expressividade e emoçõeswallon

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  • UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE CINCIAS E TECNOLOGIA

    SLVIA ADRIANA RODRIGUES

    EXPRESSIVIDADE E EMOES NA PRIMEIRA INFNCIA: UM ESTUDO SOBRE A INTERAO CRIANA-CRIANA NA

    PERSPECTIVA WALLONIANA

    Presidente Prudente 2008

  • SLVIA ADRIANA RODRIGUES

    EXPRESSIVIDADE E EMOES NA PRIMEIRA INFNCIA: UM ESTUDO SOBRE A INTERAO CRIANA-CRIANA

    NA PERSPECTIVA WALLONIANA

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-graduao em Educao - Mestrado, da Faculdade de Cincias e Tecnologia, UNESP/Campus de Presidente Prudente, como exigncia para obteno do ttulo de Mestre em Educao. Orientadora: Profa. Dra. Gilza Maria Zauhy Garms.

    Presidente Prudente 2008

  • AGRADECIMENTOS

    No sou nem um pouco original em dizer que projetos de vida no se edificam de forma solitria; contamos sempre com a presena direta e indireta de outros e isso nunca demais lembrar. Neste momento em que se finaliza uma jornada preciso agradecer aos que compartilharam dela, aos que nos amparam de alguma forma.

    Em primeiro lugar, agradeo minha famlia, por me apoiar em minhas decises. Minha av materna, meu pai, e em especial minha me, luz da minha vida, que mesmo no entendendo direito os meandros do universo acadmico sempre me acompanhou, incentivou e acalentou nas horas em que acreditei que no conseguiria ir adiante.

    Ao Raio, que se revelou um grande companheiro ao suportar todos os meus humores e ausncias com grande dose de abnegao e um incomensurvel carinho.

    Gilza, que sempre foi muito mais que uma orientadora, foi mentora, mestre, companheira, colaboradora, interlocutora e, principalmente, a amiga que me amparou nas horas de sufoco pessoal e angstia intelectual, tornando-se um modelo de pessoa e de profissional que levarei por toda a vida.

    Ao Alberto, que apareceu em minha vida como um professor e se tornou o mestre e o amigo amado e fiel de muitas e todas as horas; alm de ser o grande culpado por eu ser quem sou hoje.

    Simone Pradella, amiga permanente e de ouvidos pacientes, que sempre esteve ao meu lado ouvindo minhas lamrias e me acudindo nos pitis acadmicos ou no.

    s amigas: Camila, Simone Dek, Dulcinia, Regina Penati, Vanda Machado e Solange Estanislau, pela valiosa interlocuo e pela amizade sincera, pelos momentos de risos, pela pacincia com minha insegurana, e porque sempre acreditaram que eu chegaria at aqui... So muito queridas por isso, alm de serem permanente fonte de inspirao.

    Aos amigos Dbora, Fernando, Juliana Gense, Orlando, Carol e Simone Galiani pelos bate-papos, risos e momentos preciosos de descontrao.

  • As colegas de turma Juliana Zechi, Juliana Diniz, Tati e Aline, pelos intervalos literrios e cervejas filosficas...

    Aos professores Mila, Divino, Ana Archangelo, Yoshie, Onaide, Sonia Coelho e Cristiano pela iniciao na graduao, pelas conversas enriquecedoras e a confiana que depositaram em minha capacidade acadmica.

    s professoras Clia Guimares e Elisabete Gelli pelas valiosas contribuies proporcionadas no momento da qualificao e pelo dilogo mantido em outras ocasies....

    Paula Felcio, do Departamento de Educao, pelos bate-papos e quebra-galhos e que, por ser sempre mais que funcionria, tornou-se uma amiga querida.

    Aos funcionrios da Seo de Ps-Graduao da FCT, pelo sempre pronto atendimento s solicitaes.

    Aos participantes da pesquisa que me permitiram invadir suas vidas.

    Aos meus alunos, cuja convivncia me proporcionou um crescimento intelectual e profissional imenso.

    Tentando no ser injusta com aqueles que a falta de memria me fez omitir os nomes, mas que compartilharam comigo a dor e a delcia deste tempo acadmico, me utilizo das palavras de um autor desconhecido para manifestar minha gratido:

    Agradecemos aos que amamos, Aos que nos geraram,

    colaboraram na gerao, aos gerados,

    aos que conviveram, convivem e convivero conosco,

    numa contnua troca de experincias com as quais aprendemos a existir

    sem ser adjetivos.

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  • RESUMO

    O presente texto apresenta os resultados da investigao acerca das manifestaes afetivo/emocionais de crianas durante a primeira infncia em contextos coletivos, mais especificamente no ambiente da educao infantil. Vinculada linha de pesquisa Prticas educativas na formao de professores, adotou-se como objeto as manifestaes afetivo-emocionais nas interaes criana-criana que se estabelecem no contexto educativo. Estudos recentes, com destaque para aqueles orientados pela teoria walloniana, revelam que a criana, em seu processo de desenvolvimento, orientada para o outro, forma vnculos afetivos, compartilha e constri significados objetivos e subjetivos na interao no apenas com parceiros adultos, mas tambm com seus pares. Assim, apoiando-se na teoria psicogentica de Wallon, buscou-se examinar as interaes das crianas com seus coetneos, adotando os seguintes objetivos especficos: apreender os tipos de manifestaes afetivo-emocionais individuais que ocorrem no contexto educativo; examinar os recursos expressivos utilizados pelas crianas nas interaes com seus pares; apontar e refletir sobre possveis direes que propiciem um ambiente produtivo e satisfatrio para o desenvolvimento da criana. Para tanto, o estudo, com nuances etnogrficas, teve como participantes crianas que se encontram na faixa etria entre o primeiro e o terceiro ano de vida, de um agrupamento de berrio II de uma instituio de educao infantil no municpio de Presidente Prudente, onde foram realizadas observaes assistemticas entre os meses de fevereiro e junho do ano de 2008. Do material registrado foram selecionados e analisados 15 episdios interativos, nos quais foi possvel verificar a exuberncia expressiva das crianas. Notou-se que os recursos expressivos que marcam o perodo de oposio ocorrem mais precocemente do que postula a teoria walloniana, ou seja, confirmou-se que as caractersticas e os estgios de desenvolvimento importantes para a formao do ser humano no so demarcados pela idade cronolgica e sim pelas experincias sociais e afetivas vivenciadas individualmente, que deflagraro regresses, conflitos e contradies que propiciam, reformulam e ampliam conceitos e funes. Alm disso, os dados permitiram corroborar as teorias que apontam tanto para o fato de o processo de desenvolvimento infantil se realizar nas interaes, que objetivam no s a satisfao das necessidades bsicas, como tambm a construo de novas relaes sociais, com o predomnio da emoo, como para o fato de a interao criana-criana representar um espao promotor do desenvolvimento, fortalecendo a idia de que ela interlocutora ativa e protagonista de seu desenvolvimento. Assim, reitera-se o importante papel desempenhado pelas instituies de educao infantil, no sentido de garantir que as interaes em seu interior se pautem na qualidade, a fim de ampliar o horizonte da criana e lev-la a transcender sua subjetividade e se inserir no social. Neste sentido, se faz necessrio que a educao infantil adote propostas pedaggicas que enfatizem a importncia das interaes entre crianas, visto que so uma das molas propulsoras do desenvolvimento destas e que criem, intencionalmente, situaes que permitam contatos entre grupos variados e situaes interativas que favoream o desenvolvimento da autonomia, baseando-se no respeito pelas caractersticas prprias da inteligncia infantil, bem como nas necessidades especficas de cada grupo.

    Palavras-chave: interao criana-criana; expressividade; manifestaes afetivas; primeira infncia; teoria walloniana; educao infantil.

  • ABSTRACT

    The text presents the results of an investigation about toddlers affective/emotional manifestations in collective contexts, more specifically into the children education environment. Linked to the research area Educative practices into teacher formation, the affective-emotional manifestations considering the interactions child-to-child in the educative context were adopted as object. Recent studies, especially those related to the wallonian theory, reveal that the child in his or her growing process is oriented to the other, makes affective connections, shares and builds objective and affective meanings in the interactions, not only with adults, but also with their partners. Thus, supported by the wallonian psychogenetic theory, the children interactions were examined, with the following specific goals: get the types of individual affective-emotional manifestations which occur in the educative context; examine the expressive resources used by the children when interacting with their partners; point out and think about the possible directions to promote a productive and satisfactory environment to the childs development. In order to do this, the research, with ethnographic nuancing, considered as participants children between the ages of one to three years old, in a nursery 2 group of a children education institution of Presidente Prudente municipality, where unsystematic observations were made from February to June 2008. From the registers it was possible to observe the expressive exuberance of the children. It was noticed that the expressive resources that remark the opposition period occur earlier than wallonian theory postulates, that is, it was confirmed that the characteristics and stages which are important for the formation of the human being are not delimitated by the chronological age, but by the individual social and affective experiences which will trigger regressions, conflicts and contradictions that allow, reformulate and broaden concepts and functions. Also, the data allowed to confirm the theories that indicate that the process of child development happens into the interactions, aimed not only at the basic needs satisfaction, but also at the construction of new social relations, with the predominance of emotion, and also to the fact of the child-to-child interaction representing a space that promotes development, reinforcing the idea that the child is the active interlocutor and has a central role in his or her development. Thus, the important role of children education institutions is reinforced, considering it should be guaranteed that the interactions in them have quality bases, in order to broaden the childs horizon and take him or her beyond his or her subjectivity so as to insert in the social environment. In this sense, it is necessary that children education adopts pedagogical proposals which emphasize the child-to-child interactions, since they are one of development starters and also that situations to allow varied groups contacts and interactive situations are created to favor the autonomy, based into the respect for children intelligence specific characteristics and also in the specific needs of each group.

    Key words: child-to-child interaction; expressiveness; affective manifestations, first infancy; wallonian theory; children education.

  • SUMRIO

    APRESENTAO ..........................................................................................

    08

    CAPITULO 1 A INSPIRAO VEM DE ONDE, PERGUNTA PRA MIM ALGUM... INTRODUZINDO O TEMA AFETIVIDADE/EMOO .................

    15

    CAPITULO 2 FIOS E FUROS: A TRAMA DO DESENVOLVIMENTO HUMANO NA PSICOGENTICA WALLONIANA ...........................................

    2.1- Estgios de desenvolvimento segundo a psicogentica walloniana 2.1.1- Estgio impulsivo-emocional .................................................... 2.1.2- Estgio sensrio-motor e projetivo ........................................... 2.1.3- Estgio do personalismo ..........................................................

    32 36 37 39 42

    CAPITULO 3 O ENTRELAAR DOS FIOS: ESCOLHENDO O CAMINHO E TRILHANDO O CONTEXTO DA INVESTIGAO .....................................

    3.1 Primeiras aproximaes: descortinando o contexto das interaes .. 3.1.1 Organizao e espao fsico: primeiras revelaes .................. 3.1.2 A rotina e a formao dos enredos na educao infantil .......... 3.1.3 Berrio II B: o caminho das pedras .........................................

    52 55 56 63 68

    CAPITULO 4 PONTOS DE ALINHAVO: QUANDO AS CRIANAS FAZEM ARTE ............................................................................................................

    4.1 Olhares e dizeres: as crianas focais ................................................ 4.2 Traando movimentos: as manifestaes expressivas ..................... 4.3 Expressividade infantil: o que possvel depreender? ......................

    71 72 73 85

    O PONTO FINAL OU DE VOLTA AO COMEO? .......................................

    94

    REFERNCIAS .............................................................................................. 104

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    COMO FIOS, MEADAS, NOVELOS E NS SE TORNAM MALHA...

    Ns vivemos rodeados de mistrio de vida oculta e quando descobrimos,

    a nossa vida pessoal, que a mais imediatamente sentida,

    no existe desprendida ou superfcie de tudo o mais no mundo,

    mas estabelece com isso uma estranha unio (Virgilio Ferreira - Pensar)

    O texto que ora apresento faz parte de um projeto pessoal e profissional. Dessa forma, considero oportuno, para incio de conversa, expor no s os passos da pesquisa realizada, mas tambm minha trajetria pessoal, pois ela tambm esclarece como a investigao tomou forma ao longo do tempo; penso que essa a atitude mais apropriada para explicitar como a trama a que me propus confeccionar foi tecida, como entrelacei, sobrepus e escolhi os fios e as cores que resultaram na tessitura que ser apresentada nas prximas pginas...

    Sou filha de pais que no tiveram oportunidade de freqentar o ensino formal, so pessoas simples que aprenderam o bsico para sobreviver num mundo em que cada vez mais valoriza as letras. Minha ida e permanncia na escola so lutas pessoais de minha me, que sempre insistiu em que a filha deveria concluir os estudos do ensino fundamental e, quem sabe, alar vos mais altos dos que a ela foram permitidos.

    Sempre aluna de escola pblica, entrei na universidade somente aos 27 anos e o choque cultural foi bastante grande. Nos cinco anos de graduao tornei-me uma nova pessoa, conheci a pesquisa e me apaixonei pela Psicologia. Desta forma, o primeiro recorte para o objeto da pesquisa foi feito ainda no curso de Pedagogia.

    Durante o curso de graduao estudei os temas violncia, indisciplina e formao de professores, mas ainda no era o que de fato me realizava. A preocupao com a questo das relaes interpessoais me levou a abordar a questo do ponto de vista psicanaltico por algum tempo. Chegar teoria walloniana como pressuposto para entendimento das relaes humanas s aconteceu quando freqentei, como aluna especial, a disciplina Psicologia da criana de 0 a 6 anos, no curso de Habilitao para a Educao Infantil; e foi neste

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    momento que a emoo, como questo epistemolgica, despertou o meu interesse. Foi tambm nesse curso que comecei a tomar conhecimento dos meandros da educao infantil.

    O aprofundamento terico e as problematizaes consistentes sobre as questes que envolvem o desenvolvimento da criana e a educao infantil advieram da experincia no ensino superior. Atuar como professora da disciplina Psicologia da Educao em cursos de licenciatura despertou-me a necessidade de desenvolver um estudo sobre a afetividade e emoes, visto ser esse um tema que ao mesmo tempo em que encanta, preocupa as pessoas envolvidas com educao. Dessa constatao resultou a percepo de que a afetividade complementa e d sentido atividade pedaggica, sendo esta relao o ponto de partida para as inquietaes que fomentaram as indagaes da pesquisa.

    A opo por realizar a investigao na educao infantil se deu por vrias razes: primeiro, ser a emoo um tema ainda pouco explorado pelas pesquisas em educao. A educao infantil brasileira trilhou um longo caminho, de incio esteve subordinada sade, depois assistncia e somente recentemente vinculou-se educao de fato; a prpria trajetria mostra o descaso para com esse segmento educacional cuja prtica, durante muitos anos, esteve voltada somente para a guarda e cuidado das crianas pequenas e ainda hoje vem-se prticas e discursos que denunciam a existncia e resistncia dessa concepo pobre e empobrecedora de educao infantil.

    Uma segunda razo para escolha se d pelo fato de que neste espao a questo das emoes se coloca de forma mais evidente e premente. No preciso recorrer a uma teoria para constatar a suscetibilidade da criana pequena a crises emocionais. Qualquer leigo j presenciou crianas em intensas crises de birra, de raiva ou mesmo de alegria, em muitos casos traduzidas numa profuso de movimentos. Essas caractersticas tambm so familiares aos profissionais da educao infantil1, mais que isso, para estes ltimos se configura num problema, pois a no compreenso exata dessas manifestaes faz com que encararem as manifestaes emocionais das crianas como alguma disfuno. Longe de representar uma patologia do desenvolvimento, as manifestaes afetivas, das mais

    1 Devido diversidade de nomenclaturas utilizadas para designar os profissionais que atuam

    diretamente junto criana pequena, ao longo do texto sero utilizados os termos educadores, professores e outros adotados como sinnimos sem a pretenso de diferenciar cargos ou funes.

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    diversas ordens so, na perspectiva walloniana, na verdade, funcionais. Isto , fazem parte mesmo do processo de construo do EU, da personalidade da criana, ou seja, so recursos necessrios ao seu desenvolvimento pleno.

    Esta uma das premissas da teoria psicogentica do desenvolvimento humano de Henri Wallon, cujas contribuies se mostram singulares para o entendimento das transformaes da ontognese da criana. Sua proposta de aproximao entre a pedagogia e a psicologia e a inovadora viso de desenvolvimento promovido pelo entrelaamento das dimenses motoras, afetivas, e cognitivas, apontando as emoes como importante fator de mediao na formao do psiquismo, faz com que sua teoria seja aporte imprescindvel nos estudos que pretendem depreender a relevncia da afetividade na constituio do sujeito, ou seja, que tencionam olhar os componentes afetivos como fatores funcionais.

    Nessa perspectiva, a busca da compreenso mais elaborada de um determinado problema exige, como aponta Da Mata2 (1987, apud SILVA, 2003, p. 51), questionar o extico transformando-o em familiar e questionar o familiar transformando-o em extico, deflagrando, assim, o raciocnio e a pesquisa, levando formulao de hipteses e realizao de observaes mais cuidadosas. Um sbio professor me disse, ainda no curso de graduao, que ningum sai procura de respostas para um problema que no o mobiliza, que no faz parte de suas preocupaes pessoais; assim, como j apontado na introduo, este trabalho no deixa de ser, de certa forma, autobiogrfico.

    Ao trazer a questo da afetividade para a rea cientfica, a pergunta sempre a mesma: como possvel alcanar o distanciamento solicitado ao pesquisador de objetos e situaes que nos marcam to visceralmente?

    No h como negar a complexidade do trabalho da pesquisa cientfica, especialmente em educao, pois, na proposta de trabalhar com uma diversidade de temas cujos limites muitas vezes no so muito claros e h flexibilidade de tcnicas e mtodos, encontrar um mundo num gro de areia... no uma tarefa simples.

    Hoje entendo as palavras de De Certau (1994) quando aponta que desenvolver uma pesquisa como abrir um canteiro de obras: definindo mtodo,

    2 No h referncia completa desta obra no livro citado.

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    encontrando modelos, diferenciando atividades de acordo com sua natureza, descrevendo, comparando, diferenciando situaes, procurando, na maioria das vezes, tateando, elaborar uma cincia prtica do singular

    Mas mesmo ciente de todas essas dificuldades, enveredei-me pelo caminho da cincia, mobilizada por incertezas, mas tambm por uma inquietude e necessidade de compreenso, de conhecimento do real, por uma sede de conhecimento e um desejo de formular opinies que me imbuiu de um esprito cientfico, o mesmo esprito cientfico definido por Bachelard (1996, p. 18), como o que probe que tenhamos uma opinio sobre questes que no compreendemos com clareza. O mesmo autor aponta que o ato de conhecer d-se contra um conhecimento anterior, destruindo mal estabelecidos, superando o que, no prprio esprito, obstculo [...]3

    Buscando superar os obstculos das mais diversas ordens, conhecidos e desconhecidos, o caminho percorrido na investigao foi rido; do pensamento inicial, muitas idias foram reformuladas, mas o objeto inicial, o papel da emoo na natureza singular da criana, e a vontade de desvend-lo permaneceram...

    Assim, o projeto de pesquisa elaborado no incio do percurso e as primeiras problematizaes foram se transformando no momento de ida a campo, isso porque o contato de forma mais direta com uma determinada prtica ou cultura vai se realizando por vias tortuososas e desvios que revelam mais do que aquilo que procuramos. Dessa forma, modificaes foram necessrias porque situaes adotadas como ideais vo se tornado reais, exigindo um esforo de entendimento das caractersticas que fazem com que se passe a perceb-las como situaes possveis dentro do contexto em que ocorrem.

    Segundo Wallon (1995) toda observao supe uma escolha dirigida pelas relaes que podem existir entre o objeto ou fato e a nossa expectativa, em outros termos, nosso desejo, nossa hiptese ou mesmo nossos simples hbitos mentais. E as dvidas sobre como distinguir a fronteira entre a subjetividade do observador e a realidade objetiva sempre me perseguiram, no sendo possvel negar que esse o grande desafio deste trabalho, o desafio que muitas vezes me fez questionar minha capacidade como pesquisadora...

    3 (Ibid., p. 17).

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    Para o autor, o estudo da criana no pode se limitar a simples constatao, deve se constituir na busca de contradies e conflitos nos diferentes momentos de seu desenvolvimento, sem manter o olhar fixo e restrito uma pr-concepo.

    Nesse sentido, olhar a criana em contexto educacional assume a perspectiva de processo, de movimento, de transformaes que suscitam interpretaes. neste contexto que este estudo se situa e busca investigar a criana em interao com seus pares no ambiente da educao infantil, uma vez que esse ambiente parece ser rico para o desenvolvimento pleno da criana, pois se trata de um espao intencionalmente planejado para oferecer mltiplas oportunidades para expresso e aprendizagens infantis.

    Em consonncia com a perspectiva terica adotada, compreendo a criana como protagonista de aes desde o nascimento, orientada para a interao social, a formao de vnculos afetivos e construo e compartilhamento de significados com o meio sociocultural onde gradativamente se insere; assim, o desenvolvimento entendido como sendo constitudo por redes complexas de relaes da criana consigo mesma, com seus pares e com os adultos em ambientes sociais.

    neste sentido que a teoria walloniana concebe o ritmo no qual se sucedem as etapas do desenvolvimento de forma descontnua, marcado por rupturas, retrocessos e reviravoltas, sendo que a passagem de um estgio a outro ocorre de forma no linear, por reformulao, instalando-se, no momento da passagem de uma etapa a outra, crises que afetam a conduta da criana. Este processo no ocorre de forma tranqila para a criana; conflitos se instalam - de origem exgena quando resultantes dos desencontros entre as aes da criana e o ambiente exterior, estruturado pelos adultos e pela cultura e endgenos, quando gerados pelos efeitos da maturao nervosa - sendo que estes conflitos constituem-se em propulsores do desenvolvimento. (GALVO, 1995).

    Diante destes pressupostos, teve incio a investigao que adotou as seguintes questes norteadoras:

    - Ser que na idade investigada encontrarei as manifestaes afetivo-emocionais propostas na teoria walloniana?

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    - Como as manifestaes afetivo-emocionais descritas na teoria walloniana se fazem presentes num grupo de crianas atendidas nas instituies de Educao Infantil?

    - Quais recursos expressivos so mais freqentes na faixa etria investigada?

    Essas so questes cuja discusso demandou a aproximao de um universo particular e a observao das interaes que nele se estabelecem. Assim, na investigao me propus compreender aspectos da vida cotidiana, mais especificamente as manifestaes que se expressam no interior de um determinado cotidiano; ou seja, no me dispus encontrar as regularidades ou continuidades puras e simples nas situaes observadas, mas sim apreender nexos e relaes com base nos elementos disponveis. Tambm nunca foi minha inteno buscar explicar todas as nuances que envolvem as relaes interpessoais e as expresses afetivo-emocionais no interior das instituies de educao infantil; este um trabalho que buscou debruar o olhar nas manifestaes afetivo-emocionais que envolvem o processo de desenvolvimento da criana pequena no processo educativo formal de um grupo especfico.

    Assim, tendo como pressuposto a teoria walloniana do desenvolvimento, em especfico a importncia das manifestaes expressivo-emocionais para o desenvolvimento da criana, o presente trabalho adotou como objetivos especficos apreender os tipos de manifestaes afetivo-emocionais individuais que ocorrem no contexto educativo, examinar os recursos expressivos utilizados pelas crianas nas interaes com seus pares e apontar e refletir sobre possveis direes que propiciem, de forma geral, um ambiente produtivo e satisfatrio para o desenvolvimento da criana.

    Para tanto, o estudo com nuances etnogrficas, que pretendeu uma aproximao da realidade com um olhar, dentro de uma pluralidade de olhares possveis, entender situaes cotidianas e dar um novo sentido a acontecimentos corriqueiros, teve como participantes crianas que se encontram na faixa etria entre o primeiro e o terceiro ano de vida, de um agrupamento de berrio II, de uma instituio de educao infantil, onde foram realizadas observaes assistemticas entre os meses de fevereiro e junho do ano de 2008.

    Assim, o caminho percorrido e ora apresentado est organizado em cinco partes: no primeiro captulo apresento algumas vises/estudos que apontam

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    existncia e valor das interferncias da emoo/afetividade no desenvolvimento psquico e formao da identidade/personalidade do indivduo, com base em discusses/estudos das teorias vygotskyana e walloniana.

    No captulo segundo coloco em evidncia o referencial terico que norteia a investigao, trazendo elementos centrais da teoria de Henri Wallon, onde descrevo os papis desempenhados pela emoo e afetividade no processo de desenvolvimento da criana bem como as construes e singularidades decorrentes desta dinmica nos diferentes estgios propostos pelo autor.

    Em seguida, no terceiro captulo, exponho e justifico as opes terico-metodolgicas adotadas e a descrio do caminho percorrido para o levantamento dos dados; trago ainda a descrio e uma breve anlise da instituio e a caracterizao dos participantes da pesquisa.

    A descrio e anlise das situaes observadas, que foram recortadas em episdios, so apresentadas no quarto captulo; paralelamente tambm so feitas anlises e discusses sobre os recursos expressivos percebidos na investigao.

    Finalmente, na quinta parte do trabalho, encerro o texto com algumas consideraes possveis e apontamentos pertinentes acerca da importncia de se considerar a dimenso afetiva nas propostas pedaggicas para a educao infantil.

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    CAPITULO 1 A INSPIRAO VEM DE ONDE, PERGUNTA PARA MIM ALGUM...4 INTRODUZINDO O TEMA AFETIVIDADE/EMOO

    ... absurdo querer viver sem paixes. Elas so naturais e os sbios apenas pretendem saber como conviver com elas, o que fazer com elas e no contra elas. (ESPINOSA, 19575 citado por SAWAIA, 2000)

    Por que estudar a emoo? Para que traz-la cena acadmica como questo epistemolgica uma pergunta que ouvi e ouo com certa regularidade. Acredito que esses questionamentos advm de duas razes: primeiro pela suposta limitao de minha formao (Educao e no Psicologia) para tratar do tema; segundo, pela inferncia de pouco valor ao assunto, em geral deixado sempre em segundo plano pela sua hipottica falta de cientificidade nos moldes positivistas. Segundo Sawaia (2000, p. 1), mesmo assunto central na histria das idias, a discusso sobre como se conhece sempre foi permeada pelo debate entre racionalistas e sensorialistas. Um confronto em que a razo o mocinho que luta contra o vilo perturbador do conhecimento que a emoo.

    Leite (1991, p. 234) aponta que: [...] nem a Sociologia, nem a Psicologia, nem a Filosofia da Educao tem considerado o domnio das relaes interpessoais como um problema central. O mesmo autor denuncia que: [...] como problema cientfico, o tema das relaes interpessoais muito recente no pensamento sistematizado, embora algumas das relaes interpessoais como o amor, o dio e a amizade sejam aspectos fundamentais da vida humana. A crtica sobre a falta de ateno para estudos sobre a emoo como um processo especfico da subjetividade humana direcionada especificamente sobre a investigao psicolgica da dcada de 90 do sculo XX, mas a denncia ainda atual; embora haja uma onda em alta sobre discusses acerca do assunto, estas ainda se mostram incipientes, principalmente no que diz respeito rea educacional.

    Saliento que no sou movida por modismos, pois, ainda segundo Sawaia (2000), a emoo se tornou um conceito fashion; autores clssicos como Ren Descartes, Adam Smith e Jean Paul Sartre tm suas obras acerca do tema em

    4 Frase da msica Transpirao, de autoria de Alzira Espndola e Itamar Assuno.

    5 ESPINOSA, B. tica. 3. ed. So Paulo: Atenas, 1957.

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    questo reeditadas, e ainda o lanamento e altas vendagens de livros que versam sobre pedagogias afetivas inteligncia emocional6, etc. Cabe aqui uma crtica a esse movimento modista, como tantos outros em educao, pois o que se v uma crescente vontade de manipulao da emoo e dos sentimentos e no necessariamente uma busca de sua compreenso como forma de favorecimento a uma vida saudvel.

    O que me move, como j apontado anteriormente, uma busca existencial, pessoal que, ao passar para o campo profissional, ganha sentidos epistemolgicos. A passagem por uma formao inicial que deixou de lado afetividade/emoo e a experincia como formadora de profissionais docentes impulsionou-me presente busca de sentidos de uma atuao voltada para as necessidades afetivas dos sujeitos no contexto educativo formal para alm de uma pedagogia do amor7...

    Em minha investigao proponho-me a pensar o homem assim como Bastos (2003a, p. 15), como inserido num contexto social mais amplo, que prexiste e o marca; marca sua linguagem, sua pessoa, seus valores, suas relaes e significaes, um homem que est em constante desenvolvimento, mas que nesse movimento j pode, e deve, ser considerado um sujeito social. Parto ento de pressupostos scio-interacionistas, que consideram o desenvolvimento humano uma construo partilhada, na qual tanto a criana quanto seus parceiros se constroem nas interaes que estabelecem (ROSSETI-FERREIRA; OLIVEIRA, 1993, p. 63). Assim tambm entendo a pessoa, como Cerisara (1997, p. 38), sendo uma sntese entre as determinaes materiais de sua existncia e as especificidades e peculiaridades decorrentes da subjetividade biogrfica.

    Desta forma, considera-se que todos os aspectos envolvidos nas interaes estabelecidas cotidianamente so constitutivos do sujeito, incluindo nesse rol a afetividade e seus componentes: os sentimentos e a emoo. Assim, preciso inicialmente esclarecer as sutis diferenas entre emoo, sentimentos e afetividade, que apesar serem constantemente considerados como sinnimos, no o so.

    6 Especificamente acerca deste tema, o livro Inteligncia Emocional de Daniel Goleman virou best

    seller, e j est em sua 78. edio. 7 Esta uma aluso ao livro do mesmo nome que ganhou destaque nos ambientes educacionais. No

    entanto, sua proposta de ao est voltada para a questo da educao moral e em valores das crianas e no para o entendimento dos mecanismos de funcionamento das emoes, sentimento e afetividade, o que d margem a vises reducionistas do tema.

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    Mesmo havendo controvrsias acerca das diferentes relaes afetivas, autores de diferentes correntes epistemolgicas como, por exemplo, Heller (1979) e Wallon (1995), entre outros, admitem a seguinte diferenciao: a emoo imediata e momentnea, revela um estado fisiolgico e efmero, que provoca modificaes corpreas e comportamentais facilmente identificveis; sentimento ideativo, evidenciado por reaes mais pensadas, dependente da memria e das relaes estabelecidas; logo, mais duradouro; emoo sem prazo, com longa durao (SAWAIA, 2000).

    Wallon, em sua teoria das emoes, argumenta acerca da dinmica de transformao da emoo ao longo do tempo, tanto na ontognese quanto na filognese do ser humano, uma vez que, para ele, a emoo se desenvolve em funo da maturao orgnica. Dessa forma, considerar o meio como responsvel pelas manifestaes emotivas subestimar a capacidade do ser humano e produzir cises retalhadoras do homem.

    A expresso das emoes acompanhou, portanto, a espcie em sua evoluo, e pde superpor aos centros subcorticais da emoo os da mmica, localizados no crtex cerebral, tal como os da linguagem. Em relao aos planos sucessivos da vida mental, a emoo a tal ponto se refina que nos oferece hoje uma gama de manifestaes das mais orgnicas s mais delicadas nuances da sensibilidade intelectual. Na criana, reconhecem-se as etapas dessa ascenso. Os choros e o riso desta se iniciam no abdome antes de aflorecerem na fisionomia e, enfim, de o aclarar ou ensombrecer silenciosamente. A bca regio ativa de sua fisionomia, enquanto que, no adulto cultivado, esta se transfere para os olhos e a fronte. Ao mesmo tempo, a emoo se espiritualiza. Outra coisa no faz entretanto, seno participar do progresso da vida mental. (WALLON, 1971, p. 92-93)

    Para o autor, a emoo considerada como funo humana de natureza bio-psico-social. De natureza biolgica porque possui todo um sistema organizado de centros cerebrais reguladores de suas manifestaes (WALLON, 1971, p. 73), tanto no plano subcortical (na involuntariedade de sua expresso), como no plano cortical (na suscetibilidade ao controle voluntrio); deriva de uma vida psquica ainda sincrtica, ao mesmo tempo tendo suas manifestaes viscerais e motoras regulados pelos centros nervosos pertencente s regies subcorticais do crebro.

    Diante disso, Wallon defende que, se emoo no fosse necessria e no exercesse importante papel no desenvolvimento humano, no possuiria

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    centros prprios de comando, situados na regio subcortical do sistema nervosos central, assim como no teria evoludo com a espcie e j teria sido eliminado na filognese. Cabe ento afirmar que o carter coletivo e contagioso da emoo tem papel determinante na ontologia e na filogenia humana, a ponto de ter sido, sistematicamente cultivado, graas s prticas e ritos ainda hoje encontrados nas populaes primitivas. (WALLON, 1971, p. 91).

    A emoo considerada de natureza social por se caracterizar como a primeira forma de vnculo entre os seres humanos. Wallon entende a emoo como um estdio do qual participam fatores orgnicos e cognitivos ligados ao corpo. Em sua teoria, a emoo que possibilita a passagem do ser orgnico para o ser social, do fisiolgico para o psquico, pois o primeiro e mais forte vnculo entre os indivduos.

    As influncias afectivas que rodeiam a criana desde o bero no podem deixar de exercer uma aco determinante na sua evoluo mental. No porque criem inteiramente as suas atitudes e as suas maneiras de sentir, mas, pelo contrrio, precisamente porque se dirigem, medida que eles vo despertando, aos automatismos que o desenvolvimento espontneo das estruturas nervosas mantm em potncia e, por seu intermdio, as reaes de ordem ntima e fundamental. Assim se mistura o social e o orgnico. (WALLON, 1995, p. 41).

    Ainda na tica da perspectiva walloniana, Pinheiro (1995) aponta que, com o aparecimento da representao, as emoes se transformam em sentimentos, o que lhes confere certa durabilidade e moderao, pois comparados s emoes so menos intempestivos e mais profundos.

    No que diz respeito afetividade, esta sempre referida s vivncias individuais dos seres humanos, so formas de expresso mais complexas e essencialmente humanas. Na teoria walloniana, a afetividade diz respeito a um conceito amplo, uma situao mais permanente, que engloba em seu interior os sentimentos, as emoes e as paixes e manifesta estados de sensibilidade, que vo de disposies orgnicas s sociais/existenciais, ligadas percepo que o indivduo tem de si mesmo. (WALLON, 1971).

    Como no poderia deixar de ser, os estudos sobre a influncia da dimenso afetiva ao longo do desenvolvimento humano, principalmente os relacionados s atividades intelectuais, assunto controverso. Sobre isso Rustin (2001, p. 201) escreve:

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    The argument I wish to develop is that the quality and kinds of learning that take place depend on the quality and kinds of relationship within witch the learning process is embedded. Learning, that is to say, has a essential dimension of feeling or emotion. Most of the implicit theories of learning which underpin our educational practice take little account of this, focusing for preference on the various cognitive dimensions of the learning task. Even some of the most complex and socially aware theories of learning, which emphasize the complexities of language as a social form, such as those influenced by the work of Vygotsky (Vygotsky 1978; Daniels 1993; Harr and Gillett 1994) give little attention to the affective dimensions of the learning process.8

    A colocao de Rustin extremamente pertinente, porm, no que diz respeito teoria de Vygotsky, mesmo que alguns estudiosos de sua obra considerem que a teoria das emoes a parte mais pobre de suas reflexes, esta ocupa lugar de destaque em sua obra, mesmo sendo pouco explorado.

    Sawaia (2002) aponta que necessrio ter clareza de que, ao abordar o tema emoo, Vygotsky preocupa-se mais em superar a epistemologia dualista na qual estava imersa a Psicologia, separando intelecto de emoo, do que aprimorar o conceito ou conceber formas de controle desta. Esclarece ainda que a emoo na obra vygotskyniana, nunca foi o bandido do conhecimento, perturbador de erros e perturbador da ordem natural, mas, a base da construo do conhecimento.

    Oliveira e Rego (2003, p. 19) assinalam que Vygotsky condenava a tendncia mecanicista de explicar a emoo, apontando as conseqncias negativas trazidas pela Psicologia moderna, que no conseguia encontrar uma maneira de apreender a ligao adequada entre nossos pensamentos e sentimentos, de um lado, e atividade do corpo do outro.

    Vygotsky (1998) aponta que a dicotomia entre os aspectos da cognio e da emoo traduz-se numa viso reducionista das capacidades e necessidades humanas, o que resulta em teorias que analisam o homem a reboque da sociedade. O autor alerta para o fato de que a separao entre o aspecto intelectual de nossa conscincia, o afetivo e o volitivo, um problema que impede a

    8 O aprendizado cabe dizer, tem uma dimenso essencial de sentimento ou emoo. A maioria das

    teorias de aprendizado implcito que sustenta nossa prtica educacional leva pouco em conta isto, focando-se preferencialmente nas vrias dimenses cognitivas da tarefa do aprender. Mesmo algumas das mais complexas, e mais conscientes socialmente, teorias do aprendizado, que enfatizam as complexidades de linguagem como uma forma social, como as influenciadas pelo trabalho de Vygotsky (Vygotsky, 1978; Daniels, 1993; Harr e Gillett, 1994) do pouca ateno s dimenses afetivas do processo de aprendizado Traduo Cristiano A. Garboggini Di Giorgi.

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    possibilidade de explicar a gnese do pensamento, os seus motivos, suas necessidades. Afirma ainda que:

    [...] admitir que o pensamento depende do afeto fazer pouca coisa, preciso ir mais alm , passar do estudo metafsico ao estudo histrico dos fenmenos: necessrio examinar as relaes entre o intelecto e o afeto, e destes, com os signos sociais, evitando reducionismos e dualismos. (VYGOSTSKY, 1977, p. 343)

    Seus estudos sugerem que assim como a cognio, a emoo sofre uma evoluo; na psique humana as emoes isolam-se cada vez mais do reino dos instintos e se deslocam para um plano totalmente novo (VYGOTSKY, 1998, p. 94). De carter instintivo no incio da vida, a emoo se torna, ao longo da existncia humana, consciente, auto-determinada, num nvel simblico, entrelaada com os processos cognitivos. Para a teoria vygotskyniana, ao longo do desenvolvimento surgem sistemas psicolgicos que unem funes separadas em novas combinaes, num complexo processo dialtico caracterizado pela metamorfose de uma forma em outra funo no entrelaamento de fatores externos e internos e processos adaptativos.

    O autor defende a tese de relaes dialticas entre pensamento e emoo, afirmando que o pensamento no nasce de outro pensamento, mas da esfera motivadora de nossa conscincia que tem por trs uma tendncia afetiva. (VYGOTSKY, 1988). Pensamento no funo da razo e no ocorre sem emoo. (SAWAIA, 2000, p.18-19). Admite, assim, que a natureza e o desenvolvimento das emoes mantm uma relao muito prxima com o funcionamento psicolgico e as funes mentais superiores.

    Ao falar em processo de desenvolvimento da criana, segundo Sawaia (2000, p. 12), a teoria vygotskyniana postula que o que muda no desenvolvimento da criana no tanto as propriedades e estrutura do intelecto e dos afetos, mas as relaes entre eles; nesse sentido, as mudanas do afeto e do intelecto so dependentes diretamente da mudana dos seus vnculos, suas relaes interfuncionais e do lugar que ocupam na conscincia.

    Dessa forma, percebe-se que para o autor a emoo no est isolada do intelecto, ela abrange as funes psquicas em seu conjunto e seu papel na configurao da conscincia s pode ser entendido a partir da conexo dialtica que estabelece com as demais funes e no por suas qualidades intrnsecas. O que no significa considerar o homem como capaz de se construir sozinho, pois as

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    experincias relacionais e intersubjetivas constituem um importante componente nesta conexo.

    Sawaia (2000) esclarece que Vygotsky no abandona a radicalidade biolgica e a sensibilidade corprea nem mesmo quando enfatiza a mediao semitica na configurao do sistema psquico. Sua concepo pressupe um sujeito de carne e osso, relacional e scio-histrico, onde as emoes deixam de ser uma caixa de ressonncia de foras sociais, racionais ou orgnicas, bem como no se configura numa fora desencarnada, subsumida na linguagem, mas, sim, em algo que precisa ser sentido para existir.

    Para Oliveira e Rego (2003, p. 20) a qualidade das emoes sofre mudanas medida que o conhecimento conceitual e os processos cognitivos da criana se desenvolvem. Apontam ainda que no decorrer do desenvolvimento as emoes vo se transformando, se afastando desta origem biolgica e se constituindo como fenmeno histrico e cultural.

    Portanto, nessa teoria a afetividade pode ser entendida como uma combinao de relaes que surgem em conseqncia de vida histrica que adquire sentidos em relaes especficas que permitem o estabelecimento de relaes significativas, sendo seu aparecimento possvel somente quando o homem capaz de abstrair e conceituar objetos e situaes a partir de sua significao.

    Em seus estudos, Vygotsky traz importantes contribuies para que a emoo passe de fenmeno instintivo e negativo para fenmeno propulsor ou inibidor da autonomia, assumindo que os afetos so inerentes condio humana e, por conseqncia, determinam a passagem da heteronomia passional autonomia corporal e intelectual considerando sua gnese social e mediada pelos significados.

    No entanto, o autor que elabora uma teoria completa e que defende o estreito entrelaamento entre afetividade e cognio Henry Wallon, que traz uma nova forma de conceber a pessoa, como um todo multifuncional, considerando as inter-relaes entre aspectos cognitivo, motor, afetivo e social desde o nascimento at as conquistas e adaptaes da vida adulta. Segundo o autor, esse processo tem incio, essencialmente, pela emoo, no advento da vida psquica, sendo que medida que estas vo se refinado so introduzidos os elementos e motivos de conscincia na conduta do indivduo. (WALLON, 1986b).

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    No incio da vida as emoes tm como funo garantir a sobrevivncia da espcie, uma vez que desempenham o papel de possibilitar a satisfao das necessidades bsicas. Segundo Wallon (1986a, p.141):

    [...] biologicamente a criana principia por no ter meio de ao sobre as coisas que a rodeiam. somente no decorrer do segundo ano que ela consegue locomover-se por conta prpria. [...] Durante todo este perodo de impercia pessoal, a criana no deixa de ter necessidades ou desejos. por intermdio das pessoas de seu meio que ela consegue satisfaze-los. Sua primeira atitude eficaz s pode ser a de desencade-los e inevitvel que suas possibilidades psquicas do momento estejam orientadas neste sentido.

    Nesse sentido, Dantas (1990) aponta que a funo original da emoo produzir na me o efeito mobilizador do qual depende a sobrevivncia do beb, sendo esse o recurso biolgico peculiar espcie. Tambm, desde muito cedo, a emoo assume a funo de adaptao do indivduo ao meio social. A mesma autora indica que essa comunicao emocional primitiva permite o contato com o meio social e cultural, ou seja, com o produto da acumulao histrica.

    Henry Wallon aponta que o efeito obtido pelos atos do beb, inicialmente espontneos, vo se tornando cada vez mais intencionais frente s manifestaes emotivas dos adultos, transformando-se em resultados mais ou menos seguros dos quais se abre um campo de ateno e sagacidade nascente da criana. Muito rapidamente a criana passa a se orientar pela figura de quem espera auxlio e as atitudes e gestos de ambos se adaptam s situaes vividas (WALLON, 1986c).

    Galvo (2003) alerta para o fato de que as interpretaes que o adulto faz das expresses emocionais dos bebs, ou seja, o significado atribudos a elas, so intermediadas e determinadas por seus valores, seus parmetros culturais e crenas individuais. Nesse sentido, Almeida (1994, p. 29) comenta que o homem necessita no apenas auto-preservar-se, mas tambm adaptar-se s variadas e diversas circunstncias do meio social e no convvio social que as emoes, primitivas e rudimentares, se refinam e tornam-se mais socializadas, num processo dinmico em que uma expresso emocional impulsiona a outra.

    Na teoria walloniana, a emoo tida como atividade proprioplstica, isso porque uma de suas principais caractersticas a plasticidade corporal, que se traduz na possibilidade de esculpir o corpo com seus efeitos e

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    torn-los visveis. Este valor demonstrativo e plstico da emoo vai permitir ao sujeito uma primeira forma de conscincia de suas prprias disposies, concomitantemente, por ser visvel ao exterior, constituem-se no primeiro recurso de interao com o outro, isso porque a impercia da criana em subsistir-se sozinha compensada por sua exuberncia expressiva, extremamente eficiente na relao com as pessoas. (GALVO, 2003, p. 72).

    Dessa forma, a emoo est intrinsecamente ligada aos movimentos, pois eles que daro vazo s alteraes emocionais, havendo ento nos movimentos alm de uma dimenso prtica de execuo das aes, tambm uma dimenso afetiva: a de exprimi-las.

    Sobre a relao entre movimentos e emoo, Wallon evidencia uma seqncia gentica evolutiva do aspecto motor ao mental, que vai corresponder ao aparecimento de estruturas nervosas diferentes. De reflexos e impulsivos (0 a 3 meses de idade) os movimentos vo gradualmente se transformando em involuntrios e expressivos (3 a 12 meses), instrumentais (12 a 18meses), em ideo-movimentos (18 a 36 meses) at alcanar o ato mental ou internalizao do seu ato. Nesse processo, a emoo, sendo um sistema de expresso e no de representao, tem papel importante at o surgimento da linguagem. (CERISARA, 1997; DANTAS, 1992).

    Galvo (2003, p. 75) aponta que desempenhando o papel de expressar as emoes, as variaes tnico-posturais tambm so produtoras de estados emocionais, entre movimento e emoo a relao reciprocidade. Se, por um lado, as alteraes corporais expressam variaes de estados emocionais, por outro, tambm pode provoc-las.

    Nesse sentido, Wallon (1986b, p. 145) afirma que a atividade tnica a matria de que so feitas as emoes. Essa atividade varia de acordo com a carga emocional ou dos movimentos, decorrendo ento uma classificao das emoes segundo as diferenas de descargas tnicas que envolvem: hipotnicas (de tnus reduzido, de escoamento deste como, por exemplo, o medo) e hipertnicas (que geram tnus, como a ansiedade).

    Dessa forma, a atividade tnica funciona num movimento de vai e vem, que permite o entendimento de uma outra caracterstica da emoo: a labilidade. Em outros termos, a fragilidade da emoo, que est sujeita a mudar de natureza no decorrer de sua manifestao. Um exemplo a possibilidade de um

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    ataque de riso transformar-se em choro ou vice-versa. Alm da labilidade, os componentes tnico-posturais tambm

    influenciam a durabilidade das manifestaes emotivas; uma reao emocional pode ter sua manifestao prolongada independente do que a provocou, sendo nutrida por seus prprios efeitos (como por exemplo, uma crise de choro que comea por um determinado motivo e se prolonga para alm dele). Wallon denomina este fenmeno de narcisismo emocional quando experinciado por adultos. (GALVO, 2003). A emoo tambm pode ser desencadeada aparentemente por acaso, em situaes eventuais, como por exemplo, chorar ao ouvir uma msica ou cena de filme. Isso porque, dada a percepo global que acompanha a vivncia emocional, h a tendncia de associao entre traos externos situao, a vivncia subjetiva e o conjunto de componentes que constituem a emoo, numa estreita fuso que pode ser restabelecida pelo surgimento de qualquer um dos elementos.

    Nas palavras de Wallon (1971, p. 83-84): A sensibilidade da emoo essencialmente sincrtica. Disso resulta que ela aglutina de maneira, por assim dizer, indissolvel, tudo aquilo que dela pode participar e que, dessa maneira, a mais fortuita circunstncia introduzida pelos acontecimentos na emoo torna-se apta a represent-la ou ento provocar o retrno de seus efeitos. [...] Um banal encontro entre um incidente qualquer e uma emoo suficiente para que esta se ligue definitivamente ao incidente e para que a faa renascer ao se auto-reproduzir o encontro, apesar da diversidade de situaes.

    Temos ento uma outra caracterstica da emoo: a contagiosidade. Ou seja, a emoo possui a propriedade de transmitir-se; seus efeitos tm o poder de afetar os outros, o entorno, de exercer influncia sobre uma ou um grupo de pessoas atravs de mimetismo ou contrastes afetivos. O contgio possibilita um tipo de participao mtua com forte valor expressivo, da a afirmao de que a emoo epidmica, uma vez que se nutre do efeito que causa no outro, pois os processos emocionais podem ser generalizados ao se comunicarem.

    Wallon (1971) aponta que as emoes tendem a realizar, por meio de manifestaes consoantes e contagiosas, uma fuso de sensibilidade entre o indivduo e seu entourage. Segundo Galvo (2005, p. 65), na ausncia de platia as crises emocionais tendem a perder sua fora.

    A emoo necessita suscitar reaes similares ou recprocas em outrem e, inversamente, possui sbre o outro um grande poder de contgio. Torna-se difcil permanecer indiferente s suas

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    manifestaes, e no se associar a sse contgio atravs de arrebatamentos do mesmo sentido, complementares ou antagnicos. As emoes eclodem com larga facilidade e intensidade nas grandes multides pois nessa ocasio fica abolida mais facilmente, em cada um, a noo de individualidade. (WALLON, 1971, p. 91)

    Para o autor, em toda emoo existe uma espcie de narcisismo inevitvel e espontneo9 e seu poder mobilizador pode ser atribudo, em grande medida, pelas alteraes fsicas, faciais e posturais que provocam. Indica que a emoo estabelece uma relao imediata dos indivduos entre si, independente de toda relao intelectual. No entanto, quanto mais alto o grau de intelectualidade do sujeito, mais reduzido e efmero sero seus efeitos. Desse fato esclarece-se outra caracterstica da emoo evidenciada por Wallon, a regressividade, que se traduz na possibilidade de a emoo reduzir seus efeitos frente atividade cognitiva.

    Todo aqule que observa, reflete ou mesmo imagina, abole em si o distrbio emocional. No nos livramos da emoo to-smente por t-la reduzida s suas justas propores, mas bem mais ainda pelo fato de nos trmos esforado em represent-la. A emoo se apaga mesmo que tenhamos buscado a mais pattica representao. (WALLON, 1971, p. 79)

    Em outros termos, a melhor maneira de coibir a expresso desenfreada da emoo sujeitar-se meditao, entregar-se reflexo. Dessa maneira, Dantas (1990) indica que o controle da emoo poder ser mais eficiente quanto mais slido for o desenvolvimento da razo. Um ego bem constitudo ter mais possibilidades de se colocar no lugar do outro e compreender diferentes pontos de vista. A partir do princpio dialtico proposto por Wallon, possvel dizer que quanto mais elaborada a emoo maior possibilidade de fluir a razo.

    Contrariamente a outros pensadores de sua poca, Wallon preconiza que a emoo no apenas um colorido que se apresenta ao agente cognitivo, mas o prprio formador do sujeito, uma vez que funda as bases para a emergncia da conscincia e, conseqentemente, da inteligncia.

    As emoes consistem essencialmente em sistemas de atitudes que correspondem, cada uma, a uma determinada espcie de situao. Atitudes e aes correspondentes implicam-se mutuamente, constituindo uma maneira global de reagir de tipo arcaico, freqente na criana. Opera-se ento uma totalizao indivisa entre as disposies psquicas, orientadas todas no mesmo sentido, e os incidentes exteriores. Daqui resulta que, muitas vezes, a emoo que d o tom do real. Mas, inversamente, os incidentes exteriores adquirem quase seguramente o poder de a desencadear. Ela , com

    9 (Ibid., p. 90)

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    efeito, como que uma espcie de preveno que depende mais ou menos do temperamento, dos hbitos do indivduo. Mas esta preveno, focando indistintivamente sua volta todas as circunstncias de fato atualmente reunidas, confere a cada uma, mesmo fortuita, o poder de fazer ressuscitar mais tarde, como faria o essencial da situao. (WALLON, 1995, p. 140)

    Conclui-se que, na teoria walloniana, o desenvolvimento das emoes emerge das sutis transformaes que ocorrem no relacionamento social entre o beb e os adultos, transformaes essas que do origem afetividade e que, por sua vez, so responsveis pela evoluo mental da criana. Assim, a emoo entendida como funo humana que ultrapassa um estado fisiolgico; ela no uma simples reao a um determinado tipo de estmulo, mas a possibilidade de interao entre o sujeito e o mundo social, considerando, ainda, que o que possibilita o acesso da criana ao mundo simblico so as manifestaes afetivas que vo intermediar suas relaes com esse mundo, atravs dos adultos que a circundam, afirmando que estamos sujeitos a influncias, tanto externas quanto internas, de ordem biolgica e social.

    Dessa forma, esta teoria confere primazia ao papel desempenhado pela emoo na formao da vida psquica, considerando a emoo como um amlgama entre o orgnico e o social; e, ao apontar o carter social da emoo, ainda afirma que:

    As situaes com as quais a emoo confunde o indivduo no so apenas incidentes materiais, so tambm relaes interindividuais. O ambiente humano infiltra o meio fsico e substitui-se-lhe em grande parte, sobretudo para a criana. Ora, compete precisamente s emoes, pela sua orientao psicogentica, realizar estes laos, que antecipam a inteno e discernimento. (WALLON, 1995, p. 140)

    Conclui-se que nossos primeiros sentidos so os sentidos do outro; e o que garante a predisposio do outro a nos emprestar seus sentidos a afetividade. a afetividade que vai estabelecer a base orgnica do pensamento, que por sua vez est ligada ao carter paradoxal das emoes vividas nas relaes interpessoais, principalmente com a me, situaes que constituem, alm de uma conjuntura de sobrevivncia, a primeira condio de desenvolvimento.

    Wallon tambm analisa as emoes e busca compreender o que elas causam no cotidiano do ser humano. Afirma, ainda, que o significado das emoes deve ser buscado sobre o meio humano e no sobre o meio fsico, visto que

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    [...] as emoes pertencem a um meio diferente do meio puramente fsico; num outro plano que elas fazem sentir seus efeitos. Sua natureza resulta expressamente de um trao que lhes essencial: sua extrema contagiosidade de indivduo a indivduo. Elas implicam relaes interindividuais; dependem de relaes coletivas; o meio que lhes corresponde o dos seres vivos (WALLON, 1971)

    Sobre o contgio da emoo Wallon vai apontar ainda que essa caracterstica pode ser tanto fator agregador quanto de isolamento, de distino quanto de embaralhamento de personalidades:

    H uma espcie de mimetismo emocional que explica como as emoes so comunicativas, contagiosas, e como se traduzem facilmente nas massas por impulsos gregrios e pela abolio em cada indivduo do seu ponto de vista pessoal, do seu autocontrolo. A emoo origina os impulsos colectivos, a fuso das conscincias individuais numa s alma comum e confusa. uma espcie de participao onde se apagam mais ou menos as delimitaes que os indivduos so por vezes to ciosos de marcar e de manter entre si. Responde a uma face psquica mais primitiva que a tomada de conscincia pela qual a pessoa afirma a sua autonomia. em arrebatamentos passionais em que cada um se distingue mal dos outros e da cena total qual se misturam os seus apetites, os seus desejos ou o seu terror que o indivduo em primeiro lugar se compreende. (WALLON, 1979, p. 152)

    Assim, na elaborao de sua teoria da emoo, Wallon (1986b) assume dois pontos de partida: um que diz respeito natureza paradoxal da emoo, pois a excitao orgnica que acompanha as emoes pode tanto aumentar o vigor das reaes exigidas pela situao ou tornar nossos atos confusos e gestos menos seguros.

    Ainda sobre esta paradoxalidade, cabe salientar a dialtica na relao antagnica e complementar entre emoo e atividade intelectual. A razo surge da emoo e nutre-se dela, mas a emoo no capaz de evocar ou combinar representaes, sua atividade exclui qualquer manifestao simblica. Nesse sentido, Almeida (2003) aponta que em situaes de temperatura emocional elevada a atividade intelectual mantm-se em segundo plano, cedendo aos caprichos da emoo, pois sempre que esta se manifesta reduz para seus efeitos todas as disponibilidades do indivduo.

    Envolta nessa onda de sensibilidade protoptica, a imagem das coisas se apaga, chegando a insensibilidade s excitaes exteriores a tal ponto que, por vzes, nem mesmo as mutilaes so mais sentidas. O outro encolerizado em breve conhece apenas o seu arrebatamento; esquece os verdadeiros motivos dessa clera e perde a noo daquilo que o envolve. O que pode conservar de idias e de pensamentos outra coisa no seno o reflexo mais ou

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    menos fantstico de suas veleidades emotivas. Abandonando-se aos transportes mximos do seu furor, opera-se, ento, uma obnubilao total da percepo e da inteligncia. (WALLON, 1971, p. 79)

    O poder subjetivo das emoes incompatibiliza-se com a necessria objetividade das operaes intelectuais, pois sempre que as atitudes afetivas preponderam h a perturbao da conscincia e obscurecimento do pensamento. Assim, a emoo s ser compatvel com os interesses e a segurana do indivduo se houver um ajuste com o conhecimento e o raciocnio.

    Para Dantas (1992, p. 86), a razo nasce da emoo e vive da sua morte, pois no somente h a perda de lucidez em situaes de emoo intensa, como o inverso tambm ocorre, a transformao da emoo em atividade intelectual.

    O segundo ponto de partida o que acompanha as mudanas funcionais da emoo, considerando-a como parte da gentica humana, que tem seus centros no encfalo e so reaes organizadas. Na teoria walloniana:

    O lugar mantido pelas emoes no comportamento da criana, a influncia por elas exercida no comportamento do adulto, mais ou menos explicitamente ou em surdina, no , pois, um simples acidente, uma simples manifestao de desordem. Organizadas tm, ou tiveram, a sua razo de ser. O momento por elas registrado na evoluo psquica corresponde ao estgio ocupado por seus centros no sistema nervoso. O desempenho do seu papel na conduta do homem parece demonstrado pela relativa autonomia de seus centros. (WALLON, 1971, p. 74)

    Nesse sentido, Wallon entende as emoes, assim como Vygotsky, numa perspectiva gentica e de desenvolvimento, como um sistema dinmico onde os componentes desse sistema so vistos como imbricados uns aos outros, afirmando que as transformaes ocorridas no processo de desenvolvimento no se do por ampliao, mas por reformulao, onde todas as funes vo encontrando formas de expresso mais complexas.

    [..] estudar o aparecimento sucessivo dos centros e sua hierarquia, comprovar, no apenas uma simples estratificao de funes, independentes umas das outras, mas sim sua mtua independncia. Pois uma frmula nova de comportamento extrai suas origens de possibilidades preexistentes e deve, por conseguinte, se constituir s custas de reaes anteriores, organizando-as diferentemente. Dessa maneira, ela lhes imprime suas prprias direes e a elas se substitui em suas manifestaes, abolindo umas e levando outras para novos sistemas de relaes. Ao mesmo tempo, entra em concorrncia com as anteriores frmulas de ao e, se no consegue suplant-las, h o compromisso ou repercusses recprocas, a ponto de ser necessrio,

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    a propsito de cada uma, contar com o conjunto das outras. (WALLON, 1971, p. 71).

    Percebe-se ento uma confluncia de pontos de vista entre Wallon e Vygotsky em termos de afetividade, uma vez que ambos apontam o carter social e orgnico das manifestaes emocionais, bem como da evoluo destas para um nvel cada vez mais simblico, possvel somente num ambiente social e cultural, no qual processos cognitivos e afetivos vo se constituindo de forma mtua. Convergem-se tambm as opinies dos autores acerca do papel da linguagem como suporte indispensvel para os progressos do pensamento.

    Wallon (1986b) explica que para a formao de uma representao simblica h a interferncia de vrios fatores (noes, tcnicas, linguagem), inclusive dos sentidos, mas essa formao no somente uma rplica das impresses recebidas de outrem ou simples resultado de atitudes; a formao do intelecto pressupe interaes sociais, e entre os instrumentos indispensveis para esta constituio se encontra a linguagem.

    Em Vygotsky, a razo tem o papel de controlar os impulsos emocionais, relacionando-se com a auto-regulao do comportamento; no entanto, esse papel no pode, nem deve, ser confundido com a idia de uma razo capaz de anular ou reprimir os afetos, ao contrrio, no processo de desenvolvimento a razo est a servio da afetividade, posto que ferramenta de elaborao e refinamento dos sentimentos (OLIVEIRA e REGO, 2003).

    Em sntese, Wallon e Vygotsky consideram o desenvolvimento humano como conseqncia de uma dupla histria: biolgica e social, que envolve as condies humanas do sujeito e tambm as sucessivas situaes em que se envolve no decorrer de sua existncia e s quais oferece resposta aos estmulos delas advindos. No h dvida de que as consideraes de Wallon a seguir seriam plenamente ratificadas por Vygotsky.

    As explicaes que a criana formula sobre a natureza das coisas dependem, em grande parte, de seu ambiente. Se suas idias no so, evidentemente, as que ela recebeu prontas das pessoas de seu meio, so, ao menos, o resultado de um esforo para assimilar as tcnicas utilizadas ao seu redor e que so o objeto necessrio de sua atividade: tcnica da linguagem falada por aqueles de quem a criana depende, tcnica envolvida nos objetos fabricados que lhe chegam s mos e at mesmo tcnica intelectual de pensamento e atos; atos cujos efeitos ela pode sofrer a todo instante, e a cujo espetculo ela se liga visivelmente por uma ateno quase mimtica. Sendo que sua atividade prpria no pode manifestar-se e exercer-

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    se a no ser a propsito destas tcnicas, so estas que necessariamente determinam-lhe os temas. A diferena entre seu pensamento e o do adulto d a medida exata da distncia entre suas respectivas possibilidades. (WALLON, 1986a, p. 62)

    Cabe dizer que a afetividade tema presente mesmo em estudos que possam parecer inusitados para trat-lo. Jean Piaget, mesmo no considerando a possibilidade de a afetividade modificar as estruturas da inteligncia, no nega a importncia de se pensar a questo, apontando que a afetividade interfere nas operaes intelectuais, estimulando-as ou perturbando-as, podendo causar aceleraes ou atrasos no desenvolvimento intelectual sem, no entanto, crer que seja possvel que a afetividade modifique as estruturas da inteligncia; admite ainda que esta pode intervir nas estruturas da inteligncia, que ela a fonte de conhecimentos e de operaes cognitivas originais. (LAJONQUIERE, 1993)

    Assim, a teoria piagetiana tambm reconhece que a afetividade vai desempenhar um papel significativo no desenvolvimento humano. Para Souza (2003, p. 54), a abordagem de Piaget rompe com a dicotomia inteligncia/afetividade. Segundo a autora, o pensador suo tem posio favorvel acerca das teses da correspondncia entre as construes afetivas e cognitivas, ao longo da vida dos indivduos e recorre s relaes de afetividade, inteligncia e vida social para explicar a gnese da moral.

    Nas palavras de Piaget (1961): A vida afetiva e a vida cognitiva so inseparveis, embora distintas. So inseparveis, porque qualquer permuta com o meio supe, ao mesmo tempo, uma estrutura e uma valorizao, sem que por causa disso sejam menos distintas, porque stes dois aspectos do comportamento no se podem reduzir um ao outro. Assim que no poderamos raciocinar, mesmo em matemtica pura, sem experimentar certos sentimentos e, inversamente, no existem sentimentos que no sejam acompanhados de um mnimo de compreenso e de discriminao. (p. 26-27)

    Souza (2003, p. 57) aponta que para Piaget a afetividade no se restringe s emoes e aos sentimentos, mas engloba tambm as tendncias e a vontade. Completa ainda que ao falar do papel da afetividade e da inteligncia nas condutas, retoma a idia de que toda conduta visa adaptao, sendo que o desequilbrio se traduz por uma impresso afetiva particular.

    Em sntese, temos como idias centrais do pensamento piagetiano acerca da afetividade os seguintes pressupostos:

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    1 Inteligncia e afetividade so diferentes em natureza, mas indissociveis na conduta concreta da criana, o que significa que no h conduta unicamente afetiva, bem como no existe conduta unicamente cognitiva; 2 a afetividade interfere constantemente no funcionamento da inteligncia, estimulando-o ou perturbando-o, acelerando-o ou retardando-o; 3 a afetividade no modifica as estruturas da inteligncia, sendo somente o elemento energtico das condutas. (SOUZA, 2003, p. 57)

    Enfim, possvel admitir a definio de afetividade como sendo constituda por significados adquiridos pelo indivduo nas e pelas relaes sociais que ele estabelece ao longo de sua vida. Assim, a afetividade no permanece imutvel ao longo da trajetria do indivduo, nem tem caractersticas nicas; ela ter significado diferente para cada pessoa, pois representa as diferentes situaes e experincias vivenciadas em um determinado momento e ambiente social.

    Desta forma, no h como negar a importncia de se pensar as manifestaes emocionais como problema epistemolgico legtimo e relevante, principalmente para o contexto educacional. Nesse propsito, elejo como referencial terico bsico para discusso e anlises as propostas da teoria walloniana, tendo como pressuposto que, na psicognese walloniana, o surgimento das emoes precede a representao e a conscincia de si, mais que isso, as emoes constituem-se em condio sine qua non para o surgimento destas. Assim, nessa perspectiva, afirma-se que as emoes esto na origem da atividade representativa e da vida intelectual. Tendo como meta compreender funes e significados da emoo, a teoria walloniana fornece elementos fundamentais para estudos sobre o tema.

    Isso posto, em seguida apresento os diferentes estgios propostos por Henri Wallon para compreender o processo de desenvolvimento da criana, os papis desempenhados pela emoo e afetividade nessas etapas, bem como as construes e singularidades decorrentes da dinmica dialtica proposta pelo autor.

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    CAPTULO 2 FIOS E FUROS: A TRAMA DO DESENVOLVIMENTO HUMANO NA PSICOGNTICA WALLONIANA

    [...] homem, natureza, corpo e idias so da mesma substncia. Uma substncia que cria o mundo e se pe nas suas determinaes de forma, que no existe separao e ruptura entre Deus o mundo, os homens e a natureza, constituindo um sistema fechado, do qual nada est fora (ESPINOSA, 1957 citado por SAWAIA, 2000)

    A opo pela teoria walloniana como base terica deste estudo se d por esta voltar-se fundamentalmente para a investigao da psicognese humana, buscando compreender a formao da pessoa e as transformaes que possibilitam as mudanas evolutivas no beb. Ou seja, compreender o que possibilita a um recm-nascido, em toda sua impercia biolgica e social, transformar-se em adulto. (GALVO, 2005). nesse sentido que foi trazida a metfora do ttulo, que pretende entender o desenvolvimento humano como a tecelagem, onde malhas e fios so entrelaados, todas as partes do todo tm funo especfica e esto interligadas, resultando num produto final nico.

    Contemporneo de autores como Jean Piaget e Levy S. Vygotsky, Henri Wallon desenvolve uma teoria original ao descrever o papel da afetividade no desenvolvimento humano (TRAN-THONG, 1987). A partir do desenvolvimento de estudos centrados na criana contextualizada, ou seja, tomando-a como ponto de partida em contextos especficos e no margem deles, Wallon inaugura uma nova forma de conceber a motricidade, a afetividade, a inteligncia e a gnese humana, elaborando uma psicognese da pessoa completa, em aspectos de integrao e contexto dos diferentes fatores constitutivos do indivduo. D origem, a partir dessa concepo, a uma viso do desenvolvimento humano como uma construo progressiva, gradual, onde diversos domnios afetivo, motor e cognitivo constituem a pessoa. Esses domnios se alternam em termos de predominncia durante o processo de desenvolvimento de estdios, sem, no entanto deixarem de estar presentes. No desenvolvimento da criana, tambm a sua pessoa se forma, e as transformaes que sofre, freqentemente desconhecidas, tm uma importncia e um ritmo acentuados. (WALLON, 1995, p. 201).

    Buscando compreender a pessoa completa, Henri Wallon cria uma teoria que ultrapassa a simples explicao do desenvolvimento pautada em delimitar

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    com exatido os passos evolutivos do homem, pois se empenha em apreender esse processo de constituio do ser humano de uma perspectiva dialtica, na qual as foras que impulsionam a evoluo do ser humano esto marcadas por intensos conflitos de ordem tanto emocional como afetiva, cognitiva e motora. (BASTOS, 2003a)

    Na teoria walloniana os conflitos que pontuam o desenvolvimento infantil so de duas ordens: de origem exgena, quando so conseqncia dos desencontros entre as aes da criana e o ambiente exterior, e de natureza endgena, quando originados dos efeitos da maturao nervosa. At que sejam integradas aos centros responsveis por seu controle, as funes recentes ficam sujeitas a aparecimentos intermitentes e entregues exerccios de si mesmas, em atividades desajustadas das circunstncias exteriores. (GALVO, 2005, p. 42)

    Na tarefa de apreender o ser humano, Wallon nega a concepo de desenvolvimento que v o indivduo como fruto de uma simples justaposio de fatores e aquisies motoras e cognitivas e o engendra como sendo derivado da vivncia de etapas sucessivas que ocorrem de forma irruptiva, descontnua, marcadas por rupturas, retrocessos e reviravoltas, evoluindo de sistema para sistema. A sucesso das etapas uma modificao constante onde as atividades que predominam num momento so reduzidas ou muitas vezes surpimidas em outro.

    As condies para as configuraes especficas de cada etapa so determinadas por fatores de duas ordens: orgnicos e sociais. Para o autor, tanto o indivduo quanto o meio social so componentes inseparveis de um sistema e, assim, ambos igualmente influenciam o processo de desenvolvimento. A fisiologia humana determina o que pode ser o indivduo, mas a imerso em grupo social num dado momento histrico e cultural que propicia ou no a concretizao das possibilidades do ser humano e as caractersticas especficas de cada estgio de desenvolvimento por qual passa, pois as condies orgnicas do ser humano daro condies deste interagir com o meio fsico e social. Mas o meio fsico e social tambm oferece recursos e exigncias para que a adaptao acontea, numa evidente relao complementar e recproca entre orgnico e social. Deste modo, na criana, opem-se e implicam-se mutuamente, fatores de origem biolgica e social. (WALLON, 1995, p. 49).

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    Isso implica dizer que o indivduo pensante resultado de determinantes de duas ordens, o inconsciente biolgico e o inconsciente social, que operam uma sntese que vai produzir as idiossincrasias do psiquismo. Assim, a estutura fisiolgica do ser humano no a nica responsvel por produzir o homem, visto que a programao orgnica uma semiprogramao, uma vez que no se realiza apartada do ambiente social. nesse sentido que deve ser entendida a expresso walloniana de que o homem geneticamente social. (DANTAS, 1990, p. 31).

    Em outros termos, por um processo de constituio dialtico que a criana ir se formar; seus comportamentos transformam-se e retratam vontades e necessidades especficos em cada faixa etria. A cada perodo h o estabelecimento de formas particulares de interao com o ambiente, onde processos cognitivos e afetivos desenvolvem-se integrados e influenciando-se reciprocamente: so construdos e se modificam de um perodo a outro, sofrendo ainda influncia do ambiente cultural e social.

    A realizao pela criana, do adulto em que deve tornar-se no segue, pois, um caminho linear, sem bifurcaes ou desvios. As orientaes-mestras a que normalmente obedece nem por isso deixam de representar freqentes incertezas e hesitaes. Mas quantas outras ocasies mais fortuitas vm tambm obrig-la a escolher entre o esforo e a renncia! Elas surgem do meio das pessoas e meio das coisas. [...] Os objetos [...] so para ela incmodo, problema ou ajuda, repelem-na ou atraem-na e modelam a sua atividade. (WALLON, 1995, p. 31)

    A psicogentica proposta por Henri Wallon ainda preconiza a existncia de trs leis que regulam o desenvolvimento humano: de alternncia funcional, de sucesso de preponderncia funcional e a de diferenciao e integrao das funes.

    A primeira lei, de alternncia funcional, d tom ao ritmo do processo de desenvolvimento. Segundo essa lei, as atividades das funes orientam-se por duas direes opostas: centrpetas, de absoro, voltada para a construo de si mesmo, e outra centrfuga, voltada para a elaborao da realidade exterior. No decorrer do processo de desenvolvimento, essas direes so postas alternadamente, constituindo assim um movimento cclico de atividades funcionais. Assim, escalonam-se diversas funes (elementares e complexas), cujas

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    alternncias vo provocar o crescimento da prpria pessoa, de sua forma de interao com o meio e de seu entendimento acerca dos objetos.

    A lei da sucesso de preponderncia funcional corresponde ao movimento inerente ao processo de desenvolvimento em que ora predominam aspectos motores (no incio da vida), ora predominam aspectos afetivos e ora predominam aspectos cognitivos (estes dois ltimos, ao logo de toda vida do indivduo). Pinheiro (1995, p. 41) utiliza uma metfora interessante para ilustrar esta dinmica, comparando os aspectos alternantes aos pedais de uma bicicleta:

    Numa bicicleta em movimento, os pedais nunca esto parados juntos ao mesmo tempo. Ora um, ora outro est em cima, sendo necessrio que um desa para que o outro possa subir, gerando impulso nessa alternncia para que haja ganho de percurso. Assim o funcionamento do indivduo no dia-a-dia. (p. 41)

    Considerando esse movimento, o processo da construo da pessoa e sua estruturao funcional ao longo de toda sua existncia sero organizados por uma sucesso de momentos dominantemente afetivos ou dominantemente cognitivos, tendo ainda traos significativos de aspectos motores, no paralelos, mas integrados.

    A terceira lei, da diferenciao e integrao das funes, diz respeito ao fato de que as novas possibilidades, mudanas e transformaes alcanadas no eliminam as conquistas anteriores, mas as integram, subordinando-as a um novo papel e significao. Advm dessa lei um dos aspectos inovadores desta teoria: a presena do conflito como fator constitutivo do ser humano, pois atravs dele que a vida psquica atinge um equilbrio novo e reage por meio de novos enriquecimentos. (WALLON, 1986b, p. 148).

    Entre as diferentes funes (afetivas, motoras e cognitivas) sempre h choque, na medida em que uma precisa ser reduzida ou momentaneamente suprimida para que a outra possa prevalecer; ao mesmo tempo esse movimento promove uma colaborao, pois uma funo vai enriquecer a outra, sendo os benefcios integrados no processo de evoluo da pessoa como um todo. nesse sentido que se afirma que entre a emoo e a actividade intectual existe a mesma evoluo, o mesmo antagonismo (WALLON, 1995, p. 143).

    Ou seja, as condies para evoluo da inteligncia tm suas razes na afetividade e vice-versa, e a partir da evoluo destes dois componentes e do

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    desenrolar de suas funes que depende o processo de constituio da personalidade da pessoa.

    Assim, faz-se importante reafirmar a no linearidade do processo de desenvolvimento humano na psicogentica walloniana. A afirmao de que a afetividade vai designar os processos cognitivos no significa que isso ocorre seqencial e justapostamente. A anterioridade indica conflito e oposio permanente; as condutas cognitivas surgem e so subordinadas s afetivas, alternando-se em fases ora voltadas para si mesmas (centrpetas), ora voltadas para o mundo externo, humano ou fsico (centrfugas), numa elaborao do objetivo sobre o subjetivo e vice-versa. Nesse sentido, a evoluo se d por rompimento e no por continuidade ou filiao progressiva e organizada. (DUARTE & GULASSA, 2006, p. 28)

    Dessa forma, no estudo do desenvolvimento humano, Henri Wallon prope uma seqncia de estgios por quais passa o indivduo desde o nascimento at a idade adulta. Em cada um desses estgios h um tipo de atividade dominante que fixada pelas aptides que a criana possui para interatuar como o meio.

    Cabe salientar que na obra original de Wallon so propostos seis estgios, sendo eles: de impusividade motora, emocional, sensrio-motor, do personalismo, do pensamento categorial e da puberdade e adolescncia (WALLON, 1976b).

    No entanto, tendo em vista que os dois primeiros estgios so orientados por funes afetivas, neste em outros trabalhos consultados10 so apresentados apenas cinco estgios. So eles: impulsivo-emocional (0 a 1 ano); sensrio-motor e projetivo (1 a 3 anos); do personalismo (3 a 6 anos); categorial (6 a 11 anos), e; da puberdade e da adolescncia (11 anos em diante).

    Tendo em vista que as idades correspondentes e a modalidade de ensino equivalente dois ltimos estgios esto muito distantes do foco de interesse da investigao, estes no sero abordados no presente trabalho. Assim, a seguir os trs primeiros estgios so apresentados de forma detalhada.

    10 Cf. TRAN-THONG (1987); GALVO (2005); MAHONEY e ALMEIDA (2006); entre outros.

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    2.1- Estgios de desenvolvimento segundo a psicogentica walloniana 2.1.1- Estgio impulsivo-emocional

    O primeiro estgio, definido por Wallon, o impulsivo-emocional, abarca o perodo que vai do nascimento at os 12 meses, sendo constitudo por dois momentos distintos: o da impulsividade motora e o emocional; ou seja, a atividade do ser est voltada para a atividade interna, a princpio visceral, depois afetiva (DANTAS, 1990, p. 9). Segundo Tran-Thong (1987, p. 174) as primeiras realizaes mentais da criana observam-se nos seus movimentos que so, neste estgio, diz Wallon, aquilo que pode testemunhar da vida psquica e a traduz inteiramente. Aqui os movimentos se configuram em simples descargas tnicas que se apresentam em forma de espasmos e reaes motoras descoordenadas; essa inaptido para resolver as necessidades de sobrevivncia deixa a criana numa situao de total dependncia do meio externo.

    No recm-nascido, estabelece-se em primeiro lugar uma alternncia entre o sono, que alguns consideram como um retorno nostlgico quietude amnitica, e o apetite alimentar (WALLON, 1995, p. 112). Neste momento a atividade do beb monopolizada por necessidades fisiolgicas primrias (alimentares ou de sono), necessidades essas que no so automaticamente atendidas como no perodo uterino. Esse tempo de espera vai gerar ansiedade e desconforto e essas sensaes so exteriorizadas por descargas motoras que no tm nenhuma outra utilidade alm de diminuir o estado de tenso em que o beb se encontra.

    Assim, a comunicao com o meio se d a partir de formas interativas no-verbais, epidrmica e expressiva, sendo que a nica forma de linguagem disponvel neste momento a corporal, recurso esse que ainda reflexo. So esses gestos que iro surtir efeito significativo no ambiente fazendo surgir intervenes desejveis ou a no interveno, tendo incio um processo de interao comunicativa, e de compreenso mtua entre a me e o beb, que gerar na criana as primeiras conexes e associaes entre seus gestos espontneos e as respostas recebidas a partir deles de base nitidamente afetiva. (WALLON, 1975b).

    Ou seja, a partir de suas reaes emocionais e afetivas que a criana toma conscincia, vaga e primitivamente, das situaes em que se encontra envolvida. por meio de relaes de ordem afetiva que ser possvel o desabrochar da conscincia e o principiar das relaes com o mundo objetivo.

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    Dessa forma, as aes perdidas no universo nebuloso e indiferenciado da criana comeam por tomar alguns sentidos dos quais emergiro a sua identidade, por uma espcie de osmose ambiental que enriquece sua sensibilidade criando o que Wallon (1975b) chama de simbiose afetiva.

    No incio da vida, o sujeito indiferenciado, diludo e fundido nos objetos e situaes familiares (sincretismo subjetivo); a progressiva construo do EU depende essencialmente do OUTRO11, uma vez que a partir da relao dialtica EU-OUTRO, que ser ao mesmo tempo de acolhimento e oposio, de complementao e antagonismo, que se constituir o mundo psquico do indivduo. possvel afirmar que essa interao acompanhar o indivduo durante toda a sua existncia; no entanto, o seu papel mais importante desempenhado nos primeiros anos de vida quando se estabelece o preldio da constituio psquica.

    Mais ou menos aos seis meses, a criana comea a executar uma srie de atividades repetitivas que so responsveis pela promoo de aprendizagens importantes e que prenunciam o estgio posterior: o sensrio-motor e projetivo. Essas atividades so nomeadas de atividades circulares e se caracterizam por movimentos inicialmente causais, mas que gradativamente passam a ser repetidos pela criana, levando-a a perceber a ligao entre os seus movimentos e os efeitos que causam nos objetos, promovendo assim o ajustamento progressivo dos gestos da criana para que os resultados sejam mais teis e precisos. (WALLON, 1975b)

    Esse ser, para a criana, um importante instrumento de aprendizagem que, apesar de iniciar-se neste estgio, ter seu apogeu no estgio posterior (sensrio-motor e projetivo) que, inversamente desse estgio marcado pela vertente afetiva, ser orientado pelo mundo dos objetos, tendo seus efeitos prolongados pela aquisio de outros dois novos instrumentos: a marcha e a palavra. Assim, por volta dos doze meses, o estgio voltado basicamente para a

    11 Na obra de Henri Wallon, ao explicar o processo de indiferenciao do sujeito, o termo OUTRO

    tambm faz referencia a um outro EU, uma bipartio ntima, tambm chamado de socius, numa referncia a Pierre Janet. Trata-se de um duplo Eu, um complemento que aparece recalcado, ficando mais evidente nos momentos de incerteza, de reflexo, onde exerce a funo de suporte. tambm denominado de Alter e no pode ser confundido com os OUTROS. Para facilitar a distino Wallon tambm adota os termos Je (Eu sujeito) e Moi (Eu - complemento). Cf. WALLON, H. Nveis de flutuao do eu. In: ______. Objectivos e mtodos da Psicologia. Lisboa: Editorial Estampa, 1975, p. 153-172. [publicao original de 1956]

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    pessoa e de carter afetivo d lugar a um perodo de carter fundamentalmente cognitivo. Para Duarte e Gulassa (2006, p. 29):

    A passagem de um estgio a outro pode ser descrita como a passagem da atividade automtica e afetiva para a atividade relacional, exploratria do mundo externo. [...] as sensibilidades intero e proprioceptiva, apresentadas pelas reaes difusas pelo corpo, daro espao para a sensibilidade exteroceptiva, na qual os movimentos so orientados e localizados respondendo s excitaes do mundo externo.

    Nos termos de Tran-Thong (1987, p. 184), a passagem do estdio emocional ao sensrio-motor e projetivo uma passagem da atividade tnica, automtica e afetiva, atividade relacional, que pe a criana em contato com o mundo exterior dos objetos.

    2.1.2- Estgio sensrio-motor e projetivo Neste estg