dele, o trabalho conjunto de três

gerações de gramáticos deu, enfim, origem ao livro do gramático persa

Sibawayhi (790 d.C), que consiste de uma longa e detalhada descrição da

língua árabe, o Al-kitab fi al-nahw (O Livro da Gramática, em tradução livre).

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Na Europa, o primeiro dicionário etimológico foi o irlandês Cormaec

Sanas, que era uma espécie de dicionário enciclopédico, o primeiro a ser

produzido em idioma não-clássico (isto é, nem em grego, nem em latim). Em

sua obra “Sobre a Eloquência do Vernacular”, no século XIV, Dante Alighieri

discorre sobre a inclusão das línguas neolatinas nos estudos da linguística, o

que apontaria para o surgimento das primeiras gramáticas das novas línguas

nos séculos seguintes.

A LINGUÍSTICA HISTÓRICA E O CONTEXTO DE SAUSSURE

Façamos uma breve recapitulação, para não perder de vista o rumo de

nossa jornada pelos séculos. Partimos dos remotos séculos da antiguidade

clássica, onde pudemos observar que, tão logo a escrita era introduzida nos

povos, tinham início os esforços do ser humano para estudar e entender os

detalhes e regras de funcionamento de sua mais poderosa habilidade.

Recolhendo os vestígios desse passado tão distante, a obra mais antiga que

encontramos, onde um autor discorre sobre sua língua, data do século IV a.C,

e é atribuída ao indiano Panini. Enquanto isso, na Grécia, estudos se

desenvolviam tanto acerca da literatura homérica quanto da retórica e oratória,

e na China os primeiros estudos linguísticos, ainda que primitivos, começam na

mesma época.

Essa necessidade de entender a própria língua, começou com a

interpretação dos textos sagrados e, posteriormente, desdobrou-se para a

literatura, política e, ainda mais posteriormente, para todas as áreas da

linguagem. Com o fim da antiguidade clássica e início da Idade Média, vimos

surgir os primeiros dicionários etimológicos, alguns até enciclopédicos, e

conforme nos aproximamos da Renascença, esses estudos deixam de se ater

exclusivamente às línguas clássicas como latim, grego, sânscrito e árabe, para

também preocupar-se com a produção vernacular de uma Europa cujas atuais

fronteiras culturais encontravam-se em formação. Em formação, e em

constante e ativo contato cultural umas em relação às outras.

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E, com esse contato, passou-se a possuir uma vasta gama de idiomas

conhecidos e coexistentes, o que trouxe à cena um novo campo de reflexões,

qual seja: as relações de parentesco entre as diferentes línguas, algo que, em

um mundo industrializado que investia pesadamente nos meios de transporte,

se tornava finalmente possível.

A linguística histórica – muitas vezes referida como linguística diacrônica

– é o campo do conhecimento, estabelecido por volta do fim do século XVII

com o aumento do interesse pelas mudanças que ocorriam nos idiomas ao

longo do tempo. Entre as preocupações científicas da linguística histórica

encontram-se a descrição de mudanças ocorridas em uma determinada língua

em um período de tempo, a reconstrução de um panorama hierárquico da

evolução das línguas pré-históricas até as contemporâneas, além de

desenvolver um entendimento consolidado sobre como e por que as línguas se

alteram, descrevendo assim vários aspectos antropológicos e históricos de

seus falantes, a partir da observação de sua evolução linguística. Também faz

parte da linguística histórica diacrônica (o termo significa “entre os tempos”,

indicando o estudo de uma faixa temporal entre dois momentos), a etimologia,

cujo entendimento acerca da origem das palavras e de suas mudanças de

significado está completamente contextualizado na proposta histórico-

diacrônica.

A linguística histórica tem início no fim do século XVII, como

desdobramento de uma disciplina muito mais antiga, a Filologia, que remonta à

antiguidade clássica. A priori, seus estudos se restringiam à linguística

comparativa, ou seja, à análise de idiomas por meio da comparação de formas

análogas entre estes, inferindo a partir daí conclusões sobre suas relações

parentais. Seu objetivo inicial concentrava-se no estudo das línguas hindo-

europeias, muitas das quais já completamente desaparecidas, com poucos e

fragmentários vestígios escritos. De lá para cá, esses estudos se

desenvolveram em ramos diferenciados, expandindo-se inclusive para além

das línguas europeias.

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Atualmente, a área da linguística comparativa encontra-se, ela própria,

no campo maior da linguística histórica.

Nesse contexto, chegamos a meados do século XIX e vamos

diretamente para a Suíça, quando os estudos diacrônicos de gramática

histórico-comparativa encontravam-se em pleno desenvolvimento. Lá,

encontraremos o jovem Ferdinand Du Saussure, filho de cientistas bastante

conhecidos de sua época, que em Genebra estudou o sânscrito, entrando

assim, em contato com as preciosas ideias de Panini. Posteriormente, foi

estudar o método comparativo em Leipzig, onde entrou em contato com o

círculo de pesquisadores que, mais tarde, seriam denominados neogramáticos.

Brugmann, em particular, foi seu mentor, mas ele também foi muito próximo de

Karl Verner e de outros do mesmo círculo.

Em 1878, aos 21 anos, Ferdinand du Saussure publicou um artigo

extremamente precoce e de grande relevância para a linguística histórica

intitulado “Notas sobre o sistema primitivo das vogais hindo-europeias”, onde

ele explicava, de forma objetiva e impressionantemente clara, as

peculiaridades do antigo sistema de vogais de uma proto-língua hindo-europeia

a partir de observações de formas arcaicas do sânscrito. De fato, as

observações de Saussure foram tão precisas que o famoso pesquisador de

línguas hindo-europeias, Jerzy Kurylowicz, apontou posteriormente que o

Hittite, a mais recente descoberta em línguas hindo-europeias, fazia emprego

de consoantes exatamente do modo que os estudos de Saussure

preconizavam que deveriam fazê-lo línguas daquele grupo.

Esse início, absolutamente brilhante, não foi seguido por nenhuma

explosão de publicações ou novas ideias, mas continha, desde então, a raiz

das reflexões de Saussure sobre a importância de se estudar o sistema da

língua para compreendê-la. A principal contribuição desse pensamento foi a

noção de que o fenômeno linguístico podia ser estudado não apenas como

produto histórico de sucessivas mudanças, mas também como um sistema

sincrônico, ou seja, um recorte temporal onde serão analisados, não os laços

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de um sistema com seus sucessores e predecessores, mas sim

compreendendo as relações entre suas estruturas internas de acordo com suas

funções. As ideias de Saussure se espalharam rapidamente pela Europa

quando, após sua morte, seus alunos Charles Bally e Albert Sechaye

compilaram materiais e anotações de diversos outros alunos do mestre

genebrino e, no ano seguinte, publicaram tais conhecimentos, de forma muito

bem organizada, com o título Curso de Linguística Geral. O material, que

prontamente foi introduzido entre os eruditos franceses, passou a exercer uma

irreversível influência na forma como se entendia o método e a finalidade de se

estudar o fenômeno linguístico. Em 1959, sua primeira tradução para o inglês é

feita por Wade Baskin, levando as teorias de Saussure para a América.

As teorias de Ferdinand Du Saussure não foram importantes apenas

para os estudos linguísticos. Sua forma de interpretar sistemas culturais pela

abordagem estruturalista, ou seja, reduzindo as formas a oposições funcionais,

em que o valor de uma estrutura é dado por suas funções no sistema, foram

amplamente aplicadas em outras áreas das ciências humanas, como nos

famosos trabalhos de antropologia das estruturas parentais em sociedades

humanas, publicados pelo estudioso Claude Levi-Strauss. Além disso, o

estruturalismo tornou-se uma das mais produtivas formas de abordagem e

análise de sistemas culturais no século XX, rendendo frutos principalmente nas

áreas mais influenciadas pela teoria da literatura, e também em outros

segmentos, como na moderna ciência da informação.

Nosso objetivo, com toda essa viagem de 2400 anos, foi o de desenhar

um quadro mais ou menos linear de como o conhecimento humano sobre sua

habilidade em se comunicar pela palavra foi construído, geração após geração,

até culminar na formalização científica da linguística e do estruturalismo como

métodos de compreensão. Apenas um guia de leitura, cujo aprendizado se

complementa com a pesquisa sobre as obras citadas.