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Da Teoria à Prática Leny Rodrigues Kyrillos (Organizadora)

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Da Teoria à Prática

Leny Rodrigues Kyrillos(Organizadora)

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Expressividade - Da Teoria à PráticaCopyright © 2005 by Livraria e Editora Revinter Ltda.

ISBN 85-7309-899-6

Todos os direitos reservados.É expressamente proibida a reproduçãodeste livro, no seu todo ou em parte,por quaisquer meios, sem o consentimentopor escrito da Editora.

Contato com os autores:[email protected]!.: (11) 5579-1988

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CApiTUlo 2

EXPRESSIVIDADE DA FALA

Sandro Madureiro

Oestudo da Lingüística sempre fez parte dosprpgramas dos Cursosde Fonoaudiologia, mas usualmente os alunos tinham dificuldade

de estabelecer sua aplicação prática. Além de a disciplina ser ministradageralmente no 1º ou 2º ano do Curso, o que dificulta a observação de seuuso durante a parte prática dos 3º e 4º anos, nem sempre a programação docurricu/um favorece a discussão conjunta dos conteúdos.

Nosso recente olhar para a expressividade resgatou o interesse dos pro-fissionais para o aprofundamento dos conhecimentos dessa área, de impor-tância vital para a compreensão de todo o processo comunicativo. A Dra.Sandra Madureira, lingüista que atua com fonoaudiólogos, orientando e dis-cutindo trabalhos de pesquisa, favoreceu imensamente a aproximação dasduas áreas e faz ponte entre os conhecimentos teóricos e a aplicação práticade maneira didática e bastante clara. Neste capítulo, ela nos fornece os ele-mentos necessários para a compreensão da fonética e sua relação íntimacom a avaliação e a compreensão da expressividade de fala, evidenciando agrande importância desses conceitos e favorecendo o uso desse conheci-mento, não só para compreendermos o processo, mas principalmente parapodermos interferir no mesmo. É uma grande contribuição para nossa áreade atuação.

Leny R. Kyri//os

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RESUMOo objetivo deste trabalho é abordar conceitos que têm interesse para a

investigação da expressividade na fala e fornecer subsídios para a realizaçãode uma análise dos elementos envolvidos na construção da expressividadeoral.

INTRODUÇÃOQuando dizemos que uma fala é expressiva, geralmente nos referimos a

uma fala caracterizada por variabilidade de padrões melódicos e rítmicos, osquais, em trabalho anterior, denominamos "recursos fônicos que veiculam e-feitos de sentido". O termo "efeitos de sentido" é usado nesse contexto parasinalizar que a matéria fônica causa impressões nos ouvintes, os quais lheatribuem sentidos (Madureira, 1992). Entretanto, toda a fala é expressiva,no sentido de que alguma forma de atitude, emoção, crença, estado físicoou condição social é veiculada por meio da fonação e da articulação dossons. Portanto, a fala, comumente referida como monótona, também éexpressiva. Ela pode ser interpretada pelo ouvinte como indicadora de faltade entusiasmo, apatia, desinteresse, entre outros sentidos.

A fala é a face sonora da linguagem e é essa materialidade sonora queoferece inúmeras possibilidades de ser trabalhada (Granger, 1974) para aexpressão de sentidos. Assim, pelo trabalho do falante, forma (a matéria fôni-ca) e conteúdo (o sentido) se interinfluenciam. Foi exatamente a constataçãodessa interação que motivou Possenti (1988) a afirmar que uma forma suscitaum conteúdo e um conteúdo suscita uma forma, ou, no dizer de Albano(1988) "se é verdade que o sentido faz som o som também faz sentido".

Essapotencialidade da fala para expressar sentidos a torna um meio eficazpara a comunicação. Por meio da fala veiculamos informações, mas tambémexpressamos nossas atitudes, emoções e crenças e sinalizamos nossas posi-ções em relação ao discurso. Dessa maneira, um tom ascendente pode serinterpretado pelos ouvintes como indicador de continuidade do discurso e cri-ar expectativas sobre o que o falante irá dizer na seqüência da fala. Se escutar-mos as gravações de uma mesma frase enunciada por um grupo de pessoas,também somos capazes de fazer inferências a partir da matéria fônica sobrecaracterísticas físicas, sociais e psicológicas dos indivíduos que o compõe.

A expressividade da fala constrói-se a partir das interações que se estabe-lecem entre elementos segmentais (vogais e consoantes) e prosódicos (rit-mo, entoação, qualidade de voz, taxa de elocução, pausas e padrões deacento) e das relações que se estabelecem entre som e sentido. Vogais econsoantes co-articuladas constituem o fluxo da fala, e suas característicasfonéticas alteram-se, dependendo das características prosódicas.

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Os elementos prosódicos exercem diversas funções, entre elas: segmen-tar o fluxo da fala, facilitar a compreensão da fala, destacar elementos nafala (conferir proeminência), expressar modalidades (declarativa, interrogati-va etc.), atitudes, emoções, condições físicas etc.

A segmentação do fluxo de fala reduz a ambigüidade, aumenta a inteligi-bilidade e proporciona ao ouvinte uma margem maior de tempo para proces-sar a fala nos intervalos entre grupos de palavras. Essadivisão em grupos podeser realizada pelo uso de variados elementos prosódicos que tendem aco-ocorrer. Além da pausa silenciosa, a segmentação do fluxo de fala pode sersinalizada por uma variação de pitch, pelo alongamento de segmentos e síla-bas, pelo não-estabelecimento de fenômenos coarticulatórios e por ajustes dequalidade da voz.

Além da segmentação, o que facilita a compreensão da fala é o acento,ou seja, a proeminência relativa que faz com que certas sílabas de palavras sedestaquem no fluxo da fala. Um elemento proeminente é aquele que apre-senta características que o permitem se diferenciar dos demais no contexto.

Como a segmentação e a acentuação interagem com a organização sin-tática, semântica e pragmática, os resultados provenientes da investigaçãosobre a prosódia das línguas são cruciais para o entendimento de como se dáa expressão de várias modalidades e efeitos de sentido a partir de uma mes-ma seqüência segmental na fala natural.

Tentemos imaginar possíveis maneiras de se pronunciar "Sim" em respos-ta a uma pergunta. Você gostou do filme? Imaginemos que você não gostoumuito e quer dar uma resposta evasiva. Uma das maneiras de demonstrar issoseria alongar um pouco a vogal e modificar gradativamente o tom em dire-ção ascendente. Entretanto, se quisesse afirmar categoricamente, a direçãodo tom seria provavelmente descendente e mais abrupta. Se você alongasseos segmentos e usasse um tom ascendente-descendente, possivelmente, oouvinte o julgaria entusiasmado. E se você alterasse sua qualidade de voz, uti-lizando um ajuste de mandíbula fechada (Laver, 1980, 1994) mudasse gra-dativamente o tom em direção descendente e alongasse a duração do seg-mento vocálico, seu interlocutor provavelmente perceberia que você não estáa fim de responder a pergunta.

As variações para cima e para baixo no contorno melódico dos enuncia-dos são acompanhadas por mudanças de ajustes de qualidade de voz quevão desde a voz rangida (o nível mais baixo) até o falseto (o nível mais alto),passando pelo moda I (o nível médio). Essas alterações dentro dos enuncia-dos têm importantes implicações para a análise da fala.

A fala é expressiva porque suas condições de produção possibilitam infi-nitos ajustes. Nosso aparelho fonador é dotado de plasticidade e por causa

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disso, podemos combinar a atuação das câmaras iniciadoras da corrente dear (pulmões, laringe e véu palatino), a quantidade de fluxo de ar, as direçõesda corrente de ar (ingressiva e egressiva), as modificações causadas pelo po-sicionamento das pregas vocais e pelos articuladores na formação das con-figurações do trato vocal. As combinações permitidas são inúmeras e os efei-tos acústicos variados compreendem modificações nos parâmetros de dura-ção, freqüência e intensidade. E é a partir das pistas acústicas depreendidasdo sinal da fala, que o falante impressiona o ouvinte.

Consideraremos neste artigo alguns conceitos que julgamos particular-mente relevantes de serem discutidos quando se aborda a expressividade dafala: os papéis do falante e as relações entre som e sentido considerados apartir das noções de metáfora sonora e simbolismo sonoro. Por fim, apresen-taremos subsídios para a realização de uma análise da expressividade oral.

A EXPRESSIVIDADE DA FALA E OS PAPÉIS DO FALANTESegundo Goffmann (1981), o falante desempenha três papéis diferen-

tes: o animador, o autor e o protagonista. Estes papéis referem-se a três as-pectos distintos: a emissão do gesto vocal (o animador; a máquina falante), aprodução do texto (o autor) e a veiculação de um sistema de crenças que sequer compartilhado (protagonista).

Essa noção tripartida do falante ressalta aspectos fundamentais da dinâ-mica da fala: o ouvinte está contemplado nessa noção de falante por meioda postulação da categoria de protagonista. A esse ouvinte o falante querimpressionar, e essa sua missão realiza-se pelas escolhas que faz sobre a for-ma (a animação oral) e o conteúdo (a escolha das palavras).

Essa noção também abre perspectivas para a avaliação da expressivida-de na fala. Por que alguns oradores arrebatam o público e outros não? Porque algumas pessoas prendem a atenção de seus interlocutores em umaconversa? Para responder a essas perguntas temos de investigar como cren-ças (o falante no seu papel de protagonista) são expressas pelas escolhaslexicais (o falante no seu papel de autor) e de recursos fônicos (o falante noseu papel de animador).

A EXPRESSIVIDADE E AS RELAÇÕES ENTRE SOM ESENTIDO

'O sentido de um mesmo enunciado pode ser alterado em função dasescolhas prosódicas que fazemos. São as relações entre som e sentido que secolocam aí.

As relações entre som e sentido têm sido debatidas ao longo dos séculospor filósofos e lingüistas. Platão, em um dos seus famosos diálogos, o Cráti-

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lo.discute se as relações entre som e sentido estabelecem-se por convençãoou por natureza, apresentando argumentos a favor das duas interpretações.O fato é que os dois aspectos estão envolvidos, se considerarmos por umlado o caráter arbitrário da linguagem e por outro o caráter simbólico dossons, o qual interessa particularmente a investigação da expressividade oralpor implicar relações entre som e sentido que se estabelecem a partir dasevocações motivadas pelas características fônicas.

Afinal, a viva voz opõe-se à letra morta segundo a metáfora proposta porFonagy (1983). Para esse autor, as relações entre som e sentido podem serconsideradas a partir de representações sintomáticas e simbólicas. Na re-presentação sintomática, a reprodução de um sintoma pode sinalizar emo-ções dela derivadas, por exemplo: a contração de músculos do aparelho fo-nador pode sinalizar a tensão, nervosismo, raiva, etc. Na representação sim-bólica, um órgão do aparelho fonador pode representar um outro órgão docorpo, um objeto ou uma condição de proximidade, distância etc. Dessa ma-neira, formam-se as metáforas sonoras.

Essasteorizações ajudam-nos a formular hipóteses sobre os mecanismosutilizados por ouvintes quando instados a correlacionar tamanhos, cores, for-matos com sons da fala (Peterfalvi, 1975; Woodworth 1995): a associaçãoentre [i] e o que é pequenino; entre [u] e o que é escuro, por exemplo.

A ANÁLISE DA EXPRESSIVIDADE DA FALAA análise da expressividade da fala deve apoiar-se nos fundamentos de mo-

delos de descrição fonética e de análise dos gêneros e de estilos orais e deveabordar as correlações entre os aspectos perceptivo-auditivos e acústicos.

Tanto os segmentos quanto os elementos prosódicos são passíveis de se-rem analisados quanto aos três parâmetros acústicos: duração, freqüênciafundamental e intensidade. No caso dos segmentos, referimo-nos à duração,freqüência fundamental e intensidade intrínsecas (microprosódia) e no casodos elementos prosódicos, referimo-nos à duração, freqüência fundamentale intensidade das unidades maiores do que o segmento, tais como a sílaba(macroprosódia).

A análise fonética deverá, portanto, levar em conta o uso de:

• Variantes segmentais.• Padrões acentuais.• Padrões entoacionais.• Padrões rítmicos.• Variações de taxa de elocução.• Pausas (distribuição e tipologia).• Ajustes de qualidade de voz.

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A maneira de descrever os elementos elencados anteriormente depende,naturalmente, do modelo fonético adotado. Entretanto, independentementedo modelo adotado, o recurso à análise fonético-acústica é essencial para quese possam determinar todos os parâmetros envolvidos. Alguns trabalhos deinteresse que consideram os parâmetros acústicos na análise dos elementosprosódicos do português brasileiro são: Albano (2001); Barbosa (1995, 2000,2002); Gama Rossi (1998,1999,2002); Massini (1991); Madureira (2002).

A investigação das pistas acústicas auxilia-nos a estabelecer correlaçõescom o nível auditivo. A percepção de uma pausa, por exemplo, pode ser sina-lizada por características de variação de pitch e alongamento da sílaba acen-tuada imediatamente anterior à pausa ou por presença de silêncio, ou, ain-da, pelo conjunto dessas características. Recorrer à inspeção acústica é ummeio eficaz de investigarmos os fenômenos ocorridos.

Apresentamos, a seguir, três representações para ilustrarmos de quemaneira uma investigação fonético-acústica pode oferecer subsídios para aidentificação das pistas presentes no sinal acústico que possam ter influenci-ado a percepção de uma pausa medial em uma das emissões de um enuncia-do "A casa branca foi reformada", gravado por um sujeito do sexo masculi-no. A pausa medial a que nos referimos ocorreu entre "branca" e "foi". Agravação foi feita em ambiente acusticamente tratado, e os dados, digitaliza-dos em 22 kHz e analisados por meio do Multi Speech da Kay Elemetrics.

A primeira representação é a da forma da onda sonora, unidade básicada fonética acústica que nos dá informações sobre a variação da freqüênciae amplitude no tempo. Na forma da onda podem ser realizadas medidas deduração. A segunda representação é um contorno da freqüência fundamen-talda voz. Finalmente, a terceira representação, aqui utilizada como referên-cia para delimitar os segmentos na realização das medidas de duração feitasna forma da onda, é um gráfico de espectrograma de banda larga, no qualpodem ser visualizados os formantes que correspondem às ressonâncias dotrato vocal.

Os cursores estão posicionados sincronicamente na forma da onda e noespectrograma de banda larga entre as palavras "branca" e "foi". Note-seque não há presença de pausa silenciosa.

Na Figura 2-1, a seguir, pode-se verificar um aumento da freqüência fun-damental a partir do núcleo vocálico da sílaba tônica da palavra "branca",atingindo o valor máximo na sílaba pós-tônica dessa mesma palavra. Nesseintervalo, constatou-se uma variação de 20 Hz e é esse um dos fatores quecontribuem para a sensação de pausa.

Determinar os valores relativos de duração, freqüência e intensidade dossegmentos e a duração do intervalo de pausa possibilitam fazer correlações

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Fig. 2-1. Forma da onda, contorno de freqüência fundamental e espectrograma de bandalarga do enunciado "A casa branca foi reformada".

entre os níveis acústico e perceptivo. Como ilustração, apresentamos os grá-ficos referentes a duas emissões do sintagma "a casa branca" por um mes-mo sujeito na mesma taxa de elocução.

Na emissão referida como "seqüência 1" o sujeito enfatizou a palavra "ca-sa". Na emissão da "seqüência 2" a ênfase recaiu sobre "branca". Essesjulga-mentos auditivos podem ser confrontados com os resultados da mediçãodos valores de duração (em ms) e freqüência fundamental (em Hz) apresen-tados nas Figuras 2-2 e 2-3, a sequir.

Comparação em termos de porcentagem indica que na emissão comênfase em "casa" a vogal tônica de "casa" correspondeu a 3,2% da duraçãototal do enunciado, e a "branca" a 5,95. Na emissão com a ênfase em "bran-ca" os valores são 4,1 e 6,45% respectivamente.

Como podemos observar, as curvas de duração apresentadas na Figura2-1 seguem uma evolução semelhante, pois ambas atingem o valor de dura-ção máximo no núcleo vocálico tônico da palavra "branca". Contudo, a dife-rença entre o valor da vogal tônica de "casa" e o da vogal tônica de "branca"

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a CASA branca

Valores de duração (em ms) desegmentos consonantais e vocálicos

ti)

E

2 3 4 5 6 7 8 9 10

________a casa

BRANCA

Fig. 2-2. A linha com losangos corresponde à emissão em que a palavra "casa" foi enfatizada ea linha com quadrados, à emissão em que a palavra "branca" foi enfatizada. Os números naabscissa correspondem aos dez segmentos consonantais e vocálicos que formam o sintagma"a casa branca", e os valores de duração (em ms) são apresentados na ordenada.

Valores de tO na parte medial do núcleo vocálico

~~~j ..- === •I

a CASA brancaNI ________a casa BRANCA

I I

1 2 3 4 5

Sílabas

Fig. 2-3. A linha com losangos corresponde à emissão em que a palavra "casa" foienfatizada, e a linha com quadrados, à emissão em que a palavra "branca" foi enfatizada.Os números na abscissa correspondem aos núcleos vocálicos das sílabas que formam osintagma "a casa branca", e os valores de freqüência fundamental (em Hz) são apresentadosna ordenada.

na seqüência 1 é de 39 ms, enquanto que na seqüência 2 é de 67 ms (na emis-são com ênfase em "casa", a vogal tônica dessa palavra tem 85 ms de dura-ção, e a vogal tônica de branca 124 ms, enquanto que na emissão com ênfaseem "branca", a vogal tônica de "casa" tem 65 ms, e a de "branca", 132 ms).

Não consideraremos neste artigo procedimentos exigidos pela metodo-logia de análise acústica, como normalização e tratamento estatístico dos

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dados. Nosso intuito aqui é apenas explicitar como se pode obter dadossobre as características acústicas a partir da medição de segmentos no sinalda fala. Consideraremos a seguir o contorno de freqüência fundamental (fO).

Como podemos observar, o contorno da freqüência fundamental é idên-tico nas duas primeiras sílabas, mas a partir daí divergem. A freqüência fun-damental sobe 5 Hz da segunda para a terceira sílaba e cai 8 Hz da terceirapara a quarta sílaba na seqüência 1. Na seqüência 2, nessas mesmas posi-ções as diferenças são de 19 Hz e 21 Hz respectivamente. A seqüência 1 ter-mina em contorno descendente, e a 2, em contorno ascendente.

Além da realização da descrição fonética, é necessária a investigação deaspectos sintáticos, semânticos, pragmáticos e discursivos a partir de mode-los de análise do discurso oral. Só dessa maneira é possível o estabelecimen-to de correlações entre as categorias da estruturação discursiva e as caracte-rísticas fonéticas. Por exemplo, a transição entre partes do discurso, comoentre a introdução de uma palestra em que o falante se apresenta e o iníciodo desenvolvimento da temática, pode ser sinalizada por alterações de ajus-tes de qualidade de voz, de estruturação rítmica ou de dinâmica de voz,entre outros recursos fõnicos.

Pelo que expusemos neste artigo, analisar a expressividade da fala com-preende o desenvolvimento de várias atividades e pressupõe desenvolvimen-to da habilidade de escuta e formação em fonética e aquisição de conhe-cimentos sobre o funcionamento lingüístico (noções de variação lingüística, deestilo, de categorias discursivas, de estruturação sintática e textual, entre ou-tras).

O desenvolvimento da habilidade de escuta requer atenção ao detalha-mento fonético, às pistas fonéticas presentes no sinal de fala. A escuta deveser dirigida à identificação de: proeminências relativas; características de ruídoe sonoridade; interrupções no fluxo de fala; e alterações, contrastes, alternân-cias e repetição de padrões prosódicos. O apoio na inspeção acústica do sinalde fala é , sem dúvida, um grande meio facilitador da escuta atenta.

Para se abordar questões sobre a expressividade da fala é preciso, portan-to, recorrer a uma ferramenta fundamental: a formação em fonética, semdúvida, indispensável para o estudo de qualquer aspecto da fala.

CONSIDERAÇÕES FINAISFalar de expressividade da fala é falar sobre o uso simbólico dos sons. O

uso simbólico dos sons não se restringe ao poético, ao uso mágico do som,ele invade o discurso oral em seus variados gêneros e estilos e aponta para oâmago da questão do tratamento entre som e sentido: a epistemologia dosom não pode ser desvinculada da epistemologia do sentido.

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Para quem tem interesse na análise da expressividade da fala, há um gran-de número de obras de referência, para citar algumas de relevância: Sapir(1957); Crystal & Quirk (1964); Hymes (1971); Jakobson (1977); Scherer &Giles (1979); Fonagy (1983); Bolinger (1986); Jakobson & Waugh (1987); Hin-ton, Nichols & Ohala (1994); Pittam (1994) e Scherer (2003).

Nessas obras deparamo-nos com a potencialidade da matéria fônica deevocar sentidos, a capacidade do falante de materializar em som suas idéias,atitudes e sentimentos para comunicar ao ouvinte a impressão que intenta.No sinal da fala, as marcas são utilizadas pelo ouvinte para atribuir caracterís-ticas físicas, sociais e psicológicas. Isso nos dá a dimensão do impacto da falana comunicação entre os homens.

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