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MARIA LÚCIA SEBASTIÃO

CORPO E EXPRESSIVIDADE NO CINEMA DE CHARLES CHAPLIN:

NOTAS SOBRE O CONHECIMENTO DA EDUCAÇÃO FÍSICA

Dissertação apresentada ao Programa de

Pós-Graduação em Educação Física da

Universidade Federal do Rio Grande do

Norte (UFRN), como exigência para

obtenção de título de Mestre em Educação

Física.

Orientadora:

Profa. Dra. Terezinha Petrucia da Nóbrega

Co-orientadora:

Profa. Dra.Rosie Marie Nascimento de

Medeiros

NATAL-RN

2016

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CORPO E EXPRESSIVIDADE NO CINEMA DE CHARLES CHAPLIN:

NOTAS SOBRE O CONHECIMENTO DA EDUCAÇÃO FÍSICA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Educação Física da Universidade

Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), como

exigência parcial para obtenção de título de Mestre

em Educação Física.

Dissertação apresentada e qualificada em: ____/____/2016.

BANCA EXAMINADORA

Profa. Dra.Terezinha Petrucia da Nóbrega (Orientadora) Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN

Profa. Dra. Rosie Marie Nascimento de Medeiros (Co-orientadora) Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN

_______________________________________________________________

Prof. Dr. José Pereira de Melo (Suplente interno) Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN

Prof. Dr. Iraquitan de Oliveira Caminha (Titular externo)

Universidade Federal da Paraíba – UFPB

Profa. Dra. Elaine Melo e Brito Costa (Suplente externo)

Universidade Federal da Paraíba – UFPB

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Catalogação da Publicação na Fonte

Universidade Federal do Rio Grande do Norte - Sistema de Bibliotecas Biblioteca Central Zila Mamede /

Setor de Informação e Referência

Sebastião, Maria Lúcia.

Corpo e expressividade no cinema de Charles Chaplin: notas sobre o conhecimento da Educação

Física / Maria Lúcia Sebastião. - 2016.

117 f. : il.

Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências da Saúde.

Programa de Pós-Graduação em Educação Física. Natal(RN), 2016.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Terezinha Petrucia da Nóbrega.

Coorientadora: Prof.ª Dr.ª Rosie Marie Nascimento de Medeiros

1. Educação física – Dissertação. 2. Corpo – Dissertação. 3. Cinema – Dissertação. 4. Expressividade

– Dissertação. 5. Chaplin, Charles - Dissertação. I. Nóbrega, Terezinha Petrucia da. II. Medeiros, Rosie

Marie Nascimento de. III. Título.

RN/UF/BCZM CDU 374:791

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Dedico este trabalho a minha mãe, por ter me escolhido para ser sua filha. É por ela que eu vivo.

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AGRADECIMENTOS

Inicialmente, agradeço a Deus pela força inexplicável que habita em meu

corpo, a qual não me deixou cair e sempre me amparou nos momentos mais

difíceis da minha vida.

À Alzira, minha mãe que lutou e luta desde a primeira vez que me pegou nos

braços e me escolheu para ser sua filha, me dando todo o amor e carinho que

uma mãe possa dar a um filho.

Aos meus amigos que eu deixei de encontrar para concretizar a escrita deste

trabalho, eu só agradeço aos que continuaram ao meu lado.

Às minhas amigas de estudo Isabel Batista e Paula Nunes, por me

proporcionarem algumas tardes de conversa, bem como a troca de

conhecimento na sala do Estesia.

A uma pessoa especial que jamais quero esquecer e que sempre esteve de

braços abertos para me ouvir, me aconselhar e vibrar a cada conquista, eu

tenho que agradecer a Akemi Claro.

À minha querida orientadora Terezinha Petrucia da Nóbrega, por ter me

abraçado desde a minha graduação, quando fui conversar pedindo para entrar

no grupo de pesquisa Estesia e ela simplesmente me acolheu, me dando

segurança para lutar pela realização dos meus objetivos. Eu só tenho gratidão

pelas contribuições valiosas em cada orientação e por ter tido paciência de me

fazer ir além do que eu imaginava. Obrigada por todo investimento e confiança

que foram depositados em mim.

À minha co-orientadora Rosie Marie, uma pessoa linda e que eu admiro pelo

conhecimento, profissionalismo e generosidade. Obrigada por cada orientação

ao longo desse processo que não é fácil. Com a sua ajuda, consegui finalizar

esse ciclo e sou grata por todo o apoio recebido durante a realização deste

trabalho.

Obrigada a todos!

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RESUMO

O cinema exibe o movimento do corpo, altera a nossa percepção, nos leva à vertigem, havendo um envolvimento com a apreciação do movimento da câmera. O cinema nos transporta para outros mundos, outras emoções, realidades, momentos, e é por meio da percepção que nós como espectadores tomamos o cinema como uma possibilidade para refletir diversas situações, reais ou imaginárias. Considerando essa experiência do cinema, o objetivo da pesquisa é estabelecer relações entre corpo e expressividade, a partir de apreciações de obras de Charles Chaplin, visando compreender o conhecimento estético na Educação Física. O método de pesquisa utilizado baseia-se na atitude fenomenológica proposta pelo filósofo Maurice Merleau-Ponty. Assim, incorporamos à experiência vivida, a redução e a intencionalidade do movimento. Nesse sentido, realizamos apreciações de duas obras do cineasta Charles Chaplin: Tempos Modernos (1936) e O Circo (1928), na ficha de conteúdo descrevemos alguns aspectos relacionados à percepção corporal, ao esquema corporal, à motricidade e à expressividade. Nessa perspectiva, possibilitamos outros modos de pensar a Educação Física e valorizar o poder que o corpo tem de criar e recriar, interpretando o movimento nas suas mais diversas formas.

Palavras-chave: Corpo. Cinema. Percepção. Esquema corporal. Expressividade.

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ABSTRACT

Cinema exhibits the movement of the body, affects our perception, takes us in a vertigo and produces an evolvement of ourselves with the camera on action. Movie has the capacity of taking us to other worlds, emotions, realities and moments; as spectators, we see cinema as a way of reflecting on several situations, be they real or imaginary. The objective of this paper is to establish relations between body and expressiveness as it appears in Chaplin‟s films as a resort to understand the aesthetic knowledge in Physical Education. The research method relies on the phenomenological attitude proposed by the French philosopher Maurice Merleau-Ponty. Thus, we enrich the living experience with reduction and movement intentionality. In this sense, we evaluated two works realized by Charles Chaplin: Modern Times (1936) and The Circus (1928). In field contents, we describe some aspects relating to corporal perception, drivability and expressiveness. In this perspective, we developed other ways of thinking Physical Education and valuing the body power of creation and re-creation while interpreting movement in its more diversified forms.

Keywords: Body. Cinema. Perception. Corporal Scheme. Expressiveness.

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LISTA DE IMAGENS

Imagem 1 – Charles Chaplin

Fonte: Chaplin, 1992 ........................................................................................ 32

Imagem 2 – Rebanho de ovelhas

Fonte: Tempos Modernos, 1936 ..................................................................... 41

Imagem 3 – Operários entrando na fábrica

Fonte: Tempos Modernos, 1936 ...................................................................... 42

Imagem 4 – Presidente da fábrica sentada em sua mesa

Fonte: Tempos Modernos, 1936 ...................................................................... 45

Imagem 5 – Chaplin trabalhando na máquina

Fonte: Tempos Modernos, 1936 ...................................................................... 48

Imagem 6 – Um corpo descontrolado e desorganizado

Fonte: Tempos Modernos, 1936 ...................................................................... 49

Imagem 7 – Chaplin serrando as unhas

Fonte: Tempos Modernos, 1936 ...................................................................... 52

Imagem 8 – Chaplin é preso à máquina

Fonte:Tempos Modernos, 1936 ....................................................................... 55

Imagem 9 – Chaplin é visto como louco

Fonte: Tempos Modernos, 1936 ...................................................................... 59

Imagem 10 – Chaplin e o movimento intencional

Fonte: Tempos Modernos, 1936 ...................................................................... 63

Imagem 11 – Chaplin se despede das reflexões feitas no filme

Fonte: Tempos Modernos, 1936 ...................................................................... 66

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Imagem 12 – Apanhar uma flor na mímica

Fonte: A mímica total, 2014 .............................................................................. 72

Imagem 13 – O teste

Fonte: O circo, 1928 ......................................................................................... 75

Imagem 14 – O corpo e espaço

Fonte: O circo, 1928 ......................................................................................... 77

Imagem 15 – Chaplin e a sala dos espelhos

Fonte: O circo, 1928 ......................................................................................... 79

Imagem 16 – Chaplin andando na corda

Fonte: O circo, 1928 ......................................................................................... 81

Imagem 17 – Glandomênico

Fonte: Carmem Lucia Soares, 2013 ................................................................. 83

Imagem 18 – Georges Seurat – O circo, pintado em 1981

Fonte: Carmem Lucia Soares, 2013 ................................................................. 85

Imagem 19 – Edgar Degas – Mademoiselle Lala

Fonte: Carmem Lucia Soares, 2013 ................................................................. 86

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................... 9

CAPÍTULO I

O CINEMA DE CHARLES CHAPLIN ............................................................ 19

CAPÍTULO II

TEMPOS MODERNOS – O MOVIMENTO .................................................... 34

O corpo-objeto no filme Tempos Modernos ................................................... 35

Notas sobre o esquema corporal e o movimento no cinema.......................... 53

CAPÍTULO III

O CIRCO E A EXPRESSIVIDADE NA EDUCAÇÃO FÍSICA ........................ 68

A expressão do corpo e a cultura de movimento ........................................... 88

CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 97

REFERÊNCIAS .............................................................................................. 104

APÊNDICES .................................................................................................. 109

ANEXOS ........................................................................................................ 114

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INTRODUÇÃO

O olhar sobre o corpo e a expressão, tema deste estudo, teve início no

período em que participei do projeto “A dança como carta do visível, do corpo e

do movimento humano”1, no laboratório VER2, como bolsista de iniciação

científica, no ano de 2013, no curso de Educação Física, que tematiza o corpo

em várias áreas do conhecimento.

Compreendemos que para a Educação Física é importante pensar o

corpo de forma mais ampliada, considerando que somos corpos e que nos

comunicamos a partir de diversas linguagens, inclusive a linguagem corporal.

Sendo assim, entendemos que o corpo é onde habita a expressão, é um corpo

vivo que mesmo em silêncio se comunica por meio do gesto.

A compreensão de corpo nesta pesquisa afina-se com o corpo

fenomenológico, um corpo próprio, aquele que tem sentidos e significados, o

corpo da percepção diante dos objetos, do espaço e, principalmente, diante de

outros corpos. Considero que é com meu corpo que percebo as coisas, é com

ele que me relaciono e me movimento. Nesse sentido, sabemos que esse corpo

é o corpo da expressividade, capaz de ter uma linguagem própria e assim se

comunicar com o outro.

Na expressão algo novo é fundado no corpo, há um sentido aderente

aos movimentos, aos gestos e às posturas. São essas posturas que revelam um

modo intencional de o sujeito se movimentar no mundo. A respeito da

comunicação do corpo, afirma Merleau-Ponty (1999, p. 251):

Obtém-se a comunicação ou a compreensão dos gestos pela reciprocidade entre minhas intenções e os gestos do outro, entre meus gestos e intenções legíveis da conduta do outro. Tudo se passa como se a intenção habitasse o seu.

Por meio desses fios intencionais, compreendemos o que quer dizer o

outro corpo através do gesto e da expressão. Quando pensamos em expressão,

1 Nesta pesquisa, investigamos a natureza social da Educação Física, focando nosso olhar para

as práticas corporais, o gesto e a expressão a partir da dança e do cinema. Esta pesquisa contribuiu para uma compreensão da cultura de movimento contemporânea, destacando a visibilidade do corpo e do movimento humano em seus aspectos cinestésicos, poéticos e estéticos (NÓBREGA, 2013). 2 Laboratório de Imagem do Corpo e da Cultura de Movimento. Situa-se no Departamento de

Educação Física da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN. Vinculado ao Grupo de Pesquisa Estesia.

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pensamos nas diversas maneiras de se movimentar, nas diversas formas que o

corpo tem para se comunicar, por exemplo, andar, correr, pular, girar, dançar, ou

até mesmo pensar no corpo em silêncio. E é exatamente nesse silêncio que

nascem o gesto e a expressão. Esses sentidos, gestos, vêm nos revelar o

movimento intencional do sujeito e reconhecer no corpo um núcleo de

significações. Assim: “pode-se então admitir que o que é expresso e a expressão

são recíprocos e indistinguíveis, que se reciprocam assim como o sentido da

poesia se recíproca com a expressão poética” (MERLEAU-PONTY, 2006, p.

557). Portanto, a expressão se dá por meio dos gestos.

É pensando na expressividade do corpo, na maneira como o corpo

desenha seus movimentos, que lançamos o olhar para a arte cinematográfica

para ampliar nossos estudos e perceber a expressão do corpo na Educação

Física. Portanto, para tratarmos essas questões, consideramos que o cinema é

uma imagem com vários significados, e por isso está sempre narrando uma

história e convencendo ou não o público. No cinema usamos nossa imaginação

de forma subjetiva e pensando no seu contexto histórico, por exemplo, as

crenças, a classe social, a época e a cultura. Além do mais, o filme nos afeta a

ponto de mudar nossa postura. Nesta pesquisa, o cinema é considerado como

estratégia para refletir sobre o corpo, a expressividade e o conhecimento

estético da Educação Física.

É pensando no nosso esquema corporal que o corpo para Merleau-

Ponty é o veículo do ser no mundo, que experimenta suas intenções em ações.

O corpo comunica-se com o mundo através do movimento sem que precise

calcular, por exemplo, que distância irá percorrer, que direção irá tomar, diante

de um objeto ou mesmo outro corpo. Além disso, o próprio corpo se movimenta

projetando sua expressão e dando sentido aos acontecimentos exteriores.

Enfim, o corpo fenomenal é o ser paradoxal do mundo, são corpos de várias

faces, vários sentidos, do visível e invisível. Para Merleau-Ponty (2010, p. 12), “o

corpo fenomenal ou corpo próprio, que a um só tempo é „eu‟ e „meu‟”.

Nesse contexto cinematográfico, ampliamos o nosso olhar reflexivo

acerca do corpo e sua expressividade nas obras de Chaplin, desenhando

horizontes de significações sobre o movimento expressivo. É pelo movimento

expressivo que o corpo realiza não somente os gestos necessários à

conservação da vida, mas suas manifestações constroem uma rede de

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significados que dão sentido aos movimentos cotidianos ou expressivos como a

dança ou o esporte.

Sendo assim, para articular nossa dissertação, formulamos as seguintes

questões de pesquisa: Como se configura a expressão do corpo e do movimento

nos filmes de Charles Chaplin? Como esses elementos podem contribuir para o

conhecimento do corpo e da expressividade na Educação Física? Diante dessas

questões, pode-se afirmar que o cinema desperta a imaginação, cria novos

sentidos, além de abrir as portas para novos olhares significativos para a

Educação Física, por exemplo, a expressividade do corpo e do movimento

partindo do personagem fílmico, ampliando o conhecimento estético e a

sensibilidade nessa área.

Após as questões de estudos, considerando a experiência do cinema, o

objetivo da pesquisa é estabelecer relações entre corpo e expressividade a partir

de apreciações de obras cinematográficas de Charles Chaplin visando

compreender o conhecimento estético na Educação Física.

Este estudo é justificado por apresentarmos o cinema como fonte de

conhecimento que amplia o nosso olhar sobre o corpo, podendo ser tematizado

em várias áreas de conhecimento, por exemplo, consciência corporal, atividades

rítmicas expressivas e cultura de movimento.

Nesse sentido, em pesquisa realizada no banco de teses intitulada

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), não

encontramos nenhum trabalho sobre a arte cinematográfica de Charles Chaplin

relacionando o corpo e a expressividade sob o prisma da Educação Física. No

entanto, é imprescindível reconhecer alguns trabalhos sobre a temática no

banco de dados do Grupo de Pesquisa Corpo, Fenomenologia e Movimento

(Estesia) em parceria com o Laboratório VER, a saber: Corpo, percepção e

cultura de movimento no cinema (LOPES, 2015); No caminho das artes

marciais: a relação mestre e discípulo como educação sensível (SILVA, 2014); O

corpo em Michael Onfray (OLIVEIRA, 2015); Esporte como experiência estética

e educativa: uma abordagem fenomenológica (SILVA, 2014); Corpo e

aprendizagem em Boris Cyrulnik e Merleau-Ponty (SILVA JÚNIOR, 2014); e O

corpo do Grupo Corpo: os movimentos da obra Benguelê Lecuona e Onqotô

(SILVA, 2013). Todos os trabalhos citados evidenciam o cinema como horizonte

que amplia o nosso olhar e os conceitos do corpo fenomenológico. Nesse

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sentido, relacionamos o conhecimento cinematográfico com o conhecimento da

Educação Física, haja vista que o cinema ainda é pouco relacionado com essa

área.

É necessário reconhecer o Projeto de Extensão CINESTESIA3, o qual

tem como objetivo fomentar e discutir temas diversos, como, por exemplo, o

corpo, a expressividade, a motricidade, o esquema corporal e a sexualidade,

possibilitando outros modos de ver e pensar por meio do cinema, uma arte que

desperta a dimensão poética do corpo para fazer deste uma obra de arte e

relacioná-lo com a Educação Física.

Para tanto, precisamos levar em consideração a relação do corpo na

Educação Física a partir da relação corpo e mundo no sentido que pertencemos

ao mundo e nessa relação o corpo vai se modificando, criando e recriando,

sendo percebido e adquirindo novos significados.

Quando digo que meu corpo é sempre percebido por mim, essas palavras não devem então ser entendidas em um sentido simplesmente estatístico e deve haver na apresentação do corpo próprio algo que torne impensável na ausência ou mesmo sua variação (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 135).

Para esta investigação temos como referência metodológica a atitude

fenomenológica proposta pelo filósofo Maurice Merleau-Ponty. Assim,

incorporamos à experiência vivida, a redução e a intencionalidade do

movimento, considerando, enquanto resultado de nossa experiência no mundo,

o mundo vivido. Sobre a fenomenologia Merleau-Ponty (1999, p. 1) afirma:

É o estudo das essências, e todos os problemas, segundo ela, resumem-se em definir essências: a essência da percepção, a essência da consciência, por exemplo. Mas a fenomenologia é também uma filosofia que repõe as essências na existência, e não pensa que se possa compreender o homem e o mundo de outra maneira senão a partir de “facticidade”. É uma filosofia transcendental que coloca em suspenso, para compreendê-las, as afirmações da atitude natural, mas é também uma filosofia para a qual o mundo já está sempre “ali”, antes da reflexão, como uma presença inalienável, e cujo esforço todo consiste em reencontrar este contato ingênuo com o mundo, para dar-lhe enfim um estatuto filosófico.

3 O Cinestesia é um projeto de extensão realizado pelo Grupo de Pesquisa Estesia, no Auditório

do Laboratório VER, no Departamento de Educação Física da UFRN. O projeto foi criado no ano de 2014 e se realiza a partir de encontros destinados a fomentar e discutir temas diversos nos quais as conexões entre o corpo, a expressividade, a estética e o movimento humano se fazem presentes.

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Na fenomenologia, é preciso destacar a redução enquanto caminho de

busca e ampliação para a pesquisa. Nesse sentido, para Merleau-Ponty (1999),

é preciso romper com nossa familiaridade para uma melhor compreensão.

É porque somos do começo ao fim relação ao mundo que a única maneira, para nós, de apercebermo-nos disso é suspender este movimento, recusar-lhe nossa cumplicidade, ou ainda colocá-lo fora de jogo. Não porque se renuncie às certezas do senso comum e da atitude natural – elas, são, ao contrário, o tema constante da filosofia -, mas porque, justamente enquanto pressupostos de todo pensamento, elas são “evidentes”, passam despercebidas e porque, para despertá-las e fazê-las aparecer, precisamos abster-nos delas por um instante (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 10).

Percebemos em nossas leituras que a fenomenologia não tem o objetivo

de explicar ou analisar, mas sim de descrever a partir de uma experiência nossa

pensando no espaço e tempo vivido de cada corpo. Diante disso, Merleau-Ponty

(1999, p. 3) aponta que: “Tudo aquilo que sei do mundo, mesmo por ciência, eu

o seu a partir de uma visão minha ou de uma experiência do mundo sem a qual

os símbolos da ciência não poderiam dizer nada”.

Essa experiência com o mundo fenomenológico nos leva a pensar não

de forma isolada, mas de forma que existe a relação do corpo com os objetos, e

com outros corpos, ou seja, uma relação com o mundo. Sobre isso Merleau-

Ponty (1999, p. 19) assevera: “o mundo fenomenológico não é a explicitação de

um ser prévio, mas a função do ser; a filosofia não é o reflexo de uma verdade

prévia, mas, assim como a arte, é a realização de uma verdade”. Portanto, a arte

de assistir a um filme nos leva a sentir inúmeras sensações corporais.

Esse convite às imagens nos faz pensar, sobretudo, nos enigmas do

corpo, do movimento e na percepção que temos do corpo pensando no cinema,

portanto, afirmamos que o cinema nos dá o movimento. Segundo Nóbrega e

Neto (2014, p. 86), “o cinema nos dá a conduta, os comportamentos, as

fisionomias que nos abrem um campo de estudo sobre a expressividade do

corpo de modo amplo e criativo”.

Assim, compreendemos que o cinema não é um emaranhado de cenas,

e que, ao final, somando-as, podemos dizer que é arte cinematográfica, pois,

conforme Nóbrega e Neto (2014, p. 87), “uma imagem cinematográfica é um

alinhamento de certas relações do mundo diante de nós, do nosso olhar”. Esse

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alinhamento é um conjunto de imagens que devemos apreciar, e é preciso fazê-

lo com inúmeras interpretações.

Todas as cenas analisadas exigem do pesquisador um olhar, uma

relação de organização, pensamentos, e julgamentos diante da cena escolhida

para ser analisada, e que em cada cena o nosso pensamento venha a se

construir, se organizar, e que futuras relações venham se formar. Nota-se que o

nosso trabalho de analisar cena por cena, é perceber o corpo em movimento e a

relação com o mundo, ou seja, o nosso entorno configurado no campo visual.

Nesse sentido:

A atitude do pesquisador não será a de libertar ou interpretar os sentidos escondidos, formando a unidade da percepção por meio de sua inteligência. Seu esforço será o de, dirigindo-se à imagem, perceber que a tendência de todos os seus objetos é a constância e a estabilidade, que se dá pela configuração do próprio campo visual (NÓBREGA; NETO 2014, p. 88).

É por isso que quando tomamos o cinema como forma de ampliar

nossas percepções, não pensamos simplesmente que seja uma soma de

imagens. O sentido do cinema depende de uma sequência de imagens que se

completam a todo o momento, e que cria cenas reais ou imaginárias. Sobre isso,

Nóbrega e Neto (2014, p. 89) afirmam:

Olhar o filme a partir desta perspectiva nos faz lembrar que ele não pode ser reduzido, simplesmente, a uma sequência de imagens. Estar atento ao tempo exigirá considerar a duração de cada imagem, e essa só poderá ser bem analisada caso seja visualizada a partir de sua inserção no ritmo do filme, isto é, em união com as imagens que a precederam, com seus próprios ritmos, e as que lhe sucederão. Nesse sentido, prestar atenção à montagem enquanto síntese dos vários elementos nos planos filmados é importante.

Com essa mesma perspectiva, buscamos fazer apreciações dos filmes

de Charles Chaplin, logo após as confecções de fichas de conteúdos dos filmes

elaboradas no laboratório VER. Em seguida, selecionamos as cenas de forma

intencional e subjetiva.

Ao tomar a arte cinematográfica como estratégia metodológica,

podemos encontrar um campo significativo com inúmeras interpretações,

diálogos, um campo que mesmo explorado ainda esconde várias faces e

enigmas. Nóbrega e Neto (2014, p. 91) ampliam a nossa discussão com a

seguinte reflexão:

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Nota-se, portanto, que as imagens cinematográficas ampliam nosso olhar, alteram nossa percepção, nos retiram da paisagem comum para nos permitir ver de outras maneiras, encantados com a magia do cinema e o poder de suas imagens em movimento. Mergulhamos num universo em que histórias são contadas em um tempo e em um espaço dilatados da percepção cotidiana.

Nas fichas de conteúdos dos filmes elaboradas nesta pesquisa (ver

Anexo), podemos observar três categorias: ficha de análise (título original e em

português, ano e país de produção, direção, gênero, duração, e idioma); técnica

cinematográfica (argumento, foco narrativo, cenário e figurino, trilha sonora, se

houver, fotografia e câmera); e argumento, que diz respeito ao sumário da

história, motivação dos personagens e enredo.

Já o foco narrativo, refere-se à perspectiva a partir da qual a história é

contada, sendo uma visão subjetiva. Em relação ao cenário, envolve o lugar

onde o filme foi gravado, se foi num estúdio ou em um ambiente natural ou se o

filme é real ou figurado. No que diz respeito à trilha sonora, é a parte musical,

por exemplo, efeitos sonoros, ruídos, diálogos ou silêncios. Já a fotografia diz

respeito às cores, tons predominantes, contrastes (luz ou sombra), os efeitos de

iluminação (o foco, a penumbra). Embora eu não tenha explorado a

movimentação da câmera nos capítulos, eu trago na ficha a explicação do

movimento da câmera envolvendo o enquadramento e os planos, a animação,

efeitos gráficos, trucagem e fusão. Em relação aos planos, tem-se o plano geral;

o plano médio (pessoas, objetos); o primeiro plano (rosto) o plongée, o contra-

plongée e o travelling.

E, por fim, iremos discutir as percepções do corpo e do movimento no

cinema, pensando nas categorias (corpo e movimento, corpo e expressão, corpo

e olhar e por fim corpo e espaço). A partir dessas categorias, selecionamos as

cenas, e a partir destas, iremos observar e descrever o que faz sentido

pensando nas percepções do corpo e do movimento expressivo na Educação

Física. Diante disso, sabemos que a obra é aberta a inúmeras interpretações,

por isso não pretendemos trazer todas as cenas para nossa pesquisa, mas

destacar as que consideramos as mais emblemáticas.

Pensando nas fichas de análise de conteúdo, elencamos as categorias

de estudo: Corpo, Movimento e Expressividade. Os critérios de escolha fundam-

se nas percepções do corpo e do movimento. Além disso, iremos destacar e

descrever cenas que permitem refletir sobre o corpo e a expressividade.

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A elaboração das categorias de estudo constitui-se em ampliar os

pensamentos para a Educação Física num olhar fenomenológico, abrindo novos

horizontes de reflexão. Assim, este trabalho irá contribuir com as percepções do

corpo e do movimento, abrangendo diversos aspectos para ampliar as

concepções de corpo na Educação Física, pelo viés de um corpo expressivo, um

corpo estesiológico4, ou seja, em Merleau-Ponty, é um corpo que afeta e é

afetado.

Lançamos nosso olhar tendo como base a fenomenologia para dois

filmes de Charles Chaplin: Tempos Modernos (1936) e O Circo (1928). Trata-se

de filmes emblemáticos de Chaplin que nos levam a pensar na intencionalidade

do movimento, além de refletir as concepções corporais, como, por exemplo, a

percepção, a imagem corporal, o esquema corporal, a motricidade e a

expressividade.

A dissertação está organizada em três capítulos. No primeiro capítulo,

intitulado “O cinema de Chaplin,” dialogamos com a arte cinematográfica não

como um recurso apenas visual, ou algo ilustrativo, mas pensando o cinema

como uma linguagem indireta e que possibilita diversas maneiras de perceber e

interpretar uma cena. Corroborando esse pensamento, Nóbrega e Neto (2014, p.

81) afirmam:

As imagens cinematográficas, no universo da pesquisa, precisam ser vislumbrados de outro modo: não como meras estratégias metodológicas, mas como linguagem indireta que faz o pesquisador ver e pensar de outro modo.

Nesse sentido, pensamos na arte cinematográfica, na linguagem do

corpo, e no deslumbramento que essa arte proporciona de forma indireta,

através das imagens fascinantes que se formam na tela e que prendem a nossa

atenção, assim ampliando as nossas compreensões de movimento. Sobre isso,

Lopes (2015, p. 212) afirma:

A cinematografia, portanto, nos dá mais do que uma pura diversão, um momento de lazer. As suas imagens móveis excedem a tela pela sua

4 Nóbrega (2008) traz a referência de estesiologia de acordo com o livro A Natureza, do filósofo

Maurice Merleau-Ponty, onde ele dedica um capítulo ao tema da estesiologia, definido como a ciência dos sentidos. Sua característica abre o corpo para o exterior, transformando-o em um corpo poroso, que permite a comunicação do meu corpo e dos outros corpos. A sensorialidade é um investimento que configura a estesia, a capacidade fisiológica, simbólica, efetiva de impressão dos sentidos.

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linguagem indireta e fazem brolhar outros sentidos e significados sobre as relações advindas da cultura e da natureza, do individual e do coletivo, do nosso corpo e o dos outros. A partir disso, temos que o cinema possibilita que ampliemos a compreensão de movimento para além das práticas corporais, produzindo, por meio da experiência perceptiva, novas formas de vermos, de nos relacionarmos com o mundo e, ao mesmo tempo, aponta os caminhos para que nós também nos recriemos.

A partir da descrição envolvendo reflexões sobre o cinema, partimos

para a descrição do personagem Carlito, que nos leva a transitar do mundo real

ao mundo imaginário, dando-nos a possibilidade de conhecer fatos vividos pelo

próprio Chaplin e que são passados de forma engraçada, mas que denunciavam

as injustiças sociais em cada filme. Esse grande artista sabia como fazer rir e

também chorar seus espectadores.

No segundo capítulo, Tempos Modernos – O movimento, há um ensejo

de resgatar o corpo que revela uma unidade primordial entre o corpo-objeto e o

corpo-sujeito. Essa noção de corpo sujeito concebida por Merleau-Ponty nos

permite compreender o corpo não como um mero organismo, cujas funções

podem ser explicadas por leis causais, mas pensando na perspectiva

fenomenológica. Com isso trazemos o pensamento reflexivo de um corpo para

além do materialismo, que conhece o mundo e as coisas em seu entorno por

meio da experiência vivida.

Cabe agora dizer que não é um corpo puramente físico que se move, mas, na verdade, um corpo que mantém sua natureza integrada em toda a sua história e cultura. A partir disso, os significados que emergem dessa relação desvelam os objetos do mundo por se encontrarem imersos no mesmo universo, bem como na experiência perceptiva (LOPES, 2015, p. 81).

Apresentaremos algumas reflexões considerando as percepções do

movimento humano no cinema e que nos revelam um corpo com inúmeras

linguagens expressivas.

No terceiro capítulo, intitulado O circo e a expressão na Educação

Física, almejamos compreender a linguagem ressaltada por Merleau-Ponty, esse

será o ponto de partida para investigar o gesto e o movimento expressivo. Tal

entendimento da expressão corporal nos faz entender que ela está imbricada no

próprio corpo, “a expressão corporal pertence a todos” (PUJADE-RENAUD,

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1990, p. 93). Nesse sentido, a expressão corporal é entendida como uma

espécie de estilo pessoal de cada indivíduo através do movimento, posição e

atitude.

Com o propósito de entender a expressividade, no terceiro capítulo

mergulhamos na obra de Chaplin e descrevemos o fenômeno do corpo e do

gesto e a expressividade. O desenvolvimento desse capítulo nos proporciona o

descobrimento do movimento expressivo do corpo circense do palhaço Carlito

no filme O circo (1928), de Chaplin, para poder exprimir a noção de

expressividade na Educação Física. Noção essa que julgamos de extrema

relevância para a Educação Física, pensando na contribuição que iremos trazer

ao descrever o conceito de expressividade, pois a expressão engaja o gesto, o

movimento, e com isso o corpo cria novos esquemas corporais, novas maneiras

de se expressar no mundo, metamorfoseando o movimento corporal, ou seja, o

movimento passa por significativas mudanças. Nesse caminho expressivo do

corpo, “O movimento ganha, assim, uma autonomia, pois ele deixa o terreno

mimético para entrar no mundo simbólico” (NÓBREGA, 2015, p. 119).

Convido-lhe, então, a fazer algumas reflexões a respeito do cinema e a

obra de Charles Chaplin, no primeiro capítulo, de maneira sensível, permeando

a todo instante o corpo, o espaço e o tempo. Ao convocar a nossa sensibilidade,

continuamos a apreciação do tema corpo numa cumplicidade filosófica.

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E então, vislumbramos a essência estética do

cinema, não como evidência transcendente,

mas relativa à magia.

(MORIN, 2014, p. 250).

O cinema e sua linguagem conquistam a sociedade, ele tem o caráter

mágico de poder levar as pessoas a imaginar cada cena, com sua iluminação,

ângulos, planos, focos e expressões corporais. Cada movimento que a câmera

faz é um convite aos nossos olhos e ao nosso corpo, para percorrer cada

detalhe visto, seja em câmera lenta ou rápida. Portanto, o cinema é uma arte

que leva o corpo ao devaneio, à magia, e assim nos faz perceber as relações do

sujeito com o mundo de um modo amplo, criativo e poético. Ressaltamos as

palavras de Langer (1980, p. 427) em uma nota sobre o filme:

Eis uma nova arte. Por algumas décadas ela não pareceu ser mais do que recurso técnico da esfera do drama, uma nova maneira de preservar e recontar desempenhos dramáticos. Mas, hoje, seu desenvolvimento já desmentiu essa suposição. A tela não é um palco, e o que é criado na concepção e realização de um filme não é mais uma peça. É cedo demais para sistematizar qualquer teoria sobre essa nova arte, mas mesmo em seu presente estado primitivo, ela exibe – penso que muito além de qualquer dúvida – não apenas uma nova técnica, mas um novo modo poético.

Percebemos que no cinema existe uma linguagem poética que traz um

sentido para o público capaz de reverberar emoções em cada corpo. Portanto, “a

linguagem significa quando, em vez de copiar pensamento, deixa-se desfazer e

refazer por ele. Traz seu sentido como o rastro de um passo significa o

movimento e o esforço de um corpo” (MERLEAU-PONTY, 2004, p. 73).

Nesse sentido, é preciso decifrar essa linguagem poética, essa arte que

nos afeta e que nos provoca um estado de ânimo, percorrendo concepções de

sentimento, envolvendo a nossa realidade e provocando emoções inspiradas

nas palavras, nos gestos, nas linguagens, nas movimentações que cada cena

pode trazer, para compreender a arte cinematográfica, isto é, percorremos

emoções no cinema mudo.

É interessante pensar que o cinema pode suscitar sensações diversas no

espectador, desde as sensações agradáveis até as mais desagradáveis vistas

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nas cenas, ele também consegue mascarar as nossas percepções. Sendo

assim, existem algumas imagens que implicam a perda da imagem, no sentido

de confundir as nossas ideias, tornando-se confusa a imagem. Logo, no cinema

sempre haverá ambiguidades. Assim, é preciso lembrar que explicar as

ambiguidades do cinema, é entender que ele tem o poder de esconder por um

lado e revelar por outro as ideias dos filmes através das lentes mágicas, das

projeções feitas ao longo das cenas. Nesse sentido, essas lentes mágicas, ou

seja, esse ato de esconder e revelar são percebidos através das luminosas

imagens mostrando vários truques mágicos que são capazes de aguçar a nossa

percepção.

A imagem é percebida, quase de modo automático, por uma interpretação em termos espaciais e tridimensionais. As ilusões elementares do tipo que mencionamos manifestam espetacularmente, de um modo particular que é o da percepção „imposta‟, essa capacidade (AUMONT, 1993, p. 68).

A percepção é muito importante para entender o espaço, o tempo, o

ritmo, a relação do corpo e o deslocamento que a câmera faz diante dos nossos

olhos. Segundo Aumont (1993, p. 77), “o sujeito não pode ser definido de forma

simples, pois sua relação com a imagem é definida pela capacidade de

percepção, pelo conhecimento prévio, pelos valores e gostos e por sua

vinculação num contexto”.

Isto é, usamos a percepção para compreender as diversas maneiras do

corpo se movimentar diante da câmera, além disso, todas as vezes que

assistimos a um filme temos que aceitar um tipo de jogo e nos deixarmos

transportar nas imagens. Portanto, percebemos que as imagens são feitas para

serem vistas e apreciadas, é através do olhar que conseguimos captar as

movimentações de cada corpo, de cada objeto e da história que é passada ao

longo do filme.

Em cada filme percebemos uma preocupação com as imagens e seus

significados, essa imersão que o filme proporciona nos faz pensar naquele

momento e o que está acontecendo com os nossos sentidos, a ponto de nos

afetar e de desviar os nossos olhares. Diante disso, Nóbrega (2013, p. 185)

afirma:

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O cinema desvia o olhar, convoca nossa sensibilidade para ver, sentir, imaginar, conhecer. A apreciação de imagens cinematográficas, ver um filme, apresenta-se como possibilidade para se perceber os usos e investimentos do corpo, as fisionomias, o esquema corporal, a gestualidade e o modo como vivemos a nossa corporeidade, sentimos, existimos.

Então, a imagem é feita para olhar convocando a nossa sensibilidade,

nos prendendo àquele mundo virtual e mágico. É certo que o cinema abre

possibilidades e investimentos cerca do corpo no sentindo de perceber as

fisionomias, o esquema corporal e a gestualidade. Tais conceitos são de

extrema importância, mas não iremos aprofundar nesse momento, e sim em

capítulos posteriores. Enfim, nossos olhares percorrem os espaços, os tempos,

os objetos, as paisagens e os corpos se movimentando, portanto, o nosso olhar

se cruza com o olhar do cineasta, recuperando situações já vividas.

O entrelaçamento do olhar vem para garantir a forma como

interpretamos cada imagem, portanto, a imagem é para ser vista de forma que

possamos compreender algumas funções, e para isso recorremos à escrita de

Aumont (1993, p. 81) ao afirmar que “a imagem tem por função primeira garantir,

reforçar, reafirmar e explicar nossa relação com o mundo visual: ela

desempenha papel de descoberta do visual”. Essa reflexão parte do ponto de

vista de como se olha uma imagem e nos permite pensar a nossa relação com o

mundo visual, pois o espectador constrói a imagem e a imagem constrói o

espectador. Sabemos que existe uma relação do espectador com a imagem, e é

como se fosse uma parceria ativa do cinema.

Reconhecer alguma coisa em uma imagem é identificar, pelo menos em parte, o que nela é visto com alguma coisa que se vê ou se pode

ver no real. É pois, um processo, um trabalho, que emprega as

propriedades do sistema visual (AUMONT, 1993, p. 91).

O espectador quando assiste a um filme reconhece as imagens,

consegue identificar em partes algumas cenas, sendo um processo com três

aspectos a se pensar, segundo Aumont (1993, p. 103): “o espectador começa a

pensar na representação, na ilusão e no realismo”. De acordo com esse teórico,

na representação o espectador consegue ver uma realidade ausente. Já na

ilusão, entra o fenômeno psicológico que, em determinadas condições

psicológicas e culturais, é provocado pela representação. Para concluir o nosso

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pensamento, partamos para o realismo um conjunto de regras sociais que gera a

relação entre representações e o real de modo aceitável.

O cinema como obra resulta nas percepções corporais, mas também

resulta no exercício de uma espécie de linguagem, que, em particular, a

linguagem cinematográfica é vista numa sequência de imagens fazendo

compreender qual o sentido do filme. Portanto, no cinema usamos a nossa

imaginação, a nossa interpretação de forma subjetiva, e pensando no seu

contexto histórico, o cinema pode ser muita coisa, por exemplo, ele pode

remeter a crenças, à classe social, à época e à cultura. Além do mais, o filme

nos afeta a ponto de mudar nossa postura e nosso esquema corporal.

Sentar-se diante de uma tela e assistir um filme é algo tão simples e tão

prazeroso que na maioria das vezes somos tocados ao assistir uma cena e

assim provocando processos emocionais, tais como: alegria, tristeza, raiva,

espanto, curiosidade, satisfação, medo, entre outros. Podemos até sair de uma

sessão amando ou odiando tal filme, porque cada filme nos leva a pensar assim

como a obra de arte. Segundo Martin (2003, p. 15):

O cinema produziu suficientes obras-primas para que se possa afirmar que o cinema é uma arte, uma arte que conquistou seus meios de expressão específicos e libertou-se plenamente da influência de outras artes (em particular o teatro) para fazer desabrochar suas possibilidades próprias com toda a autonomia.

Pensar no cinema é pensar numa obra de arte, numa forma de se

expressar e ver corpos em movimento, sendo assim, seu sentido está ligado à

comunicação e à apreciação. Na verdade, o cinema é arte, é abertura,

transparência, contraposição, imagem, decepção, o cinema permeia a

imaginação daqueles que assistem. Nesse sentido, o cinema faz desabrochar

várias possibilidades de leitura com toda a liberdade e autonomia.

Mergulhar no mundo das câmeras, no mundo do cinema, na arte de um

bom filme, é entender a importância dessa arte ilusória, pois “um bom filme é

uma obra de arte por todos os padrões aplicáveis à arte como tal” (LANGER,

1980, p. 430). Além de tudo isso, o cinema tem a poderosa ilusão de brincar com

o real e o imaginário, usando o meio industrial e a tecnologia para transformar a

obra de arte apreciada por todos nós e que nos transporta para outros lugares.

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Nesse sentido, o cinema é capaz de construir um mundo novo usando

todos os recursos de organização que impulsionam para a imaginação,

proporcionando prazer e satisfação. Diante disso, Jullier (2009, p. 15) discorre:

Muitas razões podem ser invocadas para comprar uma entrada de cinema ou ficar diante da televisão durante todo o tempo em que ela transmite um filme. Mas a mais comum, aquela que justifica que milhares de pessoas fiquem duas horas sentadas sem se mexer com os olhos fixados em fantasias animados e tagarelas, é o prazer. Os grandes sucessos da história do cinema sem dúvida se prestam à reflexão, instruem acerca da situação do mundo, mas antes de tudo dão satisfação.

O cinema, além de ser industrial, ele também é arte. Além disso, é um

fenômeno social, poético, estético e cultural e nos remete à modernidade e a

tempos passados. No cinema existem o deslumbramento, a fantasia e o

encantamento, portanto, é assistindo um filme que nossa imaginação brinca e

nossos olhos percorrem o corpo sobre a tela em preto e branco. O mistério do

cinema começa quando o sinal sonoro nos convida a entrar na sala. Sobre isso

Morin (2014, p. 19) afirma:

O sinal sonoro nos convida. Uma lojinha entre outras oferece seus balcões enormes rostos pintados, fotografias, beijos, abraços, cavalgadas. Entramos na escuridão de uma gruta artificial. Uma poeira luminosa se lança e dança sobre uma tela; nossos olhos se saciam; ela toma corpo e vida; ela nos leva a uma aventura errante: atravessamos tempos e espaços, até que uma música solene dissolva as sombras sobre a tela que volta a ficar branca. Saímos e falamos das qualidades e dos defeitos de um filme.

Ao atravessar tempos e espaços passamos pela experiência de entrar

numa sala de cinema, ou até mesmo assistir um filme em casa, tanto uma

quanto a outra situação faz acender nossas experiências vividas no sentido de

alimentar as nossas paixões pelo cinema, pela história e pelos atores, pois o

cinema consiste em sugerir emoções. Nesse sentido, Morin (2014, p. 25) afirma:

“o cinema é a realidade talvez, mas também é outra coisa: gerador de emoções

e sonhos”.

E é precisamente essas reflexões que trazemos nos filmes de Charles

Chaplin e que tanto nos inspiram, pensando nos desejos, nas obsessões e nos

temores projetados na tela. Sendo assim, o cinema é verdadeiramente um fluxo

mágico que nós telespectadores vagamos na imagem. Pensando assim, Morin

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(2014, p. 41) afirma: “a imagem é uma presença vivida e uma ausência real,

uma presença-ausência”.

O cinema toma corpo em nossa pesquisa a partir da imagem em preto e

branco nos filmes de Charles Chaplin com características sensíveis em cada

filme. Os filmes de Chaplin nos levam ao devaneio, à imaginação, a uma viagem

natural que pode ser real ou fictícia. Esse deslumbramento que acontece através

do movimento no cinema nos permite dar sentido a própria imagem vista, e por

isso Morin (2014, p. 101) ressalta: “cinema é sonho... é um sonho artificial”.

Eis aqui uma nova arte, o cinema, que de forma tímida vem sendo

valorizado no âmbito acadêmico a fim de ampliar vários conceitos, além de

estimular a percepção e não pensar que o cinema é apenas um recurso técnico,

mas um modo poético, uma arte expressiva, isso acontece porque a câmera

salta de um plano a outro, avança, recua, amplia e diminui a imagem, tudo vira

de cabeça para baixo, e tudo isso mantendo em sintonia os movimentos.

Segundo Morin (2014, p. 159): “O movimento é a alma do cinema, sua

subjetividade e sua objetividade. Atrás da câmera, navegadora do tempo e do

espaço, desenha-se até o infinito o duplo sulco da vida e do sonho”.

O cinema talvez seja a arte mais jovem e a mais familiar ao nosso

cotidiano. Para Langer (1980, p. 416): “acima de tudo, entretanto, a arte penetra

profundamente na vida pessoal porque, ao dar forma ao mundo, ela articula a

natureza humana: sensibilidade, energia, paixão e mortalidade”. Além de ser

essa arte complexa, nela encontramos o movimento e a expressão em cada

imagem, em cada sessão, em cada movimento corporal, e é no movimento da

câmera que nossas percepções são arrebatadas.

O filme nos convoca a vivenciar sua história, sua força e seu movimento,

a partir disso, falar de um filme é revelar e convidar a entrar em um mundo

imaginário, com efeitos e montagens, criando imagens significativas através do

movimento.

A arte do cinema requer uma apreciação completa que revela

sentimento de satisfação. Conforme Langer (1980, p. 412):

O que ela provoca em nós é uma formulação de nossas concepções de sentimentos e nossas concepções da realidade visual, factual e audível, em conjunto. Ela nos dá formas de imaginação e formas de sentimento, inseparavelmente; quer dizer, clarifica e organiza a própria intuição.

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Ainda segundo a autora supracitada, a arte nos convida à imaginação,

formulando vários sentimentos, e, nesse sentido, o cinema desperta e revela

identificações vergonhosas, secretas que só interessam a nós mesmos. Por

isso, o cinema nos dá abertura de criar uma nova maneira de se relacionar com

o mundo, além disso, é no cinema que percebemos a expressão corpórea

necessária para pensar no entrelaçamento do corpo com o mundo e em cada

cena é despertado um interesse pelo movimento que a câmera faz.

Alguns processos são percebidos em cada cena, por exemplo,

experiências vividas, interpretações, ideias e comparações. Ademais, ao assistir

a um filme, conseguimos sentir as batidas do coração quando a cena nos

prende, ou seja, sentimos uma infinidade de significados que são gerados

naquele momento, despertando uma sensação de prazer e satisfação, é este o

caminho percorrido ao assistir um filme.

No momento, o cinema está prestes a abrir um novo caminho para a nossa cultura. Milhões de pessoas frequentam os cinemas todas as noites e unicamente através da visão vivenciamos acontecimentos, personagens, emoções, estados de espírito e até pensamentos, sem a necessidade de muitas palavras. Pois as palavras não atingem o conteúdo espiritual das imagens e são meros instrumentos passageiros de formas de arte ainda não desenvolvidas. A humanidade ainda está aprendendo a linguagem rica e colorida do gesto, do movimento e da expressão facial. Esta não é uma linguagem de signos substituindo as palavras, como seria a linguagem-signo do surdo-mudo – é um meio de comunicação visual sem a mediação de almas envoltas em carne. O homem tornou-se novamente visível (BALÀZS, 1983, p. 77).

Nesse sentido, frequentar o cinema é vivenciar acontecimentos dos

personagens, é sentir as emoções vividas pelo corpo diante da tela sem a

necessidade de palavras, pois a expressão corporal fala mais do que as

palavras. Segundo Balazs (1983), ainda estamos aprendendo a linguagem rica

do gesto, do movimento e da expressão corporal, e é essa linguagem vista no

gesto que iremos discutir durante todo o nosso percurso.

A linguagem do gesto é vista em algumas expressões, o não falar muitas

vezes está transbordando de emoções vistas nas imagens e nos movimentos. A

expressão do nosso rosto, do gesto e do movimento é estimulada pela

movimentação da câmera quando ela mostra os ângulos, o tempo que cada

cena vai durar e assim tudo muda incessantemente.

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No cinema, a câmera carrega o espectador para dentro mesmo do filme. Vemos tudo como se fosse do interior, e estamos rodeados pelos personagens. Estes não precisam nos contar o que sentem, uma vez que nós vemos o que eles veem e da forma em que veem (BALÁZS, 1983, p. 85).

Nessa trajetória percorremos o cinema mudo, um termo que aponta

alguns mal-entendidos, pois não se ia ao “cinema mudo”, se ia ao cinema, nele

ouvimos sons, a câmera era imóvel, existiam sequências de imagens e algumas

decisões teriam que ser tomadas em relação o local que a câmera ia ser

colocada, pois não existiam muitos recursos nessa época.

Alguns recursos são usados para compor a cena, como por exemplo, o

close-up, que é uma técnica muito usada no cinema, em especial no cinema

mudo. O close-up é usado para aproximar o ator à tela e assim o telespectador

entra em intimidade com o ator, isso é visto tomando como referência os olhares

para a câmera. No momento que o personagem olha para a câmera, parece que

ele está olhando para o telespectador, buscando uma cumplicidade.

O cinema também trabalha com ângulos dando visibilidade ao corpo, por

exemplo, o plongée, nesse caso a câmera está posicionada acima do corpo ou

objeto, em um ângulo superior. E o contra-plongée, quando a câmera é colocada

abaixo do objeto, fazendo com que o espectador veja a cena de baixo para cima,

podemos visualizar essa técnica no filme O Ditador (1940), a câmera é colocada

de baixo para cima, dando um ar de superioridade.

Outra técnica bastante usada nas obras de Charles Chaplin são os

planos fixos nessa técnica não se tem movimento para acompanhar o ator, o

que demonstra uma filiação com a fotografia. No livro Lendo as imagens do

cinema, escrito por Jullier e Marie (2009, p. 74), elas relatam: “frequentemente, é

como se o girador da manivela gritasse ao ator: „Não se mexa mais!‟ – de

repente, este último gesticula parado no lugar”. Foi assim que criaram várias

cenas enquadrando a expressividade do corpo nas imagens móveis.

O cinema é um arquivo de corpos e acontecimentos, diante da câmera,

sendo ela parada ou em movimento ela explora a percepção, provocando

reflexões a respeito do tema. Diante disso, Neto (2015, p. 54) afirma:

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O filme cinematográfico é também um arquivo de corpos e de acontecimento que nos transporta para realidade e mundos compartilhados pela presença perceptiva, despertando nossas sensações e provocando nossa reflexão sobre temas, acontecimentos, emoções, entre outros aspectos que permeiam a vida e a existência humana.

Tal pensamento nos relata a infinidade de acontecimentos envolvendo o

corpo nessa mistura de realidade e mundo sendo compartilhado pela percepção

e assim despertando inúmeras sensações corporais pelo simples fato de poder

perceber tudo que está ao seu redor, inclusive seus próprios movimentos.

O cinema de Charles Chaplin me proporcionou um profundo

encantamento, e foi a partir dele que minhas pesquisas começaram a surgir, o

encantamento pela pesquisa envolvendo o corpo, o movimento, a expressão e a

responsabilidade discutir o corpo e as diversas maneiras de expressão para a

Educação Física.

Para contextualizar o percurso deste trabalho, iremos conhecer quem foi

Charles Chaplin na história do cinema. Gomes (2015, p. 39) evidencia em sua

fala: “convenhamos pois que Chaplin é cinema, já que foi através da película

impressa que entrou em comunicação conosco”. Sem dúvida, Charles Chaplin

foi uma das mais importantes figuras do cinema que empolgou com sua arte,

sua filosofia e seus julgamentos no mundo moderno. A seguir, trazemos por

escrito a poesia de Carlos Drummond de Andrade presente na obra Minha vida,

de Charles Chaplin, poesia transcrita do livro Lição de coisas.

Velho Chaplin: as crianças do mundo te saúdam. Não adiantou te esconderes na casa de areia dos setenta anos refletida ao lago suíço. Nem trocares tua roupa e sapatos heroicos pela comum indumentária mundial. Um guri te descobre e diz: Carlito CARLITOS – ressoa o coro em primavera. Homens apressados estacam. E readquirem-se. Estavas enrolado neles como bola de gude de quinze anos, concentração do lúdico infinito. Pulas intacto da algibeira. Uma guerra e outra guerra não bastaram para secar em nós a eterna linfa em que, peixe, modulas teu bailado. O filme de 16 milímetros entra em casa por um dia alugado e com ele a graça de existir mesmo entre os equívocos, o medo, a solitude mais solita. Agora é confidencial o teu ensino, pessoa por pessoa, ternura por ternura, e desligado de ti e da rede internacional de cinemas, o mito cresce. O mito cresce. Chaplin, a nossos olhos feridos do pesadelo cotidiano.

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O mundo vai acabar pela mão dos homens? A vida renega a vida? Não restará ninguém para pregar o último rabo de papel na túnica do rei? Ninguém para recordar que houve pelas estradas um errante poeta desengonçado, a todos resumindo em seu despojamento? Perguntas suspensas no céu cortado de pressentimentos e foguetes cedem à maior pergunta que o homem dirige às estrelas. Velho Chaplin, a vida está apenas alvorecendo e as crianças do mundo te saúdam (CHAPLIN, 2010, p. 11-12).

Charles Spencer Chaplin, conhecido como o gênio da sétima arte,

nasceu no dia 16 de abril de 1889, às 20 horas, em East Lane, Londres. Filho de

pais artistas e nascido em um subúrbio de Londres, aos cinco anos, ele e seu

irmão Sidney, mais velho quatro anos, faziam apresentações pelas ruas. Chaplin

deixou a escola aos dez anos e foi trabalhar como mímico. Em 1910, viajou para

os Estados Unidos com o grupo de mímica chamado Comediantes Silenciosos,

de Fred Karno, do qual foi ator, diretor e produtor.

Chaplin, na história das artes, exprimiu-se sua arte no cinema, uma

época em que o cinema ainda engatinhava e um emaranhado de imagens com

cenas riquíssimas para guardar na memória. Atrás do silêncio, atrás da máscara

e do bigode, existe algo que nos prende e que nos leva em direção aos olhares

surpresos de seu rosto. Além disso, o seu silêncio permaneceria por muitos e

muitos anos, mas não era preciso falar nada diante de tanta expressividade.

Nesse contexto de vida e obra, Chaplin teve sua aparição com apenas

cinco anos de idade, devido às falhas da voz de sua mãe, sua voz começava a

criar-lhe embaraços. Ela nunca teve uma saúde forte e qualquer resfriado

causava crises de laringite que duravam semanas. Mesmo assim, era obrigada a

trabalhar, de modo que sua voz piorava. Em uma de suas apresentações sua

voz desafinava ou desaparecia subitamente. Podemos visualizar bem essa

descrição no filme Chaplin, dirigido pelo diretor Richard Attenborough, baseado

nos livros Minha autobiografia e Chaplin: sua vida e arte, esse filme é uma

divertida e dramática biografia de um dos maiores gênios do cinema, o filme

conta desde a infância pobre na Inglaterra até seu extraordinário sucesso nos

Estados Unidos e as circunstâncias de seu exílio na Suíça. Assim como o livro

Minha vida, esse filme também mostra de forma clara sua biografia, seus

amores e as histórias por trás dos filmes. Diante disso, recorro ao depoimento

encontrado no livro Minha vida, de Charles Chaplin (2010, p. 38):

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Foi devido às falhas da voz de minha mãe que, na idade de cinco anos, apareci pela primeira vez num palco. Mamãe em geral me levava para o teatro à noite, de preferência a deixar-me sozinho em quartos de pensão. Estava ela então representando A cantina, no Aldershort, na época um teatrinho poeira frequentado principalmente por soldados. Estes constituíam uma plateia grosseira para a qual tudo servia de pretexto a risotas e caçoadas. Para os artistas o Aldershort significava uma semana de terror.

Diante da situação que a mãe de Chaplin estava passando, devido aos

problemas relacionados a sua voz, ele teve que subir ao palco sob a luz dos

refletores, diante da plateia começou a cantar acompanhando a orquestra. Foi

nesse momento que uma chuva de moedas desabou sobre o palco e a atitude

tomada foi apanhar as moedas que ali estavam.

Em sua primeira etapa de vida, ele não tinha o humor nem a ironia com

que sensibilizou o público do mundo inteiro. Felizmente, Chaplin acabou

construindo a sua vida com a única coisa positiva que poderia ter herdado da

sua família, a paixão pelo teatro. De fato, desde o período de criação até sua

estreia, cada um dos filmes de Chaplin viu-se cercado de uma série de

dificuldades, polêmicas, acordos e desacordos que ultrapassam o terreno do

puramente eventual, assumindo um caráter histórico.

Divertidos, delicados, às vezes melodramáticos, e sempre criativos, os

filmes de Chaplin não só formam um dos trajetos mais sólidos e lúdicos da

história da sétima arte, como ultrapassam esse âmbito para formar parte do

patrimônio cultural da humanidade. De acordo com apreciação estética sobre a

obra de Chaplin; Gomes (2015, p. 31) discorre:

Chaplin significou uma iniciação estética acadêmica e para outros a obra do cineasta tem uma significação íntima e quase secreta, em que o tecido de equívocos vivido pelo personagem é um espelho para a melancolia do espectador.

É possível realizar uma retrospectiva a respeito da biografia de Charles

Chaplin em livros, imagens de filmes, buscando uma compreensão simpática e

curiosa a respeito de sua vida. Embora saibamos que não é fácil explicar e

interpretar muitas coisas a respeito de sua história, estamos tentando buscar

uma apreciação sobre sua vida e obra, que tanto nos encanta, ao longo desta

pesquisa. Gomes (2015, p. 36) afirma que “a singularidade do fenômeno

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chapliniano possui uma evidência concreta e indiscutível”. Por isso, pretendemos

dar continuidade à presença viva de Charles Chaplin trazendo-a para a

Educação Física de forma tão viva que venha a pensar nas expressões

corporais.

Pioneiro no cinema, desde suas primeiras incursões na tela, Chaplin

utilizou Carlito5 para refletir, quase sempre pelo humor e por meio de sua

inteligência e cumplicidade com o público, os fatos sociais de sua época. Foi aos

dezenove anos que Chaplin criou o personagem Carlito, vejamos na Imagem 1 –

Charles Chaplin.

Ele se veste da seguinte maneira: calças bem largas, estilo balão,

sapatos enormes, um casaco pequeno e apertado e um chapéu-coco pequeno.

Além de tudo isso, ainda usa uma bengala como forma de extensão do próprio

corpo. Chaplin quando criou esse personagem, queria que tudo estivesse em

contradição, as calças, o casaco, os sapatos, o chapéu, e por fim adicionou um

bigode para aumentar sua idade. Foi nesse momento que Chaplin (2010, p.179)

afirmou: “foi assim que já havia nascido. Estava totalmente definido”.

No momento em que assim me vesti, as roupas e a caracterização me fizeram compreender a espécie de pessoa que ele era. Comecei a conhecê-lo e, no momento em que entrei no palco de filmagem, ele já havia nascido. Estava totalmente definido. Quando cheguei em frente de Marck, entrei no personagem, andando em passos rápidos, girando a bengala diante dele. Incidentes e ideias cômicas vinham em tropel à minha mente (CHAPLIN, 2010, p. 179).

5 É preciso que você saiba que esse tipo tem muitas facetas: é um vagabundo, um cavalheiro,

um poeta, um sonhador, um sujeito solitário, sempre ansioso por amores e aventuras. Ele seria capaz de fazê-lo crer que é um cientista, um músico, um duque, um jogador de polo. Contudo, não está acima de certas contingências, como a de apanhar pontas de cigarros no chão, ou de furtar o pirulito de uma criança. E ainda, se as circunstâncias o exigem, será capaz de dar um pontapé no traseiro de uma dama, mas somente no auge da raiva.

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Imagem 1 – Charles Chaplin

Fonte: Chaplin (1992).

Chaplin encanta a todos com sua liberdade de criação, ousadia e

principalmente a expressão apresentada em seus filmes sutis da vossa arte.

Podemos apreciar alguns filmes durante essa trajetória: A Condessa de Hong

Kong (1967), Carlitos nas Trinchedeiras (1918), Casamento de Luxo (1923),

Corrida de Automóveis para Meninos (1914), Em busca de ouro (1925), Luzes

da Cidade (1931), Luzes da Ribalta (1952), Monsieur Verdoux (1947), O Circo

(1928), O Grande Ditador (1940), O Garoto (1921), O idílio desfeito (1914), O

idílio no campo (1919), O Vagabundo (1915), O Imigrante (1917), Os clássicos

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Vadios (1921), Pastor de Almas (1923), Tempos Modernos (1936), Um Rei em

Nova Iorque (1957), Vida de Cachorro (1918), entre outros, além dos curtas-

metragens. Esses filmes foram alguns dos que analisamos na pesquisa quando

eu ainda cursava a graduação.

Todos esses filmes dirigidos por Charles Chaplin têm o objetivo de

mostrar e criticar um fato histórico, mas, além disso, ele também trabalha com o

imaginário através dos personagens, o que nos permite notar que o filme

incorpora o mundo dos sonhos. Sobre isso Langer (1980, p. 429) afirma: “o

cinema é „como‟ o sonho no seu modo de apresentação: cria um presente

virtual, uma ordem de aparição direta. Esse é o modo do sonho”. Por exemplo,

nos filmes citados anteriormente, Chaplin traz sempre o personagem de um

vagabundo (Carlito) para nos afetar, mas de maneira suave, pois esse jamais

será igual a um vagabundo visto no mundo real, fora da tela do cinema.

Pode-se dizer verdadeiramente que o cinema é uma obra de arte,

poética, virtual e estética, provocando as mais diversas sensações. Medeiros

(2010, p. 51), apud Langer (1980), afirma que a “arte se destaca do ambiente

comum, se desliga do mundo a partir da junção das cores, das formas, dos

objetos estéticos, tornando-os totalmente virtuais”.

Nesse sentindo, partimos para o próximo capítulo, em busca de novas

contribuições para pensar o corpo na Educação Física, a partir da descrição e

reflexão sobre o filme Tempos Modernos (1936). Limitamo-nos, de forma

intencional, a algumas cenas do filme a partir do corpo perceptivo e das ligações

com o mundo.

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O corpo objeto no filme Tempos Modernos

Para contextualizar este capítulo, partimos do filme Tempos Modernos

(1936) de Charles Chaplin, título original Modern Times, com duração de 1h

27min, gênero comédia, cujo diretor foi o próprio Charles Chaplin.

É um filme que retrata a sociedade capitalista que começava a se

desenhar na Europa a partir do século XVIII, mais precisamente após a

Revolução Industrial iniciada na Inglaterra. Esse filme aborda a busca

desenfreada pelo lucro, criticada de forma irônica por um dos maiores gênios

que o cinema conheceu ao longo da história.

Uma passagem significativa que aponta a busca desenfreada pelo lucro

em um gesto capitalista é o momento em que o personagem Carlito trabalha de

forma contínua e ininterrupta, tornando-se parte integrante da máquina, tanto

que ao terminar o turno, ele continua com seus movimentos voltados ao

trabalho, mostrando que a máquina vem tomando o lugar do homem. Num

determinado momento, o personagem de Carlito tem um colapso nervoso por

trabalhar quase como um escravo, e assim é levado a um hospício. Ao sair de

lá, ele encontra a fábrica fechada e assim sai caminhando pelas ruas em busca

de outro trabalho.

A descrição de cenas do filme Tempos Modernos (1936) nos mostra o

corpo como instrumento de trabalho. No decorrer do filme, percebemos os danos

corporais que o trabalho excessivo causa sobre o corpo. Nesse sentido, o corpo

é visto como uma máquina de produção com fins lucrativos, deixando de lado as

percepções sensoriais, afetivas, emocionais, ou, melhor dizendo, deixando de

lado as expressões existentes em um corpo significativo, um corpo próprio.

Ora, continuar com o pensamento de corpo-objeto, como nos relata o

filme de Tempos Modernos, é abandonar a visão de um corpo intenso, aberto ao

exterior, um corpo com inúmeros significados e lugar da construção social. De

acordo com Merleau-Ponty (1999, p. 119):

Há portanto uma certa consistência de nosso “mundo”, relativamente independente dos estímulos, que proíbe tratar o ser no mundo como uma soma de reflexos – uma certa energia da pulsação de existência, relativamente independente de nossos pensamentos voluntários, que proíbe tratá-lo como um ato de consciência.

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Na fenomenologia compreendemos o corpo fenomenal, o corpo vivo,

aquele corpo que se dirige ao mundo, conduzindo seu próprio movimento sem

que precise de algo ou de alguém para imitar. Para Nóbrega (2010, p. 47), “O

corpo não é coisa, nem ideia, o corpo é movimento, gesto, linguagem,

sensibilidade, desejo, historicidade e expressão criadora”.

O corpo fenomenal é o corpo do desejo, do prazer, da sensação, do riso,

do choro, da dor, da calma, do espanto, da experiência vivida, da expressão e

das relações com outros corpos. Quando compreendemos o corpo pensando na

fenomenologia, queremos dizer que vivemos e percebemos cada movimento, a

partir de uma experiência vivida, do contato com o outro. Além disso, o corpo é

uma imagem sensível capaz de construir e desconstruir sua história, diferente

dos objetos que ao invés de sentir, nos usamos, manipulamos, trocamos,

dividimos e observamos de diversos ângulos, diferente do corpo que não

conseguimos olhar por completo. Para Merleau-Ponty (1999, p. 134), “embora

veja ou toque o mundo, meu corpo não pode, no entanto ser visto ou tocado”.

Assim, o corpo na fenomenologia é considerado como uma estrutura

que tem sentidos e significados e não apenas resultado de um processo

mecanicista de causa e efeito. Portanto, é preciso considerar a intencionalidade

do corpo em suas relações com o meio, a experiência criadora de significações,

pois o corpo não é um mero objeto orgânico no mundo e também não é ideia, o

corpo para Merleau-Ponty é o corpo vivo. Além do corpo vivo, também

enxergamos o corpo sensível, o corpo do desejo, do gesto, da relação com o

outro, da experiência sensível, da história que constrói em diferentes culturas

através de sua experiência vivida.

É pensando nesse contexto fenomenológico que o filme Tempos

Modernos traz a crítica à dominação do corpo pela indústria moderna. Assim, o

corpo visto como objeto sendo manipulado, adestrado apenas para produzir e

ser eficiente no ambiente de trabalho. Nesse sentido, o filme mostra uma

concepção mecanicista que perpassa toda a sua narrativa.

Nesse cenário de problematização e crítica a respeito da alienação do

corpo como uma visão mecanicista, destacamos os seguintes conceitos:

percepção, imagem corporal, esquema corporal, a noção de motricidade e a

expressividade, pensando num corpo próprio envolvendo as relações de ter e

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ser corpo, um corpo imbricado no mundo, um corpo que percebe e é percebido

como forma de superação da visão mecanicista.

Perceber o corpo e o movimento no filme Tempos Modernos, é entender

que percepção6 é a relação do corpo, com a sensação, com o movimento

corporal e a relação com o mundo, ou seja, toda percepção está relacionada

com a comunicação de nosso corpo e a análise interior numa configuração

global. Segundo Merleau-Ponty (1999, p. 6): “A percepção não é uma ciência do

mundo, não é nem mesmo um ato, uma tomada de posição deliberada; ela é o

fundo sobre o qual todos os atos se destacam e ela é pressuposta por eles”.

A partir dessa compreensão global, entendemos que a percepção é uma

ligação onde todos os atos e movimentos se movem para que possamos

compreender as coisas em seus aspectos seja histórico, cultural e afetivos, de

forma natural sem que se perceba uma sobreposição e sim uma unidade de

sentidos. Sendo assim, “temos um campo perceptivo presente e atual”

(MERLEAU-PONTY, 1999, p. 280). O conceito de percepção só é possível

quando Merleau-Ponty rompe com a noção de corpo-objeto, reforçando o corpo

em movimento numa unidade do sujeito com o mundo, se dando no ato

perceptivo.

E esse campo perceptivo é encontrado nos mistérios do cinema,

induzindo a emoção e assim gerando uma identificação com a cena.

De fato, sabemos que a percepção vista no corpo e pelo corpo é

acompanhada pelo movimento no mundo, havendo criação de movimentos,

gestos e expressões. A nossa percepção está a todo instante criando e

recriando novos sentidos para coisas ao nosso redor, envolvendo não só o

nosso corpo, mas todos os corpos envolvidos naquele momento, ou seja,

naquele movimento que é percebido. Diante disso Merleau-Ponty (1999, p. 278)

afirma:

Nós reaprendemos a sentir nosso corpo, reencontramos, sob o saber objetivo e distante do corpo, este outro saber que temos dele porque ele está sempre conosco e porque nós somos corpo. Da mesma maneira, será preciso despertar a experiência do mundo tal como ele nos aparece enquanto estamos no mundo por nosso corpo, enquanto

6 De acordo com o Dicionário Crítico de Educação Física (2005), toda percepção pressupõe e

envolve o corpo próprio, todo movimento pressupõe uma orientação perceptiva. Além disso, Merleau-Ponty (2001) afirma que todo movimento se desenvolve sobre um fundo perceptivo (MARTIN, 2005, p. 319).

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percebemos o mundo com o nosso corpo. Mas, retomando assim o contato com o corpo e com o mundo, é também a nós mesmos que iremos reencontrar, já que, se percebemos com nosso corpo, o corpo é um eu natural e como que o sujeito da percepção.

Ao aprender e reaprender com o nosso corpo, sentimos os objetos, os

corpos e o mundo numa totalidade, e essa é uma maneira de despertar a

experiência perceptiva do nosso corpo diante do mundo que nos oferece

diversas sensações, experiências e ações, onde o movimento se torna um

gesto, uma intenção e uma sensação perceptiva. Diante disso, Merleau-Ponty

(1999, p. 287) discorre:

Porque sei que a luz atinge meus olhos, que os contatos se fazem pela pele, que meu sapato fere meu pé, disperso em meu corpo as percepções que pertencem à minha alma, coloco a percepção no percebido.

Essa reflexão nos faz entender que a percepção se inicia no nosso

corpo através das sensações corporais e perceptivas, através da pele sinto que

meu sapato está ferindo meu pé. Essas são as contribuições trazidas pelo nosso

filósofo Merleau-Ponty (1999) no livro Fenomenologia da Percepção, que, entre

outras coisas, define a essência da percepção. E ele diz mais sobre percepção:

Quer se trate de perceber palavras ou, mais geralmente, objetos, “há uma certa atitude corporal, um modo específico de tensão dinâmica que é necessária para estruturar a imagem: o homem enquanto totalidade dinâmica deve enformar-se a si mesmo para traçar uma figura em seu campo visual enquanto organismo psicofísico” (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 317).

Desse modo, entender a noção de percepção, é também entender a

noção de Gestalt, importante para contribuir com a nossa pesquisa. De acordo

com Nóbrega (2008, p. 141):

Uma maneira de compreender a percepção é oferecida pela Gestalt. Segundo essa teoria, a percepção é compreendida através da noção de campo, não existindo sensações elementares, nem objetos isolados. Dessa forma, a percepção não é o conhecimento exaustivo e total do objeto, mas uma interpretação sempre provisória e incompleta.

Nesse entrelaçamento, a Gestalt implica a relação de um corpo

perceptivo com um mundo sensível, através da noção de campo, sendo um

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conjunto com várias significações. A Gestalt é a transcendência das partes,

desse modo, é pensar na ordem que se estabelece espontaneamente pela

interação dos elementos presentes, sem destino preestabelecido.

Dessa maneira, entender o que é percepção faz parte da nossa

discussão no sentido de conhecer essa noção sensível. Segundo Nóbrega

(2008, p. 142): “A sensação não é nem um estado ou qualidade, nem a

consciência de um estado ou de uma qualidade, como definiu o empirismo e o

intelectualismo. As sensações são compreendidas em movimento”.

Considerar que as sensações são compreendidas em movimento, é

considerar que a percepção está relacionada à atitude corpórea. Ao considerar

essa compreensão pensando na fenomenologia, é considerar que a percepção

se faz pelo corpo, pensando nas diversas maneiras que olhamos para o mundo.

De acordo com Nóbrega (2008, p. 142) “a percepção não é uma representação

mentalista, mas um acontecimento da corporeidade e, como tal, da existência”.

Esse conceito de percepção contribui com o nosso trabalho no sentido

de romper com a noção de corpo-objeto, partes extrapartes e as noções

clássicas de um corpo máquina levantadas no filme Tempos Modernos (1936), e

com isso ampliar as nossas reflexões a respeito da teoria da percepção. Essa

compreensão também é evidenciada quando pensamos na percepção ao referir-

se à subjetividade e à historicidade, sobre isso Nóbrega (2008, p. 142) cita

Merleau-Ponty (1945/1999):

A teoria da percepção em Merleau-Ponty também se refere ao campo da subjetividade e da historicidade, ao mundo dos objetos culturais, das relações sociais, do diálogo, das tensões, das contradições e do amor como amálgama das experiências afetivas. Sob o sujeito encarnado, correlacionamos o corpo, o tempo, o outro, a afetividade, o mundo da cultura e das relações sociais.

Desse modo, destacamos a busca desenfreada para entender o

conceito de percepção, no filme Tempos Modernos (1936), e assim

compreender a percepção no sentindo de entender e relacionar ao corpo em

movimento, conforme o pensamento de Nóbrega (2008, p. 142), “a percepção

remete às incertezas, ao indeterminado, delineando assim o processo de

comunicação entre o dado e o evocado. A fé perceptiva é uma adesão ao

mundo, à realidade tal como vemos”.

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A obra de Chaplin está situada num campo com inúmeros aspectos a se

pensar na Educação Física, por exemplo, aspectos relacionados ao corpo, ao

movimento, e o nosso desejo é ampliar a compreensão de percepção pensando

na fenomenologia, pensando no mundo vivido, o mundo dos sentidos. Diante

disso, a fenomenologia nos proporciona a compreensão do corpo sensível, um

corpo que está sempre construindo e desconstruindo, pensando nas

experiências, nos paradoxos, nos afetos, na subjetividade, o corpo tem o poder

de atribuir significados.

Dando continuidade a nossa escrita, a primeira cena que o cineasta

mostra no filme Tempos Modernos (1936), num plano fixo, é um grande relógio

em algarismo romano, mostrando as horas, os minutos e os segundos. O

cineasta dá close-up na cena, ou seja, uma aproximação da câmera.

Logo, a cena é invadida por um rebanho de ovelhas brancas vindo em

direção ao espectador, como se elas quisessem sair da cena e o espectador

entrar nela. Percebemos que no meio dessas ovelhas brancas aparece uma

única ovelha preta, e assim destacamos a ovelha preta na cena 2 para ficar mais

visível a cena. Julgamos essa ovelha como a representação do próprio Carlito,

por ser diferente e não se acostumar com aquilo que é imposto pela sociedade.

Refletimos: o cinema, ou seja, o filme leva o espectador a se unir como

convidado a participar da cena, prendendo a nossa atenção. E isso é visto na

cena o “Rebanho de ovelhas”.

Chaplin tem uma maneira sutil de colocar em prática seus pensamentos

usando o personagem Carlito para criar novas expressões, novos gestos e

novas formas de se movimentar diante do espaço cênico. Além disso, ele

também traz diversas críticas na maioria de suas obras e isto é visto ao longo do

filme.

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Imagem 2 – Rebanho de ovelhas

Fonte: Tempos Modernos, 1936.

Logo, a cena anterior é fundida com a cena dos “operários entrando na

fábrica”. Nessa cena, os operários aparecem saindo do metrô, tomando conta da

cidade, caminhando rápido. Enquanto isso, nessa cena, a fumaça da fábrica

sobe, os carros passam de um lado para o outro, e assim temos a sensação de

que apertamos o botão para aumentar a velocidade de tudo e de todos. Vejamos

a imagem abaixo:

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Imagem 3 – Operários entrando na fábrica

Fonte: Tempos Modernos, 1936.

A imagem dos operários entrando na fábrica nos mostra o corpo

compelido a uma sociedade, um corpo cujo andar pode ser comparado a robôs;

sendo manipulados e se movimentando na mesma sintonia, movimentando-se

para entrar em seu ambiente de trabalho, levando o corpo à exaustão, ou seja,

esse corpo-máquina desprovido de sensibilidade pode ser visto até os dias de

hoje.

Tal temática nos leva a pensar na disciplina do corpo, na domesticação,

no adestramento e no poder diante da sociedade, bem como suas

características de disciplinar e corrigir o corpo, pois compreendemos que no

filme Tempos Modernos (1936) as relações sociais são constituídas por relações

de poder. Diante disso, trazemos Michel Foucault para dialogar essa relação de

poder diante da sociedade, segundo ele, “o poder não é um objeto natural, uma

coisa; é uma prática social e, como tal, constituída historicamente” (FOUCAULT,

1979, p. X). Discutir a questão do poder em Foucault é trazer uma ideia de

poder numa sociedade de dominação.

Resgatar o estudo das formas históricas de poder analisadas por

Foucault é pensar na disciplina de acordo com o seu pensamento partindo das

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práticas sociais, bem como a punição, a domesticação e o adestramento. Nesse

pensamento, a característica de disciplinar e corrigir era importante para o bom

funcionamento da sociedade, e é isso que vimos no decorrer de algumas cenas

do filme Tempos Modernos (1936), um serviço de mecanismo para moldar o

comportamento do indivíduo, seja num espaço fechado ou aberto. Segundo

Foucault (1979, p. XVIII) afirma:

Situemos, então, suas características básicas. Em primeiro lugar, a disciplina é um tipo de organização do espaço. É uma técnica de distribuição dos indivíduos através da inserção dos corpos em um espaço individualizado, classificatório, combinatório. Isola em espaço fechado, esquadrinhado, hierarquizado, capaz de desempenhar funções diferentes segundo o objetivo específico que dele se exige. Mas, como as relações de poder disciplinar não necessitam necessariamente de espaço fechado para se realizar, é essa característica menos importante. Em segundo lugar, e mais fundamentalmente, a disciplina é um controle do tempo. Isto é, ela estabelece uma sujeição do corpo ao tempo, com o objetivo de produzir o máximo de rapidez e o máximo de eficácia. Neste sentido, não é basicamente o resultado de uma ação que lhe interessa, mas seu desenvolvimento. E esse controle minucioso das operações do corpo ela o realiza através da elaboração temporal do ato, da correlação de um gesto específico com corpo que o produz e, finalmente, através da articulação do corpo com o objeto a ser manipulado.

Ao interpretar a citação de Foucault (1979), percebemos que a disciplina

faz parte da organização espacial, pois na cena dos “operários entrando na

fábrica”, observamos essa noção disciplinar que todos devem ter, tanto entrando

na fábrica quanto em seu espaço de trabalho, e isso é visto quando Chaplin está

apertando parafusos, ele se mantém no seu espaço, bem como os outros

operários. Além disso, os espaços vistos na fábrica foram construídos de modo

que se pudesse vigiar e controlar os indivíduos.

A cena dos “operários entrando na fábrica” remete-nos a uma sociedade

capitalista em sua primeira fase, com o objetivo apenas de reproduzir, sem se

preocupar com o corpo, o espaço e o tempo que gastam quando estão em seu

horário de serviço, vivendo apenas para trabalhar e servir. Todos entram na

fábrica e deparam com máquinas enormes, cada operário caminha em direção a

sua máquina, de acordo com a função, e assim começa mais um dia de trabalho

árduo e cansativo.

Por outro lado, em busca de um olhar fenomenológico para pensar o

corpo, ressaltamos não só o pensamento disciplinar e o ato de controlar e de

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punir o corpo, mas pensamos num corpo uno, um corpo em que tudo está

interligado, formando um sistema, cujas partes não se apresentam como órgãos

isolados e responsáveis por funções. Se nosso corpo está no mundo em uma

junção de suas partes, desde que seja é espacial e temporal, não devemos

considerar o corpo simplesmente como um objeto, devemos pensar no poder

que o corpo tem de criar e recriar, portanto, há uma intencionalidade no gesto.

Essa expressividade pode ser trabalhada na Educação Física para ultrapassar o

pensamento biológico e anatômico, deixando espaço para o corpo se expressar

de forma renovadora, pois o corpo passa a se movimentar de forma expressiva

com inúmeras linguagens corporais a fim de contribuir com os movimentos

intencionais de forma sensível.

No entusiasmo da dissertação, continuamos na discussão, pensando na

constituição histórica a respeito do poder que caracteriza uma época de

dominação em um regime disciplinar por vigilância excessiva. Na cena do

“presidente da fábrica em sua mesa”, percebe-se bem esse controle excessivo

sobre o corpo. Foucault (1979, p. XX) discorre sobre esse adestramento,

envolvendo o corpo e a vigilância:

A ação sobre o corpo, o adestramento do gesto, a regulação do comportamento, a normalização do prazer, a interpretação do discurso, com o objetivo de separar, comparar, distribuir, avaliar, hierarquizar, tudo isso faz com que apareça pela primeira vez na história esta figura singular, individualizada – o homem – como produção do poder. Mas também, e ao mesmo tempo, como objeto de saber. Das técnicas disciplinares, que são técnicas de individualização, nasce um tipo específico de saber: as ciências humanas.

Na cena do “presidente da fábrica”, ele aparece sentado em sua mesa

(Ver imagem 4), montando um quebra-cabeça, sem demonstrar nenhuma

preocupação. Quando cansa de montar o quebra-cabeça, pega o jornal que está

do seu lado esquerdo, enquanto isso sua secretaria aparece e deixa um copo

com água para que ele tome seu remédio. Logo em seguida, ele liga o monitor

para vigiar todos trabalhando, o objetivo é controlar todos os movimentos

corporais dos funcionários da fábrica.

No monitor, o presidente vê cada espaço da fábrica e os operários

trabalhando sem parar. Não contente com o andamento do trabalho, ele chama

um dos seus ajudantes e pede para aumentar a velocidade da produção.

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Aumentada a velocidade da máquina, o corpo tem dificuldade de acompanhar de

forma ágil. Assim, percebemos um controle corporal e a exigência que os

operários trabalhem como robôs, aprisionado ao tempo, ao espaço, às regras e

a um processo mecanicista de causa e efeito. Vejamos tal descrição na imagem

abaixo:

Imagem 4 – Presidente da fábrica sentado em sua mesa

Fonte: Tempos Modernos, 1936.

Nesse espaço e tempo, o presidente da fábrica pede para aumentar a

velocidade da máquina e os trabalhadores têm que continuar trabalhando no

mesmo ritmo que a máquina, o corpo tende a trabalhar cada vez mais rápido,

feito soldados em um só tempo e espaço. Para uma melhor compreensão do

adestramento do corpo nesse ambiente de trabalho, trazemos a escrita de

Foucault (1977) no livro Vigiar e punir: nascimento da prisão, quando ele fala

que o poder disciplinar tem como função maior o adestramento. Vejamos:

O poder disciplinar é com efeito um poder que, em vez de se apropriar e de retirar, tem como função maior “adestrar”; ou sem dúvida adestrar para retirar e se apropriar ainda mais e melhor. Ele não amarra as forças para reduzi-las; procura ligá-las para multiplicá-las e utiliza-las num todo (FOUCAULT, 1977, p. 153).

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O exercício de vigiar é visto claramente na cena analisada e a disciplina

do corpo no ambiente de trabalho, ou seja, esse é o problema das grandes

oficinas e das fábricas, só levam em conta a maneira de fazer seu trabalho com

rapidez. Em algumas fábricas existe um sinal sonoro, um toque de uma

campainha sinalizando aos funcionários a hora de entrar e a hora de sair.

Esse olhar disciplinador envolvendo o corpo ainda é visto na Educação

Física, porém essa não é a ideia de corpo que devemos pensar, devemos

ampliar nossos pensamentos no sentido de perceber que esse trabalho corporal,

essas amarras no corpo devem ser libertadas, o corpo deve se expressar.

Portanto, é preciso considerar a intencionalidade do corpo em suas possíveis

relações com o meio, como uma rede de significados. Nessa direção, podemos

assim dizer que o corpo é belo, com possíveis interpretações, sendo assim o

nosso interesse é ampliar o conhecimento pensando no corpo expressivo e na

intenção que o corpo tem ao se movimentar.

É nesse vai e vem das cenas que continuamos nossa reflexão sobre o

corpo mostrado por Chaplin mediante nossos pensamentos fenomenológicos. O

corpo fenomenal é o corpo vivido e o corpo próprio, diante disso, devemos levar

em consideração a própria experiência vivida que revela muito sobre o corpo

como veículo de interação no mundo. O corpo, ao comunicar-se com o mundo,

forma uma unidade de atividades expressivas que diferencia o corpo-objeto do

corpo-sujeito. A partir do corpo é que percebemos o mundo.

Para exemplificar o que seria corpo-objeto, mergulhamos na cena

“Chaplin trabalhando na máquina”. A câmera percorre os operários trabalhando,

Chaplin, em outro ângulo, trabalha com mais dois operários em frente à esteira,

a sua tarefa é apertar parafusos. Para apertá-los ele usa as duas mãos, pois a

esteira se movimenta rapidamente. Enquanto os dois funcionários martelam,

Chaplin aperta os parafusos, mas essa é uma tarefa pesada e ele acaba não

dando conta de fazê-la sozinho.

Assistindo aos filmes de Chaplin, muitas vezes tenho a impressão de

que os corpos se apresentassem em outro tempo, em outro ritmo, como se eu

tivesse aumentado a velocidade da cena e tudo passasse mais rápido, os

gestos, as brincadeiras e as expressões. Nesse sentido, o cineasta nos coloca

dentro da cena para viver o que os personagens estão vivendo, a câmera

balança de um lado para o outro como se eu fosse espectador e também

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cineasta, e, sendo mais pontual, tenho a sensação que por vezes estou

movimentando a câmera e dando a cena cada movimento, mudando o seu

ângulo, mudando de uma cena para outra, e por fim fixando em um único ponto.

Ao perceber esse jogo, às vezes cineasta, às vezes telespectador a

cena provoca reflexões acerca do corpo, são sensações e emoções que

vivemos a cada filme e a cada cena. Com isso continuamos refletindo e

mostrando o diálogo do corpo-objeto na cena de Chaplin trabalhando na

máquina, essa é uma percepção dualista e objetiva do corpo-máquina. Um corpo

que está apenas executando movimentos e com isso a máquina estabelece

quais partes do corpo deve estar em movimento e manipula o tempo em que o

corpo deve executar tal tarefa. Nessa cena percebemos que Chaplin está

aprisionando seus movimentos aos movimentos da máquina e deixando levar

como um objeto. Visando refletir a definição de objeto, Merleau-Ponty (1999, p.

111) afirma:

A definição do objeto, nós o vimos, é a de que ele existe partes extrapartes e que, por conseguinte, só admite entre suas partes ou entre si mesmo e os outros objetos relações exteriores e mecânicas, seja no sentido estrito de um movimento recebido e transmitido, seja no sentido amplo de uma relação de função e variável.

Nesse sentido, a nossa discussão sobre as cenas do filme se prolonga,

vejamos a cena “Chaplin trabalhando na máquina”, ela nos faz pensar sobre o

corpo que mesmo sendo máquina ele percebe e que aquele ambiente

proporciona o corpo ser objeto e não sujeito, o corpo depende do espaço que ele

ocupa.

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Imagem 5 – Chaplin trabalhando na máquina

Fonte: Tempos Modernos, 1936.

Sendo assim, de acordo com o espaço que Chaplin ocupa, o espaço da

fábrica, queremos destacar na cena acima um pensamento mecanicista diante

de um corpo-máquina mostrado por Chaplin, um corpo que é visto muitas vezes

trabalhando de forma dicotômica. Essa é uma compreensão que prevalece em

algumas discussões pensando em nossa sociedade.

Sabemos que o corpo não pode ser trabalhado de forma separada ou

fragmentada, tampouco de forma escrava, como Chaplin mostra no filme

Tempos Modernos (1936). Nesse sentido, a cena acima mostra um corpo

trabalhando igual uma máquina.

Com o propósito de continuar a nossa discussão, chamo a sua atenção

para a cena nomeada “Um corpo descontrolado e desorganizado”, pois julgamos

interessante descrevê-la pensando a imagem corporal como forma de relação do

ser no mundo. Na referida cena, Chaplin não consegue acompanhar a produção

porque, mais uma vez, o presidente pede para aumentar a velocidade, e o corpo

não consegue acompanhar no ritmo esperado. Ao sair da máquina, o corpo se

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descontrola, seus ombros sobem e descem, e a forma de caminhar muda, o seu

corpo se desorganiza, possibilitando movimentos descontrolados jamais vistos.

Imagem 6 – Um corpo descontrolado e desorganizado

Fonte: Tempos Modernos, 1936.

Para tentar romper com essa mecanização, Chaplin percebe como o seu

corpo se apresenta ao sair da máquina. Na cena acima percebemos um corpo

descontrolado, desorganizado, um corpo que realmente parece uma máquina,

capaz de realizar aquele único e exclusivo movimento, Chaplin sai da máquina

apertando as porcas, repetindo o mesmo movimento de quando estava

trabalhando, mas num determinado momento percebe que esses movimentos

repetitivos precisam ser modificados, e esse é o poder que o corpo tem, sempre

renovando seus movimentos, sua postura e sua imagem corporal.

Chaplin deixa de se apresentar de forma mecânica e tende a se

apresentar numa linguagem sensível, o corpo enfim se desprende do movimento

mecanizado e recria no movimento sensível um corpo-sujeito e perceptivo,

capaz de realizar movimentos inesperados de forma que seu corpo seja

percebido de maneira diferente da máquina.

Nesse sentido, a imagem corporal é percebida através do conceito de

percepção, uma vez já visto anteriormente. Portanto, a imagem corporal é a

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maneira como as pessoas se percebem, é pensando nisso que em nossas

reflexões filosóficas percebemos que Chaplin não se vê como uma máquina.

Para ampliar o significado de imagem corporal, trazemos o conceito de

imagem corporal apresentado no Dicionário Crítico de Educação Física (2005):

A imagem corporal é a maneira como as pessoas se percebem e é igualmente importante a maneira como elas pensam que os outros as veem. É significativamente influenciada e moldada pelas circunstâncias da vida, atribuir-se a este entendimento o fato de a imagem corporal ser socialmente determinada pelos valores e padrões de corpo que a sociedade preconiza (MELO, 2005, p. 175).

Refletindo sobre a imagem corporal e a maneira como percebo meu

corpo dentro de um contexto social, no pensamento de Shilder (1999, p. 7),

“entende-se por imagem corporal a figuração de nosso corpo formada em nossa

mente; ou seja, o modo pelo qual o corpo se apresenta para nós”. Nesse

sentido, a imagem corporal é a imagem tridimensional que todos têm de si

mesmo, nesse aspecto tridimensional temos os aspectos psicológicos,

sociológicos e fisiológicos.

Além disso, temos diversas experiências da nossa imagem corporal, por

exemplo, as emoções, as ações e percepções, portanto, essas experiências são

inseparáveis da nossa imagem corporal, e são essas experiências corporais que

contribuem para a criação de como nos vemos e como nos comportamos. Essa

imagem corporal começa a se desenvolver desde o nascimento, como ressalta

Scatolin (2012, p. 115):

Primeiramente, é necessário ressaltar que a imagem corporal começa a se formar desde o nascimento e, desde este momento, dois fatores têm participação especial em sua formação: um é a dor e o outro é o controle motor dos membros. A dor ajuda-nos a decidir o que desejamos ter mais de perto do ego e o que desejamos manter o mais afastado possível dele. De outro lado a experiência visual possui papel preponderante na formação da imagem corporal. Esta experiência também é vivenciada através da ação. Ou seja, através de ações e determinações que damos a forma final ao nosso ego corporal. Assim, as impressões visuais influenciam o esquema corporal, já que a imagem corporal pode ser perturbada por mudanças experimentais na visão, mas que se reestrutura, formando uma nova unidade.

Dando continuidade às nossas reflexões, voltamos à cena do “corpo

descontrolado e desorganizado” de Chaplin, pensando na imagem corporal e

nos movimentos engessados, pois esses movimentos se encontram imbricados

no corpo, nos movimentos repetitivos que a cena nos mostra. Contudo, ao longo

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da nossa pesquisa, ainda consideramos que não sabemos muito a respeito do

corpo, sabemos apenas que nos movimentamos.

Nesse sentindo, a imagem corporal é um importante fator, pois é através

dela que chegamos a uma relação com o mundo e com os objetos, e é essa

relação de corpo que estamos tentando entender no nosso trabalho, sabemos

sim, que o conhecimento do nosso corpo depende de nossa própria ação. Para

isso Scatolin (2012, p. 118), mais uma vez, contribui com nossas reflexões ao

trazer Shilder (1935) “imagem corporal pode encolher ou se expandir, pode dar

partes suas para o mundo externo ou se apoderar de partes dele”.

Pensando nos movimentos corporais de Chaplin e na cena citada

anteriormente, percebemos que construímos a imagem corporal através das

nossas experiências adquiridas, através dos movimentos e atitudes, como

também por palavras e atos dirigidos ao nosso corpo, ou seja, a imagem

corporal é como nosso corpo se apresenta para nós.

Ainda sobre a imagem corporal, Shilder (1999, p. 8) afirma: “estamos

sempre construindo um modelo postural de nos mesmos, que se modifica

constantemente”. Assistir à cena de Chaplin saindo da máquina, nos faz pensar

no modelo postural e na mudança de postura do seu corpo como ele se

reinventa em cada movimento. Diante disso, Shilder (1999, p. 8) comenta:

Cada nova postura, ou movimento, é registrada neste esquema plástico, e a atividade cortical cria uma relação com cada novo grupo de sensações evocadas pela postura alterada. O reconhecimento postural imediato acontece tão logo a relação esteja completa.

Nessa perspectiva do filme Tempos Modernos (1936), o corpo é visto

como objeto disciplinado, visando apenas o seu trabalho árduo e repetitivo, um

corpo eficiente e produto de uma sociedade industrial, num determinado

momento o corpo sai da máquina e continua com a mesma postura, postura

essa já guardada na memória.

Para dialogar com a cena do “corpo descontrolado e desorganizado”

apresentado por Chaplin, trazemos a atitude fenomenológica que busca

encontrar na imagem corporal uma linguagem sensível e um gesto intencional

num corpo descontrolado visto no cinema de Chaplin, levando em conta o

vínculo que o corpo tem com a sociedade, com a história e a cultura com outros

corpos. Diante disso, afirma Baecques (2008, p. 482): “é próprio do cinema

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registrar corpos e com eles contar histórias, o que resulta torná-los doentes,

monstruosos e, às vezes simultaneamente, infinitamente amáveis e sedutores”,

O corpo da fenomenologia é o corpo que está aberto a inúmeros

olhares, se pensarmos desde a forma de andar, de olhar, de se expressar e

principalmente, a forma de se vestir. Como exemplo, vejamos a cena que

Chaplin deixa de apertar os parafusos e vai serrar as unhas, como se por um

instante deixasse de fazer parte daquele contexto social, daquele grupo de

pessoas que usam seus corpos com fins lucrativos. A imagem seguinte remete a

essa cena do filme.

Imagem 07 – Chaplin serrando as unhas

Fonte: Tempos Modernos, 1936.

Essa é uma das cenas em que Chaplin mostra um corpo com atitudes

diferentes vista anteriormente. Para dialogar com a imagem acima, trazemos

Caminha (2012, p. 40), reportando-se ao corpo:

Ele não se desloca, exclusivamente, no espaço à mercê das leis mecânicas. Ele busca situar-se intencionalmente na espacialidade em que habita. O corpo humano não vive apenas uma temporalidade

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marcada pelo contínuo presente. Ele experimenta uma temporalidade vivida, que cria horizontes indeterminados ou abertos, possibilitando movimentos possíveis ou virtuais.

Chaplin, mais uma vez, mostra através da percepção corporal que não

vive à mercê das leis mecânicas impostas no espaço em que vive, ele busca

novas maneiras de andar e de se expressar e assim quebrando com as noções

maquinaria de corpo. Chaplin usa seu corpo para se expressar de maneira que

quando se move, ele percebe as coisas, e mais uma vez resgatamos as noções

de percepções para compor o nosso diálogo. Merleau–Ponty (2007, p. 211)

aborda a relação da percepção com a distância:

Quando eu me movo, as coisas percebidas possuem um deslocamento aparente que é inversamente proporcional à sua distância – as mais próximas movem-se mais – A amplitude do deslocamento poder servir de índice à distância.

É por meio do corpo que conseguimos entender que o mundo é

percebido através das relações, das emoções e da imagem corporal, seja a

minha ou a do outro, sempre iremos perceber o que acontece ao nosso redor.

Notas sobre o esquema corporal e o movimento no cinema

Caminhando com as nossas reflexões, iremos interpretar o que seria

esquema corporal, pensando nas noções de corpo, que passam por abordagens

neurológicas, psicológicas e fenomenológicas. Dialogamos agora com o conceito

de esquema corporal apresentado no Dicionário crítico de Educação Física:

Esquema corporal, conceito vinculado à neurologia, tendo-se sua maior referência nos estudos do membro-fantasma. Caracterizado pela ilusão que as pessoas têm de permanência de parte do corpo que foi amputada. Na estruturação do esquema corporal, atribui-se ao sistema nervoso, a partir das experiências motoras e sensórias que vivenciamos desde o nascimento, a responsabilidade de estruturar a diagramação do nosso corpo em áreas específicas do cérebro denominadas de áreas do esquema corporal (MELO, 2005, p. 174).

Para dispor de reflexões acerca do esquema corporal pensando na

psicologia iremos pensar nas análises sobre os distúrbios motores, por exemplo,

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para que o esquema corporal nos faça compreender melhor a aloquiria7, não

basta que cada sensação da mão esquerda venha a se colocar e a se situar

entre as imagens genéricas de todas as partes do corpo. Portanto, é necessário

que a mão esquerda e sua posição estejam implicadas em um sistema global de

corpo. Para tanto, “não basta dizer que meu corpo uma forma, quer dizer, um

fenômeno no qual todo é anterior às partes” (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 145).

Diante de várias reflexões sobre a noção de esquema corporal, Merleau-

Ponty (1999) afirma que tal noção guarda ambiguidades. Para ele a noção de

esquema corporal vai além de uma consciência global das partes do corpo

porque as partes existentes do corpo são integradas. Assim, compreendemos o

que é esquema corporal pensando na filosofia de Merleau-Ponty (1999, p. 147):

“esquema corporal é finalmente uma maneira de exprimir que meu corpo está no

mundo”.

A partir dessa compreensão, tentamos interpretar a noção de esquema

corporal no sentido de entender como meu corpo se comporta no mundo, não

como coisa, nem objeto ou ideia, mas como presença viva em movimento.

Nesse sentido, o corpo humano enquanto corpo e por meio dele, age no mundo,

não se dispõe apenas como sistemas de posições, mas também como sistema

aberto a uma infinidade de posições em outras direções.

Seguindo em nossas reflexões e mergulhando o olhar nas nossas

imagens que descrevemos, mais uma de nossas cenas julgadas importantes em

nosso trabalho. Consideramos relevante a cena “Chaplin é preso à máquina”. É

exatamente nessa cena que o aprisionamento do corpo é visto de forma clara,

sem ao menos permitir que o corpo venha se movimentar. Como aponta

Caminha (2012, p. 24):

O movimento nos permite ir por nós mesmos, como corpo próprio, ao encontro do mundo. Isso não significa que os movimentos de nosso corpo são realizados por uma espécie de corpo-objeto governado por uma consciência desencarnada.

7 Aloquiria estado em que o paciente sente em sua mão direita os estímulos aplicados em sua

mão esquerda, é impossível supor que cada uma das estimulações mude de valor espacial por sua própria conta e que os diferentes pontos da mão pontos da mão esquerda sejam transformados para a direita, já que eles dependem de um órgão total, de uma mão sem partes que foi deslocada de um só golpe (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 143).

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Na cena intitulada Chaplin é preso à máquina ocorrem as seguintes

descrições: ao entrar na sala do diretor da fábrica, um representante traz um

disco, apresentando sua nova invenção, a máquina que alimenta no local de

trabalho, o inventor da máquina o Sr. J. Willacomb Belows. Além de alimentar o

pessoal, a máquina também elimina a pausa do almoço e ultrapassa a

concorrência, aumenta a produção e reduz gastos gerais. Esses são os

“benefícios” que a máquina traz para a empresa, por outro lado, existe o

esquecimento das necessidades do corpo. Vejamos a cena abaixo:

Imagem 8 – Chaplin é preso à máquina

Fonte: Tempos Modernos, 1936.

Essa imagem remete a uma cena que julgamos interessante do filme

Tempos Modernos (1936), ela mostra algumas características da máquina usada

para alimentar o pessoal da fábrica. Ela tem uma belíssima aerodinâmica, ação

silenciosa, graças a um sistema de rolamentos. Possui um prato fundo

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automático com ventilador, não sendo mais necessário esfriar a sopa. Além

disso, ainda tem uma plataforma giratória e um braço automático, suporte para

espiga de milho com dupla ação e transmissão sincronizada, permitindo mudar a

posição com a pressão da língua. Também podemos observar um guardanapo-

carimbo, hidrocomprimido e esterilizado, sua ação previne contra as manchas na

camisa.

Esses são alguns dos acessórios da autoalimentadora Bellows, além de

reforçar que usando essa máquina os funcionários não irão precisar parar de

trabalhar, mais um ato de poder e dominação que perdura sobre o corpo, o

aprisionamento do corpo acontece de forma clara, tirando o poder de se

expressar e a liberdade de viver e de realizar movimentos sem que seja imposto

um padrão.

Chaplin é preso à máquina na altura dos ombros e na cabeça, como

vimos na cena nomeada “Chaplin é preso à máquina”, sem poder se

movimentar. A princípio, a máquina funciona exatamente como foi descrita, a

sopa é levada à boca, o guardanapo é usado de forma esperada, limpando a

boca de Chaplin, um segundo prato é levado até a boca sem o menor erro. De

repente, a espiga de milho é colocada em sua boca e algo sai errado, a máquina

fica sem controle, os representantes não conseguem pará-la, mas eles insistem

em repetir o processo, e essa tentativa é frustrada novamente quando Chaplin

cai no chão e o Patrão da empresa fala: – Não funciona. E não é nada prática.

Conforme as cenas do filme vão se passando, inúmeras inquietações e

questionamentos vão surgindo em minha cabeça, num ato de tentar

compreender em que contexto o corpo está inserido e qual a intenção de

Chaplin em mostrar o corpo sendo testado, manipulado e até mesmo sendo

invadido pela tecnologia num momento simples que é o ato de comer. Nesse

sentido, percebemos que a cena faz parte de um contexto histórico no qual a

disciplina e a obediência sobre o corpo do outro estão presentes na relação do

trabalho. Diante disso Foucault (1977, p. 127) afirma:

O corpo entra numa maquinaria de poder que o esquadrinha, o desarticula e o recompõe. Uma “anatomia política”, que é também igualmente uma “mecânica do poder”, está nascendo; ela define como se pode ter domínio sobre o corpo dos outros, não simplesmente para que façam o que se quer, mas para que operem como se quer, com as técnicas, segundo a rapidez e a eficácia que se determina. A disciplina fabrica assim corpos submissos e exercitados, corpos “dóceis”. A

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disciplina aumenta as forças do corpo (em termos econômicos de utilidade) e diminui essas mesmas (em termos políticos de obediência). Em uma palavra: ela dissocia o poder do corpo; faz dele por um lado uma “aptidão”, uma “capacidade” que ela procura aumentar; e inverte por outro lado a energia, a potência que poderia resultar disso, e faz dela uma relação de sujeição estrita. Se a exploração econômica separa a força e o produto do trabalho, digamos que a coerção disciplinar estabelece no corpo o elo coercitivo entre uma aptidão aumentada e uma dominação acentuada.

Encontramos na citação de Foucault (1977) a descrição e dominação do

corpo nesse contexto histórico encontrado em fábricas. Segundo o autor, o que

se quer do corpo é simplesmente que ele opere com as técnicas, com rapidez,

para que se consiga a eficácia que se determina, essa é a disciplina que se

espera diante do cenário histórico visto nessa cena.

Essas inquietações vêm nos instigando a compreender os movimentos

voluntários de Chaplin e a forma como ele brinca com o corpo. Além disso,

também procuramos entender como o corpo habita o espaço, como ele se

expressa e como ele se vê, um corpo que por mais que viva no meio da

tecnologia, jamais poderá ser comparado a ela. Segundo Caminha (2012, p. 40):

Por meio dos movimentos voluntários, o ser humano cria um modo de vida indeterminado. Um horizonte inesperado nasce de seus movimentos, criando um campo de imprevisibilidade no seu agir. O corpo humano não é apenas localizado no espaço, mas habita o espaço, construindo uma espacialidade em que habita.

Vale aqui, portanto, evidenciar que o corpo ultrapassa as expectativas

mecanicistas envolvidas no filme Tempos Modernos (1936) e da abertura a um

corpo que se move e que é humano, um corpo da experiência vivida, um corpo

que não se acomoda com seus movimentos aprisionados. Esse sim é o sentido

de corpo que queremos evidenciar em nossas reflexões ao longo da nossa

pesquisa.

Portanto, dialogamos com o corpo fenomenológico, o corpo-sujeito, o

corpo que experimenta o outro e o mundo. Para Merleau-Ponty (2004, p. 48):

“Só sentimos que existimos depois de já ter entrado em contato com os outros, e

nossa reflexão é sempre um retorno a nós mesmos que, aliás, deve muito à

nossa frequentação do outro”.

É pensando assim que as nossas reflexões buscam um esclarecimento

de um corpo sensível aberto às experiências com o outro. Segundo Nóbrega

(2010, p. 93), “o corpo e o conhecimento sensível são compreendidos como obra

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de arte, aberta e inacabada, horizontes abertos pela percepção”, obra de arte no

sentindo de criar e recriar seus movimentos.

Ao refletir sobre o corpo, buscamos não reduzi-lo a objeto, como vimos

inúmeras vezes no filme Tempos Modernos (1936). A compreensão que

pretendemos chegar é a compreensão de um corpo sempre em transformação,

criando e recriando seus movimentos e mostrando através de cada movimento

uma presença renovadora de corpo-sujeito, um corpo-poético, e que nos mostra

novas possibilidades de leitura marcada no corpo-sujeito.

Com o passar do tempo, analisamos a cena “Chaplin é visto como

louco”, na qual ele aparece junto a dois trabalhadores executando sua tarefa que

é apertar parafusos. A produção nesse setor tem que aumentar e é preciso

trabalhar cada vez mais rápido. A velocidade chega a aumentar tanto que

Chaplin perde o controle do seu corpo e acaba entrando na máquina, primeiro

entra a cabeça e logo depois todo o corpo. É nesse momento que Chaplin é tido

como louco, ou seja, todos acabam achando que ele enlouqueceu e está sem

controle.

Dentro da máquina, Chaplin é conduzido e fica girando e girando, até

que a máquina para e ele encontra dois parafusos e entende que o seu trabalho

continua. Então, ele aperta os parafusos usando os dois braços, mas é puxado

de volta, fazendo o mesmo sentido que entrou, só que dessa vez seus pés saem

da máquina primeiro. Ele sai da máquina deitado e apertando os parafusos.

Chaplin sai da máquina tão diferente que tudo que vê em sua frente, ele

acha que é para apertar, por exemplo, ele aperta o nariz de um do outro, o seu

corpo baila de um lado para do outro, como se estivesse dançando, sapateando

nas pontas dos pés, como se fosse um balé. O corpo passa por uma

transformação, ao invés daquele movimento que ele estava acostumado a fazer

todos os dias, ele agora pode criar outros movimentos, outras expressões,

outros gestos, mudando assim seu esquema corporal e sua postura.

Nesse sentindo, aquele ambiente de trabalho proporcionava a imagem

de um corpo objeto e ao mesmo tempo o corpo-sujeito, porque entendemos que

não existe separação, o corpo ora é objeto, ora é sujeito, isso vai depender do

ambiente que ele se encontra, o qual influenciará seu esquema corporal.

Analisando essa cena, fico imaginando com que intenção Chaplin a

montou, mostrando assim um corpo ora objeto, ora sujeito, chegando a ter um

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surto e entrando na máquina. Talvez esse surto tenha sido a maneira genial de

se livrar do trabalho escravo, um trabalho que aprisionava o corpo e o esquema

corporal.

É exatamente nessa cena do surto que o corpo é liberto, se expressando

de forma intencional, deixando de lado as amarras carregadas até agora. Então

Chaplin pula e gira, se expressando de forma nunca vista, a singularidade do

movimento e do gesto é percebida no corpo.

No filme em discussão é construído um corpo que por várias vezes é

colocado como objeto, como uma máquina, porém Chaplin sempre ultrapassa

esse pensamento, pois o corpo não realiza um movimento somente por realizar,

ele realiza com sentidos, sensações e expressões, mesmo que o espaço tente

algemar seu movimento, engessando o corpo, deixando-o de tal modo que todos

os seus sentidos sejam suprimidos, jamais o corpo fenomenal será comparado a

uma máquina ou aprisionado. Portanto, a nossa intenção é compreender o

corpo-sujeito através do movimento no filme Tempos Modernos (1936). E para

remeter a descrição da cena analisada, vejamos Chaplin dentro da máquina.

Imagem 9 – Chaplin é visto como louco

Fonte: Tempos Modernos, 1986.

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Chaplin traz um diálogo renovador acerca do movimento como uma

maneira de se expressar no mundo, no espaço, e é através do movimento que

nosso corpo se comunica com o mundo, se comunica com o outro e se

comunica consigo mesmo. Nesse sentido, o nosso corpo vai inventando formas

de se relacionar. Como ressalta Caminha (2012, p. 42):

Pelos movimentos, o corpo vai inventando formas de se relacionar com o mundo. Pelo “eu posso”, podemos falar de uma subjetividade fundada no poder e de se movimentar do corpo, vividos por meio de relações de interações com o meio ambiente. Pelo poder sensório-motor, o corpo experimenta um transbordamento, uma saída de si e um alargamento do mundo. O próprio corpo vai transformando um fazer mecânico em fazer livre.

É pensando no movimento expressivo e na abordagem fenomenológica

que o corpo e o movimento são redes de significados, de sentidos e expressões

a serem exploradas. O corpo enquanto espaço expressivo tem o poder de criar e

recriar seus movimentos, pois o próprio movimento expressivo, aquele

movimento que protege as significações de dentro para fora, faz com que

nossos sentidos sejam colocados diante dele, o corpo transforma os movimentos

mecânicos em movimentos expressivos e com intenção.

Nesse contexto, cabe recorrer ao Dicionário Crítico de Educação Física

(2015), a fim de compreender o conceito de motricidade, segundo o qual o corpo

que se movimenta de forma intencional.

A motricidade humana surge e subsiste como emergência da corporeidade: por ela, o ser humano afirma intencionalidade, em todo o seu movimento, designadamente no movimento em que procura superar e superar-se. A motricidade desponta da corporeidade como sinal de quem está no mundo para alguma coisa, isto é, como sinal de um projeto verdadeiramente humano. E portanto o ser humano é presença, no espaço e no tempo, como o corpo, no corpo, desde o corpo através do corpo (TOJAL, 2005, p. 292).

Estudaremos o conceito de motricidade do filósofo Merleau-Ponty,

especialmente em sua obra Fenomenologia da Percepção (1999), na qual

apresenta a compreensão de que motricidade não é só meu movimento no

mundo, mas meu movimento em direção ao mundo. Segundo Merleau-Ponty

(1999, p. 197), “a motricidade é a esfera primária em que em primeiro lugar se

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engendra o sentido de todas as significações no domínio do espaço

representado”.

Se nosso corpo está no mundo em uma junção de suas partes não

podemos considerá-lo simplesmente um objeto, mas considerar que ele faz

parte de um contexto espacial e temporal. Portanto, o corpo-próprio estudado na

filosofia de Merleau-Ponty se apresenta em diversas situações. Nesse sentido,

“não se deve dizer que nosso corpo está no espaço nem tampouco que ele está

no tempo” (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 194).

Enquanto tenho um corpo e através dele ajo no mundo, para mim o espaço e o tempo não são uma soma de pontos justapostos, nem tampouco uma infinidade de relações das quais minha consciência operaria a síntese e em que ela implicaria meu corpo; não estou no espaço e no tempo, não penso o espaço e o tempo; eu sou no espaço e no tempo, meu corpo aplica-se a eles e os abarca (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 194).

A existência de um é depende da existência do outro, não se pode

pensar no corpo sem pensar no mundo, no espaço, e com isso pensar no

movimento.

É pensando no movimento, no conceito de motricidade, que exploramos

o corpo enquanto sujeito. Na cena “Chaplin é visto como louco”, percebemos o

insucesso de querer transformar o corpo numa máquina, e assim,

compreendemos o corpo-sujeito. Logo, o corpo-sujeito vai se revelando no

movimento. Em outras palavras Caminha (2012, p. 45) afirma:

A motricidade define os horizontes de nossa aptidão para se dirigir ao mundo. O ser humano não somente vê ou toca, mas procura ver e tocar. Em outras palavras, o ato de ver e tocar é se projetar no mundo pelos movimentos do corpo. Só se procura porque se pode ou não realizar uma intenção que se projeta no mundo como ação. O corpo não é um instrumento de condutas subjetivas, mas que se constitui em um eu-corporal.

Aqui, a motricidade não é compreendida como um simples

deslocamento, pelo contrário, o movimento é compreendido como uma maneira

de ir em direção ao mundo, ou seja, uma maneira de se projetar no mundo.

Com isso, analisamos o corpo na cena “Chaplin e o movimento

intencional”, visualizada na Imagem 10, a fim de entender a motricidade

enquanto intencionalidade, e compreender que Chaplin nos faz ter o

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conhecimento que o corpo se constitui como corpo-sujeito. Conforme o

pensamento de Caminha (2012, p. 44):

Um indivíduo se constitui como corpo-sujeito por meio do reconhecimento de um poder fazer que se revela pela tensão entre a realização e a não realização. O poder fazer se descobre pela contraposição de poder não fazer. Esse processo de identificação, construído pelos movimentos do corpo, adquire a expressão de proposições em primeira pessoa.

Em outras palavras, Chaplin tem sua maneira de projetar o corpo no

mundo pela motricidade, pois ele apresenta o corpo-sujeito enraizado na

existência, e com isso não se pode comparar aqui o corpo com um objeto. O

corpo é para Merleau-Ponty, assim como para Charles Chaplin, o sujeito da

percepção, da gestualidade e da intencionalidade, sendo um veículo de

interação com o mundo. O filme perpassa nossas discussões num tom de ironia

e reflexão a respeito do corpo-máquina, mas, por outro lado, percebemos um

olhar sensível pensando no corpo-sujeito da fenomenologia, uma jogada genial

do comediante Charles Chaplin. Apesar de ser antigo, o filme traz um diálogo

absolutamente inovador.

Em seguida, iremos analisar a cena “Chaplin e o movimento intencional”,

ou seja, pensando no conceito seguido pela fenomenologia, entendemos que

intencionalidade do movimento é exatamente a interação do sujeito com o

objeto, com o homem e com o mundo. Segundo Merleau-Ponty (1999, p. 15), a

intencionalidade é a principal descoberta da fenomenologia, portanto, com a

intencionalidade a fenomenologia capta não só o sentido da razão ou do objeto

isoladamente, mas o sentido que aparece na intersecção de minhas vivências

com o mundo.

Ainda de acordo com o pensamento desse filósofo, “o mundo

fenomenológico não é um ser puro, mas o sentido que transparece na

intersecção de minhas experiências, e na intersecção de minhas experiências

com aquelas do outro, pela engrenagem de uma nas outras” (MERLEAU-

PONTY, 1999, p. 18). Com esse conceito, a fenomenologia superou não só a

dicotomia sujeito-objeto, consciência e mundo, mas a dicotomia corpo e espírito,

descobrindo aí relações de reciprocidade. Portanto, é essa concepção que

norteia todo o pensamento de Merleau-Ponty, em especial o corpo.

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E é pensando no corpo como experiência criadora, enquanto

intencionalidade original, que Nóbrega (2010, p. 72) afirma: “a intencionalidade

não é algo intelectual, mas uma experiência da motricidade”.

Imagem 10 – Chaplin e o movimento intencional

Fonte: Tempos Modernos, 1936.

Ao visar o corpo no mundo, percebemos uma projeção de sentidos, pois

essa projeção se dá por meio da intencionalidade dos movimentos de maneira

que o nosso corpo possa se comunicar com o mundo. Em outras palavras o

filosofo Merleau-Ponty (1999, p. 159) afirma:

O fundo do movimento não é uma representação associada ou ligada exteriormente ao próprio movimento, ele é imanente ao movimento, ele o anima e a mantém a cada momento; a iniciação cinética é para o sujeito uma maneira original de referir-se a um objeto, assim como a percepção.

A noção de intencionalidade do corpo designa a maneira como o corpo

se expressa no mundo, como ele vai se comunicar por meio dos gestos, pois o

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corpo não é determinado pelas leis físicas, como se fosse um objeto como

tantos outros objetos. Para Merleau-Ponty (1999, p. 210), o corpo é comparado

a uma obra de arte: “[...] é um nó de significações vivas e não a lei de um certo

número de termos co-variantes”.

Consideramos que é através do movimento que o corpo se expressa e

se comunica, conforme visto na cena anterior, o movimento é concebido de

forma intencional e originária, nesse sentido, o corpo se projeta no mundo com o

objetivo de se comunicar. Portanto, em várias cenas analisadas no filme Tempos

Modernos (1936), o corpo se expressa significativamente em movimentos, tendo

potências que possam criar e recriar no mundo e para o mundo.

Chaplin, à medida que se expressa, se comunica com o meio, revelando

aquilo que é sentido pelo corpo em significações existências no movimento

expressivo. Ele revela um mundo enigmático que é vivenciado pelo corpo dotado

de intencionalidade, portanto, o movimento deixa de ser pensado para ser vivido

através do corpo no mundo.

Entendemos que o filme Tempos Modernos (1936), norteador da nossa

pesquisa, traz o conceito de movimento ligado à filosofia de Merleau-Ponty, o

qual pensa no movimento intencional. Nesse sentido, o próprio movimento do

corpo, aquele movimento que projeta as significações de dentro para fora, faz

com que nossos sentidos sejam colocados diante dele, e por isso usamos a

fenomenologia do filósofo Merleau-Ponty para reaprender a ver o mundo. Sendo

assim, “a verdadeira filosofia é reaprender a ver o mundo, e nesse sentido uma

história narrada pode significar o mundo com tanta „profundidade‟ quanto um

tratado de filosofia” (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 19).

A noção de corpo que aqui adotada, baseada em Merleau-Ponty, é a

noção de corpo próprio, em que o movimento é enraizado no mundo, pensando

na intencionalidade voltada para ação, com o objetivo de ultrapassar as

perspectivas que analisam o corpo como objeto, ou coisa. Merleau-Ponty não

concorda com a conexão direta entre estímulo e resposta, nem com a

concepção de corpo partes extrapartes.

Explicar ou compreender o corpo é tarefa árdua, tendo em vista as

inúmeras significações do corpo, e é por isso que mergulhamos na filosofia de

Merleau-Ponty, pois consegue distorcer um pouco as inúmeras inquietações de

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um corpo, corpo este que está aberto ao mundo, experimentando situações sem

que seja necessário rotulá-lo como objeto.

Manter esse diálogo é buscar um olhar fenomenológico para a Educação

Física e o desdobramento partindo de apreciações conflituosas de um corpo-

objeto e se amarrando em concepções de um corpo sujeito de acordo com a

fenomenologia. Se o nosso corpo está no mundo certamente ele é espacial e

temporal e assim não devemos considerá-lo um objeto simplesmente, não se

pode esquecer que nosso corpo é um emaranhado de expressões, movimentos,

desejos, sentimentos, que nos faz existir no mundo. O nosso corpo não é um

corpo fragmentado que se encontra no espaço, somos possuidores desse corpo.

Certamente, trazer essa discussão para a Educação Física é de extrema

importância, tendo em vista que ainda existe na área uma visão reducionista,

dualista, ou melhor, dizendo, um corpo fragmentado, sendo explicado apenas

por partes. A partir de um diálogo com inúmeros conceitos, nossa ideia não é

mostrar quem está certo ou errado, mas refletir e compreender que o corpo

possui condições próprias com movimentos sensíveis e um arranjo para os

movimentos significativos, pensando no corpo-sujeito da filosofia, e é por isso

que nos debruçamos sobre a Fenomenologia da Percepção (1999) do filósofo

Merleau-Ponty, para entender alguns conceitos relacionados ao corpo.

Diante das discussões sobre o corpo em Merleau-Ponty e as cenas

analisadas no filme Tempos Modernos (1936), percebemos que o filme aborda a

passagem do conceito de corpo-objeto para o corpo-sujeito, a partir da

intencionalidade do corpo e a relação com o meio, enquanto atividade

expressiva. Segundo Merleau-Ponty (1999, p. 15): “Podemos agora chegar à

noção de intencionalidade, frequentemente citada como a descoberta principal

da fenomenologia, enquanto ela só é compreensível pela redução”.

Pelo movimento intencional do corpo, finalizamos o primeiro capítulo

trazendo a cena de Charles Chaplin ao lado de sua companheira Paulette

Golddard, os dois caminham até a câmera, encarando o espectador, até que o

ângulo da câmera muda e os são ficam de costas, se afastando cada vez mais

do espectador, como se fosse uma despedida. Essa é compreensão final do

filme.

A despedida do filme, mas o começo das discussões fenomenológicas,

em busca de compreender o corpo e trilhar novos caminhos ao longo da

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Educação Física pensando na arte do cinema. Nóbrega (1996, p. 7) afirma que

“o sentido de uma imagem depende daquelas que a precedem no filme e sua

sucessão cria uma nova realidade que não é uma simples soma dos elementos

empregados”. Nesse sentido, usamos a arte cinematográfica para dar

movimento e contribuir com nossas reflexões pensando no corpo e nas diversas

relações, por exemplo, relações entre nosso corpo, os objetos e o mundo

percebido.

Imagem 11 – Chaplin se despede das reflexões feitas no filme

Fonte: Tempos Modernos, 1936.

Portanto, o cinema nós da o movimento do corpo, altera a nossa

percepção, nos leva à vertigem, e essa apreciação do movimento da câmera nos

envolve, nos transporta para outros mundos, outras emoções, realidades,

momentos, bons ou rins. É isso que o cinema faz com nossa percepção, e nós,

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espectadores tomamos o cinema como um modo de alargamento do

pensamento para refletir as diversas situações reais ou imaginárias.

Lançar o olhar para cena é entrar na história do filme e viver as emoções

proporcionadas pelo cineasta, sejam emoções ruins ou boas, mas sempre

iremos ter algo a falar sobre determinado filme. Nesse contexto, trazemos para o

diálogo a seguinte reflexão de Viana (2012, p. 66):

O inverso ficcional de um filme é uma expressão da realidade social e, por conseguinte, reproduz no seu interior a luta de classes, e isso se manifesta através das cenas, imagens, diálogos, valores, sentimentos etc. expostos no filme. O filme é uma totalidade no interior de uma totalidade mais ampla que é a sociedade e é esta que lhe produz e determina. O filme possui um conteúdo, que é seu inverso ficcional, que é, ao mesmo tempo, ficção e realidade. É ficção em sua estruturação própria tal estruturação manifesta o social, seja de forma intencional ou intencional. A manifestação das lutas de classes em um filme se realiza no universo ficcional, desde o tipo de trama e quais relações sociais ela implica, passando pela formação dos personagens, suas características, pela sequência das cenas, pelos valores que a ficção expressa, pelos ideologemas que são transmitidos, pelos sentimentos que são repassados, pelas mensagens que veicula.

Tudo isso reforça a afirmativa de que o cinema é a arte de encantar o

espectador com sua trama, com seus personagens, com sua mensagem, é

como se fosse um ritual demonstrado através de imagens, ou seja, numa

sequência de cenas. Sobre isso Baecque (2008, p. 501) afirma: “o cinema é uma

forma na qual e pela qual um artista pode exprimir seu pensamento, por mais

abstrato que seja, ou traduzir suas obsessões exatamente como hoje acontece

com o ensaio ou o romance”.

É nesse encantamento que caminhamos para o terceiro capítulo: O circo

e a expressividade na Educação Física. O circo aqui faz referência ao filme

homônimo de Charles Chaplin. Para exprimir a noção de expressividade, iremos

construir diálogo baseado no conceito de expressividade do corpo circense do

palhaço, no caso de Chaplin.

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Mergulhamos então em um mundo de luz, sons, gestos e risos, a plateia do circo podia romper com os comportamentos civilizados. Aquele espaço delimitado por lonas, o tablado centrado, a claridade constante, fazia da plateia parte do espetáculo; ela era estimulada ao riso, à gritaria, a expor as sensações de suspense, de medo, de alegria.

(SOARES, 2013, p. 61).

O corpo é um assunto bastante discutido, e sob várias perspectivas,

uma dessas formas de discussão enxerga o corpo com um olhar filosófico,

poético, artístico e também sensível. Portanto, é nesse olhar filosófico que

iremos mergulhar em mais uma obra no cineasta Charles Chaplin.

É no movimento corporal que nossa relação corpo e mundo está sendo

formada, essa relação é complexa e difícil, mas exige de nós um entendimento,

uma busca infinita. Sendo assim, “o corpo não é uma matéria central nem

isolada: ele é concebido no movimento que lhe permite encontrar a sua própria

identidade” (LOUPPE, 2012, p. 76).

Pensando no movimento do corpo, iremos analisar as cenas do filme O

Circo (1928), de Charles Chaplin, e mergulhar em um mundo real e imaginário

onde percebemos diversas expressões expostas pelo autor e uma presença

marcando a intencionalidade do movimento em cada cena.

Para nossos fins, analisar o filme O Circo (1928) de Charles Chaplin é

mergulhar nas cenas, interpretar a expressão, o movimento, a mímica e o gesto.

A imagem do corpo é forte e convida o nosso olhar a percorrer o movimento da

cena dando visibilidade à fisionomia, ao gesto e à expressão. Diante disso

Nóbrega (2015, p. 236) afirma: “a fisionomia do gesto dá à cena um modo

performático que substitui o modo narrativo do texto verbal ou do texto escrito”.

Portanto, de acordo com essa reflexão, entende-se que o corpo dialoga através

do personagem usando apenas o gesto.

Inicialmente, é importante fazer uma apresentação da trajetória do filme

e saber que seguimos uma ficha de análise que se encontra nos apêndices

desta dissertação. Essa ficha é composta pelo título original do filme The Circus,

produzido nos Estados Unidos, em 1928, tendo como diretor o próprio Charles

Chaplin.

O filme O Circo (1928) narra a história do vagabundo Carlito (Chaplin),

que acaba indo parar em um circo enquanto fugia da polícia, por ser confundido

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com um ladrão de carteiras. Ele, sem querer, acaba entrando no meio de um

espetáculo e fazendo sucesso com o público, sendo a atração principal. Logo,

Carlito se apaixona pela filha do dono do circo. Este percebe que Carlito atrai a

atenção de todos e acaba o contratando para fazer parte daquele mundo do

circo.

O filme traz significativas contribuições e reflexões para a Educação

Física no sentido de pensar na capacidade que o corpo tem de criar e recriar os

movimentos, portanto, o corpo não apenas executa os movimentos em resposta

às demandas, mas executa movimentos expressivos e sensíveis. Nesse sentido,

é por meio do movimento que o corpo se percebe como corpo-sujeito.

A arte do circo mostra no desequilíbrio do corpo a descoberta dos

movimentos, submetendo-se a movimentos leves e livres e que por vezes

tornam-se cômicos e expressivos. O circo nasce reunindo o que tem de mais

popular, artista de rua, acrobatas, músicas, teatro, dança, entre outras

atividades. Rapidamente ganha o gosto do público, arrancando risos e mais

risos em espetáculos que por vezes se tornam tão variados, o circo também

recebe a influência do teatro, tornando-se uma arte híbrida de grande

dinamismo, e com isso o circo foi se transformando nessa arte popular. Diante

disso. De acordo com Gaber (2009, p. 49):

Na sua concepção moderna, o circo nasce no século XVIII, portador de formas acrobáticas de expressão e de proezas de séculos, ou mesmo de milênios anteriores. Contudo, desde o século XVII, o teatro de feira aliava ao texto e à música de criação o conhecimento dos acrobatas, que teriam preferido deixar as calçadas expostas ao vento para se abrigarem nas barracas de feira e, em seguida, nos grandes teatros de avenidas, por causa do conforto técnico e da comodidade de sua clientela.

Essa arte é capaz de atrair crianças, adultos e idosos. Atualmente, não é

comum usar animais para esses espetáculos, existe a presença do ator, do

objeto e de tudo que ele venha experimentar usando seu corpo de modo

expressivo, visto que muitas vezes são capazes de nos surpreender. O corpo

alcança o ápice de sua expressividade convidando a plateia a embarcar nas

emoções e encantos durante a cena, os movimentos aparentemente impossíveis

provocam admiração da plateia que vibra junto e se emociona, nesse sentido, o

corpo aqui se torna a base da interpretação do gesto, da mímica e da expressão.

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A expressividade corpórea transparece no corpo presente como veículo

para o movimento, além disso, o circo também conta com a presença da mímica

corporal como um processo de comunicação. Segundo Louis (2014, p. 14), “o

mímico utiliza o potencial de seu corpo como um todo, isto é, corpo, voz e

pensamento integrados em sua expressão. Nessas encenações, podemos

encontrar o drama, a tragédia e, também, a comicidade”. Baseado nisso, o corpo

funciona como um fluxo de sensações e expressões corporais.

Fazendo um breve histórico a respeito do surgimento da mímica o gesto

ilustrava o imaginário e as ilusões eram desenhadas no corpo e no espaço. A

mímica se desenvolveu no século XX como forma de arte, e isso se deve ao

francês Etienne Decroux.

Cercado por esta atmosfera, Etienne Decroux nasceu no dia 19 de julho de 1898 e faleceu no dia 12 de março de 1991, após ter dedicado toda a sua vida à construção de uma nova forma de arte: a Mímica Corporal Dramática (LOUIS, 2014, p.37).

Decroux foi se aprimorando nas aulas de máscaras da École du Vieux

Colombier, e assim enxergou o potencial da mímica corporal, e cada vez mais foi

tendo um gosto refinado pela arte de atuar. Sua paixão foi tão grande que ele

atuou no filme Les enfants du Paradis (1945), de Marcel Carné e Jacques

Prevért, um filme que conta a história de quatro homens que possuem a mesma

mulher. Retomando a importância de Decroux para a arte da mímica corporal,

Louis (2014, p. 47) afirma: “A mímica Moderna de Decroux marca o importante

momento da Arte em que acontece o despertar de um corpo expressivo com

uma intensa investigação de seu papel para o ator e para a criação”.

O corpo expressivo de Decroux mergulha nos movimentos da emoção

vista na imagem Apanhar uma flor na mímica, o corpo aqui se movimenta com

significados maiores do que aqueles encontrados na fala. Aqui, através do gesto

expressivo, conseguimos ver um corpo vivo, que sente e se movimenta num

simples gesto de pegar uma flor.

Vejamos um gesto sensível do corpo que se apresenta na imagem

“Apanhar uma flor na mímica”, imagem tirada do livro intitulado A mímica Total:

um inédito e profundo mapeamento desta arte no Brasil e no mundo, de Louis

(2014, p. 53). Aqui o corpo tem um poder de significação muito maior do que a

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palavra, e é através das sensações, desse fluxo, dessas pulsões corporais, que

o corpo se conecta experimentando o movimento do corpo de forma sensível.

Imagem 12 – Apanhar uma flor na mímica

Fonte: Louis (2014, p. 53).

O corpo visto na imagem Apanhar uma flor na mímica remete à citação

de Chaves (2001), retomada na escrita de Louis (2014), na qual percebemos

uma afinidade com os pensamentos de Decroux em relação à mímica.

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Tirem a palavra, o figurino do ator, o palco cênico, o edifício teatral e as coxias, deixem somente o ator e seus movimentos para os quais foi treinado, mesmo assim o teatro continuará: o ator comunicará ao espectador por meio de seus movimentos, dos seus gestos, da sua mímica; o ator pode organizar, sem a ajuda do edifício teatral, o seu teatro como, onde quiser considerar adequado, dispondo da própria habilidade (LOUIS 2014, p. 54 apud CHAVES, 2001, p. 64).

Etienne Decroux foi e continua sendo a maior referência da mímica

corporal para as pesquisas que marcam o gesto, a expressão e o movimento do

corpo. Concordamos que citá-lo em nossa pesquisa se faz importante, pois

Decroux também inspira o conceito de expressão visto em Merleau-Ponty.

Ora, esse movimento do corpo visto na mímica configura a comunicação

do corpo sem a fala, usando apenas os gestos e a intenção. Nesse sentido,

compreendemos que a comunicação e a compreensão do movimento se fazem

pela reciprocidade entre minhas intenções e as intenções do outro. Essa

interação com o mundo é para percebemos que o corpo é visto por diferentes

ângulos. Nesse sentido, o corpo tem uma interação mútua com o mundo. “Isso

quer dizer que meu corpo é feito da mesma carne que o mundo (é um

percebido), e que para mais essa carne de meu corpo é participada pelo mundo,

ela a reflete, ambos se imbricam mutuamente” (MERLEAU-PONTY, 2007, p.

225).

Ao assistir ao filme O Circo (1928), a impressão que temos é que os

corpos se movimentam num ritmo acelerado, por exemplo, nas palmas, risos e

expressões, percebemos que a câmera percorre todo o espaço cênico de forma

dinâmica.

É nesse processo contínuo que descrevemos a cena O teste, retratada

na “imagem 13”. O dono do circo oferece um trabalho para Chaplin e marca um

encontro com ele pela manhã, para saber como vai reagir a alguns números que

já existem feitos por palhaços do próprio circo. No momento, a observação é

voltada para Chaplin, para ver como vai se comportar e como vai se expressar,

além disso, uma postura engraçada é exigida nesse momento. Enfim, Chaplin é

direcionado para o teste. Nesse momento ele se encontra numa situação

constrangedora, sendo forçado a ser engraçado, ele tenta andar de diversas

maneiras, agachado, de pernas abertas, variando a sua postura, mas não

consegue seguir aquele padrão de movimento.

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Em um número engraçado, os palhaços tentam mostrar como Chaplin

deve fazer para imitar todos os movimentos, gestos e expressões impostos

naquele momento. Chaplin caminha em direção ao palhaço que está segurando

um arco e uma flecha, o dono do circo então pede para que o número prossiga e

o palhaço começa a explicar a Chaplin que ele deve pegar a maçã colocá-la em

cima da sua cabeça. Com a explicação do palhaço, Chaplin se afasta e ao virar

de costas, tropeça no limite do cenário, mas imediatamente ele se levanta e fica

na posição esperada. É nessa hora que o palhaço vai até ele, mostra a maçã e a

coloca em cima da cabeça dele. Ao tomar distância, o palhaço prepara o arco e

a flecha, olha para Chaplin, que deveria ter mordido a maçã, mas não o fez.

Novamente o palhaço, através de gestos, demonstra que a maçã deve

ser mordida, então Chaplin faz um gesto de riso e começa a morder a maça até

que encontra algo e acaba cuspindo. Percebemos uma insistência para que o

número saia de acordo com o esperado, o número prossegue e então o palhaço

oferece outra maçã e Chaplin a recusa, tirando de dentro do seu bolso uma

banana. Então, ele pega a banana, descasca e morde a metade e a outra

metade coloca em cima da sua cabeça. De fato, percebe-se que o cômico da

cena está na repetição e nos “erros” do ator diante do comportamento esperado.

O dono do circo fica furioso e, sem paciência, chama-o mais uma vez e

prepara outro número, sempre tentando fazer com que Chaplin imite todos os

gestos, todos os movimentos esperados, mas ele sempre cria, sempre inova,

pegando aquele movimento mecânico e transformando em outro movimento

cheio de sentido, dando ao corpo uma nova oportunidade de criar sua própria

expressão, seu próprio modo de reagir e transformando o gesto no movimento

singular.

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Imagem 13 – O teste

Fonte: O circo, 1928.

Na cena, aqui denominada “Corpo e espaço”, representada na imagem

13, Chaplin é substituído pelo equilibrista, que não aparece para fazer o seu

número na corda. O dono do circo sugere que Chaplin faça o número, a princípio

ele recusa a proposta, mas não tem outra saída e acaba aceitando.

Essa cena possibilita imaginar a noção de corpo e espaço. Portanto, ela

nos aponta mudanças de espaço (direita, esquerda, frente e trás). Essas

mudanças ocorrem durante a ação corporal, exigindo um esforço que se

manifesta através de fatores, como o esquema corporal, percepção, consciência

corporal, postura ereta, respiração e flexibilidade. Nesse sentido, esses fatores

vão comportar elementos expressivos exigidos na prática circense.

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Ao aceitar fazer o número, ele procura a roupa do equilibrista, com a

ajuda do palhaço, e bagunça todas as roupas. Abre um baú e, de dentro dele,

para o espanto de todos, sai um monte de macacos. Nessa hora, a cena é

tomada por expressões de espanto. Até que eles acham as roupas e o momento

de troca começa. Chaplin troca aquela roupa velha que costuma usar pela roupa

do equilibrista: uma blusa branca com uma calça preta e uma cartola comprida

diferente da que ele usa. E, para completar seu figurino, usa uma capa

comprida.

Antes de entrar em cena, Chaplin pede ao ajudante que o amarre pela

cintura para que ele consiga realizar o número sem nenhum acidente, pois se

trata de um número bastante difícil e nunca feito por ele. Preso pela cintura,

Chaplin dá instrução ao ajudante, explicando a hora que deve puxar e a hora

que deve soltá-la, facilitando seus movimentos.

Expressando poder, por está no lugar do equilibrista, ele entra no

picadeiro8, tira sua capa, entrega ao seu ajudante e a plateia o aplaude. No

canto esquerdo da cena existe uma corda com o suporte, e é por ela que

Chaplin consegue subir até o alto, encontrando uma segunda corda na sua

horizontal. Ao analisar a cena, percebemos dois macacos, e um deles atira uma

fruta dentro do chapéu de Chaplin, ele imediatamente lança a fruta para baixo e

cai bem no rosto de um homem, que fica furioso, mas Chaplin apenas o

cumprimenta e segue seu número.

Mais à frente, Chaplin dá o primeiro passo na corda e percorre até o

meio, abrindo os braços para se equilibrar melhor. Sem que ninguém esperasse,

ele fica de cabeça para baixo, andando para frente e para trás. Em outro ângulo,

o ajudante continua segurando a corda que está servindo para segurar.

Além disso, é perceptível a euforia da plateia ao observar que Chaplin

conseguiu realizar os movimentos e por ter brincado na corda usando o corpo

todo para acompanhar o ritmo exigido.

8 De acordo com o minidicionário da língua portuguesa, picadeiro significa “lugar onde se

adestram cavalos ouse fazem exercícios de equitação; recinto circular dos circos para espetáculos de variedades” (AMORA, 1999, p. 542).

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Imagem 14 – Corpo e espaço

Fonte: O circo, 1928.

Descrever esse cenário é perceber que o corpo se movimenta

experimentando o espaço, o equilíbrio e o desequilíbrio, e também deformando

os gestos codificados uma vez ensinados. Sendo assim, me reporto aos estudos

espaciais de Laban (1978) que descreve dois espaços, o espaço pessoal, ou

cnesfera e o espaço geral. O espaço pessoal, na verdade, são os movimentos

de braços e pernas em extensão máxima que define o espaço pessoal de nosso

corpo sem que altere a posição. Dessa forma, entendemos como espaço geral o

que está além e ao redor da esfera, podendo ser modificado quando o corpo

ocupa outras posições.

O alcance normal de nossos membros quando se esticam ao máximo para longe de nosso corpo, sem que se altere a posição, determina os limites naturais do espaço pessoal ou cnesfera, no seio da qual nos movimentamos. Esta cnesfera se mantém constante em relação ao corpo, mesmo quando nos movemos para longe da posição original, viajando com o corpo no espaço geral (LABAN, 1978, p. 69).

Para Chaplin se movimentar no espaço, percebemos mudanças de

gestos e posturas para facilitar a organização espacial do corpo diante do

espaço em que se encontra.

Outra cena interessante no filme é quando Chaplin é confundido com o

ladrão de carteira que cercava suas vítimas para depois roubá-las. Em um

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desses furtos, o ladrão coloca a carteira roubada no bolso de Chaplin, para que

o dono não perceba quem a roubou. Sem perceber que estava com a carteira

roubada em seu bolso, Chaplin sai andando normalmente. O ladrão vai atrás

dele para recuperar o que roubou. Chaplin sai caminhando em busca de comida,

pois ele se encontra com muita fome e ao encontrar uma criança de colo que

acaba de ganhar uma comida, e sem pensar, Chaplin come a comida dela, com

tanta rapidez que ninguém percebe se quem comeu foi ele ou a criança.

Nesta cena ouvimos apenas uns ruídos, barulho de suspense, de

impacto, e um som que nos remete a uma valsa, além de outro barulho que

lembra o soar do sino. A cena continua apresentando Chaplin fugindo dos

policiais e entrando no meio de uma multidão onde estavam todos contemplando

um espetáculo de rua, na cena é visto um navio e vários bonecos sentados nas

janelas se balançando para trás e para frente. Logo, Chaplin entra no navio e

depara com uma sala cheia de espelhos, e para dar visibilidade a nossa

descrição chamo a sua atenção para a cena Chaplin e a sala de espelho, ao

entrar na sala, ele fica confuso, perdendo a noção de espaço, são tantos

espelhos e vários Chaplin que seria impossível contar quantos estavam naquela

cena.

Inspirada na alegria de vivenciar a arte cinematográfica, transporto-me

para a cena Chaplin e a sala de espelho que é visualizada na “imagem 15”, com

as laterais escuras. A sensação que eu tive ao ver essa cena foi a mesma

sensação de estar em uma sala de cinema sentada na poltrona apenas

observando o movimento da câmera ao percorrer cada movimento corporal,

cada olhar e cada gesto, deixo claro que essa experiência, essa contemplação,

foi vivida no meu quarto, onde nada mais me prendia a não ser o trajeto que a

câmera faz para captar as expressões, os gestos, o som e a iluminação, essa

experiência cinematográfica corresponde também a minha experiência

perceptiva que alarga nas imagens fílmicas.

Mas, voltando à descrição da cena, Chaplin se confunde a ponto de ficar

sem saber onde é a saída, perdendo a noção de espaço, e por isso percebemos

um corpo confuso. A cada mudança de direção ele se atrapalha, aquele espaço

veio para confundir não só as percepções de Chaplin, mas também as nossas.

O ladrão encontra a sala de espelhos e também entra nela. Daí em diante, são

dois corpos ocupando o mesmo espaço e o mesmo ritmo, um se depara com o

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outro, até que então Chaplin consegue sair da sala e ao sair finge que faz parte

daquele ambiente, Chaplin chega a ser confundido com a cena do lado de fora

do navio.

Imagem 15 – Chaplin e a sala de espelho

Fonte: O circo, 1928.

A intencionalidade do movimento nessa cena é tomada pelo corpo,

compondo não só um corpo, mas dois corpos expressivos e perceptivos, o foco

da câmera se encontra enquadrado naquele momento, mostrando o

entrelaçamento expressivo em diferentes ângulos e as transformações corporais

diante do espaço. O espaço aqui não está aliado à noção apenas abstrata, mas

ao espaço pessoal ocupado pelo corpo que nos faz perceber não só a mim, mas

também o outro corpo visto em constantes transformações. Diante disso, esses

movimentos nos permitem pensar na importância do corpo e como ele se

apresenta no espaço. Sobre isso Stokoe (1978, p. 27) discorre:

Não abordamos o espaço como uma simples noção abstrata, mas o concretizamos em vários aspectos. Em primeiro lugar, o espaço

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pessoal, que é aquele ocupado pelo nosso corpo e, além disso, seus espaços internos. Em segundo lugar, temos o espaço parcial construído pelo imediato que circula nosso corpo. Depois vem o espaço total, que é o espaço abarcado pelo descobrimento do nosso corpo. Podemos ainda agregar um quarto aspecto, que é o espaço social, aquele que compartilhamos com os demais.

É no movimento que o corpo experimenta as mudanças de direções

explorando o espaço e compartilhando dele com a plateia e com o outro, além

das formas de expressões que lhe são próprias em cada cena.

É no molejo corporal que analisamos a cena Chaplin andando na corda.

Para subir na corda, o corpo precisa se adaptar ao tempo e ao ritmo para entrar

na mesma sintonia. Para abordar a questão do tempo-ritmo, trazemos a seguinte

afirmação de Laban (1978, p. 74):

Os tempos-ritmos são independentes do tempo de toda a sequência de movimentos. O mesmo ritmo pode ser executado em tempos diferentes, sem alterar a duração proporcional de cada unidade de tempo.

Na cena Chaplin andando na corda, Chaplin vai até o picadeiro onde

está sozinho, sem ninguém por perto para poder olhar o que ele vai fazer. Ao

chegar, ele encontra a corda armada para o treinamento do equilibrista, ele

caminha até a corda, segura com as duas mãos, se abaixa e deixa o seu olhar

analisar a altura da corda verificando se está bem amarrada. Então, ele caminha

em direção à câmera cumprimenta e volta de costa para a corda.

Chaplin então começa a tentar subir na corda, mas ao fazê-lo acaba

caindo no chão com a barriga para cima. Ele se vira e tenta levantar, mas toda

vez que ele tenta, acaba batendo com as costas na corda e a assim não

consegue ficar de pé. A única solução que encontrou foi sair rastejando debaixo

da corda.

Ao tentar, mais uma vez subir na corda, Chaplin consegue se posicionar

de forma que o seu corpo contribua com a estabilidade, controlando o

movimento desde a cabeça até os pés. No entanto, percebemos a dificuldade

que ele tem de caminhar e de se equilibrar, esse número não é nada fácil, pois

exige do corpo uma adaptação, exige uma consciência corporal maior do que se

ele estivesse apenas andando no chão sem precisar se equilibrar.

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Ali a corda balança de um lado para o outro, impedindo o contato com a

superfície do chão, exigindo que seus braços sejam abertos, aumentando a

amplitude corporal.

Para entender melhor a descrição da cena, e termos uma compreensão

melhor do cenário, visualizamos Chaplin na “imagem 16”.

Imagem 16 – Chaplin andando na corda

Fonte: O circo, 1928.

Nesse jogo corporal, nesse tempo ritmado Chaplin se movimenta

usando o esquema corporal para ampliar suas percepções e ter a noção de

tempo e espaço, as alterações corporais são percebidas no espaço em torno

dos objetos. Podendo se movimentar de acordo com o ritmo, lento ou rápido, o

corpo age como uma orquestra se movimentando por completo e não isolando

as partes, pois o corpo aqui é compreendido de forma completa. Segundo Laban

(1978, p. 67): “O corpo é nosso instrumento de expressão por via do movimento.

O corpo age como uma orquestra, na qual cada seção está relacionada com

qualquer uma das outras e é parte do todo”.

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Em nossa opinião, o filme é rico em conceitos para pensar nos

movimentos intencionais e nas expressões vistas em cada cena analisada. Além

do mais, esta discussão pode trazer contribuições para a área da Educação

Física.

Trilhando caminhos na escrita tendo em vista o envolvimento de

interpretar a expressão corporal vista no filme O Circo (1928) de Charles

Chaplin, trazemos algumas imagens de Carmem Lúcia Soares para dialogar

com as cenas dos filmes o sentido de interpretar as expressões corporais

visualizadas em cada corpo que transita no circo. A descrição desses corpos é

relevante para alagarmos as nossas percepções no que nos concerne ao corpo

e às possíveis transformações reveladas no gesto.

Seguimos para a descrição desses corpos expressivos vistos na arte do

circo. E, para o nosso diálogo trazemos a imagem Giandomênico Tiepolo,

Polichinelo e saltimbancos9, uma pintura vista no livro Imagens da Educação no

Corpo: estudo a partir da ginástica francesa no século XIX, de Carmem Lúcia

Soares (2013), que apresenta o corpo vivido pelas condições expressivas no

circo, um corpo leve, ágil, livre, contorcido, um corpo marcado pelo ritmo e uma

postura peculiar.

Saber relacionar o corpo visto na imagem Giandomênico Tiepolo,

Polichinelo e saltibancos com o corpo visto na descrição das cenas do filme O

Circo (1928), é entender que esses corpos desviam dos padrões de uma

normalidade vista no dia a dia. Por exemplo, equilibristas, palhaços, bailarinas,

contorcionistas, anões, são corpos que se apresentam cheios de alegria, cheios

de vida, de liberdade, e resistentes às regras e normas impostas pela sociedade.

Era assim que Chaplin conseguia se superar no meio de tantos outros atores,

pois não seguia um padrão de movimento, ele tentava se superar libertando o

seu movimento.

9 SOARES, Carmem Lúcia. Imagens da educação no corpo: estudo a partir da ginástica francesa no século XIX. 4. ed. Campinas, SP: Autores associados, 2013. (Coleção Educação contemporânea). A imagem se encontra colorida à página 2.

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Imagem 17– Giandomênico Tiepolo, Polichinelo e saltibancos

Fonte: Soares (2013, p.2).

Percebemos, nessa conjuntura, o caminho expressivo, que o corpo vai

se configurando diante das sensações expressas no gesto. E para dialogar com

o corpo que se movimenta, de forma intencional, trazemos uma reflexão da

própria Carmem Lúcia Soares (2013, p. 29):

Invertiam a ordem das coisas. Andavam com as mãos, lançavam-se ao espaço, contorciam-se e encaixavam-se em potes, em cestos, imitavam bichos, vozes, produziam sons com as mais diferentes partes do corpo, cuspiam fogo, vertiam líquidos inesperados, gargalhavam, viviam em grupo. Opunham-se assim aos novos cânones do corpo

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acabado, perfeito, fechado, limpo e isolado que a ciência construíra, da vida fixa e disciplinada que a nova ordem exigia.

Destaca-se, sobretudo, que se inverter a ordem das coisas e andar

apenas com as mãos, o movimento se torna um movimento intencional cuja

potência não é só de mover, mas sim perceber e transmitir sentidos ao

movimento, isso sim é expressar a experiência muda e silenciosa do corpo-

sujeito, visto ao longo do nosso trabalho. Segundo Merleau-Ponty (1999, p. 229),

“é dessa maneira que o corpo exprime a existência total, não que ele seja seu

acompanhamento exterior, mas porque a existência se realiza nele”. É dessa

maneira que o corpo tem a necessidade de se expressar pelo gesto, exprimindo

uma existência total.

Diante das codificações gestuais impostas pela Educação Física, pensar

no corpo traz inúmeras inquietações, afirmações e dúvidas, tal entendimento nos

leva a valorizar e resgatar a expressão corporal como caráter primordial das

relações comunicativas. Por exemplo, quando o corpo se equilibra apenas com

uma perna, tal gesto constitui manifestações expressivas de forma a trilhar

novos caminhos gestuais, sem se preocupar com a mecânica do movimento.

Conforme a nossa escrita vai se delineando, iremos pela segunda vez

usar como referência o livro da interlocutora Carmem Lúcia Soares (2013)

intitulado Imagens da Educação no Corpo: estudos a partir da ginástica francesa

no século XIX e que apresenta uma pintura fantástica denominada como

Georges Seurat, O circo, pintado em 189110, o corpo nessa imagem exibe uma

expressão singular, despertando o movimento e, sobretudo, a liberdade.

Na pintura intitulada Georges Seurat, percebemos pessoas assistindo ao

espetáculo e ao mesmo tempo uma bailarina demonstrando equilíbrio, enquanto

o acrobata vibra com movimentos de saltos e o palhaço observa tudo que está

acontecendo ao seu redor, expressando seu sentimento de alegria.

10

SOARES, Carmem Lúcia. Imagens da educação no corpo: estudo a partir da ginástica francesa no século XIX. 4. ed. Campinas: Autores Associados, 2013 (Coleção Educação contemporânea). A imagem se encontra colorida e à página 3.

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Imagem 18 – Georges Seurat, O circo, pintado em 1891

Fonte: Soares (2013).

Diante de cada corpo visto na imagem de Soares (2013), a expressão

corporal é própria do corpo e da cultura que a cerca, por exemplo, na cultura do

circo percebemos expressões singulares. Todavia, para a Educação Física, fica

o papel não de corrigir o movimento, mas o trabalho deve ir mais além de treinar

habilidades técnicas. A importância que damos à expressão corporal é

demonstrada no seguinte discurso de Stokoe (1987, p. 20), ao afirmar que:

A importância que damos à expressão está baseada na seguinte idéia: quanto mais meios de expressão o ser humano puder desenvolver, tanto maior será sua riqueza existencial. O indivíduo que só pode expressar sua vida interior através de uma única via (seja esta escrever, pintar, falar etc.), não realiza todas as suas potencialidades.

Nesse sentido, a expressão corporal se propõe a abrir caminhos para

um mundo imaginário, cheio de representações, situações que levam o corpo a

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criar. Para Brikman (1989, p. 71): “A expressão corporal exige que não se caia

na automutilação; a criatividade é inerente a essência”. Buscar compreender a

expressão corporal é assumir que ela pode ser constituída por gestos não

codificados, por exemplo, na arte do circo a expressão é constituída por gestos

espontâneos, originais, desse modo, mantendo a singularidade corporal em

cada movimento.

Diante disso Maleval (2009, p. 79), em sua obra O objeto: o nó górdio,

afirma que “podemos concordar que toda prática de circo coloca em presença

um corpo, o do artista, e um objeto ou um conjunto de objetos”. O corpo se

relaciona com os objetos, com a cena e com o público, por exemplo, o trabalho

cênico dos malabaristas que exibem posições e movimentos difíceis e

extravagantes com as mãos e até com a boca. Vejamos na Imagem 14, uma

obra de Edgar Degas, Mademoiselle Lala no Circo Fernando 187911, a qual está

no livro Imagens da Educação no corpo, Carmen Lúcia Soares.

Imagem 19 – Edgar Degas, Mademoiselle Lala no Circo Fernando, 1879

Fonte: Soares (2013).

11

SOARES, Carmem Lúcia. Imagens da educação no corpo: estudo a partir da ginástica francesa no século XIX. 4. ed. Campinas: Autores Associados, 2013. (Coleção educação contemporânea). A imagem se encontra colorida na página 7.

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No circo, tudo remete ao corpo, é nele que a expressão se perpetua e a

descoberta é sempre inacabada. Podemos destacar que a exploração do corpo

em equilíbrio por uma prática tão reconhecida que é o circo e que vem aliando

os movimentos expressivos a uma sensibilidade lúdica e as surpresas dos

movimentos, percebemos que a experimentação é necessária para a prática do

circo.

Fazer movimentos de equilíbrio se torna comum nessa prática, o

equilíbrio é percebido no corpo e a sucessão de situações estáveis, estáticas ou

dinâmicas, é percebida no tempo e no espaço. Assim, percebemos momentos

de ruptura com equilíbrios e desequilíbrios, subindo e descendo, girando ou até

mesmo se apoiando com determinada parte do corpo, isso constitui as

movimentações vistas no circo. Logo, a capacidade de improvisação também é

permitida para que os movimentos possam ser modificados e a improvisação

seja tanto na velocidade do movimento quanto no espaço e no tempo que está

sendo executado determinado movimento. Além disso, também percebemos a

amplitude da força que é colocada no movimento, desencadeando o número

desejado na hora da cena. Sobre a movimentação do artista pensando no

espaço e no tempo, afirma Abirached (2009, p. 171):

A prática do circo introduz primeiramente uma relação singular com o tempo e o espaço: o artista é chamado a se mover em um universo de ficção, que não reproduz nem os lugares da sociedade nem as configurações da natureza. A pista é fechada sobre si mesma, dentro de um círculo que limita os deslocamentos e canaliza os conflitos. Os objetos que ali se encontram são artificiais (elaborados por inteiro para a ocasião) ou deslocamentos de seu uso ordinário. Acrobatas, funâmbulos, clows, domadores encenam.

O circo permite uma experiência íntima do conhecimento do corpo para

poder realizar todos os movimentos. Além disso, destaca-se nesse contexto a

relação do tempo e do espaço. Nesse sentido, de acordo com o autor

supracitado, o artista é chamado a se movimentar em um universo de ficção, ou

seja, em um universo circense.

Despertar a fascinação por essa forma de expressão é mostrar que o

movimento se torna sempre inacabado, e que o corpo é portador de uma

expressividade extremamente rica. Aos poucos estamos nos aventurando a

escrever sobre a arte do circo e entendendo que nessa arte é preciso perceber

que o corpo se expressa de várias maneiras.

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A fim de aperfeiçoar o nosso saber filosófico e refletir mais a respeito da

expressão corporal, pensando na arte do circo, nos corpos capazes de inovar,

compreendemos que aprofundar o conhecimento sobre o conceito de expressão

corporal em Merleau-Ponty, nos possibilita uma íntima relação com o corpo

capaz de expressar seus sentimentos através do gesto.

Tomando como base tudo que refletimos sobre o circo e as diversas

maneiras que o corpo se expressa no espaço cênico, compreendemos que o

corpo é marcado pela presença viva do movimento intencional. Além disso,

assistir a um filme de Charles Chaplin é acompanhar a sua pisada, o seu ritmo e

a sua inspiração de nos levar sempre à reflexão. No entanto, precisamos

aprofundar as nossas reflexões sobre o que seria a expressão corporal em

Merleau-Ponty, por isso vamos pensar as noções corpóreas.

A expressão do corpo e a cultura de movimento

Percorremos reflexões envolvendo a Educação Física e a arte do circo,

assim observamos que o ambiente do circo visto ao longo deste capítulo é um

vasto campo para o estudo da expressão corporal e da cultura de movimento,

não somente por apresentar diferentes movimentos, mas por ter a liberdade de

criação. Por isso, faz-se necessário alargarmos nossa compreensão no que

concerne tanto à expressão quanto à cultura de movimento.

Devemos destacar a noção eminentemente corpórea da expressão

pensando na filosofia de Merleau-Ponty, sabemos que é pela sensação do corpo

em movimento e a relação com o mundo que o sentindo do gesto é aprendido

num contexto de uma situação, por isso percebemos como o movimento é

empregado pela expressão do corpo facilitando a comunicação. Nesse sentido,

a comunicação vista no corpo ao longo do nosso trabalho, é perceptível em um

simples gesto de levantar as sobrancelhas, isso pode significar muita coisa, por

exemplo, espanto, admiração, felicidade, isso vai depender muito do contexto

que o corpo está vivendo no momento.

O sentido do gesto não está contido no gesto enquanto fenômeno físico ou fisiológico. O sentido da palavra não está contido na palavra enquanto som. Mas é a definição de atos descontínuos, de núcleos significativos que ultrapassam e transfiguram seus poderes naturais.

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Esse ato de transcendência encontra-se primeiramente na aquisição de um comportamento, depois na comunicação muda do gesto: é pela mesma potência que o corpo se abre a uma conduta nova e faz com que testemunhos exteriores a compreenda (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 264).

Para Merleau-Ponty (1999), o gesto aqui estudado não é o gesto apenas

enquanto fenômeno físico, o gesto ultrapassa essas funções naturais,

transcende o aparato fisiológico e reflete a capacidade que o sujeito tem de se

comunicar, criar sentidos e significados numa relação entre o homem e o mundo

sensível. Ao estudar o gesto, esse filósofo também irá se ocupar de entender as

noções expressivas, noções essas que reportam ao esquema corporal e ao seu

comportamento humano, sendo assim expressões tão arrebatadoras vistas na

arte do cinema que discutimos ao longo da nossa pesquisa. Diante disso,

Merleau-Ponty (1983, p. 116) afirma:

Eis porque a expressão humana pode ser tão arrebatadora no cinema: este não nos proporciona os pensamentos do homem, como o fez o romance durante muito tempo; dá-nos a sua conduta ou o seu comportamento, e nos oferece esse modo peculiar de estar no mundo, de lidar com as coisas e com os seus semelhantes, que permanece, para nós, o visível nos gestos, no olhar, na mímica, definindo com clareza cada pessoa que conhecemos.

Sendo assim, em nosso trabalho procuramos dialogar com as

concepções filosóficas de Merleau-Ponty e articular as noções expressivas do

corpo. Na noção clássica de expressão segundo o vocabulário de Merleau-Ponty

(2010, p. 29):

A expressão designa uma estrutura ontológica encontrada na fala, mas também no corpo vivo, na obra de arte, na coisa percebida, e que consiste na passagem mútua de um interior para o exterior e de um exterior para o interior ou no movimento mútuo de sair de si e de entrar em si. A categoria de expressão recolhe a herança metafísica da separação entre interioridade e exterioridade e mostra seu caráter abstrato: só há sentido expresso ou encarnado em um corpo, e só há corpo, corpo de coisa, corpo vivo ou corpo verbal animado de um sentido ou prenhe de um significado.

Analisamos no exercício do olhar cenários completamente expressivos

de um corpo vivo, um corpo que exprime a existência corporal através do

movimento expressivo. Na operação expressiva, o corpo toma movimentos

significativos e revela no movimento dimensões existenciais do sujeito, por

exemplo, seu estilo de vida, sua postura com o outro e no ambiente que ele vive,

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e tudo isso através da expressão do corpo. Além disso, ele consegue transmitir

sentimentos, pensamentos, desejos e emoções.

A fim de contribuir com o conceito de expressão corporal, Lopes (2015,

p. 85) afirma que “a expressão não se encontra distanciada do corpo, e a nossa

percepção já nos ensina que ela cria novos sentidos pelo desvio de uma conduta

liberta, sendo tal corpo não o veículo para a expressão, mas o próprio poder de

realização”, e com isso entendemos que a expressão é vista como uma força

interior capaz de realizar o movimento com certa liberdade, envolvendo o mundo

e os objetos através de aspectos afetivos e sociais, criando novos sentidos e

exprimindo uma existência particular, ou seja, expressando-se.

Pensar no corpo em movimento é trazer a tona o conceito de expressão.

Ora, o corpo é definitivamente um espaço expressivo, e compreender que a

expressão é uma tarefa inesgotável, é entender que há sempre algo a ser

expresso no movimento. Nesse sentido, sabemos que a expressão é inseparável

do corpo. Mercury (1995, p. 56 apud MERLEAU-PONTY, 1999), trazendo a

“Fenomenologia da percepção” para explicar o sentido da expressão, afirma: “a

expressão parece inseparável do corpo, o que não deixa de nos isolar como

sendo expressiva”.

Trazer à tona o conceito de expressão corporal é propor uma relação

reflexiva sobre o corpo na Educação Física, bem como no sentido de pensar que

a expressão corporal não é apenas o movimento mecânico no espaço, mas ao

passo que o corpo se movimenta ele cria e recria o movimento, possibilitando

uma apropriação do direito à expressão. Portanto, é preciso pensar no corpo de

maneira sensível, à medida que ele se movimenta de forma intencional em

direção às coisas e aos outros. Para dialogar conosco, Lopes (2015, p. 86)

discorre:

A operação expressiva do corpo marca então a encarnação do sujeito ao seu mundo, criando e recriando as maneiras desse corpo ser e estar nesse mundo em que habita, por essa potência indivisa que emerge do corpo em direção as coisas, aos outros, para encontrar neles as respostas para o seu existir. Assim, não se trata de um sujeito “em si”, de uma subjetividade transcendental, mas de uma subjetividade encarnada, que mantém tal sujeito sempre em situação, numa experiência atual que está sempre a renovar a existência corporal, naquilo que o faz, como já vimos, uma obra de arte.

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É através da espontaneidade, da criatividade, da sensibilidade e da

liberdade corporal que o corpo consegue criar novas maneiras de se relacionar

numa experiência atual que está sempre renovando a existência corporal.

Tomando como referência a afirmação de Lopes (2015), portanto, é através

desses eixos que compreendemos a explicação sobre a expressão corporal de

um corpo que vive no mundo em constante transformação.

A expressão corporal também pode ser vista e compreendida no

movimento como arte. Segundo no Dicionário crítico de Educação Física (2015):

A expressão corporal se apresenta como uma prática pedagógica que trabalha o movimento como arte-arte (do movimento), num elo entre técnica e criatividade. A prática pedagógica da expressão corporal valoriza o perscrutar da inventividade; permite várias interpretações dos movimentos, diversas formas de fazê-lo; desperta sentimentos diferentes. Torna os sujeitos especiais, porque lhes mostra que estão vivos e são capazes de criação, propiciando estreitas da imitação (SCHWENGBER, 2015, p. 192).

Portanto, expressar-se corporalmente na Educação Física, é valorizar o

poder que o corpo tem de inventar e interpretar o movimento nas mais diversas

formas de liberdade e assim tornar esses corpos especiais capazes de criar e

mudar o movimento partindo da expressão corporal e assim abrindo as portas de

comunicação com o outro e com o mundo. Nesse sentido, estudar a expressão

corporal na Educação Física servirá para ampliar nossos diálogos e romper com

as práticas corporais reduzidas à imitação.

Entendemos por expressão corporal toda emissão de movimento e todos

os sinais expressivos emitidos por alguém. Além disso, tais sinais devem facilitar

o contato e a compreensão recíproca entre duas ou mais pessoas. Diante disso,

recorremos às palavras de Stokoe (1987, p. 17), ao falar que a “expressão

corporal é, assim, uma espécie de estilo pessoal de cada indivíduo,

manifestando através de seus movimentos, posições e atitudes”.

Tudo isso demonstra inquietações voltadas para o que se passa nas

relações entre os indivíduos e suas interpretações corporais, facilitando uma

comunicação fluida entre os corpos em movimento capazes de ser entendidas

em seus múltiplos significados corporais. Por isso, esses fatos justificam uma

cuidadosa atenção ao conceito de expressão corporal na Educação Física.

Pensando nas múltiplas relações corporais Renaud (1990, p. 40) afirma:

A expressão corporal permite descobrir um corpo já não solitário – como o é, mas frequentemente, o corpo da dança, ou do esporte – mas

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um corpo em relação: “Abre-se para o corpo, abre-se em direção aos outros... A expressão corporal, nós a vivemos como um revelador da sexualidade que estava muito latente e que só pedia para eclodir”.

A expressão corporal lhe permite interpretar e descobrir o corpo nas

mais diversas práticas corporais, como ressalta Renaud (1990) sobre um corpo

que não se encontra mais sozinho, pois marca uma desinibição gestual. Além

disso, conseguir que o corpo se projete de dentro para fora passando por

inúmeras renovações de movimentos, é perceber que o corpo passa por

mudanças e isso vai refletir no seu esquema corporal.

Dessa forma, seja qual for o trabalho corporal, o corpo deve ser tratado

como um todo, de forma que possa manifestar as sensações de forma natural e

que possa livrar-se das armaduras que carregamos cotidianamente. Se

expressar muitas vezes não é um trabalho fácil, devido às experiências que

carregamos ao longo de nossas vidas. Mas, é possível libertar não apenas as

sensações, e sim as ideias, os desejos, as emoções e os conflitos.

Quando nos referimos à expressão através do corpo não estamos insistindo numa libertação de tipo catártico, na qual o corpo seria um mero instrumento de descarga de impulsos, mas nos referimos ao aprendizado da exteriorização de conteúdos em ações significativas para o indivíduo, encaminhadas criativamente, levando em conta o fato de que o homem não existe apenas para si mesmo, senão também para os demais, o que implica em processos de comunicação e interação. O indivíduo que se expressa com seu corpo deve aprender que vive numa sociedade com outros indivíduos que também se expressam com seus corpos. Desejamos tanto chegar à aquisição de uma linguagem própria como à possibilidade de comunicar essa linguagem ao outro e compreender a dele. Isto é, chegar à formação de códigos compreensíveis que não restrinjam o processo expressivo individual, mas que tampouco limitem a possibilidade de sua leitura (STOKOE, 1987, p. 20-21).

Nessa aprendizagem, a expressão corporal não seria aqui uma

descarga de impulsos, mas, de acordo com Stokoe (1987), a expressão se

refere à exteriorização de conteúdos, levando em conta que não existimos só

existimos com os outros e para os outros facilitando a comunicação dos corpos.

Por isso, a expressão corporal é muito importante pensando na

Educação Física, pois expressar tem vários conceitos, mas que ao final sempre

entendemos como uma forma de se comunicar consigo mesmo e com os demais

corpos a partir de uma expressão própria. O movimento será sempre inerente a

todo ser vivo, até uma simples caminhada ou uma corrida, cada pessoa possui

uma expressão particular, uma maneira especial de manifestar-se, podendo ser

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pelos gestos ou pela postura, provocando uma desinibição corporal. Renaud

(1990, p. 121), afirma que “A expressão corporal tenta escapar da codificação

gestual imposta pela educação física ou a dança elitista, refletir sobre a

expressão corporal pode ser uma forma de recuperar seu próprio corpo”.

Buscar conhecer as diversas visões da cultura de movimento é um tema

bastante discutido no âmbito da Educação Física, por compreender que essa

cultura abrange todas as atividades que envolvem o movimento humano,

ultrapassando a concepção de movimento reduzido a fenômenos meramente

físicos, isso seria de forma simplificada a definição de cultura de movimento.

Nesse contexto de discussões, trazemos Kunz (1994, p. 98), para dialogar a

respeito do conceito de cultura de movimento, a qual:

[...] compreende todas as atividades do movimento humano, tanto no esporte como em atividades extraesporte (ou no sentido amplo do esporte) e que pertencem ao mundo do „se-movimentar‟ humano, o que o homem por este meio produz ou cria, de acordo com sua conduta, seu comportamento, e mesmo as resistências que se oferecem a essas condutas e ações.

Nesse sentido, trazemos outro conceito de cultura de movimento para

alargarmos nossas reflexões, Mendes (2009, p. 2) afirma que a “cultura de

movimento refere-se às relações existentes entre essas formas de se

movimentar e a compreensão de corpo de uma determinada sociedade,

comunidade, de uma cultura”. Ou seja, a cultura de movimento é inerente a

qualquer ser humano, pois faz parte das práticas mais simples do nosso

cotidiano, como, por exemplo, andar, correr, comer, tomar banho, entre outras.

Desse modo, ela se encontra presente em todas as nossas atividades do

cotidiano, até na forma como conduzimos nossas relações com o outro e com a

sociedade. Portanto, ela se encontra presente em diversos cenários.

Diante da relevância do conceito cultura de movimento para a nossa

área, trazemos a definição de Mendes (2009, p. 6).

A cultura de movimento, ao envolver a relação entre corpo, natureza e cultura, configura-se como um conhecimento que vai sendo construído e reconstruído ao longo de nossas vidas e da história. Um conhecimento marcado pela linguagem sensível, que emerge do corpo e é revelada no movimento que é gesto, abarcando os aspectos bioculturais, sociais e históricos, não se resumindo às manifestações de jogos, danças, esportes, ginásticas ou lutas, mas abrangendo as diversas maneiras como o ser humano faz uso do ser corpo, ou seja,

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como cria e vivência as técnicas corporais. Um conhecimento que permite a compreensão do mundo por meio do corpo em movimento no ambiente, cultura e história. A linguagem sensível é revelada pela movimentação do corpo no tempo e no espaço de cada indivíduo e da comunidade. Somos capazes de criar e recriar, e, ao mesmo tempo em que nos expressamos, conseguimos nos comunicar.

Sendo assim, ressaltamos a importância de estudar a cultura de

movimento, um dos focos mais importantes para a Educação Física. Como

afirma a autora acima, pensar na cultura de movimento é pensar no

conhecimento sendo construído a cada dia como um conhecimento marcado

pela linguagem sensível revelado pelo gesto nos diversos aspectos, cultural,

social e histórico, esse conhecimento é compreendido por meio do movimento

do corpo no espaço e no tempo de cada indivíduo.

Em outras palavras, a cultura de movimento é entendida a partir do

entrelaçamento entre o corpo, a natureza e a cultura, configurando-se como um

conhecimento aberto investido no gesto, na percepção e no movimento sensível.

Nesse caminho cujo entrelaçamento entre expressão corporal e cultural

de movimento é trilhado em nossa pesquisa a partir de um ensejo voltado para a

prática do circo a fim de descobrir que o movimento engajado na expressão do

corpo a cultura de movimento abrange muito mais do que um simples

movimento mecânico. Pra reforçar essa a ideia, recordemos Kunz (1994),

quando afirma que a cultura de movimento é todo movimento que o homem

consegue produzir ou criar.

Diante das percepções envolvendo o movimento corporal, despertamos

o nosso olhar no cinema de Chaplin que tanto sensibilizou ao longo desse

percurso para ver além das imagens cinematográficas que surgem no fluxo de

um filme. Assim, entendemos que não devemos negar a experiência estética

como conhecimento da Educação Física, e por isso apreciamos na fala de

Porpino (2008, p. 70) o conceito de estética associado à arte e ao belo:

A estética é um termo que nos remete a múltiplas compreensões e significados na época em que vivemos. A arte, o belo, a sensibilidade, o prazer são palavras que permeiam o universo da estética e que frequentemente são utilizados como sinônimos desta;

Para esclarecer o termo estética, entendemos como um encontro do

apreciador com a arte de forma sensível. Ressaltamos que o belo e a

sensibilidade também fazem parte dessa experiência estética, portanto, a partir

do diálogo com os filmes de Chaplin, percebemos um encontro entre o

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apreciador e a obra de arte e que por vezes não sabemos descrever nossos

sentimentos.

A cada apreciação das cenas surge uma nova maneira de olhar e uma

experiência sensível do corpo diante da arte, assim, dispensamos o uso de

palavras. Isso fica bastante evidente na fala de Porpino (2006, p. 70) ao afirmar

que:

Sentimos um envolvimento com a obra ao deleitarmos-nos com sua beleza. Percebemos o quanto somos sensíveis a ela e o quanto ela nos traz sentido. Entregamo-nos a esse momento efêmero, no qual, somente o sentido desvelado pela obra se faz relevante. Posteriormente, nos vemos diante da incapacidade de traduzi-lo fielmente com palavras. Reportando-nos ao conhecimento do senso comum e às próprias experiências, podemos perceber que o sentido da vivência estética é bem este: um arrebatamento corporal intenso e sensível que torna a força das palavras ou dos conceitos insuficientes para descrevê-lo.

Desse modo, ao apreciar as cenas, é importante compreender o

envolvimento entre o corpo, o movimento e a expressão de forma sensível, e é

nesse momento de embriaguez que nos entregamos a inúmeros sentimentos

que por vezes não sabemos decifrar ou traduzir com palavras, como afirma a

autora supracitada.

É nessa abertura de diálogo entre a experiência estética e a Educação

Física que o nosso entusiasmo continua, pois a cada momento descobrimos o

prazer de apreciar uma obra de arte, seja ela qual for, surgindo um

arrebatamento corporal intenso nos deleitamos mais uma vez com a escrita de

Porpino (2006, p. 87):

Assim a experiência estética é eminentemente corporal, manifesta-se e toma sentido no corpo, na identificação recíproca com os objetos, com outros seres humanos e com a natureza da qual o próprio homem é constituído e constituinte.

Além disso, ao abordar a estética é inevitável não se remeter à arte e ao

corpo, surgindo um entrelaçamento sensível que vem da experiência vivida num

momento de embriaguez naquele tempo e espaço quando o corpo se encontra

com a arte.

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Compreendemos no significado de estética um sentido sensível naquele

momento de apreciação com a arte, ela também tem a capacidade de levar o ser

humano a territórios ainda não vistos, percorrendo um tempo e um espaço que

não se liga ao tempo cronológico.

Nesse sentido, reconhecemos o circo como elemento da cultura de

movimento como forma de ampliar as possibilidades para o conhecimento do

corpo na Educação Física, destacando-se o uso expressivo do espaço, do

tempo e das formas de movimento, além disso, também podemos pensar na

questão do lúdico visto no circo.

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97 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O contato com novos conhecimentos filosóficos, a partir do momento

que entrei no grupo Estesia, já mencionado, me fez conhecer a fenomenologia

de Maurice Merleau-Ponty. A professora Terezinha Petrucia da Nóbrega foi

fundamental nesse processo, pois seu incentivo e investimento na minha

formação foram imprescindíveis para construção da minha escrita. Assim, pude

entender melhor o sentido do corpo expressivo através do gesto.

Esta dissertação foi escrita a partir do meu envolvimento com o grupo

Estesia, um percurso que teve início ainda na graduação e se estendeu até o

meu ingresso no mestrado, um período de descobertas, de contradições, de

sentimentos que afloravam em meu pensamento, fui me debruçando nas leituras

e encontrando o significado de perceber as coisas com outro olhar. Essas foram

descobertas tanto intelectuais quanto afetivas, e assim os laços foram se

firmando, o meu caminhar já não era mais o mesmo, os meus pensamentos

mudaram e continuam mudando dia a após dia.

Nessa reta final, faço uma retrospectiva, pensando no turbilhão de ideias

que me impulsionaram a escrever a respeito do corpo em Merleau-Ponty (2004),

pois a expressão “sou meu corpo” mostra o encontro entre o sujeito e o corpo,

um corpo que está atado ao mundo. Assim, tais saberes sobre o corpo são

convocados no cenário fenomenológico para que nossos conhecimentos não

sejam limitados acerca do corpo, mas que sejam flexíveis e inesgotáveis.

Nesse processo, a minha escrita foi se transformando e fui interpretando

as imagens de forma sensível, analisando as cenas que o cinema vem

mostrando a respeito do corpo com muita suavidade. O meu olhar foi além das

imagens reais ou imaginárias em um mergulho silencioso numa transmissão de

olhares sensíveis entre a obra e os meus sentidos, os meus desejos, as minhas

aflições, a minha expressão e a minha escrita.

Foi nesse despertar que o meu corpo foi nascendo para o cinema e o

gosto por essa arte foi aflorando cada dia mais, nascendo novas formas de

perceber o corpo como sendo sujeito da sua própria existência, esse

envolvimento já tinha tomado o meu corpo, a minha percepção e o meu olhar.

Após perceber o corpo como sujeito, entendo que falar do corpo é falar

de mim. Nesse sentido, durante um longo percurso tudo se reverberava em meu

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corpo, por exemplo, as alegrias, as tristezas, o ânimo e o desânimo, as minhas

forças, os meus sonhos, as minhas realizações, tudo isso se dava num

entrelaçamento de corpos, onde as conversas foram se firmando e o meu corpo

foi tomando tônus para seguir a caminhada, e logo me vejo no final do que

considero um recomeço.

A escrita torna-se obra, pensamentos e movimentos, o corpo desdobra-

se para se concretizar em gestos, o tempo torna-se meu aliado para fechar esse

ciclo, e assim o meu corpo sinaliza que chegamos a um final depois de percorrer

várias páginas em branco.

Nesse tempo, pude perceber que esse processo não teria chegado ao

final se eu não tivesse percorrido várias leituras, orientações e conversas com

amigos, tudo isso contribuiu de forma significativa e sempre estimulando o meu

crescimento. Chegando aqui reflito tudo com enorme saudade, pois nada volta, e

a certeza que eu tenho ao chegar aqui é que tudo ficou marcado em meu corpo.

É com saudades que compartilho uma retrospectiva da minha pesquisa,

retomando alguns pontos importantes e pensando nos conceitos trabalhados e

nas análises dos filmes, bem como na sua relação com a Educação Física.

Observamos ao longo desse processo que a fenomenologia é a base

para compreender e decifrar o corpo que percebe e é percebido, além do mais,

ele apresenta vários sentidos e significados ao se movimentar, e com isso

entendemos que a expressividade é a base da comunicação para entender o

que o corpo quer dizer quando se movimenta no espaço. É exatamente por meio

do movimento que tentamos compreender o gesto e a expressão corporal.

Resgatar os nossos objetivos é entender que estabelecer relações entre

corpo e expressividade a partir de apreciações de obras cinematográficas de

Chaplin, é contribuir com a compreensão e ampliação do conhecimento estético

da Educação Física em um universo onde o cinema amplia o nosso olhar e os

conceitos de corpo tomam como base a fenomenologia.

Destacamos também a importância desse trabalho ao adentrar na

Educação Física pensando na Cultura de Movimento, na disciplina Atividades

Rítmicas e Expressivas, na Ginástica, no circo e na expressão do corpo. Além

disso, cinema como fonte de conhecimento que contribui para ampliar o olhar

sobre o corpo de uma maneira mágica com sua linguagem, seu som, seu plano

e a movimentação da câmera levando o corpo para outro tempo. E é nessa

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linguagem poética que o corpo visto nas cenas de cada filme dialoga com vários

conceitos, provocando inquietações e questionamentos no vasto campo da

Educação Física.

Retomando os nossos questionamentos mediante as escolhas filosóficas

deste estudo, em virtude dos fatos mencionados ao longo da nossa escrita,

arriscamos responder alguns questionamentos. Mesmo que para nós o término

da pesquisa não signifique um ponto final em nossos estudos, entendemos que

é imprescindível responder tais questões, tendo em vista os aspectos

observados em capítulos anteriores, e assim ampliar e contribuir com o

pensamento da Educação Física.

No impulso de responder os seguintes questionamentos: Como se

configura a expressão do corpo e do movimento nos filmes de Charles Chaplin?

E como esses elementos podem contribuir para o conhecimento do corpo e da

expressividade na Educação Física? . Destacamos que as imagens dos filmes

nos dão uma abertura, criando maneiras de perceber o corpo no espaço e no

tempo, trilhando novos caminhos para entender a expressão corporal e novas

maneiras de compreender o corpo no mundo.

Entendemos que no decorrer dessa caminhada a expressão do corpo e

do movimento se configura no gesto, na postura e no esquema corporal, de

maneira expressiva o corpo tende a se expressar de forma inacabada,

mostrando os desejos, os afetos, as pulsões, as ações e delineado o movimento.

É pensando assim que tais elementos expostos pelo corpo contribuem de

maneira significativa para o conhecimento da Educação Física pensando no

corpo que se movimenta a todo instante. Destacamos que nos filmes de Chaplin

aqui analisados: Tempos Modernos (1936) e O Circo (1928), a expressão

corporal é tão arrebatadora que a expressão do corpo se configura pelo gesto,

no tempo, no ritmo e no espaço. Sendo assim, compreendemos que a

expressão é inseparável do corpo visto no movimento.

Ao tratar de conceitos que vagueiam a Educação Física,

compreendemos que o cinema é uma arte que desvia o nosso olhar,

convocando a nossa sensibilidade voltada para as questões corporais, além de

configurar um campo de visibilidades para o conhecimento do corpo e tomando

outro direcionamento. Em outras palavras, esclarecemos que a nossa pesquisa

abre novos horizontes para se pensar no cinema como caminho para ampliar

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novos olhares, novas percepções a respeito do corpo e relação com o mundo.

São exatamente essas contribuições que o cinema vem trazendo para ampliar o

conhecimento e a sensibilidade na área da Educação Física.

É por esse caminho que compreendemos que o cinema faz parte de um

contexto que envolve a Educação Física e os processos perceptivos corporais, e

por isso chamo a atenção para o cinema, por tratar-se de uma arte com várias

imagens e que nos leva à reflexão e à compreensão do corpo além do

movimento mecânico, um corpo visto numa perspectiva sensível que rompe com

a dicotomia corpo e mente. Nesse sentido, essa percepção que envolve o

movimento no cinema revela um caminho cheio de sentidos.

Levando em conta o tema cinema em Merleau-Ponty, chamamos a

atenção para o fenômeno da percepção que se inicia no nosso corpo através

das sensações perceptivas, havendo uma atitude corporal. Diante disso Queiroz

(2015, p. 1) afirma:

Mas o olhar que aqui nos interessa é o olhar cinematográfico. Ora, no cinema o olhar de quem percepciona torna-se um olhar cinematográfico, um olhar que coincide e coexiste com o próprio filme. Onde o vidente coexiste com o visível. O olhar no cinema, é reinventado a si próprio como olhar visível. Por isso, o potencial filosófico do cinema será o de mostrar por meio da significação estética do mundo, que é dada por meio da nossa percepção das coisas, de que modo estamos imersos no mundo e nos outros, e principalmente de que modo a própria intencionalidade se manifesta. O exterior dos corpos, nos seus comportamentos e gestos, são uma manifestação de uma consciência intencional, de uma consciência que toca.

Assim, o cinema nos coloca em movimento com o personagem, no

espaço, no ritmo e no tempo, nos leva a um momento particular de fluidez,

possibilitando um olhar estético e filosófico referente ao corpo mediante a

existência do vidente e do visível, de forma que o nosso corpo esteja imerso no

mundo e no outro.

Nesse sentido, a nossa interpretação envolvendo o cinema é a relação

existente do vidente e do visível, do ator e do espectador, de acordo com essa

relação, a nossa experiência é perceber que existe um espaço e um movimento

mediante as cenas apresentadas em um filme.

Mediante essas contribuições e a relação vidente e visível, percebemos

nessa reta final que as cenas são importantíssimas para se pensar o corpo na

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Educação Física e a descoberta da expressividade, configurando no movimento

sempre inacabado. Lembrando que a nossa ideia não foi trazer todas as cenas,

mas sim aquelas que julgamos necessárias para ampliar o debate na Educação

Física. Em nosso trabalho, além de analisar as cenas, também nos

preocupamos em abordar a percepção do corpo diante das câmeras.

Trazer à tona a discussão do filme Tempos Modernos (1936), de Charles

Chaplin, visto em diversas áreas de conhecimento e agora na área da Educação

Física, me fez entender que esta pesquisa precisa continuar, pensando no

ensejo que o corpo ora sujeito ora objeto se delineia no espaço e no tempo.

Assim, com essa reflexão, reaprendemos a sentir o nosso corpo e não mais usá-

lo, reencontrando sentidos no contato com o corpo e com mundo.

No entusiasmo da escrita, selecionar o segundo filme de Chaplin, não foi

uma tarefa fácil, em virtude de uma grande quantidade de filmes feitos por ele,

mas quando me deparei com o filme O Circo (1928), quando me vi diante

daquela tela que por vezes prendia a minha atenção fazendo esquecer o tempo

e me levando para outros espaços além do meu quarto, nesse momento a luz,

os gestos e os risos me fizeram entender que eu não era apenas uma

espectadora e sim um corpo que participava da cena sentada na plateia.

Naquele momento, as minhas reflexões floresceram, fazendo-me

compreender que a expressividade transparece no corpo como veículo para o

movimento, e assim contribuindo com o fluxo dos sentidos e das sensações.

Instalando-se nesse horizonte, apresentar o cinema como fonte de

conhecimento para ampliar o olhar sobre o corpo, nos fez perceber o verdadeiro

fluxo do movimento expressivo em cada cena. Além disso, contribuímos para

ampliar o conhecimento estético na Educação Física. Nesse sentido, Lopes

(2015, p. 204) afirma: “o cinema proporciona um caminho diferente das análises

científicas para se pensar sobre as suas relações com a Educação Física”.

Diante disso, somos levados a acreditar que o cinema é um importante

instrumento de estudo para a Educação Física, levando em consideração a

expressão do movimento como algo a nos revelar de forma sensível. Diante

disso, encontramos nos filmes de Chaplin conceitos de grande relevância para

ampliarmos a nossa pesquisa e reconhecer a importância das cenas descritas

ao longo do trabalho, dando assim mais visibilidade ao corpo que se opõe às

dicotomias.

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Por esse prisma, entendemos que nos dois filmes analisados, o corpo se

transpõe as dicotomias entre o corpo objeto e o corpo sujeito. Além disso, tais

filmes nos levam à embriaguez do corpo expressivo numa zona real ou

imaginária, despertando novas aberturas para pensar nos processos corporais.

Nesse fluxo de embriaguez entre o real e o imaginário, o cinema

também possibilita a compreensão da cultura de movimento, novas formas de

vermos e de nos relacionarmos com o mundo, diante disso, a nossa trajetória

buscou percorrer reflexões envolvendo a Educação Física e a arte

cinematográfica.

Essa arte abrange todas as atividades do movimento humano por

compreender que o ser humano ultrapassa a concepção de movimento reduzido

a fenômenos meramente físicos. Nesse sentido, continuar nesse fluxo é

entender que a nossa contribuição deixou bem clara essa comunicação do corpo

com a sociedade, com a cultura presente em todas as atividades do cotidiano

presente em diversos cenários.

E, por fim, vejo neste trabalho um material de grande relevância para dar

visibilidade aos conceitos percorrendo a arte cinematográfica no universo da

Educação Física. Nesse caminho, o cinema ainda precisa percorrer muito o

universo de estudo na área da Educação Física e despertando linguagens

poéticas e filosóficas do corpo.

Essa trajetória termina num envolvimento sensível, de modo que o meu

corpo agora se move de maneira diferente, sensível, intencional, perceptivo e

afetivo. Portanto, para contribuir com tais percepções, trago uma citação de

Merleau-Ponty (1960, p. 82, 83 apud NÓBREGA, 2015), a qual me tocou

corporalmente:

Desde que sabemos nos mover, desde que sabemos olhar. Esses movimentos simples já contêm o segredo da ação expressiva: eu movo meu corpo sem mesmo saber quais músculos, quais trajetos nervosos devem intervir, nem onde seria necessário procurar os instrumentos dessa ação, como o artista faz brilhar seu estilo até as fibras da matéria que ele trabalha [...].Tudo se passa a meus olhos no mundo da percepção e do gesto, mas meu corpo “geográfico” ou “físico” obedece às exigências desse pequeno drama que não cessa de suscitar nele mil prodígios naturais.

Por fim, termino este trabalho de maneira suave, num contexto de dois

anos mexendo com as minhas reflexões e contribuindo de forma significativa

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para uma ampliação do conhecimento sobre o corpo, além de trazer o cinema

para ampliar o conhecimento da Educação Física, também vislumbramos a

essência da estética em cada cena.

Nesse sentido, parafraseando Merleau-Ponty (1960), esses movimentos

simples contêm o segredo da ação expressiva, e foi assim que tentei fechar esse

ciclo de uma maneira sensível, procurando sempre os sentidos e a forma de me

expressar.

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PRODUÇÃO DO DVD

SEBASTIÃO, Maria Lúcia. Escolha das cenas do DVD contidas na dissertação:

Corpo e expressividade no cinema de Charles Chaplin: notas sobre o

conhecimento da Educação Física, 2016.

Oliveira, Diego Bezerra de. Edição das cenas do DVD contidas na dissertação:

Corpo e expressividade no cinema de Charles Chaplin: notas sobre o

conhecimento da Educação Física, 2016.

BARBOSA, Cristiana (CrisB) Arte do Rótulo e da capa do DVD. Corpo e

expressividade no cinema de Charles Chaplin: notas sobre o conhecimento

da Educação Física, 2016.

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APÊNDICE

1. Ficha de análise

-Título Original e em Português:

- Ano e País de Produção:

- Direção:

- Gênero:

- Duração:

- Idioma:

2. Sobre a técnica cinematográfica

- Argumento:

- Foco narrativo:

- Cenário e Figurino:

-Trilha sonora/sonorização:

- Fotografia e Câmera-Fotografia:

3. Percepções do corpo de do movimento

- Corpo e movimento:

- O corpo e expressão:

- Corpo e olhar:

- Corpo e espaço:

4. Palavras-Chaves:

Pesquisadora: Maria Lúcia Sebastião

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TEMPOS MODERNOS

(Modern Times)

1. Ficha de análise

-Título Original e em Português: Tempos Modernos – Modern Times.

- Ano e País de Produção: 1936 – Estados Unidos.

- Direção: Charles Chaplin.

- Gênero: Comédia.

- Duração: 1h 27 min

- Idioma: mudo.

2. Sobre a técnica cinematográfica

- Argumento: Um trabalhador de uma fábrica tem um colapso nervoso por

trabalhar de forma quase escrava. É levado para um hospício, e quando retorna

para a “vida normal”, para o barulho da cidade, encontra a fábrica já fechada.

Enquanto isso, uma jovem, órfã de mãe, com duas irmãs pequenas e o pai

desempregado, tem que realizar pequenos furtos para sobreviver (roubar um

pão para comer) . Após a morte do pai em uma manifestação, dois agentes do

governo vão buscá-las para a adoção, mas a jovem foge. Carlitos vai em busca

de outro destino, mas acaba se envolvendo numa confusão: pois é tomado como

o cabecilha por trás da greve que está a acontecer e acaba sendo preso.

Quando liberto, e após uma agradável estadia na prisão, decide fazer de tudo

para voltar para lá e ao ver a jovem que fugiu da adoção, decide se entregar em

seu lugar. Sua decisão dá errado porque uma grã-fina tinha visto o que houve e

estraga tudo. Mesmo assim, ele faz de tudo para ir preso, no entanto, os dois

acabam escapando e vão tentar a vida de outra maneira. A amizade que surge

entre os dois é bela, porém não os alimenta. Ele tem que arrumar um emprego

rapidamente. E então, consegue um emprego numa outra fábrica, mas logo os

operários entram em greve e ele novamente entra em perigo. No meio da

confusão, vai preso ao jogar sem querer uma pedra na cabeça de um policial. A

jovem consegue trabalho como dançarina num salão de música e emprega seu

amigo como garçom. Essa decisão também não dá certo, e os dois seguem,

numa estrada, rumo a mais aventuras.

- Foco narrativo: Tempos Modernos, de Charles Chaplin, é o retrato da

sociedade capitalista que começava a se desenhar na Europa a partir do século

XVIII, mais precisamente após a Revolução Industrial iniciada na Inglaterra. A

busca desenfreada pelo lucro é criticada de forma irônica por um dos maiores

gênios que o cinema conheceu ao longo da história.

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A passagem significativa que aponta essas características de produção é o

momento em que o personagem trabalha de forma contínua e ininterrupta diante

de uma esteira, tornando-se uma parte integrante da máquina.

Tanto que ao encerar o turno, ele continua com seus movimentos voltados ao

trabalho, mostrando que máquina vem tomando o lugar dos homens.

- Cenário e Figurino: O filme passa-se em uma fábrica, retratando a Revolução

Industrial e o advento das máquinas. Suas vestes são diversificadas de acordo

com cada cargo ocupado, onde os patrões usam palito e gravata bem cuidados,

sapatos pretos, enquanto os funcionários incluindo Charles Chaplin vestem-se

com macacões, blusas, calças e sapatos com aparência de velhos.

-Trilha sonora/sonorização: É composta por Charles Chaplin, sob arranjo de

Alfred Newman, Edward Powell e David Raksin.

- Fotografia e Câmera-Fotografia: De Ira H. Morgan e Roland Totheroh Retrata

a Revolução industrial no século XVIII

3. Percepções do corpo de do movimento

- Corpo e Movimento: Ao apontar o movimento humano como uma maneira de

exprimir que meu corpo está no mundo, evidenciamos no filme Tempos

Modernos o sentido de se movimentar como uma presença viva.

- Corpo e expressão: No filme citado percebemos o corpo da expressividade, a

partir da compreensão de esquema corporal, como presença no mundo, além de

novos modos de sentirmos o nosso corpo em movimento como uma linguagem

sensível.

- Corpo e olhar: É por meio do olhar que percorremos as cenas, uma vez que

esse olhar amplia as nossas percepções além de ter a intenção de nos tirar da

zona de conforto e nos levar as zonas imaginárias.

- Corpo e espaço: Percebemos no filme uma necessidade do corpo se

pronunciar no espaço, através do gesto expressivo, da intencionalidade do

movimento. Portanto, os movimentos passam a desenhar no espaço gestos

arrebatadores com o intuito de não se acomodar aquele ambiente repetitivo.

4. Palavras-Chaves: Corpo, percepção, esquema corpora e intencionalidade.

Pesquisadora: Maria Lúcia Sebastião

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O CIRCO:

(The Circus)

1. Ficha de análise

-Título Original e em Português: O Circo – The Circus

- Ano e País de Produção: 1928 – Estados Unidos

- Direção: Charles Chaplin.

- Gênero: Comédia.

- Duração: 71 minutos

- Idioma: mudo.

2. Sobre a técnica cinematográfica

- Argumento: O filme narra a história de um vagabundo (Carlito) que acaba em

um circo, ele apaixona-se pela bailarina filha do dono do circo, o dono do circo

percebe que ele é um artista e começa a usar seus dons para ganhar mais

dinheiro e o circo fazer sucesso.

- Foco narrativo: O vagabundo acaba indo parar em um circo enquanto fugia da

polícia, que o confundira com um ladrão de carteiras. Ele, sem querer, acaba

entrando no espetáculo e fazendo grande sucesso com o público, sendo logo

contratado pelo dono, que irá se aproveitar dele. Ele ainda arranja tempo para se

apaixonar pela acrobata, filha desse mesmo proprietário.

- Cenário e Figurino: O cenário é uma cidade pequena, existe o figurino da

plateia e o figurino dos artistas do circo.

-Trilha sonora/sonorização: arte musical instrumental com efeitos sonoros,

ruídos.

- Fotografia e Câmera-Fotografia: trata dos termos fotografia, predominam

cores em preto e branco.

3. Percepções do corpo de do movimento

- Corpo e Movimento: O filme “O Circo” traz contribuições e reflexões para a

Educação Física no sentido de pensar na capacidade que o corpo tem de criar e

recriar os movimentos, o corpo humano não apenas executa movimentos em

respostas às demandas, mas ele executa movimentos expressivos e sensíveis.

Portanto, por meio do movimento que o corpo vai se tornando corpo-sujeito.

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- Corpo e expressão: A ação expressiva se manifesta no movimento como uma

maneira do corpo estar nesse mundo. Se expressar corporalmente é valorizar a

comunicação entre dois corpos.

- Corpo e olhar: O nosso olhar vagueia as imagens, percorre as cenas, criando

novas formas de sentir novos afetos, novas ilusões, criando novas posturas,

novos gestos, olhar uma cena é se permitir a entrar em um mundo imaginário,

cheio de sonhos e sentimentos. Portanto, o exercício do olhar amplia as

percepções de corpo.

- Corpo e espaço: É através do gesto, do movimento motriz, que o corpo se

dirige a um espaço e se desloca em direção ao mundo. Essas atitudes são

evidenciadas quando no filme “O circo” percebemos o deslocamento de Chaplin

em cima da corda, evidenciando o espaço e o tempo.

4. Palavras-chaves: corpo, linguagem, gesto, movimento e expressão.

Pesquisadora: Maria Lúcia Sebastião

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ANEXO

1. Ficha de análise

-Título Original e em Português:

- Ano e País de Produção:

- Direção:

- Gênero:

- Duração:

- Idioma:

2. Sobre a técnica cinematográfica

- Argumento: sumário da história, motivação dos personagens, enredo.

- Foco narrativo: perspectiva da qual a história é contada (subjetiva – visão

personagem; objetiva).

- Cenário e Figurino: natural, estúdio, realidade, figurado.

-Trilha sonora/sonorização: parte musical, efeitos sonoros, ruídos, diálogos ou

falas, silêncios, som em off ou real.

- Fotografia e Câmera-Fotografia: cores, tons predominantes, contraste (luz e

sombra), efeitos de iluminação (foco, penumbra, etc.), animação, efeitos

gráficos, trucagem, fusão; Enquadramento, Planos – Plano Geral; Plano Médio

(pessoas, objetos); Primeiro Plano (Rosto); americano (do rosto até a cintura),

plongée, contra-plongée, traveling.

3. Percepções do corpo de do movimento

- Corporeidade e Movimento: percepções sobre a corporeidade, a ludicidade, a

saúde, a estética, a aparência do corpo; práticas corporais evidenciadas; ideologias do

corpo e da saúde; transformações na aparência do corpo; corpo e moda; corpo e

biotecnologias.

- O corpo e Cidade: descrição dos meios urbanos, relações entre o espaço do corpo

e o espaço urbano.

- Corpo e Tempo: descrição das transformações históricas e sociais relativas ao

corpo e a cultura de movimento, ritmos urbanos.

- Corpo e Estesia: percepções sensoriais, afetos, emoções, sexualidade, imaginário.

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- Corpo e Instituição: relações com a educação e/ou Escola, família, instituições

educativas, científicas e culturais; relações de poder; ideologias.

-Corpo e Ética: aspectos relativos ao bem-viver e ao viver com na cidade, valores

morais, questões relacionadas à liberdade, à vida de forma geral e que atingem os

sujeitos de forma individual e coletiva.

4. Palavras-chave:

FONTE: NÓBREGA, T.P. Visibilidade do corpo e da cultura de movimento

urbano. Relatório de pesquisa. UFRN/CNPq, Natal, 2010.