manual de filologia românica

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B. E. VIDOS

MANUAL DE LINGSTICA ROMNICA Vol. I Histria e Metodologia2 edio corrigida e atualizada Traduo de Jos Pereira da Silva

Edio do Tratudor 2001

FICHA CATALOGRFICA

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SUMRIO Apresentao [da primeira edio] Evanildo Bechara .............................. Sobre o autor Maximim P. A. M Kerkhof ................................................ Prefcio ........................................................................................................ Nota do tradutor ........................................................................................... PRIMEIRA PARTE .................................................................................... Primeiro Captulo Consideraes Metodolgicas ..................................................................... Segundo Captulo O Nascimento da Lingstica Romnica ..................................................... Terceiro Capitulo A Lingstica Romnica como Cincia Histrica ....................................... O mtodo histrico- comparativo ................................................................ Quarto Captulo A Lingstica Romnica no Sculo XX ...................................................... I. Geografia Lingstica .............................................................................. 1. Wrter und Sachen e Onomasiologia ...................................................... 2. Geologia lingstica e estratigrafia lingstica ........................................ 3. Neolingstica ou lingstica espacial ..................................................... 4. A importncia da geografia lingstica .................................................... II. O mtodo idealista .................................................................................. III. Lngua e linguagem ............................................................................... Lingstica sincrnica e diacrnica ............................................................. IV. Lingstica estrutural, fonologia, estruturalismo ...................................

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Quinto Captulo Reviso e Previses ..................................................................................... Referncias Bibliogrficas .........................................................................

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APRESENTAO DA PRIMEIRA EDIO Depois de um perodo de quarentena em crculos universitrios brasileiros comeam a reconquistar seu lugar de direito os estudos histricos, e, no caso em tela, a Filologia e a Lingstica Romnicas. Este movimento que nunca cessou nos pases onde tambm se faziam, e bem, os estudos sincrnicos comeou l fora e, felizmente, vem atraindo uma nova gerao de professores universitrios brasileiros, movimento que traz consigo a volta dos estudos de grego e latim, tanto no domnio da literatura que, verdade seja dita, nunca cessou de todo , quanto ao domnio da lngua. Esta compreenso melhor de que, como disse Eugenio Coseriu, a descrio , infantti contenuta nella storia, anzi, gi storia se storia parziale e provisoria, che vuole essere confermatadalla storia vera e prpria1, vem chamando a ateno da importncia da Lingstica Romnica no quadro dos cursos de Letras, particularmente das lnguas que continuam o latim. Da a oportunidade desta traduo para o portugus do Manual de B. E. Vidos, levada a bom termo pelo Prof. Jos Pereira da Silva e agasalhada pela EDUERJ, sob a direo do Prof. Ivo Barbieri e a coordenao de publicaes do Prof. Renato Casimiro. Aqui, como noutras ocasies, pode-se repetir que habent sua fata libelli, e isto se refere ao fato de que s aparentemente chega atrasada a traduo para o portugus deste clssico da bibliografia romanstica. A verdade que, to logo saa a traduo italiana, em 1959, se apressou, j em 1960, o inesquecvel romanista brasileiro Serafim da Silva Neto em providenciar uma traduo pela operosa livraria Acadmica, devida competncia do saudoso latinista Miguel Daddario. Vidos, no prefcio da edio alem, alude ao fato, e estranha que, estando pronto o manuscrito, que colocaria o Brasil como o segundo tradutor do Manual, depois da verso italiana de 1959 e antes da espanhola de 1963. O que ocorreu foi que perdamos Serafim da Silva Neto em setembro de 1960, a quem Vidos se referia, no citado prefcio da traduo alem de

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1968, com der einzigartige Frderer der portugie linguistischen Studien, desaparecendo, assim, o grande incentivador da empresa. Em seguida, veja a traduo espanhola devida ao talento e competncia do romanista catalo Francisco de B. Moll, a quem j os estudos lingsticos deviam verses de livros clssicos, com a Introduction to Vulgar Latin do romanista americano C. H. Grandgent (Boston, 1907). O aparecimento da verso espanhola inviabilizou a empresa editorial da Acadmica, uma vez que o texto espanhol poderia ser consumido por uma gerao de alunos universitrios brasileiros que praticamente liam nas principais lnguas de cultura, preparados que estavam por bons cursos do ento colegial. A verso brasileira no poderia competir com a poderosa editora Aguilar, de Madri. Estes dois fatos foram poderosos para que o sonho de Serafim e o labor do Daddario no tivessem feliz concretizao poca. O advento do Estruturalismo entre ns, especialmente da descrio de lnguas, banindo os estudos histricos, impediu a publicao do original ou traduo de manuais de Lingstica Romnica, com exceo da excelente Preparao Lingstica Romnica, de mestre Slvio Elia, sada em 1974. O avano recente dos estudos histricos entusiasmou o Prof. Rodolfo Ilari a lanar pela tica sua Lingstica Romnica. Assim, a presente traduo chega s mos dos alunos e jovens professores universitrios numa hora muito propcia e oportuna. H quem ir lamentar que o livro, ao contrrio das verses espanholas e alem, no vem com atualizao da bibliografia. Ocorre que numa tentativa neste sentido ficaria sempre a meio caminho, j que a pobreza de nossas bibliotecas no poria ao alcance do nosso tradutor os elementos que necessitaria. Para suprir esta lacuna, pode o interessado consultar o gigantesco Lexikon Romanistischen Linguistik, editado sob a direo de Gnter Holtus, Michael Metzeltin e Christian Schmit, (Max Niemeyer Verlay, tbingen), com seis volumes j publicados e ainda no todo completo , dos quais o tomo VI, 2 dedicado exclusivamente ao galego e ao portugus. Outro ponto que o Manual de Vidos , na verso espanhola de 1963, pela qual se guiou o tradutor brasileiro, um livro carente de atualizao. A crtica s em parte verdadeira. O leitor do Manual encontrar num ou noutro ponto, em estudo mais recente, explicao diferente da que a ministra Vidos; todavia, embora tambm a o saldo a favor do Manual seja bastante elevado, o maior mrito do romanista de Nimega a anlise e discusso dos problemas metodolgicos, fator que oferece ao aluno estudioso uma boa dose de argumentos para posteriores reflexes pessoais.

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Realmente, a tnica de Vidos est encerrada na afirmao de Gundolf: Methode ist Erlebnis, isto , o mtodo experincia vivida; e o Manual um bom exemplo disso, na medida em que, como disse Moll, no prefcio sua traduo, Es el resumen de un gran cmulo de observaciones, redactado a base de experiences vivas y de la lectura vigilante y severamente crtica de una multitud de obras fundamentales para todo romanista. De ellas ha sacado el autor las quintaesencias, que oferece en este manual a la rumia pasada de profesores y alumnos de las Faculdades de Romnicas (p. VII) Por fim, esta traduo no seria possvel sem o apoio da viva do Professor Vidos e, especialmente, do seu discpulo mais dileto, meu amigo Professor Maxim P. A. M. Kerkhof, a quem devo a nmia gentileza de me permitir traduzir para este livro o necrolgio em honra ao seu mestre, publicada na Revista de Filologa Espaola, tomo LX VII, 1987, cadernos 1 e 2, p. 127-129. Tenho certeza de que est fadada a este clssico de Vidos uma vida longa e frutuosa nos estudos romansticos do Brasil.

Evanildo Bechara (UERJ e ABF)

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SOBRE O AUTOR BENEDEK ELEMR VIDOS (1901-1987) Maxim. P. A. M. Kerkhof Universidade Catlica de Nimega (Holanda)

Nasceu Benedek Elemr Vidos em Budapeste, aos 7 de fevereiro de 1902. Terminados seus estudos na Faculdade de Letras da Universidade de sua cidade natal, obteve vrias bolsas para aperfeioar fora de seu pas os conhecimentos de lingstica romnica. Assistiu a cursos em Bolonha, Roma, Paris e Berlim (nos anos de 1926 e 1927); em Roma estudou com Giulio Bertoni e em Berlim com Ernst Gamillscheg. Em 1928 doutorou-se na Universidade de Budapeste com a tese Szfldrajzi Kutatsok (Investigaes sobre Geografia Lingstica). At 1932 foi professor de francs e latim em escola de ensino mdio em Budapeste. Em 1932 foi nomeado leitor de italiano e de espanhol na Universidade Catlica de Nimega (Holanda), onde sucedeu ao professor V. Bertoldi. Tomou posse oficial do leitorado no dia 15 de novembro do mesmo ano, preferindo na ocasio o discurso inaugural intitulado La forza di espancione dela lngua italiana. Um ano antes publicara seu Contributo storicolinguistico all espansione della lingua nautica italiana. Com tais estudos, Vidos inicia sua investigao sobre a expanso de termos tcnicos sobretudo nuticos italianos. Em 1939 publica sobre o mesmo tema a magnfica monografia Storia della parole marinaresche italiane passate in francese. Contributo storico-linguistico all espansione della lingua nautica italiana. A Vidos mostra como os focos de expanso de termos nuticos so particularmente Gnova e Veneza, as duas potncias martimas italianas mais importantes do passado; a influncia da terminologia martima genovesa se manifesta quase exclusivamente na parte ocidental do Mediterrneo (isto , nas lnguas romnicas), enquanto a linguagem martima veneziana influi tanto na parte ocidental, quanto na oriental. Trata-se de um trabalho impressionantemente bem documentado, e cujas concluses esto solidamente ampa8

radas. E. Gamillscheg falou em sua resenha do livro de uma wirlich grosse Leistung (verdadeira grande obra) Zeitschrift fr franzsische sprage und literatur LXIII (1939: 86) e M. L. Wagner classificou-o como uma Leistung von gigantischem Ausmasse (obra de gigantesca dimenso) Voskstum und Kultur de Romanen, XII (1939: 223). Sem nenhum exagero, podemos dizer que com a Storia, Vidos se apresentou como o melhor especialista no terreno da expanso da terminologia nutica italiana. Continuou elaborando estudos acerca da migrao de termos tcnicos, de suas etimologias e dos problemas metodolgicos conexos; em 1965 reuniu 21 trabalhos publicados num espao de trinta e dois anos em diferentes revistas cientficas, alm de dois inditos Migrao popular e migrao erudita e Les termes techniques etemprunt Os termos tcnicos e o emprstimo, num volume intitulado Prestito, expansione e megrazione dei termini tecnici nelle lingue romanze e non romanze, Problemi, metodi e risultati. Embora a holandesa nutica continuasse ocupando lugar preponderante, estuda tambm nosso autor palavras procedentes de outros campos tcnicos, como os tecidos, a guerra, a equitao, o comrcio, a zoologia, a botnica, a medicina etc., e, no que diz respeito s lnguas:As lnguas romnicas ocupam naturalmente a posio de maior preponderncia, vindo depois, em escala decrescente, as lnguas germnicas, o turco, as lnguas eslavas, o grego moderno, o rabe da costa setentrional da frica etc. (Prlogo, p. VIII).

No plano terico, Vidos ensina que no h por que considerar o emprstimo como um fenmeno isolado; em geral, ocorre juntamente com outros do mesmo grupo semntico e muitas vezes deve seu aparecimento aos ambientes bilnges do pas de onde procede. Com razo Rohlfs Gerhard qualificou o livro de Handbuch der europischen Lehuwortkunde. Neste meio tempo Vidos publicara em 1956 seu Handbock tot de Romaanse Taalkunde, traduzido ao italiano (1959), ao espanhol (1963) e ao alemo (1968). Consta a obra de duas partes: na primeira, o autor discute os diferentes mtodos utilizados no estudo das lnguas romnicas at o estruturalismo inclusive, e na segunda, passa revista romanizao, problemtica do substrato e superestrato, ao nascimento e desenvolvimento das lnguas romnicas, aos dialetos e temas correlatos. Enfoca Vidos sua posio de uma perspectiva diacrnica, porque, segundo ele, a lingstica romnica essencialmente uma cincia histrica; entretanto, j que sincronia e diacronia so inseparveis, o mtodo sincrnico forma a natural integrao do histrico. No se trata de um simples ett de question; ao contrrio, o manual proporciona uma exposio didtica e discusso crtica de complexas questes e opinies encontradas, no que o autor nos oferece muitas vezes idias pessoais. Vidos manejou impressionante bibliografia, atualizada nas sucessivas tradues. Alarcos Llorach escreveu que um dos poucos manuais, no 9

domnio do romnico, que reflete verdadeiramente uma situao up to date (Archivum, X, 1960: 25). O livro foi recebido pelos especialistas com aplauso quase unnime; 34 das 38 resenhas que vi so particulamente elogiosas. Retornemos ao curriculum vitae do professor Vidos. Em 1946 foi nomeado catedrtico de lingstica romnica e espanhola da Universidade Catlica de Nimega, onde ensinou at sua jubilao em 1971. Nesse nterim, em 1968, a Itlia e a Espanha o condecoraram, respectivamente, com a ordem Al mrito della Republica Italiana e com a de Alfonso X el Sabio. Depois de sua jubilao continuou trabalhando intensamente durante uns doze anos. Depois de longa enfermidade, morreu em Nimega, aos 18 de maro de 1987. Com a morte de sbio lingista a Romanstica perdeu um dos seus mais eminentes representantes. J no o temos entre ns; todavia, continuar vivendo em nossa memria e nos seus escritos. Os amigos e colegas o recordamos com admirao e gratido.

(Trad. Evamildo Bechara)

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PREFCIO

Esta verso constituir a quinta edio do Handboek tot Romaanse Taalkunde (Manual de Lingstica Romnica) do Prof. Benedek Elemr Vidos e a primeira em lngua portuguesa. Vindo luz em holands em 1956, foi logo traduzido para o italiano por Giuseppe Francescato e publicado em 1959, completamente atualizado pelo autor, na prestigiosa coleo Archivum Romanicum. Tornava-se, assim, acessvel a muitos brasileiros, mas no a todos os estudantes de letras, pois muitos no dominam o italiano em grau suficiente para estudarem sem dificuldade e com proveito um texto to extenso e to denso de contedo. A verso alem, de 1968, no teve circulao no Brasil. Em 1963 saa a segunda verso em lngua romnica. Desta vez em espanhol e destinada a maior nmero de leitores, j que traduzia tambm as notas e citaes originais, qualidade didtica que no poderamos desprezar em nossa verso brasileira. Na Europa, uma extenso territorial equivalente do Brasil, dezenas de lnguas e centenas de dialetos so falados, criando uma necessidade vital de dominarem outras lnguas. Como, na prtica, menosprezamos o poliglotismo, nossos livros didticos precisam de traduo tambm das citaes. Este livro no foi escrito apressadamente nem calcado nos moldes de manuais anteriores. Pelo contrrio, nasceu lentamente, como fruto de vrios anos de magistrio, num refinamento pausado de matrias bem selecionadas e expostas de um modo novo. o resumo de grande quantidade de observaes, com base na experincia viva e na leitura atenciosa e crtica das obras fundamentais para o romanista, de onde tirou o que h de melhor para a reflexo dos professores e alunos de nossas Faculdades de Letras. At bem recentemente, s conhecamos livros de Lingstica Romnica organizados segundo o rido mtodo da Gramtica Histrica. At ento, um manual de Lingstica Romnica podia ser uma introduo sobre o latim

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vulgar e sobre o romnico comum primitivo seguido de um conjunto de sumrios ou pequenos tratados sobre a evoluo de cada lngua romnica. Alguns manuais recentes j superaram este mtodo e concedem um bom espao para captulos de orientao metodolgica e de histria das doutrinas lingsticas. o caso, por exemplo, do conhecido Preparao Lingstica Romnica, do Prof. Slvio Elia. No entanto, nunca se deu a tais captulos a importncia que lhes concede Vidos, quase a metade de seu livro, que tem duas partes: a primeira se constitui dos captulos de histria e crtica das doutrinas, a segunda contm o que antes costumava ocupar a totalidade de qualquer manual desta disciplina. Este mtodo tem a vantagem de iniciar o estudante nas generalidades doutrinais e na valorizao dos sistemas, antes de apresentar-lhe os dados concretos e as particularidades de cada lngua. Do ponto de vista romnico, a primeira parte um resumo de Lingstica Geral e sua histria crtica, conhecimentos com que o leitor vai se preparando para entender e assimilar a doutrina de cada lngua neolatina e as suas interrelaes. Recomendo, portanto, a leitura atenta da referida primeira parte, que abrir amplas perspectivas ao estudante, oferecendo-lhe uma viso sinttica de todo o processo da Lingstica Moderna desde os tempos de Humboldt e Diez at as recentes novidades do Estruturalismo e da Glossemtica. A exposio que Vidos faz de tudo isso de grande clareza e de uma imparcialidade louvvel. O Idealismo de Vossler, a Lingstica Espacial, o Estruturalismo etc., aparecem expostos com um esprito crtico absolutamente sereno e com uma avaliao equilibrada dos aspectos positivos e negativos de cada teoria. A segunda parte to importante quanto a primeira, mas interessa mais diretamente ao romanista ou a quem pretende s-lo. Ali o autor d uma viso de conjunto da formao das lnguas romnicas, desde sua pr-histria (o latim e os substratos que nelas influram). Poucas vezes foram escritos captulos to claros como aqueles em que Vidos se dedica a expor a variedade dialetal romnica, a origem das lnguas literrias da Romnia e as caractersticas dessas lnguas. Tudo de acordo com a bibliografia acessvel sobre cada ponto, com uma amplitude de citaes que guia com segurana o estudioso que quiser comprovar e ampliar o que neste livro se afirma ou se discute. Um mrito especial do presente Manual, para os leitores de lngua portuguesa, o de estudar os romanos que resultaram nas trs lnguas ibero-romnicas em plano de igualdade e de refletir o estado atual dos estudos sobre o galego-portugus, assim como sobre o castelhano e o catalo. 12

Apresento-lhes esta verso em lngua portuguesa do Manual de Vidos com a segurana de estar prestando um bom servio ao ensino da romanstica nas universidades brasileiras.

Rio de Janeiro, 1996. Jos Pereira da Silva

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NOTA DO TRADUTOR (NA PRIMEIRA EDIO)

Esta obra do mestre da Universidade de Nimega constitui uma das bases mais slidas da bibliografia de Lingstica Romnica at hoje escrita em todo o mundo. Concluda em janeiro de 1955, como se pode ver no Woorword (Prefcio) da primeira edio, foi publicada pela primeira vez, em holands, no ano de 1956, pela L. C. G. Malmberg. `s-Hertogenbosch; a segunda edio foi em italiano, em 1959, totalmente atualizada pelo autor e preparada pelo professor de lngua italiana na Universidade de Utrecht e Leida, Dr. Giuseppe Francescato e editada por Leo S. Olschki Editore; a terceira foi em espanhol, em 1968, traduzida a partir da verso italiana, pelo professor Francisco de B. Moll, membro correspondente da Real Academia Espanhola e publicada pela Aguilar. Esta a primeira edio em lngua portuguesa, feita a partir da edio italiana, cotejando-se o texto com a verso espanhola, visto que esta apresenta algumas inovaes tradutolgicas que achamos interessante aproveitar. Alm de ser o espanhol mais prximo do portugus e por ser a verso em que at hoje mais se difundiu a obra, B. Moll teve a preocupao de traduzir quase todas as citaes feitas em lnguas estrangeiras, principalmente quando tais citaes s interessam pelas informaes que transmitem. O cotejo com a primeira edio, em holands, s foi feita quando as duas anteriores verses romnicas discordavam em algum ponto e, mesmo assim, s nas partes relativas a citaes ou notas bibliogrficas. Da primeira edio no houve reimpresso, visto que a lngua holandesa pouco difundida, principalmente entre os estudiosos de Lingstica Romnica. Da verso italiana e da espanhola j foram feitas vrias reimpresses, todas fac-similares e, portanto, sem alteraes. Aps a atualizao feita para a edio italiana, no se tocou mais nos originais, estando a obra intacta a partir daquela poca (1959). Esta traduo foi realizada em 1990 e revista pela Profa. Dra. Darcilia Marindir Pinto Simes, do Departamento de Letras da faculdade de For14

mao de Professores e do Instituto de Letras, cujas palavras de incentivo agradecemos sinceramente e pelo Prof. Dr. Evanildo Bechara que lhe acrescentou uma apresentao e uma resumida biografia do autor.

Rio de Janeiro, 1996. Jos Pereira da Silva

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PRIMEIRO VOLUME

O primeiro volume desta segunda edio do Manual de Lingstica Romnica em portugus, correspondente primeira parte da obra nas edies anteriores, um resumo da Lingstica Geral a partir do romnico e da histria crtica da cincia, conhecimento necessrio para se entender e assimilar as informaes sobre cada lngua romnica em especial e sobre suas mtuas relaes. Nesta edio ainda no foram feitas todas as atualizaes necessrias relativas aos desenvolvimentos lingsticos e filolgicos ocorredos na segunda metado do sculo XX e neste incio do sculo XXI e sua adaptao realidade brasileira e de nossos cursos superiores de Letras; mas fica aqui o seu esboo e a promessa para a prxima edio, que esperamos poder sair muito brevemente, motivo pelo qual esta sai com uma tiragem extremamente reduzida, apenas para atender aos nossos alunos de graduao de 2006.

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PRIMEIRO CAPTULO CONSIDERAES METODOLGICAS

O mtodo e a histria da Lingstica Romnica no se podem separar. E se algum deseja ter uma idia clara da origem e desenvolvimento desta cincia, necessrio que a veja luz dos vrios perodos histricos em que operavam aqueles que a ela se dedicaram. Alm disso, no possvel falar propriamente de um mtodo da Lingstica Romnica, posto que o mtodo, ou, em outras palavras, a posio pessoal do investigador ao confrontar os fenmenos prprios das lnguas romnicas, no pode ser constante nem por um momento porque naqueles fenmenos aparece uma contnua variedade e porque no h dois estudiosos que apresentem uma idntica disposio espiritual e idnticas circunstncias individuais. Por isso, na Lingstica Romnica, podemos reconhecer no o mtodo, mas diversos mtodos. Tambm o reconhecimento das infinitas variedades dos fenmenos e dos investigadores pode fazer evitar uma tendncia, to humana como funesta, generalizao e esquematizao, contra a qual se deve estar sempre prevenido. Portanto, o mesmo fenmeno lingstico e, provavelmente, tambm nolingstico pode ser explicado por diversos mtodos. Isto , cada investigador pode ter a respeito do mtodo uma experincia diferente Methode ist Erlebnis, mtodo experincia, ele consiste mais em Prtica do que em Teoria (Descartes)2 conforme ele seja, pela confluncia de circunstncias, um homem diferente. Antes do sculo XIX, ou seja, antes que a Lingstica Romnica comeasse a existir como cincia, era certamente possvel adquirir experincia sobre os fenmenos lingsticos romnicos. Mas semelhante tomada de posio tornava-se completamente pessoal, isto , no-cientfica, no-metdica. J no incio do sculo XIV, por exemplo, em seu tratado De Vulgari Eloquentia, I, VIII, Dante reconheceu o parentesco de algumas lnguas romniPreferi expor-lhes minhas prprias experincias tambm porque o caminho bsico do investigador individual, condicionado como est por suas primeiras experincias por suas Erlebnis como dizem os alemes determina seu mtodo: Methode ist Erlebnis, disse Gundolf (1929-30: I, 4; SPITZER, 1948: 1, 23 e 38.)2

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cas, concretamente do espanhol, do provenal, do francs e do italiano, baseando-se no lxico, que mostra uma origem comum. Mas a lngua de que se formam as lnguas romnicas no , para Dante, o latim, porque, segundo ele, esta lngua que uma criao dos doutos, est fixada h sculos e no pode sofrer nenhuma modificao. O resultado dessa viso pessoal de Dante era equivocado. Com efeito, graas Lingstica Romnica, foi demonstrado que as lnguas romnicas procedem do latim falado. Para o etimologista francs Gilles Mnage, que viveu no sculo XVII, a origem latina das lnguas romnicas to evidente, que ele raramente toca neste argumento (BRUNOT, 1905: I, 6 ss. e IV, 1 e ss.; TAGLIAVINI, 1952: 4 e ss.; VITALE, em VISCARDI, 1955: 59-62.). Mas quando, entre outras coisas, afirma que o francs haricot deve provir do latim faba, ou mais exatamente de um faricotus derivado de faba, demonstra no conhecer (e no podia ser de outro modo) os elementos da Lingstica Romnica. Com efeito, faricotus no existe em latim, no pode ser derivado de faba, e o f latino no pode dar h em francs; isto, sem falar que, entre outras coisas, haricot (mexicano ayacotli), que no est documentado antes do sculo XVII, significa uma planta distinta da faba do latim, e precisamente uma planta que se introduziu na Europa, vinda da Amrica nos fins dos sculos XVI.3 Neste caso, a intuio de Mnage falha, como a de Dante e de outros, porque no est de acordo com a realidade dos fatos. A Lingstica Romnica existe h mais de cem anos; por conseguinte, a experimentao dos fatos lingsticos romnicos, a tomada de posio pessoal, tornou-se metodolgica, e uma intuio que no esteja embasada nos conceitos fundamentais desta cincia, deve ser considerada errada. Depois destas consideraes, claramente se v que, na Lingstica Romnica, no existe um mtodo como algo particular desta cincia, e que apenas a tomada de posio pessoal, ou seja, a intuio diante das infinitas variaes dos fenmenos lingsticos romnicos, fundamentada na base da cincia lingstica. Nesta trplice relao, somente o fundamento lingstico, a concepo metodolgica fundamental, constante, enquanto os outros dois fatores mudam continuamente em correlao com o tempo em que os fenmenos lingsticos romnicos se manifestam e so observados. Tambm por isto impossvel separar o mtodo e a histria da Lingstica Romnica, porque a sua histria apenas a resenha histrica dos diversos mtodos que, surgidos no clima espiritual dos diferentes perodos, desenvolveram-se em determinadas correntes metodolgicas. No interior e, naturalmente, tambm no exterior destas correntes (o grande lingista Hugo Schuchardt, por exemplo, ficou fora de toda corrente metodolgica), desenvolve-se o jogo das po-

GRBER, 194-6: I, 26; MEYER-LBKE, 1935: 847; GAMILLSCHEG, 1928: 508; WARTBURG, 1928 e ss.: I, 190; III, 339-41 e 1931: 222 e ss.3

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sies individuais, intuitivas e cientficas, que no pode ser registrado numa resenha histrica, mas que se manifesta, sem que o mtodo se torne visvel, na ilustrao e na explicao dos fenmenos da Lingstica Romnica, ou seja, nos resultados desta cincia.4 pergunta de quais sejam os fundamentos cientficos, as concepes metodolgicas fundamentais, de nossa cincia, pode-se responder, na base dos resultados obtidos na prtica pelos investigadores, que tais fundamentos e concepes consistem numa intuio baseada em fatos, em cuja induo e deduo se encontram continuamente em estreita correlao, de modo que a deduo s adquire o direito de existir mediante a induo.

...O mtodo, considerado independentemente da busca laboriosa do estudioso, no existe concretamente, mas apenas uma abstrao de nossa mente. O mtodo mesmo conhecimento e forma mentis; e sempre bom ou mau no em si mesmo, mas enquanto so bons ou maus os resultados a que se chega. (BERTONI, 1933:171.)4

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SEGUNDO CAPTULO O NASCIMENTO DA LINGSTICA ROMNICA

No clima espiritual criado pelo romantismo alemo, surgiram, no final do sculo XVIII, a Filologia Germnica, a Filologia Romnica e a Lingstica Moderna. O interesse e a admirao dos romnticos alemes por tudo que era extico e medieval fizeram que no s se ocupassem da civilizao e da literatura da antiga ndia e estudassem o snscrito, mas que se estudassem tambm os Minnesanger alemes e a literatura romnica da Idade Mdia. Os romnticos alemes descobriram o mundo romntico medieval e trouxeram luz das Vergessene und Verkannte. Mas no se contentaram com um puro prazer esttico derivado da descoberta dos tesouros do medievo; desejaram tambm consider-lo a partir de um ponto de vista cientfico, com a publicao de manuscritos e de textos. Depois que Bodmer, Wieland, Herder e Uhland publicaram boa parte daqueles tesouros, tornou-se significativa sobretudo a obra dos irmos Schlegel. Friedrich Schlegel contribuiu, com seus estudos sobre o antigo indiano, para o nascimento da Lingstica Comparada. Franz Bopp, com a sua Vergleichende Grammatik, aparecida entre 1833 e 1851, na qual, entre outras coisas, refutada a idia equivocada de Schlegel de que o grego, o latim e o germnico derivem do snscrito, pe os fundamentos da Lingstica Comparada. Friedrich Schlegel se ocupou da poesia medieval francesa, e durante sua estadia em Paris queria publicar num corpus os numerosos manuscritos provenais que se encontram nas bibliotecas daquela cidade e a totalidade da poesia em provenal antigo. Concebeu tambm o projeto de se dirigir Provena para ali associar-se ao fillogo Franois Raynouard. Mais tarde, entretanto, renunciou a seus planos romnticos e desviou sua ateno do Ocidente para o Oriente, para snscrito. Sob a influncia do irmo deste, o romntico Augusto Guilherme von Schlegel, tradutor de poesias italianas, espanholas e portuguesas e autor de notveis trabalhos no campo da Filologia Romnica, Jacob Grimm publica, entre 1819 e 1847, sua Deutsche Grammatik (com a palavra deutsche quer dizer sempre germnica), e desta maneira se converte no fundador da Lingstica Histrica. Ainda que esta 20

tenha surgido ao lado da Comparativa, de um ponto de vista metodolgico a Lingstica Histrica procede da Comparativa. Assim, os romnticos alemes haviam preparado o terreno para o fundamental trabalho filolgico de Franois Raynouard, que no era um romntico nem um artista, mas que, com sua antologia em seis volumes e com o estudo aprofundado do provenal antigo e da lngua dos trovadores (Choix de posies originales des troubadours, Paris, 1816-21) realizou o que s podia suscitar o entusiasmo nostlgico de Friedrich Shlegel. O primeiro tomo da obra contm a gramtica da lngua romana, o sexto a gramtica comparada das lnguas da Europa Latina, em que ele, ao lado de muitas afirmaes corretas sobre a origem das lnguas romnicas, expressa a teoria completamente errnea de que estas derivem de uma lngua romana que teria sido falada entre os sculos VII e IX, e que Raynouard identifica com o provenal e chama de langue romane (GRBER, 1904-6: 1, 103 e ss.; RICHERT, 1913: 3 e ss., 12 e ss., 26 e ss., 31 e 38 e ss.; WARTBURG, 1931: 5-6; LECOUTERE-GROOTAERS, 1948: 28 e ss.; TERRACINI, 1949: 7 e ss., 61 e ss. e 182; TAGLIAVINI, 1949: 42 e ss, e 1952: 2, 8 e ss., 39; VITALE, 1955: 86-89). Neste clima espiritual medieval, criado pelo romantismo alemo, Friedrich Diez (1794-1876), que em sua juventude havia estado inteiramente sob a influncia dos romnticos, fundou no s a Filologia Romnica, mas tambm a Lingstica Romnica. Por influncia de Jacob Grimm, cujo interesse pelas literaturas romnicas medievais bem conhecido (cf., sobretudo, seu opsculo Silva de romances viejos, aparecido em Viena em 1815 e que agiu de maneira particularmente inspiradora sobre Diez), e de Augusto Guilherme Shlegel, Diez publicou em Giessen (1817) seus Altspanische Romanzen, (RICHERT, 1913: 31 e ss.) e j em 1816, portanto antes de sua famosa visita de 1818 a Goethe, em Jena, em que este chamou a ateno do jovem Diez sobre os estudos provenais de Raynouard (TOBLER, 1912: 441 e 455), ocupou-se Diez em projetos de estudo sobre a poesia romnica de amor CURTIUS, 1947: 389-410) e, entre outras coisas, publicou em Zwickau, em 1826 e 1829, Die Poesie der Troubadours e Leben und Werke der Troubadours. Ein Beitrag zur nheren Kenntnis des Mittelalters. Com estas e outras obras literrias, como tambm com a publicao de textos e glosas, que mostram traos da profunda escola do fillogo clssico Karl Lachmann (GAUCHAT, 1936: V), Diez criou a Filologia Romnica (RICHERT, 1913: 56-59). Aplicando o mtodo histrico-comparativo de Franz Bopp e de Jacob Grimm s lnguas romnicas, Diez publicou entre 1836 e 1843 sua Grammatik der romanischen Sprachen e, em 1853, seu Etymologisches Wrterbuch der romanischen Sprachen (este ltimo ainda hoje uma obra fundamental e indispensvel), com os quais, h mais de cem anos, fundou a 21

Lingstica Romnica (GAUCHAT, 1936: IV-V). Em sua Grammatik no queria Diez fazer outra coisa (para usar suas mesmas palavras, conservadas at ns graas a seu grande discpulo Gaston Paris) que aplicar s lnguas romnicas sua gramtica e seu mtodo (a gramtica e o mtodo de Grimm) (TOBLER, 1912: 454). Ele deu uma base cientfica s concepes diletantsticas que imperavam at seu tempo em torno das lnguas romnicas, e com a aplicao do mtodo comparativo, sem aceitar a errnea teoria de Raynouard que considerava o provenal como um elo entre o latim e as outras lnguas romnicas, indicou e demonstrou o parentesco destas e sua derivao, no do latim clssico, mas da lngua latina popular e falada. Contudo, ele no podia ter, em seu tempo, um conceito justo, por exemplo, de Fontica e de Dialetologia, e se escusou, s vezes, de ter que dirigir sua ateno tambm aos dialetos romnicos mais importantes, limitando-se exclusivamente a seus traos fonticos caractersticos (DIEZ, 1882: I, 60). Por isto, compreende-se que a primeira e a segunda parte de sua Grammatik, dedicadas, respectivamente, fontica e morfologia, estejam quase completamente superadas e envelhecidas enquanto a terceira parte, dedicada sintaxe, conservou seu valor at nossos dias (BOURCIEZ, 1936: 213-14).

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TERCEIRO CAPTULO A LINGSTICA ROMNICA COMO CINCIA HISTRICA

Por influncia do Romantismo durante o sculo XVIII, a Filologia torna-se uma cincia preponderantemente histrica. O conhecimento do passado esquecido, do extico e do medieval, deve por natureza fundamentar-se na histria. O estado de esprito romntico do sculo XVIII e da primeira metade do XIX s podia ser filolgico, isto , publicar manuscritos e textos, confront-los entre si, enriquec-los com comentrios filolgicos e lingsticos e com glossrios. Compreende-se, e no s para este perodo, que quanto mais se pratica a Lingstica, em sentido filolgico, mais se encontra ela orientada historicamente (BERTONI, 1941: 47). Pela prpria natureza das coisas, o passado se abre Lingstica de orientao romntica e filolgica, no na lngua falada, mas na escrita, nos textos e na literatura. Com efeito, a gramtica indo-europia constri suas comparaes, por meio das quais se remonta ao passado, por via indutiva, cada vez mais profundamente, e reconstri as lnguas originrias, em parte sobre lnguas que j no so faladas. Para a Lingstica Romnticofilolgica, a lngua, ou melhor, a lngua escrita, a projeo do passado, algo que na forma escrita se separa dos falantes, algo que vive independentemente, um organismo. Um organismo que evolui, que pode ser posto numa perspectiva histrica, e por meio do qual podemos aprofundar-nos em nossa prpria existncia histrica5 e at no annimo Volksgeist (TERRACINI, 1949: 25; LERCH, 1950: 195). Este organismo, atravs do vu do Romantismo, considerado como um produto do esprito criador do homem; por isso, a concepo romntica da lngua se embasa ainda num fundamento espiritual. A genealogia, a evoluo deste organismo, no pode ser tratada pelos fillogos comparatistas e por gramticos como Schlegel, Bopp, Grimm e Diez seno historicamente (TERRACINI, 1949: 25, 27, 131; NENCIONI, 1946: 107-9). Contra este excessivo predomnio da lngua escrita a reaoVolto a viver somente na Idade Mdia, cujo brilho a turva poca atual quer apagar diz Friedrich Diez (RICHERT, 1913: 56; CURTIUS, 1947: 398-9).5

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vem da Itlia, o pas romnico em que os dialetos tiveram sempre uma importncia muito grande. Foi, efetivamente, o indo-europesta e romanista italiano Graziadio Isaia Ascoli com seus Saggi Ladini (ASCOLI: 1873: 1-556), ou seja, com um tratado histrico-geogrfico dos dialetos reto-romnicos, quem iniciou a Dialetologia Romnica e desta maneira sublinhou a importncia da lngua falada, viva, e da observao direta da mesma (IORDANORR, 1937: 10-11; POP, 1950: I, XXXVII, 487 e ss., 621-2). Para o desenvolvimento da Lingstica Geral e tambm da Lingstica Romnica tem uma importncia decisiva o fato de que, at a metade do sculo XIX, depois que Bopp e Grimm estabeleceram os fundamentos da Lingstica como cincia histrica e depois que dos trabalhos de Wilhelm von Humboldt surgiu a Lingstica Geral, apesar da influncia antinaturalista e decididamente idealista deste ltimo, a lngua j no foi considerada como um organismo sobre base espiritual, mas, ao contrrio, sobre base materialista (IORDAN-ORR, 1937: 13-14; NENCIONI, 1946: 107-9; TAGLIAVINI, 1952: 13-14). Na realidade, a Lingstica no pde livrar-se da poderosa influncia das cincias naturais, que fizeram enormes progressos naquele perodo, nem da influncia do Darwinismo. Comea-se a conceber a lngua como um organismo material, que se forma independentemente da vontade do homem, cresce, desenvolve-se segundo leis fixas e, por fim, envelhece e morre. Reconhece-se uma particular importncia dos sons e se afirma que as mudanas fonticas devem ter-se desenvolvido segundo leis rigorosas. Embora esta concepo puramente material da linguagem seja fundamentalmente equivocada, porque a lngua no pode ser considerada como um organismo vivo independente do homem, do ponto de vista metodolgico teve e tem ainda sua importncia. Assim como, segundo Darwin, as cincias naturais no pretendem ser somente a descrio dos fenmenos naturais, mas, com a Introduo da causalidade, se convertem em histria daqueles fenmenos, os lingistas daquele tempo, com a colaborao do botnico e germanista August Schleicher, transformam sua cincia em histria. Podemos certamente sorrir quando Schleicher reconstri o indo-europeu primitivo, a extinta Ursprache, e constri sua teoria da rvore genealgica (IORDAN-ORR, 1937: 13-14; LECOUTERE-GROOTAERS, 1948: 32-3; TAGLIAVINI, 1952: 13-14), e se pode afirmar jocosamente que deste mtodo comparativo-reconstrutivo sopra o vento dos bosques germnicos (TERRACHER, 1924: 341); mas tambm no se pode desconhecer que, com a aplicao do mtodo das cincias naturais Lingstica, isto , enquanto aplicou o mtodo emprico-indutivo a Lingstica se dedicou observao, descrio e comparao dos fatos menores e constatao de sua evoluo, foram estabelecidos os fundamentos da tcnica histrico-naturalista na Lingstica, inclusive na Lingstica Romnica. Esta concepo naturalista, como vimos, j estava presente de uma maneira disfarada entre os lingistas romnicos. Com efeito, o mesmo Diez, segundo seu discpulo Gaston Pa24

ris, caracteriza seu mtodo do modo seguinte: Os fatos so o meu nico assunto; eu os reno e os julgo da melhor maneira que posso; isso tudo (RICHERT, 1913: 76). Para Diez e para os outros lingistas que esto sob o influxo do romantismo, a lngua, apesar de se manifestar atravs da matria, os sons, um produto psquico antes de tudo. O objetivo dos lingistas que atuaram em Leipzig desde o princpio do ltimo quarto do sculo XIX foi aproximar estas duas concepes contrrias, que consideravam a lngua, respectivamente, como um produto fsico e como um produto psquico. Eles, em analogia com o movimento literrio das junge Deutschland da primeira metade daquele sculo, foram chamados neogramticos. A orientao neogramtica, mais concretamente, seus primeiros representantes, A. Leskien, Hermann Osthoff e Karl Brugmann, chegam evidncia terica de que foi dada ateno demasiada lngua em si e muito pouca ao homem, e que foi dada importncia demais ao aspecto fsico da lngua enquanto se subvalorizou o psquico, e negam a importncia do estudo comparativo das antigas lnguas indoeuropias com o fim de construir uma Ursprache, reconhecendo o estudo das lnguas e dos dialetos vivos, porque atravs destes estamos mais facilmente em condies de observar o aspecto psquico da lngua. Aceitam como proposio metodolgica fundamental a Ausnahmlosigkeit ou falta de excees das leis fonticas e ao mesmo tempo atribuem um papel muito importante analogia. Assim acolhem como princpio, ao lado do organismo, das leis fonticas que operam cegamente, a grande importncia do momento psicolgico, individual, humano, da analogia, o que significa que uma modificao na maneira de agir das leis fonticas deve ser atribuda influncia das formas j presentes na lngua (IORDAN-ORR, 1937: 15 e ss.; LECOUTERE-GROOTAERS, 1948: 33-4; TAGLIAVINI, 1949: 75 e ss. e 1952: 15 e ss.). Uma das chamadas leis fonticas nos diz, por exemplo, que a vogal tnica latina , latim vulgar deu, em slaba aberta, antigo francs ue, francs , (escrito eu, oeu): por exemplo, do latim cr> antigo francs cuer, francs coeur; do latim nvum> antigo francs nuef, francs neuf. A mesma vogal latina em slaba aberta pretnica deu em antigo francs u (graficamente u se alterna com o e ou; na grafia moderna ou), por exemplo, latim prbare> antigo francs pruver, francs prouver. No italiano, no entanto, esta lei opera de tal modo que o latino em slaba aberta se converte em uo se for tnica e fique inalterada se for pretnica (por exemplo, latim cr, nvum> italiano cuore, nuovo, mas latim prbare> italiano provare). Em conseqncia desta lei fontica o presente do indicativo do latim probare, em suas seis formas probo, probas, probat, probamus, probatis, probant, d, no antigo francs: pruef, prueves, pruevet, provons (ou prouvons), pruvez, pruevent. Atualmente, por causa da analogia, ou seja, por influncia das formas 25

prouvons, pruvez, temos em todo o paradigma a vogal u em lugar de : prouve, prouves, prouve, prouvons, prouvez, prouvent.Ao contrrio, em italiano, o latino sofre, no paradigma verbal (por exemplo, sono, sonas, sonamus, sonatis, sonant), no a influncia analgica das formas cujo pretnico, como em francs, mas precisamente a do em slaba tnica: italiano suno, suni, suna, suonimo, suonte, sunano (BOURCIEZ, 1937: 93, 138; SCHWAN-BEHRENS, 1932: 52, 71, 80, 211, 223, 228; NYROP, 1899-903: II, 21; CLDAT, [s. d.]: 572; TAGLIAVINI, 1949: 76-7). Na prtica, porm, os neogramticos entraram em conflito com a sua teoria. Vale dizer que eles consideravam como o elemento predominante na lngua no a analogia, mas as leis fonticas. O lado fisiolgico, representado pelas leis fonticas, aquilo que regular, constitui o fundamento em sua prtica. Ainda em 1890 Wilhelm Meyer-Lbke, em Italienische Grammatik, p. VIII-IX, opinava que na analogia dominam leis e recomendou que se encontrem as leis da Umprgung [isto , da analogia]. Buscavam refgio na analogia quando se viam obrigados, pelas leis fonticas, a faz-lo; noutras palavras, quando no lhes restava outro remdio. Consideravam a analogia, o lado psquico-individual, como algo ocasional e acessrio, como uma exceo. No que se refere s cegas leis fonticas que operavam sem excees, a reao veio precisamente no contra elas, mas contra a denominao e contra sua formulao rgida e um pouco unilateral. Se se tivesse dito: desenvolvimento regular, marcha constante, ningum se teria preocupado; mas leis cegas, preciso astronmica, causou estranheza a todo o mundo, disse M. Bral (1921: 257.). Hugo Schuchardt nega, em 1885, a existncia de leis que operem cegamente na linguagem (veja tambm em SCHUCHARDT, 1922: 435 e ss.). Segundo ele, as leis fonticas no so leis naturais, porque no agem incondicionalmente, mas porque esto determinadas no espao e no tempo, e tampouco agem de maneira totalmente inconsciente sobre os falantes. Schuchardt se pe contra as leis e a regularidade em geral, e destaca que numa comunidade lingstica existe uma infinita variedade, que conseqncia da idade, do sexo, da classe social etc. dos falantes, que sempre deve ser levada em conta a Sprachmischung ou mescla de falares, e que cada palavra se encontra numa situao particular (PUCARIU, 1937: 138 e ss.; IORDAN-ORR, 1937: 31 e ss.; BALLY, 1944: 366; TAGLIAVINI, 1949: 75 e ss. e 1952: 15 e ss.). Outro dos primeirssimos adversrios dos neogramticos, Graziadio Isaia Ascoli (1886: 18-73.), volta-se contra eles por fazerem tantos discursos em torno do aspecto psicolgico da lngua, a analogia. Ele considera a analogia no como um fator psquico, mas como a conseqncia de um fator fontico ainda desconhecido. Na realidade, Ascoli hostil somente teoria dos neogramticos, ao que havia de novo em sua doutrina, mas no contra a sua prtica, e at se considera como um dos precursores da escola neogram26

tica. Acreditava nas leis fonticas e no via outra coisa na Lingstica alm de histria natural demonstrada com evidncia matemtica. Como os neogramticos, no s Ascoli, mas tambm Schuchardt, havia operado na prtica com as leis fonticas sem excees (IORDAN-ORR, 1937: 25 e ss.; BOTTIGLIONI, 1947-8: 4; TAGLIAVINI, 1949: 79). No levando em conta a primeira reao de P. J. Rousselot e L. Gauchat6 contra as leis fonticas que agem cegamente, fundamentada sobre fatos observados num dialeto, a reao mais proveitosa contra os neogramticos veio ao final do sculo XIX e incio do sculo XX, atravs da Geografia Lingstica e do fato de que se vinha delineando cada vez mais claramente a existncia de uma Lingstica Esttica ao lado da Lingstica Histrica. A distino introduzida entre lngua (langue) e fala (parole) ps as chamadas leis fonticas em seu devido lugar: na fala. Ou seja, no que individual na estrutura lingstica, podemos estudar sincronicamente a formao das mudanas fonticas; enquanto na lngua, no que a estrutura lingstica tem de convencional, manifestam-se as mudanas fonticas j admitidas pela comunidade. Toda a questo das leis fonticas uma questo de pontos de vista, como se depreende da oportuna observao de Antoine Meillet (1929:, 16: A querela no se apaziguar nunca: os partidrios da constncia das leis fonticas enfocam a lngua, e seus adversrios, a fala. No falam de uma mesma coisa. Em concluso, o erro dos neogramticos no consiste tanto no que fizeram quanto no modo de faz-lo. Supervalorizam o aspecto material da lngua s expensas do aspecto psquico, o qual, por uma parte, deve ser explicado pelo fato de que, sob o influxo do poderoso florescimento das cincias naturais na segunda metade do sculo XIX, por terem sido demasiadamente positivistas, e por outra, por ter sido descoberta entre 1870 e 1878 toda uma srie de novas leis fonticas, graas s quais algumas das mudanas fonticas consultadas at aquele momento como excees, puderam ser explicadas de maneira admirvel (TAGLIAVINI, 1952: 15). No obstante, no h dvida de que a escola dos neogramticos estabeleceu os fundamentos da Lingstica, inclusive da Lingstica Romnica. Introduziu, desenvolveu e precisou o rgido mtodo histrico-comparativo. Recolhendo e explicando uma enorme quantidade de fatos lingsticos, esta corrente desenvolveu um admirvel trabalho de pioneiros, sem o qual seriam inconcebveis a Lingstica Moderna e a Lingstica Romnica. E na realidade, o lingista cuja influncia foi to decisiva para a Lingstica Moderna, Ferdinand de Saussure, provm da escola de Leipzig dos neogramticos, deROUSSELOT, 1891; GAUCHAT, 1905: 175-232; Cf. IORDAN-ORR, 1937: 36 e ss.; POP, 1950: I, XLII, 307-15, 187-96.6

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Leskien, de Osthoff e de Brugmann, e lingistas como Meillet, Grammont e Bally, todos discpulos de Saussure, descendem, definitivamente, da mesma escola (MEILLET, 1936: 174-5; IORDAN-ORR, 1937: 282; TAGLIAVINI, 1952:79 e ss., 117). Tambm a moderna Lingstica Anglo-saxnica da Amrica respeita, ao menos em teoria, o mtodo dos neogramticos (ainda que com uma orientao voltada para o human behavior, o comportamento humano,7 seguindo a teoria de Bloomfield, que tem um carter naturalista e mecnico-materialista8), e o termo neogramtico no , na Amrica, um mote de reprovao ou de insulto, mas indica competncia cientfica em Lingstica Histrica (HALL, 1952: 2). Como resultado da atitude desta escola, na segunda metade do sculo XIX e no XX, apareceram para ficar somente no campo indo-europeu e mais particularmente das lnguas romnicas, entre outras coisas, os numerosos Grundisse e os manuais de gramtica histrica e comparada, como so os Grundiss der vergleichenden Grammatik der indogermanischen Sprachen de Brugmann-Delbrck para as lnguas indo-europias e o Grundiss der romanischen Philologie de Grber para as romnicas etc. Toda a obra do prncipe da moderna Lingstica Romnica, Wilhelm Meyer-Lbke, vem da corrente neogramtica, no s de sua prtica, mas tambm de sua teoria. Meyer-Lbke reelabora inteiramente a Grammatik de Diez, faz a sntese detalhada de setenta anos de labor, e entre outras coisas leva em conta no s as lnguas literrias, como Diez, mas tambm os dialetos. Sua Grammatik der romanischen Sprachen, apesar de antiquada em parte, ainda a base da Lingstica Romnica, e at hoje no existe nada melhor. Sua Einfhrung in das Studium der romanischen Sprachwissenschaft, que nem sempre pode ser seguida por um principiante (p. VII do prlogo), abre ainda hoje imprevisveis perspectivas para o especialista e lhe permite aprofundar-se nos problemas e nas dificuldades do mtodo histrico (Cf. BATTISTI, 1937: 13 e ss. da separata). Finalmente, seu Romanisches Etymologisches Worterbuch continua sendo fundamental e indispensvel. Da mesma corrente histrica derivam, ainda, numerosas gramticas, vocabulrios, manuais, monografias e investigaes de base histrico-comparativa, que so indispensveis ao trabalho cientfico de um lingista moderno no

Referente polmica contra o behavior approach de Bloomfield, veja PORZIG, 1950: 92, 94 e cf. BONNARD, 1956: 205-12.7

O mesmo Bloomfield, um discpulo dos neogrmaticos, declara expressamente que os motivos das mudanas fonticas so desconhecidos. Embora muitas mudanas de sons abreviem formas lingsticas, simplifiquem o mesmo sistema fontico ou minorem de alguma outra maneira o trabalho de pronncia, nenhum investigador conseguiu, apesar disso, estabelecer uma correlao entre uma mudana de som e um fenmeno antecedente. As causas da mudana fontica so desconhecidas (BLOOMFIELD, 1954: 385). Sobre o mtodo de Bloomfield, veja HALL, 1946: 273-83; 1951: 108-11 e 1952: 1-2. Quanto a Bloomfield e sua escola, veja entre outros, OTTO, 1954:103.8

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campo da romanstica, como, entre outros, NYROP, 1989-903; GAMILLSCHEG, 1928; BOURCIEZ, 1946; WAGNER, 1920; RICHERT, 1934 etc.).

O Mtodo Histrico-Comparativo Comparar uma tendncia universal dos homens. Experimentamos certo prazer em comparar certos fenmenos com outros; constatamos com satisfao, por exemplo, que duas pessoas se parecem, apesar de no haver entre ambas nenhum vnculo de parentesco, e nos alegramos por poder manifestar nossa constatao. Quando encontramos traos semelhantes em duas pessoas sem saber que so parentes, independente do prazer experimentado, fizemos uma descoberta com essa comparao. Essa tendncia a comparar est na origem, certamente, de muitas descobertas cientficas (PUCARIU, 1937: 13 e ss.). Mas, ao comparar, no estamos obrigados a chegar sempre a descobertas de carter genealgico; podemos tambm simplesmente esclarecer certos fenmenos. O mtodo comparativo, em Lingstica, no necessariamente histrico e, inclusive, pode, apesar das afirmaes contrrias de Saussure, ter um objetivo que no seja a reconstruo.9 O mtodo da Lingstica Histrica, ao contrrio, s pode ser comparativo (SAUSSURE, 1949: 16 e ss.; MEILLET, 1925: 10; DAUZAT, 1949: 263-9). Podemos assegurar, por exemplo, que em princpios do sculo XII a frase conquistarei cidades se dizia no antigo francs conquerrai citez (K. VORETZSCH, 1918: 89-91, 273), enquanto em francs moderno se diz je conquerrai des villes; ou seja, no sculo XII ainda no era usado o partitivo em francs. um fato conhecido que o partitivo s aparece excepcionalmente no francs dos sculos XII e XIII (FOULET, 1930: 61 e ss.) e que o uso universal do mesmo em francs moderno se deve, entre outras coisas, ao fato de no existir hoje diferena de pronncia entre o singular e o plural da maior parte das palavras (ville, villes).10 Nos sculos XII e XIII, no entanto, ainda existia essa diferena (por exemplo, o singular do antigo francs citt, plural citez), j que em francs o s comeou a ser mudo em fim de palavra somente a partir do sculo XIII. V-se claramente que, na realidade, a falta de diferenciao entre o singular e o plural uma das causas pelas quais hoje necessitamos usar em francs o partitivo, quando confrontamos a tal propSe o nico meio de reconstruir comparar, reciprocamente, a comparao no tem outro fim seno a reconstruo (SAUSSURE, 1949:299).9

TOBLER, 1908: 81 e ss.; VOSSLER, 1929:. 164 e ss.; SNEYDERS DE VOGEL, 1927: 17 e ss.; WARTBURG, 1946: 139-40.10

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sito o francs com outras lnguas. Em espanhol, por exemplo, em que no existe propriamente um partitivo (BOURCIEZ. Elm., 459 e 255) e em que se conservou o s em final de palavra, a frase conquistar ciudades (=antigo francs conquerrai citez) bem clara por si mesma. O italiano nos esclarece ainda mais, porque esta lngua no usa o partitivo com as palavras que distinguem o singular do plural, mas apenas com aquelas que no fazem distino. Com a palavra citt, que invarivel no plural, o antigo francs conquerrai citez se traduz em italiano conquister delle citt (com o partitivo), como no francs moderno (je conquerrai des villes). Quando, no entanto, em italiano, se distingue o plural do singular, no necessrio empregar o partitivo no plural, e assim se diz, por exemplo, conquister villaggi (diferente de villaggio) como no antigo francs. Neste caso, para ilustrar o uso do partitivo em francs no teramos tido necessidade de nos servirmos, para a comparao, de uma lngua romnica, mas poderamos ter tomado qualquer outra lngua a que pudesse ser atribuda a ausncia ou a presena do partitivo, ou de uma construo sinttica equivalente, distino ou falta de distino entre singular e plural. O mtodo comparativo no se torna histrico-reconstrutivo neste caso, mas permanece apenas e simplesmente comparativo. Converte-se, ao contrrio, em estados lingsticos precedentes, dos quais devem derivar necessariamente os que so objeto de comparao, isto , quando da comparao se passa reconstruo e genealogia. A gramtica comparativa das lnguas indo-europias, por exemplo, que o latim centum, grego HEKATON, antigo irlands ct, gtico hund, por uma parte, e o antigo indiano atam e o lituano imtas, por outra, concordam entre si, e reconstri um indo-europeu *k@mto-m#. Esta ltima forma, portanto, simplesmente a forma abreviada do acordo constatado. Ns dizemos que palatal indo-europia k correspondem latim c, grego k@, irlands c, germnico h, por um lado, e antigo indiano s (s ligeiramente palatalizado) e lituano s@ (sibilante palatal), por outro. Esta correspondncia ficar como puramente casual enquanto no pudermos demonstrar com a comparao que aquela se repete num grande nmero de casos anlogos, por exemplo, por um lado, o latim octo, grego OKTO, antigo irlands ocht, gtico ahtau, e por outro, o antigo indiano as@tau e lituano as@tuni. A forma abreviada desta ltima correspondncia o indo-europeu reconstrudo *ok#to[u] (Cf. TAGLIAVINI, 1949: 138-9). Enquanto a lngua originria indo-europia for desconhecida para ns, estas correspondncias no ocasionais, mas regulares, se tornam significativas, mas no passam, definitivamente, de correspondncias, e a lngua indo-europia, de uma hiptese de trabalho. O que ainda era uma hiptese no campo da Lingstica IndoEuropia converteu-se pela primeira vez numa realidade cientfica na Lingstica Romnica. O mtodo comparativo se fez propriamente histrico 30

primeiramente no campo das lnguas romnicas, pois somente para estas lnguas conhecida a lngua originria, o latim, a partir do qual podemos seguir durante um intervalo de dois mil anos a evoluo histrica destas lnguas (WARTBURG, 1946: 4). Enquanto as citadas correspondncias que existem entre o latim octo, grego OKTO, antigo irlands ocht, gtico ahtau, antigo indiano astau, lituano as(tuni e entre o latim centum e as outras formas anlogas no so mais que correspondncias baseadas num fundamento de comparao cientfica, um fato que o francs huit, italiano otto, espanhol ocho, catalo vuit, romeno opt derivam do latim octo: um fato evidente historicamente, pois sabemos que as lnguas romnicas procedem do latim. Mas a evidncia no suficiente; necessrio prov-la cientificamente. Ao considerar que o grupo consonantal -ct- (em octo) deu em francs -it-, em italiano -tt-, em espanhol ch- e em romeno -pt-, e que em todas as lnguas romnicas se obtm sempre os mesmos resultados do latim -ct- (por exemplo, latim nocte(m) > francs nuit, italiano notte, espanhol noche, romeno noapte; latim factu(m) > francs fait, italiano fatto, espanhol hecho, romeno fapt etc.), a realidade de que o francs huit, italiano otto, espanhol ocho e romeno opt derivam do latim fica demonstrada pelo mtodo comparativo (Cf. TAGLIAVINI, 1949: 138-9). Os exemplos que se seguem pretendem demonstrar a realidade histrica do mtodo comparativo aplicado Lingstica Romnica. Confrontemos o francs oreille, italiano orecchia, espanhol oreja, portugus orelha e o romeno ureche. Nestas cinco palavras, que apresentam uma evidente semelhana, a primeira slaba mostra uma correspondncia surpreendente (or-, ur-), e as outras, uma grande diferena (-eille, -ecchia, -eja, -elha, -eche). A forma corrente em latim para orelha auris, com a qual no possvel fazer corresponder a segunda parte das palavras romnicas. Mas existe tambm o derivado latino auricula, com o qual poderiam muito bem se relacionar as palavras romnicas. Se confrontarmos as denominaes romnicas da orelha com as do olho, por exemplo, (francs oeil, italiano occhio, espanhol ojo, portugus olho e romeno ochiu), para as quais evidente a origem referida ao latim oculus, constatamos que o elemento consonntico da segunda parte das palavras romnicas o mesmo, tanto para orelha como para olho: francs il(le), italiano cch, espanhol j, portugus lh e romeno ch; e ao mesmo tempo comprovamos que as palavras romnicas que designam a orelha vm do latim auricula e no do latim auris. Outras comparaes nos mostram que o francs il(le), italiano cch, espanhol j, portugus lh e romeno ch no devem remontar-se ao latim -cul- diretamente (como em auricula, oculus), mas ao latim -cl-; e o Appendix Probi (sculo III), que ao lado das formas latinas registra as formas incorretas que estavam em uso no latim vulgar, nos diz, por exemplo, nas glosas 3, 4, 7, 8, 9 e 111, que realmente se deve dizer speculum non speclum, masculus non masclus, vernaculus non 31

vernaclus, articulus non articlus, baculus non baclus e oculus non oclus (GRANDGENT. Introd., 289 e 291). Com o mtodo comparativo nos remontamos, portanto, ao passado, at forma latina auricla. Mas, com este mtodo, podemos nos aproximar ainda mais da verdade histrica. Com efeito, ao comparar as lnguas romnicas, considerando o resultado do ditongo latino au, vemos que deu em francs, italiano, espanhol e catalo o, em portugus ou, enquanto ao contrrio, se conservou em romeno e em provenal (por exemplo, aurum e taurum continuam em francs or, antigo francs tor, italiano oro, toro, espanhol oro, toro, catalo or, toro, mas em portugus ouro, touro, em romeno aur, taur, e em provenal tambm aur, taur) (MEYER-LBKE, 1890-92: I, 236). O portugus orelha (cf. portugus ouvir < latim audire) (NUNES, 1930: 77, 78 e 124) e o romeno ureche (cf. romeno uccid ouvidoai e com ei>oi, uma vogal latina vulgar (ou do romnico comum) fechado (MEILLET, 1922: 23-4; MEYER-LBKE, 1890-92: I, 84). No importa se esta vogal est documentada ou no em latim vulgar; as lnguas romnicas demonstram sua existncia com inmeros exemplos, como tambm demonstram a existncia de um em latim vulgar em vez do e o@ do latim clssico. Por outra parte, o esta documentado na realidade e precisamente nas inscries e textos semelhantes, onde a lngua falada obtm maior dignidade e nas quais, a partir do sculo III depois de Cristo, encontramos escrito e em vez de . Por isto, no caso da mudana do , e em , por causa da comparao de inmeros casos e de sua surpreendente regularidade, fica excluda toda casualidade. Vejam-se tambm exemplos no campo da morfologia. Para a terceira pessoa do plural do perfeito do indicativo de dicere e facere existiam em latim clssico, respectivamente, as trs formas dixrunt, dixre, dixerunt e fecrunt, fecre, fecrunt. Se comparamos o antigo francs distrent, francs dirent, antigo francs e francs firent, italiano dissero, fecero, romeno zser, feacer, vemos que o acento recai sobre a primeira slaba em todas as lnguas romnicas e que esta acentuao condio requerida para o desenvolvimento regular das formas romnicas. J que nas palavras latinas polisslabas o acento recaa sobre a penltima slaba quando esta era longa e sobre a antepenltima quando a penltima era breve, as formas romnicas devem proceder do latim vulgar dxrunt, fcunt (este ltimo se encontra em Plauto, por exemplo), que tm o acento sobre a primeira slaba (NIEDERMANN, 1953: 18; MEYER-LBKE, 1926: 202; GRANDGENT, 1928: 271; BOURCIEZ, 1946: 38; SCHWAN-BEHRENS, 1932: 230; MEILLET, 1922: 29 e ss.). O rtico (engadins) savair, italiano cadere, sapere, siciliano cadiri, antigo francs cheoir, francs choir, savoir, antigo provenal cazer, saber, catalo saber, espanhol caer, saber, portugus cair, saber etc., no podem ser as continuaes do latim cdere, spere, entre outras coisas, por causa do acento, que no recai nunca na primeira slaba, e dos ditongos do francs e do rtico, que, como vimos, remontam a um tnico. Para poder explicar as formas romnicas devemos partir do latim vulgar *cadre, *sapre, que devemos postular, embora no estejam documentados, com base nas formas romnicas, j que no possvel que a mudana de conjugao -re > -re e o deslocamento do acento correspondente tenham sido produzidos indepen33

dentemente nas vrias lnguas romnicas.13 Com o latim vulgar *cadre, *sapre, no supomos a existncia de palavras que no tenham existido nunca, mas somente as transformaes do latim cdere, spere no latim vulgar. Mas, aplicando o mtodo comparativo, podemos confirmar a existncia, fundamentados nas lnguas romnicas, de palavras latinas at hoje duvidosas ou pouco conhecidas, e at descobrir algumas desconhecidas. Assim, por exemplo, guiando-nos pelo sardo ansa, italiano ansia, antigo francs ainse, antigo provenal aisa, espanhol ansia, portugs nsia, catalo nsia, todas com o mesmo significado do italiano sups-se a existncia de uma palavra latina vulgar anxia. Esta foi descoberta em realidade, mas at que os latinistas soubessem que esta palavra, que aparece uma s vez, a base das vozes romnicas, eles queriam corrigi-la em angor, angna, porque no acreditvam que anxia fosse um vocbulo vivo (GRBER, 1884: 242; ROSSBERG, 1884: 564; MEYER-LBKE. REW, n 509; WARTBURG, 1928: I,102; WAGNER, In: VKR, VI: I (da separata) e 1949: 3 e ss.). A propsito do latim anxia, no podemos esquecer que o tesouro lexical latino no nos conhecido em sua totalidade, que os dicionrios no podero nunca transmitir-nos todo esse tesouro tal como era, e que tampouco os textos (que tm sempre caractersticas mistas e artificiais) esto em situao de representar-nos o lxico integral de um determinado perodo (Cf. BRUNOT, 1905: I, 102 e ss.). Existe toda uma srie de palavras latinas que, como a citada anxia, apesar de aparecer s por casualidade em um ou dois textos, eram bastante comuns. Assim, por exemplo, o fundamento latino das denominaes romnicas de uma espcie de doce ou po cozido ao forno ou na brasa, italiano focaccia, siciliano fuazza, sardo (logudors) covazza, francs fouace, catalo fogassa, espanhol hogaza, portugus fogaa, que derivam do latim focacia plural neutro de focacium. Na Itala encontramos duas vezes fcacium, mas na Vulgata aparece chamado subcinericium panem parvulum; fora disto, a palavra em questo s se encontra nas Origines de Isidoro de Sevilha (sculo VII) (SOFER, 1930: 23). Apesar de sua escassssima documentao, trata-se de um vocbulo bastante vivo no latim falado, como no-lo demonstram as lnguas romnicas. E se no possussemos esta escassssima documentao, poderamos supor, pela simples comparao das vozes romnicas, primeiramente, que as ditas vozes esto em relao com o latim focus, lareira, fogo, e em segundo lugar, que no podem ser derivaes romnicas, visto que, sem falar de outras coisas, deveriam ter resultado do francs feu e do espanhol fuego ( francs miel de um lado com o latim vulgar fl > francs fiel, latim vulgar clu > francs ciel, latim vulgar pde > francs pied etc., e de outro lado latim vulgar septe > francs sept, latim vulgar tsta > francs tte, latim vulgar frru > francs fer etc., e concluiremos que o tnico do latim vulgar passou em francs a ie, no incondicionalmente, mas apenas em slaba aberta, permanecendo imutvel em slaba fechada. Se compararmos, por exemplo, o latim vulgar ml > espanhol miel, de um lado, com o latim vulgar clu > espanhol cielo, latim vulgar fl > espanhol hiel, latim vulgar pde > espanhol pie etc., e do outro o latim vulgar septe > espanhol siete, latim vulgar testa > espanhol tiesta, latim vulgar ferru > espanhol hierro etc., chegamos concluso de que o e tnico do latim vulgar, em espanhol, diferentemente do francs, se converteu em ie tanto em slaba aberta quanto em slaba fechada.24 Assim vemos que o mtodo histrico em nossa cincia s pode ser comparativo e indutivo.

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Sobre o mtodo de reconstruo do latim vulgar, veja tambm VOSSLER, 1954: 72-6.

MEYER-LBKE, 1890-92: I, 142-6; BOURCIEZ, 1937: 64 e 66; NYROP, 1899-903: I, 183-4; PIDAL, 1952:. 46; DAUZAT, 1949: 281 e ss..

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QUARTO CAPTULO A LINGSTICA ROMNICA NO SCULO XX

A Lingstica Romnica como cincia histrica, praticada com o mtodo histrico-comparativo, uma filha do Romantismo, surgida de uma considerao histrico-evolucionista da lngua. Toda a atmosfera do sculo XIX positivista, e em todos os campos possvel encontrar traos de uma tendncia emprica e analtica. A observao dos fenmenos que nos rodeiam, a representao cuidadosa destes segundo a realidade, caracterizam no s as cincias, mas tambm as artes. Pensemos simplesmente na novela naturalista que contemplava a realidade por via emprica e analtica como documento humano, e pensemos no Impressionismo nas artes representativas. Numa poca extremamente anti-metafsica, em que se esperava tudo do empirismo, na qual o fim de toda investigao era estabelecer fatos e leis nas quais o mundo nos era representado mecanicamente ordenado e dominado pelo princpio da causalidade, tambm o esprito, obviamente, estava ligado pela causalidade e, por conseguinte, no era livre. esta a idade do determinismo e do Naturalismo com suas variantes, o positivismo, o pragmatismo e o monismo naturalista. Deve-se a W. Windelband, H. Rickert e H. Bergson que a Filosofia se libertasse do influxo das cincias naturais. Os dois primeiros constituram sua concepo do mundo (sua Kultur-philosophie) sobre valores absolutos, supra-temporais; o ltimo, ao contrrio, quer pr o instinto acima da inteligncia, assim como a intuio e a simpatia adivinhadora. No sistema de Bergson, a inteligncia opera analiticamente e a intuio sinteticamente, e enquanto a primeira se ocupa dos detalhes, a segunda se concentra na totalidade. Bergson deseja, no obstante, que a intuio se mantenha despertada e dirigida pela inteligncia. A averso ao Naturalismo e ao modo naturalista e evolucionista de pensar se manifesta sobretudo na reao ao historicismo derivante do Romantismo que pode ser percebido claramente nas correntes artsticas do Expressionismo. Assim, depois de uma poca caracterstica do sculo XIX, de predileo pelas concepes das cincias naturais, pelos fins daquele sculo 44

e princpios do sculo XX, transcorre outra poca em que a intuio tem o predomnio na cincia (SCHRR, 1925: 3-24, 89-90; IORDAN-ORR, 1937: 79-85). Durante todo o sculo XX pode ser notada na Lingstica, inclusive na Lingstica Romnica, uma sensvel tendncia sntese e ao requinte do esprito. Esta tendncia deve ser considerada como uma reao contra a concepo naturalista, evolucionista, histrica, que havia dominado no sculo XIX. No porque o mtodo histrico-comparativo fosse errneo, de modo algum; mas porque era unilateral. Na realidade, sublinhava demasiadamente o lado material, orgnico, histrico-evolucionista, e operava de maneira demasiadamente analtica e indutiva. O defeito desta tendncia estava em se colocar muito cientificamente, num terreno em que tm grande participao os fatores espirituais. A reao, no obstante, vem tambm de outras direes. O esprito democrtico e socialista, cheio de interesse pelas linguagens populares e desejoso de explicar os fenmenos lingsticos pela Sociologia, o apego aos usos tradicionais de cada regio, o nacionalismo dos pequenos povos, profundamente embasados em sua tradio e em sua lngua popular, o interesse que, por motivos de colonialismo, punham as grandes potncias a estudar as lnguas dos povos primitivos privados de literatura, a prpria tendncia para tudo que primitivo, tendncia que estava em moda na Europa desde fins do sculo XIX, tudo isto contribuiu para ressuscitar o interesse pelos dialetos (AUERBACH, 1948: 18). Uma concepo lingstica fundamentada principalmente na intuio e a Dialetologia, que estavam para ter um papel importantssimo no desenvolvimento da Lingstica, so os fatores mais evidentes que fizeram nascer uma reao contra o esprito racionalista, exclusivista, aristocrtico e literrio do mtodo histrico-comparativo. Mas, do ponto de vista estritamente lingstico, a reao que vem da Dialetologia a mais importante. Nela, efetivamente, a matria revela, de modo inesperado, sua mais ntima unio com o espiritual, com o individual e pessoal. A razo da unilateralidade do mtodo histrico-comparativo no estava somente no prprio mtodo, mas no material em que se baseava. A matria era unilateral, porque no levava suficientemente em conta a vida, porque no vinha da lngua viva, falada, mas, sobretudo, da escrita, literria. Em meu entender, vemos claramente que no existe nenhum antagonismo entre alma e corpo, entre esprito e matria, com seus aspectos humanos e metodolgicos, intuio-intelecto, sntese-anlise, individual-social. Ao contrrio, existe uma estreita correlao. Esta a chave para todo o posterior desenvolvimento da Lingstica em geral e da Lingstica Romnica em particular, ou vice-versa, pois esta ltima devia tambm desempenhar aqui a funo de modelo.

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Por que, no sculo XIX (e ainda mais tarde) a fontica tem o predomnio? Porque se apresenta com uma admirvel regularidade. Esta regularidade se deve ao fato de que a fontica era, ou melhor, estava concebida como a emanao material de uma substncia em certo modo abstrada da vida da linguagem, isto , da lngua escrita literria, e sobretudo porque se alicerava sobre sons e no sobre palavras. Se no abstrairmos a matria da vida, a fontica se far to irregular como a prpria vida. Quando, em 1881, Georg Wenker se disps, com sua f na regularidade da fontica, a traar os limites dos dialetos alemes com a ajuda da mesma fontica, teve de reconhecer com desiluso que as mudanas fonticas que tinha diante dos olhos eram diferentes, digamos, para cada palavra, e que, por exemplo, uma lei fontica que parecia operar to regularmente como a segunda Lautverschiebung, pela qual os dialetos alto-alemes so separados dos baixo-alemes, manifestavase diferentemente nas diferentes palavras (IORDAN-ORR, 1937: 146-47; TAGLIAVINI, 1952: 22-24). Operou-se uma revoluo na Lingstica quando se comeou a ampliar a lngua literria escrita, abstrada, em certo modo, da vida da lngua, por meio dos dialetos, da lngua viva. O romanista Jules Gilliron, fundador da Geografia Lingstica, realizou uma empresa pioneira com seu Atlas Lingstico da Frana (ALF), no qual, com ajuda de seu colaborador Edmond Edmont, registrou as respostas a 1920 perguntas, recolhidas in loco, em 639 pontos do territrio galo-romnico, mediante uma coleo de mapas (POP, 1950: 117 e ss.). Depois que este trabalho ps disposio dos estudiosos a lngua viva, isto , a enorme massa de materiais que compreendia os dialetos galo-romnicos, comeou-se, graas aos estudos do prprio Gilliron e de outros, alicerados nesse material, a ter uma melhor compreenso do fato j constatado com base nos materiais de Wenker, de que certas mudanas fonticas so diferentes quase em cada palavra. Mediante o material recolhido da lngua viva, comeou a ser compreendido como os desenvolvimentos fonticos, que se mostravam to regulares, por causa dos diversos fatores (cruzamentos de palavras, etimologias populares, emprstimos etc.), estavam submetidos a contnuas perturbaes, e se deu conta de que os sons so alterados nas palavras e que quase cada uma delas tem o seu prprio desenvolvimento fontico: ...que seja mantido um determinado som (latino) sob certas condies, num certo lugar, ou que se torne um novo som determinado, uma abstrao. Na realidade, cada palavra tem sua prpria histria (JABERG, 1908:. 6; Cf. PIDAL, 1929: 529 e ss.; VOSSLER, 1929: 309-10; WARTBURG., 1946: 31)..25

Sobre a segunda Lautverschiebung, diz Th Frings (1924: 9): ...no se deveria falar de mutao de sons, mas de palavras alteradas em seus sons.25

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Gilliron ops as perturbaes do desenvolvimento fontico causadas pela etimologia popular etimologia dos etimologistas. O latim *fimarium esterqueira, derivado do latim fimus esterco com o sufixo coletivo -arium, deu em francs antigo femier, no qual o e evolui para por influncia do m contguo. Esta a explicao fontica. Mas Gilliron supe que o antigo francs femier tenha sido convertido em fumier porque o povo relacionou o vocbulo com fumer fumegar, j que do esterco, que preparado no outono, queimando restos de folhas e de ervas, sai freqentemente fumaa. Deixando sem discutir a exatido da explicao de Gilliron, que recorre etimologia popular pois bem possvel que a influncia de fumer sobre fumier tenha ocorrido aps o e j ter sido convertido em por influncia da labial, certamente, deve-se levar em conta tambm a fantasia popular ao lado da explicao puramente fontica (GILLIRON, 1918: 249 e ss.; WARTBURG, 1928 e ss.: III, 542 e 548; BLOCH-WARTBURG, 1932: I, 320; GAMILLSCHEG, 1928: 447; TAGLIAVINI, 1952: 29). A reao ao mtodo histrico-comparativo do tipo naturalista veio de outras duas partes, alm da Dialetologia e da Geografia Lingstica. O primeiro estudo de Geografia Lingstica de Gilliron apareceu em 1905 (GILLIRON-J. MONGIN, 1905); em 1904 Karl Vossler publica seu Positivismo e Idealismo no Desenvolvimento da Linguagem, e em 1906 Ferdinand de Saussure comea seu Curso de Lingstica Geral na Universidade de Genebra, curso preparado j h muito tempo, cuja primeira edio, no entanto, s apareceu em 1916, pstuma, aos cuidados de seus discpulos (WARTBURG, 1931: 14). Que a reao pudesse manifestar-se ao mesmo tempo de trs direes diferentes e independentes, no , certamente, uma casualidade. Contra o qu reagiram propriamente e ao mesmo tempo o bilogo da lngua, Gilliron, de mentalidade positivista-intelectualista, o esteta da linguagem, Vossler, idealista e intuicionista, e o socilogo, Saussure, de concepes positivista-estruturalistas? Os trs queriam unicamente, em minha opinio, reconstruir a relao entre esprito e matria, cujo equilbrio havia sido perturbado pelo mtodo histrico-comparativo do tipo naturalista; queriam, em outras palavras, reintegrar a vida matria. Para chegar a este resultado seus olhos se dirigiam para a estreita relao existente entre alma e corpo, esprito e matria, intuio e intelecto; sntese e anlise; individualidade e coletividade. J Hugo Schuchardt distinguiu na vida da linguagem dois fatores fundamentais: o Spaltung e o Ausgleich. O Spaltung, a criao na lngua, individual e intuitiva; o Ausgleich, ou seja, a introduo da criao na comunidade, social e intelectual. A distino introduzida por Vossler entre lngua como criao e lngua como evoluo (SCHRR, 1925: 57) corresponde definitivamente de Saussure entre fala (parole), ou seja, o individu47

al, e lngua (langue), que social e convencional na estrutura lingstica. A diferena est em que Saussure, socilogo da lngua, considera a estrutura lingstica como um complexo de signos arbitrrios fixado pela exigncia da conveno comum, mas sem deixar de considerar a atividade individual, de modo que ele vai do social ao individual, enquanto Vossler, o discpulo de Vico, de Humboldt, de Hegel e de Croce, interpretando a lngua como criao, como arte, percorre o caminho oposto, do intuitivo ao intelectual: a lngua como criao sancionada pela comunidade (lngua como evoluo) (PAGLIARO, 1930: 94, 99 e 102). Com mtodos diferentes, ambos queriam descobrir os caminhos do esprito na vida da linguagem e, desta maneira, fizeram progredir na prtica o estudo da sintaxe (Vossler e sua escola), da estilstica (Charles Bally, discpulo de Saussure) e da fontica, sendo que nesta o esprito se manifestava melhor, ao menos em aparncia (JABERG, 1926: 10; PAGLIARO, 1930: 88, 94 e 101; NENCIONI, 1946: 74, 143 e ss.). Quanto ao bilogo da lngua, Gilliron, chega tambm, por meio da massa de materiais que lhe proporcionam os dialetos, descoberta do esprito na vida lingstica. E sua descoberta, em meu entender, to rica de significado que ele trouxe luz o esprito, ali onde este, ao que parece, mais dificilmente se mostra: no na sintaxe ou na estilstica, mas precisamente na fontica. Ele mostra, por exemplo, que a mudana fontica aparentemente impossvel de fl- > kl- possvel em certas palavras (GILLIRON-ROQUES, 1912: 49-80; Cf. WARTBURG, 1946: 19-20; TAGLIAVINI, 1952: 29) e que ao lado de uma mudana fontica, como a do antigo francs femier > antigo francs fumier, ou do latim firmare > francs fermer, deve-se levar tambm em conta a etimologia popular, a qual sente fumer em fumier, e fer (< latim ferrum) em fermer (pr o ferro na porta, fermer la porte) (GILLIRON, 1919: 11 e ss.). Noutras palavras, ao lado da mudana fontica naturalista, histrico-evolucionista, existe tambm a imagem que tm propriamente de um som ou de uma palavra os que pertencem a uma determinada comunidade lingstica (SCHRR, 1925: 74 e ss.). Desta maneira, Gilliron reage no s contra o mtodo histrico, mas tambm, em minha opinio, o precursor da fonologia e de nossa moderna concepo dos sons da fala como um produto do esprito.26 Depois desta exposio orientadora sobre a reao contra o mtodo histrico-comparativo, o mtodo velho, preciso considerar detalhadamente os trs aspectos desta reao, a Geografia Lingstica, o Mtodo Idealista e a... os sons da linguagem no so fenmenos fsicos, mas espirituais. S se produzem pela escolha significativa, que naturalmente uma atividade do esprito. Os sons no formam a palavra, como o leigo tende a crer, mas a palavra e, melhor ainda, o conjunto das palavras que produz os sons como unidades determinadas. At nessas formaes inferiores e que parecem simplesmente naturais, a lngua esprito (PORZIG, 1950: 54).26

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Lingstica Estrutural, a fim de podermos tornar claro como os mtodos velhos e novos revelam seus aspectos bons e maus luz desta reao.

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I. A GEOGRAFIA LINGSTICA O mtodo de trabalho de Gilliron, fundador da Geografia Lingstica, consistia em atacar o problema a partir de um ponto de vista completamente emprico e no estava orientado menos naturalista e positivistamente do que os que praticavam o mtodo histrico-comparativo. Mas, enquanto estes deviam seu material de estudo aos documentos escritos e aos dialetos (textos dialetais, dicionrios dialetais e estudos sobre os dialetos), Gilliron observou a vida da linguagem com ajuda do Atlas Lingstico da Frana (ALF) e praticou constantemente a Biologia da Linguagem (TERRACINI, 1949: e 213.). A evidncia antropomrfica de sua terminologia, que se revela, inclusive, nos ttulos de suas obras, atesta que estamos aqui colocados no meio de uma vida lingstica muito intensa, na qual as palavras vivem sua vida individual e social. Os vocbulos podem se tornar homnimos por causa de acidentes fonticos e entrar em choque entre si, com a conseqncia de que os mais fracos devam ceder ante os mais fortes. s vezes, saem da luta como mutilados fonticos; s vezes, tambm milagrosamente inclumes, graas taumaturgia lingstica (GILLIRON, 1923). Umas vezes as palavras foneticamente enfermas se curam (patologia e teraputica verbais) (GILLIRON, 1915 e 1921) noutros casos, so vtimas de uma fada Morgana27 fontica (GILLIRON-ROQUES, 1907: 107-49). Alm das enfermidades fonticas, tambm pode ter graves conseqncias a pletora interior ou pletora semntica (ROQUES, 1930; A. KUHN, 1947-48: 32). Em resumo: somos espectadores de uma luta de vida ou morte. Graas descoberta de palavras isoladas nas reas marginais, mediante o ALF, observao da cristalizao da vida e da superposio de diversos estratos de palavras, Gilliron pratica a Geologia Lingstica, e o faz com o mesmo mtodo do gelogo que reconstitui a vida passada pela observao dos fsseis. Segundo a obra fundamental de Gilliron sobre a genealogia das palavras que significam abelha (GILLIRON, 1918.)28 e por causa de sua27 28

Aluso fada (da famlia do Rei Artur) que aparece em romances do ciclo breto com o poder da cura.

Vide recenses, metodologicamente importantes em TERRACHER. 1918: 231-42; JABERG, 1920: 12135; MEYER-LBKE, 1919: 371-86 e WARTBURG, 1928: I, 104-5.

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excepcional importncia metodolgica oportuno que seja aqui mais particularmente resumida e discutida. Segundo o mapa 1 do ALF existem no territrio lingstico galo-romnico os seguintes tipos de denominao para aquele inseto: 1. , s, a (em zonas marginais completamente separadas no norte da Frana e na Sua); 2. mouche miel (no norte da Frana sobre um extenso territrio triangular); 3. avette (a oeste); 4. mouchette (a leste) e 5. abeille (ao sul do Loire at os Pireneus e o Mediterrneo e dos Alpes at o Rdano, franco-provenal aveille). Ao lado destes tipos, existem pequenos, porm, compactos territrios dos tipos mouche, essaim, essette, ruche etc. A presena das formas monossilbicas , s, a nas ditas zonas marginais demonstra, positivamente, segundo Gilliron, que a palavra originria para o conceito abelha era o latim apis em todo o territrio galo-romnico. Assim, para o gelogo da linguagem Gilliron, o achado dos fsseis , s e a mostra que o estrato originrio apis aparece hoje na periferia do territrio. O bom senso nos diz, com efeito, que improvvel que no momento da romanizao da Glia a palavra apis tenha sido introduzida exclusivamente nas longnquas zonas marginais separadas entre si, e em nenhum outro lugar. A exatido desta afirmao reforada a posteriori pelo fato de que o antigo francs ef, s abelha estava em circulao, segundo os textos do francs antigo, em todo o territrio norte da Frana, onde hoje se diz mouche miel. Confrontando agora o mtodo histrico-comparativo com o da Geografia Lingstica no que se refere a este caso, constataremos que so precisamente os mesmos (MEYER-LBKE, 1925: 23-24). A Geografia Lingstica reconstri a existncia de um estudo anterior, baseando-se na distribuio geogrfica das palavras; o mtodo histrico-comparativo faz o mesmo mediante a comparao, e nos diz, por exemplo, que a fase anterior do sardo ansa, italiano ansia, antigo francs ainse, antigo provenal aisa, espanhol ansia, portugus nsia, catalo nsia, era o latim vulgar anxia. A comparao e a distribuio geogrfica das palavras so dois meios aparentemente diversos, mas em estreita relao entre si, para estabelecer um processo histrico. Por isto, como dissemos, a reconstituio de um prottipo latino vulgar de palavras romnicas conseguir probabilidade to maior quanto mais extenso for o material comparvel em romnico, isto , quanto mais lnguas romnicas possam entrar na comparao, ou noutras palavras, quanto mais se encontre apoiado o material comparvel pelo critrio geogrfico. Depois que o gelogo lingista pde estabelecer que em todo o norte da Frana estava originariamente em uso ef, s, o bilogo lingista Gilliron se dedicou a investigar por que e como esta palavra foi vencida e eliminada por outras. O singular do antigo francs ef (do latim apem) e o plural s (do latim apes) eram palavras monossilbicas, dbeis, passveis dos efeitos da homonmia. Do plural s saiu diretamente um singular , que foi reforado, sendo substitudo pelo plural s (nos textos do antigo francs encontramos 51

efetivamente para o acusativo singular ef, e s). Os mutilados fonticos e s entraram em conflito em certos territrios por causa da homonmia com as palavras que significavam pssaro e vespa. No norte da Frana, onde, s vezes, existe indeciso entre w e , se dizia z(s) ao lado de wz(s) ao lado de wz(s) pssaros. Da surgiu uma insustentvel homonmia, j que le vol dz(s) podia significar tanto le vol doiseaux como le vol des abeilles. Por isto, segundo Gilliron, nestes territrios oiseau foi substitudo por outras palavras (por exemplo, jeune, oiselet, moineau) (Cf. MEYERLBKE, 1920: 79-80) e s abelha foi substitudo por etimologia popular por essaim enxame, ou seja, o povo entendeu essaim como coletivo de s. Sendo assim, entraram em conflito novamente dois homnimos: essaim abelha e essaim enxame. O fato de que, enquanto noutras zonas da Frana para designar o enxame se diz essaim ou ento jeton, aqui e s aqui essaim tenha sido substitudo por outras palavras como mouche, les mouches, jeuneau, confirma o raciocnio de Gilliron. Apesar disto, Gilliron se encontra metodologicamente em dificuldades precisamente porque quase no trabalha comparativamente. Uma das deficincias mais evidentes do mtodo de Gilliron que deixa fora de considerao as outras lnguas romnicas. Que essaim no territrio citado signifique abelha um fato, mas que se trate de um coletivo por etimologia popular de s abelha, uma hiptese desnecessria. Efetivamente, noutros territrios romnicos, como na Itlia Central (por exemplo nos dialetos de Altidona e Cupra Martima) abelha se chama, respectivamente ji assmi e li some, que sem dvida vm diretamente do latim examen (> italiano sciame, francs essaim etc.).29 Aqui podemos, pois, constatar novamente a estreita correlao, exposta h pouco, entre o mtodo geogrfico e o comparativo na definio de um processo histrico. Gilliron, ao tratar das condies lingsticas francesas deixa fora de exame as outras lnguas romnicas, entre outros motivos porque no quer trabalhar comparativamente e quer demonstrar que em francs no h quase nada que venha do latim. O mtodo nocomparativo de Gilliron to unilateral e equivocado quanto o mtodo comparativo (MEYER-LBKE, 1925: 24) que, nas lnguas romnicas, quer extrair tudo ou quase tudo do latim. No norte da Frana, portanto, segundo Gilliron, s abelha entra em conflito mais tarde com a denominao da vespa, ws, que ali existe, em conseqncia da insegurana indicada entre e w. Trata-se de um conflito no s lingstico, mas tambm entomolgico, posto que se trata de dois insetos diferentes. O resultado que s (ou w) desaparece. Em certas regies do norte, contudo, por influncia de wep vespa (< latim vespa), sBOTTIGLIONI, 1919: 34; MEYER-LBKE, 1935, n 2936; WARTBURG, 1928 e ss.: III, 257-8; TAGLIAVINI, 1949: 97.29

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abelha que, como vimos, estava em luta com as denominaes para pssaro e para enxame, se converte em ep. Este ep foi tomado de emprstimo do dialeto da Ilha de Frana. A palavra ep abelha, alm do fato de estar completamente isolada e de poder confundir-se com gupe vespa, era dbil e, portanto, tinha necessidade de apoio, o que recebeu, por uma parte, de , s, e por outra, de mouche (isto , mosca que pica). Desta maneira, segundo Gilliron, surgiram (s)-ep e mouche-ep, compostos hbridos nos quais, com o tempo, o elemento -ep, que j se tornava ininteligvel, foi interpretado como um sufixo, e ento aqueles compostos, por influncia do freqente sufixo -ette, converteram-se em essette e mouchette. Porm, estas ltimas formas no so diminutivos de s e mouche, j que abelha no pode ser entendida nem como pequena abelha nem como pequena mosca, mas que no so propriamente outra coisa seno substituto assonantes de s-ep e mouche-ep. Enquanto s-ep se encontrta nos dialetos e nos textos, *moucheep no est documentado em nenhum lugar. Por isto Gilliron tem que recorrer ao mtodo histrico e precisamente reconstruir uma forma principal (MEYER-LBKE, 1925: 24)) sem a qual no pode explicar o francs abeille. Mouchette, porm, no podia sustentar-se, pois um diminutivo de mouche (isto , mosca pequena) no pode significar abelha, alm de que mouchette abelha defrontava continuamente com mouchette mosca pequena. Por isto, para poder distinguir as denominaes destes dois insetos, teve que se recorrer a uma cura teraputica da desdiminutivao (GILLIRON, 1918: 128-9) combinada com composio: mouchette passa a mouche miel abelha e esta forma conquista a partir do sculo XV toda a Frana Setentrional. Em Paris, mouche miel substituda por mouche-abeille, porque se queria estabelecer uma correspondncia de mouche miel com mouchegupe vespa, outra palavra que indica um inseto que pica. Desta maneira se tomou emprestado do sul o provenal abelo abelha (< latim apicula) para a segunda parte da composio pelo modelo de mouche-gupe, assim como se havia tomado por emprstimo do norte ep para mouche-ep. *Moucheabeille, afinal de contas, um mero substituto assonante de mouche miel ( miel assonante de abeille), como mouchette uma derivao assonante de mouche-ep. *Mouche-abeille, que no est documentado em parte alguma e que no deixou rastro seno em poucos dialetos, deixa cair a primeira parte que lhe servia de apoio, pois abeille bastante claro, vital e independente, e a palavra indicadora de abelha limitada capital, da qual, em suma, se pode estabelecer a genealogia e biologia seguinte: 1. ef, plural s > 2. s > 3. ep > 4. -ep > 5. *mouche-ep > 6 mouchette > 7. mouche miel > 8. *mouche-abeille > 9. abeille (GILLIRON, 1918: 16 e passim).

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O mtodo de Gilliron e o histrico-comparativo tm em comum, portanto, que ambos reconstroem mediante a comparao, com a diferena de que o ltimo fundamenta suas indue