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Higiene Alimentar — Vol. 20 — nº 139 março – 2006 16 MATÉRIA DE CAPA APPCC NO PLANTIO E NA INDUSTRIALIZAÇÃO DO PALMITO. NECESSIDADE OU OBRIGAÇÃO? preciso adotar boas práti- cas para garantir procedi- mentos sem falhas, na in- dustrialização do palmito. É necessá- rio garantir a segurança alimentar, em todos os elos da cadeia de produção do palmito, para que este segmento da área de alimentos possa continu- ar crescendo. “A obrigação da aná- lise dos perigos e a identificação de pontos críticos para o controle, são necessárias não é apenas dentro das indústrias, mas estendem-se à pro- cedência do alimento.” A chave para a uma nova pro- posta de desenvolvimento da pro- dução de palmito é agregar valor. Agregar valor é satisfazer as necessidades e desejos do consumi- dor. É importante recordar que o consumidor só paga por aquilo que, na sua percepção, tem valor. O con- sumidor percebe, com muita facili- dade, o valor do palmito, pois tra- ta-se de um alimento extremamen- te nobre, exótico, apreciado pelos mais variados e refinados palada- res. Com aceitabilidade extraordi- nária, o palmito é um alimento di- fundido em várias cozinhas e se presta aos mais variados usos culi- nários. A descoberta do palmito para a alimentação aconteceu em passado recente, por volta de 1900, época em que o hábito de consumir a iguaria começou a se espalhar pelo Brasil. Sua industrialização começou ape- nas na década de 40, mas o cresci- mento do setor foi vertiginoso. Dez anos depois, não só o Brasil inteiro consumia o palmito em conserva, como também o exportava para a Europa e Estados Unidos. O mercado de conservas de palmito está consolidado em ter- mos nacionais. O Brasil é gigante na produção, responsável por aproximadamente 95% da produ- ção mundial. É o maior consumi- dor de palmito do mundo e, São Paulo, é o Estado que mais conso- me: cerca de 42% do total. O palmito em conserva é consi- derado nobre pelos supermercados, tendo alto giro e alto valor agrega- do. É diferente, por exemplo, do azeite, que também tem alto valor agregado, mas possui giro baixo. Para se ter uma idéia da dimensão da industrialização do palmito, bas- ta dizer que a produção anual é de 100 mil toneladas, sendo que o fa- turamento médio anual do setor é da ordem de 350 milhões de dóla- res, com geração de 8 mil empregos diretos e cerca de 25 mil indiretos. É difícil encontrar quem não goste de palmito. Mas difícil tam- bém, é encontrar quem o consuma sem preocupação ou mesmo com uma certa dose de culpa. A origem desses dissabores está vinculada à mesma razão que tirou do Brasil a liderança da exportação do produto. Extração do palmito sem a preocupação com a conserva- ção das espécies e do meio ambien- te (exploração irracional das reser- vas: 80% da produção nacional é de forma extrativista). Fábricas de pal- mito, devidamente constituídas, sofrem a concorrência do mercado ilegal e clandestino. Falta conheci- mento técnico, instalação sanitária apropriada e, o pior, falta consciên- cia humana ao por a saúde pública em risco. Estas circunstâncias são causadoras de uma flutuação tre- menda no mercado de palmito. Caso notório é a inconstância, e a pouca fidelidade à marca, por parte do consumidor. Khalil Yepes Hojeije Atua na área da Qualidade Alimentar. Auditor líder pela ABNT-NBR ISO 19011:2002. Cursando Pós-Graduação em Gestão da Qualidade em Alimentos. [email protected] É

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Higiene Alimentar — Vol. 20 — nº 139 março – 200616

MATÉRIA DE CAPA

APPCC NO PLANTIO E NA

INDUSTRIALIZAÇÃO DO PALMITO.NECESSIDADE OU OBRIGAÇÃO?

preciso adotar boas práti-cas para garantir procedi-mentos sem falhas, na in-

dustrialização do palmito. É necessá-rio garantir a segurança alimentar, emtodos os elos da cadeia de produçãodo palmito, para que este segmentoda área de alimentos possa continu-ar crescendo. “A obrigação da aná-lise dos perigos e a identificação depontos críticos para o controle, sãonecessárias não é apenas dentro dasindústrias, mas estendem-se à pro-cedência do alimento.”

A chave para a uma nova pro-posta de desenvolvimento da pro-dução de palmito é agregar valor.

Agregar valor é satisfazer asnecessidades e desejos do consumi-dor. É importante recordar que oconsumidor só paga por aquilo que,na sua percepção, tem valor. O con-sumidor percebe, com muita facili-dade, o valor do palmito, pois tra-ta-se de um alimento extremamen-te nobre, exótico, apreciado pelosmais variados e refinados palada-res. Com aceitabilidade extraordi-nária, o palmito é um alimento di-

fundido em várias cozinhas e sepresta aos mais variados usos culi-nários.

A descoberta do palmito para aalimentação aconteceu em passadorecente, por volta de 1900, época emque o hábito de consumir a iguariacomeçou a se espalhar pelo Brasil.Sua industrialização começou ape-nas na década de 40, mas o cresci-mento do setor foi vertiginoso. Dezanos depois, não só o Brasil inteiroconsumia o palmito em conserva,como também o exportava para aEuropa e Estados Unidos.

O mercado de conservas depalmito está consolidado em ter-mos nacionais. O Brasil é gigantena produção, responsável poraproximadamente 95% da produ-ção mundial. É o maior consumi-dor de palmito do mundo e, SãoPaulo, é o Estado que mais conso-me: cerca de 42% do total.

O palmito em conserva é consi-derado nobre pelos supermercados,tendo alto giro e alto valor agrega-do. É diferente, por exemplo, doazeite, que também tem alto valor

agregado, mas possui giro baixo.Para se ter uma idéia da dimensãoda industrialização do palmito, bas-ta dizer que a produção anual é de100 mil toneladas, sendo que o fa-turamento médio anual do setor éda ordem de 350 milhões de dóla-res, com geração de 8 mil empregosdiretos e cerca de 25 mil indiretos.

É difícil encontrar quem nãogoste de palmito. Mas difícil tam-bém, é encontrar quem o consumasem preocupação ou mesmo comuma certa dose de culpa.

A origem desses dissabores estávinculada à mesma razão que tiroudo Brasil a liderança da exportaçãodo produto. Extração do palmitosem a preocupação com a conserva-ção das espécies e do meio ambien-te (exploração irracional das reser-vas: 80% da produção nacional é deforma extrativista). Fábricas de pal-mito, devidamente constituídas,sofrem a concorrência do mercadoilegal e clandestino. Falta conheci-mento técnico, instalação sanitáriaapropriada e, o pior, falta consciên-cia humana ao por a saúde públicaem risco. Estas circunstâncias sãocausadoras de uma flutuação tre-menda no mercado de palmito. Casonotório é a inconstância, e a poucafidelidade à marca, por parte doconsumidor.

Khalil Yepes Hojeije ✉Atua na área da Qualidade Alimentar.

Auditor líder pela ABNT-NBR ISO 19011:2002.Cursando Pós-Graduação em Gestão da Qualidade em

Alimentos.

[email protected]

É

Higiene Alimentar — Vol. 20 — nº 139 17 março – 2006

MATÉRIA DE CAPA

Eventos associados à ocorrênciade botulismo alarma ainda mais oconsumidor. Volta e meia, surgem,nos meios de comunicação, notíciassobre botulismo em consumidoresde palmito. Muitas vezes são ape-nas suspeitas. O que nos preocupa,portanto, é a ausência de uma in-formação criteriosa sobre o assuntoe, principalmente, a falta de umaorientação correta para o consumoseguro do palmito.

Os C.botulinum são grandesbacilos Gram-positivos, com cercade 8 micrómetros por 3, produto-res de esporos e toxinas, relaciona-dos com o género Bacillus, cujo ha-bitat normal é o solo. São moveis,possuindo flagelos. Produz umaneurotoxina que funciona como umaenzima metaloprotease, destruindoas proteínas envolvidas na exocito-se. (Exocitose é o processo pelo qualuma célula viva liberta substânciaspara o fluido extracelular, seja o flui-do que envolve as células de um te-cido, nos organismos multicelulares,seja para o ambiente aquático, pormodificação da membrana celular -

sem ser por difusão) do neurotrans-missor acetilcolina na placa nervosamotora. Os sintomas aparecem após2 horas, até cerca de 5 dias, comperíodo médio de 12 a 36 horas,dependendo da quantidade de to-xina. A sua ação resulta na paralisiados músculos, e se for extensa, naparalisia do diafragma, que podeimpedir a respiração.

Mas cabe aqui uma reflexão, acontaminação pelo C. botulinumpode ter várias maneiras de trans-missão. Por exemplo, o botulismopor ferimento, é uma doença rara,com patogenia e quadro clínico idên-ticos aos da intoxicação alimentarcom a multiplicação do C. botulinume produção da toxina in vivo, em umferimento contaminado.

O botulismo infantil é outroexemplo, também conhecido comobotulismo de lactentes (associado àSíndrome de Morte Súbita do Re-cém-Nascido), em crianças muitojovens devido à absorção de toxinaproduzida no intestino da criança.A ausência da microbiota de prote-ção permite a germinação de espo-

ros de C. botulinum e a produçãode toxina na luz intestinal.

O botulismo não está ligadounicamente a palmito; engana-sequem cogita essa hipótese. É bomficar claro que todo alimento emconserva, onde seu meio seja favo-rável à produção da neurotoxina écausador da doença. As causas po-dem ser as seguintes: ambientesanaeróbio, livre de oxigênio, pHacima de 4,50 cujo tratamento tér-mico não possa exceder a altas tem-peraturas. Outro fator negativo é afalta de higiene e práticas inadequa-das no processamento dos alimen-tos em conserva.

A última suspeita de botulismo,no país, em abril de 2005, foi na re-gião sul. A Secretaria Estadual daSaúde determinou a retirada de trêsmarcas de palmito em conserva dossupermercados e lojas do Estado. Omotivo são dois casos suspeitos debotulismo registrados em Porto Ale-gre, possivelmente causados pelaingestão do alimento. Em fevereirodeste ano, quatro adultos e uma cri-ança de uma família de imigranteschineses que residem no Butantã,zona oeste de São Paulo, contraírambotulismo após consumir tofú (quei-jo de soja) em conserva.

Perante essas informações, ficaclaro que botulismo não é um casoparticular da conserva do palmito.Avaliar é necessário, no ato da com-pra o consumidor precisa ficar aten-to. Adquirir de quem pode respon-der a possíveis cobranças da rela-ção de consumo.

Durante dois anos (2003 e 2004),técnicos do CVS (Centro de Vigilân-cia Sanitária) coletaram amostras de23 produtos em 536 pontos de ven-da do Estado de São Paulo, e as sub-meteram a análises em institutos es-pecializados. Foram consideradosimpróprios para consumo humano,devido à contaminação e excesso deagrotóxicos, 17,3% do palmito ana-lisado.

O que ocorreu foi uma outraforma de contaminação: a contami-

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nação por produtos químicos Essacontaminação pode trazer danosgraves à saúde. Como os sintomasou as doenças demoram a aparecer,nem sempre se faz uma relação cor-reta com o que foi ingerido e quefez mal. Um exemplo são as subs-tâncias usadas na lavoura, como osagrotóxicos, que podem causar in-toxicações crônicas e doenças gra-ves, a longo prazo.

Analisando esse contexto, veri-ficamos que estamos diante de con-seqüência ou de um conjunto de con-dições, relacionadas á lavoura, quecomprometem e contaminam o pro-duto, agora de forma química. Aquestão microbiológica pode serpercebida logo, no máximo em 36horas da ingestão, a química não sesabe quando.

A situação é extremamente em-baraçosa, com saídas difíceis ou pe-nosas para os apreciadores do pal-mito: consumir e colaborar com adestruição das reservas naturais e/ou, tornarem-se vítimas da toxinabotulínica. Tentando minimizar omal, muitos consumidores passavamhoras na frente das prateleiras len-do todos os rótulos, buscando umpalmito digno de confiança, ou umrestaurante, cuja seriedade do Chefgaranta o prazer sem risco.

O desafio é conquistar a confi-ança do consumidor, através deboas práticas de plantio e industria-lização do palmito. O exemplo vem

da Floresta Ind. e Com. Ltda. umaagro-indústria que além de não po-luir o meio ambiente contribui parao reflorestamento de áreas degra-dadas.

A agro-indústria, atendendoaos quesitos de marcas próprias eda vigilância sanitária, criou umaalternativa para o desenvolvimen-to econômico da cidade de Juquiá,região do Vale do Ribeira. Adotouo sistema de Analise de Perigos ePontos Críticos de Controle –APPCC no processamento do pal-mito em conserva. Este sistema ofe-rece uma abordagem racional parao controle dos alimentos. Baseia-seem dados registrados sobre as cau-sas das doenças de origem alimen-tar e enfatiza as operações críticasonde o controle é essencial. O siste-ma APPCC teve sua origem nas dé-cadas 50, 60 e 70.

A Comissão de Energia Atômi-ca dos Estados Unidos utilizou ex-tensivamente técnicas preventivasnas usinas nucleares, com o objeti-vo de torná-las seguras, baseadasem um sistema conhecido comoFMEA, ou seja, Análise e Efeito doModo da Falha. Nos anos 60, com oPrograma Aeroespacial Americanoda National Aeronautics and SpaceAdministration (Nasa), surgiu a pre-ocupação com a alimentação dosastronautas. Por razões óbvias, osalimentos não podiam apresentarqualquer contaminação, seja por

patógenos de origem bacteriana,viral, ou contaminantes de qualqueroutra origem, que pusessem em ris-co a saúde. Assim, foi contratada aPillsbury Co. para desenvolver osprimeiros alimentos 100% segurosa serem consumidos no espaço. Uti-lizando métodos tradicionais decontrole de qualidade, seria possí-vel reduzir o risco a 0% somente sefosse utilizada uma amostragem aonível de 100%, o que é inviável, jáque as análises de alimentos em ge-ral são destrutivas. A partir destanecessidade foi então desenvolvidaa Análise de Perigos e Pontos Críti-cos de Controle (APPCC), toman-do por base o conceito do FMEA.

No dia 1 de Setembro de 2005,indo ao encontro das expectativasda indústria alimentar, a Internati-onal Organization for Standardiza-tion (ISO) editou um standard in-ternacional – a ISO 22000, que defi-ne requisitos para Sistemas de Ges-tão de Segurança Alimentar, visan-do atender todas as organizaçõesque necessitem demonstrar sua ca-pacidade em fornecer produtos se-guros.

A implementação da norma ISO22000 permite também demonstrara capacidade das organizações, emassegurar a conformidade com re-quisitos de segurança alimentar le-gais aplicáveis, e em assegurar a con-formidade com os requisitos acor-dados com os clientes. De uma for-ma sucinta, a ISO 22000 divide-se emtrês requisitos, sendo que o princi-pal é o APPCC. Combina, de umaforma dinâmica, os princípios e asfases de implementação, de acordocom os preceitos enunciados noCodex Alimentarius.

É importante salientar, que anorma é apenas uma ferramenta quedeve ser utilizada adequadamentee que a análise é específica para umafábrica ou linha de processamento epara um produto específico. Portan-to, não existe “receita de bolo”. Nocaso específico da industrializaçãodo palmito em conserva, há uma

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exigência ainda maior e um contro-le absoluto de todas as etapas doprocesso, visto que a fabricação dopalmito, por maior que seja a uni-dade industrial e grau de sofistica-ção tecnológica das máquinas utili-zadas, é sempre feita com participa-ção de mão-de-obra intensiva.

O grande diferencial da Flores-ta é a aplicação do APPCC com focona cadeia produtiva. A empresa pos-sui dois planos, APPCC campo e

APPCC indústria. Com o APPCCcampo a empresa avalia a qualida-de da matéria prima antes do seuprocessamento. Com a utilização deuma lista de checagem - “check-list”- é possível determinar a condiçãoqualitativa para processar lotes di-ferenciados que garantam rastrea-bilidade desde a plantação, abran-gendo assim toda cadeia produtiva.

Para o bom êxito da implemen-tação do sistema APPCC na indus-

trialização do palmito, exige-se,como pré-requisitos, as (BPA´s) -Boas Práticas Agrícolas, conhecidasinternacionalmente como GoodAgricultural Practices (GAP). AsGAP’s estão se tornando gradual-mente o novo "must" do comércionacional e internacional. São açõesque representam o conjunto de prá-ticas que harmonizam produtivida-de, qualidade do alimento, preser-vação dos recursos naturais e infor-mação de plantio - como a corretaescolha da semente, utilização dedefensivo orgânico através do ex-trato natural do eucalipto, etc.

A união BPA - APPCC dá subsí-dios para identificar tendências e aeficiência de processos, identificarfontes e causas básicas de defeitos enão conformidades, propiciando,também, a tomada de ações corre-tivas e com maior rigor as preventi-vas. Para evitar as causas de umanão-conformidade, na fábrica de ali-mento, essa prática exige alto conhe-cimento e uma visão pró-ativa, paraprever o desvio em relação à nor-malidade, que possa vir a compro-meter o sucesso do produto.

A análise dos perigos para des-cobrir pontos crítico para o contro-le não deve ser feita apenas dentrodas indústrias alimentícias, deve-se,também, estender até à procedên-cia do alimento.

Melhorias de trato cultural –plantio e colheita em época adequa-da, adubação, controle de pragas edoenças – geram um produto finalmelhor.

É preciso constantemente reor-ganizar e auditar a produção e osprocedimentos de todos os elos dacadeia produtiva, para agregar va-lor ao produto palmito.

Cultivar e produzir palmito depupunha, em conserva, com segu-rança, qualidade assegurada e sus-tentabilidade é prova de competên-cia, e razão de sobrevivência e de-senvolvimento deste importantesegmento da indústria brasileira dealimentos. ❖