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REVISTA DA ACADEMIA BRASILEIRA DE FILOLOGIA N.º IX NOVA FASE 2011 Segundo Semestre

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  • REVISTA DA

    ACADEMIA BRASILEIRA

    DE FILOLOGIA

    N. IXNOVA FASE

    2011Segundo Semestre

  • REVISTA DA

    ACADEMIA BRASILEIRA DE FILOLOGIA

    Nova FaseN. IX - 2011

    Segundo Semestre

    EXPEDIENTE

    Diretor: Antnio Martins de Arajo

    Coordenador executivo: Claudio Cezar Henriques

    Redator-chefe: Manoel Pinto Ribeiro

    Secretrio: Ams Colho da Silva

    Divulgao e publicidade: Jos Pereira da Silva

    CONSELHO HONORFICO Constitudo por todos os scios-correspondentes da

    Academia Brasileira de Filologia

    CONSELHO TCNICO Antnio Martins de Arajo, Carlos Eduardo Falco Ucha,

    Castelar de Carvalho, Evanildo Bechara, Marina Machado Rodrigues, Maximiano de Carvalho e Silva, Ricardo Stavola Cavaliere

    e Rosalvo do Valle

    A Academia Brasileira de Filologia no se responsabiliza por conceitos emitidos em artigos assinados.

  • Diretoria

    Academia Brasileira de Filologia

    Binio: maio de 2010 a maio de 2012

    Presidente Antnio Martins de Arajo

    Vice-Presidente Ricardo Stavola Cavaliere

    Primeiro Secretrio Ams Colho da Silva

    Segundo Secretrio Edila Viana da Silva

    Tesoureiro Jos Mrio Botelho

    Bibliotecrio Manoel Pinto Ribeiro

    Relaes Pblicas Jos Pereira da Silva

    Presidentes de Honra da ABRAFIL

    Professores Evanildo Bechara e Leodegrio A. de Azevedo Filho

  • SUMRIOEDITORIAL............................................................................................................... 7

    ENSAIOS

    1. lvaro Alfredo Bragana Jnior - Paremiologia e misoginia na idade Mdia germanfona ............................................................................................................. 092. Ams Colho da Silva - O que ser o amanh? .................................................. 213. Antonio Martins de Araujo - Vida e obra do Maior Artista do Verso no Brasil: Raimundo Correia .................................................................................................... 294. Antnio Nunes Malveira - Alguns termos do lxico de Vila da Bica, no Cear ................................................................................................................................... 385. Claudio Cezar Henriques - Trs gramticas de referncia para os estudos do portugus .................................................................................................................. 416. Edila Vianna da Silva - A pesquisa sociolingustica: A teoria da variao ...........497. Eduardo Tuffani - Reviso de um compndio de tupi antigo ............................ 588. Fernando Ozrio Rodrigues - Uma nova edio das histrias de Trancoso ..... 649. Hilma Ranauro - Uso literrio da linguagem O ensino integrado da lngua e da literatura ................................................................................................................... 7210. Horcio Rolim de Freitas - Mattoso Cmara e a Fonologia .............................7911. Joo Bortolanza - Ismael Coutinho e o sistema verbal latino-portugus ........ 8812. Jos Mario Botelho13. Jos Pereira da Silva - O conceito de erro em Sociolingustica ..................... 11014. Leodegrio A. de Azevedo Filho - A presena de Gregrio de Matos nas origens da literatura brasileira ............................................................................................. 11615. Lusa Galvo Lessa - Atlas etnolingustico do Acre: Uma contribuio dialectologia brasileira ........................................................................................... 12516. Luiz Cesar Saraiva Feij - Breve apreciao sobre o falar catarinense ........ 13617. Luiza Lobo - O romance de histria das mentalidades e as terras proibidas .. 14818. Magda Bahia Schlee Fernandes - Breve abordagem da categoria discursiva modalidade ............................................................................................................. 15719. Manoel Pinto Ribeiro................................................................................................................................. 17020. Maria Anglica Freire de Carvalho - Rotulao como estratgia de produo de sentidos contextualmente organizada ..................................................................... 17721. Maria Antonia da Costa Lobo - Acredite se quiser ....................................... 191

    ENTREVISTA

    Entrevista com o Mestre Francisco Venceslau dos Santos ................................ 193

  • MEMRIA

    Afrnio PeixotoPatrono Antnio Vieira - A cadeira 2 da Academia Brasileira de Filologia ....... 204Manoel P. Ribeiro 1907 ......................................................................................................................... 206

    RESENHA

    Estilstica e Discurso: Estudos Produtivos Sobre Texto e Expressividade, de Claudio Cezar Henriques. Rio De Janeiro, Elsevier, 2011, 254+xvi p. Tania Maria Nunes de Lima Camara - Revisitando uma (sempre) jovem senhora ................................................................................................................................... 211Terras proibidas: a saga do caf no Vale do Paraba do Sul, de Luiza Lobo. Rio de Janeiro: Rocco, 2011, 494 p.Mrcia Cavendish Wanderley - As terras proibidas de Luiza Lobo ................... 214

    NOTICIRIO

    Comemorao dos 67 Anos da ABRAFIL .......................................................... 217Congresso Internacional em Macau ................................................................... 221Palestra de Claudio Cezar Henriques em Macau ............................................. 222Congresso da Faculdade de Formao de Professores - UERJ de So Gonalo .................................................................................................................................... 223

  • E D I T O R I A LEsta edio d continuidade s homenagens ao Prof. Leodegrio Amarante de

    Azevedo Filho. Por isso relembramos ensaio do ilustre mestre, sobre a obra de Gregrio de Matos, alm de reproduzirmos palestra de Raimundo Jacques, um de nossos primeiros acadmicos, que tratou da obra do grande camonista Afrnio Peixoto, membro fundador de nossa Academia. Como notrio, nosso Presidente de honra foi um dos maiores cultores da obra camoniana.

    Nas homenagens ao Mestre Leodegrio, repetimos palavras de grandes amigos, como o poeta lusitano Albano Martins:

    Azevedo Filho foi tambm grande amigo de nosso pas, que frequentemente visitava e onde tinha numerosos amigos. Lembra-se aos que o no sabem ou esqueceram, que Leodegrio (o Leo, como era conhecido entre os amigos) foi, durante o ano de 1972, professor visitante da Universidade de Coimbra. Tambm esta, por isso, est de luto. Assim o cremos, ao menos. A exemplaridade e a excelncia tm de ser reconhecidas e, mais do que isso, assinaladas e honradas.

    exaltao obra de Leodegrio, assim se expressou:

    post-mortem o princpio de que a Arte cria uma realidade muito mais real do que a prpria realidade. Seu falecimento nos deixou rfos de sua presena, mas suas obras mostraro a seus psteros, como ns outros aqui sobreviventes, que sua linda, longa e produtiva vida valeu mais do que a pena ser vivida.

    Tambm devemos ressaltar as palavras da Mestra Snia N. Salomo, crtica e ensasta, professora de Lngua Portuguesa e Brasileira na Sapienza, Universidade de Roma:

    Talvez a comoo desta hora, provocada pela amizade, leve a uma espcie de exortao geral, a uma chamada s armas no combate apatia burocratizante a que pode conduzir a vida acadmica, no s no Brasil.Leodegrio dela escapou no seu longo magistrio na UERJ e na UFRJ.

    nunca dantes navegados.

    Finalmente, acreditamos que estas homenagens que se estenderam na comemorao dos sessenta e sete anos de nossa Academia so prova evidente de que o trabalho acadmico de nosso Presidente de Honra ser sempre lembrado.

    Manoel Pinto Ribeiro

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    E N S A I O SPAREMIOLOGIA E MISOGINIA NA

    IDADE MDIA GERMANFONALVARO ALFREDO BRAGANA JNIOR (UFRJ/ABRAFIL)

    As consideraes a seguir, analisadas sob a tica moderna a partir de um prisma que denominaramos misgino, ou talvez, de forma mais jocosa, ldico, so, contudo, em sua grande maioria, vises especulares de um mundo que se queria especular dos padres comportamentais ideais para a sociedade da Cristandade Ocidental entre os sculos XII e XV. As expresses paremiolgicas, constitudas como exerccios escolares para a aprendizagem de latim por parte dos futuros monges, veiculavam de acordo com a tica da Igreja as lies morais condizentes aos futuros clrigos. Com referncia a este item, mister salientarmos que o legado moral da Antiguidade Clssica, refundido pelo Cristianismo dogmatizado pela Igreja, juntamente com os preceitos relativos ao cuidado do homem diante da tentadora descendente de Eva esto presentes em diversos Libri proverbiorum do baixo medievo. Para tentarmos delinear nas parmias alguns traos desta misoginia, comearemos pela mitologia romana.

    I. Bachus et VenusProvrbio: Tesseribus, Bacho, stabili meretricis amoreQui committit ei, proprio privatur honore. (manuscrito B)1

    Traduo: Quem nos dados, em Baco, no constante amor de uma meretriz incorre, privado da prpria honra.

    imolavam-lhe a pega, porque o vinho solta a lngua e torna os bebedores indiscretos. Seus outros nomes tambm se relacionavam com seu poder sobre o vinho:

    s vezes chamado Liber (Livre), porque o deus do vinho liberta o esprito de qualquer cuidado; Evan, porque as suas sacerdotisas, durante as orgias, corriam de todos os lados gritando: Evoh, Bacche, termo

    das bacantes e dos grandes bebedores.Tem ainda outros sobrenomes provenientes do seu pas de origem ou dos efeitos da embriaguez: Nysoeus, de Nysa, Lyaeus, que afugenta a mgoa. (1906:78-79)

    1 - Para a diviso dos manuscritos e sua origem ver BRAGANA JNIOR, 1999.

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    Baco e o vinho simbolizam uma unio, cujo resultado expresso basicamente em orgias e descontrole ao falar, derivados da embriaguez, que, segundo a viso eclesistica medieval, afasta os homens da sobriedade e sapincia indispensveis ao comportamento de um cristo.

    Jogo, bebida e prostitutas so temticas recorrentes na Idade Mdia como dignas de srias reprimendas queles que a elas se dedicam. O fascnio exercido pelo jogo, onde sorte e azar convivem lado a lado e levam os homens muitas vezes

    a bebida da verdade, pois in vino veritas, entregavam-se os homens sem limites; as mulheres de vida fcil fechavam o ciclo de prazeres mundanos, ofertando-se, em troca de pagamento, queles que as procuravam para a fruio da carne. Nos CarminaBuranaquais os dados e o vinho so louvados e o clero satirizado. Citamos o conhecido Egosum abbas:

    Ego sum abbas Cucaniensis et consilium meum est cum bibulis et in secta Decii voluntas mea est, et qui mane me quesierit in taberna, post vesperam nudus egredietur et sic denudatus veste clamabit:

    wafna, wafna! quid fecisti, sors turpissima! nostre vite gaudia abstulisti omnia.

    Traduo: Eu sou o abade da Cocanha e meu conclave acontece junto aos bebedores e minha vontade est na seita de Dcio e quem me buscar de manh na taberna, aps a tarde sair nu e assim nu clamar pela roupa:

    s armas, s armas!

    Arrebataste todas as alegrias de nossa vida!

    Neste carmen, um abade, ou seja, o representante mximo de uma comunidade

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    de eclesisticos em uma abadia, praticamente transfere sua vida daquela para a taberna, onde celebra, no o mistrio da eucaristia, mas sim o milagre de Santo Dcio, nome invocado pelos quase todos annimos autores dos Carmina Burana como o santo protetor daqueles que bebem. No satisfeito com o vinho, entrega-se ao jogo e aquele que tentar retir-lo da mesa, acabar, ele prprio, sentindo na pele a tentao dos dados, pois sair nu, j que tudo, inclusive suas roupas, perder no jogo.

    A partir das consideraes acima expostas, acreditamos, pois, que o provrbio em dstico por ns analisado um veemente ataque queles que preferem os prazeres do mundo santidade de vida, ou seja, referendando um discurso pedaggico de censura que tenciona nortear o mundo de acordo com um ponto de vista espiritual. O elemento mitolgico da Antiguidade greco-latina, aqui Baco, no estava imbudo de qualidades e virtudes crists, manifestando somente suas caractersticas perversoras e nocivas a uma comunidade regulamentada pelas palavras de Cristo. Contra ele, o jogo e a prostituta se ergue a voz moral de fundamento cristo. Seu efeito retrico persuasivo apela diretamente ao proprius honos do censurado, de forma a reconduzi-lo ao Pai com as bnos da Igreja.

    Um outro dstico medieval, em versos unisoni, tambm utiliza-se de Baco e introduz Vnus: Raro frigescit Bacho Venus, ipsa calescit; / Litigium vita! tibi res honesta petita. - Raramente Vnus esfria com Baco, ela prpria se aquece; / Foge da contenda! Tu deves te dirigir para coisas honestas. Aqui Vnus, simbolizando a beleza do sexo feminino, une-se a Baco, o deus do vinho, aquele que, como anteriormente considerado, desestabiliza o homem atravs dos efeitos da bebida. Como deusa da beleza, dos prazeres e dos amores, possua um cinto onde encerrava as graas, os atrativos, o sorriso sedutor, o falar doce, o suspiro mais persuasivo, o silncio

    deusa a paixo carnal e o sentimento de vingana foram realadas por boa parte dos litterati medievais, que viam nelas um fator de desagregao e de distanciamento

    negativamente os homens, dominando suas mentes com o apelo da carne, assim como Baco faz com o vinho, e os conduziria desta forma para a perdio e danao eternas, pois o paraso celeste requer o primado do espiritual e, com isso, o domnio sobre o corpo corruptvel.

    Juntos os dois, o amor de uma mulher e o vinho corrompem e abalam as estruturas do edifcio individual do cristo medieval e devido a isso o autor do provrbio, em tom exclamativo, exorta o leitor-ouvinte a se abster de ambos, pois a res honesta petita certamente o cumprimento das palavras de Deus ensinadas pela mater ecclesia.

    negativa desses deuses latinos, a menos que haja moderao: Gaudia sunt vite Venus et Bachus sine lite! / Gaudia non vites animi! semper fuge lites!, Venus e Baco sem contendas so as alegrias da vida! / No evites as alegrias do esprito! Foge sempre das brigas!. Em versos collaterales, com a reduo das consoantes geminadas cc

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    em Bacho, este dstico proverbial transmite-nos uma ideia menos negativa do amor (Vnus) e do vinho (Baco). Se as duas divindades forem corretamente, isto , sinelite, sem contendas cultuadas, no feriro o cdigo de conduta do homem medieval.

    efeitos da carne e do vinho, na medida em que as alegrias do esprito, gaudia animi,aqui entendidas como as ddivas do Senhor na vida humana, constituem o principal objetivo do homem, aproximando-o do seu Pai celestial. Por outro lado, as brigas o distanciariam deste ltimo, Deus do verdadeiro amor, aquele que, consoante a viso

    Destarte, Baco e Vnus nos so apresentados nestes dsticos proverbiais com suas caractersticas enebriadoras e terrenamente sedutoras, que destoariam dentro

    sangue de Jesus Cristo, este o redentor da humanidade, aquele um elemento que, sem moderao, poderia desestrutur-la.

    II. A representao da mulher

    A. FeminaProvrbio: Femina quem superat, numquam vivit sine pena:

    Libertate caret, turpi constrictus habena.

    Felices illi, quos non trahit illa cathena;Heu, nisi mors faciat, non solvitur illa catena. (manuscrito B)

    Traduo: Aquele, a quem a mulher domina, nunca vive sem sofrimento:Carece de liberdade, amarrado com uma torpe brida.Felizes aqueles, a quem aquela corrente no arrasta;

    Ah! A no ser que a morte o faa, aquela corrente no se soltar.

    A anlise do provrbio acima traz desde seu primeiro vocbulo pontos para considerao da mais variada ordem. Partindo-se de um estudo etimolgico do termo feminaa masanimalidade da mulher, pois, est expresso atravs do termo que a denomina.

    dominao feminina sobre o homem. Este, sujeitando-se aos caprichos da mulher, ter como recompensa pena, sofrimento, palavra essa que apresenta a j conhecida monotongao do ditongo oe do latim clssico. L-se na segunda linha da parmia em versos caudati, que o pagamento recebido pelo homem a falta de liberdade, simbolizada pelo termo habena. Para tais homens, que preferiram submeter-se aos desgnios femininos, apenas a morte lhes resta como possibilidade de libertao de sua priso. Nota-se aqui, nos terceiro e quarto versos, o uso da forma aspirada cathena

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    terceiro verso alternando-se com a forma clssica sem o h- catena.Para tentarmos corroborar nosso ponto de vista sobre a origem eclesistica de

    tal provrbio, citamos o verso terceiro, Felices illi, quos non trahit illa cathena, onde se pode ler nas entrelinhas uma mensagem que demanda o afastamento do homem

    B,/ Nil valeat; stulti nolunt perpendere verummulheres / De nada vale; os tolos no querem reconhecer a verdade, o que leva a se entender a mulher como aliada natural do Mal e das foras demonacas.

    Uma parmia em versos leoninos femina e o daemon encontra-se no manuscrito B, Urtica fetidum tergebat femina culum / Dicens hec verba:puto, quod demon sit in herba, i.e., A mulher esfregava o ftido cu com a urtiga / Dizendo estas palavras: Imagino que o demnio esteja nesta planta. Neste exemplo, no qual a monotongao dos ditongos clssicos ae e oe se repete em hec,demon e fetidumurtiga em seu nus, o que a transforma em uma bruxa. Por isso, ao se aproximar de

    Nogueira (1991:106), para propor a etimologia de femina:

    Em consequncia ela mostra que duvida e tem pouca f na palavra de Deus. E tudo isso indicado pela etimologia da palavra: pois Feminaprocede de Fe e Minus, uma vez que ela sempre fraca para manter e preservar a f. Portanto, uma mulher por sua natureza mais rpida em hesitar em sua f, e consequentemente mais rpida em abjurar a f, que a causa da bruxaria.

    B. MeretrixProvrbio: Cum sis vir fortis, ne des tua munera scortis!

    Scribitur in portis: meretrix est ianua mortis. (manuscrito B)

    Traduo: Embora tu sejas um homem forte, no ds teus benefcios s prostitutas!

    Est escrito nos portes: a prostituta a entrada da morte.

    Janua Diaboli o porto por onde entrava o Diabo era o epteto patrstico para a mulher, herdeira direta de Eva, a mulher toda tero (NOGUEIRA: 1991, 104). Se, como apresentando acima, a femina naturalmente tendia para o afastamento de Deus, a prostituta exerceria consciente e deliberadamente seu mister, o que a tornava aos olhos dos vetustos cnegos medievais uma abominvel criatura.

    se marcada pelo vezo negativo associado ao trabalho com o corpo em troca de remunerao pecuniria. Em Roma encontramos lupa, literalmente loba, em Ccero

  • 14

    com a acepo de prostituta (FARIA: 1955, 529), dela derivando em portugus a forma lupanar com o sentido de bordel. H ainda o termo scortum, -i, meretriz, preso ao verbo scortari, frequentar os prostbulos, ser devasso, libertino e ainda a forma meretrix, -icis.

    No texto bblico, faz-se remisso fornicao como prostituio, dentre

    que foi prostituta, porque a terra (de Israel) no cessa de se prostituir, abandonando o Senhor. Alude-se ao termo prostituta pela primeira vez em Gnesis 34,31 e em Josu 6.17. No primeiro livro dos Reis, captulo 16, versculos 16 a 28 narrada a

    conhecidas como publicanas por oferecerem seus servios ao pblico. Em

    dos caminhos que conduzem casa da prostituta, caminho do inferno que penetra at s entranhas da morte. Mais adiante, no captulo 23, versculo 27, a meretriz considerada uma cova profunda.

    No provrbio do manuscrito B, em versos unisoni, adverte-se o vir, o varo coroado pela virtude crist, a no despender o fruto de seu trabalho com as prostitutas.

    das meretrizes, que ao fazerem uso de seus servios, estariam irremediavelmente condenados ao caminho da perdio e morte eternas, pois o sacrrio representado pelo corpo humano, membro do corpo maior de Cristo, seria profanado por mos, lbios e demais partes infectas e impuras do corpo da prostituta. Notam-se nesta parmia os vocbulos scortum e meretrix, dois termos advindos do latim clssico, sendo o primeiro designativo tanto de prostituta quanto de homem prostitudo, j que sua forma no nominativo singular neutra, scortum, -i.

    C. MulierProvrbio: Nec hodie nec heri nec cras credas mulieri! (manuscrito Ba 181)Traduo: Nem hoje, nem ontem, nem amanh creias em uma mulher!

    Seguindo a caracterizao pejorativa vinculada ao sexo feminino, as parmias rimadas com o vocbulo mulier espelham o estado pecaminoso de sua condio natural, fator de desagregao moral e social.

    No que tange femina e meretrix, observa-se a inata propenso ao mal

    lisonjeiros sobre a mulier. Remontando-nos a So Toms de Aquino, citado por Carlos Roberto Figueiredo Nogueira (1991:105), podemos sumarizar atravs de suas palavras a ideia de imperfeio do ser feminino e a preponderncia natural do homem:

    No fenmeno da gerao, o homem que desempenha um papel positivo, sua parceira apenas um receptculo. Verdadeiramente, no existe mais que um sexo, o masculino. A fmea um macho diferente. No ento surpreendente que este dbil ser, marcado pela imbecilitas

  • 15

    sob tutela.

    e de superioridade no manejo e controle das coisas terrenas e celestes. Eva, a grande inimiga dos homens, deveria ter sua liberdade de movimentao restringida, seno completamente eliminada.

    A parmia 181 em verso leonino do manuscrito Ba traduz em sua mensagem

    ora dada, volta-se aos tempos pretritos, vive-se a contemporaneidade da poca e lana-se os olhos ao futuro para que se corrobore aquilo que a tradio experiencial j

    ser postas em prtica, caso contrrio, ocorrero efeitos extremamente perniciosos credere, crer, acreditar em, portanto, deve ser,

    segundo nosso ponto de vista, destinado ao Altssimo, na invocao do Creio em Deus Pai Todo Poderoso, Criador do cu e da terra.

    D. UxorProvrbio: Uxori temere noli mandare secretum!

    Vix in corde suo tenet illa luce quietum. ( manuscrito B)

    Talvez uma das poucas possibilidades de ascenso social da mulher, o casamento na Baixa Idade Mdia constitua-se, a princpio, em um dos mais importantes sacramentos dentro do cristianismo. Todavia, sua instituio nem sempre granjeara simpatia dentro do meio catlico. So Paulo advertira na primeira epstola aos Corntios, captulo 7, versculos 25 a 36, que melhor seria manter um celibato virtuoso do que contrair npcias, pois o que est casado, est cuidando das coisas que so do mundo, como h de dar gosto a sua mulher; e est dividido. Como continuao da viso paulina sobre o matrimnio, os Pais da Igreja, entre os sculos II e VII, acrescentaram outros empecilhos, sintetizados pelas palavras de Joyce E. Salisbury (1995:29):

    O casamento invocava imagens negativas; os Pais avisavam das provaes do casamento para as mulheres: cuidar de crianas, dar ordem casa e agradar o marido. Vendo o pecado original como sexual, esses pensadores viam no casamento sobretudo suas consequncias sexuais, o fato de o indivduo perder o controle sobre seu prprio corpo. O casamento no s atrelava homens e mulheres, mas atrelava-os de

  • 16

    modo sexual, em um lao carnal que amarrava os dois corpos ao mundo da carne.

    Mais tarde, com a viso augustiniana, o eixo do matrimnio desloca-se da fruio do corpo humano para a realizao da vontade divina. Joyce E. Salisbury (1995:79) assim sumariza o tema:

    O casamento fornecia a estrutura para o sexo virtuoso fora do Paraso. Agostinho acreditava que o matrimnio foi institudo por Deus para satisfazer a necessidade humana de companhia. Ele via o vnculo entre o homem e sua esposa como o primeiro lao natural na sociedade humana, institucionalizando a companhia natural entre os dois sexos. A instituio do casamento, natural e divinamente ordenada, trazia trs

    feudalismo e do contrato de vassalagem, o matrimnio - do latim matrimonium, onde perceptvel o radical matri - do substantivo feminino mater, me - praticamente transformado em fato principal de ordem social. Em terras germnicas, em mdio-alto-alemo, o vocbulo hochgezt, alemo moderno Hochzeit, simbolizava no sculo XII, uma grande festividade, eclesistica ou no, passando, por extenso semntica, a designar casamento (LEXER: 1979,91). Aurelio Gonzlez (1991:32) descreve a mudana operada a partir do sculo XIII na concepo do enlace matrimonial:

    A doutrina da Igreja sobre o matrimnio se estabelece realmente at o sculo XIII, porm na maior parte das ocasies a moral crist

    sacramento, um contrato de interesse e, portanto, mutvel como muda o interesse.

    Situando a questo matrimonial no mbito dos latifndios e da posse de terras, H. R. Loyn escreve:

    Na nobreza, o casamento era um fator crtico na transmisso de terra e de feudos, e era combinado pelas famlias com grande cuidado, quase sempre com escassa considerao pelas preferncias das duas pessoas mais diretamente envolvidas, uma das quais poderia ser ainda criana, quando no ambas. (1991:265-266)

    Em lngua portuguesa existe a expresso proverbial Quem casa, quer casa.Na parmia latina rimada de nmero 83 do manuscrito Ba em verso leonino, o resultado do matrimnio, especialmente no que concerne aos homens, outro: Quicapit uxorem, litem capit atque dolorem, Quem toma uma esposa, recebe discusso e

  • 17

    dor. O resultado do matrimnio para o homem evidencia-se negativo, na medida em que, ao se casar com a inteno de constituir uma famlia temente e obediente a Deus, encontrar na mulher uma fonte primria de problemas e de dores e no aquilo que os apstolos Paulo e Timteo na epstola aos Colossenses 3, 18 caracterizam como o papel da esposa, perfeitamente enquadrado dentro da tica medieval eclesistica de dominao masculina: Mulheres, estais sujeitas a vossos maridos, como convm, no Senhor.

    E. Virgo-MaterProvrbio 1: Virgo matura, nisi nubat, erit peritura. (manuscrito Ba 49)Traduo: Uma virgem madura, a no ser que se case, ir perder-se.

    Poucas so as ocorrncias paremiolgicas, nas quais ainda se consegue vislumbrar uma certa avaliao, se no favorvel, pelo menos mais neutra da mulher. O provrbio em verso leonino com as rimas em ura (matura peritura) traz cena a virgem, a moa ou mulher que ainda no tenha tido intercurso carnal com um homem. Motivo de alegria para o apstolo Paulo, que na j anteriormente mencionada primeira epstola aos Corntios, captulo 7, versculos 28, 34 e 37, recomenda a manuteno da virgindade como meio para se evitar a fornicao e os apelos da carne, que

    No obstante, o relacionamento sexual entre homem e mulher deveria conduzir ambos, preferencialmente, ao casamento. Para a virgem, este seria o nico caminho a trilhar, para que a sua condio de mulher, j naturalmente maculada por

    consequncia disso, ser segregada do seio da sociedade crist.Com esta acepo entende-se o provrbio 1, em verso leonino. A virgo

    matura simboliza a mulher j consciente do poder que seu corpo exerce sobre os homens fracos. O adjetivo matura remete o leitor/ouvinte da parmia ao fato de que a jovem j atingira seu pleno desenvolvimento fsico, estando apta, portanto, para assumir agora suas atribuies morais de uxorcontrair npcias, nubere, sua tendncia originariamente propensa s coisas da carne a levaria a se perder, peritura, a ser condenada inapelavelmente pelos homens de Deus ao suplcio eterno.

    Provrbio 2: Esto pius vere super hiis, qui te genuere,Nec moveas matrem nec vis offendere patrem. (mauscrito B)

    Traduo: S verdadeiramente piedoso com aqueles que te geraram,Nem encolerizes tua me, nem queiras ofender teu pai.

    Christus.

    seres humanos. Ao pai como cabea da famlia e me como geradora, a tradio de

  • 18

    respeito aos pais, termo masculino tirado de patres, pais, pode ser constatada, no que concerne ao cristianismo, remontando o Velho Testamento.

    Dentre os vrios testemunhos sobre os pais, l-se, por exemplo, em xodo

    que o Senhor teu Deus te dar. Em Deuteronmio 5, 16 a mensagem a seguinte: Honra teu pai e tua me, como te mandou o Senhor teu Deus, para viveres longo tempo, e para seres bem sucedido na terra que o Senhor teu Deus est para te dar. No

    teu pai, / e no abandones a lei de tua me e Ouve o teu pai, que te gerou, / e no desprezes tua me, quando for velha.

    No Novo Testamento encontramos em Mateus 15,4 e 19, 19: Honra teu pai e tua me e O que amaldioar seu pai ou sua me seja punido de morte e Honra teu pai e tua me, e ama o teu prximo como a ti mesmo. A mesma mensagem, quase com as mesmas palavras, expressa em Marcos 7, 10, Lucas 18,20 e Efsios 6,2.

    paterna dominante, inclusive na ordem de apresentao dos genitores nas Sagradas

    mais a respeito:

    Existe um espao fechado reservado s mulheres, estritamente controlado pelo poder masculino. Do mesmo modo, o tempo das mulheres regido pelos homens, que lhes designam ao longo da vida

    necessariamente submissas a seu amplexo, pois a funo delas pr no mundo seus herdeiros; vivas, necessariamente voltadas continncia. Em qualquer um dos casos, subordinada ao homem, em conformidade com as hierarquias que, segundo o plano divino, constituem o conjunto de membros da criao.

    Assim, no provrbio em dstico, com versos leoninos, do manuscrito B, o

    materna e paterna, conforme o que ensinam as passagens bblicas. A prpria noo da piedade crist funde-se com o comportamento de um nobre romano e est presente em pius, piedoso, que cumpre os seus deveres para com os deuses, para com os pais, etc....; (FARIA:1955,694). A preposio super com regncia de ablativo, a respeito de tambm marca o conhecimento do sermo litterarius de Roma. Respeitada pelo

    mater medieval, em sua grande maioria, passava sua vida

    e morrendo piedosamente.Com estas apreciaes sobre a mater, fecha-se o crculo paremiolgico rimado

    no corpus feminae, meretrices,

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    mulieres, uxores, virgines e matres, esto includas nas parmias as funes mais importantes desempenhadas pela mulher na Baixa Idade Mdia, especialmente nas terras germanfonas cobertas pelos manuscritos. Geralmente condenadas morte eterna pelo fogo pecaminoso oriundo de Eva, por mais que exercessem o papel de me, sua natureza corrompida cingiria para sempre o seu ser. Apenas Maria, a imaculada me de Deus, a virgem e a me, mulher que acompanha e obedece a seu esposo, salvam-se dentro dos provrbios escolares. Todavia, uma nica parmia, do manuscrito B, em versos unisoni, atesta a importncia da mulher dentro do sistema social e parece criticar as assertivas condenatrias dos magistri eclesisticos. Em um discurso marginal para a tradio paremiolgica da poca, inverte o valor do litteratus, o clrigo intelectual, chamando-o de rusticus, o campons inculto, sendo a voz solitria de defesa da mulher dentro do cabedal de exemplos negativos a elas associados: Rusticus est vere, qui turpia de muliere / Dicit; nam vere sumus omnes de muliere, isto , verdadeiramente ignorante aquele que diz coisas torpes da mulher; / Com efeito, todos ns somos dela oriundos. Composto por um homem, esta parmia isolada soa como gratido pela prpria existncia, que a ela se deve. Reconhecia-

    porm, decorre de sua fertilidade!

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    ALBUQUERQUE, Maria Helena Trench de. Um exame pragmtico do uso de enunciados proverbiais nas interaes verbais correntes. So Paulo: Universidade de So Paulo, 1989. Dissertao de Mestrado da rea de Filologia Romnica.BBLIA SAGRADA. Traduo do Pe. Matos Soares. So Paulo: Paulinas, 1989.BISCHOFF, B. et alii. Carmina Burana. Munchen: Deutscher Taschenbuch Verlag, 1979.BRAGANA JNIOR, lvaro Alfredo. de uma sociedadeUFRJ, 1999. Tese de Doutoramento em Letras Clssicas. COMMELIN, P. Nova mythologia grega e romana. Rio de Janeiro, Paris: H. Garnier, 1906. DUBY, Georges. Helosa, Isolda e outras damas no sculo XII. Traduo de Paulo Neves: So Paulo: Companhia das Letras, 1995._____________. Idade Mdia, idade dos homens. Do amor e outros ensaios. Traduo de Jnatas Batista Neto. So Paulo: Companhia das Letras, 1989.FARIA, Ernesto. Dicionrio escolar latino-portugus. Rio de Janeiro: Ministrio da Educao e Cultura, Departamento Nacional de Educao, 1955.FRANGIOTTI, Roque. Histria da teologia perodo medieval. So Paulo: Paulinas, 1992. Coleo Patrologia. Vol.2.GONZLEZ, Aurelio. De amor y matrimonio en la Europa medieval. Aproximaciones al amor corts In: COMPANY, Concepcin Company. (Edit.) Amor y cultura em

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    O QUE SER O AMANH?AMS COLHO DA SILVA (UERJ E ABRAFIL)

    1 Introduo

    latim, spiritus, tanto Chantraine quanto Ernout e Meillet comentam caractersticas onomatopaicas, principalmente na forma verbal, sem nos apresentar uma raiz indo-europeia em que repouse a sua base semntica. H no sopro um nvel simblico bastante curioso: sua fora criadora. (CHEVALIER & GHEERBRANDT, 1994: SOPRO) Assim, em Gnesis 2, 7 (A formao do homem), lemos: Ento, formou-se o Senhor Deus ao homem do p da terra e lhe soprou nas narinas o flego de vida, e o homem passou a ser alma vivente.

    O sopro e palavra se unem em momentos sagrados, como se ver na consulta de Eneias a Apolo. Destaquemos da Bblia a expresso do nome. Nos Salmos, o Nome Divindade,o que explica os mltiplos eufemismos, ora atenuando o poder de Lcifer (formado de lux, lucis, luz e de ferre, levar), por exemplo, por evitar a citao de seu Nomesubstituindo-o por um outro, ora cumprindo um mandamento divino de dizer o Nome

    Verbo. O cumprimento da profecia ocorre pelo Nome:ser chamado pelo nome de Emanuel (que quer dizer: Deus conosco).(Mt 1,23)

    As profetisas lendrias so denominadas por ptia ou sibila e tinham por misso a revelao do futuro. Fazem-se muitas referncias bruxa como personagem medieval, mas Medeia com seu caldeiro praticou bruxaria, embora fosse uma princesa lendria da Clquida. Sibila ou Ptia simboliza um ser elevado numa condio transcendente e consegue comunicao com o divino para transmitir mensagens profticas que revelam o futuro. Trata-se de uma personalidade, cuja sabedoria espiritual comparvel aos apstolos da Bblia: Por isso, no se deixou de ligar a nmero das doze sibilas ao dos doze apstolos e de pintar e esculpir as suas efgies nas igrejas. (CHEVALIER & GHEERBRANDT, 1994: SIBILA)

    Ptia deriva de Pton, um drago fmea mtico, que perseguiu Leto, a me dos gmeos Apolo e rtemis. Pton foi morto por Apolo que lhe retirou a pele e cobriu com ela a trpode de bronze, onde sentava-se a Ptia ou Pitonisa, possuda por Apolo, para responder as consultas aos que reverenciavam Apolo. So os textos do historiador

    mais e onde havia um templo das profecias apolneas. A tambm, ao sop do monte Parnaso havia um espao para que se celebrassem Os Jogos Pticos, em honra de Apolo.

    oblquo, equvoco(BRANDO, 1987: 86). Creso (sculo VI), rei da Ldia, consultou a Pitonisa de

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    Apolo, quando estava em guerra com Ciro, rei da Prsia. Quis saber dela sobre adestruio de um grande imprio. E ouviu que Se Creso cruzar o rio Hlis, destruir um grande imprio. Creso sups que o imprio a ser destrudo seria o do seu inimigo, rei Ciro da Prsia, mas no foi. O dele que foi dizimado.

    Conta-se, ainda, que Creso tambm se tornou famoso pelas suas riquezas. Na embriaguez de sua felicidade, consultou a Slon (640 a 558 a.C.), o que seria (cronologicamente impossvel) (HARVEY, 1987: CROISOS) se havia homem mais feliz do que ele. Como resposta, ouviu que nenhum homem poderia ser feliz antes da morte. Esse mesmo entusiasmo que se nota em Natividade. Machado de Assis comenta o seguinte sobre a recepo da resposta da cabocla Brbara do Morro do Castelo:

    Todos os orculos tm o falar dobrado, mas entendem-se. Natividade acabou entendendo a cabocla apesar de lhe no ouvir mais nada:

    mil-ris. Era cinco vezes o preo do costume, e valia tanto ou mais que as ricas ddivas de Creso a Ptia. (Captulo II)

    a fala de repente com a exclamao: Soldado, no mates Creso! e, sem querer, com isso, o condenou morte. Prestes a arder na fogueira, lembrou-se das palavras de Slon, pronunciou o nome deste trs vezes. Ao ouvi-lo, Ciro, que dele ouviu todo o episdio de Slon, lhe perdoou e, por causa de sua dura experincia, o integrou no Conselho dos sbios.

    A transliterao do grego Sybilla, Sibila, de etimologia desconhecida; um sinnimo de Pitonisa. A profetisa de Apolo tem um alcance de mil anos nas suas previses. Junito Brando (1993: SIBILA) nos explica que, em funo das variantes mticas, o que, alis, constitui o prprio pulmo do mito, e devido s funes da Sibila em vrias partes do Oriente e do Ocidente helenizado, recebeu nomes diferentes (Ibidem), conforme o lugar das profecias, assim tem-se Cimria, na regio do Quersoneso Turico, Cumana, em Cumas, sul da Itlia, , em Delfos etc.

    como a Ptia ou Sibila, embora tivesse recebido diretamente de Apolo o dom do xtase e entusiasmo, por que ela renegou a paixo de Apolo, este cuspiu em sua boca e, no podendo retirar-lhe o dom, pelo menos, doravante, tudo que profetizasse, no seria acreditado. Ela, ao lado de Laocoonte, lutou em vo para que os troianos no deixassem o cavalo de Tria entrar na cidade, porque era uma cilada dos gregos; um

    de Cumas que proferiu orculos sobre o futuro da poderosa Roma, em hexmetros datlicos, na Eneida, de Verglio, 6, 46 -53:

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    (...)Cui talia fantiante fores subito non voltus, non color unus,non comptae mansere comae; sed pectus anhelum,et rabie fera corda tument; maiorque videri,

    iam propiore dei. Cessas in vota precesque,Tros ait Aenea? Cessas? Neque enim ante dehiscentattonitae magna ora domus.(...) Ao proferir tais palavras

    Seus cabelos se eriaram, o peito se tornou ofegante E o furor lhe penetrou no corao; pareceu crescerE sua voz perdeu a entonao humana.Quando se sentiu bafejada pela divindade do deus, agora mais prximo, vociferou:Tu s demorado, troiano Eneias, em (fazer) votos e rogos?, Retardas? Por que, ento, no se abriram antes (destas splicas)Os grandes limites da casa espantosa?

    Note que traduzimos por se sentiu bafejada pela divindade do deus a o particpio de

    quer dizer, o sopro divino ligado palavra da Sibila. Apolo se encontra, ou se acha, dentro da Sibila. Ora, este que historicamente vai se resultar em nosso achar.

    1.2 Algumas caractersticas dos adivinhos

    No Captulo I, Cousas Futuras, Machado de Assis descreve a adivinha consultada por Natividade e acrescenta um trao: O mistrio estava nos olhos.

    Tomemos a etimologia do termo mistrio: um derivado do verbo grego

    se refere a culto secreto, para o qual no eram admitidos seno os iniciados. Os ritos sagrados so aprendidos em silncio, de ouvido, j que ao de calar a boca (BRANDO, 1992: MISTRIOS DE ELUSIS) e mstes,o que se fecha, o que guarda segredo, o iniciado. (Ibidem) Tirsias um iniciado, um adivinho cego, que declarou a dipo, que tinha uma viso normal, mas no enxergava

    doravante, vai olhar para dentro. No incio da tragdia, verso 374, diz dipo que no poderia prejudicar a ele, dipo, ou qualquer um que visse a luz, porque Tirsias era (A)limentado pela noite sombria.1

    1 Em francs, a traduo foi subordinado, mas o verbo grego .

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    Tirsias, porque vira Aten banhando-se nua na fonte de Hipocrene, foi castigado pela deusa com a cegueira. A deusa minimizou a punio concedendo-lhe o dom divinatrio. Tirsias, etimologicamente, () o que tem capacidade de viso, a viso de dentro para fora... (BRANDO, 1987: 176)

    2 Cousas Futuras! (Captulo I)No captulo primeiro de Esa e Jac, Machado de Assis faz referncia Ptia

    e recomenda a leitura de squilo, destacando a pea trgica as Eumnides, a propsito da consulta que Natividade far adivinha Brbara no Morro do Castelo. A expresso machadiana foi dada estruturao das ansiedades humanas em saber o que ser o amanh. Se na Grcia antiga era a sorte, agora um nmero de espera, e completa o Autor que se alcance a verdade nesta nova perspectiva para que ningum perca a sua vez de audincia (Captulo I). Todos os orculos tm o falar dobrado... (Captulo II)

    Machado de Assis, no conto A Cartomante, includo em Vrias Histrias,retrata ironicamente essa angstia humana em querer desvendar o futuro. Comea citando a tragdia Hamlet, de William Shakespeare, apontando, em discurso indireto e

    o que na narrativa dele, seria a explicao que Rita dava ao seu interlocutor Camilo, que, alis, ria dela por ter consultado uma cartomante na vspera. O narrador focaliza momentos psicolgicos de contradio de Camilo, que se sente assaltado pela recomendao de consultar tambm a cartomante e termina por faz-lo. Consegue, inclusive, respostas que so

    feliz. O pessimismo machadiano percorre a narrativa e muitas so as insinuaes em meio ingenuidade e malcia. Retrata alma humana na sua sinceridade e hipocrisia.

    O romance machadiano dos gmeos traz baila as impresses humanas da realidade do mundo, na expresso da perspectiva do narrador, o Conselheiro Aires,que ora atua como uma personagem, vivenciando o drama em primeira pessoa, e, nestes momentos, com algumas digresses, dispondo ou invocando observaes de um outro personagem ou de outra fonte, ora se distancia em terceira pessoa, narrando,

    histricos, de outros poetas, de tal modo que dimenso do realismo, como moda literria, se esvai e o que condensa a viso humana, como ele mesmo o disse em MemriasPstumas de Brs Cubas, c. VII, Delrio: (...) a vida tinha assim uma regularidade de calendrio, fazia-se a histria e a civilizao, e o homem, nu e desarmado, armava-se e vestia-se (...) Neste sentido, se instaura uma ambiguidade, dado o inslito na narrativa, na mesma medida em que o que deslocamos nas experincias existenciais, se condensa dentro de nossos interesses e desejos. Deslocamento e condensao formam um complexio oppositorum, uma unio dos contrrios... Assim, Natividadedeu o nome de batismo somente, Maria, como um vu mais espesso que o que trazia no rosto, e recebeu um carto... (Captulo I)

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    O nome de batismo, dada a quantidade de Marias, que o narrador destaca, oculta, como mais espesso que , sua classe social, com seus preceitos e

    uma procura intensa da cabocla do Morro do Castelo: a freguesia era numerosa (...).E o costume? Machado cita a famosa trilogia de squilo, Orstia, que rene trs tragdias: Agammnon (rei de Micenas, cidade riqussima, por essa razo coube-lhe o comando dos gregos contra Tria; Coforaslibaes em honra do funeral de Agammnon) e Eumnides (em elementos latinos, corresponde as benevolentes, uma antfrase s Ernias, divindade trplice da mitologia grega, que corresponde s Frias, na cultura latina.) Ainda invoca o leitor para rel as Eummides, porque l encontraremos a Ptia, organizando as consultas, apresenta tambm uma excelentetraduo da invocao da Ptia: Se h helenos, venham, aproximem-se, segundo o uso, na ordem marcada pela sorte... Assinala Machado: A sorte outrora, a numerao agora... (Ibidem)

    E para Natividade conquistar a realizao do seu desejo usa um truque insinuado pelo narrador: Natividade disse baixinho outra que a cabocla era simptica, no to baixo que esta no pudesse ouvir tambm; e da pode ser que ela,

    O espantoso foi a pergunta: se os meninos tinham brigado antes de nascer.Quando a cabocla indagou se Natividade no se lembrava, a nova me mergulhou em

    Alguns instantes de ansiedade de Natividade e de agitao da cabocla culminaram na expresso da cabocla, dada a indagao e expectativa de Natividade: - Cousas

    E aps uma insistncia de Natividade, a cabocla repetiu como incio de resposta a prpria pergunta da me ansiosa:

    - Sero grandes, oh! grandes! Deus h de dar-lhes muitos benefcios. Eles ho de subir, subir, subir... Brigaram no ventre de sua me, que

    lhe digo. Quanto qualidade da glria, cousas futuras!

    3 As boas novasNo captulo IV A missa do coup, h uma descrio breve de Santos,

    onde se evidencia a habilidade dele em ganhar dinheiro, o seu estabelecimento no Rio de Janeiro na poca da febre das aes (conforme nota do editor: perodo de 1850-

    embora empobrecesse outros). Nesse struggle for life temos as grandes qualidades (de Santos) para ganhar dinheiro depressa.habilidade de ganhar dinheiro custa da runa dos outros, pelo clima espiritual da consulta cabocla do Morro do Castelo, alm da ocasio de encomendar e assistir a

    dez mil-ris (a de Natividade foi uma pratinha de cinco tostes), pela alma de Joo

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    de Melo, que era um parente seu, e cito ainda a referncia machadiana sua pobreza no incio de sua vida em Maric. Estas coisas relacionadas com a expresso irnica do narrador: A Fortuna os abenoou com a riqueza. O que pode nos lembrar de Juvenal, no sculo I d.C., que satiriza o hbito religioso romano de fazer pedidos aos deuses em troca de oferendas, no verso 366: Nos facimus, Fortuna, deam caeloque locamus, Ns, apenas ns, te tornamos deusa, Fortuna, e te colocamos nos cus. Diz o narrador: A gente local no falou de outra cousa naquele e nos dias seguintes. Inclusive, o ato religioso foi batizado como a missa do coup. E adiante continua comentando sobre a pratinha de Natividade: Que o motivo da pratinha de natividade deita caixa das almas fosse pagar a adorao do defunto no digo que sim, nem que no: faltam-me pormenores). Mas pode ser que sim, porque esta senhora era no menos grata que honesta. Ou seja, pela admirao de Joo de Melo sua beleza feminina.

    No captulo V, traz tona uma explicao sobre possveis contradies. Tomemos aqui a da missa, sobre a qual o narrador pe em contraste o luxo, o requinte e a pobreza, o curso da vida sem qualquer possibilidade de mudana, reunindo-os como sinal de homenagem: Propriamente vestiram-se para o cu. O luxo do casal

    de Joo de Melo os visse de cima, alegrar-se-ia do apuro em que eles foram rezar por um pobre escrivo. No sou eu que o digo; Santos que o pensou.

    No captulo seguinte, Natividade ainda reclamaria das pulgas, antes tivessem ido igreja de S. Francisco de Paula ou da Glria, com a vantagem de serem mais e, importante, limpas. Justamente, revelou ao marido a sua gravidez quando estava de volta desta igreja de S. Domingos, no mesmo coup.

    O conselheiro Aires, no captulo XIV, termina por ensinar queles que se posicionaram como mestres. Na verdade, aqui Machado encenou uma enunciao do prximo captulo, o XV, Teste David cum Sybilla, que um verso de um hino medieval O Dia da Ira, cantado em missa dos mortos, atribudo a Toms Celano. Como se deu no captulo XIV, o conselheiro Aires estava de sada e diplomaticamente se desculpou dizendo que Verdades eternas pedem horas eternas..., temos a a possvel recusa de

    ainda insinua que Antes de nascer, crianas no brigam... Ensarilhou Aires mltiplas possibilidades interpretativas para o fato de os irmos brigarem no seio materno, sem que a humanidade pudesse desvendar por impedimento intencional do Divino,

    primogenitura s tem valor simblico, sem outra vantagem social ou poltica. Quando, entretanto, o conselheiro chegou possibilidade da razo ser instintiva se as crianas se destinarem a galgar os altos deste mundo, acendeu imediatamente o interesse do Santos, que ao ouvir isso, lembrou-se logo de cousas futuras.

    Ora, o captulo XV, ser de encontrar a verdade sobre o mistrio enunciado pela cabocla do Morro do Castelo. Note-se as encenaes como abrir uma Bblia,encadernada em couro, com grandes fechos de metal. Na passagem da Epstola do Apstolo Paulo aos Glatas, buscou o captulo II, versculo 11, em que o apstolo

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    conta que, indo a Antioquia, onde esta S. Pedro, resistiu-lhe na cara. Ironicamente,

    fato dos algarismos 1 e 1, que seriam um nmero gmeo, no lhe parece? Pergunta ele ao guia espiritual, o Plcido, a quem Santos prometeu Natividade consultar sobre a briga dos gmeos e sobre as cousas futuras. O narrador enfatiza um outro elo ntimo: Briga, Pedro e Paulo(...) At que em dado momento: Santos foi mais fundo: no seriamos dois meninos os prprios espritos de S. Pedro e de S. Paulo, que renasciam agora, e ele, pai dos dois apstolos? ...

    4 ConclusoO samba-enredo do Grmio Recreativo Escola de Samba Unio da Ilha, em

    1978, O Amanh, composio de Maria Augusta Rodrigues, um texto potico. D conta tambm dessa mesma ansiedade do Santos e Natividade sobre cousas futuras.

    Eis a letra:

    A cigana leu o meu destinoEu sonheiBola de cristal, jogo de bzios, cartomanteEu sempre pergunteiO que ser o amanh?Como vai ser o meu destino?J desfolhei o mal-me-querPrimeiro amor de um meninoE vai chegando o amanhecerLeio a mensagem zodiacalE o realejo dizQue eu serei feliz Como ser o amanhResponda quem puder (bis)O que ir me acontecerO meu destino ser como Deus quiser

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS:

    A BBLIA SAGRADA ANTIGO E NOVO TESTAMENTO. Traduzida para o portugus p Joo Ferreira de Almeida. Barueri SP: 1992.BRANDO, Junito de Souza. Mitologia Grega. Petrpolis: Vozes, 1986. 3 v._____. Dicionrio Mtico-etimolgico da Mitologia Grega. Petrpolis: Vozes, 1992. Vols.I-II._____. Dicionrio Mtico-etimolgico da Mitologia e da Religio Romana. Petrpolis,Vozes, 1993.CASSIRER, Ernst. Linguagem e Mito. Trad. de J. Guinsburg e M. Schnaiderman.So

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    _____. Contos.So Paulo: Cultrix, 1961.

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    VIDA E OBRA DO MAIOR ARTISTA DO VERSO NO BRASIL:

    RAIMUNDO CORREIA(Breves notas no 1. centenrio de seu falecimento)

    ANTONIO MARTINS DE ARAUJO (ABRAFIL e UFRJ)

    1. O contexto histrico.

    Tantas e to diversas as foras motrizes da fermentao social nas trs dcadas compreendidas entre 1870 e 1900, que a ela bem se pode aplicar, segundo

    nao brasileira se transformou com a Abolio da Escravatura e a proclamao da Repblica.

    No plano da literatura, de um lado, assistiu-se quase total substituio do Romantismo pelo Naturalismo, pelo Realismo e pelo Parnasianismo; e, de outro, pelo

    deu lugar ao Racionalismo e ao Positivismo nas ideias.Desde os prdromos desse perodo, nos centros universitrios do eixo Rio-

    So Paulo, assistiu-se ao advento do que se convencionou chamar Ideia Nova, trazendo em seu bojo o Realismo, o Socialismo, o Republicanismo, o Anticlericalismo, o Objetivismo e o Determinismo de base tainiana.

    Participando ativamente tanto das lides acadmicas paulistas, como, depois, colaborando intensamente com suas ideias nos peridicos da cidade mineira e das

    Correia pde divulgar para as mentes idealistas suas progressistas posies.

    2. Um nome nobre

    Conforme nos mostra seu principal bigrafo e editor, crtico, o acadmico Waldir Ribeiro do Val, Raimundo Correia foi dado luz em plenas guas maranhenses numa rede de algodo, a bordo do navio So Lus, em 1. de maio de 1859. Seu nome de batismo foi Raimundo de So Lus da Mota de Azevedo Correa.

    Em sendo assim, nenhum escritor maranhense, que eu saiba, teve inserido no

    Em seu elegante ensaio Raimundo Correia e o seu sortilgio verbal, que exorna a edio crtica de que ora nos ocupamos, o poeta pernambucano Manuel Bandeira, depois de lembrar o curioso nascimento do poeta em uma rede, a bordo do navio So Lus, na baa de Manguna (MA), a 13/05/1859, lembra que nosso poeta declarou haver vivido uns restos de infncia e toda a adolescncia em Cabo Frio

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    (RJ), onde leu beira-mar Os Lusadas, de Lus Vaz de Cames. Em 1942, o Cnego F.M. Bueno da Sequeira editou, com o selo da Academia

    Brasileira de Letras, seu ensaio Raimundo Correia. Sua vida e sua obra,em que

    gratuitamente todo o curso secundrio no imperial Colgio Pedro II.Waldir Ribeiro do Val, seu mais completo bigrafo e competente editor crtico

    de sua obra, com base nos arquivos daquele estabelecimento, corrige-o declarando que R.C., aos treze anos de idade, iniciou sua instruo secundria naquele tradicional estabelecimento, a partir do segundo ano, sob a matrcula 1113, em 26/01/1872, porm como aluno externo contribuinte, e no gratuitamente.

    De estatura franzina, rosto moreno, puxando a claro, mas do rosto salientes, cabelos e bigodes pretos. A barba negrssima e muito bem cuidada passou a usar aps formado em Direito. Costumeiramente introvertido, s vezes, quando o assunto lhe interessava, disparava a falar pelos cotovelos.

    Temia tempestades, tinha horror a doenas de qualquer espcie, detestava pegar em dinheiro e, temendo o inferno, chegou a ter pesadelos com o demo. A

    no se verga. Estes, em breves traos, o bitipo de Raimundo Correia.

    4. Leituras juvenis

    Com dezenove anos incompletos, na Faculdade de Direito de So Paulo j era colega e amigo do peito do infortunado Silva Jardim, que foi tragado pelo Vesvio. Fumante inveterado, o maior artista do verso no Brasil, primus inter pares na trindade parnasiana (com Alberto de Oliveira e Olavo Bilac), na mocidade Raimundo Correia costumava revisitar, dentre outras obras, os Sermes do bom padre Manuel Bernardes e as stiras picantes de Manuel Maria Barbosa du Bocage, ambos portugueses de nascimento. Em to boa companhia na adolescncia, no de admirar que, na idade adulta, R.C. tenha ampliado com obras cannicas da literatura estrangeira e da nacional, suas leituras preferenciais.

    5. O modelo paterno

    Assim como seu pai o respeitvel Dr. Jos Mota Azevedo Correa , que foi juiz municipal em Cabo Frio por duas vezes e em Paraba do Sul, ambas as duas, comarcas do Rio de Janeiro; e mais ainda nas comarcas da Bananeira (Paraba), Vila Nova (Sergipe), So Miguel (Santa Catarina), Bananal (So Paulo), e como

    inicialmente o cargo de promotor pblico em So Joo da Barra (RJ), e depois, como

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    juiz municipal, em Vassouras e Resende (ambos no RJ), em Turiau (MA), em So Gonalo do Sapuca (Santa Isabel) em MG; juiz da 2. Pretoria do antigo Distrito Federal (RJ), para onde quatro anos depois (em 1907) seria nomeado juiz de direito sucessivamente da 2. e da 5. Vara Criminal, e da 3. Vara Cvel. Esta, sua mais

    6. O professor e o funcionrio pblico

    Com a base terica do Direito haurida em So Paulo no de admirar que R.C. a tenha multiplicado estendendo a outrem to rica experincia.

    Seu nome consta da instalao da Faculdade Livre de Direito de Minas Gerais e, em 1896, eleito catedrtico de Direito Criminal dessa Instituio. Trs anos depois ser nomeado professor e vice-diretor do Ginsio Fluminense de Petrpolis,porm, conforme procuraremos demonstrar, essa no sua ocupao principal.

    Sua passagem pelo servio pblico tambm foi passageira. No segundo semestre de 1889, R.C. exerceu o cargo de secretrio da presidncia da provncia do Rio de Janeiro; e, em 1892, o de diretor da Secretaria das Finanas do estado de Minas Gerais. Com a proclamao da repblica, foi intensa a oferta dos novos cargos criados

    7. A crtica literria

    Raimundo Correia tambm exerceu a crtica literria. Sem os requintes da atual teoria literria, dedicou ele a anlises muito adequadas e lcidas a obras de contemporneos seus. Eis aqui notas sumrias sobre alguns desses estudos literrios.

    7.1 Lucindo Filho

    Das vrias obras literrias que comentou destaca-se a do mineiro de Diamantina, Lucindo Filho. R.C. exaltou-lhe as tradues em versos brancos de alguns

    dos espanhis Zorilla e Espronceda; dos franceses Catulle Mends e Heraedia; dos ingleses Byron Longfellow e Pope; e dos alemes Heine e Schiller.

    7.2 Mcio Teixeira

    Aps formular restries aos escritores de obras caudalosas, e elogiar os que as tm reduzidas mas buriladas e caprichosas, R.C. critica a longa torrente de livros em versos de M.T., quais sejam Vozes trmulas, Violetas, Sombras e Clares, Flor de um dia, Crebro e Corao; porm elogia o feliz acabamento e a cuidada tessitura de suas obras, posteriores, como Novos Ideais e Prismas e vibraes. Critica ainda seus coevos Valentim Magalhes, Fontoura Xavier, Assis Brasil, Augusto de Lima, Filinto

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    de Almeida e Silvestre de Lima por imitarem todos a Morte de Don Juan, de Guerra Junqueira.

    7.3 Alberto de Oliveira

    Lamentando a mudana deste, da cidade de Vassouras para a capital do Estado, R. C. compara a excelncia artstica dos sonetos e poemas de Alberto de Oliveira com as dos mrmores vivos de Miguel Angelo e os painis de Rembrandt e Goya, considerando encantadores os poemas A rvore, A lagarta, Vertumno,

    a imaginao pag; bem como O Leito de Romana, Mrmore, A Ponte vermelha, A janela e o Sol, A Entrada da Primavera, Ao luar de Verona, As Trs Formigas e a srie de sonetos intitulada Mortos para sempre, elogiados todos pela feliz adequao entre fundo e forma.

    7.4 Lcio de Mendona

    Ao chegar a So Paulo em 1878, R.C. incorporou-se pliade dos jovens

    Dias (sobrinho do grande Gonalves Dias) e Valentim Magalhes, todos concordes em que o mais brilhante deles foi Lcio de Mendona, que se formara um ano antes deles e de logo de l se ausentou.

    R.C. considera notvel seu romance O Marido da Adltera, destacando-lhe o fato de propor questes de subido interesse social. L. de M. colaborou com poesias em O Planeta do Sul (MG), no Crislida e no Unio, no Rebate e no Provncia deSo Paulo, todos esses quatro, paulistas; e, na corte do imprio brasileiro, na atual cidade do Rio de Janeiro, no Colibri, na Gazeta de Notcias, no Globo, no Mosquitoe especialmente na Repblica; e ainda no Vassourense, da cidade de Vassouras,bem como na EstaoR.C. cr plenamente consolidada sua tcnica nos versos de suas obras NvoasMatutinas, Alvoradas e Lies do Abismo, nas quais exalta a parcimnia regrada dos vocbulosea admirvel propriedade com que os distribui, antecipando-se em cerca de um sculo ao postulado de Roman Jakobson, segundo o qual o verso perfeito resulta da combinao do eixo da seleo vocabular com o eixo da combinao das

    peridico Borboleta, dedicado integralmente ao belo sexo.

    7.5 Augusto de Lima.

    Nos versos das Contemporneas do poeta supracitado, do qual R.C foi

    saudadena msica aprazvel de seus versos. Assentindo com o juzo critico do

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    imaginao poderosa, sensibilidade delicada, elocuo espontnea, individual e prpria.

    anti-Romantismo das poesias objetivistas de A. de L., que negam a Deus e esto

    como um abismo. Em poucas palavras, eis o que R.C. destaca na obra de seu colega e amigo.

    7.6 Slvio de Almeida.

    Aps tecer judiciosas consideraes sobre a inocuidade dos prefcios, neste que, a contragosto, escreveu para o livro de poemas estreantes da obra Efmeras,

    conhecimento pessoal do autor, porque ela falar por si mesma em favor de seu jovem

    nas pginas das Efmerasno precisar de recomendar a obra a ningum porque ela j se recomenda a si mesma, dispensando literatos paraninfos.

    7.7 Valentim Magalhes

    Contra a crtica negativa com que, em geral, foi recebido o romance de estreia de V.M. Flor deSangue , entre as quais avulta a falta de descries de paisagens, R.C. lembra que num romance as peripcias so mais importantes que as descries,

    conto maior. Em verdade, segundo a boa doutrina da Teoria da Literatura, o que ope a

    novel a um romance que, enquanto aquela uma sucesso de episdios; esta uma simultaneidade delas; e o conto no passa de reprodutor de uma peripcia apenas. Em

    autor de uma obra s. Dentre sua bagagem de dezessete obras publicadas at ento, V.M. publicou poemas (Cantos e Lutas); teatro, em colaborao com Filinto de Almeida (El Gran Galeoto); contos (Quadros e Contos, Vinte Contos e Bric--Brac) ; e tambm crtica literria (Escritores e Escritos). Ecce homo!

    7.8 Trajano Galvo de Carvalho.

    Em prefcio aos poemas de Sertanejas desse escritor, Correia exalta-lhe a presena ostensiva da natureza. O que mais lhe impressionou, porm, foi pioneirismo de seus poemas abolicionistas, anteriores mesmo aos de Castro Alves e Fagundes

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    Varela. Destaca ainda nosso crtico as semelhanas existentes entre o poema Luade Londres, do poeta portugus Joo de Lemos, com o poema O Brasil, do seu conterrneo.

    8. A Padaria Espiritual

    haverem fundado uma associao que visava aglutin-los, no s em Fortaleza, mas tambm fora de l, com o objetivo de editarem e divulgarem sua produo literria, cujas obras eram logicamente chamadas de pes.

    Em sua primeira quadra de existncia, a Padaria publicou estas obras: Versos Diversos, de Antnio Sales, seu principal incentivador; Flocos, do poeta paraibano Sabino Batista; Fantos, de Lopes Filho, cujos versos nosso crtico considerou plenos de esquisitices mtricas, bem ao gosto do decadentismo francs;Lopes Filho,

    Amazonas; Antnio de Castro,com seus Versos, considerados originais por Antnio Sales, o corifeu da pliade; Eduardo Sabia, com seus Contos do Cear; e Juvenal Galeno, a cujos contos, R.C. devotava justa admirao.

    Em 1895, nova fornada de pes saa da Padaria Espiritual, a saber: as Trovas do Norte, de Antnio Sales; os versos de Cromos, de Xavier Castro; os versos Dolentes de Sabino Batista; o romance Os Brilhantespstumas Memrias de um nufrago, de Alfredo Peixoto; os poemas Dilculos e os Contos. ambos de Jos Maria Brgido; as fantasias em prosa de Mignon, de Roberto de Alencar; o festejado romance Dona Guidinha do Poo, de Oliveira Paiva; o poemeto Eremita, de Lopes Filho; e os estudos literrios de Mas..., de Cabral de Alencar. Algumas dessas obras, como o romance de Oliveira Paiva, transcendeu seu espao e ganhou flego pelo nosso pas at nossos dias.

    Ainda na tica de R.C., outros ilustres cearenses transcenderam a seu bero natal para brilharem na Crte, como lvaro de Oliveira, B. Lopes, o clebre autor de Cromos, Capistrano de Abreu, Clvis Bevilacqua e Moura Brasil;o mesmo acontecendo com os conterrneos de nosso crtico, como os maranhenses Alusio e

    ensaio prometendo para breve outros estudos que, por vrias razes, especialmente as lides da magistratura, no pde concretizar.

    Em concluso, bendita gerao a de R.C., em que tantos brasileirinhos de todos os cantos do nosso pas puderam migrar para nossas cidades grandes, especialmente as do eixo Rio de Janeiro So Paulo, para se perpetuarem na memria de nosso povo.

    9. O legado lrico

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    Correia foram as fontes indiscutveis de alguns sonetos e poemas famosos na lrica nacional. Nos versos de estreia Primeiros Sonhosde obras poticas de nossa segunda gerao romntica, como as de Casimiro de Abreu e Fagundes Varela, mas apenas era um jovem e promissor talento.

    S a partir de sua segunda coletnea de versos que R.C. ir produzir alguns de seus mais clebres sonetos, como os antolgicos sonetos Mal secreto e As pombas

    os bancos escolares at a idade madura. O ento jovem poeta Ledo Ivo, hoje dos mais brilhantes membros de nosso

    sodalcio maior, a Academia Brasileira de Letras, j chamou a ateno dos seus leitores para a presena da lua, tema recorrente em sonetos de nosso poeta, como Anoitecer,A cavalgada, Plenilnio e Sozinha, que convencionou cognominar de lunaridade, que ecoar no soneto ria Noturna, da obra Versos e Verses, e em Harmonias de uma Noite de Vero,.de Aleluias.

    10. Ideias epistolares

    O pesquisador e ensasta Waldir Ribeiro do Val, em cuja obra RaimundoCorreia / Poesia completa e prosa principalmente nos apoiamos nestas breves notas, brindou-nos ainda com a correspondncia ativa de R.C. para alguns de seus amigos mais chegados.

    Nessas cartas, nosso poeta, com a transparncia e a sinceridade que o caracterizavam, expende seus pontos de vista, ora elogiosos, ora restritivos sobre as obras por eles editadas, alm de fornecer-lhes suas notcias pessoais e as de seus familiares. Pincemos-lhe aqui as principais ideias dessas cartas.

    A Alberto de Oliveira, elogia-lhe os trs poemas em prosa que publicou no Dirio Mercantil (RJ), reproduzido por R.C. no Vassourense (RJ) e seu soneto sensualista Extrema Verba, naquele mesmo Dirio.

    A Lcio Mendona, a partir de Ouro Preto (MG), onde exercia a magistratura, R.C. agradece-lhe o que publicou a seu respeito na Galeria do Elogio Mtuo,no peridico A Semana, editado na Corte.

    A Gaspar Silva, escreve elogiando o carter e a inspirao potica de seu dileto amigo Olavo Bilac, autor do poema Delenda Carthago e da Tentao de Xencrates; bem como destacou o alto nvel do artigo Plgios e Plagirios, editado

    A Semana.A Lus Andrade, agradece-lhe a transcrio do seu artigo Por causa de um

    soneto, publicado na Revista Ilustrada e, em seguida, reproduzido em A Semana,defendendo nosso poeta da injusta pecha de plagirio.

    A Alfredo Pujol, felicita-o pelo artigo que este editou no Dirio Mercantil, defendo o escritor paulista Jlio Ribeiro,cujo romance naturalista A carne fora alvo de severas restries de parte de alguns crticos, mas sinceramente declara no concordar com todos os itens daquela defesa.

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    A Rodolfo Leite Ribeiro, agradece-lhe a gentileza do belssimo soneto editado por ele no jornal Vassourense, e a naturalidade e cor local, alm da nitidez do estilo e correo da forma de seus versos.

    Ao cearense Antnio Sales, escreve a partir de Ouro Preto, cumprimentando-o pelos excelentes trabalhos literrios produzidos pelos intelectuais participantes de sua famosa Padaria Espiritual.

    afetuosa dedicatria que aquele lhe formulou na abertura de seu romance Giovannina, cujos captulos anteriormente saram na Revista Brasileira;e, a propsito da perda

    jamais.

    11. As razes da perenidade

    No poderemos encerrar este breve ensaio sobre a vida agitada de R.C., sem dizer duas palavras sobre as razes da perenidade de alguns de seus sonetos. Sem

    Os limites deste ensaio no nos permitem proceder anlise literria de algum de seus mais famosos sonetos, mas no nos privaremos de mostrar alguns recursos que comprovam seu pleno domnio dos processos retricos e poticos de toda ordem.

    Apesar de sua obra de estreia Primeiros sonhos

    parnasiano com suas Sinfonias, obra que abre com seu famoso soneto As pombas e abriga tambm o soneto Mal secreto, ambos cheios daquela melancolia e desesperana

    Como j mostrou o poeta e acadmico Ledo Ivo, um dos seus encantamentos lricos d-se com o que este chamou de lunaridade, vale dizer, seu deslumbramento diante do brilho da lua, como as dos sonetos Anoitecer e A cavalgada. O primeiro verso deste, por exemplo, em ordem direta: A lua banha a solitria estrada, fecha-o esta chave de ouro com prolepse do objeto direto: A lua a estrada solitria banha.

    Com pleno domnio dos recursos meldicos da organizao vocabular, note-se-lhe esta bela consonncia de eles laterais, como que a fazer ecoar o som de um duelo de espadas 0no soneto VIII-Julieta: da valerosa espada / Esplende a clara lmina polida (p. 149); e esta consonncia em erres, no soneto II/Hero, sugerindo o rudo de raios rompendo o cu: [...] rspido farfalha / Crebo, o tufo; ferve o Helesponto irado, / E o cu da Grcia torvo e carregado / Rpido o raio rtilo retalha... (p. 146).

    Do soneto II/Graziela, extramos este belo quiasmo de sua chave de ouro: doce e suavssima Graziela, / Suavssimo e doce Lamartine. Todos estes trs exemplos foram colhidos de uma coroa de sonetos intitulada de ,oferecida a Machado de Assis, em que o poeta evoca oito grandes musas da literatura

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    universal, a saber: Oflia, Graziela, Hero, Beatriz, Natrcia, Virgnia e Julieta. Nosso poeta ainda fez publicar no Brasil as seguintes coletneas de versos

    parnasianos: Versos e Verses e Aleluias; e, em Portugal, em 1898, treze composies suas intituladas simplesmente de Poesias, entre as quais se inclui seu antolgico Plenilnio. Embora mais requintados os poemas de suas ltimas obras, estas no receberam do pblico ledor brasileiro o mesmo carinho e a mesma admirao do seu segundo livro, intitulado Sinfonias, que abriga alguns de seus mais famosos sonetos.

    Conquanto nosso pas celebre neste ano da graa de 2011 o primeiro centenrio de seu falecimento, seus antolgicos poemas esto mais vivos do que nunca no corao e na memria de todos os brasileiros, como ns.

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    ALGUNS TERMOS DO LXICODE VILA DA BICA, NO

    CEAR (PARTE 2) ANTNIO NUNES MALVEIRA (ABRAFIL E PEDRO II)

    Vila da Bica localiza-se a mais de 200 km de Fortaleza. Na revista nmero VIII da ABRAFIL registramos uma parcela do vocabulrio regional usado pelos camponeses; e, agora, trazemos baila a ultima parte dos termos pesquisados, uma vez que a televiso liquidou a existncia de todos os termos colhidos da minha investigao. A TV Globo est ferindo nosso regionalismo, e, com isto, afeta a vida de nosso folclore.

    Eis aqui, os ltimos vocbulos que ainda encontrei.

    Fao de demais de boa vontade.Caresma quaresma.Cardo - e no cordo (revista n. VIII, 50).Calefon (suti), e no calefar como saiu na Revista VIII, pg. 49.Entons - ento.Jirome - Jernimo.Mangar - debochar.Miunas - caprinos e ovinos.

    pelado.Int (at) - muito usado pelos camponeses.Cabra de tutano - valento.Otoridade - por autoridade.Orora - por aurora.Orgente - por urgente.Uruvalho - por orvalho.Mais mior.Menos feio.Croa - por coroa, pequeno espao verde no Rio Jaguariba, depois das enchentes, usado pelos proprietrios, onde plantavam melo, jerimum (Leite de Vasconcelos, Opsculo).Musturado - misturado.Furduno - baguna.Adespois - depois.Respostar - responder.Estambo, por estmago.Pinguelo (ou pinguela) - Espcie de ponte tosca feita de pau. Palavra

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    muito usada no Minho (Leite de Vasconcelos).Na vila o verbo ter tinha o sentido de parir e no de partir, como se acha na Revista n. VIII, 53. A mui do compadre teve um menino que um pai delgua. xente - corresponde ao uai mineiro.Jirau tinha o formato de uma mesa rude, feito de varas, fora da cozinha onde as mulheres guardavam as panelas. O jirau era composto de 4 forquilhas. Ali, guardavam-se todas as panelas, feitas de barro cozido pelas louceiras.Carnico - por carnego. Quebranto - para isto, existiam as rezadeiras.Adonde - Adonde vai tu seu Francisco.Aboiar - uma espcie de cano sem destino das notas musicais, usada para acalmar as boiadas e obedeciam aos vaqueiros.Lixandre - por Alexandre.Mio - milho bem desenvolvido.Barboleta borboleta.Terado - falco grande.B - bom: tio b homi muito bom.Mui buxuda (grvida), e no bulula como saiu na revista n. VIII, pgina 41.Troufe e trufe era comum entre cabea de jumento teimoso.Veve vive.Ele veve bem, tem muito gado, seu Marco.Fular - por falar.Enxunda - por enxndia (gordura da galinha).Orde - por ordem.Est com Deus - j morreu.

    Concluso

    pesquisa dialectolgica. Espera-se que muitos outros trabalhos semelhantes, ou at

    de nosso lxico.

    NOTA Esta pesquisa dedicada ao nosso grande Presidente de honra, Prof. Leodegrio Amarante de Azevedo Filho;

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    VASCONCELOS, LEITE, Volume 1 Filologia. Imprensa da Universidade de

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    Coimbra:Coimbra, 1928

    Volume 2 Dialectologia, 1928; volume 3 Onomatologia, 1931; volume 4 Filologia,1929; volume 5 Dialectologia, 1935; volume 6 Dialectologia, 1935; volume7 Etnologia, 1935; volume 8 Onomatologia, continuao do volume 3, 1931; volume9 Tradies Populares de Portugal, Casa Nacional da Moeda, 1986; volume10 Filologia, Barranquenha, Imprensa Nacional de Lisboa, 1955.VITERBO. Elucidrio das palavras, termos e frases. 3 edio crtica baseada nosmanuscritos, 1965.

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    TRS GRAMTICAS DE REFERNCIA PARA OS ESTUDOS

    DO PORTUGUSCLAUDIO CEZAR HENRIQUES1 (UERJ e ABRAFIL)

    RESUMO: A lngua, em face do resto da cultura, o resultado dessa cultura, ou sua smula, o meio para ela operar, a condio para ela subsistir. A frase de Mattoso Cmara Jr. em conferncia proferida no Rio de Janeiro na dcada de 50. Tomo-a por emprstimo para introduzir o que pretendo dizer neste trabalho sobre trs das

    estudos de nossa lngua: Carlos Henrique da Rocha Lima, Evanildo Bechara e Celso Ferreira da Cunha.

    PALAVRAS-CHAVE

    1. INTRODUO

    Ns somos todos assim... Eu sou assim... Tu s assim... Danam pronomes pessoais: Eu, ele, tu, eles, ns, vs... Que somos ns?... Pronomes pessoais. Assim, Mrio de Andrade questionava a pessoa humana, com base na estrutura gramatical, e conclua pela igualdade entre todos. Pronomes pessoais so democrticos: podem ser usados em p de igualdade por todos. Cada um um eu, qualquer conjunto de eus um ns. J outro, o pronome de tratamento, diferente. autoritrio: seleciona e

    com essa referncia metalingustica intertextual que Nelly Carvalho comea seu artigo Quem somos ns?, onde trata dos usos das formas e pronomes de tratamento, no Brasil e em Portugal. Faz Nelly comentrios esclarecedores acerca dos valores semnticos, das situaes e contextos em que so empregadas expresses como vocemec, voc e tu / vossncia / sitora (= senhora doutora) / senhora, dona esenhora dona / esposa, mulher e senhora / esposo, marido e homem / doutor e senhordoutor / mame e senhora / primo e doutor / sinh e senhora / madrinha / dona, moa e menina / compadre e comadre / seu moo / seu vigrio / vs e vosmec...

    E conclui: Os usos tornam possvel estabelecer a ligao entre os aspectos sociais e a estrutura verbal, ajudando a responder a questes que de outro modo poderiam ser ignoradas. Para ela, medida que se aprofunda a compreenso da

    1 Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Brasil / [email protected]

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    lngua, mais se percebem as implicaes sociais fundamentais na construo do ser humano, algo que traz uma resposta para a indagao de Mrio de Andrade sobre quem somos ns nesse jogo de situaes.

    A lngua, em face do resto da cultura, o resultado dessa cultura, ou sua smula, o meio para ela operar, a condio para ela subsistir. A frase de Mattoso Cmara Jr. em conferncia proferida no Rio de Janeiro na dcada de 50. Tomo-a por emprstimo para introduzir o que pretendo dizer neste trabalho sobre trs das

    estudos de nossa lngua: Carlos Henrique da Rocha Lima (1915-1991), Evanildo Bechara e Celso Ferreira da Cunha (1917-1989).

    Podemos tambm encaminhar este tema para a ideia de que a lngua um produto cultural que engloba tradies lingusticas de variadas feies e matizes. Com isso, quero dizer algo nem sempre lembrado nos compndios gramaticais, talvez por ser uma coisa muito bvia e to bvia que acaba desconsiderada: uma lngua histrica no um sistema nico, um conjunto de sistemas! E de que sistemas se

    sociais (diastrticas) e individuais (diafsicas)?

    essa transio, no apenas no mbito terminolgico, mas sobretudo no metodolgico, reconhecendo a necessidade de harmonizarmos o descritivo e o normativo como indispensvel contribuio aos estudiosos dessa problemtica.

    A tradio gramatical tem privilegiado o termo emprego e a ele remete

    preconceituosa que muitos livros deram/do palavra uso/usos. Os guias de correo, os manuais de redao ou os vade-mcuns de correo de frases, de um modo geral, utilizam a expresso uso popular ou uso coloquial (eufemismo para uso errado?) ou mesmo se propem a tratar dos usos inadequados ou imprprios os quais, na verdade, representam uma possibilidade real de uso lingustico.

    Parece-nos, pois, bastante oportuno abordar aqui trs obras gramaticais que tm acompanhado as vidas acadmicas de algumas geraes de professores e

    entre suas caractersticas estruturais, destaca-se o posicionamento prescritivo tpico das obras de referncia. Isso no descarta a possibilidade de que textos tericos podem se comprometer com o congraamento entre a descrio dos efeitos expressivos das construes e os conceitos de correo padronizada e excelncia pretendida. Com isso, queremos dizer que tambm dos desvios se fazem as normas e que, por conseguinte, h obras referenciais do campo gramatical que excedem sua funo referencial e assumem uma fora pedaggica e cultural, por fazerem da meno aos aspectos semnticos e estilsticos uma construtiva forma de abordar a lngua histrica. Uma gramtica que no tenha isso em vista faz tbua rasa do estilo e da individualidade, estigmatiza at a criatividade.

    Sempre que comentou o tema, Celso Cunha se posicionou contra o

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    autoritarismo. Na obra A questo da norma culta brasileiranum nico exemplo fora das trs gramticas, Cunha acusa a norma prescritiva de se

    despeito disso, algum carter impositivo faz parte do conhecimento de qualquer lngua de cultura, mesmo na simples transmisso cotidiana da modalidade oral. s gramticas no compete possuir um tom ditatorial, e a relutncia no acolhimento das novidades circulantes nos diversos usos de uma lngua histrica no tem necessariamente de ser confundida com teimosia ou arrogncia. a conscincia de que s o uso reiterado e generalizado no registro prestigiado (escrito) pode respald-las.

    Rocha Lima, Evanildo Bechara e Celso Cunha, cada um a seu modo, pretenderam equilibrar os conceitos de norma e de correo idiomtica com um princpio inerente a todo sistema de lngua, a variao. Isto, entretanto, no os fez menos rigorosos e apurados em suas maneiras de apresentar a norma, admitida a variao de um ponto de vista diatpico, diastrtico ou diafsico.

    O resultado de suas contribuies est, sob certa medida, em livros mais recentes, nos quais se notam mais, ou menos, explicitamente os ecos (assonantes

    NovaGramtica do Portugus Brasileiro, de Ataliba de Castilho, Gramtica do Portugus Brasileiro, de Mrio Perini, Gramtica de Usos da Lngua Portuguesa,de Maria Helena de Moura Neves, Gramtica Houaiss da Lngua Portuguesa, de Jos Carlos de Azeredo, Gramtica da Lngua Portuguesa, de Maria Helena Mira Mateus, Ana Maria Brito, Ins Duarte, Isabel Hub Faria, e Gramtica da Lngua Portuguesacontemporneas. Todas nos podem levar ao que diz Celso Cunha na Gramtica do Portugus Contemporneo (p. 13), passagem repetida ipsis verbis na Nova Gramtica do Portugus Contemporneoportugus Lus F. Lindley Cintra:

    Se uma lngua pode abarcar vrios sistemas, ou seja, as formas ideais de sua realizao, a sua dinamicidade, o seu modo de fazer-se, pode tambm admitir vrias normas, que representam modelos, escolhas que se consagraram dentro das possibilidades de realizaes de um sistema lingustico.

    2. AS TRS GRAMTICAS

    As gramticas de Rocha Lima, Evanildo Bechara e Celso Cunha adotam a clssica metodologia que divide a gramtica em trs partes e as dispe da unidade menor para a unidade maior, ou seja: primeiro a fontica, depois a morfologia, depois a sintaxe.

    tambm a mesma organizao praticada pela grande maioria das gramticas at ento publicadas, sendo uma das excees a Gramtica Expositiva da Lngua

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    Portuguesa, de Mrio Pereira de Souza Lima, publicada em 1936. Souza Lima estruturou sua obra adotando caminho inverso: em vez de comear separadamente pela Fontica ou pela Morfologia, o ensino da Gramtica deve considerar de incio a proposio e dela descer s diferentes partes do discurso, mostrando como estas vivem em conjunto, como se limitam e se completam (p. 7-8).

    Igual estrutura foi adotada na NGB (de 1959) e na NGP (de 1967) embora esta apresente apenas a Morfologia e a Sintaxe como partes da gramtica, passando a Fontica Descritiva para o item denominado outras nomenclaturas lingusticas

    dizer que por isso ou para isso que os programas de Lngua Portuguesa das escolas de todos os nveis adotaram (e muitas ainda adotam) o modelo da unidade menor para a unidade maior.

    A prpria TLEBS que de 2007 adota a sequncia mais tradicional. No item intitulado Lingustica Descritiva, apresenta SEIS subitens: 1. Fontica e Fonologia; 2. Morfologia; 3. Classes de palavras; 4. Sintaxe; 5. Lexicologia; 6. Semntica.

    2.1. AS GRAMTICAS DE ROCHA LIMA

    nos estudos lingusticos luso-brasileiros a Gramtica Normativa da Lngua Portuguesade quase todos os cursos de Letras das universidades brasileiras o que pudemos comprovar com os dados colhidos na pesquisa intitulada Cnon gramatical brasileiro contemporneo, que desenvolvemos junto ao Departamento de Lngua Portuguesa do Instituto de Letras da UERJ na ltima dcada do sculo passado.

    A primeira edio da Gramtica de Rocha Lima de 1957 (por F. Briguiet & Cia.). Em 1972, ao atingir sua 15.a edio a 1.a pela Jos Olympio Editora , foi ela

    sido membro da equipe que elaborou o texto da Nomenclatura Gramatical Brasileira, nunca deixou de distinguir termos como objeto indireto e complemento relativo e de redistribuir os adjuntos adverbiais segundo suas caractersticas semntico-funcionais. A 31.a edio, pstuma, publicada em 1992, foi retocada e enriquecida, mas no mudou muito a feio do livro. Em 2010, uma nova edio incorporou as mudanas

    do autor a uma equipe convidada. Outras gramticas de autores falecidos tambm j

    Moderna Gramtica Brasileira, de Celso Pedro Luft, e a Gramtica Metdica da Lngua Portuguesa, de Napoleo Mendes de Almeida.

    Esse dado muito importante em relao Gramtica Normativa, pois seu

    de enfatizar aos leitores que o texto da ltima edio lanada no , na totalidade, de

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    sua autoria.

    2.2. AS GRAMTICAS DE EVANILDO BECHARA

    Outro livro referencial nos estudos lingusticos luso-brasileiros e que integra

    Moderna Gramtica Portuguesa, de Evanildo Bechara, publicada pela Companhia Editora Nacional sem alteraes desde sua 1.a edio, em 1961, at a 37.a (a ltima edio autorizada pelo autor foi lanada em 1997, especialmente a pedido do Ministrio de Educao).

    Em 1999, o autor reformulou consideravelmente sua obra. Das 374 ou 461 pginas das trinta e sete primeiras edies (o tamanho mudou quando em 1972 a Cia. Ed. Nacional fez uma nova programao visual para a Moderna Gramtica),a edio de 1999 contava com 671 pginas. O autor, nessa nova fase, prope um tratamento novo para muitos assuntos importantes que no poderiam continuar a ser encarados pelos prismas por que a tradio os apresentava, mas adverte que o livro conservava uma disposio da matria mais ou menos conforme o modelo clssico. Observa-se isso quando se compara, por exemplo, a sequncia dos captulos centrais da gramtica, que mantm a disposio e ordem da verso primitiva, conquanto

    atualizados.A 38.a edio (de 1999) teve sucessivas reimpresses pela editora Lucerna at

    2009, quando a Moderna Gramtica passou a ser publicada pela ed. Nova Fronteira. A nova reimpresso , na verdade, uma nova edio, pois vem adaptada ao Novo

    2.3. AS GRAMTICAS DE CELSO CUNHA

    A terceira obra referencial a ser focalizada neste artigo , na verdade, um conjunto de trs obras. Comecemos falando da 1.a edio da Gramtica do Portugus Contemporneo (doravante GPC), de Celso Ferreira da Cunha, que foi publicada em 1970 pela Editora Bernardo lvares. Republicada sob nova roupagem em 1972 pelo Ministrio da Educao, com o ttulo Gramtica da Lngua Portuguesa (doravanteGLP

    a

    edio da GLP: Esperamos que esta edio, escoimada dos erros das anteriores, possa melhor servir aos que a lerem (p. 6). Os dois ttulos coexistiram em edies variadas: a GPC seguiu at a 10.a edio (em 1983, pela Editora Padro); a GLP atingiu a 15.a

    edio em 1994 (ainda pelo MEC).A terceira gramtica de Celso Cunha, intitulada Nova Gramtica do

    Portugus Contemporneo (doravante NGPC), foi lanada em 1985 pela Editora

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    Nova Fronteira. Sua 2.a edio passou por algumas reimpresses at 2001, quando saiu a 3.a

    Lus Filipe Lindley Cintra (1925-1991), responsvel pela redao ou coautoria de trs dos vinte e dois captulos do livro, que todavia mantm as caractersticas da primeira gramtica da srie, evidentemente com a modernizao dos conceitos e alguma mudana na disposio dos assuntos.

    Comparadas as trs verses, a ateno do leitor certamente ser despertada para dois pontos. O primeiro a presena de um captulo intitulado Noes histricas somente na edio do Ministrio da Educao, que por sua vez no inclui o

    2. O segundo a profunda mudana no corpus NGPCpossui exemplos recolhidos de escritores africanos o que se explica pela pretenso editorial de atingir mais amplamente o mercado internacional dos estudos de lngua portuguesa. Outro ponto importante o que observa a incluso apenas na edio do MEC de um captulo chamado Morfo-sintaxe (que engloba o que nas duas outras obras apresentado, classe por classe, como partes independentes).

    Em 2007, a NGPC passou a ser publicada pela editora Lexicon, numa edio revista e ampliada numerada como a 4a da obra. Explica-se: os herdeiros dos autores decidiram, inteligentemente, incluir nesta nova verso o captulo Noes

    edies anteriores. Com isso, pode-se dizer que a 4.a edio a que contm, de fato, a ltima exposio do pensamento gramatical de Celso Cunha (sempre lembrando que a obra tem a coautoria de Lindley Cintra).

    3. CONCLUSO

    Gramticas no so a nica soluo para os estudos lingusticos, mas no podemos deixar de consider-las como uma alternativa pedaggica a somar-se a outras obras referenciais sempre utilizadas criticamente e sob a perspectiva do bom senso.

    so importantes e compartilham mais do que se imagina: um interesse em questes de aceitabilidade, ambiguidade e inteligibilidade. Para isso, preciso que os sociolinguistas vejam o normativismo com mais seriedade, luz de estudos sobre atitudes, usos e crenas lingusticos. Algo como defende David Crystal (p. 2-3), quando fala da representao abstrata das caractersticas centrais do idioma, as quais se compem de dois modelos: o primeiro revela os trs componentes da estrutura do

    aponta para os usos (variaes temporal, social, regional e individual). E completa,

    2 O captulo exclusivo da GLP contm 22 pginas, sendo 14 sobre histria externa da lngua e

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    arguto: o olhar onicurioso do linguista observar cuidadosamente toda essa cena.Na dupla de suas gramticas contemporneas, Celso Cunha expe seu

    conceito de norma e de correo idiomtica: Este conceito lingustico de norma, que implica um maior liberalismo gramatical, o que, em nosso entender, convm adotarmos para a comunidade de fala portuguesa. (GPC, p. 14; NGPC, p. 8). A mesma atitude percebida nas gramticas de Rocha Lima e Evanildo Bechara.

    de Mattoso Cmara de que a cultura o conjunto do que o homem criou na base das suas faculdades humanas: abrange o mundo humano em contraste com o mundo fsico e o mundo biolgico, ento podemos reconhecer que uma das tarefas que compete a um gramtico interpretar crtica e objetivamente esse resultado, ou seja, descrever efetivamente a lngua como o veculo que a cultura tem para operar.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS:

    ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS. 2009. Portuguesa. So Paulo: Global.ALMEIDA, Napoleo Mendes de. 1986. Gramtica Metdica da Lngua Portuguesa.So Paulo: Saraiva.AZEREDO, Jos Carlos S. de. 2009. Gramtica Houaiss da lngua portuguesa. So Paulo: Publifolha.BECHARA, Evanildo. 1982. Moderna Gramtica Portuguesa. So Paulo: Cia. Edit. Nacional.______. 2009. Moderna Gramtica Portuguesa. Rio de Janeiro: Lucerna/Nova Fronteira.C