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TÍTULO: Expressividade emocional na elaboração do luto infantil: Um enfoque analítico-comportamental AUTORA: Alyne Nogueira Teixeira

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TÍTULO: Expressividade emocional na elaboração do luto infantil:

Um enfoque analítico-comportamental

AUTORA: Alyne Nogueira Teixeira

PROFESSORA ORIENTADORA: Patrícia Cristina Novaki

EXPRESSIVIDADE EMOCIONAL NA ELABORAÇÃO DO LUTO INFANTIL:

UM ENFOQUE ANALÍTICO COMPORTAMENTAL

RESUMO

O presente relatório refere-se ao estágio curricular em psicologia clínica, realizado na clínica escola da Universidade Paranaense – UNIPAR, pela aluna Alyne Nogueira Teixeira, no período de agosto a outubro de 2008. O relatório discorre sobre um estudo de caso do processo de elaboração de luto de um menino de seis anos, cujo pai faleceu a onze meses de câncer. A principal queixa relatada pela mãe do cliente refere-se aos comportamentos agressivos (gritar, chutar, bater nos colegas, jogar coisas no chão) apresentados pela criança após o falecimento do pai. Baixo rendimento escolar e medo foram outras queixas descritas pela mãe, as quais estão presentes desde o fato anteriormente descrito e também após a ocorrência de um temporal. Durante os atendimentos, o cliente não apresentou comportamentos agressivos, contudo, foi possível observar dificuldade em expressar e nomear sentimentos, principalmente os que estão relacionados com a morte (tristeza, saudade, raiva, solidão). Dessa forma, foram trabalhadas questões referentes à morte, luto e expressão de sentimentos, pois se hipotetiza que por não saber lidar com a situação da morte do pai, o cliente apresentava os comportamentos-queixa como uma maneira de expressar seus sentimentos. Ao finalizar os atendimentos foi possível observar que o cliente estava expressando de forma mais adequada seus sentimentos, bem como, pode-se perceber mudanças significativas nos comportamentos do mesmo, como melhora do rendimento escolar, diminuição do medo e dos comportamentos agressivos. Cabe ressaltar não houve alta, mas os atendimentos foram encerrados em função do término do estágio da terapeuta.

PALAVRAS-CHAVE: Luto, morte, expressão de sentimentos.

Introdução

De acordo com Kovács (2007) a psicoterapia com crianças enlutadas destaca-se como

forma de cuidado, uma vez que a comunicação das crianças não se restringe à forma oral.

Conforme a mesma autora, a comunicação é fundamental, contudo, requer uma maneira

adequada de escutar a criança enlutada, sendo assim, o contato precisa ser livre de censura ou

julgamentos prévios, deve-se abrir espaço para expressão de sentimentos. Dessa forma, o

processo terapêutico tem como principal objetivo criar um espaço para a criança poder expressar

seus sentimentos e se comunicar, o que contribui de maneira significativa para a melhora dos

comportamentos-queixa, uma vez que a criança se sente acolhida, compreendida e que seus

sentimentos estão sendo respeitados.

Nesse sentido, a terapia analítico-comportamental pode ser favorecida por manter em sua

prática o papel do terapeuta como uma “audiência não-punitiva” (SKINNER, 1994). Nos casos

que envolvem a situação de luto essa característica do terapeuta contribui muito para a formação

do vinculo e conseqüente desenvolver do processo terapêutico, uma vez que a situação

vivenciada pelo cliente é aversiva e o terapeuta comporta-se como audiência acolhedora e não

invasiva.

Skinner (1991 apud MARINHO, 2001) relata que terapia comportamental “promove a

saúde comportamental no sentido que ajuda as pessoas a se comportarem bem, não no sentido de

ter boas maneiras, mas de ser bem-sucedidas” (p.10). O mesmo autor complementa dizendo que:

A terapia bem-sucedida constrói comportamentos fortes, removendo reforçadores desnecessariamente negativos e multiplicando os positivos. (...) Pessoas que tiveram seus comportamentos fortalecidos dessa maneira (...) pode-se dizer que vivem bem (SKINNER, 1991, apud MARINHO, 2001, p. 11).

Apresentação do local e condições nas quais a atividade de estágio aconteceu

O estágio foi realizado em um consultório do Centro de Psicologia Aplicada – CPA, da

Universidade Paranaense – UNIPAR. Os atendimentos eram realizados duas vezes por semana,

no período da manhã, com a duração de 50 minutos cada atendimento, entre os meses de agosto e

novembro do ano de 2008.

Descrição do trabalho

O presente caso refere-se a Rafael1, seis anos de idade, filho de Marta de 44 anos. O

cliente reside na cidade há cinco anos, estuda no 1º ano em uma escola municipal no período da

tarde. Há aproximadamente dois anos seu pai desenvolveu câncer na bexiga e há 11 meses

faleceu. Atualmente mora com sua mãe, irmãos, e o irmão do seu cunhado. O cliente tem mais

dois irmãos que moram em outra cidade. Cabe ressaltar que o cliente é o único filho que é do

casal, os irmãos do cliente são filhos de casamentos anteriores de seus pais. De acordo com a mãe

o relacionamento do cliente com irmãos é bom, com ela é ótimo e com o pai era bom, contudo,

ele deixava o filho fazer tudo que queria, não dava limite.

Conforme Micheletto (1997), o homem não pode ser entendido fora de sua história e sua

história não pode ser compreendida isoladamente, uma vez que ela é produto da história de sua

espécie e de sua cultura, que o próprio homem cria. Dessa forma, faz-se necessário conhecer a

história de vida do cliente.

Segundo dados obtidos por meio da anamnese feita com a mãe, a gestação do cliente não

foi planejada, porém foi desejada pelos pais. A mãe soube que estava grávida no terceiro mês de

gestação por meio de exames, uma vez que estava enjoando. O pai ficou assustado, mas gostou

da notícia. O relacionamento dos pais na época era muito bom, estavam namorando e se

conheciam há pouco tempo. A mãe relatou que não teve problemas durante a gestação,

entretanto, disse que foi uma gravidez de risco, pois já tinha 38 anos de idade. Ela fez pré-natal, o

parto foi cesariano, não tendo complicações.

No que diz respeito à escolaridade, o cliente começou a freqüentar a escola com quatro

anos, a adaptação foi muito difícil, a mãe precisava trabalhar e tinha que deixar o filho chorando.

O cliente estudou em duas escolas, nunca reprovou e o relacionamento com as crianças na escola

é muito bom, porém o cliente estava mais isolado. Em relação aos hábitos e interesses sociais, o

cliente participa de um curso bíblico na igreja que freqüenta, vai muito pouco a festa infantis ou

na casa de amigos, a mãe prefere que os amigos vão na casa deles. Em casa, gosta de brincar no

1 O nome citado é fictício para preservar a identidade do cliente e de seus familiares.

computador, jogar vídeo-game, assistir televisão. Do mesmo modo, ele gosta de jogar bola, andar

de bicicleta.

O ambiente familiar está mais calmo, a mãe disse que por dois anos esteve conturbado,

uma vez que o seu marido estava com câncer, sentia muita dor, queria silêncio e ela tinha que

cuidar das crianças para não fazerem barulho e cuidar do marido.

A mãe procurou tratamento psicológico para seu filho no Centro de Psicologia Aplicada

da Universidade Paranaense - UNIPAR, tendo como queixa principal os comportamentos

agressivos do filho, tais como: gritar, chutar, bater nos colegas, jogar coisas no chão, os quais

foram apresentados pela criança após o falecimento do pai. Outras queixas relatadas pela mãe

foram: baixo rendimento escolar e medo, que estão presentes desde o fato anteriormente descrito

e também após a ocorrência de um temporal na cidade. Sendo assim, foi iniciado o processo

terapêutico baseado na Terapia Analítico Comportamental.

Conforme Guilhardi (2004) a terapia comportamental, ou mais especificamente, a

Terapia Analítico-Comportamental é um processo o qual abrange o emprego de procedimentos

comportamentais específicos, tendo como objetivo “alterar exemplos particulares dos

comportamentos da queixa apresentada pelo cliente ou por pessoas relevantes do ambiente social

em que o mesmo está inserido” (p. 3). Nesse sentido, a indicação de intervenção é feita “com

base no nível de sofrimento que determinados comportamentos possam estar gerando para o

indivíduo que se comporta e/ou para as pessoas de seu convívio” (MARINHO, 2001, p. 11).

A Terapia Analítico-Comportamental não é apenas uma aplicação de técnicas, existe a

investigação dos problemas que são apresentados pelo cliente, por meio do desenvolvimento de

intervenções diferentes para a problemática de cada indivíduo, tendo como principal objetivo

induzir o cliente à auto-observação e autoconhecimento, o que possibilitará independência na

resolução de problemas futuros e melhor qualidade de vida (RIBEIRO, 2001). Para tanto, o

terapeuta deve realizar a análise funcional, visando descobrir as funções dos comportamentos,

analisar as variáveis que o controlam, bem como levantar hipóteses acerca dos fatores que o

mantém (MARINHO, 2001).

A Análise do Comportamento, conforme Ribeiro (2001) é linha terapêutica que está

envolvida com os princípios da aprendizagem, os quais são compreendidos como instrumentos

que podem produzir mudanças no comportamento, tornando-o mais funcional. Entre os princípios

de aprendizagem encontram-se reforço positivo e negativo, modelagem, modelação,

aprendizagem por instrução, punição, discriminação e generalização (GONGORA, 2003).

Apreciação sobre o desenrolar das atividades e dos desafios enfrentados.

Durante o período de estágio foram realizados onze atendimentos com o cliente,

anamnese com a mãe e orientações. Cabe ressaltar que o cliente, durante os atendimentos, não

apresentou comportamentos agressivos, contudo pode-se observar que o mesmo tem dificuldade

de expressar sentimentos, bem como nomeá-los.

Inicialmente foi trabalhado com o cliente questões referente à psicoterapia com a leitura

do livro “O monstro do problema: ajudando as crianças a entender a Psicoterapia2”, que

possibilita a criança entender o que é terapia e seus objetivos. Em seguida, foi desenvolvido um

trabalho com o cliente para o estabelecimento de vínculo, por meio da caixa de segredos (a qual

oferece segurança ao cliente em relação aos seus segredos, que ficarão guardados), jogos

(memória, dominó, da velha), carimbos e desenhos, as quais são atividades que diminuem a

ansiedade da criança, pois fazem parte do seu cotidiano, permitindo assim a proximidade entre

cliente e terapeuta, bem como o estabelecimento de uma relação de afeto e confiança entre

ambos.

Para poder dar início as atividades relacionadas com a morte, a estagiária propôs ao

cliente que desenhassem suas famílias e depois apresentassem um para o outro, e então, o cliente

disse que desenharia seu pai no céu porque ele morreu, contudo, o desenhou no chão com nuvens

em cima. Sendo assim, a terapeuta deu início ao assunto morte e começou a leitura do livro

“Conversando sobre a morte3”, o qual explica o funcionamento do corpo, o porquê as pessoas

morrem, para onde vão e os sentimentos provocados pela morte. Juntamente, a terapeuta

conversou com a mãe sobre o falecimento do pai, buscando saber o que o cliente sabia sobre a

morte e o acontecimento, e também a orientou em relação a expressar sentimentos na presença do

filho, tais como chorar, falar que está com saudades, bem como explicou que ela é modelo de

expressão para filho, e que deve permitir e reforçar a expressão dos sentimentos dele.

Segundo Marinho (2001) os pais podem ser modelos para seus filhos, principalmente

nos casos relacionados aos comportamentos que ocorrem com baixa freqüência, uma vez que de

2 MOURA, Cynthia. O monstro do problema: ajudando as crianças a entender a Psicoterapia. Londrina, 2008. 3 HISATUGO, Carla Luciano Codani. Conversando sobre a morte. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2000.

acordo com Micheletto (1997), a ação do homem tem origem a partir da relação com o ambiente

em que vive e com o outro. Nesse sentido, Skinner (1991 apud MARINHO, 2001), complementa

dizendo que: “mostrar e dizer são maneiras de ‘incitar’ comportamentos, de levar as pessoas a se

comportarem de uma da maneira pela primeira vez, de modo que se possa reforçar seu

comportamento” (p.16/17)

Com a leitura do livro foi possível perceber que o cliente sentiu-se desconfortável, pois

algumas vezes pediu para parar a leitura, falou que estava chato, pareceu ficar incomodado e

triste, contudo foi realizada a leitura do livro todo com o cliente. Dessa forma, foi iniciado um

trabalho voltado para expressões de sentimentos, uma vez que expressar sentimentos é importante

para a saúde, sendo que ter dificuldades em relação à expressão de sentimentos pode prejudicar

ou colocar em risco a saúde (NETO E SAVOIA, 2003). Para os mesmos autores existem

maneiras assertivas de expressar os sentimentos, mesmo quando se refere à raiva, rancor, mágoa,

irritação com algo que aconteceu. Nesse sentido, foram trabalhadas com o cliente maneiras

assertivas de expressão de sentimentos, com a utilização de algumas técnicas e atividades, tais

como: rabiscar papel com giz de cera, atividades da cartilha de Inteligência Emocional4, Saco das

sensações, Relógio dos sentimentos, história “Marina e Mônica: Em tantas expressões5”, recorte

e colagem de expressões; livro “Se liga em você 36”, atividades do livro “Quando algo terrível

acontece7”, “Jogo das Expressões” e atividades com tinta.

Conforme Del Prette e Del Prette (2007) falar sobre sentimentos e nomear as emoções

são habilidades importantes, pois “ajudam a criança a transformar uma sensação assustadora e

incomoda em algo definível e natural, o que pode ter um efeito calmante imediato” (p.119).

Para o encerramento dos atendimentos, cliente e terapeuta confeccionaram um jogo da

memória dos sentimentos, leram o final do livro “O Primeiro Livro da Criança sobre

Psicoterapia8” com o objetivo de trabalhar o fim da terapia, e fizeram atividades que durante os

atendimentos foram reforçadoras para o cliente, tais como: jogar ludo, jogo da memória e

4 ZANELLA, Lúcia Cristina. Inteligência Emocional: Cartilha. Disponível em: <http://www.gruposer.com. br > Acessado em: 28 mai. 2008. 5 SOUZA, Maurício de. Mônica e Marina: Em tantas expressões. Disponível em: <http://www.monica.com.br/comics/tantas/welcome.htm > Acessado em: 30 mar. 2008. 6 GASPARETTO, Luiz Antonio. Se liga em você 3. São Paulo: Espaço Vida e Consciência, 1999. 7 HEEGAARD, Marge. Quando alguma coisa terrível acontece. Porto Alegre: ArtMed, 1998. 8 ANNUNZIATA, Jane; NEMIROFF, Marc A. O Primeiro Livro da Criança sobre Psicoterapia. Porto Alegre: Artemed, 1995.

desenhar. Posteriormente, a terapeuta deu à devolutiva do processo terapêutico para a mãe do

cliente.

Através dos atendimentos realizados foi possível observar que o cliente tinha

dificuldades em expressar sentimentos, principalmente os relacionados com a morte, tais como:

tristeza, saudade, raiva. Expressar sentimentos, para Neto e Savoia (2003), é de suma importância

tanto para a saúde física quanto para a mental do indivíduo. De acordo com Del Prette e Del

Prette (2007) expressividade emocional refere-se à:

Reconhecer e nomear as emoções próprias e dos outros, controlar a ansiedade, falar sobre emoções e sentimentos, acalmar-se, lidar com os próprios sentimentos, controlar o humor, tolerar frustrações, mostrar espírito esportivo, expressar emoções positivas e negativas (p.46).

Com o domínio da fala, de acordo com Ingberman e Löhr (2003), o homem pôde falar

sobre o outro e ouvir o que esse diz sobre ele. Possibilitando ao mesmo se conhecer melhor, bem

como ter condições de descrever-se e definir-se, distinguindo suas qualidades, assim como suas

fraquezas, ou seja, o autoconhecimento. Conforme os mesmos autores, tanto a fala como o

autoconhecimento “são fruto de um processo de construção que envolve aprendizado dentro de

um grupo social e variáveis biológicas” (p.88). A aprendizagem social acontece na interação da

criança com o contexto em que está inserida, dessa forma:

“Quando os pais e o contexto reagem ao comportamento das crianças de modo consistente, estão passando valores, favorecendo a construção da autopercepção, mostrando limites, mas em essência, estão treinando novas habilidades, preparando, dentro da sua percepção de mundo, as crianças para viverem em sociedade. A criança, aos poucos, vai desenvolvendo de forma integrada, a percepção do que gosta ou não, do que faz quando algo acontece, o que lhe é permitido ou vedado, ou seja, adquire, nas suas relações, o autoconhecimento” (INGBERMAN E LÖHR, 2003, p.88).

Como se pode perceber, o outro tem grande importância para o autoconhecimento, ou

seja, para que cada pessoa possa se conhecer melhor. E por referir-se a uma aprendizagem, as

pessoas tendem a agir em cada nova situação da mesma maneira que aprenderam fazer em

situações anteriores. Do mesmo modo, desenvolver a habilidade de expressar necessidades e

sentimentos também é um processo de aprendizagem. Desde cedo, a criança vai desenvolvendo

sua capacidade de se expressar conforme sua interação com o meio que está inserida

(INGBERMAN e LÖHR, 2003).

Conforme Ingberman e Löhr (2003), o homem está em contínua construção, o que

possibilita ao mesmo desaprender hábitos disfuncionais, bem como desenvolver modos mais

adequados de lidar com as situações cotidianas. Dessa forma, os autores complementam que:

“comunicar às outras pessoas sentimento positivos em relação a si mesmo, dar e receber elogios e

expressão de raiva são importantes e sua expressão pode ser aprendida sem desvalorizar o outro

ou atribuir qualidades como mal, feio, etc.” (p.93).

Segundo Hebert apud Ingberman e Löhr (2003), existe a possibilidade de treinar as

habilidades que são necessárias à vida, principalmente as habilidades sociais, que envolvem:

“assertividade, habilidade de ouvir, habilidades conversacionais, habilidades não verbais,

habilidades observacionais e habilidades em solucionar problemas” (p.90). De acordo com Del

Prette e Del Prette (2006) “um repertório elaborado de habilidades sociais contribui

decisivamente para relações harmoniosas com colegas e adultos na infância” (p.16). E do mesmo

modo apresenta correlação positiva com vários indicadores do funcionamento adaptativo da

criança, tais como: rendimento acadêmico, responsabilidade, independência e cooperação (DEL

PRETTE E DEL PRETTE, 2006). Dessa forma, baseado nos pressupostos teóricos apresentados,

foi realizado um trabalho voltado para a expressão de sentimentos.

Em relação às queixas relatadas pela mãe (comportamentos agressivos, medo e baixo

rendimento escolar), hipotetiza-se que por não saber lidar com a situação da morte do pai, o

cliente apresentava tais comportamentos. Sendo assim, pode-se compreender que são maneiras de

se comportar que o cliente encontrava para expressar seus sentimentos, principalmente em casa e

na escola. Para uma melhor compreensão do caso, faz-se necessário uma breve revisão teórica em

torno da temática criança e morte, e posteriormente sobre medo.

De acordo com Teixeira (s/d) o homem vem criando maneiras de diminuir sua angústia e

medo perante a morte, por meio de pensamentos relacionados com encontro pós-morte,

ressurgimento em outra espécie ou até mesmo tentando negar a morte, cuja é a única certeza da

vida. Para isso, o homem tem buscado mecanismos que possam afastar a morte do seu dia-a-dia,

evitando falar sobre o assunto. Dessa forma, é comum que os adultos tentem proteger uma

criança de situações que envolvam falar sobre a morte ou de vivenciar a experiência da morte de

um ente querido. Contudo, é um equívoco pensar que a criança não tem capacidade para entender

o que ocorre com as pessoas que morrem, uma vez que “a criança vai construindo o conceito de

morte juntamente com o desenvolvimento cognitivo” (TEIXEIRA, s/d).

Torres (1979 apud TEIXEIRA, s/d), realizou uma pesquisa sobre a relação entre o

desenvolvimento cognitivo e a evolução do conceito de morte, com crianças com idade entre 4 e

13 anos. Sendo assim, a autora pesquisou o conceito de morte ligado a três períodos do

desenvolvimento cognitivo de acordo com Piaget:

a) Período pré-operacional (2 a 7 anos): as crianças não fazem distinção entre seres

inanimados e animados, bem como não percebem a morte como definitiva e irreversível.

b) Período das operações concretas (7 aos 11 anos): as crianças distinguem seres inanimados e

animados, porém, não dão respostas lógico-categoriais de causalidade da morte. Elas buscam

aspectos perceptíveis, como a imobilidade para defini-la, contudo, já são capazes de perceber a

morte como irreversível.

c) Período das operações formais (12 anos em diante): as crianças reconhecem a morte como

um processo interno, implicando em parada do corpo.

Complementando, recorre-se a Cruz et al (1984) que descreveu a percepção da morte

conforme as fases evolutivas da criança:

• Antes dos três anos: a criança não possui nenhuma concepção real de princípios abstratos, do

mesmo modo, não distingue o mundo interno do externo. Por não compreender o significado da

morte, raramente se perturba com a morte de um animal ou de uma pessoa. A criança ainda não é

capaz de entender a morte, contudo torna-se ansiosa em função da reação de seus familiares.

• A partir dos três anos: a criança tem mais oportunidades de adquirir informações

relacionadas com a morte, pois tem a curiosidade mais acentuada e também por meio da

exploração e contatos com o mundo externo. Diariamente, ela presencia a morte nos programas

de televisão, e ás vezes de algum animal. Para a criança a morte passa a ser um processo

reversível, uma vez que acredita unicamente no que observa, ou seja, logo após ela vê um animal

idêntico àquele que morreu em outro lugar. Sendo assim, a morte não é considerada um fato

permanente, e sim temporário. Contudo, a criança crê que seu pensamento pode influenciar na

concretização de eventos externos, como por exemplo, se ela desejar a morte de alguém e essa

pessoa, eventualmente, vier a falecer, ela se sentirá culpada pela morte.

• Aos cinco / seis anos: a criança começa entender a morte, contudo, comumente ela se sente

perturbada, considerando a morte como um evento não natural e não compreende seu caráter

irrevogável. Em relação às causas da morte, ela pensa em termos mágicos (caveiras, bicho-papão,

fantasmas) e é comum entre as crianças a idéia de reencarnação. A criança não pode entender o

conceito de morte porque está fora de sua própria experiência, ou seja, mesmo que alguma pessoa

próxima tenha morrido, ela própria não morreu.

• Após os sete anos: a criança começa a compreender o sentindo real da morte, fazendo menção

às causas concretas (câncer, revólver, tóxico, veneno). Ela pode incorporar as experiências dos

outros e compreender que a morte é irreversível, sendo comum o questionamento a respeito.

• Aos dez anos: a criança entende a morte como fim da experiência na Terra e como processo

irrevogável, e do mesmo modo, tem condições de compreender emocionalmente o sentimento da

perda de um ente querido.

• Após o 11 anos: a criança entende o real sentido da morte, e a percebe como uma condição

humana, que faz parte do ciclo normal da vida e não precisa ser vista como punição.

Como pode ser observado, as perdas fazem parte do desenvolvimento humano, e seus

significados variam de acordo com a idade e fase em que as crianças se encontram (KOVÁCS,

2007). Kocher (apud CRUZ et al, 1984) ressalta “a necessidade de compreensão e apoio do

adulto, identificação dos níveis cognitivos das crianças e sinceridade quanto a seus sentimentos e

experiências pessoais” (p.8).

Em relação ao cliente foi possível observar que o mesmo encontra-se na transição entre

o período pré-operacional e o período das operações concretas, já que ele faz distinção entre seres

inanimados e animados, busca aspectos perceptíveis da morte, como a imobilidade para defini-la.

Do mesmo modo, pode-se perceber que o cliente está começando compreender a morte, apesar de

parecer perturbado com assunto, e não entender claramente que a morte é definitiva e

irreversível.

Em conversa realizada com a mãe, ela relatou que o filho estava pedindo outro pai, em

relação a isso, pode-se entender que o cliente acha que é possível substituir um pai pelo outro,

dessa forma, hipotetiza-se que o cliente busca a substituição pela dificuldade em compreender a

ausência definitiva do pai.

Segundo Silva (s/d) a perda do pai ou da mãe ameaça o mundo restrito da criança, pois

sua vida está limitada ao pai, à mãe e ir para a escola, dessa forma a criança tem o sentimento de

estar desprotegida, ficando insegura. Para o autor:

A rotina pós-morte deve ser retomada o mais breve possível, ou seja, se quem morreu levava a criança para a escola, alguém deve fazer a tarefa logo e não interromper a rotina. É preciso ter cuidado para não proteger demais, ou seja, impor limites é parte de educar e dar atenção (SILVA, s/d, s/p).

De acordo com Kübler-Ross (2003 apud TEIXEIRA, s/d), a reação das crianças frente à

morte do pai ou da mãe depende do modo que foram criadas antes da ocasião desta perda, ou

seja, se os pais não tinham medo da morte, se não preservaram os filhos de situações de perdas

significativas, como a morte de um animal de estimação ou a morte de um ente querido, não

ocorrerão problemas com a criança. Sendo assim, as crianças reagirão diante da morte segundo

vivências do mundo dos adultos (TEIXEIRA, s/d).

Conforme Hisatugo (2000) a dificuldade de falar sobre a morte tem relação direta com a

nossa cultura, pois a morte representa perda, abandono, medo, desconhecido. E do mesmo modo

é difícil falar sobre os sentimentos despertados pela morte, uma vez que se necessita “falar com o

coração” (HISATUGO, 2000, p. 16).

De acordo com a mesma autora os adultos, geralmente, têm receio de abordar o assunto

morte com a criança e acabam comunicando o ocorrido por meio de indiretas, utilizando termos

antigos e aparentemente úteis para confortar as pessoas. Contudo, é importante ressaltar que a

criança tem uma maneira mágica de pensamento, e dessa forma fica muito mais confusa com o

emprego das metáforas. A autora complementa dizendo que “usar metáforas para explicar a

morte é um erro que prejudica a criança entender, confundido-a e muitas vezes aterrorizando-a.

Isso acontece porque ela irá entender as metáforas literalmente” (p.13). Por exemplo, ao falar

para a criança que a pessoa que morreu agora pode descansar, pode-se passar a idéia de

sofrimento relacionada com dormir, deitar, descanso. Então, a criança fica confusa, pois

“descansar parece ser bom, mas há um clima de sofrimento (o luto) frente à este descanso”

(HISATUGO, 2000, p.18). De acordo com Kovács (2007) as expressões como “sono eterno” ou

“viagem eterna” podem confundir as crianças, uma vez que elas podem não fazer distinção do

sono cotidiano e ou das viagens de fim de semana, que tem ida e volta, com isso a criança pode

ter medo de dormir sozinha, ter pavores noturnos, enurese, medo de escuro, entre outros

(HISATUGO, 2000). Do mesmo modo:

Associar a idéia de abandono com a morte, também é ruim para a criança. Mesmo porque, a idéia de ser culpada pela “perda” de alguém pode ficar muito forte em seus pensamentos. Ao se sugerir a morte relacionada com uma viagem, ir embora, fugir de casa, etc, o adulto pode aumentar o medo da criança de ser abandonada pelos demais, temer ficar sozinha, passear, brincar fora de casa, viajar, etc (HISATUGO, 2000, p.18).

Para complementar a idéia recorre-se à Bromberg (1998 apud TEIXEIRA, s/d), que

ressalta a importância da forma de se comunicar a uma criança que alguém faleceu, pois o uso de

algumas expressões pode confundi-la, tais como: “afinal, descansou”, "a mamãe está dormindo",

"foi para o céu", "foi fazer uma longa viagem". Essas frases podem levar uma criança a pensar

que se a pessoa dormir e descansar poderá voltar algum dia ou até mesmo pode pedir para ir

visitá-la no céu (SILVA, s/d; BROMBERG, 1998 apud TEIXEIRA, s/d). Segundo Kovács

(2000) estas expressões até podem diminuir a dor, contudo tendem a causar confusão, medo e

sofrimento.

Conforme a queixa relatada pela mãe, o cliente, após o falecimento do pai, apresentou

comportamentos referentes ao medo, dessa forma, hipotetiza-se que tais comportamentos estão

relacionados com a morte do pai, uma vez que pode não estar claro para o cliente os reais

motivos dessa morte, ou até mesmo pela dificuldade em compreender/aceitar o falecimento do

pai.

De acordo com Kovács (2007), filmes e desenhos animados contribuem para que as

crianças entendam a morte como reversível, causando confusão com a experiência vivida, já que

mostram cenas fantásticas de violência e a morte como espetáculo, levando a criança a acreditar

que é possível morrer “só um pouco” ou que se pode “desmorrer” (p.74).

Conforme Hisatugo (2000) em muitos casos dizer a verdade é o melhor caminho para

permitir o amadurecimento, uma vez que falar sobre a morte, também é falar sobre a vida. Silva

(s/d) sugere que para explicar a morte é melhor dizer que a pessoa que morreu não sente mais

nada, e se a pessoa estava hospitalizada, pode-se dizer que antes sentia dor, mas agora não sente

mais. Kovács (2007) relata que é necessário explicar que as pessoas que morreram não voltarão, e

que um dia todos morrerão, mas que não se sabe quando e nem como. E para o amadurecimento

afetivo é fundamental esclarecer para a criança que a morte de uma pessoa querida não significa

que ela ou as pessoas próximas irão desaparecer ao mesmo tempo (KOVÁCS, 2007).

A mãe relatou que quando o pai faleceu, ela contou ao filho que o pai morreu, que o pai

não iria sentir mais dor (o pai do cliente teve câncer por dois anos e sentia muita dor) e que iria

para o céu, ficar perto de Deus e que isso só acontece no tempo certo. O cliente relatou para a

terapeuta que sabia que o pai estava no céu.

É importante, de acordo com Silva (s/d), mostrar para criança através de atitudes e afeto

que ela não está desamparada, do mesmo modo, é necessário deixar a criança falar de seus

sentimentos e chorar, e se ela fizer perguntas a respeito da morte, o adulto não deve ter medo de

respondê-las. Segundo Hisatugo (2000) “a prática clínica e muitos estudos a respeito da morte

ensinam que a criança necessita de respostas que muitas vezes são simples embora os adultos

tenham medo de respondê-las” (p.13). Sendo assim, para a criança as respostas mais simples e

sinceras são as mais saudáveis, e o que não se sabe sobre a morte deve ser respondido com “não

sei” (HISATUGO, 2000). De acordo com a mesma autora:

Falar sobre a morte para a criança é contar-lhe sobre a vida, já que nela passamos por alegrias, tristezas, perdas e ganhos. Deve-se dizer o que se sabe e o que não se sabe (...). Quando estamos de luto pode parecer mais difícil conversar com a criança sobre a morte. Mas, ao sermos sinceros quanto ao que sabemos e sentimos estamos propiciando seu amadurecimento (...). Os adultos devem deixar claro que não sabem tudo e que provavelmente estão sofrendo de modo semelhante a ela (p.17).

Para complementar recorre-se a Silva (s/d), o qual relata que:

Para ensinar a criança a respeito da morte, é muito útil mostrar-lhe, se surgir oportunidade, que uma planta ou animal morre e que é assim que a vida termina sendo a tristeza inevitável, ou seja, elabora melhor a morte quem aprende a conviver com ela e, assim, é indicado para a criança que tenha bichos de estimação (SILVA, s/d, s/p).

Conforme Kovács (2007) a morte de animais, embora cause sofrimento, ajuda a criança

a compreender os ciclos da vida e a superar frustrações que terá que lidar durante a vida. O que

pôde ser observado em atendimento, o cliente relatou que tem três cachorros, mas que um

morreu, ele repetiu essa fala várias vezes, fazendo relação com as atividades trabalhadas em

sessão, também falou que o cachorro não late mais, o que mostra que o cliente compreendeu que

depois que morre não se faz as coisas que fazia enquanto estava vivo.

De acordo com Hisatugo (2000), a criança também fica de luto e ao mesmo tempo

percebe o clima de luto, sendo assim, sofre com a perda, sente a ausência da pessoa que morreu e

percebe que os adultos estão tristes, mesmo que não chorem em sua presença, desse modo, para

não confundir a percepção da criança não se deve fingir estar feliz quando está triste, pois é

importante para ela acreditar no que percebe. Da mesma forma, os sentimentos devem ser

respeitados e demonstrados, uma vez que a criança se sentirá mais segurança ao perceber que seu

sofrimento é semelhante ao dos demais (HISATUGO, 2000).

Segundo Teixeira (s/d) é importante ressaltar que o processo de luto (conjunto de

reações diante de uma perda) acontece para cada criança de muitas e variadas maneiras. Do

mesmo modo, quanto maior o investimento afetivo, tanto maior a energia necessária para o

desligamento (TEIXEIRA, s/d). Segundo Kovács (2007) é preciso tempo para elaborar e

processar a perda. O primeiro passo para a elaboração do luto é a aceitação que a morte se deu,

para tanto, os adultos não podem excluir as crianças da experiência de perda como forma de

poupá-las, uma vez que essa atitude poderá bloquear o processo de luto (TEIXEIRA, s/d).

Conforme Kovács (2007), o desligamento é essencial para que a criança vivencie a ausência, pois

algumas crianças, no início do processo de elaboração de luto, podem manifestar o desejo de

unir-se à pessoa que faleceu, podendo as colocar em situações de risco.

Para elaborar o luto, conforme Kovács (2007), é necessário que as crianças recebam

informações claras sobre a morte de uma pessoa querida, senão abre-se espaço para o medo e

para a culpa, desse modo, “as tentativas de ocultar o fato ou diminuir sua importância tendem a

dificultar a compreensão” (p.74). Sendo assim, pensar que as crianças não percebem os

acontecimentos ou que irão facilmente superar as perdas distraindo-se com brincadeiras, é um

erro (KOVÁCS, 2007).

De acordo com a mesma autora, falar sobre o assunto pode não eliminar a dor, contudo,

possibilita as crianças recorrerem às pessoas com as quais se sintam mais seguras. E do mesmo

modo, “poupá-las da vivência e sonegar informações pode causar insegurança e deflagrar

comportamentos auto-destrutivos; ao contrário, deve-se convidá-las a participar dos rituais e

compartilhar sentimentos” (KOVÁCS, 2007, p. 76). Segundo essa autora, o modo de lidar com o

sofrimento de forma construtiva é favorecer a conversa e compartilhar sentimentos, e não evita-

lo. Para complementar essa idéia recorre-se à Hisatugo (2000) quando essa afirma que:

Falando claramente sobre a morte de alguém, permite-se maior segurança e amadurecimento infantil. Enganar a criança é privá-la de desenvolver-se e pode causar sérios danos psicológicos. A idéia de poupar a criança sobre a morte muitas vezes é um argumento adulto para não tratar do assunto. É claro que não há necessidade de contar fatos mórbidos ocorridos com o falecido, mas é importante explicar sobre a finitude humana, a irreversibilidade e nossos sentimentos em relação à morte (p.18-19).

Para finalizar a revisão teórica em torno do tema morte recorre-se a Hodge (apud CRUZ

et al, 1984), o qual cita dez estágios de tristeza pelos quais todos passam após perder um ente

querido:

1. Choque e surpresa: nunca estamos realmente preparados para a morte de alguém. Nosso equilíbrio emocional é momentaneamente abalado, e podemos expressar isso através de choro ou silenciosa introspecção. 2. Alívio emocional: a oportunidade de expressar a tristeza num culto memorial estruturado oferece uma ocasião para alívio emocional. 3. Solidão: isolamento e depressão sempre se seguem à experiência de perder um ente querido, e precisam ser enfrentados e compartilhados. 4. Desconforto físico e ansiedade: podem desenvolver-se sintomas físicos semelhantes ao da pessoa falecida. 5. Pânico: o enlutado não supera a ansiedade e acredita que apresenta distúrbios psíquicos. Esse sentimento leva 6 a 12 semanas para ser completamente superado.

6. Culpa: o estágio de culpa, real ou imaginário, é causada por lembranças daquilo que a pessoa poderia ter feito em favor do falecido. 7. Hostilidade - projeção: após o sentimento de culpa e autocomiseração surge a hostilidade projetada irracionalmente na tentativa de evitá-los. É essencial a compreensão e tolerância ao ouvinte. 8. Desinteresse: o cansaço e desinteresse ocorrem várias semanas após a morte. A pessoa apresenta atitudes de retraimento, sendo comum a ocorrência de suicídio na ausência de assistência adequada. 9. Vitória gradual sobre a tristeza: o reajustamento inicia quatro semanas após a morte, e leva doze semanas ou mais. O individuo retorna as atividades diárias reassumindo as dimensões da realidade gradualmente. 10. Reajustamento à realidade: esse período se estende, ás vezes, por dois anos, variando conforme as condições do processo (HODGE apud CRUZ et al, 1984, p.41).

Em relação ao outro comportamento queixa relatado pela mãe: o medo, recorre-se a

Moraes, Junior e Rolim (2001) para uma melhor compreensão do termo. Esses autores afirmam

que o medo não é diretamente visível, servindo como rótulo apropriado para uma cadeia de

manifestações comportamentais que podem ser observadas, mas nem sempre compreendidas.

Para os autores:

Admite-se a presença de medo quando, em uma dada situação se constata um ou mais dos seguintes elementos: (a) relatos subjetivos de desconforto; (b) sensação de apreensão ou angústia; (c) ativação fisiológica do sistema nervoso autônomo, produzindo aumento da transpiração, do ritmo cardíaco e respiratório; (d) manifestações motoras, tais como mãos e lábios trêmulos, voz hesitante ou completa esquiva (p.171).

Segundo os mesmos autores acima citados, a principal dificuldade na identificação da

ocorrência do medo encontra-se no fato de um indivíduo poder negar ou não relatar que está com

medo, desse modo, para poder compreender o medo de maneira mais aprofundada necessita-se

considerar, pelo menos, dois processos psicológicos básicos: (a) o medo pode aparecer como

conseqüência de um processo de condicionamento; (b) “em termos de aprendizagem de respostas

de esquiva, que seriam fortalecidas pela eliminação dos estímulos aversivos e, possivelmente,

pela redução das sensações fisiológicas aversivas” (MORAES, JUNIOR e ROLIM, 2001, p.171).

Conforme Schimidt (s/d) os medos infantis, tais como: de escuro ou dormir sozinho

tendem a desaparecer com o tempo. A autora cita as possíveis causas para o medo exagerado nas

crianças: experiência direta, observação da reação de ansiedade de outras pessoas diante de

determinadas situações, pensamentos que acompanham as situações que despertam o medo.

Segundo Ferraris (2008), lidar com os medos “é um processo de aprendizagem, que

implica a aquisição de autonomia e amadurecimento, construídos no contato com o outro” (p.73).

A autora também salienta que a atitude e hábitos dos pais podem atenuar alguns medos. Como já

relatado, os medos tendem a desaparecer com o tempo, contudo “os pais podem ajudar nesse

processo tentando deixar a criança segura diante de situações que lhe causem medo”

(SCHIMIDT, s/d, p.01).

De acordo com o que foi exposto, pode-se compreender que o medo que o cliente sente

pode estar relacionado com respostas de esquiva fortalecidas pela eliminação dos estímulos

aversivos, como a ausência do pai, uma vez que ao sentir medo o cliente fica mais próximo da

mãe, recebe mais atenção e dorme com a mesma, situações essas que produzem sentimentos de

segurança e apoio. Também se hipotetiza que o medo está relacionado com o fato do cliente não

compreender a morte claramente, situação que o deixa inseguro e confuso, podendo produzir

pensamentos relacionados à perda de outras pessoas, deixando-o com medo de ficar sozinho, de

dormir sozinho, e até mesmo, como relatado pela mãe, de tempestade.

Para uma melhor compreensão do caso, a partir dos dados coletados nos atendimentos,

assim como da breve revisão teórica, foi possível fazer uma análise funcional dos

comportamentos do cliente, ou seja, foram analisados os comportamentos, seus antecedentes,

assim como as conseqüências produzidas por eles, o que pode ser observado nos quadros abaixo:

QUADRO 1: Análise funcional do comportamento de baixo rendimento escolar

ANTECEDENTE RESPOSTA CONSEQUÊNCIA

DIFICULDADE EM EXPRESSAR SENTIMENTOS FALECIMENTO DO PAI (estímulo aversivo) NÃO SABER LIDAR COM A SITUAÇÃO DE PERDA

BAIXO RENDIMENTO

ESCOLAR

ATENÇÃO DA PROFESSORA E COLEGAS (reforço positivo)

QUADRO 2: Análise funcional dos comportamentos agressivos

ANTECEDENTE RESPOSTA CONSEQUÊNCIA

DIFICULDADE EM EXPRESSAR SENTIMENTOS FALECIMENTO DO PAI (estímulo aversivo) NÃO SABER LIDAR COM A SITUAÇÃO DE PERDA

COMPORTAMENTOS

AGRESSIVOS

ALÍVIO DOS SENTIMENTOS CAUSADOS PELA PERDA DO PAI (reforço negativo) ATENÇÃO DA MÃE / PROFESSORA E OUTRAS PESSOAS IMPORTANTES (reforço positivo)

QUADRO 3: Análise funcional do comportamento de medo

ANTECEDENTE RESPOSTA CONSEQUÊNCIA

DIFICULDADE EM EXPRESSAR SENTIMENTOS FALECIMENTO DO PAI (estímulo aversivo) NÃO SABER LIDAR COM A SITUAÇÃO DE PERDA DIFICULDADE EM COMPREENDER A MORTE

MEDO

ALÍVIO DOS SENTIMENTOS CAUSADOS PELA PERDA DO PAI (reforço negativo) ATENÇÃO DA MÃE / PROFESSORA E OUTRAS PESSOAS IMPORTANTES (reforço positivo) FICAR JUNTO COM A MÃE (reforço positivo) SENTIMENTOS DE SEGURANÇA / APOIO (reforço positivo)

Conforme pode ser analisado, as conseqüências produzidas por esses comportamentos

podem estar contribuindo para a manutenção dos mesmos, uma vez que o cliente é reforçado

positivamente por meio de atenção recebida por pessoas importantes para ele (mãe, professora,

colegas, família), bem como pela situação de ficar junto com a mãe e conseqüentemente ter

sentimentos de segurança e apoio. Do mesmo modo, nota-se que o cliente está sendo reforçado

negativamente, pois pode estar apresentando os comportamentos queixa para obter alívio dos

sentimentos causados pelo falecimento do pai. É importante ressaltar que o antecedente “morte

do pai” é aversivo para o cliente, do mesmo modo, é necessário considerar os antecedentes “não

saber lidar com situação de perda” e “dificuldade em expressar sentimentos”, uma vez que ao

sentir sentimentos decorrentes da morte, o cliente apresenta os comportamentos-queixa por não

possuir habilidades sociais bem desenvolvidas para conseguir falar/expressar o que está sentindo.

Considerações finais

Após as análises feitas e os atendimentos realizados, foi possível perceber mudanças

significativas nos comportamentos do cliente, como melhora no rendimento escolar, diminuição

do medo e dos comportamentos agressivos, mudanças que também foram relatadas pela mãe do

cliente. Do mesmo modo, foi possível constatar que, ao finalizar os atendimentos, o cliente estava

expressando de forma mais adequada seus sentimentos, contudo, pode-se observar que ainda

tinha dificuldade em expressar sentimentos relacionados com luto, tais como: saudades, solidão,

tristeza e raiva, uma vez que essas questões foram gradualmente trabalhadas, porém não

totalmente exploradas em função da aversividade que geravam no cliente.

Sendo assim, ao encerrar o processo terapêutico, o qual foi finalizado devido ao término

do estágio em Psicologia Clínica, a terapeuta sinalizou para a mãe do cliente a importância em

dar continuidade ao mesmo, pois o cliente ainda tem dificuldades em expressar sentimentos,

principalmente os relacionados com luto, sendo importante trabalhar com mais atividades que

reforcem a expressão de sentimentos, bem como com atividades relacionadas com a morte e com

o medo, que poderia ser feito por meio do emprego de desenhos animados e histórias infantis que

possam reforçar o cliente a falar de seus sentimentos, medos e lembranças, o ajudando a conviver

com a ausência do pai.

De acordo com Skinner (1991, apud MARINHO, 2008, p. 17):

Modelação é uma forma de ensino, mas a permanência de seu efeito depende do reforçamento positivo ou negativo; (...) não aprendemos por imitação nem porque nos dizem o que fazer. Devem ocorrer conseqüências após o comportamento. (...) Quando ocorrem conseqüências reforçadoras, nós aprendemos (p.17).

Ao expor os motivos, a mãe do cliente compreendeu a necessidade em dar continuidade

nos atendimentos, dessa forma, pode-se perceber a possibilidade de um prognóstico de mudança,

pois “as relações que a criança estabelece com as pessoas próximas em sua vida são

extremamente importantes no processo de aprendizagem” (CASSADO, 2008, s/p), dessa forma, a

participação da mãe no processo terapêutico é fundamental para a melhora do cliente. Uma vez

que se compreende que terapia analítico-comportamental tem como objetivo fazer com que as

pessoas aprendam a lidar com as situações aversivas que a vida lhes impõe e ao mesmo tempo

criar contingências que lhe sejam mais reforçadoras ou como afirma Skinner (1995, p.112) que

consigam “ser bem-sucedidas”.

Nesse sentido, pode-se concluir que a psicoterapia comportamental infantil tem como

principal objetivo proporcionar aprendizagem adaptativa da criança, desenvolvendo meios para

que ela possa lidar com o mundo a sua volta de forma saudável (CASSADO, 2008). Dessa forma,

conforme a mesma autora pode-se afirmar que o processo terapêutico é um forte aliado no resgate

da saúde mental da criança, uma vez que proporciona uma melhoria na qualidade de vida.

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