lúcio de mendonça em tempos de eja

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Texto sobre a implantação da Educação de Jovens e Adultos na E.M. Lúcio de Mendonça, Pirapi, RJ.

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Page 1: Lúcio de Mendonça em Tempos de EJA

FRED FERNANDES

LÚCIO DE MENDONÇA EM TEMPOS DE EJA

1a Impressão

Piraí – 2011

EDIÇÕES MUIRAQUITÃ

Page 2: Lúcio de Mendonça em Tempos de EJA

LÚCIO DE MENDONÇA EM TEMPOS DE EJA

Fred Fernandes

Estamos em tempo de mudança no turno da noite e o exemplo mais vivo é a implantação da modalidade EJA (Educação de Jovens e Adultos). A EJA é a modalidade de ensino nas etapas dos ensinos fundamental e médio da rede escolar pública brasileira e adotada por algumas redes particulares que recebe os jovens e adultos que não completaram os anos da educação básica em idade apropriada por qualquer motivo (entre os quais é freqüente a menção da necessidade de trabalho e participação na renda familiar desde a infância). No início dos anos 90, o segmento da EJA passou a incluir também as classes de alfabetização inicial. No Brasil, o campo consolidou-se com influência das idéias de Paulo Freire e em forte relação com o movimento de educação popular.

O segmento é regulamentado pelo artigo 37 da Lei de Diretrizes e Bases da educação (a LDB ou lei nº 9394 de 20 de Dezembro de 1996. É um dos segmentos da educação básica que recebem repasse de verbas do Fundeb.

Mas ainda que a EJA seja uma novidade em nossa escola não cremos ser possível dizer o mesmo quanto ao cotidiano de nossos professores. De uma forma ou de outra todos já ouviram falar, já leram sobre o assunto, tem um amigo que leciona ou até lecionam ou lecionaram na EJA. Consideramos mais relevante discorrer um pouco sobre o aluno da EJA, sobre que tipo de aluno nossos professores irão encontrar e, de alguma forma ajudá-los a encarar este aluno munidos de um conhecimento pré-adquirido. Vamos a ele então!

Como citamos Paulo Freire vamos nos apropriar de um termo por ele desenvolvido e por nós largamente usado: a “visão de mundo”. A visão de mundo de um indivíduo que retorna aos estudos já adulto, após um tempo afastado dos bancos escolares ou mesmo daquele que inicia tardiamente sua trajetória escolar é cercada de peculiaridades que, não raro, são ignoradas.

Este aluno é o protagonista de muitas “histórias reais”, rico em experiências vividas e dotado de uma diversidade cultural muito grande. Trata-se de um aluno que chega aos bancos escolares com crenças e valores já plenamente constituídos. Este aluno tem traços de vida, origem, idade, vivência profissional, histórico escolar, ritmo de aprendizagem e estrutura de pensamento completamente diferente do colega que se sentará ao seu lado na sala de aula. A cada realidade corresponde um tipo de aluno e não poderia ser de outra forma pois são pessoas que vivem no mundo adulto do trabalho, com responsabilidades sociais e familiares, com valores éticos e morais formados a partir da experiência, do ambiente e da realidade cultural em que estão inseridos.

Contrariamente ao pensamento que vigorou na psicologia por muitos anos, estudos recentes indicam que o desenvolvimento psicológico é um processo que dura a vida toda e que a idade adulta também é rica em transformações. Embora sejam menos rápidos que os alunos mais jovens os adultos por possuírem mais experiência podem ter acumulado uma maior quantidade de conhecimentos e em consequência podem oferecer uma visão mais ampla, julgar melhor os prós e os contras de uma situação e ter ainda, boa dose de criatividade.

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Como já citamos, a visão de mundo dos alunos da EJA é profundamente influenciada por seus traços culturais de origem e por sua vivência social, familiar e profissional. Podemos dizer que eles trazem uma noção de mundo mais relacionada ao ver e ao fazer, uma visão de mundo apoiada numa adesão espontânea e imediata às coisas que vê. Ao escolher o caminho da escola, a interrogação passa a acompanhar o ver desse aluno, deixando-o preparado para olhar. Aberto à aprendizagem, eles vêm para a sala de aula com um olhar que é, por um lado, um olhar receptivo, sensível, e, por outro, é um olhar ativo: olhar curioso, explorador, olhar que investiga, olhar que pensa.

Pode-se identificar ois tipos de conhecimentos pré-adquiridos que os alunos de EJA apresentam quando procuram a escola: o saber sensível, que diz respeito aquele saber do corpo, originado na relação primeira com o mundo e fundado na percepção das coisas e do outro e, o saber cotidiano, que se se configura como um saber reflexivo, um saber da vida vivida, saber amadurecido, fruto da experiência, nascido de valores e princípios éticos, morais já formados, anteriormente, fora da escola.

O saber sensível é um saber sustentado pelos cinco sentidos, um saber que todos nós possuímos, mas que valorizamos pouco na vida moderna. É aquele saber que é pouco estimulado numa sala de aula e que muitos professores e professoras atribuem sua exploração apenas às aulas de artes. No entanto, qualquer processo educativo, tanto com crianças quanto com jovens e adultos, deve ter suas bases nesse saber sensível, porque é somente através dele que o aluno abre-se a um conhecimento mais formal, mais reflexivo.

Os alunos da EJA, pela sua experiência de vida, são plenos deste saber sensível. A grande maioria deles é especialmente receptiva às situações de aprendizagem: manifestam encantamento com os procedimentos, com os saberes novos e com as vivências proporcionadas pela escola. Essa atitude de maravilhamento com o conhecimento é extremamente positiva e precisa ser cultivada e valorizada pelo professor porque representa a porta de entrada para exercitar o raciocínio lógico, a reflexão, a análise, a abstração e, assim construir um outro tipo de saber: o conhecimento científico.

Olhar, escutar, tocar, cheirar e saborear são as aberturas para nosso mundo interior. Ler e declamar poesia, escutar música, ilustrar textos com desenhos e colagens, jogar, dramatizar histórias, conversar sobre pinturas e fotografias são algumas atividades que favorecem o despertar desse saber sensível.

O saber cotidiano, por sua vez, possui uma concretude, origina-se da produção de soluções que foram criadas pelos seres humanos para os inúmeros desafios que enfrentam na vida e caracterizam-se como um saber aprendido e consolidado em modos de pensar originados do dia-a-dia. Esse saber, fundado no cotidiano, é uma espécie de saber das ruas, freqüentemente assentado no “censo comum” e diferente do elaborado conhecimento formal com que a escola lida. É também um conhecimento elaborado, mas não sistematizado. É uum saber pouco valorizado no mundo letrado, escolar e, freqüentemente, pelo próprio aluno. O saber cotidiano não é necessariamente um saber utilitário, desenvolvido para atender a uma necessidade imediata da pessoa. Pelo contrário, pode também se configurar em uma espécie de conhecimento que requer um afastamento, uma transcendência com relação ao seu objeto. Uma cozinheira, por exemplo, pode executar uma simples receita mas pode, também, recriá-la, estabelecendo hipóteses a respeito de um novo ingrediente que poderia ser acrescentado para melhorar o sabor do prato em questão.

Os conhecimentos que os alunos e alunas trazem estão diretamente relacionados às suas práticas sociais. Essas práticas norteiam não somente os saberes do dia-a-dia, como também os saberes aprendidos na escola. A aaprendizagem escolar, ao promover um conhecimento legitimado pela sociedade, só se torna significativa para o aluno se fizer uso e valorizar seus conhecimentos anteriores, se produzir saberes novos, que façam sentido na vida fora da escola, se possibilitar a inserção do jovem e adulto no mundo letrado.

A procura pela escola, por parte de um aluno da EJA também é tema que merece algumas

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considerações. Esta procura não se dá de forma simples, ao contrário, em muitos casos, trata-se de uma decisão que envolve as famílias, os patrões, as condições de acesso e as distâncias entre casa e escola, as possibilidades de custear os estudos e, muitas vezes, trata-se de um processo contínuo de idas e vindas, de ingressos e desistências. Ir à escola, para um jovem ou adulto, é antes de tudo, um desafio, um projeto de vida.

Além disso, a escola que os alunos têm em seu imaginário, aquela que conhecem porque já passaram por ela anos atrás ou porque acompanham o cotidiano de seus filhos, nem sempre é aquela com que se deparam nos primeiros dias de aula. Nesses casos, esperam encontrar o modelo tradi-cional de escola, ou seja, um lugar onde predominam aulas expositivas, com pontos copiados da lousa, onde o professor é o único detentor do saber e transmite conteúdos que são recebidos passivamente pelo aluno. Esperam muita lição de casa porque acreditam que a quantidade de treino leva a boa aprendizagem. Especialmente, os alunos mais velhos se mostram resistentes à nova concepção de escola que os coloca como sujeitos do processo educativo, que espera deles práticas ativas de aprendizagem. Muitos, ao se depararem com uma aula na qual são convidados a pensar juntos, em grupo; a resolver desafios diferentes dos exercícios mais convencionais; a ler textos literários; a aprender com a música, a poesia, o jornal; a fazer matemática com jogos e cálculos diversos, construir projetos; estranham, resistem e acreditam não ser esse o caminho para aprender o que a escola ensina.

Este cenário poderá ser transformado na medida em que a escola investir no acolhimento desse aluno, que é alguém especialmente receptivo à aprendizagem, repleto de curiosidade e que vai para a sala de aula desejoso de novas experiências. Da parte do(a) aluno(a), como bem pudemos ver no depoimento de Neusa, ele também precisa ajustar suas expectativas à realidade que encontra quando volta para a escola, um desafio que, por v ees, mostra-se custoso demais, incorrendo, em muitos casos, no abandono, em nova desistência.

Nesse sentido, além do aumento da oferta de vagas, é preciso considerar as condições de permanência do aluno jovem e adulto na escola, bem como aquelas que lhe permitam concluir a escolarização. Grande parte dos alunos jovens e adultos, que buscam a escola, esperam dela um espaço que atenda às suas necessidades como pessoas e não apenas como alunos que ignoram o conhecimento escolar. Por outro lado, todos eles acreditam que a escola possa imprimir-lhes uma marca importante e por isso apostam nela.

Diante do quadro exposto aqui e dos novos desafios que nossos professores de EJA irão encarar em seu cotidiano, no transcorrer de todo o ano letivo de 2011, oferecemos algumas sugestões orientativas que acreditamos ser relevantes. Vamos a elas.

a) Valorize sempre os conhecimentos de seus alunos. Ouça suas experiências e suposições e relacione essa sabedoria aos conceitos teóricos

b) Dialogue sempre, com linguagem e tratamento adequado ao público;

c) Pergunte o que seus alunos sabem do conteúdo e a opinião deles a respeito dos temas antes de abordá-los cientificamente. Dessa forma, você demonstra que os mesmos sabem, ainda que não se dêem conta;

d) Compreenda que educar jovens e adultos é, antes de tudo, um ato político e, para tanto, você deve saber estimular o exercício da cidadania.

Obs.: No link http://eja.sb2.construnet.com.br/ você professor encontrará sugestões de aulas, orientação pedagógica, efetuará pesquisas temáticas e poderá inclusive requisitar material didático.

Aproveite e conheça o Portal dos Professores de EJA!