literatura e história no brasil império

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CENTRO UNIVERSITÁRIO FEEVALE INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES LITERATURA BRASILEIRA DO SÉCULO XIX FLADIMIR P. PORTO História Monografia/História do Brasil Império Profª Ms. Roswithia Weber

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Page 1: Literatura e História no Brasil império

CENTRO UNIVERSITÁRIO FEEVALE

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

LITERATURA BRASILEIRA DO SÉCULO XIX

FLADIMIR P. PORTO

História

Monografia/História do Brasil Império

Profª Ms. Roswithia Weber

Novo Hamburgo, novembro de 2006.

Page 2: Literatura e História no Brasil império

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO......................................................................................................................3

O NASCIMENTO DA NAÇÃO.............................................................................................6

NEOCLASSICISMO NA TRANSIÇÃO DA FORMAÇÃO NACIONAL...........................9

ROMANTISMO, O MEDIEVALISMO AO SUL DO EQUADOR....................................12

REALISMO, A LITERATURA ATACA O SOCIAL.........................................................20

CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................................25

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................................27

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Page 3: Literatura e História no Brasil império

Introdução.

A História surge com a invenção da escrita por volta de 3600 a.C., segundo nos ensina

a escola tradicional baseada na cronologia positivista, esse fato, que é um divisor de águas, nos

faz pensar o quão importante é a relação da História com a palavra escrita, a tal ponto de se

rotular sociedades que não possuem a escrita como pré-históricas, conforme podemos ver em

diversos livros didáticos, como por exemplo em História e Vida de Nelson Piletti e Claudino

Piletti1. Desde modo a escrita assume o papel de condutora da História tida como oficial, por

isso, ao tratarmos de um período histórico sob o ponto de vista da literatura, como pretendido

nesse estudo, é necessário levarmos em consideração a tênue fronteira que existe entre história

e literatura, que nas palavras de Flávio Loureiro Chaves essa fronteira é colocada como sendo

“ponto de convergência no qual podemos observar a unidade da obra literária" 2.

Assim para termos embasamento teórico sobre o assunto, veremos que nos primórdios de

seu surgimento a História era lida e aprendida através de textos literários, seja nos mitos da

criação egípcios e mesopotâmicos, seja nos poemas épicos de Homero e quando a partir de

Heródoto a História passa a ter um caráter investigativo e informativo seus textos não deixam

de estar relacionados com a literatura, já que eram escritos como se fossem épicos, deste

modo, é impossível separarmos uma da outra nesse período, mesmo que hajam historiadores

como Políbio (séc. II a.C.) que diz: “(...) a história da qual foi retirada a verdade nada mais é do que um

conto sem proveito.”3 Ela ainda assim é uma construção, já que usa de recursos literários para

1 Ver referências bibliográficas.2 CHAVES, Flávio Loureiro. História e Literatura, 1999, pág. 5.3 BORGES, Vavy Pacheco. O que é História, 1993, pág. 21.

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Page 4: Literatura e História no Brasil império

ilustrar acontecimentos , no caso de Políbio a exaltação as conquistas de Roma sobre a Grécia

no século II a.C.

Com o advento da razão no século XVIII, impulsionado pelo Iluminismo europeu, a

História passou a ter um caráter científico, segundo Leopold Ranke era preciso levantarem-se

os fatos “como eles realmente se passaram”4 , com isso os estudos sobre História e Literatura

tomaram rumos diferentes, e só voltaram a se encontrar tempos depois a partir da Nova

História5, que condicionada pela tradição interdisciplinar francesa, leva ao renascimento da

narrativa.

O texto histórico dentro desta linha de pensamento passa a ser visto como uma

construção intelectual que segundo Luiz Antônio de Assis Brasil 6 é em primeiro lugar: “sempre

contado por alguém” e em segundo: “é sempre contado com palavras”, ou seja, o texto histórico

também é uma narração que utiliza-se de artifícios narrativos, tais como a descrição, a

personagem, o tempo, o espaço e a dramatização, entre outros, isso é claro nos remete a

literatura, que se torna outra vez fonte de estudo da História.

No presente estudo pretendo abordar a literatura do Brasil império e relacionar suas

obras com a História, estando inseridas no contexto sócio-cultural da época, dentro de um

recorte temporal que vai de 1808 (chegada da família real portuguesa ao Brasil) à 1889

(proclamação da república), pegando assim três movimentos literários, o Arcadismo em seus

momentos finais, o Romantismo em sua integra e por fim o Realismo em seu início. Para tanto

usarei como metodologia de estudo da linguagem literária como nos traz Maria do Pilar de

Araújo Vieira, em sua obra A Pesquisa em História, na qual ressalta que o historiador ao

incorporar a literatura, como material de pesquisa,

“ele não teve fazer uma reflexão sobre o autor e sua obra e sua posterior inserção no ambiente social e histórico, como em geral nas histórias da literatura. E porque se pensa a obra literária como parte integrante do social que não se pode encará-la como reflexo da vida do autor. E o autor e sua obra inseridos num contexto construído a priori.” 7

4 BORGES, Vavy Pacheco. O que é História, 1993, págs. 33 – 34.5 Linha historiografica, inaugurada com os trabalhos publicados na revista Anaes de História Econômica e Social, em 1929, na França, seus iniciadores foram: Marc Bloch e Lucien Febvre, Fonte: BORGES, Vavy Pacheco. O que é História, 1993.6 Introdução da obra de FONSECA, Roberto. História do Rio Grande do Sul para Jovens, 2002, pág. 5.7 VIEIRA, Maria do Pilar de Araújo. et.alli. A Pesquisa em História, 1991, pág. 6.

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Page 5: Literatura e História no Brasil império

Nesse sentido ao estudar a literatura do Brasil império é preciso ter em vista o caráter

narrativo das obras e a forma de ver o mundo do autor dentro do seu contexto social , para

termos um distanciamento critico sobre a leitura e podermos dessa forma relaciona-la com a

História.

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Page 6: Literatura e História no Brasil império

O Nascimento da Nação.

Durante o período colonial a literatura no Brasil era influenciada por escritores

portugueses e europeus, , além disso, o ensino nessa época era muito precário, Portugal não

permitia aos brasileiros estudarem além do primário, só aqueles que desejassem ser padres é

que podiam estudar mais que isso, aqueles que quisessem completar seus estudos deveriam ir

a Portugal, ou seja, apenas aqueles que tinham condições econômicas, como nos traz Alfredo

Bosi em seu livro História Concisa da Literatura Brasileira 8. Devido a isso, é que a vinda da

família real portuguesa para o Brasil em 1808 se torna um fato de extrema importância para a

cultura brasileira:

“É com a instalação da corte portuguesa no Brasil que se inicia propriamente a história de nossa cultura, de que não se encontram, até essa época, senão manifestações esporádica de figuras excepcionais, formadas em Portugal e sob influências estrangeiras, no séxulo XVIII, e enviadas, algumas, ao Brasil, como funcionários da coroa, para estudo e observações de caráter cientifico.” 9

Além de ter sido criado nesse período o ensino primário e secundário, D. João VI criou

vários centros culturais como a Imprensa Régia, a Biblioteca Pública, Teatro São João e o

Museu Real, além disso a abertura dos portos possibilitou um fluxo de comércio e cultura

antes nunca visto no Brasil.

No entanto, é de se estranhar que durante todo o processo da Independência (de 1808 a

1831), nas palavras de Kenneth Maxwell:

8 BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira, 1994.9 PINO, Dino Del; SCARTON, Gilberto. Leitura Língua & Literatura, 1985, pág. 31.

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“A emancipação política do Brasil é, portanto, um longo e cumulativo processo, que manteve sua continuidade ao longo do caminho; 1808, 1816, 1822 e até 1831 são todos momentos importantes na afirmação dessa gradual separação e na definição da nacionalidade.”10

Não tivemos em nossa literatura obras e nomes expressivos, isso explica-se pelo fato

de haver uma mistura de culturas entre o Brasil e Portugal, por isso, não foi possível organizar

no Brasil um estilo forte, único e duradouro, já que o processo da Independência fez-se graças

à intervenção das classes mais favorecidas do país e que estavam ligadas culturalmente a

Portugal,

“A nova ordem política, que começava a esboçar-se no Brasil alicerçava-se na velha estrutura conservadora, agro-exportadora, escravista e dependente do mercado internacional. Essa nascia sob a tutela da elite, cujo pensamento antidemocrático e conservador impunha como forma de governo uma Monarquia Constitucional, de caráter centralizador que se utilizava de instrumentos legais para excluir a participação das massas populares da vida política do país(...)”11

Dessa forma havia uma certa confusão de valores, que se misturavam e se opunham no

que diz respeito a literatura, como por exemplo: o racionalíssimo pregado pelo Iluminismo

europeu do qual nossos escritores eram adeptos e a religiosidade ainda imposta pela forte

influência da Igreja no plano cultural, “a religiosidade nacional, sincrética, exacerbada, informal,

traz em si diversos traços medievais” 12, nesse contexto, não é de se admirar que houvessem

padres que eram maçons, que houvessem religiosos que professavam-se liberais e até que

surgisse um tradutor dos Salmos13 que se fez interprete da teoria do bom selvagem.

É desta forma que o Brasil apenas se tornou “brasileiro” aos poucos como nos diz um

texto de um dos nossos maiores nomes da literatura, José de Alencar, sobre as relações entre

brasileiros e portugueses, no tocante à literatura:

“Depois da Independência, se não antes, começamos a balbuciar a nossa literatura, pagamos como era natural, o tributo à imitação, depois

10 MAXWELL, Kenneth. Por que o Brasil foi diferente? O contexto da independência. In Mota, Carlos Guilherme. Viagem incompleta: a experiência brasileira, 1999, (não consta página).11 MARTINS, Rodrigo Perla; MACHADO, Carlos R. S. orgs. Identidade, Movimentos e Conceitos: Fundamentos para a Discussão da Realidade Brasileira, 2004, págs. 23 – 24.12 JÚNIOR, Hilário Franco. A Idade Média: Nascimento do Ocidente, 2005, pág. 169. 13 Padre Antônio Pereira de Sousa Caldas (1762-1814), Fonte: BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira, 1994.

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Page 8: Literatura e História no Brasil império

entramos a sentir em nós a alma brasileira, e a vazá-la nos escritos, com a linguagem que aprendemos de nossos pais.” 14

Como já foi dito, 1808 a chegada da Família Real portuguesa ao Brasil é um marco no

amadurecimento cultural brasileiro, mas é preciso lembrarmos de outras duas datas

importantes, 1822, a Independência e 1831, Abdicação de D. Pedro I.

Com a Independência foi tomada definitivamente uma posição do Brasil de libertar-se

da tutela portuguesa, isso porque já havia a muito um sentimento de nacionalismo se formando

e um ranço anti-lusitano mesmo antes da chegada da família real portuguesa ao Brasil, a

imprensa política e literária muito contribuiu para aumentar essa rivalidade entre brasileiros e

portugueses e é com a abdicação de D. Pedro que se sela definitivamente a “euforia do

sentimento nacionalista no Brasil”15.

14 PINO, Dino Del; SCARTON, Gilberto. Leitura Língua & Literatura, 1985, pág. 28.15 Idem, pág. 31.

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Neoclassicismo na transição da formação nacional.

O século XVIII, , é no Brasil de suma importância, pois é um momento de transição e

preparação para a independência, é nessa fase que se organiza as condições de vida no país

para se formar um terreno fértil a literatura, rompe-se com a ideologia dominante da

Metrópole e se começa a criar uma consciência histórica no Brasil, bem como o sentimento de

nação, crescendo a figura do “brasileiro”, que é mestiço de sangue e alma, esse novo

panorama histórico que se forma no país é discutido por Célio Escher:

“Estamos no século XVIII: as cidades cresceram, urbanizaram-se, industrializaram-se; a cultura evoluiu em direção às ciências(...)No Brasil, o primeiro fato importante no panorama geral é o deslocamento da capital econômica, cultural da Bahia para Minas Gerais. O nosso ouro sustenta o luxo da Europa. E a sociedade que se instalou em Minas Gerais reflete a cultura européia(...)”16

O Arcadismo17 também chamado de Neoclassicismo, teve no Brasil poucos

representantes em sua última fase (de 1808, ano da publicação do primeiro número de O

Correio Brasiliense18, a 1836, ano da publicação de Suspiros Poético e Saudades, de

Gonçalves de Magalhães, marco oficial do Romantismo brasileiro) que ficavam a meio

caminho entre o Barroco e o Romantismo, o chamado pré-romantismo, entre os quais pode-se

destacar os nomes de Domingos Caldas Barbosa, Sousa Caldas, José Bonifácio, Elói Otôni, Fr.

16 ESCHER, Célio. Português Língua & Literatura, 1979, pág. 130.17 Arcadismo vem de Arcádias, que eram academias muito comuns no séc. XVIII geralmente financiadas pelo governo, haviam arcádias de História, de Geografia, de Ciências, de Literatura, etc. Fonte: ESCHER, Célio. Português Língua & Literatura, 1979, pág. 130.18 Jornal editado em Londres por Hipólito José da Costa, de cunho cultural e com características arcádias, Fonte: PINO, Dino Del; SCARTON, Gilberto. Leitura Língua & Literatura, 1985, pág. 33.

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Francisco de S. Carlos, Borges de Barros, Monte Alverne, Maciel Monteiro e João Francisco

Lisboa.

Vejamos algumas característica que constituem o pré-romantismo brasileiro:

Inicia-se a influencia francesa e inglesa, diminuindo a importância da influencia

portuguesa.

Movimento cultural centralizado na Bahia, no Rio de Janeiro e em São Paulo.

Cultivam-se as ciências, a eloqüência, o lirismo e o jornalismo.

Para melhor entender a confusão de ideologias desse período histórico-literário

do Brasil e a forma como se procede seu uso veremos um pouco de um de seus

representantes, Padre Antônio Pereira de Sousa Caldas19, homem de espirito

inquieto e indagador publicou em 1783 a “Ode ao homem selvagem” lamentando a

perda da felicidade primitiva e o afastamento da bondade original do homem:

“Ó céus! Que imenso espaçoNos separa daqueles doces anosDa vida primitiva dos humanos”.20

Sousa Caldas não atribui esse afastamento ao pecado original, como seria de se

esperar de um Padre, ele busca para isso razões objetivas encontradas na estrutura

social e nas leis humanas que se opõem as leis naturais, como visto no poema acima.

Há nele uma ânsia pela liberdade e revolta contra a opressão, que se expressa sobre

forma de nacionalismo, no poema abaixo é possível ver esse sentimento, quando ele

acusa o português de avaro e declara seu amor a pátria:

“Ali a terra com perene vidaDo seio liberal desaferrolhaRiquezas mil, que o Lusitano avaroOu mal conhece, ou mal aproveitando, Esconde com ciúme ao mundo inteiro.Ali, ó dor!...ó minha Pátria amada!A ignorância firmou seu rude assentoE com hálito inerte tudo dana,Os erros difundindo, e da verdadeO clarão ofuscando luminoso.

19 Sousa Caldas, nasceu no Rio de Janeiro em 1762, teve educação em Portugal onde passou parte de sua vida, quando estudante foi castigado pelo Santo Oficio por suas idéias avançadas, voltou para o Rio de Janeiro em 1808 junto com a família real onde viveu até sua morte em 1814. Fonte: COUTINHO, Afrânio. A Literatura no Brasil: Era Barroca, Era Neoclássica, 1999.20 COUTINHO, Afrânio. A Literatura no Brasil: Era Barroca, Era Neoclássica, 1999, pág. 296.

10

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Ali servil temor, e abatimentoOs corações briosos amortece”.21

As obras de Sousa Caldas foram editadas em conjunto nos anos de 1820-21 em Paris,

após o Romantismo ele caiu em esquecimento só voltando a ser lembrado na revisão realizada

pelo Modernismo, na semana de Arte Moderna de 1922. O autor das Poesias sacras e

profanas foi também tradutor de Salmos e se destacou por se voltar contra os colonizadores e

condenar a sociedade, admirava o Iluminismo e o racionalismo nele presente, encontrou

dificuldades com o Santo Ofício e deve sua religiosidade posta em dúvida, foi sem dúvida uma

alma dividida e que demostra o espirito de uma época de transição22.

21 COUTINHO, Afrânio. A Literatura no Brasil: Era Barroca, Era Neoclássica, 1999, pág. 298.22 Fonte: COUTINHO, Afrânio. A Literatura no Brasil: Era Barroca, Era Neoclássica, 1999, págs. 296-299 e ESCHER, Célio. Português Língua & Literatura, 1979, págs. 130 - 131.

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Romantismo, o medievalismo ao Sul do Equador.

Após os acontecimentos que sacudiram o Brasil na virada do século XVIII para o

século XIX e nas primeiras décadas desse século, finalmente o Brasil atinge a maturidade

literária que era pretendida a anos pelos homens de letras do nosso país, no entanto, a

conjuntura ainda não havia se modificado, o Brasil continuava egresso do puro colonialismo,

mantinha as colunas do poder agrário que eram: o latifúndio, o escravismo e a economia de

exportação. A monarquia conservadora prosseguia, mesmo após um breve surto de

republicanismo, que foi atenuado durante a Regência (1831 a 1840), sob a forma de rebeliões,

tais como a Sabinada (Bahia, 1837 – 1838), a Cabanagem (Pará, 1835 – 1840), a Balaiada

(Maranhão, 1838 – 1841) e a Revolução Farroupilha (Rio Grande do Sul, 1835 – 1845)23.

É nesse contexto histórico que se forma a inteligência brasileira, com os filhos de

famílias tradicionais vindos do campo e que iam receber instrução em São Paulo, Recife e Rio

e com filhos de comerciantes luso-brasileiros e de profissionais liberais, que definiam, grosso

modo, a alta classe média do país, foram raros os casos de intelectuais saídos da classe

humilde nesse período, como reflete Alfredo Bosi:

“Nesse esquema, do qual afasto qualquer traço de determinismo cego, ressalte-se o caráter seletivo da educação no Brasil-Império e, o que mais importa, a absorção pelos melhores talentos de padrões culturais europeus refletidos na Corte e nas capitais provincianas”.24

23 Fonte: MARTINS, Rodrigo Perla; MACHADO, Carlos R. S. orgs. Identidade, Movimentos e Conceitos: Fundamentos para a Discussão da Realidade Brasileira, 2004, pág. 25.24 BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira, 1994, pág. 92.

12

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O caráter seletivo da educação do Brasil-Império e o padrão cultural importado da

Europa formaram em nossos homens de letras os conflitos ideológicos que estavam em moda

na Europa, dessa forma é que surge o Romantismo no Brasil, quase que como uma obrigação

estética.

A publicação de Suspiros Poéticos e Saudades em 1836 de Gonçalves de Magalhães25

marca o início do movimento Romântico no Brasil, que teve em Magalhães um marco, menos

por suas obras e mais por sua atuação no cenário literário nacional que visava reformar a

literatura brasileira, fundou em Paris a Niterói, revista brasiliense em 1836 com seus amigos

Porto Alegre, Sales Torres Homem e Pereira da Silva, esse grupo firmou-se graças ao interesse

de D. Pedro II de consolidar a cultura nacional, dando todo o apoio ao Instituto Histórico e

Geográfico Brasileiro (fundado em 1838) do qual Magalhães era membro26. D. Pedro II ajudou

o quanto pôde as pesquisas sobre o nosso passado, incentivando assim o nacionalismo, mas

sem perder o conservadorismo, isso é visto através da observação e análise das obras literárias

publicadas durante seu governo.

Essa mistura de nacionalismo com conservadorismo vai se refletir nas pesquisas de

Francisco Adolfo de Varnhagen27, a historiografia de Varnhagen foi pioneira pela riqueza de

documentos e marcada pelos valores do passadismo, mesmo que Varnhagen não pertença

propriamente a literatura, nele vamos encontrar o índio como fonte da nobreza nacional,

enquanto o europeu buscava a sua nobreza nos princípios cavalheirescos da Idade Média.

Assim, o Romantismo se fez à imagem medieval na Europa em sua forma e em seu conteúdo,

já no Brasil o Romantismo se fez à imagem medieval na forma mas o conteúdo era de origem

nacional, apesar da elite imperial não ter conseguido implantar uma política eficaz quando a

identidade nacional, José Veríssimo vai criticar veementemente o descaso em relação aos

museus, galerias de arte, as festas nacionais, já que não se celebravam as grandes datas

nacionais, nem mesmo a da independência, dentro desse contexto a figura do índio passa a ser

o símbolo maior do nosso nacionalismo, o país passou a ser representado com o índio.28

25 Domingos José Gonçalves de Magalhães nasceu no Rio em 1811 e morreu em Roma no ano de 1882, entre suas obras destaca-se A Confederação dos Tamoios de 1857, foi nomeado Barão e Visconde de Araguaia por D. Pedro II.26 Fonte: BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira, 1994.27 Varnhagen nasceu em Sorocaba no estado de São Paulo em 1816 e morreu em Viena no ano de 1878.28 Fonte: CARVALHO, José Murilo de. Pontos e Bordados: Escrita Histórica e Política, 1998, págs. 241–243.

13

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A literatura indianista é no Brasil praticada desde seu “descobrimento” mas é no

Romantismo que ela é usada para exaltar o orgulho nacional e o índio passa a ser seu símbolo,

a natureza também ganha forma e se torna fonte de inspiração dos poetas, é preciso exaltar a

beleza de nossa terra, de nosso povo e nisso Gonçalves Dias29 é insuperável:

“Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá;As aves, que aqui gorjeiam,Não gorjeiam com lá.Nosso céu tem mais estrelas,Nossas várzeas têm mais flores,Nossos bosques têm mais vida,Nossa vida mais amores”. 30

O romance histórico indianista de José de Alencar31, O Guarani, é considerado pela

crítica como a obra mais representativa de nosso indianismo, escrito em 1857 essa obra

idealiza a natureza, pois fala da beleza da flora, fauna e dos rios brasileiros, suas personagens

são plenas e idealizadas, dividindo-se em dois grupos, heróis e vilões, representantes do Bem

Vs. Mal, em uma conotação tipicamente maniqueísta medieval. Peri, personagem principal da

trama é elevado à condição de herói, ele representa o Bem, é nobre de coração, valente de

corpo e alma, nutre por Cecília (filha de portugueses), que é por ele chamada de Ceci, uma

paixão cavalheiresca que reproduz os princípios da vassalagem amorosa, ele renuncia sua raça

em nome de sua donzela, aceita uma nova religião. No final da obra apenas os dois

sobrevivem, deixando implícito que o povo brasileiro brotou do amor entre Peri e Ceci,

originando assim a mestiçagem no Brasil. A história contada em O Guarani se passa no século

XVII, inicio da colonização portuguesa no país, nessa obra temos o elemento indígena

inserido no mundo do homem branco, se aculturado e perdendo suas raízes, temos ainda na

obra indianista de Alencar, Iracema de 1865, onde ocorre o contrário do acontecido em O

29 Antônio Gonçalves Dias nasceu em Caxias no estado do Maranhão em 1823 e morreu em 1864 na Costa Maranhense, é autor do famoso poema Canção do Exílio, do poema “I – Juca Pirama”, sua última obra indianista foi Os Timbiras (1857), escreveu ainda um Dicionário da Língua Tupi (1858).30 Trecho do poema Canção do Exílio: Coimbra, julho de 1843. Fonte: PINO, Dino Del; SCARTON, Gilberto. Leitura Língua & Literatura, 1985, pág. 41.31 José Martiniano de Alencar nasceu em Mecejana no estado do Ceará em 1829 e morreu no Rio de Janeiro no ano de1877, autor complexo e quase que completo, flutuou por todos os estilos de sua época: no romance histórico ou indianista escreveu entre outros O Guarani e Iracema, no romance urbano escreveu Senhora, Lucíola, etc. e no romance regionalista entre outros destaca-se O Gaúcho e O Sertanejo.

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Guarani, nesta obra o homem branco é que é inserido no universo indígena e convive com as

inquietações e dilemas vividos pelos índios de nosso país, já na obra Ubirajara, Alencar nos

coloca em contato com a cultura indígena antes dessa receber a influência do homem branco.

José de Alencar é sem duvida um dos nomes mais importantes de nossa literatura, além

de seu importante papel na literatura indianista, ele também elaborou obras de caráter urbano,

histórico e regionalista, tentando dessa forma englobar todas as camadas urbanas e sociais do

Brasil. No romance histórico (As Minas da Prata, A Guerra dos Mascates, entre outros.) ele

nos mostra as relações dos colonizadores com os colonizados, primeiro partindo da temática

indianista e depois ampliando seu mundo no tempo e no espaço, o autor cria em sua busca

pelo passado, muito mais uma reconstrução mitológica do que histórica, em um mundo

poético e heróico, firma nossa nacionalidade através de raízes legitimamente americanas. No

romance regionalista (O Gaúcho, O Sertanejo, etc.), Alencar volta sua atenção para partes da

totalidade brasileira, o herói agora aparece nas figuras regionais, mas ainda sob o mito do

“bom selvagem”, ele focaliza dentro de cada região em que se dividia o Brasil na época,

centro, norte e sul, as características únicas de cada uma delas. No romance urbano (Senhora,

Lucíola, Viuvinha, etc.) Alencar documenta a vida na Corte: os hábitos, a moda, as festas;

destaca também a situação da mulher, em vista da educação recebida e seus conflitos internos

com relação ao casamento, a oposição existente entre seus sentimentos e seus interesses

financeiros32.

Apesar de toda a sua grandiosidade literária, Alencar é falho em um aspecto, o regime

escravocrata que era a coluna central de nossa economia no século XIX, sequer é mencionado

na sua obra, os escravos quando aparecem, não são mais do que figurantes e não possuem nem

uma qualificação pessoal. Os escravos vão ser assunto de outros românticos brasileiro, entre

eles Bernardo Guimarães33, nesse aspecto destaca-se A Escrava Isaura que chegou a ser

chamada de A Cabana do Pai Tomás34 nacional35, num evidente exagero, foi escrita em 1875,

numa época de tímidas manifestações abolicionistas, verdade é que Bernardo Guimarães está

32 Fonte: ALENCAR, José de. O Guarani. São Paulo: Escala, 2004.33 Bernardo Joaquim da Silva Guimarães, nasceu em Ouro Preto em 1825 e faleceu na mesma cidade em 1884, escreveu entre outros O Seminarista (1872), O Índio Afonso (1873) e A Escrava Isaura (1875). 34 Romance de Harriet Beecher Stower, (EUA, 1851), essa obra que mostra as crueldades da escravidão norte-americana, foi provavelmente que encorajou os romancista antiescravistas a lutar diretamente contra a escravidão. 35 Fonte: COUTINHO, Afrânio. A Literatura no Brasil: Era Romântica, 1999.

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mais preocupado com a relação amorosa entre Isaura (a escrava fugitiva), Álvaro (seu

benfeitor) e Leôncio (o Senhor cruel que deseja insanamente Isaura) do que reconstruir as

misérias do regime servil, mesmo Isaura é levada a viver como os brancos em sua fuga por ser

privilegiada em possuir traços físicos herdados do pai português, como vemos nessa passagem

da obra:

“Fugiu da fazenda do Sr. Leôncio Gomes da Fonseca, no município de Campos, província do Rio de Janeiro, uma escrava de nome Isaura, cujo os sinais são os seguintes: Cor clara e tez delicada como de qualquer branca; olhos pretos e grandes; cabelos da mesma cor, compridos e ligeiramente ondeados; boca pequena, rosada e bem feita; dentes alvos e bem dispostos; nariz saliente e bem talhado; cintura delgada, talhe esbelto, e estatura regular; tem na face esquerda um pequeno sinal preto, e acima do seio direito um sinal de queimadura, mui semelhante a uma asa de borboleta. Traja-se com gosto e elegância(...)”36

Como visto acima Isaura é branca nos traços e nos modos, seria realmente

constrangedor para a sociedade da época se um homem branco se condoesse de tal forma por

uma escrava negra a ponto de arriscar seu próprio nome para possuí-la, com fez Álvaro, no

entanto, esse desprezo pela cor negra também pode ser visto na obra, e nisso se redime B.

Guimarães:

“És formosa, e tens uma cor linda, que ninguém dirá que gira em tuas veias uma só gota de sangue africano.”37

Nessa fala de Malvina (esposa de Leôncio), podemos notar o desprezo e até mesmo

uma repulsa por parte dos senhores burgueses para com os escravos negros.

O menosprezo da sociedade brasileira do século XIX com relação aos negros escravos,

vai ser a fonte de inspiração para outro grande escritor da época, o jovem poeta abolicionista

Castro Alves38, ele não foi o primeiro a tratar do tema, mas foi sem dúvida o mais notável. Foi

admirado mesmo em vida, recebendo elogios de contemporâneos célebres como por exemplo

José de Alencar e Machado de Assis, suas poesias mexiam fundo com a hipocrisia nacional,

sua estréia coincide com uma nova situação que começa a se desenvolver no Brasil, “a crise do

36 Escrava Isaura, ed. Ciranda Cultural, pág.74.37 Escrava Isaura, ed. Ciranda Cultural, pág.4-5.38 Antônio Frederico de Castro Alves, nasceu em Curralinho, hoje Castro Alves, no estado da Bahia, em 1847 e morreu em Salvador em 1871 precocemente de tuberculose aos 24 anos de idade, deixou uma obra sucinta mas de grande valor, entre elas Os Escravos, livro de poemas que retrata a realidade dos escravos negros do Brasil.

16

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Brasil puramente rural, o lento mas sólido crescimento da cultura urbana, novos ideais

democráticos”39, a repulsa pelo sistema escravocrata e das relações do senhor e do servo. Sua

poesia vibrante festeja o liberalismo idealizado e fustiga a vergonha da escravatura, seus

poemas foram feitos para serem mais discursados do que declamados, ele próprio fez uso de

seus poemas em discurso abolicionista em praça pública, teve como única obra publicada em

vida, Espumas Flutuantes (1870), mas foi com Os Escravos (1883) que se torna um símbolo

da luta abolicionista, entre os poemas reunidos em Os Escravos encontra-se O Navio Negreiro:

“Era um sonho dantesco... O tombadilhoQue das luzernas avermelha o brilho,Em sangue a se banhar.Tinir de ferros...estalar do açoite...Legiões de homens negros como a noite,Horrendos a dançar...Negras mulheres, suspendendo às tetasMagras crianças, cujas bocas pretasRega o sangue das mães:Outras, moças...mas nuas, espantadas, No turbilhão de espectros arrastadas,Em ânsia e mágoa vãs.E ri-se a orquestra, irônica, estridente...E da ronda fantástica a serpenteFaz doidas espirais...Se o velho arqueja...se no chão resvala,Ouve-se gritos...o chicote estala.E voam mais e mais...Presa nos elos de uma só cadeia,A multidão faminta cambaleia,E chora e dança ali!”40

Esse poema narra à travessia dos escravos trazidos da África nos navios negreiros,

denuncia a crueldade praticada a bordo, as mortes, os maus tratos da tripulação, as condições

de superlotação, a desilusão dos cativos, enfim toda a penúria sofrida na viagem. Quando

escrito, o tráfico de escravos da África já não mais existia oficialmente no Brasil, mas essa

denuncia serviu para “amolecer o coração” de toda a gente brasileira, podemos também supor

que ao falar de um navio negreiro o poeta não estava se referindo a uma embarcação, mas sim

ao próprio Brasil, submerso nas águas sangrentas da escravidão. Já no poema Tragédia no

39 BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira, 1994, pág. 120.40 ALVES, Castro. Os Escravos, 2002, pág. 96.

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Lar, Castro Alves toca uma ferida mais aberta, ele narra à condição da senzala e o comércio de

crianças escravas feito pelo senhor:

“Na senzala, úmida, estreitaBrilha a chama da candeia,No sapé se esgueira o vento.E a luz da fogueira ateia.Junto ao fogo, uma africana,Sentada, o filho embalando,Vai lentamente cantandoUma tirana indolente,Repassada de aflição.E o menino ri contente...Mas treme e grita gelado,Se nas talhas do telhadoRuge o vento do sertão......................................— Dá-me teu filho! Repetiu frementeO senhor, de sobr’olho carregado.— Impossível!...— Que dizes, miserável?!— Perdão, senhor! Perdão! Meu filho dorme...Inda há pouco o embalei, pobre inocente,Que nem sequer pressenteQue ides...— Sim, que vou vender!— Vender?!...Vender meu filho?!Senhor, por piedade, não...Vós sois bom...antes do peitoMe arranqueis o coração!”41

É por poemas como esse é que Os Escravos tornou-se um estandarte na luta

contra a escravidão na década de 1880. Castro Alves figura entre os românticos, mas

traz traços claros da nova tendência literária que tomara conta do país a partir dessa

década, o Realismo, que ira criar uma nova forma de se escrever, mais agressiva,

menos conservadora e mais social.

No entanto, ainda dentro do romantismo, temos os poetas chamados de ultra-

românticos, esses poetas não se enquadram em questões sociais, pois vivem de uma

forma que se colocam a margem da sociedade, mergulhados em seu próprio ser, em

suas viagem intelectuais e em constante boêmia, verdadeira ou apenas mesmo sonhada,

pois esse era o ideal romântico daqueles que representam o romantismo em sua forma

41 ALVES, Castro. Os Escravos, 2002, pág. 36.

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mais próxima da idealizada na Europa, um romantismo sofrido e melancólico, cheio de

superstições e tragédias. Esses poetas, porém, nos mostram outra realidade da

sociedade do século XIX, uma sociedade de nobres que vivem de fachada. Entre esses

escritores temos o Álvares de Azevedo42, que morre aos 21 anos de idade vitima do

“mal do século” (tuberculose), sua obra é toda voltada para a paixão e o sentimento,

afastada da realidade social, mesmo assim é possível perceber nela traços da

mentalidade da época, principalmente no que diz respeito à religiosidade onde o

sagrado e o profano se encontram, em sua obra Macário, meio narrativa, meio teatro,

ele vai através do personagem que dá nome a obra dialogar com Satã, assuntos de

amor, vida e morte.43

Mesmo não tendo as obras dos ultra-românticos caráter histórico, é

interessante perceber que nem todas as pessoas do Brasil império estão inseridas em

disputas políticas ou em questões sociais, ou ainda preocupadas com a economia

nacional e envolvidas em disputas internacionais, esses poetas não estão alienados,

pois possuem uma formação intelectual que os coloca a par da situação do país, no

entanto, ao que parece em suas obras essa situação não os interessa, diferente do que

vai acontecer com os realistas, como veremos a seguir.

42 Manuel Antônio Álvares de Azevedo, nasceu em 1831 e com 21 anos incompletos, morre em 1852, deixa uma obra sucinta mas de grande valor, ele é a imagem do romantismo em sua forma mais pura, sua morte precoce condiz com o ideal romântico e com o chamado “mal do século”, ou seja, a tuberculose, teve praticamente toda a sua obra publicada póstuma, entre elas estão Lira dos Vinte Anos, Macário e Noite na Taverna. 43 Fonte: AZEVEDO, Manuel Antônio Álvares de. Macário, 2002.

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Realismo, a literatura ataca o social.

Com o Romantismo, começou-se a falar de uma literatura deveras brasileira,

mas assim como o Brasil, a literatura começa a passar por transformações já que o

contexto literário e o contexto sócio-economico do país estão intimamente ligados, a

poesia social de Castro Alves e mesmo a ficção citadina de José de Alencar já nos

diziam muito, ainda que em termos românticos, de um Brasil em crise.

É na segunda metade do século XIX que ocorrem as maiores transformações

econômicas da história brasileira, e também na área política e social ocorrem mudanças

significativas. Em 1850 o tráfico de escravos da África é extinto, com isso acelera-se a

decadência da economia açucareira, o deslocamento do eixo de prestígio para o Sul e

os anseios da classe média urbana compunham um novo quadro nacional, onde idéias

republicanas, liberais e abolicionistas estavam em moda, à mentalidade nacional

reproduzia o pensamento europeu, que girava em torno da filosofia positivista e do

evolucionismo.

Politicamente, o período de 1870 a 1900 é marcado por dois acontecimentos

importantes no Brasil:

A decadência do Segundo Reinado.

A Proclamação da República em 1889.

A decadência do Segundo Reinado é assinalado pela consolidação das forças

militares, cujo prestígio se consolidou após a guerra contra o Paraguai (1864-1870) e

pela divulgação nas escolas militares das idéias positivistas, que envolviam o ideal

republicano. A Proclamação da República, se forma em um processo de cultivo de

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idéias republicanas que estão em voga no país, a abolição da escravatura que vinha

amadurecendo deste a metade do século se consolida em 1888, e cria um novo estrato

social, marginalizado, pois os libertos não tinham condições de competir com os

imigrantes europeus que já chegavam para substituir a mão de obra escrava,

contemporaneamente a isso inicia-se nas cidades o lento processo de industrialização e

urbanização, forma-se outro estrato social, a classe média, cuja ação se concentra no

comércio.

Nessa conjuntura é que surge uma nova forma de se escrever no Brasil, a forma

Realista. O Realismo surge como atitude geral do homem diante do mundo, como

características principais do realismo pode-se citar:

Veracidade — seus textos tendem a buscar o real, fugindo assim de linguagens

figuradas e de exagero nas emoções.

Observação — nega-se a inspiração, essa passa a ser a observação do mundo ao

redor.

Adesão à vida contemporânea — opõe-se nisso ao romantismo, que busca revelar o

passado e o imaginário, o realismo busca a realidade atual.

Por essas características podemos ver que o realismo assume uma postura de

retratar o mundo atual, e com isso adquire uma função social nunca antes assumida

pelas outras formas de arte, o realismo atua na sociedade, denunciando as condições de

vida dos operários e marginalizados aos burgueses e nobres, abria assim as feridas de

uma sociedade hipócrita e ambiciosa, denunciando a exploração do homem pelo

homem.44 Um dos maiores autores de nossa literatura é considerado realista, Machado

de Assis45, que nos traz em sua obra uma visão pessimista da realidade e da natureza do

homem, ele centra suas obras nos personagens que estão inseridos em um mundo onde

pouco podem influenciar. Assim a História na obra machadiana ocorre apenas como

pano de fundo enquanto os homens vivem suas vidas mergulhados em seus problemas

pessoais, há um certo teor fatalista em sua obra:

44 Fonte: Posfácio realizado por José De Nicola na obra : AZEVEDO, Aluísio. O Cortiço / Casa de Pensão, 1995, págs.160 – 165.45 Joaquim Maria Machado de Assis, nasceu no Rio de Janeiro em 1839 e morreu na mesma cidade em 1908, teve um vasta obra em que figuram obras primas como Memória Póstumas de Brás Cubas, Dom Casmurro e Memorial de Aires.

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“não se luta contra o destino: o melhor é deixar que nos pegue pelos cabelos e nos arraste até onde queira alçar-nos ou despenhar-nos.”46

O fatalismo está sempre presente nas obras realistas, que segue o padrão

europeu do evolucionismo, ou seja, apenas os mais fortes sobrevivem.

Em outro autor da época, Aluísio Azevedo47 encontramos um retrato da

realidade brasileira tão crua que chegou a ofender os burgueses da época. Nascido em

São Luís do Maranhão, ele sofre em uma sociedade que era formada por um clero

conservador, por senhoras beatas moralistas e por escravocratas produtores de algodão.

Em junho de 1881 é lançado o romance O Mulato, que é inspirado no preconceito de

cor que assola o país, a repercussão da obra é imediata, foi um escândalo na cidade que

se dizia a Atenas brasileira (devido a sua cultura e por ter diversos autores de nível

nacional, da qual a cidade se orgulhava). A revista Civilização, porta voz do clero

conservador, publica o seguinte artigo do Sr. Euclides de Faria:

“Eis aí um romance realista, o primeiro pepino que brota no Brasil.É muita audácia, ou muita ignorância, ou ambas ao mesmo tempo! É contar demais com a ignorância dos leitores, com a benevolência da crítica nacional, e julgar os outros por si.Permita o jovem zote, autor do Mulato, que me admire ainda uma vez. A sua compreensão sobre o realismo é de eternas luminárias! Melhor seria fechar os livros, ir plantar batatas (...)À lavoura, meu estúpido. À lavoura! Precisamos de braços e não de prosas em romances! Isso sim é real. A agricultura felicita os indivíduos e enriquece os povos! À foice! À enxada!”(Revista Civilização, edição de 23 de julho de 1881, São Luís do Maranhão)48

Nessa crítica vemos o quanto à elite dominante se preocupou com essa nova

forma de se escrever, de denunciar o real, e na fala do Sr. Euclides de Faria ainda

vemos que ele se preocupa com a divulgação da cultura, para ele o que o país precisa é

de braços para trabalhar e não de cabeças para pensar.

46 ASSIS, Machado de. Esaú e Jacó / Memorial de Aires, 2003, pág. 44.47 Aluísio Tancredo Gonçalves Azevedo, nasceu em São Luís do Maranhão em 1857 e morreu em Buenos Aires no ano de 1913, autor de obras polemicas como O Mulato, O Cortiço e Casa de Pensão, chegou a ter que mudar de sua cidade após o lançamento de O Mulato em 1881, devido a indignação dos burgueses maranhenses diante de uma obra onde o personagem principal era um mestiço. 48 Fonte: AZEVEDO, Aluísio. O Cortiço / Casa de Pensão, 1995, págs. III – IV.

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Após toda essa situação, Aluísio Azevedo, abandona a sua terra natal pois o

ambiente lhe é muito desfavorável, ele parte para o Rio de Janeiro, onde sua obra

recebeu uma boa crítica, mas mesmo no Rio ele encontra dificuldades já que estava

decidido a sobreviver de sua literatura, fato esse inédito no Brasil. Passa, a partir daí, a

escrever dois tipos de romances: os românticos, escritos para o grande público, de

forma mecânica, apenas tencionando vende-los para sobreviver e os

realistas/naturalistas, escritos para saciar sua sede intelectual, entre esses Aluísio

produz dois que são considerados decisivos para a evolução da literatura brasileira: O

Cortiço (1890) e Casa de Pensão (1884), essas obras retratam as habitações coletivas

que abrigavam aqueles que viviam a margem da sociedade carioca, justamente em um

momento em que nossa História passa por transformações decisivas, do regime

escravocrata para o regime assalariado e da monarquia para a república.

Selecionamos O Cortiço como exemplo, nessa obra o autor pretendia mostrar

um período de nossa História, pois ela fazia parte de um empreendimento maior, do

qual fariam parte cinco romances, onde a ação começaria nos tempos da independência

até os seus dias atuais, por volta de 1887, no entanto o projeto não passou do primeiro

volume e Aluísio também abandonou a idéia de criar um vasto painel da História

brasileira, assumindo assim a postura típica de um realista, que se preocupa só com o

presente. A ação de O Cortiço ocorre na década de 1880, ou seja, as vésperas da

abolição da escravatura e da proclamação da república. Em uma das epígrafes que

Aluísio transcreve no início de O Cortiço lê-se:

“La Vérité, toute la vérité, rien que la vérité.” 49

Nisso já podemos notar que a intenção da sua obra é mostrar a realidade como

ela realmente é, Aluísio procura analisar a sociedade carioca e o seu capitalismo

primitivo do final do século XIX. Mas ele não o faz de forma neutra, por ser um

romance naturalista50 existe nele um caráter moralista, pois procura corrigir os

49 Direito criminal em francês: “A verdade, toda a verdade, nada mais que a verdade.” Fonte: AZEVEDO, Aluísio. O Cortiço / Casa de Pensão, 1995, pág. 1.50 Tendência literária definida pelo escritor francês Emílio Zola (1840 - 1902), que pretendeu aplicar à realidade da natureza humana os métodos experimentais adotados pela ciência. Fonte: PINO, Dino Del; SCARTON, Gilberto. Leitura Língua & Literatura, 1985.

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defeitos da sociedade. No Cortiço apresentam-se diversos personagens que compõem

um todo, que se movimenta sob as ordens do proprietário do cortiço, representante do

pré-capitalista da época, um português que lucra com os seus inquilinos, os explora e

cresce mais e mais, esse é um fato corriqueiro naquele tempo, o estrangeiro que buscar

enriquecer no Brasil as custas das pessoas que aqui vivem como nessa passagem em

que seu rival, também português se lamenta da sorte do proprietário do cortiço:

“Mas então, ele Miranda, que se supunha a última expressão da ladinagem e da esperteza; ele, que, logo depois do seu casamento, respondendo para Portugal a um ex-colega que o felicitava, dissera que o Brasil era uma cavalgadura carregada de dinheiro, cuja as rédeas um homem fino embolgava facilmente;(...)”51

Essa é a nova sociedade que começa a se formar no Brasil, uma urbanização

desenfreada de uma população multicultural, com uns poucos explorando muitos,

como visto na obra de Aluísio Azevedo.

51 AZEVEDO, Aluísio. O Cortiço / Casa de Pensão, 1995, pág. 12.

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Considerações finais.

A vasta literatura brasileira do século XIX, é sem dúvida das mais ricas fontes

históricas que possuímos para podermos entender um pouco desse período, que

representa uma passagem em nossa História, da Colônia à República, como vimos

nesse período do meio (1808 à 1889), tivemos três grandes tendências literárias: o

Arcadismo, o Romantismo e o Realismo, sendo o Romantismo o mais significativo da

época, já que o Arcadismo encontrava-se em seu final e o Realismo em seu começo,

por isso, é importante frisar mais uma vez a relação do Romantismo com o

Medievalismo europeu, época essa que foi classificada como Medieval pelos

intelectuais do modernismo, justamente por encontrar-se no meio e ser considerada por

eles um atraso daquelas que foram tidas como grandes épocas de cultura e do

desenvolvimento humano: a Idade Antiga e o Renascimento.

O nosso Romantismo retrata muito bem nosso “período do meio”, o período da

monarquia no Brasil, ele mostra nossa formação nacional, nossa busca incessante por

um passado glorioso que não possuíamos, tendo como referência o ponto de vista

europeu, por valores que não conhecíamos e por ideais que eram importados da

Europa, o Romantismo mostra uma nobreza sustentada por colunas tortas de escravos

negros e fantasmas indígenas, mostra nossa bela religiosidade, essa sim tão fervorosa

quanto a medieval, como é possível observar no Guarani de José de Alencar, no qual o

personagem Peri é obrigado moralmente a trocar de religião em favor de seu amor por

Cecília.

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Mas assim como na Idade Média, nosso “período do meio” também nos trouxe

alguns benefícios, tais como: a abertura da nossa visão de cultura e uma preocupação

maior com nossa nacionalidade, além de melhorarmos nossa estética artística literária.

E é claro que houve uma evolução em nossa cultura no que se refere a literatura, já

que, ao contrário do ocorrido na Europa, no Brasil não houve uma Antigüidade

Clássica, ou seja, não tínhamos como fazer um Renascimento resgatando no período

clássico autores e obras, no Brasil houve um período de exploração colonial que deixou

marcas profundas em nossa cultura, refletidas intensamente no século XIX, mas que

sob o olhar romântico foi amenizado, já que tínhamos que criar um passado heróico

nos afastando de Portugal o máximo possível.

A literatura nos diz muito sobre a mentalidade de uma época, e é nisso que

vemos a maior relação do período imperial do Brasil e a Europa medieval, nossas três

raças (assumindo aqui o branco, o negro e o indígena, como formadores de nossa

cultura, no olhar literário, já que nas obras do século XIX apenas elas são

mencionadas) fizeram proliferar no país um pensamento obscuro quando ao sagrado e

ao profano, a luta do bem contra o mal pôde ser vista em diversas obras literárias e as

leis católicas proliferaram sob as ordens do imperador52.

O Romantismo vai preparar o terreno para o surgimento do Realismo no Brasil,

que vai apontar os defeitos do país que até então parecia viver em plena harmonia no

tocante a literatura, essa nova forma de se escrever vai coincidir com os ares da

república e de uma nova ordem moral brasileira, 1889 marca o fim desse estudo, mas é

preciso que se mencione a alavancada literária que se dá pós proclamação que vai

culminar com a Semana de Arte Moderna de 1922, justamente à cem anos da

independência do Brasil, ano esse que vai servir para se fazer um balanço de nossa

História sem Portugal, e começarmos a formar uma nova mentalidade.

52 Fonte: JÚNIOR, Hilário Franco. A Idade Média: Nascimento do Ocidente, 2005, pág. 169.

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