expressividade musical no canto - unicamp

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ARTES ANA CAROLINA BUZATO MARCHI EXPRESSIVIDADE MUSICAL NO CANTO: uma busca por seu desenvolvimento através das ideias de Emile Jaques-Dalcroze CAMPINAS 2017

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Page 1: EXPRESSIVIDADE MUSICAL NO CANTO - Unicamp

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ARTES

ANA CAROLINA BUZATO MARCHI

EXPRESSIVIDADE MUSICAL NO CANTO:

uma busca por seu desenvolvimento através das ideias de Emile Jaques-Dalcroze

CAMPINAS

2017

Page 2: EXPRESSIVIDADE MUSICAL NO CANTO - Unicamp

ANA CAROLINA BUZATO MARCHI

EXPRESSIVIDADE MUSICAL NO CANTO:

uma busca por seu desenvolvimento através das ideias de Emile Jaques-Dalcroze

Dissertação apresentada ao Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Mestra em Música, na área de concentração: Música - Teoria Criação e Prática.

ORIENTADORA: PROFA. DRA. ADRIANA DO NASCIMENTO ARAÚJO MENDES

CO-ORIENTADOR: PROF. DR. ÂNGELO JOSÉ FERNANDES

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA ALUNA ANA CAROLINA BUZATO MARCHI, E ORIENTADA PELA PROFA. DRA. ADRIANA DO NASCIMENTO ARAÚJO MENDES.

CAMPINAS

2017

Page 3: EXPRESSIVIDADE MUSICAL NO CANTO - Unicamp

Agência(s) de fomento e nº(s) de processo(s): Não se aplica.ORCID: http://orcid.org/0000-0001-6140-3805

Ficha catalográficaUniversidade Estadual de Campinas

Biblioteca do Instituto de ArtesSilvia Regina Shiroma - CRB 8/8180

Marchi, Ana Carolina Buzato, 1988-M332e MarExpressividade musical no canto : uma busca por seu desenvolvimento

através das ideias de Émile Jaques-Dalcroze / Ana Carolina Buzato Marchi. –Campinas, SP : [s.n.], 2017.

MarOrientador: Adriana do Nascimento Araújo Mendes.MarCoorientador: Angelo José Fernandes.MarDissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto deArtes.

Mar1. Jaques-Dalcroze, Émile, 1865-1950. 2. Canto - Instrução e estudo. 3.Música - Execução. 4. Performance (Arte). 5. Expressão corporal. I. Mendes,Adriana do Nascimento Araújo,1965-. II. Fernandes, Angelo José. III.Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Artes. IV. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Musical expressiveness in singing : a search for its developmentthrough the ideas of Émile Jaques-DalcrozePalavras-chave em inglês:Jaques-Dalcroze, Émile, 1865-1950Singing - Instruction and studyMusic - PerformancePerformance artBody languageÁrea de concentração: Música: Teoria, Criação e PráticaTitulação: Mestra em MúsicaBanca examinadora:Adriana do Nascimento Araujo MendesHolly Elizabeth CavrellJosé Francisco da CostaData de defesa: 28-08-2017Programa de Pós-Graduação: Música

Page 4: EXPRESSIVIDADE MUSICAL NO CANTO - Unicamp

BANCA EXAMINADORA DA DEFESA DE MESTRADO

ANA CAROLINA BUZATO MARCHI

ORIENTADORA: PROFA. DRA. ADRIANA DO NASCIMENTO ARAÚJO MENDES

CO-ORIENTADOR: PROF. DR. ÂNGELO JOSÉ FERNANDES

MEMBROS:

1. PROFA. DRA. ADRIANA DO NASCIMENTO ARAÚJO MENDES

2. PROFA. DRA. HOLLY ELIZABETH CAVRELL

3. PROF. DR. JOSÉ FRANCISCO DA COSTA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA DO INSTITUTO DE ARTES DA

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS.

A ATA DE DEFESA COM AS RESPECTIVAS ASSINATURAS DOS MEMBROS DA BANCA

EXAMINADORA ENCONTRA-SE NO PROCESSO DE VIDA ACADÊMICA DA ALUNA.

DATA DA DEFESA: 28.08.2017

Page 5: EXPRESSIVIDADE MUSICAL NO CANTO - Unicamp

Dedico este trabalho à vovó Tilica. Que você

possa receber os agradecimentos, aonde quer que

você esteja!

Page 6: EXPRESSIVIDADE MUSICAL NO CANTO - Unicamp

AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, gostaria de agradecer minha família, em especial meus pais, por toda a

perseverança que tiveram para eu chegar até aqui. Certamente não teria nem iniciado meus

estudos musicais se não fosse por eles.

A professora Sandra Morani, por ter me acolhido quando criança, e mesmo com todas as minhas

dificuldades financeiras, nunca desistiu de me ensinar como cantar.

Aos professores de canto que passaram pela minha vida até agora: Mariana Cioromila, Adriana

Kayama, Marilia Vargas, Inácio de Nonno, Eliane Coelho e Ângelo Fernandes, obrigada pela

orientação que adquiri até agora. Em especial a você, Inácio, pelo seu querido “cantor nadador”.

Com suas ideias, me equipou de vontade para pesquisar sobre uma maneira “diferente” de

ensinar.

À professora Adriana Mendes, orientadora deste trabalho. Antes mesmo desta pesquisa, foi

responsável por me apresentar a Dalcroze e ao mundo da pedagogia musical, me mostrando um

mundo além da técnica vocal. Além disso, me orientando nos meus estágios, onde com as

experiências adquiridas, me fez perceber o quão complexo é ser um educador musical.

Ao professor Iramar Rodrigues, responsável por me ajudar a vivenciar na prática a surpreendente

pedagogia de educação musical de Dalcroze.

Aos meus alunos, cobaias de minhas ideias loucas que, com muito carinho e extroversão,

aceitaram todos meus bambolês, faixas elásticas, danças, dentre outras maluquices inventadas.

E finalmente, aos meus amigos, por todo o carinho e apoio que precisei. É muito importante ter

pessoas para compartilhar os momentos bons da vida e para fornecer apoio nos momentos

difíceis.

Page 7: EXPRESSIVIDADE MUSICAL NO CANTO - Unicamp

No reino da natureza dominam o movimento e o agir. No reino da liberdade, a aptidão e o

querer. O movimento é perpétuo; sendo favoráveis as circunstâncias, manifesta-se absolutamente

ao acaso. As aptidões, embora se desenvolvam em correspondência com a natureza, têm,

contudo, de ser praticadas por parte da vontade para serem gradualmente aprimoradas. É por isso

que nunca temos no exercício livre da vontade a mesma certeza que temos na autonomia do agir:

este último é qualquer coisa que se produz em si mesmo enquanto que o primeiro é produzido”

Johann Wolfgang von Goethe

Page 8: EXPRESSIVIDADE MUSICAL NO CANTO - Unicamp

RESUMO

O objetivo desta pesquisa foi de fundamentar uma abordagem de estudo e aprendizagem

do canto erudito baseado nos conceitos da pedagogia de Émile Jaques-Dalcroze. Foi realizado um

estudo bibliográfico embasado principalmente em materiais do próprio autor, Bachmann (1991),

Caldwell (1995) e Brieghel-Müller (1998), com o propósito de investigar diferentes formas de

interpretação do cantor e sua relação com a partitura, as diversas exigências corporais ao longo do

século XX e XXI e a influência do corpo no processo de aprendizagem. São apresentadas as

finalidades essenciais da proposta pedagógico-musical dos exercícios de Dalcroze, cuja intenção

era de transportar as ideias musicais para todo o corpo através de séries de exercícios, onde

música e movimento são, conjuntamente, suas principais estruturas. Os sensos rítmico e auditivo

do intérprete evoluem em busca de um maior equilíbrio motriz e ao processo de criatividade.

Ademais, são descritos alguns exemplos de exercícios para auxiliar o cantor durante seu estudo

prático. Em conclusão, consideramos Dalcroze um autor primordial, que alcançou a ligação direta

entre corpo e aprendizagem musical, indissociável dentro de sua proposta. Espera-se que as

observações, análises e resultados da pesquisa sejam benéficos não só para professores de canto,

mas também um meio facilitador para os próprios alunos, criando uma autonomia no processo de

desenvolvimento de sua capacidade de expressão corporal e musical.

Palavras-chave: Émile Jaques-Dalcroze; Canto: Instrução e estudo; Música - Execução; Performance

(Arte); Expressão corporal.

Page 9: EXPRESSIVIDADE MUSICAL NO CANTO - Unicamp

ABSTRACT

The aim of this research was to support a teaching and practicing approach of singing

based on the concepts of Emile Jaques-Dalcroze’s pedagogy. It is a bibliographic study founded

mainly on writings from Dalcroze, Bachmann (1991), Caldwell (1995) and Brieghel-Müller

(1998), with the purpose of investigating different ways of singing performance and its

relationship with written music, different body demands through the 20th and 21st centuries and

the influence of the body in the learning process. We introduce the main intents of Dalcroze’s

pedagogical and musical approach, whose intentions was to transpose musical ideas through the

whole body by series of exercises, where music and movements are both its main elements. The

rhythmic and aural senses of the performer evolve in a search for a greater motor balance and the

creative process. Furthermore, we describe some samples of exercises which may help the singer

during his practice. In conclusion, we consider Dalcroze as an essential author, who achieved a

direct link between body and musical learning, inseparable throughout his approach. We expect

that these observations, analyses and results from this research to be able to help not only singing

teachers, but also a simplified mean for the students itself in the development of their body and

musical expressiveness.

Keywords: Émile Jaques-Dalcroze; Singing: Instruction and study; Music - Performance; Performance

art; Body language.

Page 10: EXPRESSIVIDADE MUSICAL NO CANTO - Unicamp

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Representação da equação de Dalcroze ....................................................................... 38

Figura 2 – Representação do eixo central do corpo (01) parado, (02) sentado e (03) ao caminhar.

....................................................................................................................................................... 57

Figura 3 – Fotografia da faixa elástica e lenço utilizados ............................................................. 67

Figura 4 – Alongamento de tronco ................................................................................................ 68

Figura 5 – Alongamento de pescoço ............................................................................................. 68

Figura 6 – Alongamento de costas e peitoral ................................................................................ 69

Figura 7 – Alongamento membros inferiores (estímulo a vetor superior e inferior) .................... 70

Figura 8 – Alongamento de membros inferiores ........................................................................... 71

Figura 9 – Alongamento de membros inferiores (continuação) .................................................... 71

Figura 10 – Alongamento de membros inferiores (continuação) .................................................. 72

Figura 11 – Quatro apoios ............................................................................................................. 73

Figura 12 – Posições do yoga: a vaca (I) ....................................................................................... 73

Figura 13 – Posição do yoga: o gato (II) ....................................................................................... 74

Figura 14 – Posição do yoga: a criança ......................................................................................... 74

Figura 15 – Posição do yoga: cachorro olhando para baixo .......................................................... 75

Figura 16 – Desenrolar de coluna .................................................................................................. 76

Figura 17 – Respiração tai chi: sequência de movimentos ............................................................ 77

Figura 18 – Respiração estátua: sequência de movimentos .......................................................... 78

Figura 19 – Caminho da respiração: exemplo de troca de mãos e junção entre direções ............. 79

Figura 20 – Exemplo de vocalize .................................................................................................. 83

Figura 21 – An die Musik: compassos 1-11 .................................................................................. 87

Figura 22 – An die Musik: compassos 12-17 ................................................................................ 88

Figura 23 – Elisir d’amore: Ah fu com te verace (trecho da linha vocal adina) ........................... 89

Figura 24 – Elisir d’amore: Il mio rigor (primeira repetição) ....................................................... 89

Figura 25 – David, de Gian Lorenzo Bernini ................................................................................ 91

Figura 26 – Pieta, de Michelangelo ............................................................................................... 91

Figura 27 – Laocoonte e seus filhos, de Agesandro, Atenodoro e Polidoro ................................. 92

Page 11: EXPRESSIVIDADE MUSICAL NO CANTO - Unicamp

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Forças por trás da pressão subglotal ............................................................................ 81

Tabela 2 – An die Musik (letra e tradução) ................................................................................... 86

Page 12: EXPRESSIVIDADE MUSICAL NO CANTO - Unicamp

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................... 14

CAPÍTULO 1. O CANTOR E SUA INTERPRETAÇÃO ..................................................... 18

1.1. Corpo: Qual sua importância para a aprendizagem do Canto? ................................. 24

CAPÍTULO 2. SOBRE DALCROZE E SUA METODOLOGIA ......................................... 34

2.1. Biografia de Émile Jaques-Dalcroze .............................................................................. 34

2.2. Rítmica .............................................................................................................................. 36

2.3. Por que o ritmo? .............................................................................................................. 41

2.4. Gramática do movimento ............................................................................................... 44

2.4.1. Exercícios para o desenvolvimento da elasticidade muscular ....................................... 45

2.4.2. Exercícios de relaxamento e contração muscular .......................................................... 47

2.4.3. Exercícios de respiração ................................................................................................ 49

2.4.4. Estudo do ponto de partida e realização do gesto .......................................................... 51

2.4.5. Estudo de impulsos e reações ........................................................................................ 53

2.4.6. Estudo dos gestos sozinhos ou em sequência ................................................................ 54

2.4.7. Estudo das diferentes atitudes/posições do corpo.......................................................... 55

2.4.8. Estudo do caminhar e seus “enfeites”/“embelezamentos” ............................................ 57

2.4.9. Estudo do ponto de contato e suporte ............................................................................ 58

2.4.10. Exercícios do uso do espaço ...................................................................................... 59

2.4.11. Exercícios de expressão de ações ou sentimentos ..................................................... 61

CAPÍTULO 3. DESENVOLVIMENTO DAS ATIVIDADES .............................................. 66

3.1. Alongamento e aquecimento corporal ........................................................................... 66

3.1.1. Alongamento de tronco ................................................................................................. 67

3.1.2. Alongamento de pescoço ............................................................................................... 68

3.1.3. Alongamento de costas e peitoral .................................................................................. 69

3.1.4. Alongamento de costas e membros inferiores ............................................................... 69

Page 13: EXPRESSIVIDADE MUSICAL NO CANTO - Unicamp

3.1.5. Alongamento de membros inferiores ............................................................................ 70

3.1.6. Alongamento de tronco (continuação) .......................................................................... 72

3.2. Respiração, estátua e movimento ................................................................................... 76

3.3. Faixa elástica e respiração: inspiração, tônus e apoio. ................................................. 80

3.4. Fraseado espacial ............................................................................................................. 84

3.5. Formas e sentimento ........................................................................................................ 90

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................................... 94

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................................... 97

Page 14: EXPRESSIVIDADE MUSICAL NO CANTO - Unicamp

14

INTRODUÇÃO

Minha experiência dentro da aula de canto no curso de Bacharelado em Música foi a

busca pela melhor execução da técnica do canto erudito. Entretanto, apesar de compreender bem

a teoria de como esse processo funciona, era muito difícil transportá-la para o corpo. Como todo

aprendizado de instrumento, essa aquisição de conhecimento leva tempo; mesmo assim, sempre

sentia falta de conexão entre o meu corpo/instrumento e meu desejo como intérprete, o que

dificultava muito a execução de qualquer obra musical.

Esta fase, para mim, poderia ser representada como um “abismo”: existia um obstáculo

enorme entre cantar com técnica e conseguir ser expressivo ao mesmo tempo. Em minhas

leituras, pude notar que essa percepção não é inusitada. Caldwell (1995, p. 8) diz que

“professores de canto, assim como outra subcultura, têm certas ideias que são passadas de uma

geração para a próxima, ideias que aceitamos como verdade porque ‘todos’ acreditam nela”1.

Sendo assim, quando “muitos professores de canto dizem que cantores musicalmente expressivos

nascem assim, não são feitos”2, somos fadados a acreditar que nenhum exercício é capaz de

modificar nossas habilidades expressivas.

Quando estudava sozinha em um ambiente mais íntimo, todavia, buscava alguns outros

tipos de experimentações corporais que faziam com que o resultado final ficasse bem diferente;

entretanto, nunca conseguia aplicar novamente em sala de aula. Foi quando, no período entre

2010 a 2012, concomitantemente ao reingresso no curso de Licenciatura em Música, dei

continuidade em meus estudos de canto sob a orientação do prof. Dr. Joaquim Inácio de Nonno,

professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Durante suas aulas, ele sempre

pedia para que fizéssemos movimentos com o corpo, cuja finalidade seria de exemplificar a ideia

1 “Voice teachers, like any other subculture, have certain ideas that have been passed from one generation to the next,

ideas we accept as true because ‘everybody’ believes them”.

(Todas as traduções que constam no presente trabalho são de Ana Carolina Buzato Marchi). 2 “Musically expressive singers are born, not made”.

Page 15: EXPRESSIVIDADE MUSICAL NO CANTO - Unicamp

15

musical daquilo que estivéssemos cantando. Nesse momento, percebi que os resultados que

obtinha sozinha eram mais facilmente transportados para dentro da sala de aula, e posteriormente

para uma apresentação.

Em uma de nossas conversas, de Nonno estimulou meu desejo de pesquisar

academicamente essa questão. Pelo conhecimento ainda limitado sobre os pedagogos musicais,

esse tema parecia mais pertinente aos assuntos de expressão corporal, que, durante minha

experiência dentro do bacharelado em canto, não eram relacionadas com o ato de cantar.

Conversando com minha orientadora, prof. Dra. Adriana Mendes, na época orientadora de

Estágio Supervisionado, concluímos a semelhança das minhas buscas com a pedagogia de Émile

Jaques-Dalcroze. Sua pedagogia foi resultado de suas indagações sobre os problemas no ensino

de música de sua época, sempre baseados no paradigma do que seria um profissional musical

promissor. Para ele, o mesmo deveria ter um refinamento na audição, sistema nervoso,

sensibilidade, sentimento de ritmo e a aptidão da espontaneidade, ou seja, a capacidade de

exteriorização de suas sensações internas.

Seu método é baseado em vivências corporais do ritmo e dos elementos fraseológicos

musicais, no qual o aluno desenvolve seu equilíbrio motriz e sua criatividade através de uma série

de exercícios onde música e movimento são, conjuntamente, a estrutura-mestra de seu senso

rítmico e auditivo. Durante a vivência, o aluno aprimora seus conhecimentos musicais e é

também levado a criar e emitir sons vocais, trabalhando sua voz técnica e expressivamente. Aos

poucos, essa vivência promove a associação entre audição, visão e ação, seja ela corporal e/ou

vocal, além de desenvolver sua memória e suas consciências corporal e espacial.

Optei por iniciar minhas pesquisas sobre esse assunto em meu trabalho de conclusão de

curso, mas deparei-me logo no início com um obstáculo: sua bibliografia é muito escassa em

português. E, em relação ao canto especificamente, encontrei apenas um livro, em inglês, que o

relacionava propriamente com Dalcroze3; além de vários trabalhos, cuja maior parte se limita às

áreas de educação infantil, artes cênicas e dança.

3 CALDWELL, J. T. Expressive Singing: Dalcroze Eurhythmics for Voice. New Jersey: Prentice Hall, 1995.

Page 16: EXPRESSIVIDADE MUSICAL NO CANTO - Unicamp

16

Portanto, pela minha própria experiência como intérprete e pelo resultado positivo obtido

com os meus alunos, ingressei no programa de Pós-graduação do Departamento de Música com o

objetivo de fundamentar uma abordagem de estudo e aprendizagem do canto erudito, cujo

mecanismo de aplicação está baseado nos conceitos de Dalcroze.

O trabalho, resultante de um estudo bibliográfico, está organizado em três partes: o

capítulo 1 traz algumas considerações de maneira a dialogar com o leitor sobre as possibilidades

de formas distintas de interpretação na música, em especial do canto, e sua relação com o texto

musical. Em busca do assunto “corpo”, buscou-se entender as diferentes transformações corporais

ao longo do século XX e XXI no âmbito social, da pedagogia e, por conseguinte, no canto, a fim

de compreender como isso modificou as exigências corporais do cantor no decorrer desse

período. Com o propósito de demonstrar a relevância desse assunto dentro do ambiente

acadêmico atual, apresentamos o trabalho de Pederiva (2004a; 2004b; 2005), Guse (2005) e

Storolli (2011), autores recentes que desenvolveram pesquisas entre corpo e música,

evidenciando como o corpo atua no processo de aprendizagem.

Após a conclusão da etapa anterior, apresentamos o tema principal desse estudo. Temos,

no capítulo 2, um resumo da vida e pedagogia de Dalcroze, no qual são apresentados os pontos

essenciais da proposta pedagógico-musical de seus exercícios embasados principalmente em

materiais do próprio autor, Bachmann (1991), Caldwell (1995) e Brieghel-Müller (1998).

No capítulo 3, encontra-se a descrição de exemplos de exercícios para o corpo para

auxiliar o cantor em formação, apresentando algumas reflexões pessoais de como os

elementos da proposta de Dalcroze podem ser incorporados dentro do estudo prático da

técnica de canto. Por fim, apresentamos uma reflexão onde consideramos Dalcroze um autor

primordial, alcançando a ligação direta entre corpo e aprendizagem musical, sendo indissociável

dentro de sua proposta as vivências musical e corporal.

Page 17: EXPRESSIVIDADE MUSICAL NO CANTO - Unicamp

CAPÍTULO 1

Page 18: EXPRESSIVIDADE MUSICAL NO CANTO - Unicamp

18

CAPÍTULO 1. O CANTOR E SUA INTERPRETAÇÃO

Por qual razão existem interpretações distintas de uma mesma obra? Por que uma versão

pode agradar mais que outra? E ainda, por que estas preferências não são unânimes?

(GAERTNER; PEREIRA, 2009). Gaertner e Pereira levantam em seu artigo “O que o texto

musical tem a nos dizer” questões feitas provavelmente por quase todos os intérpretes no mundo.

Não obstante, para respondê-las, precisamos relembrar que o resultado final de uma interpretação

carrega consigo a essência do intérprete, sempre mutável. Apesar do interprete não empregar

somente seus próprios sentimentos, seria impossível dizer que ele não os traduz com suas

próprias emoções.

“Todo conhecimento reporta-se à experiência; não podemos conceber coisa

alguma que não tenha relação com a nossa vivência pessoal. Só que essa relação

pode ser mais complexa do que o supõe a teoria da expressão pessoal direta.

Qualquer coisa que o artista pode visualizar […] é, ao menos, relacionada com

suas maneiras de sentir” (LANGER, 1980, p. 405 apud DUARTE JUNIOR,

1988, p. 85).

Portanto, a todo o instante que o músico se debruça em uma obra para interpretá-la, seja

ela uma ideia concreta (um personagem já construído por um compositor) ou abstrata (uma

musicalização de um poema), para que ele possa transformar novamente o texto musical em algo

real, as informações contidas passaram por um filtro interno, da mesma forma como acontece

com o ouvinte, quando ele ouvir o resultado final de uma apresentação.

Durante o estudo do instrumento em uma visão mais erudita, o intérprete iniciante é, na

maioria das vezes, estimulado a seguir fielmente os códigos da partitura, muito mais complexos

do que em uma codificação da música popular. Acontece uma situação ambígua entre ser um

tradutor deste código e vivenciar uma canção de forma musical. A partitura é, portanto, um texto

que o interprete lê, compreende e transforma, processando-o em som. Ele precisa relacioná-los

ainda com a ordem estética dada pelo compositor e sua forma.

Page 19: EXPRESSIVIDADE MUSICAL NO CANTO - Unicamp

19

Em seu livro “On the art of singing” 4(2000), Miller nos recorda da importância dessa

reflexão em seu capítulo intitulado “The sense of immediacy in singing” 5 (p. 141-145). Para ele,

o texto deve voltar à vida com o mesmo frescor e realidade que inspiraram o poeta. Tudo aquilo

que está presente na obra (linha melódica, grupos particulares de intervalo e padrões rítmicos)

deve estar na consciência do cantor, com a mesma motivação presente em seus compositores e

escritores, visto que a função do cantor é recriar essa arte, dando vida à melodia. Somente assim

sua obra é revivida, em que o cantor se torna o meio por onde a experiência artística é convertida.

Por não existir somente um padrão de composição, o intérprete deve estar atento aos

desejos do compositor, principalmente quando direcionamos essa análise ao canto e teatro: haverá

momentos em que a melodia pretende copiar fielmente uma fala com ritmo e entonação própria,

ou de uma conversação espontânea, como, por exemplo, nos recitativos de ópera. Também

existirão outros momentos nos quais a melodia pretende expressar mais do que isso, como, por

exemplo, um padrão de emoção, a sugestão de um comportamento corporal da personagem, ou

simplesmente a imitação de algo, como por exemplo, o canto dos pássaros.

De acordo com Reis (2001, p. 497), a tarefa do intérprete musical se assemelha à tarefa de

um tradutor que se debruça sobre um texto para reescrevê-lo noutra língua. O texto também tem

um “algo mais” que, para ser expresso em outro idioma, necessita de um “algo mais” na tradução.

Ou seja, a interpretação deve sempre acontecer de forma a não ser somente uma cópia do material

escrito. É como se tentássemos traduzir um provérbio de inglês para o português ao pé da letra:

na maioria das vezes, essa tradução ficará sem sentido.

Como ponto de partida, sustentamos que a partitura consiste num tipo de texto e

que apesar de ser constituída por elementos comunicativos bastante divergentes

daqueles utilizados pela linguagem verbal, mobilizará do leitor algo que vai para

além do simples fato de utilizar os mesmos canais orais-auditivos de

comunicação. Aqui avançamos para a questão de que o texto musical exigirá do

seu leitor (e neste caso, quando falamos do leitor do texto musical, estamos nos

referindo exclusivamente a um tipo de leitor específico, o intérprete) algum tipo

de interpretação. Esta interpretação será baseada tanto nas informações

veiculadas no texto quanto em alguns dos seus conhecimentos prévios, conforme

4 Na arte de cantar. 5 O censo de imediatismo no canto.

Page 20: EXPRESSIVIDADE MUSICAL NO CANTO - Unicamp

20

ocorre na leitura/interpretação de um texto verbal (oral ou escrito)

(GAERTNER; PEREIRA, 2009, p. 32).

Gaertner e Pereira (2009, p. 29) citam o exemplo da pesquisadora Chueke (2005), cuja

pesquisa acarretou por estruturar um sistema de três estágios da escuta musical na preparação e

execução pianística com base empírica em seis eminentes intérpretes contemporâneos. Podemos,

contudo, utilizá-lo para qualquer instrumento, inclusive o canto ou uma leitura à primeira vista, já

que estes passos são capazes de suscitar a produção de sentidos em qualquer intérprete. “O

primeiro estágio seria a escuta interior e silenciosa da partitura. Este acontece quando o intérprete

define um ‘objetivo musical’ que irá guiá-lo na preparação da performance”. “No segundo

estágio ele passa então às conexões entre o que ouviu interiormente e o que ouve ao tocar seu

instrumento no momento do estudo”. “O terceiro estágio de escuta corresponde à performance, ao

texto musical materializado”.

O nível de exigência técnica do cantor e de sua habilidade cênica não pode ser

considerado imutável, visto que ele se modificou desde que o canto – em todas as suas

classificações: câmara, sacra e ópera – foi evoluindo, de acordo com as demandas e expectativas

de seu respectivo público. Para esta pesquisa, entretanto, seria interessante considerar esse

processo a partir do início do século XX. Essa reflexão foi objeto de pesquisa de Guse (2009) em

sua tese de mestrado intitulada “O Cantor-Ator: Um Estudo sobre a Atuação Cênica do Cantor na

Ópera”. Apesar de direcionada para interpretação operística, as evoluções citadas podem ser

rapidamente relacionadas também a qualquer interpretação vocal.

Segundo Guse (2009, p. 46), a partir de um artigo de Bennett Challis, publicado em 1912

no The Musical Quarterly, é possível entender o tipo de atuação e encenação estática que vingou

ao longo das montagens operísticas até a primeira metade do século XX. Challis aconselha que,

para uma boa atuação, em qualquer estilo operístico, o cantor deve “praticar e cultivar amplos

movimentos em curvas, […] evitar todo gesto angular exceto para efeitos cômicos”, ou seja, todo

gesto de braços ou mãos deve começar a partir dos ombros e não dos cotovelos; “evitar passos

curtos e de joelhos enrijecidos”, estudar a expressividade do olhar longo e natural, “fazer tão

poucos gestos quanto possível e aprender o valor de permanecer perfeitamente parado”, e,

principalmente, “manter os olhos direcionados sob condições normais à galeria superior, e não

inferior” (CHALLIS, 1912, p. 641 apud GUSE, 2009, p. 50).

Page 21: EXPRESSIVIDADE MUSICAL NO CANTO - Unicamp

21

Podemos notar na pesquisa do autor (CHALLIS apud GUSE, 2009, p. 50) uma

preocupação da época com o controle de movimentos desordenados e incoerentes que, em busca

de uma harmonia visual, foi além de somente a economia do movimento, chegando a certas

convenções corporais que se tornariam clichês. Isso resultaria em encenações quase fotográficas

das óperas, em que havia pouca movimentação e a comunicação do drama era deixado a cargo

somente da música, da voz e da expressão facial.

Com o avanço da tecnologia, foi-se exigindo dos cantores uma maior habilidade cênica,

não só um espetáculo puramente vocal e musical. A inclusão de legendas e o surgimento da

televisão e do cinema foram as principais influências dos últimos tempos. “O frequente uso de

legendas nos espetáculos fez com que o texto da ópera adquirisse uma importância maior, pois a

legenda possibilita ao público entender o significado de todas as palavras que estão sendo

cantadas” (GUSE, 2009, p. 51).

Numa época na qual as opções de entretenimento estão aumentando diariamente,

na qual a maioria das casas recebe pelo menos 150 canais de TV a cabo, na qual

música e vídeo podem agora ser levados a qualquer lugar por aparelhos

portáteis, na qual o vídeo de internet a cabo é agora um lugar comum, a

competição pelo dólar de entretenimento é maior agora que talvez em qualquer

época da história. […] Diretores de ópera e designers são incumbidos de criar

produções que são visual e intelectualmente comprometidas. Cantores de ópera

devem fazer sua parte para desenvolverem personagens que sejam completos,

críveis e verdadeiros. Isto requer boa atuação. O cantor de ópera que não cria um

personagem crível, através da aparência, movimento e atuação, é cada vez

menos tolerado (LUCCA, 2007, p. 2 apud GUSE, 2009, p.51-52).

O público atual quer ilusoriamente acreditar que a história da ópera está realmente

acontecendo no agora, sem perceber que a mesma foi ensaiada. Assim como Guse (2009, p.56)

coloca: “a plateia não se sensibiliza ao ver um ator que finge emocionar-se com uma situação,

mas sim ao ver uma personagem, um ser humano ou humanizado, que sente e age

espontaneamente diante de situações que poderiam ter acontecido com qualquer pessoa”. Neste

caso, o cantor precisa ser capaz de revelar toda a complexidade humana que envolve o seu

personagem, e para isso precisa de uma conexão/elo com seu próprio ser.

Não podemos deixar de ressaltar um aspecto significativo destacado pela pesquisadora, a

fim de se obter um bom desempenho durante uma interpretação. Para ela, é importante para o

cantor organizar suas motivações durante a peça que interpreta, ajudando-o a encontrar um fluir

de ideias em sincronia com o texto musical. Assim, tornaríamos a experiência mais dinâmica,

Page 22: EXPRESSIVIDADE MUSICAL NO CANTO - Unicamp

22

através de uma constante motivação da personagem, e evitando a monotonia interna de estar

constantemente sob a condição de um único sentimento ou ação interna.

A organização dos elementos musicais pode criar uma ordem de motivação

através de um prévio estabelecimento de subtextos e pensamentos internos da

personagem adaptados a frases e trechos musicais. Deste modo, seria possível o

cantor traçar variações dentro do humor e sentimento geral pré-estabelecido […]

mostrando o mesmo sentimento de várias maneiras, como as diversas gradações

que uma única cor possui (GUSE, 2009, p. 89).

Da mesma forma como durante o cantar, o intérprete deve se lembrar de estabelecer

também o que acontece com seu personagem nos momentos de pausa, para que ele possa

preenchê-los com ações internas, como pensamentos e motivações. A presença de música, neste

caso, ajuda a estimular o surgimento de imagens e sentimentos internos, evitando sempre a

passividade do personagem. Um exemplo dessa articulação de ideias se encontra no exemplo

abaixo:

Encontramos um exemplo disso na cena em que Papageno pretende se suicidar.

Qual seria a medida ideal entre a contagem um, dois, três e o trecho que segue?

Esta resposta só será encontrada através da elaboração dos pensamentos que

preenchem cada pausa. Como aponta Lucca (2007, p. 84), o divertido desta cena

estaria exatamente nesse preenchimento, ou seja, no desespero da personagem

enquanto espera, almejando e procurando por alguém que lhe impeça de cometer

suicídio (GUSE, 2009, p. 92).

Essa elaboração de um plano de ideias que o intérprete deve elencar durante o estudo de

uma peça é de suma importância quando pensamos que durante sua interpretação, ele não terá

toda sua atenção na técnica vocal e no conteúdo musical. É importante para o cantor praticar o

desprendimento de sua atenção para que ele saiba onde cada coisa acontece de maneira

inconsciente e automática. “Sabendo disso, o cantor pode mais facilmente libertar-se

corporalmente e mentalmente para representar sua personagem, aperfeiçoando então a relação

existente entre a música que executa e a representação cênica” (GUSE, 2009, p. 100). Lucca

(2007 apud GUSE, 2009, p.100) aconselha que o cantor também exercite o ato de cantar

enquanto estiver fazendo suas atividades cotidianas.

Neste contexto, a proposta de técnica de Émile Jaques-Dalcroze é muito importante para

uma consciência corporal e criação de um elo entre o fluxo de pensamento/sentimento e corpo,

facilitando assim a ajuda entre cena e voz. Já que, nas palavras de Guse (2009, p. 100), “é

possível também que o cantor consiga vencer problemas técnicos fazendo com que a atuação

Page 23: EXPRESSIVIDADE MUSICAL NO CANTO - Unicamp

23

cênica promova a energia necessária para a execução vocal, associando os desafios vocais à

representação cênica”.

A repetição de um trecho por muitas vezes nem sempre é a melhor alternativa para se

atingir uma boa execução técnica. Outros tipos de prática podem ser tão interessantes ou até

mesmo mais eficientes, assim como constatado por Guse (2009) em sua pesquisa:

Ao invés de repetir as árias mil vezes com o resultado de fixar problemas vocais,

cantores devem tratar a comunicação da ária como um problema de cantar/atuar.

Um método é ver como muitas variedades de expressões faciais podem ser

usadas na ária. Experimentação com gestos e movimentos é também

extremamente útil. Cantar a ária sentado, deitado de costas, ou enquanto

caminha pela sala cria um estabelecimento diferente de perspectiva. Adicionar

diferentes tons de dinâmicas ou cores vocais adiciona uma flexibilidade vocal.

Em resumo, descobrir quantos modos diferentes a ária pode ser cantada

efetivamente pode ajudar tremendamente a performance. Mais ainda, muitos

problemas vocais desaparecem quando tratados desta maneira, porque o cantor

para de tratá-los como problemas da voz e começa a tratá-los como problemas

da performance. (HELFOT e BEEMAN, 1993 apud GUSE, 2009, p.102).

E por fim, no caso de uma obra em língua estrangeira, este se torna mais um obstáculo

para a interpretação, já que as palavras não se encontram na psique da língua nativa. É importante

que o cantor saiba o significado de cada palavra que canta, exigindo de si um trabalho anterior ao

aprendizado musical.

“Se você entende a emoção geral de uma cena, você será capaz de comunicar

algo da história. Contudo, esta performance irá empalidecer quando comparada

à performance de alguém que sabe o que eles estão dizendo e é então capaz de

atuar baseado em palavras e pensamentos específicos ao invés de apenas em

uma emoção generalizada” (LUCCA, 2007 apud GUSE, 2009, p.105).

Concluímos então o quão importante é a relação do intérprete com a partitura e como deve

ser essa tradução através de uma análise interpretativa minuciosa, que agrupa elementos musicais,

textuais e principalmente, inspiração de imagens e sentimentos internos. Esses elementos deverão

ser exteriorizados durante sua performance com seu instrumento vocal, o que torna crucial a

ligação destes sentimentos organizados junto ao seu corpo. Abrangeremos a seguir como o corpo

se transformou a partir do século passado e como ele age dentro da aprendizagem do instrumento,

a fim de se compreender mais de qual maneira cria-se uma melhor interação entre as ideias do

intérprete e sua realização musical.

Page 24: EXPRESSIVIDADE MUSICAL NO CANTO - Unicamp

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1.1. CORPO: QUAL SUA IMPORTÂNCIA PARA A APRENDIZAGEM DO CANTO?

A expressão sonora é o domínio do ruído. Para dominar um ruído é preciso

dominar um gesto. Além de ser um aprendizado motor, é uma aprendizagem

psicológica. Para conseguir exprimir-se em uma evolução progressiva até os

meios de expressão mais abstratos, é preciso reconhecer as pulsões da vida,

reconhecê-las em seu nível mais primitivo: o nível corporal (LAPIERRE e

AUCOUTURIER, 1988 apud PEDERIVA, 2004b).

A sociedade europeia do início do século XX apresentava necessidades diferentes das

conhecidas até então. As escolas começaram a receber um novo perfil de alunos, filhos de

operários, devido a crescente urbanização causada pelas mudanças socioeconômicas da época.

Foi neste ambiente que Dalcroze se viu na necessidade de desenvolver uma nova metodologia,

capaz de desempenhar um papel efetivo na organização dessa nova sociedade. Todavia, essa

mudança na configuração do corpo não foi algo único, mas sim uma modificação filosófica da

sociedade da época.

A veracidade da execução do cantor já era preocupação dos ouvintes da época. Uma prova

disso é que, em seu artigo intitulado “Rhythm and gesture in music drama – and criticism” 6,

datado entre 1910 e 1916, Dalcroze já observava a relação do público à postura do cantor dentro

do ambiente dramatúrgico. Como ele mesmo declara:

Nem todo músico necessita expressar música no movimento, mas é obvio que

um cantor de ópera, para ser um artista completo, deve possuir essa faculdade de

‘realização’ de ritmos plasticamente. Infelizmente, se sua educação é

incompleta, a do seu público é muito mais; é por isso que tantos cantores não

ritmistas alcançam sucesso apesar de sua deficiência. Não será sempre assim;

um novo ponto de vista já está no curso da evolução; o estudo das relações entre

tempo e espaço está engajando a atenção de inúmeros esteticistas, e o tempo não

6 Ritmo e gesto no drama musical – e criticismo (DALCROZE, 1921, p. 199-228).

Page 25: EXPRESSIVIDADE MUSICAL NO CANTO - Unicamp

25

é distante onde a falta de ritmo será contada como uma falha no equipamento do

cantor assim como a falta de precisão vocal.7

Para entender a transformação do pensamento dos educadores, é importante compreender

como foi estabelecida essa dualidade entre corpo e mente e quais foram os movimentos que

acarretaram nessa reflexão e posterior mudança filosófica. Em seu artigo intitulado “O corpo em

ação: a experiência incorporada na prática musical”, Storolli (2011) faz uma excelente síntese dos

fundamentos históricos estabelecidos durante os séculos anteriores. Através das ideias de

Descartes, no século XVI, foi criado um conceito de que existe um mundo objetivo e uma razão

universal independente das mentes e corpos dos seres humanos.

Dentro da área de educação, essa necessidade de reintegração foi implantada pouco a

pouco, para a criação do que Lima e Rüger (2007, p. 99) chamaram de pedagogia ativa, com

Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827), Maria Montessori (1870-1952), Ovide Decroly (1871-

1932) e Celestin Freinet (1896-1966), dentre outros. Estendendo-se para a educação musical, esse

novo modelo fez surgir educadores que criaram metodologias de ensino musical diversas a partir

de uma prática corporal vivenciada. Dentro da área da produção artística, vemos um movimento

iniciado assim por François Delsarte, que acarretou por influenciar não só a arte de Dalcroze, mas

também de seus contemporâneos, como por exemplo, Constantin Stanislavski e Rudolf Laban no

teatro e Loie Füller, Isadora Duncan, Ruth Saint-Denis na dança (CAVRELL, 2012, p. 80-84).

François Delsarte (1811-1871) foi um cantor que, após se afastar dos palcos por

problemas vocais, se tornou investigador da expressividade vocal e gestual humana. Sua teoria,

chamada de Estética Aplicada, englobava a análise expressiva da voz, da palavra e do gesto,

vinculada a uma mistura entre metodologias científicas e dogmas religiosos e místicos. Seu

sistema e a prática baseada nele exerceram influências não só na ópera, mas também no teatro,

dança, cinema-mudo e declamação. Além do território francês, suas ideias ecoaram nos países

vizinhos (Alemanha, Suíça e Itália), nos Estados Unidos, e Rússia (SOUZA, 2011).

7 Not every musician requires to express music in movement, but it is obvious that an opera singer, to be a complete

artist, must possess this faculty of ‘realizing’ rhythms plastically. Unfortunately, if his education is incomplete, that

of his public is much more so; that is why so many non-rhythmic singers attain success in spite of this deficiency. It

will not always be so; a new point of view is already in course of evolution; the study of the relations between time

and space is engaging the attention of numerous aestheticians, and the time is not far distant when lack of rhythm

will be counted as serious a flaw in a singer's equipment as tonal inaccuracy.

Page 26: EXPRESSIVIDADE MUSICAL NO CANTO - Unicamp

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Bonfitto (2013) cita vários movimentos que aparecem desde o século XIX nos países de

cultura alemã, que acarretam em um movimento complexo cujo eixo principal seria a

“redescoberta do corpo”: o contato com a natureza (Jungendbewegung), o retorno às forças

geradoras da vida por meio da recusa do álcool e carne (Lebensreform) e por fim, a revolução de

mentalidade, do gosto e da higiene (Körperkultur). Neste contexto, além da primeira referência

de Delsarte, onde o corpo passa a adquirir a mesma “dignidade” já conquistada pelo intelecto e

espírito (trindade estrutural dentro do homem), pode-se reconhecer uma segunda referência

teórica para o desenvolvimento do Körperkultur: a corrente estética desenvolvida a partir de

Schopenhauer, Nietzsche e Wagner, onde a música é vista como matriz das artes no tempo e

espaço, e o espírito dionisíaco como sendo a expressão da subjetividade mais pregnante

(BONFITTO, 2013, p.10).

Podemos abordar também um outro sentido trazido pela presença de tantas mulheres na

experimentação da dança deste período. De acordo com Cavrell (2012, p. 81), era o momento de

um novo público espectador e também um momento de buscar maneiras de interpretar o espaço

para além do corpo físico. Algumas mulheres desafiaram, no final do século XIX, a identidade

típica feminina. Elas questionaram, através de sua arte, as relações culturais por meio de

identidades de gênero e sistema de valores na sociedade em que viviam. Além disso, o desuso do

espartilho dentro da roupagem feminina acarretou por trazer um novo corpo à mulher, e

principalmente, uma nova respiração8. Pode-se compreender, portanto, como esta prática trouxe

uma nova configuração do corpo da mulher em diversos aspectos.

Porém, durante esse mesmo período de tempo, a música acabou por se deslocar da vida

íntima das pessoas tornando-se uma arte para virtuoses. Na visão de Madureira (2008, p. 21),

8 Frequentei a disciplina intitulada “From Modern to Contemporary Dance: Pratical Concepts in forming

Contemporary theory”, oferecida dentro do programa de Pós-Graduação em Artes da Cena durante o primeiro

semestre de 2016 e ministrada pela profa. Dra. Holly Elizabeth Cavrell. Foi uma oportunidade única, devido a

diversos fatores. Primeiramente, a escolha de realizar uma vivência fora do departamento de música, por buscar

experiências corporais mais práticas e teoria específica. Segundo, pois a experiência de conhecer outros artistas e

professores da época, contemporâneo ao sujeito do meu tema de pesquisa, foi muito importante para entender sua

visão em seu período; além de vivenciar corporalmente, pela ótica da dança, o desenvolvimento do corpo através do

século XX. As reflexões a respeito das mudanças que ocorreram a partir do início desse século e principalmente no

impacto do meu corpo dentro dessas práticas foram experiências essenciais para esse projeto e para meu crescimento

como intérprete.

Page 27: EXPRESSIVIDADE MUSICAL NO CANTO - Unicamp

27

pouco a pouco o fazer musical se distanciou do campo da sensibilidade na direção de um ofício

puramente técnico e competitivo. Essa opinião de separação entre corpo e mente ainda é

percebida nos dias atuais, não só na música ou em estudos científicos, mas também em outras

instâncias da cultura. Infelizmente, a maioria dos professores atuais lidam melhor com a técnica e

apenas os “coaches” lidam com a expressão musical. Portanto, somos condicionados a acreditar

que o ensino de canto e o ensino de expressão são separados.

Os especialistas em música podem entender muito de música e pouco de seres

humanos, e fabricam então uma marionete de um artista autônomo, um gênio

que se desenvolve eminentemente. Mas, fazendo isso, eles meramente

contribuem para uma falsa compreensão da própria música (ELIAS, p. 121 apud

MADUREIRA, 2008).

Atualmente parece haver então uma necessidade global de tentar compreender o ser

humano em novas perspectivas e paradigmas. O corpo ganha maior relevância como foco de

estudo, onde pesquisa estética e prática pedagógica se fundem (STOROLLI, 2011, p. 132).

Segundo as pesquisas de Pederiva e Galvão (2005), podemos ser chamados de “músicos-atletas”,

apesar da formação dos musicistas (principalmente aqueles que acabam se tornando

eventualmente um professor de instrumento) ainda não viabilizar a compreensão do corpo e suas

dimensões, física, emocional e mental.

Como bem colocado por Fernandes (J., 2010) em seu artigo “Método Dalcroze:

perspectivas de aplicação no canto coral”, a busca pelo desenvolvimento harmonioso no ser

humano justifica a importância de associação entre a movimentação corporal e música. Seguindo

o movimento da Körperkultur, pesquisa estética e prática pedagógica ser fundem, revelando

claramente a associação entre bom e belo, resgatando os valores gregos de um corpo e mente

unificados de Platão.

Por conseguinte, não somente pela metodologia desenvolvida por Dalcroze apresentar

uma credibilidade por sua própria história desde sua criação, é importante ressaltar que novas

pesquisas têm sido realizadas tanto para demonstrar a situação atual dos artistas, em âmbito

nacional e internacional, a fim de comprovar como o processo de aprendizagem da percepção e o

corpo estão conectados, quanto para sua importância dentro do fazer musical.

Page 28: EXPRESSIVIDADE MUSICAL NO CANTO - Unicamp

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Meints (2014, p. 2) inicia seu primeiro capítulo de tese de doutorado, intitulada de “The

application of the kinesthetic9learning theories of Emile Jaques-Dalcroze in conduction

preparation coursework”10, demonstrando a preocupação em relação ao ambiente acadêmico:

“Parece ser um sentimento perpétuo entre os professores de música através dos tempos e ao redor

do mundo: existe uma falta de preparação em competências básicas da musicalidade nos

graduandos em música recém-chegados”11.

Em seu trabalho intitulado “A consciência corporal no âmbito da relação ‘corpo-voz’”,

Braga e Pederiva investigaram a relação corpo-voz e sua ligação com a unidade “mente-físico-

emoção”. Suas conclusões, apesar de alarmantes, já são bem conhecidas pelo meio profissional

em questão: os resultados obtidos na pesquisa revelaram que os cantores pesquisados tinham uma

tendência a não vivenciar seus corpos como unidade. A vivência da corporeidade ainda não se

fazia presente de forma significativa entre eles.

Esta é uma visão muito diferente das discussões atuais dentro do âmbito da educação

musical. Penna (2005, p. 29), uma pesquisadora importante da área, comenta em suas reflexões

que o “ser sensível à música” não é algo místico, não fazendo referência a um dom ou a uma

sensibilidade dada. É uma sensibilidade adquirida através de um processo, às vezes não

consciente, em que se trabalham as possibilidades individuais de cada um à sua forma de reação

ao estímulo musical. Mas como se daria então essa conexão entre a unidade “mente-físico-

emoção” e a voz do cantor? Além disso, por que se utilizar dos movimentos para essa

aprendizagem?

Em nossa vida diária é algo complicado separar-se os domínios do sentir e do

compreender (através de palavras), já que o pensamento procura sempre lançar

sua rede conceitual aos oceanos de nossas mais íntimas sensações, procurando

envolvê-las e explicitá-las discursivamente. Contudo, essa prisão simbólica

criada pelo pensamento é sempre incapaz de aprisionar totalmente os

9 Cinestesia, ou ainda, kinesthesia, é um termo utilizado para representar a consciência (cines) através da qual

percebemos a movimentação espacial de nosso corpo, nos movimentos musculares, e ainda, sua influência em

relação ao ambiente em sua volta. 10 A aplicação das teorias de aprendizagem cinestésicas de Émile Jaques-Dalcroze em cursos preparatórios em

regência. 11 It seems to be a perpetual sentiment among the music faculty through the ages and around the world: there is lack

of preparation in basic musicianship skills in incoming music majors.

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sentimentos, permanecendo suas qualidades, essenciais fora de suas malhas. Há

um domínio íntimo aonde a linguagem não pode chegar, que permanece

inacessível aos conceitos verbais. […] Já afirmamos, anteriormente, que a

compreensão que se tem do mundo (dada por palavras, primordialmente) só se

dá por referência àquilo que é sentido (vivido). […] o significado compreendido,

simbolizado, apoia-se sempre no significado sentido. O que estamos procurando

enfatizar é o fundo ilógico, emocional mesmo, de onde emerge toda

compreensão que os símbolos nos permitem (DUARTE JUNIOR, 1988, p. 75).

A citação acima exemplifica muito bem o significado da palavra sentimento: tudo aquilo

presente dentro do indivíduo, ou seja, toda sua consciência, porém não ligada necessariamente a

linguagem verbal e a símbolos. O sentimento do intérprete não pode ser explicado por meio de

palavras. Algumas das experiências que devem ser passadas por ele, tanto musicais quanto

emocionais, não são presentes na linguagem verbal. Essa capacidade de manipular os parâmetros

do som dentro da imaginação é chamada de capacidade aural, e é uma habilidade necessária em

todos os intérpretes de música.

Os estudos contemporâneos vêm se fundando por meio do trânsito de diversas áreas do

conhecimento, caracterizando-se por seu aspecto multidisciplinar. Através desse cruzamento de

informações surge a noção de que não há limites absolutos entre o interno e o externo. Storolli

(2011, p. 136) demonstra a maneira como isso ocorre, onde “o corpo passa a ser compreendido

como local e agente do processo de conhecimento, provocando transformações nele próprio e ao

redor a partir de sua atuação”.

Ainda segundo Storolli (2011), ao considerarmos a questão do corpo no processo de

cognição musical, entende-se que o ambiente para que esse processo de aprendizagem ocorra

deve ser instaurado pela própria ação do corpo, sendo este primordialmente através do

movimento. Portanto, estimular práticas que privilegiem a ação do corpo a partir do movimento

parece ser uma atitude adequada para viabilizar o processo de cognição musical de uma forma

criativa. De acordo com Fonseca (1995 apud PEDERIVA, 2004a, p. 47), “a percepção adquire

lugar através da ação, cuja organização e cofunção atingem as mais complexas formas de

atividade psíquica superior”.

Segundo Pederiva (2004a, p. 47), o ato mental projeta-se em atos motores e a palavra é

precedida pelo gesto. O movimento se integra à inteligência à medida que a atividade cognitiva

progride. O ato motor e a inteligência, ao integrar-se, são internalizados. Palavras e gestos

manuais são sinais de comunicação, que de acordo com Mcneill (1992 apud GENTILUCCI e

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CORBALLIS, 2006, p.955), “são sincronizados um com o outro, sugerindo que o discurso e

gesto formam um sistema único e integrado” 12.

Em seu artigo chamado A construção e vivência do corpo, publicado em 2005, Pederiva e

Galvão dizem que a aprendizagem humana envolve amplas dimensões do ser humano. O corpo

interage no mundo e com as pessoas, utilizando muitas de suas dimensões, emocionais,

cognitivas e físicas, ou seja, ação. Um corpo que é ao mesmo tempo a expressão do ser humano,

possuidor de uma história de vida e de uma intencionalidade em relação a ela. “A união entre

alma e corpo se realiza a cada instante no movimento da existência” 13.

O cérebro, órgão de aprendizagem, está baseado em uma hierarquia onde novas

aquisições (psíquicas) se juntam às antigas (motoras), alcançando uma nova alteração e uma nova

propriedade. As novas aprendizagens estão baseadas em aquisições e informações já integradas

no cérebro, onde a noção do corpo ocupa um lugar extremamente significativo. Para Wallon

(1995 apud PEDERIVA, 2005, p. 6), o movimento é um dos meios para atuar sobre o ambiente.

“O movimento é a expressão e o primeiro instrumento do psiquismo” (FONSECA, 1995 apud

PEDERIVA, 2005).

Grande parte do processamento da informação que substancia a aprendizagem

pode ser considerada como conscientização interna do corpo, certa forma de

integração psicomotora sobreposta a uma integração sensorial, que lhe serviria

de suporte. A evolução da aprendizagem é algo muito estruturado, aonde uma

combinação de estruturas neurológicas vai se organizando de forma cada vez

mais complexa. Essas condições de estruturação ocorrem igualmente nas áreas

sensoriais e motoras (FONSECA, 1995, p. 201 apud PEDERIVA, 2004a, p. 48).

É importante para o cantor em formação, portanto, vivenciar seu instrumento (corpo)

durante seu estudo, já que são com essas experiências que ele estará, além do aprendizado de

novos fundamentos, criando uma conexão muito maior entre as partes de seu próprio ser. Neste

sentido, Pederiva (2004a, p. 48) diz que “o sistema perceptual e o sistema motor apresentam sutil

interação na atividade motora”, onde […] “o corpo também é recipiente do senso de Eu do

indivíduo”. Ou seja, ele “carrega sentimentos, aspirações e a entidade humana. Este corpo

12 […] are synchronized with one another, suggesting that speech and gesture form a single, integrated system. 13 (PEDERIVA; GALVÃO, 2005, p. 6)

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especial, que se modifica perpetuamente, influencia pensamentos, comportamentos e relações

humanas”. Após o processo de aprendizagem, nosso corpo armazena uma composição de

memórias de todas as partes de si (visuais, táteis, cinestésicas e auditivo-linguísticas) e de todas

as suas experiências. Em outros termos, trata-se de uma síntese perceptiva.

A noção de corpo sintetiza, dialeticamente, a totalidade do potencial de

aprendizagem, não só por envolver um processo perceptivo poli sensorial

complexo, como também por integrar e reter a síntese das atitudes afetivas

vividas e experimentadas significativamente. Encarada nesta perspectiva, a

noção de corpo possui a capacidade de tornar-se um dispositivo essencial ao

desenvolvimento da aprendizagem, e consequentemente da personalidade, na

medida em que pode ser objeto de estudo de inesgotáveis recursos para

compreender as relações corpo-personalidade (FONSECA, 1995, p. 183 apud

PEDERIVA, 2004a, p. 49).

Para que este processo aconteça, segundo Pederiva (2004a), o conhecimento de alguém

sobre seu próprio corpo é uma necessidade absoluta. Sempre deve haver o conhecimento de que

se está agindo com o próprio corpo, que se tem que começar o movimento com o corpo, que se

tem que usar determinada parte do corpo. Este plano também deve incluir o objetivo de cada

ação, pois há sempre um objeto em direção à qual a ação é dirigida. Tal objetivo pode ser o

próprio corpo, ou um objeto do mundo externo. O conhecimento meramente intelectual é

insuficiente. Trabalhar em uma perspectiva integrada causará mudanças altamente positivas na

performance musical (LIEBERMAN, 1995 apud PEDERIVA, 2005, p. 13).

Podemos concluir então que o fazer musical envolve o desenvolvimento total do corpo,

conclamando o sentido aural, tátil e da consciência cinestésica. E é por essa razão que, além do

próprio Instituto Emile Jacques-Dalcroze em Genebra, é relevante citar a presença de seus

ensinamentos em diversas Universidades e Conservatórios da Europa, como Suíça, Alemanha,

Polônia, França, Espanha, Inglaterra, dentre outros. Não podemos deixar de citar os centros de

estudos presentes no Japão, Austrália, Tailândia, Singapura, Israel, Canada e Argentina.14

Nos Estados Unidos, como mencionado por Meints (2014, p. 36), seu método foi adotado

em currículos de muitas Universidades de Música altamente consideradas, como por exemplo,

Oberlin College Conservatory, the Longy School of Music at Bard College, the Baldwin Wallace

14 Eurhythmics in the World. Disponível em: <http://www.fier.com/>. Acesso em: 29 nov. 2015.

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University Conservatory of Music, Carnegie Mellon University, the Cleveland Institute of Music

and Eastman School of Music dentre outras.

No capítulo seguinte, a fim de compreender como se deu o surgimento deste processo

educacional, conheceremos então um pouco sobre a vida de seu criador, Émile Jaques-Dalcroze.

Em seguida à sua bibliografia, apresentamos então os conceitos básicos de sua metodologia

chamada de euritima, ou simplesmente por rítmica15.

15 Para não ser confundido com outra metodologia criada por Rudolf Steiner, também chamada de eurritmia,

utilizaremos a tradução rítmica para este trabalho. É importante ressaltar, todavia, que os textos em inglês utilizam a

palavra eurhythmics como tradução para a pedagogia de Dalcroze.

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CAPÍTULO 2

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CAPÍTULO 2. SOBRE DALCROZE E SUA METODOLOGIA

2.1. BIOGRAFIA DE ÉMILE JAQUES-DALCROZE

Émile Jaques-Dalcroze, cujo nome verdadeiro era Emile Henri Jaques, foi, de acordo com

Madureira (2008, p. 17), um homem complexo. “Acompanhar suas andanças poéticas e os

volteios de seu pensamento não foi uma tarefa fácil”. Teve uma vida longa, vivendo até quase

seus 85 anos. Nasceu em Viena em 6 de julho de 1865, de pais suíços. Aprendeu música com sua

mãe, professora de música que estudou também filosofia e técnicas de Johann Heinrich Pestalozzi

(1746-1827), inovador educacional suíço. Em 1875, aos 10 anos, Dalcroze mudou-se com sua

família para a Suíça e ingressou então no Conservatório de Genebra onde pôde dar continuidade

aos seus estudos sobre música (VIEIRA, 2010, p. 27).

Ao partir em direção a Paris, em 1884, estudou teatro no Comédie Française e música

com diversos professores, dentre eles, Gabriel Fauré. Por causa disso, chegou até a ficar indeciso

entre seguir a carreira da arte dramática ou da música. Dalcroze precisou trabalhar para se manter

na cidade, e por isso aceitou, no verão de 1886, uma vaga como pianista numa estação de banhos

em Saint-Gervais. Ele achava o trabalho muito frustrante, pois somente alguns hóspedes

permaneciam no salão depois do jantar para uma leitura, um cochilo ou, mais raramente, para

ouvir música. Entre eles encontrava-se Léo Delibes, que cumprimentou Dalcroze pelas

improvisações e, depois de uma conversa em que mostrou algumas de suas composições, Delibes

aceitou orientá-lo nos estudos de orquestração quando voltasse a Paris (MADUREIRA, 2008, p.

48).

Aos 21 anos, Jaques-Dalcroze mudou-se para Argelia, pois o compositor Ernest Adler

pediu para ele conduzir conjuntamente a orquestra de um Vaudeville. Neste país, Dalcroze

reencontrou Raymond Valcroze, um colega francês dos tempos de colégio, de quem então

emprestou o sobrenome, alterando a primeira consoante. Segundo Madureira (2008, p. 48), a

criação de um nome artístico foi necessária por exigência de uma editora francesa interessada em

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publicar as suas canções, pois já havia em Paris outro Jaques compositor. A partir desse

momento, Émile Henri Jaques passou a se chamar Émile Jaques-Dalcroze.

Dalcroze ficou maravilhado com a exuberância daquela colônia francesa, situada

entre praias selvagens e exóticas mesquitas, tendo mergulhado naqueles sabores

orientais, bebeu moca, fumou chifa e acompanhou os rituais mágicos dos

africanos, observando as contorções de suas danças e, sobretudo, a vivacidade

rítmica de suas músicas de forte influência árabe. Para Dalcroze, o seu sistema

de educação musical foi concebido naquele momento, sob inspiração dionisíaca

(MADUREIRA, 2008, p. 48).

Estudou composição em Viena em 1887 para um aprofundamento de dois anos na

Academia de Música de Viena, sob orientação de Graedener, Prosnitz, Fucks e Bruckner. Em

1889, ele retornou a Paris para estudar com Léo Delibes e Mattis Lussy.

Dalcroze retornou a Genebra, aos 27 anos, assumindo o cargo de professor de Harmonia e

Solfejo, no mesmo conservatório que estudara: o Conservatório de Música de Genebra. Ele

percebeu que seus alunos eram incapazes de ouvir a harmonia que eles escreviam em classe, não

conseguiam escrever uma melodia simples ou sequências de acordes, e que eles tinham sérios

problemas na sua performance devido ao pobre desenvolvimento do senso rítmico. “[…]

Dalcroze vislumbrou na formação de jovens musicistas um novo horizonte em que a atividade

criativa e o ensino poderiam ser integrados num todo indissolúvel” (MADUREIRA, 2008, p. 23).

Logo, Dalcroze descartou o ensino padrão, introduzindo seus alunos à improvisação,

encorajando-os a se expressar vocalmente ou no piano no impulso do momento e experimentar a

música na linguagem da emoção. Ele ponderou a conexão fina existente entre acústica, sistema

nervoso e movimento muscular, e descobriu que, musicalmente, sua pureza “aural” não estava

completa a não ser que os músculos pudessem coordenar com a música. Ele começou a estudar

maneiras com que a música, movimento, cognição e habilidades físicas se relacionassem e

pudessem conectar o que faltava, a força que conecta pensamento, imaginação e habilidades

físicas: a cinestesia.

Por suas ideias não serem interessantes para o conservatório, ele saiu da escola em 1893,

fundando seu próprio estúdio, ajudando os alunos a iniciar experimentos de estudo de música

através do movimento. Em 1905, ele e seus alunos apresentaram o método da rítmica: ritmo,

solfejo e improvisação. Em 1910 dois irmãos de sobrenome Dhorn, interessados no seu trabalho,

construíram para ele o Centro de Formação para Música e Ritmo Jaques-Dalcroze, um instituto

Page 36: EXPRESSIVIDADE MUSICAL NO CANTO - Unicamp

36

inteiramente destinado à pesquisa da Rítmica localizado na cidade de Hellerau, próximo a

Dresden. Dalcroze pôde reunir suas grandes paixões: o teatro, a música e a dança.

Dalcroze foi pianista de um renomado professor de canto conhecido como Juliani durante

os seus cursos e recitais. De acordo com Madureira (2008), Juliani inspirou muitas reflexões

sobre a arte do canto, suas sutilezas técnicas e expressivas; ademais, o canto e o solfejo acabariam

por ocupar uma posição primordial em seu futuro sistema de educação musical. Além disso, seu

entusiasmo pelo canto talvez tenha influenciado suas afeições por Nina Faliero, cantora cultuada

pela preciosidade de sua voz, com quem mais tarde, aos 34 anos, celebraria núpcias.

Nina Faliero abriu mão de sua carreira como soprano lírico para dedicar-se

inteiramente às atividades artístico-pedagógicas de seu marido. Dalcroze já

havia interpretado com certo sucesso algumas de suas próprias canções, mas foi

o magnetismo de sua esposa que garantiu a ele a notoriedade como fazedor de

canções (MADUREIRA, 2008, p. 53).

Seu clímax foi em 1913, em Hellerau, com a performance da ópera Orfeo ed Euridice, de

Christoph Glück, onde todos os participantes passaram por seu treinamento (CALDWELL, 1995,

p. 14). Mais de cinco mil participantes estiveram neste festival. O instituto em Hellerau fechou

abruptamente em 1914 por causa da Primeira Guerra Mundial. Ele retornou para Genebra em

1915, quando abriu uma nova escola. A criação de um centro de excelência em pedagogia

musical não foi o suficiente para aquietar Dalcroze. Logo após o final da guerra, ele retomou as

viagens internacionais, divulgando a Rítmica através de palestras e demonstrações públicas com

seu grupo. Ele permaneceu em Genebra até sua morte, em 1950.

2.2. RÍTMICA

As indagações de Dalcroze sobre os problemas no ensino de música de sua época sempre

foram baseadas no paradigma do que seria um profissional musical promissor. Para ele, o mesmo

deveria ter um refinamento na audição, sistema nervoso, sensibilidade, sentimento de ritmo e a

aptidão da espontaneidade, ou a capacidade de exteriorização de suas sensações internas.

O princípio básico do processo de educação musical de Dalcroze é sentir, viver, analisar e

intelectualizar, tomando como ponto de partida a relação entre movimentação corporal e ritmo.

Dessa forma, em seu método a prática musical antecede ao aprendizado da teoria, da mesma

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37

forma como uma criança aprende a língua materna: primeiro a fala e depois seus símbolos

(FERNANDES, J., 2010, p. 80).

Em seu artigo intitulado “An essay in the reform of music teaching in schools” 16 (1921, p.

13-57), Dalcroze conclui que “todo método sonoro de ensino de música deve ser baseado na

escuta, assim como na emissão dos sons. Se as faculdades de escuta do aluno são fracas, elas

devem ser desenvolvidas antes de se comprometer ao estudo da teoria” 17 (p. 46).

Para Dalcroze (1921, p. 96), um bom ouvido é mais do que a habilidade de nomear e

reconhecer as relações entre as notas que se escuta. A sonoridade das notas exibe outras

qualidades do que somente uma diferença de pitch18. O ouvido deve também apreciar diferentes

níveis de intensidade, dinâmica, de maior ou menor velocidade que cada som sucede o outro, de

timbre, de tudo o que é a qualidade de música que passa pelo nome de “cor”. Em sua visão, é essa

qualidade que precisa estar naturalmente no domínio de uma criança antes de poder começar a

pensar positivamente num futuro musical para ela. Todavia, “treino auditivo sozinho não fará a

criança amar e apreciar a música; o elemento mais potente em música, e o mais relacionado à

vida é o movimento rítmico” 19 (DALCROZE, 1921, p. 115).

O termo rítmica, em inglês Eurhythmics, é a composição das palavras gregas eu (bem,

bom) e rhuthmos (fluir, fluxo, um bom fluxo) (FERNANDES, A., 2010, p. 2). O método se

baseia na vivência corporal do ritmo musical e da experiência musical. O aluno se desenvolve

através de uma série de exercícios onde música e movimento são, conjuntamente, a estrutura-

mestra e o seu senso rítmico e auditivo, seu equilíbrio motriz e sua criatividade. Durante a

vivência, ele incorpora conhecimentos musicais e é também levado a criar e emitir sons vocais,

trabalhando sua voz técnica e expressivamente. Aos poucos a mesma promove a associação entre

audição, visão e ação, seja ela corporal e/ou vocal, além de desenvolver a memória, a consciência

corporal e espacial, instaura um sentimento social no grupo.

16 Um ensaio sobre a reforma de educação musical nas escolas (1905) 17 Every sound method of teaching music must be based on the hearing, as much as on the emission, of sounds. If the

hearing faculties of a pupil are weak, they must be developed before he undertakes the study of theory. 18 Padrão tonal particular com o qual tons dados podem ser comparados em relação ao seu nível relativo. 19 Ear training alone will not make a child love and appreciate music; the most potent element in music, and the

nearest related to life, is rhythmic movement.

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38

[…] os efeitos positivos da rítmica, independentemente da faixa etária que é

aplicada, em sua atitude pessoal e comportamento, acompanhada por um

aprimoramento dos poderes de atenção e concentração, um aumento na

velocidade de adaptação, um domínio de reações físicas e movimentos- sem

mencionar uma grande atenção nos poderes mentais, aprimoramento da

memória, e uma melhora na expressão tanto consigo mesmo, quanto nas

relações com o mundo 20 (BACHMANN, 1991, p. 64).

Os elementos importantes para seu equilíbrio, de acordo com Bachmann (1991), estão

muito bem demonstrados por Caldwell (1995) no que ele denomina de equação de Dalcroze:

FIGURA 1 – REPRESENTAÇÃO DA EQUAÇÃO DE DALCROZE

FONTE: CALDWELL, 1995, P. 21.

Sendo pelos olhos ou experimentado pelo corpo, o movimento é automaticamente

analisado pelas referências do atual deslocamento (mudança de posição, uso do espaço,

orientação), pela maneira como é executado (leve ou pesado, flexível ou rígido, forte ou fraco,

lentamente ou bruscamente) e por suas combinações (plasticidade).

A maneira como o compositor balanceia esses elementos, de acordo com as progressões

de harmonia e melodia, resulta no que se refere ao estilo do compositor. Cada geração de

compositores usava cada um desses elementos de uma maneira em que se refletiam sentimentos,

arquitetura (a organização usada no espaço), arte e até modas da época em que viveu. Portanto, os

compositores de um dado período experimentam a equalização dos elementos ligeiramente

diferentes, mesmo se eles seguem as mesmas convenções musicais de seus períodos.

20 […] for the positive effect of Eurhythmics, whatever the age range to which it was applied, on one’s personal

attitude and behavior, accompanied by an improvement in powers of attention and concentration, an increase in the

speed of adaptation, and a mastery of physical reactions and movements – not to mention a greater alertness in

mental powers, memory improvement, and greater ease of expression both of oneself and of one’s relations of the

world.

ESPAÇO + TEMPO + ENERGIA + PESO + BALANCEAMENTO + PLASTICIDADE

GRAVIDADE

= RITMICA

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39

A música ocorre quando os componentes da equação estão balanceados. No caso do

intéprete, Dalcroze (1910, p. 20-21 apud BACHMANN, 1991, p. 82) listou alguns dos defeitos

que se pode perceber durante uma performance. Isso acontece quando:

• Há a inabilidade de manter um movimento por todo o período de duração da

performance;

• Ele acelerar ou arrastar um movimento que deveria ser uniformemente mantido;

• Há a inabilidade de diminuir ou aumentar a amplitude do movimento quando

necessário;

• Existe a tendência do travamento quando o mesmo deveria ser fluido;

• Ele começa e/ou termina muito cedo ou muito tarde;

• Há a inabilidade de executar simultaneamente dois movimentos contrários;

• Há a inabilidade de alternar como o movimento com gradação deve continuar

(plasticidade);

• Há a inabilidade de combinar ou ritmo ou métrica do acento de um movimento com o

requerido pela lógica musical.

Caldwell (1995, p. 30-32) elenca e esclarece três categorias de execução para exemplificar

como este movimento (ou ainda, uma performance) pode ser analisado: quando um ou mais

defeitos colocados acima acontecem, a execução pode ser colocada como uma arritmia. Neste

caso, pode-se perceber uma inabilidade do cérebro de converter os impulsos para a execução do

movimento, ou a falha na transmissão dessas ordens, ou ainda a falta de capacidade dos músculos

de executá-las. Por isso, os pontos focais dos exercícios iniciais devem ser aqueles que

contribuem para a suplementação muscular e apreciação acurada dos movimentos corporais,

exercícios que melhorem a conceituação e velocidade de compreensão, onde haja uma redução do

tempo de reação para vários estímulos, aperfeiçoando a qualidade de controle exercida nos

membros envolvidos, eliminando assim gestos sem função e buscando uma economia de

movimentos.

Há ainda a etritmia, quando o intérprete faz tudo o que é solicitado pela partitura, mas de

uma forma mecânica, sem vida. Neste caso, os movimentos do corpo são inúteis a não ser que

seja para o serviço de uma sensibilidade prática. Estudar a tradução dos ritmos musicais para os

movimentos físicos leva ao desenvolvimento da sensibilidade, na visão de Dalcroze (1916b, p.

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40

116 apud BACHMANN, 1991, p. 31), quando ele diz que “um gesto não é nada por si mesmo:

seu valor reside inteiramente no sentimento que o inspira” 21.

A rítmica pode ser definida, assim como já colocado anteriormente, como variedades de

fluxos de movimentos por entre o espaço, sendo o resultado do balanço e mudança de todos os

componentes de sua equação. É o movimento sentido pelo intérprete e subconscientemente

percebido pela audiência, porém não visível aos olhos.

Mas o professor deve ter cautela ao guiar o aluno ao encontro deste estado de equilíbrio.

Dalcroze (1921, p. 45) diz que “a verdadeira tarefa do educador deve ser, enquanto guia a

vontade do aluno, de trazer à tona suas qualidades individuais. É melhor providenciar meios de

escolha entre bom e ruim, beleza e feiura, do que mostrá-lo somente o que é bom e bonito ou

somente o ruim” 22.

Segundo Caldwell (1995, p. 46), podemos separar os intérpretes em grupos de musicistas

proativos ou reativos. Esses termos são usados por psicologistas humanistas durante a década de

sessenta para descrever a maneira como as pessoas respondiam ao meio ambiente e desafios que

os confrontavam todos os dias. Intérpretes reativos só conseguem recriar música, não podem

gera-la de dentro de si: não existe música sem partitura. A partitura controla sua interpretação e

ele faz daquele jeito, pois o professor diz que é assim. Já o intérprete proativo faz música por si

mesmo. Mesmo com uma partitura, apesar de o compositor predefinir as dinâmicas, é o intérprete

proativo que define como cantar mais forte/piano e rápido/devagar. Ainda que consinta com as

sugestões do professor, ele é o responsável pelas decisões interpretativas. Neste caso, o uso de

exercícios de improvisação estimula a habilidade de pró-atividade.

Agora que já se conhece os conceitos básicos de sua metodologia, podemos nos

aprofundar um pouco mais em relação a seus pontos importantes, listando passo a passo como e

quais elementos são pertinentes para o desenvolvimento da rítmica. Essa base é fundamental

21 A gesture is nothing in itself: its value lies entirely in the feeling that inspires it. 22 The true educator’s task should be, while guiding the child’s will, to bring his individual qualities to light. It is

better to provide him with the means of choosing between good and evil, beauty and ugliness, than to show him

either only the good and beautiful or only the bad.

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41

para organizarmos uma melhor relação entre suas opiniões e a elaboração dos exercícios

propostos.

2.3. POR QUE O RITMO?

“Para músicos, em qualquer contexto, obter uma percepção consistente e

regulação de pulso, suas subdivisões e agrupamentos, é uma habilidade

essencial. Sem essa estrutura ativa, obter coesão do pensamento musical se

torna impossível. […] Como Casals famosamente replicou: ‘Fantasie como

quiser — mas com ordem!’ Em seu pensamento, até o rubato, a piacere e a

liberdade inerente encontrada em cadências seguem um fluxo lógico na corrente

do impulso, em flutuações ordenadas e confiáveis.” 23 (MEINTS, 2014, p. 2)

Com o propósito de elaborar o caminho para a tão almejada rítmica, deve-se inicialmente

compreender como se deu a concepção desta metodologia e seus conceitos básicos. Dalcroze

(1921, p. 77-92) coloca, em seu artigo “The initiation into rhythm” 24, o que ele considerava

como importante, em sua visão, para o início do desenvolvimento musical.

Como anteriormente mencionado, para ele, a consciência do som se dá através do ouvido

e da voz; a consciência rítmica através da reiteração de movimentos do corpo inteiro. Sendo a

prática musical uma tarefa tão complexa, demandando a simultaneidade e cooperação de ouvido,

voz e movimentos musculares, é impossível, nos estágios iniciais, treinar todas as faculdades ao

mesmo tempo. Para ele “os movimentos que produzem a voz em todos os seus tons de ‘pitch’ e

23 For musicians in any context, gaining a consistent perception and regulation of pulse, its subdivision and grouping

is an essential skill. Without this framework in place, obtaining coherence of musical thought becomes impossible.

[…] As Casals famously retorted: “Fantasy as much as you like—but with order!” In his thinking, even rubato, a

piacere and the freedom inherently found in cadenzas follow a logical flow in the current of the pulse in orderly and

reliable fluctuations. 24 A introdução ao ritmo (1907)

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42

intensidade sonora são de uma ordem secundária, dependendo do ritmo elementar de respiração”

25 (DALCROZE, 1921, p. 79).

Ele acreditava que o ritmo é o único elemento já presente dentro de todo indivíduo ao

nascer. O batimento cardíaco, por exemplo, é regular e transmite claramente a ideia de tempo,

apesar de ser inconsciente e independente da vontade própria. Nessa situação temos que o

mesmo não é relevante para efeito de execução e percepção de ritmo. A ação da respiração,

todavia, apesar de também proporcionar uma divisão regular de tempo, pode se sujeitar a

vontade. “Somos capazes de operá-los ritmicamente, ou seja, dividir o tempo e acentuar cada

divisão por uma tensão muscular mais forte” 26. Por último, temos ainda o próprio modo de

caminhar, que nos demonstra um modelo perfeito de medida e a divisão do tempo em porções

iguais.

O ouvido e o sistema muscular percebem ritmos. Por meio de exercícios repetidos

diariamente, memórias muscular e auditiva podem ser alcançadas, conduzindo para uma

representação rítmica clara e regular, afiando e estimulando as faculdades mais importantes. Isso

permitirá que o aluno compare a percepção de ritmos sonoros com sua representação. Porém é

ressaltado que para o seu desenvolvimento não é suficiente somente a execução de movimentos

simultâneos e regulares; é necessário se acostumar com movimentos de intensidades diversas,

produzindo divisões de tempo com diferentes durações, assim como na relação musical.

Pode-se notar que existe uma conexão íntima entre ritmo em todas as suas

nuances e gesto. Um músico completo, para marcar uma acentuação precisa e

vigorosa, irá bater o ar com seu punho; seu polegar e primeiro dedo irão unir

para descrever um toque fino e acirrado; suas mãos irão balançar para o lado ao

indicar um efeito de delicadeza e suavidade... Seu corpo é um meio involuntário

de expressão do pensamento. Mas há músicos incompletos nos quais essa

capacidade de expressão corporal necessita de desenvolvimento, com tanto

cuidado como deveria ser dedicado ao exercício de dedos fracos ou juntas

rígidas em um aluno de piano 27 (DALCROZE, 1921, p. 85).

25 The movements that produce the voice in all its shades of pitch and loudness are of a secondary order, depending

on the elementary rhythm of breathing. 26 […] we are able to operate them rhythmically, that is to say, to divide the time and accentuate each division by a

stronger muscular tension. 27 It may be noted that there is an intimate connection between rhythm in all its shades and gesture. A complete

musician, to mark a sharp, vigorous accentuation, will shoot out his clenched fist ; his thumb and first finger will

Page 43: EXPRESSIVIDADE MUSICAL NO CANTO - Unicamp

43

O ser humano sente instintivamente as vibrações rítmicas em todos os seus músculos; ao

estimular o treinamento do pensamento, utilizando-se de todo sistema muscular, estamos criando

uma ferramenta facilitadora para que o músculo contribua com sua parte no fazer musical.

Treinar o sistema nervoso consiste não só em desenvolver a atividade muscular necessária, mas

também de reduzi-la, caso sua intervenção não seja necessária. Por último, Dalcroze lembra-nos

que nem todos nascem polirítmicos. "Criar no indivíduo o senso de ritmos simultâneos, […] por

meio de diferentes membros, […] permitirá a ele subdividir compassos em intervalos de tempo

ainda menores" 28 (DALCROZE, 1921, p. 89).

Observe os movimentos nos quais um regente de uma orquestra, dotado de

temperamento, representa e transmite ritmo […]. Seus joelhos irão se fortalecer,

seu pé irá pressionar contra a plataforma, suas costas irão endireitar, os

movimentos de seus dedos e pulsos enrijecerão. Seu corpo inteiro será visto

cooperando em sua representação do ritmo: cada articulação, cada músculo,

contribuindo para transmitir a impressão rítmica mais intensa; o aspecto de sua

pessoa inteira tornando-se, em resumo, a imagem refletida do movimento da

música, e animando os executantes – sua própria representação do ritmo sendo

transmutado para eles 29 (DALCROZE, 1921, p. 86).

Agora que já sabemos o porquê da escolha do ritmo como elemento inicial de sua

metodologia e como seria demonstrada a capacidade aural do indivíduo em diversos exemplos na

performance musical, vamos compreender então quais os elementos principais devem ser levados

em consideração para o desenvolvimento dos exercícios.

unite to describe a fine, acute touch; his hands will sway apart to indicate an effect of delicacy and softness... His

body is an involuntary medium for the expression of thought. But there are incomplete musicians in whom this

capacity for corporal expression requires developing with as much care as would be devoted to the exercising of

weak fingers or rigid joints in a piano student. 28 To create in him the sense of simultaneous rhythms, […] by means of different limbs, […] will enable him to

subdivide bars into even shorter intervals of time. 29 Observe the movements by which a conductor of an orchestra, endowed with temperament, represents and

transmits rhythm. […] His knees will stiffen, his foot will press against the platform, his back will straighten, his

finger and wrist movements harden. His whole body will be seen to co-operate in his representation of the rhythm:

each articulation, each muscle, contributing to render the rhythmic impression more intense; the aspect of his whole

person becoming, in short, the reflected image of the movement of the music, and animating the executants—his own

representation of the rhythm being transmuted to them.

Page 44: EXPRESSIVIDADE MUSICAL NO CANTO - Unicamp

44

2.4. GRAMÁTICA DO MOVIMENTO

A gramática pode ser aprendida por livros, mas a fluência em um determinado idioma

pode ser alcançada somente vivendo no país onde ele é falado. Por isso, a música, sendo

considerada também uma linguagem, precisa ser vivenciada antes do ensino de sua teoria. Mas é

importante saber quais os tipos de exercícios Dalcroze acreditava ser essencial para o treino

rítmico. Neste caso, podemos sim, de acordo com Bachmann (1991, p. 139), denominar esta parte

de ‘gramática’, “num sentido em que estes exercícios irão eventualmente transformar cada corpo

do aluno em uma espécie de ‘manual’, uma fonte de referência onde ele sempre será capaz de

visualizar, nem sempre pelo nome, mas certamente pela imagem motora das partes do discurso

em que ele será abordado pela música” 30.

Dalcroze era bem específico em dizer que todo exercício deveria partir de movimentos

instintivos para posteriormente se utilizar de movimentos voluntários. Por movimentos

instintivos, temos o ritmo manifestado, por exemplo, no balanço, caminhada, corrida, pulo,

respiração, fala etc. Já o movimento voluntário seria todo aquele criado por razões intencionais.

É […] necessário incitar mudanças contínuas entre […] os dois polos do seu ser

[ser humano], entre seu sistema nervoso interno e as energias nervosas do seu

cérebro. Educação do senso rítmico deve ir de mãos dadas com o senso de

duração... É, sem dúvida, apenas estabelecendo as relações mais próximas entre

movimentos instintivos e voluntários que a rítmica pode ter êxito em constituir

um meio geral de educação para o indivíduo 31 (DALCROZE, 1926, p. 3 apud

BACHMANN, 1991, p. 141).

Como colocado acima, o ritmo deve andar de mãos dadas com o senso de duração. Em

diversas maneiras ele demonstra que o desenvolvimento corporal não pode ser baseado somente

em ritmo, sem se preocupar com a métrica. Ainda sobre esse termo, Dalcroze (1919c, p. 164 apud

BACHMANN, 1991, p. 142) descreve que este “se relaciona com reflexão, e ritmo com intuição.

30 […] in the sense that all these exercises will eventually turn each pupil’s body into a sort of ‘manual’, a source of

reference in which he will ever after be able to look up, not always the name, but certainly the motor image of the

parts of speech by which he will be addressed by music. 31 It is […] necessary to prompt continual exchanges between […] the two poles of his being, between his internal

nervous system and the nervous energies of his brain. Education of the rhythmic sense must go hand in hand with

that of the sense of duration... It is, indeed, only by establishing the closest relationships between instinctive and

voluntary movements that Eurhythmics can succeed in constituting a general means of education for the individual.

Page 45: EXPRESSIVIDADE MUSICAL NO CANTO - Unicamp

45

É importante garantir que a aplicação de regularidade métrica no movimento contínuo onde o

ritmo é constituído, de maneira nenhuma compromete a naturalidade e qualidade desses

movimentos” 32.

Se estivermos conscientes de que a ciência do ritmo consiste principalmente na

fixação das leis do equilíbrio e da economia, e se fizermos o esforço necessário

para humanizar essa ciência de tal maneira que nós a sentiremos vibrar e

emocionar em nosso próprio corpo, como uma parte viva de nós mesmos,

teremos muito menos obstáculos e dificuldade em estudar seus muitos

problemas. Vamos também gastar menos tempo, porque haveremos de ser

capazes de economizar e balancear vontade e força, para estabelecer as relações

corretas entre força e tempo, entre tempo e vontade 33 (DALCROZE, 1930, p. 11

apud MEINTS, 2014, p. 51).

Agora que já observamos a relação entre os movimentos instintivos e voluntários e a

importância da métrica no desenvolver da percepção rítmica, elencaremos os tipos de exercícios,

na visão de Dalcroze34 e Bachmann (1991, p. 139-223), que seriam a base para a construção da

rítmica.

2.4.1. Exercícios para o desenvolvimento da elasticidade muscular

Para Dalcroze, existe algo que podemos chamar de “sexto sentido”, onde o senso

muscular governa as nuances de forma e velocidade nos movimentos corporais (1919b, p. 140

apud BACHMANN, 1991, p.143). Estes exercícios devem, então, criar a habilidade de fazer o

corpo retornar ao ponto onde o movimento se iniciou por meios de uma reação flexível e

automática, ou conferir a ele uma mudança voluntária de direção.

Qualquer movimento que tivermos de realizar em um tempo dado requer uma

preparação muscular adicional, se desejamos repeti-lo em um tempo diferente.

32 Metre relates to reflection, and rhythm to intuition. It is important to ensure that the application. of metric

regularity to the continuous movements of which rhythm is constituted in no way compromises the nature and quality

of those movements. 33 If we are aware that the science of rhythm consists mainly in fixing the laws of balance and economy, and if we

make the needed effort to humanize this Science in such fashion that we feel it vibrating and thrilling in our own

body, as a living part of ourselves, we shall have much less trouble and difficulty in studying its many problems. We

shall also expend less time, for we shall be able to economize and balance will and strength, to establish the right

relations between strength and time, between time and will. 34 (DALCROZE, 1921, passim)

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46

Uma linha atravessada por um membro em um determinado espaço e tempo

torna-se mais curta ou mais longa, de acordo com o grau de energia necessária

para realizar o movimento. A duração de tempo ocupada por um membro se

movendo a um determinado nível de energia muscular se torna prolongada ou

encurtada, de acordo com o comprimento do espaço a ser atravessado. Ademais,

cada exercício de modificação de espaço, duração, ou força, traz uma influência

no equilíbrio do corpo que, sendo inevitavelmente acompanhado por uma série

inteira de esforços corretivos feitos por músculos, seja para ajudar ou travar.

Qualquer erro na transmissão de decisão cerebral traz uma anarquia para o

sistema muscular. Toda resistência no sistema nervoso perturba o cérebro, e

qualquer erro do cérebro desorienta o sistema nervoso 35 (DALCROZE, 1930, p.

11 apud MEINTS, 2014, p. 50-51).

A proposta então é de vivenciar uma série de exercícios em que o corpo responda

espontaneamente em duração e forças diferentes, dependendo do peso e tamanho do(s)

membro(s) envolvido(s). Essa sucessão de duração e forças distintas, e a combinação entre eles,

resultam em um melhor comando entre o sistema nervoso e o sistema motor. Afinal, como

menciona Dalcroze (1919b, p. 143 apud BACHMANN, 1991, p. 143), “esse instrumento musical

por excelência, o corpo humano inteiro, tem a maior habilidade do que qualquer outro de

interpretar som em todos os níveis de duração, as partes mais leves se movendo com rapidez e as

mais pesadas em relativa lentidão” 36.

Então passamos para a experimentação de partes do corpo simultâneas, porém com ações

opostas de cada um dos membros. Ao trabalhar com essa competência “[…] formaremos uma

imagem clara da aliança entre polirritmia 37 e polidinâmica38. É indispensável para o ritmista

possuir total independência das partes do corpo” 39 (DALCROZE apud BACHMANN, 1991, p.

35 Any movement we have to perform in a given tempo requires further muscular preparation if we wish to repeat it

in a different tempo. A line traversed by a limb in a given space and time becomes shorter or longer according to the

degree of energy required to make the movement. A duration of time occupied by a limb moving at a given rate of

muscular energy becomes prolonged or shortened according to the length of the space to be traversed. Moreover,

each modification of space, duration, or force, exercises such an influence on the balance of the body that it must be

inevitably accompanied by an entire series of correcting efforts made by muscles that either helps or hinder. Any

error in the transmission of cerebral decisions brings anarchy into the muscular system. All resistance in the nervous

system disturbs the brain, and any error of the brain disturbs the nervous system. 36 That musical instrument par excellence, the entire human body, has a greater ability than any other to interpret

sound in all degrees of length, the lighter parts of the body moving at speed and the heavier ones in relative slowness. 37 Execução simultânea de diferentes ritmos em diferentes partes do corpo. 38 Execução simultânea de movimentos com diferentes gradações de tensão. 39 […] we shall form a clear image of the alliance between polyrhythmics and polydynamics. It is indispensable for

the rhythmician to possess complete independence of the parts of the body.

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47

143). Neste caso, de maneira a adquirir essa capacidade de dissociação, é necessário focar a

atenção no ponto considerado indispensável, visto que é impossível a atenção simultânea nas

duas ações opostas. Portanto, uma das ações deverá ser realizada ‘sem pensar’. “Quando isso

ocorre, é um sinal que a memória cinestésica tomou o lugar da atenção consciente: em outras

palavras, uma das ações ficou automatizada” 40 (BACHMANN, 1991, p. 146).

Dentre todos os elementos importantes para um cantor, é uma hipótese plausível supor

que, assim como pesquisas colocadas no 0, que os cantores consideram a polirritmia algo menos

importante para do que, por exemplo, um pianista, que acaba por realizar melodias diferentes com

cada mão. Porém, como podemos ver nas orientações de Miller (2000, p. 125), “ambos

concertista e cantor devem evitar impulsos corporais repetitivos que negam a situação dramática.

Se o drama é para permanecer crível, o cantor/ator deve aprender a se movimentar

independentemente da batida” 41.

2.4.2. Exercícios de relaxamento e contração muscular

A proposta destes exercícios é trabalhar a gama de intensidades que o músculo pode

realizar, de seu relaxamento à sua contração. A relação entre as nuances de energia e impressões

musicais é aparentemente muito clara: o que é vivenciado em um momento de tensão progressiva

(ou relaxamento) de um membro é uma espécie de crescendo (ou decrescendo). Entretanto,

quando analisamos a massa ao invés da energia, esta relação já não parece tão clara: um peso

correspondente a ff será obtido através de relaxamento total, enquanto que pp vai exigir que no

membro haja um grande nível de tensão a fim de evitar sua queda.

Dalcroze (1919b, p. 142 apud BACHMANN, 1991, p. 148) diz que para uma

interpretação das nuances em dinâmica musical o instrumentista “deve possuir o mecanismo

necessário para produzir o som em seus graus variados de força, para aumentá-lo ou diminui-lo

40 When this occurs, it is a sign that kinaesthetic memory has taken over from conscious attention: in other words,

one of the actions has become automated […]. 41 Both recitalist and opera singer must avoid repeated body impulses that negate the dramatic situation. If the drama

is to remain believable, a singer/actor should learn to walk and move independently of the beat.

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48

de acordo com a intenção do compositor” 42. Sendo o instrumento do cantor seu próprio corpo

humano, é então de extrema relevância a importância de comunicação entre suas ideias musicais

e os sistemas nervoso e muscular. Seu corpo “deve ter desenvolvido um entendimento perfeito de

todas as suas possibilidades musculares, e ser capaz de deliberadamente operá-los” 43.

Estes exercícios devem trabalhar a capacidade de efetuar, seja por um ou mais membros

ou pelo corpo inteiro, todas as nuances possíveis, sem transição, por oposição súbita ou

progressivamente (por crescendo e decrescendo). Neste caso, há uma via de mão dupla: não só a

consciência corporal resulta na música, como muitas vezes é a música a responsável por induzir

uma compreensão das coisas de que nem palavras nem obras são capazes de transmitir. O mais

importante é a chegada, então, da simultaneidade dos movimentos com alternância de graus de

tensões para cada membro. O rápido auto-ajustamento da musculatura é considerado por ele

como uma ferramenta importantíssima no desenvolver das atividades performáticas. “Exercícios

de tensão e relaxamento musculares, intimamente relacionados com os da respiração, tomam

parte dessas diversas áreas em que a rítmica busca instigar um senso de economia de movimento

e seu potencial de diversificação” 44 (BACHMANN, 1991, p. 149).

Por fim, é importante também mencionar Gerda Alexander45, aluna de Dalcroze, cuja

metodologia, intitulada de Eutonia, tem como meta principal a busca pelo tônus perfeito, o ponto

de equilíbrio entre a hiper e a hipotonicidade. Através do livro de Brieghel-Müller (1998), que foi

uma das mais antigas eutonistas e aluna da própria Alexander, é possível conhecer de maneira

bem sucinta os principais pontos de suas ideias e, como mencionado por Bachmann (1991, p.

149-153), é um excelente ponto de partida para a criação de exercícios sobre as mudanças de

estado muscular e respiração.

42 […] must possess the mechanism necessary to produce sound in its varying degrees of strength, to augment and

diminish them according to the composer’s intention. 43 […] must have developed a perfect understanding of all its muscular possibilities, and be capable of deliberately

bringing them into effect. 44 Exercises in muscular tension and release, closely related to those of respiration, form part of those several areas in

which Eurhythmics seeks to instigate a sense of economy of movement and its potential for diversification. 45 Não confundir com “Técnica de Alexander”, fundada por Matthias Alexander (BACHMANN, op. cit., loc.cit).

Atualmente, ainda segundo Bachmann, seus princípios são uma parte obrigatória dos estudos dalcrozeanos em

Genebra.

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49

Em seu primeiro capítulo intitulado “O repouso. A passividade”, Brieghel-Müller (1998,

p. 13-15) especifica o relaxamento de uma forma distinta: este não deve ser confundido com o

estado passivo inconsciente; ele deve ser uma técnica de descontração muscular voluntária. Essa

passividade não deve ser controlada a partir de um movimento, mas somente pela sensação

interior que, observada em detalhe, informa perfeitamente sobre o estado dos músculos. Aliados

com os exercícios de atividade muscular, a transição entre a passividade e atividade podem ser

dominada.

2.4.3. Exercícios de respiração

Apesar de a respiração ser um dos pontos mais importantes dentro da técnica de canto,

não é pertinente discutir nesse momento o mecanismo no contexto da fisiologia vocal.

Abordaremos esse assunto mais profundamente no tópico 3.3, dentro das explicações dos

exercícios. Entretanto, é importante compreender aqui o que o mesmo significa dentro da

rítmica. Na visão de Dalcroze, a respiração é um dos elementos mais importantes do estudo

musical, não somente para cantores ou para instrumentistas de sopro, mas também um domínio

necessário por qualquer musicista.

Segundo Miller (1993, p. 26), deve-se manter a caixa torácica próxima da posição

inspiratória, onde as intercostais externas não cedam para as internas. O externo não se eleva ou

abaixa, e o diafragma abaixa completamente, se elevando bem devagar. Para isso, o cantor deve

sempre evitar chegar à sua reserva de ar. Os exercícios de respiração não são feitos para superar a

falta de ar. Em suas palavras, “ela assegura a preparação, cessação, e a continuidade dos gestos,

das nuances de sensações, sentimentos, e emoções sinceras, o fraseado e escansão46 de ações

sucessivas” 47 (DALCROZE, 1939, p. 14 apud BACHMANN, 1991, p. 154).

A respiração seria para o movimento como uma anacruse, a preparação, evidente ou

disfarçada, necessária para o ato da movimentação. Nesta visão, a respiração é importante para a

46 Ato ou efeito de escandir, ou seja, decompor algo em seus elementos métricos. 47 [...] it assures the preparation, cessation, and continuation of gestures, the shading of sensations, sentiments, and

heartfelt emotions, the phrasing and scansion of successive actions.

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50

compreensão do fraseado musical assim como sua execução, principalmente as ligadas à prosódia

e melodia. Ainda segundo Dalcroze, em sua crítica aos cantores da época:

Cantores limitam a utilização dos seus diafragmas para a produção de

respiração necessária à laringe, porém, apesar da respiração ser não só um meio

inestimável de equilíbrio físico, ela é, além disso, um agente altamente potente

da expressão dramática, e além dos movimentos rápidos da respiração costal

pelo qual nossos artistas líricos tão frequentemente expressam a sua emoção em

cenas de amor, existe toda uma série de outros movimentos do torso produzido

pela respiração, complementares aos movimentos dos braços, pernas e cabeça 48

(1921, p. 205).

Segundo as orientações de Brieghel-Müller (1998, p. 89-96), as duas regras essenciais

para os exercícios de respiração seriam a não-interferência na sua função automática e o não-

bloqueamento da mesma. A meta inicial deve ser a respiração passiva, que não são os exercícios

propriamente tidos, mas sim o momento de observação pessoal em busca de uma consciência

corporal individual das sensações musculares, porém sem nenhuma atividade voluntária. “A

passividade referente à respiração consiste, não numa inércia muscular, mas numa não-

intervenção por parte da vontade cerebral numa função vegetativa” (BRIEGHEL-MÜLLER,

1998, p. 90). Nessa fase é interessante a observação dos grupos musculares que se alternam entre

contração e relaxamento, e principalmente a visualização da movimentação da caixa torácica e

abdômen.

Após a passividade total, entramos com a alternância entre a passividade e a atividade

muscular, buscando uma respiração livre, não podendo esta ser confundida somente por uma

respiração profunda e lenta imposta pelo indivíduo, porém carregada de tensões. A respiração

propriamente livre significa deixar que a própria respiração controle o ritmo e a amplitude que

cada situação requer, deixando espaço livre para a regulação automática. Esta regulação facilita a

reação ajustável a cada situação, além de diminuir naturalmente o nervosismo.

48 Singers confine their use of the diaphragm to the production of the necessary breath for the larynx, and yet

breathing is not only an invaluable medium of physical balance, but, in addition, a highly powerful agent of dramatic

expression, and apart from the rapid movements of costal respiration by which our lyric artists so frequently express

their emotion in love scenes, there exist a whole host of other movements of the torso, produced by the breath,

complementary to the movements of arms, legs, and head.

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51

A dissociação entre a respiração e a movimentação é uma terceira etapa, onde Brieghel -

Müller (1998, p. 92) sugere a escolha da utilização dos braços como membros iniciais, visto que

eles são, geralmente, mais conscientes que o resto do corpo. Essa escolha facilitaria a verificação

posterior das reações de liberdade e regulação automática da respiração junto aos movimentos.

2.4.4. Estudo do ponto de partida e realização do gesto

Dentro de um movimento, podemos ressaltar três sensações individuais essenciais: aquela

de instauração do movimento, a de continuidade e o de conclusão. De acordo com Dalcroze

(1926a, p. 4 apud BACHMANN, 1991, p. 156), qualquer liberação de energia cria uma corrente

dependente de seu ponto de partida; seu formato e ponto de chegada são determinados por todas

as modificações inevitavelmente causadas por resistências eventuais, assim como lapsos de

balanço e do tempo requerido.

A nomenclatura normalmente utilizada para estudo de fraseado é muito bem descrita por

Zamacois em seu livro Curso de formas musicales (2007, p. 11), onde encontramos termos como

o ictus, tanto o inicial quanto o final, que são os suportes das frases, períodos e subperíodos. Esse

início pode ser tético ou anacrúsico, assim como o final pode ter terminação feminina ou

masculina, criando assim frases de intenções diferentes.

Segundo Caldwell (1995, p. 32) na formação francesa, todavia, além das teorias literais,

os educadores se preocupavam com qualidades expressivas no ritmo. Dalcroze (apud

BACHMANN, 1991, p. 157) usava três termos gregos para descrever tipos de qualidades: crusis,

metacrusis e anacrusis. Ele descrevia a anacrusis como “a ação que não esconde a sua

preparação, para que sua preparação visível tenha um ar de ser parte da ação em si.” 49 A palavra

deriva dos termos gregos ana, “subindo em direção”, e krouo, “atacar”. A crusis corresponde ao

ponto de sustentação principal de uma frase rítmica ou musical, que é geralmente seguido de um

prazo menor ou maior de uma metracrusis (de meta, prefixo que denota participação, sucessão,

49 […] the action which does not hide its preparation, so that its visible preparation has an air of being part of the

action itself.

Page 52: EXPRESSIVIDADE MUSICAL NO CANTO - Unicamp

52

mudança). A crusis é “qualquer ação cuja preparação está oculta, para que o resultado pareça ser

o início da própria ação” 50.

Bachmann (1991, p. 160) diz que “o intérprete sempre começa a peça com um gesto

anacrúsico como um pré-requisito de cada nota tocada. O pianista levanta sua mão, o flautista

puxa o fôlego, o violinista segura o arco, o regente levanta sua batuta...” 51 Esse é o primeiro

gesto visível da performance musical, e com ele o público irá se beneficiar, focando sua atenção a

isso, já que o mesmo o permite participar em toda performance. Quando há “ausência de qualquer

anacrusis visível […] não importa o quão preparado nós estamos, a primeira nota sempre nos

pega de surpresa” 52.

Desde modo, o estudo da fraseologia baseada em uma rítmica corporal sempre deve ter

como objeto de estudo os pontos de partida do movimento e sua relação com o ponto de chegada,

calculando-se este trajeto através dos elementos encontrados na equação de Dalcroze.

Nós estamos tão envolvidos pela ideia corriqueira de que um compositor pode

de fato indicar a vasta gama de nuances de dinâmica necessárias a uma peça

musical através do uso antiquado de símbolos tais como p, f, mp, mf, ou mesmo

crescendo e decrescendo. Estes símbolos indicam apenas a grosso modo [o que]

o compositor quer (RISTAD apud BEAN, 2007 apud GUSE,2009, p. 73).

É importantíssimo associar as indicações de dinâmica de uma peça musical à

expressividade intencional e emocional da personagem, pois assim o cantor contribuirá com

nuances que não são possíveis de serem escritas ou mesmo controladas pelo próprio compositor.

50 […] any action whose preparation is concealed, so that the result of this preparation seems to be the very start of

the action itself. 51 […] the performer himself always begins the piece with an anacrusic gesture as a prerequisite of every note played.

The pianist lifts his hands, the flautist draws his breath, the fiddler wields his bow, the conductor raises his baton... It

is the first visible gesture of musical performance. 52 […] absence of any such visible anacrusis […] no matter how well prepared we are, its first note always seems to

take us by surprise.

Page 53: EXPRESSIVIDADE MUSICAL NO CANTO - Unicamp

53

2.4.5. Estudo de impulsos e reações

Na visão de Dalcroze (apud BACHMANN, 1991, p. 161), “o ritmo é sempre um resultado

de um impulso originado no sistema nervoso” 53 (1926a, p. 3-4), onde “cada movimento adotado

em um determinado momento exige uma preparação completamente diferente” 54 (1931a, p. 4), e

“toda linha atravessada pelo membro corporal em um dado espaço e tempo se tornará mais curto

ou alongado de acordo com o grau de energia muscular que ativa o movimento” 55 (1945, p. 164-

165).

A anacruse do próprio corpo deve ser estudada dentro das diretrizes de tempo e dinâmica.

Alguns exercícios visam estimular a concentração do momento de conclusão do gesto, e será

claro a importância da conjuração da duração, direção e energia da fase anacrúsica do mesmo.

Outros exercícios terão por objetivo o de conseguir que os pontos de chegada alcancem diferentes

espaços e partes do corpo. Por fim, devemos relacionar esses dois tipos.

Inicialmente sozinhos, posteriormente em grupos, estes exercícios deverão ser realizados

sem e com música, improvisação vocal e instrumental, em concordância com a dinâmica musical.

Com esses exercícios o aluno perceberá que não é importante o conhecimento do que eles irão

fazer, mas sim a energia investida na anacruse preparatória do primeiro passo. Porém, em grupos,

haverá a percepção da dificuldade de manter coesão dentro da sua execução. Essa observação

levará à oportunidade de nos referir ao ponto de chegada, onde “o impulso induzido no comum

não consiste apenas em se aprontar para a corrida, mas também em se fazer consciente no fato de

que o indivíduo necessita se conectar a alguma coisa ou a um dado lugar” 56 (BACHMANN,

1991, p. 163).

53 A rhythm is always a result of an impulse that originates in the nervous system […]. 54 Every movement enacted in a given time requires a completely different preparation […]. 55 Every line traversed by a limb in a given space and time becomes shorter and longer according to the degree of

muscular energy that activates the movement. 56 […] the impulse induced in common consists not only in getting ready for the run, but also in making oneself

conscious of the fact that one has to run up to something or to a given place.

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54

2.4.6. Estudo dos gestos sozinhos ou em sequência

A música não é feita de frases particulares, mas sim de uma grande ideia integrada. Para

Dalcroze (apud BACHMANN, 1991, p. 164) e a rítmica, não podia ser diferente. A melhor

qualidade de um musicista ou dançarino é a capacidade de relacionar facilmente uma ação à

outra. Em suas palavras, “é necessário fazer ligações entre os movimentos corporais e construir

‘pontes’ entre os pontos de partida e chegada” 57 (1945, p. 214-5), pois somente dessa forma

melhoramos a qualidade de nosso desempenho, colocando valores estéticos significativos e

articulando nossas emoções e sentimentos de forma maleável e flexível.

Os primeiros exercícios devem estimular orientações espaciais distintas, por meio de

articulações e estados musculares diferentes. Ao realizar sequências de gestos, podemos obter

movimentos contínuos ou interrompidos: um exemplo seria a distinção entre legato e staccato na

prática corporal/instrumental, ou a interrupção de um movimento ou sequência de movimentos,

que são retomados de seu ponto de parada para sua conclusão. De acordo com Bachmann (1991,

p. 165), com adultos, movimentos sustentados (como, por exemplo, o efeito de câmera lenta) são

muito eficientes para harmonizar as sequências de movimentos, ajudando a ininterrupção entre

um impulso para o outro.

Em um ritmo muito rápido, uma série de impulsos acaba em uma geral dissipação de

força; em um ritmo muito lento, impulsos quebram o movimento. Vários matizes de tempo

moderato devem ser cuidadosamente qualificados, a fim de sustentar a influência do impulso

inicial, assim como permitir a continuidade do movimento a ser mantido em virtude dos impulsos

secundários de mesma natureza 58 (DALCROZE, 1945, p. 218 apud BACHMANN, 1991, p.

165).

Não se deve somente utilizar os membros superiores para o desenvolvimento da

continuidade, visto que nesses membros é mais fácil obter movimentos ininterruptos. Para

57 It is necessary to establish liaisons between body movements and to build ‘bridges’ between their starting- and

finishing-points […]. 58 At too fast a pace, a series of impulses ends up in a general dissipation of strength; at too slow a pace, impulses

break the movement up. Various shades of tempo moderato must therefore be measured out very carefully in such a

way as to sustain the influence of the initial impulse, as well as to enable continuity of movement to be maintained

by virtue of secondary impulses of the same nature.

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55

Dalcroze (apud BACHMANN, 1991, p. 167), o movimento contínuo deve se espalhar por todo o

corpo, para que “cada ritmo criado por uma sucessão de contrações e relaxamentos musculares

invoque outro ritmo no seu grupo muscular vizinho e possa ser então propagado por todo o

corpo” 59 (1945, p. 216). No caminhar, todavia, a continuidade não são passos de mesma duração:

“o que conta é que o peso do corpo deve avançar suavemente independente do tempo” 60 (1942,

p. 146).

É interessante ressaltar que “chegar do ponto A ao B pelas melhores rotas

possíveis – isto é, basicamente, o que significa agir ritmicamente” (DALCROZE, 1945, p. 224

apud BACHMANN, 1991, p. 170). O conceito de movimento contínuo, portanto, não deve ser

confundido somente pelo legato executado por um instrumento, mas ocorre igualmente quando

esses movimentos são seguidos de pausas ou contrastes, já que o importante é a otimização das

ações musculares.

2.4.7. Estudo das diferentes atitudes/posições do corpo

A palavra francesa attitude, de acordo com Bachmann (1991, p. 171-172) pode ser

definida pelo dicionário de duas formas principais: o primeiro significado seria ‘a maneira como

o corpo é mantido’; o segundo, ‘correspondente a uma disposição psicológica particular’61. No

cotidiano, esses dois conceitos são frequentemente integrados, e são assim inicialmente

estudados, até que se possa definir como eles se conectam entre si.

Atitudes são períodos de tempo quando toda movimentação é imobilizada.

Sempre que, no fluxo ininterrupto de movimentos que constituem o que poderia

ser chamado de personificação da melodia em circulação (mélodie plastique),

ocorre um sinal de pontuação ou instrução de uma frase – uma pausa

59 […] each rhythm created by a succession of muscular contractions and relaxations evokes another rhythm in

neighbouring groups of muscles and so is propagated in every part of the body. 60[…] What counts is that the weight of the body should move forwards smoothly regardless of tempo. 61 Em uma nota de rodapé, David Parlett comenta sobre as diferenças entre os significados na tradução do francês

para o inglês da palavra attitude, dizendo que, apesar da palavra inglesa ‘attitude’ também possuir as mesmas duas

linhas de significado, ele suspeita que o segundo conceito (psicológico) é mais fortemente empregado do que o

primeiro (físico); por isso, uma melhor tradução seria para a palavra “posture” (postura). Acredito que temos o

mesmo problema na tradução para o português, e por esse motivo, é importante relembrar o leitor de que estamos

falando de atitude em seu significado primário, o físico.

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56

correspondente a uma vírgula, ponto e vírgula ou um ponto final no discurso

falado – o movimento se torna momentaneamente estático e é percebido como

uma atitude... A verdadeira percepção do movimento não é de ordem visual, é de

ordem muscular... O corpo, incitado por sentimentos espontâneos e emoções

irresistíveis, lança-se em movimento, e em seguida, congela-se em atitudes.

Estes últimos são o produto direto dos movimentos que os separam... 62

(DALCROZE, 1919b, p. 140 apud BACHMANN, 1991, p. 172).

Assim como quando observamos uma estátua, o que dota sua atitude de qualidades

expressivas e energéticas é a maneira como a presente imobilidade se relaciona

significativamente com seu passado e futuro, o espaço cruzado ou que deverá ser cruzado: a

memória da intenção.

Os exercícios deste tipo devem estimular o aluno a compreender a forma como e porque

essa parada ocorreu, e por quanto tempo permanecer imóvel, estabelecendo o equilíbrio de ações

e ideias. Estudos de postura, alternância entre movimento e imobilidade, imitação e

improvisações em conjuntos são algumas ideias sugeridas por Bachmann (1991, p. 172-175) para

este tema. Criando a habilidade de adotar e readotar uma atitude, assim como de suas transições.

Neste momento, é importante comentar a respeito de como se trabalha a postura dentro

dos parâmetros da Eutonia. Brieghel-Müller (1998, p. 77-88) discute em seu quinto capítulo os

temas de postura e caminhar. Apesar do tema “caminhada” ser discutido no tópico a seguir, esse

elemento permeia entre o movimento e sua suspensão. Por isso, é relevante trabalhar esse

conceito de maneira a integrá-lo em todos os exercícios envolvendo deslocamento e pausa.

Para ela, a melhor postura é aquela que facilita a função muscular ao mesmo tempo em

que permite a liberdade de respiração e circulação. Estar em uma boa posição não é sua

imobilização, mas, em suas palavras, “sentimos que levamos o peso até o lugar onde ele pode ser

abandonado” (1998, p. 77). O principal elemento seria o eixo central do corpo, que atravessa

62 Attitudes are periods of time when all motion is stilled. Whenever, in the uninterrupted flow of movements that

constitute what might be called the embodiment of the melody in movement (mélodie plastique), there occurs a

punctuation mark or phrasing instruction—a pause corresponding to a comma, semi-colon, or a full stop in spoken

discourse—that movement becomes momentarily static and is perceived as an attitude... The true perception of

movement is not of a visual order, it is of a muscular order... The body, incited by spontaneous sentiments and

irresistible emotions, vibrates, launches itself into movement, then freezes itself in attitudes. These latter are the

direct product of the movements which separate them...

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sucessivamente os maléolos do tornozelo, joelho, articulação do quadril, articulação

lombossacral, cervical e parte superior da cabeça, vetores em diversos sentidos.

FIGURA 2 – REPRESENTAÇÃO DO EIXO CENTRAL DO CORPO (01) PARADO, (02) SENTADO E (03) AO CAMINHAR.

FONTE : BRIEGHEL-MÜLLER, 1998, P. 77-78.

Esse eixo, como demonstrado na Figura 2, com o corpo em diversas posições, é a fonte

para a correção postural. Para isso, o peso do corpo deve ser distribuído igualmente entre a parte

anterior do pé e o calcanhar, alinhar os joelhos verticalmente aos maléolos, assim como entre

quadril, coluna vertebral e cabeça. “A postura deve ser considerada como uma ação, dinâmica,

não como uma posição, estática” (BRIEGHEL-MÜLLER, 1998, p. 78). Por isso, o equilíbrio

deve ser criado a cada instante, onde o eixo é reformulado a cada mudança de posição.

2.4.8. Estudo do caminhar e seus “enfeites”/“embelezamentos”

Apesar dos exercícios envolvendo caminhada desempenharem um papel importante

dentro da pedagogia dalcrozeana, o estudo da caminhada deve ser apenas o ponto de partida, onde

a consciência do ritmo necessita o trabalho em conjunto de todos os músculos, e é o corpo todo,

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58

portanto, que deve ser posto em prática de maneira a criar a consciência rítmica (DALCROZE,

1907, p. 39 apud BACHMANN, 1991, p. 177) (DALCROZE, 1921, p. 82)

“Locomoção […] é sem dúvida a fonte mais rica de ritmo natural” 63 (BACHMANN,

1991, p. 177). Bachmann cita que o caminhar é a melhor forma de um tipo de metrônomo natural,

onde se combina propriedades métricas de respiração (um modelo natural de medida rítmica) e

pulsação cardíaca (modelo natural de divisão de tempo em partes iguais). O caminhar tem a

vantagem de ser mais facilmente aberta para o controle consciente, além de ser de fácil

percepção. Além da caminhada, outros três elementos importantes dentro deste campo são a

corrida, galope e saltos. Esses elementos devem ser estudados juntos e separadamente, com e sem

preparação, de maneira a explorar todas as suas competências.

2.4.9. Estudo do ponto de contato e suporte

“O ritmo é o resultado de uma batalha entre resistência e o esforço realizado para evitar a

perda de equilíbrio, um compromisso entre duas forças opostas” 64 (DALCROZE, 1945, p. 250

apud BACHMANN, 1991, p. 183). Vimos até agora que através de vários comandos (temporal,

espacial e dinâmica) a rítmica progressivamente interfere no movimento livre. Esses comandos

produzem resistências, cuja meta do jogo é causar uma situação em que as mesmas falhem em

impedir o fluir do movimento, seja contornando-as ou absorvendo-as para si.

Bachmann (1991, p. 188) ilustra como essa consciência musical se assemelha a outras

áreas da mente humana. A representação do espaço, por exemplo, só pode ser desenvolvida

quando se consegue imaginar a possibilidade de desvios, a fim de ir de um lugar para outro.

Quando falamos de velocidade, a lentidão e o cessar de movimentos permitiu o relacionamento

entre o antes e o depois. Na música, sua compreensão total não pode ocorrer até que obrigações

externas estejam colocadas para configurar alguma resistência contra as tendências naturais. E,

63 Locomotion […] is undoubtedly one of the richest of natural rhythms. 64 Rhythm is the outcome of a battle between a resistance and the effort made to avoid losing balance, a compromise

between two opposing forces.

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59

por isso, tanto a resistência física quanto a musical devem ser estudadas, em diferentes níveis,

para sua identificação e reconhecimento.

Bachmann sugere explorar primeiramente os tipos de resistência causados pela harmonia,

apesar de acreditar que os de tipo rítmico são os mais evidentes no âmbito do movimento físico.

Estes devem ser vivenciados inicialmente como o resultado de limitação física e material

impostos no corpo por objetos concretos. A utilização da faixa elástica e exercícios em pares é

fundamental para representar a resistência passiva e ativa: o esforço total do puxador em carregar

o indivíduo totalmente passivo: este que experimenta o relaxamento total até um leve puxar,

eliminando assim a sensação de tensão entre o puxador e o puxado.

O trabalho com a resistência reafirma a distinção consciente entre métrica e ritmo, por

ensinar os alunos a não confundir ritmo (energia do corpo) com métrica (que o regula). Dalcroze

(1945, p. 256 apud BACHMANN, 1991, p. 193) alega que “o ritmo perde sua força se não é

ordenado e repetido; a métrica desenvolve-se monotonamente se não é animada por acentuações

ocasionais” 65, em outras palavras, “a ordem deve ser animada e a vida deve ser ordenada” 66.

Métrica e rítmica criam uma relação entre automatismos regulares e indispensáveis, e as emoções

que as interrompem e as modificam.

2.4.10. Exercícios do uso do espaço

A rítmica busca transformar as várias dimensões da música em uma realidade visível,

onde os exercícios rítmicos centrados no uso do espaço têm duas ênfases distintas: o primeiro

conceito visa à observação do espaço utilizado pelo indivíduo e sua conexão com o outro. Neste

caso, o espaço total é o coletivo, e está diretamente envolvido com a maneira como este o ocupa.

O segundo conceito é o espaço utilizado como um pano de fundo, onde temos a visão particular

de cada indivíduo. A movimentação de um ponto a outro, com movimentos desenhados e

mensurados, permite que ele vincule também noções de distância, energia e tempo.

65 […] rhythm loses its force if it is not ordered and repeated; metre grows monotonous if it is not enlivened by

occasional accentuations. 66 Order must be enlivened, and live must be ordered.

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Estas duas noções de espaço se mesclam para o que Dalcroze chamou de “plástica em

movimento”, ou ainda, “plástica viva” 67, que seria no corpo o equivalente ao solfejo musical. Em

relação à intensidade de som, um tópico recorrente nesse tema, é importante observar que

Dalcroze sugere não só a realização individual como a utilização em grupo. Para esse tipo de

situação, Bachmann (1991, p. 196-198) sugere exercícios de gradativa restrição do espaço total

utilizado (metade, um quarto, etc. – e vice-versa: sua volta para o espaço total), a fim de descobrir

novas interações entre os indivíduos do grupo.

No contexto da utilização do espaço para representação de densidade sonora, além de se

utilizar visualizações óbvias, como por exemplo, uma expansão espacial durante um crescendo

musical, é interessante buscar maneiras diferentes de interação com outros elementos (velocidade,

tempo e energia). Neste mesmo caso temos inúmeras formas de realização de movimento: seria

possível, como variação do exemplo anterior, a redução de espaço do grupo e aumento de tensão,

como em uma contração muscular.

Os exercícios de espaço servem para a orientação em unidades de compasso, não só nos

casos mais simples e simétricos, mas na iniciação a uma vivência de unidades de compassos

irregulares. Essas experiências não necessariamente precisam ser utilizadas simplesmente pelo

uso do espaço: introdução de cânones, trocas de formas de caminhar (como já mencionado em

outros temas da gramática anteriores), variações do peso do movimento, e exercícios de espelho

são algumas ideias colocadas por Bachmann.

Dalcroze estava tão convencido do papel primordial do senso muscular na avaliação do

espaço que ele desenvolveu exercícios inclusive para deficientes visuais. Mesmo para alunos sem

perda de capacidade de visão, ele propõe exercícios que estimulem a dispensa de pontos de

referências visuais, e, subsequentemente, que estimulem a orientação de faculdades dependentes

da percepção muscular.

67 Os dois termos em francês, plastique animée e plastique vivante, são citadas por Bachmann (1991) e Dalcroze

(1921).

Page 61: EXPRESSIVIDADE MUSICAL NO CANTO - Unicamp

61

2.4.11. Exercícios de expressão de ações ou sentimentos

O movimento, em qualquer forma de expressão artística, resulta em duas ideias principais:

de um lado, o sentimento da intenção que constrói a forma resultante de sua produção externa; de

outro, a ação que faz esse sentimento ou intenção se manifestar. Não é fácil desmembrar essas

duas visões, porém, isto deve ser feito, de maneira a trazê-las juntas para uma única forma.

Bachmann (1991, p. 211) nos dá o exemplo da linguagem falada: como falantes nativos, não

prestamos atenção em suas peculiaridades e conotações acidentais. Porém, deve-se tomar mais

cuidado ao escrevermos um verso, musicalizarmos uma letra ou ao ensinar esse idioma para um

estrangeiro. Da mesma forma, a consciência corporal deve se tornar indispensável quando o

movimento é submetido a restrições precisas de tempo e espaço, encontrados não só na

performance musical, mas também na coreografia e no movimento atlético, em vários níveis de

rigor.

Assim como a expressão verbal, a interpretação poética do texto demanda gestos

precisos e definidos, expressão tão musical, constituindo a atmosfera da peça,

exigindo do ator uma submissão similar e absoluta ao ritmo que o produz. Todo

movimento rítmico musical deve invocar no corpo do intérprete um movimento

muscular correspondente; todo humor expressado no som deve determinar no

palco uma atitude apropriada; cada nuance orquestral, todo crescendo,

diminuendo, stringendo ou rallentando deve ser impresso no intérprete e

expressado por ele, conforme exijam as circunstâncias. Eu digo ‘conforme

exijam as circunstâncias’ porque, naturalmente, assim como a intenção do texto

não requer um gesto apropriado para cada palavra, nem todo ritmo musical

necessita de sua interpretação física. É, no entanto, essencial que ele deve

produzir uma atitude mental, que deve desenvolver na mente do intérprete uma

imagem particular que deve animar seu organismo inteiro, se nós realmente

desejarmos ver a elaboração de sua unidade ideal – se quisermos trazer a música

para o coração da vida” 68 (DALCROZE, 1921, p. 200).

68 Just as verbal expression, the poetic interpretation of the text, demands precise and definite gestures, so musical

expression, constituting the atmosphere of the piece, exacts of the actor a similar and absolute physical submission to

the rhythm that produces it. Every movement of musical rhythm should evoke in the body of the interpreter a

corresponding muscular movement; every mood expressed in sound should determine on the stage an appropriate

attitude; every orchestral nuance, every crescendo, diminuendo, stringendo or rallentando should be impressed on the

interpreter and expressed by him, as occasion demands. I say, as occasion demands, because, naturally, as the

purpose of the text does not require an appropriate gesture to each word, so not every musical rhythm calls for its

physical interpretation. It is, however, essential that it should produce a mental attitude, that it should develop in the

mind of the interpreter a particular image that shall animate his whole organism, if we really wish to see the ideal

unity affected – if we wish to bring music into the heart of life.

Page 62: EXPRESSIVIDADE MUSICAL NO CANTO - Unicamp

62

A necessidade de a música significar algo por si própria é na verdade uma busca de todas

as artes, onde, a partir do começo do século XX, iniciaram-se movimentos artísticos com

características de rompimento para com tudo aquilo que havia se produzido até então. De fato,

Stravinsky 69 diz em seu livro intitulado “Uma autobiografia”, que considera que:

“[…] a música é, pelo seu estado muito natural, essencialmente impotente para

expressar qualquer coisa, seja um sentimento, uma atitude da mente ou humor

psicológico, etc. Expressão nunca foi uma propriedade inerente da música. Esse

não é de maneira nenhuma o propósito de sua exigência. Se, como é quase

sempre o caso, a música aparece para expressar alguma coisa, é apenas uma

ilusão e não a realidade. É simplesmente um atributo adicional, que, por acordo

tácito e inveterado, emprestamos a ela, carimbado, como um rótulo, uma

convenção - em suma, um aspecto que, inconscientemente ou por força do

hábito, temos vindo a confundir com seu ser essencial” 70.

A resposta de se ela deve sempre (ou não) expressar algo não é relevante para esta pesquisa,

porém como Copland (1977, p. 13-14 apud BACHMANN, 1991, p. 214) diz:

“Nesse nível, o que quer que a música possa ser, experimentamos reações

básicas, tais como tensão e relaxamento, densidade e transparência, uma

superfície lisa ou com raiva, dilatações e diminuendos da música, seu empurrar

para frente ou segurar para trás, seu comprimento, sua velocidade, seus trovões e

sussurros - e milhares de outras reflexões psicológicas a partir de nossa vida

física do movimento e gesto, e da nossa vida mental subconsciente interior” 71.

Por conseguinte, independentemente de a música ser composta para expressar algo ou

simplesmente um apanhado de elementos de som e tempo, é sua característica inerente incitar

sensações internas, pelo menos no indivíduo que interpreta o ato musical. Tanto a impressão

quanto a expressão artística atravessam o corpo, assim como os canais de imaginação. Na

69 STRAVINSKY, Igor. An Autobiography. New York: The Norton Library, 1936, p. 53. 70 […] music is, by its very nature, essentially powerless to express anything at all, whether a feeling, an attitude of

mind, a psychological mood, a phenomenon of nature, etc. Expression has never been an inherent property of music.

That is by no means the purpose of its existence. If, as is nearly always the case, music appears to express something,

this is only an illusion and not a reality. It is simply an additional attribute which, by tacit and inveterate agreement,

we have lent it, thrust upon it, as a label, a convention – in short, an aspect which, unconsciously or by force of habit,

we have come to confuse with its essential being. 71 On that level, whatever the music may be, we experience basic reactions such as tension and release, density and

transparency, a smooth or angry surface, the music’s swellings and subsidings, its pushing forward or hanging back,

its length, its speed, its thunders and whisperings – and a thousand other psychologically based reflections of our

physical life of movement and gesture, and our inner, subconscious mental life.

Page 63: EXPRESSIVIDADE MUSICAL NO CANTO - Unicamp

63

experiência rítmica, as sensações musicais72 devem ser controladas por um sentido muscular

consciente. Essas sensações são convertidas em sentimento: “em outras palavras, ações externas

induzem à atividade interna. A recordação de um movimento cria a sensação análoga à do próprio

movimento” 73 (DALCROZE, 1945, p. 135-136 apud BACHMANN, 1991, p. 213).

Não poderíamos deixar de citar nessa seção a obra de Stanislavski, que foi criador de um

“sistema” para a interpretação do ator. Apesar de conceitos distintos da metodologia de Dalcroze,

os dois métodos foram trabalhados em sua época de forma colaborativa, onde, neste ponto, não se

pode deixar de perceber a semelhança de pensamento entre os dois artistas, como ressaltado por

Fernandes (A., 2010) em seu artigo Dalcroze, a música e o teatro, assim como por Bachmann

(1991).

Então um gesto deixa de ser um gesto. E torna-se uma ação genuína, produtiva e

cheia de propósito. Nós precisamos de ações simples, expressivas, naturais, que

contenham um conteúdo interior. Onde vamos achá-las? […] A flexibilidade do

movimento é parte destes artistas, sua natureza interior. Bailarinas e atores como

estes não dançam ou atuam; eles são o que eles fazem, e não podem fazer nada

sem a flexibilidade no movimento. Se eles prestassem uma atenção verdadeira

nas coisas que estão sentindo, estes artistas ficariam atentos à energia que existe

dentro deles, fervendo dentro de suas profundezas secretas, do coração dos

corações. Se se dirige através de todo o corpo, não é vazia, é lançada através de

emoções, desejos… tarefas as quais se dirigem ao longo de uma linha interior

para estimular uma resposta criativa. […] Flui através da rede do sistema

muscular e estimula os centros motores interiores, suprime a ação externa. Este é

o movimento e a ação que artistas do ballet, do teatro, de outros movimentos

artísticos necessitam. Ele se origina em lugares secretos do coração, seguindo

uma linha interior. Apenas esta espécie de movimento e ação é a certa para a

incorporação artística da vida de um espírito humano num papel

(STANISLAVSKI, 2006 apud FERNANDES, A., 2001, p. 7-8).

Os exercícios começam com a análise de diferentes ações e suas relações com o sentimento. Para

Dalcroze, o sentido musical deve ser controlado por sentido muscular. A expressão de um

sentimento, uma intenção, ou um estado interno será carregado no tônus muscular do indivíduo,

estimulando na energia e velocidade de seu movimento assim como a maneira em que ele ocupa

o espaço. Ao se concentrar nessa sensação muscular experimentada, produzimos a habilidade de

72 Segundo Bachmann (1991, p. 213 – nota de rodapé), o adjetivo ‘musical’ era utilizado por Dalcroze para implicar

além de seu significado de estrutura sonora, mas também pela sua significância na Grécia antiga, sendo referida para

a conjunção dos movimentos ‘da alma’ (emoções), da palavra falada e do corpo. 73 […] in other words, external reactions induce internal activity. The recollection of a movement creates a sensation

analogous to that of the movement itself.

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64

reprodução imediata, primeiramente criando memórias musculares e assim recriando-as toda vez

com seu sentido correspondente.

Outras duas abordagens elaboradas por Dalcroze são a busca de gestos rítmicos correspondentes

a um ritmo afetivo e a estilização do gesto espontâneo (BACHMANN, 1991, p. 216). Cada

movimento expressivo traz uma combinação de tempo, energia e espaço, que ao ser simulado

depois de devida análise, como dito anteriormente, traz a impressão similar ao movimento

espontâneo executado. Ao escolher apenas um ou dois elementos dessa combinação (e então

existe a experimentação de qual delas é mais efetiva), temos o suficiente para evocar a situação

ou trazer um objeto à vida, assim aprendendo a economizar.

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CAPÍTULO 3

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CAPÍTULO 3. DESENVOLVIMENTO DAS ATIVIDADES

3.1. ALONGAMENTO E AQUECIMENTO CORPORAL

Discutimos incessantemente no capítulo anterior da necessidade de estimulação da

percepção cinestésica do cantor em seu trabalho com o corpo, a fim de que essa habilidade

corporal auxilie também no desenvolvimento de sua capacidade aural. Todavia, Dalcroze não

comentou em seu trabalho os passos iniciais de uma atividade motora, ou seja, o alongamento e

aquecimento do corpo. Tomo a liberdade de acreditar que, mesmo não constando em seus artigos,

essa etapa é considerada importante e fundamental para o tema em questão: além de avaliado

como insubstituível entre educadores físicos e dançarinos, alongamento e aquecimento são

realizados em seu instituto em Genebra, onde existem aulas específicas para dança e movimento,

com um trabalho corporal intenso e todos os passos necessários para tal.

Fato é que o cantor, ao se esquecer do seu corpo, esquece também da importância de

prepará-lo para ação futura. A preparação que antecede ao seu estudo ou trabalho é necessária

para que todo o conjunto esteja pronto e melhor capacitado para desenvolvimento e performance.

Por isso, dentro do meu estudo corporal, criei uma série de alongamentos e aquecimentos básicos,

misturados entre alongamento passivo74 e ativo75. Essa sequência de alongamentos foi organizada

através de experiência vivenciada durante a disciplina de Pós-Graduação, ministrada pela profa.

Dra. Holly Elizabeth Cavrell76 e adaptada para a minha habilidade pessoal, ou seja, pessoa ativa,

com prática de exercícios regulares, porém pouco alongada e sem o hábito diário de alongamento.

74 É feito com a ajuda de forças externas, que podem ser outra pessoa ou aparelhos (faixas elásticas, bastões, bolas). 75 É quando a pessoa realiza sozinha o alongamento, através de movimentos voluntários. 76 Mencionado anteriormente na nota de rodapé número 8.

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67

3.1.1. Alongamento de tronco

A posição inicial do alongamento é sentada com as pernas estendidas. Primeiramente

alonga-se o tronco com toda a musculatura da coluna, caixa torácica, peitoral e membros

superiores. Neste exercício, é utilizado uma faixa elástica ou lenço para os movimentos,

segurando-o pelas mãos ou amarrado em uma distância próxima ao corpo (Segue exemplo na

figura abaixo).

FIGURA 3 – FOTOGRAFIA DA FAIXA ELÁSTICA E LENÇO UTILIZADOS

Cada mudança de posição é realizada durante a expiração do ar, onde se relaxa e alonga-

se na postura durante a inspiração. Como se pode ver na Figura 4, com os braços elevados em

formato de losango (I), fazer uma leve pressão para fora (abertura de asa), da escápula aos

cotovelos, sempre inspirando e soltando o ar lentamente. A intenção é abrir a caixa torácica, para

ajudar em seu alongamento e na ativação das musculaturas da respiração já no primeiro exercício.

Alternar para lateral esquerda (II), alongando sua lateral. Depois de um novo ciclo de respiração,

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68

direcionar os braços na direção dos pés, curvando ligeiramente as costas em formato de concha

(III). Ir para o lado direito (IV) e após nova inspiração, retornar à posição inicial (V). Repetir essa

sequência três vezes, sem pausa entre as posturas.

FIGURA 4 – ALONGAMENTO DE TRONCO

3.1.2. Alongamento de pescoço

Assim como no exercício anterior, cada mudança de postura deve ser seguida de um ciclo

de respiração (expiração: movimento; inspiração: manutenção da postura). Aqui se alonga a

musculatura do pescoço. Com todo o peso dos membros superiores, colocar o rosto para baixo

com as mãos apoiadas na parte posterior da cabeça, inclinando-a para a direita e depois para a

esquerda (Figura 5).

FIGURA 5 – ALONGAMENTO DE PESCOÇO

Page 69: EXPRESSIVIDADE MUSICAL NO CANTO - Unicamp

69

3.1.3. Alongamento de costas e peitoral

Assim como na Figura 6, com uma faixa elástica (ou lenço aberto), fazer um movimento

de rotação de 180º do ombro, fazendo com que os braços se abram por trás do tronco (III),

alongando assim a musculatura do peitoral. Respeitar o limite de extensão de cada um. Se

utilizado a faixa elástica, ele também acaba por trabalhar o alongamento de tríceps e bíceps.

FIGURA 6 – ALONGAMENTO DE COSTAS E PEITORAL

3.1.4. Alongamento de costas e membros inferiores

Assim como na Figura 7, na primeira posição (I), sentada com as pernas esticadas para

frente, coloca-se a faixa elástica ou lenço nos pés, e ao expirar, alonga-se o tronco para frente,

cabeça para cima e peitoral aberto, com abdômen levemente contraído em direção às coxas (II).

Após repetir três vezes a movimentação com o ciclo da respiração (expiração: movimento;

inspiração: manutenção da postura), deitar com as pernas esticadas com as costas no chão (III).

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FIGURA 7 – ALONGAMENTO MEMBROS INFERIORES (ESTÍMULO A VETOR SUPERIOR E INFERIOR)

3.1.5. Alongamento de membros inferiores

Resultante da posição anterior (Figura 7 - III), subiremos as pernas em 90°, conforme

ilustrado na Figura 8 (movimentação de I para II), onde, ao permanecer nessa posição por um

breve momento, é possível alongar posterior de coxa. Mantemos então a perna direita elevada e a

perna esquerda volta à posição esticada e relaxada, encostada no chão (III).

A perna direita desce para o lado direito do corpo, mantendo-a alongada e com um ângulo

de 90º entre as pernas (Figura 9 – I para II). Após alguns ciclos de respiração, retornar à posição

inicial, deixando-a cair para o lado esquerdo (III), acima da perna relaxada, onde, alongamos a

perna inteira sem deixar flexionar o joelho. Repetir tudo com a outra perna.

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71

FIGURA 8 – ALONGAMENTO DE MEMBROS INFERIORES

FIGURA 9 – ALONGAMENTO DE MEMBROS INFERIORES (CONTINUAÇÃO)

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72

3.1.6. Alongamento de tronco (continuação)

Após o término dos exercícios anteriores, volta-se para a posição de barriga para cima,

deitada com as pernas esticadas (ver figura abaixo, posição I). Virar o corpo de barriga para

baixo, fazendo um movimento parecido com a postura de yoga conhecida como “meia-cobra”77.

Nessa postura, pressionamos o chão com o osso púbico e a parte superior dos pés, estendidos. As

mãos descansam ao lado da caixa torácica e os cotovelos, em 45º, são empurrados para trás, na

direção um do outro (Figura 10 - II). Usando a força da coluna lombar inferior, o peito e esterno

se elevam do chão. Levantar ao inspirar, e após alguns ciclos de respirações, e baixam ao expirar.

FIGURA 10 – ALONGAMENTO DE MEMBROS INFERIORES (CONTINUAÇÃO)

Após a execução desse movimento, ficamos de quatro apoios (mãos e joelhos), assim

como ilustrado na figura seguinte (Figura 11), onde podemos executar alguns outros

alongamentos como outras duas posturas do yoga conhecidas como “gato” e “vaca”.

77 É importante ressaltar que estudos sobre a influência de yoga vêm sendo difundido dentro da academia, em

diversas áreas de conhecimento (medicina, educação física, educação, dentre outros). Vale mencionar que existe uma

pesquisadora chamada Laura Cirne de Souza, mestranda na UNICAMP dentro do grupo de pesquisa sobre os

aspectos interpretativos no Canto que realiza um estudo sobre yoga e ensino do Canto.

Page 73: EXPRESSIVIDADE MUSICAL NO CANTO - Unicamp

73

FIGURA 11 – QUATRO APOIOS

Com as pernas paralelas, joelhos em 90° e durante a fase e expiração do ciclo, realizar os

movimentos descritos a seguir: para ir para a postura da vaca (Figura 12), fazer uma flexão do

tronco, arredondando as costas para cima, projetando o umbigo para cima e a cabeça e o cóccix

para baixo. Ao inspirar novamente, faça o movimento oposto, fazendo uma suave extensão da

coluna, baixando um umbigo e elevando a cabeça e o cóccix (Figura 13). Mantenha o rosto

olhando em frente, sem tensão no pescoço. Repetir esse movimento algumas vezes.

FIGURA 12 – POSIÇÕES DO YOGA: A VACA (I)

FONTE: HTTPS://WWW.SITIODAMULHER.COM/ALIVIAR-DORES-PESCOCO-YOGA/.

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74

FIGURA 13 – POSIÇÃO DO YOGA: O GATO (II)

FONTE: HTTPS://WWW.SITIODAMULHER.COM/ALIVIAR-DORES-PESCOCO-YOGA/.

Podemos adicionar a essa sequência de movimentos outra posição do yoga, conhecida

como “a criança”, para além de alongar tronco continuar com o processo de alongamento de

membros inferiores. Para a execução dessa posição, é necessário manter os pés alongados com as

pontas dos pés no chão (conforme figura acima), e após a inspiração, na medida em que expirar,

descansar o tronco por cima do quadril.

FIGURA 14 – POSIÇÃO DO YOGA: A CRIANÇA

FONTE: HTTPS://WWW.SITIODAMULHER.COM/ALIVIAR-DORES-PESCOCO-YOGA/.

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75

A coluna e pescoço deverão permanecer alinhados, evitando que o topo da cabeça se

aproxime dos ombros. Os braços podem permanecer ao longo das pernas, palma da mão voltada

para cima, ou estendidos na frente do corpo. Manter a postura por aproximadamente cinco

respirações profundas.

Para finalizarmos a sequência de movimentos de alongamento, temos duas posturas finais.

Esta sugestão de pose é a mais difícil, na minha experiência, em grau de execução. Por isso, é

necessário levar todas as orientações a seguir para realmente executá-la corretamente. A pose de

yoga conhecida como “cachorro olhando para baixo” é uma espécie de triângulo entre chão,

tronco e pernas (Figura 15).

Para sua execução, retomamos a posição de quatro apoios (Figura 11) e em seguida,

apoiamos o peso do corpo nas quatro extremidades (pés e mãos), a fim de elevar lentamente o

quadril para cima e trás. A cabeça permanece solta, e ao flexionar os joelhos o quadril é mais

elevado. À medida que for sentindo mais conforto, pode começar a estender as pernas,

empurrando os calcanhares para o chão. Enquanto permanecer nesta posição, não deixar de

respirar. Desfazer a postura apoiando os joelhos no chão e sentando-se sobre os calcanhares.

FIGURA 15 – POSIÇÃO DO YOGA: CACHORRO OLHANDO PARA BAIXO

Apesar de na postura correta os pés ficarem totalmente apoiados no solo, pode ser que a

falta de alongamento impossibilite essa situação. É normal ficar nas pontas dos pés no início da

prática do alongamento.

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FIGURA 16 – DESENROLAR DE COLUNA

E então, para finalizar, colocar todo peso do corpo nos pés, mantendo as pernas estendidas

com o tronco, cabeça e braços relaxados à frente, desenrolando lentamente o tronco para cima.

Deste modo, terminamos a sequência de exercícios de alongamento de pé, prontos para começar

os trabalhos corporais.

3.2. RESPIRAÇÃO, ESTÁTUA E MOVIMENTO

É imprescindível para a melhor compreensão do assunto a seguir a leitura dos tópicos

2.4.1, 2.4.2, 2.4.3 e 2.4.4 presentes na gramática de movimento.

A respiração é tanto a base do trabalho do cantor como o primeiro elemento rítmico

controlável no corpo, nas palavras de Dalcroze. Por isso, não é estranho propor que essa

estimulação comece com um trabalho consciente da respiração em combinação aos movimentos

corporais. Antes de tudo, voltamos um pouco ao conceito básico das fases de respiração. É

importante lembrar que dentro do ciclo respiratório não existe fase confortável: a instabilidade

das pressões alveolar e pleural causadas pelo ar dentro da cavidade torácica é o que nos mantém

vivos, e, por isso, ele se repete incessantemente até que a vida para.

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77

Esse ciclo consiste no aumento da quantidade de ar dentro da cavidade (inspiração), a

manutenção de todo ar dentro do corpo (primeira pausa), a saída do ar (expiração) e o aumento da

pressão pleural (segunda pausa), que estimula toda retomada do ciclo. Explorando essas fases

com uma série de movimentos corporais estamos realizando um aquecimento corporal e

respiratório, já estimulando a percepção cinestésica do cantor.

O primeiro exercício, intitulado respiração tai chi78, consiste em uma postura estática

(sentado ou levantado) onde somente os membros superiores se movimentam durante o ciclo.

Para trabalhar a lateralidade, pode-se inicialmente separar a execução com os membros da direita

e esquerda e depois realizar um novo ciclo com os dois membros ao mesmo tempo.

FIGURA 17 – RESPIRAÇÃO TAI CHI: SEQUÊNCIA DE MOVIMENTOS

Podemos ver, como na figura acima, que a posição inicial seria sentada ou de pé, com os

dois braços relaxados e sem ar (I). Ao inspirar, levantar lentamente o braço direito até acima da

cabeça (1). Fazer uma pausa (2) e voltar lentamente, expirando (3), até retornar à posição inicial.

Fazer tudo novamente com o braço esquerdo, e depois com os dois braços. Em uma segunda

etapa, é possível estabelecer tempos de duração de cada parte do ciclo, onde já poderiam ser

78 Os exercícios foram intitulados pela pesquisadora.

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78

vinculados elementos de pulsação e ritmo interno, compasso, forma musical, etc. Ao

adicionarmos um fundo musical (improvisado ou através de gravação), criamos uma espécie de

transição para os exercícios descritos a seguir.

O segundo exercício, respiração estátua, é realizado de pé. A pausa intermediária entre

os ciclos de inspiração e expiração agora ganha um elemento novo, que seria uma postura de

estátua (Figura 18 – II). A respiração é a etapa de transição entre as poses, onde se monta a

postura (inspiração – I) e desmonta para uma posição natural (expiração – III).

A ideia desse exercício é inicialmente realizá-lo com tempos aleatórios de pulsação

(exemplos: 3-5-3 segundos; 2-4-2 segundos; 4-5-10 segundos) e depois, assim como o exercício

anterior, adicionar um fundo musical vinculado à elementos de pulsação e ritmo interno,

compasso, forma musical, etc. Um exemplo de sugestão de música para este momento seria o

segundo movimento (Largo) do L’inverno, das Le quattro stagioni de Antônio Vivaldi, em

compasso quaternário. Neste caso, a fim de conciliar a frase musical com o compasso, seriam 4

pulsações de inspiração, 4 de pausa e 8 de expiração.

FIGURA 18 – RESPIRAÇÃO ESTÁTUA: SEQUÊNCIA DE MOVIMENTOS

Nesse exercício é possível perceber com clareza quando existe algum tipo de tensão no

momento de pausa, pois quanto menos tensa é a execução da respiração, mais fácil é a

manutenção da estátua sem travamento do corpo inteiro. Trabalha-se o eixo corporal, tensão

Page 79: EXPRESSIVIDADE MUSICAL NO CANTO - Unicamp

79

abdominal, e principalmente, quanto mais difícil for a pose da estátua escolhida, maior preparo

corporal e equilíbrio a pessoa vai precisar.

O terceiro e último exercício, caminho da respiração, envolve a maior movimentação

corporal junto ao ciclo respiratório. Em cada mudança de tempo forte (ou seja, por exemplo, no

primeiro tempo de um compasso binário), é necessário que a pessoa ande um passo (para

qualquer direção: para frente, para trás ou para o lado) e ao mesmo tempo, execute a

movimentação com o braço, como explicado a seguir.

Ao inspirar, eleva-se o braço direito para cima, alongando-o por completo ao terminar

essa etapa do ciclo. Ao iniciar a pausa, fazer uma mudança de direção da palma da mão (de frente

para trás, por exemplo, assim como ilustrado na Figura 19), e na expiração, relaxar o braço até

que ele esteja ao longo do corpo. Repetir com o outro braço e com os dois braços ao mesmo

tempo. Depois, repetir a mesma sequência, mas ao invés de deslocar o braço para cima, desloca-

se para a lateral. E por último, alternar entre um braço alongado para a lateral e outro para cima,

assim sucessivamente.

FIGURA 19 – CAMINHO DA RESPIRAÇÃO: EXEMPLO DE TROCA DE MÃOS E JUNÇÃO ENTRE DIREÇÕES

Esse exercício é o de mais difícil execução, pois exige mais independência entre membros

inferiores e superiores, assim como uma sensibilidade maior entre música e movimentação

corporal. É muito comum o aluno não executar a movimentação da mão no período de pausa,

Page 80: EXPRESSIVIDADE MUSICAL NO CANTO - Unicamp

80

pois o ato de interrupção da inspiração promove uma espécie de paralisia no resto do corpo,

travando-o para a execução de movimentos, exatamente um dos focos dessa atividade. Porém, ao

ser realizado de maneira correta, introduz ao corpo uma fluidez de movimento e o aluno

consegue, pouco a pouco, explorar seu espaço de diversas maneiras, começando também a

inconscientemente balancear a quantidade de energia e força de movimento dentro do tempo

musical colocado.

3.3. FAIXA ELÁSTICA E RESPIRAÇÃO: INSPIRAÇÃO, TÔNUS E APOIO.

É imprescindível para a melhor compreensão do assunto a seguir a leitura dos tópicos

2.4.1, 2.4.3 e 2.4.9 presentes na gramática de movimento.

Para que possamos entender como esse exercício afeta diretamente os processos

musculares do sistema respiratório, retomaremos primeiramente suas singularidades dentro do

canto erudito. Sundberg (1992), em seu artigo intitulado “Breathing Beauvoir in sininho” 79, nos

esclarece que a fonação acontece através do aumento de pressão do ar nos pulmões. Para que o

aumento da pressão subglotal ocorra, o volume da cavidade torácica (CT) diminui. Existem três

forças que contribuem para isso: a força muscular, a força de elasticidade e a força de gravitação.

Ele demonstra, através da tabela abaixo:

79 Comportamento respiratório no canto.

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81

TABELA 1 – FORÇAS POR TRÁS DA PRESSÃO SUBGLOTAL

INSPIRAÇÃO EXPIRAÇÃO

MÚSCULOS Intercostais externas

Diafragma

Intercostais internas

Parede abdominal

ELASTICIDADE Pouco volume na CT Muito volume na CT

GRAVITAÇÃO Vertical | Sentado Supino | Suspensão

FONTE: SUNDBERG, 1992, P.50.

Em relação às forças musculares, o autor diz que para a respiração costal são utilizados os

pares musculares das intercostais (externos e internos, para a inspiração e expiração

respectivamente) e que o diafragma e a parede abdominal também se tornam uma espécie de par,

onde a expansão da parede abdominal durante a inspiração é um sinal seguro de que o diafragma

está sendo ativado na respiração ventricular. Ao se utilizar dos dois pares de músculos teremos a

almejada respiração intercostal diafragmática. Para o processo de fonação, teremos a diminuição

do volume da CT, ou seja, o acionamento das musculaturas da expiração. Quando o corpo se

encontra em posição ereta, somente por meios da parede abdominal é possível que o diafragma

volte para sua posição inicial. Porém, Sundberg (1992, p. 51) diz que a expansão da parede

abdominal durante a fonação não é necessariamente a ativação do diafragma, mas que pode

ocorrer igualmente como resultado do aumento de pressão causado pela pressão subglotal,

necessário para o processo fonatório.

Além das forças musculares, temos também as forças de elasticidade, cuja força de recuo

depende da quantidade de ar contido nos pulmões ou do volume da CT. A elasticidade dos

pulmões é sempre uma força expiratória, enquanto a elasticidade da CT é expiratória com grande

volume de ar e inalatória em baixo volume. O volume resultante de seu balanceamento é

chamado de capacidade residual funcional (CRF). Assim que os pulmões são forçados a sair da

CRF, forças passivas tentam restaurá-las novamente. A pressão do ar nos pulmões também é

afetada por um terceiro tipo de força: a gravitação.

Ou seja, Sundberg (1992, p. 52) finaliza esse tópico concluindo que, durante a fonação, a

pressão subglotal é dependente da atividade dos músculos, forças passivas resultantes do volume

do pulmão e da postura corporal influenciada pela gravitação. Quando a pessoa inspira uma

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82

grande quantidade de ar, a força passiva de expiração resultante é muito grande. Essa ação pode

ser evitada ao acionarmos as musculaturas da inspiração. A necessidade dessa ação diminui assim

que o volume dos pulmões reduz, onde, ao passar pela CRF, as forças de expiração tomam

controle, de maneira a compensar assim as forças passivas inspiratórias resultantes.

O que descrevemos acima nada mais é do que o apoio no âmbito do sistema pulmonar, o

controle muscular consciente que cada cantor deverá realizar de maneira a sustentar a saída de ar

e consequentemente, sua pressão subglotal. Sundberg (1991, p. 53) ressalta que “diferentes

indivíduos parecem necessitar de diferentes pressões subglotais para atingir a mesma

intensidade”80. Além disso, o cantor precisa ajustar essa pressão subglotal tanto para regular a

intensidade do som quanto para regular a afinação. Quanto maior a pressão subglotal, não só a

intensidade do som é maior como podemos vir a ter uma nota mais aguda. Isso significa que um

erro na pressão subglotal se manifesta não só na intensidade, como também em um erro de

afinação, algo desastroso para o cantor. “Consequentemente, encontramos padrões de pressão

subglotal bem formados em cantor experiente” 81 (SUNDBERG, 1992, p.57).

Após comparações entre padrões de fala e canto, Sundberg (1992, p. 58-59) completa que

o cantor precisa desenvolver um controle independente de intensidade e afinação vocais. Ele

analisa o efeito de alguns mecanismos de movimentações diafragmática e abdominais ensinados

em técnicas de canto distintas, concluindo que existem alguns efeitos positivos decorrentes da

estratégia de co-contração diafragmática e da parede abdominal expandida. O primeiro seria um

balanceamento entre a necessidade de se induzir o aumento da pressão subglotal e o efeito de

inércia causado por essa mesma ação, evitando assim o esvaziamento rápido de todo conteúdo da

CT. Outro efeito seria o que ele descreveu de tracheal pull (tradução literal: puxamento de

traqueia), ou seja, uma força de puxamento que a traqueia exerce na laringe quando o diafragma

desce ou ocorre uma respiração diafragmática. Ele conclui seu artigo dizendo que este ato

representa claramente um mecanismo de conexão entre a técnica de respiração e mecanismo de

fonação.

80 […] different individuals seem to need different subglottal pressures for achieving the same loudness. 81 Accordingly, one finds very well-formed subglottal pressure patterns in proficient singer.

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83

A explicação acima nos permite ter uma visão muito clara da teorização do trabalho

corporal necessário para o cantor na busca pela organização de suas forças musculares do sistema

respiratório, ademais, da importância da interligação entre as funções de respiração, fonação e

ressonância. Porém, conforme percebemos no capítulo anterior, a lacuna entre teoria e prática é

um caminho árduo para o cantor em formação.

Com a finalidade de demonstrar visualmente e sensorialmente essa transição de forças

administradas durante a fonação no canto, a proposta aqui é de cantar um vocalize ou trecho

musical com a ajuda de uma faixa elástica, a mesma apresentada no subcapítulo anterior (Figura

3 – Fotografia da faixa elástica e lenço utilizados). O aluno deverá permanecer com a faixa

sempre em mãos, onde, através do auxílio de uma outra pessoa do outro lado segurando a outra

ponta da faixa, segue a seguinte regra básica: a faixa permanece relaxada no momento de

inspiração e ele deve puxar constantemente a faixa durante a expiração do ar. Esse movimento

deve ser sempre contínuo, e de maneira a exemplificar os pontos de resistência e de fluxo mais

rápido dentro do fraseado proposto. Em uma frase com múltiplas inspirações, a faixa deve ser

solta em todos os momentos. Quanto mais fluido for o movimento, mais fluido também será o

som resultante.

FIGURA 20 – EXEMPLO DE VOCALIZE

Antes do vocalize, é importante orientar a respeito de como deve ser realizado a

inspiração anterior a execução do exercício. Uma orientação relevante sobre a forma da

inspiração é descrita por Herbst (2017), que, em suas palavras, com consciência do som almejado

e de boa execução, leva o cantor a uma configuração pré-fonatória do trato vocal. O puxamento

da traqueia pelo abaixamento da laringe acarreta em mudanças timbrísticas com qualidades

desejadas no canto erudito, ocasionando também, principalmente nas primeiras notas, maior

estabilidade para a execução do canto.

Seguindo o princípio de inspiração com a preparação anterior, realizamos o vocalize

exemplificado acima (Figura 20) estabelecendo uma espécie de meta para um caminho

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fraseológico, a partir do seguinte questionamento: a nota aguda deve ser executada com maior

volume do que as notas restantes? Ela é o ponto final do vocalize, ou talvez somente um ponto de

passagem? Como devem permanecer os ressoadores após a execução da nota aguda?

É muito comum que cantores em formação utilizem uma maior força para a execução de

uma nota mais aguda, principalmente quando esta apresenta um intervalo entre a nota

antecessora. A orientação técnica é que não necessariamente a nota precisa ser a mais relevante

ou até mesmo, ser executada com uma grande intensidade de som. Porém, a busca intelectual do

controle de saída de ar acarreta em muitas execuções errôneas, onde o fluxo de ar é prejudicado

pelo travamento da musculatura. A faixa elástica, neste caso, é um excelente mecanismo para

compreensão de que o movimento, apesar de menos intenso, deverá continuar existindo, visto que

não existe fonação sem saída do ar. Podemos inclusive estabelecer metas de apoio junto a

movimentação do braço, como demonstrado também na Figura 20 (em laranja), onde faríamos a

troca do braço que executa o puxamento na nota anterior (G382), fazendo com que o trajeto até a

nota mais aguda venha somente com a força necessária, sem mais ou menos intensidade.

3.4. FRASEADO ESPACIAL

É imprescindível para a melhor compreensão do assunto a seguir a leitura dos tópicos

2.4.4, 2.4.5, 2.4.6 e 2.4.9 presentes na gramática de movimento.

O fraseado espacial consiste em um exercício para estimulação criativa através de uma

visualização externa das ideias de fraseado que um trecho musical possa vir a ter. Podemos

desenvolver somente com o corpo ou com a ajuda de outros objetos (bexiga, faixa, máscara, fita,

dentre outros). A atividade deve acontecer inicialmente em caráter lúdico, sem voz, e de forma a

realmente aumentar o repertório de gestos pessoais. O aluno deve se preocupar não só com o

82 Considerando como C3 o dó central do piano.

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movimento em si, mas com toda a preparação anterior, ou seja, desde a anacruse da execução do

movimento e a respiração envolvida durante o processo. Ao adicionarmos a voz num momento

posterior, pode-se apresentar um “retrocesso” na qualidade do movimento; todavia, se isso

ocorrer, não é pelo movimento e sim pela falta de fluidez causada pelo excesso/ausência de

trabalho muscular necessário para a sua execução (principalmente em relação a execução vocal).

A experimentação constante e reflexão pós-execução são duas ferramentas importantes para um

crescimento na capacidade aural e corporal do intérprete, capazes de estimular o cantor em

qualquer nível de habilidade. Um terceiro momento seria o resgate das memórias musculares

desenvolvidas sem a necessidade do movimento real. A partir desse ponto o corpo estaria livre de

tensões e capaz de executar a ideia musical de forma correta e pronto para receber a

movimentação de palco ou em uma posição mais estática, de acordo com a necessidade.

Antes de demonstrar como este exercício funcionaria em uma peça, contudo, é

interessante ressaltar como esse mecanismo é útil já no início da prática do canto, durante o

aquecimento vocal. Por exemplo, se pegarmos um cantor iniciante, que ainda apresenta

dificuldade em organizar alguns elementos combinados, como inspiração consciente, ataque do

som, fluxo de ar constante, sustentação dos músculos do ressoador superior durante a mudança de

pitch (principalmente em movimentações para as notas graves), a simples movimentação corporal

durante o processo fonatório pode solucionar diversos níveis de tensões do trato vocal sem a

necessidade de separação entre as partes corporais. O movimento sairá, com poucas exceções,

muito rígido nas primeiras tentativas, mas o ganho de fluidez depende das experimentações e do

controle individual de cada um, a fim de relaxar seu próprio corpo (ou o oposto, tonificá-lo mais)

e ativar o sistema sensorial, tão necessário para essa profissão.

Para exemplificar como elaborar o exercício em uma obra vocal observemos o lied “An

die Musik”, de Franz Schubert. Antes do início da análise mais detalhada da linha vocal, todavia,

é importante comentar um pouco sobre a atmosfera ao redor da canção. Os versos do poeta Franz

von Schober evocam uma glorificação, prece ou agradecimento à música, em formato estrófico.

No ano de sua composição, 1817, Schubert estava morando com o Schober e sua mãe, ambos na

casa dos vinte anos. Podemos concluir que esse lied é o resultado entre a parceria e amizade entre

poeta e músico; ou seja: apesar de ser tipicamente tocada de forma lenta e solene, quase como

uma despedida, deve ser compreendida, na verdade, de maneira leve, alegre e com muito

movimento.

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A linha vocal e do piano, na mão esquerda, formam uma espécie de frase unificada

conjunta, por vezes sobrepostas. Portanto, é importante para o cantor a conscientização de que

sua linha melódica deve estabelecer um diálogo com o piano para que essa conexão chegue de

forma clara ao ouvinte. É sabido que, para a execução dos fraseados dessa canção, precisamos

transportar para o corpo um fluxo de ar constante e um legato expressivo.

TABELA 2 – AN DIE MUSIK (LETRA E TRADUÇÃO)

Letra Tradução

Du holde Kunst, in wieviel grauen Stunden,

Wo mich des Lebens mildes Kreis umstrickt,

Hast du mein Herz zu warmer Leib entzunden,

Hast mich in eine bess’re Welt entrückt.

Oft hat ein Seufzer, deine Harf’ entflossen,

Ein süβer, heiliger Akkord von dir,

Den Himmel bess’rer Zeiten mir enschlossen,

Du holde Kunst, ich danke dir dafür!

Tu arte encantadora, em quantas horas cinzentas

Em que o selvagem círculo da vida me cerca,

Acendeste o meu coração para um novo amor,

Me desviaste para um mundo melhor!

Muitas vezes um suspiro da tua harpa fluiu

Um doce, sagrado acorde de ti

O céu de melhores tempos me abriste,

Tu arte encantado, eu te agradeço por isso.

Podemos perceber na partitura abaixo (Figura 21), onde, dos compassos 3 ao 6 e 7 ao 9, as

duas primeiras frases de 4 e 3 compassos de duração são, respectivamente, executados

initerruptamente na primeira estrofe do poema. Algumas perguntas podem ser elencadas pelo

intérprete para que ele possa elaborar um plano de ideias na busca da sua criação de movimentos:

seria essa canção uma forma de admiração/contemplação ou uma comemoração/celebração? Este

ato é realizado de forma estática ou movimentado? Como deveria soar essa melodia: os intervalos

mais longos deveriam ser percebidos pelo ouvinte? O texto deveria ser mais articulado? Quais

palavras desse verso são mais importantes e deveriam ser mais inflexionados?

Em relação à técnica de canto, algumas outras perguntas podem ser organizadas: qual a

direção que meu som deve seguir dentro do espaço ao meu redor? Como deve ser o resultado do

meu som? Existe alguma maneira de exemplificar visualmente a proposta técnica a ser seguida?

Um fato ocorrente em cantores iniciantes no estudo dessa canção seria a falta de manutenção das

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posturas musculares dos ressoadores, em particular os superiores, ao executar os intervalos

descendentes. Como poderia ser este movimento corporal, que deseja demonstrar a necessidade

de se ativar ou manter esses músculos?

FIGURA 21 – AN DIE MUSIK: COMPASSOS 1-11

Todas essas perguntas são ferramentas importantes para que o intérprete reflita sobre as

qualidades do som e de movimento que ele deseja alcançar e se, posterior a sua execução, ele vir

a atingir ou não seus objetivos, de qual maneira ele pode continuar nessa investigação criativa.

Um outro exemplo de dificuldade técnica apresentada nessa canção é a terminação

feminina da frase “in eine bess’re Welt entrückt” (Figura 22, compasso 17). O cantor iniciante

tende a enrijecer os músculos envolvidos no processo de expiração ao decorrer da execução da

frase, mais evidente em suas terminações. No caso de uma terminação feminina, sua acentuação

natural exige um maior controle respiratório para que sua realização seja finalizada com

qualidade. A movimentação corporal, neste tipo de fraseado, pode auxiliar o cantor a encontrar

um equilíbrio maior entre as forças necessárias para administrar tal questão.

No compasso 13 (Figura 22) vemos outro exemplo de como esse controle pode ser

importante na execução do fraseado, com a palavra warmer. Por ser paroxítona, essa palavra

dissílaba apresenta seu acento no primeiro tempo (forte) do compasso, cuja composição utiliza-se

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da nota D4, em uma semínima pontuada e, logo em seguida, uma colcheia em F#4. Para um

cantor inexperiente, a vocalização desse trecho melódico pode ser custosa, pois a intenção desse

trajeto melódico não é de acentuar a nota mais aguda, requerendo do cantor um controle de fluxo

de ar e de apoio vocal. Na minha experiência pessoal, ao buscar intelectualmente maneiras de

encontrar a força necessária para tal execução nunca acarretou em resultados de mesma qualidade

que a exploração corporal ocasionava.

FIGURA 22 – AN DIE MUSIK: COMPASSOS 12-17

Demonstramos agora em um trecho da cena VIII do segundo ato da ópera Elisir d’amore

de Giacomo Donizetti (Figura 23), no qual se desenrola o dueto final entre Nemorino e Adina83.

A linha vocal deve ser executada a piacere pela cantora, respeitando os pontos de respiração

(marcados em vermelho) e seu movimento próprio, levando em consideração o estilo e

necessidades técnicas do repertório operístico em questão. Não é muito difícil, entretanto, notar

uma grande dificuldade na grande maioria dos cantores em formação, onde, travados pela

ausência de marcações rítmicas e liberdade aterrorizante, acabam por fazer desse trecho uma

execução travada, pouco fluída e mecanizada. Ao acharmos os pontos de maior resistência

(sinalizados em verde) e de maior fluidez exemplificados por movimentos corporais, atingimos a

83 A ópera Elisir d’amore é uma ópera buffa em dois atos com libreto de Felice Romani. O jovem Nemorino, apesar

de apaixonado pela bela Adina, é rejeitado constantemente em suas investidas. Ele a escuta narrar a história de

Tristão e Isolda e é convencido da existência de um elixir capaz de mudar o coração de sua amada. Para provoca-lo,

Adina aceita se casar com Belcore, um militar acabado de chegar à aldeia. Dulcamara, um charlatão também recém-

chegado, que, aproveita da inocência de Nemorino para lhe vender uma garrafa de vinho de Bourbon no lugar de

uma poção mágica de amor. Durante a festa de casamento, desesperado, Nemorino alista-se no exército em troca de

mais dinheiro para compra de mais elixir. Porém, ele não sabe que acabara de herdar uma fortuna de seu tio falecido,

motivo de fofoca de todas as moças da aldeia. Acreditando que o assédio das mulheres é resultado do elixir,

convence-se do seu plano, desprezando-a. Adina, por fim, descobre toda a confusão e consciente que Nemorino não

lhe é indiferente, desfaz o acordo com Belcore, resgata-lhe a liberdade como homem civil e confessa-lhe o seu amor.

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execução de trechos dessa natureza carregados de musicalidade, com caráter mais natural e

orgânico sem a necessidade de excessivas repetições; ou seja, economia de tempo.

FIGURA 23 – ELISIR D’AMORE: AH FU COM TE VERACE (TRECHO DA LINHA VOCAL ADINA)

Este tipo de consciência de velocidade e fluidez pode ser demonstrado em praticamente

todo restante da cena, nas quatro passagens melódicas compostas por Donizetti para a frase “il

mio rigor dimentica...”. Nos trechos apresentados a seguir, a linha vocal transita de um Adagio al

piacere para Allegro, até chegarmos ao a tempo, que se prolonga até a cadência final84.

Na primeira vez em que o texto é vocalizado (Figura 24), apesar de existir certa liberdade

advinda da marcação da partitura, o acompanhamento feito pelo naipe de cordas da orquestra

demanda da cantora clareza na execução em pontos específicos, onde a precisão rítmica é

essencial para uma boa performance geral. Todavia, corpo deve estar totalmente livre, pois essa

cena é a mais esperada da ópera, onde Adina finalmente declara seu amor por Nemorino.

FIGURA 24 – ELISIR D’AMORE: IL MIO RIGOR (PRIMEIRA REPETIÇÃO)

Durante a segunda repetição do verso, a linha melódica aparece com outro desenho, muito

mais fluido e movimentado que a anterior. Existe uma necessidade maior de ausência de tensões

por parte da respiração, a fim de que a cantora não atrase seu tempo e que ela consiga, junto ao

84 Temos como ponto final do dueto este local se considerarmos o corte para a próxima cena na marca de ensaio nº

80, assim como estudado e executado pela pesquisadora. Para outras configurações, este modelo não se aplica.

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naipe de cordas, em staccato, continuar a performance com qualidade. Por fim, as últimas

repetições do verso só serão executadas com qualidade se os músculos da respiração trabalharam

realmente, até este ponto, com o nível de tonicidade necessário. Os movimentos corporais

ajudaram o corpo na memorização dos pontos importantes de relaxamento, a acentuação correta

dos pontos de resistência e na execução do ritmo preciso, porém, não mecânico.

3.5. FORMAS E SENTIMENTO

É imprescindível para a melhor compreensão do assunto a seguir a leitura dos tópicos

2.4.7, 2.4.10 e 2.4.11 presentes na gramática de movimento.

O estímulo através de imagens é uma excelente ferramenta para iniciar um processo de

sensibilização para novas posições. Mais uma vez, a proposta é iniciar a atividade sem utilização

da voz, onde, assim como colocado no tópico sobre o 2.4.7, não só a postura da estátua é

importante, mas também, a maneira como essa imobilidade se relaciona com seu passado e

futuro, ou seja, que a imobilidade também é carregada de movimento, e lá se encontram todas as

memórias de intenção. O exercício da estátua viva consiste em incitar, através de imagens

selecionadas, a criação de poses, cujo foco principal não seria necessariamente a pose em si, mas

as transições de movimento e o estímulo musical por trás da atividade. Essa atividade, além de

aumentar o repertório de posições e gestos dentro da estimulação musical, também é uma

ferramenta interessante para desenvolvimento de personagens e trazer os sentimentos presentes

dentro das ações “congeladas”. Abaixo são colocados alguns exemplos de imagens interessantes

para esse trabalho.

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FIGURA 25 – DAVID, DE GIAN LORENZO BERNINI

FONTE: HTTP://CHRISTOPHERCROW.DEVIANTART.COM/ART/DAVID-BY-BERNINI-289785218

FIGURA 26 – PIETA, DE MICHELANGELO

FONTE: HTTP://VIRUSDAARTE.NET/MICHELANGELO-PIETA/

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92

FIGURA 27 – LAOCOONTE E SEUS FILHOS, DE AGESANDRO, ATENODORO E POLIDORO

FONTE: HTTP://WWW.RAULMENDESSILVA.COM.BR/BRASILARTE/TEMAS/DESTAQUE6.HTML

A análise e reflexão crítica após a realização dos estímulos é crucial para que, em um

segundo momento, em uma atividade em grupo, essa sensibilização deixe um campo aberto para

a criação coletiva. Neste contexto, é importante reafirmar que, tão simples e óbvio num trabalho

cênico, ainda é difícil estimular o cantor a se conscientizar de seu próprio corpo, identificando a

posição que se encontra e percebendo sua postura, seus vícios e bloqueios, fazendo-o

compreender fisicamente e repetir sua sequência de movimentos. A construção dessas poses com

a utilização da voz novamente traz a liberação de tensões, porém, agora, com um olhar mais

voltado para o resgate dos sentimentos e conectando-os com todo ambiente construído por aquela

peça musical.

Uma continuação desse exercício seria o estímulo de posturas através de imagens

abstratas (um exemplo, formas: círculo, quadrado, reta, curva, ponta, plano, ondulado, desigual).

Sendo este um trabalho muito mais criativo, é importante que aqui o resgate de repertório já tenha

algum estímulo anterior, pois caso contrário, a atividade se torna muito ampla para que o aluno

consiga realizar de forma confortável e inventiva. Mais interessante ainda é uma construção

coletiva, onde é aprendido então como criar um canal de acesso entre os integrantes do grupo,

visto que o cantor costuma desenvolver seu estudo dentro de um trabalho individual, isolando-se

dos colegas. No momento em que é realizado um trabalho coletivo, ele precisa estar pronto e

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aberto ao ambiente. A capacidade cinestésica é decisiva para a conexão do grupo, onde a

construção do conjunto não se estabelece somente por acordos verbais.

Page 94: EXPRESSIVIDADE MUSICAL NO CANTO - Unicamp

94

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho objetivamos fundamentar uma abordagem de estudo e aprendizagem do

canto erudito baseado nos conceitos da pedagogia de Émile Jaques-Dalcroze. No

desenvolvimento deste estudo bibliográfico, procuramos demonstrar, no primeiro capítulo, as

razões das diversas possibilidades de interpretação de uma obra musical, percebendo como a

relação entre intérprete e música tornam-se essencial nessa execução. Conseguimos demonstrar

que a partitura só se revive através de uma dialética entre compositor, partitura e intérprete, assim

como o funcionamento do processo de tradução da partitura e quais são os elementos que o cantor

deve buscar para construção de sua visão pessoal da obra.

Sendo o papel desempenhado pelo cantor uma mistura entre interpretação musical e

cênica, buscou-se também descrever quais mudanças nas exigências corporais ocorreram a partir

do início do século XX, incluindo as novas tecnologias, que influenciaram profundamente no

desenvolvimento criativo atual. Elas acarretaram por trazer um contato muito maior entre

intérprete e público, estabelecendo na performance uma realidade muito mais complexa. O cantor

precisa ser capaz de revelar toda a complexidade humana que envolve o seu personagem, isso é,

uma ligação muito mais íntima e acessível do seu próprio ser.

Com o objetivo de entender as diferentes transformações corporais ao longo do século XX

e XXI, percebeu-se que a preocupação de Dalcroze era, na verdade, uma inquietação de seus

contemporâneos no âmbito social, pedagógico e artístico. Porém, é possível perceber também que

há, atualmente, ainda uma certa dualidade entre corpo e mente, que resiste ao tempo e é, de

alguma forma, persistente dentro da academia. Por mais que seja de conhecimento geral a

importância de se ver o indivíduo em sua totalidade, precisamos realmente propor caminhos e

meios de se reconectar corpo e mente, superando o dualismo psicofísico.

A partir desse momento, no segundo capítulo, ao estudarmos sua pedagogia, constatou-se

como seus conceitos fornecem ferramentas essenciais para o músico conectar seu corpo e suas

ideias durante a performance. Podemos concluir que Dalcroze é, sem dúvida, um pedagogo

musical que alcançou uma conexão direta entre aprendizado musical e corpo, inseparável em sua

abordagem pedagógica. Sua percepção de abordar o ritmo como primeira estrutura de vivência

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corporal, para em seguida, transportar os demais elementos musicais é única; ao mesmo tempo, se

conectarmos com outras pedagogias corporais, pode ser exatamente a ligação para outros

caminhos de busca expressiva dentro dos diversos campos artísticos existentes.

Através das observações colocadas dentro da descrição dos exercícios no terceiro

capítulo, podemos refletir sobre o impacto real das suas ideias dentro do ambiente de estudo do

cantor. Podemos considerar então, a pedagogia de Dalcroze como um primeiro degrau para a

reflexão entre corpo e música, sendo este uma das ferramentas disponíveis atualmente para

trabalharmos a expressividade corporal ligada aos elementos musicais. Sendo assim, é

imprescindível que todo artista (e não só durante seu processo de educação musical básica)

vivencie a música através de seus sentidos, principalmente quando ele não o fez de forma lúdica e

consciente antes da prática tecnicista. Dalcroze não é, entretanto, o único autor. Existem outros

meios de percepção e estimulação da expressividade corporal sendo estudados atualmente e,

portanto, importantes para um desenvolvimento crescente e contínuo em busca de se tornar um

artista expressivo. Todavia, ele é, como mencionamos, excepcional em fazer uma verdadeira

conexão entre música e corpo.

Não foi intenção desse trabalho impor as ideias como verdade absoluta e único

mecanismo de aplicação, ao expor as experiências e pensamentos de como esses conceitos podem

ser abordados no estudo prático do canto. O desejo é de demonstrar que o aluno pode ser mais

autêntico e autônomo em sua busca por conectar corpo e música, aplicando desde o início de sua

prática os ensinamentos da técnica de canto de forma única e orgânica. Que essas informações

sejam benéficas não só para professores de canto, mas também um meio facilitador para os

próprios alunos, criando uma autonomia no processo de desenvolvimento de sua capacidade de

expressão corporal e musical.

Foi possível perceber que a ligação entre a respiração e a preparação muscular geral (tanto

em relação à técnica de canto, com os ressoadores e aparelho fonador, quanto na prática cênica),

são dois elementos muito importantes dentro dos conceitos dessa pedagogia. Junto a outros

mecanismos de ensino no mesmo tema, seria possível otimizar o caminho do aprendizado e

espaço de tempo utilizados pelos cantores em formação, trazendo uma maior rapidez e

organicidade na sua prática diária. Tão importante quanto o domínio da teoria para uma boa

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execução vocal, é a necessidade de aplicação desta dentro do próprio corpo e de conhecimento do

próprio instrumento.

Espera-se que, com as observações, análises e resultados apresentados, possamos

estimular mais pesquisas sobre o assunto, ainda carente dentro da academia. Sabemos que,

embora existam pesquisas individuais sobre o desenvolvimento da expressividade corporal do

cantor, inclusive com outras metodologias, como Laban e Yoga, não conseguimos estabelecer no

Brasil um espaço de formação mais abrangente de um músico completo, onde se possa vivenciar

uma metodologia de expressividade corporal e musical capaz de desenvolver um cantor em

formação mais sensibilizado no âmbito cênico. Se alargarmos para uma perspectiva maior,

considerando outros instrumentistas, essa questão se torna ainda mais inquietante.

Deixamos, aqui, então, esses caminhos para pesquisas futuras e esperamos ter contribuído

para o desenvolvimento de uma prática pedagógica significativa e criativa do ensino de canto,

assim como nossa arte deve ser.

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