manuel joaquim pinho moreira de azevedo - … · do fordismo ao neo e pós-fordismo:...

771
Manuel Joaquim Pinho Moreira de Azevedo O ensino secundário na Europa, nos anos noventa O neoprofissionalismo e a acção do sistema educativo mundial: um estudo internacional. Dissertação de Doutoramento em Ciências da Educação sob orientação do Prof. Doutor António Nóvoa. Universidade de Lisboa Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação Lisboa,1999

Upload: nguyenxuyen

Post on 04-Oct-2018

214 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • Manuel Joaquim Pinho Moreira de Azevedo

    O ensino secundrio na

    Europa, nos anos noventa

    O neoprofissionalismo e a aco do

    sistema educativo mundial: um estudo

    internacional.

    Dissertao de Doutoramento em

    Cincias da Educao sob orientao

    do Prof. Doutor Antnio Nvoa.

    Universidade de Lisboa Faculdade de Psicologia e de Cincias da Educao

    Lisboa,1999

  • iii

    Atravs do socilogo - agente histrico historicamente situado, sujeito social

    socialmente determinado - a histria, isto , a sociedade na qual ele subsiste,

    volta-se por um momento sobre si prpria e faz uma reflexo; e, atravs dele,

    todos os agentes sociais podem saber um pouco melhor o que so e o que

    foram.

    Pierre Bourdieu

    Ns no sabemos o que se passa e isso justamente o que se passa.

    Ortega y Gasset

    A realidade no claramente legvel. A nossa realidade no mais do que a

    nossa ideia da realidade.

    Morin e Nair

    As revolues no so aceleradores da histria, mas traves para refrear

    uma evoluo que, entregue a si mesma, leva catstrofe. Trata-se de fazer

    melhor, evitando o pior.

    Walter Benjamim

  • iv

  • v

    Agradecimentos

    Registamos uma palavra de gratido para com pessoas e organizaes que

    nos apoiaram directa e tecnicamente na realizao desta investigao. Aos

    nossos interlocutores em cada um dos pases, que nos abriram muitas

    portas: Jens Pehrson, Inspector Geral de Educao, da Dinamarca;

    Alejandro Tiana Ferrer, Professor da UNED, na altura Director do INCE, da

    Espanha; Jukka Sarjala, Director Geral do Ministrio da Educao, da

    Finlndia; Alain Michel, Inspector Geral da Educao, de Frana; Mark

    Frequin, do Ministrio da Educao da Holanda; Ugo Panetta, do Ministrio

    da Educao da Itlia; Morten Lauvbu, do Ministrio da Educao da

    Noruega; Ulf Lundgreen, da Agncia Nacional para a Educao, da Sucia;

    Michel Rohrbach, da Confederao Suia dos Directores Cantonais da

    Instruo Pblica. Ao CIDE-Centro de Investigacin y Documentacin

    Educativa do Ministrio da Educao de Espanha e sua Biblioteca, sempre

    disponvel no apoio bibliogrfico. Associao Industrial Portuense, pela

    disponibilidade que me proporcionou e pelo apoio logstico oferecido. Aos

    meus amigos Jos Matias Alves e Jos Maria Azevedo, pelas sucessivas

    leituras de textos mais ou menos dispersos e pelo seu incentivo contnuo.

    E, por ltimo, uma especial palavra de agradecimento ao meu orientador,

    Prof. Doutor Antnio Nvoa, pela sua enorme disponibilidade, pela sua

    ateno gratuita e pelo seu efectivo apoio cientfico ao longo do estudo e

    uma ltima palavra para recordar a minha famlia, sempre presente e sempre

    disponvel.

  • vi

  • vii

    Resumo

    Na primeira metade dos anos noventa, ocorreram, em vrios pases da

    Europa Ocidental, processos de reforma educativa que visaram integrar

    percursos e modalidades de ensino e de formao de nvel secundrio e

    desespecializar as formaes de tipo tcnico e profissional.

    Tendo por objecto de anlise as reformas neoprofissionalistas do ensino e

    da formao de nvel secundrio, em nove pases europeus, esta

    investigao ergue-se com base em quatro hipteses: (i) estas reformas so

    uma expresso de uma crise poltica generalizada acerca da funo social

    do ensino e da formao de nvel secundrio e evidenciam a presena de

    conflitos entre as racionalidades configuradoras das polticas para este

    sector; (ii) as reformas seguem preferentemente o funcionalismo tcnico -

    -econmico, como motor da aco poltica, e o ensino geral acadmico,

    como modelo de organizao; (iii) ao seguirem o modelo do ensino geral

    acadmico, as reformas neoprofissionalistas especializam o ensino e a

    formao de nvel secundrio na funo propedutica de estudos

    posteriores, legitimando uma ordem social existente, mais do que um outro

    modo de promoo de uma formao de base, mais aberta e promotora do

    desenvolvimento de cada ser humano; (iv) os decisores polticos nacionais,

    no palco europeu, agem simultnea e similarmente, sob o efeito do sistema

    educativo mundial, que exerce um efectivo poder estruturante das retricas e

    das polticas educativas nacionais.

    A investigao sustenta-se em contributos tericos da sociologia da

    educao e da sociologia do trabalho e segue um percurso que contempla

    uma anlise da evoluo histrica do ensino secundrio na Europa e uma

  • viii

    pesquisa que se realizou em dois tempos e modos: o primeiro consistiu na

    anlise documental das reformas educativas dos nove pases europeus

    escolhidos e o segundo traduziu-se na realizao de um inqurito junto de

    um conjunto de actores sociais relevantes, seleccionados em cada um dos

    nove pases.

    A investigao decorreu de modo sequencial entre 1993 e 1998 e teve como

    principais motivaes tanto a experincia poltica do autor, na rea

    educativa, quer no plano nacional quer no plano da representao do pas a

    nvel internacional, como a sede de desocultar e conhecer o que realmente

    se passa, sob a aparncia do que se est a passar.

  • ix

    Abstract

    During the first half of the nineties, processes of educational reform occured

    in several Western European countries, aiming to integrate upper secondary

    education and training pathways and modalities and to de-specialize

    technical education and training.

    This research projects subject of analysis deals with neovocationalist reforms

    of education and training at upper secondary level, in nine European

    countries, built upon four hypothesis: (i) these reforms are the expression of a

    general political crisis regarding the social role of education and training at

    upper secondary level; highlighting conflits between rationalities that shape

    the policies for this sector; (ii) these reforms follow mostly technical-economic

    functionalism, as the motor of political action and the general academic

    education, as the educational organizational model; (iii) the neovocationalist

    reforms, by following the general academic education model, specialize the

    upper secondary education and training in the propedeutic function for further

    education, thus legitimating an existing social order, more than another form

    of promoting a basic training, more open and able to promote the

    development of every human being; (iv) national policy-makers act, in the

    European set, simultaneously and similarly, under the effect of the world

    educational system, which actually has a structuring impact on the national

    education rethorics and policies.

    This research is based on the theoretical contributions from educational

    sociology and labour sociology, including an analysis of the historical

    evolution of secondary school in Europe and a research carried out in two

  • x

    phases and under two methods: firstly, a documental analysis of school

    reforms developed in the nine selected countries; secondly, an empirical

    research based upon a survey targeted to a set of relevant actors selected in

    each of those nine countries.

    This research took place sequencially from 1993 to 1998 and its main

    motivations were the authors political experience in the field of education, at

    national level and as national representant abroad, as well as the will to

    unveil and learn how reality is really like beyond the illusionary process of

    keeping up appearances.

  • xi

    Sumrio

    Prefcio Um acto perguntador xix-xxv

    Captulo 1 A ordem e a desordem no ensino secundrio 1

    Uma selva sem identidade? 1

    Os principais modelos de referncia 3

    Os modelos escolar, dual e no-formal 6

    Tipos de ensino e de formao 13

    Tipologia de diversificao curricular 24

    Diferentes modelos de integrao 31

    Uma polarizao dominante 35

    Tenses entre finalidades 40

    Profissionalismo e neoprofissionalismo 45

    Desespecializao e desprofissionalizao 49

    Captulo 2

    Introduo geral investigao 55

    Reformas integradoras e desespecializadoras 59

    As hipteses de partida 64

    Principais opes metodolgicas 70

    Um estudo internacional 72

    Delimitao do campo de anlise 79

    A pesquisa documental 82

    Questionrio: objectivos e limites 85

    Pesquisa emprica : quem inquirir e como inquirir 89

    O questionrio e as suas partes 92

    Captulo 3

    A educao e a economia: desocultar a fora de um encadeado

    ideolgico 97

    3.1. A sociologia da educao e a correspondncia entre educao-

    -economia 98

    O funcionalismo e a teoria do capital humano 98

    Uma evidncia sempre interrogada 105

    A reproduo das relaes sociais de produo 109

    As credenciais e a sua funo de informao 115

  • xii

    Uma falcia chamada ensino profissional 120

    Um desajustamento praticamente inevitvel 124

    Um alargado desajustamento estrutural 132

    As teorias da no-correspondncia 138

    3.2. A sociologia do trabalho e os novos mandatos da economia 146

    As novas tecnologias e o ps-fordismo 149

    Da crise ao ps-fordismo, passando pelo neo-fordismo 153

    A produo flexvel e a flexibilidade 163

    Qualificao, requalificao e desqualificao 170

    Teorias da segmentao do mercado de trabalho 182

    Das qualificaes s competncias: o que muda? 186

    O ensino geral como modo de especializao 194

    3.3 A globalizao e o sistema educativo mundial 200

    A globalizao, um processo multidimensional 202

    A educao, uma instituio mundial 209

    A teoria do sistema mundial 211

    Convergncia e divergncia 215

    A construo e a aco dos modelos educacionais 223

    A consolidao do Estado-nao e a expanso da escolarizao

    de massas 225

    Expanso da ideologia da modernizao 233

    A evoluo do sistema econmico mundial 236

    O sistema de comunicao cientfica 239

    A aco prolongada das organizaes internacionais e o caso

    da UE

    245

    A educao comparada e internacional 250

    A externalizao dos sistemas nacionais 261

    A construo do sistema educativo mundial 264

    Captulo 4

    O ensino secundrio na Europa (1945 1995) 271

    Os anos dos grandes mitos e a expanso da oferta e da 272

    A unificao e o ensino de massas 283

    Os choques dos anos 70 e os anos de crise 288

    Um profissionalismo crescente 294

    Anos 80 e 90: ensino secundrio, uma alternativa 309

  • xiii

    Um novo mandato econmico internacional 319

    Uma retrica optimista e valorizadora da formao geral 324

    Captulo 5

    As recentes reformas do ensino e da formao de nvel secundrio (anos 90) 339

    O caso da Dinamarca 341

    O caso da Espanha 354

    O caso da Finlndia 369

    O caso da Frana 378

    O caso da Holanda 389

    O caso da Itlia 404

    O caso da Noruega 417

    O caso da Sucia 430

    O caso da Suia 447

    As reformas da integrao e da desespecializao 453

    Uma acentuada desespecializao nos Anos 90 457

    Concluindo 479

    Captulo 6

    O neoprofissionalismo em questo 483

    O ajustamento face ao desemprego 486

    Um ajustamento procura social 488

    O ajustamento face s novas competncias 493

    O ajustamento ao mundo empresarial 497

    O impacto do sistema educativo mundial 503

    Processo de unificao e funo propedutica: ligaes 506

    Um conflito entre mandatos societais 511

    O corpo das hipteses de investigao 517

    Captulo 7

    O inqurito e os seus resultados 527

    As motivaes e os objectivos das reformas 531

    A atraco pela formao geral e a desespecializao da 550

    A deciso poltica: presses internas e externas 565

    Adeso-resistncia s reformas 574

    Concluso geral 578

  • xiv

    Captulo 8

    Reflexo final e concluses 583

    Um desequilbrio -reequilbrio entre racionalidades 584

    A evoluo da economia e da procura social 589

    A formao geral como modo de especializao 595

    A aco do sistema educativo mundial 602

    A ambiguidade das reformas neoprofissionalistas 608

    Sntese de um percurso em espiral 612

    Principais concluses da investigao 616

    Limites da investigao e sugestes para novas aborgagens 631

    Nota final, em jeito de psfacio 637

    Bibliografia 647-680

    Anexos Questionrio 683

    Quadros complementares 701-706

    Lista dos respondentes, pas por pas 707

    Ficha 719

  • xv

    Relao de quadros, grficos e figuras

    Quadro 1.1. Sntese comparativa entre modelos de ensino e de formao dominantes no ensino secundrio (grupo etrio 16 - 19 anos).

    13

    Quadro 1.2. Comparao entre pases da Europa relativamente durao da escolaridade obrigatria e ao incio da diversificao escolar (1995).

    26

    Quadro 1.3. Tipologia da incidncia da diversificao escolar. 27

    Quadro 1.4. Tipologia de sistemas de ensino secundrio segundo o grau de integrao/diversificao. 34

    Figura 1.1. Polarizaes dominantes exercidas sobre o ensino secundrio inferior e superior. 39

    Figura 3.1. Hierarquia dos espaos da empresa e seu diferente posicionamento face mudana. 157

    Quadro 3.1. Do fordismo ao neo e ps-fordismo: caracterizao de modelos de desenvolvimento nacional.

    164

    Quadro 3.2. Dimenses do processo de globalizao. 207

    Quadro 4.1. Taxa de crescimento do nmero de alunos inscritos no ensino secundrio superior em alguns pases europeus 1960-1970.

    276

    Quadro 4.2. Proporo da populao de dois grupos etrios que terminou pelo menos os estudos secundrios de segundo ciclo (1992).

    277

    Quadro 4.3. Taxas de desemprego de jovens em pases da OCDE. 291

    Quadro 4.4. Evoluo da distribuio das frequncias segundo o tipo de ensino secundrio.

    307

    Quadro 4.5. Os investimentos do Banco Mundial no Ensino Tcnico e Profissional (1963-1988).

    309

    Quadro 4.6. Evoluo das taxas de escolarizao de estudos superiores (1980 - 1992).

    313

    Quadro 4.7. Taxas de desemprego juvenil (15-24 anos) em pases da OCDE.

    314

    Grfico 4.2. Do tringulo ao hexgono. 323

    Figura 5.1. Organigrama do sistema escolar da Dinamarca -Ensino Secundrio.

    342

    Quadro 5.1. Distribuio da populao escolar aps a escolaridade obrigatria, na Dinamarca, entre 1981/82 e 1990/91.

    343

    Figura 5.2. Organigrama do sistema educativo Espanhol - LOGSE (1990).

    357

  • xvi

    Figura 5.3. Articulao entre o sistema de ensino geral e o sistema de formao profissonal especfica (FPE).

    361

    Quadro 5.2. Evoluo da frequncia da FPI, FPII, Ciclos Formativos de grau Mdio e de Grau Superior, em Espanha, entre 1987 e 1997.

    366

    Figura 5.4. Organigrama do Sistema Edcuativo da Finlndia-Ensino Secundrio.

    370

    Quadro 5.3. Novas reas de formao tcnico-profissional no ensino secundrio na Finlndia (reforma de 1991).

    373

    Figura 5.5. Processo de Experimentao entre 1991 - 1999. 375

    Figura 5.6. Organigrama do sistema educativo em Frana. 380

    Quadro 5.4. Distribuio da frequncia do ensino secundrio superior em Frana 1992/1993.

    382

    Figura 5.7. Organigrama do sistema escolar holands. 391

    Quadro 5.5. Frequncia dos estabelecimentos de ensino secundrio de 1970 a 1990.

    393

    Figura 5.9. Fluxos de transio dos alunos entre modalidades de ensino e escolas.

    394

    Grfico 5.9. Distribuio das frequncias do ensino secundrio superior em Itlia por tipo de escola (1991/92).

    405

    Figura 5.10. Sistema educativo em Itlia. 408

    Quadro 5.6. Componentes de formao dos cursos dos Institutos Profissionais.

    412

    Quadro 5.7. Estrutura de reas de formao adoptadas em Itlia. 413

    Quadro 5.8. Situao (a 1 de Outubro de 1992) dos jovens que concluiram a escolaridade obrigatria na Primavera de 92, na Noruega.

    419

    Quadro 5.9. Progresso do nmero de especializaes dentro do ensino secundrio superior na Noruega (1994).

    423

    Figura 5.11. Nova organizao do ensino secundrio na Noruega. 425

    Figura 5.12. Oferta educativa da escola secundria superior integrada na Sucia.

    432

    Quadro 5.10

    Percentagem de alunos que tendo terminado a escolaridade obrigatria se matricularam no ano lectivo seguinte no ensino secundrio superior (escolas pblicas), na Sucia.

    435

    Quadro 5.11. Alunos no ensino secundrio superior (local, regional e independente) segundo o tipo de estudos que frequenta (1988-1992), na Sucia.

    435

  • xvii

    Figura 5.13. Distribuio dos alunos do 1 ano do ensino secundrio superior, na Sucia (outubro de 1993).

    436

    Quadro 5.12. Novas reas de formao/programas nacionais de ensino secundrio na Sucia.

    443

    Figura 5.14. Organigrama do sistema educativo da Suia - ensino secundrio.

    448

    Quadro 5.13 Elevao do nvel de formao geral, entre 1960 e 1990, dos que saem do sistema de ensino secundrio.

    454

    Quadro 5.14. Matriz comum aos percursos de formao sistemtica ps-obrigatria em Portugal (1992).

    456

    Quadro 5.15. Desespecializao no Esino Tcnico e Profissional na Europa.

    459

    Quadro 5.16. Evoluo da participao dos jovens de 16 e 17 anos no ensino e na formao.

    466

    Quadro 5.17. Evoluo da distribuio das frequncias segundo o tipo de ensino secundrio (Tempo inteiro + parcial).

    468

    Grfico 5.15. Evoluo das frequncias do ensino secundrio Geral e Tcnico e Profissional, entre 1970 e 1995.

    469-471

    Quadro 5.18. Tendncias da evoluo do ensino secundrio Geral, na Europa (anos 90). 472

    Grfico 5.16. Evoluo do desemprego na rea da OCDE (1950-1996). 480

    Quadro 7.1. Distribuio dos respondentes por pas e segundo o tipo de actor social.

    528

    Quadro 7.2. Questionrio enviados e recebidos, por pas e por actor social.

    529

    Quadro 7.3. Pincipais razes que levaram os responsveis polticos a desencadearem as reformas.

    535

    Quadro 7.4. Aspectos mais relevantes (entre os muito relevantes) que levaram os responsveis polticos a desencadear as reformas, segundo os actores inquiridos.

    539

    Quadro 7.5. Em poucas palavras, a reforma do ensino secundrio visou essencialmente o seguinte objectivo.

    541

    Quadro 7.6.

    As reformas escolares, para alm do modo como foram veiculadas pelos decisores polticos, correspondem efectivamente, na opinio dos actores sociais, a um processo centrado sobre.

    543

    Quadro 7.7. Qual das afirmaes traduz melhor a finalidade principal das reformas em anlise.

    547

    Quadro 7.8. Valorizao de afirmaes sobre a relao escola-empresa.

    549

  • xviii

    Quadro 7.9. Motivos a que se fica a dever a reduo do nmero de especializaes no ensino e na formao ao nvel do ensino secundrio.

    555

    Quadro 7.10. Resultados esperados para as reformas de desespecializao e de integrao curricular, considerando a histria de cada Pas.

    557

    Quadro 7.11. Porqus da promoo da ampliao dos troncos comuns, da desespecializao e da integrao curricular no ensino secundrio, na ptica dos actores sociais.

    559

    Quadro 7.12. Modos como os actores sociais valoram a formaogeral e o ensino- tcnico-formao profissional antes das reformas.

    562

    Quadro 7.13. Presses internas sobre as reformas do ensino e da formao ao nvel secundrio.

    567

    Quadro 7.14. Organismos internacionais que influenciaram as reformas nacionais.

    569

    Quadro 7.15. Em que que, do ponto de vista do contedo, foi mais notria a influncia de organismos internacionais.

    572

    Quadro 7.16. De que modo concreto que a influncia internacional se exerceu.

    573

    Quadro 7.17. Comparao entre o peso das influncias internas e externas sobre a deciso poltica das reformas.

    574

    Quadro 7.18. Adeso e resistncia s reformas. 576

    Quadro 7.19. As resistncias sociais reforma empreendida partiram sobretudo de que sectores.

    577

    Quadro 8.1. Elementos de compreenso do modo de funcionamento do sistema educativo mundial.

    630

  • xix

    Prefcio

    Um actor perguntador

    No s a razo que comanda os impulsos em direco investigao.

    Talvez nunca o tenha sido, mas, como um dia ouvi dizer, esse um segredo

    no revelado. Talvez seja bem mais determinante a torrente das guas

    impetuosas que inundam o leito da existncia de cada um. O autor desta

    investigao, durante duas dcadas de vida profissional no campo da

    educao, embrenhou-se por entre prticas e crenas, formulou polticas e

    executou projectos, enleou-se em enigmas e em evidncias, na tentativa de

    se situar na desordem envolvente, consciente da sua condio de actor-

    autor, balanceando permanentemente, como todos os outros actores e

    autores, entre o nascimento e a morte. Ao longo dos anos, manteve os

    ouvidos e os olhos abertos para uma imensido de vozes, diversas e

    conflituosas, debaixo de um manto de consensos que porventura nunca

    tero existido. Habituou-se a navegar num mar de perguntas, inmeras e

    desordenadas, no como prtica de investigador mas como atitude

    permanente diante das coisas e da vida.

    medida que os anos iam passando, a arca das perguntas enchia-se, a par

    de uns quantos papis e notas que parecia darem contributos pertinentes

    para a compreenso dos fenmenos que o actor e autor observava e em que

    participava. s perguntas do estudante e do dirigente estudantil sucederam-

    se as do professor, nos fins dos anos setenta. Depois veio o olhar, o ouvir e

    o sentir do tcnico de planeamento regional da rea da educao e o

    contacto com um territrio, o norte de Portugal, as suas gentes, as suas

    inquietaes, anseios e projectos, vieram as equipas de trabalho e os

    primeiros estudos no terreno: os abandonos escolares em reas rurais, o

  • xx

    ensino tcnico e profissional, o papel e a imagem dos professores, as

    opes escolares e profissionais dos jovens. E a, cada uma das perguntas

    de partida transformava-se num emaranhado de questes de percurso e,

    sempre, em novas perguntas chegada. Tnhamos muito gosto em fazer

    essa escalada que vai da informao at ao conhecimento e, por vezes,

    durante breves segundos, ousvamos pensar ter alcanado a sabedoria.

    Seguiram-se, nos ltimos dez anos, a experincia de activa participao na

    construo de uma "reforma educativa", o perodo de direco da

    administrao pblica no domnio da educao, em particular no ensino

    secundrio, e a fase da governao, na mesma rea. Paradoxalmente,

    aquele que parecia ser o tempo privilegiado das respostas, da sobrelevao

    das crenas e das solues estruturadas, pouco mais foi do que o tempo da

    experimentao dos maiores limites, o terreno frtil de novas e bem mais

    demolidoras constataes e interrogaes. O tempo primordialmente

    predestinado ao fazer destinou-se mais ao ouvir. A torrente das perguntas,

    supostamente em "stand by", irrompia no momento mais inoportuno. Em

    contrapartida, a viso ampliava-se, percorria caminhos insuspeitados, novos

    ngulos de abordagem se impunham e um sem nmero de evidncias eram

    abaladas e, quantas vezes, desmoronavam-se, caindo, por vezes

    espectacularmente, no mais calado silncio, como se a vida fosse sobretudo

    o defluir de um filme sem som.

    Os palcos internacionais de encontro na rea da educao sucederam-se,

    anos a fio, com destaque para os cenrios da UNESCO, da Unio Europeia

    e da OCDE, particularmente do CERI-Centre dtudes et Recherches sur

    lInnovation. As polticas de educao e de formao passavam velozmente

    a ser tomadas como instrumento de tecnologia social e as polticas nacionais

    de educao comeavam a ficar cada vez mais submersas pelo peso

    compressor das dinmicas de reflexo e pelas sucessivas recomendaes e

    at iniciativas polticas dos organismos internacionais.

  • xxi

    O nascimento de novas perguntas significava o esquecimento e a morte de

    umas quantas anteriormente enunciadas. E, assim, lentamente, sem rumo

    definido, sem sobredeterminao racional aparente, renovaram-se os

    "stocks" de interrogaes, mudaram-se os olhares, fizeram-se e refizeram-se

    planos de pesquisa, que por trs vezes se encetaram, entre 1987 e 1994. O

    ensino secundrio foi o terreno que se imps pela sua centralidade na

    experincia pessoal do autor, embora a escolha do objecto de investigao

    tenha apenas surgido aps sucessivos actos eleitorais interiores.

    Dentro da problemtica das reformas do ensino secundrio emergiu

    paulatinamente um problema particularmente interessante. Ao mesmo tempo

    que uns pases continuavam a investir na profissionalizao do ensino

    secundrio superior, criando at novas vias de especializao tcnica e

    profissional, muitos outros empreendiam vrias reformas que apostavam

    claramente na desespecializao e na unificao de percursos escolares,

    at ento separados por vrios ramos e at por diferentes tipos de escolas.

    A paixo por este problema no resultou de uma escolha muito objectiva e

    racionalizada. Como em todas as paixes, o que sabemos to-

    simplesmente que estamos apaixonados, raramente sabemos quando, onde

    ou como foi que isso aconteceu.

    Os discursos reformadores e os seus relatrios polticos de suporte eram

    lidos com avidez. Neles emergia, como no laboratrio fotogrfico, uma

    inquietante convergncia na considerao da necessidade de se proceder a

    um urgente reforo da formao "geral", ao abandono das vias de

    especializao, desprofissionalizao do ensino secundrio e a um

    "regresso em fora cultura geral", como se afirmava. Documento atrs de

    documento e conversa atrs de conversa levantava-se um rol de

    interrogaes sem resposta.

  • xxii

    Em Phoenix-Arizona, por ocasio de um seminrio internacional da OCDE

    sobre os novos papis do ensino tcnico e da formao profissional, em

    Maro de 1991, uma questo sobreps-se a tantas outras, em pginas e

    pginas de notas: porqu este movimento, aparentemente to inesperado e

    drstico, de desespecializao e de unificao porque que ele ocorrer

    simultaneamente e to similarmente em tantos pases do continente

    europeu?

    Como seria de esperar, o terreno da aco poltica e da participao cvica

    foi, por fora das guas deste rio, o terreno da emergncia de uma pergunta

    que no mais abandonaria o ncleo das motivaes pessoais. este terreno

    que, ao mesmo tempo, abre e fecha e caracteriza o olhar do autor e disso se

    d conta, sem rodeios.

    Ao longo destes anos os materiais continuaram a recolher-se e a acumular-

    se: artigos de revistas, livros, publicaes oficiais de muitos pases, e at

    estudos oferecidos e ainda por publicar. As conversas em roda da questo

    sucederam-se, muitas vezes com interlocutores bastante qualificados, em

    encontros, seminrios e conferncias internacionais. Estes contactos

    pessoais revelam-se, revistos agora da frente para trs, como um elemento

    decisivo na fabricao do olhar do sujeito sobre o objecto a investigar.

    E, uma vez conseguida a necessria disponibilidade, iniciou-se um novo

    ciclo de relacionamento com a problemtica seleccionada, o ciclo da

    investigao. A questo de ontem j no era a questo de hoje; ela surgia

    agora envolvida por satlites de conceitos, tais como novo sistema produtivo,

    desemprego estrutural, globalizao, mercados de trabalho, requalificao e

    desqualificao, procura social de ensino, credenciais escolares, unificao

    escolar, unificao curricular e unificao institucional, mimetismo social,

    convergncia internacional e sistema educativo mundial.

  • xxiii

    A pergunta de partida reformulava-se, fazendo surgir novos contornos no

    objecto de investigao. A desespecializao e a desprofissionalizao que

    marcam, de modo similar e simultneo, vrios pases europeus, mormente os

    seus percursos de ensino tcnico e profissional do ensino secundrio,

    correspondero a um objectivo de reforo das competncias humanas dos

    cidados ou traduziro sobretudo uma nova etapa na subordinao dos

    sistemas de ensino aos mandatos da economia, agora em profunda

    reestruturao? Assiste-se efectivamente a uma reorientao das finalidades

    educativas do ensino secundrio ou antes se refora, agora com um novo

    rosto, a sua finalidade produtiva? Como que os actores sociais se

    apropriam destas novas orientaes? Que sentido lhes atribuem? Que rumos

    gerais norteiam a evoluo do ensino secundrio na Europa, s portas do

    Sc. XXI?

    A construo da Unio Europeia viria a realar, ano aps ano, nos anos

    noventa, a perspectiva de que est em lenta construo um sistema

    educativo europeu. As intervenes cada vez mais numerosas e mais

    orientadoras e sustentadas da Comisso Europeia nos domnios da

    formao profissional, do ensino tcnico e da educao escolar, em geral,

    configuram um terreno propcio manifestao de processos isomrficos e

    de homogeneizao supranacional capazes de influenciarem vigorosamente

    a evoluo dos sistemas educativos dos pases membros ( e at dos no

    membros). A constituio, em 1997, do Europasse-formao constitui talvez

    o facto mais paradigmtico da evoluo que se est a desenhar, como que

    imperceptivelmente1.

    este o problema que sucessivas interrogaes, formuladas anos a fio, a

    tempo e a destempo, foram resgatando voragem dos dias. Uma vez

    retirado do fluxo ininterrupto das coisas e da vida e em ordem a conferir-lhe

    1 Cfr. documentao produzida pela Direco Geral XXII sobre esta matria, em 1997.

  • xxiv

    um outro sentido, decidimos reinscrev-lo em novas lgicas de

    inteligibilidade potencial (Berthelot, 1996).

    Em resumo, foi no seio de uma aco poltica concreta e pessoal que se

    ergueram, como uma bola de neve, certas evidncias e alguns enigmas em

    torno dos novos rumos do ensino secundrio na Europa, uma longa srie de

    perguntas sem resposta ou com respostas insatisfatrias, demasiado

    envoltas no verniz dos discursos polticos. Ao assinal-lo o autor quer tornar

    bem explcito o facto de que esta experincia pessoal impe um certo modo

    de ouvir, de olhar, de pensar e de comunicar, que se assume com todos os

    seus limites e todas as suas virtualidades. O rasto de conhecimento que se

    empreendeu e de que aqui se d conta, destri uns enigmas e reconstri

    outros e porventura constri novas evidncias. Mas assim. Ambos so o

    vento que anima os dias que correm, cleres, aparentemente sem princpio

    nem fim.

    Deste modo, o objecto da investigao foi eleito no seio de uma experincia

    pessoal de aco social, e a andou envolto no jogo dos actores em que o

    autor se envolveu. Ao vincar este percurso pessoal o autor quer to-s

    assinalar, como primeiro passo de enunciao metodolgica, a emergncia

    do observador no objecto observado: ele determina a natureza da

    observao e influi no fenmeno observado. Desde a eleio do prprio

    objecto, da sua descrio e explicao, passando pela escolha dos campos

    tericos de anlise, pelos modos de interrogar a problemtica, at s

    escolhas metodolgicas, em todos os passos se respira a subjectividade do

    investigador.

    O autor simultaneamente reconhece, com Boaventura Sousa Santos (1987),

    que o conhecimento adquirido no exerccio profissional um saber com um

    sabor indisciplinado e indisciplinar que, embora capaz de lanar perguntas

  • xxv

    ao objecto, tem muita dificuldade em romper com o conhecimento existente,

    um saber que navega nas guas de um rio imensamente fluente que o rio

    da retrica poltica, sempre evidente, convincente, prtico e superficial. O

    autor reconhece tambm que a manifestao inequvoca da personalidade

    do observador no observado e da unio ntima e inexpurgvel de quem

    estuda aquilo que estuda, marca o processo de investigao com vrios

    riscos, entre os quais se encontra o de tomar como resultados da

    investigao as suas opinies, resultantes de uma grande e contnua

    familiaridade com o objecto em anlise.

    Partiu-se, assim, para a construo de um percurso pessoal de investigao

    que favorecesse um forte distanciamento crtico em relao ao tipo de

    conhecimento anteriormente construdo sobre o objecto, sujeito irrupo

    fcil de preconceitos e de falsas evidncias. Desse percurso se d conta nas

    pginas que se seguem. Com todos os seus limites, e so muitos, ele

    enriqueceu muito o autor. Fica-lhe particularmente registada a necessidade

    de maior rigor analtico permanente, a conscincia da complexidade do real

    e dos grandes limites ao seu conhecimento profundo, a conscincia de que

    somos um elo na cadeia do conhecimento humano e de que a solidariedade

    a massa invisvel com que se forja a cincia.

    E, como diz Karl Popper "quando nos damos conta de que no podemos

    trazer o cu terra, mas to-s melhorar as coisas um pouco, tambm

    vemos que s podemos melhor-las pouco a pouco".

  • 1

    Captulo 1

    A ordem e a desordem no ensino secundrio.

    A anlise da problemtica (aqui entendida como uma organizao

    rudimentar de um campo de fenmenos que permite identificar problemas,

    em ordem a uma investigao) da crescente integrao curricular e da

    desespecializao que ocorrem simultaneamente no ensino secundrio na

    Europa, com particular nfase nos anos noventa, reclama antes de mais a

    procura, entre a ordem e a desordem que o caracterizam, de um "espao de

    visibilidade" prprio (Almeida e Pinto, 1995:18) e uma definio conceptual

    estvel, em torno de termos cujo controlo semntico se torna crucial, tanto

    mais que se empreende uma abordagem de mbito internacional. Os termos

    da linguagem comum relativos ao ensino secundrio superior2 so de uma

    enorme variedade e amplitude semnticas e, frequentemente, os mesmos

    termos apresentam significados muito diversos, em funo dos contextos

    sociais e histricos nacionais, dando lugar a um emaranhado bastante

    informe de significaes. com a caracterizao deste tipo de ensino e de

    formao, em que se apresentam as suas diversas faces, e com a definio

    dos principais conceitos que mobilizaremos no presente estudo, que

    iniciamos o percurso de um conjunto de patamares analticos que visam

    reconhecer e atribuir espessura e complexidade a uma problemtica que

    consideramos crucial e profundamente actual nos sistemas educativos, em

    todo o mundo.

    Uma selva sem identidade?

    A diversidade patente no segmento do ensino secundrio superior enorme,

    2Utilizaremos a designao de "ensino secundrio" como equivalente de "ensino secundrio superior" ou de "ensino

    secundrio de segundo grau", uma vez que, em Portugal, a primeira forma a que corresponde s restantes, em outros

    pases europeus. A delimitao destes conceitos explicitada j em seguida.

  • 2

    o que lhe tem motivado a atribuio dos mais contundentes eptetos por

    parte de vrios autores. Um relatrio ingls sobre a situao do ensino ps-

    obrigatrio no Reino Unido, referenciado por Pedr (1992), descrevia o

    panorama de possibilidades que eram oferecidas aos jovens no ensino

    secundrio como uma verdadeira "selva". O mesmo termo referido por

    Leclercq (1992), conjugando-o com uma "impresso de complexidade

    excessiva e desencorajante". Por sua vez, J. Lesourne (1988), ao analisar as

    relaes entre educao e sociedade, sublinha que ao nvel do ensino

    secundrio de massas que se pem com mais acuidade as questes

    relativas a programas de estudo e a pedagogia. A amplitude dos problemas

    de conjunto que enfrenta hoje o ensino secundrio e a profunda influncia

    que sobre ele tero os desafios do futuro fazem dele "potencialmente a parte

    mais frgil do nosso sistema educativo" (Lesourne,1988:249). Depara-se,

    assim, ab initio, com a ausncia de uma definio unvoca e comum

    (Pedr,1996) e com uma classificao algo paradoxal do ensino secundrio,

    representado ao mesmo tempo como uma selva e uma parte frgil do

    sistema escolar.

    Ibarrola e Gallart (1994), embora situadas perante o contexto latino-

    americano, referem ainda que este grau de educao "carece de identidade

    prpria", o que comungado por muitos outros autores europeus. Por um

    lado, porque permanentemente atravessado e influenciado pelas polticas

    da educao bsica e superior, seja enquanto prolongamento da

    escolaridade obrigatria seja como percurso propedutico do ensino superior

    e ocasio de seleco daqueles que lhe devem aceder. Por outro, porque

    evoluiu de um ensino s para elites para um ensino de massas, que se

    confronta em permanncia com a atribuio social de objectivos muito

    diversos e, em parte contraditrios ou, no mnimo, muito divergentes. o

    caso, por exemplo, das funes de orientao e de seleco ou o caso das

    funes de preparao para a continuao de estudos superiores e de

    preparao para o exerccio profissional imediato, a par das funes de

  • 3

    desenvolvimento das capacidades individuais e da formao de cidados

    responsveis.

    Estamos, de facto, perante um segmento do sistema educativo onde existe

    uma irrecusvel diversidade de situaes e onde impera a disperso da

    oferta escolar, contrariamente ao ensino bsico, segmento onde, em geral,

    predomina o modelo unificado. Esta disperso espelha a presena de uma

    multiplicidade de objectivos e de funes atribudas ao ensino secundrio

    superior. Garrido (1992) e Leclercq (1992) assinalam que esta diversidade

    acompanhada por uma hierarquia entre percursos institucionais e entre

    cursos, hierarquia que se estabelece no s entre as formaes escolares

    gerais e as formaes tcnicas e profissionais, mas tambm entre as

    diferentes modalidades destas ltimas.

    Esta percepo comum acerca da multiplicidade de funes sociais do

    ensino secundrio remete necessariamente para um terreno onde se

    confrontam diferentes racionalidades, no s em termos de opes polticas

    que se formulam para este nvel de ensino, como tambm no que se refere

    s representaes sociais que em torno dele se movimentam.

    face a esta diversidade de racionalidades que se impe comear por

    proceder definio dos conceitos-chave que aqui se vo utilizar e, se

    possvel, fazer ressaltar em categorias a variedade existente. Se este

    empreendimento tem a desvantagem de reduzir a complexidade e os

    particularismos, comporta em si mesmo a vantagem de revelar as grandes

    tendncias que os estruturam e de sublinhar as diferenas nucleares que se

    mantm entre os pases europeus. Com base nestes conceitos e categorias

    cremos que ser bem mais rigorosa esta empresa analtica.

    Os principais modelos de referncia

    Na Europa, o ensino secundrio compreende geralmente dois ciclos: um

  • 4

    primeiro ciclo ou grau, inferior, normalmente integrado na escolaridade

    obrigatria e sequencial em relao ao ensino primrio, e um segundo ciclo

    ou grau, de nvel superior, situado entre a formao geral , universal e

    bsica e o ensino superior. O primeiro ciclo, regra geral, unificado e o

    segundo ciclo diversificado, no s em termos curriculares, mas inclusive

    do ponto de vista institucional. Podem tomar-se, por isso, como sinnimas as

    designaes "ensino secundrio de segundo ciclo", "ensino secundrio

    superior", "ensino secundrio de segundo grau". este o ciclo escolar que

    aqui analisamos e que optamos por designar apenas por ensino secundrio,

    que alis a designao actualmente usada em Portugal.3

    No panorama europeu, o segmento do ensino secundrio o que apresenta

    a maior diversidade de situaes nacionais e tambm o que maior

    controvrsia tem suscitado nos ltimos trinta anos. Define-se como a

    componente dos sistemas educativos em que se englobam as modalidades

    de ensino e formao que so oferecidas no nvel ps-obrigatrio e os vrios

    tipos de instituies formativas em que aquelas normalmente se

    desenvolvem - liceus, escolas secundrias, escolas tcnicas e escolas

    profissionais. Exclui-se deste conceito o conjunto das modalidades de

    formao permanente, mas integra-se nele tambm uma srie de iniciativas

    de qualificao inicial dos jovens que tm em vista facilitar a sua insero

    socioprofissional, includas no que se costuma designar por sector de

    educao no-formal ou por programas de formao-emprego.

    Opta-se, assim, por um conceito abrangente de ensino secundrio, pois nele

    no se abarcam apenas as tradicionais vias de ensino, a mais conhecida das

    quais o liceu, mas um leque multifacetado de percursos de ensino e de

    formao profissional inicial.

    3 Note-se, todavia, que o facto de tomarmos estas designaes como equivalentes no significa que se desvalorizem as diferenas que lhes subjazem. Na verdade, o simples facto de o ensino secundrio se iniciar no termo do ensino primrio ou no termo da escolaridade bsica e universal reflecte uma intencionalidade poltica, orientaes e modos de organizao diversos, de sistema educativo para sistema educativo, de pas para pas.

  • 5

    A oferta da educao secundria destina-se ao grupo etrio 16-18/19 anos,

    variando em funo do nmero de anos de durao da escolaridade bsica e

    dos seus prprios cursos. O patrimnio analtico desta problemtica

    considera que o ensino secundrio de segundo ciclo se organiza em trs

    sectores principais, a saber: o escolar, o dual e o no-formal ( cfr., por

    exemplo, Garrido, 1992; Pedr, 1992; OCDE, 1985).

    O sector escolar do ensino secundrio compreende as instituies que

    oferecem, a este nvel e para esta populao, cursos normalmente

    estruturados em trs percursos: o geral ou acadmico, o tcnico e o

    profissional. O sector encontra-se sob tutela da administrao educativa,

    havendo evolues recentes em direco a uma partilha de

    responsabilidades com outros departamentos da administrao e com outros

    actores sociais.

    O sector dual ou de "aprendizagem" corresponde a uma oferta de formao

    profissional inicial que decorre ao mesmo tempo em centro de ensino-

    formao e em empresa. A tutela mista, dos empresrios e da

    administrao pblica, e os cursos conduzem obteno de certificaes

    reconhecidas por ambas as partes.

    O sector no formal compreende uma panplia de programas de formao e

    de formao-emprego, desenvolvidos com a interveno do Estado e das

    empresas, que integra cursos de durao superior a um ano e cursos de

    curta durao. Este sector visa constituir uma alternativa aos estudos

    escolares e ao desemprego, abarcando, por isso, jovens que j saram do

    sistema escolar e que procuram uma qualificao especfica para ingressar

    no mercado de emprego. Ele no se confunde, todavia, com a educao

    informal, uma vez que se trata de formaes organizadas e sistemticas,

    com carcter deliberadamente qualificante e devidamente planificadas,

  • 6

    destinadas normalmente a grupos especficos da populao.

    Adopta-se esta categorizao na medida em que ela nos permite no s

    definir mais rigorosa e separadamente cada sector, que tem uma histria e

    uma racionalidade prprias, como tambm ler melhor a diversidade inter e

    intranacional existentes na Europa. Ser no ensino e na formao que se

    inscrevem no modelo escolar que esta investigao se ir centrar, como

    veremos mais adiante.

    Os modelos escolar, dual e no-formal

    queles trs sectores correspondem trs modelos organizativos do ensino

    secundrio, cuja predominncia varia de pas para pas e cujas

    caractersticas importa definir.

    Aos diversos modelos organizativos da escolarizao secundria subjazem

    diferentes modos de percepcionar a funo social do ensino secundrio e,

    consequentemente, modos diferenciados de seleccionar e de organizar os

    contedos e os processos educativos. Nesta seleco e organizao

    intervm tambm as culturas prprias de cada pas, os seus modos de

    organizao social e produtiva e o peso da estruturao tradicional do

    ensino secundrio, segmento do sistema educativo dirigido anteriormente a

    uma pequena elite da populao.

    Hoje, praticamente em todos os pases europeus, encontramos os trs

    modelos dominantes, mas, de pas para pas, difere a relevncia de cada

    modelo, fruto tambm de tradies histricas diversas e de uma grande

    variedade de polticas nacionais e de polticas educativas.

    O modelo escolar tende a constituir-se como o modelo aglutinador de quase

  • 7

    todas as formas de escolarizao ps-obrigatria no seio dos sistemas

    formais de ensino e aquele que melhor tem favorecido uma escolaridade

    ps-obrigatria de massas e a tempo completo. Ele agrupa os mais variados

    tipos de escolas ou institutos de ensino secundrio, desde os liceus mais

    tradicionais, at escolas tcnicas e escolas profissionais, conforme os

    pases. Desenvolvido inicialmente nos EUA, este modelo de escolarizao

    do grupo etrio 16-19 anos, aps a II Guerra Mundial, teve uma grande

    expanso em pases como a Blgica, a Sucia, a Noruega, a Dinamarca, a

    Holanda e a Finlndia, pases onde, j em meados dos anos 80, mais de

    dois teros dos jovens de 17 anos estavam escolarizados.

    Este modelo igualmente dominante em pases que apresentam, no

    contexto europeu, as mais baixas taxas de escolarizao, como a Turquia, a

    Grcia, a Espanha e Portugal, pases estes onde o modelo dual coexiste

    com o modelo escolar, embora apresente sempre uma diminuta expresso.

    De forma muito pertinente, Husn (1990:40) identifica, na sua matriz, dois

    submodelos includos neste modelo mais geral. Para este autor sueco, tendo

    presente a estrutura e o currculo dos diversos subsistemas de ensino

    secundrio, o modelo escolar comporta um submodelo bipartido e um

    submodelo compreensivo. O primeiro um submodelo europeu tradicional

    em que as escolas acadmicas e as escolas tcnicas ou profissionais

    coexistem como escolas paralelas; diferem bastante no "background" social

    da populao que as frequenta e existe tradicionalmente um baixo grau de

    mobilidade entre elas. O segundo compreende escolas com uma enorme

    diversidade curricular em que todos os cursos esto sob o mesmo tecto. O

    tipo clssico da escola compreensiva a "high school" americana, a que se

    veio juntar, segundo o mesmo autor, a "gymnasium school" da Sucia, onde

    a diversidade acolhida num nico tipo de escola.

    A certificao escolar a que se acede neste modelo est intimamente

  • 8

    associada perspectiva de "transfer" ou de transporte, ou seja, abertura

    das portas para o prosseguimento de estudos ainda que, em alguns casos, a

    certificao tenha o rosto de um diploma tcnico ou profissional.

    A este modelo escolar, em que predominam diversas modalidades de

    formao a tempo inteiro e uma orientao em relao ao prosseguimento

    de estudos, est subjacente uma cultura "educacionalista", para usar a

    expresso de Kmrnien (1996), em contraponto com uma cultura

    "profissionalista", prxima do modelo dual, eminentemente articulada com a

    renovao da fora de trabalho e assente na cooperao estreita entre

    escolas e empresas.

    O modelo de formao escolar dominante na Europa o que contempla a

    diversificao institucional, havendo uma sulco histrico de separao,

    geralmente bastante rgida, desde os programas, aos tipos de docentes e

    aos diplomas, entre centros ou escolas de formao profissional inicial e

    escolas de ensino secundrio geral ou liceus.

    Um dos mais srios problemas de poltica educativa, nos pases onde

    predomina o modelo escolar de organizao do ensino secundrio, prende-

    se com a sua incapacidade em acolher, nas tradicionais modalidades

    escolares, a totalidade do grupo etrio correspondente, deixando de fora

    uma percentagem mais ou menos significativa de jovens. Estes "grupos

    residuais" (Gordon, 1990) ou grupos resultantes do "insucesso da escola"

    (Banks, 1994), que podem atingir em casos extremos mais de 30% dos

    jovens do respectivo grupo etrio, tm vindo a ser alvo de mltiplas

    iniciativas polticas nos domnios da formao e do emprego, que mais se

    aproximam dos modelos no-formal e dual , o que admite, desde logo, a

    enunciao da hiptese de que talvez se esteja, nos anos 90, perante um

    novo cenrio em que ter deixado de existir o modelo escolar, puro e

    tradicional, passando a haver combinaes diversas entre os modelos

  • 9

    organizativos, neste caso sempre sob a predominncia do modelo escolar e

    geralmente sob o controlo das administraes educativas.

    O modelo dual, caracterizado por um forte segmento de formao em regime

    de aprendizagem, formao em alternncia escola-empresa, predominante

    na Alemanha, na Suia, no Luxemburgo e na ustria, onde a maioria dos

    jovens de 17 anos o frequentam, e significativo em pases como a

    Dinamarca e a Holanda. Esta a forma mais antiga de combinar formao e

    trabalho. Nos anos 80, este modelo de organizao do ensino e da formao

    esteve muito em voga e quase todos os pases o adoptaram, assistindo-se

    actualmente existncia de uma grande variedade de estatutos e de tipos

    de qualificaes sob a designao de "aprendizagem". Nos pases do sul da

    Europa, este modelo, pela ausncia de condies sociais e produtivas

    idnticas aos pases onde predominante e ainda pelo seu carcter de

    modelo migrante em contexto cultural "educacionalista", minoritrio e

    destina-se frequentemente a grupos populacionais "insucedidos" no sistema

    escolar formal, assumindo-se como alternativa ocupacional s tradicionais

    escolas tcnicas ou profissionais.

    Pode considerar-se ainda dentro deste modelo a tradio dos cursos

    "sandwich" das escolas tcnicas do Reino Unido, cursos estes que

    compreendem seis meses de estudos a tempo completo, alternados com

    perodos longos de trabalho em empresa, dentro de um quadro geral de

    estreita cooperao entre as escolas e a indstria local.

    A principal caracterstica especfica deste modelo de organizao da

    formao, que repetidamente ensaiada em novos pases, o envolvimento

    activo e directo das empresas na concepo, seleco, organizao e

    transmisso da formao. A empresa o elemento central do processo

    formativo. Combina-se no mesmo processo formativo a socializao escolar

    mais tradicional com a socializao para o trabalho, fazendo envolver

  • 10

    geralmente dois "locus" sociais habitualmente separados nos outros

    modelos, a escola e a empresa. Tal prtica revela um potencial de

    ajustamento entre a formao e o exerccio profissional que, partida, tem

    sido tomado como um instrumento til para a formulao de polticas de

    ensino tcnico e de formao profissional que visam, antes de mais,

    melhorar o ajustamento entre a formao inicial e o mercado do primeiro

    emprego.

    A certificao profissional atribuda pelos parceiros sociais, em sede de

    concertao social, reconhecida ipso facto no mercado de emprego, alm

    de comportar tambm uma equivalncia escolar. A formao em

    aprendizagem, ao nvel ps-obrigatrio, tem, por isso mesmo, um cunho

    predominantemente terminal e uma natureza ocupacional. Retomando a

    designao de Kmrnien, h uma coerncia cultural "profissionalista" que

    envolve e estrutura o modelo dual de organizao da oferta educativa.

    O pas onde o modelo organizativo no-formal est mais presente, embora

    sem ser dominante, o Reino Unido. Aqui as modalidades ps-escolares de

    formao e ocupao englobam um quinto da populao do grupo etrio 16-

    17 anos. No entanto, estas modalidades no-formais de formao tm vindo

    a desenvolver-se um pouco em todos os pases, nomeadamente naqueles

    onde existe ainda um potencial de crescimento do atendimento escolar e

    formativo do grupo etrio 16-19 anos, sobretudo aps a constatao do

    fracasso do sistema de ensino e formao na qualificao de todos os jovens

    e diante da persistncia de elevados ndices de desemprego juvenil. O seu

    incremento surge, muitas vezes, associado expanso de modalidades de

    ensino profissional ligadas a experincias de trabalho, com uma

    predominante intencionalidade ocupacional.

    Nos anos 80 e 90, as mltiplas configuraes de que se revestem as

  • 11

    modalidades aqui includas, de formao-emprego, de formao para a

    insero socioprofissional, de articulao ensino profissional e trabalho,

    comeam a revestir-se de uma durabilidade tal que as catapulta para um

    estatuto de alternativa formativa permanente, ora prxima do modelo escolar

    ora adstrita lgica dual. Esta ltima verso tende, entretanto, a ser a

    configurao predominante, pois o que est em jogo principalmente a

    formao de um mercado de primeiro emprego mais vasto, capaz de

    funcionar como um verdadeiro mercado de pr-contratao ou mercado de

    substituio do emprego, para uma boa parte dos jovens.

    Tomando como referente uma categorizao de Pedr (1992), este modelo

    no-formal integra trs funes sociais relevantes, variando de pas para

    pas: a de "transio" entre o sistema escolar e o emprego, desempenhando

    um papel social ocupacional, que visa combater os longos perodos de

    desemprego juvenil; a de "recuperao" ou remedial, na medida em que se

    visa completar uma formao de base para aqueles adolescentes e jovens

    que abandonaram prematura e/ou desqualificadamente a escola; a de

    "complementaridade" face ao ensino formal, o que se traduz na oferta de

    uma enorme diversidade de especializaes curtas, estgios, experincias

    de trabalho.

    Esta multiplicidade de funes da formao inicial no-formal assenta num

    cruzamento conflituoso de percepes acerca do papel social das formaes

    integradas no ensino secundrio. Neste cruzamento destacam-se, no

    entanto, no s a tradicional retrica da preparao dos jovens para o

    exerccio profissional qualificado, mas sobretudo o efeito social de

    parqueamento juvenil, como imperativo de uma economia que oferece cada

    vez menos emprego.

    Estas formaes no so, por regra, conferentes de uma certificao

    reconhecida partida quer pelo sistema escolar quer pelo sistema

  • 12

    profissional e visam sobretudo conferir competncias prticas e

    imediatamente utilizveis num contexto profissional concreto, uma vez

    encontrado um emprego.

    Em sntese, os modelos organizacionais dominantes de ensino e de

    formao para o grupo etrio 16-19 anos, na Europa, podem caracterizar-se,

    como se evidencia no Quadro 1.1, pela finalidade principal dos cursos, pelo

    "locus" privilegiado onde decorre a formao, pela tutela e pelo controlo da

    iniciativa da oferta de formao e pelo tipo de certificao a que conduz.

    Sublinhe-se ainda que, actualmente, quase todos os pases da Europa

    adoptam os trs modelos de organizao do ensino secundrio, numa

    grande variedade de configuraes nacionais. A necessidade de fazer

    expandir a oferta e de responder procura massificada do nvel secundrio

    conduz quase inevitavelmente a um tal cenrio. De certo modo e nesta

    ptica, o ensino e a formao de nvel secundrio de qualquer pas europeu,

    nos anos noventa, escolar, dual e no-formal, um sistema combinado, com

    predominncias diversas, palco de tenses inevitveis entre culturas

    educacionalistas e profissionalistas.

  • 13

    Quadro 1.1

    Sntese comparativa entre modelos de ensino e formao dominantes no ensino secundrio (grupo etrio 16-19 anos)

    5 Caractersticas "Locus " Finalidade

    privilegiado Iniciativa/Tutela Certificao principal Modelo de formao dos cursos

    Formao

    Tutela da

    Certificao

    Educativa e de

    Escolar escolar a tempo administrao escolar e, por "transporte (2) completo educativa vezes, profissional

    Formao

    Orientao comum

    Certificao

    Ocupacional(1) Dual profissional inicial, da administrao escolar e e terminal

    alternando escola educativa e das profissional e empresa

    empresas

    Formao

    Tutela de

    Normalmente no

    Ocupacional(1)

    No-formal profissional inicial organismos h certificao e terminal de curta durao tripartidos e de (ou ela apenas de acesso ao

    emprego, em escola e empresa

    empresas profissional e prpria de cada

    entidade)

    (1) Ocupacional = quando a finalidade principal a capacitao para o emprego imediato (2) Transporte =as modalidades de ensino e de formao aqui includas asseguram o transporte para o prosseguimento de estudos, no ensino e na formao de tipo ps-secundrio e superior.

    Tipos de ensino e formao

    habitual considerarem-se, no ensino secundrio de segundo grau, trs

    grandes tipos de ensino e formao: o ensino geral, o ensino tcnico e o

    ensino profissional. Vejamos pormenorizadamente cada um destes tipos de

    ensino, tendo em vista esclarecer o que dizemos quando usamos os termos

    geral, tcnico e profissional. O ensino secundrio geral compreende as

    formaes tradicionalmente ligadas preparao para o prosseguimento de

    estudos ps-secundrios e superiores, o que abarca uma multiplicidade de

    percursos escolares. Esta variedade engloba desde percursos dominados

    pela perspectiva acadmica, a mais comum no ensino secundrio liceal

    tradicional, at percursos escolares mais articulados com o mundo do

  • 14

    trabalho.

    O termo "geral" aplicado ao ensino secundrio frequentemente tomado

    como sinnimo de liceal. Seria porventura assim no passado, mas, ao longo

    do sc.XX, o ensino secundrio, tradicionalmente elitista, foi-se

    transformando; ocorreu um processo vasto de massificao escolar, o ensino

    liceal evoluiu para novas configuraes e o ensino "geral" j no se pode

    confundir mais com ensino liceal. No entanto, a educao geral esteve

    sempre muito ligada, no ensino secundrio, preparao para o

    prosseguimento de estudos superiores, tal como educao profissional

    "especializada" sempre se atribuiu a funo de preparao para o trabalho.

    Ao ensino geral cabe sobretudo o papel de assegurar o "transporte" dos

    alunos entre os estudos obrigatrios e os estudos ps-secundrios e

    superiores. Enquanto o ensino geral se organiza para exercer esta funo de

    continuidade, sendo por isso profundamente condicionado pela

    racionalidade prpria do ensino superior e, de certo modo, obrigado a

    identificar-se com ele, o ensino profissional organiza-se predominantemente

    sob um paradigma de descontinuidade face a estudos ulteriores e tende a

    estabelecer as suas bases de identidade e de legitimao identificando-se

    com o ambiente profissional e as necessidades do sistema produtivo. Por

    isso, em boa verdade, ambos os tipos de ensino so especializados,

    cabendo ao currculo "geral" o papel especializado de assegurar o acesso ao

    ensino ps-secundrio e superior.

    Para se apreender a actual complexidade em torno do conceito de ensino

    geral mister explicitar algumas das significaes mais importantes que lhe

    foram atribudas, ao longo deste sculo. Assim, as polticas de ensino

    secundrio desenvolvidas em todo o mundo tm subjacentes, mais implcita

    do que explicitamente, vrias perspectivas de educao geral. Segundo

    Lauglo (1983), existem trs perspectivas dominantes, a acadmica, a

    pragmtica e a politcnica, que passamos a descrever, em ordem sua

  • 15

    apropriao pelo quadro analtico em construo.

    A perspectiva acadmica est muito identificada com a tradicional funo do

    ensino secundrio de preparao para a universidade, atravs da

    transmisso de uma "cultura geral", que constitui o substracto de uma

    formao moral, em sintonia com a tradio racionalista e com o

    enciclopedismo. Os saberes cognitivos e tericos so elevados excelncia

    dos saberes escolares, como libertadores do erro e fundadores da virtude e

    dos valores, em geral. Este modelo de educao geral tem sido criticado por

    trs motivos principais, a saber: (a) os currculos esto "intrinsecamente

    ligados cultura das classes altas", o que pode traduzir-se em dificuldades

    concretas acrescidas ao nvel da eficincia, na actual escola secundria de

    massas; (b) o currculo escolar menospreza a integrao na comunidade e

    os saberes necessrios ao desempenho social de qualquer cidado; (c) os

    planos curriculares esquecem a importncia e o valor formativo de algumas

    "foras extrnsecas de motivao para a aprendizagem", absolutizando os

    "sistemas intelectuais estabelecidos", as disciplinas.

    A perspectiva pragmtica tem origem no pensamento norte-americano e

    baseia-se num modelo de ensino-aprendizagem centrado em problemas e

    na "education for life", distinguindo o conhecimento "useful" do conhecimento

    "ornamental". Segundo o autor que nos serve de referncia, Dewey

    influenciou muito esta perspectiva curricular, nomeadamente ao propor que a

    educao deve desencadear-se com base em "problemas reais" e que so

    ilimitados os recursos para aprender, se o currculo for centrado nos

    interesses, preocupaes, necessidades e potencialidades criativas que o

    prprio aluno tem em si.

    Este modelo encorajou as escolas a incluir nos planos de estudos uma

    grande variedade de cursos, mdulos e de opes formativas, nos domnios

    da educao para a sade, para a qualidade de vida, para a participao

  • 16

    comunitria e para o exerccio profissional. Criticado pela sua permissividade

    curricular e pela sua dbil considerao da coerncia e da sequncia

    curriculares, este modelo seria particularmente atacado, pelo menos na sua

    modalidade mais "soft", na sequncia do lanamento do Sputnik, no incio

    dos anos 60. Gerou-se, nos EUA, um movimento que enfatizou a

    necessidade de impor um currculo que fomentasse o desenvolvimento de

    competncias prticas e mensurveis, que valorizasse a aprendizagem da

    Matemtica e das Cincias Naturais e no se limitasse a uma difusa

    "preparao para a vida" ou a um vago "learning by doing".

    Este movimento viria a tornar mais consistente uma diviso entre, por um

    lado, as caractersticas da educao pr-escolar e bsica e, por outro, do

    ensino ps-obrigatrio, reservando a este ltimo o desenvolvimento de

    actividades tericas e conceptuais autnomas dos "problemas reais", os

    saberes disciplinarmente organizados, as atitudes de trabalho, persistncia e

    concentrao.

    A perspectiva politcnica da educao geral foi desenvolvida nos pases do

    leste europeu e sublinha a importncia do trabalho e da realizao de

    experincias de trabalho no seio da formao geral proposta pelo currculo

    escolar. Khrushchev, em 1958, acusou as escolas soviticas de estarem

    "divorciadas da vida" e ordenou a aplicao do princpio da integrao das

    aprendizagens escolares com a participao na produo, como o mais

    importante postulado organizativo da escola secundria. A educao

    politcnica seria formulada, em primeiro lugar por N. Krupskaya, esposa de

    Lenine, com base em trs elementos centrais: (a) o maior volume possvel de

    conhecimentos cientficos e tecnolgicos deve ser ensinado e integrado no

    treino de competncias manuais; (b) criada a nova disciplina de

    "organizao do trabalho" para facilitar a ligao da escola com a envolvente

    econmica e poltica; (c) o trabalho produtivo dos alunos desenvolvido,

    lado a lado, com os trabalhadores das fbricas e dos campos.

  • 17

    Este modelo, que se expandiu bastante nas polticas escolares de outros

    pases europeus, seria criticado sobretudo pelas contradies reveladas na

    forma como foi aplicado: os locais de produo no estavam preparados

    para serem locais de aprendizagem escolar, os problemas que surgem na

    produo aparecem de modo desordenado e exigem solues em um tempo

    e a um ritmo que ignoram as necessidades pedaggicas e, alm disso, as

    prticas de ensino continuaram em grande parte a pautar-se pelas

    tradicionais formas de ensinar, muito intelectual-acadmicas e pouco

    experimentais.

    A crtica ao romantismo desta viso da educao levou progressiva criao

    de "centros escolares politcnicos", separados dos contextos de produo,

    onde se desenvolviam prticas de produo, a formao pelo trabalho e at

    o ensino acerca da produo (Lauglo,1983:292). O movimento de unificao

    escolar que se espalhou por toda a Europa contm uma clara "interface" com

    esta perspectiva de educao geral, tendo esta sido adoptada tanto no termo

    do ensino obrigatrio e universal como no currculo do ensino secundrio

    ps-obrigatrio, atravs da introduo de experincias de trabalho produtivo.

    Estes trs modelos desenvolveram-se, de modo dominante, como

    paradigmas internacionais de educao geral. A seu lado assistiu-se

    adopo de outros modelos localizados, como o do humanismo e do

    idealismo romntico de cariz nacional, como o que se associa historicamente

    s "folk high schools" da Noruega.

    Assinale-se, em tempo, que, nas polticas educativas adoptadas na Europa,

    no existem compartimentaes muito estanques entre estas perspectivas.

    , alis, a combinao entre a perspectiva pragmtica e a perspectiva

    politcnica que mais parece influenciar a proliferao da escola polivalente

    na Europa, nos anos 50 e 60 (Pedr,1992 e Papadopoulos,1994). Existe

  • 18

    como que uma dupla herana, que se comea a desenhar e a concretizar,

    logo aps a I Guerra Mundial, tanto nos EUA como na URSS, num novo tipo

    de oferta escolar, geral e comum, para a populao at aos 15-16 anos.

    A pertinncia deste quadro de inteligibilidade acerca do ensino geral

    elevada, sobretudo quando, muito frequentemente se associa ensino geral a

    ensino acadmico, o que afasta aquele do ensino profissional e lhe retira,

    logo na matriz conceptual, muitas potencialidades de enriquecimento por

    fora da integrao de mltiplas valncias do conhecimento e de vrias

    facetas do desenvolvimento de competncias.

    Alm do ensino secundrio geral, comum identificarem-se tambm os

    ensinos tcnico e profissional. Estes apresentam uma tradio de grande

    ligao aos contextos oficinais e produtivos, onde se aprendia um ofcio ou

    mester. Sob orientao de um mestre, os aprendizes realizavam a sua

    aprendizagem, recorrendo sobretudo ao acto de imitar e de fazer pelas suas

    prprias mos. A transferncia da educao tcnica e profissional do local

    de trabalho para o tecto escolar processou-se, na Europa, ao longo dos

    sculos XVIII e XIX. Adoptando a perspectiva de Bruno Belhoste (1989),

    quatro factores favoreceram de modo significativo esta passagem: (a) a crise

    do modelo de aprendizagem, que era o modo tradicional de transmisso dos

    saberes-fazer tcnicos, crise esta que est muito ligada evoluo do papel

    das corporaes de artfices e ao nascimento de novas actividades fora do

    quadro das corporaes; (b) o reconhecimento, sob a nova viso das Luzes,

    da cultura tcnica como um gnero de cultura erudita, condio necessria

    para a escolarizao das formaes para as profisses manuais e

    mecnicas; (c) o papel do Estado que, desde o sc. XVIII, adopta a formao

    escolar como modo de produo dos quadros tcnicos de que carecia, tanto

    nas foras armadas como na administrao do territrio; (d) a transformao

    progressiva e simultnea dos modos de produo e dos processos de

  • 19

    trabalho, com a expanso da esfera mercantil, o desenvolvimento da

    maquinaria aplicada produo e com a proletarizao crescente dos

    trabalhadores. O capitalismo industrial, embora desempenhe um papel

    determinante nas transformaes que ocorrem na educao tcnica e

    profissional, no pode ser lido apenas como a causa, isolada ou no, do

    desenvolvimento deste tipo de educao, uma vez que este tipo de

    educao estatal, nomeadamente as escolas superiores tcnicas que se vo

    criando, tambm favorecem o arranque dos processos de industrializao

    em alguns pases da Europa.

    Ao longo do sc. XIX, como assinala Benavot (1983), consolida-se um

    movimento lento de assuno, por parte de empresas e organizaes

    colectivas de industriais e por parte de entidades estatais, de uma oferta de

    programas pblicos de formao profissional. Por um lado, externalizava-se

    a funo aprendizagem, tendo em vista aumentar a produtividade do

    trabalho industrial, mormente do trabalho em srie. Por outro, criava-se uma

    oferta escolar para preparar profissionalmente os filhos dos trabalhadores da

    produo, para uma indstria trabalho-intensiva que desabrochava.

    Finalmente, os referidos promotores acreditavam que o ensino pblico, se

    estivesse ligado s necessidades da economia nacional, podia desempenhar

    um importante papel no desenvolvimento nacional.

    Na primeira metade do sc.XX, desenvolveram-se na Europa, a par dos

    "liceus" tradicionais, novos segmentos de ensino e formao; em alguns

    casos combinava-se o exerccio profissional na empresa com a instruo

    tcnica e profissional e noutros casos incorporavam-se novas escolas no

    sistema educativo pblico, escolas tcnicas, comerciais e industriais.

    Existe, efectivamente, uma distino entre ensino tcnico e ensino

    profissional (o que, em lngua inglesa, se designa por "vocational education"

    e por "vocational training"). Por ensino profissional entende-se aqui a

  • 20

    preparao para ocupaes profissionais qualificadas e altamente

    qualificadas, compreendendo usualmente os estudos prticos e profissionais

    oferecidos em escolas profissionais, a formao em aprendizagem e tambm

    outras formas de combinao entre a formao em escola e na empresa, os

    programas de formao-emprego. O ensino profissional apresenta vrias

    configuraes, que se distribuem pelos trs modelos de ensino secundrio

    acima definidos. Mas, no modelo escolar, cabem apenas as formaes

    profissionais essencialmente escolares, promovidas geralmente pelo Estado,

    atravs do Ministrio da Educao, e realizadas a tempo inteiro. O ensino

    profissional, para alm de ser oferecido no mbito do ensino secundrio

    superior, -o tambm no ensino secundrio de primeiro ciclo, por exemplo,

    na Holanda e na Alemanha, e no ensino ps-secundrio, como o caso do

    Japo e dos EUA.

    O conceito de ensino tcnico que aqui se emprega refere-se aos programas

    e aos cursos que preparam para profisses tcnicas e altamente tcnicas,

    todas elas oferecidas aps o nvel obrigatrio da escolaridade, geralmente

    de maior durao que os anteriores. A sua frequncia requer nveis mais

    elevados de formao entrada e os cursos tm uma orientao terica e

    cientfica mais forte e as mais das vezes qualificam para a entrada no ensino

    superior, por vezes de modo equivalente aos cursos e diplomas do ensino

    geral.

    Dada esta situao, oportuna e pertinente a observao de M. McLean

    (1995) ao apontar para a existncia de dois tipos de "ensino profissional" na

    Europa: um ensino profissional estatal-escolar (o que aqui designamos por

    ensino tcnico) e um ensino profissional empresarial-laboral. No primeiro

    vemos a marca da cultura educacionalista e da interveno estatal no

    planeamento econmico, e ainda a dominao de uma cultura

    enciclopedista, que faz migrar as tradicionais disciplinas, ditas gerais (tais

    como Matemtica, Lngua Materna, Cincias Naturais, Cincias Sociais e

  • 21

    Filosofia), do ensino geral acadmico para o ensino profissional. O segundo

    est centrado sobre o local de trabalho e dominado pela interveno

    directa dos empregadores, corolrio de uma cultura profissionalista. Aqui, o

    ensino profissional vlido por se desenvolver autonoma e firmemente

    separado do ensino geral.

    As referncias tradicionais do ensino tcnico so, por exemplo, o

    "enseignement technique", em Frana, o ensino tcnico ou tcnico-

    profissional, em Portugal, ou ainda o "insegnamento tecnico", em Itlia. Pode

    tambm incluir-se neste tipo de ensino de base escolar, o modelo da Sucia,

    da Noruega e da Finlndia (Lauglo, 1983). Na Sucia desenvolveu-se a mais

    radical tentativa de promover o ensino de tipo tcnico-profissional em ntima

    articulao com a educao geral.

    A este ltimo tipo de ensino secundrio, o ensino tcnico, est tambm

    associada uma perspectiva de "transporte", orientada para uma continuao

    da formao, enquanto que ao primeiro surge acoplada uma perspectiva

    mais terminal. As diferenas entre os dois tipos de programas de formao e

    as distines sociais que sobre eles recaem variam substancialmente de

    pas para pas e, em parte, so responsveis pela enorme diversidade de

    fluxos na sua procura social.

    Os ensinos tcnico e profissional podem ser entendidos, como em Garrido,

    Pedr e Velloso (1992), como um conjunto de formaes directamente

    orientadas para a preparao para o trabalho e para o exerccio de uma

    ocupao profissional. Deste modo, os ensinos tcnico e profissional

    constituem tipos especializados de formao, que se apresentam como

    sequncia e visam completar formaes mais gerais e bsicas.

    Refira-se ainda que se empregam, por vezes, os conceitos de ensino

    profissional e de formao profissional como conceitos equivalentes. So-no,

  • 22

    na medida em que na sua concepo e na sua implantao, no sistema

    educativo, predomina uma perspectiva ocupacional e terminal, a preparao

    para o exerccio profissional mais imediato. Existe, no entanto, uma

    diferena, mais vincada em uns pases do que em outros, que consiste no

    facto do ensino profissional estar normalmente concebido sob a luz do

    modelo escolar e das suas formaes mais gerais e tradicionais, tambm

    designado por vocational education, enquanto que o conceito de formao

    profissional est geralmente mais distanciado dos referentes escolares, dos

    seus planos de estudo, das suas normas de avaliao e de certificao. A

    este conceito est associado o termo training e um contexto de educao

    menos formal e, as mais das vezes, exclusivamente no-formal e no-

    regular. Assim, alm dos termos de ensino tcnico e profissional, usar-se-

    isoladamente o termo formao profissional, sendo este mais

    recorrentemente aplicado por referncia ao sector no-formal.

    Entre estes trs tipos de ensino secundrio- geral, tcnico e profissional-

    existe uma hierarquia de prestgio ligada a mltiplos factores, cada um deles

    com diferente relevncia de pas para pas: estatuto social da populao que

    neles ingressa, funes sociais atribudas pelos decisores polticos,

    credenciais que conferem e tipos de reconhecimento social destas

    credenciais, mormente para efeitos de exerccio profissional, tipo de

    empregos e nvel no sistema de remuneraes, tipos de escolas, centros de

    formao e tipos de docentes e formadores e ainda modos de avaliao e de

    seleco. Mesmo onde no so maioritrios em termos de oferta educativa e

    de procura social, as formas organizativas escolares constituem a referncia

    tradicional e dominante de estruturao do ensino secundrio na Europa e,

    dentro delas, predomina a referncia ao ensino geral, o mais enraizado e o

    que se destina, tradicional e inequivocamente, a promover a passagem para

    estudos ulteriores, nomeadamente para o ensino superior.

    Os modelos escolares so os mais abrangentes e podem abarcar, na sua

  • 23

    oferta, desde tipos de ensino geral a tipos de ensino tcnico e profissional. A

    sua amplitude e a sua elasticidade interna so notveis e, em alguns pases,

    desdobram-se em tipos e em instituies de ensino to diversos que,

    incorporando modalidades de formao dual e no-formal, as reduzem a

    segmentos meramente residuais e desvalorizados, como sucede em Frana,

    Espanha, Blgica ou em Portugal.

    Nos pases onde a formao profissional inicial no tem uma base escolar,

    antes derivando de uma forte responsabilizao empresarial pelos processos

    de aprendizagem, como o caso da Alemanha ou da Sua, a hierarquia de

    prestgio entre os percursos escolares no deixa de existir. No entanto, como

    aquela formao baseada numa relao fortemente instituda entre o sistema

    de formao e o emprego e como os mercados internos de trabalho valorizam

    o modelo de formao profissional institudo, participando na sua definio e

    promoo e reservando-lhe um papel estruturante, a sua funo social

    diversa, o seu prestgio maior e a sua procura "encantada" mais

    acentuada. Um pouco mais adiante analisa-se mais pormenorizadamente esta

    hierarquia de prestgio, procurando-se indagar os seus sentidos, os conflitos

    subjacentes e as suas consequncias sociais.

    Refira-se, no entanto, que comummente reconhecida ao ensino tcnico e

    formao profissional inicial, sobretudo nos pases europeus em que esta

    oferta se centra no campo escolar, uma marca de estigmatizao social e que

    grande parte das medidas de poltica que lhe foram direccionadas no ps-

    Guerra visaram libert-lo do estigma das vias de formao para os

    deserdados. Pedr (1992) descreve, em cinco elementos sintticos, o quadro

    da estigmatizao destes tipos de ensino e formao, construindo o crculo

    vicioso em que eles se encontram submersos, em particular nos modelos

    escolares da Europa do Sul. Os elementos referidos constituem um encadeado

    que se pode descrever com a seguinte ondulao: este tipo de formaes

    mais caro do que o ensino geral e normalmente no lhe so afectos mais

  • 24

    recursos; os empregadores valorizam, regra geral, as mais altas credenciais

    escolares; os diplomas profissionais detm um escasso valor no mercado de

    emprego e do acesso aos empregos com menor remunerao; o ensino

    tcnico e a formao profissional inicial renem um escasso prestgio social,

    que conduz a uma fraca e at desencantada procura social; e, finalmente, o

    acesso a estas formaes baseado em caractersticas sociais e acadmicas

    dos alunos, fazendo parte de uma orientao negativa por parte dos jovens,

    das famlias e das escolas. Associa-se, assim, ao ensino tcnico e formao

    profissional inicial, particularmente no conjunto de pases j referido e

    diferentemente do que acontece em outros pases do Europa do Norte, um

    ambiente sociocultural de escassez, desvalorizao e estigmatizao.

    Este ambiente parece relacionar-se, antes de mais, com o facto de ser

    generalizada a constatao social de que as probabilidades de obteno de

    um emprego e de um estatuto socioprofissinal elevado so maiores entre os

    jovens que possuem diplomas do ensino geral e do ensino superior, em

    particular do ensino superior universitrio (OCDE, 1995; Verdier,1995;

    Bourdon, 1995). O mercado de emprego utiliza a hierarquia dos ttulos

    escolares como sinal adequado de hierarquizao dos postos de trabalho.

    Provam-no muitos estudos da sociologia da educao, promovem-no as

    estratgias de recrutamento dos empregadores e lem-no os ambientes e as

    decises familiares, construdas em boa parte sobre as representaes acerca

    daquelas probabilidades. Assim, tambm a hierarquizao das formaes

    escolares no seio do ensino secundrio parece inelutvel (Leclercq, 1992 e

    1994).

    Por outro lado, o sistema escolar desempenha um importante papel orientador

    e selectivo dos diversos percursos escolares dos alunos. Para a problemtica

    em apreo particularmente relevante o momento do trminus da escolaridade

    obrigatria. A, o acesso s diferentes vias posteriores de formao regulado

    por prticas de orientao e por disposies administrativas que relevam de

    orientaes e opes polticas e que consagram geralmente uma "orientao

  • 25

    pelo fracasso". Como refere, em 1976, o relatrio da OCDE sobre as

    transformaes estruturais no segundo ciclo do ensino secundrio (OCDE,

    1976), os alunos que seguem os estudos tcnico-profissionais so aqueles

    que j foram excludos da admisso ao ensino geral e os que apresentam

    nveis socioeconmicos mais baixos. A esta funo selectiva est ligada uma

    funo de participao dos sistemas escolares na produo de uma hierarquia

    de poder e de prestgio no sistema produtivo e no sistema social, em geral.

    Tipologia de diversificao escolar

    As caractersticas do ensino e da formao de nvel secundrio esto

    relacionadas tambm com a sua inscrio em cada um dos sistemas

    educativos nacionais, onde ocupam diferentes posicionamentos e

    desempenham funes diferenciadas. um facto que a diversificao est

    presente em todos os sistemas escolares, embora de modos diferenciados. A

    diversificao escolar pode analisar-se sob dois prismas principais: o

    momento em que ocorre e o modo como ocorre. Quanto ao momento, ela

    pode considerar-se precoce ou tardia. Ela precoce se ocorre dentro do

    perodo da escolaridade obrigatria, que uma escolaridade geral e comum,

    na generalidade dos pases europeus. Ela tardia quando surge aps o

    termo da escolaridade obrigatria. O quadro 1.2 apresenta a situao

    europeia em 1995.

  • 26

    Quadro 1.2

    Comparao entre pases da Europa relativamente durao da escolaridade obrigatria e ao incio da diversificao escolar (1995)

    Pas Escolaridade

    obrigatria

    (a tempo inteiro)

    Idade em que se

    inicia a

    diversificao

    escolar

    Durao

    (anos)

    Idade em que

    termina

    Alemanha 10 15/16 10

    ustria 9 15 10

    Blgica 10 16 12

    Dinamarca 9 16 16

    Espanha 10 16 16

    Finlandia 9 16 16

    Frana 10 16 15(1)

    Grcia 9 15 15

    Holanda 11 16 12

    Irlanda 8-9 15 12

    Itlia 8 14 14

    Noruega 9 16 16

    Portugal 9 15 15

    R.Unido 11 16 12

    Sucia 9 16 16

    Fonte: Comission Europenne (1997) (1) Existe uma possibilidade de orientao para percursos tcnicos, nos ltimos dois anos do collge.

    Quanto ao modo, a diversificao pode ser apenas curricular, ou seja, gera-

    se no seio de percursos e modalidades, dentro de um mesmo tipo de

    instituio educativa, e institucional ou estrutural, quando diferentes

    percursos de formao so oferecidos a um mesmo grupo etrio em

    diferentes instituies (ex. liceus, escolas tcnicas, escolas profissionais,

    centros de formao profissional). Tomaremos em considerao, neste

  • 27

    trabalho, apenas a diversificao curricular claramente diferenciada em

    percursos e modalidades e no aquela que existe, por vezes escamoteada,

    em percursos ditos comuns, sob a designao de opes ou de percursos de

    orientao.

    Esta delimitao permite situar a diversidade de situaes existentes em

    torno de quatro grandes tipos. o que se apresenta no Quadro 1.3.

    Quadro 1.3

    Tipologia da incidncia da diversificao escolar

    Diversificao Precoce

    Diversificao tardia

    Tipo A1

    Tipo A2

    Tipo B1

    Tipo B2

    Caractersticas

    A diversificao ocorre logo no

    termo do ensino primrio ou no

    incio do 1 ciclo do ensino secundrio

    inferior.

    A diversificao ocorre ao longo

    do ensino secundrio

    inferior ou na sua fase terminal .

    A diversificao ocorre no ensino

    secundrio superior.

    A diversificao

    ocorre sobretudo no ensino superior.

    Pases-Tipo

    Alemanha ustria

    Holanda

    (diversificao institucional)

    Frana (diversificao

    curricular)

    Sucia Portugal

    Japo EUA

    Alguns pases mantm a ocorrncia da diversificao escolar institucional

    em nveis etrios correspondentes aos anos subsequentes ao termo da

    escolaridade primria. o caso da Alemanha e da ustria, em que as

    escolhas se tm de fazer aos 10 anos, e os casos da Holanda, Blgica e

    Irlanda, em que se produzem aos 12 anos. Neste conjunto de pases, a

  • 28

    diversificao precoce e institucional, o que denota a existncia de uma

    funo selectiva desde o ensino secundrio inferior. No entanto, na maioria

    dos pases europeus, o momento da diversificao tardio, na sequncia de

    uma unificao progressiva do ensino bsico e do ensino secundrio

    inferior4.

    O conjunto destes pases subdivide-se em duas grandes tendncias. Por um

    lado, aqueles em que a escolaridade bsica e universal de nove ou dez anos

    assegurada por um mesmo tipo de escola (Grundskola, na Sucia, a

    Peruskoulu, na Finlndia, a Folkeskole, na Dinamarca, o Ensino Bsico, em

    Portugal5). Nestes pases no existe o ensino secundrio inferior enquanto

    tal, uma vez que o nvel secundrio se inicia aps a formao geral de base,

    universal e obrigatria, e restringe-se por isso apenas ao ensino secundrio

    superior, sendo geralmente de trs anos de durao, promovido em

    diferentes tipos de escolas e subdividido em vias gerais, tcnicas e

    profissionais. Por outro lado, existe um grupo de pases em que h um

    ensino secundrio inferior, geral e comum, promovido seja num mesmo tipo

    de escolas - o caso da Educacion Secundaria Obligatoria, em Espanha (de

    4 anos), o Collge, em Frana (de 4 anos), a Scuola Media, em Itlia (de 3

    anos)- seja em escolas diferentes, embora com um programa geral de base

    comum, como o caso da Holanda, com quatro tipos de escolas diferentes e

    um programa inicial comum de trs anos de durao. Curiosamente, a

    diversificao curricular pode ocorrer dentro de um mesmo tipo de escola,

    como acontece nos dois ltimos anos do Collge, em Frana, e uma certa

    unificao curricular avanada pode coexistir com a diversificao

    institucional, como recentemente o caso da Holanda. A nossa investigao

    ir incidir sobre alguns pases em que h uma tnue diversificao precoce

    e, geralmente, sobre pases de d