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FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS Mônica de Barros LIMITAÇÕES AO PODER DE SANCIONAR NO DIREITO TRIBUTÁRIO BRASILEIRO Nova Lima 2010

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Page 1: LIMITAÇÕES AO PODER DE SANCIONAR NO …...Direito Tributário, que rege uma norma de subsunção, nos termos do art. 1103 do Código Tributário Nacional (CTN). Diante de toda essa

FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS

Mônica de Barros

LIMITAÇÕES AO PODER DE SANCIONAR NO DIREITO TRIBUTÁRIO BRASILEIRO

Nova Lima 2010

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Mônica de Barros

LIMITAÇÕES AO PODER DE SANCIONAR NO DIREITO TRIBUTÁRIO BRASILEIRO

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Direito Empresarial da Faculdade de Direito Milton Campos, para a obtenção do título de Mestre em Direito. Área de Concentração: Direito Empresarial Linha de Pesquisa: A preservação da empresa e o poder de tributar Orientador: Prof. Dr. Sacha Calmon Navarro Coêlho

Nova Lima

2010

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BARROS, Mônica de B277 l Limitações ao poder de sancionar no direito tributário brasileiro./ Mônica de Barros – Nova Lima: Faculdade de Direito Milton Campos / FDMC, 2010. 189 f. enc.

Orientador: Prof. Dr. Sacha Calmon Navarro Coêlho

Dissertação (Mestrado) – Dissertação para obtenção do título de Mestre, área de Concentração Direito Empresarial junto a Faculdade de Direito Milton Campos.

Bibliografia: f. 175 -189

1. Norma sancionante. 2. Responsabilidade objetiva. 3. Sanções fiscais. 4. Razoabilidade. 5. Proporcionalidade. 6. Não confisco. I. Coelho, Sacha Calmon Navarro II. Faculdade de Milton Campos III. Título. CDU 336.2(043) Ficha catalográfica elaborada por Emilce Maria Diniz – CRB – 6 / 1206

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Faculdade de Direito Milton Campos – Mestrado em Direito Empresarial

Dissertação intitulada “Limitações ao poder de sancionar no direito tributário brasileiro”, de autoria da mestranda MÔNICA DE BARROS, para exame da banca constituída pelos seguintes professores:

______________________________________ Prof. Dr. Sacha Calmon Navarro Coêlho Orientador

______________________________________ Prof. Dr. Eduardo Maneira

______________________________________ Profa. Dra. Nanci de Melo e Silva

Nova Lima, 05 de novembro de 2010

Alameda da Serra, 61 – Bairro Vila da Serra – Nova Lima – CEP 34000-000 – Minas Gerais – Brasil. Tel/fax (31) 3289-1900

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Ao meu querido PAI, Ney Barros, que sempre vibrou com

minhas conquistas. Posso ver seus olhos cheios de

orgulho e sua felicidade por mais essa vitória.

Ao Raí, pequenino em idade, mas um MESTRE na arte

de proporcionar alegria e inspiração. Você torna doce os

momentos mais árduos.

Ao PROFESSOR Valter, amigo querido que com

cumplicidade, parceria e paciência faz dos meus sonhos

projetos reais.

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AGRADECIMENTOS

A conclusão do presente estudo não seria possível sem a ajuda de pessoas

especiais e é com grande alegria deixo aqui o meu MUITO ORBIGADA:

Gilda e Luciana, mulheres de quem eu herdei a FIBRA necessária para

suportar os momentos intensos.

Prof. Sacha Calmon, meu EXEMPLO e minha eterna admiração. Agradeço

pelas valiosas lições. Alegra-me ser sua aprendiz.

Anita e Nayara, duas grandes promessas do Direito. Talento, carinho,

disponibilidade e inteligência. Vocês colaboraram muito para elaboração deste

trabalho.

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RESUMO

O Direito Tributário tem como objetivo o estudo das relações obrigacionais que

envolvem o Estado e os responsáveis (contribuintes ou não) pelo pagamento dos

tributos e pelo cumprimento das obrigações tidas como instrumentais ou acessórias.

Nesta relação obrigacional são postas as normas de conduta, fincadas em juízos

hipotéticos, as quais, ocorridas no mundo fenomênico, geram a dita obrigação

tributária. Pois bem, ainda na seara do Direito Tributário, o não cumprimento das

obrigações tributárias gera o surgimento da norma sancionante tributária, também

em juízo hipotético, mas que se diferencia da primeira (normas de conduta), porque

nesta última a hipótese parte de um ato ilícito (descumprimento da norma de

conduta). O que se pretende investigar no presente trabalho são os limites para

aplicação das sanções fiscais, exclusivamente no Direito Tributário, posto que se os

tributos sofrem profundas restrições ou limitações ao poder de tributar e o não

estabelecimento de limites ao poder de sancionar poderia, como hoje ocorre, levar

ao abuso ou ao desvio das funções essenciais das sanções. Diante do exposto,

mostra-se necessário que as sanções tributárias, que devem ser essencialmente

pecuniárias, tenham limitações ou atenuações quantitativas (vedação ao confisco) e

qualitativas (proporcionalidade e razoabilidade), mesmo mantendo a

responsabilidade objetiva consagrada no Código Tributário Nacional (art. 136, CTN).

Aliás, é o próprio Código Tributário Nacional que traz os elementos suficientes para

que as sanções tributárias retomem as suas reais e relevantes funções: punição,

educação e prevenção, cabendo, portanto, serem aplicadas.

Palavras-chave: Norma sancionante. Responsabilidade objetiva. Sanções fiscais.

Razoabilidade. Proporcionalidade. Não confisco.

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RIASSUNTO

Il Diritto Tributario ha come obiettivo lo Studio delle relazioni obbligatorie che

interessano gli Stati ed i responsabili (contribuenti o no) del pagamento delle tasse e

del compimento degli obblighi considerati come strumentali o accessori. In questa

relazione obbligatoria sono contenute le norme di condotta, basate in giudizi ipotetici,

le quali, avvenute nel mondo dei fenomeni, generano il cosiddetto obbligo tributario.

In seguito a questo, anche nell’area del Diritto Tributario, il mancato compimento

degli obblighi tributari dà origine al sorgere nella norma sanzionante tributaria, anche

in giudizio ipotetico, ma che si differisce dalla prima (norma di condotta), in quanto, in

quest’ultima, l’ipotesi parte da un atto illecito (il mancato compimento della norma di

condotta) Ciò che si pretende investigare, nel presente lavoro, sono i limiti per

l’applicazione delle sanzioni fiscali, esclusivamente nel Diritto Tributario, considerato

che se i tributi soffrono profonde restrizioni o limitazioni al potere di tributare e il

mancato stabilimento di limiti al potere di tributare potrebbe, come accade oggi,

condurre all’abuso o alla deviazione delle funzioni essenziali delle sanzioni. Dinanzi

quanto esposto, le sanzioni tributarie che devono essere essenzialmente pecuniarie,

abbiano limitazioni o attenuazioni limitative quantitative (sigillo al confisco) e

qualitative (proporzionalità e ragionevolezza), mantenendo, sempre la responsabilità

obiettiva consacrata nel Codice Tributario Nazionale (art. 136. CTN). Inoltre, è

proprio il Codice Tributario Nazionale che contiene gli elementi sufficienti affinché le

sanzioni tributarie riacquistino le loro reali e rilevanti funzioni: punizione, educazione

e prevenzione, essendo necessario, quindi, che siano applicate.

Palavras-chave: Norma sanzionante. Responsabilità obiettiva. Sanzioni fiscali.

Ragionevolezza. Proporzionalità. Non confisco.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .................................................................................................. 8

2 O PAPEL DO DIREITO TRIBUTÁRIO.............................................................. 18

2.1 A função do direito tributário no ordenamento jurídico vigente....................... 18

3 A ESTRUTURA DA NORMA TRIBUTÁRIA ..................................................... 31

3.1 A norma tributária - conceito e estrutura ........................................................ 31

3.2 A estrutura da norma tributária sancionante................................................... 37

4 O ILÍCITO TRIBUTÁRIO................................................................................... 55

4.1 O conceito de ilícito tributário ......................................................................... 55

4.2 O ilícito tributário resultante do descumprimento das obrigações principais

e acessórias ......................................................................................................... 61

4.3 O ilícito tributário e a responsabilidade objetiva do art. 136 do CTN.............. 63

4.4 Espécies de sanções no Direito Tributário ..................................................... 70

5 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E A FUNÇÃO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS NO SISTEMA TRIBUTÁRIO.............................................. 84

5.1 O Estado Democrático de Direito e o valor segurança jurídica ...................... 84

5.2 O papel dos princípios constitucionais ........................................................... 88

6 OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS LIMITADORES DAS SANCÕES FISCAIS E SUA CORRELAÇÃO COM O CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL . 99

6.1 Os princípios aplicáveis às sanções tributárias .............................................. 99

6.2 O princípio da legalidade................................................................................ 101

6.3 Princípio da confiança .................................................................................... 118

6.4 Igualdade, capacidade contributiva e não-confisco. Os critérios da

razoabilidade e da proporcionalidade................................................................... 136

7 CONCLUSÃO ................................................................................................... 167

REFERÊNCIAS.................................................................................................... 167

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1 INTRODUÇÃO

Consiste o presente trabalho em investigar algumas questões de relevo

presentes no Sistema Tributário Nacional, em especial quanto à dosimetria das

sanções fiscais previstas no ordenamento jurídico vigente.

Busca-se, ainda, verificar, à luz dos princípios constitucionais, bem como

sob o enfoque do principio da preservação das empresas, princípio este consagrado

no art. 47 da Lei de Falências (Lei nº 11.101/05), quais seriam as modificações

necessárias, para se ter um sistema arrecadatório economicamente eficiente e

equilibrado, que veda abusos e cobranças exacerbadas, mas que impede e pune a

prática de condutas fraudulentas.

Nesse compasso, importante verificar se existem limites quantitativos e

qualitativos a serem seguidos pelo aplicador do Direito na aplicação destas sanções

tributárias.

O tema é extremamente relevante no contexto atual, e há muito a doutrina

vem debatendo acerca dos limites das chamadas sanções fiscais.

De forma pioneira, o ilustre Professor Sacha Calmon Navarro Coêlho, em

sua obra Teoria e Prática das Multas Tributárias: Infrações Tributárias, Sanções

Tributárias, publicada em 1995, mostrou sua preocupação, não só com os abusos

cometidos na aplicação das sanções previstas na legislação, mas também ressaltou

a necessidade de mudanças para bem dosar a aplicação das multas aos casos

concretos.

Eis a palavra do ilustre professor Sacha Calmon Navarro Coêlho:

O ato administrativo sancionatório, como todo ato administrativo, está sujeito aos princípios da legalidade, responsabilidade, competência e revisibilidade e deve, pois, ter motivo, forma e finalidade. Assim, como o ato de lançamento do tributo, o ato de imposição da penalidade não é discricionário, mas vinculado à lei. Estão ambos sujeitos ao ‘controle de legalidade’ e devem ser revistos ex officio ou por iniciativa do contribuinte.1

1 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria e prática das multas tributárias: infrações tributárias,

sanções tributárias. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995. p. 53.

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E mais adiante conclui:

É bom sublinhar que a multa conquanto ente sancionante, quando ingressa no patrimônio estatal, o faz como receita (as penalidades na medida em que implicam deveres de entrega de dinheiro ao Estado, traduzem formula de transferência de riqueza, dos particulares para a fazenda pública. Em ciência das finanças o pagamento da multa é classificado como receita derivada, ao lado dos tributos). Do ponto de vista jurídico-positivo, duas fórmulas existem para o evitamento de multas escorchantes: a fórmula legislativa, mediante a qual através de uma norma geral de potestade a competência dos legisladores ordinários para estatuir multas tributárias restaria restringida quantitativamente: e a fórmula jurisprudencial mercê da qual, os juízes através da fixação de Standards - súmulas no caso brasileiro - construiriam os princípios de restrição norteadores da ação do legislador na espécie.2

Aliada a essa necessidade de mudança já anunciada, verifica-se que o

tratamento jurídico destinado as empresas passou nos últimos tempos por profundas

transformações, positivas e negativas. De um lado, o reconhecimento da importância

da empresa como unidade econômica, a necessidade de sua preservação, não só

por sua função social, mas também por ser uma unidade geradora de empregos e

riquezas, passou a ser objeto de estudo não só do Direito Empresarial, mas, ainda

que de forma reflexa, também do Direito Tributário, principalmente porque tais

conceitos causam profundas modificações na interpretação da norma e na

instrumentalidade do objeto do Direito Tributário.

Isso porque o Ordenamento Jurídico no âmbito do Direito Privado introjetou

novo conceito de empresa, aliando a esta nova conceituação uma maior

participação do trabalho no capital. Um exemplo disso é o aumento crescente da

participação dos Fundos de Pensão no Produto Interno Bruto (PIB) Nacional, que é

formado por empregados de empresas estatais e privadas, sendo esta participação

não é somente de investimentos, mas também na indicação de conselheiros e

diretores, portanto, trata-se de uma participação direta do trabalho no capital.

Outro grande avanço é o aumento da participação dos empregados nos

Lucros ou Resultados (PLR) das empresas e, ainda que essa PLR tenha se dado

por incentivo fiscal (Lei nº 10.101/00), tal fato demonstra que o empregado está cada

vez mais introjetado na empresa.

2 COÊLHO,Sacha Calmon Navarro. Teoria e prática das multas tributárias: infrações tributárias,

sanções tributárias, p. 67.

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Outros tantos exemplos poderiam ser citados para demonstrar uma

mudança conceitual neste núcleo denominado empresa, mas o que se pode notar

desde logo é que ao longo dos anos e com a evolução dos conceitos, a empresa se

tornou, ou passou a ser encarada como uma unidade econômica, onde empregados,

sócios e investidores devem conviver harmonicamente, comungando interesses

individuais diversos, mas mantendo um interesse comum: a preservação da

empresa geradora de riquezas (lucros, salários, tributos) que cumpre sua função

social.

Neste contexto evolutivo, o Direito não pode ficar atrofiado. Mudanças

estruturantes no Direito Empresarial obviamente trazem importantes reflexos ao

Direito Tributário, que rege uma norma de subsunção, nos termos do art. 1103 do

Código Tributário Nacional (CTN).

Diante de toda essa evolução, o sistema tributário reage e adota as

vertentes do Direito Empresarial. Essa visão da empresa-institucional passa a ser

encarada pelo Direito Tributário - e por seus operadores - não somente como uma

fonte (inesgotável) de pagamento de tributos, do ponto de vista do Estado, ou ainda

como fonte de lucros somente, sob o enfoque empresarial, mas sim como uma

unidade produtiva, cujo interesse maior deve ser a sua preservação.

Neste sentido, importante são as lições da Professora Misabel Abreu

Machado Derzi, vejamos:

O princípio da preservação da empresa que informa a lei é imprescindível à compreensão do instituto da recuperação judicial, guia as decisões tomadas entre os diversos interesses internos que nela se compõe, representa importante parâmetro que deve pautar a aplicação da lei em cada caso e, finalmente, deverá ser o guia de interpretação, norteador das decisões judiciais. Explica Calixto Salomão Filho que, a partir daí, haverá de se esperar uma mudança de comportamento dos envolvidos no decurso da vida econômica empresarial. ‘O que se quer dizer é que não é possível pensar em preservação da empresa apenas no período de crise da empresa, mas também durante sua vida. Assim sendo, a aplicação da Nova lei de Falências de forma coerente com o princípio da preservação da empresa pode ajudar a dar aplicação a princípios institucionalistas societários como o do art. 116 da Lei 6.404/76’. E prossegue para demonstrar que uma bem-vinda alteração de valores não pode se restringir á recuperação de uma empresa em crise: A nova Lei procura fazer exatamente o inverso, i.e., dissociar a ruína da em presa da ruína do

3 “Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos,

conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias”.

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empresário, permitindo que a primeira sobreviva ao ultimo. Só o tempo e a força de princípios dos aplicadores dirão se isso será possível em meio à sociedade patriarcal-capitalista em que vivemos.4

Nota-se, portanto, que o interesse estatal em arrecadar e o interesse dos

administradores em obter o lucro a partir do exercício da atividade empresarial,

permanecem existindo, mas deixam de ser a finalidade precípua, ou pelo menos a

única finalidade da empresa. A manutenção da empresa significa a manutenção de

um agente econômico relevante na geração de empregos, resultados e lucros, pois

somente assim poderá dela se cobrar uma participação nas receitas tributárias.

Em função disso, o sistema tributário deve estar voltado para incentivar esta

unidade empresarial geradora de riqueza para todos que a cercam, incluindo, mas

não se esgotando, o empresário, o fisco, os seus empregados, assim como a

sociedade como um todo.

Enfim, se a empresa cumpre sua função social e é geradora de empregos e

de riqueza, então a sua preservação não interessa apenas a seus credores,

investidores e empregados, mas também ao Fisco, que se alimenta de sua

capacidade econômica.

Assim, para incentivar o investimento na produção e, via de consequência, a

preservação da atividade empresarial, alguns requisitos devem estar presentes num

Sistema Tributário minimamente racional. A segurança jurídica deve ser sempre o

pilar de sustentação de um sistema racional, mas não menos importante necessária

a confiança nas instituições do Estado Democrático de Direito, a redução da

litigiosidade e uma carga tributária voltada para o incentivo à produção, inclusive

com a correta gradação da tributação sobre o lucro, considerando a vida da empresa

como um todo (compensação de prejuízos). Faz-se necessária agilidade e eficiência

administrativa e, por fim, mecanismos que visam a proteção da concorrência.

Assim, é preciso pensar na empresa enquanto instituição necessária a gerar

e concretizar todos os direitos individuais e sociais consagrados no Texto

Constitucional.

4 DERZI, Misabel Abreu Machado. O princípio da preservação das empresas e o direito à economia

de imposto. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). Grandes questões atuais do direito tributário. proteção da confiança, boa fé objetiva e irretroatividade como limitações constitucionais no poder judicial de tributar. São Paulo: Noeses, 2009. v. 1, p. 356.

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Por outro lado, um aspecto também a ser considerado para se ter um

sistema arrecadatório equilibrado, é a redistribuição da carga tributária que se tem

atualmente.

Inúmeros estudos mostram uma grande preocupação com o aumento

constante da carga tributária e a sua má distribuição, sendo que nota-se a existência

de uma grande e grave concentração dos tributos incidentes sobre as remunerações

e sobre o consumo, o que torna a carga tributária regressiva e perversa ao

crescimento do país.

Além da má distribuição do peso dos tributos na sociedade, verifica-se,

ainda, o aumento constante da gama de tributos lançados por homologação, hoje a

quase totalidade dos tributos existentes no Ordenamento Jurídico.

Todos esses fatores contribuem para formação do que se tem hoje que é um

sistema inseguro, injusto e que convive com inúmeras sanções fiscais, muitas vezes

aplicadas em patamares ainda dos tempos inflacionários.

O que se vê é que o Sistema Tributário Nacional convive hoje com a

desconfiança permanente (e não com a boa-fé entre as partes que envolvem a

relação tributária). O Estado não confia nos contribuintes, em que pese delegar a

eles interpretação, a subsunção e o recolhimento dos tributos (tributos lançados por

homologação).

Assim, o contribuinte - na quase totalidade dos tributos - deve conhecer a

legislação, exercer sobre ela a interpretação, calcular o quantum debeatur e recolher

aos cofres públicos. Além disso, ainda é obrigado aguardar o prazo decadencial

para que a Fiscalização lhe informe - de forma expressa ou tácita (preclusão) - se

agiu corretamente.

Se o contribuinte interpreta mal a legislação, calcula de forma equivocada,

deixa de recolher ou mesmo descumpre alguma obrigação acessória estará sujeito

às mais pesadas penalidades, equiparando tal contribuinte àqueles outros que agem

com dolo ou má-fé.

O presente trabalho tem, portanto, como objetivo primordial, além da análise

crítica das sanções fiscais existentes, abordar quais seriam, à luz dos princípios

constitucionais, os limites quantitativos e qualitativos dessas sanções, se é que eles

existem.

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Nesse compasso, o trabalho investigará quais as premissas postas no

Código Tributário Nacional a respeito das sanções fiscais, onde ser pode constatar a

modernidade e a exatidão como o CTN tratou do tema, que de forma invejável e a

poucos perceptível trouxe grandes inovações até o momento.

De fato, o tema posto em discussão, acerca da dosimetria das sanções

tributárias pecuniárias e seus limites, se não trata efetivamente de um assunto novo,

já que há tempos, diversos doutrinadores suscitam questionamentos relevantes

acerca da aplicação das sanções fiscais.

Porém, no contexto atual e sob o prisma da preservação da empresa, se

mostra extremante relevante trazer à baila o presente tema que ao longo dos anos

vem ganhando maior destaque nas discussões doutrinárias e jurisprudenciais.

Como ponto de partida, faz-se necessário analisar a estrutura da norma, em

especial, a norma tributária sancionante, diferenciando-a da norma de conduta e

realçando o que consta de sua hipótese.

Como se sabe, as normas de conduta atuam quando a hipótese de sua

incidência se concretiza. Tais normas buscam incentivar, inibir ou induzir

comportamentos e são, portanto, o núcleo central do Direito, pois o papel deste

sempre foi planificar os comportamentos, buscar a paz social, mas é óbvio que o

Direito não é somente técnica, e deve se aproximar dos valores que a Sociedade

dele se espera, pois se o Direito se afasta do fato social, perde sua legitimidade, e

ao mesmo tempo se aproxima demais, pode deixar de lado sua face de ciência do

dever-ser. Portanto, as normas de conduta devem estar, iluminadas pelos princípios,

direitos individuais e sociais, no núcleo central do Direito.

Já as normas punitivas, em que pese serem consideradas secundárias em

relação às normas de conduta, posto que acionadas somente se estas não forem

seguidas, são também hipotéticas e as penas só incidem quando os “tipos delituais”

descritos nas hipóteses dessas normas, ocorrem no mundo real.

Adotando a linha doutrinária de grande envergadura, aqui já lançando mão

dos irretocáveis ensinamentos do Professor Sacha Calmon Navarro Coêlho,

responsável pela teorização da estrutura da norma sancionante em tais termos, é

importante ressaltar que as normas se dividem em dois tipos básicos: normas

impositivas e normas sancionantes.

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A diferença entre elas, como dito, está na hipótese de incidência. Na norma

impositiva há a previsão de fatos jurígenos lícitos e, por conseqüência, comandos

que impõem direitos e deveres (relações jurídicas). Já a norma sancionante, parte

de um comando de ocorrência de fatos ilícitos e de conseqüências que

consubstanciam, sempre, sanções. Em ambas as hipóteses, basta ocorrer o fato

típico descrito na hipótese para que as conseqüências jurídicas previstas se instalem

no meio social.

Assim, a própria estrutura da norma sancionante já impõe um primeiro

limitador qualitativo: em seu comando deverá haver sempre a ocorrência de um ato

ilícito como pressuposto, ou seja, não se pode imputar uma sanção a quem não agiu

de forma incorreta.

Desta feita, se a sanção tributária incide toda vez que no mundo real, ocorre

uma infração a um dever tributário estatuído em lei, portanto, é razoável concluir que

o cometimento da conduta definida como infração constitui um comportamento

típico.

Partindo das definições acima, a contrario sensu, a tipicidade do ilícito

tributário reside em duas premissas: (a) não pagar o tributo devido e/ou (b) não

cumprir com os deveres instrumentais ou as obrigações acessórias expressas.

Assim, a tipicidade do ilícito tributário somente pode ocorrer quando houver

a clara constatação de que a hipótese da norma se realizou no mundo fenomênico.

No decorrer do estudo, constatar-se-á que, além do limitador quantitativo,

que reside na própria natureza do tipo, é preciso no âmbito qualitativo, que as multas

sejam previstas em lei, proporcionais e razoáveis aos fins que pretende atingir.

Assim, um dos objetivos a que se propõe, é buscar respostas para as

seguintes indagações: a) quais as reais funções das sanções pecuniárias no Direito

Tributário? b) como um ambiente de insegurança jurídica, alta complexidade,

extrema desconfiança, com excessos de controles e penalidades, pode conviver e

construir uma relação compatível com o Estado Democrático de Direito? Qual o grau

de eficiência de tais variáveis? Em que medida tais procedimentos deslegitimam o

papel do Estado e do tributo? c) quais os princípios aplicáveis às sanções

pecuniárias no âmbito do Direito Tributário?

Essas são algumas considerações importantes acerca do assunto aqui

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estudado, jamais com a pretensão de esgotar o tema, mas sim com a ansiedade de

investigar e contribuir, valendo-se, aqui, das belas palavras de Renato Janine

Ribeiro:

[...] não vejo razão, para alguém fazer uma pesquisa de verdade, que não o amor a pensar, a libido de conhecer. E, se é de amor ou desejo que se trata, deve gerar tudo o que o intenso amor suscita, de tremedeira até suor nas mãos. O equivalente disso na pesquisa é muito simples: o susto, o pavor diante da novidade. Mas um pavor que desperte a vontade de inovar, em vez de levar o estudante a procurar terra firme, terreno conhecido.5

Como suporte dessa investigação e também como fonte de pesquisa, será

objeto de análise não só farta doutrina brasileira, mas também a jurisprudência dos

Tribunais Superiores que servirá para que se possa testar e atestar qual tem sido a

resposta do Sistema do Direito a tais questionamentos e, como dito acima, quais

seriam as modificações necessárias, para se ter um sistema arrecadatório

economicamente eficiente e equilibrado, que coíbe os abusos e cobranças

exacerbadas e rechaça a pratica de condutas fraudulentas.

Assim, é preciso buscar a real função da pena e a real função do Estado,

não pela vontade do rei, mas pelo que o Sistema Tributário Nacional dita para a

relação tributária que envolve o contribuinte e o Estado. Essa relação deve ser

calcada na confiança e na relação Estado-contribuinte/cidadão, detentor de direitos

e deveres. Neste ponto, cabíveis as irretocáveis lições de Norberto Bobbio, quando

analisa a pena de morte, mas aqui também aplicáveis:

O Estado não pode colocar-se no mesmo plano do indivíduo singular. O indivíduo age por raiva, por paixão, por interesse, em defesa própria. O Estado responde de modo mediato, reflexivo, racional. Também ele tem o dever de se defender. Mas é muito mais forte do que o indivíduo singular e, por isso, não tem necessidade de tirar a vida desse indivíduo para se defender. O Estado tem o privilégio e o benefício do monopólio da força. Deve sentir toda a responsabilidade desse privilégio e desse benefício. Compreendo muito bem que é um raciocínio difícil, abstrato, que pode ser tachado de moralismo ingênuo, de pregação inútil. Mas busquemos dar uma razão para nossa repugnância frente à pena de morte. A razão é uma só: o mandamento de não matar.6

5 RIBEIRO, Renato Janine. Tempo social. Revista Social da USP, São Paulo, n. 1, v. 2, p. 189-195,

maio 1999. p. 22. 6 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus,

1992. p. 176.

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Michel Foucault, em sua obra Vigiar e Punir, retrata a posição dos cahiers de

doléances quanto aos suplícios e diz: “Que as penas sejam moderadas e

proporcionais aos delitos, que a de morte só seja imputada contra os culpados

assassinos, e sejam abolidos os suplícios que revoltem a humanidade”7.

Ainda na visão de Michel Foucault a punição é um cerimonial de soberania:

[...] ela utiliza marcas rituais de vingança que aplica sobre o corpo do condenado. No projeto dos juristas reformadores, a punição é um processo para requalificar os indivíduos como sujeitos de direito; utiliza, não marcas, mas sinais, conjuntos codificados de representações, cuja circulação deve ser realizada o mais rapidamente possível pela cena do castigo, e a aceitação deve ser a mais universal possível. Enfim, no projeto de instituição carcerária que se elabora, a punição é uma técnica de coerção dos indivíduos; ela utiliza processos de treinamento do corpo - não sinais - com os traços que deixa, sob a forma de hábitos, no comportamento [...].8

Desta feita, incumbe também ao presente estudo, verificar quais são os

limites quantitativos das multas fiscais (art. 5º, LIV c/c art. 150, IV, ambos da

Constituição Federal de 1988 - CF/88) buscando resposta, por exemplo, ao seguinte

questionamento: No Brasil, a infração tributária pode gerar o perdimento de bens e o

confisco?

Seguindo nessa linha de raciocínio, questiona-se se somente o aspecto

quantitativo das multas bastaria para se coibir os abusos. É preciso verificar, ainda,

se há abusos de poder (para isso servem os princípios protetivos dos contribuintes)

no aspecto qualitativo das multas fiscais, mas também se é possível que se faça

uma valoração quanto à conduta do agente que pratica a conduta infracional.

Outros tantos questionamentos poderiam ser postos, mas serão, nos

capítulos que seguem, detalhadamente analisados, porém, o que se deve chamar

atenção desde logo é que em determinadas infrações, a penalidade aplicada

alcança não somente o sonegador ou o agente que de má-fé deixa de recolher o

tributo devido, mas também o contribuinte que age de boa-fé, que fez uma

interpretação razoável da legislação, apenas contrária ao que pensa a Fiscalização

a despeito de uma determinada norma. Nestes casos, seria possível a atenuação na

aplicação da pena?

7 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. 37. ed. Petrópolis: Vozes, 1997. p. 126. 8 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir, p. 126.

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Assim, busca-se verificar se os princípios da razoabilidade e da

proporcionalidade podem ser utilizados como instrumentos de realização de

princípios materiais mais fluidos como a Justiça ou de princípios com maior

concretude, como o princípio da preservação das empresas.

Em síntese, pretende-se analisar se o princípio da preservação das

empresas pode ser tomado como um princípio que limita o poder (ou abuso de

poder) de tributar. Com base em tal resposta, o trabalho segue para verificar se na

análise do caso concreto, o princípio da preservação das empresas pode servir de

instrumento ou diretriz necessária para justificar a aplicação dos postulados da

razoabilidade e proporcionalidade na aplicação das infrações fiscais.

Por último, mas não menos importante, caberá verificar quais seriam os

limites quantitativos e qualitativos das sanções fiscais para que a atividade

empresarial não reste inviabilizada.

Por todo o exposto, o presente estudo pretende encarar o tema, para,

verificar qual o sistema de penas é compatível com o Estado Democrático de Direito

e, ainda, o que precisa ser alterado, incluído ou extirpado do Sistema, pois posto

como está, não mais compactua com o modelo de relação tributária condizente com

um Estado Democrático de Direito.

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2 O PAPEL DO DIREITO TRIBUTÁRIO

2.1 A função do direito tributário no ordenamento jurídico vigente

Antes de adentrar ao estudo dos princípios constitucionais aplicáveis às

sanções ficais, faz-se necessário um breve estudo do papel desempenhado pelo

Direito Tributário.

Como se sabe, o Direito é uma técnica de planificação de comportamentos e

sob esse prisma ele é apenas uma técnica a defender os interesses de quem detém

o poder de ditar este Direito à Sociedade.

Geraldo Ataliba já defendia que o Direito é eminentemente instrumental:

Assim, o estado usa o instrumento ‘direito’, em um primeiro momento, fixando o que é válido, o que não é válido e quais são as fórmulas que devem ser obedecidas e observadas por ele e pelas pessoas que com ele entram em relação; num segundo momento, o Estado pratica atos, também jurídicos, decorrentes e subordinados às normas que traçou e que se constituem na aplicação concreta daquelas normas que foram traçadas de maneira genérica e abstrata. Aí está o tributo como um instrumento jurídico, instrumento de satisfação de um desígnio que nada tem de jurídico, que é o abastecimento dos cofres públicos.9

Diante desse caráter instrumental, o Direito visa determinar as normas de

conduta e a organização de como o ‘Estado’ deseja a sociedade. A questão que se

coloca é que quando o Direito se distancia da vontade social, ele serve ao poder e

não mais ao Estado Democrático de Direito, ou seja, o Direito perde sua legitimidade

perante a sociedade e gera a possibilidade de regimes paralelos de regulamentação

ou mesmo o temido vale-tudo.

A ciência do Direito, portanto, inserido no contexto do Estado Democrático

de Direito, serve à sociedade, seguindo os padrões ditados por essa sociedade.

Além disso, àqueles que detêm os instrumentos do poder devem ter consciência de

que são apenas instrumentos da vontade social e não da vontade individual, caso

9 ATALIBA, Geraldo. Elementos de direito tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978. (Aula

de abertura Propedêutica Jurídica). p. 21.

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contrário, o próprio sistema deve reagir para expurgar quaisquer tentativas de

afastar o direito de seu real papel.

Neste ponto, importante são as lições do Professor Sacha Calmon Navarro

Coêlho que de forma coesa e valendo-se de lições valiosas de Kelsen e Vilanova,

esgota o assunto:

O Direito é a mais eficaz técnica de organização social e de planificação de comportamentos humanos. [...] Enquanto técnica, o Direito é neutro em relação aos valores. Mas só enquanto técnica. Onde quer que exista uma estrutura de poder, democrática ou autocrática, primitiva ou sofisticada, o Direito é utilizado para organizar a sociedade subjacente e determinar os comportamentos desejáveis.10

A Ciência do Direito é a Ciência do Direito positivo. Por isso ‘o conhecimento jurídico dirige-se a estas normas que possuam o caráter de normas jurídicas e conferem a determinados fatos o caráter de atos jurídicos’.11

O Direito é, essencialmente, um esforço humano no sentido de realizar o valor Justiça. Essa dimensão ideal existe na norma jurídica. Pois, a norma não se reduz a uma mera forma de relacionar atos, com total indiferença para o valor. Se a norma é um dever-ser, é dever de algo.12

O Direito Tributário, que estuda - fundamentalmente - a obrigação tributária

entre sujeito passivo e sujeito ativo, tem seu nascedouro na lei por tratar-se de

categoria do direito positivo, mas não deixa de se ater às limitações impostas pelo

Texto Constitucional, inserindo-se no Sistema do Direito como toda e qualquer

norma, portanto, uma autêntica relação jurídica.

É certo que em tempos remotos o Direito Tributário estava fundado numa

relação de poder. Até o princípio da legalidade, tido atualmente como um dos pilares

da Segurança Jurídica, nasceu da conhecida história do Rei João Sem Terra, que

dividiu o poder de tributar com os demais poderosos, somente para se manter no

poder. A regra, até então, era a ditada pela autoridade, mas nos tempos de hoje há

10 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 9. ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2008. p. 03. 11 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito, apud COÊLHO, Curso de direito tributário brasileiro. 9. ed.

Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 11 12 VILANOVA, Lourival. Sobre o conceito de direito, apud COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso

de direito tributário brasileiro, p. 12

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uma nova relação entre o contribuinte e o Estado, ainda centrada numa relação

obrigacional, mas que se irriga da norma constitucional, de onde nascem as

competências e os limites ao poder de tributar.

O Direito, enquanto ciência que determina as regras comportamentais visa

planificar comportamentos, mas como ensinado por Sacha Calmon Navarro Coêlho,

não pode apenas se ater a técnica de planificar comportamentos, sob pena de

perder a legitimidade perante a Sociedade, pois a esta deve servir o Direito. Nos

rumos do Professor Sacha Calmon Navarro Coêlho, importante são as lições de

Valter Souza Lobato:

Mas, o Sistema do Direito, como ensina Sacha Calmon, não se esconde no tecnicismo positivisma e se vê eivado de valores, onde o Direito não pode criar ou permitir a criação do abuso, do absurdo, do ilógico, do ininteligível; o Direito seria o instrumento que dita a voz limitadora dos homens sobre o homem e do homem sobre os homens, seria o limite da razão, enfim, a busca do senso que sempre deve ser bom. Se assim o é, o Direito deve ser instrumento para aplicar os valores ditados

pelo Estado, que, de forma ideal, devem coincidir com os valores da própria

sociedade para, ao fim e ao cabo, este Direito Instrumental, ser o próprio valor

buscado. O Direito deve ser espelho da sociedade que regula, sendo um

caminho de ‘auto-reflexo’, planificando e ditando comportamentos, mas estes

também ditam as condutas desejáveis, portanto, ditam o Direito futuro.13

Portanto, a função legítima do Direito perante a Sociedade, nestes tempos

pós-modernos, é cumprir o desafio de enfrentar a complexidade das relações

sociais, ser instrumento de planificação de comportamentos, mas ao mesmo tempo

não deixar de ser a ciência do dever-ser, porque se perder esse link, estará a

estudar a natureza humana e não mais ditar os comportamentos sociais.

Assim, ainda no caminhar do professor Sacha Calmon Navarro Coêlho, o

objeto do Direito Tributário começa e se encerra pelo estudo da relação que cerca o

contribuinte e o Estado:

Qual é, então, o objeto do Direito Tributário? O de regular o relacionamento entre Estado e contribuinte, tendo em vista o pagamento e o recebimento do tributo. Certos autores dizem que o Direito Tributário regula uma parcela da atividade financeira do Estado, qual seja, a de receber tributos. Esta é uma visão autoritária e estática. Em verdade, o Direito Tributário regula e restringe o poder do estado de exigir tributos e regula os deveres e direitos dos contribuintes, isonomicamente.Seu objeto é a relação jurídica travada entre o Estado e o contribuinte.

13 LOBATO, Valter Souza. Os tributos destinados ao custeio da seguridade social: a busca do

equilíbrio de suas fontes. 2004. 394 f. Dissertação (Mestrado em Direito Tributário) - Faculdade de Direito, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte. p. 12.

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[...]

O Direito Tributário cuida especificamente das receitas derivadas do patrimônio particular transferidas para o tesouro público mediante ‘obrigações tributárias’ previstas em lei. A ênfase do Direito Tributário centra-se na relação jurídica e não na atividade estatal de obtenção de receitas. Não é o Direito do Estado, é a relação jurídica entre sujeitos de direito sob os auspícios da legalidade e da igualdade.14

Importante consignar, neste ponto, que o Direito não é só técnica, portanto,

a relação tributária deve ser irrigada pelos princípios e valores ditados pela

sociedade e para a sociedade. Neste ponto, faz-se necessário verificar de onde

podem ser extraídos os princípios que devem reger a relação tributária.

A base desta relação jurídica é a norma tributária, que tem seu porto seguro

no Texto Constitucional e se este Texto Constitucional determina que o Direito deve

buscar a Justiça e a Segurança, o Estado Democrático de Direito e a soberania da

Federação, a legalidade e a igualdade, a técnica da relação obrigacional não pode

se isolar, mas deve ser interpretado segundo tais valores/princípios previamente

ditados pela norma constitucional.

Cabem aqui as lições do Professor Eduardo Maneira:

O sistema jurídico ocidental é orientado pela supremacia constitucional, isto é, as normas constitucionais são colocadas no vértice da hierarquia das fontes do direito, submetendo todas as demais. A idéia da Constituição como fonte superior de direito tornou-se realidade com o advento dos textos constitucionais norte-americano (1787) e francês (1791). O movimento constitucionalista do final do século XVIII, de inspiração iluminista, superou o pensamento jusnaturalista, cujo postulado central era o da subordinação do jus positivum ao jus naturale, e estabeleceu dentro de um sistema todo ele positivo uma escala de hierarquia das fontes, onde a Constituição ‘racional-normativa’ figurava como norma superior.

O constitucionalismo amparava-se em dogmas teóricos construídos pela juspublicística dos finais de 1700, cujos pilares eram: a) a distinção entre poder constituinte e poder derivado, que reafirmava a superioridade do poder constituinte face aos poderes constituídos e a intangibilidade da Constituição em face da legislação ordinária; b) o princípio da rigidez das revisões constitucionais restringindo a ação do legislador ordinário.

A superioridade e rigidez constitucional consolidaram-se como realidade no século XIX, com o desenvolvimento, na Suprema Corte Americana, da teoria do controle de constitucionalidade das leis pelo Poder Judiciário, no célebre caso Marbury x Madison, relatado pelo Justice Marshall.

Se é verdade que o primado da Constituição é um dogma do mundo ocidental, não menos verídico é o fato de haver diversas e conflitantes teorias que pretendem responder que matérias devem ter dignidade constitucional e quais as funções da Constituição; ou seja, o conceito e o

14 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro, p. 34.

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objeto da Constituição variam segundo as inúmeras teorias que a concebem.15

E, novamente, o Professor Sacha Calmon Navarro Coêlho:

Pensamos que se o Direito é piramidal, podemos descrevê-lo do ápice para a base ou da base para o ápice. Por isso que as normas jurídicas extraem validez de uma norma que lhes está imediatamente acima. A norma que está no topo é justamente a constitucional. Ela é que confere validez às demais normas do sistema, até as mais ínfimas, os regulamentos e as instruções normativas das autoridades administrativas. Subir ou descer a pirâmide normativa, tanto faz.16

Para exemplificar, aqui já adentrando um pouco ao tema que será objeto de

estudo nos próximos capítulos, o artigo 136 do Código Tributário Nacional determina

que a responsabilidade é objetiva nas sanções fiscais, desde que compatível com a

Constituição Federal, assim como as demais normas que regem as sanções fiscais.

Assim, norma federal, estadual ou municipal, que estabelece a sanção somente terá

validade e legitimidade se o Texto Constitucional assim autorizar.

Isso porque, a norma constitucional tem como função primeira no sistema

tributário, limitar o poder de tributar (e também de punir), inclusive o poder do

Estado, a bem dos princípios e garantias fundamentais.

Eis as palavras do saudoso Ministro Orozimbo Nonato no RE nº 18.331/SP

que demonstra sua preocupação com necessidade de uma tributação equilibrada:

[...] o poder de taxar não pode chegar à desmedida de poder de destruir, uma vez que aquele somente pode ser exercido dentro dos limites que o tornem compatível com a liberdade de trabalho, de comércio e de indústria e com o direito de propriedade. É um poder, em suma, cujo exercício não deve ir até o abuso, o excesso, o desvio, sendo aplicável, ainda aqui, a doutrina do détounement de pouvoir.17

No mesmo sentido, recentemente o ministro Celso de Mello se manifestou:

15 MANEIRA, Eduardo. Base de cálculo presumida. 2002. 238 f. Tese (Doutorado em Direito

Tributário) - Faculdade de Direito, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte. p. 17. 16 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro, p. 37. 17 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE nº 18.331. Rel. Min. Orozimbo Nonato, j. 21/09/1951.

apud FERREIRA, Olavo Augusto Vianna Alves. O devido processo legal substantivo e o Supremo Tribunal Federal nos 15 anos da Constituição Federal. Brasília, 2003. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_59/a rtigos/Art_Olavo.htm>. Acesso em: 26 maio 2010.

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O poder absoluto exercido pelo Estado, sem quaisquer restrições e controles, inviabiliza, numa comunidade estatal concreta, a prática efetiva das liberdades e o exercício dos direitos e garantias individuais ou coletivos. É preciso respeitar, de modo incondicional, os parâmetros de atuação delineados no texto constitucional. Uma Constituição escrita não configura mera peça jurídica, nem é simples estrutura de normatividade e nem pode caracterizar um irrelevante acidente histórico na vida dos Povos e das Nações. Todos os atos estatais que repugnem à Constituição expõem-se à censura jurídica - dos Tribunais, especialmente - porque são írritos, nulos e desvestidos de qualquer validade. - A Constituição não pode submeter-se à vontade dos poderes constituídos e nem ao império dos fatos e das circunstâncias. A supremacia de que ela se reveste - enquanto for respeitada - constituirá a garantia mais efetiva de que os direitos e as liberdades não serão jamais ofendidos. Ao Supremo Tribunal Federal incumbe a tarefa, magna e eminente, de velar por que essa realidade não seja desfigurada.18

Portanto, num Estado Democrático de Direito a premissa deve ser que as

ações do Estado são previsíveis e transparentes, eficientes e morais. O Estado deve

tratar os iguais como iguais, merecendo todos de forma justa que todos renunciem a

liberdade e a propriedade, na medida em que a solidariedade assim clame.

Em que pese não ser objeto do presente estudo a diferenciação entre

impostos, taxas e contribuições, cumpre ressaltar que, em se tratando de

solidariedade, com precisão cirúrgica o professor Sacha sempre alertou que a

solidariedade se manifesta verdadeiramente nos impostos e não nas taxas ou

contribuições, pois nestas duas últimas quem paga é quem delas se beneficia. Já

nos impostos a solidariedade se mostra no Direito Tributário de forma verdadeira,

pois são eles que financiam o caixa geral a mover o Estado em sua função

redistributiva e de justiça social. Nos impostos reside o financiamento da estrutura de

desenvolvimento, a busca do equilíbrio social e econômico.

Feita esta breve e importante consideração acerca da solidariedade dos

impostos, mas votando à questão da organização do sistema jurídico, importante

são as lições de Roque Antônio Carrazza, que assim leciona:

Usando, por comodidade didática, de uma analogia que é sempre feita por Geraldo Ataliba e Celso Antonio Bandeira de Mello, podemos dizer que o sistema jurídico ergue-se como um vasto edifício, onde tudo está disposto em sábia arquitetura. Contemplando-o, o jurista não só encontra a ordem, na aparente complicação, como identifica, imediatamente, alicerces e vigas

18 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI nº 293 MC-DF. Rel. Min. Celso de Mello, j. 06/06/1990.

DJU, Brasília, 16 abr. 1993. p. 6.429. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/list arJurisprudencia.asp?s1=ADI-MC.SCLA.+E+293.NUME.& base=baseAcordaos>. Acesso em: 26 maio 2010.

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mestras. Ora, num edifício tudo tem importância: as portas, as janelas, as luminárias, as paredes, os alicerces, etc. No entanto, não é preciso termos conhecimentos aprofundados de Engenharia para sabermos que muito mais importantes que as portas e janelas (facilmente substituíveis) são os alicerces e as vigas mestras. Tanto que, se de um edifício retirarmos ou destruirmos uma porta, uma janela ou até mesmo uma parede, ele não sofrerá nenhum abalo mais sério em sua estrutura, podendo ser reparado (ou até mesmo embelezado). Já, se dele subtrairmos os alicerces, fatalmente cairá por terra.19

O Direito Tributário precisa, portanto, retomar suas bases, seus verdadeiros

alicerces: os limites ao poder de tributar constantes do Texto Constitucional e as

normas gerais ditadas pelo Código Tributário Nacional. Somente isso basta ou

deveria bastar. Contudo, não basta apenas o estudo técnico da relação tributária,

mas sim uma análise aprofundada dos princípios que servem de base e luz para

esta relação jurídica.

Neste sentido, são as lições de Ricardo Lobo Torres:

[...] a relação tributária, por outro lado, aparece totalmente vinculada pelos direitos fundamentais, declarados na Constituição. Nasce, por força de lei, no espaço previamente aberto pela liberdade individual ao poder impositivo estatal. É rigidamente controlada pelas garantias dos direitos e pelos sistemas de princípios da segurança jurídica. Todas essas características fazem com que se neutralize a superioridade do Estado, decorrentes dos interesses gerais que representa, sem que, todavia, se prejudique a publicidade do vínculo jurídico.20

O mesmo autor cita os tributaristas Klaus Tipke e Joachim Lang, valendo

aqui a reprodução:

A relação jurídica tributária é uma relação legal de direito público. Daí resulta que na relação jurídica tributária se desenvolvem os direitos fundamentais como defesa do cidadão contra o Estado e como princípios legais fundamentais de justiça.21

Eis as raízes dos limites ao poder de tributar. O Sistema Tributário

Constitucional dita seus alicerces: normas de competência, limitações ao poder de

tributar (princípios e imunidades) e regras de repartição no pacto federativo.

19 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 14. ed. São Paulo:

Malheiros, 2000. p. 29. 20 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. 9. ed. Rio de Janeiro: Renovar,

2002. p. 209. 21 Apud TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário, p. 209.

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Para o presente estudo interessa a função dos princípios constitucionais que

limitam o poder de tributar, pois eles ditam as diretrizes do Sistema, dão lógica a

este Sistema e auxiliam o intérprete a ler a norma que regula a relação tributária.

Não por outra razão que Celso Antônio Bandeira de Mello conceitua

princípio como sendo:

[...] mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para a sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a Tonica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo.22

Roque Antônio Carrazza traz ainda as lições de Jesús Gonzàles Perez para

quem os princípios jurídicos constituem a base do Ordenamento Jurídico “a parte

permanente e eterna do Direito e, também, o fator cambiante e mutável que

determina a evolução jurídica”23.

Portanto, o Direito Tributário nasce e se justifica para estudar a relação

tributária, mas não pode se isolar no estudo da norma apenas e sim nos princípios e

valores que iluminam esta relação tributária, ou seja, os valores fundantes que

ditam, de tempos em tempos, a que o Direito serve.

Aqui uma observação relevante para dar continuidade ao trabalho. Os

princípios postos no Texto Constitucional servem para contrabalancear o poder de

tributar e sob esta ótica que devem ser vistos. Os princípios (assim como as

imunidades) não justificam a tributação, mas limitam o poder de tributar. Qualquer

interpretação que fuja desta nuance não tem legitimidade na Norma Constitucional.

O mais correto seria dizer que o poder - e aqui lançando mão dos mais

diversos filósofos - tem que ser a todo custo cercado, não somente no domínio

tributário, mas em qualquer domínio.

Neste sentido, Regina Helena Costa, Misabel Abreu Machado Derzi e

Ricardo Lobo Torres:

22 Apud CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário, p. 30. 23 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário, p. 30.

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Assim é que a tributação constitui instrumento para o atingimento dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, consubstanciados na construção de uma sociedade livre, justa e solidária; na garantia do desenvolvimento nacional; na erradicação da pobreza e da marginalização e na redução das desigualdades sociais e regionais; bem como na promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer formas de discriminação.24

Os princípios gerais são manifestações de valores fundantes gerais, que se concretizam em direitos humanos, em acepção ampla, ou seja, em direitos individuais, direitos da liberdade ou direitos fundamentais, inclusive sociais e liberdades públicas, tão extensos que, neles certamente se incluem as garantias institucionais e processuais da liberdade e ainda a tutela jurisdicional dos direitos e a autotutela da legalidade da administração.25

Os princípios representam o primeiro estágio de concretização dos valores jurídicos a que se vinculam. A justiça e a segurança jurídica começam a adquirir concretude normativa e ganham expressão escrita.26

Na construção do Sistema Tributário Pátrio Humberto Ávila afirma com

precisão que Direito Tributário Nacional foi conduzido com uma base metodológica

bastante rígida e peculiar em relação a outros países, uma vez que o Sistema

Tributário Nacional regula de forma quase exaustiva a matéria tributária, mas não

perde a conexão (e nem poderia) com o restante da Constituição, em especial com

os princípios (materiais e formais) fundamentais e

com os direitos fundamentais, sobretudo com as garantias de propriedade e de liberdade; os princípios sistematicamente fundamentais, que mantém vinculação com o poder de tributar e atribuem significado normativo a outros princípios, são os princípios republicado, o princípio federativo, o princípio da segurança jurídica e o princípio da igualdade.27

Assim, o Direito somente se legitima como instrumento social se servir de

meio para conservação do Estado Democrático de Direito, não podendo servir ao

poder, ao arbítrio ou ao abuso, caso contrário, como bem ensinou Roque Antônio

Carrazza, os alicerces ditados pela Constituição estarão em ruínas e com eles todo

o Sistema Tributário.

24 COSTA, Regina Helena. Curso de direito tributário: constituição e código tributário nacional. São

Paulo: Saraiva, 2009. p. 05. 25 DERZI, Misabel Abreu Machado. Dos princípios gerais de direito tributário. Belo Horizonte, 2003.

(Texto distribuído durante as aulas ministradas no segundo semestre de 2003 - Disciplina Direito Tributário Comparado Mestrado UFMG).

26 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário, p. 79. 27 ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 80.

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Eis as palavras do citado autor:

As pessoas políticas, enquanto tributam, não podem agir de maneira arbitrária e sem obstáculo algum, diante dos contribuintes. Muito pelo contrário: em suas relações com eles, submetem-se a um rígido regime jurídico. Assim, regem suas condutas de acordo com as regras que veiculam os direitos fundamentais e que colimam, também, limitar o exercício da competência tributária, subordinando-o à ordem jurídica.28

Hugo de Brito Machado, de forma memorável, ressaltou a necessidade da

observância aos princípios constitucionais, para se ter uma relação de tributação

juridicamente equilibrada.

Sendo, como é, a relação de tributação uma relação jurídica, e não

simplesmente de poder, tem-se como induvidosa a existência de princípios

pelos quais se rege. Dentre esses princípios destacamos aqueles que, em

virtude de sua universalidade, podem ser considerados comuns a todos os

sistemas jurídicos, ou pelo menos os mais importantes. São eles os princípios

da legalidade, da anterioridade, da igualdade, da competência, da capacidade

contributiva, da vedação de confisco e o da liberdade de tráfego.Tais princípios

existem para proteger o cidadão contra os abusos do Poder. Em face do

elemento teleológico, portanto, o intérprete, que tem consciência desta

finalidade, busca nesses princípios a efetiva proteção do contribuinte.29

Também de forma primorosa Misabel Abreu Machado Derzi retrata com

fidelidade ímpar o início do estudo do Sistema do Direito, de resto, o próprio Sistema

Tributário, demonstrando que o Texto Constitucional não consagrou “somente” o

Brasil enquanto República Federativa, mas colocou este Estado federal e a forma

Republicana, além dos demais princípios à luz e a serviço do Estado Democrático de

Direito.

[...] garantir a independência e o desenvolvimento nacionais; construir uma sociedade livre, justa, solidária; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades entre as pessoas e as regiões; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.30

Nas lições da ilustre professora, o Estado Democrático de Direito não se

presta somente a uma forma, mas tem seus fundamentos no art. 2º do Texto

28 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário, p. 280. 29 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 31. 30 BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. 7. ed. atual. por Misabel

Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 1997. Nota 1 de Misabel Abreu Machado Derzi, p. 09-10.

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Constitucional e seus objetivos postos no art. 3º.

Novamente cabem as palavras da ilustre professora:

Enfim, Estado democrático é antes noção de sistema político (ou regime político, como prefere referir-se Burdeau), o qual abrange não só instituições governamentais formalmente consideradas, como ainda valores e diretrizes adotadas pela Constituição

E, mais adiante conclui:

Estado Democrático de Direito é Estado que mantém clássicas instituições governamentais e princípios como o da separação de poderes e da segurança jurídica. Erige-se sob o império da lei, a qual deve resultar da reflexão e codecisão de todos. Mas não é forma oca de governo, na qual possam conviver privilégios, desigualdades e oligocracias. Nele há compromisso incindível com a liberdade e a igualdade, concretamente concebidas, com a evolução qualitativa da democracia e com a erradicação daquilo que o grande Pontes de Miranda chamou de o ‘ser oligárquico’ subsistente em quase todas as democracias. Não há incompatibilidade entre Estado de Direito e Estado Social, mas síntese dialética que supera o individualismo abstrato e a neutralidade do Estado Liberal. Nas novas fórmulas encontradas pelas constituições mais modernas, não há de modo algum renúncia às clássicas garantias jurídicas. Entretanto, ao mesmo tempo, se buscam metas de maior justiça social, condições efetivas de uma vida digna para todos por meio do desenvolvimento e da conciliação entre liberdade e solidariedade (V. José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, 5ª ed., São Paulo, Ed. RT, 1989, pp. 99 e segs.) A Constituição de 1988 supõe um constitucionalismo que trabalha essas exigências jurídicas concretas. O Estado deve pôr-se a serviço de uma nova ordem social e econômica, mais justa, menos desigual, em que seja possível a cada homem desenvolver-se digna e plenamente sua personalidade. Prejudicados fica, dessa forma, as teorias de política econômica ou de política fiscal incompatíveis com o Estado Democrático de Direito.31

Estes são, portanto, os pilares que devem nortear o presente estudo. O

Direito, enquanto técnica não mais tem utilidade em tempos de Estado Democrático

de Direito, exceto se a técnica se voltar para atender a este Estado. Através desta

visão que o Direito Tributário deve se voltar a construir uma ordem social e

econômica justa, segura e democrática.

Por tudo isso, deve ser repensado o Direito Tributário à luz de seus

alicerces, para que ele não se isole do fato social e se imponha como ciência do

dever-ser.

31 BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar, nota 1 de Misabel Abreu

Machado Derzi, p. 09-10.

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Todas as concepções e conceitos em Direito Tributário, mesmo que postos

anteriores ao Texto Constitucional (princípio da recepção) devem ser repensados

para atingir as metas constantes da Lei Maior. Se ela dita uma relação jurídica, justa

e segura, movida pela boa-fé e pela confiança, tudo que se lê neste sistema deve

ser lido por tais lentes.

O Professor Sacha Calmon Navarro Coêlho, em artigo escrito em conjunto com

Valter Souza Lobato, retrata por fim e com exatidão, o que aqui procura se defender:

No Direito Tributário a questão se agrava, pois é onde o poder encontra guarida de forma intensa, ora abarcando interesses de arrecadação para manutenção de um modelo econômico; ora abarcando interesses de determinados setores econômicos. Se voltarmos os olhos para todos os elementos (não jurídicos) que cercam o Direito Tributário jamais conseguiremos extrair qualquer segurança, previsibilidade ou conhecimento.

Especialmente no Brasil, mesmo com tantos princípios constitucionais, mesmo com tantas proteções no Texto Maior, o Direito Tributário não foi capaz de dar respostas eficientes à sociedade brasileira; não conseguiu construir uma valoração de princípios, nem tampouco uma construção científica de conceitos. Tantos e tantos anos, mas não conseguimos pacificar as mais básicas, diríamos necessárias, conceituações, tais como: ônus da prova, presunção de veracidade do ato administrativo-tributário, decadência, prescrição, espécies de tributos, conceito de renda, de faturamento, etc. e etc.

A sociedade brasileira cobra - com justiça - uma maior estabilização das questões tributárias; a doutrina cobra de nossos Tribunais uma maior estabilidade em nossas relações.

Qual seria o campo de atuação deste ramo do Direito, o que deseja o Direito Tributário regular senão a relação jurídica entre os contribuintes e o Estado? Aliás, a inserção da relação jurídica, em qualquer ramo do Direito, busca exatamente esta igualdade de tratamento, busca a proteção contra o poder (sempre no ambiente do Estado Democrático de Direito, pois no arbítrio - como vimos - sempre imperará o caráter instrumental do direito e não seus valores). Veja no Direito do Trabalho, onde impera (e às vezes se deturpa) o princípio da hipossuficiência do empregado; ou mesmo a proteção que é dada ao Consumidor na relação com os fornecedores de bens e serviços. O Direito, portanto, tem que estar sempre limitando o poder, valorando a segurança e justiça.

Portanto, devemos nos ater à relação que se estabelece na obrigação tributária entre sujeito passivo e sujeito ativo, tendo seu nascedouro na lei por tratar-se de categoria ‘jurídico-positiva’ nas palavras de José Souto Maior Borges, mas não deixa de se ater às limitações impostas pelo Texto Constitucional, inserindo-se no Sistema do Direito como toda e qualquer norma, portanto, uma autêntica relação jurídica e não mais uma simples relação ex lege como no passado dos príncipes.32

32 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro; LOBATO, Valter Souza. A norma tributária e a lei nº 11.638/07.

In: ROCHA, Sérgio André (Coord.). Societário e a reforma da lei das S/A: inovacões da lei 11.638. São Paulo: Quartier Latin, 2008. p. 547.

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Pois bem, se a relação tributária deve ser pautada por tais valores, se a

norma tributária não pode ser apenas uma norma de comando, mas deve ter seu

caráter valorativo ou volitivo, cabe perquirir antes, a estrutura da norma tributária,

inclusive a estrutura da norma sancionante.

Estabelecida a estrutura da norma, devem ser buscados seus alicerces: os

princípios que a cercam. Na carona do Professor Roque Antônio Carrazza, que

tomou de empréstimo o exemplo de Ataliba, por primeiro deve ser apresentado o

apartamento, com todos os seus cômodos, sua área interna, enfim, seu esqueleto.

Apresentada a estrutura interna da norma, caberá a apresentação de seus alicerces,

as vigas de sustentação do edifício para demonstrar que se trata de uma estrutura

rígida e segura, que nela pode ser depositada a confiança.

Da mesma forma, apresentada a estrutura interna da norma sancionante,

caberá demonstrar sua estrutura externa, sua finalidade e os alicerces que a

cercam. Isso porque somente após esta apresentação se poderá atestar se a

publicidade que está sendo feita em torno do tema, seja na legislação

infraconstitucional, seja na jurisprudência, retrata com fidelidade o que de fato e de

direito é a norma sancionante no Sistema Tributário Pátrio, bem como a que ela

serve e a quem serve essa norma sancionante inserida no Sistema Tributário

Nacional.

Feita esta breve introdução acerca do papel do Direito Tributário passa-se

ao estudo da estudo da estrutura da Norma Tributária.

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3 A ESTRUTURA DA NORMA TRIBUTÁRIA

3.1 A norma tributária - conceito e estrutura

Como dito no capitulo anterior, a ciência do Direito é técnica e é valor, mas

que acima de tudo o Direito deve ser visto como a ciência do dever-ser que busca a

paz social, quando pretende (ainda que em pretensiosa missão) planificar os

comportamentos humanos, numa sociedade complexa e insegura pelos tempos que

vive.

Hans Kelsen defendia que a ciência do Direito somente pode ser vista como

a ciência do Direito Positivo, dirigindo todo o estudo para as normas que possuíam

caráter de norma jurídica, ou seja, aquelas normas que conferem “a determinados

fatos o caráter de atos jurídicos”33.

Também como já mencionado no capítulo anterior, o Direito não pode se

resumir a técnica, sob pena de se isolar do fato social, da realidade que o legitime,

portanto, sem muito alongar.

Como ensina o Professor Sacha Calmon Navarro Coêlho, as normas

jurídicas tem como função primordial planificar os comportamentos e ordenar a

sociedade, mas estas normas são concretizadas ou viabilizadas pela linguagem - e

aqui, apenas um adendo, a linguagem têm signos infinitos de significados, o que

torna a concretização, integração e interpretação da norma uma tarefa tão árdua.

Eis as palavras do ilustre professor:

O Direito enquanto técnica de disciplinamento e controle social apresenta-se formalizado através da linguagem escrita ou oral (leis e costumes). A sociedade humana é o meio em que o Direito surge e desenvolve-se. ‘Em nossa espécie, a sociedade não é só de pessoas mas também de coisas produzidas pelo trabalho’. A sociedade, di-lo Hermes Lima: ‘complexo de pessoas e coisas, exige necessariamente uma organização que, orientando a vida coletiva, discipline a atividade dos indivíduos e assegure distribuição dos bens’. Cultural na sociedade é, portanto, a sua própria organização, e

33 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito, apud COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito

tributário brasileiro, p. 11.

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essa organização é socialmente posta e comunicada pela palavra escrita ou oral. É assim, sempre foi; para o primitivo, o bárbaro, o grego, o romano, o medieval, o tipo da renascença ou da sociedade industrial.34

Paulo de Barros Carvalho, outro ícone do Direito Tributário, estudioso da

norma e da sua linguagem, adverte que a realidade social é constituída pela

linguagem (também social) e sobre tal linguagem deve incidir a linguagem prescritiva

do direito positivo:

[...] juridicizando fatos e condutas, valoradas com o sinal positivo da licitude e negativo da ilicitude. A partir daí, aparece o direito como sobrelinguagem, ou linguagem de sobrenível, cortando a realidade social com a incisão profunda da juridicidade. Ora, como toda linguagem é redutora do mundo sobre o qual incide, a sobrelinguagem do direito positivo vem separar, no domínio do real-social, o setor juridicizado do setor não juridicizado. Vem desenhar, enfim, o território da facticidade jurídica. Assim como um evento qualquer, para torna-se fato, exige relato em linguagem competente, qualquer acontecimento ou mesmo qualquer fato social que pretenda ingressar no reino da facticidade jurídica precisa revestir-se da linguagem própria que o direito impõe. Não é suficiente que ocorra um homicídio. Mister se faz que possamos contá-lo como linguagem jurídica, isto é, que venhamos a descrevê-lo consoante as provas em direito admitidas. Se não pudermos fazê-lo, por mais evidente que tenha sido o acontecimento, não desencadeará os efeitos jurídicos a ele atribuídos. E, nessa linguagem de pensamento, sendo suficiente para o reconhecimento jurídico a linguagem que certifica o evento, pode dar-se, também, que não tenha acontecido o crime, isto é, em termos de verdade material, não tenha ocorrido. Todavia, se as provas requeridas o indicarem, para o direito estará constituído.35

É dizer, trazendo o tema para o ramo aqui estudado, que em nada importa

ao Direito, especialmente ao Direito Tributário, se fulano possui um comércio que

atua na informalidade ou dizer que determinada empresa sonega receitas. De nada

adianta que se constituam reportagens suspeitas, dossiês, enfim, qualquer

linguagem que não seja a jurídica, não terá validade. Somente se comprovados os

fatos, apurados por fiscalização lícita, que tais fatos ganham a linguagem jurídica e,

se comprovados, geram os efeitos jurídicos daí decorrentes. Não é o anúncio da

mercadoria como passível de venda em veículo de comunicação que gera o

eventual tributo incidente sobre a venda. Este anúncio não tem qualquer significado

ao Direito, mas sim, a efetiva realização da venda que pode ter um significado para o

Direito e dele desencadear os efeitos jurídicos decorrentes.

34 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro, p. 18. 35 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 6. ed. São

Paulo: Saraiva, 2008. p.13-14.

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É por isso que, para o Direito Tributário nada significa a assinatura de um

contrato de prestação de serviços, por exemplo, esta assinatura vai ter significado

para o Direito das Obrigações do Direito Privado. Para o Direito Tributário vai

importar a efetiva prestação dos serviços. Enfim, a linguagem jurídica que importa a

norma, gera os efeitos jurídicos decorrentes.

Assim, tomando como norte as lições inovadoras, simplificadoras e irretocáveis

de Sacha Calmon Navarro Coêlho, três realidades precisam ser separadas no estudo da

norma: a) a norma jurídica em si que consiste num comando ou imperativo ou

autorização; b) a formulação que a norma é dada pelo cientista que é a proposição

jurídica; e c) a expressão lingüística utilizada pelo legislador.36

Em que pese as duas últimas citadas serem tomadas de formulações

lingüísticas, deve sempre prevalecer a formulação jurídica, pois esta buscará não

somente o comando legal, mas os múltiplos comandos constantes da norma jurídica,

daí a importância de distinguir norma e lei.

Na cita de Sacha Calmon Navarro Coêlho, cabe lembrar as lições de Carlos

Antigado Nino:

Es muy posible que la expresión ‘norma jurídica’ sea un término teórico. Obviamente ella no denota un conjunto de oraciones escritas en un papel, puesto que una misma norma jurídica puede estar formulada por oraciones diferentes, ni tampoco denota un conjunto de conductas humanas, puesto que las normas jurídicas son usadas para evaluar conductas.37

Com precisão, Lourival Vilanova faz perfeita distinção:

A norma jurídica, reduzida à proposição em sentido lógico, tem uma forma. Gramaticalmente, a linguagem do Direito Positivo exprime a norma em multiforme variedade. E nem sempre está a proposição normativa em toda a sua integridade num só artigo de lei ou decreto; nem sempre toda uma norma se encontra presente num dispositivo da Constituição ou de um estatuto de um ente público ou privado.38

36 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria geral do tributo e da exoneração tributária. 2. ed. Belo

Horizonte: Del Rey, 1999. 37 NINO, Carlos Santiago. La definición de derecho y de norma jurídica - notas de introducción al

derecho. Buenos Aires, Astrea, 1973, apud COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro, p. 85.

38 VILANOVA, Lourival, apud COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro, p. 26.

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Conquanto, a norma pode ser a soma ou a conjugação dos diversos fatores

que a envolve, a conjugação dos diversos textos legais, o costume, os princípios

gerais, a interpretação e a integração desta norma ao sistema. E é essa norma que

deve ser objeto de estudo do Direito e da Ciência do Direito, pois é esta proposição

jurídica que irá pautar os comportamentos humanos, dentro dos limites impostos por

esta mesma norma, inclusive e principalmente os limites constitucionais. Deles não

se pode fugir.

Aliás, o grande desafio da Ciência do Direito, que não pode desprezar os

demais sistemas (político, social, econômico), é aceitar tais influências, sem, no

entanto, deixar o dever-ser dar lugar à ciência do ser. Se o Sistema não se fecha,

ele não gera conhecimento, se perde no que se chama vale-tudo. Lado outro, se ele

se fecha e não traz nenhum respiradouro para o contato com os demais sistemas, se

isola da sociedade e perde a sua legitimidade.

Neste ponto ensina o ilustre Sacha Calmon Navarro Coêlho:

A norma, ainda que condicional, é sempre prescritiva (porque o Direito é, basicamente, prático, finalístico, teleológico).As leis são enunciados literais buscando um fim. As proposições normativas são descrições das normas jurídicas, que defluem do universo legislado produzidas por um sujeito (jurista ou juiz).

Por isso mesmo, ou seja, por serem juízos, são descrições de um ser, a norma! (Sem embargo de a norma constituir um dever-ser, por isso que prescritiva).

Conseqüentemente, as proposições jurídicas são proféticas, por isso que exprimem o que deve ser, do ponto de vista subjetivo de quem as produz. (Os sujeitos que analisam a norma posta como objeto do conhecimento). Estão, dessarte, sujeitas a um teste de verdade legal. E aqui se desvela a problemática da interpretação, seja com efeito meramente opinativo (o que fazem os cientistas do Direito, advogados, jurisconsultos e até mesmo os aplicadores ex officio das normas: os funcionários do Executivo), seja com efeito judicante, por parte dos juízes que dizem o direito com definitividade, ainda que sob o guante da revisão ad quem.

Com efeito, as proposições normativas são ‘profecias’ a respeito do que deve ser. (O ‘ser’ da norma).

Somente a proposição normativa proferida pelos órgãos supremos da jurisdição tem o condão de acertar a norma, dizendo o que ela significa com obrigatoriedade indiscutível. (Norma individual, conforme Kelsen).

Nesse ponto fecha-se o ciclo. A norma é o que os juízes da suprema instância fixam como o seu real significado, objetivamente, enquanto prescrição.

A conclusão ora lançada tem o abono de Kelsen.

Dele a transcrição: ‘O Direito prescreve, permite, confere poder ou competência, não ensina nada. Na medida, porém, em que as normas jurídicas são expressas em linguagem, isto é, em palavras e proposições,

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podem elas aparecer sob a forma de enunciados do mesmo tipo daqueles através dos quais se constatam fatos’.39

Nas lições trazidas no artigo escrito em conjunto por Sacha Calmon Navarro

Coêlho e Valter Souza Lobato, pode-se verificar que a insistência dos autores em

diferenciar a norma jurídica, a quem os autores denominam ente lógico, da lei,

denominada por eles como ente jurídico positivado, tem razão de ser.

Cabe-nos insistir na radical diferença entre norma jurídica (ente lógico) e lei (ente jurídico positivado). Nesse compasso, a interpretação da norma, especialmente da norma tributária, é feita por todos aqueles envolvidos no seu programa. Para aplicar ou suportar uma norma é necessário compreendê-la, surpreender o seu conteúdo. Como vimos de ver, a norma tributária é uma norma- de-conduta. Como já disse Hensel, o destinatário deve cumpri-la, isto é, pagar o tributo, desde que realize o fato jurígeno.

Volta-se a interpretação para o fato jurígeno descrito pelo legislador (o descritor do fato jurígeno) e também para a estrutura do dever, que a ocorrência do fato jurígeno desencadeia (o prescritor do dever). Por ser o Direito um corpo feito de palavras, um ser lingüístico, é natural que dissintam os justiçáveis e operadores jurídicos sobre as atribuições dos fatos jurígenos em abstrato em cotejo com os fatos concretos (discute-se o modelo conceitual do fato gerador e também sobre a subsunção a ele dos fatos concretos, a similitude em relação ao modelo).

O processo de aplicação da norma geral, impessoal, obrigatória, aos casos concretos (concreção) implica interpretação. Aplicar a norma implica a sua compreensão (decorrente da interpretação). Para aplicá-la, o intérprete formula uma proposição normativa (uma proposta) a seu respeito, dela, que pode ser correta ou não. Ocorrendo divergências ao propósito das proposições normativas, somente um pronunciamento jurisdicional definitivo pode acertar os entendimentos conflitantes, assentando o significado da norma (que será norma individual nos casos restritos a partes determinadas ou tradução da norma geral legislativa, via afazer jurisdicional, na hipótese de controle abstrato de normas, em tese).40

Mais adiante os autores definem os métodos de interpretação, cabendo aqui

a transcrição:

O método gramatical, na medida em que a polissemia e a vagueidade assolam a linguagem-do-objeto, é o primeiro a ser utilizado. Diz-se que a lei não contém palavras inúteis. O dogma é francês, do tempo da revolução, em que pese ter sido buscado entre os praxistas. Mas é falso; as palavras da lei são, muita vez, mas nem sempre, vagas, ambíguas, polissêmicas rebarbativas, quando não insuficientes (minus dixit). Pode a lei ser mal elaborada, ou partes dela. Pode ocorrer de a lei contrariar a Constituição ou ser contrária a outra lei, ainda vigente. Mais à frente veremos que a

39 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito, apud COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito

tributário brasileiro, p. 27-28. 40 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro; LOBATO, Valter Souza. A norma tributária e a lei nº 11.638/07,

p. 549-550.

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interpretação pode ser ab-rogante, negando à lei ingresso no ordo juris. Por ora, de assentar que o método gramatical marca o primeiro contato do sujeito cognoscente com a lei (em cujo interior está o sentido da norma). Consiste em ser o ponto de partida para o desvendamento do sentido da norma, mormente em Direito Tributário, que é estrito como o Penal. O método gramatical é fase obrigatória da exegese. Se a lei contém uma mensagem normativa, é necessário que o contribuinte-receptor a conheça exatamente. Queiramos ou não, as leis devem expressar seus direitos e obrigações, como posto pela linguagem em que são vazadas. O ideal seria que todo legislador fosse um esteta da linguagem e um jusfilósofo, pleno de clareza. Mas os corpos legislativos são formados por todas as vertentes da sociedade. São heterogêneos pela natureza da representação política, aberta a todos os membros que convivem nas sociedades politicamente organizadas. Daí o uso incorreto, desabrido, atécnico da linguagem no corpo vivo das leis.

O método histórico procura situar a lei nova no tempo. A chamada mens legislatoris é buscada levando-se em conta o ambiente em que ela se formou confrontada com as normas anteriores. São relevantes, outrossim, os motivos para a sua elaboração, o relacionamento com o Direito anterior, com a jurisprudência, a crítica doutrinária e a percepção das pressões ou tensões pré- jurídicas que determinaram a sua elaboração. Aqui ressumbra a importância das discussões havidas nas comissões técnicas e relatorias legislativas (a realidade viva, berço da lei).

Freqüentemente a doutrina lança-se sobre a lei no afã de interpretá- la, sem sequer conhecer a sua ‘exposição de motivos’, ao argumento de que feita a lei, doravante importa apenas examiná-la, desimportante a vontade dos seus fautores. Nada é tão arrogante quanto essa prepotência interpretativa. Desprezam-se os valores, interesses e objetivos que informaram a feitura da lei. Sua genética não pode nem deve ser relegada pelo intérprete, mormente nos Direitos Tributário e Penal. Não é com o evolver da história que os valores e as normas se transmutam?

O chamado método histórico já prenuncia o que se lhe segue, o método lógico-sistemático, a mergulhar a lei no sistema a que pertence. Pode ocorrer de a

interpretação, esgotada a etapa gramatical, acentuar as incongruências da lei, omissões, ambigüidades. Pode bem acontecer de o método histórico não ter

aclarado o sentido da norma ou de parte dela. É a vez do método lógico-sistemático. Para logo a lei é imersa no sistema a que pertence, para ver se

com ele é compatível. O homem comum freqüentemente pergunta: ‘Qual é a

lógica dessa lei?’ Por isso, além de buscar a razão ou a racionalidade da lei nova, o intérprete a liga ao sistema e ao subsistema em que se insere pelo

método lógico-sistemático, que leva em conta a hierarquia das leis, a sintaxe

normativa e o elo sistêmico. Muita vez e até com regular freqüência, chega-se a

conclusões tarjantes. Assim, se a lei não foi feita de acordo com as regras

processuais prescritas, nega-se-lhe validade formal (lei natimorta por vício

legislativo de forma). Em que pese a regra de que a lei posterior revoga a

anterior de igual hierarquia, às vezes a lei nova acrescenta um novo preceito à

antiga que contém preceito antitético.41

Por fim, concluem de forma irretocável:

É válido quando além da interpretação passa a erigir-se em técnica integrativa, com a ressalva de que em Direito Tributário e Penal é vedada a integração da lei para extrair tributo nela expressamente não previsto.

41 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro; LOBATO, Valter Souza. A norma tributária e a lei nº 11.638/07,

p. 550-552.

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Os resultados a que pode chegar o intérprete ao depois de utilizar intelectualmente os métodos de interpretação são diversos.

Utilizados todos os métodos, deve ele chegar a algum resultado para o fim de aplicar a norma aos casos concretos, seja administrativamente, seja jurisdicionalmente, sem esquecer que só o juízo definitivo da jurisdição (o que não mais pode ser objeto de recurso) fixa o entendimento da norma, inter partes ou erga omnes, dependendo das circunstâncias. Em algum ponto as divergências devem ser superadas no seio da jurisdição. Pois bem, ao cabo e ao fim, o intérprete pode chegar a quatro estágios.

De fora parte o aforismo latino in claris cessat interpretatio, o intérprete, em face da norma, deve afirmá-la, corrigi-la, ab-rogá-la ou integrá-la, se concluir que possui lacunas, menos em Direito Tributário e Penal, cujas lacunas somente podem ser colmatadas pelo legislador, jamais pelo intérprete, seja agente do Executivo (Estado-Administração), seja órgão do Poder Judiciário (Estado-Jurisdição).

Afirmar a lei significa dizer que foi posta a viger segundo os preceitos supra-ordenados que regulam a sua criação e que seu conteúdo material ou, se se quiser, normativo, coincide com o querer do legislador.

Entretanto, bem pode o intérprete corrigir o sentido da lei: a lei terá ampliado ou

reduzido o seu alcance. Quando o Supremo Tribunal Federal declarou que o

nomen juris ‘salário’ tinha o sentido estrito que lhe emprestava o Direito do

Trabalho, por sem dúvida reduziu o alcance que à lei fiscal lhe concediam os

intérpretes do Poder Executivo (pois aplicavam o conceito de salário de modo

amplo para tributar com u’a contribuição social as pagas decorrentes de

relações outras que não apenas aquelas derivadas do emprego).42

Feitas essas considerações acerca da estrutura da norma tributária, passa-

se ao estudo da norma sancionante, notadamente sob o prisma das sanções fiscais,

bem como a caracterização do ilícito tributário.

3.2 A estrutura da norma tributária sancionante

Hans Kelsen estabelecia a sanção como elemento principal da norma.43 Para

Hans Kelsen a sanção seria o núcleo, a essência do Direito e por isso as

denominava de normas primárias ou autônomas, pois todo o sistema do Direito

delas dependia.

42 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro; LOBATO, Valter Souza. A norma tributária e a lei nº 11.638/07,

p. 552-554. 43 Afirma Paulo Roberto Coimbra Silva: “Pode-se dizer, sem exageros, haver KELSEN cultuado a

sanção como conceito jurídico central, de supina importância, ao sustentar que somente há dever jurídico quando a conduta que lhe seja oposta e seja normatizada como pressuposto de um ato coercitivo dirigido aos seus protagonistas” (SILVA, Paulo Roberto Coimbra. Direito tributário sancionador. São Paulo: Quartier Latin, 2007. p. 18).

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Se uma ordem jurídica ou uma lei feita pelo Parlamento contém uma norma que prescreve determinada conduta e uma outra norma liga a não-observância da primeira à sanção, aquela primeira não é autônoma mas está essencialmente ligada à seguinte; ela apenas estabelece - negativamente - o pressuposto a que a segunda liga a sanção. E, quando a segunda norma determina positivamente o pressuposto a que liga a sanção, a primeira torna-se supérflua sob o ponto de vista de técnica legislativa.44

De fato, Hans Kelsen afirmava em sua obra que a norma sancionante seria

uma norma primária, autônoma, sendo secundária a norma indutora dos

comportamentos, que caso fosse desrespeitada implicaria na aplicação da sanção,

como um elemento intrínseco constante da norma sancionante. Assim, quando o

ordenamento jurídico estabelece uma pena a quem cometer homicídio, haveria uma

norma secundária, de conduta e não autônoma a dizer para a Sociedade: não

matarás!

Ao que parece, anos mais tarde, o mesmo autor, apesar de manter seu

posicionamento de que toda norma tem uma sanção equivalente, inverte seu

raciocínio e passa a entender que a norma primária é a indutora de conduta e a

secundária a que estabelece a sanção.45

Geraldo Ataliba seguindo a linha de Kelsen coloca a sanção na mesma

estrutura normativa que a norma de conduta que a antecede (antecedência do ponto

de vista cronológico). Em sua obra mais famosa, Ataliba assim afirma:

Sanção não é necessariamente um castigo. É mera conseqüência jurídica que se desencadeia (incide) no caso de desobedecido o mandamento principal de uma norma. É um preconceito que precisa ser dissipado - pro flagrantemente anticientífico - a afirmação vulgar, infelizmente repetida por alguns juristas, no sentido de que a sanção é um castigo. Pode ser, algumas vezes. Não o é muitas vezes. Castigo, pena, penalidade, é espécie do gênero sanção jurídica. Nem toda sanção é castigo, embora todo castigo (espécie) seja sanção.46

44 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Coimbra, 1962, p. 14, apud COÊLHO, Sacha Calmon

Navarro. Teoria geral do tributo e da exoneração tributária, p. 57-58. 45 “Se se admite que a distinção de uma norma que prescreve uma conduta determinada e de uma

norma que prescreve uma sanção para fato de violação da primeira seja essencial para o Direito, então precisa-se qualificar a primeira como norma primária e a segunda côo secundária - e não o contrario como o foi por mim anteriormente formulado” (KELSEN, Hans. Teoria geral das normas. Tradução Jose Florentino Duarte. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editora, 1986. p. 181).

46 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990. p. 39.

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Por sua vez, o jurista argentino Augustin Gordilho47, demonstra que a sanção

tem algo mais do que o castigo (e por isso as vezes ele não necessita estar presente

para que haja a norma sancionante), posto que a sanção, antes de tudo, visa o

cumprimento da obrigação originalmente descumprida.

Pode-se até concordar que a norma sancionante não é sempre um castigo,

mas - como se verá abaixo - se ela advém de um ato ilícito, certamente conterá em

sua conseqüência um ônus. Da mesma forma, tem-se a norma que determina

eventual nulidade de um ato ou negócio jurídico. Essa norma terá como

conseqüência a nulidade do negócio (e todos os efeitos daí decorrentes), o que não

deixa de ser um ônus (ainda que não se tome como castigo).

A critica a tal linhagem doutrinária reside no fato de que nem toda norma de

conduta gera uma sanção (v.g. a norma que determina o pagamento de um tributo

tem que ter, necessariamente, em sua hipótese um ato licito; as normas

organizatórias, as normas processuais, entre outras, não visam a sanção, mas

podem ter uma sanção como conseqüência).

Não se tem dúvidas de que sanção é um elemento jurídico a ser estudado -

daí este um grande legado de Kelsen - mas não se pode dizer que a sanção está no

núcleo do Direito, pois neste caso estaria ruindo a norma premial (estabelecer-se no

Nordeste pode ter a empresa ganhos fiscais, mas se não estabelecer, não tem

nenhuma pena).

Ensina Paulo de Barros Carvalho:

Tendo a norma jurídica a estrutura dos juízos hipotéticos podemos conceituá-la como toda proposição normativa de estrutura hipotética que impute ao conhecimento do suposto determinado tipo de comportamento humano. Abrigar tal conceito implica reconhecer que as chamadas ‘normas atributivas’ ou ‘normas qualificativas’ não são verdadeiramente regras jurídicas, já por não revestirem a forma de juízos hipotéticos, já por não estabelecerem ‘comportamentos tipo’. Tais proposições têm realmente a estrutura lógica dos juízos categóricos, sendo impossível transgredi-las e inexistindo, portanto, sanções que lhe correspondam. São proposições do tipo: ‘amanhã será segunda- feira’, ‘este país é uma República’, ‘tais pessoas são comerciantes’, ‘a maioridade se completa ao s 21 anos de idade’. Quem, porventura, poderá descumprir a proposição que estabelece a maioridade aos vinte e um anos? - Efetivamente, ninguém. Isso não quer dizer, todavia, que proposições dessa natureza deixem de ter caráter jurídico. Significa apenas que não têm índole normativa, porque não são juízos hipotéticos, em que se associa a determinada condição uma

47 GORDILHO, Augustin. Introduccion al derecho administrativo, apud ATALIBA, Geraldo. Hipótese

de incidência tributária, p. 41.

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conseqüência. São, como vimos, juízos categóricos que completam a ordem jurídica, pois somente os juízos hipotéticos não são suficientes para a vida e o regular funcionamento do Direito. De certo não faria senso admitir que normas jurídicas estabelecessem direitos e deveres, portanto relações jurídicas, referentes a comerciantes, sem que se saiba, de modo categórico, o que a própria ordem jurídica entende por comerciante.48

De fato, a obstinação sobre a sanção trazida por Kelsen foi duramente

criticada pela doutrina, posto que a sanção deve ser tratada como um ente jurídico,

mas não estará ela presente em todos os enunciados normativos, tais como aqueles

que se atribuem poderes para instituição de tributos (vide Imposto sobre Grandes

Fortunas), em que o ente possuidor da competência tributária pode exercê-la ou não

ou mesmo aquelas normas que organizam o Poder Judiciário, que atribuem poderes

a cada um dos Tribunais Superiores, etc.

Nesse compasso, o Sacha Calmon Navarro Coêlho, após passar pelas

lições e traçar suas críticas à doutrina de Kelsen e Hart, criou uma classificação, que

se mostra simples e, por isso, genial, das normas existentes. Segundo o autor, as

normas, portanto, podem ser divididas em cinco grandes grupos:

• Normas organizatórias

• Normas de competência

• Normas técnicas

• Normas de conduta

• Normas sancionantes

Explica o Professor que

Vale dizer, o Direito existe para instituir e organizar (normas organizatórias), atribuir competências (normas de potestade), criar deveres (normas de conduta ou de dever), punir as transgressões à ordem jurídica (normas sancionantes) e prescrever técnicas de realização da ordem jurídica (normas técnicas ou processuais).49

Assim, as Normas Organizatórias seriam aquelas que estabelecem a

estrutura funcional do Estado, seja federal, estadual e até no âmbito municipal. As

48 CARVALHO, Paulo de Barros apud COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria geral do tributo e da

exoneração tributária, p. 71. 49 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria geral do tributo e da exoneração tributária, p 77.

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referidas normas estabelecem os requisitos de um determinado tipo de sociedade,

prescrevem a forma de constituição uma Organizações Não Governamentais (ONG),

de como estabelecem por exemplo, os pressupostos para ser eleito e para eleger.

Nestas não teríamos qualquer juízo hipotético. Apenas organizacional.

As Normas de Competência são aquelas que conferem os poderes ao

Executivo, ao Legislativo e ao Judiciário. Tais normas autorizam a instituição de

tributos e, no âmbito do Direito Privado, estabelecem quem e como pode praticar os

atos jurídicos válidos e eficazes. Estes são apenas alguns exemplos das normas de

competência, que podem ser conceituadas como normas que atribuem algum poder,

ao agente público ou privado, para praticar atos de relevância e conseqüência para

o Direito.

Existem também as Normas Técnicas que são normas instrumentais, tais

como as normas processuais e procedimentais para prática dos atos jurídicos (como

votar, como formular um pedido em Juízo, etc.).

Há ainda as denominadas Normas de Conduta que se pautam por juízos

hipotéticos a obrigar comportamentos, positivos ou negativos, enfim, ditam

comportamentos desejáveis. Diz Sacha Calmon Navarro Coêlho:

Se o Direito teleologicamente busca o controle do meio social, é claro que indica quais são os comportamentos desejáveis. Indica-os, tornando-os obrigatórios, como no caso do dever tributário. As leis prevêem a obrigatoriedade do seu cumprimento. Todavia, dita obrigatoriedade comportamental pode não ser expressa na lei. No caso do tributo, é. No caso de homicídio, não. A lei expressa apenas uma punição, ou melhor, a previsão de uma pena para o comportamento homicida. A norma que impõe o dever de não matar é implícita no sistema e portanto inexpressa na lei (mais uma vez a diferença entre norma e lei). As normas-de-conduta ora impõem comportamentos positivos (é obrigatório pagar imposto de renda à União), ora estatuem condutas negativas (é obrigatório não matar). Fácil deduzir que o caráter proibitivo é epifenomênico; se é obrigatório não matar, matar é proibido. Se é obrigatório pagar tributos, não pagá-los é proibido. O proibido e o obrigatório são indefiníveis e podem ser deduzidos de um outro tipo de norma que a seguir veremos, a punitiva. Isto induzirá interessantes e esclarecedoras conclusões a respeito das normas-de-conduta, mas nunca ao ponto de vê-las supérfluas, despiciendas ou desnecessárias.50

Por fim, a última espécie ditada na precisa classificação de Sacha Calmon

Navarro Coêlho, são as denominadas Normas Sancionantes ou Punitivas que

colocam a sanção na conseqüência da norma, apos ditar na hipótese um fato ilícito

50 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria geral do tributo e da exoneração tributária, p. 79.

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(ainda em abstrato):

São as normas que estatuem sanções para certas condutas. Toda ação não punível é livre. Vale dizer, o que não é punível pode ser praticado facultativamente. Tanto faz, de um ponto de vista sancionante, praticar ou não a ação impunível. Ela não é obrigatória nem proibida. Se fosse proibida, sua prática acarretaria uma punição. E, se fosse obrigatória, a omissão em praticá-la acarretaria, igualmente, uma punição. Conseqüentemente, se uma ação, ou melhor, um comportamento humano é punível, é porque a sua prática é vedada; é porque não praticá-lo é obrigatório. Isto de não praticar um comportamento tem dois sinais: positivo e negativo. Quando um comportamento é punível, é porque seu contrário é obrigatório. Se se age quando o dever é uma omissão (por exemplo: não matar), a ação de matar é que é a hipótese da punição. Se não se age quando o dever é agir (por exemplo: pagar tributo), o comportamento consistente em não pagar - comportamento omissivo - é que é a hipótese da punição.51

Interessam ao presente estudo, as normas de conduta e as normas

sancionantes, sendo que ambas possuem uma estrutura hipotética, ou seja, no seu

enunciado há uma hipótese formulada em abstrato e de forma genérica a alcançar

os casos mais similares possíveis (isonomia no tratamento) e nas conseqüências as

obrigações ou direitos que irão advir do fenômeno da subsunção, ou seja, quando a

hipótese formulada em abstrato ocorre no mundo real. Em ambos tipos, basta

ocorrer o fato típico descrito na hipótese para que as conseqüências jurídicas

previstas se instalem no meio social.

Novamente, Sacha Calmon Navarro Coêlho:

Acontecido o fato previsto na hipótese legal (hipótese de incidência), o mandamento, que era abstrato, virtual in potentia, torna-se atuante e incide. Demiúrgico, ao incidir produz efeitos no mundo real, instaurando relações jurídicas (direitos e deveres). A incidência, em Direito Tributário, é para imputar a determinadas pessoas o dever de pagar somas de dinheiro ao Estado, a título de tributo. Esse, precisamente, é o comportamento desejado pela ordem jurídica.

A obrigação tributária que já se continha in abstracto no mandamento da norma de tributação instala-se no mundo fático com a realização do fato jurígeno previsto na hipótese da norma. O estudo do tributo como norma é o estudo mesmo da obrigação tributária, sua estrutura e sua incidência; daí o notável papel que uma prospecção a este nível assume em face da Teoria Geral do Direito Tributário.52

O citado autor apresenta a estrutura da norma tributária de forma precisa,

cabendo aqui a reprodução:

51 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria geral do tributo e da exoneração tributária, p. 79. 52 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro, p. 432.

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NORMA TRIBUTÁRIA Hipótese de incidência - Fato previsto como jurígeno

Conseqüência jurídica - Dever tributário decorrente

* Aspecto material - o fato em si * Aspecto temporal - condições de tempo * Aspecto espacial - condições de lugar * Aspecto pessoal - condições e

qualificações relativas às pessoas envolvidas com o fato

* A quem pagar (sujeito ativo) * Quem deve pagar (sujeito passivo) * Quanto pagar (base de cálculo e

alíquotas ou valor fixo, adições e subtrações)

* Como pagar * Quando pagar * Onde pagar

Quadro 1 - Estrutura da Norma Tributária

Fonte: COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria geral do tributo e da exoneração tributária, p. 117.

Destarte, sendo norma de conduta, a estrutura assim o é: hipotética e de

subsunção, sendo que dessa estrutura, surge a obrigação tributária, que pode ser

definida como o vínculo jurídico pelo qual o Estado, com base exclusivamente na

legislação tributária, pode exigir do particular uma prestação tributária positiva ou

negativa.

Para entender o surgimento da obrigação tributária, cujo descumprimento

acarretará aplicação de uma sanção, faz-se necessário conceituar, ainda que de

forma sintética, os quatro elementos da obrigação tributária: a) sujeito ativo: a

pessoa jurídica de direito público competente para exigir tributos; b) sujeito passivo:

a pessoa física ou jurídica obrigada por lei ao cumprimento da prestação tributária,

denominada contribuinte ou responsável (CTN, art. 121); c) causa, que somente

pode advir de uma lei, a qual estabelecerá d) objeto, o cumprimento de uma

prestação positiva ou negativa determinada por lei.

Acontecido o fato previsto na hipótese legal (hipótese de incidência), o

mandamento que era abstrato, virtual, torna-se atuante, concreto e incidente. Ao

incidir produz efeitos no mundo real, instaurando relações jurídicas (direitos e

deveres).

A incidência, para o Direito Tributário, serve para imputar a determinadas

pessoas o dever de pagar somas de dinheiro ao Estado, a título de tributo. E se diz

norma de conduta porque é exatamente isso que se espera do destinatário da

norma. O pagamento do tributo.

O Professor José Souto Maior Borges complementa:

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Analisada sob o prisma de sua estrutura lógica, toda norma jurídica, inclusive a tributária, se decompõe em uma hipótese de incidência ou previsão hipotética (suporte fático, fato gerador, fatispecie, tatbestand) e uma regra ou preceito (regra de conduta). Como se acentuou, a incidência da regra jurídica é infalível, mas somente ocorre depois de realizada a sua hipótese de incidência.53

Neste ponto importante lembrar as palavras do inesquecível Geraldo Ataliba:

“Costuma-se designar por incidência, o fenômeno especificamente jurídico da

subsunção de um fato a uma hipótese legal”54.

Mais adiante o autor arremata:

A norma tributária, como qualquer outra norma jurídica, tem sua incidência condicionada ao acontecimento de um fato previsto na hipótese legal, fato este cuja verificação acarreta automaticamente a incidência do mandamento.55

Albert Hensel, chamando ao fato jurígeno de fato imponível, discorre de

forma concisa: “O comando: deves pagar imposto é sempre condicionado à frase: se

realizas o fato imponível”56.

No Direito, aqui a falar com base nas normas de conduta e de sanção, a

estrutura hipotética, é a ocorrência da hipótese no mundo real que faz surgir os

direitos e deveres da relação jurídica. Portanto, somente com a ocorrência de todos

os requisitos previstos abstratamente no mundo real é que surge a obrigação.

Neste sentido, Paulo de Barros Carvalho:

Se é correto afirmar-se que as disposições de caráter normativo é que criam os direitos e deveres, é imperativo lógico reconhecer que toda norma jurídica cria, como consequência imputada ao acontecimento do suposto, uma relação jurídica segundo a qual o sujeito ativo titular de um direito subjetivo pode exigir do sujeito passivo o cumprimento de um dever jurídico.

A norma impositiva, por isso que sempre condicional, decompõe-se, logicamente falando, em duas partes: hipótese e conseqüência. Quando dada ordem jurídica colima a observância de certo comportamento, utiliza-se de uma norma em que por hipótese prevê um fato em abstraio, a que liga a conseqüência desejada.

O mecanismo é tal que, uma vez acontecido o fato jurígeno, antes previsto hipoteticamente, decorre necessariamente a conseqüência, também

53 BORGES, José Souto Maior. Isenções tributárias. São Paulo: Sugestões Literárias, 1969. p. 176. 54 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária, p. 43. 55 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária, p. 43. 56 HENSEL, Albert. Diritto tributario. Tradução Dino Jarach. Milão: Ed. Giuffrè, 1956. p. 148.

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estatuída de maneira abstraia. Diz-se então que a norma incidiu, que houve incidência. De um ponto de vista tributário, a parte da norma que abriga a previsão hipotética do fato jurígeno, que alguns chamam de gerador, podemos denominar de hipótese de incidência. Já a parte da norma que aloja as conseqüências jurídicas decorrentes, podemos chamá-la comando, estatuição, ordem, imperativo, relação jurídica decorrente, mandamento, etc. Note-se que as conseqüências das normas jurídicas que criam deveres têm recebido as mais diversas denominações na doutrina. Inexiste, na Teoria Geral do Direito, rigor terminológico. A seu turno, a hipótese destas normas jurídicas é denominada de hipótese de incidência, suposto, pressuposto, suporte fáctico, fato jurígeno, fato gerador, fato tipo, etc. É indubitável que desse rico e variado rol terminológico emerge a imprecisão. A grande dificuldade dos autores reside em achar a forma de expressão que diferencie, com claridade, o fato previsto na norma em abstraio (v.g. alguém ter renda acima de ‘y’ em dado exercício) do fato real que acontece (alguém, realmente, ter tido renda). No Brasil, a expressão fato gerador, por exemplo, é usada nos dois sentidos, inclusive pelo Código Tributário Nacional. De igual forma, a conseqüência hipotética que a ordem jurídica enlaça ou imputa à hipótese da norma é, comumente, confundida com a conseqüência jurídica que se instaura quando da realização da hipótese de incidência. Com efeito o pagar imposto de renda previsto abstratamente na norma, como conseqüência do fato hipotético ter renda, é diferente do dever que se instaura no mundo jurídico como conseqüência de alguém ter tido, realmente, renda.57

Verifica-se, portanto, que a diferença entre as normas de conduta e normas

sancionantes, está apenas na hipótese de incidência. Na primeira há previsão de

fatos jurígenos lícitos e, por conseqüência, comandos que impõe direitos e deveres

(relações jurídicas). Já a norma sancionante parte de um comando de ocorrência de

fatos ilícitos e de conseqüências que consubstanciam, sempre, sanções.

De forma a elucidar, novamente cabe a transcrição de exemplos dados pelo

Professor Sacha Calmon Navarro Coêlho:

NORMA IMPOSITIVA NORMA SANCIONANTE HIPÓTESE: Ter a pessoa física ou jurídica auferido renda acima de certo limite, durante dado exercício, em determinada circunscrição política

HIPÓTESE: Não ter a pessoa física ou jurídica pago o imposto de renda devido

CONSEQUÊNCIA: Pagar a pessoa física ou jurídica, ou outro, por elas, imposto de renda ao ente tributante, titular da circunscrição política

CONSEQUÊNCIA: Pagar multa de X

Quadro 2 - Norma Impositiva x Norma Sancionante

Fonte: COÊLHO, Sacha Calmon Navarro Curso de direito tributário. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 432.

57 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 33.

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Como se pode ver, as estruturas se distinguem (nas normas de conduta) no

Direito Tributário pela obrigação que faz surgir: a) dever instrumental de fazer ou

deixar de fazer algo; b) dever material de recolher o tributo em nome próprio ou de

terceiro.

O Código Tributário Nacional de forma singela, porém, precisa, fez constar

no seu artigo 113, tal distinção:

Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória.

§ 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente.

§ 2º A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos.

§ 3º A obrigação acessória, pelo simples fato da sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária.

Muito pouco precisa ser dito face à clareza impar do citado artigo. Apenas

duas formas de obrigação surgem das normas de conduta tributária, a obrigação

chamada de principal ou nuclear que se dá quando a hipótese (auferir renda, prestar

serviços e etc) ocorre no mundo real e a obrigação acessória ou instrumental, que se

trata de obrigações de fazer ou não fazer, visam quase sempre a melhoria ou a

facilitação da fiscalização.

Paralelamente (em paralelo porque com a mesma estrutura, mas contendo

na hipótese um ato ilícito) estão as normas sancionantes, cuja previsão hipotética

deixa de ser uma conduta desejável, mas sim reprovável. Uma conduta que feriu

uma norma de conduta anterior aciona a aplicação de uma norma sancionante.

Portanto, independente da classificação ou da ordem a ser seguida, o que

se mostra consensual é que tais normas têm a mesma estrutura (hipotética), sendo

uma com a hipótese licita e outra fundada na ocorrência de um ilícito. Isso é de

suma importância para o Direito Tributário, posto que jamais se verá em uma norma

de conduta uma hipótese ilícita em sua estrutura, até porque não estaríamos diante

de um tributo, nos exatos termos da definição precisa do Código Tributário Nacional:

Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada. (Grifo nosso).

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Daí porque não se legitima a teoria do non ollet, também calcada no

princípio da moralidade administrativa (art. 37, CF/88). O ilícito deve sofrer pena,

sanção, perdimento, seja lá o que for, mas não pode ser objeto de tributação sob

pena do Estado, com base na sua finalidade arrecadatória, compactuar com a

conduta reprovável.

E o inverso da moeda segue nos mesmos rumos. Não é possível numa

estrutura hipotética de uma norma sancionante conter uma conduta lícita, porque

para o Direito o lícito não se pune, o lícito, quando previsto hipoteticamente numa

norma, não pode ter como conseqüência uma punição.

Ainda que an passant, importante consignar que as teorias sobre a

possibilidade da Fiscalização glosar planejamentos tributários, realizados licitamente,

não guardam coerência lógica sistêmica. Conciliando a estrutura da norma tributária

com o princípio da legalidade, a Constituição (art. 150, I) estabeleceu como premissa

maior do Sistema de controle dos abusos no Direito Tributário (Limitações ao Poder de

Tributar) que somente se pode glosar o ilícito, e puní-lo se a norma de conduta não o

permitir. Somente se configurada a simulação, relativa ou absoluta, pela fraude, dolo ou

má-fé que se poderá atribuir à conduta uma punição.

Se a norma não proíbe, se o contribuinte age licitamente, se a vontade

declarada coincide com a vontade real, não há como no sistema tributário vigente

adamitir-se a sanção pelo ato lícito.

Nesse sentido, valiosas são as lições de Heleno Tôrres:

[...] a finalidade de economizar tributos pode ser atingida tanto por atos legítimos como por atitudes ilícitas (evasão ou elusão) do contribuinte. Por esse motivo, somente quando constituídos os atos jurídicos pretendidos pelo sujeito, ou verificada a sua omissão na constituição dos fatos, por meio da linguagem competente, é que poderá o Fisco controlar a operação para determinar sua liceidade (legítima economia de tributos) ou ilicitude e precisar se houve evasão, elusão de tributos ou negócio indireto legítimo e válido que atenda a uma lícita economia de tributos. De nenhum ilícito se pode cogitar antes que se ponha em prática os atos planejados.58

Outro exemplo que foge um pouco do tema do estudo proposto, mas mostra

de forma clara a importância de bem dimensionar o estudo da estrutura da norma

58 TÔRRES, Heleno. Direito tributário internacional: planejamento tributário e operações trans-

nacionais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 37.

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tributária, é o recém criado Fator Acidentário Previdenciário (FAP). Através da Lei nº

10.666/03, o governo estabeleceu uma variação nas alíquotas do Seguro Acidente

do Trabalho (SAT), que poderiam ser reduzidas em 50% ou aumentadas em até

100%, na forma do regulamento. Os critérios para essa variação de alíquota entre a

faixa contínua de 0,5% a 6% são, nos termos do art. 10 da Lei nº 10.666/03, “os

resultados obtidos a partir dos índices de freqüência, gravidade e custo, calculados

segundo metodologia aprovada pelo Conselho Nacional de Previdência Social”.

Eis a redação do dispositivo legal:

Art. 10. A alíquota de contribuição de um, dois ou três por cento, destinada ao

financiamento do benefício de aposentadoria especial ou daqueles

concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa

decorrente dos riscos ambientais do trabalho, poderá ser reduzida, em até

cinqüenta por cento, ou aumentada, em até cem por cento, conforme dispuser

o regulamento, em razão do desempenho da empresa em relação à respectiva

atividade econômica, apurado em conformidade com os resultados obtidos a

partir dos índices de freqüência, gravidade e custo, calculados segundo

metodologia aprovada pelo Conselho Nacional de Previdência Social.

Afora os problemas de legalidade (não constar da norma todos os elementos

necessários para instauração da norma no plano concreto), a doutrina59 tem

questionado se a norma não estaria a instituir um agravamento da alíquota de tributo

em função de suposto ato ilícito, contrariando, portanto, o art. 3º do CTN, pois a

metodologia adotada não estaria a prestigiar a efetiva apuração do caráter

extrafiscal, mas visa arrecadação e punição.

Para solucionar esta equação, é preciso retomar os pressupostos da norma,

ou seja, uma norma de conduta - aqui adotando a classificação posta dentro do

Direito Tributário - pode ser indutora de comportamento, estabelecendo no campo

hipotético o comportamento lícito que pode gerar obrigações. Assim, se determinado

cidadão recebe um determinado valor de renda deve contribuir com os cofres

públicos, a financiar o papel do Estado, seguindo uma alíquota e uma base de

cálculo previamente estabelecidas. Para que esta norma tenha validade no mundo

jurídico é preciso conceituar o que seja a renda, bem como obedecer aos princípios

que restringem o poder de tributar, quais sejam, legalidade, capacidade contributiva,

não confisco, progressividade, entre outros.

59 LOBATO, Valter Souza O custeio da Seguridade Social e os benefícios de risco. Princípios

aplicáveis ao poder de tributar. In: DERZI, Misabel Abreu Machado (Coord.) Separação de poderes e efetividade do sistema tributário. Belo Horizonte: Del Rey, 2010. p. 431- 453.

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Ainda exemplificando as normas indutoras de comportamento, pode-se dizer

que se determinada empresa se instala em uma região do país, onde se deseja ver

o desenvolvimento, terá ela um valor maior a deduzir do imposto de renda (uma

espécie de crédito presumido) do que se ela estivesse em outras regiões do país.

Neste caso, esta lei se integra com a lei que determina o pagamento do imposto de

renda para se concretizar numa norma indutora de comportamento. O pressuposto é

lícito e desejado, a conseqüência é um prêmio. Estamos, portanto, diante de uma

norma premial.

Também no campo da extrafiscalidade60, outros exemplos de normas

indutoras de conduta podem ser postos. Quando as alíquotas do IPI na fabricação

dos cigarros são majoradas de forma extrema, não se trata de uma sanção, posto

que a produção de fumo no Brasil não é uma atividade considerada ilícita, mas uma

norma indutora de comportamento, que visa desestimular o consumo do cigarro, não

objetivando primordialmente a arrecadação. Neste caso, o tributo deverá ser testado

segundo os princípios que norteiam e limitam a tributação. Estamos, portanto, diante

de uma norma de conduta. Nada mais do que isso.

Quando se declinou a questão da extrafiscalidade, imaginava-se que Alfredo

Augusto Becker poderia ter a resposta pronta aos anseios postos no presente trabalho.

Trazendo os ensinamentos de Pontes de Miranda, Alfredo Augusto Becker

demonstrou de forma objetiva que não são separáveis os atos jurídicos dos atos

ilícitos, porque um ato ilícito está juridicizado na norma, e se não for jurídico o ilícito,

ele se afugentou no campo da moral ou da religião e, portanto, não terá efeitos

jurídicos, nem mesmo significado para o Direito.

Alfredo Augusto Becker compartilha das angústias do presente estudo, mas

com a precisão que o faz ser mantido como um dos maiores Tributaristas que este

país já conviveu, esclarece:

No tributo extrafiscal coexistem ambos os finalismos: o fiscal e o extrafiscal, com prevalência, entretanto, do finalismo extrafiscal: o fiscal fica relegado a um plano secundário, de tal sorte que há tributos extrafiscais (ex: proibitivos ou desestimulantes) ‘cuja finalidade não é render: é deixar de render; é nada arrecadar para o fisco’.

60 Como defende Marcus de Freitas Gouvêa, a extrafiscalidade não é algo pontual no Direito

Tributário, mas se apresenta de forma indissociável - embora com limitações - em todo esse ramo do direito (GOUVÊA, Marcus de Freitas. A extrafiscalidade no direito tributário. Belo Horizonte: Del Rey, 2006).

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Ora, na sanção a situação é idêntica à anterior: coexistem ambos os finalismos, com prevalência do extrafiscal.

Por isto, pergunta-se: como os tributos extrafiscais ‘proibitivos’ se distinguem das sanções, ou melhor, o que confere natureza jurídica tributária ao tributo extrafiscal ‘proibitivo’?

Os três exemplos a seguir apontados, mostrando a dificuldade da distinção, ajudam a pinçar o licito como um dos fatores genéticos específicos do conceito jurídico de tributo.

Primeiro exemplo, pergunta-se: Porque os impostos de importação ‘proibitivos’ têm natureza tributária e porque as sanções decorrentes da importação de mercadorias proibidas por lei não têm natureza tributária?

Segundo exemplo, perguntase: É possível distinguir, no plano jurídico, o tributo extrafiscal ‘proibitivo’ (cuja hipótese de incidência é um fato ilícito) da sanção penal decorrente da incidência da regra jurídica penal que escolheu como sua hipótese de incidência aquele mesmo fato ilícito?

Terceiro exemplo, pergunta-se: Como distinguir a sanção por violação de determinada lei tributária (multa fiscal), de um tributo extrafiscal ‘proibitivo’ cuja hipótese de incidência seria precisamente aquele ilícito fiscal?61

A distinção que se pretende fazer está no fato abstrato previsto na hipótese,

diferenciando o fato lícito do ilícito, aliás, é o que conclui o próprio Alfredo Augusto

Becker:

Na verdade, o conceito jurídico de tributo decorre da estrtutura da lógica (regra e hipótese de incidência) daquela regra jurídica que cria o dever cuja natureza jurídica se investiga. O conceito jurídico de tributo é conferido pela coexistência de determinados efeitos preestabelecidos pela regra em harmonia com determinados elementos integrantes da composição da hipótese de incidência, coexistência esta que é sempre presente num determinado gênero de relações jurídicas e ausente nas demais relações jurídicas.

[...]

A natureza jurídica da sanção distingue-se, perfeitamente, da natureza jurídica do tributo extrafiscal, ‘proibitivo, porque:

Sanção é o dever preestabelecido por uma regra jurídica que o Estado utiliza como instrumento jurídico para impedir ou desestimular, diretamente, um ato ou fato que a ordem jurídica proíbe.

Tributo extrafiscal ou proibitivo: é o dever preestabelecido por uma regra jurídica que o Estado utiliza como instrumento jurídico para impedir ou desestimular, indiretamente, um ato ou fato que a ordem jurídica permite.

O ilícito, como elemento integrante da hipótese de incidência, é o único elemento que distingue, no plano jurídico, a sanção do tributo extrafiscal proibitivo. Noutras palavras, somente fatos lícitos podem integrar a composição da hipótese de incidência da regra jurídica tributária.62

61 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1972. p.

554. 62 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário, p. 556.

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Pois bem, voltando ao caso do FAP, se partir do pressuposto que a alíquota

do SAT é de 1%, 2% ou 3%, conforme o grau de risco a que está submetido63, sendo

ela reduzida, caso a empresa - dentro do seu setor - apresenta índices mais

satisfatórios de doenças e acidentes do trabalho, não somente porque segue a lei,

mas porque faz investimentos além do que determina a legislação afeta ao domínio

da segurança e medicina do trabalho, estamos diante de uma norma premial, ou

seja, houve indução legal para que aquela empresa fizesse seus investimentos, a

bem dos empregados e da proteção do trabalhor, direito social consagrado pelo

Texto Constitucional como uma garantia inabalável.

Porém, se a empresa não respeita as leis trabalhistas e de proteção dos

trabalhadores, e submete seus empregados - não pelo ramo de atividade, mas por

sua negligência - à condições insalubres ou perigosas, e tem sua alíquota majorada

ao dobro do que paga (2%, 4% ou 6%) estamos diante de um tributo ou de uma

sanção? Trata-se de uma norma que possui um comportamento lícito na sua

hipótese? Pode-se afirmar que não, pois há configuração de um ato ilícito a ordenar

a norma, portanto, trata-se de uma norma sancionante e não mais de índole da

obrigação tributária em si. Sanção por descumprimento da legislação trabalhista.

Nada mais.

Cabem aqui as palavras de Geraldo Ataliba:

Toda vez que se depare o jurista com uma situação em que alguém esteja colocado na contingência de ter o comportamento específico de dar dinheiro ao estado (ou a entidade dele delegada por lei), deverá inicialmente verificar se se trata de:

a) multa;

b) obrigação convencional;

c) indenização por dano;

d) tributo;

Nestes quatro casos pode alguém ser devedor de dinheiro ao estado (ou, excepcionalmente a outra pessoa - em geral pública - designada pela lei e por esta colocada na situação de sujeito ativo da prestação).

A multa se reconhece por caracterizar-se como sanção por ato ilícito. Para que alguém seja devedor de multa, é necessário que algum comportamento anterior seu tenha sido qualificado como ato ilícito ao qual a lei atribuiu a conseqüência de dar nascimento à obrigação de pagamento de dinheiro ao estado, como punição, ou conseqüência desfavorável daquele comportamento.

63 Este grau de risco é estabelecido para o setor econômico, conforme o grau de risco de cada um,

classificados pelo Código Nacional de Atividade Econômica (CNAE).

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[...]

O fulcro do critério do discrímen está primeiramente no modo de nascimento da obrigação. Se se tratar de vinculo nascido da vontade das partes, estar-se-á diante da figura convencional (obligatio ex volluntate), mutuo, aluguel, compra e venda, etc. Isso permite discernir a obrigação tributária das obrigações convencionais.

Se, pelo contrário, o vinculo obrigacional nascer independentemente da vontade das partes - ou até mesmo contra essa vontade - por força de lei, mediante a ocorrência de um fato jurídico lícito, então estar-se-á diante de um tributo, que se define como obrigação jurídica legal, pecuniária, que não se constitui em sanção de ato ilícito, em favor de uma pessoa pública. Ter-se-á obrigação de indenização por dano se o fato de que nascer a obrigação for ilícito.

Será tributo, pois, a obrigação pecuniária, legal, não emergente de fatos ilícitos, em princípio. Esses fatos ilícitos podem ser geradores de multa ou obrigação de indenizar.

A multa caracteriza-se por constituir-se em sanção aflitiva, de um preceito que impõe um comportamento determinado. A indenização é mera reparação patrimonial, a título de composição de dano, segundo o princípio geral de direito, de acordo com o qual quem causar prejuízo a outrem é obrigado a indenizar.64

Mesmo com o alerta do Professor Geraldo Ataliba que toda classificação é

válida pela sua utilidade, mas não pela sua imaginação, somente há sentido em

adotar uma classificação ou discordar dela se algo de útil for tirado da classificação

de sua eventual critica. Apenas para nos manter firmes com as premissas

estabelecidas acima, não há como concordar com parte da doutrina que classifica as

sanções como positivas e negativas, classificando as primeiras como sendo as

normas premiais ou meritórias:

Como visto, a sanção negativa corresponde a uma conseqüência que o direito positivo determina para os casos de violação de suas normas, sob diversos revestimentos semânticos. Assim, são sanções as penas pecuniárias, restritivas de direitos, restritivas de liberdade, etc. e são sanções as nulidades e as declarações de ineficácia de atos ou negócios jurídicos. etc.

[...]

À idéia de sanção positiva convém a de mérito ou prêmio. Quando se admite que o direito positivo porta sanções positivas há concomitante repúdio às concepções doutrinárias que consideram que a ordem jurídica contém unicamente normas que prescrevem sanções negativas. [...].65

64 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária, p. 33-34. 65 ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Infrações e sanções tributárias. São Paulo: Dialética, 2003. No

mesmo sentido, Mauricio Benevides Filho utiliza-se do termo sanção premial (BENEVIDES FILHO, Mauricio. A sanção premial no direito. Brasília: Brasília Jurídica, 1999).

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Discorda-se do autor acima citado por entender que o correto é exatamente

o contrário por ele posto. A classificação em sanções positivas e negativas é que

leva ao entendimento de que toda norma possui sanção, aliás, como já criticado no

presente capítulo, assim defendia Hans Kelsen “o prêmio e o castigo podem

compreender-se no conceito de sanção”66.

As normas premiais, como visto, são normas de conduta que induzem um

comportamento, dentro da classificação adorada de que a norma sancionante se

distingue da norma de conduta porque a primeira pressupõe a ocorrência de um ato

ilícito, enquanto que a segunda tem em sua hipótese um fato lícito. Esta a linha do

Professor Sacha Calmon Navarro Coêlho:

Sanção é pena, castigo, restrição ao homem, seus bens ou direitos. A norma jurídica estatuidora de sanção tem por hipótese a prática de um ato ilícito violador de dever legal ou contratual. Por hipótese uma infração, por conseqüência uma restrição à vida, liberdade, ou direitos outros do homem. No caso da subespécie multa, a norma sancionante tem por hipótese a prática de um ilícito - o descumprimento de um dever legal ou contratual - e, por conseqüência, preceito que obriga o infrator a dar dinheiro a titulo de castigo (sanção). O titular da percepção, o sujeito ativo, pode ser particular ou pessoa política. No caso da multa legal é sempre o Estado ou pessoa sua. É o que ocorre com a multa tributária e também com a multa penal.67

No mesmo sentido, Hugo de Brito Machado:

As palavras geralmente são plurissignificativas, mesmo no âmbito dos estudos jurídicos, e isto acontece com a palavra sanção que tem, no âmbito do Direito, vários significados. Neste estudo, porém, atribuímos à palavra sanção o significado de conseqüência do ilícito. E com isto afastamos desde logo a idéia da denominada sanção premial.

A sanção, portanto, nos limites deste estudo, é uma conseqüência do cometimento do ilícito. Pode ser a execução forçada da obrigação, e pode ser um castigo. Seja como for, terá sempre como pressuposto o ilícito, que estará sempre presente na hipótese de incidência da norma que a instituiu, distinguindo-a da norma que institui o tributo.

Embora a sanção tenha a finalidade de desestimular a conduta, não é essa finalidade que a distingue do tributo. Se fosse, não poderia se cogitar do denominado tributo extrafiscal proibitivo, que tem precisamente a finalidade de desestimular a conduta que compõe sua hipótese de incidência. O que caracteriza sanção é a presença do ilícito na hipótese de incidência que a institui. E a finalidade da sanção é atribuir eficácia à norma jurídica, seja desestimulando a não prestação (sanção castigo), seja utilizando a forca para que se efetive a prestação (execução forçada), entretanto, essa

66 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito, apud SILVA, Paulo Roberto Coimbra. Direito tributário

sancionador, p. 41. 67 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria e prática das multas tributárias: infrações tributárias,

sanções tributárias, p. 19.

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finalidade não é exclusiva da sencao, pois está presente também - e talvez mais proveitosamente - no prêmio.68

Paulo Roberto Coimbra Silva também afirma:

O pressuposto fático para a incidência de uma sanção consiste, sempre e invariavelmente, na prática de um ato ilícito. Com efeito, não se pode conceber a aplicação de uma penalidade sem a verificação da ocorrência do ato ilícito que lhe é pressuposto, tampouco a sua imputação a quem não se possa reputar a sua correlata e intrínseca antijuridicidade.69

Está posta, assim, a importância da matéria e este é o desejo do presente

capítulo que pode ser concluído tomando como premissa de que nem toda norma

possui uma sanção a ela ligada e que as normas sancionantes - na classificação útil

do Professor Sacha Calmon Navarro Coêlho - necessitam ter um ato ilícito em seu

pressuposto ou em seu mandamento, cujo objetivo é impedir ou desestimular, ainda

que deforma indireta, que aquela conduta não seja concretizada, posto que

repudiada pelo Direito.

O fenômeno da subsunção aqui novamente ataca e somente poderá fazer

incidir tal norma se e quando todos os elementos do mandamento estiverem

presentes. A tipicidade ou a especificidade conceitual (nas palavras da Professora

Misabel Abreu Machado Derzi) também devem estar presentes para que a norma

sancionante possa incidir no mundo fenomênico das normas.

Feitas tais considerações, cabe agora conceituar o ilícito tributário (como

dito, o pressuposto das normas sancionantes), as formas de sanção no Direito

Tributário e verificar os limites que cercam tais sanções, pois todo poder (inclusive o

poder sancionatório) deve estar cercado para se evitar o abuso e o arbítrio.

68 MACHADO, Hugo de Brito. Teoria das sanções tributárias. In: MACHADO, Hugo de Brito (Coord.).

Sanções administrativas tributárias. São Paulo: Dialética, 2004. p. 161. 69 SILVA, Paulo Roberto Coimbra. Sanções tributárias no âmbito da competência estadual. A

imputação das penalidades, por infrações praticadas por terceiros, e a personalidade das sanções tributárias. In: DERZI, Misabel Abreu Machado (Coord.) Separação de poderes e efetividade do sistema tributário. Belo Horizonte: Del Rey, 2010. p. 284.

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4 O ILÍCITO TRIBUTÁRIO

4.1 O conceito de ilícito tributário

Como visto no capítulo anterior, no estudo da Teoria Geral do Direito, em

especial na estrutura da norma sancionatória, muitas controvérsias existem em torno

do que venha a ser a sanção - se significaria apenas penalidade ou se englobaria a

chamada norma indutora de conduta ou norma premial.

Contudo, divergindo desse segundo posicionamento, e partindo da premissa

que a sanção constitui uma forma de punição para condutas infracionais, verifica-se

que, em que pese a divergência quanto à definição de sanção, no que diz respeito

ao ilícito, há na doutrina, certo consenso, no sentido de que determinados

comportamentos são, quando contrariam disposições legais, considerados atos

ilícitos e essa tipificação de condutas vai sempre emanar da norma.

Segundo Hugo de Brito Machado, o ilícito tributário, é um ilícito como

qualquer outro. Não tem especificidade alguma. Distingue-se dos demais apenas

porque se situa no campo das normas jurídicas pertinentes à tributação.70

Desta feita, o ilícito, seja ele tributário ou não, decorre da violação de uma

norma que protege um bem jurídico, seja ele individual ou coletivo.

Partindo dessa singela conceituação e indo direto ao ponto central do

presente capítulo, mostra-se necessária a análise das condutas definidas como

infrações tributárias para posteriormente, analisar, a sanção fiscal, como norma que

visa, ainda que pela via reflexa, desestimular o comportamento ilícito.

Como dito no capitulo introdutório, o ilícito tributário ou as denominadas

infrações, ocorrem quando se pratica a hipótese de incidência das sanções jurídicas

que estão previamente definidas nas normas pertinentes à tributação.

70 MACHADO, Hugo de Brito. Sanções tributárias. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.).

Sanções tributárias. São Paulo: Resenha Tributária, 1979. p. 245.

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Os ilícitos ou as infrações, em abstrato, são as condutas descritas de forma

hipotética no mandamento da norma sancionante, sendo a própria essência desta

norma sancionante, o que já lhe impõe um primeiro limitador qualitativo. Em seu

comando deverá haver um ato ilícito como pressuposto de ocorrência, ou seja, não

se pode imputar uma sanção a quem não agiu de forma incorreta. Não se pode punir

quem não cometeu qualquer ilícito. Não se pode sancionar quem não transgrediu

qualquer comportamento previsto na norma de conduta ou quem não seguiu tal

comportamento por absoluta impossibilidade prática.

Cabe aqui um pequeno exemplo vivido na advocacia: determinada empresa

tinha como obrigação acessória apresentar Declaração de Débitos e Créditos

Tributários Federais (DCTF) mensais, tendo em vista sua atividade e seu nível de

faturamento, contudo, quando passou por um processo de reestruturação societária,

incorporou outra empresa e, pela mudança do patamar de faturamento, passou a ter

obrigação de apresentar a DCTF semestral (mas já havia apresentado em cinco dos

seis meses que abrangiam o referido período semestral a respectiva DCTF). Pois

bem, quando não enviou a DCTF semestral sofreu uma pesada multa sobre o valor

de seu faturamento (o que de per si já seria confiscatório, como se verá mais

adiante). Porém, a questão a ser colocada aqui é: não havia possibilidade fática da

empresa apresentar a DCTF semestral porque o sistema bloqueava o envio, tendo

em vista a transmissão anterior das mensais. Assim, se os fatos bloqueiam a

possibilidade de seguimento da norma de conduta, não se pode dizer que o

contribuinte agiu com dolo, culpa ou mesmo que cometeu qualquer ilícito. Eis,

portanto, o limite qualitativo extraído do conceito de ilícito.

Aliás, esta se mostra uma das justificativas para a regra posta no artigo 112

do CTN:

Art. 112. A lei tributária que define infrações, ou lhe comina penalidades, interpreta-se da maneira mais favorável ao acusado, em caso de dúvida quanto:

I - à capitulação legal do fato;

II - à natureza ou às circunstâncias materiais do fato, ou à natureza ou extensão dos seus efeitos;

III - à autoria, imputabilidade, ou punibilidade;

IV - à natureza da penalidade aplicável, ou à sua graduação.

Desta feita, se a sanção tributária incide toda vez que ocorre uma infração a

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um dever tributário estatuído em lei, é possível afirmar que a dita infração constitui

um comportamento típico.71

Não é somente no Direito que se encontram prescrições normativas, pois na

religião as sanções ou recompensas podem vir (para aqueles que tem crença), mas

- pelo menos nas clássicas religiões - essa sanções virão após a morte.

O Direito assim age também: prescreve os comandos e comportamentos

aceitáveis e, de imediato, quando cabível, prescreve as conseqüências de quem não

seguir tais comportamentos.

Assim, importante destacar, que as sanções não são uma exclusividade do

Direito Penal, já que para as inúmeras condutas infracionais, há uma norma

sancionatória que tipifica tal conduta e prevê a aplicação de uma penalidade que

deverá ser proporcional ao ato cometido.

O ilícito está em matar alguém, cometer furto, mas também está em não

pagar o aluguel, em não cumprir o contrato ou em não pagar o tributo. O ilícito, como

dito, é a hipótese que - se ocorrida - deve gerar a sanção. Nada mais, nada menos.

Como ensina o Professor Sacha Calmon Navarro Coêlho, é “o ilícito fiscal

uma espécie do Gênero ilícito jurídico. Conseqüentemente, a punição fiscal é uma

espécie do Gênero sanção”72, enfim, incorrido no ilícito previsto em lei, terá o infrator

que arcar com a sanção, que é castigo, reprimenda, pena.

Não se pretende seguir a linha daqueles que estabelecem na sanção a

norma premial, já que entende-se que a sanção é a conseqüência da realização do

ato ilícito.

Uma outra corrente doutrinária de respeito coloca a norma sancionante

tributária no âmago do Direito Penal, visando a unificação dos princípios a elas

aplicáveis73, mas insiste-se aqui que as sanções tributárias ganharam autonomia

71 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria e prática das multas tributárias: infrações tributárias,

sanções tributárias, p. 21. 72 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria e prática das multas tributárias: infrações tributárias,

sanções tributárias, p. 34. 73 Pelos motivos em realce, para os adeptos dessa corrente, dominante na Europa, os ilícitos

tributários, mesmo os não-delituosos, encontram-se insertos no universo de investigação do Direito Penal, sendo, para eles, indisputável a prevalência dos princípios gerais do Direito Penal sobre as infrações exclusivamente tributárias (SILVA, Paulo Roberto Coimbra. Direito tributário sancionador, p. 135).

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própria, cabendo a investigação de quais os princípios que o Direito Tributário pode

oferecer à matéria sancionante em seu domínio.

Assim, partindo dessa premissa, é possível afirmar que uma mesma conduta

ou um mesmo ilícito pode ter reflexos tributários e, ao mesmo tempo, pela sua

gravidade, também ter uma previsão legal no âmbito do Direito Penal. Isso não retira

a autonomia da primeira norma, pelo contrário, é possível ter um ilícito tributário,

mas sem reflexo no Direito Penal, mas o inverso não corresponde a verdade, ou

seja, uma conduta não reprimida pelo Direito Tributário, jamais poderá ser punível

pelo Direito Penal Tributário.

Apenas exemplificando, já que o presente trabalho não tem por objetivo se

aprofundar no estudo das sanções penais, algumas condutas que constituem

descumprimento de obrigações tributárias, pela importância do bem jurídico tutelado

e, ainda, pela prevalência do dolo e necessidade de uma penalidade mais

exacerbada, são tipificadas como crimes contra ordem tributária e a tais condutas

estão previstas penas estabelecidas no Código Penal (CP).

Os crimes contra a ordem tributária são espécies de crimes econômicos, ao

lado dos crimes contra a economia popular, contra o sistema financeiro nacional,

contra o consumidor e as relações de consumo e podem ser definidos, de forma

sintética, em 5 (cinco) grandes grupos:

Apropriação Indébita - omissão de repasse de tributo devido por terceiro, descontado ou cobrado

Apropriação indébita previdenciária (art. 168 - A, CP) Art. 2, inciso II, da Lei nº 8.137/90

Crimes Funcionais - crimes próprios de servidores públicos

Lei nº 8.137, art. 3º Art. 316, § 1º e 318, CP

Crime Tributário Aduaneiro – Descaminho Art. 334, CP

Falsidades - Formas específicas de crimes contra a fé pública. Art. 293, inciso I e V do CP

Sonegação – fraude Arts 1 e 2 da Lei nº 8.137/90 Art.337- A, CP

Quadro 3 - Espécies de crimes econômicos

Fonte: Elaborado pela autora.

Como visto, a tipificação das condutas como delituosas está prevista nas

normas penais sendo que é nela também que estão previstas as sanções

penais para tais condutas. A Lei nº 8.137/90, em seus artigos 1º e 2º assim

estabelece:

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Art. 1º Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:

I. Omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;

II. Fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operações de qualquer natureza, em documentos ou livro exigido pela lei fiscal;

III. Falsificar ou alterar nota fiscal, fatura duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo a operação tributável;

IV. Elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato;

V. Negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento

equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação;

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

Art. 2º. Constitui crime da mesma natureza:

I. Fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo;

II. Deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos;

III. Exigir, pagar ou receber, para si ou para o contribuinte beneficiário, qualquer percentagem sobre a parcela, dedutível ou deduzida de imposto ou de contribuição como incentivo fiscal;

IV. Deixar de aplicar, ou aplicar em desacordo com o estatuto, incentivo fiscal ou parcela de imposto liberadas por órgão ou entidade de desenvolvimento;

V. Utilizar ou divulgar programa de processamento de dados que permita ao sujeito passivo da obrigação tributária possuir informação contábil diversa daquela que é, por lei, fornecida à Fazenda Pública;

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

No caso das contribuições sociais destinadas ao custeio da Seguridade

Social, o Código Penal fez constar, ainda, um tipo específico:

Art. 168-A. Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional;

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos e multa.

§ 1º Nas mesmas penas incorre quem deixar de:

I - Recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à previdência social que tenha sido descontada de pagamento efetuado a segurados, a terceiros ou arrecadada do público;

II - Recolher contribuições devidas à previdência social que tenham integrado despesas contábeis ou custos relativos à venda de produtos ou produção de serviços;

III - Pagar beneficio devido a segurado, quando as respectivas cotas ou valores já tiverem sido reembolsados à empresa pela previdência social

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Nos demais casos de crime de natureza tributária envolvendo contribuição

destinada ao custeio da seguridade é o art. 337-A do CP, que traz a definição:

Art. 337-A. Suprimir ou reduzir contribuição social previdenciária e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)

I - omitir de folha de pagamento da empresa ou de documento de informações previsto pela legislação previdenciária segurados empregado, empresário, trabalhador avulso ou trabalhador autônomo ou a este equiparado que lhe prestem serviços; (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)

II - deixar de lançar mensalmente nos títulos próprios da contabilidade da empresa as quantias descontadas dos segurados ou as devidas pelo empregador ou pelo tomador de serviços; (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)

III - omitir, total ou parcialmente, receitas ou lucros auferidos, remunerações pagas ou creditadas e demais fatos geradores de contribuições sociais previdenciárias: (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000).

Assim, em que pese a sonegação ser essencialmente uma infração

tributária, já que o contribuinte deliberadamente deixa de recolher um tributo, pela

gravidade da infração cometida os meios utilizados, o legislador optou por levar tais

condutas, também para seara do Direito Penal, tipificando-as como crimes e às elas

estabeleceu uma sanção que pode chegar à privação de liberdade, que no caso do

Direito Tributário, seria incabível.

Como dito, o foco principal do presente estudo está na análise e dosimetria

das sanções fiscais, ou seja, nas penalidades previstas para as condutas que não

necessitam de cuidados do legislador penal, e, portanto, não ultrapassam a seara do

Direito Tributário e Administrativo que, via de regra, são sanções de cunho

pecuniário (multas) e que visam a reparação financeira simplesmente, sem, no

entanto, deixar de ter o caráter punitivo, visto que inerente da sanção.

Segundo o Professor Sacha Calmon Navarro Coêlho:

O ilícito tributário retrata o comportamento humano contrário ao prescrito nas normas tributárias. Basicamente: a) não pagar o tributo previsto em lei ou fazê-lo a destempo ou a menos; b) praticar atos vedados pela lei tributária ou deixar de praticar atos obrigatórios, segundo esta mesma lei. Em termos metódicos, sanção é pena, castigo, restrição ao homem, seus bens ou direitos. A norma jurídica estatuidora de sanção tem por hipótese a prática de um ato ilícito violador de dever legal ou contratual. Por hipótese uma infração, por conseqüência uma restrição à vida, liberdade ou direitos outros do homem. No caso da subespécie multa, a norma sancionante tem por hipótese a prática de ilícito - o descumprimento de algum dever legal ou

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contratual - e, por consequência, preceito que obriga o infrator a dar dinheiro a título de castigo (sanção).74

Vê-se, portanto que a prática do ilícito pode, pelo menos a priori, implicar

como conseqüência, a imposição de penalidade pecuniária, mas pode, da mesma

maneira, provocar a perda de algum direito, seja ele a restrição à liberdade, por

exemplo.

Partindo do pressuposto de que o ilícito é a infração do dever legal

preexistente, necessário se torna, portanto, conhecer a natureza da obrigação

tributária, para identificar as condutas definidas como infração, para, posteriormente

analisar a efetividade das sanções fiscais.

4.2 O ilícito tributário resultante do descumprimento das obrigações principais e acessórias

De início faz-se necessário estabelecer, quais são os deveres tributários ou,

melhor dizendo, quais são as obrigações tributárias e ainda suas espécies. A

primeira espécie de obrigação tributária seria pagar tributos e a segunda os deveres

instrumentais (emitir notas fiscais, prestar declarações, não transportar mercadorias

desacobertadas de documentação fiscal etc.), também denominadas obrigações

acessórias.

O art. 113 do CTN estabelece os tipos de obrigações tributárias:

Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória.

§ 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente.

§ 2º A obrigação acessória decorrente da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos.

§ 3º A obrigação acessória, pelo simples fato da sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária.

74 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Sanções administrativas tributárias. In: MACHADO, Hugo de

Brito (Coord.). Sanções administrativas tributárias. São Paulo: Dialética, 2004. p. 422.

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Nota-se que o legislador, mesmo quando diferenciou as condutas definindo

o que seria obrigação principal e obrigação acessória, para fins de aplicação da

penalidade, equiparou as condutas. Surge, portanto, o primeiro questionamento:

pode uma penalidade ser aplicada na mesma proporção quando há descumprimento

de uma obrigação acessória e de uma obrigação principal?

Fazendo uma leitura rápido do artigo, ao que parece, o legislador diferenciou

as obrigações tributárias, mas as equiparou para fins de aplicação da penalidade ao

argumento de que todo descumprimento constitui um ilícito e, por sua vez, essa

infração seja ela praticada por meio de uma conduta comissiva ou omissiva, infringe

um dever legal e para ela está prevista aplicação de uma determinada sanção.

Apenas isso.

O que não se pode admitir, é aplicação de uma mesma sanção quando se

tratar de um descumprimento de uma obrigação acessória ou principal. Nesse

caso, assim como no Direito Penal, deve haver gradação no momento da aplicação

da penalidade, que deverá ser, no mínimo, proporcional ao dano causado pela

infração.

Como visto, o CTN classifica as obrigações tributárias em dois tipos: a)

obrigação principal que constitui o pagamento do tributo; b) obrigação acessória, que

constitui prestações positivas ou negativas exigidas pela legislação. A contrario

sensu a tipicidade do ilícito tributário reside em (a) não pagar o tributo devido e/ou

(b) não cumprir com os deveres instrumentais ou as obrigações acessórias

expressas.

Eis aqui novamente o limitador qualitativo: a tipicidade do ilícito tributário

somente pode ocorrer quando houver a clara constatação de que a houve

descumprimento da obrigação tributaria acessória ou principal.

Assim, o descumprimento da prestação tributária - seja ela principal ou

acessória - constitui, portanto, um ilícito tributário.

Por sua vez, as infrações tributárias podem ser dividias ainda em duas

espécies e tal classificação não deve servir apenas para diferenciar condutas, mas

também para que haja gradação no momento da aplicação da penalidade.

Além da mencionada classificação, as infrações também poderão ser

classificadas em virtude da responsabilidade pela conduta praticada.

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4.3 O ilícito tributário e a responsabilidade objetiva do art. 136 do CTN

As infrações tributárias, mesmo as que são apenadas na esfera penal,

podem ser vistas também sob a ótica da participação do agente, e, neste caso serão

tratadas como infrações subjetivas e objetivas.

Paulo de Barros Carvalho ensina que na a infração subjetiva, exige a lei que o

autor do ilícito tenha agido com dolo ou culpa, exemplificando com o comportamento do

contribuinte do imposto de renda (IR), que ao declarar, omite, deliberadamente,

algumas receitas, com o objetivo de recolher quantia menor do que a devida.75 Já na

infração objetiva, nos termos do art. 136 do CTN, não é necessária a apuração da

vontade do infrator, sendo que ocorrendo o previsto na hipótese normativa, qualquer

que seja a intenção do agente, estará por configurado o ilícito.

Contudo, o mesmo autor adverte que tal interpretação dada ao art. 136,

merece temperamentos, principalmente, em razão do que estabelece o artigo. 112

do CTN, anteriormente transcrito.

Tecendo comentários acerca do mencionado art. 136 do CTN, Luciano

Amaro aduz que:

Em suma, parece-nos que não se pode afirmar ser objetiva a responsabilidade

tributária (em matéria de infrações administrativas) e, por isso, ser inadmissível todo tipo de defesa do acusado com base na ausência de culpa. O que, em

regra, não cabe é a alegação de ausência de dolo para eximir-se de sanção por

infração que não requer intencionalidade.76

Verifica-se, portanto, que fazendo uma interpretação sistemática do CTN, a

responsabilidade prevista no art. 136 não é plenamente objetiva, admitindo-se a defesa

do acusado com base na ausência de culpa, não cabendo isto sim, a alegação de

ausência dolo para eximir-se da sanção por infração que não requer intencionalidade.77

75 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 546-

547. 76 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 446. 77 No mesmo sentido Hugo de Brito Machado para quem: “o art. 136 do CTN não estabelece

responsabilidade objetiva em matéria de penalidades tributárias, mas a responsabilidade por culpa presumida [...] o interessado pode excluir a responsabilidade fazendo prova de que, alem de não ter a intenção de infringir a norma, teve a intenção de obedecer a ela, o que não lhe foi possível fazer por causas superiores à sua vontade” (MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 165).

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Regina Helena Costa, seguindo caminho similar, dá força a expressão

“independe da intenção do agente”, o que se extrai apenas o dolo e não a culpa, o

que é regra no Direito Sancionador, portanto, a responsabilidade seria ao fim

subjetiva.78

Alessandra Machado Brandão Teixeira, depois de fazer longa reflexão sobre o

posicionamento doutrinário e jurisprudencial em torno da matéria, admite uma posição

diferente, pois entende que aqueles defensores da responsabilidade objetiva, onde a

boa-fé e a confiança podem agir como temperamento, cometem numa contradição. A

autora entende que quando o julgador perdoa ou reduz uma sanção por acometimento

de infração objetiva, está ele concedendo uma anistia. É ver:

Não obstante o peso das opiniões acima transcritas, no nosso entender, quando o julgador diante de uma infração objetiva, cancela ou reduz a

penalidade, em virtude da equidade ou da boa-fé, está a aplicar uma espécie

de anistia. Isso não significa que a infração em si deixou de ser objetiva, mas

que o seu cumprimento pode ser perdoado no todo ou em parte.

Segundo Paulo de Barros Carvalho, anistia fiscal é o perdão da falta cometida pelo infrator de deveres tributários e também quer dizer o perdão da penalidade a ele imposta por ter infringido mandamento legal. Tem, como se vê, duas acepções: a) a de perdão pelo ilícito e; b) a de perdão da multa. Todavia, no âmbito tributário, o referido autor não vislumbra nenhuma conseqüência prática na distinção entre o perdão que retroage ao ilícito e aquele que dispensa a penalidade imposta ao infrator. De um ou de outro modo, a sanção tributária será extinta. (BARROS, 2008, p. 535-539)

Sendo assim, afirma que ‘as normas jurídicas que prevêem a anistia fiscal são extintivas da relação jurídica sancionatória. Dispensado o dever jurídico de prestar o valor da penalidade pecuniária, desaparece o direito subjetivo correlato, esfacelando-se o vínculo. Tal efeito extintivo, porém, deixa intacta a relação jurídica tributária, propriamente dita, remanescendo o crédito do tributo e seu correspondente débito. Entendida dessa maneira, a anistia é uma modalidade de exclusão da dívida por penalidades tributárias, e, por ser excludente de um nexo fundamental à subsistência da obrigação, esta se extingue’ (BARROS, 2008, p. 539).79

Ora, transportando essas idéias para o caso objeto de análise, quando o julgador - administrativo ou judicial - diante de uma infração objetiva, cancela ou reduz a penalidade, em virtude de equidade ou boa fé, está a conceder uma espécie de anistia. Isso porque, ao assim proceder, está a dispensar a penalidade imposta ao infrator. Ao assim fazer, a sua decisão

78 COSTA, Regina Helena. Curso de direito tributário: constituição e código tributário nacional, p. 286. 79 Quanto à anistia, importante considerar que a sua característica essencial é retroagir, assim como

as decisões judiciais, quando cancelam as penalidades. “Ementa: I. A característica da anistia é justamente a de dispor para o passado, excluindo o crédito decorrente da imposição de penalidades ao contribuinte (art. 180 do CTN). [...]” (BRASIL. Tribunal Regional Federal (4. Região). AC nº 1998.04.01.054266-0/RS. 3. T. Rel. Des. Fed. Paulo Afonso Brum Vaz, j. 30/03/2000. DJ, Porto Alegre, 31 maio 2000. p. 177. Disponível em: <http://www.trf4.jus.br/trf4/proc essos/acompanhamento/resultado_pesquisa.php?selForma=NU&txtValor=199804010542660&chkMostrarBaixados=&todasfases=&todosvalores=&todaspartes=&txtDataFase=&selOrigem=TRF&sistema=&hdnRefId=&txtPalavraGerada=>. Acesso em: 02 jul. 2010).

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retroage, dispensando o dever jurídico de prestar o valor da penalidade pecuniária, desaparecendo o direito subjetivo correlato esfacelando-se o vínculo (com relação à sanção).

Importante destacar que o CTN admite que a anistia possa vir a ser concedida em caráter individual, por despacho da autoridade administrativa, desde que o interessado faça prova do preenchimento das condições e requisitos para sua concessão. Se a autoridade administrativa pode conceder anistia, nada impede que julgador (administrativo ou judicial) assim também o faça.80

Na verdade, a corrente81 que parece mais se adequar ao Ordenamento

Jurídico Pátrio é a seguida por Sacha Calmon Navarro Coêlho e Onofre Alves

Batista Junior, para quem a responsabilidade posta no CTN, em regra, é objetiva,

mas comporta “temperamentos, ou amortecimentos, proporcionado pelas

considerações atinentes à boa-fé, mas torna-se necessário garantir a confiança dos

administrados na Administração Fiscal”82.

Eis ainda o entendimento do Professor Sacha Calmon Navarro Coêlho:

Em princípio, a intenção do agente (melhor seria dizer do sujeito passivo) é irrelevante na tipificação do ilícito fiscal. E deve ser assim. O error juris infracional ou extra-infracional não deve ter cabida no direito tributário sancionatório. Se fosse permitido alegar a ignorância da lei fiscal, no caso a lei extra-infracional, estaria seriamente embaraçada a ação do Estado contra os sonegadores de tributos, e aberto o periculum in mora. Seria um pretexto elástico a favorecer certos experts antes que um imperativo de justiça em favor de supostos homens de bona fide. Oportuno relembrar Confuncio, para quem os crimes eram, de regra, praticados mais pêlos ‘expertos’ do que pêlos ‘ignorantes’. O nemo consetur ingnorare legem em que tema de tributação não traduz necessariamente uma injustiça se se sabe legislar e distinguir, assegurando-se ampla defesa ao sujeito passivo.

Três objeções são colocadas contra a consideração tout court do elemento subjetivo relativamente ao ilícito fiscal (infração administrativo-tributária).

80 TEIXEIRA, Alessandra Machado Brandão. O artigo 136 do CTN e a possibilidade de redução das

multas tributárias. In: NEDER, Marcos Vinicius; DE SANTI, Eurico Marcos Diniz; FERRAGUT, Maria Rita (Coord.). A prova no processo tributário. São Paulo: Dialética, 2010. p. 96.

81 Parece seguir no mesmo compasso Aliomar Baleeiro: “A cláusula ‘seja qual for o motivo determinante da falta’ [o Autor está a referir-se ao art. 136 do CTN] deve ser atendida em termos, num sistema jurídico que autoriza a eqüidade na interpretação das leis (CTN, art. 108, IV). Os tribunais brasileiros, inclusive o Supremo Tribunal Federal, têm excluído multas em casos especiais. (Ver STF, RE nº 55.906, Gallotti, 27. 5.65, Pleno, RTJ, 33/647; RE nº 57.904, Lins, 25.4.66, 1° Turma, RTJ, 37/296; 2ª Turma: Ag. nº 40.319, 22.8.67; RE nº 60.413; Nogueira, 17.10.67; RE nº 60.476, Lins, 28.11.67; RE nº 60.972, Baleeiro, 7.3.67; RE nº 61.160, Lins, 19.3.68, RTJ, 44.661; RE nº 60.964, Baleeiro, 7.3.67, RTJ, 41/55)” (BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. 11. ed. atual. por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 547).

82 BATISTA JUNIOR, Onofre Alves. As sanções adminitrativo-fiscais heterodoxas e sua cuidadosa possibilidade de aplicação no direito tributário. In: SILVA, Paulo Roberto Coimbra (Coord.). Grandes temas do direito tributário sancionador. São Paulo: Quartier Latin, 2010. p. 434.

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Em primeiro lugar, a subjetivação do ilícito fiscal levaria, inexoravelmente, por

uma questão de coerência teórica, até a intransmissibilidade das multas que o

punem. Com efeito, se o ilícito fiscal se baseasse exclusivamente na

responsabilidade subjetiva, impossível seria transferir a multa a terceiros (sub-rogação passiva das penalidades). A punição não deveria, neste caso, passar

da pessoa do infrator, o que, em muitos casos, seria um verdadeiro absurdo.

Em segundo lugar, seria impossível apenar administrativamente as pessoas jurídicas, porquanto estas não possuem vontade, senão que são representadas por seus órgãos. Sabido que societas distat a singulis, jamais poderia a Fazenda Pública responsabilizar as pessoas jurídicas imputando-lhes o dever de pagar multas pelo descumprimento da legislação tributária. Teria a Fazenda Pública de investigar as pessoas físicas que vivificam as sociedades para lhes imputar a devida punição. Ora, isto seria irrealístico, complicado e, na maioria dos casos, impraticável. O certo é a responsabilização das pessoas jurídicas em razão de sua culpa in eligendo, cabendo-lhes, sendo o caso, direito de regresso contra os seus diretores, gerentes e administradores. Somente nas hipóteses grosseiras de má-fé, quando os diretores agem com dolo específico na prática de ilícitos fiscais, que configuram também ilícitos penais, a responsabilidade por infrações deve ser pessoal relativamente aos delitos (isto é, os crimes fiscais tipificados na legislação penal).

Em terceiro lugar, descartado ex absurdo o erro de direito como excludente de responsabilidade em tema de infração fiscal, a admissão do erro de direito extra-infracional (variante do erro extrapenal na esfera própria do direito tributário) levaria ao paradoxo de se considerar oponível à administração o desconhecimento da própria legislação tributária.

[...]

O ilícito puramente fiscal é, em princípio, objetivo. Deve sê-lo. Não faz sentido indagar se o contribuinte deixou de emitir uma fatura fiscal por dolo ou culpa (negligência, imperícia ou imprudência). De qualquer modo, a lei foi lesada. De resto, se se pudesse alegar que o contribuinte deixou de agir por desconhecer a lei, por estar obnubilado ou por ter-se dela esquecido, destruído estaria todo o sistema de proteção jurídica da Fazenda Pública. Não obstante, podem-se perfeitamente alegar inimputabilidade e irres-ponsabilidade. São questões preliminares ou prejudiciais de mérito na consideração da infração em si. Visam a excluir o sujeito ou agente da infração da relação jurídica, e não a considerar a pesquisa do elemento volitivo como essencial na consideração do ilícito fiscal. No Brasil, duas disposições aparentemente conflitantes regulam a matéria, a nosso ver, com prudência e objetividade.83

Veja-se que de forma diversa, quando quis o CTN agiu para determinar o

tipo de responsabilidade, conforme preceitua o art. 137 que trata da

“responsabilidade pessoal do agente”.

Art. 137. A responsabilidade é pessoal ao agente:

I - quanto às infrações conceituadas por lei como crimes ou contravenções, salvo quando praticadas no exercício regular de administração, mandato, função, cargo ou emprego, ou no cumprimento de ordem expressa emitida por quem de direito;

83 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Multas fiscais. O art. 136 do CTN, a responsabilidade objetiva

e suas atenuações no sistema tributário pátrio. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 138, p. 123-131, 2007. p.126-128.

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II - quanto às infrações em cuja definição o dolo específico do agente seja elementar;

III - quanto às infrações que decorram direta e exclusivamente de dolo específico:

a) das pessoas referidas no artigo 134, contra aquelas por quem respondem;

b) dos mandatários, prepostos ou empregados, contra seus mandantes, preponentes ou empregadores;

c) dos diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado, contra estas.

Segundo Sacha Calmon Navarro Coêlho o objetivo do legislador é apenar

pessoalmente os infiéis, os venais, que dolosamente agem para prejudicar os seus

representados, ou os clientes, ou as pessoas jurídicas das quais são órgãos.84

Repita-se que a atribuição pessoal de responsabilidade aqui é para o pagamento

das multas fiscais. A responsabilidade pessoal por transferência de dever

relativamente a tributos já foi tratada nos comentários ao art. 135. Tampouco se cura

aqui de responsabilidade penal (crimes contra a ordem tributária ou quaisquer outros

de fundo fiscal, mas formalmente penais). O comum entre o art. 135 (tributos) e o

art. 137 (multas) é a pessoalidade da responsabilidade, a retirada da solidariedade e

a necessidade da comprovação efetiva do dolo, obedecido o devido processo legal

para que a responsabilização seja irrogada ao agente, com exclusão do contribuinte

original.

Edmar Oliveira Andrade Filho afirma que:

Uma forma de atualização do sentido dos enunciados prescritivos do art. 136 do CTN é afirmar que ele não exclui - ao contrario, exige - o elemento subjetivo para validar a sanção por infração a norma tributária. Assim, a responsabilidade poderia ser objetivamente imputada, mas o tipo deveria conter elementos subjetivos.85

De fato, o tipo detém tais subjetividades, mas que - nas lições do Mestre

Sacha - devem ser tomadas e integradas à norma pelo respiradouro da

interpretação.

84 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Multas fiscais. O art. 136 do CTN, a responsabilidade objetiva

e suas atenuações no sistema tributário pátrio. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 138, p. 123-131, 2007.

85 ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Infrações e sanções tributárias. 1ed. São Paulo: Dialética. p. 117.

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E mesmo sem ainda adentrar no campo dos princípios constitucionais que

podem iluminar a aplicação razoável e proporcional das sanções fiscais, o CTN

deixa evidente que esta interpretação atenuada deve prevalecer:

a) Primeiro pelo artigo 10086, pelo qual se determina que se o contribuinte age

segundo a orientação do Fisco, fica totalmente livre de multas, juros e correção

monetária.

b) Segundo pelo art. 106 do CTN87 que deixa evidente que a retroatividade benigna

deve ser aplicada sob as seguintes premissas: (i) A lei somente retroage se for

para beneficiar o contribuinte, jamais o Estado. (ii) A lei interpretativa traduz e

esclarece a lei interpretada, mas dessa interpretação fica excluída a aplicação de

penalidade às supostas infrações dos dispositivos interpretados. Assim, o

contribuinte se beneficia com a retroatividade e não pode ser penalizado pela

surpresa da lei interpretativa.

c) Da mesma forma, o art. 108, IV e §2º do CTN deixa evidente a possibilidade de

ampla aplicação da equidade no campo infracional tributário.

d) Também pelo que consta no art. 112 do CTN88 que consagra, de vez, a fala de

Edmar Oliveira Andrade Filho, anteriomente transcrita, pois nele há a efetiva

relativização da responsabilidade objetiva do ilícito. Não deixa ela de ser objetiva

(a responsabilidade), mas no momento de apenar deve se considerar o elemento

subjetivo do ilícito (a culpabilidade), as circunstâncias da infração e sua

86 “Art. 100. São normas complementares das leis, dos tratados e das convenções internacionais e

dos decretos: I - os atos normativos expedidos pelas autoridades administrativas; II - as decisões dos órgãos singulares ou coletivos de jurisdição administrativa, a que a lei atribua eficácia normativa; III - as práticas reiteradamente observadas pelas autoridades administrativas; IV - os convênios que entre si celebrem a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. Parágrafo único. A observância das normas referidas neste artigo exclui a imposição de penalidades, a cobrança de juros de mora e a atualização do valor monetário da base de cálculo do tributo”.

87 “Art. 106. A lei aplica-se a ato ou fato pretérito: I - em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados; II - tratando-se de ato não definitivamente julgado: a) quando deixe de defini-lo como infração; b) quando deixe de tratá-lo como contrário a qualquer exigência de ação ou omissão, desde que não tenha sido fraudulento e não tenha implicado em falta de pagamento de tributo; c) quando lhe comine penalidade menos severa que a prevista na lei vigente ao tempo da sua prática”.

88 “Art. 112. A lei tributária que define infrações, ou lhe comina penalidades, interpreta-se da maneira mais favorável ao acusado, em caso de dúvida quanto: I - à capitulação legal do fato; II - à natureza ou às circunstâncias materiais do fato, ou à natureza ou extensão dos seus efeitos; III - à autoria, imputabilidade, ou punibilidade; IV - à natureza da penalidade aplicável, ou à sua graduação”.

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gravidade, bem como os efeitos desta infração. Tudo isso dirigido aos julgadores

administrativos e judiciais para amenização das sanções fiscais.

e) Por fim, pode-se citar o art. 138 que permite o perdão daqueles contribuintes que

comparecem espontaneamente ao Fisco para quitarem seus débitos89. Além

disso, o art. 161 determina a incidência dos juros de mora sem verificação dos

motivos da falta de pagamento do tributo, assim como o art. 151 que suspende a

exigibilidade do crédito tributário e, portanto, afasta qualquer possibilidade de

punição.

Novamente importante as palavras de Sacha Calmon Navarro Coêlho:

Conquanto, o Código Tributário Nacional estabelece a responsabilidade objetiva em seu art. 136, contudo, trata-se de norma geral, nos exatos termos do art. 146, do Texto Constitucional.

O referido dispositivo ou a objetividade que dita se ameniza na própria norma geral - CTN - em seu art. 112 que, de forma atenuadora, versa sobre princípios e interpretação e abre possibilidade de avaliação eqüitativa dos conflitos fiscais.

Ademais, numa segunda atenuação da responsabilidade objetiva do art. 136, CTN, não há impedimento - como em Minas Gerais - que, apesar da recomendação, a legislação na esfera de sua competência introduza o elemento subjetivo na avaliação da penalidade tributária. Em Minas, como dito, este elemento foi inserido na aplicação, pelo órgão administrativo, das multas que incidem sobre a operação e que não acarretam não recolhimento de tributo.

Portanto, acreditamos na aplicação das sanções fiscais sob o manto da responsabilidade objetiva, mas com atenuações interpretativas e não aplicação ao ilícito fiscal o princípio da responsabilidade subjetiva (dolo e culpa) como regra.90

Enfim, feita essa diferenciação acerca das infrações previstas na legislação

tributária, bem como as regras postas no CTN acerca da responsabilidade do

agente, fica muito evidente que as fórmulas legislativas estão prontas para serem

aplicadas.

O Código Tributário Nacional, sem qualquer necessidade de ilação quanto à

89 Recentemente passou a entender o STJ (Súmula nº 360) que nos tributos lançados por

homologação, quando declarado e não pago o tributo não seria aplicável o art. 138 do CTN, ao argumento de que a declaração prévia do contribuinte torna desnecessário qualquer procedimento de fiscalização, sendo o ato do contribuinte substituto deste último, enquadrando na ressalva do parágrafo único do referido art. 138, CTN.

90 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Multas fiscais. O art. 136 do CTN, a responsabilidade objetiva e suas atenuações no sistema tributário pátrio. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 138, p. 121-131, 2007. p. 128.

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responsabilidade, não tem a necessidade de importar princípios do Direito Penal, já

que possui elementos suficientes para o julgador atenuar as penas no caso

concreto.

Dito isso, passa-se ao estudo das espécies de sanções fiscais, que serão

aplicadas sempre que ocorrer as infrações acima tipificadas.

4.4 Espécies de sanções no Direito Tributário

A sanção pode ser definida como a conseqüência da transgressão de um

dever legal, sendo que as sanções tributárias têm caráter nitidamente pecuniário

apesar de existir algumas espécies, ainda no âmbito do Direito Tributário, que

restringem direitos e garantias, mas estas não são admissíveis no Estado

Democrático de Direito, consagrado no Ordenamento Jurídico Pátrio.

Ensina Hugo de Brito Machado:

Em Direito Tributário a expressão sanções políticas corresponde a restrições ou proibições impostas ao contribuinte, como forma indireta de obrigá-lo ao pagamento do tributo, tais como a interdição do estabelecimento, a apreensão de mercadorias, o regime especial de fiscalização, entre outras.

Qualquer que seja a restrição que implique cerceamento da liberdade de exercer atividade lícita é inconstitucional, porque contraria o disposto nos artigos 5º, inciso XIII, e 170, parágrafo único, do Estatuto Maior do País.

[...]

Não obstante inconstitucionais, as sanções políticas, que no Brasil remontam aos tempos da ditadura de Vargas, vêm se tornando a cada dia mais numerosas e arbitrárias, consubstanciando as mais diversas formas de restrições a direitos do contribuinte, como forma oblíqua de obrigá-lo ao pagamento de tributos, ou às vezes como forma de retaliação contra o contribuinte que vai a Juízo pedir proteção contra cobranças ilegais.

São exemplos mais comuns de sanções políticas a apreensão de mercadorias sem que a presença física destas seja necessária para a comprovação do que o fisco aponta como ilícito; o denominado regime especial de fiscalização; a recusa de autorização para imprimir notas fiscais; a inscrição em cadastro de inadimplentes com as restrições daí decorrentes; a recusa de certidão negativa de débito quando não existe lançamento consumado contra o contribuinte; a suspensão e até o cancelamento da inscrição do contribuinte no respectivo cadastro, entre muitos outros.

Todas essas práticas são flagrantemente inconstitucionais, entre outras razões, por que: a) implicam indevida restrição ao direito de exercer

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atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, assegurado pelo art. 170, parágrafo único, da vigente Constituição Federal; e b) configuram cobrança sem o devido processo legal, com grave violação do direito de defesa do contribuinte, porque a autoridade que a este impõe a restrição não é a autoridade competente para apreciar se a exigência do tributo é ou não legal.91

Irretocáveis as palavras do mestre Hugo de Brito Machado, posto que as

sanções políticas, além de impedirem o devido processo legal, o contraditório e a

ampla defesa (CF/88, art. 5º, LV), ainda, transformam a coerção (conseqüência

lógica da sanção) em coação, pois violam o princípio da livre iniciativa, consagrado

no art. 5º, XIII e art. 170 da Constituição:

Art. 5º. [...].

XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;

Art. 170. [...].

Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

Assim decidiu o Supremo Tribunal Federal (STF), reiteradas vezes,

inclusive, culminando com a edição de três súmulas sobre o assunto:

Súmula nº 70: “É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio

coercitivo para cobrança de tributo”92.

Súmula nº 323: “É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio

coercitivo para pagamento de tributo”93.

Súmula nº 547: “Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito

adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas

91 MACHADO, Hugo de Brito. Sanções políticas no Direito Tributário. Revista Dialética de Direito

Tributário, São Paulo, n. 30, p. 46-49, 1998. p. 46-47. 92 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula nº 70, de 13 de dezembro de 1963. In: SÚMULA da

jurisprudência predominante do Supremo Tribunal Federal. Brasília: Imprensa Nacional, 1964. p. 56. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=70.NUM E. NAO S.FLSV.&base=baseSumulas>. Acesso em: 26 maio 2010.

93 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula nº 323, de 13 de dezembro de 1963. In: SÚMULA da jurisprudência predominante do Supremo Tribunal Federal. Brasília: Imprensa Nacional, 1964. p. 143. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=323.N UME. NAO S.FLSV.&base=baseSumulas>. Acesso em: 26 maio 2010.

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atividades profissionais”94.

O Ministro Celso de Mello do STF, no julgamento do RE nº 535.053/RS bem

resume o pensamento da Suprema Corte sobre a matéria:

SANÇÕES POLÍTICAS NO DIREITO TRIBUTÁRIO. INADMISSIBILIDADE DA UTILIZAÇÃO, PELO PODER PÚBLICO, DE MEIOS GRAVOSOS E INDIRETOS DE COERÇÃO ESTATAL DESTINADOS A COMPELIR O CONTRIBUINTE INADIMPLENTE A PAGAR O TRIBUTO (SÚMULAS 70, 323 E 547 DO STF). RESTRIÇÕES ESTATAIS, QUE, FUNDADAS EM EXIGÊNCIAS QUE TRANSGRIDEM OS POSTULADOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE EM SENTIDO ESTRITO, CULMINAM POR INVIABILIZAR, SEM JUSTO FUNDAMENTO, O EXERCÍCIO, PELO SUJEITO PASSIVO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA, DE ATIVIDADE ECONÔMICA OU PROFISSIONAL LÍCITA. LIMITAÇÕES ARBITRÁRIAS QUE NÃO PODEM SER IMPOSTAS PELO ESTADO AO CONTRIBUINTE EM DÉBITO, SOB PENA DE OFENSA AO ‘SUBSTANTIVE DUE PROCESS OF LAW’. IMPOSSIBILIDADE CONSTITUCIONAL DE O ESTADO LEGISLAR DE MODO ABUSIVO OU IMODERADO (RTJ 160/140-141 RTJ 173/807-808 RTJ 178/22-24). O PODER DE TRIBUTAR QUE ENCONTRA LIMITAÇÕES ESSENCIAIS NO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL, INSTITUÍDAS EM FAVOR DO CONTRIBUINTE ‘NÃO PODE CHEGAR À DESMEDIDA DO PODER DE DESTRUIR’ (MIN. OROSIMBO NONATO, RDA 34/132). A PRERROGATIVA ESTATAL DE TRIBUTAR TRADUZ PODER CUJO EXERCÍCIO NÃO PODE COMPROMETER A LIBERDADE DE TRABALHO, DE COMÉRCIO E DE INDÚSTRIA DO CONTRIBUINTE. A SIGNIFICAÇÃO TUTELAR, EM NOSSO SISTEMA JURÍDICO, DO ‘ESTATUTO CONSTITUCIONAL DO CONTRIBUINTE’. DOUTRINA. PRECEDENTES

Cabe acentuar, neste ponto, que o Supremo Tribunal Federal, tendo presentes os postulados constitucionais que asseguram a livre prática de atividades econômicas lícitas (CF, art. 170, parágrafo único), de um lado, e a liberdade de exercício profissional (CF, art. 5º, XIII), de outro e considerando, ainda, que o Poder Público dispõe de meios legítimos que lhe permitem tornar efetivos os créditos tributários, firmou orientação jurisprudencial, hoje consubstanciada em enunciados sumulares (Súmulas 70, 323 e 547), no sentido de que a imposição, pela autoridade fiscal, de restrições de índole punitiva, quando motivada tal limitação pela mera inadimplência do contribuinte, revela-se contrária às liberdades públicas ora referidas (RTJ 125/395, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI)

A circunstância de não se revelarem absolutos os direitos e garantias individuais proclamados no texto constitucional não significa que a Administração Tributária possa frustrar o exercício da atividade empresarial ou profissional do contribuinte, impondo-lhe exigências gravosas, que, não obstante as prerrogativas extraordinárias que (já) garantem o crédito tributário, visem, em última análise, a constranger o devedor a satisfazer débitos fiscais que sobre ele incidam. O fato irrecusável, nesta matéria, como já evidenciado pela própria jurisprudência desta Suprema Corte, é que o Estado não pode valer-se de meios indiretos de coerção, convertendo-os em instrumentos de acertamento da relação tributária, para, em função deles e mediante interdição ou grave restrição ao exercício da atividade empresarial, econômica ou profissional constranger o contribuinte a adimplir obrigações fiscais eventualmente em atraso

94 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula nº 547, de 13 de dezembro de 1969. DJ, Brasília, 10

dez. 1969. p. 5.935. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia. asp?s1=547.NUME. NAO S.FLSV.&base=baseSumulas >. Acesso em: 26 maio 2010.

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São exemplos mais comuns de sanções políticas a apreensão de mercadorias sem que a presença física destas seja necessária para a comprovação do que o fisco aponta como ilícito; o denominado regime especial de fiscalização; a recusa de autorização para imprimir notas fiscais; a inscrição em cadastro de inadimplentes com as restrições daí decorrentes; a recusa de certidão negativa de débito quando não existe lançamento consumado contra o contribuinte; a suspensão e até o cancelamento da inscrição do contribuinte no respectivo cadastro, entre muitos outros. Todas essas práticas são flagrantemente inconstitucionais, entre outras razões, porque: a) implicam indevida restrição ao direito de exercer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, assegurado pelo art. 170, parágrafo único, da vigente Constituição Federal; e b) configuram cobrança sem o devido processo legal, com grave violação do direito de defesa do contribuinte, porque a autoridade que a este impõe a restrição não é a autoridade competente para apreciar se a exigência é ou não legal.95

Em caso emblemático na Suprema Corte, no julgamento do RE nº

207.946/MG, concluiu-se que “a exigência de apresentação dessa certidão negativa

para que alguém possa abrir uma empresa ou participar de uma sociedade ofende o

artigo 5º, inciso XIII, da Constituição Federal”.

Ementa: TRIBUTO - PAGAMENTO - ATO COERCITIVO IMPRÓPRIO - PARTICIPAÇÃO SOCIETÁRIA. Descabe condicionar integração, a quadro societário, de pessoa jurídica de direito privado ao fato de o pretendente estar em dia com as obrigações tributárias.96

Como se vê pela análise dos julgados, as sanções tributárias pecuniárias,

são as mais expressivas formas de expressão do objetivo punitivo da legislação

tributária, por isso existem em maior número. Sancionam tanto a infração tributária

substancial quanto a formal. As multas que punem quem descumpriu obrigação

principal são chamadas de materiais, e as que sancionam os que desobedeceram

obrigação acessória são denominas multas formais ou isoladas.

Contudo, pelo que consta do Ordenamento Jurídico vigente, é possível

classificar as sanções pecuniárias em Direito Tributário da seguinte forma:

95 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE nº 535.053/RS. Rel. Min. Celso de Mello, julgado em

28/03/2005. DJ, Brasília, 31 jan. 2008. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/li starJurisprudencia.asp?s1=(RE$.SCLA.E374981.NUME.)&base=baseMonocraticas>. Acesso em: 26 maio 2010.

96 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE nº 207.946/MG. 1. T. Rel. p/ Acórdão Min. Marco Aurélio, j. 20/05/2008. DJe, Brasília 04 jun. 2009. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia /listarJurisprudencia.asp?s1=(207946.NUME. OU 207946.ACMS.)&base=baseAcordaos>. Acesso em: 26 maio 2010.

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Sanção de caráter indenizatório

No Ordenamento Jurídico Pátrio os juros de mora assumem tal papel. A objetividade é reforçada pelo art. 161 do CTN. Em que pese não ter natureza punitiva, deve ser classificada como sanção porque parte de um inadimplemento. Multa de Mora: de caráter punitivo e objetivo, mas que visa ser cobrada quando ainda não há o lançamento de ofício do tributo não pago no vencimento. Enfim, é cabível quando há o recolhimento espontâneo97. Multa de Ofício: também de caráter punitivo e objetivo, mas que passa a ser cobrada através de lançamento de ofício, diante do não recolhimento espontâneo pelo contribuinte.

Sanção por descumprimento da obrigação principal (não recolhimento do tributo)

Multa Agravada: de caráter punitivo, mas tendo em sua essência a subjetividade, pois deverá sempre estar presente a fraude, o dolo, a simulação ou a má-fé. A situação se agrava por uma conduta deliberada e fraudulenta do contribuinte para o não recolhimento do tributo.

Sanção por descumprimento da obrigação acessória

Multa Isolada: devida pelo simples não cumprimento do dever instrumental.

Quadro 4 - Espécies de Sanções Pecuniárias

Fonte: Elaborado pela autora.

A nomenclatura pode ser alterada, mas sempre poderá se classificar as

multas da forma como acima exposta, contudo, sobre tais sanções ainda cabem

mais alguns apontamentos.

Os juros de mora de cunho nitidamente indenizatório, visam ressarcir aquele

(sujeito ativo da obrigação tributária) que foi privado do seu capital (tributo). Com

efeito, os juros podem ser compensatórios ou moratórios, sendo que os juros

compensatórios têm natureza de remuneração do capital, mas que está com

terceiros de forma consentida e lícita (os juros decorrentes de aplicações financeiras,

por exemplo).

Porém, é preciso consignar que os juros de mora partem de um ilícito (e por

isso a sua faceta de sanção), ou seja, alguém foi privado de forma indevida do seu

capital, assim, caberá àquele que reteve o capital de forma indevida, INDENIZAR o

97 A conjugar com o art. 138 do CTN esta multa somente seria devida quando não configurados os

pressupostos da denúncia espontânea, ou seja, quando tratar-se de tributo declarado e não pago (Súmula nº 360, STJ) ou quando a fiscalização já deu início aos trabalhos de revisão e fiscalização.

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proprietário do capital por tal privação.

Neste ponto cabem alguns os ensinamentos doutrinários: “Os juros

moratórios são usurae punitorieae. [...] Juros moratórios não se infligem por lucro

dos demandantes, mas por mora dos solventes”98.

Os juros remuneratórios são devidos desde o trespasse; os moratórios - que correspondem à indenização pela inadimplência nas obrigações de dar (ou pagar), por ato imputável ao devedor - fluem a partir do momento em que se caracteriza a mora. Importante, pois, definir em que momento ela ocorre.99

Assim como na doutrina o Código Civil reconhece a natureza indenizatória

dos juros de mora, seja pelo Código Civil de 1916 (art. 1.061), seja pelo atual (art.

404):

Art. 1.061. As perdas e danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro, consistem nos juros da mora e custas, sem prejuízo da pena convencional.

Art. 404. As perdas e danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro, serão pagas com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, abrangendo juros, custas e honorários de advogado, sem prejuízo da pena convencional.

Parágrafo único. Provado que os juros da mora não cobrem o prejuízo, e não havendo pena convencional, pode o juiz conceder ao credor indenização suplementar.

Recente decisão proferida pela 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça

(STJ) no julgamento do REsp. nº 1.037.452/SC da relatoria da Ministra Eliana

Calmon, reconhece natureza indenizatória dos juros de mora e demonstra os

reflexos de tal conclusão para fins de (não) incidência de Imposto de Renda Pessoa

Jurídica (IRPJ) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) sobre os juros de

mora:

Entretanto, neste processo o enfrentamento passa pela nova visão dos juros moratórios a partir do atual Código Civil que, no parágrafo único do art. 404, deu aos juros moratórios a conotação de indenização, como pode ser visto na transcrição seguinte:

98 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Campinas: Bookseller, 2003. t. 24, p. 46-50. 99 AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado de. Os contratos bancários e a jurisprudência do Superior Tribunal

de Justiça. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 92, v. 811, p. 99-114, maio 2003.

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Art. 404. As perdas e danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro, serão pagas com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, abrangendo juros, custas e honorários de advogado, sem prejuízo da pena convencional.

Parágrafo único. Provado que os juros da mora não cobrem o prejuízo, e não havendo pena convencional, pode o juiz conceder ao credor indenização suplementar.’

Segundo decidiu o Tribunal de Apelação:

‘1) [...] a indenização representada pelos juros moratórios corresponde aos danos emergentes, ou seja aquilo que o credor perdeu em virtude da mora do devedor. Houve a concreta diminuição do patrimônio do autor, por ter sido privado de perceber o salário de forma integral, no tempo em que deveria ter sido adimplido. Os juros moratórios, nesse sentido, correspondem a uma estimativa prefixada do dano emergente, nos termos dos arts. 395 do Código Civil vigente e 1.061 do Código Civil de 1916.

2) Não há falar, aqui, em interpretação ampliativa da hipótese de isenção prevista na legislação de regência, porque não se trata, no caso, de isenção, mas, sim, de não-incidência.’

Detive-me na tese de fundo e a conclusão a que chego, diante dos claros termos do parágrafo único do Código Civil, é a de que os juros de mora têm natureza indenizatória e, como tal, não sofrem a incidência de tributação. A questão não passa pelo Direito Tributário, como faz crer a Fazenda, quando invoca o instituto da isenção para dizer que houve dispensa de pagamento de tributo sem lei que assim o determine.

A questão é simples e está ligada à natureza jurídica dos juros moratórios, que a partir do novo Código Civil não mais deixou espaço para especulações, na medida em que está expressa a natureza indenizatória dos juros de mora.

Estou consciente de que o entendimento alterará profundamente a disciplina dos juros moratórios, como estabelecido há anos e que proclamava a sua natureza acessória, de tal forma que se amolda à caracterização da obrigação a que se refere, como um apêndice.

Se assim é, certa está a tese constante do julgado do Tribunal de São Paulo, a partir do entendimento sedimentado no direito pretoriano desta Corte, uniformizado na Primeira Seção e que pode ser assim resumido: a) as parcelas salariais são consideradas como remuneração, ou seja, rendimento, incidindo pois o imposto de renda; b) em se tratando de indenizações, não há rendimento algum e, como tal, não incide o imposto de renda.100

Da mesma forma a 4ª Turma do STJ no julgamento do REsp. nº 244.296/RJ,

afirma que:

os juros de mora se destinam a reparar os danos emergentes, ou positivos, e a pena convencional é a prévia estipulação para reparar os lucros cessantes, que são os danos negativos, vale dizer, o lucro que a

100 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp. nº 1.037.452/SC. 2. T. Rel. Min. Eliana Calmon, j.

06/11/2008. DJe, Brasília, 26 nov. 2008. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/webstj/processo/Just ica/detalhe.asp?numreg=200800500318&pv=010000000000&tp=51>. Acesso em: 26 maio 2010.

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inadimplência não deixou que se auferisse, resultando na perda de um ganho esperável.101

Diante dessa natureza indenizatória dos juros de mora, algumas conclusões

podem ser extraídas:

a) serão devidos os juros de mora mesmo quando a exigibilidade estiver

suspensa (art. 151, CTN), em que pese esta não ser uma posição unânime da

doutrina, posto que não têm como objetivo penalizar a mora, mas apenas ressarcir o

capital que seu detentor ficou privado. Contudo, tendo cunho indenizatório, deve ser

no montante razoável apenas para repor o patrimônio que foi retirado

temporariamente de seu titular.

Por isso, reputa-se como ilegal e inconstitucional a Lei Estadual de São

Paulo nº 13.918 que majorou os juros moratórios aplicáveis a débitos fiscais

estaduais supostamente em atraso, para 0,13% ao dia. Acumulada ao longo de um

ano inteiro poderia atingir o total de 36,5%, o que atinge a um patamar três vezes

superior à SELIC (índice fixado pelo Banco Central que determina a remuneração

dos títulos públicos, portanto, este o custo mínimo do capital em poder de terceiros).

Neste caso paulista, o patamar adotado não é razoável ou proporcional e retira o

caráter indenizatório dos juros de mora para transformá-los em mais uma multa,

cumulada com as demais existentes naquele Ordenamento.

b) outra conseqüência importante é que, tendo os juros de mora natureza

indenizatória, não podem eles incidir sobre as multas, pois a multa não é uma receita

esperada pelo sujeito ativo, assim, não se pode alegar que o Estado ficou privado da

multa.

Uma importante observação a ser feita acerca da natureza da multa de

mora. Com efeito, o Min. Cordeiro Guerra, do STF, afirma que a manutenção do

dinheiro no tempo se dá pela correção monetária (o que não significa um plus) e os

juros de mora possuem o caráter indenizatório, o que resta é punição, in verbis: “a

multa era moratória, para compensar o não pagamento tempestivo, para atender

exatamente ao atraso no recolhimento. Mas, se o atraso é atendido pela correção

101 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp. nº 244.296/RJ. 4. T. Rel. Min. César Ásfor Rocha, j.

27/06/2000. DJ, Brasília, 05 ago. 2002. p. 345. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/webstj/proces so/Justica/detalhe.asp?numreg=200000000175&pv=010000000000&tp=51>. Acesso em: 26 maio 2010.

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monetária e pelos juros, a subsistência da multa só pode ter caráter penal” e

completa no julgamento do RE nº 79.625/SP que “não disciplina o CTN as sanções

fiscais de modo a estremá-las em punitivas ou moratórias, apenas exige sua

legalidade (RTJ 80/104-13)”102.

No mesmo sentido o Min. Moreira Alves, verbis:

Toda vez que, pelo simples inadimplemento, e não mais com o caráter de indenização, se cobrar alguma coisa do credor, este algo que se cobra a mais dele, e que não se capitula estritamente como indenização, isso será uma pena [...] e as multas ditas moratórias [...] não se impõem para indenizar a mora do devedor, mas para apená-lo.103

Como visto, a multa tem como pressuposto a prática de um ilícito

(descumprimento de um dever legal, estatutário ou contratual). A indenização visa

reconstituir um dano causado ao patrimônio alheio, com ou sem culpa. O primeiro se

dá pela multa e para sancionar o descumprimento das obrigações. O segundo (juros

de mora) visa recompor o patrimônio danificado.

No Direito Tributário, os juros de mora recompõem o patrimônio estatal

lesado pelo não recebimento tempestivo do tributo. Tanto é assim que estes não são

afastados nem mesmo em caso de denúncia espontânea da infração, apenas no

caso das consultas fiscais, posto que estas adiam o vencimento da obrigação.

Portanto, não se pode dizer que o art. 138 do CTN não abarca as multas de

mora. Isso porque, inegavelmente, o art. 138 do CTN determina que a denúncia

espontânea do contribuinte afasta a responsabilidade pelo pagamento de alguma

penalidade.

A lógica jurídica impõe que, sendo o caso de afastamento da

responsabilidade por infração, a norma só pode estar se referindo àquela que, sem a

expressa exceção legal, poderia ser exigida do contribuinte. A multa de mora tem

natureza punitiva, uma vez que os juros de mora já se prestam a remunerar o capital

que o credor se viu furtado, conforme pacifica jurisprudência e doutrina.

102 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro; SANTIAGO, Igor Mauler; MANEIRA, Eduardo. Exclusão da

multa moratória em caso de pagamento espontâneo de tributo atrasado (CTN, art. 138). Forma de recuperação de indébito. Belo Horizonte, [s.d.]. p. 1. Disponível em: <http://www.sachacalmon.com .br/admin/arq_publica/77c67132097f9b1ff028aed0eca8d21b.pdf>. Acesso em: 05 jul. 2010.

103 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro; SANTIAGO, Igor Mauler; MANEIRA, Eduardo. Exclusão da multa moratória em caso de pagamento espontâneo de tributo atrasado (CTN, art. 138). Forma de recuperação de indébito, p. 1.

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Sobre o tema, Sacha Calmon Navarro Coêlho:

Se quisesse excluir uma ou outra, teria adjetivado a palavra infração ou teria dito que a denúncia espontânea elidiria a responsabilidade pela prática de infração à obrigação principal excluindo a acessória, ou vice-versa. Ora, onde o legislador não distingue não é lícito ao interprete distinguir segundo cediço princípio de hermenêutica.104

Veja a sucinta e esclarecedora lição de Leandro Paulsen:

É absolutamente descabida a discussão sobre a exclusão ou não da multa de ofício seja da multa moratória, quando da denúncia espontânea. Em primeiro lugar, é preciso destacar que a multa de ofício é aquela aplicada pela autoridade quando da lavratura de auto de infração relativamente a débito não declarado/confessado pelo contribuinte. Em tais situações, não há que se falar em denúncia espontânea. Presente a espontaneidade e havendo o reconhecimento do débito pelo contribuinte, jamais se poderá perquirir da aplicação da multa de ofício, mas tão-somente da multa moratória, a qual, contudo, efetuado o pagamento do tributo e dos juros, resta excluída por força do art. 138, do CTN. Note-se que, quando o contribuinte reconhece o débito e não procede ao imediato pagamento, paga posteriormente com multa de mora. Fosse devida a multa de mora na denúncia espontânea, a norma não faria sentido. Efetivamente, a única multa de que se cogita na ausência do lançamento é justamente a moratória, já que as ditas multas de ofício dependem da lavratura de auto de infração. Sempre que o contribuinte paga antes de ser notificado para tanto, o faz, no máximo, com a multa de mora tão-somente, de modo que a denúncia espontânea, que pressupõe espontaneidade, só pode ter o efeito de afastar a multa que, sem o favor fiscal, seria exigível, qual seja, a moratória.

A multa moratória constitui penalidade decorrente do descumprimento da obrigação tributária no vencimento, diversamente dos juros moratórios que apenas compensam o atraso no pagamento. A moratória, por isso, resta excluída frente à denúncia espontânea. Só não haverá exclusão se o contribuinte, anteriormente, já tiver efetuado declaração do montante devido, pois, neste caso, o débito já é do conhecimento do Fisco, restando afastada a espontaneidade quanto ao pagamento, na medida em que seria cobrado.105

Neste sentido, citando artigo de autoria de Mitsuo Narahashi106 publicado na

Revista Dialética de Direito Tributário, Luciano Amaro afirma:

[...] somente é exigível a multa de mora quando, notificado pelo Fisco, o devedor incorra em mora. Nesse caso (não-pagamento de tributo lançado, cuja existência, pois, o Fisco tem efetivo conhecimento), não há o que

104 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria e prática das multas tributárias: infrações tributárias,

sanções tributárias, p. 105-106. 105 PAULSEN, Leandro. Curso de direito tributário. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 161. 106 NARAHASHI, Mitsuo. Multa de mora em obrigação tributária. Revista Dialética de Direito

Tributário, São Paulo, n. 13, p. 55-63, out. 1996.

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‘denunciar’ espontaneamente. Ou seja, não é hipótese de aplicação do art. 138. Se, porém, se trata de infração, voluntária ou não, que tenha implicado ocultar ao Fisco o conhecimento do tributo devido, sua denúncia espontânea seria premiada com a exclusão da responsabilidade, afastando-se inclusive a multa de mora, desde que haja, em contrapartida, o efetivo pagamento do tributo e dos juros de mora.107

E sequer pode-se exigir a aplicação do art. 161 do CTN, em detrimento do art.

138: a regra geral para o pagamento em atraso é pelo recolhimento do principal, juros de

mora e demais penalidades (art. 161), exceto quando se tratar de denúncia espontânea,

quando o contribuinte somente terá que recolher o tributo, correção monetária e juros de

mora - esta a única forma de se interpretar harmonicamente o CTN.

Ocorre que não existe a mais mínima incompatibilidade entre os artigos 138 e 161. O art. 161 fixa a regra geral de que a inadimplência acarreta o pagamento agravado de juros de mora, correção monetária e multas pela mora, e o art. 138 define a exceção a esta regra. Assim, ocorrendo denúncia espontânea, acompanhada do recolhimento do tributo, com juros e correção monetária, nenhuma penalidade poderá ser imposta nem tampouco exigida do contribuinte, anteriormente inadimplente.108

Para ilustrar, eis a jurisprudência dominante no Superior Tribunal de Justiça

sobre a matéria:

Tributário. Embargos de Divergência. Denúncia Espontânea. Tributo Declarado. Impossibilidade.

1. A posição majoritária da Primeira Seção desta Corte é no sentido de inadmitir a denúncia espontânea nos tributos sujeitos a lançamento, quando houver declaração desacompanhada do recolhimento do tributo.

2. Embargos de divergência rejeitados.109

Portanto, no caso da multa de mora era será devida somente no intervalo

entre o momento em que ainda caiba a denúncia espontânea e o lançamento de

ofício (vide Súmula nº 360 do STJ, ou seja, quando o tributo for declarado e não

pago ou quando a fiscalização já iniciou seus procedimentos de revisão dos tributos

recolhidos, mas ainda não lançou de ofício).

107 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro, p. 454-455. 108 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria e prática das multas tributárias: infrações tributárias,

sanções tributárias, p. 111. 109 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. EREsp. nº 531.249/RS. 2. T. Rel. Min. Castro Meira, j.

23/06/2004. DJ, Brasília, 09 ago. 2004. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/webstj/processo/Justi ca/detalhe.asp?numreg=200400288861&pv=010000000000&tp=51>. Acesso em: 26. maio. 2010.

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Por fim, cabe ressaltar quanto as multas por descumprimento de obrigação

instrumental também ensejam penalidades, contudo, é preciso verificar quais são as

funções ou objetivos das sanções e, neste caso, correta a doutrina de Paulo Roberto

Coimbra Silva para quem as sanções pecuniárias tem como funções: prevenir, ser

didática, punir e indenizar. Prevenir porque as sanções tem um efeito intimidatório

para que a conduta não se repita pelo infrator e por quem tomar conhecimento da

punição. As sanções são didáticas, porque as normas que as institui visam

demonstrar quais as condutas são reprováveis para a sociedade; punitivas porque

castigam quem praticou o ilícito; ressarcitória ou indenizatória para reparar o capital

que o sujeito ativo foi privado (função dos juros, como visto).110

Assim, tanto a obrigação acessória ou instrumental, quanto a multa imposta

pelo seu não cumprimento visam garantir o cumprimento da obrigação principal,

realizando, assim, o interesse público consistente na arrecadação dos recursos

necessários ao custeio do papel do estado na sociedade.

Portanto, o mero descumprimento de obrigação acessória (CTN; art. 113,

§2º), não pode ensejar penalização exacerbada pela ausência de prejuízo ao erário,

pois “não subsiste a multa imposta com fundamento em regulamento sobre o ICMS,

de acordo com o princípio de que a obrigação acessória segue o destino da

principal”111 e de que “a obrigação acessória tem relação de instrumentalidade com a

obrigação principal. Assim, fenecendo a primeira, não pode subsistir a segunda”112.

Em recente julgado o STJ acatou tal entendimento (REsp nº 1.096.712/MG):

RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA. DESCABIMENTO DA EXIGÊNCIA DO FISCO. MULTA. AFASTAMENTO.

1. A despeito do reconhecimento da independência da nominada obrigação tributária acessória, essa obrigação só pode ser exigida pelo Fisco para instrumentalizar ou viabilizar a cobrança de um tributo, ou seja, deve existir um mínimo de correlação entre as duas espécies de obrigações que justifique a exigibilidade da obrigação acessória.

110 SILVA, Paulo Roberto Coimbra. Direito tributário sancionador, p. 61-76. 111 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp. nº 766.004/SE. 1. T. Rel. Min. Francisco Falcão, j.

25/10/2005. DJ, Brasília, 19 dez. 2005. p. 263. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/webstj/proces so/Justica/detalhe.asp?numreg=200501129732&pv=010000000000&tp=51>. Acesso em: 26 maio 2010.

112 BRASIL. Tribunal Regional Federal (1. Região). AC nº 1997.01.00.045483-6/MG. 4. 1. T. Rel. Juiza Conv. Vera Carla Cruz, j. 08/10/1999. DJ, Brasília, 17 mar. 2000. p. 276. Disponível em: <http://www.trf1.jus.br/Processos/ProcessosTRF/>. Acesso em: 26 maio 2010.

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2. Na hipótese, o transporte do café beneficiado, pela empresa beneficiadora - ora recorrente -, estava acobertado pelas notas fiscais de devolução e de venda da mercadoria, pelos fazendeiros, para a Bolsa de Insumos de Patrocínio, mostrando-se totalmente descabida e desarrazoada a exigência da emissão de Nota fiscal pela recorrente, sem destaque de ICMS, na qualidade de detentora da mercadoria.

3. Precedentes: REsp 539.084/SP, 1ª Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, DJ de 19.12.2005; REsp 728.999/PR, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 26.10.2006.

4. Recurso especial provido.113

Do voto, cabe destacar:

Hugo de Brito Machado, em artigo publicado na Revista Dialética de Direito Tributário de setembro de 1997, pág. 61, asseverou:

‘Todavia, é importante insistir em que a obrigação tributária acessória não é apenas um dever que a Administração impõe ao sujeito passivo da obrigação tributária principal. É essencialmente um dever instrumental, que nenhuma finalidade pode ter, além daquela de viabilizar o controle do adimplemento da obrigação principal . Esse caráter de acessoriedade, nem sempre bem compreendido, é fundamental para a adequada compreensão dessa espécie de obrigação jurídica.

Não se trata de acessoriedade no sentido de ligação a uma determinada obrigação outra, da qual dependa. Por isto mesmo a obrigação acessória subsiste ainda quando a obrigação principal à qual se liga ou parece ligar-se imediatamente, é inexistente em face de imunidade, não incidência ou isenção tributária. O caráter de acessoriedade há de ser entendido no sentido próprio que tem a obrigação no campo do Direito Tributário. Uma acessoriedade em relação à obrigação de pagar tributo vista globalmente. Não em relação à obrigação de pagar determinado tributo, exigível em razão de um determinado e específico fato tipo, que realiza um hipótese de incidência em determinada situação isolada. Acessoriedade no sentido de ser uma obrigação instrumento da outra, que só existe para instrumentalizar outra. Que não teria sentido de existir sem a outra’. (sem grifos no original)

Roque Antonio Carrazza, na sua obra ICMS, (Editora Malheiros, 11ª edição, nas págs. 516-521), também assentou:

‘Vemos, assim, que o dever instrumental tributário não se confunde com o tributo. Por isso, cumprir o dever instrumental tributário não é o mesmo que pagar o tributo. Mas é o cumprimento do dever instrumental tributário que torna possível o exato pagamento do tributo.

Por isso mesmo, deve haver uma perfeita harmonia entre os tributos e os deveres instrumentais a ele relacionados.

[...]

Melhor dizendo, se a pessoa, física ou jurídica, não estiver, efetiva ou potencialmente, sujeita ao pagamento deste tributo (obrigação tributária principal), não pode ser compelida a cumprir deveres instrumentais tributários (obrigações tributárias acessórias) a ele concernentes. Assim, por exemplo, se a atividade que desempenha estiver fora do âmbito de

113 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp. nº 1.096.712/MG. 1. T. Rel. Min. Denise Arruda, j.

02/04/2009. DJ, Brasília, 06 maio 2009. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/webstj/processo/Jus tica/detalhe.asp?numreg=200802349433&pv=010000000000&tp=51>. Acesso em: 26 maio 2010.

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incidência do ICMS, isto é, for totalmente desvinculada do fato imponível desta exação, não pode ser constrangida pela Fazenda Pública estadual (ou distrital), a emitir notas fiscais. Nem muito menos, sancionada, por não as ter emitido’.

Portanto, deve existir um mínimo de correlação entre as duas espécies de obrigações (principal e acessória) para justificar a exigibilidade da obrigação acessória e mesmo da multa pelo não cumprimento de eventual obrigação chamada de instrumental.

Diante de tais considerações, no âmbito do Texto Constitucional e à luz dos

princípios constitucionais aplicáveis às sanções fiscais verifica-se que tais princípios

servidão também para promover a integração da norma com seus limitadores

constitucionais, mas partindo sempre da premissa que tais princípios deverão ser

obedecidos no Direito Tributário Sancionador.

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5 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E A FUNÇÃO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS NO SISTEMA TRIBUTÁRIO

5.1 O Estado Democrático de Direito e o valor segurança jurídica

A Constituição, como pacto maior da nação, busca a normatização das

relações sociais, refletindo, na medida do possível, o pluralismo e participação dos

valores sociais. Norberto Bobbio demonstra a ligação umbilical do Estado de Direito

e a relação jurídica:

É com o nascimento do Estado de direito que ocorre a passagem final do ponto de vista do príncipe para o ponto de vista dos cidadãos. No Estado despótico, os indivíduos singulares só têm deveres e não direitos. No Estado absoluto, os indivíduos possuem, em relação ao soberano, direitos privados. No Estado de direito, o indivíduo tem, em face do Estado, não só direitos privados, mas também direitos públicos. O Estado de direito é o Estado dos cidadãos.114

Por mais repetitivo que se possa parecer, num primeiro enfoque do que seja

Estado Democrático de Direito, pode-se afirmar que deve esse Estado primar para

relação jurídica, ou seja, não pode mais prevalecer o poder, mas a segurança de

uma relação jurídica, banhada pela igualdade e pela Justiça. As relações devem ser,

portanto, reguladas pelo Direito, inexistindo a lei do mais forte.

Misabel Abreu Machado Derzi vai mais além e, analisando o termo

democrático, afirma com precisão de que ele não é “apenas” uma forma de governo,

mas sim, que a relação obrigacional no Estado de Direito deve ter a participação de

todos (democracia), ser igual e segura para todos (justiça), enfim, Estado

Democrático de Direito para as novas nuances do constitucionalismo é se deter em

três pilares: previsibilidade, segurança jurídica e justiça! Nada mais, nada menos.115

Geraldo Ataliba lembra, ainda, que os princípios que norteiam o

114 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos, p. 61. 115 BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar, nota 1 de Misabel Abreu

Machado Derzi, p. 09-10.

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Ordenamento Jurídico e, porque não conceituam nem preservam o Estado

Democrático de Direito, são o Federalismo e a Separação dos Poderes.116

No mesmo sentido, José Joaquim Gomes Canotilho:

A articulação de princípios e regras, de diferentes tipos e características, iluminará a compreensão da constituição como um sistema interno assente em princípios estruturantes fundamentais que, por sua vez, assentam em subprincípios e regras constitucionais concretizadores desses mesmos princípios. Quer dizer: a constituição é formada por regras e princípios de diferente grau de concretização (=diferente densidade semântica).

Existem, em primeiro lugar, certos princípios designados por princípios estruturantes, constitutivos e indicativos das idéias directivas básicas de toda a ordem constitucional. São, por assim dizer, as traves-mestras jurídico-constitucionais do estatuto jurídico do político. Na ordem constitucional portuguesa considerar-se-ão (a título indicativo, sem pretensões de exaustividade) como princípios estruturantes:

- o princípio do Estado de direito (arts. 2º e 9º);

- o princípio democrático (arts. 1º, 2º, 3º/1 e 10º);

- o princípio republicano (arts. 1º, 2º, 11º e 288º/b).117

Para Norberto Bobbio os remédios heróicos que visam o controle do abuso

são basicamente (podendo gerar variáveis) a separação dos poderes e a

subordinação do poder estatal ao Direito.118 E novamente a Professora Misabel

Abreu Machado Derzi:

[...] entretanto, apesar das várias revisões por que passou a teoria, fica sempre a idéia principal de que, através da separação dos poderes ou, na versão mais moderna, das funções estatais, se assegura a liberdade. Por meio do equilíbrio e controle recíproco entre as funções estatais, no sistema de pesos e contrapesos, se obtém ‘uma garantia concreta da liberdade e uma afirmativa de que a soberania não será usurpada por qualquer um dos órgãos. [...] Lato sensu, todo Estado é de Direito, vez que a todo Estado corresponde uma ordem jurídica. Não obstante, a expressão é reservada, como lembra Hans Kelsen, para designar aquele, onde certas condições mínimas de democracia e garantias individuais são respeitadas. Na república democrática, a liberdade é compreendida como autodeterminação, ou seja, o indivíduo é submetido a um ordenamento jurídico que ele quer, porque partilha de sua criação. [...] A noção fundamental que decorre da democracia não é propriamente a separação entre as funções estatais, mas a idéia de que todo poder deve decorrer do povo e ser por ele exercido e ‘onde não é possível a democracia direta mas apenas a indireta, todo poder tem que ser exercido por um órgão colegiado cujos membros tenham sido eleitos pelo povo e sejam juridicamente responsáveis perante este’ [...] A

116 ATALIBA, Geraldo. A república e constituição. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 36. 117 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 4. ed. Coimbra:

Almedina, 2000. p. 1.137. 118 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Tradução Márcio Pugliesi.

São Paulo: Ícone, 1995.

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evolução do Estado de Direito ao Estado da Constituição faz crescer de importância o papel do Poder Judiciário, naqueles países, onde esse Poder monopoliza o processo de controle da constitucionalidade das leis, ou nele desempenha função de grande relevância. Por isso, concordamos com Gordillo, quando leciona que, teoricamente, o Poder Executivo subordina-se ao Legislativo e o Legislativo ao Judiciário.119

Pois bem, nesta primeira face do Estado Democrático, deseja ele conter o

abuso, separar as funções para que Executivo, Legislativo e Judiciário possam

conter as forças de cada qual e encontrar o equilíbrio.

Numa outra vertente, o Estado Democrático de Direito procura regular as

ações segundo as regras do Direito, o que necessariamente passa pela Justiça

Material e Segurança Jurídica, sendo que esta última busca tornar previsíveis as

regras e como o Estado vai atuar na Sociedade e na intervenção do patrimônio

público.

Não há sentido em pensar um Estado Democrático de Direito sem que este

tenha regras previamente definidas, a proteção ao passado, o ato jurídico perfeito, a

coisa julgada, a irretroatividade do próprio Direito. E não há qualquer contra-senso em

afirmar que os princípios visam modernizar o sistema. Não se tenta impedir a

modernização ou o enfrentamento da complexidade das relações atuais, mas este

enfrentamento tem que ser feito pro futuro, e o passado deve ser protegido a todo custo.

Portanto, a Segurança Jurídica (previsibilidade, legalidade, confiança na lei

fiscal) e a busca pela Justiça Material (igualdade, capacidade contributiva,

progressividade, seletividade, extrafiscalidade, não-cumulatividade, entre outros) são

os instrumentos de realização do Estado Democrático de Direito, e para a realização

das garantias fundamentais, direitos individuais e sociais constantes do Texto

Constitucional.

Estado Democrático de Direito significa, dentre outros aspectos,

previsibilidade das ações estatais; boa-fé deste Estado para tratar seus cidadãos,

tratamento de forma segura (previsível) e justa.

A doutrina deixa claro que segurança jurídica é conseqüência do Estado de

Direito:

119 DERZI, Misabel Abreu Machado. Direito tributário, direito penal e tipo. 2. ed. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2007. p. 85-86.

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O conceito de segurança jurídica é considerado conquista especial do Estado de Direito. Sua função é a de proteger o indivíduo de atos arbitrários do poder estatal, já que as intervenções do Estado nos direitos dos cidadãos podem ser muito pesadas e, às vezes, injustas. No entanto, se tais intervenções têm base em lei e visam o bem-estar público, será preciso decidir-se pela avaliação conjunta do interesse coletivo e do interesse do particular afetado para se aferir a juridicidade (conformação do direito) da medida estatal. Esse princípio é freqüentemente denominado ‘princípio da proporcionalidade’.

Para proteger os direitos do indivíduo, o princípio da segurança jurídica começa a atuar já quando dessa avaliação do bem estar público e do interesse do particular, exigindo-se antes de mais nada que essa intervenção do Estado seja previsível pelo cidadão. Portanto, a ação estatal deve estar sujeita a determinadas regras. Somente assim, o particular pode adequar sua conduta dentro do Estado, de modo a prever as intervenções ou atenuá-las.

[...]

A segurança jurídica como tal é um princípio constitucional não-escrito, derivado do princípio do Estado de Direito. Já que a segurança jurídica deve tornar-se previsível a atuação estatal para o particular, essa atuação deve estar sujeita a regras fixas. A limitação do poder do Estado por essas regras, isto é, por essas leis, cuja observância é vigiada pela justiça, é o conteúdo especial do princípio do Estado de Direito.120

Partindo dos conceitos acima postos, surge um primeiro questionamento a

ser enfrentado acerca de qual seria a correlação de tais conceitos com aplicação das

sanções fiscais.

Como dito em capítulo anterior, a norma de conduta tributária (que

estabelece a hipótese obrigacional principal acessória) e a norma sancionante

tributária (que estabelece as penalidades pela hipótese de ilícito) são normas

condicionantes, que estabelecem uma hipótese e uma conseqüência.

A norma sancionante tributária, assim como a norma de conduta, tem

natureza tributária e, portanto, a ela são aplicáveis os princípios constitucionais que

limitam o poder de tributar, desde que cabível tal aplicação.

Portanto, quando o Estado atua no patrimônio do particular, seja cobrando

tributos, seja penalizando-o por uma conduta ilícita, deve este Estado se valer da

figura constitucional de Estado Democrático de Direito e conceder regras justas,

proporcionais, razoáveis, seguras e confiáveis, aliás, esta a função dos princípios,

como se passa a demonstrar.

120 STEIN, Torstein. A segurança jurídica na ordem legal da República Federal da Alemanha. In:

LAGUARDIA, Jorge Mario García et al. Acesso à justiça e cidadania. São Paulo: Konrad-Adenauer-Stiftung, 2000. Cadernos Adenauer n. 3, p. 93.

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5.2 O papel dos princípios constitucionais

O Sistema Constitucional Tributário se fixa em três grandes pilares: as

normas de competência, as regras de repartição das receitas tributárias e os limites

ao poder de tributar, sendo que este último dividido nas imunidades e princípios.

Os princípios norteadores do Sistema Tributário visam estancar qualquer

tentativa de abuso do poder que possa existir por parte das autoridades fiscais e é

onde o poder tramita de forma extrema, por isso, a necessidade de vigilância de

eventuais abusos.

Valter Souza Lobato, em sua dissertação de mestrado, ao mesmo tempo

que demonstra a importância de limitar o poder de tributar, mostra que o sistema

ainda não conseguiu se equilibrar de forma suficiente a dar segurança e estabilidade

para a sociedade:

No Direito Tributário a presença do poder é intensa, abarcando interesses de

arrecadação para manutenção de um modelo econômico; ou abarcando

interesses de determinados setores econômicos. Se voltarmos os olhos para

todos os elementos (não jurídicos) que cercam o Direito Tributário jamais

conseguiremos extrair qualquer segurança, previsibilidade ou conhecimento. Citamos Michel Bouvier, cujas lições nos foram trazidas pela Professora

Misabel: ‘O imposto, desde suas origens, foi representado de duas formas

básicas: como instrumento de submissão ou ainda como meio de

solidariedade do grupo social. Foi através da imagem de um Estado-nação

unificado, de fronteiras bem definidas, que se construiu uma simbologia fiscal largamente aceita, a de que se realiza o bem comum por meio do imposto. Tal visão não é mais a atual. O mundo atual é composto, descrente, desencantado. A concepção fortemente individualista dos anos oitenta e a

tese de uma fiscalidade mínima favorecem o retorno da lógica do imposto-troca. O corporativismo se reforça, reclama e obtém privilégios fiscais que se

traduzem em múltiplos tipos de alívios ideais. Essa onda corporativista está na

origem de uma série de favores e regimes derrogatórios, tomados

notadamente em direção do setor econômico e financeiro, que dão à

fiscalidade nacional e local atual a estrutura de um verdadeiro mosaico.Em tal quadro, o poder fiscal se tornou um jogo para os múltiplos centros de decisão

públicos e privados que formam o tecido social, enquanto ele é cada vez

menos um atributo de um poder universal, representado até agora pelo

Estado. Os organismos profissionais (sindicatos patronais ou de empregados), as associações profissionais de interesses de tal ou qual parte da população, as coletividades territoriais, as instituições internacionais, todos intervêm de

maneira ativa no processo de decisão fiscal, reivindicam a fiscalização de certa

renda ou o poder de modular a carga fiscal, ou criá-la, suprimi-la ou modificá-la. Assim presenciamos um retorno à Idade Média, com extrema diversificação da

arrecadação, associada a inúmeras diferenças de estatutos’ (CF. op. cit. p.

225-226).

Especialmente no Brasil, mesmo com tantos princípios constitucionais, mesmo com tantas proteções no Texto Constitucional, o Direito Tributário não foi capaz de dar respostas eficientes à sociedade brasileira; não

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conseguiu construir uma valoração de princípios, nem tampouco uma construção científica de conceitos. .121

Geraldo Ataliba já em 1976 vislumbrava as dificuldades atuais:

Ora, no Brasil acontece exatamente o oposto, ou seja: no Brasil, podemos quase firmar o princípio da presunção da inconstitucionalidade da lei tributária. Então, não podemos começar o nosso trabalho com aquela tranqüilidade, aquela ligeireza com que pode estar autorizado o exegeta em outros países. E porque não? Exatamente porque o legislador constituinte, no Brasil, ao contrário do que fez o legislador constituinte em todos esses países, não se limitou a enunciar dois, três ou quatro princípios constitucionais aplicáveis ao exercício da tributação. Tributação quer dizer ação tributária. É uma ação privativamente estatal. É a ação consistente em o Estado exigir contribuição compulsória em dinheiro das pessoas.

Desde 1824, com tendência nítida a um agravamento desta postura, o legislador constituinte brasileiro vem estabelecendo uma série de balizas, uma série de cercas, de peias, de correntes, de muros ao exercício da competência tributária. É assim o Estado, no Brasil.

O legislador constituinte fixou um rol relativamente respeitável de obstáculos de natureza constitucional - porque constantes do texto da Constituição -, a serem observados pelo legislador ordinário. Nessas condições não basta, no Brasil, que o legislador ordinário esgote, ao editar a lei, a função criadora do tributo, nem basta que ele obedeça, observe ou respeite o princípio da igualdade. Não. Ele é obrigado a obedecer, a estar atento a ‘mil e uma’ - não diria ‘mil e uma’, para não usar uma linguagem figurada; vou usar uma linguagem precisa, quase matemática - cento e uma limitações, barreiras, peias, que o legislador constituinte colocou ao exercício da sua ação. E se o legislador ordinário não atentar para todas elas, no seu conjunto, ele desobedecerá a uma ou a algumas, o que freqüentemente acontece, incidindo, portanto, em inconstitucionalidade.

[...]

Isto começa em 1824 com cerca de trinta mandamentos e acaba em 1969, com

mais de uma centena. Se mais uma Constituição vier, podem estar certos que

aparecerão mais regras. Cada regra de nível constitucional que se acrescenta

ao sistema tributário é mais uma peia que se coloca ao legislador ordinário. Portanto, mais uma oportunidade de o legislador ordinário errar e, assim, mais

um ensejo para incidir em inconstitucionalidade.122

O Texto Constitucional regulou de forma exaustiva o Sistema Tributário, com

uma infinidade de princípios para proteger a Sociedade contra eventuais abusos, e o

fez, imaginando estar essa sociedade mais do que protegida. Pura ilusão! A

realidade demonstrou que o abuso é constante, seja na criação de tributos a cada

dia, no alargamento das bases de cálculo dos tributos já existentes, e na deturpação

de conceitos como de salário, renda, faturamento, etc.

121 LOBATO, Valter Souza. Os tributos destinados ao custeio da seguridade social: a busca do

equilíbrio de suas fontes, p. 38-39. 122 ATALIBA, Geraldo. Princípios constitucionais tributários. São Paulo: EDUC, 1976. v. II, p. 08-09.

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Faltou, portanto, dar efetividade para a norma constitucional. Faltou o

intérprete não mais se cegar com as instruções normativas, portarias e resoluções

internas das repartições públicas. Faltou também o aplicador do Direito não se

preocupar somente com os conceitos contábeis, com as declarações e com as

obrigações acessórias. Enfim, faltou o Direito se impor enquanto norma de conduta e

segundo os valores postos no Texto Constitucional. Enfim, faltou a construção de um

verdadeiro, justo e seguro Sistema Tributário.123

O Direito Tributário regula a relação tributária, que deve estar pautada, ab

initio pela norma constitucional, que determina amplo seguimento a segurança

jurídica e à justiça tributária, além de algumas regras-princípios, que não admitem

maiores ilações (anterioridade, não-surpresa, irretroatividade, etc.).

Nesse sentido, os princípios tem como função primeira limitar o poder no

sistema tributário, inclusive o poder do Estado, a bem da preservação dos direitos e

garantias individuais e sociais.

É o que nos ensina Humberto Ávila:

As leis tributárias soa primordialmente leis interventivas (einggriffsgesetze), na medida em que restringem a liberdade e a propriedade do cidadão, de modo direto ou indireto, e independentemente da sua vontade. Em razão disso, a função de defesa (abwehrfunktion) dos direitos fundamentais assume grande significado nesse caso.124

E Ricardo Lobo Torres:

[...] A relação tributária, por outro lado, aparece totalmente vinculada pelos direitos fundamentais, declarados na Constituição. Nasce, por força de lei, no espaço previamente aberto pela liberdade individual ao poder impositivo estatal. É rigidamente controlada pelas garantias dos direitos e pelos sistemas de princípios da segurança jurídica. Todas essas características fazem com que se neutralize a superioridade do Estado, decorrentes dos interesses gerais que representa, sem que, todavia, se prejudique a publicidade do vínculo jurídico.125

123 “Sendo o Direito um sistema, torna-se mais fácil apreender o conteúdo, sentido e alcance de seus

institutos e normas em função das exigências postuladas por esses princípios. Olvidar o cunho sistemático do Direito é admitir que suas formas de expressão mais salientes, as normas, formam um amontoado caótico, sem nexo, nem harmonia, em que cada preceito ou instituto pode ser arbitrária e aleatoriamente entendido e aplicado, grosseiramente indiferente aos valores jurídicos básicos resultantes da decisão popular” (ATALIBA, Geraldo. A república e constituição, p. 15).

124 ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário, p. 74. 125 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário, p. 209.

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Humberto Ávila afirma, ainda, que as limitações são uma espécie das várias

limitações que o sistema constitucional estabelece: regras de competência,

princípios, garantias e direitos fundamentais.126

E é o próprio autor que coloca os obstáculos que devem ser enfrentados

para que tais limitações sejam efetivadas. A primeira dificuldade surge, porque tais

limitações restringem os detentores do poder, mas são estes mesmos detentores

que deverão estabelecer procedimentos para regular e efetivar tais limitações. É

como pedir que o prisioneiro fique com a chave da prisão, ou seja, o abuso virá,

porque não interessa ao detentor do poder ser limitado.

Em segundo lugar, as limitações cercam o poder, mas também fazem gerar

este poder (este o processo democrático). Por ultimo, mas não menos importante,

toda limitação ao poder de tributar ao mesmo tempo que limita é limitada, assim, a

preservação da propriedade é limitada pelo uso social desta, por sua vez, a

capacidade contributiva é limitada pela extrafiscalidade, e assim por diante.

Ensina o Professor Sacha Calmon Navarro Coêlho:

Colegas de mesa, o tema que nos foi oferecido diz respeito aos “Princípios Constitucionais de Proteção aos Contribuintes”. Seria desnecessário vincar, neste momento, a importância dos princípios jurídicos na trama da realização do Direito. O prof. Geraldo Ataliba não tem se cansado de dizer, na sua incansável tarefa de espargir sabedoria a respeito da aplicação do Direito Tributário, que ferir um princípio é muito mais grave do que lecionar uma norma em particular, porque o ferimento ao princípio vulnera a própria ordem jurídica e ataca os fundamentos dessa mesma ordem jurídica. Daí que os princípios jurídicos são fundantes, são estruturais, eles comandam e imantam a Ordem Jurídica, as normas se agrupam e se submetem aos princípios. Portanto, o respeito ao princípio, o conhecimento de sua mecânica assume relevo ímpar nesta trama da realização do Direito a que me referi há pouco...”.127

Na visão de Geraldo Ataliba citando o Professor Agustín Gordillho:

princípio é uma norma, mas, muito mais do que uma norma, é uma pedra angular do sistema porque, embora contendo uma norma, ele é também a fonte que serve para suportar outras normas. Muito mais do que um comando, o princípio é uma diretriz, é um norte do sistema. O princípio, além de estabelecer e prescrever comportamentos dá sentido, direção a um grupo de normas jurídicas. [...] Princípio - foi dito - é mais do que norma, é

126 ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário, p. 71. 127 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Princípios constitucionais tributários, conferência e debates.

Revista de Direito Tributário, São Paulo, n. 48, p. 65-71, mar. 1989. p. 65.

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diretriz de um sistema. O princípio, além de encerrar um comando, estabelece o sentido de um sistema.128

Pois bem, esta norma constitucional que irriga a relação jurídico-tributária

com os valores do Estado Democrático de Direito cerca os eventuais abusos que

possam ser cometidos.129

Novamente as lições do Professor Sacha Calmon Navarro Coêlho:

O Brasil, ao contrário, inundou a Constituição com princípios e regras atinentes ao Direito Tributário. Somos, indubitavelmente, o país cuja Constituição é a mais extensa e minuciosa em tema de tributação. Este cariz, tão nosso, nos conduz a três importantes conclusões:

Primus - os fundamentos do Direito Tributário brasileiro estão enraizados na Constituição de onde se projetam altaneiros sobre as ordens jurídicas parciais da União, dos Estados e dos Municípios;

Secundus - o Direito Tributário posto na Constituição deve, antes de tudo, merecer as primícias dos juristas e dos operadores do Direito, porquanto é o texto fundante da ordem jurídico-tributária;

Tertius - as doutrinas forâneas devem ser recebidas com cautela, tendo em vista as diversidades constitucionais.130

Uma característica marcante dos princípios é que eles não estabelecem um

comportamento específico, mas uma meta, um padrão, uma diretriz. Os princípios

estabelecem os padrões pelos quais as leis devem ser interpretadas.

Destarte, os princípios são dotados de grau de normatividade suficiente para

que os Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) guardem obediência a eles, mas

graças ao seu grau de abstração conseguem também servir de diretriz para a

formação e entendimento lógico-jurídico do Sistema Constitucional, tendo, ainda,

como um terceiro papel, deixar o Sistema aberto para que o Texto Constitucional

acompanhe de forma celere a transformação social e econômica do mundo

128 ATALIBA, Geraldo. Princípios constitucionais tributários, p. 12-13. 129 A Professora Misabel Abreu Machado Derzi, nas anotações à obra de BALEEIRO, Aliomar.

Limitações constitucionais ao poder de tributar, 1999, arrola mais de 36 princípios, incluindo as imunidades ditas como “[...] meras especializações ou explicações dos direitos e garantias individuais”, lembrando que nem mesmo o art. 5º do Texto Constitucional que arrola os princípios é taxativo: “Os direitos e garantias expressos nessa Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.

130 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro, p. 45.

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moderno. ou nas palavras da Professora Misabel Abreu Machado Derzi “[...] para

captar as fluidas transições da vida [...]”131.

Nesse sentido, importantes as lições de José Joaquim Gomes Canotilho:

O sistema jurídico do Estado de Direito democrático português é um sistema normativo aberto de regras e princípios. Este ponto de partida carece de descodificação (1) é um sistema jurídico porque é um sistema dinâmico de normas; (2) é um sistema aberto porque tem uma estrutura dialógica (Caliess), traduzida na disponibilidade e capacidade de aprendizagem das normas constitucionais para captarem a mudança de realidade e estarem abertas às concepções cambiantes da verdade e da justiça; (3) é um sistema normativo, porque a estrutura das expectativas referentes à valores, programas, funções e pessoas, é feita através de normas; (4) é um sistema de regras e de princípios, pois as normas do sistema tanto podem revelar-se sob a forma de princípios como sob a sua forma de regras.132

Portanto, um sistema somente de princípios seria facilmente transgredido

pela fluidez destes, mas também um sistema somente de regras ficaria defasado

com um único dia de vigência.

Novamente, as lições de José Joaquim Gomes Canotilho:

A existência de regras e princípios, tal como se acaba de expor, permite a decodificação, em termos de um constitucionalismo adequado, da estrutura sistêmica, isto é, possibilita a compreensão da constituição como sistema aberto de regras e princípios.

Um modelo ou sistema constituído exclusivamente por regras conduzir-nos-ia a um sistema jurídico de limitada racionalidade prática. Exigiria uma disciplina legislativa exaustiva e completa - legalismo - do mundo e da vida, fixando, em termos definitivos, as premissas e os resultados das regras jurídicas. Conseguir-se-ia um sistema de segurança, mas não haveria qualquer espaço livre para a complementação e o desenvolvimento, de um sistema, como o constitucional, que é necessariamente um sistema aberto. Por outro lado, um legalismo estrito de regras não permitiria a introdução dos conflitos, das concordâncias, do balanceamento de valores e interesses, de uma sociedade pluralista e aberta. Corresponderia a uma organização política monidimensional (Zagrebelsky).133

Neste mesmo sentido, Humberto Ávila afirma que um

sistema só de princípios seria demasiadamente flexível, pela ausência de guias claros de comportamento, ocasionando problemas de coordenação, conhecimento, custos e controle de poder. E um sistema só de regras,

131 BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar, nota de Misabel Abreu

Machado Derzi, p. 152. 132 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, p. 1.159. 133 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, p. 174.

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aplicadas de modo formalista, seria demasiado rígido, pela ausência de válvulas de abertura para amoldamento das soluções às particularidades dos casos concretos.134

Portanto, através dos princípios postos no texto constitucional é que se pode

enfrentar a complexidade da sociedade moderna, pois ela faz com que se possa

adaptar o Sistema às conjecturas sociais.

A Igualdade, por exemplo, é um princípio ímpar para demonstrar tal questão,

pois ele evoluiu conforme a evolução da sociedade. Se antes, décadas atrás, as

mulheres não estavam inseridas no campo das igualdades, hoje visto com lentes da

atualidade não mais discute a sua inserção no mesmo plano de igualdade dos

homens, já que trata-sede questão já superada.

Ainda nos ensinamentos de Humberto Ávila, não se pode dizer que os princípios

são mais importantes que as regras ou vice-versa, mas que ambos os institutos são

complementares. O autor ainda menciona uma terceira categoria, os postulados, que

seriam princípios que auxiliam na aplicação, na dosagem e no processo de arbitragem

ou sopesamento quando dois ou mais princípios entram em conflito.

Misabel Abreu Machado Derzi dá a exata noção do sistema constitucional

atual e de sua função:

Hoje, o constitucionalismo vê a Constituição como um sistema de normas que aspira a uma unidade de sentido e de compreensão, unidade essa que somente pode ser dada por meio de princípios, continuamente revistos, recompreendidos e reexpressos pelos intérpretes e aplicadores do Texto Magno. Ou seja, a análise estruturadora sistêmica é, necessariamente, aberta, visto que, não raramente, normas e princípios estão em tensão e aparentam conflito. Chamamos tais conflitos e tensões de ‘aparentes’, porque a compreensão profunda da Constituição é sempre buscada, sempre descoberta, sempre contínua.

[...]

Portanto, a própria noção de interpretação sempre norteada pela vontade objetivada do Constituinte (jamais a subjetiva), e compreendida dentro de um sistema normativo em que os princípios e os fins norteiam o sentido - como já reconheceu publicamente o Tribunal Constitucional da Alemanha - leva ao concretismo, a uma força normativa da Constituição (erradicadas as normas simplesmente programáticas) e a um sopesamento contínuo de princípios e valores, ou balanceamento de que nos fala DWORKIN. Entre nós dá notícia da tensão entre princípios e valores e do seu necessário sopesamento, sem radicalismos do tudo ou nada, Eros R. Grau

Os princípios gerais são manifestações de valores fundantes gerais, que se

134 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 10. ed.

São Paulo: Malheiros, 2009. p. 120-121.

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concretizam em direitos humanos, em acepção ampla, ou seja, em direitos individuais, direitos da liberdade ou direitos fundamentais, inclusive sociais e liberdades públicas, tão extensos que, neles certamente se incluem as garantias institucionais e processuais da liberdade e ainda a tutela jurisdicional dos direitos e a autotutela da legalidade da administração.135

Devem ser transcritos também os ensinamentos de Ricardo Lobo Torres:

Os princípios do direito financeiro são enunciados genéricos que informam a criação, a interpretação e a aplicação das normas jurídicas financeiras. No dizer de Miguel Reale (op. cit., p. 300): ‘Princípios gerais de direito são enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico, quer para a aplicação e interpretação, quer para a elaboração de novas normas.136

Ricardo Lobo Torres ainda retrata interessante classificação dos princípios:

Os princípios gerais de direito financeiro podem ser classificados de diferentes maneiras. Há princípios de criação (ex. legalidade, anterioridade, irretroatividade, capacidade contributiva) e de interpretação e complementação do direito (unidade, interpretação conforme a Constituição, proibição de analogia, etc.) Alguns são princípios tributários (anterioridade, capacidade contributiva) e outros, orçamentários (não-afetação, universalidade, etc.) Preferimos classifica-los conforme estejam vinculados a uma das idéias básicas do direito - justiça (e equidade) e segurança jurídica - ou à própria legitimidade da ordem financeira.137

Nota-se que o mencionado autor classifica os princípios dividindo-os pelos

valores138 que regem a ordem jurídica nacional (divisão dos princípios entre Justiça,

Equidade, Segurança Jurídica, Legitimidade).

Os princípios representam o primeiro estágio de concretização dos valores jurídicos a que se vinculam. A justiça e a segurança jurídica começam a adquirir concretude normativa e ganham expressão escrita.139

135 BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar, nota de Misabel Abreu

Machado Derzi, p. 10. 136 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário, p. 77. 137 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário, p. 78. 138 Para tanto o autor classifica os valores jurídicos como “[...] idéias inteiramente abstratas,

supraconstitucionais, que informam todo o ordenamento jurídico e que jamais se traduzem em linguagem normativa. A justiça e a segurança ou paz jurídica são as idéias básicas do Direito. De nada adiantaria a Constituição proclamar que a República Federativa do Brasil é justa e segura, posto que tais valores só se concretizam pelos princípios, subprincípios e normas que se afirmam na prática constitucional” (TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário, p. 79).

139 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário, p. 79.

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Portanto, os princípios, ao lado das garantias aos direitos individuais e

sociais, devem ditar a interpretação da norma, pois eles que dão o valor à técnica. E

assim deverá ser quando se tratar também de uma norma sancionante.

Valiosas são as contribuições do Professor Menelick de Carvalho Netto:

Sabemos agora que a obra genérica de abstrata do legislador jamais o fará defrontar-se com as situações concretas únicas em sua singularidade, por definição. É somente mediante a visualização do embate das normas gerais e abstratas, concorrendo entre si em toda a amplitude normativa do ordenamento para regerem situações, que poderemos encontrar a norma adequada àquela situação específica. A imparcialidade do aplicar cobra agora o sentido oposto de que este esteja aberto e sensível às pretensões jurídicas levantadas por todos e cada um dos envolvidos, buscando, no ordenamento, a norma capaz de reger aquele dada situação, de modo a não produzir resíduos de injustiça. A tessitura aberta do Direito não é mais um problema, mas um ponto de partida.140

É pela interpretação constitucional e pela fluidez dos princípios, que se pode

adaptar as regras à vida moderna. Entretanto, parece que dois males assolaram a

interpretação do sistema tributário: a) a ausência da primazia dos princípios na frente

das questões tributárias que, infelizmente, constata-se hoje na jurisprudência pátria

e talvez aí se encontre a razão pela abundância dos princípios, mas a sua pouca

efetividade; b) a doutrina e a jurisprudência classificaram como princípios aqueles

enunciados que são princípios-regra, ou seja, ainda que sejam diretrizes do sistema,

possuem alto grau de concretude o que impede maiores ilações (entre outros:

legalidade, irretroatividade, anterioridade, prazo nonagesimal, etc.).

Quanto à primeira crítica, o sistema atual é lido de baixo para cima, ou seja,

primeiro interessa o que a autoridade fazendária pensa sobre o assunto, depois o

que consta na instrução normativa e, se ela contraria o Texto Constitucional, que se

altere, então, a CF/88. O excesso de emendas constitucionais demonstra o que aqui

se expõe.

Entende-se que a visão do sistema tributário deve ser aquela já anunciada

pelo Professor Eduardo Maneira

140 CARVALHO NETTO, Menelick de. A contribuição do direito administrativo enfocado da ótica do

administrado: para uma reflexão acerca dos fundamentos do controle de constitucionalidade das Leis no Brasil. Um pequeno exercício de Teoria da Constituição. Fórum Administrativo, Belo Horizonte, v. 1, n. 1, p. 11-20, mar. 2001, apud LOBATO, Valter Souza. Os tributos destinados ao custeio da seguridade social: a busca do equilíbrio de suas fontes, p. 13-14.

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a compreensão do todo é fruto de uma dinâmica cujo movimento não se dá somente de cima para baixo, mas nos dois sentidos, em que uma norma completa e dá significado a outra. Por isso que o melhor modo de compreender princípios e regras é diferenciando-os por graus de concretude, cuja intensidade também poderá variar de acordo com o caso concreto.141

A doutrina tradicional sempre fez uma diferenciação gradual, colocando os

princípios num alto grau de abstração (número indeterminado de situações) e

generalidade (número indeterminado de pessoas), enquanto que as regras não

detém nenhum grau de abstração, pois dirigidos a um determinado número de

pessoas e a um determinado número de situações.

Por outro lado, Humberto Ávila assim divide a questão: a) os princípios

seriam distintos das regras em função da natureza da descrição que elas contém

(“as regras descrevem comportamentos ou poderes para atingir fins; princípios

descrevem fins cuja realização depende de efeitos decorrentes da adoção de

comportamentos”); da natureza que os legitima as regras exigem um exame de

correspondência entre o conceito da norma e o conceito do fato, sempre com a

verificação da manutenção ou realização das finalidades sub e sobrejacentes; os

princípios exigem uma compatibilidade entre os efeitos da conduta e a realização

gradual do fim e da forma como atingem a pretensão da lei (“as regras têm a

pretensão terminativa, e os princípios têm pretensão complementar”142). b) há ainda

uma terceira categoria de normas, que não se confundiriam com os princípios e

regras, seriam os postulados normativos aplicativos, sendo normas de segundo grau

que auxiliam na aplicação das demais normas. Nesta categoria estão a razoabilidade e proporcionalidade.

Assim, no exame da razoabilidade é preciso verificar, por detrás da norma,

se há equivalência entre a dimensão da intervenção ou exação que se pretende

aplicar e a finalidade daquela norma (enfim, se o resultado - exação ou punição - se

equivale na mesma força do que se pretendia quando da instituição da regra ou

princípio).

Na proporcionalidade investiga-se se o princípio homenageado não traduz

141 MANEIRA, Eduardo. Base de cálculo presumida, p. 30. 142 ÁVILA, Humberto. Princípios e regras e a segurança jurídica. In: BARRETO, Aires Fernandino et

al. Segurança jurídica na tributação e estado de direito. São Paulo: Noeses, 2005. p. 259.

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em restrição excessiva aos demais princípios que não estão sendo aplicados ou que

estão sendo restringidos no fato concreto.

A distinção do Professor Humberto Ávila ao promover os princípios da

razoabilidade e Proporcionalidade a postulados normativos, e dá em razão de que

para ele tais normas são colocadas num plano distinto, com a função de estabelecer

critérios para aplicação dos princípios e das regras. Ademais os postulados não

ditam condutas obrigatórias, mas sim, parâmetros para realização da finalidade das

normas.

Aos princípios cabe o instrumento de aplicação das regras ao caso concreto

e aos postulados normativos a função de ditar os parâmetros para que princípios e

regras consigam conviver num ambiente de Segurança Jurídica e Justiça.

É com base em tais premissas que passa-se ao estudo dos princípios

aplicáveis especificamente às sanções fiscais.

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6 OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS LIMITADORES DAS SANCÕES FISCAIS E SUA CORRELAÇÃO COM O CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL

6.1 Os princípios aplicáveis às sanções tributárias

Não tem a pretensão este capítulo esgotar o estudo de todos os princípios

aplicáveis às sanções tributárias, até porque caberia passar princípio a princípio para

verificação do seu alcance e em que medida poderia ele ser aplicável.

A exemplo disso tem-se os princípios do devido processo legal, ampla

defesa e contraditório que, por óbvio, sendo a sanção tributária um limitador ao

direito de propriedade, pois invade a esfera do contribuinte para dele tomar parte do

seu patrimônio, ao ser aplicada, deverá ser respeitado o devido processo legal,

dando ao contribuinte o mais amplo direito de defesa.

Cabe dizer, ainda, que diversos autores buscam trazer ao Direito Tributário,

no que tange as sanções fiscais, princípios aplicáveis ao Direito Penal. A iniciativa é

válida, mas não conta a priori com a adesão do presente estudo, isto porque, o

próprio CTN (art. 108) admite o uso dos princípios gerais de direito público, na

aplicação das sanções. Contudo, é o mesmo artigo que determina a aplicação

primeira dos princípios gerais de Direito Tributário e estes, ao sentir deste trabalho,

basta pata solucionar a questão da dosimetria das sanções fiscais.

Claramente o Texto Constitucional oferece princípios que podem limitar de

forma quantitativa e qualitativa as sanções tributárias, o que se mostra de suma

importância para os dias atuais, posto que no Ordenamento Jurídico vigente

encontram-se sanções - decorrentes do descumprimento de obrigações acessórias

ou principais - que ultrapassam o valor do próprio tributo.

Como visto no capítulo anterior, o ilícito tributário nada mais é do que a

sanção pela infringencia da norma tributária, tendo como funções a punição, a

educação e o ressarcimento ao Erário Público do prejuízo sofrido. Verificou-se

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também que o ilícito tributário (ou a conduta condenável no âmbito da norma

tributária) pode caracterizar, pela gravidade da conduta praticada e demais

pressupostos, um ilícito penal, contudo, são ilícitos de natureza diversa, que não

podem se confundir.

A norma sancionante penal tem sua aplicação própria no âmbito do Direito

Penal, assim como a norma sancionante tributária, aplica-se no âmbito do Direito

Tributário.

Autores de respeito143 chegam a classificar o ilícito fiscal ou tributário como

gênero e o penal-tributário como uma espécie de tal gênero, atraindo, ainda, para o

campo da concretização da norma sancionante tributária uma série de princípios que

são afetos ao Direito Penal:

Sendo a norma sancionadora tributária, seu antecedente é usualmente designado por ilícito e o fato concreto nele enquadrável, por infração. Seu conseqüente consiste em uma sanção, usual e mais apropriadamente pecuniária. Tratando-se de norma de natureza penal, seu antecedente é intitulado tipo e o fato nele encaixilhado contravenção, delito ou crime. Seu conseqüente é identificado como pena, que subdivide-se em três espécies: privativa de liberdade, restritiva de direitos e multa.144

Certamente não há como conviver com o inverso, ou seja, se uma conduta é

autorizada pelo Direito Tributário, jamais poderá ela ser apenada no Direito Penal,

porque é no Tributário que nasce o suposto ilícito que, em casos específicos, será

objeto de reprimenda na esfera penal.

Por isso, insiste-se na crítica ao atual Direito Penal-Tributário,que permite

ação penal prosseguir mesmo quando a discussão sobre o crédito tributário ainda

está em curso. Pode-se chegar ao absurdo, na atualidade, de ter uma decisão

favorável ao contribuinte na esfera tributária, julgando o crédito tributário

insubsistente e uma sentença condenatória na esfera penal. A solução aventada

para tais casos seria simples: sempre que houver uma discussão quanto a

existência ou não do ilícito tributário na esfera que lhe é própria, será suspensa a

ação penal. A jurisprudência dos tribunais superiores vem caminhando nesse

sentido de forma lenta e a passos curtos.

143 SILVA, Paulo Roberto Coimbra. Direito tributário sancionador, p. 144. 144 SILVA, Paulo Roberto Coimbra. Direito tributário sancionador, p. 144.

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Voltando ao que aqui se pretende abordar, nas sanções tributárias

propriamente ditas (fora do domínio do Direito Penal) não há necessidade a priori de

aplicar os princípios sancionantes do Direito Penal, pois - como se verá - os

princípios constantes do Texto Constitucional já bastam para que se tenha no

Ordenamento Jurídico vigente uma teoria geral sobre as sanções fiscais capaz de

conter o abuso atualmente verificado.

Cabe, assim, uma descrição dos princípios constitucionais, previstos no

sistema tributário, aplicáveis às sanções fiscais, sendo necessário, por primeiro, o

estudo da legalidade.

6.2 O princípio da legalidade

Ponto de fundamental importância para qualquer norma que regula o

Sistema Tributário é o primado da legalidade145, ou seja, toda e qualquer criação,

redução, extinção ou modificação de qualquer elemento da obrigação tributária deve

ser precedida de previsão em lei.

Dúvidas não existem que a legalidade sofreu duras criticas ao longo dos

últimos anos. Uma corrente crítica nomeia os legalistas de dinossauros, ao

argumento de que a legalidade atrofia a evolução do direito, impede a evolução dos

conceitos, cria desigualdade e favores na medida em que - potencialmente - pode

deixar de fora da relação obrigacional situações existentes, mas não previstas ou

situações que ainda surgirão decorrentes da velocidade cada vez mais instantânea

do mundo moderno.

Não há como concordar com tal corrente, posto que a instabilidade sem o

princípio da legalidade tornaria ainda mais sem controles o poder outorgado e, neste

caso, sem as devidas amarras. É certo que a sociedade é muito mais complexa e

esta complexidade, muitas vezes, não se resolve pela simples construção de uma

norma abstrata, mas não se pode atribuir ao princípio da legalidade - pelo menos no

145 Neste sentido ver: BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar, 1999;

COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro, 2008; CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário, 2000.

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Direito Tributário - o momento de crise que vive o Direito, não somente no Brasil,

mas em vários países do primeiro mundo.

Não há nos dias atuais, outra metodologia ou técnica que permita (aliás, o

princípio da legalidade é de tamanha dimensão no Texto Constitucional que deve

ser visto como um princípio-regra) dar segurança às regras a serem impostas, em

especial, nas sanções ficais.

No Direito Tributário a crise se dá muito mais pela confusa lei tributária do

que pela presença do instrumento legal. Poderia até se dizer que o Direito Tributário

ainda não concretizou de forma plena o princípio da legalidade, pois um dos maiores

motivos da litigiosidade tem sido a batalha da lei contra as regras de competência,

ou seja, na interpretação da norma o que mais se tem visto são os litígios em torno

do preenchimento dos conceitos constitucionais (renda, faturamento, receita,

operação de circulação de mercadoria, prestação de serviços, operações

financeiras, salário, propriedade, etc.).

É certo que se os conceitos postos em lei fossem preenchidos de maneira mais

estável não se viveria no mundo atual a crise da legalidade pela que está se passando.

Voltando à conceituação da legalidade, conforme nos ensina o Professor

Eduardo Maneira, o princípio da legalidade “confere concretude e densificação”146

aos princípios (estruturantes) da República e do Estado de Direito.

No mesmo sentido, Alberto Xavier defende que o princípio da reserva

absoluta de lei formal não é

mera emanação de uma idéia de autotributação, de livre consentimento dos impostos, antes passa a ser encarado por outra perspectiva, segundo a qual a lei formal [...] é o único instrumento válido, no Estado de Direito, de revelação e garantia da justiça tributária.147

146 Cf. MANEIRA, Eduardo. Direito tributário: o princípio da não-surpresa. Belo Horizonte, Del Rey,

1994. p. 18. 147 XAVIER, Alberto. Os princípios da legalidade e da tipicidade da tributação. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1978. p. 11. A atividade tributária, por se tratar de uma intervenção no direito de propriedade dos particulares, deve fundar-se num ato normativo originário do órgão com competência legislativa normal e revestido da forma externa e legalmente prescrita (lex escripta e stricta), isto é, lei não só escrita, mas estrita, que discipline os atos do Executivo na cobrança do tributo de forma completa. Em outras palavras, “a lei deve conter em si mesma todos os elementos da decisão no caso concreto, de tal modo que não apenas o fim, mas também o conteúdo daquela decisão sejam por ela diretamente fornecidos [...], limitando-se o órgão de aplicação a subsumir o fato na norma, independentemente de qualquer livre valoração pessoal” (XAVIER, Alberto. Os princípios da legalidade e da tipicidade da tributação, p. 36-38).

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Pelo princípio da legalidade é que se tem a criação jurídica de um Estado de

Direito148 (em que pese ser o embrião da criação jurídica a lei, mas depois de seu

nascimento outros fatores agregam ao texto para se formar a norma e esta que gera

a proposição jurídica).

Portanto, à luz dos dispositivos constitucionais e legais (o CTN como norma

geral dá o tom correto deste princípio) o princípio a legalidade da amolda Sistema

Tributário (art. 5o, II e 150, I da CF/88). “A concepção de Estado de Direito liga-se à

de democracia e de contenção do arbítrio. A segurança jurídica fica, então,

hipertrofiada e a lei parece o caminho mais idôneo para alcançá-la”149.

Nesse compasso, pode-se afirmar que uma das formas de legitimar a

tributação é pelo princípio da legalidade.

Eis as lições do Professor Sacha Calmon Navarro Coêlho:

A legalidade da tributação, dizia Pontes de Miranda, significa o povo se tributando a si próprio. Traduz-se como o povo autorizando a tributação através dos seus representantes eleitos para fazer leis, ficando o príncipe, o chefe do Poder Executivo - que cobra os tributos - a depender do Parlamento.

O princípio vige e vale em todo o território nacional subordinando os legisladores das três ordens da Federação. Nenhum tributo (gênero), tirante as exceções expressas, pode ser instituído (criado) ou alterado (majorado ou minorado após criado) sem lei.150

Como visto, o Direito Tributário está diretamente vinculado a atuação estatal de

instituir uma obrigação que, sem o consentimento do particular, invade sua esfera

patrimonial para dela tirar uma parcela que irá sustentar as funções estatais. É a

proteção da propriedade - Direito Fundamental - posto em pé de igualdade com o direito

à vida, à liberdade, à igualdade e à segurança na Carta Política (art. 5º, caput).

Não é outro o entendimento de Bernardo Ribeiro de Moraes, que assim se

posiciona:

148 “Com efeito, não cabe ao Príncipe criar o tributo, impô-lo e, ainda, decidir sobre a legalidade de

seu ato. Aqui, mais do que em qualquer outro setor da vida coletiva, impõe-se a estrutura de freios e contrapesos implícita no sistema da divisão dos Poderes e funções do Estado, em favor de uma eficaz proteção ao cidadão/contribuinte” (COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro, p. 44).

149 BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar, nota 14 de Misabel Abreu Machado Derzi, p. 72.

150 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro, p. 202.

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[...] o princípio da legalidade tributária defende o patrimônio privado do

cidadão, constituindo, em regra, um direito e garantia individual mantido pela

Constituição. O princípio defende o patrimônio privado contra prováveis atos

da administração. Sendo, o tributo, uma restrição do direito de propriedade, deve ele ser consentido por aqueles que têm de suportá-la ou pelo seus

representante. Somente o cidadão, através de seus representantes políticos, é

que pode fixar limites à sua liberdade, estabelecendo prestações compulsórias

de conteúdo patrimonial (tributos).151

Sacha Calmon Navarro Coêlho pontua sobre a questão:

Vamos deixar no olvido os Estados pretéritos, os Estados Totalitários. Vamos surpreender o Estado Constitucional contemporâneo, o Estado de Direito, o Estado Democrático.

O poder de tributar é exercido pelo Estado por delegação do povo. O Estado, ente constitucional, é produto da Assembléia Constituinte, expressão básica e fundamental da vontade coletiva. A Constituição, estatuto fundante, cria juridicamente o Estado, determina-lhe a estrutura básica, institui poderes, fixa competências, discrimina e estatui os direitos e as garantias das pessoas, protegendo a sociedade civil.

O poder de tributar, modernamente, é campo predileto de labor constituinte. A uma, porque o exercício da tributação é fundamental aos interesses do estado, tanto para auferir receitas necessárias à realização de seus fins, sempre crescentes, quanto para utilizar o tributo como instrumento extrafiscal, técnica em que o Estado intervencionista é pródigo. A duas, porque tamanho poder há de ser disciplinado e contido em prol da segurança dos cidadãos.

Assim, se por um lado o poder de tributar apresenta-se vital para o Estado, beneficiário da potestade, por outro a sua disciplinação e contenção são essenciais à sociedade civil ou noutras palavras, à comunidade dos contribuintes.152

Assegura-se a realização da justiça, no Estado de Direito, de modo a se

evitar o arbítrio, elevando-se ao ponto mais alto a segurança jurídica.

A doutrina153 segue no mesmo sentido, sendo que tal entendimento também

151 MORAES, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de direito tributário. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense,

1995. v. 2, p. 94. 152 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro, p. 39. 153 Importante as lições de Carrazza: “Concordamos, pois, com Pietro Virga, quando leciona que a tributação encontra três limites, a saber: I - a reserva de lei: O tributo só pode ser cobrado por meio de lei. É o princípio fundamental que

nenhuma exação pode ser exigida sem a autorização do Poder Legislativo (no taxation without representation);

II - a disciplina da lei: não basta que uma lei preveja a existência de um tributo, mas, pelo contrário, deve determinar seus elementos fundamentais, vinculando a atuação da Fazenda Pública e circunscrevendo, ao máximo, o âmbito de discricionariedade do agente administrativo;

III - os direitos que a Constituição garante: a tributação, ainda que se perfaça com supedâneo na lei, não pode contrastar com os direitos constitucionalmente assegurados” (CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário, p. 165-166).

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se encontra previsto no Texto Constitucional e no Código Tributário Nacional:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

[...]

XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;

Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:

I - a instituição de tributos, ou a sua extinção;

II - a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65;

III - a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado o disposto no inciso I do § 3º do artigo 52, e do seu sujeito passivo;

IV - a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65;

V - a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas;

VI - as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades.

§ 1º Equipara-se à majoração do tributo a modificação da sua base de cálculo, que importe em torná-lo mais oneroso.

§ 2º Não constitui majoração de tributo, para os fins do disposto no inciso II deste artigo, a atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo. (Grifo nosso).

Vê-se, portanto, que o princípio da legalidade não guarda relação e

justificativa somente com o valor segurança jurídica, mas pressupõe também

obediência a Justiça (porque legitima o tributo e atinge a todos que estão em

situação idêntica) e a Democracia (participação efetiva da Sociedade), o que torna

ainda mais odiosa a prática reiterada do Poder Executivo pautar o Congresso

Nacional com as medidas provisórias (a crise é política ou da legalidade?).

O Professor Eduardo Maneira mais uma vez nos ensina:

Os fundamentos teleológicos do princípio da legalidade sempre estiveram ligados à idéia de segurança jurídica. ‘O Direito é o domínio da ‘máxima segurança’ e do ‘mínimo arbítrio’’. Garantir segurança jurídica à coletividade

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é papel fundamental do Estado e é o que permite adjetivá-lo de Estado de Direito. O primeiro passo em direção à segurança jurídica deve ser sempre dado pelo Estado de Direito ao submeter ou restringir o exercício do poder ao Direito, bem como na lealdade com que deve agir o Estado-legislador e o Estado-administrador para com os seus cidadãos.

Na relação jurídico-tributária, a segurança jurídica traduz-se precipuamente na subsunção do fato à norma previamente posta por meio de lei, a fim de que possa torná-lo em fato jurígeno de obrigação tributária. Mas não se restringe a isto. A positivação da segurança jurídica em matéria tributária mereceu grande atenção nas Constituições pátrias, sendo que na Constituição de 1988 podemos identificá-la nos princípios da legalidade, anterioridade e irretroatividade. No entanto, tais princípios não garantem por si sós segurança jurídica. A simples existência de um ordenamento jurídico não implica necessariamente segurança jurídica.154

Misabel Abreu Machado Derzi, sobre o tema, disserta:

Certeza (ou segurança), economicidade e capacidade contributiva, esses os três princípios básicos do sistema tributário, expressados pelo economista alemão VON JUSTI, e difundidos por ADAM SMITH, em seu clássico ‘An Inquiry into the Nature and Causes of the Wealth of Nations’ (London, 1776), que têm inspirado códigos e constituições por mais de duzentos anos, porque mesclam não só padrões mínimos de ética e de justiça, como de técnica e de razoabilidade.

No entanto, exatamente sob a vigência da Constituição da República de 1988 que, em nosso País, introduziu um dos mais abrangentes leques de direitos e garantias do contribuinte, elenco mais completo do que o de outros ordenamentos, paradoxalmente, em especial no campo da segurança jurídica, normas legislativas, jurisprudenciais ou administrativas implementam realidade oposta, reduzindo e anulando (ou tentando anular) a certeza e a previsibilidade, que são e deveriam ser princípio e conseqüência necessária do sistema.155

O primado da legalidade não se restringe, portanto, ao aspecto formal, pelo

contrário, não basta a previsão da hipótese em lei como ato ilícito a ser punido. A

segurança jurídica exige que a lei esgote as possibilidades que cria a obrigação

tributária, trazendo do Direito Penal para o Direito Tributário a denominada

especificidade conceitual ensinada pela Professora Misabel Abreu Machado Derzi156

ou chamada de tipicidade pelo Professor Alberto Xavier.

James Marins pontua que a segurança jurídica do ponto de vista material se

expressa pela plena previsibilidade das regras da tributação e a observância formal

154 MANEIRA, Eduardo. Base de cálculo presumida, p. 42. 155 DERZI, Misabel Abreu Machado apud MANEIRA, Eduardo. Base de cálculo presumida, p. 42. 156 Esgotando a matéria: DERZI, Misabel Abreu Machado. Tipo ou conceito no Direito Tributário?

Revista da Faculdade de Direito da UFMG, Belo Horizonte, v. 31, p. 213-260, 1988; DERZI, Misabel Abreu Machado. Direito tributário, direito penal e tipo, 2007.

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e material da reserva absoluta da lei, da estrita legalidade e da tipicidade e do ponto

de vista formal, se revela pelos procedimentos que antecedem ao lançamento e a

garantia do devido processo legal.157

Com efeito, de nada adiantaria ou jamais se atingiriam os objetivos do

princípio da legalidade (segurança, previsibilidade, democracia, justiça) se a lei

(nascimento e início da construção da norma jurídica) fizesse apenas uma breve

enunciação sobre as hipóteses deixando o restante com o Poder Executivo.

Da mesma forma, no caso das sanções fiscais, seria inócuo se na lei

constasse apenas que qualquer ausência de pagamento de tributo geraria a

aplicação de multa, se que o percentual da multa a ser paga, bem como as

hipóteses de sua exclusão, fossem determinadas pelo Poder Executivo.

O princípio da especificação conceitual - que costuma ser denominado, impropriamente, de tipologia ou tipicidade - diz respeito ao princípio da legalidade, materialmente considerado, como conteúdo imposto ao legislador e indelegável. Que conteúdo?

Instituir ou regular um tributo de forma válida, em obediência ao art. 150, I da Constituição, supõe a edição de lei, como ato formalmente emanado do Poder Legislativo da pessoa constitucionalmente competente (União, Estados, Distrito Federal ou Município) que, em seu conteúdo, determine:

a) a hipótese da norma tributária em todos os seus aspectos ou critérios (material-pessoal, espacial, temporal);

b) os aspectos da conseqüência que prescrevem uma relação jurídico-tributária (sujeito passivo - contribuinte e responsável - alíquota, base de cálculo, reduções e adições modificativas do quantum a pagar, prazo de pagamento);

c) as desonerações tributárias como isenções, reduções, abatimentos, deduções de créditos presumidos, devolução de tributo pago e remissões;

d) as sanções pecuniárias, multas e penalidades, assim como a anistia;

e) as obrigações acessórias em seu núcleo substancial;

f) as hipóteses de suspensão, exclusão e extinção do crédito tributário;

g) a instituição e a extinção da correção monetária do débito tributário.158 (Grifo nosso).

Como se vê, conceito e tipo permitem generalizações como forma de

adequação da lei ao fato. A lei reúne os indivíduos em situações semelhantes,

flexibilizando a igualdade, para tornar viável a sua aplicação, uma vez que seria

157 MARINS, James. Elisão tributária e sua regulação. São Paulo: Dialética, 2002. p. 13-14. 158 BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar, nota de Misabel Abreu

Machado Derzi, p. 117-118.

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impossível atingir cada cidadão contribuinte em sua situação exclusiva e individual.

Neste sentido, valiosas são as palavras da Professora Misabel Abreu

Machado Derzi.

A praticabilidade é um princípio jurídico que não encontra formulação em norma escrita, mas se acha difuso no ordenamento.

Praticabilidade é o nome que se dá a todos os meios e técnicas utilizáveis com o objetivo de tornar simples e viável a execução das leis. Como princípio geral de economicidade e exeqüibilidade inspira o Direito de forma global. Toda lei nasce para ser aplicada e imposta, por isso não falta quem erija a praticabilidade a imperativo constitucional implícito.

A praticabilidade afeta, em primeiro lugar, ao Poder Legislativo. A norma se utiliza, já o notamos, de abstrações generalizantes, esquemas e conceitos. Ela usa tipos e conceitos não só por razões de segurança, mas, em muitos casos, para viabilizar a execução de seus comandos.

A tipificação e a conceituação abstrata estão, portanto, relacionadas com o princípio da praticabilidade, o qual se manifesta pela necessidade de utilização de técnicas simplificadoras da execução das normas jurídicas. Todas essas técnicas, se vistas sob o ângulo da praticabilidade, têm como objetivo:

- evitar a investigação exaustiva do caso isolado, com o que se reduzem os custos na aplicação da lei;

- dispensar a colheita de provas difíceis ou mesmo impossíveis em cada caso concreto ou aquelas que representam indevida ingerência na esfera privada do cidadão e, com isso, assegurar a satisfação do mandamento normativo.

As presunções, ficções legais e quantificações estabelecidas em lei, através de tetos e somatórios numericamente definidos, a tributação na fonte, a eleição de responsáveis e substitutos tributários, são meios a que recorre o legislador, com vistas à praticabilidade.

[...]

Mas a praticabilidade também atinge o Poder Executivo, especialmente aquelas normas que se destinam a possibilitar a execução em massa das leis. No Direito Tributário, continuamente, o lançamento para cobrança de tributos representa a aplicação da norma legal a milhares de casos. Os regulamentos e demais atos da Administração, baixados para possibilitar a execução das leis, guiam-se pelo princípio da praticabilidade e devem buscar as soluções mais simples, cômodas e econômicas.159

Pois bem, a distinção entre tipo e conceito se dá na medida em que este

determina, seleciona, deixa de agrupar por características semelhantes e

renunciáveis para agrupar espécies por características idênticas, necessárias, sem

as quais não se estará naquela espécie. É rígido, fixo, seguro e não sujeito a

159 “Praticidade é o nome que designa a totalidade das condições que garantem uma execução

eficiente e econômica das leis (Cf. Isensse, op. cit, pp. 162-3)” (BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar, p. 789-790).

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abruptas mudanças (renda é renda. Não há como tributar algo que parece com

renda. Traçadas as características irrenunciáveis do conceito de renda, qualquer

outra coisa que for criada sem uma dessas características não poderá mais ser

considerada como tal e não há subsunção!).

Só um conceito geral e abstrato se deixa definir, pois, para isso, é necessário fixa-lo através de determinadas características. Se o conceito A possui as notas ‘a, b e c’, na investigação jurídica, somente se afirma o conceito A, se o conceito do fato contiver as mesmas características ‘a, b e c’. Diz-se, então, que há subsunção. Para o conceito de classe vale a proposição lógica do terceiro excluído: cada X é A ou não-A’. Tertium no datur. Não tem cabida aqui o mais ou menos, mas a relação de exclusão ‘ou um [...] ou outro’. Porque ou o conceito do objeto corresponde integralmente às características do conceito abstrato nele se subsumindo ou não.160

A Professora Misabel Abreu Machado Derzi, novamente, demonstra com

clareza que: (i) no conceito as características de descrição se tornam irrenunciáveis;

fixas ou não graduáveis; (ii) a interpretação fica diante de hipóteses de exclusão “ou

[...] ou”; ou há subsunção ou não; (iii) os objetos descritos têm numeração exaustiva

e (iv) não há formas mistas, novas ou transitivas.

Ora, resta evidenciado que, à luz da Constituição, são prevalecentes os princípios de segurança, certeza e previsibilidade no Direito Tributário, assim como no Direito Penal. Por isso, instituir e regular tributo mediante lei é criar norma, veiculada por meio de diploma legal próprio do Poder Legislativo, com conteúdo que, no mínimo, disponha sobre todos os pontos enumerados, expressa ou implicitamente, no art. 97 do CTN. Esses pontos são as notas e qualificações determinantes, que necessariamente devem especificar os conceitos descritivos e prescritivos contidos na norma tributária. A lei tributária evita assim a utilização de conceitos fluidos e transitivos, indeterminados ou abertos. Devem eles, tanto quanto possível, primar pela precisão, definição e objetiva determinação.161

Alberto Xavier que, apesar de utilizar expressão tipo em sentido diverso ou

até mesmo impróprio, segue as mesmas trilhas já desvencilhadas pela Professora

Misabel Abreu Machado Derzi:

160 BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar, nota de Misabel Abreu

Machado Derzi, p. 122. 161 DERZI, Misabel Abreu Machado. Tipo ou conceito no Direito Tributário? Revista da Faculdade de

Direito da UFMG, p. 232. A respeito de eventuais formas em Direito Tributário que possuem características de tipos, a Professora Misabel Abreu Machado Derzi descreve como resíduos tipológicos e não consagração de tal modelo (exemplo: as exceções constitucionais aos princípios da legalidade e anterioridade.

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O princípio da legalidade da tributação (nullum tributum sine lege) não pode caracterizar-se apenas pelo recurso ao conceito de ‘reserva de lei’, pois não se limita à exigência de uma lei formal como fundamento da tributação. Vai mais além, exigindo uma lei revestida de especiais características. Não basta a lei; é necessário uma ‘lei qualificada’.

Esta ‘qualificação’ da lei pode ser designada como ‘reserva absoluta de lei’, o que faz com que o princípio da legalidade da tributação se exprima como um princípio da tipicidade da tributação.

[...]

O princípio da tipicidade ou da reserva absoluta de lei tem como corolários o princípio da seleção, o princípio do numerus clausus, o princípio do exclusivismo e o princípio da determinação ou da tipicidade fechada.

O princípio da seleção significa que o legislador não pode descrever o tributo pela utilização de conceito ou cláusula geral abrangendo todo o quadro das situações tributáveis, ou seja, as reveladoras de capacidade contributiva, da mesma forma que não é também possível a incriminação com base num conceito ou cláusula geral de crime. Pelo contrário, os tributos devem constar de uma tipologia, isto é, devem ser descritos em tipos ou modelos, que exprimam uma seleção, pelo legislador, das realidades que pretende tributar, dentro do quadro mais vasto das que apresentam aptidão para tanto. [...]

O princípio do numerus clausus especifica um tanto mais o princípio da seleção, pois, enquanto se limita a ordenar que o legislador elabore os tributos através de uma tipologia, aquele esclarece que, de entre as três formas possíveis de tipologia - a exemplificativa, a taxativa e a delimitativa - a tipologia tributária é inegavelmente taxativa. Quer isto dizer que o fato tributário é um fato típico o qual, para produzir os seus efeitos, necessário se torna corresponda, em todos os seus elementos, ao tipo abstrato descrito na lei: basta a não-verificação de um deles para que não haja, pela ausência da tipicidade, lugar à tributação.

O princípio do exclusivismo exprime que a conformação das situações jurídicas aos tipos legais tributários é não só absolutamente necessária como também suficiente à tributação. [...]

O princípio da determinação ou da tipicidade fechada (o Grundsatz der Bestimmtheit de que fala FRIEDRICH) exige que os elementos integrantes do tipo sejam de tal modo precisos e determinados na sua formulação legal que o órgão de aplicação do direito não possa introduzir critérios subjetivos de apreciação na sua aplicação concreta. Por outras palavras: exige a utilização de conceitos determinados, entendendo-se por estes (e tendo em vista a indeterminação imanente a todo o conceito) aqueles que não afetam a segurança jurídica dos cidadãos, isto é, a sua capacidade de previsão objetiva dos seus direitos e deveres tributários.162

Portanto, o princípio da legalidade deve ser cercado em seu sentido material

e formal, cumprindo o papel democrático quanto ao segundo (formal) e da

previsibilidade e segurança jurídica quanto ao aspecto material.

162 XAVIER, Alberto. Tipicidade da tributação, simulação e norma antielisiva. São Paulo: Dialética,

2001. p. 17-19, apud MANEIRA, Eduardo. Base de cálculo presumida, p. 48.

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As sanções fiscais, como já alertado, tem origem e destino no Direito

Tributário, portanto, a elas o mesmo princípio e na mesma medida, ele deve ser

aplicado.

Significa dizer que não há qualquer possibilidade de aplicação de uma

sanção não prevista em lei. Deturpar tal princípio seria deturpar o próprio princípio

da legalidade para o tributo, pois se é a sanção - e quase sempre o é - que leva à

obediência da conduta, apenas uma sanção não constante da lei é reprimir um

comportamento que a lei não desejou fazê-lo.

Como dito anteriormente, como não é possível a tipificação caso a caso, a

praticidade é técnica que reúne grupos semelhantes num mesmo enunciado. Assim,

há fixação de uma multa de mora para quem atrasa o pagamento do tributo, não

importando o motivo que se deu tal atraso. Todos que se enquadrarem nessa

situação passam a dever o valor da multa.

O questionamento que fica e que será melhor desenvolvido nos tópicos

seguintes é se - em detrimento da legalidade - poderia o Poder Judiciário criar um

percentual de multa a cada caso concreto ou, se pode o Poder Judiciário reduzir o

valor da multa a patamares que entenda não confiscatórios, razoáveis e

proporcionais sem que, com isso, esteja criando uma nova regra, sem ferir a

legalidade e sem invadir a esfera do Poder Legislativo.

Quanto a rigidez da legalidade para as sanções, assim com para os tributos,

a jurisprudência não tergiversa. O entendimento tem sido no sentido de que mesmo

a multa não sendo um tributo deve seguir o mesmo tratamento, e via de

conseqüência, deve obedecer ao princípio consagrado na Constituição Federal.

PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. IMPORTAÇÃO. REIMPORTAÇÃO. ATIVIDADES DISTINTAS. TIPICIDADE. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA.

1. Inexiste ofensa ao art. 535 do CPC, quando o Tribunal de origem, embora sucintamente, pronuncia-se de forma clara e suficiente sobre a questão posta nos autos. Ademais, o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão.

2. A importação e a reimportação de mercadorias são atividades distintas, cabendo, portanto, à legislação tributária prever quais as hipóteses de incidência de IPI para cada uma das mesmas respeitando-se suas especificidades.

3. O princípio mor da legalidade exige tipicidade estrita em sede tributária. Inocorrendo a hipótese de incidência, tal como prevista na

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lei, inexigível é a exação, e por isso mesmo, qualquer punição administrativa decorrente da obrigação tributária.

4. O E. STJ assentou no Resp n.º 614.849, da Relatoria do e.

Ministro Castro Meira, publicado no DJ de 04.10.2004, verbis: “Por outro tanto, a cobrança de multa advém da aplicação da legislação aplicável da importação de mercadorias, hipótese distinta da reimportação, onde não se exige a emissão de guias de importação, por se revestir de operação singular de reimportação de bens nacionais (no caso fitas de videotape de gravação de novelas produzidas pela Rede Globo, no território nacional).

Merece ressalvar o fato da exigência mencionada pela Fazenda somente ser capaz de fazer sentido ao tempo em que outra era a sistemática do imposto de importação, onde era previsto, como fato gerador da exação, a importação de quaisquer mercadorias, inclusive as produzidas no Brasil, desde que de procedência estrangeira.

No caso em exame não há qualquer previsão legal para a apresentação de guia de importação, nas hipóteses de reimportação e, assim sendo, é incabível a sua exigência com base na legislação atinente à importação, porquanto configura ofensa ao princípio da legalidade” 5. O Supremo Tribunal Federal, por seu turno, manifestou-se no RE 104.306-7/SP acerca do tema em análise, em voto de relatoria do eminente Ministro Octavio Gallotti, cuja conclusão se destaca: “Não se poderia, pois, sem ferir o artigo 21, I da Constituição Federal, entender a expressão “produto estrangeiro”, como igualmente abrangendo as mercadorias nacionais retiradas temporariamente do Brasil, para a exposição em feiras no Exterior, numa prática habitual de incentivo à exportação.” 6. É insindicável pelo E. STJ (Súmula 07) a premissa fática da configuração da violação da lei, firmada pelo tribunal local. In casu, restou inequívoca do aresto recorrido, a conclusão de que: “Importa ressaltar que, conforme reconhece a própria Fazenda Nacional, a situação fática não configura hipótese de incidência de tributo a reimportação de fitas de vídeo exportadas para fins de dublagem pelo regime de exportação temporária, nos termos dos artigos 369, do Regulamento Aduaneiro, e 92, do Decreto-lei 37/66, respectivamente.

Ademais, a multa é imposta em razão da equivocada infração administrativa ao controle das importações, que consiste na ausência ou não da apresentação de guia de importação, para o desembaraço aduaneiro.

[...] Por outro tanto, a cobrança da multa advém da aplicação da legislação aplicável à importação de mercadorias, hipótese distinta da reimportação, onde não se exige a emissão de guias de importação, por se revestir de operação singular de reimportação de bens nacionais (no caso fitas de videotape de gravação de novelas produzidas pela Rede Globo, no território nacional).

Merece ressalvar o fato de exigência mencionada pela Fazenda somente ser capaz de fazer sentido ao tempo em que outra era a sistemática do imposto de importação, onde era previsto como fato gerador da exação a importação de quaisquer mercadorias, inclusive as produzidas no Brasil, desde que de procedência estrangeira.

No caso em exame não há qualquer previsão legal para a apresentação de guia de importação, nas hipóteses de reimportação e, assim sendo, é incabível a sua exigência com base na legislação atinente à importação, porquanto configura ofensa ao princípio da legalidade.” 7. Forçoso concluir, à semelhança do julgado atacado que in casu, o que houve foi a reimportação de mercadorias, sob o regime de exportação temporária, não incidindo a obrigação de apresentação de guia de importação na hipótese, prevista nos artigos 432 c/c 526, II do Regulamento Aduaneiro, por se tratar de fato distinto do previsto na lei, restando vedada qualquer interpretação extensiva por força do artigo 111 do CTN.

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8. Recurso especial improvido.163 (Grifo nosso).

TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. PENALIDADE. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE.

1. Inviável, por via de Instrução Normativa, ampliar o conteúdo de objetivo punitivo tributário.

2. Qualquer multa por descumprimento de obrigação acessória depende de ter previsão legal.

3. As penalidades previstas nos artigos 3º, II, e 4º do INSRF 304, extrapolam dispositivos legais (art. 57, II, da MP n. 2.158-35/2001, combinado com o art. 16 da lei n. 9.779/1999 e com o art. 97, V, do CTN).

4. A INSRF 304, de 21.02.2003, que instituiu a Declaração de Informações sobre Atividades Imobiliárias (Dimob), não pode, em desacordo com a lei, instituir hipótese de crime.

5. Afastamento da aplicação do art. 3º, II e art. 4º da IN n. 304/03. Ilegalidade.

6. Recurso especial não-provido.164 (Grifo nosso).

TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. ATRASO NO PAGAMENTO. MULTA.

1. Aplica-se, no caso de multa pelo não recolhimento de contribuições previdenciárias, no período de agosto a novembro de 1991, o inciso IV, do art. 4º, da Lei 8.620/93.

2. Pretensão sem apoio legal da autarquia de ser adotada a regra do art. 3º, da mesma lei.

3. A interpretação dos dispositivos que determinam punição aos contribuintes que não efetuam recolhimentos de contribuições previdenciárias (espécie tributária) deve seguir posicionamento mais favorável ao infrator.

4. O princípio da legalidade tributária não permite agravar aplicação de multa por via interpretativa.

5. Recurso especial improvido.165

Quanto a questão posta acima, acerca da possibilidade de redução ou

163 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp. nº 662.882/RJ. 1. T. Rel. Min. Luiz Fux, j. 06/12/2005.

DJ, Brasília, 13 fev. 2006. p. 672. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/webstj/processo/Justica/det alhe.asp?numreg=200400729225&pv=010000000000&tp=51>. Acesso em: 26 maio 2010.

164 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp. nº 1.035.244/PR. 1. T. Rel. Min. José Delgado, j. 20/05/2008. DJe, Brasília, 23 jun. 2008. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/webstj/processo/Justi ca/detalhe.asp?numreg=200800448001&pv=010000000000&tp=51>. Acesso em: 26 maio 2010.

165 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp. nº 281.345/RS. 1. T. Rel. Min. José Delgado, j. 12/06/2001. DJ, Brasília, 10 ago. 2001. p. 276. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/webstj/proces so/Justica/detalhe.asp?numreg=200001022113&pv=010000000000&tp=51>. Acesso em: 26 maio 2010.

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perdão da multa em detrimento do princípio da legalidade, há julgados no seguintes

sentido:

TRIBUTÁRIO. MULTA. JUROS.

Multa e juros devidos, na relação tributária em exame, por: a) a recorrida, por ter efetuado lançamento a maior e ilegal em as escrita fiscal, beneficiando-se de indevida correção monetária do saldo credor do ICMS, no período de 1994 a 199, não está isenta de arcar com a multa legal e a totalidade dos juros devidos; b) o fato de ter agido sob o amparo de medida liminar judicial, posteriormente cassada, não afasta a sua responsabilidade pelas obrigações acessórias acima identificadas; c) o fisco, mesmo no período da vigência da liminar, não estava impedido de lavrar autuação; só não podia exigir tributo; d) ser impossível, por interpretação analógica, o afastamento de multa prevista em lei; e) ao ser mantido, pelo acórdão recorrido, a cobrança da obrigação principal, conseqüentemente, a ela se incorporam os juros e multa previstas em lei; f) a indevida escrituração e apropriação de créditos na escrita fiscal está plenamente reconhecida, inexistindo norma legal que beneficie a recorrida para isentá-la da multa e dos juros. Obediência ao princípio da legalidade. Impossibilidade de, por interpretação analógica, isentar-se o contribuinte de multas e juros. Ilicitude reconhecida e determinação do pagamento da obrigação tributária (lançamento do crédito a maior do ICMS feito indevidamente) pelo acórdão recorrido. Não há amparo legal para a exclusão da multa e dos juros. Recurso provido.166 (Grifo nosso).

TRIBUTÁRIO. PRESCRIÇÃO. INEXISTÊNCIA. MULTA APLICADA. JUROS. TRIBUTO PAGO COM ATRASO.

1. Inexiste consumação de prazo prescricional quando o Fisco instaura auto de infração para apurar omissão de contribuinte em pagar multa e juros de mora do recolhimento, com atraso, de Imposto de Renda Retido na Fonte por via do DCTF, em data de 05.03.1997 e a ação fiscal foi iniciada em 29.10.2001.

2. Multa fixada de acordo com o art. 44 da Lei n. 9.430, de 1996. Incidência sobre a totalidade do tributo recolhido com atraso.

Obediência ao princípio da legalidade.

3. Recurso especial não-provido.167 (Grifo nosso).

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. MULTA. ATRASO NA ENTREGA DA DCTF.

1. É lícito ao relator do recurso, na forma do art. 557 do CPC, negar seguimento ao recurso especial, ainda que no bojo do agravo instruído.

2. A entrega intempestiva da DCTF implica em multa legalmente prevista, por isso que o Decreto-lei nº 2.065/83 assim assentou: “Art. 11. A pessoa

166 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp. nº 1.015.421/RS. 1. T. Rel. Min. José Delgado, j.

20/05/2008. DJe, Brasília, 23 jun. 2008. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/webstj/processo/Justi ca/detalhe.asp?numreg=200702847322&pv=010000000000&tp=51>. Acesso em: 26 maio 2010.

167 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp. nº 958.013/SC. 1. T. Rel. Min. José Delgado, j. 18/03/2008. DJe, Brasília, 14 maio 2008. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/webstj/processo/Jus tica/detalhe.asp?numreg=200701282404&pv=010000000000&tp=51>. Acesso em: 26 maio 2010.

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física ou jurídica é obrigada a informar à Secretaria da Receita Federal os rendimentos que, por si ou como representante de terceiros, pagar ou creditar no ano anterior, bem como o Imposto de Renda que tenha retido.

§ 1º A informação deve ser prestada nos prazos fixados e em formulário padronizado aprovado pela Secretaria da Receita Federal.

§ 2º Será aplicada multa de valor equivalente ao de uma ORTN para cada grupo de cinco informações inexatas, incompletas ou omitidas, apuradas nos formulários entregues em cada período determinado.

§ 3º Se o formulário padronizado (§ 1º) for apresentado após o período determinado, será aplicada multa de 10 ORTN, ao mês-calendário ou fração, independentemente da sanção prevista no parágrafo anterior.” (grifo nosso) 3. A instrução normativa 73/96 estabelece apenas os regramentos administrativos para a apresentação das DCTF’s, revelando-se perfeitamente legítima a exigibilidade da obrigação acessória, não havendo que se falar em violação ao princípio da legalidade.

4. Embargos de declaração acolhidos para sanar erro material.168 (Grifo nosso).

Porém, em outros tantos julgados, o Superior Tribunal de Justiça tem

cancelado sanções sem entender que tal procedimento fere o princípio da

legalidade169:

TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA DE PESSOA FÍSICA. PREENCHIMENTO INCORRETO DA DECLARAÇÃO. MULTA POR DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA. INAPLICABILIDADE. PREJUÍZO DO FISCO. INEXISTÊNCIA.

PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE.

1. A sanção tributária, à semelhança das demais sanções impostas pelo Estado, é informada pelos princípios congruentes da legalidade e da razoabilidade.

2. A atuação da Administração Pública deve seguir os parâmetros da razoabilidade e da proporcionalidade, que censuram o ato administrativo que não guarde uma proporção adequada entre os meios que emprega e o fim que a lei almeja alcançar.

3. A razoabilidade encontra ressonância na ajustabilidade da providência administrativa consoante o consenso social acerca do que é usual e sensato. Razoável é conceito que se infere a contrario sensu; vale dizer, escapa à razoabilidade ‘aquilo que não pode ser’.

A proporcionalidade, como uma das facetas da razoabilidade revela que nem todos os meios justificam os fins. Os meios conducentes à consecução das finalidades, quando exorbitantes, superam a proporcionalidade, porquanto medidas imoderadas em confronto com o resultado almejado.

168 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. EDcl nos EDcl no AgRg no REsp nº 507.467/PR. 1. T. Rel.

Min. Luiz Fux, j. 05/05/2005. DJ, Brasília, 20 jun. 2005. p. 126. Disponível em: http://www.stj.jus.b r/webstj/processo/Justica/detalhe.asp?numreg=200300377465&pv=010000000000&tp=51 Acesso em: 26 maio 2010.

169 Considerando que as decisões sempre se pautam na razoabilidade e na proporcionalidade para realizar o cancelamento ou redução das multas, tais julgados serão objeto de análise quando do estudo de tais princípios ou postulados, na linguagem de Humberto Ávila.

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4. À luz dessa premissa, é lícito afirmar-se que a declaração efetuada de forma incorreta não equivale à ausência de informação, restando incontroverso, na instância ordinária, que o contribuinte olvidou-se em discriminar os pagamentos efetuados às pessoas físicas e às pessoas jurídicas, sem, contudo, deixar de declarar as despesas efetuadas com os aludidos pagamentos.

5. Deveras, não obstante a irritualidade, não sobejou qualquer prejuízo para o Fisco, consoante reconhecido pelo mesmo, porquanto implementada a exação devida no seu quantum adequado.

6. In casu, ‘a conduta do autor que motivou a autuação do Fisco foi o lançamento, em sua declaração do imposto de renda, dos valores referentes aos honorários advocatícios pagos, no campo Livro-Caixa, quando o correto seria especificá-los, um a um, no campo Relação de Doações e Pagamentos Efetuados, de acordo com o previsto no artigo 13 e parágrafos 1º, a e b, e 2º, do Decreto-Lei nº 2.396/87. Da análise dos autos, verifica-se que o autor realmente lançou as despesas do ano-base de 1995, exercício 1996, no campo Livro-Caixa de sua Declaração de Imposto de Renda Pessoa Física. Porém, deixou de discriminar os pagamentos efetuados a essas pessoas no campo próprio de sua Declaração de Ajuste do IRPF (fl. 101)’ (fls.122/123).

7. Desta sorte, assente na instância ordinária que o erro no preenchimento da declaração não implicou na alteração da base de cálculo do imposto de renda devido pelo contribuinte, nem resultou em prejuízos aos cofres públicos, depreende-se a ausência de razoabilidade na cobrança da multa de 20%, prevista no § 2º, do Decreto-Lei 2.396/87.

8. Aplicação analógica do entendimento perfilhado no seguinte precedente desta Corte: ‘TRIBUTÁRIO - IMPORTAÇÃO - GUIA DE IMPORTAÇÃO - ERRO DE PREENCHIMENTO E POSTERIOR CORREÇÃO - MULTA INDEVIDA.

1. A legislação tributária é rigorosa quanto à observância das obrigações acessórias, impondo multa quando o importador classifica erroneamente a mercadoria na guia própria.

2. A par da legislação sancionadora (art. 44, I, da Lei 9.430/96 e art. 526, II, do Decreto 91.030/85), a própria receita preconiza a dispensa da multa, quando não tenha havido intenção de lesar o Fisco, estando a mercadoria corretamente descrita, com o só equívoco de sua classificação (Atos Declaratórios Normativos Cosit nºs 10 e 12 de 1997).

3. Recurso especial improvido.’ (REsp 660682/PE, Relatora Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ de 10.05.2006) 9. Recurso especial provido, invertendo-se os ônus sucumbenciais.170 (Grifo nosso).

RECURSO ESPECIAL. EXCESSO DE EXAÇÃO. COBRANÇA DE MULTA. IMPOSSIBILIDADE DE INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. PRINCÍPIO DA ESTREITA LEGALIDADE. ATIPICIDADE DA CONDUTA. RECURSO AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.

1.O Tribunal a quo, soberano na análise das provas, entendeu que houve alteração de ânimos de ambos os lados - fiscais e contribuinte - porém, apto a configurar, apenas, “um comportamento inapropriado, não criminoso”.

170 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 728.999/PR. 1. T. Rel. Min. Luiz Fux, j. 12/09/2006.

DJ, Brasília, 26 jun. 2006. p. 229. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/webstj/processo/Justica/det alhe.asp?numreg=200500331148&pv=010000000000&tp=51>. Acesso em: 26 maio 2010.

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Ademais sustentou-se que não houve cobrança indevida de tributo, mas tão somente de multa.

2. A questão posta a desate cinge-se ao reconhecimento da possibilidade ou não de o delito de excesso de exação ser praticado quando há cobrança de multa por meio de auto de infração.

3. O tipo do art. 316, § 1º, do Código Penal incrimina a conduta de funcionário público que exige tributo ou contribuição social que sabe ou deveria saber indevido, ou quando devido, emprega na cobrança meio vexatório ou gravoso, que a lei não autoriza.

4. Nos termos da definição dada pelo art. 3º do Código Tributário Nacional, “tributo é toda prestação pecuniária, compulsória, em moeda ou cujo valor nela se posse exprimir, que não constitua sanção de ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa.” Portanto, é consabido que a multa, em vista de sua natureza sancionatória, não constitui tributo.

5. O princípio da estreita legalidade impede a interpretação extensiva para ampliar o objeto descrito na lei penal. Na medida em que as multas não se inserem no conceito de tributo é defeso considerar que sua cobrança, ainda que eventualmente indevida - quer pelo meio empregado quer pela sua não incidência - tenha o condão de configurar o delito de excesso de exação, sob pena de violação do princípio da legalidade, consagrado no art. 5º, XXXIX, da Constituição Federal e art. 1º do Código Penal.

6. Recurso especial ao qual se nega provimento.171 (Grifo nosso).

Na Corte Suprema poucos julgados adentram ao mérito da sua

aplicabilidade ao argumento que alegações de desrespeito aos postulados da

legalidade, do devido processo legal, da motivação dos atos decisórios, do

contraditório, dos limites da coisa julgada e da prestação jurisdicional podem

configurar, quando muito, situações de ofensa meramente reflexa ao texto da

Constituição, circunstância que não viabiliza o acesso à instância extraordinária, por

todos:

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. OFENSA INDIRETA. INTERPRETAÇÃO DE NORMA LOCAL. ALEGAÇÃO DE OFENSA AOS PRINCÍPIOS DO DEVIDO PROCESSO LEGAL, DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. VIOLAÇÕES DEPENDENTES DE REEXAME PRÉVIO DE NORMAS INFERIORES. OFENSA CONSTITUCIONAL INDIRETA. 1. Controvérsia afeta à interpretação de norma local, incidência do Verbete da Súmula n. 280 do STF. Eventual ofensa à Constituição do Brasil adviria, quando muito, de forma indireta. 2. As alegações de desrespeito aos postulados da legalidade, do devido processo legal, da motivação dos atos decisórios, do contraditório, dos limites da coisa julgada e da prestação jurisdicional, se dependentes de reexame prévio de normas inferiores, podem configurar, quando muito,

171 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 476.315/DF. 1. T. Rel. Min. Celso Limongi

(Desemb. Conv. do TJ/SP), j. 17/12/2009. DJe, Brasília, 22 fev. 2010. Disponível em: <http://www. stj.jus.br/webstj/processo/Justica/detalhe.asp?numreg=200201434547&pv=010000000000&tp=51>. Acesso em: 26 maio 2010.

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situações de ofensa meramente reflexa ao texto da Constituição. Agravo regimental a que se nega provimento.172 (Grifo nosso).

Isto posto, fica claro que o princípio da legalidade formal e material se aplica

às sanções tributárias, restando agora analisá-lo em conjunto com os demais

princípios constitucionais, para verificar sua adequação - se cabível - ao caso

concreto.

6.3 Princípio da confiança

Os cenários de desconfiança instaurados no Sistema atual e a necessidade

de retomar o princípio da confiança na lei fiscal deve ser também uma das

premissas para se seguir no presente estudo.

Como conseqüência lógica do valor segurança jurídica, cabe aqui breves

considerações acerca do princípio da confiança e sua aplicabilidade nas sanções

fiscais.

A Professora Misabel Abreu Machado Derzi lembra Mattern para quem a

proteção da confiança e a boa-fé são componentes indivisíveis da legalidade, do

Estado de Direito e da Justiça.173 Ingo Sarlet, de igual forma, entende que a garantia

fundamental da confiança é pressuposto do Estado Democrático de Direito.174

Seguindo esse entendimento, o Sistema do Direito - como instrumento de

pacificação dos conflitos - seria acionado seria que esta confiança fosse rompida e,

ao mesmo tempo, num ambiente de confiança, se reduziria a complexidade dos

172 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AI nº 541361 AgR/PR. 1. T. Rel. Min. Eros Grau, j.

06/12/2005. DJ, Brasília, 04 fev. 2006. p. 18. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprude ncia/listarJurisprudencia.asp?s1=(541361.NUME.OU541361.ACMS.)&base=baseAcordaos>. Acesso em: 26 maio 2010.

173 DERZI, Misabel Abreu Machado. Modificações da jurisprudência: proteção da confiança, boa-fé objetiva e irretroatividade como limitações constitucionais do poder judicial de tributar. Belo Horizonte, 2008. (Tese apresentada no Concurso para Professor Titular da UFMG, inédita).

174 SARLET, Ingo Wolfgang. O estado social de direito, a proibição de retrocesso e a garantia fundamental da propriedade, apud DERZI, Misabel Abreu Machado. Modificações da jurisprudência: proteção da confiança, boa-fé objetiva e irretroatividade como limitações constitucionais do poder judicial de tributar, 2008.

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fatos sociais e se daria maior estabilidade ao Sistema.

Como visto, a legalidade e a proibição da retroatividade seriam nada mais

que algumas formas de manifestação da confiança sistêmica, que permanece

latente no Sistema do Direito, a agir quando necessário, permitindo o resgate do

passado e a antecipação do futuro.

Onde há confiança se pode renunciar a determinadas informações e, com

isso, dar maior estabilidade ao sistema. Quem confia se entrega a outrem na certeza

de que o melhor será feito, dentro dos limites estabelecidos pelo Sistema

Constitucional.175

A desconfiança, por sua vez, reduz a complexidade, tem a mesma faceta da

confiança, mas traz destruição ao sistema, não produz conhecimento e contribui

para desestabilização social.

Pois bem, muito já foi dito e estudado acerca do tamanho da carga tributária

brasileira e a sua má distribuição, ou seja, hoje há uma grande concentração de

tributos incidentes sobre as remunerações e sobre o consumo, tornando tal carga

regressiva e perversa ao crescimento do país.

O que se nota é que, pouco se estudou no âmbito do Direito acerca da

complexidade do Sistema Tributário atual e os ônus que isso causa à já elevada

carga tributária. É o que se pode chamar de custo tributário direto e indireto.

Neste custo tributário direto verifica-se que a média da carga tributária dos

países industrializados (média levando em consideração 21 países) é da ordem

aproximada de 38,80% do PIB (2003/2004), sendo que a média da carga tributária

direta nos países com nível de desenvolvimento similar ao do Brasil é de 27,44% do

PIB.176 Mesmo assim, o Brasil fica em 6º lugar no ranking das maiores cargas

175 LUHMANN, Niklas. Confianza. Tradução Amada Flores. Barcelona: Anthropos, 1996. p. 14. E o

autor, na p. 109, afirma: “Na confiança no sistema, está-se continuamente consciente de que tudo o que se realiza é um produto, que cada ação foi decidida depois de ser comparada com outras possibilidades. A confiança no sistema conta com processos explícitos para a redução da complexidade, quer dizer, com pessoas, não com a natureza. Os grandes processos civilizadores de transição, até a confiança no sistema, dão à humanidade uma atitude estável em direção ao que é contingente em um mundo complexo, faz possível viver com a consciência de que tudo poderia ser de outra maneira. Esses processos fazem com que o homem possa ter consciência da contingência social do mundo. Esse pensamento dá origem ao problema da consciência transcendental na constituição significativa do mundo”.

176 Cf. GOBETTI, Sérgio. Inferno tributário carga de impostos bate recorde e chega a 38,9% do PIB. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 02 abr. 2006. p. B1 e B3. - com base no FMI.

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tributárias do mundo.177

Ainda complementando este rápido comentário, a carga tributária do Brasil nos

últimos anos, superou a do Japão, México, Turquia e Estados Unidos da América178,

sendo que tais dados foram divulgados em estudo comparativo entre os países da

Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE).

No ano de 2008, a carga tributária nacional atingiu o patamar de 34,41% do

PIB nacional, o que faz tal carga ser comparável com países como Reino Unido

(35,7%), Alemanha (36,4%), Portugal (36,5%), Luxemburgo (38,3%), França

(43,1%), entre outros.

Em 2009 o Brasil teve a primeira queda em sua carga tributária, mas se

mantém, ainda, em patamar extremamente elevado (33,58%), e tal simbólica

redução, se deve as desonerações tributárias realizadas para que a economia

reagisse frente à crise mundial.

Verifica-se, portanto, que a concentração da carga ainda permanece alta no

pacto federativo, com os tributos da União representando 23,54% do PIB, os

Estados-membros com 8,59% e Municípios 1,54%.

Recente estudo divulgado pela Receita Federal do Brasil mostra a pequena

redução na carga tributária brasileira nos últimos dois anos (2008 - 34,41% e 2009 -

33,58%), que se deu por conta da crise econômica internacional e em decorrência

das medidas econômicas tomadas para que o país pudesse reduzir os impactos de

tal crise em sua economia.179

O quadro abaixo revela que o Brasil tributa a renda e a propriedade de forma

mais reduzida que a média da OCDE (enquanto no Brasil a tributação da renda

equivale a 20,5% da carga tributária bruta, na OCDE equivale a 37,0%. No caso da

177 Suécia (50,7%), Noruega (44,9%), França (43,7%), Itália (42,2%), Reino Unido (36,1%), Brasil

(35,88%), Nova Zelândia (35,4%), Espanha (35,1%), Alemanha (34,6%) e Canadá (33,0%). Cf. SOFIA, Julianna. Carga tributária bate recorde em 2005. Folha de S. Paulo, São Paulo, 25 ago. 2006. p. B4.

178 Cf. CARGA tributária brasileira supera a do Japão, México, Turquia e EUA. Agência Brasil, Brasília, 02 set. 2010. Disponível em: <http://www.uai.com.br/htmls/app/noticia173/2010/09/02/not icia_economia,i=177715/CARGA+TRIBUTARIA+BRASILEIRA+SUPERA+A+DO+JAPAO+MEXICO+TURQUIA+E+EUA.shtml>. Acesso em: 08 out. 2010.

179 BRASIL. Ministério da Fazenda. Receita Federal do Brasil. Carga tributária no Brasil 2009: análise por tributos e bases de incidência. Brasília: RFB, ago. 2010. Disponível em: <http://www.receita.fa zenda.gov.br/Publico/estudoTributarios/estatisticas/CTB2009.pdf>. Acesso em: 02 set. 2010.

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tributação sobre a propriedade, a participação relativa na Carga Tributária no Brasil

(CTB) para o Brasil é de 3,3%, inferior à média de 5,8% da OCDE) e concentra sua

tributação notadamente, e acima dos demais países, sobre o consumo.

Figura 1 - Quadro demonstrativo da Carga Tributária por Base de Incidência - 2008 - Brasil x Países

OCDE

Fonte: BRASIL. Ministério da Fazenda. Receita Federal do Brasil. Carga tributária no Brasil 2009: análise por tributos e bases de incidência. Brasília: RFB, ago. 2010. p. 06.

Nota-se que o quadro acima ainda demonstra que na tributação sobre a

folha de salários o país está bem próximo da média (24,1% contra 25,3%).

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Importante, ainda, um comparativo com os demais países:

Figura 2 - Gráfico CTB Comparativo Brasil x Países OCDE, 2008

Fonte: BRASIL. Ministério da Fazenda. Receita Federal do Brasil. Carga tributária no Brasil 2009: análise por tributos e bases de incidência. Brasília: RFB, ago. 2010. p. 07.

Muitos outros dados ainda poderiam ser levantados, mas parece ser um

consenso que a carga tributária nacional possui patamar elevado, não sendo

necessário adentrar em tal seara para atestar se carga tributária é ou não

proporcional aos serviços e à estrutura social e econômica que o Estado Nacional

propicia a sociedade180, sendo certo, que trata-se de uma carga elevada, mal

distribuída e com a contrapartida do Estado um tanto quanto contestável.

Importante ressaltar que todos esses fatores, constituem não só uma afronta

ao princípio da confiança ora em análise, mas também fere, por si só o princípio da

preservação da empresa, consagrado pela legislação falimentar vigente e que tem

como premissa a preservação dessa unidade econômica denominada empresa.

Com a carga tributária em patamares tão altos, fica difícil exercer a atividade

180 “Dire que l’impot est Le prix des services rendus par l’Etat, cela n’est pás toujours exact; l’impot est

Le prix des services que rend ou qu’a rendu l’Etat: Il represente en outre part que chaque citoyen, par l’application du principe de la solidarieté nationale, doit supporter dans lês charges de toute origine qui présent sur l’État” (LEROY-BEAULIEU apud BOUVIER, Michel. Introduction au droit fiscal general er à La théorie de l’impôt. 7. ed. Paris: LGDJ - Montchrestien, 2005. p. 218).

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empresaria e promover a preservação da unidade produtora.

Como se vê, na atividade empresarial a carga tributária tem sido apontada

como um dos grandes entraves para o crescimento do país. Pesquisa realizada e

divulgada em 2006 (Paying Taxes, The global picture, PricewaterhouseCoopers e

The World Bank, 2006) atesta que o Brasil concentra sua tributação em cerca de

71% sobre a atividade negocial das empresas, enquanto países como Espanha

(59,1%), Alemanha (57,1%), Suécia (57%), Estados Unidos (46%) apresentam

percentuais bem inferiores. Os tributos atingem ao assustador patamar de 45% do

Valor Agregado Empresarial.181

O que se deseja aqui é chamar a atenção para a complexidade que se tem

hoje no cumprimento das obrigações tributárias e na intensa insegurança jurídica em

que vivem os contribuintes no país, especialmente as pessoas jurídicas de direito

privado, onde a carga tributária parece mais concentrada182. O chamado custo fiscal

indireto ou para alguns custo de conformidade gasto no pagamento dos tributos183 e

o cumprimento das obrigações acessórias, engessa a atividade empresarial, em

nítida afronta ao princípio da preservação da empresa, que deve ser aplicado não só

momento da crise falimentar.

Assim, o custo para calcular os tributos e interpretar um emaranhado de leis

nada mais é do que uma forma de tributação indireta (custo das empresas).

A questão que deve ser objeto de reflexão pelo Estado Brasileiro é a

efetividade das obrigações acessórias para o cumprimento dos deveres fiscais.

Hoje, a carga tributária brasileira é elevada, mal distribuída e injusta: (i)

elevada, seja na comparação com os demais países com o mesmo nível de

desenvolvimento, ou na comparação com o grau de eficiência do Estado; (ii) mal

distribuída, posto que concentra na tributação sobre os salários e sobre o consumo,

tornando-a regressiva; (iii) de alto custo para as empresas, seja porque a carga se

concentra na atividade negocial, seja pela sua complexidade, seja pelo custo indireto

181 Cf. SOFIA, Julianna. Carga tributária bate recorde em 2005. Folha de S. Paulo, p. B4. 182 A concentração aqui mencionada não diz respeito ao ônus tributário final, mas ao ônus de

interpretar, calcular e recolher os tributos, uma vez que o estudo se volta às penalidades pelo não cumprimento da norma tributária principal ou acessória.

183 É bom lembrar que na concentração dos tributos lançados por homologação não se trata de simplesmente pagamento de tributos, mas todo um arsenal para interpretar a intensa legislação tributária, verificar as bases imponíveis e recolher tais tributos.

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no cálculo dos tributos e no cumprimento das obrigações acessórias, muitas vezes

de pouca ou nenhuma eficiência.

De fato, o Brasil tem forte tradição burocrática e com uma carga excessiva

de deveres materiais e formais (ou instrumentais), mas que geram pouca eficiência

administrativa ou mesmo efetividade para os fins que foram criados, por isso,

diversas são as propostas apresentadas que visam a redução da burocracia.

O país passa por uma fase de intensa desconfiança entre contribuintes e

fisco, visando a redução da complexidade do mundo pós-moderno, mas num

caminho inverso que jamais poderá legitimar o tributo.

Neste sentido, a Professora Misabel Abreu Machado Derzi:

[...] evidentemente, embora a desconfiança seja técnica redutora, é, simultaneamente, destrutiva. O seu controle é, assim, importante, de tal sorte que o sistema desenvolve ainda ‘estratégias e classes de comportamentos individuais, reconhecidos socialmente e facilmente compreendidos, que possam interceptar e neutralizar os atos de desconfiança, transformando-s dessa maneira - em aberrações acidentais, insignificantes, e, por isso mesmo, sem função [...] atos de desconfiança como ações involuntárias, determinadas puramente pela desconfiança como erros, como moléstias causadas por fatores externos, ou como deveres requeridos como papéis, isto é, interpretações que permitem a execução de ações de desconfiança mas que negam a desconfiança como atitude. Ademais, devemos ter em conta, nesse ponto, as instituições de castigo, penas e perdão.184

Para o presente trabalho basta apenas dizer que, em (552 h), Chile (432 h),

Estados Unidos (325 h), Dinamarca (135 h), Suécia (122 h), Reino Unido (105 h),

Alemanha (105 h), Nova Zelândia (70 h), Suíça (68 h).

Por incrível que pareça, 7,6% do tempo administrativo das empresas é gasto

com a apuração dos tributos185, enquanto a média na América Latina é algo em torno

de 4%; o custo de conformidade (ou custo tributário indireto) representa cerca de 1%

do faturamento para a maioria das empresas nacionais (55%), sendo que alguns

estudos estimam que este custo pode chegar a 5,82% do PIB nacional.

No entanto, mesmo com tal custo - custo este que eleva o gasto tributário

184 DERZI, Misabel Abreu Machado. Modificações da jurisprudência no direito tributário: proteção da

confiança, boa fé objetiva e irretroatividade como limitações constitucionais no poder judicial de tributar. São Paulo: Noeses, 2009. v. 1, p. 336.

185 Gazeta Mercantil, São Paulo, 29 maio 2006. p. A-8, pesquisa encomendada pela Federação do Comércio do Estado de São Paulo (FECOMÉRCIO-SP) e realizada pela Fundação Instituto e Pesquisas Econômicas da Universidade de São Paulo (FIPE-USP).

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para próximo dos 40% do PIB186, fruto não somente de uma história de burocracia

intensa, mas também de uma perene desconfiança na relação tributária - as

pendências entre contribuintes e fisco permanecem elevadas187.

Além disso, neste ambiente de burocracia, desconfiança e

fiscalização/vigilância absoluta, o sistema ainda convive com formas pesadas de

penalização, num paradoxo sem precedentes, com constantes leis (federais,

estaduais e municipais) que anistiam as penalidades e os juros de mora. Num

arcabouço legislativo ininteligível, com milhares de normas (legais e infra-legais)

nascendo a cada dia, de cada ente da Federação, os tributos lançados por

homologação se tornaram uma quase unanimidade no Sistema Tributário Nacional.

Assim, o contribuinte - na quase totalidade dos tributos - deve conhecer a

legislação, exercer sobre ela a interpretação, calcular o quantum debeatur e recolher

aos cofres públicos. Além disso, ainda é obrigado aguardar o prazo decadencial

para que a Fiscalização lhe informe - de forma expressa ou tácita (preclusão) - se

agiu corretamente188.

Além disso, se o contribuinte interpretou mal, calculou de forma equivocada,

deixou de recolher ou mesmo descumpriu alguma obrigação acessória estará sujeito

às mais pesadas penalidades.

Novamente, importantes as lições de Misabel Abreu Machado Derzi:

Instalam-se, ao lado do pluralismo e da complexidade, a ausência de regras, a

permissividade, a descrença generalizada, a incerteza e a indecisão, de tal modo que princípios jurídicos até então sólidos e bem fundamentados como

186 Se somada a carga tributária divulgada como de arrecadação, acrescendo o custo de

conformidade. 187 Uuma pesquisa feita a 250 empresas paulistanas, com faturamento acima de R$ 100 milhões/ano,

96% das empresas operavam com alguma pendência tributária. 188 “Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua

ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa. § 1º O pagamento antecipado pelo obrigado nos termos deste artigo extingue o crédito, sob condição resolutória da ulterior homologação ao lançamento. § 2º Não influem sobre a obrigação tributária quaisquer atos anteriores à homologação, praticados pelo sujeito passivo ou por terceiro, visando à extinção total ou parcial do crédito. § 3º Os atos a que se refere o parágrafo anterior serão, porém, considerados na apuração do saldo porventura devido e, sendo o caso, na imposição de penalidade, ou sua graduação. §4º Se a lei não fixar prazo a homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação” (CTN).

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segurança jurídica, capacidade contributiva, progressividade do imposto, igualdade e até mesmo legalidade são postos em dúvida. Alguns estudiosos

chamam o fenômeno de ‘retorno à Idade Média’ (cf. MICHEL BOUVIER. ‘Introduction au droit fiscal general et à la théorie de l’impot.’ 4a. LGDJ. Paris, 2001, p. 225), outros, de ‘concerto barroco’ (cf. VALÉRIE VARNEROT. ‘Entre

essentialisme et existencialisme de la théorie des sources: les sources non

formelles du droit fiscal.’ IN L’impôt. Archives de Philosophie du droit., tomo 46, Dalloz, Paris, 2002, ps. 139-195).

O fundamental é que a doutrina jamais poderá desistir do progresso do conhecimento, sistematizando e diferenciando a abordagem jurídica das demais, mesmo no plano lógico-normativo, e apontando os equivalentes, os operadores e os critérios de seleção (modificadores, em substância, limitativos ou ampliativos dos valores e princípios colhidos à ciência econômica ou social) com que a destinação dos recursos é introjetada para dentro da norma tributária.189

Neste contexto, Valter Souza Lobato, em sua dissertação de Mestrado pela

Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) traz alguns elementos que devem

ser invocados para a efetivação do Direito Tributário ou preenchimento das

expectativas neste ramo do Direito:

Previsibilidade das ações estatais para os contribuintes, respeito aos princípios da legalidade, irretroatividade, bem como ao desenho sistemático do Direito feito pelo Texto Constitucional (Supremacia da Norma Constitucional);

Correta destinação dos recursos públicos. Satisfação aos cidadãos e não somente dos contribuintes;

Inversão da lógica atual de desconfiança mútua, ou seja, é preciso reinstalar a presunção da boa-fé de ambos os lados;

Redução, no máximo possível, das presunções e ficções ‘iure et iure’, que distanciam a norma tributária da realidade do contribuinte;

Perda do receio da complexidade da norma, não identificando o contribuinte com o fato que descreve, isto é, a generalização dos casos em grau excessivo leva à suposta simplificação da norma, sem cuidados para setores específicos, que devem ser tratados segundo suas especificidades (pequenas e médias empresas, cooperativas, previdência privada, setor financeiro, setor industrial, setor de serviços, etc. e etc.);

Império da legalidade, no seu sentido formal e material;

Melhoria da efetivação do direito - maior celeridade e previsibilidade - das decisões administrativas, legislativas e judiciais.190

Assim, é preciso resgatar a previsibilidade e a boa-fé nas relações jurídico-

tributárias, caso contrário, o sistema estará fadado ao insucesso, não servindo mais

como pacificador do comportamento humano.

189 DERZI, Misabel Abreu Machado. Pós-modernismo e tributos: complexidade, descrença e

corporativismo. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, v. 100, p. 65-80, 2004. p. 68. 190 LOBATO, Valter Souza. Os tributos destinados ao custeio da seguridade social: a busca do

equilíbrio de suas fontes, p. 36.

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A prevalência da confiança e da boa-fé tem sido uma constante em vários

ramos do Direito, incluindo, mas não se esgotando, no Direito do Consumidor, na

nova teoria das obrigações civis, cujo Código Civil se baseia na ética e na boa-fé

como pressuposto de todo contrato e como forma de interpretá-lo, entre outros.

A Professora Misabel Abreu Machado Derzi ainda oferece em sua obra um

desenho de Kreibich191, como resultado da comparação entre o princípio da proteção

da confiança e o da boa fé, o que encerra o que aqui tentamos colocar como

pressuposto do Sistema Tributário:

Figura 2 - Comparativo Boa fé x Confiança

Fonte: DERZI, Misabel Abreu Machado. Modificações da jurisprudência no direito tributário: proteção da confiança, boa fé objetiva e irretroatividade como limitações constitucionais no poder judicial de tributar. São Paulo: Noeses, 2009. v. 1, p. 380.

191 Cf. KREIBICH, Roland. Der grundsatz von treu und glauben im steuerrecht. Heildelberg: Muller,

1992. p. 59.

= O princípio da boa fé como expressão do princípio da confiança nas relações jurídicas concretas.

Relações Jurídicas Abstratas

Proteção da Confiança em:

Segurança Jurídica

Estado de Direito

Relações Jurídicas Concretas

Idéia de Justiça

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Portanto, de volta ao tema, não há dúvidas em afirmar que, dentro dos

limites impostos pelo próprio sistema, a boa-fé, a confiança e a previsibilidade

devem fazer parte da interpretação das sanções fiscais, posto que são pressupostos

do Estado Democrático de Direito.

Destarte, o Texto Constitucional em vigor foi generoso com o princípio da

segurança jurídica e com a confiança, cristalizando diversos princípios que aderem a

tais valores192 no âmbito do Direito Tributário (aqui restringindo a este domínio por

conta do objeto pesquisado).

O princípio da confiança se manifesta nos direitos fundamentais, já no caput

do art. 5º do Texto Constitucional, que garante aos contribuintes a inviolabilidade da

vida, da liberdade, da igualdade, da segurança e da propriedade.

Ainda no mesmo art. 5º a igualdade e a legalidade são estatutos

assegurados (art. 5º, I e II), a liberdade do exercício profissional e da atividade

empresarial (arts. 5º e 170 da CF/88), a desapropriação somente pode ocorrer com

o pagamento da justa indenização (art. XXIV, art. 5º), o imperativo acesso ao

Judiciário (art. 5º, XXXV, CF/88), a preservação do ato jurídico perfeito, da coisa

julgada e do direito adquirido (art. 5º, XXXVI), institutos que não somente preservam

o passado, mas projetam seus efeitos para o futuro, não deixando que as leis novas

alcancem atos jurídicos consolidados, a pena não transfere a terceiros, exceto no

limite do patrimônio transferido (art. 5º, XLV, CF/88), preservação do devido

processo legal, da ampla defesa e do contraditório (art. 5º, LIII, LIV e LV, CF/88),

entre outros tantos.

O art. 37, caput determina um Estado deve ser pautado pela legalidade,

moralidade, impessoalidade, publicidade e eficiência. Ora, como vimos, a confiança

sistêmica está baseada exatamente em comportamentos previamente definidos

(legalidade), igualitários e impessoais e que sejam de conhecimento dos

jurisdicionados.

Assim, no capítulo tributário, do texto constitucional, o reconhecimento da

confiança se mostra intenso (legalidade, irretroatividade, não surpresa, não confisco,

entre outros).

192 Um valor nada mais é do que um princípio ainda mais relevante, com maior grau de fluidez,

também denominado por parte da doutrina como sobreprincípio.

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Eis as palavras da Professora Misabel Abreu Machado Derzi sobre o tema,

em artigo publicado na Revista das Faculdades Milton Campos:

No Brasil, a segurança jurídica e a proteção da confiança são amplamente reforçadas no campo do Direito Tributário. Assentam-se na legalidade formal e material (especificidade conceitual determinante), consagradas nos arts. 5º e 150, I, da Constituição Federal; reforçadas pela exclusividade da lei que concede subsídio, isenção ou outro benefício fiscal (art. 150, §6o. da CF/88); são minuciosamente explicitadas pelo art. 97 do Código Tributário Nacional; confirmadas e reconfirmadas pela proibição da analogia na criação de tributo (art. 108, §1º, do CTN) e, conseqüentemente, das presunções; pela rejeição da interpretação econômica (art. 110) e da cláusula geral antielisiva (art. 109); pelo caráter estritamente vinculado dos atos administrativos de cobrança do tributo (art. 3º e 142 do CTN); desenvolvem-se, ainda, na proibição da surpresa e da imprevisibilidade, por meio da vedação constitucional da irretroatividade do direito em geral (art. 5º, XXXVI), do Direito Penal (art. 5º., XL) e do Direito Tributário em especial (art. 150,III, ‘a’); no princípio da anterioridade e da espera nonagesimal (art. 150, III, ‘b’, ‘c’). Finalmente, complementa-se a segurança com a vedação do confisco e a observância da capacidade econômica, art. 150, IV e § 1º do art. 145 da Constituição da República. Já tivemos, em textos constitucionais anteriores, o princípio da capacidade contributiva expresso ao lado do princípio da autorização orçamentária e do princípio da irretroatividade das leis (Constituição de 1946). Mas nós não tínhamos tido antes, ao mesmo tempo, como na Constituição de 1988, o estabelecimento da irretroatividade da lei em geral (art. 5º, XXXVI), da lei penal, por duas vezes (art. 5º., XXXIX e XL) e da lei tributária especificamente (art. 150, III, ‘a’), além da consagração do princípio da vedação do confisco e da capacidade econômica (art. 145, § 1º), da anterioridade e da espera nonagesimal, do art. 150, III.193

De fato, nas lições extraídas da sua mais recente obra194, a Professora

Misabel Abreu Machado Derzi, deixa claro que em um mundo de alta complexidade,

o sistema jurídico tem o papel primordial de fornecer estabilidade e, para tanto,

antecipa as expectativas, fazendo com que os jurisdicionados renunciem a

informações para escolher caminhos previamente traçados e que são pavimentados

pela confiança.

A confiança é, portanto, uma das formas de antecipar a expectativa futura, o

que também faz a desconfiança, mas a primeira evita o uso da litigiosidade e traz um

ambiente de saudável estabilização.

É preciso, portanto, resgatar essa confiança, pois não é possível o convívio

193 DERZI, Misabel Abreu Machado. O princípio da igualdade no direito tributário. Revista da

Faculdade de Direito Milton Campos, Belo Horizonte, v. 1, p. 195-222, 1993. p. 215. 194 DERZI, Misabel Abreu Machado. Modificações da jurisprudência no direito tributário: proteção da

confiança, boa fé objetiva e irretroatividade como limitações constitucionais no poder judicial de tributar, 2009. v. 1.

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com um numero exacerbado de obrigações acessórias e principais e, ainda,

permanecer no aguardo da próxima sanção.

Porém, pode-se verificar que de forma visionária e passível somente de

elogios, o Código Tributário Nacional há muito já reconhece o princípio da confiança

como pressuposto no trato entre Fisco e contribuintes.

Visionário o CTN já determinava em seus artigos 100 (especialmente

parágrafo único) e art. 146, aqui tratados na ordem inversa da numérica, que a

confiança deve ser o pressuposto da relação fisco-contribuinte:

Art. 146. A modificação introduzida, de ofício ou em conseqüência de decisão administrativa ou judicial, nos critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa no exercício do lançamento somente pode ser efetivada, em relação a um mesmo sujeito passivo, quanto a fato gerador ocorrido posteriormente à sua introdução.

As lições do Professor Ricardo Lobo Torres a respeito do art. 146 do CTN

demonstram sua origem e a relação direta com o que aqui se pesquisa e defende:

A inspiração para a norma transcrita buscou-a o legislador no direito germânico. Em sua nova versão, estampada no art. 176 do Código de 1977 (Abgabenordnung 77), aquela regra, sob o título de ‘proteção da confiança nas hipóteses de anulação e alteração de lançamento’ (Vertrauensschutz bei der aufhebung und Anderung von Steuerbescheiden), tem o seguinte teor: ‘Na anulação ou alteração de ato de lançamento notificado, não pode ser considerado em detrimento do contribuinte o fato de 1- a Corte Constitucional Federal declarar a nulidade de uma lei, em que até então se baseava o lançamento; 2- um tribunal superior federal não aplicar uma norma em que até então se baseava o lançamento, por considerá-la inconstitucional; 3- ter-se alterado a jurisprudência de um tribunal superior a qual havia sido aplicada pela autoridade fiscal nos lançamentos anteriores.195

E completa o Professor Ricardo Lobo Torres:

o princípio da proteção da confiança do contribuinte, construído principalmente pelo Tribunal Constitucional da Alemanha, aproxima-se do princípio da boa-fé e, como este, ingressa no direito administrativo e no tributário, mas é indefinível. Em linhas gerais significa que o Estado deve respeitar a segurança dos direitos fundamentais do contribuinte, agindo segundo a moralidade e a eqüidade. Aparece amalgamado aos princípios da legalidade, irretroatividade e proibição de analogia. Mas também se consubstancia em inúmeros subprincípios e normas de proteção da

195 TORRES, Ricardo Lobo. A interpretação do Direito Tributário pela Administração. Trabalho para

as XVIII Jornadas Latinoamericanas de Derecho Tributario. Revista da ABDF, Brasília, p. 7-25, 2. trim. 1996. (Separata).

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expectativa do contribuinte, e em deveres da Administração, como sejam: irrevisibilidade do lançamento por erro de direito ou de valoração do fato, inalterabilidade do critério jurídico do lançamento e da resposta à consulta, irrevogabilidade das isenções condicionadas a encargo, do beneficiário, dever de assistência ao contribuinte e exclusão ou limitação de multas.196

Portanto, determina o dispositivo que a autoridade fiscal - no ato do

lançamento de ofício - não pode surpreender o contribuinte com novos critérios

jurídicos, alterar o entendimento sobre determinada norma. A mudança somente terá

valia pro futuro e aqui não está se falando apenas das sanções, mas do próprio

principal. A revisão somente é admitida quando há erro de fato, conforme a lição de

Paulo de Barros Carvalho: “A Fazenda não pode formular uma exigência segundo

determinado critério e, posteriormente, revendo o critério jurídico adotado, modificá-

la, majorando-a. Pode revisar e majorar se houve erro de fato (não de direito)”197.

Numa primeira leitura parece que o art. 146 do CTN somente estaria se

referindo ao lançamento propriamente dito, ou seja, pressupondo a existência de

dois lançamentos distintos. Assim o é com os tributos lançados de ofício, contudo,

nos tributos lançados por homologação, em que o contribuinte precisa fazer toda a

atividade de interpretação, subsunção, cálculo do tributo o dispositivo deve ter uma

interpretação mais ampla, ou seja, se na atividade desenvolvida pelo contribuinte ele

se deparar com uma orientação da Administração Pública estará também protegido

pela irreversibilidade do lançamento.

A Confiança tem ligação umbilical com a moralidade administrativa e com a

segurança jurídica, como visto. Os novos critérios jurídicos, ainda que mais

adequados, serão aplicáveis aos lançamentos relativos a fatos geradores futuros,

desde que a Administração os adote e dê a devida publicidade.

Neste sentido, ensina Luciano Amaro:

O que o texto legal de modo expresso proíbe não é a mera revisão do lançamento com base em novos critérios jurídicos; é a aplicação desses novos critérios a fatos geradores ocorridos antes de sua introdução (que não necessariamente já terão sido objeto de lançamento). Se, quanto ao fato gerador de ontem, a autoridade não pode, hoje, aplicar novo critério jurídico (diferente do que, no passado, tenha aplicado em relação a outros

196 Cf. TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário. Rio de Janeiro:

Renovar, 2005. v. II, p. 570-571, grifo nosso. 197 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 282.

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fatos geradores atinentes ao mesmo sujeito passivo), a questão não se refere (ou não se resume) à revisão de lançamento (velho), mas abarca a consecução de lançamento (novo). É claro que, não podendo o novo critério ser aplicado para lançamento novo com base em fato gerador ocorrido antes da introdução do critério, com maior razão este não poderá também ser aplicado para rever lançamento velho. Todavia, o que o preceito resguardaria contra a mudança de critério não seriam apenas lançamentos anteriores, mas fatos geradores passados.198

Enfim, em rápidas linhas, a expectativa se demonstra legítima quando (a) há

um pressuposto fático da confiança, ou seja, quando o Estado se pronuncia de

forma clara, gerando um momento de estabilidade no sistema ao externar seu

entendimento; (b) há clara boa-fé daquele que renuncia a informações e age de boa-

fé; (c) a confiança sistêmica não é mero sentimento, mas alvo de investimento

daquele que, de fato e “de direito”, acredita no que lhe foi dito.

Este o pensar unânime da doutrina, conforme trechos dos mais diversos

autores, a seguir transcritos:

Uma primeira ordem de limites baseia-se na distinção entre erro de direito e erro de fato e tem o seu assento legal no art. 146 do CTN [...]. Assim, o erro de fato legitima a alteração do lançamento pela prática dos adequados atos de anulação ou lançamento suplementar. Ao invés, a modificação de critérios jurídicos só pode prevalecer quanto a fatos geradores ocorridos posteriormente à sua introdução, o que o mesmo é dizer-se, não pode servir de fundamento a modificação do lançamento anterior.199

A lei não se pode admitir ignorada dos funcionários fiscais encarregados de proceder ao lançamento, e, assim, o erro de direito que estes cometem no exercício de suas atribuições não justifica a alteração da situação individual criada pelo lançamento em favor do contribuinte, pois é presumido que os agentes do fisco tivessem tido presentes todos os elementos jurídicos em vigor ao tempo em que o efetuaram. 200

A prática, a doutrina e a legislação, na proteção da certeza jurídica, não admitem, em princípio, que seja feita revisão do lançamento pela superveniência de outros critérios jurídicos.201

198 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro, p. 351-352. 199 XAVIER, Alberto. Do lançamento no direito tributário brasileiro. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense,

2005. p. 333. 200 CANTO, Gilberto de Ulhôa. Temas de direito tributário. Rio de Janeiro: [s.n.], 1964. v. 1, p. 370. 201 NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Teoria do lançamento tributário. São Paulo: Resenha Tributária, 1964.

p. 133.

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Antecipando-se à vigência do CTN, Rubens Gomes de Souza ensinou que se o fisco, mesmo sem erro, tiver adotado uma conceituação jurídica e depois pretender substituí-la por outra, não mais poderá fazê-lo. E não o poderá porque, se fosse admissível que o fisco pudesse variar de critério em seu favor, para cobrar diferença de tributo, ou seja, se à Fazenda Pública fosse lícito variar de critério jurídico na valorização do ‘fato gerador’, por simples oportunidade, estar-se-ia convertendo a atividade do lançamento em discricionária, e não vinculada202.

O art. 146 do CTN positiva, em nível infraconstitucional, a necessidade de proteção da confiança do contribuinte na Administração Tributária, abarcando, de um lado, a impossibilidade de retratação de atos administrativos concretos que implique prejuízo relativamente à situação consolidada à luz de critérios anteriormente adotados e, de outro, a irretroatividade de atos administrativos normativos quando o contribuinte confiou nas normas anteriores.203

A norma do art. 146 [...] complementa a irreversibilidade por erro de direito regulada pelos arts. 145 e 149. Enquanto o art. 149 exclui o erro de direito dentre as causas que permitem a revisão do lançamento anterior feito contra o mesmo contribuinte, o art. 146 proíbe a alteração do critério jurídico geral da Administração aplicável ao mesmo sujeito passivo com eficácia para os fatos pretéritos.204

[...] não se confunde erro de fato nem mesmo com erro de direito, embora a distinção relativamente a este último seja sutil. [...] Há mudança de critério jurídico quando a autoridade administrativa simplesmente muda de interpretação, substitui uma interpretação por outra, sem que se possa dizer que qualquer das duas seja incorreta. Também há mudança de critério jurídico quando a autoridade administrativa, tendo adotado uma entre várias alternativas expressamente administras pela lei, na feitura do lançamento, depois pretende alterar esse lançamento, mediante a escolha de outra das alternativas admitidas e que enseja a determinação de um crédito tributário em valor diverso, geralmente mais elevado.205

Assim como as manifestações doutrinárias, a jurisprudência dos Tribunais

superiores também sinalizam no sentido de que novos critérios jurídicos, deverão ser

aplicados aos lançamentos relativos a fatos geradores futuros.

O Supremo Tribunal Federal já se manifestou inúmeras vezes quanto a tese

202 BORGES, José Souto Maior. Lançamento tributário. In: TRATADO de direito tributário brasileiro.

Rio de Janeiro: Forense, 1981. v. IV, p. 322. 203 PAULSEN, Leandro. Direito tributário: constituição e código tributário à luz da doutrina e da

jurisprudência. 10. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 991. 204 TORRES, Ricardo Lobo. O princípio da proteção da confiança do contribuinte. Revista Fórum de

Direito Tributário, Belo Horizonte, v. 6, p. 9-20, nov./dez. 2003. p. 9. 205 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 123.

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da irrevisibilidade do lançamento definitivamente sob a alegação de erro de direito

ou mudança nos critérios jurídicos (RE nº 60.633/RJ. 3. T. de 16.06.67, RDP 4/199 -

RE nº 73.443/SP. 1. T. de 24.02.72, RDP 20/202 - RE nº 100.481/SP. 2. T. de

04.04.86, RTJ 122/636), assim como no Tribunal Federal de Recursos (TFR),

através da Súmula nº 227: “A mudança de critério jurídico adotado pelo Fisco não

autoriza a revisão de lançamento”206.

Diversos precedentes jurisprudenciais demonstram que a interpretação do

art. 146 do CTN deve ser ampla, amplíssima, para abarcar o princípio da confiança e

homenagear a segurança jurídica:

TRIBUTÁRIO. IPI. MANDADO DE SEGURANÇA. IMPORTAÇÃO DE MERCADORIA. DESEMBARAÇO ADUANEIRO. CLASSIFICAÇÃO TARIFÁRIA. AUTUAÇÃO POSTERIOR. REVISÃO DE LANÇAMENTO POR ERRO DE DIREITO. SÚMULA 227/TRF. PRECEDENTES. “- Aceitando o Fisco a classificação feita pelo importador no momento do desembaraço alfandegário ao produto importado, a alteração posterior constitui-se em mudança de critério jurídico vedado pelo CTN. - Ratio essendi da Súmula 227/TRF no sentido de que “a mudança de critério jurídico adotado pelo fisco não autoriza a revisão do lançamento”. - Incabível o lançamento suplementar motivado por erro de direito. - Recurso improvido.207 (Grifo nosso).

TRIBUTÁRIO - IMPORTAÇÃO - REVISÃO DE LANÇAMENTO POR ERRO DE DIREITO - SÚMULA 227/TFR. 1. Em havendo na declaração do contribuinte erro de direito não detectado pelo Fisco, que a aceita integralmente, a mudança de entendimento constitui-se em alteração de critério vedada pelo CTN. 2. Só a falsidade, o erro ou a omissão são capazes de provocar a revisão do lançamento com a conseqüente autuação do contribuinte. 3. Recurso especial improvido.208

LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO. ICM. INALTERABILIDADE DO LANÇAMENTO FEITO SEGUNDO CRITÉRIO ESTABELECIDO PELO FISCO. Novos critérios adotados pela autoridade tributária somente podem ser aplicados, em relação a um mesmo sujeito passivo, quanto

206 BRASIL. Tribunal Federal de Recursos. Súmula nº 227, de 18 de novembro 1986. DJ, Brasília, 24

nov. 1986. Disponível em: <http://www.dji.com.br/normas_inferiores/sumula_tfr/tfr__211a240.htm# TFR - Súmula nº 227>. Acesso em: 26 maio 2010.

207 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 412.904/SC. 1. T. Rel. Min. Luiz Fux, j. 07/05/2002. DJ, Brasília, 27 maio 2002. p. 142. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/webstj/processo/Justica/d etalhe.asp?numreg=200200141027&pv=010000000000&tp=51>. Acesso em: 26 maio 2010.

208 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 171.119/SP. 2. T. Rel. Min. Eliana Calmon, j. 07/08/2001. DJ, Brasília, 24 set. 2001. p. 263. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/webstj/process o/Justica/detalhe.asp?numreg=199800257799&pv=010000000000&tp=51>. Acesso em: 26 maio 2010.

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a fato gerador ocorrido posteriormente a sua introdução. Art. 146 do CTN. Recurso conhecido e provido em parte.209 (Grifo nosso).

Se o art. 146 do CTN protege a mudança do passado quando houver

pronunciamento concreto (norma individual concreta) para o contribuinte, quando

este segue norma abstrata estará protegido de qualquer sanção, nos termos do art.

100, parágrafo único:

Art. 100. São normas complementares das leis, dos tratados e das convenções internacionais e dos decretos:

Parágrafo único. A observância das normas referidas neste artigo exclui a imposição de penalidades, a cobrança de juros de mora e a atualização do valor monetário da base de cálculo do tributo.

Os incisos do art. 100 dizem respeito a normas infra-legais, gerais e

abstratas. Portanto, o seguimento do que entende a Fiscalização sob determinado

aspecto, proferido em normas gerais e abstratas, isenta o contribuinte do pagamento

de qualquer penalidade, de qualquer sanção (incluindo aqui os juros de mora), pois

ele nada mais fez do que observar os procedimentos ditados pela Fiscalização.

Eis os ensinamentos da Professora Misabel Abreu Machado Derzi:

O art. 146 reforça o princípio da imodificabilidade do lançamento, regularmente notificado ao sujeito passivo. Trata-se de dispositivo relacionado com a previsibilidade e a segurança jurídica, simples aplicação do princípio da irretroatividade do Direito aos atos e decisões da Administração Pública.

[...]

Como já realçamos, o princípio da irretroatividade (do Direito) não deve ser limitado às leis, mas estendido às normas e atos administrativos ou judiciais. O que vale para o legislador precisa valer para a Administração e os Tribunais. O que significa que a Administração e o Poder Judiciário não podem tratar os casos que estão no passado de modo a se desviarem da prática até então utilizada, e na qual o contribuinte tinha confiado. Exatamente por tais razões, o CTN atenua os efeitos bruscos da mudança de critérios por parte da Administração, quer no art. 146, quer no art. 100, ao estabelecer que a observância dos atos normativos das autoridades administrativas, das decisões de seus órgãos e das práticas administrativas reiteradas exclui a imposição de penalidades, a cobrança de juros de mora e a atualização do valor monetário da base de cálculo do tributo.

O que distingue o art. 146 do art. 100 é que o primeiro proíbe a retroação do ato, por mudança de critério jurídico, em relação ao mesmo fato gerador e

209 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE nº 100.481/SP. 2. T. Rel. Min. Carlos Madeira, j.

04/04/1986. DJ, Brasília, 02 maio 1986. p. 6.912. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisp rudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=(100481.NUME. OU 100481.ACMS.)&base=baseAcordaos>. Acesso em: 26 maio 2010.

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contribuinte, enquanto o art. 100 é genérico e independe de ter havido lançamento. As conseqüências também são diferentes. O art. 146 proíbe que se edite outro ato administrativo individual, como o lançamento, relativamente ao mesmo fato gerador, uma vez aperfeiçoado e cientificado o contribuinte. Se a mudança de critério jurídico levaria à cobrança de tributo ou à sua majoração, em relação àquele mesmo fato jurídico, novo lançamento não poderá ser efetuado, nem mesmo para cobrar o singelo valor do tributo (como autoriza o art. 100, em se tratando de ato normativo).210

Aliás, mesmo quando há uma lei interpretativa (art. 106, CTN) não se

permite que esta interpretação nova cause qualquer sanção ao contribuinte pelos

atos do passado.211

Conquanto, a confiança e a segurança jurídica encontram-se amplamente

cristalizadas no Ordenamento Jurídico vigente, seja protegendo o contribuinte para

que erros de direito, em normas que se individualizam no caso concreto, não atinjam

fatos geradores passados, seja protegendo o contribuinte da aplicação exacerbada

de sanções ficais.

6.4 Igualdade, capacidade contributiva e não-confisco. Os critérios da razoabilidade e da proporcionalidade

A justificativa de se fazer a análise em conjunto desses três princípios tem

um propósito, que será demonstrado ao final. Contudo, além da análise em conjunto,

para fins didáticos, faz-se necessários conceituá-los em separado, iniciando-se pelo

princípio da igualdade na tributação.

O princípio da igualdade, como se sabe, está expresso no Texto

Constitucional (art. 5º, caput) e no Sistema Tributário especificamente no art. 150, II:

210 BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar, nota de Misabel Abreu

Machado Derzi, p. 812. 211 Os Professores Sacha Calmon Navarro Coêlho e Valter Souza Lobato defendem que as leis

interpretativas são de duvidosa constitucionalidade em matéria tributária, tendo em vista o reforço principiológico da CF/88 em torno da segurança jurídica (COÊLHO, Sacha Calmon Navarro; LOBATO, Valter Souza. Reflexões sobre o art. 3º da lei complementar 118. Segurança jurídica e a boa-fé como valores constitucionais. As leis interpretativas no Direito Tributário brasileiro. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 117, p. 108-123, jun. 2005).

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[...] é vedado [...] instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos.

A igualdade é um princípio básico de qualquer sistema que pretende ser

justo, posto que não há injustiça maior do que o tratamento igual aos desiguais ou o

tratamento desiguais aos iguais, lembrando as palavras de Rui Barbosa.

O Texto Constitucional garante não somente a igualdade formal (igualdade

perante a lei) e a igualdade material (igualdade perante a lei), que parece ser um

jargão ou uma verdade trivial, mas mantém a importância ao longo do tempo.212

A igualdade perante a lei é aquela que demonstra ter o princípio da

legalidade também uma faceta ou um objetivo de Justiça Tributária, e não somente

de Segurança Jurídica. Ou seja, dirigida ao aplicador do Direito, a igualdade perante

a lei é a ordem expressa de que a lei é aplicável a todos. Por outro lado, a igualdade

na lei é aquela dirigida ao legislador e determina que um dos critérios lógicos da

Justiça é que a lei trate de forma igual os iguais.

No Constituição Federal o princípio da igualdade é tratado com fartura no

capítulo do Sistema Tributário, seja determinando que cada qual deve ser tributado

segundo a sua capacidade econômica, mas também determina que os contribuintes

não podem sofrer tratamento desigual se estiverem em situação equivalente, não

sendo critério diferenciador a ocupação profissional, a função exercida pelos

contribuintes (art. 150, II, CF/88), mas também veda a União Federal de instituir um

tributo que não seja uniforme em todo território nacional (art. 151, I, CF/88), exceto

se por razões sócio-econômico (restabelecer o equilíbrio federativo) ou mesmo,

permite os Estados e Municípios estabelecer diferenças tributárias entre bens e

serviços, em razão da sua procedência ou destino (art. 152, CF/88).

Como se vê, toda idéia de igualdade (e de justiça), no Direito, supõe o

confronto, a comparação. E é pelo contraste no tratamento igual ou desigual que

212 Neste sentido, alerta Humberto Ávila que a questão parece trivial, mas negligenciada nos

julgamentos em que tal dualidade do princípio é posta a prova: “É preciso, conjuntamente, que a própria lei, cuja aplicação se guarde uniforme, seja isonômica no se conteúdo, sendo assim considerada aquela lei que não diferencie contribuintes senão por meio de fundadas e conjugadas medidas de comparação atreladas a finalidades constitucionalmente postas” (ÁVILA, Humberto. Teoria da igualdade tributária. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 76077).

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nascem os sentimentos de justiça ou de injustiça igualdade.213 Portanto, sempre

haverá um critério a diferenciar as situações distintas e um mesmo critério a

aproximar as situações similares.

Somente assim pode-se aplicar a igualdade no Direito. Porém, esta

metodologia comparativa não é possível a escolha de critérios não razoáveis,

desproporcionais ou arbitrários. Não é possível diferenciar pessoas por sua cultura,

sexo ou raça (são critérios de diferenciação, mas a luz do Direito tomá-los como

parâmetro de diferenciação é criar a discriminação. É um critério de diferenciação

injusto.

Celso Antônio Bandeira de Mello afirma que “o traço diferencial adotado,

necessariamente há de residir na pessoa, coisa ou situação a ser discriminada; ou

seja: elemento algum que não exista nelas mesmas poderá servir de base para

assujeitá-las a regimes diferentes”214, ou seja, um fator externo não pode servir de

parâmetro de comparação. A atribuição de fatores externos somente levaria aos

privilégios legais. E arremata o autor:

[...] a lei não pode conceder tratamento específico, vantajoso ou desvantajoso, em atenção a traços e circunstâncias peculiarizadoras de uma categoria de indivíduos se não houver adequação racional entre o elemento diferencial e o regime dispensado aos que se inserem na categoria diferenciada [...] se o fator diferencial não guardar conexão lógica com a disparidade de tratamentos jurídicos dispensados, a distinção estabelecida afronta o princípio da isonomia.215

Aliás, é o próprio Celso Antonio Bandeira de Mello que estabelece alguns

parâmetros que podem gerar ofensa ao princípio constitucional da igualdade:

I - a norma singulariza atual e definitivamente um destinatário determinado, ao invés de abranger uma categoria de pessoas, ou uma pessoa futura e indeterminada;

II - a norma adota como critério discriminador, para fins de diferenciação de regimes, elemento não residente dos fatos, situações ou pessoas por tal modo desequiparadas. É o que ocorre quando pretende tomar o fator ‘tempo’ - que não descansa no objeto como critério diferencial;

213 DERZI, Misabel Abreu Machado. Notas de atualização à obra de BALEEIRO, Aliomar. Limitações

constitucionais ao poder de tributar, 1999. 214 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. São Paulo:

Malheiros, 2004. p. 23. 215 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade, p. 39.

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III - a norma atribui tratamentos jurídicos diferentes em atenção a fator de discrímen dotado que, entretanto, não guarda relação de pertinência lógica com a disparidade de regimes outorgados;

IV - a norma supõe relação de pertinência lógica existente em abstrato, mas o discrímen estabelecido conduz a efeitos contrapostos ou de qualquer modo dissonantes dos interesses prestigiados constitucionalmente;

V - a interpretação da norma extrai dela distinções, discrímens, desequiparações que não foram professadamente assumidas por ela de modo claro, ainda que por via implícita.216

Portanto, no Sistema Tributário - perante a lei - o contribuinte com a mesma

capacidade econômica não pode ser discriminado por sexo, cor, naturalidade,

origem e destino dos bens.217 Da mesma forma, corolário lógico do pacto federativo é

que todas as pessoas políticas da Federação são iguais e assim devem ser tratadas.

O mais marcante e correto critério de comparação no Direito Tributário218 é

aquele que determina que cada qual deve ser tributado segundo a sua capacidade

econômica.

É o que consta no art. 145, § 2º da Constituição Federal:

Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

No tópico anterior, verificou-se linhas atrás que a praticidade (equiparação

de diversas situações similares para constar da hipótese legal) é o meio para tornar

a lei exeqüível, o que mitiga um pouco a isonomia no tratamento, mas parece ser a

única forma da lei ser aplicável, como já demonstrado.

216 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade, p. 55-60. 217 DERZI, Misabel Abreu Machado. Notas de atualização à obra de BALEEIRO, Aliomar. Limitações

constitucionais ao poder de tributar, p. 536 e segs. 218 Questão de alta controvérsia na doutrina é saber se o princípio da capacidade contributiva tem

aplicação a todos os tributos ou não. No nosso entender a questão é de fácil solução. A capacidade econômica se aplica de maneira mais perfeita aos impostos pessoais, pois nestes tributos a percepção da capacidade econômica é de mais fácil aferição. Contudo, sendo ela um critério de realização de um valor constitucional (princípio da igualdade), deve ser aplicada sempre e na medida do possível a qualquer tributo. Disso não temos dúvidas, em que pese a controvérsia doutrinária. O que vale é o signo presuntivo de riqueza (Becker) que se escolhe, caso contrário chegaria à estranha conclusão de que no imposto de renda da pessoa jurídica a capacidade econômica é levada em consideração, mas na CSLL, que é um espelho do IRPJ, não seria necessária a aplicação do princípio da capacidade contributiva.

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Contudo, a legalidade também demonstra sua faceta na igualdade, pois

impede que a lei não seja aplicada a todos (se não é aplicada, a falha é do ser

humano que a pratica e não decorrente de um defeito do princípio. A impunidade

não advém do texto legal, mas da falha na sua aplicação).

Como afirma Misabel Abreu Machado Derzi, “a capacidade contributiva é, de

fato, a espinha dorsal da justiça tributária. É o critério de comparação que inspira,

em substância, o princípio da igualdade”219, mas é a própria professora que

demonstra não ser somente pela capacidade contributiva que se realiza a justiça

tributária, pois na extrafiscalidade, por exemplo, também a busca é pela realização

dos valores constitucionais, mas que a capacidade econômica fica de lado.220

Novamente, como dito pela professora, na sua espinha dorsal, a tributação

deve respeitar a tensão permanente do lado positivo da igualdade (segundo o qual o

tributo deve ser quantificado segundo a capacidade contributiva de cada um) e do

lado negativo do princípio, pelo qual o legislador deve tributar os que encontrem-se

em idêntica situação econômica.

Pode-se dizer, portanto, que é através da correta utilização da capacidade

contributiva que se encontra o ponto de equilíbrio para efetivação dos demais

princípios que cercam a Justiça na tributação: preservação da propriedade, função

social da propriedade, seletividade, progressividade, extrafiscalidade e não confisco.

Novamente o Eduardo Maneira nos dá a diretriz do que pode ser

considerado quanto ao conteúdo e a importância da capacidade contributiva como

princípio norteador do sistema tributário justo:

O princípio da capacidade contributiva é aquele que confere consistência lógica e legitimidade à tributação. Adam Smith de há preceituava que ‘os súditos de cada Estado devem contribuir o máximo possível para a manutenção do governo, em proporção às suas respectivas capacidades, isto é, em proporção ao rendimento de que cada um desfruta, sobre a proteção do Estado’. É que só podem tributar fatos reveladores de capacidade econômica, isto é, o Estado, na sua necessidade de arrecadar, busca a riqueza onde a riqueza se encontra.Identificam-se duas correntes doutrinárias no tocante ao conteúdo ou à natureza desse princípio. A primeira corrente, que entende o princípio da capacidade contributiva,

219 DERZI, Misabel Abreu Machado. Notas de atualização à obra de BALEEIRO, Aliomar. Limitações

constitucionais ao poder de tributar, p. 546. 220 Isso ocorre, por exemplo, quando se concede incentivos fiscais para que a empresa faça

determinado investimentos em tecnologia ou para que se instaure em determinado local do território nacional.

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natureza pragmática, de orientação, porém não coercível, e a segunda corrente, que atribui natureza jurídica ao princípio, isto é conteúdo de regra jurídica que vincula o legislador ordinário, obrigando-o a eleger como fatos tributáveis, aqueles que revelem alguma forma de riqueza. Rubens Gomes de Souza, Pontes de Miranda, A.D. Giannini, dentre outros filiam-se à corrente pragmática, Aliomar Baleeiro, Emílio Giardina, Misabel Derzi e outros mais, à corrente que atribuem eficácia jurídica ao princípio.221

Assim, a tributação para ser justa, deve guardar coerência entre o objeto a

ser tributado e a riqueza que este pode gerar; a capacidade do sujeito de contribuir

e, ao inverso, a sua impossibilidade de pagar tributos.

Neste sentido se manifestou o Professor Sacha Calmon Navarro Coêlho:

Em primeiro lugar o princípio da capacidade contributiva, quando apresenta-se constitucionalizado, tem por destinatário o órgão legislativo, fautor da lei fiscal. É, assim, materialmente, norma sobre como fazer lei. Sendo assim, se a lei oferecer o Princípio da incapacidade contributiva genericamente, da-se de uma hipótese de inconstitucionalidade material, por isso que inexiste fundamento material de validez da lei. Neste caso, o judiciário pode declarar a inconstitucionalidade da lei, tanto nos encerros de uma ação direta de inconstitucionalidade (controle concentrado), quando no bojo de uma ação comum, incidenter tantum (controle difuso). [...]

O que precisa ficar bem claro é que o princípio da capacidade contributiva não é dispositivo programático, noção de resto superadíssima pelo moderno constitucionalismo, senão princípio constitucional de eficácia plena conferente de um direito público subjetivo ao cidadão-contibuinte, oponível ao legislador.222

Com propriedade e conhecimento, novamente o Professor Sacha Calmon

Navarro Coêlho dá o tom do que aqui se pretende defender:

A capacidade contributiva, antes de tudo, é uma categoria axiológica ou seja tem sede no mundo dos valores. [...] o princípio da isonomia tributária não tem condições de ser operacionalizado sem a ajuda do princípio da capacidade contributiva, i.e., sem uma referência à capacidade de contribuir das pessoas físicas e até jurídicas. E quem ousará dizer que o princípio da igualdade é delirante?

[...]

É dizer a capacidade contributiva apresenta duas almas éticas que estão no cerne do estado de direito:

(a) em primeiro lugar afirma a supremacia do ser humano e de suas organizações em face do poder de tributar do Estado;

(b) em segundo lugar obriga os poderes do Estado, mormente o Legislativo e o

Judiciário, sob a égide da Constituição, a realizarem o valor justiça, através da

realização do valor igualdade, que no campo tributário, só pode efetivar-se

221 MANEIRA, Eduardo. Base de cálculo presumida, p. 65. 222 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro, p. 91-92.

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pela prática do princípio da capacidade contributiva e de suas técnicas.

Por isso mesmo as reflexões mais profundas e modernas ao propósito do princípio, apresentam-se limpas da ganga positivista e do ‘fetiche legalista’. É ver Sainz de Bujanda, dizendo que os fatos geradores só se justificam, constitucionalmente falando, se comprometidos com o valor justiça, objeto do estado de direito, se forem indicativos de capacidade econômica (Hacienda y Derecho, Ed. Ins. de Estúdios Tributários, Madrid, 1966, vol. IV, p. 551).

[...]

Por ser do homem a capacidade de contribuir, a sua medição é pessoal, sendo absolutamente desimportante intrometer no assunto a natureza jurídica das espécies tributárias. É errado supor que, sendo a taxa um tributo que tem por fato jurígeno uma atuação do estado, só por isso, em relação a ela, não há falar em capacidade contributiva. Ora, a atução do Estado é importante para dimensionar a prestação, nunca para excluir a consideração da capacidade de pagar a prestação, atributo do sujeito passivo e não do fato jurígeno. O que ocorre é simples. Nos impostos, mais que nas taxas e contribuições de melhoria, está o campo da eleição da capacidade contributiva. Assim mesmo os impostos ‘de mercado’, ‘indiretos’ não se prestam a realizar o princípio com perfeição. É nos impostos patrimoniais, com refrações e nos impostos sobre a renda, principalmente nestes, que a efetividade do princípio é plena, pela adoção das tabelas progressivas e das deduções pessoais. Nas taxas e contribuições de melhoria o princípio realiza-se negativamente, pela incapacidade contributiva, fato que tecnicamente gera remissões e reduções subjetivas do montante a pagar imputado ao sujeito passivo sem capacidade econômica real.223

Assim, voltando às sanções ficais e diante dos conceitos acima expostos, é

preciso saber se o princípio da capacidade contributiva se aplica ou não às sanções

fiscais e, se positivo, qual a relação deste princípio com o princípio do não confisco.

Misabel Abreu Machado Derzi demonstra que o princípio da capacidade

contributiva se fundamenta no princípio do não confisco e na igualdade, ou seja, a

gradação da capacidade contributiva se dá no respeito à pessoalidade e

proporcionalidade e o princípio da igualdade deve tratar os iguais de forma igual.224

Significa dizer que perante a lei todos devem ser tratados de forma igual, se

possuem a mesma capacidade econômica (princípio da igualdade), mas mesmo na

lei é preciso dosar a tributação, graduá-la para que seja justa (não confisco).

A questão a saber é se a capacidade contributiva também deve atuar

também nas sanções fiscais.

223 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à constituição de 1988: sistema tributário. Rio de

Janeiro: Forense, 2006. p. 96-97. 224 DERZI, Misabel Abreu Machado. Notas de atualização à obra de BALEEIRO, Aliomar. Limitações

constitucionais ao poder de tributar, p. 537.

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Marco Túlio Fernandes Ibraim defende que o princípio da capacidade

contributiva deve ser aplicável às sanções fiscais, pois se a norma tem natureza

tributária - como de fato tem - não há obstáculos para que ela seja aplicável.225

Invoca o autor que Antônio Roberto Sampaio Dória já defendia que, ao lado do

princípio do não confisco, o princípio da capacidade contributiva deveria atuar como

limite de aplicação das sanções tributárias. Caminhando no mesmo sentido Zelmo

Denari, apenas separando que nas infrações materiais os limites ou a dosimetria da

aplicação das sanções deve estar na razoabilidade e na capacidade contributiva,

enquanto que nas infrações formais o limite estaria no não confisco.

Já quando defende a forma como o princípio limitaria as sanções fiscais,

Zelmo Denari afirma que: o respeito à capacidade contributiva pressupõe a

observância, por ocasião do exercício das atividades de criação e aplicação das leis

tributárias, ao mínimo vital, individual e familiar, à necessidade de graduação da

exigência fiscal em consonância com as possibilidades econômicas do sujeito

passivo, bem como aos limites máximos além dos quais se passa a ter tributação

claramente confiscatória. Deve-se, portanto, por reverência a este princípio,

observar-se a partir de que ponto inicia-se a capacidade econômica de contribuir,

graduar-se devidamente o gravame tributário, além de se respeitar o teto máximo

cuja transposição acarreta o confisco.

De fato, quando da imposição das multas (ou sanções pecuniárias fiscais) é

preciso ter uma atenção especial para que a sanção não deturpe o tributo, posto que

se às sanções não existissem limites, a insegurança jurídica voltaria a reinar para

aqueles que pretendessem discutir tributos tidos por ilegais ou inconstitucionais.

Porém, não há necessidade de aplicar o princípio da capacidade contributiva

para que impeça a aplicação de uma sanção excessiva, proibitiva ou confiscatória.

Da mesma forma que a igualdade e o não confisco limitam a capacidade

contributiva, estes dois parâmetros devem ser aplicados às sanções fiscais.

Ainda no citado artigo de Marco Túlio Fernandes Ibraim, Eduardo Rocha

Dias e Natércia Sampaio Siqueira, são citados visto que ambos afirmam que

225 IBRAIM, Marco Túlio Fernandes. A conformação das sanções fiscais pela observância da

capacidade econômica dos contribuintes: análise segundo o princípio da capacidade contributiva. In: SILVA, Paulo Roberto Coimbra (Coord.). Grandes temas do direito tributário sancionador. São Paulo: Quartier Latin, 2010. p. 355-375.

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a capacidade contributiva é absolutamente apta a servir de limite último na estipulação de multas. Para uma melhor compreensão do que foi dito, nota-se que os limites da capacidade contributiva consistem no mínimo vital e no confisco, de maneira que se a multa ultrapassar esses limites ela estará ou ferindo a dignidade básica do indivíduo, ou inviabilizando o exercício das liberdades individuais, sendo uma e outra situação absolutamente vedada pelo ordenamento jurídico.226

Não há mal algum em respeitar a capacidade econômica do infrator, mas

este não parece ser o objetivo final das sanções fiscais. Nas sanções fiscais a

hipótese não possui um signo de riqueza e sim um ato ilícito, além disso a função da

sanção deve ser (a) educar, para que não mais se repita o ato; (b) punir, para que

sirva de exemplo aos demais que desejarem a mesma conduta e (c) indenizar,

aquele que ficou restrito dos valores devidos.

Veja-se que as lentes da limitação dos impostos podem ser a razoabilidade,

a proporcionalidade, seletividade, progressividade, a igualdade, a preservação do

mínimo vital, o não confisco, mas o foco deve ser buscar tributar o contribuinte nos

limites de suas riquezas. Portanto, um contribuinte é tratado de forma diferente do

outro em relação a sua capacidade econômica.

Por outro lado, as sanções fiscais também devem ter as lentes da igualdade,

do não confisco e da proporcionalidade, mas o critério da dosimetria será a

gravidade da infração.

Assim, se determinado contribuinte deixou de pagar o tributo, sendo este

contribuinte uma empresa de pequeno porte, optante pelo simples ou sendo ele uma

grande empresa, terá que pagar a multa pelo cometimento da infração,

independente da capacidade econômica (sempre percentualmente relacionado ao

tributo que deixou de pagar).

Portanto, os mesmos critérios de quantificação, aplicáveis aos tributos

devem também ser aplicáveis às sanções, quais sejam, proporcionalidade,

razoabilidade, mínimo vital, não confisco.

É óbvio que no estabelecimento da sanção assim como na sua

aplicabilidade, a gravidade da conduta deve ser aferida, juntamente com a gravidade

226 IBRAIM, Marco Túlio Fernandes. A conformação das sanções fiscais pela observância da

capacidade econômica dos contribuintes: análise segundo o princípio da capacidade contributiva, p. 371.

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da infração cometida. Neste último aspecto, as sanções fiscais são quantificadas de

forma proporcional ao tributo, o que acarreta a aplicação indireta da capacidade

econômica, mas este é um aspecto marginal ao Direito Tributário Sancionador.

Elemento importante em igual medida às sanções fiscais e aos tributos é a

mensuração do não confisco.

Memoráveis as lições de Sacha Calmon Navarro Coêlho:

Destarte, se há fiscalidade e extrafiscalidade e se a extrafiscalidade adota a progressividade exacerbada para atingir seus fins, deduz-se que o princípio do não-confisco atua no campo da fiscalidade tão-somente e daí não sai; sob pena de antagonismo normativo, um absurdo lógico-jurídico. Em sua formulação mais vetusta o princípio do não-confisco originou-se do pavor da burguesia nascente em face do poder de tributar dos reis’ [...] ‘No entanto, é bom frisar, o princípio do não-confisco tem sido utilizado também para fixar padrões ou patamares de tributação tidos por suportáveis [...] Neste sentido, o princípio do não-confisco se nos parece mais com um princípio da razoabilidade a tributação.227

Estevão Horvath, em que pese ter ressalvas quanto a aplicação de tais

princípios às sanções fiscais, traz interessante forma de comunicação e conexão

entre os princípios da isonomia, capacidade contributiva, não-confisco e

progressividade, o que auxilia na conceituação do que seja não confisco:

O princípio inibidor da tributação confiscatória, normalmente, é visto como:

a) projeção do princípio da capacidade econômica;

b) um componente a mais do princípio de justiça tributária e

c) limite ao princípio da progressividade.

[...]

Com efeito, ainda que não existisse o princípio da capacidade contributiva previsto de forma explícita, ele seria decorrência inexorável da isonomia das pessoas com relação à tributação. De igual modo, a proibição de tributo confiscatório, caso não disposta expressamente no corpo da Constituição, decorreria implicitamente da proteção que esta atribui ao direito de propriedade e também do princípio da capacidade contributiva. Efetivamente, se este último postulado prega que todos devem contribuir (visando ao bem comum) aos gastos públicos, na medida de suas possibilidades, isto significa que todas as pessoas devem ser tributadas (afora as exceções que decorram de outros princípios) e devem sê-lo na proporção de suas possibilidades econômicas. Isto, por sua vez, implica que a tributação não pode ir além dessas possibilidades, sob pena de ser confiscatória.

[...]

227 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro, p. 250-253, grifo nosso.

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Nesta linha de raciocínio, também a proibição do confisco entra como importante ingrediente na elaboração de uma tributação mais justa.

Deveras, parece impossível conceber que alguém entenda justo que a tributação, embora consentida (fictamente, ao menos), possa ser fixada em qualquer proporção, desconsiderando as características - ainda que de forma genérica e estimada - individuais daquele que a ela estará sujeito. Mais que isso, ela não pode ser gravosa a ponto de ir além do que seria razoável para, ao mesmo tempo, procurar cobrir as despesas com as necessidades públicas e não desfalcar de forma desmedida a renda e/ou o patrimônio do cidadão.

[...] a vedação de confisco serve como limite à progressividade. Esta é, talvez, a função mais evidente do princípio em comento. Realmente, mesmo que entendamos - como, de fato, o fazemos - que sempre que a estrutura intrínseca do imposto comportar, ele deva ser progressivo (e não somente nos casos expressamente previstos no Texto Constitucional), é elementar que essa progressividade deve ter um limite e este lhe é dado exatamente pelo princípio que proíbe a tributação com efeito confiscatório. De toda sorte, ainda que inexistisse explicitamente este preceito constitucional, a limitação da tributação, como já se disse, seria extraída do direito de propriedade e da capacidade contributiva, pelo menos. Todavia, com a referência expressa a ele, tem-se - se é que se pode assim dizer - uma limitação concreta e manifesta à tributação.228

Pois bem, o Supremo Tribunal Federal entendeu que o princípio do não

confisco se aplica também as sanções fiscais. O argumento utilizado foi que assim

como na capacidade contributiva, busca-se proteger a propriedade (direito

fundamental), não podendo o Estado, seja para tributar, seja para punir, usurpar a

propriedade do contribuinte.

Com efeito, o Texto Constitucional em seu artigo 150, inciso IV, veda o

estado utilizar tributo com efeito de confisco. Apesar de referir-se a tributo, o

dispositivo aplica-se igualmente às multas pelo descumprimento das obrigações

tributárias principais e acessórias, as quais - em caso de excesso - devem ser

reduzidas a valores razoáveis pelo julgador administrativo ou pelo Judiciário.

É o que reconhece a doutrina229:

Não duvidamos que a multa e o tributo [...] são entes distintos. [...] Ora, o que seria a imposição de multas com conteúdo confiscatório se não expediente de amesquinhamento, por via oblíqua, da propriedade privada do contribuinte? [...] Por terem a mesma ratio, qual seja, a proteção da

228 HORVATH, Estevão. O princípio do não-confisco no direito tributário. São Paulo: Dialética, 2002.

p. 32-33. 229 Carlos Cezar Souza Cintra e Hugo de Brito Machado Segundo entendem que o princípio da

vedação ao confisco não se aplicaria às sanções fiscais (CINTRA, Carlos Cezar Souza. Reflexões em torno das sanções administrativas tributárias. In: MACHADO, Hugo de Brito (Coord.). Sanções administrativas tributárias. São Paulo: Dialética, 2004. p. 54-98).

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propriedade privada do contribuinte, tanto a aplicação da multa como a imposição de tributo devem se submeter à dicção de uma mesma normal.230

Repita-se, o desrespeito à propriedade privada não pode ocorrer, seja pela

cobrança exacerbada de tributos, seja pela aplicação desarrazoada das multas,

posto que o Sistema Tributário não permite o confisco. Este pode até ser visto em

alguns casos, mas na esfera penal apenas e tão-somente.

Humberto Ávila, numa interessante visão, liga o não confisco não como um

moderador da capacidade contributiva, mas ligado diretamente aos postulados da

proporcionalidade e razoabilidade, o que parece ser o mais adequado:

Aquilo que os tributaristas chamam de confisco é a invasão do núcleo essencial pela instituição de um tributo excessivo que viola o direito de propriedade. A multa, porém, mesmo não sendo tributo, restringe o mesmo direito fundamental, que é o da propriedade e da liberdade. Por isso, pouco importa que o artigo 150, IV, faça referência a tributos. Pelo próprio direito fundamental chega-se à proibição de excesso, que, no caso de instituição de tributos, se chama proibição de confisco.231

Desde muito Sacha Calmon Navarro Coêlho já fazia tal defesa, mas ligando

o não confisco não somente à razoabilidade e à proporcionalidade, mas também as

funções das multas, ou seja, se a penalidade ultrapassa (não a capacidade

econômica) o parâmetro que poderia punir e prevenir novos incidentes, passa a ser

confiscatória.

Uma multa excessiva ultrapassando o razoável para dissuadir ações ilícitas e para punir os transgressores (caracteres punitivo e preventivo da penalidade) caracteriza, de fato, uma maneira indireta de burlar o dispositivo constitucional que proíbe o confisco. [...]

Não obstante, diante dos exageros do legislador, compete ao Judiciário, baseado no princípio da não confiscatoriedade da multa fiscal, impor limites às penalidades desmedidas.232

230 FREITAS, Leonardo e Silva de Almendra. Da estendibilidade do princípio do não-confisco às

multas tributárias pecuniárias. Revista Tributária e de Finanças Públicas, São Paulo, v. 12, n. 54, p. 212-232, jan./fev. 2004. p. 211.

231 ÁVILA, Humberto. Multa de mora. Exames de razoabilidade, proporcionalidade e excessividade. ÁVILA, Humberto (Org.). Fundamentos do estado de direito: estudos em homenagem ao professor Almiro do Couto e Silva. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 162.

232 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria e prática das multas tributárias: infrações tributárias, sanções tributárias, p. 67-68.

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No mesmo caminhar o restante da doutrina:

A respeito das multas confiscatórias, em decorrência do montante excessivo ou despropositado em relação à infração tributária, o Prof. Sampaio Dória, citado pelo Ministro Bilac Pinto, é incisivo:

Não só o art. 141, § 31, da Carta Magna [de 1946], impossibilitaria penalidades assim desarrazoadas, mas a própria diretriz da capacidade contributiva obstaria a imposição de penas que exorbitassem da capacidade econômica dos indivíduos. Reconhecida ao judiciário a faculdade de rever e reduzir multas exigidas pelo fisco, são elas depuradas de seu eventual feitio confiscatório com grande facilidade. Aliás, dessa superintendência sobre a ação repressiva da administração têm os nossos tribunais feito largo uso, aparando-lhe os freqüentes excessos na matéria’ (RTJ 82/815).

[...]

O Ministro Bilac Pinto assevera:

‘Devemos deixar claro, porém, que não apenas os tributos, mas também as penalidades fiscais, quando excessivas ou confiscatórias, estão sujeitas ao mesmo tipo de controle jurisdicional’ (RTJ 82/814).233

Demonstrando exatamente o que aqui se defende, ou seja, de que a multa

deve ser razoável, proporcional, limitada, não excessiva, porque senão poderia de

forma indireta e via sanções reinstalar o confisco no Sistema Tributário.

Ademais, a gradação das sanções pecuniárias, em especial as multas, necessita ser razoável, proporcional à infração, limitada, não excessiva nem confiscatória, pois uma multa excessiva ultrapassando o razoável para dissuadir ações ilícitas e para punir os transgressores [...] caracteriza, de fato, uma maneira indireta de burlar o dispositivo constitucional que proíbe o confisco.234

Cláudio Renato do Canto Farág afirma, como já se viu, que os princípios do

não confisco e da razoabilidade devem também ser aplicáveis às sanções:

As leis que estabelecem multas abusivas podem ser questionadas e declaradas inconstitucionais em face dos princípios da razoabilidade das leis, do não-confisco, da capacidade contributiva, da legalidade, da irretroatividade das leis e da anterioridade, e outros.235

Leandro Paulsen, indo de forma objetiva à aplicação do princípio, entende

233 ARZUA, Heron; GALDINO, Dirceu. As multas fiscais e o Poder Judiciário. Revista Dialética de

Direito Tributário, São Paulo, v. 20, p. 34-40, maio 1997. p. 37-38. 234 CRETTON, Ricardo Aziz. Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade e sua aplicação

no direito tributário. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. p. 127. 235 FARÁG, Cláudio Renato do Canto. Multas fiscais: regime jurídico e limites de gradação. São

Paulo: Juarez de Oliveira, 2001. p. 148.

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que o patamar máximo das multas - a bem da vedação ao confisco - já foi 30% e

atualmente entende que não pode passar de 30%:

A multa moratória jamais pode assumir caráter abusivo. Outrora, seguimos a orientação do STF, estabelecendo o limite máximo a ser admitido em 30%. Entendemos, contudo, agora, que o percentual de 20% já se situa na divisa entre a punição severa e o excesso vedado. Se de um lado, não cabe ao magistrado estabelecer percentual que entenda ideal, por certo que, sendo provocado, pode reduzir a multa a patamar suportável, tendo em conta a natureza da falta cometida, qual seja, a inadimplência.236

Pois bem, no Supremo Tribunal Federal a aplicação do não confisco às

multas já demonstra ser uma posição tradicional daquela Corte Maior, como

comprovam os acórdãos a seguir, transcritos em ordem cronológica:

Conheço do Recurso e dou-lhe parcial provimento para julgar procedente o executivo fiscal, salvo quanto à multa moratória que, fixada em nada menos de 100% do imposto devido, assume feição confiscatória. Reduzo-a para 30%, base que reputo razoável para a reparação da impontualidade do contribuinte.237

Multa fiscal. Pode o Judiciário, atendendo às circunstâncias do caso concreto, reduzir multa excessiva aplicada pelo Fisco.238

ICM. Redução de multa de feição confiscatória. Tem o STF admitido a redução de multa moratória imposta com base em lei, quando assume ela, pelo seu montante desproporcionado, feição confiscatória. Dissídio de jurisprudência não demonstrado. Recurso Extraordinário não conhecido.239

Não se pode pretender desarrazoada e abusiva a imposição por lei de multa - que é pena pelo descumprimento da obrigação tributária - de 30% sobre o

236 PAULSEN, Leandro. Direito tributário: constituição e código tributário à luz da doutrina e da

jurisprudência, p. 1.070. 237 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE nº 81.550/MG. 2. T. Rel. Min. Xavier de Albuquerque, j.

20/05/1975. DJ, Brasília, 13 jun. 1975. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/li starJurisprudencia.asp?s1=(81550.NUME. OU 81550.ACMS.)&base=baseAcordaos>. Acesso em: 26 maio 2010.

238 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE nº 82.510/SP. 2. T. Rel. Min. Leitão de Abreu, j. 11/05/1976. DJ, Brasília, 06 ago. 1976. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/li starJurisprudencia.asp?s1=(82510.NUME. OU 82510.ACMS.)&base=baseAcordaos>. Acesso em: 26 maio 2010.

239 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE nº 91.707/MG. 2. T. Rel. Min. Moreira Alves, j. 11/12/1979. DJ, Brasília, 29 ago. 1980. p. 975. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listar Jurisprudencia.asp?s1=(91707.NUME. OU 91707.ACMS.)&base=baseAcordaos>. Acesso em: 26 maio 2010.

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valor do imposto devido, sob o fundamento de que ela, por si mesma, tem caráter confiscatório. Recurso extraordinário não conhecido.240

IPI. Multa moratória. Art. 59. Lei 8.383/91. Razoabilidade. A multa moratória de 20% do valor do imposto devido, não se mostra abusiva ou desarrazoada, inexistindo ofensa aos princípios da capacidade contributiva e da vedação ao confisco. Recurso extraordinário não conhecido.241

O próprio Plenário do STF deixou cristalino que o caráter confiscatório da

multa se revela quando há descompasso entre a penalidade e a conduta que a

enseja:

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. §§ 2.º E 3.º DO ART. 57 DO ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. FIXAÇÃO DE VALORES MÍNIMOS PARA MULTAS PELO NÃO-RECOLHIMENTO E SONEGAÇÃO DE TRIBUTOS ESTADUAIS. VIOLAÇÃO AO INCISO IV DO ART. 150 DA CARTA DA REPÚBLICA. “A desproporção entre o desrespeito à norma tributária e sua conseqüência jurídica, a multa, evidencia o caráter confiscatório desta, atentando contra o patrimônio do contribuinte, em contrariedade ao mencionado dispositivo do texto constitucional federal. Ação julgada procedente.242

E mais recentemente:

A proibição constitucional do confisco em matéria tributária - ainda que se trate de multa fiscal resultante do inadimplemento, pelo contribuinte, de suas obrigações tributárias - nada mais representa senão a interdição, pela Carta Política, de qualquer pretensão governamental que possa conduzir, no campo da fiscalidade, à injusta apropriação estatal, no todo ou em parte, do patrimônio ou dos rendimentos dos contribuintes, comprometendo-lhes, pela insuportabilidade da carga tributária, o exercício do direito a uma existência digna, ou a prática de atividade profissional lícita ou, ainda, a regular satisfação de suas necessidades vitais básicas. O Poder Público, especialmente em sede de tributação (mesmo tratando-se da definição do ‘quantum’ pertinente ao valor das multas fiscais), não pode agir imoderadamente, pois a atividade governamental acha-se essencialmente

240 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE nº 220.284-6/SP. 2. T. Rel. Min. Moreira Alves, j.

16/05/2000. DJ, Brasília, 10 ago. 2000. p. 11. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprud encia/listarJurisprudencia.asp?s1=(220284.NUME. OU 220284.ACMS.)&base=baseAcordaos>. Acesso em: 26 maio 2010.

241 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE nº 239.964/RS. 1. T. Rel. Min. Ellen Gracie, j. 15/04/2003. DJ, Brasília, 09 maio 2003. p. 61. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJ urisprudencia.asp?s1=(239964.NUME. OU 239964.ACMS.)&base=baseAcordaos>. Acesso em: 26 maio 2010.

242 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADIn nº 551-1/RJ. T. Pleno. Rel. Min. Ilmar Galvão, j. 24/10/2002. DJ, Brasília, 14 fev. 2003. p. 58. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprude ncia/listarJurisprudencia.asp?s1=(551.NUME. OU 551.ACMS.)&base=baseAcordaos>. Acesso em: 26 maio 2010.

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condicionada pelo princípio da razoabilidade que se qualifica como verdadeiro parâmetro de aferição da constitucionalidade material dos atos estatais.243

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. TRIBUTÁRIO. MULTA PUNITIVA. VEDAÇÃO DE TRIBUTAÇÃO CONFISCATÓRIA. ART. 3º DA LEI 8.846/94. ADI 1.075-MC/DF. EFICÁCIA ERGA OMNES DA MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. AGRAVO IMPROVIDO.

I - É aplicável a proibição constitucional do confisco em matéria tributária, ainda que se trate de multa fiscal resultante do inadimplemento pelo contribuinte de suas obrigações tributárias. Precedentes. II - Eficácia erga omnes da medida cautelar na ação direta de inconstitucionalidade, conforme disposto no art. 11, § 1º, da Lei 9.868/99. III - Inexistência de novos argumentos capazes de afastar as razões expendidas na decisão ora atacada, que deve ser mantida. IV - Agravo regimental improvido.244

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. MULTA. VEDAÇÃO DO EFEITO DE CONFISCO. APLICABILIDADE. RAZÕES RECURSAIS PELA MANUTENÇÃO DA MULTA. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO PRECISA DE PECULIARIDADE DA INFRAÇÃO A JUSTIFICAR A GRAVIDADE DA PUNIÇÃO. DECISÃO MANTIDA. 1. Conforme orientação fixada pelo Supremo Tribunal Federal, o princípio da vedação ao efeito de confisco aplica-se às multas. 2. Esta Corte já teve a oportunidade de considerar multas de 20% a 30% do valor do débito como adequadas à luz do princípio da vedação do confisco. Caso em que o Tribunal de origem reduziu a multa de 60% para 30%. 3. A mera alusão à mora, pontual e isoladamente considerada, é insuficiente para estabelecer a relação de calibração e ponderação necessárias entre a gravidade da conduta e o peso da punição. É ônus da parte interessada apontar peculiaridades e idiossincrasias do quadro que permitiriam sustentar a proporcionalidade da pena almejada. Agravo regimental ao qual se nega provimento.245

Analisando as decisões cujas ementas encontram-se acima colacionadas,

verifica-se que, sempre que se invoca o não confisco, ao lado se postam os

princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, nos termos dos ensinamentos do

243 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI-MC nº 1.075/DF. T. Pleno. Rel. Min. Celso de Mello, j.

17/06/1998. DJ, Brasília, 24 nov. 2006. p. 59. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/ verProcessoAndamento.asp?numero=1075&classe=ADI-MC&codigoClasse=0&origem=JUR&recu rso=0&tipoJulgamento=M>. Acesso em: 26 maio 2010.

244 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AI nº 482.281 AgR. 1. T. Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 30/06/2009. DJ, Brasília, 21 ago. 2009. p. 1.390. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/proce sso/verProcessoAndamento.asp?numero=482281&classe=AI-AgR&codigoClasse=0&origem=JUR &recurso=0&tipoJulgamento=M>. Acesso em: 26 maio 2010.

245 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE nº 523.471 AgR. 2. T. Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 06/04/2010. DJ, Brasília, 23 abr. 2010. p. 915. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/proces so/verProcessoAndamento.asp?numero=523471&classe=RE-AgR&codigoClasse=0&origem=JUR &recurso=0&tipoJulgamento=M>. Acesso em: 26 maio 2010.

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Professor Sacha Calmon Navarro Coêlho.

Três conclusões é preciso extrair: Em primeiro, a de que no Brasil, a infração tributária não pode gerar o perdimento de bens e o confisco, que isso é vedado pela Constituição. Em segundo lugar, a de que a infração tributária pode ocasionar pena pecuniárias, mas não penas privativas de liberdade, atribuição da lei penal, nem pena de confisco ou perdimento de bens, que exige lei específica tipificante e um processo de execução especial. Em terceiro lugar, a de que uma multa excessiva ultrapassando o razoável para dissuadir ações ilícitas e para punir os transgressores [...].246

Também como defende Humberto Ávila, a razoabilidade exige harmonização

da norma geral com os casos individuais, exige a harmonização das normas com as

duas condições externas de aplicação (uma causa real que justifique a sua

instituição) e uma relação de equivalência entre a medida adotada e o critério que a

dimensiona.247

Importante lembrar que Humberto Ávila classifica tais princípios

(razoabilidade, proporcionalidade e vedação ao excesso ou não confisco) com a

função de estabelecer critérios para aplicação dos princípios e das regras, ademais

os postulados não ditam condutas obrigatórias, mas parâmetros para realização do

fim das demais normas.

Como visto no capítulo anterior, às regras cabem os fenômenos da

subsunção, da revogação e da derrogação, enquanto que aos princípios cabem as

diretrizes do sistema e a possibilidade de manter atual o sistema do Direito, por fim,

aos postulados cabe resolver os eventuais conflitos existentes entre os princípios.

A respeito da proporcionalidade e razoabilidade, o Ministro Celso de Mello

na ADIn nº 1.320:

[...] Coloca-se em evidência, neste ponto, o tema concernente ao princípio da proporcionalidade, que se qualifica - enquanto coeficiente de aferição da razoabilidade dos atos estatais [...] - como postulado básico de contenção dos excessos do Poder Público. [...] o princípio da proporcionalidade, essencial à racionalidade do Estado Democrático de Direito e imprescindível à tutela mesma das liberdades fundamentais, proíbe o excesso e veda o arbítrio do Poder, extraindo a sua justificação dogmática de diversas cláusulas constitucionais, notadamente daquela que veicula, em sua dimensão substantiva ou material, a garantia do due process of Law [...]

246 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria e prática das multas tributárias: infrações tributárias,

sanções tributárias, p. 66-67. 247 ÁVILA, Humberto. Multa de mora. Exames de razoabilidade, proporcionalidade e excessividade, p.

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Como precedentemente enfatizado, o princípio da proporcionalidade visa a inibir e a neutralizar o abuso do Poder Público no exercício das funções que lhe são inerentes, notadamente no desempenho da atividade de caráter legislativo e regulamentar. Dentro dessa perspectiva, o postulado em questão, enquanto categoria fundamental de limitação dos excessos emanados do Estado, atua como verdadeiro parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais [...].248

Em outra decisão do Supremo Tribunal Federal, em que o Relator designado

foi o Ministro Gilmar Mendes, este trouxe lições de Robert Alexy para conformar o

conflito encontrado nos princípios constitucionais.

Cabe aqui a transcrição de alguns trechos do acórdão:

Diante desse conflito de princípios constitucionais, considero adequada a análise da legitimidade da intervenção a partir de sua conformidade ao princípio constitucional da proporcionalidade.

O princípio da proporcionalidade, também denominado princípio do devido processo legal em sentido substantivo, ou ainda, princípio de proibição do excesso, constitui uma exigência positiva e material relacionada ao conteúdo de atos restritivos de direitos fundamentais, de modo a estabelecer um limite do limite ou uma proporcionalidade, na expressão de Alexy, coincide igualmente com o chamado núcleo essencial dos direitos fundamentais concebido de modo relativo - tal como defende o próprio Alexy. Nesse sentido, o princípio ou máxima da proporcionalidade determina o limite último da possibilidade de restrição legítima de determinado direito fundamental.249

Diz, ainda, o voto que o princípio da proporcionalidade abarca as colisões de

bens, valores ou princípios constitucionais. O próprio exigir do princípio da

proporcionalidade representa uma fórmula ou método para solução de conflitos entre

princípios.

[...] um conflito entre normas que, ao contrário do conflito entre regras, é resolvido não pela revogação ou redução teleológica de uma das normas conflitantes nem pela explicitação de distinto campo de aplicação entre as normas, mas antes e tão-somente pela ponderação do peso relativo de cada uma das normas em tese aplicáveis e aptas a fundamentar decisões em sentidos opostos. Nessa última hipótese, aplica-se o princípio da proporcionalidade para estabelecer ponderações entre distintos bens constitucionais.

248 GODOI, Marciano Seabra de (Coord.). Sistema Tributário Nacional na jurisprudência do STF. São

Paulo: Dialética, 2002. p. 326. 249 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. IF nº 164-1/SP. T. Pleno. Rel. Min. Marco Aurélio. Rel. p/

Acórdão: Min. Gilmar Mendes, j. 03/02/2003. DJ, Brasília, 14 nov. 2003. p. 14. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=164&classe=IF&codigoClasse=0&origem=JUR&recurso=0&tipoJulgamento=M>. Acesso em: 26 maio 2010.

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Em síntese, a aplicação do princípio da proporcionalidade se dá quando verificada restrição a determinado direito fundamental ou um conflito entre distintos princípios constitucionais de modo a exigir que se estabeleça o peso relativo de cada um dos direitos por meio da aplicação das máximas que integram o mencionado princípio da proporcionalidade. São três as máximas parciais do princípio da proporcionalidade: a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito. [...] há de perquirir-se, na aplicação do princípio da proporcionalidade, se em face do conflito entre dois bens constitucionais contrapostos, o ato impugnado afigura-se adequado (isto é, apto a produzir o resultado desejado), necessário (isto é, insubstituível por outro meio menos gravoso igualmente eficaz) e proporcional em sentido estrito (ou seja, se estabelece uma relação ponderada entre o grau de restrição de um princípio e o grau de realização do princípio contraposto).

No mesmo acórdão, verificando as três máximas do princípio da

proporcionalidade: adequação, necessidade e proporcional em sentido estrito, afirma

a Corte Suprema: “A intervenção não atende, por fim, ao requisito da

proporcionalidade em sentido estrito. Nesse plano, é necessário aferir a existência

da proporção entre o objeto perseguido [...] e o ônus imposto ao atingido”.

No caso, entendeu o Ministro que os créditos de natureza alimentícia (objeto

perseguido do processo onde foi proferida a decisão) são de extrema relevância,

mas de outro lado existiriam bens constitucionais de mesma relevância que estariam

sendo atingidos ao impor o ônus da intervenção ao atingido (Estado ou, como dito

no voto, sociedade).

Quanto à proporcionalidade, registra o autor:

Compõe-se o princípio da proporcionalidade de três máximas, elementos ou subprincípios: (1) idoneidade, pertinência, aptidão ou adequação (Geeignetheit) do meio empregado para atingir determinado fim de interesse público; (2) exigibilidade ou necessidade (Erforderlichkeit) da medida, que não deve ultrapassar os limites indispensáveis à conservação do fim que se almeja (postulado do meio mais benigno); e (3) proporcionalidade stricto sensu (Verhältnismässigkeit), devendo a escolha do meio ou meios, no caso específico, considerar o conjunto dos interesses em pauta (postulado da ponderação).

O primeiro desses elementos ou subprincípios, o da adequação e conformidade do meio e da validade do fim, confunde-se com o da proibição do excesso ou vedação do arbítrio (Übermassverbot), denominação também utilizada com o significado do princípio (geral) da proporcionalidade. [...]

O segundo elemento ou subprincípio, o da exigibilidade ou necessidade, leva à dosagem do meio em vista do fim pretendido, podendo ser ilustrado pela máxima: de dois males, escolha-se o menor. Ou seja: cumpre optar, dentre as várias medidas que atendem a determinada finalidade, pela menos prejudicial aos interesses do cidadão, o que leva à escolha do meio mais suave, à menor ingerência possível, como repete Canotilho, averbando que, em face da relatividade do subprincípio, a doutrina lhe adita outros elementos de maior operacionalidade prática:

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‘a) a necessidade material, pois o meio deve ser o mais ‘poupado’ possível quanto à limitação dos direitos fundamentais; b) a exigibilidade espacial aponta para a necessidade de limitar o âmbito da intervenção; c) a exigibilidade temporal pressupõe a rigorosa delimitação no tempo da medida coactiva do poder público; d) a exigibilidade pessoal significa que a medida se deve limitar à pessoa ou pessoas, cujos interesses devem ser sacrificados.’

Quanto ao terceiro elemento ou subprincípio, o da proporcionalidade em sentido estrito, que pondera meios e fins, avaliando se aqueles são proporcionais a estes e sopesando se as desvantagens coativas dos meios se justificam em relação às vantagens dos fins, sua aplicação envolve ao mesmo tempo uma obrigação e uma interdição: obrigação de fazer uso de meios adequados e interdição quanto ao uso de meios desproporcionais.250

Sobre a razoabilidade, leciona Ricardo Aziz Cretton:

A garantia do devido processo legal nascida para prestigiar o princípio da liberdade, acabou por transformar-se num amálgama entre o princípio da legalidade (rule of law) e o da razoabilidade (rule of reasonableness) - observa atentamente Siqueira Castro. Trata-se - prossegue em outro trecho - de um estágio superior e hipercriativo do dogma da legalidade, onde o mesmo é elevado à potência de ideal supremo de justiça, nas nervosas relações entre a autoridade constituída e as autonomias individuais e coletivas, surgindo daí um amplo horizonte para o questionamento judicial acerca do mérito dos atos legislativos e administrativos, chegando-se ao controle judicial da razoabilidade e racionalidade das classificações legislativas.

Pois legislar significa classificar. Classificam-se pessoas e bens segundo os mais diversos critérios fáticos para fins de se atribuir a cada conjunto da realidade efeitos jurídicos singulares e de toda espécie. Valem transcritas a respeito outras felizes lições de Siqueira Castro:

‘A norma classificatória não deve ser arbitrária, implausível ou caprichosa, devendo, ao revés, operar como meio idôneo, hábil e necessário ao atingimento de finalidades constitucionalmente válidas. Para tanto há de existir uma indispensável relação de congruência entre a classificação em si e o fim a que ela se destina. Se tal relação de identidade entre meio e fim - means-and-relationship, segundo a nomenclatura norte-americana - da norma classificatória não se fizer presente, de modo que a distinção jurídica resulte leviana e injustificada, padecerá ela do vício da arbitrariedade, consistente na falta de ‘razoabilidade’ e de ‘racionalidade’, vez que nem mesmo ao legislador legítimo, como mandatário da soberania popular, é dado discriminar injustificadamente entre pessoas, bens e interesses na sociedade política. [...]’

Aqui se entrecruzam as cláusulas do substantive due process e da equal protection, esta representativa do princípio da isonomia, indexada ao valor justiça e que deve informar a class legislation, ou seja, toda e qualquer norma discriminatória, como aponta San Tiago Dantas em memorável e precursor artigo, datado de 1948 e de obrigatória referência:

‘As duas cláusulas convizinham e não raro se confundem. Uma lei que cria arbitrariamente para determinada pessoa ou grupo de pessoas tratamento mais rigoroso que o adotado para a comunidade, não será due process of law e também infringirá a cláusula de igualdade.’

250 LOBATO, Valter Souza. Os tributos destinados ao custeio da seguridade social: a busca do

equilíbrio de suas fontes, p. 58-59.

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[...]

Quatro seriam os standards de razoabilidade a pautar o controle jurisdicional: (1) rule of expediency (perquirição da necessidade e oportunidade do ato legislativo); (2) balance of convenience (ponderação da proporção eqüitativa entre as restrições da lei e a vantagem coletiva superveniente); (3) rule of reasonableness (investigação da racionalidade e razoabilidade dos fins da lei, dos meios empregados e da proporção entre uns e outros diante das cláusulas de liberdade); e (4) rule of certainty (certeza e clareza do que proscrevem as leis de política social e respectivas sanções; tipicidade, em suma).

[...]

Liberdade, propriedade, igualdade e justiça - estes os valores (e a principiologia, afinal) que se instrumentalizam por intermédio da cláusula do devido processo legal, cuja versão substantiva implica no recurso aos testes de racionalidade e razoabilidade-proporcionalidade, em seus variados coloridos e matizes.251

Demonstrando que o princípio da razoabilidade pode e deve ser uma arma

utilizada pelo Poder Judiciário, Maria Sylvia Zanella Di Pietro ensina:

Trata-se de princípio aplicado ao Direito Administrativo como mais uma das tentativas de impor-se limitações à discricionariedade administrativa, ampliando-se o âmbito de apreciação do ato administrativo pelo Poder Judiciário.

Segundo Gordill ‘a decisão discricionária do funcionário será ilegítima, apesar de não transgredir nenhuma norma concreta e expressa, se é ‘irrazoável’, o que pode ocorrer, principalmente, quando: a) não dê os fundamentos de fato ou de direito que a sustentam ou; b) não leve em conta os fatos constantes do expediente ou públicos e notórios; ou c) não guarde uma proporção adequada entre os meios que emprega e o fim que a lei deseja alcançar, ou seja, que se trate de uma medida despropositada, excessiva em relação ao que se deseja alcançar’.

Diogo de Figueiredo Moreira Neto (1989: 37-40) dá maior realce a esse último aspecto ao afirmar que, pelo princípio da razoabilidade, ‘o que se pretende é considerar se determinada decisão, atribuída ao Poder Público, de integrar discricionariamente uma norma, contribuirá efetivamente para um satisfatório atendimento dos interesses públicos’. Ele realça o aspecto teleológico da discricionariedade; tem que haver uma relação de pertinência entre oportunidade e conveniência, de um lado, e a finalidade, de outro. Para esse autor, ‘a razoabilidade, agindo como um limite à discrição na avaliação dos motivos, exige que sejam eles adequáveis, compatíveis e proporcionais, de modo a que o ato atenda a sua finalidade pública específica; agindo também como um limite à discrição na escolha do objeto, exige que ele se conforme fielmente à finalidade e contribua eficientemente para que ela seja atingida.252

Voltando ao defendido em item anterior, não se pode no campo das sanções

251 CRETTON, Ricardo Aziz. Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade e sua aplicação

no direito tributário, p. 50-56. 252 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 80-81.

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fiscais defender a aplicação dos princípios da capacidade contributiva + igualdade +

não confisco. O que se busca no campo das sanções fiscais é a aplicação dos

princípios da igualdade253 + não confisco + proporcionalidade + razoabilidade.

São inadmissíveis as multas excessivamente onerosas, insuportáveis, irrazoáveis. O princípio da proporcionalidade impede se possa reconhecer validade a uma multa quando se evidencie o descompasso entre o grau da infração e a punição cominada. Nota-se que tanto a instituição de tributos, como a previsão de multas devem conformar-se não apenas ao princípio da legalidade, mas também aos demais princípios, sob pena de invalidade.254

Aliás, alguns julgados, com sabedoria ímpar, a bem da preservação dos

direitos e garantias constitucionais aliam o valor da multa ao valor do tributo para

verificação da vedação ao confisco, fazendo a seguinte equação: um tributo de 1%

sobre uma base tributável e uma multa de 75% terá, ao final, um valor de 1,75%

sobre a base tributável. Por outro lado, um tributo que corresponde a 30% da base

tributária, se aliar uma multa de 100%, chegará a uma fórmula final de 60% da base

tributável. Certamente o confisco estará instaurado.

TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. DENÚNCIA ESPONTÂNEA. PARCELAMENTO. MULTA CONFISCATÓRIA. SELIC. FINSOCIAL. INCONSTITUCIONALIDADE. COMPENSAÇÃO. PRESCRIÇÃO. LEI 8383/91, ART.66.

I - O STF consagrou a possibilidade de controle jurisdicional da multa tributária, quanto à proporcionalidade e à proibição do confisco, tendo considerado legítimos percentuais de até 30% do valor do tributo.

II - Relativamente a percentuais maiores, a jurisprudência é vacilante, devendo, no entanto, ser considerados os seguintes critérios: (a) o caráter acessório da multa recomenda fixar no valor do próprio tributo um limite inicial, que, embora não seja absoluto, exigirá uma maior justificativa ao legislador que queira ultrapassá-lo; (b) a gravidade da infração punida também permite a aplicação de percentuais maiores; (c) a aplicação da multa em percentual mais alto não deve elevar a carga tributária integral de forma a aniquilar a base tributável.

III - No caso, embora o percentual de 75% seja inferior ao valor do tributo, e apesar da gravidade da infração cometida (omissão de receitas pelo envio ao exterior, via contas CC5, de valores sem lastro na receita declarada, com repercussões inclusive penais), a manutenção do percentual de 75%, inclusive na tributação reflexa pela contribuição social sobre o lucro líquido, redundará, considerado o encargo legal do DL 1025/69, numa carga tributária total próxima de 70% do lucro auferido, percentual acima de todos os limites do razoável. Por outro lado, não se pode penalizar infração tão grave de forma equivalente ao mero inadimplemento, aplicando-se apenas

253 Seja igualando aqueles que cometem as mesmas infrações, seja desigualando aqueles que estão

acometidos da mesma penalidade, mas com infrações absolutamente distintas. 254 PAULSEN, Leandro. Direito tributário: constituição e código tributário à luz da doutrina e da

jurisprudência, p. 224.

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20%. IV - Percentual de multa reduzido para 40% do valor do principal, para que sejam punidas adequadamente todas as infrações cometidas.

V - Não há mais controvérsia jurisprudencial a respeito da possibilidade de utilização da SELIC como critério de juros moratórios para débitos fiscais, destacando-se que: (a) os diplomas instituidores do critério não permitem cumulação com correção monetária; (b) a cumulação com a multa de mora é possível, dada a diversidade de natureza (indenizatória X punitiva); (c) o art.161, par.1º do CTN não impede a fixação de juros acima do patamar nele estabelecido e o art.192, par.3º da redação original da CF, já revogado, era norma de eficácia reduzida, não se aplicando, ademais, ao Sistema Tributário; (d) a distinção entre juros remuneratórios e moratórios é irrelevante para a questão, pois estes, por serem resposta à ilicitude, tendem a ser mais onerosos que os primeiros; (d) não há afronta à legalidade, pois a aplicação da similar TRD como juros de mora foi confirmada pelo STF;(e) a incidência da SELIC é simples, não havendo anatocismo a ser afastado. [...].255

E, de novo, a conduta deve ser verificada também em relação a infração.

Não parece lógico que uma multa de mora (simples não recolhimento) possa gerar

uma pesada infração. Veja o julgado abaixo:

TRIBUTÁRIO. EXECUCAO FISCAL. SALÁRIO-EDUCACAO. MULTA [...]. [...] 3. Multa simplesmente moratória de 60% mostra-se excessivamente onerosa, desproporcional e abusiva, assumindo inadmissível caráter confiscatório, sendo cabível sua redução para 30% [...].256

Nota-se que mesmo quando o STJ manteve uma multa de 100%, só o fez,

pois constatou que no caso específico (cobrança de débito de Imposto sobre a

propriedade de veículos automotores - IPVA), a base de cálculo do imposto era

inexpressiva e, portanto, o percentual fixado não poderia ser considerado ofensa ao

princípio do não confisco. Em que pese mantida a penalidade, note-se nitidamente

que o critério utilizado se deu com base na proporcionalidade e razoabilidade:

RECURSO ORDINÁRIO CONSTITUCIONAL EM MANDADO DE SEGURANÇA. IPVA ATRASADO. INCIDÊNCIA DE MULTA DE 100% SOBRE O VALOR DA EXAÇÃO.

ALEGAÇÃO DE CONFISCO.

255 BRASIL. Tribunal Regional Federal (2. Região). AC nº 2004.51.01.502167-4. 4. T. Des. Rel. Luiz

Antonio Soares. DJU, Rio de Janeiro, 16 out. 2008. Disponível em: <http://www.trf2.jus.br/Paginas/ Resultado.aspx?Content=4CA46B7382EE606F13660929B39F965E?proc=200451015021674&andam=1&tipo_consulta=1&mov=3>. Acesso em: 26 maio 2010.

256 BRASIL. Tribunal Regional Federal (4. Região). AC nº 2000.04.01.032749-6. 1. T. Rel. Juiz Leandro Paulsen. DJU, Porto Alegre, 15 out. 2001. Disponível em: <http://www.trf4.jus.br/trf4/proce ssos/acompanhamento/resultado_pesquisa.php?selForma=NU&txtValor=200004010327496&chkMostrarBaixados=&todasfases=&todosvalores=&todaspartes=&txtDataFase=&selOrigem=TRF&sistema=&hdnRefId=&txtPalavraGerada=>. Acesso em: 26 maio 2010.

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I - A multa aplicada no campo tributário deve seguir os mesmos princípios existentes para este ramo do direito, pois, apesar de não ser tributo, restringe o mesmo direito fundamental que este, que é a propriedade. Assim, a proibição contida no art. 150, IV, da Constituição Federal, de instituição de tributo com efeito de confisco, também se aplica às multas decorrentes da exação.

Precedente do STF: ADI n. 1075/MC, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJ de 24/11/2006.

II - Não configura confisco, entretanto, a aplicação de multa de 100% sobre débito de IPVA, visto que a alíquota deste imposto, incidente sobre o valor venal do veículo, atinge parcela pouco expressiva do bem.

III - Recurso ordinário improvido.257

Cabe aqui a transcrição do voto do relator do acórdão, Ministro Francisco

Falcão, cujo inteiro teor segue em anexo e ao final.

De início, cumpre consignar que a multa aplicada no campo tributário deve mesmo seguir os princípios existentes para este ramo do direito, pois, apesar de não ser tributo, restringe o mesmo direito fundamental que este, que é a propriedade. Assim, onde há a mesma intenção, aplica-se o mesmo direito, inclusive no que tange à incidência do disposto no art. 150, IV, do CTN, que trata da proibição do confisco no campo tributário, conforme o seguinte precedente do STF, verbis:

[...] omissis

É cabível, em sede de controle normativo abstrato, a possibilidade de o Supremo Tribunal Federal examinar se determinado tributo ofende, ou não, o princípio constitucional da não-confiscatoriedade consagrado no art. 150, IV, da Constituição da República. Hipótese que versa o exame de diploma legislativo (Lei 8.846⁄94, art. 3º e seu parágrafo único) que instituiu multa fiscal de 300% (trezentos por cento).

- A proibição constitucional do confisco em matéria tributária - ainda que se trate de multa fiscal resultante do inadimplemento, pelo contribuinte, de suas obrigações tributárias - nada mais representa senão a interdição, pela Carta Política, de qualquer pretensão governamental que possa conduzir, no campo da fiscalidade, à injusta apropriação estatal, no todo ou em parte, do patrimônio ou dos rendimentos dos contribuintes, comprometendo-lhes, pela insuportabilidade da carga tributária, o exercício do direito a uma existência digna, ou a prática de atividade profissional lícita ou, ainda, a regular satisfação de suas necessidades vitais básicas. (omissis) (ADI n. 1075⁄MC, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJ de 24⁄11⁄2006.)

Adiante, cabe analisar se a multa de 100% aplicada pela Secretaria de Fazenda do Estado de Goiás sobre débitos de IPVA é confiscatória.

Confiscar é tomar para o Fisco os bens de alguém em proveito do Estado. A constituição federal veda a utilização do tributo com efeito de confisco, ou seja, impede que, a pretexto de cobrar tributos, se aposse o Estado dos bens do indivíduo. Mas não se quer com a vedação outorgar à propriedade

257 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RMS nº 29.302/GO. 1. T. Rel. Min. Francisco Falcão, j.

16/06/2009. DJe, Brasília, 25 jun. 2009. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/webstj/processo/Justi ca/detalhe.asp?numreg=200900669655&pv=010000000000&tp=51>. Acesso em: 26 maio 2010.

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uma proteção absoluta contra a incidência do tributo, que se instituído em limites razoáveis é legítimo.

Vê se pois que o princípio que veda o confisco atua em conjunto com o princípio da capacidade contributiva, em face do qual o gravame deve ser diretamente proporcional à riqueza evidenciada em cada situação impositiva. Desta forma, o problema está em saber até onde pode avançar o tributo sobre o patrimônio do indivíduo, sem configurar confisco, ou, considerada isoladamente certa situação tributária, qual o limite máximo de ônus tributário que legitimamente sobre ela poderia impor-se. Tal limite não está expresso na Constituição. Há situações que são expressivas na caracterização do confisco, como a que toma parcela substancial do patrimônio do indivíduo.

Todavia, tal situação não ocorre no caso em tela. Com efeito, o IPVA tem como base de cálculo o valor venal do veículo e a alíquota costuma ser inferior a 5%, o que atinge parcela pouco expressiva do bem. No caso dos autos, consta como valores atrasados os IPVAs de 2003, 2004 e 2005, cujos valores são, respectivamente, R$ 637,5, 639,75 e 668,85, e que o veículo é um Santana 1999. Assim, ainda que se aplique uma multa de 100% prevista no art. 106 do Código Tributário de Goiás, pelo atraso no pagamento do IPVA, não se pode dizer que tal situação configure confisco. O valor elevado do débito deve-se mais a desídia do contribuinte, que reiteradamente deixa de pagar IPVA, do que ao valor do imposto.

Em conclusão, inexiste direito líquido e certo a ser amparado pela via mandamental, motivo por que merece ser ratificado e não reformado o acórdão ora recorrido.

Isto posto, CONHEÇO do recurso ordinário, mas NEGO-LHE PROVIMENTO.

É o meu voto. (Grifo nosso).

Pois bem, o grande desafio que fica é saber se quando o Judiciário reduz a

multa tributária (e não simplesmente a julga inconstitucional, retirando-a do mundo

jurídico) estará atuando como legislador positivo ou não:

COFINS. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. MULTA. CONFISCO. REDUÇÃO. CUMULAÇÃO DE ACRÉSCIMOS. POSSIBILIDADE. CORREÇÃO E JUROS. ACRÉSCIMO LEGAL E NÃO PATRIMONIAL. VERBA HONORÁRIA. DECRETO-LEI N. 1025/69.

1. Multa confiscatória de 100% sobre o valor das contribuições devidas. Redução para 50%, em atenção ao disposto no inciso IV do artigo 150 da CF. Precedentes: TRF 3ª REGIÃO, AC n. 200261130015621/SP, SEXTA TURMA, Data da decisão: 07/11/2007, DJU 17/12/2007, p. 675, JUIZ MIGUEL DI PIERRO; TRF 3ª REGIÃO, AC n. 200103990479781/SP, SEXTA TURMA, Data da decisão: 20/06/2007, DJU 13/08/2007, p. 414, JUIZ MAIRAN MAIA.

2. Cumulação dos acréscimos previstos no Título. Artigo 2º, §2º, da Lei n. 6.830/80. Funções diversas e lastro legal. A correção monetária visa recompor a desatualização da moeda frente à inflação, incidindo sobre todos os débitos ajuizados, inclusive sobre a multa, a teor da Súmula nº 45 do e. TFR, não representando qualquer acréscimo patrimonial, e, os juros, compensar o credor pelo prazo de inadimplência do devedor, até o efetivo pagamento.

3. Verba honorária a teor do encargo do Decreto-lei n. 1025/69. Condenação fixada a este título na sentença afastada. Parcial provimento

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ao apelo que devolve a reapreciação da matéria.

4. Apelação parcialmente provida.258

A aplicação do princípio da Proporcionalidade repousa, na necessidade de

se construir o Direito pela utilização da norma positivada de forma coerente,

harmonizando, sempre que possível, os vários interesses antagônicos que

coadjuvam uma mesma relação jurídica.

O dever de Proporcionalidade, deste modo, deve ser resultante de uma

decorrência coesa do caráter principal das normas. Assim, o princípio da

Proporcionalidade representa a exata medida em que deve agir o Estado, em suas

funções específicas.

A Proporcionalidade implica uma adequação axiológica e finalística pelo

agente público do poder-dever de hierarquizar princípios e valores de maneira

adequada nas relações de administração e no controle delas. Determina que um

meio deva ser adequado, necessário e não deva ficar sem relação de

Proporcionalidade relativamente ao fim instituído pela norma. Portanto, o dever de

Proporcionalidade deve ter sua aplicação mediante critérios racionais e

intersubjetivamente controláveis.

Acerca da sua aplicabilidade às sanções fiscais, o entendimento majoritário

do STJ é no sentido de que no contexto da aplicação das multas, deve a

Administração Pública os parâmetros da razoabilidade e da proporcionalidade, que

censuram o ato administrativo que não guarde uma proporção adequada entre os

meios que emprega e o fim que a lei almeja alcança.

Eis algumas ementas de decisões que refletem tal posicionamento (grifos

não estão no original). Neste primeiro julgado, o Poder Judiciário simplesmente

retirou a multa demonstrando que o simples erro numa obrigação acessória que não

tenha causado qualquer prejuízo ao Erário, não pode gerar uma penalidade:

TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA DE PESSOA FÍSICA. PREENCHIMENTO INCORRETO DA DECLARAÇÃO. MULTA POR DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA. INAPLICABILIDADE. PREJUÍZO DO FISCO. INEXISTÊNCIA. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE.

258 BRASIL. Tribunal Regional Federal (3. Região). AC nº 98030392786. 6. T. Des. Rel. Antonio

Henrique C. da Silva. DJF3, São Paulo, 24 jul. 2008. Disponível em: <http://www.trf3.jus.br/trf3r/ind ex.php?id=26>. Acesso em: 26 maio 2010.

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1. A sanção tributária, à semelhança das demais sanções impostas pelo Estado, é informada pelos princípios congruentes da legalidade e da razoabilidade.

2. A atuação da Administração Pública deve seguir os parâmetros da razoabilidade e da proporcionalidade, que censuram o ato administrativo que não guarde uma proporção adequada entre os meios que emprega e o fim que a lei almeja alcançar.

3. A razoabilidade encontra ressonância na ajustabilidade da providência administrativa consoante o consenso social acerca do que é usual e sensato. Razoável é conceito que se infere a contrario sensu; vale dizer, escapa à razoabilidade ‘aquilo que não pode ser’.

A proporcionalidade, como uma das facetas da razoabilidade revela que nem todos os meios justificam os fins. Os meios conducentes à consecução das finalidades, quando exorbitantes, superam a proporcionalidade, porquanto medidas imoderadas em confronto com o resultado almejado.

4. À luz dessa premissa, é lícito afirmar-se que a declaração efetuada de forma incorreta não equivale à ausência de informação, restando incontroverso, na instância ordinária, que o contribuinte olvidou-se em discriminar os pagamentos efetuados às pessoas físicas e às pessoas jurídicas, sem, contudo, deixar de declarar as despesas efetuadas com os aludidos pagamentos.

5. Deveras, não obstante a irritualidade, não sobejou qualquer prejuízo para o Fisco, consoante reconhecido pelo mesmo, porquanto implementada a exação devida no seu quantum adequado.

6. In casu, ‘a conduta do autor que motivou a autuação do Fisco foi o lançamento, em sua declaração do imposto de renda, dos valores referentes aos honorários advocatícios pagos, no campo Livro-Caixa, quando o correto seria especificá-los, um a um, no campo Relação de Doações e Pagamentos Efetuados, de acordo com o previsto no artigo 13 e parágrafos 1º, a e b, e 2º, do Decreto-Lei nº 2.396/87. Da análise dos autos, verifica-se que o autor realmente lançou as despesas do ano-base de 1995, exercício 1996, no campo Livro-Caixa de sua Declaração de Imposto de Renda Pessoa Física. Porém, deixou de discriminar os pagamentos efetuados a essas pessoas no campo próprio de sua Declaração de Ajuste do IRPF (fl. 101)’ (fls. 122/123).

7. Desta sorte, assente na instância ordinária que o erro no preenchimento da declaração não implicou na alteração da base de cálculo do imposto de renda devido pelo contribuinte, nem resultou em prejuízos aos cofres públicos, depreende-se a ausência de razoabilidade na cobrança da multa de 20%, prevista no § 2º, do Decreto-Lei 2.396/87.

8. Aplicação analógica do entendimento perfilhado no seguinte precedente desta Corte: ‘TRIBUTÁRIO - IMPORTAÇÃO - GUIA DE IMPORTAÇÃO - ERRO DE PREENCHIMENTO E POSTERIOR CORREÇÃO - MULTA INDEVIDA.

1. A legislação tributária é rigorosa quanto à observância das obrigações acessórias, impondo multa quando o importador classifica erroneamente a mercadoria na guia própria.

2. A par da legislação sancionadora (art. 44, I, da Lei 9.430/96 e art. 526, II, do Decreto 91.030/85), a própria receita preconiza a dispensa da multa, quando não tenha havido intenção de lesar o Fisco, estando a mercadoria corretamente descrita, com o só equívoco de sua classificação (Atos Declaratórios Normativos Cosit nºs 10 e 12 de 1997).

3. Recurso especial improvido. (REsp 660682/PE, Relatora Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ de 10.05.2006)

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9. Recurso especial provido, invertendo-se os ônus sucumbenciais.259 (Grifo nosso).

Novamente a penalidade foi retirada - a bem da razoabilidade e

proporcionalidade - mas invocando a legislação vigente (ou seja, neste caso, a lei já

previa a possibilidade do perdão):

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. REGULAMENTO ADUANEIRO. CLASSIFICAÇÃO DE MERCADORIA. PRODUTO CORRETAMENTE DESCRITO.

1. ‘A legislação tributária é rigorosa quanto à observância das obrigações

acessórias, impondo multa quando o importador classifica erroneamente a

mercadoria na guia própria. A par da legislação sancionadora (art. 44, I, da Lei 9.430/96 e art. 526, II, do Decreto 91.030/85), a própria receita preconiza a

dispensa da multa, quando não tenha havido intenção de lesar o Fisco, estando a mercadoria corretamente descrita, com o só equívoco de sua

classificação’ (REsp 660.682/PE, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de

10.5.2006; REsp 728.999/PR, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 12.9.2006).

2. Agravo regimental desprovido.260

TRIBUTÁRIO - IMPORTAÇÃO - GUIA DE IMPORTAÇÃO - ERRO DE PREENCHIMENTO E POSTERIOR CORREÇÃO - MULTA INDEVIDA.

1. A legislação tributária é rigorosa quanto à observância das obrigações acessórias, impondo multa quando o importador classifica erroneamente a mercadoria na guia própria.

2. A par da legislação sancionadora (art. 44, I, da Lei 9.430/96 e art. 526, II, do Decreto 91.030/85), a própria receita preconiza a dispensa da multa, quando não tenha havido intenção de lesar o Fisco, estando a mercadoria corretamente descrita, com o só equívoco de sua classificação (Atos Declaratórios Normativos Cosit nºs 10 e 12 de 1997).

3. Recurso especial improvido.261

Aqui a obrigação acessória que ensejou o pagamento da multa é que se

demonstrava dessarazoada, ou seja, a razoabilidade não está somente atuando na

conseqüência da norma, mas também no seu mandamento, ou seja, quando a norma de

259 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 728.999/PR. 1. T. Rel. Min. Luiz Fux, j. 12/09/2006.

DJ, Brasília, 26 out. 2006. p. 229. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/webstj/processo/Justica/det alhe.asp?numreg=200500331148&pv=010000000000&tp=51>. Acesso em: 26 maio 2010.

260 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no REsp. nº 653.263/PR. 1. T. Rel. Min. Denise Arruda, j. 22/05/2007. DJ, Brasília, 18 jun. 2007. p. 245. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/web stj/processo/Justica/detalhe.asp?numreg=200400589238&pv=010000000000&tp=51>. Acesso em: 26 maio 2010.

261 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 660.682/PE. 2. T. Rel. Min. Eliana Calmon, j. 21/03/2006. DJ, Brasília, 10 maio 2006. p. 174. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/webstj/proces so/Justica/detalhe.asp?numreg=200400638621&pv=010000000000&tp=51>. Acesso em: 26 maio 2010.

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conduta não seguida não é razoável, ela nao pode ensejar qualquer apenamento:

RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA. DESCABIMENTO DA EXIGÊNCIA DO FISCO. MULTA. AFASTAMENTO.

1. A despeito do reconhecimento da independência da nominada obrigação tributária acessória, essa obrigação só pode ser exigida pelo Fisco para instrumentalizar ou viabilizar a cobrança de um tributo, ou seja, deve existir um mínimo de correlação entre as duas espécies de obrigações que justifique a exigibilidade da obrigação acessória.

2. Na hipótese, o transporte do café beneficiado, pela empresa beneficiadora - ora recorrente -, estava acobertado pelas notas fiscais de devolução e de venda da mercadoria, pelos fazendeiros, para a Bolsa de Insumos de Patrocínio, mostrando-se totalmente descabida e desarrazoada a exigência da emissão de Nota fiscal pela recorrente, sem destaque de ICMS, na qualidade de detentora da mercadoria.

3. Precedentes: REsp 539.084/SP, 1ª Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, DJ de 19.12.2005; REsp 728.999/PR, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 26.10.2006.

4. Recurso especial provido.262 (Grifo nosso).

Destarte, de forma pacífica o Judiciário vem atenuando as multas fiscais,

conforme entendimento do STJ:

RECURSO ESPECIAL. ISS. NÃO-RECOLHIMENTO. BOA-FÉ. AFASTAMENTO DA MULTA. ARTIGO 136 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. MATÉRIA DE FATO. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO CONFIGURADA.

O egrégio Supremo Tribunal Federal, por diversas vezes, afastou a multa punitiva, quando demonstrada a boa-fé do contribuinte, ao fundamento de que ‘o judiciário pode graduar ou excluir a multa, de acordo com a gravidade da infração, e com a importância desta para os interesses da arrecadação’. (RE n. 61.160/SP, rel. Min. Evandro Lins e Silva, 19.3.1968). [...].263

AGRAVO REGIMENTAL. EXECUÇÃO FISCAL. MULTA. EXCLUSÃO PELO JUDICIÁRIO. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

1. Pode o Judiciário, atendendo às peculiaridades do caso concreto, atenuar o rigor do Fisco, excluindo multa fiscal.

2. Agravo improvido.264

262 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp. nº 1.096.712/MG. 1. T. Rel. Min. Denise Arruda, j.

02/04/2009. DJe, Brasília, 06 maio 2009. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/webstj/processo/Jus tica/detalhe.asp?numreg=200802349433&pv=010000000000&tp=51>. Acesso em: 26 maio 2010.

263 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no REsp nº 47.147/RS. 2. T. Rel. Min. Castro Meira, j. 05/08/2003. DJ, Brasília, 08 set. 2003. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/webstj/processo/Justi ca/detalhe.asp?numreg=199400116594&pv=010000000000&tp=51>. Acesso em: 26 maio 2010.

264 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 184.576/SP. 2. T. Rel. Min. Franciulli Netto, j. 05/09/2002. DJ, Brasília, 31 mar. 2003. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/webstj/processo/Justi ca/detalhe.asp?numreg=199800574921&pv=010000000000&tp=51>. Acesso em: 26 maio 2010.

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Na mesma linha vai Luciano Amaro, para quem

a multa não pode ser transformada em um instrumento de arrecadação; pelo contrário, deve-se graduar a multa em função da gravidade da infração, vale dizer, da gravidade do dano ou da ameaça que a infração representa para a arrecadação de tributos.265

Tanto a doutrina quanto a jurisprudência têm-se baseado no princípio da

equidade para graduação das sanções pecuniárias em Direito Tributário:

Art. 108. Na ausência de disposição expressa, a autoridade competente para aplicar a legislação tributária utilizará sucessivamente, na ordem indicada:

[...]

IV - a eqüidade.

E aqui a proibição imposta para que a equidade não gere dispensa de

pagamento de tributo não se aplica às penalidades, como a doutrina reconhece266:

As principais projeções do princípio da equidade no campo das penalidades fiscais podem ser assim resumidas:

[...]

2 - a multa fiscal pode ser reduzida pelo Poder Judiciário, em face das circunstâncias concretas do caso, se não ocorre dolo nem má-fé, como reconhece a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, ainda que se cuide de penalidade fixa, sem variação dentro dos limites mínimo e máximo previstos na lei, ou que se trate das chamadas penalidades moratórias, seja para adaptá-las às circunstâncias objetivas e subjetivas do caso, seja para lhes retirar o caráter confiscatório, seja para equilibrá-las com acréscimos de juros e correção monetária. [...].267

265 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro, p. 440. 266 Alessandra Machado Brandão Teixeira entende que quando o Judiciário reduz as multas o faz

como se concedesse uma anistia, sendo que lei não seria necessária para tanto, posto que a previsão já estaria constante do CTN, além de se basear também nos art.s 112 e 108, ambos do CTN (TEIXEIRA, Alessandra Machado Brandão. O artigo 136 do CTN e a possibilidade de redução das multas tributárias, p. 79-109). Onofre Alves Batista Junior entende que - com base no art. 111 do CTN nao seria possível dar amplitude a equidade, sendo esta uma norma de integração, portanto, nao se prestando ao perdão ou a moderação dos efeitos e valores das multas fiscais (BATISTA JUNIOR, Onofre Alves. O poder de polícia fiscal. Belo Horizonte: Mandamentos, 2001).

267 TORRES, Ricardo Lobo. A eqüidade no direito tributário. In: PEIXOTO, Marcelo Magalhães; FERNANDES, Edison Carlos (Coord.). Tributação, justiça e liberdade: homenagem a Ives Gandra da Silva Martins. Curitiba: Juruá, 2005. p. 602-603.

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Por isso, a eqüidade recomenda a exclusão de multas vultosas, porque representariam sanção confiscatória.

É oportuna a lição de Celso Ribeiro de Bastos:

‘A sanção pode extinguir-se pelo:

[...]

g) decisão por eqüidade.’

Hugo de Brito Machado cita Pedro Nunes, que define a eqüidade:

‘Sentimento íntimo de justiça, que se funda na igualdade perante a lei, na boa razão e na ética, para suprir a imperfeição da lei ou modificar criteriosamente o seu rigor, tornando-a mais moderada, benigna e humana, com o efeito estritamente necessário ou mais amoldável à circunstância cor rente, de atender a um sem prejudicar a outro.’

Ruy Barbosa Nogueira, louvando-se em Vicente Ráo, salienta:

‘A ‘eqüidade’ é a mitigação do rigor da lei. O Prof. Vicente Ráo compendia estas três regras fundamentais da eqüidade:

1) por igual modo devem ser tratadas as cousas iguais e desigualmente as desiguais;

2) todos os elementos que concorreram para constituir a relação sub judice, cousa, ou pessoa, ou que, no tocante a estas tenham importância, ou sobre elas exerçam influência, devem ser devidamente consideradas;

3) entre várias soluções possíveis deve-se preferir a mais suave e humana, por ser a que melhor atende ao sentido de piedade e de benevolência da justiça; jus bonum et aequum.268

Portanto, a doutrina majoritária e a jurisprudência demonstram ser

plenamente possível a aplicação dos princípios da vedação ao excesso (não

confisco), da proporcionalidade e razoabilidade no domínio das sanções fiscais.

Também se demonstra necessária a aplicação do princípio da igualdade na lei e

perante a lei para as sanções fiscais, uma vez que os postulados anteriormente

mencionados orientam para que uma pena não pode ser aplicada de forma

indiscriminada a situações que não se mostrem equivalentes, neste caso, como dito

pelo Professor Sacha Calmon Navarro Coêlho, ainda que o ilícito seja objetivo, os

elementos subjetivos não podem deixar de ser ponderados.

Conclui-se, portanto, que tais princípios aliados, a legalidade, boa fé e a

confiança na lei fiscal podem e devem permitir a atuação do julgador administrativo

ou mesmo do Poder Judiciário para que reduza ou elimine a penalidade no caso

concreto, buscando sempre patamares adequados.

268 ARZUA, Heron; GALDINO, Dirceu. As multas fiscais e o Poder Judiciário. Revista Dialética de

Direito Tributário, p. 38.

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7 CONCLUSÃO

Desafiando a metodologia usual, o presente trabalho de pesquisa não

pretende transformar esta parte final num mero resumo de tudo que foi tido ao longo

dos capítulos desenvolvidos. Pelo contrário, a intenção é trazer à reflexão critérios

objetivos para implementar a dosimetria das sanções fiscais.

Assim, de tudo que foi dito, pode-se concluir e estabelecer os seguintes

limites ao poder de sancionar no direito tributário:

I - os princípios constitucionais limitadores da tributação devem ser

aplicados, na medida do cabível, às sanções fiscais, assim, como princípio maior da

segurança jurídica, não sendo admissível a existência de qualquer sanção que não

respeite o princípio da legalidade, em seu sentido formal e material;

II - os princípios constitucionais da razoabilidade e da proporcionalidade

servem de retentores do abuso no poder de sancionar nos âmbitos quantitativos ou

qualitativos, pois não permitem o descasamento entre o comando (deixar de cumprir

algo ou deixar de pagar algo) e a sua conseqüência que deve apenar de forma

razoável a conduta;

III - o princípio do não confisco aplicado às sanções fiscais, impede a

existência de multas em patamares que visam não mais sancionar ou educar o

contribuinte faltoso, mas apropriar-se do patrimônio deste contribuinte;

IV - a responsabilidade na sanção tributária, via de regra e quando não

consta expressa em lei, será objetiva, não cabendo atrair ao Direito Tributário

disposições não constantes do Texto Constitucional e do Código Tributário Nacional.

V - a própria estrutura da norma sancionante impõe que nela contenha um

ato ilícito, ainda que num comando abstrato e genérico, cabendo ao aplicador do

direito dosar sua aplicação no caso concreto;

VI - o Código Tributário Nacional, iluminado pelos princípios constitucionais

acima referenciados, possui os métodos de atenuação ou temperamento desta

responsabilidade objetiva, cabendo ao aplicador do Direito utilizá-los.

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Sendo a norma tributária sancionante, de estrutura condicional, de natureza

tributária, não há necessidade de invocar princípios afetos ao Direito Penal, o que

não implica que determinadas condutas ilícitas tributárias tenham reflexos também

no domínio do Direito Penal.

Além disso, o princípio da preservação das empresas, em que pese sua

positivação na lei de recuperação das empresas, tem escopo muito mais amplo, já

consagrado no Sistema Tributário e serve para dar fluidez às normas que regem tal

Sistema.

Não parece compatível com o Estado Democrático de Direito a situação que

as pessoas jurídicas atualmente se encontram no que tange a legislação tributária.

De um lado, o Texto Constitucional exige do Estado segurança jurídica, legalidade

formal e material, confiança na lei fiscal, previsibilidade das ações estatais, vedação

ao excesso, mas, em plena contradição com tais ditames, exige-se atualmente das

pessoas jurídicas uma assustadora gama de responsabilidades na interpretação de

incontáveis normais legais e infra-legais, que incluem, a verificação da existência do

fato gerador, o cálculo do tributo, seu recolhimento e, ainda, uma enormidade de

obrigações acessórias que acabam gerando uma desorganização no sistema

arrecadatório, e pouca eficiencia para os fins instrumentais que se propõem.

Neste contexto, o Sistema Tributário Nacional convive com um Direito

Tributário Sancionador que prevê multas absolutamente exageradas e

absurdamente descompassadas com a realidade econômica do país. Basta ver que

o descumprimento de uma obrigação acessória atualmente269 pode gerar uma multa

de 40% ou 50% do valor da operação.

Ainda a contextualizar, as multas atualmente estabelecidas na esfera

tributárias tem uma onerosidade até mais expressiva que o próprio Direito Penal,

posto que este (Direito Penal Tributário) tem servido apenas de instrumento de

arrecadação aos cofres públicos.

O peso das sanções fiscais se mostra tão exacerbado que, de tempos em

269 Exemplo de tais multas consta do art. 55 da Lei nº 6.763 do Estado de Minas Gerais. Em que pese

o dispositivo consagrar a possibilidade de redução da multa pelo Julgador administrativo a depender dos fatos apurados (não reincidência, ausência de fraude, recolhimento do tributo, etc.), o valor de per si já consagra o excesso, pois a sanção seria o dobro do tributo e se a este somar com as multas pelo não recolhimento chegaríamos a um percentual maior do que 80%.

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tempos, os contribuintes já estão cientes que leis de anistia serão promulgadas,

quando poderão fazer seus acertamentos, fugindo, em absoluto, do que determina o

Texto Constitucional e dos objetivos do Direito Tributário Sancionador.

As sanções chamadas de políticas não encontram guarida no Ordenamento

Jurídico Pátrio, pois ferem de maneira frontal o devido processo legal, a ampla

defesa, o contraditório, a livre iniciativa, enfim, nuances e manifestações também do

princípio da preservação das empresas.

A afirmativa do parágrafo anterior, acerca da ilegalidade das sanções

políticas, encontra-se pacificada por súmulas e por recorrentes decisões proferidas

pelos Tribunais Superiores, mas a prática demonstra que o país está longe de dar

efetividade à norma constitucional e aos ditames estabelecidos pela Jurisprudência,

posto que:

(a) as certidões negativas ou com efeito de negativa são imprescindíveis

para a sobrevivência (preservação) das empresas, contudo, sua obtenção gera um

alto custo administrativo às pessoas jurídicas (custo de conformidade);

(b) no processo de renovação de tais certidões, bem como nas autorizações

de funcionamento, alvarás, entre outros, o Poder Público, exige-se que a empresa

apresente reforços de penhora, mesmo que isso não foi requerido nos autos do

processo judicial, quando entendem que o débito não está devidamente garantido;

(b.1) além disso, durante o tramite há uma data corte no que se denomina de conta-

corrente270, assim, a cada solução de uma pendência, está o contribuinte sujeito ao

aparecimento de um novo débito em aberto; (b.2) em que pese o alto investimento

informatizado das Repartições Fiscais, a cada pedido de certidão, toda

documentação, sobre todos os processos, deve ser novamente apresentada,

gerando custos e desgastes que seriam facilmente solucionados com um simples

arquivo digital; (b.3) a morosidade no ajuizamento das execuções fiscais, o erro no

cruzamento de informações, a ausência de um efetivo controle de legalidade nas

inscrições em dívida ativa, os erros de fato e de direito cometidos nas autuações não

geram qualquer punição aos agentes públicos, pelo contrário, todo o ônus fica a

cargo do contribuintes.

270 Trata-se do extrato da situação do contribuinte naquele momento, constando os débitos

existentes, os que possuem exigibilidade suspensa e os que impedem a certidão com efeito de negativa, mesmo que tais débitos ainda não sejam do conhecimento dos contribuintes.

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Certamente há uma considerável distância entre os princípios constitucionais

(protetores contra o abuso do poder de tributar), os ditames constantes do CTN e a

realidade que os contribuintes vivem. Somente a efetivação dos mencionados

princípios e a consagração do princípio da preservação das empresas poderá dar

um alento ao Direito Tributário e aproximá-lo do fato social, sob pena de, cada vez

mais, perder a legitimidade perante a Sociedade.

Além das sanções políticas constitucionalmente proibidas, mas faticamente

toleradas pela Sociedade restam as sanções de cunho pecuniário, cujas funções,

basicamente são de prevenção, de cunho didático, bem como com feições de

punição e indenização.

Esta última função cabe aos juros de mora, de caráter indenizatório e que

não podem ultrapassar o exato montante arbitrado do dano causado (custo do

dinheiro).

As demais multas podem ser resumidas apenas em quatro tipos:

- multas de mora: de caráter punitivo e objetivo, mas que visa ser cobrada

quando ainda não há o lançamento de ofício do tributo não pago no vencimento. É

cabível quando há o recolhimento espontâneo, porém intempestivo. A conjugar com

o art. 138 do CTN esta multa somente seria devida quando não configurados os

pressupostos da denúncia espontânea, ou seja, quando tratar-se de tributo

declarado e não pago (Súmula 360, STJ) ou quando a fiscalização já deu início aos

trabalhos de revisão e fiscalização.

- Multa de Ofício: também de caráter punitivo e objetivo, pode ser cobrada

através de lançamento de ofício, diante do não recolhimento espontâneo pelo

contribuinte.

- Multa Agravada: de caráter punitivo, mas tem em sua essência a

subjetividade, pois deverá sempre estar presente a fraude, o dolo, a simulação ou a

má-fé. A situação se agrava por uma conduta deliberada e fraudulenta do

contribuinte para o não recolhimento do tributo. O espaço de interseção do Direito

Tributário Sancionador e do Direito Penal se dá apenas em tais multas, ou seja, a

lógica e o bom senso demonstram que somente quando ocorrer a aplicação de um

multa agravada poderá haver uma conduta também reprimida pelo Direito Penal.

Não parece razoável ou proporcional que se enquadre uma conduta penal quando a

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autuação apenas aplicou uma multa de ofício.

- Multa Isolada, devida pelo simples não cumprimento do dever instrumental.

Diante do caráter instrumental das obrigações acessórias, não há sentido algum na

cobrança de multas por seu não cumprimento, quando comprovada a boa-fé e a

ausência de prejuízo ao Fisco (cumprimento integral da obrigação principal). Além

disso, a multa pelo descumprimento da obrigação acessória não pode ultrapassar o

valor do tributo ou dele se desvincular, pois se esta obrigação tem como escopo

auxiliar (caráter instrumental das obrigações acessórias) a fiscalização do correto

recolhimento dos tributos, não parece lógico que a sanção pelo seu descumprimento

se desvincule de seu objetivo inicial.

A classificação acima basta, sendo que as demais existentes na doutrina

não trazem, com todo respeito, qualquer utilidade prática, teórica ou didática ao

Direito Tributário, sendo esta a função maior das classificações.

Assim, de tudo que foi posto, acerca da necessidades de se ter meios

eficientes para limitar os abusos cometidos pelo aplicador da norma, cabe enfatizar,

de forma objetiva:

a) não poderá ensejar qualquer penalidade quando a norma sancionante

não residir numa lei formal (legalidade formal) e nem quando todos os elementos

necessários à qualificação do ilícito e a quantificação da pena não constem de forma

expressa e clara na lei (legalidade material).

b) da mesma maneira não poderá ensejar qualquer penalidade quando o

contribuinte age de boa-fé, confiando na lei tributária, principalmente, se esta

confiança se baseia numa norma individual e concreta (consultas fiscais, decisões

administrativas, efeito ex nunc de decisões proferidas em ações rescisórias, etc.).

Deve haver uma ordem de bloqueio à incidência do tributo e, por óbvio, de qualquer

penalidade (art. 146, CTN) já que os princípios agem ainda no mandamento da

norma de conduta, evitando que ela se instaure, assim e por conseqüência, sequer

ocorre a conduta ilícita. Ainda agindo no mandamento da norma de conduta, quando

o lançamento é efetuado ou revisado (art. 147, CTN aplicado diretamente aos

tributos lançados por declaração e, por analogia, aos tributos lançados por

homologação) com base em declaração do contribuinte, cabe a aceitação da

retificação da declaração antes da Divida Ativa e, depois, de oficio, se constatado

que houve mero erro material na declaração.

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c) também não poderá haver aplicação de penalidade quando o contribuinte

age de boa-fé, confiando na lei tributária, se esta confiança se baseia numa norma

abstrata e em fatos que são de terceiros, mas se igualam aos fatos praticados pelo

contribuinte (consultas fiscais de terceiros, decisões administrativas proferidas em

processos de terceiros, instruções normativas, etc.). Também neste caso, haverá

uma ordem de bloqueio à incidência de qualquer penalidade (art. 100, parágrafo

único, e art. 106, I, ambos do CTN) visto que, neste caso, os princípios agem ainda

no mandamento da norma sancionante, evitando que ela se instaure.

d) ainda no mandamento da norma sancionante, em caso de dúvidas quanto

a capitulação legal do fato, a natureza ou as circunstâncias materiais do fato, ou a

natureza ou extensão dos seus efeitos, a autoria, imputabilidade, ou punibilidade,

natureza da penalidade aplicável, ou a sua graduação, a interpretação será sempre

favorável ao contribuinte, não havendo possibilidade de aplicação da penalidade

sem que todos esse fatores sejam previamente apurados. A sanção é ato extremo,

assim, se o contribuinte não seguiu determinada conduta porque as circunstâncias

fáticas ou jurídicas o impossibilitavam de realizar tal conduta, não pode o Direito

gerar daí qualquer penalidade, pois a conduta impossibilitada não se mostra uma

conduta ilícita.

e) também no mandamento da norma sancionante age a retroatividade

benigna (art. 106, II, a e b, do CTN), em caso ainda não definitivamente julgado,

quando deixe de defini-lo como infração ou quando deixe de tratá-lo como contrário

a qualquer exigência de ação ou omissão, desde que não tenha sido fraudulento e

não tenha implicado em falta de pagamento de tributo.

f) finalmente, no mandamento da norma sancionante agem as hipóteses de

suspensão da exigibilidade do crédito tributário (art. 151, CTN), mas apenas se a

norma sancionante ainda não incidiu no momento da suspensão da exigibilidade

(antes do vencimento da obrigação), exceto os juros de mora, posto que - com a

ressalva de parte da doutrina - se eles têm natureza apenas de indenizar o capital

que foi privado de seu proprietário, somente não caberá no caso de depósito judicial,

pois em tais casos o contribuinte também não ficou com a importância controversa.

g) na conseqüência da norma, ainda no art. 106 (II, c) do CTN, retroagirá ao

caso não definitivamente julgado a penalidade menos severa.

h) também na conseqüência da norma, em que pese a fiscalização, que

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desenvolve atividade plenamente vinculada (art. 3o e 142 do CTN) ter que aplicar a

norma, o julgador administrativo ou judicial pode e deve dosar o valor da multa, a

bem da proibição do excesso (vedação ao confisco), sendo que a jurisprudência

atual fixou o montante de 30% (trinta por cento)271 de multa pelo não pagamento do

tributo como sendo não confiscatório, o que pode se presumir que porcentuais acima

de tal patamar estarão dentro do confisco e devem ser expurgados.

A respeito do acima exposto, não fere o Poder Judiciário a Separação dos

Poderes quando reduz o valor das multas aplicadas a patamares razoáveis e

proporcionais, pois (a) nada mais faz do que reduzir quantitativamente a norma aos

ditames constitucionais (vedação ao excesso); (b) segue parâmetros ditados pelo

próprio legislador e (c) tem expressa autorização no art. 108, IV do CTN.

Porém, não é somente a vedação ao confisco que deve agir na

conseqüência da norma sancionante para correta dosimetria da pena.

A razoabilidade e a proporcionalidade, aliada à aplicação da equidade no

Direito Tributário Sancionador permite que o legislador, no caso concreto, reduza ou

elimine a penalidade. Para tanto, a jurisprudência tem sugerido os seguintes

parâmetros: (i) ausência de prejuízos ao Fisco (especialmente nas obrigações

acessórias), (ii) boa-fé e não reincidência, configurando o descumprimento acidental

da norma de conduta; (iii) aparência de regularidade do negócio ou do ato praticado

e (iv) reconhecimento espontâneo do erro e ressarcimento dos valores aos cofres

públicos (perdão consagrado pelo art. 138 do CTN).

Assim como o trabalho começou, ele se encerra, tendo como seu marco

teórico, as lições do Professor Sacha Calmon Navarro Coêlho para quem: Do ponto

de vista jurídico-positivo duas fórmulas existem para o evitamento de multas

escorchantes: a fórmula legislativa, mediante a qual através de uma norma geral de

potestade a competência dos legisladores ordinários para estatuir multas tributárias

restaria restringida quantitativamente; e a fórmula jurisprudencial mercê da qual, os

juízes através da fixação de standards - súmulas no caso brasileiro - construiriam os

princípios de restrição norteadores da ação do legislador na espécie. A República

271 O percentual que efetivamente poderia se estabelecer como limite ao não confisco depende -

como visto - também da comparação do tributo com o valor principal. O certo é que a multa num patamar de 30% (trinta por cento), aliada a cobrança dos juros de mora - que remuneram o capital - já resultam num valor bem elevado da obrigação não cumprida.

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Argentina decidiu-se pela fórmula jurisprudencial. Entre eles, multa tributária que

ultrapasse um determinado percentual em relação ao valor do tributo ao qual se liga

já é confisco.272

Na primeira hipótese prevista pelo Professor Sacha Calmon, inúmeros são

os dispositivos legais (permissivos legais) que prevêem a atenuação de multas

quando não há prejuízo ao Fisco, quando o contribuinte age de boa-fé ou quando

corrige o ato ilícito no prazo de defesa administrativa.273

Já na segunda hipótese, o Judiciário tem se manifestado de maneira

favorável, em geral, para que tal limitação seja efetivada, conforme os inúmeros

precedentes analisados no presente trabalho.

Somente a observância dos limites ao poder de tributar, em especial, a

homenagem aos princípios constitucionais e a efetivação da norma constitucional

poderá reaproximar o Direito do fato social e dar-lhe legitimidade. No campo das

sanções fiscais, somente a correta dosimetria da pena aplicada no caso concreto,

em obediência a tudo que se falou, poderá retomar este domínio às suas reais

funções: punição, educação e prevenção.

272 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria e prática das multas tributárias: infrações tributárias,

sanções tributárias, p. 68-69. 273 Ainda nesta primeira hipótese, interessante Projeto de Lei nº 7.544/10 do Deputado Júlio Delgado

(PSB-MG) que prevê uma limitação a R$ 200 mil para a sanção imposta as empresas que atrasam para enviar dados eletrônicos ao Fisco ou erram informações na hora de preencher formulários. Em que pese a tímida iniciativa, é um bom sinal.

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