junho 2018 v6 /02 · 2018-09-26 · matilde viegas, maria joão ramos, pedro alexandrino fernandes...

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V6/02 JUNHO 2018 REVISTA DE CIÊNCIA ELEMENTAR. CASA DAS CIÊNCIAS

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Page 1: JUNHO 2018 V6 /02 · 2018-09-26 · Matilde Viegas, Maria João Ramos, Pedro Alexandrino Fernandes Stephen Hawking e a sua contribuição para a física teórica Orfeu Bertolami,

V602JUNHO 2018

REVISTA DE CIEcircNCIA ELEMENTAR CASA DAS CIEcircNCIAS

FICHA TEacuteCNICA

Publicaccedilatildeo trimestral da Casa das CiecircnciasISSN 2183-9697 (versatildeo impressa)

ISSN 2183-1270 (versatildeo online)rcecasadascienciasorg

DEPOacuteSITO LEGAL

42520017

COORDENACcedilAtildeO EDITORIAL

Alexandra Coelho

DESIGN

Rui Mendonccedila

PAGINACcedilAtildeO

Pedro Freitas

IMPRESSAtildeO E ACABAMENTO

Uniarte Graacutefica SA

TIRAGEM

3600 exemplares

IMAGEM NA CAPA

Krystyna Burczykimagemcasadascienciasorg

copy Todo o material publicado nesta revista pode ser reutilizado para fins natildeo comerciais desde que a fonte seja citada

PROPRIETAacuteRIOCasa das CiecircnciasICETAFaculdade de CiecircnciasUniversidade do PortoRua do Campo Alegre 6874169-007 Portorcecasadascienciasorg

CORPO EDITORIAL DA REVISTADE CIEcircNCIA ELEMENTAR

EDITORJoseacute Ferreira Gomes (UNIVERSIDADE DO PORTO)

EDITOR CONVIDADOJoseacute Francisco Rodrigues (UNIVERSIDADE DE LISBOA)

CONSELHO EDITORIAL Joatildeo Lopes dos Santos (UNIVERSIDADE DO PORTO)

Jorge Manuel Canhoto (UNIVERSIDADE DE COIMBRA)

Joseacute Francisco Rodrigues (UNIVERSIDADE DE LISBOA)

Luiacutes Viacutetor Duarte (UNIVERSIDADE DE COIMBRA)

Maria Joatildeo Ramos (UNIVERSIDADE DO PORTO)

Paulo Fonseca (UNIVERSIDADE DE LISBOA)

Paulo Ribeiro-Claro (UNIVERSIDADE DE AVEIRO)

PRODUCcedilAtildeO E SECRETARIADOPedro FreitasAlexandra CoelhoGuilherme Monteiro

NORMAS DE PUBLICACcedilAtildeO NA RCEA Revista de Ciecircncia Elementar dirige-se a um puacuteblico alargado de professores do ensino baacutesico e secundaacuterio aos estudantes de todos os niacuteveis de ensino e a todos aqueles que se interessam pela Ciecircncia Discutiraacute conceitos numa linguagem elementar mas semprecom um rigor superior

INFORMACcedilAtildeO PARA AUTORES E REVISORESConvidam-se todos os professores e investigadores a apresentarem os conceitos baacutesicos do seu labor diaacuterio numa linguagem que a generalidade da populaccedilatildeo possa ler e compreenderPara mais informaccedilatildeo sobre o processo de submissatildeode artigos consulte a paacutegina da revista emrcecasadascienciasorg

REVISTA DE CIEcircNCIAELEMENTAR

V602JUNHO 2018

IacuteNDICE

AGENDA

NOTIacuteCIAS

EDITORIAL

Do crescimento das populaccedilotildees

agrave epidemiologia e virologiaJoseacute Francisco Rodrigues

ARTIGOS

Campos (Fiacutesica)Eduardo Lage

Espectroscopia VibracionalPaulo Ribeiro Claro

O crescimento exponencial de

populaccedilotildees Euler ou MalthusSuzana Naacutepoles

ArtroacutepodesMiguel Santos Rubim Almeida

Sara C Antunes

Biocombustiacuteveis

seratildeo a soluccedilatildeoMatilde Viegas Maria Joatildeo Ramos

Pedro Alexandrino Fernandes

Stephen Hawking

e a sua contribuiccedilatildeo

para a fiacutesica teoacutericaOrfeu Bertolami Claacuteudio Gomes

RochaA M Galopim de Carvalho

NOTIacuteCIAS EDUCATIVAS

Software educativo

em preacute-caacutelculo e caacutelculo

diferencialAna C Conceiccedilatildeo

O Aroma das PlantasLuiacutes Gaspar Pedro Ana Cristina

Figueiredo Joseacute Gonccedilalves Barroso

AOS OLHOS DA CIEcircNCIA

Paisagens da Islacircndia

Formas e Processos (III)Fernando Carlos Lopes

IMAGEM EM DESTAQUE

Origami e ViacuterusJoseacute Francisco Rodrigues

Krystyna Burczyk

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03

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14

20

25

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39

42

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EN

DA

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2

AG

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2104(2017)

a 3112(2018)

Plantas e Povos

Nesta exposiccedilatildeo eacute possiacutevel observar objetos

etnobotacircnicos e etnograacuteficos fotografias e

filmes das coleccedilotildees provenientes do Instituto de

Investigaccedilatildeo Cientiacutefica Tropical e do MUHNAC

MNHNC LISBOA

HTTPWWWMUSEUSULISBOAPTPT-PTPLANTAS-E-POVOS

2307a 2707(2018)

11ordf Conferecircncia Europeia de Biologia Teoacuterica e Matemaacutetica

Co-organizada pela Sociedade Portuguesa de

Matemaacutetica a 11ordf Conterecircncia Europeia de Biologia

Teoacuterica e Matemaacutetica realiza-se em Lisboa de 23 a

27 de julho de 2018 sob os auspiacutecios das Sociedades

Europeias de Matemaacutetica (EMS) e de Biologia Teoacuterica

e Matemaacutetica (ESMTB) e celebra em Portugal o Ano

Europeu da Biologia Matemaacutetica 2018

LISBOA HTTPWWWECMTB2018ORG

0609a 0709(2018)

I Encontro da Casa das Ciecircncias mdash Accedilores

Vai realizar-se na cidade de Ponta Delgada

o I Encontro da Casa das Ciecircncias mdash Accedilores

com o apoio do Governo Regional e da

Universidade dos Accedilores As inscriccedilotildees estatildeo

jaacute abertas Reserve o seu lugar

PONTA DELGADA HTTPWWWCASADASCIENCIAS

ORG2018ENCONTROAZORES

NO

TIacuteC

IAS

3

Marcelo Viana fala de Matemaacutetica no ano em que o Brasil organiza o 28ordm Congresso Internacional de Matemaacuteticos

httprevistapesquisafapespbr20180320marcelo-viana-uma-equacao-dificil

O matemaacutetico luso-brasileiro Marcelo Via-

na formado pela Universidade do Porto em

1984 atual diretor do Instituto de Matemaacuteti-

ca Pura e Aplicada (IMPA) no Rio de Janei-

ro eacute o organizador geral do 28ordm Congresso

Internacional de Matemaacuteticos (ICM 2018) e

foi entrevistado recentemente pela revista

brasileira Pesquisa FAPESP Nessa entrevis-

ta fala natildeo soacute do mais importante congresso

de matemaacuteticos que se realiza de quatro em

quatro anos e onde satildeo atribuiacutedas as Meda-

lhas Fields consideradas os preacutemios Nobel

da Matemaacutetica mas tambeacutem da sua expe-

riecircncia pessoal em Portugal e no IMPA onde

se doutorou em 1990 Fala da situaccedilatildeo atual

da matemaacutetica brasileira e mais geralmen-

te afirma que ldquoem matemaacutetica nunca se

sabe o que vai resultar em uma aplicaccedilatildeo

Esta eacute uma regra-chave eacute preciso deixar o

ser humano exercer sua criatividade Quan-

do os avanccedilos da matemaacutetica satildeo aplicados

eles satildeo invisiacuteveis Sem matemaacutetica a tomo-

grafia natildeo existiria Haacute muita matemaacutetica no

modo como o sinal de uma partida de futebol

eacute transmitido por exemplordquo

10 de Outubro de 2018 foi proposto para Dia da Biologia Matemaacutetica

httpswwwesmtborgnews141-year-of-mathematical-biology-2018httpeuro-math-soceuyear-mathematical-biology-2018

Numa iniciativa conjunta da Sociedade Eu-

ropeia de Matemaacutetica (EMS) com a Socie-

dade Europeia de Biologia Teoacuterica e Mate-

maacutetica (ESMTB) estaacute a ser celebrado este

ano o Ano da Biologia Matemaacutetica 2018

com muacuteltiplas iniciativas cientiacuteficas em

muitos paiacuteses da Europa Foi ainda propos-

to celebrar o Dia da Biologia Matemaacutetica a

10 de outubro cuja data invoca os diacutegitos da

morfogenia humana

NO

TIacuteC

IAS

4

GRIPENET e BBC Four Pandemics

httpwwwgripenetpthttpswwwinfluenzaneteuhttpswwwbbccoukprogrammesp059y0p1

Haacute cem anos a pandemia da gripe espanhola

de 1918 dizimou entre 3 a 5 da populaccedilatildeo

mundial e foi uma das mais letais da histoacuteria

da humanidade Uma nova pandemia de gripe

poderaacute acontecer mais tarde ou mais cedo e

sem alarmismo o canal BBC Four lanccedilou em

marccedilo de 2018 o programa Contagion The BBC

Four Pandemic em colaboraccedilatildeo com um grupo

de matemaacuteticos da Universidade de Cambridge

Esse programa de ciecircncia cidadatilde tem como ob-

jetivo ajudar a combater uma futura pandemia

de doenccedilas infecciosas divulgando por um

lado o conhecimento cientiacutefico e a modelaccedilatildeo

matemaacutetica subjacente agraves epidemias e por ou-

tro atraveacutes de uma aplicaccedilatildeo para telemoacutevel

a BBC Pandemic app promovendo uma expe-

riecircncia de ciecircncia cidadatilde ao coligir dados auto-

rizados dos movimentos das pessoas dos seus

contactos e ainda outra informaccedilatildeo pessoal

Este projeto eacute um sucedacircneo do projeto europeu

Influenzanet iniciado na Holanda com partici-

paccedilatildeo portuguesa desde 2005 como GRIPENET

numa iniciativa dos investigadores do Instituto

Gulbenkian de Ciecircncias que continua no Insti-

tuto Nacional de Sauacutede Doutor Ricardo Jorge e

eacute atualmente o maior repositoacuterio em liacutengua por-

tuguesa de conteuacutedos em linha sobre a gripe

IMAGINARY lanccedila apelo de moacutedulos para uma Exposiccedilatildeo sobre Matemaacutetica e Muacutesica

httpsimaginaryorgmnm-call

A organizaccedilatildeo IMAGINARY open mathematics

atraveacutes da sua plataforma destinada a pro-

mover a divulgaccedilatildeo da matemaacutetica de forma

aberta e interativa lanccedilou um apelo agrave par-

ticipaccedilatildeo puacuteblica de matemaacuteticos muacutesicos

informaacuteticos e cidadatildeos interessados em con-

tribuir com moacutedulos de fonte ou coacutedigo aber-

tos que expliquem simulem eou mostrem as

relaccedilotildees e interaccedilotildees entre a Matemaacutetica e a

Muacutesica O objetivo eacute a realizaccedilatildeo da exposiccedilatildeo

ldquoThe Sound of Mathematicsrdquo a abrir em 2019

exatamente vinte anos apoacutes o FORUM Diderot

sobre Matemaacutetica e Muacutesica organizado pela

Sociedade Europeia de Matemaacutetica (EMS) que

se realizou a 3 e 4 de dezembro de 1999 si-

multaneamente em Lisboa Paris e Viena

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Do crescimento das populaccedilotildees agrave epidemiologia e virologia

Decorrendo o Ano da Biologia Matemaacutetica 2018 uma iniciativa da Sociedade Europeia de

Matemaacutetica (EMS) em conjunto com a Sociedade Europeia de Biologia Teoacuterica e Matemaacutetica

(ESMTB) acontecem este ano na Europa um elevado nuacutemero de iniciativas cientiacuteficas para

celebrar o extraordinaacuterio progresso das aplicaccedilotildees matemaacuteticas na Biologia cujo veacutertex

desta influecircncia muacutetua ainda estaacute por acontecer Se histoacuterica e atualmente o progresso da

compreensatildeo de vaacuterios processos bioloacutegicos trouxe agrave matemaacutetica incluindo a estatiacutestica

novos problemas e conceitos natildeo eacute menos verdade que o rigor dos meacutetodos matemaacuteticos

tem e continuaraacute a desempenhar um contributo admiraacutevel para avaliar ou afastar hipoacuteteses

feitas por bioacutelogos neurocientistas e outros investigadores em medicina

Podemos considerar que o iniacutecio da interaccedilatildeo profiacutecua entre a Matemaacutetica e a Biologia se

iniciou em meados do seacuteculo XVIII em particular com a descriccedilatildeo do crescimento exponen-

cial das populaccedilotildees pelo matemaacutetico Leonard Euler cinquenta anos antes de Malthus As

questotildees quantitativas da mortalidade e da esperanccedila de vida do geacutenero humano um tema

central das ciecircncias atuariais das pensotildees e seguros que comeccedilaram a ser tabeladas ainda

em seiscentos e motivaram uma notaacutevel memoacuteria de Euler apresentada agrave Academia de Ciecircn-

cias de Berlim em 1760 foram moacutebiles para o desenvolvimento da teoria das probabilidades

e de meacutetodos estatiacutesticos Por outro lado nesse mesmo ano Daniel Bernoulli apresentou agrave

Academia de Ciecircncias de Paris um primeiro modelo diferencial para analisar a propagaccedilatildeo

da variacuteola e defender as vantagens da inoculaccedilatildeo para a prevenir que foi um trabalho pionei-

ro na aplicaccedilatildeo das equaccedilotildees diferenciais agrave variaccedilatildeo das populaccedilotildees e podemos considerar

como numa carta agrave Nature de 2000 que ldquoBernoulli was ahead of modern epidemiologyrdquo

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Hoje em dia o domiacutenio da Biomatemaacutetica eacute vastiacutessimo e vai muito aleacutem da dinacircmica das

populaccedilotildees da ecologia teoacuterica agrave epidemiologia meacutedica da geneacutetica agrave virologia da formaccedilatildeo

de padrotildees agraves redes neuronais da bioestatiacutestica agrave anaacutelise proteoacutemica da biomecacircnica agrave

fisiologia animal etc Se existem aacutereas da Matemaacutetica com maiores relaccedilotildees com a Biologia

nomeadamente na modelaccedilatildeo matemaacutetica e numeacuterica incluindo os sistemas dinacircmicos as

equaccedilotildees com derivadas parciais os processos estocaacutesticos e a estatiacutestica novas intera-

ccedilotildees estatildeo a surgir na geometria e na topologia no tratamento de dados e nas relaccedilotildees com

machine learning ou aacutelgebra computacional

Por exemplo no encontro kick-off do ano da Biologia Matemaacutetica realizado na Finlacircndia

a 4 e 5 de janeiro uma das conferecircncias plenaacuterias de Benoicirct Perthame da Universidade de

Paris-Sorbone abordou as ligaccedilotildees entre dois tipos de modelos matemaacuteticos para o cresci-

mento de tumores a descriccedilatildeo lsquomicroscoacutepicarsquo ou lsquocompressiacutevelrsquo agrave escala da densidade da

populaccedilatildeo celular e uma descriccedilatildeo mais macroscoacutepica ou lsquoincompressiacutevelrsquo que eacute baseada

num problema com fronteira livre do tipo da equaccedilatildeo claacutessica de Hele-Shaw um modelo

bidimensional bem conhecido para escoamento de fluidos entre duas placas paralelas

Outro exemplo atual decorreu do projeto multidisciplinar europeu DENFREE flying towards

the efficient control of dengue iniciado em 2012 e coordenado pelo Instituto Pasteur o qual

teve participaccedilatildeo portuguesa em particular de biomatemaacuteticos do CMAFUniversidade de Lis-

boa Um dos seus objetivos constituiu na elaboraccedilatildeo de modelos preditivos para combater a

epidemia do viacuterus do dengue baseados na dinacircmica computacional natildeo-linear combinada com

a anaacutelise estatiacutestica de dados sobre a vacinaccedilatildeo a niacutevel mundial Esses modelos permitiram

conclusotildees relevantes e contribuiacuteram para uma melhor administraccedilatildeo da Denvaxia uma vaci-

na do dengue recomendada pelo WHO Strategic Advisory Group of Experts (SAGE) e levaram a

multinacional Sanofi-Pasteur produtora daquela vacina a alterar a recomendaccedilatildeo de vacina-

ccedilatildeo apenas para as pessoas seropositivas Contudo isso aconteceu com um ano de atraso face

agrave prediccedilatildeo do modelo do DENFREE o que foi criticado por dois daqueles investigadores numa

carta de 21-12-2017 publicada na revista The Lancet Infectious Diseases

Portugal que jaacute em 2009 no bicentenaacuterio de Charles Darwin havia acolhido o encontro

The Mathematics of Darwinrsquos Legacy numa organizaccedilatildeo do Centro Internacional de Mate-

maacutetica em colaboraccedilatildeo com a ESMTB e o apoio da Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian acolhe

agora o principal acontecimento do Ano da Biologia Matemaacutetica 2018 a 11th European Con-

ference on Mathematical and Theoretical Biology (httpecmtb2018org) que se realiza na

Faculdade de Ciecircncias da Universidade de Lisboa de 23 a 27 de julho e natildeo poderaacute ficar indi-

ferente agrave celebraccedilatildeo do primeiro Dia da Biologia Matemaacutetica a 10 de outubro que se espera

ter continuidade anual e cujo logo invoca a morfogeacutenese humana

Joseacute Francisco RodriguesEditor convidado

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O

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Campos (Fiacutesica)Eduardo Lage

Universidade do Porto

O conceito de campo eacute dos mais fundamentais em Fiacutesica Tal como um campo de flores

variadas pode ter em cada canteiro um letreiro identificando a espeacutecie aiacute plantada um

campo fiacutesico eacute uma regiatildeo do espaccedilo em que eacute definida uma etiqueta caraterizando o valor

de uma grandeza em cada ponto e em cada instante Na sua formulaccedilatildeo inicial devida a

Michael Faraday (1849) o campo era um auxiliar que permitia imaginar a forccedila eleacutetrica

que se exerceria sobre uma carga colocada nesse ponto Com a formulaccedilatildeo definitiva de

James Clerk Maxwell (1864) para as leis do electromagnetismo (conhecidas por equaccedilotildees

de Maxwell) o campo ganhou uma realidade fiacutesica O campo pode propagar-se como on-

das atraveacutes do espaccedilo destronando a ideia de forccedilas instantacircneas agrave distacircncia A teoria da

relatividade restrita (Einstein 1905) viria a incorporar este conceito num dos seus postu-

lados (nada ultrapassa a luz no vazio) obrigando a aceitar o campo como uma realidade

fundamental Todas as teorias a partir de entatildeo satildeo teorias de campo alargando o seu

acircmbito agraves forccedilas nucleares fortes (responsaacuteveis pela coesatildeo do nuacutecleo) e fracas (originan-

do a desintegraccedilatildeo do neutratildeo livre) e exigindo mesmo uma reformulaccedilatildeo da lei da atraccedilatildeo

universal (Newton) corporizada na teoria da relatividade geral (Einstein 1915)

A importacircncia do conceito de campo fez-se sentir em outros domiacutenios da Fiacutesica Assim

passaacutemos a falar em diversos tipos de campos

a) Escalares tais como os campos de densidade temperatura ou pressatildeo (FIGURA 1)

para discutir fenoacutemenos atmosfeacutericos ou o interior de planetas ie a etiqueta tem apenas

um nuacutemero identificando o valor da grandeza

FIGURA 1 Diferenccedila de pressotildees em relaccedilatildeo agrave pressatildeo atmosfeacuterica normal atraveacutes de cores identificando valores numeacutericos (abaixo representados)

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b) Vetoriais tais como os campos de velocidade (FIGURA 2) ou aceleraccedilatildeo num

soacutelido riacutegido o campo eletromagneacutetico ou graviacutetico ie a etiqueta tem trecircs nuacutemeros as

componentes do vetor associado agrave grandeza respetiva

FIGURA 2 Campo de velocidades de um fluido onde cada seta representa a velocidade do fluido no ponto onde se situa a origem da seta

c) Tensoriais tais como os campos de deformaccedilatildeo ou tensatildeo (FIGURA 3) em soacutelidos

deformaacuteveis ou o tensor de Maxwell no eletromagnetismo A etiqueta tem agora nove nuacute-

meros em geral (para tensores de 2ordf ordem) as componentes do tensor correspondente

agrave grandeza medida

FIGURA 3 Componentes do tensor das tensotildees onde por exemplo σyx eacute a componente da tensatildeo (vetor) segundo x para uma superfiacutecie normal ao eixo y Por convenccedilatildeo a tensatildeo eacute exercida pela parte exterior ao cubo

O campo escalar eacute talvez o mais simples e o seu estudo atraveacutes de um exemplo e pos-

teriormente generalizado permite obter vaacuterios resultados importantes que se revelam

tambeacutem importantes nos campos vetoriais e tensoriais

x

z

y

σxx

σyx

σxx

σyx

σzx

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018039

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Espectroscopia VibracionalPaulo Ribeiro ClaroCICECO Universidade de Aveiro

Designa-se por ldquoespectroscopia vibracionalrdquo a teacutecnica que mede a interaccedilatildeo da radiaccedilatildeo

eletromagneacutetica com os movimentos de vibraccedilatildeo de um sistema molecular

Qualquer sistema que contenha aacutetomos ligados entre si tem movimentos vibracionais

desde as moleacuteculas diatoacutemicas aos sistemas bioloacutegicos e aos materiais mais diversos

Deste modo as diversas teacutecnicas de espectroscopia vibracional satildeo muito utilizadas

tanto na caraterizaccedilatildeo de sistemas como em anaacutelise quiacutemica Estas aplicaccedilotildees

estendem-se atualmente ateacute agrave imagem meacutedica

Graus de liberdade de um sistema molecular

Considerando uma associaccedilatildeo de N aacutetomos (moleacutecula iatildeo ou radical) em fase gasosa ndash isto

eacute isolada e livre de restriccedilotildees externas ao seu movimento ndash cada um dos seus aacutetomos pode

deslocar-se segundo as trecircs direccedilotildees do espaccedilo descritas pelos eixos coordenados ou ve-

tores xyz Teremos assim 3N vetores que podem combinar-se em 3N movimentos distintos

FIGURA 1 Representaccedilatildeo esquemaacutetica dos 3N graus de liberdade de uma moleacutecula diatoacutemica A linha superior representa as trecircs translaccedilotildees a linha inferior representa as duas rotaccedilotildees e uma vibraccedilatildeo (O nuacutemero de vibraccedilotildees independentes eacute dado pela diferenccedila entre o nuacutemero de graus de liberdade e o nuacutemero de translaccedilotildees e rotaccedilotildees 3N-5) O movimento de vibraccedilatildeo pressupotildee que a ligaccedilatildeo entre os aacutetomos funciona como uma mola (que forccedilaraacute os aacutetomos a inverterem o sentido do movimento)

AR

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O

10

Quando todos os aacutetomos se movem coordenadamente na direccedilatildeo um dado vetor (por

exemplo direccedilatildeo z FIGURA 1 primeira imagem) isso representa a translaccedilatildeo da moleacutecula

nessa direccedilatildeo Para uma moleacutecula isolada haacute pois trecircs movimentos ndash ou graus de liberdade

ndash translacionais

De igual modo eacute possiacutevel encontrar combinaccedilotildees de movimentos individuais dos aacutetomos

que resultam numa rotaccedilatildeo da moleacutecula em torno do seu centro de massa Estes graus de

liberdade rotacionais satildeo tambeacutem trecircs para a maioria das moleacuteculas Em moleacuteculas linea-

res haacute apenas dois graus de liberdade rotacionais pois natildeo existe rotaccedilatildeo em torno do eixo

molecular (natildeo moveria nenhum aacutetomo)

As restantes combinaccedilotildees de movimentos atoacutemicos resultam em movimentos dos aacutetomos

entre si sem que haja translaccedilatildeo ou rotaccedilatildeo da moleacutecula ou seja correspondem a graus de

liberdade vibracionais Deste modo um sistema molecular com N aacutetomos tem 3N-6 vibra-

ccedilotildees (3N-5 se for linear)

A soluccedilatildeo da equaccedilatildeo de Schoumldinger para uma partiacutecula livre em movimento tem como

significado fiacutesico a natildeo-quantizaccedilatildeo da energia translacional Dito de outro modo os graus

de liberdade translacionais satildeo contiacutenuos Contudo o mesmo natildeo se passa com os movimen-

tos os rotacionais e vibracionais a que correspondem niacuteveis de energia discretos (ou quan-

tizados) Assim eacute possiacutevel observar transiccedilotildees entre os niacuteveis rotacionais (espectroscopia

rotacional) ou entre os niacuteveis vibracionais (espectroscopia vibracional) Como seraacute discutido

abaixo numa moleacutecula em fase gasosa eacute possiacutevel observar transiccedilotildees em que se alteram si-

multaneamente o estado vibracional e o estado rotacional (por vezes abreviadas para ldquotran-

siccedilotildees roto-vibracionaisrdquo)

O modelo mais simples para descrever as vibraccedilotildees moleculares eacute o modelo do oscilador

harmoacutenico diatoacutemico dois aacutetomos de massa m1 e m2 ligados por uma mola perfeitamente

elaacutestica (FIGURA 2A) Os dois aacutetomos oscilam em torno da distacircncia de equiliacutebrio num mo-

vimento que pode ser designado por ldquoelongaccedilatildeo linearrdquo (e frequentemente abreviado para

ldquoelongaccedilatildeordquo)

Por resoluccedilatildeo da equaccedilatildeo de Schroumldinger para este modelo obteacutem-se a expressatildeo da

energia dos niacuteveis vibracionais

)frac12v(v += νhE

onde v eacute o nuacutemero quacircntico vibracional (v = 0 1 2 3 hellip) e ν eacute a frequecircncia de vibraccedilatildeo

do oscilador harmoacutenico Segundo este modelo os niacuteveis de energia de um oscilador estatildeo

igualmente espaccedilados sendo a diferenccedila entre eles igual a hν (FIGURA 2B) A regra de sele-

ccedilatildeo para o oscilador harmoacutenico eacute Δv = 1 pelo que o espectro vibracional de uma moleacutecula

diatoacutemica nesta aproximaccedilatildeo consiste num uacutenico sinal de frequecircncia ν independentemente

do niacutevel de partida

(1)

AR

TIG

O

11

FIGURA 2 A - Oscilador harmoacutenico constituiacutedo por duas esferas de massa m1 e m2 ligadas por uma mola sem limite de elasticidade (obedece agrave lei de Hooke para qualquer deformaccedilatildeo) B - Esquema da distribuiccedilatildeo dos niacuteveis de energia vibracionais em funccedilatildeo do nuacutemero quacircntico v e valor da separaccedilatildeo energeacutetica entre niacuteveis consecutivos

A frequecircncia do oscilador depende naturalmente da forccedila da ldquomolardquo ou seja do grau de

rigidezelasticidade da ligaccedilatildeo quiacutemica que se traduz na constante de forccedila da ligaccedilatildeo k

Esta constante de forccedila eacute a que define a resistecircncia da mola agrave deformaccedilatildeo ou seja a forccedila

que eacute necessaacuterio efetuar para provocar uma deformaccedilatildeo de Δx de acordo com a lei de

Hooke F = k Δx A equaccedilatildeo da frequecircncia do oscilador harmoacutenico eacute entatildeo dada por

μπν

k21

=

onde μ eacute a massa reduzida do oscilador

Os osciladores reais satildeo anarmoacutenicos uma vez que as ligaccedilotildees quiacutemicas natildeo se compor-

tam como molas perfeitamente elaacutesticas A FIGURA 5 compara a funccedilatildeo de energia potencial

do oscilador harmoacutenico com uma curva pouco anarmoacutenica (FIGURA 3A) e muito anarmoacutenica

(FIGURA 3B) A situaccedilatildeo real corresponde agrave curva de alta anarmonicidade (FIGURA 3B) jaacute que

as ligaccedilotildees quiacutemicas quebram quando satildeo estiradas excessivamente

FIGURA 3 Comparaccedilatildeo entre o oscilador harmoacutenico (linha a vermelho) e anarmoacutenico (linha a preto) para duas situaccedilotildees A - baixa anarmonicidade e B - alta anarmonicidade Notar que a regiatildeo da transiccedilatildeo fundamental(0rarr1) eacute muito razoavelmente descrita pelo oscilador harmoacutenico em qualquer dos casos

(2)

A B

A B

AR

TIG

O

12

A energia dos niacuteveis de um oscilador anarmoacutenico eacute dada por

2v )frac12v()frac12v( +-+= exhhE νν

onde xe eacute a constante de anarmonicidade especiacutefica de cada oscilador

Um efeito imediato da anarmonicidade eacute a diminuiccedilatildeo progressiva do espaccedilamento ener-

geacutetico entre os niacuteveis (tal como se observa na FIGURA 3)

ΔEv0rarr1 = hν(1 ndash 2 x) ΔEv1rarr2

= hν(1 ndash 4 x) ΔEv2rarr3 = hν(1 ndash 6 x)

Proacuteximo da energia de dissociaccedilatildeo o espaccedilamento tende para zero o que permite estimar

a energia de uma ligaccedilatildeo a partir da sua frequecircncia de vibraccedilatildeo e da correspondente anar-

monicidade

exhD 4e ν=

A regra de seleccedilatildeo para o oscilador anarmoacutenico eacute Δv = 1 2 3 hellip sendo possiacutevel observar

diversas transiccedilotildees Enquanto a transiccedilatildeo do niacutevel v=0 para v=1 eacute designada por transiccedilatildeo

fundamental as transiccedilotildees de v=0 para vgt1 satildeo designadas sobretons

Quando a populaccedilatildeo dos niacuteveis excitados eacute significativa eacute possiacutevel observar as transiccedilotildees

v=1 para v=2 v=2 para v=3 etc Estas transiccedilotildees aumentam de intensidade por aumento

da temperatura (ver distribuiccedilatildeo de populaccedilatildeo de Boltzmann) pelo que as correspondentes

bandas do espectro vibracional satildeo designadas por ldquobandas quentesrdquo

Esta anaacutelise do espectro vibracional de sistemas diatoacutemicos pode estender-se a sistemas

poliatoacutemicos Em sistemas poliatoacutemicos observam-se vaacuterios movimentos de ldquoelongaccedilatildeo li-

nearrdquo (tantos quantos as ligaccedilotildees entre 2 aacutetomos) de ldquodeformaccedilatildeo angularrdquo (envolvendo 3

aacutetomos ligados) de ldquotorccedilatildeordquo e de ldquodeformaccedilatildeo para fora do planordquo (envolvendo 4 aacutetomos

ligados) Estes movimentos combinam-se nas 3N-6 vibraccedilotildees globais da moleacutecula desig-

nados por modos normais de vibraccedilatildeo Em alguns casos os modos normais de vibraccedilatildeo es-

tatildeo altamente localizados num grupo definido de aacutetomos ndash por exemplo o grupo carbonilo

(C=O) ndash e originam bandas no espectro vibracional que satildeo carateriacutesticas desse grupo de

aacutetomos e mais ou menos independentes do resto da moleacutecula Estas vibraccedilotildees satildeo desig-

nadas por frequecircncias de grupo muito utilizadas em caraterizaccedilatildeo quiacutemica Estes toacutepicos

seratildeo desenvolvidos num texto proacuteprio

Transiccedilotildees roto-vibracionais numa abordagem breve

Tal como referido acima eacute possiacutevel observar transiccedilotildees vibracionais (Δv = 1 2 3 hellip) acom-

panhadas de transiccedilotildees rotacionais (ΔJ= 1) Considerando estes graus de liberdade como

independentes entre si a energia dos niacuteveis num oscilador diatoacutemico eacute dada simplesmente

pela soma da equaccedilatildeo (3) com a equaccedilatildeo do rotor diatoacutemico

(3)

(4)

(5)

AR

TIG

O

13

222J v )1()frac12v()1()frac12v( +++-+++= JDxhJBhE eνν J J ][

Ignorando os termos anarmoacutenico e de distorccedilatildeo centriacutefuga ndash indicados entre parecircntese

rectos ndash a energia da transiccedilatildeo vibracional fundamental num oscilador diatoacutemico eacute dada por

ΔEv=0rarrv=1 = hν + B[J(J+1)minusJrsquo(Jrsquo+1)]

onde J eacute o nuacutemero quacircntico rotacional do estado inicial v=1 e Jrsquo eacute o nuacutemero quacircntico

rotacional do estado final v = 1

A FIGURA 4 ilustra as transiccedilotildees que correspondem a Jrsquo=J-1 Jrsquo=J e Jrsquo=J+1 e a FIGURA 5

apresenta o espectro observado para o oscilador diatoacutemico real HCl No espectro real o efeito

da anarmonicidade do oscilador no valor de B eacute evidente

FIGURA 4 Esquema simplificado das transiccedilotildees roto-vibracionais numa moleacutecula diatoacutemica Os niacuteveis natildeo estatildeo agrave escala As transiccedilotildees com Jrsquo=J-1 (a verde) originam as bandas do Ramo P e as transiccedilotildees com Jrsquo=J+1 (a azul) originam o Ramo R As transiccedilotildees com Jrsquo=J (a amarelo) originam o Ramo Q mas natildeo satildeo permitidas em moleacuteculas diatoacutemicas

FIGURA 5 Espectro roto-vibracional da moleacutecula diatoacutemica HCl com a indicaccedilatildeo da posiccedilatildeo do Ramo Q (transiccedilotildees natildeo permitidas por regra de seleccedilatildeo) Notar que todos os sinais aparecem desdobrados em dois uma amostra real de HCl conteacutem as formas isotoacutepicas H35Cl e H37Cl a que correspondem diferentes valores de B Notar tambeacutem que o espaccedilamento entre bandas no ramo P eacute maior que no ramo R no estado fundamental v=0 a distacircncia interatoacutemica meacutedia eacute menor do que para v=1 pelo que B gt Brsquo Notar que a transiccedilatildeo Jrsquo=J eacute proibida pelo que natildeo aparece a banda Q

(6)

AR

TIG

O

14

O crescimento exponencial de populaccedilotildees Euler ou Malthus Suzana NaacutepolesUniversidade de Lisboa

Em 1798 no livro An Essay on the Principle of Population que teve seis ediccedilotildees Thomas

Malthus (1766-1864) um cleacuterigo e erudito inglecircs influente nos campos da economia po-

liacutetica e da demografia escreveu

ldquoA populaccedilatildeo quando natildeo controlada aumenta em progressatildeo geomeacutetrica A subsistecircncia

aumenta apenas em progressatildeo aritmeacutetica Um pequeno conhecimento dos nuacutemeros mostra-

raacute a imensidatildeo do primeiro poder em comparaccedilatildeo com o segundoldquo

Malthus natildeo tentou traduzir matematicamente o seu modelo de crescimento Limitou-se a

caraterizaacute-lo pressupondo que a taxa segundo a qual a populaccedilatildeo cresce num determinado

instante eacute proporcional agrave populaccedilatildeo total nesse mesmo instante

Numa revisatildeo da primeira ediccedilatildeo discutiu em detalhe os obstaacuteculos para o crescimento

da populaccedilatildeo em vaacuterios paiacuteses nomeadamente atraso no casamento aborto infanticiacutedio

fome guerra epidemias e fatores econoacutemicos Para ele o casamento retardado era a melhor

opccedilatildeo para estabilizar a populaccedilatildeo

Para caraterizar matematicamente este modelo considerando o crescimento em anos

consecutivos e supondo uma taxa de crescimento r em cada ano se num ano n a popula-

ccedilatildeo eacute Pn no ano seguinte a populaccedilatildeo seraacute Pn +1= (1 + r ) Pn pelo que Pn+1= (1 + r ) n P0 e o

crescimento eacute descrito por uma progressatildeo geomeacutetrica de razatildeo 1 + r

AR

TIG

O

15FIGURA 1 Thomas Malthus

Supondo uma variaccedilatildeo contiacutenua do tempo e designando por P(t) a populaccedilatildeo no instante

t e por r a taxa de crescimento por unidade de tempo a equaccedilatildeo diferencial que traduz o

modelo contiacutenuo preconizado por Malthus eacute Prsquo(t) = r P(t) Entatildeo P(t) = ke r t com k constante

Como P(0) = k e P0 o nuacutemero de indiviacuteduos no ano zero a evoluccedilatildeo da populaccedilatildeo eacute dada

por P(t) = P0 e rt

Acontece que 50 anos antes em Introductio in analysin infinitorum no VI capiacutetulo

ldquoDe quantidades exponenciais e logaritmosrdquo para ilustrar a grande utilidade das ta-

belas de logaritmos para abreviar caacutelculos numeacutericos o matemaacutetico suiacuteccedilo Leonhard

Euler (1707-1783) daacute vaacuterios exemplos que envolvem o crescimento populacional de

que transcrevemos os exemplos II e III

FIGURA 2 Leonhard Euler e o seu Introductio in analysin infinitorum

AR

TIG

O

16

Exemplo II

ldquoSe a populaccedilatildeo em certa regiatildeo aumenta anualmente um trigeacutesimo e por outro lado laacute

habitavam no princiacutepio 100000 pessoas pergunta-se qual o nuacutemero de habitantes apoacutes

100 anos

Seja o nuacutemero inicial = n pelo que n = 100000 passado um ano o nuacutemero de habitantes

seraacute = (1+301 )n=30

13 n depois de dois anos = S X3013 2

n ao cabo de trecircs = S X3013 3

n e daqui

depois de 100 anos seraacute = S X3013 100

n = S X3013 100

100000 cujo logaritmo eacute = 100 l 1013 +

l 100000 E l 1013 = l 31 - l 10 = 0014240439 de onde 100 l 10

13 = 14240439 que somando-

-lhe l 100000 = 5 seraacute o logaritmo do nuacutemero de habitantes procurado = 64240439 a que

corresponde o nuacutemero 2654874

Assim ao cabo de 100 anos seraacute mais de vinte e seis vezes maiorrdquo

Este exemplo publicado em 1748 eacute meio seacuteculo antes a concretizaccedilatildeo do ldquoModelo Mal-

thusianordquo para uma populaccedilatildeo de 100000 habitantes e uma taxa de crescimento anual de

130

No exemplo seguinte Euler faz alusatildeo ao capiacutetulo 7 do Livro do Genesis que relata como

um diluacutevio reduziu a populaccedilatildeo da terra a seis seres humanos

Exemplo III

ldquoComo a humanidade se espalhou apoacutes o diluacutevio por obra de seis seres humanos se o nuacute-

mero destes alcanccedilar duzentos anos depois o nuacutemero 1000000 pergunta-se em que parte

deveria crescer anualmente o nuacutemero de humanos

Se aumentar em cada ano x1 duzentos anos depois o nuacutemero de humanos seria =

xx1 200+S X 6 = 1000000 e por tanto x

16

1000000 2001

+ = S Xx

Portanto l x1

2001+ =x l

61000000 =200

1 52218487 = 00261092

e assim =x1+x

10000001061963 e 1000000 = 61963x donde x =16 aproxidamente

Bastaraacute pois que os humanos aumentem por ano a sua deacutecima sexta parte [] Contudo se

o nuacutemero de homens tivesse crescido na mesma proporccedilatildeo durante um intervalo de 400

anos deveria chegar a 1000000 10000006

= 166666666666 cujo sustento a terra inteira

natildeo seria de forma alguma capaz de darrdquo

Euler ao abordar o crescimento das populaccedilotildees tinha uma preocupaccedilatildeo matemaacutetica ndash a

de mostrar a utilidade dos logaritmos ndash que ilustrou com exemplos

Mas a observaccedilatildeo anterior leva a crer que ele considerou o modelo exponencial desade-

quado para o estudo do crescimento populacional

AR

TIG

O

17

A populaccedilatildeo de Portugal espelha bem a falecircncia deste modelo Segundo dados do Ins-tituto Nacional de Estatiacutestica nos duzentos anos que decorreram entre 1770 e 1970 a

populaccedilatildeo nem chegou a triplicar

TABELA 1 Populaccedilatildeo de Portugal entre 1422 a 1890

Popuccedilatildeo de Portugal (INE Lisboa)

Ano Total Variaccedilatildeo Ano Total Variaccedilatildeo

1422 1 043 274 - 1900 5 423 132 +74

1527 1 262 376 +210 1911 5 960 056 +99

1636 1 100 000 -129 1920 6 032 991 +12

1736 2 143 368 +949 1930 6 825 883 +131

1770 2 850 444 +330 1940 7 722 152 +131

1776 3 352 310 +176 1950 8 441 312 +93

1801 2 931 930 -125 1960 8 851 289 +49

1811 2 876 602 -19 1970 8 568 703 -32

1838 3 200 000 +112 1981 9 852 841 +150

1849 3 411 454 +66 1991 9 862 540 +01

1864 4 188 410 +228 2001 10 356 117 +50

1878 4 550 699 +86 2007 10 617 575 +25

1890 5 049 729 +110

Quanto a Malthus as suas preocupaccedilotildees eram de natureza poliacutetica e legislativa To-

mou como certo um crescimento exponencial da populaccedilatildeo mundial que conduziria a

uma cataacutestrofe por ausecircncia de recursos e para o travar sugeriu o recurso a poliacuteticas

adequadas Ao publicitar o modelo exponencial - que ficou conhecido como Modelo

Malthusiano - ligando-o a problemas legislativos reais abriu caminho para que dife-

rentes matemaacuteticos se dedicassem agrave modelaccedilatildeo do crescimento populacional

Em 1844 o matemaacutetico belga Pierre Verhulst (1804-1849) propocircs no artigo Recherches

matheacutematiques sur la loi drsquoaccroissement de la population um modelo em que considera que

agrave medida que a populaccedilatildeo se aproxima de um valor maacuteximo a taxa de crescimento diminui

ldquoO aumento virtual da populaccedilatildeo eacute portanto limitado pelo tamanho e pela fertilidade do paiacutes

Como resultado a populaccedilatildeo fica cada vez mais proacutexima de um estado estaacutevelrdquo

Designado por P(t) a populaccedilatildeo no instante t por r a taxa de crescimento por unidade

de tempo e por M o nuacutemero maacuteximo de indiviacuteduos que a regiatildeo pode suportar este modelo

exprime-se pela equaccedilatildeo diferencial

( )dt

dP rP MP t

1= -T Y

AR

TIG

O

18

cuja soluccedilatildeo eacute

( )( ) ( )( )

P t

MP eP e

10 10

rt

rt

=+

-

Se P(t) for muito pequeno face a M tem-se que ( )dt

dP rP MP t

1= -T Y cong r P(t) que tem a soluccedilatildeo P(t) cong P(0) e rt

e o crescimento eacute exponencial

FIGURA 4 Pierre Franccedilois Verhulst e o graacutefico da curva logiacutestica

Agrave medida que t cresce a populaccedilatildeo aproxima-se assintoticamente de M A equaccedilatildeo diferen-

cial que carateriza este modelo eacute atualmente designada por equaccedilatildeo logiacutestica e a populaccedilatildeo

maacutexima M por capacidade de carga Com Verhulst relativizou-se ldquoa hipoacutetese da progressatildeo

geomeacutetrica uma vez que ela soacute se pode verificar em circunstacircncias muito especiais por exem-

plo quando um territoacuterio feacutertil de tamanho quase ilimitado passa a ser habitado por pessoas

com uma civilizaccedilatildeo avanccedilada como foi o caso das primeiras coloacutenias americanasrdquo

Essa equaccedilatildeo foi retomada por vaacuterios matemaacuteticos e adaptada a contextos variados

Satildeo de realccedilar os casos em que a capacidade de carga varia como o tempo conduzindo

ao modelo caraterizado pela equaccedilatildeo diferencial

dtdP rP M

P1= -T Y( )t

onde a capacidade de carga M(t) = M(t +T) varia periodicamente com periacuteodo T

AR

TIG

O

19

FIGURA 5 A demografia eacute instrumental para o controlo das populaccedilotildees humanas

Desde o seacuteculo XVIII que o estudo da dinacircmica das populaccedilotildees eacute objeto de modelaccedilatildeo

matemaacutetica Na atualidade existem outros modelos de crescimento hiperboacutelicos expo-

nenciais logiacutesticos ou baseados noutras funccedilotildees Baseada nos modelos populacionais

do matemaacutetico Song Jian a Repuacuteblica Popular da China em 1980 entatildeo a atingir o biliatildeo

de habitantes instaurou uma poliacutetica estrita de filho uacutenico Essa lei foi flexibilizada em

2015 aumentando para dois o nuacutemero maacuteximo de filhos para fazer frente ao envelheci-

mento da populaccedilatildeo e agrave reduccedilatildeo do grupo de trabalhadores na faixa etaacuteria considerada

economicamente ativa

Muitos dos pareceres cientiacuteficos nas mais diversas aacutereas baseiam-se em modelos ma-

temaacuteticos que podem permitir fazer estimativas e previsotildees mas hellip ao olhar para o cres-

cimento populacional ao longo dos tempos verificamos que os modelos matemaacuteticos satildeo

instrumentais na anaacutelise da dinacircmica das populaccedilotildees

AR

TIG

O

20

Artroacutepodes Miguel Santos

Rubim Almeida

Sara C Antunes

DB CIBIO InBIO CIIMAR Universidade do Porto

Artroacutepodes (Arthropoda do grego arthro = articulado + podos = peacutes) satildeo o grupo taxonoacutemi-

co mais diversificado com distribuiccedilatildeo por quase todo o globo e ocupando todos os habitats

Satildeo organismos invertebrados com exosqueleto riacutegido apresentando apecircndices articula-

dos (patas antenas) e de nuacutemero diferenciado de acordo com o subfilo a que pertencem

Os artroacutepodes constituem um dos mais diversos grupos de organismos do planeta com-

preendendo espeacutecies que variam de 0085 mm (Tantalacus dieteri um crustaacuteceo parasita)

ateacute 38 m (envergadura do Caranguejo-aranha-gigante) Os organismos pertencentes a

este grupo encontram-se praticamente em todos os tipos de habitat A razatildeo do sucesso

evolutivo deste grupo taxonoacutemico deve-se a um conjunto de carateriacutesticas uacutenicas i) pos-

suiacuterem um exosqueleto proteico-quitinoso flexiacutevel leve e resistente que protege contra a

desidrataccedilatildeo ii) segmentaccedilatildeo do corpo e a presenccedila de apecircndices articulados especia-

lizados iii) oacutergatildeos sensoriais bem desenvolvidos (antenas sedas sensoriais olhos com-

postos olhos pedunculados ocelos quimiorrecetores nas antenas) iv) metamorfose com

diferentes estaacutedios de desenvolvimento incluindo estaacutedios larvares que podem ter um

modo de vida completamente diferente do adulto permitindo um aproveitamento de outros

recursos (alimento e espaccedilo) reduzindo a competiccedilatildeo entre indiviacuteduos da mesma espeacutecie

v) padrotildees comportamentais complexos revelando por vezes organizaccedilatildeo comunitaacuteria e

vi) sistema respiratoacuterio diverso nomeadamente o sistema traqueal onde o ar entra em

contacto direto com os tecidos devido a um eficiente sistema de tubos (traqueias) com

orifiacutecios na superfiacutecie do tegumento (espiraacuteculos) No entanto a origem e a taxonomia

deste grupo ainda constituem um tema de investigaccedilatildeo e debate Mesmo apesar dos avan-

ccedilos em aacutereas como a biologia molecular que fornece importantes conhecimentos sobre

as complexas relaccedilotildees evolutivas destes organismos muito ainda haacute por descobrir Os

artroacutepodes satildeo um grupo extremamente importante nos ecossistemas terrestres devido

natildeo soacute agrave sua enorme abundacircncia e diversidade mas tambeacutem ao grande nuacutemero de funccedilotildees

que desempenham nestes ecossistemas (ex degradaccedilatildeo da mateacuteria orgacircnica arejamento

AR

TIG

O

21

do solo ciclagem de nutrientes) O filo Arthropoda estaacute atualmente subdividido em cinco

subfilos Trilobitomorpha Crustacea Myriapoda Chelicerata e Hexapoda

O subfilo Trilobitomorpha (trilobites e os seus parentes) compreende cerca de 20 000

espeacutecies que viviam exclusivamente em ambientes marinhos e que atualmente se encon-

tram todas extintas Contudo a sua vasta distribuiccedilatildeo geograacutefica e o exosqueleto de carbo-

nato de caacutelcio permitiram que este grupo apresente um extenso registo foacutessil observaacutevel

por todo o planeta

Crustacea inclui caranguejos camarotildees e lagostas contendo mais de 60 000 espeacute-

cies e com um extenso registo foacutessil em todo o mundo eacute um dos principais grupos de

artroacutepodes A maioria dos crustaacuteceos vive em ambientes marinhos mas existem vaacuterias

espeacutecies que podem ser encontradas em ecossistemas de aacutegua doce (ordem Cladocera e

sub-classe Copepoda) e em ambientes terrestres (ordem Isopoda FIGURA 1) Apesar da

grande maioria dos crustaacuteceos serem de vida livre existem vaacuterios grupos parasitas (ex

Rhizocephala ndash crustaacuteceos cirriacutepedes parasitas de caranguejos e camarotildees Argulidae ndash

crustaacuteceos parasitas de peixes e Pentastomida ndash vermes liacutengua que parasitam o sistema

respiratoacuterio de vertebrados) Numa perspetiva diferente e de interesse econoacutemico este

grupo apresenta ainda um valor acrescido jaacute que alguns crustaacuteceos decaacutepodes como la-

gostas e camarotildees satildeo intensivamente consumidos em todo o mundo Para aleacutem da sua

importacircncia econoacutemica este grupo de organismos eacute bastante utilizado em investigaccedilatildeo

cientiacutefica nomeadamente em ecotoxicologia na avaliaccedilatildeo do efeito de contaminantes no

solo

FIGURA 1 Exemplares de organismos da ordem Isopoda (bicho-da-conta) 1 ndash famiacutelia Armadillidae 2 ndash famiacutelia Porce-llionidae em A - vista dorsal e em B - vista ventral

O subfilo Myriapoda inclui as centopeias e os miliacutepedes conteacutem mais de 11 000

espeacutecies descritas Este subfilo eacute tradicionalmente dividido em quatro classes Chi-

lopoda (centopeias) (FIGURA 2) Diplopoda (miliacutepedes) Pauropoda (ldquopoucos peacutesrdquo) e

Symphyla (pseudocentopeias) Todos os miriaacutepodes conhecidos satildeo terrestres e o seu

tamanho varia desde alguns miliacutemetros a cerca de 38 centiacutemetros (Millipede Gigante

Africano)

1

2

A B

15cm

AR

TIG

O

22

FIGURA 2 Vista dorsal A - e ventral B - de um organismo pertencente agrave classe Chilopoda onde se pode observar o corpo segmentado e apenas com um par de patas por segmento

O subfilo Chelicerata (aranhas aranhas do mar escorpiotildees e aacutecaros) conteacutem mais

de 113 000 espeacutecies distribuiacutedas em duas classes principais Pycnogonida (aranhas do

mar) e Arachnida (aranhas escorpiotildees e aacutecaros) Pycnogonida o grupo das aranhas

do mar conteacutem mais de 1 300 espeacutecies descritas mas estudos detalhados sobre esses

animais e as suas relaccedilotildees evolutivas ainda satildeo escassos Estes organismos geralmente

tecircm seis ou oito olhos e quatro a seis pares de patas A classe Arachnida compreende os

organismos mais conhecidos do subfilo Chelicerata como aranhas escorpiotildees e aacutecaros

Os indiviacuteduos pertencentes a este grupo natildeo possuem antenas tecircm quatro pares de

patas um par de queliacuteceras (1ordm par de apecircndices do prossomacabeccedila) e pedipalpos

(2ordm par de apecircndices do prossomacabeccedila) As aranhas (ordem Araneae) (FIGURA 3) satildeo

provavelmente o grupo mais icoacutenico e bem estudado deste subfilo presentes na maioria

dos ambientes terrestres e constituindo um dos grupos mais importantes de artroacutepodes

do solo Outros organismos colocados na mesma classe como escorpiotildees aacutecaros ou

opiliotildees tambeacutem constituem grupos extremamente variados com importantes funccedilotildees

ecoloacutegicas (ex decomposiccedilatildeo de mateacuteria orgacircnica e controlo de organismos principal-

mente atraveacutes de predaccedilatildeo)

FIGURA 3 Vista dorsal A - e ventral B - de um exemplar da ordem Araneae (famiacutelia Gnaphosidae) sendo possiacutevel obser-var o corpo dividido em cefalotoacuterax e abdoacutemen os quatro pares de patas as queliacuteceras (q) e os pedipalpos (p)

O subfilo Hexapoda (Hexa (seis) e Poda (peacute)) engloba os insetos e os seus parentes

compreende o grupo mais diverso e abundante de organismos com mais de 1 milhatildeo de

espeacutecies conhecidas Este subfilo eacute frequentemente dividido em organismos da clas-

A B

A B

14cm

p

q

35cm

AR

TIG

O

23

se Insecta (FIGURA 4) e da classe Entognatha Esta uacuteltima inclui os colecircmbolos (ordem

Collembola) (FIGURA 5) cabeccedilas de cone e bichos de prata (ordem Protura) e cerdas de

duas pontas (ordem Diplura) Na classe Entognatha as partes bucais dos organismos

estatildeo retraiacutedas dentro das suas cabeccedilas contrariamente ao que se observa na classe In-

secta que satildeo ectognantes Os colecircmbolos constituem um dos grupos mais abundantes

de artroacutepodes do solo podendo ser encontrados mais de 100 000 indiviacuteduos num metro

quadrado Estes satildeo organismos cosmopolitas com mais de 8 000 espeacutecies descritas Os

colecircmbolos satildeo pequenos organismos com tamanho geralmente inferior a 6-8 mm de

forma ciliacutendrica ou globular apresentando olhos simples e antenas moniliformes Muitas

espeacutecies possuem um apecircndice bifurcado (fuacutercula) no final do abdoacutemen permitindo que

estes organismos saltem quando ameaccedilados (FIGURA 5) Os colecircmbolos tecircm sido ampla-

mente utilizados em estudos ecotoxicoloacutegicos na avaliaccedilatildeo da qualidade do solo e da sauacute-

de destes ecossistemas

FIGURA 4 A - Vista dorsal e B - vista ventral de exemplares de algumas ordens da classe Insecta

FIGURA 5 Vista lateral de exemplares da ordem Collembola

A classe Insecta eacute a classe com maior nuacutemero de organismos compreendendo mais

de metade das espeacutecies eucarioacuteticas descritas atualmente englobando mais de 1 milhatildeo

de espeacutecies que habitam praticamente todos os ecossistemas Os insetos sendo o grupo

Ordem

Coleoptera

Ordem

Diptera

Ordem

Hemiptera

Ordem

Orthoptera

Ordem

HimenopteraA A A A

B B B B

075cm

027cm14cm016cm

09cm

22cm

AR

TIG

O

24

mais diversificado de seres vivos apresentam as mais variadas e interessantes adap-

taccedilotildees anatoacutemicas e morfoloacutegicas Pensa-se que a sua enorme riqueza e abundacircncia eacute

devida a uma combinaccedilatildeo de carateriacutesticas vantajosas como a coevoluccedilatildeo com plan-

tas a miniaturizaccedilatildeo e a capacidade de voo Os insetos desempenham ainda um papel

importantiacutessimo no funcionamento dos ecossistemas realizando funccedilotildees quer de pre-

dadores quer de presa estando envolvidos em inuacutemeras teias alimentares (ex reciclan-

do nutrientes fazendo a manutenccedilatildeo da estrutura e fertilizaccedilatildeo dos solos) Destaca-se

tambeacutem o facto de vaacuterios insetos voadores como abelhas ou borboletas atuarem como

polinizadores de muitas espeacutecies de plantas Esta eacute uma funccedilatildeo ecoloacutegica importante

com vaacuterias repercussotildees econoacutemicas porque mais de 30 das culturas alimentares

mundiais dependem da polinizaccedilatildeo Os insetos possuem ainda um papel importante em

investigaccedilatildeo cientiacutefica sendo muitas vezes utilizados como organismo modelo dado pos-

suiacuterem carateriacutesticas distintas como o seu tamanho reduzido tempos de geraccedilatildeo curtos

e elevada fecundidade O exemplo de excelecircncia eacute a mosca da fruta Drosophila melano-

gaster cujo genoma eacute jaacute conhecido na totalidade sendo esta espeacutecie utilizada frequente-

mente para estudar vaacuterios processos celulares (ex o envelhecimento a hereditariedade

e o desenvolvimento embrionaacuterio) Apesar de constituiacuterem um grupo tatildeo interessante

beneacutefico e necessaacuterio agrave manutenccedilatildeo do equiliacutebrio dos ecossistemas existem algumas

desvantagens associadas aos insetos como eacute o caso de serem vetores na transmissatildeo

de doenccedilas Eacute o caso da malaacuteria transmitida por um mosquito do geacutenero Anopheles a

doenccedila parasitaacuteria mais disseminada com vaacuterios milhotildees de humanos infetados em todo

o mundo O dengue e o zika satildeo doenccedilas em que o vetor de transmissatildeo eacute tambeacutem um

mosquito do geacutenero Aedes Na agricultura as pragas de insetos (ex gorgulhos gafa-

nhotos afiacutedios) satildeo responsaacuteveis por prejudicar as culturas agriacutecolas e a produccedilatildeo de

alimentos causando perdas econoacutemicas elevadas

Sabe-se que atualmente a perda de habitat e as mudanccedilas climaacuteticas satildeo alguns dos

fatores responsaacuteveis por decliacutenios significativos nas populaccedilotildees deste grupo de orga-

nismos Esse decliacutenio apresenta uma elevada preocupaccedilatildeo ecoloacutegica uma vez que estes

organismos desempenham muacuteltiplas e importantes funccedilotildees nos ecossistemas No en-

tanto a conservaccedilatildeo deste grupo animal permanece um grande e urgente desafio que eacute

preciso enfrentar

AR

TIG

O

25

Biocombustiacuteveis seratildeo a soluccedilatildeo Matilde Viegas

Maria Joatildeo Ramos

Pedro Alexandrino Fernandes

UCIBIO REQUIMTEUniversidade do Porto

ldquoA 21 de Fevereiro de 2018 o niacutevel de poluiccedilatildeo de partiacuteculas finas com diacircmetro inferior

a 10 μm PM10 atingiu em Paris niacuteveis alarmantes com um pico correspondente

ao dobro do limite maacuteximo A Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) recomenda natildeo

exceder este limite maacuteximo por mais de trecircs dias por ano Com este recente pico os

parisienses jaacute o ultrapassaramrdquo

Em Un pic de pollution laquograveraquo en Ile-de-France Le Monde 22 de Fevereiro de 2018

Esta notiacutecia eacute um dos inuacutemeros exemplos dos efeitos do aquecimento global termo com o

qual estamos cada vez mais familiarizados infelizmente Este fenoacutemeno eacute consequecircncia

de Gases de Efeito de Estufa GEE (dioacutexido de carbono metano e oacutexido de azoto entre

outros) que se acumulam na atmosfera enclausurando o calor e tornando o planeta mais

quente A produccedilatildeo em larga escala de GEEs teve iniacutecio na Revoluccedilatildeo Industrial (1800)

como resultado da combustatildeo de combustiacuteveis foacutesseis (carvatildeo petroacuteleo e gaacutes natural)

para produccedilatildeo de eletricidade aquecimento e transporte

A preocupaccedilatildeo em torno do aquecimento global tornou-se um assunto constante na

agenda poliacutetica sobretudo nas uacuteltimas duas deacutecadas Os primeiros esforccedilos coletivos re-

sultaram no Protocolo de Quioto em 1997 cujo objetivo era a reduccedilatildeo das emissotildees de

GEEs assentando nos argumentos de que i) o aquecimento global era uma realidade e ii) o

CO2 produzido por accedilotildees humanas era o seu grande causador O primeiro periacuteodo do Proto-

colo terminou em 2012 e por isso em 2015 as Naccedilotildees Unidas promoveram a assinatura

do novo Acordo de Paris o qual consiste numa atualizaccedilatildeo do antigo Protocolo de Quioto

com o objetivo de ldquofortalecer a resposta global agrave ameaccedila das alteraccedilotildees climaacuteticas no

contexto de desenvolvimento sustentaacutevel e com esforccedilo para a erradicaccedilatildeo da pobrezardquo

O novo Acordo ao contraacuterio do de Quioto estabelece metas tangiacuteveis e quantitativas O

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objetivo eacute manter o aumento da temperatura meacutedia global abaixo dos 2ordm Celsius face agrave

temperatura global na era preacute-industrial Para atingir tal meta eacute necessaacuterio um esforccedilo

mundial contudo em 2017 com a saiacuteda dos EUA do Acordo de Paris o segundo maior

emissor de GEEs logo a seguir agrave China perdeu-se uma enorme contribuiccedilatildeo Aleacutem do peso

evidente que as suas emissotildees tecircm para o estado atual do aquecimento global em falta

estaratildeo tambeacutem a diplomacia e o encorajamento proporcionados por esta forccedila mundial

No Acordo de Paris uma das claacuteusulas exige a inclusatildeo de energias renovaacuteveis (eoacutelica

mariacutetima solar) e de biocombustiacuteveis no mercado de energia encorajando os paiacuteses a

atingir niacuteveis miacutenimos da sua utilizaccedilatildeo As metas estabelecidas para cada paiacutes vatildeo ao en-

contro ao seu mercado e agraves mateacuterias-primas disponiacuteveis em cada territoacuterio favorecendo o

desenvolvimento da economia

De uma forma generalista os biocombustiacuteveis englobam combustiacuteveis produzidos atra-

veacutes de processos bioloacutegicos como a agricultura e digestatildeo anaeroacutebica em vez de produ-

zidos a partir de processos geoloacutegicos como os necessaacuterios para a formaccedilatildeo de combus-

tiacuteveis foacutesseis Isto inclui o biodiesel (produzido a partir de oacuteleos e gorduras orgacircnicas) e o

bioetanol (aacutelcool produzido atraveacutes de fermentaccedilatildeo microbiana de accediluacutecares seguido de

destilaccedilatildeo e desidrataccedilatildeo) os quais seratildeo o maior foco deste artigo

A partir da deacutecada de 70 foram feitos os primeiros investimentos nos chamados bio-

combustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo (1G) Estes fazem uso de colheitas de produtos agriacuteco-

las como a soja cana-de-accediluacutecar milho oacuteleo de palma entre outros para a produccedilatildeo de

biodiesel e bioetanol atraveacutes de processos de trans-esterificaccedilatildeo ou fermentaccedilatildeo A sua

disponibilidade e facilidade de processamento permitiram a sua inserccedilatildeo e mistura nos

combustiacuteveis atualmente vendidos ao puacuteblico Para 2017 Portugal fixou em 75 (de poder

energeacutetico) a incorporaccedilatildeo de biocombustiacuteveis nos combustiacuteveis dos transportes rodoviaacute-

rios tendo a Uniatildeo Europeia o objectivo de 10 em 2020 para todos os paiacuteses membros

Os biocombustiacuteveis 1G fazem uso da colheita agriacutecola para fins energeacuteticos o que gera

opiniotildees desfavoraacuteveis por parte de ambientalistas (pelo uso exaustivo da terra agriacutecola sem

compensaccedilatildeo desflorestaccedilatildeo e perda de biodiversidade) e problemas eacuteticos tais como os le-

vantados por responsaacuteveis da ONU como o Dr Jean Ziegler que atribui aos biocombustiacuteveis

a culpa pela contiacutenua inflaccedilatildeo dos preccedilos de alimentos exacerbando a atual crise de fome

mundial - ldquoSatildeo necessaacuterios 352Kg de milho para encher um depoacutesito de 50L de um carro Uma

crianccedila na Zacircmbia ou no Meacutexico onde o milho eacute um elemento baacutesico da dieta poderia viver

com esta quantidade de milho um ano inteirordquo Atualmente os maiores produtores destes bio-

combustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo satildeo os EUA e o Brasil utilizando parte da produccedilatildeo global

de cereais e oacuteleos vegetais para a produccedilatildeo de bioetanol e biodiesel causando um ambiente

de profunda preocupaccedilatildeo em volta da sustentabilidade de produccedilatildeo de energia a meacutediolongo

prazo De forma a controlar a inflaccedilatildeo no preccedilo dos alimentos a EU estabeleceu um limite de

7 para o uso de biocombustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo como combustiacutevel de transportaccedilatildeo

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A segunda geraccedilatildeo de biocombustiacuteveis (2G) usa biomassa isto eacute qualquer fonte de car-

bono orgacircnico que eacute rapidamente renovado no ciclo de carbono Os biocombustiacuteveis de

segunda geraccedilatildeo almejam um uso ponderado de desperdiacutecios da induacutestria madeireira e

agriacutecola ou de restos de colheitas agriacutecolas assim que estas preencham o seu propoacutesito

alimentar evitando interferecircncia com o mercado alimentar e natildeo influenciando os preccedilos

dos alimentos baacutesicos

FIGURA 1 Biocombustiacuteveis

A produccedilatildeo de arroz atingiu o seu pico em 2017 gerando 1140 milhotildees de toneladas de

espigas de arroz cujo destino eacute a incineraccedilatildeo compostagem ou eacute simplesmente deposita-

da em aterros Contudo com a 2G de biocombustiacuteveis eacute encontrado potencial energeacutetico

neste desperdiacutecio agriacutecola O seu potencial deve-se agrave mateacuteria lignoceluloacutesica ndash celulose

hemicelulose e lignina ndash presente em todas as plantas incluindo as espigas em diferen-

tes percentagens Este material composto eacute essencial para a estrutura e resistecircncia das

plantas a hemicelulose eacute a matriz que rodeia o esqueleto de celulose enquanto a lignina

funciona como uma camada protetora As possibilidades associadas a este tipo de desper-

diacutecio satildeo inegaacuteveis a sua abundacircncia e facilidade de obtenccedilatildeo tornam-no muito apelativo

Contudo o gasto na recolha e transporte desta mateacuteria suplanta os custos de produccedilatildeo

e o seu uso continuado poderaacute contribuir para a erosatildeo do solo Aleacutem disso para o seu

aproveitamento para produccedilatildeo de biocombustiacuteveis eacute necessaacuterio um preacute-tratamento para

hidrolisar as ligaccedilotildees covalentes entre os trecircs constituintes da mateacuteria lignoceluloacutesica e

permitir a posterior fermentaccedilatildeo anaeroacutebia da celulose produzindo bioetanol Este preacute-

-tratamento eacute visto como outra das desvantagens do processo e estaacute ainda a ser estudado

e otimizado pois de momento as alternativas disponiacuteveis encarecem o produto final e em

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alguns dos casos dependem do uso de quiacutemicos poluentes A esperanccedila estaacute entatildeo de-

positada no estudo de enzimas hidroliacuteticas encontradas em organismos termoacutefilos que

seratildeo capazes de aguentar as difiacuteceis condiccedilotildees de tratamento Contudo a dificuldade em

escalar o processo de fermentaccedilatildeo eacute uma das desvantagens e dos fatores limitantes para

a 2G de biocombustiacuteveis em grande parte devido agrave dificuldade de monitorizar as condiccedilotildees

de fermentaccedilatildeo (oxigeacutenio pH nutrientes etc)

A terceira geraccedilatildeo (3G) de biocombustiacuteveis foi reconhecida como a melhor alternativa

em comparaccedilatildeo com primeira e segunda geraccedilotildees pois surpreendentemente faz uso de

algas A sua enorme disponibilidade por todo o planeta e o facto de natildeo interferirem com os

mercados alimentares satildeo os grandes embaixadores desta mateacuteria-prima como o futuro

dos biocombustiacuteveis Ainda que natildeo seja uma mateacuteria infinita eacute a que de momento mais se

assemelha por existirem 70 000 espeacutecies (30 000 documentadas) Estudos conduzidos

atualmente estatildeo a explorar a viabilidade energeacutetica de 30 espeacutecies de algas explorando a

sustentabilidade facilidade e escalabilidade da sua produccedilatildeo Outras vantagens incluem a

baixa manutenccedilatildeo necessaacuteria para o seu crescimento (luz dioacutexido de carbono e nutrientes

como azoto foacutesforo e potaacutessio) a facilidade com que produzem liacutepidos e carboidratos que

podem posteriormente ser processados em diferentes biocombustiacuteveis e outros copro-

dutos a frequecircncia com que podem ser colhidas ao longo do ano (ao contraacuterio de outras

colheitas convencionais) a baixa percentagem de hemicelulose e a praticamente ausente

lignina facilitam radicalmente o seu preacute-processamento pois a celulose eacute mais facilmente

extraiacuteda As desvantagens desta mateacuteria incluem o enorme investimento inicial para a

construccedilatildeo de infraestruturas para o seu cultivo que pode ser ou ao ar livre (em tanques

de grande dimensatildeo) ou em foto-bioreatores (sistemas fechados altamente controlados)

Prevecirc-se que em 2030 o preccedilo de produccedilatildeo de combustiacutevel a partir de algas seraacute 065 euro

litro de combustiacutevel valor muito proacuteximo do atual preccedilo de produccedilatildeo do litro de gasolina

Comparativamente aos custos de produccedilatildeo de outros biocombustiacuteveis o mais barato con-

tinua a ser o bioetanol produzido a partir de milho (1G) 017 eurolitro seguido de combustiacute-

veis celuloacutesicos (2G) a 032 eurolitro

Eacute evidente que seratildeo necessaacuterios esforccedilos poliacuteticos e cientiacuteficos investimento e regu-

lamentaccedilatildeo adequados para encontrar o caminho ideal para travar o aquecimento global

Em todas as geraccedilotildees de biocombustiacuteveis apresentadas existem fatores que afunilam as

potencialidades destas alternativas indicando que a soluccedilatildeo passa por criar um consoacutercio

entre as vaacuterias possibilidades de forma a tirar o maacuteximo partido sem danificar o planeta ou

piorar a crise da fome O proacuteximo passo passa por substituir os biocombustiacuteveis de 1G por

soluccedilotildees com maior escalabilidade Acreditamos que nas proacuteximas deacutecadas seratildeo cruciais

e depositamos esperanccedila na investigaccedilatildeo cientiacutefica

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018043

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Stephen Hawking e a sua contribuiccedilatildeo para a fiacutesica teoacutericaOrfeu Bertolami

Claacuteudio GomesDepartamento de Fiacutesica e Astronomia CFP Universidade do Porto

A 14 de marccedilo de 2018 o fiacutesico britacircnico Stephen Hawking faleceu aos 76 anos deixando

todavia um importante legado para a fiacutesica teoacuterica muito particularmente para o

entendimento das deficiecircncias intriacutensecas da Relatividade Geral de Einstein para a fiacutesica

dos buracos negros e para a cosmologia a ciecircncia do Universo como um todo

Stephen Hawking doutorou-se em Fiacutesica Teoacuterica em 1966 pela Universidade de Cambridge

sob a supervisatildeo de Dennis Sciama Apesar da sua condiccedilatildeo fiacutesica progressivamente limi-

tativa manteve-se extremamente ativo na investigaccedilatildeo nas aacutereas de cosmologia fiacutesica dos

buracos negros e gravitaccedilatildeo quacircntica

Nessa altura havia uma consideraacutevel discussatildeo acerca da realidade e ubiquidade de sin-

gularidades pontos no espaccedilo-tempo onde a Teoria da Relatividade Geral deixa de fazer sen-

tido e natildeo desaparecendo atraveacutes de mudanccedila de sistemas de coordenadas que descrevem

o espaccedilo-tempo Na segunda metade da deacutecada de 1960 Hawking e o matemaacutetico inglecircs

Roger Penrose demonstraram que essas singularidades eram inevitaacuteveis no contexto da

Teoria da Relatividade Geral (ver para uma descriccedilatildeo exaustiva o livro Large Scale Structure

of Space-Time escrito em colaboraccedilatildeo com o fiacutesico sul-africano George Ellis publicado em

1973) Uma dessas singularidades corresponde ao iniacutecio do Universo ndash Big Bang ndash e outras

estatildeo presentes no interior dos buracos negros natildeo acessiacuteveis agrave observaccedilatildeo devido agrave pre-

senccedila de um horizonte de acontecimentos que segundo a Conjetura da Censura Coacutesmica de

Roger Penrose protegem sempre as singularidades de se apresentarem ldquonuasrdquo

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Subsequentemente em 1975 ele desenvolveu a ideia que os buracos negros deveriam

radiar termicamente a uma temperatura especiacutefica inversamente proporcional agraves suas

massas temperatura esta que hoje designamos por temperatura de Hawking Esta ideia daacute

origem ao paradoxo da informaccedilatildeo em que a informaccedilatildeo que entrava no horizonte de evento

se perdia Com este contributo passou-se a ter uma equivalecircncia entre a dinacircmica e a termo-

dinacircmica de buracos negros

FIGURA 1 Emissatildeo da radiaccedilatildeo teacutermica de Hawking por um buraco negro

No princiacutepio da deacutecada de 1980 Hawking iniciou em colaboraccedilatildeo com o fiacutesico norte-ameri-

cano James Hartle o programa de investigaccedilatildeo que hoje designamos por cosmologia quacircntica

Na cosmologia quacircntica o espaccedilo-tempo eacute descrito por uma funccedilatildeo de onda a funccedilatildeo de onda

do Universo como na Mecacircnica Quacircntica Esta equaccedilatildeo de onda satisfaz uma equaccedilatildeo anaacuteloga

agrave de Schroumldinger da Mecacircnica Quacircntica a equaccedilatildeo de Wheeler-DeWitt A proposta de Hartle

e Hawking eacute que a funccedilatildeo de onda descreva um espaccedilo-tempo sem fronteiras (No-Boundary

proposal) A ideia eacute que agrave medida que retrocedemos no tempo chegamos a um ponto em que

o Universo eacute pequeno o suficiente para que efeitos quacircnticos sejam dominantes Nesta altura

existe uma espeacutecie de ldquoespumardquo do espaccedilo-tempo de tal modo que o tempo natildeo pode ser in-

terpretado do modo como o vemos hoje mas sim como uma quarta dimensatildeo espacial Uma

analogia uacutetil eacute a seguinte se viajarmos para o Polo Sul temos de seguir sempre para sul mas

quando alcanccedilamos o ponto do Polo Sul jaacute natildeo faz sentido falarmos na direccedilatildeo sul pelo mesmo

raciociacutenio ao retrocedermos no tempo haacute um pontoinstante em que natildeo faz sentido falar-se em

tempo Matematicamente isto torna-se possiacutevel passando de um espaccedilo-tempo de Minkowski

como na Relatividade Restrita para um espaccedilo Euclideano a quatro dimensotildees no qual o tempo

passa a ser um nuacutemero puramente complexo Com esta formulaccedilatildeo o Universo natildeo tem uma

fronteira aleacutem daquela que permite a transiccedilatildeo entre as duas descriccedilotildees para o espaccedilo-tempo

e que eacute exemplificado na FIGURA 2 Esta geometria eacute designada por shuttlecock ou volantepena

de badminton devido agrave semelhanccedila com este objeto

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FIGURA 2 Representaccedilatildeo tridimensional do modelo de Hartle-Hawking (no boundary proposal) A base corresponde a uma semiesfera a 4 dimensotildees e a estrutura que apresenta o tempo como uma direccedilatildeo distinta das espaciais corresponte a um Universo em expansatildeo

Hawking tambeacutem estudou outros problemas como o das maacutequinas do tempo e questotildees

relacionadas com a cosmologia e a formaccedilatildeo de estruturas no Universo Com o seu carate-

riacutestico humor Hawking afirmou natildeo ser possiacutevel viajar no tempo Para tal sugeriu organizar

uma festa convidando pessoas do futuro a se juntarem a ele e dado que ningueacutem apa-

receu concluiu entatildeo que viagens no tempo natildeo satildeo possiacuteveis na realidade Outra prova

prende-se com o facto de natildeo termos recebido ainda turistas do futuro numa clara alusatildeo

iroacutenica agrave procura turiacutestica desenfreada que assistimos nos dias de hoje

Mais recentemente ele pronunciou-se sobre questotildees de interesse geral como as im-

plicaccedilotildees do desenvolvimento da inteligecircncia artificial e a necessidade e inevitabilidade

da exploraccedilatildeo espacial Mostrou-se reticente acerca dos desenvolvimentos no domiacutenio da

inteligecircncia artificial classificando-o como possivelmente perigoso para a nossa civiliza-

ccedilatildeo pois apesar dos potenciais benefiacutecios comportam seacuterios riscos agrave continuidade da hu-

manidade Relativamente agrave exploraccedilatildeo espacial Hawking encarava as viagens espaciais

quer pelo seu interesse cientiacutefico quer como forma de preservar a humanidade de riscos

de destruiccedilatildeo devido a guerras nucleares ou epidemias devido a viacuterus geneticamente mo-

dificados

O fiacutesico Stephen Hawking legou-nos uma extraordinaacuteria contribuiccedilatildeo cientiacutefica e huma-

na Deixou um extraordinaacuterio exemplo de resiliecircncia dedicaccedilatildeo ao conhecimento e agrave socie-

dade Fisicamente debilitado e ldquopresordquo a uma condiccedilatildeo rara a esclerose lateral amiotroacutefica

que lhe foi diagnosticada aos 21 anos a sua mente foi das mais livres dos nossos tempos

concebeu hipoacuteteses conjunturas e teorias pensou a sociedade de hoje e a do futuro

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RochaO que eacute importante dizer sobre as rochas

A M Galopim de Carvalho Universidade de Lisboa

Rochas e pedras satildeo a mesma coisa Praticamente a resposta eacute sim Pedra eacute aquilo

que se apanha do chatildeo para dar uma pedrada

Qualquer pessoa mesmo a menos letrada diraacute que as pedras

bull natildeo satildeo fabricadas ou feitas por gente (a ciecircncia diz que satildeo entidades naturais)

bull que natildeo se amolgam (a ciecircncia diz que satildeo riacutegidas)

bull que geralmente natildeo se esboroam nem se esfarela (a ciecircncia diz que satildeo coesas)

bull que fazem mossa onde quer que batam (a ciecircncia diz que satildeo duras) Para o cidadatildeo

comum pedra (do grego peacutetra) eacute pois uma entidade natural riacutegida coesa e dura que se

apanha do chatildeo

Apanhamos uma pedra do chatildeo mas quando estudamos falamos quase sempre de ro-

chas Num modo de falar corrente podemos dizer que as pedras satildeo bocados de rocha

Todos falamos de rocha como sinoacutenimo de pedra com base num conhecimento comum

empiacuterico vulgar ligado agrave experiecircncia quotidiana mesmo do mais iletrado dos cidadatildeos Dize-

mos rochedo quando o afloramento de rocha eacute grande e apelidamos de rochoso um terreno

com a rocha agrave vista Rocha eacute um galicismo que entre noacutes se sobrepocircs ao termo ldquorocardquo bem

mais antigo talvez preacute-romano Cabo da Roca ou ldquoFocinho da Rocardquo no dizer dos homens do

mar deve o seu nome a esta versatildeo arcaica da palavra rocha

O conceito atual de rocha e os vaacuterios conhecimentos com elas relacionados percorreram

uma caminhada tatildeo longa quanto a do Homo sapiens caminhada de que temos testemunhos

na Preacute-histoacuteria e variadiacutessimos relatos escritos desde a Antiguidade

Na sua giacuteria proacutepria entendiacutevel entre pares os profissionais falam de rochas dizendo que

satildeo sistemas quiacutemicos mono ou polifaacutesicos (ou seja com um ou mais minerais) resultantes

do equiliacutebrio termodinacircmico atingido pelos seus constituintes em determinados ambientes

Entendendo-se por constituintes os elementos quiacutemicos incluiacutedos nos respetivos minerais

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Por outras palavras acessiacuteveis ao comum das gentes pode entatildeo dizer-se que as rochas

satildeo corpos naturais formados por associaccedilotildees mais ou menos estaacuteveis de minerais compatiacute-

veis entre si e com o ambiente onde foram gerados e que satildeo elas as rochas que constituem

a capa riacutegida da Terra que por essa razatildeo recebeu o nome de litosfera (FIGURA 1)

FIGURA 1 Modelado Graniacutetico na Serra da Estrela (fonte banco de imagens da Casa das Ciecircncias)

Antes de prosseguir esclareccedila-se que no jargatildeo proacuteprio da mineralogia e da geoquiacutemica

os minerais satildeo considerados fases no sentido fiacutesico-quiacutemico da palavra Com efeito neste

sentido uma fase eacute uma porccedilatildeo de mateacuteria quiacutemica e estruturalmente homogeacutenea e uma

qualquer espeacutecie mineral eacute isso mesmo

Por convenccedilatildeo na sistemaacutetica em sedimentologia entre as rochas sedimentares cabem

certos materiais natildeo consolidados como os barros as areias soltas as cascalheiras e ainda

outros de natureza natildeo mineral como os carvotildees foacutesseis e o petroacuteleo (oacuteleo de pedra) Cha-

mar rochas ou pedras a estes materiais agraves vezes tatildeo afastados da imagem vulgar de ldquocoisa

dura riacutegida e coesardquo decorre do conceito geoloacutegico de rocha no qual se inclui o modo de

ocorrecircncia e o respetivo processo de formaccedilatildeo (petrogeacutenese)

A mecacircnica das rochas (disciplina que estuda certas propriedades das rochas como resis-

tecircncia ao esmagamento agrave traccedilatildeo agrave torccedilatildeo agrave flexatildeo porosidade permeabilidade e outras)

define-as como entidades sempre riacutegidas e coesas e duras como tambeacutem se diz vulgarmen-

te com capacidade de suportar cargas e que na eventualidade de terem de ser escavadas ou

removidas haacute que usar tecnologias com explosivos Este conceito corresponde aliaacutes agrave ideia

mais divulgada de rocha como atraacutes se referiu Eacute o bedrock dos autores ingleses

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FIGURA 2 Processo de meteorizaccedilatildeo fiacutesica essencialmente por corrosatildeo eoacutelica em rochas sedimentares (arenitos) (fonte banco de imagens da Casa das Ciecircncias)

Aleacutem das muitas que conhecemos na Terra jaacute estudaacutemos rochas do nosso sateacutelite natural

nomeadamente basaltos e anortositos trazidos da sua superfiacutecie Mercuacuterio Veacutenus e Marte satildeo

tambeacutem planetas rochosos e igualmente rochosos ou pedregosos satildeo ainda os nuacutecleos dos co-

metas e muitos dos asteroides de que temos conhecimento pelos meteoritos caiacutedos na Terra

Quando se apelidam as rochas de magmaacuteticas sedimentares (FIGURA 2) ou metamoacuterficas

natildeo se estaacute apenas a rotulaacute-las para efeitos de arrumo ou arquivo muito menos se estatildeo a

criar novos vocaacutebulos para sobrecarga dos estudantes ou do cidadatildeo em geral Estes adjeti-

vos acrescentados agrave palavra rocha informam de imediato sobre a sua origem

bull magmaacutetica ou sedimentar qualquer delas em resultado de processos naturais faacuteceis de

entender

bull metamoacuterfica em consequecircncia de um outro processo muito menos ao alcance da vivecircncia

do vulgo mas que se explica sem grandes dificuldades

Apelidam-se de metamoacuterficas as rochas que posteriormente a uma primeira formaccedilatildeo

como magmaacuteticas ou sedimentares foram submetidas a pressotildees eou a temperaturas no

interior da crosta que lhes modificaram a composiccedilatildeo eou a textura

Foi atraveacutes do estudo das rochas que desvendaacutemos o essencial dos acontecimentos geo-

loacutegicos que marcaram a histoacuteria deste laquoPlaneta Azulraquo no qual a vida encontrou condiccedilotildees

para despertar e onde evoluiu ao ponto de se interrogar sobre essa mesma histoacuteria

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Os conhecimentos diretos de que hoje dispomos relativos agraves rochas da Terra limitam-se

aos que se obtecircm pelo estudo das que afloram agrave superfiacutecie das recolhidas em dragagens

nos fundos marinhos e das retiradas da profundidade quer em minas quer atraveacutes de son-

dagens Esta profundidade que natildeo excede 3 km no primeiro caso e 11 km no segundo

(na peniacutensula de Kola) pode considerar-se insuficiente se comparada com as trecircs a quatro

dezenas de quiloacutemetros de espessura meacutedia da crosta continental

Eacute jaacute muito o conhecimento que temos desta capa (a crosta ou crusta como alguns dizem e

escrevem) mais superficial do nosso planeta Temo-lo atraveacutes das rochas que constantemente

vemos e pisamos muitas delas geradas em zonas profundas trazidas agrave superfiacutecie pelos en-

rugamentos de origem tectoacutenica geradores das montanhas e subsequentemente postas a

descoberto pela erosatildeo

Outras rochas proacuteprias de muito maiores profundidades inclusive do manto inferior como eacute

o caso dos xenocristais e dos xenoacutelitos (do grego xenos estranho e lithos pedra) isto eacute cris-

tais e fragmentos de materiais liacuteticos gerados nessas regiotildees e que ascendem agrave superfiacutecie na

sequecircncia de atividade vulcacircnica englobados ou encravados nos produtos magmaacuteticos que ali

se formaram ou por ali passaram Na ilha da Madeira por exemplo satildeo frequentes os xenoacutelitos

oliviacutenicos que ascenderam ateacute agrave superfiacutecie no seio das lavas envolvidas no processo vulcacircnico

que originou esta e muitas outras ilhas

As rochas a que temos acesso mais ou menos direto representam uma parcela importante

da diferenciaccedilatildeo da Terra e agrave semelhanccedila da aacutegua do ar e dos seres vivos satildeo o resultado de

imensas transformaccedilotildees numa vasta e complexa rede de inter-relaccedilotildees ocorridas ao longo

dos tempos neste laquoplaneta vivoraquo pleno ainda de energia interna (sob a forma de calor) a que

se adiciona toda a que lhe chega do exterior isto eacute a radiaccedilatildeo solar Como escreveu Maurice

Mattauer ldquoas pedras nascem vivem e morrem como noacutes elas tecircm uma idade e uma histoacuteriardquo

Petrologia e litologia satildeo duas disciplinas que estudam as rochas ou as pedras Se bem que

os eacutetimos petra (latim) e lithos (grego) sejam sinoacutenimos petrologia e litologia encerram con-

ceitos diferentes ainda que relacionados entre si

bull A petrologia eacute um ramo da geologia com dimensatildeo de ciecircncia de vastos recursos nos campos

da fiacutesica da quiacutemica e naturalmente tambeacutem da matemaacutetica em busca do conhecimento da

origem natureza constituiccedilatildeo e evoluccedilatildeo da Terra no acircmbito do Sistema Solar e do Universo

bull A litologia outro ramo da geologia eacute habitualmente entendida como a disciplina que estuda

as rochas num campo praacutetico Serve a geologia de engenharia tendo em vista a implantaccedilatildeo

de grandes edifiacutecios e outras obras volumosas cujas fundaccedilotildees exigem o conhecimento dos

terrenos A litologia daacute igualmente respostas agrave pedologia (o estudo dos solos) e agrave induacutestria

extrativa de rochas ornamentais usadas na arquitetura na cantaria ou na estatuaacuteria e de

rochas industriais exploradas como importantes mateacuterias-primas para a construccedilatildeo civil a

ceracircmica o vidro o cimento a cal e a induacutestria quiacutemica

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Software educativo em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Ana C Conceiccedilatildeo

DMUniversidade do Algarve

O conceito F-Tool foi desenvolvido em 2012 com o objetivo de proporcionar uma

aprendizagem interativa em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Em particular eacute possiacutevel

explorar de forma integrada as noccedilotildees de domiacutenio contradomiacutenio existecircncia de zeros

existecircncia de extremos e de pontos de inflexatildeo invertibilidade derivabilidade reta

tangente ao graacutefico num ponto simetrias em relaccedilatildeo aos eixos e agrave origem A utilizaccedilatildeo

dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adaptaccedilatildeo de

alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e

do simples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular)

No ensino da matemaacutetica e em particular no estudo de funccedilotildees a recomendaccedilatildeo da utiliza-

ccedilatildeo de software educacional tem como objetivo o sanar das dificuldades que os alunos pos-

suem em associar as representaccedilotildees algeacutebricas com as diversas representaccedilotildees numeacutericas

eou graacuteficas De facto o caraacuteter estaacutetico das representaccedilotildees matemaacuteticas muitas vezes

dificulta a construccedilatildeo do significado afetando substancialmente a correta interpretaccedilatildeo dos

conceitos A criaccedilatildeo de modelos interativos visuais com o sistema de aacutelgebra computacional

Mathematica permite aos alunos explorar conceitos de elevada complexidade e rapidamen-

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te adquirir uma compreensatildeo mais profunda dos conteuacutedos Obviamente a utilizaccedilatildeo de sof-

tware educacional natildeo deve ser vista como um substituto para o ensino com ldquopapel e laacutepisrdquo

deve ser devidamente combinada com outros meacutetodos de ensino

O conceito F-Tool foi desenvolvido em 2012 com o objetivo de proporcionar uma apren-

dizagem interativa em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Os aplicativos computacionais

implementados com base neste conceito utilizam as capacidades de caacutelculo numeacuterico e

simboacutelico do Mathematica de forma a permitir estudar dinacircmica e interativamente e em

tempo real conceitos e propriedades fundamentais do preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial

FIGURA 1 Imagem ilustrativa da F-Exponential

O conceito F-Tool em sala de aula permite uma abordagem dinacircmica de diversos concei-

tos relacionados com o estudo de funccedilotildees e promove novas formas de raciocinarpensar

avaliar ensinar e aprender As F-Tool foram concebidas como ferramentas de aprendiza-

gem ativa ou seja a sua utilizaccedilatildeo adequada propicia um contexto de ensino-aprendiza-

gem onde alunos e professores satildeo igualmente convidados a contribuir Aleacutem disso tecircm

uma interface muito intuitiva que permite que ateacute mesmo o utilizador mais inexperiente

sem qualquer conhecimento anterior em software educacional possa comeccedilar a usar to-

dos os recursos de uma forma eficiente e autoacutenoma As F-Tool natildeo satildeo um objeto estaacutetico

mas sim um programa a ser executado com o qual se interage em tempo real Em parti-

cular atraveacutes da alteraccedilatildeo dinacircmica dos valores dos paracircmetros que definem cada classe

eacute possiacutevel obter informaccedilatildeo analiacutetica rigorosa apresentada em aritmeacutetica exata ou apro-

ximada bem como informaccedilatildeo visual estaacutetica e natildeo-estaacutetica De igual modo escolhendo

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estrategicamente de entre as vaacuterias opccedilotildees de funccedilotildees disponiacuteveis no painel esquerdo eacute

possiacutevel apreender de forma mais eficaz e consequente muitas das relaccedilotildees existentes

entre as vaacuterias funccedilotildees e respetivas transformaccedilotildees (FIGURA 1) As F-Tool utilizam um

coacutedigo de cores para diferenciar as vaacuterias funccedilotildees apresentadas Este coacutedigo eacute explicitado

na legenda do canto inferior esquerdo do painel central

Qual das figuras pode representar o graacutefico de uma funccedilatildeo e o graacutefico da sua derivada de 1ordf ordem

FIGURA 2 Exemplo de questatildeo de escolha muacuteltipla utilizando diversas opccedilotildees do painel esquerdo das F-Tool

Apesar de ser um software educacional dinacircmico e interativo pode tambeacutem ser utilizado

na construccedilatildeo de questotildees de avaliaccedilatildeo de escolha muacuteltipla (FIGURA 2) e de resposta aberta

ficando o docente automaticamente com a resposta ao selecionar no painel esquerdo as

opccedilotildees relacionadas com a questatildeo

A utilizaccedilatildeo dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adapta-

ccedilatildeo de alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e do sim-

ples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular) De facto

incluindo as F-Tool em ficheiros no Computable Document Format (CDF) eacute possiacutevel criar

fichas de trabalho dinacircmicas e interativas motivando os alunos e tornando o estudo mais

interessante

Acreditamos que o conceito F-Tool ao dotar professores e estudantes com novas fer-

ramentas para explorar alguns conceitos fundamentais da matemaacutetica desenvolveraacute po-

sitivamente o processo de ensino e de aprendizagem das aacutereas de preacute-caacutelculo e caacutelculo

diferencial

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018046

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O Aroma das Plantas Luiacutes Gaspar Pedro

Ana Cristina Figueiredo

Joseacute Gonccedilalves Barroso

CESAM CBV Universidade de Lisboa

Quando nos festejos dos Santos Populares colocamos a matildeo sobre o manjerico

provocamos a rutura de estruturas microscoacutepicas Ao fazecirc-lo libertam-se compostos

quiacutemicos que aderem agrave palma da nossa matildeo que depois percecionamos pelo nosso

olfacto Os aromas satildeo misturas complexas de dezenas de compostos volaacuteteis

carateriacutesticos de uma determinada planta

O aroma o que eacute

O aroma de muitas plantas eacute constituiacutedo por diversos compostos quiacutemicos volaacuteteis que

tecircm a capacidade de estimular os nossos recetores olfactivos A quantidade e a diver-

sidade deste tipo de compostos presentes nas plantas satildeo responsaacuteveis pelos aromas

carateriacutesticos Eacute relativamente faacutecil reconhecer o aroma dos coentros ou do manjerico e

distingui-los de outros aromas como o da rosa ou do cravinho

Na composiccedilatildeo da fraccedilatildeo volaacutetil de uma planta aromaacutetica encontram-se regra geral

compostos como os mono- e sesquiterpenos e os fenilpropanoacuteides (FIGURA 1) entre ou-

tros Satildeo todos eles compostos quiacutemicos com ponto de ebuliccedilatildeo relativamente baixo que

volatilizam agrave temperatura ambiente e contribuem de forma mais ou menos notoacuteria para o

aroma carateriacutestico de cada espeacutecie

FIGURA 1 Exemplos de compostos que constituem a fraccedilatildeo volaacutetil de diversas espeacutecies aromaacuteticas monoterpenos (α-pineno timol) sesquiterpenos (β-cariofileno germacreno D) e fenilpropanoacuteides (eugenol)

α-Pineno Timol β-Cariofileno Germacreno D Eugenol

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Estruturas secretoras

Os compostos que constituem a fraccedilatildeo aromaacutetica de uma planta satildeo regra geral sinteti-

zados e acumulados em estruturas secretoras microscoacutepicas Entre os diversos tipos de

estruturas secretoras as mais frequentes satildeo os tricomas os canais e as bolsas (FIGURA 2)

FIGURA 2 Exemplos de estruturas secretoras observadas em microscopia oacuteptica A - Tricoma de Geranium robertianum (s - secretado acumulado no espaccedilo sub-cuticular coloraccedilatildeo com reagente de Nadi) B - canal secretor de Crithmum maritimum (setas coloraccedilatildeo com tricloreto de antimoacutenio) e C - bolsa secretora de Citrus sp (coloraccedilatildeo com Vermelho Sudatildeo III)

Os tricomas glandulares satildeo estruturas externas com origem em ceacutelulas epideacutermicas

que apresentam diversos graus de complexidade desde tricomas com apenas trecircs ceacutelulas

uma das quais a secretora ateacute tricomas com mais de uma dezena de ceacutelulas secretoras

As bolsas e os canais secretores satildeo estruturas internas constituiacutedas por ceacutelulas glandu-

lares que delimitam o luacutemen o espaccedilo para onde satildeo secretados os compostos depois de

produzidos nas ceacutelulas secretoras Os canais satildeo estruturas alongadas que percorrem o

corpo da planta por vezes com ramificaccedilotildees enquanto as bolsas satildeo estruturas mais ou

menos isodiameacutetricas

Os oacuteleos essenciais

Um oacuteleo essencial eacute obtido por hidrodestilaccedilatildeo ou por destilaccedilatildeo por arrastamento de va-

por (FIGURA 3) No caso particular dos citrinos o oacuteleo essencial pode ainda ser obtido

por expressatildeo (processo mecacircnico que promove a libertaccedilatildeo do secretado acumulado no

interior das estruturas secretoras neste caso bolsas)

Tanto na hidrodestilaccedilatildeo como na destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor o secretado eacute

removido das estruturas secretoras e arrastado pelo vapor de aacutegua Depois de condensar

por arrefecimento o oacuteleo essencial separa-se da aacutegua podendo ser facilmente recolhido

devido agrave sua imiscibilidade com a aacutegua

A B CS

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41FIGURA 3 A - Sistema de hidrodestilaccedilatildeo com aparelho de Clevenger e B - sistema de destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor

Anaacutelise de oacuteleos essenciais

Para analisar um oacuteleo essencial recorre-se frequentemente agrave cromatografia gasosa (CG)

para quantificaccedilatildeo dos componentes e agrave CG acoplada agrave espectrometria de massa (CG-

-EM) para a correspondente identificaccedilatildeo dos constituintes Por CG-EM os diversos com-

ponentes que constituem o oacuteleo essencial satildeo separados uns dos outros e ao chegarem ao

espectroacutemetro de massa satildeo bombardeados por eletrotildees o que leva a que as moleacuteculas

fragmentem formando-se diferentes iotildees de acordo com padrotildees preferenciais O con-

junto dos fragmentosiotildees constituem o espectro de massa que eacute carateriacutestico de cada

moleacutecula A integraccedilatildeo das aacutereas dos picos que surgem no cromatograma obtido por CG

(FIGURA 4A) permite a quantificaccedilatildeo relativa dos diversos componentes do oacuteleo essencial

A anaacutelise por CG-EM possibilita a identificaccedilatildeo desses compostos por comparaccedilatildeo dos

espectros de massa (FIGURA 4B) e dos iacutendices de retenccedilatildeo com os de amostras padratildeo

FIGURA 4 A - Aspeto parcial de um cromatograma obtido por CG carateriacutestico de um oacuteleo essencial com alguns dos ldquopicosrdquo identificados B - espectro de massa obtido por CG-EM de um dos componentes maioritaacuterios o timol

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Paisagens da Islacircndia Formase Processos (III)Fernando Carlos LopesCITEUC Universidade de Coimbra

A Islacircndia eacute famosa natildeo soacute pelos seus vulcotildees mas tambeacutem pelos seus glaciares e pela

sua sinuosa e escarpada linha de costa

Atualmente os glaciares cobrem cerca de 10 da superfiacutecie islandesa e 60 destas

aacutereas geladas assentam sobre sistemas vulcacircnicos ativos Esta combinaccedilatildeo de gelo e vul-

canismo torna a Islacircndia o local ideal para cheias repentinas (joumlkulhlaups) resultantes de

aacutegua que escorre por baixo dos glaciares devido agrave fusatildeo provocada pelas erupccedilotildees subgla-

ciares Atualmente existem 4 grandes calotes glaciares localizadas nas regiotildees elevadas

e vulcanicamente ativas do centro e sul da ilha a partir das quais divergem numerosas liacuten-

guas glaciarias Vatnajoumlkull (8100 km2) situado no centro leste Langjoumlkull (925 km2) si-

tuado no centro oeste Hofsjoumlkull (925 km2) situado na zona central da ilha Myrdalsjoumlkull

(600 km2) situado no sul da ilha Apesar da Islacircndia ter cerca de 24 Ma a sua paisagem soacute

foi moldada por glaciares nos uacuteltimos 5 milhotildees de anos Os seus glaciares de tipo alpino

(ou de montanha) avanccedilaram e recuaram condicionados pelas variaccedilotildees regionais e locais

do clima de que resultaram espetaculares morfologias Como jaacute se referiu anteriormente

as variaccedilotildees da carga glaciar sobre a litosfera provocadas pelas fases de gelo e degelo

teratildeo desempenhado papel importante na atividade vulcacircnica da ilha

Com um comprimento de cerca de 4970 km a linha de costa da Islacircndia eacute de um modo

geral muito recortada e escarpada marcada por promontoacuterios cabos peniacutensulas fiordes

e enseadas pontilhada de leixotildees por entre os quais se aninham praias de areia negra de

contornos suaves A accedilatildeo do mar sobre as inuacutemeras escoadas de lava que fluiacuteram ateacute agrave

costa ao longo da evoluccedilatildeo geoloacutegica da ilha e ali solidificaram sobre os aparelhos vulcacirc-

nicos implantados na zona litoral e sobre os vales deixados pelo recuo dos glaciares criou

paisagens de uma beleza surreal

FIGURA DA PAacuteGINA ANTERIOR Leixatildeo Hvitserkur noroeste da Islacircndia (fonte pixabay)

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Parte III - Paisagens controladas pelos glaciares e paisagens costeirasVales glaciares e fiordes

Vales glaciares vales suspensos lagos glaciares e cascatas ciacuterculos glaciares moreias

e fiordes satildeo formas carateriacutesticas das paisagens islandesas criadas pelos seus glacia-

res alpinos Os vales glaciares com o seu carateriacutestico perfil em ldquoUrdquo satildeo a forma mais

comum de paisagem originada pela erosatildeo glacial (FIGURA 1) No interior destes vales os

rios concentram o seu poder erosivo na zona mais baixa originando um perfil carateriacutestico

em ldquoVrdquo O poder erosivo dos glaciares eacute muito superior ao dos rios porque a sua energia

potencial resulta natildeo soacute do declive do terreno mas tambeacutem do peso do gelo A erosatildeo faz-

-se essencialmente ao longo das zonas laterais do canal criando um vale com vertentes

alcantiladas e fundo aplanado Vales suspensos satildeo vales escavados por glaciares tributaacute-

rios Como estes glaciares levam menos gelo o seu poder erosivo eacute menor que o do glaciar

principal ficando suspenso nas vertentes do glaciar principal quando o gelo recua Cons-

tituem exemplos notaacuteveis pela sua beleza e dimensatildeo os vales glaciares de Borgarvirki

(FIGURA 2) e de Akureyri (ou Eyjafjoumlrethur) no noroeste da ilha Este uacuteltimo vai desembocar

num fiorde que eacute mais longo da Islacircndia

FIGURA 1 Esquema 3D (sem escala) da evoluccedilatildeo de uma paisagem glaciar com formaccedilatildeo de vales glaciares vales glaciares suspensos ciacuterculos glaciares lagos glaciares e cascatas

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FIGURA 2 Aspeto do vale glaciaacuterio de Borgarvirki observado a partir da fortaleza de Borgarvirki

Se as condiccedilotildees forem favoraacuteveis os glaciares podem erodir abaixo do niacutevel do mar Quan-

do o glaciar recua o oceano invade estas depressotildees criando um fiorde Alguns dos fiordes

islandeses como o de Akureyri e o de Nordfjord (nordeste da ilha) possuem centenas de

metros abaixo do niacutevel do mar O fiorde de Nordfjord abrange parcialmente uma antiga cal-

deira vulcacircnica Nas faleacutesias do seu flanco oriental (falesias de Raudubjoumlrg) afloram rioacutelitos

conferindo agraves arribas uma carateriacutestica cor avermelhada)

Como se referiu anteriormente (Parte I) a orientaccedilatildeo da maioria dos vales glaciares e

fiordes segue de perto a orientaccedilatildeo dos principais lineamentos tectoacutenicos

Moreias

Em termos de aspetos deposicionais relacionados com glaciares as moreias satildeo de lon-

ge os mais abundantes Satildeo acumulaccedilotildees de fragmentos rochosos transportados pelos

glaciares quer na regiatildeo frontal (moreia frontal) lateral (moreia lateral) a meio (moreia

mediana) e no fundo (moreia de fundo)

Durante o uacuteltimo maacuteximo glaciar (haacute cerca de 20 000 anos) a Islacircndia estava quase

toda coberta por glaciares que se estendiam ateacute agrave costa e para aleacutem dela Foram encon-

tradas moreias frontais dessa eacutepoca a cerca de 130 km a offshore da costa ocidental e a

cerca de 150-230 m abaixo do niacutevel de mar atual

Eacute possiacutevel encontrar nos vales glaciares islandeses quer moreias antigas resultantes

da uacuteltima glaciaccedilatildeo quer moreias recentes e atuais Estas uacuteltimas estatildeo relacionadas com

as 4 grandes calotes glaciares existentes como eacute o caso das moreias do glaciar Vatna-

joumlkull que se podem observar em pleno no setor sudeste da ilha

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Lagoas glaciares e icebergues

Outra das paisagens magniacuteficas moldadas pelos glaciares satildeo as lagoas glaciares Estas

lagoas formam-se na extremidade dos glaciares que descem das calotes glaciares Satildeo

alimentadas pelo desgelo natural dos glaciares e nela flutuam pequenos e grandes iceber-

gues que se separam da frente do glaciar (FIGURA 3)

FIGURA 3 Esquema 3D (sem escala) da formaccedilatildeo de icebergues numa lagoa glaciar

O exemplo mais notaacutevel deste tipo de lagoas na Islacircndia eacute a lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten consi-

derada uma das maravilhas naturais do paiacutes Fica situada no sudeste da ilha na extremidade

do glaciar Breiethamerkurjoumlkull uma das liacutengua glaciares da calote de Vatnajoumlkull (FIGURA 4)

FIGURA 4 Icebergues na lagoa glaciar de Joumlkulsaacuterloacuten Ao fundo vecirc-se a frente do glaciar Breiethamerkurjoumlkull As faixas negras nos icebergues satildeo niacuteveis de cinza vulcacircnica

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A lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten eacute o ponto mais baixo da Islacircndia com zonas agrave cota de -200 m Na

baiacutea da lagoa tem-se acesso a uma paisagem de outro mundo com icebergues de dimen-

sotildees variadas que flutuam ateacute ao mar ficando alguns deles encalhados na margem de uma

praia de areia vulcacircnica Alguns icebergues exibem faixas negras correspondentes a niacuteveis

de cinzas vulcacircnicas provenientes de antigas erupccedilotildees (FIGURA 4) Outros exibem duas

tonalidades branco leitoso e azul claro A faixa azul corresponde agrave porccedilatildeo do icebergue

que se tornou recentemente emersa

A lagoa teraacute sido formada em 1934-35 pelo contiacutenuo recuo do glaciar Vatnajoumlkull e teraacute

duplicado de tamanho nos uacuteltimos 15 anos Dada a taxa atual de recuo do glaciar Vatna-

joumlkull um profundo fiorde iraacute desenvolver-se no local onde hoje existe a lagoa

As costas escarpadas

As costas escarpadas e recortadas satildeo sem duacutevida as mais dominantes Ocorrem deste o

oeste ao leste da ilha passando pela regiatildeo norte incisas por numerosos fiordes e peque-

nas enseadas e salpicadas por leixotildees Eacute notaacutevel pela sua forma de dragatildeo e pelas lendas

que o envolvem o leixatildeo de Hvitserkur (IMAGEM DA PAGINA 42) situado na costa leste da

Peniacutensula de Vatnsnes no noroeste da Islacircndia

Os fiordes mais profundos localizam-se na costa norte constituindo bons portos natu-

rais Um destaque especial vai para o fiorde ao longo do qual se estende a cidade de Aku-

reyri (fiorde de Akureyri ou Eyjafjoumlrethur) considerado o mais longo do paiacutes

Praias de areia Negra

As praias de areia negra em geral de reduzida extensatildeo podem ser constituiacutedas por i) de-

poacutesitos resultantes da abrasatildeo das arribas ii) moreias e depoacutesitos fluviais resultantes dos

rios glaciares com contornos suaves e lagoas glaciares protegidas por extensas barras

arenosas iii) depoacutesitos de tefra provenientes de erupccedilotildees freaacuteticas

As do primeiro tipo ocorrem um pouco por toda a linha de costa como resultado da accedilatildeo

do mar sobre as arribas As do segundo tipo ocorrem dominantemente entre Djuacutepivogur a

sudeste e Oumllfusaacute a sudoeste com destaque para a praia de Reynisfjara na costa sul As

da terceira categoria podem ser observadas na ilha de Heimaey arquipeacutelago de Vestman-

naeyja regiatildeo sul da Islacircndia

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018048

IMA

GE

M E

M D

ES

TAQ

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48

Eu crio as minhas obras de arte de peque-

nos pedaccedilos de papel com espirais que co-

nectam e ligam os elementos a uma grande

estrutura Na obra de origami acabada a

que chamo Voltinhas estas espirais vivem

e trabalham Forccedilas de tensatildeo e fricccedilatildeo

contrapotildeem-se agrave gravidade e mantecircm a

forma estaacutevel Nas minhas criaccedilotildees procu-

ro estar perto da natureza Quando criamos

ou estudamos modelos de papel na macro

escala podemos entender melhor as for-

mas criadas pela natureza na micro escala

A minha obra de origami na capa o trabalho

intitulado ldquoInverno num parque de Lisboardquo e

o capsiacutedeo do viacuterus Canine parvovirus um viacute-

rus contagioso que ataca sobretudo os catildees

e outros caniacutedeos tecircm a mesma estrutura

geomeacutetrica do pequeno rombicosidodecae-

dro um poliedro com simetria icosaeacutedrica

Essa obra invoca simbolicamente o Ano

da Biologia Matemaacutetica 2018 O origami eacute

uma arte de dobragem do papel com uma

forte componente geomeacutetrica que permite

a construccedilatildeo de formas complexas e tem

atraiacutedo o interesse de matemaacuteticos pelas

suas propriedades geomeacutetricas e algeacutebricas

Krystyna Burczyk

Os viacuterus satildeo responsaacuteveis por inuacutemeras

doenccedilas no homem nos animais e nas plan-

tas e as curas e prevenccedilotildees satildeo ainda mui-

tas vezes problemaacuteticas Desenvolvimen-

tos recentes das aplicaccedilotildees da matemaacutetica

agrave virologia nomeadamente das teorias de

grupos de grafos de tesselaccedilatildeo ou de re-

ticulados mostraram por exemplo que as

restriccedilotildees estruturais agraves formas dos viacuterus

satildeo maiores do que antes se pensava e

permitiram a construccedilatildeo de novos modelos

para o desenvolvimento de terapias anti-

-virais Os capsiacutedeos virais que envolvem

os genomas dos viacuterus por razotildees de eco-

nomia geneacutetica tem muitas vezes uma si-

metria icosaeacutedrica Ora esta simetria natildeo eacute

cristalograacutefica em trecircs dimensotildees ie natildeo

eacute compatiacutevel com reticulados perioacutedicos

o que motivou os matemaacuteticos a desen-

volverem novas estruturas no contexto de

grupos de Coxeter natildeo-cristalograacuteficos que

encontraram aplicaccedilatildeo natildeo soacute na virologia

mas tambeacutem noutras estruturas molecula-

res da quiacutemica do carbono

Joseacute Francisco RodriguesUniversidade de Lisboa

Origami e Viacuterusin imagemcasadascienciasorg

Imagem de Canine Parvovirus gerada em VMD Autor Alexandre Lopes Magalhatildees

Page 2: JUNHO 2018 V6 /02 · 2018-09-26 · Matilde Viegas, Maria João Ramos, Pedro Alexandrino Fernandes Stephen Hawking e a sua contribuição para a física teórica Orfeu Bertolami,

FICHA TEacuteCNICA

Publicaccedilatildeo trimestral da Casa das CiecircnciasISSN 2183-9697 (versatildeo impressa)

ISSN 2183-1270 (versatildeo online)rcecasadascienciasorg

DEPOacuteSITO LEGAL

42520017

COORDENACcedilAtildeO EDITORIAL

Alexandra Coelho

DESIGN

Rui Mendonccedila

PAGINACcedilAtildeO

Pedro Freitas

IMPRESSAtildeO E ACABAMENTO

Uniarte Graacutefica SA

TIRAGEM

3600 exemplares

IMAGEM NA CAPA

Krystyna Burczykimagemcasadascienciasorg

copy Todo o material publicado nesta revista pode ser reutilizado para fins natildeo comerciais desde que a fonte seja citada

PROPRIETAacuteRIOCasa das CiecircnciasICETAFaculdade de CiecircnciasUniversidade do PortoRua do Campo Alegre 6874169-007 Portorcecasadascienciasorg

CORPO EDITORIAL DA REVISTADE CIEcircNCIA ELEMENTAR

EDITORJoseacute Ferreira Gomes (UNIVERSIDADE DO PORTO)

EDITOR CONVIDADOJoseacute Francisco Rodrigues (UNIVERSIDADE DE LISBOA)

CONSELHO EDITORIAL Joatildeo Lopes dos Santos (UNIVERSIDADE DO PORTO)

Jorge Manuel Canhoto (UNIVERSIDADE DE COIMBRA)

Joseacute Francisco Rodrigues (UNIVERSIDADE DE LISBOA)

Luiacutes Viacutetor Duarte (UNIVERSIDADE DE COIMBRA)

Maria Joatildeo Ramos (UNIVERSIDADE DO PORTO)

Paulo Fonseca (UNIVERSIDADE DE LISBOA)

Paulo Ribeiro-Claro (UNIVERSIDADE DE AVEIRO)

PRODUCcedilAtildeO E SECRETARIADOPedro FreitasAlexandra CoelhoGuilherme Monteiro

NORMAS DE PUBLICACcedilAtildeO NA RCEA Revista de Ciecircncia Elementar dirige-se a um puacuteblico alargado de professores do ensino baacutesico e secundaacuterio aos estudantes de todos os niacuteveis de ensino e a todos aqueles que se interessam pela Ciecircncia Discutiraacute conceitos numa linguagem elementar mas semprecom um rigor superior

INFORMACcedilAtildeO PARA AUTORES E REVISORESConvidam-se todos os professores e investigadores a apresentarem os conceitos baacutesicos do seu labor diaacuterio numa linguagem que a generalidade da populaccedilatildeo possa ler e compreenderPara mais informaccedilatildeo sobre o processo de submissatildeode artigos consulte a paacutegina da revista emrcecasadascienciasorg

REVISTA DE CIEcircNCIAELEMENTAR

V602JUNHO 2018

IacuteNDICE

AGENDA

NOTIacuteCIAS

EDITORIAL

Do crescimento das populaccedilotildees

agrave epidemiologia e virologiaJoseacute Francisco Rodrigues

ARTIGOS

Campos (Fiacutesica)Eduardo Lage

Espectroscopia VibracionalPaulo Ribeiro Claro

O crescimento exponencial de

populaccedilotildees Euler ou MalthusSuzana Naacutepoles

ArtroacutepodesMiguel Santos Rubim Almeida

Sara C Antunes

Biocombustiacuteveis

seratildeo a soluccedilatildeoMatilde Viegas Maria Joatildeo Ramos

Pedro Alexandrino Fernandes

Stephen Hawking

e a sua contribuiccedilatildeo

para a fiacutesica teoacutericaOrfeu Bertolami Claacuteudio Gomes

RochaA M Galopim de Carvalho

NOTIacuteCIAS EDUCATIVAS

Software educativo

em preacute-caacutelculo e caacutelculo

diferencialAna C Conceiccedilatildeo

O Aroma das PlantasLuiacutes Gaspar Pedro Ana Cristina

Figueiredo Joseacute Gonccedilalves Barroso

AOS OLHOS DA CIEcircNCIA

Paisagens da Islacircndia

Formas e Processos (III)Fernando Carlos Lopes

IMAGEM EM DESTAQUE

Origami e ViacuterusJoseacute Francisco Rodrigues

Krystyna Burczyk

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2104(2017)

a 3112(2018)

Plantas e Povos

Nesta exposiccedilatildeo eacute possiacutevel observar objetos

etnobotacircnicos e etnograacuteficos fotografias e

filmes das coleccedilotildees provenientes do Instituto de

Investigaccedilatildeo Cientiacutefica Tropical e do MUHNAC

MNHNC LISBOA

HTTPWWWMUSEUSULISBOAPTPT-PTPLANTAS-E-POVOS

2307a 2707(2018)

11ordf Conferecircncia Europeia de Biologia Teoacuterica e Matemaacutetica

Co-organizada pela Sociedade Portuguesa de

Matemaacutetica a 11ordf Conterecircncia Europeia de Biologia

Teoacuterica e Matemaacutetica realiza-se em Lisboa de 23 a

27 de julho de 2018 sob os auspiacutecios das Sociedades

Europeias de Matemaacutetica (EMS) e de Biologia Teoacuterica

e Matemaacutetica (ESMTB) e celebra em Portugal o Ano

Europeu da Biologia Matemaacutetica 2018

LISBOA HTTPWWWECMTB2018ORG

0609a 0709(2018)

I Encontro da Casa das Ciecircncias mdash Accedilores

Vai realizar-se na cidade de Ponta Delgada

o I Encontro da Casa das Ciecircncias mdash Accedilores

com o apoio do Governo Regional e da

Universidade dos Accedilores As inscriccedilotildees estatildeo

jaacute abertas Reserve o seu lugar

PONTA DELGADA HTTPWWWCASADASCIENCIAS

ORG2018ENCONTROAZORES

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3

Marcelo Viana fala de Matemaacutetica no ano em que o Brasil organiza o 28ordm Congresso Internacional de Matemaacuteticos

httprevistapesquisafapespbr20180320marcelo-viana-uma-equacao-dificil

O matemaacutetico luso-brasileiro Marcelo Via-

na formado pela Universidade do Porto em

1984 atual diretor do Instituto de Matemaacuteti-

ca Pura e Aplicada (IMPA) no Rio de Janei-

ro eacute o organizador geral do 28ordm Congresso

Internacional de Matemaacuteticos (ICM 2018) e

foi entrevistado recentemente pela revista

brasileira Pesquisa FAPESP Nessa entrevis-

ta fala natildeo soacute do mais importante congresso

de matemaacuteticos que se realiza de quatro em

quatro anos e onde satildeo atribuiacutedas as Meda-

lhas Fields consideradas os preacutemios Nobel

da Matemaacutetica mas tambeacutem da sua expe-

riecircncia pessoal em Portugal e no IMPA onde

se doutorou em 1990 Fala da situaccedilatildeo atual

da matemaacutetica brasileira e mais geralmen-

te afirma que ldquoem matemaacutetica nunca se

sabe o que vai resultar em uma aplicaccedilatildeo

Esta eacute uma regra-chave eacute preciso deixar o

ser humano exercer sua criatividade Quan-

do os avanccedilos da matemaacutetica satildeo aplicados

eles satildeo invisiacuteveis Sem matemaacutetica a tomo-

grafia natildeo existiria Haacute muita matemaacutetica no

modo como o sinal de uma partida de futebol

eacute transmitido por exemplordquo

10 de Outubro de 2018 foi proposto para Dia da Biologia Matemaacutetica

httpswwwesmtborgnews141-year-of-mathematical-biology-2018httpeuro-math-soceuyear-mathematical-biology-2018

Numa iniciativa conjunta da Sociedade Eu-

ropeia de Matemaacutetica (EMS) com a Socie-

dade Europeia de Biologia Teoacuterica e Mate-

maacutetica (ESMTB) estaacute a ser celebrado este

ano o Ano da Biologia Matemaacutetica 2018

com muacuteltiplas iniciativas cientiacuteficas em

muitos paiacuteses da Europa Foi ainda propos-

to celebrar o Dia da Biologia Matemaacutetica a

10 de outubro cuja data invoca os diacutegitos da

morfogenia humana

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GRIPENET e BBC Four Pandemics

httpwwwgripenetpthttpswwwinfluenzaneteuhttpswwwbbccoukprogrammesp059y0p1

Haacute cem anos a pandemia da gripe espanhola

de 1918 dizimou entre 3 a 5 da populaccedilatildeo

mundial e foi uma das mais letais da histoacuteria

da humanidade Uma nova pandemia de gripe

poderaacute acontecer mais tarde ou mais cedo e

sem alarmismo o canal BBC Four lanccedilou em

marccedilo de 2018 o programa Contagion The BBC

Four Pandemic em colaboraccedilatildeo com um grupo

de matemaacuteticos da Universidade de Cambridge

Esse programa de ciecircncia cidadatilde tem como ob-

jetivo ajudar a combater uma futura pandemia

de doenccedilas infecciosas divulgando por um

lado o conhecimento cientiacutefico e a modelaccedilatildeo

matemaacutetica subjacente agraves epidemias e por ou-

tro atraveacutes de uma aplicaccedilatildeo para telemoacutevel

a BBC Pandemic app promovendo uma expe-

riecircncia de ciecircncia cidadatilde ao coligir dados auto-

rizados dos movimentos das pessoas dos seus

contactos e ainda outra informaccedilatildeo pessoal

Este projeto eacute um sucedacircneo do projeto europeu

Influenzanet iniciado na Holanda com partici-

paccedilatildeo portuguesa desde 2005 como GRIPENET

numa iniciativa dos investigadores do Instituto

Gulbenkian de Ciecircncias que continua no Insti-

tuto Nacional de Sauacutede Doutor Ricardo Jorge e

eacute atualmente o maior repositoacuterio em liacutengua por-

tuguesa de conteuacutedos em linha sobre a gripe

IMAGINARY lanccedila apelo de moacutedulos para uma Exposiccedilatildeo sobre Matemaacutetica e Muacutesica

httpsimaginaryorgmnm-call

A organizaccedilatildeo IMAGINARY open mathematics

atraveacutes da sua plataforma destinada a pro-

mover a divulgaccedilatildeo da matemaacutetica de forma

aberta e interativa lanccedilou um apelo agrave par-

ticipaccedilatildeo puacuteblica de matemaacuteticos muacutesicos

informaacuteticos e cidadatildeos interessados em con-

tribuir com moacutedulos de fonte ou coacutedigo aber-

tos que expliquem simulem eou mostrem as

relaccedilotildees e interaccedilotildees entre a Matemaacutetica e a

Muacutesica O objetivo eacute a realizaccedilatildeo da exposiccedilatildeo

ldquoThe Sound of Mathematicsrdquo a abrir em 2019

exatamente vinte anos apoacutes o FORUM Diderot

sobre Matemaacutetica e Muacutesica organizado pela

Sociedade Europeia de Matemaacutetica (EMS) que

se realizou a 3 e 4 de dezembro de 1999 si-

multaneamente em Lisboa Paris e Viena

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Do crescimento das populaccedilotildees agrave epidemiologia e virologia

Decorrendo o Ano da Biologia Matemaacutetica 2018 uma iniciativa da Sociedade Europeia de

Matemaacutetica (EMS) em conjunto com a Sociedade Europeia de Biologia Teoacuterica e Matemaacutetica

(ESMTB) acontecem este ano na Europa um elevado nuacutemero de iniciativas cientiacuteficas para

celebrar o extraordinaacuterio progresso das aplicaccedilotildees matemaacuteticas na Biologia cujo veacutertex

desta influecircncia muacutetua ainda estaacute por acontecer Se histoacuterica e atualmente o progresso da

compreensatildeo de vaacuterios processos bioloacutegicos trouxe agrave matemaacutetica incluindo a estatiacutestica

novos problemas e conceitos natildeo eacute menos verdade que o rigor dos meacutetodos matemaacuteticos

tem e continuaraacute a desempenhar um contributo admiraacutevel para avaliar ou afastar hipoacuteteses

feitas por bioacutelogos neurocientistas e outros investigadores em medicina

Podemos considerar que o iniacutecio da interaccedilatildeo profiacutecua entre a Matemaacutetica e a Biologia se

iniciou em meados do seacuteculo XVIII em particular com a descriccedilatildeo do crescimento exponen-

cial das populaccedilotildees pelo matemaacutetico Leonard Euler cinquenta anos antes de Malthus As

questotildees quantitativas da mortalidade e da esperanccedila de vida do geacutenero humano um tema

central das ciecircncias atuariais das pensotildees e seguros que comeccedilaram a ser tabeladas ainda

em seiscentos e motivaram uma notaacutevel memoacuteria de Euler apresentada agrave Academia de Ciecircn-

cias de Berlim em 1760 foram moacutebiles para o desenvolvimento da teoria das probabilidades

e de meacutetodos estatiacutesticos Por outro lado nesse mesmo ano Daniel Bernoulli apresentou agrave

Academia de Ciecircncias de Paris um primeiro modelo diferencial para analisar a propagaccedilatildeo

da variacuteola e defender as vantagens da inoculaccedilatildeo para a prevenir que foi um trabalho pionei-

ro na aplicaccedilatildeo das equaccedilotildees diferenciais agrave variaccedilatildeo das populaccedilotildees e podemos considerar

como numa carta agrave Nature de 2000 que ldquoBernoulli was ahead of modern epidemiologyrdquo

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Hoje em dia o domiacutenio da Biomatemaacutetica eacute vastiacutessimo e vai muito aleacutem da dinacircmica das

populaccedilotildees da ecologia teoacuterica agrave epidemiologia meacutedica da geneacutetica agrave virologia da formaccedilatildeo

de padrotildees agraves redes neuronais da bioestatiacutestica agrave anaacutelise proteoacutemica da biomecacircnica agrave

fisiologia animal etc Se existem aacutereas da Matemaacutetica com maiores relaccedilotildees com a Biologia

nomeadamente na modelaccedilatildeo matemaacutetica e numeacuterica incluindo os sistemas dinacircmicos as

equaccedilotildees com derivadas parciais os processos estocaacutesticos e a estatiacutestica novas intera-

ccedilotildees estatildeo a surgir na geometria e na topologia no tratamento de dados e nas relaccedilotildees com

machine learning ou aacutelgebra computacional

Por exemplo no encontro kick-off do ano da Biologia Matemaacutetica realizado na Finlacircndia

a 4 e 5 de janeiro uma das conferecircncias plenaacuterias de Benoicirct Perthame da Universidade de

Paris-Sorbone abordou as ligaccedilotildees entre dois tipos de modelos matemaacuteticos para o cresci-

mento de tumores a descriccedilatildeo lsquomicroscoacutepicarsquo ou lsquocompressiacutevelrsquo agrave escala da densidade da

populaccedilatildeo celular e uma descriccedilatildeo mais macroscoacutepica ou lsquoincompressiacutevelrsquo que eacute baseada

num problema com fronteira livre do tipo da equaccedilatildeo claacutessica de Hele-Shaw um modelo

bidimensional bem conhecido para escoamento de fluidos entre duas placas paralelas

Outro exemplo atual decorreu do projeto multidisciplinar europeu DENFREE flying towards

the efficient control of dengue iniciado em 2012 e coordenado pelo Instituto Pasteur o qual

teve participaccedilatildeo portuguesa em particular de biomatemaacuteticos do CMAFUniversidade de Lis-

boa Um dos seus objetivos constituiu na elaboraccedilatildeo de modelos preditivos para combater a

epidemia do viacuterus do dengue baseados na dinacircmica computacional natildeo-linear combinada com

a anaacutelise estatiacutestica de dados sobre a vacinaccedilatildeo a niacutevel mundial Esses modelos permitiram

conclusotildees relevantes e contribuiacuteram para uma melhor administraccedilatildeo da Denvaxia uma vaci-

na do dengue recomendada pelo WHO Strategic Advisory Group of Experts (SAGE) e levaram a

multinacional Sanofi-Pasteur produtora daquela vacina a alterar a recomendaccedilatildeo de vacina-

ccedilatildeo apenas para as pessoas seropositivas Contudo isso aconteceu com um ano de atraso face

agrave prediccedilatildeo do modelo do DENFREE o que foi criticado por dois daqueles investigadores numa

carta de 21-12-2017 publicada na revista The Lancet Infectious Diseases

Portugal que jaacute em 2009 no bicentenaacuterio de Charles Darwin havia acolhido o encontro

The Mathematics of Darwinrsquos Legacy numa organizaccedilatildeo do Centro Internacional de Mate-

maacutetica em colaboraccedilatildeo com a ESMTB e o apoio da Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian acolhe

agora o principal acontecimento do Ano da Biologia Matemaacutetica 2018 a 11th European Con-

ference on Mathematical and Theoretical Biology (httpecmtb2018org) que se realiza na

Faculdade de Ciecircncias da Universidade de Lisboa de 23 a 27 de julho e natildeo poderaacute ficar indi-

ferente agrave celebraccedilatildeo do primeiro Dia da Biologia Matemaacutetica a 10 de outubro que se espera

ter continuidade anual e cujo logo invoca a morfogeacutenese humana

Joseacute Francisco RodriguesEditor convidado

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Campos (Fiacutesica)Eduardo Lage

Universidade do Porto

O conceito de campo eacute dos mais fundamentais em Fiacutesica Tal como um campo de flores

variadas pode ter em cada canteiro um letreiro identificando a espeacutecie aiacute plantada um

campo fiacutesico eacute uma regiatildeo do espaccedilo em que eacute definida uma etiqueta caraterizando o valor

de uma grandeza em cada ponto e em cada instante Na sua formulaccedilatildeo inicial devida a

Michael Faraday (1849) o campo era um auxiliar que permitia imaginar a forccedila eleacutetrica

que se exerceria sobre uma carga colocada nesse ponto Com a formulaccedilatildeo definitiva de

James Clerk Maxwell (1864) para as leis do electromagnetismo (conhecidas por equaccedilotildees

de Maxwell) o campo ganhou uma realidade fiacutesica O campo pode propagar-se como on-

das atraveacutes do espaccedilo destronando a ideia de forccedilas instantacircneas agrave distacircncia A teoria da

relatividade restrita (Einstein 1905) viria a incorporar este conceito num dos seus postu-

lados (nada ultrapassa a luz no vazio) obrigando a aceitar o campo como uma realidade

fundamental Todas as teorias a partir de entatildeo satildeo teorias de campo alargando o seu

acircmbito agraves forccedilas nucleares fortes (responsaacuteveis pela coesatildeo do nuacutecleo) e fracas (originan-

do a desintegraccedilatildeo do neutratildeo livre) e exigindo mesmo uma reformulaccedilatildeo da lei da atraccedilatildeo

universal (Newton) corporizada na teoria da relatividade geral (Einstein 1915)

A importacircncia do conceito de campo fez-se sentir em outros domiacutenios da Fiacutesica Assim

passaacutemos a falar em diversos tipos de campos

a) Escalares tais como os campos de densidade temperatura ou pressatildeo (FIGURA 1)

para discutir fenoacutemenos atmosfeacutericos ou o interior de planetas ie a etiqueta tem apenas

um nuacutemero identificando o valor da grandeza

FIGURA 1 Diferenccedila de pressotildees em relaccedilatildeo agrave pressatildeo atmosfeacuterica normal atraveacutes de cores identificando valores numeacutericos (abaixo representados)

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b) Vetoriais tais como os campos de velocidade (FIGURA 2) ou aceleraccedilatildeo num

soacutelido riacutegido o campo eletromagneacutetico ou graviacutetico ie a etiqueta tem trecircs nuacutemeros as

componentes do vetor associado agrave grandeza respetiva

FIGURA 2 Campo de velocidades de um fluido onde cada seta representa a velocidade do fluido no ponto onde se situa a origem da seta

c) Tensoriais tais como os campos de deformaccedilatildeo ou tensatildeo (FIGURA 3) em soacutelidos

deformaacuteveis ou o tensor de Maxwell no eletromagnetismo A etiqueta tem agora nove nuacute-

meros em geral (para tensores de 2ordf ordem) as componentes do tensor correspondente

agrave grandeza medida

FIGURA 3 Componentes do tensor das tensotildees onde por exemplo σyx eacute a componente da tensatildeo (vetor) segundo x para uma superfiacutecie normal ao eixo y Por convenccedilatildeo a tensatildeo eacute exercida pela parte exterior ao cubo

O campo escalar eacute talvez o mais simples e o seu estudo atraveacutes de um exemplo e pos-

teriormente generalizado permite obter vaacuterios resultados importantes que se revelam

tambeacutem importantes nos campos vetoriais e tensoriais

x

z

y

σxx

σyx

σxx

σyx

σzx

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018039

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Espectroscopia VibracionalPaulo Ribeiro ClaroCICECO Universidade de Aveiro

Designa-se por ldquoespectroscopia vibracionalrdquo a teacutecnica que mede a interaccedilatildeo da radiaccedilatildeo

eletromagneacutetica com os movimentos de vibraccedilatildeo de um sistema molecular

Qualquer sistema que contenha aacutetomos ligados entre si tem movimentos vibracionais

desde as moleacuteculas diatoacutemicas aos sistemas bioloacutegicos e aos materiais mais diversos

Deste modo as diversas teacutecnicas de espectroscopia vibracional satildeo muito utilizadas

tanto na caraterizaccedilatildeo de sistemas como em anaacutelise quiacutemica Estas aplicaccedilotildees

estendem-se atualmente ateacute agrave imagem meacutedica

Graus de liberdade de um sistema molecular

Considerando uma associaccedilatildeo de N aacutetomos (moleacutecula iatildeo ou radical) em fase gasosa ndash isto

eacute isolada e livre de restriccedilotildees externas ao seu movimento ndash cada um dos seus aacutetomos pode

deslocar-se segundo as trecircs direccedilotildees do espaccedilo descritas pelos eixos coordenados ou ve-

tores xyz Teremos assim 3N vetores que podem combinar-se em 3N movimentos distintos

FIGURA 1 Representaccedilatildeo esquemaacutetica dos 3N graus de liberdade de uma moleacutecula diatoacutemica A linha superior representa as trecircs translaccedilotildees a linha inferior representa as duas rotaccedilotildees e uma vibraccedilatildeo (O nuacutemero de vibraccedilotildees independentes eacute dado pela diferenccedila entre o nuacutemero de graus de liberdade e o nuacutemero de translaccedilotildees e rotaccedilotildees 3N-5) O movimento de vibraccedilatildeo pressupotildee que a ligaccedilatildeo entre os aacutetomos funciona como uma mola (que forccedilaraacute os aacutetomos a inverterem o sentido do movimento)

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Quando todos os aacutetomos se movem coordenadamente na direccedilatildeo um dado vetor (por

exemplo direccedilatildeo z FIGURA 1 primeira imagem) isso representa a translaccedilatildeo da moleacutecula

nessa direccedilatildeo Para uma moleacutecula isolada haacute pois trecircs movimentos ndash ou graus de liberdade

ndash translacionais

De igual modo eacute possiacutevel encontrar combinaccedilotildees de movimentos individuais dos aacutetomos

que resultam numa rotaccedilatildeo da moleacutecula em torno do seu centro de massa Estes graus de

liberdade rotacionais satildeo tambeacutem trecircs para a maioria das moleacuteculas Em moleacuteculas linea-

res haacute apenas dois graus de liberdade rotacionais pois natildeo existe rotaccedilatildeo em torno do eixo

molecular (natildeo moveria nenhum aacutetomo)

As restantes combinaccedilotildees de movimentos atoacutemicos resultam em movimentos dos aacutetomos

entre si sem que haja translaccedilatildeo ou rotaccedilatildeo da moleacutecula ou seja correspondem a graus de

liberdade vibracionais Deste modo um sistema molecular com N aacutetomos tem 3N-6 vibra-

ccedilotildees (3N-5 se for linear)

A soluccedilatildeo da equaccedilatildeo de Schoumldinger para uma partiacutecula livre em movimento tem como

significado fiacutesico a natildeo-quantizaccedilatildeo da energia translacional Dito de outro modo os graus

de liberdade translacionais satildeo contiacutenuos Contudo o mesmo natildeo se passa com os movimen-

tos os rotacionais e vibracionais a que correspondem niacuteveis de energia discretos (ou quan-

tizados) Assim eacute possiacutevel observar transiccedilotildees entre os niacuteveis rotacionais (espectroscopia

rotacional) ou entre os niacuteveis vibracionais (espectroscopia vibracional) Como seraacute discutido

abaixo numa moleacutecula em fase gasosa eacute possiacutevel observar transiccedilotildees em que se alteram si-

multaneamente o estado vibracional e o estado rotacional (por vezes abreviadas para ldquotran-

siccedilotildees roto-vibracionaisrdquo)

O modelo mais simples para descrever as vibraccedilotildees moleculares eacute o modelo do oscilador

harmoacutenico diatoacutemico dois aacutetomos de massa m1 e m2 ligados por uma mola perfeitamente

elaacutestica (FIGURA 2A) Os dois aacutetomos oscilam em torno da distacircncia de equiliacutebrio num mo-

vimento que pode ser designado por ldquoelongaccedilatildeo linearrdquo (e frequentemente abreviado para

ldquoelongaccedilatildeordquo)

Por resoluccedilatildeo da equaccedilatildeo de Schroumldinger para este modelo obteacutem-se a expressatildeo da

energia dos niacuteveis vibracionais

)frac12v(v += νhE

onde v eacute o nuacutemero quacircntico vibracional (v = 0 1 2 3 hellip) e ν eacute a frequecircncia de vibraccedilatildeo

do oscilador harmoacutenico Segundo este modelo os niacuteveis de energia de um oscilador estatildeo

igualmente espaccedilados sendo a diferenccedila entre eles igual a hν (FIGURA 2B) A regra de sele-

ccedilatildeo para o oscilador harmoacutenico eacute Δv = 1 pelo que o espectro vibracional de uma moleacutecula

diatoacutemica nesta aproximaccedilatildeo consiste num uacutenico sinal de frequecircncia ν independentemente

do niacutevel de partida

(1)

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FIGURA 2 A - Oscilador harmoacutenico constituiacutedo por duas esferas de massa m1 e m2 ligadas por uma mola sem limite de elasticidade (obedece agrave lei de Hooke para qualquer deformaccedilatildeo) B - Esquema da distribuiccedilatildeo dos niacuteveis de energia vibracionais em funccedilatildeo do nuacutemero quacircntico v e valor da separaccedilatildeo energeacutetica entre niacuteveis consecutivos

A frequecircncia do oscilador depende naturalmente da forccedila da ldquomolardquo ou seja do grau de

rigidezelasticidade da ligaccedilatildeo quiacutemica que se traduz na constante de forccedila da ligaccedilatildeo k

Esta constante de forccedila eacute a que define a resistecircncia da mola agrave deformaccedilatildeo ou seja a forccedila

que eacute necessaacuterio efetuar para provocar uma deformaccedilatildeo de Δx de acordo com a lei de

Hooke F = k Δx A equaccedilatildeo da frequecircncia do oscilador harmoacutenico eacute entatildeo dada por

μπν

k21

=

onde μ eacute a massa reduzida do oscilador

Os osciladores reais satildeo anarmoacutenicos uma vez que as ligaccedilotildees quiacutemicas natildeo se compor-

tam como molas perfeitamente elaacutesticas A FIGURA 5 compara a funccedilatildeo de energia potencial

do oscilador harmoacutenico com uma curva pouco anarmoacutenica (FIGURA 3A) e muito anarmoacutenica

(FIGURA 3B) A situaccedilatildeo real corresponde agrave curva de alta anarmonicidade (FIGURA 3B) jaacute que

as ligaccedilotildees quiacutemicas quebram quando satildeo estiradas excessivamente

FIGURA 3 Comparaccedilatildeo entre o oscilador harmoacutenico (linha a vermelho) e anarmoacutenico (linha a preto) para duas situaccedilotildees A - baixa anarmonicidade e B - alta anarmonicidade Notar que a regiatildeo da transiccedilatildeo fundamental(0rarr1) eacute muito razoavelmente descrita pelo oscilador harmoacutenico em qualquer dos casos

(2)

A B

A B

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A energia dos niacuteveis de um oscilador anarmoacutenico eacute dada por

2v )frac12v()frac12v( +-+= exhhE νν

onde xe eacute a constante de anarmonicidade especiacutefica de cada oscilador

Um efeito imediato da anarmonicidade eacute a diminuiccedilatildeo progressiva do espaccedilamento ener-

geacutetico entre os niacuteveis (tal como se observa na FIGURA 3)

ΔEv0rarr1 = hν(1 ndash 2 x) ΔEv1rarr2

= hν(1 ndash 4 x) ΔEv2rarr3 = hν(1 ndash 6 x)

Proacuteximo da energia de dissociaccedilatildeo o espaccedilamento tende para zero o que permite estimar

a energia de uma ligaccedilatildeo a partir da sua frequecircncia de vibraccedilatildeo e da correspondente anar-

monicidade

exhD 4e ν=

A regra de seleccedilatildeo para o oscilador anarmoacutenico eacute Δv = 1 2 3 hellip sendo possiacutevel observar

diversas transiccedilotildees Enquanto a transiccedilatildeo do niacutevel v=0 para v=1 eacute designada por transiccedilatildeo

fundamental as transiccedilotildees de v=0 para vgt1 satildeo designadas sobretons

Quando a populaccedilatildeo dos niacuteveis excitados eacute significativa eacute possiacutevel observar as transiccedilotildees

v=1 para v=2 v=2 para v=3 etc Estas transiccedilotildees aumentam de intensidade por aumento

da temperatura (ver distribuiccedilatildeo de populaccedilatildeo de Boltzmann) pelo que as correspondentes

bandas do espectro vibracional satildeo designadas por ldquobandas quentesrdquo

Esta anaacutelise do espectro vibracional de sistemas diatoacutemicos pode estender-se a sistemas

poliatoacutemicos Em sistemas poliatoacutemicos observam-se vaacuterios movimentos de ldquoelongaccedilatildeo li-

nearrdquo (tantos quantos as ligaccedilotildees entre 2 aacutetomos) de ldquodeformaccedilatildeo angularrdquo (envolvendo 3

aacutetomos ligados) de ldquotorccedilatildeordquo e de ldquodeformaccedilatildeo para fora do planordquo (envolvendo 4 aacutetomos

ligados) Estes movimentos combinam-se nas 3N-6 vibraccedilotildees globais da moleacutecula desig-

nados por modos normais de vibraccedilatildeo Em alguns casos os modos normais de vibraccedilatildeo es-

tatildeo altamente localizados num grupo definido de aacutetomos ndash por exemplo o grupo carbonilo

(C=O) ndash e originam bandas no espectro vibracional que satildeo carateriacutesticas desse grupo de

aacutetomos e mais ou menos independentes do resto da moleacutecula Estas vibraccedilotildees satildeo desig-

nadas por frequecircncias de grupo muito utilizadas em caraterizaccedilatildeo quiacutemica Estes toacutepicos

seratildeo desenvolvidos num texto proacuteprio

Transiccedilotildees roto-vibracionais numa abordagem breve

Tal como referido acima eacute possiacutevel observar transiccedilotildees vibracionais (Δv = 1 2 3 hellip) acom-

panhadas de transiccedilotildees rotacionais (ΔJ= 1) Considerando estes graus de liberdade como

independentes entre si a energia dos niacuteveis num oscilador diatoacutemico eacute dada simplesmente

pela soma da equaccedilatildeo (3) com a equaccedilatildeo do rotor diatoacutemico

(3)

(4)

(5)

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222J v )1()frac12v()1()frac12v( +++-+++= JDxhJBhE eνν J J ][

Ignorando os termos anarmoacutenico e de distorccedilatildeo centriacutefuga ndash indicados entre parecircntese

rectos ndash a energia da transiccedilatildeo vibracional fundamental num oscilador diatoacutemico eacute dada por

ΔEv=0rarrv=1 = hν + B[J(J+1)minusJrsquo(Jrsquo+1)]

onde J eacute o nuacutemero quacircntico rotacional do estado inicial v=1 e Jrsquo eacute o nuacutemero quacircntico

rotacional do estado final v = 1

A FIGURA 4 ilustra as transiccedilotildees que correspondem a Jrsquo=J-1 Jrsquo=J e Jrsquo=J+1 e a FIGURA 5

apresenta o espectro observado para o oscilador diatoacutemico real HCl No espectro real o efeito

da anarmonicidade do oscilador no valor de B eacute evidente

FIGURA 4 Esquema simplificado das transiccedilotildees roto-vibracionais numa moleacutecula diatoacutemica Os niacuteveis natildeo estatildeo agrave escala As transiccedilotildees com Jrsquo=J-1 (a verde) originam as bandas do Ramo P e as transiccedilotildees com Jrsquo=J+1 (a azul) originam o Ramo R As transiccedilotildees com Jrsquo=J (a amarelo) originam o Ramo Q mas natildeo satildeo permitidas em moleacuteculas diatoacutemicas

FIGURA 5 Espectro roto-vibracional da moleacutecula diatoacutemica HCl com a indicaccedilatildeo da posiccedilatildeo do Ramo Q (transiccedilotildees natildeo permitidas por regra de seleccedilatildeo) Notar que todos os sinais aparecem desdobrados em dois uma amostra real de HCl conteacutem as formas isotoacutepicas H35Cl e H37Cl a que correspondem diferentes valores de B Notar tambeacutem que o espaccedilamento entre bandas no ramo P eacute maior que no ramo R no estado fundamental v=0 a distacircncia interatoacutemica meacutedia eacute menor do que para v=1 pelo que B gt Brsquo Notar que a transiccedilatildeo Jrsquo=J eacute proibida pelo que natildeo aparece a banda Q

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O crescimento exponencial de populaccedilotildees Euler ou Malthus Suzana NaacutepolesUniversidade de Lisboa

Em 1798 no livro An Essay on the Principle of Population que teve seis ediccedilotildees Thomas

Malthus (1766-1864) um cleacuterigo e erudito inglecircs influente nos campos da economia po-

liacutetica e da demografia escreveu

ldquoA populaccedilatildeo quando natildeo controlada aumenta em progressatildeo geomeacutetrica A subsistecircncia

aumenta apenas em progressatildeo aritmeacutetica Um pequeno conhecimento dos nuacutemeros mostra-

raacute a imensidatildeo do primeiro poder em comparaccedilatildeo com o segundoldquo

Malthus natildeo tentou traduzir matematicamente o seu modelo de crescimento Limitou-se a

caraterizaacute-lo pressupondo que a taxa segundo a qual a populaccedilatildeo cresce num determinado

instante eacute proporcional agrave populaccedilatildeo total nesse mesmo instante

Numa revisatildeo da primeira ediccedilatildeo discutiu em detalhe os obstaacuteculos para o crescimento

da populaccedilatildeo em vaacuterios paiacuteses nomeadamente atraso no casamento aborto infanticiacutedio

fome guerra epidemias e fatores econoacutemicos Para ele o casamento retardado era a melhor

opccedilatildeo para estabilizar a populaccedilatildeo

Para caraterizar matematicamente este modelo considerando o crescimento em anos

consecutivos e supondo uma taxa de crescimento r em cada ano se num ano n a popula-

ccedilatildeo eacute Pn no ano seguinte a populaccedilatildeo seraacute Pn +1= (1 + r ) Pn pelo que Pn+1= (1 + r ) n P0 e o

crescimento eacute descrito por uma progressatildeo geomeacutetrica de razatildeo 1 + r

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15FIGURA 1 Thomas Malthus

Supondo uma variaccedilatildeo contiacutenua do tempo e designando por P(t) a populaccedilatildeo no instante

t e por r a taxa de crescimento por unidade de tempo a equaccedilatildeo diferencial que traduz o

modelo contiacutenuo preconizado por Malthus eacute Prsquo(t) = r P(t) Entatildeo P(t) = ke r t com k constante

Como P(0) = k e P0 o nuacutemero de indiviacuteduos no ano zero a evoluccedilatildeo da populaccedilatildeo eacute dada

por P(t) = P0 e rt

Acontece que 50 anos antes em Introductio in analysin infinitorum no VI capiacutetulo

ldquoDe quantidades exponenciais e logaritmosrdquo para ilustrar a grande utilidade das ta-

belas de logaritmos para abreviar caacutelculos numeacutericos o matemaacutetico suiacuteccedilo Leonhard

Euler (1707-1783) daacute vaacuterios exemplos que envolvem o crescimento populacional de

que transcrevemos os exemplos II e III

FIGURA 2 Leonhard Euler e o seu Introductio in analysin infinitorum

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Exemplo II

ldquoSe a populaccedilatildeo em certa regiatildeo aumenta anualmente um trigeacutesimo e por outro lado laacute

habitavam no princiacutepio 100000 pessoas pergunta-se qual o nuacutemero de habitantes apoacutes

100 anos

Seja o nuacutemero inicial = n pelo que n = 100000 passado um ano o nuacutemero de habitantes

seraacute = (1+301 )n=30

13 n depois de dois anos = S X3013 2

n ao cabo de trecircs = S X3013 3

n e daqui

depois de 100 anos seraacute = S X3013 100

n = S X3013 100

100000 cujo logaritmo eacute = 100 l 1013 +

l 100000 E l 1013 = l 31 - l 10 = 0014240439 de onde 100 l 10

13 = 14240439 que somando-

-lhe l 100000 = 5 seraacute o logaritmo do nuacutemero de habitantes procurado = 64240439 a que

corresponde o nuacutemero 2654874

Assim ao cabo de 100 anos seraacute mais de vinte e seis vezes maiorrdquo

Este exemplo publicado em 1748 eacute meio seacuteculo antes a concretizaccedilatildeo do ldquoModelo Mal-

thusianordquo para uma populaccedilatildeo de 100000 habitantes e uma taxa de crescimento anual de

130

No exemplo seguinte Euler faz alusatildeo ao capiacutetulo 7 do Livro do Genesis que relata como

um diluacutevio reduziu a populaccedilatildeo da terra a seis seres humanos

Exemplo III

ldquoComo a humanidade se espalhou apoacutes o diluacutevio por obra de seis seres humanos se o nuacute-

mero destes alcanccedilar duzentos anos depois o nuacutemero 1000000 pergunta-se em que parte

deveria crescer anualmente o nuacutemero de humanos

Se aumentar em cada ano x1 duzentos anos depois o nuacutemero de humanos seria =

xx1 200+S X 6 = 1000000 e por tanto x

16

1000000 2001

+ = S Xx

Portanto l x1

2001+ =x l

61000000 =200

1 52218487 = 00261092

e assim =x1+x

10000001061963 e 1000000 = 61963x donde x =16 aproxidamente

Bastaraacute pois que os humanos aumentem por ano a sua deacutecima sexta parte [] Contudo se

o nuacutemero de homens tivesse crescido na mesma proporccedilatildeo durante um intervalo de 400

anos deveria chegar a 1000000 10000006

= 166666666666 cujo sustento a terra inteira

natildeo seria de forma alguma capaz de darrdquo

Euler ao abordar o crescimento das populaccedilotildees tinha uma preocupaccedilatildeo matemaacutetica ndash a

de mostrar a utilidade dos logaritmos ndash que ilustrou com exemplos

Mas a observaccedilatildeo anterior leva a crer que ele considerou o modelo exponencial desade-

quado para o estudo do crescimento populacional

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TIG

O

17

A populaccedilatildeo de Portugal espelha bem a falecircncia deste modelo Segundo dados do Ins-tituto Nacional de Estatiacutestica nos duzentos anos que decorreram entre 1770 e 1970 a

populaccedilatildeo nem chegou a triplicar

TABELA 1 Populaccedilatildeo de Portugal entre 1422 a 1890

Popuccedilatildeo de Portugal (INE Lisboa)

Ano Total Variaccedilatildeo Ano Total Variaccedilatildeo

1422 1 043 274 - 1900 5 423 132 +74

1527 1 262 376 +210 1911 5 960 056 +99

1636 1 100 000 -129 1920 6 032 991 +12

1736 2 143 368 +949 1930 6 825 883 +131

1770 2 850 444 +330 1940 7 722 152 +131

1776 3 352 310 +176 1950 8 441 312 +93

1801 2 931 930 -125 1960 8 851 289 +49

1811 2 876 602 -19 1970 8 568 703 -32

1838 3 200 000 +112 1981 9 852 841 +150

1849 3 411 454 +66 1991 9 862 540 +01

1864 4 188 410 +228 2001 10 356 117 +50

1878 4 550 699 +86 2007 10 617 575 +25

1890 5 049 729 +110

Quanto a Malthus as suas preocupaccedilotildees eram de natureza poliacutetica e legislativa To-

mou como certo um crescimento exponencial da populaccedilatildeo mundial que conduziria a

uma cataacutestrofe por ausecircncia de recursos e para o travar sugeriu o recurso a poliacuteticas

adequadas Ao publicitar o modelo exponencial - que ficou conhecido como Modelo

Malthusiano - ligando-o a problemas legislativos reais abriu caminho para que dife-

rentes matemaacuteticos se dedicassem agrave modelaccedilatildeo do crescimento populacional

Em 1844 o matemaacutetico belga Pierre Verhulst (1804-1849) propocircs no artigo Recherches

matheacutematiques sur la loi drsquoaccroissement de la population um modelo em que considera que

agrave medida que a populaccedilatildeo se aproxima de um valor maacuteximo a taxa de crescimento diminui

ldquoO aumento virtual da populaccedilatildeo eacute portanto limitado pelo tamanho e pela fertilidade do paiacutes

Como resultado a populaccedilatildeo fica cada vez mais proacutexima de um estado estaacutevelrdquo

Designado por P(t) a populaccedilatildeo no instante t por r a taxa de crescimento por unidade

de tempo e por M o nuacutemero maacuteximo de indiviacuteduos que a regiatildeo pode suportar este modelo

exprime-se pela equaccedilatildeo diferencial

( )dt

dP rP MP t

1= -T Y

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18

cuja soluccedilatildeo eacute

( )( ) ( )( )

P t

MP eP e

10 10

rt

rt

=+

-

Se P(t) for muito pequeno face a M tem-se que ( )dt

dP rP MP t

1= -T Y cong r P(t) que tem a soluccedilatildeo P(t) cong P(0) e rt

e o crescimento eacute exponencial

FIGURA 4 Pierre Franccedilois Verhulst e o graacutefico da curva logiacutestica

Agrave medida que t cresce a populaccedilatildeo aproxima-se assintoticamente de M A equaccedilatildeo diferen-

cial que carateriza este modelo eacute atualmente designada por equaccedilatildeo logiacutestica e a populaccedilatildeo

maacutexima M por capacidade de carga Com Verhulst relativizou-se ldquoa hipoacutetese da progressatildeo

geomeacutetrica uma vez que ela soacute se pode verificar em circunstacircncias muito especiais por exem-

plo quando um territoacuterio feacutertil de tamanho quase ilimitado passa a ser habitado por pessoas

com uma civilizaccedilatildeo avanccedilada como foi o caso das primeiras coloacutenias americanasrdquo

Essa equaccedilatildeo foi retomada por vaacuterios matemaacuteticos e adaptada a contextos variados

Satildeo de realccedilar os casos em que a capacidade de carga varia como o tempo conduzindo

ao modelo caraterizado pela equaccedilatildeo diferencial

dtdP rP M

P1= -T Y( )t

onde a capacidade de carga M(t) = M(t +T) varia periodicamente com periacuteodo T

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19

FIGURA 5 A demografia eacute instrumental para o controlo das populaccedilotildees humanas

Desde o seacuteculo XVIII que o estudo da dinacircmica das populaccedilotildees eacute objeto de modelaccedilatildeo

matemaacutetica Na atualidade existem outros modelos de crescimento hiperboacutelicos expo-

nenciais logiacutesticos ou baseados noutras funccedilotildees Baseada nos modelos populacionais

do matemaacutetico Song Jian a Repuacuteblica Popular da China em 1980 entatildeo a atingir o biliatildeo

de habitantes instaurou uma poliacutetica estrita de filho uacutenico Essa lei foi flexibilizada em

2015 aumentando para dois o nuacutemero maacuteximo de filhos para fazer frente ao envelheci-

mento da populaccedilatildeo e agrave reduccedilatildeo do grupo de trabalhadores na faixa etaacuteria considerada

economicamente ativa

Muitos dos pareceres cientiacuteficos nas mais diversas aacutereas baseiam-se em modelos ma-

temaacuteticos que podem permitir fazer estimativas e previsotildees mas hellip ao olhar para o cres-

cimento populacional ao longo dos tempos verificamos que os modelos matemaacuteticos satildeo

instrumentais na anaacutelise da dinacircmica das populaccedilotildees

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20

Artroacutepodes Miguel Santos

Rubim Almeida

Sara C Antunes

DB CIBIO InBIO CIIMAR Universidade do Porto

Artroacutepodes (Arthropoda do grego arthro = articulado + podos = peacutes) satildeo o grupo taxonoacutemi-

co mais diversificado com distribuiccedilatildeo por quase todo o globo e ocupando todos os habitats

Satildeo organismos invertebrados com exosqueleto riacutegido apresentando apecircndices articula-

dos (patas antenas) e de nuacutemero diferenciado de acordo com o subfilo a que pertencem

Os artroacutepodes constituem um dos mais diversos grupos de organismos do planeta com-

preendendo espeacutecies que variam de 0085 mm (Tantalacus dieteri um crustaacuteceo parasita)

ateacute 38 m (envergadura do Caranguejo-aranha-gigante) Os organismos pertencentes a

este grupo encontram-se praticamente em todos os tipos de habitat A razatildeo do sucesso

evolutivo deste grupo taxonoacutemico deve-se a um conjunto de carateriacutesticas uacutenicas i) pos-

suiacuterem um exosqueleto proteico-quitinoso flexiacutevel leve e resistente que protege contra a

desidrataccedilatildeo ii) segmentaccedilatildeo do corpo e a presenccedila de apecircndices articulados especia-

lizados iii) oacutergatildeos sensoriais bem desenvolvidos (antenas sedas sensoriais olhos com-

postos olhos pedunculados ocelos quimiorrecetores nas antenas) iv) metamorfose com

diferentes estaacutedios de desenvolvimento incluindo estaacutedios larvares que podem ter um

modo de vida completamente diferente do adulto permitindo um aproveitamento de outros

recursos (alimento e espaccedilo) reduzindo a competiccedilatildeo entre indiviacuteduos da mesma espeacutecie

v) padrotildees comportamentais complexos revelando por vezes organizaccedilatildeo comunitaacuteria e

vi) sistema respiratoacuterio diverso nomeadamente o sistema traqueal onde o ar entra em

contacto direto com os tecidos devido a um eficiente sistema de tubos (traqueias) com

orifiacutecios na superfiacutecie do tegumento (espiraacuteculos) No entanto a origem e a taxonomia

deste grupo ainda constituem um tema de investigaccedilatildeo e debate Mesmo apesar dos avan-

ccedilos em aacutereas como a biologia molecular que fornece importantes conhecimentos sobre

as complexas relaccedilotildees evolutivas destes organismos muito ainda haacute por descobrir Os

artroacutepodes satildeo um grupo extremamente importante nos ecossistemas terrestres devido

natildeo soacute agrave sua enorme abundacircncia e diversidade mas tambeacutem ao grande nuacutemero de funccedilotildees

que desempenham nestes ecossistemas (ex degradaccedilatildeo da mateacuteria orgacircnica arejamento

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21

do solo ciclagem de nutrientes) O filo Arthropoda estaacute atualmente subdividido em cinco

subfilos Trilobitomorpha Crustacea Myriapoda Chelicerata e Hexapoda

O subfilo Trilobitomorpha (trilobites e os seus parentes) compreende cerca de 20 000

espeacutecies que viviam exclusivamente em ambientes marinhos e que atualmente se encon-

tram todas extintas Contudo a sua vasta distribuiccedilatildeo geograacutefica e o exosqueleto de carbo-

nato de caacutelcio permitiram que este grupo apresente um extenso registo foacutessil observaacutevel

por todo o planeta

Crustacea inclui caranguejos camarotildees e lagostas contendo mais de 60 000 espeacute-

cies e com um extenso registo foacutessil em todo o mundo eacute um dos principais grupos de

artroacutepodes A maioria dos crustaacuteceos vive em ambientes marinhos mas existem vaacuterias

espeacutecies que podem ser encontradas em ecossistemas de aacutegua doce (ordem Cladocera e

sub-classe Copepoda) e em ambientes terrestres (ordem Isopoda FIGURA 1) Apesar da

grande maioria dos crustaacuteceos serem de vida livre existem vaacuterios grupos parasitas (ex

Rhizocephala ndash crustaacuteceos cirriacutepedes parasitas de caranguejos e camarotildees Argulidae ndash

crustaacuteceos parasitas de peixes e Pentastomida ndash vermes liacutengua que parasitam o sistema

respiratoacuterio de vertebrados) Numa perspetiva diferente e de interesse econoacutemico este

grupo apresenta ainda um valor acrescido jaacute que alguns crustaacuteceos decaacutepodes como la-

gostas e camarotildees satildeo intensivamente consumidos em todo o mundo Para aleacutem da sua

importacircncia econoacutemica este grupo de organismos eacute bastante utilizado em investigaccedilatildeo

cientiacutefica nomeadamente em ecotoxicologia na avaliaccedilatildeo do efeito de contaminantes no

solo

FIGURA 1 Exemplares de organismos da ordem Isopoda (bicho-da-conta) 1 ndash famiacutelia Armadillidae 2 ndash famiacutelia Porce-llionidae em A - vista dorsal e em B - vista ventral

O subfilo Myriapoda inclui as centopeias e os miliacutepedes conteacutem mais de 11 000

espeacutecies descritas Este subfilo eacute tradicionalmente dividido em quatro classes Chi-

lopoda (centopeias) (FIGURA 2) Diplopoda (miliacutepedes) Pauropoda (ldquopoucos peacutesrdquo) e

Symphyla (pseudocentopeias) Todos os miriaacutepodes conhecidos satildeo terrestres e o seu

tamanho varia desde alguns miliacutemetros a cerca de 38 centiacutemetros (Millipede Gigante

Africano)

1

2

A B

15cm

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FIGURA 2 Vista dorsal A - e ventral B - de um organismo pertencente agrave classe Chilopoda onde se pode observar o corpo segmentado e apenas com um par de patas por segmento

O subfilo Chelicerata (aranhas aranhas do mar escorpiotildees e aacutecaros) conteacutem mais

de 113 000 espeacutecies distribuiacutedas em duas classes principais Pycnogonida (aranhas do

mar) e Arachnida (aranhas escorpiotildees e aacutecaros) Pycnogonida o grupo das aranhas

do mar conteacutem mais de 1 300 espeacutecies descritas mas estudos detalhados sobre esses

animais e as suas relaccedilotildees evolutivas ainda satildeo escassos Estes organismos geralmente

tecircm seis ou oito olhos e quatro a seis pares de patas A classe Arachnida compreende os

organismos mais conhecidos do subfilo Chelicerata como aranhas escorpiotildees e aacutecaros

Os indiviacuteduos pertencentes a este grupo natildeo possuem antenas tecircm quatro pares de

patas um par de queliacuteceras (1ordm par de apecircndices do prossomacabeccedila) e pedipalpos

(2ordm par de apecircndices do prossomacabeccedila) As aranhas (ordem Araneae) (FIGURA 3) satildeo

provavelmente o grupo mais icoacutenico e bem estudado deste subfilo presentes na maioria

dos ambientes terrestres e constituindo um dos grupos mais importantes de artroacutepodes

do solo Outros organismos colocados na mesma classe como escorpiotildees aacutecaros ou

opiliotildees tambeacutem constituem grupos extremamente variados com importantes funccedilotildees

ecoloacutegicas (ex decomposiccedilatildeo de mateacuteria orgacircnica e controlo de organismos principal-

mente atraveacutes de predaccedilatildeo)

FIGURA 3 Vista dorsal A - e ventral B - de um exemplar da ordem Araneae (famiacutelia Gnaphosidae) sendo possiacutevel obser-var o corpo dividido em cefalotoacuterax e abdoacutemen os quatro pares de patas as queliacuteceras (q) e os pedipalpos (p)

O subfilo Hexapoda (Hexa (seis) e Poda (peacute)) engloba os insetos e os seus parentes

compreende o grupo mais diverso e abundante de organismos com mais de 1 milhatildeo de

espeacutecies conhecidas Este subfilo eacute frequentemente dividido em organismos da clas-

A B

A B

14cm

p

q

35cm

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se Insecta (FIGURA 4) e da classe Entognatha Esta uacuteltima inclui os colecircmbolos (ordem

Collembola) (FIGURA 5) cabeccedilas de cone e bichos de prata (ordem Protura) e cerdas de

duas pontas (ordem Diplura) Na classe Entognatha as partes bucais dos organismos

estatildeo retraiacutedas dentro das suas cabeccedilas contrariamente ao que se observa na classe In-

secta que satildeo ectognantes Os colecircmbolos constituem um dos grupos mais abundantes

de artroacutepodes do solo podendo ser encontrados mais de 100 000 indiviacuteduos num metro

quadrado Estes satildeo organismos cosmopolitas com mais de 8 000 espeacutecies descritas Os

colecircmbolos satildeo pequenos organismos com tamanho geralmente inferior a 6-8 mm de

forma ciliacutendrica ou globular apresentando olhos simples e antenas moniliformes Muitas

espeacutecies possuem um apecircndice bifurcado (fuacutercula) no final do abdoacutemen permitindo que

estes organismos saltem quando ameaccedilados (FIGURA 5) Os colecircmbolos tecircm sido ampla-

mente utilizados em estudos ecotoxicoloacutegicos na avaliaccedilatildeo da qualidade do solo e da sauacute-

de destes ecossistemas

FIGURA 4 A - Vista dorsal e B - vista ventral de exemplares de algumas ordens da classe Insecta

FIGURA 5 Vista lateral de exemplares da ordem Collembola

A classe Insecta eacute a classe com maior nuacutemero de organismos compreendendo mais

de metade das espeacutecies eucarioacuteticas descritas atualmente englobando mais de 1 milhatildeo

de espeacutecies que habitam praticamente todos os ecossistemas Os insetos sendo o grupo

Ordem

Coleoptera

Ordem

Diptera

Ordem

Hemiptera

Ordem

Orthoptera

Ordem

HimenopteraA A A A

B B B B

075cm

027cm14cm016cm

09cm

22cm

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mais diversificado de seres vivos apresentam as mais variadas e interessantes adap-

taccedilotildees anatoacutemicas e morfoloacutegicas Pensa-se que a sua enorme riqueza e abundacircncia eacute

devida a uma combinaccedilatildeo de carateriacutesticas vantajosas como a coevoluccedilatildeo com plan-

tas a miniaturizaccedilatildeo e a capacidade de voo Os insetos desempenham ainda um papel

importantiacutessimo no funcionamento dos ecossistemas realizando funccedilotildees quer de pre-

dadores quer de presa estando envolvidos em inuacutemeras teias alimentares (ex reciclan-

do nutrientes fazendo a manutenccedilatildeo da estrutura e fertilizaccedilatildeo dos solos) Destaca-se

tambeacutem o facto de vaacuterios insetos voadores como abelhas ou borboletas atuarem como

polinizadores de muitas espeacutecies de plantas Esta eacute uma funccedilatildeo ecoloacutegica importante

com vaacuterias repercussotildees econoacutemicas porque mais de 30 das culturas alimentares

mundiais dependem da polinizaccedilatildeo Os insetos possuem ainda um papel importante em

investigaccedilatildeo cientiacutefica sendo muitas vezes utilizados como organismo modelo dado pos-

suiacuterem carateriacutesticas distintas como o seu tamanho reduzido tempos de geraccedilatildeo curtos

e elevada fecundidade O exemplo de excelecircncia eacute a mosca da fruta Drosophila melano-

gaster cujo genoma eacute jaacute conhecido na totalidade sendo esta espeacutecie utilizada frequente-

mente para estudar vaacuterios processos celulares (ex o envelhecimento a hereditariedade

e o desenvolvimento embrionaacuterio) Apesar de constituiacuterem um grupo tatildeo interessante

beneacutefico e necessaacuterio agrave manutenccedilatildeo do equiliacutebrio dos ecossistemas existem algumas

desvantagens associadas aos insetos como eacute o caso de serem vetores na transmissatildeo

de doenccedilas Eacute o caso da malaacuteria transmitida por um mosquito do geacutenero Anopheles a

doenccedila parasitaacuteria mais disseminada com vaacuterios milhotildees de humanos infetados em todo

o mundo O dengue e o zika satildeo doenccedilas em que o vetor de transmissatildeo eacute tambeacutem um

mosquito do geacutenero Aedes Na agricultura as pragas de insetos (ex gorgulhos gafa-

nhotos afiacutedios) satildeo responsaacuteveis por prejudicar as culturas agriacutecolas e a produccedilatildeo de

alimentos causando perdas econoacutemicas elevadas

Sabe-se que atualmente a perda de habitat e as mudanccedilas climaacuteticas satildeo alguns dos

fatores responsaacuteveis por decliacutenios significativos nas populaccedilotildees deste grupo de orga-

nismos Esse decliacutenio apresenta uma elevada preocupaccedilatildeo ecoloacutegica uma vez que estes

organismos desempenham muacuteltiplas e importantes funccedilotildees nos ecossistemas No en-

tanto a conservaccedilatildeo deste grupo animal permanece um grande e urgente desafio que eacute

preciso enfrentar

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Biocombustiacuteveis seratildeo a soluccedilatildeo Matilde Viegas

Maria Joatildeo Ramos

Pedro Alexandrino Fernandes

UCIBIO REQUIMTEUniversidade do Porto

ldquoA 21 de Fevereiro de 2018 o niacutevel de poluiccedilatildeo de partiacuteculas finas com diacircmetro inferior

a 10 μm PM10 atingiu em Paris niacuteveis alarmantes com um pico correspondente

ao dobro do limite maacuteximo A Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) recomenda natildeo

exceder este limite maacuteximo por mais de trecircs dias por ano Com este recente pico os

parisienses jaacute o ultrapassaramrdquo

Em Un pic de pollution laquograveraquo en Ile-de-France Le Monde 22 de Fevereiro de 2018

Esta notiacutecia eacute um dos inuacutemeros exemplos dos efeitos do aquecimento global termo com o

qual estamos cada vez mais familiarizados infelizmente Este fenoacutemeno eacute consequecircncia

de Gases de Efeito de Estufa GEE (dioacutexido de carbono metano e oacutexido de azoto entre

outros) que se acumulam na atmosfera enclausurando o calor e tornando o planeta mais

quente A produccedilatildeo em larga escala de GEEs teve iniacutecio na Revoluccedilatildeo Industrial (1800)

como resultado da combustatildeo de combustiacuteveis foacutesseis (carvatildeo petroacuteleo e gaacutes natural)

para produccedilatildeo de eletricidade aquecimento e transporte

A preocupaccedilatildeo em torno do aquecimento global tornou-se um assunto constante na

agenda poliacutetica sobretudo nas uacuteltimas duas deacutecadas Os primeiros esforccedilos coletivos re-

sultaram no Protocolo de Quioto em 1997 cujo objetivo era a reduccedilatildeo das emissotildees de

GEEs assentando nos argumentos de que i) o aquecimento global era uma realidade e ii) o

CO2 produzido por accedilotildees humanas era o seu grande causador O primeiro periacuteodo do Proto-

colo terminou em 2012 e por isso em 2015 as Naccedilotildees Unidas promoveram a assinatura

do novo Acordo de Paris o qual consiste numa atualizaccedilatildeo do antigo Protocolo de Quioto

com o objetivo de ldquofortalecer a resposta global agrave ameaccedila das alteraccedilotildees climaacuteticas no

contexto de desenvolvimento sustentaacutevel e com esforccedilo para a erradicaccedilatildeo da pobrezardquo

O novo Acordo ao contraacuterio do de Quioto estabelece metas tangiacuteveis e quantitativas O

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objetivo eacute manter o aumento da temperatura meacutedia global abaixo dos 2ordm Celsius face agrave

temperatura global na era preacute-industrial Para atingir tal meta eacute necessaacuterio um esforccedilo

mundial contudo em 2017 com a saiacuteda dos EUA do Acordo de Paris o segundo maior

emissor de GEEs logo a seguir agrave China perdeu-se uma enorme contribuiccedilatildeo Aleacutem do peso

evidente que as suas emissotildees tecircm para o estado atual do aquecimento global em falta

estaratildeo tambeacutem a diplomacia e o encorajamento proporcionados por esta forccedila mundial

No Acordo de Paris uma das claacuteusulas exige a inclusatildeo de energias renovaacuteveis (eoacutelica

mariacutetima solar) e de biocombustiacuteveis no mercado de energia encorajando os paiacuteses a

atingir niacuteveis miacutenimos da sua utilizaccedilatildeo As metas estabelecidas para cada paiacutes vatildeo ao en-

contro ao seu mercado e agraves mateacuterias-primas disponiacuteveis em cada territoacuterio favorecendo o

desenvolvimento da economia

De uma forma generalista os biocombustiacuteveis englobam combustiacuteveis produzidos atra-

veacutes de processos bioloacutegicos como a agricultura e digestatildeo anaeroacutebica em vez de produ-

zidos a partir de processos geoloacutegicos como os necessaacuterios para a formaccedilatildeo de combus-

tiacuteveis foacutesseis Isto inclui o biodiesel (produzido a partir de oacuteleos e gorduras orgacircnicas) e o

bioetanol (aacutelcool produzido atraveacutes de fermentaccedilatildeo microbiana de accediluacutecares seguido de

destilaccedilatildeo e desidrataccedilatildeo) os quais seratildeo o maior foco deste artigo

A partir da deacutecada de 70 foram feitos os primeiros investimentos nos chamados bio-

combustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo (1G) Estes fazem uso de colheitas de produtos agriacuteco-

las como a soja cana-de-accediluacutecar milho oacuteleo de palma entre outros para a produccedilatildeo de

biodiesel e bioetanol atraveacutes de processos de trans-esterificaccedilatildeo ou fermentaccedilatildeo A sua

disponibilidade e facilidade de processamento permitiram a sua inserccedilatildeo e mistura nos

combustiacuteveis atualmente vendidos ao puacuteblico Para 2017 Portugal fixou em 75 (de poder

energeacutetico) a incorporaccedilatildeo de biocombustiacuteveis nos combustiacuteveis dos transportes rodoviaacute-

rios tendo a Uniatildeo Europeia o objectivo de 10 em 2020 para todos os paiacuteses membros

Os biocombustiacuteveis 1G fazem uso da colheita agriacutecola para fins energeacuteticos o que gera

opiniotildees desfavoraacuteveis por parte de ambientalistas (pelo uso exaustivo da terra agriacutecola sem

compensaccedilatildeo desflorestaccedilatildeo e perda de biodiversidade) e problemas eacuteticos tais como os le-

vantados por responsaacuteveis da ONU como o Dr Jean Ziegler que atribui aos biocombustiacuteveis

a culpa pela contiacutenua inflaccedilatildeo dos preccedilos de alimentos exacerbando a atual crise de fome

mundial - ldquoSatildeo necessaacuterios 352Kg de milho para encher um depoacutesito de 50L de um carro Uma

crianccedila na Zacircmbia ou no Meacutexico onde o milho eacute um elemento baacutesico da dieta poderia viver

com esta quantidade de milho um ano inteirordquo Atualmente os maiores produtores destes bio-

combustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo satildeo os EUA e o Brasil utilizando parte da produccedilatildeo global

de cereais e oacuteleos vegetais para a produccedilatildeo de bioetanol e biodiesel causando um ambiente

de profunda preocupaccedilatildeo em volta da sustentabilidade de produccedilatildeo de energia a meacutediolongo

prazo De forma a controlar a inflaccedilatildeo no preccedilo dos alimentos a EU estabeleceu um limite de

7 para o uso de biocombustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo como combustiacutevel de transportaccedilatildeo

AR

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O

27

A segunda geraccedilatildeo de biocombustiacuteveis (2G) usa biomassa isto eacute qualquer fonte de car-

bono orgacircnico que eacute rapidamente renovado no ciclo de carbono Os biocombustiacuteveis de

segunda geraccedilatildeo almejam um uso ponderado de desperdiacutecios da induacutestria madeireira e

agriacutecola ou de restos de colheitas agriacutecolas assim que estas preencham o seu propoacutesito

alimentar evitando interferecircncia com o mercado alimentar e natildeo influenciando os preccedilos

dos alimentos baacutesicos

FIGURA 1 Biocombustiacuteveis

A produccedilatildeo de arroz atingiu o seu pico em 2017 gerando 1140 milhotildees de toneladas de

espigas de arroz cujo destino eacute a incineraccedilatildeo compostagem ou eacute simplesmente deposita-

da em aterros Contudo com a 2G de biocombustiacuteveis eacute encontrado potencial energeacutetico

neste desperdiacutecio agriacutecola O seu potencial deve-se agrave mateacuteria lignoceluloacutesica ndash celulose

hemicelulose e lignina ndash presente em todas as plantas incluindo as espigas em diferen-

tes percentagens Este material composto eacute essencial para a estrutura e resistecircncia das

plantas a hemicelulose eacute a matriz que rodeia o esqueleto de celulose enquanto a lignina

funciona como uma camada protetora As possibilidades associadas a este tipo de desper-

diacutecio satildeo inegaacuteveis a sua abundacircncia e facilidade de obtenccedilatildeo tornam-no muito apelativo

Contudo o gasto na recolha e transporte desta mateacuteria suplanta os custos de produccedilatildeo

e o seu uso continuado poderaacute contribuir para a erosatildeo do solo Aleacutem disso para o seu

aproveitamento para produccedilatildeo de biocombustiacuteveis eacute necessaacuterio um preacute-tratamento para

hidrolisar as ligaccedilotildees covalentes entre os trecircs constituintes da mateacuteria lignoceluloacutesica e

permitir a posterior fermentaccedilatildeo anaeroacutebia da celulose produzindo bioetanol Este preacute-

-tratamento eacute visto como outra das desvantagens do processo e estaacute ainda a ser estudado

e otimizado pois de momento as alternativas disponiacuteveis encarecem o produto final e em

AR

TIG

O

28

alguns dos casos dependem do uso de quiacutemicos poluentes A esperanccedila estaacute entatildeo de-

positada no estudo de enzimas hidroliacuteticas encontradas em organismos termoacutefilos que

seratildeo capazes de aguentar as difiacuteceis condiccedilotildees de tratamento Contudo a dificuldade em

escalar o processo de fermentaccedilatildeo eacute uma das desvantagens e dos fatores limitantes para

a 2G de biocombustiacuteveis em grande parte devido agrave dificuldade de monitorizar as condiccedilotildees

de fermentaccedilatildeo (oxigeacutenio pH nutrientes etc)

A terceira geraccedilatildeo (3G) de biocombustiacuteveis foi reconhecida como a melhor alternativa

em comparaccedilatildeo com primeira e segunda geraccedilotildees pois surpreendentemente faz uso de

algas A sua enorme disponibilidade por todo o planeta e o facto de natildeo interferirem com os

mercados alimentares satildeo os grandes embaixadores desta mateacuteria-prima como o futuro

dos biocombustiacuteveis Ainda que natildeo seja uma mateacuteria infinita eacute a que de momento mais se

assemelha por existirem 70 000 espeacutecies (30 000 documentadas) Estudos conduzidos

atualmente estatildeo a explorar a viabilidade energeacutetica de 30 espeacutecies de algas explorando a

sustentabilidade facilidade e escalabilidade da sua produccedilatildeo Outras vantagens incluem a

baixa manutenccedilatildeo necessaacuteria para o seu crescimento (luz dioacutexido de carbono e nutrientes

como azoto foacutesforo e potaacutessio) a facilidade com que produzem liacutepidos e carboidratos que

podem posteriormente ser processados em diferentes biocombustiacuteveis e outros copro-

dutos a frequecircncia com que podem ser colhidas ao longo do ano (ao contraacuterio de outras

colheitas convencionais) a baixa percentagem de hemicelulose e a praticamente ausente

lignina facilitam radicalmente o seu preacute-processamento pois a celulose eacute mais facilmente

extraiacuteda As desvantagens desta mateacuteria incluem o enorme investimento inicial para a

construccedilatildeo de infraestruturas para o seu cultivo que pode ser ou ao ar livre (em tanques

de grande dimensatildeo) ou em foto-bioreatores (sistemas fechados altamente controlados)

Prevecirc-se que em 2030 o preccedilo de produccedilatildeo de combustiacutevel a partir de algas seraacute 065 euro

litro de combustiacutevel valor muito proacuteximo do atual preccedilo de produccedilatildeo do litro de gasolina

Comparativamente aos custos de produccedilatildeo de outros biocombustiacuteveis o mais barato con-

tinua a ser o bioetanol produzido a partir de milho (1G) 017 eurolitro seguido de combustiacute-

veis celuloacutesicos (2G) a 032 eurolitro

Eacute evidente que seratildeo necessaacuterios esforccedilos poliacuteticos e cientiacuteficos investimento e regu-

lamentaccedilatildeo adequados para encontrar o caminho ideal para travar o aquecimento global

Em todas as geraccedilotildees de biocombustiacuteveis apresentadas existem fatores que afunilam as

potencialidades destas alternativas indicando que a soluccedilatildeo passa por criar um consoacutercio

entre as vaacuterias possibilidades de forma a tirar o maacuteximo partido sem danificar o planeta ou

piorar a crise da fome O proacuteximo passo passa por substituir os biocombustiacuteveis de 1G por

soluccedilotildees com maior escalabilidade Acreditamos que nas proacuteximas deacutecadas seratildeo cruciais

e depositamos esperanccedila na investigaccedilatildeo cientiacutefica

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018043

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Stephen Hawking e a sua contribuiccedilatildeo para a fiacutesica teoacutericaOrfeu Bertolami

Claacuteudio GomesDepartamento de Fiacutesica e Astronomia CFP Universidade do Porto

A 14 de marccedilo de 2018 o fiacutesico britacircnico Stephen Hawking faleceu aos 76 anos deixando

todavia um importante legado para a fiacutesica teoacuterica muito particularmente para o

entendimento das deficiecircncias intriacutensecas da Relatividade Geral de Einstein para a fiacutesica

dos buracos negros e para a cosmologia a ciecircncia do Universo como um todo

Stephen Hawking doutorou-se em Fiacutesica Teoacuterica em 1966 pela Universidade de Cambridge

sob a supervisatildeo de Dennis Sciama Apesar da sua condiccedilatildeo fiacutesica progressivamente limi-

tativa manteve-se extremamente ativo na investigaccedilatildeo nas aacutereas de cosmologia fiacutesica dos

buracos negros e gravitaccedilatildeo quacircntica

Nessa altura havia uma consideraacutevel discussatildeo acerca da realidade e ubiquidade de sin-

gularidades pontos no espaccedilo-tempo onde a Teoria da Relatividade Geral deixa de fazer sen-

tido e natildeo desaparecendo atraveacutes de mudanccedila de sistemas de coordenadas que descrevem

o espaccedilo-tempo Na segunda metade da deacutecada de 1960 Hawking e o matemaacutetico inglecircs

Roger Penrose demonstraram que essas singularidades eram inevitaacuteveis no contexto da

Teoria da Relatividade Geral (ver para uma descriccedilatildeo exaustiva o livro Large Scale Structure

of Space-Time escrito em colaboraccedilatildeo com o fiacutesico sul-africano George Ellis publicado em

1973) Uma dessas singularidades corresponde ao iniacutecio do Universo ndash Big Bang ndash e outras

estatildeo presentes no interior dos buracos negros natildeo acessiacuteveis agrave observaccedilatildeo devido agrave pre-

senccedila de um horizonte de acontecimentos que segundo a Conjetura da Censura Coacutesmica de

Roger Penrose protegem sempre as singularidades de se apresentarem ldquonuasrdquo

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Subsequentemente em 1975 ele desenvolveu a ideia que os buracos negros deveriam

radiar termicamente a uma temperatura especiacutefica inversamente proporcional agraves suas

massas temperatura esta que hoje designamos por temperatura de Hawking Esta ideia daacute

origem ao paradoxo da informaccedilatildeo em que a informaccedilatildeo que entrava no horizonte de evento

se perdia Com este contributo passou-se a ter uma equivalecircncia entre a dinacircmica e a termo-

dinacircmica de buracos negros

FIGURA 1 Emissatildeo da radiaccedilatildeo teacutermica de Hawking por um buraco negro

No princiacutepio da deacutecada de 1980 Hawking iniciou em colaboraccedilatildeo com o fiacutesico norte-ameri-

cano James Hartle o programa de investigaccedilatildeo que hoje designamos por cosmologia quacircntica

Na cosmologia quacircntica o espaccedilo-tempo eacute descrito por uma funccedilatildeo de onda a funccedilatildeo de onda

do Universo como na Mecacircnica Quacircntica Esta equaccedilatildeo de onda satisfaz uma equaccedilatildeo anaacuteloga

agrave de Schroumldinger da Mecacircnica Quacircntica a equaccedilatildeo de Wheeler-DeWitt A proposta de Hartle

e Hawking eacute que a funccedilatildeo de onda descreva um espaccedilo-tempo sem fronteiras (No-Boundary

proposal) A ideia eacute que agrave medida que retrocedemos no tempo chegamos a um ponto em que

o Universo eacute pequeno o suficiente para que efeitos quacircnticos sejam dominantes Nesta altura

existe uma espeacutecie de ldquoespumardquo do espaccedilo-tempo de tal modo que o tempo natildeo pode ser in-

terpretado do modo como o vemos hoje mas sim como uma quarta dimensatildeo espacial Uma

analogia uacutetil eacute a seguinte se viajarmos para o Polo Sul temos de seguir sempre para sul mas

quando alcanccedilamos o ponto do Polo Sul jaacute natildeo faz sentido falarmos na direccedilatildeo sul pelo mesmo

raciociacutenio ao retrocedermos no tempo haacute um pontoinstante em que natildeo faz sentido falar-se em

tempo Matematicamente isto torna-se possiacutevel passando de um espaccedilo-tempo de Minkowski

como na Relatividade Restrita para um espaccedilo Euclideano a quatro dimensotildees no qual o tempo

passa a ser um nuacutemero puramente complexo Com esta formulaccedilatildeo o Universo natildeo tem uma

fronteira aleacutem daquela que permite a transiccedilatildeo entre as duas descriccedilotildees para o espaccedilo-tempo

e que eacute exemplificado na FIGURA 2 Esta geometria eacute designada por shuttlecock ou volantepena

de badminton devido agrave semelhanccedila com este objeto

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FIGURA 2 Representaccedilatildeo tridimensional do modelo de Hartle-Hawking (no boundary proposal) A base corresponde a uma semiesfera a 4 dimensotildees e a estrutura que apresenta o tempo como uma direccedilatildeo distinta das espaciais corresponte a um Universo em expansatildeo

Hawking tambeacutem estudou outros problemas como o das maacutequinas do tempo e questotildees

relacionadas com a cosmologia e a formaccedilatildeo de estruturas no Universo Com o seu carate-

riacutestico humor Hawking afirmou natildeo ser possiacutevel viajar no tempo Para tal sugeriu organizar

uma festa convidando pessoas do futuro a se juntarem a ele e dado que ningueacutem apa-

receu concluiu entatildeo que viagens no tempo natildeo satildeo possiacuteveis na realidade Outra prova

prende-se com o facto de natildeo termos recebido ainda turistas do futuro numa clara alusatildeo

iroacutenica agrave procura turiacutestica desenfreada que assistimos nos dias de hoje

Mais recentemente ele pronunciou-se sobre questotildees de interesse geral como as im-

plicaccedilotildees do desenvolvimento da inteligecircncia artificial e a necessidade e inevitabilidade

da exploraccedilatildeo espacial Mostrou-se reticente acerca dos desenvolvimentos no domiacutenio da

inteligecircncia artificial classificando-o como possivelmente perigoso para a nossa civiliza-

ccedilatildeo pois apesar dos potenciais benefiacutecios comportam seacuterios riscos agrave continuidade da hu-

manidade Relativamente agrave exploraccedilatildeo espacial Hawking encarava as viagens espaciais

quer pelo seu interesse cientiacutefico quer como forma de preservar a humanidade de riscos

de destruiccedilatildeo devido a guerras nucleares ou epidemias devido a viacuterus geneticamente mo-

dificados

O fiacutesico Stephen Hawking legou-nos uma extraordinaacuteria contribuiccedilatildeo cientiacutefica e huma-

na Deixou um extraordinaacuterio exemplo de resiliecircncia dedicaccedilatildeo ao conhecimento e agrave socie-

dade Fisicamente debilitado e ldquopresordquo a uma condiccedilatildeo rara a esclerose lateral amiotroacutefica

que lhe foi diagnosticada aos 21 anos a sua mente foi das mais livres dos nossos tempos

concebeu hipoacuteteses conjunturas e teorias pensou a sociedade de hoje e a do futuro

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RochaO que eacute importante dizer sobre as rochas

A M Galopim de Carvalho Universidade de Lisboa

Rochas e pedras satildeo a mesma coisa Praticamente a resposta eacute sim Pedra eacute aquilo

que se apanha do chatildeo para dar uma pedrada

Qualquer pessoa mesmo a menos letrada diraacute que as pedras

bull natildeo satildeo fabricadas ou feitas por gente (a ciecircncia diz que satildeo entidades naturais)

bull que natildeo se amolgam (a ciecircncia diz que satildeo riacutegidas)

bull que geralmente natildeo se esboroam nem se esfarela (a ciecircncia diz que satildeo coesas)

bull que fazem mossa onde quer que batam (a ciecircncia diz que satildeo duras) Para o cidadatildeo

comum pedra (do grego peacutetra) eacute pois uma entidade natural riacutegida coesa e dura que se

apanha do chatildeo

Apanhamos uma pedra do chatildeo mas quando estudamos falamos quase sempre de ro-

chas Num modo de falar corrente podemos dizer que as pedras satildeo bocados de rocha

Todos falamos de rocha como sinoacutenimo de pedra com base num conhecimento comum

empiacuterico vulgar ligado agrave experiecircncia quotidiana mesmo do mais iletrado dos cidadatildeos Dize-

mos rochedo quando o afloramento de rocha eacute grande e apelidamos de rochoso um terreno

com a rocha agrave vista Rocha eacute um galicismo que entre noacutes se sobrepocircs ao termo ldquorocardquo bem

mais antigo talvez preacute-romano Cabo da Roca ou ldquoFocinho da Rocardquo no dizer dos homens do

mar deve o seu nome a esta versatildeo arcaica da palavra rocha

O conceito atual de rocha e os vaacuterios conhecimentos com elas relacionados percorreram

uma caminhada tatildeo longa quanto a do Homo sapiens caminhada de que temos testemunhos

na Preacute-histoacuteria e variadiacutessimos relatos escritos desde a Antiguidade

Na sua giacuteria proacutepria entendiacutevel entre pares os profissionais falam de rochas dizendo que

satildeo sistemas quiacutemicos mono ou polifaacutesicos (ou seja com um ou mais minerais) resultantes

do equiliacutebrio termodinacircmico atingido pelos seus constituintes em determinados ambientes

Entendendo-se por constituintes os elementos quiacutemicos incluiacutedos nos respetivos minerais

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Por outras palavras acessiacuteveis ao comum das gentes pode entatildeo dizer-se que as rochas

satildeo corpos naturais formados por associaccedilotildees mais ou menos estaacuteveis de minerais compatiacute-

veis entre si e com o ambiente onde foram gerados e que satildeo elas as rochas que constituem

a capa riacutegida da Terra que por essa razatildeo recebeu o nome de litosfera (FIGURA 1)

FIGURA 1 Modelado Graniacutetico na Serra da Estrela (fonte banco de imagens da Casa das Ciecircncias)

Antes de prosseguir esclareccedila-se que no jargatildeo proacuteprio da mineralogia e da geoquiacutemica

os minerais satildeo considerados fases no sentido fiacutesico-quiacutemico da palavra Com efeito neste

sentido uma fase eacute uma porccedilatildeo de mateacuteria quiacutemica e estruturalmente homogeacutenea e uma

qualquer espeacutecie mineral eacute isso mesmo

Por convenccedilatildeo na sistemaacutetica em sedimentologia entre as rochas sedimentares cabem

certos materiais natildeo consolidados como os barros as areias soltas as cascalheiras e ainda

outros de natureza natildeo mineral como os carvotildees foacutesseis e o petroacuteleo (oacuteleo de pedra) Cha-

mar rochas ou pedras a estes materiais agraves vezes tatildeo afastados da imagem vulgar de ldquocoisa

dura riacutegida e coesardquo decorre do conceito geoloacutegico de rocha no qual se inclui o modo de

ocorrecircncia e o respetivo processo de formaccedilatildeo (petrogeacutenese)

A mecacircnica das rochas (disciplina que estuda certas propriedades das rochas como resis-

tecircncia ao esmagamento agrave traccedilatildeo agrave torccedilatildeo agrave flexatildeo porosidade permeabilidade e outras)

define-as como entidades sempre riacutegidas e coesas e duras como tambeacutem se diz vulgarmen-

te com capacidade de suportar cargas e que na eventualidade de terem de ser escavadas ou

removidas haacute que usar tecnologias com explosivos Este conceito corresponde aliaacutes agrave ideia

mais divulgada de rocha como atraacutes se referiu Eacute o bedrock dos autores ingleses

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FIGURA 2 Processo de meteorizaccedilatildeo fiacutesica essencialmente por corrosatildeo eoacutelica em rochas sedimentares (arenitos) (fonte banco de imagens da Casa das Ciecircncias)

Aleacutem das muitas que conhecemos na Terra jaacute estudaacutemos rochas do nosso sateacutelite natural

nomeadamente basaltos e anortositos trazidos da sua superfiacutecie Mercuacuterio Veacutenus e Marte satildeo

tambeacutem planetas rochosos e igualmente rochosos ou pedregosos satildeo ainda os nuacutecleos dos co-

metas e muitos dos asteroides de que temos conhecimento pelos meteoritos caiacutedos na Terra

Quando se apelidam as rochas de magmaacuteticas sedimentares (FIGURA 2) ou metamoacuterficas

natildeo se estaacute apenas a rotulaacute-las para efeitos de arrumo ou arquivo muito menos se estatildeo a

criar novos vocaacutebulos para sobrecarga dos estudantes ou do cidadatildeo em geral Estes adjeti-

vos acrescentados agrave palavra rocha informam de imediato sobre a sua origem

bull magmaacutetica ou sedimentar qualquer delas em resultado de processos naturais faacuteceis de

entender

bull metamoacuterfica em consequecircncia de um outro processo muito menos ao alcance da vivecircncia

do vulgo mas que se explica sem grandes dificuldades

Apelidam-se de metamoacuterficas as rochas que posteriormente a uma primeira formaccedilatildeo

como magmaacuteticas ou sedimentares foram submetidas a pressotildees eou a temperaturas no

interior da crosta que lhes modificaram a composiccedilatildeo eou a textura

Foi atraveacutes do estudo das rochas que desvendaacutemos o essencial dos acontecimentos geo-

loacutegicos que marcaram a histoacuteria deste laquoPlaneta Azulraquo no qual a vida encontrou condiccedilotildees

para despertar e onde evoluiu ao ponto de se interrogar sobre essa mesma histoacuteria

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Os conhecimentos diretos de que hoje dispomos relativos agraves rochas da Terra limitam-se

aos que se obtecircm pelo estudo das que afloram agrave superfiacutecie das recolhidas em dragagens

nos fundos marinhos e das retiradas da profundidade quer em minas quer atraveacutes de son-

dagens Esta profundidade que natildeo excede 3 km no primeiro caso e 11 km no segundo

(na peniacutensula de Kola) pode considerar-se insuficiente se comparada com as trecircs a quatro

dezenas de quiloacutemetros de espessura meacutedia da crosta continental

Eacute jaacute muito o conhecimento que temos desta capa (a crosta ou crusta como alguns dizem e

escrevem) mais superficial do nosso planeta Temo-lo atraveacutes das rochas que constantemente

vemos e pisamos muitas delas geradas em zonas profundas trazidas agrave superfiacutecie pelos en-

rugamentos de origem tectoacutenica geradores das montanhas e subsequentemente postas a

descoberto pela erosatildeo

Outras rochas proacuteprias de muito maiores profundidades inclusive do manto inferior como eacute

o caso dos xenocristais e dos xenoacutelitos (do grego xenos estranho e lithos pedra) isto eacute cris-

tais e fragmentos de materiais liacuteticos gerados nessas regiotildees e que ascendem agrave superfiacutecie na

sequecircncia de atividade vulcacircnica englobados ou encravados nos produtos magmaacuteticos que ali

se formaram ou por ali passaram Na ilha da Madeira por exemplo satildeo frequentes os xenoacutelitos

oliviacutenicos que ascenderam ateacute agrave superfiacutecie no seio das lavas envolvidas no processo vulcacircnico

que originou esta e muitas outras ilhas

As rochas a que temos acesso mais ou menos direto representam uma parcela importante

da diferenciaccedilatildeo da Terra e agrave semelhanccedila da aacutegua do ar e dos seres vivos satildeo o resultado de

imensas transformaccedilotildees numa vasta e complexa rede de inter-relaccedilotildees ocorridas ao longo

dos tempos neste laquoplaneta vivoraquo pleno ainda de energia interna (sob a forma de calor) a que

se adiciona toda a que lhe chega do exterior isto eacute a radiaccedilatildeo solar Como escreveu Maurice

Mattauer ldquoas pedras nascem vivem e morrem como noacutes elas tecircm uma idade e uma histoacuteriardquo

Petrologia e litologia satildeo duas disciplinas que estudam as rochas ou as pedras Se bem que

os eacutetimos petra (latim) e lithos (grego) sejam sinoacutenimos petrologia e litologia encerram con-

ceitos diferentes ainda que relacionados entre si

bull A petrologia eacute um ramo da geologia com dimensatildeo de ciecircncia de vastos recursos nos campos

da fiacutesica da quiacutemica e naturalmente tambeacutem da matemaacutetica em busca do conhecimento da

origem natureza constituiccedilatildeo e evoluccedilatildeo da Terra no acircmbito do Sistema Solar e do Universo

bull A litologia outro ramo da geologia eacute habitualmente entendida como a disciplina que estuda

as rochas num campo praacutetico Serve a geologia de engenharia tendo em vista a implantaccedilatildeo

de grandes edifiacutecios e outras obras volumosas cujas fundaccedilotildees exigem o conhecimento dos

terrenos A litologia daacute igualmente respostas agrave pedologia (o estudo dos solos) e agrave induacutestria

extrativa de rochas ornamentais usadas na arquitetura na cantaria ou na estatuaacuteria e de

rochas industriais exploradas como importantes mateacuterias-primas para a construccedilatildeo civil a

ceracircmica o vidro o cimento a cal e a induacutestria quiacutemica

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Software educativo em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Ana C Conceiccedilatildeo

DMUniversidade do Algarve

O conceito F-Tool foi desenvolvido em 2012 com o objetivo de proporcionar uma

aprendizagem interativa em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Em particular eacute possiacutevel

explorar de forma integrada as noccedilotildees de domiacutenio contradomiacutenio existecircncia de zeros

existecircncia de extremos e de pontos de inflexatildeo invertibilidade derivabilidade reta

tangente ao graacutefico num ponto simetrias em relaccedilatildeo aos eixos e agrave origem A utilizaccedilatildeo

dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adaptaccedilatildeo de

alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e

do simples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular)

No ensino da matemaacutetica e em particular no estudo de funccedilotildees a recomendaccedilatildeo da utiliza-

ccedilatildeo de software educacional tem como objetivo o sanar das dificuldades que os alunos pos-

suem em associar as representaccedilotildees algeacutebricas com as diversas representaccedilotildees numeacutericas

eou graacuteficas De facto o caraacuteter estaacutetico das representaccedilotildees matemaacuteticas muitas vezes

dificulta a construccedilatildeo do significado afetando substancialmente a correta interpretaccedilatildeo dos

conceitos A criaccedilatildeo de modelos interativos visuais com o sistema de aacutelgebra computacional

Mathematica permite aos alunos explorar conceitos de elevada complexidade e rapidamen-

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te adquirir uma compreensatildeo mais profunda dos conteuacutedos Obviamente a utilizaccedilatildeo de sof-

tware educacional natildeo deve ser vista como um substituto para o ensino com ldquopapel e laacutepisrdquo

deve ser devidamente combinada com outros meacutetodos de ensino

O conceito F-Tool foi desenvolvido em 2012 com o objetivo de proporcionar uma apren-

dizagem interativa em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Os aplicativos computacionais

implementados com base neste conceito utilizam as capacidades de caacutelculo numeacuterico e

simboacutelico do Mathematica de forma a permitir estudar dinacircmica e interativamente e em

tempo real conceitos e propriedades fundamentais do preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial

FIGURA 1 Imagem ilustrativa da F-Exponential

O conceito F-Tool em sala de aula permite uma abordagem dinacircmica de diversos concei-

tos relacionados com o estudo de funccedilotildees e promove novas formas de raciocinarpensar

avaliar ensinar e aprender As F-Tool foram concebidas como ferramentas de aprendiza-

gem ativa ou seja a sua utilizaccedilatildeo adequada propicia um contexto de ensino-aprendiza-

gem onde alunos e professores satildeo igualmente convidados a contribuir Aleacutem disso tecircm

uma interface muito intuitiva que permite que ateacute mesmo o utilizador mais inexperiente

sem qualquer conhecimento anterior em software educacional possa comeccedilar a usar to-

dos os recursos de uma forma eficiente e autoacutenoma As F-Tool natildeo satildeo um objeto estaacutetico

mas sim um programa a ser executado com o qual se interage em tempo real Em parti-

cular atraveacutes da alteraccedilatildeo dinacircmica dos valores dos paracircmetros que definem cada classe

eacute possiacutevel obter informaccedilatildeo analiacutetica rigorosa apresentada em aritmeacutetica exata ou apro-

ximada bem como informaccedilatildeo visual estaacutetica e natildeo-estaacutetica De igual modo escolhendo

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estrategicamente de entre as vaacuterias opccedilotildees de funccedilotildees disponiacuteveis no painel esquerdo eacute

possiacutevel apreender de forma mais eficaz e consequente muitas das relaccedilotildees existentes

entre as vaacuterias funccedilotildees e respetivas transformaccedilotildees (FIGURA 1) As F-Tool utilizam um

coacutedigo de cores para diferenciar as vaacuterias funccedilotildees apresentadas Este coacutedigo eacute explicitado

na legenda do canto inferior esquerdo do painel central

Qual das figuras pode representar o graacutefico de uma funccedilatildeo e o graacutefico da sua derivada de 1ordf ordem

FIGURA 2 Exemplo de questatildeo de escolha muacuteltipla utilizando diversas opccedilotildees do painel esquerdo das F-Tool

Apesar de ser um software educacional dinacircmico e interativo pode tambeacutem ser utilizado

na construccedilatildeo de questotildees de avaliaccedilatildeo de escolha muacuteltipla (FIGURA 2) e de resposta aberta

ficando o docente automaticamente com a resposta ao selecionar no painel esquerdo as

opccedilotildees relacionadas com a questatildeo

A utilizaccedilatildeo dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adapta-

ccedilatildeo de alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e do sim-

ples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular) De facto

incluindo as F-Tool em ficheiros no Computable Document Format (CDF) eacute possiacutevel criar

fichas de trabalho dinacircmicas e interativas motivando os alunos e tornando o estudo mais

interessante

Acreditamos que o conceito F-Tool ao dotar professores e estudantes com novas fer-

ramentas para explorar alguns conceitos fundamentais da matemaacutetica desenvolveraacute po-

sitivamente o processo de ensino e de aprendizagem das aacutereas de preacute-caacutelculo e caacutelculo

diferencial

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O Aroma das Plantas Luiacutes Gaspar Pedro

Ana Cristina Figueiredo

Joseacute Gonccedilalves Barroso

CESAM CBV Universidade de Lisboa

Quando nos festejos dos Santos Populares colocamos a matildeo sobre o manjerico

provocamos a rutura de estruturas microscoacutepicas Ao fazecirc-lo libertam-se compostos

quiacutemicos que aderem agrave palma da nossa matildeo que depois percecionamos pelo nosso

olfacto Os aromas satildeo misturas complexas de dezenas de compostos volaacuteteis

carateriacutesticos de uma determinada planta

O aroma o que eacute

O aroma de muitas plantas eacute constituiacutedo por diversos compostos quiacutemicos volaacuteteis que

tecircm a capacidade de estimular os nossos recetores olfactivos A quantidade e a diver-

sidade deste tipo de compostos presentes nas plantas satildeo responsaacuteveis pelos aromas

carateriacutesticos Eacute relativamente faacutecil reconhecer o aroma dos coentros ou do manjerico e

distingui-los de outros aromas como o da rosa ou do cravinho

Na composiccedilatildeo da fraccedilatildeo volaacutetil de uma planta aromaacutetica encontram-se regra geral

compostos como os mono- e sesquiterpenos e os fenilpropanoacuteides (FIGURA 1) entre ou-

tros Satildeo todos eles compostos quiacutemicos com ponto de ebuliccedilatildeo relativamente baixo que

volatilizam agrave temperatura ambiente e contribuem de forma mais ou menos notoacuteria para o

aroma carateriacutestico de cada espeacutecie

FIGURA 1 Exemplos de compostos que constituem a fraccedilatildeo volaacutetil de diversas espeacutecies aromaacuteticas monoterpenos (α-pineno timol) sesquiterpenos (β-cariofileno germacreno D) e fenilpropanoacuteides (eugenol)

α-Pineno Timol β-Cariofileno Germacreno D Eugenol

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Estruturas secretoras

Os compostos que constituem a fraccedilatildeo aromaacutetica de uma planta satildeo regra geral sinteti-

zados e acumulados em estruturas secretoras microscoacutepicas Entre os diversos tipos de

estruturas secretoras as mais frequentes satildeo os tricomas os canais e as bolsas (FIGURA 2)

FIGURA 2 Exemplos de estruturas secretoras observadas em microscopia oacuteptica A - Tricoma de Geranium robertianum (s - secretado acumulado no espaccedilo sub-cuticular coloraccedilatildeo com reagente de Nadi) B - canal secretor de Crithmum maritimum (setas coloraccedilatildeo com tricloreto de antimoacutenio) e C - bolsa secretora de Citrus sp (coloraccedilatildeo com Vermelho Sudatildeo III)

Os tricomas glandulares satildeo estruturas externas com origem em ceacutelulas epideacutermicas

que apresentam diversos graus de complexidade desde tricomas com apenas trecircs ceacutelulas

uma das quais a secretora ateacute tricomas com mais de uma dezena de ceacutelulas secretoras

As bolsas e os canais secretores satildeo estruturas internas constituiacutedas por ceacutelulas glandu-

lares que delimitam o luacutemen o espaccedilo para onde satildeo secretados os compostos depois de

produzidos nas ceacutelulas secretoras Os canais satildeo estruturas alongadas que percorrem o

corpo da planta por vezes com ramificaccedilotildees enquanto as bolsas satildeo estruturas mais ou

menos isodiameacutetricas

Os oacuteleos essenciais

Um oacuteleo essencial eacute obtido por hidrodestilaccedilatildeo ou por destilaccedilatildeo por arrastamento de va-

por (FIGURA 3) No caso particular dos citrinos o oacuteleo essencial pode ainda ser obtido

por expressatildeo (processo mecacircnico que promove a libertaccedilatildeo do secretado acumulado no

interior das estruturas secretoras neste caso bolsas)

Tanto na hidrodestilaccedilatildeo como na destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor o secretado eacute

removido das estruturas secretoras e arrastado pelo vapor de aacutegua Depois de condensar

por arrefecimento o oacuteleo essencial separa-se da aacutegua podendo ser facilmente recolhido

devido agrave sua imiscibilidade com a aacutegua

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41FIGURA 3 A - Sistema de hidrodestilaccedilatildeo com aparelho de Clevenger e B - sistema de destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor

Anaacutelise de oacuteleos essenciais

Para analisar um oacuteleo essencial recorre-se frequentemente agrave cromatografia gasosa (CG)

para quantificaccedilatildeo dos componentes e agrave CG acoplada agrave espectrometria de massa (CG-

-EM) para a correspondente identificaccedilatildeo dos constituintes Por CG-EM os diversos com-

ponentes que constituem o oacuteleo essencial satildeo separados uns dos outros e ao chegarem ao

espectroacutemetro de massa satildeo bombardeados por eletrotildees o que leva a que as moleacuteculas

fragmentem formando-se diferentes iotildees de acordo com padrotildees preferenciais O con-

junto dos fragmentosiotildees constituem o espectro de massa que eacute carateriacutestico de cada

moleacutecula A integraccedilatildeo das aacutereas dos picos que surgem no cromatograma obtido por CG

(FIGURA 4A) permite a quantificaccedilatildeo relativa dos diversos componentes do oacuteleo essencial

A anaacutelise por CG-EM possibilita a identificaccedilatildeo desses compostos por comparaccedilatildeo dos

espectros de massa (FIGURA 4B) e dos iacutendices de retenccedilatildeo com os de amostras padratildeo

FIGURA 4 A - Aspeto parcial de um cromatograma obtido por CG carateriacutestico de um oacuteleo essencial com alguns dos ldquopicosrdquo identificados B - espectro de massa obtido por CG-EM de um dos componentes maioritaacuterios o timol

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Paisagens da Islacircndia Formase Processos (III)Fernando Carlos LopesCITEUC Universidade de Coimbra

A Islacircndia eacute famosa natildeo soacute pelos seus vulcotildees mas tambeacutem pelos seus glaciares e pela

sua sinuosa e escarpada linha de costa

Atualmente os glaciares cobrem cerca de 10 da superfiacutecie islandesa e 60 destas

aacutereas geladas assentam sobre sistemas vulcacircnicos ativos Esta combinaccedilatildeo de gelo e vul-

canismo torna a Islacircndia o local ideal para cheias repentinas (joumlkulhlaups) resultantes de

aacutegua que escorre por baixo dos glaciares devido agrave fusatildeo provocada pelas erupccedilotildees subgla-

ciares Atualmente existem 4 grandes calotes glaciares localizadas nas regiotildees elevadas

e vulcanicamente ativas do centro e sul da ilha a partir das quais divergem numerosas liacuten-

guas glaciarias Vatnajoumlkull (8100 km2) situado no centro leste Langjoumlkull (925 km2) si-

tuado no centro oeste Hofsjoumlkull (925 km2) situado na zona central da ilha Myrdalsjoumlkull

(600 km2) situado no sul da ilha Apesar da Islacircndia ter cerca de 24 Ma a sua paisagem soacute

foi moldada por glaciares nos uacuteltimos 5 milhotildees de anos Os seus glaciares de tipo alpino

(ou de montanha) avanccedilaram e recuaram condicionados pelas variaccedilotildees regionais e locais

do clima de que resultaram espetaculares morfologias Como jaacute se referiu anteriormente

as variaccedilotildees da carga glaciar sobre a litosfera provocadas pelas fases de gelo e degelo

teratildeo desempenhado papel importante na atividade vulcacircnica da ilha

Com um comprimento de cerca de 4970 km a linha de costa da Islacircndia eacute de um modo

geral muito recortada e escarpada marcada por promontoacuterios cabos peniacutensulas fiordes

e enseadas pontilhada de leixotildees por entre os quais se aninham praias de areia negra de

contornos suaves A accedilatildeo do mar sobre as inuacutemeras escoadas de lava que fluiacuteram ateacute agrave

costa ao longo da evoluccedilatildeo geoloacutegica da ilha e ali solidificaram sobre os aparelhos vulcacirc-

nicos implantados na zona litoral e sobre os vales deixados pelo recuo dos glaciares criou

paisagens de uma beleza surreal

FIGURA DA PAacuteGINA ANTERIOR Leixatildeo Hvitserkur noroeste da Islacircndia (fonte pixabay)

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Parte III - Paisagens controladas pelos glaciares e paisagens costeirasVales glaciares e fiordes

Vales glaciares vales suspensos lagos glaciares e cascatas ciacuterculos glaciares moreias

e fiordes satildeo formas carateriacutesticas das paisagens islandesas criadas pelos seus glacia-

res alpinos Os vales glaciares com o seu carateriacutestico perfil em ldquoUrdquo satildeo a forma mais

comum de paisagem originada pela erosatildeo glacial (FIGURA 1) No interior destes vales os

rios concentram o seu poder erosivo na zona mais baixa originando um perfil carateriacutestico

em ldquoVrdquo O poder erosivo dos glaciares eacute muito superior ao dos rios porque a sua energia

potencial resulta natildeo soacute do declive do terreno mas tambeacutem do peso do gelo A erosatildeo faz-

-se essencialmente ao longo das zonas laterais do canal criando um vale com vertentes

alcantiladas e fundo aplanado Vales suspensos satildeo vales escavados por glaciares tributaacute-

rios Como estes glaciares levam menos gelo o seu poder erosivo eacute menor que o do glaciar

principal ficando suspenso nas vertentes do glaciar principal quando o gelo recua Cons-

tituem exemplos notaacuteveis pela sua beleza e dimensatildeo os vales glaciares de Borgarvirki

(FIGURA 2) e de Akureyri (ou Eyjafjoumlrethur) no noroeste da ilha Este uacuteltimo vai desembocar

num fiorde que eacute mais longo da Islacircndia

FIGURA 1 Esquema 3D (sem escala) da evoluccedilatildeo de uma paisagem glaciar com formaccedilatildeo de vales glaciares vales glaciares suspensos ciacuterculos glaciares lagos glaciares e cascatas

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FIGURA 2 Aspeto do vale glaciaacuterio de Borgarvirki observado a partir da fortaleza de Borgarvirki

Se as condiccedilotildees forem favoraacuteveis os glaciares podem erodir abaixo do niacutevel do mar Quan-

do o glaciar recua o oceano invade estas depressotildees criando um fiorde Alguns dos fiordes

islandeses como o de Akureyri e o de Nordfjord (nordeste da ilha) possuem centenas de

metros abaixo do niacutevel do mar O fiorde de Nordfjord abrange parcialmente uma antiga cal-

deira vulcacircnica Nas faleacutesias do seu flanco oriental (falesias de Raudubjoumlrg) afloram rioacutelitos

conferindo agraves arribas uma carateriacutestica cor avermelhada)

Como se referiu anteriormente (Parte I) a orientaccedilatildeo da maioria dos vales glaciares e

fiordes segue de perto a orientaccedilatildeo dos principais lineamentos tectoacutenicos

Moreias

Em termos de aspetos deposicionais relacionados com glaciares as moreias satildeo de lon-

ge os mais abundantes Satildeo acumulaccedilotildees de fragmentos rochosos transportados pelos

glaciares quer na regiatildeo frontal (moreia frontal) lateral (moreia lateral) a meio (moreia

mediana) e no fundo (moreia de fundo)

Durante o uacuteltimo maacuteximo glaciar (haacute cerca de 20 000 anos) a Islacircndia estava quase

toda coberta por glaciares que se estendiam ateacute agrave costa e para aleacutem dela Foram encon-

tradas moreias frontais dessa eacutepoca a cerca de 130 km a offshore da costa ocidental e a

cerca de 150-230 m abaixo do niacutevel de mar atual

Eacute possiacutevel encontrar nos vales glaciares islandeses quer moreias antigas resultantes

da uacuteltima glaciaccedilatildeo quer moreias recentes e atuais Estas uacuteltimas estatildeo relacionadas com

as 4 grandes calotes glaciares existentes como eacute o caso das moreias do glaciar Vatna-

joumlkull que se podem observar em pleno no setor sudeste da ilha

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Lagoas glaciares e icebergues

Outra das paisagens magniacuteficas moldadas pelos glaciares satildeo as lagoas glaciares Estas

lagoas formam-se na extremidade dos glaciares que descem das calotes glaciares Satildeo

alimentadas pelo desgelo natural dos glaciares e nela flutuam pequenos e grandes iceber-

gues que se separam da frente do glaciar (FIGURA 3)

FIGURA 3 Esquema 3D (sem escala) da formaccedilatildeo de icebergues numa lagoa glaciar

O exemplo mais notaacutevel deste tipo de lagoas na Islacircndia eacute a lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten consi-

derada uma das maravilhas naturais do paiacutes Fica situada no sudeste da ilha na extremidade

do glaciar Breiethamerkurjoumlkull uma das liacutengua glaciares da calote de Vatnajoumlkull (FIGURA 4)

FIGURA 4 Icebergues na lagoa glaciar de Joumlkulsaacuterloacuten Ao fundo vecirc-se a frente do glaciar Breiethamerkurjoumlkull As faixas negras nos icebergues satildeo niacuteveis de cinza vulcacircnica

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A lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten eacute o ponto mais baixo da Islacircndia com zonas agrave cota de -200 m Na

baiacutea da lagoa tem-se acesso a uma paisagem de outro mundo com icebergues de dimen-

sotildees variadas que flutuam ateacute ao mar ficando alguns deles encalhados na margem de uma

praia de areia vulcacircnica Alguns icebergues exibem faixas negras correspondentes a niacuteveis

de cinzas vulcacircnicas provenientes de antigas erupccedilotildees (FIGURA 4) Outros exibem duas

tonalidades branco leitoso e azul claro A faixa azul corresponde agrave porccedilatildeo do icebergue

que se tornou recentemente emersa

A lagoa teraacute sido formada em 1934-35 pelo contiacutenuo recuo do glaciar Vatnajoumlkull e teraacute

duplicado de tamanho nos uacuteltimos 15 anos Dada a taxa atual de recuo do glaciar Vatna-

joumlkull um profundo fiorde iraacute desenvolver-se no local onde hoje existe a lagoa

As costas escarpadas

As costas escarpadas e recortadas satildeo sem duacutevida as mais dominantes Ocorrem deste o

oeste ao leste da ilha passando pela regiatildeo norte incisas por numerosos fiordes e peque-

nas enseadas e salpicadas por leixotildees Eacute notaacutevel pela sua forma de dragatildeo e pelas lendas

que o envolvem o leixatildeo de Hvitserkur (IMAGEM DA PAGINA 42) situado na costa leste da

Peniacutensula de Vatnsnes no noroeste da Islacircndia

Os fiordes mais profundos localizam-se na costa norte constituindo bons portos natu-

rais Um destaque especial vai para o fiorde ao longo do qual se estende a cidade de Aku-

reyri (fiorde de Akureyri ou Eyjafjoumlrethur) considerado o mais longo do paiacutes

Praias de areia Negra

As praias de areia negra em geral de reduzida extensatildeo podem ser constituiacutedas por i) de-

poacutesitos resultantes da abrasatildeo das arribas ii) moreias e depoacutesitos fluviais resultantes dos

rios glaciares com contornos suaves e lagoas glaciares protegidas por extensas barras

arenosas iii) depoacutesitos de tefra provenientes de erupccedilotildees freaacuteticas

As do primeiro tipo ocorrem um pouco por toda a linha de costa como resultado da accedilatildeo

do mar sobre as arribas As do segundo tipo ocorrem dominantemente entre Djuacutepivogur a

sudeste e Oumllfusaacute a sudoeste com destaque para a praia de Reynisfjara na costa sul As

da terceira categoria podem ser observadas na ilha de Heimaey arquipeacutelago de Vestman-

naeyja regiatildeo sul da Islacircndia

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018048

IMA

GE

M E

M D

ES

TAQ

UE

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Eu crio as minhas obras de arte de peque-

nos pedaccedilos de papel com espirais que co-

nectam e ligam os elementos a uma grande

estrutura Na obra de origami acabada a

que chamo Voltinhas estas espirais vivem

e trabalham Forccedilas de tensatildeo e fricccedilatildeo

contrapotildeem-se agrave gravidade e mantecircm a

forma estaacutevel Nas minhas criaccedilotildees procu-

ro estar perto da natureza Quando criamos

ou estudamos modelos de papel na macro

escala podemos entender melhor as for-

mas criadas pela natureza na micro escala

A minha obra de origami na capa o trabalho

intitulado ldquoInverno num parque de Lisboardquo e

o capsiacutedeo do viacuterus Canine parvovirus um viacute-

rus contagioso que ataca sobretudo os catildees

e outros caniacutedeos tecircm a mesma estrutura

geomeacutetrica do pequeno rombicosidodecae-

dro um poliedro com simetria icosaeacutedrica

Essa obra invoca simbolicamente o Ano

da Biologia Matemaacutetica 2018 O origami eacute

uma arte de dobragem do papel com uma

forte componente geomeacutetrica que permite

a construccedilatildeo de formas complexas e tem

atraiacutedo o interesse de matemaacuteticos pelas

suas propriedades geomeacutetricas e algeacutebricas

Krystyna Burczyk

Os viacuterus satildeo responsaacuteveis por inuacutemeras

doenccedilas no homem nos animais e nas plan-

tas e as curas e prevenccedilotildees satildeo ainda mui-

tas vezes problemaacuteticas Desenvolvimen-

tos recentes das aplicaccedilotildees da matemaacutetica

agrave virologia nomeadamente das teorias de

grupos de grafos de tesselaccedilatildeo ou de re-

ticulados mostraram por exemplo que as

restriccedilotildees estruturais agraves formas dos viacuterus

satildeo maiores do que antes se pensava e

permitiram a construccedilatildeo de novos modelos

para o desenvolvimento de terapias anti-

-virais Os capsiacutedeos virais que envolvem

os genomas dos viacuterus por razotildees de eco-

nomia geneacutetica tem muitas vezes uma si-

metria icosaeacutedrica Ora esta simetria natildeo eacute

cristalograacutefica em trecircs dimensotildees ie natildeo

eacute compatiacutevel com reticulados perioacutedicos

o que motivou os matemaacuteticos a desen-

volverem novas estruturas no contexto de

grupos de Coxeter natildeo-cristalograacuteficos que

encontraram aplicaccedilatildeo natildeo soacute na virologia

mas tambeacutem noutras estruturas molecula-

res da quiacutemica do carbono

Joseacute Francisco RodriguesUniversidade de Lisboa

Origami e Viacuterusin imagemcasadascienciasorg

Imagem de Canine Parvovirus gerada em VMD Autor Alexandre Lopes Magalhatildees

Page 3: JUNHO 2018 V6 /02 · 2018-09-26 · Matilde Viegas, Maria João Ramos, Pedro Alexandrino Fernandes Stephen Hawking e a sua contribuição para a física teórica Orfeu Bertolami,

V602JUNHO 2018

IacuteNDICE

AGENDA

NOTIacuteCIAS

EDITORIAL

Do crescimento das populaccedilotildees

agrave epidemiologia e virologiaJoseacute Francisco Rodrigues

ARTIGOS

Campos (Fiacutesica)Eduardo Lage

Espectroscopia VibracionalPaulo Ribeiro Claro

O crescimento exponencial de

populaccedilotildees Euler ou MalthusSuzana Naacutepoles

ArtroacutepodesMiguel Santos Rubim Almeida

Sara C Antunes

Biocombustiacuteveis

seratildeo a soluccedilatildeoMatilde Viegas Maria Joatildeo Ramos

Pedro Alexandrino Fernandes

Stephen Hawking

e a sua contribuiccedilatildeo

para a fiacutesica teoacutericaOrfeu Bertolami Claacuteudio Gomes

RochaA M Galopim de Carvalho

NOTIacuteCIAS EDUCATIVAS

Software educativo

em preacute-caacutelculo e caacutelculo

diferencialAna C Conceiccedilatildeo

O Aroma das PlantasLuiacutes Gaspar Pedro Ana Cristina

Figueiredo Joseacute Gonccedilalves Barroso

AOS OLHOS DA CIEcircNCIA

Paisagens da Islacircndia

Formas e Processos (III)Fernando Carlos Lopes

IMAGEM EM DESTAQUE

Origami e ViacuterusJoseacute Francisco Rodrigues

Krystyna Burczyk

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EN

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2

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EN

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2104(2017)

a 3112(2018)

Plantas e Povos

Nesta exposiccedilatildeo eacute possiacutevel observar objetos

etnobotacircnicos e etnograacuteficos fotografias e

filmes das coleccedilotildees provenientes do Instituto de

Investigaccedilatildeo Cientiacutefica Tropical e do MUHNAC

MNHNC LISBOA

HTTPWWWMUSEUSULISBOAPTPT-PTPLANTAS-E-POVOS

2307a 2707(2018)

11ordf Conferecircncia Europeia de Biologia Teoacuterica e Matemaacutetica

Co-organizada pela Sociedade Portuguesa de

Matemaacutetica a 11ordf Conterecircncia Europeia de Biologia

Teoacuterica e Matemaacutetica realiza-se em Lisboa de 23 a

27 de julho de 2018 sob os auspiacutecios das Sociedades

Europeias de Matemaacutetica (EMS) e de Biologia Teoacuterica

e Matemaacutetica (ESMTB) e celebra em Portugal o Ano

Europeu da Biologia Matemaacutetica 2018

LISBOA HTTPWWWECMTB2018ORG

0609a 0709(2018)

I Encontro da Casa das Ciecircncias mdash Accedilores

Vai realizar-se na cidade de Ponta Delgada

o I Encontro da Casa das Ciecircncias mdash Accedilores

com o apoio do Governo Regional e da

Universidade dos Accedilores As inscriccedilotildees estatildeo

jaacute abertas Reserve o seu lugar

PONTA DELGADA HTTPWWWCASADASCIENCIAS

ORG2018ENCONTROAZORES

NO

TIacuteC

IAS

3

Marcelo Viana fala de Matemaacutetica no ano em que o Brasil organiza o 28ordm Congresso Internacional de Matemaacuteticos

httprevistapesquisafapespbr20180320marcelo-viana-uma-equacao-dificil

O matemaacutetico luso-brasileiro Marcelo Via-

na formado pela Universidade do Porto em

1984 atual diretor do Instituto de Matemaacuteti-

ca Pura e Aplicada (IMPA) no Rio de Janei-

ro eacute o organizador geral do 28ordm Congresso

Internacional de Matemaacuteticos (ICM 2018) e

foi entrevistado recentemente pela revista

brasileira Pesquisa FAPESP Nessa entrevis-

ta fala natildeo soacute do mais importante congresso

de matemaacuteticos que se realiza de quatro em

quatro anos e onde satildeo atribuiacutedas as Meda-

lhas Fields consideradas os preacutemios Nobel

da Matemaacutetica mas tambeacutem da sua expe-

riecircncia pessoal em Portugal e no IMPA onde

se doutorou em 1990 Fala da situaccedilatildeo atual

da matemaacutetica brasileira e mais geralmen-

te afirma que ldquoem matemaacutetica nunca se

sabe o que vai resultar em uma aplicaccedilatildeo

Esta eacute uma regra-chave eacute preciso deixar o

ser humano exercer sua criatividade Quan-

do os avanccedilos da matemaacutetica satildeo aplicados

eles satildeo invisiacuteveis Sem matemaacutetica a tomo-

grafia natildeo existiria Haacute muita matemaacutetica no

modo como o sinal de uma partida de futebol

eacute transmitido por exemplordquo

10 de Outubro de 2018 foi proposto para Dia da Biologia Matemaacutetica

httpswwwesmtborgnews141-year-of-mathematical-biology-2018httpeuro-math-soceuyear-mathematical-biology-2018

Numa iniciativa conjunta da Sociedade Eu-

ropeia de Matemaacutetica (EMS) com a Socie-

dade Europeia de Biologia Teoacuterica e Mate-

maacutetica (ESMTB) estaacute a ser celebrado este

ano o Ano da Biologia Matemaacutetica 2018

com muacuteltiplas iniciativas cientiacuteficas em

muitos paiacuteses da Europa Foi ainda propos-

to celebrar o Dia da Biologia Matemaacutetica a

10 de outubro cuja data invoca os diacutegitos da

morfogenia humana

NO

TIacuteC

IAS

4

GRIPENET e BBC Four Pandemics

httpwwwgripenetpthttpswwwinfluenzaneteuhttpswwwbbccoukprogrammesp059y0p1

Haacute cem anos a pandemia da gripe espanhola

de 1918 dizimou entre 3 a 5 da populaccedilatildeo

mundial e foi uma das mais letais da histoacuteria

da humanidade Uma nova pandemia de gripe

poderaacute acontecer mais tarde ou mais cedo e

sem alarmismo o canal BBC Four lanccedilou em

marccedilo de 2018 o programa Contagion The BBC

Four Pandemic em colaboraccedilatildeo com um grupo

de matemaacuteticos da Universidade de Cambridge

Esse programa de ciecircncia cidadatilde tem como ob-

jetivo ajudar a combater uma futura pandemia

de doenccedilas infecciosas divulgando por um

lado o conhecimento cientiacutefico e a modelaccedilatildeo

matemaacutetica subjacente agraves epidemias e por ou-

tro atraveacutes de uma aplicaccedilatildeo para telemoacutevel

a BBC Pandemic app promovendo uma expe-

riecircncia de ciecircncia cidadatilde ao coligir dados auto-

rizados dos movimentos das pessoas dos seus

contactos e ainda outra informaccedilatildeo pessoal

Este projeto eacute um sucedacircneo do projeto europeu

Influenzanet iniciado na Holanda com partici-

paccedilatildeo portuguesa desde 2005 como GRIPENET

numa iniciativa dos investigadores do Instituto

Gulbenkian de Ciecircncias que continua no Insti-

tuto Nacional de Sauacutede Doutor Ricardo Jorge e

eacute atualmente o maior repositoacuterio em liacutengua por-

tuguesa de conteuacutedos em linha sobre a gripe

IMAGINARY lanccedila apelo de moacutedulos para uma Exposiccedilatildeo sobre Matemaacutetica e Muacutesica

httpsimaginaryorgmnm-call

A organizaccedilatildeo IMAGINARY open mathematics

atraveacutes da sua plataforma destinada a pro-

mover a divulgaccedilatildeo da matemaacutetica de forma

aberta e interativa lanccedilou um apelo agrave par-

ticipaccedilatildeo puacuteblica de matemaacuteticos muacutesicos

informaacuteticos e cidadatildeos interessados em con-

tribuir com moacutedulos de fonte ou coacutedigo aber-

tos que expliquem simulem eou mostrem as

relaccedilotildees e interaccedilotildees entre a Matemaacutetica e a

Muacutesica O objetivo eacute a realizaccedilatildeo da exposiccedilatildeo

ldquoThe Sound of Mathematicsrdquo a abrir em 2019

exatamente vinte anos apoacutes o FORUM Diderot

sobre Matemaacutetica e Muacutesica organizado pela

Sociedade Europeia de Matemaacutetica (EMS) que

se realizou a 3 e 4 de dezembro de 1999 si-

multaneamente em Lisboa Paris e Viena

ED

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Do crescimento das populaccedilotildees agrave epidemiologia e virologia

Decorrendo o Ano da Biologia Matemaacutetica 2018 uma iniciativa da Sociedade Europeia de

Matemaacutetica (EMS) em conjunto com a Sociedade Europeia de Biologia Teoacuterica e Matemaacutetica

(ESMTB) acontecem este ano na Europa um elevado nuacutemero de iniciativas cientiacuteficas para

celebrar o extraordinaacuterio progresso das aplicaccedilotildees matemaacuteticas na Biologia cujo veacutertex

desta influecircncia muacutetua ainda estaacute por acontecer Se histoacuterica e atualmente o progresso da

compreensatildeo de vaacuterios processos bioloacutegicos trouxe agrave matemaacutetica incluindo a estatiacutestica

novos problemas e conceitos natildeo eacute menos verdade que o rigor dos meacutetodos matemaacuteticos

tem e continuaraacute a desempenhar um contributo admiraacutevel para avaliar ou afastar hipoacuteteses

feitas por bioacutelogos neurocientistas e outros investigadores em medicina

Podemos considerar que o iniacutecio da interaccedilatildeo profiacutecua entre a Matemaacutetica e a Biologia se

iniciou em meados do seacuteculo XVIII em particular com a descriccedilatildeo do crescimento exponen-

cial das populaccedilotildees pelo matemaacutetico Leonard Euler cinquenta anos antes de Malthus As

questotildees quantitativas da mortalidade e da esperanccedila de vida do geacutenero humano um tema

central das ciecircncias atuariais das pensotildees e seguros que comeccedilaram a ser tabeladas ainda

em seiscentos e motivaram uma notaacutevel memoacuteria de Euler apresentada agrave Academia de Ciecircn-

cias de Berlim em 1760 foram moacutebiles para o desenvolvimento da teoria das probabilidades

e de meacutetodos estatiacutesticos Por outro lado nesse mesmo ano Daniel Bernoulli apresentou agrave

Academia de Ciecircncias de Paris um primeiro modelo diferencial para analisar a propagaccedilatildeo

da variacuteola e defender as vantagens da inoculaccedilatildeo para a prevenir que foi um trabalho pionei-

ro na aplicaccedilatildeo das equaccedilotildees diferenciais agrave variaccedilatildeo das populaccedilotildees e podemos considerar

como numa carta agrave Nature de 2000 que ldquoBernoulli was ahead of modern epidemiologyrdquo

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Hoje em dia o domiacutenio da Biomatemaacutetica eacute vastiacutessimo e vai muito aleacutem da dinacircmica das

populaccedilotildees da ecologia teoacuterica agrave epidemiologia meacutedica da geneacutetica agrave virologia da formaccedilatildeo

de padrotildees agraves redes neuronais da bioestatiacutestica agrave anaacutelise proteoacutemica da biomecacircnica agrave

fisiologia animal etc Se existem aacutereas da Matemaacutetica com maiores relaccedilotildees com a Biologia

nomeadamente na modelaccedilatildeo matemaacutetica e numeacuterica incluindo os sistemas dinacircmicos as

equaccedilotildees com derivadas parciais os processos estocaacutesticos e a estatiacutestica novas intera-

ccedilotildees estatildeo a surgir na geometria e na topologia no tratamento de dados e nas relaccedilotildees com

machine learning ou aacutelgebra computacional

Por exemplo no encontro kick-off do ano da Biologia Matemaacutetica realizado na Finlacircndia

a 4 e 5 de janeiro uma das conferecircncias plenaacuterias de Benoicirct Perthame da Universidade de

Paris-Sorbone abordou as ligaccedilotildees entre dois tipos de modelos matemaacuteticos para o cresci-

mento de tumores a descriccedilatildeo lsquomicroscoacutepicarsquo ou lsquocompressiacutevelrsquo agrave escala da densidade da

populaccedilatildeo celular e uma descriccedilatildeo mais macroscoacutepica ou lsquoincompressiacutevelrsquo que eacute baseada

num problema com fronteira livre do tipo da equaccedilatildeo claacutessica de Hele-Shaw um modelo

bidimensional bem conhecido para escoamento de fluidos entre duas placas paralelas

Outro exemplo atual decorreu do projeto multidisciplinar europeu DENFREE flying towards

the efficient control of dengue iniciado em 2012 e coordenado pelo Instituto Pasteur o qual

teve participaccedilatildeo portuguesa em particular de biomatemaacuteticos do CMAFUniversidade de Lis-

boa Um dos seus objetivos constituiu na elaboraccedilatildeo de modelos preditivos para combater a

epidemia do viacuterus do dengue baseados na dinacircmica computacional natildeo-linear combinada com

a anaacutelise estatiacutestica de dados sobre a vacinaccedilatildeo a niacutevel mundial Esses modelos permitiram

conclusotildees relevantes e contribuiacuteram para uma melhor administraccedilatildeo da Denvaxia uma vaci-

na do dengue recomendada pelo WHO Strategic Advisory Group of Experts (SAGE) e levaram a

multinacional Sanofi-Pasteur produtora daquela vacina a alterar a recomendaccedilatildeo de vacina-

ccedilatildeo apenas para as pessoas seropositivas Contudo isso aconteceu com um ano de atraso face

agrave prediccedilatildeo do modelo do DENFREE o que foi criticado por dois daqueles investigadores numa

carta de 21-12-2017 publicada na revista The Lancet Infectious Diseases

Portugal que jaacute em 2009 no bicentenaacuterio de Charles Darwin havia acolhido o encontro

The Mathematics of Darwinrsquos Legacy numa organizaccedilatildeo do Centro Internacional de Mate-

maacutetica em colaboraccedilatildeo com a ESMTB e o apoio da Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian acolhe

agora o principal acontecimento do Ano da Biologia Matemaacutetica 2018 a 11th European Con-

ference on Mathematical and Theoretical Biology (httpecmtb2018org) que se realiza na

Faculdade de Ciecircncias da Universidade de Lisboa de 23 a 27 de julho e natildeo poderaacute ficar indi-

ferente agrave celebraccedilatildeo do primeiro Dia da Biologia Matemaacutetica a 10 de outubro que se espera

ter continuidade anual e cujo logo invoca a morfogeacutenese humana

Joseacute Francisco RodriguesEditor convidado

AR

TIG

O

7

Campos (Fiacutesica)Eduardo Lage

Universidade do Porto

O conceito de campo eacute dos mais fundamentais em Fiacutesica Tal como um campo de flores

variadas pode ter em cada canteiro um letreiro identificando a espeacutecie aiacute plantada um

campo fiacutesico eacute uma regiatildeo do espaccedilo em que eacute definida uma etiqueta caraterizando o valor

de uma grandeza em cada ponto e em cada instante Na sua formulaccedilatildeo inicial devida a

Michael Faraday (1849) o campo era um auxiliar que permitia imaginar a forccedila eleacutetrica

que se exerceria sobre uma carga colocada nesse ponto Com a formulaccedilatildeo definitiva de

James Clerk Maxwell (1864) para as leis do electromagnetismo (conhecidas por equaccedilotildees

de Maxwell) o campo ganhou uma realidade fiacutesica O campo pode propagar-se como on-

das atraveacutes do espaccedilo destronando a ideia de forccedilas instantacircneas agrave distacircncia A teoria da

relatividade restrita (Einstein 1905) viria a incorporar este conceito num dos seus postu-

lados (nada ultrapassa a luz no vazio) obrigando a aceitar o campo como uma realidade

fundamental Todas as teorias a partir de entatildeo satildeo teorias de campo alargando o seu

acircmbito agraves forccedilas nucleares fortes (responsaacuteveis pela coesatildeo do nuacutecleo) e fracas (originan-

do a desintegraccedilatildeo do neutratildeo livre) e exigindo mesmo uma reformulaccedilatildeo da lei da atraccedilatildeo

universal (Newton) corporizada na teoria da relatividade geral (Einstein 1915)

A importacircncia do conceito de campo fez-se sentir em outros domiacutenios da Fiacutesica Assim

passaacutemos a falar em diversos tipos de campos

a) Escalares tais como os campos de densidade temperatura ou pressatildeo (FIGURA 1)

para discutir fenoacutemenos atmosfeacutericos ou o interior de planetas ie a etiqueta tem apenas

um nuacutemero identificando o valor da grandeza

FIGURA 1 Diferenccedila de pressotildees em relaccedilatildeo agrave pressatildeo atmosfeacuterica normal atraveacutes de cores identificando valores numeacutericos (abaixo representados)

AR

TIG

O

8

b) Vetoriais tais como os campos de velocidade (FIGURA 2) ou aceleraccedilatildeo num

soacutelido riacutegido o campo eletromagneacutetico ou graviacutetico ie a etiqueta tem trecircs nuacutemeros as

componentes do vetor associado agrave grandeza respetiva

FIGURA 2 Campo de velocidades de um fluido onde cada seta representa a velocidade do fluido no ponto onde se situa a origem da seta

c) Tensoriais tais como os campos de deformaccedilatildeo ou tensatildeo (FIGURA 3) em soacutelidos

deformaacuteveis ou o tensor de Maxwell no eletromagnetismo A etiqueta tem agora nove nuacute-

meros em geral (para tensores de 2ordf ordem) as componentes do tensor correspondente

agrave grandeza medida

FIGURA 3 Componentes do tensor das tensotildees onde por exemplo σyx eacute a componente da tensatildeo (vetor) segundo x para uma superfiacutecie normal ao eixo y Por convenccedilatildeo a tensatildeo eacute exercida pela parte exterior ao cubo

O campo escalar eacute talvez o mais simples e o seu estudo atraveacutes de um exemplo e pos-

teriormente generalizado permite obter vaacuterios resultados importantes que se revelam

tambeacutem importantes nos campos vetoriais e tensoriais

x

z

y

σxx

σyx

σxx

σyx

σzx

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018039

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Espectroscopia VibracionalPaulo Ribeiro ClaroCICECO Universidade de Aveiro

Designa-se por ldquoespectroscopia vibracionalrdquo a teacutecnica que mede a interaccedilatildeo da radiaccedilatildeo

eletromagneacutetica com os movimentos de vibraccedilatildeo de um sistema molecular

Qualquer sistema que contenha aacutetomos ligados entre si tem movimentos vibracionais

desde as moleacuteculas diatoacutemicas aos sistemas bioloacutegicos e aos materiais mais diversos

Deste modo as diversas teacutecnicas de espectroscopia vibracional satildeo muito utilizadas

tanto na caraterizaccedilatildeo de sistemas como em anaacutelise quiacutemica Estas aplicaccedilotildees

estendem-se atualmente ateacute agrave imagem meacutedica

Graus de liberdade de um sistema molecular

Considerando uma associaccedilatildeo de N aacutetomos (moleacutecula iatildeo ou radical) em fase gasosa ndash isto

eacute isolada e livre de restriccedilotildees externas ao seu movimento ndash cada um dos seus aacutetomos pode

deslocar-se segundo as trecircs direccedilotildees do espaccedilo descritas pelos eixos coordenados ou ve-

tores xyz Teremos assim 3N vetores que podem combinar-se em 3N movimentos distintos

FIGURA 1 Representaccedilatildeo esquemaacutetica dos 3N graus de liberdade de uma moleacutecula diatoacutemica A linha superior representa as trecircs translaccedilotildees a linha inferior representa as duas rotaccedilotildees e uma vibraccedilatildeo (O nuacutemero de vibraccedilotildees independentes eacute dado pela diferenccedila entre o nuacutemero de graus de liberdade e o nuacutemero de translaccedilotildees e rotaccedilotildees 3N-5) O movimento de vibraccedilatildeo pressupotildee que a ligaccedilatildeo entre os aacutetomos funciona como uma mola (que forccedilaraacute os aacutetomos a inverterem o sentido do movimento)

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Quando todos os aacutetomos se movem coordenadamente na direccedilatildeo um dado vetor (por

exemplo direccedilatildeo z FIGURA 1 primeira imagem) isso representa a translaccedilatildeo da moleacutecula

nessa direccedilatildeo Para uma moleacutecula isolada haacute pois trecircs movimentos ndash ou graus de liberdade

ndash translacionais

De igual modo eacute possiacutevel encontrar combinaccedilotildees de movimentos individuais dos aacutetomos

que resultam numa rotaccedilatildeo da moleacutecula em torno do seu centro de massa Estes graus de

liberdade rotacionais satildeo tambeacutem trecircs para a maioria das moleacuteculas Em moleacuteculas linea-

res haacute apenas dois graus de liberdade rotacionais pois natildeo existe rotaccedilatildeo em torno do eixo

molecular (natildeo moveria nenhum aacutetomo)

As restantes combinaccedilotildees de movimentos atoacutemicos resultam em movimentos dos aacutetomos

entre si sem que haja translaccedilatildeo ou rotaccedilatildeo da moleacutecula ou seja correspondem a graus de

liberdade vibracionais Deste modo um sistema molecular com N aacutetomos tem 3N-6 vibra-

ccedilotildees (3N-5 se for linear)

A soluccedilatildeo da equaccedilatildeo de Schoumldinger para uma partiacutecula livre em movimento tem como

significado fiacutesico a natildeo-quantizaccedilatildeo da energia translacional Dito de outro modo os graus

de liberdade translacionais satildeo contiacutenuos Contudo o mesmo natildeo se passa com os movimen-

tos os rotacionais e vibracionais a que correspondem niacuteveis de energia discretos (ou quan-

tizados) Assim eacute possiacutevel observar transiccedilotildees entre os niacuteveis rotacionais (espectroscopia

rotacional) ou entre os niacuteveis vibracionais (espectroscopia vibracional) Como seraacute discutido

abaixo numa moleacutecula em fase gasosa eacute possiacutevel observar transiccedilotildees em que se alteram si-

multaneamente o estado vibracional e o estado rotacional (por vezes abreviadas para ldquotran-

siccedilotildees roto-vibracionaisrdquo)

O modelo mais simples para descrever as vibraccedilotildees moleculares eacute o modelo do oscilador

harmoacutenico diatoacutemico dois aacutetomos de massa m1 e m2 ligados por uma mola perfeitamente

elaacutestica (FIGURA 2A) Os dois aacutetomos oscilam em torno da distacircncia de equiliacutebrio num mo-

vimento que pode ser designado por ldquoelongaccedilatildeo linearrdquo (e frequentemente abreviado para

ldquoelongaccedilatildeordquo)

Por resoluccedilatildeo da equaccedilatildeo de Schroumldinger para este modelo obteacutem-se a expressatildeo da

energia dos niacuteveis vibracionais

)frac12v(v += νhE

onde v eacute o nuacutemero quacircntico vibracional (v = 0 1 2 3 hellip) e ν eacute a frequecircncia de vibraccedilatildeo

do oscilador harmoacutenico Segundo este modelo os niacuteveis de energia de um oscilador estatildeo

igualmente espaccedilados sendo a diferenccedila entre eles igual a hν (FIGURA 2B) A regra de sele-

ccedilatildeo para o oscilador harmoacutenico eacute Δv = 1 pelo que o espectro vibracional de uma moleacutecula

diatoacutemica nesta aproximaccedilatildeo consiste num uacutenico sinal de frequecircncia ν independentemente

do niacutevel de partida

(1)

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FIGURA 2 A - Oscilador harmoacutenico constituiacutedo por duas esferas de massa m1 e m2 ligadas por uma mola sem limite de elasticidade (obedece agrave lei de Hooke para qualquer deformaccedilatildeo) B - Esquema da distribuiccedilatildeo dos niacuteveis de energia vibracionais em funccedilatildeo do nuacutemero quacircntico v e valor da separaccedilatildeo energeacutetica entre niacuteveis consecutivos

A frequecircncia do oscilador depende naturalmente da forccedila da ldquomolardquo ou seja do grau de

rigidezelasticidade da ligaccedilatildeo quiacutemica que se traduz na constante de forccedila da ligaccedilatildeo k

Esta constante de forccedila eacute a que define a resistecircncia da mola agrave deformaccedilatildeo ou seja a forccedila

que eacute necessaacuterio efetuar para provocar uma deformaccedilatildeo de Δx de acordo com a lei de

Hooke F = k Δx A equaccedilatildeo da frequecircncia do oscilador harmoacutenico eacute entatildeo dada por

μπν

k21

=

onde μ eacute a massa reduzida do oscilador

Os osciladores reais satildeo anarmoacutenicos uma vez que as ligaccedilotildees quiacutemicas natildeo se compor-

tam como molas perfeitamente elaacutesticas A FIGURA 5 compara a funccedilatildeo de energia potencial

do oscilador harmoacutenico com uma curva pouco anarmoacutenica (FIGURA 3A) e muito anarmoacutenica

(FIGURA 3B) A situaccedilatildeo real corresponde agrave curva de alta anarmonicidade (FIGURA 3B) jaacute que

as ligaccedilotildees quiacutemicas quebram quando satildeo estiradas excessivamente

FIGURA 3 Comparaccedilatildeo entre o oscilador harmoacutenico (linha a vermelho) e anarmoacutenico (linha a preto) para duas situaccedilotildees A - baixa anarmonicidade e B - alta anarmonicidade Notar que a regiatildeo da transiccedilatildeo fundamental(0rarr1) eacute muito razoavelmente descrita pelo oscilador harmoacutenico em qualquer dos casos

(2)

A B

A B

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A energia dos niacuteveis de um oscilador anarmoacutenico eacute dada por

2v )frac12v()frac12v( +-+= exhhE νν

onde xe eacute a constante de anarmonicidade especiacutefica de cada oscilador

Um efeito imediato da anarmonicidade eacute a diminuiccedilatildeo progressiva do espaccedilamento ener-

geacutetico entre os niacuteveis (tal como se observa na FIGURA 3)

ΔEv0rarr1 = hν(1 ndash 2 x) ΔEv1rarr2

= hν(1 ndash 4 x) ΔEv2rarr3 = hν(1 ndash 6 x)

Proacuteximo da energia de dissociaccedilatildeo o espaccedilamento tende para zero o que permite estimar

a energia de uma ligaccedilatildeo a partir da sua frequecircncia de vibraccedilatildeo e da correspondente anar-

monicidade

exhD 4e ν=

A regra de seleccedilatildeo para o oscilador anarmoacutenico eacute Δv = 1 2 3 hellip sendo possiacutevel observar

diversas transiccedilotildees Enquanto a transiccedilatildeo do niacutevel v=0 para v=1 eacute designada por transiccedilatildeo

fundamental as transiccedilotildees de v=0 para vgt1 satildeo designadas sobretons

Quando a populaccedilatildeo dos niacuteveis excitados eacute significativa eacute possiacutevel observar as transiccedilotildees

v=1 para v=2 v=2 para v=3 etc Estas transiccedilotildees aumentam de intensidade por aumento

da temperatura (ver distribuiccedilatildeo de populaccedilatildeo de Boltzmann) pelo que as correspondentes

bandas do espectro vibracional satildeo designadas por ldquobandas quentesrdquo

Esta anaacutelise do espectro vibracional de sistemas diatoacutemicos pode estender-se a sistemas

poliatoacutemicos Em sistemas poliatoacutemicos observam-se vaacuterios movimentos de ldquoelongaccedilatildeo li-

nearrdquo (tantos quantos as ligaccedilotildees entre 2 aacutetomos) de ldquodeformaccedilatildeo angularrdquo (envolvendo 3

aacutetomos ligados) de ldquotorccedilatildeordquo e de ldquodeformaccedilatildeo para fora do planordquo (envolvendo 4 aacutetomos

ligados) Estes movimentos combinam-se nas 3N-6 vibraccedilotildees globais da moleacutecula desig-

nados por modos normais de vibraccedilatildeo Em alguns casos os modos normais de vibraccedilatildeo es-

tatildeo altamente localizados num grupo definido de aacutetomos ndash por exemplo o grupo carbonilo

(C=O) ndash e originam bandas no espectro vibracional que satildeo carateriacutesticas desse grupo de

aacutetomos e mais ou menos independentes do resto da moleacutecula Estas vibraccedilotildees satildeo desig-

nadas por frequecircncias de grupo muito utilizadas em caraterizaccedilatildeo quiacutemica Estes toacutepicos

seratildeo desenvolvidos num texto proacuteprio

Transiccedilotildees roto-vibracionais numa abordagem breve

Tal como referido acima eacute possiacutevel observar transiccedilotildees vibracionais (Δv = 1 2 3 hellip) acom-

panhadas de transiccedilotildees rotacionais (ΔJ= 1) Considerando estes graus de liberdade como

independentes entre si a energia dos niacuteveis num oscilador diatoacutemico eacute dada simplesmente

pela soma da equaccedilatildeo (3) com a equaccedilatildeo do rotor diatoacutemico

(3)

(4)

(5)

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222J v )1()frac12v()1()frac12v( +++-+++= JDxhJBhE eνν J J ][

Ignorando os termos anarmoacutenico e de distorccedilatildeo centriacutefuga ndash indicados entre parecircntese

rectos ndash a energia da transiccedilatildeo vibracional fundamental num oscilador diatoacutemico eacute dada por

ΔEv=0rarrv=1 = hν + B[J(J+1)minusJrsquo(Jrsquo+1)]

onde J eacute o nuacutemero quacircntico rotacional do estado inicial v=1 e Jrsquo eacute o nuacutemero quacircntico

rotacional do estado final v = 1

A FIGURA 4 ilustra as transiccedilotildees que correspondem a Jrsquo=J-1 Jrsquo=J e Jrsquo=J+1 e a FIGURA 5

apresenta o espectro observado para o oscilador diatoacutemico real HCl No espectro real o efeito

da anarmonicidade do oscilador no valor de B eacute evidente

FIGURA 4 Esquema simplificado das transiccedilotildees roto-vibracionais numa moleacutecula diatoacutemica Os niacuteveis natildeo estatildeo agrave escala As transiccedilotildees com Jrsquo=J-1 (a verde) originam as bandas do Ramo P e as transiccedilotildees com Jrsquo=J+1 (a azul) originam o Ramo R As transiccedilotildees com Jrsquo=J (a amarelo) originam o Ramo Q mas natildeo satildeo permitidas em moleacuteculas diatoacutemicas

FIGURA 5 Espectro roto-vibracional da moleacutecula diatoacutemica HCl com a indicaccedilatildeo da posiccedilatildeo do Ramo Q (transiccedilotildees natildeo permitidas por regra de seleccedilatildeo) Notar que todos os sinais aparecem desdobrados em dois uma amostra real de HCl conteacutem as formas isotoacutepicas H35Cl e H37Cl a que correspondem diferentes valores de B Notar tambeacutem que o espaccedilamento entre bandas no ramo P eacute maior que no ramo R no estado fundamental v=0 a distacircncia interatoacutemica meacutedia eacute menor do que para v=1 pelo que B gt Brsquo Notar que a transiccedilatildeo Jrsquo=J eacute proibida pelo que natildeo aparece a banda Q

(6)

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O crescimento exponencial de populaccedilotildees Euler ou Malthus Suzana NaacutepolesUniversidade de Lisboa

Em 1798 no livro An Essay on the Principle of Population que teve seis ediccedilotildees Thomas

Malthus (1766-1864) um cleacuterigo e erudito inglecircs influente nos campos da economia po-

liacutetica e da demografia escreveu

ldquoA populaccedilatildeo quando natildeo controlada aumenta em progressatildeo geomeacutetrica A subsistecircncia

aumenta apenas em progressatildeo aritmeacutetica Um pequeno conhecimento dos nuacutemeros mostra-

raacute a imensidatildeo do primeiro poder em comparaccedilatildeo com o segundoldquo

Malthus natildeo tentou traduzir matematicamente o seu modelo de crescimento Limitou-se a

caraterizaacute-lo pressupondo que a taxa segundo a qual a populaccedilatildeo cresce num determinado

instante eacute proporcional agrave populaccedilatildeo total nesse mesmo instante

Numa revisatildeo da primeira ediccedilatildeo discutiu em detalhe os obstaacuteculos para o crescimento

da populaccedilatildeo em vaacuterios paiacuteses nomeadamente atraso no casamento aborto infanticiacutedio

fome guerra epidemias e fatores econoacutemicos Para ele o casamento retardado era a melhor

opccedilatildeo para estabilizar a populaccedilatildeo

Para caraterizar matematicamente este modelo considerando o crescimento em anos

consecutivos e supondo uma taxa de crescimento r em cada ano se num ano n a popula-

ccedilatildeo eacute Pn no ano seguinte a populaccedilatildeo seraacute Pn +1= (1 + r ) Pn pelo que Pn+1= (1 + r ) n P0 e o

crescimento eacute descrito por uma progressatildeo geomeacutetrica de razatildeo 1 + r

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15FIGURA 1 Thomas Malthus

Supondo uma variaccedilatildeo contiacutenua do tempo e designando por P(t) a populaccedilatildeo no instante

t e por r a taxa de crescimento por unidade de tempo a equaccedilatildeo diferencial que traduz o

modelo contiacutenuo preconizado por Malthus eacute Prsquo(t) = r P(t) Entatildeo P(t) = ke r t com k constante

Como P(0) = k e P0 o nuacutemero de indiviacuteduos no ano zero a evoluccedilatildeo da populaccedilatildeo eacute dada

por P(t) = P0 e rt

Acontece que 50 anos antes em Introductio in analysin infinitorum no VI capiacutetulo

ldquoDe quantidades exponenciais e logaritmosrdquo para ilustrar a grande utilidade das ta-

belas de logaritmos para abreviar caacutelculos numeacutericos o matemaacutetico suiacuteccedilo Leonhard

Euler (1707-1783) daacute vaacuterios exemplos que envolvem o crescimento populacional de

que transcrevemos os exemplos II e III

FIGURA 2 Leonhard Euler e o seu Introductio in analysin infinitorum

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Exemplo II

ldquoSe a populaccedilatildeo em certa regiatildeo aumenta anualmente um trigeacutesimo e por outro lado laacute

habitavam no princiacutepio 100000 pessoas pergunta-se qual o nuacutemero de habitantes apoacutes

100 anos

Seja o nuacutemero inicial = n pelo que n = 100000 passado um ano o nuacutemero de habitantes

seraacute = (1+301 )n=30

13 n depois de dois anos = S X3013 2

n ao cabo de trecircs = S X3013 3

n e daqui

depois de 100 anos seraacute = S X3013 100

n = S X3013 100

100000 cujo logaritmo eacute = 100 l 1013 +

l 100000 E l 1013 = l 31 - l 10 = 0014240439 de onde 100 l 10

13 = 14240439 que somando-

-lhe l 100000 = 5 seraacute o logaritmo do nuacutemero de habitantes procurado = 64240439 a que

corresponde o nuacutemero 2654874

Assim ao cabo de 100 anos seraacute mais de vinte e seis vezes maiorrdquo

Este exemplo publicado em 1748 eacute meio seacuteculo antes a concretizaccedilatildeo do ldquoModelo Mal-

thusianordquo para uma populaccedilatildeo de 100000 habitantes e uma taxa de crescimento anual de

130

No exemplo seguinte Euler faz alusatildeo ao capiacutetulo 7 do Livro do Genesis que relata como

um diluacutevio reduziu a populaccedilatildeo da terra a seis seres humanos

Exemplo III

ldquoComo a humanidade se espalhou apoacutes o diluacutevio por obra de seis seres humanos se o nuacute-

mero destes alcanccedilar duzentos anos depois o nuacutemero 1000000 pergunta-se em que parte

deveria crescer anualmente o nuacutemero de humanos

Se aumentar em cada ano x1 duzentos anos depois o nuacutemero de humanos seria =

xx1 200+S X 6 = 1000000 e por tanto x

16

1000000 2001

+ = S Xx

Portanto l x1

2001+ =x l

61000000 =200

1 52218487 = 00261092

e assim =x1+x

10000001061963 e 1000000 = 61963x donde x =16 aproxidamente

Bastaraacute pois que os humanos aumentem por ano a sua deacutecima sexta parte [] Contudo se

o nuacutemero de homens tivesse crescido na mesma proporccedilatildeo durante um intervalo de 400

anos deveria chegar a 1000000 10000006

= 166666666666 cujo sustento a terra inteira

natildeo seria de forma alguma capaz de darrdquo

Euler ao abordar o crescimento das populaccedilotildees tinha uma preocupaccedilatildeo matemaacutetica ndash a

de mostrar a utilidade dos logaritmos ndash que ilustrou com exemplos

Mas a observaccedilatildeo anterior leva a crer que ele considerou o modelo exponencial desade-

quado para o estudo do crescimento populacional

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A populaccedilatildeo de Portugal espelha bem a falecircncia deste modelo Segundo dados do Ins-tituto Nacional de Estatiacutestica nos duzentos anos que decorreram entre 1770 e 1970 a

populaccedilatildeo nem chegou a triplicar

TABELA 1 Populaccedilatildeo de Portugal entre 1422 a 1890

Popuccedilatildeo de Portugal (INE Lisboa)

Ano Total Variaccedilatildeo Ano Total Variaccedilatildeo

1422 1 043 274 - 1900 5 423 132 +74

1527 1 262 376 +210 1911 5 960 056 +99

1636 1 100 000 -129 1920 6 032 991 +12

1736 2 143 368 +949 1930 6 825 883 +131

1770 2 850 444 +330 1940 7 722 152 +131

1776 3 352 310 +176 1950 8 441 312 +93

1801 2 931 930 -125 1960 8 851 289 +49

1811 2 876 602 -19 1970 8 568 703 -32

1838 3 200 000 +112 1981 9 852 841 +150

1849 3 411 454 +66 1991 9 862 540 +01

1864 4 188 410 +228 2001 10 356 117 +50

1878 4 550 699 +86 2007 10 617 575 +25

1890 5 049 729 +110

Quanto a Malthus as suas preocupaccedilotildees eram de natureza poliacutetica e legislativa To-

mou como certo um crescimento exponencial da populaccedilatildeo mundial que conduziria a

uma cataacutestrofe por ausecircncia de recursos e para o travar sugeriu o recurso a poliacuteticas

adequadas Ao publicitar o modelo exponencial - que ficou conhecido como Modelo

Malthusiano - ligando-o a problemas legislativos reais abriu caminho para que dife-

rentes matemaacuteticos se dedicassem agrave modelaccedilatildeo do crescimento populacional

Em 1844 o matemaacutetico belga Pierre Verhulst (1804-1849) propocircs no artigo Recherches

matheacutematiques sur la loi drsquoaccroissement de la population um modelo em que considera que

agrave medida que a populaccedilatildeo se aproxima de um valor maacuteximo a taxa de crescimento diminui

ldquoO aumento virtual da populaccedilatildeo eacute portanto limitado pelo tamanho e pela fertilidade do paiacutes

Como resultado a populaccedilatildeo fica cada vez mais proacutexima de um estado estaacutevelrdquo

Designado por P(t) a populaccedilatildeo no instante t por r a taxa de crescimento por unidade

de tempo e por M o nuacutemero maacuteximo de indiviacuteduos que a regiatildeo pode suportar este modelo

exprime-se pela equaccedilatildeo diferencial

( )dt

dP rP MP t

1= -T Y

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cuja soluccedilatildeo eacute

( )( ) ( )( )

P t

MP eP e

10 10

rt

rt

=+

-

Se P(t) for muito pequeno face a M tem-se que ( )dt

dP rP MP t

1= -T Y cong r P(t) que tem a soluccedilatildeo P(t) cong P(0) e rt

e o crescimento eacute exponencial

FIGURA 4 Pierre Franccedilois Verhulst e o graacutefico da curva logiacutestica

Agrave medida que t cresce a populaccedilatildeo aproxima-se assintoticamente de M A equaccedilatildeo diferen-

cial que carateriza este modelo eacute atualmente designada por equaccedilatildeo logiacutestica e a populaccedilatildeo

maacutexima M por capacidade de carga Com Verhulst relativizou-se ldquoa hipoacutetese da progressatildeo

geomeacutetrica uma vez que ela soacute se pode verificar em circunstacircncias muito especiais por exem-

plo quando um territoacuterio feacutertil de tamanho quase ilimitado passa a ser habitado por pessoas

com uma civilizaccedilatildeo avanccedilada como foi o caso das primeiras coloacutenias americanasrdquo

Essa equaccedilatildeo foi retomada por vaacuterios matemaacuteticos e adaptada a contextos variados

Satildeo de realccedilar os casos em que a capacidade de carga varia como o tempo conduzindo

ao modelo caraterizado pela equaccedilatildeo diferencial

dtdP rP M

P1= -T Y( )t

onde a capacidade de carga M(t) = M(t +T) varia periodicamente com periacuteodo T

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FIGURA 5 A demografia eacute instrumental para o controlo das populaccedilotildees humanas

Desde o seacuteculo XVIII que o estudo da dinacircmica das populaccedilotildees eacute objeto de modelaccedilatildeo

matemaacutetica Na atualidade existem outros modelos de crescimento hiperboacutelicos expo-

nenciais logiacutesticos ou baseados noutras funccedilotildees Baseada nos modelos populacionais

do matemaacutetico Song Jian a Repuacuteblica Popular da China em 1980 entatildeo a atingir o biliatildeo

de habitantes instaurou uma poliacutetica estrita de filho uacutenico Essa lei foi flexibilizada em

2015 aumentando para dois o nuacutemero maacuteximo de filhos para fazer frente ao envelheci-

mento da populaccedilatildeo e agrave reduccedilatildeo do grupo de trabalhadores na faixa etaacuteria considerada

economicamente ativa

Muitos dos pareceres cientiacuteficos nas mais diversas aacutereas baseiam-se em modelos ma-

temaacuteticos que podem permitir fazer estimativas e previsotildees mas hellip ao olhar para o cres-

cimento populacional ao longo dos tempos verificamos que os modelos matemaacuteticos satildeo

instrumentais na anaacutelise da dinacircmica das populaccedilotildees

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Artroacutepodes Miguel Santos

Rubim Almeida

Sara C Antunes

DB CIBIO InBIO CIIMAR Universidade do Porto

Artroacutepodes (Arthropoda do grego arthro = articulado + podos = peacutes) satildeo o grupo taxonoacutemi-

co mais diversificado com distribuiccedilatildeo por quase todo o globo e ocupando todos os habitats

Satildeo organismos invertebrados com exosqueleto riacutegido apresentando apecircndices articula-

dos (patas antenas) e de nuacutemero diferenciado de acordo com o subfilo a que pertencem

Os artroacutepodes constituem um dos mais diversos grupos de organismos do planeta com-

preendendo espeacutecies que variam de 0085 mm (Tantalacus dieteri um crustaacuteceo parasita)

ateacute 38 m (envergadura do Caranguejo-aranha-gigante) Os organismos pertencentes a

este grupo encontram-se praticamente em todos os tipos de habitat A razatildeo do sucesso

evolutivo deste grupo taxonoacutemico deve-se a um conjunto de carateriacutesticas uacutenicas i) pos-

suiacuterem um exosqueleto proteico-quitinoso flexiacutevel leve e resistente que protege contra a

desidrataccedilatildeo ii) segmentaccedilatildeo do corpo e a presenccedila de apecircndices articulados especia-

lizados iii) oacutergatildeos sensoriais bem desenvolvidos (antenas sedas sensoriais olhos com-

postos olhos pedunculados ocelos quimiorrecetores nas antenas) iv) metamorfose com

diferentes estaacutedios de desenvolvimento incluindo estaacutedios larvares que podem ter um

modo de vida completamente diferente do adulto permitindo um aproveitamento de outros

recursos (alimento e espaccedilo) reduzindo a competiccedilatildeo entre indiviacuteduos da mesma espeacutecie

v) padrotildees comportamentais complexos revelando por vezes organizaccedilatildeo comunitaacuteria e

vi) sistema respiratoacuterio diverso nomeadamente o sistema traqueal onde o ar entra em

contacto direto com os tecidos devido a um eficiente sistema de tubos (traqueias) com

orifiacutecios na superfiacutecie do tegumento (espiraacuteculos) No entanto a origem e a taxonomia

deste grupo ainda constituem um tema de investigaccedilatildeo e debate Mesmo apesar dos avan-

ccedilos em aacutereas como a biologia molecular que fornece importantes conhecimentos sobre

as complexas relaccedilotildees evolutivas destes organismos muito ainda haacute por descobrir Os

artroacutepodes satildeo um grupo extremamente importante nos ecossistemas terrestres devido

natildeo soacute agrave sua enorme abundacircncia e diversidade mas tambeacutem ao grande nuacutemero de funccedilotildees

que desempenham nestes ecossistemas (ex degradaccedilatildeo da mateacuteria orgacircnica arejamento

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do solo ciclagem de nutrientes) O filo Arthropoda estaacute atualmente subdividido em cinco

subfilos Trilobitomorpha Crustacea Myriapoda Chelicerata e Hexapoda

O subfilo Trilobitomorpha (trilobites e os seus parentes) compreende cerca de 20 000

espeacutecies que viviam exclusivamente em ambientes marinhos e que atualmente se encon-

tram todas extintas Contudo a sua vasta distribuiccedilatildeo geograacutefica e o exosqueleto de carbo-

nato de caacutelcio permitiram que este grupo apresente um extenso registo foacutessil observaacutevel

por todo o planeta

Crustacea inclui caranguejos camarotildees e lagostas contendo mais de 60 000 espeacute-

cies e com um extenso registo foacutessil em todo o mundo eacute um dos principais grupos de

artroacutepodes A maioria dos crustaacuteceos vive em ambientes marinhos mas existem vaacuterias

espeacutecies que podem ser encontradas em ecossistemas de aacutegua doce (ordem Cladocera e

sub-classe Copepoda) e em ambientes terrestres (ordem Isopoda FIGURA 1) Apesar da

grande maioria dos crustaacuteceos serem de vida livre existem vaacuterios grupos parasitas (ex

Rhizocephala ndash crustaacuteceos cirriacutepedes parasitas de caranguejos e camarotildees Argulidae ndash

crustaacuteceos parasitas de peixes e Pentastomida ndash vermes liacutengua que parasitam o sistema

respiratoacuterio de vertebrados) Numa perspetiva diferente e de interesse econoacutemico este

grupo apresenta ainda um valor acrescido jaacute que alguns crustaacuteceos decaacutepodes como la-

gostas e camarotildees satildeo intensivamente consumidos em todo o mundo Para aleacutem da sua

importacircncia econoacutemica este grupo de organismos eacute bastante utilizado em investigaccedilatildeo

cientiacutefica nomeadamente em ecotoxicologia na avaliaccedilatildeo do efeito de contaminantes no

solo

FIGURA 1 Exemplares de organismos da ordem Isopoda (bicho-da-conta) 1 ndash famiacutelia Armadillidae 2 ndash famiacutelia Porce-llionidae em A - vista dorsal e em B - vista ventral

O subfilo Myriapoda inclui as centopeias e os miliacutepedes conteacutem mais de 11 000

espeacutecies descritas Este subfilo eacute tradicionalmente dividido em quatro classes Chi-

lopoda (centopeias) (FIGURA 2) Diplopoda (miliacutepedes) Pauropoda (ldquopoucos peacutesrdquo) e

Symphyla (pseudocentopeias) Todos os miriaacutepodes conhecidos satildeo terrestres e o seu

tamanho varia desde alguns miliacutemetros a cerca de 38 centiacutemetros (Millipede Gigante

Africano)

1

2

A B

15cm

AR

TIG

O

22

FIGURA 2 Vista dorsal A - e ventral B - de um organismo pertencente agrave classe Chilopoda onde se pode observar o corpo segmentado e apenas com um par de patas por segmento

O subfilo Chelicerata (aranhas aranhas do mar escorpiotildees e aacutecaros) conteacutem mais

de 113 000 espeacutecies distribuiacutedas em duas classes principais Pycnogonida (aranhas do

mar) e Arachnida (aranhas escorpiotildees e aacutecaros) Pycnogonida o grupo das aranhas

do mar conteacutem mais de 1 300 espeacutecies descritas mas estudos detalhados sobre esses

animais e as suas relaccedilotildees evolutivas ainda satildeo escassos Estes organismos geralmente

tecircm seis ou oito olhos e quatro a seis pares de patas A classe Arachnida compreende os

organismos mais conhecidos do subfilo Chelicerata como aranhas escorpiotildees e aacutecaros

Os indiviacuteduos pertencentes a este grupo natildeo possuem antenas tecircm quatro pares de

patas um par de queliacuteceras (1ordm par de apecircndices do prossomacabeccedila) e pedipalpos

(2ordm par de apecircndices do prossomacabeccedila) As aranhas (ordem Araneae) (FIGURA 3) satildeo

provavelmente o grupo mais icoacutenico e bem estudado deste subfilo presentes na maioria

dos ambientes terrestres e constituindo um dos grupos mais importantes de artroacutepodes

do solo Outros organismos colocados na mesma classe como escorpiotildees aacutecaros ou

opiliotildees tambeacutem constituem grupos extremamente variados com importantes funccedilotildees

ecoloacutegicas (ex decomposiccedilatildeo de mateacuteria orgacircnica e controlo de organismos principal-

mente atraveacutes de predaccedilatildeo)

FIGURA 3 Vista dorsal A - e ventral B - de um exemplar da ordem Araneae (famiacutelia Gnaphosidae) sendo possiacutevel obser-var o corpo dividido em cefalotoacuterax e abdoacutemen os quatro pares de patas as queliacuteceras (q) e os pedipalpos (p)

O subfilo Hexapoda (Hexa (seis) e Poda (peacute)) engloba os insetos e os seus parentes

compreende o grupo mais diverso e abundante de organismos com mais de 1 milhatildeo de

espeacutecies conhecidas Este subfilo eacute frequentemente dividido em organismos da clas-

A B

A B

14cm

p

q

35cm

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O

23

se Insecta (FIGURA 4) e da classe Entognatha Esta uacuteltima inclui os colecircmbolos (ordem

Collembola) (FIGURA 5) cabeccedilas de cone e bichos de prata (ordem Protura) e cerdas de

duas pontas (ordem Diplura) Na classe Entognatha as partes bucais dos organismos

estatildeo retraiacutedas dentro das suas cabeccedilas contrariamente ao que se observa na classe In-

secta que satildeo ectognantes Os colecircmbolos constituem um dos grupos mais abundantes

de artroacutepodes do solo podendo ser encontrados mais de 100 000 indiviacuteduos num metro

quadrado Estes satildeo organismos cosmopolitas com mais de 8 000 espeacutecies descritas Os

colecircmbolos satildeo pequenos organismos com tamanho geralmente inferior a 6-8 mm de

forma ciliacutendrica ou globular apresentando olhos simples e antenas moniliformes Muitas

espeacutecies possuem um apecircndice bifurcado (fuacutercula) no final do abdoacutemen permitindo que

estes organismos saltem quando ameaccedilados (FIGURA 5) Os colecircmbolos tecircm sido ampla-

mente utilizados em estudos ecotoxicoloacutegicos na avaliaccedilatildeo da qualidade do solo e da sauacute-

de destes ecossistemas

FIGURA 4 A - Vista dorsal e B - vista ventral de exemplares de algumas ordens da classe Insecta

FIGURA 5 Vista lateral de exemplares da ordem Collembola

A classe Insecta eacute a classe com maior nuacutemero de organismos compreendendo mais

de metade das espeacutecies eucarioacuteticas descritas atualmente englobando mais de 1 milhatildeo

de espeacutecies que habitam praticamente todos os ecossistemas Os insetos sendo o grupo

Ordem

Coleoptera

Ordem

Diptera

Ordem

Hemiptera

Ordem

Orthoptera

Ordem

HimenopteraA A A A

B B B B

075cm

027cm14cm016cm

09cm

22cm

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mais diversificado de seres vivos apresentam as mais variadas e interessantes adap-

taccedilotildees anatoacutemicas e morfoloacutegicas Pensa-se que a sua enorme riqueza e abundacircncia eacute

devida a uma combinaccedilatildeo de carateriacutesticas vantajosas como a coevoluccedilatildeo com plan-

tas a miniaturizaccedilatildeo e a capacidade de voo Os insetos desempenham ainda um papel

importantiacutessimo no funcionamento dos ecossistemas realizando funccedilotildees quer de pre-

dadores quer de presa estando envolvidos em inuacutemeras teias alimentares (ex reciclan-

do nutrientes fazendo a manutenccedilatildeo da estrutura e fertilizaccedilatildeo dos solos) Destaca-se

tambeacutem o facto de vaacuterios insetos voadores como abelhas ou borboletas atuarem como

polinizadores de muitas espeacutecies de plantas Esta eacute uma funccedilatildeo ecoloacutegica importante

com vaacuterias repercussotildees econoacutemicas porque mais de 30 das culturas alimentares

mundiais dependem da polinizaccedilatildeo Os insetos possuem ainda um papel importante em

investigaccedilatildeo cientiacutefica sendo muitas vezes utilizados como organismo modelo dado pos-

suiacuterem carateriacutesticas distintas como o seu tamanho reduzido tempos de geraccedilatildeo curtos

e elevada fecundidade O exemplo de excelecircncia eacute a mosca da fruta Drosophila melano-

gaster cujo genoma eacute jaacute conhecido na totalidade sendo esta espeacutecie utilizada frequente-

mente para estudar vaacuterios processos celulares (ex o envelhecimento a hereditariedade

e o desenvolvimento embrionaacuterio) Apesar de constituiacuterem um grupo tatildeo interessante

beneacutefico e necessaacuterio agrave manutenccedilatildeo do equiliacutebrio dos ecossistemas existem algumas

desvantagens associadas aos insetos como eacute o caso de serem vetores na transmissatildeo

de doenccedilas Eacute o caso da malaacuteria transmitida por um mosquito do geacutenero Anopheles a

doenccedila parasitaacuteria mais disseminada com vaacuterios milhotildees de humanos infetados em todo

o mundo O dengue e o zika satildeo doenccedilas em que o vetor de transmissatildeo eacute tambeacutem um

mosquito do geacutenero Aedes Na agricultura as pragas de insetos (ex gorgulhos gafa-

nhotos afiacutedios) satildeo responsaacuteveis por prejudicar as culturas agriacutecolas e a produccedilatildeo de

alimentos causando perdas econoacutemicas elevadas

Sabe-se que atualmente a perda de habitat e as mudanccedilas climaacuteticas satildeo alguns dos

fatores responsaacuteveis por decliacutenios significativos nas populaccedilotildees deste grupo de orga-

nismos Esse decliacutenio apresenta uma elevada preocupaccedilatildeo ecoloacutegica uma vez que estes

organismos desempenham muacuteltiplas e importantes funccedilotildees nos ecossistemas No en-

tanto a conservaccedilatildeo deste grupo animal permanece um grande e urgente desafio que eacute

preciso enfrentar

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Biocombustiacuteveis seratildeo a soluccedilatildeo Matilde Viegas

Maria Joatildeo Ramos

Pedro Alexandrino Fernandes

UCIBIO REQUIMTEUniversidade do Porto

ldquoA 21 de Fevereiro de 2018 o niacutevel de poluiccedilatildeo de partiacuteculas finas com diacircmetro inferior

a 10 μm PM10 atingiu em Paris niacuteveis alarmantes com um pico correspondente

ao dobro do limite maacuteximo A Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) recomenda natildeo

exceder este limite maacuteximo por mais de trecircs dias por ano Com este recente pico os

parisienses jaacute o ultrapassaramrdquo

Em Un pic de pollution laquograveraquo en Ile-de-France Le Monde 22 de Fevereiro de 2018

Esta notiacutecia eacute um dos inuacutemeros exemplos dos efeitos do aquecimento global termo com o

qual estamos cada vez mais familiarizados infelizmente Este fenoacutemeno eacute consequecircncia

de Gases de Efeito de Estufa GEE (dioacutexido de carbono metano e oacutexido de azoto entre

outros) que se acumulam na atmosfera enclausurando o calor e tornando o planeta mais

quente A produccedilatildeo em larga escala de GEEs teve iniacutecio na Revoluccedilatildeo Industrial (1800)

como resultado da combustatildeo de combustiacuteveis foacutesseis (carvatildeo petroacuteleo e gaacutes natural)

para produccedilatildeo de eletricidade aquecimento e transporte

A preocupaccedilatildeo em torno do aquecimento global tornou-se um assunto constante na

agenda poliacutetica sobretudo nas uacuteltimas duas deacutecadas Os primeiros esforccedilos coletivos re-

sultaram no Protocolo de Quioto em 1997 cujo objetivo era a reduccedilatildeo das emissotildees de

GEEs assentando nos argumentos de que i) o aquecimento global era uma realidade e ii) o

CO2 produzido por accedilotildees humanas era o seu grande causador O primeiro periacuteodo do Proto-

colo terminou em 2012 e por isso em 2015 as Naccedilotildees Unidas promoveram a assinatura

do novo Acordo de Paris o qual consiste numa atualizaccedilatildeo do antigo Protocolo de Quioto

com o objetivo de ldquofortalecer a resposta global agrave ameaccedila das alteraccedilotildees climaacuteticas no

contexto de desenvolvimento sustentaacutevel e com esforccedilo para a erradicaccedilatildeo da pobrezardquo

O novo Acordo ao contraacuterio do de Quioto estabelece metas tangiacuteveis e quantitativas O

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objetivo eacute manter o aumento da temperatura meacutedia global abaixo dos 2ordm Celsius face agrave

temperatura global na era preacute-industrial Para atingir tal meta eacute necessaacuterio um esforccedilo

mundial contudo em 2017 com a saiacuteda dos EUA do Acordo de Paris o segundo maior

emissor de GEEs logo a seguir agrave China perdeu-se uma enorme contribuiccedilatildeo Aleacutem do peso

evidente que as suas emissotildees tecircm para o estado atual do aquecimento global em falta

estaratildeo tambeacutem a diplomacia e o encorajamento proporcionados por esta forccedila mundial

No Acordo de Paris uma das claacuteusulas exige a inclusatildeo de energias renovaacuteveis (eoacutelica

mariacutetima solar) e de biocombustiacuteveis no mercado de energia encorajando os paiacuteses a

atingir niacuteveis miacutenimos da sua utilizaccedilatildeo As metas estabelecidas para cada paiacutes vatildeo ao en-

contro ao seu mercado e agraves mateacuterias-primas disponiacuteveis em cada territoacuterio favorecendo o

desenvolvimento da economia

De uma forma generalista os biocombustiacuteveis englobam combustiacuteveis produzidos atra-

veacutes de processos bioloacutegicos como a agricultura e digestatildeo anaeroacutebica em vez de produ-

zidos a partir de processos geoloacutegicos como os necessaacuterios para a formaccedilatildeo de combus-

tiacuteveis foacutesseis Isto inclui o biodiesel (produzido a partir de oacuteleos e gorduras orgacircnicas) e o

bioetanol (aacutelcool produzido atraveacutes de fermentaccedilatildeo microbiana de accediluacutecares seguido de

destilaccedilatildeo e desidrataccedilatildeo) os quais seratildeo o maior foco deste artigo

A partir da deacutecada de 70 foram feitos os primeiros investimentos nos chamados bio-

combustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo (1G) Estes fazem uso de colheitas de produtos agriacuteco-

las como a soja cana-de-accediluacutecar milho oacuteleo de palma entre outros para a produccedilatildeo de

biodiesel e bioetanol atraveacutes de processos de trans-esterificaccedilatildeo ou fermentaccedilatildeo A sua

disponibilidade e facilidade de processamento permitiram a sua inserccedilatildeo e mistura nos

combustiacuteveis atualmente vendidos ao puacuteblico Para 2017 Portugal fixou em 75 (de poder

energeacutetico) a incorporaccedilatildeo de biocombustiacuteveis nos combustiacuteveis dos transportes rodoviaacute-

rios tendo a Uniatildeo Europeia o objectivo de 10 em 2020 para todos os paiacuteses membros

Os biocombustiacuteveis 1G fazem uso da colheita agriacutecola para fins energeacuteticos o que gera

opiniotildees desfavoraacuteveis por parte de ambientalistas (pelo uso exaustivo da terra agriacutecola sem

compensaccedilatildeo desflorestaccedilatildeo e perda de biodiversidade) e problemas eacuteticos tais como os le-

vantados por responsaacuteveis da ONU como o Dr Jean Ziegler que atribui aos biocombustiacuteveis

a culpa pela contiacutenua inflaccedilatildeo dos preccedilos de alimentos exacerbando a atual crise de fome

mundial - ldquoSatildeo necessaacuterios 352Kg de milho para encher um depoacutesito de 50L de um carro Uma

crianccedila na Zacircmbia ou no Meacutexico onde o milho eacute um elemento baacutesico da dieta poderia viver

com esta quantidade de milho um ano inteirordquo Atualmente os maiores produtores destes bio-

combustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo satildeo os EUA e o Brasil utilizando parte da produccedilatildeo global

de cereais e oacuteleos vegetais para a produccedilatildeo de bioetanol e biodiesel causando um ambiente

de profunda preocupaccedilatildeo em volta da sustentabilidade de produccedilatildeo de energia a meacutediolongo

prazo De forma a controlar a inflaccedilatildeo no preccedilo dos alimentos a EU estabeleceu um limite de

7 para o uso de biocombustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo como combustiacutevel de transportaccedilatildeo

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A segunda geraccedilatildeo de biocombustiacuteveis (2G) usa biomassa isto eacute qualquer fonte de car-

bono orgacircnico que eacute rapidamente renovado no ciclo de carbono Os biocombustiacuteveis de

segunda geraccedilatildeo almejam um uso ponderado de desperdiacutecios da induacutestria madeireira e

agriacutecola ou de restos de colheitas agriacutecolas assim que estas preencham o seu propoacutesito

alimentar evitando interferecircncia com o mercado alimentar e natildeo influenciando os preccedilos

dos alimentos baacutesicos

FIGURA 1 Biocombustiacuteveis

A produccedilatildeo de arroz atingiu o seu pico em 2017 gerando 1140 milhotildees de toneladas de

espigas de arroz cujo destino eacute a incineraccedilatildeo compostagem ou eacute simplesmente deposita-

da em aterros Contudo com a 2G de biocombustiacuteveis eacute encontrado potencial energeacutetico

neste desperdiacutecio agriacutecola O seu potencial deve-se agrave mateacuteria lignoceluloacutesica ndash celulose

hemicelulose e lignina ndash presente em todas as plantas incluindo as espigas em diferen-

tes percentagens Este material composto eacute essencial para a estrutura e resistecircncia das

plantas a hemicelulose eacute a matriz que rodeia o esqueleto de celulose enquanto a lignina

funciona como uma camada protetora As possibilidades associadas a este tipo de desper-

diacutecio satildeo inegaacuteveis a sua abundacircncia e facilidade de obtenccedilatildeo tornam-no muito apelativo

Contudo o gasto na recolha e transporte desta mateacuteria suplanta os custos de produccedilatildeo

e o seu uso continuado poderaacute contribuir para a erosatildeo do solo Aleacutem disso para o seu

aproveitamento para produccedilatildeo de biocombustiacuteveis eacute necessaacuterio um preacute-tratamento para

hidrolisar as ligaccedilotildees covalentes entre os trecircs constituintes da mateacuteria lignoceluloacutesica e

permitir a posterior fermentaccedilatildeo anaeroacutebia da celulose produzindo bioetanol Este preacute-

-tratamento eacute visto como outra das desvantagens do processo e estaacute ainda a ser estudado

e otimizado pois de momento as alternativas disponiacuteveis encarecem o produto final e em

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alguns dos casos dependem do uso de quiacutemicos poluentes A esperanccedila estaacute entatildeo de-

positada no estudo de enzimas hidroliacuteticas encontradas em organismos termoacutefilos que

seratildeo capazes de aguentar as difiacuteceis condiccedilotildees de tratamento Contudo a dificuldade em

escalar o processo de fermentaccedilatildeo eacute uma das desvantagens e dos fatores limitantes para

a 2G de biocombustiacuteveis em grande parte devido agrave dificuldade de monitorizar as condiccedilotildees

de fermentaccedilatildeo (oxigeacutenio pH nutrientes etc)

A terceira geraccedilatildeo (3G) de biocombustiacuteveis foi reconhecida como a melhor alternativa

em comparaccedilatildeo com primeira e segunda geraccedilotildees pois surpreendentemente faz uso de

algas A sua enorme disponibilidade por todo o planeta e o facto de natildeo interferirem com os

mercados alimentares satildeo os grandes embaixadores desta mateacuteria-prima como o futuro

dos biocombustiacuteveis Ainda que natildeo seja uma mateacuteria infinita eacute a que de momento mais se

assemelha por existirem 70 000 espeacutecies (30 000 documentadas) Estudos conduzidos

atualmente estatildeo a explorar a viabilidade energeacutetica de 30 espeacutecies de algas explorando a

sustentabilidade facilidade e escalabilidade da sua produccedilatildeo Outras vantagens incluem a

baixa manutenccedilatildeo necessaacuteria para o seu crescimento (luz dioacutexido de carbono e nutrientes

como azoto foacutesforo e potaacutessio) a facilidade com que produzem liacutepidos e carboidratos que

podem posteriormente ser processados em diferentes biocombustiacuteveis e outros copro-

dutos a frequecircncia com que podem ser colhidas ao longo do ano (ao contraacuterio de outras

colheitas convencionais) a baixa percentagem de hemicelulose e a praticamente ausente

lignina facilitam radicalmente o seu preacute-processamento pois a celulose eacute mais facilmente

extraiacuteda As desvantagens desta mateacuteria incluem o enorme investimento inicial para a

construccedilatildeo de infraestruturas para o seu cultivo que pode ser ou ao ar livre (em tanques

de grande dimensatildeo) ou em foto-bioreatores (sistemas fechados altamente controlados)

Prevecirc-se que em 2030 o preccedilo de produccedilatildeo de combustiacutevel a partir de algas seraacute 065 euro

litro de combustiacutevel valor muito proacuteximo do atual preccedilo de produccedilatildeo do litro de gasolina

Comparativamente aos custos de produccedilatildeo de outros biocombustiacuteveis o mais barato con-

tinua a ser o bioetanol produzido a partir de milho (1G) 017 eurolitro seguido de combustiacute-

veis celuloacutesicos (2G) a 032 eurolitro

Eacute evidente que seratildeo necessaacuterios esforccedilos poliacuteticos e cientiacuteficos investimento e regu-

lamentaccedilatildeo adequados para encontrar o caminho ideal para travar o aquecimento global

Em todas as geraccedilotildees de biocombustiacuteveis apresentadas existem fatores que afunilam as

potencialidades destas alternativas indicando que a soluccedilatildeo passa por criar um consoacutercio

entre as vaacuterias possibilidades de forma a tirar o maacuteximo partido sem danificar o planeta ou

piorar a crise da fome O proacuteximo passo passa por substituir os biocombustiacuteveis de 1G por

soluccedilotildees com maior escalabilidade Acreditamos que nas proacuteximas deacutecadas seratildeo cruciais

e depositamos esperanccedila na investigaccedilatildeo cientiacutefica

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018043

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Stephen Hawking e a sua contribuiccedilatildeo para a fiacutesica teoacutericaOrfeu Bertolami

Claacuteudio GomesDepartamento de Fiacutesica e Astronomia CFP Universidade do Porto

A 14 de marccedilo de 2018 o fiacutesico britacircnico Stephen Hawking faleceu aos 76 anos deixando

todavia um importante legado para a fiacutesica teoacuterica muito particularmente para o

entendimento das deficiecircncias intriacutensecas da Relatividade Geral de Einstein para a fiacutesica

dos buracos negros e para a cosmologia a ciecircncia do Universo como um todo

Stephen Hawking doutorou-se em Fiacutesica Teoacuterica em 1966 pela Universidade de Cambridge

sob a supervisatildeo de Dennis Sciama Apesar da sua condiccedilatildeo fiacutesica progressivamente limi-

tativa manteve-se extremamente ativo na investigaccedilatildeo nas aacutereas de cosmologia fiacutesica dos

buracos negros e gravitaccedilatildeo quacircntica

Nessa altura havia uma consideraacutevel discussatildeo acerca da realidade e ubiquidade de sin-

gularidades pontos no espaccedilo-tempo onde a Teoria da Relatividade Geral deixa de fazer sen-

tido e natildeo desaparecendo atraveacutes de mudanccedila de sistemas de coordenadas que descrevem

o espaccedilo-tempo Na segunda metade da deacutecada de 1960 Hawking e o matemaacutetico inglecircs

Roger Penrose demonstraram que essas singularidades eram inevitaacuteveis no contexto da

Teoria da Relatividade Geral (ver para uma descriccedilatildeo exaustiva o livro Large Scale Structure

of Space-Time escrito em colaboraccedilatildeo com o fiacutesico sul-africano George Ellis publicado em

1973) Uma dessas singularidades corresponde ao iniacutecio do Universo ndash Big Bang ndash e outras

estatildeo presentes no interior dos buracos negros natildeo acessiacuteveis agrave observaccedilatildeo devido agrave pre-

senccedila de um horizonte de acontecimentos que segundo a Conjetura da Censura Coacutesmica de

Roger Penrose protegem sempre as singularidades de se apresentarem ldquonuasrdquo

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Subsequentemente em 1975 ele desenvolveu a ideia que os buracos negros deveriam

radiar termicamente a uma temperatura especiacutefica inversamente proporcional agraves suas

massas temperatura esta que hoje designamos por temperatura de Hawking Esta ideia daacute

origem ao paradoxo da informaccedilatildeo em que a informaccedilatildeo que entrava no horizonte de evento

se perdia Com este contributo passou-se a ter uma equivalecircncia entre a dinacircmica e a termo-

dinacircmica de buracos negros

FIGURA 1 Emissatildeo da radiaccedilatildeo teacutermica de Hawking por um buraco negro

No princiacutepio da deacutecada de 1980 Hawking iniciou em colaboraccedilatildeo com o fiacutesico norte-ameri-

cano James Hartle o programa de investigaccedilatildeo que hoje designamos por cosmologia quacircntica

Na cosmologia quacircntica o espaccedilo-tempo eacute descrito por uma funccedilatildeo de onda a funccedilatildeo de onda

do Universo como na Mecacircnica Quacircntica Esta equaccedilatildeo de onda satisfaz uma equaccedilatildeo anaacuteloga

agrave de Schroumldinger da Mecacircnica Quacircntica a equaccedilatildeo de Wheeler-DeWitt A proposta de Hartle

e Hawking eacute que a funccedilatildeo de onda descreva um espaccedilo-tempo sem fronteiras (No-Boundary

proposal) A ideia eacute que agrave medida que retrocedemos no tempo chegamos a um ponto em que

o Universo eacute pequeno o suficiente para que efeitos quacircnticos sejam dominantes Nesta altura

existe uma espeacutecie de ldquoespumardquo do espaccedilo-tempo de tal modo que o tempo natildeo pode ser in-

terpretado do modo como o vemos hoje mas sim como uma quarta dimensatildeo espacial Uma

analogia uacutetil eacute a seguinte se viajarmos para o Polo Sul temos de seguir sempre para sul mas

quando alcanccedilamos o ponto do Polo Sul jaacute natildeo faz sentido falarmos na direccedilatildeo sul pelo mesmo

raciociacutenio ao retrocedermos no tempo haacute um pontoinstante em que natildeo faz sentido falar-se em

tempo Matematicamente isto torna-se possiacutevel passando de um espaccedilo-tempo de Minkowski

como na Relatividade Restrita para um espaccedilo Euclideano a quatro dimensotildees no qual o tempo

passa a ser um nuacutemero puramente complexo Com esta formulaccedilatildeo o Universo natildeo tem uma

fronteira aleacutem daquela que permite a transiccedilatildeo entre as duas descriccedilotildees para o espaccedilo-tempo

e que eacute exemplificado na FIGURA 2 Esta geometria eacute designada por shuttlecock ou volantepena

de badminton devido agrave semelhanccedila com este objeto

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FIGURA 2 Representaccedilatildeo tridimensional do modelo de Hartle-Hawking (no boundary proposal) A base corresponde a uma semiesfera a 4 dimensotildees e a estrutura que apresenta o tempo como uma direccedilatildeo distinta das espaciais corresponte a um Universo em expansatildeo

Hawking tambeacutem estudou outros problemas como o das maacutequinas do tempo e questotildees

relacionadas com a cosmologia e a formaccedilatildeo de estruturas no Universo Com o seu carate-

riacutestico humor Hawking afirmou natildeo ser possiacutevel viajar no tempo Para tal sugeriu organizar

uma festa convidando pessoas do futuro a se juntarem a ele e dado que ningueacutem apa-

receu concluiu entatildeo que viagens no tempo natildeo satildeo possiacuteveis na realidade Outra prova

prende-se com o facto de natildeo termos recebido ainda turistas do futuro numa clara alusatildeo

iroacutenica agrave procura turiacutestica desenfreada que assistimos nos dias de hoje

Mais recentemente ele pronunciou-se sobre questotildees de interesse geral como as im-

plicaccedilotildees do desenvolvimento da inteligecircncia artificial e a necessidade e inevitabilidade

da exploraccedilatildeo espacial Mostrou-se reticente acerca dos desenvolvimentos no domiacutenio da

inteligecircncia artificial classificando-o como possivelmente perigoso para a nossa civiliza-

ccedilatildeo pois apesar dos potenciais benefiacutecios comportam seacuterios riscos agrave continuidade da hu-

manidade Relativamente agrave exploraccedilatildeo espacial Hawking encarava as viagens espaciais

quer pelo seu interesse cientiacutefico quer como forma de preservar a humanidade de riscos

de destruiccedilatildeo devido a guerras nucleares ou epidemias devido a viacuterus geneticamente mo-

dificados

O fiacutesico Stephen Hawking legou-nos uma extraordinaacuteria contribuiccedilatildeo cientiacutefica e huma-

na Deixou um extraordinaacuterio exemplo de resiliecircncia dedicaccedilatildeo ao conhecimento e agrave socie-

dade Fisicamente debilitado e ldquopresordquo a uma condiccedilatildeo rara a esclerose lateral amiotroacutefica

que lhe foi diagnosticada aos 21 anos a sua mente foi das mais livres dos nossos tempos

concebeu hipoacuteteses conjunturas e teorias pensou a sociedade de hoje e a do futuro

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RochaO que eacute importante dizer sobre as rochas

A M Galopim de Carvalho Universidade de Lisboa

Rochas e pedras satildeo a mesma coisa Praticamente a resposta eacute sim Pedra eacute aquilo

que se apanha do chatildeo para dar uma pedrada

Qualquer pessoa mesmo a menos letrada diraacute que as pedras

bull natildeo satildeo fabricadas ou feitas por gente (a ciecircncia diz que satildeo entidades naturais)

bull que natildeo se amolgam (a ciecircncia diz que satildeo riacutegidas)

bull que geralmente natildeo se esboroam nem se esfarela (a ciecircncia diz que satildeo coesas)

bull que fazem mossa onde quer que batam (a ciecircncia diz que satildeo duras) Para o cidadatildeo

comum pedra (do grego peacutetra) eacute pois uma entidade natural riacutegida coesa e dura que se

apanha do chatildeo

Apanhamos uma pedra do chatildeo mas quando estudamos falamos quase sempre de ro-

chas Num modo de falar corrente podemos dizer que as pedras satildeo bocados de rocha

Todos falamos de rocha como sinoacutenimo de pedra com base num conhecimento comum

empiacuterico vulgar ligado agrave experiecircncia quotidiana mesmo do mais iletrado dos cidadatildeos Dize-

mos rochedo quando o afloramento de rocha eacute grande e apelidamos de rochoso um terreno

com a rocha agrave vista Rocha eacute um galicismo que entre noacutes se sobrepocircs ao termo ldquorocardquo bem

mais antigo talvez preacute-romano Cabo da Roca ou ldquoFocinho da Rocardquo no dizer dos homens do

mar deve o seu nome a esta versatildeo arcaica da palavra rocha

O conceito atual de rocha e os vaacuterios conhecimentos com elas relacionados percorreram

uma caminhada tatildeo longa quanto a do Homo sapiens caminhada de que temos testemunhos

na Preacute-histoacuteria e variadiacutessimos relatos escritos desde a Antiguidade

Na sua giacuteria proacutepria entendiacutevel entre pares os profissionais falam de rochas dizendo que

satildeo sistemas quiacutemicos mono ou polifaacutesicos (ou seja com um ou mais minerais) resultantes

do equiliacutebrio termodinacircmico atingido pelos seus constituintes em determinados ambientes

Entendendo-se por constituintes os elementos quiacutemicos incluiacutedos nos respetivos minerais

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Por outras palavras acessiacuteveis ao comum das gentes pode entatildeo dizer-se que as rochas

satildeo corpos naturais formados por associaccedilotildees mais ou menos estaacuteveis de minerais compatiacute-

veis entre si e com o ambiente onde foram gerados e que satildeo elas as rochas que constituem

a capa riacutegida da Terra que por essa razatildeo recebeu o nome de litosfera (FIGURA 1)

FIGURA 1 Modelado Graniacutetico na Serra da Estrela (fonte banco de imagens da Casa das Ciecircncias)

Antes de prosseguir esclareccedila-se que no jargatildeo proacuteprio da mineralogia e da geoquiacutemica

os minerais satildeo considerados fases no sentido fiacutesico-quiacutemico da palavra Com efeito neste

sentido uma fase eacute uma porccedilatildeo de mateacuteria quiacutemica e estruturalmente homogeacutenea e uma

qualquer espeacutecie mineral eacute isso mesmo

Por convenccedilatildeo na sistemaacutetica em sedimentologia entre as rochas sedimentares cabem

certos materiais natildeo consolidados como os barros as areias soltas as cascalheiras e ainda

outros de natureza natildeo mineral como os carvotildees foacutesseis e o petroacuteleo (oacuteleo de pedra) Cha-

mar rochas ou pedras a estes materiais agraves vezes tatildeo afastados da imagem vulgar de ldquocoisa

dura riacutegida e coesardquo decorre do conceito geoloacutegico de rocha no qual se inclui o modo de

ocorrecircncia e o respetivo processo de formaccedilatildeo (petrogeacutenese)

A mecacircnica das rochas (disciplina que estuda certas propriedades das rochas como resis-

tecircncia ao esmagamento agrave traccedilatildeo agrave torccedilatildeo agrave flexatildeo porosidade permeabilidade e outras)

define-as como entidades sempre riacutegidas e coesas e duras como tambeacutem se diz vulgarmen-

te com capacidade de suportar cargas e que na eventualidade de terem de ser escavadas ou

removidas haacute que usar tecnologias com explosivos Este conceito corresponde aliaacutes agrave ideia

mais divulgada de rocha como atraacutes se referiu Eacute o bedrock dos autores ingleses

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FIGURA 2 Processo de meteorizaccedilatildeo fiacutesica essencialmente por corrosatildeo eoacutelica em rochas sedimentares (arenitos) (fonte banco de imagens da Casa das Ciecircncias)

Aleacutem das muitas que conhecemos na Terra jaacute estudaacutemos rochas do nosso sateacutelite natural

nomeadamente basaltos e anortositos trazidos da sua superfiacutecie Mercuacuterio Veacutenus e Marte satildeo

tambeacutem planetas rochosos e igualmente rochosos ou pedregosos satildeo ainda os nuacutecleos dos co-

metas e muitos dos asteroides de que temos conhecimento pelos meteoritos caiacutedos na Terra

Quando se apelidam as rochas de magmaacuteticas sedimentares (FIGURA 2) ou metamoacuterficas

natildeo se estaacute apenas a rotulaacute-las para efeitos de arrumo ou arquivo muito menos se estatildeo a

criar novos vocaacutebulos para sobrecarga dos estudantes ou do cidadatildeo em geral Estes adjeti-

vos acrescentados agrave palavra rocha informam de imediato sobre a sua origem

bull magmaacutetica ou sedimentar qualquer delas em resultado de processos naturais faacuteceis de

entender

bull metamoacuterfica em consequecircncia de um outro processo muito menos ao alcance da vivecircncia

do vulgo mas que se explica sem grandes dificuldades

Apelidam-se de metamoacuterficas as rochas que posteriormente a uma primeira formaccedilatildeo

como magmaacuteticas ou sedimentares foram submetidas a pressotildees eou a temperaturas no

interior da crosta que lhes modificaram a composiccedilatildeo eou a textura

Foi atraveacutes do estudo das rochas que desvendaacutemos o essencial dos acontecimentos geo-

loacutegicos que marcaram a histoacuteria deste laquoPlaneta Azulraquo no qual a vida encontrou condiccedilotildees

para despertar e onde evoluiu ao ponto de se interrogar sobre essa mesma histoacuteria

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Os conhecimentos diretos de que hoje dispomos relativos agraves rochas da Terra limitam-se

aos que se obtecircm pelo estudo das que afloram agrave superfiacutecie das recolhidas em dragagens

nos fundos marinhos e das retiradas da profundidade quer em minas quer atraveacutes de son-

dagens Esta profundidade que natildeo excede 3 km no primeiro caso e 11 km no segundo

(na peniacutensula de Kola) pode considerar-se insuficiente se comparada com as trecircs a quatro

dezenas de quiloacutemetros de espessura meacutedia da crosta continental

Eacute jaacute muito o conhecimento que temos desta capa (a crosta ou crusta como alguns dizem e

escrevem) mais superficial do nosso planeta Temo-lo atraveacutes das rochas que constantemente

vemos e pisamos muitas delas geradas em zonas profundas trazidas agrave superfiacutecie pelos en-

rugamentos de origem tectoacutenica geradores das montanhas e subsequentemente postas a

descoberto pela erosatildeo

Outras rochas proacuteprias de muito maiores profundidades inclusive do manto inferior como eacute

o caso dos xenocristais e dos xenoacutelitos (do grego xenos estranho e lithos pedra) isto eacute cris-

tais e fragmentos de materiais liacuteticos gerados nessas regiotildees e que ascendem agrave superfiacutecie na

sequecircncia de atividade vulcacircnica englobados ou encravados nos produtos magmaacuteticos que ali

se formaram ou por ali passaram Na ilha da Madeira por exemplo satildeo frequentes os xenoacutelitos

oliviacutenicos que ascenderam ateacute agrave superfiacutecie no seio das lavas envolvidas no processo vulcacircnico

que originou esta e muitas outras ilhas

As rochas a que temos acesso mais ou menos direto representam uma parcela importante

da diferenciaccedilatildeo da Terra e agrave semelhanccedila da aacutegua do ar e dos seres vivos satildeo o resultado de

imensas transformaccedilotildees numa vasta e complexa rede de inter-relaccedilotildees ocorridas ao longo

dos tempos neste laquoplaneta vivoraquo pleno ainda de energia interna (sob a forma de calor) a que

se adiciona toda a que lhe chega do exterior isto eacute a radiaccedilatildeo solar Como escreveu Maurice

Mattauer ldquoas pedras nascem vivem e morrem como noacutes elas tecircm uma idade e uma histoacuteriardquo

Petrologia e litologia satildeo duas disciplinas que estudam as rochas ou as pedras Se bem que

os eacutetimos petra (latim) e lithos (grego) sejam sinoacutenimos petrologia e litologia encerram con-

ceitos diferentes ainda que relacionados entre si

bull A petrologia eacute um ramo da geologia com dimensatildeo de ciecircncia de vastos recursos nos campos

da fiacutesica da quiacutemica e naturalmente tambeacutem da matemaacutetica em busca do conhecimento da

origem natureza constituiccedilatildeo e evoluccedilatildeo da Terra no acircmbito do Sistema Solar e do Universo

bull A litologia outro ramo da geologia eacute habitualmente entendida como a disciplina que estuda

as rochas num campo praacutetico Serve a geologia de engenharia tendo em vista a implantaccedilatildeo

de grandes edifiacutecios e outras obras volumosas cujas fundaccedilotildees exigem o conhecimento dos

terrenos A litologia daacute igualmente respostas agrave pedologia (o estudo dos solos) e agrave induacutestria

extrativa de rochas ornamentais usadas na arquitetura na cantaria ou na estatuaacuteria e de

rochas industriais exploradas como importantes mateacuterias-primas para a construccedilatildeo civil a

ceracircmica o vidro o cimento a cal e a induacutestria quiacutemica

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Software educativo em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Ana C Conceiccedilatildeo

DMUniversidade do Algarve

O conceito F-Tool foi desenvolvido em 2012 com o objetivo de proporcionar uma

aprendizagem interativa em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Em particular eacute possiacutevel

explorar de forma integrada as noccedilotildees de domiacutenio contradomiacutenio existecircncia de zeros

existecircncia de extremos e de pontos de inflexatildeo invertibilidade derivabilidade reta

tangente ao graacutefico num ponto simetrias em relaccedilatildeo aos eixos e agrave origem A utilizaccedilatildeo

dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adaptaccedilatildeo de

alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e

do simples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular)

No ensino da matemaacutetica e em particular no estudo de funccedilotildees a recomendaccedilatildeo da utiliza-

ccedilatildeo de software educacional tem como objetivo o sanar das dificuldades que os alunos pos-

suem em associar as representaccedilotildees algeacutebricas com as diversas representaccedilotildees numeacutericas

eou graacuteficas De facto o caraacuteter estaacutetico das representaccedilotildees matemaacuteticas muitas vezes

dificulta a construccedilatildeo do significado afetando substancialmente a correta interpretaccedilatildeo dos

conceitos A criaccedilatildeo de modelos interativos visuais com o sistema de aacutelgebra computacional

Mathematica permite aos alunos explorar conceitos de elevada complexidade e rapidamen-

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te adquirir uma compreensatildeo mais profunda dos conteuacutedos Obviamente a utilizaccedilatildeo de sof-

tware educacional natildeo deve ser vista como um substituto para o ensino com ldquopapel e laacutepisrdquo

deve ser devidamente combinada com outros meacutetodos de ensino

O conceito F-Tool foi desenvolvido em 2012 com o objetivo de proporcionar uma apren-

dizagem interativa em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Os aplicativos computacionais

implementados com base neste conceito utilizam as capacidades de caacutelculo numeacuterico e

simboacutelico do Mathematica de forma a permitir estudar dinacircmica e interativamente e em

tempo real conceitos e propriedades fundamentais do preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial

FIGURA 1 Imagem ilustrativa da F-Exponential

O conceito F-Tool em sala de aula permite uma abordagem dinacircmica de diversos concei-

tos relacionados com o estudo de funccedilotildees e promove novas formas de raciocinarpensar

avaliar ensinar e aprender As F-Tool foram concebidas como ferramentas de aprendiza-

gem ativa ou seja a sua utilizaccedilatildeo adequada propicia um contexto de ensino-aprendiza-

gem onde alunos e professores satildeo igualmente convidados a contribuir Aleacutem disso tecircm

uma interface muito intuitiva que permite que ateacute mesmo o utilizador mais inexperiente

sem qualquer conhecimento anterior em software educacional possa comeccedilar a usar to-

dos os recursos de uma forma eficiente e autoacutenoma As F-Tool natildeo satildeo um objeto estaacutetico

mas sim um programa a ser executado com o qual se interage em tempo real Em parti-

cular atraveacutes da alteraccedilatildeo dinacircmica dos valores dos paracircmetros que definem cada classe

eacute possiacutevel obter informaccedilatildeo analiacutetica rigorosa apresentada em aritmeacutetica exata ou apro-

ximada bem como informaccedilatildeo visual estaacutetica e natildeo-estaacutetica De igual modo escolhendo

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estrategicamente de entre as vaacuterias opccedilotildees de funccedilotildees disponiacuteveis no painel esquerdo eacute

possiacutevel apreender de forma mais eficaz e consequente muitas das relaccedilotildees existentes

entre as vaacuterias funccedilotildees e respetivas transformaccedilotildees (FIGURA 1) As F-Tool utilizam um

coacutedigo de cores para diferenciar as vaacuterias funccedilotildees apresentadas Este coacutedigo eacute explicitado

na legenda do canto inferior esquerdo do painel central

Qual das figuras pode representar o graacutefico de uma funccedilatildeo e o graacutefico da sua derivada de 1ordf ordem

FIGURA 2 Exemplo de questatildeo de escolha muacuteltipla utilizando diversas opccedilotildees do painel esquerdo das F-Tool

Apesar de ser um software educacional dinacircmico e interativo pode tambeacutem ser utilizado

na construccedilatildeo de questotildees de avaliaccedilatildeo de escolha muacuteltipla (FIGURA 2) e de resposta aberta

ficando o docente automaticamente com a resposta ao selecionar no painel esquerdo as

opccedilotildees relacionadas com a questatildeo

A utilizaccedilatildeo dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adapta-

ccedilatildeo de alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e do sim-

ples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular) De facto

incluindo as F-Tool em ficheiros no Computable Document Format (CDF) eacute possiacutevel criar

fichas de trabalho dinacircmicas e interativas motivando os alunos e tornando o estudo mais

interessante

Acreditamos que o conceito F-Tool ao dotar professores e estudantes com novas fer-

ramentas para explorar alguns conceitos fundamentais da matemaacutetica desenvolveraacute po-

sitivamente o processo de ensino e de aprendizagem das aacutereas de preacute-caacutelculo e caacutelculo

diferencial

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018046

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O Aroma das Plantas Luiacutes Gaspar Pedro

Ana Cristina Figueiredo

Joseacute Gonccedilalves Barroso

CESAM CBV Universidade de Lisboa

Quando nos festejos dos Santos Populares colocamos a matildeo sobre o manjerico

provocamos a rutura de estruturas microscoacutepicas Ao fazecirc-lo libertam-se compostos

quiacutemicos que aderem agrave palma da nossa matildeo que depois percecionamos pelo nosso

olfacto Os aromas satildeo misturas complexas de dezenas de compostos volaacuteteis

carateriacutesticos de uma determinada planta

O aroma o que eacute

O aroma de muitas plantas eacute constituiacutedo por diversos compostos quiacutemicos volaacuteteis que

tecircm a capacidade de estimular os nossos recetores olfactivos A quantidade e a diver-

sidade deste tipo de compostos presentes nas plantas satildeo responsaacuteveis pelos aromas

carateriacutesticos Eacute relativamente faacutecil reconhecer o aroma dos coentros ou do manjerico e

distingui-los de outros aromas como o da rosa ou do cravinho

Na composiccedilatildeo da fraccedilatildeo volaacutetil de uma planta aromaacutetica encontram-se regra geral

compostos como os mono- e sesquiterpenos e os fenilpropanoacuteides (FIGURA 1) entre ou-

tros Satildeo todos eles compostos quiacutemicos com ponto de ebuliccedilatildeo relativamente baixo que

volatilizam agrave temperatura ambiente e contribuem de forma mais ou menos notoacuteria para o

aroma carateriacutestico de cada espeacutecie

FIGURA 1 Exemplos de compostos que constituem a fraccedilatildeo volaacutetil de diversas espeacutecies aromaacuteticas monoterpenos (α-pineno timol) sesquiterpenos (β-cariofileno germacreno D) e fenilpropanoacuteides (eugenol)

α-Pineno Timol β-Cariofileno Germacreno D Eugenol

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Estruturas secretoras

Os compostos que constituem a fraccedilatildeo aromaacutetica de uma planta satildeo regra geral sinteti-

zados e acumulados em estruturas secretoras microscoacutepicas Entre os diversos tipos de

estruturas secretoras as mais frequentes satildeo os tricomas os canais e as bolsas (FIGURA 2)

FIGURA 2 Exemplos de estruturas secretoras observadas em microscopia oacuteptica A - Tricoma de Geranium robertianum (s - secretado acumulado no espaccedilo sub-cuticular coloraccedilatildeo com reagente de Nadi) B - canal secretor de Crithmum maritimum (setas coloraccedilatildeo com tricloreto de antimoacutenio) e C - bolsa secretora de Citrus sp (coloraccedilatildeo com Vermelho Sudatildeo III)

Os tricomas glandulares satildeo estruturas externas com origem em ceacutelulas epideacutermicas

que apresentam diversos graus de complexidade desde tricomas com apenas trecircs ceacutelulas

uma das quais a secretora ateacute tricomas com mais de uma dezena de ceacutelulas secretoras

As bolsas e os canais secretores satildeo estruturas internas constituiacutedas por ceacutelulas glandu-

lares que delimitam o luacutemen o espaccedilo para onde satildeo secretados os compostos depois de

produzidos nas ceacutelulas secretoras Os canais satildeo estruturas alongadas que percorrem o

corpo da planta por vezes com ramificaccedilotildees enquanto as bolsas satildeo estruturas mais ou

menos isodiameacutetricas

Os oacuteleos essenciais

Um oacuteleo essencial eacute obtido por hidrodestilaccedilatildeo ou por destilaccedilatildeo por arrastamento de va-

por (FIGURA 3) No caso particular dos citrinos o oacuteleo essencial pode ainda ser obtido

por expressatildeo (processo mecacircnico que promove a libertaccedilatildeo do secretado acumulado no

interior das estruturas secretoras neste caso bolsas)

Tanto na hidrodestilaccedilatildeo como na destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor o secretado eacute

removido das estruturas secretoras e arrastado pelo vapor de aacutegua Depois de condensar

por arrefecimento o oacuteleo essencial separa-se da aacutegua podendo ser facilmente recolhido

devido agrave sua imiscibilidade com a aacutegua

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41FIGURA 3 A - Sistema de hidrodestilaccedilatildeo com aparelho de Clevenger e B - sistema de destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor

Anaacutelise de oacuteleos essenciais

Para analisar um oacuteleo essencial recorre-se frequentemente agrave cromatografia gasosa (CG)

para quantificaccedilatildeo dos componentes e agrave CG acoplada agrave espectrometria de massa (CG-

-EM) para a correspondente identificaccedilatildeo dos constituintes Por CG-EM os diversos com-

ponentes que constituem o oacuteleo essencial satildeo separados uns dos outros e ao chegarem ao

espectroacutemetro de massa satildeo bombardeados por eletrotildees o que leva a que as moleacuteculas

fragmentem formando-se diferentes iotildees de acordo com padrotildees preferenciais O con-

junto dos fragmentosiotildees constituem o espectro de massa que eacute carateriacutestico de cada

moleacutecula A integraccedilatildeo das aacutereas dos picos que surgem no cromatograma obtido por CG

(FIGURA 4A) permite a quantificaccedilatildeo relativa dos diversos componentes do oacuteleo essencial

A anaacutelise por CG-EM possibilita a identificaccedilatildeo desses compostos por comparaccedilatildeo dos

espectros de massa (FIGURA 4B) e dos iacutendices de retenccedilatildeo com os de amostras padratildeo

FIGURA 4 A - Aspeto parcial de um cromatograma obtido por CG carateriacutestico de um oacuteleo essencial com alguns dos ldquopicosrdquo identificados B - espectro de massa obtido por CG-EM de um dos componentes maioritaacuterios o timol

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Paisagens da Islacircndia Formase Processos (III)Fernando Carlos LopesCITEUC Universidade de Coimbra

A Islacircndia eacute famosa natildeo soacute pelos seus vulcotildees mas tambeacutem pelos seus glaciares e pela

sua sinuosa e escarpada linha de costa

Atualmente os glaciares cobrem cerca de 10 da superfiacutecie islandesa e 60 destas

aacutereas geladas assentam sobre sistemas vulcacircnicos ativos Esta combinaccedilatildeo de gelo e vul-

canismo torna a Islacircndia o local ideal para cheias repentinas (joumlkulhlaups) resultantes de

aacutegua que escorre por baixo dos glaciares devido agrave fusatildeo provocada pelas erupccedilotildees subgla-

ciares Atualmente existem 4 grandes calotes glaciares localizadas nas regiotildees elevadas

e vulcanicamente ativas do centro e sul da ilha a partir das quais divergem numerosas liacuten-

guas glaciarias Vatnajoumlkull (8100 km2) situado no centro leste Langjoumlkull (925 km2) si-

tuado no centro oeste Hofsjoumlkull (925 km2) situado na zona central da ilha Myrdalsjoumlkull

(600 km2) situado no sul da ilha Apesar da Islacircndia ter cerca de 24 Ma a sua paisagem soacute

foi moldada por glaciares nos uacuteltimos 5 milhotildees de anos Os seus glaciares de tipo alpino

(ou de montanha) avanccedilaram e recuaram condicionados pelas variaccedilotildees regionais e locais

do clima de que resultaram espetaculares morfologias Como jaacute se referiu anteriormente

as variaccedilotildees da carga glaciar sobre a litosfera provocadas pelas fases de gelo e degelo

teratildeo desempenhado papel importante na atividade vulcacircnica da ilha

Com um comprimento de cerca de 4970 km a linha de costa da Islacircndia eacute de um modo

geral muito recortada e escarpada marcada por promontoacuterios cabos peniacutensulas fiordes

e enseadas pontilhada de leixotildees por entre os quais se aninham praias de areia negra de

contornos suaves A accedilatildeo do mar sobre as inuacutemeras escoadas de lava que fluiacuteram ateacute agrave

costa ao longo da evoluccedilatildeo geoloacutegica da ilha e ali solidificaram sobre os aparelhos vulcacirc-

nicos implantados na zona litoral e sobre os vales deixados pelo recuo dos glaciares criou

paisagens de uma beleza surreal

FIGURA DA PAacuteGINA ANTERIOR Leixatildeo Hvitserkur noroeste da Islacircndia (fonte pixabay)

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Parte III - Paisagens controladas pelos glaciares e paisagens costeirasVales glaciares e fiordes

Vales glaciares vales suspensos lagos glaciares e cascatas ciacuterculos glaciares moreias

e fiordes satildeo formas carateriacutesticas das paisagens islandesas criadas pelos seus glacia-

res alpinos Os vales glaciares com o seu carateriacutestico perfil em ldquoUrdquo satildeo a forma mais

comum de paisagem originada pela erosatildeo glacial (FIGURA 1) No interior destes vales os

rios concentram o seu poder erosivo na zona mais baixa originando um perfil carateriacutestico

em ldquoVrdquo O poder erosivo dos glaciares eacute muito superior ao dos rios porque a sua energia

potencial resulta natildeo soacute do declive do terreno mas tambeacutem do peso do gelo A erosatildeo faz-

-se essencialmente ao longo das zonas laterais do canal criando um vale com vertentes

alcantiladas e fundo aplanado Vales suspensos satildeo vales escavados por glaciares tributaacute-

rios Como estes glaciares levam menos gelo o seu poder erosivo eacute menor que o do glaciar

principal ficando suspenso nas vertentes do glaciar principal quando o gelo recua Cons-

tituem exemplos notaacuteveis pela sua beleza e dimensatildeo os vales glaciares de Borgarvirki

(FIGURA 2) e de Akureyri (ou Eyjafjoumlrethur) no noroeste da ilha Este uacuteltimo vai desembocar

num fiorde que eacute mais longo da Islacircndia

FIGURA 1 Esquema 3D (sem escala) da evoluccedilatildeo de uma paisagem glaciar com formaccedilatildeo de vales glaciares vales glaciares suspensos ciacuterculos glaciares lagos glaciares e cascatas

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FIGURA 2 Aspeto do vale glaciaacuterio de Borgarvirki observado a partir da fortaleza de Borgarvirki

Se as condiccedilotildees forem favoraacuteveis os glaciares podem erodir abaixo do niacutevel do mar Quan-

do o glaciar recua o oceano invade estas depressotildees criando um fiorde Alguns dos fiordes

islandeses como o de Akureyri e o de Nordfjord (nordeste da ilha) possuem centenas de

metros abaixo do niacutevel do mar O fiorde de Nordfjord abrange parcialmente uma antiga cal-

deira vulcacircnica Nas faleacutesias do seu flanco oriental (falesias de Raudubjoumlrg) afloram rioacutelitos

conferindo agraves arribas uma carateriacutestica cor avermelhada)

Como se referiu anteriormente (Parte I) a orientaccedilatildeo da maioria dos vales glaciares e

fiordes segue de perto a orientaccedilatildeo dos principais lineamentos tectoacutenicos

Moreias

Em termos de aspetos deposicionais relacionados com glaciares as moreias satildeo de lon-

ge os mais abundantes Satildeo acumulaccedilotildees de fragmentos rochosos transportados pelos

glaciares quer na regiatildeo frontal (moreia frontal) lateral (moreia lateral) a meio (moreia

mediana) e no fundo (moreia de fundo)

Durante o uacuteltimo maacuteximo glaciar (haacute cerca de 20 000 anos) a Islacircndia estava quase

toda coberta por glaciares que se estendiam ateacute agrave costa e para aleacutem dela Foram encon-

tradas moreias frontais dessa eacutepoca a cerca de 130 km a offshore da costa ocidental e a

cerca de 150-230 m abaixo do niacutevel de mar atual

Eacute possiacutevel encontrar nos vales glaciares islandeses quer moreias antigas resultantes

da uacuteltima glaciaccedilatildeo quer moreias recentes e atuais Estas uacuteltimas estatildeo relacionadas com

as 4 grandes calotes glaciares existentes como eacute o caso das moreias do glaciar Vatna-

joumlkull que se podem observar em pleno no setor sudeste da ilha

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Lagoas glaciares e icebergues

Outra das paisagens magniacuteficas moldadas pelos glaciares satildeo as lagoas glaciares Estas

lagoas formam-se na extremidade dos glaciares que descem das calotes glaciares Satildeo

alimentadas pelo desgelo natural dos glaciares e nela flutuam pequenos e grandes iceber-

gues que se separam da frente do glaciar (FIGURA 3)

FIGURA 3 Esquema 3D (sem escala) da formaccedilatildeo de icebergues numa lagoa glaciar

O exemplo mais notaacutevel deste tipo de lagoas na Islacircndia eacute a lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten consi-

derada uma das maravilhas naturais do paiacutes Fica situada no sudeste da ilha na extremidade

do glaciar Breiethamerkurjoumlkull uma das liacutengua glaciares da calote de Vatnajoumlkull (FIGURA 4)

FIGURA 4 Icebergues na lagoa glaciar de Joumlkulsaacuterloacuten Ao fundo vecirc-se a frente do glaciar Breiethamerkurjoumlkull As faixas negras nos icebergues satildeo niacuteveis de cinza vulcacircnica

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A lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten eacute o ponto mais baixo da Islacircndia com zonas agrave cota de -200 m Na

baiacutea da lagoa tem-se acesso a uma paisagem de outro mundo com icebergues de dimen-

sotildees variadas que flutuam ateacute ao mar ficando alguns deles encalhados na margem de uma

praia de areia vulcacircnica Alguns icebergues exibem faixas negras correspondentes a niacuteveis

de cinzas vulcacircnicas provenientes de antigas erupccedilotildees (FIGURA 4) Outros exibem duas

tonalidades branco leitoso e azul claro A faixa azul corresponde agrave porccedilatildeo do icebergue

que se tornou recentemente emersa

A lagoa teraacute sido formada em 1934-35 pelo contiacutenuo recuo do glaciar Vatnajoumlkull e teraacute

duplicado de tamanho nos uacuteltimos 15 anos Dada a taxa atual de recuo do glaciar Vatna-

joumlkull um profundo fiorde iraacute desenvolver-se no local onde hoje existe a lagoa

As costas escarpadas

As costas escarpadas e recortadas satildeo sem duacutevida as mais dominantes Ocorrem deste o

oeste ao leste da ilha passando pela regiatildeo norte incisas por numerosos fiordes e peque-

nas enseadas e salpicadas por leixotildees Eacute notaacutevel pela sua forma de dragatildeo e pelas lendas

que o envolvem o leixatildeo de Hvitserkur (IMAGEM DA PAGINA 42) situado na costa leste da

Peniacutensula de Vatnsnes no noroeste da Islacircndia

Os fiordes mais profundos localizam-se na costa norte constituindo bons portos natu-

rais Um destaque especial vai para o fiorde ao longo do qual se estende a cidade de Aku-

reyri (fiorde de Akureyri ou Eyjafjoumlrethur) considerado o mais longo do paiacutes

Praias de areia Negra

As praias de areia negra em geral de reduzida extensatildeo podem ser constituiacutedas por i) de-

poacutesitos resultantes da abrasatildeo das arribas ii) moreias e depoacutesitos fluviais resultantes dos

rios glaciares com contornos suaves e lagoas glaciares protegidas por extensas barras

arenosas iii) depoacutesitos de tefra provenientes de erupccedilotildees freaacuteticas

As do primeiro tipo ocorrem um pouco por toda a linha de costa como resultado da accedilatildeo

do mar sobre as arribas As do segundo tipo ocorrem dominantemente entre Djuacutepivogur a

sudeste e Oumllfusaacute a sudoeste com destaque para a praia de Reynisfjara na costa sul As

da terceira categoria podem ser observadas na ilha de Heimaey arquipeacutelago de Vestman-

naeyja regiatildeo sul da Islacircndia

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018048

IMA

GE

M E

M D

ES

TAQ

UE

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Eu crio as minhas obras de arte de peque-

nos pedaccedilos de papel com espirais que co-

nectam e ligam os elementos a uma grande

estrutura Na obra de origami acabada a

que chamo Voltinhas estas espirais vivem

e trabalham Forccedilas de tensatildeo e fricccedilatildeo

contrapotildeem-se agrave gravidade e mantecircm a

forma estaacutevel Nas minhas criaccedilotildees procu-

ro estar perto da natureza Quando criamos

ou estudamos modelos de papel na macro

escala podemos entender melhor as for-

mas criadas pela natureza na micro escala

A minha obra de origami na capa o trabalho

intitulado ldquoInverno num parque de Lisboardquo e

o capsiacutedeo do viacuterus Canine parvovirus um viacute-

rus contagioso que ataca sobretudo os catildees

e outros caniacutedeos tecircm a mesma estrutura

geomeacutetrica do pequeno rombicosidodecae-

dro um poliedro com simetria icosaeacutedrica

Essa obra invoca simbolicamente o Ano

da Biologia Matemaacutetica 2018 O origami eacute

uma arte de dobragem do papel com uma

forte componente geomeacutetrica que permite

a construccedilatildeo de formas complexas e tem

atraiacutedo o interesse de matemaacuteticos pelas

suas propriedades geomeacutetricas e algeacutebricas

Krystyna Burczyk

Os viacuterus satildeo responsaacuteveis por inuacutemeras

doenccedilas no homem nos animais e nas plan-

tas e as curas e prevenccedilotildees satildeo ainda mui-

tas vezes problemaacuteticas Desenvolvimen-

tos recentes das aplicaccedilotildees da matemaacutetica

agrave virologia nomeadamente das teorias de

grupos de grafos de tesselaccedilatildeo ou de re-

ticulados mostraram por exemplo que as

restriccedilotildees estruturais agraves formas dos viacuterus

satildeo maiores do que antes se pensava e

permitiram a construccedilatildeo de novos modelos

para o desenvolvimento de terapias anti-

-virais Os capsiacutedeos virais que envolvem

os genomas dos viacuterus por razotildees de eco-

nomia geneacutetica tem muitas vezes uma si-

metria icosaeacutedrica Ora esta simetria natildeo eacute

cristalograacutefica em trecircs dimensotildees ie natildeo

eacute compatiacutevel com reticulados perioacutedicos

o que motivou os matemaacuteticos a desen-

volverem novas estruturas no contexto de

grupos de Coxeter natildeo-cristalograacuteficos que

encontraram aplicaccedilatildeo natildeo soacute na virologia

mas tambeacutem noutras estruturas molecula-

res da quiacutemica do carbono

Joseacute Francisco RodriguesUniversidade de Lisboa

Origami e Viacuterusin imagemcasadascienciasorg

Imagem de Canine Parvovirus gerada em VMD Autor Alexandre Lopes Magalhatildees

Page 4: JUNHO 2018 V6 /02 · 2018-09-26 · Matilde Viegas, Maria João Ramos, Pedro Alexandrino Fernandes Stephen Hawking e a sua contribuição para a física teórica Orfeu Bertolami,

AG

EN

DA

22

AG

EN

DA

2

AG

EN

DA

2104(2017)

a 3112(2018)

Plantas e Povos

Nesta exposiccedilatildeo eacute possiacutevel observar objetos

etnobotacircnicos e etnograacuteficos fotografias e

filmes das coleccedilotildees provenientes do Instituto de

Investigaccedilatildeo Cientiacutefica Tropical e do MUHNAC

MNHNC LISBOA

HTTPWWWMUSEUSULISBOAPTPT-PTPLANTAS-E-POVOS

2307a 2707(2018)

11ordf Conferecircncia Europeia de Biologia Teoacuterica e Matemaacutetica

Co-organizada pela Sociedade Portuguesa de

Matemaacutetica a 11ordf Conterecircncia Europeia de Biologia

Teoacuterica e Matemaacutetica realiza-se em Lisboa de 23 a

27 de julho de 2018 sob os auspiacutecios das Sociedades

Europeias de Matemaacutetica (EMS) e de Biologia Teoacuterica

e Matemaacutetica (ESMTB) e celebra em Portugal o Ano

Europeu da Biologia Matemaacutetica 2018

LISBOA HTTPWWWECMTB2018ORG

0609a 0709(2018)

I Encontro da Casa das Ciecircncias mdash Accedilores

Vai realizar-se na cidade de Ponta Delgada

o I Encontro da Casa das Ciecircncias mdash Accedilores

com o apoio do Governo Regional e da

Universidade dos Accedilores As inscriccedilotildees estatildeo

jaacute abertas Reserve o seu lugar

PONTA DELGADA HTTPWWWCASADASCIENCIAS

ORG2018ENCONTROAZORES

NO

TIacuteC

IAS

3

Marcelo Viana fala de Matemaacutetica no ano em que o Brasil organiza o 28ordm Congresso Internacional de Matemaacuteticos

httprevistapesquisafapespbr20180320marcelo-viana-uma-equacao-dificil

O matemaacutetico luso-brasileiro Marcelo Via-

na formado pela Universidade do Porto em

1984 atual diretor do Instituto de Matemaacuteti-

ca Pura e Aplicada (IMPA) no Rio de Janei-

ro eacute o organizador geral do 28ordm Congresso

Internacional de Matemaacuteticos (ICM 2018) e

foi entrevistado recentemente pela revista

brasileira Pesquisa FAPESP Nessa entrevis-

ta fala natildeo soacute do mais importante congresso

de matemaacuteticos que se realiza de quatro em

quatro anos e onde satildeo atribuiacutedas as Meda-

lhas Fields consideradas os preacutemios Nobel

da Matemaacutetica mas tambeacutem da sua expe-

riecircncia pessoal em Portugal e no IMPA onde

se doutorou em 1990 Fala da situaccedilatildeo atual

da matemaacutetica brasileira e mais geralmen-

te afirma que ldquoem matemaacutetica nunca se

sabe o que vai resultar em uma aplicaccedilatildeo

Esta eacute uma regra-chave eacute preciso deixar o

ser humano exercer sua criatividade Quan-

do os avanccedilos da matemaacutetica satildeo aplicados

eles satildeo invisiacuteveis Sem matemaacutetica a tomo-

grafia natildeo existiria Haacute muita matemaacutetica no

modo como o sinal de uma partida de futebol

eacute transmitido por exemplordquo

10 de Outubro de 2018 foi proposto para Dia da Biologia Matemaacutetica

httpswwwesmtborgnews141-year-of-mathematical-biology-2018httpeuro-math-soceuyear-mathematical-biology-2018

Numa iniciativa conjunta da Sociedade Eu-

ropeia de Matemaacutetica (EMS) com a Socie-

dade Europeia de Biologia Teoacuterica e Mate-

maacutetica (ESMTB) estaacute a ser celebrado este

ano o Ano da Biologia Matemaacutetica 2018

com muacuteltiplas iniciativas cientiacuteficas em

muitos paiacuteses da Europa Foi ainda propos-

to celebrar o Dia da Biologia Matemaacutetica a

10 de outubro cuja data invoca os diacutegitos da

morfogenia humana

NO

TIacuteC

IAS

4

GRIPENET e BBC Four Pandemics

httpwwwgripenetpthttpswwwinfluenzaneteuhttpswwwbbccoukprogrammesp059y0p1

Haacute cem anos a pandemia da gripe espanhola

de 1918 dizimou entre 3 a 5 da populaccedilatildeo

mundial e foi uma das mais letais da histoacuteria

da humanidade Uma nova pandemia de gripe

poderaacute acontecer mais tarde ou mais cedo e

sem alarmismo o canal BBC Four lanccedilou em

marccedilo de 2018 o programa Contagion The BBC

Four Pandemic em colaboraccedilatildeo com um grupo

de matemaacuteticos da Universidade de Cambridge

Esse programa de ciecircncia cidadatilde tem como ob-

jetivo ajudar a combater uma futura pandemia

de doenccedilas infecciosas divulgando por um

lado o conhecimento cientiacutefico e a modelaccedilatildeo

matemaacutetica subjacente agraves epidemias e por ou-

tro atraveacutes de uma aplicaccedilatildeo para telemoacutevel

a BBC Pandemic app promovendo uma expe-

riecircncia de ciecircncia cidadatilde ao coligir dados auto-

rizados dos movimentos das pessoas dos seus

contactos e ainda outra informaccedilatildeo pessoal

Este projeto eacute um sucedacircneo do projeto europeu

Influenzanet iniciado na Holanda com partici-

paccedilatildeo portuguesa desde 2005 como GRIPENET

numa iniciativa dos investigadores do Instituto

Gulbenkian de Ciecircncias que continua no Insti-

tuto Nacional de Sauacutede Doutor Ricardo Jorge e

eacute atualmente o maior repositoacuterio em liacutengua por-

tuguesa de conteuacutedos em linha sobre a gripe

IMAGINARY lanccedila apelo de moacutedulos para uma Exposiccedilatildeo sobre Matemaacutetica e Muacutesica

httpsimaginaryorgmnm-call

A organizaccedilatildeo IMAGINARY open mathematics

atraveacutes da sua plataforma destinada a pro-

mover a divulgaccedilatildeo da matemaacutetica de forma

aberta e interativa lanccedilou um apelo agrave par-

ticipaccedilatildeo puacuteblica de matemaacuteticos muacutesicos

informaacuteticos e cidadatildeos interessados em con-

tribuir com moacutedulos de fonte ou coacutedigo aber-

tos que expliquem simulem eou mostrem as

relaccedilotildees e interaccedilotildees entre a Matemaacutetica e a

Muacutesica O objetivo eacute a realizaccedilatildeo da exposiccedilatildeo

ldquoThe Sound of Mathematicsrdquo a abrir em 2019

exatamente vinte anos apoacutes o FORUM Diderot

sobre Matemaacutetica e Muacutesica organizado pela

Sociedade Europeia de Matemaacutetica (EMS) que

se realizou a 3 e 4 de dezembro de 1999 si-

multaneamente em Lisboa Paris e Viena

ED

ITO

RIA

L

5

Do crescimento das populaccedilotildees agrave epidemiologia e virologia

Decorrendo o Ano da Biologia Matemaacutetica 2018 uma iniciativa da Sociedade Europeia de

Matemaacutetica (EMS) em conjunto com a Sociedade Europeia de Biologia Teoacuterica e Matemaacutetica

(ESMTB) acontecem este ano na Europa um elevado nuacutemero de iniciativas cientiacuteficas para

celebrar o extraordinaacuterio progresso das aplicaccedilotildees matemaacuteticas na Biologia cujo veacutertex

desta influecircncia muacutetua ainda estaacute por acontecer Se histoacuterica e atualmente o progresso da

compreensatildeo de vaacuterios processos bioloacutegicos trouxe agrave matemaacutetica incluindo a estatiacutestica

novos problemas e conceitos natildeo eacute menos verdade que o rigor dos meacutetodos matemaacuteticos

tem e continuaraacute a desempenhar um contributo admiraacutevel para avaliar ou afastar hipoacuteteses

feitas por bioacutelogos neurocientistas e outros investigadores em medicina

Podemos considerar que o iniacutecio da interaccedilatildeo profiacutecua entre a Matemaacutetica e a Biologia se

iniciou em meados do seacuteculo XVIII em particular com a descriccedilatildeo do crescimento exponen-

cial das populaccedilotildees pelo matemaacutetico Leonard Euler cinquenta anos antes de Malthus As

questotildees quantitativas da mortalidade e da esperanccedila de vida do geacutenero humano um tema

central das ciecircncias atuariais das pensotildees e seguros que comeccedilaram a ser tabeladas ainda

em seiscentos e motivaram uma notaacutevel memoacuteria de Euler apresentada agrave Academia de Ciecircn-

cias de Berlim em 1760 foram moacutebiles para o desenvolvimento da teoria das probabilidades

e de meacutetodos estatiacutesticos Por outro lado nesse mesmo ano Daniel Bernoulli apresentou agrave

Academia de Ciecircncias de Paris um primeiro modelo diferencial para analisar a propagaccedilatildeo

da variacuteola e defender as vantagens da inoculaccedilatildeo para a prevenir que foi um trabalho pionei-

ro na aplicaccedilatildeo das equaccedilotildees diferenciais agrave variaccedilatildeo das populaccedilotildees e podemos considerar

como numa carta agrave Nature de 2000 que ldquoBernoulli was ahead of modern epidemiologyrdquo

ED

ITO

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L

6

Hoje em dia o domiacutenio da Biomatemaacutetica eacute vastiacutessimo e vai muito aleacutem da dinacircmica das

populaccedilotildees da ecologia teoacuterica agrave epidemiologia meacutedica da geneacutetica agrave virologia da formaccedilatildeo

de padrotildees agraves redes neuronais da bioestatiacutestica agrave anaacutelise proteoacutemica da biomecacircnica agrave

fisiologia animal etc Se existem aacutereas da Matemaacutetica com maiores relaccedilotildees com a Biologia

nomeadamente na modelaccedilatildeo matemaacutetica e numeacuterica incluindo os sistemas dinacircmicos as

equaccedilotildees com derivadas parciais os processos estocaacutesticos e a estatiacutestica novas intera-

ccedilotildees estatildeo a surgir na geometria e na topologia no tratamento de dados e nas relaccedilotildees com

machine learning ou aacutelgebra computacional

Por exemplo no encontro kick-off do ano da Biologia Matemaacutetica realizado na Finlacircndia

a 4 e 5 de janeiro uma das conferecircncias plenaacuterias de Benoicirct Perthame da Universidade de

Paris-Sorbone abordou as ligaccedilotildees entre dois tipos de modelos matemaacuteticos para o cresci-

mento de tumores a descriccedilatildeo lsquomicroscoacutepicarsquo ou lsquocompressiacutevelrsquo agrave escala da densidade da

populaccedilatildeo celular e uma descriccedilatildeo mais macroscoacutepica ou lsquoincompressiacutevelrsquo que eacute baseada

num problema com fronteira livre do tipo da equaccedilatildeo claacutessica de Hele-Shaw um modelo

bidimensional bem conhecido para escoamento de fluidos entre duas placas paralelas

Outro exemplo atual decorreu do projeto multidisciplinar europeu DENFREE flying towards

the efficient control of dengue iniciado em 2012 e coordenado pelo Instituto Pasteur o qual

teve participaccedilatildeo portuguesa em particular de biomatemaacuteticos do CMAFUniversidade de Lis-

boa Um dos seus objetivos constituiu na elaboraccedilatildeo de modelos preditivos para combater a

epidemia do viacuterus do dengue baseados na dinacircmica computacional natildeo-linear combinada com

a anaacutelise estatiacutestica de dados sobre a vacinaccedilatildeo a niacutevel mundial Esses modelos permitiram

conclusotildees relevantes e contribuiacuteram para uma melhor administraccedilatildeo da Denvaxia uma vaci-

na do dengue recomendada pelo WHO Strategic Advisory Group of Experts (SAGE) e levaram a

multinacional Sanofi-Pasteur produtora daquela vacina a alterar a recomendaccedilatildeo de vacina-

ccedilatildeo apenas para as pessoas seropositivas Contudo isso aconteceu com um ano de atraso face

agrave prediccedilatildeo do modelo do DENFREE o que foi criticado por dois daqueles investigadores numa

carta de 21-12-2017 publicada na revista The Lancet Infectious Diseases

Portugal que jaacute em 2009 no bicentenaacuterio de Charles Darwin havia acolhido o encontro

The Mathematics of Darwinrsquos Legacy numa organizaccedilatildeo do Centro Internacional de Mate-

maacutetica em colaboraccedilatildeo com a ESMTB e o apoio da Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian acolhe

agora o principal acontecimento do Ano da Biologia Matemaacutetica 2018 a 11th European Con-

ference on Mathematical and Theoretical Biology (httpecmtb2018org) que se realiza na

Faculdade de Ciecircncias da Universidade de Lisboa de 23 a 27 de julho e natildeo poderaacute ficar indi-

ferente agrave celebraccedilatildeo do primeiro Dia da Biologia Matemaacutetica a 10 de outubro que se espera

ter continuidade anual e cujo logo invoca a morfogeacutenese humana

Joseacute Francisco RodriguesEditor convidado

AR

TIG

O

7

Campos (Fiacutesica)Eduardo Lage

Universidade do Porto

O conceito de campo eacute dos mais fundamentais em Fiacutesica Tal como um campo de flores

variadas pode ter em cada canteiro um letreiro identificando a espeacutecie aiacute plantada um

campo fiacutesico eacute uma regiatildeo do espaccedilo em que eacute definida uma etiqueta caraterizando o valor

de uma grandeza em cada ponto e em cada instante Na sua formulaccedilatildeo inicial devida a

Michael Faraday (1849) o campo era um auxiliar que permitia imaginar a forccedila eleacutetrica

que se exerceria sobre uma carga colocada nesse ponto Com a formulaccedilatildeo definitiva de

James Clerk Maxwell (1864) para as leis do electromagnetismo (conhecidas por equaccedilotildees

de Maxwell) o campo ganhou uma realidade fiacutesica O campo pode propagar-se como on-

das atraveacutes do espaccedilo destronando a ideia de forccedilas instantacircneas agrave distacircncia A teoria da

relatividade restrita (Einstein 1905) viria a incorporar este conceito num dos seus postu-

lados (nada ultrapassa a luz no vazio) obrigando a aceitar o campo como uma realidade

fundamental Todas as teorias a partir de entatildeo satildeo teorias de campo alargando o seu

acircmbito agraves forccedilas nucleares fortes (responsaacuteveis pela coesatildeo do nuacutecleo) e fracas (originan-

do a desintegraccedilatildeo do neutratildeo livre) e exigindo mesmo uma reformulaccedilatildeo da lei da atraccedilatildeo

universal (Newton) corporizada na teoria da relatividade geral (Einstein 1915)

A importacircncia do conceito de campo fez-se sentir em outros domiacutenios da Fiacutesica Assim

passaacutemos a falar em diversos tipos de campos

a) Escalares tais como os campos de densidade temperatura ou pressatildeo (FIGURA 1)

para discutir fenoacutemenos atmosfeacutericos ou o interior de planetas ie a etiqueta tem apenas

um nuacutemero identificando o valor da grandeza

FIGURA 1 Diferenccedila de pressotildees em relaccedilatildeo agrave pressatildeo atmosfeacuterica normal atraveacutes de cores identificando valores numeacutericos (abaixo representados)

AR

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8

b) Vetoriais tais como os campos de velocidade (FIGURA 2) ou aceleraccedilatildeo num

soacutelido riacutegido o campo eletromagneacutetico ou graviacutetico ie a etiqueta tem trecircs nuacutemeros as

componentes do vetor associado agrave grandeza respetiva

FIGURA 2 Campo de velocidades de um fluido onde cada seta representa a velocidade do fluido no ponto onde se situa a origem da seta

c) Tensoriais tais como os campos de deformaccedilatildeo ou tensatildeo (FIGURA 3) em soacutelidos

deformaacuteveis ou o tensor de Maxwell no eletromagnetismo A etiqueta tem agora nove nuacute-

meros em geral (para tensores de 2ordf ordem) as componentes do tensor correspondente

agrave grandeza medida

FIGURA 3 Componentes do tensor das tensotildees onde por exemplo σyx eacute a componente da tensatildeo (vetor) segundo x para uma superfiacutecie normal ao eixo y Por convenccedilatildeo a tensatildeo eacute exercida pela parte exterior ao cubo

O campo escalar eacute talvez o mais simples e o seu estudo atraveacutes de um exemplo e pos-

teriormente generalizado permite obter vaacuterios resultados importantes que se revelam

tambeacutem importantes nos campos vetoriais e tensoriais

x

z

y

σxx

σyx

σxx

σyx

σzx

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018039

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9

Espectroscopia VibracionalPaulo Ribeiro ClaroCICECO Universidade de Aveiro

Designa-se por ldquoespectroscopia vibracionalrdquo a teacutecnica que mede a interaccedilatildeo da radiaccedilatildeo

eletromagneacutetica com os movimentos de vibraccedilatildeo de um sistema molecular

Qualquer sistema que contenha aacutetomos ligados entre si tem movimentos vibracionais

desde as moleacuteculas diatoacutemicas aos sistemas bioloacutegicos e aos materiais mais diversos

Deste modo as diversas teacutecnicas de espectroscopia vibracional satildeo muito utilizadas

tanto na caraterizaccedilatildeo de sistemas como em anaacutelise quiacutemica Estas aplicaccedilotildees

estendem-se atualmente ateacute agrave imagem meacutedica

Graus de liberdade de um sistema molecular

Considerando uma associaccedilatildeo de N aacutetomos (moleacutecula iatildeo ou radical) em fase gasosa ndash isto

eacute isolada e livre de restriccedilotildees externas ao seu movimento ndash cada um dos seus aacutetomos pode

deslocar-se segundo as trecircs direccedilotildees do espaccedilo descritas pelos eixos coordenados ou ve-

tores xyz Teremos assim 3N vetores que podem combinar-se em 3N movimentos distintos

FIGURA 1 Representaccedilatildeo esquemaacutetica dos 3N graus de liberdade de uma moleacutecula diatoacutemica A linha superior representa as trecircs translaccedilotildees a linha inferior representa as duas rotaccedilotildees e uma vibraccedilatildeo (O nuacutemero de vibraccedilotildees independentes eacute dado pela diferenccedila entre o nuacutemero de graus de liberdade e o nuacutemero de translaccedilotildees e rotaccedilotildees 3N-5) O movimento de vibraccedilatildeo pressupotildee que a ligaccedilatildeo entre os aacutetomos funciona como uma mola (que forccedilaraacute os aacutetomos a inverterem o sentido do movimento)

AR

TIG

O

10

Quando todos os aacutetomos se movem coordenadamente na direccedilatildeo um dado vetor (por

exemplo direccedilatildeo z FIGURA 1 primeira imagem) isso representa a translaccedilatildeo da moleacutecula

nessa direccedilatildeo Para uma moleacutecula isolada haacute pois trecircs movimentos ndash ou graus de liberdade

ndash translacionais

De igual modo eacute possiacutevel encontrar combinaccedilotildees de movimentos individuais dos aacutetomos

que resultam numa rotaccedilatildeo da moleacutecula em torno do seu centro de massa Estes graus de

liberdade rotacionais satildeo tambeacutem trecircs para a maioria das moleacuteculas Em moleacuteculas linea-

res haacute apenas dois graus de liberdade rotacionais pois natildeo existe rotaccedilatildeo em torno do eixo

molecular (natildeo moveria nenhum aacutetomo)

As restantes combinaccedilotildees de movimentos atoacutemicos resultam em movimentos dos aacutetomos

entre si sem que haja translaccedilatildeo ou rotaccedilatildeo da moleacutecula ou seja correspondem a graus de

liberdade vibracionais Deste modo um sistema molecular com N aacutetomos tem 3N-6 vibra-

ccedilotildees (3N-5 se for linear)

A soluccedilatildeo da equaccedilatildeo de Schoumldinger para uma partiacutecula livre em movimento tem como

significado fiacutesico a natildeo-quantizaccedilatildeo da energia translacional Dito de outro modo os graus

de liberdade translacionais satildeo contiacutenuos Contudo o mesmo natildeo se passa com os movimen-

tos os rotacionais e vibracionais a que correspondem niacuteveis de energia discretos (ou quan-

tizados) Assim eacute possiacutevel observar transiccedilotildees entre os niacuteveis rotacionais (espectroscopia

rotacional) ou entre os niacuteveis vibracionais (espectroscopia vibracional) Como seraacute discutido

abaixo numa moleacutecula em fase gasosa eacute possiacutevel observar transiccedilotildees em que se alteram si-

multaneamente o estado vibracional e o estado rotacional (por vezes abreviadas para ldquotran-

siccedilotildees roto-vibracionaisrdquo)

O modelo mais simples para descrever as vibraccedilotildees moleculares eacute o modelo do oscilador

harmoacutenico diatoacutemico dois aacutetomos de massa m1 e m2 ligados por uma mola perfeitamente

elaacutestica (FIGURA 2A) Os dois aacutetomos oscilam em torno da distacircncia de equiliacutebrio num mo-

vimento que pode ser designado por ldquoelongaccedilatildeo linearrdquo (e frequentemente abreviado para

ldquoelongaccedilatildeordquo)

Por resoluccedilatildeo da equaccedilatildeo de Schroumldinger para este modelo obteacutem-se a expressatildeo da

energia dos niacuteveis vibracionais

)frac12v(v += νhE

onde v eacute o nuacutemero quacircntico vibracional (v = 0 1 2 3 hellip) e ν eacute a frequecircncia de vibraccedilatildeo

do oscilador harmoacutenico Segundo este modelo os niacuteveis de energia de um oscilador estatildeo

igualmente espaccedilados sendo a diferenccedila entre eles igual a hν (FIGURA 2B) A regra de sele-

ccedilatildeo para o oscilador harmoacutenico eacute Δv = 1 pelo que o espectro vibracional de uma moleacutecula

diatoacutemica nesta aproximaccedilatildeo consiste num uacutenico sinal de frequecircncia ν independentemente

do niacutevel de partida

(1)

AR

TIG

O

11

FIGURA 2 A - Oscilador harmoacutenico constituiacutedo por duas esferas de massa m1 e m2 ligadas por uma mola sem limite de elasticidade (obedece agrave lei de Hooke para qualquer deformaccedilatildeo) B - Esquema da distribuiccedilatildeo dos niacuteveis de energia vibracionais em funccedilatildeo do nuacutemero quacircntico v e valor da separaccedilatildeo energeacutetica entre niacuteveis consecutivos

A frequecircncia do oscilador depende naturalmente da forccedila da ldquomolardquo ou seja do grau de

rigidezelasticidade da ligaccedilatildeo quiacutemica que se traduz na constante de forccedila da ligaccedilatildeo k

Esta constante de forccedila eacute a que define a resistecircncia da mola agrave deformaccedilatildeo ou seja a forccedila

que eacute necessaacuterio efetuar para provocar uma deformaccedilatildeo de Δx de acordo com a lei de

Hooke F = k Δx A equaccedilatildeo da frequecircncia do oscilador harmoacutenico eacute entatildeo dada por

μπν

k21

=

onde μ eacute a massa reduzida do oscilador

Os osciladores reais satildeo anarmoacutenicos uma vez que as ligaccedilotildees quiacutemicas natildeo se compor-

tam como molas perfeitamente elaacutesticas A FIGURA 5 compara a funccedilatildeo de energia potencial

do oscilador harmoacutenico com uma curva pouco anarmoacutenica (FIGURA 3A) e muito anarmoacutenica

(FIGURA 3B) A situaccedilatildeo real corresponde agrave curva de alta anarmonicidade (FIGURA 3B) jaacute que

as ligaccedilotildees quiacutemicas quebram quando satildeo estiradas excessivamente

FIGURA 3 Comparaccedilatildeo entre o oscilador harmoacutenico (linha a vermelho) e anarmoacutenico (linha a preto) para duas situaccedilotildees A - baixa anarmonicidade e B - alta anarmonicidade Notar que a regiatildeo da transiccedilatildeo fundamental(0rarr1) eacute muito razoavelmente descrita pelo oscilador harmoacutenico em qualquer dos casos

(2)

A B

A B

AR

TIG

O

12

A energia dos niacuteveis de um oscilador anarmoacutenico eacute dada por

2v )frac12v()frac12v( +-+= exhhE νν

onde xe eacute a constante de anarmonicidade especiacutefica de cada oscilador

Um efeito imediato da anarmonicidade eacute a diminuiccedilatildeo progressiva do espaccedilamento ener-

geacutetico entre os niacuteveis (tal como se observa na FIGURA 3)

ΔEv0rarr1 = hν(1 ndash 2 x) ΔEv1rarr2

= hν(1 ndash 4 x) ΔEv2rarr3 = hν(1 ndash 6 x)

Proacuteximo da energia de dissociaccedilatildeo o espaccedilamento tende para zero o que permite estimar

a energia de uma ligaccedilatildeo a partir da sua frequecircncia de vibraccedilatildeo e da correspondente anar-

monicidade

exhD 4e ν=

A regra de seleccedilatildeo para o oscilador anarmoacutenico eacute Δv = 1 2 3 hellip sendo possiacutevel observar

diversas transiccedilotildees Enquanto a transiccedilatildeo do niacutevel v=0 para v=1 eacute designada por transiccedilatildeo

fundamental as transiccedilotildees de v=0 para vgt1 satildeo designadas sobretons

Quando a populaccedilatildeo dos niacuteveis excitados eacute significativa eacute possiacutevel observar as transiccedilotildees

v=1 para v=2 v=2 para v=3 etc Estas transiccedilotildees aumentam de intensidade por aumento

da temperatura (ver distribuiccedilatildeo de populaccedilatildeo de Boltzmann) pelo que as correspondentes

bandas do espectro vibracional satildeo designadas por ldquobandas quentesrdquo

Esta anaacutelise do espectro vibracional de sistemas diatoacutemicos pode estender-se a sistemas

poliatoacutemicos Em sistemas poliatoacutemicos observam-se vaacuterios movimentos de ldquoelongaccedilatildeo li-

nearrdquo (tantos quantos as ligaccedilotildees entre 2 aacutetomos) de ldquodeformaccedilatildeo angularrdquo (envolvendo 3

aacutetomos ligados) de ldquotorccedilatildeordquo e de ldquodeformaccedilatildeo para fora do planordquo (envolvendo 4 aacutetomos

ligados) Estes movimentos combinam-se nas 3N-6 vibraccedilotildees globais da moleacutecula desig-

nados por modos normais de vibraccedilatildeo Em alguns casos os modos normais de vibraccedilatildeo es-

tatildeo altamente localizados num grupo definido de aacutetomos ndash por exemplo o grupo carbonilo

(C=O) ndash e originam bandas no espectro vibracional que satildeo carateriacutesticas desse grupo de

aacutetomos e mais ou menos independentes do resto da moleacutecula Estas vibraccedilotildees satildeo desig-

nadas por frequecircncias de grupo muito utilizadas em caraterizaccedilatildeo quiacutemica Estes toacutepicos

seratildeo desenvolvidos num texto proacuteprio

Transiccedilotildees roto-vibracionais numa abordagem breve

Tal como referido acima eacute possiacutevel observar transiccedilotildees vibracionais (Δv = 1 2 3 hellip) acom-

panhadas de transiccedilotildees rotacionais (ΔJ= 1) Considerando estes graus de liberdade como

independentes entre si a energia dos niacuteveis num oscilador diatoacutemico eacute dada simplesmente

pela soma da equaccedilatildeo (3) com a equaccedilatildeo do rotor diatoacutemico

(3)

(4)

(5)

AR

TIG

O

13

222J v )1()frac12v()1()frac12v( +++-+++= JDxhJBhE eνν J J ][

Ignorando os termos anarmoacutenico e de distorccedilatildeo centriacutefuga ndash indicados entre parecircntese

rectos ndash a energia da transiccedilatildeo vibracional fundamental num oscilador diatoacutemico eacute dada por

ΔEv=0rarrv=1 = hν + B[J(J+1)minusJrsquo(Jrsquo+1)]

onde J eacute o nuacutemero quacircntico rotacional do estado inicial v=1 e Jrsquo eacute o nuacutemero quacircntico

rotacional do estado final v = 1

A FIGURA 4 ilustra as transiccedilotildees que correspondem a Jrsquo=J-1 Jrsquo=J e Jrsquo=J+1 e a FIGURA 5

apresenta o espectro observado para o oscilador diatoacutemico real HCl No espectro real o efeito

da anarmonicidade do oscilador no valor de B eacute evidente

FIGURA 4 Esquema simplificado das transiccedilotildees roto-vibracionais numa moleacutecula diatoacutemica Os niacuteveis natildeo estatildeo agrave escala As transiccedilotildees com Jrsquo=J-1 (a verde) originam as bandas do Ramo P e as transiccedilotildees com Jrsquo=J+1 (a azul) originam o Ramo R As transiccedilotildees com Jrsquo=J (a amarelo) originam o Ramo Q mas natildeo satildeo permitidas em moleacuteculas diatoacutemicas

FIGURA 5 Espectro roto-vibracional da moleacutecula diatoacutemica HCl com a indicaccedilatildeo da posiccedilatildeo do Ramo Q (transiccedilotildees natildeo permitidas por regra de seleccedilatildeo) Notar que todos os sinais aparecem desdobrados em dois uma amostra real de HCl conteacutem as formas isotoacutepicas H35Cl e H37Cl a que correspondem diferentes valores de B Notar tambeacutem que o espaccedilamento entre bandas no ramo P eacute maior que no ramo R no estado fundamental v=0 a distacircncia interatoacutemica meacutedia eacute menor do que para v=1 pelo que B gt Brsquo Notar que a transiccedilatildeo Jrsquo=J eacute proibida pelo que natildeo aparece a banda Q

(6)

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14

O crescimento exponencial de populaccedilotildees Euler ou Malthus Suzana NaacutepolesUniversidade de Lisboa

Em 1798 no livro An Essay on the Principle of Population que teve seis ediccedilotildees Thomas

Malthus (1766-1864) um cleacuterigo e erudito inglecircs influente nos campos da economia po-

liacutetica e da demografia escreveu

ldquoA populaccedilatildeo quando natildeo controlada aumenta em progressatildeo geomeacutetrica A subsistecircncia

aumenta apenas em progressatildeo aritmeacutetica Um pequeno conhecimento dos nuacutemeros mostra-

raacute a imensidatildeo do primeiro poder em comparaccedilatildeo com o segundoldquo

Malthus natildeo tentou traduzir matematicamente o seu modelo de crescimento Limitou-se a

caraterizaacute-lo pressupondo que a taxa segundo a qual a populaccedilatildeo cresce num determinado

instante eacute proporcional agrave populaccedilatildeo total nesse mesmo instante

Numa revisatildeo da primeira ediccedilatildeo discutiu em detalhe os obstaacuteculos para o crescimento

da populaccedilatildeo em vaacuterios paiacuteses nomeadamente atraso no casamento aborto infanticiacutedio

fome guerra epidemias e fatores econoacutemicos Para ele o casamento retardado era a melhor

opccedilatildeo para estabilizar a populaccedilatildeo

Para caraterizar matematicamente este modelo considerando o crescimento em anos

consecutivos e supondo uma taxa de crescimento r em cada ano se num ano n a popula-

ccedilatildeo eacute Pn no ano seguinte a populaccedilatildeo seraacute Pn +1= (1 + r ) Pn pelo que Pn+1= (1 + r ) n P0 e o

crescimento eacute descrito por uma progressatildeo geomeacutetrica de razatildeo 1 + r

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15FIGURA 1 Thomas Malthus

Supondo uma variaccedilatildeo contiacutenua do tempo e designando por P(t) a populaccedilatildeo no instante

t e por r a taxa de crescimento por unidade de tempo a equaccedilatildeo diferencial que traduz o

modelo contiacutenuo preconizado por Malthus eacute Prsquo(t) = r P(t) Entatildeo P(t) = ke r t com k constante

Como P(0) = k e P0 o nuacutemero de indiviacuteduos no ano zero a evoluccedilatildeo da populaccedilatildeo eacute dada

por P(t) = P0 e rt

Acontece que 50 anos antes em Introductio in analysin infinitorum no VI capiacutetulo

ldquoDe quantidades exponenciais e logaritmosrdquo para ilustrar a grande utilidade das ta-

belas de logaritmos para abreviar caacutelculos numeacutericos o matemaacutetico suiacuteccedilo Leonhard

Euler (1707-1783) daacute vaacuterios exemplos que envolvem o crescimento populacional de

que transcrevemos os exemplos II e III

FIGURA 2 Leonhard Euler e o seu Introductio in analysin infinitorum

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16

Exemplo II

ldquoSe a populaccedilatildeo em certa regiatildeo aumenta anualmente um trigeacutesimo e por outro lado laacute

habitavam no princiacutepio 100000 pessoas pergunta-se qual o nuacutemero de habitantes apoacutes

100 anos

Seja o nuacutemero inicial = n pelo que n = 100000 passado um ano o nuacutemero de habitantes

seraacute = (1+301 )n=30

13 n depois de dois anos = S X3013 2

n ao cabo de trecircs = S X3013 3

n e daqui

depois de 100 anos seraacute = S X3013 100

n = S X3013 100

100000 cujo logaritmo eacute = 100 l 1013 +

l 100000 E l 1013 = l 31 - l 10 = 0014240439 de onde 100 l 10

13 = 14240439 que somando-

-lhe l 100000 = 5 seraacute o logaritmo do nuacutemero de habitantes procurado = 64240439 a que

corresponde o nuacutemero 2654874

Assim ao cabo de 100 anos seraacute mais de vinte e seis vezes maiorrdquo

Este exemplo publicado em 1748 eacute meio seacuteculo antes a concretizaccedilatildeo do ldquoModelo Mal-

thusianordquo para uma populaccedilatildeo de 100000 habitantes e uma taxa de crescimento anual de

130

No exemplo seguinte Euler faz alusatildeo ao capiacutetulo 7 do Livro do Genesis que relata como

um diluacutevio reduziu a populaccedilatildeo da terra a seis seres humanos

Exemplo III

ldquoComo a humanidade se espalhou apoacutes o diluacutevio por obra de seis seres humanos se o nuacute-

mero destes alcanccedilar duzentos anos depois o nuacutemero 1000000 pergunta-se em que parte

deveria crescer anualmente o nuacutemero de humanos

Se aumentar em cada ano x1 duzentos anos depois o nuacutemero de humanos seria =

xx1 200+S X 6 = 1000000 e por tanto x

16

1000000 2001

+ = S Xx

Portanto l x1

2001+ =x l

61000000 =200

1 52218487 = 00261092

e assim =x1+x

10000001061963 e 1000000 = 61963x donde x =16 aproxidamente

Bastaraacute pois que os humanos aumentem por ano a sua deacutecima sexta parte [] Contudo se

o nuacutemero de homens tivesse crescido na mesma proporccedilatildeo durante um intervalo de 400

anos deveria chegar a 1000000 10000006

= 166666666666 cujo sustento a terra inteira

natildeo seria de forma alguma capaz de darrdquo

Euler ao abordar o crescimento das populaccedilotildees tinha uma preocupaccedilatildeo matemaacutetica ndash a

de mostrar a utilidade dos logaritmos ndash que ilustrou com exemplos

Mas a observaccedilatildeo anterior leva a crer que ele considerou o modelo exponencial desade-

quado para o estudo do crescimento populacional

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O

17

A populaccedilatildeo de Portugal espelha bem a falecircncia deste modelo Segundo dados do Ins-tituto Nacional de Estatiacutestica nos duzentos anos que decorreram entre 1770 e 1970 a

populaccedilatildeo nem chegou a triplicar

TABELA 1 Populaccedilatildeo de Portugal entre 1422 a 1890

Popuccedilatildeo de Portugal (INE Lisboa)

Ano Total Variaccedilatildeo Ano Total Variaccedilatildeo

1422 1 043 274 - 1900 5 423 132 +74

1527 1 262 376 +210 1911 5 960 056 +99

1636 1 100 000 -129 1920 6 032 991 +12

1736 2 143 368 +949 1930 6 825 883 +131

1770 2 850 444 +330 1940 7 722 152 +131

1776 3 352 310 +176 1950 8 441 312 +93

1801 2 931 930 -125 1960 8 851 289 +49

1811 2 876 602 -19 1970 8 568 703 -32

1838 3 200 000 +112 1981 9 852 841 +150

1849 3 411 454 +66 1991 9 862 540 +01

1864 4 188 410 +228 2001 10 356 117 +50

1878 4 550 699 +86 2007 10 617 575 +25

1890 5 049 729 +110

Quanto a Malthus as suas preocupaccedilotildees eram de natureza poliacutetica e legislativa To-

mou como certo um crescimento exponencial da populaccedilatildeo mundial que conduziria a

uma cataacutestrofe por ausecircncia de recursos e para o travar sugeriu o recurso a poliacuteticas

adequadas Ao publicitar o modelo exponencial - que ficou conhecido como Modelo

Malthusiano - ligando-o a problemas legislativos reais abriu caminho para que dife-

rentes matemaacuteticos se dedicassem agrave modelaccedilatildeo do crescimento populacional

Em 1844 o matemaacutetico belga Pierre Verhulst (1804-1849) propocircs no artigo Recherches

matheacutematiques sur la loi drsquoaccroissement de la population um modelo em que considera que

agrave medida que a populaccedilatildeo se aproxima de um valor maacuteximo a taxa de crescimento diminui

ldquoO aumento virtual da populaccedilatildeo eacute portanto limitado pelo tamanho e pela fertilidade do paiacutes

Como resultado a populaccedilatildeo fica cada vez mais proacutexima de um estado estaacutevelrdquo

Designado por P(t) a populaccedilatildeo no instante t por r a taxa de crescimento por unidade

de tempo e por M o nuacutemero maacuteximo de indiviacuteduos que a regiatildeo pode suportar este modelo

exprime-se pela equaccedilatildeo diferencial

( )dt

dP rP MP t

1= -T Y

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18

cuja soluccedilatildeo eacute

( )( ) ( )( )

P t

MP eP e

10 10

rt

rt

=+

-

Se P(t) for muito pequeno face a M tem-se que ( )dt

dP rP MP t

1= -T Y cong r P(t) que tem a soluccedilatildeo P(t) cong P(0) e rt

e o crescimento eacute exponencial

FIGURA 4 Pierre Franccedilois Verhulst e o graacutefico da curva logiacutestica

Agrave medida que t cresce a populaccedilatildeo aproxima-se assintoticamente de M A equaccedilatildeo diferen-

cial que carateriza este modelo eacute atualmente designada por equaccedilatildeo logiacutestica e a populaccedilatildeo

maacutexima M por capacidade de carga Com Verhulst relativizou-se ldquoa hipoacutetese da progressatildeo

geomeacutetrica uma vez que ela soacute se pode verificar em circunstacircncias muito especiais por exem-

plo quando um territoacuterio feacutertil de tamanho quase ilimitado passa a ser habitado por pessoas

com uma civilizaccedilatildeo avanccedilada como foi o caso das primeiras coloacutenias americanasrdquo

Essa equaccedilatildeo foi retomada por vaacuterios matemaacuteticos e adaptada a contextos variados

Satildeo de realccedilar os casos em que a capacidade de carga varia como o tempo conduzindo

ao modelo caraterizado pela equaccedilatildeo diferencial

dtdP rP M

P1= -T Y( )t

onde a capacidade de carga M(t) = M(t +T) varia periodicamente com periacuteodo T

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19

FIGURA 5 A demografia eacute instrumental para o controlo das populaccedilotildees humanas

Desde o seacuteculo XVIII que o estudo da dinacircmica das populaccedilotildees eacute objeto de modelaccedilatildeo

matemaacutetica Na atualidade existem outros modelos de crescimento hiperboacutelicos expo-

nenciais logiacutesticos ou baseados noutras funccedilotildees Baseada nos modelos populacionais

do matemaacutetico Song Jian a Repuacuteblica Popular da China em 1980 entatildeo a atingir o biliatildeo

de habitantes instaurou uma poliacutetica estrita de filho uacutenico Essa lei foi flexibilizada em

2015 aumentando para dois o nuacutemero maacuteximo de filhos para fazer frente ao envelheci-

mento da populaccedilatildeo e agrave reduccedilatildeo do grupo de trabalhadores na faixa etaacuteria considerada

economicamente ativa

Muitos dos pareceres cientiacuteficos nas mais diversas aacutereas baseiam-se em modelos ma-

temaacuteticos que podem permitir fazer estimativas e previsotildees mas hellip ao olhar para o cres-

cimento populacional ao longo dos tempos verificamos que os modelos matemaacuteticos satildeo

instrumentais na anaacutelise da dinacircmica das populaccedilotildees

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20

Artroacutepodes Miguel Santos

Rubim Almeida

Sara C Antunes

DB CIBIO InBIO CIIMAR Universidade do Porto

Artroacutepodes (Arthropoda do grego arthro = articulado + podos = peacutes) satildeo o grupo taxonoacutemi-

co mais diversificado com distribuiccedilatildeo por quase todo o globo e ocupando todos os habitats

Satildeo organismos invertebrados com exosqueleto riacutegido apresentando apecircndices articula-

dos (patas antenas) e de nuacutemero diferenciado de acordo com o subfilo a que pertencem

Os artroacutepodes constituem um dos mais diversos grupos de organismos do planeta com-

preendendo espeacutecies que variam de 0085 mm (Tantalacus dieteri um crustaacuteceo parasita)

ateacute 38 m (envergadura do Caranguejo-aranha-gigante) Os organismos pertencentes a

este grupo encontram-se praticamente em todos os tipos de habitat A razatildeo do sucesso

evolutivo deste grupo taxonoacutemico deve-se a um conjunto de carateriacutesticas uacutenicas i) pos-

suiacuterem um exosqueleto proteico-quitinoso flexiacutevel leve e resistente que protege contra a

desidrataccedilatildeo ii) segmentaccedilatildeo do corpo e a presenccedila de apecircndices articulados especia-

lizados iii) oacutergatildeos sensoriais bem desenvolvidos (antenas sedas sensoriais olhos com-

postos olhos pedunculados ocelos quimiorrecetores nas antenas) iv) metamorfose com

diferentes estaacutedios de desenvolvimento incluindo estaacutedios larvares que podem ter um

modo de vida completamente diferente do adulto permitindo um aproveitamento de outros

recursos (alimento e espaccedilo) reduzindo a competiccedilatildeo entre indiviacuteduos da mesma espeacutecie

v) padrotildees comportamentais complexos revelando por vezes organizaccedilatildeo comunitaacuteria e

vi) sistema respiratoacuterio diverso nomeadamente o sistema traqueal onde o ar entra em

contacto direto com os tecidos devido a um eficiente sistema de tubos (traqueias) com

orifiacutecios na superfiacutecie do tegumento (espiraacuteculos) No entanto a origem e a taxonomia

deste grupo ainda constituem um tema de investigaccedilatildeo e debate Mesmo apesar dos avan-

ccedilos em aacutereas como a biologia molecular que fornece importantes conhecimentos sobre

as complexas relaccedilotildees evolutivas destes organismos muito ainda haacute por descobrir Os

artroacutepodes satildeo um grupo extremamente importante nos ecossistemas terrestres devido

natildeo soacute agrave sua enorme abundacircncia e diversidade mas tambeacutem ao grande nuacutemero de funccedilotildees

que desempenham nestes ecossistemas (ex degradaccedilatildeo da mateacuteria orgacircnica arejamento

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21

do solo ciclagem de nutrientes) O filo Arthropoda estaacute atualmente subdividido em cinco

subfilos Trilobitomorpha Crustacea Myriapoda Chelicerata e Hexapoda

O subfilo Trilobitomorpha (trilobites e os seus parentes) compreende cerca de 20 000

espeacutecies que viviam exclusivamente em ambientes marinhos e que atualmente se encon-

tram todas extintas Contudo a sua vasta distribuiccedilatildeo geograacutefica e o exosqueleto de carbo-

nato de caacutelcio permitiram que este grupo apresente um extenso registo foacutessil observaacutevel

por todo o planeta

Crustacea inclui caranguejos camarotildees e lagostas contendo mais de 60 000 espeacute-

cies e com um extenso registo foacutessil em todo o mundo eacute um dos principais grupos de

artroacutepodes A maioria dos crustaacuteceos vive em ambientes marinhos mas existem vaacuterias

espeacutecies que podem ser encontradas em ecossistemas de aacutegua doce (ordem Cladocera e

sub-classe Copepoda) e em ambientes terrestres (ordem Isopoda FIGURA 1) Apesar da

grande maioria dos crustaacuteceos serem de vida livre existem vaacuterios grupos parasitas (ex

Rhizocephala ndash crustaacuteceos cirriacutepedes parasitas de caranguejos e camarotildees Argulidae ndash

crustaacuteceos parasitas de peixes e Pentastomida ndash vermes liacutengua que parasitam o sistema

respiratoacuterio de vertebrados) Numa perspetiva diferente e de interesse econoacutemico este

grupo apresenta ainda um valor acrescido jaacute que alguns crustaacuteceos decaacutepodes como la-

gostas e camarotildees satildeo intensivamente consumidos em todo o mundo Para aleacutem da sua

importacircncia econoacutemica este grupo de organismos eacute bastante utilizado em investigaccedilatildeo

cientiacutefica nomeadamente em ecotoxicologia na avaliaccedilatildeo do efeito de contaminantes no

solo

FIGURA 1 Exemplares de organismos da ordem Isopoda (bicho-da-conta) 1 ndash famiacutelia Armadillidae 2 ndash famiacutelia Porce-llionidae em A - vista dorsal e em B - vista ventral

O subfilo Myriapoda inclui as centopeias e os miliacutepedes conteacutem mais de 11 000

espeacutecies descritas Este subfilo eacute tradicionalmente dividido em quatro classes Chi-

lopoda (centopeias) (FIGURA 2) Diplopoda (miliacutepedes) Pauropoda (ldquopoucos peacutesrdquo) e

Symphyla (pseudocentopeias) Todos os miriaacutepodes conhecidos satildeo terrestres e o seu

tamanho varia desde alguns miliacutemetros a cerca de 38 centiacutemetros (Millipede Gigante

Africano)

1

2

A B

15cm

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FIGURA 2 Vista dorsal A - e ventral B - de um organismo pertencente agrave classe Chilopoda onde se pode observar o corpo segmentado e apenas com um par de patas por segmento

O subfilo Chelicerata (aranhas aranhas do mar escorpiotildees e aacutecaros) conteacutem mais

de 113 000 espeacutecies distribuiacutedas em duas classes principais Pycnogonida (aranhas do

mar) e Arachnida (aranhas escorpiotildees e aacutecaros) Pycnogonida o grupo das aranhas

do mar conteacutem mais de 1 300 espeacutecies descritas mas estudos detalhados sobre esses

animais e as suas relaccedilotildees evolutivas ainda satildeo escassos Estes organismos geralmente

tecircm seis ou oito olhos e quatro a seis pares de patas A classe Arachnida compreende os

organismos mais conhecidos do subfilo Chelicerata como aranhas escorpiotildees e aacutecaros

Os indiviacuteduos pertencentes a este grupo natildeo possuem antenas tecircm quatro pares de

patas um par de queliacuteceras (1ordm par de apecircndices do prossomacabeccedila) e pedipalpos

(2ordm par de apecircndices do prossomacabeccedila) As aranhas (ordem Araneae) (FIGURA 3) satildeo

provavelmente o grupo mais icoacutenico e bem estudado deste subfilo presentes na maioria

dos ambientes terrestres e constituindo um dos grupos mais importantes de artroacutepodes

do solo Outros organismos colocados na mesma classe como escorpiotildees aacutecaros ou

opiliotildees tambeacutem constituem grupos extremamente variados com importantes funccedilotildees

ecoloacutegicas (ex decomposiccedilatildeo de mateacuteria orgacircnica e controlo de organismos principal-

mente atraveacutes de predaccedilatildeo)

FIGURA 3 Vista dorsal A - e ventral B - de um exemplar da ordem Araneae (famiacutelia Gnaphosidae) sendo possiacutevel obser-var o corpo dividido em cefalotoacuterax e abdoacutemen os quatro pares de patas as queliacuteceras (q) e os pedipalpos (p)

O subfilo Hexapoda (Hexa (seis) e Poda (peacute)) engloba os insetos e os seus parentes

compreende o grupo mais diverso e abundante de organismos com mais de 1 milhatildeo de

espeacutecies conhecidas Este subfilo eacute frequentemente dividido em organismos da clas-

A B

A B

14cm

p

q

35cm

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O

23

se Insecta (FIGURA 4) e da classe Entognatha Esta uacuteltima inclui os colecircmbolos (ordem

Collembola) (FIGURA 5) cabeccedilas de cone e bichos de prata (ordem Protura) e cerdas de

duas pontas (ordem Diplura) Na classe Entognatha as partes bucais dos organismos

estatildeo retraiacutedas dentro das suas cabeccedilas contrariamente ao que se observa na classe In-

secta que satildeo ectognantes Os colecircmbolos constituem um dos grupos mais abundantes

de artroacutepodes do solo podendo ser encontrados mais de 100 000 indiviacuteduos num metro

quadrado Estes satildeo organismos cosmopolitas com mais de 8 000 espeacutecies descritas Os

colecircmbolos satildeo pequenos organismos com tamanho geralmente inferior a 6-8 mm de

forma ciliacutendrica ou globular apresentando olhos simples e antenas moniliformes Muitas

espeacutecies possuem um apecircndice bifurcado (fuacutercula) no final do abdoacutemen permitindo que

estes organismos saltem quando ameaccedilados (FIGURA 5) Os colecircmbolos tecircm sido ampla-

mente utilizados em estudos ecotoxicoloacutegicos na avaliaccedilatildeo da qualidade do solo e da sauacute-

de destes ecossistemas

FIGURA 4 A - Vista dorsal e B - vista ventral de exemplares de algumas ordens da classe Insecta

FIGURA 5 Vista lateral de exemplares da ordem Collembola

A classe Insecta eacute a classe com maior nuacutemero de organismos compreendendo mais

de metade das espeacutecies eucarioacuteticas descritas atualmente englobando mais de 1 milhatildeo

de espeacutecies que habitam praticamente todos os ecossistemas Os insetos sendo o grupo

Ordem

Coleoptera

Ordem

Diptera

Ordem

Hemiptera

Ordem

Orthoptera

Ordem

HimenopteraA A A A

B B B B

075cm

027cm14cm016cm

09cm

22cm

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24

mais diversificado de seres vivos apresentam as mais variadas e interessantes adap-

taccedilotildees anatoacutemicas e morfoloacutegicas Pensa-se que a sua enorme riqueza e abundacircncia eacute

devida a uma combinaccedilatildeo de carateriacutesticas vantajosas como a coevoluccedilatildeo com plan-

tas a miniaturizaccedilatildeo e a capacidade de voo Os insetos desempenham ainda um papel

importantiacutessimo no funcionamento dos ecossistemas realizando funccedilotildees quer de pre-

dadores quer de presa estando envolvidos em inuacutemeras teias alimentares (ex reciclan-

do nutrientes fazendo a manutenccedilatildeo da estrutura e fertilizaccedilatildeo dos solos) Destaca-se

tambeacutem o facto de vaacuterios insetos voadores como abelhas ou borboletas atuarem como

polinizadores de muitas espeacutecies de plantas Esta eacute uma funccedilatildeo ecoloacutegica importante

com vaacuterias repercussotildees econoacutemicas porque mais de 30 das culturas alimentares

mundiais dependem da polinizaccedilatildeo Os insetos possuem ainda um papel importante em

investigaccedilatildeo cientiacutefica sendo muitas vezes utilizados como organismo modelo dado pos-

suiacuterem carateriacutesticas distintas como o seu tamanho reduzido tempos de geraccedilatildeo curtos

e elevada fecundidade O exemplo de excelecircncia eacute a mosca da fruta Drosophila melano-

gaster cujo genoma eacute jaacute conhecido na totalidade sendo esta espeacutecie utilizada frequente-

mente para estudar vaacuterios processos celulares (ex o envelhecimento a hereditariedade

e o desenvolvimento embrionaacuterio) Apesar de constituiacuterem um grupo tatildeo interessante

beneacutefico e necessaacuterio agrave manutenccedilatildeo do equiliacutebrio dos ecossistemas existem algumas

desvantagens associadas aos insetos como eacute o caso de serem vetores na transmissatildeo

de doenccedilas Eacute o caso da malaacuteria transmitida por um mosquito do geacutenero Anopheles a

doenccedila parasitaacuteria mais disseminada com vaacuterios milhotildees de humanos infetados em todo

o mundo O dengue e o zika satildeo doenccedilas em que o vetor de transmissatildeo eacute tambeacutem um

mosquito do geacutenero Aedes Na agricultura as pragas de insetos (ex gorgulhos gafa-

nhotos afiacutedios) satildeo responsaacuteveis por prejudicar as culturas agriacutecolas e a produccedilatildeo de

alimentos causando perdas econoacutemicas elevadas

Sabe-se que atualmente a perda de habitat e as mudanccedilas climaacuteticas satildeo alguns dos

fatores responsaacuteveis por decliacutenios significativos nas populaccedilotildees deste grupo de orga-

nismos Esse decliacutenio apresenta uma elevada preocupaccedilatildeo ecoloacutegica uma vez que estes

organismos desempenham muacuteltiplas e importantes funccedilotildees nos ecossistemas No en-

tanto a conservaccedilatildeo deste grupo animal permanece um grande e urgente desafio que eacute

preciso enfrentar

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Biocombustiacuteveis seratildeo a soluccedilatildeo Matilde Viegas

Maria Joatildeo Ramos

Pedro Alexandrino Fernandes

UCIBIO REQUIMTEUniversidade do Porto

ldquoA 21 de Fevereiro de 2018 o niacutevel de poluiccedilatildeo de partiacuteculas finas com diacircmetro inferior

a 10 μm PM10 atingiu em Paris niacuteveis alarmantes com um pico correspondente

ao dobro do limite maacuteximo A Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) recomenda natildeo

exceder este limite maacuteximo por mais de trecircs dias por ano Com este recente pico os

parisienses jaacute o ultrapassaramrdquo

Em Un pic de pollution laquograveraquo en Ile-de-France Le Monde 22 de Fevereiro de 2018

Esta notiacutecia eacute um dos inuacutemeros exemplos dos efeitos do aquecimento global termo com o

qual estamos cada vez mais familiarizados infelizmente Este fenoacutemeno eacute consequecircncia

de Gases de Efeito de Estufa GEE (dioacutexido de carbono metano e oacutexido de azoto entre

outros) que se acumulam na atmosfera enclausurando o calor e tornando o planeta mais

quente A produccedilatildeo em larga escala de GEEs teve iniacutecio na Revoluccedilatildeo Industrial (1800)

como resultado da combustatildeo de combustiacuteveis foacutesseis (carvatildeo petroacuteleo e gaacutes natural)

para produccedilatildeo de eletricidade aquecimento e transporte

A preocupaccedilatildeo em torno do aquecimento global tornou-se um assunto constante na

agenda poliacutetica sobretudo nas uacuteltimas duas deacutecadas Os primeiros esforccedilos coletivos re-

sultaram no Protocolo de Quioto em 1997 cujo objetivo era a reduccedilatildeo das emissotildees de

GEEs assentando nos argumentos de que i) o aquecimento global era uma realidade e ii) o

CO2 produzido por accedilotildees humanas era o seu grande causador O primeiro periacuteodo do Proto-

colo terminou em 2012 e por isso em 2015 as Naccedilotildees Unidas promoveram a assinatura

do novo Acordo de Paris o qual consiste numa atualizaccedilatildeo do antigo Protocolo de Quioto

com o objetivo de ldquofortalecer a resposta global agrave ameaccedila das alteraccedilotildees climaacuteticas no

contexto de desenvolvimento sustentaacutevel e com esforccedilo para a erradicaccedilatildeo da pobrezardquo

O novo Acordo ao contraacuterio do de Quioto estabelece metas tangiacuteveis e quantitativas O

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26

objetivo eacute manter o aumento da temperatura meacutedia global abaixo dos 2ordm Celsius face agrave

temperatura global na era preacute-industrial Para atingir tal meta eacute necessaacuterio um esforccedilo

mundial contudo em 2017 com a saiacuteda dos EUA do Acordo de Paris o segundo maior

emissor de GEEs logo a seguir agrave China perdeu-se uma enorme contribuiccedilatildeo Aleacutem do peso

evidente que as suas emissotildees tecircm para o estado atual do aquecimento global em falta

estaratildeo tambeacutem a diplomacia e o encorajamento proporcionados por esta forccedila mundial

No Acordo de Paris uma das claacuteusulas exige a inclusatildeo de energias renovaacuteveis (eoacutelica

mariacutetima solar) e de biocombustiacuteveis no mercado de energia encorajando os paiacuteses a

atingir niacuteveis miacutenimos da sua utilizaccedilatildeo As metas estabelecidas para cada paiacutes vatildeo ao en-

contro ao seu mercado e agraves mateacuterias-primas disponiacuteveis em cada territoacuterio favorecendo o

desenvolvimento da economia

De uma forma generalista os biocombustiacuteveis englobam combustiacuteveis produzidos atra-

veacutes de processos bioloacutegicos como a agricultura e digestatildeo anaeroacutebica em vez de produ-

zidos a partir de processos geoloacutegicos como os necessaacuterios para a formaccedilatildeo de combus-

tiacuteveis foacutesseis Isto inclui o biodiesel (produzido a partir de oacuteleos e gorduras orgacircnicas) e o

bioetanol (aacutelcool produzido atraveacutes de fermentaccedilatildeo microbiana de accediluacutecares seguido de

destilaccedilatildeo e desidrataccedilatildeo) os quais seratildeo o maior foco deste artigo

A partir da deacutecada de 70 foram feitos os primeiros investimentos nos chamados bio-

combustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo (1G) Estes fazem uso de colheitas de produtos agriacuteco-

las como a soja cana-de-accediluacutecar milho oacuteleo de palma entre outros para a produccedilatildeo de

biodiesel e bioetanol atraveacutes de processos de trans-esterificaccedilatildeo ou fermentaccedilatildeo A sua

disponibilidade e facilidade de processamento permitiram a sua inserccedilatildeo e mistura nos

combustiacuteveis atualmente vendidos ao puacuteblico Para 2017 Portugal fixou em 75 (de poder

energeacutetico) a incorporaccedilatildeo de biocombustiacuteveis nos combustiacuteveis dos transportes rodoviaacute-

rios tendo a Uniatildeo Europeia o objectivo de 10 em 2020 para todos os paiacuteses membros

Os biocombustiacuteveis 1G fazem uso da colheita agriacutecola para fins energeacuteticos o que gera

opiniotildees desfavoraacuteveis por parte de ambientalistas (pelo uso exaustivo da terra agriacutecola sem

compensaccedilatildeo desflorestaccedilatildeo e perda de biodiversidade) e problemas eacuteticos tais como os le-

vantados por responsaacuteveis da ONU como o Dr Jean Ziegler que atribui aos biocombustiacuteveis

a culpa pela contiacutenua inflaccedilatildeo dos preccedilos de alimentos exacerbando a atual crise de fome

mundial - ldquoSatildeo necessaacuterios 352Kg de milho para encher um depoacutesito de 50L de um carro Uma

crianccedila na Zacircmbia ou no Meacutexico onde o milho eacute um elemento baacutesico da dieta poderia viver

com esta quantidade de milho um ano inteirordquo Atualmente os maiores produtores destes bio-

combustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo satildeo os EUA e o Brasil utilizando parte da produccedilatildeo global

de cereais e oacuteleos vegetais para a produccedilatildeo de bioetanol e biodiesel causando um ambiente

de profunda preocupaccedilatildeo em volta da sustentabilidade de produccedilatildeo de energia a meacutediolongo

prazo De forma a controlar a inflaccedilatildeo no preccedilo dos alimentos a EU estabeleceu um limite de

7 para o uso de biocombustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo como combustiacutevel de transportaccedilatildeo

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A segunda geraccedilatildeo de biocombustiacuteveis (2G) usa biomassa isto eacute qualquer fonte de car-

bono orgacircnico que eacute rapidamente renovado no ciclo de carbono Os biocombustiacuteveis de

segunda geraccedilatildeo almejam um uso ponderado de desperdiacutecios da induacutestria madeireira e

agriacutecola ou de restos de colheitas agriacutecolas assim que estas preencham o seu propoacutesito

alimentar evitando interferecircncia com o mercado alimentar e natildeo influenciando os preccedilos

dos alimentos baacutesicos

FIGURA 1 Biocombustiacuteveis

A produccedilatildeo de arroz atingiu o seu pico em 2017 gerando 1140 milhotildees de toneladas de

espigas de arroz cujo destino eacute a incineraccedilatildeo compostagem ou eacute simplesmente deposita-

da em aterros Contudo com a 2G de biocombustiacuteveis eacute encontrado potencial energeacutetico

neste desperdiacutecio agriacutecola O seu potencial deve-se agrave mateacuteria lignoceluloacutesica ndash celulose

hemicelulose e lignina ndash presente em todas as plantas incluindo as espigas em diferen-

tes percentagens Este material composto eacute essencial para a estrutura e resistecircncia das

plantas a hemicelulose eacute a matriz que rodeia o esqueleto de celulose enquanto a lignina

funciona como uma camada protetora As possibilidades associadas a este tipo de desper-

diacutecio satildeo inegaacuteveis a sua abundacircncia e facilidade de obtenccedilatildeo tornam-no muito apelativo

Contudo o gasto na recolha e transporte desta mateacuteria suplanta os custos de produccedilatildeo

e o seu uso continuado poderaacute contribuir para a erosatildeo do solo Aleacutem disso para o seu

aproveitamento para produccedilatildeo de biocombustiacuteveis eacute necessaacuterio um preacute-tratamento para

hidrolisar as ligaccedilotildees covalentes entre os trecircs constituintes da mateacuteria lignoceluloacutesica e

permitir a posterior fermentaccedilatildeo anaeroacutebia da celulose produzindo bioetanol Este preacute-

-tratamento eacute visto como outra das desvantagens do processo e estaacute ainda a ser estudado

e otimizado pois de momento as alternativas disponiacuteveis encarecem o produto final e em

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alguns dos casos dependem do uso de quiacutemicos poluentes A esperanccedila estaacute entatildeo de-

positada no estudo de enzimas hidroliacuteticas encontradas em organismos termoacutefilos que

seratildeo capazes de aguentar as difiacuteceis condiccedilotildees de tratamento Contudo a dificuldade em

escalar o processo de fermentaccedilatildeo eacute uma das desvantagens e dos fatores limitantes para

a 2G de biocombustiacuteveis em grande parte devido agrave dificuldade de monitorizar as condiccedilotildees

de fermentaccedilatildeo (oxigeacutenio pH nutrientes etc)

A terceira geraccedilatildeo (3G) de biocombustiacuteveis foi reconhecida como a melhor alternativa

em comparaccedilatildeo com primeira e segunda geraccedilotildees pois surpreendentemente faz uso de

algas A sua enorme disponibilidade por todo o planeta e o facto de natildeo interferirem com os

mercados alimentares satildeo os grandes embaixadores desta mateacuteria-prima como o futuro

dos biocombustiacuteveis Ainda que natildeo seja uma mateacuteria infinita eacute a que de momento mais se

assemelha por existirem 70 000 espeacutecies (30 000 documentadas) Estudos conduzidos

atualmente estatildeo a explorar a viabilidade energeacutetica de 30 espeacutecies de algas explorando a

sustentabilidade facilidade e escalabilidade da sua produccedilatildeo Outras vantagens incluem a

baixa manutenccedilatildeo necessaacuteria para o seu crescimento (luz dioacutexido de carbono e nutrientes

como azoto foacutesforo e potaacutessio) a facilidade com que produzem liacutepidos e carboidratos que

podem posteriormente ser processados em diferentes biocombustiacuteveis e outros copro-

dutos a frequecircncia com que podem ser colhidas ao longo do ano (ao contraacuterio de outras

colheitas convencionais) a baixa percentagem de hemicelulose e a praticamente ausente

lignina facilitam radicalmente o seu preacute-processamento pois a celulose eacute mais facilmente

extraiacuteda As desvantagens desta mateacuteria incluem o enorme investimento inicial para a

construccedilatildeo de infraestruturas para o seu cultivo que pode ser ou ao ar livre (em tanques

de grande dimensatildeo) ou em foto-bioreatores (sistemas fechados altamente controlados)

Prevecirc-se que em 2030 o preccedilo de produccedilatildeo de combustiacutevel a partir de algas seraacute 065 euro

litro de combustiacutevel valor muito proacuteximo do atual preccedilo de produccedilatildeo do litro de gasolina

Comparativamente aos custos de produccedilatildeo de outros biocombustiacuteveis o mais barato con-

tinua a ser o bioetanol produzido a partir de milho (1G) 017 eurolitro seguido de combustiacute-

veis celuloacutesicos (2G) a 032 eurolitro

Eacute evidente que seratildeo necessaacuterios esforccedilos poliacuteticos e cientiacuteficos investimento e regu-

lamentaccedilatildeo adequados para encontrar o caminho ideal para travar o aquecimento global

Em todas as geraccedilotildees de biocombustiacuteveis apresentadas existem fatores que afunilam as

potencialidades destas alternativas indicando que a soluccedilatildeo passa por criar um consoacutercio

entre as vaacuterias possibilidades de forma a tirar o maacuteximo partido sem danificar o planeta ou

piorar a crise da fome O proacuteximo passo passa por substituir os biocombustiacuteveis de 1G por

soluccedilotildees com maior escalabilidade Acreditamos que nas proacuteximas deacutecadas seratildeo cruciais

e depositamos esperanccedila na investigaccedilatildeo cientiacutefica

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018043

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Stephen Hawking e a sua contribuiccedilatildeo para a fiacutesica teoacutericaOrfeu Bertolami

Claacuteudio GomesDepartamento de Fiacutesica e Astronomia CFP Universidade do Porto

A 14 de marccedilo de 2018 o fiacutesico britacircnico Stephen Hawking faleceu aos 76 anos deixando

todavia um importante legado para a fiacutesica teoacuterica muito particularmente para o

entendimento das deficiecircncias intriacutensecas da Relatividade Geral de Einstein para a fiacutesica

dos buracos negros e para a cosmologia a ciecircncia do Universo como um todo

Stephen Hawking doutorou-se em Fiacutesica Teoacuterica em 1966 pela Universidade de Cambridge

sob a supervisatildeo de Dennis Sciama Apesar da sua condiccedilatildeo fiacutesica progressivamente limi-

tativa manteve-se extremamente ativo na investigaccedilatildeo nas aacutereas de cosmologia fiacutesica dos

buracos negros e gravitaccedilatildeo quacircntica

Nessa altura havia uma consideraacutevel discussatildeo acerca da realidade e ubiquidade de sin-

gularidades pontos no espaccedilo-tempo onde a Teoria da Relatividade Geral deixa de fazer sen-

tido e natildeo desaparecendo atraveacutes de mudanccedila de sistemas de coordenadas que descrevem

o espaccedilo-tempo Na segunda metade da deacutecada de 1960 Hawking e o matemaacutetico inglecircs

Roger Penrose demonstraram que essas singularidades eram inevitaacuteveis no contexto da

Teoria da Relatividade Geral (ver para uma descriccedilatildeo exaustiva o livro Large Scale Structure

of Space-Time escrito em colaboraccedilatildeo com o fiacutesico sul-africano George Ellis publicado em

1973) Uma dessas singularidades corresponde ao iniacutecio do Universo ndash Big Bang ndash e outras

estatildeo presentes no interior dos buracos negros natildeo acessiacuteveis agrave observaccedilatildeo devido agrave pre-

senccedila de um horizonte de acontecimentos que segundo a Conjetura da Censura Coacutesmica de

Roger Penrose protegem sempre as singularidades de se apresentarem ldquonuasrdquo

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Subsequentemente em 1975 ele desenvolveu a ideia que os buracos negros deveriam

radiar termicamente a uma temperatura especiacutefica inversamente proporcional agraves suas

massas temperatura esta que hoje designamos por temperatura de Hawking Esta ideia daacute

origem ao paradoxo da informaccedilatildeo em que a informaccedilatildeo que entrava no horizonte de evento

se perdia Com este contributo passou-se a ter uma equivalecircncia entre a dinacircmica e a termo-

dinacircmica de buracos negros

FIGURA 1 Emissatildeo da radiaccedilatildeo teacutermica de Hawking por um buraco negro

No princiacutepio da deacutecada de 1980 Hawking iniciou em colaboraccedilatildeo com o fiacutesico norte-ameri-

cano James Hartle o programa de investigaccedilatildeo que hoje designamos por cosmologia quacircntica

Na cosmologia quacircntica o espaccedilo-tempo eacute descrito por uma funccedilatildeo de onda a funccedilatildeo de onda

do Universo como na Mecacircnica Quacircntica Esta equaccedilatildeo de onda satisfaz uma equaccedilatildeo anaacuteloga

agrave de Schroumldinger da Mecacircnica Quacircntica a equaccedilatildeo de Wheeler-DeWitt A proposta de Hartle

e Hawking eacute que a funccedilatildeo de onda descreva um espaccedilo-tempo sem fronteiras (No-Boundary

proposal) A ideia eacute que agrave medida que retrocedemos no tempo chegamos a um ponto em que

o Universo eacute pequeno o suficiente para que efeitos quacircnticos sejam dominantes Nesta altura

existe uma espeacutecie de ldquoespumardquo do espaccedilo-tempo de tal modo que o tempo natildeo pode ser in-

terpretado do modo como o vemos hoje mas sim como uma quarta dimensatildeo espacial Uma

analogia uacutetil eacute a seguinte se viajarmos para o Polo Sul temos de seguir sempre para sul mas

quando alcanccedilamos o ponto do Polo Sul jaacute natildeo faz sentido falarmos na direccedilatildeo sul pelo mesmo

raciociacutenio ao retrocedermos no tempo haacute um pontoinstante em que natildeo faz sentido falar-se em

tempo Matematicamente isto torna-se possiacutevel passando de um espaccedilo-tempo de Minkowski

como na Relatividade Restrita para um espaccedilo Euclideano a quatro dimensotildees no qual o tempo

passa a ser um nuacutemero puramente complexo Com esta formulaccedilatildeo o Universo natildeo tem uma

fronteira aleacutem daquela que permite a transiccedilatildeo entre as duas descriccedilotildees para o espaccedilo-tempo

e que eacute exemplificado na FIGURA 2 Esta geometria eacute designada por shuttlecock ou volantepena

de badminton devido agrave semelhanccedila com este objeto

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FIGURA 2 Representaccedilatildeo tridimensional do modelo de Hartle-Hawking (no boundary proposal) A base corresponde a uma semiesfera a 4 dimensotildees e a estrutura que apresenta o tempo como uma direccedilatildeo distinta das espaciais corresponte a um Universo em expansatildeo

Hawking tambeacutem estudou outros problemas como o das maacutequinas do tempo e questotildees

relacionadas com a cosmologia e a formaccedilatildeo de estruturas no Universo Com o seu carate-

riacutestico humor Hawking afirmou natildeo ser possiacutevel viajar no tempo Para tal sugeriu organizar

uma festa convidando pessoas do futuro a se juntarem a ele e dado que ningueacutem apa-

receu concluiu entatildeo que viagens no tempo natildeo satildeo possiacuteveis na realidade Outra prova

prende-se com o facto de natildeo termos recebido ainda turistas do futuro numa clara alusatildeo

iroacutenica agrave procura turiacutestica desenfreada que assistimos nos dias de hoje

Mais recentemente ele pronunciou-se sobre questotildees de interesse geral como as im-

plicaccedilotildees do desenvolvimento da inteligecircncia artificial e a necessidade e inevitabilidade

da exploraccedilatildeo espacial Mostrou-se reticente acerca dos desenvolvimentos no domiacutenio da

inteligecircncia artificial classificando-o como possivelmente perigoso para a nossa civiliza-

ccedilatildeo pois apesar dos potenciais benefiacutecios comportam seacuterios riscos agrave continuidade da hu-

manidade Relativamente agrave exploraccedilatildeo espacial Hawking encarava as viagens espaciais

quer pelo seu interesse cientiacutefico quer como forma de preservar a humanidade de riscos

de destruiccedilatildeo devido a guerras nucleares ou epidemias devido a viacuterus geneticamente mo-

dificados

O fiacutesico Stephen Hawking legou-nos uma extraordinaacuteria contribuiccedilatildeo cientiacutefica e huma-

na Deixou um extraordinaacuterio exemplo de resiliecircncia dedicaccedilatildeo ao conhecimento e agrave socie-

dade Fisicamente debilitado e ldquopresordquo a uma condiccedilatildeo rara a esclerose lateral amiotroacutefica

que lhe foi diagnosticada aos 21 anos a sua mente foi das mais livres dos nossos tempos

concebeu hipoacuteteses conjunturas e teorias pensou a sociedade de hoje e a do futuro

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RochaO que eacute importante dizer sobre as rochas

A M Galopim de Carvalho Universidade de Lisboa

Rochas e pedras satildeo a mesma coisa Praticamente a resposta eacute sim Pedra eacute aquilo

que se apanha do chatildeo para dar uma pedrada

Qualquer pessoa mesmo a menos letrada diraacute que as pedras

bull natildeo satildeo fabricadas ou feitas por gente (a ciecircncia diz que satildeo entidades naturais)

bull que natildeo se amolgam (a ciecircncia diz que satildeo riacutegidas)

bull que geralmente natildeo se esboroam nem se esfarela (a ciecircncia diz que satildeo coesas)

bull que fazem mossa onde quer que batam (a ciecircncia diz que satildeo duras) Para o cidadatildeo

comum pedra (do grego peacutetra) eacute pois uma entidade natural riacutegida coesa e dura que se

apanha do chatildeo

Apanhamos uma pedra do chatildeo mas quando estudamos falamos quase sempre de ro-

chas Num modo de falar corrente podemos dizer que as pedras satildeo bocados de rocha

Todos falamos de rocha como sinoacutenimo de pedra com base num conhecimento comum

empiacuterico vulgar ligado agrave experiecircncia quotidiana mesmo do mais iletrado dos cidadatildeos Dize-

mos rochedo quando o afloramento de rocha eacute grande e apelidamos de rochoso um terreno

com a rocha agrave vista Rocha eacute um galicismo que entre noacutes se sobrepocircs ao termo ldquorocardquo bem

mais antigo talvez preacute-romano Cabo da Roca ou ldquoFocinho da Rocardquo no dizer dos homens do

mar deve o seu nome a esta versatildeo arcaica da palavra rocha

O conceito atual de rocha e os vaacuterios conhecimentos com elas relacionados percorreram

uma caminhada tatildeo longa quanto a do Homo sapiens caminhada de que temos testemunhos

na Preacute-histoacuteria e variadiacutessimos relatos escritos desde a Antiguidade

Na sua giacuteria proacutepria entendiacutevel entre pares os profissionais falam de rochas dizendo que

satildeo sistemas quiacutemicos mono ou polifaacutesicos (ou seja com um ou mais minerais) resultantes

do equiliacutebrio termodinacircmico atingido pelos seus constituintes em determinados ambientes

Entendendo-se por constituintes os elementos quiacutemicos incluiacutedos nos respetivos minerais

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Por outras palavras acessiacuteveis ao comum das gentes pode entatildeo dizer-se que as rochas

satildeo corpos naturais formados por associaccedilotildees mais ou menos estaacuteveis de minerais compatiacute-

veis entre si e com o ambiente onde foram gerados e que satildeo elas as rochas que constituem

a capa riacutegida da Terra que por essa razatildeo recebeu o nome de litosfera (FIGURA 1)

FIGURA 1 Modelado Graniacutetico na Serra da Estrela (fonte banco de imagens da Casa das Ciecircncias)

Antes de prosseguir esclareccedila-se que no jargatildeo proacuteprio da mineralogia e da geoquiacutemica

os minerais satildeo considerados fases no sentido fiacutesico-quiacutemico da palavra Com efeito neste

sentido uma fase eacute uma porccedilatildeo de mateacuteria quiacutemica e estruturalmente homogeacutenea e uma

qualquer espeacutecie mineral eacute isso mesmo

Por convenccedilatildeo na sistemaacutetica em sedimentologia entre as rochas sedimentares cabem

certos materiais natildeo consolidados como os barros as areias soltas as cascalheiras e ainda

outros de natureza natildeo mineral como os carvotildees foacutesseis e o petroacuteleo (oacuteleo de pedra) Cha-

mar rochas ou pedras a estes materiais agraves vezes tatildeo afastados da imagem vulgar de ldquocoisa

dura riacutegida e coesardquo decorre do conceito geoloacutegico de rocha no qual se inclui o modo de

ocorrecircncia e o respetivo processo de formaccedilatildeo (petrogeacutenese)

A mecacircnica das rochas (disciplina que estuda certas propriedades das rochas como resis-

tecircncia ao esmagamento agrave traccedilatildeo agrave torccedilatildeo agrave flexatildeo porosidade permeabilidade e outras)

define-as como entidades sempre riacutegidas e coesas e duras como tambeacutem se diz vulgarmen-

te com capacidade de suportar cargas e que na eventualidade de terem de ser escavadas ou

removidas haacute que usar tecnologias com explosivos Este conceito corresponde aliaacutes agrave ideia

mais divulgada de rocha como atraacutes se referiu Eacute o bedrock dos autores ingleses

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FIGURA 2 Processo de meteorizaccedilatildeo fiacutesica essencialmente por corrosatildeo eoacutelica em rochas sedimentares (arenitos) (fonte banco de imagens da Casa das Ciecircncias)

Aleacutem das muitas que conhecemos na Terra jaacute estudaacutemos rochas do nosso sateacutelite natural

nomeadamente basaltos e anortositos trazidos da sua superfiacutecie Mercuacuterio Veacutenus e Marte satildeo

tambeacutem planetas rochosos e igualmente rochosos ou pedregosos satildeo ainda os nuacutecleos dos co-

metas e muitos dos asteroides de que temos conhecimento pelos meteoritos caiacutedos na Terra

Quando se apelidam as rochas de magmaacuteticas sedimentares (FIGURA 2) ou metamoacuterficas

natildeo se estaacute apenas a rotulaacute-las para efeitos de arrumo ou arquivo muito menos se estatildeo a

criar novos vocaacutebulos para sobrecarga dos estudantes ou do cidadatildeo em geral Estes adjeti-

vos acrescentados agrave palavra rocha informam de imediato sobre a sua origem

bull magmaacutetica ou sedimentar qualquer delas em resultado de processos naturais faacuteceis de

entender

bull metamoacuterfica em consequecircncia de um outro processo muito menos ao alcance da vivecircncia

do vulgo mas que se explica sem grandes dificuldades

Apelidam-se de metamoacuterficas as rochas que posteriormente a uma primeira formaccedilatildeo

como magmaacuteticas ou sedimentares foram submetidas a pressotildees eou a temperaturas no

interior da crosta que lhes modificaram a composiccedilatildeo eou a textura

Foi atraveacutes do estudo das rochas que desvendaacutemos o essencial dos acontecimentos geo-

loacutegicos que marcaram a histoacuteria deste laquoPlaneta Azulraquo no qual a vida encontrou condiccedilotildees

para despertar e onde evoluiu ao ponto de se interrogar sobre essa mesma histoacuteria

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Os conhecimentos diretos de que hoje dispomos relativos agraves rochas da Terra limitam-se

aos que se obtecircm pelo estudo das que afloram agrave superfiacutecie das recolhidas em dragagens

nos fundos marinhos e das retiradas da profundidade quer em minas quer atraveacutes de son-

dagens Esta profundidade que natildeo excede 3 km no primeiro caso e 11 km no segundo

(na peniacutensula de Kola) pode considerar-se insuficiente se comparada com as trecircs a quatro

dezenas de quiloacutemetros de espessura meacutedia da crosta continental

Eacute jaacute muito o conhecimento que temos desta capa (a crosta ou crusta como alguns dizem e

escrevem) mais superficial do nosso planeta Temo-lo atraveacutes das rochas que constantemente

vemos e pisamos muitas delas geradas em zonas profundas trazidas agrave superfiacutecie pelos en-

rugamentos de origem tectoacutenica geradores das montanhas e subsequentemente postas a

descoberto pela erosatildeo

Outras rochas proacuteprias de muito maiores profundidades inclusive do manto inferior como eacute

o caso dos xenocristais e dos xenoacutelitos (do grego xenos estranho e lithos pedra) isto eacute cris-

tais e fragmentos de materiais liacuteticos gerados nessas regiotildees e que ascendem agrave superfiacutecie na

sequecircncia de atividade vulcacircnica englobados ou encravados nos produtos magmaacuteticos que ali

se formaram ou por ali passaram Na ilha da Madeira por exemplo satildeo frequentes os xenoacutelitos

oliviacutenicos que ascenderam ateacute agrave superfiacutecie no seio das lavas envolvidas no processo vulcacircnico

que originou esta e muitas outras ilhas

As rochas a que temos acesso mais ou menos direto representam uma parcela importante

da diferenciaccedilatildeo da Terra e agrave semelhanccedila da aacutegua do ar e dos seres vivos satildeo o resultado de

imensas transformaccedilotildees numa vasta e complexa rede de inter-relaccedilotildees ocorridas ao longo

dos tempos neste laquoplaneta vivoraquo pleno ainda de energia interna (sob a forma de calor) a que

se adiciona toda a que lhe chega do exterior isto eacute a radiaccedilatildeo solar Como escreveu Maurice

Mattauer ldquoas pedras nascem vivem e morrem como noacutes elas tecircm uma idade e uma histoacuteriardquo

Petrologia e litologia satildeo duas disciplinas que estudam as rochas ou as pedras Se bem que

os eacutetimos petra (latim) e lithos (grego) sejam sinoacutenimos petrologia e litologia encerram con-

ceitos diferentes ainda que relacionados entre si

bull A petrologia eacute um ramo da geologia com dimensatildeo de ciecircncia de vastos recursos nos campos

da fiacutesica da quiacutemica e naturalmente tambeacutem da matemaacutetica em busca do conhecimento da

origem natureza constituiccedilatildeo e evoluccedilatildeo da Terra no acircmbito do Sistema Solar e do Universo

bull A litologia outro ramo da geologia eacute habitualmente entendida como a disciplina que estuda

as rochas num campo praacutetico Serve a geologia de engenharia tendo em vista a implantaccedilatildeo

de grandes edifiacutecios e outras obras volumosas cujas fundaccedilotildees exigem o conhecimento dos

terrenos A litologia daacute igualmente respostas agrave pedologia (o estudo dos solos) e agrave induacutestria

extrativa de rochas ornamentais usadas na arquitetura na cantaria ou na estatuaacuteria e de

rochas industriais exploradas como importantes mateacuterias-primas para a construccedilatildeo civil a

ceracircmica o vidro o cimento a cal e a induacutestria quiacutemica

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Software educativo em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Ana C Conceiccedilatildeo

DMUniversidade do Algarve

O conceito F-Tool foi desenvolvido em 2012 com o objetivo de proporcionar uma

aprendizagem interativa em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Em particular eacute possiacutevel

explorar de forma integrada as noccedilotildees de domiacutenio contradomiacutenio existecircncia de zeros

existecircncia de extremos e de pontos de inflexatildeo invertibilidade derivabilidade reta

tangente ao graacutefico num ponto simetrias em relaccedilatildeo aos eixos e agrave origem A utilizaccedilatildeo

dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adaptaccedilatildeo de

alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e

do simples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular)

No ensino da matemaacutetica e em particular no estudo de funccedilotildees a recomendaccedilatildeo da utiliza-

ccedilatildeo de software educacional tem como objetivo o sanar das dificuldades que os alunos pos-

suem em associar as representaccedilotildees algeacutebricas com as diversas representaccedilotildees numeacutericas

eou graacuteficas De facto o caraacuteter estaacutetico das representaccedilotildees matemaacuteticas muitas vezes

dificulta a construccedilatildeo do significado afetando substancialmente a correta interpretaccedilatildeo dos

conceitos A criaccedilatildeo de modelos interativos visuais com o sistema de aacutelgebra computacional

Mathematica permite aos alunos explorar conceitos de elevada complexidade e rapidamen-

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te adquirir uma compreensatildeo mais profunda dos conteuacutedos Obviamente a utilizaccedilatildeo de sof-

tware educacional natildeo deve ser vista como um substituto para o ensino com ldquopapel e laacutepisrdquo

deve ser devidamente combinada com outros meacutetodos de ensino

O conceito F-Tool foi desenvolvido em 2012 com o objetivo de proporcionar uma apren-

dizagem interativa em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Os aplicativos computacionais

implementados com base neste conceito utilizam as capacidades de caacutelculo numeacuterico e

simboacutelico do Mathematica de forma a permitir estudar dinacircmica e interativamente e em

tempo real conceitos e propriedades fundamentais do preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial

FIGURA 1 Imagem ilustrativa da F-Exponential

O conceito F-Tool em sala de aula permite uma abordagem dinacircmica de diversos concei-

tos relacionados com o estudo de funccedilotildees e promove novas formas de raciocinarpensar

avaliar ensinar e aprender As F-Tool foram concebidas como ferramentas de aprendiza-

gem ativa ou seja a sua utilizaccedilatildeo adequada propicia um contexto de ensino-aprendiza-

gem onde alunos e professores satildeo igualmente convidados a contribuir Aleacutem disso tecircm

uma interface muito intuitiva que permite que ateacute mesmo o utilizador mais inexperiente

sem qualquer conhecimento anterior em software educacional possa comeccedilar a usar to-

dos os recursos de uma forma eficiente e autoacutenoma As F-Tool natildeo satildeo um objeto estaacutetico

mas sim um programa a ser executado com o qual se interage em tempo real Em parti-

cular atraveacutes da alteraccedilatildeo dinacircmica dos valores dos paracircmetros que definem cada classe

eacute possiacutevel obter informaccedilatildeo analiacutetica rigorosa apresentada em aritmeacutetica exata ou apro-

ximada bem como informaccedilatildeo visual estaacutetica e natildeo-estaacutetica De igual modo escolhendo

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estrategicamente de entre as vaacuterias opccedilotildees de funccedilotildees disponiacuteveis no painel esquerdo eacute

possiacutevel apreender de forma mais eficaz e consequente muitas das relaccedilotildees existentes

entre as vaacuterias funccedilotildees e respetivas transformaccedilotildees (FIGURA 1) As F-Tool utilizam um

coacutedigo de cores para diferenciar as vaacuterias funccedilotildees apresentadas Este coacutedigo eacute explicitado

na legenda do canto inferior esquerdo do painel central

Qual das figuras pode representar o graacutefico de uma funccedilatildeo e o graacutefico da sua derivada de 1ordf ordem

FIGURA 2 Exemplo de questatildeo de escolha muacuteltipla utilizando diversas opccedilotildees do painel esquerdo das F-Tool

Apesar de ser um software educacional dinacircmico e interativo pode tambeacutem ser utilizado

na construccedilatildeo de questotildees de avaliaccedilatildeo de escolha muacuteltipla (FIGURA 2) e de resposta aberta

ficando o docente automaticamente com a resposta ao selecionar no painel esquerdo as

opccedilotildees relacionadas com a questatildeo

A utilizaccedilatildeo dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adapta-

ccedilatildeo de alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e do sim-

ples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular) De facto

incluindo as F-Tool em ficheiros no Computable Document Format (CDF) eacute possiacutevel criar

fichas de trabalho dinacircmicas e interativas motivando os alunos e tornando o estudo mais

interessante

Acreditamos que o conceito F-Tool ao dotar professores e estudantes com novas fer-

ramentas para explorar alguns conceitos fundamentais da matemaacutetica desenvolveraacute po-

sitivamente o processo de ensino e de aprendizagem das aacutereas de preacute-caacutelculo e caacutelculo

diferencial

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018046

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O Aroma das Plantas Luiacutes Gaspar Pedro

Ana Cristina Figueiredo

Joseacute Gonccedilalves Barroso

CESAM CBV Universidade de Lisboa

Quando nos festejos dos Santos Populares colocamos a matildeo sobre o manjerico

provocamos a rutura de estruturas microscoacutepicas Ao fazecirc-lo libertam-se compostos

quiacutemicos que aderem agrave palma da nossa matildeo que depois percecionamos pelo nosso

olfacto Os aromas satildeo misturas complexas de dezenas de compostos volaacuteteis

carateriacutesticos de uma determinada planta

O aroma o que eacute

O aroma de muitas plantas eacute constituiacutedo por diversos compostos quiacutemicos volaacuteteis que

tecircm a capacidade de estimular os nossos recetores olfactivos A quantidade e a diver-

sidade deste tipo de compostos presentes nas plantas satildeo responsaacuteveis pelos aromas

carateriacutesticos Eacute relativamente faacutecil reconhecer o aroma dos coentros ou do manjerico e

distingui-los de outros aromas como o da rosa ou do cravinho

Na composiccedilatildeo da fraccedilatildeo volaacutetil de uma planta aromaacutetica encontram-se regra geral

compostos como os mono- e sesquiterpenos e os fenilpropanoacuteides (FIGURA 1) entre ou-

tros Satildeo todos eles compostos quiacutemicos com ponto de ebuliccedilatildeo relativamente baixo que

volatilizam agrave temperatura ambiente e contribuem de forma mais ou menos notoacuteria para o

aroma carateriacutestico de cada espeacutecie

FIGURA 1 Exemplos de compostos que constituem a fraccedilatildeo volaacutetil de diversas espeacutecies aromaacuteticas monoterpenos (α-pineno timol) sesquiterpenos (β-cariofileno germacreno D) e fenilpropanoacuteides (eugenol)

α-Pineno Timol β-Cariofileno Germacreno D Eugenol

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Estruturas secretoras

Os compostos que constituem a fraccedilatildeo aromaacutetica de uma planta satildeo regra geral sinteti-

zados e acumulados em estruturas secretoras microscoacutepicas Entre os diversos tipos de

estruturas secretoras as mais frequentes satildeo os tricomas os canais e as bolsas (FIGURA 2)

FIGURA 2 Exemplos de estruturas secretoras observadas em microscopia oacuteptica A - Tricoma de Geranium robertianum (s - secretado acumulado no espaccedilo sub-cuticular coloraccedilatildeo com reagente de Nadi) B - canal secretor de Crithmum maritimum (setas coloraccedilatildeo com tricloreto de antimoacutenio) e C - bolsa secretora de Citrus sp (coloraccedilatildeo com Vermelho Sudatildeo III)

Os tricomas glandulares satildeo estruturas externas com origem em ceacutelulas epideacutermicas

que apresentam diversos graus de complexidade desde tricomas com apenas trecircs ceacutelulas

uma das quais a secretora ateacute tricomas com mais de uma dezena de ceacutelulas secretoras

As bolsas e os canais secretores satildeo estruturas internas constituiacutedas por ceacutelulas glandu-

lares que delimitam o luacutemen o espaccedilo para onde satildeo secretados os compostos depois de

produzidos nas ceacutelulas secretoras Os canais satildeo estruturas alongadas que percorrem o

corpo da planta por vezes com ramificaccedilotildees enquanto as bolsas satildeo estruturas mais ou

menos isodiameacutetricas

Os oacuteleos essenciais

Um oacuteleo essencial eacute obtido por hidrodestilaccedilatildeo ou por destilaccedilatildeo por arrastamento de va-

por (FIGURA 3) No caso particular dos citrinos o oacuteleo essencial pode ainda ser obtido

por expressatildeo (processo mecacircnico que promove a libertaccedilatildeo do secretado acumulado no

interior das estruturas secretoras neste caso bolsas)

Tanto na hidrodestilaccedilatildeo como na destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor o secretado eacute

removido das estruturas secretoras e arrastado pelo vapor de aacutegua Depois de condensar

por arrefecimento o oacuteleo essencial separa-se da aacutegua podendo ser facilmente recolhido

devido agrave sua imiscibilidade com a aacutegua

A B CS

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41FIGURA 3 A - Sistema de hidrodestilaccedilatildeo com aparelho de Clevenger e B - sistema de destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor

Anaacutelise de oacuteleos essenciais

Para analisar um oacuteleo essencial recorre-se frequentemente agrave cromatografia gasosa (CG)

para quantificaccedilatildeo dos componentes e agrave CG acoplada agrave espectrometria de massa (CG-

-EM) para a correspondente identificaccedilatildeo dos constituintes Por CG-EM os diversos com-

ponentes que constituem o oacuteleo essencial satildeo separados uns dos outros e ao chegarem ao

espectroacutemetro de massa satildeo bombardeados por eletrotildees o que leva a que as moleacuteculas

fragmentem formando-se diferentes iotildees de acordo com padrotildees preferenciais O con-

junto dos fragmentosiotildees constituem o espectro de massa que eacute carateriacutestico de cada

moleacutecula A integraccedilatildeo das aacutereas dos picos que surgem no cromatograma obtido por CG

(FIGURA 4A) permite a quantificaccedilatildeo relativa dos diversos componentes do oacuteleo essencial

A anaacutelise por CG-EM possibilita a identificaccedilatildeo desses compostos por comparaccedilatildeo dos

espectros de massa (FIGURA 4B) e dos iacutendices de retenccedilatildeo com os de amostras padratildeo

FIGURA 4 A - Aspeto parcial de um cromatograma obtido por CG carateriacutestico de um oacuteleo essencial com alguns dos ldquopicosrdquo identificados B - espectro de massa obtido por CG-EM de um dos componentes maioritaacuterios o timol

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Paisagens da Islacircndia Formase Processos (III)Fernando Carlos LopesCITEUC Universidade de Coimbra

A Islacircndia eacute famosa natildeo soacute pelos seus vulcotildees mas tambeacutem pelos seus glaciares e pela

sua sinuosa e escarpada linha de costa

Atualmente os glaciares cobrem cerca de 10 da superfiacutecie islandesa e 60 destas

aacutereas geladas assentam sobre sistemas vulcacircnicos ativos Esta combinaccedilatildeo de gelo e vul-

canismo torna a Islacircndia o local ideal para cheias repentinas (joumlkulhlaups) resultantes de

aacutegua que escorre por baixo dos glaciares devido agrave fusatildeo provocada pelas erupccedilotildees subgla-

ciares Atualmente existem 4 grandes calotes glaciares localizadas nas regiotildees elevadas

e vulcanicamente ativas do centro e sul da ilha a partir das quais divergem numerosas liacuten-

guas glaciarias Vatnajoumlkull (8100 km2) situado no centro leste Langjoumlkull (925 km2) si-

tuado no centro oeste Hofsjoumlkull (925 km2) situado na zona central da ilha Myrdalsjoumlkull

(600 km2) situado no sul da ilha Apesar da Islacircndia ter cerca de 24 Ma a sua paisagem soacute

foi moldada por glaciares nos uacuteltimos 5 milhotildees de anos Os seus glaciares de tipo alpino

(ou de montanha) avanccedilaram e recuaram condicionados pelas variaccedilotildees regionais e locais

do clima de que resultaram espetaculares morfologias Como jaacute se referiu anteriormente

as variaccedilotildees da carga glaciar sobre a litosfera provocadas pelas fases de gelo e degelo

teratildeo desempenhado papel importante na atividade vulcacircnica da ilha

Com um comprimento de cerca de 4970 km a linha de costa da Islacircndia eacute de um modo

geral muito recortada e escarpada marcada por promontoacuterios cabos peniacutensulas fiordes

e enseadas pontilhada de leixotildees por entre os quais se aninham praias de areia negra de

contornos suaves A accedilatildeo do mar sobre as inuacutemeras escoadas de lava que fluiacuteram ateacute agrave

costa ao longo da evoluccedilatildeo geoloacutegica da ilha e ali solidificaram sobre os aparelhos vulcacirc-

nicos implantados na zona litoral e sobre os vales deixados pelo recuo dos glaciares criou

paisagens de uma beleza surreal

FIGURA DA PAacuteGINA ANTERIOR Leixatildeo Hvitserkur noroeste da Islacircndia (fonte pixabay)

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Parte III - Paisagens controladas pelos glaciares e paisagens costeirasVales glaciares e fiordes

Vales glaciares vales suspensos lagos glaciares e cascatas ciacuterculos glaciares moreias

e fiordes satildeo formas carateriacutesticas das paisagens islandesas criadas pelos seus glacia-

res alpinos Os vales glaciares com o seu carateriacutestico perfil em ldquoUrdquo satildeo a forma mais

comum de paisagem originada pela erosatildeo glacial (FIGURA 1) No interior destes vales os

rios concentram o seu poder erosivo na zona mais baixa originando um perfil carateriacutestico

em ldquoVrdquo O poder erosivo dos glaciares eacute muito superior ao dos rios porque a sua energia

potencial resulta natildeo soacute do declive do terreno mas tambeacutem do peso do gelo A erosatildeo faz-

-se essencialmente ao longo das zonas laterais do canal criando um vale com vertentes

alcantiladas e fundo aplanado Vales suspensos satildeo vales escavados por glaciares tributaacute-

rios Como estes glaciares levam menos gelo o seu poder erosivo eacute menor que o do glaciar

principal ficando suspenso nas vertentes do glaciar principal quando o gelo recua Cons-

tituem exemplos notaacuteveis pela sua beleza e dimensatildeo os vales glaciares de Borgarvirki

(FIGURA 2) e de Akureyri (ou Eyjafjoumlrethur) no noroeste da ilha Este uacuteltimo vai desembocar

num fiorde que eacute mais longo da Islacircndia

FIGURA 1 Esquema 3D (sem escala) da evoluccedilatildeo de uma paisagem glaciar com formaccedilatildeo de vales glaciares vales glaciares suspensos ciacuterculos glaciares lagos glaciares e cascatas

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FIGURA 2 Aspeto do vale glaciaacuterio de Borgarvirki observado a partir da fortaleza de Borgarvirki

Se as condiccedilotildees forem favoraacuteveis os glaciares podem erodir abaixo do niacutevel do mar Quan-

do o glaciar recua o oceano invade estas depressotildees criando um fiorde Alguns dos fiordes

islandeses como o de Akureyri e o de Nordfjord (nordeste da ilha) possuem centenas de

metros abaixo do niacutevel do mar O fiorde de Nordfjord abrange parcialmente uma antiga cal-

deira vulcacircnica Nas faleacutesias do seu flanco oriental (falesias de Raudubjoumlrg) afloram rioacutelitos

conferindo agraves arribas uma carateriacutestica cor avermelhada)

Como se referiu anteriormente (Parte I) a orientaccedilatildeo da maioria dos vales glaciares e

fiordes segue de perto a orientaccedilatildeo dos principais lineamentos tectoacutenicos

Moreias

Em termos de aspetos deposicionais relacionados com glaciares as moreias satildeo de lon-

ge os mais abundantes Satildeo acumulaccedilotildees de fragmentos rochosos transportados pelos

glaciares quer na regiatildeo frontal (moreia frontal) lateral (moreia lateral) a meio (moreia

mediana) e no fundo (moreia de fundo)

Durante o uacuteltimo maacuteximo glaciar (haacute cerca de 20 000 anos) a Islacircndia estava quase

toda coberta por glaciares que se estendiam ateacute agrave costa e para aleacutem dela Foram encon-

tradas moreias frontais dessa eacutepoca a cerca de 130 km a offshore da costa ocidental e a

cerca de 150-230 m abaixo do niacutevel de mar atual

Eacute possiacutevel encontrar nos vales glaciares islandeses quer moreias antigas resultantes

da uacuteltima glaciaccedilatildeo quer moreias recentes e atuais Estas uacuteltimas estatildeo relacionadas com

as 4 grandes calotes glaciares existentes como eacute o caso das moreias do glaciar Vatna-

joumlkull que se podem observar em pleno no setor sudeste da ilha

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Lagoas glaciares e icebergues

Outra das paisagens magniacuteficas moldadas pelos glaciares satildeo as lagoas glaciares Estas

lagoas formam-se na extremidade dos glaciares que descem das calotes glaciares Satildeo

alimentadas pelo desgelo natural dos glaciares e nela flutuam pequenos e grandes iceber-

gues que se separam da frente do glaciar (FIGURA 3)

FIGURA 3 Esquema 3D (sem escala) da formaccedilatildeo de icebergues numa lagoa glaciar

O exemplo mais notaacutevel deste tipo de lagoas na Islacircndia eacute a lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten consi-

derada uma das maravilhas naturais do paiacutes Fica situada no sudeste da ilha na extremidade

do glaciar Breiethamerkurjoumlkull uma das liacutengua glaciares da calote de Vatnajoumlkull (FIGURA 4)

FIGURA 4 Icebergues na lagoa glaciar de Joumlkulsaacuterloacuten Ao fundo vecirc-se a frente do glaciar Breiethamerkurjoumlkull As faixas negras nos icebergues satildeo niacuteveis de cinza vulcacircnica

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A lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten eacute o ponto mais baixo da Islacircndia com zonas agrave cota de -200 m Na

baiacutea da lagoa tem-se acesso a uma paisagem de outro mundo com icebergues de dimen-

sotildees variadas que flutuam ateacute ao mar ficando alguns deles encalhados na margem de uma

praia de areia vulcacircnica Alguns icebergues exibem faixas negras correspondentes a niacuteveis

de cinzas vulcacircnicas provenientes de antigas erupccedilotildees (FIGURA 4) Outros exibem duas

tonalidades branco leitoso e azul claro A faixa azul corresponde agrave porccedilatildeo do icebergue

que se tornou recentemente emersa

A lagoa teraacute sido formada em 1934-35 pelo contiacutenuo recuo do glaciar Vatnajoumlkull e teraacute

duplicado de tamanho nos uacuteltimos 15 anos Dada a taxa atual de recuo do glaciar Vatna-

joumlkull um profundo fiorde iraacute desenvolver-se no local onde hoje existe a lagoa

As costas escarpadas

As costas escarpadas e recortadas satildeo sem duacutevida as mais dominantes Ocorrem deste o

oeste ao leste da ilha passando pela regiatildeo norte incisas por numerosos fiordes e peque-

nas enseadas e salpicadas por leixotildees Eacute notaacutevel pela sua forma de dragatildeo e pelas lendas

que o envolvem o leixatildeo de Hvitserkur (IMAGEM DA PAGINA 42) situado na costa leste da

Peniacutensula de Vatnsnes no noroeste da Islacircndia

Os fiordes mais profundos localizam-se na costa norte constituindo bons portos natu-

rais Um destaque especial vai para o fiorde ao longo do qual se estende a cidade de Aku-

reyri (fiorde de Akureyri ou Eyjafjoumlrethur) considerado o mais longo do paiacutes

Praias de areia Negra

As praias de areia negra em geral de reduzida extensatildeo podem ser constituiacutedas por i) de-

poacutesitos resultantes da abrasatildeo das arribas ii) moreias e depoacutesitos fluviais resultantes dos

rios glaciares com contornos suaves e lagoas glaciares protegidas por extensas barras

arenosas iii) depoacutesitos de tefra provenientes de erupccedilotildees freaacuteticas

As do primeiro tipo ocorrem um pouco por toda a linha de costa como resultado da accedilatildeo

do mar sobre as arribas As do segundo tipo ocorrem dominantemente entre Djuacutepivogur a

sudeste e Oumllfusaacute a sudoeste com destaque para a praia de Reynisfjara na costa sul As

da terceira categoria podem ser observadas na ilha de Heimaey arquipeacutelago de Vestman-

naeyja regiatildeo sul da Islacircndia

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IMA

GE

M E

M D

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Eu crio as minhas obras de arte de peque-

nos pedaccedilos de papel com espirais que co-

nectam e ligam os elementos a uma grande

estrutura Na obra de origami acabada a

que chamo Voltinhas estas espirais vivem

e trabalham Forccedilas de tensatildeo e fricccedilatildeo

contrapotildeem-se agrave gravidade e mantecircm a

forma estaacutevel Nas minhas criaccedilotildees procu-

ro estar perto da natureza Quando criamos

ou estudamos modelos de papel na macro

escala podemos entender melhor as for-

mas criadas pela natureza na micro escala

A minha obra de origami na capa o trabalho

intitulado ldquoInverno num parque de Lisboardquo e

o capsiacutedeo do viacuterus Canine parvovirus um viacute-

rus contagioso que ataca sobretudo os catildees

e outros caniacutedeos tecircm a mesma estrutura

geomeacutetrica do pequeno rombicosidodecae-

dro um poliedro com simetria icosaeacutedrica

Essa obra invoca simbolicamente o Ano

da Biologia Matemaacutetica 2018 O origami eacute

uma arte de dobragem do papel com uma

forte componente geomeacutetrica que permite

a construccedilatildeo de formas complexas e tem

atraiacutedo o interesse de matemaacuteticos pelas

suas propriedades geomeacutetricas e algeacutebricas

Krystyna Burczyk

Os viacuterus satildeo responsaacuteveis por inuacutemeras

doenccedilas no homem nos animais e nas plan-

tas e as curas e prevenccedilotildees satildeo ainda mui-

tas vezes problemaacuteticas Desenvolvimen-

tos recentes das aplicaccedilotildees da matemaacutetica

agrave virologia nomeadamente das teorias de

grupos de grafos de tesselaccedilatildeo ou de re-

ticulados mostraram por exemplo que as

restriccedilotildees estruturais agraves formas dos viacuterus

satildeo maiores do que antes se pensava e

permitiram a construccedilatildeo de novos modelos

para o desenvolvimento de terapias anti-

-virais Os capsiacutedeos virais que envolvem

os genomas dos viacuterus por razotildees de eco-

nomia geneacutetica tem muitas vezes uma si-

metria icosaeacutedrica Ora esta simetria natildeo eacute

cristalograacutefica em trecircs dimensotildees ie natildeo

eacute compatiacutevel com reticulados perioacutedicos

o que motivou os matemaacuteticos a desen-

volverem novas estruturas no contexto de

grupos de Coxeter natildeo-cristalograacuteficos que

encontraram aplicaccedilatildeo natildeo soacute na virologia

mas tambeacutem noutras estruturas molecula-

res da quiacutemica do carbono

Joseacute Francisco RodriguesUniversidade de Lisboa

Origami e Viacuterusin imagemcasadascienciasorg

Imagem de Canine Parvovirus gerada em VMD Autor Alexandre Lopes Magalhatildees

Page 5: JUNHO 2018 V6 /02 · 2018-09-26 · Matilde Viegas, Maria João Ramos, Pedro Alexandrino Fernandes Stephen Hawking e a sua contribuição para a física teórica Orfeu Bertolami,

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Marcelo Viana fala de Matemaacutetica no ano em que o Brasil organiza o 28ordm Congresso Internacional de Matemaacuteticos

httprevistapesquisafapespbr20180320marcelo-viana-uma-equacao-dificil

O matemaacutetico luso-brasileiro Marcelo Via-

na formado pela Universidade do Porto em

1984 atual diretor do Instituto de Matemaacuteti-

ca Pura e Aplicada (IMPA) no Rio de Janei-

ro eacute o organizador geral do 28ordm Congresso

Internacional de Matemaacuteticos (ICM 2018) e

foi entrevistado recentemente pela revista

brasileira Pesquisa FAPESP Nessa entrevis-

ta fala natildeo soacute do mais importante congresso

de matemaacuteticos que se realiza de quatro em

quatro anos e onde satildeo atribuiacutedas as Meda-

lhas Fields consideradas os preacutemios Nobel

da Matemaacutetica mas tambeacutem da sua expe-

riecircncia pessoal em Portugal e no IMPA onde

se doutorou em 1990 Fala da situaccedilatildeo atual

da matemaacutetica brasileira e mais geralmen-

te afirma que ldquoem matemaacutetica nunca se

sabe o que vai resultar em uma aplicaccedilatildeo

Esta eacute uma regra-chave eacute preciso deixar o

ser humano exercer sua criatividade Quan-

do os avanccedilos da matemaacutetica satildeo aplicados

eles satildeo invisiacuteveis Sem matemaacutetica a tomo-

grafia natildeo existiria Haacute muita matemaacutetica no

modo como o sinal de uma partida de futebol

eacute transmitido por exemplordquo

10 de Outubro de 2018 foi proposto para Dia da Biologia Matemaacutetica

httpswwwesmtborgnews141-year-of-mathematical-biology-2018httpeuro-math-soceuyear-mathematical-biology-2018

Numa iniciativa conjunta da Sociedade Eu-

ropeia de Matemaacutetica (EMS) com a Socie-

dade Europeia de Biologia Teoacuterica e Mate-

maacutetica (ESMTB) estaacute a ser celebrado este

ano o Ano da Biologia Matemaacutetica 2018

com muacuteltiplas iniciativas cientiacuteficas em

muitos paiacuteses da Europa Foi ainda propos-

to celebrar o Dia da Biologia Matemaacutetica a

10 de outubro cuja data invoca os diacutegitos da

morfogenia humana

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GRIPENET e BBC Four Pandemics

httpwwwgripenetpthttpswwwinfluenzaneteuhttpswwwbbccoukprogrammesp059y0p1

Haacute cem anos a pandemia da gripe espanhola

de 1918 dizimou entre 3 a 5 da populaccedilatildeo

mundial e foi uma das mais letais da histoacuteria

da humanidade Uma nova pandemia de gripe

poderaacute acontecer mais tarde ou mais cedo e

sem alarmismo o canal BBC Four lanccedilou em

marccedilo de 2018 o programa Contagion The BBC

Four Pandemic em colaboraccedilatildeo com um grupo

de matemaacuteticos da Universidade de Cambridge

Esse programa de ciecircncia cidadatilde tem como ob-

jetivo ajudar a combater uma futura pandemia

de doenccedilas infecciosas divulgando por um

lado o conhecimento cientiacutefico e a modelaccedilatildeo

matemaacutetica subjacente agraves epidemias e por ou-

tro atraveacutes de uma aplicaccedilatildeo para telemoacutevel

a BBC Pandemic app promovendo uma expe-

riecircncia de ciecircncia cidadatilde ao coligir dados auto-

rizados dos movimentos das pessoas dos seus

contactos e ainda outra informaccedilatildeo pessoal

Este projeto eacute um sucedacircneo do projeto europeu

Influenzanet iniciado na Holanda com partici-

paccedilatildeo portuguesa desde 2005 como GRIPENET

numa iniciativa dos investigadores do Instituto

Gulbenkian de Ciecircncias que continua no Insti-

tuto Nacional de Sauacutede Doutor Ricardo Jorge e

eacute atualmente o maior repositoacuterio em liacutengua por-

tuguesa de conteuacutedos em linha sobre a gripe

IMAGINARY lanccedila apelo de moacutedulos para uma Exposiccedilatildeo sobre Matemaacutetica e Muacutesica

httpsimaginaryorgmnm-call

A organizaccedilatildeo IMAGINARY open mathematics

atraveacutes da sua plataforma destinada a pro-

mover a divulgaccedilatildeo da matemaacutetica de forma

aberta e interativa lanccedilou um apelo agrave par-

ticipaccedilatildeo puacuteblica de matemaacuteticos muacutesicos

informaacuteticos e cidadatildeos interessados em con-

tribuir com moacutedulos de fonte ou coacutedigo aber-

tos que expliquem simulem eou mostrem as

relaccedilotildees e interaccedilotildees entre a Matemaacutetica e a

Muacutesica O objetivo eacute a realizaccedilatildeo da exposiccedilatildeo

ldquoThe Sound of Mathematicsrdquo a abrir em 2019

exatamente vinte anos apoacutes o FORUM Diderot

sobre Matemaacutetica e Muacutesica organizado pela

Sociedade Europeia de Matemaacutetica (EMS) que

se realizou a 3 e 4 de dezembro de 1999 si-

multaneamente em Lisboa Paris e Viena

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Do crescimento das populaccedilotildees agrave epidemiologia e virologia

Decorrendo o Ano da Biologia Matemaacutetica 2018 uma iniciativa da Sociedade Europeia de

Matemaacutetica (EMS) em conjunto com a Sociedade Europeia de Biologia Teoacuterica e Matemaacutetica

(ESMTB) acontecem este ano na Europa um elevado nuacutemero de iniciativas cientiacuteficas para

celebrar o extraordinaacuterio progresso das aplicaccedilotildees matemaacuteticas na Biologia cujo veacutertex

desta influecircncia muacutetua ainda estaacute por acontecer Se histoacuterica e atualmente o progresso da

compreensatildeo de vaacuterios processos bioloacutegicos trouxe agrave matemaacutetica incluindo a estatiacutestica

novos problemas e conceitos natildeo eacute menos verdade que o rigor dos meacutetodos matemaacuteticos

tem e continuaraacute a desempenhar um contributo admiraacutevel para avaliar ou afastar hipoacuteteses

feitas por bioacutelogos neurocientistas e outros investigadores em medicina

Podemos considerar que o iniacutecio da interaccedilatildeo profiacutecua entre a Matemaacutetica e a Biologia se

iniciou em meados do seacuteculo XVIII em particular com a descriccedilatildeo do crescimento exponen-

cial das populaccedilotildees pelo matemaacutetico Leonard Euler cinquenta anos antes de Malthus As

questotildees quantitativas da mortalidade e da esperanccedila de vida do geacutenero humano um tema

central das ciecircncias atuariais das pensotildees e seguros que comeccedilaram a ser tabeladas ainda

em seiscentos e motivaram uma notaacutevel memoacuteria de Euler apresentada agrave Academia de Ciecircn-

cias de Berlim em 1760 foram moacutebiles para o desenvolvimento da teoria das probabilidades

e de meacutetodos estatiacutesticos Por outro lado nesse mesmo ano Daniel Bernoulli apresentou agrave

Academia de Ciecircncias de Paris um primeiro modelo diferencial para analisar a propagaccedilatildeo

da variacuteola e defender as vantagens da inoculaccedilatildeo para a prevenir que foi um trabalho pionei-

ro na aplicaccedilatildeo das equaccedilotildees diferenciais agrave variaccedilatildeo das populaccedilotildees e podemos considerar

como numa carta agrave Nature de 2000 que ldquoBernoulli was ahead of modern epidemiologyrdquo

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Hoje em dia o domiacutenio da Biomatemaacutetica eacute vastiacutessimo e vai muito aleacutem da dinacircmica das

populaccedilotildees da ecologia teoacuterica agrave epidemiologia meacutedica da geneacutetica agrave virologia da formaccedilatildeo

de padrotildees agraves redes neuronais da bioestatiacutestica agrave anaacutelise proteoacutemica da biomecacircnica agrave

fisiologia animal etc Se existem aacutereas da Matemaacutetica com maiores relaccedilotildees com a Biologia

nomeadamente na modelaccedilatildeo matemaacutetica e numeacuterica incluindo os sistemas dinacircmicos as

equaccedilotildees com derivadas parciais os processos estocaacutesticos e a estatiacutestica novas intera-

ccedilotildees estatildeo a surgir na geometria e na topologia no tratamento de dados e nas relaccedilotildees com

machine learning ou aacutelgebra computacional

Por exemplo no encontro kick-off do ano da Biologia Matemaacutetica realizado na Finlacircndia

a 4 e 5 de janeiro uma das conferecircncias plenaacuterias de Benoicirct Perthame da Universidade de

Paris-Sorbone abordou as ligaccedilotildees entre dois tipos de modelos matemaacuteticos para o cresci-

mento de tumores a descriccedilatildeo lsquomicroscoacutepicarsquo ou lsquocompressiacutevelrsquo agrave escala da densidade da

populaccedilatildeo celular e uma descriccedilatildeo mais macroscoacutepica ou lsquoincompressiacutevelrsquo que eacute baseada

num problema com fronteira livre do tipo da equaccedilatildeo claacutessica de Hele-Shaw um modelo

bidimensional bem conhecido para escoamento de fluidos entre duas placas paralelas

Outro exemplo atual decorreu do projeto multidisciplinar europeu DENFREE flying towards

the efficient control of dengue iniciado em 2012 e coordenado pelo Instituto Pasteur o qual

teve participaccedilatildeo portuguesa em particular de biomatemaacuteticos do CMAFUniversidade de Lis-

boa Um dos seus objetivos constituiu na elaboraccedilatildeo de modelos preditivos para combater a

epidemia do viacuterus do dengue baseados na dinacircmica computacional natildeo-linear combinada com

a anaacutelise estatiacutestica de dados sobre a vacinaccedilatildeo a niacutevel mundial Esses modelos permitiram

conclusotildees relevantes e contribuiacuteram para uma melhor administraccedilatildeo da Denvaxia uma vaci-

na do dengue recomendada pelo WHO Strategic Advisory Group of Experts (SAGE) e levaram a

multinacional Sanofi-Pasteur produtora daquela vacina a alterar a recomendaccedilatildeo de vacina-

ccedilatildeo apenas para as pessoas seropositivas Contudo isso aconteceu com um ano de atraso face

agrave prediccedilatildeo do modelo do DENFREE o que foi criticado por dois daqueles investigadores numa

carta de 21-12-2017 publicada na revista The Lancet Infectious Diseases

Portugal que jaacute em 2009 no bicentenaacuterio de Charles Darwin havia acolhido o encontro

The Mathematics of Darwinrsquos Legacy numa organizaccedilatildeo do Centro Internacional de Mate-

maacutetica em colaboraccedilatildeo com a ESMTB e o apoio da Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian acolhe

agora o principal acontecimento do Ano da Biologia Matemaacutetica 2018 a 11th European Con-

ference on Mathematical and Theoretical Biology (httpecmtb2018org) que se realiza na

Faculdade de Ciecircncias da Universidade de Lisboa de 23 a 27 de julho e natildeo poderaacute ficar indi-

ferente agrave celebraccedilatildeo do primeiro Dia da Biologia Matemaacutetica a 10 de outubro que se espera

ter continuidade anual e cujo logo invoca a morfogeacutenese humana

Joseacute Francisco RodriguesEditor convidado

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Campos (Fiacutesica)Eduardo Lage

Universidade do Porto

O conceito de campo eacute dos mais fundamentais em Fiacutesica Tal como um campo de flores

variadas pode ter em cada canteiro um letreiro identificando a espeacutecie aiacute plantada um

campo fiacutesico eacute uma regiatildeo do espaccedilo em que eacute definida uma etiqueta caraterizando o valor

de uma grandeza em cada ponto e em cada instante Na sua formulaccedilatildeo inicial devida a

Michael Faraday (1849) o campo era um auxiliar que permitia imaginar a forccedila eleacutetrica

que se exerceria sobre uma carga colocada nesse ponto Com a formulaccedilatildeo definitiva de

James Clerk Maxwell (1864) para as leis do electromagnetismo (conhecidas por equaccedilotildees

de Maxwell) o campo ganhou uma realidade fiacutesica O campo pode propagar-se como on-

das atraveacutes do espaccedilo destronando a ideia de forccedilas instantacircneas agrave distacircncia A teoria da

relatividade restrita (Einstein 1905) viria a incorporar este conceito num dos seus postu-

lados (nada ultrapassa a luz no vazio) obrigando a aceitar o campo como uma realidade

fundamental Todas as teorias a partir de entatildeo satildeo teorias de campo alargando o seu

acircmbito agraves forccedilas nucleares fortes (responsaacuteveis pela coesatildeo do nuacutecleo) e fracas (originan-

do a desintegraccedilatildeo do neutratildeo livre) e exigindo mesmo uma reformulaccedilatildeo da lei da atraccedilatildeo

universal (Newton) corporizada na teoria da relatividade geral (Einstein 1915)

A importacircncia do conceito de campo fez-se sentir em outros domiacutenios da Fiacutesica Assim

passaacutemos a falar em diversos tipos de campos

a) Escalares tais como os campos de densidade temperatura ou pressatildeo (FIGURA 1)

para discutir fenoacutemenos atmosfeacutericos ou o interior de planetas ie a etiqueta tem apenas

um nuacutemero identificando o valor da grandeza

FIGURA 1 Diferenccedila de pressotildees em relaccedilatildeo agrave pressatildeo atmosfeacuterica normal atraveacutes de cores identificando valores numeacutericos (abaixo representados)

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b) Vetoriais tais como os campos de velocidade (FIGURA 2) ou aceleraccedilatildeo num

soacutelido riacutegido o campo eletromagneacutetico ou graviacutetico ie a etiqueta tem trecircs nuacutemeros as

componentes do vetor associado agrave grandeza respetiva

FIGURA 2 Campo de velocidades de um fluido onde cada seta representa a velocidade do fluido no ponto onde se situa a origem da seta

c) Tensoriais tais como os campos de deformaccedilatildeo ou tensatildeo (FIGURA 3) em soacutelidos

deformaacuteveis ou o tensor de Maxwell no eletromagnetismo A etiqueta tem agora nove nuacute-

meros em geral (para tensores de 2ordf ordem) as componentes do tensor correspondente

agrave grandeza medida

FIGURA 3 Componentes do tensor das tensotildees onde por exemplo σyx eacute a componente da tensatildeo (vetor) segundo x para uma superfiacutecie normal ao eixo y Por convenccedilatildeo a tensatildeo eacute exercida pela parte exterior ao cubo

O campo escalar eacute talvez o mais simples e o seu estudo atraveacutes de um exemplo e pos-

teriormente generalizado permite obter vaacuterios resultados importantes que se revelam

tambeacutem importantes nos campos vetoriais e tensoriais

x

z

y

σxx

σyx

σxx

σyx

σzx

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018039

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Espectroscopia VibracionalPaulo Ribeiro ClaroCICECO Universidade de Aveiro

Designa-se por ldquoespectroscopia vibracionalrdquo a teacutecnica que mede a interaccedilatildeo da radiaccedilatildeo

eletromagneacutetica com os movimentos de vibraccedilatildeo de um sistema molecular

Qualquer sistema que contenha aacutetomos ligados entre si tem movimentos vibracionais

desde as moleacuteculas diatoacutemicas aos sistemas bioloacutegicos e aos materiais mais diversos

Deste modo as diversas teacutecnicas de espectroscopia vibracional satildeo muito utilizadas

tanto na caraterizaccedilatildeo de sistemas como em anaacutelise quiacutemica Estas aplicaccedilotildees

estendem-se atualmente ateacute agrave imagem meacutedica

Graus de liberdade de um sistema molecular

Considerando uma associaccedilatildeo de N aacutetomos (moleacutecula iatildeo ou radical) em fase gasosa ndash isto

eacute isolada e livre de restriccedilotildees externas ao seu movimento ndash cada um dos seus aacutetomos pode

deslocar-se segundo as trecircs direccedilotildees do espaccedilo descritas pelos eixos coordenados ou ve-

tores xyz Teremos assim 3N vetores que podem combinar-se em 3N movimentos distintos

FIGURA 1 Representaccedilatildeo esquemaacutetica dos 3N graus de liberdade de uma moleacutecula diatoacutemica A linha superior representa as trecircs translaccedilotildees a linha inferior representa as duas rotaccedilotildees e uma vibraccedilatildeo (O nuacutemero de vibraccedilotildees independentes eacute dado pela diferenccedila entre o nuacutemero de graus de liberdade e o nuacutemero de translaccedilotildees e rotaccedilotildees 3N-5) O movimento de vibraccedilatildeo pressupotildee que a ligaccedilatildeo entre os aacutetomos funciona como uma mola (que forccedilaraacute os aacutetomos a inverterem o sentido do movimento)

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Quando todos os aacutetomos se movem coordenadamente na direccedilatildeo um dado vetor (por

exemplo direccedilatildeo z FIGURA 1 primeira imagem) isso representa a translaccedilatildeo da moleacutecula

nessa direccedilatildeo Para uma moleacutecula isolada haacute pois trecircs movimentos ndash ou graus de liberdade

ndash translacionais

De igual modo eacute possiacutevel encontrar combinaccedilotildees de movimentos individuais dos aacutetomos

que resultam numa rotaccedilatildeo da moleacutecula em torno do seu centro de massa Estes graus de

liberdade rotacionais satildeo tambeacutem trecircs para a maioria das moleacuteculas Em moleacuteculas linea-

res haacute apenas dois graus de liberdade rotacionais pois natildeo existe rotaccedilatildeo em torno do eixo

molecular (natildeo moveria nenhum aacutetomo)

As restantes combinaccedilotildees de movimentos atoacutemicos resultam em movimentos dos aacutetomos

entre si sem que haja translaccedilatildeo ou rotaccedilatildeo da moleacutecula ou seja correspondem a graus de

liberdade vibracionais Deste modo um sistema molecular com N aacutetomos tem 3N-6 vibra-

ccedilotildees (3N-5 se for linear)

A soluccedilatildeo da equaccedilatildeo de Schoumldinger para uma partiacutecula livre em movimento tem como

significado fiacutesico a natildeo-quantizaccedilatildeo da energia translacional Dito de outro modo os graus

de liberdade translacionais satildeo contiacutenuos Contudo o mesmo natildeo se passa com os movimen-

tos os rotacionais e vibracionais a que correspondem niacuteveis de energia discretos (ou quan-

tizados) Assim eacute possiacutevel observar transiccedilotildees entre os niacuteveis rotacionais (espectroscopia

rotacional) ou entre os niacuteveis vibracionais (espectroscopia vibracional) Como seraacute discutido

abaixo numa moleacutecula em fase gasosa eacute possiacutevel observar transiccedilotildees em que se alteram si-

multaneamente o estado vibracional e o estado rotacional (por vezes abreviadas para ldquotran-

siccedilotildees roto-vibracionaisrdquo)

O modelo mais simples para descrever as vibraccedilotildees moleculares eacute o modelo do oscilador

harmoacutenico diatoacutemico dois aacutetomos de massa m1 e m2 ligados por uma mola perfeitamente

elaacutestica (FIGURA 2A) Os dois aacutetomos oscilam em torno da distacircncia de equiliacutebrio num mo-

vimento que pode ser designado por ldquoelongaccedilatildeo linearrdquo (e frequentemente abreviado para

ldquoelongaccedilatildeordquo)

Por resoluccedilatildeo da equaccedilatildeo de Schroumldinger para este modelo obteacutem-se a expressatildeo da

energia dos niacuteveis vibracionais

)frac12v(v += νhE

onde v eacute o nuacutemero quacircntico vibracional (v = 0 1 2 3 hellip) e ν eacute a frequecircncia de vibraccedilatildeo

do oscilador harmoacutenico Segundo este modelo os niacuteveis de energia de um oscilador estatildeo

igualmente espaccedilados sendo a diferenccedila entre eles igual a hν (FIGURA 2B) A regra de sele-

ccedilatildeo para o oscilador harmoacutenico eacute Δv = 1 pelo que o espectro vibracional de uma moleacutecula

diatoacutemica nesta aproximaccedilatildeo consiste num uacutenico sinal de frequecircncia ν independentemente

do niacutevel de partida

(1)

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FIGURA 2 A - Oscilador harmoacutenico constituiacutedo por duas esferas de massa m1 e m2 ligadas por uma mola sem limite de elasticidade (obedece agrave lei de Hooke para qualquer deformaccedilatildeo) B - Esquema da distribuiccedilatildeo dos niacuteveis de energia vibracionais em funccedilatildeo do nuacutemero quacircntico v e valor da separaccedilatildeo energeacutetica entre niacuteveis consecutivos

A frequecircncia do oscilador depende naturalmente da forccedila da ldquomolardquo ou seja do grau de

rigidezelasticidade da ligaccedilatildeo quiacutemica que se traduz na constante de forccedila da ligaccedilatildeo k

Esta constante de forccedila eacute a que define a resistecircncia da mola agrave deformaccedilatildeo ou seja a forccedila

que eacute necessaacuterio efetuar para provocar uma deformaccedilatildeo de Δx de acordo com a lei de

Hooke F = k Δx A equaccedilatildeo da frequecircncia do oscilador harmoacutenico eacute entatildeo dada por

μπν

k21

=

onde μ eacute a massa reduzida do oscilador

Os osciladores reais satildeo anarmoacutenicos uma vez que as ligaccedilotildees quiacutemicas natildeo se compor-

tam como molas perfeitamente elaacutesticas A FIGURA 5 compara a funccedilatildeo de energia potencial

do oscilador harmoacutenico com uma curva pouco anarmoacutenica (FIGURA 3A) e muito anarmoacutenica

(FIGURA 3B) A situaccedilatildeo real corresponde agrave curva de alta anarmonicidade (FIGURA 3B) jaacute que

as ligaccedilotildees quiacutemicas quebram quando satildeo estiradas excessivamente

FIGURA 3 Comparaccedilatildeo entre o oscilador harmoacutenico (linha a vermelho) e anarmoacutenico (linha a preto) para duas situaccedilotildees A - baixa anarmonicidade e B - alta anarmonicidade Notar que a regiatildeo da transiccedilatildeo fundamental(0rarr1) eacute muito razoavelmente descrita pelo oscilador harmoacutenico em qualquer dos casos

(2)

A B

A B

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A energia dos niacuteveis de um oscilador anarmoacutenico eacute dada por

2v )frac12v()frac12v( +-+= exhhE νν

onde xe eacute a constante de anarmonicidade especiacutefica de cada oscilador

Um efeito imediato da anarmonicidade eacute a diminuiccedilatildeo progressiva do espaccedilamento ener-

geacutetico entre os niacuteveis (tal como se observa na FIGURA 3)

ΔEv0rarr1 = hν(1 ndash 2 x) ΔEv1rarr2

= hν(1 ndash 4 x) ΔEv2rarr3 = hν(1 ndash 6 x)

Proacuteximo da energia de dissociaccedilatildeo o espaccedilamento tende para zero o que permite estimar

a energia de uma ligaccedilatildeo a partir da sua frequecircncia de vibraccedilatildeo e da correspondente anar-

monicidade

exhD 4e ν=

A regra de seleccedilatildeo para o oscilador anarmoacutenico eacute Δv = 1 2 3 hellip sendo possiacutevel observar

diversas transiccedilotildees Enquanto a transiccedilatildeo do niacutevel v=0 para v=1 eacute designada por transiccedilatildeo

fundamental as transiccedilotildees de v=0 para vgt1 satildeo designadas sobretons

Quando a populaccedilatildeo dos niacuteveis excitados eacute significativa eacute possiacutevel observar as transiccedilotildees

v=1 para v=2 v=2 para v=3 etc Estas transiccedilotildees aumentam de intensidade por aumento

da temperatura (ver distribuiccedilatildeo de populaccedilatildeo de Boltzmann) pelo que as correspondentes

bandas do espectro vibracional satildeo designadas por ldquobandas quentesrdquo

Esta anaacutelise do espectro vibracional de sistemas diatoacutemicos pode estender-se a sistemas

poliatoacutemicos Em sistemas poliatoacutemicos observam-se vaacuterios movimentos de ldquoelongaccedilatildeo li-

nearrdquo (tantos quantos as ligaccedilotildees entre 2 aacutetomos) de ldquodeformaccedilatildeo angularrdquo (envolvendo 3

aacutetomos ligados) de ldquotorccedilatildeordquo e de ldquodeformaccedilatildeo para fora do planordquo (envolvendo 4 aacutetomos

ligados) Estes movimentos combinam-se nas 3N-6 vibraccedilotildees globais da moleacutecula desig-

nados por modos normais de vibraccedilatildeo Em alguns casos os modos normais de vibraccedilatildeo es-

tatildeo altamente localizados num grupo definido de aacutetomos ndash por exemplo o grupo carbonilo

(C=O) ndash e originam bandas no espectro vibracional que satildeo carateriacutesticas desse grupo de

aacutetomos e mais ou menos independentes do resto da moleacutecula Estas vibraccedilotildees satildeo desig-

nadas por frequecircncias de grupo muito utilizadas em caraterizaccedilatildeo quiacutemica Estes toacutepicos

seratildeo desenvolvidos num texto proacuteprio

Transiccedilotildees roto-vibracionais numa abordagem breve

Tal como referido acima eacute possiacutevel observar transiccedilotildees vibracionais (Δv = 1 2 3 hellip) acom-

panhadas de transiccedilotildees rotacionais (ΔJ= 1) Considerando estes graus de liberdade como

independentes entre si a energia dos niacuteveis num oscilador diatoacutemico eacute dada simplesmente

pela soma da equaccedilatildeo (3) com a equaccedilatildeo do rotor diatoacutemico

(3)

(4)

(5)

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222J v )1()frac12v()1()frac12v( +++-+++= JDxhJBhE eνν J J ][

Ignorando os termos anarmoacutenico e de distorccedilatildeo centriacutefuga ndash indicados entre parecircntese

rectos ndash a energia da transiccedilatildeo vibracional fundamental num oscilador diatoacutemico eacute dada por

ΔEv=0rarrv=1 = hν + B[J(J+1)minusJrsquo(Jrsquo+1)]

onde J eacute o nuacutemero quacircntico rotacional do estado inicial v=1 e Jrsquo eacute o nuacutemero quacircntico

rotacional do estado final v = 1

A FIGURA 4 ilustra as transiccedilotildees que correspondem a Jrsquo=J-1 Jrsquo=J e Jrsquo=J+1 e a FIGURA 5

apresenta o espectro observado para o oscilador diatoacutemico real HCl No espectro real o efeito

da anarmonicidade do oscilador no valor de B eacute evidente

FIGURA 4 Esquema simplificado das transiccedilotildees roto-vibracionais numa moleacutecula diatoacutemica Os niacuteveis natildeo estatildeo agrave escala As transiccedilotildees com Jrsquo=J-1 (a verde) originam as bandas do Ramo P e as transiccedilotildees com Jrsquo=J+1 (a azul) originam o Ramo R As transiccedilotildees com Jrsquo=J (a amarelo) originam o Ramo Q mas natildeo satildeo permitidas em moleacuteculas diatoacutemicas

FIGURA 5 Espectro roto-vibracional da moleacutecula diatoacutemica HCl com a indicaccedilatildeo da posiccedilatildeo do Ramo Q (transiccedilotildees natildeo permitidas por regra de seleccedilatildeo) Notar que todos os sinais aparecem desdobrados em dois uma amostra real de HCl conteacutem as formas isotoacutepicas H35Cl e H37Cl a que correspondem diferentes valores de B Notar tambeacutem que o espaccedilamento entre bandas no ramo P eacute maior que no ramo R no estado fundamental v=0 a distacircncia interatoacutemica meacutedia eacute menor do que para v=1 pelo que B gt Brsquo Notar que a transiccedilatildeo Jrsquo=J eacute proibida pelo que natildeo aparece a banda Q

(6)

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O crescimento exponencial de populaccedilotildees Euler ou Malthus Suzana NaacutepolesUniversidade de Lisboa

Em 1798 no livro An Essay on the Principle of Population que teve seis ediccedilotildees Thomas

Malthus (1766-1864) um cleacuterigo e erudito inglecircs influente nos campos da economia po-

liacutetica e da demografia escreveu

ldquoA populaccedilatildeo quando natildeo controlada aumenta em progressatildeo geomeacutetrica A subsistecircncia

aumenta apenas em progressatildeo aritmeacutetica Um pequeno conhecimento dos nuacutemeros mostra-

raacute a imensidatildeo do primeiro poder em comparaccedilatildeo com o segundoldquo

Malthus natildeo tentou traduzir matematicamente o seu modelo de crescimento Limitou-se a

caraterizaacute-lo pressupondo que a taxa segundo a qual a populaccedilatildeo cresce num determinado

instante eacute proporcional agrave populaccedilatildeo total nesse mesmo instante

Numa revisatildeo da primeira ediccedilatildeo discutiu em detalhe os obstaacuteculos para o crescimento

da populaccedilatildeo em vaacuterios paiacuteses nomeadamente atraso no casamento aborto infanticiacutedio

fome guerra epidemias e fatores econoacutemicos Para ele o casamento retardado era a melhor

opccedilatildeo para estabilizar a populaccedilatildeo

Para caraterizar matematicamente este modelo considerando o crescimento em anos

consecutivos e supondo uma taxa de crescimento r em cada ano se num ano n a popula-

ccedilatildeo eacute Pn no ano seguinte a populaccedilatildeo seraacute Pn +1= (1 + r ) Pn pelo que Pn+1= (1 + r ) n P0 e o

crescimento eacute descrito por uma progressatildeo geomeacutetrica de razatildeo 1 + r

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15FIGURA 1 Thomas Malthus

Supondo uma variaccedilatildeo contiacutenua do tempo e designando por P(t) a populaccedilatildeo no instante

t e por r a taxa de crescimento por unidade de tempo a equaccedilatildeo diferencial que traduz o

modelo contiacutenuo preconizado por Malthus eacute Prsquo(t) = r P(t) Entatildeo P(t) = ke r t com k constante

Como P(0) = k e P0 o nuacutemero de indiviacuteduos no ano zero a evoluccedilatildeo da populaccedilatildeo eacute dada

por P(t) = P0 e rt

Acontece que 50 anos antes em Introductio in analysin infinitorum no VI capiacutetulo

ldquoDe quantidades exponenciais e logaritmosrdquo para ilustrar a grande utilidade das ta-

belas de logaritmos para abreviar caacutelculos numeacutericos o matemaacutetico suiacuteccedilo Leonhard

Euler (1707-1783) daacute vaacuterios exemplos que envolvem o crescimento populacional de

que transcrevemos os exemplos II e III

FIGURA 2 Leonhard Euler e o seu Introductio in analysin infinitorum

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Exemplo II

ldquoSe a populaccedilatildeo em certa regiatildeo aumenta anualmente um trigeacutesimo e por outro lado laacute

habitavam no princiacutepio 100000 pessoas pergunta-se qual o nuacutemero de habitantes apoacutes

100 anos

Seja o nuacutemero inicial = n pelo que n = 100000 passado um ano o nuacutemero de habitantes

seraacute = (1+301 )n=30

13 n depois de dois anos = S X3013 2

n ao cabo de trecircs = S X3013 3

n e daqui

depois de 100 anos seraacute = S X3013 100

n = S X3013 100

100000 cujo logaritmo eacute = 100 l 1013 +

l 100000 E l 1013 = l 31 - l 10 = 0014240439 de onde 100 l 10

13 = 14240439 que somando-

-lhe l 100000 = 5 seraacute o logaritmo do nuacutemero de habitantes procurado = 64240439 a que

corresponde o nuacutemero 2654874

Assim ao cabo de 100 anos seraacute mais de vinte e seis vezes maiorrdquo

Este exemplo publicado em 1748 eacute meio seacuteculo antes a concretizaccedilatildeo do ldquoModelo Mal-

thusianordquo para uma populaccedilatildeo de 100000 habitantes e uma taxa de crescimento anual de

130

No exemplo seguinte Euler faz alusatildeo ao capiacutetulo 7 do Livro do Genesis que relata como

um diluacutevio reduziu a populaccedilatildeo da terra a seis seres humanos

Exemplo III

ldquoComo a humanidade se espalhou apoacutes o diluacutevio por obra de seis seres humanos se o nuacute-

mero destes alcanccedilar duzentos anos depois o nuacutemero 1000000 pergunta-se em que parte

deveria crescer anualmente o nuacutemero de humanos

Se aumentar em cada ano x1 duzentos anos depois o nuacutemero de humanos seria =

xx1 200+S X 6 = 1000000 e por tanto x

16

1000000 2001

+ = S Xx

Portanto l x1

2001+ =x l

61000000 =200

1 52218487 = 00261092

e assim =x1+x

10000001061963 e 1000000 = 61963x donde x =16 aproxidamente

Bastaraacute pois que os humanos aumentem por ano a sua deacutecima sexta parte [] Contudo se

o nuacutemero de homens tivesse crescido na mesma proporccedilatildeo durante um intervalo de 400

anos deveria chegar a 1000000 10000006

= 166666666666 cujo sustento a terra inteira

natildeo seria de forma alguma capaz de darrdquo

Euler ao abordar o crescimento das populaccedilotildees tinha uma preocupaccedilatildeo matemaacutetica ndash a

de mostrar a utilidade dos logaritmos ndash que ilustrou com exemplos

Mas a observaccedilatildeo anterior leva a crer que ele considerou o modelo exponencial desade-

quado para o estudo do crescimento populacional

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A populaccedilatildeo de Portugal espelha bem a falecircncia deste modelo Segundo dados do Ins-tituto Nacional de Estatiacutestica nos duzentos anos que decorreram entre 1770 e 1970 a

populaccedilatildeo nem chegou a triplicar

TABELA 1 Populaccedilatildeo de Portugal entre 1422 a 1890

Popuccedilatildeo de Portugal (INE Lisboa)

Ano Total Variaccedilatildeo Ano Total Variaccedilatildeo

1422 1 043 274 - 1900 5 423 132 +74

1527 1 262 376 +210 1911 5 960 056 +99

1636 1 100 000 -129 1920 6 032 991 +12

1736 2 143 368 +949 1930 6 825 883 +131

1770 2 850 444 +330 1940 7 722 152 +131

1776 3 352 310 +176 1950 8 441 312 +93

1801 2 931 930 -125 1960 8 851 289 +49

1811 2 876 602 -19 1970 8 568 703 -32

1838 3 200 000 +112 1981 9 852 841 +150

1849 3 411 454 +66 1991 9 862 540 +01

1864 4 188 410 +228 2001 10 356 117 +50

1878 4 550 699 +86 2007 10 617 575 +25

1890 5 049 729 +110

Quanto a Malthus as suas preocupaccedilotildees eram de natureza poliacutetica e legislativa To-

mou como certo um crescimento exponencial da populaccedilatildeo mundial que conduziria a

uma cataacutestrofe por ausecircncia de recursos e para o travar sugeriu o recurso a poliacuteticas

adequadas Ao publicitar o modelo exponencial - que ficou conhecido como Modelo

Malthusiano - ligando-o a problemas legislativos reais abriu caminho para que dife-

rentes matemaacuteticos se dedicassem agrave modelaccedilatildeo do crescimento populacional

Em 1844 o matemaacutetico belga Pierre Verhulst (1804-1849) propocircs no artigo Recherches

matheacutematiques sur la loi drsquoaccroissement de la population um modelo em que considera que

agrave medida que a populaccedilatildeo se aproxima de um valor maacuteximo a taxa de crescimento diminui

ldquoO aumento virtual da populaccedilatildeo eacute portanto limitado pelo tamanho e pela fertilidade do paiacutes

Como resultado a populaccedilatildeo fica cada vez mais proacutexima de um estado estaacutevelrdquo

Designado por P(t) a populaccedilatildeo no instante t por r a taxa de crescimento por unidade

de tempo e por M o nuacutemero maacuteximo de indiviacuteduos que a regiatildeo pode suportar este modelo

exprime-se pela equaccedilatildeo diferencial

( )dt

dP rP MP t

1= -T Y

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cuja soluccedilatildeo eacute

( )( ) ( )( )

P t

MP eP e

10 10

rt

rt

=+

-

Se P(t) for muito pequeno face a M tem-se que ( )dt

dP rP MP t

1= -T Y cong r P(t) que tem a soluccedilatildeo P(t) cong P(0) e rt

e o crescimento eacute exponencial

FIGURA 4 Pierre Franccedilois Verhulst e o graacutefico da curva logiacutestica

Agrave medida que t cresce a populaccedilatildeo aproxima-se assintoticamente de M A equaccedilatildeo diferen-

cial que carateriza este modelo eacute atualmente designada por equaccedilatildeo logiacutestica e a populaccedilatildeo

maacutexima M por capacidade de carga Com Verhulst relativizou-se ldquoa hipoacutetese da progressatildeo

geomeacutetrica uma vez que ela soacute se pode verificar em circunstacircncias muito especiais por exem-

plo quando um territoacuterio feacutertil de tamanho quase ilimitado passa a ser habitado por pessoas

com uma civilizaccedilatildeo avanccedilada como foi o caso das primeiras coloacutenias americanasrdquo

Essa equaccedilatildeo foi retomada por vaacuterios matemaacuteticos e adaptada a contextos variados

Satildeo de realccedilar os casos em que a capacidade de carga varia como o tempo conduzindo

ao modelo caraterizado pela equaccedilatildeo diferencial

dtdP rP M

P1= -T Y( )t

onde a capacidade de carga M(t) = M(t +T) varia periodicamente com periacuteodo T

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FIGURA 5 A demografia eacute instrumental para o controlo das populaccedilotildees humanas

Desde o seacuteculo XVIII que o estudo da dinacircmica das populaccedilotildees eacute objeto de modelaccedilatildeo

matemaacutetica Na atualidade existem outros modelos de crescimento hiperboacutelicos expo-

nenciais logiacutesticos ou baseados noutras funccedilotildees Baseada nos modelos populacionais

do matemaacutetico Song Jian a Repuacuteblica Popular da China em 1980 entatildeo a atingir o biliatildeo

de habitantes instaurou uma poliacutetica estrita de filho uacutenico Essa lei foi flexibilizada em

2015 aumentando para dois o nuacutemero maacuteximo de filhos para fazer frente ao envelheci-

mento da populaccedilatildeo e agrave reduccedilatildeo do grupo de trabalhadores na faixa etaacuteria considerada

economicamente ativa

Muitos dos pareceres cientiacuteficos nas mais diversas aacutereas baseiam-se em modelos ma-

temaacuteticos que podem permitir fazer estimativas e previsotildees mas hellip ao olhar para o cres-

cimento populacional ao longo dos tempos verificamos que os modelos matemaacuteticos satildeo

instrumentais na anaacutelise da dinacircmica das populaccedilotildees

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Artroacutepodes Miguel Santos

Rubim Almeida

Sara C Antunes

DB CIBIO InBIO CIIMAR Universidade do Porto

Artroacutepodes (Arthropoda do grego arthro = articulado + podos = peacutes) satildeo o grupo taxonoacutemi-

co mais diversificado com distribuiccedilatildeo por quase todo o globo e ocupando todos os habitats

Satildeo organismos invertebrados com exosqueleto riacutegido apresentando apecircndices articula-

dos (patas antenas) e de nuacutemero diferenciado de acordo com o subfilo a que pertencem

Os artroacutepodes constituem um dos mais diversos grupos de organismos do planeta com-

preendendo espeacutecies que variam de 0085 mm (Tantalacus dieteri um crustaacuteceo parasita)

ateacute 38 m (envergadura do Caranguejo-aranha-gigante) Os organismos pertencentes a

este grupo encontram-se praticamente em todos os tipos de habitat A razatildeo do sucesso

evolutivo deste grupo taxonoacutemico deve-se a um conjunto de carateriacutesticas uacutenicas i) pos-

suiacuterem um exosqueleto proteico-quitinoso flexiacutevel leve e resistente que protege contra a

desidrataccedilatildeo ii) segmentaccedilatildeo do corpo e a presenccedila de apecircndices articulados especia-

lizados iii) oacutergatildeos sensoriais bem desenvolvidos (antenas sedas sensoriais olhos com-

postos olhos pedunculados ocelos quimiorrecetores nas antenas) iv) metamorfose com

diferentes estaacutedios de desenvolvimento incluindo estaacutedios larvares que podem ter um

modo de vida completamente diferente do adulto permitindo um aproveitamento de outros

recursos (alimento e espaccedilo) reduzindo a competiccedilatildeo entre indiviacuteduos da mesma espeacutecie

v) padrotildees comportamentais complexos revelando por vezes organizaccedilatildeo comunitaacuteria e

vi) sistema respiratoacuterio diverso nomeadamente o sistema traqueal onde o ar entra em

contacto direto com os tecidos devido a um eficiente sistema de tubos (traqueias) com

orifiacutecios na superfiacutecie do tegumento (espiraacuteculos) No entanto a origem e a taxonomia

deste grupo ainda constituem um tema de investigaccedilatildeo e debate Mesmo apesar dos avan-

ccedilos em aacutereas como a biologia molecular que fornece importantes conhecimentos sobre

as complexas relaccedilotildees evolutivas destes organismos muito ainda haacute por descobrir Os

artroacutepodes satildeo um grupo extremamente importante nos ecossistemas terrestres devido

natildeo soacute agrave sua enorme abundacircncia e diversidade mas tambeacutem ao grande nuacutemero de funccedilotildees

que desempenham nestes ecossistemas (ex degradaccedilatildeo da mateacuteria orgacircnica arejamento

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do solo ciclagem de nutrientes) O filo Arthropoda estaacute atualmente subdividido em cinco

subfilos Trilobitomorpha Crustacea Myriapoda Chelicerata e Hexapoda

O subfilo Trilobitomorpha (trilobites e os seus parentes) compreende cerca de 20 000

espeacutecies que viviam exclusivamente em ambientes marinhos e que atualmente se encon-

tram todas extintas Contudo a sua vasta distribuiccedilatildeo geograacutefica e o exosqueleto de carbo-

nato de caacutelcio permitiram que este grupo apresente um extenso registo foacutessil observaacutevel

por todo o planeta

Crustacea inclui caranguejos camarotildees e lagostas contendo mais de 60 000 espeacute-

cies e com um extenso registo foacutessil em todo o mundo eacute um dos principais grupos de

artroacutepodes A maioria dos crustaacuteceos vive em ambientes marinhos mas existem vaacuterias

espeacutecies que podem ser encontradas em ecossistemas de aacutegua doce (ordem Cladocera e

sub-classe Copepoda) e em ambientes terrestres (ordem Isopoda FIGURA 1) Apesar da

grande maioria dos crustaacuteceos serem de vida livre existem vaacuterios grupos parasitas (ex

Rhizocephala ndash crustaacuteceos cirriacutepedes parasitas de caranguejos e camarotildees Argulidae ndash

crustaacuteceos parasitas de peixes e Pentastomida ndash vermes liacutengua que parasitam o sistema

respiratoacuterio de vertebrados) Numa perspetiva diferente e de interesse econoacutemico este

grupo apresenta ainda um valor acrescido jaacute que alguns crustaacuteceos decaacutepodes como la-

gostas e camarotildees satildeo intensivamente consumidos em todo o mundo Para aleacutem da sua

importacircncia econoacutemica este grupo de organismos eacute bastante utilizado em investigaccedilatildeo

cientiacutefica nomeadamente em ecotoxicologia na avaliaccedilatildeo do efeito de contaminantes no

solo

FIGURA 1 Exemplares de organismos da ordem Isopoda (bicho-da-conta) 1 ndash famiacutelia Armadillidae 2 ndash famiacutelia Porce-llionidae em A - vista dorsal e em B - vista ventral

O subfilo Myriapoda inclui as centopeias e os miliacutepedes conteacutem mais de 11 000

espeacutecies descritas Este subfilo eacute tradicionalmente dividido em quatro classes Chi-

lopoda (centopeias) (FIGURA 2) Diplopoda (miliacutepedes) Pauropoda (ldquopoucos peacutesrdquo) e

Symphyla (pseudocentopeias) Todos os miriaacutepodes conhecidos satildeo terrestres e o seu

tamanho varia desde alguns miliacutemetros a cerca de 38 centiacutemetros (Millipede Gigante

Africano)

1

2

A B

15cm

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FIGURA 2 Vista dorsal A - e ventral B - de um organismo pertencente agrave classe Chilopoda onde se pode observar o corpo segmentado e apenas com um par de patas por segmento

O subfilo Chelicerata (aranhas aranhas do mar escorpiotildees e aacutecaros) conteacutem mais

de 113 000 espeacutecies distribuiacutedas em duas classes principais Pycnogonida (aranhas do

mar) e Arachnida (aranhas escorpiotildees e aacutecaros) Pycnogonida o grupo das aranhas

do mar conteacutem mais de 1 300 espeacutecies descritas mas estudos detalhados sobre esses

animais e as suas relaccedilotildees evolutivas ainda satildeo escassos Estes organismos geralmente

tecircm seis ou oito olhos e quatro a seis pares de patas A classe Arachnida compreende os

organismos mais conhecidos do subfilo Chelicerata como aranhas escorpiotildees e aacutecaros

Os indiviacuteduos pertencentes a este grupo natildeo possuem antenas tecircm quatro pares de

patas um par de queliacuteceras (1ordm par de apecircndices do prossomacabeccedila) e pedipalpos

(2ordm par de apecircndices do prossomacabeccedila) As aranhas (ordem Araneae) (FIGURA 3) satildeo

provavelmente o grupo mais icoacutenico e bem estudado deste subfilo presentes na maioria

dos ambientes terrestres e constituindo um dos grupos mais importantes de artroacutepodes

do solo Outros organismos colocados na mesma classe como escorpiotildees aacutecaros ou

opiliotildees tambeacutem constituem grupos extremamente variados com importantes funccedilotildees

ecoloacutegicas (ex decomposiccedilatildeo de mateacuteria orgacircnica e controlo de organismos principal-

mente atraveacutes de predaccedilatildeo)

FIGURA 3 Vista dorsal A - e ventral B - de um exemplar da ordem Araneae (famiacutelia Gnaphosidae) sendo possiacutevel obser-var o corpo dividido em cefalotoacuterax e abdoacutemen os quatro pares de patas as queliacuteceras (q) e os pedipalpos (p)

O subfilo Hexapoda (Hexa (seis) e Poda (peacute)) engloba os insetos e os seus parentes

compreende o grupo mais diverso e abundante de organismos com mais de 1 milhatildeo de

espeacutecies conhecidas Este subfilo eacute frequentemente dividido em organismos da clas-

A B

A B

14cm

p

q

35cm

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se Insecta (FIGURA 4) e da classe Entognatha Esta uacuteltima inclui os colecircmbolos (ordem

Collembola) (FIGURA 5) cabeccedilas de cone e bichos de prata (ordem Protura) e cerdas de

duas pontas (ordem Diplura) Na classe Entognatha as partes bucais dos organismos

estatildeo retraiacutedas dentro das suas cabeccedilas contrariamente ao que se observa na classe In-

secta que satildeo ectognantes Os colecircmbolos constituem um dos grupos mais abundantes

de artroacutepodes do solo podendo ser encontrados mais de 100 000 indiviacuteduos num metro

quadrado Estes satildeo organismos cosmopolitas com mais de 8 000 espeacutecies descritas Os

colecircmbolos satildeo pequenos organismos com tamanho geralmente inferior a 6-8 mm de

forma ciliacutendrica ou globular apresentando olhos simples e antenas moniliformes Muitas

espeacutecies possuem um apecircndice bifurcado (fuacutercula) no final do abdoacutemen permitindo que

estes organismos saltem quando ameaccedilados (FIGURA 5) Os colecircmbolos tecircm sido ampla-

mente utilizados em estudos ecotoxicoloacutegicos na avaliaccedilatildeo da qualidade do solo e da sauacute-

de destes ecossistemas

FIGURA 4 A - Vista dorsal e B - vista ventral de exemplares de algumas ordens da classe Insecta

FIGURA 5 Vista lateral de exemplares da ordem Collembola

A classe Insecta eacute a classe com maior nuacutemero de organismos compreendendo mais

de metade das espeacutecies eucarioacuteticas descritas atualmente englobando mais de 1 milhatildeo

de espeacutecies que habitam praticamente todos os ecossistemas Os insetos sendo o grupo

Ordem

Coleoptera

Ordem

Diptera

Ordem

Hemiptera

Ordem

Orthoptera

Ordem

HimenopteraA A A A

B B B B

075cm

027cm14cm016cm

09cm

22cm

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mais diversificado de seres vivos apresentam as mais variadas e interessantes adap-

taccedilotildees anatoacutemicas e morfoloacutegicas Pensa-se que a sua enorme riqueza e abundacircncia eacute

devida a uma combinaccedilatildeo de carateriacutesticas vantajosas como a coevoluccedilatildeo com plan-

tas a miniaturizaccedilatildeo e a capacidade de voo Os insetos desempenham ainda um papel

importantiacutessimo no funcionamento dos ecossistemas realizando funccedilotildees quer de pre-

dadores quer de presa estando envolvidos em inuacutemeras teias alimentares (ex reciclan-

do nutrientes fazendo a manutenccedilatildeo da estrutura e fertilizaccedilatildeo dos solos) Destaca-se

tambeacutem o facto de vaacuterios insetos voadores como abelhas ou borboletas atuarem como

polinizadores de muitas espeacutecies de plantas Esta eacute uma funccedilatildeo ecoloacutegica importante

com vaacuterias repercussotildees econoacutemicas porque mais de 30 das culturas alimentares

mundiais dependem da polinizaccedilatildeo Os insetos possuem ainda um papel importante em

investigaccedilatildeo cientiacutefica sendo muitas vezes utilizados como organismo modelo dado pos-

suiacuterem carateriacutesticas distintas como o seu tamanho reduzido tempos de geraccedilatildeo curtos

e elevada fecundidade O exemplo de excelecircncia eacute a mosca da fruta Drosophila melano-

gaster cujo genoma eacute jaacute conhecido na totalidade sendo esta espeacutecie utilizada frequente-

mente para estudar vaacuterios processos celulares (ex o envelhecimento a hereditariedade

e o desenvolvimento embrionaacuterio) Apesar de constituiacuterem um grupo tatildeo interessante

beneacutefico e necessaacuterio agrave manutenccedilatildeo do equiliacutebrio dos ecossistemas existem algumas

desvantagens associadas aos insetos como eacute o caso de serem vetores na transmissatildeo

de doenccedilas Eacute o caso da malaacuteria transmitida por um mosquito do geacutenero Anopheles a

doenccedila parasitaacuteria mais disseminada com vaacuterios milhotildees de humanos infetados em todo

o mundo O dengue e o zika satildeo doenccedilas em que o vetor de transmissatildeo eacute tambeacutem um

mosquito do geacutenero Aedes Na agricultura as pragas de insetos (ex gorgulhos gafa-

nhotos afiacutedios) satildeo responsaacuteveis por prejudicar as culturas agriacutecolas e a produccedilatildeo de

alimentos causando perdas econoacutemicas elevadas

Sabe-se que atualmente a perda de habitat e as mudanccedilas climaacuteticas satildeo alguns dos

fatores responsaacuteveis por decliacutenios significativos nas populaccedilotildees deste grupo de orga-

nismos Esse decliacutenio apresenta uma elevada preocupaccedilatildeo ecoloacutegica uma vez que estes

organismos desempenham muacuteltiplas e importantes funccedilotildees nos ecossistemas No en-

tanto a conservaccedilatildeo deste grupo animal permanece um grande e urgente desafio que eacute

preciso enfrentar

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Biocombustiacuteveis seratildeo a soluccedilatildeo Matilde Viegas

Maria Joatildeo Ramos

Pedro Alexandrino Fernandes

UCIBIO REQUIMTEUniversidade do Porto

ldquoA 21 de Fevereiro de 2018 o niacutevel de poluiccedilatildeo de partiacuteculas finas com diacircmetro inferior

a 10 μm PM10 atingiu em Paris niacuteveis alarmantes com um pico correspondente

ao dobro do limite maacuteximo A Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) recomenda natildeo

exceder este limite maacuteximo por mais de trecircs dias por ano Com este recente pico os

parisienses jaacute o ultrapassaramrdquo

Em Un pic de pollution laquograveraquo en Ile-de-France Le Monde 22 de Fevereiro de 2018

Esta notiacutecia eacute um dos inuacutemeros exemplos dos efeitos do aquecimento global termo com o

qual estamos cada vez mais familiarizados infelizmente Este fenoacutemeno eacute consequecircncia

de Gases de Efeito de Estufa GEE (dioacutexido de carbono metano e oacutexido de azoto entre

outros) que se acumulam na atmosfera enclausurando o calor e tornando o planeta mais

quente A produccedilatildeo em larga escala de GEEs teve iniacutecio na Revoluccedilatildeo Industrial (1800)

como resultado da combustatildeo de combustiacuteveis foacutesseis (carvatildeo petroacuteleo e gaacutes natural)

para produccedilatildeo de eletricidade aquecimento e transporte

A preocupaccedilatildeo em torno do aquecimento global tornou-se um assunto constante na

agenda poliacutetica sobretudo nas uacuteltimas duas deacutecadas Os primeiros esforccedilos coletivos re-

sultaram no Protocolo de Quioto em 1997 cujo objetivo era a reduccedilatildeo das emissotildees de

GEEs assentando nos argumentos de que i) o aquecimento global era uma realidade e ii) o

CO2 produzido por accedilotildees humanas era o seu grande causador O primeiro periacuteodo do Proto-

colo terminou em 2012 e por isso em 2015 as Naccedilotildees Unidas promoveram a assinatura

do novo Acordo de Paris o qual consiste numa atualizaccedilatildeo do antigo Protocolo de Quioto

com o objetivo de ldquofortalecer a resposta global agrave ameaccedila das alteraccedilotildees climaacuteticas no

contexto de desenvolvimento sustentaacutevel e com esforccedilo para a erradicaccedilatildeo da pobrezardquo

O novo Acordo ao contraacuterio do de Quioto estabelece metas tangiacuteveis e quantitativas O

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objetivo eacute manter o aumento da temperatura meacutedia global abaixo dos 2ordm Celsius face agrave

temperatura global na era preacute-industrial Para atingir tal meta eacute necessaacuterio um esforccedilo

mundial contudo em 2017 com a saiacuteda dos EUA do Acordo de Paris o segundo maior

emissor de GEEs logo a seguir agrave China perdeu-se uma enorme contribuiccedilatildeo Aleacutem do peso

evidente que as suas emissotildees tecircm para o estado atual do aquecimento global em falta

estaratildeo tambeacutem a diplomacia e o encorajamento proporcionados por esta forccedila mundial

No Acordo de Paris uma das claacuteusulas exige a inclusatildeo de energias renovaacuteveis (eoacutelica

mariacutetima solar) e de biocombustiacuteveis no mercado de energia encorajando os paiacuteses a

atingir niacuteveis miacutenimos da sua utilizaccedilatildeo As metas estabelecidas para cada paiacutes vatildeo ao en-

contro ao seu mercado e agraves mateacuterias-primas disponiacuteveis em cada territoacuterio favorecendo o

desenvolvimento da economia

De uma forma generalista os biocombustiacuteveis englobam combustiacuteveis produzidos atra-

veacutes de processos bioloacutegicos como a agricultura e digestatildeo anaeroacutebica em vez de produ-

zidos a partir de processos geoloacutegicos como os necessaacuterios para a formaccedilatildeo de combus-

tiacuteveis foacutesseis Isto inclui o biodiesel (produzido a partir de oacuteleos e gorduras orgacircnicas) e o

bioetanol (aacutelcool produzido atraveacutes de fermentaccedilatildeo microbiana de accediluacutecares seguido de

destilaccedilatildeo e desidrataccedilatildeo) os quais seratildeo o maior foco deste artigo

A partir da deacutecada de 70 foram feitos os primeiros investimentos nos chamados bio-

combustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo (1G) Estes fazem uso de colheitas de produtos agriacuteco-

las como a soja cana-de-accediluacutecar milho oacuteleo de palma entre outros para a produccedilatildeo de

biodiesel e bioetanol atraveacutes de processos de trans-esterificaccedilatildeo ou fermentaccedilatildeo A sua

disponibilidade e facilidade de processamento permitiram a sua inserccedilatildeo e mistura nos

combustiacuteveis atualmente vendidos ao puacuteblico Para 2017 Portugal fixou em 75 (de poder

energeacutetico) a incorporaccedilatildeo de biocombustiacuteveis nos combustiacuteveis dos transportes rodoviaacute-

rios tendo a Uniatildeo Europeia o objectivo de 10 em 2020 para todos os paiacuteses membros

Os biocombustiacuteveis 1G fazem uso da colheita agriacutecola para fins energeacuteticos o que gera

opiniotildees desfavoraacuteveis por parte de ambientalistas (pelo uso exaustivo da terra agriacutecola sem

compensaccedilatildeo desflorestaccedilatildeo e perda de biodiversidade) e problemas eacuteticos tais como os le-

vantados por responsaacuteveis da ONU como o Dr Jean Ziegler que atribui aos biocombustiacuteveis

a culpa pela contiacutenua inflaccedilatildeo dos preccedilos de alimentos exacerbando a atual crise de fome

mundial - ldquoSatildeo necessaacuterios 352Kg de milho para encher um depoacutesito de 50L de um carro Uma

crianccedila na Zacircmbia ou no Meacutexico onde o milho eacute um elemento baacutesico da dieta poderia viver

com esta quantidade de milho um ano inteirordquo Atualmente os maiores produtores destes bio-

combustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo satildeo os EUA e o Brasil utilizando parte da produccedilatildeo global

de cereais e oacuteleos vegetais para a produccedilatildeo de bioetanol e biodiesel causando um ambiente

de profunda preocupaccedilatildeo em volta da sustentabilidade de produccedilatildeo de energia a meacutediolongo

prazo De forma a controlar a inflaccedilatildeo no preccedilo dos alimentos a EU estabeleceu um limite de

7 para o uso de biocombustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo como combustiacutevel de transportaccedilatildeo

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A segunda geraccedilatildeo de biocombustiacuteveis (2G) usa biomassa isto eacute qualquer fonte de car-

bono orgacircnico que eacute rapidamente renovado no ciclo de carbono Os biocombustiacuteveis de

segunda geraccedilatildeo almejam um uso ponderado de desperdiacutecios da induacutestria madeireira e

agriacutecola ou de restos de colheitas agriacutecolas assim que estas preencham o seu propoacutesito

alimentar evitando interferecircncia com o mercado alimentar e natildeo influenciando os preccedilos

dos alimentos baacutesicos

FIGURA 1 Biocombustiacuteveis

A produccedilatildeo de arroz atingiu o seu pico em 2017 gerando 1140 milhotildees de toneladas de

espigas de arroz cujo destino eacute a incineraccedilatildeo compostagem ou eacute simplesmente deposita-

da em aterros Contudo com a 2G de biocombustiacuteveis eacute encontrado potencial energeacutetico

neste desperdiacutecio agriacutecola O seu potencial deve-se agrave mateacuteria lignoceluloacutesica ndash celulose

hemicelulose e lignina ndash presente em todas as plantas incluindo as espigas em diferen-

tes percentagens Este material composto eacute essencial para a estrutura e resistecircncia das

plantas a hemicelulose eacute a matriz que rodeia o esqueleto de celulose enquanto a lignina

funciona como uma camada protetora As possibilidades associadas a este tipo de desper-

diacutecio satildeo inegaacuteveis a sua abundacircncia e facilidade de obtenccedilatildeo tornam-no muito apelativo

Contudo o gasto na recolha e transporte desta mateacuteria suplanta os custos de produccedilatildeo

e o seu uso continuado poderaacute contribuir para a erosatildeo do solo Aleacutem disso para o seu

aproveitamento para produccedilatildeo de biocombustiacuteveis eacute necessaacuterio um preacute-tratamento para

hidrolisar as ligaccedilotildees covalentes entre os trecircs constituintes da mateacuteria lignoceluloacutesica e

permitir a posterior fermentaccedilatildeo anaeroacutebia da celulose produzindo bioetanol Este preacute-

-tratamento eacute visto como outra das desvantagens do processo e estaacute ainda a ser estudado

e otimizado pois de momento as alternativas disponiacuteveis encarecem o produto final e em

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alguns dos casos dependem do uso de quiacutemicos poluentes A esperanccedila estaacute entatildeo de-

positada no estudo de enzimas hidroliacuteticas encontradas em organismos termoacutefilos que

seratildeo capazes de aguentar as difiacuteceis condiccedilotildees de tratamento Contudo a dificuldade em

escalar o processo de fermentaccedilatildeo eacute uma das desvantagens e dos fatores limitantes para

a 2G de biocombustiacuteveis em grande parte devido agrave dificuldade de monitorizar as condiccedilotildees

de fermentaccedilatildeo (oxigeacutenio pH nutrientes etc)

A terceira geraccedilatildeo (3G) de biocombustiacuteveis foi reconhecida como a melhor alternativa

em comparaccedilatildeo com primeira e segunda geraccedilotildees pois surpreendentemente faz uso de

algas A sua enorme disponibilidade por todo o planeta e o facto de natildeo interferirem com os

mercados alimentares satildeo os grandes embaixadores desta mateacuteria-prima como o futuro

dos biocombustiacuteveis Ainda que natildeo seja uma mateacuteria infinita eacute a que de momento mais se

assemelha por existirem 70 000 espeacutecies (30 000 documentadas) Estudos conduzidos

atualmente estatildeo a explorar a viabilidade energeacutetica de 30 espeacutecies de algas explorando a

sustentabilidade facilidade e escalabilidade da sua produccedilatildeo Outras vantagens incluem a

baixa manutenccedilatildeo necessaacuteria para o seu crescimento (luz dioacutexido de carbono e nutrientes

como azoto foacutesforo e potaacutessio) a facilidade com que produzem liacutepidos e carboidratos que

podem posteriormente ser processados em diferentes biocombustiacuteveis e outros copro-

dutos a frequecircncia com que podem ser colhidas ao longo do ano (ao contraacuterio de outras

colheitas convencionais) a baixa percentagem de hemicelulose e a praticamente ausente

lignina facilitam radicalmente o seu preacute-processamento pois a celulose eacute mais facilmente

extraiacuteda As desvantagens desta mateacuteria incluem o enorme investimento inicial para a

construccedilatildeo de infraestruturas para o seu cultivo que pode ser ou ao ar livre (em tanques

de grande dimensatildeo) ou em foto-bioreatores (sistemas fechados altamente controlados)

Prevecirc-se que em 2030 o preccedilo de produccedilatildeo de combustiacutevel a partir de algas seraacute 065 euro

litro de combustiacutevel valor muito proacuteximo do atual preccedilo de produccedilatildeo do litro de gasolina

Comparativamente aos custos de produccedilatildeo de outros biocombustiacuteveis o mais barato con-

tinua a ser o bioetanol produzido a partir de milho (1G) 017 eurolitro seguido de combustiacute-

veis celuloacutesicos (2G) a 032 eurolitro

Eacute evidente que seratildeo necessaacuterios esforccedilos poliacuteticos e cientiacuteficos investimento e regu-

lamentaccedilatildeo adequados para encontrar o caminho ideal para travar o aquecimento global

Em todas as geraccedilotildees de biocombustiacuteveis apresentadas existem fatores que afunilam as

potencialidades destas alternativas indicando que a soluccedilatildeo passa por criar um consoacutercio

entre as vaacuterias possibilidades de forma a tirar o maacuteximo partido sem danificar o planeta ou

piorar a crise da fome O proacuteximo passo passa por substituir os biocombustiacuteveis de 1G por

soluccedilotildees com maior escalabilidade Acreditamos que nas proacuteximas deacutecadas seratildeo cruciais

e depositamos esperanccedila na investigaccedilatildeo cientiacutefica

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018043

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Stephen Hawking e a sua contribuiccedilatildeo para a fiacutesica teoacutericaOrfeu Bertolami

Claacuteudio GomesDepartamento de Fiacutesica e Astronomia CFP Universidade do Porto

A 14 de marccedilo de 2018 o fiacutesico britacircnico Stephen Hawking faleceu aos 76 anos deixando

todavia um importante legado para a fiacutesica teoacuterica muito particularmente para o

entendimento das deficiecircncias intriacutensecas da Relatividade Geral de Einstein para a fiacutesica

dos buracos negros e para a cosmologia a ciecircncia do Universo como um todo

Stephen Hawking doutorou-se em Fiacutesica Teoacuterica em 1966 pela Universidade de Cambridge

sob a supervisatildeo de Dennis Sciama Apesar da sua condiccedilatildeo fiacutesica progressivamente limi-

tativa manteve-se extremamente ativo na investigaccedilatildeo nas aacutereas de cosmologia fiacutesica dos

buracos negros e gravitaccedilatildeo quacircntica

Nessa altura havia uma consideraacutevel discussatildeo acerca da realidade e ubiquidade de sin-

gularidades pontos no espaccedilo-tempo onde a Teoria da Relatividade Geral deixa de fazer sen-

tido e natildeo desaparecendo atraveacutes de mudanccedila de sistemas de coordenadas que descrevem

o espaccedilo-tempo Na segunda metade da deacutecada de 1960 Hawking e o matemaacutetico inglecircs

Roger Penrose demonstraram que essas singularidades eram inevitaacuteveis no contexto da

Teoria da Relatividade Geral (ver para uma descriccedilatildeo exaustiva o livro Large Scale Structure

of Space-Time escrito em colaboraccedilatildeo com o fiacutesico sul-africano George Ellis publicado em

1973) Uma dessas singularidades corresponde ao iniacutecio do Universo ndash Big Bang ndash e outras

estatildeo presentes no interior dos buracos negros natildeo acessiacuteveis agrave observaccedilatildeo devido agrave pre-

senccedila de um horizonte de acontecimentos que segundo a Conjetura da Censura Coacutesmica de

Roger Penrose protegem sempre as singularidades de se apresentarem ldquonuasrdquo

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Subsequentemente em 1975 ele desenvolveu a ideia que os buracos negros deveriam

radiar termicamente a uma temperatura especiacutefica inversamente proporcional agraves suas

massas temperatura esta que hoje designamos por temperatura de Hawking Esta ideia daacute

origem ao paradoxo da informaccedilatildeo em que a informaccedilatildeo que entrava no horizonte de evento

se perdia Com este contributo passou-se a ter uma equivalecircncia entre a dinacircmica e a termo-

dinacircmica de buracos negros

FIGURA 1 Emissatildeo da radiaccedilatildeo teacutermica de Hawking por um buraco negro

No princiacutepio da deacutecada de 1980 Hawking iniciou em colaboraccedilatildeo com o fiacutesico norte-ameri-

cano James Hartle o programa de investigaccedilatildeo que hoje designamos por cosmologia quacircntica

Na cosmologia quacircntica o espaccedilo-tempo eacute descrito por uma funccedilatildeo de onda a funccedilatildeo de onda

do Universo como na Mecacircnica Quacircntica Esta equaccedilatildeo de onda satisfaz uma equaccedilatildeo anaacuteloga

agrave de Schroumldinger da Mecacircnica Quacircntica a equaccedilatildeo de Wheeler-DeWitt A proposta de Hartle

e Hawking eacute que a funccedilatildeo de onda descreva um espaccedilo-tempo sem fronteiras (No-Boundary

proposal) A ideia eacute que agrave medida que retrocedemos no tempo chegamos a um ponto em que

o Universo eacute pequeno o suficiente para que efeitos quacircnticos sejam dominantes Nesta altura

existe uma espeacutecie de ldquoespumardquo do espaccedilo-tempo de tal modo que o tempo natildeo pode ser in-

terpretado do modo como o vemos hoje mas sim como uma quarta dimensatildeo espacial Uma

analogia uacutetil eacute a seguinte se viajarmos para o Polo Sul temos de seguir sempre para sul mas

quando alcanccedilamos o ponto do Polo Sul jaacute natildeo faz sentido falarmos na direccedilatildeo sul pelo mesmo

raciociacutenio ao retrocedermos no tempo haacute um pontoinstante em que natildeo faz sentido falar-se em

tempo Matematicamente isto torna-se possiacutevel passando de um espaccedilo-tempo de Minkowski

como na Relatividade Restrita para um espaccedilo Euclideano a quatro dimensotildees no qual o tempo

passa a ser um nuacutemero puramente complexo Com esta formulaccedilatildeo o Universo natildeo tem uma

fronteira aleacutem daquela que permite a transiccedilatildeo entre as duas descriccedilotildees para o espaccedilo-tempo

e que eacute exemplificado na FIGURA 2 Esta geometria eacute designada por shuttlecock ou volantepena

de badminton devido agrave semelhanccedila com este objeto

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FIGURA 2 Representaccedilatildeo tridimensional do modelo de Hartle-Hawking (no boundary proposal) A base corresponde a uma semiesfera a 4 dimensotildees e a estrutura que apresenta o tempo como uma direccedilatildeo distinta das espaciais corresponte a um Universo em expansatildeo

Hawking tambeacutem estudou outros problemas como o das maacutequinas do tempo e questotildees

relacionadas com a cosmologia e a formaccedilatildeo de estruturas no Universo Com o seu carate-

riacutestico humor Hawking afirmou natildeo ser possiacutevel viajar no tempo Para tal sugeriu organizar

uma festa convidando pessoas do futuro a se juntarem a ele e dado que ningueacutem apa-

receu concluiu entatildeo que viagens no tempo natildeo satildeo possiacuteveis na realidade Outra prova

prende-se com o facto de natildeo termos recebido ainda turistas do futuro numa clara alusatildeo

iroacutenica agrave procura turiacutestica desenfreada que assistimos nos dias de hoje

Mais recentemente ele pronunciou-se sobre questotildees de interesse geral como as im-

plicaccedilotildees do desenvolvimento da inteligecircncia artificial e a necessidade e inevitabilidade

da exploraccedilatildeo espacial Mostrou-se reticente acerca dos desenvolvimentos no domiacutenio da

inteligecircncia artificial classificando-o como possivelmente perigoso para a nossa civiliza-

ccedilatildeo pois apesar dos potenciais benefiacutecios comportam seacuterios riscos agrave continuidade da hu-

manidade Relativamente agrave exploraccedilatildeo espacial Hawking encarava as viagens espaciais

quer pelo seu interesse cientiacutefico quer como forma de preservar a humanidade de riscos

de destruiccedilatildeo devido a guerras nucleares ou epidemias devido a viacuterus geneticamente mo-

dificados

O fiacutesico Stephen Hawking legou-nos uma extraordinaacuteria contribuiccedilatildeo cientiacutefica e huma-

na Deixou um extraordinaacuterio exemplo de resiliecircncia dedicaccedilatildeo ao conhecimento e agrave socie-

dade Fisicamente debilitado e ldquopresordquo a uma condiccedilatildeo rara a esclerose lateral amiotroacutefica

que lhe foi diagnosticada aos 21 anos a sua mente foi das mais livres dos nossos tempos

concebeu hipoacuteteses conjunturas e teorias pensou a sociedade de hoje e a do futuro

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RochaO que eacute importante dizer sobre as rochas

A M Galopim de Carvalho Universidade de Lisboa

Rochas e pedras satildeo a mesma coisa Praticamente a resposta eacute sim Pedra eacute aquilo

que se apanha do chatildeo para dar uma pedrada

Qualquer pessoa mesmo a menos letrada diraacute que as pedras

bull natildeo satildeo fabricadas ou feitas por gente (a ciecircncia diz que satildeo entidades naturais)

bull que natildeo se amolgam (a ciecircncia diz que satildeo riacutegidas)

bull que geralmente natildeo se esboroam nem se esfarela (a ciecircncia diz que satildeo coesas)

bull que fazem mossa onde quer que batam (a ciecircncia diz que satildeo duras) Para o cidadatildeo

comum pedra (do grego peacutetra) eacute pois uma entidade natural riacutegida coesa e dura que se

apanha do chatildeo

Apanhamos uma pedra do chatildeo mas quando estudamos falamos quase sempre de ro-

chas Num modo de falar corrente podemos dizer que as pedras satildeo bocados de rocha

Todos falamos de rocha como sinoacutenimo de pedra com base num conhecimento comum

empiacuterico vulgar ligado agrave experiecircncia quotidiana mesmo do mais iletrado dos cidadatildeos Dize-

mos rochedo quando o afloramento de rocha eacute grande e apelidamos de rochoso um terreno

com a rocha agrave vista Rocha eacute um galicismo que entre noacutes se sobrepocircs ao termo ldquorocardquo bem

mais antigo talvez preacute-romano Cabo da Roca ou ldquoFocinho da Rocardquo no dizer dos homens do

mar deve o seu nome a esta versatildeo arcaica da palavra rocha

O conceito atual de rocha e os vaacuterios conhecimentos com elas relacionados percorreram

uma caminhada tatildeo longa quanto a do Homo sapiens caminhada de que temos testemunhos

na Preacute-histoacuteria e variadiacutessimos relatos escritos desde a Antiguidade

Na sua giacuteria proacutepria entendiacutevel entre pares os profissionais falam de rochas dizendo que

satildeo sistemas quiacutemicos mono ou polifaacutesicos (ou seja com um ou mais minerais) resultantes

do equiliacutebrio termodinacircmico atingido pelos seus constituintes em determinados ambientes

Entendendo-se por constituintes os elementos quiacutemicos incluiacutedos nos respetivos minerais

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Por outras palavras acessiacuteveis ao comum das gentes pode entatildeo dizer-se que as rochas

satildeo corpos naturais formados por associaccedilotildees mais ou menos estaacuteveis de minerais compatiacute-

veis entre si e com o ambiente onde foram gerados e que satildeo elas as rochas que constituem

a capa riacutegida da Terra que por essa razatildeo recebeu o nome de litosfera (FIGURA 1)

FIGURA 1 Modelado Graniacutetico na Serra da Estrela (fonte banco de imagens da Casa das Ciecircncias)

Antes de prosseguir esclareccedila-se que no jargatildeo proacuteprio da mineralogia e da geoquiacutemica

os minerais satildeo considerados fases no sentido fiacutesico-quiacutemico da palavra Com efeito neste

sentido uma fase eacute uma porccedilatildeo de mateacuteria quiacutemica e estruturalmente homogeacutenea e uma

qualquer espeacutecie mineral eacute isso mesmo

Por convenccedilatildeo na sistemaacutetica em sedimentologia entre as rochas sedimentares cabem

certos materiais natildeo consolidados como os barros as areias soltas as cascalheiras e ainda

outros de natureza natildeo mineral como os carvotildees foacutesseis e o petroacuteleo (oacuteleo de pedra) Cha-

mar rochas ou pedras a estes materiais agraves vezes tatildeo afastados da imagem vulgar de ldquocoisa

dura riacutegida e coesardquo decorre do conceito geoloacutegico de rocha no qual se inclui o modo de

ocorrecircncia e o respetivo processo de formaccedilatildeo (petrogeacutenese)

A mecacircnica das rochas (disciplina que estuda certas propriedades das rochas como resis-

tecircncia ao esmagamento agrave traccedilatildeo agrave torccedilatildeo agrave flexatildeo porosidade permeabilidade e outras)

define-as como entidades sempre riacutegidas e coesas e duras como tambeacutem se diz vulgarmen-

te com capacidade de suportar cargas e que na eventualidade de terem de ser escavadas ou

removidas haacute que usar tecnologias com explosivos Este conceito corresponde aliaacutes agrave ideia

mais divulgada de rocha como atraacutes se referiu Eacute o bedrock dos autores ingleses

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FIGURA 2 Processo de meteorizaccedilatildeo fiacutesica essencialmente por corrosatildeo eoacutelica em rochas sedimentares (arenitos) (fonte banco de imagens da Casa das Ciecircncias)

Aleacutem das muitas que conhecemos na Terra jaacute estudaacutemos rochas do nosso sateacutelite natural

nomeadamente basaltos e anortositos trazidos da sua superfiacutecie Mercuacuterio Veacutenus e Marte satildeo

tambeacutem planetas rochosos e igualmente rochosos ou pedregosos satildeo ainda os nuacutecleos dos co-

metas e muitos dos asteroides de que temos conhecimento pelos meteoritos caiacutedos na Terra

Quando se apelidam as rochas de magmaacuteticas sedimentares (FIGURA 2) ou metamoacuterficas

natildeo se estaacute apenas a rotulaacute-las para efeitos de arrumo ou arquivo muito menos se estatildeo a

criar novos vocaacutebulos para sobrecarga dos estudantes ou do cidadatildeo em geral Estes adjeti-

vos acrescentados agrave palavra rocha informam de imediato sobre a sua origem

bull magmaacutetica ou sedimentar qualquer delas em resultado de processos naturais faacuteceis de

entender

bull metamoacuterfica em consequecircncia de um outro processo muito menos ao alcance da vivecircncia

do vulgo mas que se explica sem grandes dificuldades

Apelidam-se de metamoacuterficas as rochas que posteriormente a uma primeira formaccedilatildeo

como magmaacuteticas ou sedimentares foram submetidas a pressotildees eou a temperaturas no

interior da crosta que lhes modificaram a composiccedilatildeo eou a textura

Foi atraveacutes do estudo das rochas que desvendaacutemos o essencial dos acontecimentos geo-

loacutegicos que marcaram a histoacuteria deste laquoPlaneta Azulraquo no qual a vida encontrou condiccedilotildees

para despertar e onde evoluiu ao ponto de se interrogar sobre essa mesma histoacuteria

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Os conhecimentos diretos de que hoje dispomos relativos agraves rochas da Terra limitam-se

aos que se obtecircm pelo estudo das que afloram agrave superfiacutecie das recolhidas em dragagens

nos fundos marinhos e das retiradas da profundidade quer em minas quer atraveacutes de son-

dagens Esta profundidade que natildeo excede 3 km no primeiro caso e 11 km no segundo

(na peniacutensula de Kola) pode considerar-se insuficiente se comparada com as trecircs a quatro

dezenas de quiloacutemetros de espessura meacutedia da crosta continental

Eacute jaacute muito o conhecimento que temos desta capa (a crosta ou crusta como alguns dizem e

escrevem) mais superficial do nosso planeta Temo-lo atraveacutes das rochas que constantemente

vemos e pisamos muitas delas geradas em zonas profundas trazidas agrave superfiacutecie pelos en-

rugamentos de origem tectoacutenica geradores das montanhas e subsequentemente postas a

descoberto pela erosatildeo

Outras rochas proacuteprias de muito maiores profundidades inclusive do manto inferior como eacute

o caso dos xenocristais e dos xenoacutelitos (do grego xenos estranho e lithos pedra) isto eacute cris-

tais e fragmentos de materiais liacuteticos gerados nessas regiotildees e que ascendem agrave superfiacutecie na

sequecircncia de atividade vulcacircnica englobados ou encravados nos produtos magmaacuteticos que ali

se formaram ou por ali passaram Na ilha da Madeira por exemplo satildeo frequentes os xenoacutelitos

oliviacutenicos que ascenderam ateacute agrave superfiacutecie no seio das lavas envolvidas no processo vulcacircnico

que originou esta e muitas outras ilhas

As rochas a que temos acesso mais ou menos direto representam uma parcela importante

da diferenciaccedilatildeo da Terra e agrave semelhanccedila da aacutegua do ar e dos seres vivos satildeo o resultado de

imensas transformaccedilotildees numa vasta e complexa rede de inter-relaccedilotildees ocorridas ao longo

dos tempos neste laquoplaneta vivoraquo pleno ainda de energia interna (sob a forma de calor) a que

se adiciona toda a que lhe chega do exterior isto eacute a radiaccedilatildeo solar Como escreveu Maurice

Mattauer ldquoas pedras nascem vivem e morrem como noacutes elas tecircm uma idade e uma histoacuteriardquo

Petrologia e litologia satildeo duas disciplinas que estudam as rochas ou as pedras Se bem que

os eacutetimos petra (latim) e lithos (grego) sejam sinoacutenimos petrologia e litologia encerram con-

ceitos diferentes ainda que relacionados entre si

bull A petrologia eacute um ramo da geologia com dimensatildeo de ciecircncia de vastos recursos nos campos

da fiacutesica da quiacutemica e naturalmente tambeacutem da matemaacutetica em busca do conhecimento da

origem natureza constituiccedilatildeo e evoluccedilatildeo da Terra no acircmbito do Sistema Solar e do Universo

bull A litologia outro ramo da geologia eacute habitualmente entendida como a disciplina que estuda

as rochas num campo praacutetico Serve a geologia de engenharia tendo em vista a implantaccedilatildeo

de grandes edifiacutecios e outras obras volumosas cujas fundaccedilotildees exigem o conhecimento dos

terrenos A litologia daacute igualmente respostas agrave pedologia (o estudo dos solos) e agrave induacutestria

extrativa de rochas ornamentais usadas na arquitetura na cantaria ou na estatuaacuteria e de

rochas industriais exploradas como importantes mateacuterias-primas para a construccedilatildeo civil a

ceracircmica o vidro o cimento a cal e a induacutestria quiacutemica

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Software educativo em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Ana C Conceiccedilatildeo

DMUniversidade do Algarve

O conceito F-Tool foi desenvolvido em 2012 com o objetivo de proporcionar uma

aprendizagem interativa em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Em particular eacute possiacutevel

explorar de forma integrada as noccedilotildees de domiacutenio contradomiacutenio existecircncia de zeros

existecircncia de extremos e de pontos de inflexatildeo invertibilidade derivabilidade reta

tangente ao graacutefico num ponto simetrias em relaccedilatildeo aos eixos e agrave origem A utilizaccedilatildeo

dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adaptaccedilatildeo de

alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e

do simples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular)

No ensino da matemaacutetica e em particular no estudo de funccedilotildees a recomendaccedilatildeo da utiliza-

ccedilatildeo de software educacional tem como objetivo o sanar das dificuldades que os alunos pos-

suem em associar as representaccedilotildees algeacutebricas com as diversas representaccedilotildees numeacutericas

eou graacuteficas De facto o caraacuteter estaacutetico das representaccedilotildees matemaacuteticas muitas vezes

dificulta a construccedilatildeo do significado afetando substancialmente a correta interpretaccedilatildeo dos

conceitos A criaccedilatildeo de modelos interativos visuais com o sistema de aacutelgebra computacional

Mathematica permite aos alunos explorar conceitos de elevada complexidade e rapidamen-

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te adquirir uma compreensatildeo mais profunda dos conteuacutedos Obviamente a utilizaccedilatildeo de sof-

tware educacional natildeo deve ser vista como um substituto para o ensino com ldquopapel e laacutepisrdquo

deve ser devidamente combinada com outros meacutetodos de ensino

O conceito F-Tool foi desenvolvido em 2012 com o objetivo de proporcionar uma apren-

dizagem interativa em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Os aplicativos computacionais

implementados com base neste conceito utilizam as capacidades de caacutelculo numeacuterico e

simboacutelico do Mathematica de forma a permitir estudar dinacircmica e interativamente e em

tempo real conceitos e propriedades fundamentais do preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial

FIGURA 1 Imagem ilustrativa da F-Exponential

O conceito F-Tool em sala de aula permite uma abordagem dinacircmica de diversos concei-

tos relacionados com o estudo de funccedilotildees e promove novas formas de raciocinarpensar

avaliar ensinar e aprender As F-Tool foram concebidas como ferramentas de aprendiza-

gem ativa ou seja a sua utilizaccedilatildeo adequada propicia um contexto de ensino-aprendiza-

gem onde alunos e professores satildeo igualmente convidados a contribuir Aleacutem disso tecircm

uma interface muito intuitiva que permite que ateacute mesmo o utilizador mais inexperiente

sem qualquer conhecimento anterior em software educacional possa comeccedilar a usar to-

dos os recursos de uma forma eficiente e autoacutenoma As F-Tool natildeo satildeo um objeto estaacutetico

mas sim um programa a ser executado com o qual se interage em tempo real Em parti-

cular atraveacutes da alteraccedilatildeo dinacircmica dos valores dos paracircmetros que definem cada classe

eacute possiacutevel obter informaccedilatildeo analiacutetica rigorosa apresentada em aritmeacutetica exata ou apro-

ximada bem como informaccedilatildeo visual estaacutetica e natildeo-estaacutetica De igual modo escolhendo

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estrategicamente de entre as vaacuterias opccedilotildees de funccedilotildees disponiacuteveis no painel esquerdo eacute

possiacutevel apreender de forma mais eficaz e consequente muitas das relaccedilotildees existentes

entre as vaacuterias funccedilotildees e respetivas transformaccedilotildees (FIGURA 1) As F-Tool utilizam um

coacutedigo de cores para diferenciar as vaacuterias funccedilotildees apresentadas Este coacutedigo eacute explicitado

na legenda do canto inferior esquerdo do painel central

Qual das figuras pode representar o graacutefico de uma funccedilatildeo e o graacutefico da sua derivada de 1ordf ordem

FIGURA 2 Exemplo de questatildeo de escolha muacuteltipla utilizando diversas opccedilotildees do painel esquerdo das F-Tool

Apesar de ser um software educacional dinacircmico e interativo pode tambeacutem ser utilizado

na construccedilatildeo de questotildees de avaliaccedilatildeo de escolha muacuteltipla (FIGURA 2) e de resposta aberta

ficando o docente automaticamente com a resposta ao selecionar no painel esquerdo as

opccedilotildees relacionadas com a questatildeo

A utilizaccedilatildeo dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adapta-

ccedilatildeo de alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e do sim-

ples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular) De facto

incluindo as F-Tool em ficheiros no Computable Document Format (CDF) eacute possiacutevel criar

fichas de trabalho dinacircmicas e interativas motivando os alunos e tornando o estudo mais

interessante

Acreditamos que o conceito F-Tool ao dotar professores e estudantes com novas fer-

ramentas para explorar alguns conceitos fundamentais da matemaacutetica desenvolveraacute po-

sitivamente o processo de ensino e de aprendizagem das aacutereas de preacute-caacutelculo e caacutelculo

diferencial

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018046

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O Aroma das Plantas Luiacutes Gaspar Pedro

Ana Cristina Figueiredo

Joseacute Gonccedilalves Barroso

CESAM CBV Universidade de Lisboa

Quando nos festejos dos Santos Populares colocamos a matildeo sobre o manjerico

provocamos a rutura de estruturas microscoacutepicas Ao fazecirc-lo libertam-se compostos

quiacutemicos que aderem agrave palma da nossa matildeo que depois percecionamos pelo nosso

olfacto Os aromas satildeo misturas complexas de dezenas de compostos volaacuteteis

carateriacutesticos de uma determinada planta

O aroma o que eacute

O aroma de muitas plantas eacute constituiacutedo por diversos compostos quiacutemicos volaacuteteis que

tecircm a capacidade de estimular os nossos recetores olfactivos A quantidade e a diver-

sidade deste tipo de compostos presentes nas plantas satildeo responsaacuteveis pelos aromas

carateriacutesticos Eacute relativamente faacutecil reconhecer o aroma dos coentros ou do manjerico e

distingui-los de outros aromas como o da rosa ou do cravinho

Na composiccedilatildeo da fraccedilatildeo volaacutetil de uma planta aromaacutetica encontram-se regra geral

compostos como os mono- e sesquiterpenos e os fenilpropanoacuteides (FIGURA 1) entre ou-

tros Satildeo todos eles compostos quiacutemicos com ponto de ebuliccedilatildeo relativamente baixo que

volatilizam agrave temperatura ambiente e contribuem de forma mais ou menos notoacuteria para o

aroma carateriacutestico de cada espeacutecie

FIGURA 1 Exemplos de compostos que constituem a fraccedilatildeo volaacutetil de diversas espeacutecies aromaacuteticas monoterpenos (α-pineno timol) sesquiterpenos (β-cariofileno germacreno D) e fenilpropanoacuteides (eugenol)

α-Pineno Timol β-Cariofileno Germacreno D Eugenol

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Estruturas secretoras

Os compostos que constituem a fraccedilatildeo aromaacutetica de uma planta satildeo regra geral sinteti-

zados e acumulados em estruturas secretoras microscoacutepicas Entre os diversos tipos de

estruturas secretoras as mais frequentes satildeo os tricomas os canais e as bolsas (FIGURA 2)

FIGURA 2 Exemplos de estruturas secretoras observadas em microscopia oacuteptica A - Tricoma de Geranium robertianum (s - secretado acumulado no espaccedilo sub-cuticular coloraccedilatildeo com reagente de Nadi) B - canal secretor de Crithmum maritimum (setas coloraccedilatildeo com tricloreto de antimoacutenio) e C - bolsa secretora de Citrus sp (coloraccedilatildeo com Vermelho Sudatildeo III)

Os tricomas glandulares satildeo estruturas externas com origem em ceacutelulas epideacutermicas

que apresentam diversos graus de complexidade desde tricomas com apenas trecircs ceacutelulas

uma das quais a secretora ateacute tricomas com mais de uma dezena de ceacutelulas secretoras

As bolsas e os canais secretores satildeo estruturas internas constituiacutedas por ceacutelulas glandu-

lares que delimitam o luacutemen o espaccedilo para onde satildeo secretados os compostos depois de

produzidos nas ceacutelulas secretoras Os canais satildeo estruturas alongadas que percorrem o

corpo da planta por vezes com ramificaccedilotildees enquanto as bolsas satildeo estruturas mais ou

menos isodiameacutetricas

Os oacuteleos essenciais

Um oacuteleo essencial eacute obtido por hidrodestilaccedilatildeo ou por destilaccedilatildeo por arrastamento de va-

por (FIGURA 3) No caso particular dos citrinos o oacuteleo essencial pode ainda ser obtido

por expressatildeo (processo mecacircnico que promove a libertaccedilatildeo do secretado acumulado no

interior das estruturas secretoras neste caso bolsas)

Tanto na hidrodestilaccedilatildeo como na destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor o secretado eacute

removido das estruturas secretoras e arrastado pelo vapor de aacutegua Depois de condensar

por arrefecimento o oacuteleo essencial separa-se da aacutegua podendo ser facilmente recolhido

devido agrave sua imiscibilidade com a aacutegua

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41FIGURA 3 A - Sistema de hidrodestilaccedilatildeo com aparelho de Clevenger e B - sistema de destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor

Anaacutelise de oacuteleos essenciais

Para analisar um oacuteleo essencial recorre-se frequentemente agrave cromatografia gasosa (CG)

para quantificaccedilatildeo dos componentes e agrave CG acoplada agrave espectrometria de massa (CG-

-EM) para a correspondente identificaccedilatildeo dos constituintes Por CG-EM os diversos com-

ponentes que constituem o oacuteleo essencial satildeo separados uns dos outros e ao chegarem ao

espectroacutemetro de massa satildeo bombardeados por eletrotildees o que leva a que as moleacuteculas

fragmentem formando-se diferentes iotildees de acordo com padrotildees preferenciais O con-

junto dos fragmentosiotildees constituem o espectro de massa que eacute carateriacutestico de cada

moleacutecula A integraccedilatildeo das aacutereas dos picos que surgem no cromatograma obtido por CG

(FIGURA 4A) permite a quantificaccedilatildeo relativa dos diversos componentes do oacuteleo essencial

A anaacutelise por CG-EM possibilita a identificaccedilatildeo desses compostos por comparaccedilatildeo dos

espectros de massa (FIGURA 4B) e dos iacutendices de retenccedilatildeo com os de amostras padratildeo

FIGURA 4 A - Aspeto parcial de um cromatograma obtido por CG carateriacutestico de um oacuteleo essencial com alguns dos ldquopicosrdquo identificados B - espectro de massa obtido por CG-EM de um dos componentes maioritaacuterios o timol

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Paisagens da Islacircndia Formase Processos (III)Fernando Carlos LopesCITEUC Universidade de Coimbra

A Islacircndia eacute famosa natildeo soacute pelos seus vulcotildees mas tambeacutem pelos seus glaciares e pela

sua sinuosa e escarpada linha de costa

Atualmente os glaciares cobrem cerca de 10 da superfiacutecie islandesa e 60 destas

aacutereas geladas assentam sobre sistemas vulcacircnicos ativos Esta combinaccedilatildeo de gelo e vul-

canismo torna a Islacircndia o local ideal para cheias repentinas (joumlkulhlaups) resultantes de

aacutegua que escorre por baixo dos glaciares devido agrave fusatildeo provocada pelas erupccedilotildees subgla-

ciares Atualmente existem 4 grandes calotes glaciares localizadas nas regiotildees elevadas

e vulcanicamente ativas do centro e sul da ilha a partir das quais divergem numerosas liacuten-

guas glaciarias Vatnajoumlkull (8100 km2) situado no centro leste Langjoumlkull (925 km2) si-

tuado no centro oeste Hofsjoumlkull (925 km2) situado na zona central da ilha Myrdalsjoumlkull

(600 km2) situado no sul da ilha Apesar da Islacircndia ter cerca de 24 Ma a sua paisagem soacute

foi moldada por glaciares nos uacuteltimos 5 milhotildees de anos Os seus glaciares de tipo alpino

(ou de montanha) avanccedilaram e recuaram condicionados pelas variaccedilotildees regionais e locais

do clima de que resultaram espetaculares morfologias Como jaacute se referiu anteriormente

as variaccedilotildees da carga glaciar sobre a litosfera provocadas pelas fases de gelo e degelo

teratildeo desempenhado papel importante na atividade vulcacircnica da ilha

Com um comprimento de cerca de 4970 km a linha de costa da Islacircndia eacute de um modo

geral muito recortada e escarpada marcada por promontoacuterios cabos peniacutensulas fiordes

e enseadas pontilhada de leixotildees por entre os quais se aninham praias de areia negra de

contornos suaves A accedilatildeo do mar sobre as inuacutemeras escoadas de lava que fluiacuteram ateacute agrave

costa ao longo da evoluccedilatildeo geoloacutegica da ilha e ali solidificaram sobre os aparelhos vulcacirc-

nicos implantados na zona litoral e sobre os vales deixados pelo recuo dos glaciares criou

paisagens de uma beleza surreal

FIGURA DA PAacuteGINA ANTERIOR Leixatildeo Hvitserkur noroeste da Islacircndia (fonte pixabay)

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Parte III - Paisagens controladas pelos glaciares e paisagens costeirasVales glaciares e fiordes

Vales glaciares vales suspensos lagos glaciares e cascatas ciacuterculos glaciares moreias

e fiordes satildeo formas carateriacutesticas das paisagens islandesas criadas pelos seus glacia-

res alpinos Os vales glaciares com o seu carateriacutestico perfil em ldquoUrdquo satildeo a forma mais

comum de paisagem originada pela erosatildeo glacial (FIGURA 1) No interior destes vales os

rios concentram o seu poder erosivo na zona mais baixa originando um perfil carateriacutestico

em ldquoVrdquo O poder erosivo dos glaciares eacute muito superior ao dos rios porque a sua energia

potencial resulta natildeo soacute do declive do terreno mas tambeacutem do peso do gelo A erosatildeo faz-

-se essencialmente ao longo das zonas laterais do canal criando um vale com vertentes

alcantiladas e fundo aplanado Vales suspensos satildeo vales escavados por glaciares tributaacute-

rios Como estes glaciares levam menos gelo o seu poder erosivo eacute menor que o do glaciar

principal ficando suspenso nas vertentes do glaciar principal quando o gelo recua Cons-

tituem exemplos notaacuteveis pela sua beleza e dimensatildeo os vales glaciares de Borgarvirki

(FIGURA 2) e de Akureyri (ou Eyjafjoumlrethur) no noroeste da ilha Este uacuteltimo vai desembocar

num fiorde que eacute mais longo da Islacircndia

FIGURA 1 Esquema 3D (sem escala) da evoluccedilatildeo de uma paisagem glaciar com formaccedilatildeo de vales glaciares vales glaciares suspensos ciacuterculos glaciares lagos glaciares e cascatas

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FIGURA 2 Aspeto do vale glaciaacuterio de Borgarvirki observado a partir da fortaleza de Borgarvirki

Se as condiccedilotildees forem favoraacuteveis os glaciares podem erodir abaixo do niacutevel do mar Quan-

do o glaciar recua o oceano invade estas depressotildees criando um fiorde Alguns dos fiordes

islandeses como o de Akureyri e o de Nordfjord (nordeste da ilha) possuem centenas de

metros abaixo do niacutevel do mar O fiorde de Nordfjord abrange parcialmente uma antiga cal-

deira vulcacircnica Nas faleacutesias do seu flanco oriental (falesias de Raudubjoumlrg) afloram rioacutelitos

conferindo agraves arribas uma carateriacutestica cor avermelhada)

Como se referiu anteriormente (Parte I) a orientaccedilatildeo da maioria dos vales glaciares e

fiordes segue de perto a orientaccedilatildeo dos principais lineamentos tectoacutenicos

Moreias

Em termos de aspetos deposicionais relacionados com glaciares as moreias satildeo de lon-

ge os mais abundantes Satildeo acumulaccedilotildees de fragmentos rochosos transportados pelos

glaciares quer na regiatildeo frontal (moreia frontal) lateral (moreia lateral) a meio (moreia

mediana) e no fundo (moreia de fundo)

Durante o uacuteltimo maacuteximo glaciar (haacute cerca de 20 000 anos) a Islacircndia estava quase

toda coberta por glaciares que se estendiam ateacute agrave costa e para aleacutem dela Foram encon-

tradas moreias frontais dessa eacutepoca a cerca de 130 km a offshore da costa ocidental e a

cerca de 150-230 m abaixo do niacutevel de mar atual

Eacute possiacutevel encontrar nos vales glaciares islandeses quer moreias antigas resultantes

da uacuteltima glaciaccedilatildeo quer moreias recentes e atuais Estas uacuteltimas estatildeo relacionadas com

as 4 grandes calotes glaciares existentes como eacute o caso das moreias do glaciar Vatna-

joumlkull que se podem observar em pleno no setor sudeste da ilha

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Lagoas glaciares e icebergues

Outra das paisagens magniacuteficas moldadas pelos glaciares satildeo as lagoas glaciares Estas

lagoas formam-se na extremidade dos glaciares que descem das calotes glaciares Satildeo

alimentadas pelo desgelo natural dos glaciares e nela flutuam pequenos e grandes iceber-

gues que se separam da frente do glaciar (FIGURA 3)

FIGURA 3 Esquema 3D (sem escala) da formaccedilatildeo de icebergues numa lagoa glaciar

O exemplo mais notaacutevel deste tipo de lagoas na Islacircndia eacute a lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten consi-

derada uma das maravilhas naturais do paiacutes Fica situada no sudeste da ilha na extremidade

do glaciar Breiethamerkurjoumlkull uma das liacutengua glaciares da calote de Vatnajoumlkull (FIGURA 4)

FIGURA 4 Icebergues na lagoa glaciar de Joumlkulsaacuterloacuten Ao fundo vecirc-se a frente do glaciar Breiethamerkurjoumlkull As faixas negras nos icebergues satildeo niacuteveis de cinza vulcacircnica

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A lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten eacute o ponto mais baixo da Islacircndia com zonas agrave cota de -200 m Na

baiacutea da lagoa tem-se acesso a uma paisagem de outro mundo com icebergues de dimen-

sotildees variadas que flutuam ateacute ao mar ficando alguns deles encalhados na margem de uma

praia de areia vulcacircnica Alguns icebergues exibem faixas negras correspondentes a niacuteveis

de cinzas vulcacircnicas provenientes de antigas erupccedilotildees (FIGURA 4) Outros exibem duas

tonalidades branco leitoso e azul claro A faixa azul corresponde agrave porccedilatildeo do icebergue

que se tornou recentemente emersa

A lagoa teraacute sido formada em 1934-35 pelo contiacutenuo recuo do glaciar Vatnajoumlkull e teraacute

duplicado de tamanho nos uacuteltimos 15 anos Dada a taxa atual de recuo do glaciar Vatna-

joumlkull um profundo fiorde iraacute desenvolver-se no local onde hoje existe a lagoa

As costas escarpadas

As costas escarpadas e recortadas satildeo sem duacutevida as mais dominantes Ocorrem deste o

oeste ao leste da ilha passando pela regiatildeo norte incisas por numerosos fiordes e peque-

nas enseadas e salpicadas por leixotildees Eacute notaacutevel pela sua forma de dragatildeo e pelas lendas

que o envolvem o leixatildeo de Hvitserkur (IMAGEM DA PAGINA 42) situado na costa leste da

Peniacutensula de Vatnsnes no noroeste da Islacircndia

Os fiordes mais profundos localizam-se na costa norte constituindo bons portos natu-

rais Um destaque especial vai para o fiorde ao longo do qual se estende a cidade de Aku-

reyri (fiorde de Akureyri ou Eyjafjoumlrethur) considerado o mais longo do paiacutes

Praias de areia Negra

As praias de areia negra em geral de reduzida extensatildeo podem ser constituiacutedas por i) de-

poacutesitos resultantes da abrasatildeo das arribas ii) moreias e depoacutesitos fluviais resultantes dos

rios glaciares com contornos suaves e lagoas glaciares protegidas por extensas barras

arenosas iii) depoacutesitos de tefra provenientes de erupccedilotildees freaacuteticas

As do primeiro tipo ocorrem um pouco por toda a linha de costa como resultado da accedilatildeo

do mar sobre as arribas As do segundo tipo ocorrem dominantemente entre Djuacutepivogur a

sudeste e Oumllfusaacute a sudoeste com destaque para a praia de Reynisfjara na costa sul As

da terceira categoria podem ser observadas na ilha de Heimaey arquipeacutelago de Vestman-

naeyja regiatildeo sul da Islacircndia

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018048

IMA

GE

M E

M D

ES

TAQ

UE

48

Eu crio as minhas obras de arte de peque-

nos pedaccedilos de papel com espirais que co-

nectam e ligam os elementos a uma grande

estrutura Na obra de origami acabada a

que chamo Voltinhas estas espirais vivem

e trabalham Forccedilas de tensatildeo e fricccedilatildeo

contrapotildeem-se agrave gravidade e mantecircm a

forma estaacutevel Nas minhas criaccedilotildees procu-

ro estar perto da natureza Quando criamos

ou estudamos modelos de papel na macro

escala podemos entender melhor as for-

mas criadas pela natureza na micro escala

A minha obra de origami na capa o trabalho

intitulado ldquoInverno num parque de Lisboardquo e

o capsiacutedeo do viacuterus Canine parvovirus um viacute-

rus contagioso que ataca sobretudo os catildees

e outros caniacutedeos tecircm a mesma estrutura

geomeacutetrica do pequeno rombicosidodecae-

dro um poliedro com simetria icosaeacutedrica

Essa obra invoca simbolicamente o Ano

da Biologia Matemaacutetica 2018 O origami eacute

uma arte de dobragem do papel com uma

forte componente geomeacutetrica que permite

a construccedilatildeo de formas complexas e tem

atraiacutedo o interesse de matemaacuteticos pelas

suas propriedades geomeacutetricas e algeacutebricas

Krystyna Burczyk

Os viacuterus satildeo responsaacuteveis por inuacutemeras

doenccedilas no homem nos animais e nas plan-

tas e as curas e prevenccedilotildees satildeo ainda mui-

tas vezes problemaacuteticas Desenvolvimen-

tos recentes das aplicaccedilotildees da matemaacutetica

agrave virologia nomeadamente das teorias de

grupos de grafos de tesselaccedilatildeo ou de re-

ticulados mostraram por exemplo que as

restriccedilotildees estruturais agraves formas dos viacuterus

satildeo maiores do que antes se pensava e

permitiram a construccedilatildeo de novos modelos

para o desenvolvimento de terapias anti-

-virais Os capsiacutedeos virais que envolvem

os genomas dos viacuterus por razotildees de eco-

nomia geneacutetica tem muitas vezes uma si-

metria icosaeacutedrica Ora esta simetria natildeo eacute

cristalograacutefica em trecircs dimensotildees ie natildeo

eacute compatiacutevel com reticulados perioacutedicos

o que motivou os matemaacuteticos a desen-

volverem novas estruturas no contexto de

grupos de Coxeter natildeo-cristalograacuteficos que

encontraram aplicaccedilatildeo natildeo soacute na virologia

mas tambeacutem noutras estruturas molecula-

res da quiacutemica do carbono

Joseacute Francisco RodriguesUniversidade de Lisboa

Origami e Viacuterusin imagemcasadascienciasorg

Imagem de Canine Parvovirus gerada em VMD Autor Alexandre Lopes Magalhatildees

Page 6: JUNHO 2018 V6 /02 · 2018-09-26 · Matilde Viegas, Maria João Ramos, Pedro Alexandrino Fernandes Stephen Hawking e a sua contribuição para a física teórica Orfeu Bertolami,

NO

TIacuteC

IAS

4

GRIPENET e BBC Four Pandemics

httpwwwgripenetpthttpswwwinfluenzaneteuhttpswwwbbccoukprogrammesp059y0p1

Haacute cem anos a pandemia da gripe espanhola

de 1918 dizimou entre 3 a 5 da populaccedilatildeo

mundial e foi uma das mais letais da histoacuteria

da humanidade Uma nova pandemia de gripe

poderaacute acontecer mais tarde ou mais cedo e

sem alarmismo o canal BBC Four lanccedilou em

marccedilo de 2018 o programa Contagion The BBC

Four Pandemic em colaboraccedilatildeo com um grupo

de matemaacuteticos da Universidade de Cambridge

Esse programa de ciecircncia cidadatilde tem como ob-

jetivo ajudar a combater uma futura pandemia

de doenccedilas infecciosas divulgando por um

lado o conhecimento cientiacutefico e a modelaccedilatildeo

matemaacutetica subjacente agraves epidemias e por ou-

tro atraveacutes de uma aplicaccedilatildeo para telemoacutevel

a BBC Pandemic app promovendo uma expe-

riecircncia de ciecircncia cidadatilde ao coligir dados auto-

rizados dos movimentos das pessoas dos seus

contactos e ainda outra informaccedilatildeo pessoal

Este projeto eacute um sucedacircneo do projeto europeu

Influenzanet iniciado na Holanda com partici-

paccedilatildeo portuguesa desde 2005 como GRIPENET

numa iniciativa dos investigadores do Instituto

Gulbenkian de Ciecircncias que continua no Insti-

tuto Nacional de Sauacutede Doutor Ricardo Jorge e

eacute atualmente o maior repositoacuterio em liacutengua por-

tuguesa de conteuacutedos em linha sobre a gripe

IMAGINARY lanccedila apelo de moacutedulos para uma Exposiccedilatildeo sobre Matemaacutetica e Muacutesica

httpsimaginaryorgmnm-call

A organizaccedilatildeo IMAGINARY open mathematics

atraveacutes da sua plataforma destinada a pro-

mover a divulgaccedilatildeo da matemaacutetica de forma

aberta e interativa lanccedilou um apelo agrave par-

ticipaccedilatildeo puacuteblica de matemaacuteticos muacutesicos

informaacuteticos e cidadatildeos interessados em con-

tribuir com moacutedulos de fonte ou coacutedigo aber-

tos que expliquem simulem eou mostrem as

relaccedilotildees e interaccedilotildees entre a Matemaacutetica e a

Muacutesica O objetivo eacute a realizaccedilatildeo da exposiccedilatildeo

ldquoThe Sound of Mathematicsrdquo a abrir em 2019

exatamente vinte anos apoacutes o FORUM Diderot

sobre Matemaacutetica e Muacutesica organizado pela

Sociedade Europeia de Matemaacutetica (EMS) que

se realizou a 3 e 4 de dezembro de 1999 si-

multaneamente em Lisboa Paris e Viena

ED

ITO

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5

Do crescimento das populaccedilotildees agrave epidemiologia e virologia

Decorrendo o Ano da Biologia Matemaacutetica 2018 uma iniciativa da Sociedade Europeia de

Matemaacutetica (EMS) em conjunto com a Sociedade Europeia de Biologia Teoacuterica e Matemaacutetica

(ESMTB) acontecem este ano na Europa um elevado nuacutemero de iniciativas cientiacuteficas para

celebrar o extraordinaacuterio progresso das aplicaccedilotildees matemaacuteticas na Biologia cujo veacutertex

desta influecircncia muacutetua ainda estaacute por acontecer Se histoacuterica e atualmente o progresso da

compreensatildeo de vaacuterios processos bioloacutegicos trouxe agrave matemaacutetica incluindo a estatiacutestica

novos problemas e conceitos natildeo eacute menos verdade que o rigor dos meacutetodos matemaacuteticos

tem e continuaraacute a desempenhar um contributo admiraacutevel para avaliar ou afastar hipoacuteteses

feitas por bioacutelogos neurocientistas e outros investigadores em medicina

Podemos considerar que o iniacutecio da interaccedilatildeo profiacutecua entre a Matemaacutetica e a Biologia se

iniciou em meados do seacuteculo XVIII em particular com a descriccedilatildeo do crescimento exponen-

cial das populaccedilotildees pelo matemaacutetico Leonard Euler cinquenta anos antes de Malthus As

questotildees quantitativas da mortalidade e da esperanccedila de vida do geacutenero humano um tema

central das ciecircncias atuariais das pensotildees e seguros que comeccedilaram a ser tabeladas ainda

em seiscentos e motivaram uma notaacutevel memoacuteria de Euler apresentada agrave Academia de Ciecircn-

cias de Berlim em 1760 foram moacutebiles para o desenvolvimento da teoria das probabilidades

e de meacutetodos estatiacutesticos Por outro lado nesse mesmo ano Daniel Bernoulli apresentou agrave

Academia de Ciecircncias de Paris um primeiro modelo diferencial para analisar a propagaccedilatildeo

da variacuteola e defender as vantagens da inoculaccedilatildeo para a prevenir que foi um trabalho pionei-

ro na aplicaccedilatildeo das equaccedilotildees diferenciais agrave variaccedilatildeo das populaccedilotildees e podemos considerar

como numa carta agrave Nature de 2000 que ldquoBernoulli was ahead of modern epidemiologyrdquo

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6

Hoje em dia o domiacutenio da Biomatemaacutetica eacute vastiacutessimo e vai muito aleacutem da dinacircmica das

populaccedilotildees da ecologia teoacuterica agrave epidemiologia meacutedica da geneacutetica agrave virologia da formaccedilatildeo

de padrotildees agraves redes neuronais da bioestatiacutestica agrave anaacutelise proteoacutemica da biomecacircnica agrave

fisiologia animal etc Se existem aacutereas da Matemaacutetica com maiores relaccedilotildees com a Biologia

nomeadamente na modelaccedilatildeo matemaacutetica e numeacuterica incluindo os sistemas dinacircmicos as

equaccedilotildees com derivadas parciais os processos estocaacutesticos e a estatiacutestica novas intera-

ccedilotildees estatildeo a surgir na geometria e na topologia no tratamento de dados e nas relaccedilotildees com

machine learning ou aacutelgebra computacional

Por exemplo no encontro kick-off do ano da Biologia Matemaacutetica realizado na Finlacircndia

a 4 e 5 de janeiro uma das conferecircncias plenaacuterias de Benoicirct Perthame da Universidade de

Paris-Sorbone abordou as ligaccedilotildees entre dois tipos de modelos matemaacuteticos para o cresci-

mento de tumores a descriccedilatildeo lsquomicroscoacutepicarsquo ou lsquocompressiacutevelrsquo agrave escala da densidade da

populaccedilatildeo celular e uma descriccedilatildeo mais macroscoacutepica ou lsquoincompressiacutevelrsquo que eacute baseada

num problema com fronteira livre do tipo da equaccedilatildeo claacutessica de Hele-Shaw um modelo

bidimensional bem conhecido para escoamento de fluidos entre duas placas paralelas

Outro exemplo atual decorreu do projeto multidisciplinar europeu DENFREE flying towards

the efficient control of dengue iniciado em 2012 e coordenado pelo Instituto Pasteur o qual

teve participaccedilatildeo portuguesa em particular de biomatemaacuteticos do CMAFUniversidade de Lis-

boa Um dos seus objetivos constituiu na elaboraccedilatildeo de modelos preditivos para combater a

epidemia do viacuterus do dengue baseados na dinacircmica computacional natildeo-linear combinada com

a anaacutelise estatiacutestica de dados sobre a vacinaccedilatildeo a niacutevel mundial Esses modelos permitiram

conclusotildees relevantes e contribuiacuteram para uma melhor administraccedilatildeo da Denvaxia uma vaci-

na do dengue recomendada pelo WHO Strategic Advisory Group of Experts (SAGE) e levaram a

multinacional Sanofi-Pasteur produtora daquela vacina a alterar a recomendaccedilatildeo de vacina-

ccedilatildeo apenas para as pessoas seropositivas Contudo isso aconteceu com um ano de atraso face

agrave prediccedilatildeo do modelo do DENFREE o que foi criticado por dois daqueles investigadores numa

carta de 21-12-2017 publicada na revista The Lancet Infectious Diseases

Portugal que jaacute em 2009 no bicentenaacuterio de Charles Darwin havia acolhido o encontro

The Mathematics of Darwinrsquos Legacy numa organizaccedilatildeo do Centro Internacional de Mate-

maacutetica em colaboraccedilatildeo com a ESMTB e o apoio da Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian acolhe

agora o principal acontecimento do Ano da Biologia Matemaacutetica 2018 a 11th European Con-

ference on Mathematical and Theoretical Biology (httpecmtb2018org) que se realiza na

Faculdade de Ciecircncias da Universidade de Lisboa de 23 a 27 de julho e natildeo poderaacute ficar indi-

ferente agrave celebraccedilatildeo do primeiro Dia da Biologia Matemaacutetica a 10 de outubro que se espera

ter continuidade anual e cujo logo invoca a morfogeacutenese humana

Joseacute Francisco RodriguesEditor convidado

AR

TIG

O

7

Campos (Fiacutesica)Eduardo Lage

Universidade do Porto

O conceito de campo eacute dos mais fundamentais em Fiacutesica Tal como um campo de flores

variadas pode ter em cada canteiro um letreiro identificando a espeacutecie aiacute plantada um

campo fiacutesico eacute uma regiatildeo do espaccedilo em que eacute definida uma etiqueta caraterizando o valor

de uma grandeza em cada ponto e em cada instante Na sua formulaccedilatildeo inicial devida a

Michael Faraday (1849) o campo era um auxiliar que permitia imaginar a forccedila eleacutetrica

que se exerceria sobre uma carga colocada nesse ponto Com a formulaccedilatildeo definitiva de

James Clerk Maxwell (1864) para as leis do electromagnetismo (conhecidas por equaccedilotildees

de Maxwell) o campo ganhou uma realidade fiacutesica O campo pode propagar-se como on-

das atraveacutes do espaccedilo destronando a ideia de forccedilas instantacircneas agrave distacircncia A teoria da

relatividade restrita (Einstein 1905) viria a incorporar este conceito num dos seus postu-

lados (nada ultrapassa a luz no vazio) obrigando a aceitar o campo como uma realidade

fundamental Todas as teorias a partir de entatildeo satildeo teorias de campo alargando o seu

acircmbito agraves forccedilas nucleares fortes (responsaacuteveis pela coesatildeo do nuacutecleo) e fracas (originan-

do a desintegraccedilatildeo do neutratildeo livre) e exigindo mesmo uma reformulaccedilatildeo da lei da atraccedilatildeo

universal (Newton) corporizada na teoria da relatividade geral (Einstein 1915)

A importacircncia do conceito de campo fez-se sentir em outros domiacutenios da Fiacutesica Assim

passaacutemos a falar em diversos tipos de campos

a) Escalares tais como os campos de densidade temperatura ou pressatildeo (FIGURA 1)

para discutir fenoacutemenos atmosfeacutericos ou o interior de planetas ie a etiqueta tem apenas

um nuacutemero identificando o valor da grandeza

FIGURA 1 Diferenccedila de pressotildees em relaccedilatildeo agrave pressatildeo atmosfeacuterica normal atraveacutes de cores identificando valores numeacutericos (abaixo representados)

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8

b) Vetoriais tais como os campos de velocidade (FIGURA 2) ou aceleraccedilatildeo num

soacutelido riacutegido o campo eletromagneacutetico ou graviacutetico ie a etiqueta tem trecircs nuacutemeros as

componentes do vetor associado agrave grandeza respetiva

FIGURA 2 Campo de velocidades de um fluido onde cada seta representa a velocidade do fluido no ponto onde se situa a origem da seta

c) Tensoriais tais como os campos de deformaccedilatildeo ou tensatildeo (FIGURA 3) em soacutelidos

deformaacuteveis ou o tensor de Maxwell no eletromagnetismo A etiqueta tem agora nove nuacute-

meros em geral (para tensores de 2ordf ordem) as componentes do tensor correspondente

agrave grandeza medida

FIGURA 3 Componentes do tensor das tensotildees onde por exemplo σyx eacute a componente da tensatildeo (vetor) segundo x para uma superfiacutecie normal ao eixo y Por convenccedilatildeo a tensatildeo eacute exercida pela parte exterior ao cubo

O campo escalar eacute talvez o mais simples e o seu estudo atraveacutes de um exemplo e pos-

teriormente generalizado permite obter vaacuterios resultados importantes que se revelam

tambeacutem importantes nos campos vetoriais e tensoriais

x

z

y

σxx

σyx

σxx

σyx

σzx

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018039

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Espectroscopia VibracionalPaulo Ribeiro ClaroCICECO Universidade de Aveiro

Designa-se por ldquoespectroscopia vibracionalrdquo a teacutecnica que mede a interaccedilatildeo da radiaccedilatildeo

eletromagneacutetica com os movimentos de vibraccedilatildeo de um sistema molecular

Qualquer sistema que contenha aacutetomos ligados entre si tem movimentos vibracionais

desde as moleacuteculas diatoacutemicas aos sistemas bioloacutegicos e aos materiais mais diversos

Deste modo as diversas teacutecnicas de espectroscopia vibracional satildeo muito utilizadas

tanto na caraterizaccedilatildeo de sistemas como em anaacutelise quiacutemica Estas aplicaccedilotildees

estendem-se atualmente ateacute agrave imagem meacutedica

Graus de liberdade de um sistema molecular

Considerando uma associaccedilatildeo de N aacutetomos (moleacutecula iatildeo ou radical) em fase gasosa ndash isto

eacute isolada e livre de restriccedilotildees externas ao seu movimento ndash cada um dos seus aacutetomos pode

deslocar-se segundo as trecircs direccedilotildees do espaccedilo descritas pelos eixos coordenados ou ve-

tores xyz Teremos assim 3N vetores que podem combinar-se em 3N movimentos distintos

FIGURA 1 Representaccedilatildeo esquemaacutetica dos 3N graus de liberdade de uma moleacutecula diatoacutemica A linha superior representa as trecircs translaccedilotildees a linha inferior representa as duas rotaccedilotildees e uma vibraccedilatildeo (O nuacutemero de vibraccedilotildees independentes eacute dado pela diferenccedila entre o nuacutemero de graus de liberdade e o nuacutemero de translaccedilotildees e rotaccedilotildees 3N-5) O movimento de vibraccedilatildeo pressupotildee que a ligaccedilatildeo entre os aacutetomos funciona como uma mola (que forccedilaraacute os aacutetomos a inverterem o sentido do movimento)

AR

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Quando todos os aacutetomos se movem coordenadamente na direccedilatildeo um dado vetor (por

exemplo direccedilatildeo z FIGURA 1 primeira imagem) isso representa a translaccedilatildeo da moleacutecula

nessa direccedilatildeo Para uma moleacutecula isolada haacute pois trecircs movimentos ndash ou graus de liberdade

ndash translacionais

De igual modo eacute possiacutevel encontrar combinaccedilotildees de movimentos individuais dos aacutetomos

que resultam numa rotaccedilatildeo da moleacutecula em torno do seu centro de massa Estes graus de

liberdade rotacionais satildeo tambeacutem trecircs para a maioria das moleacuteculas Em moleacuteculas linea-

res haacute apenas dois graus de liberdade rotacionais pois natildeo existe rotaccedilatildeo em torno do eixo

molecular (natildeo moveria nenhum aacutetomo)

As restantes combinaccedilotildees de movimentos atoacutemicos resultam em movimentos dos aacutetomos

entre si sem que haja translaccedilatildeo ou rotaccedilatildeo da moleacutecula ou seja correspondem a graus de

liberdade vibracionais Deste modo um sistema molecular com N aacutetomos tem 3N-6 vibra-

ccedilotildees (3N-5 se for linear)

A soluccedilatildeo da equaccedilatildeo de Schoumldinger para uma partiacutecula livre em movimento tem como

significado fiacutesico a natildeo-quantizaccedilatildeo da energia translacional Dito de outro modo os graus

de liberdade translacionais satildeo contiacutenuos Contudo o mesmo natildeo se passa com os movimen-

tos os rotacionais e vibracionais a que correspondem niacuteveis de energia discretos (ou quan-

tizados) Assim eacute possiacutevel observar transiccedilotildees entre os niacuteveis rotacionais (espectroscopia

rotacional) ou entre os niacuteveis vibracionais (espectroscopia vibracional) Como seraacute discutido

abaixo numa moleacutecula em fase gasosa eacute possiacutevel observar transiccedilotildees em que se alteram si-

multaneamente o estado vibracional e o estado rotacional (por vezes abreviadas para ldquotran-

siccedilotildees roto-vibracionaisrdquo)

O modelo mais simples para descrever as vibraccedilotildees moleculares eacute o modelo do oscilador

harmoacutenico diatoacutemico dois aacutetomos de massa m1 e m2 ligados por uma mola perfeitamente

elaacutestica (FIGURA 2A) Os dois aacutetomos oscilam em torno da distacircncia de equiliacutebrio num mo-

vimento que pode ser designado por ldquoelongaccedilatildeo linearrdquo (e frequentemente abreviado para

ldquoelongaccedilatildeordquo)

Por resoluccedilatildeo da equaccedilatildeo de Schroumldinger para este modelo obteacutem-se a expressatildeo da

energia dos niacuteveis vibracionais

)frac12v(v += νhE

onde v eacute o nuacutemero quacircntico vibracional (v = 0 1 2 3 hellip) e ν eacute a frequecircncia de vibraccedilatildeo

do oscilador harmoacutenico Segundo este modelo os niacuteveis de energia de um oscilador estatildeo

igualmente espaccedilados sendo a diferenccedila entre eles igual a hν (FIGURA 2B) A regra de sele-

ccedilatildeo para o oscilador harmoacutenico eacute Δv = 1 pelo que o espectro vibracional de uma moleacutecula

diatoacutemica nesta aproximaccedilatildeo consiste num uacutenico sinal de frequecircncia ν independentemente

do niacutevel de partida

(1)

AR

TIG

O

11

FIGURA 2 A - Oscilador harmoacutenico constituiacutedo por duas esferas de massa m1 e m2 ligadas por uma mola sem limite de elasticidade (obedece agrave lei de Hooke para qualquer deformaccedilatildeo) B - Esquema da distribuiccedilatildeo dos niacuteveis de energia vibracionais em funccedilatildeo do nuacutemero quacircntico v e valor da separaccedilatildeo energeacutetica entre niacuteveis consecutivos

A frequecircncia do oscilador depende naturalmente da forccedila da ldquomolardquo ou seja do grau de

rigidezelasticidade da ligaccedilatildeo quiacutemica que se traduz na constante de forccedila da ligaccedilatildeo k

Esta constante de forccedila eacute a que define a resistecircncia da mola agrave deformaccedilatildeo ou seja a forccedila

que eacute necessaacuterio efetuar para provocar uma deformaccedilatildeo de Δx de acordo com a lei de

Hooke F = k Δx A equaccedilatildeo da frequecircncia do oscilador harmoacutenico eacute entatildeo dada por

μπν

k21

=

onde μ eacute a massa reduzida do oscilador

Os osciladores reais satildeo anarmoacutenicos uma vez que as ligaccedilotildees quiacutemicas natildeo se compor-

tam como molas perfeitamente elaacutesticas A FIGURA 5 compara a funccedilatildeo de energia potencial

do oscilador harmoacutenico com uma curva pouco anarmoacutenica (FIGURA 3A) e muito anarmoacutenica

(FIGURA 3B) A situaccedilatildeo real corresponde agrave curva de alta anarmonicidade (FIGURA 3B) jaacute que

as ligaccedilotildees quiacutemicas quebram quando satildeo estiradas excessivamente

FIGURA 3 Comparaccedilatildeo entre o oscilador harmoacutenico (linha a vermelho) e anarmoacutenico (linha a preto) para duas situaccedilotildees A - baixa anarmonicidade e B - alta anarmonicidade Notar que a regiatildeo da transiccedilatildeo fundamental(0rarr1) eacute muito razoavelmente descrita pelo oscilador harmoacutenico em qualquer dos casos

(2)

A B

A B

AR

TIG

O

12

A energia dos niacuteveis de um oscilador anarmoacutenico eacute dada por

2v )frac12v()frac12v( +-+= exhhE νν

onde xe eacute a constante de anarmonicidade especiacutefica de cada oscilador

Um efeito imediato da anarmonicidade eacute a diminuiccedilatildeo progressiva do espaccedilamento ener-

geacutetico entre os niacuteveis (tal como se observa na FIGURA 3)

ΔEv0rarr1 = hν(1 ndash 2 x) ΔEv1rarr2

= hν(1 ndash 4 x) ΔEv2rarr3 = hν(1 ndash 6 x)

Proacuteximo da energia de dissociaccedilatildeo o espaccedilamento tende para zero o que permite estimar

a energia de uma ligaccedilatildeo a partir da sua frequecircncia de vibraccedilatildeo e da correspondente anar-

monicidade

exhD 4e ν=

A regra de seleccedilatildeo para o oscilador anarmoacutenico eacute Δv = 1 2 3 hellip sendo possiacutevel observar

diversas transiccedilotildees Enquanto a transiccedilatildeo do niacutevel v=0 para v=1 eacute designada por transiccedilatildeo

fundamental as transiccedilotildees de v=0 para vgt1 satildeo designadas sobretons

Quando a populaccedilatildeo dos niacuteveis excitados eacute significativa eacute possiacutevel observar as transiccedilotildees

v=1 para v=2 v=2 para v=3 etc Estas transiccedilotildees aumentam de intensidade por aumento

da temperatura (ver distribuiccedilatildeo de populaccedilatildeo de Boltzmann) pelo que as correspondentes

bandas do espectro vibracional satildeo designadas por ldquobandas quentesrdquo

Esta anaacutelise do espectro vibracional de sistemas diatoacutemicos pode estender-se a sistemas

poliatoacutemicos Em sistemas poliatoacutemicos observam-se vaacuterios movimentos de ldquoelongaccedilatildeo li-

nearrdquo (tantos quantos as ligaccedilotildees entre 2 aacutetomos) de ldquodeformaccedilatildeo angularrdquo (envolvendo 3

aacutetomos ligados) de ldquotorccedilatildeordquo e de ldquodeformaccedilatildeo para fora do planordquo (envolvendo 4 aacutetomos

ligados) Estes movimentos combinam-se nas 3N-6 vibraccedilotildees globais da moleacutecula desig-

nados por modos normais de vibraccedilatildeo Em alguns casos os modos normais de vibraccedilatildeo es-

tatildeo altamente localizados num grupo definido de aacutetomos ndash por exemplo o grupo carbonilo

(C=O) ndash e originam bandas no espectro vibracional que satildeo carateriacutesticas desse grupo de

aacutetomos e mais ou menos independentes do resto da moleacutecula Estas vibraccedilotildees satildeo desig-

nadas por frequecircncias de grupo muito utilizadas em caraterizaccedilatildeo quiacutemica Estes toacutepicos

seratildeo desenvolvidos num texto proacuteprio

Transiccedilotildees roto-vibracionais numa abordagem breve

Tal como referido acima eacute possiacutevel observar transiccedilotildees vibracionais (Δv = 1 2 3 hellip) acom-

panhadas de transiccedilotildees rotacionais (ΔJ= 1) Considerando estes graus de liberdade como

independentes entre si a energia dos niacuteveis num oscilador diatoacutemico eacute dada simplesmente

pela soma da equaccedilatildeo (3) com a equaccedilatildeo do rotor diatoacutemico

(3)

(4)

(5)

AR

TIG

O

13

222J v )1()frac12v()1()frac12v( +++-+++= JDxhJBhE eνν J J ][

Ignorando os termos anarmoacutenico e de distorccedilatildeo centriacutefuga ndash indicados entre parecircntese

rectos ndash a energia da transiccedilatildeo vibracional fundamental num oscilador diatoacutemico eacute dada por

ΔEv=0rarrv=1 = hν + B[J(J+1)minusJrsquo(Jrsquo+1)]

onde J eacute o nuacutemero quacircntico rotacional do estado inicial v=1 e Jrsquo eacute o nuacutemero quacircntico

rotacional do estado final v = 1

A FIGURA 4 ilustra as transiccedilotildees que correspondem a Jrsquo=J-1 Jrsquo=J e Jrsquo=J+1 e a FIGURA 5

apresenta o espectro observado para o oscilador diatoacutemico real HCl No espectro real o efeito

da anarmonicidade do oscilador no valor de B eacute evidente

FIGURA 4 Esquema simplificado das transiccedilotildees roto-vibracionais numa moleacutecula diatoacutemica Os niacuteveis natildeo estatildeo agrave escala As transiccedilotildees com Jrsquo=J-1 (a verde) originam as bandas do Ramo P e as transiccedilotildees com Jrsquo=J+1 (a azul) originam o Ramo R As transiccedilotildees com Jrsquo=J (a amarelo) originam o Ramo Q mas natildeo satildeo permitidas em moleacuteculas diatoacutemicas

FIGURA 5 Espectro roto-vibracional da moleacutecula diatoacutemica HCl com a indicaccedilatildeo da posiccedilatildeo do Ramo Q (transiccedilotildees natildeo permitidas por regra de seleccedilatildeo) Notar que todos os sinais aparecem desdobrados em dois uma amostra real de HCl conteacutem as formas isotoacutepicas H35Cl e H37Cl a que correspondem diferentes valores de B Notar tambeacutem que o espaccedilamento entre bandas no ramo P eacute maior que no ramo R no estado fundamental v=0 a distacircncia interatoacutemica meacutedia eacute menor do que para v=1 pelo que B gt Brsquo Notar que a transiccedilatildeo Jrsquo=J eacute proibida pelo que natildeo aparece a banda Q

(6)

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14

O crescimento exponencial de populaccedilotildees Euler ou Malthus Suzana NaacutepolesUniversidade de Lisboa

Em 1798 no livro An Essay on the Principle of Population que teve seis ediccedilotildees Thomas

Malthus (1766-1864) um cleacuterigo e erudito inglecircs influente nos campos da economia po-

liacutetica e da demografia escreveu

ldquoA populaccedilatildeo quando natildeo controlada aumenta em progressatildeo geomeacutetrica A subsistecircncia

aumenta apenas em progressatildeo aritmeacutetica Um pequeno conhecimento dos nuacutemeros mostra-

raacute a imensidatildeo do primeiro poder em comparaccedilatildeo com o segundoldquo

Malthus natildeo tentou traduzir matematicamente o seu modelo de crescimento Limitou-se a

caraterizaacute-lo pressupondo que a taxa segundo a qual a populaccedilatildeo cresce num determinado

instante eacute proporcional agrave populaccedilatildeo total nesse mesmo instante

Numa revisatildeo da primeira ediccedilatildeo discutiu em detalhe os obstaacuteculos para o crescimento

da populaccedilatildeo em vaacuterios paiacuteses nomeadamente atraso no casamento aborto infanticiacutedio

fome guerra epidemias e fatores econoacutemicos Para ele o casamento retardado era a melhor

opccedilatildeo para estabilizar a populaccedilatildeo

Para caraterizar matematicamente este modelo considerando o crescimento em anos

consecutivos e supondo uma taxa de crescimento r em cada ano se num ano n a popula-

ccedilatildeo eacute Pn no ano seguinte a populaccedilatildeo seraacute Pn +1= (1 + r ) Pn pelo que Pn+1= (1 + r ) n P0 e o

crescimento eacute descrito por uma progressatildeo geomeacutetrica de razatildeo 1 + r

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15FIGURA 1 Thomas Malthus

Supondo uma variaccedilatildeo contiacutenua do tempo e designando por P(t) a populaccedilatildeo no instante

t e por r a taxa de crescimento por unidade de tempo a equaccedilatildeo diferencial que traduz o

modelo contiacutenuo preconizado por Malthus eacute Prsquo(t) = r P(t) Entatildeo P(t) = ke r t com k constante

Como P(0) = k e P0 o nuacutemero de indiviacuteduos no ano zero a evoluccedilatildeo da populaccedilatildeo eacute dada

por P(t) = P0 e rt

Acontece que 50 anos antes em Introductio in analysin infinitorum no VI capiacutetulo

ldquoDe quantidades exponenciais e logaritmosrdquo para ilustrar a grande utilidade das ta-

belas de logaritmos para abreviar caacutelculos numeacutericos o matemaacutetico suiacuteccedilo Leonhard

Euler (1707-1783) daacute vaacuterios exemplos que envolvem o crescimento populacional de

que transcrevemos os exemplos II e III

FIGURA 2 Leonhard Euler e o seu Introductio in analysin infinitorum

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16

Exemplo II

ldquoSe a populaccedilatildeo em certa regiatildeo aumenta anualmente um trigeacutesimo e por outro lado laacute

habitavam no princiacutepio 100000 pessoas pergunta-se qual o nuacutemero de habitantes apoacutes

100 anos

Seja o nuacutemero inicial = n pelo que n = 100000 passado um ano o nuacutemero de habitantes

seraacute = (1+301 )n=30

13 n depois de dois anos = S X3013 2

n ao cabo de trecircs = S X3013 3

n e daqui

depois de 100 anos seraacute = S X3013 100

n = S X3013 100

100000 cujo logaritmo eacute = 100 l 1013 +

l 100000 E l 1013 = l 31 - l 10 = 0014240439 de onde 100 l 10

13 = 14240439 que somando-

-lhe l 100000 = 5 seraacute o logaritmo do nuacutemero de habitantes procurado = 64240439 a que

corresponde o nuacutemero 2654874

Assim ao cabo de 100 anos seraacute mais de vinte e seis vezes maiorrdquo

Este exemplo publicado em 1748 eacute meio seacuteculo antes a concretizaccedilatildeo do ldquoModelo Mal-

thusianordquo para uma populaccedilatildeo de 100000 habitantes e uma taxa de crescimento anual de

130

No exemplo seguinte Euler faz alusatildeo ao capiacutetulo 7 do Livro do Genesis que relata como

um diluacutevio reduziu a populaccedilatildeo da terra a seis seres humanos

Exemplo III

ldquoComo a humanidade se espalhou apoacutes o diluacutevio por obra de seis seres humanos se o nuacute-

mero destes alcanccedilar duzentos anos depois o nuacutemero 1000000 pergunta-se em que parte

deveria crescer anualmente o nuacutemero de humanos

Se aumentar em cada ano x1 duzentos anos depois o nuacutemero de humanos seria =

xx1 200+S X 6 = 1000000 e por tanto x

16

1000000 2001

+ = S Xx

Portanto l x1

2001+ =x l

61000000 =200

1 52218487 = 00261092

e assim =x1+x

10000001061963 e 1000000 = 61963x donde x =16 aproxidamente

Bastaraacute pois que os humanos aumentem por ano a sua deacutecima sexta parte [] Contudo se

o nuacutemero de homens tivesse crescido na mesma proporccedilatildeo durante um intervalo de 400

anos deveria chegar a 1000000 10000006

= 166666666666 cujo sustento a terra inteira

natildeo seria de forma alguma capaz de darrdquo

Euler ao abordar o crescimento das populaccedilotildees tinha uma preocupaccedilatildeo matemaacutetica ndash a

de mostrar a utilidade dos logaritmos ndash que ilustrou com exemplos

Mas a observaccedilatildeo anterior leva a crer que ele considerou o modelo exponencial desade-

quado para o estudo do crescimento populacional

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17

A populaccedilatildeo de Portugal espelha bem a falecircncia deste modelo Segundo dados do Ins-tituto Nacional de Estatiacutestica nos duzentos anos que decorreram entre 1770 e 1970 a

populaccedilatildeo nem chegou a triplicar

TABELA 1 Populaccedilatildeo de Portugal entre 1422 a 1890

Popuccedilatildeo de Portugal (INE Lisboa)

Ano Total Variaccedilatildeo Ano Total Variaccedilatildeo

1422 1 043 274 - 1900 5 423 132 +74

1527 1 262 376 +210 1911 5 960 056 +99

1636 1 100 000 -129 1920 6 032 991 +12

1736 2 143 368 +949 1930 6 825 883 +131

1770 2 850 444 +330 1940 7 722 152 +131

1776 3 352 310 +176 1950 8 441 312 +93

1801 2 931 930 -125 1960 8 851 289 +49

1811 2 876 602 -19 1970 8 568 703 -32

1838 3 200 000 +112 1981 9 852 841 +150

1849 3 411 454 +66 1991 9 862 540 +01

1864 4 188 410 +228 2001 10 356 117 +50

1878 4 550 699 +86 2007 10 617 575 +25

1890 5 049 729 +110

Quanto a Malthus as suas preocupaccedilotildees eram de natureza poliacutetica e legislativa To-

mou como certo um crescimento exponencial da populaccedilatildeo mundial que conduziria a

uma cataacutestrofe por ausecircncia de recursos e para o travar sugeriu o recurso a poliacuteticas

adequadas Ao publicitar o modelo exponencial - que ficou conhecido como Modelo

Malthusiano - ligando-o a problemas legislativos reais abriu caminho para que dife-

rentes matemaacuteticos se dedicassem agrave modelaccedilatildeo do crescimento populacional

Em 1844 o matemaacutetico belga Pierre Verhulst (1804-1849) propocircs no artigo Recherches

matheacutematiques sur la loi drsquoaccroissement de la population um modelo em que considera que

agrave medida que a populaccedilatildeo se aproxima de um valor maacuteximo a taxa de crescimento diminui

ldquoO aumento virtual da populaccedilatildeo eacute portanto limitado pelo tamanho e pela fertilidade do paiacutes

Como resultado a populaccedilatildeo fica cada vez mais proacutexima de um estado estaacutevelrdquo

Designado por P(t) a populaccedilatildeo no instante t por r a taxa de crescimento por unidade

de tempo e por M o nuacutemero maacuteximo de indiviacuteduos que a regiatildeo pode suportar este modelo

exprime-se pela equaccedilatildeo diferencial

( )dt

dP rP MP t

1= -T Y

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18

cuja soluccedilatildeo eacute

( )( ) ( )( )

P t

MP eP e

10 10

rt

rt

=+

-

Se P(t) for muito pequeno face a M tem-se que ( )dt

dP rP MP t

1= -T Y cong r P(t) que tem a soluccedilatildeo P(t) cong P(0) e rt

e o crescimento eacute exponencial

FIGURA 4 Pierre Franccedilois Verhulst e o graacutefico da curva logiacutestica

Agrave medida que t cresce a populaccedilatildeo aproxima-se assintoticamente de M A equaccedilatildeo diferen-

cial que carateriza este modelo eacute atualmente designada por equaccedilatildeo logiacutestica e a populaccedilatildeo

maacutexima M por capacidade de carga Com Verhulst relativizou-se ldquoa hipoacutetese da progressatildeo

geomeacutetrica uma vez que ela soacute se pode verificar em circunstacircncias muito especiais por exem-

plo quando um territoacuterio feacutertil de tamanho quase ilimitado passa a ser habitado por pessoas

com uma civilizaccedilatildeo avanccedilada como foi o caso das primeiras coloacutenias americanasrdquo

Essa equaccedilatildeo foi retomada por vaacuterios matemaacuteticos e adaptada a contextos variados

Satildeo de realccedilar os casos em que a capacidade de carga varia como o tempo conduzindo

ao modelo caraterizado pela equaccedilatildeo diferencial

dtdP rP M

P1= -T Y( )t

onde a capacidade de carga M(t) = M(t +T) varia periodicamente com periacuteodo T

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19

FIGURA 5 A demografia eacute instrumental para o controlo das populaccedilotildees humanas

Desde o seacuteculo XVIII que o estudo da dinacircmica das populaccedilotildees eacute objeto de modelaccedilatildeo

matemaacutetica Na atualidade existem outros modelos de crescimento hiperboacutelicos expo-

nenciais logiacutesticos ou baseados noutras funccedilotildees Baseada nos modelos populacionais

do matemaacutetico Song Jian a Repuacuteblica Popular da China em 1980 entatildeo a atingir o biliatildeo

de habitantes instaurou uma poliacutetica estrita de filho uacutenico Essa lei foi flexibilizada em

2015 aumentando para dois o nuacutemero maacuteximo de filhos para fazer frente ao envelheci-

mento da populaccedilatildeo e agrave reduccedilatildeo do grupo de trabalhadores na faixa etaacuteria considerada

economicamente ativa

Muitos dos pareceres cientiacuteficos nas mais diversas aacutereas baseiam-se em modelos ma-

temaacuteticos que podem permitir fazer estimativas e previsotildees mas hellip ao olhar para o cres-

cimento populacional ao longo dos tempos verificamos que os modelos matemaacuteticos satildeo

instrumentais na anaacutelise da dinacircmica das populaccedilotildees

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20

Artroacutepodes Miguel Santos

Rubim Almeida

Sara C Antunes

DB CIBIO InBIO CIIMAR Universidade do Porto

Artroacutepodes (Arthropoda do grego arthro = articulado + podos = peacutes) satildeo o grupo taxonoacutemi-

co mais diversificado com distribuiccedilatildeo por quase todo o globo e ocupando todos os habitats

Satildeo organismos invertebrados com exosqueleto riacutegido apresentando apecircndices articula-

dos (patas antenas) e de nuacutemero diferenciado de acordo com o subfilo a que pertencem

Os artroacutepodes constituem um dos mais diversos grupos de organismos do planeta com-

preendendo espeacutecies que variam de 0085 mm (Tantalacus dieteri um crustaacuteceo parasita)

ateacute 38 m (envergadura do Caranguejo-aranha-gigante) Os organismos pertencentes a

este grupo encontram-se praticamente em todos os tipos de habitat A razatildeo do sucesso

evolutivo deste grupo taxonoacutemico deve-se a um conjunto de carateriacutesticas uacutenicas i) pos-

suiacuterem um exosqueleto proteico-quitinoso flexiacutevel leve e resistente que protege contra a

desidrataccedilatildeo ii) segmentaccedilatildeo do corpo e a presenccedila de apecircndices articulados especia-

lizados iii) oacutergatildeos sensoriais bem desenvolvidos (antenas sedas sensoriais olhos com-

postos olhos pedunculados ocelos quimiorrecetores nas antenas) iv) metamorfose com

diferentes estaacutedios de desenvolvimento incluindo estaacutedios larvares que podem ter um

modo de vida completamente diferente do adulto permitindo um aproveitamento de outros

recursos (alimento e espaccedilo) reduzindo a competiccedilatildeo entre indiviacuteduos da mesma espeacutecie

v) padrotildees comportamentais complexos revelando por vezes organizaccedilatildeo comunitaacuteria e

vi) sistema respiratoacuterio diverso nomeadamente o sistema traqueal onde o ar entra em

contacto direto com os tecidos devido a um eficiente sistema de tubos (traqueias) com

orifiacutecios na superfiacutecie do tegumento (espiraacuteculos) No entanto a origem e a taxonomia

deste grupo ainda constituem um tema de investigaccedilatildeo e debate Mesmo apesar dos avan-

ccedilos em aacutereas como a biologia molecular que fornece importantes conhecimentos sobre

as complexas relaccedilotildees evolutivas destes organismos muito ainda haacute por descobrir Os

artroacutepodes satildeo um grupo extremamente importante nos ecossistemas terrestres devido

natildeo soacute agrave sua enorme abundacircncia e diversidade mas tambeacutem ao grande nuacutemero de funccedilotildees

que desempenham nestes ecossistemas (ex degradaccedilatildeo da mateacuteria orgacircnica arejamento

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21

do solo ciclagem de nutrientes) O filo Arthropoda estaacute atualmente subdividido em cinco

subfilos Trilobitomorpha Crustacea Myriapoda Chelicerata e Hexapoda

O subfilo Trilobitomorpha (trilobites e os seus parentes) compreende cerca de 20 000

espeacutecies que viviam exclusivamente em ambientes marinhos e que atualmente se encon-

tram todas extintas Contudo a sua vasta distribuiccedilatildeo geograacutefica e o exosqueleto de carbo-

nato de caacutelcio permitiram que este grupo apresente um extenso registo foacutessil observaacutevel

por todo o planeta

Crustacea inclui caranguejos camarotildees e lagostas contendo mais de 60 000 espeacute-

cies e com um extenso registo foacutessil em todo o mundo eacute um dos principais grupos de

artroacutepodes A maioria dos crustaacuteceos vive em ambientes marinhos mas existem vaacuterias

espeacutecies que podem ser encontradas em ecossistemas de aacutegua doce (ordem Cladocera e

sub-classe Copepoda) e em ambientes terrestres (ordem Isopoda FIGURA 1) Apesar da

grande maioria dos crustaacuteceos serem de vida livre existem vaacuterios grupos parasitas (ex

Rhizocephala ndash crustaacuteceos cirriacutepedes parasitas de caranguejos e camarotildees Argulidae ndash

crustaacuteceos parasitas de peixes e Pentastomida ndash vermes liacutengua que parasitam o sistema

respiratoacuterio de vertebrados) Numa perspetiva diferente e de interesse econoacutemico este

grupo apresenta ainda um valor acrescido jaacute que alguns crustaacuteceos decaacutepodes como la-

gostas e camarotildees satildeo intensivamente consumidos em todo o mundo Para aleacutem da sua

importacircncia econoacutemica este grupo de organismos eacute bastante utilizado em investigaccedilatildeo

cientiacutefica nomeadamente em ecotoxicologia na avaliaccedilatildeo do efeito de contaminantes no

solo

FIGURA 1 Exemplares de organismos da ordem Isopoda (bicho-da-conta) 1 ndash famiacutelia Armadillidae 2 ndash famiacutelia Porce-llionidae em A - vista dorsal e em B - vista ventral

O subfilo Myriapoda inclui as centopeias e os miliacutepedes conteacutem mais de 11 000

espeacutecies descritas Este subfilo eacute tradicionalmente dividido em quatro classes Chi-

lopoda (centopeias) (FIGURA 2) Diplopoda (miliacutepedes) Pauropoda (ldquopoucos peacutesrdquo) e

Symphyla (pseudocentopeias) Todos os miriaacutepodes conhecidos satildeo terrestres e o seu

tamanho varia desde alguns miliacutemetros a cerca de 38 centiacutemetros (Millipede Gigante

Africano)

1

2

A B

15cm

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FIGURA 2 Vista dorsal A - e ventral B - de um organismo pertencente agrave classe Chilopoda onde se pode observar o corpo segmentado e apenas com um par de patas por segmento

O subfilo Chelicerata (aranhas aranhas do mar escorpiotildees e aacutecaros) conteacutem mais

de 113 000 espeacutecies distribuiacutedas em duas classes principais Pycnogonida (aranhas do

mar) e Arachnida (aranhas escorpiotildees e aacutecaros) Pycnogonida o grupo das aranhas

do mar conteacutem mais de 1 300 espeacutecies descritas mas estudos detalhados sobre esses

animais e as suas relaccedilotildees evolutivas ainda satildeo escassos Estes organismos geralmente

tecircm seis ou oito olhos e quatro a seis pares de patas A classe Arachnida compreende os

organismos mais conhecidos do subfilo Chelicerata como aranhas escorpiotildees e aacutecaros

Os indiviacuteduos pertencentes a este grupo natildeo possuem antenas tecircm quatro pares de

patas um par de queliacuteceras (1ordm par de apecircndices do prossomacabeccedila) e pedipalpos

(2ordm par de apecircndices do prossomacabeccedila) As aranhas (ordem Araneae) (FIGURA 3) satildeo

provavelmente o grupo mais icoacutenico e bem estudado deste subfilo presentes na maioria

dos ambientes terrestres e constituindo um dos grupos mais importantes de artroacutepodes

do solo Outros organismos colocados na mesma classe como escorpiotildees aacutecaros ou

opiliotildees tambeacutem constituem grupos extremamente variados com importantes funccedilotildees

ecoloacutegicas (ex decomposiccedilatildeo de mateacuteria orgacircnica e controlo de organismos principal-

mente atraveacutes de predaccedilatildeo)

FIGURA 3 Vista dorsal A - e ventral B - de um exemplar da ordem Araneae (famiacutelia Gnaphosidae) sendo possiacutevel obser-var o corpo dividido em cefalotoacuterax e abdoacutemen os quatro pares de patas as queliacuteceras (q) e os pedipalpos (p)

O subfilo Hexapoda (Hexa (seis) e Poda (peacute)) engloba os insetos e os seus parentes

compreende o grupo mais diverso e abundante de organismos com mais de 1 milhatildeo de

espeacutecies conhecidas Este subfilo eacute frequentemente dividido em organismos da clas-

A B

A B

14cm

p

q

35cm

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O

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se Insecta (FIGURA 4) e da classe Entognatha Esta uacuteltima inclui os colecircmbolos (ordem

Collembola) (FIGURA 5) cabeccedilas de cone e bichos de prata (ordem Protura) e cerdas de

duas pontas (ordem Diplura) Na classe Entognatha as partes bucais dos organismos

estatildeo retraiacutedas dentro das suas cabeccedilas contrariamente ao que se observa na classe In-

secta que satildeo ectognantes Os colecircmbolos constituem um dos grupos mais abundantes

de artroacutepodes do solo podendo ser encontrados mais de 100 000 indiviacuteduos num metro

quadrado Estes satildeo organismos cosmopolitas com mais de 8 000 espeacutecies descritas Os

colecircmbolos satildeo pequenos organismos com tamanho geralmente inferior a 6-8 mm de

forma ciliacutendrica ou globular apresentando olhos simples e antenas moniliformes Muitas

espeacutecies possuem um apecircndice bifurcado (fuacutercula) no final do abdoacutemen permitindo que

estes organismos saltem quando ameaccedilados (FIGURA 5) Os colecircmbolos tecircm sido ampla-

mente utilizados em estudos ecotoxicoloacutegicos na avaliaccedilatildeo da qualidade do solo e da sauacute-

de destes ecossistemas

FIGURA 4 A - Vista dorsal e B - vista ventral de exemplares de algumas ordens da classe Insecta

FIGURA 5 Vista lateral de exemplares da ordem Collembola

A classe Insecta eacute a classe com maior nuacutemero de organismos compreendendo mais

de metade das espeacutecies eucarioacuteticas descritas atualmente englobando mais de 1 milhatildeo

de espeacutecies que habitam praticamente todos os ecossistemas Os insetos sendo o grupo

Ordem

Coleoptera

Ordem

Diptera

Ordem

Hemiptera

Ordem

Orthoptera

Ordem

HimenopteraA A A A

B B B B

075cm

027cm14cm016cm

09cm

22cm

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24

mais diversificado de seres vivos apresentam as mais variadas e interessantes adap-

taccedilotildees anatoacutemicas e morfoloacutegicas Pensa-se que a sua enorme riqueza e abundacircncia eacute

devida a uma combinaccedilatildeo de carateriacutesticas vantajosas como a coevoluccedilatildeo com plan-

tas a miniaturizaccedilatildeo e a capacidade de voo Os insetos desempenham ainda um papel

importantiacutessimo no funcionamento dos ecossistemas realizando funccedilotildees quer de pre-

dadores quer de presa estando envolvidos em inuacutemeras teias alimentares (ex reciclan-

do nutrientes fazendo a manutenccedilatildeo da estrutura e fertilizaccedilatildeo dos solos) Destaca-se

tambeacutem o facto de vaacuterios insetos voadores como abelhas ou borboletas atuarem como

polinizadores de muitas espeacutecies de plantas Esta eacute uma funccedilatildeo ecoloacutegica importante

com vaacuterias repercussotildees econoacutemicas porque mais de 30 das culturas alimentares

mundiais dependem da polinizaccedilatildeo Os insetos possuem ainda um papel importante em

investigaccedilatildeo cientiacutefica sendo muitas vezes utilizados como organismo modelo dado pos-

suiacuterem carateriacutesticas distintas como o seu tamanho reduzido tempos de geraccedilatildeo curtos

e elevada fecundidade O exemplo de excelecircncia eacute a mosca da fruta Drosophila melano-

gaster cujo genoma eacute jaacute conhecido na totalidade sendo esta espeacutecie utilizada frequente-

mente para estudar vaacuterios processos celulares (ex o envelhecimento a hereditariedade

e o desenvolvimento embrionaacuterio) Apesar de constituiacuterem um grupo tatildeo interessante

beneacutefico e necessaacuterio agrave manutenccedilatildeo do equiliacutebrio dos ecossistemas existem algumas

desvantagens associadas aos insetos como eacute o caso de serem vetores na transmissatildeo

de doenccedilas Eacute o caso da malaacuteria transmitida por um mosquito do geacutenero Anopheles a

doenccedila parasitaacuteria mais disseminada com vaacuterios milhotildees de humanos infetados em todo

o mundo O dengue e o zika satildeo doenccedilas em que o vetor de transmissatildeo eacute tambeacutem um

mosquito do geacutenero Aedes Na agricultura as pragas de insetos (ex gorgulhos gafa-

nhotos afiacutedios) satildeo responsaacuteveis por prejudicar as culturas agriacutecolas e a produccedilatildeo de

alimentos causando perdas econoacutemicas elevadas

Sabe-se que atualmente a perda de habitat e as mudanccedilas climaacuteticas satildeo alguns dos

fatores responsaacuteveis por decliacutenios significativos nas populaccedilotildees deste grupo de orga-

nismos Esse decliacutenio apresenta uma elevada preocupaccedilatildeo ecoloacutegica uma vez que estes

organismos desempenham muacuteltiplas e importantes funccedilotildees nos ecossistemas No en-

tanto a conservaccedilatildeo deste grupo animal permanece um grande e urgente desafio que eacute

preciso enfrentar

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Biocombustiacuteveis seratildeo a soluccedilatildeo Matilde Viegas

Maria Joatildeo Ramos

Pedro Alexandrino Fernandes

UCIBIO REQUIMTEUniversidade do Porto

ldquoA 21 de Fevereiro de 2018 o niacutevel de poluiccedilatildeo de partiacuteculas finas com diacircmetro inferior

a 10 μm PM10 atingiu em Paris niacuteveis alarmantes com um pico correspondente

ao dobro do limite maacuteximo A Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) recomenda natildeo

exceder este limite maacuteximo por mais de trecircs dias por ano Com este recente pico os

parisienses jaacute o ultrapassaramrdquo

Em Un pic de pollution laquograveraquo en Ile-de-France Le Monde 22 de Fevereiro de 2018

Esta notiacutecia eacute um dos inuacutemeros exemplos dos efeitos do aquecimento global termo com o

qual estamos cada vez mais familiarizados infelizmente Este fenoacutemeno eacute consequecircncia

de Gases de Efeito de Estufa GEE (dioacutexido de carbono metano e oacutexido de azoto entre

outros) que se acumulam na atmosfera enclausurando o calor e tornando o planeta mais

quente A produccedilatildeo em larga escala de GEEs teve iniacutecio na Revoluccedilatildeo Industrial (1800)

como resultado da combustatildeo de combustiacuteveis foacutesseis (carvatildeo petroacuteleo e gaacutes natural)

para produccedilatildeo de eletricidade aquecimento e transporte

A preocupaccedilatildeo em torno do aquecimento global tornou-se um assunto constante na

agenda poliacutetica sobretudo nas uacuteltimas duas deacutecadas Os primeiros esforccedilos coletivos re-

sultaram no Protocolo de Quioto em 1997 cujo objetivo era a reduccedilatildeo das emissotildees de

GEEs assentando nos argumentos de que i) o aquecimento global era uma realidade e ii) o

CO2 produzido por accedilotildees humanas era o seu grande causador O primeiro periacuteodo do Proto-

colo terminou em 2012 e por isso em 2015 as Naccedilotildees Unidas promoveram a assinatura

do novo Acordo de Paris o qual consiste numa atualizaccedilatildeo do antigo Protocolo de Quioto

com o objetivo de ldquofortalecer a resposta global agrave ameaccedila das alteraccedilotildees climaacuteticas no

contexto de desenvolvimento sustentaacutevel e com esforccedilo para a erradicaccedilatildeo da pobrezardquo

O novo Acordo ao contraacuterio do de Quioto estabelece metas tangiacuteveis e quantitativas O

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26

objetivo eacute manter o aumento da temperatura meacutedia global abaixo dos 2ordm Celsius face agrave

temperatura global na era preacute-industrial Para atingir tal meta eacute necessaacuterio um esforccedilo

mundial contudo em 2017 com a saiacuteda dos EUA do Acordo de Paris o segundo maior

emissor de GEEs logo a seguir agrave China perdeu-se uma enorme contribuiccedilatildeo Aleacutem do peso

evidente que as suas emissotildees tecircm para o estado atual do aquecimento global em falta

estaratildeo tambeacutem a diplomacia e o encorajamento proporcionados por esta forccedila mundial

No Acordo de Paris uma das claacuteusulas exige a inclusatildeo de energias renovaacuteveis (eoacutelica

mariacutetima solar) e de biocombustiacuteveis no mercado de energia encorajando os paiacuteses a

atingir niacuteveis miacutenimos da sua utilizaccedilatildeo As metas estabelecidas para cada paiacutes vatildeo ao en-

contro ao seu mercado e agraves mateacuterias-primas disponiacuteveis em cada territoacuterio favorecendo o

desenvolvimento da economia

De uma forma generalista os biocombustiacuteveis englobam combustiacuteveis produzidos atra-

veacutes de processos bioloacutegicos como a agricultura e digestatildeo anaeroacutebica em vez de produ-

zidos a partir de processos geoloacutegicos como os necessaacuterios para a formaccedilatildeo de combus-

tiacuteveis foacutesseis Isto inclui o biodiesel (produzido a partir de oacuteleos e gorduras orgacircnicas) e o

bioetanol (aacutelcool produzido atraveacutes de fermentaccedilatildeo microbiana de accediluacutecares seguido de

destilaccedilatildeo e desidrataccedilatildeo) os quais seratildeo o maior foco deste artigo

A partir da deacutecada de 70 foram feitos os primeiros investimentos nos chamados bio-

combustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo (1G) Estes fazem uso de colheitas de produtos agriacuteco-

las como a soja cana-de-accediluacutecar milho oacuteleo de palma entre outros para a produccedilatildeo de

biodiesel e bioetanol atraveacutes de processos de trans-esterificaccedilatildeo ou fermentaccedilatildeo A sua

disponibilidade e facilidade de processamento permitiram a sua inserccedilatildeo e mistura nos

combustiacuteveis atualmente vendidos ao puacuteblico Para 2017 Portugal fixou em 75 (de poder

energeacutetico) a incorporaccedilatildeo de biocombustiacuteveis nos combustiacuteveis dos transportes rodoviaacute-

rios tendo a Uniatildeo Europeia o objectivo de 10 em 2020 para todos os paiacuteses membros

Os biocombustiacuteveis 1G fazem uso da colheita agriacutecola para fins energeacuteticos o que gera

opiniotildees desfavoraacuteveis por parte de ambientalistas (pelo uso exaustivo da terra agriacutecola sem

compensaccedilatildeo desflorestaccedilatildeo e perda de biodiversidade) e problemas eacuteticos tais como os le-

vantados por responsaacuteveis da ONU como o Dr Jean Ziegler que atribui aos biocombustiacuteveis

a culpa pela contiacutenua inflaccedilatildeo dos preccedilos de alimentos exacerbando a atual crise de fome

mundial - ldquoSatildeo necessaacuterios 352Kg de milho para encher um depoacutesito de 50L de um carro Uma

crianccedila na Zacircmbia ou no Meacutexico onde o milho eacute um elemento baacutesico da dieta poderia viver

com esta quantidade de milho um ano inteirordquo Atualmente os maiores produtores destes bio-

combustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo satildeo os EUA e o Brasil utilizando parte da produccedilatildeo global

de cereais e oacuteleos vegetais para a produccedilatildeo de bioetanol e biodiesel causando um ambiente

de profunda preocupaccedilatildeo em volta da sustentabilidade de produccedilatildeo de energia a meacutediolongo

prazo De forma a controlar a inflaccedilatildeo no preccedilo dos alimentos a EU estabeleceu um limite de

7 para o uso de biocombustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo como combustiacutevel de transportaccedilatildeo

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A segunda geraccedilatildeo de biocombustiacuteveis (2G) usa biomassa isto eacute qualquer fonte de car-

bono orgacircnico que eacute rapidamente renovado no ciclo de carbono Os biocombustiacuteveis de

segunda geraccedilatildeo almejam um uso ponderado de desperdiacutecios da induacutestria madeireira e

agriacutecola ou de restos de colheitas agriacutecolas assim que estas preencham o seu propoacutesito

alimentar evitando interferecircncia com o mercado alimentar e natildeo influenciando os preccedilos

dos alimentos baacutesicos

FIGURA 1 Biocombustiacuteveis

A produccedilatildeo de arroz atingiu o seu pico em 2017 gerando 1140 milhotildees de toneladas de

espigas de arroz cujo destino eacute a incineraccedilatildeo compostagem ou eacute simplesmente deposita-

da em aterros Contudo com a 2G de biocombustiacuteveis eacute encontrado potencial energeacutetico

neste desperdiacutecio agriacutecola O seu potencial deve-se agrave mateacuteria lignoceluloacutesica ndash celulose

hemicelulose e lignina ndash presente em todas as plantas incluindo as espigas em diferen-

tes percentagens Este material composto eacute essencial para a estrutura e resistecircncia das

plantas a hemicelulose eacute a matriz que rodeia o esqueleto de celulose enquanto a lignina

funciona como uma camada protetora As possibilidades associadas a este tipo de desper-

diacutecio satildeo inegaacuteveis a sua abundacircncia e facilidade de obtenccedilatildeo tornam-no muito apelativo

Contudo o gasto na recolha e transporte desta mateacuteria suplanta os custos de produccedilatildeo

e o seu uso continuado poderaacute contribuir para a erosatildeo do solo Aleacutem disso para o seu

aproveitamento para produccedilatildeo de biocombustiacuteveis eacute necessaacuterio um preacute-tratamento para

hidrolisar as ligaccedilotildees covalentes entre os trecircs constituintes da mateacuteria lignoceluloacutesica e

permitir a posterior fermentaccedilatildeo anaeroacutebia da celulose produzindo bioetanol Este preacute-

-tratamento eacute visto como outra das desvantagens do processo e estaacute ainda a ser estudado

e otimizado pois de momento as alternativas disponiacuteveis encarecem o produto final e em

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alguns dos casos dependem do uso de quiacutemicos poluentes A esperanccedila estaacute entatildeo de-

positada no estudo de enzimas hidroliacuteticas encontradas em organismos termoacutefilos que

seratildeo capazes de aguentar as difiacuteceis condiccedilotildees de tratamento Contudo a dificuldade em

escalar o processo de fermentaccedilatildeo eacute uma das desvantagens e dos fatores limitantes para

a 2G de biocombustiacuteveis em grande parte devido agrave dificuldade de monitorizar as condiccedilotildees

de fermentaccedilatildeo (oxigeacutenio pH nutrientes etc)

A terceira geraccedilatildeo (3G) de biocombustiacuteveis foi reconhecida como a melhor alternativa

em comparaccedilatildeo com primeira e segunda geraccedilotildees pois surpreendentemente faz uso de

algas A sua enorme disponibilidade por todo o planeta e o facto de natildeo interferirem com os

mercados alimentares satildeo os grandes embaixadores desta mateacuteria-prima como o futuro

dos biocombustiacuteveis Ainda que natildeo seja uma mateacuteria infinita eacute a que de momento mais se

assemelha por existirem 70 000 espeacutecies (30 000 documentadas) Estudos conduzidos

atualmente estatildeo a explorar a viabilidade energeacutetica de 30 espeacutecies de algas explorando a

sustentabilidade facilidade e escalabilidade da sua produccedilatildeo Outras vantagens incluem a

baixa manutenccedilatildeo necessaacuteria para o seu crescimento (luz dioacutexido de carbono e nutrientes

como azoto foacutesforo e potaacutessio) a facilidade com que produzem liacutepidos e carboidratos que

podem posteriormente ser processados em diferentes biocombustiacuteveis e outros copro-

dutos a frequecircncia com que podem ser colhidas ao longo do ano (ao contraacuterio de outras

colheitas convencionais) a baixa percentagem de hemicelulose e a praticamente ausente

lignina facilitam radicalmente o seu preacute-processamento pois a celulose eacute mais facilmente

extraiacuteda As desvantagens desta mateacuteria incluem o enorme investimento inicial para a

construccedilatildeo de infraestruturas para o seu cultivo que pode ser ou ao ar livre (em tanques

de grande dimensatildeo) ou em foto-bioreatores (sistemas fechados altamente controlados)

Prevecirc-se que em 2030 o preccedilo de produccedilatildeo de combustiacutevel a partir de algas seraacute 065 euro

litro de combustiacutevel valor muito proacuteximo do atual preccedilo de produccedilatildeo do litro de gasolina

Comparativamente aos custos de produccedilatildeo de outros biocombustiacuteveis o mais barato con-

tinua a ser o bioetanol produzido a partir de milho (1G) 017 eurolitro seguido de combustiacute-

veis celuloacutesicos (2G) a 032 eurolitro

Eacute evidente que seratildeo necessaacuterios esforccedilos poliacuteticos e cientiacuteficos investimento e regu-

lamentaccedilatildeo adequados para encontrar o caminho ideal para travar o aquecimento global

Em todas as geraccedilotildees de biocombustiacuteveis apresentadas existem fatores que afunilam as

potencialidades destas alternativas indicando que a soluccedilatildeo passa por criar um consoacutercio

entre as vaacuterias possibilidades de forma a tirar o maacuteximo partido sem danificar o planeta ou

piorar a crise da fome O proacuteximo passo passa por substituir os biocombustiacuteveis de 1G por

soluccedilotildees com maior escalabilidade Acreditamos que nas proacuteximas deacutecadas seratildeo cruciais

e depositamos esperanccedila na investigaccedilatildeo cientiacutefica

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018043

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Stephen Hawking e a sua contribuiccedilatildeo para a fiacutesica teoacutericaOrfeu Bertolami

Claacuteudio GomesDepartamento de Fiacutesica e Astronomia CFP Universidade do Porto

A 14 de marccedilo de 2018 o fiacutesico britacircnico Stephen Hawking faleceu aos 76 anos deixando

todavia um importante legado para a fiacutesica teoacuterica muito particularmente para o

entendimento das deficiecircncias intriacutensecas da Relatividade Geral de Einstein para a fiacutesica

dos buracos negros e para a cosmologia a ciecircncia do Universo como um todo

Stephen Hawking doutorou-se em Fiacutesica Teoacuterica em 1966 pela Universidade de Cambridge

sob a supervisatildeo de Dennis Sciama Apesar da sua condiccedilatildeo fiacutesica progressivamente limi-

tativa manteve-se extremamente ativo na investigaccedilatildeo nas aacutereas de cosmologia fiacutesica dos

buracos negros e gravitaccedilatildeo quacircntica

Nessa altura havia uma consideraacutevel discussatildeo acerca da realidade e ubiquidade de sin-

gularidades pontos no espaccedilo-tempo onde a Teoria da Relatividade Geral deixa de fazer sen-

tido e natildeo desaparecendo atraveacutes de mudanccedila de sistemas de coordenadas que descrevem

o espaccedilo-tempo Na segunda metade da deacutecada de 1960 Hawking e o matemaacutetico inglecircs

Roger Penrose demonstraram que essas singularidades eram inevitaacuteveis no contexto da

Teoria da Relatividade Geral (ver para uma descriccedilatildeo exaustiva o livro Large Scale Structure

of Space-Time escrito em colaboraccedilatildeo com o fiacutesico sul-africano George Ellis publicado em

1973) Uma dessas singularidades corresponde ao iniacutecio do Universo ndash Big Bang ndash e outras

estatildeo presentes no interior dos buracos negros natildeo acessiacuteveis agrave observaccedilatildeo devido agrave pre-

senccedila de um horizonte de acontecimentos que segundo a Conjetura da Censura Coacutesmica de

Roger Penrose protegem sempre as singularidades de se apresentarem ldquonuasrdquo

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Subsequentemente em 1975 ele desenvolveu a ideia que os buracos negros deveriam

radiar termicamente a uma temperatura especiacutefica inversamente proporcional agraves suas

massas temperatura esta que hoje designamos por temperatura de Hawking Esta ideia daacute

origem ao paradoxo da informaccedilatildeo em que a informaccedilatildeo que entrava no horizonte de evento

se perdia Com este contributo passou-se a ter uma equivalecircncia entre a dinacircmica e a termo-

dinacircmica de buracos negros

FIGURA 1 Emissatildeo da radiaccedilatildeo teacutermica de Hawking por um buraco negro

No princiacutepio da deacutecada de 1980 Hawking iniciou em colaboraccedilatildeo com o fiacutesico norte-ameri-

cano James Hartle o programa de investigaccedilatildeo que hoje designamos por cosmologia quacircntica

Na cosmologia quacircntica o espaccedilo-tempo eacute descrito por uma funccedilatildeo de onda a funccedilatildeo de onda

do Universo como na Mecacircnica Quacircntica Esta equaccedilatildeo de onda satisfaz uma equaccedilatildeo anaacuteloga

agrave de Schroumldinger da Mecacircnica Quacircntica a equaccedilatildeo de Wheeler-DeWitt A proposta de Hartle

e Hawking eacute que a funccedilatildeo de onda descreva um espaccedilo-tempo sem fronteiras (No-Boundary

proposal) A ideia eacute que agrave medida que retrocedemos no tempo chegamos a um ponto em que

o Universo eacute pequeno o suficiente para que efeitos quacircnticos sejam dominantes Nesta altura

existe uma espeacutecie de ldquoespumardquo do espaccedilo-tempo de tal modo que o tempo natildeo pode ser in-

terpretado do modo como o vemos hoje mas sim como uma quarta dimensatildeo espacial Uma

analogia uacutetil eacute a seguinte se viajarmos para o Polo Sul temos de seguir sempre para sul mas

quando alcanccedilamos o ponto do Polo Sul jaacute natildeo faz sentido falarmos na direccedilatildeo sul pelo mesmo

raciociacutenio ao retrocedermos no tempo haacute um pontoinstante em que natildeo faz sentido falar-se em

tempo Matematicamente isto torna-se possiacutevel passando de um espaccedilo-tempo de Minkowski

como na Relatividade Restrita para um espaccedilo Euclideano a quatro dimensotildees no qual o tempo

passa a ser um nuacutemero puramente complexo Com esta formulaccedilatildeo o Universo natildeo tem uma

fronteira aleacutem daquela que permite a transiccedilatildeo entre as duas descriccedilotildees para o espaccedilo-tempo

e que eacute exemplificado na FIGURA 2 Esta geometria eacute designada por shuttlecock ou volantepena

de badminton devido agrave semelhanccedila com este objeto

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FIGURA 2 Representaccedilatildeo tridimensional do modelo de Hartle-Hawking (no boundary proposal) A base corresponde a uma semiesfera a 4 dimensotildees e a estrutura que apresenta o tempo como uma direccedilatildeo distinta das espaciais corresponte a um Universo em expansatildeo

Hawking tambeacutem estudou outros problemas como o das maacutequinas do tempo e questotildees

relacionadas com a cosmologia e a formaccedilatildeo de estruturas no Universo Com o seu carate-

riacutestico humor Hawking afirmou natildeo ser possiacutevel viajar no tempo Para tal sugeriu organizar

uma festa convidando pessoas do futuro a se juntarem a ele e dado que ningueacutem apa-

receu concluiu entatildeo que viagens no tempo natildeo satildeo possiacuteveis na realidade Outra prova

prende-se com o facto de natildeo termos recebido ainda turistas do futuro numa clara alusatildeo

iroacutenica agrave procura turiacutestica desenfreada que assistimos nos dias de hoje

Mais recentemente ele pronunciou-se sobre questotildees de interesse geral como as im-

plicaccedilotildees do desenvolvimento da inteligecircncia artificial e a necessidade e inevitabilidade

da exploraccedilatildeo espacial Mostrou-se reticente acerca dos desenvolvimentos no domiacutenio da

inteligecircncia artificial classificando-o como possivelmente perigoso para a nossa civiliza-

ccedilatildeo pois apesar dos potenciais benefiacutecios comportam seacuterios riscos agrave continuidade da hu-

manidade Relativamente agrave exploraccedilatildeo espacial Hawking encarava as viagens espaciais

quer pelo seu interesse cientiacutefico quer como forma de preservar a humanidade de riscos

de destruiccedilatildeo devido a guerras nucleares ou epidemias devido a viacuterus geneticamente mo-

dificados

O fiacutesico Stephen Hawking legou-nos uma extraordinaacuteria contribuiccedilatildeo cientiacutefica e huma-

na Deixou um extraordinaacuterio exemplo de resiliecircncia dedicaccedilatildeo ao conhecimento e agrave socie-

dade Fisicamente debilitado e ldquopresordquo a uma condiccedilatildeo rara a esclerose lateral amiotroacutefica

que lhe foi diagnosticada aos 21 anos a sua mente foi das mais livres dos nossos tempos

concebeu hipoacuteteses conjunturas e teorias pensou a sociedade de hoje e a do futuro

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RochaO que eacute importante dizer sobre as rochas

A M Galopim de Carvalho Universidade de Lisboa

Rochas e pedras satildeo a mesma coisa Praticamente a resposta eacute sim Pedra eacute aquilo

que se apanha do chatildeo para dar uma pedrada

Qualquer pessoa mesmo a menos letrada diraacute que as pedras

bull natildeo satildeo fabricadas ou feitas por gente (a ciecircncia diz que satildeo entidades naturais)

bull que natildeo se amolgam (a ciecircncia diz que satildeo riacutegidas)

bull que geralmente natildeo se esboroam nem se esfarela (a ciecircncia diz que satildeo coesas)

bull que fazem mossa onde quer que batam (a ciecircncia diz que satildeo duras) Para o cidadatildeo

comum pedra (do grego peacutetra) eacute pois uma entidade natural riacutegida coesa e dura que se

apanha do chatildeo

Apanhamos uma pedra do chatildeo mas quando estudamos falamos quase sempre de ro-

chas Num modo de falar corrente podemos dizer que as pedras satildeo bocados de rocha

Todos falamos de rocha como sinoacutenimo de pedra com base num conhecimento comum

empiacuterico vulgar ligado agrave experiecircncia quotidiana mesmo do mais iletrado dos cidadatildeos Dize-

mos rochedo quando o afloramento de rocha eacute grande e apelidamos de rochoso um terreno

com a rocha agrave vista Rocha eacute um galicismo que entre noacutes se sobrepocircs ao termo ldquorocardquo bem

mais antigo talvez preacute-romano Cabo da Roca ou ldquoFocinho da Rocardquo no dizer dos homens do

mar deve o seu nome a esta versatildeo arcaica da palavra rocha

O conceito atual de rocha e os vaacuterios conhecimentos com elas relacionados percorreram

uma caminhada tatildeo longa quanto a do Homo sapiens caminhada de que temos testemunhos

na Preacute-histoacuteria e variadiacutessimos relatos escritos desde a Antiguidade

Na sua giacuteria proacutepria entendiacutevel entre pares os profissionais falam de rochas dizendo que

satildeo sistemas quiacutemicos mono ou polifaacutesicos (ou seja com um ou mais minerais) resultantes

do equiliacutebrio termodinacircmico atingido pelos seus constituintes em determinados ambientes

Entendendo-se por constituintes os elementos quiacutemicos incluiacutedos nos respetivos minerais

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Por outras palavras acessiacuteveis ao comum das gentes pode entatildeo dizer-se que as rochas

satildeo corpos naturais formados por associaccedilotildees mais ou menos estaacuteveis de minerais compatiacute-

veis entre si e com o ambiente onde foram gerados e que satildeo elas as rochas que constituem

a capa riacutegida da Terra que por essa razatildeo recebeu o nome de litosfera (FIGURA 1)

FIGURA 1 Modelado Graniacutetico na Serra da Estrela (fonte banco de imagens da Casa das Ciecircncias)

Antes de prosseguir esclareccedila-se que no jargatildeo proacuteprio da mineralogia e da geoquiacutemica

os minerais satildeo considerados fases no sentido fiacutesico-quiacutemico da palavra Com efeito neste

sentido uma fase eacute uma porccedilatildeo de mateacuteria quiacutemica e estruturalmente homogeacutenea e uma

qualquer espeacutecie mineral eacute isso mesmo

Por convenccedilatildeo na sistemaacutetica em sedimentologia entre as rochas sedimentares cabem

certos materiais natildeo consolidados como os barros as areias soltas as cascalheiras e ainda

outros de natureza natildeo mineral como os carvotildees foacutesseis e o petroacuteleo (oacuteleo de pedra) Cha-

mar rochas ou pedras a estes materiais agraves vezes tatildeo afastados da imagem vulgar de ldquocoisa

dura riacutegida e coesardquo decorre do conceito geoloacutegico de rocha no qual se inclui o modo de

ocorrecircncia e o respetivo processo de formaccedilatildeo (petrogeacutenese)

A mecacircnica das rochas (disciplina que estuda certas propriedades das rochas como resis-

tecircncia ao esmagamento agrave traccedilatildeo agrave torccedilatildeo agrave flexatildeo porosidade permeabilidade e outras)

define-as como entidades sempre riacutegidas e coesas e duras como tambeacutem se diz vulgarmen-

te com capacidade de suportar cargas e que na eventualidade de terem de ser escavadas ou

removidas haacute que usar tecnologias com explosivos Este conceito corresponde aliaacutes agrave ideia

mais divulgada de rocha como atraacutes se referiu Eacute o bedrock dos autores ingleses

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FIGURA 2 Processo de meteorizaccedilatildeo fiacutesica essencialmente por corrosatildeo eoacutelica em rochas sedimentares (arenitos) (fonte banco de imagens da Casa das Ciecircncias)

Aleacutem das muitas que conhecemos na Terra jaacute estudaacutemos rochas do nosso sateacutelite natural

nomeadamente basaltos e anortositos trazidos da sua superfiacutecie Mercuacuterio Veacutenus e Marte satildeo

tambeacutem planetas rochosos e igualmente rochosos ou pedregosos satildeo ainda os nuacutecleos dos co-

metas e muitos dos asteroides de que temos conhecimento pelos meteoritos caiacutedos na Terra

Quando se apelidam as rochas de magmaacuteticas sedimentares (FIGURA 2) ou metamoacuterficas

natildeo se estaacute apenas a rotulaacute-las para efeitos de arrumo ou arquivo muito menos se estatildeo a

criar novos vocaacutebulos para sobrecarga dos estudantes ou do cidadatildeo em geral Estes adjeti-

vos acrescentados agrave palavra rocha informam de imediato sobre a sua origem

bull magmaacutetica ou sedimentar qualquer delas em resultado de processos naturais faacuteceis de

entender

bull metamoacuterfica em consequecircncia de um outro processo muito menos ao alcance da vivecircncia

do vulgo mas que se explica sem grandes dificuldades

Apelidam-se de metamoacuterficas as rochas que posteriormente a uma primeira formaccedilatildeo

como magmaacuteticas ou sedimentares foram submetidas a pressotildees eou a temperaturas no

interior da crosta que lhes modificaram a composiccedilatildeo eou a textura

Foi atraveacutes do estudo das rochas que desvendaacutemos o essencial dos acontecimentos geo-

loacutegicos que marcaram a histoacuteria deste laquoPlaneta Azulraquo no qual a vida encontrou condiccedilotildees

para despertar e onde evoluiu ao ponto de se interrogar sobre essa mesma histoacuteria

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Os conhecimentos diretos de que hoje dispomos relativos agraves rochas da Terra limitam-se

aos que se obtecircm pelo estudo das que afloram agrave superfiacutecie das recolhidas em dragagens

nos fundos marinhos e das retiradas da profundidade quer em minas quer atraveacutes de son-

dagens Esta profundidade que natildeo excede 3 km no primeiro caso e 11 km no segundo

(na peniacutensula de Kola) pode considerar-se insuficiente se comparada com as trecircs a quatro

dezenas de quiloacutemetros de espessura meacutedia da crosta continental

Eacute jaacute muito o conhecimento que temos desta capa (a crosta ou crusta como alguns dizem e

escrevem) mais superficial do nosso planeta Temo-lo atraveacutes das rochas que constantemente

vemos e pisamos muitas delas geradas em zonas profundas trazidas agrave superfiacutecie pelos en-

rugamentos de origem tectoacutenica geradores das montanhas e subsequentemente postas a

descoberto pela erosatildeo

Outras rochas proacuteprias de muito maiores profundidades inclusive do manto inferior como eacute

o caso dos xenocristais e dos xenoacutelitos (do grego xenos estranho e lithos pedra) isto eacute cris-

tais e fragmentos de materiais liacuteticos gerados nessas regiotildees e que ascendem agrave superfiacutecie na

sequecircncia de atividade vulcacircnica englobados ou encravados nos produtos magmaacuteticos que ali

se formaram ou por ali passaram Na ilha da Madeira por exemplo satildeo frequentes os xenoacutelitos

oliviacutenicos que ascenderam ateacute agrave superfiacutecie no seio das lavas envolvidas no processo vulcacircnico

que originou esta e muitas outras ilhas

As rochas a que temos acesso mais ou menos direto representam uma parcela importante

da diferenciaccedilatildeo da Terra e agrave semelhanccedila da aacutegua do ar e dos seres vivos satildeo o resultado de

imensas transformaccedilotildees numa vasta e complexa rede de inter-relaccedilotildees ocorridas ao longo

dos tempos neste laquoplaneta vivoraquo pleno ainda de energia interna (sob a forma de calor) a que

se adiciona toda a que lhe chega do exterior isto eacute a radiaccedilatildeo solar Como escreveu Maurice

Mattauer ldquoas pedras nascem vivem e morrem como noacutes elas tecircm uma idade e uma histoacuteriardquo

Petrologia e litologia satildeo duas disciplinas que estudam as rochas ou as pedras Se bem que

os eacutetimos petra (latim) e lithos (grego) sejam sinoacutenimos petrologia e litologia encerram con-

ceitos diferentes ainda que relacionados entre si

bull A petrologia eacute um ramo da geologia com dimensatildeo de ciecircncia de vastos recursos nos campos

da fiacutesica da quiacutemica e naturalmente tambeacutem da matemaacutetica em busca do conhecimento da

origem natureza constituiccedilatildeo e evoluccedilatildeo da Terra no acircmbito do Sistema Solar e do Universo

bull A litologia outro ramo da geologia eacute habitualmente entendida como a disciplina que estuda

as rochas num campo praacutetico Serve a geologia de engenharia tendo em vista a implantaccedilatildeo

de grandes edifiacutecios e outras obras volumosas cujas fundaccedilotildees exigem o conhecimento dos

terrenos A litologia daacute igualmente respostas agrave pedologia (o estudo dos solos) e agrave induacutestria

extrativa de rochas ornamentais usadas na arquitetura na cantaria ou na estatuaacuteria e de

rochas industriais exploradas como importantes mateacuterias-primas para a construccedilatildeo civil a

ceracircmica o vidro o cimento a cal e a induacutestria quiacutemica

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Software educativo em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Ana C Conceiccedilatildeo

DMUniversidade do Algarve

O conceito F-Tool foi desenvolvido em 2012 com o objetivo de proporcionar uma

aprendizagem interativa em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Em particular eacute possiacutevel

explorar de forma integrada as noccedilotildees de domiacutenio contradomiacutenio existecircncia de zeros

existecircncia de extremos e de pontos de inflexatildeo invertibilidade derivabilidade reta

tangente ao graacutefico num ponto simetrias em relaccedilatildeo aos eixos e agrave origem A utilizaccedilatildeo

dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adaptaccedilatildeo de

alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e

do simples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular)

No ensino da matemaacutetica e em particular no estudo de funccedilotildees a recomendaccedilatildeo da utiliza-

ccedilatildeo de software educacional tem como objetivo o sanar das dificuldades que os alunos pos-

suem em associar as representaccedilotildees algeacutebricas com as diversas representaccedilotildees numeacutericas

eou graacuteficas De facto o caraacuteter estaacutetico das representaccedilotildees matemaacuteticas muitas vezes

dificulta a construccedilatildeo do significado afetando substancialmente a correta interpretaccedilatildeo dos

conceitos A criaccedilatildeo de modelos interativos visuais com o sistema de aacutelgebra computacional

Mathematica permite aos alunos explorar conceitos de elevada complexidade e rapidamen-

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te adquirir uma compreensatildeo mais profunda dos conteuacutedos Obviamente a utilizaccedilatildeo de sof-

tware educacional natildeo deve ser vista como um substituto para o ensino com ldquopapel e laacutepisrdquo

deve ser devidamente combinada com outros meacutetodos de ensino

O conceito F-Tool foi desenvolvido em 2012 com o objetivo de proporcionar uma apren-

dizagem interativa em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Os aplicativos computacionais

implementados com base neste conceito utilizam as capacidades de caacutelculo numeacuterico e

simboacutelico do Mathematica de forma a permitir estudar dinacircmica e interativamente e em

tempo real conceitos e propriedades fundamentais do preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial

FIGURA 1 Imagem ilustrativa da F-Exponential

O conceito F-Tool em sala de aula permite uma abordagem dinacircmica de diversos concei-

tos relacionados com o estudo de funccedilotildees e promove novas formas de raciocinarpensar

avaliar ensinar e aprender As F-Tool foram concebidas como ferramentas de aprendiza-

gem ativa ou seja a sua utilizaccedilatildeo adequada propicia um contexto de ensino-aprendiza-

gem onde alunos e professores satildeo igualmente convidados a contribuir Aleacutem disso tecircm

uma interface muito intuitiva que permite que ateacute mesmo o utilizador mais inexperiente

sem qualquer conhecimento anterior em software educacional possa comeccedilar a usar to-

dos os recursos de uma forma eficiente e autoacutenoma As F-Tool natildeo satildeo um objeto estaacutetico

mas sim um programa a ser executado com o qual se interage em tempo real Em parti-

cular atraveacutes da alteraccedilatildeo dinacircmica dos valores dos paracircmetros que definem cada classe

eacute possiacutevel obter informaccedilatildeo analiacutetica rigorosa apresentada em aritmeacutetica exata ou apro-

ximada bem como informaccedilatildeo visual estaacutetica e natildeo-estaacutetica De igual modo escolhendo

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estrategicamente de entre as vaacuterias opccedilotildees de funccedilotildees disponiacuteveis no painel esquerdo eacute

possiacutevel apreender de forma mais eficaz e consequente muitas das relaccedilotildees existentes

entre as vaacuterias funccedilotildees e respetivas transformaccedilotildees (FIGURA 1) As F-Tool utilizam um

coacutedigo de cores para diferenciar as vaacuterias funccedilotildees apresentadas Este coacutedigo eacute explicitado

na legenda do canto inferior esquerdo do painel central

Qual das figuras pode representar o graacutefico de uma funccedilatildeo e o graacutefico da sua derivada de 1ordf ordem

FIGURA 2 Exemplo de questatildeo de escolha muacuteltipla utilizando diversas opccedilotildees do painel esquerdo das F-Tool

Apesar de ser um software educacional dinacircmico e interativo pode tambeacutem ser utilizado

na construccedilatildeo de questotildees de avaliaccedilatildeo de escolha muacuteltipla (FIGURA 2) e de resposta aberta

ficando o docente automaticamente com a resposta ao selecionar no painel esquerdo as

opccedilotildees relacionadas com a questatildeo

A utilizaccedilatildeo dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adapta-

ccedilatildeo de alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e do sim-

ples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular) De facto

incluindo as F-Tool em ficheiros no Computable Document Format (CDF) eacute possiacutevel criar

fichas de trabalho dinacircmicas e interativas motivando os alunos e tornando o estudo mais

interessante

Acreditamos que o conceito F-Tool ao dotar professores e estudantes com novas fer-

ramentas para explorar alguns conceitos fundamentais da matemaacutetica desenvolveraacute po-

sitivamente o processo de ensino e de aprendizagem das aacutereas de preacute-caacutelculo e caacutelculo

diferencial

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018046

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O Aroma das Plantas Luiacutes Gaspar Pedro

Ana Cristina Figueiredo

Joseacute Gonccedilalves Barroso

CESAM CBV Universidade de Lisboa

Quando nos festejos dos Santos Populares colocamos a matildeo sobre o manjerico

provocamos a rutura de estruturas microscoacutepicas Ao fazecirc-lo libertam-se compostos

quiacutemicos que aderem agrave palma da nossa matildeo que depois percecionamos pelo nosso

olfacto Os aromas satildeo misturas complexas de dezenas de compostos volaacuteteis

carateriacutesticos de uma determinada planta

O aroma o que eacute

O aroma de muitas plantas eacute constituiacutedo por diversos compostos quiacutemicos volaacuteteis que

tecircm a capacidade de estimular os nossos recetores olfactivos A quantidade e a diver-

sidade deste tipo de compostos presentes nas plantas satildeo responsaacuteveis pelos aromas

carateriacutesticos Eacute relativamente faacutecil reconhecer o aroma dos coentros ou do manjerico e

distingui-los de outros aromas como o da rosa ou do cravinho

Na composiccedilatildeo da fraccedilatildeo volaacutetil de uma planta aromaacutetica encontram-se regra geral

compostos como os mono- e sesquiterpenos e os fenilpropanoacuteides (FIGURA 1) entre ou-

tros Satildeo todos eles compostos quiacutemicos com ponto de ebuliccedilatildeo relativamente baixo que

volatilizam agrave temperatura ambiente e contribuem de forma mais ou menos notoacuteria para o

aroma carateriacutestico de cada espeacutecie

FIGURA 1 Exemplos de compostos que constituem a fraccedilatildeo volaacutetil de diversas espeacutecies aromaacuteticas monoterpenos (α-pineno timol) sesquiterpenos (β-cariofileno germacreno D) e fenilpropanoacuteides (eugenol)

α-Pineno Timol β-Cariofileno Germacreno D Eugenol

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Estruturas secretoras

Os compostos que constituem a fraccedilatildeo aromaacutetica de uma planta satildeo regra geral sinteti-

zados e acumulados em estruturas secretoras microscoacutepicas Entre os diversos tipos de

estruturas secretoras as mais frequentes satildeo os tricomas os canais e as bolsas (FIGURA 2)

FIGURA 2 Exemplos de estruturas secretoras observadas em microscopia oacuteptica A - Tricoma de Geranium robertianum (s - secretado acumulado no espaccedilo sub-cuticular coloraccedilatildeo com reagente de Nadi) B - canal secretor de Crithmum maritimum (setas coloraccedilatildeo com tricloreto de antimoacutenio) e C - bolsa secretora de Citrus sp (coloraccedilatildeo com Vermelho Sudatildeo III)

Os tricomas glandulares satildeo estruturas externas com origem em ceacutelulas epideacutermicas

que apresentam diversos graus de complexidade desde tricomas com apenas trecircs ceacutelulas

uma das quais a secretora ateacute tricomas com mais de uma dezena de ceacutelulas secretoras

As bolsas e os canais secretores satildeo estruturas internas constituiacutedas por ceacutelulas glandu-

lares que delimitam o luacutemen o espaccedilo para onde satildeo secretados os compostos depois de

produzidos nas ceacutelulas secretoras Os canais satildeo estruturas alongadas que percorrem o

corpo da planta por vezes com ramificaccedilotildees enquanto as bolsas satildeo estruturas mais ou

menos isodiameacutetricas

Os oacuteleos essenciais

Um oacuteleo essencial eacute obtido por hidrodestilaccedilatildeo ou por destilaccedilatildeo por arrastamento de va-

por (FIGURA 3) No caso particular dos citrinos o oacuteleo essencial pode ainda ser obtido

por expressatildeo (processo mecacircnico que promove a libertaccedilatildeo do secretado acumulado no

interior das estruturas secretoras neste caso bolsas)

Tanto na hidrodestilaccedilatildeo como na destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor o secretado eacute

removido das estruturas secretoras e arrastado pelo vapor de aacutegua Depois de condensar

por arrefecimento o oacuteleo essencial separa-se da aacutegua podendo ser facilmente recolhido

devido agrave sua imiscibilidade com a aacutegua

A B CS

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41FIGURA 3 A - Sistema de hidrodestilaccedilatildeo com aparelho de Clevenger e B - sistema de destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor

Anaacutelise de oacuteleos essenciais

Para analisar um oacuteleo essencial recorre-se frequentemente agrave cromatografia gasosa (CG)

para quantificaccedilatildeo dos componentes e agrave CG acoplada agrave espectrometria de massa (CG-

-EM) para a correspondente identificaccedilatildeo dos constituintes Por CG-EM os diversos com-

ponentes que constituem o oacuteleo essencial satildeo separados uns dos outros e ao chegarem ao

espectroacutemetro de massa satildeo bombardeados por eletrotildees o que leva a que as moleacuteculas

fragmentem formando-se diferentes iotildees de acordo com padrotildees preferenciais O con-

junto dos fragmentosiotildees constituem o espectro de massa que eacute carateriacutestico de cada

moleacutecula A integraccedilatildeo das aacutereas dos picos que surgem no cromatograma obtido por CG

(FIGURA 4A) permite a quantificaccedilatildeo relativa dos diversos componentes do oacuteleo essencial

A anaacutelise por CG-EM possibilita a identificaccedilatildeo desses compostos por comparaccedilatildeo dos

espectros de massa (FIGURA 4B) e dos iacutendices de retenccedilatildeo com os de amostras padratildeo

FIGURA 4 A - Aspeto parcial de um cromatograma obtido por CG carateriacutestico de um oacuteleo essencial com alguns dos ldquopicosrdquo identificados B - espectro de massa obtido por CG-EM de um dos componentes maioritaacuterios o timol

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Paisagens da Islacircndia Formase Processos (III)Fernando Carlos LopesCITEUC Universidade de Coimbra

A Islacircndia eacute famosa natildeo soacute pelos seus vulcotildees mas tambeacutem pelos seus glaciares e pela

sua sinuosa e escarpada linha de costa

Atualmente os glaciares cobrem cerca de 10 da superfiacutecie islandesa e 60 destas

aacutereas geladas assentam sobre sistemas vulcacircnicos ativos Esta combinaccedilatildeo de gelo e vul-

canismo torna a Islacircndia o local ideal para cheias repentinas (joumlkulhlaups) resultantes de

aacutegua que escorre por baixo dos glaciares devido agrave fusatildeo provocada pelas erupccedilotildees subgla-

ciares Atualmente existem 4 grandes calotes glaciares localizadas nas regiotildees elevadas

e vulcanicamente ativas do centro e sul da ilha a partir das quais divergem numerosas liacuten-

guas glaciarias Vatnajoumlkull (8100 km2) situado no centro leste Langjoumlkull (925 km2) si-

tuado no centro oeste Hofsjoumlkull (925 km2) situado na zona central da ilha Myrdalsjoumlkull

(600 km2) situado no sul da ilha Apesar da Islacircndia ter cerca de 24 Ma a sua paisagem soacute

foi moldada por glaciares nos uacuteltimos 5 milhotildees de anos Os seus glaciares de tipo alpino

(ou de montanha) avanccedilaram e recuaram condicionados pelas variaccedilotildees regionais e locais

do clima de que resultaram espetaculares morfologias Como jaacute se referiu anteriormente

as variaccedilotildees da carga glaciar sobre a litosfera provocadas pelas fases de gelo e degelo

teratildeo desempenhado papel importante na atividade vulcacircnica da ilha

Com um comprimento de cerca de 4970 km a linha de costa da Islacircndia eacute de um modo

geral muito recortada e escarpada marcada por promontoacuterios cabos peniacutensulas fiordes

e enseadas pontilhada de leixotildees por entre os quais se aninham praias de areia negra de

contornos suaves A accedilatildeo do mar sobre as inuacutemeras escoadas de lava que fluiacuteram ateacute agrave

costa ao longo da evoluccedilatildeo geoloacutegica da ilha e ali solidificaram sobre os aparelhos vulcacirc-

nicos implantados na zona litoral e sobre os vales deixados pelo recuo dos glaciares criou

paisagens de uma beleza surreal

FIGURA DA PAacuteGINA ANTERIOR Leixatildeo Hvitserkur noroeste da Islacircndia (fonte pixabay)

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Parte III - Paisagens controladas pelos glaciares e paisagens costeirasVales glaciares e fiordes

Vales glaciares vales suspensos lagos glaciares e cascatas ciacuterculos glaciares moreias

e fiordes satildeo formas carateriacutesticas das paisagens islandesas criadas pelos seus glacia-

res alpinos Os vales glaciares com o seu carateriacutestico perfil em ldquoUrdquo satildeo a forma mais

comum de paisagem originada pela erosatildeo glacial (FIGURA 1) No interior destes vales os

rios concentram o seu poder erosivo na zona mais baixa originando um perfil carateriacutestico

em ldquoVrdquo O poder erosivo dos glaciares eacute muito superior ao dos rios porque a sua energia

potencial resulta natildeo soacute do declive do terreno mas tambeacutem do peso do gelo A erosatildeo faz-

-se essencialmente ao longo das zonas laterais do canal criando um vale com vertentes

alcantiladas e fundo aplanado Vales suspensos satildeo vales escavados por glaciares tributaacute-

rios Como estes glaciares levam menos gelo o seu poder erosivo eacute menor que o do glaciar

principal ficando suspenso nas vertentes do glaciar principal quando o gelo recua Cons-

tituem exemplos notaacuteveis pela sua beleza e dimensatildeo os vales glaciares de Borgarvirki

(FIGURA 2) e de Akureyri (ou Eyjafjoumlrethur) no noroeste da ilha Este uacuteltimo vai desembocar

num fiorde que eacute mais longo da Islacircndia

FIGURA 1 Esquema 3D (sem escala) da evoluccedilatildeo de uma paisagem glaciar com formaccedilatildeo de vales glaciares vales glaciares suspensos ciacuterculos glaciares lagos glaciares e cascatas

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FIGURA 2 Aspeto do vale glaciaacuterio de Borgarvirki observado a partir da fortaleza de Borgarvirki

Se as condiccedilotildees forem favoraacuteveis os glaciares podem erodir abaixo do niacutevel do mar Quan-

do o glaciar recua o oceano invade estas depressotildees criando um fiorde Alguns dos fiordes

islandeses como o de Akureyri e o de Nordfjord (nordeste da ilha) possuem centenas de

metros abaixo do niacutevel do mar O fiorde de Nordfjord abrange parcialmente uma antiga cal-

deira vulcacircnica Nas faleacutesias do seu flanco oriental (falesias de Raudubjoumlrg) afloram rioacutelitos

conferindo agraves arribas uma carateriacutestica cor avermelhada)

Como se referiu anteriormente (Parte I) a orientaccedilatildeo da maioria dos vales glaciares e

fiordes segue de perto a orientaccedilatildeo dos principais lineamentos tectoacutenicos

Moreias

Em termos de aspetos deposicionais relacionados com glaciares as moreias satildeo de lon-

ge os mais abundantes Satildeo acumulaccedilotildees de fragmentos rochosos transportados pelos

glaciares quer na regiatildeo frontal (moreia frontal) lateral (moreia lateral) a meio (moreia

mediana) e no fundo (moreia de fundo)

Durante o uacuteltimo maacuteximo glaciar (haacute cerca de 20 000 anos) a Islacircndia estava quase

toda coberta por glaciares que se estendiam ateacute agrave costa e para aleacutem dela Foram encon-

tradas moreias frontais dessa eacutepoca a cerca de 130 km a offshore da costa ocidental e a

cerca de 150-230 m abaixo do niacutevel de mar atual

Eacute possiacutevel encontrar nos vales glaciares islandeses quer moreias antigas resultantes

da uacuteltima glaciaccedilatildeo quer moreias recentes e atuais Estas uacuteltimas estatildeo relacionadas com

as 4 grandes calotes glaciares existentes como eacute o caso das moreias do glaciar Vatna-

joumlkull que se podem observar em pleno no setor sudeste da ilha

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Lagoas glaciares e icebergues

Outra das paisagens magniacuteficas moldadas pelos glaciares satildeo as lagoas glaciares Estas

lagoas formam-se na extremidade dos glaciares que descem das calotes glaciares Satildeo

alimentadas pelo desgelo natural dos glaciares e nela flutuam pequenos e grandes iceber-

gues que se separam da frente do glaciar (FIGURA 3)

FIGURA 3 Esquema 3D (sem escala) da formaccedilatildeo de icebergues numa lagoa glaciar

O exemplo mais notaacutevel deste tipo de lagoas na Islacircndia eacute a lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten consi-

derada uma das maravilhas naturais do paiacutes Fica situada no sudeste da ilha na extremidade

do glaciar Breiethamerkurjoumlkull uma das liacutengua glaciares da calote de Vatnajoumlkull (FIGURA 4)

FIGURA 4 Icebergues na lagoa glaciar de Joumlkulsaacuterloacuten Ao fundo vecirc-se a frente do glaciar Breiethamerkurjoumlkull As faixas negras nos icebergues satildeo niacuteveis de cinza vulcacircnica

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A lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten eacute o ponto mais baixo da Islacircndia com zonas agrave cota de -200 m Na

baiacutea da lagoa tem-se acesso a uma paisagem de outro mundo com icebergues de dimen-

sotildees variadas que flutuam ateacute ao mar ficando alguns deles encalhados na margem de uma

praia de areia vulcacircnica Alguns icebergues exibem faixas negras correspondentes a niacuteveis

de cinzas vulcacircnicas provenientes de antigas erupccedilotildees (FIGURA 4) Outros exibem duas

tonalidades branco leitoso e azul claro A faixa azul corresponde agrave porccedilatildeo do icebergue

que se tornou recentemente emersa

A lagoa teraacute sido formada em 1934-35 pelo contiacutenuo recuo do glaciar Vatnajoumlkull e teraacute

duplicado de tamanho nos uacuteltimos 15 anos Dada a taxa atual de recuo do glaciar Vatna-

joumlkull um profundo fiorde iraacute desenvolver-se no local onde hoje existe a lagoa

As costas escarpadas

As costas escarpadas e recortadas satildeo sem duacutevida as mais dominantes Ocorrem deste o

oeste ao leste da ilha passando pela regiatildeo norte incisas por numerosos fiordes e peque-

nas enseadas e salpicadas por leixotildees Eacute notaacutevel pela sua forma de dragatildeo e pelas lendas

que o envolvem o leixatildeo de Hvitserkur (IMAGEM DA PAGINA 42) situado na costa leste da

Peniacutensula de Vatnsnes no noroeste da Islacircndia

Os fiordes mais profundos localizam-se na costa norte constituindo bons portos natu-

rais Um destaque especial vai para o fiorde ao longo do qual se estende a cidade de Aku-

reyri (fiorde de Akureyri ou Eyjafjoumlrethur) considerado o mais longo do paiacutes

Praias de areia Negra

As praias de areia negra em geral de reduzida extensatildeo podem ser constituiacutedas por i) de-

poacutesitos resultantes da abrasatildeo das arribas ii) moreias e depoacutesitos fluviais resultantes dos

rios glaciares com contornos suaves e lagoas glaciares protegidas por extensas barras

arenosas iii) depoacutesitos de tefra provenientes de erupccedilotildees freaacuteticas

As do primeiro tipo ocorrem um pouco por toda a linha de costa como resultado da accedilatildeo

do mar sobre as arribas As do segundo tipo ocorrem dominantemente entre Djuacutepivogur a

sudeste e Oumllfusaacute a sudoeste com destaque para a praia de Reynisfjara na costa sul As

da terceira categoria podem ser observadas na ilha de Heimaey arquipeacutelago de Vestman-

naeyja regiatildeo sul da Islacircndia

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M E

M D

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Eu crio as minhas obras de arte de peque-

nos pedaccedilos de papel com espirais que co-

nectam e ligam os elementos a uma grande

estrutura Na obra de origami acabada a

que chamo Voltinhas estas espirais vivem

e trabalham Forccedilas de tensatildeo e fricccedilatildeo

contrapotildeem-se agrave gravidade e mantecircm a

forma estaacutevel Nas minhas criaccedilotildees procu-

ro estar perto da natureza Quando criamos

ou estudamos modelos de papel na macro

escala podemos entender melhor as for-

mas criadas pela natureza na micro escala

A minha obra de origami na capa o trabalho

intitulado ldquoInverno num parque de Lisboardquo e

o capsiacutedeo do viacuterus Canine parvovirus um viacute-

rus contagioso que ataca sobretudo os catildees

e outros caniacutedeos tecircm a mesma estrutura

geomeacutetrica do pequeno rombicosidodecae-

dro um poliedro com simetria icosaeacutedrica

Essa obra invoca simbolicamente o Ano

da Biologia Matemaacutetica 2018 O origami eacute

uma arte de dobragem do papel com uma

forte componente geomeacutetrica que permite

a construccedilatildeo de formas complexas e tem

atraiacutedo o interesse de matemaacuteticos pelas

suas propriedades geomeacutetricas e algeacutebricas

Krystyna Burczyk

Os viacuterus satildeo responsaacuteveis por inuacutemeras

doenccedilas no homem nos animais e nas plan-

tas e as curas e prevenccedilotildees satildeo ainda mui-

tas vezes problemaacuteticas Desenvolvimen-

tos recentes das aplicaccedilotildees da matemaacutetica

agrave virologia nomeadamente das teorias de

grupos de grafos de tesselaccedilatildeo ou de re-

ticulados mostraram por exemplo que as

restriccedilotildees estruturais agraves formas dos viacuterus

satildeo maiores do que antes se pensava e

permitiram a construccedilatildeo de novos modelos

para o desenvolvimento de terapias anti-

-virais Os capsiacutedeos virais que envolvem

os genomas dos viacuterus por razotildees de eco-

nomia geneacutetica tem muitas vezes uma si-

metria icosaeacutedrica Ora esta simetria natildeo eacute

cristalograacutefica em trecircs dimensotildees ie natildeo

eacute compatiacutevel com reticulados perioacutedicos

o que motivou os matemaacuteticos a desen-

volverem novas estruturas no contexto de

grupos de Coxeter natildeo-cristalograacuteficos que

encontraram aplicaccedilatildeo natildeo soacute na virologia

mas tambeacutem noutras estruturas molecula-

res da quiacutemica do carbono

Joseacute Francisco RodriguesUniversidade de Lisboa

Origami e Viacuterusin imagemcasadascienciasorg

Imagem de Canine Parvovirus gerada em VMD Autor Alexandre Lopes Magalhatildees

Page 7: JUNHO 2018 V6 /02 · 2018-09-26 · Matilde Viegas, Maria João Ramos, Pedro Alexandrino Fernandes Stephen Hawking e a sua contribuição para a física teórica Orfeu Bertolami,

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Do crescimento das populaccedilotildees agrave epidemiologia e virologia

Decorrendo o Ano da Biologia Matemaacutetica 2018 uma iniciativa da Sociedade Europeia de

Matemaacutetica (EMS) em conjunto com a Sociedade Europeia de Biologia Teoacuterica e Matemaacutetica

(ESMTB) acontecem este ano na Europa um elevado nuacutemero de iniciativas cientiacuteficas para

celebrar o extraordinaacuterio progresso das aplicaccedilotildees matemaacuteticas na Biologia cujo veacutertex

desta influecircncia muacutetua ainda estaacute por acontecer Se histoacuterica e atualmente o progresso da

compreensatildeo de vaacuterios processos bioloacutegicos trouxe agrave matemaacutetica incluindo a estatiacutestica

novos problemas e conceitos natildeo eacute menos verdade que o rigor dos meacutetodos matemaacuteticos

tem e continuaraacute a desempenhar um contributo admiraacutevel para avaliar ou afastar hipoacuteteses

feitas por bioacutelogos neurocientistas e outros investigadores em medicina

Podemos considerar que o iniacutecio da interaccedilatildeo profiacutecua entre a Matemaacutetica e a Biologia se

iniciou em meados do seacuteculo XVIII em particular com a descriccedilatildeo do crescimento exponen-

cial das populaccedilotildees pelo matemaacutetico Leonard Euler cinquenta anos antes de Malthus As

questotildees quantitativas da mortalidade e da esperanccedila de vida do geacutenero humano um tema

central das ciecircncias atuariais das pensotildees e seguros que comeccedilaram a ser tabeladas ainda

em seiscentos e motivaram uma notaacutevel memoacuteria de Euler apresentada agrave Academia de Ciecircn-

cias de Berlim em 1760 foram moacutebiles para o desenvolvimento da teoria das probabilidades

e de meacutetodos estatiacutesticos Por outro lado nesse mesmo ano Daniel Bernoulli apresentou agrave

Academia de Ciecircncias de Paris um primeiro modelo diferencial para analisar a propagaccedilatildeo

da variacuteola e defender as vantagens da inoculaccedilatildeo para a prevenir que foi um trabalho pionei-

ro na aplicaccedilatildeo das equaccedilotildees diferenciais agrave variaccedilatildeo das populaccedilotildees e podemos considerar

como numa carta agrave Nature de 2000 que ldquoBernoulli was ahead of modern epidemiologyrdquo

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Hoje em dia o domiacutenio da Biomatemaacutetica eacute vastiacutessimo e vai muito aleacutem da dinacircmica das

populaccedilotildees da ecologia teoacuterica agrave epidemiologia meacutedica da geneacutetica agrave virologia da formaccedilatildeo

de padrotildees agraves redes neuronais da bioestatiacutestica agrave anaacutelise proteoacutemica da biomecacircnica agrave

fisiologia animal etc Se existem aacutereas da Matemaacutetica com maiores relaccedilotildees com a Biologia

nomeadamente na modelaccedilatildeo matemaacutetica e numeacuterica incluindo os sistemas dinacircmicos as

equaccedilotildees com derivadas parciais os processos estocaacutesticos e a estatiacutestica novas intera-

ccedilotildees estatildeo a surgir na geometria e na topologia no tratamento de dados e nas relaccedilotildees com

machine learning ou aacutelgebra computacional

Por exemplo no encontro kick-off do ano da Biologia Matemaacutetica realizado na Finlacircndia

a 4 e 5 de janeiro uma das conferecircncias plenaacuterias de Benoicirct Perthame da Universidade de

Paris-Sorbone abordou as ligaccedilotildees entre dois tipos de modelos matemaacuteticos para o cresci-

mento de tumores a descriccedilatildeo lsquomicroscoacutepicarsquo ou lsquocompressiacutevelrsquo agrave escala da densidade da

populaccedilatildeo celular e uma descriccedilatildeo mais macroscoacutepica ou lsquoincompressiacutevelrsquo que eacute baseada

num problema com fronteira livre do tipo da equaccedilatildeo claacutessica de Hele-Shaw um modelo

bidimensional bem conhecido para escoamento de fluidos entre duas placas paralelas

Outro exemplo atual decorreu do projeto multidisciplinar europeu DENFREE flying towards

the efficient control of dengue iniciado em 2012 e coordenado pelo Instituto Pasteur o qual

teve participaccedilatildeo portuguesa em particular de biomatemaacuteticos do CMAFUniversidade de Lis-

boa Um dos seus objetivos constituiu na elaboraccedilatildeo de modelos preditivos para combater a

epidemia do viacuterus do dengue baseados na dinacircmica computacional natildeo-linear combinada com

a anaacutelise estatiacutestica de dados sobre a vacinaccedilatildeo a niacutevel mundial Esses modelos permitiram

conclusotildees relevantes e contribuiacuteram para uma melhor administraccedilatildeo da Denvaxia uma vaci-

na do dengue recomendada pelo WHO Strategic Advisory Group of Experts (SAGE) e levaram a

multinacional Sanofi-Pasteur produtora daquela vacina a alterar a recomendaccedilatildeo de vacina-

ccedilatildeo apenas para as pessoas seropositivas Contudo isso aconteceu com um ano de atraso face

agrave prediccedilatildeo do modelo do DENFREE o que foi criticado por dois daqueles investigadores numa

carta de 21-12-2017 publicada na revista The Lancet Infectious Diseases

Portugal que jaacute em 2009 no bicentenaacuterio de Charles Darwin havia acolhido o encontro

The Mathematics of Darwinrsquos Legacy numa organizaccedilatildeo do Centro Internacional de Mate-

maacutetica em colaboraccedilatildeo com a ESMTB e o apoio da Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian acolhe

agora o principal acontecimento do Ano da Biologia Matemaacutetica 2018 a 11th European Con-

ference on Mathematical and Theoretical Biology (httpecmtb2018org) que se realiza na

Faculdade de Ciecircncias da Universidade de Lisboa de 23 a 27 de julho e natildeo poderaacute ficar indi-

ferente agrave celebraccedilatildeo do primeiro Dia da Biologia Matemaacutetica a 10 de outubro que se espera

ter continuidade anual e cujo logo invoca a morfogeacutenese humana

Joseacute Francisco RodriguesEditor convidado

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Campos (Fiacutesica)Eduardo Lage

Universidade do Porto

O conceito de campo eacute dos mais fundamentais em Fiacutesica Tal como um campo de flores

variadas pode ter em cada canteiro um letreiro identificando a espeacutecie aiacute plantada um

campo fiacutesico eacute uma regiatildeo do espaccedilo em que eacute definida uma etiqueta caraterizando o valor

de uma grandeza em cada ponto e em cada instante Na sua formulaccedilatildeo inicial devida a

Michael Faraday (1849) o campo era um auxiliar que permitia imaginar a forccedila eleacutetrica

que se exerceria sobre uma carga colocada nesse ponto Com a formulaccedilatildeo definitiva de

James Clerk Maxwell (1864) para as leis do electromagnetismo (conhecidas por equaccedilotildees

de Maxwell) o campo ganhou uma realidade fiacutesica O campo pode propagar-se como on-

das atraveacutes do espaccedilo destronando a ideia de forccedilas instantacircneas agrave distacircncia A teoria da

relatividade restrita (Einstein 1905) viria a incorporar este conceito num dos seus postu-

lados (nada ultrapassa a luz no vazio) obrigando a aceitar o campo como uma realidade

fundamental Todas as teorias a partir de entatildeo satildeo teorias de campo alargando o seu

acircmbito agraves forccedilas nucleares fortes (responsaacuteveis pela coesatildeo do nuacutecleo) e fracas (originan-

do a desintegraccedilatildeo do neutratildeo livre) e exigindo mesmo uma reformulaccedilatildeo da lei da atraccedilatildeo

universal (Newton) corporizada na teoria da relatividade geral (Einstein 1915)

A importacircncia do conceito de campo fez-se sentir em outros domiacutenios da Fiacutesica Assim

passaacutemos a falar em diversos tipos de campos

a) Escalares tais como os campos de densidade temperatura ou pressatildeo (FIGURA 1)

para discutir fenoacutemenos atmosfeacutericos ou o interior de planetas ie a etiqueta tem apenas

um nuacutemero identificando o valor da grandeza

FIGURA 1 Diferenccedila de pressotildees em relaccedilatildeo agrave pressatildeo atmosfeacuterica normal atraveacutes de cores identificando valores numeacutericos (abaixo representados)

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b) Vetoriais tais como os campos de velocidade (FIGURA 2) ou aceleraccedilatildeo num

soacutelido riacutegido o campo eletromagneacutetico ou graviacutetico ie a etiqueta tem trecircs nuacutemeros as

componentes do vetor associado agrave grandeza respetiva

FIGURA 2 Campo de velocidades de um fluido onde cada seta representa a velocidade do fluido no ponto onde se situa a origem da seta

c) Tensoriais tais como os campos de deformaccedilatildeo ou tensatildeo (FIGURA 3) em soacutelidos

deformaacuteveis ou o tensor de Maxwell no eletromagnetismo A etiqueta tem agora nove nuacute-

meros em geral (para tensores de 2ordf ordem) as componentes do tensor correspondente

agrave grandeza medida

FIGURA 3 Componentes do tensor das tensotildees onde por exemplo σyx eacute a componente da tensatildeo (vetor) segundo x para uma superfiacutecie normal ao eixo y Por convenccedilatildeo a tensatildeo eacute exercida pela parte exterior ao cubo

O campo escalar eacute talvez o mais simples e o seu estudo atraveacutes de um exemplo e pos-

teriormente generalizado permite obter vaacuterios resultados importantes que se revelam

tambeacutem importantes nos campos vetoriais e tensoriais

x

z

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σxx

σyx

σxx

σyx

σzx

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Espectroscopia VibracionalPaulo Ribeiro ClaroCICECO Universidade de Aveiro

Designa-se por ldquoespectroscopia vibracionalrdquo a teacutecnica que mede a interaccedilatildeo da radiaccedilatildeo

eletromagneacutetica com os movimentos de vibraccedilatildeo de um sistema molecular

Qualquer sistema que contenha aacutetomos ligados entre si tem movimentos vibracionais

desde as moleacuteculas diatoacutemicas aos sistemas bioloacutegicos e aos materiais mais diversos

Deste modo as diversas teacutecnicas de espectroscopia vibracional satildeo muito utilizadas

tanto na caraterizaccedilatildeo de sistemas como em anaacutelise quiacutemica Estas aplicaccedilotildees

estendem-se atualmente ateacute agrave imagem meacutedica

Graus de liberdade de um sistema molecular

Considerando uma associaccedilatildeo de N aacutetomos (moleacutecula iatildeo ou radical) em fase gasosa ndash isto

eacute isolada e livre de restriccedilotildees externas ao seu movimento ndash cada um dos seus aacutetomos pode

deslocar-se segundo as trecircs direccedilotildees do espaccedilo descritas pelos eixos coordenados ou ve-

tores xyz Teremos assim 3N vetores que podem combinar-se em 3N movimentos distintos

FIGURA 1 Representaccedilatildeo esquemaacutetica dos 3N graus de liberdade de uma moleacutecula diatoacutemica A linha superior representa as trecircs translaccedilotildees a linha inferior representa as duas rotaccedilotildees e uma vibraccedilatildeo (O nuacutemero de vibraccedilotildees independentes eacute dado pela diferenccedila entre o nuacutemero de graus de liberdade e o nuacutemero de translaccedilotildees e rotaccedilotildees 3N-5) O movimento de vibraccedilatildeo pressupotildee que a ligaccedilatildeo entre os aacutetomos funciona como uma mola (que forccedilaraacute os aacutetomos a inverterem o sentido do movimento)

AR

TIG

O

10

Quando todos os aacutetomos se movem coordenadamente na direccedilatildeo um dado vetor (por

exemplo direccedilatildeo z FIGURA 1 primeira imagem) isso representa a translaccedilatildeo da moleacutecula

nessa direccedilatildeo Para uma moleacutecula isolada haacute pois trecircs movimentos ndash ou graus de liberdade

ndash translacionais

De igual modo eacute possiacutevel encontrar combinaccedilotildees de movimentos individuais dos aacutetomos

que resultam numa rotaccedilatildeo da moleacutecula em torno do seu centro de massa Estes graus de

liberdade rotacionais satildeo tambeacutem trecircs para a maioria das moleacuteculas Em moleacuteculas linea-

res haacute apenas dois graus de liberdade rotacionais pois natildeo existe rotaccedilatildeo em torno do eixo

molecular (natildeo moveria nenhum aacutetomo)

As restantes combinaccedilotildees de movimentos atoacutemicos resultam em movimentos dos aacutetomos

entre si sem que haja translaccedilatildeo ou rotaccedilatildeo da moleacutecula ou seja correspondem a graus de

liberdade vibracionais Deste modo um sistema molecular com N aacutetomos tem 3N-6 vibra-

ccedilotildees (3N-5 se for linear)

A soluccedilatildeo da equaccedilatildeo de Schoumldinger para uma partiacutecula livre em movimento tem como

significado fiacutesico a natildeo-quantizaccedilatildeo da energia translacional Dito de outro modo os graus

de liberdade translacionais satildeo contiacutenuos Contudo o mesmo natildeo se passa com os movimen-

tos os rotacionais e vibracionais a que correspondem niacuteveis de energia discretos (ou quan-

tizados) Assim eacute possiacutevel observar transiccedilotildees entre os niacuteveis rotacionais (espectroscopia

rotacional) ou entre os niacuteveis vibracionais (espectroscopia vibracional) Como seraacute discutido

abaixo numa moleacutecula em fase gasosa eacute possiacutevel observar transiccedilotildees em que se alteram si-

multaneamente o estado vibracional e o estado rotacional (por vezes abreviadas para ldquotran-

siccedilotildees roto-vibracionaisrdquo)

O modelo mais simples para descrever as vibraccedilotildees moleculares eacute o modelo do oscilador

harmoacutenico diatoacutemico dois aacutetomos de massa m1 e m2 ligados por uma mola perfeitamente

elaacutestica (FIGURA 2A) Os dois aacutetomos oscilam em torno da distacircncia de equiliacutebrio num mo-

vimento que pode ser designado por ldquoelongaccedilatildeo linearrdquo (e frequentemente abreviado para

ldquoelongaccedilatildeordquo)

Por resoluccedilatildeo da equaccedilatildeo de Schroumldinger para este modelo obteacutem-se a expressatildeo da

energia dos niacuteveis vibracionais

)frac12v(v += νhE

onde v eacute o nuacutemero quacircntico vibracional (v = 0 1 2 3 hellip) e ν eacute a frequecircncia de vibraccedilatildeo

do oscilador harmoacutenico Segundo este modelo os niacuteveis de energia de um oscilador estatildeo

igualmente espaccedilados sendo a diferenccedila entre eles igual a hν (FIGURA 2B) A regra de sele-

ccedilatildeo para o oscilador harmoacutenico eacute Δv = 1 pelo que o espectro vibracional de uma moleacutecula

diatoacutemica nesta aproximaccedilatildeo consiste num uacutenico sinal de frequecircncia ν independentemente

do niacutevel de partida

(1)

AR

TIG

O

11

FIGURA 2 A - Oscilador harmoacutenico constituiacutedo por duas esferas de massa m1 e m2 ligadas por uma mola sem limite de elasticidade (obedece agrave lei de Hooke para qualquer deformaccedilatildeo) B - Esquema da distribuiccedilatildeo dos niacuteveis de energia vibracionais em funccedilatildeo do nuacutemero quacircntico v e valor da separaccedilatildeo energeacutetica entre niacuteveis consecutivos

A frequecircncia do oscilador depende naturalmente da forccedila da ldquomolardquo ou seja do grau de

rigidezelasticidade da ligaccedilatildeo quiacutemica que se traduz na constante de forccedila da ligaccedilatildeo k

Esta constante de forccedila eacute a que define a resistecircncia da mola agrave deformaccedilatildeo ou seja a forccedila

que eacute necessaacuterio efetuar para provocar uma deformaccedilatildeo de Δx de acordo com a lei de

Hooke F = k Δx A equaccedilatildeo da frequecircncia do oscilador harmoacutenico eacute entatildeo dada por

μπν

k21

=

onde μ eacute a massa reduzida do oscilador

Os osciladores reais satildeo anarmoacutenicos uma vez que as ligaccedilotildees quiacutemicas natildeo se compor-

tam como molas perfeitamente elaacutesticas A FIGURA 5 compara a funccedilatildeo de energia potencial

do oscilador harmoacutenico com uma curva pouco anarmoacutenica (FIGURA 3A) e muito anarmoacutenica

(FIGURA 3B) A situaccedilatildeo real corresponde agrave curva de alta anarmonicidade (FIGURA 3B) jaacute que

as ligaccedilotildees quiacutemicas quebram quando satildeo estiradas excessivamente

FIGURA 3 Comparaccedilatildeo entre o oscilador harmoacutenico (linha a vermelho) e anarmoacutenico (linha a preto) para duas situaccedilotildees A - baixa anarmonicidade e B - alta anarmonicidade Notar que a regiatildeo da transiccedilatildeo fundamental(0rarr1) eacute muito razoavelmente descrita pelo oscilador harmoacutenico em qualquer dos casos

(2)

A B

A B

AR

TIG

O

12

A energia dos niacuteveis de um oscilador anarmoacutenico eacute dada por

2v )frac12v()frac12v( +-+= exhhE νν

onde xe eacute a constante de anarmonicidade especiacutefica de cada oscilador

Um efeito imediato da anarmonicidade eacute a diminuiccedilatildeo progressiva do espaccedilamento ener-

geacutetico entre os niacuteveis (tal como se observa na FIGURA 3)

ΔEv0rarr1 = hν(1 ndash 2 x) ΔEv1rarr2

= hν(1 ndash 4 x) ΔEv2rarr3 = hν(1 ndash 6 x)

Proacuteximo da energia de dissociaccedilatildeo o espaccedilamento tende para zero o que permite estimar

a energia de uma ligaccedilatildeo a partir da sua frequecircncia de vibraccedilatildeo e da correspondente anar-

monicidade

exhD 4e ν=

A regra de seleccedilatildeo para o oscilador anarmoacutenico eacute Δv = 1 2 3 hellip sendo possiacutevel observar

diversas transiccedilotildees Enquanto a transiccedilatildeo do niacutevel v=0 para v=1 eacute designada por transiccedilatildeo

fundamental as transiccedilotildees de v=0 para vgt1 satildeo designadas sobretons

Quando a populaccedilatildeo dos niacuteveis excitados eacute significativa eacute possiacutevel observar as transiccedilotildees

v=1 para v=2 v=2 para v=3 etc Estas transiccedilotildees aumentam de intensidade por aumento

da temperatura (ver distribuiccedilatildeo de populaccedilatildeo de Boltzmann) pelo que as correspondentes

bandas do espectro vibracional satildeo designadas por ldquobandas quentesrdquo

Esta anaacutelise do espectro vibracional de sistemas diatoacutemicos pode estender-se a sistemas

poliatoacutemicos Em sistemas poliatoacutemicos observam-se vaacuterios movimentos de ldquoelongaccedilatildeo li-

nearrdquo (tantos quantos as ligaccedilotildees entre 2 aacutetomos) de ldquodeformaccedilatildeo angularrdquo (envolvendo 3

aacutetomos ligados) de ldquotorccedilatildeordquo e de ldquodeformaccedilatildeo para fora do planordquo (envolvendo 4 aacutetomos

ligados) Estes movimentos combinam-se nas 3N-6 vibraccedilotildees globais da moleacutecula desig-

nados por modos normais de vibraccedilatildeo Em alguns casos os modos normais de vibraccedilatildeo es-

tatildeo altamente localizados num grupo definido de aacutetomos ndash por exemplo o grupo carbonilo

(C=O) ndash e originam bandas no espectro vibracional que satildeo carateriacutesticas desse grupo de

aacutetomos e mais ou menos independentes do resto da moleacutecula Estas vibraccedilotildees satildeo desig-

nadas por frequecircncias de grupo muito utilizadas em caraterizaccedilatildeo quiacutemica Estes toacutepicos

seratildeo desenvolvidos num texto proacuteprio

Transiccedilotildees roto-vibracionais numa abordagem breve

Tal como referido acima eacute possiacutevel observar transiccedilotildees vibracionais (Δv = 1 2 3 hellip) acom-

panhadas de transiccedilotildees rotacionais (ΔJ= 1) Considerando estes graus de liberdade como

independentes entre si a energia dos niacuteveis num oscilador diatoacutemico eacute dada simplesmente

pela soma da equaccedilatildeo (3) com a equaccedilatildeo do rotor diatoacutemico

(3)

(4)

(5)

AR

TIG

O

13

222J v )1()frac12v()1()frac12v( +++-+++= JDxhJBhE eνν J J ][

Ignorando os termos anarmoacutenico e de distorccedilatildeo centriacutefuga ndash indicados entre parecircntese

rectos ndash a energia da transiccedilatildeo vibracional fundamental num oscilador diatoacutemico eacute dada por

ΔEv=0rarrv=1 = hν + B[J(J+1)minusJrsquo(Jrsquo+1)]

onde J eacute o nuacutemero quacircntico rotacional do estado inicial v=1 e Jrsquo eacute o nuacutemero quacircntico

rotacional do estado final v = 1

A FIGURA 4 ilustra as transiccedilotildees que correspondem a Jrsquo=J-1 Jrsquo=J e Jrsquo=J+1 e a FIGURA 5

apresenta o espectro observado para o oscilador diatoacutemico real HCl No espectro real o efeito

da anarmonicidade do oscilador no valor de B eacute evidente

FIGURA 4 Esquema simplificado das transiccedilotildees roto-vibracionais numa moleacutecula diatoacutemica Os niacuteveis natildeo estatildeo agrave escala As transiccedilotildees com Jrsquo=J-1 (a verde) originam as bandas do Ramo P e as transiccedilotildees com Jrsquo=J+1 (a azul) originam o Ramo R As transiccedilotildees com Jrsquo=J (a amarelo) originam o Ramo Q mas natildeo satildeo permitidas em moleacuteculas diatoacutemicas

FIGURA 5 Espectro roto-vibracional da moleacutecula diatoacutemica HCl com a indicaccedilatildeo da posiccedilatildeo do Ramo Q (transiccedilotildees natildeo permitidas por regra de seleccedilatildeo) Notar que todos os sinais aparecem desdobrados em dois uma amostra real de HCl conteacutem as formas isotoacutepicas H35Cl e H37Cl a que correspondem diferentes valores de B Notar tambeacutem que o espaccedilamento entre bandas no ramo P eacute maior que no ramo R no estado fundamental v=0 a distacircncia interatoacutemica meacutedia eacute menor do que para v=1 pelo que B gt Brsquo Notar que a transiccedilatildeo Jrsquo=J eacute proibida pelo que natildeo aparece a banda Q

(6)

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14

O crescimento exponencial de populaccedilotildees Euler ou Malthus Suzana NaacutepolesUniversidade de Lisboa

Em 1798 no livro An Essay on the Principle of Population que teve seis ediccedilotildees Thomas

Malthus (1766-1864) um cleacuterigo e erudito inglecircs influente nos campos da economia po-

liacutetica e da demografia escreveu

ldquoA populaccedilatildeo quando natildeo controlada aumenta em progressatildeo geomeacutetrica A subsistecircncia

aumenta apenas em progressatildeo aritmeacutetica Um pequeno conhecimento dos nuacutemeros mostra-

raacute a imensidatildeo do primeiro poder em comparaccedilatildeo com o segundoldquo

Malthus natildeo tentou traduzir matematicamente o seu modelo de crescimento Limitou-se a

caraterizaacute-lo pressupondo que a taxa segundo a qual a populaccedilatildeo cresce num determinado

instante eacute proporcional agrave populaccedilatildeo total nesse mesmo instante

Numa revisatildeo da primeira ediccedilatildeo discutiu em detalhe os obstaacuteculos para o crescimento

da populaccedilatildeo em vaacuterios paiacuteses nomeadamente atraso no casamento aborto infanticiacutedio

fome guerra epidemias e fatores econoacutemicos Para ele o casamento retardado era a melhor

opccedilatildeo para estabilizar a populaccedilatildeo

Para caraterizar matematicamente este modelo considerando o crescimento em anos

consecutivos e supondo uma taxa de crescimento r em cada ano se num ano n a popula-

ccedilatildeo eacute Pn no ano seguinte a populaccedilatildeo seraacute Pn +1= (1 + r ) Pn pelo que Pn+1= (1 + r ) n P0 e o

crescimento eacute descrito por uma progressatildeo geomeacutetrica de razatildeo 1 + r

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15FIGURA 1 Thomas Malthus

Supondo uma variaccedilatildeo contiacutenua do tempo e designando por P(t) a populaccedilatildeo no instante

t e por r a taxa de crescimento por unidade de tempo a equaccedilatildeo diferencial que traduz o

modelo contiacutenuo preconizado por Malthus eacute Prsquo(t) = r P(t) Entatildeo P(t) = ke r t com k constante

Como P(0) = k e P0 o nuacutemero de indiviacuteduos no ano zero a evoluccedilatildeo da populaccedilatildeo eacute dada

por P(t) = P0 e rt

Acontece que 50 anos antes em Introductio in analysin infinitorum no VI capiacutetulo

ldquoDe quantidades exponenciais e logaritmosrdquo para ilustrar a grande utilidade das ta-

belas de logaritmos para abreviar caacutelculos numeacutericos o matemaacutetico suiacuteccedilo Leonhard

Euler (1707-1783) daacute vaacuterios exemplos que envolvem o crescimento populacional de

que transcrevemos os exemplos II e III

FIGURA 2 Leonhard Euler e o seu Introductio in analysin infinitorum

AR

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16

Exemplo II

ldquoSe a populaccedilatildeo em certa regiatildeo aumenta anualmente um trigeacutesimo e por outro lado laacute

habitavam no princiacutepio 100000 pessoas pergunta-se qual o nuacutemero de habitantes apoacutes

100 anos

Seja o nuacutemero inicial = n pelo que n = 100000 passado um ano o nuacutemero de habitantes

seraacute = (1+301 )n=30

13 n depois de dois anos = S X3013 2

n ao cabo de trecircs = S X3013 3

n e daqui

depois de 100 anos seraacute = S X3013 100

n = S X3013 100

100000 cujo logaritmo eacute = 100 l 1013 +

l 100000 E l 1013 = l 31 - l 10 = 0014240439 de onde 100 l 10

13 = 14240439 que somando-

-lhe l 100000 = 5 seraacute o logaritmo do nuacutemero de habitantes procurado = 64240439 a que

corresponde o nuacutemero 2654874

Assim ao cabo de 100 anos seraacute mais de vinte e seis vezes maiorrdquo

Este exemplo publicado em 1748 eacute meio seacuteculo antes a concretizaccedilatildeo do ldquoModelo Mal-

thusianordquo para uma populaccedilatildeo de 100000 habitantes e uma taxa de crescimento anual de

130

No exemplo seguinte Euler faz alusatildeo ao capiacutetulo 7 do Livro do Genesis que relata como

um diluacutevio reduziu a populaccedilatildeo da terra a seis seres humanos

Exemplo III

ldquoComo a humanidade se espalhou apoacutes o diluacutevio por obra de seis seres humanos se o nuacute-

mero destes alcanccedilar duzentos anos depois o nuacutemero 1000000 pergunta-se em que parte

deveria crescer anualmente o nuacutemero de humanos

Se aumentar em cada ano x1 duzentos anos depois o nuacutemero de humanos seria =

xx1 200+S X 6 = 1000000 e por tanto x

16

1000000 2001

+ = S Xx

Portanto l x1

2001+ =x l

61000000 =200

1 52218487 = 00261092

e assim =x1+x

10000001061963 e 1000000 = 61963x donde x =16 aproxidamente

Bastaraacute pois que os humanos aumentem por ano a sua deacutecima sexta parte [] Contudo se

o nuacutemero de homens tivesse crescido na mesma proporccedilatildeo durante um intervalo de 400

anos deveria chegar a 1000000 10000006

= 166666666666 cujo sustento a terra inteira

natildeo seria de forma alguma capaz de darrdquo

Euler ao abordar o crescimento das populaccedilotildees tinha uma preocupaccedilatildeo matemaacutetica ndash a

de mostrar a utilidade dos logaritmos ndash que ilustrou com exemplos

Mas a observaccedilatildeo anterior leva a crer que ele considerou o modelo exponencial desade-

quado para o estudo do crescimento populacional

AR

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17

A populaccedilatildeo de Portugal espelha bem a falecircncia deste modelo Segundo dados do Ins-tituto Nacional de Estatiacutestica nos duzentos anos que decorreram entre 1770 e 1970 a

populaccedilatildeo nem chegou a triplicar

TABELA 1 Populaccedilatildeo de Portugal entre 1422 a 1890

Popuccedilatildeo de Portugal (INE Lisboa)

Ano Total Variaccedilatildeo Ano Total Variaccedilatildeo

1422 1 043 274 - 1900 5 423 132 +74

1527 1 262 376 +210 1911 5 960 056 +99

1636 1 100 000 -129 1920 6 032 991 +12

1736 2 143 368 +949 1930 6 825 883 +131

1770 2 850 444 +330 1940 7 722 152 +131

1776 3 352 310 +176 1950 8 441 312 +93

1801 2 931 930 -125 1960 8 851 289 +49

1811 2 876 602 -19 1970 8 568 703 -32

1838 3 200 000 +112 1981 9 852 841 +150

1849 3 411 454 +66 1991 9 862 540 +01

1864 4 188 410 +228 2001 10 356 117 +50

1878 4 550 699 +86 2007 10 617 575 +25

1890 5 049 729 +110

Quanto a Malthus as suas preocupaccedilotildees eram de natureza poliacutetica e legislativa To-

mou como certo um crescimento exponencial da populaccedilatildeo mundial que conduziria a

uma cataacutestrofe por ausecircncia de recursos e para o travar sugeriu o recurso a poliacuteticas

adequadas Ao publicitar o modelo exponencial - que ficou conhecido como Modelo

Malthusiano - ligando-o a problemas legislativos reais abriu caminho para que dife-

rentes matemaacuteticos se dedicassem agrave modelaccedilatildeo do crescimento populacional

Em 1844 o matemaacutetico belga Pierre Verhulst (1804-1849) propocircs no artigo Recherches

matheacutematiques sur la loi drsquoaccroissement de la population um modelo em que considera que

agrave medida que a populaccedilatildeo se aproxima de um valor maacuteximo a taxa de crescimento diminui

ldquoO aumento virtual da populaccedilatildeo eacute portanto limitado pelo tamanho e pela fertilidade do paiacutes

Como resultado a populaccedilatildeo fica cada vez mais proacutexima de um estado estaacutevelrdquo

Designado por P(t) a populaccedilatildeo no instante t por r a taxa de crescimento por unidade

de tempo e por M o nuacutemero maacuteximo de indiviacuteduos que a regiatildeo pode suportar este modelo

exprime-se pela equaccedilatildeo diferencial

( )dt

dP rP MP t

1= -T Y

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18

cuja soluccedilatildeo eacute

( )( ) ( )( )

P t

MP eP e

10 10

rt

rt

=+

-

Se P(t) for muito pequeno face a M tem-se que ( )dt

dP rP MP t

1= -T Y cong r P(t) que tem a soluccedilatildeo P(t) cong P(0) e rt

e o crescimento eacute exponencial

FIGURA 4 Pierre Franccedilois Verhulst e o graacutefico da curva logiacutestica

Agrave medida que t cresce a populaccedilatildeo aproxima-se assintoticamente de M A equaccedilatildeo diferen-

cial que carateriza este modelo eacute atualmente designada por equaccedilatildeo logiacutestica e a populaccedilatildeo

maacutexima M por capacidade de carga Com Verhulst relativizou-se ldquoa hipoacutetese da progressatildeo

geomeacutetrica uma vez que ela soacute se pode verificar em circunstacircncias muito especiais por exem-

plo quando um territoacuterio feacutertil de tamanho quase ilimitado passa a ser habitado por pessoas

com uma civilizaccedilatildeo avanccedilada como foi o caso das primeiras coloacutenias americanasrdquo

Essa equaccedilatildeo foi retomada por vaacuterios matemaacuteticos e adaptada a contextos variados

Satildeo de realccedilar os casos em que a capacidade de carga varia como o tempo conduzindo

ao modelo caraterizado pela equaccedilatildeo diferencial

dtdP rP M

P1= -T Y( )t

onde a capacidade de carga M(t) = M(t +T) varia periodicamente com periacuteodo T

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19

FIGURA 5 A demografia eacute instrumental para o controlo das populaccedilotildees humanas

Desde o seacuteculo XVIII que o estudo da dinacircmica das populaccedilotildees eacute objeto de modelaccedilatildeo

matemaacutetica Na atualidade existem outros modelos de crescimento hiperboacutelicos expo-

nenciais logiacutesticos ou baseados noutras funccedilotildees Baseada nos modelos populacionais

do matemaacutetico Song Jian a Repuacuteblica Popular da China em 1980 entatildeo a atingir o biliatildeo

de habitantes instaurou uma poliacutetica estrita de filho uacutenico Essa lei foi flexibilizada em

2015 aumentando para dois o nuacutemero maacuteximo de filhos para fazer frente ao envelheci-

mento da populaccedilatildeo e agrave reduccedilatildeo do grupo de trabalhadores na faixa etaacuteria considerada

economicamente ativa

Muitos dos pareceres cientiacuteficos nas mais diversas aacutereas baseiam-se em modelos ma-

temaacuteticos que podem permitir fazer estimativas e previsotildees mas hellip ao olhar para o cres-

cimento populacional ao longo dos tempos verificamos que os modelos matemaacuteticos satildeo

instrumentais na anaacutelise da dinacircmica das populaccedilotildees

AR

TIG

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20

Artroacutepodes Miguel Santos

Rubim Almeida

Sara C Antunes

DB CIBIO InBIO CIIMAR Universidade do Porto

Artroacutepodes (Arthropoda do grego arthro = articulado + podos = peacutes) satildeo o grupo taxonoacutemi-

co mais diversificado com distribuiccedilatildeo por quase todo o globo e ocupando todos os habitats

Satildeo organismos invertebrados com exosqueleto riacutegido apresentando apecircndices articula-

dos (patas antenas) e de nuacutemero diferenciado de acordo com o subfilo a que pertencem

Os artroacutepodes constituem um dos mais diversos grupos de organismos do planeta com-

preendendo espeacutecies que variam de 0085 mm (Tantalacus dieteri um crustaacuteceo parasita)

ateacute 38 m (envergadura do Caranguejo-aranha-gigante) Os organismos pertencentes a

este grupo encontram-se praticamente em todos os tipos de habitat A razatildeo do sucesso

evolutivo deste grupo taxonoacutemico deve-se a um conjunto de carateriacutesticas uacutenicas i) pos-

suiacuterem um exosqueleto proteico-quitinoso flexiacutevel leve e resistente que protege contra a

desidrataccedilatildeo ii) segmentaccedilatildeo do corpo e a presenccedila de apecircndices articulados especia-

lizados iii) oacutergatildeos sensoriais bem desenvolvidos (antenas sedas sensoriais olhos com-

postos olhos pedunculados ocelos quimiorrecetores nas antenas) iv) metamorfose com

diferentes estaacutedios de desenvolvimento incluindo estaacutedios larvares que podem ter um

modo de vida completamente diferente do adulto permitindo um aproveitamento de outros

recursos (alimento e espaccedilo) reduzindo a competiccedilatildeo entre indiviacuteduos da mesma espeacutecie

v) padrotildees comportamentais complexos revelando por vezes organizaccedilatildeo comunitaacuteria e

vi) sistema respiratoacuterio diverso nomeadamente o sistema traqueal onde o ar entra em

contacto direto com os tecidos devido a um eficiente sistema de tubos (traqueias) com

orifiacutecios na superfiacutecie do tegumento (espiraacuteculos) No entanto a origem e a taxonomia

deste grupo ainda constituem um tema de investigaccedilatildeo e debate Mesmo apesar dos avan-

ccedilos em aacutereas como a biologia molecular que fornece importantes conhecimentos sobre

as complexas relaccedilotildees evolutivas destes organismos muito ainda haacute por descobrir Os

artroacutepodes satildeo um grupo extremamente importante nos ecossistemas terrestres devido

natildeo soacute agrave sua enorme abundacircncia e diversidade mas tambeacutem ao grande nuacutemero de funccedilotildees

que desempenham nestes ecossistemas (ex degradaccedilatildeo da mateacuteria orgacircnica arejamento

AR

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21

do solo ciclagem de nutrientes) O filo Arthropoda estaacute atualmente subdividido em cinco

subfilos Trilobitomorpha Crustacea Myriapoda Chelicerata e Hexapoda

O subfilo Trilobitomorpha (trilobites e os seus parentes) compreende cerca de 20 000

espeacutecies que viviam exclusivamente em ambientes marinhos e que atualmente se encon-

tram todas extintas Contudo a sua vasta distribuiccedilatildeo geograacutefica e o exosqueleto de carbo-

nato de caacutelcio permitiram que este grupo apresente um extenso registo foacutessil observaacutevel

por todo o planeta

Crustacea inclui caranguejos camarotildees e lagostas contendo mais de 60 000 espeacute-

cies e com um extenso registo foacutessil em todo o mundo eacute um dos principais grupos de

artroacutepodes A maioria dos crustaacuteceos vive em ambientes marinhos mas existem vaacuterias

espeacutecies que podem ser encontradas em ecossistemas de aacutegua doce (ordem Cladocera e

sub-classe Copepoda) e em ambientes terrestres (ordem Isopoda FIGURA 1) Apesar da

grande maioria dos crustaacuteceos serem de vida livre existem vaacuterios grupos parasitas (ex

Rhizocephala ndash crustaacuteceos cirriacutepedes parasitas de caranguejos e camarotildees Argulidae ndash

crustaacuteceos parasitas de peixes e Pentastomida ndash vermes liacutengua que parasitam o sistema

respiratoacuterio de vertebrados) Numa perspetiva diferente e de interesse econoacutemico este

grupo apresenta ainda um valor acrescido jaacute que alguns crustaacuteceos decaacutepodes como la-

gostas e camarotildees satildeo intensivamente consumidos em todo o mundo Para aleacutem da sua

importacircncia econoacutemica este grupo de organismos eacute bastante utilizado em investigaccedilatildeo

cientiacutefica nomeadamente em ecotoxicologia na avaliaccedilatildeo do efeito de contaminantes no

solo

FIGURA 1 Exemplares de organismos da ordem Isopoda (bicho-da-conta) 1 ndash famiacutelia Armadillidae 2 ndash famiacutelia Porce-llionidae em A - vista dorsal e em B - vista ventral

O subfilo Myriapoda inclui as centopeias e os miliacutepedes conteacutem mais de 11 000

espeacutecies descritas Este subfilo eacute tradicionalmente dividido em quatro classes Chi-

lopoda (centopeias) (FIGURA 2) Diplopoda (miliacutepedes) Pauropoda (ldquopoucos peacutesrdquo) e

Symphyla (pseudocentopeias) Todos os miriaacutepodes conhecidos satildeo terrestres e o seu

tamanho varia desde alguns miliacutemetros a cerca de 38 centiacutemetros (Millipede Gigante

Africano)

1

2

A B

15cm

AR

TIG

O

22

FIGURA 2 Vista dorsal A - e ventral B - de um organismo pertencente agrave classe Chilopoda onde se pode observar o corpo segmentado e apenas com um par de patas por segmento

O subfilo Chelicerata (aranhas aranhas do mar escorpiotildees e aacutecaros) conteacutem mais

de 113 000 espeacutecies distribuiacutedas em duas classes principais Pycnogonida (aranhas do

mar) e Arachnida (aranhas escorpiotildees e aacutecaros) Pycnogonida o grupo das aranhas

do mar conteacutem mais de 1 300 espeacutecies descritas mas estudos detalhados sobre esses

animais e as suas relaccedilotildees evolutivas ainda satildeo escassos Estes organismos geralmente

tecircm seis ou oito olhos e quatro a seis pares de patas A classe Arachnida compreende os

organismos mais conhecidos do subfilo Chelicerata como aranhas escorpiotildees e aacutecaros

Os indiviacuteduos pertencentes a este grupo natildeo possuem antenas tecircm quatro pares de

patas um par de queliacuteceras (1ordm par de apecircndices do prossomacabeccedila) e pedipalpos

(2ordm par de apecircndices do prossomacabeccedila) As aranhas (ordem Araneae) (FIGURA 3) satildeo

provavelmente o grupo mais icoacutenico e bem estudado deste subfilo presentes na maioria

dos ambientes terrestres e constituindo um dos grupos mais importantes de artroacutepodes

do solo Outros organismos colocados na mesma classe como escorpiotildees aacutecaros ou

opiliotildees tambeacutem constituem grupos extremamente variados com importantes funccedilotildees

ecoloacutegicas (ex decomposiccedilatildeo de mateacuteria orgacircnica e controlo de organismos principal-

mente atraveacutes de predaccedilatildeo)

FIGURA 3 Vista dorsal A - e ventral B - de um exemplar da ordem Araneae (famiacutelia Gnaphosidae) sendo possiacutevel obser-var o corpo dividido em cefalotoacuterax e abdoacutemen os quatro pares de patas as queliacuteceras (q) e os pedipalpos (p)

O subfilo Hexapoda (Hexa (seis) e Poda (peacute)) engloba os insetos e os seus parentes

compreende o grupo mais diverso e abundante de organismos com mais de 1 milhatildeo de

espeacutecies conhecidas Este subfilo eacute frequentemente dividido em organismos da clas-

A B

A B

14cm

p

q

35cm

AR

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O

23

se Insecta (FIGURA 4) e da classe Entognatha Esta uacuteltima inclui os colecircmbolos (ordem

Collembola) (FIGURA 5) cabeccedilas de cone e bichos de prata (ordem Protura) e cerdas de

duas pontas (ordem Diplura) Na classe Entognatha as partes bucais dos organismos

estatildeo retraiacutedas dentro das suas cabeccedilas contrariamente ao que se observa na classe In-

secta que satildeo ectognantes Os colecircmbolos constituem um dos grupos mais abundantes

de artroacutepodes do solo podendo ser encontrados mais de 100 000 indiviacuteduos num metro

quadrado Estes satildeo organismos cosmopolitas com mais de 8 000 espeacutecies descritas Os

colecircmbolos satildeo pequenos organismos com tamanho geralmente inferior a 6-8 mm de

forma ciliacutendrica ou globular apresentando olhos simples e antenas moniliformes Muitas

espeacutecies possuem um apecircndice bifurcado (fuacutercula) no final do abdoacutemen permitindo que

estes organismos saltem quando ameaccedilados (FIGURA 5) Os colecircmbolos tecircm sido ampla-

mente utilizados em estudos ecotoxicoloacutegicos na avaliaccedilatildeo da qualidade do solo e da sauacute-

de destes ecossistemas

FIGURA 4 A - Vista dorsal e B - vista ventral de exemplares de algumas ordens da classe Insecta

FIGURA 5 Vista lateral de exemplares da ordem Collembola

A classe Insecta eacute a classe com maior nuacutemero de organismos compreendendo mais

de metade das espeacutecies eucarioacuteticas descritas atualmente englobando mais de 1 milhatildeo

de espeacutecies que habitam praticamente todos os ecossistemas Os insetos sendo o grupo

Ordem

Coleoptera

Ordem

Diptera

Ordem

Hemiptera

Ordem

Orthoptera

Ordem

HimenopteraA A A A

B B B B

075cm

027cm14cm016cm

09cm

22cm

AR

TIG

O

24

mais diversificado de seres vivos apresentam as mais variadas e interessantes adap-

taccedilotildees anatoacutemicas e morfoloacutegicas Pensa-se que a sua enorme riqueza e abundacircncia eacute

devida a uma combinaccedilatildeo de carateriacutesticas vantajosas como a coevoluccedilatildeo com plan-

tas a miniaturizaccedilatildeo e a capacidade de voo Os insetos desempenham ainda um papel

importantiacutessimo no funcionamento dos ecossistemas realizando funccedilotildees quer de pre-

dadores quer de presa estando envolvidos em inuacutemeras teias alimentares (ex reciclan-

do nutrientes fazendo a manutenccedilatildeo da estrutura e fertilizaccedilatildeo dos solos) Destaca-se

tambeacutem o facto de vaacuterios insetos voadores como abelhas ou borboletas atuarem como

polinizadores de muitas espeacutecies de plantas Esta eacute uma funccedilatildeo ecoloacutegica importante

com vaacuterias repercussotildees econoacutemicas porque mais de 30 das culturas alimentares

mundiais dependem da polinizaccedilatildeo Os insetos possuem ainda um papel importante em

investigaccedilatildeo cientiacutefica sendo muitas vezes utilizados como organismo modelo dado pos-

suiacuterem carateriacutesticas distintas como o seu tamanho reduzido tempos de geraccedilatildeo curtos

e elevada fecundidade O exemplo de excelecircncia eacute a mosca da fruta Drosophila melano-

gaster cujo genoma eacute jaacute conhecido na totalidade sendo esta espeacutecie utilizada frequente-

mente para estudar vaacuterios processos celulares (ex o envelhecimento a hereditariedade

e o desenvolvimento embrionaacuterio) Apesar de constituiacuterem um grupo tatildeo interessante

beneacutefico e necessaacuterio agrave manutenccedilatildeo do equiliacutebrio dos ecossistemas existem algumas

desvantagens associadas aos insetos como eacute o caso de serem vetores na transmissatildeo

de doenccedilas Eacute o caso da malaacuteria transmitida por um mosquito do geacutenero Anopheles a

doenccedila parasitaacuteria mais disseminada com vaacuterios milhotildees de humanos infetados em todo

o mundo O dengue e o zika satildeo doenccedilas em que o vetor de transmissatildeo eacute tambeacutem um

mosquito do geacutenero Aedes Na agricultura as pragas de insetos (ex gorgulhos gafa-

nhotos afiacutedios) satildeo responsaacuteveis por prejudicar as culturas agriacutecolas e a produccedilatildeo de

alimentos causando perdas econoacutemicas elevadas

Sabe-se que atualmente a perda de habitat e as mudanccedilas climaacuteticas satildeo alguns dos

fatores responsaacuteveis por decliacutenios significativos nas populaccedilotildees deste grupo de orga-

nismos Esse decliacutenio apresenta uma elevada preocupaccedilatildeo ecoloacutegica uma vez que estes

organismos desempenham muacuteltiplas e importantes funccedilotildees nos ecossistemas No en-

tanto a conservaccedilatildeo deste grupo animal permanece um grande e urgente desafio que eacute

preciso enfrentar

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Biocombustiacuteveis seratildeo a soluccedilatildeo Matilde Viegas

Maria Joatildeo Ramos

Pedro Alexandrino Fernandes

UCIBIO REQUIMTEUniversidade do Porto

ldquoA 21 de Fevereiro de 2018 o niacutevel de poluiccedilatildeo de partiacuteculas finas com diacircmetro inferior

a 10 μm PM10 atingiu em Paris niacuteveis alarmantes com um pico correspondente

ao dobro do limite maacuteximo A Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) recomenda natildeo

exceder este limite maacuteximo por mais de trecircs dias por ano Com este recente pico os

parisienses jaacute o ultrapassaramrdquo

Em Un pic de pollution laquograveraquo en Ile-de-France Le Monde 22 de Fevereiro de 2018

Esta notiacutecia eacute um dos inuacutemeros exemplos dos efeitos do aquecimento global termo com o

qual estamos cada vez mais familiarizados infelizmente Este fenoacutemeno eacute consequecircncia

de Gases de Efeito de Estufa GEE (dioacutexido de carbono metano e oacutexido de azoto entre

outros) que se acumulam na atmosfera enclausurando o calor e tornando o planeta mais

quente A produccedilatildeo em larga escala de GEEs teve iniacutecio na Revoluccedilatildeo Industrial (1800)

como resultado da combustatildeo de combustiacuteveis foacutesseis (carvatildeo petroacuteleo e gaacutes natural)

para produccedilatildeo de eletricidade aquecimento e transporte

A preocupaccedilatildeo em torno do aquecimento global tornou-se um assunto constante na

agenda poliacutetica sobretudo nas uacuteltimas duas deacutecadas Os primeiros esforccedilos coletivos re-

sultaram no Protocolo de Quioto em 1997 cujo objetivo era a reduccedilatildeo das emissotildees de

GEEs assentando nos argumentos de que i) o aquecimento global era uma realidade e ii) o

CO2 produzido por accedilotildees humanas era o seu grande causador O primeiro periacuteodo do Proto-

colo terminou em 2012 e por isso em 2015 as Naccedilotildees Unidas promoveram a assinatura

do novo Acordo de Paris o qual consiste numa atualizaccedilatildeo do antigo Protocolo de Quioto

com o objetivo de ldquofortalecer a resposta global agrave ameaccedila das alteraccedilotildees climaacuteticas no

contexto de desenvolvimento sustentaacutevel e com esforccedilo para a erradicaccedilatildeo da pobrezardquo

O novo Acordo ao contraacuterio do de Quioto estabelece metas tangiacuteveis e quantitativas O

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objetivo eacute manter o aumento da temperatura meacutedia global abaixo dos 2ordm Celsius face agrave

temperatura global na era preacute-industrial Para atingir tal meta eacute necessaacuterio um esforccedilo

mundial contudo em 2017 com a saiacuteda dos EUA do Acordo de Paris o segundo maior

emissor de GEEs logo a seguir agrave China perdeu-se uma enorme contribuiccedilatildeo Aleacutem do peso

evidente que as suas emissotildees tecircm para o estado atual do aquecimento global em falta

estaratildeo tambeacutem a diplomacia e o encorajamento proporcionados por esta forccedila mundial

No Acordo de Paris uma das claacuteusulas exige a inclusatildeo de energias renovaacuteveis (eoacutelica

mariacutetima solar) e de biocombustiacuteveis no mercado de energia encorajando os paiacuteses a

atingir niacuteveis miacutenimos da sua utilizaccedilatildeo As metas estabelecidas para cada paiacutes vatildeo ao en-

contro ao seu mercado e agraves mateacuterias-primas disponiacuteveis em cada territoacuterio favorecendo o

desenvolvimento da economia

De uma forma generalista os biocombustiacuteveis englobam combustiacuteveis produzidos atra-

veacutes de processos bioloacutegicos como a agricultura e digestatildeo anaeroacutebica em vez de produ-

zidos a partir de processos geoloacutegicos como os necessaacuterios para a formaccedilatildeo de combus-

tiacuteveis foacutesseis Isto inclui o biodiesel (produzido a partir de oacuteleos e gorduras orgacircnicas) e o

bioetanol (aacutelcool produzido atraveacutes de fermentaccedilatildeo microbiana de accediluacutecares seguido de

destilaccedilatildeo e desidrataccedilatildeo) os quais seratildeo o maior foco deste artigo

A partir da deacutecada de 70 foram feitos os primeiros investimentos nos chamados bio-

combustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo (1G) Estes fazem uso de colheitas de produtos agriacuteco-

las como a soja cana-de-accediluacutecar milho oacuteleo de palma entre outros para a produccedilatildeo de

biodiesel e bioetanol atraveacutes de processos de trans-esterificaccedilatildeo ou fermentaccedilatildeo A sua

disponibilidade e facilidade de processamento permitiram a sua inserccedilatildeo e mistura nos

combustiacuteveis atualmente vendidos ao puacuteblico Para 2017 Portugal fixou em 75 (de poder

energeacutetico) a incorporaccedilatildeo de biocombustiacuteveis nos combustiacuteveis dos transportes rodoviaacute-

rios tendo a Uniatildeo Europeia o objectivo de 10 em 2020 para todos os paiacuteses membros

Os biocombustiacuteveis 1G fazem uso da colheita agriacutecola para fins energeacuteticos o que gera

opiniotildees desfavoraacuteveis por parte de ambientalistas (pelo uso exaustivo da terra agriacutecola sem

compensaccedilatildeo desflorestaccedilatildeo e perda de biodiversidade) e problemas eacuteticos tais como os le-

vantados por responsaacuteveis da ONU como o Dr Jean Ziegler que atribui aos biocombustiacuteveis

a culpa pela contiacutenua inflaccedilatildeo dos preccedilos de alimentos exacerbando a atual crise de fome

mundial - ldquoSatildeo necessaacuterios 352Kg de milho para encher um depoacutesito de 50L de um carro Uma

crianccedila na Zacircmbia ou no Meacutexico onde o milho eacute um elemento baacutesico da dieta poderia viver

com esta quantidade de milho um ano inteirordquo Atualmente os maiores produtores destes bio-

combustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo satildeo os EUA e o Brasil utilizando parte da produccedilatildeo global

de cereais e oacuteleos vegetais para a produccedilatildeo de bioetanol e biodiesel causando um ambiente

de profunda preocupaccedilatildeo em volta da sustentabilidade de produccedilatildeo de energia a meacutediolongo

prazo De forma a controlar a inflaccedilatildeo no preccedilo dos alimentos a EU estabeleceu um limite de

7 para o uso de biocombustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo como combustiacutevel de transportaccedilatildeo

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A segunda geraccedilatildeo de biocombustiacuteveis (2G) usa biomassa isto eacute qualquer fonte de car-

bono orgacircnico que eacute rapidamente renovado no ciclo de carbono Os biocombustiacuteveis de

segunda geraccedilatildeo almejam um uso ponderado de desperdiacutecios da induacutestria madeireira e

agriacutecola ou de restos de colheitas agriacutecolas assim que estas preencham o seu propoacutesito

alimentar evitando interferecircncia com o mercado alimentar e natildeo influenciando os preccedilos

dos alimentos baacutesicos

FIGURA 1 Biocombustiacuteveis

A produccedilatildeo de arroz atingiu o seu pico em 2017 gerando 1140 milhotildees de toneladas de

espigas de arroz cujo destino eacute a incineraccedilatildeo compostagem ou eacute simplesmente deposita-

da em aterros Contudo com a 2G de biocombustiacuteveis eacute encontrado potencial energeacutetico

neste desperdiacutecio agriacutecola O seu potencial deve-se agrave mateacuteria lignoceluloacutesica ndash celulose

hemicelulose e lignina ndash presente em todas as plantas incluindo as espigas em diferen-

tes percentagens Este material composto eacute essencial para a estrutura e resistecircncia das

plantas a hemicelulose eacute a matriz que rodeia o esqueleto de celulose enquanto a lignina

funciona como uma camada protetora As possibilidades associadas a este tipo de desper-

diacutecio satildeo inegaacuteveis a sua abundacircncia e facilidade de obtenccedilatildeo tornam-no muito apelativo

Contudo o gasto na recolha e transporte desta mateacuteria suplanta os custos de produccedilatildeo

e o seu uso continuado poderaacute contribuir para a erosatildeo do solo Aleacutem disso para o seu

aproveitamento para produccedilatildeo de biocombustiacuteveis eacute necessaacuterio um preacute-tratamento para

hidrolisar as ligaccedilotildees covalentes entre os trecircs constituintes da mateacuteria lignoceluloacutesica e

permitir a posterior fermentaccedilatildeo anaeroacutebia da celulose produzindo bioetanol Este preacute-

-tratamento eacute visto como outra das desvantagens do processo e estaacute ainda a ser estudado

e otimizado pois de momento as alternativas disponiacuteveis encarecem o produto final e em

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alguns dos casos dependem do uso de quiacutemicos poluentes A esperanccedila estaacute entatildeo de-

positada no estudo de enzimas hidroliacuteticas encontradas em organismos termoacutefilos que

seratildeo capazes de aguentar as difiacuteceis condiccedilotildees de tratamento Contudo a dificuldade em

escalar o processo de fermentaccedilatildeo eacute uma das desvantagens e dos fatores limitantes para

a 2G de biocombustiacuteveis em grande parte devido agrave dificuldade de monitorizar as condiccedilotildees

de fermentaccedilatildeo (oxigeacutenio pH nutrientes etc)

A terceira geraccedilatildeo (3G) de biocombustiacuteveis foi reconhecida como a melhor alternativa

em comparaccedilatildeo com primeira e segunda geraccedilotildees pois surpreendentemente faz uso de

algas A sua enorme disponibilidade por todo o planeta e o facto de natildeo interferirem com os

mercados alimentares satildeo os grandes embaixadores desta mateacuteria-prima como o futuro

dos biocombustiacuteveis Ainda que natildeo seja uma mateacuteria infinita eacute a que de momento mais se

assemelha por existirem 70 000 espeacutecies (30 000 documentadas) Estudos conduzidos

atualmente estatildeo a explorar a viabilidade energeacutetica de 30 espeacutecies de algas explorando a

sustentabilidade facilidade e escalabilidade da sua produccedilatildeo Outras vantagens incluem a

baixa manutenccedilatildeo necessaacuteria para o seu crescimento (luz dioacutexido de carbono e nutrientes

como azoto foacutesforo e potaacutessio) a facilidade com que produzem liacutepidos e carboidratos que

podem posteriormente ser processados em diferentes biocombustiacuteveis e outros copro-

dutos a frequecircncia com que podem ser colhidas ao longo do ano (ao contraacuterio de outras

colheitas convencionais) a baixa percentagem de hemicelulose e a praticamente ausente

lignina facilitam radicalmente o seu preacute-processamento pois a celulose eacute mais facilmente

extraiacuteda As desvantagens desta mateacuteria incluem o enorme investimento inicial para a

construccedilatildeo de infraestruturas para o seu cultivo que pode ser ou ao ar livre (em tanques

de grande dimensatildeo) ou em foto-bioreatores (sistemas fechados altamente controlados)

Prevecirc-se que em 2030 o preccedilo de produccedilatildeo de combustiacutevel a partir de algas seraacute 065 euro

litro de combustiacutevel valor muito proacuteximo do atual preccedilo de produccedilatildeo do litro de gasolina

Comparativamente aos custos de produccedilatildeo de outros biocombustiacuteveis o mais barato con-

tinua a ser o bioetanol produzido a partir de milho (1G) 017 eurolitro seguido de combustiacute-

veis celuloacutesicos (2G) a 032 eurolitro

Eacute evidente que seratildeo necessaacuterios esforccedilos poliacuteticos e cientiacuteficos investimento e regu-

lamentaccedilatildeo adequados para encontrar o caminho ideal para travar o aquecimento global

Em todas as geraccedilotildees de biocombustiacuteveis apresentadas existem fatores que afunilam as

potencialidades destas alternativas indicando que a soluccedilatildeo passa por criar um consoacutercio

entre as vaacuterias possibilidades de forma a tirar o maacuteximo partido sem danificar o planeta ou

piorar a crise da fome O proacuteximo passo passa por substituir os biocombustiacuteveis de 1G por

soluccedilotildees com maior escalabilidade Acreditamos que nas proacuteximas deacutecadas seratildeo cruciais

e depositamos esperanccedila na investigaccedilatildeo cientiacutefica

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018043

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Stephen Hawking e a sua contribuiccedilatildeo para a fiacutesica teoacutericaOrfeu Bertolami

Claacuteudio GomesDepartamento de Fiacutesica e Astronomia CFP Universidade do Porto

A 14 de marccedilo de 2018 o fiacutesico britacircnico Stephen Hawking faleceu aos 76 anos deixando

todavia um importante legado para a fiacutesica teoacuterica muito particularmente para o

entendimento das deficiecircncias intriacutensecas da Relatividade Geral de Einstein para a fiacutesica

dos buracos negros e para a cosmologia a ciecircncia do Universo como um todo

Stephen Hawking doutorou-se em Fiacutesica Teoacuterica em 1966 pela Universidade de Cambridge

sob a supervisatildeo de Dennis Sciama Apesar da sua condiccedilatildeo fiacutesica progressivamente limi-

tativa manteve-se extremamente ativo na investigaccedilatildeo nas aacutereas de cosmologia fiacutesica dos

buracos negros e gravitaccedilatildeo quacircntica

Nessa altura havia uma consideraacutevel discussatildeo acerca da realidade e ubiquidade de sin-

gularidades pontos no espaccedilo-tempo onde a Teoria da Relatividade Geral deixa de fazer sen-

tido e natildeo desaparecendo atraveacutes de mudanccedila de sistemas de coordenadas que descrevem

o espaccedilo-tempo Na segunda metade da deacutecada de 1960 Hawking e o matemaacutetico inglecircs

Roger Penrose demonstraram que essas singularidades eram inevitaacuteveis no contexto da

Teoria da Relatividade Geral (ver para uma descriccedilatildeo exaustiva o livro Large Scale Structure

of Space-Time escrito em colaboraccedilatildeo com o fiacutesico sul-africano George Ellis publicado em

1973) Uma dessas singularidades corresponde ao iniacutecio do Universo ndash Big Bang ndash e outras

estatildeo presentes no interior dos buracos negros natildeo acessiacuteveis agrave observaccedilatildeo devido agrave pre-

senccedila de um horizonte de acontecimentos que segundo a Conjetura da Censura Coacutesmica de

Roger Penrose protegem sempre as singularidades de se apresentarem ldquonuasrdquo

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Subsequentemente em 1975 ele desenvolveu a ideia que os buracos negros deveriam

radiar termicamente a uma temperatura especiacutefica inversamente proporcional agraves suas

massas temperatura esta que hoje designamos por temperatura de Hawking Esta ideia daacute

origem ao paradoxo da informaccedilatildeo em que a informaccedilatildeo que entrava no horizonte de evento

se perdia Com este contributo passou-se a ter uma equivalecircncia entre a dinacircmica e a termo-

dinacircmica de buracos negros

FIGURA 1 Emissatildeo da radiaccedilatildeo teacutermica de Hawking por um buraco negro

No princiacutepio da deacutecada de 1980 Hawking iniciou em colaboraccedilatildeo com o fiacutesico norte-ameri-

cano James Hartle o programa de investigaccedilatildeo que hoje designamos por cosmologia quacircntica

Na cosmologia quacircntica o espaccedilo-tempo eacute descrito por uma funccedilatildeo de onda a funccedilatildeo de onda

do Universo como na Mecacircnica Quacircntica Esta equaccedilatildeo de onda satisfaz uma equaccedilatildeo anaacuteloga

agrave de Schroumldinger da Mecacircnica Quacircntica a equaccedilatildeo de Wheeler-DeWitt A proposta de Hartle

e Hawking eacute que a funccedilatildeo de onda descreva um espaccedilo-tempo sem fronteiras (No-Boundary

proposal) A ideia eacute que agrave medida que retrocedemos no tempo chegamos a um ponto em que

o Universo eacute pequeno o suficiente para que efeitos quacircnticos sejam dominantes Nesta altura

existe uma espeacutecie de ldquoespumardquo do espaccedilo-tempo de tal modo que o tempo natildeo pode ser in-

terpretado do modo como o vemos hoje mas sim como uma quarta dimensatildeo espacial Uma

analogia uacutetil eacute a seguinte se viajarmos para o Polo Sul temos de seguir sempre para sul mas

quando alcanccedilamos o ponto do Polo Sul jaacute natildeo faz sentido falarmos na direccedilatildeo sul pelo mesmo

raciociacutenio ao retrocedermos no tempo haacute um pontoinstante em que natildeo faz sentido falar-se em

tempo Matematicamente isto torna-se possiacutevel passando de um espaccedilo-tempo de Minkowski

como na Relatividade Restrita para um espaccedilo Euclideano a quatro dimensotildees no qual o tempo

passa a ser um nuacutemero puramente complexo Com esta formulaccedilatildeo o Universo natildeo tem uma

fronteira aleacutem daquela que permite a transiccedilatildeo entre as duas descriccedilotildees para o espaccedilo-tempo

e que eacute exemplificado na FIGURA 2 Esta geometria eacute designada por shuttlecock ou volantepena

de badminton devido agrave semelhanccedila com este objeto

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FIGURA 2 Representaccedilatildeo tridimensional do modelo de Hartle-Hawking (no boundary proposal) A base corresponde a uma semiesfera a 4 dimensotildees e a estrutura que apresenta o tempo como uma direccedilatildeo distinta das espaciais corresponte a um Universo em expansatildeo

Hawking tambeacutem estudou outros problemas como o das maacutequinas do tempo e questotildees

relacionadas com a cosmologia e a formaccedilatildeo de estruturas no Universo Com o seu carate-

riacutestico humor Hawking afirmou natildeo ser possiacutevel viajar no tempo Para tal sugeriu organizar

uma festa convidando pessoas do futuro a se juntarem a ele e dado que ningueacutem apa-

receu concluiu entatildeo que viagens no tempo natildeo satildeo possiacuteveis na realidade Outra prova

prende-se com o facto de natildeo termos recebido ainda turistas do futuro numa clara alusatildeo

iroacutenica agrave procura turiacutestica desenfreada que assistimos nos dias de hoje

Mais recentemente ele pronunciou-se sobre questotildees de interesse geral como as im-

plicaccedilotildees do desenvolvimento da inteligecircncia artificial e a necessidade e inevitabilidade

da exploraccedilatildeo espacial Mostrou-se reticente acerca dos desenvolvimentos no domiacutenio da

inteligecircncia artificial classificando-o como possivelmente perigoso para a nossa civiliza-

ccedilatildeo pois apesar dos potenciais benefiacutecios comportam seacuterios riscos agrave continuidade da hu-

manidade Relativamente agrave exploraccedilatildeo espacial Hawking encarava as viagens espaciais

quer pelo seu interesse cientiacutefico quer como forma de preservar a humanidade de riscos

de destruiccedilatildeo devido a guerras nucleares ou epidemias devido a viacuterus geneticamente mo-

dificados

O fiacutesico Stephen Hawking legou-nos uma extraordinaacuteria contribuiccedilatildeo cientiacutefica e huma-

na Deixou um extraordinaacuterio exemplo de resiliecircncia dedicaccedilatildeo ao conhecimento e agrave socie-

dade Fisicamente debilitado e ldquopresordquo a uma condiccedilatildeo rara a esclerose lateral amiotroacutefica

que lhe foi diagnosticada aos 21 anos a sua mente foi das mais livres dos nossos tempos

concebeu hipoacuteteses conjunturas e teorias pensou a sociedade de hoje e a do futuro

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RochaO que eacute importante dizer sobre as rochas

A M Galopim de Carvalho Universidade de Lisboa

Rochas e pedras satildeo a mesma coisa Praticamente a resposta eacute sim Pedra eacute aquilo

que se apanha do chatildeo para dar uma pedrada

Qualquer pessoa mesmo a menos letrada diraacute que as pedras

bull natildeo satildeo fabricadas ou feitas por gente (a ciecircncia diz que satildeo entidades naturais)

bull que natildeo se amolgam (a ciecircncia diz que satildeo riacutegidas)

bull que geralmente natildeo se esboroam nem se esfarela (a ciecircncia diz que satildeo coesas)

bull que fazem mossa onde quer que batam (a ciecircncia diz que satildeo duras) Para o cidadatildeo

comum pedra (do grego peacutetra) eacute pois uma entidade natural riacutegida coesa e dura que se

apanha do chatildeo

Apanhamos uma pedra do chatildeo mas quando estudamos falamos quase sempre de ro-

chas Num modo de falar corrente podemos dizer que as pedras satildeo bocados de rocha

Todos falamos de rocha como sinoacutenimo de pedra com base num conhecimento comum

empiacuterico vulgar ligado agrave experiecircncia quotidiana mesmo do mais iletrado dos cidadatildeos Dize-

mos rochedo quando o afloramento de rocha eacute grande e apelidamos de rochoso um terreno

com a rocha agrave vista Rocha eacute um galicismo que entre noacutes se sobrepocircs ao termo ldquorocardquo bem

mais antigo talvez preacute-romano Cabo da Roca ou ldquoFocinho da Rocardquo no dizer dos homens do

mar deve o seu nome a esta versatildeo arcaica da palavra rocha

O conceito atual de rocha e os vaacuterios conhecimentos com elas relacionados percorreram

uma caminhada tatildeo longa quanto a do Homo sapiens caminhada de que temos testemunhos

na Preacute-histoacuteria e variadiacutessimos relatos escritos desde a Antiguidade

Na sua giacuteria proacutepria entendiacutevel entre pares os profissionais falam de rochas dizendo que

satildeo sistemas quiacutemicos mono ou polifaacutesicos (ou seja com um ou mais minerais) resultantes

do equiliacutebrio termodinacircmico atingido pelos seus constituintes em determinados ambientes

Entendendo-se por constituintes os elementos quiacutemicos incluiacutedos nos respetivos minerais

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Por outras palavras acessiacuteveis ao comum das gentes pode entatildeo dizer-se que as rochas

satildeo corpos naturais formados por associaccedilotildees mais ou menos estaacuteveis de minerais compatiacute-

veis entre si e com o ambiente onde foram gerados e que satildeo elas as rochas que constituem

a capa riacutegida da Terra que por essa razatildeo recebeu o nome de litosfera (FIGURA 1)

FIGURA 1 Modelado Graniacutetico na Serra da Estrela (fonte banco de imagens da Casa das Ciecircncias)

Antes de prosseguir esclareccedila-se que no jargatildeo proacuteprio da mineralogia e da geoquiacutemica

os minerais satildeo considerados fases no sentido fiacutesico-quiacutemico da palavra Com efeito neste

sentido uma fase eacute uma porccedilatildeo de mateacuteria quiacutemica e estruturalmente homogeacutenea e uma

qualquer espeacutecie mineral eacute isso mesmo

Por convenccedilatildeo na sistemaacutetica em sedimentologia entre as rochas sedimentares cabem

certos materiais natildeo consolidados como os barros as areias soltas as cascalheiras e ainda

outros de natureza natildeo mineral como os carvotildees foacutesseis e o petroacuteleo (oacuteleo de pedra) Cha-

mar rochas ou pedras a estes materiais agraves vezes tatildeo afastados da imagem vulgar de ldquocoisa

dura riacutegida e coesardquo decorre do conceito geoloacutegico de rocha no qual se inclui o modo de

ocorrecircncia e o respetivo processo de formaccedilatildeo (petrogeacutenese)

A mecacircnica das rochas (disciplina que estuda certas propriedades das rochas como resis-

tecircncia ao esmagamento agrave traccedilatildeo agrave torccedilatildeo agrave flexatildeo porosidade permeabilidade e outras)

define-as como entidades sempre riacutegidas e coesas e duras como tambeacutem se diz vulgarmen-

te com capacidade de suportar cargas e que na eventualidade de terem de ser escavadas ou

removidas haacute que usar tecnologias com explosivos Este conceito corresponde aliaacutes agrave ideia

mais divulgada de rocha como atraacutes se referiu Eacute o bedrock dos autores ingleses

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FIGURA 2 Processo de meteorizaccedilatildeo fiacutesica essencialmente por corrosatildeo eoacutelica em rochas sedimentares (arenitos) (fonte banco de imagens da Casa das Ciecircncias)

Aleacutem das muitas que conhecemos na Terra jaacute estudaacutemos rochas do nosso sateacutelite natural

nomeadamente basaltos e anortositos trazidos da sua superfiacutecie Mercuacuterio Veacutenus e Marte satildeo

tambeacutem planetas rochosos e igualmente rochosos ou pedregosos satildeo ainda os nuacutecleos dos co-

metas e muitos dos asteroides de que temos conhecimento pelos meteoritos caiacutedos na Terra

Quando se apelidam as rochas de magmaacuteticas sedimentares (FIGURA 2) ou metamoacuterficas

natildeo se estaacute apenas a rotulaacute-las para efeitos de arrumo ou arquivo muito menos se estatildeo a

criar novos vocaacutebulos para sobrecarga dos estudantes ou do cidadatildeo em geral Estes adjeti-

vos acrescentados agrave palavra rocha informam de imediato sobre a sua origem

bull magmaacutetica ou sedimentar qualquer delas em resultado de processos naturais faacuteceis de

entender

bull metamoacuterfica em consequecircncia de um outro processo muito menos ao alcance da vivecircncia

do vulgo mas que se explica sem grandes dificuldades

Apelidam-se de metamoacuterficas as rochas que posteriormente a uma primeira formaccedilatildeo

como magmaacuteticas ou sedimentares foram submetidas a pressotildees eou a temperaturas no

interior da crosta que lhes modificaram a composiccedilatildeo eou a textura

Foi atraveacutes do estudo das rochas que desvendaacutemos o essencial dos acontecimentos geo-

loacutegicos que marcaram a histoacuteria deste laquoPlaneta Azulraquo no qual a vida encontrou condiccedilotildees

para despertar e onde evoluiu ao ponto de se interrogar sobre essa mesma histoacuteria

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Os conhecimentos diretos de que hoje dispomos relativos agraves rochas da Terra limitam-se

aos que se obtecircm pelo estudo das que afloram agrave superfiacutecie das recolhidas em dragagens

nos fundos marinhos e das retiradas da profundidade quer em minas quer atraveacutes de son-

dagens Esta profundidade que natildeo excede 3 km no primeiro caso e 11 km no segundo

(na peniacutensula de Kola) pode considerar-se insuficiente se comparada com as trecircs a quatro

dezenas de quiloacutemetros de espessura meacutedia da crosta continental

Eacute jaacute muito o conhecimento que temos desta capa (a crosta ou crusta como alguns dizem e

escrevem) mais superficial do nosso planeta Temo-lo atraveacutes das rochas que constantemente

vemos e pisamos muitas delas geradas em zonas profundas trazidas agrave superfiacutecie pelos en-

rugamentos de origem tectoacutenica geradores das montanhas e subsequentemente postas a

descoberto pela erosatildeo

Outras rochas proacuteprias de muito maiores profundidades inclusive do manto inferior como eacute

o caso dos xenocristais e dos xenoacutelitos (do grego xenos estranho e lithos pedra) isto eacute cris-

tais e fragmentos de materiais liacuteticos gerados nessas regiotildees e que ascendem agrave superfiacutecie na

sequecircncia de atividade vulcacircnica englobados ou encravados nos produtos magmaacuteticos que ali

se formaram ou por ali passaram Na ilha da Madeira por exemplo satildeo frequentes os xenoacutelitos

oliviacutenicos que ascenderam ateacute agrave superfiacutecie no seio das lavas envolvidas no processo vulcacircnico

que originou esta e muitas outras ilhas

As rochas a que temos acesso mais ou menos direto representam uma parcela importante

da diferenciaccedilatildeo da Terra e agrave semelhanccedila da aacutegua do ar e dos seres vivos satildeo o resultado de

imensas transformaccedilotildees numa vasta e complexa rede de inter-relaccedilotildees ocorridas ao longo

dos tempos neste laquoplaneta vivoraquo pleno ainda de energia interna (sob a forma de calor) a que

se adiciona toda a que lhe chega do exterior isto eacute a radiaccedilatildeo solar Como escreveu Maurice

Mattauer ldquoas pedras nascem vivem e morrem como noacutes elas tecircm uma idade e uma histoacuteriardquo

Petrologia e litologia satildeo duas disciplinas que estudam as rochas ou as pedras Se bem que

os eacutetimos petra (latim) e lithos (grego) sejam sinoacutenimos petrologia e litologia encerram con-

ceitos diferentes ainda que relacionados entre si

bull A petrologia eacute um ramo da geologia com dimensatildeo de ciecircncia de vastos recursos nos campos

da fiacutesica da quiacutemica e naturalmente tambeacutem da matemaacutetica em busca do conhecimento da

origem natureza constituiccedilatildeo e evoluccedilatildeo da Terra no acircmbito do Sistema Solar e do Universo

bull A litologia outro ramo da geologia eacute habitualmente entendida como a disciplina que estuda

as rochas num campo praacutetico Serve a geologia de engenharia tendo em vista a implantaccedilatildeo

de grandes edifiacutecios e outras obras volumosas cujas fundaccedilotildees exigem o conhecimento dos

terrenos A litologia daacute igualmente respostas agrave pedologia (o estudo dos solos) e agrave induacutestria

extrativa de rochas ornamentais usadas na arquitetura na cantaria ou na estatuaacuteria e de

rochas industriais exploradas como importantes mateacuterias-primas para a construccedilatildeo civil a

ceracircmica o vidro o cimento a cal e a induacutestria quiacutemica

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Software educativo em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Ana C Conceiccedilatildeo

DMUniversidade do Algarve

O conceito F-Tool foi desenvolvido em 2012 com o objetivo de proporcionar uma

aprendizagem interativa em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Em particular eacute possiacutevel

explorar de forma integrada as noccedilotildees de domiacutenio contradomiacutenio existecircncia de zeros

existecircncia de extremos e de pontos de inflexatildeo invertibilidade derivabilidade reta

tangente ao graacutefico num ponto simetrias em relaccedilatildeo aos eixos e agrave origem A utilizaccedilatildeo

dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adaptaccedilatildeo de

alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e

do simples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular)

No ensino da matemaacutetica e em particular no estudo de funccedilotildees a recomendaccedilatildeo da utiliza-

ccedilatildeo de software educacional tem como objetivo o sanar das dificuldades que os alunos pos-

suem em associar as representaccedilotildees algeacutebricas com as diversas representaccedilotildees numeacutericas

eou graacuteficas De facto o caraacuteter estaacutetico das representaccedilotildees matemaacuteticas muitas vezes

dificulta a construccedilatildeo do significado afetando substancialmente a correta interpretaccedilatildeo dos

conceitos A criaccedilatildeo de modelos interativos visuais com o sistema de aacutelgebra computacional

Mathematica permite aos alunos explorar conceitos de elevada complexidade e rapidamen-

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te adquirir uma compreensatildeo mais profunda dos conteuacutedos Obviamente a utilizaccedilatildeo de sof-

tware educacional natildeo deve ser vista como um substituto para o ensino com ldquopapel e laacutepisrdquo

deve ser devidamente combinada com outros meacutetodos de ensino

O conceito F-Tool foi desenvolvido em 2012 com o objetivo de proporcionar uma apren-

dizagem interativa em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Os aplicativos computacionais

implementados com base neste conceito utilizam as capacidades de caacutelculo numeacuterico e

simboacutelico do Mathematica de forma a permitir estudar dinacircmica e interativamente e em

tempo real conceitos e propriedades fundamentais do preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial

FIGURA 1 Imagem ilustrativa da F-Exponential

O conceito F-Tool em sala de aula permite uma abordagem dinacircmica de diversos concei-

tos relacionados com o estudo de funccedilotildees e promove novas formas de raciocinarpensar

avaliar ensinar e aprender As F-Tool foram concebidas como ferramentas de aprendiza-

gem ativa ou seja a sua utilizaccedilatildeo adequada propicia um contexto de ensino-aprendiza-

gem onde alunos e professores satildeo igualmente convidados a contribuir Aleacutem disso tecircm

uma interface muito intuitiva que permite que ateacute mesmo o utilizador mais inexperiente

sem qualquer conhecimento anterior em software educacional possa comeccedilar a usar to-

dos os recursos de uma forma eficiente e autoacutenoma As F-Tool natildeo satildeo um objeto estaacutetico

mas sim um programa a ser executado com o qual se interage em tempo real Em parti-

cular atraveacutes da alteraccedilatildeo dinacircmica dos valores dos paracircmetros que definem cada classe

eacute possiacutevel obter informaccedilatildeo analiacutetica rigorosa apresentada em aritmeacutetica exata ou apro-

ximada bem como informaccedilatildeo visual estaacutetica e natildeo-estaacutetica De igual modo escolhendo

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estrategicamente de entre as vaacuterias opccedilotildees de funccedilotildees disponiacuteveis no painel esquerdo eacute

possiacutevel apreender de forma mais eficaz e consequente muitas das relaccedilotildees existentes

entre as vaacuterias funccedilotildees e respetivas transformaccedilotildees (FIGURA 1) As F-Tool utilizam um

coacutedigo de cores para diferenciar as vaacuterias funccedilotildees apresentadas Este coacutedigo eacute explicitado

na legenda do canto inferior esquerdo do painel central

Qual das figuras pode representar o graacutefico de uma funccedilatildeo e o graacutefico da sua derivada de 1ordf ordem

FIGURA 2 Exemplo de questatildeo de escolha muacuteltipla utilizando diversas opccedilotildees do painel esquerdo das F-Tool

Apesar de ser um software educacional dinacircmico e interativo pode tambeacutem ser utilizado

na construccedilatildeo de questotildees de avaliaccedilatildeo de escolha muacuteltipla (FIGURA 2) e de resposta aberta

ficando o docente automaticamente com a resposta ao selecionar no painel esquerdo as

opccedilotildees relacionadas com a questatildeo

A utilizaccedilatildeo dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adapta-

ccedilatildeo de alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e do sim-

ples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular) De facto

incluindo as F-Tool em ficheiros no Computable Document Format (CDF) eacute possiacutevel criar

fichas de trabalho dinacircmicas e interativas motivando os alunos e tornando o estudo mais

interessante

Acreditamos que o conceito F-Tool ao dotar professores e estudantes com novas fer-

ramentas para explorar alguns conceitos fundamentais da matemaacutetica desenvolveraacute po-

sitivamente o processo de ensino e de aprendizagem das aacutereas de preacute-caacutelculo e caacutelculo

diferencial

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018046

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O Aroma das Plantas Luiacutes Gaspar Pedro

Ana Cristina Figueiredo

Joseacute Gonccedilalves Barroso

CESAM CBV Universidade de Lisboa

Quando nos festejos dos Santos Populares colocamos a matildeo sobre o manjerico

provocamos a rutura de estruturas microscoacutepicas Ao fazecirc-lo libertam-se compostos

quiacutemicos que aderem agrave palma da nossa matildeo que depois percecionamos pelo nosso

olfacto Os aromas satildeo misturas complexas de dezenas de compostos volaacuteteis

carateriacutesticos de uma determinada planta

O aroma o que eacute

O aroma de muitas plantas eacute constituiacutedo por diversos compostos quiacutemicos volaacuteteis que

tecircm a capacidade de estimular os nossos recetores olfactivos A quantidade e a diver-

sidade deste tipo de compostos presentes nas plantas satildeo responsaacuteveis pelos aromas

carateriacutesticos Eacute relativamente faacutecil reconhecer o aroma dos coentros ou do manjerico e

distingui-los de outros aromas como o da rosa ou do cravinho

Na composiccedilatildeo da fraccedilatildeo volaacutetil de uma planta aromaacutetica encontram-se regra geral

compostos como os mono- e sesquiterpenos e os fenilpropanoacuteides (FIGURA 1) entre ou-

tros Satildeo todos eles compostos quiacutemicos com ponto de ebuliccedilatildeo relativamente baixo que

volatilizam agrave temperatura ambiente e contribuem de forma mais ou menos notoacuteria para o

aroma carateriacutestico de cada espeacutecie

FIGURA 1 Exemplos de compostos que constituem a fraccedilatildeo volaacutetil de diversas espeacutecies aromaacuteticas monoterpenos (α-pineno timol) sesquiterpenos (β-cariofileno germacreno D) e fenilpropanoacuteides (eugenol)

α-Pineno Timol β-Cariofileno Germacreno D Eugenol

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Estruturas secretoras

Os compostos que constituem a fraccedilatildeo aromaacutetica de uma planta satildeo regra geral sinteti-

zados e acumulados em estruturas secretoras microscoacutepicas Entre os diversos tipos de

estruturas secretoras as mais frequentes satildeo os tricomas os canais e as bolsas (FIGURA 2)

FIGURA 2 Exemplos de estruturas secretoras observadas em microscopia oacuteptica A - Tricoma de Geranium robertianum (s - secretado acumulado no espaccedilo sub-cuticular coloraccedilatildeo com reagente de Nadi) B - canal secretor de Crithmum maritimum (setas coloraccedilatildeo com tricloreto de antimoacutenio) e C - bolsa secretora de Citrus sp (coloraccedilatildeo com Vermelho Sudatildeo III)

Os tricomas glandulares satildeo estruturas externas com origem em ceacutelulas epideacutermicas

que apresentam diversos graus de complexidade desde tricomas com apenas trecircs ceacutelulas

uma das quais a secretora ateacute tricomas com mais de uma dezena de ceacutelulas secretoras

As bolsas e os canais secretores satildeo estruturas internas constituiacutedas por ceacutelulas glandu-

lares que delimitam o luacutemen o espaccedilo para onde satildeo secretados os compostos depois de

produzidos nas ceacutelulas secretoras Os canais satildeo estruturas alongadas que percorrem o

corpo da planta por vezes com ramificaccedilotildees enquanto as bolsas satildeo estruturas mais ou

menos isodiameacutetricas

Os oacuteleos essenciais

Um oacuteleo essencial eacute obtido por hidrodestilaccedilatildeo ou por destilaccedilatildeo por arrastamento de va-

por (FIGURA 3) No caso particular dos citrinos o oacuteleo essencial pode ainda ser obtido

por expressatildeo (processo mecacircnico que promove a libertaccedilatildeo do secretado acumulado no

interior das estruturas secretoras neste caso bolsas)

Tanto na hidrodestilaccedilatildeo como na destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor o secretado eacute

removido das estruturas secretoras e arrastado pelo vapor de aacutegua Depois de condensar

por arrefecimento o oacuteleo essencial separa-se da aacutegua podendo ser facilmente recolhido

devido agrave sua imiscibilidade com a aacutegua

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41FIGURA 3 A - Sistema de hidrodestilaccedilatildeo com aparelho de Clevenger e B - sistema de destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor

Anaacutelise de oacuteleos essenciais

Para analisar um oacuteleo essencial recorre-se frequentemente agrave cromatografia gasosa (CG)

para quantificaccedilatildeo dos componentes e agrave CG acoplada agrave espectrometria de massa (CG-

-EM) para a correspondente identificaccedilatildeo dos constituintes Por CG-EM os diversos com-

ponentes que constituem o oacuteleo essencial satildeo separados uns dos outros e ao chegarem ao

espectroacutemetro de massa satildeo bombardeados por eletrotildees o que leva a que as moleacuteculas

fragmentem formando-se diferentes iotildees de acordo com padrotildees preferenciais O con-

junto dos fragmentosiotildees constituem o espectro de massa que eacute carateriacutestico de cada

moleacutecula A integraccedilatildeo das aacutereas dos picos que surgem no cromatograma obtido por CG

(FIGURA 4A) permite a quantificaccedilatildeo relativa dos diversos componentes do oacuteleo essencial

A anaacutelise por CG-EM possibilita a identificaccedilatildeo desses compostos por comparaccedilatildeo dos

espectros de massa (FIGURA 4B) e dos iacutendices de retenccedilatildeo com os de amostras padratildeo

FIGURA 4 A - Aspeto parcial de um cromatograma obtido por CG carateriacutestico de um oacuteleo essencial com alguns dos ldquopicosrdquo identificados B - espectro de massa obtido por CG-EM de um dos componentes maioritaacuterios o timol

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Paisagens da Islacircndia Formase Processos (III)Fernando Carlos LopesCITEUC Universidade de Coimbra

A Islacircndia eacute famosa natildeo soacute pelos seus vulcotildees mas tambeacutem pelos seus glaciares e pela

sua sinuosa e escarpada linha de costa

Atualmente os glaciares cobrem cerca de 10 da superfiacutecie islandesa e 60 destas

aacutereas geladas assentam sobre sistemas vulcacircnicos ativos Esta combinaccedilatildeo de gelo e vul-

canismo torna a Islacircndia o local ideal para cheias repentinas (joumlkulhlaups) resultantes de

aacutegua que escorre por baixo dos glaciares devido agrave fusatildeo provocada pelas erupccedilotildees subgla-

ciares Atualmente existem 4 grandes calotes glaciares localizadas nas regiotildees elevadas

e vulcanicamente ativas do centro e sul da ilha a partir das quais divergem numerosas liacuten-

guas glaciarias Vatnajoumlkull (8100 km2) situado no centro leste Langjoumlkull (925 km2) si-

tuado no centro oeste Hofsjoumlkull (925 km2) situado na zona central da ilha Myrdalsjoumlkull

(600 km2) situado no sul da ilha Apesar da Islacircndia ter cerca de 24 Ma a sua paisagem soacute

foi moldada por glaciares nos uacuteltimos 5 milhotildees de anos Os seus glaciares de tipo alpino

(ou de montanha) avanccedilaram e recuaram condicionados pelas variaccedilotildees regionais e locais

do clima de que resultaram espetaculares morfologias Como jaacute se referiu anteriormente

as variaccedilotildees da carga glaciar sobre a litosfera provocadas pelas fases de gelo e degelo

teratildeo desempenhado papel importante na atividade vulcacircnica da ilha

Com um comprimento de cerca de 4970 km a linha de costa da Islacircndia eacute de um modo

geral muito recortada e escarpada marcada por promontoacuterios cabos peniacutensulas fiordes

e enseadas pontilhada de leixotildees por entre os quais se aninham praias de areia negra de

contornos suaves A accedilatildeo do mar sobre as inuacutemeras escoadas de lava que fluiacuteram ateacute agrave

costa ao longo da evoluccedilatildeo geoloacutegica da ilha e ali solidificaram sobre os aparelhos vulcacirc-

nicos implantados na zona litoral e sobre os vales deixados pelo recuo dos glaciares criou

paisagens de uma beleza surreal

FIGURA DA PAacuteGINA ANTERIOR Leixatildeo Hvitserkur noroeste da Islacircndia (fonte pixabay)

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Parte III - Paisagens controladas pelos glaciares e paisagens costeirasVales glaciares e fiordes

Vales glaciares vales suspensos lagos glaciares e cascatas ciacuterculos glaciares moreias

e fiordes satildeo formas carateriacutesticas das paisagens islandesas criadas pelos seus glacia-

res alpinos Os vales glaciares com o seu carateriacutestico perfil em ldquoUrdquo satildeo a forma mais

comum de paisagem originada pela erosatildeo glacial (FIGURA 1) No interior destes vales os

rios concentram o seu poder erosivo na zona mais baixa originando um perfil carateriacutestico

em ldquoVrdquo O poder erosivo dos glaciares eacute muito superior ao dos rios porque a sua energia

potencial resulta natildeo soacute do declive do terreno mas tambeacutem do peso do gelo A erosatildeo faz-

-se essencialmente ao longo das zonas laterais do canal criando um vale com vertentes

alcantiladas e fundo aplanado Vales suspensos satildeo vales escavados por glaciares tributaacute-

rios Como estes glaciares levam menos gelo o seu poder erosivo eacute menor que o do glaciar

principal ficando suspenso nas vertentes do glaciar principal quando o gelo recua Cons-

tituem exemplos notaacuteveis pela sua beleza e dimensatildeo os vales glaciares de Borgarvirki

(FIGURA 2) e de Akureyri (ou Eyjafjoumlrethur) no noroeste da ilha Este uacuteltimo vai desembocar

num fiorde que eacute mais longo da Islacircndia

FIGURA 1 Esquema 3D (sem escala) da evoluccedilatildeo de uma paisagem glaciar com formaccedilatildeo de vales glaciares vales glaciares suspensos ciacuterculos glaciares lagos glaciares e cascatas

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FIGURA 2 Aspeto do vale glaciaacuterio de Borgarvirki observado a partir da fortaleza de Borgarvirki

Se as condiccedilotildees forem favoraacuteveis os glaciares podem erodir abaixo do niacutevel do mar Quan-

do o glaciar recua o oceano invade estas depressotildees criando um fiorde Alguns dos fiordes

islandeses como o de Akureyri e o de Nordfjord (nordeste da ilha) possuem centenas de

metros abaixo do niacutevel do mar O fiorde de Nordfjord abrange parcialmente uma antiga cal-

deira vulcacircnica Nas faleacutesias do seu flanco oriental (falesias de Raudubjoumlrg) afloram rioacutelitos

conferindo agraves arribas uma carateriacutestica cor avermelhada)

Como se referiu anteriormente (Parte I) a orientaccedilatildeo da maioria dos vales glaciares e

fiordes segue de perto a orientaccedilatildeo dos principais lineamentos tectoacutenicos

Moreias

Em termos de aspetos deposicionais relacionados com glaciares as moreias satildeo de lon-

ge os mais abundantes Satildeo acumulaccedilotildees de fragmentos rochosos transportados pelos

glaciares quer na regiatildeo frontal (moreia frontal) lateral (moreia lateral) a meio (moreia

mediana) e no fundo (moreia de fundo)

Durante o uacuteltimo maacuteximo glaciar (haacute cerca de 20 000 anos) a Islacircndia estava quase

toda coberta por glaciares que se estendiam ateacute agrave costa e para aleacutem dela Foram encon-

tradas moreias frontais dessa eacutepoca a cerca de 130 km a offshore da costa ocidental e a

cerca de 150-230 m abaixo do niacutevel de mar atual

Eacute possiacutevel encontrar nos vales glaciares islandeses quer moreias antigas resultantes

da uacuteltima glaciaccedilatildeo quer moreias recentes e atuais Estas uacuteltimas estatildeo relacionadas com

as 4 grandes calotes glaciares existentes como eacute o caso das moreias do glaciar Vatna-

joumlkull que se podem observar em pleno no setor sudeste da ilha

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Lagoas glaciares e icebergues

Outra das paisagens magniacuteficas moldadas pelos glaciares satildeo as lagoas glaciares Estas

lagoas formam-se na extremidade dos glaciares que descem das calotes glaciares Satildeo

alimentadas pelo desgelo natural dos glaciares e nela flutuam pequenos e grandes iceber-

gues que se separam da frente do glaciar (FIGURA 3)

FIGURA 3 Esquema 3D (sem escala) da formaccedilatildeo de icebergues numa lagoa glaciar

O exemplo mais notaacutevel deste tipo de lagoas na Islacircndia eacute a lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten consi-

derada uma das maravilhas naturais do paiacutes Fica situada no sudeste da ilha na extremidade

do glaciar Breiethamerkurjoumlkull uma das liacutengua glaciares da calote de Vatnajoumlkull (FIGURA 4)

FIGURA 4 Icebergues na lagoa glaciar de Joumlkulsaacuterloacuten Ao fundo vecirc-se a frente do glaciar Breiethamerkurjoumlkull As faixas negras nos icebergues satildeo niacuteveis de cinza vulcacircnica

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A lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten eacute o ponto mais baixo da Islacircndia com zonas agrave cota de -200 m Na

baiacutea da lagoa tem-se acesso a uma paisagem de outro mundo com icebergues de dimen-

sotildees variadas que flutuam ateacute ao mar ficando alguns deles encalhados na margem de uma

praia de areia vulcacircnica Alguns icebergues exibem faixas negras correspondentes a niacuteveis

de cinzas vulcacircnicas provenientes de antigas erupccedilotildees (FIGURA 4) Outros exibem duas

tonalidades branco leitoso e azul claro A faixa azul corresponde agrave porccedilatildeo do icebergue

que se tornou recentemente emersa

A lagoa teraacute sido formada em 1934-35 pelo contiacutenuo recuo do glaciar Vatnajoumlkull e teraacute

duplicado de tamanho nos uacuteltimos 15 anos Dada a taxa atual de recuo do glaciar Vatna-

joumlkull um profundo fiorde iraacute desenvolver-se no local onde hoje existe a lagoa

As costas escarpadas

As costas escarpadas e recortadas satildeo sem duacutevida as mais dominantes Ocorrem deste o

oeste ao leste da ilha passando pela regiatildeo norte incisas por numerosos fiordes e peque-

nas enseadas e salpicadas por leixotildees Eacute notaacutevel pela sua forma de dragatildeo e pelas lendas

que o envolvem o leixatildeo de Hvitserkur (IMAGEM DA PAGINA 42) situado na costa leste da

Peniacutensula de Vatnsnes no noroeste da Islacircndia

Os fiordes mais profundos localizam-se na costa norte constituindo bons portos natu-

rais Um destaque especial vai para o fiorde ao longo do qual se estende a cidade de Aku-

reyri (fiorde de Akureyri ou Eyjafjoumlrethur) considerado o mais longo do paiacutes

Praias de areia Negra

As praias de areia negra em geral de reduzida extensatildeo podem ser constituiacutedas por i) de-

poacutesitos resultantes da abrasatildeo das arribas ii) moreias e depoacutesitos fluviais resultantes dos

rios glaciares com contornos suaves e lagoas glaciares protegidas por extensas barras

arenosas iii) depoacutesitos de tefra provenientes de erupccedilotildees freaacuteticas

As do primeiro tipo ocorrem um pouco por toda a linha de costa como resultado da accedilatildeo

do mar sobre as arribas As do segundo tipo ocorrem dominantemente entre Djuacutepivogur a

sudeste e Oumllfusaacute a sudoeste com destaque para a praia de Reynisfjara na costa sul As

da terceira categoria podem ser observadas na ilha de Heimaey arquipeacutelago de Vestman-

naeyja regiatildeo sul da Islacircndia

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018048

IMA

GE

M E

M D

ES

TAQ

UE

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Eu crio as minhas obras de arte de peque-

nos pedaccedilos de papel com espirais que co-

nectam e ligam os elementos a uma grande

estrutura Na obra de origami acabada a

que chamo Voltinhas estas espirais vivem

e trabalham Forccedilas de tensatildeo e fricccedilatildeo

contrapotildeem-se agrave gravidade e mantecircm a

forma estaacutevel Nas minhas criaccedilotildees procu-

ro estar perto da natureza Quando criamos

ou estudamos modelos de papel na macro

escala podemos entender melhor as for-

mas criadas pela natureza na micro escala

A minha obra de origami na capa o trabalho

intitulado ldquoInverno num parque de Lisboardquo e

o capsiacutedeo do viacuterus Canine parvovirus um viacute-

rus contagioso que ataca sobretudo os catildees

e outros caniacutedeos tecircm a mesma estrutura

geomeacutetrica do pequeno rombicosidodecae-

dro um poliedro com simetria icosaeacutedrica

Essa obra invoca simbolicamente o Ano

da Biologia Matemaacutetica 2018 O origami eacute

uma arte de dobragem do papel com uma

forte componente geomeacutetrica que permite

a construccedilatildeo de formas complexas e tem

atraiacutedo o interesse de matemaacuteticos pelas

suas propriedades geomeacutetricas e algeacutebricas

Krystyna Burczyk

Os viacuterus satildeo responsaacuteveis por inuacutemeras

doenccedilas no homem nos animais e nas plan-

tas e as curas e prevenccedilotildees satildeo ainda mui-

tas vezes problemaacuteticas Desenvolvimen-

tos recentes das aplicaccedilotildees da matemaacutetica

agrave virologia nomeadamente das teorias de

grupos de grafos de tesselaccedilatildeo ou de re-

ticulados mostraram por exemplo que as

restriccedilotildees estruturais agraves formas dos viacuterus

satildeo maiores do que antes se pensava e

permitiram a construccedilatildeo de novos modelos

para o desenvolvimento de terapias anti-

-virais Os capsiacutedeos virais que envolvem

os genomas dos viacuterus por razotildees de eco-

nomia geneacutetica tem muitas vezes uma si-

metria icosaeacutedrica Ora esta simetria natildeo eacute

cristalograacutefica em trecircs dimensotildees ie natildeo

eacute compatiacutevel com reticulados perioacutedicos

o que motivou os matemaacuteticos a desen-

volverem novas estruturas no contexto de

grupos de Coxeter natildeo-cristalograacuteficos que

encontraram aplicaccedilatildeo natildeo soacute na virologia

mas tambeacutem noutras estruturas molecula-

res da quiacutemica do carbono

Joseacute Francisco RodriguesUniversidade de Lisboa

Origami e Viacuterusin imagemcasadascienciasorg

Imagem de Canine Parvovirus gerada em VMD Autor Alexandre Lopes Magalhatildees

Page 8: JUNHO 2018 V6 /02 · 2018-09-26 · Matilde Viegas, Maria João Ramos, Pedro Alexandrino Fernandes Stephen Hawking e a sua contribuição para a física teórica Orfeu Bertolami,

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ITO

RIA

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Hoje em dia o domiacutenio da Biomatemaacutetica eacute vastiacutessimo e vai muito aleacutem da dinacircmica das

populaccedilotildees da ecologia teoacuterica agrave epidemiologia meacutedica da geneacutetica agrave virologia da formaccedilatildeo

de padrotildees agraves redes neuronais da bioestatiacutestica agrave anaacutelise proteoacutemica da biomecacircnica agrave

fisiologia animal etc Se existem aacutereas da Matemaacutetica com maiores relaccedilotildees com a Biologia

nomeadamente na modelaccedilatildeo matemaacutetica e numeacuterica incluindo os sistemas dinacircmicos as

equaccedilotildees com derivadas parciais os processos estocaacutesticos e a estatiacutestica novas intera-

ccedilotildees estatildeo a surgir na geometria e na topologia no tratamento de dados e nas relaccedilotildees com

machine learning ou aacutelgebra computacional

Por exemplo no encontro kick-off do ano da Biologia Matemaacutetica realizado na Finlacircndia

a 4 e 5 de janeiro uma das conferecircncias plenaacuterias de Benoicirct Perthame da Universidade de

Paris-Sorbone abordou as ligaccedilotildees entre dois tipos de modelos matemaacuteticos para o cresci-

mento de tumores a descriccedilatildeo lsquomicroscoacutepicarsquo ou lsquocompressiacutevelrsquo agrave escala da densidade da

populaccedilatildeo celular e uma descriccedilatildeo mais macroscoacutepica ou lsquoincompressiacutevelrsquo que eacute baseada

num problema com fronteira livre do tipo da equaccedilatildeo claacutessica de Hele-Shaw um modelo

bidimensional bem conhecido para escoamento de fluidos entre duas placas paralelas

Outro exemplo atual decorreu do projeto multidisciplinar europeu DENFREE flying towards

the efficient control of dengue iniciado em 2012 e coordenado pelo Instituto Pasteur o qual

teve participaccedilatildeo portuguesa em particular de biomatemaacuteticos do CMAFUniversidade de Lis-

boa Um dos seus objetivos constituiu na elaboraccedilatildeo de modelos preditivos para combater a

epidemia do viacuterus do dengue baseados na dinacircmica computacional natildeo-linear combinada com

a anaacutelise estatiacutestica de dados sobre a vacinaccedilatildeo a niacutevel mundial Esses modelos permitiram

conclusotildees relevantes e contribuiacuteram para uma melhor administraccedilatildeo da Denvaxia uma vaci-

na do dengue recomendada pelo WHO Strategic Advisory Group of Experts (SAGE) e levaram a

multinacional Sanofi-Pasteur produtora daquela vacina a alterar a recomendaccedilatildeo de vacina-

ccedilatildeo apenas para as pessoas seropositivas Contudo isso aconteceu com um ano de atraso face

agrave prediccedilatildeo do modelo do DENFREE o que foi criticado por dois daqueles investigadores numa

carta de 21-12-2017 publicada na revista The Lancet Infectious Diseases

Portugal que jaacute em 2009 no bicentenaacuterio de Charles Darwin havia acolhido o encontro

The Mathematics of Darwinrsquos Legacy numa organizaccedilatildeo do Centro Internacional de Mate-

maacutetica em colaboraccedilatildeo com a ESMTB e o apoio da Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian acolhe

agora o principal acontecimento do Ano da Biologia Matemaacutetica 2018 a 11th European Con-

ference on Mathematical and Theoretical Biology (httpecmtb2018org) que se realiza na

Faculdade de Ciecircncias da Universidade de Lisboa de 23 a 27 de julho e natildeo poderaacute ficar indi-

ferente agrave celebraccedilatildeo do primeiro Dia da Biologia Matemaacutetica a 10 de outubro que se espera

ter continuidade anual e cujo logo invoca a morfogeacutenese humana

Joseacute Francisco RodriguesEditor convidado

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Campos (Fiacutesica)Eduardo Lage

Universidade do Porto

O conceito de campo eacute dos mais fundamentais em Fiacutesica Tal como um campo de flores

variadas pode ter em cada canteiro um letreiro identificando a espeacutecie aiacute plantada um

campo fiacutesico eacute uma regiatildeo do espaccedilo em que eacute definida uma etiqueta caraterizando o valor

de uma grandeza em cada ponto e em cada instante Na sua formulaccedilatildeo inicial devida a

Michael Faraday (1849) o campo era um auxiliar que permitia imaginar a forccedila eleacutetrica

que se exerceria sobre uma carga colocada nesse ponto Com a formulaccedilatildeo definitiva de

James Clerk Maxwell (1864) para as leis do electromagnetismo (conhecidas por equaccedilotildees

de Maxwell) o campo ganhou uma realidade fiacutesica O campo pode propagar-se como on-

das atraveacutes do espaccedilo destronando a ideia de forccedilas instantacircneas agrave distacircncia A teoria da

relatividade restrita (Einstein 1905) viria a incorporar este conceito num dos seus postu-

lados (nada ultrapassa a luz no vazio) obrigando a aceitar o campo como uma realidade

fundamental Todas as teorias a partir de entatildeo satildeo teorias de campo alargando o seu

acircmbito agraves forccedilas nucleares fortes (responsaacuteveis pela coesatildeo do nuacutecleo) e fracas (originan-

do a desintegraccedilatildeo do neutratildeo livre) e exigindo mesmo uma reformulaccedilatildeo da lei da atraccedilatildeo

universal (Newton) corporizada na teoria da relatividade geral (Einstein 1915)

A importacircncia do conceito de campo fez-se sentir em outros domiacutenios da Fiacutesica Assim

passaacutemos a falar em diversos tipos de campos

a) Escalares tais como os campos de densidade temperatura ou pressatildeo (FIGURA 1)

para discutir fenoacutemenos atmosfeacutericos ou o interior de planetas ie a etiqueta tem apenas

um nuacutemero identificando o valor da grandeza

FIGURA 1 Diferenccedila de pressotildees em relaccedilatildeo agrave pressatildeo atmosfeacuterica normal atraveacutes de cores identificando valores numeacutericos (abaixo representados)

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b) Vetoriais tais como os campos de velocidade (FIGURA 2) ou aceleraccedilatildeo num

soacutelido riacutegido o campo eletromagneacutetico ou graviacutetico ie a etiqueta tem trecircs nuacutemeros as

componentes do vetor associado agrave grandeza respetiva

FIGURA 2 Campo de velocidades de um fluido onde cada seta representa a velocidade do fluido no ponto onde se situa a origem da seta

c) Tensoriais tais como os campos de deformaccedilatildeo ou tensatildeo (FIGURA 3) em soacutelidos

deformaacuteveis ou o tensor de Maxwell no eletromagnetismo A etiqueta tem agora nove nuacute-

meros em geral (para tensores de 2ordf ordem) as componentes do tensor correspondente

agrave grandeza medida

FIGURA 3 Componentes do tensor das tensotildees onde por exemplo σyx eacute a componente da tensatildeo (vetor) segundo x para uma superfiacutecie normal ao eixo y Por convenccedilatildeo a tensatildeo eacute exercida pela parte exterior ao cubo

O campo escalar eacute talvez o mais simples e o seu estudo atraveacutes de um exemplo e pos-

teriormente generalizado permite obter vaacuterios resultados importantes que se revelam

tambeacutem importantes nos campos vetoriais e tensoriais

x

z

y

σxx

σyx

σxx

σyx

σzx

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018039

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Espectroscopia VibracionalPaulo Ribeiro ClaroCICECO Universidade de Aveiro

Designa-se por ldquoespectroscopia vibracionalrdquo a teacutecnica que mede a interaccedilatildeo da radiaccedilatildeo

eletromagneacutetica com os movimentos de vibraccedilatildeo de um sistema molecular

Qualquer sistema que contenha aacutetomos ligados entre si tem movimentos vibracionais

desde as moleacuteculas diatoacutemicas aos sistemas bioloacutegicos e aos materiais mais diversos

Deste modo as diversas teacutecnicas de espectroscopia vibracional satildeo muito utilizadas

tanto na caraterizaccedilatildeo de sistemas como em anaacutelise quiacutemica Estas aplicaccedilotildees

estendem-se atualmente ateacute agrave imagem meacutedica

Graus de liberdade de um sistema molecular

Considerando uma associaccedilatildeo de N aacutetomos (moleacutecula iatildeo ou radical) em fase gasosa ndash isto

eacute isolada e livre de restriccedilotildees externas ao seu movimento ndash cada um dos seus aacutetomos pode

deslocar-se segundo as trecircs direccedilotildees do espaccedilo descritas pelos eixos coordenados ou ve-

tores xyz Teremos assim 3N vetores que podem combinar-se em 3N movimentos distintos

FIGURA 1 Representaccedilatildeo esquemaacutetica dos 3N graus de liberdade de uma moleacutecula diatoacutemica A linha superior representa as trecircs translaccedilotildees a linha inferior representa as duas rotaccedilotildees e uma vibraccedilatildeo (O nuacutemero de vibraccedilotildees independentes eacute dado pela diferenccedila entre o nuacutemero de graus de liberdade e o nuacutemero de translaccedilotildees e rotaccedilotildees 3N-5) O movimento de vibraccedilatildeo pressupotildee que a ligaccedilatildeo entre os aacutetomos funciona como uma mola (que forccedilaraacute os aacutetomos a inverterem o sentido do movimento)

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Quando todos os aacutetomos se movem coordenadamente na direccedilatildeo um dado vetor (por

exemplo direccedilatildeo z FIGURA 1 primeira imagem) isso representa a translaccedilatildeo da moleacutecula

nessa direccedilatildeo Para uma moleacutecula isolada haacute pois trecircs movimentos ndash ou graus de liberdade

ndash translacionais

De igual modo eacute possiacutevel encontrar combinaccedilotildees de movimentos individuais dos aacutetomos

que resultam numa rotaccedilatildeo da moleacutecula em torno do seu centro de massa Estes graus de

liberdade rotacionais satildeo tambeacutem trecircs para a maioria das moleacuteculas Em moleacuteculas linea-

res haacute apenas dois graus de liberdade rotacionais pois natildeo existe rotaccedilatildeo em torno do eixo

molecular (natildeo moveria nenhum aacutetomo)

As restantes combinaccedilotildees de movimentos atoacutemicos resultam em movimentos dos aacutetomos

entre si sem que haja translaccedilatildeo ou rotaccedilatildeo da moleacutecula ou seja correspondem a graus de

liberdade vibracionais Deste modo um sistema molecular com N aacutetomos tem 3N-6 vibra-

ccedilotildees (3N-5 se for linear)

A soluccedilatildeo da equaccedilatildeo de Schoumldinger para uma partiacutecula livre em movimento tem como

significado fiacutesico a natildeo-quantizaccedilatildeo da energia translacional Dito de outro modo os graus

de liberdade translacionais satildeo contiacutenuos Contudo o mesmo natildeo se passa com os movimen-

tos os rotacionais e vibracionais a que correspondem niacuteveis de energia discretos (ou quan-

tizados) Assim eacute possiacutevel observar transiccedilotildees entre os niacuteveis rotacionais (espectroscopia

rotacional) ou entre os niacuteveis vibracionais (espectroscopia vibracional) Como seraacute discutido

abaixo numa moleacutecula em fase gasosa eacute possiacutevel observar transiccedilotildees em que se alteram si-

multaneamente o estado vibracional e o estado rotacional (por vezes abreviadas para ldquotran-

siccedilotildees roto-vibracionaisrdquo)

O modelo mais simples para descrever as vibraccedilotildees moleculares eacute o modelo do oscilador

harmoacutenico diatoacutemico dois aacutetomos de massa m1 e m2 ligados por uma mola perfeitamente

elaacutestica (FIGURA 2A) Os dois aacutetomos oscilam em torno da distacircncia de equiliacutebrio num mo-

vimento que pode ser designado por ldquoelongaccedilatildeo linearrdquo (e frequentemente abreviado para

ldquoelongaccedilatildeordquo)

Por resoluccedilatildeo da equaccedilatildeo de Schroumldinger para este modelo obteacutem-se a expressatildeo da

energia dos niacuteveis vibracionais

)frac12v(v += νhE

onde v eacute o nuacutemero quacircntico vibracional (v = 0 1 2 3 hellip) e ν eacute a frequecircncia de vibraccedilatildeo

do oscilador harmoacutenico Segundo este modelo os niacuteveis de energia de um oscilador estatildeo

igualmente espaccedilados sendo a diferenccedila entre eles igual a hν (FIGURA 2B) A regra de sele-

ccedilatildeo para o oscilador harmoacutenico eacute Δv = 1 pelo que o espectro vibracional de uma moleacutecula

diatoacutemica nesta aproximaccedilatildeo consiste num uacutenico sinal de frequecircncia ν independentemente

do niacutevel de partida

(1)

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FIGURA 2 A - Oscilador harmoacutenico constituiacutedo por duas esferas de massa m1 e m2 ligadas por uma mola sem limite de elasticidade (obedece agrave lei de Hooke para qualquer deformaccedilatildeo) B - Esquema da distribuiccedilatildeo dos niacuteveis de energia vibracionais em funccedilatildeo do nuacutemero quacircntico v e valor da separaccedilatildeo energeacutetica entre niacuteveis consecutivos

A frequecircncia do oscilador depende naturalmente da forccedila da ldquomolardquo ou seja do grau de

rigidezelasticidade da ligaccedilatildeo quiacutemica que se traduz na constante de forccedila da ligaccedilatildeo k

Esta constante de forccedila eacute a que define a resistecircncia da mola agrave deformaccedilatildeo ou seja a forccedila

que eacute necessaacuterio efetuar para provocar uma deformaccedilatildeo de Δx de acordo com a lei de

Hooke F = k Δx A equaccedilatildeo da frequecircncia do oscilador harmoacutenico eacute entatildeo dada por

μπν

k21

=

onde μ eacute a massa reduzida do oscilador

Os osciladores reais satildeo anarmoacutenicos uma vez que as ligaccedilotildees quiacutemicas natildeo se compor-

tam como molas perfeitamente elaacutesticas A FIGURA 5 compara a funccedilatildeo de energia potencial

do oscilador harmoacutenico com uma curva pouco anarmoacutenica (FIGURA 3A) e muito anarmoacutenica

(FIGURA 3B) A situaccedilatildeo real corresponde agrave curva de alta anarmonicidade (FIGURA 3B) jaacute que

as ligaccedilotildees quiacutemicas quebram quando satildeo estiradas excessivamente

FIGURA 3 Comparaccedilatildeo entre o oscilador harmoacutenico (linha a vermelho) e anarmoacutenico (linha a preto) para duas situaccedilotildees A - baixa anarmonicidade e B - alta anarmonicidade Notar que a regiatildeo da transiccedilatildeo fundamental(0rarr1) eacute muito razoavelmente descrita pelo oscilador harmoacutenico em qualquer dos casos

(2)

A B

A B

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A energia dos niacuteveis de um oscilador anarmoacutenico eacute dada por

2v )frac12v()frac12v( +-+= exhhE νν

onde xe eacute a constante de anarmonicidade especiacutefica de cada oscilador

Um efeito imediato da anarmonicidade eacute a diminuiccedilatildeo progressiva do espaccedilamento ener-

geacutetico entre os niacuteveis (tal como se observa na FIGURA 3)

ΔEv0rarr1 = hν(1 ndash 2 x) ΔEv1rarr2

= hν(1 ndash 4 x) ΔEv2rarr3 = hν(1 ndash 6 x)

Proacuteximo da energia de dissociaccedilatildeo o espaccedilamento tende para zero o que permite estimar

a energia de uma ligaccedilatildeo a partir da sua frequecircncia de vibraccedilatildeo e da correspondente anar-

monicidade

exhD 4e ν=

A regra de seleccedilatildeo para o oscilador anarmoacutenico eacute Δv = 1 2 3 hellip sendo possiacutevel observar

diversas transiccedilotildees Enquanto a transiccedilatildeo do niacutevel v=0 para v=1 eacute designada por transiccedilatildeo

fundamental as transiccedilotildees de v=0 para vgt1 satildeo designadas sobretons

Quando a populaccedilatildeo dos niacuteveis excitados eacute significativa eacute possiacutevel observar as transiccedilotildees

v=1 para v=2 v=2 para v=3 etc Estas transiccedilotildees aumentam de intensidade por aumento

da temperatura (ver distribuiccedilatildeo de populaccedilatildeo de Boltzmann) pelo que as correspondentes

bandas do espectro vibracional satildeo designadas por ldquobandas quentesrdquo

Esta anaacutelise do espectro vibracional de sistemas diatoacutemicos pode estender-se a sistemas

poliatoacutemicos Em sistemas poliatoacutemicos observam-se vaacuterios movimentos de ldquoelongaccedilatildeo li-

nearrdquo (tantos quantos as ligaccedilotildees entre 2 aacutetomos) de ldquodeformaccedilatildeo angularrdquo (envolvendo 3

aacutetomos ligados) de ldquotorccedilatildeordquo e de ldquodeformaccedilatildeo para fora do planordquo (envolvendo 4 aacutetomos

ligados) Estes movimentos combinam-se nas 3N-6 vibraccedilotildees globais da moleacutecula desig-

nados por modos normais de vibraccedilatildeo Em alguns casos os modos normais de vibraccedilatildeo es-

tatildeo altamente localizados num grupo definido de aacutetomos ndash por exemplo o grupo carbonilo

(C=O) ndash e originam bandas no espectro vibracional que satildeo carateriacutesticas desse grupo de

aacutetomos e mais ou menos independentes do resto da moleacutecula Estas vibraccedilotildees satildeo desig-

nadas por frequecircncias de grupo muito utilizadas em caraterizaccedilatildeo quiacutemica Estes toacutepicos

seratildeo desenvolvidos num texto proacuteprio

Transiccedilotildees roto-vibracionais numa abordagem breve

Tal como referido acima eacute possiacutevel observar transiccedilotildees vibracionais (Δv = 1 2 3 hellip) acom-

panhadas de transiccedilotildees rotacionais (ΔJ= 1) Considerando estes graus de liberdade como

independentes entre si a energia dos niacuteveis num oscilador diatoacutemico eacute dada simplesmente

pela soma da equaccedilatildeo (3) com a equaccedilatildeo do rotor diatoacutemico

(3)

(4)

(5)

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222J v )1()frac12v()1()frac12v( +++-+++= JDxhJBhE eνν J J ][

Ignorando os termos anarmoacutenico e de distorccedilatildeo centriacutefuga ndash indicados entre parecircntese

rectos ndash a energia da transiccedilatildeo vibracional fundamental num oscilador diatoacutemico eacute dada por

ΔEv=0rarrv=1 = hν + B[J(J+1)minusJrsquo(Jrsquo+1)]

onde J eacute o nuacutemero quacircntico rotacional do estado inicial v=1 e Jrsquo eacute o nuacutemero quacircntico

rotacional do estado final v = 1

A FIGURA 4 ilustra as transiccedilotildees que correspondem a Jrsquo=J-1 Jrsquo=J e Jrsquo=J+1 e a FIGURA 5

apresenta o espectro observado para o oscilador diatoacutemico real HCl No espectro real o efeito

da anarmonicidade do oscilador no valor de B eacute evidente

FIGURA 4 Esquema simplificado das transiccedilotildees roto-vibracionais numa moleacutecula diatoacutemica Os niacuteveis natildeo estatildeo agrave escala As transiccedilotildees com Jrsquo=J-1 (a verde) originam as bandas do Ramo P e as transiccedilotildees com Jrsquo=J+1 (a azul) originam o Ramo R As transiccedilotildees com Jrsquo=J (a amarelo) originam o Ramo Q mas natildeo satildeo permitidas em moleacuteculas diatoacutemicas

FIGURA 5 Espectro roto-vibracional da moleacutecula diatoacutemica HCl com a indicaccedilatildeo da posiccedilatildeo do Ramo Q (transiccedilotildees natildeo permitidas por regra de seleccedilatildeo) Notar que todos os sinais aparecem desdobrados em dois uma amostra real de HCl conteacutem as formas isotoacutepicas H35Cl e H37Cl a que correspondem diferentes valores de B Notar tambeacutem que o espaccedilamento entre bandas no ramo P eacute maior que no ramo R no estado fundamental v=0 a distacircncia interatoacutemica meacutedia eacute menor do que para v=1 pelo que B gt Brsquo Notar que a transiccedilatildeo Jrsquo=J eacute proibida pelo que natildeo aparece a banda Q

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O crescimento exponencial de populaccedilotildees Euler ou Malthus Suzana NaacutepolesUniversidade de Lisboa

Em 1798 no livro An Essay on the Principle of Population que teve seis ediccedilotildees Thomas

Malthus (1766-1864) um cleacuterigo e erudito inglecircs influente nos campos da economia po-

liacutetica e da demografia escreveu

ldquoA populaccedilatildeo quando natildeo controlada aumenta em progressatildeo geomeacutetrica A subsistecircncia

aumenta apenas em progressatildeo aritmeacutetica Um pequeno conhecimento dos nuacutemeros mostra-

raacute a imensidatildeo do primeiro poder em comparaccedilatildeo com o segundoldquo

Malthus natildeo tentou traduzir matematicamente o seu modelo de crescimento Limitou-se a

caraterizaacute-lo pressupondo que a taxa segundo a qual a populaccedilatildeo cresce num determinado

instante eacute proporcional agrave populaccedilatildeo total nesse mesmo instante

Numa revisatildeo da primeira ediccedilatildeo discutiu em detalhe os obstaacuteculos para o crescimento

da populaccedilatildeo em vaacuterios paiacuteses nomeadamente atraso no casamento aborto infanticiacutedio

fome guerra epidemias e fatores econoacutemicos Para ele o casamento retardado era a melhor

opccedilatildeo para estabilizar a populaccedilatildeo

Para caraterizar matematicamente este modelo considerando o crescimento em anos

consecutivos e supondo uma taxa de crescimento r em cada ano se num ano n a popula-

ccedilatildeo eacute Pn no ano seguinte a populaccedilatildeo seraacute Pn +1= (1 + r ) Pn pelo que Pn+1= (1 + r ) n P0 e o

crescimento eacute descrito por uma progressatildeo geomeacutetrica de razatildeo 1 + r

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15FIGURA 1 Thomas Malthus

Supondo uma variaccedilatildeo contiacutenua do tempo e designando por P(t) a populaccedilatildeo no instante

t e por r a taxa de crescimento por unidade de tempo a equaccedilatildeo diferencial que traduz o

modelo contiacutenuo preconizado por Malthus eacute Prsquo(t) = r P(t) Entatildeo P(t) = ke r t com k constante

Como P(0) = k e P0 o nuacutemero de indiviacuteduos no ano zero a evoluccedilatildeo da populaccedilatildeo eacute dada

por P(t) = P0 e rt

Acontece que 50 anos antes em Introductio in analysin infinitorum no VI capiacutetulo

ldquoDe quantidades exponenciais e logaritmosrdquo para ilustrar a grande utilidade das ta-

belas de logaritmos para abreviar caacutelculos numeacutericos o matemaacutetico suiacuteccedilo Leonhard

Euler (1707-1783) daacute vaacuterios exemplos que envolvem o crescimento populacional de

que transcrevemos os exemplos II e III

FIGURA 2 Leonhard Euler e o seu Introductio in analysin infinitorum

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Exemplo II

ldquoSe a populaccedilatildeo em certa regiatildeo aumenta anualmente um trigeacutesimo e por outro lado laacute

habitavam no princiacutepio 100000 pessoas pergunta-se qual o nuacutemero de habitantes apoacutes

100 anos

Seja o nuacutemero inicial = n pelo que n = 100000 passado um ano o nuacutemero de habitantes

seraacute = (1+301 )n=30

13 n depois de dois anos = S X3013 2

n ao cabo de trecircs = S X3013 3

n e daqui

depois de 100 anos seraacute = S X3013 100

n = S X3013 100

100000 cujo logaritmo eacute = 100 l 1013 +

l 100000 E l 1013 = l 31 - l 10 = 0014240439 de onde 100 l 10

13 = 14240439 que somando-

-lhe l 100000 = 5 seraacute o logaritmo do nuacutemero de habitantes procurado = 64240439 a que

corresponde o nuacutemero 2654874

Assim ao cabo de 100 anos seraacute mais de vinte e seis vezes maiorrdquo

Este exemplo publicado em 1748 eacute meio seacuteculo antes a concretizaccedilatildeo do ldquoModelo Mal-

thusianordquo para uma populaccedilatildeo de 100000 habitantes e uma taxa de crescimento anual de

130

No exemplo seguinte Euler faz alusatildeo ao capiacutetulo 7 do Livro do Genesis que relata como

um diluacutevio reduziu a populaccedilatildeo da terra a seis seres humanos

Exemplo III

ldquoComo a humanidade se espalhou apoacutes o diluacutevio por obra de seis seres humanos se o nuacute-

mero destes alcanccedilar duzentos anos depois o nuacutemero 1000000 pergunta-se em que parte

deveria crescer anualmente o nuacutemero de humanos

Se aumentar em cada ano x1 duzentos anos depois o nuacutemero de humanos seria =

xx1 200+S X 6 = 1000000 e por tanto x

16

1000000 2001

+ = S Xx

Portanto l x1

2001+ =x l

61000000 =200

1 52218487 = 00261092

e assim =x1+x

10000001061963 e 1000000 = 61963x donde x =16 aproxidamente

Bastaraacute pois que os humanos aumentem por ano a sua deacutecima sexta parte [] Contudo se

o nuacutemero de homens tivesse crescido na mesma proporccedilatildeo durante um intervalo de 400

anos deveria chegar a 1000000 10000006

= 166666666666 cujo sustento a terra inteira

natildeo seria de forma alguma capaz de darrdquo

Euler ao abordar o crescimento das populaccedilotildees tinha uma preocupaccedilatildeo matemaacutetica ndash a

de mostrar a utilidade dos logaritmos ndash que ilustrou com exemplos

Mas a observaccedilatildeo anterior leva a crer que ele considerou o modelo exponencial desade-

quado para o estudo do crescimento populacional

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A populaccedilatildeo de Portugal espelha bem a falecircncia deste modelo Segundo dados do Ins-tituto Nacional de Estatiacutestica nos duzentos anos que decorreram entre 1770 e 1970 a

populaccedilatildeo nem chegou a triplicar

TABELA 1 Populaccedilatildeo de Portugal entre 1422 a 1890

Popuccedilatildeo de Portugal (INE Lisboa)

Ano Total Variaccedilatildeo Ano Total Variaccedilatildeo

1422 1 043 274 - 1900 5 423 132 +74

1527 1 262 376 +210 1911 5 960 056 +99

1636 1 100 000 -129 1920 6 032 991 +12

1736 2 143 368 +949 1930 6 825 883 +131

1770 2 850 444 +330 1940 7 722 152 +131

1776 3 352 310 +176 1950 8 441 312 +93

1801 2 931 930 -125 1960 8 851 289 +49

1811 2 876 602 -19 1970 8 568 703 -32

1838 3 200 000 +112 1981 9 852 841 +150

1849 3 411 454 +66 1991 9 862 540 +01

1864 4 188 410 +228 2001 10 356 117 +50

1878 4 550 699 +86 2007 10 617 575 +25

1890 5 049 729 +110

Quanto a Malthus as suas preocupaccedilotildees eram de natureza poliacutetica e legislativa To-

mou como certo um crescimento exponencial da populaccedilatildeo mundial que conduziria a

uma cataacutestrofe por ausecircncia de recursos e para o travar sugeriu o recurso a poliacuteticas

adequadas Ao publicitar o modelo exponencial - que ficou conhecido como Modelo

Malthusiano - ligando-o a problemas legislativos reais abriu caminho para que dife-

rentes matemaacuteticos se dedicassem agrave modelaccedilatildeo do crescimento populacional

Em 1844 o matemaacutetico belga Pierre Verhulst (1804-1849) propocircs no artigo Recherches

matheacutematiques sur la loi drsquoaccroissement de la population um modelo em que considera que

agrave medida que a populaccedilatildeo se aproxima de um valor maacuteximo a taxa de crescimento diminui

ldquoO aumento virtual da populaccedilatildeo eacute portanto limitado pelo tamanho e pela fertilidade do paiacutes

Como resultado a populaccedilatildeo fica cada vez mais proacutexima de um estado estaacutevelrdquo

Designado por P(t) a populaccedilatildeo no instante t por r a taxa de crescimento por unidade

de tempo e por M o nuacutemero maacuteximo de indiviacuteduos que a regiatildeo pode suportar este modelo

exprime-se pela equaccedilatildeo diferencial

( )dt

dP rP MP t

1= -T Y

AR

TIG

O

18

cuja soluccedilatildeo eacute

( )( ) ( )( )

P t

MP eP e

10 10

rt

rt

=+

-

Se P(t) for muito pequeno face a M tem-se que ( )dt

dP rP MP t

1= -T Y cong r P(t) que tem a soluccedilatildeo P(t) cong P(0) e rt

e o crescimento eacute exponencial

FIGURA 4 Pierre Franccedilois Verhulst e o graacutefico da curva logiacutestica

Agrave medida que t cresce a populaccedilatildeo aproxima-se assintoticamente de M A equaccedilatildeo diferen-

cial que carateriza este modelo eacute atualmente designada por equaccedilatildeo logiacutestica e a populaccedilatildeo

maacutexima M por capacidade de carga Com Verhulst relativizou-se ldquoa hipoacutetese da progressatildeo

geomeacutetrica uma vez que ela soacute se pode verificar em circunstacircncias muito especiais por exem-

plo quando um territoacuterio feacutertil de tamanho quase ilimitado passa a ser habitado por pessoas

com uma civilizaccedilatildeo avanccedilada como foi o caso das primeiras coloacutenias americanasrdquo

Essa equaccedilatildeo foi retomada por vaacuterios matemaacuteticos e adaptada a contextos variados

Satildeo de realccedilar os casos em que a capacidade de carga varia como o tempo conduzindo

ao modelo caraterizado pela equaccedilatildeo diferencial

dtdP rP M

P1= -T Y( )t

onde a capacidade de carga M(t) = M(t +T) varia periodicamente com periacuteodo T

AR

TIG

O

19

FIGURA 5 A demografia eacute instrumental para o controlo das populaccedilotildees humanas

Desde o seacuteculo XVIII que o estudo da dinacircmica das populaccedilotildees eacute objeto de modelaccedilatildeo

matemaacutetica Na atualidade existem outros modelos de crescimento hiperboacutelicos expo-

nenciais logiacutesticos ou baseados noutras funccedilotildees Baseada nos modelos populacionais

do matemaacutetico Song Jian a Repuacuteblica Popular da China em 1980 entatildeo a atingir o biliatildeo

de habitantes instaurou uma poliacutetica estrita de filho uacutenico Essa lei foi flexibilizada em

2015 aumentando para dois o nuacutemero maacuteximo de filhos para fazer frente ao envelheci-

mento da populaccedilatildeo e agrave reduccedilatildeo do grupo de trabalhadores na faixa etaacuteria considerada

economicamente ativa

Muitos dos pareceres cientiacuteficos nas mais diversas aacutereas baseiam-se em modelos ma-

temaacuteticos que podem permitir fazer estimativas e previsotildees mas hellip ao olhar para o cres-

cimento populacional ao longo dos tempos verificamos que os modelos matemaacuteticos satildeo

instrumentais na anaacutelise da dinacircmica das populaccedilotildees

AR

TIG

O

20

Artroacutepodes Miguel Santos

Rubim Almeida

Sara C Antunes

DB CIBIO InBIO CIIMAR Universidade do Porto

Artroacutepodes (Arthropoda do grego arthro = articulado + podos = peacutes) satildeo o grupo taxonoacutemi-

co mais diversificado com distribuiccedilatildeo por quase todo o globo e ocupando todos os habitats

Satildeo organismos invertebrados com exosqueleto riacutegido apresentando apecircndices articula-

dos (patas antenas) e de nuacutemero diferenciado de acordo com o subfilo a que pertencem

Os artroacutepodes constituem um dos mais diversos grupos de organismos do planeta com-

preendendo espeacutecies que variam de 0085 mm (Tantalacus dieteri um crustaacuteceo parasita)

ateacute 38 m (envergadura do Caranguejo-aranha-gigante) Os organismos pertencentes a

este grupo encontram-se praticamente em todos os tipos de habitat A razatildeo do sucesso

evolutivo deste grupo taxonoacutemico deve-se a um conjunto de carateriacutesticas uacutenicas i) pos-

suiacuterem um exosqueleto proteico-quitinoso flexiacutevel leve e resistente que protege contra a

desidrataccedilatildeo ii) segmentaccedilatildeo do corpo e a presenccedila de apecircndices articulados especia-

lizados iii) oacutergatildeos sensoriais bem desenvolvidos (antenas sedas sensoriais olhos com-

postos olhos pedunculados ocelos quimiorrecetores nas antenas) iv) metamorfose com

diferentes estaacutedios de desenvolvimento incluindo estaacutedios larvares que podem ter um

modo de vida completamente diferente do adulto permitindo um aproveitamento de outros

recursos (alimento e espaccedilo) reduzindo a competiccedilatildeo entre indiviacuteduos da mesma espeacutecie

v) padrotildees comportamentais complexos revelando por vezes organizaccedilatildeo comunitaacuteria e

vi) sistema respiratoacuterio diverso nomeadamente o sistema traqueal onde o ar entra em

contacto direto com os tecidos devido a um eficiente sistema de tubos (traqueias) com

orifiacutecios na superfiacutecie do tegumento (espiraacuteculos) No entanto a origem e a taxonomia

deste grupo ainda constituem um tema de investigaccedilatildeo e debate Mesmo apesar dos avan-

ccedilos em aacutereas como a biologia molecular que fornece importantes conhecimentos sobre

as complexas relaccedilotildees evolutivas destes organismos muito ainda haacute por descobrir Os

artroacutepodes satildeo um grupo extremamente importante nos ecossistemas terrestres devido

natildeo soacute agrave sua enorme abundacircncia e diversidade mas tambeacutem ao grande nuacutemero de funccedilotildees

que desempenham nestes ecossistemas (ex degradaccedilatildeo da mateacuteria orgacircnica arejamento

AR

TIG

O

21

do solo ciclagem de nutrientes) O filo Arthropoda estaacute atualmente subdividido em cinco

subfilos Trilobitomorpha Crustacea Myriapoda Chelicerata e Hexapoda

O subfilo Trilobitomorpha (trilobites e os seus parentes) compreende cerca de 20 000

espeacutecies que viviam exclusivamente em ambientes marinhos e que atualmente se encon-

tram todas extintas Contudo a sua vasta distribuiccedilatildeo geograacutefica e o exosqueleto de carbo-

nato de caacutelcio permitiram que este grupo apresente um extenso registo foacutessil observaacutevel

por todo o planeta

Crustacea inclui caranguejos camarotildees e lagostas contendo mais de 60 000 espeacute-

cies e com um extenso registo foacutessil em todo o mundo eacute um dos principais grupos de

artroacutepodes A maioria dos crustaacuteceos vive em ambientes marinhos mas existem vaacuterias

espeacutecies que podem ser encontradas em ecossistemas de aacutegua doce (ordem Cladocera e

sub-classe Copepoda) e em ambientes terrestres (ordem Isopoda FIGURA 1) Apesar da

grande maioria dos crustaacuteceos serem de vida livre existem vaacuterios grupos parasitas (ex

Rhizocephala ndash crustaacuteceos cirriacutepedes parasitas de caranguejos e camarotildees Argulidae ndash

crustaacuteceos parasitas de peixes e Pentastomida ndash vermes liacutengua que parasitam o sistema

respiratoacuterio de vertebrados) Numa perspetiva diferente e de interesse econoacutemico este

grupo apresenta ainda um valor acrescido jaacute que alguns crustaacuteceos decaacutepodes como la-

gostas e camarotildees satildeo intensivamente consumidos em todo o mundo Para aleacutem da sua

importacircncia econoacutemica este grupo de organismos eacute bastante utilizado em investigaccedilatildeo

cientiacutefica nomeadamente em ecotoxicologia na avaliaccedilatildeo do efeito de contaminantes no

solo

FIGURA 1 Exemplares de organismos da ordem Isopoda (bicho-da-conta) 1 ndash famiacutelia Armadillidae 2 ndash famiacutelia Porce-llionidae em A - vista dorsal e em B - vista ventral

O subfilo Myriapoda inclui as centopeias e os miliacutepedes conteacutem mais de 11 000

espeacutecies descritas Este subfilo eacute tradicionalmente dividido em quatro classes Chi-

lopoda (centopeias) (FIGURA 2) Diplopoda (miliacutepedes) Pauropoda (ldquopoucos peacutesrdquo) e

Symphyla (pseudocentopeias) Todos os miriaacutepodes conhecidos satildeo terrestres e o seu

tamanho varia desde alguns miliacutemetros a cerca de 38 centiacutemetros (Millipede Gigante

Africano)

1

2

A B

15cm

AR

TIG

O

22

FIGURA 2 Vista dorsal A - e ventral B - de um organismo pertencente agrave classe Chilopoda onde se pode observar o corpo segmentado e apenas com um par de patas por segmento

O subfilo Chelicerata (aranhas aranhas do mar escorpiotildees e aacutecaros) conteacutem mais

de 113 000 espeacutecies distribuiacutedas em duas classes principais Pycnogonida (aranhas do

mar) e Arachnida (aranhas escorpiotildees e aacutecaros) Pycnogonida o grupo das aranhas

do mar conteacutem mais de 1 300 espeacutecies descritas mas estudos detalhados sobre esses

animais e as suas relaccedilotildees evolutivas ainda satildeo escassos Estes organismos geralmente

tecircm seis ou oito olhos e quatro a seis pares de patas A classe Arachnida compreende os

organismos mais conhecidos do subfilo Chelicerata como aranhas escorpiotildees e aacutecaros

Os indiviacuteduos pertencentes a este grupo natildeo possuem antenas tecircm quatro pares de

patas um par de queliacuteceras (1ordm par de apecircndices do prossomacabeccedila) e pedipalpos

(2ordm par de apecircndices do prossomacabeccedila) As aranhas (ordem Araneae) (FIGURA 3) satildeo

provavelmente o grupo mais icoacutenico e bem estudado deste subfilo presentes na maioria

dos ambientes terrestres e constituindo um dos grupos mais importantes de artroacutepodes

do solo Outros organismos colocados na mesma classe como escorpiotildees aacutecaros ou

opiliotildees tambeacutem constituem grupos extremamente variados com importantes funccedilotildees

ecoloacutegicas (ex decomposiccedilatildeo de mateacuteria orgacircnica e controlo de organismos principal-

mente atraveacutes de predaccedilatildeo)

FIGURA 3 Vista dorsal A - e ventral B - de um exemplar da ordem Araneae (famiacutelia Gnaphosidae) sendo possiacutevel obser-var o corpo dividido em cefalotoacuterax e abdoacutemen os quatro pares de patas as queliacuteceras (q) e os pedipalpos (p)

O subfilo Hexapoda (Hexa (seis) e Poda (peacute)) engloba os insetos e os seus parentes

compreende o grupo mais diverso e abundante de organismos com mais de 1 milhatildeo de

espeacutecies conhecidas Este subfilo eacute frequentemente dividido em organismos da clas-

A B

A B

14cm

p

q

35cm

AR

TIG

O

23

se Insecta (FIGURA 4) e da classe Entognatha Esta uacuteltima inclui os colecircmbolos (ordem

Collembola) (FIGURA 5) cabeccedilas de cone e bichos de prata (ordem Protura) e cerdas de

duas pontas (ordem Diplura) Na classe Entognatha as partes bucais dos organismos

estatildeo retraiacutedas dentro das suas cabeccedilas contrariamente ao que se observa na classe In-

secta que satildeo ectognantes Os colecircmbolos constituem um dos grupos mais abundantes

de artroacutepodes do solo podendo ser encontrados mais de 100 000 indiviacuteduos num metro

quadrado Estes satildeo organismos cosmopolitas com mais de 8 000 espeacutecies descritas Os

colecircmbolos satildeo pequenos organismos com tamanho geralmente inferior a 6-8 mm de

forma ciliacutendrica ou globular apresentando olhos simples e antenas moniliformes Muitas

espeacutecies possuem um apecircndice bifurcado (fuacutercula) no final do abdoacutemen permitindo que

estes organismos saltem quando ameaccedilados (FIGURA 5) Os colecircmbolos tecircm sido ampla-

mente utilizados em estudos ecotoxicoloacutegicos na avaliaccedilatildeo da qualidade do solo e da sauacute-

de destes ecossistemas

FIGURA 4 A - Vista dorsal e B - vista ventral de exemplares de algumas ordens da classe Insecta

FIGURA 5 Vista lateral de exemplares da ordem Collembola

A classe Insecta eacute a classe com maior nuacutemero de organismos compreendendo mais

de metade das espeacutecies eucarioacuteticas descritas atualmente englobando mais de 1 milhatildeo

de espeacutecies que habitam praticamente todos os ecossistemas Os insetos sendo o grupo

Ordem

Coleoptera

Ordem

Diptera

Ordem

Hemiptera

Ordem

Orthoptera

Ordem

HimenopteraA A A A

B B B B

075cm

027cm14cm016cm

09cm

22cm

AR

TIG

O

24

mais diversificado de seres vivos apresentam as mais variadas e interessantes adap-

taccedilotildees anatoacutemicas e morfoloacutegicas Pensa-se que a sua enorme riqueza e abundacircncia eacute

devida a uma combinaccedilatildeo de carateriacutesticas vantajosas como a coevoluccedilatildeo com plan-

tas a miniaturizaccedilatildeo e a capacidade de voo Os insetos desempenham ainda um papel

importantiacutessimo no funcionamento dos ecossistemas realizando funccedilotildees quer de pre-

dadores quer de presa estando envolvidos em inuacutemeras teias alimentares (ex reciclan-

do nutrientes fazendo a manutenccedilatildeo da estrutura e fertilizaccedilatildeo dos solos) Destaca-se

tambeacutem o facto de vaacuterios insetos voadores como abelhas ou borboletas atuarem como

polinizadores de muitas espeacutecies de plantas Esta eacute uma funccedilatildeo ecoloacutegica importante

com vaacuterias repercussotildees econoacutemicas porque mais de 30 das culturas alimentares

mundiais dependem da polinizaccedilatildeo Os insetos possuem ainda um papel importante em

investigaccedilatildeo cientiacutefica sendo muitas vezes utilizados como organismo modelo dado pos-

suiacuterem carateriacutesticas distintas como o seu tamanho reduzido tempos de geraccedilatildeo curtos

e elevada fecundidade O exemplo de excelecircncia eacute a mosca da fruta Drosophila melano-

gaster cujo genoma eacute jaacute conhecido na totalidade sendo esta espeacutecie utilizada frequente-

mente para estudar vaacuterios processos celulares (ex o envelhecimento a hereditariedade

e o desenvolvimento embrionaacuterio) Apesar de constituiacuterem um grupo tatildeo interessante

beneacutefico e necessaacuterio agrave manutenccedilatildeo do equiliacutebrio dos ecossistemas existem algumas

desvantagens associadas aos insetos como eacute o caso de serem vetores na transmissatildeo

de doenccedilas Eacute o caso da malaacuteria transmitida por um mosquito do geacutenero Anopheles a

doenccedila parasitaacuteria mais disseminada com vaacuterios milhotildees de humanos infetados em todo

o mundo O dengue e o zika satildeo doenccedilas em que o vetor de transmissatildeo eacute tambeacutem um

mosquito do geacutenero Aedes Na agricultura as pragas de insetos (ex gorgulhos gafa-

nhotos afiacutedios) satildeo responsaacuteveis por prejudicar as culturas agriacutecolas e a produccedilatildeo de

alimentos causando perdas econoacutemicas elevadas

Sabe-se que atualmente a perda de habitat e as mudanccedilas climaacuteticas satildeo alguns dos

fatores responsaacuteveis por decliacutenios significativos nas populaccedilotildees deste grupo de orga-

nismos Esse decliacutenio apresenta uma elevada preocupaccedilatildeo ecoloacutegica uma vez que estes

organismos desempenham muacuteltiplas e importantes funccedilotildees nos ecossistemas No en-

tanto a conservaccedilatildeo deste grupo animal permanece um grande e urgente desafio que eacute

preciso enfrentar

AR

TIG

O

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Biocombustiacuteveis seratildeo a soluccedilatildeo Matilde Viegas

Maria Joatildeo Ramos

Pedro Alexandrino Fernandes

UCIBIO REQUIMTEUniversidade do Porto

ldquoA 21 de Fevereiro de 2018 o niacutevel de poluiccedilatildeo de partiacuteculas finas com diacircmetro inferior

a 10 μm PM10 atingiu em Paris niacuteveis alarmantes com um pico correspondente

ao dobro do limite maacuteximo A Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) recomenda natildeo

exceder este limite maacuteximo por mais de trecircs dias por ano Com este recente pico os

parisienses jaacute o ultrapassaramrdquo

Em Un pic de pollution laquograveraquo en Ile-de-France Le Monde 22 de Fevereiro de 2018

Esta notiacutecia eacute um dos inuacutemeros exemplos dos efeitos do aquecimento global termo com o

qual estamos cada vez mais familiarizados infelizmente Este fenoacutemeno eacute consequecircncia

de Gases de Efeito de Estufa GEE (dioacutexido de carbono metano e oacutexido de azoto entre

outros) que se acumulam na atmosfera enclausurando o calor e tornando o planeta mais

quente A produccedilatildeo em larga escala de GEEs teve iniacutecio na Revoluccedilatildeo Industrial (1800)

como resultado da combustatildeo de combustiacuteveis foacutesseis (carvatildeo petroacuteleo e gaacutes natural)

para produccedilatildeo de eletricidade aquecimento e transporte

A preocupaccedilatildeo em torno do aquecimento global tornou-se um assunto constante na

agenda poliacutetica sobretudo nas uacuteltimas duas deacutecadas Os primeiros esforccedilos coletivos re-

sultaram no Protocolo de Quioto em 1997 cujo objetivo era a reduccedilatildeo das emissotildees de

GEEs assentando nos argumentos de que i) o aquecimento global era uma realidade e ii) o

CO2 produzido por accedilotildees humanas era o seu grande causador O primeiro periacuteodo do Proto-

colo terminou em 2012 e por isso em 2015 as Naccedilotildees Unidas promoveram a assinatura

do novo Acordo de Paris o qual consiste numa atualizaccedilatildeo do antigo Protocolo de Quioto

com o objetivo de ldquofortalecer a resposta global agrave ameaccedila das alteraccedilotildees climaacuteticas no

contexto de desenvolvimento sustentaacutevel e com esforccedilo para a erradicaccedilatildeo da pobrezardquo

O novo Acordo ao contraacuterio do de Quioto estabelece metas tangiacuteveis e quantitativas O

AR

TIG

O

26

objetivo eacute manter o aumento da temperatura meacutedia global abaixo dos 2ordm Celsius face agrave

temperatura global na era preacute-industrial Para atingir tal meta eacute necessaacuterio um esforccedilo

mundial contudo em 2017 com a saiacuteda dos EUA do Acordo de Paris o segundo maior

emissor de GEEs logo a seguir agrave China perdeu-se uma enorme contribuiccedilatildeo Aleacutem do peso

evidente que as suas emissotildees tecircm para o estado atual do aquecimento global em falta

estaratildeo tambeacutem a diplomacia e o encorajamento proporcionados por esta forccedila mundial

No Acordo de Paris uma das claacuteusulas exige a inclusatildeo de energias renovaacuteveis (eoacutelica

mariacutetima solar) e de biocombustiacuteveis no mercado de energia encorajando os paiacuteses a

atingir niacuteveis miacutenimos da sua utilizaccedilatildeo As metas estabelecidas para cada paiacutes vatildeo ao en-

contro ao seu mercado e agraves mateacuterias-primas disponiacuteveis em cada territoacuterio favorecendo o

desenvolvimento da economia

De uma forma generalista os biocombustiacuteveis englobam combustiacuteveis produzidos atra-

veacutes de processos bioloacutegicos como a agricultura e digestatildeo anaeroacutebica em vez de produ-

zidos a partir de processos geoloacutegicos como os necessaacuterios para a formaccedilatildeo de combus-

tiacuteveis foacutesseis Isto inclui o biodiesel (produzido a partir de oacuteleos e gorduras orgacircnicas) e o

bioetanol (aacutelcool produzido atraveacutes de fermentaccedilatildeo microbiana de accediluacutecares seguido de

destilaccedilatildeo e desidrataccedilatildeo) os quais seratildeo o maior foco deste artigo

A partir da deacutecada de 70 foram feitos os primeiros investimentos nos chamados bio-

combustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo (1G) Estes fazem uso de colheitas de produtos agriacuteco-

las como a soja cana-de-accediluacutecar milho oacuteleo de palma entre outros para a produccedilatildeo de

biodiesel e bioetanol atraveacutes de processos de trans-esterificaccedilatildeo ou fermentaccedilatildeo A sua

disponibilidade e facilidade de processamento permitiram a sua inserccedilatildeo e mistura nos

combustiacuteveis atualmente vendidos ao puacuteblico Para 2017 Portugal fixou em 75 (de poder

energeacutetico) a incorporaccedilatildeo de biocombustiacuteveis nos combustiacuteveis dos transportes rodoviaacute-

rios tendo a Uniatildeo Europeia o objectivo de 10 em 2020 para todos os paiacuteses membros

Os biocombustiacuteveis 1G fazem uso da colheita agriacutecola para fins energeacuteticos o que gera

opiniotildees desfavoraacuteveis por parte de ambientalistas (pelo uso exaustivo da terra agriacutecola sem

compensaccedilatildeo desflorestaccedilatildeo e perda de biodiversidade) e problemas eacuteticos tais como os le-

vantados por responsaacuteveis da ONU como o Dr Jean Ziegler que atribui aos biocombustiacuteveis

a culpa pela contiacutenua inflaccedilatildeo dos preccedilos de alimentos exacerbando a atual crise de fome

mundial - ldquoSatildeo necessaacuterios 352Kg de milho para encher um depoacutesito de 50L de um carro Uma

crianccedila na Zacircmbia ou no Meacutexico onde o milho eacute um elemento baacutesico da dieta poderia viver

com esta quantidade de milho um ano inteirordquo Atualmente os maiores produtores destes bio-

combustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo satildeo os EUA e o Brasil utilizando parte da produccedilatildeo global

de cereais e oacuteleos vegetais para a produccedilatildeo de bioetanol e biodiesel causando um ambiente

de profunda preocupaccedilatildeo em volta da sustentabilidade de produccedilatildeo de energia a meacutediolongo

prazo De forma a controlar a inflaccedilatildeo no preccedilo dos alimentos a EU estabeleceu um limite de

7 para o uso de biocombustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo como combustiacutevel de transportaccedilatildeo

AR

TIG

O

27

A segunda geraccedilatildeo de biocombustiacuteveis (2G) usa biomassa isto eacute qualquer fonte de car-

bono orgacircnico que eacute rapidamente renovado no ciclo de carbono Os biocombustiacuteveis de

segunda geraccedilatildeo almejam um uso ponderado de desperdiacutecios da induacutestria madeireira e

agriacutecola ou de restos de colheitas agriacutecolas assim que estas preencham o seu propoacutesito

alimentar evitando interferecircncia com o mercado alimentar e natildeo influenciando os preccedilos

dos alimentos baacutesicos

FIGURA 1 Biocombustiacuteveis

A produccedilatildeo de arroz atingiu o seu pico em 2017 gerando 1140 milhotildees de toneladas de

espigas de arroz cujo destino eacute a incineraccedilatildeo compostagem ou eacute simplesmente deposita-

da em aterros Contudo com a 2G de biocombustiacuteveis eacute encontrado potencial energeacutetico

neste desperdiacutecio agriacutecola O seu potencial deve-se agrave mateacuteria lignoceluloacutesica ndash celulose

hemicelulose e lignina ndash presente em todas as plantas incluindo as espigas em diferen-

tes percentagens Este material composto eacute essencial para a estrutura e resistecircncia das

plantas a hemicelulose eacute a matriz que rodeia o esqueleto de celulose enquanto a lignina

funciona como uma camada protetora As possibilidades associadas a este tipo de desper-

diacutecio satildeo inegaacuteveis a sua abundacircncia e facilidade de obtenccedilatildeo tornam-no muito apelativo

Contudo o gasto na recolha e transporte desta mateacuteria suplanta os custos de produccedilatildeo

e o seu uso continuado poderaacute contribuir para a erosatildeo do solo Aleacutem disso para o seu

aproveitamento para produccedilatildeo de biocombustiacuteveis eacute necessaacuterio um preacute-tratamento para

hidrolisar as ligaccedilotildees covalentes entre os trecircs constituintes da mateacuteria lignoceluloacutesica e

permitir a posterior fermentaccedilatildeo anaeroacutebia da celulose produzindo bioetanol Este preacute-

-tratamento eacute visto como outra das desvantagens do processo e estaacute ainda a ser estudado

e otimizado pois de momento as alternativas disponiacuteveis encarecem o produto final e em

AR

TIG

O

28

alguns dos casos dependem do uso de quiacutemicos poluentes A esperanccedila estaacute entatildeo de-

positada no estudo de enzimas hidroliacuteticas encontradas em organismos termoacutefilos que

seratildeo capazes de aguentar as difiacuteceis condiccedilotildees de tratamento Contudo a dificuldade em

escalar o processo de fermentaccedilatildeo eacute uma das desvantagens e dos fatores limitantes para

a 2G de biocombustiacuteveis em grande parte devido agrave dificuldade de monitorizar as condiccedilotildees

de fermentaccedilatildeo (oxigeacutenio pH nutrientes etc)

A terceira geraccedilatildeo (3G) de biocombustiacuteveis foi reconhecida como a melhor alternativa

em comparaccedilatildeo com primeira e segunda geraccedilotildees pois surpreendentemente faz uso de

algas A sua enorme disponibilidade por todo o planeta e o facto de natildeo interferirem com os

mercados alimentares satildeo os grandes embaixadores desta mateacuteria-prima como o futuro

dos biocombustiacuteveis Ainda que natildeo seja uma mateacuteria infinita eacute a que de momento mais se

assemelha por existirem 70 000 espeacutecies (30 000 documentadas) Estudos conduzidos

atualmente estatildeo a explorar a viabilidade energeacutetica de 30 espeacutecies de algas explorando a

sustentabilidade facilidade e escalabilidade da sua produccedilatildeo Outras vantagens incluem a

baixa manutenccedilatildeo necessaacuteria para o seu crescimento (luz dioacutexido de carbono e nutrientes

como azoto foacutesforo e potaacutessio) a facilidade com que produzem liacutepidos e carboidratos que

podem posteriormente ser processados em diferentes biocombustiacuteveis e outros copro-

dutos a frequecircncia com que podem ser colhidas ao longo do ano (ao contraacuterio de outras

colheitas convencionais) a baixa percentagem de hemicelulose e a praticamente ausente

lignina facilitam radicalmente o seu preacute-processamento pois a celulose eacute mais facilmente

extraiacuteda As desvantagens desta mateacuteria incluem o enorme investimento inicial para a

construccedilatildeo de infraestruturas para o seu cultivo que pode ser ou ao ar livre (em tanques

de grande dimensatildeo) ou em foto-bioreatores (sistemas fechados altamente controlados)

Prevecirc-se que em 2030 o preccedilo de produccedilatildeo de combustiacutevel a partir de algas seraacute 065 euro

litro de combustiacutevel valor muito proacuteximo do atual preccedilo de produccedilatildeo do litro de gasolina

Comparativamente aos custos de produccedilatildeo de outros biocombustiacuteveis o mais barato con-

tinua a ser o bioetanol produzido a partir de milho (1G) 017 eurolitro seguido de combustiacute-

veis celuloacutesicos (2G) a 032 eurolitro

Eacute evidente que seratildeo necessaacuterios esforccedilos poliacuteticos e cientiacuteficos investimento e regu-

lamentaccedilatildeo adequados para encontrar o caminho ideal para travar o aquecimento global

Em todas as geraccedilotildees de biocombustiacuteveis apresentadas existem fatores que afunilam as

potencialidades destas alternativas indicando que a soluccedilatildeo passa por criar um consoacutercio

entre as vaacuterias possibilidades de forma a tirar o maacuteximo partido sem danificar o planeta ou

piorar a crise da fome O proacuteximo passo passa por substituir os biocombustiacuteveis de 1G por

soluccedilotildees com maior escalabilidade Acreditamos que nas proacuteximas deacutecadas seratildeo cruciais

e depositamos esperanccedila na investigaccedilatildeo cientiacutefica

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018043

AR

TIG

O

29

Stephen Hawking e a sua contribuiccedilatildeo para a fiacutesica teoacutericaOrfeu Bertolami

Claacuteudio GomesDepartamento de Fiacutesica e Astronomia CFP Universidade do Porto

A 14 de marccedilo de 2018 o fiacutesico britacircnico Stephen Hawking faleceu aos 76 anos deixando

todavia um importante legado para a fiacutesica teoacuterica muito particularmente para o

entendimento das deficiecircncias intriacutensecas da Relatividade Geral de Einstein para a fiacutesica

dos buracos negros e para a cosmologia a ciecircncia do Universo como um todo

Stephen Hawking doutorou-se em Fiacutesica Teoacuterica em 1966 pela Universidade de Cambridge

sob a supervisatildeo de Dennis Sciama Apesar da sua condiccedilatildeo fiacutesica progressivamente limi-

tativa manteve-se extremamente ativo na investigaccedilatildeo nas aacutereas de cosmologia fiacutesica dos

buracos negros e gravitaccedilatildeo quacircntica

Nessa altura havia uma consideraacutevel discussatildeo acerca da realidade e ubiquidade de sin-

gularidades pontos no espaccedilo-tempo onde a Teoria da Relatividade Geral deixa de fazer sen-

tido e natildeo desaparecendo atraveacutes de mudanccedila de sistemas de coordenadas que descrevem

o espaccedilo-tempo Na segunda metade da deacutecada de 1960 Hawking e o matemaacutetico inglecircs

Roger Penrose demonstraram que essas singularidades eram inevitaacuteveis no contexto da

Teoria da Relatividade Geral (ver para uma descriccedilatildeo exaustiva o livro Large Scale Structure

of Space-Time escrito em colaboraccedilatildeo com o fiacutesico sul-africano George Ellis publicado em

1973) Uma dessas singularidades corresponde ao iniacutecio do Universo ndash Big Bang ndash e outras

estatildeo presentes no interior dos buracos negros natildeo acessiacuteveis agrave observaccedilatildeo devido agrave pre-

senccedila de um horizonte de acontecimentos que segundo a Conjetura da Censura Coacutesmica de

Roger Penrose protegem sempre as singularidades de se apresentarem ldquonuasrdquo

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Subsequentemente em 1975 ele desenvolveu a ideia que os buracos negros deveriam

radiar termicamente a uma temperatura especiacutefica inversamente proporcional agraves suas

massas temperatura esta que hoje designamos por temperatura de Hawking Esta ideia daacute

origem ao paradoxo da informaccedilatildeo em que a informaccedilatildeo que entrava no horizonte de evento

se perdia Com este contributo passou-se a ter uma equivalecircncia entre a dinacircmica e a termo-

dinacircmica de buracos negros

FIGURA 1 Emissatildeo da radiaccedilatildeo teacutermica de Hawking por um buraco negro

No princiacutepio da deacutecada de 1980 Hawking iniciou em colaboraccedilatildeo com o fiacutesico norte-ameri-

cano James Hartle o programa de investigaccedilatildeo que hoje designamos por cosmologia quacircntica

Na cosmologia quacircntica o espaccedilo-tempo eacute descrito por uma funccedilatildeo de onda a funccedilatildeo de onda

do Universo como na Mecacircnica Quacircntica Esta equaccedilatildeo de onda satisfaz uma equaccedilatildeo anaacuteloga

agrave de Schroumldinger da Mecacircnica Quacircntica a equaccedilatildeo de Wheeler-DeWitt A proposta de Hartle

e Hawking eacute que a funccedilatildeo de onda descreva um espaccedilo-tempo sem fronteiras (No-Boundary

proposal) A ideia eacute que agrave medida que retrocedemos no tempo chegamos a um ponto em que

o Universo eacute pequeno o suficiente para que efeitos quacircnticos sejam dominantes Nesta altura

existe uma espeacutecie de ldquoespumardquo do espaccedilo-tempo de tal modo que o tempo natildeo pode ser in-

terpretado do modo como o vemos hoje mas sim como uma quarta dimensatildeo espacial Uma

analogia uacutetil eacute a seguinte se viajarmos para o Polo Sul temos de seguir sempre para sul mas

quando alcanccedilamos o ponto do Polo Sul jaacute natildeo faz sentido falarmos na direccedilatildeo sul pelo mesmo

raciociacutenio ao retrocedermos no tempo haacute um pontoinstante em que natildeo faz sentido falar-se em

tempo Matematicamente isto torna-se possiacutevel passando de um espaccedilo-tempo de Minkowski

como na Relatividade Restrita para um espaccedilo Euclideano a quatro dimensotildees no qual o tempo

passa a ser um nuacutemero puramente complexo Com esta formulaccedilatildeo o Universo natildeo tem uma

fronteira aleacutem daquela que permite a transiccedilatildeo entre as duas descriccedilotildees para o espaccedilo-tempo

e que eacute exemplificado na FIGURA 2 Esta geometria eacute designada por shuttlecock ou volantepena

de badminton devido agrave semelhanccedila com este objeto

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FIGURA 2 Representaccedilatildeo tridimensional do modelo de Hartle-Hawking (no boundary proposal) A base corresponde a uma semiesfera a 4 dimensotildees e a estrutura que apresenta o tempo como uma direccedilatildeo distinta das espaciais corresponte a um Universo em expansatildeo

Hawking tambeacutem estudou outros problemas como o das maacutequinas do tempo e questotildees

relacionadas com a cosmologia e a formaccedilatildeo de estruturas no Universo Com o seu carate-

riacutestico humor Hawking afirmou natildeo ser possiacutevel viajar no tempo Para tal sugeriu organizar

uma festa convidando pessoas do futuro a se juntarem a ele e dado que ningueacutem apa-

receu concluiu entatildeo que viagens no tempo natildeo satildeo possiacuteveis na realidade Outra prova

prende-se com o facto de natildeo termos recebido ainda turistas do futuro numa clara alusatildeo

iroacutenica agrave procura turiacutestica desenfreada que assistimos nos dias de hoje

Mais recentemente ele pronunciou-se sobre questotildees de interesse geral como as im-

plicaccedilotildees do desenvolvimento da inteligecircncia artificial e a necessidade e inevitabilidade

da exploraccedilatildeo espacial Mostrou-se reticente acerca dos desenvolvimentos no domiacutenio da

inteligecircncia artificial classificando-o como possivelmente perigoso para a nossa civiliza-

ccedilatildeo pois apesar dos potenciais benefiacutecios comportam seacuterios riscos agrave continuidade da hu-

manidade Relativamente agrave exploraccedilatildeo espacial Hawking encarava as viagens espaciais

quer pelo seu interesse cientiacutefico quer como forma de preservar a humanidade de riscos

de destruiccedilatildeo devido a guerras nucleares ou epidemias devido a viacuterus geneticamente mo-

dificados

O fiacutesico Stephen Hawking legou-nos uma extraordinaacuteria contribuiccedilatildeo cientiacutefica e huma-

na Deixou um extraordinaacuterio exemplo de resiliecircncia dedicaccedilatildeo ao conhecimento e agrave socie-

dade Fisicamente debilitado e ldquopresordquo a uma condiccedilatildeo rara a esclerose lateral amiotroacutefica

que lhe foi diagnosticada aos 21 anos a sua mente foi das mais livres dos nossos tempos

concebeu hipoacuteteses conjunturas e teorias pensou a sociedade de hoje e a do futuro

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RochaO que eacute importante dizer sobre as rochas

A M Galopim de Carvalho Universidade de Lisboa

Rochas e pedras satildeo a mesma coisa Praticamente a resposta eacute sim Pedra eacute aquilo

que se apanha do chatildeo para dar uma pedrada

Qualquer pessoa mesmo a menos letrada diraacute que as pedras

bull natildeo satildeo fabricadas ou feitas por gente (a ciecircncia diz que satildeo entidades naturais)

bull que natildeo se amolgam (a ciecircncia diz que satildeo riacutegidas)

bull que geralmente natildeo se esboroam nem se esfarela (a ciecircncia diz que satildeo coesas)

bull que fazem mossa onde quer que batam (a ciecircncia diz que satildeo duras) Para o cidadatildeo

comum pedra (do grego peacutetra) eacute pois uma entidade natural riacutegida coesa e dura que se

apanha do chatildeo

Apanhamos uma pedra do chatildeo mas quando estudamos falamos quase sempre de ro-

chas Num modo de falar corrente podemos dizer que as pedras satildeo bocados de rocha

Todos falamos de rocha como sinoacutenimo de pedra com base num conhecimento comum

empiacuterico vulgar ligado agrave experiecircncia quotidiana mesmo do mais iletrado dos cidadatildeos Dize-

mos rochedo quando o afloramento de rocha eacute grande e apelidamos de rochoso um terreno

com a rocha agrave vista Rocha eacute um galicismo que entre noacutes se sobrepocircs ao termo ldquorocardquo bem

mais antigo talvez preacute-romano Cabo da Roca ou ldquoFocinho da Rocardquo no dizer dos homens do

mar deve o seu nome a esta versatildeo arcaica da palavra rocha

O conceito atual de rocha e os vaacuterios conhecimentos com elas relacionados percorreram

uma caminhada tatildeo longa quanto a do Homo sapiens caminhada de que temos testemunhos

na Preacute-histoacuteria e variadiacutessimos relatos escritos desde a Antiguidade

Na sua giacuteria proacutepria entendiacutevel entre pares os profissionais falam de rochas dizendo que

satildeo sistemas quiacutemicos mono ou polifaacutesicos (ou seja com um ou mais minerais) resultantes

do equiliacutebrio termodinacircmico atingido pelos seus constituintes em determinados ambientes

Entendendo-se por constituintes os elementos quiacutemicos incluiacutedos nos respetivos minerais

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Por outras palavras acessiacuteveis ao comum das gentes pode entatildeo dizer-se que as rochas

satildeo corpos naturais formados por associaccedilotildees mais ou menos estaacuteveis de minerais compatiacute-

veis entre si e com o ambiente onde foram gerados e que satildeo elas as rochas que constituem

a capa riacutegida da Terra que por essa razatildeo recebeu o nome de litosfera (FIGURA 1)

FIGURA 1 Modelado Graniacutetico na Serra da Estrela (fonte banco de imagens da Casa das Ciecircncias)

Antes de prosseguir esclareccedila-se que no jargatildeo proacuteprio da mineralogia e da geoquiacutemica

os minerais satildeo considerados fases no sentido fiacutesico-quiacutemico da palavra Com efeito neste

sentido uma fase eacute uma porccedilatildeo de mateacuteria quiacutemica e estruturalmente homogeacutenea e uma

qualquer espeacutecie mineral eacute isso mesmo

Por convenccedilatildeo na sistemaacutetica em sedimentologia entre as rochas sedimentares cabem

certos materiais natildeo consolidados como os barros as areias soltas as cascalheiras e ainda

outros de natureza natildeo mineral como os carvotildees foacutesseis e o petroacuteleo (oacuteleo de pedra) Cha-

mar rochas ou pedras a estes materiais agraves vezes tatildeo afastados da imagem vulgar de ldquocoisa

dura riacutegida e coesardquo decorre do conceito geoloacutegico de rocha no qual se inclui o modo de

ocorrecircncia e o respetivo processo de formaccedilatildeo (petrogeacutenese)

A mecacircnica das rochas (disciplina que estuda certas propriedades das rochas como resis-

tecircncia ao esmagamento agrave traccedilatildeo agrave torccedilatildeo agrave flexatildeo porosidade permeabilidade e outras)

define-as como entidades sempre riacutegidas e coesas e duras como tambeacutem se diz vulgarmen-

te com capacidade de suportar cargas e que na eventualidade de terem de ser escavadas ou

removidas haacute que usar tecnologias com explosivos Este conceito corresponde aliaacutes agrave ideia

mais divulgada de rocha como atraacutes se referiu Eacute o bedrock dos autores ingleses

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FIGURA 2 Processo de meteorizaccedilatildeo fiacutesica essencialmente por corrosatildeo eoacutelica em rochas sedimentares (arenitos) (fonte banco de imagens da Casa das Ciecircncias)

Aleacutem das muitas que conhecemos na Terra jaacute estudaacutemos rochas do nosso sateacutelite natural

nomeadamente basaltos e anortositos trazidos da sua superfiacutecie Mercuacuterio Veacutenus e Marte satildeo

tambeacutem planetas rochosos e igualmente rochosos ou pedregosos satildeo ainda os nuacutecleos dos co-

metas e muitos dos asteroides de que temos conhecimento pelos meteoritos caiacutedos na Terra

Quando se apelidam as rochas de magmaacuteticas sedimentares (FIGURA 2) ou metamoacuterficas

natildeo se estaacute apenas a rotulaacute-las para efeitos de arrumo ou arquivo muito menos se estatildeo a

criar novos vocaacutebulos para sobrecarga dos estudantes ou do cidadatildeo em geral Estes adjeti-

vos acrescentados agrave palavra rocha informam de imediato sobre a sua origem

bull magmaacutetica ou sedimentar qualquer delas em resultado de processos naturais faacuteceis de

entender

bull metamoacuterfica em consequecircncia de um outro processo muito menos ao alcance da vivecircncia

do vulgo mas que se explica sem grandes dificuldades

Apelidam-se de metamoacuterficas as rochas que posteriormente a uma primeira formaccedilatildeo

como magmaacuteticas ou sedimentares foram submetidas a pressotildees eou a temperaturas no

interior da crosta que lhes modificaram a composiccedilatildeo eou a textura

Foi atraveacutes do estudo das rochas que desvendaacutemos o essencial dos acontecimentos geo-

loacutegicos que marcaram a histoacuteria deste laquoPlaneta Azulraquo no qual a vida encontrou condiccedilotildees

para despertar e onde evoluiu ao ponto de se interrogar sobre essa mesma histoacuteria

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Os conhecimentos diretos de que hoje dispomos relativos agraves rochas da Terra limitam-se

aos que se obtecircm pelo estudo das que afloram agrave superfiacutecie das recolhidas em dragagens

nos fundos marinhos e das retiradas da profundidade quer em minas quer atraveacutes de son-

dagens Esta profundidade que natildeo excede 3 km no primeiro caso e 11 km no segundo

(na peniacutensula de Kola) pode considerar-se insuficiente se comparada com as trecircs a quatro

dezenas de quiloacutemetros de espessura meacutedia da crosta continental

Eacute jaacute muito o conhecimento que temos desta capa (a crosta ou crusta como alguns dizem e

escrevem) mais superficial do nosso planeta Temo-lo atraveacutes das rochas que constantemente

vemos e pisamos muitas delas geradas em zonas profundas trazidas agrave superfiacutecie pelos en-

rugamentos de origem tectoacutenica geradores das montanhas e subsequentemente postas a

descoberto pela erosatildeo

Outras rochas proacuteprias de muito maiores profundidades inclusive do manto inferior como eacute

o caso dos xenocristais e dos xenoacutelitos (do grego xenos estranho e lithos pedra) isto eacute cris-

tais e fragmentos de materiais liacuteticos gerados nessas regiotildees e que ascendem agrave superfiacutecie na

sequecircncia de atividade vulcacircnica englobados ou encravados nos produtos magmaacuteticos que ali

se formaram ou por ali passaram Na ilha da Madeira por exemplo satildeo frequentes os xenoacutelitos

oliviacutenicos que ascenderam ateacute agrave superfiacutecie no seio das lavas envolvidas no processo vulcacircnico

que originou esta e muitas outras ilhas

As rochas a que temos acesso mais ou menos direto representam uma parcela importante

da diferenciaccedilatildeo da Terra e agrave semelhanccedila da aacutegua do ar e dos seres vivos satildeo o resultado de

imensas transformaccedilotildees numa vasta e complexa rede de inter-relaccedilotildees ocorridas ao longo

dos tempos neste laquoplaneta vivoraquo pleno ainda de energia interna (sob a forma de calor) a que

se adiciona toda a que lhe chega do exterior isto eacute a radiaccedilatildeo solar Como escreveu Maurice

Mattauer ldquoas pedras nascem vivem e morrem como noacutes elas tecircm uma idade e uma histoacuteriardquo

Petrologia e litologia satildeo duas disciplinas que estudam as rochas ou as pedras Se bem que

os eacutetimos petra (latim) e lithos (grego) sejam sinoacutenimos petrologia e litologia encerram con-

ceitos diferentes ainda que relacionados entre si

bull A petrologia eacute um ramo da geologia com dimensatildeo de ciecircncia de vastos recursos nos campos

da fiacutesica da quiacutemica e naturalmente tambeacutem da matemaacutetica em busca do conhecimento da

origem natureza constituiccedilatildeo e evoluccedilatildeo da Terra no acircmbito do Sistema Solar e do Universo

bull A litologia outro ramo da geologia eacute habitualmente entendida como a disciplina que estuda

as rochas num campo praacutetico Serve a geologia de engenharia tendo em vista a implantaccedilatildeo

de grandes edifiacutecios e outras obras volumosas cujas fundaccedilotildees exigem o conhecimento dos

terrenos A litologia daacute igualmente respostas agrave pedologia (o estudo dos solos) e agrave induacutestria

extrativa de rochas ornamentais usadas na arquitetura na cantaria ou na estatuaacuteria e de

rochas industriais exploradas como importantes mateacuterias-primas para a construccedilatildeo civil a

ceracircmica o vidro o cimento a cal e a induacutestria quiacutemica

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Software educativo em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Ana C Conceiccedilatildeo

DMUniversidade do Algarve

O conceito F-Tool foi desenvolvido em 2012 com o objetivo de proporcionar uma

aprendizagem interativa em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Em particular eacute possiacutevel

explorar de forma integrada as noccedilotildees de domiacutenio contradomiacutenio existecircncia de zeros

existecircncia de extremos e de pontos de inflexatildeo invertibilidade derivabilidade reta

tangente ao graacutefico num ponto simetrias em relaccedilatildeo aos eixos e agrave origem A utilizaccedilatildeo

dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adaptaccedilatildeo de

alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e

do simples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular)

No ensino da matemaacutetica e em particular no estudo de funccedilotildees a recomendaccedilatildeo da utiliza-

ccedilatildeo de software educacional tem como objetivo o sanar das dificuldades que os alunos pos-

suem em associar as representaccedilotildees algeacutebricas com as diversas representaccedilotildees numeacutericas

eou graacuteficas De facto o caraacuteter estaacutetico das representaccedilotildees matemaacuteticas muitas vezes

dificulta a construccedilatildeo do significado afetando substancialmente a correta interpretaccedilatildeo dos

conceitos A criaccedilatildeo de modelos interativos visuais com o sistema de aacutelgebra computacional

Mathematica permite aos alunos explorar conceitos de elevada complexidade e rapidamen-

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te adquirir uma compreensatildeo mais profunda dos conteuacutedos Obviamente a utilizaccedilatildeo de sof-

tware educacional natildeo deve ser vista como um substituto para o ensino com ldquopapel e laacutepisrdquo

deve ser devidamente combinada com outros meacutetodos de ensino

O conceito F-Tool foi desenvolvido em 2012 com o objetivo de proporcionar uma apren-

dizagem interativa em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Os aplicativos computacionais

implementados com base neste conceito utilizam as capacidades de caacutelculo numeacuterico e

simboacutelico do Mathematica de forma a permitir estudar dinacircmica e interativamente e em

tempo real conceitos e propriedades fundamentais do preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial

FIGURA 1 Imagem ilustrativa da F-Exponential

O conceito F-Tool em sala de aula permite uma abordagem dinacircmica de diversos concei-

tos relacionados com o estudo de funccedilotildees e promove novas formas de raciocinarpensar

avaliar ensinar e aprender As F-Tool foram concebidas como ferramentas de aprendiza-

gem ativa ou seja a sua utilizaccedilatildeo adequada propicia um contexto de ensino-aprendiza-

gem onde alunos e professores satildeo igualmente convidados a contribuir Aleacutem disso tecircm

uma interface muito intuitiva que permite que ateacute mesmo o utilizador mais inexperiente

sem qualquer conhecimento anterior em software educacional possa comeccedilar a usar to-

dos os recursos de uma forma eficiente e autoacutenoma As F-Tool natildeo satildeo um objeto estaacutetico

mas sim um programa a ser executado com o qual se interage em tempo real Em parti-

cular atraveacutes da alteraccedilatildeo dinacircmica dos valores dos paracircmetros que definem cada classe

eacute possiacutevel obter informaccedilatildeo analiacutetica rigorosa apresentada em aritmeacutetica exata ou apro-

ximada bem como informaccedilatildeo visual estaacutetica e natildeo-estaacutetica De igual modo escolhendo

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estrategicamente de entre as vaacuterias opccedilotildees de funccedilotildees disponiacuteveis no painel esquerdo eacute

possiacutevel apreender de forma mais eficaz e consequente muitas das relaccedilotildees existentes

entre as vaacuterias funccedilotildees e respetivas transformaccedilotildees (FIGURA 1) As F-Tool utilizam um

coacutedigo de cores para diferenciar as vaacuterias funccedilotildees apresentadas Este coacutedigo eacute explicitado

na legenda do canto inferior esquerdo do painel central

Qual das figuras pode representar o graacutefico de uma funccedilatildeo e o graacutefico da sua derivada de 1ordf ordem

FIGURA 2 Exemplo de questatildeo de escolha muacuteltipla utilizando diversas opccedilotildees do painel esquerdo das F-Tool

Apesar de ser um software educacional dinacircmico e interativo pode tambeacutem ser utilizado

na construccedilatildeo de questotildees de avaliaccedilatildeo de escolha muacuteltipla (FIGURA 2) e de resposta aberta

ficando o docente automaticamente com a resposta ao selecionar no painel esquerdo as

opccedilotildees relacionadas com a questatildeo

A utilizaccedilatildeo dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adapta-

ccedilatildeo de alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e do sim-

ples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular) De facto

incluindo as F-Tool em ficheiros no Computable Document Format (CDF) eacute possiacutevel criar

fichas de trabalho dinacircmicas e interativas motivando os alunos e tornando o estudo mais

interessante

Acreditamos que o conceito F-Tool ao dotar professores e estudantes com novas fer-

ramentas para explorar alguns conceitos fundamentais da matemaacutetica desenvolveraacute po-

sitivamente o processo de ensino e de aprendizagem das aacutereas de preacute-caacutelculo e caacutelculo

diferencial

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018046

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O Aroma das Plantas Luiacutes Gaspar Pedro

Ana Cristina Figueiredo

Joseacute Gonccedilalves Barroso

CESAM CBV Universidade de Lisboa

Quando nos festejos dos Santos Populares colocamos a matildeo sobre o manjerico

provocamos a rutura de estruturas microscoacutepicas Ao fazecirc-lo libertam-se compostos

quiacutemicos que aderem agrave palma da nossa matildeo que depois percecionamos pelo nosso

olfacto Os aromas satildeo misturas complexas de dezenas de compostos volaacuteteis

carateriacutesticos de uma determinada planta

O aroma o que eacute

O aroma de muitas plantas eacute constituiacutedo por diversos compostos quiacutemicos volaacuteteis que

tecircm a capacidade de estimular os nossos recetores olfactivos A quantidade e a diver-

sidade deste tipo de compostos presentes nas plantas satildeo responsaacuteveis pelos aromas

carateriacutesticos Eacute relativamente faacutecil reconhecer o aroma dos coentros ou do manjerico e

distingui-los de outros aromas como o da rosa ou do cravinho

Na composiccedilatildeo da fraccedilatildeo volaacutetil de uma planta aromaacutetica encontram-se regra geral

compostos como os mono- e sesquiterpenos e os fenilpropanoacuteides (FIGURA 1) entre ou-

tros Satildeo todos eles compostos quiacutemicos com ponto de ebuliccedilatildeo relativamente baixo que

volatilizam agrave temperatura ambiente e contribuem de forma mais ou menos notoacuteria para o

aroma carateriacutestico de cada espeacutecie

FIGURA 1 Exemplos de compostos que constituem a fraccedilatildeo volaacutetil de diversas espeacutecies aromaacuteticas monoterpenos (α-pineno timol) sesquiterpenos (β-cariofileno germacreno D) e fenilpropanoacuteides (eugenol)

α-Pineno Timol β-Cariofileno Germacreno D Eugenol

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Estruturas secretoras

Os compostos que constituem a fraccedilatildeo aromaacutetica de uma planta satildeo regra geral sinteti-

zados e acumulados em estruturas secretoras microscoacutepicas Entre os diversos tipos de

estruturas secretoras as mais frequentes satildeo os tricomas os canais e as bolsas (FIGURA 2)

FIGURA 2 Exemplos de estruturas secretoras observadas em microscopia oacuteptica A - Tricoma de Geranium robertianum (s - secretado acumulado no espaccedilo sub-cuticular coloraccedilatildeo com reagente de Nadi) B - canal secretor de Crithmum maritimum (setas coloraccedilatildeo com tricloreto de antimoacutenio) e C - bolsa secretora de Citrus sp (coloraccedilatildeo com Vermelho Sudatildeo III)

Os tricomas glandulares satildeo estruturas externas com origem em ceacutelulas epideacutermicas

que apresentam diversos graus de complexidade desde tricomas com apenas trecircs ceacutelulas

uma das quais a secretora ateacute tricomas com mais de uma dezena de ceacutelulas secretoras

As bolsas e os canais secretores satildeo estruturas internas constituiacutedas por ceacutelulas glandu-

lares que delimitam o luacutemen o espaccedilo para onde satildeo secretados os compostos depois de

produzidos nas ceacutelulas secretoras Os canais satildeo estruturas alongadas que percorrem o

corpo da planta por vezes com ramificaccedilotildees enquanto as bolsas satildeo estruturas mais ou

menos isodiameacutetricas

Os oacuteleos essenciais

Um oacuteleo essencial eacute obtido por hidrodestilaccedilatildeo ou por destilaccedilatildeo por arrastamento de va-

por (FIGURA 3) No caso particular dos citrinos o oacuteleo essencial pode ainda ser obtido

por expressatildeo (processo mecacircnico que promove a libertaccedilatildeo do secretado acumulado no

interior das estruturas secretoras neste caso bolsas)

Tanto na hidrodestilaccedilatildeo como na destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor o secretado eacute

removido das estruturas secretoras e arrastado pelo vapor de aacutegua Depois de condensar

por arrefecimento o oacuteleo essencial separa-se da aacutegua podendo ser facilmente recolhido

devido agrave sua imiscibilidade com a aacutegua

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41FIGURA 3 A - Sistema de hidrodestilaccedilatildeo com aparelho de Clevenger e B - sistema de destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor

Anaacutelise de oacuteleos essenciais

Para analisar um oacuteleo essencial recorre-se frequentemente agrave cromatografia gasosa (CG)

para quantificaccedilatildeo dos componentes e agrave CG acoplada agrave espectrometria de massa (CG-

-EM) para a correspondente identificaccedilatildeo dos constituintes Por CG-EM os diversos com-

ponentes que constituem o oacuteleo essencial satildeo separados uns dos outros e ao chegarem ao

espectroacutemetro de massa satildeo bombardeados por eletrotildees o que leva a que as moleacuteculas

fragmentem formando-se diferentes iotildees de acordo com padrotildees preferenciais O con-

junto dos fragmentosiotildees constituem o espectro de massa que eacute carateriacutestico de cada

moleacutecula A integraccedilatildeo das aacutereas dos picos que surgem no cromatograma obtido por CG

(FIGURA 4A) permite a quantificaccedilatildeo relativa dos diversos componentes do oacuteleo essencial

A anaacutelise por CG-EM possibilita a identificaccedilatildeo desses compostos por comparaccedilatildeo dos

espectros de massa (FIGURA 4B) e dos iacutendices de retenccedilatildeo com os de amostras padratildeo

FIGURA 4 A - Aspeto parcial de um cromatograma obtido por CG carateriacutestico de um oacuteleo essencial com alguns dos ldquopicosrdquo identificados B - espectro de massa obtido por CG-EM de um dos componentes maioritaacuterios o timol

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Paisagens da Islacircndia Formase Processos (III)Fernando Carlos LopesCITEUC Universidade de Coimbra

A Islacircndia eacute famosa natildeo soacute pelos seus vulcotildees mas tambeacutem pelos seus glaciares e pela

sua sinuosa e escarpada linha de costa

Atualmente os glaciares cobrem cerca de 10 da superfiacutecie islandesa e 60 destas

aacutereas geladas assentam sobre sistemas vulcacircnicos ativos Esta combinaccedilatildeo de gelo e vul-

canismo torna a Islacircndia o local ideal para cheias repentinas (joumlkulhlaups) resultantes de

aacutegua que escorre por baixo dos glaciares devido agrave fusatildeo provocada pelas erupccedilotildees subgla-

ciares Atualmente existem 4 grandes calotes glaciares localizadas nas regiotildees elevadas

e vulcanicamente ativas do centro e sul da ilha a partir das quais divergem numerosas liacuten-

guas glaciarias Vatnajoumlkull (8100 km2) situado no centro leste Langjoumlkull (925 km2) si-

tuado no centro oeste Hofsjoumlkull (925 km2) situado na zona central da ilha Myrdalsjoumlkull

(600 km2) situado no sul da ilha Apesar da Islacircndia ter cerca de 24 Ma a sua paisagem soacute

foi moldada por glaciares nos uacuteltimos 5 milhotildees de anos Os seus glaciares de tipo alpino

(ou de montanha) avanccedilaram e recuaram condicionados pelas variaccedilotildees regionais e locais

do clima de que resultaram espetaculares morfologias Como jaacute se referiu anteriormente

as variaccedilotildees da carga glaciar sobre a litosfera provocadas pelas fases de gelo e degelo

teratildeo desempenhado papel importante na atividade vulcacircnica da ilha

Com um comprimento de cerca de 4970 km a linha de costa da Islacircndia eacute de um modo

geral muito recortada e escarpada marcada por promontoacuterios cabos peniacutensulas fiordes

e enseadas pontilhada de leixotildees por entre os quais se aninham praias de areia negra de

contornos suaves A accedilatildeo do mar sobre as inuacutemeras escoadas de lava que fluiacuteram ateacute agrave

costa ao longo da evoluccedilatildeo geoloacutegica da ilha e ali solidificaram sobre os aparelhos vulcacirc-

nicos implantados na zona litoral e sobre os vales deixados pelo recuo dos glaciares criou

paisagens de uma beleza surreal

FIGURA DA PAacuteGINA ANTERIOR Leixatildeo Hvitserkur noroeste da Islacircndia (fonte pixabay)

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Parte III - Paisagens controladas pelos glaciares e paisagens costeirasVales glaciares e fiordes

Vales glaciares vales suspensos lagos glaciares e cascatas ciacuterculos glaciares moreias

e fiordes satildeo formas carateriacutesticas das paisagens islandesas criadas pelos seus glacia-

res alpinos Os vales glaciares com o seu carateriacutestico perfil em ldquoUrdquo satildeo a forma mais

comum de paisagem originada pela erosatildeo glacial (FIGURA 1) No interior destes vales os

rios concentram o seu poder erosivo na zona mais baixa originando um perfil carateriacutestico

em ldquoVrdquo O poder erosivo dos glaciares eacute muito superior ao dos rios porque a sua energia

potencial resulta natildeo soacute do declive do terreno mas tambeacutem do peso do gelo A erosatildeo faz-

-se essencialmente ao longo das zonas laterais do canal criando um vale com vertentes

alcantiladas e fundo aplanado Vales suspensos satildeo vales escavados por glaciares tributaacute-

rios Como estes glaciares levam menos gelo o seu poder erosivo eacute menor que o do glaciar

principal ficando suspenso nas vertentes do glaciar principal quando o gelo recua Cons-

tituem exemplos notaacuteveis pela sua beleza e dimensatildeo os vales glaciares de Borgarvirki

(FIGURA 2) e de Akureyri (ou Eyjafjoumlrethur) no noroeste da ilha Este uacuteltimo vai desembocar

num fiorde que eacute mais longo da Islacircndia

FIGURA 1 Esquema 3D (sem escala) da evoluccedilatildeo de uma paisagem glaciar com formaccedilatildeo de vales glaciares vales glaciares suspensos ciacuterculos glaciares lagos glaciares e cascatas

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S O

LH

OS

DA

CIEcirc

NC

IA

45

FIGURA 2 Aspeto do vale glaciaacuterio de Borgarvirki observado a partir da fortaleza de Borgarvirki

Se as condiccedilotildees forem favoraacuteveis os glaciares podem erodir abaixo do niacutevel do mar Quan-

do o glaciar recua o oceano invade estas depressotildees criando um fiorde Alguns dos fiordes

islandeses como o de Akureyri e o de Nordfjord (nordeste da ilha) possuem centenas de

metros abaixo do niacutevel do mar O fiorde de Nordfjord abrange parcialmente uma antiga cal-

deira vulcacircnica Nas faleacutesias do seu flanco oriental (falesias de Raudubjoumlrg) afloram rioacutelitos

conferindo agraves arribas uma carateriacutestica cor avermelhada)

Como se referiu anteriormente (Parte I) a orientaccedilatildeo da maioria dos vales glaciares e

fiordes segue de perto a orientaccedilatildeo dos principais lineamentos tectoacutenicos

Moreias

Em termos de aspetos deposicionais relacionados com glaciares as moreias satildeo de lon-

ge os mais abundantes Satildeo acumulaccedilotildees de fragmentos rochosos transportados pelos

glaciares quer na regiatildeo frontal (moreia frontal) lateral (moreia lateral) a meio (moreia

mediana) e no fundo (moreia de fundo)

Durante o uacuteltimo maacuteximo glaciar (haacute cerca de 20 000 anos) a Islacircndia estava quase

toda coberta por glaciares que se estendiam ateacute agrave costa e para aleacutem dela Foram encon-

tradas moreias frontais dessa eacutepoca a cerca de 130 km a offshore da costa ocidental e a

cerca de 150-230 m abaixo do niacutevel de mar atual

Eacute possiacutevel encontrar nos vales glaciares islandeses quer moreias antigas resultantes

da uacuteltima glaciaccedilatildeo quer moreias recentes e atuais Estas uacuteltimas estatildeo relacionadas com

as 4 grandes calotes glaciares existentes como eacute o caso das moreias do glaciar Vatna-

joumlkull que se podem observar em pleno no setor sudeste da ilha

AO

S O

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Lagoas glaciares e icebergues

Outra das paisagens magniacuteficas moldadas pelos glaciares satildeo as lagoas glaciares Estas

lagoas formam-se na extremidade dos glaciares que descem das calotes glaciares Satildeo

alimentadas pelo desgelo natural dos glaciares e nela flutuam pequenos e grandes iceber-

gues que se separam da frente do glaciar (FIGURA 3)

FIGURA 3 Esquema 3D (sem escala) da formaccedilatildeo de icebergues numa lagoa glaciar

O exemplo mais notaacutevel deste tipo de lagoas na Islacircndia eacute a lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten consi-

derada uma das maravilhas naturais do paiacutes Fica situada no sudeste da ilha na extremidade

do glaciar Breiethamerkurjoumlkull uma das liacutengua glaciares da calote de Vatnajoumlkull (FIGURA 4)

FIGURA 4 Icebergues na lagoa glaciar de Joumlkulsaacuterloacuten Ao fundo vecirc-se a frente do glaciar Breiethamerkurjoumlkull As faixas negras nos icebergues satildeo niacuteveis de cinza vulcacircnica

AO

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47

A lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten eacute o ponto mais baixo da Islacircndia com zonas agrave cota de -200 m Na

baiacutea da lagoa tem-se acesso a uma paisagem de outro mundo com icebergues de dimen-

sotildees variadas que flutuam ateacute ao mar ficando alguns deles encalhados na margem de uma

praia de areia vulcacircnica Alguns icebergues exibem faixas negras correspondentes a niacuteveis

de cinzas vulcacircnicas provenientes de antigas erupccedilotildees (FIGURA 4) Outros exibem duas

tonalidades branco leitoso e azul claro A faixa azul corresponde agrave porccedilatildeo do icebergue

que se tornou recentemente emersa

A lagoa teraacute sido formada em 1934-35 pelo contiacutenuo recuo do glaciar Vatnajoumlkull e teraacute

duplicado de tamanho nos uacuteltimos 15 anos Dada a taxa atual de recuo do glaciar Vatna-

joumlkull um profundo fiorde iraacute desenvolver-se no local onde hoje existe a lagoa

As costas escarpadas

As costas escarpadas e recortadas satildeo sem duacutevida as mais dominantes Ocorrem deste o

oeste ao leste da ilha passando pela regiatildeo norte incisas por numerosos fiordes e peque-

nas enseadas e salpicadas por leixotildees Eacute notaacutevel pela sua forma de dragatildeo e pelas lendas

que o envolvem o leixatildeo de Hvitserkur (IMAGEM DA PAGINA 42) situado na costa leste da

Peniacutensula de Vatnsnes no noroeste da Islacircndia

Os fiordes mais profundos localizam-se na costa norte constituindo bons portos natu-

rais Um destaque especial vai para o fiorde ao longo do qual se estende a cidade de Aku-

reyri (fiorde de Akureyri ou Eyjafjoumlrethur) considerado o mais longo do paiacutes

Praias de areia Negra

As praias de areia negra em geral de reduzida extensatildeo podem ser constituiacutedas por i) de-

poacutesitos resultantes da abrasatildeo das arribas ii) moreias e depoacutesitos fluviais resultantes dos

rios glaciares com contornos suaves e lagoas glaciares protegidas por extensas barras

arenosas iii) depoacutesitos de tefra provenientes de erupccedilotildees freaacuteticas

As do primeiro tipo ocorrem um pouco por toda a linha de costa como resultado da accedilatildeo

do mar sobre as arribas As do segundo tipo ocorrem dominantemente entre Djuacutepivogur a

sudeste e Oumllfusaacute a sudoeste com destaque para a praia de Reynisfjara na costa sul As

da terceira categoria podem ser observadas na ilha de Heimaey arquipeacutelago de Vestman-

naeyja regiatildeo sul da Islacircndia

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018048

IMA

GE

M E

M D

ES

TAQ

UE

48

Eu crio as minhas obras de arte de peque-

nos pedaccedilos de papel com espirais que co-

nectam e ligam os elementos a uma grande

estrutura Na obra de origami acabada a

que chamo Voltinhas estas espirais vivem

e trabalham Forccedilas de tensatildeo e fricccedilatildeo

contrapotildeem-se agrave gravidade e mantecircm a

forma estaacutevel Nas minhas criaccedilotildees procu-

ro estar perto da natureza Quando criamos

ou estudamos modelos de papel na macro

escala podemos entender melhor as for-

mas criadas pela natureza na micro escala

A minha obra de origami na capa o trabalho

intitulado ldquoInverno num parque de Lisboardquo e

o capsiacutedeo do viacuterus Canine parvovirus um viacute-

rus contagioso que ataca sobretudo os catildees

e outros caniacutedeos tecircm a mesma estrutura

geomeacutetrica do pequeno rombicosidodecae-

dro um poliedro com simetria icosaeacutedrica

Essa obra invoca simbolicamente o Ano

da Biologia Matemaacutetica 2018 O origami eacute

uma arte de dobragem do papel com uma

forte componente geomeacutetrica que permite

a construccedilatildeo de formas complexas e tem

atraiacutedo o interesse de matemaacuteticos pelas

suas propriedades geomeacutetricas e algeacutebricas

Krystyna Burczyk

Os viacuterus satildeo responsaacuteveis por inuacutemeras

doenccedilas no homem nos animais e nas plan-

tas e as curas e prevenccedilotildees satildeo ainda mui-

tas vezes problemaacuteticas Desenvolvimen-

tos recentes das aplicaccedilotildees da matemaacutetica

agrave virologia nomeadamente das teorias de

grupos de grafos de tesselaccedilatildeo ou de re-

ticulados mostraram por exemplo que as

restriccedilotildees estruturais agraves formas dos viacuterus

satildeo maiores do que antes se pensava e

permitiram a construccedilatildeo de novos modelos

para o desenvolvimento de terapias anti-

-virais Os capsiacutedeos virais que envolvem

os genomas dos viacuterus por razotildees de eco-

nomia geneacutetica tem muitas vezes uma si-

metria icosaeacutedrica Ora esta simetria natildeo eacute

cristalograacutefica em trecircs dimensotildees ie natildeo

eacute compatiacutevel com reticulados perioacutedicos

o que motivou os matemaacuteticos a desen-

volverem novas estruturas no contexto de

grupos de Coxeter natildeo-cristalograacuteficos que

encontraram aplicaccedilatildeo natildeo soacute na virologia

mas tambeacutem noutras estruturas molecula-

res da quiacutemica do carbono

Joseacute Francisco RodriguesUniversidade de Lisboa

Origami e Viacuterusin imagemcasadascienciasorg

Imagem de Canine Parvovirus gerada em VMD Autor Alexandre Lopes Magalhatildees

Page 9: JUNHO 2018 V6 /02 · 2018-09-26 · Matilde Viegas, Maria João Ramos, Pedro Alexandrino Fernandes Stephen Hawking e a sua contribuição para a física teórica Orfeu Bertolami,

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7

Campos (Fiacutesica)Eduardo Lage

Universidade do Porto

O conceito de campo eacute dos mais fundamentais em Fiacutesica Tal como um campo de flores

variadas pode ter em cada canteiro um letreiro identificando a espeacutecie aiacute plantada um

campo fiacutesico eacute uma regiatildeo do espaccedilo em que eacute definida uma etiqueta caraterizando o valor

de uma grandeza em cada ponto e em cada instante Na sua formulaccedilatildeo inicial devida a

Michael Faraday (1849) o campo era um auxiliar que permitia imaginar a forccedila eleacutetrica

que se exerceria sobre uma carga colocada nesse ponto Com a formulaccedilatildeo definitiva de

James Clerk Maxwell (1864) para as leis do electromagnetismo (conhecidas por equaccedilotildees

de Maxwell) o campo ganhou uma realidade fiacutesica O campo pode propagar-se como on-

das atraveacutes do espaccedilo destronando a ideia de forccedilas instantacircneas agrave distacircncia A teoria da

relatividade restrita (Einstein 1905) viria a incorporar este conceito num dos seus postu-

lados (nada ultrapassa a luz no vazio) obrigando a aceitar o campo como uma realidade

fundamental Todas as teorias a partir de entatildeo satildeo teorias de campo alargando o seu

acircmbito agraves forccedilas nucleares fortes (responsaacuteveis pela coesatildeo do nuacutecleo) e fracas (originan-

do a desintegraccedilatildeo do neutratildeo livre) e exigindo mesmo uma reformulaccedilatildeo da lei da atraccedilatildeo

universal (Newton) corporizada na teoria da relatividade geral (Einstein 1915)

A importacircncia do conceito de campo fez-se sentir em outros domiacutenios da Fiacutesica Assim

passaacutemos a falar em diversos tipos de campos

a) Escalares tais como os campos de densidade temperatura ou pressatildeo (FIGURA 1)

para discutir fenoacutemenos atmosfeacutericos ou o interior de planetas ie a etiqueta tem apenas

um nuacutemero identificando o valor da grandeza

FIGURA 1 Diferenccedila de pressotildees em relaccedilatildeo agrave pressatildeo atmosfeacuterica normal atraveacutes de cores identificando valores numeacutericos (abaixo representados)

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b) Vetoriais tais como os campos de velocidade (FIGURA 2) ou aceleraccedilatildeo num

soacutelido riacutegido o campo eletromagneacutetico ou graviacutetico ie a etiqueta tem trecircs nuacutemeros as

componentes do vetor associado agrave grandeza respetiva

FIGURA 2 Campo de velocidades de um fluido onde cada seta representa a velocidade do fluido no ponto onde se situa a origem da seta

c) Tensoriais tais como os campos de deformaccedilatildeo ou tensatildeo (FIGURA 3) em soacutelidos

deformaacuteveis ou o tensor de Maxwell no eletromagnetismo A etiqueta tem agora nove nuacute-

meros em geral (para tensores de 2ordf ordem) as componentes do tensor correspondente

agrave grandeza medida

FIGURA 3 Componentes do tensor das tensotildees onde por exemplo σyx eacute a componente da tensatildeo (vetor) segundo x para uma superfiacutecie normal ao eixo y Por convenccedilatildeo a tensatildeo eacute exercida pela parte exterior ao cubo

O campo escalar eacute talvez o mais simples e o seu estudo atraveacutes de um exemplo e pos-

teriormente generalizado permite obter vaacuterios resultados importantes que se revelam

tambeacutem importantes nos campos vetoriais e tensoriais

x

z

y

σxx

σyx

σxx

σyx

σzx

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018039

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Espectroscopia VibracionalPaulo Ribeiro ClaroCICECO Universidade de Aveiro

Designa-se por ldquoespectroscopia vibracionalrdquo a teacutecnica que mede a interaccedilatildeo da radiaccedilatildeo

eletromagneacutetica com os movimentos de vibraccedilatildeo de um sistema molecular

Qualquer sistema que contenha aacutetomos ligados entre si tem movimentos vibracionais

desde as moleacuteculas diatoacutemicas aos sistemas bioloacutegicos e aos materiais mais diversos

Deste modo as diversas teacutecnicas de espectroscopia vibracional satildeo muito utilizadas

tanto na caraterizaccedilatildeo de sistemas como em anaacutelise quiacutemica Estas aplicaccedilotildees

estendem-se atualmente ateacute agrave imagem meacutedica

Graus de liberdade de um sistema molecular

Considerando uma associaccedilatildeo de N aacutetomos (moleacutecula iatildeo ou radical) em fase gasosa ndash isto

eacute isolada e livre de restriccedilotildees externas ao seu movimento ndash cada um dos seus aacutetomos pode

deslocar-se segundo as trecircs direccedilotildees do espaccedilo descritas pelos eixos coordenados ou ve-

tores xyz Teremos assim 3N vetores que podem combinar-se em 3N movimentos distintos

FIGURA 1 Representaccedilatildeo esquemaacutetica dos 3N graus de liberdade de uma moleacutecula diatoacutemica A linha superior representa as trecircs translaccedilotildees a linha inferior representa as duas rotaccedilotildees e uma vibraccedilatildeo (O nuacutemero de vibraccedilotildees independentes eacute dado pela diferenccedila entre o nuacutemero de graus de liberdade e o nuacutemero de translaccedilotildees e rotaccedilotildees 3N-5) O movimento de vibraccedilatildeo pressupotildee que a ligaccedilatildeo entre os aacutetomos funciona como uma mola (que forccedilaraacute os aacutetomos a inverterem o sentido do movimento)

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Quando todos os aacutetomos se movem coordenadamente na direccedilatildeo um dado vetor (por

exemplo direccedilatildeo z FIGURA 1 primeira imagem) isso representa a translaccedilatildeo da moleacutecula

nessa direccedilatildeo Para uma moleacutecula isolada haacute pois trecircs movimentos ndash ou graus de liberdade

ndash translacionais

De igual modo eacute possiacutevel encontrar combinaccedilotildees de movimentos individuais dos aacutetomos

que resultam numa rotaccedilatildeo da moleacutecula em torno do seu centro de massa Estes graus de

liberdade rotacionais satildeo tambeacutem trecircs para a maioria das moleacuteculas Em moleacuteculas linea-

res haacute apenas dois graus de liberdade rotacionais pois natildeo existe rotaccedilatildeo em torno do eixo

molecular (natildeo moveria nenhum aacutetomo)

As restantes combinaccedilotildees de movimentos atoacutemicos resultam em movimentos dos aacutetomos

entre si sem que haja translaccedilatildeo ou rotaccedilatildeo da moleacutecula ou seja correspondem a graus de

liberdade vibracionais Deste modo um sistema molecular com N aacutetomos tem 3N-6 vibra-

ccedilotildees (3N-5 se for linear)

A soluccedilatildeo da equaccedilatildeo de Schoumldinger para uma partiacutecula livre em movimento tem como

significado fiacutesico a natildeo-quantizaccedilatildeo da energia translacional Dito de outro modo os graus

de liberdade translacionais satildeo contiacutenuos Contudo o mesmo natildeo se passa com os movimen-

tos os rotacionais e vibracionais a que correspondem niacuteveis de energia discretos (ou quan-

tizados) Assim eacute possiacutevel observar transiccedilotildees entre os niacuteveis rotacionais (espectroscopia

rotacional) ou entre os niacuteveis vibracionais (espectroscopia vibracional) Como seraacute discutido

abaixo numa moleacutecula em fase gasosa eacute possiacutevel observar transiccedilotildees em que se alteram si-

multaneamente o estado vibracional e o estado rotacional (por vezes abreviadas para ldquotran-

siccedilotildees roto-vibracionaisrdquo)

O modelo mais simples para descrever as vibraccedilotildees moleculares eacute o modelo do oscilador

harmoacutenico diatoacutemico dois aacutetomos de massa m1 e m2 ligados por uma mola perfeitamente

elaacutestica (FIGURA 2A) Os dois aacutetomos oscilam em torno da distacircncia de equiliacutebrio num mo-

vimento que pode ser designado por ldquoelongaccedilatildeo linearrdquo (e frequentemente abreviado para

ldquoelongaccedilatildeordquo)

Por resoluccedilatildeo da equaccedilatildeo de Schroumldinger para este modelo obteacutem-se a expressatildeo da

energia dos niacuteveis vibracionais

)frac12v(v += νhE

onde v eacute o nuacutemero quacircntico vibracional (v = 0 1 2 3 hellip) e ν eacute a frequecircncia de vibraccedilatildeo

do oscilador harmoacutenico Segundo este modelo os niacuteveis de energia de um oscilador estatildeo

igualmente espaccedilados sendo a diferenccedila entre eles igual a hν (FIGURA 2B) A regra de sele-

ccedilatildeo para o oscilador harmoacutenico eacute Δv = 1 pelo que o espectro vibracional de uma moleacutecula

diatoacutemica nesta aproximaccedilatildeo consiste num uacutenico sinal de frequecircncia ν independentemente

do niacutevel de partida

(1)

AR

TIG

O

11

FIGURA 2 A - Oscilador harmoacutenico constituiacutedo por duas esferas de massa m1 e m2 ligadas por uma mola sem limite de elasticidade (obedece agrave lei de Hooke para qualquer deformaccedilatildeo) B - Esquema da distribuiccedilatildeo dos niacuteveis de energia vibracionais em funccedilatildeo do nuacutemero quacircntico v e valor da separaccedilatildeo energeacutetica entre niacuteveis consecutivos

A frequecircncia do oscilador depende naturalmente da forccedila da ldquomolardquo ou seja do grau de

rigidezelasticidade da ligaccedilatildeo quiacutemica que se traduz na constante de forccedila da ligaccedilatildeo k

Esta constante de forccedila eacute a que define a resistecircncia da mola agrave deformaccedilatildeo ou seja a forccedila

que eacute necessaacuterio efetuar para provocar uma deformaccedilatildeo de Δx de acordo com a lei de

Hooke F = k Δx A equaccedilatildeo da frequecircncia do oscilador harmoacutenico eacute entatildeo dada por

μπν

k21

=

onde μ eacute a massa reduzida do oscilador

Os osciladores reais satildeo anarmoacutenicos uma vez que as ligaccedilotildees quiacutemicas natildeo se compor-

tam como molas perfeitamente elaacutesticas A FIGURA 5 compara a funccedilatildeo de energia potencial

do oscilador harmoacutenico com uma curva pouco anarmoacutenica (FIGURA 3A) e muito anarmoacutenica

(FIGURA 3B) A situaccedilatildeo real corresponde agrave curva de alta anarmonicidade (FIGURA 3B) jaacute que

as ligaccedilotildees quiacutemicas quebram quando satildeo estiradas excessivamente

FIGURA 3 Comparaccedilatildeo entre o oscilador harmoacutenico (linha a vermelho) e anarmoacutenico (linha a preto) para duas situaccedilotildees A - baixa anarmonicidade e B - alta anarmonicidade Notar que a regiatildeo da transiccedilatildeo fundamental(0rarr1) eacute muito razoavelmente descrita pelo oscilador harmoacutenico em qualquer dos casos

(2)

A B

A B

AR

TIG

O

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A energia dos niacuteveis de um oscilador anarmoacutenico eacute dada por

2v )frac12v()frac12v( +-+= exhhE νν

onde xe eacute a constante de anarmonicidade especiacutefica de cada oscilador

Um efeito imediato da anarmonicidade eacute a diminuiccedilatildeo progressiva do espaccedilamento ener-

geacutetico entre os niacuteveis (tal como se observa na FIGURA 3)

ΔEv0rarr1 = hν(1 ndash 2 x) ΔEv1rarr2

= hν(1 ndash 4 x) ΔEv2rarr3 = hν(1 ndash 6 x)

Proacuteximo da energia de dissociaccedilatildeo o espaccedilamento tende para zero o que permite estimar

a energia de uma ligaccedilatildeo a partir da sua frequecircncia de vibraccedilatildeo e da correspondente anar-

monicidade

exhD 4e ν=

A regra de seleccedilatildeo para o oscilador anarmoacutenico eacute Δv = 1 2 3 hellip sendo possiacutevel observar

diversas transiccedilotildees Enquanto a transiccedilatildeo do niacutevel v=0 para v=1 eacute designada por transiccedilatildeo

fundamental as transiccedilotildees de v=0 para vgt1 satildeo designadas sobretons

Quando a populaccedilatildeo dos niacuteveis excitados eacute significativa eacute possiacutevel observar as transiccedilotildees

v=1 para v=2 v=2 para v=3 etc Estas transiccedilotildees aumentam de intensidade por aumento

da temperatura (ver distribuiccedilatildeo de populaccedilatildeo de Boltzmann) pelo que as correspondentes

bandas do espectro vibracional satildeo designadas por ldquobandas quentesrdquo

Esta anaacutelise do espectro vibracional de sistemas diatoacutemicos pode estender-se a sistemas

poliatoacutemicos Em sistemas poliatoacutemicos observam-se vaacuterios movimentos de ldquoelongaccedilatildeo li-

nearrdquo (tantos quantos as ligaccedilotildees entre 2 aacutetomos) de ldquodeformaccedilatildeo angularrdquo (envolvendo 3

aacutetomos ligados) de ldquotorccedilatildeordquo e de ldquodeformaccedilatildeo para fora do planordquo (envolvendo 4 aacutetomos

ligados) Estes movimentos combinam-se nas 3N-6 vibraccedilotildees globais da moleacutecula desig-

nados por modos normais de vibraccedilatildeo Em alguns casos os modos normais de vibraccedilatildeo es-

tatildeo altamente localizados num grupo definido de aacutetomos ndash por exemplo o grupo carbonilo

(C=O) ndash e originam bandas no espectro vibracional que satildeo carateriacutesticas desse grupo de

aacutetomos e mais ou menos independentes do resto da moleacutecula Estas vibraccedilotildees satildeo desig-

nadas por frequecircncias de grupo muito utilizadas em caraterizaccedilatildeo quiacutemica Estes toacutepicos

seratildeo desenvolvidos num texto proacuteprio

Transiccedilotildees roto-vibracionais numa abordagem breve

Tal como referido acima eacute possiacutevel observar transiccedilotildees vibracionais (Δv = 1 2 3 hellip) acom-

panhadas de transiccedilotildees rotacionais (ΔJ= 1) Considerando estes graus de liberdade como

independentes entre si a energia dos niacuteveis num oscilador diatoacutemico eacute dada simplesmente

pela soma da equaccedilatildeo (3) com a equaccedilatildeo do rotor diatoacutemico

(3)

(4)

(5)

AR

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13

222J v )1()frac12v()1()frac12v( +++-+++= JDxhJBhE eνν J J ][

Ignorando os termos anarmoacutenico e de distorccedilatildeo centriacutefuga ndash indicados entre parecircntese

rectos ndash a energia da transiccedilatildeo vibracional fundamental num oscilador diatoacutemico eacute dada por

ΔEv=0rarrv=1 = hν + B[J(J+1)minusJrsquo(Jrsquo+1)]

onde J eacute o nuacutemero quacircntico rotacional do estado inicial v=1 e Jrsquo eacute o nuacutemero quacircntico

rotacional do estado final v = 1

A FIGURA 4 ilustra as transiccedilotildees que correspondem a Jrsquo=J-1 Jrsquo=J e Jrsquo=J+1 e a FIGURA 5

apresenta o espectro observado para o oscilador diatoacutemico real HCl No espectro real o efeito

da anarmonicidade do oscilador no valor de B eacute evidente

FIGURA 4 Esquema simplificado das transiccedilotildees roto-vibracionais numa moleacutecula diatoacutemica Os niacuteveis natildeo estatildeo agrave escala As transiccedilotildees com Jrsquo=J-1 (a verde) originam as bandas do Ramo P e as transiccedilotildees com Jrsquo=J+1 (a azul) originam o Ramo R As transiccedilotildees com Jrsquo=J (a amarelo) originam o Ramo Q mas natildeo satildeo permitidas em moleacuteculas diatoacutemicas

FIGURA 5 Espectro roto-vibracional da moleacutecula diatoacutemica HCl com a indicaccedilatildeo da posiccedilatildeo do Ramo Q (transiccedilotildees natildeo permitidas por regra de seleccedilatildeo) Notar que todos os sinais aparecem desdobrados em dois uma amostra real de HCl conteacutem as formas isotoacutepicas H35Cl e H37Cl a que correspondem diferentes valores de B Notar tambeacutem que o espaccedilamento entre bandas no ramo P eacute maior que no ramo R no estado fundamental v=0 a distacircncia interatoacutemica meacutedia eacute menor do que para v=1 pelo que B gt Brsquo Notar que a transiccedilatildeo Jrsquo=J eacute proibida pelo que natildeo aparece a banda Q

(6)

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14

O crescimento exponencial de populaccedilotildees Euler ou Malthus Suzana NaacutepolesUniversidade de Lisboa

Em 1798 no livro An Essay on the Principle of Population que teve seis ediccedilotildees Thomas

Malthus (1766-1864) um cleacuterigo e erudito inglecircs influente nos campos da economia po-

liacutetica e da demografia escreveu

ldquoA populaccedilatildeo quando natildeo controlada aumenta em progressatildeo geomeacutetrica A subsistecircncia

aumenta apenas em progressatildeo aritmeacutetica Um pequeno conhecimento dos nuacutemeros mostra-

raacute a imensidatildeo do primeiro poder em comparaccedilatildeo com o segundoldquo

Malthus natildeo tentou traduzir matematicamente o seu modelo de crescimento Limitou-se a

caraterizaacute-lo pressupondo que a taxa segundo a qual a populaccedilatildeo cresce num determinado

instante eacute proporcional agrave populaccedilatildeo total nesse mesmo instante

Numa revisatildeo da primeira ediccedilatildeo discutiu em detalhe os obstaacuteculos para o crescimento

da populaccedilatildeo em vaacuterios paiacuteses nomeadamente atraso no casamento aborto infanticiacutedio

fome guerra epidemias e fatores econoacutemicos Para ele o casamento retardado era a melhor

opccedilatildeo para estabilizar a populaccedilatildeo

Para caraterizar matematicamente este modelo considerando o crescimento em anos

consecutivos e supondo uma taxa de crescimento r em cada ano se num ano n a popula-

ccedilatildeo eacute Pn no ano seguinte a populaccedilatildeo seraacute Pn +1= (1 + r ) Pn pelo que Pn+1= (1 + r ) n P0 e o

crescimento eacute descrito por uma progressatildeo geomeacutetrica de razatildeo 1 + r

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15FIGURA 1 Thomas Malthus

Supondo uma variaccedilatildeo contiacutenua do tempo e designando por P(t) a populaccedilatildeo no instante

t e por r a taxa de crescimento por unidade de tempo a equaccedilatildeo diferencial que traduz o

modelo contiacutenuo preconizado por Malthus eacute Prsquo(t) = r P(t) Entatildeo P(t) = ke r t com k constante

Como P(0) = k e P0 o nuacutemero de indiviacuteduos no ano zero a evoluccedilatildeo da populaccedilatildeo eacute dada

por P(t) = P0 e rt

Acontece que 50 anos antes em Introductio in analysin infinitorum no VI capiacutetulo

ldquoDe quantidades exponenciais e logaritmosrdquo para ilustrar a grande utilidade das ta-

belas de logaritmos para abreviar caacutelculos numeacutericos o matemaacutetico suiacuteccedilo Leonhard

Euler (1707-1783) daacute vaacuterios exemplos que envolvem o crescimento populacional de

que transcrevemos os exemplos II e III

FIGURA 2 Leonhard Euler e o seu Introductio in analysin infinitorum

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16

Exemplo II

ldquoSe a populaccedilatildeo em certa regiatildeo aumenta anualmente um trigeacutesimo e por outro lado laacute

habitavam no princiacutepio 100000 pessoas pergunta-se qual o nuacutemero de habitantes apoacutes

100 anos

Seja o nuacutemero inicial = n pelo que n = 100000 passado um ano o nuacutemero de habitantes

seraacute = (1+301 )n=30

13 n depois de dois anos = S X3013 2

n ao cabo de trecircs = S X3013 3

n e daqui

depois de 100 anos seraacute = S X3013 100

n = S X3013 100

100000 cujo logaritmo eacute = 100 l 1013 +

l 100000 E l 1013 = l 31 - l 10 = 0014240439 de onde 100 l 10

13 = 14240439 que somando-

-lhe l 100000 = 5 seraacute o logaritmo do nuacutemero de habitantes procurado = 64240439 a que

corresponde o nuacutemero 2654874

Assim ao cabo de 100 anos seraacute mais de vinte e seis vezes maiorrdquo

Este exemplo publicado em 1748 eacute meio seacuteculo antes a concretizaccedilatildeo do ldquoModelo Mal-

thusianordquo para uma populaccedilatildeo de 100000 habitantes e uma taxa de crescimento anual de

130

No exemplo seguinte Euler faz alusatildeo ao capiacutetulo 7 do Livro do Genesis que relata como

um diluacutevio reduziu a populaccedilatildeo da terra a seis seres humanos

Exemplo III

ldquoComo a humanidade se espalhou apoacutes o diluacutevio por obra de seis seres humanos se o nuacute-

mero destes alcanccedilar duzentos anos depois o nuacutemero 1000000 pergunta-se em que parte

deveria crescer anualmente o nuacutemero de humanos

Se aumentar em cada ano x1 duzentos anos depois o nuacutemero de humanos seria =

xx1 200+S X 6 = 1000000 e por tanto x

16

1000000 2001

+ = S Xx

Portanto l x1

2001+ =x l

61000000 =200

1 52218487 = 00261092

e assim =x1+x

10000001061963 e 1000000 = 61963x donde x =16 aproxidamente

Bastaraacute pois que os humanos aumentem por ano a sua deacutecima sexta parte [] Contudo se

o nuacutemero de homens tivesse crescido na mesma proporccedilatildeo durante um intervalo de 400

anos deveria chegar a 1000000 10000006

= 166666666666 cujo sustento a terra inteira

natildeo seria de forma alguma capaz de darrdquo

Euler ao abordar o crescimento das populaccedilotildees tinha uma preocupaccedilatildeo matemaacutetica ndash a

de mostrar a utilidade dos logaritmos ndash que ilustrou com exemplos

Mas a observaccedilatildeo anterior leva a crer que ele considerou o modelo exponencial desade-

quado para o estudo do crescimento populacional

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TIG

O

17

A populaccedilatildeo de Portugal espelha bem a falecircncia deste modelo Segundo dados do Ins-tituto Nacional de Estatiacutestica nos duzentos anos que decorreram entre 1770 e 1970 a

populaccedilatildeo nem chegou a triplicar

TABELA 1 Populaccedilatildeo de Portugal entre 1422 a 1890

Popuccedilatildeo de Portugal (INE Lisboa)

Ano Total Variaccedilatildeo Ano Total Variaccedilatildeo

1422 1 043 274 - 1900 5 423 132 +74

1527 1 262 376 +210 1911 5 960 056 +99

1636 1 100 000 -129 1920 6 032 991 +12

1736 2 143 368 +949 1930 6 825 883 +131

1770 2 850 444 +330 1940 7 722 152 +131

1776 3 352 310 +176 1950 8 441 312 +93

1801 2 931 930 -125 1960 8 851 289 +49

1811 2 876 602 -19 1970 8 568 703 -32

1838 3 200 000 +112 1981 9 852 841 +150

1849 3 411 454 +66 1991 9 862 540 +01

1864 4 188 410 +228 2001 10 356 117 +50

1878 4 550 699 +86 2007 10 617 575 +25

1890 5 049 729 +110

Quanto a Malthus as suas preocupaccedilotildees eram de natureza poliacutetica e legislativa To-

mou como certo um crescimento exponencial da populaccedilatildeo mundial que conduziria a

uma cataacutestrofe por ausecircncia de recursos e para o travar sugeriu o recurso a poliacuteticas

adequadas Ao publicitar o modelo exponencial - que ficou conhecido como Modelo

Malthusiano - ligando-o a problemas legislativos reais abriu caminho para que dife-

rentes matemaacuteticos se dedicassem agrave modelaccedilatildeo do crescimento populacional

Em 1844 o matemaacutetico belga Pierre Verhulst (1804-1849) propocircs no artigo Recherches

matheacutematiques sur la loi drsquoaccroissement de la population um modelo em que considera que

agrave medida que a populaccedilatildeo se aproxima de um valor maacuteximo a taxa de crescimento diminui

ldquoO aumento virtual da populaccedilatildeo eacute portanto limitado pelo tamanho e pela fertilidade do paiacutes

Como resultado a populaccedilatildeo fica cada vez mais proacutexima de um estado estaacutevelrdquo

Designado por P(t) a populaccedilatildeo no instante t por r a taxa de crescimento por unidade

de tempo e por M o nuacutemero maacuteximo de indiviacuteduos que a regiatildeo pode suportar este modelo

exprime-se pela equaccedilatildeo diferencial

( )dt

dP rP MP t

1= -T Y

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O

18

cuja soluccedilatildeo eacute

( )( ) ( )( )

P t

MP eP e

10 10

rt

rt

=+

-

Se P(t) for muito pequeno face a M tem-se que ( )dt

dP rP MP t

1= -T Y cong r P(t) que tem a soluccedilatildeo P(t) cong P(0) e rt

e o crescimento eacute exponencial

FIGURA 4 Pierre Franccedilois Verhulst e o graacutefico da curva logiacutestica

Agrave medida que t cresce a populaccedilatildeo aproxima-se assintoticamente de M A equaccedilatildeo diferen-

cial que carateriza este modelo eacute atualmente designada por equaccedilatildeo logiacutestica e a populaccedilatildeo

maacutexima M por capacidade de carga Com Verhulst relativizou-se ldquoa hipoacutetese da progressatildeo

geomeacutetrica uma vez que ela soacute se pode verificar em circunstacircncias muito especiais por exem-

plo quando um territoacuterio feacutertil de tamanho quase ilimitado passa a ser habitado por pessoas

com uma civilizaccedilatildeo avanccedilada como foi o caso das primeiras coloacutenias americanasrdquo

Essa equaccedilatildeo foi retomada por vaacuterios matemaacuteticos e adaptada a contextos variados

Satildeo de realccedilar os casos em que a capacidade de carga varia como o tempo conduzindo

ao modelo caraterizado pela equaccedilatildeo diferencial

dtdP rP M

P1= -T Y( )t

onde a capacidade de carga M(t) = M(t +T) varia periodicamente com periacuteodo T

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19

FIGURA 5 A demografia eacute instrumental para o controlo das populaccedilotildees humanas

Desde o seacuteculo XVIII que o estudo da dinacircmica das populaccedilotildees eacute objeto de modelaccedilatildeo

matemaacutetica Na atualidade existem outros modelos de crescimento hiperboacutelicos expo-

nenciais logiacutesticos ou baseados noutras funccedilotildees Baseada nos modelos populacionais

do matemaacutetico Song Jian a Repuacuteblica Popular da China em 1980 entatildeo a atingir o biliatildeo

de habitantes instaurou uma poliacutetica estrita de filho uacutenico Essa lei foi flexibilizada em

2015 aumentando para dois o nuacutemero maacuteximo de filhos para fazer frente ao envelheci-

mento da populaccedilatildeo e agrave reduccedilatildeo do grupo de trabalhadores na faixa etaacuteria considerada

economicamente ativa

Muitos dos pareceres cientiacuteficos nas mais diversas aacutereas baseiam-se em modelos ma-

temaacuteticos que podem permitir fazer estimativas e previsotildees mas hellip ao olhar para o cres-

cimento populacional ao longo dos tempos verificamos que os modelos matemaacuteticos satildeo

instrumentais na anaacutelise da dinacircmica das populaccedilotildees

AR

TIG

O

20

Artroacutepodes Miguel Santos

Rubim Almeida

Sara C Antunes

DB CIBIO InBIO CIIMAR Universidade do Porto

Artroacutepodes (Arthropoda do grego arthro = articulado + podos = peacutes) satildeo o grupo taxonoacutemi-

co mais diversificado com distribuiccedilatildeo por quase todo o globo e ocupando todos os habitats

Satildeo organismos invertebrados com exosqueleto riacutegido apresentando apecircndices articula-

dos (patas antenas) e de nuacutemero diferenciado de acordo com o subfilo a que pertencem

Os artroacutepodes constituem um dos mais diversos grupos de organismos do planeta com-

preendendo espeacutecies que variam de 0085 mm (Tantalacus dieteri um crustaacuteceo parasita)

ateacute 38 m (envergadura do Caranguejo-aranha-gigante) Os organismos pertencentes a

este grupo encontram-se praticamente em todos os tipos de habitat A razatildeo do sucesso

evolutivo deste grupo taxonoacutemico deve-se a um conjunto de carateriacutesticas uacutenicas i) pos-

suiacuterem um exosqueleto proteico-quitinoso flexiacutevel leve e resistente que protege contra a

desidrataccedilatildeo ii) segmentaccedilatildeo do corpo e a presenccedila de apecircndices articulados especia-

lizados iii) oacutergatildeos sensoriais bem desenvolvidos (antenas sedas sensoriais olhos com-

postos olhos pedunculados ocelos quimiorrecetores nas antenas) iv) metamorfose com

diferentes estaacutedios de desenvolvimento incluindo estaacutedios larvares que podem ter um

modo de vida completamente diferente do adulto permitindo um aproveitamento de outros

recursos (alimento e espaccedilo) reduzindo a competiccedilatildeo entre indiviacuteduos da mesma espeacutecie

v) padrotildees comportamentais complexos revelando por vezes organizaccedilatildeo comunitaacuteria e

vi) sistema respiratoacuterio diverso nomeadamente o sistema traqueal onde o ar entra em

contacto direto com os tecidos devido a um eficiente sistema de tubos (traqueias) com

orifiacutecios na superfiacutecie do tegumento (espiraacuteculos) No entanto a origem e a taxonomia

deste grupo ainda constituem um tema de investigaccedilatildeo e debate Mesmo apesar dos avan-

ccedilos em aacutereas como a biologia molecular que fornece importantes conhecimentos sobre

as complexas relaccedilotildees evolutivas destes organismos muito ainda haacute por descobrir Os

artroacutepodes satildeo um grupo extremamente importante nos ecossistemas terrestres devido

natildeo soacute agrave sua enorme abundacircncia e diversidade mas tambeacutem ao grande nuacutemero de funccedilotildees

que desempenham nestes ecossistemas (ex degradaccedilatildeo da mateacuteria orgacircnica arejamento

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21

do solo ciclagem de nutrientes) O filo Arthropoda estaacute atualmente subdividido em cinco

subfilos Trilobitomorpha Crustacea Myriapoda Chelicerata e Hexapoda

O subfilo Trilobitomorpha (trilobites e os seus parentes) compreende cerca de 20 000

espeacutecies que viviam exclusivamente em ambientes marinhos e que atualmente se encon-

tram todas extintas Contudo a sua vasta distribuiccedilatildeo geograacutefica e o exosqueleto de carbo-

nato de caacutelcio permitiram que este grupo apresente um extenso registo foacutessil observaacutevel

por todo o planeta

Crustacea inclui caranguejos camarotildees e lagostas contendo mais de 60 000 espeacute-

cies e com um extenso registo foacutessil em todo o mundo eacute um dos principais grupos de

artroacutepodes A maioria dos crustaacuteceos vive em ambientes marinhos mas existem vaacuterias

espeacutecies que podem ser encontradas em ecossistemas de aacutegua doce (ordem Cladocera e

sub-classe Copepoda) e em ambientes terrestres (ordem Isopoda FIGURA 1) Apesar da

grande maioria dos crustaacuteceos serem de vida livre existem vaacuterios grupos parasitas (ex

Rhizocephala ndash crustaacuteceos cirriacutepedes parasitas de caranguejos e camarotildees Argulidae ndash

crustaacuteceos parasitas de peixes e Pentastomida ndash vermes liacutengua que parasitam o sistema

respiratoacuterio de vertebrados) Numa perspetiva diferente e de interesse econoacutemico este

grupo apresenta ainda um valor acrescido jaacute que alguns crustaacuteceos decaacutepodes como la-

gostas e camarotildees satildeo intensivamente consumidos em todo o mundo Para aleacutem da sua

importacircncia econoacutemica este grupo de organismos eacute bastante utilizado em investigaccedilatildeo

cientiacutefica nomeadamente em ecotoxicologia na avaliaccedilatildeo do efeito de contaminantes no

solo

FIGURA 1 Exemplares de organismos da ordem Isopoda (bicho-da-conta) 1 ndash famiacutelia Armadillidae 2 ndash famiacutelia Porce-llionidae em A - vista dorsal e em B - vista ventral

O subfilo Myriapoda inclui as centopeias e os miliacutepedes conteacutem mais de 11 000

espeacutecies descritas Este subfilo eacute tradicionalmente dividido em quatro classes Chi-

lopoda (centopeias) (FIGURA 2) Diplopoda (miliacutepedes) Pauropoda (ldquopoucos peacutesrdquo) e

Symphyla (pseudocentopeias) Todos os miriaacutepodes conhecidos satildeo terrestres e o seu

tamanho varia desde alguns miliacutemetros a cerca de 38 centiacutemetros (Millipede Gigante

Africano)

1

2

A B

15cm

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FIGURA 2 Vista dorsal A - e ventral B - de um organismo pertencente agrave classe Chilopoda onde se pode observar o corpo segmentado e apenas com um par de patas por segmento

O subfilo Chelicerata (aranhas aranhas do mar escorpiotildees e aacutecaros) conteacutem mais

de 113 000 espeacutecies distribuiacutedas em duas classes principais Pycnogonida (aranhas do

mar) e Arachnida (aranhas escorpiotildees e aacutecaros) Pycnogonida o grupo das aranhas

do mar conteacutem mais de 1 300 espeacutecies descritas mas estudos detalhados sobre esses

animais e as suas relaccedilotildees evolutivas ainda satildeo escassos Estes organismos geralmente

tecircm seis ou oito olhos e quatro a seis pares de patas A classe Arachnida compreende os

organismos mais conhecidos do subfilo Chelicerata como aranhas escorpiotildees e aacutecaros

Os indiviacuteduos pertencentes a este grupo natildeo possuem antenas tecircm quatro pares de

patas um par de queliacuteceras (1ordm par de apecircndices do prossomacabeccedila) e pedipalpos

(2ordm par de apecircndices do prossomacabeccedila) As aranhas (ordem Araneae) (FIGURA 3) satildeo

provavelmente o grupo mais icoacutenico e bem estudado deste subfilo presentes na maioria

dos ambientes terrestres e constituindo um dos grupos mais importantes de artroacutepodes

do solo Outros organismos colocados na mesma classe como escorpiotildees aacutecaros ou

opiliotildees tambeacutem constituem grupos extremamente variados com importantes funccedilotildees

ecoloacutegicas (ex decomposiccedilatildeo de mateacuteria orgacircnica e controlo de organismos principal-

mente atraveacutes de predaccedilatildeo)

FIGURA 3 Vista dorsal A - e ventral B - de um exemplar da ordem Araneae (famiacutelia Gnaphosidae) sendo possiacutevel obser-var o corpo dividido em cefalotoacuterax e abdoacutemen os quatro pares de patas as queliacuteceras (q) e os pedipalpos (p)

O subfilo Hexapoda (Hexa (seis) e Poda (peacute)) engloba os insetos e os seus parentes

compreende o grupo mais diverso e abundante de organismos com mais de 1 milhatildeo de

espeacutecies conhecidas Este subfilo eacute frequentemente dividido em organismos da clas-

A B

A B

14cm

p

q

35cm

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O

23

se Insecta (FIGURA 4) e da classe Entognatha Esta uacuteltima inclui os colecircmbolos (ordem

Collembola) (FIGURA 5) cabeccedilas de cone e bichos de prata (ordem Protura) e cerdas de

duas pontas (ordem Diplura) Na classe Entognatha as partes bucais dos organismos

estatildeo retraiacutedas dentro das suas cabeccedilas contrariamente ao que se observa na classe In-

secta que satildeo ectognantes Os colecircmbolos constituem um dos grupos mais abundantes

de artroacutepodes do solo podendo ser encontrados mais de 100 000 indiviacuteduos num metro

quadrado Estes satildeo organismos cosmopolitas com mais de 8 000 espeacutecies descritas Os

colecircmbolos satildeo pequenos organismos com tamanho geralmente inferior a 6-8 mm de

forma ciliacutendrica ou globular apresentando olhos simples e antenas moniliformes Muitas

espeacutecies possuem um apecircndice bifurcado (fuacutercula) no final do abdoacutemen permitindo que

estes organismos saltem quando ameaccedilados (FIGURA 5) Os colecircmbolos tecircm sido ampla-

mente utilizados em estudos ecotoxicoloacutegicos na avaliaccedilatildeo da qualidade do solo e da sauacute-

de destes ecossistemas

FIGURA 4 A - Vista dorsal e B - vista ventral de exemplares de algumas ordens da classe Insecta

FIGURA 5 Vista lateral de exemplares da ordem Collembola

A classe Insecta eacute a classe com maior nuacutemero de organismos compreendendo mais

de metade das espeacutecies eucarioacuteticas descritas atualmente englobando mais de 1 milhatildeo

de espeacutecies que habitam praticamente todos os ecossistemas Os insetos sendo o grupo

Ordem

Coleoptera

Ordem

Diptera

Ordem

Hemiptera

Ordem

Orthoptera

Ordem

HimenopteraA A A A

B B B B

075cm

027cm14cm016cm

09cm

22cm

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mais diversificado de seres vivos apresentam as mais variadas e interessantes adap-

taccedilotildees anatoacutemicas e morfoloacutegicas Pensa-se que a sua enorme riqueza e abundacircncia eacute

devida a uma combinaccedilatildeo de carateriacutesticas vantajosas como a coevoluccedilatildeo com plan-

tas a miniaturizaccedilatildeo e a capacidade de voo Os insetos desempenham ainda um papel

importantiacutessimo no funcionamento dos ecossistemas realizando funccedilotildees quer de pre-

dadores quer de presa estando envolvidos em inuacutemeras teias alimentares (ex reciclan-

do nutrientes fazendo a manutenccedilatildeo da estrutura e fertilizaccedilatildeo dos solos) Destaca-se

tambeacutem o facto de vaacuterios insetos voadores como abelhas ou borboletas atuarem como

polinizadores de muitas espeacutecies de plantas Esta eacute uma funccedilatildeo ecoloacutegica importante

com vaacuterias repercussotildees econoacutemicas porque mais de 30 das culturas alimentares

mundiais dependem da polinizaccedilatildeo Os insetos possuem ainda um papel importante em

investigaccedilatildeo cientiacutefica sendo muitas vezes utilizados como organismo modelo dado pos-

suiacuterem carateriacutesticas distintas como o seu tamanho reduzido tempos de geraccedilatildeo curtos

e elevada fecundidade O exemplo de excelecircncia eacute a mosca da fruta Drosophila melano-

gaster cujo genoma eacute jaacute conhecido na totalidade sendo esta espeacutecie utilizada frequente-

mente para estudar vaacuterios processos celulares (ex o envelhecimento a hereditariedade

e o desenvolvimento embrionaacuterio) Apesar de constituiacuterem um grupo tatildeo interessante

beneacutefico e necessaacuterio agrave manutenccedilatildeo do equiliacutebrio dos ecossistemas existem algumas

desvantagens associadas aos insetos como eacute o caso de serem vetores na transmissatildeo

de doenccedilas Eacute o caso da malaacuteria transmitida por um mosquito do geacutenero Anopheles a

doenccedila parasitaacuteria mais disseminada com vaacuterios milhotildees de humanos infetados em todo

o mundo O dengue e o zika satildeo doenccedilas em que o vetor de transmissatildeo eacute tambeacutem um

mosquito do geacutenero Aedes Na agricultura as pragas de insetos (ex gorgulhos gafa-

nhotos afiacutedios) satildeo responsaacuteveis por prejudicar as culturas agriacutecolas e a produccedilatildeo de

alimentos causando perdas econoacutemicas elevadas

Sabe-se que atualmente a perda de habitat e as mudanccedilas climaacuteticas satildeo alguns dos

fatores responsaacuteveis por decliacutenios significativos nas populaccedilotildees deste grupo de orga-

nismos Esse decliacutenio apresenta uma elevada preocupaccedilatildeo ecoloacutegica uma vez que estes

organismos desempenham muacuteltiplas e importantes funccedilotildees nos ecossistemas No en-

tanto a conservaccedilatildeo deste grupo animal permanece um grande e urgente desafio que eacute

preciso enfrentar

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Biocombustiacuteveis seratildeo a soluccedilatildeo Matilde Viegas

Maria Joatildeo Ramos

Pedro Alexandrino Fernandes

UCIBIO REQUIMTEUniversidade do Porto

ldquoA 21 de Fevereiro de 2018 o niacutevel de poluiccedilatildeo de partiacuteculas finas com diacircmetro inferior

a 10 μm PM10 atingiu em Paris niacuteveis alarmantes com um pico correspondente

ao dobro do limite maacuteximo A Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) recomenda natildeo

exceder este limite maacuteximo por mais de trecircs dias por ano Com este recente pico os

parisienses jaacute o ultrapassaramrdquo

Em Un pic de pollution laquograveraquo en Ile-de-France Le Monde 22 de Fevereiro de 2018

Esta notiacutecia eacute um dos inuacutemeros exemplos dos efeitos do aquecimento global termo com o

qual estamos cada vez mais familiarizados infelizmente Este fenoacutemeno eacute consequecircncia

de Gases de Efeito de Estufa GEE (dioacutexido de carbono metano e oacutexido de azoto entre

outros) que se acumulam na atmosfera enclausurando o calor e tornando o planeta mais

quente A produccedilatildeo em larga escala de GEEs teve iniacutecio na Revoluccedilatildeo Industrial (1800)

como resultado da combustatildeo de combustiacuteveis foacutesseis (carvatildeo petroacuteleo e gaacutes natural)

para produccedilatildeo de eletricidade aquecimento e transporte

A preocupaccedilatildeo em torno do aquecimento global tornou-se um assunto constante na

agenda poliacutetica sobretudo nas uacuteltimas duas deacutecadas Os primeiros esforccedilos coletivos re-

sultaram no Protocolo de Quioto em 1997 cujo objetivo era a reduccedilatildeo das emissotildees de

GEEs assentando nos argumentos de que i) o aquecimento global era uma realidade e ii) o

CO2 produzido por accedilotildees humanas era o seu grande causador O primeiro periacuteodo do Proto-

colo terminou em 2012 e por isso em 2015 as Naccedilotildees Unidas promoveram a assinatura

do novo Acordo de Paris o qual consiste numa atualizaccedilatildeo do antigo Protocolo de Quioto

com o objetivo de ldquofortalecer a resposta global agrave ameaccedila das alteraccedilotildees climaacuteticas no

contexto de desenvolvimento sustentaacutevel e com esforccedilo para a erradicaccedilatildeo da pobrezardquo

O novo Acordo ao contraacuterio do de Quioto estabelece metas tangiacuteveis e quantitativas O

AR

TIG

O

26

objetivo eacute manter o aumento da temperatura meacutedia global abaixo dos 2ordm Celsius face agrave

temperatura global na era preacute-industrial Para atingir tal meta eacute necessaacuterio um esforccedilo

mundial contudo em 2017 com a saiacuteda dos EUA do Acordo de Paris o segundo maior

emissor de GEEs logo a seguir agrave China perdeu-se uma enorme contribuiccedilatildeo Aleacutem do peso

evidente que as suas emissotildees tecircm para o estado atual do aquecimento global em falta

estaratildeo tambeacutem a diplomacia e o encorajamento proporcionados por esta forccedila mundial

No Acordo de Paris uma das claacuteusulas exige a inclusatildeo de energias renovaacuteveis (eoacutelica

mariacutetima solar) e de biocombustiacuteveis no mercado de energia encorajando os paiacuteses a

atingir niacuteveis miacutenimos da sua utilizaccedilatildeo As metas estabelecidas para cada paiacutes vatildeo ao en-

contro ao seu mercado e agraves mateacuterias-primas disponiacuteveis em cada territoacuterio favorecendo o

desenvolvimento da economia

De uma forma generalista os biocombustiacuteveis englobam combustiacuteveis produzidos atra-

veacutes de processos bioloacutegicos como a agricultura e digestatildeo anaeroacutebica em vez de produ-

zidos a partir de processos geoloacutegicos como os necessaacuterios para a formaccedilatildeo de combus-

tiacuteveis foacutesseis Isto inclui o biodiesel (produzido a partir de oacuteleos e gorduras orgacircnicas) e o

bioetanol (aacutelcool produzido atraveacutes de fermentaccedilatildeo microbiana de accediluacutecares seguido de

destilaccedilatildeo e desidrataccedilatildeo) os quais seratildeo o maior foco deste artigo

A partir da deacutecada de 70 foram feitos os primeiros investimentos nos chamados bio-

combustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo (1G) Estes fazem uso de colheitas de produtos agriacuteco-

las como a soja cana-de-accediluacutecar milho oacuteleo de palma entre outros para a produccedilatildeo de

biodiesel e bioetanol atraveacutes de processos de trans-esterificaccedilatildeo ou fermentaccedilatildeo A sua

disponibilidade e facilidade de processamento permitiram a sua inserccedilatildeo e mistura nos

combustiacuteveis atualmente vendidos ao puacuteblico Para 2017 Portugal fixou em 75 (de poder

energeacutetico) a incorporaccedilatildeo de biocombustiacuteveis nos combustiacuteveis dos transportes rodoviaacute-

rios tendo a Uniatildeo Europeia o objectivo de 10 em 2020 para todos os paiacuteses membros

Os biocombustiacuteveis 1G fazem uso da colheita agriacutecola para fins energeacuteticos o que gera

opiniotildees desfavoraacuteveis por parte de ambientalistas (pelo uso exaustivo da terra agriacutecola sem

compensaccedilatildeo desflorestaccedilatildeo e perda de biodiversidade) e problemas eacuteticos tais como os le-

vantados por responsaacuteveis da ONU como o Dr Jean Ziegler que atribui aos biocombustiacuteveis

a culpa pela contiacutenua inflaccedilatildeo dos preccedilos de alimentos exacerbando a atual crise de fome

mundial - ldquoSatildeo necessaacuterios 352Kg de milho para encher um depoacutesito de 50L de um carro Uma

crianccedila na Zacircmbia ou no Meacutexico onde o milho eacute um elemento baacutesico da dieta poderia viver

com esta quantidade de milho um ano inteirordquo Atualmente os maiores produtores destes bio-

combustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo satildeo os EUA e o Brasil utilizando parte da produccedilatildeo global

de cereais e oacuteleos vegetais para a produccedilatildeo de bioetanol e biodiesel causando um ambiente

de profunda preocupaccedilatildeo em volta da sustentabilidade de produccedilatildeo de energia a meacutediolongo

prazo De forma a controlar a inflaccedilatildeo no preccedilo dos alimentos a EU estabeleceu um limite de

7 para o uso de biocombustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo como combustiacutevel de transportaccedilatildeo

AR

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O

27

A segunda geraccedilatildeo de biocombustiacuteveis (2G) usa biomassa isto eacute qualquer fonte de car-

bono orgacircnico que eacute rapidamente renovado no ciclo de carbono Os biocombustiacuteveis de

segunda geraccedilatildeo almejam um uso ponderado de desperdiacutecios da induacutestria madeireira e

agriacutecola ou de restos de colheitas agriacutecolas assim que estas preencham o seu propoacutesito

alimentar evitando interferecircncia com o mercado alimentar e natildeo influenciando os preccedilos

dos alimentos baacutesicos

FIGURA 1 Biocombustiacuteveis

A produccedilatildeo de arroz atingiu o seu pico em 2017 gerando 1140 milhotildees de toneladas de

espigas de arroz cujo destino eacute a incineraccedilatildeo compostagem ou eacute simplesmente deposita-

da em aterros Contudo com a 2G de biocombustiacuteveis eacute encontrado potencial energeacutetico

neste desperdiacutecio agriacutecola O seu potencial deve-se agrave mateacuteria lignoceluloacutesica ndash celulose

hemicelulose e lignina ndash presente em todas as plantas incluindo as espigas em diferen-

tes percentagens Este material composto eacute essencial para a estrutura e resistecircncia das

plantas a hemicelulose eacute a matriz que rodeia o esqueleto de celulose enquanto a lignina

funciona como uma camada protetora As possibilidades associadas a este tipo de desper-

diacutecio satildeo inegaacuteveis a sua abundacircncia e facilidade de obtenccedilatildeo tornam-no muito apelativo

Contudo o gasto na recolha e transporte desta mateacuteria suplanta os custos de produccedilatildeo

e o seu uso continuado poderaacute contribuir para a erosatildeo do solo Aleacutem disso para o seu

aproveitamento para produccedilatildeo de biocombustiacuteveis eacute necessaacuterio um preacute-tratamento para

hidrolisar as ligaccedilotildees covalentes entre os trecircs constituintes da mateacuteria lignoceluloacutesica e

permitir a posterior fermentaccedilatildeo anaeroacutebia da celulose produzindo bioetanol Este preacute-

-tratamento eacute visto como outra das desvantagens do processo e estaacute ainda a ser estudado

e otimizado pois de momento as alternativas disponiacuteveis encarecem o produto final e em

AR

TIG

O

28

alguns dos casos dependem do uso de quiacutemicos poluentes A esperanccedila estaacute entatildeo de-

positada no estudo de enzimas hidroliacuteticas encontradas em organismos termoacutefilos que

seratildeo capazes de aguentar as difiacuteceis condiccedilotildees de tratamento Contudo a dificuldade em

escalar o processo de fermentaccedilatildeo eacute uma das desvantagens e dos fatores limitantes para

a 2G de biocombustiacuteveis em grande parte devido agrave dificuldade de monitorizar as condiccedilotildees

de fermentaccedilatildeo (oxigeacutenio pH nutrientes etc)

A terceira geraccedilatildeo (3G) de biocombustiacuteveis foi reconhecida como a melhor alternativa

em comparaccedilatildeo com primeira e segunda geraccedilotildees pois surpreendentemente faz uso de

algas A sua enorme disponibilidade por todo o planeta e o facto de natildeo interferirem com os

mercados alimentares satildeo os grandes embaixadores desta mateacuteria-prima como o futuro

dos biocombustiacuteveis Ainda que natildeo seja uma mateacuteria infinita eacute a que de momento mais se

assemelha por existirem 70 000 espeacutecies (30 000 documentadas) Estudos conduzidos

atualmente estatildeo a explorar a viabilidade energeacutetica de 30 espeacutecies de algas explorando a

sustentabilidade facilidade e escalabilidade da sua produccedilatildeo Outras vantagens incluem a

baixa manutenccedilatildeo necessaacuteria para o seu crescimento (luz dioacutexido de carbono e nutrientes

como azoto foacutesforo e potaacutessio) a facilidade com que produzem liacutepidos e carboidratos que

podem posteriormente ser processados em diferentes biocombustiacuteveis e outros copro-

dutos a frequecircncia com que podem ser colhidas ao longo do ano (ao contraacuterio de outras

colheitas convencionais) a baixa percentagem de hemicelulose e a praticamente ausente

lignina facilitam radicalmente o seu preacute-processamento pois a celulose eacute mais facilmente

extraiacuteda As desvantagens desta mateacuteria incluem o enorme investimento inicial para a

construccedilatildeo de infraestruturas para o seu cultivo que pode ser ou ao ar livre (em tanques

de grande dimensatildeo) ou em foto-bioreatores (sistemas fechados altamente controlados)

Prevecirc-se que em 2030 o preccedilo de produccedilatildeo de combustiacutevel a partir de algas seraacute 065 euro

litro de combustiacutevel valor muito proacuteximo do atual preccedilo de produccedilatildeo do litro de gasolina

Comparativamente aos custos de produccedilatildeo de outros biocombustiacuteveis o mais barato con-

tinua a ser o bioetanol produzido a partir de milho (1G) 017 eurolitro seguido de combustiacute-

veis celuloacutesicos (2G) a 032 eurolitro

Eacute evidente que seratildeo necessaacuterios esforccedilos poliacuteticos e cientiacuteficos investimento e regu-

lamentaccedilatildeo adequados para encontrar o caminho ideal para travar o aquecimento global

Em todas as geraccedilotildees de biocombustiacuteveis apresentadas existem fatores que afunilam as

potencialidades destas alternativas indicando que a soluccedilatildeo passa por criar um consoacutercio

entre as vaacuterias possibilidades de forma a tirar o maacuteximo partido sem danificar o planeta ou

piorar a crise da fome O proacuteximo passo passa por substituir os biocombustiacuteveis de 1G por

soluccedilotildees com maior escalabilidade Acreditamos que nas proacuteximas deacutecadas seratildeo cruciais

e depositamos esperanccedila na investigaccedilatildeo cientiacutefica

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018043

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Stephen Hawking e a sua contribuiccedilatildeo para a fiacutesica teoacutericaOrfeu Bertolami

Claacuteudio GomesDepartamento de Fiacutesica e Astronomia CFP Universidade do Porto

A 14 de marccedilo de 2018 o fiacutesico britacircnico Stephen Hawking faleceu aos 76 anos deixando

todavia um importante legado para a fiacutesica teoacuterica muito particularmente para o

entendimento das deficiecircncias intriacutensecas da Relatividade Geral de Einstein para a fiacutesica

dos buracos negros e para a cosmologia a ciecircncia do Universo como um todo

Stephen Hawking doutorou-se em Fiacutesica Teoacuterica em 1966 pela Universidade de Cambridge

sob a supervisatildeo de Dennis Sciama Apesar da sua condiccedilatildeo fiacutesica progressivamente limi-

tativa manteve-se extremamente ativo na investigaccedilatildeo nas aacutereas de cosmologia fiacutesica dos

buracos negros e gravitaccedilatildeo quacircntica

Nessa altura havia uma consideraacutevel discussatildeo acerca da realidade e ubiquidade de sin-

gularidades pontos no espaccedilo-tempo onde a Teoria da Relatividade Geral deixa de fazer sen-

tido e natildeo desaparecendo atraveacutes de mudanccedila de sistemas de coordenadas que descrevem

o espaccedilo-tempo Na segunda metade da deacutecada de 1960 Hawking e o matemaacutetico inglecircs

Roger Penrose demonstraram que essas singularidades eram inevitaacuteveis no contexto da

Teoria da Relatividade Geral (ver para uma descriccedilatildeo exaustiva o livro Large Scale Structure

of Space-Time escrito em colaboraccedilatildeo com o fiacutesico sul-africano George Ellis publicado em

1973) Uma dessas singularidades corresponde ao iniacutecio do Universo ndash Big Bang ndash e outras

estatildeo presentes no interior dos buracos negros natildeo acessiacuteveis agrave observaccedilatildeo devido agrave pre-

senccedila de um horizonte de acontecimentos que segundo a Conjetura da Censura Coacutesmica de

Roger Penrose protegem sempre as singularidades de se apresentarem ldquonuasrdquo

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Subsequentemente em 1975 ele desenvolveu a ideia que os buracos negros deveriam

radiar termicamente a uma temperatura especiacutefica inversamente proporcional agraves suas

massas temperatura esta que hoje designamos por temperatura de Hawking Esta ideia daacute

origem ao paradoxo da informaccedilatildeo em que a informaccedilatildeo que entrava no horizonte de evento

se perdia Com este contributo passou-se a ter uma equivalecircncia entre a dinacircmica e a termo-

dinacircmica de buracos negros

FIGURA 1 Emissatildeo da radiaccedilatildeo teacutermica de Hawking por um buraco negro

No princiacutepio da deacutecada de 1980 Hawking iniciou em colaboraccedilatildeo com o fiacutesico norte-ameri-

cano James Hartle o programa de investigaccedilatildeo que hoje designamos por cosmologia quacircntica

Na cosmologia quacircntica o espaccedilo-tempo eacute descrito por uma funccedilatildeo de onda a funccedilatildeo de onda

do Universo como na Mecacircnica Quacircntica Esta equaccedilatildeo de onda satisfaz uma equaccedilatildeo anaacuteloga

agrave de Schroumldinger da Mecacircnica Quacircntica a equaccedilatildeo de Wheeler-DeWitt A proposta de Hartle

e Hawking eacute que a funccedilatildeo de onda descreva um espaccedilo-tempo sem fronteiras (No-Boundary

proposal) A ideia eacute que agrave medida que retrocedemos no tempo chegamos a um ponto em que

o Universo eacute pequeno o suficiente para que efeitos quacircnticos sejam dominantes Nesta altura

existe uma espeacutecie de ldquoespumardquo do espaccedilo-tempo de tal modo que o tempo natildeo pode ser in-

terpretado do modo como o vemos hoje mas sim como uma quarta dimensatildeo espacial Uma

analogia uacutetil eacute a seguinte se viajarmos para o Polo Sul temos de seguir sempre para sul mas

quando alcanccedilamos o ponto do Polo Sul jaacute natildeo faz sentido falarmos na direccedilatildeo sul pelo mesmo

raciociacutenio ao retrocedermos no tempo haacute um pontoinstante em que natildeo faz sentido falar-se em

tempo Matematicamente isto torna-se possiacutevel passando de um espaccedilo-tempo de Minkowski

como na Relatividade Restrita para um espaccedilo Euclideano a quatro dimensotildees no qual o tempo

passa a ser um nuacutemero puramente complexo Com esta formulaccedilatildeo o Universo natildeo tem uma

fronteira aleacutem daquela que permite a transiccedilatildeo entre as duas descriccedilotildees para o espaccedilo-tempo

e que eacute exemplificado na FIGURA 2 Esta geometria eacute designada por shuttlecock ou volantepena

de badminton devido agrave semelhanccedila com este objeto

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FIGURA 2 Representaccedilatildeo tridimensional do modelo de Hartle-Hawking (no boundary proposal) A base corresponde a uma semiesfera a 4 dimensotildees e a estrutura que apresenta o tempo como uma direccedilatildeo distinta das espaciais corresponte a um Universo em expansatildeo

Hawking tambeacutem estudou outros problemas como o das maacutequinas do tempo e questotildees

relacionadas com a cosmologia e a formaccedilatildeo de estruturas no Universo Com o seu carate-

riacutestico humor Hawking afirmou natildeo ser possiacutevel viajar no tempo Para tal sugeriu organizar

uma festa convidando pessoas do futuro a se juntarem a ele e dado que ningueacutem apa-

receu concluiu entatildeo que viagens no tempo natildeo satildeo possiacuteveis na realidade Outra prova

prende-se com o facto de natildeo termos recebido ainda turistas do futuro numa clara alusatildeo

iroacutenica agrave procura turiacutestica desenfreada que assistimos nos dias de hoje

Mais recentemente ele pronunciou-se sobre questotildees de interesse geral como as im-

plicaccedilotildees do desenvolvimento da inteligecircncia artificial e a necessidade e inevitabilidade

da exploraccedilatildeo espacial Mostrou-se reticente acerca dos desenvolvimentos no domiacutenio da

inteligecircncia artificial classificando-o como possivelmente perigoso para a nossa civiliza-

ccedilatildeo pois apesar dos potenciais benefiacutecios comportam seacuterios riscos agrave continuidade da hu-

manidade Relativamente agrave exploraccedilatildeo espacial Hawking encarava as viagens espaciais

quer pelo seu interesse cientiacutefico quer como forma de preservar a humanidade de riscos

de destruiccedilatildeo devido a guerras nucleares ou epidemias devido a viacuterus geneticamente mo-

dificados

O fiacutesico Stephen Hawking legou-nos uma extraordinaacuteria contribuiccedilatildeo cientiacutefica e huma-

na Deixou um extraordinaacuterio exemplo de resiliecircncia dedicaccedilatildeo ao conhecimento e agrave socie-

dade Fisicamente debilitado e ldquopresordquo a uma condiccedilatildeo rara a esclerose lateral amiotroacutefica

que lhe foi diagnosticada aos 21 anos a sua mente foi das mais livres dos nossos tempos

concebeu hipoacuteteses conjunturas e teorias pensou a sociedade de hoje e a do futuro

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RochaO que eacute importante dizer sobre as rochas

A M Galopim de Carvalho Universidade de Lisboa

Rochas e pedras satildeo a mesma coisa Praticamente a resposta eacute sim Pedra eacute aquilo

que se apanha do chatildeo para dar uma pedrada

Qualquer pessoa mesmo a menos letrada diraacute que as pedras

bull natildeo satildeo fabricadas ou feitas por gente (a ciecircncia diz que satildeo entidades naturais)

bull que natildeo se amolgam (a ciecircncia diz que satildeo riacutegidas)

bull que geralmente natildeo se esboroam nem se esfarela (a ciecircncia diz que satildeo coesas)

bull que fazem mossa onde quer que batam (a ciecircncia diz que satildeo duras) Para o cidadatildeo

comum pedra (do grego peacutetra) eacute pois uma entidade natural riacutegida coesa e dura que se

apanha do chatildeo

Apanhamos uma pedra do chatildeo mas quando estudamos falamos quase sempre de ro-

chas Num modo de falar corrente podemos dizer que as pedras satildeo bocados de rocha

Todos falamos de rocha como sinoacutenimo de pedra com base num conhecimento comum

empiacuterico vulgar ligado agrave experiecircncia quotidiana mesmo do mais iletrado dos cidadatildeos Dize-

mos rochedo quando o afloramento de rocha eacute grande e apelidamos de rochoso um terreno

com a rocha agrave vista Rocha eacute um galicismo que entre noacutes se sobrepocircs ao termo ldquorocardquo bem

mais antigo talvez preacute-romano Cabo da Roca ou ldquoFocinho da Rocardquo no dizer dos homens do

mar deve o seu nome a esta versatildeo arcaica da palavra rocha

O conceito atual de rocha e os vaacuterios conhecimentos com elas relacionados percorreram

uma caminhada tatildeo longa quanto a do Homo sapiens caminhada de que temos testemunhos

na Preacute-histoacuteria e variadiacutessimos relatos escritos desde a Antiguidade

Na sua giacuteria proacutepria entendiacutevel entre pares os profissionais falam de rochas dizendo que

satildeo sistemas quiacutemicos mono ou polifaacutesicos (ou seja com um ou mais minerais) resultantes

do equiliacutebrio termodinacircmico atingido pelos seus constituintes em determinados ambientes

Entendendo-se por constituintes os elementos quiacutemicos incluiacutedos nos respetivos minerais

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Por outras palavras acessiacuteveis ao comum das gentes pode entatildeo dizer-se que as rochas

satildeo corpos naturais formados por associaccedilotildees mais ou menos estaacuteveis de minerais compatiacute-

veis entre si e com o ambiente onde foram gerados e que satildeo elas as rochas que constituem

a capa riacutegida da Terra que por essa razatildeo recebeu o nome de litosfera (FIGURA 1)

FIGURA 1 Modelado Graniacutetico na Serra da Estrela (fonte banco de imagens da Casa das Ciecircncias)

Antes de prosseguir esclareccedila-se que no jargatildeo proacuteprio da mineralogia e da geoquiacutemica

os minerais satildeo considerados fases no sentido fiacutesico-quiacutemico da palavra Com efeito neste

sentido uma fase eacute uma porccedilatildeo de mateacuteria quiacutemica e estruturalmente homogeacutenea e uma

qualquer espeacutecie mineral eacute isso mesmo

Por convenccedilatildeo na sistemaacutetica em sedimentologia entre as rochas sedimentares cabem

certos materiais natildeo consolidados como os barros as areias soltas as cascalheiras e ainda

outros de natureza natildeo mineral como os carvotildees foacutesseis e o petroacuteleo (oacuteleo de pedra) Cha-

mar rochas ou pedras a estes materiais agraves vezes tatildeo afastados da imagem vulgar de ldquocoisa

dura riacutegida e coesardquo decorre do conceito geoloacutegico de rocha no qual se inclui o modo de

ocorrecircncia e o respetivo processo de formaccedilatildeo (petrogeacutenese)

A mecacircnica das rochas (disciplina que estuda certas propriedades das rochas como resis-

tecircncia ao esmagamento agrave traccedilatildeo agrave torccedilatildeo agrave flexatildeo porosidade permeabilidade e outras)

define-as como entidades sempre riacutegidas e coesas e duras como tambeacutem se diz vulgarmen-

te com capacidade de suportar cargas e que na eventualidade de terem de ser escavadas ou

removidas haacute que usar tecnologias com explosivos Este conceito corresponde aliaacutes agrave ideia

mais divulgada de rocha como atraacutes se referiu Eacute o bedrock dos autores ingleses

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FIGURA 2 Processo de meteorizaccedilatildeo fiacutesica essencialmente por corrosatildeo eoacutelica em rochas sedimentares (arenitos) (fonte banco de imagens da Casa das Ciecircncias)

Aleacutem das muitas que conhecemos na Terra jaacute estudaacutemos rochas do nosso sateacutelite natural

nomeadamente basaltos e anortositos trazidos da sua superfiacutecie Mercuacuterio Veacutenus e Marte satildeo

tambeacutem planetas rochosos e igualmente rochosos ou pedregosos satildeo ainda os nuacutecleos dos co-

metas e muitos dos asteroides de que temos conhecimento pelos meteoritos caiacutedos na Terra

Quando se apelidam as rochas de magmaacuteticas sedimentares (FIGURA 2) ou metamoacuterficas

natildeo se estaacute apenas a rotulaacute-las para efeitos de arrumo ou arquivo muito menos se estatildeo a

criar novos vocaacutebulos para sobrecarga dos estudantes ou do cidadatildeo em geral Estes adjeti-

vos acrescentados agrave palavra rocha informam de imediato sobre a sua origem

bull magmaacutetica ou sedimentar qualquer delas em resultado de processos naturais faacuteceis de

entender

bull metamoacuterfica em consequecircncia de um outro processo muito menos ao alcance da vivecircncia

do vulgo mas que se explica sem grandes dificuldades

Apelidam-se de metamoacuterficas as rochas que posteriormente a uma primeira formaccedilatildeo

como magmaacuteticas ou sedimentares foram submetidas a pressotildees eou a temperaturas no

interior da crosta que lhes modificaram a composiccedilatildeo eou a textura

Foi atraveacutes do estudo das rochas que desvendaacutemos o essencial dos acontecimentos geo-

loacutegicos que marcaram a histoacuteria deste laquoPlaneta Azulraquo no qual a vida encontrou condiccedilotildees

para despertar e onde evoluiu ao ponto de se interrogar sobre essa mesma histoacuteria

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Os conhecimentos diretos de que hoje dispomos relativos agraves rochas da Terra limitam-se

aos que se obtecircm pelo estudo das que afloram agrave superfiacutecie das recolhidas em dragagens

nos fundos marinhos e das retiradas da profundidade quer em minas quer atraveacutes de son-

dagens Esta profundidade que natildeo excede 3 km no primeiro caso e 11 km no segundo

(na peniacutensula de Kola) pode considerar-se insuficiente se comparada com as trecircs a quatro

dezenas de quiloacutemetros de espessura meacutedia da crosta continental

Eacute jaacute muito o conhecimento que temos desta capa (a crosta ou crusta como alguns dizem e

escrevem) mais superficial do nosso planeta Temo-lo atraveacutes das rochas que constantemente

vemos e pisamos muitas delas geradas em zonas profundas trazidas agrave superfiacutecie pelos en-

rugamentos de origem tectoacutenica geradores das montanhas e subsequentemente postas a

descoberto pela erosatildeo

Outras rochas proacuteprias de muito maiores profundidades inclusive do manto inferior como eacute

o caso dos xenocristais e dos xenoacutelitos (do grego xenos estranho e lithos pedra) isto eacute cris-

tais e fragmentos de materiais liacuteticos gerados nessas regiotildees e que ascendem agrave superfiacutecie na

sequecircncia de atividade vulcacircnica englobados ou encravados nos produtos magmaacuteticos que ali

se formaram ou por ali passaram Na ilha da Madeira por exemplo satildeo frequentes os xenoacutelitos

oliviacutenicos que ascenderam ateacute agrave superfiacutecie no seio das lavas envolvidas no processo vulcacircnico

que originou esta e muitas outras ilhas

As rochas a que temos acesso mais ou menos direto representam uma parcela importante

da diferenciaccedilatildeo da Terra e agrave semelhanccedila da aacutegua do ar e dos seres vivos satildeo o resultado de

imensas transformaccedilotildees numa vasta e complexa rede de inter-relaccedilotildees ocorridas ao longo

dos tempos neste laquoplaneta vivoraquo pleno ainda de energia interna (sob a forma de calor) a que

se adiciona toda a que lhe chega do exterior isto eacute a radiaccedilatildeo solar Como escreveu Maurice

Mattauer ldquoas pedras nascem vivem e morrem como noacutes elas tecircm uma idade e uma histoacuteriardquo

Petrologia e litologia satildeo duas disciplinas que estudam as rochas ou as pedras Se bem que

os eacutetimos petra (latim) e lithos (grego) sejam sinoacutenimos petrologia e litologia encerram con-

ceitos diferentes ainda que relacionados entre si

bull A petrologia eacute um ramo da geologia com dimensatildeo de ciecircncia de vastos recursos nos campos

da fiacutesica da quiacutemica e naturalmente tambeacutem da matemaacutetica em busca do conhecimento da

origem natureza constituiccedilatildeo e evoluccedilatildeo da Terra no acircmbito do Sistema Solar e do Universo

bull A litologia outro ramo da geologia eacute habitualmente entendida como a disciplina que estuda

as rochas num campo praacutetico Serve a geologia de engenharia tendo em vista a implantaccedilatildeo

de grandes edifiacutecios e outras obras volumosas cujas fundaccedilotildees exigem o conhecimento dos

terrenos A litologia daacute igualmente respostas agrave pedologia (o estudo dos solos) e agrave induacutestria

extrativa de rochas ornamentais usadas na arquitetura na cantaria ou na estatuaacuteria e de

rochas industriais exploradas como importantes mateacuterias-primas para a construccedilatildeo civil a

ceracircmica o vidro o cimento a cal e a induacutestria quiacutemica

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Software educativo em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Ana C Conceiccedilatildeo

DMUniversidade do Algarve

O conceito F-Tool foi desenvolvido em 2012 com o objetivo de proporcionar uma

aprendizagem interativa em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Em particular eacute possiacutevel

explorar de forma integrada as noccedilotildees de domiacutenio contradomiacutenio existecircncia de zeros

existecircncia de extremos e de pontos de inflexatildeo invertibilidade derivabilidade reta

tangente ao graacutefico num ponto simetrias em relaccedilatildeo aos eixos e agrave origem A utilizaccedilatildeo

dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adaptaccedilatildeo de

alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e

do simples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular)

No ensino da matemaacutetica e em particular no estudo de funccedilotildees a recomendaccedilatildeo da utiliza-

ccedilatildeo de software educacional tem como objetivo o sanar das dificuldades que os alunos pos-

suem em associar as representaccedilotildees algeacutebricas com as diversas representaccedilotildees numeacutericas

eou graacuteficas De facto o caraacuteter estaacutetico das representaccedilotildees matemaacuteticas muitas vezes

dificulta a construccedilatildeo do significado afetando substancialmente a correta interpretaccedilatildeo dos

conceitos A criaccedilatildeo de modelos interativos visuais com o sistema de aacutelgebra computacional

Mathematica permite aos alunos explorar conceitos de elevada complexidade e rapidamen-

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te adquirir uma compreensatildeo mais profunda dos conteuacutedos Obviamente a utilizaccedilatildeo de sof-

tware educacional natildeo deve ser vista como um substituto para o ensino com ldquopapel e laacutepisrdquo

deve ser devidamente combinada com outros meacutetodos de ensino

O conceito F-Tool foi desenvolvido em 2012 com o objetivo de proporcionar uma apren-

dizagem interativa em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Os aplicativos computacionais

implementados com base neste conceito utilizam as capacidades de caacutelculo numeacuterico e

simboacutelico do Mathematica de forma a permitir estudar dinacircmica e interativamente e em

tempo real conceitos e propriedades fundamentais do preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial

FIGURA 1 Imagem ilustrativa da F-Exponential

O conceito F-Tool em sala de aula permite uma abordagem dinacircmica de diversos concei-

tos relacionados com o estudo de funccedilotildees e promove novas formas de raciocinarpensar

avaliar ensinar e aprender As F-Tool foram concebidas como ferramentas de aprendiza-

gem ativa ou seja a sua utilizaccedilatildeo adequada propicia um contexto de ensino-aprendiza-

gem onde alunos e professores satildeo igualmente convidados a contribuir Aleacutem disso tecircm

uma interface muito intuitiva que permite que ateacute mesmo o utilizador mais inexperiente

sem qualquer conhecimento anterior em software educacional possa comeccedilar a usar to-

dos os recursos de uma forma eficiente e autoacutenoma As F-Tool natildeo satildeo um objeto estaacutetico

mas sim um programa a ser executado com o qual se interage em tempo real Em parti-

cular atraveacutes da alteraccedilatildeo dinacircmica dos valores dos paracircmetros que definem cada classe

eacute possiacutevel obter informaccedilatildeo analiacutetica rigorosa apresentada em aritmeacutetica exata ou apro-

ximada bem como informaccedilatildeo visual estaacutetica e natildeo-estaacutetica De igual modo escolhendo

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estrategicamente de entre as vaacuterias opccedilotildees de funccedilotildees disponiacuteveis no painel esquerdo eacute

possiacutevel apreender de forma mais eficaz e consequente muitas das relaccedilotildees existentes

entre as vaacuterias funccedilotildees e respetivas transformaccedilotildees (FIGURA 1) As F-Tool utilizam um

coacutedigo de cores para diferenciar as vaacuterias funccedilotildees apresentadas Este coacutedigo eacute explicitado

na legenda do canto inferior esquerdo do painel central

Qual das figuras pode representar o graacutefico de uma funccedilatildeo e o graacutefico da sua derivada de 1ordf ordem

FIGURA 2 Exemplo de questatildeo de escolha muacuteltipla utilizando diversas opccedilotildees do painel esquerdo das F-Tool

Apesar de ser um software educacional dinacircmico e interativo pode tambeacutem ser utilizado

na construccedilatildeo de questotildees de avaliaccedilatildeo de escolha muacuteltipla (FIGURA 2) e de resposta aberta

ficando o docente automaticamente com a resposta ao selecionar no painel esquerdo as

opccedilotildees relacionadas com a questatildeo

A utilizaccedilatildeo dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adapta-

ccedilatildeo de alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e do sim-

ples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular) De facto

incluindo as F-Tool em ficheiros no Computable Document Format (CDF) eacute possiacutevel criar

fichas de trabalho dinacircmicas e interativas motivando os alunos e tornando o estudo mais

interessante

Acreditamos que o conceito F-Tool ao dotar professores e estudantes com novas fer-

ramentas para explorar alguns conceitos fundamentais da matemaacutetica desenvolveraacute po-

sitivamente o processo de ensino e de aprendizagem das aacutereas de preacute-caacutelculo e caacutelculo

diferencial

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O Aroma das Plantas Luiacutes Gaspar Pedro

Ana Cristina Figueiredo

Joseacute Gonccedilalves Barroso

CESAM CBV Universidade de Lisboa

Quando nos festejos dos Santos Populares colocamos a matildeo sobre o manjerico

provocamos a rutura de estruturas microscoacutepicas Ao fazecirc-lo libertam-se compostos

quiacutemicos que aderem agrave palma da nossa matildeo que depois percecionamos pelo nosso

olfacto Os aromas satildeo misturas complexas de dezenas de compostos volaacuteteis

carateriacutesticos de uma determinada planta

O aroma o que eacute

O aroma de muitas plantas eacute constituiacutedo por diversos compostos quiacutemicos volaacuteteis que

tecircm a capacidade de estimular os nossos recetores olfactivos A quantidade e a diver-

sidade deste tipo de compostos presentes nas plantas satildeo responsaacuteveis pelos aromas

carateriacutesticos Eacute relativamente faacutecil reconhecer o aroma dos coentros ou do manjerico e

distingui-los de outros aromas como o da rosa ou do cravinho

Na composiccedilatildeo da fraccedilatildeo volaacutetil de uma planta aromaacutetica encontram-se regra geral

compostos como os mono- e sesquiterpenos e os fenilpropanoacuteides (FIGURA 1) entre ou-

tros Satildeo todos eles compostos quiacutemicos com ponto de ebuliccedilatildeo relativamente baixo que

volatilizam agrave temperatura ambiente e contribuem de forma mais ou menos notoacuteria para o

aroma carateriacutestico de cada espeacutecie

FIGURA 1 Exemplos de compostos que constituem a fraccedilatildeo volaacutetil de diversas espeacutecies aromaacuteticas monoterpenos (α-pineno timol) sesquiterpenos (β-cariofileno germacreno D) e fenilpropanoacuteides (eugenol)

α-Pineno Timol β-Cariofileno Germacreno D Eugenol

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Estruturas secretoras

Os compostos que constituem a fraccedilatildeo aromaacutetica de uma planta satildeo regra geral sinteti-

zados e acumulados em estruturas secretoras microscoacutepicas Entre os diversos tipos de

estruturas secretoras as mais frequentes satildeo os tricomas os canais e as bolsas (FIGURA 2)

FIGURA 2 Exemplos de estruturas secretoras observadas em microscopia oacuteptica A - Tricoma de Geranium robertianum (s - secretado acumulado no espaccedilo sub-cuticular coloraccedilatildeo com reagente de Nadi) B - canal secretor de Crithmum maritimum (setas coloraccedilatildeo com tricloreto de antimoacutenio) e C - bolsa secretora de Citrus sp (coloraccedilatildeo com Vermelho Sudatildeo III)

Os tricomas glandulares satildeo estruturas externas com origem em ceacutelulas epideacutermicas

que apresentam diversos graus de complexidade desde tricomas com apenas trecircs ceacutelulas

uma das quais a secretora ateacute tricomas com mais de uma dezena de ceacutelulas secretoras

As bolsas e os canais secretores satildeo estruturas internas constituiacutedas por ceacutelulas glandu-

lares que delimitam o luacutemen o espaccedilo para onde satildeo secretados os compostos depois de

produzidos nas ceacutelulas secretoras Os canais satildeo estruturas alongadas que percorrem o

corpo da planta por vezes com ramificaccedilotildees enquanto as bolsas satildeo estruturas mais ou

menos isodiameacutetricas

Os oacuteleos essenciais

Um oacuteleo essencial eacute obtido por hidrodestilaccedilatildeo ou por destilaccedilatildeo por arrastamento de va-

por (FIGURA 3) No caso particular dos citrinos o oacuteleo essencial pode ainda ser obtido

por expressatildeo (processo mecacircnico que promove a libertaccedilatildeo do secretado acumulado no

interior das estruturas secretoras neste caso bolsas)

Tanto na hidrodestilaccedilatildeo como na destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor o secretado eacute

removido das estruturas secretoras e arrastado pelo vapor de aacutegua Depois de condensar

por arrefecimento o oacuteleo essencial separa-se da aacutegua podendo ser facilmente recolhido

devido agrave sua imiscibilidade com a aacutegua

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41FIGURA 3 A - Sistema de hidrodestilaccedilatildeo com aparelho de Clevenger e B - sistema de destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor

Anaacutelise de oacuteleos essenciais

Para analisar um oacuteleo essencial recorre-se frequentemente agrave cromatografia gasosa (CG)

para quantificaccedilatildeo dos componentes e agrave CG acoplada agrave espectrometria de massa (CG-

-EM) para a correspondente identificaccedilatildeo dos constituintes Por CG-EM os diversos com-

ponentes que constituem o oacuteleo essencial satildeo separados uns dos outros e ao chegarem ao

espectroacutemetro de massa satildeo bombardeados por eletrotildees o que leva a que as moleacuteculas

fragmentem formando-se diferentes iotildees de acordo com padrotildees preferenciais O con-

junto dos fragmentosiotildees constituem o espectro de massa que eacute carateriacutestico de cada

moleacutecula A integraccedilatildeo das aacutereas dos picos que surgem no cromatograma obtido por CG

(FIGURA 4A) permite a quantificaccedilatildeo relativa dos diversos componentes do oacuteleo essencial

A anaacutelise por CG-EM possibilita a identificaccedilatildeo desses compostos por comparaccedilatildeo dos

espectros de massa (FIGURA 4B) e dos iacutendices de retenccedilatildeo com os de amostras padratildeo

FIGURA 4 A - Aspeto parcial de um cromatograma obtido por CG carateriacutestico de um oacuteleo essencial com alguns dos ldquopicosrdquo identificados B - espectro de massa obtido por CG-EM de um dos componentes maioritaacuterios o timol

A B

A B

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Paisagens da Islacircndia Formase Processos (III)Fernando Carlos LopesCITEUC Universidade de Coimbra

A Islacircndia eacute famosa natildeo soacute pelos seus vulcotildees mas tambeacutem pelos seus glaciares e pela

sua sinuosa e escarpada linha de costa

Atualmente os glaciares cobrem cerca de 10 da superfiacutecie islandesa e 60 destas

aacutereas geladas assentam sobre sistemas vulcacircnicos ativos Esta combinaccedilatildeo de gelo e vul-

canismo torna a Islacircndia o local ideal para cheias repentinas (joumlkulhlaups) resultantes de

aacutegua que escorre por baixo dos glaciares devido agrave fusatildeo provocada pelas erupccedilotildees subgla-

ciares Atualmente existem 4 grandes calotes glaciares localizadas nas regiotildees elevadas

e vulcanicamente ativas do centro e sul da ilha a partir das quais divergem numerosas liacuten-

guas glaciarias Vatnajoumlkull (8100 km2) situado no centro leste Langjoumlkull (925 km2) si-

tuado no centro oeste Hofsjoumlkull (925 km2) situado na zona central da ilha Myrdalsjoumlkull

(600 km2) situado no sul da ilha Apesar da Islacircndia ter cerca de 24 Ma a sua paisagem soacute

foi moldada por glaciares nos uacuteltimos 5 milhotildees de anos Os seus glaciares de tipo alpino

(ou de montanha) avanccedilaram e recuaram condicionados pelas variaccedilotildees regionais e locais

do clima de que resultaram espetaculares morfologias Como jaacute se referiu anteriormente

as variaccedilotildees da carga glaciar sobre a litosfera provocadas pelas fases de gelo e degelo

teratildeo desempenhado papel importante na atividade vulcacircnica da ilha

Com um comprimento de cerca de 4970 km a linha de costa da Islacircndia eacute de um modo

geral muito recortada e escarpada marcada por promontoacuterios cabos peniacutensulas fiordes

e enseadas pontilhada de leixotildees por entre os quais se aninham praias de areia negra de

contornos suaves A accedilatildeo do mar sobre as inuacutemeras escoadas de lava que fluiacuteram ateacute agrave

costa ao longo da evoluccedilatildeo geoloacutegica da ilha e ali solidificaram sobre os aparelhos vulcacirc-

nicos implantados na zona litoral e sobre os vales deixados pelo recuo dos glaciares criou

paisagens de uma beleza surreal

FIGURA DA PAacuteGINA ANTERIOR Leixatildeo Hvitserkur noroeste da Islacircndia (fonte pixabay)

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Parte III - Paisagens controladas pelos glaciares e paisagens costeirasVales glaciares e fiordes

Vales glaciares vales suspensos lagos glaciares e cascatas ciacuterculos glaciares moreias

e fiordes satildeo formas carateriacutesticas das paisagens islandesas criadas pelos seus glacia-

res alpinos Os vales glaciares com o seu carateriacutestico perfil em ldquoUrdquo satildeo a forma mais

comum de paisagem originada pela erosatildeo glacial (FIGURA 1) No interior destes vales os

rios concentram o seu poder erosivo na zona mais baixa originando um perfil carateriacutestico

em ldquoVrdquo O poder erosivo dos glaciares eacute muito superior ao dos rios porque a sua energia

potencial resulta natildeo soacute do declive do terreno mas tambeacutem do peso do gelo A erosatildeo faz-

-se essencialmente ao longo das zonas laterais do canal criando um vale com vertentes

alcantiladas e fundo aplanado Vales suspensos satildeo vales escavados por glaciares tributaacute-

rios Como estes glaciares levam menos gelo o seu poder erosivo eacute menor que o do glaciar

principal ficando suspenso nas vertentes do glaciar principal quando o gelo recua Cons-

tituem exemplos notaacuteveis pela sua beleza e dimensatildeo os vales glaciares de Borgarvirki

(FIGURA 2) e de Akureyri (ou Eyjafjoumlrethur) no noroeste da ilha Este uacuteltimo vai desembocar

num fiorde que eacute mais longo da Islacircndia

FIGURA 1 Esquema 3D (sem escala) da evoluccedilatildeo de uma paisagem glaciar com formaccedilatildeo de vales glaciares vales glaciares suspensos ciacuterculos glaciares lagos glaciares e cascatas

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FIGURA 2 Aspeto do vale glaciaacuterio de Borgarvirki observado a partir da fortaleza de Borgarvirki

Se as condiccedilotildees forem favoraacuteveis os glaciares podem erodir abaixo do niacutevel do mar Quan-

do o glaciar recua o oceano invade estas depressotildees criando um fiorde Alguns dos fiordes

islandeses como o de Akureyri e o de Nordfjord (nordeste da ilha) possuem centenas de

metros abaixo do niacutevel do mar O fiorde de Nordfjord abrange parcialmente uma antiga cal-

deira vulcacircnica Nas faleacutesias do seu flanco oriental (falesias de Raudubjoumlrg) afloram rioacutelitos

conferindo agraves arribas uma carateriacutestica cor avermelhada)

Como se referiu anteriormente (Parte I) a orientaccedilatildeo da maioria dos vales glaciares e

fiordes segue de perto a orientaccedilatildeo dos principais lineamentos tectoacutenicos

Moreias

Em termos de aspetos deposicionais relacionados com glaciares as moreias satildeo de lon-

ge os mais abundantes Satildeo acumulaccedilotildees de fragmentos rochosos transportados pelos

glaciares quer na regiatildeo frontal (moreia frontal) lateral (moreia lateral) a meio (moreia

mediana) e no fundo (moreia de fundo)

Durante o uacuteltimo maacuteximo glaciar (haacute cerca de 20 000 anos) a Islacircndia estava quase

toda coberta por glaciares que se estendiam ateacute agrave costa e para aleacutem dela Foram encon-

tradas moreias frontais dessa eacutepoca a cerca de 130 km a offshore da costa ocidental e a

cerca de 150-230 m abaixo do niacutevel de mar atual

Eacute possiacutevel encontrar nos vales glaciares islandeses quer moreias antigas resultantes

da uacuteltima glaciaccedilatildeo quer moreias recentes e atuais Estas uacuteltimas estatildeo relacionadas com

as 4 grandes calotes glaciares existentes como eacute o caso das moreias do glaciar Vatna-

joumlkull que se podem observar em pleno no setor sudeste da ilha

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Lagoas glaciares e icebergues

Outra das paisagens magniacuteficas moldadas pelos glaciares satildeo as lagoas glaciares Estas

lagoas formam-se na extremidade dos glaciares que descem das calotes glaciares Satildeo

alimentadas pelo desgelo natural dos glaciares e nela flutuam pequenos e grandes iceber-

gues que se separam da frente do glaciar (FIGURA 3)

FIGURA 3 Esquema 3D (sem escala) da formaccedilatildeo de icebergues numa lagoa glaciar

O exemplo mais notaacutevel deste tipo de lagoas na Islacircndia eacute a lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten consi-

derada uma das maravilhas naturais do paiacutes Fica situada no sudeste da ilha na extremidade

do glaciar Breiethamerkurjoumlkull uma das liacutengua glaciares da calote de Vatnajoumlkull (FIGURA 4)

FIGURA 4 Icebergues na lagoa glaciar de Joumlkulsaacuterloacuten Ao fundo vecirc-se a frente do glaciar Breiethamerkurjoumlkull As faixas negras nos icebergues satildeo niacuteveis de cinza vulcacircnica

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A lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten eacute o ponto mais baixo da Islacircndia com zonas agrave cota de -200 m Na

baiacutea da lagoa tem-se acesso a uma paisagem de outro mundo com icebergues de dimen-

sotildees variadas que flutuam ateacute ao mar ficando alguns deles encalhados na margem de uma

praia de areia vulcacircnica Alguns icebergues exibem faixas negras correspondentes a niacuteveis

de cinzas vulcacircnicas provenientes de antigas erupccedilotildees (FIGURA 4) Outros exibem duas

tonalidades branco leitoso e azul claro A faixa azul corresponde agrave porccedilatildeo do icebergue

que se tornou recentemente emersa

A lagoa teraacute sido formada em 1934-35 pelo contiacutenuo recuo do glaciar Vatnajoumlkull e teraacute

duplicado de tamanho nos uacuteltimos 15 anos Dada a taxa atual de recuo do glaciar Vatna-

joumlkull um profundo fiorde iraacute desenvolver-se no local onde hoje existe a lagoa

As costas escarpadas

As costas escarpadas e recortadas satildeo sem duacutevida as mais dominantes Ocorrem deste o

oeste ao leste da ilha passando pela regiatildeo norte incisas por numerosos fiordes e peque-

nas enseadas e salpicadas por leixotildees Eacute notaacutevel pela sua forma de dragatildeo e pelas lendas

que o envolvem o leixatildeo de Hvitserkur (IMAGEM DA PAGINA 42) situado na costa leste da

Peniacutensula de Vatnsnes no noroeste da Islacircndia

Os fiordes mais profundos localizam-se na costa norte constituindo bons portos natu-

rais Um destaque especial vai para o fiorde ao longo do qual se estende a cidade de Aku-

reyri (fiorde de Akureyri ou Eyjafjoumlrethur) considerado o mais longo do paiacutes

Praias de areia Negra

As praias de areia negra em geral de reduzida extensatildeo podem ser constituiacutedas por i) de-

poacutesitos resultantes da abrasatildeo das arribas ii) moreias e depoacutesitos fluviais resultantes dos

rios glaciares com contornos suaves e lagoas glaciares protegidas por extensas barras

arenosas iii) depoacutesitos de tefra provenientes de erupccedilotildees freaacuteticas

As do primeiro tipo ocorrem um pouco por toda a linha de costa como resultado da accedilatildeo

do mar sobre as arribas As do segundo tipo ocorrem dominantemente entre Djuacutepivogur a

sudeste e Oumllfusaacute a sudoeste com destaque para a praia de Reynisfjara na costa sul As

da terceira categoria podem ser observadas na ilha de Heimaey arquipeacutelago de Vestman-

naeyja regiatildeo sul da Islacircndia

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018048

IMA

GE

M E

M D

ES

TAQ

UE

48

Eu crio as minhas obras de arte de peque-

nos pedaccedilos de papel com espirais que co-

nectam e ligam os elementos a uma grande

estrutura Na obra de origami acabada a

que chamo Voltinhas estas espirais vivem

e trabalham Forccedilas de tensatildeo e fricccedilatildeo

contrapotildeem-se agrave gravidade e mantecircm a

forma estaacutevel Nas minhas criaccedilotildees procu-

ro estar perto da natureza Quando criamos

ou estudamos modelos de papel na macro

escala podemos entender melhor as for-

mas criadas pela natureza na micro escala

A minha obra de origami na capa o trabalho

intitulado ldquoInverno num parque de Lisboardquo e

o capsiacutedeo do viacuterus Canine parvovirus um viacute-

rus contagioso que ataca sobretudo os catildees

e outros caniacutedeos tecircm a mesma estrutura

geomeacutetrica do pequeno rombicosidodecae-

dro um poliedro com simetria icosaeacutedrica

Essa obra invoca simbolicamente o Ano

da Biologia Matemaacutetica 2018 O origami eacute

uma arte de dobragem do papel com uma

forte componente geomeacutetrica que permite

a construccedilatildeo de formas complexas e tem

atraiacutedo o interesse de matemaacuteticos pelas

suas propriedades geomeacutetricas e algeacutebricas

Krystyna Burczyk

Os viacuterus satildeo responsaacuteveis por inuacutemeras

doenccedilas no homem nos animais e nas plan-

tas e as curas e prevenccedilotildees satildeo ainda mui-

tas vezes problemaacuteticas Desenvolvimen-

tos recentes das aplicaccedilotildees da matemaacutetica

agrave virologia nomeadamente das teorias de

grupos de grafos de tesselaccedilatildeo ou de re-

ticulados mostraram por exemplo que as

restriccedilotildees estruturais agraves formas dos viacuterus

satildeo maiores do que antes se pensava e

permitiram a construccedilatildeo de novos modelos

para o desenvolvimento de terapias anti-

-virais Os capsiacutedeos virais que envolvem

os genomas dos viacuterus por razotildees de eco-

nomia geneacutetica tem muitas vezes uma si-

metria icosaeacutedrica Ora esta simetria natildeo eacute

cristalograacutefica em trecircs dimensotildees ie natildeo

eacute compatiacutevel com reticulados perioacutedicos

o que motivou os matemaacuteticos a desen-

volverem novas estruturas no contexto de

grupos de Coxeter natildeo-cristalograacuteficos que

encontraram aplicaccedilatildeo natildeo soacute na virologia

mas tambeacutem noutras estruturas molecula-

res da quiacutemica do carbono

Joseacute Francisco RodriguesUniversidade de Lisboa

Origami e Viacuterusin imagemcasadascienciasorg

Imagem de Canine Parvovirus gerada em VMD Autor Alexandre Lopes Magalhatildees

Page 10: JUNHO 2018 V6 /02 · 2018-09-26 · Matilde Viegas, Maria João Ramos, Pedro Alexandrino Fernandes Stephen Hawking e a sua contribuição para a física teórica Orfeu Bertolami,

AR

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8

b) Vetoriais tais como os campos de velocidade (FIGURA 2) ou aceleraccedilatildeo num

soacutelido riacutegido o campo eletromagneacutetico ou graviacutetico ie a etiqueta tem trecircs nuacutemeros as

componentes do vetor associado agrave grandeza respetiva

FIGURA 2 Campo de velocidades de um fluido onde cada seta representa a velocidade do fluido no ponto onde se situa a origem da seta

c) Tensoriais tais como os campos de deformaccedilatildeo ou tensatildeo (FIGURA 3) em soacutelidos

deformaacuteveis ou o tensor de Maxwell no eletromagnetismo A etiqueta tem agora nove nuacute-

meros em geral (para tensores de 2ordf ordem) as componentes do tensor correspondente

agrave grandeza medida

FIGURA 3 Componentes do tensor das tensotildees onde por exemplo σyx eacute a componente da tensatildeo (vetor) segundo x para uma superfiacutecie normal ao eixo y Por convenccedilatildeo a tensatildeo eacute exercida pela parte exterior ao cubo

O campo escalar eacute talvez o mais simples e o seu estudo atraveacutes de um exemplo e pos-

teriormente generalizado permite obter vaacuterios resultados importantes que se revelam

tambeacutem importantes nos campos vetoriais e tensoriais

x

z

y

σxx

σyx

σxx

σyx

σzx

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018039

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Espectroscopia VibracionalPaulo Ribeiro ClaroCICECO Universidade de Aveiro

Designa-se por ldquoespectroscopia vibracionalrdquo a teacutecnica que mede a interaccedilatildeo da radiaccedilatildeo

eletromagneacutetica com os movimentos de vibraccedilatildeo de um sistema molecular

Qualquer sistema que contenha aacutetomos ligados entre si tem movimentos vibracionais

desde as moleacuteculas diatoacutemicas aos sistemas bioloacutegicos e aos materiais mais diversos

Deste modo as diversas teacutecnicas de espectroscopia vibracional satildeo muito utilizadas

tanto na caraterizaccedilatildeo de sistemas como em anaacutelise quiacutemica Estas aplicaccedilotildees

estendem-se atualmente ateacute agrave imagem meacutedica

Graus de liberdade de um sistema molecular

Considerando uma associaccedilatildeo de N aacutetomos (moleacutecula iatildeo ou radical) em fase gasosa ndash isto

eacute isolada e livre de restriccedilotildees externas ao seu movimento ndash cada um dos seus aacutetomos pode

deslocar-se segundo as trecircs direccedilotildees do espaccedilo descritas pelos eixos coordenados ou ve-

tores xyz Teremos assim 3N vetores que podem combinar-se em 3N movimentos distintos

FIGURA 1 Representaccedilatildeo esquemaacutetica dos 3N graus de liberdade de uma moleacutecula diatoacutemica A linha superior representa as trecircs translaccedilotildees a linha inferior representa as duas rotaccedilotildees e uma vibraccedilatildeo (O nuacutemero de vibraccedilotildees independentes eacute dado pela diferenccedila entre o nuacutemero de graus de liberdade e o nuacutemero de translaccedilotildees e rotaccedilotildees 3N-5) O movimento de vibraccedilatildeo pressupotildee que a ligaccedilatildeo entre os aacutetomos funciona como uma mola (que forccedilaraacute os aacutetomos a inverterem o sentido do movimento)

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Quando todos os aacutetomos se movem coordenadamente na direccedilatildeo um dado vetor (por

exemplo direccedilatildeo z FIGURA 1 primeira imagem) isso representa a translaccedilatildeo da moleacutecula

nessa direccedilatildeo Para uma moleacutecula isolada haacute pois trecircs movimentos ndash ou graus de liberdade

ndash translacionais

De igual modo eacute possiacutevel encontrar combinaccedilotildees de movimentos individuais dos aacutetomos

que resultam numa rotaccedilatildeo da moleacutecula em torno do seu centro de massa Estes graus de

liberdade rotacionais satildeo tambeacutem trecircs para a maioria das moleacuteculas Em moleacuteculas linea-

res haacute apenas dois graus de liberdade rotacionais pois natildeo existe rotaccedilatildeo em torno do eixo

molecular (natildeo moveria nenhum aacutetomo)

As restantes combinaccedilotildees de movimentos atoacutemicos resultam em movimentos dos aacutetomos

entre si sem que haja translaccedilatildeo ou rotaccedilatildeo da moleacutecula ou seja correspondem a graus de

liberdade vibracionais Deste modo um sistema molecular com N aacutetomos tem 3N-6 vibra-

ccedilotildees (3N-5 se for linear)

A soluccedilatildeo da equaccedilatildeo de Schoumldinger para uma partiacutecula livre em movimento tem como

significado fiacutesico a natildeo-quantizaccedilatildeo da energia translacional Dito de outro modo os graus

de liberdade translacionais satildeo contiacutenuos Contudo o mesmo natildeo se passa com os movimen-

tos os rotacionais e vibracionais a que correspondem niacuteveis de energia discretos (ou quan-

tizados) Assim eacute possiacutevel observar transiccedilotildees entre os niacuteveis rotacionais (espectroscopia

rotacional) ou entre os niacuteveis vibracionais (espectroscopia vibracional) Como seraacute discutido

abaixo numa moleacutecula em fase gasosa eacute possiacutevel observar transiccedilotildees em que se alteram si-

multaneamente o estado vibracional e o estado rotacional (por vezes abreviadas para ldquotran-

siccedilotildees roto-vibracionaisrdquo)

O modelo mais simples para descrever as vibraccedilotildees moleculares eacute o modelo do oscilador

harmoacutenico diatoacutemico dois aacutetomos de massa m1 e m2 ligados por uma mola perfeitamente

elaacutestica (FIGURA 2A) Os dois aacutetomos oscilam em torno da distacircncia de equiliacutebrio num mo-

vimento que pode ser designado por ldquoelongaccedilatildeo linearrdquo (e frequentemente abreviado para

ldquoelongaccedilatildeordquo)

Por resoluccedilatildeo da equaccedilatildeo de Schroumldinger para este modelo obteacutem-se a expressatildeo da

energia dos niacuteveis vibracionais

)frac12v(v += νhE

onde v eacute o nuacutemero quacircntico vibracional (v = 0 1 2 3 hellip) e ν eacute a frequecircncia de vibraccedilatildeo

do oscilador harmoacutenico Segundo este modelo os niacuteveis de energia de um oscilador estatildeo

igualmente espaccedilados sendo a diferenccedila entre eles igual a hν (FIGURA 2B) A regra de sele-

ccedilatildeo para o oscilador harmoacutenico eacute Δv = 1 pelo que o espectro vibracional de uma moleacutecula

diatoacutemica nesta aproximaccedilatildeo consiste num uacutenico sinal de frequecircncia ν independentemente

do niacutevel de partida

(1)

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11

FIGURA 2 A - Oscilador harmoacutenico constituiacutedo por duas esferas de massa m1 e m2 ligadas por uma mola sem limite de elasticidade (obedece agrave lei de Hooke para qualquer deformaccedilatildeo) B - Esquema da distribuiccedilatildeo dos niacuteveis de energia vibracionais em funccedilatildeo do nuacutemero quacircntico v e valor da separaccedilatildeo energeacutetica entre niacuteveis consecutivos

A frequecircncia do oscilador depende naturalmente da forccedila da ldquomolardquo ou seja do grau de

rigidezelasticidade da ligaccedilatildeo quiacutemica que se traduz na constante de forccedila da ligaccedilatildeo k

Esta constante de forccedila eacute a que define a resistecircncia da mola agrave deformaccedilatildeo ou seja a forccedila

que eacute necessaacuterio efetuar para provocar uma deformaccedilatildeo de Δx de acordo com a lei de

Hooke F = k Δx A equaccedilatildeo da frequecircncia do oscilador harmoacutenico eacute entatildeo dada por

μπν

k21

=

onde μ eacute a massa reduzida do oscilador

Os osciladores reais satildeo anarmoacutenicos uma vez que as ligaccedilotildees quiacutemicas natildeo se compor-

tam como molas perfeitamente elaacutesticas A FIGURA 5 compara a funccedilatildeo de energia potencial

do oscilador harmoacutenico com uma curva pouco anarmoacutenica (FIGURA 3A) e muito anarmoacutenica

(FIGURA 3B) A situaccedilatildeo real corresponde agrave curva de alta anarmonicidade (FIGURA 3B) jaacute que

as ligaccedilotildees quiacutemicas quebram quando satildeo estiradas excessivamente

FIGURA 3 Comparaccedilatildeo entre o oscilador harmoacutenico (linha a vermelho) e anarmoacutenico (linha a preto) para duas situaccedilotildees A - baixa anarmonicidade e B - alta anarmonicidade Notar que a regiatildeo da transiccedilatildeo fundamental(0rarr1) eacute muito razoavelmente descrita pelo oscilador harmoacutenico em qualquer dos casos

(2)

A B

A B

AR

TIG

O

12

A energia dos niacuteveis de um oscilador anarmoacutenico eacute dada por

2v )frac12v()frac12v( +-+= exhhE νν

onde xe eacute a constante de anarmonicidade especiacutefica de cada oscilador

Um efeito imediato da anarmonicidade eacute a diminuiccedilatildeo progressiva do espaccedilamento ener-

geacutetico entre os niacuteveis (tal como se observa na FIGURA 3)

ΔEv0rarr1 = hν(1 ndash 2 x) ΔEv1rarr2

= hν(1 ndash 4 x) ΔEv2rarr3 = hν(1 ndash 6 x)

Proacuteximo da energia de dissociaccedilatildeo o espaccedilamento tende para zero o que permite estimar

a energia de uma ligaccedilatildeo a partir da sua frequecircncia de vibraccedilatildeo e da correspondente anar-

monicidade

exhD 4e ν=

A regra de seleccedilatildeo para o oscilador anarmoacutenico eacute Δv = 1 2 3 hellip sendo possiacutevel observar

diversas transiccedilotildees Enquanto a transiccedilatildeo do niacutevel v=0 para v=1 eacute designada por transiccedilatildeo

fundamental as transiccedilotildees de v=0 para vgt1 satildeo designadas sobretons

Quando a populaccedilatildeo dos niacuteveis excitados eacute significativa eacute possiacutevel observar as transiccedilotildees

v=1 para v=2 v=2 para v=3 etc Estas transiccedilotildees aumentam de intensidade por aumento

da temperatura (ver distribuiccedilatildeo de populaccedilatildeo de Boltzmann) pelo que as correspondentes

bandas do espectro vibracional satildeo designadas por ldquobandas quentesrdquo

Esta anaacutelise do espectro vibracional de sistemas diatoacutemicos pode estender-se a sistemas

poliatoacutemicos Em sistemas poliatoacutemicos observam-se vaacuterios movimentos de ldquoelongaccedilatildeo li-

nearrdquo (tantos quantos as ligaccedilotildees entre 2 aacutetomos) de ldquodeformaccedilatildeo angularrdquo (envolvendo 3

aacutetomos ligados) de ldquotorccedilatildeordquo e de ldquodeformaccedilatildeo para fora do planordquo (envolvendo 4 aacutetomos

ligados) Estes movimentos combinam-se nas 3N-6 vibraccedilotildees globais da moleacutecula desig-

nados por modos normais de vibraccedilatildeo Em alguns casos os modos normais de vibraccedilatildeo es-

tatildeo altamente localizados num grupo definido de aacutetomos ndash por exemplo o grupo carbonilo

(C=O) ndash e originam bandas no espectro vibracional que satildeo carateriacutesticas desse grupo de

aacutetomos e mais ou menos independentes do resto da moleacutecula Estas vibraccedilotildees satildeo desig-

nadas por frequecircncias de grupo muito utilizadas em caraterizaccedilatildeo quiacutemica Estes toacutepicos

seratildeo desenvolvidos num texto proacuteprio

Transiccedilotildees roto-vibracionais numa abordagem breve

Tal como referido acima eacute possiacutevel observar transiccedilotildees vibracionais (Δv = 1 2 3 hellip) acom-

panhadas de transiccedilotildees rotacionais (ΔJ= 1) Considerando estes graus de liberdade como

independentes entre si a energia dos niacuteveis num oscilador diatoacutemico eacute dada simplesmente

pela soma da equaccedilatildeo (3) com a equaccedilatildeo do rotor diatoacutemico

(3)

(4)

(5)

AR

TIG

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13

222J v )1()frac12v()1()frac12v( +++-+++= JDxhJBhE eνν J J ][

Ignorando os termos anarmoacutenico e de distorccedilatildeo centriacutefuga ndash indicados entre parecircntese

rectos ndash a energia da transiccedilatildeo vibracional fundamental num oscilador diatoacutemico eacute dada por

ΔEv=0rarrv=1 = hν + B[J(J+1)minusJrsquo(Jrsquo+1)]

onde J eacute o nuacutemero quacircntico rotacional do estado inicial v=1 e Jrsquo eacute o nuacutemero quacircntico

rotacional do estado final v = 1

A FIGURA 4 ilustra as transiccedilotildees que correspondem a Jrsquo=J-1 Jrsquo=J e Jrsquo=J+1 e a FIGURA 5

apresenta o espectro observado para o oscilador diatoacutemico real HCl No espectro real o efeito

da anarmonicidade do oscilador no valor de B eacute evidente

FIGURA 4 Esquema simplificado das transiccedilotildees roto-vibracionais numa moleacutecula diatoacutemica Os niacuteveis natildeo estatildeo agrave escala As transiccedilotildees com Jrsquo=J-1 (a verde) originam as bandas do Ramo P e as transiccedilotildees com Jrsquo=J+1 (a azul) originam o Ramo R As transiccedilotildees com Jrsquo=J (a amarelo) originam o Ramo Q mas natildeo satildeo permitidas em moleacuteculas diatoacutemicas

FIGURA 5 Espectro roto-vibracional da moleacutecula diatoacutemica HCl com a indicaccedilatildeo da posiccedilatildeo do Ramo Q (transiccedilotildees natildeo permitidas por regra de seleccedilatildeo) Notar que todos os sinais aparecem desdobrados em dois uma amostra real de HCl conteacutem as formas isotoacutepicas H35Cl e H37Cl a que correspondem diferentes valores de B Notar tambeacutem que o espaccedilamento entre bandas no ramo P eacute maior que no ramo R no estado fundamental v=0 a distacircncia interatoacutemica meacutedia eacute menor do que para v=1 pelo que B gt Brsquo Notar que a transiccedilatildeo Jrsquo=J eacute proibida pelo que natildeo aparece a banda Q

(6)

AR

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14

O crescimento exponencial de populaccedilotildees Euler ou Malthus Suzana NaacutepolesUniversidade de Lisboa

Em 1798 no livro An Essay on the Principle of Population que teve seis ediccedilotildees Thomas

Malthus (1766-1864) um cleacuterigo e erudito inglecircs influente nos campos da economia po-

liacutetica e da demografia escreveu

ldquoA populaccedilatildeo quando natildeo controlada aumenta em progressatildeo geomeacutetrica A subsistecircncia

aumenta apenas em progressatildeo aritmeacutetica Um pequeno conhecimento dos nuacutemeros mostra-

raacute a imensidatildeo do primeiro poder em comparaccedilatildeo com o segundoldquo

Malthus natildeo tentou traduzir matematicamente o seu modelo de crescimento Limitou-se a

caraterizaacute-lo pressupondo que a taxa segundo a qual a populaccedilatildeo cresce num determinado

instante eacute proporcional agrave populaccedilatildeo total nesse mesmo instante

Numa revisatildeo da primeira ediccedilatildeo discutiu em detalhe os obstaacuteculos para o crescimento

da populaccedilatildeo em vaacuterios paiacuteses nomeadamente atraso no casamento aborto infanticiacutedio

fome guerra epidemias e fatores econoacutemicos Para ele o casamento retardado era a melhor

opccedilatildeo para estabilizar a populaccedilatildeo

Para caraterizar matematicamente este modelo considerando o crescimento em anos

consecutivos e supondo uma taxa de crescimento r em cada ano se num ano n a popula-

ccedilatildeo eacute Pn no ano seguinte a populaccedilatildeo seraacute Pn +1= (1 + r ) Pn pelo que Pn+1= (1 + r ) n P0 e o

crescimento eacute descrito por uma progressatildeo geomeacutetrica de razatildeo 1 + r

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15FIGURA 1 Thomas Malthus

Supondo uma variaccedilatildeo contiacutenua do tempo e designando por P(t) a populaccedilatildeo no instante

t e por r a taxa de crescimento por unidade de tempo a equaccedilatildeo diferencial que traduz o

modelo contiacutenuo preconizado por Malthus eacute Prsquo(t) = r P(t) Entatildeo P(t) = ke r t com k constante

Como P(0) = k e P0 o nuacutemero de indiviacuteduos no ano zero a evoluccedilatildeo da populaccedilatildeo eacute dada

por P(t) = P0 e rt

Acontece que 50 anos antes em Introductio in analysin infinitorum no VI capiacutetulo

ldquoDe quantidades exponenciais e logaritmosrdquo para ilustrar a grande utilidade das ta-

belas de logaritmos para abreviar caacutelculos numeacutericos o matemaacutetico suiacuteccedilo Leonhard

Euler (1707-1783) daacute vaacuterios exemplos que envolvem o crescimento populacional de

que transcrevemos os exemplos II e III

FIGURA 2 Leonhard Euler e o seu Introductio in analysin infinitorum

AR

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16

Exemplo II

ldquoSe a populaccedilatildeo em certa regiatildeo aumenta anualmente um trigeacutesimo e por outro lado laacute

habitavam no princiacutepio 100000 pessoas pergunta-se qual o nuacutemero de habitantes apoacutes

100 anos

Seja o nuacutemero inicial = n pelo que n = 100000 passado um ano o nuacutemero de habitantes

seraacute = (1+301 )n=30

13 n depois de dois anos = S X3013 2

n ao cabo de trecircs = S X3013 3

n e daqui

depois de 100 anos seraacute = S X3013 100

n = S X3013 100

100000 cujo logaritmo eacute = 100 l 1013 +

l 100000 E l 1013 = l 31 - l 10 = 0014240439 de onde 100 l 10

13 = 14240439 que somando-

-lhe l 100000 = 5 seraacute o logaritmo do nuacutemero de habitantes procurado = 64240439 a que

corresponde o nuacutemero 2654874

Assim ao cabo de 100 anos seraacute mais de vinte e seis vezes maiorrdquo

Este exemplo publicado em 1748 eacute meio seacuteculo antes a concretizaccedilatildeo do ldquoModelo Mal-

thusianordquo para uma populaccedilatildeo de 100000 habitantes e uma taxa de crescimento anual de

130

No exemplo seguinte Euler faz alusatildeo ao capiacutetulo 7 do Livro do Genesis que relata como

um diluacutevio reduziu a populaccedilatildeo da terra a seis seres humanos

Exemplo III

ldquoComo a humanidade se espalhou apoacutes o diluacutevio por obra de seis seres humanos se o nuacute-

mero destes alcanccedilar duzentos anos depois o nuacutemero 1000000 pergunta-se em que parte

deveria crescer anualmente o nuacutemero de humanos

Se aumentar em cada ano x1 duzentos anos depois o nuacutemero de humanos seria =

xx1 200+S X 6 = 1000000 e por tanto x

16

1000000 2001

+ = S Xx

Portanto l x1

2001+ =x l

61000000 =200

1 52218487 = 00261092

e assim =x1+x

10000001061963 e 1000000 = 61963x donde x =16 aproxidamente

Bastaraacute pois que os humanos aumentem por ano a sua deacutecima sexta parte [] Contudo se

o nuacutemero de homens tivesse crescido na mesma proporccedilatildeo durante um intervalo de 400

anos deveria chegar a 1000000 10000006

= 166666666666 cujo sustento a terra inteira

natildeo seria de forma alguma capaz de darrdquo

Euler ao abordar o crescimento das populaccedilotildees tinha uma preocupaccedilatildeo matemaacutetica ndash a

de mostrar a utilidade dos logaritmos ndash que ilustrou com exemplos

Mas a observaccedilatildeo anterior leva a crer que ele considerou o modelo exponencial desade-

quado para o estudo do crescimento populacional

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O

17

A populaccedilatildeo de Portugal espelha bem a falecircncia deste modelo Segundo dados do Ins-tituto Nacional de Estatiacutestica nos duzentos anos que decorreram entre 1770 e 1970 a

populaccedilatildeo nem chegou a triplicar

TABELA 1 Populaccedilatildeo de Portugal entre 1422 a 1890

Popuccedilatildeo de Portugal (INE Lisboa)

Ano Total Variaccedilatildeo Ano Total Variaccedilatildeo

1422 1 043 274 - 1900 5 423 132 +74

1527 1 262 376 +210 1911 5 960 056 +99

1636 1 100 000 -129 1920 6 032 991 +12

1736 2 143 368 +949 1930 6 825 883 +131

1770 2 850 444 +330 1940 7 722 152 +131

1776 3 352 310 +176 1950 8 441 312 +93

1801 2 931 930 -125 1960 8 851 289 +49

1811 2 876 602 -19 1970 8 568 703 -32

1838 3 200 000 +112 1981 9 852 841 +150

1849 3 411 454 +66 1991 9 862 540 +01

1864 4 188 410 +228 2001 10 356 117 +50

1878 4 550 699 +86 2007 10 617 575 +25

1890 5 049 729 +110

Quanto a Malthus as suas preocupaccedilotildees eram de natureza poliacutetica e legislativa To-

mou como certo um crescimento exponencial da populaccedilatildeo mundial que conduziria a

uma cataacutestrofe por ausecircncia de recursos e para o travar sugeriu o recurso a poliacuteticas

adequadas Ao publicitar o modelo exponencial - que ficou conhecido como Modelo

Malthusiano - ligando-o a problemas legislativos reais abriu caminho para que dife-

rentes matemaacuteticos se dedicassem agrave modelaccedilatildeo do crescimento populacional

Em 1844 o matemaacutetico belga Pierre Verhulst (1804-1849) propocircs no artigo Recherches

matheacutematiques sur la loi drsquoaccroissement de la population um modelo em que considera que

agrave medida que a populaccedilatildeo se aproxima de um valor maacuteximo a taxa de crescimento diminui

ldquoO aumento virtual da populaccedilatildeo eacute portanto limitado pelo tamanho e pela fertilidade do paiacutes

Como resultado a populaccedilatildeo fica cada vez mais proacutexima de um estado estaacutevelrdquo

Designado por P(t) a populaccedilatildeo no instante t por r a taxa de crescimento por unidade

de tempo e por M o nuacutemero maacuteximo de indiviacuteduos que a regiatildeo pode suportar este modelo

exprime-se pela equaccedilatildeo diferencial

( )dt

dP rP MP t

1= -T Y

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18

cuja soluccedilatildeo eacute

( )( ) ( )( )

P t

MP eP e

10 10

rt

rt

=+

-

Se P(t) for muito pequeno face a M tem-se que ( )dt

dP rP MP t

1= -T Y cong r P(t) que tem a soluccedilatildeo P(t) cong P(0) e rt

e o crescimento eacute exponencial

FIGURA 4 Pierre Franccedilois Verhulst e o graacutefico da curva logiacutestica

Agrave medida que t cresce a populaccedilatildeo aproxima-se assintoticamente de M A equaccedilatildeo diferen-

cial que carateriza este modelo eacute atualmente designada por equaccedilatildeo logiacutestica e a populaccedilatildeo

maacutexima M por capacidade de carga Com Verhulst relativizou-se ldquoa hipoacutetese da progressatildeo

geomeacutetrica uma vez que ela soacute se pode verificar em circunstacircncias muito especiais por exem-

plo quando um territoacuterio feacutertil de tamanho quase ilimitado passa a ser habitado por pessoas

com uma civilizaccedilatildeo avanccedilada como foi o caso das primeiras coloacutenias americanasrdquo

Essa equaccedilatildeo foi retomada por vaacuterios matemaacuteticos e adaptada a contextos variados

Satildeo de realccedilar os casos em que a capacidade de carga varia como o tempo conduzindo

ao modelo caraterizado pela equaccedilatildeo diferencial

dtdP rP M

P1= -T Y( )t

onde a capacidade de carga M(t) = M(t +T) varia periodicamente com periacuteodo T

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19

FIGURA 5 A demografia eacute instrumental para o controlo das populaccedilotildees humanas

Desde o seacuteculo XVIII que o estudo da dinacircmica das populaccedilotildees eacute objeto de modelaccedilatildeo

matemaacutetica Na atualidade existem outros modelos de crescimento hiperboacutelicos expo-

nenciais logiacutesticos ou baseados noutras funccedilotildees Baseada nos modelos populacionais

do matemaacutetico Song Jian a Repuacuteblica Popular da China em 1980 entatildeo a atingir o biliatildeo

de habitantes instaurou uma poliacutetica estrita de filho uacutenico Essa lei foi flexibilizada em

2015 aumentando para dois o nuacutemero maacuteximo de filhos para fazer frente ao envelheci-

mento da populaccedilatildeo e agrave reduccedilatildeo do grupo de trabalhadores na faixa etaacuteria considerada

economicamente ativa

Muitos dos pareceres cientiacuteficos nas mais diversas aacutereas baseiam-se em modelos ma-

temaacuteticos que podem permitir fazer estimativas e previsotildees mas hellip ao olhar para o cres-

cimento populacional ao longo dos tempos verificamos que os modelos matemaacuteticos satildeo

instrumentais na anaacutelise da dinacircmica das populaccedilotildees

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20

Artroacutepodes Miguel Santos

Rubim Almeida

Sara C Antunes

DB CIBIO InBIO CIIMAR Universidade do Porto

Artroacutepodes (Arthropoda do grego arthro = articulado + podos = peacutes) satildeo o grupo taxonoacutemi-

co mais diversificado com distribuiccedilatildeo por quase todo o globo e ocupando todos os habitats

Satildeo organismos invertebrados com exosqueleto riacutegido apresentando apecircndices articula-

dos (patas antenas) e de nuacutemero diferenciado de acordo com o subfilo a que pertencem

Os artroacutepodes constituem um dos mais diversos grupos de organismos do planeta com-

preendendo espeacutecies que variam de 0085 mm (Tantalacus dieteri um crustaacuteceo parasita)

ateacute 38 m (envergadura do Caranguejo-aranha-gigante) Os organismos pertencentes a

este grupo encontram-se praticamente em todos os tipos de habitat A razatildeo do sucesso

evolutivo deste grupo taxonoacutemico deve-se a um conjunto de carateriacutesticas uacutenicas i) pos-

suiacuterem um exosqueleto proteico-quitinoso flexiacutevel leve e resistente que protege contra a

desidrataccedilatildeo ii) segmentaccedilatildeo do corpo e a presenccedila de apecircndices articulados especia-

lizados iii) oacutergatildeos sensoriais bem desenvolvidos (antenas sedas sensoriais olhos com-

postos olhos pedunculados ocelos quimiorrecetores nas antenas) iv) metamorfose com

diferentes estaacutedios de desenvolvimento incluindo estaacutedios larvares que podem ter um

modo de vida completamente diferente do adulto permitindo um aproveitamento de outros

recursos (alimento e espaccedilo) reduzindo a competiccedilatildeo entre indiviacuteduos da mesma espeacutecie

v) padrotildees comportamentais complexos revelando por vezes organizaccedilatildeo comunitaacuteria e

vi) sistema respiratoacuterio diverso nomeadamente o sistema traqueal onde o ar entra em

contacto direto com os tecidos devido a um eficiente sistema de tubos (traqueias) com

orifiacutecios na superfiacutecie do tegumento (espiraacuteculos) No entanto a origem e a taxonomia

deste grupo ainda constituem um tema de investigaccedilatildeo e debate Mesmo apesar dos avan-

ccedilos em aacutereas como a biologia molecular que fornece importantes conhecimentos sobre

as complexas relaccedilotildees evolutivas destes organismos muito ainda haacute por descobrir Os

artroacutepodes satildeo um grupo extremamente importante nos ecossistemas terrestres devido

natildeo soacute agrave sua enorme abundacircncia e diversidade mas tambeacutem ao grande nuacutemero de funccedilotildees

que desempenham nestes ecossistemas (ex degradaccedilatildeo da mateacuteria orgacircnica arejamento

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21

do solo ciclagem de nutrientes) O filo Arthropoda estaacute atualmente subdividido em cinco

subfilos Trilobitomorpha Crustacea Myriapoda Chelicerata e Hexapoda

O subfilo Trilobitomorpha (trilobites e os seus parentes) compreende cerca de 20 000

espeacutecies que viviam exclusivamente em ambientes marinhos e que atualmente se encon-

tram todas extintas Contudo a sua vasta distribuiccedilatildeo geograacutefica e o exosqueleto de carbo-

nato de caacutelcio permitiram que este grupo apresente um extenso registo foacutessil observaacutevel

por todo o planeta

Crustacea inclui caranguejos camarotildees e lagostas contendo mais de 60 000 espeacute-

cies e com um extenso registo foacutessil em todo o mundo eacute um dos principais grupos de

artroacutepodes A maioria dos crustaacuteceos vive em ambientes marinhos mas existem vaacuterias

espeacutecies que podem ser encontradas em ecossistemas de aacutegua doce (ordem Cladocera e

sub-classe Copepoda) e em ambientes terrestres (ordem Isopoda FIGURA 1) Apesar da

grande maioria dos crustaacuteceos serem de vida livre existem vaacuterios grupos parasitas (ex

Rhizocephala ndash crustaacuteceos cirriacutepedes parasitas de caranguejos e camarotildees Argulidae ndash

crustaacuteceos parasitas de peixes e Pentastomida ndash vermes liacutengua que parasitam o sistema

respiratoacuterio de vertebrados) Numa perspetiva diferente e de interesse econoacutemico este

grupo apresenta ainda um valor acrescido jaacute que alguns crustaacuteceos decaacutepodes como la-

gostas e camarotildees satildeo intensivamente consumidos em todo o mundo Para aleacutem da sua

importacircncia econoacutemica este grupo de organismos eacute bastante utilizado em investigaccedilatildeo

cientiacutefica nomeadamente em ecotoxicologia na avaliaccedilatildeo do efeito de contaminantes no

solo

FIGURA 1 Exemplares de organismos da ordem Isopoda (bicho-da-conta) 1 ndash famiacutelia Armadillidae 2 ndash famiacutelia Porce-llionidae em A - vista dorsal e em B - vista ventral

O subfilo Myriapoda inclui as centopeias e os miliacutepedes conteacutem mais de 11 000

espeacutecies descritas Este subfilo eacute tradicionalmente dividido em quatro classes Chi-

lopoda (centopeias) (FIGURA 2) Diplopoda (miliacutepedes) Pauropoda (ldquopoucos peacutesrdquo) e

Symphyla (pseudocentopeias) Todos os miriaacutepodes conhecidos satildeo terrestres e o seu

tamanho varia desde alguns miliacutemetros a cerca de 38 centiacutemetros (Millipede Gigante

Africano)

1

2

A B

15cm

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FIGURA 2 Vista dorsal A - e ventral B - de um organismo pertencente agrave classe Chilopoda onde se pode observar o corpo segmentado e apenas com um par de patas por segmento

O subfilo Chelicerata (aranhas aranhas do mar escorpiotildees e aacutecaros) conteacutem mais

de 113 000 espeacutecies distribuiacutedas em duas classes principais Pycnogonida (aranhas do

mar) e Arachnida (aranhas escorpiotildees e aacutecaros) Pycnogonida o grupo das aranhas

do mar conteacutem mais de 1 300 espeacutecies descritas mas estudos detalhados sobre esses

animais e as suas relaccedilotildees evolutivas ainda satildeo escassos Estes organismos geralmente

tecircm seis ou oito olhos e quatro a seis pares de patas A classe Arachnida compreende os

organismos mais conhecidos do subfilo Chelicerata como aranhas escorpiotildees e aacutecaros

Os indiviacuteduos pertencentes a este grupo natildeo possuem antenas tecircm quatro pares de

patas um par de queliacuteceras (1ordm par de apecircndices do prossomacabeccedila) e pedipalpos

(2ordm par de apecircndices do prossomacabeccedila) As aranhas (ordem Araneae) (FIGURA 3) satildeo

provavelmente o grupo mais icoacutenico e bem estudado deste subfilo presentes na maioria

dos ambientes terrestres e constituindo um dos grupos mais importantes de artroacutepodes

do solo Outros organismos colocados na mesma classe como escorpiotildees aacutecaros ou

opiliotildees tambeacutem constituem grupos extremamente variados com importantes funccedilotildees

ecoloacutegicas (ex decomposiccedilatildeo de mateacuteria orgacircnica e controlo de organismos principal-

mente atraveacutes de predaccedilatildeo)

FIGURA 3 Vista dorsal A - e ventral B - de um exemplar da ordem Araneae (famiacutelia Gnaphosidae) sendo possiacutevel obser-var o corpo dividido em cefalotoacuterax e abdoacutemen os quatro pares de patas as queliacuteceras (q) e os pedipalpos (p)

O subfilo Hexapoda (Hexa (seis) e Poda (peacute)) engloba os insetos e os seus parentes

compreende o grupo mais diverso e abundante de organismos com mais de 1 milhatildeo de

espeacutecies conhecidas Este subfilo eacute frequentemente dividido em organismos da clas-

A B

A B

14cm

p

q

35cm

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se Insecta (FIGURA 4) e da classe Entognatha Esta uacuteltima inclui os colecircmbolos (ordem

Collembola) (FIGURA 5) cabeccedilas de cone e bichos de prata (ordem Protura) e cerdas de

duas pontas (ordem Diplura) Na classe Entognatha as partes bucais dos organismos

estatildeo retraiacutedas dentro das suas cabeccedilas contrariamente ao que se observa na classe In-

secta que satildeo ectognantes Os colecircmbolos constituem um dos grupos mais abundantes

de artroacutepodes do solo podendo ser encontrados mais de 100 000 indiviacuteduos num metro

quadrado Estes satildeo organismos cosmopolitas com mais de 8 000 espeacutecies descritas Os

colecircmbolos satildeo pequenos organismos com tamanho geralmente inferior a 6-8 mm de

forma ciliacutendrica ou globular apresentando olhos simples e antenas moniliformes Muitas

espeacutecies possuem um apecircndice bifurcado (fuacutercula) no final do abdoacutemen permitindo que

estes organismos saltem quando ameaccedilados (FIGURA 5) Os colecircmbolos tecircm sido ampla-

mente utilizados em estudos ecotoxicoloacutegicos na avaliaccedilatildeo da qualidade do solo e da sauacute-

de destes ecossistemas

FIGURA 4 A - Vista dorsal e B - vista ventral de exemplares de algumas ordens da classe Insecta

FIGURA 5 Vista lateral de exemplares da ordem Collembola

A classe Insecta eacute a classe com maior nuacutemero de organismos compreendendo mais

de metade das espeacutecies eucarioacuteticas descritas atualmente englobando mais de 1 milhatildeo

de espeacutecies que habitam praticamente todos os ecossistemas Os insetos sendo o grupo

Ordem

Coleoptera

Ordem

Diptera

Ordem

Hemiptera

Ordem

Orthoptera

Ordem

HimenopteraA A A A

B B B B

075cm

027cm14cm016cm

09cm

22cm

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mais diversificado de seres vivos apresentam as mais variadas e interessantes adap-

taccedilotildees anatoacutemicas e morfoloacutegicas Pensa-se que a sua enorme riqueza e abundacircncia eacute

devida a uma combinaccedilatildeo de carateriacutesticas vantajosas como a coevoluccedilatildeo com plan-

tas a miniaturizaccedilatildeo e a capacidade de voo Os insetos desempenham ainda um papel

importantiacutessimo no funcionamento dos ecossistemas realizando funccedilotildees quer de pre-

dadores quer de presa estando envolvidos em inuacutemeras teias alimentares (ex reciclan-

do nutrientes fazendo a manutenccedilatildeo da estrutura e fertilizaccedilatildeo dos solos) Destaca-se

tambeacutem o facto de vaacuterios insetos voadores como abelhas ou borboletas atuarem como

polinizadores de muitas espeacutecies de plantas Esta eacute uma funccedilatildeo ecoloacutegica importante

com vaacuterias repercussotildees econoacutemicas porque mais de 30 das culturas alimentares

mundiais dependem da polinizaccedilatildeo Os insetos possuem ainda um papel importante em

investigaccedilatildeo cientiacutefica sendo muitas vezes utilizados como organismo modelo dado pos-

suiacuterem carateriacutesticas distintas como o seu tamanho reduzido tempos de geraccedilatildeo curtos

e elevada fecundidade O exemplo de excelecircncia eacute a mosca da fruta Drosophila melano-

gaster cujo genoma eacute jaacute conhecido na totalidade sendo esta espeacutecie utilizada frequente-

mente para estudar vaacuterios processos celulares (ex o envelhecimento a hereditariedade

e o desenvolvimento embrionaacuterio) Apesar de constituiacuterem um grupo tatildeo interessante

beneacutefico e necessaacuterio agrave manutenccedilatildeo do equiliacutebrio dos ecossistemas existem algumas

desvantagens associadas aos insetos como eacute o caso de serem vetores na transmissatildeo

de doenccedilas Eacute o caso da malaacuteria transmitida por um mosquito do geacutenero Anopheles a

doenccedila parasitaacuteria mais disseminada com vaacuterios milhotildees de humanos infetados em todo

o mundo O dengue e o zika satildeo doenccedilas em que o vetor de transmissatildeo eacute tambeacutem um

mosquito do geacutenero Aedes Na agricultura as pragas de insetos (ex gorgulhos gafa-

nhotos afiacutedios) satildeo responsaacuteveis por prejudicar as culturas agriacutecolas e a produccedilatildeo de

alimentos causando perdas econoacutemicas elevadas

Sabe-se que atualmente a perda de habitat e as mudanccedilas climaacuteticas satildeo alguns dos

fatores responsaacuteveis por decliacutenios significativos nas populaccedilotildees deste grupo de orga-

nismos Esse decliacutenio apresenta uma elevada preocupaccedilatildeo ecoloacutegica uma vez que estes

organismos desempenham muacuteltiplas e importantes funccedilotildees nos ecossistemas No en-

tanto a conservaccedilatildeo deste grupo animal permanece um grande e urgente desafio que eacute

preciso enfrentar

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Biocombustiacuteveis seratildeo a soluccedilatildeo Matilde Viegas

Maria Joatildeo Ramos

Pedro Alexandrino Fernandes

UCIBIO REQUIMTEUniversidade do Porto

ldquoA 21 de Fevereiro de 2018 o niacutevel de poluiccedilatildeo de partiacuteculas finas com diacircmetro inferior

a 10 μm PM10 atingiu em Paris niacuteveis alarmantes com um pico correspondente

ao dobro do limite maacuteximo A Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) recomenda natildeo

exceder este limite maacuteximo por mais de trecircs dias por ano Com este recente pico os

parisienses jaacute o ultrapassaramrdquo

Em Un pic de pollution laquograveraquo en Ile-de-France Le Monde 22 de Fevereiro de 2018

Esta notiacutecia eacute um dos inuacutemeros exemplos dos efeitos do aquecimento global termo com o

qual estamos cada vez mais familiarizados infelizmente Este fenoacutemeno eacute consequecircncia

de Gases de Efeito de Estufa GEE (dioacutexido de carbono metano e oacutexido de azoto entre

outros) que se acumulam na atmosfera enclausurando o calor e tornando o planeta mais

quente A produccedilatildeo em larga escala de GEEs teve iniacutecio na Revoluccedilatildeo Industrial (1800)

como resultado da combustatildeo de combustiacuteveis foacutesseis (carvatildeo petroacuteleo e gaacutes natural)

para produccedilatildeo de eletricidade aquecimento e transporte

A preocupaccedilatildeo em torno do aquecimento global tornou-se um assunto constante na

agenda poliacutetica sobretudo nas uacuteltimas duas deacutecadas Os primeiros esforccedilos coletivos re-

sultaram no Protocolo de Quioto em 1997 cujo objetivo era a reduccedilatildeo das emissotildees de

GEEs assentando nos argumentos de que i) o aquecimento global era uma realidade e ii) o

CO2 produzido por accedilotildees humanas era o seu grande causador O primeiro periacuteodo do Proto-

colo terminou em 2012 e por isso em 2015 as Naccedilotildees Unidas promoveram a assinatura

do novo Acordo de Paris o qual consiste numa atualizaccedilatildeo do antigo Protocolo de Quioto

com o objetivo de ldquofortalecer a resposta global agrave ameaccedila das alteraccedilotildees climaacuteticas no

contexto de desenvolvimento sustentaacutevel e com esforccedilo para a erradicaccedilatildeo da pobrezardquo

O novo Acordo ao contraacuterio do de Quioto estabelece metas tangiacuteveis e quantitativas O

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26

objetivo eacute manter o aumento da temperatura meacutedia global abaixo dos 2ordm Celsius face agrave

temperatura global na era preacute-industrial Para atingir tal meta eacute necessaacuterio um esforccedilo

mundial contudo em 2017 com a saiacuteda dos EUA do Acordo de Paris o segundo maior

emissor de GEEs logo a seguir agrave China perdeu-se uma enorme contribuiccedilatildeo Aleacutem do peso

evidente que as suas emissotildees tecircm para o estado atual do aquecimento global em falta

estaratildeo tambeacutem a diplomacia e o encorajamento proporcionados por esta forccedila mundial

No Acordo de Paris uma das claacuteusulas exige a inclusatildeo de energias renovaacuteveis (eoacutelica

mariacutetima solar) e de biocombustiacuteveis no mercado de energia encorajando os paiacuteses a

atingir niacuteveis miacutenimos da sua utilizaccedilatildeo As metas estabelecidas para cada paiacutes vatildeo ao en-

contro ao seu mercado e agraves mateacuterias-primas disponiacuteveis em cada territoacuterio favorecendo o

desenvolvimento da economia

De uma forma generalista os biocombustiacuteveis englobam combustiacuteveis produzidos atra-

veacutes de processos bioloacutegicos como a agricultura e digestatildeo anaeroacutebica em vez de produ-

zidos a partir de processos geoloacutegicos como os necessaacuterios para a formaccedilatildeo de combus-

tiacuteveis foacutesseis Isto inclui o biodiesel (produzido a partir de oacuteleos e gorduras orgacircnicas) e o

bioetanol (aacutelcool produzido atraveacutes de fermentaccedilatildeo microbiana de accediluacutecares seguido de

destilaccedilatildeo e desidrataccedilatildeo) os quais seratildeo o maior foco deste artigo

A partir da deacutecada de 70 foram feitos os primeiros investimentos nos chamados bio-

combustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo (1G) Estes fazem uso de colheitas de produtos agriacuteco-

las como a soja cana-de-accediluacutecar milho oacuteleo de palma entre outros para a produccedilatildeo de

biodiesel e bioetanol atraveacutes de processos de trans-esterificaccedilatildeo ou fermentaccedilatildeo A sua

disponibilidade e facilidade de processamento permitiram a sua inserccedilatildeo e mistura nos

combustiacuteveis atualmente vendidos ao puacuteblico Para 2017 Portugal fixou em 75 (de poder

energeacutetico) a incorporaccedilatildeo de biocombustiacuteveis nos combustiacuteveis dos transportes rodoviaacute-

rios tendo a Uniatildeo Europeia o objectivo de 10 em 2020 para todos os paiacuteses membros

Os biocombustiacuteveis 1G fazem uso da colheita agriacutecola para fins energeacuteticos o que gera

opiniotildees desfavoraacuteveis por parte de ambientalistas (pelo uso exaustivo da terra agriacutecola sem

compensaccedilatildeo desflorestaccedilatildeo e perda de biodiversidade) e problemas eacuteticos tais como os le-

vantados por responsaacuteveis da ONU como o Dr Jean Ziegler que atribui aos biocombustiacuteveis

a culpa pela contiacutenua inflaccedilatildeo dos preccedilos de alimentos exacerbando a atual crise de fome

mundial - ldquoSatildeo necessaacuterios 352Kg de milho para encher um depoacutesito de 50L de um carro Uma

crianccedila na Zacircmbia ou no Meacutexico onde o milho eacute um elemento baacutesico da dieta poderia viver

com esta quantidade de milho um ano inteirordquo Atualmente os maiores produtores destes bio-

combustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo satildeo os EUA e o Brasil utilizando parte da produccedilatildeo global

de cereais e oacuteleos vegetais para a produccedilatildeo de bioetanol e biodiesel causando um ambiente

de profunda preocupaccedilatildeo em volta da sustentabilidade de produccedilatildeo de energia a meacutediolongo

prazo De forma a controlar a inflaccedilatildeo no preccedilo dos alimentos a EU estabeleceu um limite de

7 para o uso de biocombustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo como combustiacutevel de transportaccedilatildeo

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A segunda geraccedilatildeo de biocombustiacuteveis (2G) usa biomassa isto eacute qualquer fonte de car-

bono orgacircnico que eacute rapidamente renovado no ciclo de carbono Os biocombustiacuteveis de

segunda geraccedilatildeo almejam um uso ponderado de desperdiacutecios da induacutestria madeireira e

agriacutecola ou de restos de colheitas agriacutecolas assim que estas preencham o seu propoacutesito

alimentar evitando interferecircncia com o mercado alimentar e natildeo influenciando os preccedilos

dos alimentos baacutesicos

FIGURA 1 Biocombustiacuteveis

A produccedilatildeo de arroz atingiu o seu pico em 2017 gerando 1140 milhotildees de toneladas de

espigas de arroz cujo destino eacute a incineraccedilatildeo compostagem ou eacute simplesmente deposita-

da em aterros Contudo com a 2G de biocombustiacuteveis eacute encontrado potencial energeacutetico

neste desperdiacutecio agriacutecola O seu potencial deve-se agrave mateacuteria lignoceluloacutesica ndash celulose

hemicelulose e lignina ndash presente em todas as plantas incluindo as espigas em diferen-

tes percentagens Este material composto eacute essencial para a estrutura e resistecircncia das

plantas a hemicelulose eacute a matriz que rodeia o esqueleto de celulose enquanto a lignina

funciona como uma camada protetora As possibilidades associadas a este tipo de desper-

diacutecio satildeo inegaacuteveis a sua abundacircncia e facilidade de obtenccedilatildeo tornam-no muito apelativo

Contudo o gasto na recolha e transporte desta mateacuteria suplanta os custos de produccedilatildeo

e o seu uso continuado poderaacute contribuir para a erosatildeo do solo Aleacutem disso para o seu

aproveitamento para produccedilatildeo de biocombustiacuteveis eacute necessaacuterio um preacute-tratamento para

hidrolisar as ligaccedilotildees covalentes entre os trecircs constituintes da mateacuteria lignoceluloacutesica e

permitir a posterior fermentaccedilatildeo anaeroacutebia da celulose produzindo bioetanol Este preacute-

-tratamento eacute visto como outra das desvantagens do processo e estaacute ainda a ser estudado

e otimizado pois de momento as alternativas disponiacuteveis encarecem o produto final e em

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alguns dos casos dependem do uso de quiacutemicos poluentes A esperanccedila estaacute entatildeo de-

positada no estudo de enzimas hidroliacuteticas encontradas em organismos termoacutefilos que

seratildeo capazes de aguentar as difiacuteceis condiccedilotildees de tratamento Contudo a dificuldade em

escalar o processo de fermentaccedilatildeo eacute uma das desvantagens e dos fatores limitantes para

a 2G de biocombustiacuteveis em grande parte devido agrave dificuldade de monitorizar as condiccedilotildees

de fermentaccedilatildeo (oxigeacutenio pH nutrientes etc)

A terceira geraccedilatildeo (3G) de biocombustiacuteveis foi reconhecida como a melhor alternativa

em comparaccedilatildeo com primeira e segunda geraccedilotildees pois surpreendentemente faz uso de

algas A sua enorme disponibilidade por todo o planeta e o facto de natildeo interferirem com os

mercados alimentares satildeo os grandes embaixadores desta mateacuteria-prima como o futuro

dos biocombustiacuteveis Ainda que natildeo seja uma mateacuteria infinita eacute a que de momento mais se

assemelha por existirem 70 000 espeacutecies (30 000 documentadas) Estudos conduzidos

atualmente estatildeo a explorar a viabilidade energeacutetica de 30 espeacutecies de algas explorando a

sustentabilidade facilidade e escalabilidade da sua produccedilatildeo Outras vantagens incluem a

baixa manutenccedilatildeo necessaacuteria para o seu crescimento (luz dioacutexido de carbono e nutrientes

como azoto foacutesforo e potaacutessio) a facilidade com que produzem liacutepidos e carboidratos que

podem posteriormente ser processados em diferentes biocombustiacuteveis e outros copro-

dutos a frequecircncia com que podem ser colhidas ao longo do ano (ao contraacuterio de outras

colheitas convencionais) a baixa percentagem de hemicelulose e a praticamente ausente

lignina facilitam radicalmente o seu preacute-processamento pois a celulose eacute mais facilmente

extraiacuteda As desvantagens desta mateacuteria incluem o enorme investimento inicial para a

construccedilatildeo de infraestruturas para o seu cultivo que pode ser ou ao ar livre (em tanques

de grande dimensatildeo) ou em foto-bioreatores (sistemas fechados altamente controlados)

Prevecirc-se que em 2030 o preccedilo de produccedilatildeo de combustiacutevel a partir de algas seraacute 065 euro

litro de combustiacutevel valor muito proacuteximo do atual preccedilo de produccedilatildeo do litro de gasolina

Comparativamente aos custos de produccedilatildeo de outros biocombustiacuteveis o mais barato con-

tinua a ser o bioetanol produzido a partir de milho (1G) 017 eurolitro seguido de combustiacute-

veis celuloacutesicos (2G) a 032 eurolitro

Eacute evidente que seratildeo necessaacuterios esforccedilos poliacuteticos e cientiacuteficos investimento e regu-

lamentaccedilatildeo adequados para encontrar o caminho ideal para travar o aquecimento global

Em todas as geraccedilotildees de biocombustiacuteveis apresentadas existem fatores que afunilam as

potencialidades destas alternativas indicando que a soluccedilatildeo passa por criar um consoacutercio

entre as vaacuterias possibilidades de forma a tirar o maacuteximo partido sem danificar o planeta ou

piorar a crise da fome O proacuteximo passo passa por substituir os biocombustiacuteveis de 1G por

soluccedilotildees com maior escalabilidade Acreditamos que nas proacuteximas deacutecadas seratildeo cruciais

e depositamos esperanccedila na investigaccedilatildeo cientiacutefica

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018043

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Stephen Hawking e a sua contribuiccedilatildeo para a fiacutesica teoacutericaOrfeu Bertolami

Claacuteudio GomesDepartamento de Fiacutesica e Astronomia CFP Universidade do Porto

A 14 de marccedilo de 2018 o fiacutesico britacircnico Stephen Hawking faleceu aos 76 anos deixando

todavia um importante legado para a fiacutesica teoacuterica muito particularmente para o

entendimento das deficiecircncias intriacutensecas da Relatividade Geral de Einstein para a fiacutesica

dos buracos negros e para a cosmologia a ciecircncia do Universo como um todo

Stephen Hawking doutorou-se em Fiacutesica Teoacuterica em 1966 pela Universidade de Cambridge

sob a supervisatildeo de Dennis Sciama Apesar da sua condiccedilatildeo fiacutesica progressivamente limi-

tativa manteve-se extremamente ativo na investigaccedilatildeo nas aacutereas de cosmologia fiacutesica dos

buracos negros e gravitaccedilatildeo quacircntica

Nessa altura havia uma consideraacutevel discussatildeo acerca da realidade e ubiquidade de sin-

gularidades pontos no espaccedilo-tempo onde a Teoria da Relatividade Geral deixa de fazer sen-

tido e natildeo desaparecendo atraveacutes de mudanccedila de sistemas de coordenadas que descrevem

o espaccedilo-tempo Na segunda metade da deacutecada de 1960 Hawking e o matemaacutetico inglecircs

Roger Penrose demonstraram que essas singularidades eram inevitaacuteveis no contexto da

Teoria da Relatividade Geral (ver para uma descriccedilatildeo exaustiva o livro Large Scale Structure

of Space-Time escrito em colaboraccedilatildeo com o fiacutesico sul-africano George Ellis publicado em

1973) Uma dessas singularidades corresponde ao iniacutecio do Universo ndash Big Bang ndash e outras

estatildeo presentes no interior dos buracos negros natildeo acessiacuteveis agrave observaccedilatildeo devido agrave pre-

senccedila de um horizonte de acontecimentos que segundo a Conjetura da Censura Coacutesmica de

Roger Penrose protegem sempre as singularidades de se apresentarem ldquonuasrdquo

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Subsequentemente em 1975 ele desenvolveu a ideia que os buracos negros deveriam

radiar termicamente a uma temperatura especiacutefica inversamente proporcional agraves suas

massas temperatura esta que hoje designamos por temperatura de Hawking Esta ideia daacute

origem ao paradoxo da informaccedilatildeo em que a informaccedilatildeo que entrava no horizonte de evento

se perdia Com este contributo passou-se a ter uma equivalecircncia entre a dinacircmica e a termo-

dinacircmica de buracos negros

FIGURA 1 Emissatildeo da radiaccedilatildeo teacutermica de Hawking por um buraco negro

No princiacutepio da deacutecada de 1980 Hawking iniciou em colaboraccedilatildeo com o fiacutesico norte-ameri-

cano James Hartle o programa de investigaccedilatildeo que hoje designamos por cosmologia quacircntica

Na cosmologia quacircntica o espaccedilo-tempo eacute descrito por uma funccedilatildeo de onda a funccedilatildeo de onda

do Universo como na Mecacircnica Quacircntica Esta equaccedilatildeo de onda satisfaz uma equaccedilatildeo anaacuteloga

agrave de Schroumldinger da Mecacircnica Quacircntica a equaccedilatildeo de Wheeler-DeWitt A proposta de Hartle

e Hawking eacute que a funccedilatildeo de onda descreva um espaccedilo-tempo sem fronteiras (No-Boundary

proposal) A ideia eacute que agrave medida que retrocedemos no tempo chegamos a um ponto em que

o Universo eacute pequeno o suficiente para que efeitos quacircnticos sejam dominantes Nesta altura

existe uma espeacutecie de ldquoespumardquo do espaccedilo-tempo de tal modo que o tempo natildeo pode ser in-

terpretado do modo como o vemos hoje mas sim como uma quarta dimensatildeo espacial Uma

analogia uacutetil eacute a seguinte se viajarmos para o Polo Sul temos de seguir sempre para sul mas

quando alcanccedilamos o ponto do Polo Sul jaacute natildeo faz sentido falarmos na direccedilatildeo sul pelo mesmo

raciociacutenio ao retrocedermos no tempo haacute um pontoinstante em que natildeo faz sentido falar-se em

tempo Matematicamente isto torna-se possiacutevel passando de um espaccedilo-tempo de Minkowski

como na Relatividade Restrita para um espaccedilo Euclideano a quatro dimensotildees no qual o tempo

passa a ser um nuacutemero puramente complexo Com esta formulaccedilatildeo o Universo natildeo tem uma

fronteira aleacutem daquela que permite a transiccedilatildeo entre as duas descriccedilotildees para o espaccedilo-tempo

e que eacute exemplificado na FIGURA 2 Esta geometria eacute designada por shuttlecock ou volantepena

de badminton devido agrave semelhanccedila com este objeto

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FIGURA 2 Representaccedilatildeo tridimensional do modelo de Hartle-Hawking (no boundary proposal) A base corresponde a uma semiesfera a 4 dimensotildees e a estrutura que apresenta o tempo como uma direccedilatildeo distinta das espaciais corresponte a um Universo em expansatildeo

Hawking tambeacutem estudou outros problemas como o das maacutequinas do tempo e questotildees

relacionadas com a cosmologia e a formaccedilatildeo de estruturas no Universo Com o seu carate-

riacutestico humor Hawking afirmou natildeo ser possiacutevel viajar no tempo Para tal sugeriu organizar

uma festa convidando pessoas do futuro a se juntarem a ele e dado que ningueacutem apa-

receu concluiu entatildeo que viagens no tempo natildeo satildeo possiacuteveis na realidade Outra prova

prende-se com o facto de natildeo termos recebido ainda turistas do futuro numa clara alusatildeo

iroacutenica agrave procura turiacutestica desenfreada que assistimos nos dias de hoje

Mais recentemente ele pronunciou-se sobre questotildees de interesse geral como as im-

plicaccedilotildees do desenvolvimento da inteligecircncia artificial e a necessidade e inevitabilidade

da exploraccedilatildeo espacial Mostrou-se reticente acerca dos desenvolvimentos no domiacutenio da

inteligecircncia artificial classificando-o como possivelmente perigoso para a nossa civiliza-

ccedilatildeo pois apesar dos potenciais benefiacutecios comportam seacuterios riscos agrave continuidade da hu-

manidade Relativamente agrave exploraccedilatildeo espacial Hawking encarava as viagens espaciais

quer pelo seu interesse cientiacutefico quer como forma de preservar a humanidade de riscos

de destruiccedilatildeo devido a guerras nucleares ou epidemias devido a viacuterus geneticamente mo-

dificados

O fiacutesico Stephen Hawking legou-nos uma extraordinaacuteria contribuiccedilatildeo cientiacutefica e huma-

na Deixou um extraordinaacuterio exemplo de resiliecircncia dedicaccedilatildeo ao conhecimento e agrave socie-

dade Fisicamente debilitado e ldquopresordquo a uma condiccedilatildeo rara a esclerose lateral amiotroacutefica

que lhe foi diagnosticada aos 21 anos a sua mente foi das mais livres dos nossos tempos

concebeu hipoacuteteses conjunturas e teorias pensou a sociedade de hoje e a do futuro

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RochaO que eacute importante dizer sobre as rochas

A M Galopim de Carvalho Universidade de Lisboa

Rochas e pedras satildeo a mesma coisa Praticamente a resposta eacute sim Pedra eacute aquilo

que se apanha do chatildeo para dar uma pedrada

Qualquer pessoa mesmo a menos letrada diraacute que as pedras

bull natildeo satildeo fabricadas ou feitas por gente (a ciecircncia diz que satildeo entidades naturais)

bull que natildeo se amolgam (a ciecircncia diz que satildeo riacutegidas)

bull que geralmente natildeo se esboroam nem se esfarela (a ciecircncia diz que satildeo coesas)

bull que fazem mossa onde quer que batam (a ciecircncia diz que satildeo duras) Para o cidadatildeo

comum pedra (do grego peacutetra) eacute pois uma entidade natural riacutegida coesa e dura que se

apanha do chatildeo

Apanhamos uma pedra do chatildeo mas quando estudamos falamos quase sempre de ro-

chas Num modo de falar corrente podemos dizer que as pedras satildeo bocados de rocha

Todos falamos de rocha como sinoacutenimo de pedra com base num conhecimento comum

empiacuterico vulgar ligado agrave experiecircncia quotidiana mesmo do mais iletrado dos cidadatildeos Dize-

mos rochedo quando o afloramento de rocha eacute grande e apelidamos de rochoso um terreno

com a rocha agrave vista Rocha eacute um galicismo que entre noacutes se sobrepocircs ao termo ldquorocardquo bem

mais antigo talvez preacute-romano Cabo da Roca ou ldquoFocinho da Rocardquo no dizer dos homens do

mar deve o seu nome a esta versatildeo arcaica da palavra rocha

O conceito atual de rocha e os vaacuterios conhecimentos com elas relacionados percorreram

uma caminhada tatildeo longa quanto a do Homo sapiens caminhada de que temos testemunhos

na Preacute-histoacuteria e variadiacutessimos relatos escritos desde a Antiguidade

Na sua giacuteria proacutepria entendiacutevel entre pares os profissionais falam de rochas dizendo que

satildeo sistemas quiacutemicos mono ou polifaacutesicos (ou seja com um ou mais minerais) resultantes

do equiliacutebrio termodinacircmico atingido pelos seus constituintes em determinados ambientes

Entendendo-se por constituintes os elementos quiacutemicos incluiacutedos nos respetivos minerais

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Por outras palavras acessiacuteveis ao comum das gentes pode entatildeo dizer-se que as rochas

satildeo corpos naturais formados por associaccedilotildees mais ou menos estaacuteveis de minerais compatiacute-

veis entre si e com o ambiente onde foram gerados e que satildeo elas as rochas que constituem

a capa riacutegida da Terra que por essa razatildeo recebeu o nome de litosfera (FIGURA 1)

FIGURA 1 Modelado Graniacutetico na Serra da Estrela (fonte banco de imagens da Casa das Ciecircncias)

Antes de prosseguir esclareccedila-se que no jargatildeo proacuteprio da mineralogia e da geoquiacutemica

os minerais satildeo considerados fases no sentido fiacutesico-quiacutemico da palavra Com efeito neste

sentido uma fase eacute uma porccedilatildeo de mateacuteria quiacutemica e estruturalmente homogeacutenea e uma

qualquer espeacutecie mineral eacute isso mesmo

Por convenccedilatildeo na sistemaacutetica em sedimentologia entre as rochas sedimentares cabem

certos materiais natildeo consolidados como os barros as areias soltas as cascalheiras e ainda

outros de natureza natildeo mineral como os carvotildees foacutesseis e o petroacuteleo (oacuteleo de pedra) Cha-

mar rochas ou pedras a estes materiais agraves vezes tatildeo afastados da imagem vulgar de ldquocoisa

dura riacutegida e coesardquo decorre do conceito geoloacutegico de rocha no qual se inclui o modo de

ocorrecircncia e o respetivo processo de formaccedilatildeo (petrogeacutenese)

A mecacircnica das rochas (disciplina que estuda certas propriedades das rochas como resis-

tecircncia ao esmagamento agrave traccedilatildeo agrave torccedilatildeo agrave flexatildeo porosidade permeabilidade e outras)

define-as como entidades sempre riacutegidas e coesas e duras como tambeacutem se diz vulgarmen-

te com capacidade de suportar cargas e que na eventualidade de terem de ser escavadas ou

removidas haacute que usar tecnologias com explosivos Este conceito corresponde aliaacutes agrave ideia

mais divulgada de rocha como atraacutes se referiu Eacute o bedrock dos autores ingleses

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FIGURA 2 Processo de meteorizaccedilatildeo fiacutesica essencialmente por corrosatildeo eoacutelica em rochas sedimentares (arenitos) (fonte banco de imagens da Casa das Ciecircncias)

Aleacutem das muitas que conhecemos na Terra jaacute estudaacutemos rochas do nosso sateacutelite natural

nomeadamente basaltos e anortositos trazidos da sua superfiacutecie Mercuacuterio Veacutenus e Marte satildeo

tambeacutem planetas rochosos e igualmente rochosos ou pedregosos satildeo ainda os nuacutecleos dos co-

metas e muitos dos asteroides de que temos conhecimento pelos meteoritos caiacutedos na Terra

Quando se apelidam as rochas de magmaacuteticas sedimentares (FIGURA 2) ou metamoacuterficas

natildeo se estaacute apenas a rotulaacute-las para efeitos de arrumo ou arquivo muito menos se estatildeo a

criar novos vocaacutebulos para sobrecarga dos estudantes ou do cidadatildeo em geral Estes adjeti-

vos acrescentados agrave palavra rocha informam de imediato sobre a sua origem

bull magmaacutetica ou sedimentar qualquer delas em resultado de processos naturais faacuteceis de

entender

bull metamoacuterfica em consequecircncia de um outro processo muito menos ao alcance da vivecircncia

do vulgo mas que se explica sem grandes dificuldades

Apelidam-se de metamoacuterficas as rochas que posteriormente a uma primeira formaccedilatildeo

como magmaacuteticas ou sedimentares foram submetidas a pressotildees eou a temperaturas no

interior da crosta que lhes modificaram a composiccedilatildeo eou a textura

Foi atraveacutes do estudo das rochas que desvendaacutemos o essencial dos acontecimentos geo-

loacutegicos que marcaram a histoacuteria deste laquoPlaneta Azulraquo no qual a vida encontrou condiccedilotildees

para despertar e onde evoluiu ao ponto de se interrogar sobre essa mesma histoacuteria

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Os conhecimentos diretos de que hoje dispomos relativos agraves rochas da Terra limitam-se

aos que se obtecircm pelo estudo das que afloram agrave superfiacutecie das recolhidas em dragagens

nos fundos marinhos e das retiradas da profundidade quer em minas quer atraveacutes de son-

dagens Esta profundidade que natildeo excede 3 km no primeiro caso e 11 km no segundo

(na peniacutensula de Kola) pode considerar-se insuficiente se comparada com as trecircs a quatro

dezenas de quiloacutemetros de espessura meacutedia da crosta continental

Eacute jaacute muito o conhecimento que temos desta capa (a crosta ou crusta como alguns dizem e

escrevem) mais superficial do nosso planeta Temo-lo atraveacutes das rochas que constantemente

vemos e pisamos muitas delas geradas em zonas profundas trazidas agrave superfiacutecie pelos en-

rugamentos de origem tectoacutenica geradores das montanhas e subsequentemente postas a

descoberto pela erosatildeo

Outras rochas proacuteprias de muito maiores profundidades inclusive do manto inferior como eacute

o caso dos xenocristais e dos xenoacutelitos (do grego xenos estranho e lithos pedra) isto eacute cris-

tais e fragmentos de materiais liacuteticos gerados nessas regiotildees e que ascendem agrave superfiacutecie na

sequecircncia de atividade vulcacircnica englobados ou encravados nos produtos magmaacuteticos que ali

se formaram ou por ali passaram Na ilha da Madeira por exemplo satildeo frequentes os xenoacutelitos

oliviacutenicos que ascenderam ateacute agrave superfiacutecie no seio das lavas envolvidas no processo vulcacircnico

que originou esta e muitas outras ilhas

As rochas a que temos acesso mais ou menos direto representam uma parcela importante

da diferenciaccedilatildeo da Terra e agrave semelhanccedila da aacutegua do ar e dos seres vivos satildeo o resultado de

imensas transformaccedilotildees numa vasta e complexa rede de inter-relaccedilotildees ocorridas ao longo

dos tempos neste laquoplaneta vivoraquo pleno ainda de energia interna (sob a forma de calor) a que

se adiciona toda a que lhe chega do exterior isto eacute a radiaccedilatildeo solar Como escreveu Maurice

Mattauer ldquoas pedras nascem vivem e morrem como noacutes elas tecircm uma idade e uma histoacuteriardquo

Petrologia e litologia satildeo duas disciplinas que estudam as rochas ou as pedras Se bem que

os eacutetimos petra (latim) e lithos (grego) sejam sinoacutenimos petrologia e litologia encerram con-

ceitos diferentes ainda que relacionados entre si

bull A petrologia eacute um ramo da geologia com dimensatildeo de ciecircncia de vastos recursos nos campos

da fiacutesica da quiacutemica e naturalmente tambeacutem da matemaacutetica em busca do conhecimento da

origem natureza constituiccedilatildeo e evoluccedilatildeo da Terra no acircmbito do Sistema Solar e do Universo

bull A litologia outro ramo da geologia eacute habitualmente entendida como a disciplina que estuda

as rochas num campo praacutetico Serve a geologia de engenharia tendo em vista a implantaccedilatildeo

de grandes edifiacutecios e outras obras volumosas cujas fundaccedilotildees exigem o conhecimento dos

terrenos A litologia daacute igualmente respostas agrave pedologia (o estudo dos solos) e agrave induacutestria

extrativa de rochas ornamentais usadas na arquitetura na cantaria ou na estatuaacuteria e de

rochas industriais exploradas como importantes mateacuterias-primas para a construccedilatildeo civil a

ceracircmica o vidro o cimento a cal e a induacutestria quiacutemica

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Software educativo em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Ana C Conceiccedilatildeo

DMUniversidade do Algarve

O conceito F-Tool foi desenvolvido em 2012 com o objetivo de proporcionar uma

aprendizagem interativa em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Em particular eacute possiacutevel

explorar de forma integrada as noccedilotildees de domiacutenio contradomiacutenio existecircncia de zeros

existecircncia de extremos e de pontos de inflexatildeo invertibilidade derivabilidade reta

tangente ao graacutefico num ponto simetrias em relaccedilatildeo aos eixos e agrave origem A utilizaccedilatildeo

dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adaptaccedilatildeo de

alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e

do simples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular)

No ensino da matemaacutetica e em particular no estudo de funccedilotildees a recomendaccedilatildeo da utiliza-

ccedilatildeo de software educacional tem como objetivo o sanar das dificuldades que os alunos pos-

suem em associar as representaccedilotildees algeacutebricas com as diversas representaccedilotildees numeacutericas

eou graacuteficas De facto o caraacuteter estaacutetico das representaccedilotildees matemaacuteticas muitas vezes

dificulta a construccedilatildeo do significado afetando substancialmente a correta interpretaccedilatildeo dos

conceitos A criaccedilatildeo de modelos interativos visuais com o sistema de aacutelgebra computacional

Mathematica permite aos alunos explorar conceitos de elevada complexidade e rapidamen-

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te adquirir uma compreensatildeo mais profunda dos conteuacutedos Obviamente a utilizaccedilatildeo de sof-

tware educacional natildeo deve ser vista como um substituto para o ensino com ldquopapel e laacutepisrdquo

deve ser devidamente combinada com outros meacutetodos de ensino

O conceito F-Tool foi desenvolvido em 2012 com o objetivo de proporcionar uma apren-

dizagem interativa em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Os aplicativos computacionais

implementados com base neste conceito utilizam as capacidades de caacutelculo numeacuterico e

simboacutelico do Mathematica de forma a permitir estudar dinacircmica e interativamente e em

tempo real conceitos e propriedades fundamentais do preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial

FIGURA 1 Imagem ilustrativa da F-Exponential

O conceito F-Tool em sala de aula permite uma abordagem dinacircmica de diversos concei-

tos relacionados com o estudo de funccedilotildees e promove novas formas de raciocinarpensar

avaliar ensinar e aprender As F-Tool foram concebidas como ferramentas de aprendiza-

gem ativa ou seja a sua utilizaccedilatildeo adequada propicia um contexto de ensino-aprendiza-

gem onde alunos e professores satildeo igualmente convidados a contribuir Aleacutem disso tecircm

uma interface muito intuitiva que permite que ateacute mesmo o utilizador mais inexperiente

sem qualquer conhecimento anterior em software educacional possa comeccedilar a usar to-

dos os recursos de uma forma eficiente e autoacutenoma As F-Tool natildeo satildeo um objeto estaacutetico

mas sim um programa a ser executado com o qual se interage em tempo real Em parti-

cular atraveacutes da alteraccedilatildeo dinacircmica dos valores dos paracircmetros que definem cada classe

eacute possiacutevel obter informaccedilatildeo analiacutetica rigorosa apresentada em aritmeacutetica exata ou apro-

ximada bem como informaccedilatildeo visual estaacutetica e natildeo-estaacutetica De igual modo escolhendo

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estrategicamente de entre as vaacuterias opccedilotildees de funccedilotildees disponiacuteveis no painel esquerdo eacute

possiacutevel apreender de forma mais eficaz e consequente muitas das relaccedilotildees existentes

entre as vaacuterias funccedilotildees e respetivas transformaccedilotildees (FIGURA 1) As F-Tool utilizam um

coacutedigo de cores para diferenciar as vaacuterias funccedilotildees apresentadas Este coacutedigo eacute explicitado

na legenda do canto inferior esquerdo do painel central

Qual das figuras pode representar o graacutefico de uma funccedilatildeo e o graacutefico da sua derivada de 1ordf ordem

FIGURA 2 Exemplo de questatildeo de escolha muacuteltipla utilizando diversas opccedilotildees do painel esquerdo das F-Tool

Apesar de ser um software educacional dinacircmico e interativo pode tambeacutem ser utilizado

na construccedilatildeo de questotildees de avaliaccedilatildeo de escolha muacuteltipla (FIGURA 2) e de resposta aberta

ficando o docente automaticamente com a resposta ao selecionar no painel esquerdo as

opccedilotildees relacionadas com a questatildeo

A utilizaccedilatildeo dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adapta-

ccedilatildeo de alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e do sim-

ples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular) De facto

incluindo as F-Tool em ficheiros no Computable Document Format (CDF) eacute possiacutevel criar

fichas de trabalho dinacircmicas e interativas motivando os alunos e tornando o estudo mais

interessante

Acreditamos que o conceito F-Tool ao dotar professores e estudantes com novas fer-

ramentas para explorar alguns conceitos fundamentais da matemaacutetica desenvolveraacute po-

sitivamente o processo de ensino e de aprendizagem das aacutereas de preacute-caacutelculo e caacutelculo

diferencial

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O Aroma das Plantas Luiacutes Gaspar Pedro

Ana Cristina Figueiredo

Joseacute Gonccedilalves Barroso

CESAM CBV Universidade de Lisboa

Quando nos festejos dos Santos Populares colocamos a matildeo sobre o manjerico

provocamos a rutura de estruturas microscoacutepicas Ao fazecirc-lo libertam-se compostos

quiacutemicos que aderem agrave palma da nossa matildeo que depois percecionamos pelo nosso

olfacto Os aromas satildeo misturas complexas de dezenas de compostos volaacuteteis

carateriacutesticos de uma determinada planta

O aroma o que eacute

O aroma de muitas plantas eacute constituiacutedo por diversos compostos quiacutemicos volaacuteteis que

tecircm a capacidade de estimular os nossos recetores olfactivos A quantidade e a diver-

sidade deste tipo de compostos presentes nas plantas satildeo responsaacuteveis pelos aromas

carateriacutesticos Eacute relativamente faacutecil reconhecer o aroma dos coentros ou do manjerico e

distingui-los de outros aromas como o da rosa ou do cravinho

Na composiccedilatildeo da fraccedilatildeo volaacutetil de uma planta aromaacutetica encontram-se regra geral

compostos como os mono- e sesquiterpenos e os fenilpropanoacuteides (FIGURA 1) entre ou-

tros Satildeo todos eles compostos quiacutemicos com ponto de ebuliccedilatildeo relativamente baixo que

volatilizam agrave temperatura ambiente e contribuem de forma mais ou menos notoacuteria para o

aroma carateriacutestico de cada espeacutecie

FIGURA 1 Exemplos de compostos que constituem a fraccedilatildeo volaacutetil de diversas espeacutecies aromaacuteticas monoterpenos (α-pineno timol) sesquiterpenos (β-cariofileno germacreno D) e fenilpropanoacuteides (eugenol)

α-Pineno Timol β-Cariofileno Germacreno D Eugenol

NO

TIacuteC

IAS

ED

UC

AT

IVA

S

40

Estruturas secretoras

Os compostos que constituem a fraccedilatildeo aromaacutetica de uma planta satildeo regra geral sinteti-

zados e acumulados em estruturas secretoras microscoacutepicas Entre os diversos tipos de

estruturas secretoras as mais frequentes satildeo os tricomas os canais e as bolsas (FIGURA 2)

FIGURA 2 Exemplos de estruturas secretoras observadas em microscopia oacuteptica A - Tricoma de Geranium robertianum (s - secretado acumulado no espaccedilo sub-cuticular coloraccedilatildeo com reagente de Nadi) B - canal secretor de Crithmum maritimum (setas coloraccedilatildeo com tricloreto de antimoacutenio) e C - bolsa secretora de Citrus sp (coloraccedilatildeo com Vermelho Sudatildeo III)

Os tricomas glandulares satildeo estruturas externas com origem em ceacutelulas epideacutermicas

que apresentam diversos graus de complexidade desde tricomas com apenas trecircs ceacutelulas

uma das quais a secretora ateacute tricomas com mais de uma dezena de ceacutelulas secretoras

As bolsas e os canais secretores satildeo estruturas internas constituiacutedas por ceacutelulas glandu-

lares que delimitam o luacutemen o espaccedilo para onde satildeo secretados os compostos depois de

produzidos nas ceacutelulas secretoras Os canais satildeo estruturas alongadas que percorrem o

corpo da planta por vezes com ramificaccedilotildees enquanto as bolsas satildeo estruturas mais ou

menos isodiameacutetricas

Os oacuteleos essenciais

Um oacuteleo essencial eacute obtido por hidrodestilaccedilatildeo ou por destilaccedilatildeo por arrastamento de va-

por (FIGURA 3) No caso particular dos citrinos o oacuteleo essencial pode ainda ser obtido

por expressatildeo (processo mecacircnico que promove a libertaccedilatildeo do secretado acumulado no

interior das estruturas secretoras neste caso bolsas)

Tanto na hidrodestilaccedilatildeo como na destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor o secretado eacute

removido das estruturas secretoras e arrastado pelo vapor de aacutegua Depois de condensar

por arrefecimento o oacuteleo essencial separa-se da aacutegua podendo ser facilmente recolhido

devido agrave sua imiscibilidade com a aacutegua

A B CS

NO

TIacuteC

IAS

ED

UC

AT

IVA

S

41FIGURA 3 A - Sistema de hidrodestilaccedilatildeo com aparelho de Clevenger e B - sistema de destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor

Anaacutelise de oacuteleos essenciais

Para analisar um oacuteleo essencial recorre-se frequentemente agrave cromatografia gasosa (CG)

para quantificaccedilatildeo dos componentes e agrave CG acoplada agrave espectrometria de massa (CG-

-EM) para a correspondente identificaccedilatildeo dos constituintes Por CG-EM os diversos com-

ponentes que constituem o oacuteleo essencial satildeo separados uns dos outros e ao chegarem ao

espectroacutemetro de massa satildeo bombardeados por eletrotildees o que leva a que as moleacuteculas

fragmentem formando-se diferentes iotildees de acordo com padrotildees preferenciais O con-

junto dos fragmentosiotildees constituem o espectro de massa que eacute carateriacutestico de cada

moleacutecula A integraccedilatildeo das aacutereas dos picos que surgem no cromatograma obtido por CG

(FIGURA 4A) permite a quantificaccedilatildeo relativa dos diversos componentes do oacuteleo essencial

A anaacutelise por CG-EM possibilita a identificaccedilatildeo desses compostos por comparaccedilatildeo dos

espectros de massa (FIGURA 4B) e dos iacutendices de retenccedilatildeo com os de amostras padratildeo

FIGURA 4 A - Aspeto parcial de um cromatograma obtido por CG carateriacutestico de um oacuteleo essencial com alguns dos ldquopicosrdquo identificados B - espectro de massa obtido por CG-EM de um dos componentes maioritaacuterios o timol

A B

A B

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43

Paisagens da Islacircndia Formase Processos (III)Fernando Carlos LopesCITEUC Universidade de Coimbra

A Islacircndia eacute famosa natildeo soacute pelos seus vulcotildees mas tambeacutem pelos seus glaciares e pela

sua sinuosa e escarpada linha de costa

Atualmente os glaciares cobrem cerca de 10 da superfiacutecie islandesa e 60 destas

aacutereas geladas assentam sobre sistemas vulcacircnicos ativos Esta combinaccedilatildeo de gelo e vul-

canismo torna a Islacircndia o local ideal para cheias repentinas (joumlkulhlaups) resultantes de

aacutegua que escorre por baixo dos glaciares devido agrave fusatildeo provocada pelas erupccedilotildees subgla-

ciares Atualmente existem 4 grandes calotes glaciares localizadas nas regiotildees elevadas

e vulcanicamente ativas do centro e sul da ilha a partir das quais divergem numerosas liacuten-

guas glaciarias Vatnajoumlkull (8100 km2) situado no centro leste Langjoumlkull (925 km2) si-

tuado no centro oeste Hofsjoumlkull (925 km2) situado na zona central da ilha Myrdalsjoumlkull

(600 km2) situado no sul da ilha Apesar da Islacircndia ter cerca de 24 Ma a sua paisagem soacute

foi moldada por glaciares nos uacuteltimos 5 milhotildees de anos Os seus glaciares de tipo alpino

(ou de montanha) avanccedilaram e recuaram condicionados pelas variaccedilotildees regionais e locais

do clima de que resultaram espetaculares morfologias Como jaacute se referiu anteriormente

as variaccedilotildees da carga glaciar sobre a litosfera provocadas pelas fases de gelo e degelo

teratildeo desempenhado papel importante na atividade vulcacircnica da ilha

Com um comprimento de cerca de 4970 km a linha de costa da Islacircndia eacute de um modo

geral muito recortada e escarpada marcada por promontoacuterios cabos peniacutensulas fiordes

e enseadas pontilhada de leixotildees por entre os quais se aninham praias de areia negra de

contornos suaves A accedilatildeo do mar sobre as inuacutemeras escoadas de lava que fluiacuteram ateacute agrave

costa ao longo da evoluccedilatildeo geoloacutegica da ilha e ali solidificaram sobre os aparelhos vulcacirc-

nicos implantados na zona litoral e sobre os vales deixados pelo recuo dos glaciares criou

paisagens de uma beleza surreal

FIGURA DA PAacuteGINA ANTERIOR Leixatildeo Hvitserkur noroeste da Islacircndia (fonte pixabay)

AO

S O

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44

Parte III - Paisagens controladas pelos glaciares e paisagens costeirasVales glaciares e fiordes

Vales glaciares vales suspensos lagos glaciares e cascatas ciacuterculos glaciares moreias

e fiordes satildeo formas carateriacutesticas das paisagens islandesas criadas pelos seus glacia-

res alpinos Os vales glaciares com o seu carateriacutestico perfil em ldquoUrdquo satildeo a forma mais

comum de paisagem originada pela erosatildeo glacial (FIGURA 1) No interior destes vales os

rios concentram o seu poder erosivo na zona mais baixa originando um perfil carateriacutestico

em ldquoVrdquo O poder erosivo dos glaciares eacute muito superior ao dos rios porque a sua energia

potencial resulta natildeo soacute do declive do terreno mas tambeacutem do peso do gelo A erosatildeo faz-

-se essencialmente ao longo das zonas laterais do canal criando um vale com vertentes

alcantiladas e fundo aplanado Vales suspensos satildeo vales escavados por glaciares tributaacute-

rios Como estes glaciares levam menos gelo o seu poder erosivo eacute menor que o do glaciar

principal ficando suspenso nas vertentes do glaciar principal quando o gelo recua Cons-

tituem exemplos notaacuteveis pela sua beleza e dimensatildeo os vales glaciares de Borgarvirki

(FIGURA 2) e de Akureyri (ou Eyjafjoumlrethur) no noroeste da ilha Este uacuteltimo vai desembocar

num fiorde que eacute mais longo da Islacircndia

FIGURA 1 Esquema 3D (sem escala) da evoluccedilatildeo de uma paisagem glaciar com formaccedilatildeo de vales glaciares vales glaciares suspensos ciacuterculos glaciares lagos glaciares e cascatas

AO

S O

LH

OS

DA

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NC

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45

FIGURA 2 Aspeto do vale glaciaacuterio de Borgarvirki observado a partir da fortaleza de Borgarvirki

Se as condiccedilotildees forem favoraacuteveis os glaciares podem erodir abaixo do niacutevel do mar Quan-

do o glaciar recua o oceano invade estas depressotildees criando um fiorde Alguns dos fiordes

islandeses como o de Akureyri e o de Nordfjord (nordeste da ilha) possuem centenas de

metros abaixo do niacutevel do mar O fiorde de Nordfjord abrange parcialmente uma antiga cal-

deira vulcacircnica Nas faleacutesias do seu flanco oriental (falesias de Raudubjoumlrg) afloram rioacutelitos

conferindo agraves arribas uma carateriacutestica cor avermelhada)

Como se referiu anteriormente (Parte I) a orientaccedilatildeo da maioria dos vales glaciares e

fiordes segue de perto a orientaccedilatildeo dos principais lineamentos tectoacutenicos

Moreias

Em termos de aspetos deposicionais relacionados com glaciares as moreias satildeo de lon-

ge os mais abundantes Satildeo acumulaccedilotildees de fragmentos rochosos transportados pelos

glaciares quer na regiatildeo frontal (moreia frontal) lateral (moreia lateral) a meio (moreia

mediana) e no fundo (moreia de fundo)

Durante o uacuteltimo maacuteximo glaciar (haacute cerca de 20 000 anos) a Islacircndia estava quase

toda coberta por glaciares que se estendiam ateacute agrave costa e para aleacutem dela Foram encon-

tradas moreias frontais dessa eacutepoca a cerca de 130 km a offshore da costa ocidental e a

cerca de 150-230 m abaixo do niacutevel de mar atual

Eacute possiacutevel encontrar nos vales glaciares islandeses quer moreias antigas resultantes

da uacuteltima glaciaccedilatildeo quer moreias recentes e atuais Estas uacuteltimas estatildeo relacionadas com

as 4 grandes calotes glaciares existentes como eacute o caso das moreias do glaciar Vatna-

joumlkull que se podem observar em pleno no setor sudeste da ilha

AO

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46

Lagoas glaciares e icebergues

Outra das paisagens magniacuteficas moldadas pelos glaciares satildeo as lagoas glaciares Estas

lagoas formam-se na extremidade dos glaciares que descem das calotes glaciares Satildeo

alimentadas pelo desgelo natural dos glaciares e nela flutuam pequenos e grandes iceber-

gues que se separam da frente do glaciar (FIGURA 3)

FIGURA 3 Esquema 3D (sem escala) da formaccedilatildeo de icebergues numa lagoa glaciar

O exemplo mais notaacutevel deste tipo de lagoas na Islacircndia eacute a lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten consi-

derada uma das maravilhas naturais do paiacutes Fica situada no sudeste da ilha na extremidade

do glaciar Breiethamerkurjoumlkull uma das liacutengua glaciares da calote de Vatnajoumlkull (FIGURA 4)

FIGURA 4 Icebergues na lagoa glaciar de Joumlkulsaacuterloacuten Ao fundo vecirc-se a frente do glaciar Breiethamerkurjoumlkull As faixas negras nos icebergues satildeo niacuteveis de cinza vulcacircnica

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47

A lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten eacute o ponto mais baixo da Islacircndia com zonas agrave cota de -200 m Na

baiacutea da lagoa tem-se acesso a uma paisagem de outro mundo com icebergues de dimen-

sotildees variadas que flutuam ateacute ao mar ficando alguns deles encalhados na margem de uma

praia de areia vulcacircnica Alguns icebergues exibem faixas negras correspondentes a niacuteveis

de cinzas vulcacircnicas provenientes de antigas erupccedilotildees (FIGURA 4) Outros exibem duas

tonalidades branco leitoso e azul claro A faixa azul corresponde agrave porccedilatildeo do icebergue

que se tornou recentemente emersa

A lagoa teraacute sido formada em 1934-35 pelo contiacutenuo recuo do glaciar Vatnajoumlkull e teraacute

duplicado de tamanho nos uacuteltimos 15 anos Dada a taxa atual de recuo do glaciar Vatna-

joumlkull um profundo fiorde iraacute desenvolver-se no local onde hoje existe a lagoa

As costas escarpadas

As costas escarpadas e recortadas satildeo sem duacutevida as mais dominantes Ocorrem deste o

oeste ao leste da ilha passando pela regiatildeo norte incisas por numerosos fiordes e peque-

nas enseadas e salpicadas por leixotildees Eacute notaacutevel pela sua forma de dragatildeo e pelas lendas

que o envolvem o leixatildeo de Hvitserkur (IMAGEM DA PAGINA 42) situado na costa leste da

Peniacutensula de Vatnsnes no noroeste da Islacircndia

Os fiordes mais profundos localizam-se na costa norte constituindo bons portos natu-

rais Um destaque especial vai para o fiorde ao longo do qual se estende a cidade de Aku-

reyri (fiorde de Akureyri ou Eyjafjoumlrethur) considerado o mais longo do paiacutes

Praias de areia Negra

As praias de areia negra em geral de reduzida extensatildeo podem ser constituiacutedas por i) de-

poacutesitos resultantes da abrasatildeo das arribas ii) moreias e depoacutesitos fluviais resultantes dos

rios glaciares com contornos suaves e lagoas glaciares protegidas por extensas barras

arenosas iii) depoacutesitos de tefra provenientes de erupccedilotildees freaacuteticas

As do primeiro tipo ocorrem um pouco por toda a linha de costa como resultado da accedilatildeo

do mar sobre as arribas As do segundo tipo ocorrem dominantemente entre Djuacutepivogur a

sudeste e Oumllfusaacute a sudoeste com destaque para a praia de Reynisfjara na costa sul As

da terceira categoria podem ser observadas na ilha de Heimaey arquipeacutelago de Vestman-

naeyja regiatildeo sul da Islacircndia

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018048

IMA

GE

M E

M D

ES

TAQ

UE

48

Eu crio as minhas obras de arte de peque-

nos pedaccedilos de papel com espirais que co-

nectam e ligam os elementos a uma grande

estrutura Na obra de origami acabada a

que chamo Voltinhas estas espirais vivem

e trabalham Forccedilas de tensatildeo e fricccedilatildeo

contrapotildeem-se agrave gravidade e mantecircm a

forma estaacutevel Nas minhas criaccedilotildees procu-

ro estar perto da natureza Quando criamos

ou estudamos modelos de papel na macro

escala podemos entender melhor as for-

mas criadas pela natureza na micro escala

A minha obra de origami na capa o trabalho

intitulado ldquoInverno num parque de Lisboardquo e

o capsiacutedeo do viacuterus Canine parvovirus um viacute-

rus contagioso que ataca sobretudo os catildees

e outros caniacutedeos tecircm a mesma estrutura

geomeacutetrica do pequeno rombicosidodecae-

dro um poliedro com simetria icosaeacutedrica

Essa obra invoca simbolicamente o Ano

da Biologia Matemaacutetica 2018 O origami eacute

uma arte de dobragem do papel com uma

forte componente geomeacutetrica que permite

a construccedilatildeo de formas complexas e tem

atraiacutedo o interesse de matemaacuteticos pelas

suas propriedades geomeacutetricas e algeacutebricas

Krystyna Burczyk

Os viacuterus satildeo responsaacuteveis por inuacutemeras

doenccedilas no homem nos animais e nas plan-

tas e as curas e prevenccedilotildees satildeo ainda mui-

tas vezes problemaacuteticas Desenvolvimen-

tos recentes das aplicaccedilotildees da matemaacutetica

agrave virologia nomeadamente das teorias de

grupos de grafos de tesselaccedilatildeo ou de re-

ticulados mostraram por exemplo que as

restriccedilotildees estruturais agraves formas dos viacuterus

satildeo maiores do que antes se pensava e

permitiram a construccedilatildeo de novos modelos

para o desenvolvimento de terapias anti-

-virais Os capsiacutedeos virais que envolvem

os genomas dos viacuterus por razotildees de eco-

nomia geneacutetica tem muitas vezes uma si-

metria icosaeacutedrica Ora esta simetria natildeo eacute

cristalograacutefica em trecircs dimensotildees ie natildeo

eacute compatiacutevel com reticulados perioacutedicos

o que motivou os matemaacuteticos a desen-

volverem novas estruturas no contexto de

grupos de Coxeter natildeo-cristalograacuteficos que

encontraram aplicaccedilatildeo natildeo soacute na virologia

mas tambeacutem noutras estruturas molecula-

res da quiacutemica do carbono

Joseacute Francisco RodriguesUniversidade de Lisboa

Origami e Viacuterusin imagemcasadascienciasorg

Imagem de Canine Parvovirus gerada em VMD Autor Alexandre Lopes Magalhatildees

Page 11: JUNHO 2018 V6 /02 · 2018-09-26 · Matilde Viegas, Maria João Ramos, Pedro Alexandrino Fernandes Stephen Hawking e a sua contribuição para a física teórica Orfeu Bertolami,

AR

TIG

O

9

Espectroscopia VibracionalPaulo Ribeiro ClaroCICECO Universidade de Aveiro

Designa-se por ldquoespectroscopia vibracionalrdquo a teacutecnica que mede a interaccedilatildeo da radiaccedilatildeo

eletromagneacutetica com os movimentos de vibraccedilatildeo de um sistema molecular

Qualquer sistema que contenha aacutetomos ligados entre si tem movimentos vibracionais

desde as moleacuteculas diatoacutemicas aos sistemas bioloacutegicos e aos materiais mais diversos

Deste modo as diversas teacutecnicas de espectroscopia vibracional satildeo muito utilizadas

tanto na caraterizaccedilatildeo de sistemas como em anaacutelise quiacutemica Estas aplicaccedilotildees

estendem-se atualmente ateacute agrave imagem meacutedica

Graus de liberdade de um sistema molecular

Considerando uma associaccedilatildeo de N aacutetomos (moleacutecula iatildeo ou radical) em fase gasosa ndash isto

eacute isolada e livre de restriccedilotildees externas ao seu movimento ndash cada um dos seus aacutetomos pode

deslocar-se segundo as trecircs direccedilotildees do espaccedilo descritas pelos eixos coordenados ou ve-

tores xyz Teremos assim 3N vetores que podem combinar-se em 3N movimentos distintos

FIGURA 1 Representaccedilatildeo esquemaacutetica dos 3N graus de liberdade de uma moleacutecula diatoacutemica A linha superior representa as trecircs translaccedilotildees a linha inferior representa as duas rotaccedilotildees e uma vibraccedilatildeo (O nuacutemero de vibraccedilotildees independentes eacute dado pela diferenccedila entre o nuacutemero de graus de liberdade e o nuacutemero de translaccedilotildees e rotaccedilotildees 3N-5) O movimento de vibraccedilatildeo pressupotildee que a ligaccedilatildeo entre os aacutetomos funciona como uma mola (que forccedilaraacute os aacutetomos a inverterem o sentido do movimento)

AR

TIG

O

10

Quando todos os aacutetomos se movem coordenadamente na direccedilatildeo um dado vetor (por

exemplo direccedilatildeo z FIGURA 1 primeira imagem) isso representa a translaccedilatildeo da moleacutecula

nessa direccedilatildeo Para uma moleacutecula isolada haacute pois trecircs movimentos ndash ou graus de liberdade

ndash translacionais

De igual modo eacute possiacutevel encontrar combinaccedilotildees de movimentos individuais dos aacutetomos

que resultam numa rotaccedilatildeo da moleacutecula em torno do seu centro de massa Estes graus de

liberdade rotacionais satildeo tambeacutem trecircs para a maioria das moleacuteculas Em moleacuteculas linea-

res haacute apenas dois graus de liberdade rotacionais pois natildeo existe rotaccedilatildeo em torno do eixo

molecular (natildeo moveria nenhum aacutetomo)

As restantes combinaccedilotildees de movimentos atoacutemicos resultam em movimentos dos aacutetomos

entre si sem que haja translaccedilatildeo ou rotaccedilatildeo da moleacutecula ou seja correspondem a graus de

liberdade vibracionais Deste modo um sistema molecular com N aacutetomos tem 3N-6 vibra-

ccedilotildees (3N-5 se for linear)

A soluccedilatildeo da equaccedilatildeo de Schoumldinger para uma partiacutecula livre em movimento tem como

significado fiacutesico a natildeo-quantizaccedilatildeo da energia translacional Dito de outro modo os graus

de liberdade translacionais satildeo contiacutenuos Contudo o mesmo natildeo se passa com os movimen-

tos os rotacionais e vibracionais a que correspondem niacuteveis de energia discretos (ou quan-

tizados) Assim eacute possiacutevel observar transiccedilotildees entre os niacuteveis rotacionais (espectroscopia

rotacional) ou entre os niacuteveis vibracionais (espectroscopia vibracional) Como seraacute discutido

abaixo numa moleacutecula em fase gasosa eacute possiacutevel observar transiccedilotildees em que se alteram si-

multaneamente o estado vibracional e o estado rotacional (por vezes abreviadas para ldquotran-

siccedilotildees roto-vibracionaisrdquo)

O modelo mais simples para descrever as vibraccedilotildees moleculares eacute o modelo do oscilador

harmoacutenico diatoacutemico dois aacutetomos de massa m1 e m2 ligados por uma mola perfeitamente

elaacutestica (FIGURA 2A) Os dois aacutetomos oscilam em torno da distacircncia de equiliacutebrio num mo-

vimento que pode ser designado por ldquoelongaccedilatildeo linearrdquo (e frequentemente abreviado para

ldquoelongaccedilatildeordquo)

Por resoluccedilatildeo da equaccedilatildeo de Schroumldinger para este modelo obteacutem-se a expressatildeo da

energia dos niacuteveis vibracionais

)frac12v(v += νhE

onde v eacute o nuacutemero quacircntico vibracional (v = 0 1 2 3 hellip) e ν eacute a frequecircncia de vibraccedilatildeo

do oscilador harmoacutenico Segundo este modelo os niacuteveis de energia de um oscilador estatildeo

igualmente espaccedilados sendo a diferenccedila entre eles igual a hν (FIGURA 2B) A regra de sele-

ccedilatildeo para o oscilador harmoacutenico eacute Δv = 1 pelo que o espectro vibracional de uma moleacutecula

diatoacutemica nesta aproximaccedilatildeo consiste num uacutenico sinal de frequecircncia ν independentemente

do niacutevel de partida

(1)

AR

TIG

O

11

FIGURA 2 A - Oscilador harmoacutenico constituiacutedo por duas esferas de massa m1 e m2 ligadas por uma mola sem limite de elasticidade (obedece agrave lei de Hooke para qualquer deformaccedilatildeo) B - Esquema da distribuiccedilatildeo dos niacuteveis de energia vibracionais em funccedilatildeo do nuacutemero quacircntico v e valor da separaccedilatildeo energeacutetica entre niacuteveis consecutivos

A frequecircncia do oscilador depende naturalmente da forccedila da ldquomolardquo ou seja do grau de

rigidezelasticidade da ligaccedilatildeo quiacutemica que se traduz na constante de forccedila da ligaccedilatildeo k

Esta constante de forccedila eacute a que define a resistecircncia da mola agrave deformaccedilatildeo ou seja a forccedila

que eacute necessaacuterio efetuar para provocar uma deformaccedilatildeo de Δx de acordo com a lei de

Hooke F = k Δx A equaccedilatildeo da frequecircncia do oscilador harmoacutenico eacute entatildeo dada por

μπν

k21

=

onde μ eacute a massa reduzida do oscilador

Os osciladores reais satildeo anarmoacutenicos uma vez que as ligaccedilotildees quiacutemicas natildeo se compor-

tam como molas perfeitamente elaacutesticas A FIGURA 5 compara a funccedilatildeo de energia potencial

do oscilador harmoacutenico com uma curva pouco anarmoacutenica (FIGURA 3A) e muito anarmoacutenica

(FIGURA 3B) A situaccedilatildeo real corresponde agrave curva de alta anarmonicidade (FIGURA 3B) jaacute que

as ligaccedilotildees quiacutemicas quebram quando satildeo estiradas excessivamente

FIGURA 3 Comparaccedilatildeo entre o oscilador harmoacutenico (linha a vermelho) e anarmoacutenico (linha a preto) para duas situaccedilotildees A - baixa anarmonicidade e B - alta anarmonicidade Notar que a regiatildeo da transiccedilatildeo fundamental(0rarr1) eacute muito razoavelmente descrita pelo oscilador harmoacutenico em qualquer dos casos

(2)

A B

A B

AR

TIG

O

12

A energia dos niacuteveis de um oscilador anarmoacutenico eacute dada por

2v )frac12v()frac12v( +-+= exhhE νν

onde xe eacute a constante de anarmonicidade especiacutefica de cada oscilador

Um efeito imediato da anarmonicidade eacute a diminuiccedilatildeo progressiva do espaccedilamento ener-

geacutetico entre os niacuteveis (tal como se observa na FIGURA 3)

ΔEv0rarr1 = hν(1 ndash 2 x) ΔEv1rarr2

= hν(1 ndash 4 x) ΔEv2rarr3 = hν(1 ndash 6 x)

Proacuteximo da energia de dissociaccedilatildeo o espaccedilamento tende para zero o que permite estimar

a energia de uma ligaccedilatildeo a partir da sua frequecircncia de vibraccedilatildeo e da correspondente anar-

monicidade

exhD 4e ν=

A regra de seleccedilatildeo para o oscilador anarmoacutenico eacute Δv = 1 2 3 hellip sendo possiacutevel observar

diversas transiccedilotildees Enquanto a transiccedilatildeo do niacutevel v=0 para v=1 eacute designada por transiccedilatildeo

fundamental as transiccedilotildees de v=0 para vgt1 satildeo designadas sobretons

Quando a populaccedilatildeo dos niacuteveis excitados eacute significativa eacute possiacutevel observar as transiccedilotildees

v=1 para v=2 v=2 para v=3 etc Estas transiccedilotildees aumentam de intensidade por aumento

da temperatura (ver distribuiccedilatildeo de populaccedilatildeo de Boltzmann) pelo que as correspondentes

bandas do espectro vibracional satildeo designadas por ldquobandas quentesrdquo

Esta anaacutelise do espectro vibracional de sistemas diatoacutemicos pode estender-se a sistemas

poliatoacutemicos Em sistemas poliatoacutemicos observam-se vaacuterios movimentos de ldquoelongaccedilatildeo li-

nearrdquo (tantos quantos as ligaccedilotildees entre 2 aacutetomos) de ldquodeformaccedilatildeo angularrdquo (envolvendo 3

aacutetomos ligados) de ldquotorccedilatildeordquo e de ldquodeformaccedilatildeo para fora do planordquo (envolvendo 4 aacutetomos

ligados) Estes movimentos combinam-se nas 3N-6 vibraccedilotildees globais da moleacutecula desig-

nados por modos normais de vibraccedilatildeo Em alguns casos os modos normais de vibraccedilatildeo es-

tatildeo altamente localizados num grupo definido de aacutetomos ndash por exemplo o grupo carbonilo

(C=O) ndash e originam bandas no espectro vibracional que satildeo carateriacutesticas desse grupo de

aacutetomos e mais ou menos independentes do resto da moleacutecula Estas vibraccedilotildees satildeo desig-

nadas por frequecircncias de grupo muito utilizadas em caraterizaccedilatildeo quiacutemica Estes toacutepicos

seratildeo desenvolvidos num texto proacuteprio

Transiccedilotildees roto-vibracionais numa abordagem breve

Tal como referido acima eacute possiacutevel observar transiccedilotildees vibracionais (Δv = 1 2 3 hellip) acom-

panhadas de transiccedilotildees rotacionais (ΔJ= 1) Considerando estes graus de liberdade como

independentes entre si a energia dos niacuteveis num oscilador diatoacutemico eacute dada simplesmente

pela soma da equaccedilatildeo (3) com a equaccedilatildeo do rotor diatoacutemico

(3)

(4)

(5)

AR

TIG

O

13

222J v )1()frac12v()1()frac12v( +++-+++= JDxhJBhE eνν J J ][

Ignorando os termos anarmoacutenico e de distorccedilatildeo centriacutefuga ndash indicados entre parecircntese

rectos ndash a energia da transiccedilatildeo vibracional fundamental num oscilador diatoacutemico eacute dada por

ΔEv=0rarrv=1 = hν + B[J(J+1)minusJrsquo(Jrsquo+1)]

onde J eacute o nuacutemero quacircntico rotacional do estado inicial v=1 e Jrsquo eacute o nuacutemero quacircntico

rotacional do estado final v = 1

A FIGURA 4 ilustra as transiccedilotildees que correspondem a Jrsquo=J-1 Jrsquo=J e Jrsquo=J+1 e a FIGURA 5

apresenta o espectro observado para o oscilador diatoacutemico real HCl No espectro real o efeito

da anarmonicidade do oscilador no valor de B eacute evidente

FIGURA 4 Esquema simplificado das transiccedilotildees roto-vibracionais numa moleacutecula diatoacutemica Os niacuteveis natildeo estatildeo agrave escala As transiccedilotildees com Jrsquo=J-1 (a verde) originam as bandas do Ramo P e as transiccedilotildees com Jrsquo=J+1 (a azul) originam o Ramo R As transiccedilotildees com Jrsquo=J (a amarelo) originam o Ramo Q mas natildeo satildeo permitidas em moleacuteculas diatoacutemicas

FIGURA 5 Espectro roto-vibracional da moleacutecula diatoacutemica HCl com a indicaccedilatildeo da posiccedilatildeo do Ramo Q (transiccedilotildees natildeo permitidas por regra de seleccedilatildeo) Notar que todos os sinais aparecem desdobrados em dois uma amostra real de HCl conteacutem as formas isotoacutepicas H35Cl e H37Cl a que correspondem diferentes valores de B Notar tambeacutem que o espaccedilamento entre bandas no ramo P eacute maior que no ramo R no estado fundamental v=0 a distacircncia interatoacutemica meacutedia eacute menor do que para v=1 pelo que B gt Brsquo Notar que a transiccedilatildeo Jrsquo=J eacute proibida pelo que natildeo aparece a banda Q

(6)

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14

O crescimento exponencial de populaccedilotildees Euler ou Malthus Suzana NaacutepolesUniversidade de Lisboa

Em 1798 no livro An Essay on the Principle of Population que teve seis ediccedilotildees Thomas

Malthus (1766-1864) um cleacuterigo e erudito inglecircs influente nos campos da economia po-

liacutetica e da demografia escreveu

ldquoA populaccedilatildeo quando natildeo controlada aumenta em progressatildeo geomeacutetrica A subsistecircncia

aumenta apenas em progressatildeo aritmeacutetica Um pequeno conhecimento dos nuacutemeros mostra-

raacute a imensidatildeo do primeiro poder em comparaccedilatildeo com o segundoldquo

Malthus natildeo tentou traduzir matematicamente o seu modelo de crescimento Limitou-se a

caraterizaacute-lo pressupondo que a taxa segundo a qual a populaccedilatildeo cresce num determinado

instante eacute proporcional agrave populaccedilatildeo total nesse mesmo instante

Numa revisatildeo da primeira ediccedilatildeo discutiu em detalhe os obstaacuteculos para o crescimento

da populaccedilatildeo em vaacuterios paiacuteses nomeadamente atraso no casamento aborto infanticiacutedio

fome guerra epidemias e fatores econoacutemicos Para ele o casamento retardado era a melhor

opccedilatildeo para estabilizar a populaccedilatildeo

Para caraterizar matematicamente este modelo considerando o crescimento em anos

consecutivos e supondo uma taxa de crescimento r em cada ano se num ano n a popula-

ccedilatildeo eacute Pn no ano seguinte a populaccedilatildeo seraacute Pn +1= (1 + r ) Pn pelo que Pn+1= (1 + r ) n P0 e o

crescimento eacute descrito por uma progressatildeo geomeacutetrica de razatildeo 1 + r

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15FIGURA 1 Thomas Malthus

Supondo uma variaccedilatildeo contiacutenua do tempo e designando por P(t) a populaccedilatildeo no instante

t e por r a taxa de crescimento por unidade de tempo a equaccedilatildeo diferencial que traduz o

modelo contiacutenuo preconizado por Malthus eacute Prsquo(t) = r P(t) Entatildeo P(t) = ke r t com k constante

Como P(0) = k e P0 o nuacutemero de indiviacuteduos no ano zero a evoluccedilatildeo da populaccedilatildeo eacute dada

por P(t) = P0 e rt

Acontece que 50 anos antes em Introductio in analysin infinitorum no VI capiacutetulo

ldquoDe quantidades exponenciais e logaritmosrdquo para ilustrar a grande utilidade das ta-

belas de logaritmos para abreviar caacutelculos numeacutericos o matemaacutetico suiacuteccedilo Leonhard

Euler (1707-1783) daacute vaacuterios exemplos que envolvem o crescimento populacional de

que transcrevemos os exemplos II e III

FIGURA 2 Leonhard Euler e o seu Introductio in analysin infinitorum

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16

Exemplo II

ldquoSe a populaccedilatildeo em certa regiatildeo aumenta anualmente um trigeacutesimo e por outro lado laacute

habitavam no princiacutepio 100000 pessoas pergunta-se qual o nuacutemero de habitantes apoacutes

100 anos

Seja o nuacutemero inicial = n pelo que n = 100000 passado um ano o nuacutemero de habitantes

seraacute = (1+301 )n=30

13 n depois de dois anos = S X3013 2

n ao cabo de trecircs = S X3013 3

n e daqui

depois de 100 anos seraacute = S X3013 100

n = S X3013 100

100000 cujo logaritmo eacute = 100 l 1013 +

l 100000 E l 1013 = l 31 - l 10 = 0014240439 de onde 100 l 10

13 = 14240439 que somando-

-lhe l 100000 = 5 seraacute o logaritmo do nuacutemero de habitantes procurado = 64240439 a que

corresponde o nuacutemero 2654874

Assim ao cabo de 100 anos seraacute mais de vinte e seis vezes maiorrdquo

Este exemplo publicado em 1748 eacute meio seacuteculo antes a concretizaccedilatildeo do ldquoModelo Mal-

thusianordquo para uma populaccedilatildeo de 100000 habitantes e uma taxa de crescimento anual de

130

No exemplo seguinte Euler faz alusatildeo ao capiacutetulo 7 do Livro do Genesis que relata como

um diluacutevio reduziu a populaccedilatildeo da terra a seis seres humanos

Exemplo III

ldquoComo a humanidade se espalhou apoacutes o diluacutevio por obra de seis seres humanos se o nuacute-

mero destes alcanccedilar duzentos anos depois o nuacutemero 1000000 pergunta-se em que parte

deveria crescer anualmente o nuacutemero de humanos

Se aumentar em cada ano x1 duzentos anos depois o nuacutemero de humanos seria =

xx1 200+S X 6 = 1000000 e por tanto x

16

1000000 2001

+ = S Xx

Portanto l x1

2001+ =x l

61000000 =200

1 52218487 = 00261092

e assim =x1+x

10000001061963 e 1000000 = 61963x donde x =16 aproxidamente

Bastaraacute pois que os humanos aumentem por ano a sua deacutecima sexta parte [] Contudo se

o nuacutemero de homens tivesse crescido na mesma proporccedilatildeo durante um intervalo de 400

anos deveria chegar a 1000000 10000006

= 166666666666 cujo sustento a terra inteira

natildeo seria de forma alguma capaz de darrdquo

Euler ao abordar o crescimento das populaccedilotildees tinha uma preocupaccedilatildeo matemaacutetica ndash a

de mostrar a utilidade dos logaritmos ndash que ilustrou com exemplos

Mas a observaccedilatildeo anterior leva a crer que ele considerou o modelo exponencial desade-

quado para o estudo do crescimento populacional

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17

A populaccedilatildeo de Portugal espelha bem a falecircncia deste modelo Segundo dados do Ins-tituto Nacional de Estatiacutestica nos duzentos anos que decorreram entre 1770 e 1970 a

populaccedilatildeo nem chegou a triplicar

TABELA 1 Populaccedilatildeo de Portugal entre 1422 a 1890

Popuccedilatildeo de Portugal (INE Lisboa)

Ano Total Variaccedilatildeo Ano Total Variaccedilatildeo

1422 1 043 274 - 1900 5 423 132 +74

1527 1 262 376 +210 1911 5 960 056 +99

1636 1 100 000 -129 1920 6 032 991 +12

1736 2 143 368 +949 1930 6 825 883 +131

1770 2 850 444 +330 1940 7 722 152 +131

1776 3 352 310 +176 1950 8 441 312 +93

1801 2 931 930 -125 1960 8 851 289 +49

1811 2 876 602 -19 1970 8 568 703 -32

1838 3 200 000 +112 1981 9 852 841 +150

1849 3 411 454 +66 1991 9 862 540 +01

1864 4 188 410 +228 2001 10 356 117 +50

1878 4 550 699 +86 2007 10 617 575 +25

1890 5 049 729 +110

Quanto a Malthus as suas preocupaccedilotildees eram de natureza poliacutetica e legislativa To-

mou como certo um crescimento exponencial da populaccedilatildeo mundial que conduziria a

uma cataacutestrofe por ausecircncia de recursos e para o travar sugeriu o recurso a poliacuteticas

adequadas Ao publicitar o modelo exponencial - que ficou conhecido como Modelo

Malthusiano - ligando-o a problemas legislativos reais abriu caminho para que dife-

rentes matemaacuteticos se dedicassem agrave modelaccedilatildeo do crescimento populacional

Em 1844 o matemaacutetico belga Pierre Verhulst (1804-1849) propocircs no artigo Recherches

matheacutematiques sur la loi drsquoaccroissement de la population um modelo em que considera que

agrave medida que a populaccedilatildeo se aproxima de um valor maacuteximo a taxa de crescimento diminui

ldquoO aumento virtual da populaccedilatildeo eacute portanto limitado pelo tamanho e pela fertilidade do paiacutes

Como resultado a populaccedilatildeo fica cada vez mais proacutexima de um estado estaacutevelrdquo

Designado por P(t) a populaccedilatildeo no instante t por r a taxa de crescimento por unidade

de tempo e por M o nuacutemero maacuteximo de indiviacuteduos que a regiatildeo pode suportar este modelo

exprime-se pela equaccedilatildeo diferencial

( )dt

dP rP MP t

1= -T Y

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18

cuja soluccedilatildeo eacute

( )( ) ( )( )

P t

MP eP e

10 10

rt

rt

=+

-

Se P(t) for muito pequeno face a M tem-se que ( )dt

dP rP MP t

1= -T Y cong r P(t) que tem a soluccedilatildeo P(t) cong P(0) e rt

e o crescimento eacute exponencial

FIGURA 4 Pierre Franccedilois Verhulst e o graacutefico da curva logiacutestica

Agrave medida que t cresce a populaccedilatildeo aproxima-se assintoticamente de M A equaccedilatildeo diferen-

cial que carateriza este modelo eacute atualmente designada por equaccedilatildeo logiacutestica e a populaccedilatildeo

maacutexima M por capacidade de carga Com Verhulst relativizou-se ldquoa hipoacutetese da progressatildeo

geomeacutetrica uma vez que ela soacute se pode verificar em circunstacircncias muito especiais por exem-

plo quando um territoacuterio feacutertil de tamanho quase ilimitado passa a ser habitado por pessoas

com uma civilizaccedilatildeo avanccedilada como foi o caso das primeiras coloacutenias americanasrdquo

Essa equaccedilatildeo foi retomada por vaacuterios matemaacuteticos e adaptada a contextos variados

Satildeo de realccedilar os casos em que a capacidade de carga varia como o tempo conduzindo

ao modelo caraterizado pela equaccedilatildeo diferencial

dtdP rP M

P1= -T Y( )t

onde a capacidade de carga M(t) = M(t +T) varia periodicamente com periacuteodo T

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19

FIGURA 5 A demografia eacute instrumental para o controlo das populaccedilotildees humanas

Desde o seacuteculo XVIII que o estudo da dinacircmica das populaccedilotildees eacute objeto de modelaccedilatildeo

matemaacutetica Na atualidade existem outros modelos de crescimento hiperboacutelicos expo-

nenciais logiacutesticos ou baseados noutras funccedilotildees Baseada nos modelos populacionais

do matemaacutetico Song Jian a Repuacuteblica Popular da China em 1980 entatildeo a atingir o biliatildeo

de habitantes instaurou uma poliacutetica estrita de filho uacutenico Essa lei foi flexibilizada em

2015 aumentando para dois o nuacutemero maacuteximo de filhos para fazer frente ao envelheci-

mento da populaccedilatildeo e agrave reduccedilatildeo do grupo de trabalhadores na faixa etaacuteria considerada

economicamente ativa

Muitos dos pareceres cientiacuteficos nas mais diversas aacutereas baseiam-se em modelos ma-

temaacuteticos que podem permitir fazer estimativas e previsotildees mas hellip ao olhar para o cres-

cimento populacional ao longo dos tempos verificamos que os modelos matemaacuteticos satildeo

instrumentais na anaacutelise da dinacircmica das populaccedilotildees

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20

Artroacutepodes Miguel Santos

Rubim Almeida

Sara C Antunes

DB CIBIO InBIO CIIMAR Universidade do Porto

Artroacutepodes (Arthropoda do grego arthro = articulado + podos = peacutes) satildeo o grupo taxonoacutemi-

co mais diversificado com distribuiccedilatildeo por quase todo o globo e ocupando todos os habitats

Satildeo organismos invertebrados com exosqueleto riacutegido apresentando apecircndices articula-

dos (patas antenas) e de nuacutemero diferenciado de acordo com o subfilo a que pertencem

Os artroacutepodes constituem um dos mais diversos grupos de organismos do planeta com-

preendendo espeacutecies que variam de 0085 mm (Tantalacus dieteri um crustaacuteceo parasita)

ateacute 38 m (envergadura do Caranguejo-aranha-gigante) Os organismos pertencentes a

este grupo encontram-se praticamente em todos os tipos de habitat A razatildeo do sucesso

evolutivo deste grupo taxonoacutemico deve-se a um conjunto de carateriacutesticas uacutenicas i) pos-

suiacuterem um exosqueleto proteico-quitinoso flexiacutevel leve e resistente que protege contra a

desidrataccedilatildeo ii) segmentaccedilatildeo do corpo e a presenccedila de apecircndices articulados especia-

lizados iii) oacutergatildeos sensoriais bem desenvolvidos (antenas sedas sensoriais olhos com-

postos olhos pedunculados ocelos quimiorrecetores nas antenas) iv) metamorfose com

diferentes estaacutedios de desenvolvimento incluindo estaacutedios larvares que podem ter um

modo de vida completamente diferente do adulto permitindo um aproveitamento de outros

recursos (alimento e espaccedilo) reduzindo a competiccedilatildeo entre indiviacuteduos da mesma espeacutecie

v) padrotildees comportamentais complexos revelando por vezes organizaccedilatildeo comunitaacuteria e

vi) sistema respiratoacuterio diverso nomeadamente o sistema traqueal onde o ar entra em

contacto direto com os tecidos devido a um eficiente sistema de tubos (traqueias) com

orifiacutecios na superfiacutecie do tegumento (espiraacuteculos) No entanto a origem e a taxonomia

deste grupo ainda constituem um tema de investigaccedilatildeo e debate Mesmo apesar dos avan-

ccedilos em aacutereas como a biologia molecular que fornece importantes conhecimentos sobre

as complexas relaccedilotildees evolutivas destes organismos muito ainda haacute por descobrir Os

artroacutepodes satildeo um grupo extremamente importante nos ecossistemas terrestres devido

natildeo soacute agrave sua enorme abundacircncia e diversidade mas tambeacutem ao grande nuacutemero de funccedilotildees

que desempenham nestes ecossistemas (ex degradaccedilatildeo da mateacuteria orgacircnica arejamento

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21

do solo ciclagem de nutrientes) O filo Arthropoda estaacute atualmente subdividido em cinco

subfilos Trilobitomorpha Crustacea Myriapoda Chelicerata e Hexapoda

O subfilo Trilobitomorpha (trilobites e os seus parentes) compreende cerca de 20 000

espeacutecies que viviam exclusivamente em ambientes marinhos e que atualmente se encon-

tram todas extintas Contudo a sua vasta distribuiccedilatildeo geograacutefica e o exosqueleto de carbo-

nato de caacutelcio permitiram que este grupo apresente um extenso registo foacutessil observaacutevel

por todo o planeta

Crustacea inclui caranguejos camarotildees e lagostas contendo mais de 60 000 espeacute-

cies e com um extenso registo foacutessil em todo o mundo eacute um dos principais grupos de

artroacutepodes A maioria dos crustaacuteceos vive em ambientes marinhos mas existem vaacuterias

espeacutecies que podem ser encontradas em ecossistemas de aacutegua doce (ordem Cladocera e

sub-classe Copepoda) e em ambientes terrestres (ordem Isopoda FIGURA 1) Apesar da

grande maioria dos crustaacuteceos serem de vida livre existem vaacuterios grupos parasitas (ex

Rhizocephala ndash crustaacuteceos cirriacutepedes parasitas de caranguejos e camarotildees Argulidae ndash

crustaacuteceos parasitas de peixes e Pentastomida ndash vermes liacutengua que parasitam o sistema

respiratoacuterio de vertebrados) Numa perspetiva diferente e de interesse econoacutemico este

grupo apresenta ainda um valor acrescido jaacute que alguns crustaacuteceos decaacutepodes como la-

gostas e camarotildees satildeo intensivamente consumidos em todo o mundo Para aleacutem da sua

importacircncia econoacutemica este grupo de organismos eacute bastante utilizado em investigaccedilatildeo

cientiacutefica nomeadamente em ecotoxicologia na avaliaccedilatildeo do efeito de contaminantes no

solo

FIGURA 1 Exemplares de organismos da ordem Isopoda (bicho-da-conta) 1 ndash famiacutelia Armadillidae 2 ndash famiacutelia Porce-llionidae em A - vista dorsal e em B - vista ventral

O subfilo Myriapoda inclui as centopeias e os miliacutepedes conteacutem mais de 11 000

espeacutecies descritas Este subfilo eacute tradicionalmente dividido em quatro classes Chi-

lopoda (centopeias) (FIGURA 2) Diplopoda (miliacutepedes) Pauropoda (ldquopoucos peacutesrdquo) e

Symphyla (pseudocentopeias) Todos os miriaacutepodes conhecidos satildeo terrestres e o seu

tamanho varia desde alguns miliacutemetros a cerca de 38 centiacutemetros (Millipede Gigante

Africano)

1

2

A B

15cm

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FIGURA 2 Vista dorsal A - e ventral B - de um organismo pertencente agrave classe Chilopoda onde se pode observar o corpo segmentado e apenas com um par de patas por segmento

O subfilo Chelicerata (aranhas aranhas do mar escorpiotildees e aacutecaros) conteacutem mais

de 113 000 espeacutecies distribuiacutedas em duas classes principais Pycnogonida (aranhas do

mar) e Arachnida (aranhas escorpiotildees e aacutecaros) Pycnogonida o grupo das aranhas

do mar conteacutem mais de 1 300 espeacutecies descritas mas estudos detalhados sobre esses

animais e as suas relaccedilotildees evolutivas ainda satildeo escassos Estes organismos geralmente

tecircm seis ou oito olhos e quatro a seis pares de patas A classe Arachnida compreende os

organismos mais conhecidos do subfilo Chelicerata como aranhas escorpiotildees e aacutecaros

Os indiviacuteduos pertencentes a este grupo natildeo possuem antenas tecircm quatro pares de

patas um par de queliacuteceras (1ordm par de apecircndices do prossomacabeccedila) e pedipalpos

(2ordm par de apecircndices do prossomacabeccedila) As aranhas (ordem Araneae) (FIGURA 3) satildeo

provavelmente o grupo mais icoacutenico e bem estudado deste subfilo presentes na maioria

dos ambientes terrestres e constituindo um dos grupos mais importantes de artroacutepodes

do solo Outros organismos colocados na mesma classe como escorpiotildees aacutecaros ou

opiliotildees tambeacutem constituem grupos extremamente variados com importantes funccedilotildees

ecoloacutegicas (ex decomposiccedilatildeo de mateacuteria orgacircnica e controlo de organismos principal-

mente atraveacutes de predaccedilatildeo)

FIGURA 3 Vista dorsal A - e ventral B - de um exemplar da ordem Araneae (famiacutelia Gnaphosidae) sendo possiacutevel obser-var o corpo dividido em cefalotoacuterax e abdoacutemen os quatro pares de patas as queliacuteceras (q) e os pedipalpos (p)

O subfilo Hexapoda (Hexa (seis) e Poda (peacute)) engloba os insetos e os seus parentes

compreende o grupo mais diverso e abundante de organismos com mais de 1 milhatildeo de

espeacutecies conhecidas Este subfilo eacute frequentemente dividido em organismos da clas-

A B

A B

14cm

p

q

35cm

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O

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se Insecta (FIGURA 4) e da classe Entognatha Esta uacuteltima inclui os colecircmbolos (ordem

Collembola) (FIGURA 5) cabeccedilas de cone e bichos de prata (ordem Protura) e cerdas de

duas pontas (ordem Diplura) Na classe Entognatha as partes bucais dos organismos

estatildeo retraiacutedas dentro das suas cabeccedilas contrariamente ao que se observa na classe In-

secta que satildeo ectognantes Os colecircmbolos constituem um dos grupos mais abundantes

de artroacutepodes do solo podendo ser encontrados mais de 100 000 indiviacuteduos num metro

quadrado Estes satildeo organismos cosmopolitas com mais de 8 000 espeacutecies descritas Os

colecircmbolos satildeo pequenos organismos com tamanho geralmente inferior a 6-8 mm de

forma ciliacutendrica ou globular apresentando olhos simples e antenas moniliformes Muitas

espeacutecies possuem um apecircndice bifurcado (fuacutercula) no final do abdoacutemen permitindo que

estes organismos saltem quando ameaccedilados (FIGURA 5) Os colecircmbolos tecircm sido ampla-

mente utilizados em estudos ecotoxicoloacutegicos na avaliaccedilatildeo da qualidade do solo e da sauacute-

de destes ecossistemas

FIGURA 4 A - Vista dorsal e B - vista ventral de exemplares de algumas ordens da classe Insecta

FIGURA 5 Vista lateral de exemplares da ordem Collembola

A classe Insecta eacute a classe com maior nuacutemero de organismos compreendendo mais

de metade das espeacutecies eucarioacuteticas descritas atualmente englobando mais de 1 milhatildeo

de espeacutecies que habitam praticamente todos os ecossistemas Os insetos sendo o grupo

Ordem

Coleoptera

Ordem

Diptera

Ordem

Hemiptera

Ordem

Orthoptera

Ordem

HimenopteraA A A A

B B B B

075cm

027cm14cm016cm

09cm

22cm

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24

mais diversificado de seres vivos apresentam as mais variadas e interessantes adap-

taccedilotildees anatoacutemicas e morfoloacutegicas Pensa-se que a sua enorme riqueza e abundacircncia eacute

devida a uma combinaccedilatildeo de carateriacutesticas vantajosas como a coevoluccedilatildeo com plan-

tas a miniaturizaccedilatildeo e a capacidade de voo Os insetos desempenham ainda um papel

importantiacutessimo no funcionamento dos ecossistemas realizando funccedilotildees quer de pre-

dadores quer de presa estando envolvidos em inuacutemeras teias alimentares (ex reciclan-

do nutrientes fazendo a manutenccedilatildeo da estrutura e fertilizaccedilatildeo dos solos) Destaca-se

tambeacutem o facto de vaacuterios insetos voadores como abelhas ou borboletas atuarem como

polinizadores de muitas espeacutecies de plantas Esta eacute uma funccedilatildeo ecoloacutegica importante

com vaacuterias repercussotildees econoacutemicas porque mais de 30 das culturas alimentares

mundiais dependem da polinizaccedilatildeo Os insetos possuem ainda um papel importante em

investigaccedilatildeo cientiacutefica sendo muitas vezes utilizados como organismo modelo dado pos-

suiacuterem carateriacutesticas distintas como o seu tamanho reduzido tempos de geraccedilatildeo curtos

e elevada fecundidade O exemplo de excelecircncia eacute a mosca da fruta Drosophila melano-

gaster cujo genoma eacute jaacute conhecido na totalidade sendo esta espeacutecie utilizada frequente-

mente para estudar vaacuterios processos celulares (ex o envelhecimento a hereditariedade

e o desenvolvimento embrionaacuterio) Apesar de constituiacuterem um grupo tatildeo interessante

beneacutefico e necessaacuterio agrave manutenccedilatildeo do equiliacutebrio dos ecossistemas existem algumas

desvantagens associadas aos insetos como eacute o caso de serem vetores na transmissatildeo

de doenccedilas Eacute o caso da malaacuteria transmitida por um mosquito do geacutenero Anopheles a

doenccedila parasitaacuteria mais disseminada com vaacuterios milhotildees de humanos infetados em todo

o mundo O dengue e o zika satildeo doenccedilas em que o vetor de transmissatildeo eacute tambeacutem um

mosquito do geacutenero Aedes Na agricultura as pragas de insetos (ex gorgulhos gafa-

nhotos afiacutedios) satildeo responsaacuteveis por prejudicar as culturas agriacutecolas e a produccedilatildeo de

alimentos causando perdas econoacutemicas elevadas

Sabe-se que atualmente a perda de habitat e as mudanccedilas climaacuteticas satildeo alguns dos

fatores responsaacuteveis por decliacutenios significativos nas populaccedilotildees deste grupo de orga-

nismos Esse decliacutenio apresenta uma elevada preocupaccedilatildeo ecoloacutegica uma vez que estes

organismos desempenham muacuteltiplas e importantes funccedilotildees nos ecossistemas No en-

tanto a conservaccedilatildeo deste grupo animal permanece um grande e urgente desafio que eacute

preciso enfrentar

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Biocombustiacuteveis seratildeo a soluccedilatildeo Matilde Viegas

Maria Joatildeo Ramos

Pedro Alexandrino Fernandes

UCIBIO REQUIMTEUniversidade do Porto

ldquoA 21 de Fevereiro de 2018 o niacutevel de poluiccedilatildeo de partiacuteculas finas com diacircmetro inferior

a 10 μm PM10 atingiu em Paris niacuteveis alarmantes com um pico correspondente

ao dobro do limite maacuteximo A Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) recomenda natildeo

exceder este limite maacuteximo por mais de trecircs dias por ano Com este recente pico os

parisienses jaacute o ultrapassaramrdquo

Em Un pic de pollution laquograveraquo en Ile-de-France Le Monde 22 de Fevereiro de 2018

Esta notiacutecia eacute um dos inuacutemeros exemplos dos efeitos do aquecimento global termo com o

qual estamos cada vez mais familiarizados infelizmente Este fenoacutemeno eacute consequecircncia

de Gases de Efeito de Estufa GEE (dioacutexido de carbono metano e oacutexido de azoto entre

outros) que se acumulam na atmosfera enclausurando o calor e tornando o planeta mais

quente A produccedilatildeo em larga escala de GEEs teve iniacutecio na Revoluccedilatildeo Industrial (1800)

como resultado da combustatildeo de combustiacuteveis foacutesseis (carvatildeo petroacuteleo e gaacutes natural)

para produccedilatildeo de eletricidade aquecimento e transporte

A preocupaccedilatildeo em torno do aquecimento global tornou-se um assunto constante na

agenda poliacutetica sobretudo nas uacuteltimas duas deacutecadas Os primeiros esforccedilos coletivos re-

sultaram no Protocolo de Quioto em 1997 cujo objetivo era a reduccedilatildeo das emissotildees de

GEEs assentando nos argumentos de que i) o aquecimento global era uma realidade e ii) o

CO2 produzido por accedilotildees humanas era o seu grande causador O primeiro periacuteodo do Proto-

colo terminou em 2012 e por isso em 2015 as Naccedilotildees Unidas promoveram a assinatura

do novo Acordo de Paris o qual consiste numa atualizaccedilatildeo do antigo Protocolo de Quioto

com o objetivo de ldquofortalecer a resposta global agrave ameaccedila das alteraccedilotildees climaacuteticas no

contexto de desenvolvimento sustentaacutevel e com esforccedilo para a erradicaccedilatildeo da pobrezardquo

O novo Acordo ao contraacuterio do de Quioto estabelece metas tangiacuteveis e quantitativas O

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26

objetivo eacute manter o aumento da temperatura meacutedia global abaixo dos 2ordm Celsius face agrave

temperatura global na era preacute-industrial Para atingir tal meta eacute necessaacuterio um esforccedilo

mundial contudo em 2017 com a saiacuteda dos EUA do Acordo de Paris o segundo maior

emissor de GEEs logo a seguir agrave China perdeu-se uma enorme contribuiccedilatildeo Aleacutem do peso

evidente que as suas emissotildees tecircm para o estado atual do aquecimento global em falta

estaratildeo tambeacutem a diplomacia e o encorajamento proporcionados por esta forccedila mundial

No Acordo de Paris uma das claacuteusulas exige a inclusatildeo de energias renovaacuteveis (eoacutelica

mariacutetima solar) e de biocombustiacuteveis no mercado de energia encorajando os paiacuteses a

atingir niacuteveis miacutenimos da sua utilizaccedilatildeo As metas estabelecidas para cada paiacutes vatildeo ao en-

contro ao seu mercado e agraves mateacuterias-primas disponiacuteveis em cada territoacuterio favorecendo o

desenvolvimento da economia

De uma forma generalista os biocombustiacuteveis englobam combustiacuteveis produzidos atra-

veacutes de processos bioloacutegicos como a agricultura e digestatildeo anaeroacutebica em vez de produ-

zidos a partir de processos geoloacutegicos como os necessaacuterios para a formaccedilatildeo de combus-

tiacuteveis foacutesseis Isto inclui o biodiesel (produzido a partir de oacuteleos e gorduras orgacircnicas) e o

bioetanol (aacutelcool produzido atraveacutes de fermentaccedilatildeo microbiana de accediluacutecares seguido de

destilaccedilatildeo e desidrataccedilatildeo) os quais seratildeo o maior foco deste artigo

A partir da deacutecada de 70 foram feitos os primeiros investimentos nos chamados bio-

combustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo (1G) Estes fazem uso de colheitas de produtos agriacuteco-

las como a soja cana-de-accediluacutecar milho oacuteleo de palma entre outros para a produccedilatildeo de

biodiesel e bioetanol atraveacutes de processos de trans-esterificaccedilatildeo ou fermentaccedilatildeo A sua

disponibilidade e facilidade de processamento permitiram a sua inserccedilatildeo e mistura nos

combustiacuteveis atualmente vendidos ao puacuteblico Para 2017 Portugal fixou em 75 (de poder

energeacutetico) a incorporaccedilatildeo de biocombustiacuteveis nos combustiacuteveis dos transportes rodoviaacute-

rios tendo a Uniatildeo Europeia o objectivo de 10 em 2020 para todos os paiacuteses membros

Os biocombustiacuteveis 1G fazem uso da colheita agriacutecola para fins energeacuteticos o que gera

opiniotildees desfavoraacuteveis por parte de ambientalistas (pelo uso exaustivo da terra agriacutecola sem

compensaccedilatildeo desflorestaccedilatildeo e perda de biodiversidade) e problemas eacuteticos tais como os le-

vantados por responsaacuteveis da ONU como o Dr Jean Ziegler que atribui aos biocombustiacuteveis

a culpa pela contiacutenua inflaccedilatildeo dos preccedilos de alimentos exacerbando a atual crise de fome

mundial - ldquoSatildeo necessaacuterios 352Kg de milho para encher um depoacutesito de 50L de um carro Uma

crianccedila na Zacircmbia ou no Meacutexico onde o milho eacute um elemento baacutesico da dieta poderia viver

com esta quantidade de milho um ano inteirordquo Atualmente os maiores produtores destes bio-

combustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo satildeo os EUA e o Brasil utilizando parte da produccedilatildeo global

de cereais e oacuteleos vegetais para a produccedilatildeo de bioetanol e biodiesel causando um ambiente

de profunda preocupaccedilatildeo em volta da sustentabilidade de produccedilatildeo de energia a meacutediolongo

prazo De forma a controlar a inflaccedilatildeo no preccedilo dos alimentos a EU estabeleceu um limite de

7 para o uso de biocombustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo como combustiacutevel de transportaccedilatildeo

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A segunda geraccedilatildeo de biocombustiacuteveis (2G) usa biomassa isto eacute qualquer fonte de car-

bono orgacircnico que eacute rapidamente renovado no ciclo de carbono Os biocombustiacuteveis de

segunda geraccedilatildeo almejam um uso ponderado de desperdiacutecios da induacutestria madeireira e

agriacutecola ou de restos de colheitas agriacutecolas assim que estas preencham o seu propoacutesito

alimentar evitando interferecircncia com o mercado alimentar e natildeo influenciando os preccedilos

dos alimentos baacutesicos

FIGURA 1 Biocombustiacuteveis

A produccedilatildeo de arroz atingiu o seu pico em 2017 gerando 1140 milhotildees de toneladas de

espigas de arroz cujo destino eacute a incineraccedilatildeo compostagem ou eacute simplesmente deposita-

da em aterros Contudo com a 2G de biocombustiacuteveis eacute encontrado potencial energeacutetico

neste desperdiacutecio agriacutecola O seu potencial deve-se agrave mateacuteria lignoceluloacutesica ndash celulose

hemicelulose e lignina ndash presente em todas as plantas incluindo as espigas em diferen-

tes percentagens Este material composto eacute essencial para a estrutura e resistecircncia das

plantas a hemicelulose eacute a matriz que rodeia o esqueleto de celulose enquanto a lignina

funciona como uma camada protetora As possibilidades associadas a este tipo de desper-

diacutecio satildeo inegaacuteveis a sua abundacircncia e facilidade de obtenccedilatildeo tornam-no muito apelativo

Contudo o gasto na recolha e transporte desta mateacuteria suplanta os custos de produccedilatildeo

e o seu uso continuado poderaacute contribuir para a erosatildeo do solo Aleacutem disso para o seu

aproveitamento para produccedilatildeo de biocombustiacuteveis eacute necessaacuterio um preacute-tratamento para

hidrolisar as ligaccedilotildees covalentes entre os trecircs constituintes da mateacuteria lignoceluloacutesica e

permitir a posterior fermentaccedilatildeo anaeroacutebia da celulose produzindo bioetanol Este preacute-

-tratamento eacute visto como outra das desvantagens do processo e estaacute ainda a ser estudado

e otimizado pois de momento as alternativas disponiacuteveis encarecem o produto final e em

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alguns dos casos dependem do uso de quiacutemicos poluentes A esperanccedila estaacute entatildeo de-

positada no estudo de enzimas hidroliacuteticas encontradas em organismos termoacutefilos que

seratildeo capazes de aguentar as difiacuteceis condiccedilotildees de tratamento Contudo a dificuldade em

escalar o processo de fermentaccedilatildeo eacute uma das desvantagens e dos fatores limitantes para

a 2G de biocombustiacuteveis em grande parte devido agrave dificuldade de monitorizar as condiccedilotildees

de fermentaccedilatildeo (oxigeacutenio pH nutrientes etc)

A terceira geraccedilatildeo (3G) de biocombustiacuteveis foi reconhecida como a melhor alternativa

em comparaccedilatildeo com primeira e segunda geraccedilotildees pois surpreendentemente faz uso de

algas A sua enorme disponibilidade por todo o planeta e o facto de natildeo interferirem com os

mercados alimentares satildeo os grandes embaixadores desta mateacuteria-prima como o futuro

dos biocombustiacuteveis Ainda que natildeo seja uma mateacuteria infinita eacute a que de momento mais se

assemelha por existirem 70 000 espeacutecies (30 000 documentadas) Estudos conduzidos

atualmente estatildeo a explorar a viabilidade energeacutetica de 30 espeacutecies de algas explorando a

sustentabilidade facilidade e escalabilidade da sua produccedilatildeo Outras vantagens incluem a

baixa manutenccedilatildeo necessaacuteria para o seu crescimento (luz dioacutexido de carbono e nutrientes

como azoto foacutesforo e potaacutessio) a facilidade com que produzem liacutepidos e carboidratos que

podem posteriormente ser processados em diferentes biocombustiacuteveis e outros copro-

dutos a frequecircncia com que podem ser colhidas ao longo do ano (ao contraacuterio de outras

colheitas convencionais) a baixa percentagem de hemicelulose e a praticamente ausente

lignina facilitam radicalmente o seu preacute-processamento pois a celulose eacute mais facilmente

extraiacuteda As desvantagens desta mateacuteria incluem o enorme investimento inicial para a

construccedilatildeo de infraestruturas para o seu cultivo que pode ser ou ao ar livre (em tanques

de grande dimensatildeo) ou em foto-bioreatores (sistemas fechados altamente controlados)

Prevecirc-se que em 2030 o preccedilo de produccedilatildeo de combustiacutevel a partir de algas seraacute 065 euro

litro de combustiacutevel valor muito proacuteximo do atual preccedilo de produccedilatildeo do litro de gasolina

Comparativamente aos custos de produccedilatildeo de outros biocombustiacuteveis o mais barato con-

tinua a ser o bioetanol produzido a partir de milho (1G) 017 eurolitro seguido de combustiacute-

veis celuloacutesicos (2G) a 032 eurolitro

Eacute evidente que seratildeo necessaacuterios esforccedilos poliacuteticos e cientiacuteficos investimento e regu-

lamentaccedilatildeo adequados para encontrar o caminho ideal para travar o aquecimento global

Em todas as geraccedilotildees de biocombustiacuteveis apresentadas existem fatores que afunilam as

potencialidades destas alternativas indicando que a soluccedilatildeo passa por criar um consoacutercio

entre as vaacuterias possibilidades de forma a tirar o maacuteximo partido sem danificar o planeta ou

piorar a crise da fome O proacuteximo passo passa por substituir os biocombustiacuteveis de 1G por

soluccedilotildees com maior escalabilidade Acreditamos que nas proacuteximas deacutecadas seratildeo cruciais

e depositamos esperanccedila na investigaccedilatildeo cientiacutefica

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018043

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Stephen Hawking e a sua contribuiccedilatildeo para a fiacutesica teoacutericaOrfeu Bertolami

Claacuteudio GomesDepartamento de Fiacutesica e Astronomia CFP Universidade do Porto

A 14 de marccedilo de 2018 o fiacutesico britacircnico Stephen Hawking faleceu aos 76 anos deixando

todavia um importante legado para a fiacutesica teoacuterica muito particularmente para o

entendimento das deficiecircncias intriacutensecas da Relatividade Geral de Einstein para a fiacutesica

dos buracos negros e para a cosmologia a ciecircncia do Universo como um todo

Stephen Hawking doutorou-se em Fiacutesica Teoacuterica em 1966 pela Universidade de Cambridge

sob a supervisatildeo de Dennis Sciama Apesar da sua condiccedilatildeo fiacutesica progressivamente limi-

tativa manteve-se extremamente ativo na investigaccedilatildeo nas aacutereas de cosmologia fiacutesica dos

buracos negros e gravitaccedilatildeo quacircntica

Nessa altura havia uma consideraacutevel discussatildeo acerca da realidade e ubiquidade de sin-

gularidades pontos no espaccedilo-tempo onde a Teoria da Relatividade Geral deixa de fazer sen-

tido e natildeo desaparecendo atraveacutes de mudanccedila de sistemas de coordenadas que descrevem

o espaccedilo-tempo Na segunda metade da deacutecada de 1960 Hawking e o matemaacutetico inglecircs

Roger Penrose demonstraram que essas singularidades eram inevitaacuteveis no contexto da

Teoria da Relatividade Geral (ver para uma descriccedilatildeo exaustiva o livro Large Scale Structure

of Space-Time escrito em colaboraccedilatildeo com o fiacutesico sul-africano George Ellis publicado em

1973) Uma dessas singularidades corresponde ao iniacutecio do Universo ndash Big Bang ndash e outras

estatildeo presentes no interior dos buracos negros natildeo acessiacuteveis agrave observaccedilatildeo devido agrave pre-

senccedila de um horizonte de acontecimentos que segundo a Conjetura da Censura Coacutesmica de

Roger Penrose protegem sempre as singularidades de se apresentarem ldquonuasrdquo

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Subsequentemente em 1975 ele desenvolveu a ideia que os buracos negros deveriam

radiar termicamente a uma temperatura especiacutefica inversamente proporcional agraves suas

massas temperatura esta que hoje designamos por temperatura de Hawking Esta ideia daacute

origem ao paradoxo da informaccedilatildeo em que a informaccedilatildeo que entrava no horizonte de evento

se perdia Com este contributo passou-se a ter uma equivalecircncia entre a dinacircmica e a termo-

dinacircmica de buracos negros

FIGURA 1 Emissatildeo da radiaccedilatildeo teacutermica de Hawking por um buraco negro

No princiacutepio da deacutecada de 1980 Hawking iniciou em colaboraccedilatildeo com o fiacutesico norte-ameri-

cano James Hartle o programa de investigaccedilatildeo que hoje designamos por cosmologia quacircntica

Na cosmologia quacircntica o espaccedilo-tempo eacute descrito por uma funccedilatildeo de onda a funccedilatildeo de onda

do Universo como na Mecacircnica Quacircntica Esta equaccedilatildeo de onda satisfaz uma equaccedilatildeo anaacuteloga

agrave de Schroumldinger da Mecacircnica Quacircntica a equaccedilatildeo de Wheeler-DeWitt A proposta de Hartle

e Hawking eacute que a funccedilatildeo de onda descreva um espaccedilo-tempo sem fronteiras (No-Boundary

proposal) A ideia eacute que agrave medida que retrocedemos no tempo chegamos a um ponto em que

o Universo eacute pequeno o suficiente para que efeitos quacircnticos sejam dominantes Nesta altura

existe uma espeacutecie de ldquoespumardquo do espaccedilo-tempo de tal modo que o tempo natildeo pode ser in-

terpretado do modo como o vemos hoje mas sim como uma quarta dimensatildeo espacial Uma

analogia uacutetil eacute a seguinte se viajarmos para o Polo Sul temos de seguir sempre para sul mas

quando alcanccedilamos o ponto do Polo Sul jaacute natildeo faz sentido falarmos na direccedilatildeo sul pelo mesmo

raciociacutenio ao retrocedermos no tempo haacute um pontoinstante em que natildeo faz sentido falar-se em

tempo Matematicamente isto torna-se possiacutevel passando de um espaccedilo-tempo de Minkowski

como na Relatividade Restrita para um espaccedilo Euclideano a quatro dimensotildees no qual o tempo

passa a ser um nuacutemero puramente complexo Com esta formulaccedilatildeo o Universo natildeo tem uma

fronteira aleacutem daquela que permite a transiccedilatildeo entre as duas descriccedilotildees para o espaccedilo-tempo

e que eacute exemplificado na FIGURA 2 Esta geometria eacute designada por shuttlecock ou volantepena

de badminton devido agrave semelhanccedila com este objeto

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FIGURA 2 Representaccedilatildeo tridimensional do modelo de Hartle-Hawking (no boundary proposal) A base corresponde a uma semiesfera a 4 dimensotildees e a estrutura que apresenta o tempo como uma direccedilatildeo distinta das espaciais corresponte a um Universo em expansatildeo

Hawking tambeacutem estudou outros problemas como o das maacutequinas do tempo e questotildees

relacionadas com a cosmologia e a formaccedilatildeo de estruturas no Universo Com o seu carate-

riacutestico humor Hawking afirmou natildeo ser possiacutevel viajar no tempo Para tal sugeriu organizar

uma festa convidando pessoas do futuro a se juntarem a ele e dado que ningueacutem apa-

receu concluiu entatildeo que viagens no tempo natildeo satildeo possiacuteveis na realidade Outra prova

prende-se com o facto de natildeo termos recebido ainda turistas do futuro numa clara alusatildeo

iroacutenica agrave procura turiacutestica desenfreada que assistimos nos dias de hoje

Mais recentemente ele pronunciou-se sobre questotildees de interesse geral como as im-

plicaccedilotildees do desenvolvimento da inteligecircncia artificial e a necessidade e inevitabilidade

da exploraccedilatildeo espacial Mostrou-se reticente acerca dos desenvolvimentos no domiacutenio da

inteligecircncia artificial classificando-o como possivelmente perigoso para a nossa civiliza-

ccedilatildeo pois apesar dos potenciais benefiacutecios comportam seacuterios riscos agrave continuidade da hu-

manidade Relativamente agrave exploraccedilatildeo espacial Hawking encarava as viagens espaciais

quer pelo seu interesse cientiacutefico quer como forma de preservar a humanidade de riscos

de destruiccedilatildeo devido a guerras nucleares ou epidemias devido a viacuterus geneticamente mo-

dificados

O fiacutesico Stephen Hawking legou-nos uma extraordinaacuteria contribuiccedilatildeo cientiacutefica e huma-

na Deixou um extraordinaacuterio exemplo de resiliecircncia dedicaccedilatildeo ao conhecimento e agrave socie-

dade Fisicamente debilitado e ldquopresordquo a uma condiccedilatildeo rara a esclerose lateral amiotroacutefica

que lhe foi diagnosticada aos 21 anos a sua mente foi das mais livres dos nossos tempos

concebeu hipoacuteteses conjunturas e teorias pensou a sociedade de hoje e a do futuro

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RochaO que eacute importante dizer sobre as rochas

A M Galopim de Carvalho Universidade de Lisboa

Rochas e pedras satildeo a mesma coisa Praticamente a resposta eacute sim Pedra eacute aquilo

que se apanha do chatildeo para dar uma pedrada

Qualquer pessoa mesmo a menos letrada diraacute que as pedras

bull natildeo satildeo fabricadas ou feitas por gente (a ciecircncia diz que satildeo entidades naturais)

bull que natildeo se amolgam (a ciecircncia diz que satildeo riacutegidas)

bull que geralmente natildeo se esboroam nem se esfarela (a ciecircncia diz que satildeo coesas)

bull que fazem mossa onde quer que batam (a ciecircncia diz que satildeo duras) Para o cidadatildeo

comum pedra (do grego peacutetra) eacute pois uma entidade natural riacutegida coesa e dura que se

apanha do chatildeo

Apanhamos uma pedra do chatildeo mas quando estudamos falamos quase sempre de ro-

chas Num modo de falar corrente podemos dizer que as pedras satildeo bocados de rocha

Todos falamos de rocha como sinoacutenimo de pedra com base num conhecimento comum

empiacuterico vulgar ligado agrave experiecircncia quotidiana mesmo do mais iletrado dos cidadatildeos Dize-

mos rochedo quando o afloramento de rocha eacute grande e apelidamos de rochoso um terreno

com a rocha agrave vista Rocha eacute um galicismo que entre noacutes se sobrepocircs ao termo ldquorocardquo bem

mais antigo talvez preacute-romano Cabo da Roca ou ldquoFocinho da Rocardquo no dizer dos homens do

mar deve o seu nome a esta versatildeo arcaica da palavra rocha

O conceito atual de rocha e os vaacuterios conhecimentos com elas relacionados percorreram

uma caminhada tatildeo longa quanto a do Homo sapiens caminhada de que temos testemunhos

na Preacute-histoacuteria e variadiacutessimos relatos escritos desde a Antiguidade

Na sua giacuteria proacutepria entendiacutevel entre pares os profissionais falam de rochas dizendo que

satildeo sistemas quiacutemicos mono ou polifaacutesicos (ou seja com um ou mais minerais) resultantes

do equiliacutebrio termodinacircmico atingido pelos seus constituintes em determinados ambientes

Entendendo-se por constituintes os elementos quiacutemicos incluiacutedos nos respetivos minerais

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Por outras palavras acessiacuteveis ao comum das gentes pode entatildeo dizer-se que as rochas

satildeo corpos naturais formados por associaccedilotildees mais ou menos estaacuteveis de minerais compatiacute-

veis entre si e com o ambiente onde foram gerados e que satildeo elas as rochas que constituem

a capa riacutegida da Terra que por essa razatildeo recebeu o nome de litosfera (FIGURA 1)

FIGURA 1 Modelado Graniacutetico na Serra da Estrela (fonte banco de imagens da Casa das Ciecircncias)

Antes de prosseguir esclareccedila-se que no jargatildeo proacuteprio da mineralogia e da geoquiacutemica

os minerais satildeo considerados fases no sentido fiacutesico-quiacutemico da palavra Com efeito neste

sentido uma fase eacute uma porccedilatildeo de mateacuteria quiacutemica e estruturalmente homogeacutenea e uma

qualquer espeacutecie mineral eacute isso mesmo

Por convenccedilatildeo na sistemaacutetica em sedimentologia entre as rochas sedimentares cabem

certos materiais natildeo consolidados como os barros as areias soltas as cascalheiras e ainda

outros de natureza natildeo mineral como os carvotildees foacutesseis e o petroacuteleo (oacuteleo de pedra) Cha-

mar rochas ou pedras a estes materiais agraves vezes tatildeo afastados da imagem vulgar de ldquocoisa

dura riacutegida e coesardquo decorre do conceito geoloacutegico de rocha no qual se inclui o modo de

ocorrecircncia e o respetivo processo de formaccedilatildeo (petrogeacutenese)

A mecacircnica das rochas (disciplina que estuda certas propriedades das rochas como resis-

tecircncia ao esmagamento agrave traccedilatildeo agrave torccedilatildeo agrave flexatildeo porosidade permeabilidade e outras)

define-as como entidades sempre riacutegidas e coesas e duras como tambeacutem se diz vulgarmen-

te com capacidade de suportar cargas e que na eventualidade de terem de ser escavadas ou

removidas haacute que usar tecnologias com explosivos Este conceito corresponde aliaacutes agrave ideia

mais divulgada de rocha como atraacutes se referiu Eacute o bedrock dos autores ingleses

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FIGURA 2 Processo de meteorizaccedilatildeo fiacutesica essencialmente por corrosatildeo eoacutelica em rochas sedimentares (arenitos) (fonte banco de imagens da Casa das Ciecircncias)

Aleacutem das muitas que conhecemos na Terra jaacute estudaacutemos rochas do nosso sateacutelite natural

nomeadamente basaltos e anortositos trazidos da sua superfiacutecie Mercuacuterio Veacutenus e Marte satildeo

tambeacutem planetas rochosos e igualmente rochosos ou pedregosos satildeo ainda os nuacutecleos dos co-

metas e muitos dos asteroides de que temos conhecimento pelos meteoritos caiacutedos na Terra

Quando se apelidam as rochas de magmaacuteticas sedimentares (FIGURA 2) ou metamoacuterficas

natildeo se estaacute apenas a rotulaacute-las para efeitos de arrumo ou arquivo muito menos se estatildeo a

criar novos vocaacutebulos para sobrecarga dos estudantes ou do cidadatildeo em geral Estes adjeti-

vos acrescentados agrave palavra rocha informam de imediato sobre a sua origem

bull magmaacutetica ou sedimentar qualquer delas em resultado de processos naturais faacuteceis de

entender

bull metamoacuterfica em consequecircncia de um outro processo muito menos ao alcance da vivecircncia

do vulgo mas que se explica sem grandes dificuldades

Apelidam-se de metamoacuterficas as rochas que posteriormente a uma primeira formaccedilatildeo

como magmaacuteticas ou sedimentares foram submetidas a pressotildees eou a temperaturas no

interior da crosta que lhes modificaram a composiccedilatildeo eou a textura

Foi atraveacutes do estudo das rochas que desvendaacutemos o essencial dos acontecimentos geo-

loacutegicos que marcaram a histoacuteria deste laquoPlaneta Azulraquo no qual a vida encontrou condiccedilotildees

para despertar e onde evoluiu ao ponto de se interrogar sobre essa mesma histoacuteria

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Os conhecimentos diretos de que hoje dispomos relativos agraves rochas da Terra limitam-se

aos que se obtecircm pelo estudo das que afloram agrave superfiacutecie das recolhidas em dragagens

nos fundos marinhos e das retiradas da profundidade quer em minas quer atraveacutes de son-

dagens Esta profundidade que natildeo excede 3 km no primeiro caso e 11 km no segundo

(na peniacutensula de Kola) pode considerar-se insuficiente se comparada com as trecircs a quatro

dezenas de quiloacutemetros de espessura meacutedia da crosta continental

Eacute jaacute muito o conhecimento que temos desta capa (a crosta ou crusta como alguns dizem e

escrevem) mais superficial do nosso planeta Temo-lo atraveacutes das rochas que constantemente

vemos e pisamos muitas delas geradas em zonas profundas trazidas agrave superfiacutecie pelos en-

rugamentos de origem tectoacutenica geradores das montanhas e subsequentemente postas a

descoberto pela erosatildeo

Outras rochas proacuteprias de muito maiores profundidades inclusive do manto inferior como eacute

o caso dos xenocristais e dos xenoacutelitos (do grego xenos estranho e lithos pedra) isto eacute cris-

tais e fragmentos de materiais liacuteticos gerados nessas regiotildees e que ascendem agrave superfiacutecie na

sequecircncia de atividade vulcacircnica englobados ou encravados nos produtos magmaacuteticos que ali

se formaram ou por ali passaram Na ilha da Madeira por exemplo satildeo frequentes os xenoacutelitos

oliviacutenicos que ascenderam ateacute agrave superfiacutecie no seio das lavas envolvidas no processo vulcacircnico

que originou esta e muitas outras ilhas

As rochas a que temos acesso mais ou menos direto representam uma parcela importante

da diferenciaccedilatildeo da Terra e agrave semelhanccedila da aacutegua do ar e dos seres vivos satildeo o resultado de

imensas transformaccedilotildees numa vasta e complexa rede de inter-relaccedilotildees ocorridas ao longo

dos tempos neste laquoplaneta vivoraquo pleno ainda de energia interna (sob a forma de calor) a que

se adiciona toda a que lhe chega do exterior isto eacute a radiaccedilatildeo solar Como escreveu Maurice

Mattauer ldquoas pedras nascem vivem e morrem como noacutes elas tecircm uma idade e uma histoacuteriardquo

Petrologia e litologia satildeo duas disciplinas que estudam as rochas ou as pedras Se bem que

os eacutetimos petra (latim) e lithos (grego) sejam sinoacutenimos petrologia e litologia encerram con-

ceitos diferentes ainda que relacionados entre si

bull A petrologia eacute um ramo da geologia com dimensatildeo de ciecircncia de vastos recursos nos campos

da fiacutesica da quiacutemica e naturalmente tambeacutem da matemaacutetica em busca do conhecimento da

origem natureza constituiccedilatildeo e evoluccedilatildeo da Terra no acircmbito do Sistema Solar e do Universo

bull A litologia outro ramo da geologia eacute habitualmente entendida como a disciplina que estuda

as rochas num campo praacutetico Serve a geologia de engenharia tendo em vista a implantaccedilatildeo

de grandes edifiacutecios e outras obras volumosas cujas fundaccedilotildees exigem o conhecimento dos

terrenos A litologia daacute igualmente respostas agrave pedologia (o estudo dos solos) e agrave induacutestria

extrativa de rochas ornamentais usadas na arquitetura na cantaria ou na estatuaacuteria e de

rochas industriais exploradas como importantes mateacuterias-primas para a construccedilatildeo civil a

ceracircmica o vidro o cimento a cal e a induacutestria quiacutemica

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Software educativo em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Ana C Conceiccedilatildeo

DMUniversidade do Algarve

O conceito F-Tool foi desenvolvido em 2012 com o objetivo de proporcionar uma

aprendizagem interativa em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Em particular eacute possiacutevel

explorar de forma integrada as noccedilotildees de domiacutenio contradomiacutenio existecircncia de zeros

existecircncia de extremos e de pontos de inflexatildeo invertibilidade derivabilidade reta

tangente ao graacutefico num ponto simetrias em relaccedilatildeo aos eixos e agrave origem A utilizaccedilatildeo

dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adaptaccedilatildeo de

alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e

do simples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular)

No ensino da matemaacutetica e em particular no estudo de funccedilotildees a recomendaccedilatildeo da utiliza-

ccedilatildeo de software educacional tem como objetivo o sanar das dificuldades que os alunos pos-

suem em associar as representaccedilotildees algeacutebricas com as diversas representaccedilotildees numeacutericas

eou graacuteficas De facto o caraacuteter estaacutetico das representaccedilotildees matemaacuteticas muitas vezes

dificulta a construccedilatildeo do significado afetando substancialmente a correta interpretaccedilatildeo dos

conceitos A criaccedilatildeo de modelos interativos visuais com o sistema de aacutelgebra computacional

Mathematica permite aos alunos explorar conceitos de elevada complexidade e rapidamen-

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te adquirir uma compreensatildeo mais profunda dos conteuacutedos Obviamente a utilizaccedilatildeo de sof-

tware educacional natildeo deve ser vista como um substituto para o ensino com ldquopapel e laacutepisrdquo

deve ser devidamente combinada com outros meacutetodos de ensino

O conceito F-Tool foi desenvolvido em 2012 com o objetivo de proporcionar uma apren-

dizagem interativa em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Os aplicativos computacionais

implementados com base neste conceito utilizam as capacidades de caacutelculo numeacuterico e

simboacutelico do Mathematica de forma a permitir estudar dinacircmica e interativamente e em

tempo real conceitos e propriedades fundamentais do preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial

FIGURA 1 Imagem ilustrativa da F-Exponential

O conceito F-Tool em sala de aula permite uma abordagem dinacircmica de diversos concei-

tos relacionados com o estudo de funccedilotildees e promove novas formas de raciocinarpensar

avaliar ensinar e aprender As F-Tool foram concebidas como ferramentas de aprendiza-

gem ativa ou seja a sua utilizaccedilatildeo adequada propicia um contexto de ensino-aprendiza-

gem onde alunos e professores satildeo igualmente convidados a contribuir Aleacutem disso tecircm

uma interface muito intuitiva que permite que ateacute mesmo o utilizador mais inexperiente

sem qualquer conhecimento anterior em software educacional possa comeccedilar a usar to-

dos os recursos de uma forma eficiente e autoacutenoma As F-Tool natildeo satildeo um objeto estaacutetico

mas sim um programa a ser executado com o qual se interage em tempo real Em parti-

cular atraveacutes da alteraccedilatildeo dinacircmica dos valores dos paracircmetros que definem cada classe

eacute possiacutevel obter informaccedilatildeo analiacutetica rigorosa apresentada em aritmeacutetica exata ou apro-

ximada bem como informaccedilatildeo visual estaacutetica e natildeo-estaacutetica De igual modo escolhendo

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estrategicamente de entre as vaacuterias opccedilotildees de funccedilotildees disponiacuteveis no painel esquerdo eacute

possiacutevel apreender de forma mais eficaz e consequente muitas das relaccedilotildees existentes

entre as vaacuterias funccedilotildees e respetivas transformaccedilotildees (FIGURA 1) As F-Tool utilizam um

coacutedigo de cores para diferenciar as vaacuterias funccedilotildees apresentadas Este coacutedigo eacute explicitado

na legenda do canto inferior esquerdo do painel central

Qual das figuras pode representar o graacutefico de uma funccedilatildeo e o graacutefico da sua derivada de 1ordf ordem

FIGURA 2 Exemplo de questatildeo de escolha muacuteltipla utilizando diversas opccedilotildees do painel esquerdo das F-Tool

Apesar de ser um software educacional dinacircmico e interativo pode tambeacutem ser utilizado

na construccedilatildeo de questotildees de avaliaccedilatildeo de escolha muacuteltipla (FIGURA 2) e de resposta aberta

ficando o docente automaticamente com a resposta ao selecionar no painel esquerdo as

opccedilotildees relacionadas com a questatildeo

A utilizaccedilatildeo dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adapta-

ccedilatildeo de alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e do sim-

ples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular) De facto

incluindo as F-Tool em ficheiros no Computable Document Format (CDF) eacute possiacutevel criar

fichas de trabalho dinacircmicas e interativas motivando os alunos e tornando o estudo mais

interessante

Acreditamos que o conceito F-Tool ao dotar professores e estudantes com novas fer-

ramentas para explorar alguns conceitos fundamentais da matemaacutetica desenvolveraacute po-

sitivamente o processo de ensino e de aprendizagem das aacutereas de preacute-caacutelculo e caacutelculo

diferencial

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018046

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39

O Aroma das Plantas Luiacutes Gaspar Pedro

Ana Cristina Figueiredo

Joseacute Gonccedilalves Barroso

CESAM CBV Universidade de Lisboa

Quando nos festejos dos Santos Populares colocamos a matildeo sobre o manjerico

provocamos a rutura de estruturas microscoacutepicas Ao fazecirc-lo libertam-se compostos

quiacutemicos que aderem agrave palma da nossa matildeo que depois percecionamos pelo nosso

olfacto Os aromas satildeo misturas complexas de dezenas de compostos volaacuteteis

carateriacutesticos de uma determinada planta

O aroma o que eacute

O aroma de muitas plantas eacute constituiacutedo por diversos compostos quiacutemicos volaacuteteis que

tecircm a capacidade de estimular os nossos recetores olfactivos A quantidade e a diver-

sidade deste tipo de compostos presentes nas plantas satildeo responsaacuteveis pelos aromas

carateriacutesticos Eacute relativamente faacutecil reconhecer o aroma dos coentros ou do manjerico e

distingui-los de outros aromas como o da rosa ou do cravinho

Na composiccedilatildeo da fraccedilatildeo volaacutetil de uma planta aromaacutetica encontram-se regra geral

compostos como os mono- e sesquiterpenos e os fenilpropanoacuteides (FIGURA 1) entre ou-

tros Satildeo todos eles compostos quiacutemicos com ponto de ebuliccedilatildeo relativamente baixo que

volatilizam agrave temperatura ambiente e contribuem de forma mais ou menos notoacuteria para o

aroma carateriacutestico de cada espeacutecie

FIGURA 1 Exemplos de compostos que constituem a fraccedilatildeo volaacutetil de diversas espeacutecies aromaacuteticas monoterpenos (α-pineno timol) sesquiterpenos (β-cariofileno germacreno D) e fenilpropanoacuteides (eugenol)

α-Pineno Timol β-Cariofileno Germacreno D Eugenol

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Estruturas secretoras

Os compostos que constituem a fraccedilatildeo aromaacutetica de uma planta satildeo regra geral sinteti-

zados e acumulados em estruturas secretoras microscoacutepicas Entre os diversos tipos de

estruturas secretoras as mais frequentes satildeo os tricomas os canais e as bolsas (FIGURA 2)

FIGURA 2 Exemplos de estruturas secretoras observadas em microscopia oacuteptica A - Tricoma de Geranium robertianum (s - secretado acumulado no espaccedilo sub-cuticular coloraccedilatildeo com reagente de Nadi) B - canal secretor de Crithmum maritimum (setas coloraccedilatildeo com tricloreto de antimoacutenio) e C - bolsa secretora de Citrus sp (coloraccedilatildeo com Vermelho Sudatildeo III)

Os tricomas glandulares satildeo estruturas externas com origem em ceacutelulas epideacutermicas

que apresentam diversos graus de complexidade desde tricomas com apenas trecircs ceacutelulas

uma das quais a secretora ateacute tricomas com mais de uma dezena de ceacutelulas secretoras

As bolsas e os canais secretores satildeo estruturas internas constituiacutedas por ceacutelulas glandu-

lares que delimitam o luacutemen o espaccedilo para onde satildeo secretados os compostos depois de

produzidos nas ceacutelulas secretoras Os canais satildeo estruturas alongadas que percorrem o

corpo da planta por vezes com ramificaccedilotildees enquanto as bolsas satildeo estruturas mais ou

menos isodiameacutetricas

Os oacuteleos essenciais

Um oacuteleo essencial eacute obtido por hidrodestilaccedilatildeo ou por destilaccedilatildeo por arrastamento de va-

por (FIGURA 3) No caso particular dos citrinos o oacuteleo essencial pode ainda ser obtido

por expressatildeo (processo mecacircnico que promove a libertaccedilatildeo do secretado acumulado no

interior das estruturas secretoras neste caso bolsas)

Tanto na hidrodestilaccedilatildeo como na destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor o secretado eacute

removido das estruturas secretoras e arrastado pelo vapor de aacutegua Depois de condensar

por arrefecimento o oacuteleo essencial separa-se da aacutegua podendo ser facilmente recolhido

devido agrave sua imiscibilidade com a aacutegua

A B CS

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41FIGURA 3 A - Sistema de hidrodestilaccedilatildeo com aparelho de Clevenger e B - sistema de destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor

Anaacutelise de oacuteleos essenciais

Para analisar um oacuteleo essencial recorre-se frequentemente agrave cromatografia gasosa (CG)

para quantificaccedilatildeo dos componentes e agrave CG acoplada agrave espectrometria de massa (CG-

-EM) para a correspondente identificaccedilatildeo dos constituintes Por CG-EM os diversos com-

ponentes que constituem o oacuteleo essencial satildeo separados uns dos outros e ao chegarem ao

espectroacutemetro de massa satildeo bombardeados por eletrotildees o que leva a que as moleacuteculas

fragmentem formando-se diferentes iotildees de acordo com padrotildees preferenciais O con-

junto dos fragmentosiotildees constituem o espectro de massa que eacute carateriacutestico de cada

moleacutecula A integraccedilatildeo das aacutereas dos picos que surgem no cromatograma obtido por CG

(FIGURA 4A) permite a quantificaccedilatildeo relativa dos diversos componentes do oacuteleo essencial

A anaacutelise por CG-EM possibilita a identificaccedilatildeo desses compostos por comparaccedilatildeo dos

espectros de massa (FIGURA 4B) e dos iacutendices de retenccedilatildeo com os de amostras padratildeo

FIGURA 4 A - Aspeto parcial de um cromatograma obtido por CG carateriacutestico de um oacuteleo essencial com alguns dos ldquopicosrdquo identificados B - espectro de massa obtido por CG-EM de um dos componentes maioritaacuterios o timol

A B

A B

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S O

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43

Paisagens da Islacircndia Formase Processos (III)Fernando Carlos LopesCITEUC Universidade de Coimbra

A Islacircndia eacute famosa natildeo soacute pelos seus vulcotildees mas tambeacutem pelos seus glaciares e pela

sua sinuosa e escarpada linha de costa

Atualmente os glaciares cobrem cerca de 10 da superfiacutecie islandesa e 60 destas

aacutereas geladas assentam sobre sistemas vulcacircnicos ativos Esta combinaccedilatildeo de gelo e vul-

canismo torna a Islacircndia o local ideal para cheias repentinas (joumlkulhlaups) resultantes de

aacutegua que escorre por baixo dos glaciares devido agrave fusatildeo provocada pelas erupccedilotildees subgla-

ciares Atualmente existem 4 grandes calotes glaciares localizadas nas regiotildees elevadas

e vulcanicamente ativas do centro e sul da ilha a partir das quais divergem numerosas liacuten-

guas glaciarias Vatnajoumlkull (8100 km2) situado no centro leste Langjoumlkull (925 km2) si-

tuado no centro oeste Hofsjoumlkull (925 km2) situado na zona central da ilha Myrdalsjoumlkull

(600 km2) situado no sul da ilha Apesar da Islacircndia ter cerca de 24 Ma a sua paisagem soacute

foi moldada por glaciares nos uacuteltimos 5 milhotildees de anos Os seus glaciares de tipo alpino

(ou de montanha) avanccedilaram e recuaram condicionados pelas variaccedilotildees regionais e locais

do clima de que resultaram espetaculares morfologias Como jaacute se referiu anteriormente

as variaccedilotildees da carga glaciar sobre a litosfera provocadas pelas fases de gelo e degelo

teratildeo desempenhado papel importante na atividade vulcacircnica da ilha

Com um comprimento de cerca de 4970 km a linha de costa da Islacircndia eacute de um modo

geral muito recortada e escarpada marcada por promontoacuterios cabos peniacutensulas fiordes

e enseadas pontilhada de leixotildees por entre os quais se aninham praias de areia negra de

contornos suaves A accedilatildeo do mar sobre as inuacutemeras escoadas de lava que fluiacuteram ateacute agrave

costa ao longo da evoluccedilatildeo geoloacutegica da ilha e ali solidificaram sobre os aparelhos vulcacirc-

nicos implantados na zona litoral e sobre os vales deixados pelo recuo dos glaciares criou

paisagens de uma beleza surreal

FIGURA DA PAacuteGINA ANTERIOR Leixatildeo Hvitserkur noroeste da Islacircndia (fonte pixabay)

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44

Parte III - Paisagens controladas pelos glaciares e paisagens costeirasVales glaciares e fiordes

Vales glaciares vales suspensos lagos glaciares e cascatas ciacuterculos glaciares moreias

e fiordes satildeo formas carateriacutesticas das paisagens islandesas criadas pelos seus glacia-

res alpinos Os vales glaciares com o seu carateriacutestico perfil em ldquoUrdquo satildeo a forma mais

comum de paisagem originada pela erosatildeo glacial (FIGURA 1) No interior destes vales os

rios concentram o seu poder erosivo na zona mais baixa originando um perfil carateriacutestico

em ldquoVrdquo O poder erosivo dos glaciares eacute muito superior ao dos rios porque a sua energia

potencial resulta natildeo soacute do declive do terreno mas tambeacutem do peso do gelo A erosatildeo faz-

-se essencialmente ao longo das zonas laterais do canal criando um vale com vertentes

alcantiladas e fundo aplanado Vales suspensos satildeo vales escavados por glaciares tributaacute-

rios Como estes glaciares levam menos gelo o seu poder erosivo eacute menor que o do glaciar

principal ficando suspenso nas vertentes do glaciar principal quando o gelo recua Cons-

tituem exemplos notaacuteveis pela sua beleza e dimensatildeo os vales glaciares de Borgarvirki

(FIGURA 2) e de Akureyri (ou Eyjafjoumlrethur) no noroeste da ilha Este uacuteltimo vai desembocar

num fiorde que eacute mais longo da Islacircndia

FIGURA 1 Esquema 3D (sem escala) da evoluccedilatildeo de uma paisagem glaciar com formaccedilatildeo de vales glaciares vales glaciares suspensos ciacuterculos glaciares lagos glaciares e cascatas

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FIGURA 2 Aspeto do vale glaciaacuterio de Borgarvirki observado a partir da fortaleza de Borgarvirki

Se as condiccedilotildees forem favoraacuteveis os glaciares podem erodir abaixo do niacutevel do mar Quan-

do o glaciar recua o oceano invade estas depressotildees criando um fiorde Alguns dos fiordes

islandeses como o de Akureyri e o de Nordfjord (nordeste da ilha) possuem centenas de

metros abaixo do niacutevel do mar O fiorde de Nordfjord abrange parcialmente uma antiga cal-

deira vulcacircnica Nas faleacutesias do seu flanco oriental (falesias de Raudubjoumlrg) afloram rioacutelitos

conferindo agraves arribas uma carateriacutestica cor avermelhada)

Como se referiu anteriormente (Parte I) a orientaccedilatildeo da maioria dos vales glaciares e

fiordes segue de perto a orientaccedilatildeo dos principais lineamentos tectoacutenicos

Moreias

Em termos de aspetos deposicionais relacionados com glaciares as moreias satildeo de lon-

ge os mais abundantes Satildeo acumulaccedilotildees de fragmentos rochosos transportados pelos

glaciares quer na regiatildeo frontal (moreia frontal) lateral (moreia lateral) a meio (moreia

mediana) e no fundo (moreia de fundo)

Durante o uacuteltimo maacuteximo glaciar (haacute cerca de 20 000 anos) a Islacircndia estava quase

toda coberta por glaciares que se estendiam ateacute agrave costa e para aleacutem dela Foram encon-

tradas moreias frontais dessa eacutepoca a cerca de 130 km a offshore da costa ocidental e a

cerca de 150-230 m abaixo do niacutevel de mar atual

Eacute possiacutevel encontrar nos vales glaciares islandeses quer moreias antigas resultantes

da uacuteltima glaciaccedilatildeo quer moreias recentes e atuais Estas uacuteltimas estatildeo relacionadas com

as 4 grandes calotes glaciares existentes como eacute o caso das moreias do glaciar Vatna-

joumlkull que se podem observar em pleno no setor sudeste da ilha

AO

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Lagoas glaciares e icebergues

Outra das paisagens magniacuteficas moldadas pelos glaciares satildeo as lagoas glaciares Estas

lagoas formam-se na extremidade dos glaciares que descem das calotes glaciares Satildeo

alimentadas pelo desgelo natural dos glaciares e nela flutuam pequenos e grandes iceber-

gues que se separam da frente do glaciar (FIGURA 3)

FIGURA 3 Esquema 3D (sem escala) da formaccedilatildeo de icebergues numa lagoa glaciar

O exemplo mais notaacutevel deste tipo de lagoas na Islacircndia eacute a lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten consi-

derada uma das maravilhas naturais do paiacutes Fica situada no sudeste da ilha na extremidade

do glaciar Breiethamerkurjoumlkull uma das liacutengua glaciares da calote de Vatnajoumlkull (FIGURA 4)

FIGURA 4 Icebergues na lagoa glaciar de Joumlkulsaacuterloacuten Ao fundo vecirc-se a frente do glaciar Breiethamerkurjoumlkull As faixas negras nos icebergues satildeo niacuteveis de cinza vulcacircnica

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A lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten eacute o ponto mais baixo da Islacircndia com zonas agrave cota de -200 m Na

baiacutea da lagoa tem-se acesso a uma paisagem de outro mundo com icebergues de dimen-

sotildees variadas que flutuam ateacute ao mar ficando alguns deles encalhados na margem de uma

praia de areia vulcacircnica Alguns icebergues exibem faixas negras correspondentes a niacuteveis

de cinzas vulcacircnicas provenientes de antigas erupccedilotildees (FIGURA 4) Outros exibem duas

tonalidades branco leitoso e azul claro A faixa azul corresponde agrave porccedilatildeo do icebergue

que se tornou recentemente emersa

A lagoa teraacute sido formada em 1934-35 pelo contiacutenuo recuo do glaciar Vatnajoumlkull e teraacute

duplicado de tamanho nos uacuteltimos 15 anos Dada a taxa atual de recuo do glaciar Vatna-

joumlkull um profundo fiorde iraacute desenvolver-se no local onde hoje existe a lagoa

As costas escarpadas

As costas escarpadas e recortadas satildeo sem duacutevida as mais dominantes Ocorrem deste o

oeste ao leste da ilha passando pela regiatildeo norte incisas por numerosos fiordes e peque-

nas enseadas e salpicadas por leixotildees Eacute notaacutevel pela sua forma de dragatildeo e pelas lendas

que o envolvem o leixatildeo de Hvitserkur (IMAGEM DA PAGINA 42) situado na costa leste da

Peniacutensula de Vatnsnes no noroeste da Islacircndia

Os fiordes mais profundos localizam-se na costa norte constituindo bons portos natu-

rais Um destaque especial vai para o fiorde ao longo do qual se estende a cidade de Aku-

reyri (fiorde de Akureyri ou Eyjafjoumlrethur) considerado o mais longo do paiacutes

Praias de areia Negra

As praias de areia negra em geral de reduzida extensatildeo podem ser constituiacutedas por i) de-

poacutesitos resultantes da abrasatildeo das arribas ii) moreias e depoacutesitos fluviais resultantes dos

rios glaciares com contornos suaves e lagoas glaciares protegidas por extensas barras

arenosas iii) depoacutesitos de tefra provenientes de erupccedilotildees freaacuteticas

As do primeiro tipo ocorrem um pouco por toda a linha de costa como resultado da accedilatildeo

do mar sobre as arribas As do segundo tipo ocorrem dominantemente entre Djuacutepivogur a

sudeste e Oumllfusaacute a sudoeste com destaque para a praia de Reynisfjara na costa sul As

da terceira categoria podem ser observadas na ilha de Heimaey arquipeacutelago de Vestman-

naeyja regiatildeo sul da Islacircndia

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018048

IMA

GE

M E

M D

ES

TAQ

UE

48

Eu crio as minhas obras de arte de peque-

nos pedaccedilos de papel com espirais que co-

nectam e ligam os elementos a uma grande

estrutura Na obra de origami acabada a

que chamo Voltinhas estas espirais vivem

e trabalham Forccedilas de tensatildeo e fricccedilatildeo

contrapotildeem-se agrave gravidade e mantecircm a

forma estaacutevel Nas minhas criaccedilotildees procu-

ro estar perto da natureza Quando criamos

ou estudamos modelos de papel na macro

escala podemos entender melhor as for-

mas criadas pela natureza na micro escala

A minha obra de origami na capa o trabalho

intitulado ldquoInverno num parque de Lisboardquo e

o capsiacutedeo do viacuterus Canine parvovirus um viacute-

rus contagioso que ataca sobretudo os catildees

e outros caniacutedeos tecircm a mesma estrutura

geomeacutetrica do pequeno rombicosidodecae-

dro um poliedro com simetria icosaeacutedrica

Essa obra invoca simbolicamente o Ano

da Biologia Matemaacutetica 2018 O origami eacute

uma arte de dobragem do papel com uma

forte componente geomeacutetrica que permite

a construccedilatildeo de formas complexas e tem

atraiacutedo o interesse de matemaacuteticos pelas

suas propriedades geomeacutetricas e algeacutebricas

Krystyna Burczyk

Os viacuterus satildeo responsaacuteveis por inuacutemeras

doenccedilas no homem nos animais e nas plan-

tas e as curas e prevenccedilotildees satildeo ainda mui-

tas vezes problemaacuteticas Desenvolvimen-

tos recentes das aplicaccedilotildees da matemaacutetica

agrave virologia nomeadamente das teorias de

grupos de grafos de tesselaccedilatildeo ou de re-

ticulados mostraram por exemplo que as

restriccedilotildees estruturais agraves formas dos viacuterus

satildeo maiores do que antes se pensava e

permitiram a construccedilatildeo de novos modelos

para o desenvolvimento de terapias anti-

-virais Os capsiacutedeos virais que envolvem

os genomas dos viacuterus por razotildees de eco-

nomia geneacutetica tem muitas vezes uma si-

metria icosaeacutedrica Ora esta simetria natildeo eacute

cristalograacutefica em trecircs dimensotildees ie natildeo

eacute compatiacutevel com reticulados perioacutedicos

o que motivou os matemaacuteticos a desen-

volverem novas estruturas no contexto de

grupos de Coxeter natildeo-cristalograacuteficos que

encontraram aplicaccedilatildeo natildeo soacute na virologia

mas tambeacutem noutras estruturas molecula-

res da quiacutemica do carbono

Joseacute Francisco RodriguesUniversidade de Lisboa

Origami e Viacuterusin imagemcasadascienciasorg

Imagem de Canine Parvovirus gerada em VMD Autor Alexandre Lopes Magalhatildees

Page 12: JUNHO 2018 V6 /02 · 2018-09-26 · Matilde Viegas, Maria João Ramos, Pedro Alexandrino Fernandes Stephen Hawking e a sua contribuição para a física teórica Orfeu Bertolami,

AR

TIG

O

10

Quando todos os aacutetomos se movem coordenadamente na direccedilatildeo um dado vetor (por

exemplo direccedilatildeo z FIGURA 1 primeira imagem) isso representa a translaccedilatildeo da moleacutecula

nessa direccedilatildeo Para uma moleacutecula isolada haacute pois trecircs movimentos ndash ou graus de liberdade

ndash translacionais

De igual modo eacute possiacutevel encontrar combinaccedilotildees de movimentos individuais dos aacutetomos

que resultam numa rotaccedilatildeo da moleacutecula em torno do seu centro de massa Estes graus de

liberdade rotacionais satildeo tambeacutem trecircs para a maioria das moleacuteculas Em moleacuteculas linea-

res haacute apenas dois graus de liberdade rotacionais pois natildeo existe rotaccedilatildeo em torno do eixo

molecular (natildeo moveria nenhum aacutetomo)

As restantes combinaccedilotildees de movimentos atoacutemicos resultam em movimentos dos aacutetomos

entre si sem que haja translaccedilatildeo ou rotaccedilatildeo da moleacutecula ou seja correspondem a graus de

liberdade vibracionais Deste modo um sistema molecular com N aacutetomos tem 3N-6 vibra-

ccedilotildees (3N-5 se for linear)

A soluccedilatildeo da equaccedilatildeo de Schoumldinger para uma partiacutecula livre em movimento tem como

significado fiacutesico a natildeo-quantizaccedilatildeo da energia translacional Dito de outro modo os graus

de liberdade translacionais satildeo contiacutenuos Contudo o mesmo natildeo se passa com os movimen-

tos os rotacionais e vibracionais a que correspondem niacuteveis de energia discretos (ou quan-

tizados) Assim eacute possiacutevel observar transiccedilotildees entre os niacuteveis rotacionais (espectroscopia

rotacional) ou entre os niacuteveis vibracionais (espectroscopia vibracional) Como seraacute discutido

abaixo numa moleacutecula em fase gasosa eacute possiacutevel observar transiccedilotildees em que se alteram si-

multaneamente o estado vibracional e o estado rotacional (por vezes abreviadas para ldquotran-

siccedilotildees roto-vibracionaisrdquo)

O modelo mais simples para descrever as vibraccedilotildees moleculares eacute o modelo do oscilador

harmoacutenico diatoacutemico dois aacutetomos de massa m1 e m2 ligados por uma mola perfeitamente

elaacutestica (FIGURA 2A) Os dois aacutetomos oscilam em torno da distacircncia de equiliacutebrio num mo-

vimento que pode ser designado por ldquoelongaccedilatildeo linearrdquo (e frequentemente abreviado para

ldquoelongaccedilatildeordquo)

Por resoluccedilatildeo da equaccedilatildeo de Schroumldinger para este modelo obteacutem-se a expressatildeo da

energia dos niacuteveis vibracionais

)frac12v(v += νhE

onde v eacute o nuacutemero quacircntico vibracional (v = 0 1 2 3 hellip) e ν eacute a frequecircncia de vibraccedilatildeo

do oscilador harmoacutenico Segundo este modelo os niacuteveis de energia de um oscilador estatildeo

igualmente espaccedilados sendo a diferenccedila entre eles igual a hν (FIGURA 2B) A regra de sele-

ccedilatildeo para o oscilador harmoacutenico eacute Δv = 1 pelo que o espectro vibracional de uma moleacutecula

diatoacutemica nesta aproximaccedilatildeo consiste num uacutenico sinal de frequecircncia ν independentemente

do niacutevel de partida

(1)

AR

TIG

O

11

FIGURA 2 A - Oscilador harmoacutenico constituiacutedo por duas esferas de massa m1 e m2 ligadas por uma mola sem limite de elasticidade (obedece agrave lei de Hooke para qualquer deformaccedilatildeo) B - Esquema da distribuiccedilatildeo dos niacuteveis de energia vibracionais em funccedilatildeo do nuacutemero quacircntico v e valor da separaccedilatildeo energeacutetica entre niacuteveis consecutivos

A frequecircncia do oscilador depende naturalmente da forccedila da ldquomolardquo ou seja do grau de

rigidezelasticidade da ligaccedilatildeo quiacutemica que se traduz na constante de forccedila da ligaccedilatildeo k

Esta constante de forccedila eacute a que define a resistecircncia da mola agrave deformaccedilatildeo ou seja a forccedila

que eacute necessaacuterio efetuar para provocar uma deformaccedilatildeo de Δx de acordo com a lei de

Hooke F = k Δx A equaccedilatildeo da frequecircncia do oscilador harmoacutenico eacute entatildeo dada por

μπν

k21

=

onde μ eacute a massa reduzida do oscilador

Os osciladores reais satildeo anarmoacutenicos uma vez que as ligaccedilotildees quiacutemicas natildeo se compor-

tam como molas perfeitamente elaacutesticas A FIGURA 5 compara a funccedilatildeo de energia potencial

do oscilador harmoacutenico com uma curva pouco anarmoacutenica (FIGURA 3A) e muito anarmoacutenica

(FIGURA 3B) A situaccedilatildeo real corresponde agrave curva de alta anarmonicidade (FIGURA 3B) jaacute que

as ligaccedilotildees quiacutemicas quebram quando satildeo estiradas excessivamente

FIGURA 3 Comparaccedilatildeo entre o oscilador harmoacutenico (linha a vermelho) e anarmoacutenico (linha a preto) para duas situaccedilotildees A - baixa anarmonicidade e B - alta anarmonicidade Notar que a regiatildeo da transiccedilatildeo fundamental(0rarr1) eacute muito razoavelmente descrita pelo oscilador harmoacutenico em qualquer dos casos

(2)

A B

A B

AR

TIG

O

12

A energia dos niacuteveis de um oscilador anarmoacutenico eacute dada por

2v )frac12v()frac12v( +-+= exhhE νν

onde xe eacute a constante de anarmonicidade especiacutefica de cada oscilador

Um efeito imediato da anarmonicidade eacute a diminuiccedilatildeo progressiva do espaccedilamento ener-

geacutetico entre os niacuteveis (tal como se observa na FIGURA 3)

ΔEv0rarr1 = hν(1 ndash 2 x) ΔEv1rarr2

= hν(1 ndash 4 x) ΔEv2rarr3 = hν(1 ndash 6 x)

Proacuteximo da energia de dissociaccedilatildeo o espaccedilamento tende para zero o que permite estimar

a energia de uma ligaccedilatildeo a partir da sua frequecircncia de vibraccedilatildeo e da correspondente anar-

monicidade

exhD 4e ν=

A regra de seleccedilatildeo para o oscilador anarmoacutenico eacute Δv = 1 2 3 hellip sendo possiacutevel observar

diversas transiccedilotildees Enquanto a transiccedilatildeo do niacutevel v=0 para v=1 eacute designada por transiccedilatildeo

fundamental as transiccedilotildees de v=0 para vgt1 satildeo designadas sobretons

Quando a populaccedilatildeo dos niacuteveis excitados eacute significativa eacute possiacutevel observar as transiccedilotildees

v=1 para v=2 v=2 para v=3 etc Estas transiccedilotildees aumentam de intensidade por aumento

da temperatura (ver distribuiccedilatildeo de populaccedilatildeo de Boltzmann) pelo que as correspondentes

bandas do espectro vibracional satildeo designadas por ldquobandas quentesrdquo

Esta anaacutelise do espectro vibracional de sistemas diatoacutemicos pode estender-se a sistemas

poliatoacutemicos Em sistemas poliatoacutemicos observam-se vaacuterios movimentos de ldquoelongaccedilatildeo li-

nearrdquo (tantos quantos as ligaccedilotildees entre 2 aacutetomos) de ldquodeformaccedilatildeo angularrdquo (envolvendo 3

aacutetomos ligados) de ldquotorccedilatildeordquo e de ldquodeformaccedilatildeo para fora do planordquo (envolvendo 4 aacutetomos

ligados) Estes movimentos combinam-se nas 3N-6 vibraccedilotildees globais da moleacutecula desig-

nados por modos normais de vibraccedilatildeo Em alguns casos os modos normais de vibraccedilatildeo es-

tatildeo altamente localizados num grupo definido de aacutetomos ndash por exemplo o grupo carbonilo

(C=O) ndash e originam bandas no espectro vibracional que satildeo carateriacutesticas desse grupo de

aacutetomos e mais ou menos independentes do resto da moleacutecula Estas vibraccedilotildees satildeo desig-

nadas por frequecircncias de grupo muito utilizadas em caraterizaccedilatildeo quiacutemica Estes toacutepicos

seratildeo desenvolvidos num texto proacuteprio

Transiccedilotildees roto-vibracionais numa abordagem breve

Tal como referido acima eacute possiacutevel observar transiccedilotildees vibracionais (Δv = 1 2 3 hellip) acom-

panhadas de transiccedilotildees rotacionais (ΔJ= 1) Considerando estes graus de liberdade como

independentes entre si a energia dos niacuteveis num oscilador diatoacutemico eacute dada simplesmente

pela soma da equaccedilatildeo (3) com a equaccedilatildeo do rotor diatoacutemico

(3)

(4)

(5)

AR

TIG

O

13

222J v )1()frac12v()1()frac12v( +++-+++= JDxhJBhE eνν J J ][

Ignorando os termos anarmoacutenico e de distorccedilatildeo centriacutefuga ndash indicados entre parecircntese

rectos ndash a energia da transiccedilatildeo vibracional fundamental num oscilador diatoacutemico eacute dada por

ΔEv=0rarrv=1 = hν + B[J(J+1)minusJrsquo(Jrsquo+1)]

onde J eacute o nuacutemero quacircntico rotacional do estado inicial v=1 e Jrsquo eacute o nuacutemero quacircntico

rotacional do estado final v = 1

A FIGURA 4 ilustra as transiccedilotildees que correspondem a Jrsquo=J-1 Jrsquo=J e Jrsquo=J+1 e a FIGURA 5

apresenta o espectro observado para o oscilador diatoacutemico real HCl No espectro real o efeito

da anarmonicidade do oscilador no valor de B eacute evidente

FIGURA 4 Esquema simplificado das transiccedilotildees roto-vibracionais numa moleacutecula diatoacutemica Os niacuteveis natildeo estatildeo agrave escala As transiccedilotildees com Jrsquo=J-1 (a verde) originam as bandas do Ramo P e as transiccedilotildees com Jrsquo=J+1 (a azul) originam o Ramo R As transiccedilotildees com Jrsquo=J (a amarelo) originam o Ramo Q mas natildeo satildeo permitidas em moleacuteculas diatoacutemicas

FIGURA 5 Espectro roto-vibracional da moleacutecula diatoacutemica HCl com a indicaccedilatildeo da posiccedilatildeo do Ramo Q (transiccedilotildees natildeo permitidas por regra de seleccedilatildeo) Notar que todos os sinais aparecem desdobrados em dois uma amostra real de HCl conteacutem as formas isotoacutepicas H35Cl e H37Cl a que correspondem diferentes valores de B Notar tambeacutem que o espaccedilamento entre bandas no ramo P eacute maior que no ramo R no estado fundamental v=0 a distacircncia interatoacutemica meacutedia eacute menor do que para v=1 pelo que B gt Brsquo Notar que a transiccedilatildeo Jrsquo=J eacute proibida pelo que natildeo aparece a banda Q

(6)

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14

O crescimento exponencial de populaccedilotildees Euler ou Malthus Suzana NaacutepolesUniversidade de Lisboa

Em 1798 no livro An Essay on the Principle of Population que teve seis ediccedilotildees Thomas

Malthus (1766-1864) um cleacuterigo e erudito inglecircs influente nos campos da economia po-

liacutetica e da demografia escreveu

ldquoA populaccedilatildeo quando natildeo controlada aumenta em progressatildeo geomeacutetrica A subsistecircncia

aumenta apenas em progressatildeo aritmeacutetica Um pequeno conhecimento dos nuacutemeros mostra-

raacute a imensidatildeo do primeiro poder em comparaccedilatildeo com o segundoldquo

Malthus natildeo tentou traduzir matematicamente o seu modelo de crescimento Limitou-se a

caraterizaacute-lo pressupondo que a taxa segundo a qual a populaccedilatildeo cresce num determinado

instante eacute proporcional agrave populaccedilatildeo total nesse mesmo instante

Numa revisatildeo da primeira ediccedilatildeo discutiu em detalhe os obstaacuteculos para o crescimento

da populaccedilatildeo em vaacuterios paiacuteses nomeadamente atraso no casamento aborto infanticiacutedio

fome guerra epidemias e fatores econoacutemicos Para ele o casamento retardado era a melhor

opccedilatildeo para estabilizar a populaccedilatildeo

Para caraterizar matematicamente este modelo considerando o crescimento em anos

consecutivos e supondo uma taxa de crescimento r em cada ano se num ano n a popula-

ccedilatildeo eacute Pn no ano seguinte a populaccedilatildeo seraacute Pn +1= (1 + r ) Pn pelo que Pn+1= (1 + r ) n P0 e o

crescimento eacute descrito por uma progressatildeo geomeacutetrica de razatildeo 1 + r

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15FIGURA 1 Thomas Malthus

Supondo uma variaccedilatildeo contiacutenua do tempo e designando por P(t) a populaccedilatildeo no instante

t e por r a taxa de crescimento por unidade de tempo a equaccedilatildeo diferencial que traduz o

modelo contiacutenuo preconizado por Malthus eacute Prsquo(t) = r P(t) Entatildeo P(t) = ke r t com k constante

Como P(0) = k e P0 o nuacutemero de indiviacuteduos no ano zero a evoluccedilatildeo da populaccedilatildeo eacute dada

por P(t) = P0 e rt

Acontece que 50 anos antes em Introductio in analysin infinitorum no VI capiacutetulo

ldquoDe quantidades exponenciais e logaritmosrdquo para ilustrar a grande utilidade das ta-

belas de logaritmos para abreviar caacutelculos numeacutericos o matemaacutetico suiacuteccedilo Leonhard

Euler (1707-1783) daacute vaacuterios exemplos que envolvem o crescimento populacional de

que transcrevemos os exemplos II e III

FIGURA 2 Leonhard Euler e o seu Introductio in analysin infinitorum

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16

Exemplo II

ldquoSe a populaccedilatildeo em certa regiatildeo aumenta anualmente um trigeacutesimo e por outro lado laacute

habitavam no princiacutepio 100000 pessoas pergunta-se qual o nuacutemero de habitantes apoacutes

100 anos

Seja o nuacutemero inicial = n pelo que n = 100000 passado um ano o nuacutemero de habitantes

seraacute = (1+301 )n=30

13 n depois de dois anos = S X3013 2

n ao cabo de trecircs = S X3013 3

n e daqui

depois de 100 anos seraacute = S X3013 100

n = S X3013 100

100000 cujo logaritmo eacute = 100 l 1013 +

l 100000 E l 1013 = l 31 - l 10 = 0014240439 de onde 100 l 10

13 = 14240439 que somando-

-lhe l 100000 = 5 seraacute o logaritmo do nuacutemero de habitantes procurado = 64240439 a que

corresponde o nuacutemero 2654874

Assim ao cabo de 100 anos seraacute mais de vinte e seis vezes maiorrdquo

Este exemplo publicado em 1748 eacute meio seacuteculo antes a concretizaccedilatildeo do ldquoModelo Mal-

thusianordquo para uma populaccedilatildeo de 100000 habitantes e uma taxa de crescimento anual de

130

No exemplo seguinte Euler faz alusatildeo ao capiacutetulo 7 do Livro do Genesis que relata como

um diluacutevio reduziu a populaccedilatildeo da terra a seis seres humanos

Exemplo III

ldquoComo a humanidade se espalhou apoacutes o diluacutevio por obra de seis seres humanos se o nuacute-

mero destes alcanccedilar duzentos anos depois o nuacutemero 1000000 pergunta-se em que parte

deveria crescer anualmente o nuacutemero de humanos

Se aumentar em cada ano x1 duzentos anos depois o nuacutemero de humanos seria =

xx1 200+S X 6 = 1000000 e por tanto x

16

1000000 2001

+ = S Xx

Portanto l x1

2001+ =x l

61000000 =200

1 52218487 = 00261092

e assim =x1+x

10000001061963 e 1000000 = 61963x donde x =16 aproxidamente

Bastaraacute pois que os humanos aumentem por ano a sua deacutecima sexta parte [] Contudo se

o nuacutemero de homens tivesse crescido na mesma proporccedilatildeo durante um intervalo de 400

anos deveria chegar a 1000000 10000006

= 166666666666 cujo sustento a terra inteira

natildeo seria de forma alguma capaz de darrdquo

Euler ao abordar o crescimento das populaccedilotildees tinha uma preocupaccedilatildeo matemaacutetica ndash a

de mostrar a utilidade dos logaritmos ndash que ilustrou com exemplos

Mas a observaccedilatildeo anterior leva a crer que ele considerou o modelo exponencial desade-

quado para o estudo do crescimento populacional

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O

17

A populaccedilatildeo de Portugal espelha bem a falecircncia deste modelo Segundo dados do Ins-tituto Nacional de Estatiacutestica nos duzentos anos que decorreram entre 1770 e 1970 a

populaccedilatildeo nem chegou a triplicar

TABELA 1 Populaccedilatildeo de Portugal entre 1422 a 1890

Popuccedilatildeo de Portugal (INE Lisboa)

Ano Total Variaccedilatildeo Ano Total Variaccedilatildeo

1422 1 043 274 - 1900 5 423 132 +74

1527 1 262 376 +210 1911 5 960 056 +99

1636 1 100 000 -129 1920 6 032 991 +12

1736 2 143 368 +949 1930 6 825 883 +131

1770 2 850 444 +330 1940 7 722 152 +131

1776 3 352 310 +176 1950 8 441 312 +93

1801 2 931 930 -125 1960 8 851 289 +49

1811 2 876 602 -19 1970 8 568 703 -32

1838 3 200 000 +112 1981 9 852 841 +150

1849 3 411 454 +66 1991 9 862 540 +01

1864 4 188 410 +228 2001 10 356 117 +50

1878 4 550 699 +86 2007 10 617 575 +25

1890 5 049 729 +110

Quanto a Malthus as suas preocupaccedilotildees eram de natureza poliacutetica e legislativa To-

mou como certo um crescimento exponencial da populaccedilatildeo mundial que conduziria a

uma cataacutestrofe por ausecircncia de recursos e para o travar sugeriu o recurso a poliacuteticas

adequadas Ao publicitar o modelo exponencial - que ficou conhecido como Modelo

Malthusiano - ligando-o a problemas legislativos reais abriu caminho para que dife-

rentes matemaacuteticos se dedicassem agrave modelaccedilatildeo do crescimento populacional

Em 1844 o matemaacutetico belga Pierre Verhulst (1804-1849) propocircs no artigo Recherches

matheacutematiques sur la loi drsquoaccroissement de la population um modelo em que considera que

agrave medida que a populaccedilatildeo se aproxima de um valor maacuteximo a taxa de crescimento diminui

ldquoO aumento virtual da populaccedilatildeo eacute portanto limitado pelo tamanho e pela fertilidade do paiacutes

Como resultado a populaccedilatildeo fica cada vez mais proacutexima de um estado estaacutevelrdquo

Designado por P(t) a populaccedilatildeo no instante t por r a taxa de crescimento por unidade

de tempo e por M o nuacutemero maacuteximo de indiviacuteduos que a regiatildeo pode suportar este modelo

exprime-se pela equaccedilatildeo diferencial

( )dt

dP rP MP t

1= -T Y

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18

cuja soluccedilatildeo eacute

( )( ) ( )( )

P t

MP eP e

10 10

rt

rt

=+

-

Se P(t) for muito pequeno face a M tem-se que ( )dt

dP rP MP t

1= -T Y cong r P(t) que tem a soluccedilatildeo P(t) cong P(0) e rt

e o crescimento eacute exponencial

FIGURA 4 Pierre Franccedilois Verhulst e o graacutefico da curva logiacutestica

Agrave medida que t cresce a populaccedilatildeo aproxima-se assintoticamente de M A equaccedilatildeo diferen-

cial que carateriza este modelo eacute atualmente designada por equaccedilatildeo logiacutestica e a populaccedilatildeo

maacutexima M por capacidade de carga Com Verhulst relativizou-se ldquoa hipoacutetese da progressatildeo

geomeacutetrica uma vez que ela soacute se pode verificar em circunstacircncias muito especiais por exem-

plo quando um territoacuterio feacutertil de tamanho quase ilimitado passa a ser habitado por pessoas

com uma civilizaccedilatildeo avanccedilada como foi o caso das primeiras coloacutenias americanasrdquo

Essa equaccedilatildeo foi retomada por vaacuterios matemaacuteticos e adaptada a contextos variados

Satildeo de realccedilar os casos em que a capacidade de carga varia como o tempo conduzindo

ao modelo caraterizado pela equaccedilatildeo diferencial

dtdP rP M

P1= -T Y( )t

onde a capacidade de carga M(t) = M(t +T) varia periodicamente com periacuteodo T

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19

FIGURA 5 A demografia eacute instrumental para o controlo das populaccedilotildees humanas

Desde o seacuteculo XVIII que o estudo da dinacircmica das populaccedilotildees eacute objeto de modelaccedilatildeo

matemaacutetica Na atualidade existem outros modelos de crescimento hiperboacutelicos expo-

nenciais logiacutesticos ou baseados noutras funccedilotildees Baseada nos modelos populacionais

do matemaacutetico Song Jian a Repuacuteblica Popular da China em 1980 entatildeo a atingir o biliatildeo

de habitantes instaurou uma poliacutetica estrita de filho uacutenico Essa lei foi flexibilizada em

2015 aumentando para dois o nuacutemero maacuteximo de filhos para fazer frente ao envelheci-

mento da populaccedilatildeo e agrave reduccedilatildeo do grupo de trabalhadores na faixa etaacuteria considerada

economicamente ativa

Muitos dos pareceres cientiacuteficos nas mais diversas aacutereas baseiam-se em modelos ma-

temaacuteticos que podem permitir fazer estimativas e previsotildees mas hellip ao olhar para o cres-

cimento populacional ao longo dos tempos verificamos que os modelos matemaacuteticos satildeo

instrumentais na anaacutelise da dinacircmica das populaccedilotildees

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20

Artroacutepodes Miguel Santos

Rubim Almeida

Sara C Antunes

DB CIBIO InBIO CIIMAR Universidade do Porto

Artroacutepodes (Arthropoda do grego arthro = articulado + podos = peacutes) satildeo o grupo taxonoacutemi-

co mais diversificado com distribuiccedilatildeo por quase todo o globo e ocupando todos os habitats

Satildeo organismos invertebrados com exosqueleto riacutegido apresentando apecircndices articula-

dos (patas antenas) e de nuacutemero diferenciado de acordo com o subfilo a que pertencem

Os artroacutepodes constituem um dos mais diversos grupos de organismos do planeta com-

preendendo espeacutecies que variam de 0085 mm (Tantalacus dieteri um crustaacuteceo parasita)

ateacute 38 m (envergadura do Caranguejo-aranha-gigante) Os organismos pertencentes a

este grupo encontram-se praticamente em todos os tipos de habitat A razatildeo do sucesso

evolutivo deste grupo taxonoacutemico deve-se a um conjunto de carateriacutesticas uacutenicas i) pos-

suiacuterem um exosqueleto proteico-quitinoso flexiacutevel leve e resistente que protege contra a

desidrataccedilatildeo ii) segmentaccedilatildeo do corpo e a presenccedila de apecircndices articulados especia-

lizados iii) oacutergatildeos sensoriais bem desenvolvidos (antenas sedas sensoriais olhos com-

postos olhos pedunculados ocelos quimiorrecetores nas antenas) iv) metamorfose com

diferentes estaacutedios de desenvolvimento incluindo estaacutedios larvares que podem ter um

modo de vida completamente diferente do adulto permitindo um aproveitamento de outros

recursos (alimento e espaccedilo) reduzindo a competiccedilatildeo entre indiviacuteduos da mesma espeacutecie

v) padrotildees comportamentais complexos revelando por vezes organizaccedilatildeo comunitaacuteria e

vi) sistema respiratoacuterio diverso nomeadamente o sistema traqueal onde o ar entra em

contacto direto com os tecidos devido a um eficiente sistema de tubos (traqueias) com

orifiacutecios na superfiacutecie do tegumento (espiraacuteculos) No entanto a origem e a taxonomia

deste grupo ainda constituem um tema de investigaccedilatildeo e debate Mesmo apesar dos avan-

ccedilos em aacutereas como a biologia molecular que fornece importantes conhecimentos sobre

as complexas relaccedilotildees evolutivas destes organismos muito ainda haacute por descobrir Os

artroacutepodes satildeo um grupo extremamente importante nos ecossistemas terrestres devido

natildeo soacute agrave sua enorme abundacircncia e diversidade mas tambeacutem ao grande nuacutemero de funccedilotildees

que desempenham nestes ecossistemas (ex degradaccedilatildeo da mateacuteria orgacircnica arejamento

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21

do solo ciclagem de nutrientes) O filo Arthropoda estaacute atualmente subdividido em cinco

subfilos Trilobitomorpha Crustacea Myriapoda Chelicerata e Hexapoda

O subfilo Trilobitomorpha (trilobites e os seus parentes) compreende cerca de 20 000

espeacutecies que viviam exclusivamente em ambientes marinhos e que atualmente se encon-

tram todas extintas Contudo a sua vasta distribuiccedilatildeo geograacutefica e o exosqueleto de carbo-

nato de caacutelcio permitiram que este grupo apresente um extenso registo foacutessil observaacutevel

por todo o planeta

Crustacea inclui caranguejos camarotildees e lagostas contendo mais de 60 000 espeacute-

cies e com um extenso registo foacutessil em todo o mundo eacute um dos principais grupos de

artroacutepodes A maioria dos crustaacuteceos vive em ambientes marinhos mas existem vaacuterias

espeacutecies que podem ser encontradas em ecossistemas de aacutegua doce (ordem Cladocera e

sub-classe Copepoda) e em ambientes terrestres (ordem Isopoda FIGURA 1) Apesar da

grande maioria dos crustaacuteceos serem de vida livre existem vaacuterios grupos parasitas (ex

Rhizocephala ndash crustaacuteceos cirriacutepedes parasitas de caranguejos e camarotildees Argulidae ndash

crustaacuteceos parasitas de peixes e Pentastomida ndash vermes liacutengua que parasitam o sistema

respiratoacuterio de vertebrados) Numa perspetiva diferente e de interesse econoacutemico este

grupo apresenta ainda um valor acrescido jaacute que alguns crustaacuteceos decaacutepodes como la-

gostas e camarotildees satildeo intensivamente consumidos em todo o mundo Para aleacutem da sua

importacircncia econoacutemica este grupo de organismos eacute bastante utilizado em investigaccedilatildeo

cientiacutefica nomeadamente em ecotoxicologia na avaliaccedilatildeo do efeito de contaminantes no

solo

FIGURA 1 Exemplares de organismos da ordem Isopoda (bicho-da-conta) 1 ndash famiacutelia Armadillidae 2 ndash famiacutelia Porce-llionidae em A - vista dorsal e em B - vista ventral

O subfilo Myriapoda inclui as centopeias e os miliacutepedes conteacutem mais de 11 000

espeacutecies descritas Este subfilo eacute tradicionalmente dividido em quatro classes Chi-

lopoda (centopeias) (FIGURA 2) Diplopoda (miliacutepedes) Pauropoda (ldquopoucos peacutesrdquo) e

Symphyla (pseudocentopeias) Todos os miriaacutepodes conhecidos satildeo terrestres e o seu

tamanho varia desde alguns miliacutemetros a cerca de 38 centiacutemetros (Millipede Gigante

Africano)

1

2

A B

15cm

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FIGURA 2 Vista dorsal A - e ventral B - de um organismo pertencente agrave classe Chilopoda onde se pode observar o corpo segmentado e apenas com um par de patas por segmento

O subfilo Chelicerata (aranhas aranhas do mar escorpiotildees e aacutecaros) conteacutem mais

de 113 000 espeacutecies distribuiacutedas em duas classes principais Pycnogonida (aranhas do

mar) e Arachnida (aranhas escorpiotildees e aacutecaros) Pycnogonida o grupo das aranhas

do mar conteacutem mais de 1 300 espeacutecies descritas mas estudos detalhados sobre esses

animais e as suas relaccedilotildees evolutivas ainda satildeo escassos Estes organismos geralmente

tecircm seis ou oito olhos e quatro a seis pares de patas A classe Arachnida compreende os

organismos mais conhecidos do subfilo Chelicerata como aranhas escorpiotildees e aacutecaros

Os indiviacuteduos pertencentes a este grupo natildeo possuem antenas tecircm quatro pares de

patas um par de queliacuteceras (1ordm par de apecircndices do prossomacabeccedila) e pedipalpos

(2ordm par de apecircndices do prossomacabeccedila) As aranhas (ordem Araneae) (FIGURA 3) satildeo

provavelmente o grupo mais icoacutenico e bem estudado deste subfilo presentes na maioria

dos ambientes terrestres e constituindo um dos grupos mais importantes de artroacutepodes

do solo Outros organismos colocados na mesma classe como escorpiotildees aacutecaros ou

opiliotildees tambeacutem constituem grupos extremamente variados com importantes funccedilotildees

ecoloacutegicas (ex decomposiccedilatildeo de mateacuteria orgacircnica e controlo de organismos principal-

mente atraveacutes de predaccedilatildeo)

FIGURA 3 Vista dorsal A - e ventral B - de um exemplar da ordem Araneae (famiacutelia Gnaphosidae) sendo possiacutevel obser-var o corpo dividido em cefalotoacuterax e abdoacutemen os quatro pares de patas as queliacuteceras (q) e os pedipalpos (p)

O subfilo Hexapoda (Hexa (seis) e Poda (peacute)) engloba os insetos e os seus parentes

compreende o grupo mais diverso e abundante de organismos com mais de 1 milhatildeo de

espeacutecies conhecidas Este subfilo eacute frequentemente dividido em organismos da clas-

A B

A B

14cm

p

q

35cm

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O

23

se Insecta (FIGURA 4) e da classe Entognatha Esta uacuteltima inclui os colecircmbolos (ordem

Collembola) (FIGURA 5) cabeccedilas de cone e bichos de prata (ordem Protura) e cerdas de

duas pontas (ordem Diplura) Na classe Entognatha as partes bucais dos organismos

estatildeo retraiacutedas dentro das suas cabeccedilas contrariamente ao que se observa na classe In-

secta que satildeo ectognantes Os colecircmbolos constituem um dos grupos mais abundantes

de artroacutepodes do solo podendo ser encontrados mais de 100 000 indiviacuteduos num metro

quadrado Estes satildeo organismos cosmopolitas com mais de 8 000 espeacutecies descritas Os

colecircmbolos satildeo pequenos organismos com tamanho geralmente inferior a 6-8 mm de

forma ciliacutendrica ou globular apresentando olhos simples e antenas moniliformes Muitas

espeacutecies possuem um apecircndice bifurcado (fuacutercula) no final do abdoacutemen permitindo que

estes organismos saltem quando ameaccedilados (FIGURA 5) Os colecircmbolos tecircm sido ampla-

mente utilizados em estudos ecotoxicoloacutegicos na avaliaccedilatildeo da qualidade do solo e da sauacute-

de destes ecossistemas

FIGURA 4 A - Vista dorsal e B - vista ventral de exemplares de algumas ordens da classe Insecta

FIGURA 5 Vista lateral de exemplares da ordem Collembola

A classe Insecta eacute a classe com maior nuacutemero de organismos compreendendo mais

de metade das espeacutecies eucarioacuteticas descritas atualmente englobando mais de 1 milhatildeo

de espeacutecies que habitam praticamente todos os ecossistemas Os insetos sendo o grupo

Ordem

Coleoptera

Ordem

Diptera

Ordem

Hemiptera

Ordem

Orthoptera

Ordem

HimenopteraA A A A

B B B B

075cm

027cm14cm016cm

09cm

22cm

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24

mais diversificado de seres vivos apresentam as mais variadas e interessantes adap-

taccedilotildees anatoacutemicas e morfoloacutegicas Pensa-se que a sua enorme riqueza e abundacircncia eacute

devida a uma combinaccedilatildeo de carateriacutesticas vantajosas como a coevoluccedilatildeo com plan-

tas a miniaturizaccedilatildeo e a capacidade de voo Os insetos desempenham ainda um papel

importantiacutessimo no funcionamento dos ecossistemas realizando funccedilotildees quer de pre-

dadores quer de presa estando envolvidos em inuacutemeras teias alimentares (ex reciclan-

do nutrientes fazendo a manutenccedilatildeo da estrutura e fertilizaccedilatildeo dos solos) Destaca-se

tambeacutem o facto de vaacuterios insetos voadores como abelhas ou borboletas atuarem como

polinizadores de muitas espeacutecies de plantas Esta eacute uma funccedilatildeo ecoloacutegica importante

com vaacuterias repercussotildees econoacutemicas porque mais de 30 das culturas alimentares

mundiais dependem da polinizaccedilatildeo Os insetos possuem ainda um papel importante em

investigaccedilatildeo cientiacutefica sendo muitas vezes utilizados como organismo modelo dado pos-

suiacuterem carateriacutesticas distintas como o seu tamanho reduzido tempos de geraccedilatildeo curtos

e elevada fecundidade O exemplo de excelecircncia eacute a mosca da fruta Drosophila melano-

gaster cujo genoma eacute jaacute conhecido na totalidade sendo esta espeacutecie utilizada frequente-

mente para estudar vaacuterios processos celulares (ex o envelhecimento a hereditariedade

e o desenvolvimento embrionaacuterio) Apesar de constituiacuterem um grupo tatildeo interessante

beneacutefico e necessaacuterio agrave manutenccedilatildeo do equiliacutebrio dos ecossistemas existem algumas

desvantagens associadas aos insetos como eacute o caso de serem vetores na transmissatildeo

de doenccedilas Eacute o caso da malaacuteria transmitida por um mosquito do geacutenero Anopheles a

doenccedila parasitaacuteria mais disseminada com vaacuterios milhotildees de humanos infetados em todo

o mundo O dengue e o zika satildeo doenccedilas em que o vetor de transmissatildeo eacute tambeacutem um

mosquito do geacutenero Aedes Na agricultura as pragas de insetos (ex gorgulhos gafa-

nhotos afiacutedios) satildeo responsaacuteveis por prejudicar as culturas agriacutecolas e a produccedilatildeo de

alimentos causando perdas econoacutemicas elevadas

Sabe-se que atualmente a perda de habitat e as mudanccedilas climaacuteticas satildeo alguns dos

fatores responsaacuteveis por decliacutenios significativos nas populaccedilotildees deste grupo de orga-

nismos Esse decliacutenio apresenta uma elevada preocupaccedilatildeo ecoloacutegica uma vez que estes

organismos desempenham muacuteltiplas e importantes funccedilotildees nos ecossistemas No en-

tanto a conservaccedilatildeo deste grupo animal permanece um grande e urgente desafio que eacute

preciso enfrentar

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Biocombustiacuteveis seratildeo a soluccedilatildeo Matilde Viegas

Maria Joatildeo Ramos

Pedro Alexandrino Fernandes

UCIBIO REQUIMTEUniversidade do Porto

ldquoA 21 de Fevereiro de 2018 o niacutevel de poluiccedilatildeo de partiacuteculas finas com diacircmetro inferior

a 10 μm PM10 atingiu em Paris niacuteveis alarmantes com um pico correspondente

ao dobro do limite maacuteximo A Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) recomenda natildeo

exceder este limite maacuteximo por mais de trecircs dias por ano Com este recente pico os

parisienses jaacute o ultrapassaramrdquo

Em Un pic de pollution laquograveraquo en Ile-de-France Le Monde 22 de Fevereiro de 2018

Esta notiacutecia eacute um dos inuacutemeros exemplos dos efeitos do aquecimento global termo com o

qual estamos cada vez mais familiarizados infelizmente Este fenoacutemeno eacute consequecircncia

de Gases de Efeito de Estufa GEE (dioacutexido de carbono metano e oacutexido de azoto entre

outros) que se acumulam na atmosfera enclausurando o calor e tornando o planeta mais

quente A produccedilatildeo em larga escala de GEEs teve iniacutecio na Revoluccedilatildeo Industrial (1800)

como resultado da combustatildeo de combustiacuteveis foacutesseis (carvatildeo petroacuteleo e gaacutes natural)

para produccedilatildeo de eletricidade aquecimento e transporte

A preocupaccedilatildeo em torno do aquecimento global tornou-se um assunto constante na

agenda poliacutetica sobretudo nas uacuteltimas duas deacutecadas Os primeiros esforccedilos coletivos re-

sultaram no Protocolo de Quioto em 1997 cujo objetivo era a reduccedilatildeo das emissotildees de

GEEs assentando nos argumentos de que i) o aquecimento global era uma realidade e ii) o

CO2 produzido por accedilotildees humanas era o seu grande causador O primeiro periacuteodo do Proto-

colo terminou em 2012 e por isso em 2015 as Naccedilotildees Unidas promoveram a assinatura

do novo Acordo de Paris o qual consiste numa atualizaccedilatildeo do antigo Protocolo de Quioto

com o objetivo de ldquofortalecer a resposta global agrave ameaccedila das alteraccedilotildees climaacuteticas no

contexto de desenvolvimento sustentaacutevel e com esforccedilo para a erradicaccedilatildeo da pobrezardquo

O novo Acordo ao contraacuterio do de Quioto estabelece metas tangiacuteveis e quantitativas O

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26

objetivo eacute manter o aumento da temperatura meacutedia global abaixo dos 2ordm Celsius face agrave

temperatura global na era preacute-industrial Para atingir tal meta eacute necessaacuterio um esforccedilo

mundial contudo em 2017 com a saiacuteda dos EUA do Acordo de Paris o segundo maior

emissor de GEEs logo a seguir agrave China perdeu-se uma enorme contribuiccedilatildeo Aleacutem do peso

evidente que as suas emissotildees tecircm para o estado atual do aquecimento global em falta

estaratildeo tambeacutem a diplomacia e o encorajamento proporcionados por esta forccedila mundial

No Acordo de Paris uma das claacuteusulas exige a inclusatildeo de energias renovaacuteveis (eoacutelica

mariacutetima solar) e de biocombustiacuteveis no mercado de energia encorajando os paiacuteses a

atingir niacuteveis miacutenimos da sua utilizaccedilatildeo As metas estabelecidas para cada paiacutes vatildeo ao en-

contro ao seu mercado e agraves mateacuterias-primas disponiacuteveis em cada territoacuterio favorecendo o

desenvolvimento da economia

De uma forma generalista os biocombustiacuteveis englobam combustiacuteveis produzidos atra-

veacutes de processos bioloacutegicos como a agricultura e digestatildeo anaeroacutebica em vez de produ-

zidos a partir de processos geoloacutegicos como os necessaacuterios para a formaccedilatildeo de combus-

tiacuteveis foacutesseis Isto inclui o biodiesel (produzido a partir de oacuteleos e gorduras orgacircnicas) e o

bioetanol (aacutelcool produzido atraveacutes de fermentaccedilatildeo microbiana de accediluacutecares seguido de

destilaccedilatildeo e desidrataccedilatildeo) os quais seratildeo o maior foco deste artigo

A partir da deacutecada de 70 foram feitos os primeiros investimentos nos chamados bio-

combustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo (1G) Estes fazem uso de colheitas de produtos agriacuteco-

las como a soja cana-de-accediluacutecar milho oacuteleo de palma entre outros para a produccedilatildeo de

biodiesel e bioetanol atraveacutes de processos de trans-esterificaccedilatildeo ou fermentaccedilatildeo A sua

disponibilidade e facilidade de processamento permitiram a sua inserccedilatildeo e mistura nos

combustiacuteveis atualmente vendidos ao puacuteblico Para 2017 Portugal fixou em 75 (de poder

energeacutetico) a incorporaccedilatildeo de biocombustiacuteveis nos combustiacuteveis dos transportes rodoviaacute-

rios tendo a Uniatildeo Europeia o objectivo de 10 em 2020 para todos os paiacuteses membros

Os biocombustiacuteveis 1G fazem uso da colheita agriacutecola para fins energeacuteticos o que gera

opiniotildees desfavoraacuteveis por parte de ambientalistas (pelo uso exaustivo da terra agriacutecola sem

compensaccedilatildeo desflorestaccedilatildeo e perda de biodiversidade) e problemas eacuteticos tais como os le-

vantados por responsaacuteveis da ONU como o Dr Jean Ziegler que atribui aos biocombustiacuteveis

a culpa pela contiacutenua inflaccedilatildeo dos preccedilos de alimentos exacerbando a atual crise de fome

mundial - ldquoSatildeo necessaacuterios 352Kg de milho para encher um depoacutesito de 50L de um carro Uma

crianccedila na Zacircmbia ou no Meacutexico onde o milho eacute um elemento baacutesico da dieta poderia viver

com esta quantidade de milho um ano inteirordquo Atualmente os maiores produtores destes bio-

combustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo satildeo os EUA e o Brasil utilizando parte da produccedilatildeo global

de cereais e oacuteleos vegetais para a produccedilatildeo de bioetanol e biodiesel causando um ambiente

de profunda preocupaccedilatildeo em volta da sustentabilidade de produccedilatildeo de energia a meacutediolongo

prazo De forma a controlar a inflaccedilatildeo no preccedilo dos alimentos a EU estabeleceu um limite de

7 para o uso de biocombustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo como combustiacutevel de transportaccedilatildeo

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A segunda geraccedilatildeo de biocombustiacuteveis (2G) usa biomassa isto eacute qualquer fonte de car-

bono orgacircnico que eacute rapidamente renovado no ciclo de carbono Os biocombustiacuteveis de

segunda geraccedilatildeo almejam um uso ponderado de desperdiacutecios da induacutestria madeireira e

agriacutecola ou de restos de colheitas agriacutecolas assim que estas preencham o seu propoacutesito

alimentar evitando interferecircncia com o mercado alimentar e natildeo influenciando os preccedilos

dos alimentos baacutesicos

FIGURA 1 Biocombustiacuteveis

A produccedilatildeo de arroz atingiu o seu pico em 2017 gerando 1140 milhotildees de toneladas de

espigas de arroz cujo destino eacute a incineraccedilatildeo compostagem ou eacute simplesmente deposita-

da em aterros Contudo com a 2G de biocombustiacuteveis eacute encontrado potencial energeacutetico

neste desperdiacutecio agriacutecola O seu potencial deve-se agrave mateacuteria lignoceluloacutesica ndash celulose

hemicelulose e lignina ndash presente em todas as plantas incluindo as espigas em diferen-

tes percentagens Este material composto eacute essencial para a estrutura e resistecircncia das

plantas a hemicelulose eacute a matriz que rodeia o esqueleto de celulose enquanto a lignina

funciona como uma camada protetora As possibilidades associadas a este tipo de desper-

diacutecio satildeo inegaacuteveis a sua abundacircncia e facilidade de obtenccedilatildeo tornam-no muito apelativo

Contudo o gasto na recolha e transporte desta mateacuteria suplanta os custos de produccedilatildeo

e o seu uso continuado poderaacute contribuir para a erosatildeo do solo Aleacutem disso para o seu

aproveitamento para produccedilatildeo de biocombustiacuteveis eacute necessaacuterio um preacute-tratamento para

hidrolisar as ligaccedilotildees covalentes entre os trecircs constituintes da mateacuteria lignoceluloacutesica e

permitir a posterior fermentaccedilatildeo anaeroacutebia da celulose produzindo bioetanol Este preacute-

-tratamento eacute visto como outra das desvantagens do processo e estaacute ainda a ser estudado

e otimizado pois de momento as alternativas disponiacuteveis encarecem o produto final e em

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alguns dos casos dependem do uso de quiacutemicos poluentes A esperanccedila estaacute entatildeo de-

positada no estudo de enzimas hidroliacuteticas encontradas em organismos termoacutefilos que

seratildeo capazes de aguentar as difiacuteceis condiccedilotildees de tratamento Contudo a dificuldade em

escalar o processo de fermentaccedilatildeo eacute uma das desvantagens e dos fatores limitantes para

a 2G de biocombustiacuteveis em grande parte devido agrave dificuldade de monitorizar as condiccedilotildees

de fermentaccedilatildeo (oxigeacutenio pH nutrientes etc)

A terceira geraccedilatildeo (3G) de biocombustiacuteveis foi reconhecida como a melhor alternativa

em comparaccedilatildeo com primeira e segunda geraccedilotildees pois surpreendentemente faz uso de

algas A sua enorme disponibilidade por todo o planeta e o facto de natildeo interferirem com os

mercados alimentares satildeo os grandes embaixadores desta mateacuteria-prima como o futuro

dos biocombustiacuteveis Ainda que natildeo seja uma mateacuteria infinita eacute a que de momento mais se

assemelha por existirem 70 000 espeacutecies (30 000 documentadas) Estudos conduzidos

atualmente estatildeo a explorar a viabilidade energeacutetica de 30 espeacutecies de algas explorando a

sustentabilidade facilidade e escalabilidade da sua produccedilatildeo Outras vantagens incluem a

baixa manutenccedilatildeo necessaacuteria para o seu crescimento (luz dioacutexido de carbono e nutrientes

como azoto foacutesforo e potaacutessio) a facilidade com que produzem liacutepidos e carboidratos que

podem posteriormente ser processados em diferentes biocombustiacuteveis e outros copro-

dutos a frequecircncia com que podem ser colhidas ao longo do ano (ao contraacuterio de outras

colheitas convencionais) a baixa percentagem de hemicelulose e a praticamente ausente

lignina facilitam radicalmente o seu preacute-processamento pois a celulose eacute mais facilmente

extraiacuteda As desvantagens desta mateacuteria incluem o enorme investimento inicial para a

construccedilatildeo de infraestruturas para o seu cultivo que pode ser ou ao ar livre (em tanques

de grande dimensatildeo) ou em foto-bioreatores (sistemas fechados altamente controlados)

Prevecirc-se que em 2030 o preccedilo de produccedilatildeo de combustiacutevel a partir de algas seraacute 065 euro

litro de combustiacutevel valor muito proacuteximo do atual preccedilo de produccedilatildeo do litro de gasolina

Comparativamente aos custos de produccedilatildeo de outros biocombustiacuteveis o mais barato con-

tinua a ser o bioetanol produzido a partir de milho (1G) 017 eurolitro seguido de combustiacute-

veis celuloacutesicos (2G) a 032 eurolitro

Eacute evidente que seratildeo necessaacuterios esforccedilos poliacuteticos e cientiacuteficos investimento e regu-

lamentaccedilatildeo adequados para encontrar o caminho ideal para travar o aquecimento global

Em todas as geraccedilotildees de biocombustiacuteveis apresentadas existem fatores que afunilam as

potencialidades destas alternativas indicando que a soluccedilatildeo passa por criar um consoacutercio

entre as vaacuterias possibilidades de forma a tirar o maacuteximo partido sem danificar o planeta ou

piorar a crise da fome O proacuteximo passo passa por substituir os biocombustiacuteveis de 1G por

soluccedilotildees com maior escalabilidade Acreditamos que nas proacuteximas deacutecadas seratildeo cruciais

e depositamos esperanccedila na investigaccedilatildeo cientiacutefica

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018043

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Stephen Hawking e a sua contribuiccedilatildeo para a fiacutesica teoacutericaOrfeu Bertolami

Claacuteudio GomesDepartamento de Fiacutesica e Astronomia CFP Universidade do Porto

A 14 de marccedilo de 2018 o fiacutesico britacircnico Stephen Hawking faleceu aos 76 anos deixando

todavia um importante legado para a fiacutesica teoacuterica muito particularmente para o

entendimento das deficiecircncias intriacutensecas da Relatividade Geral de Einstein para a fiacutesica

dos buracos negros e para a cosmologia a ciecircncia do Universo como um todo

Stephen Hawking doutorou-se em Fiacutesica Teoacuterica em 1966 pela Universidade de Cambridge

sob a supervisatildeo de Dennis Sciama Apesar da sua condiccedilatildeo fiacutesica progressivamente limi-

tativa manteve-se extremamente ativo na investigaccedilatildeo nas aacutereas de cosmologia fiacutesica dos

buracos negros e gravitaccedilatildeo quacircntica

Nessa altura havia uma consideraacutevel discussatildeo acerca da realidade e ubiquidade de sin-

gularidades pontos no espaccedilo-tempo onde a Teoria da Relatividade Geral deixa de fazer sen-

tido e natildeo desaparecendo atraveacutes de mudanccedila de sistemas de coordenadas que descrevem

o espaccedilo-tempo Na segunda metade da deacutecada de 1960 Hawking e o matemaacutetico inglecircs

Roger Penrose demonstraram que essas singularidades eram inevitaacuteveis no contexto da

Teoria da Relatividade Geral (ver para uma descriccedilatildeo exaustiva o livro Large Scale Structure

of Space-Time escrito em colaboraccedilatildeo com o fiacutesico sul-africano George Ellis publicado em

1973) Uma dessas singularidades corresponde ao iniacutecio do Universo ndash Big Bang ndash e outras

estatildeo presentes no interior dos buracos negros natildeo acessiacuteveis agrave observaccedilatildeo devido agrave pre-

senccedila de um horizonte de acontecimentos que segundo a Conjetura da Censura Coacutesmica de

Roger Penrose protegem sempre as singularidades de se apresentarem ldquonuasrdquo

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Subsequentemente em 1975 ele desenvolveu a ideia que os buracos negros deveriam

radiar termicamente a uma temperatura especiacutefica inversamente proporcional agraves suas

massas temperatura esta que hoje designamos por temperatura de Hawking Esta ideia daacute

origem ao paradoxo da informaccedilatildeo em que a informaccedilatildeo que entrava no horizonte de evento

se perdia Com este contributo passou-se a ter uma equivalecircncia entre a dinacircmica e a termo-

dinacircmica de buracos negros

FIGURA 1 Emissatildeo da radiaccedilatildeo teacutermica de Hawking por um buraco negro

No princiacutepio da deacutecada de 1980 Hawking iniciou em colaboraccedilatildeo com o fiacutesico norte-ameri-

cano James Hartle o programa de investigaccedilatildeo que hoje designamos por cosmologia quacircntica

Na cosmologia quacircntica o espaccedilo-tempo eacute descrito por uma funccedilatildeo de onda a funccedilatildeo de onda

do Universo como na Mecacircnica Quacircntica Esta equaccedilatildeo de onda satisfaz uma equaccedilatildeo anaacuteloga

agrave de Schroumldinger da Mecacircnica Quacircntica a equaccedilatildeo de Wheeler-DeWitt A proposta de Hartle

e Hawking eacute que a funccedilatildeo de onda descreva um espaccedilo-tempo sem fronteiras (No-Boundary

proposal) A ideia eacute que agrave medida que retrocedemos no tempo chegamos a um ponto em que

o Universo eacute pequeno o suficiente para que efeitos quacircnticos sejam dominantes Nesta altura

existe uma espeacutecie de ldquoespumardquo do espaccedilo-tempo de tal modo que o tempo natildeo pode ser in-

terpretado do modo como o vemos hoje mas sim como uma quarta dimensatildeo espacial Uma

analogia uacutetil eacute a seguinte se viajarmos para o Polo Sul temos de seguir sempre para sul mas

quando alcanccedilamos o ponto do Polo Sul jaacute natildeo faz sentido falarmos na direccedilatildeo sul pelo mesmo

raciociacutenio ao retrocedermos no tempo haacute um pontoinstante em que natildeo faz sentido falar-se em

tempo Matematicamente isto torna-se possiacutevel passando de um espaccedilo-tempo de Minkowski

como na Relatividade Restrita para um espaccedilo Euclideano a quatro dimensotildees no qual o tempo

passa a ser um nuacutemero puramente complexo Com esta formulaccedilatildeo o Universo natildeo tem uma

fronteira aleacutem daquela que permite a transiccedilatildeo entre as duas descriccedilotildees para o espaccedilo-tempo

e que eacute exemplificado na FIGURA 2 Esta geometria eacute designada por shuttlecock ou volantepena

de badminton devido agrave semelhanccedila com este objeto

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FIGURA 2 Representaccedilatildeo tridimensional do modelo de Hartle-Hawking (no boundary proposal) A base corresponde a uma semiesfera a 4 dimensotildees e a estrutura que apresenta o tempo como uma direccedilatildeo distinta das espaciais corresponte a um Universo em expansatildeo

Hawking tambeacutem estudou outros problemas como o das maacutequinas do tempo e questotildees

relacionadas com a cosmologia e a formaccedilatildeo de estruturas no Universo Com o seu carate-

riacutestico humor Hawking afirmou natildeo ser possiacutevel viajar no tempo Para tal sugeriu organizar

uma festa convidando pessoas do futuro a se juntarem a ele e dado que ningueacutem apa-

receu concluiu entatildeo que viagens no tempo natildeo satildeo possiacuteveis na realidade Outra prova

prende-se com o facto de natildeo termos recebido ainda turistas do futuro numa clara alusatildeo

iroacutenica agrave procura turiacutestica desenfreada que assistimos nos dias de hoje

Mais recentemente ele pronunciou-se sobre questotildees de interesse geral como as im-

plicaccedilotildees do desenvolvimento da inteligecircncia artificial e a necessidade e inevitabilidade

da exploraccedilatildeo espacial Mostrou-se reticente acerca dos desenvolvimentos no domiacutenio da

inteligecircncia artificial classificando-o como possivelmente perigoso para a nossa civiliza-

ccedilatildeo pois apesar dos potenciais benefiacutecios comportam seacuterios riscos agrave continuidade da hu-

manidade Relativamente agrave exploraccedilatildeo espacial Hawking encarava as viagens espaciais

quer pelo seu interesse cientiacutefico quer como forma de preservar a humanidade de riscos

de destruiccedilatildeo devido a guerras nucleares ou epidemias devido a viacuterus geneticamente mo-

dificados

O fiacutesico Stephen Hawking legou-nos uma extraordinaacuteria contribuiccedilatildeo cientiacutefica e huma-

na Deixou um extraordinaacuterio exemplo de resiliecircncia dedicaccedilatildeo ao conhecimento e agrave socie-

dade Fisicamente debilitado e ldquopresordquo a uma condiccedilatildeo rara a esclerose lateral amiotroacutefica

que lhe foi diagnosticada aos 21 anos a sua mente foi das mais livres dos nossos tempos

concebeu hipoacuteteses conjunturas e teorias pensou a sociedade de hoje e a do futuro

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RochaO que eacute importante dizer sobre as rochas

A M Galopim de Carvalho Universidade de Lisboa

Rochas e pedras satildeo a mesma coisa Praticamente a resposta eacute sim Pedra eacute aquilo

que se apanha do chatildeo para dar uma pedrada

Qualquer pessoa mesmo a menos letrada diraacute que as pedras

bull natildeo satildeo fabricadas ou feitas por gente (a ciecircncia diz que satildeo entidades naturais)

bull que natildeo se amolgam (a ciecircncia diz que satildeo riacutegidas)

bull que geralmente natildeo se esboroam nem se esfarela (a ciecircncia diz que satildeo coesas)

bull que fazem mossa onde quer que batam (a ciecircncia diz que satildeo duras) Para o cidadatildeo

comum pedra (do grego peacutetra) eacute pois uma entidade natural riacutegida coesa e dura que se

apanha do chatildeo

Apanhamos uma pedra do chatildeo mas quando estudamos falamos quase sempre de ro-

chas Num modo de falar corrente podemos dizer que as pedras satildeo bocados de rocha

Todos falamos de rocha como sinoacutenimo de pedra com base num conhecimento comum

empiacuterico vulgar ligado agrave experiecircncia quotidiana mesmo do mais iletrado dos cidadatildeos Dize-

mos rochedo quando o afloramento de rocha eacute grande e apelidamos de rochoso um terreno

com a rocha agrave vista Rocha eacute um galicismo que entre noacutes se sobrepocircs ao termo ldquorocardquo bem

mais antigo talvez preacute-romano Cabo da Roca ou ldquoFocinho da Rocardquo no dizer dos homens do

mar deve o seu nome a esta versatildeo arcaica da palavra rocha

O conceito atual de rocha e os vaacuterios conhecimentos com elas relacionados percorreram

uma caminhada tatildeo longa quanto a do Homo sapiens caminhada de que temos testemunhos

na Preacute-histoacuteria e variadiacutessimos relatos escritos desde a Antiguidade

Na sua giacuteria proacutepria entendiacutevel entre pares os profissionais falam de rochas dizendo que

satildeo sistemas quiacutemicos mono ou polifaacutesicos (ou seja com um ou mais minerais) resultantes

do equiliacutebrio termodinacircmico atingido pelos seus constituintes em determinados ambientes

Entendendo-se por constituintes os elementos quiacutemicos incluiacutedos nos respetivos minerais

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Por outras palavras acessiacuteveis ao comum das gentes pode entatildeo dizer-se que as rochas

satildeo corpos naturais formados por associaccedilotildees mais ou menos estaacuteveis de minerais compatiacute-

veis entre si e com o ambiente onde foram gerados e que satildeo elas as rochas que constituem

a capa riacutegida da Terra que por essa razatildeo recebeu o nome de litosfera (FIGURA 1)

FIGURA 1 Modelado Graniacutetico na Serra da Estrela (fonte banco de imagens da Casa das Ciecircncias)

Antes de prosseguir esclareccedila-se que no jargatildeo proacuteprio da mineralogia e da geoquiacutemica

os minerais satildeo considerados fases no sentido fiacutesico-quiacutemico da palavra Com efeito neste

sentido uma fase eacute uma porccedilatildeo de mateacuteria quiacutemica e estruturalmente homogeacutenea e uma

qualquer espeacutecie mineral eacute isso mesmo

Por convenccedilatildeo na sistemaacutetica em sedimentologia entre as rochas sedimentares cabem

certos materiais natildeo consolidados como os barros as areias soltas as cascalheiras e ainda

outros de natureza natildeo mineral como os carvotildees foacutesseis e o petroacuteleo (oacuteleo de pedra) Cha-

mar rochas ou pedras a estes materiais agraves vezes tatildeo afastados da imagem vulgar de ldquocoisa

dura riacutegida e coesardquo decorre do conceito geoloacutegico de rocha no qual se inclui o modo de

ocorrecircncia e o respetivo processo de formaccedilatildeo (petrogeacutenese)

A mecacircnica das rochas (disciplina que estuda certas propriedades das rochas como resis-

tecircncia ao esmagamento agrave traccedilatildeo agrave torccedilatildeo agrave flexatildeo porosidade permeabilidade e outras)

define-as como entidades sempre riacutegidas e coesas e duras como tambeacutem se diz vulgarmen-

te com capacidade de suportar cargas e que na eventualidade de terem de ser escavadas ou

removidas haacute que usar tecnologias com explosivos Este conceito corresponde aliaacutes agrave ideia

mais divulgada de rocha como atraacutes se referiu Eacute o bedrock dos autores ingleses

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FIGURA 2 Processo de meteorizaccedilatildeo fiacutesica essencialmente por corrosatildeo eoacutelica em rochas sedimentares (arenitos) (fonte banco de imagens da Casa das Ciecircncias)

Aleacutem das muitas que conhecemos na Terra jaacute estudaacutemos rochas do nosso sateacutelite natural

nomeadamente basaltos e anortositos trazidos da sua superfiacutecie Mercuacuterio Veacutenus e Marte satildeo

tambeacutem planetas rochosos e igualmente rochosos ou pedregosos satildeo ainda os nuacutecleos dos co-

metas e muitos dos asteroides de que temos conhecimento pelos meteoritos caiacutedos na Terra

Quando se apelidam as rochas de magmaacuteticas sedimentares (FIGURA 2) ou metamoacuterficas

natildeo se estaacute apenas a rotulaacute-las para efeitos de arrumo ou arquivo muito menos se estatildeo a

criar novos vocaacutebulos para sobrecarga dos estudantes ou do cidadatildeo em geral Estes adjeti-

vos acrescentados agrave palavra rocha informam de imediato sobre a sua origem

bull magmaacutetica ou sedimentar qualquer delas em resultado de processos naturais faacuteceis de

entender

bull metamoacuterfica em consequecircncia de um outro processo muito menos ao alcance da vivecircncia

do vulgo mas que se explica sem grandes dificuldades

Apelidam-se de metamoacuterficas as rochas que posteriormente a uma primeira formaccedilatildeo

como magmaacuteticas ou sedimentares foram submetidas a pressotildees eou a temperaturas no

interior da crosta que lhes modificaram a composiccedilatildeo eou a textura

Foi atraveacutes do estudo das rochas que desvendaacutemos o essencial dos acontecimentos geo-

loacutegicos que marcaram a histoacuteria deste laquoPlaneta Azulraquo no qual a vida encontrou condiccedilotildees

para despertar e onde evoluiu ao ponto de se interrogar sobre essa mesma histoacuteria

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Os conhecimentos diretos de que hoje dispomos relativos agraves rochas da Terra limitam-se

aos que se obtecircm pelo estudo das que afloram agrave superfiacutecie das recolhidas em dragagens

nos fundos marinhos e das retiradas da profundidade quer em minas quer atraveacutes de son-

dagens Esta profundidade que natildeo excede 3 km no primeiro caso e 11 km no segundo

(na peniacutensula de Kola) pode considerar-se insuficiente se comparada com as trecircs a quatro

dezenas de quiloacutemetros de espessura meacutedia da crosta continental

Eacute jaacute muito o conhecimento que temos desta capa (a crosta ou crusta como alguns dizem e

escrevem) mais superficial do nosso planeta Temo-lo atraveacutes das rochas que constantemente

vemos e pisamos muitas delas geradas em zonas profundas trazidas agrave superfiacutecie pelos en-

rugamentos de origem tectoacutenica geradores das montanhas e subsequentemente postas a

descoberto pela erosatildeo

Outras rochas proacuteprias de muito maiores profundidades inclusive do manto inferior como eacute

o caso dos xenocristais e dos xenoacutelitos (do grego xenos estranho e lithos pedra) isto eacute cris-

tais e fragmentos de materiais liacuteticos gerados nessas regiotildees e que ascendem agrave superfiacutecie na

sequecircncia de atividade vulcacircnica englobados ou encravados nos produtos magmaacuteticos que ali

se formaram ou por ali passaram Na ilha da Madeira por exemplo satildeo frequentes os xenoacutelitos

oliviacutenicos que ascenderam ateacute agrave superfiacutecie no seio das lavas envolvidas no processo vulcacircnico

que originou esta e muitas outras ilhas

As rochas a que temos acesso mais ou menos direto representam uma parcela importante

da diferenciaccedilatildeo da Terra e agrave semelhanccedila da aacutegua do ar e dos seres vivos satildeo o resultado de

imensas transformaccedilotildees numa vasta e complexa rede de inter-relaccedilotildees ocorridas ao longo

dos tempos neste laquoplaneta vivoraquo pleno ainda de energia interna (sob a forma de calor) a que

se adiciona toda a que lhe chega do exterior isto eacute a radiaccedilatildeo solar Como escreveu Maurice

Mattauer ldquoas pedras nascem vivem e morrem como noacutes elas tecircm uma idade e uma histoacuteriardquo

Petrologia e litologia satildeo duas disciplinas que estudam as rochas ou as pedras Se bem que

os eacutetimos petra (latim) e lithos (grego) sejam sinoacutenimos petrologia e litologia encerram con-

ceitos diferentes ainda que relacionados entre si

bull A petrologia eacute um ramo da geologia com dimensatildeo de ciecircncia de vastos recursos nos campos

da fiacutesica da quiacutemica e naturalmente tambeacutem da matemaacutetica em busca do conhecimento da

origem natureza constituiccedilatildeo e evoluccedilatildeo da Terra no acircmbito do Sistema Solar e do Universo

bull A litologia outro ramo da geologia eacute habitualmente entendida como a disciplina que estuda

as rochas num campo praacutetico Serve a geologia de engenharia tendo em vista a implantaccedilatildeo

de grandes edifiacutecios e outras obras volumosas cujas fundaccedilotildees exigem o conhecimento dos

terrenos A litologia daacute igualmente respostas agrave pedologia (o estudo dos solos) e agrave induacutestria

extrativa de rochas ornamentais usadas na arquitetura na cantaria ou na estatuaacuteria e de

rochas industriais exploradas como importantes mateacuterias-primas para a construccedilatildeo civil a

ceracircmica o vidro o cimento a cal e a induacutestria quiacutemica

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Software educativo em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Ana C Conceiccedilatildeo

DMUniversidade do Algarve

O conceito F-Tool foi desenvolvido em 2012 com o objetivo de proporcionar uma

aprendizagem interativa em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Em particular eacute possiacutevel

explorar de forma integrada as noccedilotildees de domiacutenio contradomiacutenio existecircncia de zeros

existecircncia de extremos e de pontos de inflexatildeo invertibilidade derivabilidade reta

tangente ao graacutefico num ponto simetrias em relaccedilatildeo aos eixos e agrave origem A utilizaccedilatildeo

dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adaptaccedilatildeo de

alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e

do simples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular)

No ensino da matemaacutetica e em particular no estudo de funccedilotildees a recomendaccedilatildeo da utiliza-

ccedilatildeo de software educacional tem como objetivo o sanar das dificuldades que os alunos pos-

suem em associar as representaccedilotildees algeacutebricas com as diversas representaccedilotildees numeacutericas

eou graacuteficas De facto o caraacuteter estaacutetico das representaccedilotildees matemaacuteticas muitas vezes

dificulta a construccedilatildeo do significado afetando substancialmente a correta interpretaccedilatildeo dos

conceitos A criaccedilatildeo de modelos interativos visuais com o sistema de aacutelgebra computacional

Mathematica permite aos alunos explorar conceitos de elevada complexidade e rapidamen-

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te adquirir uma compreensatildeo mais profunda dos conteuacutedos Obviamente a utilizaccedilatildeo de sof-

tware educacional natildeo deve ser vista como um substituto para o ensino com ldquopapel e laacutepisrdquo

deve ser devidamente combinada com outros meacutetodos de ensino

O conceito F-Tool foi desenvolvido em 2012 com o objetivo de proporcionar uma apren-

dizagem interativa em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Os aplicativos computacionais

implementados com base neste conceito utilizam as capacidades de caacutelculo numeacuterico e

simboacutelico do Mathematica de forma a permitir estudar dinacircmica e interativamente e em

tempo real conceitos e propriedades fundamentais do preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial

FIGURA 1 Imagem ilustrativa da F-Exponential

O conceito F-Tool em sala de aula permite uma abordagem dinacircmica de diversos concei-

tos relacionados com o estudo de funccedilotildees e promove novas formas de raciocinarpensar

avaliar ensinar e aprender As F-Tool foram concebidas como ferramentas de aprendiza-

gem ativa ou seja a sua utilizaccedilatildeo adequada propicia um contexto de ensino-aprendiza-

gem onde alunos e professores satildeo igualmente convidados a contribuir Aleacutem disso tecircm

uma interface muito intuitiva que permite que ateacute mesmo o utilizador mais inexperiente

sem qualquer conhecimento anterior em software educacional possa comeccedilar a usar to-

dos os recursos de uma forma eficiente e autoacutenoma As F-Tool natildeo satildeo um objeto estaacutetico

mas sim um programa a ser executado com o qual se interage em tempo real Em parti-

cular atraveacutes da alteraccedilatildeo dinacircmica dos valores dos paracircmetros que definem cada classe

eacute possiacutevel obter informaccedilatildeo analiacutetica rigorosa apresentada em aritmeacutetica exata ou apro-

ximada bem como informaccedilatildeo visual estaacutetica e natildeo-estaacutetica De igual modo escolhendo

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estrategicamente de entre as vaacuterias opccedilotildees de funccedilotildees disponiacuteveis no painel esquerdo eacute

possiacutevel apreender de forma mais eficaz e consequente muitas das relaccedilotildees existentes

entre as vaacuterias funccedilotildees e respetivas transformaccedilotildees (FIGURA 1) As F-Tool utilizam um

coacutedigo de cores para diferenciar as vaacuterias funccedilotildees apresentadas Este coacutedigo eacute explicitado

na legenda do canto inferior esquerdo do painel central

Qual das figuras pode representar o graacutefico de uma funccedilatildeo e o graacutefico da sua derivada de 1ordf ordem

FIGURA 2 Exemplo de questatildeo de escolha muacuteltipla utilizando diversas opccedilotildees do painel esquerdo das F-Tool

Apesar de ser um software educacional dinacircmico e interativo pode tambeacutem ser utilizado

na construccedilatildeo de questotildees de avaliaccedilatildeo de escolha muacuteltipla (FIGURA 2) e de resposta aberta

ficando o docente automaticamente com a resposta ao selecionar no painel esquerdo as

opccedilotildees relacionadas com a questatildeo

A utilizaccedilatildeo dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adapta-

ccedilatildeo de alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e do sim-

ples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular) De facto

incluindo as F-Tool em ficheiros no Computable Document Format (CDF) eacute possiacutevel criar

fichas de trabalho dinacircmicas e interativas motivando os alunos e tornando o estudo mais

interessante

Acreditamos que o conceito F-Tool ao dotar professores e estudantes com novas fer-

ramentas para explorar alguns conceitos fundamentais da matemaacutetica desenvolveraacute po-

sitivamente o processo de ensino e de aprendizagem das aacutereas de preacute-caacutelculo e caacutelculo

diferencial

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018046

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O Aroma das Plantas Luiacutes Gaspar Pedro

Ana Cristina Figueiredo

Joseacute Gonccedilalves Barroso

CESAM CBV Universidade de Lisboa

Quando nos festejos dos Santos Populares colocamos a matildeo sobre o manjerico

provocamos a rutura de estruturas microscoacutepicas Ao fazecirc-lo libertam-se compostos

quiacutemicos que aderem agrave palma da nossa matildeo que depois percecionamos pelo nosso

olfacto Os aromas satildeo misturas complexas de dezenas de compostos volaacuteteis

carateriacutesticos de uma determinada planta

O aroma o que eacute

O aroma de muitas plantas eacute constituiacutedo por diversos compostos quiacutemicos volaacuteteis que

tecircm a capacidade de estimular os nossos recetores olfactivos A quantidade e a diver-

sidade deste tipo de compostos presentes nas plantas satildeo responsaacuteveis pelos aromas

carateriacutesticos Eacute relativamente faacutecil reconhecer o aroma dos coentros ou do manjerico e

distingui-los de outros aromas como o da rosa ou do cravinho

Na composiccedilatildeo da fraccedilatildeo volaacutetil de uma planta aromaacutetica encontram-se regra geral

compostos como os mono- e sesquiterpenos e os fenilpropanoacuteides (FIGURA 1) entre ou-

tros Satildeo todos eles compostos quiacutemicos com ponto de ebuliccedilatildeo relativamente baixo que

volatilizam agrave temperatura ambiente e contribuem de forma mais ou menos notoacuteria para o

aroma carateriacutestico de cada espeacutecie

FIGURA 1 Exemplos de compostos que constituem a fraccedilatildeo volaacutetil de diversas espeacutecies aromaacuteticas monoterpenos (α-pineno timol) sesquiterpenos (β-cariofileno germacreno D) e fenilpropanoacuteides (eugenol)

α-Pineno Timol β-Cariofileno Germacreno D Eugenol

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Estruturas secretoras

Os compostos que constituem a fraccedilatildeo aromaacutetica de uma planta satildeo regra geral sinteti-

zados e acumulados em estruturas secretoras microscoacutepicas Entre os diversos tipos de

estruturas secretoras as mais frequentes satildeo os tricomas os canais e as bolsas (FIGURA 2)

FIGURA 2 Exemplos de estruturas secretoras observadas em microscopia oacuteptica A - Tricoma de Geranium robertianum (s - secretado acumulado no espaccedilo sub-cuticular coloraccedilatildeo com reagente de Nadi) B - canal secretor de Crithmum maritimum (setas coloraccedilatildeo com tricloreto de antimoacutenio) e C - bolsa secretora de Citrus sp (coloraccedilatildeo com Vermelho Sudatildeo III)

Os tricomas glandulares satildeo estruturas externas com origem em ceacutelulas epideacutermicas

que apresentam diversos graus de complexidade desde tricomas com apenas trecircs ceacutelulas

uma das quais a secretora ateacute tricomas com mais de uma dezena de ceacutelulas secretoras

As bolsas e os canais secretores satildeo estruturas internas constituiacutedas por ceacutelulas glandu-

lares que delimitam o luacutemen o espaccedilo para onde satildeo secretados os compostos depois de

produzidos nas ceacutelulas secretoras Os canais satildeo estruturas alongadas que percorrem o

corpo da planta por vezes com ramificaccedilotildees enquanto as bolsas satildeo estruturas mais ou

menos isodiameacutetricas

Os oacuteleos essenciais

Um oacuteleo essencial eacute obtido por hidrodestilaccedilatildeo ou por destilaccedilatildeo por arrastamento de va-

por (FIGURA 3) No caso particular dos citrinos o oacuteleo essencial pode ainda ser obtido

por expressatildeo (processo mecacircnico que promove a libertaccedilatildeo do secretado acumulado no

interior das estruturas secretoras neste caso bolsas)

Tanto na hidrodestilaccedilatildeo como na destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor o secretado eacute

removido das estruturas secretoras e arrastado pelo vapor de aacutegua Depois de condensar

por arrefecimento o oacuteleo essencial separa-se da aacutegua podendo ser facilmente recolhido

devido agrave sua imiscibilidade com a aacutegua

A B CS

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41FIGURA 3 A - Sistema de hidrodestilaccedilatildeo com aparelho de Clevenger e B - sistema de destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor

Anaacutelise de oacuteleos essenciais

Para analisar um oacuteleo essencial recorre-se frequentemente agrave cromatografia gasosa (CG)

para quantificaccedilatildeo dos componentes e agrave CG acoplada agrave espectrometria de massa (CG-

-EM) para a correspondente identificaccedilatildeo dos constituintes Por CG-EM os diversos com-

ponentes que constituem o oacuteleo essencial satildeo separados uns dos outros e ao chegarem ao

espectroacutemetro de massa satildeo bombardeados por eletrotildees o que leva a que as moleacuteculas

fragmentem formando-se diferentes iotildees de acordo com padrotildees preferenciais O con-

junto dos fragmentosiotildees constituem o espectro de massa que eacute carateriacutestico de cada

moleacutecula A integraccedilatildeo das aacutereas dos picos que surgem no cromatograma obtido por CG

(FIGURA 4A) permite a quantificaccedilatildeo relativa dos diversos componentes do oacuteleo essencial

A anaacutelise por CG-EM possibilita a identificaccedilatildeo desses compostos por comparaccedilatildeo dos

espectros de massa (FIGURA 4B) e dos iacutendices de retenccedilatildeo com os de amostras padratildeo

FIGURA 4 A - Aspeto parcial de um cromatograma obtido por CG carateriacutestico de um oacuteleo essencial com alguns dos ldquopicosrdquo identificados B - espectro de massa obtido por CG-EM de um dos componentes maioritaacuterios o timol

A B

A B

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Paisagens da Islacircndia Formase Processos (III)Fernando Carlos LopesCITEUC Universidade de Coimbra

A Islacircndia eacute famosa natildeo soacute pelos seus vulcotildees mas tambeacutem pelos seus glaciares e pela

sua sinuosa e escarpada linha de costa

Atualmente os glaciares cobrem cerca de 10 da superfiacutecie islandesa e 60 destas

aacutereas geladas assentam sobre sistemas vulcacircnicos ativos Esta combinaccedilatildeo de gelo e vul-

canismo torna a Islacircndia o local ideal para cheias repentinas (joumlkulhlaups) resultantes de

aacutegua que escorre por baixo dos glaciares devido agrave fusatildeo provocada pelas erupccedilotildees subgla-

ciares Atualmente existem 4 grandes calotes glaciares localizadas nas regiotildees elevadas

e vulcanicamente ativas do centro e sul da ilha a partir das quais divergem numerosas liacuten-

guas glaciarias Vatnajoumlkull (8100 km2) situado no centro leste Langjoumlkull (925 km2) si-

tuado no centro oeste Hofsjoumlkull (925 km2) situado na zona central da ilha Myrdalsjoumlkull

(600 km2) situado no sul da ilha Apesar da Islacircndia ter cerca de 24 Ma a sua paisagem soacute

foi moldada por glaciares nos uacuteltimos 5 milhotildees de anos Os seus glaciares de tipo alpino

(ou de montanha) avanccedilaram e recuaram condicionados pelas variaccedilotildees regionais e locais

do clima de que resultaram espetaculares morfologias Como jaacute se referiu anteriormente

as variaccedilotildees da carga glaciar sobre a litosfera provocadas pelas fases de gelo e degelo

teratildeo desempenhado papel importante na atividade vulcacircnica da ilha

Com um comprimento de cerca de 4970 km a linha de costa da Islacircndia eacute de um modo

geral muito recortada e escarpada marcada por promontoacuterios cabos peniacutensulas fiordes

e enseadas pontilhada de leixotildees por entre os quais se aninham praias de areia negra de

contornos suaves A accedilatildeo do mar sobre as inuacutemeras escoadas de lava que fluiacuteram ateacute agrave

costa ao longo da evoluccedilatildeo geoloacutegica da ilha e ali solidificaram sobre os aparelhos vulcacirc-

nicos implantados na zona litoral e sobre os vales deixados pelo recuo dos glaciares criou

paisagens de uma beleza surreal

FIGURA DA PAacuteGINA ANTERIOR Leixatildeo Hvitserkur noroeste da Islacircndia (fonte pixabay)

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Parte III - Paisagens controladas pelos glaciares e paisagens costeirasVales glaciares e fiordes

Vales glaciares vales suspensos lagos glaciares e cascatas ciacuterculos glaciares moreias

e fiordes satildeo formas carateriacutesticas das paisagens islandesas criadas pelos seus glacia-

res alpinos Os vales glaciares com o seu carateriacutestico perfil em ldquoUrdquo satildeo a forma mais

comum de paisagem originada pela erosatildeo glacial (FIGURA 1) No interior destes vales os

rios concentram o seu poder erosivo na zona mais baixa originando um perfil carateriacutestico

em ldquoVrdquo O poder erosivo dos glaciares eacute muito superior ao dos rios porque a sua energia

potencial resulta natildeo soacute do declive do terreno mas tambeacutem do peso do gelo A erosatildeo faz-

-se essencialmente ao longo das zonas laterais do canal criando um vale com vertentes

alcantiladas e fundo aplanado Vales suspensos satildeo vales escavados por glaciares tributaacute-

rios Como estes glaciares levam menos gelo o seu poder erosivo eacute menor que o do glaciar

principal ficando suspenso nas vertentes do glaciar principal quando o gelo recua Cons-

tituem exemplos notaacuteveis pela sua beleza e dimensatildeo os vales glaciares de Borgarvirki

(FIGURA 2) e de Akureyri (ou Eyjafjoumlrethur) no noroeste da ilha Este uacuteltimo vai desembocar

num fiorde que eacute mais longo da Islacircndia

FIGURA 1 Esquema 3D (sem escala) da evoluccedilatildeo de uma paisagem glaciar com formaccedilatildeo de vales glaciares vales glaciares suspensos ciacuterculos glaciares lagos glaciares e cascatas

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FIGURA 2 Aspeto do vale glaciaacuterio de Borgarvirki observado a partir da fortaleza de Borgarvirki

Se as condiccedilotildees forem favoraacuteveis os glaciares podem erodir abaixo do niacutevel do mar Quan-

do o glaciar recua o oceano invade estas depressotildees criando um fiorde Alguns dos fiordes

islandeses como o de Akureyri e o de Nordfjord (nordeste da ilha) possuem centenas de

metros abaixo do niacutevel do mar O fiorde de Nordfjord abrange parcialmente uma antiga cal-

deira vulcacircnica Nas faleacutesias do seu flanco oriental (falesias de Raudubjoumlrg) afloram rioacutelitos

conferindo agraves arribas uma carateriacutestica cor avermelhada)

Como se referiu anteriormente (Parte I) a orientaccedilatildeo da maioria dos vales glaciares e

fiordes segue de perto a orientaccedilatildeo dos principais lineamentos tectoacutenicos

Moreias

Em termos de aspetos deposicionais relacionados com glaciares as moreias satildeo de lon-

ge os mais abundantes Satildeo acumulaccedilotildees de fragmentos rochosos transportados pelos

glaciares quer na regiatildeo frontal (moreia frontal) lateral (moreia lateral) a meio (moreia

mediana) e no fundo (moreia de fundo)

Durante o uacuteltimo maacuteximo glaciar (haacute cerca de 20 000 anos) a Islacircndia estava quase

toda coberta por glaciares que se estendiam ateacute agrave costa e para aleacutem dela Foram encon-

tradas moreias frontais dessa eacutepoca a cerca de 130 km a offshore da costa ocidental e a

cerca de 150-230 m abaixo do niacutevel de mar atual

Eacute possiacutevel encontrar nos vales glaciares islandeses quer moreias antigas resultantes

da uacuteltima glaciaccedilatildeo quer moreias recentes e atuais Estas uacuteltimas estatildeo relacionadas com

as 4 grandes calotes glaciares existentes como eacute o caso das moreias do glaciar Vatna-

joumlkull que se podem observar em pleno no setor sudeste da ilha

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Lagoas glaciares e icebergues

Outra das paisagens magniacuteficas moldadas pelos glaciares satildeo as lagoas glaciares Estas

lagoas formam-se na extremidade dos glaciares que descem das calotes glaciares Satildeo

alimentadas pelo desgelo natural dos glaciares e nela flutuam pequenos e grandes iceber-

gues que se separam da frente do glaciar (FIGURA 3)

FIGURA 3 Esquema 3D (sem escala) da formaccedilatildeo de icebergues numa lagoa glaciar

O exemplo mais notaacutevel deste tipo de lagoas na Islacircndia eacute a lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten consi-

derada uma das maravilhas naturais do paiacutes Fica situada no sudeste da ilha na extremidade

do glaciar Breiethamerkurjoumlkull uma das liacutengua glaciares da calote de Vatnajoumlkull (FIGURA 4)

FIGURA 4 Icebergues na lagoa glaciar de Joumlkulsaacuterloacuten Ao fundo vecirc-se a frente do glaciar Breiethamerkurjoumlkull As faixas negras nos icebergues satildeo niacuteveis de cinza vulcacircnica

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A lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten eacute o ponto mais baixo da Islacircndia com zonas agrave cota de -200 m Na

baiacutea da lagoa tem-se acesso a uma paisagem de outro mundo com icebergues de dimen-

sotildees variadas que flutuam ateacute ao mar ficando alguns deles encalhados na margem de uma

praia de areia vulcacircnica Alguns icebergues exibem faixas negras correspondentes a niacuteveis

de cinzas vulcacircnicas provenientes de antigas erupccedilotildees (FIGURA 4) Outros exibem duas

tonalidades branco leitoso e azul claro A faixa azul corresponde agrave porccedilatildeo do icebergue

que se tornou recentemente emersa

A lagoa teraacute sido formada em 1934-35 pelo contiacutenuo recuo do glaciar Vatnajoumlkull e teraacute

duplicado de tamanho nos uacuteltimos 15 anos Dada a taxa atual de recuo do glaciar Vatna-

joumlkull um profundo fiorde iraacute desenvolver-se no local onde hoje existe a lagoa

As costas escarpadas

As costas escarpadas e recortadas satildeo sem duacutevida as mais dominantes Ocorrem deste o

oeste ao leste da ilha passando pela regiatildeo norte incisas por numerosos fiordes e peque-

nas enseadas e salpicadas por leixotildees Eacute notaacutevel pela sua forma de dragatildeo e pelas lendas

que o envolvem o leixatildeo de Hvitserkur (IMAGEM DA PAGINA 42) situado na costa leste da

Peniacutensula de Vatnsnes no noroeste da Islacircndia

Os fiordes mais profundos localizam-se na costa norte constituindo bons portos natu-

rais Um destaque especial vai para o fiorde ao longo do qual se estende a cidade de Aku-

reyri (fiorde de Akureyri ou Eyjafjoumlrethur) considerado o mais longo do paiacutes

Praias de areia Negra

As praias de areia negra em geral de reduzida extensatildeo podem ser constituiacutedas por i) de-

poacutesitos resultantes da abrasatildeo das arribas ii) moreias e depoacutesitos fluviais resultantes dos

rios glaciares com contornos suaves e lagoas glaciares protegidas por extensas barras

arenosas iii) depoacutesitos de tefra provenientes de erupccedilotildees freaacuteticas

As do primeiro tipo ocorrem um pouco por toda a linha de costa como resultado da accedilatildeo

do mar sobre as arribas As do segundo tipo ocorrem dominantemente entre Djuacutepivogur a

sudeste e Oumllfusaacute a sudoeste com destaque para a praia de Reynisfjara na costa sul As

da terceira categoria podem ser observadas na ilha de Heimaey arquipeacutelago de Vestman-

naeyja regiatildeo sul da Islacircndia

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018048

IMA

GE

M E

M D

ES

TAQ

UE

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Eu crio as minhas obras de arte de peque-

nos pedaccedilos de papel com espirais que co-

nectam e ligam os elementos a uma grande

estrutura Na obra de origami acabada a

que chamo Voltinhas estas espirais vivem

e trabalham Forccedilas de tensatildeo e fricccedilatildeo

contrapotildeem-se agrave gravidade e mantecircm a

forma estaacutevel Nas minhas criaccedilotildees procu-

ro estar perto da natureza Quando criamos

ou estudamos modelos de papel na macro

escala podemos entender melhor as for-

mas criadas pela natureza na micro escala

A minha obra de origami na capa o trabalho

intitulado ldquoInverno num parque de Lisboardquo e

o capsiacutedeo do viacuterus Canine parvovirus um viacute-

rus contagioso que ataca sobretudo os catildees

e outros caniacutedeos tecircm a mesma estrutura

geomeacutetrica do pequeno rombicosidodecae-

dro um poliedro com simetria icosaeacutedrica

Essa obra invoca simbolicamente o Ano

da Biologia Matemaacutetica 2018 O origami eacute

uma arte de dobragem do papel com uma

forte componente geomeacutetrica que permite

a construccedilatildeo de formas complexas e tem

atraiacutedo o interesse de matemaacuteticos pelas

suas propriedades geomeacutetricas e algeacutebricas

Krystyna Burczyk

Os viacuterus satildeo responsaacuteveis por inuacutemeras

doenccedilas no homem nos animais e nas plan-

tas e as curas e prevenccedilotildees satildeo ainda mui-

tas vezes problemaacuteticas Desenvolvimen-

tos recentes das aplicaccedilotildees da matemaacutetica

agrave virologia nomeadamente das teorias de

grupos de grafos de tesselaccedilatildeo ou de re-

ticulados mostraram por exemplo que as

restriccedilotildees estruturais agraves formas dos viacuterus

satildeo maiores do que antes se pensava e

permitiram a construccedilatildeo de novos modelos

para o desenvolvimento de terapias anti-

-virais Os capsiacutedeos virais que envolvem

os genomas dos viacuterus por razotildees de eco-

nomia geneacutetica tem muitas vezes uma si-

metria icosaeacutedrica Ora esta simetria natildeo eacute

cristalograacutefica em trecircs dimensotildees ie natildeo

eacute compatiacutevel com reticulados perioacutedicos

o que motivou os matemaacuteticos a desen-

volverem novas estruturas no contexto de

grupos de Coxeter natildeo-cristalograacuteficos que

encontraram aplicaccedilatildeo natildeo soacute na virologia

mas tambeacutem noutras estruturas molecula-

res da quiacutemica do carbono

Joseacute Francisco RodriguesUniversidade de Lisboa

Origami e Viacuterusin imagemcasadascienciasorg

Imagem de Canine Parvovirus gerada em VMD Autor Alexandre Lopes Magalhatildees

Page 13: JUNHO 2018 V6 /02 · 2018-09-26 · Matilde Viegas, Maria João Ramos, Pedro Alexandrino Fernandes Stephen Hawking e a sua contribuição para a física teórica Orfeu Bertolami,

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FIGURA 2 A - Oscilador harmoacutenico constituiacutedo por duas esferas de massa m1 e m2 ligadas por uma mola sem limite de elasticidade (obedece agrave lei de Hooke para qualquer deformaccedilatildeo) B - Esquema da distribuiccedilatildeo dos niacuteveis de energia vibracionais em funccedilatildeo do nuacutemero quacircntico v e valor da separaccedilatildeo energeacutetica entre niacuteveis consecutivos

A frequecircncia do oscilador depende naturalmente da forccedila da ldquomolardquo ou seja do grau de

rigidezelasticidade da ligaccedilatildeo quiacutemica que se traduz na constante de forccedila da ligaccedilatildeo k

Esta constante de forccedila eacute a que define a resistecircncia da mola agrave deformaccedilatildeo ou seja a forccedila

que eacute necessaacuterio efetuar para provocar uma deformaccedilatildeo de Δx de acordo com a lei de

Hooke F = k Δx A equaccedilatildeo da frequecircncia do oscilador harmoacutenico eacute entatildeo dada por

μπν

k21

=

onde μ eacute a massa reduzida do oscilador

Os osciladores reais satildeo anarmoacutenicos uma vez que as ligaccedilotildees quiacutemicas natildeo se compor-

tam como molas perfeitamente elaacutesticas A FIGURA 5 compara a funccedilatildeo de energia potencial

do oscilador harmoacutenico com uma curva pouco anarmoacutenica (FIGURA 3A) e muito anarmoacutenica

(FIGURA 3B) A situaccedilatildeo real corresponde agrave curva de alta anarmonicidade (FIGURA 3B) jaacute que

as ligaccedilotildees quiacutemicas quebram quando satildeo estiradas excessivamente

FIGURA 3 Comparaccedilatildeo entre o oscilador harmoacutenico (linha a vermelho) e anarmoacutenico (linha a preto) para duas situaccedilotildees A - baixa anarmonicidade e B - alta anarmonicidade Notar que a regiatildeo da transiccedilatildeo fundamental(0rarr1) eacute muito razoavelmente descrita pelo oscilador harmoacutenico em qualquer dos casos

(2)

A B

A B

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A energia dos niacuteveis de um oscilador anarmoacutenico eacute dada por

2v )frac12v()frac12v( +-+= exhhE νν

onde xe eacute a constante de anarmonicidade especiacutefica de cada oscilador

Um efeito imediato da anarmonicidade eacute a diminuiccedilatildeo progressiva do espaccedilamento ener-

geacutetico entre os niacuteveis (tal como se observa na FIGURA 3)

ΔEv0rarr1 = hν(1 ndash 2 x) ΔEv1rarr2

= hν(1 ndash 4 x) ΔEv2rarr3 = hν(1 ndash 6 x)

Proacuteximo da energia de dissociaccedilatildeo o espaccedilamento tende para zero o que permite estimar

a energia de uma ligaccedilatildeo a partir da sua frequecircncia de vibraccedilatildeo e da correspondente anar-

monicidade

exhD 4e ν=

A regra de seleccedilatildeo para o oscilador anarmoacutenico eacute Δv = 1 2 3 hellip sendo possiacutevel observar

diversas transiccedilotildees Enquanto a transiccedilatildeo do niacutevel v=0 para v=1 eacute designada por transiccedilatildeo

fundamental as transiccedilotildees de v=0 para vgt1 satildeo designadas sobretons

Quando a populaccedilatildeo dos niacuteveis excitados eacute significativa eacute possiacutevel observar as transiccedilotildees

v=1 para v=2 v=2 para v=3 etc Estas transiccedilotildees aumentam de intensidade por aumento

da temperatura (ver distribuiccedilatildeo de populaccedilatildeo de Boltzmann) pelo que as correspondentes

bandas do espectro vibracional satildeo designadas por ldquobandas quentesrdquo

Esta anaacutelise do espectro vibracional de sistemas diatoacutemicos pode estender-se a sistemas

poliatoacutemicos Em sistemas poliatoacutemicos observam-se vaacuterios movimentos de ldquoelongaccedilatildeo li-

nearrdquo (tantos quantos as ligaccedilotildees entre 2 aacutetomos) de ldquodeformaccedilatildeo angularrdquo (envolvendo 3

aacutetomos ligados) de ldquotorccedilatildeordquo e de ldquodeformaccedilatildeo para fora do planordquo (envolvendo 4 aacutetomos

ligados) Estes movimentos combinam-se nas 3N-6 vibraccedilotildees globais da moleacutecula desig-

nados por modos normais de vibraccedilatildeo Em alguns casos os modos normais de vibraccedilatildeo es-

tatildeo altamente localizados num grupo definido de aacutetomos ndash por exemplo o grupo carbonilo

(C=O) ndash e originam bandas no espectro vibracional que satildeo carateriacutesticas desse grupo de

aacutetomos e mais ou menos independentes do resto da moleacutecula Estas vibraccedilotildees satildeo desig-

nadas por frequecircncias de grupo muito utilizadas em caraterizaccedilatildeo quiacutemica Estes toacutepicos

seratildeo desenvolvidos num texto proacuteprio

Transiccedilotildees roto-vibracionais numa abordagem breve

Tal como referido acima eacute possiacutevel observar transiccedilotildees vibracionais (Δv = 1 2 3 hellip) acom-

panhadas de transiccedilotildees rotacionais (ΔJ= 1) Considerando estes graus de liberdade como

independentes entre si a energia dos niacuteveis num oscilador diatoacutemico eacute dada simplesmente

pela soma da equaccedilatildeo (3) com a equaccedilatildeo do rotor diatoacutemico

(3)

(4)

(5)

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222J v )1()frac12v()1()frac12v( +++-+++= JDxhJBhE eνν J J ][

Ignorando os termos anarmoacutenico e de distorccedilatildeo centriacutefuga ndash indicados entre parecircntese

rectos ndash a energia da transiccedilatildeo vibracional fundamental num oscilador diatoacutemico eacute dada por

ΔEv=0rarrv=1 = hν + B[J(J+1)minusJrsquo(Jrsquo+1)]

onde J eacute o nuacutemero quacircntico rotacional do estado inicial v=1 e Jrsquo eacute o nuacutemero quacircntico

rotacional do estado final v = 1

A FIGURA 4 ilustra as transiccedilotildees que correspondem a Jrsquo=J-1 Jrsquo=J e Jrsquo=J+1 e a FIGURA 5

apresenta o espectro observado para o oscilador diatoacutemico real HCl No espectro real o efeito

da anarmonicidade do oscilador no valor de B eacute evidente

FIGURA 4 Esquema simplificado das transiccedilotildees roto-vibracionais numa moleacutecula diatoacutemica Os niacuteveis natildeo estatildeo agrave escala As transiccedilotildees com Jrsquo=J-1 (a verde) originam as bandas do Ramo P e as transiccedilotildees com Jrsquo=J+1 (a azul) originam o Ramo R As transiccedilotildees com Jrsquo=J (a amarelo) originam o Ramo Q mas natildeo satildeo permitidas em moleacuteculas diatoacutemicas

FIGURA 5 Espectro roto-vibracional da moleacutecula diatoacutemica HCl com a indicaccedilatildeo da posiccedilatildeo do Ramo Q (transiccedilotildees natildeo permitidas por regra de seleccedilatildeo) Notar que todos os sinais aparecem desdobrados em dois uma amostra real de HCl conteacutem as formas isotoacutepicas H35Cl e H37Cl a que correspondem diferentes valores de B Notar tambeacutem que o espaccedilamento entre bandas no ramo P eacute maior que no ramo R no estado fundamental v=0 a distacircncia interatoacutemica meacutedia eacute menor do que para v=1 pelo que B gt Brsquo Notar que a transiccedilatildeo Jrsquo=J eacute proibida pelo que natildeo aparece a banda Q

(6)

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14

O crescimento exponencial de populaccedilotildees Euler ou Malthus Suzana NaacutepolesUniversidade de Lisboa

Em 1798 no livro An Essay on the Principle of Population que teve seis ediccedilotildees Thomas

Malthus (1766-1864) um cleacuterigo e erudito inglecircs influente nos campos da economia po-

liacutetica e da demografia escreveu

ldquoA populaccedilatildeo quando natildeo controlada aumenta em progressatildeo geomeacutetrica A subsistecircncia

aumenta apenas em progressatildeo aritmeacutetica Um pequeno conhecimento dos nuacutemeros mostra-

raacute a imensidatildeo do primeiro poder em comparaccedilatildeo com o segundoldquo

Malthus natildeo tentou traduzir matematicamente o seu modelo de crescimento Limitou-se a

caraterizaacute-lo pressupondo que a taxa segundo a qual a populaccedilatildeo cresce num determinado

instante eacute proporcional agrave populaccedilatildeo total nesse mesmo instante

Numa revisatildeo da primeira ediccedilatildeo discutiu em detalhe os obstaacuteculos para o crescimento

da populaccedilatildeo em vaacuterios paiacuteses nomeadamente atraso no casamento aborto infanticiacutedio

fome guerra epidemias e fatores econoacutemicos Para ele o casamento retardado era a melhor

opccedilatildeo para estabilizar a populaccedilatildeo

Para caraterizar matematicamente este modelo considerando o crescimento em anos

consecutivos e supondo uma taxa de crescimento r em cada ano se num ano n a popula-

ccedilatildeo eacute Pn no ano seguinte a populaccedilatildeo seraacute Pn +1= (1 + r ) Pn pelo que Pn+1= (1 + r ) n P0 e o

crescimento eacute descrito por uma progressatildeo geomeacutetrica de razatildeo 1 + r

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15FIGURA 1 Thomas Malthus

Supondo uma variaccedilatildeo contiacutenua do tempo e designando por P(t) a populaccedilatildeo no instante

t e por r a taxa de crescimento por unidade de tempo a equaccedilatildeo diferencial que traduz o

modelo contiacutenuo preconizado por Malthus eacute Prsquo(t) = r P(t) Entatildeo P(t) = ke r t com k constante

Como P(0) = k e P0 o nuacutemero de indiviacuteduos no ano zero a evoluccedilatildeo da populaccedilatildeo eacute dada

por P(t) = P0 e rt

Acontece que 50 anos antes em Introductio in analysin infinitorum no VI capiacutetulo

ldquoDe quantidades exponenciais e logaritmosrdquo para ilustrar a grande utilidade das ta-

belas de logaritmos para abreviar caacutelculos numeacutericos o matemaacutetico suiacuteccedilo Leonhard

Euler (1707-1783) daacute vaacuterios exemplos que envolvem o crescimento populacional de

que transcrevemos os exemplos II e III

FIGURA 2 Leonhard Euler e o seu Introductio in analysin infinitorum

AR

TIG

O

16

Exemplo II

ldquoSe a populaccedilatildeo em certa regiatildeo aumenta anualmente um trigeacutesimo e por outro lado laacute

habitavam no princiacutepio 100000 pessoas pergunta-se qual o nuacutemero de habitantes apoacutes

100 anos

Seja o nuacutemero inicial = n pelo que n = 100000 passado um ano o nuacutemero de habitantes

seraacute = (1+301 )n=30

13 n depois de dois anos = S X3013 2

n ao cabo de trecircs = S X3013 3

n e daqui

depois de 100 anos seraacute = S X3013 100

n = S X3013 100

100000 cujo logaritmo eacute = 100 l 1013 +

l 100000 E l 1013 = l 31 - l 10 = 0014240439 de onde 100 l 10

13 = 14240439 que somando-

-lhe l 100000 = 5 seraacute o logaritmo do nuacutemero de habitantes procurado = 64240439 a que

corresponde o nuacutemero 2654874

Assim ao cabo de 100 anos seraacute mais de vinte e seis vezes maiorrdquo

Este exemplo publicado em 1748 eacute meio seacuteculo antes a concretizaccedilatildeo do ldquoModelo Mal-

thusianordquo para uma populaccedilatildeo de 100000 habitantes e uma taxa de crescimento anual de

130

No exemplo seguinte Euler faz alusatildeo ao capiacutetulo 7 do Livro do Genesis que relata como

um diluacutevio reduziu a populaccedilatildeo da terra a seis seres humanos

Exemplo III

ldquoComo a humanidade se espalhou apoacutes o diluacutevio por obra de seis seres humanos se o nuacute-

mero destes alcanccedilar duzentos anos depois o nuacutemero 1000000 pergunta-se em que parte

deveria crescer anualmente o nuacutemero de humanos

Se aumentar em cada ano x1 duzentos anos depois o nuacutemero de humanos seria =

xx1 200+S X 6 = 1000000 e por tanto x

16

1000000 2001

+ = S Xx

Portanto l x1

2001+ =x l

61000000 =200

1 52218487 = 00261092

e assim =x1+x

10000001061963 e 1000000 = 61963x donde x =16 aproxidamente

Bastaraacute pois que os humanos aumentem por ano a sua deacutecima sexta parte [] Contudo se

o nuacutemero de homens tivesse crescido na mesma proporccedilatildeo durante um intervalo de 400

anos deveria chegar a 1000000 10000006

= 166666666666 cujo sustento a terra inteira

natildeo seria de forma alguma capaz de darrdquo

Euler ao abordar o crescimento das populaccedilotildees tinha uma preocupaccedilatildeo matemaacutetica ndash a

de mostrar a utilidade dos logaritmos ndash que ilustrou com exemplos

Mas a observaccedilatildeo anterior leva a crer que ele considerou o modelo exponencial desade-

quado para o estudo do crescimento populacional

AR

TIG

O

17

A populaccedilatildeo de Portugal espelha bem a falecircncia deste modelo Segundo dados do Ins-tituto Nacional de Estatiacutestica nos duzentos anos que decorreram entre 1770 e 1970 a

populaccedilatildeo nem chegou a triplicar

TABELA 1 Populaccedilatildeo de Portugal entre 1422 a 1890

Popuccedilatildeo de Portugal (INE Lisboa)

Ano Total Variaccedilatildeo Ano Total Variaccedilatildeo

1422 1 043 274 - 1900 5 423 132 +74

1527 1 262 376 +210 1911 5 960 056 +99

1636 1 100 000 -129 1920 6 032 991 +12

1736 2 143 368 +949 1930 6 825 883 +131

1770 2 850 444 +330 1940 7 722 152 +131

1776 3 352 310 +176 1950 8 441 312 +93

1801 2 931 930 -125 1960 8 851 289 +49

1811 2 876 602 -19 1970 8 568 703 -32

1838 3 200 000 +112 1981 9 852 841 +150

1849 3 411 454 +66 1991 9 862 540 +01

1864 4 188 410 +228 2001 10 356 117 +50

1878 4 550 699 +86 2007 10 617 575 +25

1890 5 049 729 +110

Quanto a Malthus as suas preocupaccedilotildees eram de natureza poliacutetica e legislativa To-

mou como certo um crescimento exponencial da populaccedilatildeo mundial que conduziria a

uma cataacutestrofe por ausecircncia de recursos e para o travar sugeriu o recurso a poliacuteticas

adequadas Ao publicitar o modelo exponencial - que ficou conhecido como Modelo

Malthusiano - ligando-o a problemas legislativos reais abriu caminho para que dife-

rentes matemaacuteticos se dedicassem agrave modelaccedilatildeo do crescimento populacional

Em 1844 o matemaacutetico belga Pierre Verhulst (1804-1849) propocircs no artigo Recherches

matheacutematiques sur la loi drsquoaccroissement de la population um modelo em que considera que

agrave medida que a populaccedilatildeo se aproxima de um valor maacuteximo a taxa de crescimento diminui

ldquoO aumento virtual da populaccedilatildeo eacute portanto limitado pelo tamanho e pela fertilidade do paiacutes

Como resultado a populaccedilatildeo fica cada vez mais proacutexima de um estado estaacutevelrdquo

Designado por P(t) a populaccedilatildeo no instante t por r a taxa de crescimento por unidade

de tempo e por M o nuacutemero maacuteximo de indiviacuteduos que a regiatildeo pode suportar este modelo

exprime-se pela equaccedilatildeo diferencial

( )dt

dP rP MP t

1= -T Y

AR

TIG

O

18

cuja soluccedilatildeo eacute

( )( ) ( )( )

P t

MP eP e

10 10

rt

rt

=+

-

Se P(t) for muito pequeno face a M tem-se que ( )dt

dP rP MP t

1= -T Y cong r P(t) que tem a soluccedilatildeo P(t) cong P(0) e rt

e o crescimento eacute exponencial

FIGURA 4 Pierre Franccedilois Verhulst e o graacutefico da curva logiacutestica

Agrave medida que t cresce a populaccedilatildeo aproxima-se assintoticamente de M A equaccedilatildeo diferen-

cial que carateriza este modelo eacute atualmente designada por equaccedilatildeo logiacutestica e a populaccedilatildeo

maacutexima M por capacidade de carga Com Verhulst relativizou-se ldquoa hipoacutetese da progressatildeo

geomeacutetrica uma vez que ela soacute se pode verificar em circunstacircncias muito especiais por exem-

plo quando um territoacuterio feacutertil de tamanho quase ilimitado passa a ser habitado por pessoas

com uma civilizaccedilatildeo avanccedilada como foi o caso das primeiras coloacutenias americanasrdquo

Essa equaccedilatildeo foi retomada por vaacuterios matemaacuteticos e adaptada a contextos variados

Satildeo de realccedilar os casos em que a capacidade de carga varia como o tempo conduzindo

ao modelo caraterizado pela equaccedilatildeo diferencial

dtdP rP M

P1= -T Y( )t

onde a capacidade de carga M(t) = M(t +T) varia periodicamente com periacuteodo T

AR

TIG

O

19

FIGURA 5 A demografia eacute instrumental para o controlo das populaccedilotildees humanas

Desde o seacuteculo XVIII que o estudo da dinacircmica das populaccedilotildees eacute objeto de modelaccedilatildeo

matemaacutetica Na atualidade existem outros modelos de crescimento hiperboacutelicos expo-

nenciais logiacutesticos ou baseados noutras funccedilotildees Baseada nos modelos populacionais

do matemaacutetico Song Jian a Repuacuteblica Popular da China em 1980 entatildeo a atingir o biliatildeo

de habitantes instaurou uma poliacutetica estrita de filho uacutenico Essa lei foi flexibilizada em

2015 aumentando para dois o nuacutemero maacuteximo de filhos para fazer frente ao envelheci-

mento da populaccedilatildeo e agrave reduccedilatildeo do grupo de trabalhadores na faixa etaacuteria considerada

economicamente ativa

Muitos dos pareceres cientiacuteficos nas mais diversas aacutereas baseiam-se em modelos ma-

temaacuteticos que podem permitir fazer estimativas e previsotildees mas hellip ao olhar para o cres-

cimento populacional ao longo dos tempos verificamos que os modelos matemaacuteticos satildeo

instrumentais na anaacutelise da dinacircmica das populaccedilotildees

AR

TIG

O

20

Artroacutepodes Miguel Santos

Rubim Almeida

Sara C Antunes

DB CIBIO InBIO CIIMAR Universidade do Porto

Artroacutepodes (Arthropoda do grego arthro = articulado + podos = peacutes) satildeo o grupo taxonoacutemi-

co mais diversificado com distribuiccedilatildeo por quase todo o globo e ocupando todos os habitats

Satildeo organismos invertebrados com exosqueleto riacutegido apresentando apecircndices articula-

dos (patas antenas) e de nuacutemero diferenciado de acordo com o subfilo a que pertencem

Os artroacutepodes constituem um dos mais diversos grupos de organismos do planeta com-

preendendo espeacutecies que variam de 0085 mm (Tantalacus dieteri um crustaacuteceo parasita)

ateacute 38 m (envergadura do Caranguejo-aranha-gigante) Os organismos pertencentes a

este grupo encontram-se praticamente em todos os tipos de habitat A razatildeo do sucesso

evolutivo deste grupo taxonoacutemico deve-se a um conjunto de carateriacutesticas uacutenicas i) pos-

suiacuterem um exosqueleto proteico-quitinoso flexiacutevel leve e resistente que protege contra a

desidrataccedilatildeo ii) segmentaccedilatildeo do corpo e a presenccedila de apecircndices articulados especia-

lizados iii) oacutergatildeos sensoriais bem desenvolvidos (antenas sedas sensoriais olhos com-

postos olhos pedunculados ocelos quimiorrecetores nas antenas) iv) metamorfose com

diferentes estaacutedios de desenvolvimento incluindo estaacutedios larvares que podem ter um

modo de vida completamente diferente do adulto permitindo um aproveitamento de outros

recursos (alimento e espaccedilo) reduzindo a competiccedilatildeo entre indiviacuteduos da mesma espeacutecie

v) padrotildees comportamentais complexos revelando por vezes organizaccedilatildeo comunitaacuteria e

vi) sistema respiratoacuterio diverso nomeadamente o sistema traqueal onde o ar entra em

contacto direto com os tecidos devido a um eficiente sistema de tubos (traqueias) com

orifiacutecios na superfiacutecie do tegumento (espiraacuteculos) No entanto a origem e a taxonomia

deste grupo ainda constituem um tema de investigaccedilatildeo e debate Mesmo apesar dos avan-

ccedilos em aacutereas como a biologia molecular que fornece importantes conhecimentos sobre

as complexas relaccedilotildees evolutivas destes organismos muito ainda haacute por descobrir Os

artroacutepodes satildeo um grupo extremamente importante nos ecossistemas terrestres devido

natildeo soacute agrave sua enorme abundacircncia e diversidade mas tambeacutem ao grande nuacutemero de funccedilotildees

que desempenham nestes ecossistemas (ex degradaccedilatildeo da mateacuteria orgacircnica arejamento

AR

TIG

O

21

do solo ciclagem de nutrientes) O filo Arthropoda estaacute atualmente subdividido em cinco

subfilos Trilobitomorpha Crustacea Myriapoda Chelicerata e Hexapoda

O subfilo Trilobitomorpha (trilobites e os seus parentes) compreende cerca de 20 000

espeacutecies que viviam exclusivamente em ambientes marinhos e que atualmente se encon-

tram todas extintas Contudo a sua vasta distribuiccedilatildeo geograacutefica e o exosqueleto de carbo-

nato de caacutelcio permitiram que este grupo apresente um extenso registo foacutessil observaacutevel

por todo o planeta

Crustacea inclui caranguejos camarotildees e lagostas contendo mais de 60 000 espeacute-

cies e com um extenso registo foacutessil em todo o mundo eacute um dos principais grupos de

artroacutepodes A maioria dos crustaacuteceos vive em ambientes marinhos mas existem vaacuterias

espeacutecies que podem ser encontradas em ecossistemas de aacutegua doce (ordem Cladocera e

sub-classe Copepoda) e em ambientes terrestres (ordem Isopoda FIGURA 1) Apesar da

grande maioria dos crustaacuteceos serem de vida livre existem vaacuterios grupos parasitas (ex

Rhizocephala ndash crustaacuteceos cirriacutepedes parasitas de caranguejos e camarotildees Argulidae ndash

crustaacuteceos parasitas de peixes e Pentastomida ndash vermes liacutengua que parasitam o sistema

respiratoacuterio de vertebrados) Numa perspetiva diferente e de interesse econoacutemico este

grupo apresenta ainda um valor acrescido jaacute que alguns crustaacuteceos decaacutepodes como la-

gostas e camarotildees satildeo intensivamente consumidos em todo o mundo Para aleacutem da sua

importacircncia econoacutemica este grupo de organismos eacute bastante utilizado em investigaccedilatildeo

cientiacutefica nomeadamente em ecotoxicologia na avaliaccedilatildeo do efeito de contaminantes no

solo

FIGURA 1 Exemplares de organismos da ordem Isopoda (bicho-da-conta) 1 ndash famiacutelia Armadillidae 2 ndash famiacutelia Porce-llionidae em A - vista dorsal e em B - vista ventral

O subfilo Myriapoda inclui as centopeias e os miliacutepedes conteacutem mais de 11 000

espeacutecies descritas Este subfilo eacute tradicionalmente dividido em quatro classes Chi-

lopoda (centopeias) (FIGURA 2) Diplopoda (miliacutepedes) Pauropoda (ldquopoucos peacutesrdquo) e

Symphyla (pseudocentopeias) Todos os miriaacutepodes conhecidos satildeo terrestres e o seu

tamanho varia desde alguns miliacutemetros a cerca de 38 centiacutemetros (Millipede Gigante

Africano)

1

2

A B

15cm

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22

FIGURA 2 Vista dorsal A - e ventral B - de um organismo pertencente agrave classe Chilopoda onde se pode observar o corpo segmentado e apenas com um par de patas por segmento

O subfilo Chelicerata (aranhas aranhas do mar escorpiotildees e aacutecaros) conteacutem mais

de 113 000 espeacutecies distribuiacutedas em duas classes principais Pycnogonida (aranhas do

mar) e Arachnida (aranhas escorpiotildees e aacutecaros) Pycnogonida o grupo das aranhas

do mar conteacutem mais de 1 300 espeacutecies descritas mas estudos detalhados sobre esses

animais e as suas relaccedilotildees evolutivas ainda satildeo escassos Estes organismos geralmente

tecircm seis ou oito olhos e quatro a seis pares de patas A classe Arachnida compreende os

organismos mais conhecidos do subfilo Chelicerata como aranhas escorpiotildees e aacutecaros

Os indiviacuteduos pertencentes a este grupo natildeo possuem antenas tecircm quatro pares de

patas um par de queliacuteceras (1ordm par de apecircndices do prossomacabeccedila) e pedipalpos

(2ordm par de apecircndices do prossomacabeccedila) As aranhas (ordem Araneae) (FIGURA 3) satildeo

provavelmente o grupo mais icoacutenico e bem estudado deste subfilo presentes na maioria

dos ambientes terrestres e constituindo um dos grupos mais importantes de artroacutepodes

do solo Outros organismos colocados na mesma classe como escorpiotildees aacutecaros ou

opiliotildees tambeacutem constituem grupos extremamente variados com importantes funccedilotildees

ecoloacutegicas (ex decomposiccedilatildeo de mateacuteria orgacircnica e controlo de organismos principal-

mente atraveacutes de predaccedilatildeo)

FIGURA 3 Vista dorsal A - e ventral B - de um exemplar da ordem Araneae (famiacutelia Gnaphosidae) sendo possiacutevel obser-var o corpo dividido em cefalotoacuterax e abdoacutemen os quatro pares de patas as queliacuteceras (q) e os pedipalpos (p)

O subfilo Hexapoda (Hexa (seis) e Poda (peacute)) engloba os insetos e os seus parentes

compreende o grupo mais diverso e abundante de organismos com mais de 1 milhatildeo de

espeacutecies conhecidas Este subfilo eacute frequentemente dividido em organismos da clas-

A B

A B

14cm

p

q

35cm

AR

TIG

O

23

se Insecta (FIGURA 4) e da classe Entognatha Esta uacuteltima inclui os colecircmbolos (ordem

Collembola) (FIGURA 5) cabeccedilas de cone e bichos de prata (ordem Protura) e cerdas de

duas pontas (ordem Diplura) Na classe Entognatha as partes bucais dos organismos

estatildeo retraiacutedas dentro das suas cabeccedilas contrariamente ao que se observa na classe In-

secta que satildeo ectognantes Os colecircmbolos constituem um dos grupos mais abundantes

de artroacutepodes do solo podendo ser encontrados mais de 100 000 indiviacuteduos num metro

quadrado Estes satildeo organismos cosmopolitas com mais de 8 000 espeacutecies descritas Os

colecircmbolos satildeo pequenos organismos com tamanho geralmente inferior a 6-8 mm de

forma ciliacutendrica ou globular apresentando olhos simples e antenas moniliformes Muitas

espeacutecies possuem um apecircndice bifurcado (fuacutercula) no final do abdoacutemen permitindo que

estes organismos saltem quando ameaccedilados (FIGURA 5) Os colecircmbolos tecircm sido ampla-

mente utilizados em estudos ecotoxicoloacutegicos na avaliaccedilatildeo da qualidade do solo e da sauacute-

de destes ecossistemas

FIGURA 4 A - Vista dorsal e B - vista ventral de exemplares de algumas ordens da classe Insecta

FIGURA 5 Vista lateral de exemplares da ordem Collembola

A classe Insecta eacute a classe com maior nuacutemero de organismos compreendendo mais

de metade das espeacutecies eucarioacuteticas descritas atualmente englobando mais de 1 milhatildeo

de espeacutecies que habitam praticamente todos os ecossistemas Os insetos sendo o grupo

Ordem

Coleoptera

Ordem

Diptera

Ordem

Hemiptera

Ordem

Orthoptera

Ordem

HimenopteraA A A A

B B B B

075cm

027cm14cm016cm

09cm

22cm

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TIG

O

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mais diversificado de seres vivos apresentam as mais variadas e interessantes adap-

taccedilotildees anatoacutemicas e morfoloacutegicas Pensa-se que a sua enorme riqueza e abundacircncia eacute

devida a uma combinaccedilatildeo de carateriacutesticas vantajosas como a coevoluccedilatildeo com plan-

tas a miniaturizaccedilatildeo e a capacidade de voo Os insetos desempenham ainda um papel

importantiacutessimo no funcionamento dos ecossistemas realizando funccedilotildees quer de pre-

dadores quer de presa estando envolvidos em inuacutemeras teias alimentares (ex reciclan-

do nutrientes fazendo a manutenccedilatildeo da estrutura e fertilizaccedilatildeo dos solos) Destaca-se

tambeacutem o facto de vaacuterios insetos voadores como abelhas ou borboletas atuarem como

polinizadores de muitas espeacutecies de plantas Esta eacute uma funccedilatildeo ecoloacutegica importante

com vaacuterias repercussotildees econoacutemicas porque mais de 30 das culturas alimentares

mundiais dependem da polinizaccedilatildeo Os insetos possuem ainda um papel importante em

investigaccedilatildeo cientiacutefica sendo muitas vezes utilizados como organismo modelo dado pos-

suiacuterem carateriacutesticas distintas como o seu tamanho reduzido tempos de geraccedilatildeo curtos

e elevada fecundidade O exemplo de excelecircncia eacute a mosca da fruta Drosophila melano-

gaster cujo genoma eacute jaacute conhecido na totalidade sendo esta espeacutecie utilizada frequente-

mente para estudar vaacuterios processos celulares (ex o envelhecimento a hereditariedade

e o desenvolvimento embrionaacuterio) Apesar de constituiacuterem um grupo tatildeo interessante

beneacutefico e necessaacuterio agrave manutenccedilatildeo do equiliacutebrio dos ecossistemas existem algumas

desvantagens associadas aos insetos como eacute o caso de serem vetores na transmissatildeo

de doenccedilas Eacute o caso da malaacuteria transmitida por um mosquito do geacutenero Anopheles a

doenccedila parasitaacuteria mais disseminada com vaacuterios milhotildees de humanos infetados em todo

o mundo O dengue e o zika satildeo doenccedilas em que o vetor de transmissatildeo eacute tambeacutem um

mosquito do geacutenero Aedes Na agricultura as pragas de insetos (ex gorgulhos gafa-

nhotos afiacutedios) satildeo responsaacuteveis por prejudicar as culturas agriacutecolas e a produccedilatildeo de

alimentos causando perdas econoacutemicas elevadas

Sabe-se que atualmente a perda de habitat e as mudanccedilas climaacuteticas satildeo alguns dos

fatores responsaacuteveis por decliacutenios significativos nas populaccedilotildees deste grupo de orga-

nismos Esse decliacutenio apresenta uma elevada preocupaccedilatildeo ecoloacutegica uma vez que estes

organismos desempenham muacuteltiplas e importantes funccedilotildees nos ecossistemas No en-

tanto a conservaccedilatildeo deste grupo animal permanece um grande e urgente desafio que eacute

preciso enfrentar

AR

TIG

O

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Biocombustiacuteveis seratildeo a soluccedilatildeo Matilde Viegas

Maria Joatildeo Ramos

Pedro Alexandrino Fernandes

UCIBIO REQUIMTEUniversidade do Porto

ldquoA 21 de Fevereiro de 2018 o niacutevel de poluiccedilatildeo de partiacuteculas finas com diacircmetro inferior

a 10 μm PM10 atingiu em Paris niacuteveis alarmantes com um pico correspondente

ao dobro do limite maacuteximo A Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) recomenda natildeo

exceder este limite maacuteximo por mais de trecircs dias por ano Com este recente pico os

parisienses jaacute o ultrapassaramrdquo

Em Un pic de pollution laquograveraquo en Ile-de-France Le Monde 22 de Fevereiro de 2018

Esta notiacutecia eacute um dos inuacutemeros exemplos dos efeitos do aquecimento global termo com o

qual estamos cada vez mais familiarizados infelizmente Este fenoacutemeno eacute consequecircncia

de Gases de Efeito de Estufa GEE (dioacutexido de carbono metano e oacutexido de azoto entre

outros) que se acumulam na atmosfera enclausurando o calor e tornando o planeta mais

quente A produccedilatildeo em larga escala de GEEs teve iniacutecio na Revoluccedilatildeo Industrial (1800)

como resultado da combustatildeo de combustiacuteveis foacutesseis (carvatildeo petroacuteleo e gaacutes natural)

para produccedilatildeo de eletricidade aquecimento e transporte

A preocupaccedilatildeo em torno do aquecimento global tornou-se um assunto constante na

agenda poliacutetica sobretudo nas uacuteltimas duas deacutecadas Os primeiros esforccedilos coletivos re-

sultaram no Protocolo de Quioto em 1997 cujo objetivo era a reduccedilatildeo das emissotildees de

GEEs assentando nos argumentos de que i) o aquecimento global era uma realidade e ii) o

CO2 produzido por accedilotildees humanas era o seu grande causador O primeiro periacuteodo do Proto-

colo terminou em 2012 e por isso em 2015 as Naccedilotildees Unidas promoveram a assinatura

do novo Acordo de Paris o qual consiste numa atualizaccedilatildeo do antigo Protocolo de Quioto

com o objetivo de ldquofortalecer a resposta global agrave ameaccedila das alteraccedilotildees climaacuteticas no

contexto de desenvolvimento sustentaacutevel e com esforccedilo para a erradicaccedilatildeo da pobrezardquo

O novo Acordo ao contraacuterio do de Quioto estabelece metas tangiacuteveis e quantitativas O

AR

TIG

O

26

objetivo eacute manter o aumento da temperatura meacutedia global abaixo dos 2ordm Celsius face agrave

temperatura global na era preacute-industrial Para atingir tal meta eacute necessaacuterio um esforccedilo

mundial contudo em 2017 com a saiacuteda dos EUA do Acordo de Paris o segundo maior

emissor de GEEs logo a seguir agrave China perdeu-se uma enorme contribuiccedilatildeo Aleacutem do peso

evidente que as suas emissotildees tecircm para o estado atual do aquecimento global em falta

estaratildeo tambeacutem a diplomacia e o encorajamento proporcionados por esta forccedila mundial

No Acordo de Paris uma das claacuteusulas exige a inclusatildeo de energias renovaacuteveis (eoacutelica

mariacutetima solar) e de biocombustiacuteveis no mercado de energia encorajando os paiacuteses a

atingir niacuteveis miacutenimos da sua utilizaccedilatildeo As metas estabelecidas para cada paiacutes vatildeo ao en-

contro ao seu mercado e agraves mateacuterias-primas disponiacuteveis em cada territoacuterio favorecendo o

desenvolvimento da economia

De uma forma generalista os biocombustiacuteveis englobam combustiacuteveis produzidos atra-

veacutes de processos bioloacutegicos como a agricultura e digestatildeo anaeroacutebica em vez de produ-

zidos a partir de processos geoloacutegicos como os necessaacuterios para a formaccedilatildeo de combus-

tiacuteveis foacutesseis Isto inclui o biodiesel (produzido a partir de oacuteleos e gorduras orgacircnicas) e o

bioetanol (aacutelcool produzido atraveacutes de fermentaccedilatildeo microbiana de accediluacutecares seguido de

destilaccedilatildeo e desidrataccedilatildeo) os quais seratildeo o maior foco deste artigo

A partir da deacutecada de 70 foram feitos os primeiros investimentos nos chamados bio-

combustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo (1G) Estes fazem uso de colheitas de produtos agriacuteco-

las como a soja cana-de-accediluacutecar milho oacuteleo de palma entre outros para a produccedilatildeo de

biodiesel e bioetanol atraveacutes de processos de trans-esterificaccedilatildeo ou fermentaccedilatildeo A sua

disponibilidade e facilidade de processamento permitiram a sua inserccedilatildeo e mistura nos

combustiacuteveis atualmente vendidos ao puacuteblico Para 2017 Portugal fixou em 75 (de poder

energeacutetico) a incorporaccedilatildeo de biocombustiacuteveis nos combustiacuteveis dos transportes rodoviaacute-

rios tendo a Uniatildeo Europeia o objectivo de 10 em 2020 para todos os paiacuteses membros

Os biocombustiacuteveis 1G fazem uso da colheita agriacutecola para fins energeacuteticos o que gera

opiniotildees desfavoraacuteveis por parte de ambientalistas (pelo uso exaustivo da terra agriacutecola sem

compensaccedilatildeo desflorestaccedilatildeo e perda de biodiversidade) e problemas eacuteticos tais como os le-

vantados por responsaacuteveis da ONU como o Dr Jean Ziegler que atribui aos biocombustiacuteveis

a culpa pela contiacutenua inflaccedilatildeo dos preccedilos de alimentos exacerbando a atual crise de fome

mundial - ldquoSatildeo necessaacuterios 352Kg de milho para encher um depoacutesito de 50L de um carro Uma

crianccedila na Zacircmbia ou no Meacutexico onde o milho eacute um elemento baacutesico da dieta poderia viver

com esta quantidade de milho um ano inteirordquo Atualmente os maiores produtores destes bio-

combustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo satildeo os EUA e o Brasil utilizando parte da produccedilatildeo global

de cereais e oacuteleos vegetais para a produccedilatildeo de bioetanol e biodiesel causando um ambiente

de profunda preocupaccedilatildeo em volta da sustentabilidade de produccedilatildeo de energia a meacutediolongo

prazo De forma a controlar a inflaccedilatildeo no preccedilo dos alimentos a EU estabeleceu um limite de

7 para o uso de biocombustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo como combustiacutevel de transportaccedilatildeo

AR

TIG

O

27

A segunda geraccedilatildeo de biocombustiacuteveis (2G) usa biomassa isto eacute qualquer fonte de car-

bono orgacircnico que eacute rapidamente renovado no ciclo de carbono Os biocombustiacuteveis de

segunda geraccedilatildeo almejam um uso ponderado de desperdiacutecios da induacutestria madeireira e

agriacutecola ou de restos de colheitas agriacutecolas assim que estas preencham o seu propoacutesito

alimentar evitando interferecircncia com o mercado alimentar e natildeo influenciando os preccedilos

dos alimentos baacutesicos

FIGURA 1 Biocombustiacuteveis

A produccedilatildeo de arroz atingiu o seu pico em 2017 gerando 1140 milhotildees de toneladas de

espigas de arroz cujo destino eacute a incineraccedilatildeo compostagem ou eacute simplesmente deposita-

da em aterros Contudo com a 2G de biocombustiacuteveis eacute encontrado potencial energeacutetico

neste desperdiacutecio agriacutecola O seu potencial deve-se agrave mateacuteria lignoceluloacutesica ndash celulose

hemicelulose e lignina ndash presente em todas as plantas incluindo as espigas em diferen-

tes percentagens Este material composto eacute essencial para a estrutura e resistecircncia das

plantas a hemicelulose eacute a matriz que rodeia o esqueleto de celulose enquanto a lignina

funciona como uma camada protetora As possibilidades associadas a este tipo de desper-

diacutecio satildeo inegaacuteveis a sua abundacircncia e facilidade de obtenccedilatildeo tornam-no muito apelativo

Contudo o gasto na recolha e transporte desta mateacuteria suplanta os custos de produccedilatildeo

e o seu uso continuado poderaacute contribuir para a erosatildeo do solo Aleacutem disso para o seu

aproveitamento para produccedilatildeo de biocombustiacuteveis eacute necessaacuterio um preacute-tratamento para

hidrolisar as ligaccedilotildees covalentes entre os trecircs constituintes da mateacuteria lignoceluloacutesica e

permitir a posterior fermentaccedilatildeo anaeroacutebia da celulose produzindo bioetanol Este preacute-

-tratamento eacute visto como outra das desvantagens do processo e estaacute ainda a ser estudado

e otimizado pois de momento as alternativas disponiacuteveis encarecem o produto final e em

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alguns dos casos dependem do uso de quiacutemicos poluentes A esperanccedila estaacute entatildeo de-

positada no estudo de enzimas hidroliacuteticas encontradas em organismos termoacutefilos que

seratildeo capazes de aguentar as difiacuteceis condiccedilotildees de tratamento Contudo a dificuldade em

escalar o processo de fermentaccedilatildeo eacute uma das desvantagens e dos fatores limitantes para

a 2G de biocombustiacuteveis em grande parte devido agrave dificuldade de monitorizar as condiccedilotildees

de fermentaccedilatildeo (oxigeacutenio pH nutrientes etc)

A terceira geraccedilatildeo (3G) de biocombustiacuteveis foi reconhecida como a melhor alternativa

em comparaccedilatildeo com primeira e segunda geraccedilotildees pois surpreendentemente faz uso de

algas A sua enorme disponibilidade por todo o planeta e o facto de natildeo interferirem com os

mercados alimentares satildeo os grandes embaixadores desta mateacuteria-prima como o futuro

dos biocombustiacuteveis Ainda que natildeo seja uma mateacuteria infinita eacute a que de momento mais se

assemelha por existirem 70 000 espeacutecies (30 000 documentadas) Estudos conduzidos

atualmente estatildeo a explorar a viabilidade energeacutetica de 30 espeacutecies de algas explorando a

sustentabilidade facilidade e escalabilidade da sua produccedilatildeo Outras vantagens incluem a

baixa manutenccedilatildeo necessaacuteria para o seu crescimento (luz dioacutexido de carbono e nutrientes

como azoto foacutesforo e potaacutessio) a facilidade com que produzem liacutepidos e carboidratos que

podem posteriormente ser processados em diferentes biocombustiacuteveis e outros copro-

dutos a frequecircncia com que podem ser colhidas ao longo do ano (ao contraacuterio de outras

colheitas convencionais) a baixa percentagem de hemicelulose e a praticamente ausente

lignina facilitam radicalmente o seu preacute-processamento pois a celulose eacute mais facilmente

extraiacuteda As desvantagens desta mateacuteria incluem o enorme investimento inicial para a

construccedilatildeo de infraestruturas para o seu cultivo que pode ser ou ao ar livre (em tanques

de grande dimensatildeo) ou em foto-bioreatores (sistemas fechados altamente controlados)

Prevecirc-se que em 2030 o preccedilo de produccedilatildeo de combustiacutevel a partir de algas seraacute 065 euro

litro de combustiacutevel valor muito proacuteximo do atual preccedilo de produccedilatildeo do litro de gasolina

Comparativamente aos custos de produccedilatildeo de outros biocombustiacuteveis o mais barato con-

tinua a ser o bioetanol produzido a partir de milho (1G) 017 eurolitro seguido de combustiacute-

veis celuloacutesicos (2G) a 032 eurolitro

Eacute evidente que seratildeo necessaacuterios esforccedilos poliacuteticos e cientiacuteficos investimento e regu-

lamentaccedilatildeo adequados para encontrar o caminho ideal para travar o aquecimento global

Em todas as geraccedilotildees de biocombustiacuteveis apresentadas existem fatores que afunilam as

potencialidades destas alternativas indicando que a soluccedilatildeo passa por criar um consoacutercio

entre as vaacuterias possibilidades de forma a tirar o maacuteximo partido sem danificar o planeta ou

piorar a crise da fome O proacuteximo passo passa por substituir os biocombustiacuteveis de 1G por

soluccedilotildees com maior escalabilidade Acreditamos que nas proacuteximas deacutecadas seratildeo cruciais

e depositamos esperanccedila na investigaccedilatildeo cientiacutefica

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018043

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Stephen Hawking e a sua contribuiccedilatildeo para a fiacutesica teoacutericaOrfeu Bertolami

Claacuteudio GomesDepartamento de Fiacutesica e Astronomia CFP Universidade do Porto

A 14 de marccedilo de 2018 o fiacutesico britacircnico Stephen Hawking faleceu aos 76 anos deixando

todavia um importante legado para a fiacutesica teoacuterica muito particularmente para o

entendimento das deficiecircncias intriacutensecas da Relatividade Geral de Einstein para a fiacutesica

dos buracos negros e para a cosmologia a ciecircncia do Universo como um todo

Stephen Hawking doutorou-se em Fiacutesica Teoacuterica em 1966 pela Universidade de Cambridge

sob a supervisatildeo de Dennis Sciama Apesar da sua condiccedilatildeo fiacutesica progressivamente limi-

tativa manteve-se extremamente ativo na investigaccedilatildeo nas aacutereas de cosmologia fiacutesica dos

buracos negros e gravitaccedilatildeo quacircntica

Nessa altura havia uma consideraacutevel discussatildeo acerca da realidade e ubiquidade de sin-

gularidades pontos no espaccedilo-tempo onde a Teoria da Relatividade Geral deixa de fazer sen-

tido e natildeo desaparecendo atraveacutes de mudanccedila de sistemas de coordenadas que descrevem

o espaccedilo-tempo Na segunda metade da deacutecada de 1960 Hawking e o matemaacutetico inglecircs

Roger Penrose demonstraram que essas singularidades eram inevitaacuteveis no contexto da

Teoria da Relatividade Geral (ver para uma descriccedilatildeo exaustiva o livro Large Scale Structure

of Space-Time escrito em colaboraccedilatildeo com o fiacutesico sul-africano George Ellis publicado em

1973) Uma dessas singularidades corresponde ao iniacutecio do Universo ndash Big Bang ndash e outras

estatildeo presentes no interior dos buracos negros natildeo acessiacuteveis agrave observaccedilatildeo devido agrave pre-

senccedila de um horizonte de acontecimentos que segundo a Conjetura da Censura Coacutesmica de

Roger Penrose protegem sempre as singularidades de se apresentarem ldquonuasrdquo

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Subsequentemente em 1975 ele desenvolveu a ideia que os buracos negros deveriam

radiar termicamente a uma temperatura especiacutefica inversamente proporcional agraves suas

massas temperatura esta que hoje designamos por temperatura de Hawking Esta ideia daacute

origem ao paradoxo da informaccedilatildeo em que a informaccedilatildeo que entrava no horizonte de evento

se perdia Com este contributo passou-se a ter uma equivalecircncia entre a dinacircmica e a termo-

dinacircmica de buracos negros

FIGURA 1 Emissatildeo da radiaccedilatildeo teacutermica de Hawking por um buraco negro

No princiacutepio da deacutecada de 1980 Hawking iniciou em colaboraccedilatildeo com o fiacutesico norte-ameri-

cano James Hartle o programa de investigaccedilatildeo que hoje designamos por cosmologia quacircntica

Na cosmologia quacircntica o espaccedilo-tempo eacute descrito por uma funccedilatildeo de onda a funccedilatildeo de onda

do Universo como na Mecacircnica Quacircntica Esta equaccedilatildeo de onda satisfaz uma equaccedilatildeo anaacuteloga

agrave de Schroumldinger da Mecacircnica Quacircntica a equaccedilatildeo de Wheeler-DeWitt A proposta de Hartle

e Hawking eacute que a funccedilatildeo de onda descreva um espaccedilo-tempo sem fronteiras (No-Boundary

proposal) A ideia eacute que agrave medida que retrocedemos no tempo chegamos a um ponto em que

o Universo eacute pequeno o suficiente para que efeitos quacircnticos sejam dominantes Nesta altura

existe uma espeacutecie de ldquoespumardquo do espaccedilo-tempo de tal modo que o tempo natildeo pode ser in-

terpretado do modo como o vemos hoje mas sim como uma quarta dimensatildeo espacial Uma

analogia uacutetil eacute a seguinte se viajarmos para o Polo Sul temos de seguir sempre para sul mas

quando alcanccedilamos o ponto do Polo Sul jaacute natildeo faz sentido falarmos na direccedilatildeo sul pelo mesmo

raciociacutenio ao retrocedermos no tempo haacute um pontoinstante em que natildeo faz sentido falar-se em

tempo Matematicamente isto torna-se possiacutevel passando de um espaccedilo-tempo de Minkowski

como na Relatividade Restrita para um espaccedilo Euclideano a quatro dimensotildees no qual o tempo

passa a ser um nuacutemero puramente complexo Com esta formulaccedilatildeo o Universo natildeo tem uma

fronteira aleacutem daquela que permite a transiccedilatildeo entre as duas descriccedilotildees para o espaccedilo-tempo

e que eacute exemplificado na FIGURA 2 Esta geometria eacute designada por shuttlecock ou volantepena

de badminton devido agrave semelhanccedila com este objeto

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FIGURA 2 Representaccedilatildeo tridimensional do modelo de Hartle-Hawking (no boundary proposal) A base corresponde a uma semiesfera a 4 dimensotildees e a estrutura que apresenta o tempo como uma direccedilatildeo distinta das espaciais corresponte a um Universo em expansatildeo

Hawking tambeacutem estudou outros problemas como o das maacutequinas do tempo e questotildees

relacionadas com a cosmologia e a formaccedilatildeo de estruturas no Universo Com o seu carate-

riacutestico humor Hawking afirmou natildeo ser possiacutevel viajar no tempo Para tal sugeriu organizar

uma festa convidando pessoas do futuro a se juntarem a ele e dado que ningueacutem apa-

receu concluiu entatildeo que viagens no tempo natildeo satildeo possiacuteveis na realidade Outra prova

prende-se com o facto de natildeo termos recebido ainda turistas do futuro numa clara alusatildeo

iroacutenica agrave procura turiacutestica desenfreada que assistimos nos dias de hoje

Mais recentemente ele pronunciou-se sobre questotildees de interesse geral como as im-

plicaccedilotildees do desenvolvimento da inteligecircncia artificial e a necessidade e inevitabilidade

da exploraccedilatildeo espacial Mostrou-se reticente acerca dos desenvolvimentos no domiacutenio da

inteligecircncia artificial classificando-o como possivelmente perigoso para a nossa civiliza-

ccedilatildeo pois apesar dos potenciais benefiacutecios comportam seacuterios riscos agrave continuidade da hu-

manidade Relativamente agrave exploraccedilatildeo espacial Hawking encarava as viagens espaciais

quer pelo seu interesse cientiacutefico quer como forma de preservar a humanidade de riscos

de destruiccedilatildeo devido a guerras nucleares ou epidemias devido a viacuterus geneticamente mo-

dificados

O fiacutesico Stephen Hawking legou-nos uma extraordinaacuteria contribuiccedilatildeo cientiacutefica e huma-

na Deixou um extraordinaacuterio exemplo de resiliecircncia dedicaccedilatildeo ao conhecimento e agrave socie-

dade Fisicamente debilitado e ldquopresordquo a uma condiccedilatildeo rara a esclerose lateral amiotroacutefica

que lhe foi diagnosticada aos 21 anos a sua mente foi das mais livres dos nossos tempos

concebeu hipoacuteteses conjunturas e teorias pensou a sociedade de hoje e a do futuro

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RochaO que eacute importante dizer sobre as rochas

A M Galopim de Carvalho Universidade de Lisboa

Rochas e pedras satildeo a mesma coisa Praticamente a resposta eacute sim Pedra eacute aquilo

que se apanha do chatildeo para dar uma pedrada

Qualquer pessoa mesmo a menos letrada diraacute que as pedras

bull natildeo satildeo fabricadas ou feitas por gente (a ciecircncia diz que satildeo entidades naturais)

bull que natildeo se amolgam (a ciecircncia diz que satildeo riacutegidas)

bull que geralmente natildeo se esboroam nem se esfarela (a ciecircncia diz que satildeo coesas)

bull que fazem mossa onde quer que batam (a ciecircncia diz que satildeo duras) Para o cidadatildeo

comum pedra (do grego peacutetra) eacute pois uma entidade natural riacutegida coesa e dura que se

apanha do chatildeo

Apanhamos uma pedra do chatildeo mas quando estudamos falamos quase sempre de ro-

chas Num modo de falar corrente podemos dizer que as pedras satildeo bocados de rocha

Todos falamos de rocha como sinoacutenimo de pedra com base num conhecimento comum

empiacuterico vulgar ligado agrave experiecircncia quotidiana mesmo do mais iletrado dos cidadatildeos Dize-

mos rochedo quando o afloramento de rocha eacute grande e apelidamos de rochoso um terreno

com a rocha agrave vista Rocha eacute um galicismo que entre noacutes se sobrepocircs ao termo ldquorocardquo bem

mais antigo talvez preacute-romano Cabo da Roca ou ldquoFocinho da Rocardquo no dizer dos homens do

mar deve o seu nome a esta versatildeo arcaica da palavra rocha

O conceito atual de rocha e os vaacuterios conhecimentos com elas relacionados percorreram

uma caminhada tatildeo longa quanto a do Homo sapiens caminhada de que temos testemunhos

na Preacute-histoacuteria e variadiacutessimos relatos escritos desde a Antiguidade

Na sua giacuteria proacutepria entendiacutevel entre pares os profissionais falam de rochas dizendo que

satildeo sistemas quiacutemicos mono ou polifaacutesicos (ou seja com um ou mais minerais) resultantes

do equiliacutebrio termodinacircmico atingido pelos seus constituintes em determinados ambientes

Entendendo-se por constituintes os elementos quiacutemicos incluiacutedos nos respetivos minerais

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Por outras palavras acessiacuteveis ao comum das gentes pode entatildeo dizer-se que as rochas

satildeo corpos naturais formados por associaccedilotildees mais ou menos estaacuteveis de minerais compatiacute-

veis entre si e com o ambiente onde foram gerados e que satildeo elas as rochas que constituem

a capa riacutegida da Terra que por essa razatildeo recebeu o nome de litosfera (FIGURA 1)

FIGURA 1 Modelado Graniacutetico na Serra da Estrela (fonte banco de imagens da Casa das Ciecircncias)

Antes de prosseguir esclareccedila-se que no jargatildeo proacuteprio da mineralogia e da geoquiacutemica

os minerais satildeo considerados fases no sentido fiacutesico-quiacutemico da palavra Com efeito neste

sentido uma fase eacute uma porccedilatildeo de mateacuteria quiacutemica e estruturalmente homogeacutenea e uma

qualquer espeacutecie mineral eacute isso mesmo

Por convenccedilatildeo na sistemaacutetica em sedimentologia entre as rochas sedimentares cabem

certos materiais natildeo consolidados como os barros as areias soltas as cascalheiras e ainda

outros de natureza natildeo mineral como os carvotildees foacutesseis e o petroacuteleo (oacuteleo de pedra) Cha-

mar rochas ou pedras a estes materiais agraves vezes tatildeo afastados da imagem vulgar de ldquocoisa

dura riacutegida e coesardquo decorre do conceito geoloacutegico de rocha no qual se inclui o modo de

ocorrecircncia e o respetivo processo de formaccedilatildeo (petrogeacutenese)

A mecacircnica das rochas (disciplina que estuda certas propriedades das rochas como resis-

tecircncia ao esmagamento agrave traccedilatildeo agrave torccedilatildeo agrave flexatildeo porosidade permeabilidade e outras)

define-as como entidades sempre riacutegidas e coesas e duras como tambeacutem se diz vulgarmen-

te com capacidade de suportar cargas e que na eventualidade de terem de ser escavadas ou

removidas haacute que usar tecnologias com explosivos Este conceito corresponde aliaacutes agrave ideia

mais divulgada de rocha como atraacutes se referiu Eacute o bedrock dos autores ingleses

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FIGURA 2 Processo de meteorizaccedilatildeo fiacutesica essencialmente por corrosatildeo eoacutelica em rochas sedimentares (arenitos) (fonte banco de imagens da Casa das Ciecircncias)

Aleacutem das muitas que conhecemos na Terra jaacute estudaacutemos rochas do nosso sateacutelite natural

nomeadamente basaltos e anortositos trazidos da sua superfiacutecie Mercuacuterio Veacutenus e Marte satildeo

tambeacutem planetas rochosos e igualmente rochosos ou pedregosos satildeo ainda os nuacutecleos dos co-

metas e muitos dos asteroides de que temos conhecimento pelos meteoritos caiacutedos na Terra

Quando se apelidam as rochas de magmaacuteticas sedimentares (FIGURA 2) ou metamoacuterficas

natildeo se estaacute apenas a rotulaacute-las para efeitos de arrumo ou arquivo muito menos se estatildeo a

criar novos vocaacutebulos para sobrecarga dos estudantes ou do cidadatildeo em geral Estes adjeti-

vos acrescentados agrave palavra rocha informam de imediato sobre a sua origem

bull magmaacutetica ou sedimentar qualquer delas em resultado de processos naturais faacuteceis de

entender

bull metamoacuterfica em consequecircncia de um outro processo muito menos ao alcance da vivecircncia

do vulgo mas que se explica sem grandes dificuldades

Apelidam-se de metamoacuterficas as rochas que posteriormente a uma primeira formaccedilatildeo

como magmaacuteticas ou sedimentares foram submetidas a pressotildees eou a temperaturas no

interior da crosta que lhes modificaram a composiccedilatildeo eou a textura

Foi atraveacutes do estudo das rochas que desvendaacutemos o essencial dos acontecimentos geo-

loacutegicos que marcaram a histoacuteria deste laquoPlaneta Azulraquo no qual a vida encontrou condiccedilotildees

para despertar e onde evoluiu ao ponto de se interrogar sobre essa mesma histoacuteria

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Os conhecimentos diretos de que hoje dispomos relativos agraves rochas da Terra limitam-se

aos que se obtecircm pelo estudo das que afloram agrave superfiacutecie das recolhidas em dragagens

nos fundos marinhos e das retiradas da profundidade quer em minas quer atraveacutes de son-

dagens Esta profundidade que natildeo excede 3 km no primeiro caso e 11 km no segundo

(na peniacutensula de Kola) pode considerar-se insuficiente se comparada com as trecircs a quatro

dezenas de quiloacutemetros de espessura meacutedia da crosta continental

Eacute jaacute muito o conhecimento que temos desta capa (a crosta ou crusta como alguns dizem e

escrevem) mais superficial do nosso planeta Temo-lo atraveacutes das rochas que constantemente

vemos e pisamos muitas delas geradas em zonas profundas trazidas agrave superfiacutecie pelos en-

rugamentos de origem tectoacutenica geradores das montanhas e subsequentemente postas a

descoberto pela erosatildeo

Outras rochas proacuteprias de muito maiores profundidades inclusive do manto inferior como eacute

o caso dos xenocristais e dos xenoacutelitos (do grego xenos estranho e lithos pedra) isto eacute cris-

tais e fragmentos de materiais liacuteticos gerados nessas regiotildees e que ascendem agrave superfiacutecie na

sequecircncia de atividade vulcacircnica englobados ou encravados nos produtos magmaacuteticos que ali

se formaram ou por ali passaram Na ilha da Madeira por exemplo satildeo frequentes os xenoacutelitos

oliviacutenicos que ascenderam ateacute agrave superfiacutecie no seio das lavas envolvidas no processo vulcacircnico

que originou esta e muitas outras ilhas

As rochas a que temos acesso mais ou menos direto representam uma parcela importante

da diferenciaccedilatildeo da Terra e agrave semelhanccedila da aacutegua do ar e dos seres vivos satildeo o resultado de

imensas transformaccedilotildees numa vasta e complexa rede de inter-relaccedilotildees ocorridas ao longo

dos tempos neste laquoplaneta vivoraquo pleno ainda de energia interna (sob a forma de calor) a que

se adiciona toda a que lhe chega do exterior isto eacute a radiaccedilatildeo solar Como escreveu Maurice

Mattauer ldquoas pedras nascem vivem e morrem como noacutes elas tecircm uma idade e uma histoacuteriardquo

Petrologia e litologia satildeo duas disciplinas que estudam as rochas ou as pedras Se bem que

os eacutetimos petra (latim) e lithos (grego) sejam sinoacutenimos petrologia e litologia encerram con-

ceitos diferentes ainda que relacionados entre si

bull A petrologia eacute um ramo da geologia com dimensatildeo de ciecircncia de vastos recursos nos campos

da fiacutesica da quiacutemica e naturalmente tambeacutem da matemaacutetica em busca do conhecimento da

origem natureza constituiccedilatildeo e evoluccedilatildeo da Terra no acircmbito do Sistema Solar e do Universo

bull A litologia outro ramo da geologia eacute habitualmente entendida como a disciplina que estuda

as rochas num campo praacutetico Serve a geologia de engenharia tendo em vista a implantaccedilatildeo

de grandes edifiacutecios e outras obras volumosas cujas fundaccedilotildees exigem o conhecimento dos

terrenos A litologia daacute igualmente respostas agrave pedologia (o estudo dos solos) e agrave induacutestria

extrativa de rochas ornamentais usadas na arquitetura na cantaria ou na estatuaacuteria e de

rochas industriais exploradas como importantes mateacuterias-primas para a construccedilatildeo civil a

ceracircmica o vidro o cimento a cal e a induacutestria quiacutemica

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Software educativo em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Ana C Conceiccedilatildeo

DMUniversidade do Algarve

O conceito F-Tool foi desenvolvido em 2012 com o objetivo de proporcionar uma

aprendizagem interativa em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Em particular eacute possiacutevel

explorar de forma integrada as noccedilotildees de domiacutenio contradomiacutenio existecircncia de zeros

existecircncia de extremos e de pontos de inflexatildeo invertibilidade derivabilidade reta

tangente ao graacutefico num ponto simetrias em relaccedilatildeo aos eixos e agrave origem A utilizaccedilatildeo

dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adaptaccedilatildeo de

alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e

do simples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular)

No ensino da matemaacutetica e em particular no estudo de funccedilotildees a recomendaccedilatildeo da utiliza-

ccedilatildeo de software educacional tem como objetivo o sanar das dificuldades que os alunos pos-

suem em associar as representaccedilotildees algeacutebricas com as diversas representaccedilotildees numeacutericas

eou graacuteficas De facto o caraacuteter estaacutetico das representaccedilotildees matemaacuteticas muitas vezes

dificulta a construccedilatildeo do significado afetando substancialmente a correta interpretaccedilatildeo dos

conceitos A criaccedilatildeo de modelos interativos visuais com o sistema de aacutelgebra computacional

Mathematica permite aos alunos explorar conceitos de elevada complexidade e rapidamen-

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te adquirir uma compreensatildeo mais profunda dos conteuacutedos Obviamente a utilizaccedilatildeo de sof-

tware educacional natildeo deve ser vista como um substituto para o ensino com ldquopapel e laacutepisrdquo

deve ser devidamente combinada com outros meacutetodos de ensino

O conceito F-Tool foi desenvolvido em 2012 com o objetivo de proporcionar uma apren-

dizagem interativa em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Os aplicativos computacionais

implementados com base neste conceito utilizam as capacidades de caacutelculo numeacuterico e

simboacutelico do Mathematica de forma a permitir estudar dinacircmica e interativamente e em

tempo real conceitos e propriedades fundamentais do preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial

FIGURA 1 Imagem ilustrativa da F-Exponential

O conceito F-Tool em sala de aula permite uma abordagem dinacircmica de diversos concei-

tos relacionados com o estudo de funccedilotildees e promove novas formas de raciocinarpensar

avaliar ensinar e aprender As F-Tool foram concebidas como ferramentas de aprendiza-

gem ativa ou seja a sua utilizaccedilatildeo adequada propicia um contexto de ensino-aprendiza-

gem onde alunos e professores satildeo igualmente convidados a contribuir Aleacutem disso tecircm

uma interface muito intuitiva que permite que ateacute mesmo o utilizador mais inexperiente

sem qualquer conhecimento anterior em software educacional possa comeccedilar a usar to-

dos os recursos de uma forma eficiente e autoacutenoma As F-Tool natildeo satildeo um objeto estaacutetico

mas sim um programa a ser executado com o qual se interage em tempo real Em parti-

cular atraveacutes da alteraccedilatildeo dinacircmica dos valores dos paracircmetros que definem cada classe

eacute possiacutevel obter informaccedilatildeo analiacutetica rigorosa apresentada em aritmeacutetica exata ou apro-

ximada bem como informaccedilatildeo visual estaacutetica e natildeo-estaacutetica De igual modo escolhendo

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estrategicamente de entre as vaacuterias opccedilotildees de funccedilotildees disponiacuteveis no painel esquerdo eacute

possiacutevel apreender de forma mais eficaz e consequente muitas das relaccedilotildees existentes

entre as vaacuterias funccedilotildees e respetivas transformaccedilotildees (FIGURA 1) As F-Tool utilizam um

coacutedigo de cores para diferenciar as vaacuterias funccedilotildees apresentadas Este coacutedigo eacute explicitado

na legenda do canto inferior esquerdo do painel central

Qual das figuras pode representar o graacutefico de uma funccedilatildeo e o graacutefico da sua derivada de 1ordf ordem

FIGURA 2 Exemplo de questatildeo de escolha muacuteltipla utilizando diversas opccedilotildees do painel esquerdo das F-Tool

Apesar de ser um software educacional dinacircmico e interativo pode tambeacutem ser utilizado

na construccedilatildeo de questotildees de avaliaccedilatildeo de escolha muacuteltipla (FIGURA 2) e de resposta aberta

ficando o docente automaticamente com a resposta ao selecionar no painel esquerdo as

opccedilotildees relacionadas com a questatildeo

A utilizaccedilatildeo dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adapta-

ccedilatildeo de alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e do sim-

ples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular) De facto

incluindo as F-Tool em ficheiros no Computable Document Format (CDF) eacute possiacutevel criar

fichas de trabalho dinacircmicas e interativas motivando os alunos e tornando o estudo mais

interessante

Acreditamos que o conceito F-Tool ao dotar professores e estudantes com novas fer-

ramentas para explorar alguns conceitos fundamentais da matemaacutetica desenvolveraacute po-

sitivamente o processo de ensino e de aprendizagem das aacutereas de preacute-caacutelculo e caacutelculo

diferencial

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O Aroma das Plantas Luiacutes Gaspar Pedro

Ana Cristina Figueiredo

Joseacute Gonccedilalves Barroso

CESAM CBV Universidade de Lisboa

Quando nos festejos dos Santos Populares colocamos a matildeo sobre o manjerico

provocamos a rutura de estruturas microscoacutepicas Ao fazecirc-lo libertam-se compostos

quiacutemicos que aderem agrave palma da nossa matildeo que depois percecionamos pelo nosso

olfacto Os aromas satildeo misturas complexas de dezenas de compostos volaacuteteis

carateriacutesticos de uma determinada planta

O aroma o que eacute

O aroma de muitas plantas eacute constituiacutedo por diversos compostos quiacutemicos volaacuteteis que

tecircm a capacidade de estimular os nossos recetores olfactivos A quantidade e a diver-

sidade deste tipo de compostos presentes nas plantas satildeo responsaacuteveis pelos aromas

carateriacutesticos Eacute relativamente faacutecil reconhecer o aroma dos coentros ou do manjerico e

distingui-los de outros aromas como o da rosa ou do cravinho

Na composiccedilatildeo da fraccedilatildeo volaacutetil de uma planta aromaacutetica encontram-se regra geral

compostos como os mono- e sesquiterpenos e os fenilpropanoacuteides (FIGURA 1) entre ou-

tros Satildeo todos eles compostos quiacutemicos com ponto de ebuliccedilatildeo relativamente baixo que

volatilizam agrave temperatura ambiente e contribuem de forma mais ou menos notoacuteria para o

aroma carateriacutestico de cada espeacutecie

FIGURA 1 Exemplos de compostos que constituem a fraccedilatildeo volaacutetil de diversas espeacutecies aromaacuteticas monoterpenos (α-pineno timol) sesquiterpenos (β-cariofileno germacreno D) e fenilpropanoacuteides (eugenol)

α-Pineno Timol β-Cariofileno Germacreno D Eugenol

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Estruturas secretoras

Os compostos que constituem a fraccedilatildeo aromaacutetica de uma planta satildeo regra geral sinteti-

zados e acumulados em estruturas secretoras microscoacutepicas Entre os diversos tipos de

estruturas secretoras as mais frequentes satildeo os tricomas os canais e as bolsas (FIGURA 2)

FIGURA 2 Exemplos de estruturas secretoras observadas em microscopia oacuteptica A - Tricoma de Geranium robertianum (s - secretado acumulado no espaccedilo sub-cuticular coloraccedilatildeo com reagente de Nadi) B - canal secretor de Crithmum maritimum (setas coloraccedilatildeo com tricloreto de antimoacutenio) e C - bolsa secretora de Citrus sp (coloraccedilatildeo com Vermelho Sudatildeo III)

Os tricomas glandulares satildeo estruturas externas com origem em ceacutelulas epideacutermicas

que apresentam diversos graus de complexidade desde tricomas com apenas trecircs ceacutelulas

uma das quais a secretora ateacute tricomas com mais de uma dezena de ceacutelulas secretoras

As bolsas e os canais secretores satildeo estruturas internas constituiacutedas por ceacutelulas glandu-

lares que delimitam o luacutemen o espaccedilo para onde satildeo secretados os compostos depois de

produzidos nas ceacutelulas secretoras Os canais satildeo estruturas alongadas que percorrem o

corpo da planta por vezes com ramificaccedilotildees enquanto as bolsas satildeo estruturas mais ou

menos isodiameacutetricas

Os oacuteleos essenciais

Um oacuteleo essencial eacute obtido por hidrodestilaccedilatildeo ou por destilaccedilatildeo por arrastamento de va-

por (FIGURA 3) No caso particular dos citrinos o oacuteleo essencial pode ainda ser obtido

por expressatildeo (processo mecacircnico que promove a libertaccedilatildeo do secretado acumulado no

interior das estruturas secretoras neste caso bolsas)

Tanto na hidrodestilaccedilatildeo como na destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor o secretado eacute

removido das estruturas secretoras e arrastado pelo vapor de aacutegua Depois de condensar

por arrefecimento o oacuteleo essencial separa-se da aacutegua podendo ser facilmente recolhido

devido agrave sua imiscibilidade com a aacutegua

A B CS

NO

TIacuteC

IAS

ED

UC

AT

IVA

S

41FIGURA 3 A - Sistema de hidrodestilaccedilatildeo com aparelho de Clevenger e B - sistema de destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor

Anaacutelise de oacuteleos essenciais

Para analisar um oacuteleo essencial recorre-se frequentemente agrave cromatografia gasosa (CG)

para quantificaccedilatildeo dos componentes e agrave CG acoplada agrave espectrometria de massa (CG-

-EM) para a correspondente identificaccedilatildeo dos constituintes Por CG-EM os diversos com-

ponentes que constituem o oacuteleo essencial satildeo separados uns dos outros e ao chegarem ao

espectroacutemetro de massa satildeo bombardeados por eletrotildees o que leva a que as moleacuteculas

fragmentem formando-se diferentes iotildees de acordo com padrotildees preferenciais O con-

junto dos fragmentosiotildees constituem o espectro de massa que eacute carateriacutestico de cada

moleacutecula A integraccedilatildeo das aacutereas dos picos que surgem no cromatograma obtido por CG

(FIGURA 4A) permite a quantificaccedilatildeo relativa dos diversos componentes do oacuteleo essencial

A anaacutelise por CG-EM possibilita a identificaccedilatildeo desses compostos por comparaccedilatildeo dos

espectros de massa (FIGURA 4B) e dos iacutendices de retenccedilatildeo com os de amostras padratildeo

FIGURA 4 A - Aspeto parcial de um cromatograma obtido por CG carateriacutestico de um oacuteleo essencial com alguns dos ldquopicosrdquo identificados B - espectro de massa obtido por CG-EM de um dos componentes maioritaacuterios o timol

A B

A B

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Paisagens da Islacircndia Formase Processos (III)Fernando Carlos LopesCITEUC Universidade de Coimbra

A Islacircndia eacute famosa natildeo soacute pelos seus vulcotildees mas tambeacutem pelos seus glaciares e pela

sua sinuosa e escarpada linha de costa

Atualmente os glaciares cobrem cerca de 10 da superfiacutecie islandesa e 60 destas

aacutereas geladas assentam sobre sistemas vulcacircnicos ativos Esta combinaccedilatildeo de gelo e vul-

canismo torna a Islacircndia o local ideal para cheias repentinas (joumlkulhlaups) resultantes de

aacutegua que escorre por baixo dos glaciares devido agrave fusatildeo provocada pelas erupccedilotildees subgla-

ciares Atualmente existem 4 grandes calotes glaciares localizadas nas regiotildees elevadas

e vulcanicamente ativas do centro e sul da ilha a partir das quais divergem numerosas liacuten-

guas glaciarias Vatnajoumlkull (8100 km2) situado no centro leste Langjoumlkull (925 km2) si-

tuado no centro oeste Hofsjoumlkull (925 km2) situado na zona central da ilha Myrdalsjoumlkull

(600 km2) situado no sul da ilha Apesar da Islacircndia ter cerca de 24 Ma a sua paisagem soacute

foi moldada por glaciares nos uacuteltimos 5 milhotildees de anos Os seus glaciares de tipo alpino

(ou de montanha) avanccedilaram e recuaram condicionados pelas variaccedilotildees regionais e locais

do clima de que resultaram espetaculares morfologias Como jaacute se referiu anteriormente

as variaccedilotildees da carga glaciar sobre a litosfera provocadas pelas fases de gelo e degelo

teratildeo desempenhado papel importante na atividade vulcacircnica da ilha

Com um comprimento de cerca de 4970 km a linha de costa da Islacircndia eacute de um modo

geral muito recortada e escarpada marcada por promontoacuterios cabos peniacutensulas fiordes

e enseadas pontilhada de leixotildees por entre os quais se aninham praias de areia negra de

contornos suaves A accedilatildeo do mar sobre as inuacutemeras escoadas de lava que fluiacuteram ateacute agrave

costa ao longo da evoluccedilatildeo geoloacutegica da ilha e ali solidificaram sobre os aparelhos vulcacirc-

nicos implantados na zona litoral e sobre os vales deixados pelo recuo dos glaciares criou

paisagens de uma beleza surreal

FIGURA DA PAacuteGINA ANTERIOR Leixatildeo Hvitserkur noroeste da Islacircndia (fonte pixabay)

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Parte III - Paisagens controladas pelos glaciares e paisagens costeirasVales glaciares e fiordes

Vales glaciares vales suspensos lagos glaciares e cascatas ciacuterculos glaciares moreias

e fiordes satildeo formas carateriacutesticas das paisagens islandesas criadas pelos seus glacia-

res alpinos Os vales glaciares com o seu carateriacutestico perfil em ldquoUrdquo satildeo a forma mais

comum de paisagem originada pela erosatildeo glacial (FIGURA 1) No interior destes vales os

rios concentram o seu poder erosivo na zona mais baixa originando um perfil carateriacutestico

em ldquoVrdquo O poder erosivo dos glaciares eacute muito superior ao dos rios porque a sua energia

potencial resulta natildeo soacute do declive do terreno mas tambeacutem do peso do gelo A erosatildeo faz-

-se essencialmente ao longo das zonas laterais do canal criando um vale com vertentes

alcantiladas e fundo aplanado Vales suspensos satildeo vales escavados por glaciares tributaacute-

rios Como estes glaciares levam menos gelo o seu poder erosivo eacute menor que o do glaciar

principal ficando suspenso nas vertentes do glaciar principal quando o gelo recua Cons-

tituem exemplos notaacuteveis pela sua beleza e dimensatildeo os vales glaciares de Borgarvirki

(FIGURA 2) e de Akureyri (ou Eyjafjoumlrethur) no noroeste da ilha Este uacuteltimo vai desembocar

num fiorde que eacute mais longo da Islacircndia

FIGURA 1 Esquema 3D (sem escala) da evoluccedilatildeo de uma paisagem glaciar com formaccedilatildeo de vales glaciares vales glaciares suspensos ciacuterculos glaciares lagos glaciares e cascatas

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FIGURA 2 Aspeto do vale glaciaacuterio de Borgarvirki observado a partir da fortaleza de Borgarvirki

Se as condiccedilotildees forem favoraacuteveis os glaciares podem erodir abaixo do niacutevel do mar Quan-

do o glaciar recua o oceano invade estas depressotildees criando um fiorde Alguns dos fiordes

islandeses como o de Akureyri e o de Nordfjord (nordeste da ilha) possuem centenas de

metros abaixo do niacutevel do mar O fiorde de Nordfjord abrange parcialmente uma antiga cal-

deira vulcacircnica Nas faleacutesias do seu flanco oriental (falesias de Raudubjoumlrg) afloram rioacutelitos

conferindo agraves arribas uma carateriacutestica cor avermelhada)

Como se referiu anteriormente (Parte I) a orientaccedilatildeo da maioria dos vales glaciares e

fiordes segue de perto a orientaccedilatildeo dos principais lineamentos tectoacutenicos

Moreias

Em termos de aspetos deposicionais relacionados com glaciares as moreias satildeo de lon-

ge os mais abundantes Satildeo acumulaccedilotildees de fragmentos rochosos transportados pelos

glaciares quer na regiatildeo frontal (moreia frontal) lateral (moreia lateral) a meio (moreia

mediana) e no fundo (moreia de fundo)

Durante o uacuteltimo maacuteximo glaciar (haacute cerca de 20 000 anos) a Islacircndia estava quase

toda coberta por glaciares que se estendiam ateacute agrave costa e para aleacutem dela Foram encon-

tradas moreias frontais dessa eacutepoca a cerca de 130 km a offshore da costa ocidental e a

cerca de 150-230 m abaixo do niacutevel de mar atual

Eacute possiacutevel encontrar nos vales glaciares islandeses quer moreias antigas resultantes

da uacuteltima glaciaccedilatildeo quer moreias recentes e atuais Estas uacuteltimas estatildeo relacionadas com

as 4 grandes calotes glaciares existentes como eacute o caso das moreias do glaciar Vatna-

joumlkull que se podem observar em pleno no setor sudeste da ilha

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Lagoas glaciares e icebergues

Outra das paisagens magniacuteficas moldadas pelos glaciares satildeo as lagoas glaciares Estas

lagoas formam-se na extremidade dos glaciares que descem das calotes glaciares Satildeo

alimentadas pelo desgelo natural dos glaciares e nela flutuam pequenos e grandes iceber-

gues que se separam da frente do glaciar (FIGURA 3)

FIGURA 3 Esquema 3D (sem escala) da formaccedilatildeo de icebergues numa lagoa glaciar

O exemplo mais notaacutevel deste tipo de lagoas na Islacircndia eacute a lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten consi-

derada uma das maravilhas naturais do paiacutes Fica situada no sudeste da ilha na extremidade

do glaciar Breiethamerkurjoumlkull uma das liacutengua glaciares da calote de Vatnajoumlkull (FIGURA 4)

FIGURA 4 Icebergues na lagoa glaciar de Joumlkulsaacuterloacuten Ao fundo vecirc-se a frente do glaciar Breiethamerkurjoumlkull As faixas negras nos icebergues satildeo niacuteveis de cinza vulcacircnica

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A lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten eacute o ponto mais baixo da Islacircndia com zonas agrave cota de -200 m Na

baiacutea da lagoa tem-se acesso a uma paisagem de outro mundo com icebergues de dimen-

sotildees variadas que flutuam ateacute ao mar ficando alguns deles encalhados na margem de uma

praia de areia vulcacircnica Alguns icebergues exibem faixas negras correspondentes a niacuteveis

de cinzas vulcacircnicas provenientes de antigas erupccedilotildees (FIGURA 4) Outros exibem duas

tonalidades branco leitoso e azul claro A faixa azul corresponde agrave porccedilatildeo do icebergue

que se tornou recentemente emersa

A lagoa teraacute sido formada em 1934-35 pelo contiacutenuo recuo do glaciar Vatnajoumlkull e teraacute

duplicado de tamanho nos uacuteltimos 15 anos Dada a taxa atual de recuo do glaciar Vatna-

joumlkull um profundo fiorde iraacute desenvolver-se no local onde hoje existe a lagoa

As costas escarpadas

As costas escarpadas e recortadas satildeo sem duacutevida as mais dominantes Ocorrem deste o

oeste ao leste da ilha passando pela regiatildeo norte incisas por numerosos fiordes e peque-

nas enseadas e salpicadas por leixotildees Eacute notaacutevel pela sua forma de dragatildeo e pelas lendas

que o envolvem o leixatildeo de Hvitserkur (IMAGEM DA PAGINA 42) situado na costa leste da

Peniacutensula de Vatnsnes no noroeste da Islacircndia

Os fiordes mais profundos localizam-se na costa norte constituindo bons portos natu-

rais Um destaque especial vai para o fiorde ao longo do qual se estende a cidade de Aku-

reyri (fiorde de Akureyri ou Eyjafjoumlrethur) considerado o mais longo do paiacutes

Praias de areia Negra

As praias de areia negra em geral de reduzida extensatildeo podem ser constituiacutedas por i) de-

poacutesitos resultantes da abrasatildeo das arribas ii) moreias e depoacutesitos fluviais resultantes dos

rios glaciares com contornos suaves e lagoas glaciares protegidas por extensas barras

arenosas iii) depoacutesitos de tefra provenientes de erupccedilotildees freaacuteticas

As do primeiro tipo ocorrem um pouco por toda a linha de costa como resultado da accedilatildeo

do mar sobre as arribas As do segundo tipo ocorrem dominantemente entre Djuacutepivogur a

sudeste e Oumllfusaacute a sudoeste com destaque para a praia de Reynisfjara na costa sul As

da terceira categoria podem ser observadas na ilha de Heimaey arquipeacutelago de Vestman-

naeyja regiatildeo sul da Islacircndia

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018048

IMA

GE

M E

M D

ES

TAQ

UE

48

Eu crio as minhas obras de arte de peque-

nos pedaccedilos de papel com espirais que co-

nectam e ligam os elementos a uma grande

estrutura Na obra de origami acabada a

que chamo Voltinhas estas espirais vivem

e trabalham Forccedilas de tensatildeo e fricccedilatildeo

contrapotildeem-se agrave gravidade e mantecircm a

forma estaacutevel Nas minhas criaccedilotildees procu-

ro estar perto da natureza Quando criamos

ou estudamos modelos de papel na macro

escala podemos entender melhor as for-

mas criadas pela natureza na micro escala

A minha obra de origami na capa o trabalho

intitulado ldquoInverno num parque de Lisboardquo e

o capsiacutedeo do viacuterus Canine parvovirus um viacute-

rus contagioso que ataca sobretudo os catildees

e outros caniacutedeos tecircm a mesma estrutura

geomeacutetrica do pequeno rombicosidodecae-

dro um poliedro com simetria icosaeacutedrica

Essa obra invoca simbolicamente o Ano

da Biologia Matemaacutetica 2018 O origami eacute

uma arte de dobragem do papel com uma

forte componente geomeacutetrica que permite

a construccedilatildeo de formas complexas e tem

atraiacutedo o interesse de matemaacuteticos pelas

suas propriedades geomeacutetricas e algeacutebricas

Krystyna Burczyk

Os viacuterus satildeo responsaacuteveis por inuacutemeras

doenccedilas no homem nos animais e nas plan-

tas e as curas e prevenccedilotildees satildeo ainda mui-

tas vezes problemaacuteticas Desenvolvimen-

tos recentes das aplicaccedilotildees da matemaacutetica

agrave virologia nomeadamente das teorias de

grupos de grafos de tesselaccedilatildeo ou de re-

ticulados mostraram por exemplo que as

restriccedilotildees estruturais agraves formas dos viacuterus

satildeo maiores do que antes se pensava e

permitiram a construccedilatildeo de novos modelos

para o desenvolvimento de terapias anti-

-virais Os capsiacutedeos virais que envolvem

os genomas dos viacuterus por razotildees de eco-

nomia geneacutetica tem muitas vezes uma si-

metria icosaeacutedrica Ora esta simetria natildeo eacute

cristalograacutefica em trecircs dimensotildees ie natildeo

eacute compatiacutevel com reticulados perioacutedicos

o que motivou os matemaacuteticos a desen-

volverem novas estruturas no contexto de

grupos de Coxeter natildeo-cristalograacuteficos que

encontraram aplicaccedilatildeo natildeo soacute na virologia

mas tambeacutem noutras estruturas molecula-

res da quiacutemica do carbono

Joseacute Francisco RodriguesUniversidade de Lisboa

Origami e Viacuterusin imagemcasadascienciasorg

Imagem de Canine Parvovirus gerada em VMD Autor Alexandre Lopes Magalhatildees

Page 14: JUNHO 2018 V6 /02 · 2018-09-26 · Matilde Viegas, Maria João Ramos, Pedro Alexandrino Fernandes Stephen Hawking e a sua contribuição para a física teórica Orfeu Bertolami,

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12

A energia dos niacuteveis de um oscilador anarmoacutenico eacute dada por

2v )frac12v()frac12v( +-+= exhhE νν

onde xe eacute a constante de anarmonicidade especiacutefica de cada oscilador

Um efeito imediato da anarmonicidade eacute a diminuiccedilatildeo progressiva do espaccedilamento ener-

geacutetico entre os niacuteveis (tal como se observa na FIGURA 3)

ΔEv0rarr1 = hν(1 ndash 2 x) ΔEv1rarr2

= hν(1 ndash 4 x) ΔEv2rarr3 = hν(1 ndash 6 x)

Proacuteximo da energia de dissociaccedilatildeo o espaccedilamento tende para zero o que permite estimar

a energia de uma ligaccedilatildeo a partir da sua frequecircncia de vibraccedilatildeo e da correspondente anar-

monicidade

exhD 4e ν=

A regra de seleccedilatildeo para o oscilador anarmoacutenico eacute Δv = 1 2 3 hellip sendo possiacutevel observar

diversas transiccedilotildees Enquanto a transiccedilatildeo do niacutevel v=0 para v=1 eacute designada por transiccedilatildeo

fundamental as transiccedilotildees de v=0 para vgt1 satildeo designadas sobretons

Quando a populaccedilatildeo dos niacuteveis excitados eacute significativa eacute possiacutevel observar as transiccedilotildees

v=1 para v=2 v=2 para v=3 etc Estas transiccedilotildees aumentam de intensidade por aumento

da temperatura (ver distribuiccedilatildeo de populaccedilatildeo de Boltzmann) pelo que as correspondentes

bandas do espectro vibracional satildeo designadas por ldquobandas quentesrdquo

Esta anaacutelise do espectro vibracional de sistemas diatoacutemicos pode estender-se a sistemas

poliatoacutemicos Em sistemas poliatoacutemicos observam-se vaacuterios movimentos de ldquoelongaccedilatildeo li-

nearrdquo (tantos quantos as ligaccedilotildees entre 2 aacutetomos) de ldquodeformaccedilatildeo angularrdquo (envolvendo 3

aacutetomos ligados) de ldquotorccedilatildeordquo e de ldquodeformaccedilatildeo para fora do planordquo (envolvendo 4 aacutetomos

ligados) Estes movimentos combinam-se nas 3N-6 vibraccedilotildees globais da moleacutecula desig-

nados por modos normais de vibraccedilatildeo Em alguns casos os modos normais de vibraccedilatildeo es-

tatildeo altamente localizados num grupo definido de aacutetomos ndash por exemplo o grupo carbonilo

(C=O) ndash e originam bandas no espectro vibracional que satildeo carateriacutesticas desse grupo de

aacutetomos e mais ou menos independentes do resto da moleacutecula Estas vibraccedilotildees satildeo desig-

nadas por frequecircncias de grupo muito utilizadas em caraterizaccedilatildeo quiacutemica Estes toacutepicos

seratildeo desenvolvidos num texto proacuteprio

Transiccedilotildees roto-vibracionais numa abordagem breve

Tal como referido acima eacute possiacutevel observar transiccedilotildees vibracionais (Δv = 1 2 3 hellip) acom-

panhadas de transiccedilotildees rotacionais (ΔJ= 1) Considerando estes graus de liberdade como

independentes entre si a energia dos niacuteveis num oscilador diatoacutemico eacute dada simplesmente

pela soma da equaccedilatildeo (3) com a equaccedilatildeo do rotor diatoacutemico

(3)

(4)

(5)

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222J v )1()frac12v()1()frac12v( +++-+++= JDxhJBhE eνν J J ][

Ignorando os termos anarmoacutenico e de distorccedilatildeo centriacutefuga ndash indicados entre parecircntese

rectos ndash a energia da transiccedilatildeo vibracional fundamental num oscilador diatoacutemico eacute dada por

ΔEv=0rarrv=1 = hν + B[J(J+1)minusJrsquo(Jrsquo+1)]

onde J eacute o nuacutemero quacircntico rotacional do estado inicial v=1 e Jrsquo eacute o nuacutemero quacircntico

rotacional do estado final v = 1

A FIGURA 4 ilustra as transiccedilotildees que correspondem a Jrsquo=J-1 Jrsquo=J e Jrsquo=J+1 e a FIGURA 5

apresenta o espectro observado para o oscilador diatoacutemico real HCl No espectro real o efeito

da anarmonicidade do oscilador no valor de B eacute evidente

FIGURA 4 Esquema simplificado das transiccedilotildees roto-vibracionais numa moleacutecula diatoacutemica Os niacuteveis natildeo estatildeo agrave escala As transiccedilotildees com Jrsquo=J-1 (a verde) originam as bandas do Ramo P e as transiccedilotildees com Jrsquo=J+1 (a azul) originam o Ramo R As transiccedilotildees com Jrsquo=J (a amarelo) originam o Ramo Q mas natildeo satildeo permitidas em moleacuteculas diatoacutemicas

FIGURA 5 Espectro roto-vibracional da moleacutecula diatoacutemica HCl com a indicaccedilatildeo da posiccedilatildeo do Ramo Q (transiccedilotildees natildeo permitidas por regra de seleccedilatildeo) Notar que todos os sinais aparecem desdobrados em dois uma amostra real de HCl conteacutem as formas isotoacutepicas H35Cl e H37Cl a que correspondem diferentes valores de B Notar tambeacutem que o espaccedilamento entre bandas no ramo P eacute maior que no ramo R no estado fundamental v=0 a distacircncia interatoacutemica meacutedia eacute menor do que para v=1 pelo que B gt Brsquo Notar que a transiccedilatildeo Jrsquo=J eacute proibida pelo que natildeo aparece a banda Q

(6)

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O crescimento exponencial de populaccedilotildees Euler ou Malthus Suzana NaacutepolesUniversidade de Lisboa

Em 1798 no livro An Essay on the Principle of Population que teve seis ediccedilotildees Thomas

Malthus (1766-1864) um cleacuterigo e erudito inglecircs influente nos campos da economia po-

liacutetica e da demografia escreveu

ldquoA populaccedilatildeo quando natildeo controlada aumenta em progressatildeo geomeacutetrica A subsistecircncia

aumenta apenas em progressatildeo aritmeacutetica Um pequeno conhecimento dos nuacutemeros mostra-

raacute a imensidatildeo do primeiro poder em comparaccedilatildeo com o segundoldquo

Malthus natildeo tentou traduzir matematicamente o seu modelo de crescimento Limitou-se a

caraterizaacute-lo pressupondo que a taxa segundo a qual a populaccedilatildeo cresce num determinado

instante eacute proporcional agrave populaccedilatildeo total nesse mesmo instante

Numa revisatildeo da primeira ediccedilatildeo discutiu em detalhe os obstaacuteculos para o crescimento

da populaccedilatildeo em vaacuterios paiacuteses nomeadamente atraso no casamento aborto infanticiacutedio

fome guerra epidemias e fatores econoacutemicos Para ele o casamento retardado era a melhor

opccedilatildeo para estabilizar a populaccedilatildeo

Para caraterizar matematicamente este modelo considerando o crescimento em anos

consecutivos e supondo uma taxa de crescimento r em cada ano se num ano n a popula-

ccedilatildeo eacute Pn no ano seguinte a populaccedilatildeo seraacute Pn +1= (1 + r ) Pn pelo que Pn+1= (1 + r ) n P0 e o

crescimento eacute descrito por uma progressatildeo geomeacutetrica de razatildeo 1 + r

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15FIGURA 1 Thomas Malthus

Supondo uma variaccedilatildeo contiacutenua do tempo e designando por P(t) a populaccedilatildeo no instante

t e por r a taxa de crescimento por unidade de tempo a equaccedilatildeo diferencial que traduz o

modelo contiacutenuo preconizado por Malthus eacute Prsquo(t) = r P(t) Entatildeo P(t) = ke r t com k constante

Como P(0) = k e P0 o nuacutemero de indiviacuteduos no ano zero a evoluccedilatildeo da populaccedilatildeo eacute dada

por P(t) = P0 e rt

Acontece que 50 anos antes em Introductio in analysin infinitorum no VI capiacutetulo

ldquoDe quantidades exponenciais e logaritmosrdquo para ilustrar a grande utilidade das ta-

belas de logaritmos para abreviar caacutelculos numeacutericos o matemaacutetico suiacuteccedilo Leonhard

Euler (1707-1783) daacute vaacuterios exemplos que envolvem o crescimento populacional de

que transcrevemos os exemplos II e III

FIGURA 2 Leonhard Euler e o seu Introductio in analysin infinitorum

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Exemplo II

ldquoSe a populaccedilatildeo em certa regiatildeo aumenta anualmente um trigeacutesimo e por outro lado laacute

habitavam no princiacutepio 100000 pessoas pergunta-se qual o nuacutemero de habitantes apoacutes

100 anos

Seja o nuacutemero inicial = n pelo que n = 100000 passado um ano o nuacutemero de habitantes

seraacute = (1+301 )n=30

13 n depois de dois anos = S X3013 2

n ao cabo de trecircs = S X3013 3

n e daqui

depois de 100 anos seraacute = S X3013 100

n = S X3013 100

100000 cujo logaritmo eacute = 100 l 1013 +

l 100000 E l 1013 = l 31 - l 10 = 0014240439 de onde 100 l 10

13 = 14240439 que somando-

-lhe l 100000 = 5 seraacute o logaritmo do nuacutemero de habitantes procurado = 64240439 a que

corresponde o nuacutemero 2654874

Assim ao cabo de 100 anos seraacute mais de vinte e seis vezes maiorrdquo

Este exemplo publicado em 1748 eacute meio seacuteculo antes a concretizaccedilatildeo do ldquoModelo Mal-

thusianordquo para uma populaccedilatildeo de 100000 habitantes e uma taxa de crescimento anual de

130

No exemplo seguinte Euler faz alusatildeo ao capiacutetulo 7 do Livro do Genesis que relata como

um diluacutevio reduziu a populaccedilatildeo da terra a seis seres humanos

Exemplo III

ldquoComo a humanidade se espalhou apoacutes o diluacutevio por obra de seis seres humanos se o nuacute-

mero destes alcanccedilar duzentos anos depois o nuacutemero 1000000 pergunta-se em que parte

deveria crescer anualmente o nuacutemero de humanos

Se aumentar em cada ano x1 duzentos anos depois o nuacutemero de humanos seria =

xx1 200+S X 6 = 1000000 e por tanto x

16

1000000 2001

+ = S Xx

Portanto l x1

2001+ =x l

61000000 =200

1 52218487 = 00261092

e assim =x1+x

10000001061963 e 1000000 = 61963x donde x =16 aproxidamente

Bastaraacute pois que os humanos aumentem por ano a sua deacutecima sexta parte [] Contudo se

o nuacutemero de homens tivesse crescido na mesma proporccedilatildeo durante um intervalo de 400

anos deveria chegar a 1000000 10000006

= 166666666666 cujo sustento a terra inteira

natildeo seria de forma alguma capaz de darrdquo

Euler ao abordar o crescimento das populaccedilotildees tinha uma preocupaccedilatildeo matemaacutetica ndash a

de mostrar a utilidade dos logaritmos ndash que ilustrou com exemplos

Mas a observaccedilatildeo anterior leva a crer que ele considerou o modelo exponencial desade-

quado para o estudo do crescimento populacional

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17

A populaccedilatildeo de Portugal espelha bem a falecircncia deste modelo Segundo dados do Ins-tituto Nacional de Estatiacutestica nos duzentos anos que decorreram entre 1770 e 1970 a

populaccedilatildeo nem chegou a triplicar

TABELA 1 Populaccedilatildeo de Portugal entre 1422 a 1890

Popuccedilatildeo de Portugal (INE Lisboa)

Ano Total Variaccedilatildeo Ano Total Variaccedilatildeo

1422 1 043 274 - 1900 5 423 132 +74

1527 1 262 376 +210 1911 5 960 056 +99

1636 1 100 000 -129 1920 6 032 991 +12

1736 2 143 368 +949 1930 6 825 883 +131

1770 2 850 444 +330 1940 7 722 152 +131

1776 3 352 310 +176 1950 8 441 312 +93

1801 2 931 930 -125 1960 8 851 289 +49

1811 2 876 602 -19 1970 8 568 703 -32

1838 3 200 000 +112 1981 9 852 841 +150

1849 3 411 454 +66 1991 9 862 540 +01

1864 4 188 410 +228 2001 10 356 117 +50

1878 4 550 699 +86 2007 10 617 575 +25

1890 5 049 729 +110

Quanto a Malthus as suas preocupaccedilotildees eram de natureza poliacutetica e legislativa To-

mou como certo um crescimento exponencial da populaccedilatildeo mundial que conduziria a

uma cataacutestrofe por ausecircncia de recursos e para o travar sugeriu o recurso a poliacuteticas

adequadas Ao publicitar o modelo exponencial - que ficou conhecido como Modelo

Malthusiano - ligando-o a problemas legislativos reais abriu caminho para que dife-

rentes matemaacuteticos se dedicassem agrave modelaccedilatildeo do crescimento populacional

Em 1844 o matemaacutetico belga Pierre Verhulst (1804-1849) propocircs no artigo Recherches

matheacutematiques sur la loi drsquoaccroissement de la population um modelo em que considera que

agrave medida que a populaccedilatildeo se aproxima de um valor maacuteximo a taxa de crescimento diminui

ldquoO aumento virtual da populaccedilatildeo eacute portanto limitado pelo tamanho e pela fertilidade do paiacutes

Como resultado a populaccedilatildeo fica cada vez mais proacutexima de um estado estaacutevelrdquo

Designado por P(t) a populaccedilatildeo no instante t por r a taxa de crescimento por unidade

de tempo e por M o nuacutemero maacuteximo de indiviacuteduos que a regiatildeo pode suportar este modelo

exprime-se pela equaccedilatildeo diferencial

( )dt

dP rP MP t

1= -T Y

AR

TIG

O

18

cuja soluccedilatildeo eacute

( )( ) ( )( )

P t

MP eP e

10 10

rt

rt

=+

-

Se P(t) for muito pequeno face a M tem-se que ( )dt

dP rP MP t

1= -T Y cong r P(t) que tem a soluccedilatildeo P(t) cong P(0) e rt

e o crescimento eacute exponencial

FIGURA 4 Pierre Franccedilois Verhulst e o graacutefico da curva logiacutestica

Agrave medida que t cresce a populaccedilatildeo aproxima-se assintoticamente de M A equaccedilatildeo diferen-

cial que carateriza este modelo eacute atualmente designada por equaccedilatildeo logiacutestica e a populaccedilatildeo

maacutexima M por capacidade de carga Com Verhulst relativizou-se ldquoa hipoacutetese da progressatildeo

geomeacutetrica uma vez que ela soacute se pode verificar em circunstacircncias muito especiais por exem-

plo quando um territoacuterio feacutertil de tamanho quase ilimitado passa a ser habitado por pessoas

com uma civilizaccedilatildeo avanccedilada como foi o caso das primeiras coloacutenias americanasrdquo

Essa equaccedilatildeo foi retomada por vaacuterios matemaacuteticos e adaptada a contextos variados

Satildeo de realccedilar os casos em que a capacidade de carga varia como o tempo conduzindo

ao modelo caraterizado pela equaccedilatildeo diferencial

dtdP rP M

P1= -T Y( )t

onde a capacidade de carga M(t) = M(t +T) varia periodicamente com periacuteodo T

AR

TIG

O

19

FIGURA 5 A demografia eacute instrumental para o controlo das populaccedilotildees humanas

Desde o seacuteculo XVIII que o estudo da dinacircmica das populaccedilotildees eacute objeto de modelaccedilatildeo

matemaacutetica Na atualidade existem outros modelos de crescimento hiperboacutelicos expo-

nenciais logiacutesticos ou baseados noutras funccedilotildees Baseada nos modelos populacionais

do matemaacutetico Song Jian a Repuacuteblica Popular da China em 1980 entatildeo a atingir o biliatildeo

de habitantes instaurou uma poliacutetica estrita de filho uacutenico Essa lei foi flexibilizada em

2015 aumentando para dois o nuacutemero maacuteximo de filhos para fazer frente ao envelheci-

mento da populaccedilatildeo e agrave reduccedilatildeo do grupo de trabalhadores na faixa etaacuteria considerada

economicamente ativa

Muitos dos pareceres cientiacuteficos nas mais diversas aacutereas baseiam-se em modelos ma-

temaacuteticos que podem permitir fazer estimativas e previsotildees mas hellip ao olhar para o cres-

cimento populacional ao longo dos tempos verificamos que os modelos matemaacuteticos satildeo

instrumentais na anaacutelise da dinacircmica das populaccedilotildees

AR

TIG

O

20

Artroacutepodes Miguel Santos

Rubim Almeida

Sara C Antunes

DB CIBIO InBIO CIIMAR Universidade do Porto

Artroacutepodes (Arthropoda do grego arthro = articulado + podos = peacutes) satildeo o grupo taxonoacutemi-

co mais diversificado com distribuiccedilatildeo por quase todo o globo e ocupando todos os habitats

Satildeo organismos invertebrados com exosqueleto riacutegido apresentando apecircndices articula-

dos (patas antenas) e de nuacutemero diferenciado de acordo com o subfilo a que pertencem

Os artroacutepodes constituem um dos mais diversos grupos de organismos do planeta com-

preendendo espeacutecies que variam de 0085 mm (Tantalacus dieteri um crustaacuteceo parasita)

ateacute 38 m (envergadura do Caranguejo-aranha-gigante) Os organismos pertencentes a

este grupo encontram-se praticamente em todos os tipos de habitat A razatildeo do sucesso

evolutivo deste grupo taxonoacutemico deve-se a um conjunto de carateriacutesticas uacutenicas i) pos-

suiacuterem um exosqueleto proteico-quitinoso flexiacutevel leve e resistente que protege contra a

desidrataccedilatildeo ii) segmentaccedilatildeo do corpo e a presenccedila de apecircndices articulados especia-

lizados iii) oacutergatildeos sensoriais bem desenvolvidos (antenas sedas sensoriais olhos com-

postos olhos pedunculados ocelos quimiorrecetores nas antenas) iv) metamorfose com

diferentes estaacutedios de desenvolvimento incluindo estaacutedios larvares que podem ter um

modo de vida completamente diferente do adulto permitindo um aproveitamento de outros

recursos (alimento e espaccedilo) reduzindo a competiccedilatildeo entre indiviacuteduos da mesma espeacutecie

v) padrotildees comportamentais complexos revelando por vezes organizaccedilatildeo comunitaacuteria e

vi) sistema respiratoacuterio diverso nomeadamente o sistema traqueal onde o ar entra em

contacto direto com os tecidos devido a um eficiente sistema de tubos (traqueias) com

orifiacutecios na superfiacutecie do tegumento (espiraacuteculos) No entanto a origem e a taxonomia

deste grupo ainda constituem um tema de investigaccedilatildeo e debate Mesmo apesar dos avan-

ccedilos em aacutereas como a biologia molecular que fornece importantes conhecimentos sobre

as complexas relaccedilotildees evolutivas destes organismos muito ainda haacute por descobrir Os

artroacutepodes satildeo um grupo extremamente importante nos ecossistemas terrestres devido

natildeo soacute agrave sua enorme abundacircncia e diversidade mas tambeacutem ao grande nuacutemero de funccedilotildees

que desempenham nestes ecossistemas (ex degradaccedilatildeo da mateacuteria orgacircnica arejamento

AR

TIG

O

21

do solo ciclagem de nutrientes) O filo Arthropoda estaacute atualmente subdividido em cinco

subfilos Trilobitomorpha Crustacea Myriapoda Chelicerata e Hexapoda

O subfilo Trilobitomorpha (trilobites e os seus parentes) compreende cerca de 20 000

espeacutecies que viviam exclusivamente em ambientes marinhos e que atualmente se encon-

tram todas extintas Contudo a sua vasta distribuiccedilatildeo geograacutefica e o exosqueleto de carbo-

nato de caacutelcio permitiram que este grupo apresente um extenso registo foacutessil observaacutevel

por todo o planeta

Crustacea inclui caranguejos camarotildees e lagostas contendo mais de 60 000 espeacute-

cies e com um extenso registo foacutessil em todo o mundo eacute um dos principais grupos de

artroacutepodes A maioria dos crustaacuteceos vive em ambientes marinhos mas existem vaacuterias

espeacutecies que podem ser encontradas em ecossistemas de aacutegua doce (ordem Cladocera e

sub-classe Copepoda) e em ambientes terrestres (ordem Isopoda FIGURA 1) Apesar da

grande maioria dos crustaacuteceos serem de vida livre existem vaacuterios grupos parasitas (ex

Rhizocephala ndash crustaacuteceos cirriacutepedes parasitas de caranguejos e camarotildees Argulidae ndash

crustaacuteceos parasitas de peixes e Pentastomida ndash vermes liacutengua que parasitam o sistema

respiratoacuterio de vertebrados) Numa perspetiva diferente e de interesse econoacutemico este

grupo apresenta ainda um valor acrescido jaacute que alguns crustaacuteceos decaacutepodes como la-

gostas e camarotildees satildeo intensivamente consumidos em todo o mundo Para aleacutem da sua

importacircncia econoacutemica este grupo de organismos eacute bastante utilizado em investigaccedilatildeo

cientiacutefica nomeadamente em ecotoxicologia na avaliaccedilatildeo do efeito de contaminantes no

solo

FIGURA 1 Exemplares de organismos da ordem Isopoda (bicho-da-conta) 1 ndash famiacutelia Armadillidae 2 ndash famiacutelia Porce-llionidae em A - vista dorsal e em B - vista ventral

O subfilo Myriapoda inclui as centopeias e os miliacutepedes conteacutem mais de 11 000

espeacutecies descritas Este subfilo eacute tradicionalmente dividido em quatro classes Chi-

lopoda (centopeias) (FIGURA 2) Diplopoda (miliacutepedes) Pauropoda (ldquopoucos peacutesrdquo) e

Symphyla (pseudocentopeias) Todos os miriaacutepodes conhecidos satildeo terrestres e o seu

tamanho varia desde alguns miliacutemetros a cerca de 38 centiacutemetros (Millipede Gigante

Africano)

1

2

A B

15cm

AR

TIG

O

22

FIGURA 2 Vista dorsal A - e ventral B - de um organismo pertencente agrave classe Chilopoda onde se pode observar o corpo segmentado e apenas com um par de patas por segmento

O subfilo Chelicerata (aranhas aranhas do mar escorpiotildees e aacutecaros) conteacutem mais

de 113 000 espeacutecies distribuiacutedas em duas classes principais Pycnogonida (aranhas do

mar) e Arachnida (aranhas escorpiotildees e aacutecaros) Pycnogonida o grupo das aranhas

do mar conteacutem mais de 1 300 espeacutecies descritas mas estudos detalhados sobre esses

animais e as suas relaccedilotildees evolutivas ainda satildeo escassos Estes organismos geralmente

tecircm seis ou oito olhos e quatro a seis pares de patas A classe Arachnida compreende os

organismos mais conhecidos do subfilo Chelicerata como aranhas escorpiotildees e aacutecaros

Os indiviacuteduos pertencentes a este grupo natildeo possuem antenas tecircm quatro pares de

patas um par de queliacuteceras (1ordm par de apecircndices do prossomacabeccedila) e pedipalpos

(2ordm par de apecircndices do prossomacabeccedila) As aranhas (ordem Araneae) (FIGURA 3) satildeo

provavelmente o grupo mais icoacutenico e bem estudado deste subfilo presentes na maioria

dos ambientes terrestres e constituindo um dos grupos mais importantes de artroacutepodes

do solo Outros organismos colocados na mesma classe como escorpiotildees aacutecaros ou

opiliotildees tambeacutem constituem grupos extremamente variados com importantes funccedilotildees

ecoloacutegicas (ex decomposiccedilatildeo de mateacuteria orgacircnica e controlo de organismos principal-

mente atraveacutes de predaccedilatildeo)

FIGURA 3 Vista dorsal A - e ventral B - de um exemplar da ordem Araneae (famiacutelia Gnaphosidae) sendo possiacutevel obser-var o corpo dividido em cefalotoacuterax e abdoacutemen os quatro pares de patas as queliacuteceras (q) e os pedipalpos (p)

O subfilo Hexapoda (Hexa (seis) e Poda (peacute)) engloba os insetos e os seus parentes

compreende o grupo mais diverso e abundante de organismos com mais de 1 milhatildeo de

espeacutecies conhecidas Este subfilo eacute frequentemente dividido em organismos da clas-

A B

A B

14cm

p

q

35cm

AR

TIG

O

23

se Insecta (FIGURA 4) e da classe Entognatha Esta uacuteltima inclui os colecircmbolos (ordem

Collembola) (FIGURA 5) cabeccedilas de cone e bichos de prata (ordem Protura) e cerdas de

duas pontas (ordem Diplura) Na classe Entognatha as partes bucais dos organismos

estatildeo retraiacutedas dentro das suas cabeccedilas contrariamente ao que se observa na classe In-

secta que satildeo ectognantes Os colecircmbolos constituem um dos grupos mais abundantes

de artroacutepodes do solo podendo ser encontrados mais de 100 000 indiviacuteduos num metro

quadrado Estes satildeo organismos cosmopolitas com mais de 8 000 espeacutecies descritas Os

colecircmbolos satildeo pequenos organismos com tamanho geralmente inferior a 6-8 mm de

forma ciliacutendrica ou globular apresentando olhos simples e antenas moniliformes Muitas

espeacutecies possuem um apecircndice bifurcado (fuacutercula) no final do abdoacutemen permitindo que

estes organismos saltem quando ameaccedilados (FIGURA 5) Os colecircmbolos tecircm sido ampla-

mente utilizados em estudos ecotoxicoloacutegicos na avaliaccedilatildeo da qualidade do solo e da sauacute-

de destes ecossistemas

FIGURA 4 A - Vista dorsal e B - vista ventral de exemplares de algumas ordens da classe Insecta

FIGURA 5 Vista lateral de exemplares da ordem Collembola

A classe Insecta eacute a classe com maior nuacutemero de organismos compreendendo mais

de metade das espeacutecies eucarioacuteticas descritas atualmente englobando mais de 1 milhatildeo

de espeacutecies que habitam praticamente todos os ecossistemas Os insetos sendo o grupo

Ordem

Coleoptera

Ordem

Diptera

Ordem

Hemiptera

Ordem

Orthoptera

Ordem

HimenopteraA A A A

B B B B

075cm

027cm14cm016cm

09cm

22cm

AR

TIG

O

24

mais diversificado de seres vivos apresentam as mais variadas e interessantes adap-

taccedilotildees anatoacutemicas e morfoloacutegicas Pensa-se que a sua enorme riqueza e abundacircncia eacute

devida a uma combinaccedilatildeo de carateriacutesticas vantajosas como a coevoluccedilatildeo com plan-

tas a miniaturizaccedilatildeo e a capacidade de voo Os insetos desempenham ainda um papel

importantiacutessimo no funcionamento dos ecossistemas realizando funccedilotildees quer de pre-

dadores quer de presa estando envolvidos em inuacutemeras teias alimentares (ex reciclan-

do nutrientes fazendo a manutenccedilatildeo da estrutura e fertilizaccedilatildeo dos solos) Destaca-se

tambeacutem o facto de vaacuterios insetos voadores como abelhas ou borboletas atuarem como

polinizadores de muitas espeacutecies de plantas Esta eacute uma funccedilatildeo ecoloacutegica importante

com vaacuterias repercussotildees econoacutemicas porque mais de 30 das culturas alimentares

mundiais dependem da polinizaccedilatildeo Os insetos possuem ainda um papel importante em

investigaccedilatildeo cientiacutefica sendo muitas vezes utilizados como organismo modelo dado pos-

suiacuterem carateriacutesticas distintas como o seu tamanho reduzido tempos de geraccedilatildeo curtos

e elevada fecundidade O exemplo de excelecircncia eacute a mosca da fruta Drosophila melano-

gaster cujo genoma eacute jaacute conhecido na totalidade sendo esta espeacutecie utilizada frequente-

mente para estudar vaacuterios processos celulares (ex o envelhecimento a hereditariedade

e o desenvolvimento embrionaacuterio) Apesar de constituiacuterem um grupo tatildeo interessante

beneacutefico e necessaacuterio agrave manutenccedilatildeo do equiliacutebrio dos ecossistemas existem algumas

desvantagens associadas aos insetos como eacute o caso de serem vetores na transmissatildeo

de doenccedilas Eacute o caso da malaacuteria transmitida por um mosquito do geacutenero Anopheles a

doenccedila parasitaacuteria mais disseminada com vaacuterios milhotildees de humanos infetados em todo

o mundo O dengue e o zika satildeo doenccedilas em que o vetor de transmissatildeo eacute tambeacutem um

mosquito do geacutenero Aedes Na agricultura as pragas de insetos (ex gorgulhos gafa-

nhotos afiacutedios) satildeo responsaacuteveis por prejudicar as culturas agriacutecolas e a produccedilatildeo de

alimentos causando perdas econoacutemicas elevadas

Sabe-se que atualmente a perda de habitat e as mudanccedilas climaacuteticas satildeo alguns dos

fatores responsaacuteveis por decliacutenios significativos nas populaccedilotildees deste grupo de orga-

nismos Esse decliacutenio apresenta uma elevada preocupaccedilatildeo ecoloacutegica uma vez que estes

organismos desempenham muacuteltiplas e importantes funccedilotildees nos ecossistemas No en-

tanto a conservaccedilatildeo deste grupo animal permanece um grande e urgente desafio que eacute

preciso enfrentar

AR

TIG

O

25

Biocombustiacuteveis seratildeo a soluccedilatildeo Matilde Viegas

Maria Joatildeo Ramos

Pedro Alexandrino Fernandes

UCIBIO REQUIMTEUniversidade do Porto

ldquoA 21 de Fevereiro de 2018 o niacutevel de poluiccedilatildeo de partiacuteculas finas com diacircmetro inferior

a 10 μm PM10 atingiu em Paris niacuteveis alarmantes com um pico correspondente

ao dobro do limite maacuteximo A Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) recomenda natildeo

exceder este limite maacuteximo por mais de trecircs dias por ano Com este recente pico os

parisienses jaacute o ultrapassaramrdquo

Em Un pic de pollution laquograveraquo en Ile-de-France Le Monde 22 de Fevereiro de 2018

Esta notiacutecia eacute um dos inuacutemeros exemplos dos efeitos do aquecimento global termo com o

qual estamos cada vez mais familiarizados infelizmente Este fenoacutemeno eacute consequecircncia

de Gases de Efeito de Estufa GEE (dioacutexido de carbono metano e oacutexido de azoto entre

outros) que se acumulam na atmosfera enclausurando o calor e tornando o planeta mais

quente A produccedilatildeo em larga escala de GEEs teve iniacutecio na Revoluccedilatildeo Industrial (1800)

como resultado da combustatildeo de combustiacuteveis foacutesseis (carvatildeo petroacuteleo e gaacutes natural)

para produccedilatildeo de eletricidade aquecimento e transporte

A preocupaccedilatildeo em torno do aquecimento global tornou-se um assunto constante na

agenda poliacutetica sobretudo nas uacuteltimas duas deacutecadas Os primeiros esforccedilos coletivos re-

sultaram no Protocolo de Quioto em 1997 cujo objetivo era a reduccedilatildeo das emissotildees de

GEEs assentando nos argumentos de que i) o aquecimento global era uma realidade e ii) o

CO2 produzido por accedilotildees humanas era o seu grande causador O primeiro periacuteodo do Proto-

colo terminou em 2012 e por isso em 2015 as Naccedilotildees Unidas promoveram a assinatura

do novo Acordo de Paris o qual consiste numa atualizaccedilatildeo do antigo Protocolo de Quioto

com o objetivo de ldquofortalecer a resposta global agrave ameaccedila das alteraccedilotildees climaacuteticas no

contexto de desenvolvimento sustentaacutevel e com esforccedilo para a erradicaccedilatildeo da pobrezardquo

O novo Acordo ao contraacuterio do de Quioto estabelece metas tangiacuteveis e quantitativas O

AR

TIG

O

26

objetivo eacute manter o aumento da temperatura meacutedia global abaixo dos 2ordm Celsius face agrave

temperatura global na era preacute-industrial Para atingir tal meta eacute necessaacuterio um esforccedilo

mundial contudo em 2017 com a saiacuteda dos EUA do Acordo de Paris o segundo maior

emissor de GEEs logo a seguir agrave China perdeu-se uma enorme contribuiccedilatildeo Aleacutem do peso

evidente que as suas emissotildees tecircm para o estado atual do aquecimento global em falta

estaratildeo tambeacutem a diplomacia e o encorajamento proporcionados por esta forccedila mundial

No Acordo de Paris uma das claacuteusulas exige a inclusatildeo de energias renovaacuteveis (eoacutelica

mariacutetima solar) e de biocombustiacuteveis no mercado de energia encorajando os paiacuteses a

atingir niacuteveis miacutenimos da sua utilizaccedilatildeo As metas estabelecidas para cada paiacutes vatildeo ao en-

contro ao seu mercado e agraves mateacuterias-primas disponiacuteveis em cada territoacuterio favorecendo o

desenvolvimento da economia

De uma forma generalista os biocombustiacuteveis englobam combustiacuteveis produzidos atra-

veacutes de processos bioloacutegicos como a agricultura e digestatildeo anaeroacutebica em vez de produ-

zidos a partir de processos geoloacutegicos como os necessaacuterios para a formaccedilatildeo de combus-

tiacuteveis foacutesseis Isto inclui o biodiesel (produzido a partir de oacuteleos e gorduras orgacircnicas) e o

bioetanol (aacutelcool produzido atraveacutes de fermentaccedilatildeo microbiana de accediluacutecares seguido de

destilaccedilatildeo e desidrataccedilatildeo) os quais seratildeo o maior foco deste artigo

A partir da deacutecada de 70 foram feitos os primeiros investimentos nos chamados bio-

combustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo (1G) Estes fazem uso de colheitas de produtos agriacuteco-

las como a soja cana-de-accediluacutecar milho oacuteleo de palma entre outros para a produccedilatildeo de

biodiesel e bioetanol atraveacutes de processos de trans-esterificaccedilatildeo ou fermentaccedilatildeo A sua

disponibilidade e facilidade de processamento permitiram a sua inserccedilatildeo e mistura nos

combustiacuteveis atualmente vendidos ao puacuteblico Para 2017 Portugal fixou em 75 (de poder

energeacutetico) a incorporaccedilatildeo de biocombustiacuteveis nos combustiacuteveis dos transportes rodoviaacute-

rios tendo a Uniatildeo Europeia o objectivo de 10 em 2020 para todos os paiacuteses membros

Os biocombustiacuteveis 1G fazem uso da colheita agriacutecola para fins energeacuteticos o que gera

opiniotildees desfavoraacuteveis por parte de ambientalistas (pelo uso exaustivo da terra agriacutecola sem

compensaccedilatildeo desflorestaccedilatildeo e perda de biodiversidade) e problemas eacuteticos tais como os le-

vantados por responsaacuteveis da ONU como o Dr Jean Ziegler que atribui aos biocombustiacuteveis

a culpa pela contiacutenua inflaccedilatildeo dos preccedilos de alimentos exacerbando a atual crise de fome

mundial - ldquoSatildeo necessaacuterios 352Kg de milho para encher um depoacutesito de 50L de um carro Uma

crianccedila na Zacircmbia ou no Meacutexico onde o milho eacute um elemento baacutesico da dieta poderia viver

com esta quantidade de milho um ano inteirordquo Atualmente os maiores produtores destes bio-

combustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo satildeo os EUA e o Brasil utilizando parte da produccedilatildeo global

de cereais e oacuteleos vegetais para a produccedilatildeo de bioetanol e biodiesel causando um ambiente

de profunda preocupaccedilatildeo em volta da sustentabilidade de produccedilatildeo de energia a meacutediolongo

prazo De forma a controlar a inflaccedilatildeo no preccedilo dos alimentos a EU estabeleceu um limite de

7 para o uso de biocombustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo como combustiacutevel de transportaccedilatildeo

AR

TIG

O

27

A segunda geraccedilatildeo de biocombustiacuteveis (2G) usa biomassa isto eacute qualquer fonte de car-

bono orgacircnico que eacute rapidamente renovado no ciclo de carbono Os biocombustiacuteveis de

segunda geraccedilatildeo almejam um uso ponderado de desperdiacutecios da induacutestria madeireira e

agriacutecola ou de restos de colheitas agriacutecolas assim que estas preencham o seu propoacutesito

alimentar evitando interferecircncia com o mercado alimentar e natildeo influenciando os preccedilos

dos alimentos baacutesicos

FIGURA 1 Biocombustiacuteveis

A produccedilatildeo de arroz atingiu o seu pico em 2017 gerando 1140 milhotildees de toneladas de

espigas de arroz cujo destino eacute a incineraccedilatildeo compostagem ou eacute simplesmente deposita-

da em aterros Contudo com a 2G de biocombustiacuteveis eacute encontrado potencial energeacutetico

neste desperdiacutecio agriacutecola O seu potencial deve-se agrave mateacuteria lignoceluloacutesica ndash celulose

hemicelulose e lignina ndash presente em todas as plantas incluindo as espigas em diferen-

tes percentagens Este material composto eacute essencial para a estrutura e resistecircncia das

plantas a hemicelulose eacute a matriz que rodeia o esqueleto de celulose enquanto a lignina

funciona como uma camada protetora As possibilidades associadas a este tipo de desper-

diacutecio satildeo inegaacuteveis a sua abundacircncia e facilidade de obtenccedilatildeo tornam-no muito apelativo

Contudo o gasto na recolha e transporte desta mateacuteria suplanta os custos de produccedilatildeo

e o seu uso continuado poderaacute contribuir para a erosatildeo do solo Aleacutem disso para o seu

aproveitamento para produccedilatildeo de biocombustiacuteveis eacute necessaacuterio um preacute-tratamento para

hidrolisar as ligaccedilotildees covalentes entre os trecircs constituintes da mateacuteria lignoceluloacutesica e

permitir a posterior fermentaccedilatildeo anaeroacutebia da celulose produzindo bioetanol Este preacute-

-tratamento eacute visto como outra das desvantagens do processo e estaacute ainda a ser estudado

e otimizado pois de momento as alternativas disponiacuteveis encarecem o produto final e em

AR

TIG

O

28

alguns dos casos dependem do uso de quiacutemicos poluentes A esperanccedila estaacute entatildeo de-

positada no estudo de enzimas hidroliacuteticas encontradas em organismos termoacutefilos que

seratildeo capazes de aguentar as difiacuteceis condiccedilotildees de tratamento Contudo a dificuldade em

escalar o processo de fermentaccedilatildeo eacute uma das desvantagens e dos fatores limitantes para

a 2G de biocombustiacuteveis em grande parte devido agrave dificuldade de monitorizar as condiccedilotildees

de fermentaccedilatildeo (oxigeacutenio pH nutrientes etc)

A terceira geraccedilatildeo (3G) de biocombustiacuteveis foi reconhecida como a melhor alternativa

em comparaccedilatildeo com primeira e segunda geraccedilotildees pois surpreendentemente faz uso de

algas A sua enorme disponibilidade por todo o planeta e o facto de natildeo interferirem com os

mercados alimentares satildeo os grandes embaixadores desta mateacuteria-prima como o futuro

dos biocombustiacuteveis Ainda que natildeo seja uma mateacuteria infinita eacute a que de momento mais se

assemelha por existirem 70 000 espeacutecies (30 000 documentadas) Estudos conduzidos

atualmente estatildeo a explorar a viabilidade energeacutetica de 30 espeacutecies de algas explorando a

sustentabilidade facilidade e escalabilidade da sua produccedilatildeo Outras vantagens incluem a

baixa manutenccedilatildeo necessaacuteria para o seu crescimento (luz dioacutexido de carbono e nutrientes

como azoto foacutesforo e potaacutessio) a facilidade com que produzem liacutepidos e carboidratos que

podem posteriormente ser processados em diferentes biocombustiacuteveis e outros copro-

dutos a frequecircncia com que podem ser colhidas ao longo do ano (ao contraacuterio de outras

colheitas convencionais) a baixa percentagem de hemicelulose e a praticamente ausente

lignina facilitam radicalmente o seu preacute-processamento pois a celulose eacute mais facilmente

extraiacuteda As desvantagens desta mateacuteria incluem o enorme investimento inicial para a

construccedilatildeo de infraestruturas para o seu cultivo que pode ser ou ao ar livre (em tanques

de grande dimensatildeo) ou em foto-bioreatores (sistemas fechados altamente controlados)

Prevecirc-se que em 2030 o preccedilo de produccedilatildeo de combustiacutevel a partir de algas seraacute 065 euro

litro de combustiacutevel valor muito proacuteximo do atual preccedilo de produccedilatildeo do litro de gasolina

Comparativamente aos custos de produccedilatildeo de outros biocombustiacuteveis o mais barato con-

tinua a ser o bioetanol produzido a partir de milho (1G) 017 eurolitro seguido de combustiacute-

veis celuloacutesicos (2G) a 032 eurolitro

Eacute evidente que seratildeo necessaacuterios esforccedilos poliacuteticos e cientiacuteficos investimento e regu-

lamentaccedilatildeo adequados para encontrar o caminho ideal para travar o aquecimento global

Em todas as geraccedilotildees de biocombustiacuteveis apresentadas existem fatores que afunilam as

potencialidades destas alternativas indicando que a soluccedilatildeo passa por criar um consoacutercio

entre as vaacuterias possibilidades de forma a tirar o maacuteximo partido sem danificar o planeta ou

piorar a crise da fome O proacuteximo passo passa por substituir os biocombustiacuteveis de 1G por

soluccedilotildees com maior escalabilidade Acreditamos que nas proacuteximas deacutecadas seratildeo cruciais

e depositamos esperanccedila na investigaccedilatildeo cientiacutefica

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018043

AR

TIG

O

29

Stephen Hawking e a sua contribuiccedilatildeo para a fiacutesica teoacutericaOrfeu Bertolami

Claacuteudio GomesDepartamento de Fiacutesica e Astronomia CFP Universidade do Porto

A 14 de marccedilo de 2018 o fiacutesico britacircnico Stephen Hawking faleceu aos 76 anos deixando

todavia um importante legado para a fiacutesica teoacuterica muito particularmente para o

entendimento das deficiecircncias intriacutensecas da Relatividade Geral de Einstein para a fiacutesica

dos buracos negros e para a cosmologia a ciecircncia do Universo como um todo

Stephen Hawking doutorou-se em Fiacutesica Teoacuterica em 1966 pela Universidade de Cambridge

sob a supervisatildeo de Dennis Sciama Apesar da sua condiccedilatildeo fiacutesica progressivamente limi-

tativa manteve-se extremamente ativo na investigaccedilatildeo nas aacutereas de cosmologia fiacutesica dos

buracos negros e gravitaccedilatildeo quacircntica

Nessa altura havia uma consideraacutevel discussatildeo acerca da realidade e ubiquidade de sin-

gularidades pontos no espaccedilo-tempo onde a Teoria da Relatividade Geral deixa de fazer sen-

tido e natildeo desaparecendo atraveacutes de mudanccedila de sistemas de coordenadas que descrevem

o espaccedilo-tempo Na segunda metade da deacutecada de 1960 Hawking e o matemaacutetico inglecircs

Roger Penrose demonstraram que essas singularidades eram inevitaacuteveis no contexto da

Teoria da Relatividade Geral (ver para uma descriccedilatildeo exaustiva o livro Large Scale Structure

of Space-Time escrito em colaboraccedilatildeo com o fiacutesico sul-africano George Ellis publicado em

1973) Uma dessas singularidades corresponde ao iniacutecio do Universo ndash Big Bang ndash e outras

estatildeo presentes no interior dos buracos negros natildeo acessiacuteveis agrave observaccedilatildeo devido agrave pre-

senccedila de um horizonte de acontecimentos que segundo a Conjetura da Censura Coacutesmica de

Roger Penrose protegem sempre as singularidades de se apresentarem ldquonuasrdquo

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Subsequentemente em 1975 ele desenvolveu a ideia que os buracos negros deveriam

radiar termicamente a uma temperatura especiacutefica inversamente proporcional agraves suas

massas temperatura esta que hoje designamos por temperatura de Hawking Esta ideia daacute

origem ao paradoxo da informaccedilatildeo em que a informaccedilatildeo que entrava no horizonte de evento

se perdia Com este contributo passou-se a ter uma equivalecircncia entre a dinacircmica e a termo-

dinacircmica de buracos negros

FIGURA 1 Emissatildeo da radiaccedilatildeo teacutermica de Hawking por um buraco negro

No princiacutepio da deacutecada de 1980 Hawking iniciou em colaboraccedilatildeo com o fiacutesico norte-ameri-

cano James Hartle o programa de investigaccedilatildeo que hoje designamos por cosmologia quacircntica

Na cosmologia quacircntica o espaccedilo-tempo eacute descrito por uma funccedilatildeo de onda a funccedilatildeo de onda

do Universo como na Mecacircnica Quacircntica Esta equaccedilatildeo de onda satisfaz uma equaccedilatildeo anaacuteloga

agrave de Schroumldinger da Mecacircnica Quacircntica a equaccedilatildeo de Wheeler-DeWitt A proposta de Hartle

e Hawking eacute que a funccedilatildeo de onda descreva um espaccedilo-tempo sem fronteiras (No-Boundary

proposal) A ideia eacute que agrave medida que retrocedemos no tempo chegamos a um ponto em que

o Universo eacute pequeno o suficiente para que efeitos quacircnticos sejam dominantes Nesta altura

existe uma espeacutecie de ldquoespumardquo do espaccedilo-tempo de tal modo que o tempo natildeo pode ser in-

terpretado do modo como o vemos hoje mas sim como uma quarta dimensatildeo espacial Uma

analogia uacutetil eacute a seguinte se viajarmos para o Polo Sul temos de seguir sempre para sul mas

quando alcanccedilamos o ponto do Polo Sul jaacute natildeo faz sentido falarmos na direccedilatildeo sul pelo mesmo

raciociacutenio ao retrocedermos no tempo haacute um pontoinstante em que natildeo faz sentido falar-se em

tempo Matematicamente isto torna-se possiacutevel passando de um espaccedilo-tempo de Minkowski

como na Relatividade Restrita para um espaccedilo Euclideano a quatro dimensotildees no qual o tempo

passa a ser um nuacutemero puramente complexo Com esta formulaccedilatildeo o Universo natildeo tem uma

fronteira aleacutem daquela que permite a transiccedilatildeo entre as duas descriccedilotildees para o espaccedilo-tempo

e que eacute exemplificado na FIGURA 2 Esta geometria eacute designada por shuttlecock ou volantepena

de badminton devido agrave semelhanccedila com este objeto

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FIGURA 2 Representaccedilatildeo tridimensional do modelo de Hartle-Hawking (no boundary proposal) A base corresponde a uma semiesfera a 4 dimensotildees e a estrutura que apresenta o tempo como uma direccedilatildeo distinta das espaciais corresponte a um Universo em expansatildeo

Hawking tambeacutem estudou outros problemas como o das maacutequinas do tempo e questotildees

relacionadas com a cosmologia e a formaccedilatildeo de estruturas no Universo Com o seu carate-

riacutestico humor Hawking afirmou natildeo ser possiacutevel viajar no tempo Para tal sugeriu organizar

uma festa convidando pessoas do futuro a se juntarem a ele e dado que ningueacutem apa-

receu concluiu entatildeo que viagens no tempo natildeo satildeo possiacuteveis na realidade Outra prova

prende-se com o facto de natildeo termos recebido ainda turistas do futuro numa clara alusatildeo

iroacutenica agrave procura turiacutestica desenfreada que assistimos nos dias de hoje

Mais recentemente ele pronunciou-se sobre questotildees de interesse geral como as im-

plicaccedilotildees do desenvolvimento da inteligecircncia artificial e a necessidade e inevitabilidade

da exploraccedilatildeo espacial Mostrou-se reticente acerca dos desenvolvimentos no domiacutenio da

inteligecircncia artificial classificando-o como possivelmente perigoso para a nossa civiliza-

ccedilatildeo pois apesar dos potenciais benefiacutecios comportam seacuterios riscos agrave continuidade da hu-

manidade Relativamente agrave exploraccedilatildeo espacial Hawking encarava as viagens espaciais

quer pelo seu interesse cientiacutefico quer como forma de preservar a humanidade de riscos

de destruiccedilatildeo devido a guerras nucleares ou epidemias devido a viacuterus geneticamente mo-

dificados

O fiacutesico Stephen Hawking legou-nos uma extraordinaacuteria contribuiccedilatildeo cientiacutefica e huma-

na Deixou um extraordinaacuterio exemplo de resiliecircncia dedicaccedilatildeo ao conhecimento e agrave socie-

dade Fisicamente debilitado e ldquopresordquo a uma condiccedilatildeo rara a esclerose lateral amiotroacutefica

que lhe foi diagnosticada aos 21 anos a sua mente foi das mais livres dos nossos tempos

concebeu hipoacuteteses conjunturas e teorias pensou a sociedade de hoje e a do futuro

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RochaO que eacute importante dizer sobre as rochas

A M Galopim de Carvalho Universidade de Lisboa

Rochas e pedras satildeo a mesma coisa Praticamente a resposta eacute sim Pedra eacute aquilo

que se apanha do chatildeo para dar uma pedrada

Qualquer pessoa mesmo a menos letrada diraacute que as pedras

bull natildeo satildeo fabricadas ou feitas por gente (a ciecircncia diz que satildeo entidades naturais)

bull que natildeo se amolgam (a ciecircncia diz que satildeo riacutegidas)

bull que geralmente natildeo se esboroam nem se esfarela (a ciecircncia diz que satildeo coesas)

bull que fazem mossa onde quer que batam (a ciecircncia diz que satildeo duras) Para o cidadatildeo

comum pedra (do grego peacutetra) eacute pois uma entidade natural riacutegida coesa e dura que se

apanha do chatildeo

Apanhamos uma pedra do chatildeo mas quando estudamos falamos quase sempre de ro-

chas Num modo de falar corrente podemos dizer que as pedras satildeo bocados de rocha

Todos falamos de rocha como sinoacutenimo de pedra com base num conhecimento comum

empiacuterico vulgar ligado agrave experiecircncia quotidiana mesmo do mais iletrado dos cidadatildeos Dize-

mos rochedo quando o afloramento de rocha eacute grande e apelidamos de rochoso um terreno

com a rocha agrave vista Rocha eacute um galicismo que entre noacutes se sobrepocircs ao termo ldquorocardquo bem

mais antigo talvez preacute-romano Cabo da Roca ou ldquoFocinho da Rocardquo no dizer dos homens do

mar deve o seu nome a esta versatildeo arcaica da palavra rocha

O conceito atual de rocha e os vaacuterios conhecimentos com elas relacionados percorreram

uma caminhada tatildeo longa quanto a do Homo sapiens caminhada de que temos testemunhos

na Preacute-histoacuteria e variadiacutessimos relatos escritos desde a Antiguidade

Na sua giacuteria proacutepria entendiacutevel entre pares os profissionais falam de rochas dizendo que

satildeo sistemas quiacutemicos mono ou polifaacutesicos (ou seja com um ou mais minerais) resultantes

do equiliacutebrio termodinacircmico atingido pelos seus constituintes em determinados ambientes

Entendendo-se por constituintes os elementos quiacutemicos incluiacutedos nos respetivos minerais

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Por outras palavras acessiacuteveis ao comum das gentes pode entatildeo dizer-se que as rochas

satildeo corpos naturais formados por associaccedilotildees mais ou menos estaacuteveis de minerais compatiacute-

veis entre si e com o ambiente onde foram gerados e que satildeo elas as rochas que constituem

a capa riacutegida da Terra que por essa razatildeo recebeu o nome de litosfera (FIGURA 1)

FIGURA 1 Modelado Graniacutetico na Serra da Estrela (fonte banco de imagens da Casa das Ciecircncias)

Antes de prosseguir esclareccedila-se que no jargatildeo proacuteprio da mineralogia e da geoquiacutemica

os minerais satildeo considerados fases no sentido fiacutesico-quiacutemico da palavra Com efeito neste

sentido uma fase eacute uma porccedilatildeo de mateacuteria quiacutemica e estruturalmente homogeacutenea e uma

qualquer espeacutecie mineral eacute isso mesmo

Por convenccedilatildeo na sistemaacutetica em sedimentologia entre as rochas sedimentares cabem

certos materiais natildeo consolidados como os barros as areias soltas as cascalheiras e ainda

outros de natureza natildeo mineral como os carvotildees foacutesseis e o petroacuteleo (oacuteleo de pedra) Cha-

mar rochas ou pedras a estes materiais agraves vezes tatildeo afastados da imagem vulgar de ldquocoisa

dura riacutegida e coesardquo decorre do conceito geoloacutegico de rocha no qual se inclui o modo de

ocorrecircncia e o respetivo processo de formaccedilatildeo (petrogeacutenese)

A mecacircnica das rochas (disciplina que estuda certas propriedades das rochas como resis-

tecircncia ao esmagamento agrave traccedilatildeo agrave torccedilatildeo agrave flexatildeo porosidade permeabilidade e outras)

define-as como entidades sempre riacutegidas e coesas e duras como tambeacutem se diz vulgarmen-

te com capacidade de suportar cargas e que na eventualidade de terem de ser escavadas ou

removidas haacute que usar tecnologias com explosivos Este conceito corresponde aliaacutes agrave ideia

mais divulgada de rocha como atraacutes se referiu Eacute o bedrock dos autores ingleses

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FIGURA 2 Processo de meteorizaccedilatildeo fiacutesica essencialmente por corrosatildeo eoacutelica em rochas sedimentares (arenitos) (fonte banco de imagens da Casa das Ciecircncias)

Aleacutem das muitas que conhecemos na Terra jaacute estudaacutemos rochas do nosso sateacutelite natural

nomeadamente basaltos e anortositos trazidos da sua superfiacutecie Mercuacuterio Veacutenus e Marte satildeo

tambeacutem planetas rochosos e igualmente rochosos ou pedregosos satildeo ainda os nuacutecleos dos co-

metas e muitos dos asteroides de que temos conhecimento pelos meteoritos caiacutedos na Terra

Quando se apelidam as rochas de magmaacuteticas sedimentares (FIGURA 2) ou metamoacuterficas

natildeo se estaacute apenas a rotulaacute-las para efeitos de arrumo ou arquivo muito menos se estatildeo a

criar novos vocaacutebulos para sobrecarga dos estudantes ou do cidadatildeo em geral Estes adjeti-

vos acrescentados agrave palavra rocha informam de imediato sobre a sua origem

bull magmaacutetica ou sedimentar qualquer delas em resultado de processos naturais faacuteceis de

entender

bull metamoacuterfica em consequecircncia de um outro processo muito menos ao alcance da vivecircncia

do vulgo mas que se explica sem grandes dificuldades

Apelidam-se de metamoacuterficas as rochas que posteriormente a uma primeira formaccedilatildeo

como magmaacuteticas ou sedimentares foram submetidas a pressotildees eou a temperaturas no

interior da crosta que lhes modificaram a composiccedilatildeo eou a textura

Foi atraveacutes do estudo das rochas que desvendaacutemos o essencial dos acontecimentos geo-

loacutegicos que marcaram a histoacuteria deste laquoPlaneta Azulraquo no qual a vida encontrou condiccedilotildees

para despertar e onde evoluiu ao ponto de se interrogar sobre essa mesma histoacuteria

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Os conhecimentos diretos de que hoje dispomos relativos agraves rochas da Terra limitam-se

aos que se obtecircm pelo estudo das que afloram agrave superfiacutecie das recolhidas em dragagens

nos fundos marinhos e das retiradas da profundidade quer em minas quer atraveacutes de son-

dagens Esta profundidade que natildeo excede 3 km no primeiro caso e 11 km no segundo

(na peniacutensula de Kola) pode considerar-se insuficiente se comparada com as trecircs a quatro

dezenas de quiloacutemetros de espessura meacutedia da crosta continental

Eacute jaacute muito o conhecimento que temos desta capa (a crosta ou crusta como alguns dizem e

escrevem) mais superficial do nosso planeta Temo-lo atraveacutes das rochas que constantemente

vemos e pisamos muitas delas geradas em zonas profundas trazidas agrave superfiacutecie pelos en-

rugamentos de origem tectoacutenica geradores das montanhas e subsequentemente postas a

descoberto pela erosatildeo

Outras rochas proacuteprias de muito maiores profundidades inclusive do manto inferior como eacute

o caso dos xenocristais e dos xenoacutelitos (do grego xenos estranho e lithos pedra) isto eacute cris-

tais e fragmentos de materiais liacuteticos gerados nessas regiotildees e que ascendem agrave superfiacutecie na

sequecircncia de atividade vulcacircnica englobados ou encravados nos produtos magmaacuteticos que ali

se formaram ou por ali passaram Na ilha da Madeira por exemplo satildeo frequentes os xenoacutelitos

oliviacutenicos que ascenderam ateacute agrave superfiacutecie no seio das lavas envolvidas no processo vulcacircnico

que originou esta e muitas outras ilhas

As rochas a que temos acesso mais ou menos direto representam uma parcela importante

da diferenciaccedilatildeo da Terra e agrave semelhanccedila da aacutegua do ar e dos seres vivos satildeo o resultado de

imensas transformaccedilotildees numa vasta e complexa rede de inter-relaccedilotildees ocorridas ao longo

dos tempos neste laquoplaneta vivoraquo pleno ainda de energia interna (sob a forma de calor) a que

se adiciona toda a que lhe chega do exterior isto eacute a radiaccedilatildeo solar Como escreveu Maurice

Mattauer ldquoas pedras nascem vivem e morrem como noacutes elas tecircm uma idade e uma histoacuteriardquo

Petrologia e litologia satildeo duas disciplinas que estudam as rochas ou as pedras Se bem que

os eacutetimos petra (latim) e lithos (grego) sejam sinoacutenimos petrologia e litologia encerram con-

ceitos diferentes ainda que relacionados entre si

bull A petrologia eacute um ramo da geologia com dimensatildeo de ciecircncia de vastos recursos nos campos

da fiacutesica da quiacutemica e naturalmente tambeacutem da matemaacutetica em busca do conhecimento da

origem natureza constituiccedilatildeo e evoluccedilatildeo da Terra no acircmbito do Sistema Solar e do Universo

bull A litologia outro ramo da geologia eacute habitualmente entendida como a disciplina que estuda

as rochas num campo praacutetico Serve a geologia de engenharia tendo em vista a implantaccedilatildeo

de grandes edifiacutecios e outras obras volumosas cujas fundaccedilotildees exigem o conhecimento dos

terrenos A litologia daacute igualmente respostas agrave pedologia (o estudo dos solos) e agrave induacutestria

extrativa de rochas ornamentais usadas na arquitetura na cantaria ou na estatuaacuteria e de

rochas industriais exploradas como importantes mateacuterias-primas para a construccedilatildeo civil a

ceracircmica o vidro o cimento a cal e a induacutestria quiacutemica

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Software educativo em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Ana C Conceiccedilatildeo

DMUniversidade do Algarve

O conceito F-Tool foi desenvolvido em 2012 com o objetivo de proporcionar uma

aprendizagem interativa em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Em particular eacute possiacutevel

explorar de forma integrada as noccedilotildees de domiacutenio contradomiacutenio existecircncia de zeros

existecircncia de extremos e de pontos de inflexatildeo invertibilidade derivabilidade reta

tangente ao graacutefico num ponto simetrias em relaccedilatildeo aos eixos e agrave origem A utilizaccedilatildeo

dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adaptaccedilatildeo de

alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e

do simples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular)

No ensino da matemaacutetica e em particular no estudo de funccedilotildees a recomendaccedilatildeo da utiliza-

ccedilatildeo de software educacional tem como objetivo o sanar das dificuldades que os alunos pos-

suem em associar as representaccedilotildees algeacutebricas com as diversas representaccedilotildees numeacutericas

eou graacuteficas De facto o caraacuteter estaacutetico das representaccedilotildees matemaacuteticas muitas vezes

dificulta a construccedilatildeo do significado afetando substancialmente a correta interpretaccedilatildeo dos

conceitos A criaccedilatildeo de modelos interativos visuais com o sistema de aacutelgebra computacional

Mathematica permite aos alunos explorar conceitos de elevada complexidade e rapidamen-

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te adquirir uma compreensatildeo mais profunda dos conteuacutedos Obviamente a utilizaccedilatildeo de sof-

tware educacional natildeo deve ser vista como um substituto para o ensino com ldquopapel e laacutepisrdquo

deve ser devidamente combinada com outros meacutetodos de ensino

O conceito F-Tool foi desenvolvido em 2012 com o objetivo de proporcionar uma apren-

dizagem interativa em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Os aplicativos computacionais

implementados com base neste conceito utilizam as capacidades de caacutelculo numeacuterico e

simboacutelico do Mathematica de forma a permitir estudar dinacircmica e interativamente e em

tempo real conceitos e propriedades fundamentais do preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial

FIGURA 1 Imagem ilustrativa da F-Exponential

O conceito F-Tool em sala de aula permite uma abordagem dinacircmica de diversos concei-

tos relacionados com o estudo de funccedilotildees e promove novas formas de raciocinarpensar

avaliar ensinar e aprender As F-Tool foram concebidas como ferramentas de aprendiza-

gem ativa ou seja a sua utilizaccedilatildeo adequada propicia um contexto de ensino-aprendiza-

gem onde alunos e professores satildeo igualmente convidados a contribuir Aleacutem disso tecircm

uma interface muito intuitiva que permite que ateacute mesmo o utilizador mais inexperiente

sem qualquer conhecimento anterior em software educacional possa comeccedilar a usar to-

dos os recursos de uma forma eficiente e autoacutenoma As F-Tool natildeo satildeo um objeto estaacutetico

mas sim um programa a ser executado com o qual se interage em tempo real Em parti-

cular atraveacutes da alteraccedilatildeo dinacircmica dos valores dos paracircmetros que definem cada classe

eacute possiacutevel obter informaccedilatildeo analiacutetica rigorosa apresentada em aritmeacutetica exata ou apro-

ximada bem como informaccedilatildeo visual estaacutetica e natildeo-estaacutetica De igual modo escolhendo

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estrategicamente de entre as vaacuterias opccedilotildees de funccedilotildees disponiacuteveis no painel esquerdo eacute

possiacutevel apreender de forma mais eficaz e consequente muitas das relaccedilotildees existentes

entre as vaacuterias funccedilotildees e respetivas transformaccedilotildees (FIGURA 1) As F-Tool utilizam um

coacutedigo de cores para diferenciar as vaacuterias funccedilotildees apresentadas Este coacutedigo eacute explicitado

na legenda do canto inferior esquerdo do painel central

Qual das figuras pode representar o graacutefico de uma funccedilatildeo e o graacutefico da sua derivada de 1ordf ordem

FIGURA 2 Exemplo de questatildeo de escolha muacuteltipla utilizando diversas opccedilotildees do painel esquerdo das F-Tool

Apesar de ser um software educacional dinacircmico e interativo pode tambeacutem ser utilizado

na construccedilatildeo de questotildees de avaliaccedilatildeo de escolha muacuteltipla (FIGURA 2) e de resposta aberta

ficando o docente automaticamente com a resposta ao selecionar no painel esquerdo as

opccedilotildees relacionadas com a questatildeo

A utilizaccedilatildeo dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adapta-

ccedilatildeo de alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e do sim-

ples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular) De facto

incluindo as F-Tool em ficheiros no Computable Document Format (CDF) eacute possiacutevel criar

fichas de trabalho dinacircmicas e interativas motivando os alunos e tornando o estudo mais

interessante

Acreditamos que o conceito F-Tool ao dotar professores e estudantes com novas fer-

ramentas para explorar alguns conceitos fundamentais da matemaacutetica desenvolveraacute po-

sitivamente o processo de ensino e de aprendizagem das aacutereas de preacute-caacutelculo e caacutelculo

diferencial

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018046

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O Aroma das Plantas Luiacutes Gaspar Pedro

Ana Cristina Figueiredo

Joseacute Gonccedilalves Barroso

CESAM CBV Universidade de Lisboa

Quando nos festejos dos Santos Populares colocamos a matildeo sobre o manjerico

provocamos a rutura de estruturas microscoacutepicas Ao fazecirc-lo libertam-se compostos

quiacutemicos que aderem agrave palma da nossa matildeo que depois percecionamos pelo nosso

olfacto Os aromas satildeo misturas complexas de dezenas de compostos volaacuteteis

carateriacutesticos de uma determinada planta

O aroma o que eacute

O aroma de muitas plantas eacute constituiacutedo por diversos compostos quiacutemicos volaacuteteis que

tecircm a capacidade de estimular os nossos recetores olfactivos A quantidade e a diver-

sidade deste tipo de compostos presentes nas plantas satildeo responsaacuteveis pelos aromas

carateriacutesticos Eacute relativamente faacutecil reconhecer o aroma dos coentros ou do manjerico e

distingui-los de outros aromas como o da rosa ou do cravinho

Na composiccedilatildeo da fraccedilatildeo volaacutetil de uma planta aromaacutetica encontram-se regra geral

compostos como os mono- e sesquiterpenos e os fenilpropanoacuteides (FIGURA 1) entre ou-

tros Satildeo todos eles compostos quiacutemicos com ponto de ebuliccedilatildeo relativamente baixo que

volatilizam agrave temperatura ambiente e contribuem de forma mais ou menos notoacuteria para o

aroma carateriacutestico de cada espeacutecie

FIGURA 1 Exemplos de compostos que constituem a fraccedilatildeo volaacutetil de diversas espeacutecies aromaacuteticas monoterpenos (α-pineno timol) sesquiterpenos (β-cariofileno germacreno D) e fenilpropanoacuteides (eugenol)

α-Pineno Timol β-Cariofileno Germacreno D Eugenol

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Estruturas secretoras

Os compostos que constituem a fraccedilatildeo aromaacutetica de uma planta satildeo regra geral sinteti-

zados e acumulados em estruturas secretoras microscoacutepicas Entre os diversos tipos de

estruturas secretoras as mais frequentes satildeo os tricomas os canais e as bolsas (FIGURA 2)

FIGURA 2 Exemplos de estruturas secretoras observadas em microscopia oacuteptica A - Tricoma de Geranium robertianum (s - secretado acumulado no espaccedilo sub-cuticular coloraccedilatildeo com reagente de Nadi) B - canal secretor de Crithmum maritimum (setas coloraccedilatildeo com tricloreto de antimoacutenio) e C - bolsa secretora de Citrus sp (coloraccedilatildeo com Vermelho Sudatildeo III)

Os tricomas glandulares satildeo estruturas externas com origem em ceacutelulas epideacutermicas

que apresentam diversos graus de complexidade desde tricomas com apenas trecircs ceacutelulas

uma das quais a secretora ateacute tricomas com mais de uma dezena de ceacutelulas secretoras

As bolsas e os canais secretores satildeo estruturas internas constituiacutedas por ceacutelulas glandu-

lares que delimitam o luacutemen o espaccedilo para onde satildeo secretados os compostos depois de

produzidos nas ceacutelulas secretoras Os canais satildeo estruturas alongadas que percorrem o

corpo da planta por vezes com ramificaccedilotildees enquanto as bolsas satildeo estruturas mais ou

menos isodiameacutetricas

Os oacuteleos essenciais

Um oacuteleo essencial eacute obtido por hidrodestilaccedilatildeo ou por destilaccedilatildeo por arrastamento de va-

por (FIGURA 3) No caso particular dos citrinos o oacuteleo essencial pode ainda ser obtido

por expressatildeo (processo mecacircnico que promove a libertaccedilatildeo do secretado acumulado no

interior das estruturas secretoras neste caso bolsas)

Tanto na hidrodestilaccedilatildeo como na destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor o secretado eacute

removido das estruturas secretoras e arrastado pelo vapor de aacutegua Depois de condensar

por arrefecimento o oacuteleo essencial separa-se da aacutegua podendo ser facilmente recolhido

devido agrave sua imiscibilidade com a aacutegua

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41FIGURA 3 A - Sistema de hidrodestilaccedilatildeo com aparelho de Clevenger e B - sistema de destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor

Anaacutelise de oacuteleos essenciais

Para analisar um oacuteleo essencial recorre-se frequentemente agrave cromatografia gasosa (CG)

para quantificaccedilatildeo dos componentes e agrave CG acoplada agrave espectrometria de massa (CG-

-EM) para a correspondente identificaccedilatildeo dos constituintes Por CG-EM os diversos com-

ponentes que constituem o oacuteleo essencial satildeo separados uns dos outros e ao chegarem ao

espectroacutemetro de massa satildeo bombardeados por eletrotildees o que leva a que as moleacuteculas

fragmentem formando-se diferentes iotildees de acordo com padrotildees preferenciais O con-

junto dos fragmentosiotildees constituem o espectro de massa que eacute carateriacutestico de cada

moleacutecula A integraccedilatildeo das aacutereas dos picos que surgem no cromatograma obtido por CG

(FIGURA 4A) permite a quantificaccedilatildeo relativa dos diversos componentes do oacuteleo essencial

A anaacutelise por CG-EM possibilita a identificaccedilatildeo desses compostos por comparaccedilatildeo dos

espectros de massa (FIGURA 4B) e dos iacutendices de retenccedilatildeo com os de amostras padratildeo

FIGURA 4 A - Aspeto parcial de um cromatograma obtido por CG carateriacutestico de um oacuteleo essencial com alguns dos ldquopicosrdquo identificados B - espectro de massa obtido por CG-EM de um dos componentes maioritaacuterios o timol

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Paisagens da Islacircndia Formase Processos (III)Fernando Carlos LopesCITEUC Universidade de Coimbra

A Islacircndia eacute famosa natildeo soacute pelos seus vulcotildees mas tambeacutem pelos seus glaciares e pela

sua sinuosa e escarpada linha de costa

Atualmente os glaciares cobrem cerca de 10 da superfiacutecie islandesa e 60 destas

aacutereas geladas assentam sobre sistemas vulcacircnicos ativos Esta combinaccedilatildeo de gelo e vul-

canismo torna a Islacircndia o local ideal para cheias repentinas (joumlkulhlaups) resultantes de

aacutegua que escorre por baixo dos glaciares devido agrave fusatildeo provocada pelas erupccedilotildees subgla-

ciares Atualmente existem 4 grandes calotes glaciares localizadas nas regiotildees elevadas

e vulcanicamente ativas do centro e sul da ilha a partir das quais divergem numerosas liacuten-

guas glaciarias Vatnajoumlkull (8100 km2) situado no centro leste Langjoumlkull (925 km2) si-

tuado no centro oeste Hofsjoumlkull (925 km2) situado na zona central da ilha Myrdalsjoumlkull

(600 km2) situado no sul da ilha Apesar da Islacircndia ter cerca de 24 Ma a sua paisagem soacute

foi moldada por glaciares nos uacuteltimos 5 milhotildees de anos Os seus glaciares de tipo alpino

(ou de montanha) avanccedilaram e recuaram condicionados pelas variaccedilotildees regionais e locais

do clima de que resultaram espetaculares morfologias Como jaacute se referiu anteriormente

as variaccedilotildees da carga glaciar sobre a litosfera provocadas pelas fases de gelo e degelo

teratildeo desempenhado papel importante na atividade vulcacircnica da ilha

Com um comprimento de cerca de 4970 km a linha de costa da Islacircndia eacute de um modo

geral muito recortada e escarpada marcada por promontoacuterios cabos peniacutensulas fiordes

e enseadas pontilhada de leixotildees por entre os quais se aninham praias de areia negra de

contornos suaves A accedilatildeo do mar sobre as inuacutemeras escoadas de lava que fluiacuteram ateacute agrave

costa ao longo da evoluccedilatildeo geoloacutegica da ilha e ali solidificaram sobre os aparelhos vulcacirc-

nicos implantados na zona litoral e sobre os vales deixados pelo recuo dos glaciares criou

paisagens de uma beleza surreal

FIGURA DA PAacuteGINA ANTERIOR Leixatildeo Hvitserkur noroeste da Islacircndia (fonte pixabay)

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Parte III - Paisagens controladas pelos glaciares e paisagens costeirasVales glaciares e fiordes

Vales glaciares vales suspensos lagos glaciares e cascatas ciacuterculos glaciares moreias

e fiordes satildeo formas carateriacutesticas das paisagens islandesas criadas pelos seus glacia-

res alpinos Os vales glaciares com o seu carateriacutestico perfil em ldquoUrdquo satildeo a forma mais

comum de paisagem originada pela erosatildeo glacial (FIGURA 1) No interior destes vales os

rios concentram o seu poder erosivo na zona mais baixa originando um perfil carateriacutestico

em ldquoVrdquo O poder erosivo dos glaciares eacute muito superior ao dos rios porque a sua energia

potencial resulta natildeo soacute do declive do terreno mas tambeacutem do peso do gelo A erosatildeo faz-

-se essencialmente ao longo das zonas laterais do canal criando um vale com vertentes

alcantiladas e fundo aplanado Vales suspensos satildeo vales escavados por glaciares tributaacute-

rios Como estes glaciares levam menos gelo o seu poder erosivo eacute menor que o do glaciar

principal ficando suspenso nas vertentes do glaciar principal quando o gelo recua Cons-

tituem exemplos notaacuteveis pela sua beleza e dimensatildeo os vales glaciares de Borgarvirki

(FIGURA 2) e de Akureyri (ou Eyjafjoumlrethur) no noroeste da ilha Este uacuteltimo vai desembocar

num fiorde que eacute mais longo da Islacircndia

FIGURA 1 Esquema 3D (sem escala) da evoluccedilatildeo de uma paisagem glaciar com formaccedilatildeo de vales glaciares vales glaciares suspensos ciacuterculos glaciares lagos glaciares e cascatas

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OS

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CIEcirc

NC

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FIGURA 2 Aspeto do vale glaciaacuterio de Borgarvirki observado a partir da fortaleza de Borgarvirki

Se as condiccedilotildees forem favoraacuteveis os glaciares podem erodir abaixo do niacutevel do mar Quan-

do o glaciar recua o oceano invade estas depressotildees criando um fiorde Alguns dos fiordes

islandeses como o de Akureyri e o de Nordfjord (nordeste da ilha) possuem centenas de

metros abaixo do niacutevel do mar O fiorde de Nordfjord abrange parcialmente uma antiga cal-

deira vulcacircnica Nas faleacutesias do seu flanco oriental (falesias de Raudubjoumlrg) afloram rioacutelitos

conferindo agraves arribas uma carateriacutestica cor avermelhada)

Como se referiu anteriormente (Parte I) a orientaccedilatildeo da maioria dos vales glaciares e

fiordes segue de perto a orientaccedilatildeo dos principais lineamentos tectoacutenicos

Moreias

Em termos de aspetos deposicionais relacionados com glaciares as moreias satildeo de lon-

ge os mais abundantes Satildeo acumulaccedilotildees de fragmentos rochosos transportados pelos

glaciares quer na regiatildeo frontal (moreia frontal) lateral (moreia lateral) a meio (moreia

mediana) e no fundo (moreia de fundo)

Durante o uacuteltimo maacuteximo glaciar (haacute cerca de 20 000 anos) a Islacircndia estava quase

toda coberta por glaciares que se estendiam ateacute agrave costa e para aleacutem dela Foram encon-

tradas moreias frontais dessa eacutepoca a cerca de 130 km a offshore da costa ocidental e a

cerca de 150-230 m abaixo do niacutevel de mar atual

Eacute possiacutevel encontrar nos vales glaciares islandeses quer moreias antigas resultantes

da uacuteltima glaciaccedilatildeo quer moreias recentes e atuais Estas uacuteltimas estatildeo relacionadas com

as 4 grandes calotes glaciares existentes como eacute o caso das moreias do glaciar Vatna-

joumlkull que se podem observar em pleno no setor sudeste da ilha

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Lagoas glaciares e icebergues

Outra das paisagens magniacuteficas moldadas pelos glaciares satildeo as lagoas glaciares Estas

lagoas formam-se na extremidade dos glaciares que descem das calotes glaciares Satildeo

alimentadas pelo desgelo natural dos glaciares e nela flutuam pequenos e grandes iceber-

gues que se separam da frente do glaciar (FIGURA 3)

FIGURA 3 Esquema 3D (sem escala) da formaccedilatildeo de icebergues numa lagoa glaciar

O exemplo mais notaacutevel deste tipo de lagoas na Islacircndia eacute a lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten consi-

derada uma das maravilhas naturais do paiacutes Fica situada no sudeste da ilha na extremidade

do glaciar Breiethamerkurjoumlkull uma das liacutengua glaciares da calote de Vatnajoumlkull (FIGURA 4)

FIGURA 4 Icebergues na lagoa glaciar de Joumlkulsaacuterloacuten Ao fundo vecirc-se a frente do glaciar Breiethamerkurjoumlkull As faixas negras nos icebergues satildeo niacuteveis de cinza vulcacircnica

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A lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten eacute o ponto mais baixo da Islacircndia com zonas agrave cota de -200 m Na

baiacutea da lagoa tem-se acesso a uma paisagem de outro mundo com icebergues de dimen-

sotildees variadas que flutuam ateacute ao mar ficando alguns deles encalhados na margem de uma

praia de areia vulcacircnica Alguns icebergues exibem faixas negras correspondentes a niacuteveis

de cinzas vulcacircnicas provenientes de antigas erupccedilotildees (FIGURA 4) Outros exibem duas

tonalidades branco leitoso e azul claro A faixa azul corresponde agrave porccedilatildeo do icebergue

que se tornou recentemente emersa

A lagoa teraacute sido formada em 1934-35 pelo contiacutenuo recuo do glaciar Vatnajoumlkull e teraacute

duplicado de tamanho nos uacuteltimos 15 anos Dada a taxa atual de recuo do glaciar Vatna-

joumlkull um profundo fiorde iraacute desenvolver-se no local onde hoje existe a lagoa

As costas escarpadas

As costas escarpadas e recortadas satildeo sem duacutevida as mais dominantes Ocorrem deste o

oeste ao leste da ilha passando pela regiatildeo norte incisas por numerosos fiordes e peque-

nas enseadas e salpicadas por leixotildees Eacute notaacutevel pela sua forma de dragatildeo e pelas lendas

que o envolvem o leixatildeo de Hvitserkur (IMAGEM DA PAGINA 42) situado na costa leste da

Peniacutensula de Vatnsnes no noroeste da Islacircndia

Os fiordes mais profundos localizam-se na costa norte constituindo bons portos natu-

rais Um destaque especial vai para o fiorde ao longo do qual se estende a cidade de Aku-

reyri (fiorde de Akureyri ou Eyjafjoumlrethur) considerado o mais longo do paiacutes

Praias de areia Negra

As praias de areia negra em geral de reduzida extensatildeo podem ser constituiacutedas por i) de-

poacutesitos resultantes da abrasatildeo das arribas ii) moreias e depoacutesitos fluviais resultantes dos

rios glaciares com contornos suaves e lagoas glaciares protegidas por extensas barras

arenosas iii) depoacutesitos de tefra provenientes de erupccedilotildees freaacuteticas

As do primeiro tipo ocorrem um pouco por toda a linha de costa como resultado da accedilatildeo

do mar sobre as arribas As do segundo tipo ocorrem dominantemente entre Djuacutepivogur a

sudeste e Oumllfusaacute a sudoeste com destaque para a praia de Reynisfjara na costa sul As

da terceira categoria podem ser observadas na ilha de Heimaey arquipeacutelago de Vestman-

naeyja regiatildeo sul da Islacircndia

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018048

IMA

GE

M E

M D

ES

TAQ

UE

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Eu crio as minhas obras de arte de peque-

nos pedaccedilos de papel com espirais que co-

nectam e ligam os elementos a uma grande

estrutura Na obra de origami acabada a

que chamo Voltinhas estas espirais vivem

e trabalham Forccedilas de tensatildeo e fricccedilatildeo

contrapotildeem-se agrave gravidade e mantecircm a

forma estaacutevel Nas minhas criaccedilotildees procu-

ro estar perto da natureza Quando criamos

ou estudamos modelos de papel na macro

escala podemos entender melhor as for-

mas criadas pela natureza na micro escala

A minha obra de origami na capa o trabalho

intitulado ldquoInverno num parque de Lisboardquo e

o capsiacutedeo do viacuterus Canine parvovirus um viacute-

rus contagioso que ataca sobretudo os catildees

e outros caniacutedeos tecircm a mesma estrutura

geomeacutetrica do pequeno rombicosidodecae-

dro um poliedro com simetria icosaeacutedrica

Essa obra invoca simbolicamente o Ano

da Biologia Matemaacutetica 2018 O origami eacute

uma arte de dobragem do papel com uma

forte componente geomeacutetrica que permite

a construccedilatildeo de formas complexas e tem

atraiacutedo o interesse de matemaacuteticos pelas

suas propriedades geomeacutetricas e algeacutebricas

Krystyna Burczyk

Os viacuterus satildeo responsaacuteveis por inuacutemeras

doenccedilas no homem nos animais e nas plan-

tas e as curas e prevenccedilotildees satildeo ainda mui-

tas vezes problemaacuteticas Desenvolvimen-

tos recentes das aplicaccedilotildees da matemaacutetica

agrave virologia nomeadamente das teorias de

grupos de grafos de tesselaccedilatildeo ou de re-

ticulados mostraram por exemplo que as

restriccedilotildees estruturais agraves formas dos viacuterus

satildeo maiores do que antes se pensava e

permitiram a construccedilatildeo de novos modelos

para o desenvolvimento de terapias anti-

-virais Os capsiacutedeos virais que envolvem

os genomas dos viacuterus por razotildees de eco-

nomia geneacutetica tem muitas vezes uma si-

metria icosaeacutedrica Ora esta simetria natildeo eacute

cristalograacutefica em trecircs dimensotildees ie natildeo

eacute compatiacutevel com reticulados perioacutedicos

o que motivou os matemaacuteticos a desen-

volverem novas estruturas no contexto de

grupos de Coxeter natildeo-cristalograacuteficos que

encontraram aplicaccedilatildeo natildeo soacute na virologia

mas tambeacutem noutras estruturas molecula-

res da quiacutemica do carbono

Joseacute Francisco RodriguesUniversidade de Lisboa

Origami e Viacuterusin imagemcasadascienciasorg

Imagem de Canine Parvovirus gerada em VMD Autor Alexandre Lopes Magalhatildees

Page 15: JUNHO 2018 V6 /02 · 2018-09-26 · Matilde Viegas, Maria João Ramos, Pedro Alexandrino Fernandes Stephen Hawking e a sua contribuição para a física teórica Orfeu Bertolami,

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222J v )1()frac12v()1()frac12v( +++-+++= JDxhJBhE eνν J J ][

Ignorando os termos anarmoacutenico e de distorccedilatildeo centriacutefuga ndash indicados entre parecircntese

rectos ndash a energia da transiccedilatildeo vibracional fundamental num oscilador diatoacutemico eacute dada por

ΔEv=0rarrv=1 = hν + B[J(J+1)minusJrsquo(Jrsquo+1)]

onde J eacute o nuacutemero quacircntico rotacional do estado inicial v=1 e Jrsquo eacute o nuacutemero quacircntico

rotacional do estado final v = 1

A FIGURA 4 ilustra as transiccedilotildees que correspondem a Jrsquo=J-1 Jrsquo=J e Jrsquo=J+1 e a FIGURA 5

apresenta o espectro observado para o oscilador diatoacutemico real HCl No espectro real o efeito

da anarmonicidade do oscilador no valor de B eacute evidente

FIGURA 4 Esquema simplificado das transiccedilotildees roto-vibracionais numa moleacutecula diatoacutemica Os niacuteveis natildeo estatildeo agrave escala As transiccedilotildees com Jrsquo=J-1 (a verde) originam as bandas do Ramo P e as transiccedilotildees com Jrsquo=J+1 (a azul) originam o Ramo R As transiccedilotildees com Jrsquo=J (a amarelo) originam o Ramo Q mas natildeo satildeo permitidas em moleacuteculas diatoacutemicas

FIGURA 5 Espectro roto-vibracional da moleacutecula diatoacutemica HCl com a indicaccedilatildeo da posiccedilatildeo do Ramo Q (transiccedilotildees natildeo permitidas por regra de seleccedilatildeo) Notar que todos os sinais aparecem desdobrados em dois uma amostra real de HCl conteacutem as formas isotoacutepicas H35Cl e H37Cl a que correspondem diferentes valores de B Notar tambeacutem que o espaccedilamento entre bandas no ramo P eacute maior que no ramo R no estado fundamental v=0 a distacircncia interatoacutemica meacutedia eacute menor do que para v=1 pelo que B gt Brsquo Notar que a transiccedilatildeo Jrsquo=J eacute proibida pelo que natildeo aparece a banda Q

(6)

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O crescimento exponencial de populaccedilotildees Euler ou Malthus Suzana NaacutepolesUniversidade de Lisboa

Em 1798 no livro An Essay on the Principle of Population que teve seis ediccedilotildees Thomas

Malthus (1766-1864) um cleacuterigo e erudito inglecircs influente nos campos da economia po-

liacutetica e da demografia escreveu

ldquoA populaccedilatildeo quando natildeo controlada aumenta em progressatildeo geomeacutetrica A subsistecircncia

aumenta apenas em progressatildeo aritmeacutetica Um pequeno conhecimento dos nuacutemeros mostra-

raacute a imensidatildeo do primeiro poder em comparaccedilatildeo com o segundoldquo

Malthus natildeo tentou traduzir matematicamente o seu modelo de crescimento Limitou-se a

caraterizaacute-lo pressupondo que a taxa segundo a qual a populaccedilatildeo cresce num determinado

instante eacute proporcional agrave populaccedilatildeo total nesse mesmo instante

Numa revisatildeo da primeira ediccedilatildeo discutiu em detalhe os obstaacuteculos para o crescimento

da populaccedilatildeo em vaacuterios paiacuteses nomeadamente atraso no casamento aborto infanticiacutedio

fome guerra epidemias e fatores econoacutemicos Para ele o casamento retardado era a melhor

opccedilatildeo para estabilizar a populaccedilatildeo

Para caraterizar matematicamente este modelo considerando o crescimento em anos

consecutivos e supondo uma taxa de crescimento r em cada ano se num ano n a popula-

ccedilatildeo eacute Pn no ano seguinte a populaccedilatildeo seraacute Pn +1= (1 + r ) Pn pelo que Pn+1= (1 + r ) n P0 e o

crescimento eacute descrito por uma progressatildeo geomeacutetrica de razatildeo 1 + r

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15FIGURA 1 Thomas Malthus

Supondo uma variaccedilatildeo contiacutenua do tempo e designando por P(t) a populaccedilatildeo no instante

t e por r a taxa de crescimento por unidade de tempo a equaccedilatildeo diferencial que traduz o

modelo contiacutenuo preconizado por Malthus eacute Prsquo(t) = r P(t) Entatildeo P(t) = ke r t com k constante

Como P(0) = k e P0 o nuacutemero de indiviacuteduos no ano zero a evoluccedilatildeo da populaccedilatildeo eacute dada

por P(t) = P0 e rt

Acontece que 50 anos antes em Introductio in analysin infinitorum no VI capiacutetulo

ldquoDe quantidades exponenciais e logaritmosrdquo para ilustrar a grande utilidade das ta-

belas de logaritmos para abreviar caacutelculos numeacutericos o matemaacutetico suiacuteccedilo Leonhard

Euler (1707-1783) daacute vaacuterios exemplos que envolvem o crescimento populacional de

que transcrevemos os exemplos II e III

FIGURA 2 Leonhard Euler e o seu Introductio in analysin infinitorum

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Exemplo II

ldquoSe a populaccedilatildeo em certa regiatildeo aumenta anualmente um trigeacutesimo e por outro lado laacute

habitavam no princiacutepio 100000 pessoas pergunta-se qual o nuacutemero de habitantes apoacutes

100 anos

Seja o nuacutemero inicial = n pelo que n = 100000 passado um ano o nuacutemero de habitantes

seraacute = (1+301 )n=30

13 n depois de dois anos = S X3013 2

n ao cabo de trecircs = S X3013 3

n e daqui

depois de 100 anos seraacute = S X3013 100

n = S X3013 100

100000 cujo logaritmo eacute = 100 l 1013 +

l 100000 E l 1013 = l 31 - l 10 = 0014240439 de onde 100 l 10

13 = 14240439 que somando-

-lhe l 100000 = 5 seraacute o logaritmo do nuacutemero de habitantes procurado = 64240439 a que

corresponde o nuacutemero 2654874

Assim ao cabo de 100 anos seraacute mais de vinte e seis vezes maiorrdquo

Este exemplo publicado em 1748 eacute meio seacuteculo antes a concretizaccedilatildeo do ldquoModelo Mal-

thusianordquo para uma populaccedilatildeo de 100000 habitantes e uma taxa de crescimento anual de

130

No exemplo seguinte Euler faz alusatildeo ao capiacutetulo 7 do Livro do Genesis que relata como

um diluacutevio reduziu a populaccedilatildeo da terra a seis seres humanos

Exemplo III

ldquoComo a humanidade se espalhou apoacutes o diluacutevio por obra de seis seres humanos se o nuacute-

mero destes alcanccedilar duzentos anos depois o nuacutemero 1000000 pergunta-se em que parte

deveria crescer anualmente o nuacutemero de humanos

Se aumentar em cada ano x1 duzentos anos depois o nuacutemero de humanos seria =

xx1 200+S X 6 = 1000000 e por tanto x

16

1000000 2001

+ = S Xx

Portanto l x1

2001+ =x l

61000000 =200

1 52218487 = 00261092

e assim =x1+x

10000001061963 e 1000000 = 61963x donde x =16 aproxidamente

Bastaraacute pois que os humanos aumentem por ano a sua deacutecima sexta parte [] Contudo se

o nuacutemero de homens tivesse crescido na mesma proporccedilatildeo durante um intervalo de 400

anos deveria chegar a 1000000 10000006

= 166666666666 cujo sustento a terra inteira

natildeo seria de forma alguma capaz de darrdquo

Euler ao abordar o crescimento das populaccedilotildees tinha uma preocupaccedilatildeo matemaacutetica ndash a

de mostrar a utilidade dos logaritmos ndash que ilustrou com exemplos

Mas a observaccedilatildeo anterior leva a crer que ele considerou o modelo exponencial desade-

quado para o estudo do crescimento populacional

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A populaccedilatildeo de Portugal espelha bem a falecircncia deste modelo Segundo dados do Ins-tituto Nacional de Estatiacutestica nos duzentos anos que decorreram entre 1770 e 1970 a

populaccedilatildeo nem chegou a triplicar

TABELA 1 Populaccedilatildeo de Portugal entre 1422 a 1890

Popuccedilatildeo de Portugal (INE Lisboa)

Ano Total Variaccedilatildeo Ano Total Variaccedilatildeo

1422 1 043 274 - 1900 5 423 132 +74

1527 1 262 376 +210 1911 5 960 056 +99

1636 1 100 000 -129 1920 6 032 991 +12

1736 2 143 368 +949 1930 6 825 883 +131

1770 2 850 444 +330 1940 7 722 152 +131

1776 3 352 310 +176 1950 8 441 312 +93

1801 2 931 930 -125 1960 8 851 289 +49

1811 2 876 602 -19 1970 8 568 703 -32

1838 3 200 000 +112 1981 9 852 841 +150

1849 3 411 454 +66 1991 9 862 540 +01

1864 4 188 410 +228 2001 10 356 117 +50

1878 4 550 699 +86 2007 10 617 575 +25

1890 5 049 729 +110

Quanto a Malthus as suas preocupaccedilotildees eram de natureza poliacutetica e legislativa To-

mou como certo um crescimento exponencial da populaccedilatildeo mundial que conduziria a

uma cataacutestrofe por ausecircncia de recursos e para o travar sugeriu o recurso a poliacuteticas

adequadas Ao publicitar o modelo exponencial - que ficou conhecido como Modelo

Malthusiano - ligando-o a problemas legislativos reais abriu caminho para que dife-

rentes matemaacuteticos se dedicassem agrave modelaccedilatildeo do crescimento populacional

Em 1844 o matemaacutetico belga Pierre Verhulst (1804-1849) propocircs no artigo Recherches

matheacutematiques sur la loi drsquoaccroissement de la population um modelo em que considera que

agrave medida que a populaccedilatildeo se aproxima de um valor maacuteximo a taxa de crescimento diminui

ldquoO aumento virtual da populaccedilatildeo eacute portanto limitado pelo tamanho e pela fertilidade do paiacutes

Como resultado a populaccedilatildeo fica cada vez mais proacutexima de um estado estaacutevelrdquo

Designado por P(t) a populaccedilatildeo no instante t por r a taxa de crescimento por unidade

de tempo e por M o nuacutemero maacuteximo de indiviacuteduos que a regiatildeo pode suportar este modelo

exprime-se pela equaccedilatildeo diferencial

( )dt

dP rP MP t

1= -T Y

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cuja soluccedilatildeo eacute

( )( ) ( )( )

P t

MP eP e

10 10

rt

rt

=+

-

Se P(t) for muito pequeno face a M tem-se que ( )dt

dP rP MP t

1= -T Y cong r P(t) que tem a soluccedilatildeo P(t) cong P(0) e rt

e o crescimento eacute exponencial

FIGURA 4 Pierre Franccedilois Verhulst e o graacutefico da curva logiacutestica

Agrave medida que t cresce a populaccedilatildeo aproxima-se assintoticamente de M A equaccedilatildeo diferen-

cial que carateriza este modelo eacute atualmente designada por equaccedilatildeo logiacutestica e a populaccedilatildeo

maacutexima M por capacidade de carga Com Verhulst relativizou-se ldquoa hipoacutetese da progressatildeo

geomeacutetrica uma vez que ela soacute se pode verificar em circunstacircncias muito especiais por exem-

plo quando um territoacuterio feacutertil de tamanho quase ilimitado passa a ser habitado por pessoas

com uma civilizaccedilatildeo avanccedilada como foi o caso das primeiras coloacutenias americanasrdquo

Essa equaccedilatildeo foi retomada por vaacuterios matemaacuteticos e adaptada a contextos variados

Satildeo de realccedilar os casos em que a capacidade de carga varia como o tempo conduzindo

ao modelo caraterizado pela equaccedilatildeo diferencial

dtdP rP M

P1= -T Y( )t

onde a capacidade de carga M(t) = M(t +T) varia periodicamente com periacuteodo T

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FIGURA 5 A demografia eacute instrumental para o controlo das populaccedilotildees humanas

Desde o seacuteculo XVIII que o estudo da dinacircmica das populaccedilotildees eacute objeto de modelaccedilatildeo

matemaacutetica Na atualidade existem outros modelos de crescimento hiperboacutelicos expo-

nenciais logiacutesticos ou baseados noutras funccedilotildees Baseada nos modelos populacionais

do matemaacutetico Song Jian a Repuacuteblica Popular da China em 1980 entatildeo a atingir o biliatildeo

de habitantes instaurou uma poliacutetica estrita de filho uacutenico Essa lei foi flexibilizada em

2015 aumentando para dois o nuacutemero maacuteximo de filhos para fazer frente ao envelheci-

mento da populaccedilatildeo e agrave reduccedilatildeo do grupo de trabalhadores na faixa etaacuteria considerada

economicamente ativa

Muitos dos pareceres cientiacuteficos nas mais diversas aacutereas baseiam-se em modelos ma-

temaacuteticos que podem permitir fazer estimativas e previsotildees mas hellip ao olhar para o cres-

cimento populacional ao longo dos tempos verificamos que os modelos matemaacuteticos satildeo

instrumentais na anaacutelise da dinacircmica das populaccedilotildees

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Artroacutepodes Miguel Santos

Rubim Almeida

Sara C Antunes

DB CIBIO InBIO CIIMAR Universidade do Porto

Artroacutepodes (Arthropoda do grego arthro = articulado + podos = peacutes) satildeo o grupo taxonoacutemi-

co mais diversificado com distribuiccedilatildeo por quase todo o globo e ocupando todos os habitats

Satildeo organismos invertebrados com exosqueleto riacutegido apresentando apecircndices articula-

dos (patas antenas) e de nuacutemero diferenciado de acordo com o subfilo a que pertencem

Os artroacutepodes constituem um dos mais diversos grupos de organismos do planeta com-

preendendo espeacutecies que variam de 0085 mm (Tantalacus dieteri um crustaacuteceo parasita)

ateacute 38 m (envergadura do Caranguejo-aranha-gigante) Os organismos pertencentes a

este grupo encontram-se praticamente em todos os tipos de habitat A razatildeo do sucesso

evolutivo deste grupo taxonoacutemico deve-se a um conjunto de carateriacutesticas uacutenicas i) pos-

suiacuterem um exosqueleto proteico-quitinoso flexiacutevel leve e resistente que protege contra a

desidrataccedilatildeo ii) segmentaccedilatildeo do corpo e a presenccedila de apecircndices articulados especia-

lizados iii) oacutergatildeos sensoriais bem desenvolvidos (antenas sedas sensoriais olhos com-

postos olhos pedunculados ocelos quimiorrecetores nas antenas) iv) metamorfose com

diferentes estaacutedios de desenvolvimento incluindo estaacutedios larvares que podem ter um

modo de vida completamente diferente do adulto permitindo um aproveitamento de outros

recursos (alimento e espaccedilo) reduzindo a competiccedilatildeo entre indiviacuteduos da mesma espeacutecie

v) padrotildees comportamentais complexos revelando por vezes organizaccedilatildeo comunitaacuteria e

vi) sistema respiratoacuterio diverso nomeadamente o sistema traqueal onde o ar entra em

contacto direto com os tecidos devido a um eficiente sistema de tubos (traqueias) com

orifiacutecios na superfiacutecie do tegumento (espiraacuteculos) No entanto a origem e a taxonomia

deste grupo ainda constituem um tema de investigaccedilatildeo e debate Mesmo apesar dos avan-

ccedilos em aacutereas como a biologia molecular que fornece importantes conhecimentos sobre

as complexas relaccedilotildees evolutivas destes organismos muito ainda haacute por descobrir Os

artroacutepodes satildeo um grupo extremamente importante nos ecossistemas terrestres devido

natildeo soacute agrave sua enorme abundacircncia e diversidade mas tambeacutem ao grande nuacutemero de funccedilotildees

que desempenham nestes ecossistemas (ex degradaccedilatildeo da mateacuteria orgacircnica arejamento

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21

do solo ciclagem de nutrientes) O filo Arthropoda estaacute atualmente subdividido em cinco

subfilos Trilobitomorpha Crustacea Myriapoda Chelicerata e Hexapoda

O subfilo Trilobitomorpha (trilobites e os seus parentes) compreende cerca de 20 000

espeacutecies que viviam exclusivamente em ambientes marinhos e que atualmente se encon-

tram todas extintas Contudo a sua vasta distribuiccedilatildeo geograacutefica e o exosqueleto de carbo-

nato de caacutelcio permitiram que este grupo apresente um extenso registo foacutessil observaacutevel

por todo o planeta

Crustacea inclui caranguejos camarotildees e lagostas contendo mais de 60 000 espeacute-

cies e com um extenso registo foacutessil em todo o mundo eacute um dos principais grupos de

artroacutepodes A maioria dos crustaacuteceos vive em ambientes marinhos mas existem vaacuterias

espeacutecies que podem ser encontradas em ecossistemas de aacutegua doce (ordem Cladocera e

sub-classe Copepoda) e em ambientes terrestres (ordem Isopoda FIGURA 1) Apesar da

grande maioria dos crustaacuteceos serem de vida livre existem vaacuterios grupos parasitas (ex

Rhizocephala ndash crustaacuteceos cirriacutepedes parasitas de caranguejos e camarotildees Argulidae ndash

crustaacuteceos parasitas de peixes e Pentastomida ndash vermes liacutengua que parasitam o sistema

respiratoacuterio de vertebrados) Numa perspetiva diferente e de interesse econoacutemico este

grupo apresenta ainda um valor acrescido jaacute que alguns crustaacuteceos decaacutepodes como la-

gostas e camarotildees satildeo intensivamente consumidos em todo o mundo Para aleacutem da sua

importacircncia econoacutemica este grupo de organismos eacute bastante utilizado em investigaccedilatildeo

cientiacutefica nomeadamente em ecotoxicologia na avaliaccedilatildeo do efeito de contaminantes no

solo

FIGURA 1 Exemplares de organismos da ordem Isopoda (bicho-da-conta) 1 ndash famiacutelia Armadillidae 2 ndash famiacutelia Porce-llionidae em A - vista dorsal e em B - vista ventral

O subfilo Myriapoda inclui as centopeias e os miliacutepedes conteacutem mais de 11 000

espeacutecies descritas Este subfilo eacute tradicionalmente dividido em quatro classes Chi-

lopoda (centopeias) (FIGURA 2) Diplopoda (miliacutepedes) Pauropoda (ldquopoucos peacutesrdquo) e

Symphyla (pseudocentopeias) Todos os miriaacutepodes conhecidos satildeo terrestres e o seu

tamanho varia desde alguns miliacutemetros a cerca de 38 centiacutemetros (Millipede Gigante

Africano)

1

2

A B

15cm

AR

TIG

O

22

FIGURA 2 Vista dorsal A - e ventral B - de um organismo pertencente agrave classe Chilopoda onde se pode observar o corpo segmentado e apenas com um par de patas por segmento

O subfilo Chelicerata (aranhas aranhas do mar escorpiotildees e aacutecaros) conteacutem mais

de 113 000 espeacutecies distribuiacutedas em duas classes principais Pycnogonida (aranhas do

mar) e Arachnida (aranhas escorpiotildees e aacutecaros) Pycnogonida o grupo das aranhas

do mar conteacutem mais de 1 300 espeacutecies descritas mas estudos detalhados sobre esses

animais e as suas relaccedilotildees evolutivas ainda satildeo escassos Estes organismos geralmente

tecircm seis ou oito olhos e quatro a seis pares de patas A classe Arachnida compreende os

organismos mais conhecidos do subfilo Chelicerata como aranhas escorpiotildees e aacutecaros

Os indiviacuteduos pertencentes a este grupo natildeo possuem antenas tecircm quatro pares de

patas um par de queliacuteceras (1ordm par de apecircndices do prossomacabeccedila) e pedipalpos

(2ordm par de apecircndices do prossomacabeccedila) As aranhas (ordem Araneae) (FIGURA 3) satildeo

provavelmente o grupo mais icoacutenico e bem estudado deste subfilo presentes na maioria

dos ambientes terrestres e constituindo um dos grupos mais importantes de artroacutepodes

do solo Outros organismos colocados na mesma classe como escorpiotildees aacutecaros ou

opiliotildees tambeacutem constituem grupos extremamente variados com importantes funccedilotildees

ecoloacutegicas (ex decomposiccedilatildeo de mateacuteria orgacircnica e controlo de organismos principal-

mente atraveacutes de predaccedilatildeo)

FIGURA 3 Vista dorsal A - e ventral B - de um exemplar da ordem Araneae (famiacutelia Gnaphosidae) sendo possiacutevel obser-var o corpo dividido em cefalotoacuterax e abdoacutemen os quatro pares de patas as queliacuteceras (q) e os pedipalpos (p)

O subfilo Hexapoda (Hexa (seis) e Poda (peacute)) engloba os insetos e os seus parentes

compreende o grupo mais diverso e abundante de organismos com mais de 1 milhatildeo de

espeacutecies conhecidas Este subfilo eacute frequentemente dividido em organismos da clas-

A B

A B

14cm

p

q

35cm

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O

23

se Insecta (FIGURA 4) e da classe Entognatha Esta uacuteltima inclui os colecircmbolos (ordem

Collembola) (FIGURA 5) cabeccedilas de cone e bichos de prata (ordem Protura) e cerdas de

duas pontas (ordem Diplura) Na classe Entognatha as partes bucais dos organismos

estatildeo retraiacutedas dentro das suas cabeccedilas contrariamente ao que se observa na classe In-

secta que satildeo ectognantes Os colecircmbolos constituem um dos grupos mais abundantes

de artroacutepodes do solo podendo ser encontrados mais de 100 000 indiviacuteduos num metro

quadrado Estes satildeo organismos cosmopolitas com mais de 8 000 espeacutecies descritas Os

colecircmbolos satildeo pequenos organismos com tamanho geralmente inferior a 6-8 mm de

forma ciliacutendrica ou globular apresentando olhos simples e antenas moniliformes Muitas

espeacutecies possuem um apecircndice bifurcado (fuacutercula) no final do abdoacutemen permitindo que

estes organismos saltem quando ameaccedilados (FIGURA 5) Os colecircmbolos tecircm sido ampla-

mente utilizados em estudos ecotoxicoloacutegicos na avaliaccedilatildeo da qualidade do solo e da sauacute-

de destes ecossistemas

FIGURA 4 A - Vista dorsal e B - vista ventral de exemplares de algumas ordens da classe Insecta

FIGURA 5 Vista lateral de exemplares da ordem Collembola

A classe Insecta eacute a classe com maior nuacutemero de organismos compreendendo mais

de metade das espeacutecies eucarioacuteticas descritas atualmente englobando mais de 1 milhatildeo

de espeacutecies que habitam praticamente todos os ecossistemas Os insetos sendo o grupo

Ordem

Coleoptera

Ordem

Diptera

Ordem

Hemiptera

Ordem

Orthoptera

Ordem

HimenopteraA A A A

B B B B

075cm

027cm14cm016cm

09cm

22cm

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O

24

mais diversificado de seres vivos apresentam as mais variadas e interessantes adap-

taccedilotildees anatoacutemicas e morfoloacutegicas Pensa-se que a sua enorme riqueza e abundacircncia eacute

devida a uma combinaccedilatildeo de carateriacutesticas vantajosas como a coevoluccedilatildeo com plan-

tas a miniaturizaccedilatildeo e a capacidade de voo Os insetos desempenham ainda um papel

importantiacutessimo no funcionamento dos ecossistemas realizando funccedilotildees quer de pre-

dadores quer de presa estando envolvidos em inuacutemeras teias alimentares (ex reciclan-

do nutrientes fazendo a manutenccedilatildeo da estrutura e fertilizaccedilatildeo dos solos) Destaca-se

tambeacutem o facto de vaacuterios insetos voadores como abelhas ou borboletas atuarem como

polinizadores de muitas espeacutecies de plantas Esta eacute uma funccedilatildeo ecoloacutegica importante

com vaacuterias repercussotildees econoacutemicas porque mais de 30 das culturas alimentares

mundiais dependem da polinizaccedilatildeo Os insetos possuem ainda um papel importante em

investigaccedilatildeo cientiacutefica sendo muitas vezes utilizados como organismo modelo dado pos-

suiacuterem carateriacutesticas distintas como o seu tamanho reduzido tempos de geraccedilatildeo curtos

e elevada fecundidade O exemplo de excelecircncia eacute a mosca da fruta Drosophila melano-

gaster cujo genoma eacute jaacute conhecido na totalidade sendo esta espeacutecie utilizada frequente-

mente para estudar vaacuterios processos celulares (ex o envelhecimento a hereditariedade

e o desenvolvimento embrionaacuterio) Apesar de constituiacuterem um grupo tatildeo interessante

beneacutefico e necessaacuterio agrave manutenccedilatildeo do equiliacutebrio dos ecossistemas existem algumas

desvantagens associadas aos insetos como eacute o caso de serem vetores na transmissatildeo

de doenccedilas Eacute o caso da malaacuteria transmitida por um mosquito do geacutenero Anopheles a

doenccedila parasitaacuteria mais disseminada com vaacuterios milhotildees de humanos infetados em todo

o mundo O dengue e o zika satildeo doenccedilas em que o vetor de transmissatildeo eacute tambeacutem um

mosquito do geacutenero Aedes Na agricultura as pragas de insetos (ex gorgulhos gafa-

nhotos afiacutedios) satildeo responsaacuteveis por prejudicar as culturas agriacutecolas e a produccedilatildeo de

alimentos causando perdas econoacutemicas elevadas

Sabe-se que atualmente a perda de habitat e as mudanccedilas climaacuteticas satildeo alguns dos

fatores responsaacuteveis por decliacutenios significativos nas populaccedilotildees deste grupo de orga-

nismos Esse decliacutenio apresenta uma elevada preocupaccedilatildeo ecoloacutegica uma vez que estes

organismos desempenham muacuteltiplas e importantes funccedilotildees nos ecossistemas No en-

tanto a conservaccedilatildeo deste grupo animal permanece um grande e urgente desafio que eacute

preciso enfrentar

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Biocombustiacuteveis seratildeo a soluccedilatildeo Matilde Viegas

Maria Joatildeo Ramos

Pedro Alexandrino Fernandes

UCIBIO REQUIMTEUniversidade do Porto

ldquoA 21 de Fevereiro de 2018 o niacutevel de poluiccedilatildeo de partiacuteculas finas com diacircmetro inferior

a 10 μm PM10 atingiu em Paris niacuteveis alarmantes com um pico correspondente

ao dobro do limite maacuteximo A Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) recomenda natildeo

exceder este limite maacuteximo por mais de trecircs dias por ano Com este recente pico os

parisienses jaacute o ultrapassaramrdquo

Em Un pic de pollution laquograveraquo en Ile-de-France Le Monde 22 de Fevereiro de 2018

Esta notiacutecia eacute um dos inuacutemeros exemplos dos efeitos do aquecimento global termo com o

qual estamos cada vez mais familiarizados infelizmente Este fenoacutemeno eacute consequecircncia

de Gases de Efeito de Estufa GEE (dioacutexido de carbono metano e oacutexido de azoto entre

outros) que se acumulam na atmosfera enclausurando o calor e tornando o planeta mais

quente A produccedilatildeo em larga escala de GEEs teve iniacutecio na Revoluccedilatildeo Industrial (1800)

como resultado da combustatildeo de combustiacuteveis foacutesseis (carvatildeo petroacuteleo e gaacutes natural)

para produccedilatildeo de eletricidade aquecimento e transporte

A preocupaccedilatildeo em torno do aquecimento global tornou-se um assunto constante na

agenda poliacutetica sobretudo nas uacuteltimas duas deacutecadas Os primeiros esforccedilos coletivos re-

sultaram no Protocolo de Quioto em 1997 cujo objetivo era a reduccedilatildeo das emissotildees de

GEEs assentando nos argumentos de que i) o aquecimento global era uma realidade e ii) o

CO2 produzido por accedilotildees humanas era o seu grande causador O primeiro periacuteodo do Proto-

colo terminou em 2012 e por isso em 2015 as Naccedilotildees Unidas promoveram a assinatura

do novo Acordo de Paris o qual consiste numa atualizaccedilatildeo do antigo Protocolo de Quioto

com o objetivo de ldquofortalecer a resposta global agrave ameaccedila das alteraccedilotildees climaacuteticas no

contexto de desenvolvimento sustentaacutevel e com esforccedilo para a erradicaccedilatildeo da pobrezardquo

O novo Acordo ao contraacuterio do de Quioto estabelece metas tangiacuteveis e quantitativas O

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objetivo eacute manter o aumento da temperatura meacutedia global abaixo dos 2ordm Celsius face agrave

temperatura global na era preacute-industrial Para atingir tal meta eacute necessaacuterio um esforccedilo

mundial contudo em 2017 com a saiacuteda dos EUA do Acordo de Paris o segundo maior

emissor de GEEs logo a seguir agrave China perdeu-se uma enorme contribuiccedilatildeo Aleacutem do peso

evidente que as suas emissotildees tecircm para o estado atual do aquecimento global em falta

estaratildeo tambeacutem a diplomacia e o encorajamento proporcionados por esta forccedila mundial

No Acordo de Paris uma das claacuteusulas exige a inclusatildeo de energias renovaacuteveis (eoacutelica

mariacutetima solar) e de biocombustiacuteveis no mercado de energia encorajando os paiacuteses a

atingir niacuteveis miacutenimos da sua utilizaccedilatildeo As metas estabelecidas para cada paiacutes vatildeo ao en-

contro ao seu mercado e agraves mateacuterias-primas disponiacuteveis em cada territoacuterio favorecendo o

desenvolvimento da economia

De uma forma generalista os biocombustiacuteveis englobam combustiacuteveis produzidos atra-

veacutes de processos bioloacutegicos como a agricultura e digestatildeo anaeroacutebica em vez de produ-

zidos a partir de processos geoloacutegicos como os necessaacuterios para a formaccedilatildeo de combus-

tiacuteveis foacutesseis Isto inclui o biodiesel (produzido a partir de oacuteleos e gorduras orgacircnicas) e o

bioetanol (aacutelcool produzido atraveacutes de fermentaccedilatildeo microbiana de accediluacutecares seguido de

destilaccedilatildeo e desidrataccedilatildeo) os quais seratildeo o maior foco deste artigo

A partir da deacutecada de 70 foram feitos os primeiros investimentos nos chamados bio-

combustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo (1G) Estes fazem uso de colheitas de produtos agriacuteco-

las como a soja cana-de-accediluacutecar milho oacuteleo de palma entre outros para a produccedilatildeo de

biodiesel e bioetanol atraveacutes de processos de trans-esterificaccedilatildeo ou fermentaccedilatildeo A sua

disponibilidade e facilidade de processamento permitiram a sua inserccedilatildeo e mistura nos

combustiacuteveis atualmente vendidos ao puacuteblico Para 2017 Portugal fixou em 75 (de poder

energeacutetico) a incorporaccedilatildeo de biocombustiacuteveis nos combustiacuteveis dos transportes rodoviaacute-

rios tendo a Uniatildeo Europeia o objectivo de 10 em 2020 para todos os paiacuteses membros

Os biocombustiacuteveis 1G fazem uso da colheita agriacutecola para fins energeacuteticos o que gera

opiniotildees desfavoraacuteveis por parte de ambientalistas (pelo uso exaustivo da terra agriacutecola sem

compensaccedilatildeo desflorestaccedilatildeo e perda de biodiversidade) e problemas eacuteticos tais como os le-

vantados por responsaacuteveis da ONU como o Dr Jean Ziegler que atribui aos biocombustiacuteveis

a culpa pela contiacutenua inflaccedilatildeo dos preccedilos de alimentos exacerbando a atual crise de fome

mundial - ldquoSatildeo necessaacuterios 352Kg de milho para encher um depoacutesito de 50L de um carro Uma

crianccedila na Zacircmbia ou no Meacutexico onde o milho eacute um elemento baacutesico da dieta poderia viver

com esta quantidade de milho um ano inteirordquo Atualmente os maiores produtores destes bio-

combustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo satildeo os EUA e o Brasil utilizando parte da produccedilatildeo global

de cereais e oacuteleos vegetais para a produccedilatildeo de bioetanol e biodiesel causando um ambiente

de profunda preocupaccedilatildeo em volta da sustentabilidade de produccedilatildeo de energia a meacutediolongo

prazo De forma a controlar a inflaccedilatildeo no preccedilo dos alimentos a EU estabeleceu um limite de

7 para o uso de biocombustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo como combustiacutevel de transportaccedilatildeo

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A segunda geraccedilatildeo de biocombustiacuteveis (2G) usa biomassa isto eacute qualquer fonte de car-

bono orgacircnico que eacute rapidamente renovado no ciclo de carbono Os biocombustiacuteveis de

segunda geraccedilatildeo almejam um uso ponderado de desperdiacutecios da induacutestria madeireira e

agriacutecola ou de restos de colheitas agriacutecolas assim que estas preencham o seu propoacutesito

alimentar evitando interferecircncia com o mercado alimentar e natildeo influenciando os preccedilos

dos alimentos baacutesicos

FIGURA 1 Biocombustiacuteveis

A produccedilatildeo de arroz atingiu o seu pico em 2017 gerando 1140 milhotildees de toneladas de

espigas de arroz cujo destino eacute a incineraccedilatildeo compostagem ou eacute simplesmente deposita-

da em aterros Contudo com a 2G de biocombustiacuteveis eacute encontrado potencial energeacutetico

neste desperdiacutecio agriacutecola O seu potencial deve-se agrave mateacuteria lignoceluloacutesica ndash celulose

hemicelulose e lignina ndash presente em todas as plantas incluindo as espigas em diferen-

tes percentagens Este material composto eacute essencial para a estrutura e resistecircncia das

plantas a hemicelulose eacute a matriz que rodeia o esqueleto de celulose enquanto a lignina

funciona como uma camada protetora As possibilidades associadas a este tipo de desper-

diacutecio satildeo inegaacuteveis a sua abundacircncia e facilidade de obtenccedilatildeo tornam-no muito apelativo

Contudo o gasto na recolha e transporte desta mateacuteria suplanta os custos de produccedilatildeo

e o seu uso continuado poderaacute contribuir para a erosatildeo do solo Aleacutem disso para o seu

aproveitamento para produccedilatildeo de biocombustiacuteveis eacute necessaacuterio um preacute-tratamento para

hidrolisar as ligaccedilotildees covalentes entre os trecircs constituintes da mateacuteria lignoceluloacutesica e

permitir a posterior fermentaccedilatildeo anaeroacutebia da celulose produzindo bioetanol Este preacute-

-tratamento eacute visto como outra das desvantagens do processo e estaacute ainda a ser estudado

e otimizado pois de momento as alternativas disponiacuteveis encarecem o produto final e em

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alguns dos casos dependem do uso de quiacutemicos poluentes A esperanccedila estaacute entatildeo de-

positada no estudo de enzimas hidroliacuteticas encontradas em organismos termoacutefilos que

seratildeo capazes de aguentar as difiacuteceis condiccedilotildees de tratamento Contudo a dificuldade em

escalar o processo de fermentaccedilatildeo eacute uma das desvantagens e dos fatores limitantes para

a 2G de biocombustiacuteveis em grande parte devido agrave dificuldade de monitorizar as condiccedilotildees

de fermentaccedilatildeo (oxigeacutenio pH nutrientes etc)

A terceira geraccedilatildeo (3G) de biocombustiacuteveis foi reconhecida como a melhor alternativa

em comparaccedilatildeo com primeira e segunda geraccedilotildees pois surpreendentemente faz uso de

algas A sua enorme disponibilidade por todo o planeta e o facto de natildeo interferirem com os

mercados alimentares satildeo os grandes embaixadores desta mateacuteria-prima como o futuro

dos biocombustiacuteveis Ainda que natildeo seja uma mateacuteria infinita eacute a que de momento mais se

assemelha por existirem 70 000 espeacutecies (30 000 documentadas) Estudos conduzidos

atualmente estatildeo a explorar a viabilidade energeacutetica de 30 espeacutecies de algas explorando a

sustentabilidade facilidade e escalabilidade da sua produccedilatildeo Outras vantagens incluem a

baixa manutenccedilatildeo necessaacuteria para o seu crescimento (luz dioacutexido de carbono e nutrientes

como azoto foacutesforo e potaacutessio) a facilidade com que produzem liacutepidos e carboidratos que

podem posteriormente ser processados em diferentes biocombustiacuteveis e outros copro-

dutos a frequecircncia com que podem ser colhidas ao longo do ano (ao contraacuterio de outras

colheitas convencionais) a baixa percentagem de hemicelulose e a praticamente ausente

lignina facilitam radicalmente o seu preacute-processamento pois a celulose eacute mais facilmente

extraiacuteda As desvantagens desta mateacuteria incluem o enorme investimento inicial para a

construccedilatildeo de infraestruturas para o seu cultivo que pode ser ou ao ar livre (em tanques

de grande dimensatildeo) ou em foto-bioreatores (sistemas fechados altamente controlados)

Prevecirc-se que em 2030 o preccedilo de produccedilatildeo de combustiacutevel a partir de algas seraacute 065 euro

litro de combustiacutevel valor muito proacuteximo do atual preccedilo de produccedilatildeo do litro de gasolina

Comparativamente aos custos de produccedilatildeo de outros biocombustiacuteveis o mais barato con-

tinua a ser o bioetanol produzido a partir de milho (1G) 017 eurolitro seguido de combustiacute-

veis celuloacutesicos (2G) a 032 eurolitro

Eacute evidente que seratildeo necessaacuterios esforccedilos poliacuteticos e cientiacuteficos investimento e regu-

lamentaccedilatildeo adequados para encontrar o caminho ideal para travar o aquecimento global

Em todas as geraccedilotildees de biocombustiacuteveis apresentadas existem fatores que afunilam as

potencialidades destas alternativas indicando que a soluccedilatildeo passa por criar um consoacutercio

entre as vaacuterias possibilidades de forma a tirar o maacuteximo partido sem danificar o planeta ou

piorar a crise da fome O proacuteximo passo passa por substituir os biocombustiacuteveis de 1G por

soluccedilotildees com maior escalabilidade Acreditamos que nas proacuteximas deacutecadas seratildeo cruciais

e depositamos esperanccedila na investigaccedilatildeo cientiacutefica

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018043

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Stephen Hawking e a sua contribuiccedilatildeo para a fiacutesica teoacutericaOrfeu Bertolami

Claacuteudio GomesDepartamento de Fiacutesica e Astronomia CFP Universidade do Porto

A 14 de marccedilo de 2018 o fiacutesico britacircnico Stephen Hawking faleceu aos 76 anos deixando

todavia um importante legado para a fiacutesica teoacuterica muito particularmente para o

entendimento das deficiecircncias intriacutensecas da Relatividade Geral de Einstein para a fiacutesica

dos buracos negros e para a cosmologia a ciecircncia do Universo como um todo

Stephen Hawking doutorou-se em Fiacutesica Teoacuterica em 1966 pela Universidade de Cambridge

sob a supervisatildeo de Dennis Sciama Apesar da sua condiccedilatildeo fiacutesica progressivamente limi-

tativa manteve-se extremamente ativo na investigaccedilatildeo nas aacutereas de cosmologia fiacutesica dos

buracos negros e gravitaccedilatildeo quacircntica

Nessa altura havia uma consideraacutevel discussatildeo acerca da realidade e ubiquidade de sin-

gularidades pontos no espaccedilo-tempo onde a Teoria da Relatividade Geral deixa de fazer sen-

tido e natildeo desaparecendo atraveacutes de mudanccedila de sistemas de coordenadas que descrevem

o espaccedilo-tempo Na segunda metade da deacutecada de 1960 Hawking e o matemaacutetico inglecircs

Roger Penrose demonstraram que essas singularidades eram inevitaacuteveis no contexto da

Teoria da Relatividade Geral (ver para uma descriccedilatildeo exaustiva o livro Large Scale Structure

of Space-Time escrito em colaboraccedilatildeo com o fiacutesico sul-africano George Ellis publicado em

1973) Uma dessas singularidades corresponde ao iniacutecio do Universo ndash Big Bang ndash e outras

estatildeo presentes no interior dos buracos negros natildeo acessiacuteveis agrave observaccedilatildeo devido agrave pre-

senccedila de um horizonte de acontecimentos que segundo a Conjetura da Censura Coacutesmica de

Roger Penrose protegem sempre as singularidades de se apresentarem ldquonuasrdquo

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Subsequentemente em 1975 ele desenvolveu a ideia que os buracos negros deveriam

radiar termicamente a uma temperatura especiacutefica inversamente proporcional agraves suas

massas temperatura esta que hoje designamos por temperatura de Hawking Esta ideia daacute

origem ao paradoxo da informaccedilatildeo em que a informaccedilatildeo que entrava no horizonte de evento

se perdia Com este contributo passou-se a ter uma equivalecircncia entre a dinacircmica e a termo-

dinacircmica de buracos negros

FIGURA 1 Emissatildeo da radiaccedilatildeo teacutermica de Hawking por um buraco negro

No princiacutepio da deacutecada de 1980 Hawking iniciou em colaboraccedilatildeo com o fiacutesico norte-ameri-

cano James Hartle o programa de investigaccedilatildeo que hoje designamos por cosmologia quacircntica

Na cosmologia quacircntica o espaccedilo-tempo eacute descrito por uma funccedilatildeo de onda a funccedilatildeo de onda

do Universo como na Mecacircnica Quacircntica Esta equaccedilatildeo de onda satisfaz uma equaccedilatildeo anaacuteloga

agrave de Schroumldinger da Mecacircnica Quacircntica a equaccedilatildeo de Wheeler-DeWitt A proposta de Hartle

e Hawking eacute que a funccedilatildeo de onda descreva um espaccedilo-tempo sem fronteiras (No-Boundary

proposal) A ideia eacute que agrave medida que retrocedemos no tempo chegamos a um ponto em que

o Universo eacute pequeno o suficiente para que efeitos quacircnticos sejam dominantes Nesta altura

existe uma espeacutecie de ldquoespumardquo do espaccedilo-tempo de tal modo que o tempo natildeo pode ser in-

terpretado do modo como o vemos hoje mas sim como uma quarta dimensatildeo espacial Uma

analogia uacutetil eacute a seguinte se viajarmos para o Polo Sul temos de seguir sempre para sul mas

quando alcanccedilamos o ponto do Polo Sul jaacute natildeo faz sentido falarmos na direccedilatildeo sul pelo mesmo

raciociacutenio ao retrocedermos no tempo haacute um pontoinstante em que natildeo faz sentido falar-se em

tempo Matematicamente isto torna-se possiacutevel passando de um espaccedilo-tempo de Minkowski

como na Relatividade Restrita para um espaccedilo Euclideano a quatro dimensotildees no qual o tempo

passa a ser um nuacutemero puramente complexo Com esta formulaccedilatildeo o Universo natildeo tem uma

fronteira aleacutem daquela que permite a transiccedilatildeo entre as duas descriccedilotildees para o espaccedilo-tempo

e que eacute exemplificado na FIGURA 2 Esta geometria eacute designada por shuttlecock ou volantepena

de badminton devido agrave semelhanccedila com este objeto

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FIGURA 2 Representaccedilatildeo tridimensional do modelo de Hartle-Hawking (no boundary proposal) A base corresponde a uma semiesfera a 4 dimensotildees e a estrutura que apresenta o tempo como uma direccedilatildeo distinta das espaciais corresponte a um Universo em expansatildeo

Hawking tambeacutem estudou outros problemas como o das maacutequinas do tempo e questotildees

relacionadas com a cosmologia e a formaccedilatildeo de estruturas no Universo Com o seu carate-

riacutestico humor Hawking afirmou natildeo ser possiacutevel viajar no tempo Para tal sugeriu organizar

uma festa convidando pessoas do futuro a se juntarem a ele e dado que ningueacutem apa-

receu concluiu entatildeo que viagens no tempo natildeo satildeo possiacuteveis na realidade Outra prova

prende-se com o facto de natildeo termos recebido ainda turistas do futuro numa clara alusatildeo

iroacutenica agrave procura turiacutestica desenfreada que assistimos nos dias de hoje

Mais recentemente ele pronunciou-se sobre questotildees de interesse geral como as im-

plicaccedilotildees do desenvolvimento da inteligecircncia artificial e a necessidade e inevitabilidade

da exploraccedilatildeo espacial Mostrou-se reticente acerca dos desenvolvimentos no domiacutenio da

inteligecircncia artificial classificando-o como possivelmente perigoso para a nossa civiliza-

ccedilatildeo pois apesar dos potenciais benefiacutecios comportam seacuterios riscos agrave continuidade da hu-

manidade Relativamente agrave exploraccedilatildeo espacial Hawking encarava as viagens espaciais

quer pelo seu interesse cientiacutefico quer como forma de preservar a humanidade de riscos

de destruiccedilatildeo devido a guerras nucleares ou epidemias devido a viacuterus geneticamente mo-

dificados

O fiacutesico Stephen Hawking legou-nos uma extraordinaacuteria contribuiccedilatildeo cientiacutefica e huma-

na Deixou um extraordinaacuterio exemplo de resiliecircncia dedicaccedilatildeo ao conhecimento e agrave socie-

dade Fisicamente debilitado e ldquopresordquo a uma condiccedilatildeo rara a esclerose lateral amiotroacutefica

que lhe foi diagnosticada aos 21 anos a sua mente foi das mais livres dos nossos tempos

concebeu hipoacuteteses conjunturas e teorias pensou a sociedade de hoje e a do futuro

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RochaO que eacute importante dizer sobre as rochas

A M Galopim de Carvalho Universidade de Lisboa

Rochas e pedras satildeo a mesma coisa Praticamente a resposta eacute sim Pedra eacute aquilo

que se apanha do chatildeo para dar uma pedrada

Qualquer pessoa mesmo a menos letrada diraacute que as pedras

bull natildeo satildeo fabricadas ou feitas por gente (a ciecircncia diz que satildeo entidades naturais)

bull que natildeo se amolgam (a ciecircncia diz que satildeo riacutegidas)

bull que geralmente natildeo se esboroam nem se esfarela (a ciecircncia diz que satildeo coesas)

bull que fazem mossa onde quer que batam (a ciecircncia diz que satildeo duras) Para o cidadatildeo

comum pedra (do grego peacutetra) eacute pois uma entidade natural riacutegida coesa e dura que se

apanha do chatildeo

Apanhamos uma pedra do chatildeo mas quando estudamos falamos quase sempre de ro-

chas Num modo de falar corrente podemos dizer que as pedras satildeo bocados de rocha

Todos falamos de rocha como sinoacutenimo de pedra com base num conhecimento comum

empiacuterico vulgar ligado agrave experiecircncia quotidiana mesmo do mais iletrado dos cidadatildeos Dize-

mos rochedo quando o afloramento de rocha eacute grande e apelidamos de rochoso um terreno

com a rocha agrave vista Rocha eacute um galicismo que entre noacutes se sobrepocircs ao termo ldquorocardquo bem

mais antigo talvez preacute-romano Cabo da Roca ou ldquoFocinho da Rocardquo no dizer dos homens do

mar deve o seu nome a esta versatildeo arcaica da palavra rocha

O conceito atual de rocha e os vaacuterios conhecimentos com elas relacionados percorreram

uma caminhada tatildeo longa quanto a do Homo sapiens caminhada de que temos testemunhos

na Preacute-histoacuteria e variadiacutessimos relatos escritos desde a Antiguidade

Na sua giacuteria proacutepria entendiacutevel entre pares os profissionais falam de rochas dizendo que

satildeo sistemas quiacutemicos mono ou polifaacutesicos (ou seja com um ou mais minerais) resultantes

do equiliacutebrio termodinacircmico atingido pelos seus constituintes em determinados ambientes

Entendendo-se por constituintes os elementos quiacutemicos incluiacutedos nos respetivos minerais

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Por outras palavras acessiacuteveis ao comum das gentes pode entatildeo dizer-se que as rochas

satildeo corpos naturais formados por associaccedilotildees mais ou menos estaacuteveis de minerais compatiacute-

veis entre si e com o ambiente onde foram gerados e que satildeo elas as rochas que constituem

a capa riacutegida da Terra que por essa razatildeo recebeu o nome de litosfera (FIGURA 1)

FIGURA 1 Modelado Graniacutetico na Serra da Estrela (fonte banco de imagens da Casa das Ciecircncias)

Antes de prosseguir esclareccedila-se que no jargatildeo proacuteprio da mineralogia e da geoquiacutemica

os minerais satildeo considerados fases no sentido fiacutesico-quiacutemico da palavra Com efeito neste

sentido uma fase eacute uma porccedilatildeo de mateacuteria quiacutemica e estruturalmente homogeacutenea e uma

qualquer espeacutecie mineral eacute isso mesmo

Por convenccedilatildeo na sistemaacutetica em sedimentologia entre as rochas sedimentares cabem

certos materiais natildeo consolidados como os barros as areias soltas as cascalheiras e ainda

outros de natureza natildeo mineral como os carvotildees foacutesseis e o petroacuteleo (oacuteleo de pedra) Cha-

mar rochas ou pedras a estes materiais agraves vezes tatildeo afastados da imagem vulgar de ldquocoisa

dura riacutegida e coesardquo decorre do conceito geoloacutegico de rocha no qual se inclui o modo de

ocorrecircncia e o respetivo processo de formaccedilatildeo (petrogeacutenese)

A mecacircnica das rochas (disciplina que estuda certas propriedades das rochas como resis-

tecircncia ao esmagamento agrave traccedilatildeo agrave torccedilatildeo agrave flexatildeo porosidade permeabilidade e outras)

define-as como entidades sempre riacutegidas e coesas e duras como tambeacutem se diz vulgarmen-

te com capacidade de suportar cargas e que na eventualidade de terem de ser escavadas ou

removidas haacute que usar tecnologias com explosivos Este conceito corresponde aliaacutes agrave ideia

mais divulgada de rocha como atraacutes se referiu Eacute o bedrock dos autores ingleses

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FIGURA 2 Processo de meteorizaccedilatildeo fiacutesica essencialmente por corrosatildeo eoacutelica em rochas sedimentares (arenitos) (fonte banco de imagens da Casa das Ciecircncias)

Aleacutem das muitas que conhecemos na Terra jaacute estudaacutemos rochas do nosso sateacutelite natural

nomeadamente basaltos e anortositos trazidos da sua superfiacutecie Mercuacuterio Veacutenus e Marte satildeo

tambeacutem planetas rochosos e igualmente rochosos ou pedregosos satildeo ainda os nuacutecleos dos co-

metas e muitos dos asteroides de que temos conhecimento pelos meteoritos caiacutedos na Terra

Quando se apelidam as rochas de magmaacuteticas sedimentares (FIGURA 2) ou metamoacuterficas

natildeo se estaacute apenas a rotulaacute-las para efeitos de arrumo ou arquivo muito menos se estatildeo a

criar novos vocaacutebulos para sobrecarga dos estudantes ou do cidadatildeo em geral Estes adjeti-

vos acrescentados agrave palavra rocha informam de imediato sobre a sua origem

bull magmaacutetica ou sedimentar qualquer delas em resultado de processos naturais faacuteceis de

entender

bull metamoacuterfica em consequecircncia de um outro processo muito menos ao alcance da vivecircncia

do vulgo mas que se explica sem grandes dificuldades

Apelidam-se de metamoacuterficas as rochas que posteriormente a uma primeira formaccedilatildeo

como magmaacuteticas ou sedimentares foram submetidas a pressotildees eou a temperaturas no

interior da crosta que lhes modificaram a composiccedilatildeo eou a textura

Foi atraveacutes do estudo das rochas que desvendaacutemos o essencial dos acontecimentos geo-

loacutegicos que marcaram a histoacuteria deste laquoPlaneta Azulraquo no qual a vida encontrou condiccedilotildees

para despertar e onde evoluiu ao ponto de se interrogar sobre essa mesma histoacuteria

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Os conhecimentos diretos de que hoje dispomos relativos agraves rochas da Terra limitam-se

aos que se obtecircm pelo estudo das que afloram agrave superfiacutecie das recolhidas em dragagens

nos fundos marinhos e das retiradas da profundidade quer em minas quer atraveacutes de son-

dagens Esta profundidade que natildeo excede 3 km no primeiro caso e 11 km no segundo

(na peniacutensula de Kola) pode considerar-se insuficiente se comparada com as trecircs a quatro

dezenas de quiloacutemetros de espessura meacutedia da crosta continental

Eacute jaacute muito o conhecimento que temos desta capa (a crosta ou crusta como alguns dizem e

escrevem) mais superficial do nosso planeta Temo-lo atraveacutes das rochas que constantemente

vemos e pisamos muitas delas geradas em zonas profundas trazidas agrave superfiacutecie pelos en-

rugamentos de origem tectoacutenica geradores das montanhas e subsequentemente postas a

descoberto pela erosatildeo

Outras rochas proacuteprias de muito maiores profundidades inclusive do manto inferior como eacute

o caso dos xenocristais e dos xenoacutelitos (do grego xenos estranho e lithos pedra) isto eacute cris-

tais e fragmentos de materiais liacuteticos gerados nessas regiotildees e que ascendem agrave superfiacutecie na

sequecircncia de atividade vulcacircnica englobados ou encravados nos produtos magmaacuteticos que ali

se formaram ou por ali passaram Na ilha da Madeira por exemplo satildeo frequentes os xenoacutelitos

oliviacutenicos que ascenderam ateacute agrave superfiacutecie no seio das lavas envolvidas no processo vulcacircnico

que originou esta e muitas outras ilhas

As rochas a que temos acesso mais ou menos direto representam uma parcela importante

da diferenciaccedilatildeo da Terra e agrave semelhanccedila da aacutegua do ar e dos seres vivos satildeo o resultado de

imensas transformaccedilotildees numa vasta e complexa rede de inter-relaccedilotildees ocorridas ao longo

dos tempos neste laquoplaneta vivoraquo pleno ainda de energia interna (sob a forma de calor) a que

se adiciona toda a que lhe chega do exterior isto eacute a radiaccedilatildeo solar Como escreveu Maurice

Mattauer ldquoas pedras nascem vivem e morrem como noacutes elas tecircm uma idade e uma histoacuteriardquo

Petrologia e litologia satildeo duas disciplinas que estudam as rochas ou as pedras Se bem que

os eacutetimos petra (latim) e lithos (grego) sejam sinoacutenimos petrologia e litologia encerram con-

ceitos diferentes ainda que relacionados entre si

bull A petrologia eacute um ramo da geologia com dimensatildeo de ciecircncia de vastos recursos nos campos

da fiacutesica da quiacutemica e naturalmente tambeacutem da matemaacutetica em busca do conhecimento da

origem natureza constituiccedilatildeo e evoluccedilatildeo da Terra no acircmbito do Sistema Solar e do Universo

bull A litologia outro ramo da geologia eacute habitualmente entendida como a disciplina que estuda

as rochas num campo praacutetico Serve a geologia de engenharia tendo em vista a implantaccedilatildeo

de grandes edifiacutecios e outras obras volumosas cujas fundaccedilotildees exigem o conhecimento dos

terrenos A litologia daacute igualmente respostas agrave pedologia (o estudo dos solos) e agrave induacutestria

extrativa de rochas ornamentais usadas na arquitetura na cantaria ou na estatuaacuteria e de

rochas industriais exploradas como importantes mateacuterias-primas para a construccedilatildeo civil a

ceracircmica o vidro o cimento a cal e a induacutestria quiacutemica

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Software educativo em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Ana C Conceiccedilatildeo

DMUniversidade do Algarve

O conceito F-Tool foi desenvolvido em 2012 com o objetivo de proporcionar uma

aprendizagem interativa em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Em particular eacute possiacutevel

explorar de forma integrada as noccedilotildees de domiacutenio contradomiacutenio existecircncia de zeros

existecircncia de extremos e de pontos de inflexatildeo invertibilidade derivabilidade reta

tangente ao graacutefico num ponto simetrias em relaccedilatildeo aos eixos e agrave origem A utilizaccedilatildeo

dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adaptaccedilatildeo de

alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e

do simples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular)

No ensino da matemaacutetica e em particular no estudo de funccedilotildees a recomendaccedilatildeo da utiliza-

ccedilatildeo de software educacional tem como objetivo o sanar das dificuldades que os alunos pos-

suem em associar as representaccedilotildees algeacutebricas com as diversas representaccedilotildees numeacutericas

eou graacuteficas De facto o caraacuteter estaacutetico das representaccedilotildees matemaacuteticas muitas vezes

dificulta a construccedilatildeo do significado afetando substancialmente a correta interpretaccedilatildeo dos

conceitos A criaccedilatildeo de modelos interativos visuais com o sistema de aacutelgebra computacional

Mathematica permite aos alunos explorar conceitos de elevada complexidade e rapidamen-

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te adquirir uma compreensatildeo mais profunda dos conteuacutedos Obviamente a utilizaccedilatildeo de sof-

tware educacional natildeo deve ser vista como um substituto para o ensino com ldquopapel e laacutepisrdquo

deve ser devidamente combinada com outros meacutetodos de ensino

O conceito F-Tool foi desenvolvido em 2012 com o objetivo de proporcionar uma apren-

dizagem interativa em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Os aplicativos computacionais

implementados com base neste conceito utilizam as capacidades de caacutelculo numeacuterico e

simboacutelico do Mathematica de forma a permitir estudar dinacircmica e interativamente e em

tempo real conceitos e propriedades fundamentais do preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial

FIGURA 1 Imagem ilustrativa da F-Exponential

O conceito F-Tool em sala de aula permite uma abordagem dinacircmica de diversos concei-

tos relacionados com o estudo de funccedilotildees e promove novas formas de raciocinarpensar

avaliar ensinar e aprender As F-Tool foram concebidas como ferramentas de aprendiza-

gem ativa ou seja a sua utilizaccedilatildeo adequada propicia um contexto de ensino-aprendiza-

gem onde alunos e professores satildeo igualmente convidados a contribuir Aleacutem disso tecircm

uma interface muito intuitiva que permite que ateacute mesmo o utilizador mais inexperiente

sem qualquer conhecimento anterior em software educacional possa comeccedilar a usar to-

dos os recursos de uma forma eficiente e autoacutenoma As F-Tool natildeo satildeo um objeto estaacutetico

mas sim um programa a ser executado com o qual se interage em tempo real Em parti-

cular atraveacutes da alteraccedilatildeo dinacircmica dos valores dos paracircmetros que definem cada classe

eacute possiacutevel obter informaccedilatildeo analiacutetica rigorosa apresentada em aritmeacutetica exata ou apro-

ximada bem como informaccedilatildeo visual estaacutetica e natildeo-estaacutetica De igual modo escolhendo

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estrategicamente de entre as vaacuterias opccedilotildees de funccedilotildees disponiacuteveis no painel esquerdo eacute

possiacutevel apreender de forma mais eficaz e consequente muitas das relaccedilotildees existentes

entre as vaacuterias funccedilotildees e respetivas transformaccedilotildees (FIGURA 1) As F-Tool utilizam um

coacutedigo de cores para diferenciar as vaacuterias funccedilotildees apresentadas Este coacutedigo eacute explicitado

na legenda do canto inferior esquerdo do painel central

Qual das figuras pode representar o graacutefico de uma funccedilatildeo e o graacutefico da sua derivada de 1ordf ordem

FIGURA 2 Exemplo de questatildeo de escolha muacuteltipla utilizando diversas opccedilotildees do painel esquerdo das F-Tool

Apesar de ser um software educacional dinacircmico e interativo pode tambeacutem ser utilizado

na construccedilatildeo de questotildees de avaliaccedilatildeo de escolha muacuteltipla (FIGURA 2) e de resposta aberta

ficando o docente automaticamente com a resposta ao selecionar no painel esquerdo as

opccedilotildees relacionadas com a questatildeo

A utilizaccedilatildeo dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adapta-

ccedilatildeo de alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e do sim-

ples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular) De facto

incluindo as F-Tool em ficheiros no Computable Document Format (CDF) eacute possiacutevel criar

fichas de trabalho dinacircmicas e interativas motivando os alunos e tornando o estudo mais

interessante

Acreditamos que o conceito F-Tool ao dotar professores e estudantes com novas fer-

ramentas para explorar alguns conceitos fundamentais da matemaacutetica desenvolveraacute po-

sitivamente o processo de ensino e de aprendizagem das aacutereas de preacute-caacutelculo e caacutelculo

diferencial

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018046

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O Aroma das Plantas Luiacutes Gaspar Pedro

Ana Cristina Figueiredo

Joseacute Gonccedilalves Barroso

CESAM CBV Universidade de Lisboa

Quando nos festejos dos Santos Populares colocamos a matildeo sobre o manjerico

provocamos a rutura de estruturas microscoacutepicas Ao fazecirc-lo libertam-se compostos

quiacutemicos que aderem agrave palma da nossa matildeo que depois percecionamos pelo nosso

olfacto Os aromas satildeo misturas complexas de dezenas de compostos volaacuteteis

carateriacutesticos de uma determinada planta

O aroma o que eacute

O aroma de muitas plantas eacute constituiacutedo por diversos compostos quiacutemicos volaacuteteis que

tecircm a capacidade de estimular os nossos recetores olfactivos A quantidade e a diver-

sidade deste tipo de compostos presentes nas plantas satildeo responsaacuteveis pelos aromas

carateriacutesticos Eacute relativamente faacutecil reconhecer o aroma dos coentros ou do manjerico e

distingui-los de outros aromas como o da rosa ou do cravinho

Na composiccedilatildeo da fraccedilatildeo volaacutetil de uma planta aromaacutetica encontram-se regra geral

compostos como os mono- e sesquiterpenos e os fenilpropanoacuteides (FIGURA 1) entre ou-

tros Satildeo todos eles compostos quiacutemicos com ponto de ebuliccedilatildeo relativamente baixo que

volatilizam agrave temperatura ambiente e contribuem de forma mais ou menos notoacuteria para o

aroma carateriacutestico de cada espeacutecie

FIGURA 1 Exemplos de compostos que constituem a fraccedilatildeo volaacutetil de diversas espeacutecies aromaacuteticas monoterpenos (α-pineno timol) sesquiterpenos (β-cariofileno germacreno D) e fenilpropanoacuteides (eugenol)

α-Pineno Timol β-Cariofileno Germacreno D Eugenol

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Estruturas secretoras

Os compostos que constituem a fraccedilatildeo aromaacutetica de uma planta satildeo regra geral sinteti-

zados e acumulados em estruturas secretoras microscoacutepicas Entre os diversos tipos de

estruturas secretoras as mais frequentes satildeo os tricomas os canais e as bolsas (FIGURA 2)

FIGURA 2 Exemplos de estruturas secretoras observadas em microscopia oacuteptica A - Tricoma de Geranium robertianum (s - secretado acumulado no espaccedilo sub-cuticular coloraccedilatildeo com reagente de Nadi) B - canal secretor de Crithmum maritimum (setas coloraccedilatildeo com tricloreto de antimoacutenio) e C - bolsa secretora de Citrus sp (coloraccedilatildeo com Vermelho Sudatildeo III)

Os tricomas glandulares satildeo estruturas externas com origem em ceacutelulas epideacutermicas

que apresentam diversos graus de complexidade desde tricomas com apenas trecircs ceacutelulas

uma das quais a secretora ateacute tricomas com mais de uma dezena de ceacutelulas secretoras

As bolsas e os canais secretores satildeo estruturas internas constituiacutedas por ceacutelulas glandu-

lares que delimitam o luacutemen o espaccedilo para onde satildeo secretados os compostos depois de

produzidos nas ceacutelulas secretoras Os canais satildeo estruturas alongadas que percorrem o

corpo da planta por vezes com ramificaccedilotildees enquanto as bolsas satildeo estruturas mais ou

menos isodiameacutetricas

Os oacuteleos essenciais

Um oacuteleo essencial eacute obtido por hidrodestilaccedilatildeo ou por destilaccedilatildeo por arrastamento de va-

por (FIGURA 3) No caso particular dos citrinos o oacuteleo essencial pode ainda ser obtido

por expressatildeo (processo mecacircnico que promove a libertaccedilatildeo do secretado acumulado no

interior das estruturas secretoras neste caso bolsas)

Tanto na hidrodestilaccedilatildeo como na destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor o secretado eacute

removido das estruturas secretoras e arrastado pelo vapor de aacutegua Depois de condensar

por arrefecimento o oacuteleo essencial separa-se da aacutegua podendo ser facilmente recolhido

devido agrave sua imiscibilidade com a aacutegua

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41FIGURA 3 A - Sistema de hidrodestilaccedilatildeo com aparelho de Clevenger e B - sistema de destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor

Anaacutelise de oacuteleos essenciais

Para analisar um oacuteleo essencial recorre-se frequentemente agrave cromatografia gasosa (CG)

para quantificaccedilatildeo dos componentes e agrave CG acoplada agrave espectrometria de massa (CG-

-EM) para a correspondente identificaccedilatildeo dos constituintes Por CG-EM os diversos com-

ponentes que constituem o oacuteleo essencial satildeo separados uns dos outros e ao chegarem ao

espectroacutemetro de massa satildeo bombardeados por eletrotildees o que leva a que as moleacuteculas

fragmentem formando-se diferentes iotildees de acordo com padrotildees preferenciais O con-

junto dos fragmentosiotildees constituem o espectro de massa que eacute carateriacutestico de cada

moleacutecula A integraccedilatildeo das aacutereas dos picos que surgem no cromatograma obtido por CG

(FIGURA 4A) permite a quantificaccedilatildeo relativa dos diversos componentes do oacuteleo essencial

A anaacutelise por CG-EM possibilita a identificaccedilatildeo desses compostos por comparaccedilatildeo dos

espectros de massa (FIGURA 4B) e dos iacutendices de retenccedilatildeo com os de amostras padratildeo

FIGURA 4 A - Aspeto parcial de um cromatograma obtido por CG carateriacutestico de um oacuteleo essencial com alguns dos ldquopicosrdquo identificados B - espectro de massa obtido por CG-EM de um dos componentes maioritaacuterios o timol

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Paisagens da Islacircndia Formase Processos (III)Fernando Carlos LopesCITEUC Universidade de Coimbra

A Islacircndia eacute famosa natildeo soacute pelos seus vulcotildees mas tambeacutem pelos seus glaciares e pela

sua sinuosa e escarpada linha de costa

Atualmente os glaciares cobrem cerca de 10 da superfiacutecie islandesa e 60 destas

aacutereas geladas assentam sobre sistemas vulcacircnicos ativos Esta combinaccedilatildeo de gelo e vul-

canismo torna a Islacircndia o local ideal para cheias repentinas (joumlkulhlaups) resultantes de

aacutegua que escorre por baixo dos glaciares devido agrave fusatildeo provocada pelas erupccedilotildees subgla-

ciares Atualmente existem 4 grandes calotes glaciares localizadas nas regiotildees elevadas

e vulcanicamente ativas do centro e sul da ilha a partir das quais divergem numerosas liacuten-

guas glaciarias Vatnajoumlkull (8100 km2) situado no centro leste Langjoumlkull (925 km2) si-

tuado no centro oeste Hofsjoumlkull (925 km2) situado na zona central da ilha Myrdalsjoumlkull

(600 km2) situado no sul da ilha Apesar da Islacircndia ter cerca de 24 Ma a sua paisagem soacute

foi moldada por glaciares nos uacuteltimos 5 milhotildees de anos Os seus glaciares de tipo alpino

(ou de montanha) avanccedilaram e recuaram condicionados pelas variaccedilotildees regionais e locais

do clima de que resultaram espetaculares morfologias Como jaacute se referiu anteriormente

as variaccedilotildees da carga glaciar sobre a litosfera provocadas pelas fases de gelo e degelo

teratildeo desempenhado papel importante na atividade vulcacircnica da ilha

Com um comprimento de cerca de 4970 km a linha de costa da Islacircndia eacute de um modo

geral muito recortada e escarpada marcada por promontoacuterios cabos peniacutensulas fiordes

e enseadas pontilhada de leixotildees por entre os quais se aninham praias de areia negra de

contornos suaves A accedilatildeo do mar sobre as inuacutemeras escoadas de lava que fluiacuteram ateacute agrave

costa ao longo da evoluccedilatildeo geoloacutegica da ilha e ali solidificaram sobre os aparelhos vulcacirc-

nicos implantados na zona litoral e sobre os vales deixados pelo recuo dos glaciares criou

paisagens de uma beleza surreal

FIGURA DA PAacuteGINA ANTERIOR Leixatildeo Hvitserkur noroeste da Islacircndia (fonte pixabay)

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Parte III - Paisagens controladas pelos glaciares e paisagens costeirasVales glaciares e fiordes

Vales glaciares vales suspensos lagos glaciares e cascatas ciacuterculos glaciares moreias

e fiordes satildeo formas carateriacutesticas das paisagens islandesas criadas pelos seus glacia-

res alpinos Os vales glaciares com o seu carateriacutestico perfil em ldquoUrdquo satildeo a forma mais

comum de paisagem originada pela erosatildeo glacial (FIGURA 1) No interior destes vales os

rios concentram o seu poder erosivo na zona mais baixa originando um perfil carateriacutestico

em ldquoVrdquo O poder erosivo dos glaciares eacute muito superior ao dos rios porque a sua energia

potencial resulta natildeo soacute do declive do terreno mas tambeacutem do peso do gelo A erosatildeo faz-

-se essencialmente ao longo das zonas laterais do canal criando um vale com vertentes

alcantiladas e fundo aplanado Vales suspensos satildeo vales escavados por glaciares tributaacute-

rios Como estes glaciares levam menos gelo o seu poder erosivo eacute menor que o do glaciar

principal ficando suspenso nas vertentes do glaciar principal quando o gelo recua Cons-

tituem exemplos notaacuteveis pela sua beleza e dimensatildeo os vales glaciares de Borgarvirki

(FIGURA 2) e de Akureyri (ou Eyjafjoumlrethur) no noroeste da ilha Este uacuteltimo vai desembocar

num fiorde que eacute mais longo da Islacircndia

FIGURA 1 Esquema 3D (sem escala) da evoluccedilatildeo de uma paisagem glaciar com formaccedilatildeo de vales glaciares vales glaciares suspensos ciacuterculos glaciares lagos glaciares e cascatas

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FIGURA 2 Aspeto do vale glaciaacuterio de Borgarvirki observado a partir da fortaleza de Borgarvirki

Se as condiccedilotildees forem favoraacuteveis os glaciares podem erodir abaixo do niacutevel do mar Quan-

do o glaciar recua o oceano invade estas depressotildees criando um fiorde Alguns dos fiordes

islandeses como o de Akureyri e o de Nordfjord (nordeste da ilha) possuem centenas de

metros abaixo do niacutevel do mar O fiorde de Nordfjord abrange parcialmente uma antiga cal-

deira vulcacircnica Nas faleacutesias do seu flanco oriental (falesias de Raudubjoumlrg) afloram rioacutelitos

conferindo agraves arribas uma carateriacutestica cor avermelhada)

Como se referiu anteriormente (Parte I) a orientaccedilatildeo da maioria dos vales glaciares e

fiordes segue de perto a orientaccedilatildeo dos principais lineamentos tectoacutenicos

Moreias

Em termos de aspetos deposicionais relacionados com glaciares as moreias satildeo de lon-

ge os mais abundantes Satildeo acumulaccedilotildees de fragmentos rochosos transportados pelos

glaciares quer na regiatildeo frontal (moreia frontal) lateral (moreia lateral) a meio (moreia

mediana) e no fundo (moreia de fundo)

Durante o uacuteltimo maacuteximo glaciar (haacute cerca de 20 000 anos) a Islacircndia estava quase

toda coberta por glaciares que se estendiam ateacute agrave costa e para aleacutem dela Foram encon-

tradas moreias frontais dessa eacutepoca a cerca de 130 km a offshore da costa ocidental e a

cerca de 150-230 m abaixo do niacutevel de mar atual

Eacute possiacutevel encontrar nos vales glaciares islandeses quer moreias antigas resultantes

da uacuteltima glaciaccedilatildeo quer moreias recentes e atuais Estas uacuteltimas estatildeo relacionadas com

as 4 grandes calotes glaciares existentes como eacute o caso das moreias do glaciar Vatna-

joumlkull que se podem observar em pleno no setor sudeste da ilha

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Lagoas glaciares e icebergues

Outra das paisagens magniacuteficas moldadas pelos glaciares satildeo as lagoas glaciares Estas

lagoas formam-se na extremidade dos glaciares que descem das calotes glaciares Satildeo

alimentadas pelo desgelo natural dos glaciares e nela flutuam pequenos e grandes iceber-

gues que se separam da frente do glaciar (FIGURA 3)

FIGURA 3 Esquema 3D (sem escala) da formaccedilatildeo de icebergues numa lagoa glaciar

O exemplo mais notaacutevel deste tipo de lagoas na Islacircndia eacute a lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten consi-

derada uma das maravilhas naturais do paiacutes Fica situada no sudeste da ilha na extremidade

do glaciar Breiethamerkurjoumlkull uma das liacutengua glaciares da calote de Vatnajoumlkull (FIGURA 4)

FIGURA 4 Icebergues na lagoa glaciar de Joumlkulsaacuterloacuten Ao fundo vecirc-se a frente do glaciar Breiethamerkurjoumlkull As faixas negras nos icebergues satildeo niacuteveis de cinza vulcacircnica

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A lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten eacute o ponto mais baixo da Islacircndia com zonas agrave cota de -200 m Na

baiacutea da lagoa tem-se acesso a uma paisagem de outro mundo com icebergues de dimen-

sotildees variadas que flutuam ateacute ao mar ficando alguns deles encalhados na margem de uma

praia de areia vulcacircnica Alguns icebergues exibem faixas negras correspondentes a niacuteveis

de cinzas vulcacircnicas provenientes de antigas erupccedilotildees (FIGURA 4) Outros exibem duas

tonalidades branco leitoso e azul claro A faixa azul corresponde agrave porccedilatildeo do icebergue

que se tornou recentemente emersa

A lagoa teraacute sido formada em 1934-35 pelo contiacutenuo recuo do glaciar Vatnajoumlkull e teraacute

duplicado de tamanho nos uacuteltimos 15 anos Dada a taxa atual de recuo do glaciar Vatna-

joumlkull um profundo fiorde iraacute desenvolver-se no local onde hoje existe a lagoa

As costas escarpadas

As costas escarpadas e recortadas satildeo sem duacutevida as mais dominantes Ocorrem deste o

oeste ao leste da ilha passando pela regiatildeo norte incisas por numerosos fiordes e peque-

nas enseadas e salpicadas por leixotildees Eacute notaacutevel pela sua forma de dragatildeo e pelas lendas

que o envolvem o leixatildeo de Hvitserkur (IMAGEM DA PAGINA 42) situado na costa leste da

Peniacutensula de Vatnsnes no noroeste da Islacircndia

Os fiordes mais profundos localizam-se na costa norte constituindo bons portos natu-

rais Um destaque especial vai para o fiorde ao longo do qual se estende a cidade de Aku-

reyri (fiorde de Akureyri ou Eyjafjoumlrethur) considerado o mais longo do paiacutes

Praias de areia Negra

As praias de areia negra em geral de reduzida extensatildeo podem ser constituiacutedas por i) de-

poacutesitos resultantes da abrasatildeo das arribas ii) moreias e depoacutesitos fluviais resultantes dos

rios glaciares com contornos suaves e lagoas glaciares protegidas por extensas barras

arenosas iii) depoacutesitos de tefra provenientes de erupccedilotildees freaacuteticas

As do primeiro tipo ocorrem um pouco por toda a linha de costa como resultado da accedilatildeo

do mar sobre as arribas As do segundo tipo ocorrem dominantemente entre Djuacutepivogur a

sudeste e Oumllfusaacute a sudoeste com destaque para a praia de Reynisfjara na costa sul As

da terceira categoria podem ser observadas na ilha de Heimaey arquipeacutelago de Vestman-

naeyja regiatildeo sul da Islacircndia

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018048

IMA

GE

M E

M D

ES

TAQ

UE

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Eu crio as minhas obras de arte de peque-

nos pedaccedilos de papel com espirais que co-

nectam e ligam os elementos a uma grande

estrutura Na obra de origami acabada a

que chamo Voltinhas estas espirais vivem

e trabalham Forccedilas de tensatildeo e fricccedilatildeo

contrapotildeem-se agrave gravidade e mantecircm a

forma estaacutevel Nas minhas criaccedilotildees procu-

ro estar perto da natureza Quando criamos

ou estudamos modelos de papel na macro

escala podemos entender melhor as for-

mas criadas pela natureza na micro escala

A minha obra de origami na capa o trabalho

intitulado ldquoInverno num parque de Lisboardquo e

o capsiacutedeo do viacuterus Canine parvovirus um viacute-

rus contagioso que ataca sobretudo os catildees

e outros caniacutedeos tecircm a mesma estrutura

geomeacutetrica do pequeno rombicosidodecae-

dro um poliedro com simetria icosaeacutedrica

Essa obra invoca simbolicamente o Ano

da Biologia Matemaacutetica 2018 O origami eacute

uma arte de dobragem do papel com uma

forte componente geomeacutetrica que permite

a construccedilatildeo de formas complexas e tem

atraiacutedo o interesse de matemaacuteticos pelas

suas propriedades geomeacutetricas e algeacutebricas

Krystyna Burczyk

Os viacuterus satildeo responsaacuteveis por inuacutemeras

doenccedilas no homem nos animais e nas plan-

tas e as curas e prevenccedilotildees satildeo ainda mui-

tas vezes problemaacuteticas Desenvolvimen-

tos recentes das aplicaccedilotildees da matemaacutetica

agrave virologia nomeadamente das teorias de

grupos de grafos de tesselaccedilatildeo ou de re-

ticulados mostraram por exemplo que as

restriccedilotildees estruturais agraves formas dos viacuterus

satildeo maiores do que antes se pensava e

permitiram a construccedilatildeo de novos modelos

para o desenvolvimento de terapias anti-

-virais Os capsiacutedeos virais que envolvem

os genomas dos viacuterus por razotildees de eco-

nomia geneacutetica tem muitas vezes uma si-

metria icosaeacutedrica Ora esta simetria natildeo eacute

cristalograacutefica em trecircs dimensotildees ie natildeo

eacute compatiacutevel com reticulados perioacutedicos

o que motivou os matemaacuteticos a desen-

volverem novas estruturas no contexto de

grupos de Coxeter natildeo-cristalograacuteficos que

encontraram aplicaccedilatildeo natildeo soacute na virologia

mas tambeacutem noutras estruturas molecula-

res da quiacutemica do carbono

Joseacute Francisco RodriguesUniversidade de Lisboa

Origami e Viacuterusin imagemcasadascienciasorg

Imagem de Canine Parvovirus gerada em VMD Autor Alexandre Lopes Magalhatildees

Page 16: JUNHO 2018 V6 /02 · 2018-09-26 · Matilde Viegas, Maria João Ramos, Pedro Alexandrino Fernandes Stephen Hawking e a sua contribuição para a física teórica Orfeu Bertolami,

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14

O crescimento exponencial de populaccedilotildees Euler ou Malthus Suzana NaacutepolesUniversidade de Lisboa

Em 1798 no livro An Essay on the Principle of Population que teve seis ediccedilotildees Thomas

Malthus (1766-1864) um cleacuterigo e erudito inglecircs influente nos campos da economia po-

liacutetica e da demografia escreveu

ldquoA populaccedilatildeo quando natildeo controlada aumenta em progressatildeo geomeacutetrica A subsistecircncia

aumenta apenas em progressatildeo aritmeacutetica Um pequeno conhecimento dos nuacutemeros mostra-

raacute a imensidatildeo do primeiro poder em comparaccedilatildeo com o segundoldquo

Malthus natildeo tentou traduzir matematicamente o seu modelo de crescimento Limitou-se a

caraterizaacute-lo pressupondo que a taxa segundo a qual a populaccedilatildeo cresce num determinado

instante eacute proporcional agrave populaccedilatildeo total nesse mesmo instante

Numa revisatildeo da primeira ediccedilatildeo discutiu em detalhe os obstaacuteculos para o crescimento

da populaccedilatildeo em vaacuterios paiacuteses nomeadamente atraso no casamento aborto infanticiacutedio

fome guerra epidemias e fatores econoacutemicos Para ele o casamento retardado era a melhor

opccedilatildeo para estabilizar a populaccedilatildeo

Para caraterizar matematicamente este modelo considerando o crescimento em anos

consecutivos e supondo uma taxa de crescimento r em cada ano se num ano n a popula-

ccedilatildeo eacute Pn no ano seguinte a populaccedilatildeo seraacute Pn +1= (1 + r ) Pn pelo que Pn+1= (1 + r ) n P0 e o

crescimento eacute descrito por uma progressatildeo geomeacutetrica de razatildeo 1 + r

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15FIGURA 1 Thomas Malthus

Supondo uma variaccedilatildeo contiacutenua do tempo e designando por P(t) a populaccedilatildeo no instante

t e por r a taxa de crescimento por unidade de tempo a equaccedilatildeo diferencial que traduz o

modelo contiacutenuo preconizado por Malthus eacute Prsquo(t) = r P(t) Entatildeo P(t) = ke r t com k constante

Como P(0) = k e P0 o nuacutemero de indiviacuteduos no ano zero a evoluccedilatildeo da populaccedilatildeo eacute dada

por P(t) = P0 e rt

Acontece que 50 anos antes em Introductio in analysin infinitorum no VI capiacutetulo

ldquoDe quantidades exponenciais e logaritmosrdquo para ilustrar a grande utilidade das ta-

belas de logaritmos para abreviar caacutelculos numeacutericos o matemaacutetico suiacuteccedilo Leonhard

Euler (1707-1783) daacute vaacuterios exemplos que envolvem o crescimento populacional de

que transcrevemos os exemplos II e III

FIGURA 2 Leonhard Euler e o seu Introductio in analysin infinitorum

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16

Exemplo II

ldquoSe a populaccedilatildeo em certa regiatildeo aumenta anualmente um trigeacutesimo e por outro lado laacute

habitavam no princiacutepio 100000 pessoas pergunta-se qual o nuacutemero de habitantes apoacutes

100 anos

Seja o nuacutemero inicial = n pelo que n = 100000 passado um ano o nuacutemero de habitantes

seraacute = (1+301 )n=30

13 n depois de dois anos = S X3013 2

n ao cabo de trecircs = S X3013 3

n e daqui

depois de 100 anos seraacute = S X3013 100

n = S X3013 100

100000 cujo logaritmo eacute = 100 l 1013 +

l 100000 E l 1013 = l 31 - l 10 = 0014240439 de onde 100 l 10

13 = 14240439 que somando-

-lhe l 100000 = 5 seraacute o logaritmo do nuacutemero de habitantes procurado = 64240439 a que

corresponde o nuacutemero 2654874

Assim ao cabo de 100 anos seraacute mais de vinte e seis vezes maiorrdquo

Este exemplo publicado em 1748 eacute meio seacuteculo antes a concretizaccedilatildeo do ldquoModelo Mal-

thusianordquo para uma populaccedilatildeo de 100000 habitantes e uma taxa de crescimento anual de

130

No exemplo seguinte Euler faz alusatildeo ao capiacutetulo 7 do Livro do Genesis que relata como

um diluacutevio reduziu a populaccedilatildeo da terra a seis seres humanos

Exemplo III

ldquoComo a humanidade se espalhou apoacutes o diluacutevio por obra de seis seres humanos se o nuacute-

mero destes alcanccedilar duzentos anos depois o nuacutemero 1000000 pergunta-se em que parte

deveria crescer anualmente o nuacutemero de humanos

Se aumentar em cada ano x1 duzentos anos depois o nuacutemero de humanos seria =

xx1 200+S X 6 = 1000000 e por tanto x

16

1000000 2001

+ = S Xx

Portanto l x1

2001+ =x l

61000000 =200

1 52218487 = 00261092

e assim =x1+x

10000001061963 e 1000000 = 61963x donde x =16 aproxidamente

Bastaraacute pois que os humanos aumentem por ano a sua deacutecima sexta parte [] Contudo se

o nuacutemero de homens tivesse crescido na mesma proporccedilatildeo durante um intervalo de 400

anos deveria chegar a 1000000 10000006

= 166666666666 cujo sustento a terra inteira

natildeo seria de forma alguma capaz de darrdquo

Euler ao abordar o crescimento das populaccedilotildees tinha uma preocupaccedilatildeo matemaacutetica ndash a

de mostrar a utilidade dos logaritmos ndash que ilustrou com exemplos

Mas a observaccedilatildeo anterior leva a crer que ele considerou o modelo exponencial desade-

quado para o estudo do crescimento populacional

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17

A populaccedilatildeo de Portugal espelha bem a falecircncia deste modelo Segundo dados do Ins-tituto Nacional de Estatiacutestica nos duzentos anos que decorreram entre 1770 e 1970 a

populaccedilatildeo nem chegou a triplicar

TABELA 1 Populaccedilatildeo de Portugal entre 1422 a 1890

Popuccedilatildeo de Portugal (INE Lisboa)

Ano Total Variaccedilatildeo Ano Total Variaccedilatildeo

1422 1 043 274 - 1900 5 423 132 +74

1527 1 262 376 +210 1911 5 960 056 +99

1636 1 100 000 -129 1920 6 032 991 +12

1736 2 143 368 +949 1930 6 825 883 +131

1770 2 850 444 +330 1940 7 722 152 +131

1776 3 352 310 +176 1950 8 441 312 +93

1801 2 931 930 -125 1960 8 851 289 +49

1811 2 876 602 -19 1970 8 568 703 -32

1838 3 200 000 +112 1981 9 852 841 +150

1849 3 411 454 +66 1991 9 862 540 +01

1864 4 188 410 +228 2001 10 356 117 +50

1878 4 550 699 +86 2007 10 617 575 +25

1890 5 049 729 +110

Quanto a Malthus as suas preocupaccedilotildees eram de natureza poliacutetica e legislativa To-

mou como certo um crescimento exponencial da populaccedilatildeo mundial que conduziria a

uma cataacutestrofe por ausecircncia de recursos e para o travar sugeriu o recurso a poliacuteticas

adequadas Ao publicitar o modelo exponencial - que ficou conhecido como Modelo

Malthusiano - ligando-o a problemas legislativos reais abriu caminho para que dife-

rentes matemaacuteticos se dedicassem agrave modelaccedilatildeo do crescimento populacional

Em 1844 o matemaacutetico belga Pierre Verhulst (1804-1849) propocircs no artigo Recherches

matheacutematiques sur la loi drsquoaccroissement de la population um modelo em que considera que

agrave medida que a populaccedilatildeo se aproxima de um valor maacuteximo a taxa de crescimento diminui

ldquoO aumento virtual da populaccedilatildeo eacute portanto limitado pelo tamanho e pela fertilidade do paiacutes

Como resultado a populaccedilatildeo fica cada vez mais proacutexima de um estado estaacutevelrdquo

Designado por P(t) a populaccedilatildeo no instante t por r a taxa de crescimento por unidade

de tempo e por M o nuacutemero maacuteximo de indiviacuteduos que a regiatildeo pode suportar este modelo

exprime-se pela equaccedilatildeo diferencial

( )dt

dP rP MP t

1= -T Y

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cuja soluccedilatildeo eacute

( )( ) ( )( )

P t

MP eP e

10 10

rt

rt

=+

-

Se P(t) for muito pequeno face a M tem-se que ( )dt

dP rP MP t

1= -T Y cong r P(t) que tem a soluccedilatildeo P(t) cong P(0) e rt

e o crescimento eacute exponencial

FIGURA 4 Pierre Franccedilois Verhulst e o graacutefico da curva logiacutestica

Agrave medida que t cresce a populaccedilatildeo aproxima-se assintoticamente de M A equaccedilatildeo diferen-

cial que carateriza este modelo eacute atualmente designada por equaccedilatildeo logiacutestica e a populaccedilatildeo

maacutexima M por capacidade de carga Com Verhulst relativizou-se ldquoa hipoacutetese da progressatildeo

geomeacutetrica uma vez que ela soacute se pode verificar em circunstacircncias muito especiais por exem-

plo quando um territoacuterio feacutertil de tamanho quase ilimitado passa a ser habitado por pessoas

com uma civilizaccedilatildeo avanccedilada como foi o caso das primeiras coloacutenias americanasrdquo

Essa equaccedilatildeo foi retomada por vaacuterios matemaacuteticos e adaptada a contextos variados

Satildeo de realccedilar os casos em que a capacidade de carga varia como o tempo conduzindo

ao modelo caraterizado pela equaccedilatildeo diferencial

dtdP rP M

P1= -T Y( )t

onde a capacidade de carga M(t) = M(t +T) varia periodicamente com periacuteodo T

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FIGURA 5 A demografia eacute instrumental para o controlo das populaccedilotildees humanas

Desde o seacuteculo XVIII que o estudo da dinacircmica das populaccedilotildees eacute objeto de modelaccedilatildeo

matemaacutetica Na atualidade existem outros modelos de crescimento hiperboacutelicos expo-

nenciais logiacutesticos ou baseados noutras funccedilotildees Baseada nos modelos populacionais

do matemaacutetico Song Jian a Repuacuteblica Popular da China em 1980 entatildeo a atingir o biliatildeo

de habitantes instaurou uma poliacutetica estrita de filho uacutenico Essa lei foi flexibilizada em

2015 aumentando para dois o nuacutemero maacuteximo de filhos para fazer frente ao envelheci-

mento da populaccedilatildeo e agrave reduccedilatildeo do grupo de trabalhadores na faixa etaacuteria considerada

economicamente ativa

Muitos dos pareceres cientiacuteficos nas mais diversas aacutereas baseiam-se em modelos ma-

temaacuteticos que podem permitir fazer estimativas e previsotildees mas hellip ao olhar para o cres-

cimento populacional ao longo dos tempos verificamos que os modelos matemaacuteticos satildeo

instrumentais na anaacutelise da dinacircmica das populaccedilotildees

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Artroacutepodes Miguel Santos

Rubim Almeida

Sara C Antunes

DB CIBIO InBIO CIIMAR Universidade do Porto

Artroacutepodes (Arthropoda do grego arthro = articulado + podos = peacutes) satildeo o grupo taxonoacutemi-

co mais diversificado com distribuiccedilatildeo por quase todo o globo e ocupando todos os habitats

Satildeo organismos invertebrados com exosqueleto riacutegido apresentando apecircndices articula-

dos (patas antenas) e de nuacutemero diferenciado de acordo com o subfilo a que pertencem

Os artroacutepodes constituem um dos mais diversos grupos de organismos do planeta com-

preendendo espeacutecies que variam de 0085 mm (Tantalacus dieteri um crustaacuteceo parasita)

ateacute 38 m (envergadura do Caranguejo-aranha-gigante) Os organismos pertencentes a

este grupo encontram-se praticamente em todos os tipos de habitat A razatildeo do sucesso

evolutivo deste grupo taxonoacutemico deve-se a um conjunto de carateriacutesticas uacutenicas i) pos-

suiacuterem um exosqueleto proteico-quitinoso flexiacutevel leve e resistente que protege contra a

desidrataccedilatildeo ii) segmentaccedilatildeo do corpo e a presenccedila de apecircndices articulados especia-

lizados iii) oacutergatildeos sensoriais bem desenvolvidos (antenas sedas sensoriais olhos com-

postos olhos pedunculados ocelos quimiorrecetores nas antenas) iv) metamorfose com

diferentes estaacutedios de desenvolvimento incluindo estaacutedios larvares que podem ter um

modo de vida completamente diferente do adulto permitindo um aproveitamento de outros

recursos (alimento e espaccedilo) reduzindo a competiccedilatildeo entre indiviacuteduos da mesma espeacutecie

v) padrotildees comportamentais complexos revelando por vezes organizaccedilatildeo comunitaacuteria e

vi) sistema respiratoacuterio diverso nomeadamente o sistema traqueal onde o ar entra em

contacto direto com os tecidos devido a um eficiente sistema de tubos (traqueias) com

orifiacutecios na superfiacutecie do tegumento (espiraacuteculos) No entanto a origem e a taxonomia

deste grupo ainda constituem um tema de investigaccedilatildeo e debate Mesmo apesar dos avan-

ccedilos em aacutereas como a biologia molecular que fornece importantes conhecimentos sobre

as complexas relaccedilotildees evolutivas destes organismos muito ainda haacute por descobrir Os

artroacutepodes satildeo um grupo extremamente importante nos ecossistemas terrestres devido

natildeo soacute agrave sua enorme abundacircncia e diversidade mas tambeacutem ao grande nuacutemero de funccedilotildees

que desempenham nestes ecossistemas (ex degradaccedilatildeo da mateacuteria orgacircnica arejamento

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21

do solo ciclagem de nutrientes) O filo Arthropoda estaacute atualmente subdividido em cinco

subfilos Trilobitomorpha Crustacea Myriapoda Chelicerata e Hexapoda

O subfilo Trilobitomorpha (trilobites e os seus parentes) compreende cerca de 20 000

espeacutecies que viviam exclusivamente em ambientes marinhos e que atualmente se encon-

tram todas extintas Contudo a sua vasta distribuiccedilatildeo geograacutefica e o exosqueleto de carbo-

nato de caacutelcio permitiram que este grupo apresente um extenso registo foacutessil observaacutevel

por todo o planeta

Crustacea inclui caranguejos camarotildees e lagostas contendo mais de 60 000 espeacute-

cies e com um extenso registo foacutessil em todo o mundo eacute um dos principais grupos de

artroacutepodes A maioria dos crustaacuteceos vive em ambientes marinhos mas existem vaacuterias

espeacutecies que podem ser encontradas em ecossistemas de aacutegua doce (ordem Cladocera e

sub-classe Copepoda) e em ambientes terrestres (ordem Isopoda FIGURA 1) Apesar da

grande maioria dos crustaacuteceos serem de vida livre existem vaacuterios grupos parasitas (ex

Rhizocephala ndash crustaacuteceos cirriacutepedes parasitas de caranguejos e camarotildees Argulidae ndash

crustaacuteceos parasitas de peixes e Pentastomida ndash vermes liacutengua que parasitam o sistema

respiratoacuterio de vertebrados) Numa perspetiva diferente e de interesse econoacutemico este

grupo apresenta ainda um valor acrescido jaacute que alguns crustaacuteceos decaacutepodes como la-

gostas e camarotildees satildeo intensivamente consumidos em todo o mundo Para aleacutem da sua

importacircncia econoacutemica este grupo de organismos eacute bastante utilizado em investigaccedilatildeo

cientiacutefica nomeadamente em ecotoxicologia na avaliaccedilatildeo do efeito de contaminantes no

solo

FIGURA 1 Exemplares de organismos da ordem Isopoda (bicho-da-conta) 1 ndash famiacutelia Armadillidae 2 ndash famiacutelia Porce-llionidae em A - vista dorsal e em B - vista ventral

O subfilo Myriapoda inclui as centopeias e os miliacutepedes conteacutem mais de 11 000

espeacutecies descritas Este subfilo eacute tradicionalmente dividido em quatro classes Chi-

lopoda (centopeias) (FIGURA 2) Diplopoda (miliacutepedes) Pauropoda (ldquopoucos peacutesrdquo) e

Symphyla (pseudocentopeias) Todos os miriaacutepodes conhecidos satildeo terrestres e o seu

tamanho varia desde alguns miliacutemetros a cerca de 38 centiacutemetros (Millipede Gigante

Africano)

1

2

A B

15cm

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FIGURA 2 Vista dorsal A - e ventral B - de um organismo pertencente agrave classe Chilopoda onde se pode observar o corpo segmentado e apenas com um par de patas por segmento

O subfilo Chelicerata (aranhas aranhas do mar escorpiotildees e aacutecaros) conteacutem mais

de 113 000 espeacutecies distribuiacutedas em duas classes principais Pycnogonida (aranhas do

mar) e Arachnida (aranhas escorpiotildees e aacutecaros) Pycnogonida o grupo das aranhas

do mar conteacutem mais de 1 300 espeacutecies descritas mas estudos detalhados sobre esses

animais e as suas relaccedilotildees evolutivas ainda satildeo escassos Estes organismos geralmente

tecircm seis ou oito olhos e quatro a seis pares de patas A classe Arachnida compreende os

organismos mais conhecidos do subfilo Chelicerata como aranhas escorpiotildees e aacutecaros

Os indiviacuteduos pertencentes a este grupo natildeo possuem antenas tecircm quatro pares de

patas um par de queliacuteceras (1ordm par de apecircndices do prossomacabeccedila) e pedipalpos

(2ordm par de apecircndices do prossomacabeccedila) As aranhas (ordem Araneae) (FIGURA 3) satildeo

provavelmente o grupo mais icoacutenico e bem estudado deste subfilo presentes na maioria

dos ambientes terrestres e constituindo um dos grupos mais importantes de artroacutepodes

do solo Outros organismos colocados na mesma classe como escorpiotildees aacutecaros ou

opiliotildees tambeacutem constituem grupos extremamente variados com importantes funccedilotildees

ecoloacutegicas (ex decomposiccedilatildeo de mateacuteria orgacircnica e controlo de organismos principal-

mente atraveacutes de predaccedilatildeo)

FIGURA 3 Vista dorsal A - e ventral B - de um exemplar da ordem Araneae (famiacutelia Gnaphosidae) sendo possiacutevel obser-var o corpo dividido em cefalotoacuterax e abdoacutemen os quatro pares de patas as queliacuteceras (q) e os pedipalpos (p)

O subfilo Hexapoda (Hexa (seis) e Poda (peacute)) engloba os insetos e os seus parentes

compreende o grupo mais diverso e abundante de organismos com mais de 1 milhatildeo de

espeacutecies conhecidas Este subfilo eacute frequentemente dividido em organismos da clas-

A B

A B

14cm

p

q

35cm

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se Insecta (FIGURA 4) e da classe Entognatha Esta uacuteltima inclui os colecircmbolos (ordem

Collembola) (FIGURA 5) cabeccedilas de cone e bichos de prata (ordem Protura) e cerdas de

duas pontas (ordem Diplura) Na classe Entognatha as partes bucais dos organismos

estatildeo retraiacutedas dentro das suas cabeccedilas contrariamente ao que se observa na classe In-

secta que satildeo ectognantes Os colecircmbolos constituem um dos grupos mais abundantes

de artroacutepodes do solo podendo ser encontrados mais de 100 000 indiviacuteduos num metro

quadrado Estes satildeo organismos cosmopolitas com mais de 8 000 espeacutecies descritas Os

colecircmbolos satildeo pequenos organismos com tamanho geralmente inferior a 6-8 mm de

forma ciliacutendrica ou globular apresentando olhos simples e antenas moniliformes Muitas

espeacutecies possuem um apecircndice bifurcado (fuacutercula) no final do abdoacutemen permitindo que

estes organismos saltem quando ameaccedilados (FIGURA 5) Os colecircmbolos tecircm sido ampla-

mente utilizados em estudos ecotoxicoloacutegicos na avaliaccedilatildeo da qualidade do solo e da sauacute-

de destes ecossistemas

FIGURA 4 A - Vista dorsal e B - vista ventral de exemplares de algumas ordens da classe Insecta

FIGURA 5 Vista lateral de exemplares da ordem Collembola

A classe Insecta eacute a classe com maior nuacutemero de organismos compreendendo mais

de metade das espeacutecies eucarioacuteticas descritas atualmente englobando mais de 1 milhatildeo

de espeacutecies que habitam praticamente todos os ecossistemas Os insetos sendo o grupo

Ordem

Coleoptera

Ordem

Diptera

Ordem

Hemiptera

Ordem

Orthoptera

Ordem

HimenopteraA A A A

B B B B

075cm

027cm14cm016cm

09cm

22cm

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mais diversificado de seres vivos apresentam as mais variadas e interessantes adap-

taccedilotildees anatoacutemicas e morfoloacutegicas Pensa-se que a sua enorme riqueza e abundacircncia eacute

devida a uma combinaccedilatildeo de carateriacutesticas vantajosas como a coevoluccedilatildeo com plan-

tas a miniaturizaccedilatildeo e a capacidade de voo Os insetos desempenham ainda um papel

importantiacutessimo no funcionamento dos ecossistemas realizando funccedilotildees quer de pre-

dadores quer de presa estando envolvidos em inuacutemeras teias alimentares (ex reciclan-

do nutrientes fazendo a manutenccedilatildeo da estrutura e fertilizaccedilatildeo dos solos) Destaca-se

tambeacutem o facto de vaacuterios insetos voadores como abelhas ou borboletas atuarem como

polinizadores de muitas espeacutecies de plantas Esta eacute uma funccedilatildeo ecoloacutegica importante

com vaacuterias repercussotildees econoacutemicas porque mais de 30 das culturas alimentares

mundiais dependem da polinizaccedilatildeo Os insetos possuem ainda um papel importante em

investigaccedilatildeo cientiacutefica sendo muitas vezes utilizados como organismo modelo dado pos-

suiacuterem carateriacutesticas distintas como o seu tamanho reduzido tempos de geraccedilatildeo curtos

e elevada fecundidade O exemplo de excelecircncia eacute a mosca da fruta Drosophila melano-

gaster cujo genoma eacute jaacute conhecido na totalidade sendo esta espeacutecie utilizada frequente-

mente para estudar vaacuterios processos celulares (ex o envelhecimento a hereditariedade

e o desenvolvimento embrionaacuterio) Apesar de constituiacuterem um grupo tatildeo interessante

beneacutefico e necessaacuterio agrave manutenccedilatildeo do equiliacutebrio dos ecossistemas existem algumas

desvantagens associadas aos insetos como eacute o caso de serem vetores na transmissatildeo

de doenccedilas Eacute o caso da malaacuteria transmitida por um mosquito do geacutenero Anopheles a

doenccedila parasitaacuteria mais disseminada com vaacuterios milhotildees de humanos infetados em todo

o mundo O dengue e o zika satildeo doenccedilas em que o vetor de transmissatildeo eacute tambeacutem um

mosquito do geacutenero Aedes Na agricultura as pragas de insetos (ex gorgulhos gafa-

nhotos afiacutedios) satildeo responsaacuteveis por prejudicar as culturas agriacutecolas e a produccedilatildeo de

alimentos causando perdas econoacutemicas elevadas

Sabe-se que atualmente a perda de habitat e as mudanccedilas climaacuteticas satildeo alguns dos

fatores responsaacuteveis por decliacutenios significativos nas populaccedilotildees deste grupo de orga-

nismos Esse decliacutenio apresenta uma elevada preocupaccedilatildeo ecoloacutegica uma vez que estes

organismos desempenham muacuteltiplas e importantes funccedilotildees nos ecossistemas No en-

tanto a conservaccedilatildeo deste grupo animal permanece um grande e urgente desafio que eacute

preciso enfrentar

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Biocombustiacuteveis seratildeo a soluccedilatildeo Matilde Viegas

Maria Joatildeo Ramos

Pedro Alexandrino Fernandes

UCIBIO REQUIMTEUniversidade do Porto

ldquoA 21 de Fevereiro de 2018 o niacutevel de poluiccedilatildeo de partiacuteculas finas com diacircmetro inferior

a 10 μm PM10 atingiu em Paris niacuteveis alarmantes com um pico correspondente

ao dobro do limite maacuteximo A Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) recomenda natildeo

exceder este limite maacuteximo por mais de trecircs dias por ano Com este recente pico os

parisienses jaacute o ultrapassaramrdquo

Em Un pic de pollution laquograveraquo en Ile-de-France Le Monde 22 de Fevereiro de 2018

Esta notiacutecia eacute um dos inuacutemeros exemplos dos efeitos do aquecimento global termo com o

qual estamos cada vez mais familiarizados infelizmente Este fenoacutemeno eacute consequecircncia

de Gases de Efeito de Estufa GEE (dioacutexido de carbono metano e oacutexido de azoto entre

outros) que se acumulam na atmosfera enclausurando o calor e tornando o planeta mais

quente A produccedilatildeo em larga escala de GEEs teve iniacutecio na Revoluccedilatildeo Industrial (1800)

como resultado da combustatildeo de combustiacuteveis foacutesseis (carvatildeo petroacuteleo e gaacutes natural)

para produccedilatildeo de eletricidade aquecimento e transporte

A preocupaccedilatildeo em torno do aquecimento global tornou-se um assunto constante na

agenda poliacutetica sobretudo nas uacuteltimas duas deacutecadas Os primeiros esforccedilos coletivos re-

sultaram no Protocolo de Quioto em 1997 cujo objetivo era a reduccedilatildeo das emissotildees de

GEEs assentando nos argumentos de que i) o aquecimento global era uma realidade e ii) o

CO2 produzido por accedilotildees humanas era o seu grande causador O primeiro periacuteodo do Proto-

colo terminou em 2012 e por isso em 2015 as Naccedilotildees Unidas promoveram a assinatura

do novo Acordo de Paris o qual consiste numa atualizaccedilatildeo do antigo Protocolo de Quioto

com o objetivo de ldquofortalecer a resposta global agrave ameaccedila das alteraccedilotildees climaacuteticas no

contexto de desenvolvimento sustentaacutevel e com esforccedilo para a erradicaccedilatildeo da pobrezardquo

O novo Acordo ao contraacuterio do de Quioto estabelece metas tangiacuteveis e quantitativas O

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26

objetivo eacute manter o aumento da temperatura meacutedia global abaixo dos 2ordm Celsius face agrave

temperatura global na era preacute-industrial Para atingir tal meta eacute necessaacuterio um esforccedilo

mundial contudo em 2017 com a saiacuteda dos EUA do Acordo de Paris o segundo maior

emissor de GEEs logo a seguir agrave China perdeu-se uma enorme contribuiccedilatildeo Aleacutem do peso

evidente que as suas emissotildees tecircm para o estado atual do aquecimento global em falta

estaratildeo tambeacutem a diplomacia e o encorajamento proporcionados por esta forccedila mundial

No Acordo de Paris uma das claacuteusulas exige a inclusatildeo de energias renovaacuteveis (eoacutelica

mariacutetima solar) e de biocombustiacuteveis no mercado de energia encorajando os paiacuteses a

atingir niacuteveis miacutenimos da sua utilizaccedilatildeo As metas estabelecidas para cada paiacutes vatildeo ao en-

contro ao seu mercado e agraves mateacuterias-primas disponiacuteveis em cada territoacuterio favorecendo o

desenvolvimento da economia

De uma forma generalista os biocombustiacuteveis englobam combustiacuteveis produzidos atra-

veacutes de processos bioloacutegicos como a agricultura e digestatildeo anaeroacutebica em vez de produ-

zidos a partir de processos geoloacutegicos como os necessaacuterios para a formaccedilatildeo de combus-

tiacuteveis foacutesseis Isto inclui o biodiesel (produzido a partir de oacuteleos e gorduras orgacircnicas) e o

bioetanol (aacutelcool produzido atraveacutes de fermentaccedilatildeo microbiana de accediluacutecares seguido de

destilaccedilatildeo e desidrataccedilatildeo) os quais seratildeo o maior foco deste artigo

A partir da deacutecada de 70 foram feitos os primeiros investimentos nos chamados bio-

combustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo (1G) Estes fazem uso de colheitas de produtos agriacuteco-

las como a soja cana-de-accediluacutecar milho oacuteleo de palma entre outros para a produccedilatildeo de

biodiesel e bioetanol atraveacutes de processos de trans-esterificaccedilatildeo ou fermentaccedilatildeo A sua

disponibilidade e facilidade de processamento permitiram a sua inserccedilatildeo e mistura nos

combustiacuteveis atualmente vendidos ao puacuteblico Para 2017 Portugal fixou em 75 (de poder

energeacutetico) a incorporaccedilatildeo de biocombustiacuteveis nos combustiacuteveis dos transportes rodoviaacute-

rios tendo a Uniatildeo Europeia o objectivo de 10 em 2020 para todos os paiacuteses membros

Os biocombustiacuteveis 1G fazem uso da colheita agriacutecola para fins energeacuteticos o que gera

opiniotildees desfavoraacuteveis por parte de ambientalistas (pelo uso exaustivo da terra agriacutecola sem

compensaccedilatildeo desflorestaccedilatildeo e perda de biodiversidade) e problemas eacuteticos tais como os le-

vantados por responsaacuteveis da ONU como o Dr Jean Ziegler que atribui aos biocombustiacuteveis

a culpa pela contiacutenua inflaccedilatildeo dos preccedilos de alimentos exacerbando a atual crise de fome

mundial - ldquoSatildeo necessaacuterios 352Kg de milho para encher um depoacutesito de 50L de um carro Uma

crianccedila na Zacircmbia ou no Meacutexico onde o milho eacute um elemento baacutesico da dieta poderia viver

com esta quantidade de milho um ano inteirordquo Atualmente os maiores produtores destes bio-

combustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo satildeo os EUA e o Brasil utilizando parte da produccedilatildeo global

de cereais e oacuteleos vegetais para a produccedilatildeo de bioetanol e biodiesel causando um ambiente

de profunda preocupaccedilatildeo em volta da sustentabilidade de produccedilatildeo de energia a meacutediolongo

prazo De forma a controlar a inflaccedilatildeo no preccedilo dos alimentos a EU estabeleceu um limite de

7 para o uso de biocombustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo como combustiacutevel de transportaccedilatildeo

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A segunda geraccedilatildeo de biocombustiacuteveis (2G) usa biomassa isto eacute qualquer fonte de car-

bono orgacircnico que eacute rapidamente renovado no ciclo de carbono Os biocombustiacuteveis de

segunda geraccedilatildeo almejam um uso ponderado de desperdiacutecios da induacutestria madeireira e

agriacutecola ou de restos de colheitas agriacutecolas assim que estas preencham o seu propoacutesito

alimentar evitando interferecircncia com o mercado alimentar e natildeo influenciando os preccedilos

dos alimentos baacutesicos

FIGURA 1 Biocombustiacuteveis

A produccedilatildeo de arroz atingiu o seu pico em 2017 gerando 1140 milhotildees de toneladas de

espigas de arroz cujo destino eacute a incineraccedilatildeo compostagem ou eacute simplesmente deposita-

da em aterros Contudo com a 2G de biocombustiacuteveis eacute encontrado potencial energeacutetico

neste desperdiacutecio agriacutecola O seu potencial deve-se agrave mateacuteria lignoceluloacutesica ndash celulose

hemicelulose e lignina ndash presente em todas as plantas incluindo as espigas em diferen-

tes percentagens Este material composto eacute essencial para a estrutura e resistecircncia das

plantas a hemicelulose eacute a matriz que rodeia o esqueleto de celulose enquanto a lignina

funciona como uma camada protetora As possibilidades associadas a este tipo de desper-

diacutecio satildeo inegaacuteveis a sua abundacircncia e facilidade de obtenccedilatildeo tornam-no muito apelativo

Contudo o gasto na recolha e transporte desta mateacuteria suplanta os custos de produccedilatildeo

e o seu uso continuado poderaacute contribuir para a erosatildeo do solo Aleacutem disso para o seu

aproveitamento para produccedilatildeo de biocombustiacuteveis eacute necessaacuterio um preacute-tratamento para

hidrolisar as ligaccedilotildees covalentes entre os trecircs constituintes da mateacuteria lignoceluloacutesica e

permitir a posterior fermentaccedilatildeo anaeroacutebia da celulose produzindo bioetanol Este preacute-

-tratamento eacute visto como outra das desvantagens do processo e estaacute ainda a ser estudado

e otimizado pois de momento as alternativas disponiacuteveis encarecem o produto final e em

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alguns dos casos dependem do uso de quiacutemicos poluentes A esperanccedila estaacute entatildeo de-

positada no estudo de enzimas hidroliacuteticas encontradas em organismos termoacutefilos que

seratildeo capazes de aguentar as difiacuteceis condiccedilotildees de tratamento Contudo a dificuldade em

escalar o processo de fermentaccedilatildeo eacute uma das desvantagens e dos fatores limitantes para

a 2G de biocombustiacuteveis em grande parte devido agrave dificuldade de monitorizar as condiccedilotildees

de fermentaccedilatildeo (oxigeacutenio pH nutrientes etc)

A terceira geraccedilatildeo (3G) de biocombustiacuteveis foi reconhecida como a melhor alternativa

em comparaccedilatildeo com primeira e segunda geraccedilotildees pois surpreendentemente faz uso de

algas A sua enorme disponibilidade por todo o planeta e o facto de natildeo interferirem com os

mercados alimentares satildeo os grandes embaixadores desta mateacuteria-prima como o futuro

dos biocombustiacuteveis Ainda que natildeo seja uma mateacuteria infinita eacute a que de momento mais se

assemelha por existirem 70 000 espeacutecies (30 000 documentadas) Estudos conduzidos

atualmente estatildeo a explorar a viabilidade energeacutetica de 30 espeacutecies de algas explorando a

sustentabilidade facilidade e escalabilidade da sua produccedilatildeo Outras vantagens incluem a

baixa manutenccedilatildeo necessaacuteria para o seu crescimento (luz dioacutexido de carbono e nutrientes

como azoto foacutesforo e potaacutessio) a facilidade com que produzem liacutepidos e carboidratos que

podem posteriormente ser processados em diferentes biocombustiacuteveis e outros copro-

dutos a frequecircncia com que podem ser colhidas ao longo do ano (ao contraacuterio de outras

colheitas convencionais) a baixa percentagem de hemicelulose e a praticamente ausente

lignina facilitam radicalmente o seu preacute-processamento pois a celulose eacute mais facilmente

extraiacuteda As desvantagens desta mateacuteria incluem o enorme investimento inicial para a

construccedilatildeo de infraestruturas para o seu cultivo que pode ser ou ao ar livre (em tanques

de grande dimensatildeo) ou em foto-bioreatores (sistemas fechados altamente controlados)

Prevecirc-se que em 2030 o preccedilo de produccedilatildeo de combustiacutevel a partir de algas seraacute 065 euro

litro de combustiacutevel valor muito proacuteximo do atual preccedilo de produccedilatildeo do litro de gasolina

Comparativamente aos custos de produccedilatildeo de outros biocombustiacuteveis o mais barato con-

tinua a ser o bioetanol produzido a partir de milho (1G) 017 eurolitro seguido de combustiacute-

veis celuloacutesicos (2G) a 032 eurolitro

Eacute evidente que seratildeo necessaacuterios esforccedilos poliacuteticos e cientiacuteficos investimento e regu-

lamentaccedilatildeo adequados para encontrar o caminho ideal para travar o aquecimento global

Em todas as geraccedilotildees de biocombustiacuteveis apresentadas existem fatores que afunilam as

potencialidades destas alternativas indicando que a soluccedilatildeo passa por criar um consoacutercio

entre as vaacuterias possibilidades de forma a tirar o maacuteximo partido sem danificar o planeta ou

piorar a crise da fome O proacuteximo passo passa por substituir os biocombustiacuteveis de 1G por

soluccedilotildees com maior escalabilidade Acreditamos que nas proacuteximas deacutecadas seratildeo cruciais

e depositamos esperanccedila na investigaccedilatildeo cientiacutefica

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018043

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Stephen Hawking e a sua contribuiccedilatildeo para a fiacutesica teoacutericaOrfeu Bertolami

Claacuteudio GomesDepartamento de Fiacutesica e Astronomia CFP Universidade do Porto

A 14 de marccedilo de 2018 o fiacutesico britacircnico Stephen Hawking faleceu aos 76 anos deixando

todavia um importante legado para a fiacutesica teoacuterica muito particularmente para o

entendimento das deficiecircncias intriacutensecas da Relatividade Geral de Einstein para a fiacutesica

dos buracos negros e para a cosmologia a ciecircncia do Universo como um todo

Stephen Hawking doutorou-se em Fiacutesica Teoacuterica em 1966 pela Universidade de Cambridge

sob a supervisatildeo de Dennis Sciama Apesar da sua condiccedilatildeo fiacutesica progressivamente limi-

tativa manteve-se extremamente ativo na investigaccedilatildeo nas aacutereas de cosmologia fiacutesica dos

buracos negros e gravitaccedilatildeo quacircntica

Nessa altura havia uma consideraacutevel discussatildeo acerca da realidade e ubiquidade de sin-

gularidades pontos no espaccedilo-tempo onde a Teoria da Relatividade Geral deixa de fazer sen-

tido e natildeo desaparecendo atraveacutes de mudanccedila de sistemas de coordenadas que descrevem

o espaccedilo-tempo Na segunda metade da deacutecada de 1960 Hawking e o matemaacutetico inglecircs

Roger Penrose demonstraram que essas singularidades eram inevitaacuteveis no contexto da

Teoria da Relatividade Geral (ver para uma descriccedilatildeo exaustiva o livro Large Scale Structure

of Space-Time escrito em colaboraccedilatildeo com o fiacutesico sul-africano George Ellis publicado em

1973) Uma dessas singularidades corresponde ao iniacutecio do Universo ndash Big Bang ndash e outras

estatildeo presentes no interior dos buracos negros natildeo acessiacuteveis agrave observaccedilatildeo devido agrave pre-

senccedila de um horizonte de acontecimentos que segundo a Conjetura da Censura Coacutesmica de

Roger Penrose protegem sempre as singularidades de se apresentarem ldquonuasrdquo

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Subsequentemente em 1975 ele desenvolveu a ideia que os buracos negros deveriam

radiar termicamente a uma temperatura especiacutefica inversamente proporcional agraves suas

massas temperatura esta que hoje designamos por temperatura de Hawking Esta ideia daacute

origem ao paradoxo da informaccedilatildeo em que a informaccedilatildeo que entrava no horizonte de evento

se perdia Com este contributo passou-se a ter uma equivalecircncia entre a dinacircmica e a termo-

dinacircmica de buracos negros

FIGURA 1 Emissatildeo da radiaccedilatildeo teacutermica de Hawking por um buraco negro

No princiacutepio da deacutecada de 1980 Hawking iniciou em colaboraccedilatildeo com o fiacutesico norte-ameri-

cano James Hartle o programa de investigaccedilatildeo que hoje designamos por cosmologia quacircntica

Na cosmologia quacircntica o espaccedilo-tempo eacute descrito por uma funccedilatildeo de onda a funccedilatildeo de onda

do Universo como na Mecacircnica Quacircntica Esta equaccedilatildeo de onda satisfaz uma equaccedilatildeo anaacuteloga

agrave de Schroumldinger da Mecacircnica Quacircntica a equaccedilatildeo de Wheeler-DeWitt A proposta de Hartle

e Hawking eacute que a funccedilatildeo de onda descreva um espaccedilo-tempo sem fronteiras (No-Boundary

proposal) A ideia eacute que agrave medida que retrocedemos no tempo chegamos a um ponto em que

o Universo eacute pequeno o suficiente para que efeitos quacircnticos sejam dominantes Nesta altura

existe uma espeacutecie de ldquoespumardquo do espaccedilo-tempo de tal modo que o tempo natildeo pode ser in-

terpretado do modo como o vemos hoje mas sim como uma quarta dimensatildeo espacial Uma

analogia uacutetil eacute a seguinte se viajarmos para o Polo Sul temos de seguir sempre para sul mas

quando alcanccedilamos o ponto do Polo Sul jaacute natildeo faz sentido falarmos na direccedilatildeo sul pelo mesmo

raciociacutenio ao retrocedermos no tempo haacute um pontoinstante em que natildeo faz sentido falar-se em

tempo Matematicamente isto torna-se possiacutevel passando de um espaccedilo-tempo de Minkowski

como na Relatividade Restrita para um espaccedilo Euclideano a quatro dimensotildees no qual o tempo

passa a ser um nuacutemero puramente complexo Com esta formulaccedilatildeo o Universo natildeo tem uma

fronteira aleacutem daquela que permite a transiccedilatildeo entre as duas descriccedilotildees para o espaccedilo-tempo

e que eacute exemplificado na FIGURA 2 Esta geometria eacute designada por shuttlecock ou volantepena

de badminton devido agrave semelhanccedila com este objeto

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FIGURA 2 Representaccedilatildeo tridimensional do modelo de Hartle-Hawking (no boundary proposal) A base corresponde a uma semiesfera a 4 dimensotildees e a estrutura que apresenta o tempo como uma direccedilatildeo distinta das espaciais corresponte a um Universo em expansatildeo

Hawking tambeacutem estudou outros problemas como o das maacutequinas do tempo e questotildees

relacionadas com a cosmologia e a formaccedilatildeo de estruturas no Universo Com o seu carate-

riacutestico humor Hawking afirmou natildeo ser possiacutevel viajar no tempo Para tal sugeriu organizar

uma festa convidando pessoas do futuro a se juntarem a ele e dado que ningueacutem apa-

receu concluiu entatildeo que viagens no tempo natildeo satildeo possiacuteveis na realidade Outra prova

prende-se com o facto de natildeo termos recebido ainda turistas do futuro numa clara alusatildeo

iroacutenica agrave procura turiacutestica desenfreada que assistimos nos dias de hoje

Mais recentemente ele pronunciou-se sobre questotildees de interesse geral como as im-

plicaccedilotildees do desenvolvimento da inteligecircncia artificial e a necessidade e inevitabilidade

da exploraccedilatildeo espacial Mostrou-se reticente acerca dos desenvolvimentos no domiacutenio da

inteligecircncia artificial classificando-o como possivelmente perigoso para a nossa civiliza-

ccedilatildeo pois apesar dos potenciais benefiacutecios comportam seacuterios riscos agrave continuidade da hu-

manidade Relativamente agrave exploraccedilatildeo espacial Hawking encarava as viagens espaciais

quer pelo seu interesse cientiacutefico quer como forma de preservar a humanidade de riscos

de destruiccedilatildeo devido a guerras nucleares ou epidemias devido a viacuterus geneticamente mo-

dificados

O fiacutesico Stephen Hawking legou-nos uma extraordinaacuteria contribuiccedilatildeo cientiacutefica e huma-

na Deixou um extraordinaacuterio exemplo de resiliecircncia dedicaccedilatildeo ao conhecimento e agrave socie-

dade Fisicamente debilitado e ldquopresordquo a uma condiccedilatildeo rara a esclerose lateral amiotroacutefica

que lhe foi diagnosticada aos 21 anos a sua mente foi das mais livres dos nossos tempos

concebeu hipoacuteteses conjunturas e teorias pensou a sociedade de hoje e a do futuro

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RochaO que eacute importante dizer sobre as rochas

A M Galopim de Carvalho Universidade de Lisboa

Rochas e pedras satildeo a mesma coisa Praticamente a resposta eacute sim Pedra eacute aquilo

que se apanha do chatildeo para dar uma pedrada

Qualquer pessoa mesmo a menos letrada diraacute que as pedras

bull natildeo satildeo fabricadas ou feitas por gente (a ciecircncia diz que satildeo entidades naturais)

bull que natildeo se amolgam (a ciecircncia diz que satildeo riacutegidas)

bull que geralmente natildeo se esboroam nem se esfarela (a ciecircncia diz que satildeo coesas)

bull que fazem mossa onde quer que batam (a ciecircncia diz que satildeo duras) Para o cidadatildeo

comum pedra (do grego peacutetra) eacute pois uma entidade natural riacutegida coesa e dura que se

apanha do chatildeo

Apanhamos uma pedra do chatildeo mas quando estudamos falamos quase sempre de ro-

chas Num modo de falar corrente podemos dizer que as pedras satildeo bocados de rocha

Todos falamos de rocha como sinoacutenimo de pedra com base num conhecimento comum

empiacuterico vulgar ligado agrave experiecircncia quotidiana mesmo do mais iletrado dos cidadatildeos Dize-

mos rochedo quando o afloramento de rocha eacute grande e apelidamos de rochoso um terreno

com a rocha agrave vista Rocha eacute um galicismo que entre noacutes se sobrepocircs ao termo ldquorocardquo bem

mais antigo talvez preacute-romano Cabo da Roca ou ldquoFocinho da Rocardquo no dizer dos homens do

mar deve o seu nome a esta versatildeo arcaica da palavra rocha

O conceito atual de rocha e os vaacuterios conhecimentos com elas relacionados percorreram

uma caminhada tatildeo longa quanto a do Homo sapiens caminhada de que temos testemunhos

na Preacute-histoacuteria e variadiacutessimos relatos escritos desde a Antiguidade

Na sua giacuteria proacutepria entendiacutevel entre pares os profissionais falam de rochas dizendo que

satildeo sistemas quiacutemicos mono ou polifaacutesicos (ou seja com um ou mais minerais) resultantes

do equiliacutebrio termodinacircmico atingido pelos seus constituintes em determinados ambientes

Entendendo-se por constituintes os elementos quiacutemicos incluiacutedos nos respetivos minerais

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Por outras palavras acessiacuteveis ao comum das gentes pode entatildeo dizer-se que as rochas

satildeo corpos naturais formados por associaccedilotildees mais ou menos estaacuteveis de minerais compatiacute-

veis entre si e com o ambiente onde foram gerados e que satildeo elas as rochas que constituem

a capa riacutegida da Terra que por essa razatildeo recebeu o nome de litosfera (FIGURA 1)

FIGURA 1 Modelado Graniacutetico na Serra da Estrela (fonte banco de imagens da Casa das Ciecircncias)

Antes de prosseguir esclareccedila-se que no jargatildeo proacuteprio da mineralogia e da geoquiacutemica

os minerais satildeo considerados fases no sentido fiacutesico-quiacutemico da palavra Com efeito neste

sentido uma fase eacute uma porccedilatildeo de mateacuteria quiacutemica e estruturalmente homogeacutenea e uma

qualquer espeacutecie mineral eacute isso mesmo

Por convenccedilatildeo na sistemaacutetica em sedimentologia entre as rochas sedimentares cabem

certos materiais natildeo consolidados como os barros as areias soltas as cascalheiras e ainda

outros de natureza natildeo mineral como os carvotildees foacutesseis e o petroacuteleo (oacuteleo de pedra) Cha-

mar rochas ou pedras a estes materiais agraves vezes tatildeo afastados da imagem vulgar de ldquocoisa

dura riacutegida e coesardquo decorre do conceito geoloacutegico de rocha no qual se inclui o modo de

ocorrecircncia e o respetivo processo de formaccedilatildeo (petrogeacutenese)

A mecacircnica das rochas (disciplina que estuda certas propriedades das rochas como resis-

tecircncia ao esmagamento agrave traccedilatildeo agrave torccedilatildeo agrave flexatildeo porosidade permeabilidade e outras)

define-as como entidades sempre riacutegidas e coesas e duras como tambeacutem se diz vulgarmen-

te com capacidade de suportar cargas e que na eventualidade de terem de ser escavadas ou

removidas haacute que usar tecnologias com explosivos Este conceito corresponde aliaacutes agrave ideia

mais divulgada de rocha como atraacutes se referiu Eacute o bedrock dos autores ingleses

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FIGURA 2 Processo de meteorizaccedilatildeo fiacutesica essencialmente por corrosatildeo eoacutelica em rochas sedimentares (arenitos) (fonte banco de imagens da Casa das Ciecircncias)

Aleacutem das muitas que conhecemos na Terra jaacute estudaacutemos rochas do nosso sateacutelite natural

nomeadamente basaltos e anortositos trazidos da sua superfiacutecie Mercuacuterio Veacutenus e Marte satildeo

tambeacutem planetas rochosos e igualmente rochosos ou pedregosos satildeo ainda os nuacutecleos dos co-

metas e muitos dos asteroides de que temos conhecimento pelos meteoritos caiacutedos na Terra

Quando se apelidam as rochas de magmaacuteticas sedimentares (FIGURA 2) ou metamoacuterficas

natildeo se estaacute apenas a rotulaacute-las para efeitos de arrumo ou arquivo muito menos se estatildeo a

criar novos vocaacutebulos para sobrecarga dos estudantes ou do cidadatildeo em geral Estes adjeti-

vos acrescentados agrave palavra rocha informam de imediato sobre a sua origem

bull magmaacutetica ou sedimentar qualquer delas em resultado de processos naturais faacuteceis de

entender

bull metamoacuterfica em consequecircncia de um outro processo muito menos ao alcance da vivecircncia

do vulgo mas que se explica sem grandes dificuldades

Apelidam-se de metamoacuterficas as rochas que posteriormente a uma primeira formaccedilatildeo

como magmaacuteticas ou sedimentares foram submetidas a pressotildees eou a temperaturas no

interior da crosta que lhes modificaram a composiccedilatildeo eou a textura

Foi atraveacutes do estudo das rochas que desvendaacutemos o essencial dos acontecimentos geo-

loacutegicos que marcaram a histoacuteria deste laquoPlaneta Azulraquo no qual a vida encontrou condiccedilotildees

para despertar e onde evoluiu ao ponto de se interrogar sobre essa mesma histoacuteria

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Os conhecimentos diretos de que hoje dispomos relativos agraves rochas da Terra limitam-se

aos que se obtecircm pelo estudo das que afloram agrave superfiacutecie das recolhidas em dragagens

nos fundos marinhos e das retiradas da profundidade quer em minas quer atraveacutes de son-

dagens Esta profundidade que natildeo excede 3 km no primeiro caso e 11 km no segundo

(na peniacutensula de Kola) pode considerar-se insuficiente se comparada com as trecircs a quatro

dezenas de quiloacutemetros de espessura meacutedia da crosta continental

Eacute jaacute muito o conhecimento que temos desta capa (a crosta ou crusta como alguns dizem e

escrevem) mais superficial do nosso planeta Temo-lo atraveacutes das rochas que constantemente

vemos e pisamos muitas delas geradas em zonas profundas trazidas agrave superfiacutecie pelos en-

rugamentos de origem tectoacutenica geradores das montanhas e subsequentemente postas a

descoberto pela erosatildeo

Outras rochas proacuteprias de muito maiores profundidades inclusive do manto inferior como eacute

o caso dos xenocristais e dos xenoacutelitos (do grego xenos estranho e lithos pedra) isto eacute cris-

tais e fragmentos de materiais liacuteticos gerados nessas regiotildees e que ascendem agrave superfiacutecie na

sequecircncia de atividade vulcacircnica englobados ou encravados nos produtos magmaacuteticos que ali

se formaram ou por ali passaram Na ilha da Madeira por exemplo satildeo frequentes os xenoacutelitos

oliviacutenicos que ascenderam ateacute agrave superfiacutecie no seio das lavas envolvidas no processo vulcacircnico

que originou esta e muitas outras ilhas

As rochas a que temos acesso mais ou menos direto representam uma parcela importante

da diferenciaccedilatildeo da Terra e agrave semelhanccedila da aacutegua do ar e dos seres vivos satildeo o resultado de

imensas transformaccedilotildees numa vasta e complexa rede de inter-relaccedilotildees ocorridas ao longo

dos tempos neste laquoplaneta vivoraquo pleno ainda de energia interna (sob a forma de calor) a que

se adiciona toda a que lhe chega do exterior isto eacute a radiaccedilatildeo solar Como escreveu Maurice

Mattauer ldquoas pedras nascem vivem e morrem como noacutes elas tecircm uma idade e uma histoacuteriardquo

Petrologia e litologia satildeo duas disciplinas que estudam as rochas ou as pedras Se bem que

os eacutetimos petra (latim) e lithos (grego) sejam sinoacutenimos petrologia e litologia encerram con-

ceitos diferentes ainda que relacionados entre si

bull A petrologia eacute um ramo da geologia com dimensatildeo de ciecircncia de vastos recursos nos campos

da fiacutesica da quiacutemica e naturalmente tambeacutem da matemaacutetica em busca do conhecimento da

origem natureza constituiccedilatildeo e evoluccedilatildeo da Terra no acircmbito do Sistema Solar e do Universo

bull A litologia outro ramo da geologia eacute habitualmente entendida como a disciplina que estuda

as rochas num campo praacutetico Serve a geologia de engenharia tendo em vista a implantaccedilatildeo

de grandes edifiacutecios e outras obras volumosas cujas fundaccedilotildees exigem o conhecimento dos

terrenos A litologia daacute igualmente respostas agrave pedologia (o estudo dos solos) e agrave induacutestria

extrativa de rochas ornamentais usadas na arquitetura na cantaria ou na estatuaacuteria e de

rochas industriais exploradas como importantes mateacuterias-primas para a construccedilatildeo civil a

ceracircmica o vidro o cimento a cal e a induacutestria quiacutemica

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Software educativo em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Ana C Conceiccedilatildeo

DMUniversidade do Algarve

O conceito F-Tool foi desenvolvido em 2012 com o objetivo de proporcionar uma

aprendizagem interativa em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Em particular eacute possiacutevel

explorar de forma integrada as noccedilotildees de domiacutenio contradomiacutenio existecircncia de zeros

existecircncia de extremos e de pontos de inflexatildeo invertibilidade derivabilidade reta

tangente ao graacutefico num ponto simetrias em relaccedilatildeo aos eixos e agrave origem A utilizaccedilatildeo

dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adaptaccedilatildeo de

alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e

do simples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular)

No ensino da matemaacutetica e em particular no estudo de funccedilotildees a recomendaccedilatildeo da utiliza-

ccedilatildeo de software educacional tem como objetivo o sanar das dificuldades que os alunos pos-

suem em associar as representaccedilotildees algeacutebricas com as diversas representaccedilotildees numeacutericas

eou graacuteficas De facto o caraacuteter estaacutetico das representaccedilotildees matemaacuteticas muitas vezes

dificulta a construccedilatildeo do significado afetando substancialmente a correta interpretaccedilatildeo dos

conceitos A criaccedilatildeo de modelos interativos visuais com o sistema de aacutelgebra computacional

Mathematica permite aos alunos explorar conceitos de elevada complexidade e rapidamen-

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te adquirir uma compreensatildeo mais profunda dos conteuacutedos Obviamente a utilizaccedilatildeo de sof-

tware educacional natildeo deve ser vista como um substituto para o ensino com ldquopapel e laacutepisrdquo

deve ser devidamente combinada com outros meacutetodos de ensino

O conceito F-Tool foi desenvolvido em 2012 com o objetivo de proporcionar uma apren-

dizagem interativa em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Os aplicativos computacionais

implementados com base neste conceito utilizam as capacidades de caacutelculo numeacuterico e

simboacutelico do Mathematica de forma a permitir estudar dinacircmica e interativamente e em

tempo real conceitos e propriedades fundamentais do preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial

FIGURA 1 Imagem ilustrativa da F-Exponential

O conceito F-Tool em sala de aula permite uma abordagem dinacircmica de diversos concei-

tos relacionados com o estudo de funccedilotildees e promove novas formas de raciocinarpensar

avaliar ensinar e aprender As F-Tool foram concebidas como ferramentas de aprendiza-

gem ativa ou seja a sua utilizaccedilatildeo adequada propicia um contexto de ensino-aprendiza-

gem onde alunos e professores satildeo igualmente convidados a contribuir Aleacutem disso tecircm

uma interface muito intuitiva que permite que ateacute mesmo o utilizador mais inexperiente

sem qualquer conhecimento anterior em software educacional possa comeccedilar a usar to-

dos os recursos de uma forma eficiente e autoacutenoma As F-Tool natildeo satildeo um objeto estaacutetico

mas sim um programa a ser executado com o qual se interage em tempo real Em parti-

cular atraveacutes da alteraccedilatildeo dinacircmica dos valores dos paracircmetros que definem cada classe

eacute possiacutevel obter informaccedilatildeo analiacutetica rigorosa apresentada em aritmeacutetica exata ou apro-

ximada bem como informaccedilatildeo visual estaacutetica e natildeo-estaacutetica De igual modo escolhendo

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estrategicamente de entre as vaacuterias opccedilotildees de funccedilotildees disponiacuteveis no painel esquerdo eacute

possiacutevel apreender de forma mais eficaz e consequente muitas das relaccedilotildees existentes

entre as vaacuterias funccedilotildees e respetivas transformaccedilotildees (FIGURA 1) As F-Tool utilizam um

coacutedigo de cores para diferenciar as vaacuterias funccedilotildees apresentadas Este coacutedigo eacute explicitado

na legenda do canto inferior esquerdo do painel central

Qual das figuras pode representar o graacutefico de uma funccedilatildeo e o graacutefico da sua derivada de 1ordf ordem

FIGURA 2 Exemplo de questatildeo de escolha muacuteltipla utilizando diversas opccedilotildees do painel esquerdo das F-Tool

Apesar de ser um software educacional dinacircmico e interativo pode tambeacutem ser utilizado

na construccedilatildeo de questotildees de avaliaccedilatildeo de escolha muacuteltipla (FIGURA 2) e de resposta aberta

ficando o docente automaticamente com a resposta ao selecionar no painel esquerdo as

opccedilotildees relacionadas com a questatildeo

A utilizaccedilatildeo dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adapta-

ccedilatildeo de alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e do sim-

ples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular) De facto

incluindo as F-Tool em ficheiros no Computable Document Format (CDF) eacute possiacutevel criar

fichas de trabalho dinacircmicas e interativas motivando os alunos e tornando o estudo mais

interessante

Acreditamos que o conceito F-Tool ao dotar professores e estudantes com novas fer-

ramentas para explorar alguns conceitos fundamentais da matemaacutetica desenvolveraacute po-

sitivamente o processo de ensino e de aprendizagem das aacutereas de preacute-caacutelculo e caacutelculo

diferencial

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018046

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O Aroma das Plantas Luiacutes Gaspar Pedro

Ana Cristina Figueiredo

Joseacute Gonccedilalves Barroso

CESAM CBV Universidade de Lisboa

Quando nos festejos dos Santos Populares colocamos a matildeo sobre o manjerico

provocamos a rutura de estruturas microscoacutepicas Ao fazecirc-lo libertam-se compostos

quiacutemicos que aderem agrave palma da nossa matildeo que depois percecionamos pelo nosso

olfacto Os aromas satildeo misturas complexas de dezenas de compostos volaacuteteis

carateriacutesticos de uma determinada planta

O aroma o que eacute

O aroma de muitas plantas eacute constituiacutedo por diversos compostos quiacutemicos volaacuteteis que

tecircm a capacidade de estimular os nossos recetores olfactivos A quantidade e a diver-

sidade deste tipo de compostos presentes nas plantas satildeo responsaacuteveis pelos aromas

carateriacutesticos Eacute relativamente faacutecil reconhecer o aroma dos coentros ou do manjerico e

distingui-los de outros aromas como o da rosa ou do cravinho

Na composiccedilatildeo da fraccedilatildeo volaacutetil de uma planta aromaacutetica encontram-se regra geral

compostos como os mono- e sesquiterpenos e os fenilpropanoacuteides (FIGURA 1) entre ou-

tros Satildeo todos eles compostos quiacutemicos com ponto de ebuliccedilatildeo relativamente baixo que

volatilizam agrave temperatura ambiente e contribuem de forma mais ou menos notoacuteria para o

aroma carateriacutestico de cada espeacutecie

FIGURA 1 Exemplos de compostos que constituem a fraccedilatildeo volaacutetil de diversas espeacutecies aromaacuteticas monoterpenos (α-pineno timol) sesquiterpenos (β-cariofileno germacreno D) e fenilpropanoacuteides (eugenol)

α-Pineno Timol β-Cariofileno Germacreno D Eugenol

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Estruturas secretoras

Os compostos que constituem a fraccedilatildeo aromaacutetica de uma planta satildeo regra geral sinteti-

zados e acumulados em estruturas secretoras microscoacutepicas Entre os diversos tipos de

estruturas secretoras as mais frequentes satildeo os tricomas os canais e as bolsas (FIGURA 2)

FIGURA 2 Exemplos de estruturas secretoras observadas em microscopia oacuteptica A - Tricoma de Geranium robertianum (s - secretado acumulado no espaccedilo sub-cuticular coloraccedilatildeo com reagente de Nadi) B - canal secretor de Crithmum maritimum (setas coloraccedilatildeo com tricloreto de antimoacutenio) e C - bolsa secretora de Citrus sp (coloraccedilatildeo com Vermelho Sudatildeo III)

Os tricomas glandulares satildeo estruturas externas com origem em ceacutelulas epideacutermicas

que apresentam diversos graus de complexidade desde tricomas com apenas trecircs ceacutelulas

uma das quais a secretora ateacute tricomas com mais de uma dezena de ceacutelulas secretoras

As bolsas e os canais secretores satildeo estruturas internas constituiacutedas por ceacutelulas glandu-

lares que delimitam o luacutemen o espaccedilo para onde satildeo secretados os compostos depois de

produzidos nas ceacutelulas secretoras Os canais satildeo estruturas alongadas que percorrem o

corpo da planta por vezes com ramificaccedilotildees enquanto as bolsas satildeo estruturas mais ou

menos isodiameacutetricas

Os oacuteleos essenciais

Um oacuteleo essencial eacute obtido por hidrodestilaccedilatildeo ou por destilaccedilatildeo por arrastamento de va-

por (FIGURA 3) No caso particular dos citrinos o oacuteleo essencial pode ainda ser obtido

por expressatildeo (processo mecacircnico que promove a libertaccedilatildeo do secretado acumulado no

interior das estruturas secretoras neste caso bolsas)

Tanto na hidrodestilaccedilatildeo como na destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor o secretado eacute

removido das estruturas secretoras e arrastado pelo vapor de aacutegua Depois de condensar

por arrefecimento o oacuteleo essencial separa-se da aacutegua podendo ser facilmente recolhido

devido agrave sua imiscibilidade com a aacutegua

A B CS

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41FIGURA 3 A - Sistema de hidrodestilaccedilatildeo com aparelho de Clevenger e B - sistema de destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor

Anaacutelise de oacuteleos essenciais

Para analisar um oacuteleo essencial recorre-se frequentemente agrave cromatografia gasosa (CG)

para quantificaccedilatildeo dos componentes e agrave CG acoplada agrave espectrometria de massa (CG-

-EM) para a correspondente identificaccedilatildeo dos constituintes Por CG-EM os diversos com-

ponentes que constituem o oacuteleo essencial satildeo separados uns dos outros e ao chegarem ao

espectroacutemetro de massa satildeo bombardeados por eletrotildees o que leva a que as moleacuteculas

fragmentem formando-se diferentes iotildees de acordo com padrotildees preferenciais O con-

junto dos fragmentosiotildees constituem o espectro de massa que eacute carateriacutestico de cada

moleacutecula A integraccedilatildeo das aacutereas dos picos que surgem no cromatograma obtido por CG

(FIGURA 4A) permite a quantificaccedilatildeo relativa dos diversos componentes do oacuteleo essencial

A anaacutelise por CG-EM possibilita a identificaccedilatildeo desses compostos por comparaccedilatildeo dos

espectros de massa (FIGURA 4B) e dos iacutendices de retenccedilatildeo com os de amostras padratildeo

FIGURA 4 A - Aspeto parcial de um cromatograma obtido por CG carateriacutestico de um oacuteleo essencial com alguns dos ldquopicosrdquo identificados B - espectro de massa obtido por CG-EM de um dos componentes maioritaacuterios o timol

A B

A B

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Paisagens da Islacircndia Formase Processos (III)Fernando Carlos LopesCITEUC Universidade de Coimbra

A Islacircndia eacute famosa natildeo soacute pelos seus vulcotildees mas tambeacutem pelos seus glaciares e pela

sua sinuosa e escarpada linha de costa

Atualmente os glaciares cobrem cerca de 10 da superfiacutecie islandesa e 60 destas

aacutereas geladas assentam sobre sistemas vulcacircnicos ativos Esta combinaccedilatildeo de gelo e vul-

canismo torna a Islacircndia o local ideal para cheias repentinas (joumlkulhlaups) resultantes de

aacutegua que escorre por baixo dos glaciares devido agrave fusatildeo provocada pelas erupccedilotildees subgla-

ciares Atualmente existem 4 grandes calotes glaciares localizadas nas regiotildees elevadas

e vulcanicamente ativas do centro e sul da ilha a partir das quais divergem numerosas liacuten-

guas glaciarias Vatnajoumlkull (8100 km2) situado no centro leste Langjoumlkull (925 km2) si-

tuado no centro oeste Hofsjoumlkull (925 km2) situado na zona central da ilha Myrdalsjoumlkull

(600 km2) situado no sul da ilha Apesar da Islacircndia ter cerca de 24 Ma a sua paisagem soacute

foi moldada por glaciares nos uacuteltimos 5 milhotildees de anos Os seus glaciares de tipo alpino

(ou de montanha) avanccedilaram e recuaram condicionados pelas variaccedilotildees regionais e locais

do clima de que resultaram espetaculares morfologias Como jaacute se referiu anteriormente

as variaccedilotildees da carga glaciar sobre a litosfera provocadas pelas fases de gelo e degelo

teratildeo desempenhado papel importante na atividade vulcacircnica da ilha

Com um comprimento de cerca de 4970 km a linha de costa da Islacircndia eacute de um modo

geral muito recortada e escarpada marcada por promontoacuterios cabos peniacutensulas fiordes

e enseadas pontilhada de leixotildees por entre os quais se aninham praias de areia negra de

contornos suaves A accedilatildeo do mar sobre as inuacutemeras escoadas de lava que fluiacuteram ateacute agrave

costa ao longo da evoluccedilatildeo geoloacutegica da ilha e ali solidificaram sobre os aparelhos vulcacirc-

nicos implantados na zona litoral e sobre os vales deixados pelo recuo dos glaciares criou

paisagens de uma beleza surreal

FIGURA DA PAacuteGINA ANTERIOR Leixatildeo Hvitserkur noroeste da Islacircndia (fonte pixabay)

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Parte III - Paisagens controladas pelos glaciares e paisagens costeirasVales glaciares e fiordes

Vales glaciares vales suspensos lagos glaciares e cascatas ciacuterculos glaciares moreias

e fiordes satildeo formas carateriacutesticas das paisagens islandesas criadas pelos seus glacia-

res alpinos Os vales glaciares com o seu carateriacutestico perfil em ldquoUrdquo satildeo a forma mais

comum de paisagem originada pela erosatildeo glacial (FIGURA 1) No interior destes vales os

rios concentram o seu poder erosivo na zona mais baixa originando um perfil carateriacutestico

em ldquoVrdquo O poder erosivo dos glaciares eacute muito superior ao dos rios porque a sua energia

potencial resulta natildeo soacute do declive do terreno mas tambeacutem do peso do gelo A erosatildeo faz-

-se essencialmente ao longo das zonas laterais do canal criando um vale com vertentes

alcantiladas e fundo aplanado Vales suspensos satildeo vales escavados por glaciares tributaacute-

rios Como estes glaciares levam menos gelo o seu poder erosivo eacute menor que o do glaciar

principal ficando suspenso nas vertentes do glaciar principal quando o gelo recua Cons-

tituem exemplos notaacuteveis pela sua beleza e dimensatildeo os vales glaciares de Borgarvirki

(FIGURA 2) e de Akureyri (ou Eyjafjoumlrethur) no noroeste da ilha Este uacuteltimo vai desembocar

num fiorde que eacute mais longo da Islacircndia

FIGURA 1 Esquema 3D (sem escala) da evoluccedilatildeo de uma paisagem glaciar com formaccedilatildeo de vales glaciares vales glaciares suspensos ciacuterculos glaciares lagos glaciares e cascatas

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FIGURA 2 Aspeto do vale glaciaacuterio de Borgarvirki observado a partir da fortaleza de Borgarvirki

Se as condiccedilotildees forem favoraacuteveis os glaciares podem erodir abaixo do niacutevel do mar Quan-

do o glaciar recua o oceano invade estas depressotildees criando um fiorde Alguns dos fiordes

islandeses como o de Akureyri e o de Nordfjord (nordeste da ilha) possuem centenas de

metros abaixo do niacutevel do mar O fiorde de Nordfjord abrange parcialmente uma antiga cal-

deira vulcacircnica Nas faleacutesias do seu flanco oriental (falesias de Raudubjoumlrg) afloram rioacutelitos

conferindo agraves arribas uma carateriacutestica cor avermelhada)

Como se referiu anteriormente (Parte I) a orientaccedilatildeo da maioria dos vales glaciares e

fiordes segue de perto a orientaccedilatildeo dos principais lineamentos tectoacutenicos

Moreias

Em termos de aspetos deposicionais relacionados com glaciares as moreias satildeo de lon-

ge os mais abundantes Satildeo acumulaccedilotildees de fragmentos rochosos transportados pelos

glaciares quer na regiatildeo frontal (moreia frontal) lateral (moreia lateral) a meio (moreia

mediana) e no fundo (moreia de fundo)

Durante o uacuteltimo maacuteximo glaciar (haacute cerca de 20 000 anos) a Islacircndia estava quase

toda coberta por glaciares que se estendiam ateacute agrave costa e para aleacutem dela Foram encon-

tradas moreias frontais dessa eacutepoca a cerca de 130 km a offshore da costa ocidental e a

cerca de 150-230 m abaixo do niacutevel de mar atual

Eacute possiacutevel encontrar nos vales glaciares islandeses quer moreias antigas resultantes

da uacuteltima glaciaccedilatildeo quer moreias recentes e atuais Estas uacuteltimas estatildeo relacionadas com

as 4 grandes calotes glaciares existentes como eacute o caso das moreias do glaciar Vatna-

joumlkull que se podem observar em pleno no setor sudeste da ilha

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Lagoas glaciares e icebergues

Outra das paisagens magniacuteficas moldadas pelos glaciares satildeo as lagoas glaciares Estas

lagoas formam-se na extremidade dos glaciares que descem das calotes glaciares Satildeo

alimentadas pelo desgelo natural dos glaciares e nela flutuam pequenos e grandes iceber-

gues que se separam da frente do glaciar (FIGURA 3)

FIGURA 3 Esquema 3D (sem escala) da formaccedilatildeo de icebergues numa lagoa glaciar

O exemplo mais notaacutevel deste tipo de lagoas na Islacircndia eacute a lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten consi-

derada uma das maravilhas naturais do paiacutes Fica situada no sudeste da ilha na extremidade

do glaciar Breiethamerkurjoumlkull uma das liacutengua glaciares da calote de Vatnajoumlkull (FIGURA 4)

FIGURA 4 Icebergues na lagoa glaciar de Joumlkulsaacuterloacuten Ao fundo vecirc-se a frente do glaciar Breiethamerkurjoumlkull As faixas negras nos icebergues satildeo niacuteveis de cinza vulcacircnica

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A lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten eacute o ponto mais baixo da Islacircndia com zonas agrave cota de -200 m Na

baiacutea da lagoa tem-se acesso a uma paisagem de outro mundo com icebergues de dimen-

sotildees variadas que flutuam ateacute ao mar ficando alguns deles encalhados na margem de uma

praia de areia vulcacircnica Alguns icebergues exibem faixas negras correspondentes a niacuteveis

de cinzas vulcacircnicas provenientes de antigas erupccedilotildees (FIGURA 4) Outros exibem duas

tonalidades branco leitoso e azul claro A faixa azul corresponde agrave porccedilatildeo do icebergue

que se tornou recentemente emersa

A lagoa teraacute sido formada em 1934-35 pelo contiacutenuo recuo do glaciar Vatnajoumlkull e teraacute

duplicado de tamanho nos uacuteltimos 15 anos Dada a taxa atual de recuo do glaciar Vatna-

joumlkull um profundo fiorde iraacute desenvolver-se no local onde hoje existe a lagoa

As costas escarpadas

As costas escarpadas e recortadas satildeo sem duacutevida as mais dominantes Ocorrem deste o

oeste ao leste da ilha passando pela regiatildeo norte incisas por numerosos fiordes e peque-

nas enseadas e salpicadas por leixotildees Eacute notaacutevel pela sua forma de dragatildeo e pelas lendas

que o envolvem o leixatildeo de Hvitserkur (IMAGEM DA PAGINA 42) situado na costa leste da

Peniacutensula de Vatnsnes no noroeste da Islacircndia

Os fiordes mais profundos localizam-se na costa norte constituindo bons portos natu-

rais Um destaque especial vai para o fiorde ao longo do qual se estende a cidade de Aku-

reyri (fiorde de Akureyri ou Eyjafjoumlrethur) considerado o mais longo do paiacutes

Praias de areia Negra

As praias de areia negra em geral de reduzida extensatildeo podem ser constituiacutedas por i) de-

poacutesitos resultantes da abrasatildeo das arribas ii) moreias e depoacutesitos fluviais resultantes dos

rios glaciares com contornos suaves e lagoas glaciares protegidas por extensas barras

arenosas iii) depoacutesitos de tefra provenientes de erupccedilotildees freaacuteticas

As do primeiro tipo ocorrem um pouco por toda a linha de costa como resultado da accedilatildeo

do mar sobre as arribas As do segundo tipo ocorrem dominantemente entre Djuacutepivogur a

sudeste e Oumllfusaacute a sudoeste com destaque para a praia de Reynisfjara na costa sul As

da terceira categoria podem ser observadas na ilha de Heimaey arquipeacutelago de Vestman-

naeyja regiatildeo sul da Islacircndia

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018048

IMA

GE

M E

M D

ES

TAQ

UE

48

Eu crio as minhas obras de arte de peque-

nos pedaccedilos de papel com espirais que co-

nectam e ligam os elementos a uma grande

estrutura Na obra de origami acabada a

que chamo Voltinhas estas espirais vivem

e trabalham Forccedilas de tensatildeo e fricccedilatildeo

contrapotildeem-se agrave gravidade e mantecircm a

forma estaacutevel Nas minhas criaccedilotildees procu-

ro estar perto da natureza Quando criamos

ou estudamos modelos de papel na macro

escala podemos entender melhor as for-

mas criadas pela natureza na micro escala

A minha obra de origami na capa o trabalho

intitulado ldquoInverno num parque de Lisboardquo e

o capsiacutedeo do viacuterus Canine parvovirus um viacute-

rus contagioso que ataca sobretudo os catildees

e outros caniacutedeos tecircm a mesma estrutura

geomeacutetrica do pequeno rombicosidodecae-

dro um poliedro com simetria icosaeacutedrica

Essa obra invoca simbolicamente o Ano

da Biologia Matemaacutetica 2018 O origami eacute

uma arte de dobragem do papel com uma

forte componente geomeacutetrica que permite

a construccedilatildeo de formas complexas e tem

atraiacutedo o interesse de matemaacuteticos pelas

suas propriedades geomeacutetricas e algeacutebricas

Krystyna Burczyk

Os viacuterus satildeo responsaacuteveis por inuacutemeras

doenccedilas no homem nos animais e nas plan-

tas e as curas e prevenccedilotildees satildeo ainda mui-

tas vezes problemaacuteticas Desenvolvimen-

tos recentes das aplicaccedilotildees da matemaacutetica

agrave virologia nomeadamente das teorias de

grupos de grafos de tesselaccedilatildeo ou de re-

ticulados mostraram por exemplo que as

restriccedilotildees estruturais agraves formas dos viacuterus

satildeo maiores do que antes se pensava e

permitiram a construccedilatildeo de novos modelos

para o desenvolvimento de terapias anti-

-virais Os capsiacutedeos virais que envolvem

os genomas dos viacuterus por razotildees de eco-

nomia geneacutetica tem muitas vezes uma si-

metria icosaeacutedrica Ora esta simetria natildeo eacute

cristalograacutefica em trecircs dimensotildees ie natildeo

eacute compatiacutevel com reticulados perioacutedicos

o que motivou os matemaacuteticos a desen-

volverem novas estruturas no contexto de

grupos de Coxeter natildeo-cristalograacuteficos que

encontraram aplicaccedilatildeo natildeo soacute na virologia

mas tambeacutem noutras estruturas molecula-

res da quiacutemica do carbono

Joseacute Francisco RodriguesUniversidade de Lisboa

Origami e Viacuterusin imagemcasadascienciasorg

Imagem de Canine Parvovirus gerada em VMD Autor Alexandre Lopes Magalhatildees

Page 17: JUNHO 2018 V6 /02 · 2018-09-26 · Matilde Viegas, Maria João Ramos, Pedro Alexandrino Fernandes Stephen Hawking e a sua contribuição para a física teórica Orfeu Bertolami,

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15FIGURA 1 Thomas Malthus

Supondo uma variaccedilatildeo contiacutenua do tempo e designando por P(t) a populaccedilatildeo no instante

t e por r a taxa de crescimento por unidade de tempo a equaccedilatildeo diferencial que traduz o

modelo contiacutenuo preconizado por Malthus eacute Prsquo(t) = r P(t) Entatildeo P(t) = ke r t com k constante

Como P(0) = k e P0 o nuacutemero de indiviacuteduos no ano zero a evoluccedilatildeo da populaccedilatildeo eacute dada

por P(t) = P0 e rt

Acontece que 50 anos antes em Introductio in analysin infinitorum no VI capiacutetulo

ldquoDe quantidades exponenciais e logaritmosrdquo para ilustrar a grande utilidade das ta-

belas de logaritmos para abreviar caacutelculos numeacutericos o matemaacutetico suiacuteccedilo Leonhard

Euler (1707-1783) daacute vaacuterios exemplos que envolvem o crescimento populacional de

que transcrevemos os exemplos II e III

FIGURA 2 Leonhard Euler e o seu Introductio in analysin infinitorum

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16

Exemplo II

ldquoSe a populaccedilatildeo em certa regiatildeo aumenta anualmente um trigeacutesimo e por outro lado laacute

habitavam no princiacutepio 100000 pessoas pergunta-se qual o nuacutemero de habitantes apoacutes

100 anos

Seja o nuacutemero inicial = n pelo que n = 100000 passado um ano o nuacutemero de habitantes

seraacute = (1+301 )n=30

13 n depois de dois anos = S X3013 2

n ao cabo de trecircs = S X3013 3

n e daqui

depois de 100 anos seraacute = S X3013 100

n = S X3013 100

100000 cujo logaritmo eacute = 100 l 1013 +

l 100000 E l 1013 = l 31 - l 10 = 0014240439 de onde 100 l 10

13 = 14240439 que somando-

-lhe l 100000 = 5 seraacute o logaritmo do nuacutemero de habitantes procurado = 64240439 a que

corresponde o nuacutemero 2654874

Assim ao cabo de 100 anos seraacute mais de vinte e seis vezes maiorrdquo

Este exemplo publicado em 1748 eacute meio seacuteculo antes a concretizaccedilatildeo do ldquoModelo Mal-

thusianordquo para uma populaccedilatildeo de 100000 habitantes e uma taxa de crescimento anual de

130

No exemplo seguinte Euler faz alusatildeo ao capiacutetulo 7 do Livro do Genesis que relata como

um diluacutevio reduziu a populaccedilatildeo da terra a seis seres humanos

Exemplo III

ldquoComo a humanidade se espalhou apoacutes o diluacutevio por obra de seis seres humanos se o nuacute-

mero destes alcanccedilar duzentos anos depois o nuacutemero 1000000 pergunta-se em que parte

deveria crescer anualmente o nuacutemero de humanos

Se aumentar em cada ano x1 duzentos anos depois o nuacutemero de humanos seria =

xx1 200+S X 6 = 1000000 e por tanto x

16

1000000 2001

+ = S Xx

Portanto l x1

2001+ =x l

61000000 =200

1 52218487 = 00261092

e assim =x1+x

10000001061963 e 1000000 = 61963x donde x =16 aproxidamente

Bastaraacute pois que os humanos aumentem por ano a sua deacutecima sexta parte [] Contudo se

o nuacutemero de homens tivesse crescido na mesma proporccedilatildeo durante um intervalo de 400

anos deveria chegar a 1000000 10000006

= 166666666666 cujo sustento a terra inteira

natildeo seria de forma alguma capaz de darrdquo

Euler ao abordar o crescimento das populaccedilotildees tinha uma preocupaccedilatildeo matemaacutetica ndash a

de mostrar a utilidade dos logaritmos ndash que ilustrou com exemplos

Mas a observaccedilatildeo anterior leva a crer que ele considerou o modelo exponencial desade-

quado para o estudo do crescimento populacional

AR

TIG

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17

A populaccedilatildeo de Portugal espelha bem a falecircncia deste modelo Segundo dados do Ins-tituto Nacional de Estatiacutestica nos duzentos anos que decorreram entre 1770 e 1970 a

populaccedilatildeo nem chegou a triplicar

TABELA 1 Populaccedilatildeo de Portugal entre 1422 a 1890

Popuccedilatildeo de Portugal (INE Lisboa)

Ano Total Variaccedilatildeo Ano Total Variaccedilatildeo

1422 1 043 274 - 1900 5 423 132 +74

1527 1 262 376 +210 1911 5 960 056 +99

1636 1 100 000 -129 1920 6 032 991 +12

1736 2 143 368 +949 1930 6 825 883 +131

1770 2 850 444 +330 1940 7 722 152 +131

1776 3 352 310 +176 1950 8 441 312 +93

1801 2 931 930 -125 1960 8 851 289 +49

1811 2 876 602 -19 1970 8 568 703 -32

1838 3 200 000 +112 1981 9 852 841 +150

1849 3 411 454 +66 1991 9 862 540 +01

1864 4 188 410 +228 2001 10 356 117 +50

1878 4 550 699 +86 2007 10 617 575 +25

1890 5 049 729 +110

Quanto a Malthus as suas preocupaccedilotildees eram de natureza poliacutetica e legislativa To-

mou como certo um crescimento exponencial da populaccedilatildeo mundial que conduziria a

uma cataacutestrofe por ausecircncia de recursos e para o travar sugeriu o recurso a poliacuteticas

adequadas Ao publicitar o modelo exponencial - que ficou conhecido como Modelo

Malthusiano - ligando-o a problemas legislativos reais abriu caminho para que dife-

rentes matemaacuteticos se dedicassem agrave modelaccedilatildeo do crescimento populacional

Em 1844 o matemaacutetico belga Pierre Verhulst (1804-1849) propocircs no artigo Recherches

matheacutematiques sur la loi drsquoaccroissement de la population um modelo em que considera que

agrave medida que a populaccedilatildeo se aproxima de um valor maacuteximo a taxa de crescimento diminui

ldquoO aumento virtual da populaccedilatildeo eacute portanto limitado pelo tamanho e pela fertilidade do paiacutes

Como resultado a populaccedilatildeo fica cada vez mais proacutexima de um estado estaacutevelrdquo

Designado por P(t) a populaccedilatildeo no instante t por r a taxa de crescimento por unidade

de tempo e por M o nuacutemero maacuteximo de indiviacuteduos que a regiatildeo pode suportar este modelo

exprime-se pela equaccedilatildeo diferencial

( )dt

dP rP MP t

1= -T Y

AR

TIG

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cuja soluccedilatildeo eacute

( )( ) ( )( )

P t

MP eP e

10 10

rt

rt

=+

-

Se P(t) for muito pequeno face a M tem-se que ( )dt

dP rP MP t

1= -T Y cong r P(t) que tem a soluccedilatildeo P(t) cong P(0) e rt

e o crescimento eacute exponencial

FIGURA 4 Pierre Franccedilois Verhulst e o graacutefico da curva logiacutestica

Agrave medida que t cresce a populaccedilatildeo aproxima-se assintoticamente de M A equaccedilatildeo diferen-

cial que carateriza este modelo eacute atualmente designada por equaccedilatildeo logiacutestica e a populaccedilatildeo

maacutexima M por capacidade de carga Com Verhulst relativizou-se ldquoa hipoacutetese da progressatildeo

geomeacutetrica uma vez que ela soacute se pode verificar em circunstacircncias muito especiais por exem-

plo quando um territoacuterio feacutertil de tamanho quase ilimitado passa a ser habitado por pessoas

com uma civilizaccedilatildeo avanccedilada como foi o caso das primeiras coloacutenias americanasrdquo

Essa equaccedilatildeo foi retomada por vaacuterios matemaacuteticos e adaptada a contextos variados

Satildeo de realccedilar os casos em que a capacidade de carga varia como o tempo conduzindo

ao modelo caraterizado pela equaccedilatildeo diferencial

dtdP rP M

P1= -T Y( )t

onde a capacidade de carga M(t) = M(t +T) varia periodicamente com periacuteodo T

AR

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FIGURA 5 A demografia eacute instrumental para o controlo das populaccedilotildees humanas

Desde o seacuteculo XVIII que o estudo da dinacircmica das populaccedilotildees eacute objeto de modelaccedilatildeo

matemaacutetica Na atualidade existem outros modelos de crescimento hiperboacutelicos expo-

nenciais logiacutesticos ou baseados noutras funccedilotildees Baseada nos modelos populacionais

do matemaacutetico Song Jian a Repuacuteblica Popular da China em 1980 entatildeo a atingir o biliatildeo

de habitantes instaurou uma poliacutetica estrita de filho uacutenico Essa lei foi flexibilizada em

2015 aumentando para dois o nuacutemero maacuteximo de filhos para fazer frente ao envelheci-

mento da populaccedilatildeo e agrave reduccedilatildeo do grupo de trabalhadores na faixa etaacuteria considerada

economicamente ativa

Muitos dos pareceres cientiacuteficos nas mais diversas aacutereas baseiam-se em modelos ma-

temaacuteticos que podem permitir fazer estimativas e previsotildees mas hellip ao olhar para o cres-

cimento populacional ao longo dos tempos verificamos que os modelos matemaacuteticos satildeo

instrumentais na anaacutelise da dinacircmica das populaccedilotildees

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Artroacutepodes Miguel Santos

Rubim Almeida

Sara C Antunes

DB CIBIO InBIO CIIMAR Universidade do Porto

Artroacutepodes (Arthropoda do grego arthro = articulado + podos = peacutes) satildeo o grupo taxonoacutemi-

co mais diversificado com distribuiccedilatildeo por quase todo o globo e ocupando todos os habitats

Satildeo organismos invertebrados com exosqueleto riacutegido apresentando apecircndices articula-

dos (patas antenas) e de nuacutemero diferenciado de acordo com o subfilo a que pertencem

Os artroacutepodes constituem um dos mais diversos grupos de organismos do planeta com-

preendendo espeacutecies que variam de 0085 mm (Tantalacus dieteri um crustaacuteceo parasita)

ateacute 38 m (envergadura do Caranguejo-aranha-gigante) Os organismos pertencentes a

este grupo encontram-se praticamente em todos os tipos de habitat A razatildeo do sucesso

evolutivo deste grupo taxonoacutemico deve-se a um conjunto de carateriacutesticas uacutenicas i) pos-

suiacuterem um exosqueleto proteico-quitinoso flexiacutevel leve e resistente que protege contra a

desidrataccedilatildeo ii) segmentaccedilatildeo do corpo e a presenccedila de apecircndices articulados especia-

lizados iii) oacutergatildeos sensoriais bem desenvolvidos (antenas sedas sensoriais olhos com-

postos olhos pedunculados ocelos quimiorrecetores nas antenas) iv) metamorfose com

diferentes estaacutedios de desenvolvimento incluindo estaacutedios larvares que podem ter um

modo de vida completamente diferente do adulto permitindo um aproveitamento de outros

recursos (alimento e espaccedilo) reduzindo a competiccedilatildeo entre indiviacuteduos da mesma espeacutecie

v) padrotildees comportamentais complexos revelando por vezes organizaccedilatildeo comunitaacuteria e

vi) sistema respiratoacuterio diverso nomeadamente o sistema traqueal onde o ar entra em

contacto direto com os tecidos devido a um eficiente sistema de tubos (traqueias) com

orifiacutecios na superfiacutecie do tegumento (espiraacuteculos) No entanto a origem e a taxonomia

deste grupo ainda constituem um tema de investigaccedilatildeo e debate Mesmo apesar dos avan-

ccedilos em aacutereas como a biologia molecular que fornece importantes conhecimentos sobre

as complexas relaccedilotildees evolutivas destes organismos muito ainda haacute por descobrir Os

artroacutepodes satildeo um grupo extremamente importante nos ecossistemas terrestres devido

natildeo soacute agrave sua enorme abundacircncia e diversidade mas tambeacutem ao grande nuacutemero de funccedilotildees

que desempenham nestes ecossistemas (ex degradaccedilatildeo da mateacuteria orgacircnica arejamento

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do solo ciclagem de nutrientes) O filo Arthropoda estaacute atualmente subdividido em cinco

subfilos Trilobitomorpha Crustacea Myriapoda Chelicerata e Hexapoda

O subfilo Trilobitomorpha (trilobites e os seus parentes) compreende cerca de 20 000

espeacutecies que viviam exclusivamente em ambientes marinhos e que atualmente se encon-

tram todas extintas Contudo a sua vasta distribuiccedilatildeo geograacutefica e o exosqueleto de carbo-

nato de caacutelcio permitiram que este grupo apresente um extenso registo foacutessil observaacutevel

por todo o planeta

Crustacea inclui caranguejos camarotildees e lagostas contendo mais de 60 000 espeacute-

cies e com um extenso registo foacutessil em todo o mundo eacute um dos principais grupos de

artroacutepodes A maioria dos crustaacuteceos vive em ambientes marinhos mas existem vaacuterias

espeacutecies que podem ser encontradas em ecossistemas de aacutegua doce (ordem Cladocera e

sub-classe Copepoda) e em ambientes terrestres (ordem Isopoda FIGURA 1) Apesar da

grande maioria dos crustaacuteceos serem de vida livre existem vaacuterios grupos parasitas (ex

Rhizocephala ndash crustaacuteceos cirriacutepedes parasitas de caranguejos e camarotildees Argulidae ndash

crustaacuteceos parasitas de peixes e Pentastomida ndash vermes liacutengua que parasitam o sistema

respiratoacuterio de vertebrados) Numa perspetiva diferente e de interesse econoacutemico este

grupo apresenta ainda um valor acrescido jaacute que alguns crustaacuteceos decaacutepodes como la-

gostas e camarotildees satildeo intensivamente consumidos em todo o mundo Para aleacutem da sua

importacircncia econoacutemica este grupo de organismos eacute bastante utilizado em investigaccedilatildeo

cientiacutefica nomeadamente em ecotoxicologia na avaliaccedilatildeo do efeito de contaminantes no

solo

FIGURA 1 Exemplares de organismos da ordem Isopoda (bicho-da-conta) 1 ndash famiacutelia Armadillidae 2 ndash famiacutelia Porce-llionidae em A - vista dorsal e em B - vista ventral

O subfilo Myriapoda inclui as centopeias e os miliacutepedes conteacutem mais de 11 000

espeacutecies descritas Este subfilo eacute tradicionalmente dividido em quatro classes Chi-

lopoda (centopeias) (FIGURA 2) Diplopoda (miliacutepedes) Pauropoda (ldquopoucos peacutesrdquo) e

Symphyla (pseudocentopeias) Todos os miriaacutepodes conhecidos satildeo terrestres e o seu

tamanho varia desde alguns miliacutemetros a cerca de 38 centiacutemetros (Millipede Gigante

Africano)

1

2

A B

15cm

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FIGURA 2 Vista dorsal A - e ventral B - de um organismo pertencente agrave classe Chilopoda onde se pode observar o corpo segmentado e apenas com um par de patas por segmento

O subfilo Chelicerata (aranhas aranhas do mar escorpiotildees e aacutecaros) conteacutem mais

de 113 000 espeacutecies distribuiacutedas em duas classes principais Pycnogonida (aranhas do

mar) e Arachnida (aranhas escorpiotildees e aacutecaros) Pycnogonida o grupo das aranhas

do mar conteacutem mais de 1 300 espeacutecies descritas mas estudos detalhados sobre esses

animais e as suas relaccedilotildees evolutivas ainda satildeo escassos Estes organismos geralmente

tecircm seis ou oito olhos e quatro a seis pares de patas A classe Arachnida compreende os

organismos mais conhecidos do subfilo Chelicerata como aranhas escorpiotildees e aacutecaros

Os indiviacuteduos pertencentes a este grupo natildeo possuem antenas tecircm quatro pares de

patas um par de queliacuteceras (1ordm par de apecircndices do prossomacabeccedila) e pedipalpos

(2ordm par de apecircndices do prossomacabeccedila) As aranhas (ordem Araneae) (FIGURA 3) satildeo

provavelmente o grupo mais icoacutenico e bem estudado deste subfilo presentes na maioria

dos ambientes terrestres e constituindo um dos grupos mais importantes de artroacutepodes

do solo Outros organismos colocados na mesma classe como escorpiotildees aacutecaros ou

opiliotildees tambeacutem constituem grupos extremamente variados com importantes funccedilotildees

ecoloacutegicas (ex decomposiccedilatildeo de mateacuteria orgacircnica e controlo de organismos principal-

mente atraveacutes de predaccedilatildeo)

FIGURA 3 Vista dorsal A - e ventral B - de um exemplar da ordem Araneae (famiacutelia Gnaphosidae) sendo possiacutevel obser-var o corpo dividido em cefalotoacuterax e abdoacutemen os quatro pares de patas as queliacuteceras (q) e os pedipalpos (p)

O subfilo Hexapoda (Hexa (seis) e Poda (peacute)) engloba os insetos e os seus parentes

compreende o grupo mais diverso e abundante de organismos com mais de 1 milhatildeo de

espeacutecies conhecidas Este subfilo eacute frequentemente dividido em organismos da clas-

A B

A B

14cm

p

q

35cm

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se Insecta (FIGURA 4) e da classe Entognatha Esta uacuteltima inclui os colecircmbolos (ordem

Collembola) (FIGURA 5) cabeccedilas de cone e bichos de prata (ordem Protura) e cerdas de

duas pontas (ordem Diplura) Na classe Entognatha as partes bucais dos organismos

estatildeo retraiacutedas dentro das suas cabeccedilas contrariamente ao que se observa na classe In-

secta que satildeo ectognantes Os colecircmbolos constituem um dos grupos mais abundantes

de artroacutepodes do solo podendo ser encontrados mais de 100 000 indiviacuteduos num metro

quadrado Estes satildeo organismos cosmopolitas com mais de 8 000 espeacutecies descritas Os

colecircmbolos satildeo pequenos organismos com tamanho geralmente inferior a 6-8 mm de

forma ciliacutendrica ou globular apresentando olhos simples e antenas moniliformes Muitas

espeacutecies possuem um apecircndice bifurcado (fuacutercula) no final do abdoacutemen permitindo que

estes organismos saltem quando ameaccedilados (FIGURA 5) Os colecircmbolos tecircm sido ampla-

mente utilizados em estudos ecotoxicoloacutegicos na avaliaccedilatildeo da qualidade do solo e da sauacute-

de destes ecossistemas

FIGURA 4 A - Vista dorsal e B - vista ventral de exemplares de algumas ordens da classe Insecta

FIGURA 5 Vista lateral de exemplares da ordem Collembola

A classe Insecta eacute a classe com maior nuacutemero de organismos compreendendo mais

de metade das espeacutecies eucarioacuteticas descritas atualmente englobando mais de 1 milhatildeo

de espeacutecies que habitam praticamente todos os ecossistemas Os insetos sendo o grupo

Ordem

Coleoptera

Ordem

Diptera

Ordem

Hemiptera

Ordem

Orthoptera

Ordem

HimenopteraA A A A

B B B B

075cm

027cm14cm016cm

09cm

22cm

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mais diversificado de seres vivos apresentam as mais variadas e interessantes adap-

taccedilotildees anatoacutemicas e morfoloacutegicas Pensa-se que a sua enorme riqueza e abundacircncia eacute

devida a uma combinaccedilatildeo de carateriacutesticas vantajosas como a coevoluccedilatildeo com plan-

tas a miniaturizaccedilatildeo e a capacidade de voo Os insetos desempenham ainda um papel

importantiacutessimo no funcionamento dos ecossistemas realizando funccedilotildees quer de pre-

dadores quer de presa estando envolvidos em inuacutemeras teias alimentares (ex reciclan-

do nutrientes fazendo a manutenccedilatildeo da estrutura e fertilizaccedilatildeo dos solos) Destaca-se

tambeacutem o facto de vaacuterios insetos voadores como abelhas ou borboletas atuarem como

polinizadores de muitas espeacutecies de plantas Esta eacute uma funccedilatildeo ecoloacutegica importante

com vaacuterias repercussotildees econoacutemicas porque mais de 30 das culturas alimentares

mundiais dependem da polinizaccedilatildeo Os insetos possuem ainda um papel importante em

investigaccedilatildeo cientiacutefica sendo muitas vezes utilizados como organismo modelo dado pos-

suiacuterem carateriacutesticas distintas como o seu tamanho reduzido tempos de geraccedilatildeo curtos

e elevada fecundidade O exemplo de excelecircncia eacute a mosca da fruta Drosophila melano-

gaster cujo genoma eacute jaacute conhecido na totalidade sendo esta espeacutecie utilizada frequente-

mente para estudar vaacuterios processos celulares (ex o envelhecimento a hereditariedade

e o desenvolvimento embrionaacuterio) Apesar de constituiacuterem um grupo tatildeo interessante

beneacutefico e necessaacuterio agrave manutenccedilatildeo do equiliacutebrio dos ecossistemas existem algumas

desvantagens associadas aos insetos como eacute o caso de serem vetores na transmissatildeo

de doenccedilas Eacute o caso da malaacuteria transmitida por um mosquito do geacutenero Anopheles a

doenccedila parasitaacuteria mais disseminada com vaacuterios milhotildees de humanos infetados em todo

o mundo O dengue e o zika satildeo doenccedilas em que o vetor de transmissatildeo eacute tambeacutem um

mosquito do geacutenero Aedes Na agricultura as pragas de insetos (ex gorgulhos gafa-

nhotos afiacutedios) satildeo responsaacuteveis por prejudicar as culturas agriacutecolas e a produccedilatildeo de

alimentos causando perdas econoacutemicas elevadas

Sabe-se que atualmente a perda de habitat e as mudanccedilas climaacuteticas satildeo alguns dos

fatores responsaacuteveis por decliacutenios significativos nas populaccedilotildees deste grupo de orga-

nismos Esse decliacutenio apresenta uma elevada preocupaccedilatildeo ecoloacutegica uma vez que estes

organismos desempenham muacuteltiplas e importantes funccedilotildees nos ecossistemas No en-

tanto a conservaccedilatildeo deste grupo animal permanece um grande e urgente desafio que eacute

preciso enfrentar

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Biocombustiacuteveis seratildeo a soluccedilatildeo Matilde Viegas

Maria Joatildeo Ramos

Pedro Alexandrino Fernandes

UCIBIO REQUIMTEUniversidade do Porto

ldquoA 21 de Fevereiro de 2018 o niacutevel de poluiccedilatildeo de partiacuteculas finas com diacircmetro inferior

a 10 μm PM10 atingiu em Paris niacuteveis alarmantes com um pico correspondente

ao dobro do limite maacuteximo A Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) recomenda natildeo

exceder este limite maacuteximo por mais de trecircs dias por ano Com este recente pico os

parisienses jaacute o ultrapassaramrdquo

Em Un pic de pollution laquograveraquo en Ile-de-France Le Monde 22 de Fevereiro de 2018

Esta notiacutecia eacute um dos inuacutemeros exemplos dos efeitos do aquecimento global termo com o

qual estamos cada vez mais familiarizados infelizmente Este fenoacutemeno eacute consequecircncia

de Gases de Efeito de Estufa GEE (dioacutexido de carbono metano e oacutexido de azoto entre

outros) que se acumulam na atmosfera enclausurando o calor e tornando o planeta mais

quente A produccedilatildeo em larga escala de GEEs teve iniacutecio na Revoluccedilatildeo Industrial (1800)

como resultado da combustatildeo de combustiacuteveis foacutesseis (carvatildeo petroacuteleo e gaacutes natural)

para produccedilatildeo de eletricidade aquecimento e transporte

A preocupaccedilatildeo em torno do aquecimento global tornou-se um assunto constante na

agenda poliacutetica sobretudo nas uacuteltimas duas deacutecadas Os primeiros esforccedilos coletivos re-

sultaram no Protocolo de Quioto em 1997 cujo objetivo era a reduccedilatildeo das emissotildees de

GEEs assentando nos argumentos de que i) o aquecimento global era uma realidade e ii) o

CO2 produzido por accedilotildees humanas era o seu grande causador O primeiro periacuteodo do Proto-

colo terminou em 2012 e por isso em 2015 as Naccedilotildees Unidas promoveram a assinatura

do novo Acordo de Paris o qual consiste numa atualizaccedilatildeo do antigo Protocolo de Quioto

com o objetivo de ldquofortalecer a resposta global agrave ameaccedila das alteraccedilotildees climaacuteticas no

contexto de desenvolvimento sustentaacutevel e com esforccedilo para a erradicaccedilatildeo da pobrezardquo

O novo Acordo ao contraacuterio do de Quioto estabelece metas tangiacuteveis e quantitativas O

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objetivo eacute manter o aumento da temperatura meacutedia global abaixo dos 2ordm Celsius face agrave

temperatura global na era preacute-industrial Para atingir tal meta eacute necessaacuterio um esforccedilo

mundial contudo em 2017 com a saiacuteda dos EUA do Acordo de Paris o segundo maior

emissor de GEEs logo a seguir agrave China perdeu-se uma enorme contribuiccedilatildeo Aleacutem do peso

evidente que as suas emissotildees tecircm para o estado atual do aquecimento global em falta

estaratildeo tambeacutem a diplomacia e o encorajamento proporcionados por esta forccedila mundial

No Acordo de Paris uma das claacuteusulas exige a inclusatildeo de energias renovaacuteveis (eoacutelica

mariacutetima solar) e de biocombustiacuteveis no mercado de energia encorajando os paiacuteses a

atingir niacuteveis miacutenimos da sua utilizaccedilatildeo As metas estabelecidas para cada paiacutes vatildeo ao en-

contro ao seu mercado e agraves mateacuterias-primas disponiacuteveis em cada territoacuterio favorecendo o

desenvolvimento da economia

De uma forma generalista os biocombustiacuteveis englobam combustiacuteveis produzidos atra-

veacutes de processos bioloacutegicos como a agricultura e digestatildeo anaeroacutebica em vez de produ-

zidos a partir de processos geoloacutegicos como os necessaacuterios para a formaccedilatildeo de combus-

tiacuteveis foacutesseis Isto inclui o biodiesel (produzido a partir de oacuteleos e gorduras orgacircnicas) e o

bioetanol (aacutelcool produzido atraveacutes de fermentaccedilatildeo microbiana de accediluacutecares seguido de

destilaccedilatildeo e desidrataccedilatildeo) os quais seratildeo o maior foco deste artigo

A partir da deacutecada de 70 foram feitos os primeiros investimentos nos chamados bio-

combustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo (1G) Estes fazem uso de colheitas de produtos agriacuteco-

las como a soja cana-de-accediluacutecar milho oacuteleo de palma entre outros para a produccedilatildeo de

biodiesel e bioetanol atraveacutes de processos de trans-esterificaccedilatildeo ou fermentaccedilatildeo A sua

disponibilidade e facilidade de processamento permitiram a sua inserccedilatildeo e mistura nos

combustiacuteveis atualmente vendidos ao puacuteblico Para 2017 Portugal fixou em 75 (de poder

energeacutetico) a incorporaccedilatildeo de biocombustiacuteveis nos combustiacuteveis dos transportes rodoviaacute-

rios tendo a Uniatildeo Europeia o objectivo de 10 em 2020 para todos os paiacuteses membros

Os biocombustiacuteveis 1G fazem uso da colheita agriacutecola para fins energeacuteticos o que gera

opiniotildees desfavoraacuteveis por parte de ambientalistas (pelo uso exaustivo da terra agriacutecola sem

compensaccedilatildeo desflorestaccedilatildeo e perda de biodiversidade) e problemas eacuteticos tais como os le-

vantados por responsaacuteveis da ONU como o Dr Jean Ziegler que atribui aos biocombustiacuteveis

a culpa pela contiacutenua inflaccedilatildeo dos preccedilos de alimentos exacerbando a atual crise de fome

mundial - ldquoSatildeo necessaacuterios 352Kg de milho para encher um depoacutesito de 50L de um carro Uma

crianccedila na Zacircmbia ou no Meacutexico onde o milho eacute um elemento baacutesico da dieta poderia viver

com esta quantidade de milho um ano inteirordquo Atualmente os maiores produtores destes bio-

combustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo satildeo os EUA e o Brasil utilizando parte da produccedilatildeo global

de cereais e oacuteleos vegetais para a produccedilatildeo de bioetanol e biodiesel causando um ambiente

de profunda preocupaccedilatildeo em volta da sustentabilidade de produccedilatildeo de energia a meacutediolongo

prazo De forma a controlar a inflaccedilatildeo no preccedilo dos alimentos a EU estabeleceu um limite de

7 para o uso de biocombustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo como combustiacutevel de transportaccedilatildeo

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A segunda geraccedilatildeo de biocombustiacuteveis (2G) usa biomassa isto eacute qualquer fonte de car-

bono orgacircnico que eacute rapidamente renovado no ciclo de carbono Os biocombustiacuteveis de

segunda geraccedilatildeo almejam um uso ponderado de desperdiacutecios da induacutestria madeireira e

agriacutecola ou de restos de colheitas agriacutecolas assim que estas preencham o seu propoacutesito

alimentar evitando interferecircncia com o mercado alimentar e natildeo influenciando os preccedilos

dos alimentos baacutesicos

FIGURA 1 Biocombustiacuteveis

A produccedilatildeo de arroz atingiu o seu pico em 2017 gerando 1140 milhotildees de toneladas de

espigas de arroz cujo destino eacute a incineraccedilatildeo compostagem ou eacute simplesmente deposita-

da em aterros Contudo com a 2G de biocombustiacuteveis eacute encontrado potencial energeacutetico

neste desperdiacutecio agriacutecola O seu potencial deve-se agrave mateacuteria lignoceluloacutesica ndash celulose

hemicelulose e lignina ndash presente em todas as plantas incluindo as espigas em diferen-

tes percentagens Este material composto eacute essencial para a estrutura e resistecircncia das

plantas a hemicelulose eacute a matriz que rodeia o esqueleto de celulose enquanto a lignina

funciona como uma camada protetora As possibilidades associadas a este tipo de desper-

diacutecio satildeo inegaacuteveis a sua abundacircncia e facilidade de obtenccedilatildeo tornam-no muito apelativo

Contudo o gasto na recolha e transporte desta mateacuteria suplanta os custos de produccedilatildeo

e o seu uso continuado poderaacute contribuir para a erosatildeo do solo Aleacutem disso para o seu

aproveitamento para produccedilatildeo de biocombustiacuteveis eacute necessaacuterio um preacute-tratamento para

hidrolisar as ligaccedilotildees covalentes entre os trecircs constituintes da mateacuteria lignoceluloacutesica e

permitir a posterior fermentaccedilatildeo anaeroacutebia da celulose produzindo bioetanol Este preacute-

-tratamento eacute visto como outra das desvantagens do processo e estaacute ainda a ser estudado

e otimizado pois de momento as alternativas disponiacuteveis encarecem o produto final e em

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alguns dos casos dependem do uso de quiacutemicos poluentes A esperanccedila estaacute entatildeo de-

positada no estudo de enzimas hidroliacuteticas encontradas em organismos termoacutefilos que

seratildeo capazes de aguentar as difiacuteceis condiccedilotildees de tratamento Contudo a dificuldade em

escalar o processo de fermentaccedilatildeo eacute uma das desvantagens e dos fatores limitantes para

a 2G de biocombustiacuteveis em grande parte devido agrave dificuldade de monitorizar as condiccedilotildees

de fermentaccedilatildeo (oxigeacutenio pH nutrientes etc)

A terceira geraccedilatildeo (3G) de biocombustiacuteveis foi reconhecida como a melhor alternativa

em comparaccedilatildeo com primeira e segunda geraccedilotildees pois surpreendentemente faz uso de

algas A sua enorme disponibilidade por todo o planeta e o facto de natildeo interferirem com os

mercados alimentares satildeo os grandes embaixadores desta mateacuteria-prima como o futuro

dos biocombustiacuteveis Ainda que natildeo seja uma mateacuteria infinita eacute a que de momento mais se

assemelha por existirem 70 000 espeacutecies (30 000 documentadas) Estudos conduzidos

atualmente estatildeo a explorar a viabilidade energeacutetica de 30 espeacutecies de algas explorando a

sustentabilidade facilidade e escalabilidade da sua produccedilatildeo Outras vantagens incluem a

baixa manutenccedilatildeo necessaacuteria para o seu crescimento (luz dioacutexido de carbono e nutrientes

como azoto foacutesforo e potaacutessio) a facilidade com que produzem liacutepidos e carboidratos que

podem posteriormente ser processados em diferentes biocombustiacuteveis e outros copro-

dutos a frequecircncia com que podem ser colhidas ao longo do ano (ao contraacuterio de outras

colheitas convencionais) a baixa percentagem de hemicelulose e a praticamente ausente

lignina facilitam radicalmente o seu preacute-processamento pois a celulose eacute mais facilmente

extraiacuteda As desvantagens desta mateacuteria incluem o enorme investimento inicial para a

construccedilatildeo de infraestruturas para o seu cultivo que pode ser ou ao ar livre (em tanques

de grande dimensatildeo) ou em foto-bioreatores (sistemas fechados altamente controlados)

Prevecirc-se que em 2030 o preccedilo de produccedilatildeo de combustiacutevel a partir de algas seraacute 065 euro

litro de combustiacutevel valor muito proacuteximo do atual preccedilo de produccedilatildeo do litro de gasolina

Comparativamente aos custos de produccedilatildeo de outros biocombustiacuteveis o mais barato con-

tinua a ser o bioetanol produzido a partir de milho (1G) 017 eurolitro seguido de combustiacute-

veis celuloacutesicos (2G) a 032 eurolitro

Eacute evidente que seratildeo necessaacuterios esforccedilos poliacuteticos e cientiacuteficos investimento e regu-

lamentaccedilatildeo adequados para encontrar o caminho ideal para travar o aquecimento global

Em todas as geraccedilotildees de biocombustiacuteveis apresentadas existem fatores que afunilam as

potencialidades destas alternativas indicando que a soluccedilatildeo passa por criar um consoacutercio

entre as vaacuterias possibilidades de forma a tirar o maacuteximo partido sem danificar o planeta ou

piorar a crise da fome O proacuteximo passo passa por substituir os biocombustiacuteveis de 1G por

soluccedilotildees com maior escalabilidade Acreditamos que nas proacuteximas deacutecadas seratildeo cruciais

e depositamos esperanccedila na investigaccedilatildeo cientiacutefica

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018043

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Stephen Hawking e a sua contribuiccedilatildeo para a fiacutesica teoacutericaOrfeu Bertolami

Claacuteudio GomesDepartamento de Fiacutesica e Astronomia CFP Universidade do Porto

A 14 de marccedilo de 2018 o fiacutesico britacircnico Stephen Hawking faleceu aos 76 anos deixando

todavia um importante legado para a fiacutesica teoacuterica muito particularmente para o

entendimento das deficiecircncias intriacutensecas da Relatividade Geral de Einstein para a fiacutesica

dos buracos negros e para a cosmologia a ciecircncia do Universo como um todo

Stephen Hawking doutorou-se em Fiacutesica Teoacuterica em 1966 pela Universidade de Cambridge

sob a supervisatildeo de Dennis Sciama Apesar da sua condiccedilatildeo fiacutesica progressivamente limi-

tativa manteve-se extremamente ativo na investigaccedilatildeo nas aacutereas de cosmologia fiacutesica dos

buracos negros e gravitaccedilatildeo quacircntica

Nessa altura havia uma consideraacutevel discussatildeo acerca da realidade e ubiquidade de sin-

gularidades pontos no espaccedilo-tempo onde a Teoria da Relatividade Geral deixa de fazer sen-

tido e natildeo desaparecendo atraveacutes de mudanccedila de sistemas de coordenadas que descrevem

o espaccedilo-tempo Na segunda metade da deacutecada de 1960 Hawking e o matemaacutetico inglecircs

Roger Penrose demonstraram que essas singularidades eram inevitaacuteveis no contexto da

Teoria da Relatividade Geral (ver para uma descriccedilatildeo exaustiva o livro Large Scale Structure

of Space-Time escrito em colaboraccedilatildeo com o fiacutesico sul-africano George Ellis publicado em

1973) Uma dessas singularidades corresponde ao iniacutecio do Universo ndash Big Bang ndash e outras

estatildeo presentes no interior dos buracos negros natildeo acessiacuteveis agrave observaccedilatildeo devido agrave pre-

senccedila de um horizonte de acontecimentos que segundo a Conjetura da Censura Coacutesmica de

Roger Penrose protegem sempre as singularidades de se apresentarem ldquonuasrdquo

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30

Subsequentemente em 1975 ele desenvolveu a ideia que os buracos negros deveriam

radiar termicamente a uma temperatura especiacutefica inversamente proporcional agraves suas

massas temperatura esta que hoje designamos por temperatura de Hawking Esta ideia daacute

origem ao paradoxo da informaccedilatildeo em que a informaccedilatildeo que entrava no horizonte de evento

se perdia Com este contributo passou-se a ter uma equivalecircncia entre a dinacircmica e a termo-

dinacircmica de buracos negros

FIGURA 1 Emissatildeo da radiaccedilatildeo teacutermica de Hawking por um buraco negro

No princiacutepio da deacutecada de 1980 Hawking iniciou em colaboraccedilatildeo com o fiacutesico norte-ameri-

cano James Hartle o programa de investigaccedilatildeo que hoje designamos por cosmologia quacircntica

Na cosmologia quacircntica o espaccedilo-tempo eacute descrito por uma funccedilatildeo de onda a funccedilatildeo de onda

do Universo como na Mecacircnica Quacircntica Esta equaccedilatildeo de onda satisfaz uma equaccedilatildeo anaacuteloga

agrave de Schroumldinger da Mecacircnica Quacircntica a equaccedilatildeo de Wheeler-DeWitt A proposta de Hartle

e Hawking eacute que a funccedilatildeo de onda descreva um espaccedilo-tempo sem fronteiras (No-Boundary

proposal) A ideia eacute que agrave medida que retrocedemos no tempo chegamos a um ponto em que

o Universo eacute pequeno o suficiente para que efeitos quacircnticos sejam dominantes Nesta altura

existe uma espeacutecie de ldquoespumardquo do espaccedilo-tempo de tal modo que o tempo natildeo pode ser in-

terpretado do modo como o vemos hoje mas sim como uma quarta dimensatildeo espacial Uma

analogia uacutetil eacute a seguinte se viajarmos para o Polo Sul temos de seguir sempre para sul mas

quando alcanccedilamos o ponto do Polo Sul jaacute natildeo faz sentido falarmos na direccedilatildeo sul pelo mesmo

raciociacutenio ao retrocedermos no tempo haacute um pontoinstante em que natildeo faz sentido falar-se em

tempo Matematicamente isto torna-se possiacutevel passando de um espaccedilo-tempo de Minkowski

como na Relatividade Restrita para um espaccedilo Euclideano a quatro dimensotildees no qual o tempo

passa a ser um nuacutemero puramente complexo Com esta formulaccedilatildeo o Universo natildeo tem uma

fronteira aleacutem daquela que permite a transiccedilatildeo entre as duas descriccedilotildees para o espaccedilo-tempo

e que eacute exemplificado na FIGURA 2 Esta geometria eacute designada por shuttlecock ou volantepena

de badminton devido agrave semelhanccedila com este objeto

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FIGURA 2 Representaccedilatildeo tridimensional do modelo de Hartle-Hawking (no boundary proposal) A base corresponde a uma semiesfera a 4 dimensotildees e a estrutura que apresenta o tempo como uma direccedilatildeo distinta das espaciais corresponte a um Universo em expansatildeo

Hawking tambeacutem estudou outros problemas como o das maacutequinas do tempo e questotildees

relacionadas com a cosmologia e a formaccedilatildeo de estruturas no Universo Com o seu carate-

riacutestico humor Hawking afirmou natildeo ser possiacutevel viajar no tempo Para tal sugeriu organizar

uma festa convidando pessoas do futuro a se juntarem a ele e dado que ningueacutem apa-

receu concluiu entatildeo que viagens no tempo natildeo satildeo possiacuteveis na realidade Outra prova

prende-se com o facto de natildeo termos recebido ainda turistas do futuro numa clara alusatildeo

iroacutenica agrave procura turiacutestica desenfreada que assistimos nos dias de hoje

Mais recentemente ele pronunciou-se sobre questotildees de interesse geral como as im-

plicaccedilotildees do desenvolvimento da inteligecircncia artificial e a necessidade e inevitabilidade

da exploraccedilatildeo espacial Mostrou-se reticente acerca dos desenvolvimentos no domiacutenio da

inteligecircncia artificial classificando-o como possivelmente perigoso para a nossa civiliza-

ccedilatildeo pois apesar dos potenciais benefiacutecios comportam seacuterios riscos agrave continuidade da hu-

manidade Relativamente agrave exploraccedilatildeo espacial Hawking encarava as viagens espaciais

quer pelo seu interesse cientiacutefico quer como forma de preservar a humanidade de riscos

de destruiccedilatildeo devido a guerras nucleares ou epidemias devido a viacuterus geneticamente mo-

dificados

O fiacutesico Stephen Hawking legou-nos uma extraordinaacuteria contribuiccedilatildeo cientiacutefica e huma-

na Deixou um extraordinaacuterio exemplo de resiliecircncia dedicaccedilatildeo ao conhecimento e agrave socie-

dade Fisicamente debilitado e ldquopresordquo a uma condiccedilatildeo rara a esclerose lateral amiotroacutefica

que lhe foi diagnosticada aos 21 anos a sua mente foi das mais livres dos nossos tempos

concebeu hipoacuteteses conjunturas e teorias pensou a sociedade de hoje e a do futuro

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RochaO que eacute importante dizer sobre as rochas

A M Galopim de Carvalho Universidade de Lisboa

Rochas e pedras satildeo a mesma coisa Praticamente a resposta eacute sim Pedra eacute aquilo

que se apanha do chatildeo para dar uma pedrada

Qualquer pessoa mesmo a menos letrada diraacute que as pedras

bull natildeo satildeo fabricadas ou feitas por gente (a ciecircncia diz que satildeo entidades naturais)

bull que natildeo se amolgam (a ciecircncia diz que satildeo riacutegidas)

bull que geralmente natildeo se esboroam nem se esfarela (a ciecircncia diz que satildeo coesas)

bull que fazem mossa onde quer que batam (a ciecircncia diz que satildeo duras) Para o cidadatildeo

comum pedra (do grego peacutetra) eacute pois uma entidade natural riacutegida coesa e dura que se

apanha do chatildeo

Apanhamos uma pedra do chatildeo mas quando estudamos falamos quase sempre de ro-

chas Num modo de falar corrente podemos dizer que as pedras satildeo bocados de rocha

Todos falamos de rocha como sinoacutenimo de pedra com base num conhecimento comum

empiacuterico vulgar ligado agrave experiecircncia quotidiana mesmo do mais iletrado dos cidadatildeos Dize-

mos rochedo quando o afloramento de rocha eacute grande e apelidamos de rochoso um terreno

com a rocha agrave vista Rocha eacute um galicismo que entre noacutes se sobrepocircs ao termo ldquorocardquo bem

mais antigo talvez preacute-romano Cabo da Roca ou ldquoFocinho da Rocardquo no dizer dos homens do

mar deve o seu nome a esta versatildeo arcaica da palavra rocha

O conceito atual de rocha e os vaacuterios conhecimentos com elas relacionados percorreram

uma caminhada tatildeo longa quanto a do Homo sapiens caminhada de que temos testemunhos

na Preacute-histoacuteria e variadiacutessimos relatos escritos desde a Antiguidade

Na sua giacuteria proacutepria entendiacutevel entre pares os profissionais falam de rochas dizendo que

satildeo sistemas quiacutemicos mono ou polifaacutesicos (ou seja com um ou mais minerais) resultantes

do equiliacutebrio termodinacircmico atingido pelos seus constituintes em determinados ambientes

Entendendo-se por constituintes os elementos quiacutemicos incluiacutedos nos respetivos minerais

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Por outras palavras acessiacuteveis ao comum das gentes pode entatildeo dizer-se que as rochas

satildeo corpos naturais formados por associaccedilotildees mais ou menos estaacuteveis de minerais compatiacute-

veis entre si e com o ambiente onde foram gerados e que satildeo elas as rochas que constituem

a capa riacutegida da Terra que por essa razatildeo recebeu o nome de litosfera (FIGURA 1)

FIGURA 1 Modelado Graniacutetico na Serra da Estrela (fonte banco de imagens da Casa das Ciecircncias)

Antes de prosseguir esclareccedila-se que no jargatildeo proacuteprio da mineralogia e da geoquiacutemica

os minerais satildeo considerados fases no sentido fiacutesico-quiacutemico da palavra Com efeito neste

sentido uma fase eacute uma porccedilatildeo de mateacuteria quiacutemica e estruturalmente homogeacutenea e uma

qualquer espeacutecie mineral eacute isso mesmo

Por convenccedilatildeo na sistemaacutetica em sedimentologia entre as rochas sedimentares cabem

certos materiais natildeo consolidados como os barros as areias soltas as cascalheiras e ainda

outros de natureza natildeo mineral como os carvotildees foacutesseis e o petroacuteleo (oacuteleo de pedra) Cha-

mar rochas ou pedras a estes materiais agraves vezes tatildeo afastados da imagem vulgar de ldquocoisa

dura riacutegida e coesardquo decorre do conceito geoloacutegico de rocha no qual se inclui o modo de

ocorrecircncia e o respetivo processo de formaccedilatildeo (petrogeacutenese)

A mecacircnica das rochas (disciplina que estuda certas propriedades das rochas como resis-

tecircncia ao esmagamento agrave traccedilatildeo agrave torccedilatildeo agrave flexatildeo porosidade permeabilidade e outras)

define-as como entidades sempre riacutegidas e coesas e duras como tambeacutem se diz vulgarmen-

te com capacidade de suportar cargas e que na eventualidade de terem de ser escavadas ou

removidas haacute que usar tecnologias com explosivos Este conceito corresponde aliaacutes agrave ideia

mais divulgada de rocha como atraacutes se referiu Eacute o bedrock dos autores ingleses

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FIGURA 2 Processo de meteorizaccedilatildeo fiacutesica essencialmente por corrosatildeo eoacutelica em rochas sedimentares (arenitos) (fonte banco de imagens da Casa das Ciecircncias)

Aleacutem das muitas que conhecemos na Terra jaacute estudaacutemos rochas do nosso sateacutelite natural

nomeadamente basaltos e anortositos trazidos da sua superfiacutecie Mercuacuterio Veacutenus e Marte satildeo

tambeacutem planetas rochosos e igualmente rochosos ou pedregosos satildeo ainda os nuacutecleos dos co-

metas e muitos dos asteroides de que temos conhecimento pelos meteoritos caiacutedos na Terra

Quando se apelidam as rochas de magmaacuteticas sedimentares (FIGURA 2) ou metamoacuterficas

natildeo se estaacute apenas a rotulaacute-las para efeitos de arrumo ou arquivo muito menos se estatildeo a

criar novos vocaacutebulos para sobrecarga dos estudantes ou do cidadatildeo em geral Estes adjeti-

vos acrescentados agrave palavra rocha informam de imediato sobre a sua origem

bull magmaacutetica ou sedimentar qualquer delas em resultado de processos naturais faacuteceis de

entender

bull metamoacuterfica em consequecircncia de um outro processo muito menos ao alcance da vivecircncia

do vulgo mas que se explica sem grandes dificuldades

Apelidam-se de metamoacuterficas as rochas que posteriormente a uma primeira formaccedilatildeo

como magmaacuteticas ou sedimentares foram submetidas a pressotildees eou a temperaturas no

interior da crosta que lhes modificaram a composiccedilatildeo eou a textura

Foi atraveacutes do estudo das rochas que desvendaacutemos o essencial dos acontecimentos geo-

loacutegicos que marcaram a histoacuteria deste laquoPlaneta Azulraquo no qual a vida encontrou condiccedilotildees

para despertar e onde evoluiu ao ponto de se interrogar sobre essa mesma histoacuteria

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Os conhecimentos diretos de que hoje dispomos relativos agraves rochas da Terra limitam-se

aos que se obtecircm pelo estudo das que afloram agrave superfiacutecie das recolhidas em dragagens

nos fundos marinhos e das retiradas da profundidade quer em minas quer atraveacutes de son-

dagens Esta profundidade que natildeo excede 3 km no primeiro caso e 11 km no segundo

(na peniacutensula de Kola) pode considerar-se insuficiente se comparada com as trecircs a quatro

dezenas de quiloacutemetros de espessura meacutedia da crosta continental

Eacute jaacute muito o conhecimento que temos desta capa (a crosta ou crusta como alguns dizem e

escrevem) mais superficial do nosso planeta Temo-lo atraveacutes das rochas que constantemente

vemos e pisamos muitas delas geradas em zonas profundas trazidas agrave superfiacutecie pelos en-

rugamentos de origem tectoacutenica geradores das montanhas e subsequentemente postas a

descoberto pela erosatildeo

Outras rochas proacuteprias de muito maiores profundidades inclusive do manto inferior como eacute

o caso dos xenocristais e dos xenoacutelitos (do grego xenos estranho e lithos pedra) isto eacute cris-

tais e fragmentos de materiais liacuteticos gerados nessas regiotildees e que ascendem agrave superfiacutecie na

sequecircncia de atividade vulcacircnica englobados ou encravados nos produtos magmaacuteticos que ali

se formaram ou por ali passaram Na ilha da Madeira por exemplo satildeo frequentes os xenoacutelitos

oliviacutenicos que ascenderam ateacute agrave superfiacutecie no seio das lavas envolvidas no processo vulcacircnico

que originou esta e muitas outras ilhas

As rochas a que temos acesso mais ou menos direto representam uma parcela importante

da diferenciaccedilatildeo da Terra e agrave semelhanccedila da aacutegua do ar e dos seres vivos satildeo o resultado de

imensas transformaccedilotildees numa vasta e complexa rede de inter-relaccedilotildees ocorridas ao longo

dos tempos neste laquoplaneta vivoraquo pleno ainda de energia interna (sob a forma de calor) a que

se adiciona toda a que lhe chega do exterior isto eacute a radiaccedilatildeo solar Como escreveu Maurice

Mattauer ldquoas pedras nascem vivem e morrem como noacutes elas tecircm uma idade e uma histoacuteriardquo

Petrologia e litologia satildeo duas disciplinas que estudam as rochas ou as pedras Se bem que

os eacutetimos petra (latim) e lithos (grego) sejam sinoacutenimos petrologia e litologia encerram con-

ceitos diferentes ainda que relacionados entre si

bull A petrologia eacute um ramo da geologia com dimensatildeo de ciecircncia de vastos recursos nos campos

da fiacutesica da quiacutemica e naturalmente tambeacutem da matemaacutetica em busca do conhecimento da

origem natureza constituiccedilatildeo e evoluccedilatildeo da Terra no acircmbito do Sistema Solar e do Universo

bull A litologia outro ramo da geologia eacute habitualmente entendida como a disciplina que estuda

as rochas num campo praacutetico Serve a geologia de engenharia tendo em vista a implantaccedilatildeo

de grandes edifiacutecios e outras obras volumosas cujas fundaccedilotildees exigem o conhecimento dos

terrenos A litologia daacute igualmente respostas agrave pedologia (o estudo dos solos) e agrave induacutestria

extrativa de rochas ornamentais usadas na arquitetura na cantaria ou na estatuaacuteria e de

rochas industriais exploradas como importantes mateacuterias-primas para a construccedilatildeo civil a

ceracircmica o vidro o cimento a cal e a induacutestria quiacutemica

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Software educativo em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Ana C Conceiccedilatildeo

DMUniversidade do Algarve

O conceito F-Tool foi desenvolvido em 2012 com o objetivo de proporcionar uma

aprendizagem interativa em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Em particular eacute possiacutevel

explorar de forma integrada as noccedilotildees de domiacutenio contradomiacutenio existecircncia de zeros

existecircncia de extremos e de pontos de inflexatildeo invertibilidade derivabilidade reta

tangente ao graacutefico num ponto simetrias em relaccedilatildeo aos eixos e agrave origem A utilizaccedilatildeo

dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adaptaccedilatildeo de

alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e

do simples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular)

No ensino da matemaacutetica e em particular no estudo de funccedilotildees a recomendaccedilatildeo da utiliza-

ccedilatildeo de software educacional tem como objetivo o sanar das dificuldades que os alunos pos-

suem em associar as representaccedilotildees algeacutebricas com as diversas representaccedilotildees numeacutericas

eou graacuteficas De facto o caraacuteter estaacutetico das representaccedilotildees matemaacuteticas muitas vezes

dificulta a construccedilatildeo do significado afetando substancialmente a correta interpretaccedilatildeo dos

conceitos A criaccedilatildeo de modelos interativos visuais com o sistema de aacutelgebra computacional

Mathematica permite aos alunos explorar conceitos de elevada complexidade e rapidamen-

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te adquirir uma compreensatildeo mais profunda dos conteuacutedos Obviamente a utilizaccedilatildeo de sof-

tware educacional natildeo deve ser vista como um substituto para o ensino com ldquopapel e laacutepisrdquo

deve ser devidamente combinada com outros meacutetodos de ensino

O conceito F-Tool foi desenvolvido em 2012 com o objetivo de proporcionar uma apren-

dizagem interativa em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Os aplicativos computacionais

implementados com base neste conceito utilizam as capacidades de caacutelculo numeacuterico e

simboacutelico do Mathematica de forma a permitir estudar dinacircmica e interativamente e em

tempo real conceitos e propriedades fundamentais do preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial

FIGURA 1 Imagem ilustrativa da F-Exponential

O conceito F-Tool em sala de aula permite uma abordagem dinacircmica de diversos concei-

tos relacionados com o estudo de funccedilotildees e promove novas formas de raciocinarpensar

avaliar ensinar e aprender As F-Tool foram concebidas como ferramentas de aprendiza-

gem ativa ou seja a sua utilizaccedilatildeo adequada propicia um contexto de ensino-aprendiza-

gem onde alunos e professores satildeo igualmente convidados a contribuir Aleacutem disso tecircm

uma interface muito intuitiva que permite que ateacute mesmo o utilizador mais inexperiente

sem qualquer conhecimento anterior em software educacional possa comeccedilar a usar to-

dos os recursos de uma forma eficiente e autoacutenoma As F-Tool natildeo satildeo um objeto estaacutetico

mas sim um programa a ser executado com o qual se interage em tempo real Em parti-

cular atraveacutes da alteraccedilatildeo dinacircmica dos valores dos paracircmetros que definem cada classe

eacute possiacutevel obter informaccedilatildeo analiacutetica rigorosa apresentada em aritmeacutetica exata ou apro-

ximada bem como informaccedilatildeo visual estaacutetica e natildeo-estaacutetica De igual modo escolhendo

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estrategicamente de entre as vaacuterias opccedilotildees de funccedilotildees disponiacuteveis no painel esquerdo eacute

possiacutevel apreender de forma mais eficaz e consequente muitas das relaccedilotildees existentes

entre as vaacuterias funccedilotildees e respetivas transformaccedilotildees (FIGURA 1) As F-Tool utilizam um

coacutedigo de cores para diferenciar as vaacuterias funccedilotildees apresentadas Este coacutedigo eacute explicitado

na legenda do canto inferior esquerdo do painel central

Qual das figuras pode representar o graacutefico de uma funccedilatildeo e o graacutefico da sua derivada de 1ordf ordem

FIGURA 2 Exemplo de questatildeo de escolha muacuteltipla utilizando diversas opccedilotildees do painel esquerdo das F-Tool

Apesar de ser um software educacional dinacircmico e interativo pode tambeacutem ser utilizado

na construccedilatildeo de questotildees de avaliaccedilatildeo de escolha muacuteltipla (FIGURA 2) e de resposta aberta

ficando o docente automaticamente com a resposta ao selecionar no painel esquerdo as

opccedilotildees relacionadas com a questatildeo

A utilizaccedilatildeo dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adapta-

ccedilatildeo de alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e do sim-

ples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular) De facto

incluindo as F-Tool em ficheiros no Computable Document Format (CDF) eacute possiacutevel criar

fichas de trabalho dinacircmicas e interativas motivando os alunos e tornando o estudo mais

interessante

Acreditamos que o conceito F-Tool ao dotar professores e estudantes com novas fer-

ramentas para explorar alguns conceitos fundamentais da matemaacutetica desenvolveraacute po-

sitivamente o processo de ensino e de aprendizagem das aacutereas de preacute-caacutelculo e caacutelculo

diferencial

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018046

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O Aroma das Plantas Luiacutes Gaspar Pedro

Ana Cristina Figueiredo

Joseacute Gonccedilalves Barroso

CESAM CBV Universidade de Lisboa

Quando nos festejos dos Santos Populares colocamos a matildeo sobre o manjerico

provocamos a rutura de estruturas microscoacutepicas Ao fazecirc-lo libertam-se compostos

quiacutemicos que aderem agrave palma da nossa matildeo que depois percecionamos pelo nosso

olfacto Os aromas satildeo misturas complexas de dezenas de compostos volaacuteteis

carateriacutesticos de uma determinada planta

O aroma o que eacute

O aroma de muitas plantas eacute constituiacutedo por diversos compostos quiacutemicos volaacuteteis que

tecircm a capacidade de estimular os nossos recetores olfactivos A quantidade e a diver-

sidade deste tipo de compostos presentes nas plantas satildeo responsaacuteveis pelos aromas

carateriacutesticos Eacute relativamente faacutecil reconhecer o aroma dos coentros ou do manjerico e

distingui-los de outros aromas como o da rosa ou do cravinho

Na composiccedilatildeo da fraccedilatildeo volaacutetil de uma planta aromaacutetica encontram-se regra geral

compostos como os mono- e sesquiterpenos e os fenilpropanoacuteides (FIGURA 1) entre ou-

tros Satildeo todos eles compostos quiacutemicos com ponto de ebuliccedilatildeo relativamente baixo que

volatilizam agrave temperatura ambiente e contribuem de forma mais ou menos notoacuteria para o

aroma carateriacutestico de cada espeacutecie

FIGURA 1 Exemplos de compostos que constituem a fraccedilatildeo volaacutetil de diversas espeacutecies aromaacuteticas monoterpenos (α-pineno timol) sesquiterpenos (β-cariofileno germacreno D) e fenilpropanoacuteides (eugenol)

α-Pineno Timol β-Cariofileno Germacreno D Eugenol

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Estruturas secretoras

Os compostos que constituem a fraccedilatildeo aromaacutetica de uma planta satildeo regra geral sinteti-

zados e acumulados em estruturas secretoras microscoacutepicas Entre os diversos tipos de

estruturas secretoras as mais frequentes satildeo os tricomas os canais e as bolsas (FIGURA 2)

FIGURA 2 Exemplos de estruturas secretoras observadas em microscopia oacuteptica A - Tricoma de Geranium robertianum (s - secretado acumulado no espaccedilo sub-cuticular coloraccedilatildeo com reagente de Nadi) B - canal secretor de Crithmum maritimum (setas coloraccedilatildeo com tricloreto de antimoacutenio) e C - bolsa secretora de Citrus sp (coloraccedilatildeo com Vermelho Sudatildeo III)

Os tricomas glandulares satildeo estruturas externas com origem em ceacutelulas epideacutermicas

que apresentam diversos graus de complexidade desde tricomas com apenas trecircs ceacutelulas

uma das quais a secretora ateacute tricomas com mais de uma dezena de ceacutelulas secretoras

As bolsas e os canais secretores satildeo estruturas internas constituiacutedas por ceacutelulas glandu-

lares que delimitam o luacutemen o espaccedilo para onde satildeo secretados os compostos depois de

produzidos nas ceacutelulas secretoras Os canais satildeo estruturas alongadas que percorrem o

corpo da planta por vezes com ramificaccedilotildees enquanto as bolsas satildeo estruturas mais ou

menos isodiameacutetricas

Os oacuteleos essenciais

Um oacuteleo essencial eacute obtido por hidrodestilaccedilatildeo ou por destilaccedilatildeo por arrastamento de va-

por (FIGURA 3) No caso particular dos citrinos o oacuteleo essencial pode ainda ser obtido

por expressatildeo (processo mecacircnico que promove a libertaccedilatildeo do secretado acumulado no

interior das estruturas secretoras neste caso bolsas)

Tanto na hidrodestilaccedilatildeo como na destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor o secretado eacute

removido das estruturas secretoras e arrastado pelo vapor de aacutegua Depois de condensar

por arrefecimento o oacuteleo essencial separa-se da aacutegua podendo ser facilmente recolhido

devido agrave sua imiscibilidade com a aacutegua

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41FIGURA 3 A - Sistema de hidrodestilaccedilatildeo com aparelho de Clevenger e B - sistema de destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor

Anaacutelise de oacuteleos essenciais

Para analisar um oacuteleo essencial recorre-se frequentemente agrave cromatografia gasosa (CG)

para quantificaccedilatildeo dos componentes e agrave CG acoplada agrave espectrometria de massa (CG-

-EM) para a correspondente identificaccedilatildeo dos constituintes Por CG-EM os diversos com-

ponentes que constituem o oacuteleo essencial satildeo separados uns dos outros e ao chegarem ao

espectroacutemetro de massa satildeo bombardeados por eletrotildees o que leva a que as moleacuteculas

fragmentem formando-se diferentes iotildees de acordo com padrotildees preferenciais O con-

junto dos fragmentosiotildees constituem o espectro de massa que eacute carateriacutestico de cada

moleacutecula A integraccedilatildeo das aacutereas dos picos que surgem no cromatograma obtido por CG

(FIGURA 4A) permite a quantificaccedilatildeo relativa dos diversos componentes do oacuteleo essencial

A anaacutelise por CG-EM possibilita a identificaccedilatildeo desses compostos por comparaccedilatildeo dos

espectros de massa (FIGURA 4B) e dos iacutendices de retenccedilatildeo com os de amostras padratildeo

FIGURA 4 A - Aspeto parcial de um cromatograma obtido por CG carateriacutestico de um oacuteleo essencial com alguns dos ldquopicosrdquo identificados B - espectro de massa obtido por CG-EM de um dos componentes maioritaacuterios o timol

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Paisagens da Islacircndia Formase Processos (III)Fernando Carlos LopesCITEUC Universidade de Coimbra

A Islacircndia eacute famosa natildeo soacute pelos seus vulcotildees mas tambeacutem pelos seus glaciares e pela

sua sinuosa e escarpada linha de costa

Atualmente os glaciares cobrem cerca de 10 da superfiacutecie islandesa e 60 destas

aacutereas geladas assentam sobre sistemas vulcacircnicos ativos Esta combinaccedilatildeo de gelo e vul-

canismo torna a Islacircndia o local ideal para cheias repentinas (joumlkulhlaups) resultantes de

aacutegua que escorre por baixo dos glaciares devido agrave fusatildeo provocada pelas erupccedilotildees subgla-

ciares Atualmente existem 4 grandes calotes glaciares localizadas nas regiotildees elevadas

e vulcanicamente ativas do centro e sul da ilha a partir das quais divergem numerosas liacuten-

guas glaciarias Vatnajoumlkull (8100 km2) situado no centro leste Langjoumlkull (925 km2) si-

tuado no centro oeste Hofsjoumlkull (925 km2) situado na zona central da ilha Myrdalsjoumlkull

(600 km2) situado no sul da ilha Apesar da Islacircndia ter cerca de 24 Ma a sua paisagem soacute

foi moldada por glaciares nos uacuteltimos 5 milhotildees de anos Os seus glaciares de tipo alpino

(ou de montanha) avanccedilaram e recuaram condicionados pelas variaccedilotildees regionais e locais

do clima de que resultaram espetaculares morfologias Como jaacute se referiu anteriormente

as variaccedilotildees da carga glaciar sobre a litosfera provocadas pelas fases de gelo e degelo

teratildeo desempenhado papel importante na atividade vulcacircnica da ilha

Com um comprimento de cerca de 4970 km a linha de costa da Islacircndia eacute de um modo

geral muito recortada e escarpada marcada por promontoacuterios cabos peniacutensulas fiordes

e enseadas pontilhada de leixotildees por entre os quais se aninham praias de areia negra de

contornos suaves A accedilatildeo do mar sobre as inuacutemeras escoadas de lava que fluiacuteram ateacute agrave

costa ao longo da evoluccedilatildeo geoloacutegica da ilha e ali solidificaram sobre os aparelhos vulcacirc-

nicos implantados na zona litoral e sobre os vales deixados pelo recuo dos glaciares criou

paisagens de uma beleza surreal

FIGURA DA PAacuteGINA ANTERIOR Leixatildeo Hvitserkur noroeste da Islacircndia (fonte pixabay)

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Parte III - Paisagens controladas pelos glaciares e paisagens costeirasVales glaciares e fiordes

Vales glaciares vales suspensos lagos glaciares e cascatas ciacuterculos glaciares moreias

e fiordes satildeo formas carateriacutesticas das paisagens islandesas criadas pelos seus glacia-

res alpinos Os vales glaciares com o seu carateriacutestico perfil em ldquoUrdquo satildeo a forma mais

comum de paisagem originada pela erosatildeo glacial (FIGURA 1) No interior destes vales os

rios concentram o seu poder erosivo na zona mais baixa originando um perfil carateriacutestico

em ldquoVrdquo O poder erosivo dos glaciares eacute muito superior ao dos rios porque a sua energia

potencial resulta natildeo soacute do declive do terreno mas tambeacutem do peso do gelo A erosatildeo faz-

-se essencialmente ao longo das zonas laterais do canal criando um vale com vertentes

alcantiladas e fundo aplanado Vales suspensos satildeo vales escavados por glaciares tributaacute-

rios Como estes glaciares levam menos gelo o seu poder erosivo eacute menor que o do glaciar

principal ficando suspenso nas vertentes do glaciar principal quando o gelo recua Cons-

tituem exemplos notaacuteveis pela sua beleza e dimensatildeo os vales glaciares de Borgarvirki

(FIGURA 2) e de Akureyri (ou Eyjafjoumlrethur) no noroeste da ilha Este uacuteltimo vai desembocar

num fiorde que eacute mais longo da Islacircndia

FIGURA 1 Esquema 3D (sem escala) da evoluccedilatildeo de uma paisagem glaciar com formaccedilatildeo de vales glaciares vales glaciares suspensos ciacuterculos glaciares lagos glaciares e cascatas

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FIGURA 2 Aspeto do vale glaciaacuterio de Borgarvirki observado a partir da fortaleza de Borgarvirki

Se as condiccedilotildees forem favoraacuteveis os glaciares podem erodir abaixo do niacutevel do mar Quan-

do o glaciar recua o oceano invade estas depressotildees criando um fiorde Alguns dos fiordes

islandeses como o de Akureyri e o de Nordfjord (nordeste da ilha) possuem centenas de

metros abaixo do niacutevel do mar O fiorde de Nordfjord abrange parcialmente uma antiga cal-

deira vulcacircnica Nas faleacutesias do seu flanco oriental (falesias de Raudubjoumlrg) afloram rioacutelitos

conferindo agraves arribas uma carateriacutestica cor avermelhada)

Como se referiu anteriormente (Parte I) a orientaccedilatildeo da maioria dos vales glaciares e

fiordes segue de perto a orientaccedilatildeo dos principais lineamentos tectoacutenicos

Moreias

Em termos de aspetos deposicionais relacionados com glaciares as moreias satildeo de lon-

ge os mais abundantes Satildeo acumulaccedilotildees de fragmentos rochosos transportados pelos

glaciares quer na regiatildeo frontal (moreia frontal) lateral (moreia lateral) a meio (moreia

mediana) e no fundo (moreia de fundo)

Durante o uacuteltimo maacuteximo glaciar (haacute cerca de 20 000 anos) a Islacircndia estava quase

toda coberta por glaciares que se estendiam ateacute agrave costa e para aleacutem dela Foram encon-

tradas moreias frontais dessa eacutepoca a cerca de 130 km a offshore da costa ocidental e a

cerca de 150-230 m abaixo do niacutevel de mar atual

Eacute possiacutevel encontrar nos vales glaciares islandeses quer moreias antigas resultantes

da uacuteltima glaciaccedilatildeo quer moreias recentes e atuais Estas uacuteltimas estatildeo relacionadas com

as 4 grandes calotes glaciares existentes como eacute o caso das moreias do glaciar Vatna-

joumlkull que se podem observar em pleno no setor sudeste da ilha

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NC

IA

46

Lagoas glaciares e icebergues

Outra das paisagens magniacuteficas moldadas pelos glaciares satildeo as lagoas glaciares Estas

lagoas formam-se na extremidade dos glaciares que descem das calotes glaciares Satildeo

alimentadas pelo desgelo natural dos glaciares e nela flutuam pequenos e grandes iceber-

gues que se separam da frente do glaciar (FIGURA 3)

FIGURA 3 Esquema 3D (sem escala) da formaccedilatildeo de icebergues numa lagoa glaciar

O exemplo mais notaacutevel deste tipo de lagoas na Islacircndia eacute a lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten consi-

derada uma das maravilhas naturais do paiacutes Fica situada no sudeste da ilha na extremidade

do glaciar Breiethamerkurjoumlkull uma das liacutengua glaciares da calote de Vatnajoumlkull (FIGURA 4)

FIGURA 4 Icebergues na lagoa glaciar de Joumlkulsaacuterloacuten Ao fundo vecirc-se a frente do glaciar Breiethamerkurjoumlkull As faixas negras nos icebergues satildeo niacuteveis de cinza vulcacircnica

AO

S O

LH

OS

DA

CIEcirc

NC

IA

47

A lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten eacute o ponto mais baixo da Islacircndia com zonas agrave cota de -200 m Na

baiacutea da lagoa tem-se acesso a uma paisagem de outro mundo com icebergues de dimen-

sotildees variadas que flutuam ateacute ao mar ficando alguns deles encalhados na margem de uma

praia de areia vulcacircnica Alguns icebergues exibem faixas negras correspondentes a niacuteveis

de cinzas vulcacircnicas provenientes de antigas erupccedilotildees (FIGURA 4) Outros exibem duas

tonalidades branco leitoso e azul claro A faixa azul corresponde agrave porccedilatildeo do icebergue

que se tornou recentemente emersa

A lagoa teraacute sido formada em 1934-35 pelo contiacutenuo recuo do glaciar Vatnajoumlkull e teraacute

duplicado de tamanho nos uacuteltimos 15 anos Dada a taxa atual de recuo do glaciar Vatna-

joumlkull um profundo fiorde iraacute desenvolver-se no local onde hoje existe a lagoa

As costas escarpadas

As costas escarpadas e recortadas satildeo sem duacutevida as mais dominantes Ocorrem deste o

oeste ao leste da ilha passando pela regiatildeo norte incisas por numerosos fiordes e peque-

nas enseadas e salpicadas por leixotildees Eacute notaacutevel pela sua forma de dragatildeo e pelas lendas

que o envolvem o leixatildeo de Hvitserkur (IMAGEM DA PAGINA 42) situado na costa leste da

Peniacutensula de Vatnsnes no noroeste da Islacircndia

Os fiordes mais profundos localizam-se na costa norte constituindo bons portos natu-

rais Um destaque especial vai para o fiorde ao longo do qual se estende a cidade de Aku-

reyri (fiorde de Akureyri ou Eyjafjoumlrethur) considerado o mais longo do paiacutes

Praias de areia Negra

As praias de areia negra em geral de reduzida extensatildeo podem ser constituiacutedas por i) de-

poacutesitos resultantes da abrasatildeo das arribas ii) moreias e depoacutesitos fluviais resultantes dos

rios glaciares com contornos suaves e lagoas glaciares protegidas por extensas barras

arenosas iii) depoacutesitos de tefra provenientes de erupccedilotildees freaacuteticas

As do primeiro tipo ocorrem um pouco por toda a linha de costa como resultado da accedilatildeo

do mar sobre as arribas As do segundo tipo ocorrem dominantemente entre Djuacutepivogur a

sudeste e Oumllfusaacute a sudoeste com destaque para a praia de Reynisfjara na costa sul As

da terceira categoria podem ser observadas na ilha de Heimaey arquipeacutelago de Vestman-

naeyja regiatildeo sul da Islacircndia

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018048

IMA

GE

M E

M D

ES

TAQ

UE

48

Eu crio as minhas obras de arte de peque-

nos pedaccedilos de papel com espirais que co-

nectam e ligam os elementos a uma grande

estrutura Na obra de origami acabada a

que chamo Voltinhas estas espirais vivem

e trabalham Forccedilas de tensatildeo e fricccedilatildeo

contrapotildeem-se agrave gravidade e mantecircm a

forma estaacutevel Nas minhas criaccedilotildees procu-

ro estar perto da natureza Quando criamos

ou estudamos modelos de papel na macro

escala podemos entender melhor as for-

mas criadas pela natureza na micro escala

A minha obra de origami na capa o trabalho

intitulado ldquoInverno num parque de Lisboardquo e

o capsiacutedeo do viacuterus Canine parvovirus um viacute-

rus contagioso que ataca sobretudo os catildees

e outros caniacutedeos tecircm a mesma estrutura

geomeacutetrica do pequeno rombicosidodecae-

dro um poliedro com simetria icosaeacutedrica

Essa obra invoca simbolicamente o Ano

da Biologia Matemaacutetica 2018 O origami eacute

uma arte de dobragem do papel com uma

forte componente geomeacutetrica que permite

a construccedilatildeo de formas complexas e tem

atraiacutedo o interesse de matemaacuteticos pelas

suas propriedades geomeacutetricas e algeacutebricas

Krystyna Burczyk

Os viacuterus satildeo responsaacuteveis por inuacutemeras

doenccedilas no homem nos animais e nas plan-

tas e as curas e prevenccedilotildees satildeo ainda mui-

tas vezes problemaacuteticas Desenvolvimen-

tos recentes das aplicaccedilotildees da matemaacutetica

agrave virologia nomeadamente das teorias de

grupos de grafos de tesselaccedilatildeo ou de re-

ticulados mostraram por exemplo que as

restriccedilotildees estruturais agraves formas dos viacuterus

satildeo maiores do que antes se pensava e

permitiram a construccedilatildeo de novos modelos

para o desenvolvimento de terapias anti-

-virais Os capsiacutedeos virais que envolvem

os genomas dos viacuterus por razotildees de eco-

nomia geneacutetica tem muitas vezes uma si-

metria icosaeacutedrica Ora esta simetria natildeo eacute

cristalograacutefica em trecircs dimensotildees ie natildeo

eacute compatiacutevel com reticulados perioacutedicos

o que motivou os matemaacuteticos a desen-

volverem novas estruturas no contexto de

grupos de Coxeter natildeo-cristalograacuteficos que

encontraram aplicaccedilatildeo natildeo soacute na virologia

mas tambeacutem noutras estruturas molecula-

res da quiacutemica do carbono

Joseacute Francisco RodriguesUniversidade de Lisboa

Origami e Viacuterusin imagemcasadascienciasorg

Imagem de Canine Parvovirus gerada em VMD Autor Alexandre Lopes Magalhatildees

Page 18: JUNHO 2018 V6 /02 · 2018-09-26 · Matilde Viegas, Maria João Ramos, Pedro Alexandrino Fernandes Stephen Hawking e a sua contribuição para a física teórica Orfeu Bertolami,

AR

TIG

O

16

Exemplo II

ldquoSe a populaccedilatildeo em certa regiatildeo aumenta anualmente um trigeacutesimo e por outro lado laacute

habitavam no princiacutepio 100000 pessoas pergunta-se qual o nuacutemero de habitantes apoacutes

100 anos

Seja o nuacutemero inicial = n pelo que n = 100000 passado um ano o nuacutemero de habitantes

seraacute = (1+301 )n=30

13 n depois de dois anos = S X3013 2

n ao cabo de trecircs = S X3013 3

n e daqui

depois de 100 anos seraacute = S X3013 100

n = S X3013 100

100000 cujo logaritmo eacute = 100 l 1013 +

l 100000 E l 1013 = l 31 - l 10 = 0014240439 de onde 100 l 10

13 = 14240439 que somando-

-lhe l 100000 = 5 seraacute o logaritmo do nuacutemero de habitantes procurado = 64240439 a que

corresponde o nuacutemero 2654874

Assim ao cabo de 100 anos seraacute mais de vinte e seis vezes maiorrdquo

Este exemplo publicado em 1748 eacute meio seacuteculo antes a concretizaccedilatildeo do ldquoModelo Mal-

thusianordquo para uma populaccedilatildeo de 100000 habitantes e uma taxa de crescimento anual de

130

No exemplo seguinte Euler faz alusatildeo ao capiacutetulo 7 do Livro do Genesis que relata como

um diluacutevio reduziu a populaccedilatildeo da terra a seis seres humanos

Exemplo III

ldquoComo a humanidade se espalhou apoacutes o diluacutevio por obra de seis seres humanos se o nuacute-

mero destes alcanccedilar duzentos anos depois o nuacutemero 1000000 pergunta-se em que parte

deveria crescer anualmente o nuacutemero de humanos

Se aumentar em cada ano x1 duzentos anos depois o nuacutemero de humanos seria =

xx1 200+S X 6 = 1000000 e por tanto x

16

1000000 2001

+ = S Xx

Portanto l x1

2001+ =x l

61000000 =200

1 52218487 = 00261092

e assim =x1+x

10000001061963 e 1000000 = 61963x donde x =16 aproxidamente

Bastaraacute pois que os humanos aumentem por ano a sua deacutecima sexta parte [] Contudo se

o nuacutemero de homens tivesse crescido na mesma proporccedilatildeo durante um intervalo de 400

anos deveria chegar a 1000000 10000006

= 166666666666 cujo sustento a terra inteira

natildeo seria de forma alguma capaz de darrdquo

Euler ao abordar o crescimento das populaccedilotildees tinha uma preocupaccedilatildeo matemaacutetica ndash a

de mostrar a utilidade dos logaritmos ndash que ilustrou com exemplos

Mas a observaccedilatildeo anterior leva a crer que ele considerou o modelo exponencial desade-

quado para o estudo do crescimento populacional

AR

TIG

O

17

A populaccedilatildeo de Portugal espelha bem a falecircncia deste modelo Segundo dados do Ins-tituto Nacional de Estatiacutestica nos duzentos anos que decorreram entre 1770 e 1970 a

populaccedilatildeo nem chegou a triplicar

TABELA 1 Populaccedilatildeo de Portugal entre 1422 a 1890

Popuccedilatildeo de Portugal (INE Lisboa)

Ano Total Variaccedilatildeo Ano Total Variaccedilatildeo

1422 1 043 274 - 1900 5 423 132 +74

1527 1 262 376 +210 1911 5 960 056 +99

1636 1 100 000 -129 1920 6 032 991 +12

1736 2 143 368 +949 1930 6 825 883 +131

1770 2 850 444 +330 1940 7 722 152 +131

1776 3 352 310 +176 1950 8 441 312 +93

1801 2 931 930 -125 1960 8 851 289 +49

1811 2 876 602 -19 1970 8 568 703 -32

1838 3 200 000 +112 1981 9 852 841 +150

1849 3 411 454 +66 1991 9 862 540 +01

1864 4 188 410 +228 2001 10 356 117 +50

1878 4 550 699 +86 2007 10 617 575 +25

1890 5 049 729 +110

Quanto a Malthus as suas preocupaccedilotildees eram de natureza poliacutetica e legislativa To-

mou como certo um crescimento exponencial da populaccedilatildeo mundial que conduziria a

uma cataacutestrofe por ausecircncia de recursos e para o travar sugeriu o recurso a poliacuteticas

adequadas Ao publicitar o modelo exponencial - que ficou conhecido como Modelo

Malthusiano - ligando-o a problemas legislativos reais abriu caminho para que dife-

rentes matemaacuteticos se dedicassem agrave modelaccedilatildeo do crescimento populacional

Em 1844 o matemaacutetico belga Pierre Verhulst (1804-1849) propocircs no artigo Recherches

matheacutematiques sur la loi drsquoaccroissement de la population um modelo em que considera que

agrave medida que a populaccedilatildeo se aproxima de um valor maacuteximo a taxa de crescimento diminui

ldquoO aumento virtual da populaccedilatildeo eacute portanto limitado pelo tamanho e pela fertilidade do paiacutes

Como resultado a populaccedilatildeo fica cada vez mais proacutexima de um estado estaacutevelrdquo

Designado por P(t) a populaccedilatildeo no instante t por r a taxa de crescimento por unidade

de tempo e por M o nuacutemero maacuteximo de indiviacuteduos que a regiatildeo pode suportar este modelo

exprime-se pela equaccedilatildeo diferencial

( )dt

dP rP MP t

1= -T Y

AR

TIG

O

18

cuja soluccedilatildeo eacute

( )( ) ( )( )

P t

MP eP e

10 10

rt

rt

=+

-

Se P(t) for muito pequeno face a M tem-se que ( )dt

dP rP MP t

1= -T Y cong r P(t) que tem a soluccedilatildeo P(t) cong P(0) e rt

e o crescimento eacute exponencial

FIGURA 4 Pierre Franccedilois Verhulst e o graacutefico da curva logiacutestica

Agrave medida que t cresce a populaccedilatildeo aproxima-se assintoticamente de M A equaccedilatildeo diferen-

cial que carateriza este modelo eacute atualmente designada por equaccedilatildeo logiacutestica e a populaccedilatildeo

maacutexima M por capacidade de carga Com Verhulst relativizou-se ldquoa hipoacutetese da progressatildeo

geomeacutetrica uma vez que ela soacute se pode verificar em circunstacircncias muito especiais por exem-

plo quando um territoacuterio feacutertil de tamanho quase ilimitado passa a ser habitado por pessoas

com uma civilizaccedilatildeo avanccedilada como foi o caso das primeiras coloacutenias americanasrdquo

Essa equaccedilatildeo foi retomada por vaacuterios matemaacuteticos e adaptada a contextos variados

Satildeo de realccedilar os casos em que a capacidade de carga varia como o tempo conduzindo

ao modelo caraterizado pela equaccedilatildeo diferencial

dtdP rP M

P1= -T Y( )t

onde a capacidade de carga M(t) = M(t +T) varia periodicamente com periacuteodo T

AR

TIG

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19

FIGURA 5 A demografia eacute instrumental para o controlo das populaccedilotildees humanas

Desde o seacuteculo XVIII que o estudo da dinacircmica das populaccedilotildees eacute objeto de modelaccedilatildeo

matemaacutetica Na atualidade existem outros modelos de crescimento hiperboacutelicos expo-

nenciais logiacutesticos ou baseados noutras funccedilotildees Baseada nos modelos populacionais

do matemaacutetico Song Jian a Repuacuteblica Popular da China em 1980 entatildeo a atingir o biliatildeo

de habitantes instaurou uma poliacutetica estrita de filho uacutenico Essa lei foi flexibilizada em

2015 aumentando para dois o nuacutemero maacuteximo de filhos para fazer frente ao envelheci-

mento da populaccedilatildeo e agrave reduccedilatildeo do grupo de trabalhadores na faixa etaacuteria considerada

economicamente ativa

Muitos dos pareceres cientiacuteficos nas mais diversas aacutereas baseiam-se em modelos ma-

temaacuteticos que podem permitir fazer estimativas e previsotildees mas hellip ao olhar para o cres-

cimento populacional ao longo dos tempos verificamos que os modelos matemaacuteticos satildeo

instrumentais na anaacutelise da dinacircmica das populaccedilotildees

AR

TIG

O

20

Artroacutepodes Miguel Santos

Rubim Almeida

Sara C Antunes

DB CIBIO InBIO CIIMAR Universidade do Porto

Artroacutepodes (Arthropoda do grego arthro = articulado + podos = peacutes) satildeo o grupo taxonoacutemi-

co mais diversificado com distribuiccedilatildeo por quase todo o globo e ocupando todos os habitats

Satildeo organismos invertebrados com exosqueleto riacutegido apresentando apecircndices articula-

dos (patas antenas) e de nuacutemero diferenciado de acordo com o subfilo a que pertencem

Os artroacutepodes constituem um dos mais diversos grupos de organismos do planeta com-

preendendo espeacutecies que variam de 0085 mm (Tantalacus dieteri um crustaacuteceo parasita)

ateacute 38 m (envergadura do Caranguejo-aranha-gigante) Os organismos pertencentes a

este grupo encontram-se praticamente em todos os tipos de habitat A razatildeo do sucesso

evolutivo deste grupo taxonoacutemico deve-se a um conjunto de carateriacutesticas uacutenicas i) pos-

suiacuterem um exosqueleto proteico-quitinoso flexiacutevel leve e resistente que protege contra a

desidrataccedilatildeo ii) segmentaccedilatildeo do corpo e a presenccedila de apecircndices articulados especia-

lizados iii) oacutergatildeos sensoriais bem desenvolvidos (antenas sedas sensoriais olhos com-

postos olhos pedunculados ocelos quimiorrecetores nas antenas) iv) metamorfose com

diferentes estaacutedios de desenvolvimento incluindo estaacutedios larvares que podem ter um

modo de vida completamente diferente do adulto permitindo um aproveitamento de outros

recursos (alimento e espaccedilo) reduzindo a competiccedilatildeo entre indiviacuteduos da mesma espeacutecie

v) padrotildees comportamentais complexos revelando por vezes organizaccedilatildeo comunitaacuteria e

vi) sistema respiratoacuterio diverso nomeadamente o sistema traqueal onde o ar entra em

contacto direto com os tecidos devido a um eficiente sistema de tubos (traqueias) com

orifiacutecios na superfiacutecie do tegumento (espiraacuteculos) No entanto a origem e a taxonomia

deste grupo ainda constituem um tema de investigaccedilatildeo e debate Mesmo apesar dos avan-

ccedilos em aacutereas como a biologia molecular que fornece importantes conhecimentos sobre

as complexas relaccedilotildees evolutivas destes organismos muito ainda haacute por descobrir Os

artroacutepodes satildeo um grupo extremamente importante nos ecossistemas terrestres devido

natildeo soacute agrave sua enorme abundacircncia e diversidade mas tambeacutem ao grande nuacutemero de funccedilotildees

que desempenham nestes ecossistemas (ex degradaccedilatildeo da mateacuteria orgacircnica arejamento

AR

TIG

O

21

do solo ciclagem de nutrientes) O filo Arthropoda estaacute atualmente subdividido em cinco

subfilos Trilobitomorpha Crustacea Myriapoda Chelicerata e Hexapoda

O subfilo Trilobitomorpha (trilobites e os seus parentes) compreende cerca de 20 000

espeacutecies que viviam exclusivamente em ambientes marinhos e que atualmente se encon-

tram todas extintas Contudo a sua vasta distribuiccedilatildeo geograacutefica e o exosqueleto de carbo-

nato de caacutelcio permitiram que este grupo apresente um extenso registo foacutessil observaacutevel

por todo o planeta

Crustacea inclui caranguejos camarotildees e lagostas contendo mais de 60 000 espeacute-

cies e com um extenso registo foacutessil em todo o mundo eacute um dos principais grupos de

artroacutepodes A maioria dos crustaacuteceos vive em ambientes marinhos mas existem vaacuterias

espeacutecies que podem ser encontradas em ecossistemas de aacutegua doce (ordem Cladocera e

sub-classe Copepoda) e em ambientes terrestres (ordem Isopoda FIGURA 1) Apesar da

grande maioria dos crustaacuteceos serem de vida livre existem vaacuterios grupos parasitas (ex

Rhizocephala ndash crustaacuteceos cirriacutepedes parasitas de caranguejos e camarotildees Argulidae ndash

crustaacuteceos parasitas de peixes e Pentastomida ndash vermes liacutengua que parasitam o sistema

respiratoacuterio de vertebrados) Numa perspetiva diferente e de interesse econoacutemico este

grupo apresenta ainda um valor acrescido jaacute que alguns crustaacuteceos decaacutepodes como la-

gostas e camarotildees satildeo intensivamente consumidos em todo o mundo Para aleacutem da sua

importacircncia econoacutemica este grupo de organismos eacute bastante utilizado em investigaccedilatildeo

cientiacutefica nomeadamente em ecotoxicologia na avaliaccedilatildeo do efeito de contaminantes no

solo

FIGURA 1 Exemplares de organismos da ordem Isopoda (bicho-da-conta) 1 ndash famiacutelia Armadillidae 2 ndash famiacutelia Porce-llionidae em A - vista dorsal e em B - vista ventral

O subfilo Myriapoda inclui as centopeias e os miliacutepedes conteacutem mais de 11 000

espeacutecies descritas Este subfilo eacute tradicionalmente dividido em quatro classes Chi-

lopoda (centopeias) (FIGURA 2) Diplopoda (miliacutepedes) Pauropoda (ldquopoucos peacutesrdquo) e

Symphyla (pseudocentopeias) Todos os miriaacutepodes conhecidos satildeo terrestres e o seu

tamanho varia desde alguns miliacutemetros a cerca de 38 centiacutemetros (Millipede Gigante

Africano)

1

2

A B

15cm

AR

TIG

O

22

FIGURA 2 Vista dorsal A - e ventral B - de um organismo pertencente agrave classe Chilopoda onde se pode observar o corpo segmentado e apenas com um par de patas por segmento

O subfilo Chelicerata (aranhas aranhas do mar escorpiotildees e aacutecaros) conteacutem mais

de 113 000 espeacutecies distribuiacutedas em duas classes principais Pycnogonida (aranhas do

mar) e Arachnida (aranhas escorpiotildees e aacutecaros) Pycnogonida o grupo das aranhas

do mar conteacutem mais de 1 300 espeacutecies descritas mas estudos detalhados sobre esses

animais e as suas relaccedilotildees evolutivas ainda satildeo escassos Estes organismos geralmente

tecircm seis ou oito olhos e quatro a seis pares de patas A classe Arachnida compreende os

organismos mais conhecidos do subfilo Chelicerata como aranhas escorpiotildees e aacutecaros

Os indiviacuteduos pertencentes a este grupo natildeo possuem antenas tecircm quatro pares de

patas um par de queliacuteceras (1ordm par de apecircndices do prossomacabeccedila) e pedipalpos

(2ordm par de apecircndices do prossomacabeccedila) As aranhas (ordem Araneae) (FIGURA 3) satildeo

provavelmente o grupo mais icoacutenico e bem estudado deste subfilo presentes na maioria

dos ambientes terrestres e constituindo um dos grupos mais importantes de artroacutepodes

do solo Outros organismos colocados na mesma classe como escorpiotildees aacutecaros ou

opiliotildees tambeacutem constituem grupos extremamente variados com importantes funccedilotildees

ecoloacutegicas (ex decomposiccedilatildeo de mateacuteria orgacircnica e controlo de organismos principal-

mente atraveacutes de predaccedilatildeo)

FIGURA 3 Vista dorsal A - e ventral B - de um exemplar da ordem Araneae (famiacutelia Gnaphosidae) sendo possiacutevel obser-var o corpo dividido em cefalotoacuterax e abdoacutemen os quatro pares de patas as queliacuteceras (q) e os pedipalpos (p)

O subfilo Hexapoda (Hexa (seis) e Poda (peacute)) engloba os insetos e os seus parentes

compreende o grupo mais diverso e abundante de organismos com mais de 1 milhatildeo de

espeacutecies conhecidas Este subfilo eacute frequentemente dividido em organismos da clas-

A B

A B

14cm

p

q

35cm

AR

TIG

O

23

se Insecta (FIGURA 4) e da classe Entognatha Esta uacuteltima inclui os colecircmbolos (ordem

Collembola) (FIGURA 5) cabeccedilas de cone e bichos de prata (ordem Protura) e cerdas de

duas pontas (ordem Diplura) Na classe Entognatha as partes bucais dos organismos

estatildeo retraiacutedas dentro das suas cabeccedilas contrariamente ao que se observa na classe In-

secta que satildeo ectognantes Os colecircmbolos constituem um dos grupos mais abundantes

de artroacutepodes do solo podendo ser encontrados mais de 100 000 indiviacuteduos num metro

quadrado Estes satildeo organismos cosmopolitas com mais de 8 000 espeacutecies descritas Os

colecircmbolos satildeo pequenos organismos com tamanho geralmente inferior a 6-8 mm de

forma ciliacutendrica ou globular apresentando olhos simples e antenas moniliformes Muitas

espeacutecies possuem um apecircndice bifurcado (fuacutercula) no final do abdoacutemen permitindo que

estes organismos saltem quando ameaccedilados (FIGURA 5) Os colecircmbolos tecircm sido ampla-

mente utilizados em estudos ecotoxicoloacutegicos na avaliaccedilatildeo da qualidade do solo e da sauacute-

de destes ecossistemas

FIGURA 4 A - Vista dorsal e B - vista ventral de exemplares de algumas ordens da classe Insecta

FIGURA 5 Vista lateral de exemplares da ordem Collembola

A classe Insecta eacute a classe com maior nuacutemero de organismos compreendendo mais

de metade das espeacutecies eucarioacuteticas descritas atualmente englobando mais de 1 milhatildeo

de espeacutecies que habitam praticamente todos os ecossistemas Os insetos sendo o grupo

Ordem

Coleoptera

Ordem

Diptera

Ordem

Hemiptera

Ordem

Orthoptera

Ordem

HimenopteraA A A A

B B B B

075cm

027cm14cm016cm

09cm

22cm

AR

TIG

O

24

mais diversificado de seres vivos apresentam as mais variadas e interessantes adap-

taccedilotildees anatoacutemicas e morfoloacutegicas Pensa-se que a sua enorme riqueza e abundacircncia eacute

devida a uma combinaccedilatildeo de carateriacutesticas vantajosas como a coevoluccedilatildeo com plan-

tas a miniaturizaccedilatildeo e a capacidade de voo Os insetos desempenham ainda um papel

importantiacutessimo no funcionamento dos ecossistemas realizando funccedilotildees quer de pre-

dadores quer de presa estando envolvidos em inuacutemeras teias alimentares (ex reciclan-

do nutrientes fazendo a manutenccedilatildeo da estrutura e fertilizaccedilatildeo dos solos) Destaca-se

tambeacutem o facto de vaacuterios insetos voadores como abelhas ou borboletas atuarem como

polinizadores de muitas espeacutecies de plantas Esta eacute uma funccedilatildeo ecoloacutegica importante

com vaacuterias repercussotildees econoacutemicas porque mais de 30 das culturas alimentares

mundiais dependem da polinizaccedilatildeo Os insetos possuem ainda um papel importante em

investigaccedilatildeo cientiacutefica sendo muitas vezes utilizados como organismo modelo dado pos-

suiacuterem carateriacutesticas distintas como o seu tamanho reduzido tempos de geraccedilatildeo curtos

e elevada fecundidade O exemplo de excelecircncia eacute a mosca da fruta Drosophila melano-

gaster cujo genoma eacute jaacute conhecido na totalidade sendo esta espeacutecie utilizada frequente-

mente para estudar vaacuterios processos celulares (ex o envelhecimento a hereditariedade

e o desenvolvimento embrionaacuterio) Apesar de constituiacuterem um grupo tatildeo interessante

beneacutefico e necessaacuterio agrave manutenccedilatildeo do equiliacutebrio dos ecossistemas existem algumas

desvantagens associadas aos insetos como eacute o caso de serem vetores na transmissatildeo

de doenccedilas Eacute o caso da malaacuteria transmitida por um mosquito do geacutenero Anopheles a

doenccedila parasitaacuteria mais disseminada com vaacuterios milhotildees de humanos infetados em todo

o mundo O dengue e o zika satildeo doenccedilas em que o vetor de transmissatildeo eacute tambeacutem um

mosquito do geacutenero Aedes Na agricultura as pragas de insetos (ex gorgulhos gafa-

nhotos afiacutedios) satildeo responsaacuteveis por prejudicar as culturas agriacutecolas e a produccedilatildeo de

alimentos causando perdas econoacutemicas elevadas

Sabe-se que atualmente a perda de habitat e as mudanccedilas climaacuteticas satildeo alguns dos

fatores responsaacuteveis por decliacutenios significativos nas populaccedilotildees deste grupo de orga-

nismos Esse decliacutenio apresenta uma elevada preocupaccedilatildeo ecoloacutegica uma vez que estes

organismos desempenham muacuteltiplas e importantes funccedilotildees nos ecossistemas No en-

tanto a conservaccedilatildeo deste grupo animal permanece um grande e urgente desafio que eacute

preciso enfrentar

AR

TIG

O

25

Biocombustiacuteveis seratildeo a soluccedilatildeo Matilde Viegas

Maria Joatildeo Ramos

Pedro Alexandrino Fernandes

UCIBIO REQUIMTEUniversidade do Porto

ldquoA 21 de Fevereiro de 2018 o niacutevel de poluiccedilatildeo de partiacuteculas finas com diacircmetro inferior

a 10 μm PM10 atingiu em Paris niacuteveis alarmantes com um pico correspondente

ao dobro do limite maacuteximo A Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) recomenda natildeo

exceder este limite maacuteximo por mais de trecircs dias por ano Com este recente pico os

parisienses jaacute o ultrapassaramrdquo

Em Un pic de pollution laquograveraquo en Ile-de-France Le Monde 22 de Fevereiro de 2018

Esta notiacutecia eacute um dos inuacutemeros exemplos dos efeitos do aquecimento global termo com o

qual estamos cada vez mais familiarizados infelizmente Este fenoacutemeno eacute consequecircncia

de Gases de Efeito de Estufa GEE (dioacutexido de carbono metano e oacutexido de azoto entre

outros) que se acumulam na atmosfera enclausurando o calor e tornando o planeta mais

quente A produccedilatildeo em larga escala de GEEs teve iniacutecio na Revoluccedilatildeo Industrial (1800)

como resultado da combustatildeo de combustiacuteveis foacutesseis (carvatildeo petroacuteleo e gaacutes natural)

para produccedilatildeo de eletricidade aquecimento e transporte

A preocupaccedilatildeo em torno do aquecimento global tornou-se um assunto constante na

agenda poliacutetica sobretudo nas uacuteltimas duas deacutecadas Os primeiros esforccedilos coletivos re-

sultaram no Protocolo de Quioto em 1997 cujo objetivo era a reduccedilatildeo das emissotildees de

GEEs assentando nos argumentos de que i) o aquecimento global era uma realidade e ii) o

CO2 produzido por accedilotildees humanas era o seu grande causador O primeiro periacuteodo do Proto-

colo terminou em 2012 e por isso em 2015 as Naccedilotildees Unidas promoveram a assinatura

do novo Acordo de Paris o qual consiste numa atualizaccedilatildeo do antigo Protocolo de Quioto

com o objetivo de ldquofortalecer a resposta global agrave ameaccedila das alteraccedilotildees climaacuteticas no

contexto de desenvolvimento sustentaacutevel e com esforccedilo para a erradicaccedilatildeo da pobrezardquo

O novo Acordo ao contraacuterio do de Quioto estabelece metas tangiacuteveis e quantitativas O

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objetivo eacute manter o aumento da temperatura meacutedia global abaixo dos 2ordm Celsius face agrave

temperatura global na era preacute-industrial Para atingir tal meta eacute necessaacuterio um esforccedilo

mundial contudo em 2017 com a saiacuteda dos EUA do Acordo de Paris o segundo maior

emissor de GEEs logo a seguir agrave China perdeu-se uma enorme contribuiccedilatildeo Aleacutem do peso

evidente que as suas emissotildees tecircm para o estado atual do aquecimento global em falta

estaratildeo tambeacutem a diplomacia e o encorajamento proporcionados por esta forccedila mundial

No Acordo de Paris uma das claacuteusulas exige a inclusatildeo de energias renovaacuteveis (eoacutelica

mariacutetima solar) e de biocombustiacuteveis no mercado de energia encorajando os paiacuteses a

atingir niacuteveis miacutenimos da sua utilizaccedilatildeo As metas estabelecidas para cada paiacutes vatildeo ao en-

contro ao seu mercado e agraves mateacuterias-primas disponiacuteveis em cada territoacuterio favorecendo o

desenvolvimento da economia

De uma forma generalista os biocombustiacuteveis englobam combustiacuteveis produzidos atra-

veacutes de processos bioloacutegicos como a agricultura e digestatildeo anaeroacutebica em vez de produ-

zidos a partir de processos geoloacutegicos como os necessaacuterios para a formaccedilatildeo de combus-

tiacuteveis foacutesseis Isto inclui o biodiesel (produzido a partir de oacuteleos e gorduras orgacircnicas) e o

bioetanol (aacutelcool produzido atraveacutes de fermentaccedilatildeo microbiana de accediluacutecares seguido de

destilaccedilatildeo e desidrataccedilatildeo) os quais seratildeo o maior foco deste artigo

A partir da deacutecada de 70 foram feitos os primeiros investimentos nos chamados bio-

combustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo (1G) Estes fazem uso de colheitas de produtos agriacuteco-

las como a soja cana-de-accediluacutecar milho oacuteleo de palma entre outros para a produccedilatildeo de

biodiesel e bioetanol atraveacutes de processos de trans-esterificaccedilatildeo ou fermentaccedilatildeo A sua

disponibilidade e facilidade de processamento permitiram a sua inserccedilatildeo e mistura nos

combustiacuteveis atualmente vendidos ao puacuteblico Para 2017 Portugal fixou em 75 (de poder

energeacutetico) a incorporaccedilatildeo de biocombustiacuteveis nos combustiacuteveis dos transportes rodoviaacute-

rios tendo a Uniatildeo Europeia o objectivo de 10 em 2020 para todos os paiacuteses membros

Os biocombustiacuteveis 1G fazem uso da colheita agriacutecola para fins energeacuteticos o que gera

opiniotildees desfavoraacuteveis por parte de ambientalistas (pelo uso exaustivo da terra agriacutecola sem

compensaccedilatildeo desflorestaccedilatildeo e perda de biodiversidade) e problemas eacuteticos tais como os le-

vantados por responsaacuteveis da ONU como o Dr Jean Ziegler que atribui aos biocombustiacuteveis

a culpa pela contiacutenua inflaccedilatildeo dos preccedilos de alimentos exacerbando a atual crise de fome

mundial - ldquoSatildeo necessaacuterios 352Kg de milho para encher um depoacutesito de 50L de um carro Uma

crianccedila na Zacircmbia ou no Meacutexico onde o milho eacute um elemento baacutesico da dieta poderia viver

com esta quantidade de milho um ano inteirordquo Atualmente os maiores produtores destes bio-

combustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo satildeo os EUA e o Brasil utilizando parte da produccedilatildeo global

de cereais e oacuteleos vegetais para a produccedilatildeo de bioetanol e biodiesel causando um ambiente

de profunda preocupaccedilatildeo em volta da sustentabilidade de produccedilatildeo de energia a meacutediolongo

prazo De forma a controlar a inflaccedilatildeo no preccedilo dos alimentos a EU estabeleceu um limite de

7 para o uso de biocombustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo como combustiacutevel de transportaccedilatildeo

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A segunda geraccedilatildeo de biocombustiacuteveis (2G) usa biomassa isto eacute qualquer fonte de car-

bono orgacircnico que eacute rapidamente renovado no ciclo de carbono Os biocombustiacuteveis de

segunda geraccedilatildeo almejam um uso ponderado de desperdiacutecios da induacutestria madeireira e

agriacutecola ou de restos de colheitas agriacutecolas assim que estas preencham o seu propoacutesito

alimentar evitando interferecircncia com o mercado alimentar e natildeo influenciando os preccedilos

dos alimentos baacutesicos

FIGURA 1 Biocombustiacuteveis

A produccedilatildeo de arroz atingiu o seu pico em 2017 gerando 1140 milhotildees de toneladas de

espigas de arroz cujo destino eacute a incineraccedilatildeo compostagem ou eacute simplesmente deposita-

da em aterros Contudo com a 2G de biocombustiacuteveis eacute encontrado potencial energeacutetico

neste desperdiacutecio agriacutecola O seu potencial deve-se agrave mateacuteria lignoceluloacutesica ndash celulose

hemicelulose e lignina ndash presente em todas as plantas incluindo as espigas em diferen-

tes percentagens Este material composto eacute essencial para a estrutura e resistecircncia das

plantas a hemicelulose eacute a matriz que rodeia o esqueleto de celulose enquanto a lignina

funciona como uma camada protetora As possibilidades associadas a este tipo de desper-

diacutecio satildeo inegaacuteveis a sua abundacircncia e facilidade de obtenccedilatildeo tornam-no muito apelativo

Contudo o gasto na recolha e transporte desta mateacuteria suplanta os custos de produccedilatildeo

e o seu uso continuado poderaacute contribuir para a erosatildeo do solo Aleacutem disso para o seu

aproveitamento para produccedilatildeo de biocombustiacuteveis eacute necessaacuterio um preacute-tratamento para

hidrolisar as ligaccedilotildees covalentes entre os trecircs constituintes da mateacuteria lignoceluloacutesica e

permitir a posterior fermentaccedilatildeo anaeroacutebia da celulose produzindo bioetanol Este preacute-

-tratamento eacute visto como outra das desvantagens do processo e estaacute ainda a ser estudado

e otimizado pois de momento as alternativas disponiacuteveis encarecem o produto final e em

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alguns dos casos dependem do uso de quiacutemicos poluentes A esperanccedila estaacute entatildeo de-

positada no estudo de enzimas hidroliacuteticas encontradas em organismos termoacutefilos que

seratildeo capazes de aguentar as difiacuteceis condiccedilotildees de tratamento Contudo a dificuldade em

escalar o processo de fermentaccedilatildeo eacute uma das desvantagens e dos fatores limitantes para

a 2G de biocombustiacuteveis em grande parte devido agrave dificuldade de monitorizar as condiccedilotildees

de fermentaccedilatildeo (oxigeacutenio pH nutrientes etc)

A terceira geraccedilatildeo (3G) de biocombustiacuteveis foi reconhecida como a melhor alternativa

em comparaccedilatildeo com primeira e segunda geraccedilotildees pois surpreendentemente faz uso de

algas A sua enorme disponibilidade por todo o planeta e o facto de natildeo interferirem com os

mercados alimentares satildeo os grandes embaixadores desta mateacuteria-prima como o futuro

dos biocombustiacuteveis Ainda que natildeo seja uma mateacuteria infinita eacute a que de momento mais se

assemelha por existirem 70 000 espeacutecies (30 000 documentadas) Estudos conduzidos

atualmente estatildeo a explorar a viabilidade energeacutetica de 30 espeacutecies de algas explorando a

sustentabilidade facilidade e escalabilidade da sua produccedilatildeo Outras vantagens incluem a

baixa manutenccedilatildeo necessaacuteria para o seu crescimento (luz dioacutexido de carbono e nutrientes

como azoto foacutesforo e potaacutessio) a facilidade com que produzem liacutepidos e carboidratos que

podem posteriormente ser processados em diferentes biocombustiacuteveis e outros copro-

dutos a frequecircncia com que podem ser colhidas ao longo do ano (ao contraacuterio de outras

colheitas convencionais) a baixa percentagem de hemicelulose e a praticamente ausente

lignina facilitam radicalmente o seu preacute-processamento pois a celulose eacute mais facilmente

extraiacuteda As desvantagens desta mateacuteria incluem o enorme investimento inicial para a

construccedilatildeo de infraestruturas para o seu cultivo que pode ser ou ao ar livre (em tanques

de grande dimensatildeo) ou em foto-bioreatores (sistemas fechados altamente controlados)

Prevecirc-se que em 2030 o preccedilo de produccedilatildeo de combustiacutevel a partir de algas seraacute 065 euro

litro de combustiacutevel valor muito proacuteximo do atual preccedilo de produccedilatildeo do litro de gasolina

Comparativamente aos custos de produccedilatildeo de outros biocombustiacuteveis o mais barato con-

tinua a ser o bioetanol produzido a partir de milho (1G) 017 eurolitro seguido de combustiacute-

veis celuloacutesicos (2G) a 032 eurolitro

Eacute evidente que seratildeo necessaacuterios esforccedilos poliacuteticos e cientiacuteficos investimento e regu-

lamentaccedilatildeo adequados para encontrar o caminho ideal para travar o aquecimento global

Em todas as geraccedilotildees de biocombustiacuteveis apresentadas existem fatores que afunilam as

potencialidades destas alternativas indicando que a soluccedilatildeo passa por criar um consoacutercio

entre as vaacuterias possibilidades de forma a tirar o maacuteximo partido sem danificar o planeta ou

piorar a crise da fome O proacuteximo passo passa por substituir os biocombustiacuteveis de 1G por

soluccedilotildees com maior escalabilidade Acreditamos que nas proacuteximas deacutecadas seratildeo cruciais

e depositamos esperanccedila na investigaccedilatildeo cientiacutefica

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018043

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Stephen Hawking e a sua contribuiccedilatildeo para a fiacutesica teoacutericaOrfeu Bertolami

Claacuteudio GomesDepartamento de Fiacutesica e Astronomia CFP Universidade do Porto

A 14 de marccedilo de 2018 o fiacutesico britacircnico Stephen Hawking faleceu aos 76 anos deixando

todavia um importante legado para a fiacutesica teoacuterica muito particularmente para o

entendimento das deficiecircncias intriacutensecas da Relatividade Geral de Einstein para a fiacutesica

dos buracos negros e para a cosmologia a ciecircncia do Universo como um todo

Stephen Hawking doutorou-se em Fiacutesica Teoacuterica em 1966 pela Universidade de Cambridge

sob a supervisatildeo de Dennis Sciama Apesar da sua condiccedilatildeo fiacutesica progressivamente limi-

tativa manteve-se extremamente ativo na investigaccedilatildeo nas aacutereas de cosmologia fiacutesica dos

buracos negros e gravitaccedilatildeo quacircntica

Nessa altura havia uma consideraacutevel discussatildeo acerca da realidade e ubiquidade de sin-

gularidades pontos no espaccedilo-tempo onde a Teoria da Relatividade Geral deixa de fazer sen-

tido e natildeo desaparecendo atraveacutes de mudanccedila de sistemas de coordenadas que descrevem

o espaccedilo-tempo Na segunda metade da deacutecada de 1960 Hawking e o matemaacutetico inglecircs

Roger Penrose demonstraram que essas singularidades eram inevitaacuteveis no contexto da

Teoria da Relatividade Geral (ver para uma descriccedilatildeo exaustiva o livro Large Scale Structure

of Space-Time escrito em colaboraccedilatildeo com o fiacutesico sul-africano George Ellis publicado em

1973) Uma dessas singularidades corresponde ao iniacutecio do Universo ndash Big Bang ndash e outras

estatildeo presentes no interior dos buracos negros natildeo acessiacuteveis agrave observaccedilatildeo devido agrave pre-

senccedila de um horizonte de acontecimentos que segundo a Conjetura da Censura Coacutesmica de

Roger Penrose protegem sempre as singularidades de se apresentarem ldquonuasrdquo

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Subsequentemente em 1975 ele desenvolveu a ideia que os buracos negros deveriam

radiar termicamente a uma temperatura especiacutefica inversamente proporcional agraves suas

massas temperatura esta que hoje designamos por temperatura de Hawking Esta ideia daacute

origem ao paradoxo da informaccedilatildeo em que a informaccedilatildeo que entrava no horizonte de evento

se perdia Com este contributo passou-se a ter uma equivalecircncia entre a dinacircmica e a termo-

dinacircmica de buracos negros

FIGURA 1 Emissatildeo da radiaccedilatildeo teacutermica de Hawking por um buraco negro

No princiacutepio da deacutecada de 1980 Hawking iniciou em colaboraccedilatildeo com o fiacutesico norte-ameri-

cano James Hartle o programa de investigaccedilatildeo que hoje designamos por cosmologia quacircntica

Na cosmologia quacircntica o espaccedilo-tempo eacute descrito por uma funccedilatildeo de onda a funccedilatildeo de onda

do Universo como na Mecacircnica Quacircntica Esta equaccedilatildeo de onda satisfaz uma equaccedilatildeo anaacuteloga

agrave de Schroumldinger da Mecacircnica Quacircntica a equaccedilatildeo de Wheeler-DeWitt A proposta de Hartle

e Hawking eacute que a funccedilatildeo de onda descreva um espaccedilo-tempo sem fronteiras (No-Boundary

proposal) A ideia eacute que agrave medida que retrocedemos no tempo chegamos a um ponto em que

o Universo eacute pequeno o suficiente para que efeitos quacircnticos sejam dominantes Nesta altura

existe uma espeacutecie de ldquoespumardquo do espaccedilo-tempo de tal modo que o tempo natildeo pode ser in-

terpretado do modo como o vemos hoje mas sim como uma quarta dimensatildeo espacial Uma

analogia uacutetil eacute a seguinte se viajarmos para o Polo Sul temos de seguir sempre para sul mas

quando alcanccedilamos o ponto do Polo Sul jaacute natildeo faz sentido falarmos na direccedilatildeo sul pelo mesmo

raciociacutenio ao retrocedermos no tempo haacute um pontoinstante em que natildeo faz sentido falar-se em

tempo Matematicamente isto torna-se possiacutevel passando de um espaccedilo-tempo de Minkowski

como na Relatividade Restrita para um espaccedilo Euclideano a quatro dimensotildees no qual o tempo

passa a ser um nuacutemero puramente complexo Com esta formulaccedilatildeo o Universo natildeo tem uma

fronteira aleacutem daquela que permite a transiccedilatildeo entre as duas descriccedilotildees para o espaccedilo-tempo

e que eacute exemplificado na FIGURA 2 Esta geometria eacute designada por shuttlecock ou volantepena

de badminton devido agrave semelhanccedila com este objeto

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FIGURA 2 Representaccedilatildeo tridimensional do modelo de Hartle-Hawking (no boundary proposal) A base corresponde a uma semiesfera a 4 dimensotildees e a estrutura que apresenta o tempo como uma direccedilatildeo distinta das espaciais corresponte a um Universo em expansatildeo

Hawking tambeacutem estudou outros problemas como o das maacutequinas do tempo e questotildees

relacionadas com a cosmologia e a formaccedilatildeo de estruturas no Universo Com o seu carate-

riacutestico humor Hawking afirmou natildeo ser possiacutevel viajar no tempo Para tal sugeriu organizar

uma festa convidando pessoas do futuro a se juntarem a ele e dado que ningueacutem apa-

receu concluiu entatildeo que viagens no tempo natildeo satildeo possiacuteveis na realidade Outra prova

prende-se com o facto de natildeo termos recebido ainda turistas do futuro numa clara alusatildeo

iroacutenica agrave procura turiacutestica desenfreada que assistimos nos dias de hoje

Mais recentemente ele pronunciou-se sobre questotildees de interesse geral como as im-

plicaccedilotildees do desenvolvimento da inteligecircncia artificial e a necessidade e inevitabilidade

da exploraccedilatildeo espacial Mostrou-se reticente acerca dos desenvolvimentos no domiacutenio da

inteligecircncia artificial classificando-o como possivelmente perigoso para a nossa civiliza-

ccedilatildeo pois apesar dos potenciais benefiacutecios comportam seacuterios riscos agrave continuidade da hu-

manidade Relativamente agrave exploraccedilatildeo espacial Hawking encarava as viagens espaciais

quer pelo seu interesse cientiacutefico quer como forma de preservar a humanidade de riscos

de destruiccedilatildeo devido a guerras nucleares ou epidemias devido a viacuterus geneticamente mo-

dificados

O fiacutesico Stephen Hawking legou-nos uma extraordinaacuteria contribuiccedilatildeo cientiacutefica e huma-

na Deixou um extraordinaacuterio exemplo de resiliecircncia dedicaccedilatildeo ao conhecimento e agrave socie-

dade Fisicamente debilitado e ldquopresordquo a uma condiccedilatildeo rara a esclerose lateral amiotroacutefica

que lhe foi diagnosticada aos 21 anos a sua mente foi das mais livres dos nossos tempos

concebeu hipoacuteteses conjunturas e teorias pensou a sociedade de hoje e a do futuro

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RochaO que eacute importante dizer sobre as rochas

A M Galopim de Carvalho Universidade de Lisboa

Rochas e pedras satildeo a mesma coisa Praticamente a resposta eacute sim Pedra eacute aquilo

que se apanha do chatildeo para dar uma pedrada

Qualquer pessoa mesmo a menos letrada diraacute que as pedras

bull natildeo satildeo fabricadas ou feitas por gente (a ciecircncia diz que satildeo entidades naturais)

bull que natildeo se amolgam (a ciecircncia diz que satildeo riacutegidas)

bull que geralmente natildeo se esboroam nem se esfarela (a ciecircncia diz que satildeo coesas)

bull que fazem mossa onde quer que batam (a ciecircncia diz que satildeo duras) Para o cidadatildeo

comum pedra (do grego peacutetra) eacute pois uma entidade natural riacutegida coesa e dura que se

apanha do chatildeo

Apanhamos uma pedra do chatildeo mas quando estudamos falamos quase sempre de ro-

chas Num modo de falar corrente podemos dizer que as pedras satildeo bocados de rocha

Todos falamos de rocha como sinoacutenimo de pedra com base num conhecimento comum

empiacuterico vulgar ligado agrave experiecircncia quotidiana mesmo do mais iletrado dos cidadatildeos Dize-

mos rochedo quando o afloramento de rocha eacute grande e apelidamos de rochoso um terreno

com a rocha agrave vista Rocha eacute um galicismo que entre noacutes se sobrepocircs ao termo ldquorocardquo bem

mais antigo talvez preacute-romano Cabo da Roca ou ldquoFocinho da Rocardquo no dizer dos homens do

mar deve o seu nome a esta versatildeo arcaica da palavra rocha

O conceito atual de rocha e os vaacuterios conhecimentos com elas relacionados percorreram

uma caminhada tatildeo longa quanto a do Homo sapiens caminhada de que temos testemunhos

na Preacute-histoacuteria e variadiacutessimos relatos escritos desde a Antiguidade

Na sua giacuteria proacutepria entendiacutevel entre pares os profissionais falam de rochas dizendo que

satildeo sistemas quiacutemicos mono ou polifaacutesicos (ou seja com um ou mais minerais) resultantes

do equiliacutebrio termodinacircmico atingido pelos seus constituintes em determinados ambientes

Entendendo-se por constituintes os elementos quiacutemicos incluiacutedos nos respetivos minerais

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Por outras palavras acessiacuteveis ao comum das gentes pode entatildeo dizer-se que as rochas

satildeo corpos naturais formados por associaccedilotildees mais ou menos estaacuteveis de minerais compatiacute-

veis entre si e com o ambiente onde foram gerados e que satildeo elas as rochas que constituem

a capa riacutegida da Terra que por essa razatildeo recebeu o nome de litosfera (FIGURA 1)

FIGURA 1 Modelado Graniacutetico na Serra da Estrela (fonte banco de imagens da Casa das Ciecircncias)

Antes de prosseguir esclareccedila-se que no jargatildeo proacuteprio da mineralogia e da geoquiacutemica

os minerais satildeo considerados fases no sentido fiacutesico-quiacutemico da palavra Com efeito neste

sentido uma fase eacute uma porccedilatildeo de mateacuteria quiacutemica e estruturalmente homogeacutenea e uma

qualquer espeacutecie mineral eacute isso mesmo

Por convenccedilatildeo na sistemaacutetica em sedimentologia entre as rochas sedimentares cabem

certos materiais natildeo consolidados como os barros as areias soltas as cascalheiras e ainda

outros de natureza natildeo mineral como os carvotildees foacutesseis e o petroacuteleo (oacuteleo de pedra) Cha-

mar rochas ou pedras a estes materiais agraves vezes tatildeo afastados da imagem vulgar de ldquocoisa

dura riacutegida e coesardquo decorre do conceito geoloacutegico de rocha no qual se inclui o modo de

ocorrecircncia e o respetivo processo de formaccedilatildeo (petrogeacutenese)

A mecacircnica das rochas (disciplina que estuda certas propriedades das rochas como resis-

tecircncia ao esmagamento agrave traccedilatildeo agrave torccedilatildeo agrave flexatildeo porosidade permeabilidade e outras)

define-as como entidades sempre riacutegidas e coesas e duras como tambeacutem se diz vulgarmen-

te com capacidade de suportar cargas e que na eventualidade de terem de ser escavadas ou

removidas haacute que usar tecnologias com explosivos Este conceito corresponde aliaacutes agrave ideia

mais divulgada de rocha como atraacutes se referiu Eacute o bedrock dos autores ingleses

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FIGURA 2 Processo de meteorizaccedilatildeo fiacutesica essencialmente por corrosatildeo eoacutelica em rochas sedimentares (arenitos) (fonte banco de imagens da Casa das Ciecircncias)

Aleacutem das muitas que conhecemos na Terra jaacute estudaacutemos rochas do nosso sateacutelite natural

nomeadamente basaltos e anortositos trazidos da sua superfiacutecie Mercuacuterio Veacutenus e Marte satildeo

tambeacutem planetas rochosos e igualmente rochosos ou pedregosos satildeo ainda os nuacutecleos dos co-

metas e muitos dos asteroides de que temos conhecimento pelos meteoritos caiacutedos na Terra

Quando se apelidam as rochas de magmaacuteticas sedimentares (FIGURA 2) ou metamoacuterficas

natildeo se estaacute apenas a rotulaacute-las para efeitos de arrumo ou arquivo muito menos se estatildeo a

criar novos vocaacutebulos para sobrecarga dos estudantes ou do cidadatildeo em geral Estes adjeti-

vos acrescentados agrave palavra rocha informam de imediato sobre a sua origem

bull magmaacutetica ou sedimentar qualquer delas em resultado de processos naturais faacuteceis de

entender

bull metamoacuterfica em consequecircncia de um outro processo muito menos ao alcance da vivecircncia

do vulgo mas que se explica sem grandes dificuldades

Apelidam-se de metamoacuterficas as rochas que posteriormente a uma primeira formaccedilatildeo

como magmaacuteticas ou sedimentares foram submetidas a pressotildees eou a temperaturas no

interior da crosta que lhes modificaram a composiccedilatildeo eou a textura

Foi atraveacutes do estudo das rochas que desvendaacutemos o essencial dos acontecimentos geo-

loacutegicos que marcaram a histoacuteria deste laquoPlaneta Azulraquo no qual a vida encontrou condiccedilotildees

para despertar e onde evoluiu ao ponto de se interrogar sobre essa mesma histoacuteria

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Os conhecimentos diretos de que hoje dispomos relativos agraves rochas da Terra limitam-se

aos que se obtecircm pelo estudo das que afloram agrave superfiacutecie das recolhidas em dragagens

nos fundos marinhos e das retiradas da profundidade quer em minas quer atraveacutes de son-

dagens Esta profundidade que natildeo excede 3 km no primeiro caso e 11 km no segundo

(na peniacutensula de Kola) pode considerar-se insuficiente se comparada com as trecircs a quatro

dezenas de quiloacutemetros de espessura meacutedia da crosta continental

Eacute jaacute muito o conhecimento que temos desta capa (a crosta ou crusta como alguns dizem e

escrevem) mais superficial do nosso planeta Temo-lo atraveacutes das rochas que constantemente

vemos e pisamos muitas delas geradas em zonas profundas trazidas agrave superfiacutecie pelos en-

rugamentos de origem tectoacutenica geradores das montanhas e subsequentemente postas a

descoberto pela erosatildeo

Outras rochas proacuteprias de muito maiores profundidades inclusive do manto inferior como eacute

o caso dos xenocristais e dos xenoacutelitos (do grego xenos estranho e lithos pedra) isto eacute cris-

tais e fragmentos de materiais liacuteticos gerados nessas regiotildees e que ascendem agrave superfiacutecie na

sequecircncia de atividade vulcacircnica englobados ou encravados nos produtos magmaacuteticos que ali

se formaram ou por ali passaram Na ilha da Madeira por exemplo satildeo frequentes os xenoacutelitos

oliviacutenicos que ascenderam ateacute agrave superfiacutecie no seio das lavas envolvidas no processo vulcacircnico

que originou esta e muitas outras ilhas

As rochas a que temos acesso mais ou menos direto representam uma parcela importante

da diferenciaccedilatildeo da Terra e agrave semelhanccedila da aacutegua do ar e dos seres vivos satildeo o resultado de

imensas transformaccedilotildees numa vasta e complexa rede de inter-relaccedilotildees ocorridas ao longo

dos tempos neste laquoplaneta vivoraquo pleno ainda de energia interna (sob a forma de calor) a que

se adiciona toda a que lhe chega do exterior isto eacute a radiaccedilatildeo solar Como escreveu Maurice

Mattauer ldquoas pedras nascem vivem e morrem como noacutes elas tecircm uma idade e uma histoacuteriardquo

Petrologia e litologia satildeo duas disciplinas que estudam as rochas ou as pedras Se bem que

os eacutetimos petra (latim) e lithos (grego) sejam sinoacutenimos petrologia e litologia encerram con-

ceitos diferentes ainda que relacionados entre si

bull A petrologia eacute um ramo da geologia com dimensatildeo de ciecircncia de vastos recursos nos campos

da fiacutesica da quiacutemica e naturalmente tambeacutem da matemaacutetica em busca do conhecimento da

origem natureza constituiccedilatildeo e evoluccedilatildeo da Terra no acircmbito do Sistema Solar e do Universo

bull A litologia outro ramo da geologia eacute habitualmente entendida como a disciplina que estuda

as rochas num campo praacutetico Serve a geologia de engenharia tendo em vista a implantaccedilatildeo

de grandes edifiacutecios e outras obras volumosas cujas fundaccedilotildees exigem o conhecimento dos

terrenos A litologia daacute igualmente respostas agrave pedologia (o estudo dos solos) e agrave induacutestria

extrativa de rochas ornamentais usadas na arquitetura na cantaria ou na estatuaacuteria e de

rochas industriais exploradas como importantes mateacuterias-primas para a construccedilatildeo civil a

ceracircmica o vidro o cimento a cal e a induacutestria quiacutemica

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Software educativo em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Ana C Conceiccedilatildeo

DMUniversidade do Algarve

O conceito F-Tool foi desenvolvido em 2012 com o objetivo de proporcionar uma

aprendizagem interativa em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Em particular eacute possiacutevel

explorar de forma integrada as noccedilotildees de domiacutenio contradomiacutenio existecircncia de zeros

existecircncia de extremos e de pontos de inflexatildeo invertibilidade derivabilidade reta

tangente ao graacutefico num ponto simetrias em relaccedilatildeo aos eixos e agrave origem A utilizaccedilatildeo

dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adaptaccedilatildeo de

alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e

do simples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular)

No ensino da matemaacutetica e em particular no estudo de funccedilotildees a recomendaccedilatildeo da utiliza-

ccedilatildeo de software educacional tem como objetivo o sanar das dificuldades que os alunos pos-

suem em associar as representaccedilotildees algeacutebricas com as diversas representaccedilotildees numeacutericas

eou graacuteficas De facto o caraacuteter estaacutetico das representaccedilotildees matemaacuteticas muitas vezes

dificulta a construccedilatildeo do significado afetando substancialmente a correta interpretaccedilatildeo dos

conceitos A criaccedilatildeo de modelos interativos visuais com o sistema de aacutelgebra computacional

Mathematica permite aos alunos explorar conceitos de elevada complexidade e rapidamen-

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te adquirir uma compreensatildeo mais profunda dos conteuacutedos Obviamente a utilizaccedilatildeo de sof-

tware educacional natildeo deve ser vista como um substituto para o ensino com ldquopapel e laacutepisrdquo

deve ser devidamente combinada com outros meacutetodos de ensino

O conceito F-Tool foi desenvolvido em 2012 com o objetivo de proporcionar uma apren-

dizagem interativa em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Os aplicativos computacionais

implementados com base neste conceito utilizam as capacidades de caacutelculo numeacuterico e

simboacutelico do Mathematica de forma a permitir estudar dinacircmica e interativamente e em

tempo real conceitos e propriedades fundamentais do preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial

FIGURA 1 Imagem ilustrativa da F-Exponential

O conceito F-Tool em sala de aula permite uma abordagem dinacircmica de diversos concei-

tos relacionados com o estudo de funccedilotildees e promove novas formas de raciocinarpensar

avaliar ensinar e aprender As F-Tool foram concebidas como ferramentas de aprendiza-

gem ativa ou seja a sua utilizaccedilatildeo adequada propicia um contexto de ensino-aprendiza-

gem onde alunos e professores satildeo igualmente convidados a contribuir Aleacutem disso tecircm

uma interface muito intuitiva que permite que ateacute mesmo o utilizador mais inexperiente

sem qualquer conhecimento anterior em software educacional possa comeccedilar a usar to-

dos os recursos de uma forma eficiente e autoacutenoma As F-Tool natildeo satildeo um objeto estaacutetico

mas sim um programa a ser executado com o qual se interage em tempo real Em parti-

cular atraveacutes da alteraccedilatildeo dinacircmica dos valores dos paracircmetros que definem cada classe

eacute possiacutevel obter informaccedilatildeo analiacutetica rigorosa apresentada em aritmeacutetica exata ou apro-

ximada bem como informaccedilatildeo visual estaacutetica e natildeo-estaacutetica De igual modo escolhendo

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38

estrategicamente de entre as vaacuterias opccedilotildees de funccedilotildees disponiacuteveis no painel esquerdo eacute

possiacutevel apreender de forma mais eficaz e consequente muitas das relaccedilotildees existentes

entre as vaacuterias funccedilotildees e respetivas transformaccedilotildees (FIGURA 1) As F-Tool utilizam um

coacutedigo de cores para diferenciar as vaacuterias funccedilotildees apresentadas Este coacutedigo eacute explicitado

na legenda do canto inferior esquerdo do painel central

Qual das figuras pode representar o graacutefico de uma funccedilatildeo e o graacutefico da sua derivada de 1ordf ordem

FIGURA 2 Exemplo de questatildeo de escolha muacuteltipla utilizando diversas opccedilotildees do painel esquerdo das F-Tool

Apesar de ser um software educacional dinacircmico e interativo pode tambeacutem ser utilizado

na construccedilatildeo de questotildees de avaliaccedilatildeo de escolha muacuteltipla (FIGURA 2) e de resposta aberta

ficando o docente automaticamente com a resposta ao selecionar no painel esquerdo as

opccedilotildees relacionadas com a questatildeo

A utilizaccedilatildeo dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adapta-

ccedilatildeo de alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e do sim-

ples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular) De facto

incluindo as F-Tool em ficheiros no Computable Document Format (CDF) eacute possiacutevel criar

fichas de trabalho dinacircmicas e interativas motivando os alunos e tornando o estudo mais

interessante

Acreditamos que o conceito F-Tool ao dotar professores e estudantes com novas fer-

ramentas para explorar alguns conceitos fundamentais da matemaacutetica desenvolveraacute po-

sitivamente o processo de ensino e de aprendizagem das aacutereas de preacute-caacutelculo e caacutelculo

diferencial

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018046

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39

O Aroma das Plantas Luiacutes Gaspar Pedro

Ana Cristina Figueiredo

Joseacute Gonccedilalves Barroso

CESAM CBV Universidade de Lisboa

Quando nos festejos dos Santos Populares colocamos a matildeo sobre o manjerico

provocamos a rutura de estruturas microscoacutepicas Ao fazecirc-lo libertam-se compostos

quiacutemicos que aderem agrave palma da nossa matildeo que depois percecionamos pelo nosso

olfacto Os aromas satildeo misturas complexas de dezenas de compostos volaacuteteis

carateriacutesticos de uma determinada planta

O aroma o que eacute

O aroma de muitas plantas eacute constituiacutedo por diversos compostos quiacutemicos volaacuteteis que

tecircm a capacidade de estimular os nossos recetores olfactivos A quantidade e a diver-

sidade deste tipo de compostos presentes nas plantas satildeo responsaacuteveis pelos aromas

carateriacutesticos Eacute relativamente faacutecil reconhecer o aroma dos coentros ou do manjerico e

distingui-los de outros aromas como o da rosa ou do cravinho

Na composiccedilatildeo da fraccedilatildeo volaacutetil de uma planta aromaacutetica encontram-se regra geral

compostos como os mono- e sesquiterpenos e os fenilpropanoacuteides (FIGURA 1) entre ou-

tros Satildeo todos eles compostos quiacutemicos com ponto de ebuliccedilatildeo relativamente baixo que

volatilizam agrave temperatura ambiente e contribuem de forma mais ou menos notoacuteria para o

aroma carateriacutestico de cada espeacutecie

FIGURA 1 Exemplos de compostos que constituem a fraccedilatildeo volaacutetil de diversas espeacutecies aromaacuteticas monoterpenos (α-pineno timol) sesquiterpenos (β-cariofileno germacreno D) e fenilpropanoacuteides (eugenol)

α-Pineno Timol β-Cariofileno Germacreno D Eugenol

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Estruturas secretoras

Os compostos que constituem a fraccedilatildeo aromaacutetica de uma planta satildeo regra geral sinteti-

zados e acumulados em estruturas secretoras microscoacutepicas Entre os diversos tipos de

estruturas secretoras as mais frequentes satildeo os tricomas os canais e as bolsas (FIGURA 2)

FIGURA 2 Exemplos de estruturas secretoras observadas em microscopia oacuteptica A - Tricoma de Geranium robertianum (s - secretado acumulado no espaccedilo sub-cuticular coloraccedilatildeo com reagente de Nadi) B - canal secretor de Crithmum maritimum (setas coloraccedilatildeo com tricloreto de antimoacutenio) e C - bolsa secretora de Citrus sp (coloraccedilatildeo com Vermelho Sudatildeo III)

Os tricomas glandulares satildeo estruturas externas com origem em ceacutelulas epideacutermicas

que apresentam diversos graus de complexidade desde tricomas com apenas trecircs ceacutelulas

uma das quais a secretora ateacute tricomas com mais de uma dezena de ceacutelulas secretoras

As bolsas e os canais secretores satildeo estruturas internas constituiacutedas por ceacutelulas glandu-

lares que delimitam o luacutemen o espaccedilo para onde satildeo secretados os compostos depois de

produzidos nas ceacutelulas secretoras Os canais satildeo estruturas alongadas que percorrem o

corpo da planta por vezes com ramificaccedilotildees enquanto as bolsas satildeo estruturas mais ou

menos isodiameacutetricas

Os oacuteleos essenciais

Um oacuteleo essencial eacute obtido por hidrodestilaccedilatildeo ou por destilaccedilatildeo por arrastamento de va-

por (FIGURA 3) No caso particular dos citrinos o oacuteleo essencial pode ainda ser obtido

por expressatildeo (processo mecacircnico que promove a libertaccedilatildeo do secretado acumulado no

interior das estruturas secretoras neste caso bolsas)

Tanto na hidrodestilaccedilatildeo como na destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor o secretado eacute

removido das estruturas secretoras e arrastado pelo vapor de aacutegua Depois de condensar

por arrefecimento o oacuteleo essencial separa-se da aacutegua podendo ser facilmente recolhido

devido agrave sua imiscibilidade com a aacutegua

A B CS

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41FIGURA 3 A - Sistema de hidrodestilaccedilatildeo com aparelho de Clevenger e B - sistema de destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor

Anaacutelise de oacuteleos essenciais

Para analisar um oacuteleo essencial recorre-se frequentemente agrave cromatografia gasosa (CG)

para quantificaccedilatildeo dos componentes e agrave CG acoplada agrave espectrometria de massa (CG-

-EM) para a correspondente identificaccedilatildeo dos constituintes Por CG-EM os diversos com-

ponentes que constituem o oacuteleo essencial satildeo separados uns dos outros e ao chegarem ao

espectroacutemetro de massa satildeo bombardeados por eletrotildees o que leva a que as moleacuteculas

fragmentem formando-se diferentes iotildees de acordo com padrotildees preferenciais O con-

junto dos fragmentosiotildees constituem o espectro de massa que eacute carateriacutestico de cada

moleacutecula A integraccedilatildeo das aacutereas dos picos que surgem no cromatograma obtido por CG

(FIGURA 4A) permite a quantificaccedilatildeo relativa dos diversos componentes do oacuteleo essencial

A anaacutelise por CG-EM possibilita a identificaccedilatildeo desses compostos por comparaccedilatildeo dos

espectros de massa (FIGURA 4B) e dos iacutendices de retenccedilatildeo com os de amostras padratildeo

FIGURA 4 A - Aspeto parcial de um cromatograma obtido por CG carateriacutestico de um oacuteleo essencial com alguns dos ldquopicosrdquo identificados B - espectro de massa obtido por CG-EM de um dos componentes maioritaacuterios o timol

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A B

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Paisagens da Islacircndia Formase Processos (III)Fernando Carlos LopesCITEUC Universidade de Coimbra

A Islacircndia eacute famosa natildeo soacute pelos seus vulcotildees mas tambeacutem pelos seus glaciares e pela

sua sinuosa e escarpada linha de costa

Atualmente os glaciares cobrem cerca de 10 da superfiacutecie islandesa e 60 destas

aacutereas geladas assentam sobre sistemas vulcacircnicos ativos Esta combinaccedilatildeo de gelo e vul-

canismo torna a Islacircndia o local ideal para cheias repentinas (joumlkulhlaups) resultantes de

aacutegua que escorre por baixo dos glaciares devido agrave fusatildeo provocada pelas erupccedilotildees subgla-

ciares Atualmente existem 4 grandes calotes glaciares localizadas nas regiotildees elevadas

e vulcanicamente ativas do centro e sul da ilha a partir das quais divergem numerosas liacuten-

guas glaciarias Vatnajoumlkull (8100 km2) situado no centro leste Langjoumlkull (925 km2) si-

tuado no centro oeste Hofsjoumlkull (925 km2) situado na zona central da ilha Myrdalsjoumlkull

(600 km2) situado no sul da ilha Apesar da Islacircndia ter cerca de 24 Ma a sua paisagem soacute

foi moldada por glaciares nos uacuteltimos 5 milhotildees de anos Os seus glaciares de tipo alpino

(ou de montanha) avanccedilaram e recuaram condicionados pelas variaccedilotildees regionais e locais

do clima de que resultaram espetaculares morfologias Como jaacute se referiu anteriormente

as variaccedilotildees da carga glaciar sobre a litosfera provocadas pelas fases de gelo e degelo

teratildeo desempenhado papel importante na atividade vulcacircnica da ilha

Com um comprimento de cerca de 4970 km a linha de costa da Islacircndia eacute de um modo

geral muito recortada e escarpada marcada por promontoacuterios cabos peniacutensulas fiordes

e enseadas pontilhada de leixotildees por entre os quais se aninham praias de areia negra de

contornos suaves A accedilatildeo do mar sobre as inuacutemeras escoadas de lava que fluiacuteram ateacute agrave

costa ao longo da evoluccedilatildeo geoloacutegica da ilha e ali solidificaram sobre os aparelhos vulcacirc-

nicos implantados na zona litoral e sobre os vales deixados pelo recuo dos glaciares criou

paisagens de uma beleza surreal

FIGURA DA PAacuteGINA ANTERIOR Leixatildeo Hvitserkur noroeste da Islacircndia (fonte pixabay)

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Parte III - Paisagens controladas pelos glaciares e paisagens costeirasVales glaciares e fiordes

Vales glaciares vales suspensos lagos glaciares e cascatas ciacuterculos glaciares moreias

e fiordes satildeo formas carateriacutesticas das paisagens islandesas criadas pelos seus glacia-

res alpinos Os vales glaciares com o seu carateriacutestico perfil em ldquoUrdquo satildeo a forma mais

comum de paisagem originada pela erosatildeo glacial (FIGURA 1) No interior destes vales os

rios concentram o seu poder erosivo na zona mais baixa originando um perfil carateriacutestico

em ldquoVrdquo O poder erosivo dos glaciares eacute muito superior ao dos rios porque a sua energia

potencial resulta natildeo soacute do declive do terreno mas tambeacutem do peso do gelo A erosatildeo faz-

-se essencialmente ao longo das zonas laterais do canal criando um vale com vertentes

alcantiladas e fundo aplanado Vales suspensos satildeo vales escavados por glaciares tributaacute-

rios Como estes glaciares levam menos gelo o seu poder erosivo eacute menor que o do glaciar

principal ficando suspenso nas vertentes do glaciar principal quando o gelo recua Cons-

tituem exemplos notaacuteveis pela sua beleza e dimensatildeo os vales glaciares de Borgarvirki

(FIGURA 2) e de Akureyri (ou Eyjafjoumlrethur) no noroeste da ilha Este uacuteltimo vai desembocar

num fiorde que eacute mais longo da Islacircndia

FIGURA 1 Esquema 3D (sem escala) da evoluccedilatildeo de uma paisagem glaciar com formaccedilatildeo de vales glaciares vales glaciares suspensos ciacuterculos glaciares lagos glaciares e cascatas

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FIGURA 2 Aspeto do vale glaciaacuterio de Borgarvirki observado a partir da fortaleza de Borgarvirki

Se as condiccedilotildees forem favoraacuteveis os glaciares podem erodir abaixo do niacutevel do mar Quan-

do o glaciar recua o oceano invade estas depressotildees criando um fiorde Alguns dos fiordes

islandeses como o de Akureyri e o de Nordfjord (nordeste da ilha) possuem centenas de

metros abaixo do niacutevel do mar O fiorde de Nordfjord abrange parcialmente uma antiga cal-

deira vulcacircnica Nas faleacutesias do seu flanco oriental (falesias de Raudubjoumlrg) afloram rioacutelitos

conferindo agraves arribas uma carateriacutestica cor avermelhada)

Como se referiu anteriormente (Parte I) a orientaccedilatildeo da maioria dos vales glaciares e

fiordes segue de perto a orientaccedilatildeo dos principais lineamentos tectoacutenicos

Moreias

Em termos de aspetos deposicionais relacionados com glaciares as moreias satildeo de lon-

ge os mais abundantes Satildeo acumulaccedilotildees de fragmentos rochosos transportados pelos

glaciares quer na regiatildeo frontal (moreia frontal) lateral (moreia lateral) a meio (moreia

mediana) e no fundo (moreia de fundo)

Durante o uacuteltimo maacuteximo glaciar (haacute cerca de 20 000 anos) a Islacircndia estava quase

toda coberta por glaciares que se estendiam ateacute agrave costa e para aleacutem dela Foram encon-

tradas moreias frontais dessa eacutepoca a cerca de 130 km a offshore da costa ocidental e a

cerca de 150-230 m abaixo do niacutevel de mar atual

Eacute possiacutevel encontrar nos vales glaciares islandeses quer moreias antigas resultantes

da uacuteltima glaciaccedilatildeo quer moreias recentes e atuais Estas uacuteltimas estatildeo relacionadas com

as 4 grandes calotes glaciares existentes como eacute o caso das moreias do glaciar Vatna-

joumlkull que se podem observar em pleno no setor sudeste da ilha

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Lagoas glaciares e icebergues

Outra das paisagens magniacuteficas moldadas pelos glaciares satildeo as lagoas glaciares Estas

lagoas formam-se na extremidade dos glaciares que descem das calotes glaciares Satildeo

alimentadas pelo desgelo natural dos glaciares e nela flutuam pequenos e grandes iceber-

gues que se separam da frente do glaciar (FIGURA 3)

FIGURA 3 Esquema 3D (sem escala) da formaccedilatildeo de icebergues numa lagoa glaciar

O exemplo mais notaacutevel deste tipo de lagoas na Islacircndia eacute a lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten consi-

derada uma das maravilhas naturais do paiacutes Fica situada no sudeste da ilha na extremidade

do glaciar Breiethamerkurjoumlkull uma das liacutengua glaciares da calote de Vatnajoumlkull (FIGURA 4)

FIGURA 4 Icebergues na lagoa glaciar de Joumlkulsaacuterloacuten Ao fundo vecirc-se a frente do glaciar Breiethamerkurjoumlkull As faixas negras nos icebergues satildeo niacuteveis de cinza vulcacircnica

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A lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten eacute o ponto mais baixo da Islacircndia com zonas agrave cota de -200 m Na

baiacutea da lagoa tem-se acesso a uma paisagem de outro mundo com icebergues de dimen-

sotildees variadas que flutuam ateacute ao mar ficando alguns deles encalhados na margem de uma

praia de areia vulcacircnica Alguns icebergues exibem faixas negras correspondentes a niacuteveis

de cinzas vulcacircnicas provenientes de antigas erupccedilotildees (FIGURA 4) Outros exibem duas

tonalidades branco leitoso e azul claro A faixa azul corresponde agrave porccedilatildeo do icebergue

que se tornou recentemente emersa

A lagoa teraacute sido formada em 1934-35 pelo contiacutenuo recuo do glaciar Vatnajoumlkull e teraacute

duplicado de tamanho nos uacuteltimos 15 anos Dada a taxa atual de recuo do glaciar Vatna-

joumlkull um profundo fiorde iraacute desenvolver-se no local onde hoje existe a lagoa

As costas escarpadas

As costas escarpadas e recortadas satildeo sem duacutevida as mais dominantes Ocorrem deste o

oeste ao leste da ilha passando pela regiatildeo norte incisas por numerosos fiordes e peque-

nas enseadas e salpicadas por leixotildees Eacute notaacutevel pela sua forma de dragatildeo e pelas lendas

que o envolvem o leixatildeo de Hvitserkur (IMAGEM DA PAGINA 42) situado na costa leste da

Peniacutensula de Vatnsnes no noroeste da Islacircndia

Os fiordes mais profundos localizam-se na costa norte constituindo bons portos natu-

rais Um destaque especial vai para o fiorde ao longo do qual se estende a cidade de Aku-

reyri (fiorde de Akureyri ou Eyjafjoumlrethur) considerado o mais longo do paiacutes

Praias de areia Negra

As praias de areia negra em geral de reduzida extensatildeo podem ser constituiacutedas por i) de-

poacutesitos resultantes da abrasatildeo das arribas ii) moreias e depoacutesitos fluviais resultantes dos

rios glaciares com contornos suaves e lagoas glaciares protegidas por extensas barras

arenosas iii) depoacutesitos de tefra provenientes de erupccedilotildees freaacuteticas

As do primeiro tipo ocorrem um pouco por toda a linha de costa como resultado da accedilatildeo

do mar sobre as arribas As do segundo tipo ocorrem dominantemente entre Djuacutepivogur a

sudeste e Oumllfusaacute a sudoeste com destaque para a praia de Reynisfjara na costa sul As

da terceira categoria podem ser observadas na ilha de Heimaey arquipeacutelago de Vestman-

naeyja regiatildeo sul da Islacircndia

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018048

IMA

GE

M E

M D

ES

TAQ

UE

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Eu crio as minhas obras de arte de peque-

nos pedaccedilos de papel com espirais que co-

nectam e ligam os elementos a uma grande

estrutura Na obra de origami acabada a

que chamo Voltinhas estas espirais vivem

e trabalham Forccedilas de tensatildeo e fricccedilatildeo

contrapotildeem-se agrave gravidade e mantecircm a

forma estaacutevel Nas minhas criaccedilotildees procu-

ro estar perto da natureza Quando criamos

ou estudamos modelos de papel na macro

escala podemos entender melhor as for-

mas criadas pela natureza na micro escala

A minha obra de origami na capa o trabalho

intitulado ldquoInverno num parque de Lisboardquo e

o capsiacutedeo do viacuterus Canine parvovirus um viacute-

rus contagioso que ataca sobretudo os catildees

e outros caniacutedeos tecircm a mesma estrutura

geomeacutetrica do pequeno rombicosidodecae-

dro um poliedro com simetria icosaeacutedrica

Essa obra invoca simbolicamente o Ano

da Biologia Matemaacutetica 2018 O origami eacute

uma arte de dobragem do papel com uma

forte componente geomeacutetrica que permite

a construccedilatildeo de formas complexas e tem

atraiacutedo o interesse de matemaacuteticos pelas

suas propriedades geomeacutetricas e algeacutebricas

Krystyna Burczyk

Os viacuterus satildeo responsaacuteveis por inuacutemeras

doenccedilas no homem nos animais e nas plan-

tas e as curas e prevenccedilotildees satildeo ainda mui-

tas vezes problemaacuteticas Desenvolvimen-

tos recentes das aplicaccedilotildees da matemaacutetica

agrave virologia nomeadamente das teorias de

grupos de grafos de tesselaccedilatildeo ou de re-

ticulados mostraram por exemplo que as

restriccedilotildees estruturais agraves formas dos viacuterus

satildeo maiores do que antes se pensava e

permitiram a construccedilatildeo de novos modelos

para o desenvolvimento de terapias anti-

-virais Os capsiacutedeos virais que envolvem

os genomas dos viacuterus por razotildees de eco-

nomia geneacutetica tem muitas vezes uma si-

metria icosaeacutedrica Ora esta simetria natildeo eacute

cristalograacutefica em trecircs dimensotildees ie natildeo

eacute compatiacutevel com reticulados perioacutedicos

o que motivou os matemaacuteticos a desen-

volverem novas estruturas no contexto de

grupos de Coxeter natildeo-cristalograacuteficos que

encontraram aplicaccedilatildeo natildeo soacute na virologia

mas tambeacutem noutras estruturas molecula-

res da quiacutemica do carbono

Joseacute Francisco RodriguesUniversidade de Lisboa

Origami e Viacuterusin imagemcasadascienciasorg

Imagem de Canine Parvovirus gerada em VMD Autor Alexandre Lopes Magalhatildees

Page 19: JUNHO 2018 V6 /02 · 2018-09-26 · Matilde Viegas, Maria João Ramos, Pedro Alexandrino Fernandes Stephen Hawking e a sua contribuição para a física teórica Orfeu Bertolami,

AR

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17

A populaccedilatildeo de Portugal espelha bem a falecircncia deste modelo Segundo dados do Ins-tituto Nacional de Estatiacutestica nos duzentos anos que decorreram entre 1770 e 1970 a

populaccedilatildeo nem chegou a triplicar

TABELA 1 Populaccedilatildeo de Portugal entre 1422 a 1890

Popuccedilatildeo de Portugal (INE Lisboa)

Ano Total Variaccedilatildeo Ano Total Variaccedilatildeo

1422 1 043 274 - 1900 5 423 132 +74

1527 1 262 376 +210 1911 5 960 056 +99

1636 1 100 000 -129 1920 6 032 991 +12

1736 2 143 368 +949 1930 6 825 883 +131

1770 2 850 444 +330 1940 7 722 152 +131

1776 3 352 310 +176 1950 8 441 312 +93

1801 2 931 930 -125 1960 8 851 289 +49

1811 2 876 602 -19 1970 8 568 703 -32

1838 3 200 000 +112 1981 9 852 841 +150

1849 3 411 454 +66 1991 9 862 540 +01

1864 4 188 410 +228 2001 10 356 117 +50

1878 4 550 699 +86 2007 10 617 575 +25

1890 5 049 729 +110

Quanto a Malthus as suas preocupaccedilotildees eram de natureza poliacutetica e legislativa To-

mou como certo um crescimento exponencial da populaccedilatildeo mundial que conduziria a

uma cataacutestrofe por ausecircncia de recursos e para o travar sugeriu o recurso a poliacuteticas

adequadas Ao publicitar o modelo exponencial - que ficou conhecido como Modelo

Malthusiano - ligando-o a problemas legislativos reais abriu caminho para que dife-

rentes matemaacuteticos se dedicassem agrave modelaccedilatildeo do crescimento populacional

Em 1844 o matemaacutetico belga Pierre Verhulst (1804-1849) propocircs no artigo Recherches

matheacutematiques sur la loi drsquoaccroissement de la population um modelo em que considera que

agrave medida que a populaccedilatildeo se aproxima de um valor maacuteximo a taxa de crescimento diminui

ldquoO aumento virtual da populaccedilatildeo eacute portanto limitado pelo tamanho e pela fertilidade do paiacutes

Como resultado a populaccedilatildeo fica cada vez mais proacutexima de um estado estaacutevelrdquo

Designado por P(t) a populaccedilatildeo no instante t por r a taxa de crescimento por unidade

de tempo e por M o nuacutemero maacuteximo de indiviacuteduos que a regiatildeo pode suportar este modelo

exprime-se pela equaccedilatildeo diferencial

( )dt

dP rP MP t

1= -T Y

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cuja soluccedilatildeo eacute

( )( ) ( )( )

P t

MP eP e

10 10

rt

rt

=+

-

Se P(t) for muito pequeno face a M tem-se que ( )dt

dP rP MP t

1= -T Y cong r P(t) que tem a soluccedilatildeo P(t) cong P(0) e rt

e o crescimento eacute exponencial

FIGURA 4 Pierre Franccedilois Verhulst e o graacutefico da curva logiacutestica

Agrave medida que t cresce a populaccedilatildeo aproxima-se assintoticamente de M A equaccedilatildeo diferen-

cial que carateriza este modelo eacute atualmente designada por equaccedilatildeo logiacutestica e a populaccedilatildeo

maacutexima M por capacidade de carga Com Verhulst relativizou-se ldquoa hipoacutetese da progressatildeo

geomeacutetrica uma vez que ela soacute se pode verificar em circunstacircncias muito especiais por exem-

plo quando um territoacuterio feacutertil de tamanho quase ilimitado passa a ser habitado por pessoas

com uma civilizaccedilatildeo avanccedilada como foi o caso das primeiras coloacutenias americanasrdquo

Essa equaccedilatildeo foi retomada por vaacuterios matemaacuteticos e adaptada a contextos variados

Satildeo de realccedilar os casos em que a capacidade de carga varia como o tempo conduzindo

ao modelo caraterizado pela equaccedilatildeo diferencial

dtdP rP M

P1= -T Y( )t

onde a capacidade de carga M(t) = M(t +T) varia periodicamente com periacuteodo T

AR

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FIGURA 5 A demografia eacute instrumental para o controlo das populaccedilotildees humanas

Desde o seacuteculo XVIII que o estudo da dinacircmica das populaccedilotildees eacute objeto de modelaccedilatildeo

matemaacutetica Na atualidade existem outros modelos de crescimento hiperboacutelicos expo-

nenciais logiacutesticos ou baseados noutras funccedilotildees Baseada nos modelos populacionais

do matemaacutetico Song Jian a Repuacuteblica Popular da China em 1980 entatildeo a atingir o biliatildeo

de habitantes instaurou uma poliacutetica estrita de filho uacutenico Essa lei foi flexibilizada em

2015 aumentando para dois o nuacutemero maacuteximo de filhos para fazer frente ao envelheci-

mento da populaccedilatildeo e agrave reduccedilatildeo do grupo de trabalhadores na faixa etaacuteria considerada

economicamente ativa

Muitos dos pareceres cientiacuteficos nas mais diversas aacutereas baseiam-se em modelos ma-

temaacuteticos que podem permitir fazer estimativas e previsotildees mas hellip ao olhar para o cres-

cimento populacional ao longo dos tempos verificamos que os modelos matemaacuteticos satildeo

instrumentais na anaacutelise da dinacircmica das populaccedilotildees

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Artroacutepodes Miguel Santos

Rubim Almeida

Sara C Antunes

DB CIBIO InBIO CIIMAR Universidade do Porto

Artroacutepodes (Arthropoda do grego arthro = articulado + podos = peacutes) satildeo o grupo taxonoacutemi-

co mais diversificado com distribuiccedilatildeo por quase todo o globo e ocupando todos os habitats

Satildeo organismos invertebrados com exosqueleto riacutegido apresentando apecircndices articula-

dos (patas antenas) e de nuacutemero diferenciado de acordo com o subfilo a que pertencem

Os artroacutepodes constituem um dos mais diversos grupos de organismos do planeta com-

preendendo espeacutecies que variam de 0085 mm (Tantalacus dieteri um crustaacuteceo parasita)

ateacute 38 m (envergadura do Caranguejo-aranha-gigante) Os organismos pertencentes a

este grupo encontram-se praticamente em todos os tipos de habitat A razatildeo do sucesso

evolutivo deste grupo taxonoacutemico deve-se a um conjunto de carateriacutesticas uacutenicas i) pos-

suiacuterem um exosqueleto proteico-quitinoso flexiacutevel leve e resistente que protege contra a

desidrataccedilatildeo ii) segmentaccedilatildeo do corpo e a presenccedila de apecircndices articulados especia-

lizados iii) oacutergatildeos sensoriais bem desenvolvidos (antenas sedas sensoriais olhos com-

postos olhos pedunculados ocelos quimiorrecetores nas antenas) iv) metamorfose com

diferentes estaacutedios de desenvolvimento incluindo estaacutedios larvares que podem ter um

modo de vida completamente diferente do adulto permitindo um aproveitamento de outros

recursos (alimento e espaccedilo) reduzindo a competiccedilatildeo entre indiviacuteduos da mesma espeacutecie

v) padrotildees comportamentais complexos revelando por vezes organizaccedilatildeo comunitaacuteria e

vi) sistema respiratoacuterio diverso nomeadamente o sistema traqueal onde o ar entra em

contacto direto com os tecidos devido a um eficiente sistema de tubos (traqueias) com

orifiacutecios na superfiacutecie do tegumento (espiraacuteculos) No entanto a origem e a taxonomia

deste grupo ainda constituem um tema de investigaccedilatildeo e debate Mesmo apesar dos avan-

ccedilos em aacutereas como a biologia molecular que fornece importantes conhecimentos sobre

as complexas relaccedilotildees evolutivas destes organismos muito ainda haacute por descobrir Os

artroacutepodes satildeo um grupo extremamente importante nos ecossistemas terrestres devido

natildeo soacute agrave sua enorme abundacircncia e diversidade mas tambeacutem ao grande nuacutemero de funccedilotildees

que desempenham nestes ecossistemas (ex degradaccedilatildeo da mateacuteria orgacircnica arejamento

AR

TIG

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21

do solo ciclagem de nutrientes) O filo Arthropoda estaacute atualmente subdividido em cinco

subfilos Trilobitomorpha Crustacea Myriapoda Chelicerata e Hexapoda

O subfilo Trilobitomorpha (trilobites e os seus parentes) compreende cerca de 20 000

espeacutecies que viviam exclusivamente em ambientes marinhos e que atualmente se encon-

tram todas extintas Contudo a sua vasta distribuiccedilatildeo geograacutefica e o exosqueleto de carbo-

nato de caacutelcio permitiram que este grupo apresente um extenso registo foacutessil observaacutevel

por todo o planeta

Crustacea inclui caranguejos camarotildees e lagostas contendo mais de 60 000 espeacute-

cies e com um extenso registo foacutessil em todo o mundo eacute um dos principais grupos de

artroacutepodes A maioria dos crustaacuteceos vive em ambientes marinhos mas existem vaacuterias

espeacutecies que podem ser encontradas em ecossistemas de aacutegua doce (ordem Cladocera e

sub-classe Copepoda) e em ambientes terrestres (ordem Isopoda FIGURA 1) Apesar da

grande maioria dos crustaacuteceos serem de vida livre existem vaacuterios grupos parasitas (ex

Rhizocephala ndash crustaacuteceos cirriacutepedes parasitas de caranguejos e camarotildees Argulidae ndash

crustaacuteceos parasitas de peixes e Pentastomida ndash vermes liacutengua que parasitam o sistema

respiratoacuterio de vertebrados) Numa perspetiva diferente e de interesse econoacutemico este

grupo apresenta ainda um valor acrescido jaacute que alguns crustaacuteceos decaacutepodes como la-

gostas e camarotildees satildeo intensivamente consumidos em todo o mundo Para aleacutem da sua

importacircncia econoacutemica este grupo de organismos eacute bastante utilizado em investigaccedilatildeo

cientiacutefica nomeadamente em ecotoxicologia na avaliaccedilatildeo do efeito de contaminantes no

solo

FIGURA 1 Exemplares de organismos da ordem Isopoda (bicho-da-conta) 1 ndash famiacutelia Armadillidae 2 ndash famiacutelia Porce-llionidae em A - vista dorsal e em B - vista ventral

O subfilo Myriapoda inclui as centopeias e os miliacutepedes conteacutem mais de 11 000

espeacutecies descritas Este subfilo eacute tradicionalmente dividido em quatro classes Chi-

lopoda (centopeias) (FIGURA 2) Diplopoda (miliacutepedes) Pauropoda (ldquopoucos peacutesrdquo) e

Symphyla (pseudocentopeias) Todos os miriaacutepodes conhecidos satildeo terrestres e o seu

tamanho varia desde alguns miliacutemetros a cerca de 38 centiacutemetros (Millipede Gigante

Africano)

1

2

A B

15cm

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22

FIGURA 2 Vista dorsal A - e ventral B - de um organismo pertencente agrave classe Chilopoda onde se pode observar o corpo segmentado e apenas com um par de patas por segmento

O subfilo Chelicerata (aranhas aranhas do mar escorpiotildees e aacutecaros) conteacutem mais

de 113 000 espeacutecies distribuiacutedas em duas classes principais Pycnogonida (aranhas do

mar) e Arachnida (aranhas escorpiotildees e aacutecaros) Pycnogonida o grupo das aranhas

do mar conteacutem mais de 1 300 espeacutecies descritas mas estudos detalhados sobre esses

animais e as suas relaccedilotildees evolutivas ainda satildeo escassos Estes organismos geralmente

tecircm seis ou oito olhos e quatro a seis pares de patas A classe Arachnida compreende os

organismos mais conhecidos do subfilo Chelicerata como aranhas escorpiotildees e aacutecaros

Os indiviacuteduos pertencentes a este grupo natildeo possuem antenas tecircm quatro pares de

patas um par de queliacuteceras (1ordm par de apecircndices do prossomacabeccedila) e pedipalpos

(2ordm par de apecircndices do prossomacabeccedila) As aranhas (ordem Araneae) (FIGURA 3) satildeo

provavelmente o grupo mais icoacutenico e bem estudado deste subfilo presentes na maioria

dos ambientes terrestres e constituindo um dos grupos mais importantes de artroacutepodes

do solo Outros organismos colocados na mesma classe como escorpiotildees aacutecaros ou

opiliotildees tambeacutem constituem grupos extremamente variados com importantes funccedilotildees

ecoloacutegicas (ex decomposiccedilatildeo de mateacuteria orgacircnica e controlo de organismos principal-

mente atraveacutes de predaccedilatildeo)

FIGURA 3 Vista dorsal A - e ventral B - de um exemplar da ordem Araneae (famiacutelia Gnaphosidae) sendo possiacutevel obser-var o corpo dividido em cefalotoacuterax e abdoacutemen os quatro pares de patas as queliacuteceras (q) e os pedipalpos (p)

O subfilo Hexapoda (Hexa (seis) e Poda (peacute)) engloba os insetos e os seus parentes

compreende o grupo mais diverso e abundante de organismos com mais de 1 milhatildeo de

espeacutecies conhecidas Este subfilo eacute frequentemente dividido em organismos da clas-

A B

A B

14cm

p

q

35cm

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se Insecta (FIGURA 4) e da classe Entognatha Esta uacuteltima inclui os colecircmbolos (ordem

Collembola) (FIGURA 5) cabeccedilas de cone e bichos de prata (ordem Protura) e cerdas de

duas pontas (ordem Diplura) Na classe Entognatha as partes bucais dos organismos

estatildeo retraiacutedas dentro das suas cabeccedilas contrariamente ao que se observa na classe In-

secta que satildeo ectognantes Os colecircmbolos constituem um dos grupos mais abundantes

de artroacutepodes do solo podendo ser encontrados mais de 100 000 indiviacuteduos num metro

quadrado Estes satildeo organismos cosmopolitas com mais de 8 000 espeacutecies descritas Os

colecircmbolos satildeo pequenos organismos com tamanho geralmente inferior a 6-8 mm de

forma ciliacutendrica ou globular apresentando olhos simples e antenas moniliformes Muitas

espeacutecies possuem um apecircndice bifurcado (fuacutercula) no final do abdoacutemen permitindo que

estes organismos saltem quando ameaccedilados (FIGURA 5) Os colecircmbolos tecircm sido ampla-

mente utilizados em estudos ecotoxicoloacutegicos na avaliaccedilatildeo da qualidade do solo e da sauacute-

de destes ecossistemas

FIGURA 4 A - Vista dorsal e B - vista ventral de exemplares de algumas ordens da classe Insecta

FIGURA 5 Vista lateral de exemplares da ordem Collembola

A classe Insecta eacute a classe com maior nuacutemero de organismos compreendendo mais

de metade das espeacutecies eucarioacuteticas descritas atualmente englobando mais de 1 milhatildeo

de espeacutecies que habitam praticamente todos os ecossistemas Os insetos sendo o grupo

Ordem

Coleoptera

Ordem

Diptera

Ordem

Hemiptera

Ordem

Orthoptera

Ordem

HimenopteraA A A A

B B B B

075cm

027cm14cm016cm

09cm

22cm

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mais diversificado de seres vivos apresentam as mais variadas e interessantes adap-

taccedilotildees anatoacutemicas e morfoloacutegicas Pensa-se que a sua enorme riqueza e abundacircncia eacute

devida a uma combinaccedilatildeo de carateriacutesticas vantajosas como a coevoluccedilatildeo com plan-

tas a miniaturizaccedilatildeo e a capacidade de voo Os insetos desempenham ainda um papel

importantiacutessimo no funcionamento dos ecossistemas realizando funccedilotildees quer de pre-

dadores quer de presa estando envolvidos em inuacutemeras teias alimentares (ex reciclan-

do nutrientes fazendo a manutenccedilatildeo da estrutura e fertilizaccedilatildeo dos solos) Destaca-se

tambeacutem o facto de vaacuterios insetos voadores como abelhas ou borboletas atuarem como

polinizadores de muitas espeacutecies de plantas Esta eacute uma funccedilatildeo ecoloacutegica importante

com vaacuterias repercussotildees econoacutemicas porque mais de 30 das culturas alimentares

mundiais dependem da polinizaccedilatildeo Os insetos possuem ainda um papel importante em

investigaccedilatildeo cientiacutefica sendo muitas vezes utilizados como organismo modelo dado pos-

suiacuterem carateriacutesticas distintas como o seu tamanho reduzido tempos de geraccedilatildeo curtos

e elevada fecundidade O exemplo de excelecircncia eacute a mosca da fruta Drosophila melano-

gaster cujo genoma eacute jaacute conhecido na totalidade sendo esta espeacutecie utilizada frequente-

mente para estudar vaacuterios processos celulares (ex o envelhecimento a hereditariedade

e o desenvolvimento embrionaacuterio) Apesar de constituiacuterem um grupo tatildeo interessante

beneacutefico e necessaacuterio agrave manutenccedilatildeo do equiliacutebrio dos ecossistemas existem algumas

desvantagens associadas aos insetos como eacute o caso de serem vetores na transmissatildeo

de doenccedilas Eacute o caso da malaacuteria transmitida por um mosquito do geacutenero Anopheles a

doenccedila parasitaacuteria mais disseminada com vaacuterios milhotildees de humanos infetados em todo

o mundo O dengue e o zika satildeo doenccedilas em que o vetor de transmissatildeo eacute tambeacutem um

mosquito do geacutenero Aedes Na agricultura as pragas de insetos (ex gorgulhos gafa-

nhotos afiacutedios) satildeo responsaacuteveis por prejudicar as culturas agriacutecolas e a produccedilatildeo de

alimentos causando perdas econoacutemicas elevadas

Sabe-se que atualmente a perda de habitat e as mudanccedilas climaacuteticas satildeo alguns dos

fatores responsaacuteveis por decliacutenios significativos nas populaccedilotildees deste grupo de orga-

nismos Esse decliacutenio apresenta uma elevada preocupaccedilatildeo ecoloacutegica uma vez que estes

organismos desempenham muacuteltiplas e importantes funccedilotildees nos ecossistemas No en-

tanto a conservaccedilatildeo deste grupo animal permanece um grande e urgente desafio que eacute

preciso enfrentar

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Biocombustiacuteveis seratildeo a soluccedilatildeo Matilde Viegas

Maria Joatildeo Ramos

Pedro Alexandrino Fernandes

UCIBIO REQUIMTEUniversidade do Porto

ldquoA 21 de Fevereiro de 2018 o niacutevel de poluiccedilatildeo de partiacuteculas finas com diacircmetro inferior

a 10 μm PM10 atingiu em Paris niacuteveis alarmantes com um pico correspondente

ao dobro do limite maacuteximo A Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) recomenda natildeo

exceder este limite maacuteximo por mais de trecircs dias por ano Com este recente pico os

parisienses jaacute o ultrapassaramrdquo

Em Un pic de pollution laquograveraquo en Ile-de-France Le Monde 22 de Fevereiro de 2018

Esta notiacutecia eacute um dos inuacutemeros exemplos dos efeitos do aquecimento global termo com o

qual estamos cada vez mais familiarizados infelizmente Este fenoacutemeno eacute consequecircncia

de Gases de Efeito de Estufa GEE (dioacutexido de carbono metano e oacutexido de azoto entre

outros) que se acumulam na atmosfera enclausurando o calor e tornando o planeta mais

quente A produccedilatildeo em larga escala de GEEs teve iniacutecio na Revoluccedilatildeo Industrial (1800)

como resultado da combustatildeo de combustiacuteveis foacutesseis (carvatildeo petroacuteleo e gaacutes natural)

para produccedilatildeo de eletricidade aquecimento e transporte

A preocupaccedilatildeo em torno do aquecimento global tornou-se um assunto constante na

agenda poliacutetica sobretudo nas uacuteltimas duas deacutecadas Os primeiros esforccedilos coletivos re-

sultaram no Protocolo de Quioto em 1997 cujo objetivo era a reduccedilatildeo das emissotildees de

GEEs assentando nos argumentos de que i) o aquecimento global era uma realidade e ii) o

CO2 produzido por accedilotildees humanas era o seu grande causador O primeiro periacuteodo do Proto-

colo terminou em 2012 e por isso em 2015 as Naccedilotildees Unidas promoveram a assinatura

do novo Acordo de Paris o qual consiste numa atualizaccedilatildeo do antigo Protocolo de Quioto

com o objetivo de ldquofortalecer a resposta global agrave ameaccedila das alteraccedilotildees climaacuteticas no

contexto de desenvolvimento sustentaacutevel e com esforccedilo para a erradicaccedilatildeo da pobrezardquo

O novo Acordo ao contraacuterio do de Quioto estabelece metas tangiacuteveis e quantitativas O

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objetivo eacute manter o aumento da temperatura meacutedia global abaixo dos 2ordm Celsius face agrave

temperatura global na era preacute-industrial Para atingir tal meta eacute necessaacuterio um esforccedilo

mundial contudo em 2017 com a saiacuteda dos EUA do Acordo de Paris o segundo maior

emissor de GEEs logo a seguir agrave China perdeu-se uma enorme contribuiccedilatildeo Aleacutem do peso

evidente que as suas emissotildees tecircm para o estado atual do aquecimento global em falta

estaratildeo tambeacutem a diplomacia e o encorajamento proporcionados por esta forccedila mundial

No Acordo de Paris uma das claacuteusulas exige a inclusatildeo de energias renovaacuteveis (eoacutelica

mariacutetima solar) e de biocombustiacuteveis no mercado de energia encorajando os paiacuteses a

atingir niacuteveis miacutenimos da sua utilizaccedilatildeo As metas estabelecidas para cada paiacutes vatildeo ao en-

contro ao seu mercado e agraves mateacuterias-primas disponiacuteveis em cada territoacuterio favorecendo o

desenvolvimento da economia

De uma forma generalista os biocombustiacuteveis englobam combustiacuteveis produzidos atra-

veacutes de processos bioloacutegicos como a agricultura e digestatildeo anaeroacutebica em vez de produ-

zidos a partir de processos geoloacutegicos como os necessaacuterios para a formaccedilatildeo de combus-

tiacuteveis foacutesseis Isto inclui o biodiesel (produzido a partir de oacuteleos e gorduras orgacircnicas) e o

bioetanol (aacutelcool produzido atraveacutes de fermentaccedilatildeo microbiana de accediluacutecares seguido de

destilaccedilatildeo e desidrataccedilatildeo) os quais seratildeo o maior foco deste artigo

A partir da deacutecada de 70 foram feitos os primeiros investimentos nos chamados bio-

combustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo (1G) Estes fazem uso de colheitas de produtos agriacuteco-

las como a soja cana-de-accediluacutecar milho oacuteleo de palma entre outros para a produccedilatildeo de

biodiesel e bioetanol atraveacutes de processos de trans-esterificaccedilatildeo ou fermentaccedilatildeo A sua

disponibilidade e facilidade de processamento permitiram a sua inserccedilatildeo e mistura nos

combustiacuteveis atualmente vendidos ao puacuteblico Para 2017 Portugal fixou em 75 (de poder

energeacutetico) a incorporaccedilatildeo de biocombustiacuteveis nos combustiacuteveis dos transportes rodoviaacute-

rios tendo a Uniatildeo Europeia o objectivo de 10 em 2020 para todos os paiacuteses membros

Os biocombustiacuteveis 1G fazem uso da colheita agriacutecola para fins energeacuteticos o que gera

opiniotildees desfavoraacuteveis por parte de ambientalistas (pelo uso exaustivo da terra agriacutecola sem

compensaccedilatildeo desflorestaccedilatildeo e perda de biodiversidade) e problemas eacuteticos tais como os le-

vantados por responsaacuteveis da ONU como o Dr Jean Ziegler que atribui aos biocombustiacuteveis

a culpa pela contiacutenua inflaccedilatildeo dos preccedilos de alimentos exacerbando a atual crise de fome

mundial - ldquoSatildeo necessaacuterios 352Kg de milho para encher um depoacutesito de 50L de um carro Uma

crianccedila na Zacircmbia ou no Meacutexico onde o milho eacute um elemento baacutesico da dieta poderia viver

com esta quantidade de milho um ano inteirordquo Atualmente os maiores produtores destes bio-

combustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo satildeo os EUA e o Brasil utilizando parte da produccedilatildeo global

de cereais e oacuteleos vegetais para a produccedilatildeo de bioetanol e biodiesel causando um ambiente

de profunda preocupaccedilatildeo em volta da sustentabilidade de produccedilatildeo de energia a meacutediolongo

prazo De forma a controlar a inflaccedilatildeo no preccedilo dos alimentos a EU estabeleceu um limite de

7 para o uso de biocombustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo como combustiacutevel de transportaccedilatildeo

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A segunda geraccedilatildeo de biocombustiacuteveis (2G) usa biomassa isto eacute qualquer fonte de car-

bono orgacircnico que eacute rapidamente renovado no ciclo de carbono Os biocombustiacuteveis de

segunda geraccedilatildeo almejam um uso ponderado de desperdiacutecios da induacutestria madeireira e

agriacutecola ou de restos de colheitas agriacutecolas assim que estas preencham o seu propoacutesito

alimentar evitando interferecircncia com o mercado alimentar e natildeo influenciando os preccedilos

dos alimentos baacutesicos

FIGURA 1 Biocombustiacuteveis

A produccedilatildeo de arroz atingiu o seu pico em 2017 gerando 1140 milhotildees de toneladas de

espigas de arroz cujo destino eacute a incineraccedilatildeo compostagem ou eacute simplesmente deposita-

da em aterros Contudo com a 2G de biocombustiacuteveis eacute encontrado potencial energeacutetico

neste desperdiacutecio agriacutecola O seu potencial deve-se agrave mateacuteria lignoceluloacutesica ndash celulose

hemicelulose e lignina ndash presente em todas as plantas incluindo as espigas em diferen-

tes percentagens Este material composto eacute essencial para a estrutura e resistecircncia das

plantas a hemicelulose eacute a matriz que rodeia o esqueleto de celulose enquanto a lignina

funciona como uma camada protetora As possibilidades associadas a este tipo de desper-

diacutecio satildeo inegaacuteveis a sua abundacircncia e facilidade de obtenccedilatildeo tornam-no muito apelativo

Contudo o gasto na recolha e transporte desta mateacuteria suplanta os custos de produccedilatildeo

e o seu uso continuado poderaacute contribuir para a erosatildeo do solo Aleacutem disso para o seu

aproveitamento para produccedilatildeo de biocombustiacuteveis eacute necessaacuterio um preacute-tratamento para

hidrolisar as ligaccedilotildees covalentes entre os trecircs constituintes da mateacuteria lignoceluloacutesica e

permitir a posterior fermentaccedilatildeo anaeroacutebia da celulose produzindo bioetanol Este preacute-

-tratamento eacute visto como outra das desvantagens do processo e estaacute ainda a ser estudado

e otimizado pois de momento as alternativas disponiacuteveis encarecem o produto final e em

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alguns dos casos dependem do uso de quiacutemicos poluentes A esperanccedila estaacute entatildeo de-

positada no estudo de enzimas hidroliacuteticas encontradas em organismos termoacutefilos que

seratildeo capazes de aguentar as difiacuteceis condiccedilotildees de tratamento Contudo a dificuldade em

escalar o processo de fermentaccedilatildeo eacute uma das desvantagens e dos fatores limitantes para

a 2G de biocombustiacuteveis em grande parte devido agrave dificuldade de monitorizar as condiccedilotildees

de fermentaccedilatildeo (oxigeacutenio pH nutrientes etc)

A terceira geraccedilatildeo (3G) de biocombustiacuteveis foi reconhecida como a melhor alternativa

em comparaccedilatildeo com primeira e segunda geraccedilotildees pois surpreendentemente faz uso de

algas A sua enorme disponibilidade por todo o planeta e o facto de natildeo interferirem com os

mercados alimentares satildeo os grandes embaixadores desta mateacuteria-prima como o futuro

dos biocombustiacuteveis Ainda que natildeo seja uma mateacuteria infinita eacute a que de momento mais se

assemelha por existirem 70 000 espeacutecies (30 000 documentadas) Estudos conduzidos

atualmente estatildeo a explorar a viabilidade energeacutetica de 30 espeacutecies de algas explorando a

sustentabilidade facilidade e escalabilidade da sua produccedilatildeo Outras vantagens incluem a

baixa manutenccedilatildeo necessaacuteria para o seu crescimento (luz dioacutexido de carbono e nutrientes

como azoto foacutesforo e potaacutessio) a facilidade com que produzem liacutepidos e carboidratos que

podem posteriormente ser processados em diferentes biocombustiacuteveis e outros copro-

dutos a frequecircncia com que podem ser colhidas ao longo do ano (ao contraacuterio de outras

colheitas convencionais) a baixa percentagem de hemicelulose e a praticamente ausente

lignina facilitam radicalmente o seu preacute-processamento pois a celulose eacute mais facilmente

extraiacuteda As desvantagens desta mateacuteria incluem o enorme investimento inicial para a

construccedilatildeo de infraestruturas para o seu cultivo que pode ser ou ao ar livre (em tanques

de grande dimensatildeo) ou em foto-bioreatores (sistemas fechados altamente controlados)

Prevecirc-se que em 2030 o preccedilo de produccedilatildeo de combustiacutevel a partir de algas seraacute 065 euro

litro de combustiacutevel valor muito proacuteximo do atual preccedilo de produccedilatildeo do litro de gasolina

Comparativamente aos custos de produccedilatildeo de outros biocombustiacuteveis o mais barato con-

tinua a ser o bioetanol produzido a partir de milho (1G) 017 eurolitro seguido de combustiacute-

veis celuloacutesicos (2G) a 032 eurolitro

Eacute evidente que seratildeo necessaacuterios esforccedilos poliacuteticos e cientiacuteficos investimento e regu-

lamentaccedilatildeo adequados para encontrar o caminho ideal para travar o aquecimento global

Em todas as geraccedilotildees de biocombustiacuteveis apresentadas existem fatores que afunilam as

potencialidades destas alternativas indicando que a soluccedilatildeo passa por criar um consoacutercio

entre as vaacuterias possibilidades de forma a tirar o maacuteximo partido sem danificar o planeta ou

piorar a crise da fome O proacuteximo passo passa por substituir os biocombustiacuteveis de 1G por

soluccedilotildees com maior escalabilidade Acreditamos que nas proacuteximas deacutecadas seratildeo cruciais

e depositamos esperanccedila na investigaccedilatildeo cientiacutefica

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018043

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Stephen Hawking e a sua contribuiccedilatildeo para a fiacutesica teoacutericaOrfeu Bertolami

Claacuteudio GomesDepartamento de Fiacutesica e Astronomia CFP Universidade do Porto

A 14 de marccedilo de 2018 o fiacutesico britacircnico Stephen Hawking faleceu aos 76 anos deixando

todavia um importante legado para a fiacutesica teoacuterica muito particularmente para o

entendimento das deficiecircncias intriacutensecas da Relatividade Geral de Einstein para a fiacutesica

dos buracos negros e para a cosmologia a ciecircncia do Universo como um todo

Stephen Hawking doutorou-se em Fiacutesica Teoacuterica em 1966 pela Universidade de Cambridge

sob a supervisatildeo de Dennis Sciama Apesar da sua condiccedilatildeo fiacutesica progressivamente limi-

tativa manteve-se extremamente ativo na investigaccedilatildeo nas aacutereas de cosmologia fiacutesica dos

buracos negros e gravitaccedilatildeo quacircntica

Nessa altura havia uma consideraacutevel discussatildeo acerca da realidade e ubiquidade de sin-

gularidades pontos no espaccedilo-tempo onde a Teoria da Relatividade Geral deixa de fazer sen-

tido e natildeo desaparecendo atraveacutes de mudanccedila de sistemas de coordenadas que descrevem

o espaccedilo-tempo Na segunda metade da deacutecada de 1960 Hawking e o matemaacutetico inglecircs

Roger Penrose demonstraram que essas singularidades eram inevitaacuteveis no contexto da

Teoria da Relatividade Geral (ver para uma descriccedilatildeo exaustiva o livro Large Scale Structure

of Space-Time escrito em colaboraccedilatildeo com o fiacutesico sul-africano George Ellis publicado em

1973) Uma dessas singularidades corresponde ao iniacutecio do Universo ndash Big Bang ndash e outras

estatildeo presentes no interior dos buracos negros natildeo acessiacuteveis agrave observaccedilatildeo devido agrave pre-

senccedila de um horizonte de acontecimentos que segundo a Conjetura da Censura Coacutesmica de

Roger Penrose protegem sempre as singularidades de se apresentarem ldquonuasrdquo

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Subsequentemente em 1975 ele desenvolveu a ideia que os buracos negros deveriam

radiar termicamente a uma temperatura especiacutefica inversamente proporcional agraves suas

massas temperatura esta que hoje designamos por temperatura de Hawking Esta ideia daacute

origem ao paradoxo da informaccedilatildeo em que a informaccedilatildeo que entrava no horizonte de evento

se perdia Com este contributo passou-se a ter uma equivalecircncia entre a dinacircmica e a termo-

dinacircmica de buracos negros

FIGURA 1 Emissatildeo da radiaccedilatildeo teacutermica de Hawking por um buraco negro

No princiacutepio da deacutecada de 1980 Hawking iniciou em colaboraccedilatildeo com o fiacutesico norte-ameri-

cano James Hartle o programa de investigaccedilatildeo que hoje designamos por cosmologia quacircntica

Na cosmologia quacircntica o espaccedilo-tempo eacute descrito por uma funccedilatildeo de onda a funccedilatildeo de onda

do Universo como na Mecacircnica Quacircntica Esta equaccedilatildeo de onda satisfaz uma equaccedilatildeo anaacuteloga

agrave de Schroumldinger da Mecacircnica Quacircntica a equaccedilatildeo de Wheeler-DeWitt A proposta de Hartle

e Hawking eacute que a funccedilatildeo de onda descreva um espaccedilo-tempo sem fronteiras (No-Boundary

proposal) A ideia eacute que agrave medida que retrocedemos no tempo chegamos a um ponto em que

o Universo eacute pequeno o suficiente para que efeitos quacircnticos sejam dominantes Nesta altura

existe uma espeacutecie de ldquoespumardquo do espaccedilo-tempo de tal modo que o tempo natildeo pode ser in-

terpretado do modo como o vemos hoje mas sim como uma quarta dimensatildeo espacial Uma

analogia uacutetil eacute a seguinte se viajarmos para o Polo Sul temos de seguir sempre para sul mas

quando alcanccedilamos o ponto do Polo Sul jaacute natildeo faz sentido falarmos na direccedilatildeo sul pelo mesmo

raciociacutenio ao retrocedermos no tempo haacute um pontoinstante em que natildeo faz sentido falar-se em

tempo Matematicamente isto torna-se possiacutevel passando de um espaccedilo-tempo de Minkowski

como na Relatividade Restrita para um espaccedilo Euclideano a quatro dimensotildees no qual o tempo

passa a ser um nuacutemero puramente complexo Com esta formulaccedilatildeo o Universo natildeo tem uma

fronteira aleacutem daquela que permite a transiccedilatildeo entre as duas descriccedilotildees para o espaccedilo-tempo

e que eacute exemplificado na FIGURA 2 Esta geometria eacute designada por shuttlecock ou volantepena

de badminton devido agrave semelhanccedila com este objeto

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FIGURA 2 Representaccedilatildeo tridimensional do modelo de Hartle-Hawking (no boundary proposal) A base corresponde a uma semiesfera a 4 dimensotildees e a estrutura que apresenta o tempo como uma direccedilatildeo distinta das espaciais corresponte a um Universo em expansatildeo

Hawking tambeacutem estudou outros problemas como o das maacutequinas do tempo e questotildees

relacionadas com a cosmologia e a formaccedilatildeo de estruturas no Universo Com o seu carate-

riacutestico humor Hawking afirmou natildeo ser possiacutevel viajar no tempo Para tal sugeriu organizar

uma festa convidando pessoas do futuro a se juntarem a ele e dado que ningueacutem apa-

receu concluiu entatildeo que viagens no tempo natildeo satildeo possiacuteveis na realidade Outra prova

prende-se com o facto de natildeo termos recebido ainda turistas do futuro numa clara alusatildeo

iroacutenica agrave procura turiacutestica desenfreada que assistimos nos dias de hoje

Mais recentemente ele pronunciou-se sobre questotildees de interesse geral como as im-

plicaccedilotildees do desenvolvimento da inteligecircncia artificial e a necessidade e inevitabilidade

da exploraccedilatildeo espacial Mostrou-se reticente acerca dos desenvolvimentos no domiacutenio da

inteligecircncia artificial classificando-o como possivelmente perigoso para a nossa civiliza-

ccedilatildeo pois apesar dos potenciais benefiacutecios comportam seacuterios riscos agrave continuidade da hu-

manidade Relativamente agrave exploraccedilatildeo espacial Hawking encarava as viagens espaciais

quer pelo seu interesse cientiacutefico quer como forma de preservar a humanidade de riscos

de destruiccedilatildeo devido a guerras nucleares ou epidemias devido a viacuterus geneticamente mo-

dificados

O fiacutesico Stephen Hawking legou-nos uma extraordinaacuteria contribuiccedilatildeo cientiacutefica e huma-

na Deixou um extraordinaacuterio exemplo de resiliecircncia dedicaccedilatildeo ao conhecimento e agrave socie-

dade Fisicamente debilitado e ldquopresordquo a uma condiccedilatildeo rara a esclerose lateral amiotroacutefica

que lhe foi diagnosticada aos 21 anos a sua mente foi das mais livres dos nossos tempos

concebeu hipoacuteteses conjunturas e teorias pensou a sociedade de hoje e a do futuro

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RochaO que eacute importante dizer sobre as rochas

A M Galopim de Carvalho Universidade de Lisboa

Rochas e pedras satildeo a mesma coisa Praticamente a resposta eacute sim Pedra eacute aquilo

que se apanha do chatildeo para dar uma pedrada

Qualquer pessoa mesmo a menos letrada diraacute que as pedras

bull natildeo satildeo fabricadas ou feitas por gente (a ciecircncia diz que satildeo entidades naturais)

bull que natildeo se amolgam (a ciecircncia diz que satildeo riacutegidas)

bull que geralmente natildeo se esboroam nem se esfarela (a ciecircncia diz que satildeo coesas)

bull que fazem mossa onde quer que batam (a ciecircncia diz que satildeo duras) Para o cidadatildeo

comum pedra (do grego peacutetra) eacute pois uma entidade natural riacutegida coesa e dura que se

apanha do chatildeo

Apanhamos uma pedra do chatildeo mas quando estudamos falamos quase sempre de ro-

chas Num modo de falar corrente podemos dizer que as pedras satildeo bocados de rocha

Todos falamos de rocha como sinoacutenimo de pedra com base num conhecimento comum

empiacuterico vulgar ligado agrave experiecircncia quotidiana mesmo do mais iletrado dos cidadatildeos Dize-

mos rochedo quando o afloramento de rocha eacute grande e apelidamos de rochoso um terreno

com a rocha agrave vista Rocha eacute um galicismo que entre noacutes se sobrepocircs ao termo ldquorocardquo bem

mais antigo talvez preacute-romano Cabo da Roca ou ldquoFocinho da Rocardquo no dizer dos homens do

mar deve o seu nome a esta versatildeo arcaica da palavra rocha

O conceito atual de rocha e os vaacuterios conhecimentos com elas relacionados percorreram

uma caminhada tatildeo longa quanto a do Homo sapiens caminhada de que temos testemunhos

na Preacute-histoacuteria e variadiacutessimos relatos escritos desde a Antiguidade

Na sua giacuteria proacutepria entendiacutevel entre pares os profissionais falam de rochas dizendo que

satildeo sistemas quiacutemicos mono ou polifaacutesicos (ou seja com um ou mais minerais) resultantes

do equiliacutebrio termodinacircmico atingido pelos seus constituintes em determinados ambientes

Entendendo-se por constituintes os elementos quiacutemicos incluiacutedos nos respetivos minerais

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Por outras palavras acessiacuteveis ao comum das gentes pode entatildeo dizer-se que as rochas

satildeo corpos naturais formados por associaccedilotildees mais ou menos estaacuteveis de minerais compatiacute-

veis entre si e com o ambiente onde foram gerados e que satildeo elas as rochas que constituem

a capa riacutegida da Terra que por essa razatildeo recebeu o nome de litosfera (FIGURA 1)

FIGURA 1 Modelado Graniacutetico na Serra da Estrela (fonte banco de imagens da Casa das Ciecircncias)

Antes de prosseguir esclareccedila-se que no jargatildeo proacuteprio da mineralogia e da geoquiacutemica

os minerais satildeo considerados fases no sentido fiacutesico-quiacutemico da palavra Com efeito neste

sentido uma fase eacute uma porccedilatildeo de mateacuteria quiacutemica e estruturalmente homogeacutenea e uma

qualquer espeacutecie mineral eacute isso mesmo

Por convenccedilatildeo na sistemaacutetica em sedimentologia entre as rochas sedimentares cabem

certos materiais natildeo consolidados como os barros as areias soltas as cascalheiras e ainda

outros de natureza natildeo mineral como os carvotildees foacutesseis e o petroacuteleo (oacuteleo de pedra) Cha-

mar rochas ou pedras a estes materiais agraves vezes tatildeo afastados da imagem vulgar de ldquocoisa

dura riacutegida e coesardquo decorre do conceito geoloacutegico de rocha no qual se inclui o modo de

ocorrecircncia e o respetivo processo de formaccedilatildeo (petrogeacutenese)

A mecacircnica das rochas (disciplina que estuda certas propriedades das rochas como resis-

tecircncia ao esmagamento agrave traccedilatildeo agrave torccedilatildeo agrave flexatildeo porosidade permeabilidade e outras)

define-as como entidades sempre riacutegidas e coesas e duras como tambeacutem se diz vulgarmen-

te com capacidade de suportar cargas e que na eventualidade de terem de ser escavadas ou

removidas haacute que usar tecnologias com explosivos Este conceito corresponde aliaacutes agrave ideia

mais divulgada de rocha como atraacutes se referiu Eacute o bedrock dos autores ingleses

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FIGURA 2 Processo de meteorizaccedilatildeo fiacutesica essencialmente por corrosatildeo eoacutelica em rochas sedimentares (arenitos) (fonte banco de imagens da Casa das Ciecircncias)

Aleacutem das muitas que conhecemos na Terra jaacute estudaacutemos rochas do nosso sateacutelite natural

nomeadamente basaltos e anortositos trazidos da sua superfiacutecie Mercuacuterio Veacutenus e Marte satildeo

tambeacutem planetas rochosos e igualmente rochosos ou pedregosos satildeo ainda os nuacutecleos dos co-

metas e muitos dos asteroides de que temos conhecimento pelos meteoritos caiacutedos na Terra

Quando se apelidam as rochas de magmaacuteticas sedimentares (FIGURA 2) ou metamoacuterficas

natildeo se estaacute apenas a rotulaacute-las para efeitos de arrumo ou arquivo muito menos se estatildeo a

criar novos vocaacutebulos para sobrecarga dos estudantes ou do cidadatildeo em geral Estes adjeti-

vos acrescentados agrave palavra rocha informam de imediato sobre a sua origem

bull magmaacutetica ou sedimentar qualquer delas em resultado de processos naturais faacuteceis de

entender

bull metamoacuterfica em consequecircncia de um outro processo muito menos ao alcance da vivecircncia

do vulgo mas que se explica sem grandes dificuldades

Apelidam-se de metamoacuterficas as rochas que posteriormente a uma primeira formaccedilatildeo

como magmaacuteticas ou sedimentares foram submetidas a pressotildees eou a temperaturas no

interior da crosta que lhes modificaram a composiccedilatildeo eou a textura

Foi atraveacutes do estudo das rochas que desvendaacutemos o essencial dos acontecimentos geo-

loacutegicos que marcaram a histoacuteria deste laquoPlaneta Azulraquo no qual a vida encontrou condiccedilotildees

para despertar e onde evoluiu ao ponto de se interrogar sobre essa mesma histoacuteria

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Os conhecimentos diretos de que hoje dispomos relativos agraves rochas da Terra limitam-se

aos que se obtecircm pelo estudo das que afloram agrave superfiacutecie das recolhidas em dragagens

nos fundos marinhos e das retiradas da profundidade quer em minas quer atraveacutes de son-

dagens Esta profundidade que natildeo excede 3 km no primeiro caso e 11 km no segundo

(na peniacutensula de Kola) pode considerar-se insuficiente se comparada com as trecircs a quatro

dezenas de quiloacutemetros de espessura meacutedia da crosta continental

Eacute jaacute muito o conhecimento que temos desta capa (a crosta ou crusta como alguns dizem e

escrevem) mais superficial do nosso planeta Temo-lo atraveacutes das rochas que constantemente

vemos e pisamos muitas delas geradas em zonas profundas trazidas agrave superfiacutecie pelos en-

rugamentos de origem tectoacutenica geradores das montanhas e subsequentemente postas a

descoberto pela erosatildeo

Outras rochas proacuteprias de muito maiores profundidades inclusive do manto inferior como eacute

o caso dos xenocristais e dos xenoacutelitos (do grego xenos estranho e lithos pedra) isto eacute cris-

tais e fragmentos de materiais liacuteticos gerados nessas regiotildees e que ascendem agrave superfiacutecie na

sequecircncia de atividade vulcacircnica englobados ou encravados nos produtos magmaacuteticos que ali

se formaram ou por ali passaram Na ilha da Madeira por exemplo satildeo frequentes os xenoacutelitos

oliviacutenicos que ascenderam ateacute agrave superfiacutecie no seio das lavas envolvidas no processo vulcacircnico

que originou esta e muitas outras ilhas

As rochas a que temos acesso mais ou menos direto representam uma parcela importante

da diferenciaccedilatildeo da Terra e agrave semelhanccedila da aacutegua do ar e dos seres vivos satildeo o resultado de

imensas transformaccedilotildees numa vasta e complexa rede de inter-relaccedilotildees ocorridas ao longo

dos tempos neste laquoplaneta vivoraquo pleno ainda de energia interna (sob a forma de calor) a que

se adiciona toda a que lhe chega do exterior isto eacute a radiaccedilatildeo solar Como escreveu Maurice

Mattauer ldquoas pedras nascem vivem e morrem como noacutes elas tecircm uma idade e uma histoacuteriardquo

Petrologia e litologia satildeo duas disciplinas que estudam as rochas ou as pedras Se bem que

os eacutetimos petra (latim) e lithos (grego) sejam sinoacutenimos petrologia e litologia encerram con-

ceitos diferentes ainda que relacionados entre si

bull A petrologia eacute um ramo da geologia com dimensatildeo de ciecircncia de vastos recursos nos campos

da fiacutesica da quiacutemica e naturalmente tambeacutem da matemaacutetica em busca do conhecimento da

origem natureza constituiccedilatildeo e evoluccedilatildeo da Terra no acircmbito do Sistema Solar e do Universo

bull A litologia outro ramo da geologia eacute habitualmente entendida como a disciplina que estuda

as rochas num campo praacutetico Serve a geologia de engenharia tendo em vista a implantaccedilatildeo

de grandes edifiacutecios e outras obras volumosas cujas fundaccedilotildees exigem o conhecimento dos

terrenos A litologia daacute igualmente respostas agrave pedologia (o estudo dos solos) e agrave induacutestria

extrativa de rochas ornamentais usadas na arquitetura na cantaria ou na estatuaacuteria e de

rochas industriais exploradas como importantes mateacuterias-primas para a construccedilatildeo civil a

ceracircmica o vidro o cimento a cal e a induacutestria quiacutemica

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Software educativo em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Ana C Conceiccedilatildeo

DMUniversidade do Algarve

O conceito F-Tool foi desenvolvido em 2012 com o objetivo de proporcionar uma

aprendizagem interativa em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Em particular eacute possiacutevel

explorar de forma integrada as noccedilotildees de domiacutenio contradomiacutenio existecircncia de zeros

existecircncia de extremos e de pontos de inflexatildeo invertibilidade derivabilidade reta

tangente ao graacutefico num ponto simetrias em relaccedilatildeo aos eixos e agrave origem A utilizaccedilatildeo

dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adaptaccedilatildeo de

alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e

do simples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular)

No ensino da matemaacutetica e em particular no estudo de funccedilotildees a recomendaccedilatildeo da utiliza-

ccedilatildeo de software educacional tem como objetivo o sanar das dificuldades que os alunos pos-

suem em associar as representaccedilotildees algeacutebricas com as diversas representaccedilotildees numeacutericas

eou graacuteficas De facto o caraacuteter estaacutetico das representaccedilotildees matemaacuteticas muitas vezes

dificulta a construccedilatildeo do significado afetando substancialmente a correta interpretaccedilatildeo dos

conceitos A criaccedilatildeo de modelos interativos visuais com o sistema de aacutelgebra computacional

Mathematica permite aos alunos explorar conceitos de elevada complexidade e rapidamen-

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te adquirir uma compreensatildeo mais profunda dos conteuacutedos Obviamente a utilizaccedilatildeo de sof-

tware educacional natildeo deve ser vista como um substituto para o ensino com ldquopapel e laacutepisrdquo

deve ser devidamente combinada com outros meacutetodos de ensino

O conceito F-Tool foi desenvolvido em 2012 com o objetivo de proporcionar uma apren-

dizagem interativa em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Os aplicativos computacionais

implementados com base neste conceito utilizam as capacidades de caacutelculo numeacuterico e

simboacutelico do Mathematica de forma a permitir estudar dinacircmica e interativamente e em

tempo real conceitos e propriedades fundamentais do preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial

FIGURA 1 Imagem ilustrativa da F-Exponential

O conceito F-Tool em sala de aula permite uma abordagem dinacircmica de diversos concei-

tos relacionados com o estudo de funccedilotildees e promove novas formas de raciocinarpensar

avaliar ensinar e aprender As F-Tool foram concebidas como ferramentas de aprendiza-

gem ativa ou seja a sua utilizaccedilatildeo adequada propicia um contexto de ensino-aprendiza-

gem onde alunos e professores satildeo igualmente convidados a contribuir Aleacutem disso tecircm

uma interface muito intuitiva que permite que ateacute mesmo o utilizador mais inexperiente

sem qualquer conhecimento anterior em software educacional possa comeccedilar a usar to-

dos os recursos de uma forma eficiente e autoacutenoma As F-Tool natildeo satildeo um objeto estaacutetico

mas sim um programa a ser executado com o qual se interage em tempo real Em parti-

cular atraveacutes da alteraccedilatildeo dinacircmica dos valores dos paracircmetros que definem cada classe

eacute possiacutevel obter informaccedilatildeo analiacutetica rigorosa apresentada em aritmeacutetica exata ou apro-

ximada bem como informaccedilatildeo visual estaacutetica e natildeo-estaacutetica De igual modo escolhendo

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estrategicamente de entre as vaacuterias opccedilotildees de funccedilotildees disponiacuteveis no painel esquerdo eacute

possiacutevel apreender de forma mais eficaz e consequente muitas das relaccedilotildees existentes

entre as vaacuterias funccedilotildees e respetivas transformaccedilotildees (FIGURA 1) As F-Tool utilizam um

coacutedigo de cores para diferenciar as vaacuterias funccedilotildees apresentadas Este coacutedigo eacute explicitado

na legenda do canto inferior esquerdo do painel central

Qual das figuras pode representar o graacutefico de uma funccedilatildeo e o graacutefico da sua derivada de 1ordf ordem

FIGURA 2 Exemplo de questatildeo de escolha muacuteltipla utilizando diversas opccedilotildees do painel esquerdo das F-Tool

Apesar de ser um software educacional dinacircmico e interativo pode tambeacutem ser utilizado

na construccedilatildeo de questotildees de avaliaccedilatildeo de escolha muacuteltipla (FIGURA 2) e de resposta aberta

ficando o docente automaticamente com a resposta ao selecionar no painel esquerdo as

opccedilotildees relacionadas com a questatildeo

A utilizaccedilatildeo dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adapta-

ccedilatildeo de alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e do sim-

ples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular) De facto

incluindo as F-Tool em ficheiros no Computable Document Format (CDF) eacute possiacutevel criar

fichas de trabalho dinacircmicas e interativas motivando os alunos e tornando o estudo mais

interessante

Acreditamos que o conceito F-Tool ao dotar professores e estudantes com novas fer-

ramentas para explorar alguns conceitos fundamentais da matemaacutetica desenvolveraacute po-

sitivamente o processo de ensino e de aprendizagem das aacutereas de preacute-caacutelculo e caacutelculo

diferencial

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018046

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O Aroma das Plantas Luiacutes Gaspar Pedro

Ana Cristina Figueiredo

Joseacute Gonccedilalves Barroso

CESAM CBV Universidade de Lisboa

Quando nos festejos dos Santos Populares colocamos a matildeo sobre o manjerico

provocamos a rutura de estruturas microscoacutepicas Ao fazecirc-lo libertam-se compostos

quiacutemicos que aderem agrave palma da nossa matildeo que depois percecionamos pelo nosso

olfacto Os aromas satildeo misturas complexas de dezenas de compostos volaacuteteis

carateriacutesticos de uma determinada planta

O aroma o que eacute

O aroma de muitas plantas eacute constituiacutedo por diversos compostos quiacutemicos volaacuteteis que

tecircm a capacidade de estimular os nossos recetores olfactivos A quantidade e a diver-

sidade deste tipo de compostos presentes nas plantas satildeo responsaacuteveis pelos aromas

carateriacutesticos Eacute relativamente faacutecil reconhecer o aroma dos coentros ou do manjerico e

distingui-los de outros aromas como o da rosa ou do cravinho

Na composiccedilatildeo da fraccedilatildeo volaacutetil de uma planta aromaacutetica encontram-se regra geral

compostos como os mono- e sesquiterpenos e os fenilpropanoacuteides (FIGURA 1) entre ou-

tros Satildeo todos eles compostos quiacutemicos com ponto de ebuliccedilatildeo relativamente baixo que

volatilizam agrave temperatura ambiente e contribuem de forma mais ou menos notoacuteria para o

aroma carateriacutestico de cada espeacutecie

FIGURA 1 Exemplos de compostos que constituem a fraccedilatildeo volaacutetil de diversas espeacutecies aromaacuteticas monoterpenos (α-pineno timol) sesquiterpenos (β-cariofileno germacreno D) e fenilpropanoacuteides (eugenol)

α-Pineno Timol β-Cariofileno Germacreno D Eugenol

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Estruturas secretoras

Os compostos que constituem a fraccedilatildeo aromaacutetica de uma planta satildeo regra geral sinteti-

zados e acumulados em estruturas secretoras microscoacutepicas Entre os diversos tipos de

estruturas secretoras as mais frequentes satildeo os tricomas os canais e as bolsas (FIGURA 2)

FIGURA 2 Exemplos de estruturas secretoras observadas em microscopia oacuteptica A - Tricoma de Geranium robertianum (s - secretado acumulado no espaccedilo sub-cuticular coloraccedilatildeo com reagente de Nadi) B - canal secretor de Crithmum maritimum (setas coloraccedilatildeo com tricloreto de antimoacutenio) e C - bolsa secretora de Citrus sp (coloraccedilatildeo com Vermelho Sudatildeo III)

Os tricomas glandulares satildeo estruturas externas com origem em ceacutelulas epideacutermicas

que apresentam diversos graus de complexidade desde tricomas com apenas trecircs ceacutelulas

uma das quais a secretora ateacute tricomas com mais de uma dezena de ceacutelulas secretoras

As bolsas e os canais secretores satildeo estruturas internas constituiacutedas por ceacutelulas glandu-

lares que delimitam o luacutemen o espaccedilo para onde satildeo secretados os compostos depois de

produzidos nas ceacutelulas secretoras Os canais satildeo estruturas alongadas que percorrem o

corpo da planta por vezes com ramificaccedilotildees enquanto as bolsas satildeo estruturas mais ou

menos isodiameacutetricas

Os oacuteleos essenciais

Um oacuteleo essencial eacute obtido por hidrodestilaccedilatildeo ou por destilaccedilatildeo por arrastamento de va-

por (FIGURA 3) No caso particular dos citrinos o oacuteleo essencial pode ainda ser obtido

por expressatildeo (processo mecacircnico que promove a libertaccedilatildeo do secretado acumulado no

interior das estruturas secretoras neste caso bolsas)

Tanto na hidrodestilaccedilatildeo como na destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor o secretado eacute

removido das estruturas secretoras e arrastado pelo vapor de aacutegua Depois de condensar

por arrefecimento o oacuteleo essencial separa-se da aacutegua podendo ser facilmente recolhido

devido agrave sua imiscibilidade com a aacutegua

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41FIGURA 3 A - Sistema de hidrodestilaccedilatildeo com aparelho de Clevenger e B - sistema de destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor

Anaacutelise de oacuteleos essenciais

Para analisar um oacuteleo essencial recorre-se frequentemente agrave cromatografia gasosa (CG)

para quantificaccedilatildeo dos componentes e agrave CG acoplada agrave espectrometria de massa (CG-

-EM) para a correspondente identificaccedilatildeo dos constituintes Por CG-EM os diversos com-

ponentes que constituem o oacuteleo essencial satildeo separados uns dos outros e ao chegarem ao

espectroacutemetro de massa satildeo bombardeados por eletrotildees o que leva a que as moleacuteculas

fragmentem formando-se diferentes iotildees de acordo com padrotildees preferenciais O con-

junto dos fragmentosiotildees constituem o espectro de massa que eacute carateriacutestico de cada

moleacutecula A integraccedilatildeo das aacutereas dos picos que surgem no cromatograma obtido por CG

(FIGURA 4A) permite a quantificaccedilatildeo relativa dos diversos componentes do oacuteleo essencial

A anaacutelise por CG-EM possibilita a identificaccedilatildeo desses compostos por comparaccedilatildeo dos

espectros de massa (FIGURA 4B) e dos iacutendices de retenccedilatildeo com os de amostras padratildeo

FIGURA 4 A - Aspeto parcial de um cromatograma obtido por CG carateriacutestico de um oacuteleo essencial com alguns dos ldquopicosrdquo identificados B - espectro de massa obtido por CG-EM de um dos componentes maioritaacuterios o timol

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Paisagens da Islacircndia Formase Processos (III)Fernando Carlos LopesCITEUC Universidade de Coimbra

A Islacircndia eacute famosa natildeo soacute pelos seus vulcotildees mas tambeacutem pelos seus glaciares e pela

sua sinuosa e escarpada linha de costa

Atualmente os glaciares cobrem cerca de 10 da superfiacutecie islandesa e 60 destas

aacutereas geladas assentam sobre sistemas vulcacircnicos ativos Esta combinaccedilatildeo de gelo e vul-

canismo torna a Islacircndia o local ideal para cheias repentinas (joumlkulhlaups) resultantes de

aacutegua que escorre por baixo dos glaciares devido agrave fusatildeo provocada pelas erupccedilotildees subgla-

ciares Atualmente existem 4 grandes calotes glaciares localizadas nas regiotildees elevadas

e vulcanicamente ativas do centro e sul da ilha a partir das quais divergem numerosas liacuten-

guas glaciarias Vatnajoumlkull (8100 km2) situado no centro leste Langjoumlkull (925 km2) si-

tuado no centro oeste Hofsjoumlkull (925 km2) situado na zona central da ilha Myrdalsjoumlkull

(600 km2) situado no sul da ilha Apesar da Islacircndia ter cerca de 24 Ma a sua paisagem soacute

foi moldada por glaciares nos uacuteltimos 5 milhotildees de anos Os seus glaciares de tipo alpino

(ou de montanha) avanccedilaram e recuaram condicionados pelas variaccedilotildees regionais e locais

do clima de que resultaram espetaculares morfologias Como jaacute se referiu anteriormente

as variaccedilotildees da carga glaciar sobre a litosfera provocadas pelas fases de gelo e degelo

teratildeo desempenhado papel importante na atividade vulcacircnica da ilha

Com um comprimento de cerca de 4970 km a linha de costa da Islacircndia eacute de um modo

geral muito recortada e escarpada marcada por promontoacuterios cabos peniacutensulas fiordes

e enseadas pontilhada de leixotildees por entre os quais se aninham praias de areia negra de

contornos suaves A accedilatildeo do mar sobre as inuacutemeras escoadas de lava que fluiacuteram ateacute agrave

costa ao longo da evoluccedilatildeo geoloacutegica da ilha e ali solidificaram sobre os aparelhos vulcacirc-

nicos implantados na zona litoral e sobre os vales deixados pelo recuo dos glaciares criou

paisagens de uma beleza surreal

FIGURA DA PAacuteGINA ANTERIOR Leixatildeo Hvitserkur noroeste da Islacircndia (fonte pixabay)

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Parte III - Paisagens controladas pelos glaciares e paisagens costeirasVales glaciares e fiordes

Vales glaciares vales suspensos lagos glaciares e cascatas ciacuterculos glaciares moreias

e fiordes satildeo formas carateriacutesticas das paisagens islandesas criadas pelos seus glacia-

res alpinos Os vales glaciares com o seu carateriacutestico perfil em ldquoUrdquo satildeo a forma mais

comum de paisagem originada pela erosatildeo glacial (FIGURA 1) No interior destes vales os

rios concentram o seu poder erosivo na zona mais baixa originando um perfil carateriacutestico

em ldquoVrdquo O poder erosivo dos glaciares eacute muito superior ao dos rios porque a sua energia

potencial resulta natildeo soacute do declive do terreno mas tambeacutem do peso do gelo A erosatildeo faz-

-se essencialmente ao longo das zonas laterais do canal criando um vale com vertentes

alcantiladas e fundo aplanado Vales suspensos satildeo vales escavados por glaciares tributaacute-

rios Como estes glaciares levam menos gelo o seu poder erosivo eacute menor que o do glaciar

principal ficando suspenso nas vertentes do glaciar principal quando o gelo recua Cons-

tituem exemplos notaacuteveis pela sua beleza e dimensatildeo os vales glaciares de Borgarvirki

(FIGURA 2) e de Akureyri (ou Eyjafjoumlrethur) no noroeste da ilha Este uacuteltimo vai desembocar

num fiorde que eacute mais longo da Islacircndia

FIGURA 1 Esquema 3D (sem escala) da evoluccedilatildeo de uma paisagem glaciar com formaccedilatildeo de vales glaciares vales glaciares suspensos ciacuterculos glaciares lagos glaciares e cascatas

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FIGURA 2 Aspeto do vale glaciaacuterio de Borgarvirki observado a partir da fortaleza de Borgarvirki

Se as condiccedilotildees forem favoraacuteveis os glaciares podem erodir abaixo do niacutevel do mar Quan-

do o glaciar recua o oceano invade estas depressotildees criando um fiorde Alguns dos fiordes

islandeses como o de Akureyri e o de Nordfjord (nordeste da ilha) possuem centenas de

metros abaixo do niacutevel do mar O fiorde de Nordfjord abrange parcialmente uma antiga cal-

deira vulcacircnica Nas faleacutesias do seu flanco oriental (falesias de Raudubjoumlrg) afloram rioacutelitos

conferindo agraves arribas uma carateriacutestica cor avermelhada)

Como se referiu anteriormente (Parte I) a orientaccedilatildeo da maioria dos vales glaciares e

fiordes segue de perto a orientaccedilatildeo dos principais lineamentos tectoacutenicos

Moreias

Em termos de aspetos deposicionais relacionados com glaciares as moreias satildeo de lon-

ge os mais abundantes Satildeo acumulaccedilotildees de fragmentos rochosos transportados pelos

glaciares quer na regiatildeo frontal (moreia frontal) lateral (moreia lateral) a meio (moreia

mediana) e no fundo (moreia de fundo)

Durante o uacuteltimo maacuteximo glaciar (haacute cerca de 20 000 anos) a Islacircndia estava quase

toda coberta por glaciares que se estendiam ateacute agrave costa e para aleacutem dela Foram encon-

tradas moreias frontais dessa eacutepoca a cerca de 130 km a offshore da costa ocidental e a

cerca de 150-230 m abaixo do niacutevel de mar atual

Eacute possiacutevel encontrar nos vales glaciares islandeses quer moreias antigas resultantes

da uacuteltima glaciaccedilatildeo quer moreias recentes e atuais Estas uacuteltimas estatildeo relacionadas com

as 4 grandes calotes glaciares existentes como eacute o caso das moreias do glaciar Vatna-

joumlkull que se podem observar em pleno no setor sudeste da ilha

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Lagoas glaciares e icebergues

Outra das paisagens magniacuteficas moldadas pelos glaciares satildeo as lagoas glaciares Estas

lagoas formam-se na extremidade dos glaciares que descem das calotes glaciares Satildeo

alimentadas pelo desgelo natural dos glaciares e nela flutuam pequenos e grandes iceber-

gues que se separam da frente do glaciar (FIGURA 3)

FIGURA 3 Esquema 3D (sem escala) da formaccedilatildeo de icebergues numa lagoa glaciar

O exemplo mais notaacutevel deste tipo de lagoas na Islacircndia eacute a lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten consi-

derada uma das maravilhas naturais do paiacutes Fica situada no sudeste da ilha na extremidade

do glaciar Breiethamerkurjoumlkull uma das liacutengua glaciares da calote de Vatnajoumlkull (FIGURA 4)

FIGURA 4 Icebergues na lagoa glaciar de Joumlkulsaacuterloacuten Ao fundo vecirc-se a frente do glaciar Breiethamerkurjoumlkull As faixas negras nos icebergues satildeo niacuteveis de cinza vulcacircnica

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A lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten eacute o ponto mais baixo da Islacircndia com zonas agrave cota de -200 m Na

baiacutea da lagoa tem-se acesso a uma paisagem de outro mundo com icebergues de dimen-

sotildees variadas que flutuam ateacute ao mar ficando alguns deles encalhados na margem de uma

praia de areia vulcacircnica Alguns icebergues exibem faixas negras correspondentes a niacuteveis

de cinzas vulcacircnicas provenientes de antigas erupccedilotildees (FIGURA 4) Outros exibem duas

tonalidades branco leitoso e azul claro A faixa azul corresponde agrave porccedilatildeo do icebergue

que se tornou recentemente emersa

A lagoa teraacute sido formada em 1934-35 pelo contiacutenuo recuo do glaciar Vatnajoumlkull e teraacute

duplicado de tamanho nos uacuteltimos 15 anos Dada a taxa atual de recuo do glaciar Vatna-

joumlkull um profundo fiorde iraacute desenvolver-se no local onde hoje existe a lagoa

As costas escarpadas

As costas escarpadas e recortadas satildeo sem duacutevida as mais dominantes Ocorrem deste o

oeste ao leste da ilha passando pela regiatildeo norte incisas por numerosos fiordes e peque-

nas enseadas e salpicadas por leixotildees Eacute notaacutevel pela sua forma de dragatildeo e pelas lendas

que o envolvem o leixatildeo de Hvitserkur (IMAGEM DA PAGINA 42) situado na costa leste da

Peniacutensula de Vatnsnes no noroeste da Islacircndia

Os fiordes mais profundos localizam-se na costa norte constituindo bons portos natu-

rais Um destaque especial vai para o fiorde ao longo do qual se estende a cidade de Aku-

reyri (fiorde de Akureyri ou Eyjafjoumlrethur) considerado o mais longo do paiacutes

Praias de areia Negra

As praias de areia negra em geral de reduzida extensatildeo podem ser constituiacutedas por i) de-

poacutesitos resultantes da abrasatildeo das arribas ii) moreias e depoacutesitos fluviais resultantes dos

rios glaciares com contornos suaves e lagoas glaciares protegidas por extensas barras

arenosas iii) depoacutesitos de tefra provenientes de erupccedilotildees freaacuteticas

As do primeiro tipo ocorrem um pouco por toda a linha de costa como resultado da accedilatildeo

do mar sobre as arribas As do segundo tipo ocorrem dominantemente entre Djuacutepivogur a

sudeste e Oumllfusaacute a sudoeste com destaque para a praia de Reynisfjara na costa sul As

da terceira categoria podem ser observadas na ilha de Heimaey arquipeacutelago de Vestman-

naeyja regiatildeo sul da Islacircndia

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018048

IMA

GE

M E

M D

ES

TAQ

UE

48

Eu crio as minhas obras de arte de peque-

nos pedaccedilos de papel com espirais que co-

nectam e ligam os elementos a uma grande

estrutura Na obra de origami acabada a

que chamo Voltinhas estas espirais vivem

e trabalham Forccedilas de tensatildeo e fricccedilatildeo

contrapotildeem-se agrave gravidade e mantecircm a

forma estaacutevel Nas minhas criaccedilotildees procu-

ro estar perto da natureza Quando criamos

ou estudamos modelos de papel na macro

escala podemos entender melhor as for-

mas criadas pela natureza na micro escala

A minha obra de origami na capa o trabalho

intitulado ldquoInverno num parque de Lisboardquo e

o capsiacutedeo do viacuterus Canine parvovirus um viacute-

rus contagioso que ataca sobretudo os catildees

e outros caniacutedeos tecircm a mesma estrutura

geomeacutetrica do pequeno rombicosidodecae-

dro um poliedro com simetria icosaeacutedrica

Essa obra invoca simbolicamente o Ano

da Biologia Matemaacutetica 2018 O origami eacute

uma arte de dobragem do papel com uma

forte componente geomeacutetrica que permite

a construccedilatildeo de formas complexas e tem

atraiacutedo o interesse de matemaacuteticos pelas

suas propriedades geomeacutetricas e algeacutebricas

Krystyna Burczyk

Os viacuterus satildeo responsaacuteveis por inuacutemeras

doenccedilas no homem nos animais e nas plan-

tas e as curas e prevenccedilotildees satildeo ainda mui-

tas vezes problemaacuteticas Desenvolvimen-

tos recentes das aplicaccedilotildees da matemaacutetica

agrave virologia nomeadamente das teorias de

grupos de grafos de tesselaccedilatildeo ou de re-

ticulados mostraram por exemplo que as

restriccedilotildees estruturais agraves formas dos viacuterus

satildeo maiores do que antes se pensava e

permitiram a construccedilatildeo de novos modelos

para o desenvolvimento de terapias anti-

-virais Os capsiacutedeos virais que envolvem

os genomas dos viacuterus por razotildees de eco-

nomia geneacutetica tem muitas vezes uma si-

metria icosaeacutedrica Ora esta simetria natildeo eacute

cristalograacutefica em trecircs dimensotildees ie natildeo

eacute compatiacutevel com reticulados perioacutedicos

o que motivou os matemaacuteticos a desen-

volverem novas estruturas no contexto de

grupos de Coxeter natildeo-cristalograacuteficos que

encontraram aplicaccedilatildeo natildeo soacute na virologia

mas tambeacutem noutras estruturas molecula-

res da quiacutemica do carbono

Joseacute Francisco RodriguesUniversidade de Lisboa

Origami e Viacuterusin imagemcasadascienciasorg

Imagem de Canine Parvovirus gerada em VMD Autor Alexandre Lopes Magalhatildees

Page 20: JUNHO 2018 V6 /02 · 2018-09-26 · Matilde Viegas, Maria João Ramos, Pedro Alexandrino Fernandes Stephen Hawking e a sua contribuição para a física teórica Orfeu Bertolami,

AR

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O

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cuja soluccedilatildeo eacute

( )( ) ( )( )

P t

MP eP e

10 10

rt

rt

=+

-

Se P(t) for muito pequeno face a M tem-se que ( )dt

dP rP MP t

1= -T Y cong r P(t) que tem a soluccedilatildeo P(t) cong P(0) e rt

e o crescimento eacute exponencial

FIGURA 4 Pierre Franccedilois Verhulst e o graacutefico da curva logiacutestica

Agrave medida que t cresce a populaccedilatildeo aproxima-se assintoticamente de M A equaccedilatildeo diferen-

cial que carateriza este modelo eacute atualmente designada por equaccedilatildeo logiacutestica e a populaccedilatildeo

maacutexima M por capacidade de carga Com Verhulst relativizou-se ldquoa hipoacutetese da progressatildeo

geomeacutetrica uma vez que ela soacute se pode verificar em circunstacircncias muito especiais por exem-

plo quando um territoacuterio feacutertil de tamanho quase ilimitado passa a ser habitado por pessoas

com uma civilizaccedilatildeo avanccedilada como foi o caso das primeiras coloacutenias americanasrdquo

Essa equaccedilatildeo foi retomada por vaacuterios matemaacuteticos e adaptada a contextos variados

Satildeo de realccedilar os casos em que a capacidade de carga varia como o tempo conduzindo

ao modelo caraterizado pela equaccedilatildeo diferencial

dtdP rP M

P1= -T Y( )t

onde a capacidade de carga M(t) = M(t +T) varia periodicamente com periacuteodo T

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19

FIGURA 5 A demografia eacute instrumental para o controlo das populaccedilotildees humanas

Desde o seacuteculo XVIII que o estudo da dinacircmica das populaccedilotildees eacute objeto de modelaccedilatildeo

matemaacutetica Na atualidade existem outros modelos de crescimento hiperboacutelicos expo-

nenciais logiacutesticos ou baseados noutras funccedilotildees Baseada nos modelos populacionais

do matemaacutetico Song Jian a Repuacuteblica Popular da China em 1980 entatildeo a atingir o biliatildeo

de habitantes instaurou uma poliacutetica estrita de filho uacutenico Essa lei foi flexibilizada em

2015 aumentando para dois o nuacutemero maacuteximo de filhos para fazer frente ao envelheci-

mento da populaccedilatildeo e agrave reduccedilatildeo do grupo de trabalhadores na faixa etaacuteria considerada

economicamente ativa

Muitos dos pareceres cientiacuteficos nas mais diversas aacutereas baseiam-se em modelos ma-

temaacuteticos que podem permitir fazer estimativas e previsotildees mas hellip ao olhar para o cres-

cimento populacional ao longo dos tempos verificamos que os modelos matemaacuteticos satildeo

instrumentais na anaacutelise da dinacircmica das populaccedilotildees

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O

20

Artroacutepodes Miguel Santos

Rubim Almeida

Sara C Antunes

DB CIBIO InBIO CIIMAR Universidade do Porto

Artroacutepodes (Arthropoda do grego arthro = articulado + podos = peacutes) satildeo o grupo taxonoacutemi-

co mais diversificado com distribuiccedilatildeo por quase todo o globo e ocupando todos os habitats

Satildeo organismos invertebrados com exosqueleto riacutegido apresentando apecircndices articula-

dos (patas antenas) e de nuacutemero diferenciado de acordo com o subfilo a que pertencem

Os artroacutepodes constituem um dos mais diversos grupos de organismos do planeta com-

preendendo espeacutecies que variam de 0085 mm (Tantalacus dieteri um crustaacuteceo parasita)

ateacute 38 m (envergadura do Caranguejo-aranha-gigante) Os organismos pertencentes a

este grupo encontram-se praticamente em todos os tipos de habitat A razatildeo do sucesso

evolutivo deste grupo taxonoacutemico deve-se a um conjunto de carateriacutesticas uacutenicas i) pos-

suiacuterem um exosqueleto proteico-quitinoso flexiacutevel leve e resistente que protege contra a

desidrataccedilatildeo ii) segmentaccedilatildeo do corpo e a presenccedila de apecircndices articulados especia-

lizados iii) oacutergatildeos sensoriais bem desenvolvidos (antenas sedas sensoriais olhos com-

postos olhos pedunculados ocelos quimiorrecetores nas antenas) iv) metamorfose com

diferentes estaacutedios de desenvolvimento incluindo estaacutedios larvares que podem ter um

modo de vida completamente diferente do adulto permitindo um aproveitamento de outros

recursos (alimento e espaccedilo) reduzindo a competiccedilatildeo entre indiviacuteduos da mesma espeacutecie

v) padrotildees comportamentais complexos revelando por vezes organizaccedilatildeo comunitaacuteria e

vi) sistema respiratoacuterio diverso nomeadamente o sistema traqueal onde o ar entra em

contacto direto com os tecidos devido a um eficiente sistema de tubos (traqueias) com

orifiacutecios na superfiacutecie do tegumento (espiraacuteculos) No entanto a origem e a taxonomia

deste grupo ainda constituem um tema de investigaccedilatildeo e debate Mesmo apesar dos avan-

ccedilos em aacutereas como a biologia molecular que fornece importantes conhecimentos sobre

as complexas relaccedilotildees evolutivas destes organismos muito ainda haacute por descobrir Os

artroacutepodes satildeo um grupo extremamente importante nos ecossistemas terrestres devido

natildeo soacute agrave sua enorme abundacircncia e diversidade mas tambeacutem ao grande nuacutemero de funccedilotildees

que desempenham nestes ecossistemas (ex degradaccedilatildeo da mateacuteria orgacircnica arejamento

AR

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21

do solo ciclagem de nutrientes) O filo Arthropoda estaacute atualmente subdividido em cinco

subfilos Trilobitomorpha Crustacea Myriapoda Chelicerata e Hexapoda

O subfilo Trilobitomorpha (trilobites e os seus parentes) compreende cerca de 20 000

espeacutecies que viviam exclusivamente em ambientes marinhos e que atualmente se encon-

tram todas extintas Contudo a sua vasta distribuiccedilatildeo geograacutefica e o exosqueleto de carbo-

nato de caacutelcio permitiram que este grupo apresente um extenso registo foacutessil observaacutevel

por todo o planeta

Crustacea inclui caranguejos camarotildees e lagostas contendo mais de 60 000 espeacute-

cies e com um extenso registo foacutessil em todo o mundo eacute um dos principais grupos de

artroacutepodes A maioria dos crustaacuteceos vive em ambientes marinhos mas existem vaacuterias

espeacutecies que podem ser encontradas em ecossistemas de aacutegua doce (ordem Cladocera e

sub-classe Copepoda) e em ambientes terrestres (ordem Isopoda FIGURA 1) Apesar da

grande maioria dos crustaacuteceos serem de vida livre existem vaacuterios grupos parasitas (ex

Rhizocephala ndash crustaacuteceos cirriacutepedes parasitas de caranguejos e camarotildees Argulidae ndash

crustaacuteceos parasitas de peixes e Pentastomida ndash vermes liacutengua que parasitam o sistema

respiratoacuterio de vertebrados) Numa perspetiva diferente e de interesse econoacutemico este

grupo apresenta ainda um valor acrescido jaacute que alguns crustaacuteceos decaacutepodes como la-

gostas e camarotildees satildeo intensivamente consumidos em todo o mundo Para aleacutem da sua

importacircncia econoacutemica este grupo de organismos eacute bastante utilizado em investigaccedilatildeo

cientiacutefica nomeadamente em ecotoxicologia na avaliaccedilatildeo do efeito de contaminantes no

solo

FIGURA 1 Exemplares de organismos da ordem Isopoda (bicho-da-conta) 1 ndash famiacutelia Armadillidae 2 ndash famiacutelia Porce-llionidae em A - vista dorsal e em B - vista ventral

O subfilo Myriapoda inclui as centopeias e os miliacutepedes conteacutem mais de 11 000

espeacutecies descritas Este subfilo eacute tradicionalmente dividido em quatro classes Chi-

lopoda (centopeias) (FIGURA 2) Diplopoda (miliacutepedes) Pauropoda (ldquopoucos peacutesrdquo) e

Symphyla (pseudocentopeias) Todos os miriaacutepodes conhecidos satildeo terrestres e o seu

tamanho varia desde alguns miliacutemetros a cerca de 38 centiacutemetros (Millipede Gigante

Africano)

1

2

A B

15cm

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FIGURA 2 Vista dorsal A - e ventral B - de um organismo pertencente agrave classe Chilopoda onde se pode observar o corpo segmentado e apenas com um par de patas por segmento

O subfilo Chelicerata (aranhas aranhas do mar escorpiotildees e aacutecaros) conteacutem mais

de 113 000 espeacutecies distribuiacutedas em duas classes principais Pycnogonida (aranhas do

mar) e Arachnida (aranhas escorpiotildees e aacutecaros) Pycnogonida o grupo das aranhas

do mar conteacutem mais de 1 300 espeacutecies descritas mas estudos detalhados sobre esses

animais e as suas relaccedilotildees evolutivas ainda satildeo escassos Estes organismos geralmente

tecircm seis ou oito olhos e quatro a seis pares de patas A classe Arachnida compreende os

organismos mais conhecidos do subfilo Chelicerata como aranhas escorpiotildees e aacutecaros

Os indiviacuteduos pertencentes a este grupo natildeo possuem antenas tecircm quatro pares de

patas um par de queliacuteceras (1ordm par de apecircndices do prossomacabeccedila) e pedipalpos

(2ordm par de apecircndices do prossomacabeccedila) As aranhas (ordem Araneae) (FIGURA 3) satildeo

provavelmente o grupo mais icoacutenico e bem estudado deste subfilo presentes na maioria

dos ambientes terrestres e constituindo um dos grupos mais importantes de artroacutepodes

do solo Outros organismos colocados na mesma classe como escorpiotildees aacutecaros ou

opiliotildees tambeacutem constituem grupos extremamente variados com importantes funccedilotildees

ecoloacutegicas (ex decomposiccedilatildeo de mateacuteria orgacircnica e controlo de organismos principal-

mente atraveacutes de predaccedilatildeo)

FIGURA 3 Vista dorsal A - e ventral B - de um exemplar da ordem Araneae (famiacutelia Gnaphosidae) sendo possiacutevel obser-var o corpo dividido em cefalotoacuterax e abdoacutemen os quatro pares de patas as queliacuteceras (q) e os pedipalpos (p)

O subfilo Hexapoda (Hexa (seis) e Poda (peacute)) engloba os insetos e os seus parentes

compreende o grupo mais diverso e abundante de organismos com mais de 1 milhatildeo de

espeacutecies conhecidas Este subfilo eacute frequentemente dividido em organismos da clas-

A B

A B

14cm

p

q

35cm

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O

23

se Insecta (FIGURA 4) e da classe Entognatha Esta uacuteltima inclui os colecircmbolos (ordem

Collembola) (FIGURA 5) cabeccedilas de cone e bichos de prata (ordem Protura) e cerdas de

duas pontas (ordem Diplura) Na classe Entognatha as partes bucais dos organismos

estatildeo retraiacutedas dentro das suas cabeccedilas contrariamente ao que se observa na classe In-

secta que satildeo ectognantes Os colecircmbolos constituem um dos grupos mais abundantes

de artroacutepodes do solo podendo ser encontrados mais de 100 000 indiviacuteduos num metro

quadrado Estes satildeo organismos cosmopolitas com mais de 8 000 espeacutecies descritas Os

colecircmbolos satildeo pequenos organismos com tamanho geralmente inferior a 6-8 mm de

forma ciliacutendrica ou globular apresentando olhos simples e antenas moniliformes Muitas

espeacutecies possuem um apecircndice bifurcado (fuacutercula) no final do abdoacutemen permitindo que

estes organismos saltem quando ameaccedilados (FIGURA 5) Os colecircmbolos tecircm sido ampla-

mente utilizados em estudos ecotoxicoloacutegicos na avaliaccedilatildeo da qualidade do solo e da sauacute-

de destes ecossistemas

FIGURA 4 A - Vista dorsal e B - vista ventral de exemplares de algumas ordens da classe Insecta

FIGURA 5 Vista lateral de exemplares da ordem Collembola

A classe Insecta eacute a classe com maior nuacutemero de organismos compreendendo mais

de metade das espeacutecies eucarioacuteticas descritas atualmente englobando mais de 1 milhatildeo

de espeacutecies que habitam praticamente todos os ecossistemas Os insetos sendo o grupo

Ordem

Coleoptera

Ordem

Diptera

Ordem

Hemiptera

Ordem

Orthoptera

Ordem

HimenopteraA A A A

B B B B

075cm

027cm14cm016cm

09cm

22cm

AR

TIG

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24

mais diversificado de seres vivos apresentam as mais variadas e interessantes adap-

taccedilotildees anatoacutemicas e morfoloacutegicas Pensa-se que a sua enorme riqueza e abundacircncia eacute

devida a uma combinaccedilatildeo de carateriacutesticas vantajosas como a coevoluccedilatildeo com plan-

tas a miniaturizaccedilatildeo e a capacidade de voo Os insetos desempenham ainda um papel

importantiacutessimo no funcionamento dos ecossistemas realizando funccedilotildees quer de pre-

dadores quer de presa estando envolvidos em inuacutemeras teias alimentares (ex reciclan-

do nutrientes fazendo a manutenccedilatildeo da estrutura e fertilizaccedilatildeo dos solos) Destaca-se

tambeacutem o facto de vaacuterios insetos voadores como abelhas ou borboletas atuarem como

polinizadores de muitas espeacutecies de plantas Esta eacute uma funccedilatildeo ecoloacutegica importante

com vaacuterias repercussotildees econoacutemicas porque mais de 30 das culturas alimentares

mundiais dependem da polinizaccedilatildeo Os insetos possuem ainda um papel importante em

investigaccedilatildeo cientiacutefica sendo muitas vezes utilizados como organismo modelo dado pos-

suiacuterem carateriacutesticas distintas como o seu tamanho reduzido tempos de geraccedilatildeo curtos

e elevada fecundidade O exemplo de excelecircncia eacute a mosca da fruta Drosophila melano-

gaster cujo genoma eacute jaacute conhecido na totalidade sendo esta espeacutecie utilizada frequente-

mente para estudar vaacuterios processos celulares (ex o envelhecimento a hereditariedade

e o desenvolvimento embrionaacuterio) Apesar de constituiacuterem um grupo tatildeo interessante

beneacutefico e necessaacuterio agrave manutenccedilatildeo do equiliacutebrio dos ecossistemas existem algumas

desvantagens associadas aos insetos como eacute o caso de serem vetores na transmissatildeo

de doenccedilas Eacute o caso da malaacuteria transmitida por um mosquito do geacutenero Anopheles a

doenccedila parasitaacuteria mais disseminada com vaacuterios milhotildees de humanos infetados em todo

o mundo O dengue e o zika satildeo doenccedilas em que o vetor de transmissatildeo eacute tambeacutem um

mosquito do geacutenero Aedes Na agricultura as pragas de insetos (ex gorgulhos gafa-

nhotos afiacutedios) satildeo responsaacuteveis por prejudicar as culturas agriacutecolas e a produccedilatildeo de

alimentos causando perdas econoacutemicas elevadas

Sabe-se que atualmente a perda de habitat e as mudanccedilas climaacuteticas satildeo alguns dos

fatores responsaacuteveis por decliacutenios significativos nas populaccedilotildees deste grupo de orga-

nismos Esse decliacutenio apresenta uma elevada preocupaccedilatildeo ecoloacutegica uma vez que estes

organismos desempenham muacuteltiplas e importantes funccedilotildees nos ecossistemas No en-

tanto a conservaccedilatildeo deste grupo animal permanece um grande e urgente desafio que eacute

preciso enfrentar

AR

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Biocombustiacuteveis seratildeo a soluccedilatildeo Matilde Viegas

Maria Joatildeo Ramos

Pedro Alexandrino Fernandes

UCIBIO REQUIMTEUniversidade do Porto

ldquoA 21 de Fevereiro de 2018 o niacutevel de poluiccedilatildeo de partiacuteculas finas com diacircmetro inferior

a 10 μm PM10 atingiu em Paris niacuteveis alarmantes com um pico correspondente

ao dobro do limite maacuteximo A Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) recomenda natildeo

exceder este limite maacuteximo por mais de trecircs dias por ano Com este recente pico os

parisienses jaacute o ultrapassaramrdquo

Em Un pic de pollution laquograveraquo en Ile-de-France Le Monde 22 de Fevereiro de 2018

Esta notiacutecia eacute um dos inuacutemeros exemplos dos efeitos do aquecimento global termo com o

qual estamos cada vez mais familiarizados infelizmente Este fenoacutemeno eacute consequecircncia

de Gases de Efeito de Estufa GEE (dioacutexido de carbono metano e oacutexido de azoto entre

outros) que se acumulam na atmosfera enclausurando o calor e tornando o planeta mais

quente A produccedilatildeo em larga escala de GEEs teve iniacutecio na Revoluccedilatildeo Industrial (1800)

como resultado da combustatildeo de combustiacuteveis foacutesseis (carvatildeo petroacuteleo e gaacutes natural)

para produccedilatildeo de eletricidade aquecimento e transporte

A preocupaccedilatildeo em torno do aquecimento global tornou-se um assunto constante na

agenda poliacutetica sobretudo nas uacuteltimas duas deacutecadas Os primeiros esforccedilos coletivos re-

sultaram no Protocolo de Quioto em 1997 cujo objetivo era a reduccedilatildeo das emissotildees de

GEEs assentando nos argumentos de que i) o aquecimento global era uma realidade e ii) o

CO2 produzido por accedilotildees humanas era o seu grande causador O primeiro periacuteodo do Proto-

colo terminou em 2012 e por isso em 2015 as Naccedilotildees Unidas promoveram a assinatura

do novo Acordo de Paris o qual consiste numa atualizaccedilatildeo do antigo Protocolo de Quioto

com o objetivo de ldquofortalecer a resposta global agrave ameaccedila das alteraccedilotildees climaacuteticas no

contexto de desenvolvimento sustentaacutevel e com esforccedilo para a erradicaccedilatildeo da pobrezardquo

O novo Acordo ao contraacuterio do de Quioto estabelece metas tangiacuteveis e quantitativas O

AR

TIG

O

26

objetivo eacute manter o aumento da temperatura meacutedia global abaixo dos 2ordm Celsius face agrave

temperatura global na era preacute-industrial Para atingir tal meta eacute necessaacuterio um esforccedilo

mundial contudo em 2017 com a saiacuteda dos EUA do Acordo de Paris o segundo maior

emissor de GEEs logo a seguir agrave China perdeu-se uma enorme contribuiccedilatildeo Aleacutem do peso

evidente que as suas emissotildees tecircm para o estado atual do aquecimento global em falta

estaratildeo tambeacutem a diplomacia e o encorajamento proporcionados por esta forccedila mundial

No Acordo de Paris uma das claacuteusulas exige a inclusatildeo de energias renovaacuteveis (eoacutelica

mariacutetima solar) e de biocombustiacuteveis no mercado de energia encorajando os paiacuteses a

atingir niacuteveis miacutenimos da sua utilizaccedilatildeo As metas estabelecidas para cada paiacutes vatildeo ao en-

contro ao seu mercado e agraves mateacuterias-primas disponiacuteveis em cada territoacuterio favorecendo o

desenvolvimento da economia

De uma forma generalista os biocombustiacuteveis englobam combustiacuteveis produzidos atra-

veacutes de processos bioloacutegicos como a agricultura e digestatildeo anaeroacutebica em vez de produ-

zidos a partir de processos geoloacutegicos como os necessaacuterios para a formaccedilatildeo de combus-

tiacuteveis foacutesseis Isto inclui o biodiesel (produzido a partir de oacuteleos e gorduras orgacircnicas) e o

bioetanol (aacutelcool produzido atraveacutes de fermentaccedilatildeo microbiana de accediluacutecares seguido de

destilaccedilatildeo e desidrataccedilatildeo) os quais seratildeo o maior foco deste artigo

A partir da deacutecada de 70 foram feitos os primeiros investimentos nos chamados bio-

combustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo (1G) Estes fazem uso de colheitas de produtos agriacuteco-

las como a soja cana-de-accediluacutecar milho oacuteleo de palma entre outros para a produccedilatildeo de

biodiesel e bioetanol atraveacutes de processos de trans-esterificaccedilatildeo ou fermentaccedilatildeo A sua

disponibilidade e facilidade de processamento permitiram a sua inserccedilatildeo e mistura nos

combustiacuteveis atualmente vendidos ao puacuteblico Para 2017 Portugal fixou em 75 (de poder

energeacutetico) a incorporaccedilatildeo de biocombustiacuteveis nos combustiacuteveis dos transportes rodoviaacute-

rios tendo a Uniatildeo Europeia o objectivo de 10 em 2020 para todos os paiacuteses membros

Os biocombustiacuteveis 1G fazem uso da colheita agriacutecola para fins energeacuteticos o que gera

opiniotildees desfavoraacuteveis por parte de ambientalistas (pelo uso exaustivo da terra agriacutecola sem

compensaccedilatildeo desflorestaccedilatildeo e perda de biodiversidade) e problemas eacuteticos tais como os le-

vantados por responsaacuteveis da ONU como o Dr Jean Ziegler que atribui aos biocombustiacuteveis

a culpa pela contiacutenua inflaccedilatildeo dos preccedilos de alimentos exacerbando a atual crise de fome

mundial - ldquoSatildeo necessaacuterios 352Kg de milho para encher um depoacutesito de 50L de um carro Uma

crianccedila na Zacircmbia ou no Meacutexico onde o milho eacute um elemento baacutesico da dieta poderia viver

com esta quantidade de milho um ano inteirordquo Atualmente os maiores produtores destes bio-

combustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo satildeo os EUA e o Brasil utilizando parte da produccedilatildeo global

de cereais e oacuteleos vegetais para a produccedilatildeo de bioetanol e biodiesel causando um ambiente

de profunda preocupaccedilatildeo em volta da sustentabilidade de produccedilatildeo de energia a meacutediolongo

prazo De forma a controlar a inflaccedilatildeo no preccedilo dos alimentos a EU estabeleceu um limite de

7 para o uso de biocombustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo como combustiacutevel de transportaccedilatildeo

AR

TIG

O

27

A segunda geraccedilatildeo de biocombustiacuteveis (2G) usa biomassa isto eacute qualquer fonte de car-

bono orgacircnico que eacute rapidamente renovado no ciclo de carbono Os biocombustiacuteveis de

segunda geraccedilatildeo almejam um uso ponderado de desperdiacutecios da induacutestria madeireira e

agriacutecola ou de restos de colheitas agriacutecolas assim que estas preencham o seu propoacutesito

alimentar evitando interferecircncia com o mercado alimentar e natildeo influenciando os preccedilos

dos alimentos baacutesicos

FIGURA 1 Biocombustiacuteveis

A produccedilatildeo de arroz atingiu o seu pico em 2017 gerando 1140 milhotildees de toneladas de

espigas de arroz cujo destino eacute a incineraccedilatildeo compostagem ou eacute simplesmente deposita-

da em aterros Contudo com a 2G de biocombustiacuteveis eacute encontrado potencial energeacutetico

neste desperdiacutecio agriacutecola O seu potencial deve-se agrave mateacuteria lignoceluloacutesica ndash celulose

hemicelulose e lignina ndash presente em todas as plantas incluindo as espigas em diferen-

tes percentagens Este material composto eacute essencial para a estrutura e resistecircncia das

plantas a hemicelulose eacute a matriz que rodeia o esqueleto de celulose enquanto a lignina

funciona como uma camada protetora As possibilidades associadas a este tipo de desper-

diacutecio satildeo inegaacuteveis a sua abundacircncia e facilidade de obtenccedilatildeo tornam-no muito apelativo

Contudo o gasto na recolha e transporte desta mateacuteria suplanta os custos de produccedilatildeo

e o seu uso continuado poderaacute contribuir para a erosatildeo do solo Aleacutem disso para o seu

aproveitamento para produccedilatildeo de biocombustiacuteveis eacute necessaacuterio um preacute-tratamento para

hidrolisar as ligaccedilotildees covalentes entre os trecircs constituintes da mateacuteria lignoceluloacutesica e

permitir a posterior fermentaccedilatildeo anaeroacutebia da celulose produzindo bioetanol Este preacute-

-tratamento eacute visto como outra das desvantagens do processo e estaacute ainda a ser estudado

e otimizado pois de momento as alternativas disponiacuteveis encarecem o produto final e em

AR

TIG

O

28

alguns dos casos dependem do uso de quiacutemicos poluentes A esperanccedila estaacute entatildeo de-

positada no estudo de enzimas hidroliacuteticas encontradas em organismos termoacutefilos que

seratildeo capazes de aguentar as difiacuteceis condiccedilotildees de tratamento Contudo a dificuldade em

escalar o processo de fermentaccedilatildeo eacute uma das desvantagens e dos fatores limitantes para

a 2G de biocombustiacuteveis em grande parte devido agrave dificuldade de monitorizar as condiccedilotildees

de fermentaccedilatildeo (oxigeacutenio pH nutrientes etc)

A terceira geraccedilatildeo (3G) de biocombustiacuteveis foi reconhecida como a melhor alternativa

em comparaccedilatildeo com primeira e segunda geraccedilotildees pois surpreendentemente faz uso de

algas A sua enorme disponibilidade por todo o planeta e o facto de natildeo interferirem com os

mercados alimentares satildeo os grandes embaixadores desta mateacuteria-prima como o futuro

dos biocombustiacuteveis Ainda que natildeo seja uma mateacuteria infinita eacute a que de momento mais se

assemelha por existirem 70 000 espeacutecies (30 000 documentadas) Estudos conduzidos

atualmente estatildeo a explorar a viabilidade energeacutetica de 30 espeacutecies de algas explorando a

sustentabilidade facilidade e escalabilidade da sua produccedilatildeo Outras vantagens incluem a

baixa manutenccedilatildeo necessaacuteria para o seu crescimento (luz dioacutexido de carbono e nutrientes

como azoto foacutesforo e potaacutessio) a facilidade com que produzem liacutepidos e carboidratos que

podem posteriormente ser processados em diferentes biocombustiacuteveis e outros copro-

dutos a frequecircncia com que podem ser colhidas ao longo do ano (ao contraacuterio de outras

colheitas convencionais) a baixa percentagem de hemicelulose e a praticamente ausente

lignina facilitam radicalmente o seu preacute-processamento pois a celulose eacute mais facilmente

extraiacuteda As desvantagens desta mateacuteria incluem o enorme investimento inicial para a

construccedilatildeo de infraestruturas para o seu cultivo que pode ser ou ao ar livre (em tanques

de grande dimensatildeo) ou em foto-bioreatores (sistemas fechados altamente controlados)

Prevecirc-se que em 2030 o preccedilo de produccedilatildeo de combustiacutevel a partir de algas seraacute 065 euro

litro de combustiacutevel valor muito proacuteximo do atual preccedilo de produccedilatildeo do litro de gasolina

Comparativamente aos custos de produccedilatildeo de outros biocombustiacuteveis o mais barato con-

tinua a ser o bioetanol produzido a partir de milho (1G) 017 eurolitro seguido de combustiacute-

veis celuloacutesicos (2G) a 032 eurolitro

Eacute evidente que seratildeo necessaacuterios esforccedilos poliacuteticos e cientiacuteficos investimento e regu-

lamentaccedilatildeo adequados para encontrar o caminho ideal para travar o aquecimento global

Em todas as geraccedilotildees de biocombustiacuteveis apresentadas existem fatores que afunilam as

potencialidades destas alternativas indicando que a soluccedilatildeo passa por criar um consoacutercio

entre as vaacuterias possibilidades de forma a tirar o maacuteximo partido sem danificar o planeta ou

piorar a crise da fome O proacuteximo passo passa por substituir os biocombustiacuteveis de 1G por

soluccedilotildees com maior escalabilidade Acreditamos que nas proacuteximas deacutecadas seratildeo cruciais

e depositamos esperanccedila na investigaccedilatildeo cientiacutefica

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Stephen Hawking e a sua contribuiccedilatildeo para a fiacutesica teoacutericaOrfeu Bertolami

Claacuteudio GomesDepartamento de Fiacutesica e Astronomia CFP Universidade do Porto

A 14 de marccedilo de 2018 o fiacutesico britacircnico Stephen Hawking faleceu aos 76 anos deixando

todavia um importante legado para a fiacutesica teoacuterica muito particularmente para o

entendimento das deficiecircncias intriacutensecas da Relatividade Geral de Einstein para a fiacutesica

dos buracos negros e para a cosmologia a ciecircncia do Universo como um todo

Stephen Hawking doutorou-se em Fiacutesica Teoacuterica em 1966 pela Universidade de Cambridge

sob a supervisatildeo de Dennis Sciama Apesar da sua condiccedilatildeo fiacutesica progressivamente limi-

tativa manteve-se extremamente ativo na investigaccedilatildeo nas aacutereas de cosmologia fiacutesica dos

buracos negros e gravitaccedilatildeo quacircntica

Nessa altura havia uma consideraacutevel discussatildeo acerca da realidade e ubiquidade de sin-

gularidades pontos no espaccedilo-tempo onde a Teoria da Relatividade Geral deixa de fazer sen-

tido e natildeo desaparecendo atraveacutes de mudanccedila de sistemas de coordenadas que descrevem

o espaccedilo-tempo Na segunda metade da deacutecada de 1960 Hawking e o matemaacutetico inglecircs

Roger Penrose demonstraram que essas singularidades eram inevitaacuteveis no contexto da

Teoria da Relatividade Geral (ver para uma descriccedilatildeo exaustiva o livro Large Scale Structure

of Space-Time escrito em colaboraccedilatildeo com o fiacutesico sul-africano George Ellis publicado em

1973) Uma dessas singularidades corresponde ao iniacutecio do Universo ndash Big Bang ndash e outras

estatildeo presentes no interior dos buracos negros natildeo acessiacuteveis agrave observaccedilatildeo devido agrave pre-

senccedila de um horizonte de acontecimentos que segundo a Conjetura da Censura Coacutesmica de

Roger Penrose protegem sempre as singularidades de se apresentarem ldquonuasrdquo

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Subsequentemente em 1975 ele desenvolveu a ideia que os buracos negros deveriam

radiar termicamente a uma temperatura especiacutefica inversamente proporcional agraves suas

massas temperatura esta que hoje designamos por temperatura de Hawking Esta ideia daacute

origem ao paradoxo da informaccedilatildeo em que a informaccedilatildeo que entrava no horizonte de evento

se perdia Com este contributo passou-se a ter uma equivalecircncia entre a dinacircmica e a termo-

dinacircmica de buracos negros

FIGURA 1 Emissatildeo da radiaccedilatildeo teacutermica de Hawking por um buraco negro

No princiacutepio da deacutecada de 1980 Hawking iniciou em colaboraccedilatildeo com o fiacutesico norte-ameri-

cano James Hartle o programa de investigaccedilatildeo que hoje designamos por cosmologia quacircntica

Na cosmologia quacircntica o espaccedilo-tempo eacute descrito por uma funccedilatildeo de onda a funccedilatildeo de onda

do Universo como na Mecacircnica Quacircntica Esta equaccedilatildeo de onda satisfaz uma equaccedilatildeo anaacuteloga

agrave de Schroumldinger da Mecacircnica Quacircntica a equaccedilatildeo de Wheeler-DeWitt A proposta de Hartle

e Hawking eacute que a funccedilatildeo de onda descreva um espaccedilo-tempo sem fronteiras (No-Boundary

proposal) A ideia eacute que agrave medida que retrocedemos no tempo chegamos a um ponto em que

o Universo eacute pequeno o suficiente para que efeitos quacircnticos sejam dominantes Nesta altura

existe uma espeacutecie de ldquoespumardquo do espaccedilo-tempo de tal modo que o tempo natildeo pode ser in-

terpretado do modo como o vemos hoje mas sim como uma quarta dimensatildeo espacial Uma

analogia uacutetil eacute a seguinte se viajarmos para o Polo Sul temos de seguir sempre para sul mas

quando alcanccedilamos o ponto do Polo Sul jaacute natildeo faz sentido falarmos na direccedilatildeo sul pelo mesmo

raciociacutenio ao retrocedermos no tempo haacute um pontoinstante em que natildeo faz sentido falar-se em

tempo Matematicamente isto torna-se possiacutevel passando de um espaccedilo-tempo de Minkowski

como na Relatividade Restrita para um espaccedilo Euclideano a quatro dimensotildees no qual o tempo

passa a ser um nuacutemero puramente complexo Com esta formulaccedilatildeo o Universo natildeo tem uma

fronteira aleacutem daquela que permite a transiccedilatildeo entre as duas descriccedilotildees para o espaccedilo-tempo

e que eacute exemplificado na FIGURA 2 Esta geometria eacute designada por shuttlecock ou volantepena

de badminton devido agrave semelhanccedila com este objeto

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FIGURA 2 Representaccedilatildeo tridimensional do modelo de Hartle-Hawking (no boundary proposal) A base corresponde a uma semiesfera a 4 dimensotildees e a estrutura que apresenta o tempo como uma direccedilatildeo distinta das espaciais corresponte a um Universo em expansatildeo

Hawking tambeacutem estudou outros problemas como o das maacutequinas do tempo e questotildees

relacionadas com a cosmologia e a formaccedilatildeo de estruturas no Universo Com o seu carate-

riacutestico humor Hawking afirmou natildeo ser possiacutevel viajar no tempo Para tal sugeriu organizar

uma festa convidando pessoas do futuro a se juntarem a ele e dado que ningueacutem apa-

receu concluiu entatildeo que viagens no tempo natildeo satildeo possiacuteveis na realidade Outra prova

prende-se com o facto de natildeo termos recebido ainda turistas do futuro numa clara alusatildeo

iroacutenica agrave procura turiacutestica desenfreada que assistimos nos dias de hoje

Mais recentemente ele pronunciou-se sobre questotildees de interesse geral como as im-

plicaccedilotildees do desenvolvimento da inteligecircncia artificial e a necessidade e inevitabilidade

da exploraccedilatildeo espacial Mostrou-se reticente acerca dos desenvolvimentos no domiacutenio da

inteligecircncia artificial classificando-o como possivelmente perigoso para a nossa civiliza-

ccedilatildeo pois apesar dos potenciais benefiacutecios comportam seacuterios riscos agrave continuidade da hu-

manidade Relativamente agrave exploraccedilatildeo espacial Hawking encarava as viagens espaciais

quer pelo seu interesse cientiacutefico quer como forma de preservar a humanidade de riscos

de destruiccedilatildeo devido a guerras nucleares ou epidemias devido a viacuterus geneticamente mo-

dificados

O fiacutesico Stephen Hawking legou-nos uma extraordinaacuteria contribuiccedilatildeo cientiacutefica e huma-

na Deixou um extraordinaacuterio exemplo de resiliecircncia dedicaccedilatildeo ao conhecimento e agrave socie-

dade Fisicamente debilitado e ldquopresordquo a uma condiccedilatildeo rara a esclerose lateral amiotroacutefica

que lhe foi diagnosticada aos 21 anos a sua mente foi das mais livres dos nossos tempos

concebeu hipoacuteteses conjunturas e teorias pensou a sociedade de hoje e a do futuro

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RochaO que eacute importante dizer sobre as rochas

A M Galopim de Carvalho Universidade de Lisboa

Rochas e pedras satildeo a mesma coisa Praticamente a resposta eacute sim Pedra eacute aquilo

que se apanha do chatildeo para dar uma pedrada

Qualquer pessoa mesmo a menos letrada diraacute que as pedras

bull natildeo satildeo fabricadas ou feitas por gente (a ciecircncia diz que satildeo entidades naturais)

bull que natildeo se amolgam (a ciecircncia diz que satildeo riacutegidas)

bull que geralmente natildeo se esboroam nem se esfarela (a ciecircncia diz que satildeo coesas)

bull que fazem mossa onde quer que batam (a ciecircncia diz que satildeo duras) Para o cidadatildeo

comum pedra (do grego peacutetra) eacute pois uma entidade natural riacutegida coesa e dura que se

apanha do chatildeo

Apanhamos uma pedra do chatildeo mas quando estudamos falamos quase sempre de ro-

chas Num modo de falar corrente podemos dizer que as pedras satildeo bocados de rocha

Todos falamos de rocha como sinoacutenimo de pedra com base num conhecimento comum

empiacuterico vulgar ligado agrave experiecircncia quotidiana mesmo do mais iletrado dos cidadatildeos Dize-

mos rochedo quando o afloramento de rocha eacute grande e apelidamos de rochoso um terreno

com a rocha agrave vista Rocha eacute um galicismo que entre noacutes se sobrepocircs ao termo ldquorocardquo bem

mais antigo talvez preacute-romano Cabo da Roca ou ldquoFocinho da Rocardquo no dizer dos homens do

mar deve o seu nome a esta versatildeo arcaica da palavra rocha

O conceito atual de rocha e os vaacuterios conhecimentos com elas relacionados percorreram

uma caminhada tatildeo longa quanto a do Homo sapiens caminhada de que temos testemunhos

na Preacute-histoacuteria e variadiacutessimos relatos escritos desde a Antiguidade

Na sua giacuteria proacutepria entendiacutevel entre pares os profissionais falam de rochas dizendo que

satildeo sistemas quiacutemicos mono ou polifaacutesicos (ou seja com um ou mais minerais) resultantes

do equiliacutebrio termodinacircmico atingido pelos seus constituintes em determinados ambientes

Entendendo-se por constituintes os elementos quiacutemicos incluiacutedos nos respetivos minerais

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Por outras palavras acessiacuteveis ao comum das gentes pode entatildeo dizer-se que as rochas

satildeo corpos naturais formados por associaccedilotildees mais ou menos estaacuteveis de minerais compatiacute-

veis entre si e com o ambiente onde foram gerados e que satildeo elas as rochas que constituem

a capa riacutegida da Terra que por essa razatildeo recebeu o nome de litosfera (FIGURA 1)

FIGURA 1 Modelado Graniacutetico na Serra da Estrela (fonte banco de imagens da Casa das Ciecircncias)

Antes de prosseguir esclareccedila-se que no jargatildeo proacuteprio da mineralogia e da geoquiacutemica

os minerais satildeo considerados fases no sentido fiacutesico-quiacutemico da palavra Com efeito neste

sentido uma fase eacute uma porccedilatildeo de mateacuteria quiacutemica e estruturalmente homogeacutenea e uma

qualquer espeacutecie mineral eacute isso mesmo

Por convenccedilatildeo na sistemaacutetica em sedimentologia entre as rochas sedimentares cabem

certos materiais natildeo consolidados como os barros as areias soltas as cascalheiras e ainda

outros de natureza natildeo mineral como os carvotildees foacutesseis e o petroacuteleo (oacuteleo de pedra) Cha-

mar rochas ou pedras a estes materiais agraves vezes tatildeo afastados da imagem vulgar de ldquocoisa

dura riacutegida e coesardquo decorre do conceito geoloacutegico de rocha no qual se inclui o modo de

ocorrecircncia e o respetivo processo de formaccedilatildeo (petrogeacutenese)

A mecacircnica das rochas (disciplina que estuda certas propriedades das rochas como resis-

tecircncia ao esmagamento agrave traccedilatildeo agrave torccedilatildeo agrave flexatildeo porosidade permeabilidade e outras)

define-as como entidades sempre riacutegidas e coesas e duras como tambeacutem se diz vulgarmen-

te com capacidade de suportar cargas e que na eventualidade de terem de ser escavadas ou

removidas haacute que usar tecnologias com explosivos Este conceito corresponde aliaacutes agrave ideia

mais divulgada de rocha como atraacutes se referiu Eacute o bedrock dos autores ingleses

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FIGURA 2 Processo de meteorizaccedilatildeo fiacutesica essencialmente por corrosatildeo eoacutelica em rochas sedimentares (arenitos) (fonte banco de imagens da Casa das Ciecircncias)

Aleacutem das muitas que conhecemos na Terra jaacute estudaacutemos rochas do nosso sateacutelite natural

nomeadamente basaltos e anortositos trazidos da sua superfiacutecie Mercuacuterio Veacutenus e Marte satildeo

tambeacutem planetas rochosos e igualmente rochosos ou pedregosos satildeo ainda os nuacutecleos dos co-

metas e muitos dos asteroides de que temos conhecimento pelos meteoritos caiacutedos na Terra

Quando se apelidam as rochas de magmaacuteticas sedimentares (FIGURA 2) ou metamoacuterficas

natildeo se estaacute apenas a rotulaacute-las para efeitos de arrumo ou arquivo muito menos se estatildeo a

criar novos vocaacutebulos para sobrecarga dos estudantes ou do cidadatildeo em geral Estes adjeti-

vos acrescentados agrave palavra rocha informam de imediato sobre a sua origem

bull magmaacutetica ou sedimentar qualquer delas em resultado de processos naturais faacuteceis de

entender

bull metamoacuterfica em consequecircncia de um outro processo muito menos ao alcance da vivecircncia

do vulgo mas que se explica sem grandes dificuldades

Apelidam-se de metamoacuterficas as rochas que posteriormente a uma primeira formaccedilatildeo

como magmaacuteticas ou sedimentares foram submetidas a pressotildees eou a temperaturas no

interior da crosta que lhes modificaram a composiccedilatildeo eou a textura

Foi atraveacutes do estudo das rochas que desvendaacutemos o essencial dos acontecimentos geo-

loacutegicos que marcaram a histoacuteria deste laquoPlaneta Azulraquo no qual a vida encontrou condiccedilotildees

para despertar e onde evoluiu ao ponto de se interrogar sobre essa mesma histoacuteria

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Os conhecimentos diretos de que hoje dispomos relativos agraves rochas da Terra limitam-se

aos que se obtecircm pelo estudo das que afloram agrave superfiacutecie das recolhidas em dragagens

nos fundos marinhos e das retiradas da profundidade quer em minas quer atraveacutes de son-

dagens Esta profundidade que natildeo excede 3 km no primeiro caso e 11 km no segundo

(na peniacutensula de Kola) pode considerar-se insuficiente se comparada com as trecircs a quatro

dezenas de quiloacutemetros de espessura meacutedia da crosta continental

Eacute jaacute muito o conhecimento que temos desta capa (a crosta ou crusta como alguns dizem e

escrevem) mais superficial do nosso planeta Temo-lo atraveacutes das rochas que constantemente

vemos e pisamos muitas delas geradas em zonas profundas trazidas agrave superfiacutecie pelos en-

rugamentos de origem tectoacutenica geradores das montanhas e subsequentemente postas a

descoberto pela erosatildeo

Outras rochas proacuteprias de muito maiores profundidades inclusive do manto inferior como eacute

o caso dos xenocristais e dos xenoacutelitos (do grego xenos estranho e lithos pedra) isto eacute cris-

tais e fragmentos de materiais liacuteticos gerados nessas regiotildees e que ascendem agrave superfiacutecie na

sequecircncia de atividade vulcacircnica englobados ou encravados nos produtos magmaacuteticos que ali

se formaram ou por ali passaram Na ilha da Madeira por exemplo satildeo frequentes os xenoacutelitos

oliviacutenicos que ascenderam ateacute agrave superfiacutecie no seio das lavas envolvidas no processo vulcacircnico

que originou esta e muitas outras ilhas

As rochas a que temos acesso mais ou menos direto representam uma parcela importante

da diferenciaccedilatildeo da Terra e agrave semelhanccedila da aacutegua do ar e dos seres vivos satildeo o resultado de

imensas transformaccedilotildees numa vasta e complexa rede de inter-relaccedilotildees ocorridas ao longo

dos tempos neste laquoplaneta vivoraquo pleno ainda de energia interna (sob a forma de calor) a que

se adiciona toda a que lhe chega do exterior isto eacute a radiaccedilatildeo solar Como escreveu Maurice

Mattauer ldquoas pedras nascem vivem e morrem como noacutes elas tecircm uma idade e uma histoacuteriardquo

Petrologia e litologia satildeo duas disciplinas que estudam as rochas ou as pedras Se bem que

os eacutetimos petra (latim) e lithos (grego) sejam sinoacutenimos petrologia e litologia encerram con-

ceitos diferentes ainda que relacionados entre si

bull A petrologia eacute um ramo da geologia com dimensatildeo de ciecircncia de vastos recursos nos campos

da fiacutesica da quiacutemica e naturalmente tambeacutem da matemaacutetica em busca do conhecimento da

origem natureza constituiccedilatildeo e evoluccedilatildeo da Terra no acircmbito do Sistema Solar e do Universo

bull A litologia outro ramo da geologia eacute habitualmente entendida como a disciplina que estuda

as rochas num campo praacutetico Serve a geologia de engenharia tendo em vista a implantaccedilatildeo

de grandes edifiacutecios e outras obras volumosas cujas fundaccedilotildees exigem o conhecimento dos

terrenos A litologia daacute igualmente respostas agrave pedologia (o estudo dos solos) e agrave induacutestria

extrativa de rochas ornamentais usadas na arquitetura na cantaria ou na estatuaacuteria e de

rochas industriais exploradas como importantes mateacuterias-primas para a construccedilatildeo civil a

ceracircmica o vidro o cimento a cal e a induacutestria quiacutemica

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Software educativo em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Ana C Conceiccedilatildeo

DMUniversidade do Algarve

O conceito F-Tool foi desenvolvido em 2012 com o objetivo de proporcionar uma

aprendizagem interativa em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Em particular eacute possiacutevel

explorar de forma integrada as noccedilotildees de domiacutenio contradomiacutenio existecircncia de zeros

existecircncia de extremos e de pontos de inflexatildeo invertibilidade derivabilidade reta

tangente ao graacutefico num ponto simetrias em relaccedilatildeo aos eixos e agrave origem A utilizaccedilatildeo

dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adaptaccedilatildeo de

alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e

do simples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular)

No ensino da matemaacutetica e em particular no estudo de funccedilotildees a recomendaccedilatildeo da utiliza-

ccedilatildeo de software educacional tem como objetivo o sanar das dificuldades que os alunos pos-

suem em associar as representaccedilotildees algeacutebricas com as diversas representaccedilotildees numeacutericas

eou graacuteficas De facto o caraacuteter estaacutetico das representaccedilotildees matemaacuteticas muitas vezes

dificulta a construccedilatildeo do significado afetando substancialmente a correta interpretaccedilatildeo dos

conceitos A criaccedilatildeo de modelos interativos visuais com o sistema de aacutelgebra computacional

Mathematica permite aos alunos explorar conceitos de elevada complexidade e rapidamen-

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te adquirir uma compreensatildeo mais profunda dos conteuacutedos Obviamente a utilizaccedilatildeo de sof-

tware educacional natildeo deve ser vista como um substituto para o ensino com ldquopapel e laacutepisrdquo

deve ser devidamente combinada com outros meacutetodos de ensino

O conceito F-Tool foi desenvolvido em 2012 com o objetivo de proporcionar uma apren-

dizagem interativa em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Os aplicativos computacionais

implementados com base neste conceito utilizam as capacidades de caacutelculo numeacuterico e

simboacutelico do Mathematica de forma a permitir estudar dinacircmica e interativamente e em

tempo real conceitos e propriedades fundamentais do preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial

FIGURA 1 Imagem ilustrativa da F-Exponential

O conceito F-Tool em sala de aula permite uma abordagem dinacircmica de diversos concei-

tos relacionados com o estudo de funccedilotildees e promove novas formas de raciocinarpensar

avaliar ensinar e aprender As F-Tool foram concebidas como ferramentas de aprendiza-

gem ativa ou seja a sua utilizaccedilatildeo adequada propicia um contexto de ensino-aprendiza-

gem onde alunos e professores satildeo igualmente convidados a contribuir Aleacutem disso tecircm

uma interface muito intuitiva que permite que ateacute mesmo o utilizador mais inexperiente

sem qualquer conhecimento anterior em software educacional possa comeccedilar a usar to-

dos os recursos de uma forma eficiente e autoacutenoma As F-Tool natildeo satildeo um objeto estaacutetico

mas sim um programa a ser executado com o qual se interage em tempo real Em parti-

cular atraveacutes da alteraccedilatildeo dinacircmica dos valores dos paracircmetros que definem cada classe

eacute possiacutevel obter informaccedilatildeo analiacutetica rigorosa apresentada em aritmeacutetica exata ou apro-

ximada bem como informaccedilatildeo visual estaacutetica e natildeo-estaacutetica De igual modo escolhendo

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estrategicamente de entre as vaacuterias opccedilotildees de funccedilotildees disponiacuteveis no painel esquerdo eacute

possiacutevel apreender de forma mais eficaz e consequente muitas das relaccedilotildees existentes

entre as vaacuterias funccedilotildees e respetivas transformaccedilotildees (FIGURA 1) As F-Tool utilizam um

coacutedigo de cores para diferenciar as vaacuterias funccedilotildees apresentadas Este coacutedigo eacute explicitado

na legenda do canto inferior esquerdo do painel central

Qual das figuras pode representar o graacutefico de uma funccedilatildeo e o graacutefico da sua derivada de 1ordf ordem

FIGURA 2 Exemplo de questatildeo de escolha muacuteltipla utilizando diversas opccedilotildees do painel esquerdo das F-Tool

Apesar de ser um software educacional dinacircmico e interativo pode tambeacutem ser utilizado

na construccedilatildeo de questotildees de avaliaccedilatildeo de escolha muacuteltipla (FIGURA 2) e de resposta aberta

ficando o docente automaticamente com a resposta ao selecionar no painel esquerdo as

opccedilotildees relacionadas com a questatildeo

A utilizaccedilatildeo dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adapta-

ccedilatildeo de alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e do sim-

ples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular) De facto

incluindo as F-Tool em ficheiros no Computable Document Format (CDF) eacute possiacutevel criar

fichas de trabalho dinacircmicas e interativas motivando os alunos e tornando o estudo mais

interessante

Acreditamos que o conceito F-Tool ao dotar professores e estudantes com novas fer-

ramentas para explorar alguns conceitos fundamentais da matemaacutetica desenvolveraacute po-

sitivamente o processo de ensino e de aprendizagem das aacutereas de preacute-caacutelculo e caacutelculo

diferencial

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O Aroma das Plantas Luiacutes Gaspar Pedro

Ana Cristina Figueiredo

Joseacute Gonccedilalves Barroso

CESAM CBV Universidade de Lisboa

Quando nos festejos dos Santos Populares colocamos a matildeo sobre o manjerico

provocamos a rutura de estruturas microscoacutepicas Ao fazecirc-lo libertam-se compostos

quiacutemicos que aderem agrave palma da nossa matildeo que depois percecionamos pelo nosso

olfacto Os aromas satildeo misturas complexas de dezenas de compostos volaacuteteis

carateriacutesticos de uma determinada planta

O aroma o que eacute

O aroma de muitas plantas eacute constituiacutedo por diversos compostos quiacutemicos volaacuteteis que

tecircm a capacidade de estimular os nossos recetores olfactivos A quantidade e a diver-

sidade deste tipo de compostos presentes nas plantas satildeo responsaacuteveis pelos aromas

carateriacutesticos Eacute relativamente faacutecil reconhecer o aroma dos coentros ou do manjerico e

distingui-los de outros aromas como o da rosa ou do cravinho

Na composiccedilatildeo da fraccedilatildeo volaacutetil de uma planta aromaacutetica encontram-se regra geral

compostos como os mono- e sesquiterpenos e os fenilpropanoacuteides (FIGURA 1) entre ou-

tros Satildeo todos eles compostos quiacutemicos com ponto de ebuliccedilatildeo relativamente baixo que

volatilizam agrave temperatura ambiente e contribuem de forma mais ou menos notoacuteria para o

aroma carateriacutestico de cada espeacutecie

FIGURA 1 Exemplos de compostos que constituem a fraccedilatildeo volaacutetil de diversas espeacutecies aromaacuteticas monoterpenos (α-pineno timol) sesquiterpenos (β-cariofileno germacreno D) e fenilpropanoacuteides (eugenol)

α-Pineno Timol β-Cariofileno Germacreno D Eugenol

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Estruturas secretoras

Os compostos que constituem a fraccedilatildeo aromaacutetica de uma planta satildeo regra geral sinteti-

zados e acumulados em estruturas secretoras microscoacutepicas Entre os diversos tipos de

estruturas secretoras as mais frequentes satildeo os tricomas os canais e as bolsas (FIGURA 2)

FIGURA 2 Exemplos de estruturas secretoras observadas em microscopia oacuteptica A - Tricoma de Geranium robertianum (s - secretado acumulado no espaccedilo sub-cuticular coloraccedilatildeo com reagente de Nadi) B - canal secretor de Crithmum maritimum (setas coloraccedilatildeo com tricloreto de antimoacutenio) e C - bolsa secretora de Citrus sp (coloraccedilatildeo com Vermelho Sudatildeo III)

Os tricomas glandulares satildeo estruturas externas com origem em ceacutelulas epideacutermicas

que apresentam diversos graus de complexidade desde tricomas com apenas trecircs ceacutelulas

uma das quais a secretora ateacute tricomas com mais de uma dezena de ceacutelulas secretoras

As bolsas e os canais secretores satildeo estruturas internas constituiacutedas por ceacutelulas glandu-

lares que delimitam o luacutemen o espaccedilo para onde satildeo secretados os compostos depois de

produzidos nas ceacutelulas secretoras Os canais satildeo estruturas alongadas que percorrem o

corpo da planta por vezes com ramificaccedilotildees enquanto as bolsas satildeo estruturas mais ou

menos isodiameacutetricas

Os oacuteleos essenciais

Um oacuteleo essencial eacute obtido por hidrodestilaccedilatildeo ou por destilaccedilatildeo por arrastamento de va-

por (FIGURA 3) No caso particular dos citrinos o oacuteleo essencial pode ainda ser obtido

por expressatildeo (processo mecacircnico que promove a libertaccedilatildeo do secretado acumulado no

interior das estruturas secretoras neste caso bolsas)

Tanto na hidrodestilaccedilatildeo como na destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor o secretado eacute

removido das estruturas secretoras e arrastado pelo vapor de aacutegua Depois de condensar

por arrefecimento o oacuteleo essencial separa-se da aacutegua podendo ser facilmente recolhido

devido agrave sua imiscibilidade com a aacutegua

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41FIGURA 3 A - Sistema de hidrodestilaccedilatildeo com aparelho de Clevenger e B - sistema de destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor

Anaacutelise de oacuteleos essenciais

Para analisar um oacuteleo essencial recorre-se frequentemente agrave cromatografia gasosa (CG)

para quantificaccedilatildeo dos componentes e agrave CG acoplada agrave espectrometria de massa (CG-

-EM) para a correspondente identificaccedilatildeo dos constituintes Por CG-EM os diversos com-

ponentes que constituem o oacuteleo essencial satildeo separados uns dos outros e ao chegarem ao

espectroacutemetro de massa satildeo bombardeados por eletrotildees o que leva a que as moleacuteculas

fragmentem formando-se diferentes iotildees de acordo com padrotildees preferenciais O con-

junto dos fragmentosiotildees constituem o espectro de massa que eacute carateriacutestico de cada

moleacutecula A integraccedilatildeo das aacutereas dos picos que surgem no cromatograma obtido por CG

(FIGURA 4A) permite a quantificaccedilatildeo relativa dos diversos componentes do oacuteleo essencial

A anaacutelise por CG-EM possibilita a identificaccedilatildeo desses compostos por comparaccedilatildeo dos

espectros de massa (FIGURA 4B) e dos iacutendices de retenccedilatildeo com os de amostras padratildeo

FIGURA 4 A - Aspeto parcial de um cromatograma obtido por CG carateriacutestico de um oacuteleo essencial com alguns dos ldquopicosrdquo identificados B - espectro de massa obtido por CG-EM de um dos componentes maioritaacuterios o timol

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Paisagens da Islacircndia Formase Processos (III)Fernando Carlos LopesCITEUC Universidade de Coimbra

A Islacircndia eacute famosa natildeo soacute pelos seus vulcotildees mas tambeacutem pelos seus glaciares e pela

sua sinuosa e escarpada linha de costa

Atualmente os glaciares cobrem cerca de 10 da superfiacutecie islandesa e 60 destas

aacutereas geladas assentam sobre sistemas vulcacircnicos ativos Esta combinaccedilatildeo de gelo e vul-

canismo torna a Islacircndia o local ideal para cheias repentinas (joumlkulhlaups) resultantes de

aacutegua que escorre por baixo dos glaciares devido agrave fusatildeo provocada pelas erupccedilotildees subgla-

ciares Atualmente existem 4 grandes calotes glaciares localizadas nas regiotildees elevadas

e vulcanicamente ativas do centro e sul da ilha a partir das quais divergem numerosas liacuten-

guas glaciarias Vatnajoumlkull (8100 km2) situado no centro leste Langjoumlkull (925 km2) si-

tuado no centro oeste Hofsjoumlkull (925 km2) situado na zona central da ilha Myrdalsjoumlkull

(600 km2) situado no sul da ilha Apesar da Islacircndia ter cerca de 24 Ma a sua paisagem soacute

foi moldada por glaciares nos uacuteltimos 5 milhotildees de anos Os seus glaciares de tipo alpino

(ou de montanha) avanccedilaram e recuaram condicionados pelas variaccedilotildees regionais e locais

do clima de que resultaram espetaculares morfologias Como jaacute se referiu anteriormente

as variaccedilotildees da carga glaciar sobre a litosfera provocadas pelas fases de gelo e degelo

teratildeo desempenhado papel importante na atividade vulcacircnica da ilha

Com um comprimento de cerca de 4970 km a linha de costa da Islacircndia eacute de um modo

geral muito recortada e escarpada marcada por promontoacuterios cabos peniacutensulas fiordes

e enseadas pontilhada de leixotildees por entre os quais se aninham praias de areia negra de

contornos suaves A accedilatildeo do mar sobre as inuacutemeras escoadas de lava que fluiacuteram ateacute agrave

costa ao longo da evoluccedilatildeo geoloacutegica da ilha e ali solidificaram sobre os aparelhos vulcacirc-

nicos implantados na zona litoral e sobre os vales deixados pelo recuo dos glaciares criou

paisagens de uma beleza surreal

FIGURA DA PAacuteGINA ANTERIOR Leixatildeo Hvitserkur noroeste da Islacircndia (fonte pixabay)

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Parte III - Paisagens controladas pelos glaciares e paisagens costeirasVales glaciares e fiordes

Vales glaciares vales suspensos lagos glaciares e cascatas ciacuterculos glaciares moreias

e fiordes satildeo formas carateriacutesticas das paisagens islandesas criadas pelos seus glacia-

res alpinos Os vales glaciares com o seu carateriacutestico perfil em ldquoUrdquo satildeo a forma mais

comum de paisagem originada pela erosatildeo glacial (FIGURA 1) No interior destes vales os

rios concentram o seu poder erosivo na zona mais baixa originando um perfil carateriacutestico

em ldquoVrdquo O poder erosivo dos glaciares eacute muito superior ao dos rios porque a sua energia

potencial resulta natildeo soacute do declive do terreno mas tambeacutem do peso do gelo A erosatildeo faz-

-se essencialmente ao longo das zonas laterais do canal criando um vale com vertentes

alcantiladas e fundo aplanado Vales suspensos satildeo vales escavados por glaciares tributaacute-

rios Como estes glaciares levam menos gelo o seu poder erosivo eacute menor que o do glaciar

principal ficando suspenso nas vertentes do glaciar principal quando o gelo recua Cons-

tituem exemplos notaacuteveis pela sua beleza e dimensatildeo os vales glaciares de Borgarvirki

(FIGURA 2) e de Akureyri (ou Eyjafjoumlrethur) no noroeste da ilha Este uacuteltimo vai desembocar

num fiorde que eacute mais longo da Islacircndia

FIGURA 1 Esquema 3D (sem escala) da evoluccedilatildeo de uma paisagem glaciar com formaccedilatildeo de vales glaciares vales glaciares suspensos ciacuterculos glaciares lagos glaciares e cascatas

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FIGURA 2 Aspeto do vale glaciaacuterio de Borgarvirki observado a partir da fortaleza de Borgarvirki

Se as condiccedilotildees forem favoraacuteveis os glaciares podem erodir abaixo do niacutevel do mar Quan-

do o glaciar recua o oceano invade estas depressotildees criando um fiorde Alguns dos fiordes

islandeses como o de Akureyri e o de Nordfjord (nordeste da ilha) possuem centenas de

metros abaixo do niacutevel do mar O fiorde de Nordfjord abrange parcialmente uma antiga cal-

deira vulcacircnica Nas faleacutesias do seu flanco oriental (falesias de Raudubjoumlrg) afloram rioacutelitos

conferindo agraves arribas uma carateriacutestica cor avermelhada)

Como se referiu anteriormente (Parte I) a orientaccedilatildeo da maioria dos vales glaciares e

fiordes segue de perto a orientaccedilatildeo dos principais lineamentos tectoacutenicos

Moreias

Em termos de aspetos deposicionais relacionados com glaciares as moreias satildeo de lon-

ge os mais abundantes Satildeo acumulaccedilotildees de fragmentos rochosos transportados pelos

glaciares quer na regiatildeo frontal (moreia frontal) lateral (moreia lateral) a meio (moreia

mediana) e no fundo (moreia de fundo)

Durante o uacuteltimo maacuteximo glaciar (haacute cerca de 20 000 anos) a Islacircndia estava quase

toda coberta por glaciares que se estendiam ateacute agrave costa e para aleacutem dela Foram encon-

tradas moreias frontais dessa eacutepoca a cerca de 130 km a offshore da costa ocidental e a

cerca de 150-230 m abaixo do niacutevel de mar atual

Eacute possiacutevel encontrar nos vales glaciares islandeses quer moreias antigas resultantes

da uacuteltima glaciaccedilatildeo quer moreias recentes e atuais Estas uacuteltimas estatildeo relacionadas com

as 4 grandes calotes glaciares existentes como eacute o caso das moreias do glaciar Vatna-

joumlkull que se podem observar em pleno no setor sudeste da ilha

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Lagoas glaciares e icebergues

Outra das paisagens magniacuteficas moldadas pelos glaciares satildeo as lagoas glaciares Estas

lagoas formam-se na extremidade dos glaciares que descem das calotes glaciares Satildeo

alimentadas pelo desgelo natural dos glaciares e nela flutuam pequenos e grandes iceber-

gues que se separam da frente do glaciar (FIGURA 3)

FIGURA 3 Esquema 3D (sem escala) da formaccedilatildeo de icebergues numa lagoa glaciar

O exemplo mais notaacutevel deste tipo de lagoas na Islacircndia eacute a lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten consi-

derada uma das maravilhas naturais do paiacutes Fica situada no sudeste da ilha na extremidade

do glaciar Breiethamerkurjoumlkull uma das liacutengua glaciares da calote de Vatnajoumlkull (FIGURA 4)

FIGURA 4 Icebergues na lagoa glaciar de Joumlkulsaacuterloacuten Ao fundo vecirc-se a frente do glaciar Breiethamerkurjoumlkull As faixas negras nos icebergues satildeo niacuteveis de cinza vulcacircnica

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A lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten eacute o ponto mais baixo da Islacircndia com zonas agrave cota de -200 m Na

baiacutea da lagoa tem-se acesso a uma paisagem de outro mundo com icebergues de dimen-

sotildees variadas que flutuam ateacute ao mar ficando alguns deles encalhados na margem de uma

praia de areia vulcacircnica Alguns icebergues exibem faixas negras correspondentes a niacuteveis

de cinzas vulcacircnicas provenientes de antigas erupccedilotildees (FIGURA 4) Outros exibem duas

tonalidades branco leitoso e azul claro A faixa azul corresponde agrave porccedilatildeo do icebergue

que se tornou recentemente emersa

A lagoa teraacute sido formada em 1934-35 pelo contiacutenuo recuo do glaciar Vatnajoumlkull e teraacute

duplicado de tamanho nos uacuteltimos 15 anos Dada a taxa atual de recuo do glaciar Vatna-

joumlkull um profundo fiorde iraacute desenvolver-se no local onde hoje existe a lagoa

As costas escarpadas

As costas escarpadas e recortadas satildeo sem duacutevida as mais dominantes Ocorrem deste o

oeste ao leste da ilha passando pela regiatildeo norte incisas por numerosos fiordes e peque-

nas enseadas e salpicadas por leixotildees Eacute notaacutevel pela sua forma de dragatildeo e pelas lendas

que o envolvem o leixatildeo de Hvitserkur (IMAGEM DA PAGINA 42) situado na costa leste da

Peniacutensula de Vatnsnes no noroeste da Islacircndia

Os fiordes mais profundos localizam-se na costa norte constituindo bons portos natu-

rais Um destaque especial vai para o fiorde ao longo do qual se estende a cidade de Aku-

reyri (fiorde de Akureyri ou Eyjafjoumlrethur) considerado o mais longo do paiacutes

Praias de areia Negra

As praias de areia negra em geral de reduzida extensatildeo podem ser constituiacutedas por i) de-

poacutesitos resultantes da abrasatildeo das arribas ii) moreias e depoacutesitos fluviais resultantes dos

rios glaciares com contornos suaves e lagoas glaciares protegidas por extensas barras

arenosas iii) depoacutesitos de tefra provenientes de erupccedilotildees freaacuteticas

As do primeiro tipo ocorrem um pouco por toda a linha de costa como resultado da accedilatildeo

do mar sobre as arribas As do segundo tipo ocorrem dominantemente entre Djuacutepivogur a

sudeste e Oumllfusaacute a sudoeste com destaque para a praia de Reynisfjara na costa sul As

da terceira categoria podem ser observadas na ilha de Heimaey arquipeacutelago de Vestman-

naeyja regiatildeo sul da Islacircndia

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018048

IMA

GE

M E

M D

ES

TAQ

UE

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Eu crio as minhas obras de arte de peque-

nos pedaccedilos de papel com espirais que co-

nectam e ligam os elementos a uma grande

estrutura Na obra de origami acabada a

que chamo Voltinhas estas espirais vivem

e trabalham Forccedilas de tensatildeo e fricccedilatildeo

contrapotildeem-se agrave gravidade e mantecircm a

forma estaacutevel Nas minhas criaccedilotildees procu-

ro estar perto da natureza Quando criamos

ou estudamos modelos de papel na macro

escala podemos entender melhor as for-

mas criadas pela natureza na micro escala

A minha obra de origami na capa o trabalho

intitulado ldquoInverno num parque de Lisboardquo e

o capsiacutedeo do viacuterus Canine parvovirus um viacute-

rus contagioso que ataca sobretudo os catildees

e outros caniacutedeos tecircm a mesma estrutura

geomeacutetrica do pequeno rombicosidodecae-

dro um poliedro com simetria icosaeacutedrica

Essa obra invoca simbolicamente o Ano

da Biologia Matemaacutetica 2018 O origami eacute

uma arte de dobragem do papel com uma

forte componente geomeacutetrica que permite

a construccedilatildeo de formas complexas e tem

atraiacutedo o interesse de matemaacuteticos pelas

suas propriedades geomeacutetricas e algeacutebricas

Krystyna Burczyk

Os viacuterus satildeo responsaacuteveis por inuacutemeras

doenccedilas no homem nos animais e nas plan-

tas e as curas e prevenccedilotildees satildeo ainda mui-

tas vezes problemaacuteticas Desenvolvimen-

tos recentes das aplicaccedilotildees da matemaacutetica

agrave virologia nomeadamente das teorias de

grupos de grafos de tesselaccedilatildeo ou de re-

ticulados mostraram por exemplo que as

restriccedilotildees estruturais agraves formas dos viacuterus

satildeo maiores do que antes se pensava e

permitiram a construccedilatildeo de novos modelos

para o desenvolvimento de terapias anti-

-virais Os capsiacutedeos virais que envolvem

os genomas dos viacuterus por razotildees de eco-

nomia geneacutetica tem muitas vezes uma si-

metria icosaeacutedrica Ora esta simetria natildeo eacute

cristalograacutefica em trecircs dimensotildees ie natildeo

eacute compatiacutevel com reticulados perioacutedicos

o que motivou os matemaacuteticos a desen-

volverem novas estruturas no contexto de

grupos de Coxeter natildeo-cristalograacuteficos que

encontraram aplicaccedilatildeo natildeo soacute na virologia

mas tambeacutem noutras estruturas molecula-

res da quiacutemica do carbono

Joseacute Francisco RodriguesUniversidade de Lisboa

Origami e Viacuterusin imagemcasadascienciasorg

Imagem de Canine Parvovirus gerada em VMD Autor Alexandre Lopes Magalhatildees

Page 21: JUNHO 2018 V6 /02 · 2018-09-26 · Matilde Viegas, Maria João Ramos, Pedro Alexandrino Fernandes Stephen Hawking e a sua contribuição para a física teórica Orfeu Bertolami,

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FIGURA 5 A demografia eacute instrumental para o controlo das populaccedilotildees humanas

Desde o seacuteculo XVIII que o estudo da dinacircmica das populaccedilotildees eacute objeto de modelaccedilatildeo

matemaacutetica Na atualidade existem outros modelos de crescimento hiperboacutelicos expo-

nenciais logiacutesticos ou baseados noutras funccedilotildees Baseada nos modelos populacionais

do matemaacutetico Song Jian a Repuacuteblica Popular da China em 1980 entatildeo a atingir o biliatildeo

de habitantes instaurou uma poliacutetica estrita de filho uacutenico Essa lei foi flexibilizada em

2015 aumentando para dois o nuacutemero maacuteximo de filhos para fazer frente ao envelheci-

mento da populaccedilatildeo e agrave reduccedilatildeo do grupo de trabalhadores na faixa etaacuteria considerada

economicamente ativa

Muitos dos pareceres cientiacuteficos nas mais diversas aacutereas baseiam-se em modelos ma-

temaacuteticos que podem permitir fazer estimativas e previsotildees mas hellip ao olhar para o cres-

cimento populacional ao longo dos tempos verificamos que os modelos matemaacuteticos satildeo

instrumentais na anaacutelise da dinacircmica das populaccedilotildees

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Artroacutepodes Miguel Santos

Rubim Almeida

Sara C Antunes

DB CIBIO InBIO CIIMAR Universidade do Porto

Artroacutepodes (Arthropoda do grego arthro = articulado + podos = peacutes) satildeo o grupo taxonoacutemi-

co mais diversificado com distribuiccedilatildeo por quase todo o globo e ocupando todos os habitats

Satildeo organismos invertebrados com exosqueleto riacutegido apresentando apecircndices articula-

dos (patas antenas) e de nuacutemero diferenciado de acordo com o subfilo a que pertencem

Os artroacutepodes constituem um dos mais diversos grupos de organismos do planeta com-

preendendo espeacutecies que variam de 0085 mm (Tantalacus dieteri um crustaacuteceo parasita)

ateacute 38 m (envergadura do Caranguejo-aranha-gigante) Os organismos pertencentes a

este grupo encontram-se praticamente em todos os tipos de habitat A razatildeo do sucesso

evolutivo deste grupo taxonoacutemico deve-se a um conjunto de carateriacutesticas uacutenicas i) pos-

suiacuterem um exosqueleto proteico-quitinoso flexiacutevel leve e resistente que protege contra a

desidrataccedilatildeo ii) segmentaccedilatildeo do corpo e a presenccedila de apecircndices articulados especia-

lizados iii) oacutergatildeos sensoriais bem desenvolvidos (antenas sedas sensoriais olhos com-

postos olhos pedunculados ocelos quimiorrecetores nas antenas) iv) metamorfose com

diferentes estaacutedios de desenvolvimento incluindo estaacutedios larvares que podem ter um

modo de vida completamente diferente do adulto permitindo um aproveitamento de outros

recursos (alimento e espaccedilo) reduzindo a competiccedilatildeo entre indiviacuteduos da mesma espeacutecie

v) padrotildees comportamentais complexos revelando por vezes organizaccedilatildeo comunitaacuteria e

vi) sistema respiratoacuterio diverso nomeadamente o sistema traqueal onde o ar entra em

contacto direto com os tecidos devido a um eficiente sistema de tubos (traqueias) com

orifiacutecios na superfiacutecie do tegumento (espiraacuteculos) No entanto a origem e a taxonomia

deste grupo ainda constituem um tema de investigaccedilatildeo e debate Mesmo apesar dos avan-

ccedilos em aacutereas como a biologia molecular que fornece importantes conhecimentos sobre

as complexas relaccedilotildees evolutivas destes organismos muito ainda haacute por descobrir Os

artroacutepodes satildeo um grupo extremamente importante nos ecossistemas terrestres devido

natildeo soacute agrave sua enorme abundacircncia e diversidade mas tambeacutem ao grande nuacutemero de funccedilotildees

que desempenham nestes ecossistemas (ex degradaccedilatildeo da mateacuteria orgacircnica arejamento

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do solo ciclagem de nutrientes) O filo Arthropoda estaacute atualmente subdividido em cinco

subfilos Trilobitomorpha Crustacea Myriapoda Chelicerata e Hexapoda

O subfilo Trilobitomorpha (trilobites e os seus parentes) compreende cerca de 20 000

espeacutecies que viviam exclusivamente em ambientes marinhos e que atualmente se encon-

tram todas extintas Contudo a sua vasta distribuiccedilatildeo geograacutefica e o exosqueleto de carbo-

nato de caacutelcio permitiram que este grupo apresente um extenso registo foacutessil observaacutevel

por todo o planeta

Crustacea inclui caranguejos camarotildees e lagostas contendo mais de 60 000 espeacute-

cies e com um extenso registo foacutessil em todo o mundo eacute um dos principais grupos de

artroacutepodes A maioria dos crustaacuteceos vive em ambientes marinhos mas existem vaacuterias

espeacutecies que podem ser encontradas em ecossistemas de aacutegua doce (ordem Cladocera e

sub-classe Copepoda) e em ambientes terrestres (ordem Isopoda FIGURA 1) Apesar da

grande maioria dos crustaacuteceos serem de vida livre existem vaacuterios grupos parasitas (ex

Rhizocephala ndash crustaacuteceos cirriacutepedes parasitas de caranguejos e camarotildees Argulidae ndash

crustaacuteceos parasitas de peixes e Pentastomida ndash vermes liacutengua que parasitam o sistema

respiratoacuterio de vertebrados) Numa perspetiva diferente e de interesse econoacutemico este

grupo apresenta ainda um valor acrescido jaacute que alguns crustaacuteceos decaacutepodes como la-

gostas e camarotildees satildeo intensivamente consumidos em todo o mundo Para aleacutem da sua

importacircncia econoacutemica este grupo de organismos eacute bastante utilizado em investigaccedilatildeo

cientiacutefica nomeadamente em ecotoxicologia na avaliaccedilatildeo do efeito de contaminantes no

solo

FIGURA 1 Exemplares de organismos da ordem Isopoda (bicho-da-conta) 1 ndash famiacutelia Armadillidae 2 ndash famiacutelia Porce-llionidae em A - vista dorsal e em B - vista ventral

O subfilo Myriapoda inclui as centopeias e os miliacutepedes conteacutem mais de 11 000

espeacutecies descritas Este subfilo eacute tradicionalmente dividido em quatro classes Chi-

lopoda (centopeias) (FIGURA 2) Diplopoda (miliacutepedes) Pauropoda (ldquopoucos peacutesrdquo) e

Symphyla (pseudocentopeias) Todos os miriaacutepodes conhecidos satildeo terrestres e o seu

tamanho varia desde alguns miliacutemetros a cerca de 38 centiacutemetros (Millipede Gigante

Africano)

1

2

A B

15cm

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FIGURA 2 Vista dorsal A - e ventral B - de um organismo pertencente agrave classe Chilopoda onde se pode observar o corpo segmentado e apenas com um par de patas por segmento

O subfilo Chelicerata (aranhas aranhas do mar escorpiotildees e aacutecaros) conteacutem mais

de 113 000 espeacutecies distribuiacutedas em duas classes principais Pycnogonida (aranhas do

mar) e Arachnida (aranhas escorpiotildees e aacutecaros) Pycnogonida o grupo das aranhas

do mar conteacutem mais de 1 300 espeacutecies descritas mas estudos detalhados sobre esses

animais e as suas relaccedilotildees evolutivas ainda satildeo escassos Estes organismos geralmente

tecircm seis ou oito olhos e quatro a seis pares de patas A classe Arachnida compreende os

organismos mais conhecidos do subfilo Chelicerata como aranhas escorpiotildees e aacutecaros

Os indiviacuteduos pertencentes a este grupo natildeo possuem antenas tecircm quatro pares de

patas um par de queliacuteceras (1ordm par de apecircndices do prossomacabeccedila) e pedipalpos

(2ordm par de apecircndices do prossomacabeccedila) As aranhas (ordem Araneae) (FIGURA 3) satildeo

provavelmente o grupo mais icoacutenico e bem estudado deste subfilo presentes na maioria

dos ambientes terrestres e constituindo um dos grupos mais importantes de artroacutepodes

do solo Outros organismos colocados na mesma classe como escorpiotildees aacutecaros ou

opiliotildees tambeacutem constituem grupos extremamente variados com importantes funccedilotildees

ecoloacutegicas (ex decomposiccedilatildeo de mateacuteria orgacircnica e controlo de organismos principal-

mente atraveacutes de predaccedilatildeo)

FIGURA 3 Vista dorsal A - e ventral B - de um exemplar da ordem Araneae (famiacutelia Gnaphosidae) sendo possiacutevel obser-var o corpo dividido em cefalotoacuterax e abdoacutemen os quatro pares de patas as queliacuteceras (q) e os pedipalpos (p)

O subfilo Hexapoda (Hexa (seis) e Poda (peacute)) engloba os insetos e os seus parentes

compreende o grupo mais diverso e abundante de organismos com mais de 1 milhatildeo de

espeacutecies conhecidas Este subfilo eacute frequentemente dividido em organismos da clas-

A B

A B

14cm

p

q

35cm

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23

se Insecta (FIGURA 4) e da classe Entognatha Esta uacuteltima inclui os colecircmbolos (ordem

Collembola) (FIGURA 5) cabeccedilas de cone e bichos de prata (ordem Protura) e cerdas de

duas pontas (ordem Diplura) Na classe Entognatha as partes bucais dos organismos

estatildeo retraiacutedas dentro das suas cabeccedilas contrariamente ao que se observa na classe In-

secta que satildeo ectognantes Os colecircmbolos constituem um dos grupos mais abundantes

de artroacutepodes do solo podendo ser encontrados mais de 100 000 indiviacuteduos num metro

quadrado Estes satildeo organismos cosmopolitas com mais de 8 000 espeacutecies descritas Os

colecircmbolos satildeo pequenos organismos com tamanho geralmente inferior a 6-8 mm de

forma ciliacutendrica ou globular apresentando olhos simples e antenas moniliformes Muitas

espeacutecies possuem um apecircndice bifurcado (fuacutercula) no final do abdoacutemen permitindo que

estes organismos saltem quando ameaccedilados (FIGURA 5) Os colecircmbolos tecircm sido ampla-

mente utilizados em estudos ecotoxicoloacutegicos na avaliaccedilatildeo da qualidade do solo e da sauacute-

de destes ecossistemas

FIGURA 4 A - Vista dorsal e B - vista ventral de exemplares de algumas ordens da classe Insecta

FIGURA 5 Vista lateral de exemplares da ordem Collembola

A classe Insecta eacute a classe com maior nuacutemero de organismos compreendendo mais

de metade das espeacutecies eucarioacuteticas descritas atualmente englobando mais de 1 milhatildeo

de espeacutecies que habitam praticamente todos os ecossistemas Os insetos sendo o grupo

Ordem

Coleoptera

Ordem

Diptera

Ordem

Hemiptera

Ordem

Orthoptera

Ordem

HimenopteraA A A A

B B B B

075cm

027cm14cm016cm

09cm

22cm

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24

mais diversificado de seres vivos apresentam as mais variadas e interessantes adap-

taccedilotildees anatoacutemicas e morfoloacutegicas Pensa-se que a sua enorme riqueza e abundacircncia eacute

devida a uma combinaccedilatildeo de carateriacutesticas vantajosas como a coevoluccedilatildeo com plan-

tas a miniaturizaccedilatildeo e a capacidade de voo Os insetos desempenham ainda um papel

importantiacutessimo no funcionamento dos ecossistemas realizando funccedilotildees quer de pre-

dadores quer de presa estando envolvidos em inuacutemeras teias alimentares (ex reciclan-

do nutrientes fazendo a manutenccedilatildeo da estrutura e fertilizaccedilatildeo dos solos) Destaca-se

tambeacutem o facto de vaacuterios insetos voadores como abelhas ou borboletas atuarem como

polinizadores de muitas espeacutecies de plantas Esta eacute uma funccedilatildeo ecoloacutegica importante

com vaacuterias repercussotildees econoacutemicas porque mais de 30 das culturas alimentares

mundiais dependem da polinizaccedilatildeo Os insetos possuem ainda um papel importante em

investigaccedilatildeo cientiacutefica sendo muitas vezes utilizados como organismo modelo dado pos-

suiacuterem carateriacutesticas distintas como o seu tamanho reduzido tempos de geraccedilatildeo curtos

e elevada fecundidade O exemplo de excelecircncia eacute a mosca da fruta Drosophila melano-

gaster cujo genoma eacute jaacute conhecido na totalidade sendo esta espeacutecie utilizada frequente-

mente para estudar vaacuterios processos celulares (ex o envelhecimento a hereditariedade

e o desenvolvimento embrionaacuterio) Apesar de constituiacuterem um grupo tatildeo interessante

beneacutefico e necessaacuterio agrave manutenccedilatildeo do equiliacutebrio dos ecossistemas existem algumas

desvantagens associadas aos insetos como eacute o caso de serem vetores na transmissatildeo

de doenccedilas Eacute o caso da malaacuteria transmitida por um mosquito do geacutenero Anopheles a

doenccedila parasitaacuteria mais disseminada com vaacuterios milhotildees de humanos infetados em todo

o mundo O dengue e o zika satildeo doenccedilas em que o vetor de transmissatildeo eacute tambeacutem um

mosquito do geacutenero Aedes Na agricultura as pragas de insetos (ex gorgulhos gafa-

nhotos afiacutedios) satildeo responsaacuteveis por prejudicar as culturas agriacutecolas e a produccedilatildeo de

alimentos causando perdas econoacutemicas elevadas

Sabe-se que atualmente a perda de habitat e as mudanccedilas climaacuteticas satildeo alguns dos

fatores responsaacuteveis por decliacutenios significativos nas populaccedilotildees deste grupo de orga-

nismos Esse decliacutenio apresenta uma elevada preocupaccedilatildeo ecoloacutegica uma vez que estes

organismos desempenham muacuteltiplas e importantes funccedilotildees nos ecossistemas No en-

tanto a conservaccedilatildeo deste grupo animal permanece um grande e urgente desafio que eacute

preciso enfrentar

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Biocombustiacuteveis seratildeo a soluccedilatildeo Matilde Viegas

Maria Joatildeo Ramos

Pedro Alexandrino Fernandes

UCIBIO REQUIMTEUniversidade do Porto

ldquoA 21 de Fevereiro de 2018 o niacutevel de poluiccedilatildeo de partiacuteculas finas com diacircmetro inferior

a 10 μm PM10 atingiu em Paris niacuteveis alarmantes com um pico correspondente

ao dobro do limite maacuteximo A Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) recomenda natildeo

exceder este limite maacuteximo por mais de trecircs dias por ano Com este recente pico os

parisienses jaacute o ultrapassaramrdquo

Em Un pic de pollution laquograveraquo en Ile-de-France Le Monde 22 de Fevereiro de 2018

Esta notiacutecia eacute um dos inuacutemeros exemplos dos efeitos do aquecimento global termo com o

qual estamos cada vez mais familiarizados infelizmente Este fenoacutemeno eacute consequecircncia

de Gases de Efeito de Estufa GEE (dioacutexido de carbono metano e oacutexido de azoto entre

outros) que se acumulam na atmosfera enclausurando o calor e tornando o planeta mais

quente A produccedilatildeo em larga escala de GEEs teve iniacutecio na Revoluccedilatildeo Industrial (1800)

como resultado da combustatildeo de combustiacuteveis foacutesseis (carvatildeo petroacuteleo e gaacutes natural)

para produccedilatildeo de eletricidade aquecimento e transporte

A preocupaccedilatildeo em torno do aquecimento global tornou-se um assunto constante na

agenda poliacutetica sobretudo nas uacuteltimas duas deacutecadas Os primeiros esforccedilos coletivos re-

sultaram no Protocolo de Quioto em 1997 cujo objetivo era a reduccedilatildeo das emissotildees de

GEEs assentando nos argumentos de que i) o aquecimento global era uma realidade e ii) o

CO2 produzido por accedilotildees humanas era o seu grande causador O primeiro periacuteodo do Proto-

colo terminou em 2012 e por isso em 2015 as Naccedilotildees Unidas promoveram a assinatura

do novo Acordo de Paris o qual consiste numa atualizaccedilatildeo do antigo Protocolo de Quioto

com o objetivo de ldquofortalecer a resposta global agrave ameaccedila das alteraccedilotildees climaacuteticas no

contexto de desenvolvimento sustentaacutevel e com esforccedilo para a erradicaccedilatildeo da pobrezardquo

O novo Acordo ao contraacuterio do de Quioto estabelece metas tangiacuteveis e quantitativas O

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objetivo eacute manter o aumento da temperatura meacutedia global abaixo dos 2ordm Celsius face agrave

temperatura global na era preacute-industrial Para atingir tal meta eacute necessaacuterio um esforccedilo

mundial contudo em 2017 com a saiacuteda dos EUA do Acordo de Paris o segundo maior

emissor de GEEs logo a seguir agrave China perdeu-se uma enorme contribuiccedilatildeo Aleacutem do peso

evidente que as suas emissotildees tecircm para o estado atual do aquecimento global em falta

estaratildeo tambeacutem a diplomacia e o encorajamento proporcionados por esta forccedila mundial

No Acordo de Paris uma das claacuteusulas exige a inclusatildeo de energias renovaacuteveis (eoacutelica

mariacutetima solar) e de biocombustiacuteveis no mercado de energia encorajando os paiacuteses a

atingir niacuteveis miacutenimos da sua utilizaccedilatildeo As metas estabelecidas para cada paiacutes vatildeo ao en-

contro ao seu mercado e agraves mateacuterias-primas disponiacuteveis em cada territoacuterio favorecendo o

desenvolvimento da economia

De uma forma generalista os biocombustiacuteveis englobam combustiacuteveis produzidos atra-

veacutes de processos bioloacutegicos como a agricultura e digestatildeo anaeroacutebica em vez de produ-

zidos a partir de processos geoloacutegicos como os necessaacuterios para a formaccedilatildeo de combus-

tiacuteveis foacutesseis Isto inclui o biodiesel (produzido a partir de oacuteleos e gorduras orgacircnicas) e o

bioetanol (aacutelcool produzido atraveacutes de fermentaccedilatildeo microbiana de accediluacutecares seguido de

destilaccedilatildeo e desidrataccedilatildeo) os quais seratildeo o maior foco deste artigo

A partir da deacutecada de 70 foram feitos os primeiros investimentos nos chamados bio-

combustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo (1G) Estes fazem uso de colheitas de produtos agriacuteco-

las como a soja cana-de-accediluacutecar milho oacuteleo de palma entre outros para a produccedilatildeo de

biodiesel e bioetanol atraveacutes de processos de trans-esterificaccedilatildeo ou fermentaccedilatildeo A sua

disponibilidade e facilidade de processamento permitiram a sua inserccedilatildeo e mistura nos

combustiacuteveis atualmente vendidos ao puacuteblico Para 2017 Portugal fixou em 75 (de poder

energeacutetico) a incorporaccedilatildeo de biocombustiacuteveis nos combustiacuteveis dos transportes rodoviaacute-

rios tendo a Uniatildeo Europeia o objectivo de 10 em 2020 para todos os paiacuteses membros

Os biocombustiacuteveis 1G fazem uso da colheita agriacutecola para fins energeacuteticos o que gera

opiniotildees desfavoraacuteveis por parte de ambientalistas (pelo uso exaustivo da terra agriacutecola sem

compensaccedilatildeo desflorestaccedilatildeo e perda de biodiversidade) e problemas eacuteticos tais como os le-

vantados por responsaacuteveis da ONU como o Dr Jean Ziegler que atribui aos biocombustiacuteveis

a culpa pela contiacutenua inflaccedilatildeo dos preccedilos de alimentos exacerbando a atual crise de fome

mundial - ldquoSatildeo necessaacuterios 352Kg de milho para encher um depoacutesito de 50L de um carro Uma

crianccedila na Zacircmbia ou no Meacutexico onde o milho eacute um elemento baacutesico da dieta poderia viver

com esta quantidade de milho um ano inteirordquo Atualmente os maiores produtores destes bio-

combustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo satildeo os EUA e o Brasil utilizando parte da produccedilatildeo global

de cereais e oacuteleos vegetais para a produccedilatildeo de bioetanol e biodiesel causando um ambiente

de profunda preocupaccedilatildeo em volta da sustentabilidade de produccedilatildeo de energia a meacutediolongo

prazo De forma a controlar a inflaccedilatildeo no preccedilo dos alimentos a EU estabeleceu um limite de

7 para o uso de biocombustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo como combustiacutevel de transportaccedilatildeo

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A segunda geraccedilatildeo de biocombustiacuteveis (2G) usa biomassa isto eacute qualquer fonte de car-

bono orgacircnico que eacute rapidamente renovado no ciclo de carbono Os biocombustiacuteveis de

segunda geraccedilatildeo almejam um uso ponderado de desperdiacutecios da induacutestria madeireira e

agriacutecola ou de restos de colheitas agriacutecolas assim que estas preencham o seu propoacutesito

alimentar evitando interferecircncia com o mercado alimentar e natildeo influenciando os preccedilos

dos alimentos baacutesicos

FIGURA 1 Biocombustiacuteveis

A produccedilatildeo de arroz atingiu o seu pico em 2017 gerando 1140 milhotildees de toneladas de

espigas de arroz cujo destino eacute a incineraccedilatildeo compostagem ou eacute simplesmente deposita-

da em aterros Contudo com a 2G de biocombustiacuteveis eacute encontrado potencial energeacutetico

neste desperdiacutecio agriacutecola O seu potencial deve-se agrave mateacuteria lignoceluloacutesica ndash celulose

hemicelulose e lignina ndash presente em todas as plantas incluindo as espigas em diferen-

tes percentagens Este material composto eacute essencial para a estrutura e resistecircncia das

plantas a hemicelulose eacute a matriz que rodeia o esqueleto de celulose enquanto a lignina

funciona como uma camada protetora As possibilidades associadas a este tipo de desper-

diacutecio satildeo inegaacuteveis a sua abundacircncia e facilidade de obtenccedilatildeo tornam-no muito apelativo

Contudo o gasto na recolha e transporte desta mateacuteria suplanta os custos de produccedilatildeo

e o seu uso continuado poderaacute contribuir para a erosatildeo do solo Aleacutem disso para o seu

aproveitamento para produccedilatildeo de biocombustiacuteveis eacute necessaacuterio um preacute-tratamento para

hidrolisar as ligaccedilotildees covalentes entre os trecircs constituintes da mateacuteria lignoceluloacutesica e

permitir a posterior fermentaccedilatildeo anaeroacutebia da celulose produzindo bioetanol Este preacute-

-tratamento eacute visto como outra das desvantagens do processo e estaacute ainda a ser estudado

e otimizado pois de momento as alternativas disponiacuteveis encarecem o produto final e em

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alguns dos casos dependem do uso de quiacutemicos poluentes A esperanccedila estaacute entatildeo de-

positada no estudo de enzimas hidroliacuteticas encontradas em organismos termoacutefilos que

seratildeo capazes de aguentar as difiacuteceis condiccedilotildees de tratamento Contudo a dificuldade em

escalar o processo de fermentaccedilatildeo eacute uma das desvantagens e dos fatores limitantes para

a 2G de biocombustiacuteveis em grande parte devido agrave dificuldade de monitorizar as condiccedilotildees

de fermentaccedilatildeo (oxigeacutenio pH nutrientes etc)

A terceira geraccedilatildeo (3G) de biocombustiacuteveis foi reconhecida como a melhor alternativa

em comparaccedilatildeo com primeira e segunda geraccedilotildees pois surpreendentemente faz uso de

algas A sua enorme disponibilidade por todo o planeta e o facto de natildeo interferirem com os

mercados alimentares satildeo os grandes embaixadores desta mateacuteria-prima como o futuro

dos biocombustiacuteveis Ainda que natildeo seja uma mateacuteria infinita eacute a que de momento mais se

assemelha por existirem 70 000 espeacutecies (30 000 documentadas) Estudos conduzidos

atualmente estatildeo a explorar a viabilidade energeacutetica de 30 espeacutecies de algas explorando a

sustentabilidade facilidade e escalabilidade da sua produccedilatildeo Outras vantagens incluem a

baixa manutenccedilatildeo necessaacuteria para o seu crescimento (luz dioacutexido de carbono e nutrientes

como azoto foacutesforo e potaacutessio) a facilidade com que produzem liacutepidos e carboidratos que

podem posteriormente ser processados em diferentes biocombustiacuteveis e outros copro-

dutos a frequecircncia com que podem ser colhidas ao longo do ano (ao contraacuterio de outras

colheitas convencionais) a baixa percentagem de hemicelulose e a praticamente ausente

lignina facilitam radicalmente o seu preacute-processamento pois a celulose eacute mais facilmente

extraiacuteda As desvantagens desta mateacuteria incluem o enorme investimento inicial para a

construccedilatildeo de infraestruturas para o seu cultivo que pode ser ou ao ar livre (em tanques

de grande dimensatildeo) ou em foto-bioreatores (sistemas fechados altamente controlados)

Prevecirc-se que em 2030 o preccedilo de produccedilatildeo de combustiacutevel a partir de algas seraacute 065 euro

litro de combustiacutevel valor muito proacuteximo do atual preccedilo de produccedilatildeo do litro de gasolina

Comparativamente aos custos de produccedilatildeo de outros biocombustiacuteveis o mais barato con-

tinua a ser o bioetanol produzido a partir de milho (1G) 017 eurolitro seguido de combustiacute-

veis celuloacutesicos (2G) a 032 eurolitro

Eacute evidente que seratildeo necessaacuterios esforccedilos poliacuteticos e cientiacuteficos investimento e regu-

lamentaccedilatildeo adequados para encontrar o caminho ideal para travar o aquecimento global

Em todas as geraccedilotildees de biocombustiacuteveis apresentadas existem fatores que afunilam as

potencialidades destas alternativas indicando que a soluccedilatildeo passa por criar um consoacutercio

entre as vaacuterias possibilidades de forma a tirar o maacuteximo partido sem danificar o planeta ou

piorar a crise da fome O proacuteximo passo passa por substituir os biocombustiacuteveis de 1G por

soluccedilotildees com maior escalabilidade Acreditamos que nas proacuteximas deacutecadas seratildeo cruciais

e depositamos esperanccedila na investigaccedilatildeo cientiacutefica

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018043

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Stephen Hawking e a sua contribuiccedilatildeo para a fiacutesica teoacutericaOrfeu Bertolami

Claacuteudio GomesDepartamento de Fiacutesica e Astronomia CFP Universidade do Porto

A 14 de marccedilo de 2018 o fiacutesico britacircnico Stephen Hawking faleceu aos 76 anos deixando

todavia um importante legado para a fiacutesica teoacuterica muito particularmente para o

entendimento das deficiecircncias intriacutensecas da Relatividade Geral de Einstein para a fiacutesica

dos buracos negros e para a cosmologia a ciecircncia do Universo como um todo

Stephen Hawking doutorou-se em Fiacutesica Teoacuterica em 1966 pela Universidade de Cambridge

sob a supervisatildeo de Dennis Sciama Apesar da sua condiccedilatildeo fiacutesica progressivamente limi-

tativa manteve-se extremamente ativo na investigaccedilatildeo nas aacutereas de cosmologia fiacutesica dos

buracos negros e gravitaccedilatildeo quacircntica

Nessa altura havia uma consideraacutevel discussatildeo acerca da realidade e ubiquidade de sin-

gularidades pontos no espaccedilo-tempo onde a Teoria da Relatividade Geral deixa de fazer sen-

tido e natildeo desaparecendo atraveacutes de mudanccedila de sistemas de coordenadas que descrevem

o espaccedilo-tempo Na segunda metade da deacutecada de 1960 Hawking e o matemaacutetico inglecircs

Roger Penrose demonstraram que essas singularidades eram inevitaacuteveis no contexto da

Teoria da Relatividade Geral (ver para uma descriccedilatildeo exaustiva o livro Large Scale Structure

of Space-Time escrito em colaboraccedilatildeo com o fiacutesico sul-africano George Ellis publicado em

1973) Uma dessas singularidades corresponde ao iniacutecio do Universo ndash Big Bang ndash e outras

estatildeo presentes no interior dos buracos negros natildeo acessiacuteveis agrave observaccedilatildeo devido agrave pre-

senccedila de um horizonte de acontecimentos que segundo a Conjetura da Censura Coacutesmica de

Roger Penrose protegem sempre as singularidades de se apresentarem ldquonuasrdquo

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Subsequentemente em 1975 ele desenvolveu a ideia que os buracos negros deveriam

radiar termicamente a uma temperatura especiacutefica inversamente proporcional agraves suas

massas temperatura esta que hoje designamos por temperatura de Hawking Esta ideia daacute

origem ao paradoxo da informaccedilatildeo em que a informaccedilatildeo que entrava no horizonte de evento

se perdia Com este contributo passou-se a ter uma equivalecircncia entre a dinacircmica e a termo-

dinacircmica de buracos negros

FIGURA 1 Emissatildeo da radiaccedilatildeo teacutermica de Hawking por um buraco negro

No princiacutepio da deacutecada de 1980 Hawking iniciou em colaboraccedilatildeo com o fiacutesico norte-ameri-

cano James Hartle o programa de investigaccedilatildeo que hoje designamos por cosmologia quacircntica

Na cosmologia quacircntica o espaccedilo-tempo eacute descrito por uma funccedilatildeo de onda a funccedilatildeo de onda

do Universo como na Mecacircnica Quacircntica Esta equaccedilatildeo de onda satisfaz uma equaccedilatildeo anaacuteloga

agrave de Schroumldinger da Mecacircnica Quacircntica a equaccedilatildeo de Wheeler-DeWitt A proposta de Hartle

e Hawking eacute que a funccedilatildeo de onda descreva um espaccedilo-tempo sem fronteiras (No-Boundary

proposal) A ideia eacute que agrave medida que retrocedemos no tempo chegamos a um ponto em que

o Universo eacute pequeno o suficiente para que efeitos quacircnticos sejam dominantes Nesta altura

existe uma espeacutecie de ldquoespumardquo do espaccedilo-tempo de tal modo que o tempo natildeo pode ser in-

terpretado do modo como o vemos hoje mas sim como uma quarta dimensatildeo espacial Uma

analogia uacutetil eacute a seguinte se viajarmos para o Polo Sul temos de seguir sempre para sul mas

quando alcanccedilamos o ponto do Polo Sul jaacute natildeo faz sentido falarmos na direccedilatildeo sul pelo mesmo

raciociacutenio ao retrocedermos no tempo haacute um pontoinstante em que natildeo faz sentido falar-se em

tempo Matematicamente isto torna-se possiacutevel passando de um espaccedilo-tempo de Minkowski

como na Relatividade Restrita para um espaccedilo Euclideano a quatro dimensotildees no qual o tempo

passa a ser um nuacutemero puramente complexo Com esta formulaccedilatildeo o Universo natildeo tem uma

fronteira aleacutem daquela que permite a transiccedilatildeo entre as duas descriccedilotildees para o espaccedilo-tempo

e que eacute exemplificado na FIGURA 2 Esta geometria eacute designada por shuttlecock ou volantepena

de badminton devido agrave semelhanccedila com este objeto

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FIGURA 2 Representaccedilatildeo tridimensional do modelo de Hartle-Hawking (no boundary proposal) A base corresponde a uma semiesfera a 4 dimensotildees e a estrutura que apresenta o tempo como uma direccedilatildeo distinta das espaciais corresponte a um Universo em expansatildeo

Hawking tambeacutem estudou outros problemas como o das maacutequinas do tempo e questotildees

relacionadas com a cosmologia e a formaccedilatildeo de estruturas no Universo Com o seu carate-

riacutestico humor Hawking afirmou natildeo ser possiacutevel viajar no tempo Para tal sugeriu organizar

uma festa convidando pessoas do futuro a se juntarem a ele e dado que ningueacutem apa-

receu concluiu entatildeo que viagens no tempo natildeo satildeo possiacuteveis na realidade Outra prova

prende-se com o facto de natildeo termos recebido ainda turistas do futuro numa clara alusatildeo

iroacutenica agrave procura turiacutestica desenfreada que assistimos nos dias de hoje

Mais recentemente ele pronunciou-se sobre questotildees de interesse geral como as im-

plicaccedilotildees do desenvolvimento da inteligecircncia artificial e a necessidade e inevitabilidade

da exploraccedilatildeo espacial Mostrou-se reticente acerca dos desenvolvimentos no domiacutenio da

inteligecircncia artificial classificando-o como possivelmente perigoso para a nossa civiliza-

ccedilatildeo pois apesar dos potenciais benefiacutecios comportam seacuterios riscos agrave continuidade da hu-

manidade Relativamente agrave exploraccedilatildeo espacial Hawking encarava as viagens espaciais

quer pelo seu interesse cientiacutefico quer como forma de preservar a humanidade de riscos

de destruiccedilatildeo devido a guerras nucleares ou epidemias devido a viacuterus geneticamente mo-

dificados

O fiacutesico Stephen Hawking legou-nos uma extraordinaacuteria contribuiccedilatildeo cientiacutefica e huma-

na Deixou um extraordinaacuterio exemplo de resiliecircncia dedicaccedilatildeo ao conhecimento e agrave socie-

dade Fisicamente debilitado e ldquopresordquo a uma condiccedilatildeo rara a esclerose lateral amiotroacutefica

que lhe foi diagnosticada aos 21 anos a sua mente foi das mais livres dos nossos tempos

concebeu hipoacuteteses conjunturas e teorias pensou a sociedade de hoje e a do futuro

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RochaO que eacute importante dizer sobre as rochas

A M Galopim de Carvalho Universidade de Lisboa

Rochas e pedras satildeo a mesma coisa Praticamente a resposta eacute sim Pedra eacute aquilo

que se apanha do chatildeo para dar uma pedrada

Qualquer pessoa mesmo a menos letrada diraacute que as pedras

bull natildeo satildeo fabricadas ou feitas por gente (a ciecircncia diz que satildeo entidades naturais)

bull que natildeo se amolgam (a ciecircncia diz que satildeo riacutegidas)

bull que geralmente natildeo se esboroam nem se esfarela (a ciecircncia diz que satildeo coesas)

bull que fazem mossa onde quer que batam (a ciecircncia diz que satildeo duras) Para o cidadatildeo

comum pedra (do grego peacutetra) eacute pois uma entidade natural riacutegida coesa e dura que se

apanha do chatildeo

Apanhamos uma pedra do chatildeo mas quando estudamos falamos quase sempre de ro-

chas Num modo de falar corrente podemos dizer que as pedras satildeo bocados de rocha

Todos falamos de rocha como sinoacutenimo de pedra com base num conhecimento comum

empiacuterico vulgar ligado agrave experiecircncia quotidiana mesmo do mais iletrado dos cidadatildeos Dize-

mos rochedo quando o afloramento de rocha eacute grande e apelidamos de rochoso um terreno

com a rocha agrave vista Rocha eacute um galicismo que entre noacutes se sobrepocircs ao termo ldquorocardquo bem

mais antigo talvez preacute-romano Cabo da Roca ou ldquoFocinho da Rocardquo no dizer dos homens do

mar deve o seu nome a esta versatildeo arcaica da palavra rocha

O conceito atual de rocha e os vaacuterios conhecimentos com elas relacionados percorreram

uma caminhada tatildeo longa quanto a do Homo sapiens caminhada de que temos testemunhos

na Preacute-histoacuteria e variadiacutessimos relatos escritos desde a Antiguidade

Na sua giacuteria proacutepria entendiacutevel entre pares os profissionais falam de rochas dizendo que

satildeo sistemas quiacutemicos mono ou polifaacutesicos (ou seja com um ou mais minerais) resultantes

do equiliacutebrio termodinacircmico atingido pelos seus constituintes em determinados ambientes

Entendendo-se por constituintes os elementos quiacutemicos incluiacutedos nos respetivos minerais

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Por outras palavras acessiacuteveis ao comum das gentes pode entatildeo dizer-se que as rochas

satildeo corpos naturais formados por associaccedilotildees mais ou menos estaacuteveis de minerais compatiacute-

veis entre si e com o ambiente onde foram gerados e que satildeo elas as rochas que constituem

a capa riacutegida da Terra que por essa razatildeo recebeu o nome de litosfera (FIGURA 1)

FIGURA 1 Modelado Graniacutetico na Serra da Estrela (fonte banco de imagens da Casa das Ciecircncias)

Antes de prosseguir esclareccedila-se que no jargatildeo proacuteprio da mineralogia e da geoquiacutemica

os minerais satildeo considerados fases no sentido fiacutesico-quiacutemico da palavra Com efeito neste

sentido uma fase eacute uma porccedilatildeo de mateacuteria quiacutemica e estruturalmente homogeacutenea e uma

qualquer espeacutecie mineral eacute isso mesmo

Por convenccedilatildeo na sistemaacutetica em sedimentologia entre as rochas sedimentares cabem

certos materiais natildeo consolidados como os barros as areias soltas as cascalheiras e ainda

outros de natureza natildeo mineral como os carvotildees foacutesseis e o petroacuteleo (oacuteleo de pedra) Cha-

mar rochas ou pedras a estes materiais agraves vezes tatildeo afastados da imagem vulgar de ldquocoisa

dura riacutegida e coesardquo decorre do conceito geoloacutegico de rocha no qual se inclui o modo de

ocorrecircncia e o respetivo processo de formaccedilatildeo (petrogeacutenese)

A mecacircnica das rochas (disciplina que estuda certas propriedades das rochas como resis-

tecircncia ao esmagamento agrave traccedilatildeo agrave torccedilatildeo agrave flexatildeo porosidade permeabilidade e outras)

define-as como entidades sempre riacutegidas e coesas e duras como tambeacutem se diz vulgarmen-

te com capacidade de suportar cargas e que na eventualidade de terem de ser escavadas ou

removidas haacute que usar tecnologias com explosivos Este conceito corresponde aliaacutes agrave ideia

mais divulgada de rocha como atraacutes se referiu Eacute o bedrock dos autores ingleses

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FIGURA 2 Processo de meteorizaccedilatildeo fiacutesica essencialmente por corrosatildeo eoacutelica em rochas sedimentares (arenitos) (fonte banco de imagens da Casa das Ciecircncias)

Aleacutem das muitas que conhecemos na Terra jaacute estudaacutemos rochas do nosso sateacutelite natural

nomeadamente basaltos e anortositos trazidos da sua superfiacutecie Mercuacuterio Veacutenus e Marte satildeo

tambeacutem planetas rochosos e igualmente rochosos ou pedregosos satildeo ainda os nuacutecleos dos co-

metas e muitos dos asteroides de que temos conhecimento pelos meteoritos caiacutedos na Terra

Quando se apelidam as rochas de magmaacuteticas sedimentares (FIGURA 2) ou metamoacuterficas

natildeo se estaacute apenas a rotulaacute-las para efeitos de arrumo ou arquivo muito menos se estatildeo a

criar novos vocaacutebulos para sobrecarga dos estudantes ou do cidadatildeo em geral Estes adjeti-

vos acrescentados agrave palavra rocha informam de imediato sobre a sua origem

bull magmaacutetica ou sedimentar qualquer delas em resultado de processos naturais faacuteceis de

entender

bull metamoacuterfica em consequecircncia de um outro processo muito menos ao alcance da vivecircncia

do vulgo mas que se explica sem grandes dificuldades

Apelidam-se de metamoacuterficas as rochas que posteriormente a uma primeira formaccedilatildeo

como magmaacuteticas ou sedimentares foram submetidas a pressotildees eou a temperaturas no

interior da crosta que lhes modificaram a composiccedilatildeo eou a textura

Foi atraveacutes do estudo das rochas que desvendaacutemos o essencial dos acontecimentos geo-

loacutegicos que marcaram a histoacuteria deste laquoPlaneta Azulraquo no qual a vida encontrou condiccedilotildees

para despertar e onde evoluiu ao ponto de se interrogar sobre essa mesma histoacuteria

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Os conhecimentos diretos de que hoje dispomos relativos agraves rochas da Terra limitam-se

aos que se obtecircm pelo estudo das que afloram agrave superfiacutecie das recolhidas em dragagens

nos fundos marinhos e das retiradas da profundidade quer em minas quer atraveacutes de son-

dagens Esta profundidade que natildeo excede 3 km no primeiro caso e 11 km no segundo

(na peniacutensula de Kola) pode considerar-se insuficiente se comparada com as trecircs a quatro

dezenas de quiloacutemetros de espessura meacutedia da crosta continental

Eacute jaacute muito o conhecimento que temos desta capa (a crosta ou crusta como alguns dizem e

escrevem) mais superficial do nosso planeta Temo-lo atraveacutes das rochas que constantemente

vemos e pisamos muitas delas geradas em zonas profundas trazidas agrave superfiacutecie pelos en-

rugamentos de origem tectoacutenica geradores das montanhas e subsequentemente postas a

descoberto pela erosatildeo

Outras rochas proacuteprias de muito maiores profundidades inclusive do manto inferior como eacute

o caso dos xenocristais e dos xenoacutelitos (do grego xenos estranho e lithos pedra) isto eacute cris-

tais e fragmentos de materiais liacuteticos gerados nessas regiotildees e que ascendem agrave superfiacutecie na

sequecircncia de atividade vulcacircnica englobados ou encravados nos produtos magmaacuteticos que ali

se formaram ou por ali passaram Na ilha da Madeira por exemplo satildeo frequentes os xenoacutelitos

oliviacutenicos que ascenderam ateacute agrave superfiacutecie no seio das lavas envolvidas no processo vulcacircnico

que originou esta e muitas outras ilhas

As rochas a que temos acesso mais ou menos direto representam uma parcela importante

da diferenciaccedilatildeo da Terra e agrave semelhanccedila da aacutegua do ar e dos seres vivos satildeo o resultado de

imensas transformaccedilotildees numa vasta e complexa rede de inter-relaccedilotildees ocorridas ao longo

dos tempos neste laquoplaneta vivoraquo pleno ainda de energia interna (sob a forma de calor) a que

se adiciona toda a que lhe chega do exterior isto eacute a radiaccedilatildeo solar Como escreveu Maurice

Mattauer ldquoas pedras nascem vivem e morrem como noacutes elas tecircm uma idade e uma histoacuteriardquo

Petrologia e litologia satildeo duas disciplinas que estudam as rochas ou as pedras Se bem que

os eacutetimos petra (latim) e lithos (grego) sejam sinoacutenimos petrologia e litologia encerram con-

ceitos diferentes ainda que relacionados entre si

bull A petrologia eacute um ramo da geologia com dimensatildeo de ciecircncia de vastos recursos nos campos

da fiacutesica da quiacutemica e naturalmente tambeacutem da matemaacutetica em busca do conhecimento da

origem natureza constituiccedilatildeo e evoluccedilatildeo da Terra no acircmbito do Sistema Solar e do Universo

bull A litologia outro ramo da geologia eacute habitualmente entendida como a disciplina que estuda

as rochas num campo praacutetico Serve a geologia de engenharia tendo em vista a implantaccedilatildeo

de grandes edifiacutecios e outras obras volumosas cujas fundaccedilotildees exigem o conhecimento dos

terrenos A litologia daacute igualmente respostas agrave pedologia (o estudo dos solos) e agrave induacutestria

extrativa de rochas ornamentais usadas na arquitetura na cantaria ou na estatuaacuteria e de

rochas industriais exploradas como importantes mateacuterias-primas para a construccedilatildeo civil a

ceracircmica o vidro o cimento a cal e a induacutestria quiacutemica

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Software educativo em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Ana C Conceiccedilatildeo

DMUniversidade do Algarve

O conceito F-Tool foi desenvolvido em 2012 com o objetivo de proporcionar uma

aprendizagem interativa em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Em particular eacute possiacutevel

explorar de forma integrada as noccedilotildees de domiacutenio contradomiacutenio existecircncia de zeros

existecircncia de extremos e de pontos de inflexatildeo invertibilidade derivabilidade reta

tangente ao graacutefico num ponto simetrias em relaccedilatildeo aos eixos e agrave origem A utilizaccedilatildeo

dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adaptaccedilatildeo de

alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e

do simples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular)

No ensino da matemaacutetica e em particular no estudo de funccedilotildees a recomendaccedilatildeo da utiliza-

ccedilatildeo de software educacional tem como objetivo o sanar das dificuldades que os alunos pos-

suem em associar as representaccedilotildees algeacutebricas com as diversas representaccedilotildees numeacutericas

eou graacuteficas De facto o caraacuteter estaacutetico das representaccedilotildees matemaacuteticas muitas vezes

dificulta a construccedilatildeo do significado afetando substancialmente a correta interpretaccedilatildeo dos

conceitos A criaccedilatildeo de modelos interativos visuais com o sistema de aacutelgebra computacional

Mathematica permite aos alunos explorar conceitos de elevada complexidade e rapidamen-

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te adquirir uma compreensatildeo mais profunda dos conteuacutedos Obviamente a utilizaccedilatildeo de sof-

tware educacional natildeo deve ser vista como um substituto para o ensino com ldquopapel e laacutepisrdquo

deve ser devidamente combinada com outros meacutetodos de ensino

O conceito F-Tool foi desenvolvido em 2012 com o objetivo de proporcionar uma apren-

dizagem interativa em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Os aplicativos computacionais

implementados com base neste conceito utilizam as capacidades de caacutelculo numeacuterico e

simboacutelico do Mathematica de forma a permitir estudar dinacircmica e interativamente e em

tempo real conceitos e propriedades fundamentais do preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial

FIGURA 1 Imagem ilustrativa da F-Exponential

O conceito F-Tool em sala de aula permite uma abordagem dinacircmica de diversos concei-

tos relacionados com o estudo de funccedilotildees e promove novas formas de raciocinarpensar

avaliar ensinar e aprender As F-Tool foram concebidas como ferramentas de aprendiza-

gem ativa ou seja a sua utilizaccedilatildeo adequada propicia um contexto de ensino-aprendiza-

gem onde alunos e professores satildeo igualmente convidados a contribuir Aleacutem disso tecircm

uma interface muito intuitiva que permite que ateacute mesmo o utilizador mais inexperiente

sem qualquer conhecimento anterior em software educacional possa comeccedilar a usar to-

dos os recursos de uma forma eficiente e autoacutenoma As F-Tool natildeo satildeo um objeto estaacutetico

mas sim um programa a ser executado com o qual se interage em tempo real Em parti-

cular atraveacutes da alteraccedilatildeo dinacircmica dos valores dos paracircmetros que definem cada classe

eacute possiacutevel obter informaccedilatildeo analiacutetica rigorosa apresentada em aritmeacutetica exata ou apro-

ximada bem como informaccedilatildeo visual estaacutetica e natildeo-estaacutetica De igual modo escolhendo

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estrategicamente de entre as vaacuterias opccedilotildees de funccedilotildees disponiacuteveis no painel esquerdo eacute

possiacutevel apreender de forma mais eficaz e consequente muitas das relaccedilotildees existentes

entre as vaacuterias funccedilotildees e respetivas transformaccedilotildees (FIGURA 1) As F-Tool utilizam um

coacutedigo de cores para diferenciar as vaacuterias funccedilotildees apresentadas Este coacutedigo eacute explicitado

na legenda do canto inferior esquerdo do painel central

Qual das figuras pode representar o graacutefico de uma funccedilatildeo e o graacutefico da sua derivada de 1ordf ordem

FIGURA 2 Exemplo de questatildeo de escolha muacuteltipla utilizando diversas opccedilotildees do painel esquerdo das F-Tool

Apesar de ser um software educacional dinacircmico e interativo pode tambeacutem ser utilizado

na construccedilatildeo de questotildees de avaliaccedilatildeo de escolha muacuteltipla (FIGURA 2) e de resposta aberta

ficando o docente automaticamente com a resposta ao selecionar no painel esquerdo as

opccedilotildees relacionadas com a questatildeo

A utilizaccedilatildeo dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adapta-

ccedilatildeo de alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e do sim-

ples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular) De facto

incluindo as F-Tool em ficheiros no Computable Document Format (CDF) eacute possiacutevel criar

fichas de trabalho dinacircmicas e interativas motivando os alunos e tornando o estudo mais

interessante

Acreditamos que o conceito F-Tool ao dotar professores e estudantes com novas fer-

ramentas para explorar alguns conceitos fundamentais da matemaacutetica desenvolveraacute po-

sitivamente o processo de ensino e de aprendizagem das aacutereas de preacute-caacutelculo e caacutelculo

diferencial

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018046

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O Aroma das Plantas Luiacutes Gaspar Pedro

Ana Cristina Figueiredo

Joseacute Gonccedilalves Barroso

CESAM CBV Universidade de Lisboa

Quando nos festejos dos Santos Populares colocamos a matildeo sobre o manjerico

provocamos a rutura de estruturas microscoacutepicas Ao fazecirc-lo libertam-se compostos

quiacutemicos que aderem agrave palma da nossa matildeo que depois percecionamos pelo nosso

olfacto Os aromas satildeo misturas complexas de dezenas de compostos volaacuteteis

carateriacutesticos de uma determinada planta

O aroma o que eacute

O aroma de muitas plantas eacute constituiacutedo por diversos compostos quiacutemicos volaacuteteis que

tecircm a capacidade de estimular os nossos recetores olfactivos A quantidade e a diver-

sidade deste tipo de compostos presentes nas plantas satildeo responsaacuteveis pelos aromas

carateriacutesticos Eacute relativamente faacutecil reconhecer o aroma dos coentros ou do manjerico e

distingui-los de outros aromas como o da rosa ou do cravinho

Na composiccedilatildeo da fraccedilatildeo volaacutetil de uma planta aromaacutetica encontram-se regra geral

compostos como os mono- e sesquiterpenos e os fenilpropanoacuteides (FIGURA 1) entre ou-

tros Satildeo todos eles compostos quiacutemicos com ponto de ebuliccedilatildeo relativamente baixo que

volatilizam agrave temperatura ambiente e contribuem de forma mais ou menos notoacuteria para o

aroma carateriacutestico de cada espeacutecie

FIGURA 1 Exemplos de compostos que constituem a fraccedilatildeo volaacutetil de diversas espeacutecies aromaacuteticas monoterpenos (α-pineno timol) sesquiterpenos (β-cariofileno germacreno D) e fenilpropanoacuteides (eugenol)

α-Pineno Timol β-Cariofileno Germacreno D Eugenol

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Estruturas secretoras

Os compostos que constituem a fraccedilatildeo aromaacutetica de uma planta satildeo regra geral sinteti-

zados e acumulados em estruturas secretoras microscoacutepicas Entre os diversos tipos de

estruturas secretoras as mais frequentes satildeo os tricomas os canais e as bolsas (FIGURA 2)

FIGURA 2 Exemplos de estruturas secretoras observadas em microscopia oacuteptica A - Tricoma de Geranium robertianum (s - secretado acumulado no espaccedilo sub-cuticular coloraccedilatildeo com reagente de Nadi) B - canal secretor de Crithmum maritimum (setas coloraccedilatildeo com tricloreto de antimoacutenio) e C - bolsa secretora de Citrus sp (coloraccedilatildeo com Vermelho Sudatildeo III)

Os tricomas glandulares satildeo estruturas externas com origem em ceacutelulas epideacutermicas

que apresentam diversos graus de complexidade desde tricomas com apenas trecircs ceacutelulas

uma das quais a secretora ateacute tricomas com mais de uma dezena de ceacutelulas secretoras

As bolsas e os canais secretores satildeo estruturas internas constituiacutedas por ceacutelulas glandu-

lares que delimitam o luacutemen o espaccedilo para onde satildeo secretados os compostos depois de

produzidos nas ceacutelulas secretoras Os canais satildeo estruturas alongadas que percorrem o

corpo da planta por vezes com ramificaccedilotildees enquanto as bolsas satildeo estruturas mais ou

menos isodiameacutetricas

Os oacuteleos essenciais

Um oacuteleo essencial eacute obtido por hidrodestilaccedilatildeo ou por destilaccedilatildeo por arrastamento de va-

por (FIGURA 3) No caso particular dos citrinos o oacuteleo essencial pode ainda ser obtido

por expressatildeo (processo mecacircnico que promove a libertaccedilatildeo do secretado acumulado no

interior das estruturas secretoras neste caso bolsas)

Tanto na hidrodestilaccedilatildeo como na destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor o secretado eacute

removido das estruturas secretoras e arrastado pelo vapor de aacutegua Depois de condensar

por arrefecimento o oacuteleo essencial separa-se da aacutegua podendo ser facilmente recolhido

devido agrave sua imiscibilidade com a aacutegua

A B CS

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41FIGURA 3 A - Sistema de hidrodestilaccedilatildeo com aparelho de Clevenger e B - sistema de destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor

Anaacutelise de oacuteleos essenciais

Para analisar um oacuteleo essencial recorre-se frequentemente agrave cromatografia gasosa (CG)

para quantificaccedilatildeo dos componentes e agrave CG acoplada agrave espectrometria de massa (CG-

-EM) para a correspondente identificaccedilatildeo dos constituintes Por CG-EM os diversos com-

ponentes que constituem o oacuteleo essencial satildeo separados uns dos outros e ao chegarem ao

espectroacutemetro de massa satildeo bombardeados por eletrotildees o que leva a que as moleacuteculas

fragmentem formando-se diferentes iotildees de acordo com padrotildees preferenciais O con-

junto dos fragmentosiotildees constituem o espectro de massa que eacute carateriacutestico de cada

moleacutecula A integraccedilatildeo das aacutereas dos picos que surgem no cromatograma obtido por CG

(FIGURA 4A) permite a quantificaccedilatildeo relativa dos diversos componentes do oacuteleo essencial

A anaacutelise por CG-EM possibilita a identificaccedilatildeo desses compostos por comparaccedilatildeo dos

espectros de massa (FIGURA 4B) e dos iacutendices de retenccedilatildeo com os de amostras padratildeo

FIGURA 4 A - Aspeto parcial de um cromatograma obtido por CG carateriacutestico de um oacuteleo essencial com alguns dos ldquopicosrdquo identificados B - espectro de massa obtido por CG-EM de um dos componentes maioritaacuterios o timol

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A B

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Paisagens da Islacircndia Formase Processos (III)Fernando Carlos LopesCITEUC Universidade de Coimbra

A Islacircndia eacute famosa natildeo soacute pelos seus vulcotildees mas tambeacutem pelos seus glaciares e pela

sua sinuosa e escarpada linha de costa

Atualmente os glaciares cobrem cerca de 10 da superfiacutecie islandesa e 60 destas

aacutereas geladas assentam sobre sistemas vulcacircnicos ativos Esta combinaccedilatildeo de gelo e vul-

canismo torna a Islacircndia o local ideal para cheias repentinas (joumlkulhlaups) resultantes de

aacutegua que escorre por baixo dos glaciares devido agrave fusatildeo provocada pelas erupccedilotildees subgla-

ciares Atualmente existem 4 grandes calotes glaciares localizadas nas regiotildees elevadas

e vulcanicamente ativas do centro e sul da ilha a partir das quais divergem numerosas liacuten-

guas glaciarias Vatnajoumlkull (8100 km2) situado no centro leste Langjoumlkull (925 km2) si-

tuado no centro oeste Hofsjoumlkull (925 km2) situado na zona central da ilha Myrdalsjoumlkull

(600 km2) situado no sul da ilha Apesar da Islacircndia ter cerca de 24 Ma a sua paisagem soacute

foi moldada por glaciares nos uacuteltimos 5 milhotildees de anos Os seus glaciares de tipo alpino

(ou de montanha) avanccedilaram e recuaram condicionados pelas variaccedilotildees regionais e locais

do clima de que resultaram espetaculares morfologias Como jaacute se referiu anteriormente

as variaccedilotildees da carga glaciar sobre a litosfera provocadas pelas fases de gelo e degelo

teratildeo desempenhado papel importante na atividade vulcacircnica da ilha

Com um comprimento de cerca de 4970 km a linha de costa da Islacircndia eacute de um modo

geral muito recortada e escarpada marcada por promontoacuterios cabos peniacutensulas fiordes

e enseadas pontilhada de leixotildees por entre os quais se aninham praias de areia negra de

contornos suaves A accedilatildeo do mar sobre as inuacutemeras escoadas de lava que fluiacuteram ateacute agrave

costa ao longo da evoluccedilatildeo geoloacutegica da ilha e ali solidificaram sobre os aparelhos vulcacirc-

nicos implantados na zona litoral e sobre os vales deixados pelo recuo dos glaciares criou

paisagens de uma beleza surreal

FIGURA DA PAacuteGINA ANTERIOR Leixatildeo Hvitserkur noroeste da Islacircndia (fonte pixabay)

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Parte III - Paisagens controladas pelos glaciares e paisagens costeirasVales glaciares e fiordes

Vales glaciares vales suspensos lagos glaciares e cascatas ciacuterculos glaciares moreias

e fiordes satildeo formas carateriacutesticas das paisagens islandesas criadas pelos seus glacia-

res alpinos Os vales glaciares com o seu carateriacutestico perfil em ldquoUrdquo satildeo a forma mais

comum de paisagem originada pela erosatildeo glacial (FIGURA 1) No interior destes vales os

rios concentram o seu poder erosivo na zona mais baixa originando um perfil carateriacutestico

em ldquoVrdquo O poder erosivo dos glaciares eacute muito superior ao dos rios porque a sua energia

potencial resulta natildeo soacute do declive do terreno mas tambeacutem do peso do gelo A erosatildeo faz-

-se essencialmente ao longo das zonas laterais do canal criando um vale com vertentes

alcantiladas e fundo aplanado Vales suspensos satildeo vales escavados por glaciares tributaacute-

rios Como estes glaciares levam menos gelo o seu poder erosivo eacute menor que o do glaciar

principal ficando suspenso nas vertentes do glaciar principal quando o gelo recua Cons-

tituem exemplos notaacuteveis pela sua beleza e dimensatildeo os vales glaciares de Borgarvirki

(FIGURA 2) e de Akureyri (ou Eyjafjoumlrethur) no noroeste da ilha Este uacuteltimo vai desembocar

num fiorde que eacute mais longo da Islacircndia

FIGURA 1 Esquema 3D (sem escala) da evoluccedilatildeo de uma paisagem glaciar com formaccedilatildeo de vales glaciares vales glaciares suspensos ciacuterculos glaciares lagos glaciares e cascatas

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FIGURA 2 Aspeto do vale glaciaacuterio de Borgarvirki observado a partir da fortaleza de Borgarvirki

Se as condiccedilotildees forem favoraacuteveis os glaciares podem erodir abaixo do niacutevel do mar Quan-

do o glaciar recua o oceano invade estas depressotildees criando um fiorde Alguns dos fiordes

islandeses como o de Akureyri e o de Nordfjord (nordeste da ilha) possuem centenas de

metros abaixo do niacutevel do mar O fiorde de Nordfjord abrange parcialmente uma antiga cal-

deira vulcacircnica Nas faleacutesias do seu flanco oriental (falesias de Raudubjoumlrg) afloram rioacutelitos

conferindo agraves arribas uma carateriacutestica cor avermelhada)

Como se referiu anteriormente (Parte I) a orientaccedilatildeo da maioria dos vales glaciares e

fiordes segue de perto a orientaccedilatildeo dos principais lineamentos tectoacutenicos

Moreias

Em termos de aspetos deposicionais relacionados com glaciares as moreias satildeo de lon-

ge os mais abundantes Satildeo acumulaccedilotildees de fragmentos rochosos transportados pelos

glaciares quer na regiatildeo frontal (moreia frontal) lateral (moreia lateral) a meio (moreia

mediana) e no fundo (moreia de fundo)

Durante o uacuteltimo maacuteximo glaciar (haacute cerca de 20 000 anos) a Islacircndia estava quase

toda coberta por glaciares que se estendiam ateacute agrave costa e para aleacutem dela Foram encon-

tradas moreias frontais dessa eacutepoca a cerca de 130 km a offshore da costa ocidental e a

cerca de 150-230 m abaixo do niacutevel de mar atual

Eacute possiacutevel encontrar nos vales glaciares islandeses quer moreias antigas resultantes

da uacuteltima glaciaccedilatildeo quer moreias recentes e atuais Estas uacuteltimas estatildeo relacionadas com

as 4 grandes calotes glaciares existentes como eacute o caso das moreias do glaciar Vatna-

joumlkull que se podem observar em pleno no setor sudeste da ilha

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Lagoas glaciares e icebergues

Outra das paisagens magniacuteficas moldadas pelos glaciares satildeo as lagoas glaciares Estas

lagoas formam-se na extremidade dos glaciares que descem das calotes glaciares Satildeo

alimentadas pelo desgelo natural dos glaciares e nela flutuam pequenos e grandes iceber-

gues que se separam da frente do glaciar (FIGURA 3)

FIGURA 3 Esquema 3D (sem escala) da formaccedilatildeo de icebergues numa lagoa glaciar

O exemplo mais notaacutevel deste tipo de lagoas na Islacircndia eacute a lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten consi-

derada uma das maravilhas naturais do paiacutes Fica situada no sudeste da ilha na extremidade

do glaciar Breiethamerkurjoumlkull uma das liacutengua glaciares da calote de Vatnajoumlkull (FIGURA 4)

FIGURA 4 Icebergues na lagoa glaciar de Joumlkulsaacuterloacuten Ao fundo vecirc-se a frente do glaciar Breiethamerkurjoumlkull As faixas negras nos icebergues satildeo niacuteveis de cinza vulcacircnica

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A lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten eacute o ponto mais baixo da Islacircndia com zonas agrave cota de -200 m Na

baiacutea da lagoa tem-se acesso a uma paisagem de outro mundo com icebergues de dimen-

sotildees variadas que flutuam ateacute ao mar ficando alguns deles encalhados na margem de uma

praia de areia vulcacircnica Alguns icebergues exibem faixas negras correspondentes a niacuteveis

de cinzas vulcacircnicas provenientes de antigas erupccedilotildees (FIGURA 4) Outros exibem duas

tonalidades branco leitoso e azul claro A faixa azul corresponde agrave porccedilatildeo do icebergue

que se tornou recentemente emersa

A lagoa teraacute sido formada em 1934-35 pelo contiacutenuo recuo do glaciar Vatnajoumlkull e teraacute

duplicado de tamanho nos uacuteltimos 15 anos Dada a taxa atual de recuo do glaciar Vatna-

joumlkull um profundo fiorde iraacute desenvolver-se no local onde hoje existe a lagoa

As costas escarpadas

As costas escarpadas e recortadas satildeo sem duacutevida as mais dominantes Ocorrem deste o

oeste ao leste da ilha passando pela regiatildeo norte incisas por numerosos fiordes e peque-

nas enseadas e salpicadas por leixotildees Eacute notaacutevel pela sua forma de dragatildeo e pelas lendas

que o envolvem o leixatildeo de Hvitserkur (IMAGEM DA PAGINA 42) situado na costa leste da

Peniacutensula de Vatnsnes no noroeste da Islacircndia

Os fiordes mais profundos localizam-se na costa norte constituindo bons portos natu-

rais Um destaque especial vai para o fiorde ao longo do qual se estende a cidade de Aku-

reyri (fiorde de Akureyri ou Eyjafjoumlrethur) considerado o mais longo do paiacutes

Praias de areia Negra

As praias de areia negra em geral de reduzida extensatildeo podem ser constituiacutedas por i) de-

poacutesitos resultantes da abrasatildeo das arribas ii) moreias e depoacutesitos fluviais resultantes dos

rios glaciares com contornos suaves e lagoas glaciares protegidas por extensas barras

arenosas iii) depoacutesitos de tefra provenientes de erupccedilotildees freaacuteticas

As do primeiro tipo ocorrem um pouco por toda a linha de costa como resultado da accedilatildeo

do mar sobre as arribas As do segundo tipo ocorrem dominantemente entre Djuacutepivogur a

sudeste e Oumllfusaacute a sudoeste com destaque para a praia de Reynisfjara na costa sul As

da terceira categoria podem ser observadas na ilha de Heimaey arquipeacutelago de Vestman-

naeyja regiatildeo sul da Islacircndia

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018048

IMA

GE

M E

M D

ES

TAQ

UE

48

Eu crio as minhas obras de arte de peque-

nos pedaccedilos de papel com espirais que co-

nectam e ligam os elementos a uma grande

estrutura Na obra de origami acabada a

que chamo Voltinhas estas espirais vivem

e trabalham Forccedilas de tensatildeo e fricccedilatildeo

contrapotildeem-se agrave gravidade e mantecircm a

forma estaacutevel Nas minhas criaccedilotildees procu-

ro estar perto da natureza Quando criamos

ou estudamos modelos de papel na macro

escala podemos entender melhor as for-

mas criadas pela natureza na micro escala

A minha obra de origami na capa o trabalho

intitulado ldquoInverno num parque de Lisboardquo e

o capsiacutedeo do viacuterus Canine parvovirus um viacute-

rus contagioso que ataca sobretudo os catildees

e outros caniacutedeos tecircm a mesma estrutura

geomeacutetrica do pequeno rombicosidodecae-

dro um poliedro com simetria icosaeacutedrica

Essa obra invoca simbolicamente o Ano

da Biologia Matemaacutetica 2018 O origami eacute

uma arte de dobragem do papel com uma

forte componente geomeacutetrica que permite

a construccedilatildeo de formas complexas e tem

atraiacutedo o interesse de matemaacuteticos pelas

suas propriedades geomeacutetricas e algeacutebricas

Krystyna Burczyk

Os viacuterus satildeo responsaacuteveis por inuacutemeras

doenccedilas no homem nos animais e nas plan-

tas e as curas e prevenccedilotildees satildeo ainda mui-

tas vezes problemaacuteticas Desenvolvimen-

tos recentes das aplicaccedilotildees da matemaacutetica

agrave virologia nomeadamente das teorias de

grupos de grafos de tesselaccedilatildeo ou de re-

ticulados mostraram por exemplo que as

restriccedilotildees estruturais agraves formas dos viacuterus

satildeo maiores do que antes se pensava e

permitiram a construccedilatildeo de novos modelos

para o desenvolvimento de terapias anti-

-virais Os capsiacutedeos virais que envolvem

os genomas dos viacuterus por razotildees de eco-

nomia geneacutetica tem muitas vezes uma si-

metria icosaeacutedrica Ora esta simetria natildeo eacute

cristalograacutefica em trecircs dimensotildees ie natildeo

eacute compatiacutevel com reticulados perioacutedicos

o que motivou os matemaacuteticos a desen-

volverem novas estruturas no contexto de

grupos de Coxeter natildeo-cristalograacuteficos que

encontraram aplicaccedilatildeo natildeo soacute na virologia

mas tambeacutem noutras estruturas molecula-

res da quiacutemica do carbono

Joseacute Francisco RodriguesUniversidade de Lisboa

Origami e Viacuterusin imagemcasadascienciasorg

Imagem de Canine Parvovirus gerada em VMD Autor Alexandre Lopes Magalhatildees

Page 22: JUNHO 2018 V6 /02 · 2018-09-26 · Matilde Viegas, Maria João Ramos, Pedro Alexandrino Fernandes Stephen Hawking e a sua contribuição para a física teórica Orfeu Bertolami,

AR

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Artroacutepodes Miguel Santos

Rubim Almeida

Sara C Antunes

DB CIBIO InBIO CIIMAR Universidade do Porto

Artroacutepodes (Arthropoda do grego arthro = articulado + podos = peacutes) satildeo o grupo taxonoacutemi-

co mais diversificado com distribuiccedilatildeo por quase todo o globo e ocupando todos os habitats

Satildeo organismos invertebrados com exosqueleto riacutegido apresentando apecircndices articula-

dos (patas antenas) e de nuacutemero diferenciado de acordo com o subfilo a que pertencem

Os artroacutepodes constituem um dos mais diversos grupos de organismos do planeta com-

preendendo espeacutecies que variam de 0085 mm (Tantalacus dieteri um crustaacuteceo parasita)

ateacute 38 m (envergadura do Caranguejo-aranha-gigante) Os organismos pertencentes a

este grupo encontram-se praticamente em todos os tipos de habitat A razatildeo do sucesso

evolutivo deste grupo taxonoacutemico deve-se a um conjunto de carateriacutesticas uacutenicas i) pos-

suiacuterem um exosqueleto proteico-quitinoso flexiacutevel leve e resistente que protege contra a

desidrataccedilatildeo ii) segmentaccedilatildeo do corpo e a presenccedila de apecircndices articulados especia-

lizados iii) oacutergatildeos sensoriais bem desenvolvidos (antenas sedas sensoriais olhos com-

postos olhos pedunculados ocelos quimiorrecetores nas antenas) iv) metamorfose com

diferentes estaacutedios de desenvolvimento incluindo estaacutedios larvares que podem ter um

modo de vida completamente diferente do adulto permitindo um aproveitamento de outros

recursos (alimento e espaccedilo) reduzindo a competiccedilatildeo entre indiviacuteduos da mesma espeacutecie

v) padrotildees comportamentais complexos revelando por vezes organizaccedilatildeo comunitaacuteria e

vi) sistema respiratoacuterio diverso nomeadamente o sistema traqueal onde o ar entra em

contacto direto com os tecidos devido a um eficiente sistema de tubos (traqueias) com

orifiacutecios na superfiacutecie do tegumento (espiraacuteculos) No entanto a origem e a taxonomia

deste grupo ainda constituem um tema de investigaccedilatildeo e debate Mesmo apesar dos avan-

ccedilos em aacutereas como a biologia molecular que fornece importantes conhecimentos sobre

as complexas relaccedilotildees evolutivas destes organismos muito ainda haacute por descobrir Os

artroacutepodes satildeo um grupo extremamente importante nos ecossistemas terrestres devido

natildeo soacute agrave sua enorme abundacircncia e diversidade mas tambeacutem ao grande nuacutemero de funccedilotildees

que desempenham nestes ecossistemas (ex degradaccedilatildeo da mateacuteria orgacircnica arejamento

AR

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O

21

do solo ciclagem de nutrientes) O filo Arthropoda estaacute atualmente subdividido em cinco

subfilos Trilobitomorpha Crustacea Myriapoda Chelicerata e Hexapoda

O subfilo Trilobitomorpha (trilobites e os seus parentes) compreende cerca de 20 000

espeacutecies que viviam exclusivamente em ambientes marinhos e que atualmente se encon-

tram todas extintas Contudo a sua vasta distribuiccedilatildeo geograacutefica e o exosqueleto de carbo-

nato de caacutelcio permitiram que este grupo apresente um extenso registo foacutessil observaacutevel

por todo o planeta

Crustacea inclui caranguejos camarotildees e lagostas contendo mais de 60 000 espeacute-

cies e com um extenso registo foacutessil em todo o mundo eacute um dos principais grupos de

artroacutepodes A maioria dos crustaacuteceos vive em ambientes marinhos mas existem vaacuterias

espeacutecies que podem ser encontradas em ecossistemas de aacutegua doce (ordem Cladocera e

sub-classe Copepoda) e em ambientes terrestres (ordem Isopoda FIGURA 1) Apesar da

grande maioria dos crustaacuteceos serem de vida livre existem vaacuterios grupos parasitas (ex

Rhizocephala ndash crustaacuteceos cirriacutepedes parasitas de caranguejos e camarotildees Argulidae ndash

crustaacuteceos parasitas de peixes e Pentastomida ndash vermes liacutengua que parasitam o sistema

respiratoacuterio de vertebrados) Numa perspetiva diferente e de interesse econoacutemico este

grupo apresenta ainda um valor acrescido jaacute que alguns crustaacuteceos decaacutepodes como la-

gostas e camarotildees satildeo intensivamente consumidos em todo o mundo Para aleacutem da sua

importacircncia econoacutemica este grupo de organismos eacute bastante utilizado em investigaccedilatildeo

cientiacutefica nomeadamente em ecotoxicologia na avaliaccedilatildeo do efeito de contaminantes no

solo

FIGURA 1 Exemplares de organismos da ordem Isopoda (bicho-da-conta) 1 ndash famiacutelia Armadillidae 2 ndash famiacutelia Porce-llionidae em A - vista dorsal e em B - vista ventral

O subfilo Myriapoda inclui as centopeias e os miliacutepedes conteacutem mais de 11 000

espeacutecies descritas Este subfilo eacute tradicionalmente dividido em quatro classes Chi-

lopoda (centopeias) (FIGURA 2) Diplopoda (miliacutepedes) Pauropoda (ldquopoucos peacutesrdquo) e

Symphyla (pseudocentopeias) Todos os miriaacutepodes conhecidos satildeo terrestres e o seu

tamanho varia desde alguns miliacutemetros a cerca de 38 centiacutemetros (Millipede Gigante

Africano)

1

2

A B

15cm

AR

TIG

O

22

FIGURA 2 Vista dorsal A - e ventral B - de um organismo pertencente agrave classe Chilopoda onde se pode observar o corpo segmentado e apenas com um par de patas por segmento

O subfilo Chelicerata (aranhas aranhas do mar escorpiotildees e aacutecaros) conteacutem mais

de 113 000 espeacutecies distribuiacutedas em duas classes principais Pycnogonida (aranhas do

mar) e Arachnida (aranhas escorpiotildees e aacutecaros) Pycnogonida o grupo das aranhas

do mar conteacutem mais de 1 300 espeacutecies descritas mas estudos detalhados sobre esses

animais e as suas relaccedilotildees evolutivas ainda satildeo escassos Estes organismos geralmente

tecircm seis ou oito olhos e quatro a seis pares de patas A classe Arachnida compreende os

organismos mais conhecidos do subfilo Chelicerata como aranhas escorpiotildees e aacutecaros

Os indiviacuteduos pertencentes a este grupo natildeo possuem antenas tecircm quatro pares de

patas um par de queliacuteceras (1ordm par de apecircndices do prossomacabeccedila) e pedipalpos

(2ordm par de apecircndices do prossomacabeccedila) As aranhas (ordem Araneae) (FIGURA 3) satildeo

provavelmente o grupo mais icoacutenico e bem estudado deste subfilo presentes na maioria

dos ambientes terrestres e constituindo um dos grupos mais importantes de artroacutepodes

do solo Outros organismos colocados na mesma classe como escorpiotildees aacutecaros ou

opiliotildees tambeacutem constituem grupos extremamente variados com importantes funccedilotildees

ecoloacutegicas (ex decomposiccedilatildeo de mateacuteria orgacircnica e controlo de organismos principal-

mente atraveacutes de predaccedilatildeo)

FIGURA 3 Vista dorsal A - e ventral B - de um exemplar da ordem Araneae (famiacutelia Gnaphosidae) sendo possiacutevel obser-var o corpo dividido em cefalotoacuterax e abdoacutemen os quatro pares de patas as queliacuteceras (q) e os pedipalpos (p)

O subfilo Hexapoda (Hexa (seis) e Poda (peacute)) engloba os insetos e os seus parentes

compreende o grupo mais diverso e abundante de organismos com mais de 1 milhatildeo de

espeacutecies conhecidas Este subfilo eacute frequentemente dividido em organismos da clas-

A B

A B

14cm

p

q

35cm

AR

TIG

O

23

se Insecta (FIGURA 4) e da classe Entognatha Esta uacuteltima inclui os colecircmbolos (ordem

Collembola) (FIGURA 5) cabeccedilas de cone e bichos de prata (ordem Protura) e cerdas de

duas pontas (ordem Diplura) Na classe Entognatha as partes bucais dos organismos

estatildeo retraiacutedas dentro das suas cabeccedilas contrariamente ao que se observa na classe In-

secta que satildeo ectognantes Os colecircmbolos constituem um dos grupos mais abundantes

de artroacutepodes do solo podendo ser encontrados mais de 100 000 indiviacuteduos num metro

quadrado Estes satildeo organismos cosmopolitas com mais de 8 000 espeacutecies descritas Os

colecircmbolos satildeo pequenos organismos com tamanho geralmente inferior a 6-8 mm de

forma ciliacutendrica ou globular apresentando olhos simples e antenas moniliformes Muitas

espeacutecies possuem um apecircndice bifurcado (fuacutercula) no final do abdoacutemen permitindo que

estes organismos saltem quando ameaccedilados (FIGURA 5) Os colecircmbolos tecircm sido ampla-

mente utilizados em estudos ecotoxicoloacutegicos na avaliaccedilatildeo da qualidade do solo e da sauacute-

de destes ecossistemas

FIGURA 4 A - Vista dorsal e B - vista ventral de exemplares de algumas ordens da classe Insecta

FIGURA 5 Vista lateral de exemplares da ordem Collembola

A classe Insecta eacute a classe com maior nuacutemero de organismos compreendendo mais

de metade das espeacutecies eucarioacuteticas descritas atualmente englobando mais de 1 milhatildeo

de espeacutecies que habitam praticamente todos os ecossistemas Os insetos sendo o grupo

Ordem

Coleoptera

Ordem

Diptera

Ordem

Hemiptera

Ordem

Orthoptera

Ordem

HimenopteraA A A A

B B B B

075cm

027cm14cm016cm

09cm

22cm

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mais diversificado de seres vivos apresentam as mais variadas e interessantes adap-

taccedilotildees anatoacutemicas e morfoloacutegicas Pensa-se que a sua enorme riqueza e abundacircncia eacute

devida a uma combinaccedilatildeo de carateriacutesticas vantajosas como a coevoluccedilatildeo com plan-

tas a miniaturizaccedilatildeo e a capacidade de voo Os insetos desempenham ainda um papel

importantiacutessimo no funcionamento dos ecossistemas realizando funccedilotildees quer de pre-

dadores quer de presa estando envolvidos em inuacutemeras teias alimentares (ex reciclan-

do nutrientes fazendo a manutenccedilatildeo da estrutura e fertilizaccedilatildeo dos solos) Destaca-se

tambeacutem o facto de vaacuterios insetos voadores como abelhas ou borboletas atuarem como

polinizadores de muitas espeacutecies de plantas Esta eacute uma funccedilatildeo ecoloacutegica importante

com vaacuterias repercussotildees econoacutemicas porque mais de 30 das culturas alimentares

mundiais dependem da polinizaccedilatildeo Os insetos possuem ainda um papel importante em

investigaccedilatildeo cientiacutefica sendo muitas vezes utilizados como organismo modelo dado pos-

suiacuterem carateriacutesticas distintas como o seu tamanho reduzido tempos de geraccedilatildeo curtos

e elevada fecundidade O exemplo de excelecircncia eacute a mosca da fruta Drosophila melano-

gaster cujo genoma eacute jaacute conhecido na totalidade sendo esta espeacutecie utilizada frequente-

mente para estudar vaacuterios processos celulares (ex o envelhecimento a hereditariedade

e o desenvolvimento embrionaacuterio) Apesar de constituiacuterem um grupo tatildeo interessante

beneacutefico e necessaacuterio agrave manutenccedilatildeo do equiliacutebrio dos ecossistemas existem algumas

desvantagens associadas aos insetos como eacute o caso de serem vetores na transmissatildeo

de doenccedilas Eacute o caso da malaacuteria transmitida por um mosquito do geacutenero Anopheles a

doenccedila parasitaacuteria mais disseminada com vaacuterios milhotildees de humanos infetados em todo

o mundo O dengue e o zika satildeo doenccedilas em que o vetor de transmissatildeo eacute tambeacutem um

mosquito do geacutenero Aedes Na agricultura as pragas de insetos (ex gorgulhos gafa-

nhotos afiacutedios) satildeo responsaacuteveis por prejudicar as culturas agriacutecolas e a produccedilatildeo de

alimentos causando perdas econoacutemicas elevadas

Sabe-se que atualmente a perda de habitat e as mudanccedilas climaacuteticas satildeo alguns dos

fatores responsaacuteveis por decliacutenios significativos nas populaccedilotildees deste grupo de orga-

nismos Esse decliacutenio apresenta uma elevada preocupaccedilatildeo ecoloacutegica uma vez que estes

organismos desempenham muacuteltiplas e importantes funccedilotildees nos ecossistemas No en-

tanto a conservaccedilatildeo deste grupo animal permanece um grande e urgente desafio que eacute

preciso enfrentar

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Biocombustiacuteveis seratildeo a soluccedilatildeo Matilde Viegas

Maria Joatildeo Ramos

Pedro Alexandrino Fernandes

UCIBIO REQUIMTEUniversidade do Porto

ldquoA 21 de Fevereiro de 2018 o niacutevel de poluiccedilatildeo de partiacuteculas finas com diacircmetro inferior

a 10 μm PM10 atingiu em Paris niacuteveis alarmantes com um pico correspondente

ao dobro do limite maacuteximo A Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) recomenda natildeo

exceder este limite maacuteximo por mais de trecircs dias por ano Com este recente pico os

parisienses jaacute o ultrapassaramrdquo

Em Un pic de pollution laquograveraquo en Ile-de-France Le Monde 22 de Fevereiro de 2018

Esta notiacutecia eacute um dos inuacutemeros exemplos dos efeitos do aquecimento global termo com o

qual estamos cada vez mais familiarizados infelizmente Este fenoacutemeno eacute consequecircncia

de Gases de Efeito de Estufa GEE (dioacutexido de carbono metano e oacutexido de azoto entre

outros) que se acumulam na atmosfera enclausurando o calor e tornando o planeta mais

quente A produccedilatildeo em larga escala de GEEs teve iniacutecio na Revoluccedilatildeo Industrial (1800)

como resultado da combustatildeo de combustiacuteveis foacutesseis (carvatildeo petroacuteleo e gaacutes natural)

para produccedilatildeo de eletricidade aquecimento e transporte

A preocupaccedilatildeo em torno do aquecimento global tornou-se um assunto constante na

agenda poliacutetica sobretudo nas uacuteltimas duas deacutecadas Os primeiros esforccedilos coletivos re-

sultaram no Protocolo de Quioto em 1997 cujo objetivo era a reduccedilatildeo das emissotildees de

GEEs assentando nos argumentos de que i) o aquecimento global era uma realidade e ii) o

CO2 produzido por accedilotildees humanas era o seu grande causador O primeiro periacuteodo do Proto-

colo terminou em 2012 e por isso em 2015 as Naccedilotildees Unidas promoveram a assinatura

do novo Acordo de Paris o qual consiste numa atualizaccedilatildeo do antigo Protocolo de Quioto

com o objetivo de ldquofortalecer a resposta global agrave ameaccedila das alteraccedilotildees climaacuteticas no

contexto de desenvolvimento sustentaacutevel e com esforccedilo para a erradicaccedilatildeo da pobrezardquo

O novo Acordo ao contraacuterio do de Quioto estabelece metas tangiacuteveis e quantitativas O

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objetivo eacute manter o aumento da temperatura meacutedia global abaixo dos 2ordm Celsius face agrave

temperatura global na era preacute-industrial Para atingir tal meta eacute necessaacuterio um esforccedilo

mundial contudo em 2017 com a saiacuteda dos EUA do Acordo de Paris o segundo maior

emissor de GEEs logo a seguir agrave China perdeu-se uma enorme contribuiccedilatildeo Aleacutem do peso

evidente que as suas emissotildees tecircm para o estado atual do aquecimento global em falta

estaratildeo tambeacutem a diplomacia e o encorajamento proporcionados por esta forccedila mundial

No Acordo de Paris uma das claacuteusulas exige a inclusatildeo de energias renovaacuteveis (eoacutelica

mariacutetima solar) e de biocombustiacuteveis no mercado de energia encorajando os paiacuteses a

atingir niacuteveis miacutenimos da sua utilizaccedilatildeo As metas estabelecidas para cada paiacutes vatildeo ao en-

contro ao seu mercado e agraves mateacuterias-primas disponiacuteveis em cada territoacuterio favorecendo o

desenvolvimento da economia

De uma forma generalista os biocombustiacuteveis englobam combustiacuteveis produzidos atra-

veacutes de processos bioloacutegicos como a agricultura e digestatildeo anaeroacutebica em vez de produ-

zidos a partir de processos geoloacutegicos como os necessaacuterios para a formaccedilatildeo de combus-

tiacuteveis foacutesseis Isto inclui o biodiesel (produzido a partir de oacuteleos e gorduras orgacircnicas) e o

bioetanol (aacutelcool produzido atraveacutes de fermentaccedilatildeo microbiana de accediluacutecares seguido de

destilaccedilatildeo e desidrataccedilatildeo) os quais seratildeo o maior foco deste artigo

A partir da deacutecada de 70 foram feitos os primeiros investimentos nos chamados bio-

combustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo (1G) Estes fazem uso de colheitas de produtos agriacuteco-

las como a soja cana-de-accediluacutecar milho oacuteleo de palma entre outros para a produccedilatildeo de

biodiesel e bioetanol atraveacutes de processos de trans-esterificaccedilatildeo ou fermentaccedilatildeo A sua

disponibilidade e facilidade de processamento permitiram a sua inserccedilatildeo e mistura nos

combustiacuteveis atualmente vendidos ao puacuteblico Para 2017 Portugal fixou em 75 (de poder

energeacutetico) a incorporaccedilatildeo de biocombustiacuteveis nos combustiacuteveis dos transportes rodoviaacute-

rios tendo a Uniatildeo Europeia o objectivo de 10 em 2020 para todos os paiacuteses membros

Os biocombustiacuteveis 1G fazem uso da colheita agriacutecola para fins energeacuteticos o que gera

opiniotildees desfavoraacuteveis por parte de ambientalistas (pelo uso exaustivo da terra agriacutecola sem

compensaccedilatildeo desflorestaccedilatildeo e perda de biodiversidade) e problemas eacuteticos tais como os le-

vantados por responsaacuteveis da ONU como o Dr Jean Ziegler que atribui aos biocombustiacuteveis

a culpa pela contiacutenua inflaccedilatildeo dos preccedilos de alimentos exacerbando a atual crise de fome

mundial - ldquoSatildeo necessaacuterios 352Kg de milho para encher um depoacutesito de 50L de um carro Uma

crianccedila na Zacircmbia ou no Meacutexico onde o milho eacute um elemento baacutesico da dieta poderia viver

com esta quantidade de milho um ano inteirordquo Atualmente os maiores produtores destes bio-

combustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo satildeo os EUA e o Brasil utilizando parte da produccedilatildeo global

de cereais e oacuteleos vegetais para a produccedilatildeo de bioetanol e biodiesel causando um ambiente

de profunda preocupaccedilatildeo em volta da sustentabilidade de produccedilatildeo de energia a meacutediolongo

prazo De forma a controlar a inflaccedilatildeo no preccedilo dos alimentos a EU estabeleceu um limite de

7 para o uso de biocombustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo como combustiacutevel de transportaccedilatildeo

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A segunda geraccedilatildeo de biocombustiacuteveis (2G) usa biomassa isto eacute qualquer fonte de car-

bono orgacircnico que eacute rapidamente renovado no ciclo de carbono Os biocombustiacuteveis de

segunda geraccedilatildeo almejam um uso ponderado de desperdiacutecios da induacutestria madeireira e

agriacutecola ou de restos de colheitas agriacutecolas assim que estas preencham o seu propoacutesito

alimentar evitando interferecircncia com o mercado alimentar e natildeo influenciando os preccedilos

dos alimentos baacutesicos

FIGURA 1 Biocombustiacuteveis

A produccedilatildeo de arroz atingiu o seu pico em 2017 gerando 1140 milhotildees de toneladas de

espigas de arroz cujo destino eacute a incineraccedilatildeo compostagem ou eacute simplesmente deposita-

da em aterros Contudo com a 2G de biocombustiacuteveis eacute encontrado potencial energeacutetico

neste desperdiacutecio agriacutecola O seu potencial deve-se agrave mateacuteria lignoceluloacutesica ndash celulose

hemicelulose e lignina ndash presente em todas as plantas incluindo as espigas em diferen-

tes percentagens Este material composto eacute essencial para a estrutura e resistecircncia das

plantas a hemicelulose eacute a matriz que rodeia o esqueleto de celulose enquanto a lignina

funciona como uma camada protetora As possibilidades associadas a este tipo de desper-

diacutecio satildeo inegaacuteveis a sua abundacircncia e facilidade de obtenccedilatildeo tornam-no muito apelativo

Contudo o gasto na recolha e transporte desta mateacuteria suplanta os custos de produccedilatildeo

e o seu uso continuado poderaacute contribuir para a erosatildeo do solo Aleacutem disso para o seu

aproveitamento para produccedilatildeo de biocombustiacuteveis eacute necessaacuterio um preacute-tratamento para

hidrolisar as ligaccedilotildees covalentes entre os trecircs constituintes da mateacuteria lignoceluloacutesica e

permitir a posterior fermentaccedilatildeo anaeroacutebia da celulose produzindo bioetanol Este preacute-

-tratamento eacute visto como outra das desvantagens do processo e estaacute ainda a ser estudado

e otimizado pois de momento as alternativas disponiacuteveis encarecem o produto final e em

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alguns dos casos dependem do uso de quiacutemicos poluentes A esperanccedila estaacute entatildeo de-

positada no estudo de enzimas hidroliacuteticas encontradas em organismos termoacutefilos que

seratildeo capazes de aguentar as difiacuteceis condiccedilotildees de tratamento Contudo a dificuldade em

escalar o processo de fermentaccedilatildeo eacute uma das desvantagens e dos fatores limitantes para

a 2G de biocombustiacuteveis em grande parte devido agrave dificuldade de monitorizar as condiccedilotildees

de fermentaccedilatildeo (oxigeacutenio pH nutrientes etc)

A terceira geraccedilatildeo (3G) de biocombustiacuteveis foi reconhecida como a melhor alternativa

em comparaccedilatildeo com primeira e segunda geraccedilotildees pois surpreendentemente faz uso de

algas A sua enorme disponibilidade por todo o planeta e o facto de natildeo interferirem com os

mercados alimentares satildeo os grandes embaixadores desta mateacuteria-prima como o futuro

dos biocombustiacuteveis Ainda que natildeo seja uma mateacuteria infinita eacute a que de momento mais se

assemelha por existirem 70 000 espeacutecies (30 000 documentadas) Estudos conduzidos

atualmente estatildeo a explorar a viabilidade energeacutetica de 30 espeacutecies de algas explorando a

sustentabilidade facilidade e escalabilidade da sua produccedilatildeo Outras vantagens incluem a

baixa manutenccedilatildeo necessaacuteria para o seu crescimento (luz dioacutexido de carbono e nutrientes

como azoto foacutesforo e potaacutessio) a facilidade com que produzem liacutepidos e carboidratos que

podem posteriormente ser processados em diferentes biocombustiacuteveis e outros copro-

dutos a frequecircncia com que podem ser colhidas ao longo do ano (ao contraacuterio de outras

colheitas convencionais) a baixa percentagem de hemicelulose e a praticamente ausente

lignina facilitam radicalmente o seu preacute-processamento pois a celulose eacute mais facilmente

extraiacuteda As desvantagens desta mateacuteria incluem o enorme investimento inicial para a

construccedilatildeo de infraestruturas para o seu cultivo que pode ser ou ao ar livre (em tanques

de grande dimensatildeo) ou em foto-bioreatores (sistemas fechados altamente controlados)

Prevecirc-se que em 2030 o preccedilo de produccedilatildeo de combustiacutevel a partir de algas seraacute 065 euro

litro de combustiacutevel valor muito proacuteximo do atual preccedilo de produccedilatildeo do litro de gasolina

Comparativamente aos custos de produccedilatildeo de outros biocombustiacuteveis o mais barato con-

tinua a ser o bioetanol produzido a partir de milho (1G) 017 eurolitro seguido de combustiacute-

veis celuloacutesicos (2G) a 032 eurolitro

Eacute evidente que seratildeo necessaacuterios esforccedilos poliacuteticos e cientiacuteficos investimento e regu-

lamentaccedilatildeo adequados para encontrar o caminho ideal para travar o aquecimento global

Em todas as geraccedilotildees de biocombustiacuteveis apresentadas existem fatores que afunilam as

potencialidades destas alternativas indicando que a soluccedilatildeo passa por criar um consoacutercio

entre as vaacuterias possibilidades de forma a tirar o maacuteximo partido sem danificar o planeta ou

piorar a crise da fome O proacuteximo passo passa por substituir os biocombustiacuteveis de 1G por

soluccedilotildees com maior escalabilidade Acreditamos que nas proacuteximas deacutecadas seratildeo cruciais

e depositamos esperanccedila na investigaccedilatildeo cientiacutefica

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018043

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Stephen Hawking e a sua contribuiccedilatildeo para a fiacutesica teoacutericaOrfeu Bertolami

Claacuteudio GomesDepartamento de Fiacutesica e Astronomia CFP Universidade do Porto

A 14 de marccedilo de 2018 o fiacutesico britacircnico Stephen Hawking faleceu aos 76 anos deixando

todavia um importante legado para a fiacutesica teoacuterica muito particularmente para o

entendimento das deficiecircncias intriacutensecas da Relatividade Geral de Einstein para a fiacutesica

dos buracos negros e para a cosmologia a ciecircncia do Universo como um todo

Stephen Hawking doutorou-se em Fiacutesica Teoacuterica em 1966 pela Universidade de Cambridge

sob a supervisatildeo de Dennis Sciama Apesar da sua condiccedilatildeo fiacutesica progressivamente limi-

tativa manteve-se extremamente ativo na investigaccedilatildeo nas aacutereas de cosmologia fiacutesica dos

buracos negros e gravitaccedilatildeo quacircntica

Nessa altura havia uma consideraacutevel discussatildeo acerca da realidade e ubiquidade de sin-

gularidades pontos no espaccedilo-tempo onde a Teoria da Relatividade Geral deixa de fazer sen-

tido e natildeo desaparecendo atraveacutes de mudanccedila de sistemas de coordenadas que descrevem

o espaccedilo-tempo Na segunda metade da deacutecada de 1960 Hawking e o matemaacutetico inglecircs

Roger Penrose demonstraram que essas singularidades eram inevitaacuteveis no contexto da

Teoria da Relatividade Geral (ver para uma descriccedilatildeo exaustiva o livro Large Scale Structure

of Space-Time escrito em colaboraccedilatildeo com o fiacutesico sul-africano George Ellis publicado em

1973) Uma dessas singularidades corresponde ao iniacutecio do Universo ndash Big Bang ndash e outras

estatildeo presentes no interior dos buracos negros natildeo acessiacuteveis agrave observaccedilatildeo devido agrave pre-

senccedila de um horizonte de acontecimentos que segundo a Conjetura da Censura Coacutesmica de

Roger Penrose protegem sempre as singularidades de se apresentarem ldquonuasrdquo

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Subsequentemente em 1975 ele desenvolveu a ideia que os buracos negros deveriam

radiar termicamente a uma temperatura especiacutefica inversamente proporcional agraves suas

massas temperatura esta que hoje designamos por temperatura de Hawking Esta ideia daacute

origem ao paradoxo da informaccedilatildeo em que a informaccedilatildeo que entrava no horizonte de evento

se perdia Com este contributo passou-se a ter uma equivalecircncia entre a dinacircmica e a termo-

dinacircmica de buracos negros

FIGURA 1 Emissatildeo da radiaccedilatildeo teacutermica de Hawking por um buraco negro

No princiacutepio da deacutecada de 1980 Hawking iniciou em colaboraccedilatildeo com o fiacutesico norte-ameri-

cano James Hartle o programa de investigaccedilatildeo que hoje designamos por cosmologia quacircntica

Na cosmologia quacircntica o espaccedilo-tempo eacute descrito por uma funccedilatildeo de onda a funccedilatildeo de onda

do Universo como na Mecacircnica Quacircntica Esta equaccedilatildeo de onda satisfaz uma equaccedilatildeo anaacuteloga

agrave de Schroumldinger da Mecacircnica Quacircntica a equaccedilatildeo de Wheeler-DeWitt A proposta de Hartle

e Hawking eacute que a funccedilatildeo de onda descreva um espaccedilo-tempo sem fronteiras (No-Boundary

proposal) A ideia eacute que agrave medida que retrocedemos no tempo chegamos a um ponto em que

o Universo eacute pequeno o suficiente para que efeitos quacircnticos sejam dominantes Nesta altura

existe uma espeacutecie de ldquoespumardquo do espaccedilo-tempo de tal modo que o tempo natildeo pode ser in-

terpretado do modo como o vemos hoje mas sim como uma quarta dimensatildeo espacial Uma

analogia uacutetil eacute a seguinte se viajarmos para o Polo Sul temos de seguir sempre para sul mas

quando alcanccedilamos o ponto do Polo Sul jaacute natildeo faz sentido falarmos na direccedilatildeo sul pelo mesmo

raciociacutenio ao retrocedermos no tempo haacute um pontoinstante em que natildeo faz sentido falar-se em

tempo Matematicamente isto torna-se possiacutevel passando de um espaccedilo-tempo de Minkowski

como na Relatividade Restrita para um espaccedilo Euclideano a quatro dimensotildees no qual o tempo

passa a ser um nuacutemero puramente complexo Com esta formulaccedilatildeo o Universo natildeo tem uma

fronteira aleacutem daquela que permite a transiccedilatildeo entre as duas descriccedilotildees para o espaccedilo-tempo

e que eacute exemplificado na FIGURA 2 Esta geometria eacute designada por shuttlecock ou volantepena

de badminton devido agrave semelhanccedila com este objeto

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FIGURA 2 Representaccedilatildeo tridimensional do modelo de Hartle-Hawking (no boundary proposal) A base corresponde a uma semiesfera a 4 dimensotildees e a estrutura que apresenta o tempo como uma direccedilatildeo distinta das espaciais corresponte a um Universo em expansatildeo

Hawking tambeacutem estudou outros problemas como o das maacutequinas do tempo e questotildees

relacionadas com a cosmologia e a formaccedilatildeo de estruturas no Universo Com o seu carate-

riacutestico humor Hawking afirmou natildeo ser possiacutevel viajar no tempo Para tal sugeriu organizar

uma festa convidando pessoas do futuro a se juntarem a ele e dado que ningueacutem apa-

receu concluiu entatildeo que viagens no tempo natildeo satildeo possiacuteveis na realidade Outra prova

prende-se com o facto de natildeo termos recebido ainda turistas do futuro numa clara alusatildeo

iroacutenica agrave procura turiacutestica desenfreada que assistimos nos dias de hoje

Mais recentemente ele pronunciou-se sobre questotildees de interesse geral como as im-

plicaccedilotildees do desenvolvimento da inteligecircncia artificial e a necessidade e inevitabilidade

da exploraccedilatildeo espacial Mostrou-se reticente acerca dos desenvolvimentos no domiacutenio da

inteligecircncia artificial classificando-o como possivelmente perigoso para a nossa civiliza-

ccedilatildeo pois apesar dos potenciais benefiacutecios comportam seacuterios riscos agrave continuidade da hu-

manidade Relativamente agrave exploraccedilatildeo espacial Hawking encarava as viagens espaciais

quer pelo seu interesse cientiacutefico quer como forma de preservar a humanidade de riscos

de destruiccedilatildeo devido a guerras nucleares ou epidemias devido a viacuterus geneticamente mo-

dificados

O fiacutesico Stephen Hawking legou-nos uma extraordinaacuteria contribuiccedilatildeo cientiacutefica e huma-

na Deixou um extraordinaacuterio exemplo de resiliecircncia dedicaccedilatildeo ao conhecimento e agrave socie-

dade Fisicamente debilitado e ldquopresordquo a uma condiccedilatildeo rara a esclerose lateral amiotroacutefica

que lhe foi diagnosticada aos 21 anos a sua mente foi das mais livres dos nossos tempos

concebeu hipoacuteteses conjunturas e teorias pensou a sociedade de hoje e a do futuro

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RochaO que eacute importante dizer sobre as rochas

A M Galopim de Carvalho Universidade de Lisboa

Rochas e pedras satildeo a mesma coisa Praticamente a resposta eacute sim Pedra eacute aquilo

que se apanha do chatildeo para dar uma pedrada

Qualquer pessoa mesmo a menos letrada diraacute que as pedras

bull natildeo satildeo fabricadas ou feitas por gente (a ciecircncia diz que satildeo entidades naturais)

bull que natildeo se amolgam (a ciecircncia diz que satildeo riacutegidas)

bull que geralmente natildeo se esboroam nem se esfarela (a ciecircncia diz que satildeo coesas)

bull que fazem mossa onde quer que batam (a ciecircncia diz que satildeo duras) Para o cidadatildeo

comum pedra (do grego peacutetra) eacute pois uma entidade natural riacutegida coesa e dura que se

apanha do chatildeo

Apanhamos uma pedra do chatildeo mas quando estudamos falamos quase sempre de ro-

chas Num modo de falar corrente podemos dizer que as pedras satildeo bocados de rocha

Todos falamos de rocha como sinoacutenimo de pedra com base num conhecimento comum

empiacuterico vulgar ligado agrave experiecircncia quotidiana mesmo do mais iletrado dos cidadatildeos Dize-

mos rochedo quando o afloramento de rocha eacute grande e apelidamos de rochoso um terreno

com a rocha agrave vista Rocha eacute um galicismo que entre noacutes se sobrepocircs ao termo ldquorocardquo bem

mais antigo talvez preacute-romano Cabo da Roca ou ldquoFocinho da Rocardquo no dizer dos homens do

mar deve o seu nome a esta versatildeo arcaica da palavra rocha

O conceito atual de rocha e os vaacuterios conhecimentos com elas relacionados percorreram

uma caminhada tatildeo longa quanto a do Homo sapiens caminhada de que temos testemunhos

na Preacute-histoacuteria e variadiacutessimos relatos escritos desde a Antiguidade

Na sua giacuteria proacutepria entendiacutevel entre pares os profissionais falam de rochas dizendo que

satildeo sistemas quiacutemicos mono ou polifaacutesicos (ou seja com um ou mais minerais) resultantes

do equiliacutebrio termodinacircmico atingido pelos seus constituintes em determinados ambientes

Entendendo-se por constituintes os elementos quiacutemicos incluiacutedos nos respetivos minerais

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Por outras palavras acessiacuteveis ao comum das gentes pode entatildeo dizer-se que as rochas

satildeo corpos naturais formados por associaccedilotildees mais ou menos estaacuteveis de minerais compatiacute-

veis entre si e com o ambiente onde foram gerados e que satildeo elas as rochas que constituem

a capa riacutegida da Terra que por essa razatildeo recebeu o nome de litosfera (FIGURA 1)

FIGURA 1 Modelado Graniacutetico na Serra da Estrela (fonte banco de imagens da Casa das Ciecircncias)

Antes de prosseguir esclareccedila-se que no jargatildeo proacuteprio da mineralogia e da geoquiacutemica

os minerais satildeo considerados fases no sentido fiacutesico-quiacutemico da palavra Com efeito neste

sentido uma fase eacute uma porccedilatildeo de mateacuteria quiacutemica e estruturalmente homogeacutenea e uma

qualquer espeacutecie mineral eacute isso mesmo

Por convenccedilatildeo na sistemaacutetica em sedimentologia entre as rochas sedimentares cabem

certos materiais natildeo consolidados como os barros as areias soltas as cascalheiras e ainda

outros de natureza natildeo mineral como os carvotildees foacutesseis e o petroacuteleo (oacuteleo de pedra) Cha-

mar rochas ou pedras a estes materiais agraves vezes tatildeo afastados da imagem vulgar de ldquocoisa

dura riacutegida e coesardquo decorre do conceito geoloacutegico de rocha no qual se inclui o modo de

ocorrecircncia e o respetivo processo de formaccedilatildeo (petrogeacutenese)

A mecacircnica das rochas (disciplina que estuda certas propriedades das rochas como resis-

tecircncia ao esmagamento agrave traccedilatildeo agrave torccedilatildeo agrave flexatildeo porosidade permeabilidade e outras)

define-as como entidades sempre riacutegidas e coesas e duras como tambeacutem se diz vulgarmen-

te com capacidade de suportar cargas e que na eventualidade de terem de ser escavadas ou

removidas haacute que usar tecnologias com explosivos Este conceito corresponde aliaacutes agrave ideia

mais divulgada de rocha como atraacutes se referiu Eacute o bedrock dos autores ingleses

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FIGURA 2 Processo de meteorizaccedilatildeo fiacutesica essencialmente por corrosatildeo eoacutelica em rochas sedimentares (arenitos) (fonte banco de imagens da Casa das Ciecircncias)

Aleacutem das muitas que conhecemos na Terra jaacute estudaacutemos rochas do nosso sateacutelite natural

nomeadamente basaltos e anortositos trazidos da sua superfiacutecie Mercuacuterio Veacutenus e Marte satildeo

tambeacutem planetas rochosos e igualmente rochosos ou pedregosos satildeo ainda os nuacutecleos dos co-

metas e muitos dos asteroides de que temos conhecimento pelos meteoritos caiacutedos na Terra

Quando se apelidam as rochas de magmaacuteticas sedimentares (FIGURA 2) ou metamoacuterficas

natildeo se estaacute apenas a rotulaacute-las para efeitos de arrumo ou arquivo muito menos se estatildeo a

criar novos vocaacutebulos para sobrecarga dos estudantes ou do cidadatildeo em geral Estes adjeti-

vos acrescentados agrave palavra rocha informam de imediato sobre a sua origem

bull magmaacutetica ou sedimentar qualquer delas em resultado de processos naturais faacuteceis de

entender

bull metamoacuterfica em consequecircncia de um outro processo muito menos ao alcance da vivecircncia

do vulgo mas que se explica sem grandes dificuldades

Apelidam-se de metamoacuterficas as rochas que posteriormente a uma primeira formaccedilatildeo

como magmaacuteticas ou sedimentares foram submetidas a pressotildees eou a temperaturas no

interior da crosta que lhes modificaram a composiccedilatildeo eou a textura

Foi atraveacutes do estudo das rochas que desvendaacutemos o essencial dos acontecimentos geo-

loacutegicos que marcaram a histoacuteria deste laquoPlaneta Azulraquo no qual a vida encontrou condiccedilotildees

para despertar e onde evoluiu ao ponto de se interrogar sobre essa mesma histoacuteria

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Os conhecimentos diretos de que hoje dispomos relativos agraves rochas da Terra limitam-se

aos que se obtecircm pelo estudo das que afloram agrave superfiacutecie das recolhidas em dragagens

nos fundos marinhos e das retiradas da profundidade quer em minas quer atraveacutes de son-

dagens Esta profundidade que natildeo excede 3 km no primeiro caso e 11 km no segundo

(na peniacutensula de Kola) pode considerar-se insuficiente se comparada com as trecircs a quatro

dezenas de quiloacutemetros de espessura meacutedia da crosta continental

Eacute jaacute muito o conhecimento que temos desta capa (a crosta ou crusta como alguns dizem e

escrevem) mais superficial do nosso planeta Temo-lo atraveacutes das rochas que constantemente

vemos e pisamos muitas delas geradas em zonas profundas trazidas agrave superfiacutecie pelos en-

rugamentos de origem tectoacutenica geradores das montanhas e subsequentemente postas a

descoberto pela erosatildeo

Outras rochas proacuteprias de muito maiores profundidades inclusive do manto inferior como eacute

o caso dos xenocristais e dos xenoacutelitos (do grego xenos estranho e lithos pedra) isto eacute cris-

tais e fragmentos de materiais liacuteticos gerados nessas regiotildees e que ascendem agrave superfiacutecie na

sequecircncia de atividade vulcacircnica englobados ou encravados nos produtos magmaacuteticos que ali

se formaram ou por ali passaram Na ilha da Madeira por exemplo satildeo frequentes os xenoacutelitos

oliviacutenicos que ascenderam ateacute agrave superfiacutecie no seio das lavas envolvidas no processo vulcacircnico

que originou esta e muitas outras ilhas

As rochas a que temos acesso mais ou menos direto representam uma parcela importante

da diferenciaccedilatildeo da Terra e agrave semelhanccedila da aacutegua do ar e dos seres vivos satildeo o resultado de

imensas transformaccedilotildees numa vasta e complexa rede de inter-relaccedilotildees ocorridas ao longo

dos tempos neste laquoplaneta vivoraquo pleno ainda de energia interna (sob a forma de calor) a que

se adiciona toda a que lhe chega do exterior isto eacute a radiaccedilatildeo solar Como escreveu Maurice

Mattauer ldquoas pedras nascem vivem e morrem como noacutes elas tecircm uma idade e uma histoacuteriardquo

Petrologia e litologia satildeo duas disciplinas que estudam as rochas ou as pedras Se bem que

os eacutetimos petra (latim) e lithos (grego) sejam sinoacutenimos petrologia e litologia encerram con-

ceitos diferentes ainda que relacionados entre si

bull A petrologia eacute um ramo da geologia com dimensatildeo de ciecircncia de vastos recursos nos campos

da fiacutesica da quiacutemica e naturalmente tambeacutem da matemaacutetica em busca do conhecimento da

origem natureza constituiccedilatildeo e evoluccedilatildeo da Terra no acircmbito do Sistema Solar e do Universo

bull A litologia outro ramo da geologia eacute habitualmente entendida como a disciplina que estuda

as rochas num campo praacutetico Serve a geologia de engenharia tendo em vista a implantaccedilatildeo

de grandes edifiacutecios e outras obras volumosas cujas fundaccedilotildees exigem o conhecimento dos

terrenos A litologia daacute igualmente respostas agrave pedologia (o estudo dos solos) e agrave induacutestria

extrativa de rochas ornamentais usadas na arquitetura na cantaria ou na estatuaacuteria e de

rochas industriais exploradas como importantes mateacuterias-primas para a construccedilatildeo civil a

ceracircmica o vidro o cimento a cal e a induacutestria quiacutemica

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Software educativo em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Ana C Conceiccedilatildeo

DMUniversidade do Algarve

O conceito F-Tool foi desenvolvido em 2012 com o objetivo de proporcionar uma

aprendizagem interativa em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Em particular eacute possiacutevel

explorar de forma integrada as noccedilotildees de domiacutenio contradomiacutenio existecircncia de zeros

existecircncia de extremos e de pontos de inflexatildeo invertibilidade derivabilidade reta

tangente ao graacutefico num ponto simetrias em relaccedilatildeo aos eixos e agrave origem A utilizaccedilatildeo

dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adaptaccedilatildeo de

alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e

do simples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular)

No ensino da matemaacutetica e em particular no estudo de funccedilotildees a recomendaccedilatildeo da utiliza-

ccedilatildeo de software educacional tem como objetivo o sanar das dificuldades que os alunos pos-

suem em associar as representaccedilotildees algeacutebricas com as diversas representaccedilotildees numeacutericas

eou graacuteficas De facto o caraacuteter estaacutetico das representaccedilotildees matemaacuteticas muitas vezes

dificulta a construccedilatildeo do significado afetando substancialmente a correta interpretaccedilatildeo dos

conceitos A criaccedilatildeo de modelos interativos visuais com o sistema de aacutelgebra computacional

Mathematica permite aos alunos explorar conceitos de elevada complexidade e rapidamen-

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te adquirir uma compreensatildeo mais profunda dos conteuacutedos Obviamente a utilizaccedilatildeo de sof-

tware educacional natildeo deve ser vista como um substituto para o ensino com ldquopapel e laacutepisrdquo

deve ser devidamente combinada com outros meacutetodos de ensino

O conceito F-Tool foi desenvolvido em 2012 com o objetivo de proporcionar uma apren-

dizagem interativa em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Os aplicativos computacionais

implementados com base neste conceito utilizam as capacidades de caacutelculo numeacuterico e

simboacutelico do Mathematica de forma a permitir estudar dinacircmica e interativamente e em

tempo real conceitos e propriedades fundamentais do preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial

FIGURA 1 Imagem ilustrativa da F-Exponential

O conceito F-Tool em sala de aula permite uma abordagem dinacircmica de diversos concei-

tos relacionados com o estudo de funccedilotildees e promove novas formas de raciocinarpensar

avaliar ensinar e aprender As F-Tool foram concebidas como ferramentas de aprendiza-

gem ativa ou seja a sua utilizaccedilatildeo adequada propicia um contexto de ensino-aprendiza-

gem onde alunos e professores satildeo igualmente convidados a contribuir Aleacutem disso tecircm

uma interface muito intuitiva que permite que ateacute mesmo o utilizador mais inexperiente

sem qualquer conhecimento anterior em software educacional possa comeccedilar a usar to-

dos os recursos de uma forma eficiente e autoacutenoma As F-Tool natildeo satildeo um objeto estaacutetico

mas sim um programa a ser executado com o qual se interage em tempo real Em parti-

cular atraveacutes da alteraccedilatildeo dinacircmica dos valores dos paracircmetros que definem cada classe

eacute possiacutevel obter informaccedilatildeo analiacutetica rigorosa apresentada em aritmeacutetica exata ou apro-

ximada bem como informaccedilatildeo visual estaacutetica e natildeo-estaacutetica De igual modo escolhendo

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estrategicamente de entre as vaacuterias opccedilotildees de funccedilotildees disponiacuteveis no painel esquerdo eacute

possiacutevel apreender de forma mais eficaz e consequente muitas das relaccedilotildees existentes

entre as vaacuterias funccedilotildees e respetivas transformaccedilotildees (FIGURA 1) As F-Tool utilizam um

coacutedigo de cores para diferenciar as vaacuterias funccedilotildees apresentadas Este coacutedigo eacute explicitado

na legenda do canto inferior esquerdo do painel central

Qual das figuras pode representar o graacutefico de uma funccedilatildeo e o graacutefico da sua derivada de 1ordf ordem

FIGURA 2 Exemplo de questatildeo de escolha muacuteltipla utilizando diversas opccedilotildees do painel esquerdo das F-Tool

Apesar de ser um software educacional dinacircmico e interativo pode tambeacutem ser utilizado

na construccedilatildeo de questotildees de avaliaccedilatildeo de escolha muacuteltipla (FIGURA 2) e de resposta aberta

ficando o docente automaticamente com a resposta ao selecionar no painel esquerdo as

opccedilotildees relacionadas com a questatildeo

A utilizaccedilatildeo dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adapta-

ccedilatildeo de alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e do sim-

ples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular) De facto

incluindo as F-Tool em ficheiros no Computable Document Format (CDF) eacute possiacutevel criar

fichas de trabalho dinacircmicas e interativas motivando os alunos e tornando o estudo mais

interessante

Acreditamos que o conceito F-Tool ao dotar professores e estudantes com novas fer-

ramentas para explorar alguns conceitos fundamentais da matemaacutetica desenvolveraacute po-

sitivamente o processo de ensino e de aprendizagem das aacutereas de preacute-caacutelculo e caacutelculo

diferencial

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018046

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O Aroma das Plantas Luiacutes Gaspar Pedro

Ana Cristina Figueiredo

Joseacute Gonccedilalves Barroso

CESAM CBV Universidade de Lisboa

Quando nos festejos dos Santos Populares colocamos a matildeo sobre o manjerico

provocamos a rutura de estruturas microscoacutepicas Ao fazecirc-lo libertam-se compostos

quiacutemicos que aderem agrave palma da nossa matildeo que depois percecionamos pelo nosso

olfacto Os aromas satildeo misturas complexas de dezenas de compostos volaacuteteis

carateriacutesticos de uma determinada planta

O aroma o que eacute

O aroma de muitas plantas eacute constituiacutedo por diversos compostos quiacutemicos volaacuteteis que

tecircm a capacidade de estimular os nossos recetores olfactivos A quantidade e a diver-

sidade deste tipo de compostos presentes nas plantas satildeo responsaacuteveis pelos aromas

carateriacutesticos Eacute relativamente faacutecil reconhecer o aroma dos coentros ou do manjerico e

distingui-los de outros aromas como o da rosa ou do cravinho

Na composiccedilatildeo da fraccedilatildeo volaacutetil de uma planta aromaacutetica encontram-se regra geral

compostos como os mono- e sesquiterpenos e os fenilpropanoacuteides (FIGURA 1) entre ou-

tros Satildeo todos eles compostos quiacutemicos com ponto de ebuliccedilatildeo relativamente baixo que

volatilizam agrave temperatura ambiente e contribuem de forma mais ou menos notoacuteria para o

aroma carateriacutestico de cada espeacutecie

FIGURA 1 Exemplos de compostos que constituem a fraccedilatildeo volaacutetil de diversas espeacutecies aromaacuteticas monoterpenos (α-pineno timol) sesquiterpenos (β-cariofileno germacreno D) e fenilpropanoacuteides (eugenol)

α-Pineno Timol β-Cariofileno Germacreno D Eugenol

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Estruturas secretoras

Os compostos que constituem a fraccedilatildeo aromaacutetica de uma planta satildeo regra geral sinteti-

zados e acumulados em estruturas secretoras microscoacutepicas Entre os diversos tipos de

estruturas secretoras as mais frequentes satildeo os tricomas os canais e as bolsas (FIGURA 2)

FIGURA 2 Exemplos de estruturas secretoras observadas em microscopia oacuteptica A - Tricoma de Geranium robertianum (s - secretado acumulado no espaccedilo sub-cuticular coloraccedilatildeo com reagente de Nadi) B - canal secretor de Crithmum maritimum (setas coloraccedilatildeo com tricloreto de antimoacutenio) e C - bolsa secretora de Citrus sp (coloraccedilatildeo com Vermelho Sudatildeo III)

Os tricomas glandulares satildeo estruturas externas com origem em ceacutelulas epideacutermicas

que apresentam diversos graus de complexidade desde tricomas com apenas trecircs ceacutelulas

uma das quais a secretora ateacute tricomas com mais de uma dezena de ceacutelulas secretoras

As bolsas e os canais secretores satildeo estruturas internas constituiacutedas por ceacutelulas glandu-

lares que delimitam o luacutemen o espaccedilo para onde satildeo secretados os compostos depois de

produzidos nas ceacutelulas secretoras Os canais satildeo estruturas alongadas que percorrem o

corpo da planta por vezes com ramificaccedilotildees enquanto as bolsas satildeo estruturas mais ou

menos isodiameacutetricas

Os oacuteleos essenciais

Um oacuteleo essencial eacute obtido por hidrodestilaccedilatildeo ou por destilaccedilatildeo por arrastamento de va-

por (FIGURA 3) No caso particular dos citrinos o oacuteleo essencial pode ainda ser obtido

por expressatildeo (processo mecacircnico que promove a libertaccedilatildeo do secretado acumulado no

interior das estruturas secretoras neste caso bolsas)

Tanto na hidrodestilaccedilatildeo como na destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor o secretado eacute

removido das estruturas secretoras e arrastado pelo vapor de aacutegua Depois de condensar

por arrefecimento o oacuteleo essencial separa-se da aacutegua podendo ser facilmente recolhido

devido agrave sua imiscibilidade com a aacutegua

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41FIGURA 3 A - Sistema de hidrodestilaccedilatildeo com aparelho de Clevenger e B - sistema de destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor

Anaacutelise de oacuteleos essenciais

Para analisar um oacuteleo essencial recorre-se frequentemente agrave cromatografia gasosa (CG)

para quantificaccedilatildeo dos componentes e agrave CG acoplada agrave espectrometria de massa (CG-

-EM) para a correspondente identificaccedilatildeo dos constituintes Por CG-EM os diversos com-

ponentes que constituem o oacuteleo essencial satildeo separados uns dos outros e ao chegarem ao

espectroacutemetro de massa satildeo bombardeados por eletrotildees o que leva a que as moleacuteculas

fragmentem formando-se diferentes iotildees de acordo com padrotildees preferenciais O con-

junto dos fragmentosiotildees constituem o espectro de massa que eacute carateriacutestico de cada

moleacutecula A integraccedilatildeo das aacutereas dos picos que surgem no cromatograma obtido por CG

(FIGURA 4A) permite a quantificaccedilatildeo relativa dos diversos componentes do oacuteleo essencial

A anaacutelise por CG-EM possibilita a identificaccedilatildeo desses compostos por comparaccedilatildeo dos

espectros de massa (FIGURA 4B) e dos iacutendices de retenccedilatildeo com os de amostras padratildeo

FIGURA 4 A - Aspeto parcial de um cromatograma obtido por CG carateriacutestico de um oacuteleo essencial com alguns dos ldquopicosrdquo identificados B - espectro de massa obtido por CG-EM de um dos componentes maioritaacuterios o timol

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Paisagens da Islacircndia Formase Processos (III)Fernando Carlos LopesCITEUC Universidade de Coimbra

A Islacircndia eacute famosa natildeo soacute pelos seus vulcotildees mas tambeacutem pelos seus glaciares e pela

sua sinuosa e escarpada linha de costa

Atualmente os glaciares cobrem cerca de 10 da superfiacutecie islandesa e 60 destas

aacutereas geladas assentam sobre sistemas vulcacircnicos ativos Esta combinaccedilatildeo de gelo e vul-

canismo torna a Islacircndia o local ideal para cheias repentinas (joumlkulhlaups) resultantes de

aacutegua que escorre por baixo dos glaciares devido agrave fusatildeo provocada pelas erupccedilotildees subgla-

ciares Atualmente existem 4 grandes calotes glaciares localizadas nas regiotildees elevadas

e vulcanicamente ativas do centro e sul da ilha a partir das quais divergem numerosas liacuten-

guas glaciarias Vatnajoumlkull (8100 km2) situado no centro leste Langjoumlkull (925 km2) si-

tuado no centro oeste Hofsjoumlkull (925 km2) situado na zona central da ilha Myrdalsjoumlkull

(600 km2) situado no sul da ilha Apesar da Islacircndia ter cerca de 24 Ma a sua paisagem soacute

foi moldada por glaciares nos uacuteltimos 5 milhotildees de anos Os seus glaciares de tipo alpino

(ou de montanha) avanccedilaram e recuaram condicionados pelas variaccedilotildees regionais e locais

do clima de que resultaram espetaculares morfologias Como jaacute se referiu anteriormente

as variaccedilotildees da carga glaciar sobre a litosfera provocadas pelas fases de gelo e degelo

teratildeo desempenhado papel importante na atividade vulcacircnica da ilha

Com um comprimento de cerca de 4970 km a linha de costa da Islacircndia eacute de um modo

geral muito recortada e escarpada marcada por promontoacuterios cabos peniacutensulas fiordes

e enseadas pontilhada de leixotildees por entre os quais se aninham praias de areia negra de

contornos suaves A accedilatildeo do mar sobre as inuacutemeras escoadas de lava que fluiacuteram ateacute agrave

costa ao longo da evoluccedilatildeo geoloacutegica da ilha e ali solidificaram sobre os aparelhos vulcacirc-

nicos implantados na zona litoral e sobre os vales deixados pelo recuo dos glaciares criou

paisagens de uma beleza surreal

FIGURA DA PAacuteGINA ANTERIOR Leixatildeo Hvitserkur noroeste da Islacircndia (fonte pixabay)

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Parte III - Paisagens controladas pelos glaciares e paisagens costeirasVales glaciares e fiordes

Vales glaciares vales suspensos lagos glaciares e cascatas ciacuterculos glaciares moreias

e fiordes satildeo formas carateriacutesticas das paisagens islandesas criadas pelos seus glacia-

res alpinos Os vales glaciares com o seu carateriacutestico perfil em ldquoUrdquo satildeo a forma mais

comum de paisagem originada pela erosatildeo glacial (FIGURA 1) No interior destes vales os

rios concentram o seu poder erosivo na zona mais baixa originando um perfil carateriacutestico

em ldquoVrdquo O poder erosivo dos glaciares eacute muito superior ao dos rios porque a sua energia

potencial resulta natildeo soacute do declive do terreno mas tambeacutem do peso do gelo A erosatildeo faz-

-se essencialmente ao longo das zonas laterais do canal criando um vale com vertentes

alcantiladas e fundo aplanado Vales suspensos satildeo vales escavados por glaciares tributaacute-

rios Como estes glaciares levam menos gelo o seu poder erosivo eacute menor que o do glaciar

principal ficando suspenso nas vertentes do glaciar principal quando o gelo recua Cons-

tituem exemplos notaacuteveis pela sua beleza e dimensatildeo os vales glaciares de Borgarvirki

(FIGURA 2) e de Akureyri (ou Eyjafjoumlrethur) no noroeste da ilha Este uacuteltimo vai desembocar

num fiorde que eacute mais longo da Islacircndia

FIGURA 1 Esquema 3D (sem escala) da evoluccedilatildeo de uma paisagem glaciar com formaccedilatildeo de vales glaciares vales glaciares suspensos ciacuterculos glaciares lagos glaciares e cascatas

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FIGURA 2 Aspeto do vale glaciaacuterio de Borgarvirki observado a partir da fortaleza de Borgarvirki

Se as condiccedilotildees forem favoraacuteveis os glaciares podem erodir abaixo do niacutevel do mar Quan-

do o glaciar recua o oceano invade estas depressotildees criando um fiorde Alguns dos fiordes

islandeses como o de Akureyri e o de Nordfjord (nordeste da ilha) possuem centenas de

metros abaixo do niacutevel do mar O fiorde de Nordfjord abrange parcialmente uma antiga cal-

deira vulcacircnica Nas faleacutesias do seu flanco oriental (falesias de Raudubjoumlrg) afloram rioacutelitos

conferindo agraves arribas uma carateriacutestica cor avermelhada)

Como se referiu anteriormente (Parte I) a orientaccedilatildeo da maioria dos vales glaciares e

fiordes segue de perto a orientaccedilatildeo dos principais lineamentos tectoacutenicos

Moreias

Em termos de aspetos deposicionais relacionados com glaciares as moreias satildeo de lon-

ge os mais abundantes Satildeo acumulaccedilotildees de fragmentos rochosos transportados pelos

glaciares quer na regiatildeo frontal (moreia frontal) lateral (moreia lateral) a meio (moreia

mediana) e no fundo (moreia de fundo)

Durante o uacuteltimo maacuteximo glaciar (haacute cerca de 20 000 anos) a Islacircndia estava quase

toda coberta por glaciares que se estendiam ateacute agrave costa e para aleacutem dela Foram encon-

tradas moreias frontais dessa eacutepoca a cerca de 130 km a offshore da costa ocidental e a

cerca de 150-230 m abaixo do niacutevel de mar atual

Eacute possiacutevel encontrar nos vales glaciares islandeses quer moreias antigas resultantes

da uacuteltima glaciaccedilatildeo quer moreias recentes e atuais Estas uacuteltimas estatildeo relacionadas com

as 4 grandes calotes glaciares existentes como eacute o caso das moreias do glaciar Vatna-

joumlkull que se podem observar em pleno no setor sudeste da ilha

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Lagoas glaciares e icebergues

Outra das paisagens magniacuteficas moldadas pelos glaciares satildeo as lagoas glaciares Estas

lagoas formam-se na extremidade dos glaciares que descem das calotes glaciares Satildeo

alimentadas pelo desgelo natural dos glaciares e nela flutuam pequenos e grandes iceber-

gues que se separam da frente do glaciar (FIGURA 3)

FIGURA 3 Esquema 3D (sem escala) da formaccedilatildeo de icebergues numa lagoa glaciar

O exemplo mais notaacutevel deste tipo de lagoas na Islacircndia eacute a lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten consi-

derada uma das maravilhas naturais do paiacutes Fica situada no sudeste da ilha na extremidade

do glaciar Breiethamerkurjoumlkull uma das liacutengua glaciares da calote de Vatnajoumlkull (FIGURA 4)

FIGURA 4 Icebergues na lagoa glaciar de Joumlkulsaacuterloacuten Ao fundo vecirc-se a frente do glaciar Breiethamerkurjoumlkull As faixas negras nos icebergues satildeo niacuteveis de cinza vulcacircnica

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A lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten eacute o ponto mais baixo da Islacircndia com zonas agrave cota de -200 m Na

baiacutea da lagoa tem-se acesso a uma paisagem de outro mundo com icebergues de dimen-

sotildees variadas que flutuam ateacute ao mar ficando alguns deles encalhados na margem de uma

praia de areia vulcacircnica Alguns icebergues exibem faixas negras correspondentes a niacuteveis

de cinzas vulcacircnicas provenientes de antigas erupccedilotildees (FIGURA 4) Outros exibem duas

tonalidades branco leitoso e azul claro A faixa azul corresponde agrave porccedilatildeo do icebergue

que se tornou recentemente emersa

A lagoa teraacute sido formada em 1934-35 pelo contiacutenuo recuo do glaciar Vatnajoumlkull e teraacute

duplicado de tamanho nos uacuteltimos 15 anos Dada a taxa atual de recuo do glaciar Vatna-

joumlkull um profundo fiorde iraacute desenvolver-se no local onde hoje existe a lagoa

As costas escarpadas

As costas escarpadas e recortadas satildeo sem duacutevida as mais dominantes Ocorrem deste o

oeste ao leste da ilha passando pela regiatildeo norte incisas por numerosos fiordes e peque-

nas enseadas e salpicadas por leixotildees Eacute notaacutevel pela sua forma de dragatildeo e pelas lendas

que o envolvem o leixatildeo de Hvitserkur (IMAGEM DA PAGINA 42) situado na costa leste da

Peniacutensula de Vatnsnes no noroeste da Islacircndia

Os fiordes mais profundos localizam-se na costa norte constituindo bons portos natu-

rais Um destaque especial vai para o fiorde ao longo do qual se estende a cidade de Aku-

reyri (fiorde de Akureyri ou Eyjafjoumlrethur) considerado o mais longo do paiacutes

Praias de areia Negra

As praias de areia negra em geral de reduzida extensatildeo podem ser constituiacutedas por i) de-

poacutesitos resultantes da abrasatildeo das arribas ii) moreias e depoacutesitos fluviais resultantes dos

rios glaciares com contornos suaves e lagoas glaciares protegidas por extensas barras

arenosas iii) depoacutesitos de tefra provenientes de erupccedilotildees freaacuteticas

As do primeiro tipo ocorrem um pouco por toda a linha de costa como resultado da accedilatildeo

do mar sobre as arribas As do segundo tipo ocorrem dominantemente entre Djuacutepivogur a

sudeste e Oumllfusaacute a sudoeste com destaque para a praia de Reynisfjara na costa sul As

da terceira categoria podem ser observadas na ilha de Heimaey arquipeacutelago de Vestman-

naeyja regiatildeo sul da Islacircndia

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018048

IMA

GE

M E

M D

ES

TAQ

UE

48

Eu crio as minhas obras de arte de peque-

nos pedaccedilos de papel com espirais que co-

nectam e ligam os elementos a uma grande

estrutura Na obra de origami acabada a

que chamo Voltinhas estas espirais vivem

e trabalham Forccedilas de tensatildeo e fricccedilatildeo

contrapotildeem-se agrave gravidade e mantecircm a

forma estaacutevel Nas minhas criaccedilotildees procu-

ro estar perto da natureza Quando criamos

ou estudamos modelos de papel na macro

escala podemos entender melhor as for-

mas criadas pela natureza na micro escala

A minha obra de origami na capa o trabalho

intitulado ldquoInverno num parque de Lisboardquo e

o capsiacutedeo do viacuterus Canine parvovirus um viacute-

rus contagioso que ataca sobretudo os catildees

e outros caniacutedeos tecircm a mesma estrutura

geomeacutetrica do pequeno rombicosidodecae-

dro um poliedro com simetria icosaeacutedrica

Essa obra invoca simbolicamente o Ano

da Biologia Matemaacutetica 2018 O origami eacute

uma arte de dobragem do papel com uma

forte componente geomeacutetrica que permite

a construccedilatildeo de formas complexas e tem

atraiacutedo o interesse de matemaacuteticos pelas

suas propriedades geomeacutetricas e algeacutebricas

Krystyna Burczyk

Os viacuterus satildeo responsaacuteveis por inuacutemeras

doenccedilas no homem nos animais e nas plan-

tas e as curas e prevenccedilotildees satildeo ainda mui-

tas vezes problemaacuteticas Desenvolvimen-

tos recentes das aplicaccedilotildees da matemaacutetica

agrave virologia nomeadamente das teorias de

grupos de grafos de tesselaccedilatildeo ou de re-

ticulados mostraram por exemplo que as

restriccedilotildees estruturais agraves formas dos viacuterus

satildeo maiores do que antes se pensava e

permitiram a construccedilatildeo de novos modelos

para o desenvolvimento de terapias anti-

-virais Os capsiacutedeos virais que envolvem

os genomas dos viacuterus por razotildees de eco-

nomia geneacutetica tem muitas vezes uma si-

metria icosaeacutedrica Ora esta simetria natildeo eacute

cristalograacutefica em trecircs dimensotildees ie natildeo

eacute compatiacutevel com reticulados perioacutedicos

o que motivou os matemaacuteticos a desen-

volverem novas estruturas no contexto de

grupos de Coxeter natildeo-cristalograacuteficos que

encontraram aplicaccedilatildeo natildeo soacute na virologia

mas tambeacutem noutras estruturas molecula-

res da quiacutemica do carbono

Joseacute Francisco RodriguesUniversidade de Lisboa

Origami e Viacuterusin imagemcasadascienciasorg

Imagem de Canine Parvovirus gerada em VMD Autor Alexandre Lopes Magalhatildees

Page 23: JUNHO 2018 V6 /02 · 2018-09-26 · Matilde Viegas, Maria João Ramos, Pedro Alexandrino Fernandes Stephen Hawking e a sua contribuição para a física teórica Orfeu Bertolami,

AR

TIG

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21

do solo ciclagem de nutrientes) O filo Arthropoda estaacute atualmente subdividido em cinco

subfilos Trilobitomorpha Crustacea Myriapoda Chelicerata e Hexapoda

O subfilo Trilobitomorpha (trilobites e os seus parentes) compreende cerca de 20 000

espeacutecies que viviam exclusivamente em ambientes marinhos e que atualmente se encon-

tram todas extintas Contudo a sua vasta distribuiccedilatildeo geograacutefica e o exosqueleto de carbo-

nato de caacutelcio permitiram que este grupo apresente um extenso registo foacutessil observaacutevel

por todo o planeta

Crustacea inclui caranguejos camarotildees e lagostas contendo mais de 60 000 espeacute-

cies e com um extenso registo foacutessil em todo o mundo eacute um dos principais grupos de

artroacutepodes A maioria dos crustaacuteceos vive em ambientes marinhos mas existem vaacuterias

espeacutecies que podem ser encontradas em ecossistemas de aacutegua doce (ordem Cladocera e

sub-classe Copepoda) e em ambientes terrestres (ordem Isopoda FIGURA 1) Apesar da

grande maioria dos crustaacuteceos serem de vida livre existem vaacuterios grupos parasitas (ex

Rhizocephala ndash crustaacuteceos cirriacutepedes parasitas de caranguejos e camarotildees Argulidae ndash

crustaacuteceos parasitas de peixes e Pentastomida ndash vermes liacutengua que parasitam o sistema

respiratoacuterio de vertebrados) Numa perspetiva diferente e de interesse econoacutemico este

grupo apresenta ainda um valor acrescido jaacute que alguns crustaacuteceos decaacutepodes como la-

gostas e camarotildees satildeo intensivamente consumidos em todo o mundo Para aleacutem da sua

importacircncia econoacutemica este grupo de organismos eacute bastante utilizado em investigaccedilatildeo

cientiacutefica nomeadamente em ecotoxicologia na avaliaccedilatildeo do efeito de contaminantes no

solo

FIGURA 1 Exemplares de organismos da ordem Isopoda (bicho-da-conta) 1 ndash famiacutelia Armadillidae 2 ndash famiacutelia Porce-llionidae em A - vista dorsal e em B - vista ventral

O subfilo Myriapoda inclui as centopeias e os miliacutepedes conteacutem mais de 11 000

espeacutecies descritas Este subfilo eacute tradicionalmente dividido em quatro classes Chi-

lopoda (centopeias) (FIGURA 2) Diplopoda (miliacutepedes) Pauropoda (ldquopoucos peacutesrdquo) e

Symphyla (pseudocentopeias) Todos os miriaacutepodes conhecidos satildeo terrestres e o seu

tamanho varia desde alguns miliacutemetros a cerca de 38 centiacutemetros (Millipede Gigante

Africano)

1

2

A B

15cm

AR

TIG

O

22

FIGURA 2 Vista dorsal A - e ventral B - de um organismo pertencente agrave classe Chilopoda onde se pode observar o corpo segmentado e apenas com um par de patas por segmento

O subfilo Chelicerata (aranhas aranhas do mar escorpiotildees e aacutecaros) conteacutem mais

de 113 000 espeacutecies distribuiacutedas em duas classes principais Pycnogonida (aranhas do

mar) e Arachnida (aranhas escorpiotildees e aacutecaros) Pycnogonida o grupo das aranhas

do mar conteacutem mais de 1 300 espeacutecies descritas mas estudos detalhados sobre esses

animais e as suas relaccedilotildees evolutivas ainda satildeo escassos Estes organismos geralmente

tecircm seis ou oito olhos e quatro a seis pares de patas A classe Arachnida compreende os

organismos mais conhecidos do subfilo Chelicerata como aranhas escorpiotildees e aacutecaros

Os indiviacuteduos pertencentes a este grupo natildeo possuem antenas tecircm quatro pares de

patas um par de queliacuteceras (1ordm par de apecircndices do prossomacabeccedila) e pedipalpos

(2ordm par de apecircndices do prossomacabeccedila) As aranhas (ordem Araneae) (FIGURA 3) satildeo

provavelmente o grupo mais icoacutenico e bem estudado deste subfilo presentes na maioria

dos ambientes terrestres e constituindo um dos grupos mais importantes de artroacutepodes

do solo Outros organismos colocados na mesma classe como escorpiotildees aacutecaros ou

opiliotildees tambeacutem constituem grupos extremamente variados com importantes funccedilotildees

ecoloacutegicas (ex decomposiccedilatildeo de mateacuteria orgacircnica e controlo de organismos principal-

mente atraveacutes de predaccedilatildeo)

FIGURA 3 Vista dorsal A - e ventral B - de um exemplar da ordem Araneae (famiacutelia Gnaphosidae) sendo possiacutevel obser-var o corpo dividido em cefalotoacuterax e abdoacutemen os quatro pares de patas as queliacuteceras (q) e os pedipalpos (p)

O subfilo Hexapoda (Hexa (seis) e Poda (peacute)) engloba os insetos e os seus parentes

compreende o grupo mais diverso e abundante de organismos com mais de 1 milhatildeo de

espeacutecies conhecidas Este subfilo eacute frequentemente dividido em organismos da clas-

A B

A B

14cm

p

q

35cm

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se Insecta (FIGURA 4) e da classe Entognatha Esta uacuteltima inclui os colecircmbolos (ordem

Collembola) (FIGURA 5) cabeccedilas de cone e bichos de prata (ordem Protura) e cerdas de

duas pontas (ordem Diplura) Na classe Entognatha as partes bucais dos organismos

estatildeo retraiacutedas dentro das suas cabeccedilas contrariamente ao que se observa na classe In-

secta que satildeo ectognantes Os colecircmbolos constituem um dos grupos mais abundantes

de artroacutepodes do solo podendo ser encontrados mais de 100 000 indiviacuteduos num metro

quadrado Estes satildeo organismos cosmopolitas com mais de 8 000 espeacutecies descritas Os

colecircmbolos satildeo pequenos organismos com tamanho geralmente inferior a 6-8 mm de

forma ciliacutendrica ou globular apresentando olhos simples e antenas moniliformes Muitas

espeacutecies possuem um apecircndice bifurcado (fuacutercula) no final do abdoacutemen permitindo que

estes organismos saltem quando ameaccedilados (FIGURA 5) Os colecircmbolos tecircm sido ampla-

mente utilizados em estudos ecotoxicoloacutegicos na avaliaccedilatildeo da qualidade do solo e da sauacute-

de destes ecossistemas

FIGURA 4 A - Vista dorsal e B - vista ventral de exemplares de algumas ordens da classe Insecta

FIGURA 5 Vista lateral de exemplares da ordem Collembola

A classe Insecta eacute a classe com maior nuacutemero de organismos compreendendo mais

de metade das espeacutecies eucarioacuteticas descritas atualmente englobando mais de 1 milhatildeo

de espeacutecies que habitam praticamente todos os ecossistemas Os insetos sendo o grupo

Ordem

Coleoptera

Ordem

Diptera

Ordem

Hemiptera

Ordem

Orthoptera

Ordem

HimenopteraA A A A

B B B B

075cm

027cm14cm016cm

09cm

22cm

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mais diversificado de seres vivos apresentam as mais variadas e interessantes adap-

taccedilotildees anatoacutemicas e morfoloacutegicas Pensa-se que a sua enorme riqueza e abundacircncia eacute

devida a uma combinaccedilatildeo de carateriacutesticas vantajosas como a coevoluccedilatildeo com plan-

tas a miniaturizaccedilatildeo e a capacidade de voo Os insetos desempenham ainda um papel

importantiacutessimo no funcionamento dos ecossistemas realizando funccedilotildees quer de pre-

dadores quer de presa estando envolvidos em inuacutemeras teias alimentares (ex reciclan-

do nutrientes fazendo a manutenccedilatildeo da estrutura e fertilizaccedilatildeo dos solos) Destaca-se

tambeacutem o facto de vaacuterios insetos voadores como abelhas ou borboletas atuarem como

polinizadores de muitas espeacutecies de plantas Esta eacute uma funccedilatildeo ecoloacutegica importante

com vaacuterias repercussotildees econoacutemicas porque mais de 30 das culturas alimentares

mundiais dependem da polinizaccedilatildeo Os insetos possuem ainda um papel importante em

investigaccedilatildeo cientiacutefica sendo muitas vezes utilizados como organismo modelo dado pos-

suiacuterem carateriacutesticas distintas como o seu tamanho reduzido tempos de geraccedilatildeo curtos

e elevada fecundidade O exemplo de excelecircncia eacute a mosca da fruta Drosophila melano-

gaster cujo genoma eacute jaacute conhecido na totalidade sendo esta espeacutecie utilizada frequente-

mente para estudar vaacuterios processos celulares (ex o envelhecimento a hereditariedade

e o desenvolvimento embrionaacuterio) Apesar de constituiacuterem um grupo tatildeo interessante

beneacutefico e necessaacuterio agrave manutenccedilatildeo do equiliacutebrio dos ecossistemas existem algumas

desvantagens associadas aos insetos como eacute o caso de serem vetores na transmissatildeo

de doenccedilas Eacute o caso da malaacuteria transmitida por um mosquito do geacutenero Anopheles a

doenccedila parasitaacuteria mais disseminada com vaacuterios milhotildees de humanos infetados em todo

o mundo O dengue e o zika satildeo doenccedilas em que o vetor de transmissatildeo eacute tambeacutem um

mosquito do geacutenero Aedes Na agricultura as pragas de insetos (ex gorgulhos gafa-

nhotos afiacutedios) satildeo responsaacuteveis por prejudicar as culturas agriacutecolas e a produccedilatildeo de

alimentos causando perdas econoacutemicas elevadas

Sabe-se que atualmente a perda de habitat e as mudanccedilas climaacuteticas satildeo alguns dos

fatores responsaacuteveis por decliacutenios significativos nas populaccedilotildees deste grupo de orga-

nismos Esse decliacutenio apresenta uma elevada preocupaccedilatildeo ecoloacutegica uma vez que estes

organismos desempenham muacuteltiplas e importantes funccedilotildees nos ecossistemas No en-

tanto a conservaccedilatildeo deste grupo animal permanece um grande e urgente desafio que eacute

preciso enfrentar

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Biocombustiacuteveis seratildeo a soluccedilatildeo Matilde Viegas

Maria Joatildeo Ramos

Pedro Alexandrino Fernandes

UCIBIO REQUIMTEUniversidade do Porto

ldquoA 21 de Fevereiro de 2018 o niacutevel de poluiccedilatildeo de partiacuteculas finas com diacircmetro inferior

a 10 μm PM10 atingiu em Paris niacuteveis alarmantes com um pico correspondente

ao dobro do limite maacuteximo A Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) recomenda natildeo

exceder este limite maacuteximo por mais de trecircs dias por ano Com este recente pico os

parisienses jaacute o ultrapassaramrdquo

Em Un pic de pollution laquograveraquo en Ile-de-France Le Monde 22 de Fevereiro de 2018

Esta notiacutecia eacute um dos inuacutemeros exemplos dos efeitos do aquecimento global termo com o

qual estamos cada vez mais familiarizados infelizmente Este fenoacutemeno eacute consequecircncia

de Gases de Efeito de Estufa GEE (dioacutexido de carbono metano e oacutexido de azoto entre

outros) que se acumulam na atmosfera enclausurando o calor e tornando o planeta mais

quente A produccedilatildeo em larga escala de GEEs teve iniacutecio na Revoluccedilatildeo Industrial (1800)

como resultado da combustatildeo de combustiacuteveis foacutesseis (carvatildeo petroacuteleo e gaacutes natural)

para produccedilatildeo de eletricidade aquecimento e transporte

A preocupaccedilatildeo em torno do aquecimento global tornou-se um assunto constante na

agenda poliacutetica sobretudo nas uacuteltimas duas deacutecadas Os primeiros esforccedilos coletivos re-

sultaram no Protocolo de Quioto em 1997 cujo objetivo era a reduccedilatildeo das emissotildees de

GEEs assentando nos argumentos de que i) o aquecimento global era uma realidade e ii) o

CO2 produzido por accedilotildees humanas era o seu grande causador O primeiro periacuteodo do Proto-

colo terminou em 2012 e por isso em 2015 as Naccedilotildees Unidas promoveram a assinatura

do novo Acordo de Paris o qual consiste numa atualizaccedilatildeo do antigo Protocolo de Quioto

com o objetivo de ldquofortalecer a resposta global agrave ameaccedila das alteraccedilotildees climaacuteticas no

contexto de desenvolvimento sustentaacutevel e com esforccedilo para a erradicaccedilatildeo da pobrezardquo

O novo Acordo ao contraacuterio do de Quioto estabelece metas tangiacuteveis e quantitativas O

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objetivo eacute manter o aumento da temperatura meacutedia global abaixo dos 2ordm Celsius face agrave

temperatura global na era preacute-industrial Para atingir tal meta eacute necessaacuterio um esforccedilo

mundial contudo em 2017 com a saiacuteda dos EUA do Acordo de Paris o segundo maior

emissor de GEEs logo a seguir agrave China perdeu-se uma enorme contribuiccedilatildeo Aleacutem do peso

evidente que as suas emissotildees tecircm para o estado atual do aquecimento global em falta

estaratildeo tambeacutem a diplomacia e o encorajamento proporcionados por esta forccedila mundial

No Acordo de Paris uma das claacuteusulas exige a inclusatildeo de energias renovaacuteveis (eoacutelica

mariacutetima solar) e de biocombustiacuteveis no mercado de energia encorajando os paiacuteses a

atingir niacuteveis miacutenimos da sua utilizaccedilatildeo As metas estabelecidas para cada paiacutes vatildeo ao en-

contro ao seu mercado e agraves mateacuterias-primas disponiacuteveis em cada territoacuterio favorecendo o

desenvolvimento da economia

De uma forma generalista os biocombustiacuteveis englobam combustiacuteveis produzidos atra-

veacutes de processos bioloacutegicos como a agricultura e digestatildeo anaeroacutebica em vez de produ-

zidos a partir de processos geoloacutegicos como os necessaacuterios para a formaccedilatildeo de combus-

tiacuteveis foacutesseis Isto inclui o biodiesel (produzido a partir de oacuteleos e gorduras orgacircnicas) e o

bioetanol (aacutelcool produzido atraveacutes de fermentaccedilatildeo microbiana de accediluacutecares seguido de

destilaccedilatildeo e desidrataccedilatildeo) os quais seratildeo o maior foco deste artigo

A partir da deacutecada de 70 foram feitos os primeiros investimentos nos chamados bio-

combustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo (1G) Estes fazem uso de colheitas de produtos agriacuteco-

las como a soja cana-de-accediluacutecar milho oacuteleo de palma entre outros para a produccedilatildeo de

biodiesel e bioetanol atraveacutes de processos de trans-esterificaccedilatildeo ou fermentaccedilatildeo A sua

disponibilidade e facilidade de processamento permitiram a sua inserccedilatildeo e mistura nos

combustiacuteveis atualmente vendidos ao puacuteblico Para 2017 Portugal fixou em 75 (de poder

energeacutetico) a incorporaccedilatildeo de biocombustiacuteveis nos combustiacuteveis dos transportes rodoviaacute-

rios tendo a Uniatildeo Europeia o objectivo de 10 em 2020 para todos os paiacuteses membros

Os biocombustiacuteveis 1G fazem uso da colheita agriacutecola para fins energeacuteticos o que gera

opiniotildees desfavoraacuteveis por parte de ambientalistas (pelo uso exaustivo da terra agriacutecola sem

compensaccedilatildeo desflorestaccedilatildeo e perda de biodiversidade) e problemas eacuteticos tais como os le-

vantados por responsaacuteveis da ONU como o Dr Jean Ziegler que atribui aos biocombustiacuteveis

a culpa pela contiacutenua inflaccedilatildeo dos preccedilos de alimentos exacerbando a atual crise de fome

mundial - ldquoSatildeo necessaacuterios 352Kg de milho para encher um depoacutesito de 50L de um carro Uma

crianccedila na Zacircmbia ou no Meacutexico onde o milho eacute um elemento baacutesico da dieta poderia viver

com esta quantidade de milho um ano inteirordquo Atualmente os maiores produtores destes bio-

combustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo satildeo os EUA e o Brasil utilizando parte da produccedilatildeo global

de cereais e oacuteleos vegetais para a produccedilatildeo de bioetanol e biodiesel causando um ambiente

de profunda preocupaccedilatildeo em volta da sustentabilidade de produccedilatildeo de energia a meacutediolongo

prazo De forma a controlar a inflaccedilatildeo no preccedilo dos alimentos a EU estabeleceu um limite de

7 para o uso de biocombustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo como combustiacutevel de transportaccedilatildeo

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A segunda geraccedilatildeo de biocombustiacuteveis (2G) usa biomassa isto eacute qualquer fonte de car-

bono orgacircnico que eacute rapidamente renovado no ciclo de carbono Os biocombustiacuteveis de

segunda geraccedilatildeo almejam um uso ponderado de desperdiacutecios da induacutestria madeireira e

agriacutecola ou de restos de colheitas agriacutecolas assim que estas preencham o seu propoacutesito

alimentar evitando interferecircncia com o mercado alimentar e natildeo influenciando os preccedilos

dos alimentos baacutesicos

FIGURA 1 Biocombustiacuteveis

A produccedilatildeo de arroz atingiu o seu pico em 2017 gerando 1140 milhotildees de toneladas de

espigas de arroz cujo destino eacute a incineraccedilatildeo compostagem ou eacute simplesmente deposita-

da em aterros Contudo com a 2G de biocombustiacuteveis eacute encontrado potencial energeacutetico

neste desperdiacutecio agriacutecola O seu potencial deve-se agrave mateacuteria lignoceluloacutesica ndash celulose

hemicelulose e lignina ndash presente em todas as plantas incluindo as espigas em diferen-

tes percentagens Este material composto eacute essencial para a estrutura e resistecircncia das

plantas a hemicelulose eacute a matriz que rodeia o esqueleto de celulose enquanto a lignina

funciona como uma camada protetora As possibilidades associadas a este tipo de desper-

diacutecio satildeo inegaacuteveis a sua abundacircncia e facilidade de obtenccedilatildeo tornam-no muito apelativo

Contudo o gasto na recolha e transporte desta mateacuteria suplanta os custos de produccedilatildeo

e o seu uso continuado poderaacute contribuir para a erosatildeo do solo Aleacutem disso para o seu

aproveitamento para produccedilatildeo de biocombustiacuteveis eacute necessaacuterio um preacute-tratamento para

hidrolisar as ligaccedilotildees covalentes entre os trecircs constituintes da mateacuteria lignoceluloacutesica e

permitir a posterior fermentaccedilatildeo anaeroacutebia da celulose produzindo bioetanol Este preacute-

-tratamento eacute visto como outra das desvantagens do processo e estaacute ainda a ser estudado

e otimizado pois de momento as alternativas disponiacuteveis encarecem o produto final e em

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alguns dos casos dependem do uso de quiacutemicos poluentes A esperanccedila estaacute entatildeo de-

positada no estudo de enzimas hidroliacuteticas encontradas em organismos termoacutefilos que

seratildeo capazes de aguentar as difiacuteceis condiccedilotildees de tratamento Contudo a dificuldade em

escalar o processo de fermentaccedilatildeo eacute uma das desvantagens e dos fatores limitantes para

a 2G de biocombustiacuteveis em grande parte devido agrave dificuldade de monitorizar as condiccedilotildees

de fermentaccedilatildeo (oxigeacutenio pH nutrientes etc)

A terceira geraccedilatildeo (3G) de biocombustiacuteveis foi reconhecida como a melhor alternativa

em comparaccedilatildeo com primeira e segunda geraccedilotildees pois surpreendentemente faz uso de

algas A sua enorme disponibilidade por todo o planeta e o facto de natildeo interferirem com os

mercados alimentares satildeo os grandes embaixadores desta mateacuteria-prima como o futuro

dos biocombustiacuteveis Ainda que natildeo seja uma mateacuteria infinita eacute a que de momento mais se

assemelha por existirem 70 000 espeacutecies (30 000 documentadas) Estudos conduzidos

atualmente estatildeo a explorar a viabilidade energeacutetica de 30 espeacutecies de algas explorando a

sustentabilidade facilidade e escalabilidade da sua produccedilatildeo Outras vantagens incluem a

baixa manutenccedilatildeo necessaacuteria para o seu crescimento (luz dioacutexido de carbono e nutrientes

como azoto foacutesforo e potaacutessio) a facilidade com que produzem liacutepidos e carboidratos que

podem posteriormente ser processados em diferentes biocombustiacuteveis e outros copro-

dutos a frequecircncia com que podem ser colhidas ao longo do ano (ao contraacuterio de outras

colheitas convencionais) a baixa percentagem de hemicelulose e a praticamente ausente

lignina facilitam radicalmente o seu preacute-processamento pois a celulose eacute mais facilmente

extraiacuteda As desvantagens desta mateacuteria incluem o enorme investimento inicial para a

construccedilatildeo de infraestruturas para o seu cultivo que pode ser ou ao ar livre (em tanques

de grande dimensatildeo) ou em foto-bioreatores (sistemas fechados altamente controlados)

Prevecirc-se que em 2030 o preccedilo de produccedilatildeo de combustiacutevel a partir de algas seraacute 065 euro

litro de combustiacutevel valor muito proacuteximo do atual preccedilo de produccedilatildeo do litro de gasolina

Comparativamente aos custos de produccedilatildeo de outros biocombustiacuteveis o mais barato con-

tinua a ser o bioetanol produzido a partir de milho (1G) 017 eurolitro seguido de combustiacute-

veis celuloacutesicos (2G) a 032 eurolitro

Eacute evidente que seratildeo necessaacuterios esforccedilos poliacuteticos e cientiacuteficos investimento e regu-

lamentaccedilatildeo adequados para encontrar o caminho ideal para travar o aquecimento global

Em todas as geraccedilotildees de biocombustiacuteveis apresentadas existem fatores que afunilam as

potencialidades destas alternativas indicando que a soluccedilatildeo passa por criar um consoacutercio

entre as vaacuterias possibilidades de forma a tirar o maacuteximo partido sem danificar o planeta ou

piorar a crise da fome O proacuteximo passo passa por substituir os biocombustiacuteveis de 1G por

soluccedilotildees com maior escalabilidade Acreditamos que nas proacuteximas deacutecadas seratildeo cruciais

e depositamos esperanccedila na investigaccedilatildeo cientiacutefica

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018043

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Stephen Hawking e a sua contribuiccedilatildeo para a fiacutesica teoacutericaOrfeu Bertolami

Claacuteudio GomesDepartamento de Fiacutesica e Astronomia CFP Universidade do Porto

A 14 de marccedilo de 2018 o fiacutesico britacircnico Stephen Hawking faleceu aos 76 anos deixando

todavia um importante legado para a fiacutesica teoacuterica muito particularmente para o

entendimento das deficiecircncias intriacutensecas da Relatividade Geral de Einstein para a fiacutesica

dos buracos negros e para a cosmologia a ciecircncia do Universo como um todo

Stephen Hawking doutorou-se em Fiacutesica Teoacuterica em 1966 pela Universidade de Cambridge

sob a supervisatildeo de Dennis Sciama Apesar da sua condiccedilatildeo fiacutesica progressivamente limi-

tativa manteve-se extremamente ativo na investigaccedilatildeo nas aacutereas de cosmologia fiacutesica dos

buracos negros e gravitaccedilatildeo quacircntica

Nessa altura havia uma consideraacutevel discussatildeo acerca da realidade e ubiquidade de sin-

gularidades pontos no espaccedilo-tempo onde a Teoria da Relatividade Geral deixa de fazer sen-

tido e natildeo desaparecendo atraveacutes de mudanccedila de sistemas de coordenadas que descrevem

o espaccedilo-tempo Na segunda metade da deacutecada de 1960 Hawking e o matemaacutetico inglecircs

Roger Penrose demonstraram que essas singularidades eram inevitaacuteveis no contexto da

Teoria da Relatividade Geral (ver para uma descriccedilatildeo exaustiva o livro Large Scale Structure

of Space-Time escrito em colaboraccedilatildeo com o fiacutesico sul-africano George Ellis publicado em

1973) Uma dessas singularidades corresponde ao iniacutecio do Universo ndash Big Bang ndash e outras

estatildeo presentes no interior dos buracos negros natildeo acessiacuteveis agrave observaccedilatildeo devido agrave pre-

senccedila de um horizonte de acontecimentos que segundo a Conjetura da Censura Coacutesmica de

Roger Penrose protegem sempre as singularidades de se apresentarem ldquonuasrdquo

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Subsequentemente em 1975 ele desenvolveu a ideia que os buracos negros deveriam

radiar termicamente a uma temperatura especiacutefica inversamente proporcional agraves suas

massas temperatura esta que hoje designamos por temperatura de Hawking Esta ideia daacute

origem ao paradoxo da informaccedilatildeo em que a informaccedilatildeo que entrava no horizonte de evento

se perdia Com este contributo passou-se a ter uma equivalecircncia entre a dinacircmica e a termo-

dinacircmica de buracos negros

FIGURA 1 Emissatildeo da radiaccedilatildeo teacutermica de Hawking por um buraco negro

No princiacutepio da deacutecada de 1980 Hawking iniciou em colaboraccedilatildeo com o fiacutesico norte-ameri-

cano James Hartle o programa de investigaccedilatildeo que hoje designamos por cosmologia quacircntica

Na cosmologia quacircntica o espaccedilo-tempo eacute descrito por uma funccedilatildeo de onda a funccedilatildeo de onda

do Universo como na Mecacircnica Quacircntica Esta equaccedilatildeo de onda satisfaz uma equaccedilatildeo anaacuteloga

agrave de Schroumldinger da Mecacircnica Quacircntica a equaccedilatildeo de Wheeler-DeWitt A proposta de Hartle

e Hawking eacute que a funccedilatildeo de onda descreva um espaccedilo-tempo sem fronteiras (No-Boundary

proposal) A ideia eacute que agrave medida que retrocedemos no tempo chegamos a um ponto em que

o Universo eacute pequeno o suficiente para que efeitos quacircnticos sejam dominantes Nesta altura

existe uma espeacutecie de ldquoespumardquo do espaccedilo-tempo de tal modo que o tempo natildeo pode ser in-

terpretado do modo como o vemos hoje mas sim como uma quarta dimensatildeo espacial Uma

analogia uacutetil eacute a seguinte se viajarmos para o Polo Sul temos de seguir sempre para sul mas

quando alcanccedilamos o ponto do Polo Sul jaacute natildeo faz sentido falarmos na direccedilatildeo sul pelo mesmo

raciociacutenio ao retrocedermos no tempo haacute um pontoinstante em que natildeo faz sentido falar-se em

tempo Matematicamente isto torna-se possiacutevel passando de um espaccedilo-tempo de Minkowski

como na Relatividade Restrita para um espaccedilo Euclideano a quatro dimensotildees no qual o tempo

passa a ser um nuacutemero puramente complexo Com esta formulaccedilatildeo o Universo natildeo tem uma

fronteira aleacutem daquela que permite a transiccedilatildeo entre as duas descriccedilotildees para o espaccedilo-tempo

e que eacute exemplificado na FIGURA 2 Esta geometria eacute designada por shuttlecock ou volantepena

de badminton devido agrave semelhanccedila com este objeto

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FIGURA 2 Representaccedilatildeo tridimensional do modelo de Hartle-Hawking (no boundary proposal) A base corresponde a uma semiesfera a 4 dimensotildees e a estrutura que apresenta o tempo como uma direccedilatildeo distinta das espaciais corresponte a um Universo em expansatildeo

Hawking tambeacutem estudou outros problemas como o das maacutequinas do tempo e questotildees

relacionadas com a cosmologia e a formaccedilatildeo de estruturas no Universo Com o seu carate-

riacutestico humor Hawking afirmou natildeo ser possiacutevel viajar no tempo Para tal sugeriu organizar

uma festa convidando pessoas do futuro a se juntarem a ele e dado que ningueacutem apa-

receu concluiu entatildeo que viagens no tempo natildeo satildeo possiacuteveis na realidade Outra prova

prende-se com o facto de natildeo termos recebido ainda turistas do futuro numa clara alusatildeo

iroacutenica agrave procura turiacutestica desenfreada que assistimos nos dias de hoje

Mais recentemente ele pronunciou-se sobre questotildees de interesse geral como as im-

plicaccedilotildees do desenvolvimento da inteligecircncia artificial e a necessidade e inevitabilidade

da exploraccedilatildeo espacial Mostrou-se reticente acerca dos desenvolvimentos no domiacutenio da

inteligecircncia artificial classificando-o como possivelmente perigoso para a nossa civiliza-

ccedilatildeo pois apesar dos potenciais benefiacutecios comportam seacuterios riscos agrave continuidade da hu-

manidade Relativamente agrave exploraccedilatildeo espacial Hawking encarava as viagens espaciais

quer pelo seu interesse cientiacutefico quer como forma de preservar a humanidade de riscos

de destruiccedilatildeo devido a guerras nucleares ou epidemias devido a viacuterus geneticamente mo-

dificados

O fiacutesico Stephen Hawking legou-nos uma extraordinaacuteria contribuiccedilatildeo cientiacutefica e huma-

na Deixou um extraordinaacuterio exemplo de resiliecircncia dedicaccedilatildeo ao conhecimento e agrave socie-

dade Fisicamente debilitado e ldquopresordquo a uma condiccedilatildeo rara a esclerose lateral amiotroacutefica

que lhe foi diagnosticada aos 21 anos a sua mente foi das mais livres dos nossos tempos

concebeu hipoacuteteses conjunturas e teorias pensou a sociedade de hoje e a do futuro

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RochaO que eacute importante dizer sobre as rochas

A M Galopim de Carvalho Universidade de Lisboa

Rochas e pedras satildeo a mesma coisa Praticamente a resposta eacute sim Pedra eacute aquilo

que se apanha do chatildeo para dar uma pedrada

Qualquer pessoa mesmo a menos letrada diraacute que as pedras

bull natildeo satildeo fabricadas ou feitas por gente (a ciecircncia diz que satildeo entidades naturais)

bull que natildeo se amolgam (a ciecircncia diz que satildeo riacutegidas)

bull que geralmente natildeo se esboroam nem se esfarela (a ciecircncia diz que satildeo coesas)

bull que fazem mossa onde quer que batam (a ciecircncia diz que satildeo duras) Para o cidadatildeo

comum pedra (do grego peacutetra) eacute pois uma entidade natural riacutegida coesa e dura que se

apanha do chatildeo

Apanhamos uma pedra do chatildeo mas quando estudamos falamos quase sempre de ro-

chas Num modo de falar corrente podemos dizer que as pedras satildeo bocados de rocha

Todos falamos de rocha como sinoacutenimo de pedra com base num conhecimento comum

empiacuterico vulgar ligado agrave experiecircncia quotidiana mesmo do mais iletrado dos cidadatildeos Dize-

mos rochedo quando o afloramento de rocha eacute grande e apelidamos de rochoso um terreno

com a rocha agrave vista Rocha eacute um galicismo que entre noacutes se sobrepocircs ao termo ldquorocardquo bem

mais antigo talvez preacute-romano Cabo da Roca ou ldquoFocinho da Rocardquo no dizer dos homens do

mar deve o seu nome a esta versatildeo arcaica da palavra rocha

O conceito atual de rocha e os vaacuterios conhecimentos com elas relacionados percorreram

uma caminhada tatildeo longa quanto a do Homo sapiens caminhada de que temos testemunhos

na Preacute-histoacuteria e variadiacutessimos relatos escritos desde a Antiguidade

Na sua giacuteria proacutepria entendiacutevel entre pares os profissionais falam de rochas dizendo que

satildeo sistemas quiacutemicos mono ou polifaacutesicos (ou seja com um ou mais minerais) resultantes

do equiliacutebrio termodinacircmico atingido pelos seus constituintes em determinados ambientes

Entendendo-se por constituintes os elementos quiacutemicos incluiacutedos nos respetivos minerais

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Por outras palavras acessiacuteveis ao comum das gentes pode entatildeo dizer-se que as rochas

satildeo corpos naturais formados por associaccedilotildees mais ou menos estaacuteveis de minerais compatiacute-

veis entre si e com o ambiente onde foram gerados e que satildeo elas as rochas que constituem

a capa riacutegida da Terra que por essa razatildeo recebeu o nome de litosfera (FIGURA 1)

FIGURA 1 Modelado Graniacutetico na Serra da Estrela (fonte banco de imagens da Casa das Ciecircncias)

Antes de prosseguir esclareccedila-se que no jargatildeo proacuteprio da mineralogia e da geoquiacutemica

os minerais satildeo considerados fases no sentido fiacutesico-quiacutemico da palavra Com efeito neste

sentido uma fase eacute uma porccedilatildeo de mateacuteria quiacutemica e estruturalmente homogeacutenea e uma

qualquer espeacutecie mineral eacute isso mesmo

Por convenccedilatildeo na sistemaacutetica em sedimentologia entre as rochas sedimentares cabem

certos materiais natildeo consolidados como os barros as areias soltas as cascalheiras e ainda

outros de natureza natildeo mineral como os carvotildees foacutesseis e o petroacuteleo (oacuteleo de pedra) Cha-

mar rochas ou pedras a estes materiais agraves vezes tatildeo afastados da imagem vulgar de ldquocoisa

dura riacutegida e coesardquo decorre do conceito geoloacutegico de rocha no qual se inclui o modo de

ocorrecircncia e o respetivo processo de formaccedilatildeo (petrogeacutenese)

A mecacircnica das rochas (disciplina que estuda certas propriedades das rochas como resis-

tecircncia ao esmagamento agrave traccedilatildeo agrave torccedilatildeo agrave flexatildeo porosidade permeabilidade e outras)

define-as como entidades sempre riacutegidas e coesas e duras como tambeacutem se diz vulgarmen-

te com capacidade de suportar cargas e que na eventualidade de terem de ser escavadas ou

removidas haacute que usar tecnologias com explosivos Este conceito corresponde aliaacutes agrave ideia

mais divulgada de rocha como atraacutes se referiu Eacute o bedrock dos autores ingleses

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FIGURA 2 Processo de meteorizaccedilatildeo fiacutesica essencialmente por corrosatildeo eoacutelica em rochas sedimentares (arenitos) (fonte banco de imagens da Casa das Ciecircncias)

Aleacutem das muitas que conhecemos na Terra jaacute estudaacutemos rochas do nosso sateacutelite natural

nomeadamente basaltos e anortositos trazidos da sua superfiacutecie Mercuacuterio Veacutenus e Marte satildeo

tambeacutem planetas rochosos e igualmente rochosos ou pedregosos satildeo ainda os nuacutecleos dos co-

metas e muitos dos asteroides de que temos conhecimento pelos meteoritos caiacutedos na Terra

Quando se apelidam as rochas de magmaacuteticas sedimentares (FIGURA 2) ou metamoacuterficas

natildeo se estaacute apenas a rotulaacute-las para efeitos de arrumo ou arquivo muito menos se estatildeo a

criar novos vocaacutebulos para sobrecarga dos estudantes ou do cidadatildeo em geral Estes adjeti-

vos acrescentados agrave palavra rocha informam de imediato sobre a sua origem

bull magmaacutetica ou sedimentar qualquer delas em resultado de processos naturais faacuteceis de

entender

bull metamoacuterfica em consequecircncia de um outro processo muito menos ao alcance da vivecircncia

do vulgo mas que se explica sem grandes dificuldades

Apelidam-se de metamoacuterficas as rochas que posteriormente a uma primeira formaccedilatildeo

como magmaacuteticas ou sedimentares foram submetidas a pressotildees eou a temperaturas no

interior da crosta que lhes modificaram a composiccedilatildeo eou a textura

Foi atraveacutes do estudo das rochas que desvendaacutemos o essencial dos acontecimentos geo-

loacutegicos que marcaram a histoacuteria deste laquoPlaneta Azulraquo no qual a vida encontrou condiccedilotildees

para despertar e onde evoluiu ao ponto de se interrogar sobre essa mesma histoacuteria

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Os conhecimentos diretos de que hoje dispomos relativos agraves rochas da Terra limitam-se

aos que se obtecircm pelo estudo das que afloram agrave superfiacutecie das recolhidas em dragagens

nos fundos marinhos e das retiradas da profundidade quer em minas quer atraveacutes de son-

dagens Esta profundidade que natildeo excede 3 km no primeiro caso e 11 km no segundo

(na peniacutensula de Kola) pode considerar-se insuficiente se comparada com as trecircs a quatro

dezenas de quiloacutemetros de espessura meacutedia da crosta continental

Eacute jaacute muito o conhecimento que temos desta capa (a crosta ou crusta como alguns dizem e

escrevem) mais superficial do nosso planeta Temo-lo atraveacutes das rochas que constantemente

vemos e pisamos muitas delas geradas em zonas profundas trazidas agrave superfiacutecie pelos en-

rugamentos de origem tectoacutenica geradores das montanhas e subsequentemente postas a

descoberto pela erosatildeo

Outras rochas proacuteprias de muito maiores profundidades inclusive do manto inferior como eacute

o caso dos xenocristais e dos xenoacutelitos (do grego xenos estranho e lithos pedra) isto eacute cris-

tais e fragmentos de materiais liacuteticos gerados nessas regiotildees e que ascendem agrave superfiacutecie na

sequecircncia de atividade vulcacircnica englobados ou encravados nos produtos magmaacuteticos que ali

se formaram ou por ali passaram Na ilha da Madeira por exemplo satildeo frequentes os xenoacutelitos

oliviacutenicos que ascenderam ateacute agrave superfiacutecie no seio das lavas envolvidas no processo vulcacircnico

que originou esta e muitas outras ilhas

As rochas a que temos acesso mais ou menos direto representam uma parcela importante

da diferenciaccedilatildeo da Terra e agrave semelhanccedila da aacutegua do ar e dos seres vivos satildeo o resultado de

imensas transformaccedilotildees numa vasta e complexa rede de inter-relaccedilotildees ocorridas ao longo

dos tempos neste laquoplaneta vivoraquo pleno ainda de energia interna (sob a forma de calor) a que

se adiciona toda a que lhe chega do exterior isto eacute a radiaccedilatildeo solar Como escreveu Maurice

Mattauer ldquoas pedras nascem vivem e morrem como noacutes elas tecircm uma idade e uma histoacuteriardquo

Petrologia e litologia satildeo duas disciplinas que estudam as rochas ou as pedras Se bem que

os eacutetimos petra (latim) e lithos (grego) sejam sinoacutenimos petrologia e litologia encerram con-

ceitos diferentes ainda que relacionados entre si

bull A petrologia eacute um ramo da geologia com dimensatildeo de ciecircncia de vastos recursos nos campos

da fiacutesica da quiacutemica e naturalmente tambeacutem da matemaacutetica em busca do conhecimento da

origem natureza constituiccedilatildeo e evoluccedilatildeo da Terra no acircmbito do Sistema Solar e do Universo

bull A litologia outro ramo da geologia eacute habitualmente entendida como a disciplina que estuda

as rochas num campo praacutetico Serve a geologia de engenharia tendo em vista a implantaccedilatildeo

de grandes edifiacutecios e outras obras volumosas cujas fundaccedilotildees exigem o conhecimento dos

terrenos A litologia daacute igualmente respostas agrave pedologia (o estudo dos solos) e agrave induacutestria

extrativa de rochas ornamentais usadas na arquitetura na cantaria ou na estatuaacuteria e de

rochas industriais exploradas como importantes mateacuterias-primas para a construccedilatildeo civil a

ceracircmica o vidro o cimento a cal e a induacutestria quiacutemica

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Software educativo em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Ana C Conceiccedilatildeo

DMUniversidade do Algarve

O conceito F-Tool foi desenvolvido em 2012 com o objetivo de proporcionar uma

aprendizagem interativa em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Em particular eacute possiacutevel

explorar de forma integrada as noccedilotildees de domiacutenio contradomiacutenio existecircncia de zeros

existecircncia de extremos e de pontos de inflexatildeo invertibilidade derivabilidade reta

tangente ao graacutefico num ponto simetrias em relaccedilatildeo aos eixos e agrave origem A utilizaccedilatildeo

dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adaptaccedilatildeo de

alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e

do simples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular)

No ensino da matemaacutetica e em particular no estudo de funccedilotildees a recomendaccedilatildeo da utiliza-

ccedilatildeo de software educacional tem como objetivo o sanar das dificuldades que os alunos pos-

suem em associar as representaccedilotildees algeacutebricas com as diversas representaccedilotildees numeacutericas

eou graacuteficas De facto o caraacuteter estaacutetico das representaccedilotildees matemaacuteticas muitas vezes

dificulta a construccedilatildeo do significado afetando substancialmente a correta interpretaccedilatildeo dos

conceitos A criaccedilatildeo de modelos interativos visuais com o sistema de aacutelgebra computacional

Mathematica permite aos alunos explorar conceitos de elevada complexidade e rapidamen-

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te adquirir uma compreensatildeo mais profunda dos conteuacutedos Obviamente a utilizaccedilatildeo de sof-

tware educacional natildeo deve ser vista como um substituto para o ensino com ldquopapel e laacutepisrdquo

deve ser devidamente combinada com outros meacutetodos de ensino

O conceito F-Tool foi desenvolvido em 2012 com o objetivo de proporcionar uma apren-

dizagem interativa em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Os aplicativos computacionais

implementados com base neste conceito utilizam as capacidades de caacutelculo numeacuterico e

simboacutelico do Mathematica de forma a permitir estudar dinacircmica e interativamente e em

tempo real conceitos e propriedades fundamentais do preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial

FIGURA 1 Imagem ilustrativa da F-Exponential

O conceito F-Tool em sala de aula permite uma abordagem dinacircmica de diversos concei-

tos relacionados com o estudo de funccedilotildees e promove novas formas de raciocinarpensar

avaliar ensinar e aprender As F-Tool foram concebidas como ferramentas de aprendiza-

gem ativa ou seja a sua utilizaccedilatildeo adequada propicia um contexto de ensino-aprendiza-

gem onde alunos e professores satildeo igualmente convidados a contribuir Aleacutem disso tecircm

uma interface muito intuitiva que permite que ateacute mesmo o utilizador mais inexperiente

sem qualquer conhecimento anterior em software educacional possa comeccedilar a usar to-

dos os recursos de uma forma eficiente e autoacutenoma As F-Tool natildeo satildeo um objeto estaacutetico

mas sim um programa a ser executado com o qual se interage em tempo real Em parti-

cular atraveacutes da alteraccedilatildeo dinacircmica dos valores dos paracircmetros que definem cada classe

eacute possiacutevel obter informaccedilatildeo analiacutetica rigorosa apresentada em aritmeacutetica exata ou apro-

ximada bem como informaccedilatildeo visual estaacutetica e natildeo-estaacutetica De igual modo escolhendo

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estrategicamente de entre as vaacuterias opccedilotildees de funccedilotildees disponiacuteveis no painel esquerdo eacute

possiacutevel apreender de forma mais eficaz e consequente muitas das relaccedilotildees existentes

entre as vaacuterias funccedilotildees e respetivas transformaccedilotildees (FIGURA 1) As F-Tool utilizam um

coacutedigo de cores para diferenciar as vaacuterias funccedilotildees apresentadas Este coacutedigo eacute explicitado

na legenda do canto inferior esquerdo do painel central

Qual das figuras pode representar o graacutefico de uma funccedilatildeo e o graacutefico da sua derivada de 1ordf ordem

FIGURA 2 Exemplo de questatildeo de escolha muacuteltipla utilizando diversas opccedilotildees do painel esquerdo das F-Tool

Apesar de ser um software educacional dinacircmico e interativo pode tambeacutem ser utilizado

na construccedilatildeo de questotildees de avaliaccedilatildeo de escolha muacuteltipla (FIGURA 2) e de resposta aberta

ficando o docente automaticamente com a resposta ao selecionar no painel esquerdo as

opccedilotildees relacionadas com a questatildeo

A utilizaccedilatildeo dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adapta-

ccedilatildeo de alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e do sim-

ples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular) De facto

incluindo as F-Tool em ficheiros no Computable Document Format (CDF) eacute possiacutevel criar

fichas de trabalho dinacircmicas e interativas motivando os alunos e tornando o estudo mais

interessante

Acreditamos que o conceito F-Tool ao dotar professores e estudantes com novas fer-

ramentas para explorar alguns conceitos fundamentais da matemaacutetica desenvolveraacute po-

sitivamente o processo de ensino e de aprendizagem das aacutereas de preacute-caacutelculo e caacutelculo

diferencial

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018046

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O Aroma das Plantas Luiacutes Gaspar Pedro

Ana Cristina Figueiredo

Joseacute Gonccedilalves Barroso

CESAM CBV Universidade de Lisboa

Quando nos festejos dos Santos Populares colocamos a matildeo sobre o manjerico

provocamos a rutura de estruturas microscoacutepicas Ao fazecirc-lo libertam-se compostos

quiacutemicos que aderem agrave palma da nossa matildeo que depois percecionamos pelo nosso

olfacto Os aromas satildeo misturas complexas de dezenas de compostos volaacuteteis

carateriacutesticos de uma determinada planta

O aroma o que eacute

O aroma de muitas plantas eacute constituiacutedo por diversos compostos quiacutemicos volaacuteteis que

tecircm a capacidade de estimular os nossos recetores olfactivos A quantidade e a diver-

sidade deste tipo de compostos presentes nas plantas satildeo responsaacuteveis pelos aromas

carateriacutesticos Eacute relativamente faacutecil reconhecer o aroma dos coentros ou do manjerico e

distingui-los de outros aromas como o da rosa ou do cravinho

Na composiccedilatildeo da fraccedilatildeo volaacutetil de uma planta aromaacutetica encontram-se regra geral

compostos como os mono- e sesquiterpenos e os fenilpropanoacuteides (FIGURA 1) entre ou-

tros Satildeo todos eles compostos quiacutemicos com ponto de ebuliccedilatildeo relativamente baixo que

volatilizam agrave temperatura ambiente e contribuem de forma mais ou menos notoacuteria para o

aroma carateriacutestico de cada espeacutecie

FIGURA 1 Exemplos de compostos que constituem a fraccedilatildeo volaacutetil de diversas espeacutecies aromaacuteticas monoterpenos (α-pineno timol) sesquiterpenos (β-cariofileno germacreno D) e fenilpropanoacuteides (eugenol)

α-Pineno Timol β-Cariofileno Germacreno D Eugenol

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Estruturas secretoras

Os compostos que constituem a fraccedilatildeo aromaacutetica de uma planta satildeo regra geral sinteti-

zados e acumulados em estruturas secretoras microscoacutepicas Entre os diversos tipos de

estruturas secretoras as mais frequentes satildeo os tricomas os canais e as bolsas (FIGURA 2)

FIGURA 2 Exemplos de estruturas secretoras observadas em microscopia oacuteptica A - Tricoma de Geranium robertianum (s - secretado acumulado no espaccedilo sub-cuticular coloraccedilatildeo com reagente de Nadi) B - canal secretor de Crithmum maritimum (setas coloraccedilatildeo com tricloreto de antimoacutenio) e C - bolsa secretora de Citrus sp (coloraccedilatildeo com Vermelho Sudatildeo III)

Os tricomas glandulares satildeo estruturas externas com origem em ceacutelulas epideacutermicas

que apresentam diversos graus de complexidade desde tricomas com apenas trecircs ceacutelulas

uma das quais a secretora ateacute tricomas com mais de uma dezena de ceacutelulas secretoras

As bolsas e os canais secretores satildeo estruturas internas constituiacutedas por ceacutelulas glandu-

lares que delimitam o luacutemen o espaccedilo para onde satildeo secretados os compostos depois de

produzidos nas ceacutelulas secretoras Os canais satildeo estruturas alongadas que percorrem o

corpo da planta por vezes com ramificaccedilotildees enquanto as bolsas satildeo estruturas mais ou

menos isodiameacutetricas

Os oacuteleos essenciais

Um oacuteleo essencial eacute obtido por hidrodestilaccedilatildeo ou por destilaccedilatildeo por arrastamento de va-

por (FIGURA 3) No caso particular dos citrinos o oacuteleo essencial pode ainda ser obtido

por expressatildeo (processo mecacircnico que promove a libertaccedilatildeo do secretado acumulado no

interior das estruturas secretoras neste caso bolsas)

Tanto na hidrodestilaccedilatildeo como na destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor o secretado eacute

removido das estruturas secretoras e arrastado pelo vapor de aacutegua Depois de condensar

por arrefecimento o oacuteleo essencial separa-se da aacutegua podendo ser facilmente recolhido

devido agrave sua imiscibilidade com a aacutegua

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41FIGURA 3 A - Sistema de hidrodestilaccedilatildeo com aparelho de Clevenger e B - sistema de destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor

Anaacutelise de oacuteleos essenciais

Para analisar um oacuteleo essencial recorre-se frequentemente agrave cromatografia gasosa (CG)

para quantificaccedilatildeo dos componentes e agrave CG acoplada agrave espectrometria de massa (CG-

-EM) para a correspondente identificaccedilatildeo dos constituintes Por CG-EM os diversos com-

ponentes que constituem o oacuteleo essencial satildeo separados uns dos outros e ao chegarem ao

espectroacutemetro de massa satildeo bombardeados por eletrotildees o que leva a que as moleacuteculas

fragmentem formando-se diferentes iotildees de acordo com padrotildees preferenciais O con-

junto dos fragmentosiotildees constituem o espectro de massa que eacute carateriacutestico de cada

moleacutecula A integraccedilatildeo das aacutereas dos picos que surgem no cromatograma obtido por CG

(FIGURA 4A) permite a quantificaccedilatildeo relativa dos diversos componentes do oacuteleo essencial

A anaacutelise por CG-EM possibilita a identificaccedilatildeo desses compostos por comparaccedilatildeo dos

espectros de massa (FIGURA 4B) e dos iacutendices de retenccedilatildeo com os de amostras padratildeo

FIGURA 4 A - Aspeto parcial de um cromatograma obtido por CG carateriacutestico de um oacuteleo essencial com alguns dos ldquopicosrdquo identificados B - espectro de massa obtido por CG-EM de um dos componentes maioritaacuterios o timol

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Paisagens da Islacircndia Formase Processos (III)Fernando Carlos LopesCITEUC Universidade de Coimbra

A Islacircndia eacute famosa natildeo soacute pelos seus vulcotildees mas tambeacutem pelos seus glaciares e pela

sua sinuosa e escarpada linha de costa

Atualmente os glaciares cobrem cerca de 10 da superfiacutecie islandesa e 60 destas

aacutereas geladas assentam sobre sistemas vulcacircnicos ativos Esta combinaccedilatildeo de gelo e vul-

canismo torna a Islacircndia o local ideal para cheias repentinas (joumlkulhlaups) resultantes de

aacutegua que escorre por baixo dos glaciares devido agrave fusatildeo provocada pelas erupccedilotildees subgla-

ciares Atualmente existem 4 grandes calotes glaciares localizadas nas regiotildees elevadas

e vulcanicamente ativas do centro e sul da ilha a partir das quais divergem numerosas liacuten-

guas glaciarias Vatnajoumlkull (8100 km2) situado no centro leste Langjoumlkull (925 km2) si-

tuado no centro oeste Hofsjoumlkull (925 km2) situado na zona central da ilha Myrdalsjoumlkull

(600 km2) situado no sul da ilha Apesar da Islacircndia ter cerca de 24 Ma a sua paisagem soacute

foi moldada por glaciares nos uacuteltimos 5 milhotildees de anos Os seus glaciares de tipo alpino

(ou de montanha) avanccedilaram e recuaram condicionados pelas variaccedilotildees regionais e locais

do clima de que resultaram espetaculares morfologias Como jaacute se referiu anteriormente

as variaccedilotildees da carga glaciar sobre a litosfera provocadas pelas fases de gelo e degelo

teratildeo desempenhado papel importante na atividade vulcacircnica da ilha

Com um comprimento de cerca de 4970 km a linha de costa da Islacircndia eacute de um modo

geral muito recortada e escarpada marcada por promontoacuterios cabos peniacutensulas fiordes

e enseadas pontilhada de leixotildees por entre os quais se aninham praias de areia negra de

contornos suaves A accedilatildeo do mar sobre as inuacutemeras escoadas de lava que fluiacuteram ateacute agrave

costa ao longo da evoluccedilatildeo geoloacutegica da ilha e ali solidificaram sobre os aparelhos vulcacirc-

nicos implantados na zona litoral e sobre os vales deixados pelo recuo dos glaciares criou

paisagens de uma beleza surreal

FIGURA DA PAacuteGINA ANTERIOR Leixatildeo Hvitserkur noroeste da Islacircndia (fonte pixabay)

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Parte III - Paisagens controladas pelos glaciares e paisagens costeirasVales glaciares e fiordes

Vales glaciares vales suspensos lagos glaciares e cascatas ciacuterculos glaciares moreias

e fiordes satildeo formas carateriacutesticas das paisagens islandesas criadas pelos seus glacia-

res alpinos Os vales glaciares com o seu carateriacutestico perfil em ldquoUrdquo satildeo a forma mais

comum de paisagem originada pela erosatildeo glacial (FIGURA 1) No interior destes vales os

rios concentram o seu poder erosivo na zona mais baixa originando um perfil carateriacutestico

em ldquoVrdquo O poder erosivo dos glaciares eacute muito superior ao dos rios porque a sua energia

potencial resulta natildeo soacute do declive do terreno mas tambeacutem do peso do gelo A erosatildeo faz-

-se essencialmente ao longo das zonas laterais do canal criando um vale com vertentes

alcantiladas e fundo aplanado Vales suspensos satildeo vales escavados por glaciares tributaacute-

rios Como estes glaciares levam menos gelo o seu poder erosivo eacute menor que o do glaciar

principal ficando suspenso nas vertentes do glaciar principal quando o gelo recua Cons-

tituem exemplos notaacuteveis pela sua beleza e dimensatildeo os vales glaciares de Borgarvirki

(FIGURA 2) e de Akureyri (ou Eyjafjoumlrethur) no noroeste da ilha Este uacuteltimo vai desembocar

num fiorde que eacute mais longo da Islacircndia

FIGURA 1 Esquema 3D (sem escala) da evoluccedilatildeo de uma paisagem glaciar com formaccedilatildeo de vales glaciares vales glaciares suspensos ciacuterculos glaciares lagos glaciares e cascatas

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FIGURA 2 Aspeto do vale glaciaacuterio de Borgarvirki observado a partir da fortaleza de Borgarvirki

Se as condiccedilotildees forem favoraacuteveis os glaciares podem erodir abaixo do niacutevel do mar Quan-

do o glaciar recua o oceano invade estas depressotildees criando um fiorde Alguns dos fiordes

islandeses como o de Akureyri e o de Nordfjord (nordeste da ilha) possuem centenas de

metros abaixo do niacutevel do mar O fiorde de Nordfjord abrange parcialmente uma antiga cal-

deira vulcacircnica Nas faleacutesias do seu flanco oriental (falesias de Raudubjoumlrg) afloram rioacutelitos

conferindo agraves arribas uma carateriacutestica cor avermelhada)

Como se referiu anteriormente (Parte I) a orientaccedilatildeo da maioria dos vales glaciares e

fiordes segue de perto a orientaccedilatildeo dos principais lineamentos tectoacutenicos

Moreias

Em termos de aspetos deposicionais relacionados com glaciares as moreias satildeo de lon-

ge os mais abundantes Satildeo acumulaccedilotildees de fragmentos rochosos transportados pelos

glaciares quer na regiatildeo frontal (moreia frontal) lateral (moreia lateral) a meio (moreia

mediana) e no fundo (moreia de fundo)

Durante o uacuteltimo maacuteximo glaciar (haacute cerca de 20 000 anos) a Islacircndia estava quase

toda coberta por glaciares que se estendiam ateacute agrave costa e para aleacutem dela Foram encon-

tradas moreias frontais dessa eacutepoca a cerca de 130 km a offshore da costa ocidental e a

cerca de 150-230 m abaixo do niacutevel de mar atual

Eacute possiacutevel encontrar nos vales glaciares islandeses quer moreias antigas resultantes

da uacuteltima glaciaccedilatildeo quer moreias recentes e atuais Estas uacuteltimas estatildeo relacionadas com

as 4 grandes calotes glaciares existentes como eacute o caso das moreias do glaciar Vatna-

joumlkull que se podem observar em pleno no setor sudeste da ilha

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Lagoas glaciares e icebergues

Outra das paisagens magniacuteficas moldadas pelos glaciares satildeo as lagoas glaciares Estas

lagoas formam-se na extremidade dos glaciares que descem das calotes glaciares Satildeo

alimentadas pelo desgelo natural dos glaciares e nela flutuam pequenos e grandes iceber-

gues que se separam da frente do glaciar (FIGURA 3)

FIGURA 3 Esquema 3D (sem escala) da formaccedilatildeo de icebergues numa lagoa glaciar

O exemplo mais notaacutevel deste tipo de lagoas na Islacircndia eacute a lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten consi-

derada uma das maravilhas naturais do paiacutes Fica situada no sudeste da ilha na extremidade

do glaciar Breiethamerkurjoumlkull uma das liacutengua glaciares da calote de Vatnajoumlkull (FIGURA 4)

FIGURA 4 Icebergues na lagoa glaciar de Joumlkulsaacuterloacuten Ao fundo vecirc-se a frente do glaciar Breiethamerkurjoumlkull As faixas negras nos icebergues satildeo niacuteveis de cinza vulcacircnica

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A lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten eacute o ponto mais baixo da Islacircndia com zonas agrave cota de -200 m Na

baiacutea da lagoa tem-se acesso a uma paisagem de outro mundo com icebergues de dimen-

sotildees variadas que flutuam ateacute ao mar ficando alguns deles encalhados na margem de uma

praia de areia vulcacircnica Alguns icebergues exibem faixas negras correspondentes a niacuteveis

de cinzas vulcacircnicas provenientes de antigas erupccedilotildees (FIGURA 4) Outros exibem duas

tonalidades branco leitoso e azul claro A faixa azul corresponde agrave porccedilatildeo do icebergue

que se tornou recentemente emersa

A lagoa teraacute sido formada em 1934-35 pelo contiacutenuo recuo do glaciar Vatnajoumlkull e teraacute

duplicado de tamanho nos uacuteltimos 15 anos Dada a taxa atual de recuo do glaciar Vatna-

joumlkull um profundo fiorde iraacute desenvolver-se no local onde hoje existe a lagoa

As costas escarpadas

As costas escarpadas e recortadas satildeo sem duacutevida as mais dominantes Ocorrem deste o

oeste ao leste da ilha passando pela regiatildeo norte incisas por numerosos fiordes e peque-

nas enseadas e salpicadas por leixotildees Eacute notaacutevel pela sua forma de dragatildeo e pelas lendas

que o envolvem o leixatildeo de Hvitserkur (IMAGEM DA PAGINA 42) situado na costa leste da

Peniacutensula de Vatnsnes no noroeste da Islacircndia

Os fiordes mais profundos localizam-se na costa norte constituindo bons portos natu-

rais Um destaque especial vai para o fiorde ao longo do qual se estende a cidade de Aku-

reyri (fiorde de Akureyri ou Eyjafjoumlrethur) considerado o mais longo do paiacutes

Praias de areia Negra

As praias de areia negra em geral de reduzida extensatildeo podem ser constituiacutedas por i) de-

poacutesitos resultantes da abrasatildeo das arribas ii) moreias e depoacutesitos fluviais resultantes dos

rios glaciares com contornos suaves e lagoas glaciares protegidas por extensas barras

arenosas iii) depoacutesitos de tefra provenientes de erupccedilotildees freaacuteticas

As do primeiro tipo ocorrem um pouco por toda a linha de costa como resultado da accedilatildeo

do mar sobre as arribas As do segundo tipo ocorrem dominantemente entre Djuacutepivogur a

sudeste e Oumllfusaacute a sudoeste com destaque para a praia de Reynisfjara na costa sul As

da terceira categoria podem ser observadas na ilha de Heimaey arquipeacutelago de Vestman-

naeyja regiatildeo sul da Islacircndia

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018048

IMA

GE

M E

M D

ES

TAQ

UE

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Eu crio as minhas obras de arte de peque-

nos pedaccedilos de papel com espirais que co-

nectam e ligam os elementos a uma grande

estrutura Na obra de origami acabada a

que chamo Voltinhas estas espirais vivem

e trabalham Forccedilas de tensatildeo e fricccedilatildeo

contrapotildeem-se agrave gravidade e mantecircm a

forma estaacutevel Nas minhas criaccedilotildees procu-

ro estar perto da natureza Quando criamos

ou estudamos modelos de papel na macro

escala podemos entender melhor as for-

mas criadas pela natureza na micro escala

A minha obra de origami na capa o trabalho

intitulado ldquoInverno num parque de Lisboardquo e

o capsiacutedeo do viacuterus Canine parvovirus um viacute-

rus contagioso que ataca sobretudo os catildees

e outros caniacutedeos tecircm a mesma estrutura

geomeacutetrica do pequeno rombicosidodecae-

dro um poliedro com simetria icosaeacutedrica

Essa obra invoca simbolicamente o Ano

da Biologia Matemaacutetica 2018 O origami eacute

uma arte de dobragem do papel com uma

forte componente geomeacutetrica que permite

a construccedilatildeo de formas complexas e tem

atraiacutedo o interesse de matemaacuteticos pelas

suas propriedades geomeacutetricas e algeacutebricas

Krystyna Burczyk

Os viacuterus satildeo responsaacuteveis por inuacutemeras

doenccedilas no homem nos animais e nas plan-

tas e as curas e prevenccedilotildees satildeo ainda mui-

tas vezes problemaacuteticas Desenvolvimen-

tos recentes das aplicaccedilotildees da matemaacutetica

agrave virologia nomeadamente das teorias de

grupos de grafos de tesselaccedilatildeo ou de re-

ticulados mostraram por exemplo que as

restriccedilotildees estruturais agraves formas dos viacuterus

satildeo maiores do que antes se pensava e

permitiram a construccedilatildeo de novos modelos

para o desenvolvimento de terapias anti-

-virais Os capsiacutedeos virais que envolvem

os genomas dos viacuterus por razotildees de eco-

nomia geneacutetica tem muitas vezes uma si-

metria icosaeacutedrica Ora esta simetria natildeo eacute

cristalograacutefica em trecircs dimensotildees ie natildeo

eacute compatiacutevel com reticulados perioacutedicos

o que motivou os matemaacuteticos a desen-

volverem novas estruturas no contexto de

grupos de Coxeter natildeo-cristalograacuteficos que

encontraram aplicaccedilatildeo natildeo soacute na virologia

mas tambeacutem noutras estruturas molecula-

res da quiacutemica do carbono

Joseacute Francisco RodriguesUniversidade de Lisboa

Origami e Viacuterusin imagemcasadascienciasorg

Imagem de Canine Parvovirus gerada em VMD Autor Alexandre Lopes Magalhatildees

Page 24: JUNHO 2018 V6 /02 · 2018-09-26 · Matilde Viegas, Maria João Ramos, Pedro Alexandrino Fernandes Stephen Hawking e a sua contribuição para a física teórica Orfeu Bertolami,

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FIGURA 2 Vista dorsal A - e ventral B - de um organismo pertencente agrave classe Chilopoda onde se pode observar o corpo segmentado e apenas com um par de patas por segmento

O subfilo Chelicerata (aranhas aranhas do mar escorpiotildees e aacutecaros) conteacutem mais

de 113 000 espeacutecies distribuiacutedas em duas classes principais Pycnogonida (aranhas do

mar) e Arachnida (aranhas escorpiotildees e aacutecaros) Pycnogonida o grupo das aranhas

do mar conteacutem mais de 1 300 espeacutecies descritas mas estudos detalhados sobre esses

animais e as suas relaccedilotildees evolutivas ainda satildeo escassos Estes organismos geralmente

tecircm seis ou oito olhos e quatro a seis pares de patas A classe Arachnida compreende os

organismos mais conhecidos do subfilo Chelicerata como aranhas escorpiotildees e aacutecaros

Os indiviacuteduos pertencentes a este grupo natildeo possuem antenas tecircm quatro pares de

patas um par de queliacuteceras (1ordm par de apecircndices do prossomacabeccedila) e pedipalpos

(2ordm par de apecircndices do prossomacabeccedila) As aranhas (ordem Araneae) (FIGURA 3) satildeo

provavelmente o grupo mais icoacutenico e bem estudado deste subfilo presentes na maioria

dos ambientes terrestres e constituindo um dos grupos mais importantes de artroacutepodes

do solo Outros organismos colocados na mesma classe como escorpiotildees aacutecaros ou

opiliotildees tambeacutem constituem grupos extremamente variados com importantes funccedilotildees

ecoloacutegicas (ex decomposiccedilatildeo de mateacuteria orgacircnica e controlo de organismos principal-

mente atraveacutes de predaccedilatildeo)

FIGURA 3 Vista dorsal A - e ventral B - de um exemplar da ordem Araneae (famiacutelia Gnaphosidae) sendo possiacutevel obser-var o corpo dividido em cefalotoacuterax e abdoacutemen os quatro pares de patas as queliacuteceras (q) e os pedipalpos (p)

O subfilo Hexapoda (Hexa (seis) e Poda (peacute)) engloba os insetos e os seus parentes

compreende o grupo mais diverso e abundante de organismos com mais de 1 milhatildeo de

espeacutecies conhecidas Este subfilo eacute frequentemente dividido em organismos da clas-

A B

A B

14cm

p

q

35cm

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se Insecta (FIGURA 4) e da classe Entognatha Esta uacuteltima inclui os colecircmbolos (ordem

Collembola) (FIGURA 5) cabeccedilas de cone e bichos de prata (ordem Protura) e cerdas de

duas pontas (ordem Diplura) Na classe Entognatha as partes bucais dos organismos

estatildeo retraiacutedas dentro das suas cabeccedilas contrariamente ao que se observa na classe In-

secta que satildeo ectognantes Os colecircmbolos constituem um dos grupos mais abundantes

de artroacutepodes do solo podendo ser encontrados mais de 100 000 indiviacuteduos num metro

quadrado Estes satildeo organismos cosmopolitas com mais de 8 000 espeacutecies descritas Os

colecircmbolos satildeo pequenos organismos com tamanho geralmente inferior a 6-8 mm de

forma ciliacutendrica ou globular apresentando olhos simples e antenas moniliformes Muitas

espeacutecies possuem um apecircndice bifurcado (fuacutercula) no final do abdoacutemen permitindo que

estes organismos saltem quando ameaccedilados (FIGURA 5) Os colecircmbolos tecircm sido ampla-

mente utilizados em estudos ecotoxicoloacutegicos na avaliaccedilatildeo da qualidade do solo e da sauacute-

de destes ecossistemas

FIGURA 4 A - Vista dorsal e B - vista ventral de exemplares de algumas ordens da classe Insecta

FIGURA 5 Vista lateral de exemplares da ordem Collembola

A classe Insecta eacute a classe com maior nuacutemero de organismos compreendendo mais

de metade das espeacutecies eucarioacuteticas descritas atualmente englobando mais de 1 milhatildeo

de espeacutecies que habitam praticamente todos os ecossistemas Os insetos sendo o grupo

Ordem

Coleoptera

Ordem

Diptera

Ordem

Hemiptera

Ordem

Orthoptera

Ordem

HimenopteraA A A A

B B B B

075cm

027cm14cm016cm

09cm

22cm

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mais diversificado de seres vivos apresentam as mais variadas e interessantes adap-

taccedilotildees anatoacutemicas e morfoloacutegicas Pensa-se que a sua enorme riqueza e abundacircncia eacute

devida a uma combinaccedilatildeo de carateriacutesticas vantajosas como a coevoluccedilatildeo com plan-

tas a miniaturizaccedilatildeo e a capacidade de voo Os insetos desempenham ainda um papel

importantiacutessimo no funcionamento dos ecossistemas realizando funccedilotildees quer de pre-

dadores quer de presa estando envolvidos em inuacutemeras teias alimentares (ex reciclan-

do nutrientes fazendo a manutenccedilatildeo da estrutura e fertilizaccedilatildeo dos solos) Destaca-se

tambeacutem o facto de vaacuterios insetos voadores como abelhas ou borboletas atuarem como

polinizadores de muitas espeacutecies de plantas Esta eacute uma funccedilatildeo ecoloacutegica importante

com vaacuterias repercussotildees econoacutemicas porque mais de 30 das culturas alimentares

mundiais dependem da polinizaccedilatildeo Os insetos possuem ainda um papel importante em

investigaccedilatildeo cientiacutefica sendo muitas vezes utilizados como organismo modelo dado pos-

suiacuterem carateriacutesticas distintas como o seu tamanho reduzido tempos de geraccedilatildeo curtos

e elevada fecundidade O exemplo de excelecircncia eacute a mosca da fruta Drosophila melano-

gaster cujo genoma eacute jaacute conhecido na totalidade sendo esta espeacutecie utilizada frequente-

mente para estudar vaacuterios processos celulares (ex o envelhecimento a hereditariedade

e o desenvolvimento embrionaacuterio) Apesar de constituiacuterem um grupo tatildeo interessante

beneacutefico e necessaacuterio agrave manutenccedilatildeo do equiliacutebrio dos ecossistemas existem algumas

desvantagens associadas aos insetos como eacute o caso de serem vetores na transmissatildeo

de doenccedilas Eacute o caso da malaacuteria transmitida por um mosquito do geacutenero Anopheles a

doenccedila parasitaacuteria mais disseminada com vaacuterios milhotildees de humanos infetados em todo

o mundo O dengue e o zika satildeo doenccedilas em que o vetor de transmissatildeo eacute tambeacutem um

mosquito do geacutenero Aedes Na agricultura as pragas de insetos (ex gorgulhos gafa-

nhotos afiacutedios) satildeo responsaacuteveis por prejudicar as culturas agriacutecolas e a produccedilatildeo de

alimentos causando perdas econoacutemicas elevadas

Sabe-se que atualmente a perda de habitat e as mudanccedilas climaacuteticas satildeo alguns dos

fatores responsaacuteveis por decliacutenios significativos nas populaccedilotildees deste grupo de orga-

nismos Esse decliacutenio apresenta uma elevada preocupaccedilatildeo ecoloacutegica uma vez que estes

organismos desempenham muacuteltiplas e importantes funccedilotildees nos ecossistemas No en-

tanto a conservaccedilatildeo deste grupo animal permanece um grande e urgente desafio que eacute

preciso enfrentar

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Biocombustiacuteveis seratildeo a soluccedilatildeo Matilde Viegas

Maria Joatildeo Ramos

Pedro Alexandrino Fernandes

UCIBIO REQUIMTEUniversidade do Porto

ldquoA 21 de Fevereiro de 2018 o niacutevel de poluiccedilatildeo de partiacuteculas finas com diacircmetro inferior

a 10 μm PM10 atingiu em Paris niacuteveis alarmantes com um pico correspondente

ao dobro do limite maacuteximo A Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) recomenda natildeo

exceder este limite maacuteximo por mais de trecircs dias por ano Com este recente pico os

parisienses jaacute o ultrapassaramrdquo

Em Un pic de pollution laquograveraquo en Ile-de-France Le Monde 22 de Fevereiro de 2018

Esta notiacutecia eacute um dos inuacutemeros exemplos dos efeitos do aquecimento global termo com o

qual estamos cada vez mais familiarizados infelizmente Este fenoacutemeno eacute consequecircncia

de Gases de Efeito de Estufa GEE (dioacutexido de carbono metano e oacutexido de azoto entre

outros) que se acumulam na atmosfera enclausurando o calor e tornando o planeta mais

quente A produccedilatildeo em larga escala de GEEs teve iniacutecio na Revoluccedilatildeo Industrial (1800)

como resultado da combustatildeo de combustiacuteveis foacutesseis (carvatildeo petroacuteleo e gaacutes natural)

para produccedilatildeo de eletricidade aquecimento e transporte

A preocupaccedilatildeo em torno do aquecimento global tornou-se um assunto constante na

agenda poliacutetica sobretudo nas uacuteltimas duas deacutecadas Os primeiros esforccedilos coletivos re-

sultaram no Protocolo de Quioto em 1997 cujo objetivo era a reduccedilatildeo das emissotildees de

GEEs assentando nos argumentos de que i) o aquecimento global era uma realidade e ii) o

CO2 produzido por accedilotildees humanas era o seu grande causador O primeiro periacuteodo do Proto-

colo terminou em 2012 e por isso em 2015 as Naccedilotildees Unidas promoveram a assinatura

do novo Acordo de Paris o qual consiste numa atualizaccedilatildeo do antigo Protocolo de Quioto

com o objetivo de ldquofortalecer a resposta global agrave ameaccedila das alteraccedilotildees climaacuteticas no

contexto de desenvolvimento sustentaacutevel e com esforccedilo para a erradicaccedilatildeo da pobrezardquo

O novo Acordo ao contraacuterio do de Quioto estabelece metas tangiacuteveis e quantitativas O

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objetivo eacute manter o aumento da temperatura meacutedia global abaixo dos 2ordm Celsius face agrave

temperatura global na era preacute-industrial Para atingir tal meta eacute necessaacuterio um esforccedilo

mundial contudo em 2017 com a saiacuteda dos EUA do Acordo de Paris o segundo maior

emissor de GEEs logo a seguir agrave China perdeu-se uma enorme contribuiccedilatildeo Aleacutem do peso

evidente que as suas emissotildees tecircm para o estado atual do aquecimento global em falta

estaratildeo tambeacutem a diplomacia e o encorajamento proporcionados por esta forccedila mundial

No Acordo de Paris uma das claacuteusulas exige a inclusatildeo de energias renovaacuteveis (eoacutelica

mariacutetima solar) e de biocombustiacuteveis no mercado de energia encorajando os paiacuteses a

atingir niacuteveis miacutenimos da sua utilizaccedilatildeo As metas estabelecidas para cada paiacutes vatildeo ao en-

contro ao seu mercado e agraves mateacuterias-primas disponiacuteveis em cada territoacuterio favorecendo o

desenvolvimento da economia

De uma forma generalista os biocombustiacuteveis englobam combustiacuteveis produzidos atra-

veacutes de processos bioloacutegicos como a agricultura e digestatildeo anaeroacutebica em vez de produ-

zidos a partir de processos geoloacutegicos como os necessaacuterios para a formaccedilatildeo de combus-

tiacuteveis foacutesseis Isto inclui o biodiesel (produzido a partir de oacuteleos e gorduras orgacircnicas) e o

bioetanol (aacutelcool produzido atraveacutes de fermentaccedilatildeo microbiana de accediluacutecares seguido de

destilaccedilatildeo e desidrataccedilatildeo) os quais seratildeo o maior foco deste artigo

A partir da deacutecada de 70 foram feitos os primeiros investimentos nos chamados bio-

combustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo (1G) Estes fazem uso de colheitas de produtos agriacuteco-

las como a soja cana-de-accediluacutecar milho oacuteleo de palma entre outros para a produccedilatildeo de

biodiesel e bioetanol atraveacutes de processos de trans-esterificaccedilatildeo ou fermentaccedilatildeo A sua

disponibilidade e facilidade de processamento permitiram a sua inserccedilatildeo e mistura nos

combustiacuteveis atualmente vendidos ao puacuteblico Para 2017 Portugal fixou em 75 (de poder

energeacutetico) a incorporaccedilatildeo de biocombustiacuteveis nos combustiacuteveis dos transportes rodoviaacute-

rios tendo a Uniatildeo Europeia o objectivo de 10 em 2020 para todos os paiacuteses membros

Os biocombustiacuteveis 1G fazem uso da colheita agriacutecola para fins energeacuteticos o que gera

opiniotildees desfavoraacuteveis por parte de ambientalistas (pelo uso exaustivo da terra agriacutecola sem

compensaccedilatildeo desflorestaccedilatildeo e perda de biodiversidade) e problemas eacuteticos tais como os le-

vantados por responsaacuteveis da ONU como o Dr Jean Ziegler que atribui aos biocombustiacuteveis

a culpa pela contiacutenua inflaccedilatildeo dos preccedilos de alimentos exacerbando a atual crise de fome

mundial - ldquoSatildeo necessaacuterios 352Kg de milho para encher um depoacutesito de 50L de um carro Uma

crianccedila na Zacircmbia ou no Meacutexico onde o milho eacute um elemento baacutesico da dieta poderia viver

com esta quantidade de milho um ano inteirordquo Atualmente os maiores produtores destes bio-

combustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo satildeo os EUA e o Brasil utilizando parte da produccedilatildeo global

de cereais e oacuteleos vegetais para a produccedilatildeo de bioetanol e biodiesel causando um ambiente

de profunda preocupaccedilatildeo em volta da sustentabilidade de produccedilatildeo de energia a meacutediolongo

prazo De forma a controlar a inflaccedilatildeo no preccedilo dos alimentos a EU estabeleceu um limite de

7 para o uso de biocombustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo como combustiacutevel de transportaccedilatildeo

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A segunda geraccedilatildeo de biocombustiacuteveis (2G) usa biomassa isto eacute qualquer fonte de car-

bono orgacircnico que eacute rapidamente renovado no ciclo de carbono Os biocombustiacuteveis de

segunda geraccedilatildeo almejam um uso ponderado de desperdiacutecios da induacutestria madeireira e

agriacutecola ou de restos de colheitas agriacutecolas assim que estas preencham o seu propoacutesito

alimentar evitando interferecircncia com o mercado alimentar e natildeo influenciando os preccedilos

dos alimentos baacutesicos

FIGURA 1 Biocombustiacuteveis

A produccedilatildeo de arroz atingiu o seu pico em 2017 gerando 1140 milhotildees de toneladas de

espigas de arroz cujo destino eacute a incineraccedilatildeo compostagem ou eacute simplesmente deposita-

da em aterros Contudo com a 2G de biocombustiacuteveis eacute encontrado potencial energeacutetico

neste desperdiacutecio agriacutecola O seu potencial deve-se agrave mateacuteria lignoceluloacutesica ndash celulose

hemicelulose e lignina ndash presente em todas as plantas incluindo as espigas em diferen-

tes percentagens Este material composto eacute essencial para a estrutura e resistecircncia das

plantas a hemicelulose eacute a matriz que rodeia o esqueleto de celulose enquanto a lignina

funciona como uma camada protetora As possibilidades associadas a este tipo de desper-

diacutecio satildeo inegaacuteveis a sua abundacircncia e facilidade de obtenccedilatildeo tornam-no muito apelativo

Contudo o gasto na recolha e transporte desta mateacuteria suplanta os custos de produccedilatildeo

e o seu uso continuado poderaacute contribuir para a erosatildeo do solo Aleacutem disso para o seu

aproveitamento para produccedilatildeo de biocombustiacuteveis eacute necessaacuterio um preacute-tratamento para

hidrolisar as ligaccedilotildees covalentes entre os trecircs constituintes da mateacuteria lignoceluloacutesica e

permitir a posterior fermentaccedilatildeo anaeroacutebia da celulose produzindo bioetanol Este preacute-

-tratamento eacute visto como outra das desvantagens do processo e estaacute ainda a ser estudado

e otimizado pois de momento as alternativas disponiacuteveis encarecem o produto final e em

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alguns dos casos dependem do uso de quiacutemicos poluentes A esperanccedila estaacute entatildeo de-

positada no estudo de enzimas hidroliacuteticas encontradas em organismos termoacutefilos que

seratildeo capazes de aguentar as difiacuteceis condiccedilotildees de tratamento Contudo a dificuldade em

escalar o processo de fermentaccedilatildeo eacute uma das desvantagens e dos fatores limitantes para

a 2G de biocombustiacuteveis em grande parte devido agrave dificuldade de monitorizar as condiccedilotildees

de fermentaccedilatildeo (oxigeacutenio pH nutrientes etc)

A terceira geraccedilatildeo (3G) de biocombustiacuteveis foi reconhecida como a melhor alternativa

em comparaccedilatildeo com primeira e segunda geraccedilotildees pois surpreendentemente faz uso de

algas A sua enorme disponibilidade por todo o planeta e o facto de natildeo interferirem com os

mercados alimentares satildeo os grandes embaixadores desta mateacuteria-prima como o futuro

dos biocombustiacuteveis Ainda que natildeo seja uma mateacuteria infinita eacute a que de momento mais se

assemelha por existirem 70 000 espeacutecies (30 000 documentadas) Estudos conduzidos

atualmente estatildeo a explorar a viabilidade energeacutetica de 30 espeacutecies de algas explorando a

sustentabilidade facilidade e escalabilidade da sua produccedilatildeo Outras vantagens incluem a

baixa manutenccedilatildeo necessaacuteria para o seu crescimento (luz dioacutexido de carbono e nutrientes

como azoto foacutesforo e potaacutessio) a facilidade com que produzem liacutepidos e carboidratos que

podem posteriormente ser processados em diferentes biocombustiacuteveis e outros copro-

dutos a frequecircncia com que podem ser colhidas ao longo do ano (ao contraacuterio de outras

colheitas convencionais) a baixa percentagem de hemicelulose e a praticamente ausente

lignina facilitam radicalmente o seu preacute-processamento pois a celulose eacute mais facilmente

extraiacuteda As desvantagens desta mateacuteria incluem o enorme investimento inicial para a

construccedilatildeo de infraestruturas para o seu cultivo que pode ser ou ao ar livre (em tanques

de grande dimensatildeo) ou em foto-bioreatores (sistemas fechados altamente controlados)

Prevecirc-se que em 2030 o preccedilo de produccedilatildeo de combustiacutevel a partir de algas seraacute 065 euro

litro de combustiacutevel valor muito proacuteximo do atual preccedilo de produccedilatildeo do litro de gasolina

Comparativamente aos custos de produccedilatildeo de outros biocombustiacuteveis o mais barato con-

tinua a ser o bioetanol produzido a partir de milho (1G) 017 eurolitro seguido de combustiacute-

veis celuloacutesicos (2G) a 032 eurolitro

Eacute evidente que seratildeo necessaacuterios esforccedilos poliacuteticos e cientiacuteficos investimento e regu-

lamentaccedilatildeo adequados para encontrar o caminho ideal para travar o aquecimento global

Em todas as geraccedilotildees de biocombustiacuteveis apresentadas existem fatores que afunilam as

potencialidades destas alternativas indicando que a soluccedilatildeo passa por criar um consoacutercio

entre as vaacuterias possibilidades de forma a tirar o maacuteximo partido sem danificar o planeta ou

piorar a crise da fome O proacuteximo passo passa por substituir os biocombustiacuteveis de 1G por

soluccedilotildees com maior escalabilidade Acreditamos que nas proacuteximas deacutecadas seratildeo cruciais

e depositamos esperanccedila na investigaccedilatildeo cientiacutefica

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018043

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Stephen Hawking e a sua contribuiccedilatildeo para a fiacutesica teoacutericaOrfeu Bertolami

Claacuteudio GomesDepartamento de Fiacutesica e Astronomia CFP Universidade do Porto

A 14 de marccedilo de 2018 o fiacutesico britacircnico Stephen Hawking faleceu aos 76 anos deixando

todavia um importante legado para a fiacutesica teoacuterica muito particularmente para o

entendimento das deficiecircncias intriacutensecas da Relatividade Geral de Einstein para a fiacutesica

dos buracos negros e para a cosmologia a ciecircncia do Universo como um todo

Stephen Hawking doutorou-se em Fiacutesica Teoacuterica em 1966 pela Universidade de Cambridge

sob a supervisatildeo de Dennis Sciama Apesar da sua condiccedilatildeo fiacutesica progressivamente limi-

tativa manteve-se extremamente ativo na investigaccedilatildeo nas aacutereas de cosmologia fiacutesica dos

buracos negros e gravitaccedilatildeo quacircntica

Nessa altura havia uma consideraacutevel discussatildeo acerca da realidade e ubiquidade de sin-

gularidades pontos no espaccedilo-tempo onde a Teoria da Relatividade Geral deixa de fazer sen-

tido e natildeo desaparecendo atraveacutes de mudanccedila de sistemas de coordenadas que descrevem

o espaccedilo-tempo Na segunda metade da deacutecada de 1960 Hawking e o matemaacutetico inglecircs

Roger Penrose demonstraram que essas singularidades eram inevitaacuteveis no contexto da

Teoria da Relatividade Geral (ver para uma descriccedilatildeo exaustiva o livro Large Scale Structure

of Space-Time escrito em colaboraccedilatildeo com o fiacutesico sul-africano George Ellis publicado em

1973) Uma dessas singularidades corresponde ao iniacutecio do Universo ndash Big Bang ndash e outras

estatildeo presentes no interior dos buracos negros natildeo acessiacuteveis agrave observaccedilatildeo devido agrave pre-

senccedila de um horizonte de acontecimentos que segundo a Conjetura da Censura Coacutesmica de

Roger Penrose protegem sempre as singularidades de se apresentarem ldquonuasrdquo

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Subsequentemente em 1975 ele desenvolveu a ideia que os buracos negros deveriam

radiar termicamente a uma temperatura especiacutefica inversamente proporcional agraves suas

massas temperatura esta que hoje designamos por temperatura de Hawking Esta ideia daacute

origem ao paradoxo da informaccedilatildeo em que a informaccedilatildeo que entrava no horizonte de evento

se perdia Com este contributo passou-se a ter uma equivalecircncia entre a dinacircmica e a termo-

dinacircmica de buracos negros

FIGURA 1 Emissatildeo da radiaccedilatildeo teacutermica de Hawking por um buraco negro

No princiacutepio da deacutecada de 1980 Hawking iniciou em colaboraccedilatildeo com o fiacutesico norte-ameri-

cano James Hartle o programa de investigaccedilatildeo que hoje designamos por cosmologia quacircntica

Na cosmologia quacircntica o espaccedilo-tempo eacute descrito por uma funccedilatildeo de onda a funccedilatildeo de onda

do Universo como na Mecacircnica Quacircntica Esta equaccedilatildeo de onda satisfaz uma equaccedilatildeo anaacuteloga

agrave de Schroumldinger da Mecacircnica Quacircntica a equaccedilatildeo de Wheeler-DeWitt A proposta de Hartle

e Hawking eacute que a funccedilatildeo de onda descreva um espaccedilo-tempo sem fronteiras (No-Boundary

proposal) A ideia eacute que agrave medida que retrocedemos no tempo chegamos a um ponto em que

o Universo eacute pequeno o suficiente para que efeitos quacircnticos sejam dominantes Nesta altura

existe uma espeacutecie de ldquoespumardquo do espaccedilo-tempo de tal modo que o tempo natildeo pode ser in-

terpretado do modo como o vemos hoje mas sim como uma quarta dimensatildeo espacial Uma

analogia uacutetil eacute a seguinte se viajarmos para o Polo Sul temos de seguir sempre para sul mas

quando alcanccedilamos o ponto do Polo Sul jaacute natildeo faz sentido falarmos na direccedilatildeo sul pelo mesmo

raciociacutenio ao retrocedermos no tempo haacute um pontoinstante em que natildeo faz sentido falar-se em

tempo Matematicamente isto torna-se possiacutevel passando de um espaccedilo-tempo de Minkowski

como na Relatividade Restrita para um espaccedilo Euclideano a quatro dimensotildees no qual o tempo

passa a ser um nuacutemero puramente complexo Com esta formulaccedilatildeo o Universo natildeo tem uma

fronteira aleacutem daquela que permite a transiccedilatildeo entre as duas descriccedilotildees para o espaccedilo-tempo

e que eacute exemplificado na FIGURA 2 Esta geometria eacute designada por shuttlecock ou volantepena

de badminton devido agrave semelhanccedila com este objeto

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FIGURA 2 Representaccedilatildeo tridimensional do modelo de Hartle-Hawking (no boundary proposal) A base corresponde a uma semiesfera a 4 dimensotildees e a estrutura que apresenta o tempo como uma direccedilatildeo distinta das espaciais corresponte a um Universo em expansatildeo

Hawking tambeacutem estudou outros problemas como o das maacutequinas do tempo e questotildees

relacionadas com a cosmologia e a formaccedilatildeo de estruturas no Universo Com o seu carate-

riacutestico humor Hawking afirmou natildeo ser possiacutevel viajar no tempo Para tal sugeriu organizar

uma festa convidando pessoas do futuro a se juntarem a ele e dado que ningueacutem apa-

receu concluiu entatildeo que viagens no tempo natildeo satildeo possiacuteveis na realidade Outra prova

prende-se com o facto de natildeo termos recebido ainda turistas do futuro numa clara alusatildeo

iroacutenica agrave procura turiacutestica desenfreada que assistimos nos dias de hoje

Mais recentemente ele pronunciou-se sobre questotildees de interesse geral como as im-

plicaccedilotildees do desenvolvimento da inteligecircncia artificial e a necessidade e inevitabilidade

da exploraccedilatildeo espacial Mostrou-se reticente acerca dos desenvolvimentos no domiacutenio da

inteligecircncia artificial classificando-o como possivelmente perigoso para a nossa civiliza-

ccedilatildeo pois apesar dos potenciais benefiacutecios comportam seacuterios riscos agrave continuidade da hu-

manidade Relativamente agrave exploraccedilatildeo espacial Hawking encarava as viagens espaciais

quer pelo seu interesse cientiacutefico quer como forma de preservar a humanidade de riscos

de destruiccedilatildeo devido a guerras nucleares ou epidemias devido a viacuterus geneticamente mo-

dificados

O fiacutesico Stephen Hawking legou-nos uma extraordinaacuteria contribuiccedilatildeo cientiacutefica e huma-

na Deixou um extraordinaacuterio exemplo de resiliecircncia dedicaccedilatildeo ao conhecimento e agrave socie-

dade Fisicamente debilitado e ldquopresordquo a uma condiccedilatildeo rara a esclerose lateral amiotroacutefica

que lhe foi diagnosticada aos 21 anos a sua mente foi das mais livres dos nossos tempos

concebeu hipoacuteteses conjunturas e teorias pensou a sociedade de hoje e a do futuro

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RochaO que eacute importante dizer sobre as rochas

A M Galopim de Carvalho Universidade de Lisboa

Rochas e pedras satildeo a mesma coisa Praticamente a resposta eacute sim Pedra eacute aquilo

que se apanha do chatildeo para dar uma pedrada

Qualquer pessoa mesmo a menos letrada diraacute que as pedras

bull natildeo satildeo fabricadas ou feitas por gente (a ciecircncia diz que satildeo entidades naturais)

bull que natildeo se amolgam (a ciecircncia diz que satildeo riacutegidas)

bull que geralmente natildeo se esboroam nem se esfarela (a ciecircncia diz que satildeo coesas)

bull que fazem mossa onde quer que batam (a ciecircncia diz que satildeo duras) Para o cidadatildeo

comum pedra (do grego peacutetra) eacute pois uma entidade natural riacutegida coesa e dura que se

apanha do chatildeo

Apanhamos uma pedra do chatildeo mas quando estudamos falamos quase sempre de ro-

chas Num modo de falar corrente podemos dizer que as pedras satildeo bocados de rocha

Todos falamos de rocha como sinoacutenimo de pedra com base num conhecimento comum

empiacuterico vulgar ligado agrave experiecircncia quotidiana mesmo do mais iletrado dos cidadatildeos Dize-

mos rochedo quando o afloramento de rocha eacute grande e apelidamos de rochoso um terreno

com a rocha agrave vista Rocha eacute um galicismo que entre noacutes se sobrepocircs ao termo ldquorocardquo bem

mais antigo talvez preacute-romano Cabo da Roca ou ldquoFocinho da Rocardquo no dizer dos homens do

mar deve o seu nome a esta versatildeo arcaica da palavra rocha

O conceito atual de rocha e os vaacuterios conhecimentos com elas relacionados percorreram

uma caminhada tatildeo longa quanto a do Homo sapiens caminhada de que temos testemunhos

na Preacute-histoacuteria e variadiacutessimos relatos escritos desde a Antiguidade

Na sua giacuteria proacutepria entendiacutevel entre pares os profissionais falam de rochas dizendo que

satildeo sistemas quiacutemicos mono ou polifaacutesicos (ou seja com um ou mais minerais) resultantes

do equiliacutebrio termodinacircmico atingido pelos seus constituintes em determinados ambientes

Entendendo-se por constituintes os elementos quiacutemicos incluiacutedos nos respetivos minerais

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Por outras palavras acessiacuteveis ao comum das gentes pode entatildeo dizer-se que as rochas

satildeo corpos naturais formados por associaccedilotildees mais ou menos estaacuteveis de minerais compatiacute-

veis entre si e com o ambiente onde foram gerados e que satildeo elas as rochas que constituem

a capa riacutegida da Terra que por essa razatildeo recebeu o nome de litosfera (FIGURA 1)

FIGURA 1 Modelado Graniacutetico na Serra da Estrela (fonte banco de imagens da Casa das Ciecircncias)

Antes de prosseguir esclareccedila-se que no jargatildeo proacuteprio da mineralogia e da geoquiacutemica

os minerais satildeo considerados fases no sentido fiacutesico-quiacutemico da palavra Com efeito neste

sentido uma fase eacute uma porccedilatildeo de mateacuteria quiacutemica e estruturalmente homogeacutenea e uma

qualquer espeacutecie mineral eacute isso mesmo

Por convenccedilatildeo na sistemaacutetica em sedimentologia entre as rochas sedimentares cabem

certos materiais natildeo consolidados como os barros as areias soltas as cascalheiras e ainda

outros de natureza natildeo mineral como os carvotildees foacutesseis e o petroacuteleo (oacuteleo de pedra) Cha-

mar rochas ou pedras a estes materiais agraves vezes tatildeo afastados da imagem vulgar de ldquocoisa

dura riacutegida e coesardquo decorre do conceito geoloacutegico de rocha no qual se inclui o modo de

ocorrecircncia e o respetivo processo de formaccedilatildeo (petrogeacutenese)

A mecacircnica das rochas (disciplina que estuda certas propriedades das rochas como resis-

tecircncia ao esmagamento agrave traccedilatildeo agrave torccedilatildeo agrave flexatildeo porosidade permeabilidade e outras)

define-as como entidades sempre riacutegidas e coesas e duras como tambeacutem se diz vulgarmen-

te com capacidade de suportar cargas e que na eventualidade de terem de ser escavadas ou

removidas haacute que usar tecnologias com explosivos Este conceito corresponde aliaacutes agrave ideia

mais divulgada de rocha como atraacutes se referiu Eacute o bedrock dos autores ingleses

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FIGURA 2 Processo de meteorizaccedilatildeo fiacutesica essencialmente por corrosatildeo eoacutelica em rochas sedimentares (arenitos) (fonte banco de imagens da Casa das Ciecircncias)

Aleacutem das muitas que conhecemos na Terra jaacute estudaacutemos rochas do nosso sateacutelite natural

nomeadamente basaltos e anortositos trazidos da sua superfiacutecie Mercuacuterio Veacutenus e Marte satildeo

tambeacutem planetas rochosos e igualmente rochosos ou pedregosos satildeo ainda os nuacutecleos dos co-

metas e muitos dos asteroides de que temos conhecimento pelos meteoritos caiacutedos na Terra

Quando se apelidam as rochas de magmaacuteticas sedimentares (FIGURA 2) ou metamoacuterficas

natildeo se estaacute apenas a rotulaacute-las para efeitos de arrumo ou arquivo muito menos se estatildeo a

criar novos vocaacutebulos para sobrecarga dos estudantes ou do cidadatildeo em geral Estes adjeti-

vos acrescentados agrave palavra rocha informam de imediato sobre a sua origem

bull magmaacutetica ou sedimentar qualquer delas em resultado de processos naturais faacuteceis de

entender

bull metamoacuterfica em consequecircncia de um outro processo muito menos ao alcance da vivecircncia

do vulgo mas que se explica sem grandes dificuldades

Apelidam-se de metamoacuterficas as rochas que posteriormente a uma primeira formaccedilatildeo

como magmaacuteticas ou sedimentares foram submetidas a pressotildees eou a temperaturas no

interior da crosta que lhes modificaram a composiccedilatildeo eou a textura

Foi atraveacutes do estudo das rochas que desvendaacutemos o essencial dos acontecimentos geo-

loacutegicos que marcaram a histoacuteria deste laquoPlaneta Azulraquo no qual a vida encontrou condiccedilotildees

para despertar e onde evoluiu ao ponto de se interrogar sobre essa mesma histoacuteria

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Os conhecimentos diretos de que hoje dispomos relativos agraves rochas da Terra limitam-se

aos que se obtecircm pelo estudo das que afloram agrave superfiacutecie das recolhidas em dragagens

nos fundos marinhos e das retiradas da profundidade quer em minas quer atraveacutes de son-

dagens Esta profundidade que natildeo excede 3 km no primeiro caso e 11 km no segundo

(na peniacutensula de Kola) pode considerar-se insuficiente se comparada com as trecircs a quatro

dezenas de quiloacutemetros de espessura meacutedia da crosta continental

Eacute jaacute muito o conhecimento que temos desta capa (a crosta ou crusta como alguns dizem e

escrevem) mais superficial do nosso planeta Temo-lo atraveacutes das rochas que constantemente

vemos e pisamos muitas delas geradas em zonas profundas trazidas agrave superfiacutecie pelos en-

rugamentos de origem tectoacutenica geradores das montanhas e subsequentemente postas a

descoberto pela erosatildeo

Outras rochas proacuteprias de muito maiores profundidades inclusive do manto inferior como eacute

o caso dos xenocristais e dos xenoacutelitos (do grego xenos estranho e lithos pedra) isto eacute cris-

tais e fragmentos de materiais liacuteticos gerados nessas regiotildees e que ascendem agrave superfiacutecie na

sequecircncia de atividade vulcacircnica englobados ou encravados nos produtos magmaacuteticos que ali

se formaram ou por ali passaram Na ilha da Madeira por exemplo satildeo frequentes os xenoacutelitos

oliviacutenicos que ascenderam ateacute agrave superfiacutecie no seio das lavas envolvidas no processo vulcacircnico

que originou esta e muitas outras ilhas

As rochas a que temos acesso mais ou menos direto representam uma parcela importante

da diferenciaccedilatildeo da Terra e agrave semelhanccedila da aacutegua do ar e dos seres vivos satildeo o resultado de

imensas transformaccedilotildees numa vasta e complexa rede de inter-relaccedilotildees ocorridas ao longo

dos tempos neste laquoplaneta vivoraquo pleno ainda de energia interna (sob a forma de calor) a que

se adiciona toda a que lhe chega do exterior isto eacute a radiaccedilatildeo solar Como escreveu Maurice

Mattauer ldquoas pedras nascem vivem e morrem como noacutes elas tecircm uma idade e uma histoacuteriardquo

Petrologia e litologia satildeo duas disciplinas que estudam as rochas ou as pedras Se bem que

os eacutetimos petra (latim) e lithos (grego) sejam sinoacutenimos petrologia e litologia encerram con-

ceitos diferentes ainda que relacionados entre si

bull A petrologia eacute um ramo da geologia com dimensatildeo de ciecircncia de vastos recursos nos campos

da fiacutesica da quiacutemica e naturalmente tambeacutem da matemaacutetica em busca do conhecimento da

origem natureza constituiccedilatildeo e evoluccedilatildeo da Terra no acircmbito do Sistema Solar e do Universo

bull A litologia outro ramo da geologia eacute habitualmente entendida como a disciplina que estuda

as rochas num campo praacutetico Serve a geologia de engenharia tendo em vista a implantaccedilatildeo

de grandes edifiacutecios e outras obras volumosas cujas fundaccedilotildees exigem o conhecimento dos

terrenos A litologia daacute igualmente respostas agrave pedologia (o estudo dos solos) e agrave induacutestria

extrativa de rochas ornamentais usadas na arquitetura na cantaria ou na estatuaacuteria e de

rochas industriais exploradas como importantes mateacuterias-primas para a construccedilatildeo civil a

ceracircmica o vidro o cimento a cal e a induacutestria quiacutemica

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Software educativo em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Ana C Conceiccedilatildeo

DMUniversidade do Algarve

O conceito F-Tool foi desenvolvido em 2012 com o objetivo de proporcionar uma

aprendizagem interativa em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Em particular eacute possiacutevel

explorar de forma integrada as noccedilotildees de domiacutenio contradomiacutenio existecircncia de zeros

existecircncia de extremos e de pontos de inflexatildeo invertibilidade derivabilidade reta

tangente ao graacutefico num ponto simetrias em relaccedilatildeo aos eixos e agrave origem A utilizaccedilatildeo

dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adaptaccedilatildeo de

alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e

do simples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular)

No ensino da matemaacutetica e em particular no estudo de funccedilotildees a recomendaccedilatildeo da utiliza-

ccedilatildeo de software educacional tem como objetivo o sanar das dificuldades que os alunos pos-

suem em associar as representaccedilotildees algeacutebricas com as diversas representaccedilotildees numeacutericas

eou graacuteficas De facto o caraacuteter estaacutetico das representaccedilotildees matemaacuteticas muitas vezes

dificulta a construccedilatildeo do significado afetando substancialmente a correta interpretaccedilatildeo dos

conceitos A criaccedilatildeo de modelos interativos visuais com o sistema de aacutelgebra computacional

Mathematica permite aos alunos explorar conceitos de elevada complexidade e rapidamen-

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te adquirir uma compreensatildeo mais profunda dos conteuacutedos Obviamente a utilizaccedilatildeo de sof-

tware educacional natildeo deve ser vista como um substituto para o ensino com ldquopapel e laacutepisrdquo

deve ser devidamente combinada com outros meacutetodos de ensino

O conceito F-Tool foi desenvolvido em 2012 com o objetivo de proporcionar uma apren-

dizagem interativa em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Os aplicativos computacionais

implementados com base neste conceito utilizam as capacidades de caacutelculo numeacuterico e

simboacutelico do Mathematica de forma a permitir estudar dinacircmica e interativamente e em

tempo real conceitos e propriedades fundamentais do preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial

FIGURA 1 Imagem ilustrativa da F-Exponential

O conceito F-Tool em sala de aula permite uma abordagem dinacircmica de diversos concei-

tos relacionados com o estudo de funccedilotildees e promove novas formas de raciocinarpensar

avaliar ensinar e aprender As F-Tool foram concebidas como ferramentas de aprendiza-

gem ativa ou seja a sua utilizaccedilatildeo adequada propicia um contexto de ensino-aprendiza-

gem onde alunos e professores satildeo igualmente convidados a contribuir Aleacutem disso tecircm

uma interface muito intuitiva que permite que ateacute mesmo o utilizador mais inexperiente

sem qualquer conhecimento anterior em software educacional possa comeccedilar a usar to-

dos os recursos de uma forma eficiente e autoacutenoma As F-Tool natildeo satildeo um objeto estaacutetico

mas sim um programa a ser executado com o qual se interage em tempo real Em parti-

cular atraveacutes da alteraccedilatildeo dinacircmica dos valores dos paracircmetros que definem cada classe

eacute possiacutevel obter informaccedilatildeo analiacutetica rigorosa apresentada em aritmeacutetica exata ou apro-

ximada bem como informaccedilatildeo visual estaacutetica e natildeo-estaacutetica De igual modo escolhendo

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estrategicamente de entre as vaacuterias opccedilotildees de funccedilotildees disponiacuteveis no painel esquerdo eacute

possiacutevel apreender de forma mais eficaz e consequente muitas das relaccedilotildees existentes

entre as vaacuterias funccedilotildees e respetivas transformaccedilotildees (FIGURA 1) As F-Tool utilizam um

coacutedigo de cores para diferenciar as vaacuterias funccedilotildees apresentadas Este coacutedigo eacute explicitado

na legenda do canto inferior esquerdo do painel central

Qual das figuras pode representar o graacutefico de uma funccedilatildeo e o graacutefico da sua derivada de 1ordf ordem

FIGURA 2 Exemplo de questatildeo de escolha muacuteltipla utilizando diversas opccedilotildees do painel esquerdo das F-Tool

Apesar de ser um software educacional dinacircmico e interativo pode tambeacutem ser utilizado

na construccedilatildeo de questotildees de avaliaccedilatildeo de escolha muacuteltipla (FIGURA 2) e de resposta aberta

ficando o docente automaticamente com a resposta ao selecionar no painel esquerdo as

opccedilotildees relacionadas com a questatildeo

A utilizaccedilatildeo dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adapta-

ccedilatildeo de alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e do sim-

ples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular) De facto

incluindo as F-Tool em ficheiros no Computable Document Format (CDF) eacute possiacutevel criar

fichas de trabalho dinacircmicas e interativas motivando os alunos e tornando o estudo mais

interessante

Acreditamos que o conceito F-Tool ao dotar professores e estudantes com novas fer-

ramentas para explorar alguns conceitos fundamentais da matemaacutetica desenvolveraacute po-

sitivamente o processo de ensino e de aprendizagem das aacutereas de preacute-caacutelculo e caacutelculo

diferencial

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018046

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O Aroma das Plantas Luiacutes Gaspar Pedro

Ana Cristina Figueiredo

Joseacute Gonccedilalves Barroso

CESAM CBV Universidade de Lisboa

Quando nos festejos dos Santos Populares colocamos a matildeo sobre o manjerico

provocamos a rutura de estruturas microscoacutepicas Ao fazecirc-lo libertam-se compostos

quiacutemicos que aderem agrave palma da nossa matildeo que depois percecionamos pelo nosso

olfacto Os aromas satildeo misturas complexas de dezenas de compostos volaacuteteis

carateriacutesticos de uma determinada planta

O aroma o que eacute

O aroma de muitas plantas eacute constituiacutedo por diversos compostos quiacutemicos volaacuteteis que

tecircm a capacidade de estimular os nossos recetores olfactivos A quantidade e a diver-

sidade deste tipo de compostos presentes nas plantas satildeo responsaacuteveis pelos aromas

carateriacutesticos Eacute relativamente faacutecil reconhecer o aroma dos coentros ou do manjerico e

distingui-los de outros aromas como o da rosa ou do cravinho

Na composiccedilatildeo da fraccedilatildeo volaacutetil de uma planta aromaacutetica encontram-se regra geral

compostos como os mono- e sesquiterpenos e os fenilpropanoacuteides (FIGURA 1) entre ou-

tros Satildeo todos eles compostos quiacutemicos com ponto de ebuliccedilatildeo relativamente baixo que

volatilizam agrave temperatura ambiente e contribuem de forma mais ou menos notoacuteria para o

aroma carateriacutestico de cada espeacutecie

FIGURA 1 Exemplos de compostos que constituem a fraccedilatildeo volaacutetil de diversas espeacutecies aromaacuteticas monoterpenos (α-pineno timol) sesquiterpenos (β-cariofileno germacreno D) e fenilpropanoacuteides (eugenol)

α-Pineno Timol β-Cariofileno Germacreno D Eugenol

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Estruturas secretoras

Os compostos que constituem a fraccedilatildeo aromaacutetica de uma planta satildeo regra geral sinteti-

zados e acumulados em estruturas secretoras microscoacutepicas Entre os diversos tipos de

estruturas secretoras as mais frequentes satildeo os tricomas os canais e as bolsas (FIGURA 2)

FIGURA 2 Exemplos de estruturas secretoras observadas em microscopia oacuteptica A - Tricoma de Geranium robertianum (s - secretado acumulado no espaccedilo sub-cuticular coloraccedilatildeo com reagente de Nadi) B - canal secretor de Crithmum maritimum (setas coloraccedilatildeo com tricloreto de antimoacutenio) e C - bolsa secretora de Citrus sp (coloraccedilatildeo com Vermelho Sudatildeo III)

Os tricomas glandulares satildeo estruturas externas com origem em ceacutelulas epideacutermicas

que apresentam diversos graus de complexidade desde tricomas com apenas trecircs ceacutelulas

uma das quais a secretora ateacute tricomas com mais de uma dezena de ceacutelulas secretoras

As bolsas e os canais secretores satildeo estruturas internas constituiacutedas por ceacutelulas glandu-

lares que delimitam o luacutemen o espaccedilo para onde satildeo secretados os compostos depois de

produzidos nas ceacutelulas secretoras Os canais satildeo estruturas alongadas que percorrem o

corpo da planta por vezes com ramificaccedilotildees enquanto as bolsas satildeo estruturas mais ou

menos isodiameacutetricas

Os oacuteleos essenciais

Um oacuteleo essencial eacute obtido por hidrodestilaccedilatildeo ou por destilaccedilatildeo por arrastamento de va-

por (FIGURA 3) No caso particular dos citrinos o oacuteleo essencial pode ainda ser obtido

por expressatildeo (processo mecacircnico que promove a libertaccedilatildeo do secretado acumulado no

interior das estruturas secretoras neste caso bolsas)

Tanto na hidrodestilaccedilatildeo como na destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor o secretado eacute

removido das estruturas secretoras e arrastado pelo vapor de aacutegua Depois de condensar

por arrefecimento o oacuteleo essencial separa-se da aacutegua podendo ser facilmente recolhido

devido agrave sua imiscibilidade com a aacutegua

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41FIGURA 3 A - Sistema de hidrodestilaccedilatildeo com aparelho de Clevenger e B - sistema de destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor

Anaacutelise de oacuteleos essenciais

Para analisar um oacuteleo essencial recorre-se frequentemente agrave cromatografia gasosa (CG)

para quantificaccedilatildeo dos componentes e agrave CG acoplada agrave espectrometria de massa (CG-

-EM) para a correspondente identificaccedilatildeo dos constituintes Por CG-EM os diversos com-

ponentes que constituem o oacuteleo essencial satildeo separados uns dos outros e ao chegarem ao

espectroacutemetro de massa satildeo bombardeados por eletrotildees o que leva a que as moleacuteculas

fragmentem formando-se diferentes iotildees de acordo com padrotildees preferenciais O con-

junto dos fragmentosiotildees constituem o espectro de massa que eacute carateriacutestico de cada

moleacutecula A integraccedilatildeo das aacutereas dos picos que surgem no cromatograma obtido por CG

(FIGURA 4A) permite a quantificaccedilatildeo relativa dos diversos componentes do oacuteleo essencial

A anaacutelise por CG-EM possibilita a identificaccedilatildeo desses compostos por comparaccedilatildeo dos

espectros de massa (FIGURA 4B) e dos iacutendices de retenccedilatildeo com os de amostras padratildeo

FIGURA 4 A - Aspeto parcial de um cromatograma obtido por CG carateriacutestico de um oacuteleo essencial com alguns dos ldquopicosrdquo identificados B - espectro de massa obtido por CG-EM de um dos componentes maioritaacuterios o timol

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Paisagens da Islacircndia Formase Processos (III)Fernando Carlos LopesCITEUC Universidade de Coimbra

A Islacircndia eacute famosa natildeo soacute pelos seus vulcotildees mas tambeacutem pelos seus glaciares e pela

sua sinuosa e escarpada linha de costa

Atualmente os glaciares cobrem cerca de 10 da superfiacutecie islandesa e 60 destas

aacutereas geladas assentam sobre sistemas vulcacircnicos ativos Esta combinaccedilatildeo de gelo e vul-

canismo torna a Islacircndia o local ideal para cheias repentinas (joumlkulhlaups) resultantes de

aacutegua que escorre por baixo dos glaciares devido agrave fusatildeo provocada pelas erupccedilotildees subgla-

ciares Atualmente existem 4 grandes calotes glaciares localizadas nas regiotildees elevadas

e vulcanicamente ativas do centro e sul da ilha a partir das quais divergem numerosas liacuten-

guas glaciarias Vatnajoumlkull (8100 km2) situado no centro leste Langjoumlkull (925 km2) si-

tuado no centro oeste Hofsjoumlkull (925 km2) situado na zona central da ilha Myrdalsjoumlkull

(600 km2) situado no sul da ilha Apesar da Islacircndia ter cerca de 24 Ma a sua paisagem soacute

foi moldada por glaciares nos uacuteltimos 5 milhotildees de anos Os seus glaciares de tipo alpino

(ou de montanha) avanccedilaram e recuaram condicionados pelas variaccedilotildees regionais e locais

do clima de que resultaram espetaculares morfologias Como jaacute se referiu anteriormente

as variaccedilotildees da carga glaciar sobre a litosfera provocadas pelas fases de gelo e degelo

teratildeo desempenhado papel importante na atividade vulcacircnica da ilha

Com um comprimento de cerca de 4970 km a linha de costa da Islacircndia eacute de um modo

geral muito recortada e escarpada marcada por promontoacuterios cabos peniacutensulas fiordes

e enseadas pontilhada de leixotildees por entre os quais se aninham praias de areia negra de

contornos suaves A accedilatildeo do mar sobre as inuacutemeras escoadas de lava que fluiacuteram ateacute agrave

costa ao longo da evoluccedilatildeo geoloacutegica da ilha e ali solidificaram sobre os aparelhos vulcacirc-

nicos implantados na zona litoral e sobre os vales deixados pelo recuo dos glaciares criou

paisagens de uma beleza surreal

FIGURA DA PAacuteGINA ANTERIOR Leixatildeo Hvitserkur noroeste da Islacircndia (fonte pixabay)

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Parte III - Paisagens controladas pelos glaciares e paisagens costeirasVales glaciares e fiordes

Vales glaciares vales suspensos lagos glaciares e cascatas ciacuterculos glaciares moreias

e fiordes satildeo formas carateriacutesticas das paisagens islandesas criadas pelos seus glacia-

res alpinos Os vales glaciares com o seu carateriacutestico perfil em ldquoUrdquo satildeo a forma mais

comum de paisagem originada pela erosatildeo glacial (FIGURA 1) No interior destes vales os

rios concentram o seu poder erosivo na zona mais baixa originando um perfil carateriacutestico

em ldquoVrdquo O poder erosivo dos glaciares eacute muito superior ao dos rios porque a sua energia

potencial resulta natildeo soacute do declive do terreno mas tambeacutem do peso do gelo A erosatildeo faz-

-se essencialmente ao longo das zonas laterais do canal criando um vale com vertentes

alcantiladas e fundo aplanado Vales suspensos satildeo vales escavados por glaciares tributaacute-

rios Como estes glaciares levam menos gelo o seu poder erosivo eacute menor que o do glaciar

principal ficando suspenso nas vertentes do glaciar principal quando o gelo recua Cons-

tituem exemplos notaacuteveis pela sua beleza e dimensatildeo os vales glaciares de Borgarvirki

(FIGURA 2) e de Akureyri (ou Eyjafjoumlrethur) no noroeste da ilha Este uacuteltimo vai desembocar

num fiorde que eacute mais longo da Islacircndia

FIGURA 1 Esquema 3D (sem escala) da evoluccedilatildeo de uma paisagem glaciar com formaccedilatildeo de vales glaciares vales glaciares suspensos ciacuterculos glaciares lagos glaciares e cascatas

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FIGURA 2 Aspeto do vale glaciaacuterio de Borgarvirki observado a partir da fortaleza de Borgarvirki

Se as condiccedilotildees forem favoraacuteveis os glaciares podem erodir abaixo do niacutevel do mar Quan-

do o glaciar recua o oceano invade estas depressotildees criando um fiorde Alguns dos fiordes

islandeses como o de Akureyri e o de Nordfjord (nordeste da ilha) possuem centenas de

metros abaixo do niacutevel do mar O fiorde de Nordfjord abrange parcialmente uma antiga cal-

deira vulcacircnica Nas faleacutesias do seu flanco oriental (falesias de Raudubjoumlrg) afloram rioacutelitos

conferindo agraves arribas uma carateriacutestica cor avermelhada)

Como se referiu anteriormente (Parte I) a orientaccedilatildeo da maioria dos vales glaciares e

fiordes segue de perto a orientaccedilatildeo dos principais lineamentos tectoacutenicos

Moreias

Em termos de aspetos deposicionais relacionados com glaciares as moreias satildeo de lon-

ge os mais abundantes Satildeo acumulaccedilotildees de fragmentos rochosos transportados pelos

glaciares quer na regiatildeo frontal (moreia frontal) lateral (moreia lateral) a meio (moreia

mediana) e no fundo (moreia de fundo)

Durante o uacuteltimo maacuteximo glaciar (haacute cerca de 20 000 anos) a Islacircndia estava quase

toda coberta por glaciares que se estendiam ateacute agrave costa e para aleacutem dela Foram encon-

tradas moreias frontais dessa eacutepoca a cerca de 130 km a offshore da costa ocidental e a

cerca de 150-230 m abaixo do niacutevel de mar atual

Eacute possiacutevel encontrar nos vales glaciares islandeses quer moreias antigas resultantes

da uacuteltima glaciaccedilatildeo quer moreias recentes e atuais Estas uacuteltimas estatildeo relacionadas com

as 4 grandes calotes glaciares existentes como eacute o caso das moreias do glaciar Vatna-

joumlkull que se podem observar em pleno no setor sudeste da ilha

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Lagoas glaciares e icebergues

Outra das paisagens magniacuteficas moldadas pelos glaciares satildeo as lagoas glaciares Estas

lagoas formam-se na extremidade dos glaciares que descem das calotes glaciares Satildeo

alimentadas pelo desgelo natural dos glaciares e nela flutuam pequenos e grandes iceber-

gues que se separam da frente do glaciar (FIGURA 3)

FIGURA 3 Esquema 3D (sem escala) da formaccedilatildeo de icebergues numa lagoa glaciar

O exemplo mais notaacutevel deste tipo de lagoas na Islacircndia eacute a lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten consi-

derada uma das maravilhas naturais do paiacutes Fica situada no sudeste da ilha na extremidade

do glaciar Breiethamerkurjoumlkull uma das liacutengua glaciares da calote de Vatnajoumlkull (FIGURA 4)

FIGURA 4 Icebergues na lagoa glaciar de Joumlkulsaacuterloacuten Ao fundo vecirc-se a frente do glaciar Breiethamerkurjoumlkull As faixas negras nos icebergues satildeo niacuteveis de cinza vulcacircnica

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A lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten eacute o ponto mais baixo da Islacircndia com zonas agrave cota de -200 m Na

baiacutea da lagoa tem-se acesso a uma paisagem de outro mundo com icebergues de dimen-

sotildees variadas que flutuam ateacute ao mar ficando alguns deles encalhados na margem de uma

praia de areia vulcacircnica Alguns icebergues exibem faixas negras correspondentes a niacuteveis

de cinzas vulcacircnicas provenientes de antigas erupccedilotildees (FIGURA 4) Outros exibem duas

tonalidades branco leitoso e azul claro A faixa azul corresponde agrave porccedilatildeo do icebergue

que se tornou recentemente emersa

A lagoa teraacute sido formada em 1934-35 pelo contiacutenuo recuo do glaciar Vatnajoumlkull e teraacute

duplicado de tamanho nos uacuteltimos 15 anos Dada a taxa atual de recuo do glaciar Vatna-

joumlkull um profundo fiorde iraacute desenvolver-se no local onde hoje existe a lagoa

As costas escarpadas

As costas escarpadas e recortadas satildeo sem duacutevida as mais dominantes Ocorrem deste o

oeste ao leste da ilha passando pela regiatildeo norte incisas por numerosos fiordes e peque-

nas enseadas e salpicadas por leixotildees Eacute notaacutevel pela sua forma de dragatildeo e pelas lendas

que o envolvem o leixatildeo de Hvitserkur (IMAGEM DA PAGINA 42) situado na costa leste da

Peniacutensula de Vatnsnes no noroeste da Islacircndia

Os fiordes mais profundos localizam-se na costa norte constituindo bons portos natu-

rais Um destaque especial vai para o fiorde ao longo do qual se estende a cidade de Aku-

reyri (fiorde de Akureyri ou Eyjafjoumlrethur) considerado o mais longo do paiacutes

Praias de areia Negra

As praias de areia negra em geral de reduzida extensatildeo podem ser constituiacutedas por i) de-

poacutesitos resultantes da abrasatildeo das arribas ii) moreias e depoacutesitos fluviais resultantes dos

rios glaciares com contornos suaves e lagoas glaciares protegidas por extensas barras

arenosas iii) depoacutesitos de tefra provenientes de erupccedilotildees freaacuteticas

As do primeiro tipo ocorrem um pouco por toda a linha de costa como resultado da accedilatildeo

do mar sobre as arribas As do segundo tipo ocorrem dominantemente entre Djuacutepivogur a

sudeste e Oumllfusaacute a sudoeste com destaque para a praia de Reynisfjara na costa sul As

da terceira categoria podem ser observadas na ilha de Heimaey arquipeacutelago de Vestman-

naeyja regiatildeo sul da Islacircndia

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018048

IMA

GE

M E

M D

ES

TAQ

UE

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Eu crio as minhas obras de arte de peque-

nos pedaccedilos de papel com espirais que co-

nectam e ligam os elementos a uma grande

estrutura Na obra de origami acabada a

que chamo Voltinhas estas espirais vivem

e trabalham Forccedilas de tensatildeo e fricccedilatildeo

contrapotildeem-se agrave gravidade e mantecircm a

forma estaacutevel Nas minhas criaccedilotildees procu-

ro estar perto da natureza Quando criamos

ou estudamos modelos de papel na macro

escala podemos entender melhor as for-

mas criadas pela natureza na micro escala

A minha obra de origami na capa o trabalho

intitulado ldquoInverno num parque de Lisboardquo e

o capsiacutedeo do viacuterus Canine parvovirus um viacute-

rus contagioso que ataca sobretudo os catildees

e outros caniacutedeos tecircm a mesma estrutura

geomeacutetrica do pequeno rombicosidodecae-

dro um poliedro com simetria icosaeacutedrica

Essa obra invoca simbolicamente o Ano

da Biologia Matemaacutetica 2018 O origami eacute

uma arte de dobragem do papel com uma

forte componente geomeacutetrica que permite

a construccedilatildeo de formas complexas e tem

atraiacutedo o interesse de matemaacuteticos pelas

suas propriedades geomeacutetricas e algeacutebricas

Krystyna Burczyk

Os viacuterus satildeo responsaacuteveis por inuacutemeras

doenccedilas no homem nos animais e nas plan-

tas e as curas e prevenccedilotildees satildeo ainda mui-

tas vezes problemaacuteticas Desenvolvimen-

tos recentes das aplicaccedilotildees da matemaacutetica

agrave virologia nomeadamente das teorias de

grupos de grafos de tesselaccedilatildeo ou de re-

ticulados mostraram por exemplo que as

restriccedilotildees estruturais agraves formas dos viacuterus

satildeo maiores do que antes se pensava e

permitiram a construccedilatildeo de novos modelos

para o desenvolvimento de terapias anti-

-virais Os capsiacutedeos virais que envolvem

os genomas dos viacuterus por razotildees de eco-

nomia geneacutetica tem muitas vezes uma si-

metria icosaeacutedrica Ora esta simetria natildeo eacute

cristalograacutefica em trecircs dimensotildees ie natildeo

eacute compatiacutevel com reticulados perioacutedicos

o que motivou os matemaacuteticos a desen-

volverem novas estruturas no contexto de

grupos de Coxeter natildeo-cristalograacuteficos que

encontraram aplicaccedilatildeo natildeo soacute na virologia

mas tambeacutem noutras estruturas molecula-

res da quiacutemica do carbono

Joseacute Francisco RodriguesUniversidade de Lisboa

Origami e Viacuterusin imagemcasadascienciasorg

Imagem de Canine Parvovirus gerada em VMD Autor Alexandre Lopes Magalhatildees

Page 25: JUNHO 2018 V6 /02 · 2018-09-26 · Matilde Viegas, Maria João Ramos, Pedro Alexandrino Fernandes Stephen Hawking e a sua contribuição para a física teórica Orfeu Bertolami,

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se Insecta (FIGURA 4) e da classe Entognatha Esta uacuteltima inclui os colecircmbolos (ordem

Collembola) (FIGURA 5) cabeccedilas de cone e bichos de prata (ordem Protura) e cerdas de

duas pontas (ordem Diplura) Na classe Entognatha as partes bucais dos organismos

estatildeo retraiacutedas dentro das suas cabeccedilas contrariamente ao que se observa na classe In-

secta que satildeo ectognantes Os colecircmbolos constituem um dos grupos mais abundantes

de artroacutepodes do solo podendo ser encontrados mais de 100 000 indiviacuteduos num metro

quadrado Estes satildeo organismos cosmopolitas com mais de 8 000 espeacutecies descritas Os

colecircmbolos satildeo pequenos organismos com tamanho geralmente inferior a 6-8 mm de

forma ciliacutendrica ou globular apresentando olhos simples e antenas moniliformes Muitas

espeacutecies possuem um apecircndice bifurcado (fuacutercula) no final do abdoacutemen permitindo que

estes organismos saltem quando ameaccedilados (FIGURA 5) Os colecircmbolos tecircm sido ampla-

mente utilizados em estudos ecotoxicoloacutegicos na avaliaccedilatildeo da qualidade do solo e da sauacute-

de destes ecossistemas

FIGURA 4 A - Vista dorsal e B - vista ventral de exemplares de algumas ordens da classe Insecta

FIGURA 5 Vista lateral de exemplares da ordem Collembola

A classe Insecta eacute a classe com maior nuacutemero de organismos compreendendo mais

de metade das espeacutecies eucarioacuteticas descritas atualmente englobando mais de 1 milhatildeo

de espeacutecies que habitam praticamente todos os ecossistemas Os insetos sendo o grupo

Ordem

Coleoptera

Ordem

Diptera

Ordem

Hemiptera

Ordem

Orthoptera

Ordem

HimenopteraA A A A

B B B B

075cm

027cm14cm016cm

09cm

22cm

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mais diversificado de seres vivos apresentam as mais variadas e interessantes adap-

taccedilotildees anatoacutemicas e morfoloacutegicas Pensa-se que a sua enorme riqueza e abundacircncia eacute

devida a uma combinaccedilatildeo de carateriacutesticas vantajosas como a coevoluccedilatildeo com plan-

tas a miniaturizaccedilatildeo e a capacidade de voo Os insetos desempenham ainda um papel

importantiacutessimo no funcionamento dos ecossistemas realizando funccedilotildees quer de pre-

dadores quer de presa estando envolvidos em inuacutemeras teias alimentares (ex reciclan-

do nutrientes fazendo a manutenccedilatildeo da estrutura e fertilizaccedilatildeo dos solos) Destaca-se

tambeacutem o facto de vaacuterios insetos voadores como abelhas ou borboletas atuarem como

polinizadores de muitas espeacutecies de plantas Esta eacute uma funccedilatildeo ecoloacutegica importante

com vaacuterias repercussotildees econoacutemicas porque mais de 30 das culturas alimentares

mundiais dependem da polinizaccedilatildeo Os insetos possuem ainda um papel importante em

investigaccedilatildeo cientiacutefica sendo muitas vezes utilizados como organismo modelo dado pos-

suiacuterem carateriacutesticas distintas como o seu tamanho reduzido tempos de geraccedilatildeo curtos

e elevada fecundidade O exemplo de excelecircncia eacute a mosca da fruta Drosophila melano-

gaster cujo genoma eacute jaacute conhecido na totalidade sendo esta espeacutecie utilizada frequente-

mente para estudar vaacuterios processos celulares (ex o envelhecimento a hereditariedade

e o desenvolvimento embrionaacuterio) Apesar de constituiacuterem um grupo tatildeo interessante

beneacutefico e necessaacuterio agrave manutenccedilatildeo do equiliacutebrio dos ecossistemas existem algumas

desvantagens associadas aos insetos como eacute o caso de serem vetores na transmissatildeo

de doenccedilas Eacute o caso da malaacuteria transmitida por um mosquito do geacutenero Anopheles a

doenccedila parasitaacuteria mais disseminada com vaacuterios milhotildees de humanos infetados em todo

o mundo O dengue e o zika satildeo doenccedilas em que o vetor de transmissatildeo eacute tambeacutem um

mosquito do geacutenero Aedes Na agricultura as pragas de insetos (ex gorgulhos gafa-

nhotos afiacutedios) satildeo responsaacuteveis por prejudicar as culturas agriacutecolas e a produccedilatildeo de

alimentos causando perdas econoacutemicas elevadas

Sabe-se que atualmente a perda de habitat e as mudanccedilas climaacuteticas satildeo alguns dos

fatores responsaacuteveis por decliacutenios significativos nas populaccedilotildees deste grupo de orga-

nismos Esse decliacutenio apresenta uma elevada preocupaccedilatildeo ecoloacutegica uma vez que estes

organismos desempenham muacuteltiplas e importantes funccedilotildees nos ecossistemas No en-

tanto a conservaccedilatildeo deste grupo animal permanece um grande e urgente desafio que eacute

preciso enfrentar

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Biocombustiacuteveis seratildeo a soluccedilatildeo Matilde Viegas

Maria Joatildeo Ramos

Pedro Alexandrino Fernandes

UCIBIO REQUIMTEUniversidade do Porto

ldquoA 21 de Fevereiro de 2018 o niacutevel de poluiccedilatildeo de partiacuteculas finas com diacircmetro inferior

a 10 μm PM10 atingiu em Paris niacuteveis alarmantes com um pico correspondente

ao dobro do limite maacuteximo A Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) recomenda natildeo

exceder este limite maacuteximo por mais de trecircs dias por ano Com este recente pico os

parisienses jaacute o ultrapassaramrdquo

Em Un pic de pollution laquograveraquo en Ile-de-France Le Monde 22 de Fevereiro de 2018

Esta notiacutecia eacute um dos inuacutemeros exemplos dos efeitos do aquecimento global termo com o

qual estamos cada vez mais familiarizados infelizmente Este fenoacutemeno eacute consequecircncia

de Gases de Efeito de Estufa GEE (dioacutexido de carbono metano e oacutexido de azoto entre

outros) que se acumulam na atmosfera enclausurando o calor e tornando o planeta mais

quente A produccedilatildeo em larga escala de GEEs teve iniacutecio na Revoluccedilatildeo Industrial (1800)

como resultado da combustatildeo de combustiacuteveis foacutesseis (carvatildeo petroacuteleo e gaacutes natural)

para produccedilatildeo de eletricidade aquecimento e transporte

A preocupaccedilatildeo em torno do aquecimento global tornou-se um assunto constante na

agenda poliacutetica sobretudo nas uacuteltimas duas deacutecadas Os primeiros esforccedilos coletivos re-

sultaram no Protocolo de Quioto em 1997 cujo objetivo era a reduccedilatildeo das emissotildees de

GEEs assentando nos argumentos de que i) o aquecimento global era uma realidade e ii) o

CO2 produzido por accedilotildees humanas era o seu grande causador O primeiro periacuteodo do Proto-

colo terminou em 2012 e por isso em 2015 as Naccedilotildees Unidas promoveram a assinatura

do novo Acordo de Paris o qual consiste numa atualizaccedilatildeo do antigo Protocolo de Quioto

com o objetivo de ldquofortalecer a resposta global agrave ameaccedila das alteraccedilotildees climaacuteticas no

contexto de desenvolvimento sustentaacutevel e com esforccedilo para a erradicaccedilatildeo da pobrezardquo

O novo Acordo ao contraacuterio do de Quioto estabelece metas tangiacuteveis e quantitativas O

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objetivo eacute manter o aumento da temperatura meacutedia global abaixo dos 2ordm Celsius face agrave

temperatura global na era preacute-industrial Para atingir tal meta eacute necessaacuterio um esforccedilo

mundial contudo em 2017 com a saiacuteda dos EUA do Acordo de Paris o segundo maior

emissor de GEEs logo a seguir agrave China perdeu-se uma enorme contribuiccedilatildeo Aleacutem do peso

evidente que as suas emissotildees tecircm para o estado atual do aquecimento global em falta

estaratildeo tambeacutem a diplomacia e o encorajamento proporcionados por esta forccedila mundial

No Acordo de Paris uma das claacuteusulas exige a inclusatildeo de energias renovaacuteveis (eoacutelica

mariacutetima solar) e de biocombustiacuteveis no mercado de energia encorajando os paiacuteses a

atingir niacuteveis miacutenimos da sua utilizaccedilatildeo As metas estabelecidas para cada paiacutes vatildeo ao en-

contro ao seu mercado e agraves mateacuterias-primas disponiacuteveis em cada territoacuterio favorecendo o

desenvolvimento da economia

De uma forma generalista os biocombustiacuteveis englobam combustiacuteveis produzidos atra-

veacutes de processos bioloacutegicos como a agricultura e digestatildeo anaeroacutebica em vez de produ-

zidos a partir de processos geoloacutegicos como os necessaacuterios para a formaccedilatildeo de combus-

tiacuteveis foacutesseis Isto inclui o biodiesel (produzido a partir de oacuteleos e gorduras orgacircnicas) e o

bioetanol (aacutelcool produzido atraveacutes de fermentaccedilatildeo microbiana de accediluacutecares seguido de

destilaccedilatildeo e desidrataccedilatildeo) os quais seratildeo o maior foco deste artigo

A partir da deacutecada de 70 foram feitos os primeiros investimentos nos chamados bio-

combustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo (1G) Estes fazem uso de colheitas de produtos agriacuteco-

las como a soja cana-de-accediluacutecar milho oacuteleo de palma entre outros para a produccedilatildeo de

biodiesel e bioetanol atraveacutes de processos de trans-esterificaccedilatildeo ou fermentaccedilatildeo A sua

disponibilidade e facilidade de processamento permitiram a sua inserccedilatildeo e mistura nos

combustiacuteveis atualmente vendidos ao puacuteblico Para 2017 Portugal fixou em 75 (de poder

energeacutetico) a incorporaccedilatildeo de biocombustiacuteveis nos combustiacuteveis dos transportes rodoviaacute-

rios tendo a Uniatildeo Europeia o objectivo de 10 em 2020 para todos os paiacuteses membros

Os biocombustiacuteveis 1G fazem uso da colheita agriacutecola para fins energeacuteticos o que gera

opiniotildees desfavoraacuteveis por parte de ambientalistas (pelo uso exaustivo da terra agriacutecola sem

compensaccedilatildeo desflorestaccedilatildeo e perda de biodiversidade) e problemas eacuteticos tais como os le-

vantados por responsaacuteveis da ONU como o Dr Jean Ziegler que atribui aos biocombustiacuteveis

a culpa pela contiacutenua inflaccedilatildeo dos preccedilos de alimentos exacerbando a atual crise de fome

mundial - ldquoSatildeo necessaacuterios 352Kg de milho para encher um depoacutesito de 50L de um carro Uma

crianccedila na Zacircmbia ou no Meacutexico onde o milho eacute um elemento baacutesico da dieta poderia viver

com esta quantidade de milho um ano inteirordquo Atualmente os maiores produtores destes bio-

combustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo satildeo os EUA e o Brasil utilizando parte da produccedilatildeo global

de cereais e oacuteleos vegetais para a produccedilatildeo de bioetanol e biodiesel causando um ambiente

de profunda preocupaccedilatildeo em volta da sustentabilidade de produccedilatildeo de energia a meacutediolongo

prazo De forma a controlar a inflaccedilatildeo no preccedilo dos alimentos a EU estabeleceu um limite de

7 para o uso de biocombustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo como combustiacutevel de transportaccedilatildeo

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A segunda geraccedilatildeo de biocombustiacuteveis (2G) usa biomassa isto eacute qualquer fonte de car-

bono orgacircnico que eacute rapidamente renovado no ciclo de carbono Os biocombustiacuteveis de

segunda geraccedilatildeo almejam um uso ponderado de desperdiacutecios da induacutestria madeireira e

agriacutecola ou de restos de colheitas agriacutecolas assim que estas preencham o seu propoacutesito

alimentar evitando interferecircncia com o mercado alimentar e natildeo influenciando os preccedilos

dos alimentos baacutesicos

FIGURA 1 Biocombustiacuteveis

A produccedilatildeo de arroz atingiu o seu pico em 2017 gerando 1140 milhotildees de toneladas de

espigas de arroz cujo destino eacute a incineraccedilatildeo compostagem ou eacute simplesmente deposita-

da em aterros Contudo com a 2G de biocombustiacuteveis eacute encontrado potencial energeacutetico

neste desperdiacutecio agriacutecola O seu potencial deve-se agrave mateacuteria lignoceluloacutesica ndash celulose

hemicelulose e lignina ndash presente em todas as plantas incluindo as espigas em diferen-

tes percentagens Este material composto eacute essencial para a estrutura e resistecircncia das

plantas a hemicelulose eacute a matriz que rodeia o esqueleto de celulose enquanto a lignina

funciona como uma camada protetora As possibilidades associadas a este tipo de desper-

diacutecio satildeo inegaacuteveis a sua abundacircncia e facilidade de obtenccedilatildeo tornam-no muito apelativo

Contudo o gasto na recolha e transporte desta mateacuteria suplanta os custos de produccedilatildeo

e o seu uso continuado poderaacute contribuir para a erosatildeo do solo Aleacutem disso para o seu

aproveitamento para produccedilatildeo de biocombustiacuteveis eacute necessaacuterio um preacute-tratamento para

hidrolisar as ligaccedilotildees covalentes entre os trecircs constituintes da mateacuteria lignoceluloacutesica e

permitir a posterior fermentaccedilatildeo anaeroacutebia da celulose produzindo bioetanol Este preacute-

-tratamento eacute visto como outra das desvantagens do processo e estaacute ainda a ser estudado

e otimizado pois de momento as alternativas disponiacuteveis encarecem o produto final e em

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alguns dos casos dependem do uso de quiacutemicos poluentes A esperanccedila estaacute entatildeo de-

positada no estudo de enzimas hidroliacuteticas encontradas em organismos termoacutefilos que

seratildeo capazes de aguentar as difiacuteceis condiccedilotildees de tratamento Contudo a dificuldade em

escalar o processo de fermentaccedilatildeo eacute uma das desvantagens e dos fatores limitantes para

a 2G de biocombustiacuteveis em grande parte devido agrave dificuldade de monitorizar as condiccedilotildees

de fermentaccedilatildeo (oxigeacutenio pH nutrientes etc)

A terceira geraccedilatildeo (3G) de biocombustiacuteveis foi reconhecida como a melhor alternativa

em comparaccedilatildeo com primeira e segunda geraccedilotildees pois surpreendentemente faz uso de

algas A sua enorme disponibilidade por todo o planeta e o facto de natildeo interferirem com os

mercados alimentares satildeo os grandes embaixadores desta mateacuteria-prima como o futuro

dos biocombustiacuteveis Ainda que natildeo seja uma mateacuteria infinita eacute a que de momento mais se

assemelha por existirem 70 000 espeacutecies (30 000 documentadas) Estudos conduzidos

atualmente estatildeo a explorar a viabilidade energeacutetica de 30 espeacutecies de algas explorando a

sustentabilidade facilidade e escalabilidade da sua produccedilatildeo Outras vantagens incluem a

baixa manutenccedilatildeo necessaacuteria para o seu crescimento (luz dioacutexido de carbono e nutrientes

como azoto foacutesforo e potaacutessio) a facilidade com que produzem liacutepidos e carboidratos que

podem posteriormente ser processados em diferentes biocombustiacuteveis e outros copro-

dutos a frequecircncia com que podem ser colhidas ao longo do ano (ao contraacuterio de outras

colheitas convencionais) a baixa percentagem de hemicelulose e a praticamente ausente

lignina facilitam radicalmente o seu preacute-processamento pois a celulose eacute mais facilmente

extraiacuteda As desvantagens desta mateacuteria incluem o enorme investimento inicial para a

construccedilatildeo de infraestruturas para o seu cultivo que pode ser ou ao ar livre (em tanques

de grande dimensatildeo) ou em foto-bioreatores (sistemas fechados altamente controlados)

Prevecirc-se que em 2030 o preccedilo de produccedilatildeo de combustiacutevel a partir de algas seraacute 065 euro

litro de combustiacutevel valor muito proacuteximo do atual preccedilo de produccedilatildeo do litro de gasolina

Comparativamente aos custos de produccedilatildeo de outros biocombustiacuteveis o mais barato con-

tinua a ser o bioetanol produzido a partir de milho (1G) 017 eurolitro seguido de combustiacute-

veis celuloacutesicos (2G) a 032 eurolitro

Eacute evidente que seratildeo necessaacuterios esforccedilos poliacuteticos e cientiacuteficos investimento e regu-

lamentaccedilatildeo adequados para encontrar o caminho ideal para travar o aquecimento global

Em todas as geraccedilotildees de biocombustiacuteveis apresentadas existem fatores que afunilam as

potencialidades destas alternativas indicando que a soluccedilatildeo passa por criar um consoacutercio

entre as vaacuterias possibilidades de forma a tirar o maacuteximo partido sem danificar o planeta ou

piorar a crise da fome O proacuteximo passo passa por substituir os biocombustiacuteveis de 1G por

soluccedilotildees com maior escalabilidade Acreditamos que nas proacuteximas deacutecadas seratildeo cruciais

e depositamos esperanccedila na investigaccedilatildeo cientiacutefica

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018043

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Stephen Hawking e a sua contribuiccedilatildeo para a fiacutesica teoacutericaOrfeu Bertolami

Claacuteudio GomesDepartamento de Fiacutesica e Astronomia CFP Universidade do Porto

A 14 de marccedilo de 2018 o fiacutesico britacircnico Stephen Hawking faleceu aos 76 anos deixando

todavia um importante legado para a fiacutesica teoacuterica muito particularmente para o

entendimento das deficiecircncias intriacutensecas da Relatividade Geral de Einstein para a fiacutesica

dos buracos negros e para a cosmologia a ciecircncia do Universo como um todo

Stephen Hawking doutorou-se em Fiacutesica Teoacuterica em 1966 pela Universidade de Cambridge

sob a supervisatildeo de Dennis Sciama Apesar da sua condiccedilatildeo fiacutesica progressivamente limi-

tativa manteve-se extremamente ativo na investigaccedilatildeo nas aacutereas de cosmologia fiacutesica dos

buracos negros e gravitaccedilatildeo quacircntica

Nessa altura havia uma consideraacutevel discussatildeo acerca da realidade e ubiquidade de sin-

gularidades pontos no espaccedilo-tempo onde a Teoria da Relatividade Geral deixa de fazer sen-

tido e natildeo desaparecendo atraveacutes de mudanccedila de sistemas de coordenadas que descrevem

o espaccedilo-tempo Na segunda metade da deacutecada de 1960 Hawking e o matemaacutetico inglecircs

Roger Penrose demonstraram que essas singularidades eram inevitaacuteveis no contexto da

Teoria da Relatividade Geral (ver para uma descriccedilatildeo exaustiva o livro Large Scale Structure

of Space-Time escrito em colaboraccedilatildeo com o fiacutesico sul-africano George Ellis publicado em

1973) Uma dessas singularidades corresponde ao iniacutecio do Universo ndash Big Bang ndash e outras

estatildeo presentes no interior dos buracos negros natildeo acessiacuteveis agrave observaccedilatildeo devido agrave pre-

senccedila de um horizonte de acontecimentos que segundo a Conjetura da Censura Coacutesmica de

Roger Penrose protegem sempre as singularidades de se apresentarem ldquonuasrdquo

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Subsequentemente em 1975 ele desenvolveu a ideia que os buracos negros deveriam

radiar termicamente a uma temperatura especiacutefica inversamente proporcional agraves suas

massas temperatura esta que hoje designamos por temperatura de Hawking Esta ideia daacute

origem ao paradoxo da informaccedilatildeo em que a informaccedilatildeo que entrava no horizonte de evento

se perdia Com este contributo passou-se a ter uma equivalecircncia entre a dinacircmica e a termo-

dinacircmica de buracos negros

FIGURA 1 Emissatildeo da radiaccedilatildeo teacutermica de Hawking por um buraco negro

No princiacutepio da deacutecada de 1980 Hawking iniciou em colaboraccedilatildeo com o fiacutesico norte-ameri-

cano James Hartle o programa de investigaccedilatildeo que hoje designamos por cosmologia quacircntica

Na cosmologia quacircntica o espaccedilo-tempo eacute descrito por uma funccedilatildeo de onda a funccedilatildeo de onda

do Universo como na Mecacircnica Quacircntica Esta equaccedilatildeo de onda satisfaz uma equaccedilatildeo anaacuteloga

agrave de Schroumldinger da Mecacircnica Quacircntica a equaccedilatildeo de Wheeler-DeWitt A proposta de Hartle

e Hawking eacute que a funccedilatildeo de onda descreva um espaccedilo-tempo sem fronteiras (No-Boundary

proposal) A ideia eacute que agrave medida que retrocedemos no tempo chegamos a um ponto em que

o Universo eacute pequeno o suficiente para que efeitos quacircnticos sejam dominantes Nesta altura

existe uma espeacutecie de ldquoespumardquo do espaccedilo-tempo de tal modo que o tempo natildeo pode ser in-

terpretado do modo como o vemos hoje mas sim como uma quarta dimensatildeo espacial Uma

analogia uacutetil eacute a seguinte se viajarmos para o Polo Sul temos de seguir sempre para sul mas

quando alcanccedilamos o ponto do Polo Sul jaacute natildeo faz sentido falarmos na direccedilatildeo sul pelo mesmo

raciociacutenio ao retrocedermos no tempo haacute um pontoinstante em que natildeo faz sentido falar-se em

tempo Matematicamente isto torna-se possiacutevel passando de um espaccedilo-tempo de Minkowski

como na Relatividade Restrita para um espaccedilo Euclideano a quatro dimensotildees no qual o tempo

passa a ser um nuacutemero puramente complexo Com esta formulaccedilatildeo o Universo natildeo tem uma

fronteira aleacutem daquela que permite a transiccedilatildeo entre as duas descriccedilotildees para o espaccedilo-tempo

e que eacute exemplificado na FIGURA 2 Esta geometria eacute designada por shuttlecock ou volantepena

de badminton devido agrave semelhanccedila com este objeto

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FIGURA 2 Representaccedilatildeo tridimensional do modelo de Hartle-Hawking (no boundary proposal) A base corresponde a uma semiesfera a 4 dimensotildees e a estrutura que apresenta o tempo como uma direccedilatildeo distinta das espaciais corresponte a um Universo em expansatildeo

Hawking tambeacutem estudou outros problemas como o das maacutequinas do tempo e questotildees

relacionadas com a cosmologia e a formaccedilatildeo de estruturas no Universo Com o seu carate-

riacutestico humor Hawking afirmou natildeo ser possiacutevel viajar no tempo Para tal sugeriu organizar

uma festa convidando pessoas do futuro a se juntarem a ele e dado que ningueacutem apa-

receu concluiu entatildeo que viagens no tempo natildeo satildeo possiacuteveis na realidade Outra prova

prende-se com o facto de natildeo termos recebido ainda turistas do futuro numa clara alusatildeo

iroacutenica agrave procura turiacutestica desenfreada que assistimos nos dias de hoje

Mais recentemente ele pronunciou-se sobre questotildees de interesse geral como as im-

plicaccedilotildees do desenvolvimento da inteligecircncia artificial e a necessidade e inevitabilidade

da exploraccedilatildeo espacial Mostrou-se reticente acerca dos desenvolvimentos no domiacutenio da

inteligecircncia artificial classificando-o como possivelmente perigoso para a nossa civiliza-

ccedilatildeo pois apesar dos potenciais benefiacutecios comportam seacuterios riscos agrave continuidade da hu-

manidade Relativamente agrave exploraccedilatildeo espacial Hawking encarava as viagens espaciais

quer pelo seu interesse cientiacutefico quer como forma de preservar a humanidade de riscos

de destruiccedilatildeo devido a guerras nucleares ou epidemias devido a viacuterus geneticamente mo-

dificados

O fiacutesico Stephen Hawking legou-nos uma extraordinaacuteria contribuiccedilatildeo cientiacutefica e huma-

na Deixou um extraordinaacuterio exemplo de resiliecircncia dedicaccedilatildeo ao conhecimento e agrave socie-

dade Fisicamente debilitado e ldquopresordquo a uma condiccedilatildeo rara a esclerose lateral amiotroacutefica

que lhe foi diagnosticada aos 21 anos a sua mente foi das mais livres dos nossos tempos

concebeu hipoacuteteses conjunturas e teorias pensou a sociedade de hoje e a do futuro

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RochaO que eacute importante dizer sobre as rochas

A M Galopim de Carvalho Universidade de Lisboa

Rochas e pedras satildeo a mesma coisa Praticamente a resposta eacute sim Pedra eacute aquilo

que se apanha do chatildeo para dar uma pedrada

Qualquer pessoa mesmo a menos letrada diraacute que as pedras

bull natildeo satildeo fabricadas ou feitas por gente (a ciecircncia diz que satildeo entidades naturais)

bull que natildeo se amolgam (a ciecircncia diz que satildeo riacutegidas)

bull que geralmente natildeo se esboroam nem se esfarela (a ciecircncia diz que satildeo coesas)

bull que fazem mossa onde quer que batam (a ciecircncia diz que satildeo duras) Para o cidadatildeo

comum pedra (do grego peacutetra) eacute pois uma entidade natural riacutegida coesa e dura que se

apanha do chatildeo

Apanhamos uma pedra do chatildeo mas quando estudamos falamos quase sempre de ro-

chas Num modo de falar corrente podemos dizer que as pedras satildeo bocados de rocha

Todos falamos de rocha como sinoacutenimo de pedra com base num conhecimento comum

empiacuterico vulgar ligado agrave experiecircncia quotidiana mesmo do mais iletrado dos cidadatildeos Dize-

mos rochedo quando o afloramento de rocha eacute grande e apelidamos de rochoso um terreno

com a rocha agrave vista Rocha eacute um galicismo que entre noacutes se sobrepocircs ao termo ldquorocardquo bem

mais antigo talvez preacute-romano Cabo da Roca ou ldquoFocinho da Rocardquo no dizer dos homens do

mar deve o seu nome a esta versatildeo arcaica da palavra rocha

O conceito atual de rocha e os vaacuterios conhecimentos com elas relacionados percorreram

uma caminhada tatildeo longa quanto a do Homo sapiens caminhada de que temos testemunhos

na Preacute-histoacuteria e variadiacutessimos relatos escritos desde a Antiguidade

Na sua giacuteria proacutepria entendiacutevel entre pares os profissionais falam de rochas dizendo que

satildeo sistemas quiacutemicos mono ou polifaacutesicos (ou seja com um ou mais minerais) resultantes

do equiliacutebrio termodinacircmico atingido pelos seus constituintes em determinados ambientes

Entendendo-se por constituintes os elementos quiacutemicos incluiacutedos nos respetivos minerais

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Por outras palavras acessiacuteveis ao comum das gentes pode entatildeo dizer-se que as rochas

satildeo corpos naturais formados por associaccedilotildees mais ou menos estaacuteveis de minerais compatiacute-

veis entre si e com o ambiente onde foram gerados e que satildeo elas as rochas que constituem

a capa riacutegida da Terra que por essa razatildeo recebeu o nome de litosfera (FIGURA 1)

FIGURA 1 Modelado Graniacutetico na Serra da Estrela (fonte banco de imagens da Casa das Ciecircncias)

Antes de prosseguir esclareccedila-se que no jargatildeo proacuteprio da mineralogia e da geoquiacutemica

os minerais satildeo considerados fases no sentido fiacutesico-quiacutemico da palavra Com efeito neste

sentido uma fase eacute uma porccedilatildeo de mateacuteria quiacutemica e estruturalmente homogeacutenea e uma

qualquer espeacutecie mineral eacute isso mesmo

Por convenccedilatildeo na sistemaacutetica em sedimentologia entre as rochas sedimentares cabem

certos materiais natildeo consolidados como os barros as areias soltas as cascalheiras e ainda

outros de natureza natildeo mineral como os carvotildees foacutesseis e o petroacuteleo (oacuteleo de pedra) Cha-

mar rochas ou pedras a estes materiais agraves vezes tatildeo afastados da imagem vulgar de ldquocoisa

dura riacutegida e coesardquo decorre do conceito geoloacutegico de rocha no qual se inclui o modo de

ocorrecircncia e o respetivo processo de formaccedilatildeo (petrogeacutenese)

A mecacircnica das rochas (disciplina que estuda certas propriedades das rochas como resis-

tecircncia ao esmagamento agrave traccedilatildeo agrave torccedilatildeo agrave flexatildeo porosidade permeabilidade e outras)

define-as como entidades sempre riacutegidas e coesas e duras como tambeacutem se diz vulgarmen-

te com capacidade de suportar cargas e que na eventualidade de terem de ser escavadas ou

removidas haacute que usar tecnologias com explosivos Este conceito corresponde aliaacutes agrave ideia

mais divulgada de rocha como atraacutes se referiu Eacute o bedrock dos autores ingleses

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FIGURA 2 Processo de meteorizaccedilatildeo fiacutesica essencialmente por corrosatildeo eoacutelica em rochas sedimentares (arenitos) (fonte banco de imagens da Casa das Ciecircncias)

Aleacutem das muitas que conhecemos na Terra jaacute estudaacutemos rochas do nosso sateacutelite natural

nomeadamente basaltos e anortositos trazidos da sua superfiacutecie Mercuacuterio Veacutenus e Marte satildeo

tambeacutem planetas rochosos e igualmente rochosos ou pedregosos satildeo ainda os nuacutecleos dos co-

metas e muitos dos asteroides de que temos conhecimento pelos meteoritos caiacutedos na Terra

Quando se apelidam as rochas de magmaacuteticas sedimentares (FIGURA 2) ou metamoacuterficas

natildeo se estaacute apenas a rotulaacute-las para efeitos de arrumo ou arquivo muito menos se estatildeo a

criar novos vocaacutebulos para sobrecarga dos estudantes ou do cidadatildeo em geral Estes adjeti-

vos acrescentados agrave palavra rocha informam de imediato sobre a sua origem

bull magmaacutetica ou sedimentar qualquer delas em resultado de processos naturais faacuteceis de

entender

bull metamoacuterfica em consequecircncia de um outro processo muito menos ao alcance da vivecircncia

do vulgo mas que se explica sem grandes dificuldades

Apelidam-se de metamoacuterficas as rochas que posteriormente a uma primeira formaccedilatildeo

como magmaacuteticas ou sedimentares foram submetidas a pressotildees eou a temperaturas no

interior da crosta que lhes modificaram a composiccedilatildeo eou a textura

Foi atraveacutes do estudo das rochas que desvendaacutemos o essencial dos acontecimentos geo-

loacutegicos que marcaram a histoacuteria deste laquoPlaneta Azulraquo no qual a vida encontrou condiccedilotildees

para despertar e onde evoluiu ao ponto de se interrogar sobre essa mesma histoacuteria

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Os conhecimentos diretos de que hoje dispomos relativos agraves rochas da Terra limitam-se

aos que se obtecircm pelo estudo das que afloram agrave superfiacutecie das recolhidas em dragagens

nos fundos marinhos e das retiradas da profundidade quer em minas quer atraveacutes de son-

dagens Esta profundidade que natildeo excede 3 km no primeiro caso e 11 km no segundo

(na peniacutensula de Kola) pode considerar-se insuficiente se comparada com as trecircs a quatro

dezenas de quiloacutemetros de espessura meacutedia da crosta continental

Eacute jaacute muito o conhecimento que temos desta capa (a crosta ou crusta como alguns dizem e

escrevem) mais superficial do nosso planeta Temo-lo atraveacutes das rochas que constantemente

vemos e pisamos muitas delas geradas em zonas profundas trazidas agrave superfiacutecie pelos en-

rugamentos de origem tectoacutenica geradores das montanhas e subsequentemente postas a

descoberto pela erosatildeo

Outras rochas proacuteprias de muito maiores profundidades inclusive do manto inferior como eacute

o caso dos xenocristais e dos xenoacutelitos (do grego xenos estranho e lithos pedra) isto eacute cris-

tais e fragmentos de materiais liacuteticos gerados nessas regiotildees e que ascendem agrave superfiacutecie na

sequecircncia de atividade vulcacircnica englobados ou encravados nos produtos magmaacuteticos que ali

se formaram ou por ali passaram Na ilha da Madeira por exemplo satildeo frequentes os xenoacutelitos

oliviacutenicos que ascenderam ateacute agrave superfiacutecie no seio das lavas envolvidas no processo vulcacircnico

que originou esta e muitas outras ilhas

As rochas a que temos acesso mais ou menos direto representam uma parcela importante

da diferenciaccedilatildeo da Terra e agrave semelhanccedila da aacutegua do ar e dos seres vivos satildeo o resultado de

imensas transformaccedilotildees numa vasta e complexa rede de inter-relaccedilotildees ocorridas ao longo

dos tempos neste laquoplaneta vivoraquo pleno ainda de energia interna (sob a forma de calor) a que

se adiciona toda a que lhe chega do exterior isto eacute a radiaccedilatildeo solar Como escreveu Maurice

Mattauer ldquoas pedras nascem vivem e morrem como noacutes elas tecircm uma idade e uma histoacuteriardquo

Petrologia e litologia satildeo duas disciplinas que estudam as rochas ou as pedras Se bem que

os eacutetimos petra (latim) e lithos (grego) sejam sinoacutenimos petrologia e litologia encerram con-

ceitos diferentes ainda que relacionados entre si

bull A petrologia eacute um ramo da geologia com dimensatildeo de ciecircncia de vastos recursos nos campos

da fiacutesica da quiacutemica e naturalmente tambeacutem da matemaacutetica em busca do conhecimento da

origem natureza constituiccedilatildeo e evoluccedilatildeo da Terra no acircmbito do Sistema Solar e do Universo

bull A litologia outro ramo da geologia eacute habitualmente entendida como a disciplina que estuda

as rochas num campo praacutetico Serve a geologia de engenharia tendo em vista a implantaccedilatildeo

de grandes edifiacutecios e outras obras volumosas cujas fundaccedilotildees exigem o conhecimento dos

terrenos A litologia daacute igualmente respostas agrave pedologia (o estudo dos solos) e agrave induacutestria

extrativa de rochas ornamentais usadas na arquitetura na cantaria ou na estatuaacuteria e de

rochas industriais exploradas como importantes mateacuterias-primas para a construccedilatildeo civil a

ceracircmica o vidro o cimento a cal e a induacutestria quiacutemica

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Software educativo em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Ana C Conceiccedilatildeo

DMUniversidade do Algarve

O conceito F-Tool foi desenvolvido em 2012 com o objetivo de proporcionar uma

aprendizagem interativa em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Em particular eacute possiacutevel

explorar de forma integrada as noccedilotildees de domiacutenio contradomiacutenio existecircncia de zeros

existecircncia de extremos e de pontos de inflexatildeo invertibilidade derivabilidade reta

tangente ao graacutefico num ponto simetrias em relaccedilatildeo aos eixos e agrave origem A utilizaccedilatildeo

dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adaptaccedilatildeo de

alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e

do simples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular)

No ensino da matemaacutetica e em particular no estudo de funccedilotildees a recomendaccedilatildeo da utiliza-

ccedilatildeo de software educacional tem como objetivo o sanar das dificuldades que os alunos pos-

suem em associar as representaccedilotildees algeacutebricas com as diversas representaccedilotildees numeacutericas

eou graacuteficas De facto o caraacuteter estaacutetico das representaccedilotildees matemaacuteticas muitas vezes

dificulta a construccedilatildeo do significado afetando substancialmente a correta interpretaccedilatildeo dos

conceitos A criaccedilatildeo de modelos interativos visuais com o sistema de aacutelgebra computacional

Mathematica permite aos alunos explorar conceitos de elevada complexidade e rapidamen-

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te adquirir uma compreensatildeo mais profunda dos conteuacutedos Obviamente a utilizaccedilatildeo de sof-

tware educacional natildeo deve ser vista como um substituto para o ensino com ldquopapel e laacutepisrdquo

deve ser devidamente combinada com outros meacutetodos de ensino

O conceito F-Tool foi desenvolvido em 2012 com o objetivo de proporcionar uma apren-

dizagem interativa em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Os aplicativos computacionais

implementados com base neste conceito utilizam as capacidades de caacutelculo numeacuterico e

simboacutelico do Mathematica de forma a permitir estudar dinacircmica e interativamente e em

tempo real conceitos e propriedades fundamentais do preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial

FIGURA 1 Imagem ilustrativa da F-Exponential

O conceito F-Tool em sala de aula permite uma abordagem dinacircmica de diversos concei-

tos relacionados com o estudo de funccedilotildees e promove novas formas de raciocinarpensar

avaliar ensinar e aprender As F-Tool foram concebidas como ferramentas de aprendiza-

gem ativa ou seja a sua utilizaccedilatildeo adequada propicia um contexto de ensino-aprendiza-

gem onde alunos e professores satildeo igualmente convidados a contribuir Aleacutem disso tecircm

uma interface muito intuitiva que permite que ateacute mesmo o utilizador mais inexperiente

sem qualquer conhecimento anterior em software educacional possa comeccedilar a usar to-

dos os recursos de uma forma eficiente e autoacutenoma As F-Tool natildeo satildeo um objeto estaacutetico

mas sim um programa a ser executado com o qual se interage em tempo real Em parti-

cular atraveacutes da alteraccedilatildeo dinacircmica dos valores dos paracircmetros que definem cada classe

eacute possiacutevel obter informaccedilatildeo analiacutetica rigorosa apresentada em aritmeacutetica exata ou apro-

ximada bem como informaccedilatildeo visual estaacutetica e natildeo-estaacutetica De igual modo escolhendo

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estrategicamente de entre as vaacuterias opccedilotildees de funccedilotildees disponiacuteveis no painel esquerdo eacute

possiacutevel apreender de forma mais eficaz e consequente muitas das relaccedilotildees existentes

entre as vaacuterias funccedilotildees e respetivas transformaccedilotildees (FIGURA 1) As F-Tool utilizam um

coacutedigo de cores para diferenciar as vaacuterias funccedilotildees apresentadas Este coacutedigo eacute explicitado

na legenda do canto inferior esquerdo do painel central

Qual das figuras pode representar o graacutefico de uma funccedilatildeo e o graacutefico da sua derivada de 1ordf ordem

FIGURA 2 Exemplo de questatildeo de escolha muacuteltipla utilizando diversas opccedilotildees do painel esquerdo das F-Tool

Apesar de ser um software educacional dinacircmico e interativo pode tambeacutem ser utilizado

na construccedilatildeo de questotildees de avaliaccedilatildeo de escolha muacuteltipla (FIGURA 2) e de resposta aberta

ficando o docente automaticamente com a resposta ao selecionar no painel esquerdo as

opccedilotildees relacionadas com a questatildeo

A utilizaccedilatildeo dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adapta-

ccedilatildeo de alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e do sim-

ples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular) De facto

incluindo as F-Tool em ficheiros no Computable Document Format (CDF) eacute possiacutevel criar

fichas de trabalho dinacircmicas e interativas motivando os alunos e tornando o estudo mais

interessante

Acreditamos que o conceito F-Tool ao dotar professores e estudantes com novas fer-

ramentas para explorar alguns conceitos fundamentais da matemaacutetica desenvolveraacute po-

sitivamente o processo de ensino e de aprendizagem das aacutereas de preacute-caacutelculo e caacutelculo

diferencial

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018046

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O Aroma das Plantas Luiacutes Gaspar Pedro

Ana Cristina Figueiredo

Joseacute Gonccedilalves Barroso

CESAM CBV Universidade de Lisboa

Quando nos festejos dos Santos Populares colocamos a matildeo sobre o manjerico

provocamos a rutura de estruturas microscoacutepicas Ao fazecirc-lo libertam-se compostos

quiacutemicos que aderem agrave palma da nossa matildeo que depois percecionamos pelo nosso

olfacto Os aromas satildeo misturas complexas de dezenas de compostos volaacuteteis

carateriacutesticos de uma determinada planta

O aroma o que eacute

O aroma de muitas plantas eacute constituiacutedo por diversos compostos quiacutemicos volaacuteteis que

tecircm a capacidade de estimular os nossos recetores olfactivos A quantidade e a diver-

sidade deste tipo de compostos presentes nas plantas satildeo responsaacuteveis pelos aromas

carateriacutesticos Eacute relativamente faacutecil reconhecer o aroma dos coentros ou do manjerico e

distingui-los de outros aromas como o da rosa ou do cravinho

Na composiccedilatildeo da fraccedilatildeo volaacutetil de uma planta aromaacutetica encontram-se regra geral

compostos como os mono- e sesquiterpenos e os fenilpropanoacuteides (FIGURA 1) entre ou-

tros Satildeo todos eles compostos quiacutemicos com ponto de ebuliccedilatildeo relativamente baixo que

volatilizam agrave temperatura ambiente e contribuem de forma mais ou menos notoacuteria para o

aroma carateriacutestico de cada espeacutecie

FIGURA 1 Exemplos de compostos que constituem a fraccedilatildeo volaacutetil de diversas espeacutecies aromaacuteticas monoterpenos (α-pineno timol) sesquiterpenos (β-cariofileno germacreno D) e fenilpropanoacuteides (eugenol)

α-Pineno Timol β-Cariofileno Germacreno D Eugenol

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Estruturas secretoras

Os compostos que constituem a fraccedilatildeo aromaacutetica de uma planta satildeo regra geral sinteti-

zados e acumulados em estruturas secretoras microscoacutepicas Entre os diversos tipos de

estruturas secretoras as mais frequentes satildeo os tricomas os canais e as bolsas (FIGURA 2)

FIGURA 2 Exemplos de estruturas secretoras observadas em microscopia oacuteptica A - Tricoma de Geranium robertianum (s - secretado acumulado no espaccedilo sub-cuticular coloraccedilatildeo com reagente de Nadi) B - canal secretor de Crithmum maritimum (setas coloraccedilatildeo com tricloreto de antimoacutenio) e C - bolsa secretora de Citrus sp (coloraccedilatildeo com Vermelho Sudatildeo III)

Os tricomas glandulares satildeo estruturas externas com origem em ceacutelulas epideacutermicas

que apresentam diversos graus de complexidade desde tricomas com apenas trecircs ceacutelulas

uma das quais a secretora ateacute tricomas com mais de uma dezena de ceacutelulas secretoras

As bolsas e os canais secretores satildeo estruturas internas constituiacutedas por ceacutelulas glandu-

lares que delimitam o luacutemen o espaccedilo para onde satildeo secretados os compostos depois de

produzidos nas ceacutelulas secretoras Os canais satildeo estruturas alongadas que percorrem o

corpo da planta por vezes com ramificaccedilotildees enquanto as bolsas satildeo estruturas mais ou

menos isodiameacutetricas

Os oacuteleos essenciais

Um oacuteleo essencial eacute obtido por hidrodestilaccedilatildeo ou por destilaccedilatildeo por arrastamento de va-

por (FIGURA 3) No caso particular dos citrinos o oacuteleo essencial pode ainda ser obtido

por expressatildeo (processo mecacircnico que promove a libertaccedilatildeo do secretado acumulado no

interior das estruturas secretoras neste caso bolsas)

Tanto na hidrodestilaccedilatildeo como na destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor o secretado eacute

removido das estruturas secretoras e arrastado pelo vapor de aacutegua Depois de condensar

por arrefecimento o oacuteleo essencial separa-se da aacutegua podendo ser facilmente recolhido

devido agrave sua imiscibilidade com a aacutegua

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41FIGURA 3 A - Sistema de hidrodestilaccedilatildeo com aparelho de Clevenger e B - sistema de destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor

Anaacutelise de oacuteleos essenciais

Para analisar um oacuteleo essencial recorre-se frequentemente agrave cromatografia gasosa (CG)

para quantificaccedilatildeo dos componentes e agrave CG acoplada agrave espectrometria de massa (CG-

-EM) para a correspondente identificaccedilatildeo dos constituintes Por CG-EM os diversos com-

ponentes que constituem o oacuteleo essencial satildeo separados uns dos outros e ao chegarem ao

espectroacutemetro de massa satildeo bombardeados por eletrotildees o que leva a que as moleacuteculas

fragmentem formando-se diferentes iotildees de acordo com padrotildees preferenciais O con-

junto dos fragmentosiotildees constituem o espectro de massa que eacute carateriacutestico de cada

moleacutecula A integraccedilatildeo das aacutereas dos picos que surgem no cromatograma obtido por CG

(FIGURA 4A) permite a quantificaccedilatildeo relativa dos diversos componentes do oacuteleo essencial

A anaacutelise por CG-EM possibilita a identificaccedilatildeo desses compostos por comparaccedilatildeo dos

espectros de massa (FIGURA 4B) e dos iacutendices de retenccedilatildeo com os de amostras padratildeo

FIGURA 4 A - Aspeto parcial de um cromatograma obtido por CG carateriacutestico de um oacuteleo essencial com alguns dos ldquopicosrdquo identificados B - espectro de massa obtido por CG-EM de um dos componentes maioritaacuterios o timol

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Paisagens da Islacircndia Formase Processos (III)Fernando Carlos LopesCITEUC Universidade de Coimbra

A Islacircndia eacute famosa natildeo soacute pelos seus vulcotildees mas tambeacutem pelos seus glaciares e pela

sua sinuosa e escarpada linha de costa

Atualmente os glaciares cobrem cerca de 10 da superfiacutecie islandesa e 60 destas

aacutereas geladas assentam sobre sistemas vulcacircnicos ativos Esta combinaccedilatildeo de gelo e vul-

canismo torna a Islacircndia o local ideal para cheias repentinas (joumlkulhlaups) resultantes de

aacutegua que escorre por baixo dos glaciares devido agrave fusatildeo provocada pelas erupccedilotildees subgla-

ciares Atualmente existem 4 grandes calotes glaciares localizadas nas regiotildees elevadas

e vulcanicamente ativas do centro e sul da ilha a partir das quais divergem numerosas liacuten-

guas glaciarias Vatnajoumlkull (8100 km2) situado no centro leste Langjoumlkull (925 km2) si-

tuado no centro oeste Hofsjoumlkull (925 km2) situado na zona central da ilha Myrdalsjoumlkull

(600 km2) situado no sul da ilha Apesar da Islacircndia ter cerca de 24 Ma a sua paisagem soacute

foi moldada por glaciares nos uacuteltimos 5 milhotildees de anos Os seus glaciares de tipo alpino

(ou de montanha) avanccedilaram e recuaram condicionados pelas variaccedilotildees regionais e locais

do clima de que resultaram espetaculares morfologias Como jaacute se referiu anteriormente

as variaccedilotildees da carga glaciar sobre a litosfera provocadas pelas fases de gelo e degelo

teratildeo desempenhado papel importante na atividade vulcacircnica da ilha

Com um comprimento de cerca de 4970 km a linha de costa da Islacircndia eacute de um modo

geral muito recortada e escarpada marcada por promontoacuterios cabos peniacutensulas fiordes

e enseadas pontilhada de leixotildees por entre os quais se aninham praias de areia negra de

contornos suaves A accedilatildeo do mar sobre as inuacutemeras escoadas de lava que fluiacuteram ateacute agrave

costa ao longo da evoluccedilatildeo geoloacutegica da ilha e ali solidificaram sobre os aparelhos vulcacirc-

nicos implantados na zona litoral e sobre os vales deixados pelo recuo dos glaciares criou

paisagens de uma beleza surreal

FIGURA DA PAacuteGINA ANTERIOR Leixatildeo Hvitserkur noroeste da Islacircndia (fonte pixabay)

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Parte III - Paisagens controladas pelos glaciares e paisagens costeirasVales glaciares e fiordes

Vales glaciares vales suspensos lagos glaciares e cascatas ciacuterculos glaciares moreias

e fiordes satildeo formas carateriacutesticas das paisagens islandesas criadas pelos seus glacia-

res alpinos Os vales glaciares com o seu carateriacutestico perfil em ldquoUrdquo satildeo a forma mais

comum de paisagem originada pela erosatildeo glacial (FIGURA 1) No interior destes vales os

rios concentram o seu poder erosivo na zona mais baixa originando um perfil carateriacutestico

em ldquoVrdquo O poder erosivo dos glaciares eacute muito superior ao dos rios porque a sua energia

potencial resulta natildeo soacute do declive do terreno mas tambeacutem do peso do gelo A erosatildeo faz-

-se essencialmente ao longo das zonas laterais do canal criando um vale com vertentes

alcantiladas e fundo aplanado Vales suspensos satildeo vales escavados por glaciares tributaacute-

rios Como estes glaciares levam menos gelo o seu poder erosivo eacute menor que o do glaciar

principal ficando suspenso nas vertentes do glaciar principal quando o gelo recua Cons-

tituem exemplos notaacuteveis pela sua beleza e dimensatildeo os vales glaciares de Borgarvirki

(FIGURA 2) e de Akureyri (ou Eyjafjoumlrethur) no noroeste da ilha Este uacuteltimo vai desembocar

num fiorde que eacute mais longo da Islacircndia

FIGURA 1 Esquema 3D (sem escala) da evoluccedilatildeo de uma paisagem glaciar com formaccedilatildeo de vales glaciares vales glaciares suspensos ciacuterculos glaciares lagos glaciares e cascatas

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FIGURA 2 Aspeto do vale glaciaacuterio de Borgarvirki observado a partir da fortaleza de Borgarvirki

Se as condiccedilotildees forem favoraacuteveis os glaciares podem erodir abaixo do niacutevel do mar Quan-

do o glaciar recua o oceano invade estas depressotildees criando um fiorde Alguns dos fiordes

islandeses como o de Akureyri e o de Nordfjord (nordeste da ilha) possuem centenas de

metros abaixo do niacutevel do mar O fiorde de Nordfjord abrange parcialmente uma antiga cal-

deira vulcacircnica Nas faleacutesias do seu flanco oriental (falesias de Raudubjoumlrg) afloram rioacutelitos

conferindo agraves arribas uma carateriacutestica cor avermelhada)

Como se referiu anteriormente (Parte I) a orientaccedilatildeo da maioria dos vales glaciares e

fiordes segue de perto a orientaccedilatildeo dos principais lineamentos tectoacutenicos

Moreias

Em termos de aspetos deposicionais relacionados com glaciares as moreias satildeo de lon-

ge os mais abundantes Satildeo acumulaccedilotildees de fragmentos rochosos transportados pelos

glaciares quer na regiatildeo frontal (moreia frontal) lateral (moreia lateral) a meio (moreia

mediana) e no fundo (moreia de fundo)

Durante o uacuteltimo maacuteximo glaciar (haacute cerca de 20 000 anos) a Islacircndia estava quase

toda coberta por glaciares que se estendiam ateacute agrave costa e para aleacutem dela Foram encon-

tradas moreias frontais dessa eacutepoca a cerca de 130 km a offshore da costa ocidental e a

cerca de 150-230 m abaixo do niacutevel de mar atual

Eacute possiacutevel encontrar nos vales glaciares islandeses quer moreias antigas resultantes

da uacuteltima glaciaccedilatildeo quer moreias recentes e atuais Estas uacuteltimas estatildeo relacionadas com

as 4 grandes calotes glaciares existentes como eacute o caso das moreias do glaciar Vatna-

joumlkull que se podem observar em pleno no setor sudeste da ilha

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Lagoas glaciares e icebergues

Outra das paisagens magniacuteficas moldadas pelos glaciares satildeo as lagoas glaciares Estas

lagoas formam-se na extremidade dos glaciares que descem das calotes glaciares Satildeo

alimentadas pelo desgelo natural dos glaciares e nela flutuam pequenos e grandes iceber-

gues que se separam da frente do glaciar (FIGURA 3)

FIGURA 3 Esquema 3D (sem escala) da formaccedilatildeo de icebergues numa lagoa glaciar

O exemplo mais notaacutevel deste tipo de lagoas na Islacircndia eacute a lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten consi-

derada uma das maravilhas naturais do paiacutes Fica situada no sudeste da ilha na extremidade

do glaciar Breiethamerkurjoumlkull uma das liacutengua glaciares da calote de Vatnajoumlkull (FIGURA 4)

FIGURA 4 Icebergues na lagoa glaciar de Joumlkulsaacuterloacuten Ao fundo vecirc-se a frente do glaciar Breiethamerkurjoumlkull As faixas negras nos icebergues satildeo niacuteveis de cinza vulcacircnica

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A lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten eacute o ponto mais baixo da Islacircndia com zonas agrave cota de -200 m Na

baiacutea da lagoa tem-se acesso a uma paisagem de outro mundo com icebergues de dimen-

sotildees variadas que flutuam ateacute ao mar ficando alguns deles encalhados na margem de uma

praia de areia vulcacircnica Alguns icebergues exibem faixas negras correspondentes a niacuteveis

de cinzas vulcacircnicas provenientes de antigas erupccedilotildees (FIGURA 4) Outros exibem duas

tonalidades branco leitoso e azul claro A faixa azul corresponde agrave porccedilatildeo do icebergue

que se tornou recentemente emersa

A lagoa teraacute sido formada em 1934-35 pelo contiacutenuo recuo do glaciar Vatnajoumlkull e teraacute

duplicado de tamanho nos uacuteltimos 15 anos Dada a taxa atual de recuo do glaciar Vatna-

joumlkull um profundo fiorde iraacute desenvolver-se no local onde hoje existe a lagoa

As costas escarpadas

As costas escarpadas e recortadas satildeo sem duacutevida as mais dominantes Ocorrem deste o

oeste ao leste da ilha passando pela regiatildeo norte incisas por numerosos fiordes e peque-

nas enseadas e salpicadas por leixotildees Eacute notaacutevel pela sua forma de dragatildeo e pelas lendas

que o envolvem o leixatildeo de Hvitserkur (IMAGEM DA PAGINA 42) situado na costa leste da

Peniacutensula de Vatnsnes no noroeste da Islacircndia

Os fiordes mais profundos localizam-se na costa norte constituindo bons portos natu-

rais Um destaque especial vai para o fiorde ao longo do qual se estende a cidade de Aku-

reyri (fiorde de Akureyri ou Eyjafjoumlrethur) considerado o mais longo do paiacutes

Praias de areia Negra

As praias de areia negra em geral de reduzida extensatildeo podem ser constituiacutedas por i) de-

poacutesitos resultantes da abrasatildeo das arribas ii) moreias e depoacutesitos fluviais resultantes dos

rios glaciares com contornos suaves e lagoas glaciares protegidas por extensas barras

arenosas iii) depoacutesitos de tefra provenientes de erupccedilotildees freaacuteticas

As do primeiro tipo ocorrem um pouco por toda a linha de costa como resultado da accedilatildeo

do mar sobre as arribas As do segundo tipo ocorrem dominantemente entre Djuacutepivogur a

sudeste e Oumllfusaacute a sudoeste com destaque para a praia de Reynisfjara na costa sul As

da terceira categoria podem ser observadas na ilha de Heimaey arquipeacutelago de Vestman-

naeyja regiatildeo sul da Islacircndia

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018048

IMA

GE

M E

M D

ES

TAQ

UE

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Eu crio as minhas obras de arte de peque-

nos pedaccedilos de papel com espirais que co-

nectam e ligam os elementos a uma grande

estrutura Na obra de origami acabada a

que chamo Voltinhas estas espirais vivem

e trabalham Forccedilas de tensatildeo e fricccedilatildeo

contrapotildeem-se agrave gravidade e mantecircm a

forma estaacutevel Nas minhas criaccedilotildees procu-

ro estar perto da natureza Quando criamos

ou estudamos modelos de papel na macro

escala podemos entender melhor as for-

mas criadas pela natureza na micro escala

A minha obra de origami na capa o trabalho

intitulado ldquoInverno num parque de Lisboardquo e

o capsiacutedeo do viacuterus Canine parvovirus um viacute-

rus contagioso que ataca sobretudo os catildees

e outros caniacutedeos tecircm a mesma estrutura

geomeacutetrica do pequeno rombicosidodecae-

dro um poliedro com simetria icosaeacutedrica

Essa obra invoca simbolicamente o Ano

da Biologia Matemaacutetica 2018 O origami eacute

uma arte de dobragem do papel com uma

forte componente geomeacutetrica que permite

a construccedilatildeo de formas complexas e tem

atraiacutedo o interesse de matemaacuteticos pelas

suas propriedades geomeacutetricas e algeacutebricas

Krystyna Burczyk

Os viacuterus satildeo responsaacuteveis por inuacutemeras

doenccedilas no homem nos animais e nas plan-

tas e as curas e prevenccedilotildees satildeo ainda mui-

tas vezes problemaacuteticas Desenvolvimen-

tos recentes das aplicaccedilotildees da matemaacutetica

agrave virologia nomeadamente das teorias de

grupos de grafos de tesselaccedilatildeo ou de re-

ticulados mostraram por exemplo que as

restriccedilotildees estruturais agraves formas dos viacuterus

satildeo maiores do que antes se pensava e

permitiram a construccedilatildeo de novos modelos

para o desenvolvimento de terapias anti-

-virais Os capsiacutedeos virais que envolvem

os genomas dos viacuterus por razotildees de eco-

nomia geneacutetica tem muitas vezes uma si-

metria icosaeacutedrica Ora esta simetria natildeo eacute

cristalograacutefica em trecircs dimensotildees ie natildeo

eacute compatiacutevel com reticulados perioacutedicos

o que motivou os matemaacuteticos a desen-

volverem novas estruturas no contexto de

grupos de Coxeter natildeo-cristalograacuteficos que

encontraram aplicaccedilatildeo natildeo soacute na virologia

mas tambeacutem noutras estruturas molecula-

res da quiacutemica do carbono

Joseacute Francisco RodriguesUniversidade de Lisboa

Origami e Viacuterusin imagemcasadascienciasorg

Imagem de Canine Parvovirus gerada em VMD Autor Alexandre Lopes Magalhatildees

Page 26: JUNHO 2018 V6 /02 · 2018-09-26 · Matilde Viegas, Maria João Ramos, Pedro Alexandrino Fernandes Stephen Hawking e a sua contribuição para a física teórica Orfeu Bertolami,

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mais diversificado de seres vivos apresentam as mais variadas e interessantes adap-

taccedilotildees anatoacutemicas e morfoloacutegicas Pensa-se que a sua enorme riqueza e abundacircncia eacute

devida a uma combinaccedilatildeo de carateriacutesticas vantajosas como a coevoluccedilatildeo com plan-

tas a miniaturizaccedilatildeo e a capacidade de voo Os insetos desempenham ainda um papel

importantiacutessimo no funcionamento dos ecossistemas realizando funccedilotildees quer de pre-

dadores quer de presa estando envolvidos em inuacutemeras teias alimentares (ex reciclan-

do nutrientes fazendo a manutenccedilatildeo da estrutura e fertilizaccedilatildeo dos solos) Destaca-se

tambeacutem o facto de vaacuterios insetos voadores como abelhas ou borboletas atuarem como

polinizadores de muitas espeacutecies de plantas Esta eacute uma funccedilatildeo ecoloacutegica importante

com vaacuterias repercussotildees econoacutemicas porque mais de 30 das culturas alimentares

mundiais dependem da polinizaccedilatildeo Os insetos possuem ainda um papel importante em

investigaccedilatildeo cientiacutefica sendo muitas vezes utilizados como organismo modelo dado pos-

suiacuterem carateriacutesticas distintas como o seu tamanho reduzido tempos de geraccedilatildeo curtos

e elevada fecundidade O exemplo de excelecircncia eacute a mosca da fruta Drosophila melano-

gaster cujo genoma eacute jaacute conhecido na totalidade sendo esta espeacutecie utilizada frequente-

mente para estudar vaacuterios processos celulares (ex o envelhecimento a hereditariedade

e o desenvolvimento embrionaacuterio) Apesar de constituiacuterem um grupo tatildeo interessante

beneacutefico e necessaacuterio agrave manutenccedilatildeo do equiliacutebrio dos ecossistemas existem algumas

desvantagens associadas aos insetos como eacute o caso de serem vetores na transmissatildeo

de doenccedilas Eacute o caso da malaacuteria transmitida por um mosquito do geacutenero Anopheles a

doenccedila parasitaacuteria mais disseminada com vaacuterios milhotildees de humanos infetados em todo

o mundo O dengue e o zika satildeo doenccedilas em que o vetor de transmissatildeo eacute tambeacutem um

mosquito do geacutenero Aedes Na agricultura as pragas de insetos (ex gorgulhos gafa-

nhotos afiacutedios) satildeo responsaacuteveis por prejudicar as culturas agriacutecolas e a produccedilatildeo de

alimentos causando perdas econoacutemicas elevadas

Sabe-se que atualmente a perda de habitat e as mudanccedilas climaacuteticas satildeo alguns dos

fatores responsaacuteveis por decliacutenios significativos nas populaccedilotildees deste grupo de orga-

nismos Esse decliacutenio apresenta uma elevada preocupaccedilatildeo ecoloacutegica uma vez que estes

organismos desempenham muacuteltiplas e importantes funccedilotildees nos ecossistemas No en-

tanto a conservaccedilatildeo deste grupo animal permanece um grande e urgente desafio que eacute

preciso enfrentar

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Biocombustiacuteveis seratildeo a soluccedilatildeo Matilde Viegas

Maria Joatildeo Ramos

Pedro Alexandrino Fernandes

UCIBIO REQUIMTEUniversidade do Porto

ldquoA 21 de Fevereiro de 2018 o niacutevel de poluiccedilatildeo de partiacuteculas finas com diacircmetro inferior

a 10 μm PM10 atingiu em Paris niacuteveis alarmantes com um pico correspondente

ao dobro do limite maacuteximo A Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) recomenda natildeo

exceder este limite maacuteximo por mais de trecircs dias por ano Com este recente pico os

parisienses jaacute o ultrapassaramrdquo

Em Un pic de pollution laquograveraquo en Ile-de-France Le Monde 22 de Fevereiro de 2018

Esta notiacutecia eacute um dos inuacutemeros exemplos dos efeitos do aquecimento global termo com o

qual estamos cada vez mais familiarizados infelizmente Este fenoacutemeno eacute consequecircncia

de Gases de Efeito de Estufa GEE (dioacutexido de carbono metano e oacutexido de azoto entre

outros) que se acumulam na atmosfera enclausurando o calor e tornando o planeta mais

quente A produccedilatildeo em larga escala de GEEs teve iniacutecio na Revoluccedilatildeo Industrial (1800)

como resultado da combustatildeo de combustiacuteveis foacutesseis (carvatildeo petroacuteleo e gaacutes natural)

para produccedilatildeo de eletricidade aquecimento e transporte

A preocupaccedilatildeo em torno do aquecimento global tornou-se um assunto constante na

agenda poliacutetica sobretudo nas uacuteltimas duas deacutecadas Os primeiros esforccedilos coletivos re-

sultaram no Protocolo de Quioto em 1997 cujo objetivo era a reduccedilatildeo das emissotildees de

GEEs assentando nos argumentos de que i) o aquecimento global era uma realidade e ii) o

CO2 produzido por accedilotildees humanas era o seu grande causador O primeiro periacuteodo do Proto-

colo terminou em 2012 e por isso em 2015 as Naccedilotildees Unidas promoveram a assinatura

do novo Acordo de Paris o qual consiste numa atualizaccedilatildeo do antigo Protocolo de Quioto

com o objetivo de ldquofortalecer a resposta global agrave ameaccedila das alteraccedilotildees climaacuteticas no

contexto de desenvolvimento sustentaacutevel e com esforccedilo para a erradicaccedilatildeo da pobrezardquo

O novo Acordo ao contraacuterio do de Quioto estabelece metas tangiacuteveis e quantitativas O

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objetivo eacute manter o aumento da temperatura meacutedia global abaixo dos 2ordm Celsius face agrave

temperatura global na era preacute-industrial Para atingir tal meta eacute necessaacuterio um esforccedilo

mundial contudo em 2017 com a saiacuteda dos EUA do Acordo de Paris o segundo maior

emissor de GEEs logo a seguir agrave China perdeu-se uma enorme contribuiccedilatildeo Aleacutem do peso

evidente que as suas emissotildees tecircm para o estado atual do aquecimento global em falta

estaratildeo tambeacutem a diplomacia e o encorajamento proporcionados por esta forccedila mundial

No Acordo de Paris uma das claacuteusulas exige a inclusatildeo de energias renovaacuteveis (eoacutelica

mariacutetima solar) e de biocombustiacuteveis no mercado de energia encorajando os paiacuteses a

atingir niacuteveis miacutenimos da sua utilizaccedilatildeo As metas estabelecidas para cada paiacutes vatildeo ao en-

contro ao seu mercado e agraves mateacuterias-primas disponiacuteveis em cada territoacuterio favorecendo o

desenvolvimento da economia

De uma forma generalista os biocombustiacuteveis englobam combustiacuteveis produzidos atra-

veacutes de processos bioloacutegicos como a agricultura e digestatildeo anaeroacutebica em vez de produ-

zidos a partir de processos geoloacutegicos como os necessaacuterios para a formaccedilatildeo de combus-

tiacuteveis foacutesseis Isto inclui o biodiesel (produzido a partir de oacuteleos e gorduras orgacircnicas) e o

bioetanol (aacutelcool produzido atraveacutes de fermentaccedilatildeo microbiana de accediluacutecares seguido de

destilaccedilatildeo e desidrataccedilatildeo) os quais seratildeo o maior foco deste artigo

A partir da deacutecada de 70 foram feitos os primeiros investimentos nos chamados bio-

combustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo (1G) Estes fazem uso de colheitas de produtos agriacuteco-

las como a soja cana-de-accediluacutecar milho oacuteleo de palma entre outros para a produccedilatildeo de

biodiesel e bioetanol atraveacutes de processos de trans-esterificaccedilatildeo ou fermentaccedilatildeo A sua

disponibilidade e facilidade de processamento permitiram a sua inserccedilatildeo e mistura nos

combustiacuteveis atualmente vendidos ao puacuteblico Para 2017 Portugal fixou em 75 (de poder

energeacutetico) a incorporaccedilatildeo de biocombustiacuteveis nos combustiacuteveis dos transportes rodoviaacute-

rios tendo a Uniatildeo Europeia o objectivo de 10 em 2020 para todos os paiacuteses membros

Os biocombustiacuteveis 1G fazem uso da colheita agriacutecola para fins energeacuteticos o que gera

opiniotildees desfavoraacuteveis por parte de ambientalistas (pelo uso exaustivo da terra agriacutecola sem

compensaccedilatildeo desflorestaccedilatildeo e perda de biodiversidade) e problemas eacuteticos tais como os le-

vantados por responsaacuteveis da ONU como o Dr Jean Ziegler que atribui aos biocombustiacuteveis

a culpa pela contiacutenua inflaccedilatildeo dos preccedilos de alimentos exacerbando a atual crise de fome

mundial - ldquoSatildeo necessaacuterios 352Kg de milho para encher um depoacutesito de 50L de um carro Uma

crianccedila na Zacircmbia ou no Meacutexico onde o milho eacute um elemento baacutesico da dieta poderia viver

com esta quantidade de milho um ano inteirordquo Atualmente os maiores produtores destes bio-

combustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo satildeo os EUA e o Brasil utilizando parte da produccedilatildeo global

de cereais e oacuteleos vegetais para a produccedilatildeo de bioetanol e biodiesel causando um ambiente

de profunda preocupaccedilatildeo em volta da sustentabilidade de produccedilatildeo de energia a meacutediolongo

prazo De forma a controlar a inflaccedilatildeo no preccedilo dos alimentos a EU estabeleceu um limite de

7 para o uso de biocombustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo como combustiacutevel de transportaccedilatildeo

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A segunda geraccedilatildeo de biocombustiacuteveis (2G) usa biomassa isto eacute qualquer fonte de car-

bono orgacircnico que eacute rapidamente renovado no ciclo de carbono Os biocombustiacuteveis de

segunda geraccedilatildeo almejam um uso ponderado de desperdiacutecios da induacutestria madeireira e

agriacutecola ou de restos de colheitas agriacutecolas assim que estas preencham o seu propoacutesito

alimentar evitando interferecircncia com o mercado alimentar e natildeo influenciando os preccedilos

dos alimentos baacutesicos

FIGURA 1 Biocombustiacuteveis

A produccedilatildeo de arroz atingiu o seu pico em 2017 gerando 1140 milhotildees de toneladas de

espigas de arroz cujo destino eacute a incineraccedilatildeo compostagem ou eacute simplesmente deposita-

da em aterros Contudo com a 2G de biocombustiacuteveis eacute encontrado potencial energeacutetico

neste desperdiacutecio agriacutecola O seu potencial deve-se agrave mateacuteria lignoceluloacutesica ndash celulose

hemicelulose e lignina ndash presente em todas as plantas incluindo as espigas em diferen-

tes percentagens Este material composto eacute essencial para a estrutura e resistecircncia das

plantas a hemicelulose eacute a matriz que rodeia o esqueleto de celulose enquanto a lignina

funciona como uma camada protetora As possibilidades associadas a este tipo de desper-

diacutecio satildeo inegaacuteveis a sua abundacircncia e facilidade de obtenccedilatildeo tornam-no muito apelativo

Contudo o gasto na recolha e transporte desta mateacuteria suplanta os custos de produccedilatildeo

e o seu uso continuado poderaacute contribuir para a erosatildeo do solo Aleacutem disso para o seu

aproveitamento para produccedilatildeo de biocombustiacuteveis eacute necessaacuterio um preacute-tratamento para

hidrolisar as ligaccedilotildees covalentes entre os trecircs constituintes da mateacuteria lignoceluloacutesica e

permitir a posterior fermentaccedilatildeo anaeroacutebia da celulose produzindo bioetanol Este preacute-

-tratamento eacute visto como outra das desvantagens do processo e estaacute ainda a ser estudado

e otimizado pois de momento as alternativas disponiacuteveis encarecem o produto final e em

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alguns dos casos dependem do uso de quiacutemicos poluentes A esperanccedila estaacute entatildeo de-

positada no estudo de enzimas hidroliacuteticas encontradas em organismos termoacutefilos que

seratildeo capazes de aguentar as difiacuteceis condiccedilotildees de tratamento Contudo a dificuldade em

escalar o processo de fermentaccedilatildeo eacute uma das desvantagens e dos fatores limitantes para

a 2G de biocombustiacuteveis em grande parte devido agrave dificuldade de monitorizar as condiccedilotildees

de fermentaccedilatildeo (oxigeacutenio pH nutrientes etc)

A terceira geraccedilatildeo (3G) de biocombustiacuteveis foi reconhecida como a melhor alternativa

em comparaccedilatildeo com primeira e segunda geraccedilotildees pois surpreendentemente faz uso de

algas A sua enorme disponibilidade por todo o planeta e o facto de natildeo interferirem com os

mercados alimentares satildeo os grandes embaixadores desta mateacuteria-prima como o futuro

dos biocombustiacuteveis Ainda que natildeo seja uma mateacuteria infinita eacute a que de momento mais se

assemelha por existirem 70 000 espeacutecies (30 000 documentadas) Estudos conduzidos

atualmente estatildeo a explorar a viabilidade energeacutetica de 30 espeacutecies de algas explorando a

sustentabilidade facilidade e escalabilidade da sua produccedilatildeo Outras vantagens incluem a

baixa manutenccedilatildeo necessaacuteria para o seu crescimento (luz dioacutexido de carbono e nutrientes

como azoto foacutesforo e potaacutessio) a facilidade com que produzem liacutepidos e carboidratos que

podem posteriormente ser processados em diferentes biocombustiacuteveis e outros copro-

dutos a frequecircncia com que podem ser colhidas ao longo do ano (ao contraacuterio de outras

colheitas convencionais) a baixa percentagem de hemicelulose e a praticamente ausente

lignina facilitam radicalmente o seu preacute-processamento pois a celulose eacute mais facilmente

extraiacuteda As desvantagens desta mateacuteria incluem o enorme investimento inicial para a

construccedilatildeo de infraestruturas para o seu cultivo que pode ser ou ao ar livre (em tanques

de grande dimensatildeo) ou em foto-bioreatores (sistemas fechados altamente controlados)

Prevecirc-se que em 2030 o preccedilo de produccedilatildeo de combustiacutevel a partir de algas seraacute 065 euro

litro de combustiacutevel valor muito proacuteximo do atual preccedilo de produccedilatildeo do litro de gasolina

Comparativamente aos custos de produccedilatildeo de outros biocombustiacuteveis o mais barato con-

tinua a ser o bioetanol produzido a partir de milho (1G) 017 eurolitro seguido de combustiacute-

veis celuloacutesicos (2G) a 032 eurolitro

Eacute evidente que seratildeo necessaacuterios esforccedilos poliacuteticos e cientiacuteficos investimento e regu-

lamentaccedilatildeo adequados para encontrar o caminho ideal para travar o aquecimento global

Em todas as geraccedilotildees de biocombustiacuteveis apresentadas existem fatores que afunilam as

potencialidades destas alternativas indicando que a soluccedilatildeo passa por criar um consoacutercio

entre as vaacuterias possibilidades de forma a tirar o maacuteximo partido sem danificar o planeta ou

piorar a crise da fome O proacuteximo passo passa por substituir os biocombustiacuteveis de 1G por

soluccedilotildees com maior escalabilidade Acreditamos que nas proacuteximas deacutecadas seratildeo cruciais

e depositamos esperanccedila na investigaccedilatildeo cientiacutefica

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018043

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Stephen Hawking e a sua contribuiccedilatildeo para a fiacutesica teoacutericaOrfeu Bertolami

Claacuteudio GomesDepartamento de Fiacutesica e Astronomia CFP Universidade do Porto

A 14 de marccedilo de 2018 o fiacutesico britacircnico Stephen Hawking faleceu aos 76 anos deixando

todavia um importante legado para a fiacutesica teoacuterica muito particularmente para o

entendimento das deficiecircncias intriacutensecas da Relatividade Geral de Einstein para a fiacutesica

dos buracos negros e para a cosmologia a ciecircncia do Universo como um todo

Stephen Hawking doutorou-se em Fiacutesica Teoacuterica em 1966 pela Universidade de Cambridge

sob a supervisatildeo de Dennis Sciama Apesar da sua condiccedilatildeo fiacutesica progressivamente limi-

tativa manteve-se extremamente ativo na investigaccedilatildeo nas aacutereas de cosmologia fiacutesica dos

buracos negros e gravitaccedilatildeo quacircntica

Nessa altura havia uma consideraacutevel discussatildeo acerca da realidade e ubiquidade de sin-

gularidades pontos no espaccedilo-tempo onde a Teoria da Relatividade Geral deixa de fazer sen-

tido e natildeo desaparecendo atraveacutes de mudanccedila de sistemas de coordenadas que descrevem

o espaccedilo-tempo Na segunda metade da deacutecada de 1960 Hawking e o matemaacutetico inglecircs

Roger Penrose demonstraram que essas singularidades eram inevitaacuteveis no contexto da

Teoria da Relatividade Geral (ver para uma descriccedilatildeo exaustiva o livro Large Scale Structure

of Space-Time escrito em colaboraccedilatildeo com o fiacutesico sul-africano George Ellis publicado em

1973) Uma dessas singularidades corresponde ao iniacutecio do Universo ndash Big Bang ndash e outras

estatildeo presentes no interior dos buracos negros natildeo acessiacuteveis agrave observaccedilatildeo devido agrave pre-

senccedila de um horizonte de acontecimentos que segundo a Conjetura da Censura Coacutesmica de

Roger Penrose protegem sempre as singularidades de se apresentarem ldquonuasrdquo

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Subsequentemente em 1975 ele desenvolveu a ideia que os buracos negros deveriam

radiar termicamente a uma temperatura especiacutefica inversamente proporcional agraves suas

massas temperatura esta que hoje designamos por temperatura de Hawking Esta ideia daacute

origem ao paradoxo da informaccedilatildeo em que a informaccedilatildeo que entrava no horizonte de evento

se perdia Com este contributo passou-se a ter uma equivalecircncia entre a dinacircmica e a termo-

dinacircmica de buracos negros

FIGURA 1 Emissatildeo da radiaccedilatildeo teacutermica de Hawking por um buraco negro

No princiacutepio da deacutecada de 1980 Hawking iniciou em colaboraccedilatildeo com o fiacutesico norte-ameri-

cano James Hartle o programa de investigaccedilatildeo que hoje designamos por cosmologia quacircntica

Na cosmologia quacircntica o espaccedilo-tempo eacute descrito por uma funccedilatildeo de onda a funccedilatildeo de onda

do Universo como na Mecacircnica Quacircntica Esta equaccedilatildeo de onda satisfaz uma equaccedilatildeo anaacuteloga

agrave de Schroumldinger da Mecacircnica Quacircntica a equaccedilatildeo de Wheeler-DeWitt A proposta de Hartle

e Hawking eacute que a funccedilatildeo de onda descreva um espaccedilo-tempo sem fronteiras (No-Boundary

proposal) A ideia eacute que agrave medida que retrocedemos no tempo chegamos a um ponto em que

o Universo eacute pequeno o suficiente para que efeitos quacircnticos sejam dominantes Nesta altura

existe uma espeacutecie de ldquoespumardquo do espaccedilo-tempo de tal modo que o tempo natildeo pode ser in-

terpretado do modo como o vemos hoje mas sim como uma quarta dimensatildeo espacial Uma

analogia uacutetil eacute a seguinte se viajarmos para o Polo Sul temos de seguir sempre para sul mas

quando alcanccedilamos o ponto do Polo Sul jaacute natildeo faz sentido falarmos na direccedilatildeo sul pelo mesmo

raciociacutenio ao retrocedermos no tempo haacute um pontoinstante em que natildeo faz sentido falar-se em

tempo Matematicamente isto torna-se possiacutevel passando de um espaccedilo-tempo de Minkowski

como na Relatividade Restrita para um espaccedilo Euclideano a quatro dimensotildees no qual o tempo

passa a ser um nuacutemero puramente complexo Com esta formulaccedilatildeo o Universo natildeo tem uma

fronteira aleacutem daquela que permite a transiccedilatildeo entre as duas descriccedilotildees para o espaccedilo-tempo

e que eacute exemplificado na FIGURA 2 Esta geometria eacute designada por shuttlecock ou volantepena

de badminton devido agrave semelhanccedila com este objeto

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FIGURA 2 Representaccedilatildeo tridimensional do modelo de Hartle-Hawking (no boundary proposal) A base corresponde a uma semiesfera a 4 dimensotildees e a estrutura que apresenta o tempo como uma direccedilatildeo distinta das espaciais corresponte a um Universo em expansatildeo

Hawking tambeacutem estudou outros problemas como o das maacutequinas do tempo e questotildees

relacionadas com a cosmologia e a formaccedilatildeo de estruturas no Universo Com o seu carate-

riacutestico humor Hawking afirmou natildeo ser possiacutevel viajar no tempo Para tal sugeriu organizar

uma festa convidando pessoas do futuro a se juntarem a ele e dado que ningueacutem apa-

receu concluiu entatildeo que viagens no tempo natildeo satildeo possiacuteveis na realidade Outra prova

prende-se com o facto de natildeo termos recebido ainda turistas do futuro numa clara alusatildeo

iroacutenica agrave procura turiacutestica desenfreada que assistimos nos dias de hoje

Mais recentemente ele pronunciou-se sobre questotildees de interesse geral como as im-

plicaccedilotildees do desenvolvimento da inteligecircncia artificial e a necessidade e inevitabilidade

da exploraccedilatildeo espacial Mostrou-se reticente acerca dos desenvolvimentos no domiacutenio da

inteligecircncia artificial classificando-o como possivelmente perigoso para a nossa civiliza-

ccedilatildeo pois apesar dos potenciais benefiacutecios comportam seacuterios riscos agrave continuidade da hu-

manidade Relativamente agrave exploraccedilatildeo espacial Hawking encarava as viagens espaciais

quer pelo seu interesse cientiacutefico quer como forma de preservar a humanidade de riscos

de destruiccedilatildeo devido a guerras nucleares ou epidemias devido a viacuterus geneticamente mo-

dificados

O fiacutesico Stephen Hawking legou-nos uma extraordinaacuteria contribuiccedilatildeo cientiacutefica e huma-

na Deixou um extraordinaacuterio exemplo de resiliecircncia dedicaccedilatildeo ao conhecimento e agrave socie-

dade Fisicamente debilitado e ldquopresordquo a uma condiccedilatildeo rara a esclerose lateral amiotroacutefica

que lhe foi diagnosticada aos 21 anos a sua mente foi das mais livres dos nossos tempos

concebeu hipoacuteteses conjunturas e teorias pensou a sociedade de hoje e a do futuro

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RochaO que eacute importante dizer sobre as rochas

A M Galopim de Carvalho Universidade de Lisboa

Rochas e pedras satildeo a mesma coisa Praticamente a resposta eacute sim Pedra eacute aquilo

que se apanha do chatildeo para dar uma pedrada

Qualquer pessoa mesmo a menos letrada diraacute que as pedras

bull natildeo satildeo fabricadas ou feitas por gente (a ciecircncia diz que satildeo entidades naturais)

bull que natildeo se amolgam (a ciecircncia diz que satildeo riacutegidas)

bull que geralmente natildeo se esboroam nem se esfarela (a ciecircncia diz que satildeo coesas)

bull que fazem mossa onde quer que batam (a ciecircncia diz que satildeo duras) Para o cidadatildeo

comum pedra (do grego peacutetra) eacute pois uma entidade natural riacutegida coesa e dura que se

apanha do chatildeo

Apanhamos uma pedra do chatildeo mas quando estudamos falamos quase sempre de ro-

chas Num modo de falar corrente podemos dizer que as pedras satildeo bocados de rocha

Todos falamos de rocha como sinoacutenimo de pedra com base num conhecimento comum

empiacuterico vulgar ligado agrave experiecircncia quotidiana mesmo do mais iletrado dos cidadatildeos Dize-

mos rochedo quando o afloramento de rocha eacute grande e apelidamos de rochoso um terreno

com a rocha agrave vista Rocha eacute um galicismo que entre noacutes se sobrepocircs ao termo ldquorocardquo bem

mais antigo talvez preacute-romano Cabo da Roca ou ldquoFocinho da Rocardquo no dizer dos homens do

mar deve o seu nome a esta versatildeo arcaica da palavra rocha

O conceito atual de rocha e os vaacuterios conhecimentos com elas relacionados percorreram

uma caminhada tatildeo longa quanto a do Homo sapiens caminhada de que temos testemunhos

na Preacute-histoacuteria e variadiacutessimos relatos escritos desde a Antiguidade

Na sua giacuteria proacutepria entendiacutevel entre pares os profissionais falam de rochas dizendo que

satildeo sistemas quiacutemicos mono ou polifaacutesicos (ou seja com um ou mais minerais) resultantes

do equiliacutebrio termodinacircmico atingido pelos seus constituintes em determinados ambientes

Entendendo-se por constituintes os elementos quiacutemicos incluiacutedos nos respetivos minerais

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Por outras palavras acessiacuteveis ao comum das gentes pode entatildeo dizer-se que as rochas

satildeo corpos naturais formados por associaccedilotildees mais ou menos estaacuteveis de minerais compatiacute-

veis entre si e com o ambiente onde foram gerados e que satildeo elas as rochas que constituem

a capa riacutegida da Terra que por essa razatildeo recebeu o nome de litosfera (FIGURA 1)

FIGURA 1 Modelado Graniacutetico na Serra da Estrela (fonte banco de imagens da Casa das Ciecircncias)

Antes de prosseguir esclareccedila-se que no jargatildeo proacuteprio da mineralogia e da geoquiacutemica

os minerais satildeo considerados fases no sentido fiacutesico-quiacutemico da palavra Com efeito neste

sentido uma fase eacute uma porccedilatildeo de mateacuteria quiacutemica e estruturalmente homogeacutenea e uma

qualquer espeacutecie mineral eacute isso mesmo

Por convenccedilatildeo na sistemaacutetica em sedimentologia entre as rochas sedimentares cabem

certos materiais natildeo consolidados como os barros as areias soltas as cascalheiras e ainda

outros de natureza natildeo mineral como os carvotildees foacutesseis e o petroacuteleo (oacuteleo de pedra) Cha-

mar rochas ou pedras a estes materiais agraves vezes tatildeo afastados da imagem vulgar de ldquocoisa

dura riacutegida e coesardquo decorre do conceito geoloacutegico de rocha no qual se inclui o modo de

ocorrecircncia e o respetivo processo de formaccedilatildeo (petrogeacutenese)

A mecacircnica das rochas (disciplina que estuda certas propriedades das rochas como resis-

tecircncia ao esmagamento agrave traccedilatildeo agrave torccedilatildeo agrave flexatildeo porosidade permeabilidade e outras)

define-as como entidades sempre riacutegidas e coesas e duras como tambeacutem se diz vulgarmen-

te com capacidade de suportar cargas e que na eventualidade de terem de ser escavadas ou

removidas haacute que usar tecnologias com explosivos Este conceito corresponde aliaacutes agrave ideia

mais divulgada de rocha como atraacutes se referiu Eacute o bedrock dos autores ingleses

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FIGURA 2 Processo de meteorizaccedilatildeo fiacutesica essencialmente por corrosatildeo eoacutelica em rochas sedimentares (arenitos) (fonte banco de imagens da Casa das Ciecircncias)

Aleacutem das muitas que conhecemos na Terra jaacute estudaacutemos rochas do nosso sateacutelite natural

nomeadamente basaltos e anortositos trazidos da sua superfiacutecie Mercuacuterio Veacutenus e Marte satildeo

tambeacutem planetas rochosos e igualmente rochosos ou pedregosos satildeo ainda os nuacutecleos dos co-

metas e muitos dos asteroides de que temos conhecimento pelos meteoritos caiacutedos na Terra

Quando se apelidam as rochas de magmaacuteticas sedimentares (FIGURA 2) ou metamoacuterficas

natildeo se estaacute apenas a rotulaacute-las para efeitos de arrumo ou arquivo muito menos se estatildeo a

criar novos vocaacutebulos para sobrecarga dos estudantes ou do cidadatildeo em geral Estes adjeti-

vos acrescentados agrave palavra rocha informam de imediato sobre a sua origem

bull magmaacutetica ou sedimentar qualquer delas em resultado de processos naturais faacuteceis de

entender

bull metamoacuterfica em consequecircncia de um outro processo muito menos ao alcance da vivecircncia

do vulgo mas que se explica sem grandes dificuldades

Apelidam-se de metamoacuterficas as rochas que posteriormente a uma primeira formaccedilatildeo

como magmaacuteticas ou sedimentares foram submetidas a pressotildees eou a temperaturas no

interior da crosta que lhes modificaram a composiccedilatildeo eou a textura

Foi atraveacutes do estudo das rochas que desvendaacutemos o essencial dos acontecimentos geo-

loacutegicos que marcaram a histoacuteria deste laquoPlaneta Azulraquo no qual a vida encontrou condiccedilotildees

para despertar e onde evoluiu ao ponto de se interrogar sobre essa mesma histoacuteria

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Os conhecimentos diretos de que hoje dispomos relativos agraves rochas da Terra limitam-se

aos que se obtecircm pelo estudo das que afloram agrave superfiacutecie das recolhidas em dragagens

nos fundos marinhos e das retiradas da profundidade quer em minas quer atraveacutes de son-

dagens Esta profundidade que natildeo excede 3 km no primeiro caso e 11 km no segundo

(na peniacutensula de Kola) pode considerar-se insuficiente se comparada com as trecircs a quatro

dezenas de quiloacutemetros de espessura meacutedia da crosta continental

Eacute jaacute muito o conhecimento que temos desta capa (a crosta ou crusta como alguns dizem e

escrevem) mais superficial do nosso planeta Temo-lo atraveacutes das rochas que constantemente

vemos e pisamos muitas delas geradas em zonas profundas trazidas agrave superfiacutecie pelos en-

rugamentos de origem tectoacutenica geradores das montanhas e subsequentemente postas a

descoberto pela erosatildeo

Outras rochas proacuteprias de muito maiores profundidades inclusive do manto inferior como eacute

o caso dos xenocristais e dos xenoacutelitos (do grego xenos estranho e lithos pedra) isto eacute cris-

tais e fragmentos de materiais liacuteticos gerados nessas regiotildees e que ascendem agrave superfiacutecie na

sequecircncia de atividade vulcacircnica englobados ou encravados nos produtos magmaacuteticos que ali

se formaram ou por ali passaram Na ilha da Madeira por exemplo satildeo frequentes os xenoacutelitos

oliviacutenicos que ascenderam ateacute agrave superfiacutecie no seio das lavas envolvidas no processo vulcacircnico

que originou esta e muitas outras ilhas

As rochas a que temos acesso mais ou menos direto representam uma parcela importante

da diferenciaccedilatildeo da Terra e agrave semelhanccedila da aacutegua do ar e dos seres vivos satildeo o resultado de

imensas transformaccedilotildees numa vasta e complexa rede de inter-relaccedilotildees ocorridas ao longo

dos tempos neste laquoplaneta vivoraquo pleno ainda de energia interna (sob a forma de calor) a que

se adiciona toda a que lhe chega do exterior isto eacute a radiaccedilatildeo solar Como escreveu Maurice

Mattauer ldquoas pedras nascem vivem e morrem como noacutes elas tecircm uma idade e uma histoacuteriardquo

Petrologia e litologia satildeo duas disciplinas que estudam as rochas ou as pedras Se bem que

os eacutetimos petra (latim) e lithos (grego) sejam sinoacutenimos petrologia e litologia encerram con-

ceitos diferentes ainda que relacionados entre si

bull A petrologia eacute um ramo da geologia com dimensatildeo de ciecircncia de vastos recursos nos campos

da fiacutesica da quiacutemica e naturalmente tambeacutem da matemaacutetica em busca do conhecimento da

origem natureza constituiccedilatildeo e evoluccedilatildeo da Terra no acircmbito do Sistema Solar e do Universo

bull A litologia outro ramo da geologia eacute habitualmente entendida como a disciplina que estuda

as rochas num campo praacutetico Serve a geologia de engenharia tendo em vista a implantaccedilatildeo

de grandes edifiacutecios e outras obras volumosas cujas fundaccedilotildees exigem o conhecimento dos

terrenos A litologia daacute igualmente respostas agrave pedologia (o estudo dos solos) e agrave induacutestria

extrativa de rochas ornamentais usadas na arquitetura na cantaria ou na estatuaacuteria e de

rochas industriais exploradas como importantes mateacuterias-primas para a construccedilatildeo civil a

ceracircmica o vidro o cimento a cal e a induacutestria quiacutemica

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Software educativo em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Ana C Conceiccedilatildeo

DMUniversidade do Algarve

O conceito F-Tool foi desenvolvido em 2012 com o objetivo de proporcionar uma

aprendizagem interativa em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Em particular eacute possiacutevel

explorar de forma integrada as noccedilotildees de domiacutenio contradomiacutenio existecircncia de zeros

existecircncia de extremos e de pontos de inflexatildeo invertibilidade derivabilidade reta

tangente ao graacutefico num ponto simetrias em relaccedilatildeo aos eixos e agrave origem A utilizaccedilatildeo

dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adaptaccedilatildeo de

alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e

do simples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular)

No ensino da matemaacutetica e em particular no estudo de funccedilotildees a recomendaccedilatildeo da utiliza-

ccedilatildeo de software educacional tem como objetivo o sanar das dificuldades que os alunos pos-

suem em associar as representaccedilotildees algeacutebricas com as diversas representaccedilotildees numeacutericas

eou graacuteficas De facto o caraacuteter estaacutetico das representaccedilotildees matemaacuteticas muitas vezes

dificulta a construccedilatildeo do significado afetando substancialmente a correta interpretaccedilatildeo dos

conceitos A criaccedilatildeo de modelos interativos visuais com o sistema de aacutelgebra computacional

Mathematica permite aos alunos explorar conceitos de elevada complexidade e rapidamen-

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te adquirir uma compreensatildeo mais profunda dos conteuacutedos Obviamente a utilizaccedilatildeo de sof-

tware educacional natildeo deve ser vista como um substituto para o ensino com ldquopapel e laacutepisrdquo

deve ser devidamente combinada com outros meacutetodos de ensino

O conceito F-Tool foi desenvolvido em 2012 com o objetivo de proporcionar uma apren-

dizagem interativa em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Os aplicativos computacionais

implementados com base neste conceito utilizam as capacidades de caacutelculo numeacuterico e

simboacutelico do Mathematica de forma a permitir estudar dinacircmica e interativamente e em

tempo real conceitos e propriedades fundamentais do preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial

FIGURA 1 Imagem ilustrativa da F-Exponential

O conceito F-Tool em sala de aula permite uma abordagem dinacircmica de diversos concei-

tos relacionados com o estudo de funccedilotildees e promove novas formas de raciocinarpensar

avaliar ensinar e aprender As F-Tool foram concebidas como ferramentas de aprendiza-

gem ativa ou seja a sua utilizaccedilatildeo adequada propicia um contexto de ensino-aprendiza-

gem onde alunos e professores satildeo igualmente convidados a contribuir Aleacutem disso tecircm

uma interface muito intuitiva que permite que ateacute mesmo o utilizador mais inexperiente

sem qualquer conhecimento anterior em software educacional possa comeccedilar a usar to-

dos os recursos de uma forma eficiente e autoacutenoma As F-Tool natildeo satildeo um objeto estaacutetico

mas sim um programa a ser executado com o qual se interage em tempo real Em parti-

cular atraveacutes da alteraccedilatildeo dinacircmica dos valores dos paracircmetros que definem cada classe

eacute possiacutevel obter informaccedilatildeo analiacutetica rigorosa apresentada em aritmeacutetica exata ou apro-

ximada bem como informaccedilatildeo visual estaacutetica e natildeo-estaacutetica De igual modo escolhendo

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estrategicamente de entre as vaacuterias opccedilotildees de funccedilotildees disponiacuteveis no painel esquerdo eacute

possiacutevel apreender de forma mais eficaz e consequente muitas das relaccedilotildees existentes

entre as vaacuterias funccedilotildees e respetivas transformaccedilotildees (FIGURA 1) As F-Tool utilizam um

coacutedigo de cores para diferenciar as vaacuterias funccedilotildees apresentadas Este coacutedigo eacute explicitado

na legenda do canto inferior esquerdo do painel central

Qual das figuras pode representar o graacutefico de uma funccedilatildeo e o graacutefico da sua derivada de 1ordf ordem

FIGURA 2 Exemplo de questatildeo de escolha muacuteltipla utilizando diversas opccedilotildees do painel esquerdo das F-Tool

Apesar de ser um software educacional dinacircmico e interativo pode tambeacutem ser utilizado

na construccedilatildeo de questotildees de avaliaccedilatildeo de escolha muacuteltipla (FIGURA 2) e de resposta aberta

ficando o docente automaticamente com a resposta ao selecionar no painel esquerdo as

opccedilotildees relacionadas com a questatildeo

A utilizaccedilatildeo dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adapta-

ccedilatildeo de alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e do sim-

ples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular) De facto

incluindo as F-Tool em ficheiros no Computable Document Format (CDF) eacute possiacutevel criar

fichas de trabalho dinacircmicas e interativas motivando os alunos e tornando o estudo mais

interessante

Acreditamos que o conceito F-Tool ao dotar professores e estudantes com novas fer-

ramentas para explorar alguns conceitos fundamentais da matemaacutetica desenvolveraacute po-

sitivamente o processo de ensino e de aprendizagem das aacutereas de preacute-caacutelculo e caacutelculo

diferencial

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018046

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O Aroma das Plantas Luiacutes Gaspar Pedro

Ana Cristina Figueiredo

Joseacute Gonccedilalves Barroso

CESAM CBV Universidade de Lisboa

Quando nos festejos dos Santos Populares colocamos a matildeo sobre o manjerico

provocamos a rutura de estruturas microscoacutepicas Ao fazecirc-lo libertam-se compostos

quiacutemicos que aderem agrave palma da nossa matildeo que depois percecionamos pelo nosso

olfacto Os aromas satildeo misturas complexas de dezenas de compostos volaacuteteis

carateriacutesticos de uma determinada planta

O aroma o que eacute

O aroma de muitas plantas eacute constituiacutedo por diversos compostos quiacutemicos volaacuteteis que

tecircm a capacidade de estimular os nossos recetores olfactivos A quantidade e a diver-

sidade deste tipo de compostos presentes nas plantas satildeo responsaacuteveis pelos aromas

carateriacutesticos Eacute relativamente faacutecil reconhecer o aroma dos coentros ou do manjerico e

distingui-los de outros aromas como o da rosa ou do cravinho

Na composiccedilatildeo da fraccedilatildeo volaacutetil de uma planta aromaacutetica encontram-se regra geral

compostos como os mono- e sesquiterpenos e os fenilpropanoacuteides (FIGURA 1) entre ou-

tros Satildeo todos eles compostos quiacutemicos com ponto de ebuliccedilatildeo relativamente baixo que

volatilizam agrave temperatura ambiente e contribuem de forma mais ou menos notoacuteria para o

aroma carateriacutestico de cada espeacutecie

FIGURA 1 Exemplos de compostos que constituem a fraccedilatildeo volaacutetil de diversas espeacutecies aromaacuteticas monoterpenos (α-pineno timol) sesquiterpenos (β-cariofileno germacreno D) e fenilpropanoacuteides (eugenol)

α-Pineno Timol β-Cariofileno Germacreno D Eugenol

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Estruturas secretoras

Os compostos que constituem a fraccedilatildeo aromaacutetica de uma planta satildeo regra geral sinteti-

zados e acumulados em estruturas secretoras microscoacutepicas Entre os diversos tipos de

estruturas secretoras as mais frequentes satildeo os tricomas os canais e as bolsas (FIGURA 2)

FIGURA 2 Exemplos de estruturas secretoras observadas em microscopia oacuteptica A - Tricoma de Geranium robertianum (s - secretado acumulado no espaccedilo sub-cuticular coloraccedilatildeo com reagente de Nadi) B - canal secretor de Crithmum maritimum (setas coloraccedilatildeo com tricloreto de antimoacutenio) e C - bolsa secretora de Citrus sp (coloraccedilatildeo com Vermelho Sudatildeo III)

Os tricomas glandulares satildeo estruturas externas com origem em ceacutelulas epideacutermicas

que apresentam diversos graus de complexidade desde tricomas com apenas trecircs ceacutelulas

uma das quais a secretora ateacute tricomas com mais de uma dezena de ceacutelulas secretoras

As bolsas e os canais secretores satildeo estruturas internas constituiacutedas por ceacutelulas glandu-

lares que delimitam o luacutemen o espaccedilo para onde satildeo secretados os compostos depois de

produzidos nas ceacutelulas secretoras Os canais satildeo estruturas alongadas que percorrem o

corpo da planta por vezes com ramificaccedilotildees enquanto as bolsas satildeo estruturas mais ou

menos isodiameacutetricas

Os oacuteleos essenciais

Um oacuteleo essencial eacute obtido por hidrodestilaccedilatildeo ou por destilaccedilatildeo por arrastamento de va-

por (FIGURA 3) No caso particular dos citrinos o oacuteleo essencial pode ainda ser obtido

por expressatildeo (processo mecacircnico que promove a libertaccedilatildeo do secretado acumulado no

interior das estruturas secretoras neste caso bolsas)

Tanto na hidrodestilaccedilatildeo como na destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor o secretado eacute

removido das estruturas secretoras e arrastado pelo vapor de aacutegua Depois de condensar

por arrefecimento o oacuteleo essencial separa-se da aacutegua podendo ser facilmente recolhido

devido agrave sua imiscibilidade com a aacutegua

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41FIGURA 3 A - Sistema de hidrodestilaccedilatildeo com aparelho de Clevenger e B - sistema de destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor

Anaacutelise de oacuteleos essenciais

Para analisar um oacuteleo essencial recorre-se frequentemente agrave cromatografia gasosa (CG)

para quantificaccedilatildeo dos componentes e agrave CG acoplada agrave espectrometria de massa (CG-

-EM) para a correspondente identificaccedilatildeo dos constituintes Por CG-EM os diversos com-

ponentes que constituem o oacuteleo essencial satildeo separados uns dos outros e ao chegarem ao

espectroacutemetro de massa satildeo bombardeados por eletrotildees o que leva a que as moleacuteculas

fragmentem formando-se diferentes iotildees de acordo com padrotildees preferenciais O con-

junto dos fragmentosiotildees constituem o espectro de massa que eacute carateriacutestico de cada

moleacutecula A integraccedilatildeo das aacutereas dos picos que surgem no cromatograma obtido por CG

(FIGURA 4A) permite a quantificaccedilatildeo relativa dos diversos componentes do oacuteleo essencial

A anaacutelise por CG-EM possibilita a identificaccedilatildeo desses compostos por comparaccedilatildeo dos

espectros de massa (FIGURA 4B) e dos iacutendices de retenccedilatildeo com os de amostras padratildeo

FIGURA 4 A - Aspeto parcial de um cromatograma obtido por CG carateriacutestico de um oacuteleo essencial com alguns dos ldquopicosrdquo identificados B - espectro de massa obtido por CG-EM de um dos componentes maioritaacuterios o timol

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Paisagens da Islacircndia Formase Processos (III)Fernando Carlos LopesCITEUC Universidade de Coimbra

A Islacircndia eacute famosa natildeo soacute pelos seus vulcotildees mas tambeacutem pelos seus glaciares e pela

sua sinuosa e escarpada linha de costa

Atualmente os glaciares cobrem cerca de 10 da superfiacutecie islandesa e 60 destas

aacutereas geladas assentam sobre sistemas vulcacircnicos ativos Esta combinaccedilatildeo de gelo e vul-

canismo torna a Islacircndia o local ideal para cheias repentinas (joumlkulhlaups) resultantes de

aacutegua que escorre por baixo dos glaciares devido agrave fusatildeo provocada pelas erupccedilotildees subgla-

ciares Atualmente existem 4 grandes calotes glaciares localizadas nas regiotildees elevadas

e vulcanicamente ativas do centro e sul da ilha a partir das quais divergem numerosas liacuten-

guas glaciarias Vatnajoumlkull (8100 km2) situado no centro leste Langjoumlkull (925 km2) si-

tuado no centro oeste Hofsjoumlkull (925 km2) situado na zona central da ilha Myrdalsjoumlkull

(600 km2) situado no sul da ilha Apesar da Islacircndia ter cerca de 24 Ma a sua paisagem soacute

foi moldada por glaciares nos uacuteltimos 5 milhotildees de anos Os seus glaciares de tipo alpino

(ou de montanha) avanccedilaram e recuaram condicionados pelas variaccedilotildees regionais e locais

do clima de que resultaram espetaculares morfologias Como jaacute se referiu anteriormente

as variaccedilotildees da carga glaciar sobre a litosfera provocadas pelas fases de gelo e degelo

teratildeo desempenhado papel importante na atividade vulcacircnica da ilha

Com um comprimento de cerca de 4970 km a linha de costa da Islacircndia eacute de um modo

geral muito recortada e escarpada marcada por promontoacuterios cabos peniacutensulas fiordes

e enseadas pontilhada de leixotildees por entre os quais se aninham praias de areia negra de

contornos suaves A accedilatildeo do mar sobre as inuacutemeras escoadas de lava que fluiacuteram ateacute agrave

costa ao longo da evoluccedilatildeo geoloacutegica da ilha e ali solidificaram sobre os aparelhos vulcacirc-

nicos implantados na zona litoral e sobre os vales deixados pelo recuo dos glaciares criou

paisagens de uma beleza surreal

FIGURA DA PAacuteGINA ANTERIOR Leixatildeo Hvitserkur noroeste da Islacircndia (fonte pixabay)

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Parte III - Paisagens controladas pelos glaciares e paisagens costeirasVales glaciares e fiordes

Vales glaciares vales suspensos lagos glaciares e cascatas ciacuterculos glaciares moreias

e fiordes satildeo formas carateriacutesticas das paisagens islandesas criadas pelos seus glacia-

res alpinos Os vales glaciares com o seu carateriacutestico perfil em ldquoUrdquo satildeo a forma mais

comum de paisagem originada pela erosatildeo glacial (FIGURA 1) No interior destes vales os

rios concentram o seu poder erosivo na zona mais baixa originando um perfil carateriacutestico

em ldquoVrdquo O poder erosivo dos glaciares eacute muito superior ao dos rios porque a sua energia

potencial resulta natildeo soacute do declive do terreno mas tambeacutem do peso do gelo A erosatildeo faz-

-se essencialmente ao longo das zonas laterais do canal criando um vale com vertentes

alcantiladas e fundo aplanado Vales suspensos satildeo vales escavados por glaciares tributaacute-

rios Como estes glaciares levam menos gelo o seu poder erosivo eacute menor que o do glaciar

principal ficando suspenso nas vertentes do glaciar principal quando o gelo recua Cons-

tituem exemplos notaacuteveis pela sua beleza e dimensatildeo os vales glaciares de Borgarvirki

(FIGURA 2) e de Akureyri (ou Eyjafjoumlrethur) no noroeste da ilha Este uacuteltimo vai desembocar

num fiorde que eacute mais longo da Islacircndia

FIGURA 1 Esquema 3D (sem escala) da evoluccedilatildeo de uma paisagem glaciar com formaccedilatildeo de vales glaciares vales glaciares suspensos ciacuterculos glaciares lagos glaciares e cascatas

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FIGURA 2 Aspeto do vale glaciaacuterio de Borgarvirki observado a partir da fortaleza de Borgarvirki

Se as condiccedilotildees forem favoraacuteveis os glaciares podem erodir abaixo do niacutevel do mar Quan-

do o glaciar recua o oceano invade estas depressotildees criando um fiorde Alguns dos fiordes

islandeses como o de Akureyri e o de Nordfjord (nordeste da ilha) possuem centenas de

metros abaixo do niacutevel do mar O fiorde de Nordfjord abrange parcialmente uma antiga cal-

deira vulcacircnica Nas faleacutesias do seu flanco oriental (falesias de Raudubjoumlrg) afloram rioacutelitos

conferindo agraves arribas uma carateriacutestica cor avermelhada)

Como se referiu anteriormente (Parte I) a orientaccedilatildeo da maioria dos vales glaciares e

fiordes segue de perto a orientaccedilatildeo dos principais lineamentos tectoacutenicos

Moreias

Em termos de aspetos deposicionais relacionados com glaciares as moreias satildeo de lon-

ge os mais abundantes Satildeo acumulaccedilotildees de fragmentos rochosos transportados pelos

glaciares quer na regiatildeo frontal (moreia frontal) lateral (moreia lateral) a meio (moreia

mediana) e no fundo (moreia de fundo)

Durante o uacuteltimo maacuteximo glaciar (haacute cerca de 20 000 anos) a Islacircndia estava quase

toda coberta por glaciares que se estendiam ateacute agrave costa e para aleacutem dela Foram encon-

tradas moreias frontais dessa eacutepoca a cerca de 130 km a offshore da costa ocidental e a

cerca de 150-230 m abaixo do niacutevel de mar atual

Eacute possiacutevel encontrar nos vales glaciares islandeses quer moreias antigas resultantes

da uacuteltima glaciaccedilatildeo quer moreias recentes e atuais Estas uacuteltimas estatildeo relacionadas com

as 4 grandes calotes glaciares existentes como eacute o caso das moreias do glaciar Vatna-

joumlkull que se podem observar em pleno no setor sudeste da ilha

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Lagoas glaciares e icebergues

Outra das paisagens magniacuteficas moldadas pelos glaciares satildeo as lagoas glaciares Estas

lagoas formam-se na extremidade dos glaciares que descem das calotes glaciares Satildeo

alimentadas pelo desgelo natural dos glaciares e nela flutuam pequenos e grandes iceber-

gues que se separam da frente do glaciar (FIGURA 3)

FIGURA 3 Esquema 3D (sem escala) da formaccedilatildeo de icebergues numa lagoa glaciar

O exemplo mais notaacutevel deste tipo de lagoas na Islacircndia eacute a lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten consi-

derada uma das maravilhas naturais do paiacutes Fica situada no sudeste da ilha na extremidade

do glaciar Breiethamerkurjoumlkull uma das liacutengua glaciares da calote de Vatnajoumlkull (FIGURA 4)

FIGURA 4 Icebergues na lagoa glaciar de Joumlkulsaacuterloacuten Ao fundo vecirc-se a frente do glaciar Breiethamerkurjoumlkull As faixas negras nos icebergues satildeo niacuteveis de cinza vulcacircnica

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A lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten eacute o ponto mais baixo da Islacircndia com zonas agrave cota de -200 m Na

baiacutea da lagoa tem-se acesso a uma paisagem de outro mundo com icebergues de dimen-

sotildees variadas que flutuam ateacute ao mar ficando alguns deles encalhados na margem de uma

praia de areia vulcacircnica Alguns icebergues exibem faixas negras correspondentes a niacuteveis

de cinzas vulcacircnicas provenientes de antigas erupccedilotildees (FIGURA 4) Outros exibem duas

tonalidades branco leitoso e azul claro A faixa azul corresponde agrave porccedilatildeo do icebergue

que se tornou recentemente emersa

A lagoa teraacute sido formada em 1934-35 pelo contiacutenuo recuo do glaciar Vatnajoumlkull e teraacute

duplicado de tamanho nos uacuteltimos 15 anos Dada a taxa atual de recuo do glaciar Vatna-

joumlkull um profundo fiorde iraacute desenvolver-se no local onde hoje existe a lagoa

As costas escarpadas

As costas escarpadas e recortadas satildeo sem duacutevida as mais dominantes Ocorrem deste o

oeste ao leste da ilha passando pela regiatildeo norte incisas por numerosos fiordes e peque-

nas enseadas e salpicadas por leixotildees Eacute notaacutevel pela sua forma de dragatildeo e pelas lendas

que o envolvem o leixatildeo de Hvitserkur (IMAGEM DA PAGINA 42) situado na costa leste da

Peniacutensula de Vatnsnes no noroeste da Islacircndia

Os fiordes mais profundos localizam-se na costa norte constituindo bons portos natu-

rais Um destaque especial vai para o fiorde ao longo do qual se estende a cidade de Aku-

reyri (fiorde de Akureyri ou Eyjafjoumlrethur) considerado o mais longo do paiacutes

Praias de areia Negra

As praias de areia negra em geral de reduzida extensatildeo podem ser constituiacutedas por i) de-

poacutesitos resultantes da abrasatildeo das arribas ii) moreias e depoacutesitos fluviais resultantes dos

rios glaciares com contornos suaves e lagoas glaciares protegidas por extensas barras

arenosas iii) depoacutesitos de tefra provenientes de erupccedilotildees freaacuteticas

As do primeiro tipo ocorrem um pouco por toda a linha de costa como resultado da accedilatildeo

do mar sobre as arribas As do segundo tipo ocorrem dominantemente entre Djuacutepivogur a

sudeste e Oumllfusaacute a sudoeste com destaque para a praia de Reynisfjara na costa sul As

da terceira categoria podem ser observadas na ilha de Heimaey arquipeacutelago de Vestman-

naeyja regiatildeo sul da Islacircndia

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018048

IMA

GE

M E

M D

ES

TAQ

UE

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Eu crio as minhas obras de arte de peque-

nos pedaccedilos de papel com espirais que co-

nectam e ligam os elementos a uma grande

estrutura Na obra de origami acabada a

que chamo Voltinhas estas espirais vivem

e trabalham Forccedilas de tensatildeo e fricccedilatildeo

contrapotildeem-se agrave gravidade e mantecircm a

forma estaacutevel Nas minhas criaccedilotildees procu-

ro estar perto da natureza Quando criamos

ou estudamos modelos de papel na macro

escala podemos entender melhor as for-

mas criadas pela natureza na micro escala

A minha obra de origami na capa o trabalho

intitulado ldquoInverno num parque de Lisboardquo e

o capsiacutedeo do viacuterus Canine parvovirus um viacute-

rus contagioso que ataca sobretudo os catildees

e outros caniacutedeos tecircm a mesma estrutura

geomeacutetrica do pequeno rombicosidodecae-

dro um poliedro com simetria icosaeacutedrica

Essa obra invoca simbolicamente o Ano

da Biologia Matemaacutetica 2018 O origami eacute

uma arte de dobragem do papel com uma

forte componente geomeacutetrica que permite

a construccedilatildeo de formas complexas e tem

atraiacutedo o interesse de matemaacuteticos pelas

suas propriedades geomeacutetricas e algeacutebricas

Krystyna Burczyk

Os viacuterus satildeo responsaacuteveis por inuacutemeras

doenccedilas no homem nos animais e nas plan-

tas e as curas e prevenccedilotildees satildeo ainda mui-

tas vezes problemaacuteticas Desenvolvimen-

tos recentes das aplicaccedilotildees da matemaacutetica

agrave virologia nomeadamente das teorias de

grupos de grafos de tesselaccedilatildeo ou de re-

ticulados mostraram por exemplo que as

restriccedilotildees estruturais agraves formas dos viacuterus

satildeo maiores do que antes se pensava e

permitiram a construccedilatildeo de novos modelos

para o desenvolvimento de terapias anti-

-virais Os capsiacutedeos virais que envolvem

os genomas dos viacuterus por razotildees de eco-

nomia geneacutetica tem muitas vezes uma si-

metria icosaeacutedrica Ora esta simetria natildeo eacute

cristalograacutefica em trecircs dimensotildees ie natildeo

eacute compatiacutevel com reticulados perioacutedicos

o que motivou os matemaacuteticos a desen-

volverem novas estruturas no contexto de

grupos de Coxeter natildeo-cristalograacuteficos que

encontraram aplicaccedilatildeo natildeo soacute na virologia

mas tambeacutem noutras estruturas molecula-

res da quiacutemica do carbono

Joseacute Francisco RodriguesUniversidade de Lisboa

Origami e Viacuterusin imagemcasadascienciasorg

Imagem de Canine Parvovirus gerada em VMD Autor Alexandre Lopes Magalhatildees

Page 27: JUNHO 2018 V6 /02 · 2018-09-26 · Matilde Viegas, Maria João Ramos, Pedro Alexandrino Fernandes Stephen Hawking e a sua contribuição para a física teórica Orfeu Bertolami,

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Biocombustiacuteveis seratildeo a soluccedilatildeo Matilde Viegas

Maria Joatildeo Ramos

Pedro Alexandrino Fernandes

UCIBIO REQUIMTEUniversidade do Porto

ldquoA 21 de Fevereiro de 2018 o niacutevel de poluiccedilatildeo de partiacuteculas finas com diacircmetro inferior

a 10 μm PM10 atingiu em Paris niacuteveis alarmantes com um pico correspondente

ao dobro do limite maacuteximo A Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede (OMS) recomenda natildeo

exceder este limite maacuteximo por mais de trecircs dias por ano Com este recente pico os

parisienses jaacute o ultrapassaramrdquo

Em Un pic de pollution laquograveraquo en Ile-de-France Le Monde 22 de Fevereiro de 2018

Esta notiacutecia eacute um dos inuacutemeros exemplos dos efeitos do aquecimento global termo com o

qual estamos cada vez mais familiarizados infelizmente Este fenoacutemeno eacute consequecircncia

de Gases de Efeito de Estufa GEE (dioacutexido de carbono metano e oacutexido de azoto entre

outros) que se acumulam na atmosfera enclausurando o calor e tornando o planeta mais

quente A produccedilatildeo em larga escala de GEEs teve iniacutecio na Revoluccedilatildeo Industrial (1800)

como resultado da combustatildeo de combustiacuteveis foacutesseis (carvatildeo petroacuteleo e gaacutes natural)

para produccedilatildeo de eletricidade aquecimento e transporte

A preocupaccedilatildeo em torno do aquecimento global tornou-se um assunto constante na

agenda poliacutetica sobretudo nas uacuteltimas duas deacutecadas Os primeiros esforccedilos coletivos re-

sultaram no Protocolo de Quioto em 1997 cujo objetivo era a reduccedilatildeo das emissotildees de

GEEs assentando nos argumentos de que i) o aquecimento global era uma realidade e ii) o

CO2 produzido por accedilotildees humanas era o seu grande causador O primeiro periacuteodo do Proto-

colo terminou em 2012 e por isso em 2015 as Naccedilotildees Unidas promoveram a assinatura

do novo Acordo de Paris o qual consiste numa atualizaccedilatildeo do antigo Protocolo de Quioto

com o objetivo de ldquofortalecer a resposta global agrave ameaccedila das alteraccedilotildees climaacuteticas no

contexto de desenvolvimento sustentaacutevel e com esforccedilo para a erradicaccedilatildeo da pobrezardquo

O novo Acordo ao contraacuterio do de Quioto estabelece metas tangiacuteveis e quantitativas O

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26

objetivo eacute manter o aumento da temperatura meacutedia global abaixo dos 2ordm Celsius face agrave

temperatura global na era preacute-industrial Para atingir tal meta eacute necessaacuterio um esforccedilo

mundial contudo em 2017 com a saiacuteda dos EUA do Acordo de Paris o segundo maior

emissor de GEEs logo a seguir agrave China perdeu-se uma enorme contribuiccedilatildeo Aleacutem do peso

evidente que as suas emissotildees tecircm para o estado atual do aquecimento global em falta

estaratildeo tambeacutem a diplomacia e o encorajamento proporcionados por esta forccedila mundial

No Acordo de Paris uma das claacuteusulas exige a inclusatildeo de energias renovaacuteveis (eoacutelica

mariacutetima solar) e de biocombustiacuteveis no mercado de energia encorajando os paiacuteses a

atingir niacuteveis miacutenimos da sua utilizaccedilatildeo As metas estabelecidas para cada paiacutes vatildeo ao en-

contro ao seu mercado e agraves mateacuterias-primas disponiacuteveis em cada territoacuterio favorecendo o

desenvolvimento da economia

De uma forma generalista os biocombustiacuteveis englobam combustiacuteveis produzidos atra-

veacutes de processos bioloacutegicos como a agricultura e digestatildeo anaeroacutebica em vez de produ-

zidos a partir de processos geoloacutegicos como os necessaacuterios para a formaccedilatildeo de combus-

tiacuteveis foacutesseis Isto inclui o biodiesel (produzido a partir de oacuteleos e gorduras orgacircnicas) e o

bioetanol (aacutelcool produzido atraveacutes de fermentaccedilatildeo microbiana de accediluacutecares seguido de

destilaccedilatildeo e desidrataccedilatildeo) os quais seratildeo o maior foco deste artigo

A partir da deacutecada de 70 foram feitos os primeiros investimentos nos chamados bio-

combustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo (1G) Estes fazem uso de colheitas de produtos agriacuteco-

las como a soja cana-de-accediluacutecar milho oacuteleo de palma entre outros para a produccedilatildeo de

biodiesel e bioetanol atraveacutes de processos de trans-esterificaccedilatildeo ou fermentaccedilatildeo A sua

disponibilidade e facilidade de processamento permitiram a sua inserccedilatildeo e mistura nos

combustiacuteveis atualmente vendidos ao puacuteblico Para 2017 Portugal fixou em 75 (de poder

energeacutetico) a incorporaccedilatildeo de biocombustiacuteveis nos combustiacuteveis dos transportes rodoviaacute-

rios tendo a Uniatildeo Europeia o objectivo de 10 em 2020 para todos os paiacuteses membros

Os biocombustiacuteveis 1G fazem uso da colheita agriacutecola para fins energeacuteticos o que gera

opiniotildees desfavoraacuteveis por parte de ambientalistas (pelo uso exaustivo da terra agriacutecola sem

compensaccedilatildeo desflorestaccedilatildeo e perda de biodiversidade) e problemas eacuteticos tais como os le-

vantados por responsaacuteveis da ONU como o Dr Jean Ziegler que atribui aos biocombustiacuteveis

a culpa pela contiacutenua inflaccedilatildeo dos preccedilos de alimentos exacerbando a atual crise de fome

mundial - ldquoSatildeo necessaacuterios 352Kg de milho para encher um depoacutesito de 50L de um carro Uma

crianccedila na Zacircmbia ou no Meacutexico onde o milho eacute um elemento baacutesico da dieta poderia viver

com esta quantidade de milho um ano inteirordquo Atualmente os maiores produtores destes bio-

combustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo satildeo os EUA e o Brasil utilizando parte da produccedilatildeo global

de cereais e oacuteleos vegetais para a produccedilatildeo de bioetanol e biodiesel causando um ambiente

de profunda preocupaccedilatildeo em volta da sustentabilidade de produccedilatildeo de energia a meacutediolongo

prazo De forma a controlar a inflaccedilatildeo no preccedilo dos alimentos a EU estabeleceu um limite de

7 para o uso de biocombustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo como combustiacutevel de transportaccedilatildeo

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A segunda geraccedilatildeo de biocombustiacuteveis (2G) usa biomassa isto eacute qualquer fonte de car-

bono orgacircnico que eacute rapidamente renovado no ciclo de carbono Os biocombustiacuteveis de

segunda geraccedilatildeo almejam um uso ponderado de desperdiacutecios da induacutestria madeireira e

agriacutecola ou de restos de colheitas agriacutecolas assim que estas preencham o seu propoacutesito

alimentar evitando interferecircncia com o mercado alimentar e natildeo influenciando os preccedilos

dos alimentos baacutesicos

FIGURA 1 Biocombustiacuteveis

A produccedilatildeo de arroz atingiu o seu pico em 2017 gerando 1140 milhotildees de toneladas de

espigas de arroz cujo destino eacute a incineraccedilatildeo compostagem ou eacute simplesmente deposita-

da em aterros Contudo com a 2G de biocombustiacuteveis eacute encontrado potencial energeacutetico

neste desperdiacutecio agriacutecola O seu potencial deve-se agrave mateacuteria lignoceluloacutesica ndash celulose

hemicelulose e lignina ndash presente em todas as plantas incluindo as espigas em diferen-

tes percentagens Este material composto eacute essencial para a estrutura e resistecircncia das

plantas a hemicelulose eacute a matriz que rodeia o esqueleto de celulose enquanto a lignina

funciona como uma camada protetora As possibilidades associadas a este tipo de desper-

diacutecio satildeo inegaacuteveis a sua abundacircncia e facilidade de obtenccedilatildeo tornam-no muito apelativo

Contudo o gasto na recolha e transporte desta mateacuteria suplanta os custos de produccedilatildeo

e o seu uso continuado poderaacute contribuir para a erosatildeo do solo Aleacutem disso para o seu

aproveitamento para produccedilatildeo de biocombustiacuteveis eacute necessaacuterio um preacute-tratamento para

hidrolisar as ligaccedilotildees covalentes entre os trecircs constituintes da mateacuteria lignoceluloacutesica e

permitir a posterior fermentaccedilatildeo anaeroacutebia da celulose produzindo bioetanol Este preacute-

-tratamento eacute visto como outra das desvantagens do processo e estaacute ainda a ser estudado

e otimizado pois de momento as alternativas disponiacuteveis encarecem o produto final e em

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alguns dos casos dependem do uso de quiacutemicos poluentes A esperanccedila estaacute entatildeo de-

positada no estudo de enzimas hidroliacuteticas encontradas em organismos termoacutefilos que

seratildeo capazes de aguentar as difiacuteceis condiccedilotildees de tratamento Contudo a dificuldade em

escalar o processo de fermentaccedilatildeo eacute uma das desvantagens e dos fatores limitantes para

a 2G de biocombustiacuteveis em grande parte devido agrave dificuldade de monitorizar as condiccedilotildees

de fermentaccedilatildeo (oxigeacutenio pH nutrientes etc)

A terceira geraccedilatildeo (3G) de biocombustiacuteveis foi reconhecida como a melhor alternativa

em comparaccedilatildeo com primeira e segunda geraccedilotildees pois surpreendentemente faz uso de

algas A sua enorme disponibilidade por todo o planeta e o facto de natildeo interferirem com os

mercados alimentares satildeo os grandes embaixadores desta mateacuteria-prima como o futuro

dos biocombustiacuteveis Ainda que natildeo seja uma mateacuteria infinita eacute a que de momento mais se

assemelha por existirem 70 000 espeacutecies (30 000 documentadas) Estudos conduzidos

atualmente estatildeo a explorar a viabilidade energeacutetica de 30 espeacutecies de algas explorando a

sustentabilidade facilidade e escalabilidade da sua produccedilatildeo Outras vantagens incluem a

baixa manutenccedilatildeo necessaacuteria para o seu crescimento (luz dioacutexido de carbono e nutrientes

como azoto foacutesforo e potaacutessio) a facilidade com que produzem liacutepidos e carboidratos que

podem posteriormente ser processados em diferentes biocombustiacuteveis e outros copro-

dutos a frequecircncia com que podem ser colhidas ao longo do ano (ao contraacuterio de outras

colheitas convencionais) a baixa percentagem de hemicelulose e a praticamente ausente

lignina facilitam radicalmente o seu preacute-processamento pois a celulose eacute mais facilmente

extraiacuteda As desvantagens desta mateacuteria incluem o enorme investimento inicial para a

construccedilatildeo de infraestruturas para o seu cultivo que pode ser ou ao ar livre (em tanques

de grande dimensatildeo) ou em foto-bioreatores (sistemas fechados altamente controlados)

Prevecirc-se que em 2030 o preccedilo de produccedilatildeo de combustiacutevel a partir de algas seraacute 065 euro

litro de combustiacutevel valor muito proacuteximo do atual preccedilo de produccedilatildeo do litro de gasolina

Comparativamente aos custos de produccedilatildeo de outros biocombustiacuteveis o mais barato con-

tinua a ser o bioetanol produzido a partir de milho (1G) 017 eurolitro seguido de combustiacute-

veis celuloacutesicos (2G) a 032 eurolitro

Eacute evidente que seratildeo necessaacuterios esforccedilos poliacuteticos e cientiacuteficos investimento e regu-

lamentaccedilatildeo adequados para encontrar o caminho ideal para travar o aquecimento global

Em todas as geraccedilotildees de biocombustiacuteveis apresentadas existem fatores que afunilam as

potencialidades destas alternativas indicando que a soluccedilatildeo passa por criar um consoacutercio

entre as vaacuterias possibilidades de forma a tirar o maacuteximo partido sem danificar o planeta ou

piorar a crise da fome O proacuteximo passo passa por substituir os biocombustiacuteveis de 1G por

soluccedilotildees com maior escalabilidade Acreditamos que nas proacuteximas deacutecadas seratildeo cruciais

e depositamos esperanccedila na investigaccedilatildeo cientiacutefica

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018043

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Stephen Hawking e a sua contribuiccedilatildeo para a fiacutesica teoacutericaOrfeu Bertolami

Claacuteudio GomesDepartamento de Fiacutesica e Astronomia CFP Universidade do Porto

A 14 de marccedilo de 2018 o fiacutesico britacircnico Stephen Hawking faleceu aos 76 anos deixando

todavia um importante legado para a fiacutesica teoacuterica muito particularmente para o

entendimento das deficiecircncias intriacutensecas da Relatividade Geral de Einstein para a fiacutesica

dos buracos negros e para a cosmologia a ciecircncia do Universo como um todo

Stephen Hawking doutorou-se em Fiacutesica Teoacuterica em 1966 pela Universidade de Cambridge

sob a supervisatildeo de Dennis Sciama Apesar da sua condiccedilatildeo fiacutesica progressivamente limi-

tativa manteve-se extremamente ativo na investigaccedilatildeo nas aacutereas de cosmologia fiacutesica dos

buracos negros e gravitaccedilatildeo quacircntica

Nessa altura havia uma consideraacutevel discussatildeo acerca da realidade e ubiquidade de sin-

gularidades pontos no espaccedilo-tempo onde a Teoria da Relatividade Geral deixa de fazer sen-

tido e natildeo desaparecendo atraveacutes de mudanccedila de sistemas de coordenadas que descrevem

o espaccedilo-tempo Na segunda metade da deacutecada de 1960 Hawking e o matemaacutetico inglecircs

Roger Penrose demonstraram que essas singularidades eram inevitaacuteveis no contexto da

Teoria da Relatividade Geral (ver para uma descriccedilatildeo exaustiva o livro Large Scale Structure

of Space-Time escrito em colaboraccedilatildeo com o fiacutesico sul-africano George Ellis publicado em

1973) Uma dessas singularidades corresponde ao iniacutecio do Universo ndash Big Bang ndash e outras

estatildeo presentes no interior dos buracos negros natildeo acessiacuteveis agrave observaccedilatildeo devido agrave pre-

senccedila de um horizonte de acontecimentos que segundo a Conjetura da Censura Coacutesmica de

Roger Penrose protegem sempre as singularidades de se apresentarem ldquonuasrdquo

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Subsequentemente em 1975 ele desenvolveu a ideia que os buracos negros deveriam

radiar termicamente a uma temperatura especiacutefica inversamente proporcional agraves suas

massas temperatura esta que hoje designamos por temperatura de Hawking Esta ideia daacute

origem ao paradoxo da informaccedilatildeo em que a informaccedilatildeo que entrava no horizonte de evento

se perdia Com este contributo passou-se a ter uma equivalecircncia entre a dinacircmica e a termo-

dinacircmica de buracos negros

FIGURA 1 Emissatildeo da radiaccedilatildeo teacutermica de Hawking por um buraco negro

No princiacutepio da deacutecada de 1980 Hawking iniciou em colaboraccedilatildeo com o fiacutesico norte-ameri-

cano James Hartle o programa de investigaccedilatildeo que hoje designamos por cosmologia quacircntica

Na cosmologia quacircntica o espaccedilo-tempo eacute descrito por uma funccedilatildeo de onda a funccedilatildeo de onda

do Universo como na Mecacircnica Quacircntica Esta equaccedilatildeo de onda satisfaz uma equaccedilatildeo anaacuteloga

agrave de Schroumldinger da Mecacircnica Quacircntica a equaccedilatildeo de Wheeler-DeWitt A proposta de Hartle

e Hawking eacute que a funccedilatildeo de onda descreva um espaccedilo-tempo sem fronteiras (No-Boundary

proposal) A ideia eacute que agrave medida que retrocedemos no tempo chegamos a um ponto em que

o Universo eacute pequeno o suficiente para que efeitos quacircnticos sejam dominantes Nesta altura

existe uma espeacutecie de ldquoespumardquo do espaccedilo-tempo de tal modo que o tempo natildeo pode ser in-

terpretado do modo como o vemos hoje mas sim como uma quarta dimensatildeo espacial Uma

analogia uacutetil eacute a seguinte se viajarmos para o Polo Sul temos de seguir sempre para sul mas

quando alcanccedilamos o ponto do Polo Sul jaacute natildeo faz sentido falarmos na direccedilatildeo sul pelo mesmo

raciociacutenio ao retrocedermos no tempo haacute um pontoinstante em que natildeo faz sentido falar-se em

tempo Matematicamente isto torna-se possiacutevel passando de um espaccedilo-tempo de Minkowski

como na Relatividade Restrita para um espaccedilo Euclideano a quatro dimensotildees no qual o tempo

passa a ser um nuacutemero puramente complexo Com esta formulaccedilatildeo o Universo natildeo tem uma

fronteira aleacutem daquela que permite a transiccedilatildeo entre as duas descriccedilotildees para o espaccedilo-tempo

e que eacute exemplificado na FIGURA 2 Esta geometria eacute designada por shuttlecock ou volantepena

de badminton devido agrave semelhanccedila com este objeto

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FIGURA 2 Representaccedilatildeo tridimensional do modelo de Hartle-Hawking (no boundary proposal) A base corresponde a uma semiesfera a 4 dimensotildees e a estrutura que apresenta o tempo como uma direccedilatildeo distinta das espaciais corresponte a um Universo em expansatildeo

Hawking tambeacutem estudou outros problemas como o das maacutequinas do tempo e questotildees

relacionadas com a cosmologia e a formaccedilatildeo de estruturas no Universo Com o seu carate-

riacutestico humor Hawking afirmou natildeo ser possiacutevel viajar no tempo Para tal sugeriu organizar

uma festa convidando pessoas do futuro a se juntarem a ele e dado que ningueacutem apa-

receu concluiu entatildeo que viagens no tempo natildeo satildeo possiacuteveis na realidade Outra prova

prende-se com o facto de natildeo termos recebido ainda turistas do futuro numa clara alusatildeo

iroacutenica agrave procura turiacutestica desenfreada que assistimos nos dias de hoje

Mais recentemente ele pronunciou-se sobre questotildees de interesse geral como as im-

plicaccedilotildees do desenvolvimento da inteligecircncia artificial e a necessidade e inevitabilidade

da exploraccedilatildeo espacial Mostrou-se reticente acerca dos desenvolvimentos no domiacutenio da

inteligecircncia artificial classificando-o como possivelmente perigoso para a nossa civiliza-

ccedilatildeo pois apesar dos potenciais benefiacutecios comportam seacuterios riscos agrave continuidade da hu-

manidade Relativamente agrave exploraccedilatildeo espacial Hawking encarava as viagens espaciais

quer pelo seu interesse cientiacutefico quer como forma de preservar a humanidade de riscos

de destruiccedilatildeo devido a guerras nucleares ou epidemias devido a viacuterus geneticamente mo-

dificados

O fiacutesico Stephen Hawking legou-nos uma extraordinaacuteria contribuiccedilatildeo cientiacutefica e huma-

na Deixou um extraordinaacuterio exemplo de resiliecircncia dedicaccedilatildeo ao conhecimento e agrave socie-

dade Fisicamente debilitado e ldquopresordquo a uma condiccedilatildeo rara a esclerose lateral amiotroacutefica

que lhe foi diagnosticada aos 21 anos a sua mente foi das mais livres dos nossos tempos

concebeu hipoacuteteses conjunturas e teorias pensou a sociedade de hoje e a do futuro

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RochaO que eacute importante dizer sobre as rochas

A M Galopim de Carvalho Universidade de Lisboa

Rochas e pedras satildeo a mesma coisa Praticamente a resposta eacute sim Pedra eacute aquilo

que se apanha do chatildeo para dar uma pedrada

Qualquer pessoa mesmo a menos letrada diraacute que as pedras

bull natildeo satildeo fabricadas ou feitas por gente (a ciecircncia diz que satildeo entidades naturais)

bull que natildeo se amolgam (a ciecircncia diz que satildeo riacutegidas)

bull que geralmente natildeo se esboroam nem se esfarela (a ciecircncia diz que satildeo coesas)

bull que fazem mossa onde quer que batam (a ciecircncia diz que satildeo duras) Para o cidadatildeo

comum pedra (do grego peacutetra) eacute pois uma entidade natural riacutegida coesa e dura que se

apanha do chatildeo

Apanhamos uma pedra do chatildeo mas quando estudamos falamos quase sempre de ro-

chas Num modo de falar corrente podemos dizer que as pedras satildeo bocados de rocha

Todos falamos de rocha como sinoacutenimo de pedra com base num conhecimento comum

empiacuterico vulgar ligado agrave experiecircncia quotidiana mesmo do mais iletrado dos cidadatildeos Dize-

mos rochedo quando o afloramento de rocha eacute grande e apelidamos de rochoso um terreno

com a rocha agrave vista Rocha eacute um galicismo que entre noacutes se sobrepocircs ao termo ldquorocardquo bem

mais antigo talvez preacute-romano Cabo da Roca ou ldquoFocinho da Rocardquo no dizer dos homens do

mar deve o seu nome a esta versatildeo arcaica da palavra rocha

O conceito atual de rocha e os vaacuterios conhecimentos com elas relacionados percorreram

uma caminhada tatildeo longa quanto a do Homo sapiens caminhada de que temos testemunhos

na Preacute-histoacuteria e variadiacutessimos relatos escritos desde a Antiguidade

Na sua giacuteria proacutepria entendiacutevel entre pares os profissionais falam de rochas dizendo que

satildeo sistemas quiacutemicos mono ou polifaacutesicos (ou seja com um ou mais minerais) resultantes

do equiliacutebrio termodinacircmico atingido pelos seus constituintes em determinados ambientes

Entendendo-se por constituintes os elementos quiacutemicos incluiacutedos nos respetivos minerais

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Por outras palavras acessiacuteveis ao comum das gentes pode entatildeo dizer-se que as rochas

satildeo corpos naturais formados por associaccedilotildees mais ou menos estaacuteveis de minerais compatiacute-

veis entre si e com o ambiente onde foram gerados e que satildeo elas as rochas que constituem

a capa riacutegida da Terra que por essa razatildeo recebeu o nome de litosfera (FIGURA 1)

FIGURA 1 Modelado Graniacutetico na Serra da Estrela (fonte banco de imagens da Casa das Ciecircncias)

Antes de prosseguir esclareccedila-se que no jargatildeo proacuteprio da mineralogia e da geoquiacutemica

os minerais satildeo considerados fases no sentido fiacutesico-quiacutemico da palavra Com efeito neste

sentido uma fase eacute uma porccedilatildeo de mateacuteria quiacutemica e estruturalmente homogeacutenea e uma

qualquer espeacutecie mineral eacute isso mesmo

Por convenccedilatildeo na sistemaacutetica em sedimentologia entre as rochas sedimentares cabem

certos materiais natildeo consolidados como os barros as areias soltas as cascalheiras e ainda

outros de natureza natildeo mineral como os carvotildees foacutesseis e o petroacuteleo (oacuteleo de pedra) Cha-

mar rochas ou pedras a estes materiais agraves vezes tatildeo afastados da imagem vulgar de ldquocoisa

dura riacutegida e coesardquo decorre do conceito geoloacutegico de rocha no qual se inclui o modo de

ocorrecircncia e o respetivo processo de formaccedilatildeo (petrogeacutenese)

A mecacircnica das rochas (disciplina que estuda certas propriedades das rochas como resis-

tecircncia ao esmagamento agrave traccedilatildeo agrave torccedilatildeo agrave flexatildeo porosidade permeabilidade e outras)

define-as como entidades sempre riacutegidas e coesas e duras como tambeacutem se diz vulgarmen-

te com capacidade de suportar cargas e que na eventualidade de terem de ser escavadas ou

removidas haacute que usar tecnologias com explosivos Este conceito corresponde aliaacutes agrave ideia

mais divulgada de rocha como atraacutes se referiu Eacute o bedrock dos autores ingleses

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FIGURA 2 Processo de meteorizaccedilatildeo fiacutesica essencialmente por corrosatildeo eoacutelica em rochas sedimentares (arenitos) (fonte banco de imagens da Casa das Ciecircncias)

Aleacutem das muitas que conhecemos na Terra jaacute estudaacutemos rochas do nosso sateacutelite natural

nomeadamente basaltos e anortositos trazidos da sua superfiacutecie Mercuacuterio Veacutenus e Marte satildeo

tambeacutem planetas rochosos e igualmente rochosos ou pedregosos satildeo ainda os nuacutecleos dos co-

metas e muitos dos asteroides de que temos conhecimento pelos meteoritos caiacutedos na Terra

Quando se apelidam as rochas de magmaacuteticas sedimentares (FIGURA 2) ou metamoacuterficas

natildeo se estaacute apenas a rotulaacute-las para efeitos de arrumo ou arquivo muito menos se estatildeo a

criar novos vocaacutebulos para sobrecarga dos estudantes ou do cidadatildeo em geral Estes adjeti-

vos acrescentados agrave palavra rocha informam de imediato sobre a sua origem

bull magmaacutetica ou sedimentar qualquer delas em resultado de processos naturais faacuteceis de

entender

bull metamoacuterfica em consequecircncia de um outro processo muito menos ao alcance da vivecircncia

do vulgo mas que se explica sem grandes dificuldades

Apelidam-se de metamoacuterficas as rochas que posteriormente a uma primeira formaccedilatildeo

como magmaacuteticas ou sedimentares foram submetidas a pressotildees eou a temperaturas no

interior da crosta que lhes modificaram a composiccedilatildeo eou a textura

Foi atraveacutes do estudo das rochas que desvendaacutemos o essencial dos acontecimentos geo-

loacutegicos que marcaram a histoacuteria deste laquoPlaneta Azulraquo no qual a vida encontrou condiccedilotildees

para despertar e onde evoluiu ao ponto de se interrogar sobre essa mesma histoacuteria

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Os conhecimentos diretos de que hoje dispomos relativos agraves rochas da Terra limitam-se

aos que se obtecircm pelo estudo das que afloram agrave superfiacutecie das recolhidas em dragagens

nos fundos marinhos e das retiradas da profundidade quer em minas quer atraveacutes de son-

dagens Esta profundidade que natildeo excede 3 km no primeiro caso e 11 km no segundo

(na peniacutensula de Kola) pode considerar-se insuficiente se comparada com as trecircs a quatro

dezenas de quiloacutemetros de espessura meacutedia da crosta continental

Eacute jaacute muito o conhecimento que temos desta capa (a crosta ou crusta como alguns dizem e

escrevem) mais superficial do nosso planeta Temo-lo atraveacutes das rochas que constantemente

vemos e pisamos muitas delas geradas em zonas profundas trazidas agrave superfiacutecie pelos en-

rugamentos de origem tectoacutenica geradores das montanhas e subsequentemente postas a

descoberto pela erosatildeo

Outras rochas proacuteprias de muito maiores profundidades inclusive do manto inferior como eacute

o caso dos xenocristais e dos xenoacutelitos (do grego xenos estranho e lithos pedra) isto eacute cris-

tais e fragmentos de materiais liacuteticos gerados nessas regiotildees e que ascendem agrave superfiacutecie na

sequecircncia de atividade vulcacircnica englobados ou encravados nos produtos magmaacuteticos que ali

se formaram ou por ali passaram Na ilha da Madeira por exemplo satildeo frequentes os xenoacutelitos

oliviacutenicos que ascenderam ateacute agrave superfiacutecie no seio das lavas envolvidas no processo vulcacircnico

que originou esta e muitas outras ilhas

As rochas a que temos acesso mais ou menos direto representam uma parcela importante

da diferenciaccedilatildeo da Terra e agrave semelhanccedila da aacutegua do ar e dos seres vivos satildeo o resultado de

imensas transformaccedilotildees numa vasta e complexa rede de inter-relaccedilotildees ocorridas ao longo

dos tempos neste laquoplaneta vivoraquo pleno ainda de energia interna (sob a forma de calor) a que

se adiciona toda a que lhe chega do exterior isto eacute a radiaccedilatildeo solar Como escreveu Maurice

Mattauer ldquoas pedras nascem vivem e morrem como noacutes elas tecircm uma idade e uma histoacuteriardquo

Petrologia e litologia satildeo duas disciplinas que estudam as rochas ou as pedras Se bem que

os eacutetimos petra (latim) e lithos (grego) sejam sinoacutenimos petrologia e litologia encerram con-

ceitos diferentes ainda que relacionados entre si

bull A petrologia eacute um ramo da geologia com dimensatildeo de ciecircncia de vastos recursos nos campos

da fiacutesica da quiacutemica e naturalmente tambeacutem da matemaacutetica em busca do conhecimento da

origem natureza constituiccedilatildeo e evoluccedilatildeo da Terra no acircmbito do Sistema Solar e do Universo

bull A litologia outro ramo da geologia eacute habitualmente entendida como a disciplina que estuda

as rochas num campo praacutetico Serve a geologia de engenharia tendo em vista a implantaccedilatildeo

de grandes edifiacutecios e outras obras volumosas cujas fundaccedilotildees exigem o conhecimento dos

terrenos A litologia daacute igualmente respostas agrave pedologia (o estudo dos solos) e agrave induacutestria

extrativa de rochas ornamentais usadas na arquitetura na cantaria ou na estatuaacuteria e de

rochas industriais exploradas como importantes mateacuterias-primas para a construccedilatildeo civil a

ceracircmica o vidro o cimento a cal e a induacutestria quiacutemica

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Software educativo em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Ana C Conceiccedilatildeo

DMUniversidade do Algarve

O conceito F-Tool foi desenvolvido em 2012 com o objetivo de proporcionar uma

aprendizagem interativa em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Em particular eacute possiacutevel

explorar de forma integrada as noccedilotildees de domiacutenio contradomiacutenio existecircncia de zeros

existecircncia de extremos e de pontos de inflexatildeo invertibilidade derivabilidade reta

tangente ao graacutefico num ponto simetrias em relaccedilatildeo aos eixos e agrave origem A utilizaccedilatildeo

dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adaptaccedilatildeo de

alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e

do simples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular)

No ensino da matemaacutetica e em particular no estudo de funccedilotildees a recomendaccedilatildeo da utiliza-

ccedilatildeo de software educacional tem como objetivo o sanar das dificuldades que os alunos pos-

suem em associar as representaccedilotildees algeacutebricas com as diversas representaccedilotildees numeacutericas

eou graacuteficas De facto o caraacuteter estaacutetico das representaccedilotildees matemaacuteticas muitas vezes

dificulta a construccedilatildeo do significado afetando substancialmente a correta interpretaccedilatildeo dos

conceitos A criaccedilatildeo de modelos interativos visuais com o sistema de aacutelgebra computacional

Mathematica permite aos alunos explorar conceitos de elevada complexidade e rapidamen-

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te adquirir uma compreensatildeo mais profunda dos conteuacutedos Obviamente a utilizaccedilatildeo de sof-

tware educacional natildeo deve ser vista como um substituto para o ensino com ldquopapel e laacutepisrdquo

deve ser devidamente combinada com outros meacutetodos de ensino

O conceito F-Tool foi desenvolvido em 2012 com o objetivo de proporcionar uma apren-

dizagem interativa em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Os aplicativos computacionais

implementados com base neste conceito utilizam as capacidades de caacutelculo numeacuterico e

simboacutelico do Mathematica de forma a permitir estudar dinacircmica e interativamente e em

tempo real conceitos e propriedades fundamentais do preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial

FIGURA 1 Imagem ilustrativa da F-Exponential

O conceito F-Tool em sala de aula permite uma abordagem dinacircmica de diversos concei-

tos relacionados com o estudo de funccedilotildees e promove novas formas de raciocinarpensar

avaliar ensinar e aprender As F-Tool foram concebidas como ferramentas de aprendiza-

gem ativa ou seja a sua utilizaccedilatildeo adequada propicia um contexto de ensino-aprendiza-

gem onde alunos e professores satildeo igualmente convidados a contribuir Aleacutem disso tecircm

uma interface muito intuitiva que permite que ateacute mesmo o utilizador mais inexperiente

sem qualquer conhecimento anterior em software educacional possa comeccedilar a usar to-

dos os recursos de uma forma eficiente e autoacutenoma As F-Tool natildeo satildeo um objeto estaacutetico

mas sim um programa a ser executado com o qual se interage em tempo real Em parti-

cular atraveacutes da alteraccedilatildeo dinacircmica dos valores dos paracircmetros que definem cada classe

eacute possiacutevel obter informaccedilatildeo analiacutetica rigorosa apresentada em aritmeacutetica exata ou apro-

ximada bem como informaccedilatildeo visual estaacutetica e natildeo-estaacutetica De igual modo escolhendo

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estrategicamente de entre as vaacuterias opccedilotildees de funccedilotildees disponiacuteveis no painel esquerdo eacute

possiacutevel apreender de forma mais eficaz e consequente muitas das relaccedilotildees existentes

entre as vaacuterias funccedilotildees e respetivas transformaccedilotildees (FIGURA 1) As F-Tool utilizam um

coacutedigo de cores para diferenciar as vaacuterias funccedilotildees apresentadas Este coacutedigo eacute explicitado

na legenda do canto inferior esquerdo do painel central

Qual das figuras pode representar o graacutefico de uma funccedilatildeo e o graacutefico da sua derivada de 1ordf ordem

FIGURA 2 Exemplo de questatildeo de escolha muacuteltipla utilizando diversas opccedilotildees do painel esquerdo das F-Tool

Apesar de ser um software educacional dinacircmico e interativo pode tambeacutem ser utilizado

na construccedilatildeo de questotildees de avaliaccedilatildeo de escolha muacuteltipla (FIGURA 2) e de resposta aberta

ficando o docente automaticamente com a resposta ao selecionar no painel esquerdo as

opccedilotildees relacionadas com a questatildeo

A utilizaccedilatildeo dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adapta-

ccedilatildeo de alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e do sim-

ples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular) De facto

incluindo as F-Tool em ficheiros no Computable Document Format (CDF) eacute possiacutevel criar

fichas de trabalho dinacircmicas e interativas motivando os alunos e tornando o estudo mais

interessante

Acreditamos que o conceito F-Tool ao dotar professores e estudantes com novas fer-

ramentas para explorar alguns conceitos fundamentais da matemaacutetica desenvolveraacute po-

sitivamente o processo de ensino e de aprendizagem das aacutereas de preacute-caacutelculo e caacutelculo

diferencial

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O Aroma das Plantas Luiacutes Gaspar Pedro

Ana Cristina Figueiredo

Joseacute Gonccedilalves Barroso

CESAM CBV Universidade de Lisboa

Quando nos festejos dos Santos Populares colocamos a matildeo sobre o manjerico

provocamos a rutura de estruturas microscoacutepicas Ao fazecirc-lo libertam-se compostos

quiacutemicos que aderem agrave palma da nossa matildeo que depois percecionamos pelo nosso

olfacto Os aromas satildeo misturas complexas de dezenas de compostos volaacuteteis

carateriacutesticos de uma determinada planta

O aroma o que eacute

O aroma de muitas plantas eacute constituiacutedo por diversos compostos quiacutemicos volaacuteteis que

tecircm a capacidade de estimular os nossos recetores olfactivos A quantidade e a diver-

sidade deste tipo de compostos presentes nas plantas satildeo responsaacuteveis pelos aromas

carateriacutesticos Eacute relativamente faacutecil reconhecer o aroma dos coentros ou do manjerico e

distingui-los de outros aromas como o da rosa ou do cravinho

Na composiccedilatildeo da fraccedilatildeo volaacutetil de uma planta aromaacutetica encontram-se regra geral

compostos como os mono- e sesquiterpenos e os fenilpropanoacuteides (FIGURA 1) entre ou-

tros Satildeo todos eles compostos quiacutemicos com ponto de ebuliccedilatildeo relativamente baixo que

volatilizam agrave temperatura ambiente e contribuem de forma mais ou menos notoacuteria para o

aroma carateriacutestico de cada espeacutecie

FIGURA 1 Exemplos de compostos que constituem a fraccedilatildeo volaacutetil de diversas espeacutecies aromaacuteticas monoterpenos (α-pineno timol) sesquiterpenos (β-cariofileno germacreno D) e fenilpropanoacuteides (eugenol)

α-Pineno Timol β-Cariofileno Germacreno D Eugenol

NO

TIacuteC

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Estruturas secretoras

Os compostos que constituem a fraccedilatildeo aromaacutetica de uma planta satildeo regra geral sinteti-

zados e acumulados em estruturas secretoras microscoacutepicas Entre os diversos tipos de

estruturas secretoras as mais frequentes satildeo os tricomas os canais e as bolsas (FIGURA 2)

FIGURA 2 Exemplos de estruturas secretoras observadas em microscopia oacuteptica A - Tricoma de Geranium robertianum (s - secretado acumulado no espaccedilo sub-cuticular coloraccedilatildeo com reagente de Nadi) B - canal secretor de Crithmum maritimum (setas coloraccedilatildeo com tricloreto de antimoacutenio) e C - bolsa secretora de Citrus sp (coloraccedilatildeo com Vermelho Sudatildeo III)

Os tricomas glandulares satildeo estruturas externas com origem em ceacutelulas epideacutermicas

que apresentam diversos graus de complexidade desde tricomas com apenas trecircs ceacutelulas

uma das quais a secretora ateacute tricomas com mais de uma dezena de ceacutelulas secretoras

As bolsas e os canais secretores satildeo estruturas internas constituiacutedas por ceacutelulas glandu-

lares que delimitam o luacutemen o espaccedilo para onde satildeo secretados os compostos depois de

produzidos nas ceacutelulas secretoras Os canais satildeo estruturas alongadas que percorrem o

corpo da planta por vezes com ramificaccedilotildees enquanto as bolsas satildeo estruturas mais ou

menos isodiameacutetricas

Os oacuteleos essenciais

Um oacuteleo essencial eacute obtido por hidrodestilaccedilatildeo ou por destilaccedilatildeo por arrastamento de va-

por (FIGURA 3) No caso particular dos citrinos o oacuteleo essencial pode ainda ser obtido

por expressatildeo (processo mecacircnico que promove a libertaccedilatildeo do secretado acumulado no

interior das estruturas secretoras neste caso bolsas)

Tanto na hidrodestilaccedilatildeo como na destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor o secretado eacute

removido das estruturas secretoras e arrastado pelo vapor de aacutegua Depois de condensar

por arrefecimento o oacuteleo essencial separa-se da aacutegua podendo ser facilmente recolhido

devido agrave sua imiscibilidade com a aacutegua

A B CS

NO

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41FIGURA 3 A - Sistema de hidrodestilaccedilatildeo com aparelho de Clevenger e B - sistema de destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor

Anaacutelise de oacuteleos essenciais

Para analisar um oacuteleo essencial recorre-se frequentemente agrave cromatografia gasosa (CG)

para quantificaccedilatildeo dos componentes e agrave CG acoplada agrave espectrometria de massa (CG-

-EM) para a correspondente identificaccedilatildeo dos constituintes Por CG-EM os diversos com-

ponentes que constituem o oacuteleo essencial satildeo separados uns dos outros e ao chegarem ao

espectroacutemetro de massa satildeo bombardeados por eletrotildees o que leva a que as moleacuteculas

fragmentem formando-se diferentes iotildees de acordo com padrotildees preferenciais O con-

junto dos fragmentosiotildees constituem o espectro de massa que eacute carateriacutestico de cada

moleacutecula A integraccedilatildeo das aacutereas dos picos que surgem no cromatograma obtido por CG

(FIGURA 4A) permite a quantificaccedilatildeo relativa dos diversos componentes do oacuteleo essencial

A anaacutelise por CG-EM possibilita a identificaccedilatildeo desses compostos por comparaccedilatildeo dos

espectros de massa (FIGURA 4B) e dos iacutendices de retenccedilatildeo com os de amostras padratildeo

FIGURA 4 A - Aspeto parcial de um cromatograma obtido por CG carateriacutestico de um oacuteleo essencial com alguns dos ldquopicosrdquo identificados B - espectro de massa obtido por CG-EM de um dos componentes maioritaacuterios o timol

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Paisagens da Islacircndia Formase Processos (III)Fernando Carlos LopesCITEUC Universidade de Coimbra

A Islacircndia eacute famosa natildeo soacute pelos seus vulcotildees mas tambeacutem pelos seus glaciares e pela

sua sinuosa e escarpada linha de costa

Atualmente os glaciares cobrem cerca de 10 da superfiacutecie islandesa e 60 destas

aacutereas geladas assentam sobre sistemas vulcacircnicos ativos Esta combinaccedilatildeo de gelo e vul-

canismo torna a Islacircndia o local ideal para cheias repentinas (joumlkulhlaups) resultantes de

aacutegua que escorre por baixo dos glaciares devido agrave fusatildeo provocada pelas erupccedilotildees subgla-

ciares Atualmente existem 4 grandes calotes glaciares localizadas nas regiotildees elevadas

e vulcanicamente ativas do centro e sul da ilha a partir das quais divergem numerosas liacuten-

guas glaciarias Vatnajoumlkull (8100 km2) situado no centro leste Langjoumlkull (925 km2) si-

tuado no centro oeste Hofsjoumlkull (925 km2) situado na zona central da ilha Myrdalsjoumlkull

(600 km2) situado no sul da ilha Apesar da Islacircndia ter cerca de 24 Ma a sua paisagem soacute

foi moldada por glaciares nos uacuteltimos 5 milhotildees de anos Os seus glaciares de tipo alpino

(ou de montanha) avanccedilaram e recuaram condicionados pelas variaccedilotildees regionais e locais

do clima de que resultaram espetaculares morfologias Como jaacute se referiu anteriormente

as variaccedilotildees da carga glaciar sobre a litosfera provocadas pelas fases de gelo e degelo

teratildeo desempenhado papel importante na atividade vulcacircnica da ilha

Com um comprimento de cerca de 4970 km a linha de costa da Islacircndia eacute de um modo

geral muito recortada e escarpada marcada por promontoacuterios cabos peniacutensulas fiordes

e enseadas pontilhada de leixotildees por entre os quais se aninham praias de areia negra de

contornos suaves A accedilatildeo do mar sobre as inuacutemeras escoadas de lava que fluiacuteram ateacute agrave

costa ao longo da evoluccedilatildeo geoloacutegica da ilha e ali solidificaram sobre os aparelhos vulcacirc-

nicos implantados na zona litoral e sobre os vales deixados pelo recuo dos glaciares criou

paisagens de uma beleza surreal

FIGURA DA PAacuteGINA ANTERIOR Leixatildeo Hvitserkur noroeste da Islacircndia (fonte pixabay)

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Parte III - Paisagens controladas pelos glaciares e paisagens costeirasVales glaciares e fiordes

Vales glaciares vales suspensos lagos glaciares e cascatas ciacuterculos glaciares moreias

e fiordes satildeo formas carateriacutesticas das paisagens islandesas criadas pelos seus glacia-

res alpinos Os vales glaciares com o seu carateriacutestico perfil em ldquoUrdquo satildeo a forma mais

comum de paisagem originada pela erosatildeo glacial (FIGURA 1) No interior destes vales os

rios concentram o seu poder erosivo na zona mais baixa originando um perfil carateriacutestico

em ldquoVrdquo O poder erosivo dos glaciares eacute muito superior ao dos rios porque a sua energia

potencial resulta natildeo soacute do declive do terreno mas tambeacutem do peso do gelo A erosatildeo faz-

-se essencialmente ao longo das zonas laterais do canal criando um vale com vertentes

alcantiladas e fundo aplanado Vales suspensos satildeo vales escavados por glaciares tributaacute-

rios Como estes glaciares levam menos gelo o seu poder erosivo eacute menor que o do glaciar

principal ficando suspenso nas vertentes do glaciar principal quando o gelo recua Cons-

tituem exemplos notaacuteveis pela sua beleza e dimensatildeo os vales glaciares de Borgarvirki

(FIGURA 2) e de Akureyri (ou Eyjafjoumlrethur) no noroeste da ilha Este uacuteltimo vai desembocar

num fiorde que eacute mais longo da Islacircndia

FIGURA 1 Esquema 3D (sem escala) da evoluccedilatildeo de uma paisagem glaciar com formaccedilatildeo de vales glaciares vales glaciares suspensos ciacuterculos glaciares lagos glaciares e cascatas

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FIGURA 2 Aspeto do vale glaciaacuterio de Borgarvirki observado a partir da fortaleza de Borgarvirki

Se as condiccedilotildees forem favoraacuteveis os glaciares podem erodir abaixo do niacutevel do mar Quan-

do o glaciar recua o oceano invade estas depressotildees criando um fiorde Alguns dos fiordes

islandeses como o de Akureyri e o de Nordfjord (nordeste da ilha) possuem centenas de

metros abaixo do niacutevel do mar O fiorde de Nordfjord abrange parcialmente uma antiga cal-

deira vulcacircnica Nas faleacutesias do seu flanco oriental (falesias de Raudubjoumlrg) afloram rioacutelitos

conferindo agraves arribas uma carateriacutestica cor avermelhada)

Como se referiu anteriormente (Parte I) a orientaccedilatildeo da maioria dos vales glaciares e

fiordes segue de perto a orientaccedilatildeo dos principais lineamentos tectoacutenicos

Moreias

Em termos de aspetos deposicionais relacionados com glaciares as moreias satildeo de lon-

ge os mais abundantes Satildeo acumulaccedilotildees de fragmentos rochosos transportados pelos

glaciares quer na regiatildeo frontal (moreia frontal) lateral (moreia lateral) a meio (moreia

mediana) e no fundo (moreia de fundo)

Durante o uacuteltimo maacuteximo glaciar (haacute cerca de 20 000 anos) a Islacircndia estava quase

toda coberta por glaciares que se estendiam ateacute agrave costa e para aleacutem dela Foram encon-

tradas moreias frontais dessa eacutepoca a cerca de 130 km a offshore da costa ocidental e a

cerca de 150-230 m abaixo do niacutevel de mar atual

Eacute possiacutevel encontrar nos vales glaciares islandeses quer moreias antigas resultantes

da uacuteltima glaciaccedilatildeo quer moreias recentes e atuais Estas uacuteltimas estatildeo relacionadas com

as 4 grandes calotes glaciares existentes como eacute o caso das moreias do glaciar Vatna-

joumlkull que se podem observar em pleno no setor sudeste da ilha

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Lagoas glaciares e icebergues

Outra das paisagens magniacuteficas moldadas pelos glaciares satildeo as lagoas glaciares Estas

lagoas formam-se na extremidade dos glaciares que descem das calotes glaciares Satildeo

alimentadas pelo desgelo natural dos glaciares e nela flutuam pequenos e grandes iceber-

gues que se separam da frente do glaciar (FIGURA 3)

FIGURA 3 Esquema 3D (sem escala) da formaccedilatildeo de icebergues numa lagoa glaciar

O exemplo mais notaacutevel deste tipo de lagoas na Islacircndia eacute a lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten consi-

derada uma das maravilhas naturais do paiacutes Fica situada no sudeste da ilha na extremidade

do glaciar Breiethamerkurjoumlkull uma das liacutengua glaciares da calote de Vatnajoumlkull (FIGURA 4)

FIGURA 4 Icebergues na lagoa glaciar de Joumlkulsaacuterloacuten Ao fundo vecirc-se a frente do glaciar Breiethamerkurjoumlkull As faixas negras nos icebergues satildeo niacuteveis de cinza vulcacircnica

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A lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten eacute o ponto mais baixo da Islacircndia com zonas agrave cota de -200 m Na

baiacutea da lagoa tem-se acesso a uma paisagem de outro mundo com icebergues de dimen-

sotildees variadas que flutuam ateacute ao mar ficando alguns deles encalhados na margem de uma

praia de areia vulcacircnica Alguns icebergues exibem faixas negras correspondentes a niacuteveis

de cinzas vulcacircnicas provenientes de antigas erupccedilotildees (FIGURA 4) Outros exibem duas

tonalidades branco leitoso e azul claro A faixa azul corresponde agrave porccedilatildeo do icebergue

que se tornou recentemente emersa

A lagoa teraacute sido formada em 1934-35 pelo contiacutenuo recuo do glaciar Vatnajoumlkull e teraacute

duplicado de tamanho nos uacuteltimos 15 anos Dada a taxa atual de recuo do glaciar Vatna-

joumlkull um profundo fiorde iraacute desenvolver-se no local onde hoje existe a lagoa

As costas escarpadas

As costas escarpadas e recortadas satildeo sem duacutevida as mais dominantes Ocorrem deste o

oeste ao leste da ilha passando pela regiatildeo norte incisas por numerosos fiordes e peque-

nas enseadas e salpicadas por leixotildees Eacute notaacutevel pela sua forma de dragatildeo e pelas lendas

que o envolvem o leixatildeo de Hvitserkur (IMAGEM DA PAGINA 42) situado na costa leste da

Peniacutensula de Vatnsnes no noroeste da Islacircndia

Os fiordes mais profundos localizam-se na costa norte constituindo bons portos natu-

rais Um destaque especial vai para o fiorde ao longo do qual se estende a cidade de Aku-

reyri (fiorde de Akureyri ou Eyjafjoumlrethur) considerado o mais longo do paiacutes

Praias de areia Negra

As praias de areia negra em geral de reduzida extensatildeo podem ser constituiacutedas por i) de-

poacutesitos resultantes da abrasatildeo das arribas ii) moreias e depoacutesitos fluviais resultantes dos

rios glaciares com contornos suaves e lagoas glaciares protegidas por extensas barras

arenosas iii) depoacutesitos de tefra provenientes de erupccedilotildees freaacuteticas

As do primeiro tipo ocorrem um pouco por toda a linha de costa como resultado da accedilatildeo

do mar sobre as arribas As do segundo tipo ocorrem dominantemente entre Djuacutepivogur a

sudeste e Oumllfusaacute a sudoeste com destaque para a praia de Reynisfjara na costa sul As

da terceira categoria podem ser observadas na ilha de Heimaey arquipeacutelago de Vestman-

naeyja regiatildeo sul da Islacircndia

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018048

IMA

GE

M E

M D

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TAQ

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Eu crio as minhas obras de arte de peque-

nos pedaccedilos de papel com espirais que co-

nectam e ligam os elementos a uma grande

estrutura Na obra de origami acabada a

que chamo Voltinhas estas espirais vivem

e trabalham Forccedilas de tensatildeo e fricccedilatildeo

contrapotildeem-se agrave gravidade e mantecircm a

forma estaacutevel Nas minhas criaccedilotildees procu-

ro estar perto da natureza Quando criamos

ou estudamos modelos de papel na macro

escala podemos entender melhor as for-

mas criadas pela natureza na micro escala

A minha obra de origami na capa o trabalho

intitulado ldquoInverno num parque de Lisboardquo e

o capsiacutedeo do viacuterus Canine parvovirus um viacute-

rus contagioso que ataca sobretudo os catildees

e outros caniacutedeos tecircm a mesma estrutura

geomeacutetrica do pequeno rombicosidodecae-

dro um poliedro com simetria icosaeacutedrica

Essa obra invoca simbolicamente o Ano

da Biologia Matemaacutetica 2018 O origami eacute

uma arte de dobragem do papel com uma

forte componente geomeacutetrica que permite

a construccedilatildeo de formas complexas e tem

atraiacutedo o interesse de matemaacuteticos pelas

suas propriedades geomeacutetricas e algeacutebricas

Krystyna Burczyk

Os viacuterus satildeo responsaacuteveis por inuacutemeras

doenccedilas no homem nos animais e nas plan-

tas e as curas e prevenccedilotildees satildeo ainda mui-

tas vezes problemaacuteticas Desenvolvimen-

tos recentes das aplicaccedilotildees da matemaacutetica

agrave virologia nomeadamente das teorias de

grupos de grafos de tesselaccedilatildeo ou de re-

ticulados mostraram por exemplo que as

restriccedilotildees estruturais agraves formas dos viacuterus

satildeo maiores do que antes se pensava e

permitiram a construccedilatildeo de novos modelos

para o desenvolvimento de terapias anti-

-virais Os capsiacutedeos virais que envolvem

os genomas dos viacuterus por razotildees de eco-

nomia geneacutetica tem muitas vezes uma si-

metria icosaeacutedrica Ora esta simetria natildeo eacute

cristalograacutefica em trecircs dimensotildees ie natildeo

eacute compatiacutevel com reticulados perioacutedicos

o que motivou os matemaacuteticos a desen-

volverem novas estruturas no contexto de

grupos de Coxeter natildeo-cristalograacuteficos que

encontraram aplicaccedilatildeo natildeo soacute na virologia

mas tambeacutem noutras estruturas molecula-

res da quiacutemica do carbono

Joseacute Francisco RodriguesUniversidade de Lisboa

Origami e Viacuterusin imagemcasadascienciasorg

Imagem de Canine Parvovirus gerada em VMD Autor Alexandre Lopes Magalhatildees

Page 28: JUNHO 2018 V6 /02 · 2018-09-26 · Matilde Viegas, Maria João Ramos, Pedro Alexandrino Fernandes Stephen Hawking e a sua contribuição para a física teórica Orfeu Bertolami,

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objetivo eacute manter o aumento da temperatura meacutedia global abaixo dos 2ordm Celsius face agrave

temperatura global na era preacute-industrial Para atingir tal meta eacute necessaacuterio um esforccedilo

mundial contudo em 2017 com a saiacuteda dos EUA do Acordo de Paris o segundo maior

emissor de GEEs logo a seguir agrave China perdeu-se uma enorme contribuiccedilatildeo Aleacutem do peso

evidente que as suas emissotildees tecircm para o estado atual do aquecimento global em falta

estaratildeo tambeacutem a diplomacia e o encorajamento proporcionados por esta forccedila mundial

No Acordo de Paris uma das claacuteusulas exige a inclusatildeo de energias renovaacuteveis (eoacutelica

mariacutetima solar) e de biocombustiacuteveis no mercado de energia encorajando os paiacuteses a

atingir niacuteveis miacutenimos da sua utilizaccedilatildeo As metas estabelecidas para cada paiacutes vatildeo ao en-

contro ao seu mercado e agraves mateacuterias-primas disponiacuteveis em cada territoacuterio favorecendo o

desenvolvimento da economia

De uma forma generalista os biocombustiacuteveis englobam combustiacuteveis produzidos atra-

veacutes de processos bioloacutegicos como a agricultura e digestatildeo anaeroacutebica em vez de produ-

zidos a partir de processos geoloacutegicos como os necessaacuterios para a formaccedilatildeo de combus-

tiacuteveis foacutesseis Isto inclui o biodiesel (produzido a partir de oacuteleos e gorduras orgacircnicas) e o

bioetanol (aacutelcool produzido atraveacutes de fermentaccedilatildeo microbiana de accediluacutecares seguido de

destilaccedilatildeo e desidrataccedilatildeo) os quais seratildeo o maior foco deste artigo

A partir da deacutecada de 70 foram feitos os primeiros investimentos nos chamados bio-

combustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo (1G) Estes fazem uso de colheitas de produtos agriacuteco-

las como a soja cana-de-accediluacutecar milho oacuteleo de palma entre outros para a produccedilatildeo de

biodiesel e bioetanol atraveacutes de processos de trans-esterificaccedilatildeo ou fermentaccedilatildeo A sua

disponibilidade e facilidade de processamento permitiram a sua inserccedilatildeo e mistura nos

combustiacuteveis atualmente vendidos ao puacuteblico Para 2017 Portugal fixou em 75 (de poder

energeacutetico) a incorporaccedilatildeo de biocombustiacuteveis nos combustiacuteveis dos transportes rodoviaacute-

rios tendo a Uniatildeo Europeia o objectivo de 10 em 2020 para todos os paiacuteses membros

Os biocombustiacuteveis 1G fazem uso da colheita agriacutecola para fins energeacuteticos o que gera

opiniotildees desfavoraacuteveis por parte de ambientalistas (pelo uso exaustivo da terra agriacutecola sem

compensaccedilatildeo desflorestaccedilatildeo e perda de biodiversidade) e problemas eacuteticos tais como os le-

vantados por responsaacuteveis da ONU como o Dr Jean Ziegler que atribui aos biocombustiacuteveis

a culpa pela contiacutenua inflaccedilatildeo dos preccedilos de alimentos exacerbando a atual crise de fome

mundial - ldquoSatildeo necessaacuterios 352Kg de milho para encher um depoacutesito de 50L de um carro Uma

crianccedila na Zacircmbia ou no Meacutexico onde o milho eacute um elemento baacutesico da dieta poderia viver

com esta quantidade de milho um ano inteirordquo Atualmente os maiores produtores destes bio-

combustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo satildeo os EUA e o Brasil utilizando parte da produccedilatildeo global

de cereais e oacuteleos vegetais para a produccedilatildeo de bioetanol e biodiesel causando um ambiente

de profunda preocupaccedilatildeo em volta da sustentabilidade de produccedilatildeo de energia a meacutediolongo

prazo De forma a controlar a inflaccedilatildeo no preccedilo dos alimentos a EU estabeleceu um limite de

7 para o uso de biocombustiacuteveis de primeira geraccedilatildeo como combustiacutevel de transportaccedilatildeo

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A segunda geraccedilatildeo de biocombustiacuteveis (2G) usa biomassa isto eacute qualquer fonte de car-

bono orgacircnico que eacute rapidamente renovado no ciclo de carbono Os biocombustiacuteveis de

segunda geraccedilatildeo almejam um uso ponderado de desperdiacutecios da induacutestria madeireira e

agriacutecola ou de restos de colheitas agriacutecolas assim que estas preencham o seu propoacutesito

alimentar evitando interferecircncia com o mercado alimentar e natildeo influenciando os preccedilos

dos alimentos baacutesicos

FIGURA 1 Biocombustiacuteveis

A produccedilatildeo de arroz atingiu o seu pico em 2017 gerando 1140 milhotildees de toneladas de

espigas de arroz cujo destino eacute a incineraccedilatildeo compostagem ou eacute simplesmente deposita-

da em aterros Contudo com a 2G de biocombustiacuteveis eacute encontrado potencial energeacutetico

neste desperdiacutecio agriacutecola O seu potencial deve-se agrave mateacuteria lignoceluloacutesica ndash celulose

hemicelulose e lignina ndash presente em todas as plantas incluindo as espigas em diferen-

tes percentagens Este material composto eacute essencial para a estrutura e resistecircncia das

plantas a hemicelulose eacute a matriz que rodeia o esqueleto de celulose enquanto a lignina

funciona como uma camada protetora As possibilidades associadas a este tipo de desper-

diacutecio satildeo inegaacuteveis a sua abundacircncia e facilidade de obtenccedilatildeo tornam-no muito apelativo

Contudo o gasto na recolha e transporte desta mateacuteria suplanta os custos de produccedilatildeo

e o seu uso continuado poderaacute contribuir para a erosatildeo do solo Aleacutem disso para o seu

aproveitamento para produccedilatildeo de biocombustiacuteveis eacute necessaacuterio um preacute-tratamento para

hidrolisar as ligaccedilotildees covalentes entre os trecircs constituintes da mateacuteria lignoceluloacutesica e

permitir a posterior fermentaccedilatildeo anaeroacutebia da celulose produzindo bioetanol Este preacute-

-tratamento eacute visto como outra das desvantagens do processo e estaacute ainda a ser estudado

e otimizado pois de momento as alternativas disponiacuteveis encarecem o produto final e em

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alguns dos casos dependem do uso de quiacutemicos poluentes A esperanccedila estaacute entatildeo de-

positada no estudo de enzimas hidroliacuteticas encontradas em organismos termoacutefilos que

seratildeo capazes de aguentar as difiacuteceis condiccedilotildees de tratamento Contudo a dificuldade em

escalar o processo de fermentaccedilatildeo eacute uma das desvantagens e dos fatores limitantes para

a 2G de biocombustiacuteveis em grande parte devido agrave dificuldade de monitorizar as condiccedilotildees

de fermentaccedilatildeo (oxigeacutenio pH nutrientes etc)

A terceira geraccedilatildeo (3G) de biocombustiacuteveis foi reconhecida como a melhor alternativa

em comparaccedilatildeo com primeira e segunda geraccedilotildees pois surpreendentemente faz uso de

algas A sua enorme disponibilidade por todo o planeta e o facto de natildeo interferirem com os

mercados alimentares satildeo os grandes embaixadores desta mateacuteria-prima como o futuro

dos biocombustiacuteveis Ainda que natildeo seja uma mateacuteria infinita eacute a que de momento mais se

assemelha por existirem 70 000 espeacutecies (30 000 documentadas) Estudos conduzidos

atualmente estatildeo a explorar a viabilidade energeacutetica de 30 espeacutecies de algas explorando a

sustentabilidade facilidade e escalabilidade da sua produccedilatildeo Outras vantagens incluem a

baixa manutenccedilatildeo necessaacuteria para o seu crescimento (luz dioacutexido de carbono e nutrientes

como azoto foacutesforo e potaacutessio) a facilidade com que produzem liacutepidos e carboidratos que

podem posteriormente ser processados em diferentes biocombustiacuteveis e outros copro-

dutos a frequecircncia com que podem ser colhidas ao longo do ano (ao contraacuterio de outras

colheitas convencionais) a baixa percentagem de hemicelulose e a praticamente ausente

lignina facilitam radicalmente o seu preacute-processamento pois a celulose eacute mais facilmente

extraiacuteda As desvantagens desta mateacuteria incluem o enorme investimento inicial para a

construccedilatildeo de infraestruturas para o seu cultivo que pode ser ou ao ar livre (em tanques

de grande dimensatildeo) ou em foto-bioreatores (sistemas fechados altamente controlados)

Prevecirc-se que em 2030 o preccedilo de produccedilatildeo de combustiacutevel a partir de algas seraacute 065 euro

litro de combustiacutevel valor muito proacuteximo do atual preccedilo de produccedilatildeo do litro de gasolina

Comparativamente aos custos de produccedilatildeo de outros biocombustiacuteveis o mais barato con-

tinua a ser o bioetanol produzido a partir de milho (1G) 017 eurolitro seguido de combustiacute-

veis celuloacutesicos (2G) a 032 eurolitro

Eacute evidente que seratildeo necessaacuterios esforccedilos poliacuteticos e cientiacuteficos investimento e regu-

lamentaccedilatildeo adequados para encontrar o caminho ideal para travar o aquecimento global

Em todas as geraccedilotildees de biocombustiacuteveis apresentadas existem fatores que afunilam as

potencialidades destas alternativas indicando que a soluccedilatildeo passa por criar um consoacutercio

entre as vaacuterias possibilidades de forma a tirar o maacuteximo partido sem danificar o planeta ou

piorar a crise da fome O proacuteximo passo passa por substituir os biocombustiacuteveis de 1G por

soluccedilotildees com maior escalabilidade Acreditamos que nas proacuteximas deacutecadas seratildeo cruciais

e depositamos esperanccedila na investigaccedilatildeo cientiacutefica

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018043

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Stephen Hawking e a sua contribuiccedilatildeo para a fiacutesica teoacutericaOrfeu Bertolami

Claacuteudio GomesDepartamento de Fiacutesica e Astronomia CFP Universidade do Porto

A 14 de marccedilo de 2018 o fiacutesico britacircnico Stephen Hawking faleceu aos 76 anos deixando

todavia um importante legado para a fiacutesica teoacuterica muito particularmente para o

entendimento das deficiecircncias intriacutensecas da Relatividade Geral de Einstein para a fiacutesica

dos buracos negros e para a cosmologia a ciecircncia do Universo como um todo

Stephen Hawking doutorou-se em Fiacutesica Teoacuterica em 1966 pela Universidade de Cambridge

sob a supervisatildeo de Dennis Sciama Apesar da sua condiccedilatildeo fiacutesica progressivamente limi-

tativa manteve-se extremamente ativo na investigaccedilatildeo nas aacutereas de cosmologia fiacutesica dos

buracos negros e gravitaccedilatildeo quacircntica

Nessa altura havia uma consideraacutevel discussatildeo acerca da realidade e ubiquidade de sin-

gularidades pontos no espaccedilo-tempo onde a Teoria da Relatividade Geral deixa de fazer sen-

tido e natildeo desaparecendo atraveacutes de mudanccedila de sistemas de coordenadas que descrevem

o espaccedilo-tempo Na segunda metade da deacutecada de 1960 Hawking e o matemaacutetico inglecircs

Roger Penrose demonstraram que essas singularidades eram inevitaacuteveis no contexto da

Teoria da Relatividade Geral (ver para uma descriccedilatildeo exaustiva o livro Large Scale Structure

of Space-Time escrito em colaboraccedilatildeo com o fiacutesico sul-africano George Ellis publicado em

1973) Uma dessas singularidades corresponde ao iniacutecio do Universo ndash Big Bang ndash e outras

estatildeo presentes no interior dos buracos negros natildeo acessiacuteveis agrave observaccedilatildeo devido agrave pre-

senccedila de um horizonte de acontecimentos que segundo a Conjetura da Censura Coacutesmica de

Roger Penrose protegem sempre as singularidades de se apresentarem ldquonuasrdquo

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Subsequentemente em 1975 ele desenvolveu a ideia que os buracos negros deveriam

radiar termicamente a uma temperatura especiacutefica inversamente proporcional agraves suas

massas temperatura esta que hoje designamos por temperatura de Hawking Esta ideia daacute

origem ao paradoxo da informaccedilatildeo em que a informaccedilatildeo que entrava no horizonte de evento

se perdia Com este contributo passou-se a ter uma equivalecircncia entre a dinacircmica e a termo-

dinacircmica de buracos negros

FIGURA 1 Emissatildeo da radiaccedilatildeo teacutermica de Hawking por um buraco negro

No princiacutepio da deacutecada de 1980 Hawking iniciou em colaboraccedilatildeo com o fiacutesico norte-ameri-

cano James Hartle o programa de investigaccedilatildeo que hoje designamos por cosmologia quacircntica

Na cosmologia quacircntica o espaccedilo-tempo eacute descrito por uma funccedilatildeo de onda a funccedilatildeo de onda

do Universo como na Mecacircnica Quacircntica Esta equaccedilatildeo de onda satisfaz uma equaccedilatildeo anaacuteloga

agrave de Schroumldinger da Mecacircnica Quacircntica a equaccedilatildeo de Wheeler-DeWitt A proposta de Hartle

e Hawking eacute que a funccedilatildeo de onda descreva um espaccedilo-tempo sem fronteiras (No-Boundary

proposal) A ideia eacute que agrave medida que retrocedemos no tempo chegamos a um ponto em que

o Universo eacute pequeno o suficiente para que efeitos quacircnticos sejam dominantes Nesta altura

existe uma espeacutecie de ldquoespumardquo do espaccedilo-tempo de tal modo que o tempo natildeo pode ser in-

terpretado do modo como o vemos hoje mas sim como uma quarta dimensatildeo espacial Uma

analogia uacutetil eacute a seguinte se viajarmos para o Polo Sul temos de seguir sempre para sul mas

quando alcanccedilamos o ponto do Polo Sul jaacute natildeo faz sentido falarmos na direccedilatildeo sul pelo mesmo

raciociacutenio ao retrocedermos no tempo haacute um pontoinstante em que natildeo faz sentido falar-se em

tempo Matematicamente isto torna-se possiacutevel passando de um espaccedilo-tempo de Minkowski

como na Relatividade Restrita para um espaccedilo Euclideano a quatro dimensotildees no qual o tempo

passa a ser um nuacutemero puramente complexo Com esta formulaccedilatildeo o Universo natildeo tem uma

fronteira aleacutem daquela que permite a transiccedilatildeo entre as duas descriccedilotildees para o espaccedilo-tempo

e que eacute exemplificado na FIGURA 2 Esta geometria eacute designada por shuttlecock ou volantepena

de badminton devido agrave semelhanccedila com este objeto

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FIGURA 2 Representaccedilatildeo tridimensional do modelo de Hartle-Hawking (no boundary proposal) A base corresponde a uma semiesfera a 4 dimensotildees e a estrutura que apresenta o tempo como uma direccedilatildeo distinta das espaciais corresponte a um Universo em expansatildeo

Hawking tambeacutem estudou outros problemas como o das maacutequinas do tempo e questotildees

relacionadas com a cosmologia e a formaccedilatildeo de estruturas no Universo Com o seu carate-

riacutestico humor Hawking afirmou natildeo ser possiacutevel viajar no tempo Para tal sugeriu organizar

uma festa convidando pessoas do futuro a se juntarem a ele e dado que ningueacutem apa-

receu concluiu entatildeo que viagens no tempo natildeo satildeo possiacuteveis na realidade Outra prova

prende-se com o facto de natildeo termos recebido ainda turistas do futuro numa clara alusatildeo

iroacutenica agrave procura turiacutestica desenfreada que assistimos nos dias de hoje

Mais recentemente ele pronunciou-se sobre questotildees de interesse geral como as im-

plicaccedilotildees do desenvolvimento da inteligecircncia artificial e a necessidade e inevitabilidade

da exploraccedilatildeo espacial Mostrou-se reticente acerca dos desenvolvimentos no domiacutenio da

inteligecircncia artificial classificando-o como possivelmente perigoso para a nossa civiliza-

ccedilatildeo pois apesar dos potenciais benefiacutecios comportam seacuterios riscos agrave continuidade da hu-

manidade Relativamente agrave exploraccedilatildeo espacial Hawking encarava as viagens espaciais

quer pelo seu interesse cientiacutefico quer como forma de preservar a humanidade de riscos

de destruiccedilatildeo devido a guerras nucleares ou epidemias devido a viacuterus geneticamente mo-

dificados

O fiacutesico Stephen Hawking legou-nos uma extraordinaacuteria contribuiccedilatildeo cientiacutefica e huma-

na Deixou um extraordinaacuterio exemplo de resiliecircncia dedicaccedilatildeo ao conhecimento e agrave socie-

dade Fisicamente debilitado e ldquopresordquo a uma condiccedilatildeo rara a esclerose lateral amiotroacutefica

que lhe foi diagnosticada aos 21 anos a sua mente foi das mais livres dos nossos tempos

concebeu hipoacuteteses conjunturas e teorias pensou a sociedade de hoje e a do futuro

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RochaO que eacute importante dizer sobre as rochas

A M Galopim de Carvalho Universidade de Lisboa

Rochas e pedras satildeo a mesma coisa Praticamente a resposta eacute sim Pedra eacute aquilo

que se apanha do chatildeo para dar uma pedrada

Qualquer pessoa mesmo a menos letrada diraacute que as pedras

bull natildeo satildeo fabricadas ou feitas por gente (a ciecircncia diz que satildeo entidades naturais)

bull que natildeo se amolgam (a ciecircncia diz que satildeo riacutegidas)

bull que geralmente natildeo se esboroam nem se esfarela (a ciecircncia diz que satildeo coesas)

bull que fazem mossa onde quer que batam (a ciecircncia diz que satildeo duras) Para o cidadatildeo

comum pedra (do grego peacutetra) eacute pois uma entidade natural riacutegida coesa e dura que se

apanha do chatildeo

Apanhamos uma pedra do chatildeo mas quando estudamos falamos quase sempre de ro-

chas Num modo de falar corrente podemos dizer que as pedras satildeo bocados de rocha

Todos falamos de rocha como sinoacutenimo de pedra com base num conhecimento comum

empiacuterico vulgar ligado agrave experiecircncia quotidiana mesmo do mais iletrado dos cidadatildeos Dize-

mos rochedo quando o afloramento de rocha eacute grande e apelidamos de rochoso um terreno

com a rocha agrave vista Rocha eacute um galicismo que entre noacutes se sobrepocircs ao termo ldquorocardquo bem

mais antigo talvez preacute-romano Cabo da Roca ou ldquoFocinho da Rocardquo no dizer dos homens do

mar deve o seu nome a esta versatildeo arcaica da palavra rocha

O conceito atual de rocha e os vaacuterios conhecimentos com elas relacionados percorreram

uma caminhada tatildeo longa quanto a do Homo sapiens caminhada de que temos testemunhos

na Preacute-histoacuteria e variadiacutessimos relatos escritos desde a Antiguidade

Na sua giacuteria proacutepria entendiacutevel entre pares os profissionais falam de rochas dizendo que

satildeo sistemas quiacutemicos mono ou polifaacutesicos (ou seja com um ou mais minerais) resultantes

do equiliacutebrio termodinacircmico atingido pelos seus constituintes em determinados ambientes

Entendendo-se por constituintes os elementos quiacutemicos incluiacutedos nos respetivos minerais

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Por outras palavras acessiacuteveis ao comum das gentes pode entatildeo dizer-se que as rochas

satildeo corpos naturais formados por associaccedilotildees mais ou menos estaacuteveis de minerais compatiacute-

veis entre si e com o ambiente onde foram gerados e que satildeo elas as rochas que constituem

a capa riacutegida da Terra que por essa razatildeo recebeu o nome de litosfera (FIGURA 1)

FIGURA 1 Modelado Graniacutetico na Serra da Estrela (fonte banco de imagens da Casa das Ciecircncias)

Antes de prosseguir esclareccedila-se que no jargatildeo proacuteprio da mineralogia e da geoquiacutemica

os minerais satildeo considerados fases no sentido fiacutesico-quiacutemico da palavra Com efeito neste

sentido uma fase eacute uma porccedilatildeo de mateacuteria quiacutemica e estruturalmente homogeacutenea e uma

qualquer espeacutecie mineral eacute isso mesmo

Por convenccedilatildeo na sistemaacutetica em sedimentologia entre as rochas sedimentares cabem

certos materiais natildeo consolidados como os barros as areias soltas as cascalheiras e ainda

outros de natureza natildeo mineral como os carvotildees foacutesseis e o petroacuteleo (oacuteleo de pedra) Cha-

mar rochas ou pedras a estes materiais agraves vezes tatildeo afastados da imagem vulgar de ldquocoisa

dura riacutegida e coesardquo decorre do conceito geoloacutegico de rocha no qual se inclui o modo de

ocorrecircncia e o respetivo processo de formaccedilatildeo (petrogeacutenese)

A mecacircnica das rochas (disciplina que estuda certas propriedades das rochas como resis-

tecircncia ao esmagamento agrave traccedilatildeo agrave torccedilatildeo agrave flexatildeo porosidade permeabilidade e outras)

define-as como entidades sempre riacutegidas e coesas e duras como tambeacutem se diz vulgarmen-

te com capacidade de suportar cargas e que na eventualidade de terem de ser escavadas ou

removidas haacute que usar tecnologias com explosivos Este conceito corresponde aliaacutes agrave ideia

mais divulgada de rocha como atraacutes se referiu Eacute o bedrock dos autores ingleses

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FIGURA 2 Processo de meteorizaccedilatildeo fiacutesica essencialmente por corrosatildeo eoacutelica em rochas sedimentares (arenitos) (fonte banco de imagens da Casa das Ciecircncias)

Aleacutem das muitas que conhecemos na Terra jaacute estudaacutemos rochas do nosso sateacutelite natural

nomeadamente basaltos e anortositos trazidos da sua superfiacutecie Mercuacuterio Veacutenus e Marte satildeo

tambeacutem planetas rochosos e igualmente rochosos ou pedregosos satildeo ainda os nuacutecleos dos co-

metas e muitos dos asteroides de que temos conhecimento pelos meteoritos caiacutedos na Terra

Quando se apelidam as rochas de magmaacuteticas sedimentares (FIGURA 2) ou metamoacuterficas

natildeo se estaacute apenas a rotulaacute-las para efeitos de arrumo ou arquivo muito menos se estatildeo a

criar novos vocaacutebulos para sobrecarga dos estudantes ou do cidadatildeo em geral Estes adjeti-

vos acrescentados agrave palavra rocha informam de imediato sobre a sua origem

bull magmaacutetica ou sedimentar qualquer delas em resultado de processos naturais faacuteceis de

entender

bull metamoacuterfica em consequecircncia de um outro processo muito menos ao alcance da vivecircncia

do vulgo mas que se explica sem grandes dificuldades

Apelidam-se de metamoacuterficas as rochas que posteriormente a uma primeira formaccedilatildeo

como magmaacuteticas ou sedimentares foram submetidas a pressotildees eou a temperaturas no

interior da crosta que lhes modificaram a composiccedilatildeo eou a textura

Foi atraveacutes do estudo das rochas que desvendaacutemos o essencial dos acontecimentos geo-

loacutegicos que marcaram a histoacuteria deste laquoPlaneta Azulraquo no qual a vida encontrou condiccedilotildees

para despertar e onde evoluiu ao ponto de se interrogar sobre essa mesma histoacuteria

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Os conhecimentos diretos de que hoje dispomos relativos agraves rochas da Terra limitam-se

aos que se obtecircm pelo estudo das que afloram agrave superfiacutecie das recolhidas em dragagens

nos fundos marinhos e das retiradas da profundidade quer em minas quer atraveacutes de son-

dagens Esta profundidade que natildeo excede 3 km no primeiro caso e 11 km no segundo

(na peniacutensula de Kola) pode considerar-se insuficiente se comparada com as trecircs a quatro

dezenas de quiloacutemetros de espessura meacutedia da crosta continental

Eacute jaacute muito o conhecimento que temos desta capa (a crosta ou crusta como alguns dizem e

escrevem) mais superficial do nosso planeta Temo-lo atraveacutes das rochas que constantemente

vemos e pisamos muitas delas geradas em zonas profundas trazidas agrave superfiacutecie pelos en-

rugamentos de origem tectoacutenica geradores das montanhas e subsequentemente postas a

descoberto pela erosatildeo

Outras rochas proacuteprias de muito maiores profundidades inclusive do manto inferior como eacute

o caso dos xenocristais e dos xenoacutelitos (do grego xenos estranho e lithos pedra) isto eacute cris-

tais e fragmentos de materiais liacuteticos gerados nessas regiotildees e que ascendem agrave superfiacutecie na

sequecircncia de atividade vulcacircnica englobados ou encravados nos produtos magmaacuteticos que ali

se formaram ou por ali passaram Na ilha da Madeira por exemplo satildeo frequentes os xenoacutelitos

oliviacutenicos que ascenderam ateacute agrave superfiacutecie no seio das lavas envolvidas no processo vulcacircnico

que originou esta e muitas outras ilhas

As rochas a que temos acesso mais ou menos direto representam uma parcela importante

da diferenciaccedilatildeo da Terra e agrave semelhanccedila da aacutegua do ar e dos seres vivos satildeo o resultado de

imensas transformaccedilotildees numa vasta e complexa rede de inter-relaccedilotildees ocorridas ao longo

dos tempos neste laquoplaneta vivoraquo pleno ainda de energia interna (sob a forma de calor) a que

se adiciona toda a que lhe chega do exterior isto eacute a radiaccedilatildeo solar Como escreveu Maurice

Mattauer ldquoas pedras nascem vivem e morrem como noacutes elas tecircm uma idade e uma histoacuteriardquo

Petrologia e litologia satildeo duas disciplinas que estudam as rochas ou as pedras Se bem que

os eacutetimos petra (latim) e lithos (grego) sejam sinoacutenimos petrologia e litologia encerram con-

ceitos diferentes ainda que relacionados entre si

bull A petrologia eacute um ramo da geologia com dimensatildeo de ciecircncia de vastos recursos nos campos

da fiacutesica da quiacutemica e naturalmente tambeacutem da matemaacutetica em busca do conhecimento da

origem natureza constituiccedilatildeo e evoluccedilatildeo da Terra no acircmbito do Sistema Solar e do Universo

bull A litologia outro ramo da geologia eacute habitualmente entendida como a disciplina que estuda

as rochas num campo praacutetico Serve a geologia de engenharia tendo em vista a implantaccedilatildeo

de grandes edifiacutecios e outras obras volumosas cujas fundaccedilotildees exigem o conhecimento dos

terrenos A litologia daacute igualmente respostas agrave pedologia (o estudo dos solos) e agrave induacutestria

extrativa de rochas ornamentais usadas na arquitetura na cantaria ou na estatuaacuteria e de

rochas industriais exploradas como importantes mateacuterias-primas para a construccedilatildeo civil a

ceracircmica o vidro o cimento a cal e a induacutestria quiacutemica

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Software educativo em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Ana C Conceiccedilatildeo

DMUniversidade do Algarve

O conceito F-Tool foi desenvolvido em 2012 com o objetivo de proporcionar uma

aprendizagem interativa em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Em particular eacute possiacutevel

explorar de forma integrada as noccedilotildees de domiacutenio contradomiacutenio existecircncia de zeros

existecircncia de extremos e de pontos de inflexatildeo invertibilidade derivabilidade reta

tangente ao graacutefico num ponto simetrias em relaccedilatildeo aos eixos e agrave origem A utilizaccedilatildeo

dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adaptaccedilatildeo de

alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e

do simples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular)

No ensino da matemaacutetica e em particular no estudo de funccedilotildees a recomendaccedilatildeo da utiliza-

ccedilatildeo de software educacional tem como objetivo o sanar das dificuldades que os alunos pos-

suem em associar as representaccedilotildees algeacutebricas com as diversas representaccedilotildees numeacutericas

eou graacuteficas De facto o caraacuteter estaacutetico das representaccedilotildees matemaacuteticas muitas vezes

dificulta a construccedilatildeo do significado afetando substancialmente a correta interpretaccedilatildeo dos

conceitos A criaccedilatildeo de modelos interativos visuais com o sistema de aacutelgebra computacional

Mathematica permite aos alunos explorar conceitos de elevada complexidade e rapidamen-

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te adquirir uma compreensatildeo mais profunda dos conteuacutedos Obviamente a utilizaccedilatildeo de sof-

tware educacional natildeo deve ser vista como um substituto para o ensino com ldquopapel e laacutepisrdquo

deve ser devidamente combinada com outros meacutetodos de ensino

O conceito F-Tool foi desenvolvido em 2012 com o objetivo de proporcionar uma apren-

dizagem interativa em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Os aplicativos computacionais

implementados com base neste conceito utilizam as capacidades de caacutelculo numeacuterico e

simboacutelico do Mathematica de forma a permitir estudar dinacircmica e interativamente e em

tempo real conceitos e propriedades fundamentais do preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial

FIGURA 1 Imagem ilustrativa da F-Exponential

O conceito F-Tool em sala de aula permite uma abordagem dinacircmica de diversos concei-

tos relacionados com o estudo de funccedilotildees e promove novas formas de raciocinarpensar

avaliar ensinar e aprender As F-Tool foram concebidas como ferramentas de aprendiza-

gem ativa ou seja a sua utilizaccedilatildeo adequada propicia um contexto de ensino-aprendiza-

gem onde alunos e professores satildeo igualmente convidados a contribuir Aleacutem disso tecircm

uma interface muito intuitiva que permite que ateacute mesmo o utilizador mais inexperiente

sem qualquer conhecimento anterior em software educacional possa comeccedilar a usar to-

dos os recursos de uma forma eficiente e autoacutenoma As F-Tool natildeo satildeo um objeto estaacutetico

mas sim um programa a ser executado com o qual se interage em tempo real Em parti-

cular atraveacutes da alteraccedilatildeo dinacircmica dos valores dos paracircmetros que definem cada classe

eacute possiacutevel obter informaccedilatildeo analiacutetica rigorosa apresentada em aritmeacutetica exata ou apro-

ximada bem como informaccedilatildeo visual estaacutetica e natildeo-estaacutetica De igual modo escolhendo

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estrategicamente de entre as vaacuterias opccedilotildees de funccedilotildees disponiacuteveis no painel esquerdo eacute

possiacutevel apreender de forma mais eficaz e consequente muitas das relaccedilotildees existentes

entre as vaacuterias funccedilotildees e respetivas transformaccedilotildees (FIGURA 1) As F-Tool utilizam um

coacutedigo de cores para diferenciar as vaacuterias funccedilotildees apresentadas Este coacutedigo eacute explicitado

na legenda do canto inferior esquerdo do painel central

Qual das figuras pode representar o graacutefico de uma funccedilatildeo e o graacutefico da sua derivada de 1ordf ordem

FIGURA 2 Exemplo de questatildeo de escolha muacuteltipla utilizando diversas opccedilotildees do painel esquerdo das F-Tool

Apesar de ser um software educacional dinacircmico e interativo pode tambeacutem ser utilizado

na construccedilatildeo de questotildees de avaliaccedilatildeo de escolha muacuteltipla (FIGURA 2) e de resposta aberta

ficando o docente automaticamente com a resposta ao selecionar no painel esquerdo as

opccedilotildees relacionadas com a questatildeo

A utilizaccedilatildeo dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adapta-

ccedilatildeo de alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e do sim-

ples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular) De facto

incluindo as F-Tool em ficheiros no Computable Document Format (CDF) eacute possiacutevel criar

fichas de trabalho dinacircmicas e interativas motivando os alunos e tornando o estudo mais

interessante

Acreditamos que o conceito F-Tool ao dotar professores e estudantes com novas fer-

ramentas para explorar alguns conceitos fundamentais da matemaacutetica desenvolveraacute po-

sitivamente o processo de ensino e de aprendizagem das aacutereas de preacute-caacutelculo e caacutelculo

diferencial

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018046

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O Aroma das Plantas Luiacutes Gaspar Pedro

Ana Cristina Figueiredo

Joseacute Gonccedilalves Barroso

CESAM CBV Universidade de Lisboa

Quando nos festejos dos Santos Populares colocamos a matildeo sobre o manjerico

provocamos a rutura de estruturas microscoacutepicas Ao fazecirc-lo libertam-se compostos

quiacutemicos que aderem agrave palma da nossa matildeo que depois percecionamos pelo nosso

olfacto Os aromas satildeo misturas complexas de dezenas de compostos volaacuteteis

carateriacutesticos de uma determinada planta

O aroma o que eacute

O aroma de muitas plantas eacute constituiacutedo por diversos compostos quiacutemicos volaacuteteis que

tecircm a capacidade de estimular os nossos recetores olfactivos A quantidade e a diver-

sidade deste tipo de compostos presentes nas plantas satildeo responsaacuteveis pelos aromas

carateriacutesticos Eacute relativamente faacutecil reconhecer o aroma dos coentros ou do manjerico e

distingui-los de outros aromas como o da rosa ou do cravinho

Na composiccedilatildeo da fraccedilatildeo volaacutetil de uma planta aromaacutetica encontram-se regra geral

compostos como os mono- e sesquiterpenos e os fenilpropanoacuteides (FIGURA 1) entre ou-

tros Satildeo todos eles compostos quiacutemicos com ponto de ebuliccedilatildeo relativamente baixo que

volatilizam agrave temperatura ambiente e contribuem de forma mais ou menos notoacuteria para o

aroma carateriacutestico de cada espeacutecie

FIGURA 1 Exemplos de compostos que constituem a fraccedilatildeo volaacutetil de diversas espeacutecies aromaacuteticas monoterpenos (α-pineno timol) sesquiterpenos (β-cariofileno germacreno D) e fenilpropanoacuteides (eugenol)

α-Pineno Timol β-Cariofileno Germacreno D Eugenol

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Estruturas secretoras

Os compostos que constituem a fraccedilatildeo aromaacutetica de uma planta satildeo regra geral sinteti-

zados e acumulados em estruturas secretoras microscoacutepicas Entre os diversos tipos de

estruturas secretoras as mais frequentes satildeo os tricomas os canais e as bolsas (FIGURA 2)

FIGURA 2 Exemplos de estruturas secretoras observadas em microscopia oacuteptica A - Tricoma de Geranium robertianum (s - secretado acumulado no espaccedilo sub-cuticular coloraccedilatildeo com reagente de Nadi) B - canal secretor de Crithmum maritimum (setas coloraccedilatildeo com tricloreto de antimoacutenio) e C - bolsa secretora de Citrus sp (coloraccedilatildeo com Vermelho Sudatildeo III)

Os tricomas glandulares satildeo estruturas externas com origem em ceacutelulas epideacutermicas

que apresentam diversos graus de complexidade desde tricomas com apenas trecircs ceacutelulas

uma das quais a secretora ateacute tricomas com mais de uma dezena de ceacutelulas secretoras

As bolsas e os canais secretores satildeo estruturas internas constituiacutedas por ceacutelulas glandu-

lares que delimitam o luacutemen o espaccedilo para onde satildeo secretados os compostos depois de

produzidos nas ceacutelulas secretoras Os canais satildeo estruturas alongadas que percorrem o

corpo da planta por vezes com ramificaccedilotildees enquanto as bolsas satildeo estruturas mais ou

menos isodiameacutetricas

Os oacuteleos essenciais

Um oacuteleo essencial eacute obtido por hidrodestilaccedilatildeo ou por destilaccedilatildeo por arrastamento de va-

por (FIGURA 3) No caso particular dos citrinos o oacuteleo essencial pode ainda ser obtido

por expressatildeo (processo mecacircnico que promove a libertaccedilatildeo do secretado acumulado no

interior das estruturas secretoras neste caso bolsas)

Tanto na hidrodestilaccedilatildeo como na destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor o secretado eacute

removido das estruturas secretoras e arrastado pelo vapor de aacutegua Depois de condensar

por arrefecimento o oacuteleo essencial separa-se da aacutegua podendo ser facilmente recolhido

devido agrave sua imiscibilidade com a aacutegua

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41FIGURA 3 A - Sistema de hidrodestilaccedilatildeo com aparelho de Clevenger e B - sistema de destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor

Anaacutelise de oacuteleos essenciais

Para analisar um oacuteleo essencial recorre-se frequentemente agrave cromatografia gasosa (CG)

para quantificaccedilatildeo dos componentes e agrave CG acoplada agrave espectrometria de massa (CG-

-EM) para a correspondente identificaccedilatildeo dos constituintes Por CG-EM os diversos com-

ponentes que constituem o oacuteleo essencial satildeo separados uns dos outros e ao chegarem ao

espectroacutemetro de massa satildeo bombardeados por eletrotildees o que leva a que as moleacuteculas

fragmentem formando-se diferentes iotildees de acordo com padrotildees preferenciais O con-

junto dos fragmentosiotildees constituem o espectro de massa que eacute carateriacutestico de cada

moleacutecula A integraccedilatildeo das aacutereas dos picos que surgem no cromatograma obtido por CG

(FIGURA 4A) permite a quantificaccedilatildeo relativa dos diversos componentes do oacuteleo essencial

A anaacutelise por CG-EM possibilita a identificaccedilatildeo desses compostos por comparaccedilatildeo dos

espectros de massa (FIGURA 4B) e dos iacutendices de retenccedilatildeo com os de amostras padratildeo

FIGURA 4 A - Aspeto parcial de um cromatograma obtido por CG carateriacutestico de um oacuteleo essencial com alguns dos ldquopicosrdquo identificados B - espectro de massa obtido por CG-EM de um dos componentes maioritaacuterios o timol

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Paisagens da Islacircndia Formase Processos (III)Fernando Carlos LopesCITEUC Universidade de Coimbra

A Islacircndia eacute famosa natildeo soacute pelos seus vulcotildees mas tambeacutem pelos seus glaciares e pela

sua sinuosa e escarpada linha de costa

Atualmente os glaciares cobrem cerca de 10 da superfiacutecie islandesa e 60 destas

aacutereas geladas assentam sobre sistemas vulcacircnicos ativos Esta combinaccedilatildeo de gelo e vul-

canismo torna a Islacircndia o local ideal para cheias repentinas (joumlkulhlaups) resultantes de

aacutegua que escorre por baixo dos glaciares devido agrave fusatildeo provocada pelas erupccedilotildees subgla-

ciares Atualmente existem 4 grandes calotes glaciares localizadas nas regiotildees elevadas

e vulcanicamente ativas do centro e sul da ilha a partir das quais divergem numerosas liacuten-

guas glaciarias Vatnajoumlkull (8100 km2) situado no centro leste Langjoumlkull (925 km2) si-

tuado no centro oeste Hofsjoumlkull (925 km2) situado na zona central da ilha Myrdalsjoumlkull

(600 km2) situado no sul da ilha Apesar da Islacircndia ter cerca de 24 Ma a sua paisagem soacute

foi moldada por glaciares nos uacuteltimos 5 milhotildees de anos Os seus glaciares de tipo alpino

(ou de montanha) avanccedilaram e recuaram condicionados pelas variaccedilotildees regionais e locais

do clima de que resultaram espetaculares morfologias Como jaacute se referiu anteriormente

as variaccedilotildees da carga glaciar sobre a litosfera provocadas pelas fases de gelo e degelo

teratildeo desempenhado papel importante na atividade vulcacircnica da ilha

Com um comprimento de cerca de 4970 km a linha de costa da Islacircndia eacute de um modo

geral muito recortada e escarpada marcada por promontoacuterios cabos peniacutensulas fiordes

e enseadas pontilhada de leixotildees por entre os quais se aninham praias de areia negra de

contornos suaves A accedilatildeo do mar sobre as inuacutemeras escoadas de lava que fluiacuteram ateacute agrave

costa ao longo da evoluccedilatildeo geoloacutegica da ilha e ali solidificaram sobre os aparelhos vulcacirc-

nicos implantados na zona litoral e sobre os vales deixados pelo recuo dos glaciares criou

paisagens de uma beleza surreal

FIGURA DA PAacuteGINA ANTERIOR Leixatildeo Hvitserkur noroeste da Islacircndia (fonte pixabay)

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Parte III - Paisagens controladas pelos glaciares e paisagens costeirasVales glaciares e fiordes

Vales glaciares vales suspensos lagos glaciares e cascatas ciacuterculos glaciares moreias

e fiordes satildeo formas carateriacutesticas das paisagens islandesas criadas pelos seus glacia-

res alpinos Os vales glaciares com o seu carateriacutestico perfil em ldquoUrdquo satildeo a forma mais

comum de paisagem originada pela erosatildeo glacial (FIGURA 1) No interior destes vales os

rios concentram o seu poder erosivo na zona mais baixa originando um perfil carateriacutestico

em ldquoVrdquo O poder erosivo dos glaciares eacute muito superior ao dos rios porque a sua energia

potencial resulta natildeo soacute do declive do terreno mas tambeacutem do peso do gelo A erosatildeo faz-

-se essencialmente ao longo das zonas laterais do canal criando um vale com vertentes

alcantiladas e fundo aplanado Vales suspensos satildeo vales escavados por glaciares tributaacute-

rios Como estes glaciares levam menos gelo o seu poder erosivo eacute menor que o do glaciar

principal ficando suspenso nas vertentes do glaciar principal quando o gelo recua Cons-

tituem exemplos notaacuteveis pela sua beleza e dimensatildeo os vales glaciares de Borgarvirki

(FIGURA 2) e de Akureyri (ou Eyjafjoumlrethur) no noroeste da ilha Este uacuteltimo vai desembocar

num fiorde que eacute mais longo da Islacircndia

FIGURA 1 Esquema 3D (sem escala) da evoluccedilatildeo de uma paisagem glaciar com formaccedilatildeo de vales glaciares vales glaciares suspensos ciacuterculos glaciares lagos glaciares e cascatas

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FIGURA 2 Aspeto do vale glaciaacuterio de Borgarvirki observado a partir da fortaleza de Borgarvirki

Se as condiccedilotildees forem favoraacuteveis os glaciares podem erodir abaixo do niacutevel do mar Quan-

do o glaciar recua o oceano invade estas depressotildees criando um fiorde Alguns dos fiordes

islandeses como o de Akureyri e o de Nordfjord (nordeste da ilha) possuem centenas de

metros abaixo do niacutevel do mar O fiorde de Nordfjord abrange parcialmente uma antiga cal-

deira vulcacircnica Nas faleacutesias do seu flanco oriental (falesias de Raudubjoumlrg) afloram rioacutelitos

conferindo agraves arribas uma carateriacutestica cor avermelhada)

Como se referiu anteriormente (Parte I) a orientaccedilatildeo da maioria dos vales glaciares e

fiordes segue de perto a orientaccedilatildeo dos principais lineamentos tectoacutenicos

Moreias

Em termos de aspetos deposicionais relacionados com glaciares as moreias satildeo de lon-

ge os mais abundantes Satildeo acumulaccedilotildees de fragmentos rochosos transportados pelos

glaciares quer na regiatildeo frontal (moreia frontal) lateral (moreia lateral) a meio (moreia

mediana) e no fundo (moreia de fundo)

Durante o uacuteltimo maacuteximo glaciar (haacute cerca de 20 000 anos) a Islacircndia estava quase

toda coberta por glaciares que se estendiam ateacute agrave costa e para aleacutem dela Foram encon-

tradas moreias frontais dessa eacutepoca a cerca de 130 km a offshore da costa ocidental e a

cerca de 150-230 m abaixo do niacutevel de mar atual

Eacute possiacutevel encontrar nos vales glaciares islandeses quer moreias antigas resultantes

da uacuteltima glaciaccedilatildeo quer moreias recentes e atuais Estas uacuteltimas estatildeo relacionadas com

as 4 grandes calotes glaciares existentes como eacute o caso das moreias do glaciar Vatna-

joumlkull que se podem observar em pleno no setor sudeste da ilha

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Lagoas glaciares e icebergues

Outra das paisagens magniacuteficas moldadas pelos glaciares satildeo as lagoas glaciares Estas

lagoas formam-se na extremidade dos glaciares que descem das calotes glaciares Satildeo

alimentadas pelo desgelo natural dos glaciares e nela flutuam pequenos e grandes iceber-

gues que se separam da frente do glaciar (FIGURA 3)

FIGURA 3 Esquema 3D (sem escala) da formaccedilatildeo de icebergues numa lagoa glaciar

O exemplo mais notaacutevel deste tipo de lagoas na Islacircndia eacute a lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten consi-

derada uma das maravilhas naturais do paiacutes Fica situada no sudeste da ilha na extremidade

do glaciar Breiethamerkurjoumlkull uma das liacutengua glaciares da calote de Vatnajoumlkull (FIGURA 4)

FIGURA 4 Icebergues na lagoa glaciar de Joumlkulsaacuterloacuten Ao fundo vecirc-se a frente do glaciar Breiethamerkurjoumlkull As faixas negras nos icebergues satildeo niacuteveis de cinza vulcacircnica

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A lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten eacute o ponto mais baixo da Islacircndia com zonas agrave cota de -200 m Na

baiacutea da lagoa tem-se acesso a uma paisagem de outro mundo com icebergues de dimen-

sotildees variadas que flutuam ateacute ao mar ficando alguns deles encalhados na margem de uma

praia de areia vulcacircnica Alguns icebergues exibem faixas negras correspondentes a niacuteveis

de cinzas vulcacircnicas provenientes de antigas erupccedilotildees (FIGURA 4) Outros exibem duas

tonalidades branco leitoso e azul claro A faixa azul corresponde agrave porccedilatildeo do icebergue

que se tornou recentemente emersa

A lagoa teraacute sido formada em 1934-35 pelo contiacutenuo recuo do glaciar Vatnajoumlkull e teraacute

duplicado de tamanho nos uacuteltimos 15 anos Dada a taxa atual de recuo do glaciar Vatna-

joumlkull um profundo fiorde iraacute desenvolver-se no local onde hoje existe a lagoa

As costas escarpadas

As costas escarpadas e recortadas satildeo sem duacutevida as mais dominantes Ocorrem deste o

oeste ao leste da ilha passando pela regiatildeo norte incisas por numerosos fiordes e peque-

nas enseadas e salpicadas por leixotildees Eacute notaacutevel pela sua forma de dragatildeo e pelas lendas

que o envolvem o leixatildeo de Hvitserkur (IMAGEM DA PAGINA 42) situado na costa leste da

Peniacutensula de Vatnsnes no noroeste da Islacircndia

Os fiordes mais profundos localizam-se na costa norte constituindo bons portos natu-

rais Um destaque especial vai para o fiorde ao longo do qual se estende a cidade de Aku-

reyri (fiorde de Akureyri ou Eyjafjoumlrethur) considerado o mais longo do paiacutes

Praias de areia Negra

As praias de areia negra em geral de reduzida extensatildeo podem ser constituiacutedas por i) de-

poacutesitos resultantes da abrasatildeo das arribas ii) moreias e depoacutesitos fluviais resultantes dos

rios glaciares com contornos suaves e lagoas glaciares protegidas por extensas barras

arenosas iii) depoacutesitos de tefra provenientes de erupccedilotildees freaacuteticas

As do primeiro tipo ocorrem um pouco por toda a linha de costa como resultado da accedilatildeo

do mar sobre as arribas As do segundo tipo ocorrem dominantemente entre Djuacutepivogur a

sudeste e Oumllfusaacute a sudoeste com destaque para a praia de Reynisfjara na costa sul As

da terceira categoria podem ser observadas na ilha de Heimaey arquipeacutelago de Vestman-

naeyja regiatildeo sul da Islacircndia

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018048

IMA

GE

M E

M D

ES

TAQ

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Eu crio as minhas obras de arte de peque-

nos pedaccedilos de papel com espirais que co-

nectam e ligam os elementos a uma grande

estrutura Na obra de origami acabada a

que chamo Voltinhas estas espirais vivem

e trabalham Forccedilas de tensatildeo e fricccedilatildeo

contrapotildeem-se agrave gravidade e mantecircm a

forma estaacutevel Nas minhas criaccedilotildees procu-

ro estar perto da natureza Quando criamos

ou estudamos modelos de papel na macro

escala podemos entender melhor as for-

mas criadas pela natureza na micro escala

A minha obra de origami na capa o trabalho

intitulado ldquoInverno num parque de Lisboardquo e

o capsiacutedeo do viacuterus Canine parvovirus um viacute-

rus contagioso que ataca sobretudo os catildees

e outros caniacutedeos tecircm a mesma estrutura

geomeacutetrica do pequeno rombicosidodecae-

dro um poliedro com simetria icosaeacutedrica

Essa obra invoca simbolicamente o Ano

da Biologia Matemaacutetica 2018 O origami eacute

uma arte de dobragem do papel com uma

forte componente geomeacutetrica que permite

a construccedilatildeo de formas complexas e tem

atraiacutedo o interesse de matemaacuteticos pelas

suas propriedades geomeacutetricas e algeacutebricas

Krystyna Burczyk

Os viacuterus satildeo responsaacuteveis por inuacutemeras

doenccedilas no homem nos animais e nas plan-

tas e as curas e prevenccedilotildees satildeo ainda mui-

tas vezes problemaacuteticas Desenvolvimen-

tos recentes das aplicaccedilotildees da matemaacutetica

agrave virologia nomeadamente das teorias de

grupos de grafos de tesselaccedilatildeo ou de re-

ticulados mostraram por exemplo que as

restriccedilotildees estruturais agraves formas dos viacuterus

satildeo maiores do que antes se pensava e

permitiram a construccedilatildeo de novos modelos

para o desenvolvimento de terapias anti-

-virais Os capsiacutedeos virais que envolvem

os genomas dos viacuterus por razotildees de eco-

nomia geneacutetica tem muitas vezes uma si-

metria icosaeacutedrica Ora esta simetria natildeo eacute

cristalograacutefica em trecircs dimensotildees ie natildeo

eacute compatiacutevel com reticulados perioacutedicos

o que motivou os matemaacuteticos a desen-

volverem novas estruturas no contexto de

grupos de Coxeter natildeo-cristalograacuteficos que

encontraram aplicaccedilatildeo natildeo soacute na virologia

mas tambeacutem noutras estruturas molecula-

res da quiacutemica do carbono

Joseacute Francisco RodriguesUniversidade de Lisboa

Origami e Viacuterusin imagemcasadascienciasorg

Imagem de Canine Parvovirus gerada em VMD Autor Alexandre Lopes Magalhatildees

Page 29: JUNHO 2018 V6 /02 · 2018-09-26 · Matilde Viegas, Maria João Ramos, Pedro Alexandrino Fernandes Stephen Hawking e a sua contribuição para a física teórica Orfeu Bertolami,

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A segunda geraccedilatildeo de biocombustiacuteveis (2G) usa biomassa isto eacute qualquer fonte de car-

bono orgacircnico que eacute rapidamente renovado no ciclo de carbono Os biocombustiacuteveis de

segunda geraccedilatildeo almejam um uso ponderado de desperdiacutecios da induacutestria madeireira e

agriacutecola ou de restos de colheitas agriacutecolas assim que estas preencham o seu propoacutesito

alimentar evitando interferecircncia com o mercado alimentar e natildeo influenciando os preccedilos

dos alimentos baacutesicos

FIGURA 1 Biocombustiacuteveis

A produccedilatildeo de arroz atingiu o seu pico em 2017 gerando 1140 milhotildees de toneladas de

espigas de arroz cujo destino eacute a incineraccedilatildeo compostagem ou eacute simplesmente deposita-

da em aterros Contudo com a 2G de biocombustiacuteveis eacute encontrado potencial energeacutetico

neste desperdiacutecio agriacutecola O seu potencial deve-se agrave mateacuteria lignoceluloacutesica ndash celulose

hemicelulose e lignina ndash presente em todas as plantas incluindo as espigas em diferen-

tes percentagens Este material composto eacute essencial para a estrutura e resistecircncia das

plantas a hemicelulose eacute a matriz que rodeia o esqueleto de celulose enquanto a lignina

funciona como uma camada protetora As possibilidades associadas a este tipo de desper-

diacutecio satildeo inegaacuteveis a sua abundacircncia e facilidade de obtenccedilatildeo tornam-no muito apelativo

Contudo o gasto na recolha e transporte desta mateacuteria suplanta os custos de produccedilatildeo

e o seu uso continuado poderaacute contribuir para a erosatildeo do solo Aleacutem disso para o seu

aproveitamento para produccedilatildeo de biocombustiacuteveis eacute necessaacuterio um preacute-tratamento para

hidrolisar as ligaccedilotildees covalentes entre os trecircs constituintes da mateacuteria lignoceluloacutesica e

permitir a posterior fermentaccedilatildeo anaeroacutebia da celulose produzindo bioetanol Este preacute-

-tratamento eacute visto como outra das desvantagens do processo e estaacute ainda a ser estudado

e otimizado pois de momento as alternativas disponiacuteveis encarecem o produto final e em

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alguns dos casos dependem do uso de quiacutemicos poluentes A esperanccedila estaacute entatildeo de-

positada no estudo de enzimas hidroliacuteticas encontradas em organismos termoacutefilos que

seratildeo capazes de aguentar as difiacuteceis condiccedilotildees de tratamento Contudo a dificuldade em

escalar o processo de fermentaccedilatildeo eacute uma das desvantagens e dos fatores limitantes para

a 2G de biocombustiacuteveis em grande parte devido agrave dificuldade de monitorizar as condiccedilotildees

de fermentaccedilatildeo (oxigeacutenio pH nutrientes etc)

A terceira geraccedilatildeo (3G) de biocombustiacuteveis foi reconhecida como a melhor alternativa

em comparaccedilatildeo com primeira e segunda geraccedilotildees pois surpreendentemente faz uso de

algas A sua enorme disponibilidade por todo o planeta e o facto de natildeo interferirem com os

mercados alimentares satildeo os grandes embaixadores desta mateacuteria-prima como o futuro

dos biocombustiacuteveis Ainda que natildeo seja uma mateacuteria infinita eacute a que de momento mais se

assemelha por existirem 70 000 espeacutecies (30 000 documentadas) Estudos conduzidos

atualmente estatildeo a explorar a viabilidade energeacutetica de 30 espeacutecies de algas explorando a

sustentabilidade facilidade e escalabilidade da sua produccedilatildeo Outras vantagens incluem a

baixa manutenccedilatildeo necessaacuteria para o seu crescimento (luz dioacutexido de carbono e nutrientes

como azoto foacutesforo e potaacutessio) a facilidade com que produzem liacutepidos e carboidratos que

podem posteriormente ser processados em diferentes biocombustiacuteveis e outros copro-

dutos a frequecircncia com que podem ser colhidas ao longo do ano (ao contraacuterio de outras

colheitas convencionais) a baixa percentagem de hemicelulose e a praticamente ausente

lignina facilitam radicalmente o seu preacute-processamento pois a celulose eacute mais facilmente

extraiacuteda As desvantagens desta mateacuteria incluem o enorme investimento inicial para a

construccedilatildeo de infraestruturas para o seu cultivo que pode ser ou ao ar livre (em tanques

de grande dimensatildeo) ou em foto-bioreatores (sistemas fechados altamente controlados)

Prevecirc-se que em 2030 o preccedilo de produccedilatildeo de combustiacutevel a partir de algas seraacute 065 euro

litro de combustiacutevel valor muito proacuteximo do atual preccedilo de produccedilatildeo do litro de gasolina

Comparativamente aos custos de produccedilatildeo de outros biocombustiacuteveis o mais barato con-

tinua a ser o bioetanol produzido a partir de milho (1G) 017 eurolitro seguido de combustiacute-

veis celuloacutesicos (2G) a 032 eurolitro

Eacute evidente que seratildeo necessaacuterios esforccedilos poliacuteticos e cientiacuteficos investimento e regu-

lamentaccedilatildeo adequados para encontrar o caminho ideal para travar o aquecimento global

Em todas as geraccedilotildees de biocombustiacuteveis apresentadas existem fatores que afunilam as

potencialidades destas alternativas indicando que a soluccedilatildeo passa por criar um consoacutercio

entre as vaacuterias possibilidades de forma a tirar o maacuteximo partido sem danificar o planeta ou

piorar a crise da fome O proacuteximo passo passa por substituir os biocombustiacuteveis de 1G por

soluccedilotildees com maior escalabilidade Acreditamos que nas proacuteximas deacutecadas seratildeo cruciais

e depositamos esperanccedila na investigaccedilatildeo cientiacutefica

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018043

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Stephen Hawking e a sua contribuiccedilatildeo para a fiacutesica teoacutericaOrfeu Bertolami

Claacuteudio GomesDepartamento de Fiacutesica e Astronomia CFP Universidade do Porto

A 14 de marccedilo de 2018 o fiacutesico britacircnico Stephen Hawking faleceu aos 76 anos deixando

todavia um importante legado para a fiacutesica teoacuterica muito particularmente para o

entendimento das deficiecircncias intriacutensecas da Relatividade Geral de Einstein para a fiacutesica

dos buracos negros e para a cosmologia a ciecircncia do Universo como um todo

Stephen Hawking doutorou-se em Fiacutesica Teoacuterica em 1966 pela Universidade de Cambridge

sob a supervisatildeo de Dennis Sciama Apesar da sua condiccedilatildeo fiacutesica progressivamente limi-

tativa manteve-se extremamente ativo na investigaccedilatildeo nas aacutereas de cosmologia fiacutesica dos

buracos negros e gravitaccedilatildeo quacircntica

Nessa altura havia uma consideraacutevel discussatildeo acerca da realidade e ubiquidade de sin-

gularidades pontos no espaccedilo-tempo onde a Teoria da Relatividade Geral deixa de fazer sen-

tido e natildeo desaparecendo atraveacutes de mudanccedila de sistemas de coordenadas que descrevem

o espaccedilo-tempo Na segunda metade da deacutecada de 1960 Hawking e o matemaacutetico inglecircs

Roger Penrose demonstraram que essas singularidades eram inevitaacuteveis no contexto da

Teoria da Relatividade Geral (ver para uma descriccedilatildeo exaustiva o livro Large Scale Structure

of Space-Time escrito em colaboraccedilatildeo com o fiacutesico sul-africano George Ellis publicado em

1973) Uma dessas singularidades corresponde ao iniacutecio do Universo ndash Big Bang ndash e outras

estatildeo presentes no interior dos buracos negros natildeo acessiacuteveis agrave observaccedilatildeo devido agrave pre-

senccedila de um horizonte de acontecimentos que segundo a Conjetura da Censura Coacutesmica de

Roger Penrose protegem sempre as singularidades de se apresentarem ldquonuasrdquo

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Subsequentemente em 1975 ele desenvolveu a ideia que os buracos negros deveriam

radiar termicamente a uma temperatura especiacutefica inversamente proporcional agraves suas

massas temperatura esta que hoje designamos por temperatura de Hawking Esta ideia daacute

origem ao paradoxo da informaccedilatildeo em que a informaccedilatildeo que entrava no horizonte de evento

se perdia Com este contributo passou-se a ter uma equivalecircncia entre a dinacircmica e a termo-

dinacircmica de buracos negros

FIGURA 1 Emissatildeo da radiaccedilatildeo teacutermica de Hawking por um buraco negro

No princiacutepio da deacutecada de 1980 Hawking iniciou em colaboraccedilatildeo com o fiacutesico norte-ameri-

cano James Hartle o programa de investigaccedilatildeo que hoje designamos por cosmologia quacircntica

Na cosmologia quacircntica o espaccedilo-tempo eacute descrito por uma funccedilatildeo de onda a funccedilatildeo de onda

do Universo como na Mecacircnica Quacircntica Esta equaccedilatildeo de onda satisfaz uma equaccedilatildeo anaacuteloga

agrave de Schroumldinger da Mecacircnica Quacircntica a equaccedilatildeo de Wheeler-DeWitt A proposta de Hartle

e Hawking eacute que a funccedilatildeo de onda descreva um espaccedilo-tempo sem fronteiras (No-Boundary

proposal) A ideia eacute que agrave medida que retrocedemos no tempo chegamos a um ponto em que

o Universo eacute pequeno o suficiente para que efeitos quacircnticos sejam dominantes Nesta altura

existe uma espeacutecie de ldquoespumardquo do espaccedilo-tempo de tal modo que o tempo natildeo pode ser in-

terpretado do modo como o vemos hoje mas sim como uma quarta dimensatildeo espacial Uma

analogia uacutetil eacute a seguinte se viajarmos para o Polo Sul temos de seguir sempre para sul mas

quando alcanccedilamos o ponto do Polo Sul jaacute natildeo faz sentido falarmos na direccedilatildeo sul pelo mesmo

raciociacutenio ao retrocedermos no tempo haacute um pontoinstante em que natildeo faz sentido falar-se em

tempo Matematicamente isto torna-se possiacutevel passando de um espaccedilo-tempo de Minkowski

como na Relatividade Restrita para um espaccedilo Euclideano a quatro dimensotildees no qual o tempo

passa a ser um nuacutemero puramente complexo Com esta formulaccedilatildeo o Universo natildeo tem uma

fronteira aleacutem daquela que permite a transiccedilatildeo entre as duas descriccedilotildees para o espaccedilo-tempo

e que eacute exemplificado na FIGURA 2 Esta geometria eacute designada por shuttlecock ou volantepena

de badminton devido agrave semelhanccedila com este objeto

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FIGURA 2 Representaccedilatildeo tridimensional do modelo de Hartle-Hawking (no boundary proposal) A base corresponde a uma semiesfera a 4 dimensotildees e a estrutura que apresenta o tempo como uma direccedilatildeo distinta das espaciais corresponte a um Universo em expansatildeo

Hawking tambeacutem estudou outros problemas como o das maacutequinas do tempo e questotildees

relacionadas com a cosmologia e a formaccedilatildeo de estruturas no Universo Com o seu carate-

riacutestico humor Hawking afirmou natildeo ser possiacutevel viajar no tempo Para tal sugeriu organizar

uma festa convidando pessoas do futuro a se juntarem a ele e dado que ningueacutem apa-

receu concluiu entatildeo que viagens no tempo natildeo satildeo possiacuteveis na realidade Outra prova

prende-se com o facto de natildeo termos recebido ainda turistas do futuro numa clara alusatildeo

iroacutenica agrave procura turiacutestica desenfreada que assistimos nos dias de hoje

Mais recentemente ele pronunciou-se sobre questotildees de interesse geral como as im-

plicaccedilotildees do desenvolvimento da inteligecircncia artificial e a necessidade e inevitabilidade

da exploraccedilatildeo espacial Mostrou-se reticente acerca dos desenvolvimentos no domiacutenio da

inteligecircncia artificial classificando-o como possivelmente perigoso para a nossa civiliza-

ccedilatildeo pois apesar dos potenciais benefiacutecios comportam seacuterios riscos agrave continuidade da hu-

manidade Relativamente agrave exploraccedilatildeo espacial Hawking encarava as viagens espaciais

quer pelo seu interesse cientiacutefico quer como forma de preservar a humanidade de riscos

de destruiccedilatildeo devido a guerras nucleares ou epidemias devido a viacuterus geneticamente mo-

dificados

O fiacutesico Stephen Hawking legou-nos uma extraordinaacuteria contribuiccedilatildeo cientiacutefica e huma-

na Deixou um extraordinaacuterio exemplo de resiliecircncia dedicaccedilatildeo ao conhecimento e agrave socie-

dade Fisicamente debilitado e ldquopresordquo a uma condiccedilatildeo rara a esclerose lateral amiotroacutefica

que lhe foi diagnosticada aos 21 anos a sua mente foi das mais livres dos nossos tempos

concebeu hipoacuteteses conjunturas e teorias pensou a sociedade de hoje e a do futuro

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RochaO que eacute importante dizer sobre as rochas

A M Galopim de Carvalho Universidade de Lisboa

Rochas e pedras satildeo a mesma coisa Praticamente a resposta eacute sim Pedra eacute aquilo

que se apanha do chatildeo para dar uma pedrada

Qualquer pessoa mesmo a menos letrada diraacute que as pedras

bull natildeo satildeo fabricadas ou feitas por gente (a ciecircncia diz que satildeo entidades naturais)

bull que natildeo se amolgam (a ciecircncia diz que satildeo riacutegidas)

bull que geralmente natildeo se esboroam nem se esfarela (a ciecircncia diz que satildeo coesas)

bull que fazem mossa onde quer que batam (a ciecircncia diz que satildeo duras) Para o cidadatildeo

comum pedra (do grego peacutetra) eacute pois uma entidade natural riacutegida coesa e dura que se

apanha do chatildeo

Apanhamos uma pedra do chatildeo mas quando estudamos falamos quase sempre de ro-

chas Num modo de falar corrente podemos dizer que as pedras satildeo bocados de rocha

Todos falamos de rocha como sinoacutenimo de pedra com base num conhecimento comum

empiacuterico vulgar ligado agrave experiecircncia quotidiana mesmo do mais iletrado dos cidadatildeos Dize-

mos rochedo quando o afloramento de rocha eacute grande e apelidamos de rochoso um terreno

com a rocha agrave vista Rocha eacute um galicismo que entre noacutes se sobrepocircs ao termo ldquorocardquo bem

mais antigo talvez preacute-romano Cabo da Roca ou ldquoFocinho da Rocardquo no dizer dos homens do

mar deve o seu nome a esta versatildeo arcaica da palavra rocha

O conceito atual de rocha e os vaacuterios conhecimentos com elas relacionados percorreram

uma caminhada tatildeo longa quanto a do Homo sapiens caminhada de que temos testemunhos

na Preacute-histoacuteria e variadiacutessimos relatos escritos desde a Antiguidade

Na sua giacuteria proacutepria entendiacutevel entre pares os profissionais falam de rochas dizendo que

satildeo sistemas quiacutemicos mono ou polifaacutesicos (ou seja com um ou mais minerais) resultantes

do equiliacutebrio termodinacircmico atingido pelos seus constituintes em determinados ambientes

Entendendo-se por constituintes os elementos quiacutemicos incluiacutedos nos respetivos minerais

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Por outras palavras acessiacuteveis ao comum das gentes pode entatildeo dizer-se que as rochas

satildeo corpos naturais formados por associaccedilotildees mais ou menos estaacuteveis de minerais compatiacute-

veis entre si e com o ambiente onde foram gerados e que satildeo elas as rochas que constituem

a capa riacutegida da Terra que por essa razatildeo recebeu o nome de litosfera (FIGURA 1)

FIGURA 1 Modelado Graniacutetico na Serra da Estrela (fonte banco de imagens da Casa das Ciecircncias)

Antes de prosseguir esclareccedila-se que no jargatildeo proacuteprio da mineralogia e da geoquiacutemica

os minerais satildeo considerados fases no sentido fiacutesico-quiacutemico da palavra Com efeito neste

sentido uma fase eacute uma porccedilatildeo de mateacuteria quiacutemica e estruturalmente homogeacutenea e uma

qualquer espeacutecie mineral eacute isso mesmo

Por convenccedilatildeo na sistemaacutetica em sedimentologia entre as rochas sedimentares cabem

certos materiais natildeo consolidados como os barros as areias soltas as cascalheiras e ainda

outros de natureza natildeo mineral como os carvotildees foacutesseis e o petroacuteleo (oacuteleo de pedra) Cha-

mar rochas ou pedras a estes materiais agraves vezes tatildeo afastados da imagem vulgar de ldquocoisa

dura riacutegida e coesardquo decorre do conceito geoloacutegico de rocha no qual se inclui o modo de

ocorrecircncia e o respetivo processo de formaccedilatildeo (petrogeacutenese)

A mecacircnica das rochas (disciplina que estuda certas propriedades das rochas como resis-

tecircncia ao esmagamento agrave traccedilatildeo agrave torccedilatildeo agrave flexatildeo porosidade permeabilidade e outras)

define-as como entidades sempre riacutegidas e coesas e duras como tambeacutem se diz vulgarmen-

te com capacidade de suportar cargas e que na eventualidade de terem de ser escavadas ou

removidas haacute que usar tecnologias com explosivos Este conceito corresponde aliaacutes agrave ideia

mais divulgada de rocha como atraacutes se referiu Eacute o bedrock dos autores ingleses

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FIGURA 2 Processo de meteorizaccedilatildeo fiacutesica essencialmente por corrosatildeo eoacutelica em rochas sedimentares (arenitos) (fonte banco de imagens da Casa das Ciecircncias)

Aleacutem das muitas que conhecemos na Terra jaacute estudaacutemos rochas do nosso sateacutelite natural

nomeadamente basaltos e anortositos trazidos da sua superfiacutecie Mercuacuterio Veacutenus e Marte satildeo

tambeacutem planetas rochosos e igualmente rochosos ou pedregosos satildeo ainda os nuacutecleos dos co-

metas e muitos dos asteroides de que temos conhecimento pelos meteoritos caiacutedos na Terra

Quando se apelidam as rochas de magmaacuteticas sedimentares (FIGURA 2) ou metamoacuterficas

natildeo se estaacute apenas a rotulaacute-las para efeitos de arrumo ou arquivo muito menos se estatildeo a

criar novos vocaacutebulos para sobrecarga dos estudantes ou do cidadatildeo em geral Estes adjeti-

vos acrescentados agrave palavra rocha informam de imediato sobre a sua origem

bull magmaacutetica ou sedimentar qualquer delas em resultado de processos naturais faacuteceis de

entender

bull metamoacuterfica em consequecircncia de um outro processo muito menos ao alcance da vivecircncia

do vulgo mas que se explica sem grandes dificuldades

Apelidam-se de metamoacuterficas as rochas que posteriormente a uma primeira formaccedilatildeo

como magmaacuteticas ou sedimentares foram submetidas a pressotildees eou a temperaturas no

interior da crosta que lhes modificaram a composiccedilatildeo eou a textura

Foi atraveacutes do estudo das rochas que desvendaacutemos o essencial dos acontecimentos geo-

loacutegicos que marcaram a histoacuteria deste laquoPlaneta Azulraquo no qual a vida encontrou condiccedilotildees

para despertar e onde evoluiu ao ponto de se interrogar sobre essa mesma histoacuteria

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Os conhecimentos diretos de que hoje dispomos relativos agraves rochas da Terra limitam-se

aos que se obtecircm pelo estudo das que afloram agrave superfiacutecie das recolhidas em dragagens

nos fundos marinhos e das retiradas da profundidade quer em minas quer atraveacutes de son-

dagens Esta profundidade que natildeo excede 3 km no primeiro caso e 11 km no segundo

(na peniacutensula de Kola) pode considerar-se insuficiente se comparada com as trecircs a quatro

dezenas de quiloacutemetros de espessura meacutedia da crosta continental

Eacute jaacute muito o conhecimento que temos desta capa (a crosta ou crusta como alguns dizem e

escrevem) mais superficial do nosso planeta Temo-lo atraveacutes das rochas que constantemente

vemos e pisamos muitas delas geradas em zonas profundas trazidas agrave superfiacutecie pelos en-

rugamentos de origem tectoacutenica geradores das montanhas e subsequentemente postas a

descoberto pela erosatildeo

Outras rochas proacuteprias de muito maiores profundidades inclusive do manto inferior como eacute

o caso dos xenocristais e dos xenoacutelitos (do grego xenos estranho e lithos pedra) isto eacute cris-

tais e fragmentos de materiais liacuteticos gerados nessas regiotildees e que ascendem agrave superfiacutecie na

sequecircncia de atividade vulcacircnica englobados ou encravados nos produtos magmaacuteticos que ali

se formaram ou por ali passaram Na ilha da Madeira por exemplo satildeo frequentes os xenoacutelitos

oliviacutenicos que ascenderam ateacute agrave superfiacutecie no seio das lavas envolvidas no processo vulcacircnico

que originou esta e muitas outras ilhas

As rochas a que temos acesso mais ou menos direto representam uma parcela importante

da diferenciaccedilatildeo da Terra e agrave semelhanccedila da aacutegua do ar e dos seres vivos satildeo o resultado de

imensas transformaccedilotildees numa vasta e complexa rede de inter-relaccedilotildees ocorridas ao longo

dos tempos neste laquoplaneta vivoraquo pleno ainda de energia interna (sob a forma de calor) a que

se adiciona toda a que lhe chega do exterior isto eacute a radiaccedilatildeo solar Como escreveu Maurice

Mattauer ldquoas pedras nascem vivem e morrem como noacutes elas tecircm uma idade e uma histoacuteriardquo

Petrologia e litologia satildeo duas disciplinas que estudam as rochas ou as pedras Se bem que

os eacutetimos petra (latim) e lithos (grego) sejam sinoacutenimos petrologia e litologia encerram con-

ceitos diferentes ainda que relacionados entre si

bull A petrologia eacute um ramo da geologia com dimensatildeo de ciecircncia de vastos recursos nos campos

da fiacutesica da quiacutemica e naturalmente tambeacutem da matemaacutetica em busca do conhecimento da

origem natureza constituiccedilatildeo e evoluccedilatildeo da Terra no acircmbito do Sistema Solar e do Universo

bull A litologia outro ramo da geologia eacute habitualmente entendida como a disciplina que estuda

as rochas num campo praacutetico Serve a geologia de engenharia tendo em vista a implantaccedilatildeo

de grandes edifiacutecios e outras obras volumosas cujas fundaccedilotildees exigem o conhecimento dos

terrenos A litologia daacute igualmente respostas agrave pedologia (o estudo dos solos) e agrave induacutestria

extrativa de rochas ornamentais usadas na arquitetura na cantaria ou na estatuaacuteria e de

rochas industriais exploradas como importantes mateacuterias-primas para a construccedilatildeo civil a

ceracircmica o vidro o cimento a cal e a induacutestria quiacutemica

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Software educativo em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Ana C Conceiccedilatildeo

DMUniversidade do Algarve

O conceito F-Tool foi desenvolvido em 2012 com o objetivo de proporcionar uma

aprendizagem interativa em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Em particular eacute possiacutevel

explorar de forma integrada as noccedilotildees de domiacutenio contradomiacutenio existecircncia de zeros

existecircncia de extremos e de pontos de inflexatildeo invertibilidade derivabilidade reta

tangente ao graacutefico num ponto simetrias em relaccedilatildeo aos eixos e agrave origem A utilizaccedilatildeo

dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adaptaccedilatildeo de

alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e

do simples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular)

No ensino da matemaacutetica e em particular no estudo de funccedilotildees a recomendaccedilatildeo da utiliza-

ccedilatildeo de software educacional tem como objetivo o sanar das dificuldades que os alunos pos-

suem em associar as representaccedilotildees algeacutebricas com as diversas representaccedilotildees numeacutericas

eou graacuteficas De facto o caraacuteter estaacutetico das representaccedilotildees matemaacuteticas muitas vezes

dificulta a construccedilatildeo do significado afetando substancialmente a correta interpretaccedilatildeo dos

conceitos A criaccedilatildeo de modelos interativos visuais com o sistema de aacutelgebra computacional

Mathematica permite aos alunos explorar conceitos de elevada complexidade e rapidamen-

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te adquirir uma compreensatildeo mais profunda dos conteuacutedos Obviamente a utilizaccedilatildeo de sof-

tware educacional natildeo deve ser vista como um substituto para o ensino com ldquopapel e laacutepisrdquo

deve ser devidamente combinada com outros meacutetodos de ensino

O conceito F-Tool foi desenvolvido em 2012 com o objetivo de proporcionar uma apren-

dizagem interativa em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Os aplicativos computacionais

implementados com base neste conceito utilizam as capacidades de caacutelculo numeacuterico e

simboacutelico do Mathematica de forma a permitir estudar dinacircmica e interativamente e em

tempo real conceitos e propriedades fundamentais do preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial

FIGURA 1 Imagem ilustrativa da F-Exponential

O conceito F-Tool em sala de aula permite uma abordagem dinacircmica de diversos concei-

tos relacionados com o estudo de funccedilotildees e promove novas formas de raciocinarpensar

avaliar ensinar e aprender As F-Tool foram concebidas como ferramentas de aprendiza-

gem ativa ou seja a sua utilizaccedilatildeo adequada propicia um contexto de ensino-aprendiza-

gem onde alunos e professores satildeo igualmente convidados a contribuir Aleacutem disso tecircm

uma interface muito intuitiva que permite que ateacute mesmo o utilizador mais inexperiente

sem qualquer conhecimento anterior em software educacional possa comeccedilar a usar to-

dos os recursos de uma forma eficiente e autoacutenoma As F-Tool natildeo satildeo um objeto estaacutetico

mas sim um programa a ser executado com o qual se interage em tempo real Em parti-

cular atraveacutes da alteraccedilatildeo dinacircmica dos valores dos paracircmetros que definem cada classe

eacute possiacutevel obter informaccedilatildeo analiacutetica rigorosa apresentada em aritmeacutetica exata ou apro-

ximada bem como informaccedilatildeo visual estaacutetica e natildeo-estaacutetica De igual modo escolhendo

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estrategicamente de entre as vaacuterias opccedilotildees de funccedilotildees disponiacuteveis no painel esquerdo eacute

possiacutevel apreender de forma mais eficaz e consequente muitas das relaccedilotildees existentes

entre as vaacuterias funccedilotildees e respetivas transformaccedilotildees (FIGURA 1) As F-Tool utilizam um

coacutedigo de cores para diferenciar as vaacuterias funccedilotildees apresentadas Este coacutedigo eacute explicitado

na legenda do canto inferior esquerdo do painel central

Qual das figuras pode representar o graacutefico de uma funccedilatildeo e o graacutefico da sua derivada de 1ordf ordem

FIGURA 2 Exemplo de questatildeo de escolha muacuteltipla utilizando diversas opccedilotildees do painel esquerdo das F-Tool

Apesar de ser um software educacional dinacircmico e interativo pode tambeacutem ser utilizado

na construccedilatildeo de questotildees de avaliaccedilatildeo de escolha muacuteltipla (FIGURA 2) e de resposta aberta

ficando o docente automaticamente com a resposta ao selecionar no painel esquerdo as

opccedilotildees relacionadas com a questatildeo

A utilizaccedilatildeo dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adapta-

ccedilatildeo de alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e do sim-

ples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular) De facto

incluindo as F-Tool em ficheiros no Computable Document Format (CDF) eacute possiacutevel criar

fichas de trabalho dinacircmicas e interativas motivando os alunos e tornando o estudo mais

interessante

Acreditamos que o conceito F-Tool ao dotar professores e estudantes com novas fer-

ramentas para explorar alguns conceitos fundamentais da matemaacutetica desenvolveraacute po-

sitivamente o processo de ensino e de aprendizagem das aacutereas de preacute-caacutelculo e caacutelculo

diferencial

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018046

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O Aroma das Plantas Luiacutes Gaspar Pedro

Ana Cristina Figueiredo

Joseacute Gonccedilalves Barroso

CESAM CBV Universidade de Lisboa

Quando nos festejos dos Santos Populares colocamos a matildeo sobre o manjerico

provocamos a rutura de estruturas microscoacutepicas Ao fazecirc-lo libertam-se compostos

quiacutemicos que aderem agrave palma da nossa matildeo que depois percecionamos pelo nosso

olfacto Os aromas satildeo misturas complexas de dezenas de compostos volaacuteteis

carateriacutesticos de uma determinada planta

O aroma o que eacute

O aroma de muitas plantas eacute constituiacutedo por diversos compostos quiacutemicos volaacuteteis que

tecircm a capacidade de estimular os nossos recetores olfactivos A quantidade e a diver-

sidade deste tipo de compostos presentes nas plantas satildeo responsaacuteveis pelos aromas

carateriacutesticos Eacute relativamente faacutecil reconhecer o aroma dos coentros ou do manjerico e

distingui-los de outros aromas como o da rosa ou do cravinho

Na composiccedilatildeo da fraccedilatildeo volaacutetil de uma planta aromaacutetica encontram-se regra geral

compostos como os mono- e sesquiterpenos e os fenilpropanoacuteides (FIGURA 1) entre ou-

tros Satildeo todos eles compostos quiacutemicos com ponto de ebuliccedilatildeo relativamente baixo que

volatilizam agrave temperatura ambiente e contribuem de forma mais ou menos notoacuteria para o

aroma carateriacutestico de cada espeacutecie

FIGURA 1 Exemplos de compostos que constituem a fraccedilatildeo volaacutetil de diversas espeacutecies aromaacuteticas monoterpenos (α-pineno timol) sesquiterpenos (β-cariofileno germacreno D) e fenilpropanoacuteides (eugenol)

α-Pineno Timol β-Cariofileno Germacreno D Eugenol

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Estruturas secretoras

Os compostos que constituem a fraccedilatildeo aromaacutetica de uma planta satildeo regra geral sinteti-

zados e acumulados em estruturas secretoras microscoacutepicas Entre os diversos tipos de

estruturas secretoras as mais frequentes satildeo os tricomas os canais e as bolsas (FIGURA 2)

FIGURA 2 Exemplos de estruturas secretoras observadas em microscopia oacuteptica A - Tricoma de Geranium robertianum (s - secretado acumulado no espaccedilo sub-cuticular coloraccedilatildeo com reagente de Nadi) B - canal secretor de Crithmum maritimum (setas coloraccedilatildeo com tricloreto de antimoacutenio) e C - bolsa secretora de Citrus sp (coloraccedilatildeo com Vermelho Sudatildeo III)

Os tricomas glandulares satildeo estruturas externas com origem em ceacutelulas epideacutermicas

que apresentam diversos graus de complexidade desde tricomas com apenas trecircs ceacutelulas

uma das quais a secretora ateacute tricomas com mais de uma dezena de ceacutelulas secretoras

As bolsas e os canais secretores satildeo estruturas internas constituiacutedas por ceacutelulas glandu-

lares que delimitam o luacutemen o espaccedilo para onde satildeo secretados os compostos depois de

produzidos nas ceacutelulas secretoras Os canais satildeo estruturas alongadas que percorrem o

corpo da planta por vezes com ramificaccedilotildees enquanto as bolsas satildeo estruturas mais ou

menos isodiameacutetricas

Os oacuteleos essenciais

Um oacuteleo essencial eacute obtido por hidrodestilaccedilatildeo ou por destilaccedilatildeo por arrastamento de va-

por (FIGURA 3) No caso particular dos citrinos o oacuteleo essencial pode ainda ser obtido

por expressatildeo (processo mecacircnico que promove a libertaccedilatildeo do secretado acumulado no

interior das estruturas secretoras neste caso bolsas)

Tanto na hidrodestilaccedilatildeo como na destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor o secretado eacute

removido das estruturas secretoras e arrastado pelo vapor de aacutegua Depois de condensar

por arrefecimento o oacuteleo essencial separa-se da aacutegua podendo ser facilmente recolhido

devido agrave sua imiscibilidade com a aacutegua

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41FIGURA 3 A - Sistema de hidrodestilaccedilatildeo com aparelho de Clevenger e B - sistema de destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor

Anaacutelise de oacuteleos essenciais

Para analisar um oacuteleo essencial recorre-se frequentemente agrave cromatografia gasosa (CG)

para quantificaccedilatildeo dos componentes e agrave CG acoplada agrave espectrometria de massa (CG-

-EM) para a correspondente identificaccedilatildeo dos constituintes Por CG-EM os diversos com-

ponentes que constituem o oacuteleo essencial satildeo separados uns dos outros e ao chegarem ao

espectroacutemetro de massa satildeo bombardeados por eletrotildees o que leva a que as moleacuteculas

fragmentem formando-se diferentes iotildees de acordo com padrotildees preferenciais O con-

junto dos fragmentosiotildees constituem o espectro de massa que eacute carateriacutestico de cada

moleacutecula A integraccedilatildeo das aacutereas dos picos que surgem no cromatograma obtido por CG

(FIGURA 4A) permite a quantificaccedilatildeo relativa dos diversos componentes do oacuteleo essencial

A anaacutelise por CG-EM possibilita a identificaccedilatildeo desses compostos por comparaccedilatildeo dos

espectros de massa (FIGURA 4B) e dos iacutendices de retenccedilatildeo com os de amostras padratildeo

FIGURA 4 A - Aspeto parcial de um cromatograma obtido por CG carateriacutestico de um oacuteleo essencial com alguns dos ldquopicosrdquo identificados B - espectro de massa obtido por CG-EM de um dos componentes maioritaacuterios o timol

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Paisagens da Islacircndia Formase Processos (III)Fernando Carlos LopesCITEUC Universidade de Coimbra

A Islacircndia eacute famosa natildeo soacute pelos seus vulcotildees mas tambeacutem pelos seus glaciares e pela

sua sinuosa e escarpada linha de costa

Atualmente os glaciares cobrem cerca de 10 da superfiacutecie islandesa e 60 destas

aacutereas geladas assentam sobre sistemas vulcacircnicos ativos Esta combinaccedilatildeo de gelo e vul-

canismo torna a Islacircndia o local ideal para cheias repentinas (joumlkulhlaups) resultantes de

aacutegua que escorre por baixo dos glaciares devido agrave fusatildeo provocada pelas erupccedilotildees subgla-

ciares Atualmente existem 4 grandes calotes glaciares localizadas nas regiotildees elevadas

e vulcanicamente ativas do centro e sul da ilha a partir das quais divergem numerosas liacuten-

guas glaciarias Vatnajoumlkull (8100 km2) situado no centro leste Langjoumlkull (925 km2) si-

tuado no centro oeste Hofsjoumlkull (925 km2) situado na zona central da ilha Myrdalsjoumlkull

(600 km2) situado no sul da ilha Apesar da Islacircndia ter cerca de 24 Ma a sua paisagem soacute

foi moldada por glaciares nos uacuteltimos 5 milhotildees de anos Os seus glaciares de tipo alpino

(ou de montanha) avanccedilaram e recuaram condicionados pelas variaccedilotildees regionais e locais

do clima de que resultaram espetaculares morfologias Como jaacute se referiu anteriormente

as variaccedilotildees da carga glaciar sobre a litosfera provocadas pelas fases de gelo e degelo

teratildeo desempenhado papel importante na atividade vulcacircnica da ilha

Com um comprimento de cerca de 4970 km a linha de costa da Islacircndia eacute de um modo

geral muito recortada e escarpada marcada por promontoacuterios cabos peniacutensulas fiordes

e enseadas pontilhada de leixotildees por entre os quais se aninham praias de areia negra de

contornos suaves A accedilatildeo do mar sobre as inuacutemeras escoadas de lava que fluiacuteram ateacute agrave

costa ao longo da evoluccedilatildeo geoloacutegica da ilha e ali solidificaram sobre os aparelhos vulcacirc-

nicos implantados na zona litoral e sobre os vales deixados pelo recuo dos glaciares criou

paisagens de uma beleza surreal

FIGURA DA PAacuteGINA ANTERIOR Leixatildeo Hvitserkur noroeste da Islacircndia (fonte pixabay)

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Parte III - Paisagens controladas pelos glaciares e paisagens costeirasVales glaciares e fiordes

Vales glaciares vales suspensos lagos glaciares e cascatas ciacuterculos glaciares moreias

e fiordes satildeo formas carateriacutesticas das paisagens islandesas criadas pelos seus glacia-

res alpinos Os vales glaciares com o seu carateriacutestico perfil em ldquoUrdquo satildeo a forma mais

comum de paisagem originada pela erosatildeo glacial (FIGURA 1) No interior destes vales os

rios concentram o seu poder erosivo na zona mais baixa originando um perfil carateriacutestico

em ldquoVrdquo O poder erosivo dos glaciares eacute muito superior ao dos rios porque a sua energia

potencial resulta natildeo soacute do declive do terreno mas tambeacutem do peso do gelo A erosatildeo faz-

-se essencialmente ao longo das zonas laterais do canal criando um vale com vertentes

alcantiladas e fundo aplanado Vales suspensos satildeo vales escavados por glaciares tributaacute-

rios Como estes glaciares levam menos gelo o seu poder erosivo eacute menor que o do glaciar

principal ficando suspenso nas vertentes do glaciar principal quando o gelo recua Cons-

tituem exemplos notaacuteveis pela sua beleza e dimensatildeo os vales glaciares de Borgarvirki

(FIGURA 2) e de Akureyri (ou Eyjafjoumlrethur) no noroeste da ilha Este uacuteltimo vai desembocar

num fiorde que eacute mais longo da Islacircndia

FIGURA 1 Esquema 3D (sem escala) da evoluccedilatildeo de uma paisagem glaciar com formaccedilatildeo de vales glaciares vales glaciares suspensos ciacuterculos glaciares lagos glaciares e cascatas

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FIGURA 2 Aspeto do vale glaciaacuterio de Borgarvirki observado a partir da fortaleza de Borgarvirki

Se as condiccedilotildees forem favoraacuteveis os glaciares podem erodir abaixo do niacutevel do mar Quan-

do o glaciar recua o oceano invade estas depressotildees criando um fiorde Alguns dos fiordes

islandeses como o de Akureyri e o de Nordfjord (nordeste da ilha) possuem centenas de

metros abaixo do niacutevel do mar O fiorde de Nordfjord abrange parcialmente uma antiga cal-

deira vulcacircnica Nas faleacutesias do seu flanco oriental (falesias de Raudubjoumlrg) afloram rioacutelitos

conferindo agraves arribas uma carateriacutestica cor avermelhada)

Como se referiu anteriormente (Parte I) a orientaccedilatildeo da maioria dos vales glaciares e

fiordes segue de perto a orientaccedilatildeo dos principais lineamentos tectoacutenicos

Moreias

Em termos de aspetos deposicionais relacionados com glaciares as moreias satildeo de lon-

ge os mais abundantes Satildeo acumulaccedilotildees de fragmentos rochosos transportados pelos

glaciares quer na regiatildeo frontal (moreia frontal) lateral (moreia lateral) a meio (moreia

mediana) e no fundo (moreia de fundo)

Durante o uacuteltimo maacuteximo glaciar (haacute cerca de 20 000 anos) a Islacircndia estava quase

toda coberta por glaciares que se estendiam ateacute agrave costa e para aleacutem dela Foram encon-

tradas moreias frontais dessa eacutepoca a cerca de 130 km a offshore da costa ocidental e a

cerca de 150-230 m abaixo do niacutevel de mar atual

Eacute possiacutevel encontrar nos vales glaciares islandeses quer moreias antigas resultantes

da uacuteltima glaciaccedilatildeo quer moreias recentes e atuais Estas uacuteltimas estatildeo relacionadas com

as 4 grandes calotes glaciares existentes como eacute o caso das moreias do glaciar Vatna-

joumlkull que se podem observar em pleno no setor sudeste da ilha

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Lagoas glaciares e icebergues

Outra das paisagens magniacuteficas moldadas pelos glaciares satildeo as lagoas glaciares Estas

lagoas formam-se na extremidade dos glaciares que descem das calotes glaciares Satildeo

alimentadas pelo desgelo natural dos glaciares e nela flutuam pequenos e grandes iceber-

gues que se separam da frente do glaciar (FIGURA 3)

FIGURA 3 Esquema 3D (sem escala) da formaccedilatildeo de icebergues numa lagoa glaciar

O exemplo mais notaacutevel deste tipo de lagoas na Islacircndia eacute a lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten consi-

derada uma das maravilhas naturais do paiacutes Fica situada no sudeste da ilha na extremidade

do glaciar Breiethamerkurjoumlkull uma das liacutengua glaciares da calote de Vatnajoumlkull (FIGURA 4)

FIGURA 4 Icebergues na lagoa glaciar de Joumlkulsaacuterloacuten Ao fundo vecirc-se a frente do glaciar Breiethamerkurjoumlkull As faixas negras nos icebergues satildeo niacuteveis de cinza vulcacircnica

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A lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten eacute o ponto mais baixo da Islacircndia com zonas agrave cota de -200 m Na

baiacutea da lagoa tem-se acesso a uma paisagem de outro mundo com icebergues de dimen-

sotildees variadas que flutuam ateacute ao mar ficando alguns deles encalhados na margem de uma

praia de areia vulcacircnica Alguns icebergues exibem faixas negras correspondentes a niacuteveis

de cinzas vulcacircnicas provenientes de antigas erupccedilotildees (FIGURA 4) Outros exibem duas

tonalidades branco leitoso e azul claro A faixa azul corresponde agrave porccedilatildeo do icebergue

que se tornou recentemente emersa

A lagoa teraacute sido formada em 1934-35 pelo contiacutenuo recuo do glaciar Vatnajoumlkull e teraacute

duplicado de tamanho nos uacuteltimos 15 anos Dada a taxa atual de recuo do glaciar Vatna-

joumlkull um profundo fiorde iraacute desenvolver-se no local onde hoje existe a lagoa

As costas escarpadas

As costas escarpadas e recortadas satildeo sem duacutevida as mais dominantes Ocorrem deste o

oeste ao leste da ilha passando pela regiatildeo norte incisas por numerosos fiordes e peque-

nas enseadas e salpicadas por leixotildees Eacute notaacutevel pela sua forma de dragatildeo e pelas lendas

que o envolvem o leixatildeo de Hvitserkur (IMAGEM DA PAGINA 42) situado na costa leste da

Peniacutensula de Vatnsnes no noroeste da Islacircndia

Os fiordes mais profundos localizam-se na costa norte constituindo bons portos natu-

rais Um destaque especial vai para o fiorde ao longo do qual se estende a cidade de Aku-

reyri (fiorde de Akureyri ou Eyjafjoumlrethur) considerado o mais longo do paiacutes

Praias de areia Negra

As praias de areia negra em geral de reduzida extensatildeo podem ser constituiacutedas por i) de-

poacutesitos resultantes da abrasatildeo das arribas ii) moreias e depoacutesitos fluviais resultantes dos

rios glaciares com contornos suaves e lagoas glaciares protegidas por extensas barras

arenosas iii) depoacutesitos de tefra provenientes de erupccedilotildees freaacuteticas

As do primeiro tipo ocorrem um pouco por toda a linha de costa como resultado da accedilatildeo

do mar sobre as arribas As do segundo tipo ocorrem dominantemente entre Djuacutepivogur a

sudeste e Oumllfusaacute a sudoeste com destaque para a praia de Reynisfjara na costa sul As

da terceira categoria podem ser observadas na ilha de Heimaey arquipeacutelago de Vestman-

naeyja regiatildeo sul da Islacircndia

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018048

IMA

GE

M E

M D

ES

TAQ

UE

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Eu crio as minhas obras de arte de peque-

nos pedaccedilos de papel com espirais que co-

nectam e ligam os elementos a uma grande

estrutura Na obra de origami acabada a

que chamo Voltinhas estas espirais vivem

e trabalham Forccedilas de tensatildeo e fricccedilatildeo

contrapotildeem-se agrave gravidade e mantecircm a

forma estaacutevel Nas minhas criaccedilotildees procu-

ro estar perto da natureza Quando criamos

ou estudamos modelos de papel na macro

escala podemos entender melhor as for-

mas criadas pela natureza na micro escala

A minha obra de origami na capa o trabalho

intitulado ldquoInverno num parque de Lisboardquo e

o capsiacutedeo do viacuterus Canine parvovirus um viacute-

rus contagioso que ataca sobretudo os catildees

e outros caniacutedeos tecircm a mesma estrutura

geomeacutetrica do pequeno rombicosidodecae-

dro um poliedro com simetria icosaeacutedrica

Essa obra invoca simbolicamente o Ano

da Biologia Matemaacutetica 2018 O origami eacute

uma arte de dobragem do papel com uma

forte componente geomeacutetrica que permite

a construccedilatildeo de formas complexas e tem

atraiacutedo o interesse de matemaacuteticos pelas

suas propriedades geomeacutetricas e algeacutebricas

Krystyna Burczyk

Os viacuterus satildeo responsaacuteveis por inuacutemeras

doenccedilas no homem nos animais e nas plan-

tas e as curas e prevenccedilotildees satildeo ainda mui-

tas vezes problemaacuteticas Desenvolvimen-

tos recentes das aplicaccedilotildees da matemaacutetica

agrave virologia nomeadamente das teorias de

grupos de grafos de tesselaccedilatildeo ou de re-

ticulados mostraram por exemplo que as

restriccedilotildees estruturais agraves formas dos viacuterus

satildeo maiores do que antes se pensava e

permitiram a construccedilatildeo de novos modelos

para o desenvolvimento de terapias anti-

-virais Os capsiacutedeos virais que envolvem

os genomas dos viacuterus por razotildees de eco-

nomia geneacutetica tem muitas vezes uma si-

metria icosaeacutedrica Ora esta simetria natildeo eacute

cristalograacutefica em trecircs dimensotildees ie natildeo

eacute compatiacutevel com reticulados perioacutedicos

o que motivou os matemaacuteticos a desen-

volverem novas estruturas no contexto de

grupos de Coxeter natildeo-cristalograacuteficos que

encontraram aplicaccedilatildeo natildeo soacute na virologia

mas tambeacutem noutras estruturas molecula-

res da quiacutemica do carbono

Joseacute Francisco RodriguesUniversidade de Lisboa

Origami e Viacuterusin imagemcasadascienciasorg

Imagem de Canine Parvovirus gerada em VMD Autor Alexandre Lopes Magalhatildees

Page 30: JUNHO 2018 V6 /02 · 2018-09-26 · Matilde Viegas, Maria João Ramos, Pedro Alexandrino Fernandes Stephen Hawking e a sua contribuição para a física teórica Orfeu Bertolami,

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alguns dos casos dependem do uso de quiacutemicos poluentes A esperanccedila estaacute entatildeo de-

positada no estudo de enzimas hidroliacuteticas encontradas em organismos termoacutefilos que

seratildeo capazes de aguentar as difiacuteceis condiccedilotildees de tratamento Contudo a dificuldade em

escalar o processo de fermentaccedilatildeo eacute uma das desvantagens e dos fatores limitantes para

a 2G de biocombustiacuteveis em grande parte devido agrave dificuldade de monitorizar as condiccedilotildees

de fermentaccedilatildeo (oxigeacutenio pH nutrientes etc)

A terceira geraccedilatildeo (3G) de biocombustiacuteveis foi reconhecida como a melhor alternativa

em comparaccedilatildeo com primeira e segunda geraccedilotildees pois surpreendentemente faz uso de

algas A sua enorme disponibilidade por todo o planeta e o facto de natildeo interferirem com os

mercados alimentares satildeo os grandes embaixadores desta mateacuteria-prima como o futuro

dos biocombustiacuteveis Ainda que natildeo seja uma mateacuteria infinita eacute a que de momento mais se

assemelha por existirem 70 000 espeacutecies (30 000 documentadas) Estudos conduzidos

atualmente estatildeo a explorar a viabilidade energeacutetica de 30 espeacutecies de algas explorando a

sustentabilidade facilidade e escalabilidade da sua produccedilatildeo Outras vantagens incluem a

baixa manutenccedilatildeo necessaacuteria para o seu crescimento (luz dioacutexido de carbono e nutrientes

como azoto foacutesforo e potaacutessio) a facilidade com que produzem liacutepidos e carboidratos que

podem posteriormente ser processados em diferentes biocombustiacuteveis e outros copro-

dutos a frequecircncia com que podem ser colhidas ao longo do ano (ao contraacuterio de outras

colheitas convencionais) a baixa percentagem de hemicelulose e a praticamente ausente

lignina facilitam radicalmente o seu preacute-processamento pois a celulose eacute mais facilmente

extraiacuteda As desvantagens desta mateacuteria incluem o enorme investimento inicial para a

construccedilatildeo de infraestruturas para o seu cultivo que pode ser ou ao ar livre (em tanques

de grande dimensatildeo) ou em foto-bioreatores (sistemas fechados altamente controlados)

Prevecirc-se que em 2030 o preccedilo de produccedilatildeo de combustiacutevel a partir de algas seraacute 065 euro

litro de combustiacutevel valor muito proacuteximo do atual preccedilo de produccedilatildeo do litro de gasolina

Comparativamente aos custos de produccedilatildeo de outros biocombustiacuteveis o mais barato con-

tinua a ser o bioetanol produzido a partir de milho (1G) 017 eurolitro seguido de combustiacute-

veis celuloacutesicos (2G) a 032 eurolitro

Eacute evidente que seratildeo necessaacuterios esforccedilos poliacuteticos e cientiacuteficos investimento e regu-

lamentaccedilatildeo adequados para encontrar o caminho ideal para travar o aquecimento global

Em todas as geraccedilotildees de biocombustiacuteveis apresentadas existem fatores que afunilam as

potencialidades destas alternativas indicando que a soluccedilatildeo passa por criar um consoacutercio

entre as vaacuterias possibilidades de forma a tirar o maacuteximo partido sem danificar o planeta ou

piorar a crise da fome O proacuteximo passo passa por substituir os biocombustiacuteveis de 1G por

soluccedilotildees com maior escalabilidade Acreditamos que nas proacuteximas deacutecadas seratildeo cruciais

e depositamos esperanccedila na investigaccedilatildeo cientiacutefica

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018043

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Stephen Hawking e a sua contribuiccedilatildeo para a fiacutesica teoacutericaOrfeu Bertolami

Claacuteudio GomesDepartamento de Fiacutesica e Astronomia CFP Universidade do Porto

A 14 de marccedilo de 2018 o fiacutesico britacircnico Stephen Hawking faleceu aos 76 anos deixando

todavia um importante legado para a fiacutesica teoacuterica muito particularmente para o

entendimento das deficiecircncias intriacutensecas da Relatividade Geral de Einstein para a fiacutesica

dos buracos negros e para a cosmologia a ciecircncia do Universo como um todo

Stephen Hawking doutorou-se em Fiacutesica Teoacuterica em 1966 pela Universidade de Cambridge

sob a supervisatildeo de Dennis Sciama Apesar da sua condiccedilatildeo fiacutesica progressivamente limi-

tativa manteve-se extremamente ativo na investigaccedilatildeo nas aacutereas de cosmologia fiacutesica dos

buracos negros e gravitaccedilatildeo quacircntica

Nessa altura havia uma consideraacutevel discussatildeo acerca da realidade e ubiquidade de sin-

gularidades pontos no espaccedilo-tempo onde a Teoria da Relatividade Geral deixa de fazer sen-

tido e natildeo desaparecendo atraveacutes de mudanccedila de sistemas de coordenadas que descrevem

o espaccedilo-tempo Na segunda metade da deacutecada de 1960 Hawking e o matemaacutetico inglecircs

Roger Penrose demonstraram que essas singularidades eram inevitaacuteveis no contexto da

Teoria da Relatividade Geral (ver para uma descriccedilatildeo exaustiva o livro Large Scale Structure

of Space-Time escrito em colaboraccedilatildeo com o fiacutesico sul-africano George Ellis publicado em

1973) Uma dessas singularidades corresponde ao iniacutecio do Universo ndash Big Bang ndash e outras

estatildeo presentes no interior dos buracos negros natildeo acessiacuteveis agrave observaccedilatildeo devido agrave pre-

senccedila de um horizonte de acontecimentos que segundo a Conjetura da Censura Coacutesmica de

Roger Penrose protegem sempre as singularidades de se apresentarem ldquonuasrdquo

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Subsequentemente em 1975 ele desenvolveu a ideia que os buracos negros deveriam

radiar termicamente a uma temperatura especiacutefica inversamente proporcional agraves suas

massas temperatura esta que hoje designamos por temperatura de Hawking Esta ideia daacute

origem ao paradoxo da informaccedilatildeo em que a informaccedilatildeo que entrava no horizonte de evento

se perdia Com este contributo passou-se a ter uma equivalecircncia entre a dinacircmica e a termo-

dinacircmica de buracos negros

FIGURA 1 Emissatildeo da radiaccedilatildeo teacutermica de Hawking por um buraco negro

No princiacutepio da deacutecada de 1980 Hawking iniciou em colaboraccedilatildeo com o fiacutesico norte-ameri-

cano James Hartle o programa de investigaccedilatildeo que hoje designamos por cosmologia quacircntica

Na cosmologia quacircntica o espaccedilo-tempo eacute descrito por uma funccedilatildeo de onda a funccedilatildeo de onda

do Universo como na Mecacircnica Quacircntica Esta equaccedilatildeo de onda satisfaz uma equaccedilatildeo anaacuteloga

agrave de Schroumldinger da Mecacircnica Quacircntica a equaccedilatildeo de Wheeler-DeWitt A proposta de Hartle

e Hawking eacute que a funccedilatildeo de onda descreva um espaccedilo-tempo sem fronteiras (No-Boundary

proposal) A ideia eacute que agrave medida que retrocedemos no tempo chegamos a um ponto em que

o Universo eacute pequeno o suficiente para que efeitos quacircnticos sejam dominantes Nesta altura

existe uma espeacutecie de ldquoespumardquo do espaccedilo-tempo de tal modo que o tempo natildeo pode ser in-

terpretado do modo como o vemos hoje mas sim como uma quarta dimensatildeo espacial Uma

analogia uacutetil eacute a seguinte se viajarmos para o Polo Sul temos de seguir sempre para sul mas

quando alcanccedilamos o ponto do Polo Sul jaacute natildeo faz sentido falarmos na direccedilatildeo sul pelo mesmo

raciociacutenio ao retrocedermos no tempo haacute um pontoinstante em que natildeo faz sentido falar-se em

tempo Matematicamente isto torna-se possiacutevel passando de um espaccedilo-tempo de Minkowski

como na Relatividade Restrita para um espaccedilo Euclideano a quatro dimensotildees no qual o tempo

passa a ser um nuacutemero puramente complexo Com esta formulaccedilatildeo o Universo natildeo tem uma

fronteira aleacutem daquela que permite a transiccedilatildeo entre as duas descriccedilotildees para o espaccedilo-tempo

e que eacute exemplificado na FIGURA 2 Esta geometria eacute designada por shuttlecock ou volantepena

de badminton devido agrave semelhanccedila com este objeto

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FIGURA 2 Representaccedilatildeo tridimensional do modelo de Hartle-Hawking (no boundary proposal) A base corresponde a uma semiesfera a 4 dimensotildees e a estrutura que apresenta o tempo como uma direccedilatildeo distinta das espaciais corresponte a um Universo em expansatildeo

Hawking tambeacutem estudou outros problemas como o das maacutequinas do tempo e questotildees

relacionadas com a cosmologia e a formaccedilatildeo de estruturas no Universo Com o seu carate-

riacutestico humor Hawking afirmou natildeo ser possiacutevel viajar no tempo Para tal sugeriu organizar

uma festa convidando pessoas do futuro a se juntarem a ele e dado que ningueacutem apa-

receu concluiu entatildeo que viagens no tempo natildeo satildeo possiacuteveis na realidade Outra prova

prende-se com o facto de natildeo termos recebido ainda turistas do futuro numa clara alusatildeo

iroacutenica agrave procura turiacutestica desenfreada que assistimos nos dias de hoje

Mais recentemente ele pronunciou-se sobre questotildees de interesse geral como as im-

plicaccedilotildees do desenvolvimento da inteligecircncia artificial e a necessidade e inevitabilidade

da exploraccedilatildeo espacial Mostrou-se reticente acerca dos desenvolvimentos no domiacutenio da

inteligecircncia artificial classificando-o como possivelmente perigoso para a nossa civiliza-

ccedilatildeo pois apesar dos potenciais benefiacutecios comportam seacuterios riscos agrave continuidade da hu-

manidade Relativamente agrave exploraccedilatildeo espacial Hawking encarava as viagens espaciais

quer pelo seu interesse cientiacutefico quer como forma de preservar a humanidade de riscos

de destruiccedilatildeo devido a guerras nucleares ou epidemias devido a viacuterus geneticamente mo-

dificados

O fiacutesico Stephen Hawking legou-nos uma extraordinaacuteria contribuiccedilatildeo cientiacutefica e huma-

na Deixou um extraordinaacuterio exemplo de resiliecircncia dedicaccedilatildeo ao conhecimento e agrave socie-

dade Fisicamente debilitado e ldquopresordquo a uma condiccedilatildeo rara a esclerose lateral amiotroacutefica

que lhe foi diagnosticada aos 21 anos a sua mente foi das mais livres dos nossos tempos

concebeu hipoacuteteses conjunturas e teorias pensou a sociedade de hoje e a do futuro

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RochaO que eacute importante dizer sobre as rochas

A M Galopim de Carvalho Universidade de Lisboa

Rochas e pedras satildeo a mesma coisa Praticamente a resposta eacute sim Pedra eacute aquilo

que se apanha do chatildeo para dar uma pedrada

Qualquer pessoa mesmo a menos letrada diraacute que as pedras

bull natildeo satildeo fabricadas ou feitas por gente (a ciecircncia diz que satildeo entidades naturais)

bull que natildeo se amolgam (a ciecircncia diz que satildeo riacutegidas)

bull que geralmente natildeo se esboroam nem se esfarela (a ciecircncia diz que satildeo coesas)

bull que fazem mossa onde quer que batam (a ciecircncia diz que satildeo duras) Para o cidadatildeo

comum pedra (do grego peacutetra) eacute pois uma entidade natural riacutegida coesa e dura que se

apanha do chatildeo

Apanhamos uma pedra do chatildeo mas quando estudamos falamos quase sempre de ro-

chas Num modo de falar corrente podemos dizer que as pedras satildeo bocados de rocha

Todos falamos de rocha como sinoacutenimo de pedra com base num conhecimento comum

empiacuterico vulgar ligado agrave experiecircncia quotidiana mesmo do mais iletrado dos cidadatildeos Dize-

mos rochedo quando o afloramento de rocha eacute grande e apelidamos de rochoso um terreno

com a rocha agrave vista Rocha eacute um galicismo que entre noacutes se sobrepocircs ao termo ldquorocardquo bem

mais antigo talvez preacute-romano Cabo da Roca ou ldquoFocinho da Rocardquo no dizer dos homens do

mar deve o seu nome a esta versatildeo arcaica da palavra rocha

O conceito atual de rocha e os vaacuterios conhecimentos com elas relacionados percorreram

uma caminhada tatildeo longa quanto a do Homo sapiens caminhada de que temos testemunhos

na Preacute-histoacuteria e variadiacutessimos relatos escritos desde a Antiguidade

Na sua giacuteria proacutepria entendiacutevel entre pares os profissionais falam de rochas dizendo que

satildeo sistemas quiacutemicos mono ou polifaacutesicos (ou seja com um ou mais minerais) resultantes

do equiliacutebrio termodinacircmico atingido pelos seus constituintes em determinados ambientes

Entendendo-se por constituintes os elementos quiacutemicos incluiacutedos nos respetivos minerais

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Por outras palavras acessiacuteveis ao comum das gentes pode entatildeo dizer-se que as rochas

satildeo corpos naturais formados por associaccedilotildees mais ou menos estaacuteveis de minerais compatiacute-

veis entre si e com o ambiente onde foram gerados e que satildeo elas as rochas que constituem

a capa riacutegida da Terra que por essa razatildeo recebeu o nome de litosfera (FIGURA 1)

FIGURA 1 Modelado Graniacutetico na Serra da Estrela (fonte banco de imagens da Casa das Ciecircncias)

Antes de prosseguir esclareccedila-se que no jargatildeo proacuteprio da mineralogia e da geoquiacutemica

os minerais satildeo considerados fases no sentido fiacutesico-quiacutemico da palavra Com efeito neste

sentido uma fase eacute uma porccedilatildeo de mateacuteria quiacutemica e estruturalmente homogeacutenea e uma

qualquer espeacutecie mineral eacute isso mesmo

Por convenccedilatildeo na sistemaacutetica em sedimentologia entre as rochas sedimentares cabem

certos materiais natildeo consolidados como os barros as areias soltas as cascalheiras e ainda

outros de natureza natildeo mineral como os carvotildees foacutesseis e o petroacuteleo (oacuteleo de pedra) Cha-

mar rochas ou pedras a estes materiais agraves vezes tatildeo afastados da imagem vulgar de ldquocoisa

dura riacutegida e coesardquo decorre do conceito geoloacutegico de rocha no qual se inclui o modo de

ocorrecircncia e o respetivo processo de formaccedilatildeo (petrogeacutenese)

A mecacircnica das rochas (disciplina que estuda certas propriedades das rochas como resis-

tecircncia ao esmagamento agrave traccedilatildeo agrave torccedilatildeo agrave flexatildeo porosidade permeabilidade e outras)

define-as como entidades sempre riacutegidas e coesas e duras como tambeacutem se diz vulgarmen-

te com capacidade de suportar cargas e que na eventualidade de terem de ser escavadas ou

removidas haacute que usar tecnologias com explosivos Este conceito corresponde aliaacutes agrave ideia

mais divulgada de rocha como atraacutes se referiu Eacute o bedrock dos autores ingleses

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FIGURA 2 Processo de meteorizaccedilatildeo fiacutesica essencialmente por corrosatildeo eoacutelica em rochas sedimentares (arenitos) (fonte banco de imagens da Casa das Ciecircncias)

Aleacutem das muitas que conhecemos na Terra jaacute estudaacutemos rochas do nosso sateacutelite natural

nomeadamente basaltos e anortositos trazidos da sua superfiacutecie Mercuacuterio Veacutenus e Marte satildeo

tambeacutem planetas rochosos e igualmente rochosos ou pedregosos satildeo ainda os nuacutecleos dos co-

metas e muitos dos asteroides de que temos conhecimento pelos meteoritos caiacutedos na Terra

Quando se apelidam as rochas de magmaacuteticas sedimentares (FIGURA 2) ou metamoacuterficas

natildeo se estaacute apenas a rotulaacute-las para efeitos de arrumo ou arquivo muito menos se estatildeo a

criar novos vocaacutebulos para sobrecarga dos estudantes ou do cidadatildeo em geral Estes adjeti-

vos acrescentados agrave palavra rocha informam de imediato sobre a sua origem

bull magmaacutetica ou sedimentar qualquer delas em resultado de processos naturais faacuteceis de

entender

bull metamoacuterfica em consequecircncia de um outro processo muito menos ao alcance da vivecircncia

do vulgo mas que se explica sem grandes dificuldades

Apelidam-se de metamoacuterficas as rochas que posteriormente a uma primeira formaccedilatildeo

como magmaacuteticas ou sedimentares foram submetidas a pressotildees eou a temperaturas no

interior da crosta que lhes modificaram a composiccedilatildeo eou a textura

Foi atraveacutes do estudo das rochas que desvendaacutemos o essencial dos acontecimentos geo-

loacutegicos que marcaram a histoacuteria deste laquoPlaneta Azulraquo no qual a vida encontrou condiccedilotildees

para despertar e onde evoluiu ao ponto de se interrogar sobre essa mesma histoacuteria

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Os conhecimentos diretos de que hoje dispomos relativos agraves rochas da Terra limitam-se

aos que se obtecircm pelo estudo das que afloram agrave superfiacutecie das recolhidas em dragagens

nos fundos marinhos e das retiradas da profundidade quer em minas quer atraveacutes de son-

dagens Esta profundidade que natildeo excede 3 km no primeiro caso e 11 km no segundo

(na peniacutensula de Kola) pode considerar-se insuficiente se comparada com as trecircs a quatro

dezenas de quiloacutemetros de espessura meacutedia da crosta continental

Eacute jaacute muito o conhecimento que temos desta capa (a crosta ou crusta como alguns dizem e

escrevem) mais superficial do nosso planeta Temo-lo atraveacutes das rochas que constantemente

vemos e pisamos muitas delas geradas em zonas profundas trazidas agrave superfiacutecie pelos en-

rugamentos de origem tectoacutenica geradores das montanhas e subsequentemente postas a

descoberto pela erosatildeo

Outras rochas proacuteprias de muito maiores profundidades inclusive do manto inferior como eacute

o caso dos xenocristais e dos xenoacutelitos (do grego xenos estranho e lithos pedra) isto eacute cris-

tais e fragmentos de materiais liacuteticos gerados nessas regiotildees e que ascendem agrave superfiacutecie na

sequecircncia de atividade vulcacircnica englobados ou encravados nos produtos magmaacuteticos que ali

se formaram ou por ali passaram Na ilha da Madeira por exemplo satildeo frequentes os xenoacutelitos

oliviacutenicos que ascenderam ateacute agrave superfiacutecie no seio das lavas envolvidas no processo vulcacircnico

que originou esta e muitas outras ilhas

As rochas a que temos acesso mais ou menos direto representam uma parcela importante

da diferenciaccedilatildeo da Terra e agrave semelhanccedila da aacutegua do ar e dos seres vivos satildeo o resultado de

imensas transformaccedilotildees numa vasta e complexa rede de inter-relaccedilotildees ocorridas ao longo

dos tempos neste laquoplaneta vivoraquo pleno ainda de energia interna (sob a forma de calor) a que

se adiciona toda a que lhe chega do exterior isto eacute a radiaccedilatildeo solar Como escreveu Maurice

Mattauer ldquoas pedras nascem vivem e morrem como noacutes elas tecircm uma idade e uma histoacuteriardquo

Petrologia e litologia satildeo duas disciplinas que estudam as rochas ou as pedras Se bem que

os eacutetimos petra (latim) e lithos (grego) sejam sinoacutenimos petrologia e litologia encerram con-

ceitos diferentes ainda que relacionados entre si

bull A petrologia eacute um ramo da geologia com dimensatildeo de ciecircncia de vastos recursos nos campos

da fiacutesica da quiacutemica e naturalmente tambeacutem da matemaacutetica em busca do conhecimento da

origem natureza constituiccedilatildeo e evoluccedilatildeo da Terra no acircmbito do Sistema Solar e do Universo

bull A litologia outro ramo da geologia eacute habitualmente entendida como a disciplina que estuda

as rochas num campo praacutetico Serve a geologia de engenharia tendo em vista a implantaccedilatildeo

de grandes edifiacutecios e outras obras volumosas cujas fundaccedilotildees exigem o conhecimento dos

terrenos A litologia daacute igualmente respostas agrave pedologia (o estudo dos solos) e agrave induacutestria

extrativa de rochas ornamentais usadas na arquitetura na cantaria ou na estatuaacuteria e de

rochas industriais exploradas como importantes mateacuterias-primas para a construccedilatildeo civil a

ceracircmica o vidro o cimento a cal e a induacutestria quiacutemica

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Software educativo em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Ana C Conceiccedilatildeo

DMUniversidade do Algarve

O conceito F-Tool foi desenvolvido em 2012 com o objetivo de proporcionar uma

aprendizagem interativa em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Em particular eacute possiacutevel

explorar de forma integrada as noccedilotildees de domiacutenio contradomiacutenio existecircncia de zeros

existecircncia de extremos e de pontos de inflexatildeo invertibilidade derivabilidade reta

tangente ao graacutefico num ponto simetrias em relaccedilatildeo aos eixos e agrave origem A utilizaccedilatildeo

dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adaptaccedilatildeo de

alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e

do simples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular)

No ensino da matemaacutetica e em particular no estudo de funccedilotildees a recomendaccedilatildeo da utiliza-

ccedilatildeo de software educacional tem como objetivo o sanar das dificuldades que os alunos pos-

suem em associar as representaccedilotildees algeacutebricas com as diversas representaccedilotildees numeacutericas

eou graacuteficas De facto o caraacuteter estaacutetico das representaccedilotildees matemaacuteticas muitas vezes

dificulta a construccedilatildeo do significado afetando substancialmente a correta interpretaccedilatildeo dos

conceitos A criaccedilatildeo de modelos interativos visuais com o sistema de aacutelgebra computacional

Mathematica permite aos alunos explorar conceitos de elevada complexidade e rapidamen-

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te adquirir uma compreensatildeo mais profunda dos conteuacutedos Obviamente a utilizaccedilatildeo de sof-

tware educacional natildeo deve ser vista como um substituto para o ensino com ldquopapel e laacutepisrdquo

deve ser devidamente combinada com outros meacutetodos de ensino

O conceito F-Tool foi desenvolvido em 2012 com o objetivo de proporcionar uma apren-

dizagem interativa em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Os aplicativos computacionais

implementados com base neste conceito utilizam as capacidades de caacutelculo numeacuterico e

simboacutelico do Mathematica de forma a permitir estudar dinacircmica e interativamente e em

tempo real conceitos e propriedades fundamentais do preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial

FIGURA 1 Imagem ilustrativa da F-Exponential

O conceito F-Tool em sala de aula permite uma abordagem dinacircmica de diversos concei-

tos relacionados com o estudo de funccedilotildees e promove novas formas de raciocinarpensar

avaliar ensinar e aprender As F-Tool foram concebidas como ferramentas de aprendiza-

gem ativa ou seja a sua utilizaccedilatildeo adequada propicia um contexto de ensino-aprendiza-

gem onde alunos e professores satildeo igualmente convidados a contribuir Aleacutem disso tecircm

uma interface muito intuitiva que permite que ateacute mesmo o utilizador mais inexperiente

sem qualquer conhecimento anterior em software educacional possa comeccedilar a usar to-

dos os recursos de uma forma eficiente e autoacutenoma As F-Tool natildeo satildeo um objeto estaacutetico

mas sim um programa a ser executado com o qual se interage em tempo real Em parti-

cular atraveacutes da alteraccedilatildeo dinacircmica dos valores dos paracircmetros que definem cada classe

eacute possiacutevel obter informaccedilatildeo analiacutetica rigorosa apresentada em aritmeacutetica exata ou apro-

ximada bem como informaccedilatildeo visual estaacutetica e natildeo-estaacutetica De igual modo escolhendo

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estrategicamente de entre as vaacuterias opccedilotildees de funccedilotildees disponiacuteveis no painel esquerdo eacute

possiacutevel apreender de forma mais eficaz e consequente muitas das relaccedilotildees existentes

entre as vaacuterias funccedilotildees e respetivas transformaccedilotildees (FIGURA 1) As F-Tool utilizam um

coacutedigo de cores para diferenciar as vaacuterias funccedilotildees apresentadas Este coacutedigo eacute explicitado

na legenda do canto inferior esquerdo do painel central

Qual das figuras pode representar o graacutefico de uma funccedilatildeo e o graacutefico da sua derivada de 1ordf ordem

FIGURA 2 Exemplo de questatildeo de escolha muacuteltipla utilizando diversas opccedilotildees do painel esquerdo das F-Tool

Apesar de ser um software educacional dinacircmico e interativo pode tambeacutem ser utilizado

na construccedilatildeo de questotildees de avaliaccedilatildeo de escolha muacuteltipla (FIGURA 2) e de resposta aberta

ficando o docente automaticamente com a resposta ao selecionar no painel esquerdo as

opccedilotildees relacionadas com a questatildeo

A utilizaccedilatildeo dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adapta-

ccedilatildeo de alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e do sim-

ples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular) De facto

incluindo as F-Tool em ficheiros no Computable Document Format (CDF) eacute possiacutevel criar

fichas de trabalho dinacircmicas e interativas motivando os alunos e tornando o estudo mais

interessante

Acreditamos que o conceito F-Tool ao dotar professores e estudantes com novas fer-

ramentas para explorar alguns conceitos fundamentais da matemaacutetica desenvolveraacute po-

sitivamente o processo de ensino e de aprendizagem das aacutereas de preacute-caacutelculo e caacutelculo

diferencial

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018046

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O Aroma das Plantas Luiacutes Gaspar Pedro

Ana Cristina Figueiredo

Joseacute Gonccedilalves Barroso

CESAM CBV Universidade de Lisboa

Quando nos festejos dos Santos Populares colocamos a matildeo sobre o manjerico

provocamos a rutura de estruturas microscoacutepicas Ao fazecirc-lo libertam-se compostos

quiacutemicos que aderem agrave palma da nossa matildeo que depois percecionamos pelo nosso

olfacto Os aromas satildeo misturas complexas de dezenas de compostos volaacuteteis

carateriacutesticos de uma determinada planta

O aroma o que eacute

O aroma de muitas plantas eacute constituiacutedo por diversos compostos quiacutemicos volaacuteteis que

tecircm a capacidade de estimular os nossos recetores olfactivos A quantidade e a diver-

sidade deste tipo de compostos presentes nas plantas satildeo responsaacuteveis pelos aromas

carateriacutesticos Eacute relativamente faacutecil reconhecer o aroma dos coentros ou do manjerico e

distingui-los de outros aromas como o da rosa ou do cravinho

Na composiccedilatildeo da fraccedilatildeo volaacutetil de uma planta aromaacutetica encontram-se regra geral

compostos como os mono- e sesquiterpenos e os fenilpropanoacuteides (FIGURA 1) entre ou-

tros Satildeo todos eles compostos quiacutemicos com ponto de ebuliccedilatildeo relativamente baixo que

volatilizam agrave temperatura ambiente e contribuem de forma mais ou menos notoacuteria para o

aroma carateriacutestico de cada espeacutecie

FIGURA 1 Exemplos de compostos que constituem a fraccedilatildeo volaacutetil de diversas espeacutecies aromaacuteticas monoterpenos (α-pineno timol) sesquiterpenos (β-cariofileno germacreno D) e fenilpropanoacuteides (eugenol)

α-Pineno Timol β-Cariofileno Germacreno D Eugenol

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Estruturas secretoras

Os compostos que constituem a fraccedilatildeo aromaacutetica de uma planta satildeo regra geral sinteti-

zados e acumulados em estruturas secretoras microscoacutepicas Entre os diversos tipos de

estruturas secretoras as mais frequentes satildeo os tricomas os canais e as bolsas (FIGURA 2)

FIGURA 2 Exemplos de estruturas secretoras observadas em microscopia oacuteptica A - Tricoma de Geranium robertianum (s - secretado acumulado no espaccedilo sub-cuticular coloraccedilatildeo com reagente de Nadi) B - canal secretor de Crithmum maritimum (setas coloraccedilatildeo com tricloreto de antimoacutenio) e C - bolsa secretora de Citrus sp (coloraccedilatildeo com Vermelho Sudatildeo III)

Os tricomas glandulares satildeo estruturas externas com origem em ceacutelulas epideacutermicas

que apresentam diversos graus de complexidade desde tricomas com apenas trecircs ceacutelulas

uma das quais a secretora ateacute tricomas com mais de uma dezena de ceacutelulas secretoras

As bolsas e os canais secretores satildeo estruturas internas constituiacutedas por ceacutelulas glandu-

lares que delimitam o luacutemen o espaccedilo para onde satildeo secretados os compostos depois de

produzidos nas ceacutelulas secretoras Os canais satildeo estruturas alongadas que percorrem o

corpo da planta por vezes com ramificaccedilotildees enquanto as bolsas satildeo estruturas mais ou

menos isodiameacutetricas

Os oacuteleos essenciais

Um oacuteleo essencial eacute obtido por hidrodestilaccedilatildeo ou por destilaccedilatildeo por arrastamento de va-

por (FIGURA 3) No caso particular dos citrinos o oacuteleo essencial pode ainda ser obtido

por expressatildeo (processo mecacircnico que promove a libertaccedilatildeo do secretado acumulado no

interior das estruturas secretoras neste caso bolsas)

Tanto na hidrodestilaccedilatildeo como na destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor o secretado eacute

removido das estruturas secretoras e arrastado pelo vapor de aacutegua Depois de condensar

por arrefecimento o oacuteleo essencial separa-se da aacutegua podendo ser facilmente recolhido

devido agrave sua imiscibilidade com a aacutegua

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41FIGURA 3 A - Sistema de hidrodestilaccedilatildeo com aparelho de Clevenger e B - sistema de destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor

Anaacutelise de oacuteleos essenciais

Para analisar um oacuteleo essencial recorre-se frequentemente agrave cromatografia gasosa (CG)

para quantificaccedilatildeo dos componentes e agrave CG acoplada agrave espectrometria de massa (CG-

-EM) para a correspondente identificaccedilatildeo dos constituintes Por CG-EM os diversos com-

ponentes que constituem o oacuteleo essencial satildeo separados uns dos outros e ao chegarem ao

espectroacutemetro de massa satildeo bombardeados por eletrotildees o que leva a que as moleacuteculas

fragmentem formando-se diferentes iotildees de acordo com padrotildees preferenciais O con-

junto dos fragmentosiotildees constituem o espectro de massa que eacute carateriacutestico de cada

moleacutecula A integraccedilatildeo das aacutereas dos picos que surgem no cromatograma obtido por CG

(FIGURA 4A) permite a quantificaccedilatildeo relativa dos diversos componentes do oacuteleo essencial

A anaacutelise por CG-EM possibilita a identificaccedilatildeo desses compostos por comparaccedilatildeo dos

espectros de massa (FIGURA 4B) e dos iacutendices de retenccedilatildeo com os de amostras padratildeo

FIGURA 4 A - Aspeto parcial de um cromatograma obtido por CG carateriacutestico de um oacuteleo essencial com alguns dos ldquopicosrdquo identificados B - espectro de massa obtido por CG-EM de um dos componentes maioritaacuterios o timol

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Paisagens da Islacircndia Formase Processos (III)Fernando Carlos LopesCITEUC Universidade de Coimbra

A Islacircndia eacute famosa natildeo soacute pelos seus vulcotildees mas tambeacutem pelos seus glaciares e pela

sua sinuosa e escarpada linha de costa

Atualmente os glaciares cobrem cerca de 10 da superfiacutecie islandesa e 60 destas

aacutereas geladas assentam sobre sistemas vulcacircnicos ativos Esta combinaccedilatildeo de gelo e vul-

canismo torna a Islacircndia o local ideal para cheias repentinas (joumlkulhlaups) resultantes de

aacutegua que escorre por baixo dos glaciares devido agrave fusatildeo provocada pelas erupccedilotildees subgla-

ciares Atualmente existem 4 grandes calotes glaciares localizadas nas regiotildees elevadas

e vulcanicamente ativas do centro e sul da ilha a partir das quais divergem numerosas liacuten-

guas glaciarias Vatnajoumlkull (8100 km2) situado no centro leste Langjoumlkull (925 km2) si-

tuado no centro oeste Hofsjoumlkull (925 km2) situado na zona central da ilha Myrdalsjoumlkull

(600 km2) situado no sul da ilha Apesar da Islacircndia ter cerca de 24 Ma a sua paisagem soacute

foi moldada por glaciares nos uacuteltimos 5 milhotildees de anos Os seus glaciares de tipo alpino

(ou de montanha) avanccedilaram e recuaram condicionados pelas variaccedilotildees regionais e locais

do clima de que resultaram espetaculares morfologias Como jaacute se referiu anteriormente

as variaccedilotildees da carga glaciar sobre a litosfera provocadas pelas fases de gelo e degelo

teratildeo desempenhado papel importante na atividade vulcacircnica da ilha

Com um comprimento de cerca de 4970 km a linha de costa da Islacircndia eacute de um modo

geral muito recortada e escarpada marcada por promontoacuterios cabos peniacutensulas fiordes

e enseadas pontilhada de leixotildees por entre os quais se aninham praias de areia negra de

contornos suaves A accedilatildeo do mar sobre as inuacutemeras escoadas de lava que fluiacuteram ateacute agrave

costa ao longo da evoluccedilatildeo geoloacutegica da ilha e ali solidificaram sobre os aparelhos vulcacirc-

nicos implantados na zona litoral e sobre os vales deixados pelo recuo dos glaciares criou

paisagens de uma beleza surreal

FIGURA DA PAacuteGINA ANTERIOR Leixatildeo Hvitserkur noroeste da Islacircndia (fonte pixabay)

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Parte III - Paisagens controladas pelos glaciares e paisagens costeirasVales glaciares e fiordes

Vales glaciares vales suspensos lagos glaciares e cascatas ciacuterculos glaciares moreias

e fiordes satildeo formas carateriacutesticas das paisagens islandesas criadas pelos seus glacia-

res alpinos Os vales glaciares com o seu carateriacutestico perfil em ldquoUrdquo satildeo a forma mais

comum de paisagem originada pela erosatildeo glacial (FIGURA 1) No interior destes vales os

rios concentram o seu poder erosivo na zona mais baixa originando um perfil carateriacutestico

em ldquoVrdquo O poder erosivo dos glaciares eacute muito superior ao dos rios porque a sua energia

potencial resulta natildeo soacute do declive do terreno mas tambeacutem do peso do gelo A erosatildeo faz-

-se essencialmente ao longo das zonas laterais do canal criando um vale com vertentes

alcantiladas e fundo aplanado Vales suspensos satildeo vales escavados por glaciares tributaacute-

rios Como estes glaciares levam menos gelo o seu poder erosivo eacute menor que o do glaciar

principal ficando suspenso nas vertentes do glaciar principal quando o gelo recua Cons-

tituem exemplos notaacuteveis pela sua beleza e dimensatildeo os vales glaciares de Borgarvirki

(FIGURA 2) e de Akureyri (ou Eyjafjoumlrethur) no noroeste da ilha Este uacuteltimo vai desembocar

num fiorde que eacute mais longo da Islacircndia

FIGURA 1 Esquema 3D (sem escala) da evoluccedilatildeo de uma paisagem glaciar com formaccedilatildeo de vales glaciares vales glaciares suspensos ciacuterculos glaciares lagos glaciares e cascatas

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FIGURA 2 Aspeto do vale glaciaacuterio de Borgarvirki observado a partir da fortaleza de Borgarvirki

Se as condiccedilotildees forem favoraacuteveis os glaciares podem erodir abaixo do niacutevel do mar Quan-

do o glaciar recua o oceano invade estas depressotildees criando um fiorde Alguns dos fiordes

islandeses como o de Akureyri e o de Nordfjord (nordeste da ilha) possuem centenas de

metros abaixo do niacutevel do mar O fiorde de Nordfjord abrange parcialmente uma antiga cal-

deira vulcacircnica Nas faleacutesias do seu flanco oriental (falesias de Raudubjoumlrg) afloram rioacutelitos

conferindo agraves arribas uma carateriacutestica cor avermelhada)

Como se referiu anteriormente (Parte I) a orientaccedilatildeo da maioria dos vales glaciares e

fiordes segue de perto a orientaccedilatildeo dos principais lineamentos tectoacutenicos

Moreias

Em termos de aspetos deposicionais relacionados com glaciares as moreias satildeo de lon-

ge os mais abundantes Satildeo acumulaccedilotildees de fragmentos rochosos transportados pelos

glaciares quer na regiatildeo frontal (moreia frontal) lateral (moreia lateral) a meio (moreia

mediana) e no fundo (moreia de fundo)

Durante o uacuteltimo maacuteximo glaciar (haacute cerca de 20 000 anos) a Islacircndia estava quase

toda coberta por glaciares que se estendiam ateacute agrave costa e para aleacutem dela Foram encon-

tradas moreias frontais dessa eacutepoca a cerca de 130 km a offshore da costa ocidental e a

cerca de 150-230 m abaixo do niacutevel de mar atual

Eacute possiacutevel encontrar nos vales glaciares islandeses quer moreias antigas resultantes

da uacuteltima glaciaccedilatildeo quer moreias recentes e atuais Estas uacuteltimas estatildeo relacionadas com

as 4 grandes calotes glaciares existentes como eacute o caso das moreias do glaciar Vatna-

joumlkull que se podem observar em pleno no setor sudeste da ilha

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Lagoas glaciares e icebergues

Outra das paisagens magniacuteficas moldadas pelos glaciares satildeo as lagoas glaciares Estas

lagoas formam-se na extremidade dos glaciares que descem das calotes glaciares Satildeo

alimentadas pelo desgelo natural dos glaciares e nela flutuam pequenos e grandes iceber-

gues que se separam da frente do glaciar (FIGURA 3)

FIGURA 3 Esquema 3D (sem escala) da formaccedilatildeo de icebergues numa lagoa glaciar

O exemplo mais notaacutevel deste tipo de lagoas na Islacircndia eacute a lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten consi-

derada uma das maravilhas naturais do paiacutes Fica situada no sudeste da ilha na extremidade

do glaciar Breiethamerkurjoumlkull uma das liacutengua glaciares da calote de Vatnajoumlkull (FIGURA 4)

FIGURA 4 Icebergues na lagoa glaciar de Joumlkulsaacuterloacuten Ao fundo vecirc-se a frente do glaciar Breiethamerkurjoumlkull As faixas negras nos icebergues satildeo niacuteveis de cinza vulcacircnica

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A lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten eacute o ponto mais baixo da Islacircndia com zonas agrave cota de -200 m Na

baiacutea da lagoa tem-se acesso a uma paisagem de outro mundo com icebergues de dimen-

sotildees variadas que flutuam ateacute ao mar ficando alguns deles encalhados na margem de uma

praia de areia vulcacircnica Alguns icebergues exibem faixas negras correspondentes a niacuteveis

de cinzas vulcacircnicas provenientes de antigas erupccedilotildees (FIGURA 4) Outros exibem duas

tonalidades branco leitoso e azul claro A faixa azul corresponde agrave porccedilatildeo do icebergue

que se tornou recentemente emersa

A lagoa teraacute sido formada em 1934-35 pelo contiacutenuo recuo do glaciar Vatnajoumlkull e teraacute

duplicado de tamanho nos uacuteltimos 15 anos Dada a taxa atual de recuo do glaciar Vatna-

joumlkull um profundo fiorde iraacute desenvolver-se no local onde hoje existe a lagoa

As costas escarpadas

As costas escarpadas e recortadas satildeo sem duacutevida as mais dominantes Ocorrem deste o

oeste ao leste da ilha passando pela regiatildeo norte incisas por numerosos fiordes e peque-

nas enseadas e salpicadas por leixotildees Eacute notaacutevel pela sua forma de dragatildeo e pelas lendas

que o envolvem o leixatildeo de Hvitserkur (IMAGEM DA PAGINA 42) situado na costa leste da

Peniacutensula de Vatnsnes no noroeste da Islacircndia

Os fiordes mais profundos localizam-se na costa norte constituindo bons portos natu-

rais Um destaque especial vai para o fiorde ao longo do qual se estende a cidade de Aku-

reyri (fiorde de Akureyri ou Eyjafjoumlrethur) considerado o mais longo do paiacutes

Praias de areia Negra

As praias de areia negra em geral de reduzida extensatildeo podem ser constituiacutedas por i) de-

poacutesitos resultantes da abrasatildeo das arribas ii) moreias e depoacutesitos fluviais resultantes dos

rios glaciares com contornos suaves e lagoas glaciares protegidas por extensas barras

arenosas iii) depoacutesitos de tefra provenientes de erupccedilotildees freaacuteticas

As do primeiro tipo ocorrem um pouco por toda a linha de costa como resultado da accedilatildeo

do mar sobre as arribas As do segundo tipo ocorrem dominantemente entre Djuacutepivogur a

sudeste e Oumllfusaacute a sudoeste com destaque para a praia de Reynisfjara na costa sul As

da terceira categoria podem ser observadas na ilha de Heimaey arquipeacutelago de Vestman-

naeyja regiatildeo sul da Islacircndia

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018048

IMA

GE

M E

M D

ES

TAQ

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Eu crio as minhas obras de arte de peque-

nos pedaccedilos de papel com espirais que co-

nectam e ligam os elementos a uma grande

estrutura Na obra de origami acabada a

que chamo Voltinhas estas espirais vivem

e trabalham Forccedilas de tensatildeo e fricccedilatildeo

contrapotildeem-se agrave gravidade e mantecircm a

forma estaacutevel Nas minhas criaccedilotildees procu-

ro estar perto da natureza Quando criamos

ou estudamos modelos de papel na macro

escala podemos entender melhor as for-

mas criadas pela natureza na micro escala

A minha obra de origami na capa o trabalho

intitulado ldquoInverno num parque de Lisboardquo e

o capsiacutedeo do viacuterus Canine parvovirus um viacute-

rus contagioso que ataca sobretudo os catildees

e outros caniacutedeos tecircm a mesma estrutura

geomeacutetrica do pequeno rombicosidodecae-

dro um poliedro com simetria icosaeacutedrica

Essa obra invoca simbolicamente o Ano

da Biologia Matemaacutetica 2018 O origami eacute

uma arte de dobragem do papel com uma

forte componente geomeacutetrica que permite

a construccedilatildeo de formas complexas e tem

atraiacutedo o interesse de matemaacuteticos pelas

suas propriedades geomeacutetricas e algeacutebricas

Krystyna Burczyk

Os viacuterus satildeo responsaacuteveis por inuacutemeras

doenccedilas no homem nos animais e nas plan-

tas e as curas e prevenccedilotildees satildeo ainda mui-

tas vezes problemaacuteticas Desenvolvimen-

tos recentes das aplicaccedilotildees da matemaacutetica

agrave virologia nomeadamente das teorias de

grupos de grafos de tesselaccedilatildeo ou de re-

ticulados mostraram por exemplo que as

restriccedilotildees estruturais agraves formas dos viacuterus

satildeo maiores do que antes se pensava e

permitiram a construccedilatildeo de novos modelos

para o desenvolvimento de terapias anti-

-virais Os capsiacutedeos virais que envolvem

os genomas dos viacuterus por razotildees de eco-

nomia geneacutetica tem muitas vezes uma si-

metria icosaeacutedrica Ora esta simetria natildeo eacute

cristalograacutefica em trecircs dimensotildees ie natildeo

eacute compatiacutevel com reticulados perioacutedicos

o que motivou os matemaacuteticos a desen-

volverem novas estruturas no contexto de

grupos de Coxeter natildeo-cristalograacuteficos que

encontraram aplicaccedilatildeo natildeo soacute na virologia

mas tambeacutem noutras estruturas molecula-

res da quiacutemica do carbono

Joseacute Francisco RodriguesUniversidade de Lisboa

Origami e Viacuterusin imagemcasadascienciasorg

Imagem de Canine Parvovirus gerada em VMD Autor Alexandre Lopes Magalhatildees

Page 31: JUNHO 2018 V6 /02 · 2018-09-26 · Matilde Viegas, Maria João Ramos, Pedro Alexandrino Fernandes Stephen Hawking e a sua contribuição para a física teórica Orfeu Bertolami,

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Stephen Hawking e a sua contribuiccedilatildeo para a fiacutesica teoacutericaOrfeu Bertolami

Claacuteudio GomesDepartamento de Fiacutesica e Astronomia CFP Universidade do Porto

A 14 de marccedilo de 2018 o fiacutesico britacircnico Stephen Hawking faleceu aos 76 anos deixando

todavia um importante legado para a fiacutesica teoacuterica muito particularmente para o

entendimento das deficiecircncias intriacutensecas da Relatividade Geral de Einstein para a fiacutesica

dos buracos negros e para a cosmologia a ciecircncia do Universo como um todo

Stephen Hawking doutorou-se em Fiacutesica Teoacuterica em 1966 pela Universidade de Cambridge

sob a supervisatildeo de Dennis Sciama Apesar da sua condiccedilatildeo fiacutesica progressivamente limi-

tativa manteve-se extremamente ativo na investigaccedilatildeo nas aacutereas de cosmologia fiacutesica dos

buracos negros e gravitaccedilatildeo quacircntica

Nessa altura havia uma consideraacutevel discussatildeo acerca da realidade e ubiquidade de sin-

gularidades pontos no espaccedilo-tempo onde a Teoria da Relatividade Geral deixa de fazer sen-

tido e natildeo desaparecendo atraveacutes de mudanccedila de sistemas de coordenadas que descrevem

o espaccedilo-tempo Na segunda metade da deacutecada de 1960 Hawking e o matemaacutetico inglecircs

Roger Penrose demonstraram que essas singularidades eram inevitaacuteveis no contexto da

Teoria da Relatividade Geral (ver para uma descriccedilatildeo exaustiva o livro Large Scale Structure

of Space-Time escrito em colaboraccedilatildeo com o fiacutesico sul-africano George Ellis publicado em

1973) Uma dessas singularidades corresponde ao iniacutecio do Universo ndash Big Bang ndash e outras

estatildeo presentes no interior dos buracos negros natildeo acessiacuteveis agrave observaccedilatildeo devido agrave pre-

senccedila de um horizonte de acontecimentos que segundo a Conjetura da Censura Coacutesmica de

Roger Penrose protegem sempre as singularidades de se apresentarem ldquonuasrdquo

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Subsequentemente em 1975 ele desenvolveu a ideia que os buracos negros deveriam

radiar termicamente a uma temperatura especiacutefica inversamente proporcional agraves suas

massas temperatura esta que hoje designamos por temperatura de Hawking Esta ideia daacute

origem ao paradoxo da informaccedilatildeo em que a informaccedilatildeo que entrava no horizonte de evento

se perdia Com este contributo passou-se a ter uma equivalecircncia entre a dinacircmica e a termo-

dinacircmica de buracos negros

FIGURA 1 Emissatildeo da radiaccedilatildeo teacutermica de Hawking por um buraco negro

No princiacutepio da deacutecada de 1980 Hawking iniciou em colaboraccedilatildeo com o fiacutesico norte-ameri-

cano James Hartle o programa de investigaccedilatildeo que hoje designamos por cosmologia quacircntica

Na cosmologia quacircntica o espaccedilo-tempo eacute descrito por uma funccedilatildeo de onda a funccedilatildeo de onda

do Universo como na Mecacircnica Quacircntica Esta equaccedilatildeo de onda satisfaz uma equaccedilatildeo anaacuteloga

agrave de Schroumldinger da Mecacircnica Quacircntica a equaccedilatildeo de Wheeler-DeWitt A proposta de Hartle

e Hawking eacute que a funccedilatildeo de onda descreva um espaccedilo-tempo sem fronteiras (No-Boundary

proposal) A ideia eacute que agrave medida que retrocedemos no tempo chegamos a um ponto em que

o Universo eacute pequeno o suficiente para que efeitos quacircnticos sejam dominantes Nesta altura

existe uma espeacutecie de ldquoespumardquo do espaccedilo-tempo de tal modo que o tempo natildeo pode ser in-

terpretado do modo como o vemos hoje mas sim como uma quarta dimensatildeo espacial Uma

analogia uacutetil eacute a seguinte se viajarmos para o Polo Sul temos de seguir sempre para sul mas

quando alcanccedilamos o ponto do Polo Sul jaacute natildeo faz sentido falarmos na direccedilatildeo sul pelo mesmo

raciociacutenio ao retrocedermos no tempo haacute um pontoinstante em que natildeo faz sentido falar-se em

tempo Matematicamente isto torna-se possiacutevel passando de um espaccedilo-tempo de Minkowski

como na Relatividade Restrita para um espaccedilo Euclideano a quatro dimensotildees no qual o tempo

passa a ser um nuacutemero puramente complexo Com esta formulaccedilatildeo o Universo natildeo tem uma

fronteira aleacutem daquela que permite a transiccedilatildeo entre as duas descriccedilotildees para o espaccedilo-tempo

e que eacute exemplificado na FIGURA 2 Esta geometria eacute designada por shuttlecock ou volantepena

de badminton devido agrave semelhanccedila com este objeto

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FIGURA 2 Representaccedilatildeo tridimensional do modelo de Hartle-Hawking (no boundary proposal) A base corresponde a uma semiesfera a 4 dimensotildees e a estrutura que apresenta o tempo como uma direccedilatildeo distinta das espaciais corresponte a um Universo em expansatildeo

Hawking tambeacutem estudou outros problemas como o das maacutequinas do tempo e questotildees

relacionadas com a cosmologia e a formaccedilatildeo de estruturas no Universo Com o seu carate-

riacutestico humor Hawking afirmou natildeo ser possiacutevel viajar no tempo Para tal sugeriu organizar

uma festa convidando pessoas do futuro a se juntarem a ele e dado que ningueacutem apa-

receu concluiu entatildeo que viagens no tempo natildeo satildeo possiacuteveis na realidade Outra prova

prende-se com o facto de natildeo termos recebido ainda turistas do futuro numa clara alusatildeo

iroacutenica agrave procura turiacutestica desenfreada que assistimos nos dias de hoje

Mais recentemente ele pronunciou-se sobre questotildees de interesse geral como as im-

plicaccedilotildees do desenvolvimento da inteligecircncia artificial e a necessidade e inevitabilidade

da exploraccedilatildeo espacial Mostrou-se reticente acerca dos desenvolvimentos no domiacutenio da

inteligecircncia artificial classificando-o como possivelmente perigoso para a nossa civiliza-

ccedilatildeo pois apesar dos potenciais benefiacutecios comportam seacuterios riscos agrave continuidade da hu-

manidade Relativamente agrave exploraccedilatildeo espacial Hawking encarava as viagens espaciais

quer pelo seu interesse cientiacutefico quer como forma de preservar a humanidade de riscos

de destruiccedilatildeo devido a guerras nucleares ou epidemias devido a viacuterus geneticamente mo-

dificados

O fiacutesico Stephen Hawking legou-nos uma extraordinaacuteria contribuiccedilatildeo cientiacutefica e huma-

na Deixou um extraordinaacuterio exemplo de resiliecircncia dedicaccedilatildeo ao conhecimento e agrave socie-

dade Fisicamente debilitado e ldquopresordquo a uma condiccedilatildeo rara a esclerose lateral amiotroacutefica

que lhe foi diagnosticada aos 21 anos a sua mente foi das mais livres dos nossos tempos

concebeu hipoacuteteses conjunturas e teorias pensou a sociedade de hoje e a do futuro

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RochaO que eacute importante dizer sobre as rochas

A M Galopim de Carvalho Universidade de Lisboa

Rochas e pedras satildeo a mesma coisa Praticamente a resposta eacute sim Pedra eacute aquilo

que se apanha do chatildeo para dar uma pedrada

Qualquer pessoa mesmo a menos letrada diraacute que as pedras

bull natildeo satildeo fabricadas ou feitas por gente (a ciecircncia diz que satildeo entidades naturais)

bull que natildeo se amolgam (a ciecircncia diz que satildeo riacutegidas)

bull que geralmente natildeo se esboroam nem se esfarela (a ciecircncia diz que satildeo coesas)

bull que fazem mossa onde quer que batam (a ciecircncia diz que satildeo duras) Para o cidadatildeo

comum pedra (do grego peacutetra) eacute pois uma entidade natural riacutegida coesa e dura que se

apanha do chatildeo

Apanhamos uma pedra do chatildeo mas quando estudamos falamos quase sempre de ro-

chas Num modo de falar corrente podemos dizer que as pedras satildeo bocados de rocha

Todos falamos de rocha como sinoacutenimo de pedra com base num conhecimento comum

empiacuterico vulgar ligado agrave experiecircncia quotidiana mesmo do mais iletrado dos cidadatildeos Dize-

mos rochedo quando o afloramento de rocha eacute grande e apelidamos de rochoso um terreno

com a rocha agrave vista Rocha eacute um galicismo que entre noacutes se sobrepocircs ao termo ldquorocardquo bem

mais antigo talvez preacute-romano Cabo da Roca ou ldquoFocinho da Rocardquo no dizer dos homens do

mar deve o seu nome a esta versatildeo arcaica da palavra rocha

O conceito atual de rocha e os vaacuterios conhecimentos com elas relacionados percorreram

uma caminhada tatildeo longa quanto a do Homo sapiens caminhada de que temos testemunhos

na Preacute-histoacuteria e variadiacutessimos relatos escritos desde a Antiguidade

Na sua giacuteria proacutepria entendiacutevel entre pares os profissionais falam de rochas dizendo que

satildeo sistemas quiacutemicos mono ou polifaacutesicos (ou seja com um ou mais minerais) resultantes

do equiliacutebrio termodinacircmico atingido pelos seus constituintes em determinados ambientes

Entendendo-se por constituintes os elementos quiacutemicos incluiacutedos nos respetivos minerais

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Por outras palavras acessiacuteveis ao comum das gentes pode entatildeo dizer-se que as rochas

satildeo corpos naturais formados por associaccedilotildees mais ou menos estaacuteveis de minerais compatiacute-

veis entre si e com o ambiente onde foram gerados e que satildeo elas as rochas que constituem

a capa riacutegida da Terra que por essa razatildeo recebeu o nome de litosfera (FIGURA 1)

FIGURA 1 Modelado Graniacutetico na Serra da Estrela (fonte banco de imagens da Casa das Ciecircncias)

Antes de prosseguir esclareccedila-se que no jargatildeo proacuteprio da mineralogia e da geoquiacutemica

os minerais satildeo considerados fases no sentido fiacutesico-quiacutemico da palavra Com efeito neste

sentido uma fase eacute uma porccedilatildeo de mateacuteria quiacutemica e estruturalmente homogeacutenea e uma

qualquer espeacutecie mineral eacute isso mesmo

Por convenccedilatildeo na sistemaacutetica em sedimentologia entre as rochas sedimentares cabem

certos materiais natildeo consolidados como os barros as areias soltas as cascalheiras e ainda

outros de natureza natildeo mineral como os carvotildees foacutesseis e o petroacuteleo (oacuteleo de pedra) Cha-

mar rochas ou pedras a estes materiais agraves vezes tatildeo afastados da imagem vulgar de ldquocoisa

dura riacutegida e coesardquo decorre do conceito geoloacutegico de rocha no qual se inclui o modo de

ocorrecircncia e o respetivo processo de formaccedilatildeo (petrogeacutenese)

A mecacircnica das rochas (disciplina que estuda certas propriedades das rochas como resis-

tecircncia ao esmagamento agrave traccedilatildeo agrave torccedilatildeo agrave flexatildeo porosidade permeabilidade e outras)

define-as como entidades sempre riacutegidas e coesas e duras como tambeacutem se diz vulgarmen-

te com capacidade de suportar cargas e que na eventualidade de terem de ser escavadas ou

removidas haacute que usar tecnologias com explosivos Este conceito corresponde aliaacutes agrave ideia

mais divulgada de rocha como atraacutes se referiu Eacute o bedrock dos autores ingleses

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FIGURA 2 Processo de meteorizaccedilatildeo fiacutesica essencialmente por corrosatildeo eoacutelica em rochas sedimentares (arenitos) (fonte banco de imagens da Casa das Ciecircncias)

Aleacutem das muitas que conhecemos na Terra jaacute estudaacutemos rochas do nosso sateacutelite natural

nomeadamente basaltos e anortositos trazidos da sua superfiacutecie Mercuacuterio Veacutenus e Marte satildeo

tambeacutem planetas rochosos e igualmente rochosos ou pedregosos satildeo ainda os nuacutecleos dos co-

metas e muitos dos asteroides de que temos conhecimento pelos meteoritos caiacutedos na Terra

Quando se apelidam as rochas de magmaacuteticas sedimentares (FIGURA 2) ou metamoacuterficas

natildeo se estaacute apenas a rotulaacute-las para efeitos de arrumo ou arquivo muito menos se estatildeo a

criar novos vocaacutebulos para sobrecarga dos estudantes ou do cidadatildeo em geral Estes adjeti-

vos acrescentados agrave palavra rocha informam de imediato sobre a sua origem

bull magmaacutetica ou sedimentar qualquer delas em resultado de processos naturais faacuteceis de

entender

bull metamoacuterfica em consequecircncia de um outro processo muito menos ao alcance da vivecircncia

do vulgo mas que se explica sem grandes dificuldades

Apelidam-se de metamoacuterficas as rochas que posteriormente a uma primeira formaccedilatildeo

como magmaacuteticas ou sedimentares foram submetidas a pressotildees eou a temperaturas no

interior da crosta que lhes modificaram a composiccedilatildeo eou a textura

Foi atraveacutes do estudo das rochas que desvendaacutemos o essencial dos acontecimentos geo-

loacutegicos que marcaram a histoacuteria deste laquoPlaneta Azulraquo no qual a vida encontrou condiccedilotildees

para despertar e onde evoluiu ao ponto de se interrogar sobre essa mesma histoacuteria

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Os conhecimentos diretos de que hoje dispomos relativos agraves rochas da Terra limitam-se

aos que se obtecircm pelo estudo das que afloram agrave superfiacutecie das recolhidas em dragagens

nos fundos marinhos e das retiradas da profundidade quer em minas quer atraveacutes de son-

dagens Esta profundidade que natildeo excede 3 km no primeiro caso e 11 km no segundo

(na peniacutensula de Kola) pode considerar-se insuficiente se comparada com as trecircs a quatro

dezenas de quiloacutemetros de espessura meacutedia da crosta continental

Eacute jaacute muito o conhecimento que temos desta capa (a crosta ou crusta como alguns dizem e

escrevem) mais superficial do nosso planeta Temo-lo atraveacutes das rochas que constantemente

vemos e pisamos muitas delas geradas em zonas profundas trazidas agrave superfiacutecie pelos en-

rugamentos de origem tectoacutenica geradores das montanhas e subsequentemente postas a

descoberto pela erosatildeo

Outras rochas proacuteprias de muito maiores profundidades inclusive do manto inferior como eacute

o caso dos xenocristais e dos xenoacutelitos (do grego xenos estranho e lithos pedra) isto eacute cris-

tais e fragmentos de materiais liacuteticos gerados nessas regiotildees e que ascendem agrave superfiacutecie na

sequecircncia de atividade vulcacircnica englobados ou encravados nos produtos magmaacuteticos que ali

se formaram ou por ali passaram Na ilha da Madeira por exemplo satildeo frequentes os xenoacutelitos

oliviacutenicos que ascenderam ateacute agrave superfiacutecie no seio das lavas envolvidas no processo vulcacircnico

que originou esta e muitas outras ilhas

As rochas a que temos acesso mais ou menos direto representam uma parcela importante

da diferenciaccedilatildeo da Terra e agrave semelhanccedila da aacutegua do ar e dos seres vivos satildeo o resultado de

imensas transformaccedilotildees numa vasta e complexa rede de inter-relaccedilotildees ocorridas ao longo

dos tempos neste laquoplaneta vivoraquo pleno ainda de energia interna (sob a forma de calor) a que

se adiciona toda a que lhe chega do exterior isto eacute a radiaccedilatildeo solar Como escreveu Maurice

Mattauer ldquoas pedras nascem vivem e morrem como noacutes elas tecircm uma idade e uma histoacuteriardquo

Petrologia e litologia satildeo duas disciplinas que estudam as rochas ou as pedras Se bem que

os eacutetimos petra (latim) e lithos (grego) sejam sinoacutenimos petrologia e litologia encerram con-

ceitos diferentes ainda que relacionados entre si

bull A petrologia eacute um ramo da geologia com dimensatildeo de ciecircncia de vastos recursos nos campos

da fiacutesica da quiacutemica e naturalmente tambeacutem da matemaacutetica em busca do conhecimento da

origem natureza constituiccedilatildeo e evoluccedilatildeo da Terra no acircmbito do Sistema Solar e do Universo

bull A litologia outro ramo da geologia eacute habitualmente entendida como a disciplina que estuda

as rochas num campo praacutetico Serve a geologia de engenharia tendo em vista a implantaccedilatildeo

de grandes edifiacutecios e outras obras volumosas cujas fundaccedilotildees exigem o conhecimento dos

terrenos A litologia daacute igualmente respostas agrave pedologia (o estudo dos solos) e agrave induacutestria

extrativa de rochas ornamentais usadas na arquitetura na cantaria ou na estatuaacuteria e de

rochas industriais exploradas como importantes mateacuterias-primas para a construccedilatildeo civil a

ceracircmica o vidro o cimento a cal e a induacutestria quiacutemica

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Software educativo em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Ana C Conceiccedilatildeo

DMUniversidade do Algarve

O conceito F-Tool foi desenvolvido em 2012 com o objetivo de proporcionar uma

aprendizagem interativa em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Em particular eacute possiacutevel

explorar de forma integrada as noccedilotildees de domiacutenio contradomiacutenio existecircncia de zeros

existecircncia de extremos e de pontos de inflexatildeo invertibilidade derivabilidade reta

tangente ao graacutefico num ponto simetrias em relaccedilatildeo aos eixos e agrave origem A utilizaccedilatildeo

dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adaptaccedilatildeo de

alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e

do simples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular)

No ensino da matemaacutetica e em particular no estudo de funccedilotildees a recomendaccedilatildeo da utiliza-

ccedilatildeo de software educacional tem como objetivo o sanar das dificuldades que os alunos pos-

suem em associar as representaccedilotildees algeacutebricas com as diversas representaccedilotildees numeacutericas

eou graacuteficas De facto o caraacuteter estaacutetico das representaccedilotildees matemaacuteticas muitas vezes

dificulta a construccedilatildeo do significado afetando substancialmente a correta interpretaccedilatildeo dos

conceitos A criaccedilatildeo de modelos interativos visuais com o sistema de aacutelgebra computacional

Mathematica permite aos alunos explorar conceitos de elevada complexidade e rapidamen-

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te adquirir uma compreensatildeo mais profunda dos conteuacutedos Obviamente a utilizaccedilatildeo de sof-

tware educacional natildeo deve ser vista como um substituto para o ensino com ldquopapel e laacutepisrdquo

deve ser devidamente combinada com outros meacutetodos de ensino

O conceito F-Tool foi desenvolvido em 2012 com o objetivo de proporcionar uma apren-

dizagem interativa em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Os aplicativos computacionais

implementados com base neste conceito utilizam as capacidades de caacutelculo numeacuterico e

simboacutelico do Mathematica de forma a permitir estudar dinacircmica e interativamente e em

tempo real conceitos e propriedades fundamentais do preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial

FIGURA 1 Imagem ilustrativa da F-Exponential

O conceito F-Tool em sala de aula permite uma abordagem dinacircmica de diversos concei-

tos relacionados com o estudo de funccedilotildees e promove novas formas de raciocinarpensar

avaliar ensinar e aprender As F-Tool foram concebidas como ferramentas de aprendiza-

gem ativa ou seja a sua utilizaccedilatildeo adequada propicia um contexto de ensino-aprendiza-

gem onde alunos e professores satildeo igualmente convidados a contribuir Aleacutem disso tecircm

uma interface muito intuitiva que permite que ateacute mesmo o utilizador mais inexperiente

sem qualquer conhecimento anterior em software educacional possa comeccedilar a usar to-

dos os recursos de uma forma eficiente e autoacutenoma As F-Tool natildeo satildeo um objeto estaacutetico

mas sim um programa a ser executado com o qual se interage em tempo real Em parti-

cular atraveacutes da alteraccedilatildeo dinacircmica dos valores dos paracircmetros que definem cada classe

eacute possiacutevel obter informaccedilatildeo analiacutetica rigorosa apresentada em aritmeacutetica exata ou apro-

ximada bem como informaccedilatildeo visual estaacutetica e natildeo-estaacutetica De igual modo escolhendo

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estrategicamente de entre as vaacuterias opccedilotildees de funccedilotildees disponiacuteveis no painel esquerdo eacute

possiacutevel apreender de forma mais eficaz e consequente muitas das relaccedilotildees existentes

entre as vaacuterias funccedilotildees e respetivas transformaccedilotildees (FIGURA 1) As F-Tool utilizam um

coacutedigo de cores para diferenciar as vaacuterias funccedilotildees apresentadas Este coacutedigo eacute explicitado

na legenda do canto inferior esquerdo do painel central

Qual das figuras pode representar o graacutefico de uma funccedilatildeo e o graacutefico da sua derivada de 1ordf ordem

FIGURA 2 Exemplo de questatildeo de escolha muacuteltipla utilizando diversas opccedilotildees do painel esquerdo das F-Tool

Apesar de ser um software educacional dinacircmico e interativo pode tambeacutem ser utilizado

na construccedilatildeo de questotildees de avaliaccedilatildeo de escolha muacuteltipla (FIGURA 2) e de resposta aberta

ficando o docente automaticamente com a resposta ao selecionar no painel esquerdo as

opccedilotildees relacionadas com a questatildeo

A utilizaccedilatildeo dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adapta-

ccedilatildeo de alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e do sim-

ples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular) De facto

incluindo as F-Tool em ficheiros no Computable Document Format (CDF) eacute possiacutevel criar

fichas de trabalho dinacircmicas e interativas motivando os alunos e tornando o estudo mais

interessante

Acreditamos que o conceito F-Tool ao dotar professores e estudantes com novas fer-

ramentas para explorar alguns conceitos fundamentais da matemaacutetica desenvolveraacute po-

sitivamente o processo de ensino e de aprendizagem das aacutereas de preacute-caacutelculo e caacutelculo

diferencial

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018046

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O Aroma das Plantas Luiacutes Gaspar Pedro

Ana Cristina Figueiredo

Joseacute Gonccedilalves Barroso

CESAM CBV Universidade de Lisboa

Quando nos festejos dos Santos Populares colocamos a matildeo sobre o manjerico

provocamos a rutura de estruturas microscoacutepicas Ao fazecirc-lo libertam-se compostos

quiacutemicos que aderem agrave palma da nossa matildeo que depois percecionamos pelo nosso

olfacto Os aromas satildeo misturas complexas de dezenas de compostos volaacuteteis

carateriacutesticos de uma determinada planta

O aroma o que eacute

O aroma de muitas plantas eacute constituiacutedo por diversos compostos quiacutemicos volaacuteteis que

tecircm a capacidade de estimular os nossos recetores olfactivos A quantidade e a diver-

sidade deste tipo de compostos presentes nas plantas satildeo responsaacuteveis pelos aromas

carateriacutesticos Eacute relativamente faacutecil reconhecer o aroma dos coentros ou do manjerico e

distingui-los de outros aromas como o da rosa ou do cravinho

Na composiccedilatildeo da fraccedilatildeo volaacutetil de uma planta aromaacutetica encontram-se regra geral

compostos como os mono- e sesquiterpenos e os fenilpropanoacuteides (FIGURA 1) entre ou-

tros Satildeo todos eles compostos quiacutemicos com ponto de ebuliccedilatildeo relativamente baixo que

volatilizam agrave temperatura ambiente e contribuem de forma mais ou menos notoacuteria para o

aroma carateriacutestico de cada espeacutecie

FIGURA 1 Exemplos de compostos que constituem a fraccedilatildeo volaacutetil de diversas espeacutecies aromaacuteticas monoterpenos (α-pineno timol) sesquiterpenos (β-cariofileno germacreno D) e fenilpropanoacuteides (eugenol)

α-Pineno Timol β-Cariofileno Germacreno D Eugenol

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Estruturas secretoras

Os compostos que constituem a fraccedilatildeo aromaacutetica de uma planta satildeo regra geral sinteti-

zados e acumulados em estruturas secretoras microscoacutepicas Entre os diversos tipos de

estruturas secretoras as mais frequentes satildeo os tricomas os canais e as bolsas (FIGURA 2)

FIGURA 2 Exemplos de estruturas secretoras observadas em microscopia oacuteptica A - Tricoma de Geranium robertianum (s - secretado acumulado no espaccedilo sub-cuticular coloraccedilatildeo com reagente de Nadi) B - canal secretor de Crithmum maritimum (setas coloraccedilatildeo com tricloreto de antimoacutenio) e C - bolsa secretora de Citrus sp (coloraccedilatildeo com Vermelho Sudatildeo III)

Os tricomas glandulares satildeo estruturas externas com origem em ceacutelulas epideacutermicas

que apresentam diversos graus de complexidade desde tricomas com apenas trecircs ceacutelulas

uma das quais a secretora ateacute tricomas com mais de uma dezena de ceacutelulas secretoras

As bolsas e os canais secretores satildeo estruturas internas constituiacutedas por ceacutelulas glandu-

lares que delimitam o luacutemen o espaccedilo para onde satildeo secretados os compostos depois de

produzidos nas ceacutelulas secretoras Os canais satildeo estruturas alongadas que percorrem o

corpo da planta por vezes com ramificaccedilotildees enquanto as bolsas satildeo estruturas mais ou

menos isodiameacutetricas

Os oacuteleos essenciais

Um oacuteleo essencial eacute obtido por hidrodestilaccedilatildeo ou por destilaccedilatildeo por arrastamento de va-

por (FIGURA 3) No caso particular dos citrinos o oacuteleo essencial pode ainda ser obtido

por expressatildeo (processo mecacircnico que promove a libertaccedilatildeo do secretado acumulado no

interior das estruturas secretoras neste caso bolsas)

Tanto na hidrodestilaccedilatildeo como na destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor o secretado eacute

removido das estruturas secretoras e arrastado pelo vapor de aacutegua Depois de condensar

por arrefecimento o oacuteleo essencial separa-se da aacutegua podendo ser facilmente recolhido

devido agrave sua imiscibilidade com a aacutegua

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41FIGURA 3 A - Sistema de hidrodestilaccedilatildeo com aparelho de Clevenger e B - sistema de destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor

Anaacutelise de oacuteleos essenciais

Para analisar um oacuteleo essencial recorre-se frequentemente agrave cromatografia gasosa (CG)

para quantificaccedilatildeo dos componentes e agrave CG acoplada agrave espectrometria de massa (CG-

-EM) para a correspondente identificaccedilatildeo dos constituintes Por CG-EM os diversos com-

ponentes que constituem o oacuteleo essencial satildeo separados uns dos outros e ao chegarem ao

espectroacutemetro de massa satildeo bombardeados por eletrotildees o que leva a que as moleacuteculas

fragmentem formando-se diferentes iotildees de acordo com padrotildees preferenciais O con-

junto dos fragmentosiotildees constituem o espectro de massa que eacute carateriacutestico de cada

moleacutecula A integraccedilatildeo das aacutereas dos picos que surgem no cromatograma obtido por CG

(FIGURA 4A) permite a quantificaccedilatildeo relativa dos diversos componentes do oacuteleo essencial

A anaacutelise por CG-EM possibilita a identificaccedilatildeo desses compostos por comparaccedilatildeo dos

espectros de massa (FIGURA 4B) e dos iacutendices de retenccedilatildeo com os de amostras padratildeo

FIGURA 4 A - Aspeto parcial de um cromatograma obtido por CG carateriacutestico de um oacuteleo essencial com alguns dos ldquopicosrdquo identificados B - espectro de massa obtido por CG-EM de um dos componentes maioritaacuterios o timol

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Paisagens da Islacircndia Formase Processos (III)Fernando Carlos LopesCITEUC Universidade de Coimbra

A Islacircndia eacute famosa natildeo soacute pelos seus vulcotildees mas tambeacutem pelos seus glaciares e pela

sua sinuosa e escarpada linha de costa

Atualmente os glaciares cobrem cerca de 10 da superfiacutecie islandesa e 60 destas

aacutereas geladas assentam sobre sistemas vulcacircnicos ativos Esta combinaccedilatildeo de gelo e vul-

canismo torna a Islacircndia o local ideal para cheias repentinas (joumlkulhlaups) resultantes de

aacutegua que escorre por baixo dos glaciares devido agrave fusatildeo provocada pelas erupccedilotildees subgla-

ciares Atualmente existem 4 grandes calotes glaciares localizadas nas regiotildees elevadas

e vulcanicamente ativas do centro e sul da ilha a partir das quais divergem numerosas liacuten-

guas glaciarias Vatnajoumlkull (8100 km2) situado no centro leste Langjoumlkull (925 km2) si-

tuado no centro oeste Hofsjoumlkull (925 km2) situado na zona central da ilha Myrdalsjoumlkull

(600 km2) situado no sul da ilha Apesar da Islacircndia ter cerca de 24 Ma a sua paisagem soacute

foi moldada por glaciares nos uacuteltimos 5 milhotildees de anos Os seus glaciares de tipo alpino

(ou de montanha) avanccedilaram e recuaram condicionados pelas variaccedilotildees regionais e locais

do clima de que resultaram espetaculares morfologias Como jaacute se referiu anteriormente

as variaccedilotildees da carga glaciar sobre a litosfera provocadas pelas fases de gelo e degelo

teratildeo desempenhado papel importante na atividade vulcacircnica da ilha

Com um comprimento de cerca de 4970 km a linha de costa da Islacircndia eacute de um modo

geral muito recortada e escarpada marcada por promontoacuterios cabos peniacutensulas fiordes

e enseadas pontilhada de leixotildees por entre os quais se aninham praias de areia negra de

contornos suaves A accedilatildeo do mar sobre as inuacutemeras escoadas de lava que fluiacuteram ateacute agrave

costa ao longo da evoluccedilatildeo geoloacutegica da ilha e ali solidificaram sobre os aparelhos vulcacirc-

nicos implantados na zona litoral e sobre os vales deixados pelo recuo dos glaciares criou

paisagens de uma beleza surreal

FIGURA DA PAacuteGINA ANTERIOR Leixatildeo Hvitserkur noroeste da Islacircndia (fonte pixabay)

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Parte III - Paisagens controladas pelos glaciares e paisagens costeirasVales glaciares e fiordes

Vales glaciares vales suspensos lagos glaciares e cascatas ciacuterculos glaciares moreias

e fiordes satildeo formas carateriacutesticas das paisagens islandesas criadas pelos seus glacia-

res alpinos Os vales glaciares com o seu carateriacutestico perfil em ldquoUrdquo satildeo a forma mais

comum de paisagem originada pela erosatildeo glacial (FIGURA 1) No interior destes vales os

rios concentram o seu poder erosivo na zona mais baixa originando um perfil carateriacutestico

em ldquoVrdquo O poder erosivo dos glaciares eacute muito superior ao dos rios porque a sua energia

potencial resulta natildeo soacute do declive do terreno mas tambeacutem do peso do gelo A erosatildeo faz-

-se essencialmente ao longo das zonas laterais do canal criando um vale com vertentes

alcantiladas e fundo aplanado Vales suspensos satildeo vales escavados por glaciares tributaacute-

rios Como estes glaciares levam menos gelo o seu poder erosivo eacute menor que o do glaciar

principal ficando suspenso nas vertentes do glaciar principal quando o gelo recua Cons-

tituem exemplos notaacuteveis pela sua beleza e dimensatildeo os vales glaciares de Borgarvirki

(FIGURA 2) e de Akureyri (ou Eyjafjoumlrethur) no noroeste da ilha Este uacuteltimo vai desembocar

num fiorde que eacute mais longo da Islacircndia

FIGURA 1 Esquema 3D (sem escala) da evoluccedilatildeo de uma paisagem glaciar com formaccedilatildeo de vales glaciares vales glaciares suspensos ciacuterculos glaciares lagos glaciares e cascatas

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FIGURA 2 Aspeto do vale glaciaacuterio de Borgarvirki observado a partir da fortaleza de Borgarvirki

Se as condiccedilotildees forem favoraacuteveis os glaciares podem erodir abaixo do niacutevel do mar Quan-

do o glaciar recua o oceano invade estas depressotildees criando um fiorde Alguns dos fiordes

islandeses como o de Akureyri e o de Nordfjord (nordeste da ilha) possuem centenas de

metros abaixo do niacutevel do mar O fiorde de Nordfjord abrange parcialmente uma antiga cal-

deira vulcacircnica Nas faleacutesias do seu flanco oriental (falesias de Raudubjoumlrg) afloram rioacutelitos

conferindo agraves arribas uma carateriacutestica cor avermelhada)

Como se referiu anteriormente (Parte I) a orientaccedilatildeo da maioria dos vales glaciares e

fiordes segue de perto a orientaccedilatildeo dos principais lineamentos tectoacutenicos

Moreias

Em termos de aspetos deposicionais relacionados com glaciares as moreias satildeo de lon-

ge os mais abundantes Satildeo acumulaccedilotildees de fragmentos rochosos transportados pelos

glaciares quer na regiatildeo frontal (moreia frontal) lateral (moreia lateral) a meio (moreia

mediana) e no fundo (moreia de fundo)

Durante o uacuteltimo maacuteximo glaciar (haacute cerca de 20 000 anos) a Islacircndia estava quase

toda coberta por glaciares que se estendiam ateacute agrave costa e para aleacutem dela Foram encon-

tradas moreias frontais dessa eacutepoca a cerca de 130 km a offshore da costa ocidental e a

cerca de 150-230 m abaixo do niacutevel de mar atual

Eacute possiacutevel encontrar nos vales glaciares islandeses quer moreias antigas resultantes

da uacuteltima glaciaccedilatildeo quer moreias recentes e atuais Estas uacuteltimas estatildeo relacionadas com

as 4 grandes calotes glaciares existentes como eacute o caso das moreias do glaciar Vatna-

joumlkull que se podem observar em pleno no setor sudeste da ilha

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Lagoas glaciares e icebergues

Outra das paisagens magniacuteficas moldadas pelos glaciares satildeo as lagoas glaciares Estas

lagoas formam-se na extremidade dos glaciares que descem das calotes glaciares Satildeo

alimentadas pelo desgelo natural dos glaciares e nela flutuam pequenos e grandes iceber-

gues que se separam da frente do glaciar (FIGURA 3)

FIGURA 3 Esquema 3D (sem escala) da formaccedilatildeo de icebergues numa lagoa glaciar

O exemplo mais notaacutevel deste tipo de lagoas na Islacircndia eacute a lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten consi-

derada uma das maravilhas naturais do paiacutes Fica situada no sudeste da ilha na extremidade

do glaciar Breiethamerkurjoumlkull uma das liacutengua glaciares da calote de Vatnajoumlkull (FIGURA 4)

FIGURA 4 Icebergues na lagoa glaciar de Joumlkulsaacuterloacuten Ao fundo vecirc-se a frente do glaciar Breiethamerkurjoumlkull As faixas negras nos icebergues satildeo niacuteveis de cinza vulcacircnica

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A lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten eacute o ponto mais baixo da Islacircndia com zonas agrave cota de -200 m Na

baiacutea da lagoa tem-se acesso a uma paisagem de outro mundo com icebergues de dimen-

sotildees variadas que flutuam ateacute ao mar ficando alguns deles encalhados na margem de uma

praia de areia vulcacircnica Alguns icebergues exibem faixas negras correspondentes a niacuteveis

de cinzas vulcacircnicas provenientes de antigas erupccedilotildees (FIGURA 4) Outros exibem duas

tonalidades branco leitoso e azul claro A faixa azul corresponde agrave porccedilatildeo do icebergue

que se tornou recentemente emersa

A lagoa teraacute sido formada em 1934-35 pelo contiacutenuo recuo do glaciar Vatnajoumlkull e teraacute

duplicado de tamanho nos uacuteltimos 15 anos Dada a taxa atual de recuo do glaciar Vatna-

joumlkull um profundo fiorde iraacute desenvolver-se no local onde hoje existe a lagoa

As costas escarpadas

As costas escarpadas e recortadas satildeo sem duacutevida as mais dominantes Ocorrem deste o

oeste ao leste da ilha passando pela regiatildeo norte incisas por numerosos fiordes e peque-

nas enseadas e salpicadas por leixotildees Eacute notaacutevel pela sua forma de dragatildeo e pelas lendas

que o envolvem o leixatildeo de Hvitserkur (IMAGEM DA PAGINA 42) situado na costa leste da

Peniacutensula de Vatnsnes no noroeste da Islacircndia

Os fiordes mais profundos localizam-se na costa norte constituindo bons portos natu-

rais Um destaque especial vai para o fiorde ao longo do qual se estende a cidade de Aku-

reyri (fiorde de Akureyri ou Eyjafjoumlrethur) considerado o mais longo do paiacutes

Praias de areia Negra

As praias de areia negra em geral de reduzida extensatildeo podem ser constituiacutedas por i) de-

poacutesitos resultantes da abrasatildeo das arribas ii) moreias e depoacutesitos fluviais resultantes dos

rios glaciares com contornos suaves e lagoas glaciares protegidas por extensas barras

arenosas iii) depoacutesitos de tefra provenientes de erupccedilotildees freaacuteticas

As do primeiro tipo ocorrem um pouco por toda a linha de costa como resultado da accedilatildeo

do mar sobre as arribas As do segundo tipo ocorrem dominantemente entre Djuacutepivogur a

sudeste e Oumllfusaacute a sudoeste com destaque para a praia de Reynisfjara na costa sul As

da terceira categoria podem ser observadas na ilha de Heimaey arquipeacutelago de Vestman-

naeyja regiatildeo sul da Islacircndia

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018048

IMA

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M E

M D

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Eu crio as minhas obras de arte de peque-

nos pedaccedilos de papel com espirais que co-

nectam e ligam os elementos a uma grande

estrutura Na obra de origami acabada a

que chamo Voltinhas estas espirais vivem

e trabalham Forccedilas de tensatildeo e fricccedilatildeo

contrapotildeem-se agrave gravidade e mantecircm a

forma estaacutevel Nas minhas criaccedilotildees procu-

ro estar perto da natureza Quando criamos

ou estudamos modelos de papel na macro

escala podemos entender melhor as for-

mas criadas pela natureza na micro escala

A minha obra de origami na capa o trabalho

intitulado ldquoInverno num parque de Lisboardquo e

o capsiacutedeo do viacuterus Canine parvovirus um viacute-

rus contagioso que ataca sobretudo os catildees

e outros caniacutedeos tecircm a mesma estrutura

geomeacutetrica do pequeno rombicosidodecae-

dro um poliedro com simetria icosaeacutedrica

Essa obra invoca simbolicamente o Ano

da Biologia Matemaacutetica 2018 O origami eacute

uma arte de dobragem do papel com uma

forte componente geomeacutetrica que permite

a construccedilatildeo de formas complexas e tem

atraiacutedo o interesse de matemaacuteticos pelas

suas propriedades geomeacutetricas e algeacutebricas

Krystyna Burczyk

Os viacuterus satildeo responsaacuteveis por inuacutemeras

doenccedilas no homem nos animais e nas plan-

tas e as curas e prevenccedilotildees satildeo ainda mui-

tas vezes problemaacuteticas Desenvolvimen-

tos recentes das aplicaccedilotildees da matemaacutetica

agrave virologia nomeadamente das teorias de

grupos de grafos de tesselaccedilatildeo ou de re-

ticulados mostraram por exemplo que as

restriccedilotildees estruturais agraves formas dos viacuterus

satildeo maiores do que antes se pensava e

permitiram a construccedilatildeo de novos modelos

para o desenvolvimento de terapias anti-

-virais Os capsiacutedeos virais que envolvem

os genomas dos viacuterus por razotildees de eco-

nomia geneacutetica tem muitas vezes uma si-

metria icosaeacutedrica Ora esta simetria natildeo eacute

cristalograacutefica em trecircs dimensotildees ie natildeo

eacute compatiacutevel com reticulados perioacutedicos

o que motivou os matemaacuteticos a desen-

volverem novas estruturas no contexto de

grupos de Coxeter natildeo-cristalograacuteficos que

encontraram aplicaccedilatildeo natildeo soacute na virologia

mas tambeacutem noutras estruturas molecula-

res da quiacutemica do carbono

Joseacute Francisco RodriguesUniversidade de Lisboa

Origami e Viacuterusin imagemcasadascienciasorg

Imagem de Canine Parvovirus gerada em VMD Autor Alexandre Lopes Magalhatildees

Page 32: JUNHO 2018 V6 /02 · 2018-09-26 · Matilde Viegas, Maria João Ramos, Pedro Alexandrino Fernandes Stephen Hawking e a sua contribuição para a física teórica Orfeu Bertolami,

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Subsequentemente em 1975 ele desenvolveu a ideia que os buracos negros deveriam

radiar termicamente a uma temperatura especiacutefica inversamente proporcional agraves suas

massas temperatura esta que hoje designamos por temperatura de Hawking Esta ideia daacute

origem ao paradoxo da informaccedilatildeo em que a informaccedilatildeo que entrava no horizonte de evento

se perdia Com este contributo passou-se a ter uma equivalecircncia entre a dinacircmica e a termo-

dinacircmica de buracos negros

FIGURA 1 Emissatildeo da radiaccedilatildeo teacutermica de Hawking por um buraco negro

No princiacutepio da deacutecada de 1980 Hawking iniciou em colaboraccedilatildeo com o fiacutesico norte-ameri-

cano James Hartle o programa de investigaccedilatildeo que hoje designamos por cosmologia quacircntica

Na cosmologia quacircntica o espaccedilo-tempo eacute descrito por uma funccedilatildeo de onda a funccedilatildeo de onda

do Universo como na Mecacircnica Quacircntica Esta equaccedilatildeo de onda satisfaz uma equaccedilatildeo anaacuteloga

agrave de Schroumldinger da Mecacircnica Quacircntica a equaccedilatildeo de Wheeler-DeWitt A proposta de Hartle

e Hawking eacute que a funccedilatildeo de onda descreva um espaccedilo-tempo sem fronteiras (No-Boundary

proposal) A ideia eacute que agrave medida que retrocedemos no tempo chegamos a um ponto em que

o Universo eacute pequeno o suficiente para que efeitos quacircnticos sejam dominantes Nesta altura

existe uma espeacutecie de ldquoespumardquo do espaccedilo-tempo de tal modo que o tempo natildeo pode ser in-

terpretado do modo como o vemos hoje mas sim como uma quarta dimensatildeo espacial Uma

analogia uacutetil eacute a seguinte se viajarmos para o Polo Sul temos de seguir sempre para sul mas

quando alcanccedilamos o ponto do Polo Sul jaacute natildeo faz sentido falarmos na direccedilatildeo sul pelo mesmo

raciociacutenio ao retrocedermos no tempo haacute um pontoinstante em que natildeo faz sentido falar-se em

tempo Matematicamente isto torna-se possiacutevel passando de um espaccedilo-tempo de Minkowski

como na Relatividade Restrita para um espaccedilo Euclideano a quatro dimensotildees no qual o tempo

passa a ser um nuacutemero puramente complexo Com esta formulaccedilatildeo o Universo natildeo tem uma

fronteira aleacutem daquela que permite a transiccedilatildeo entre as duas descriccedilotildees para o espaccedilo-tempo

e que eacute exemplificado na FIGURA 2 Esta geometria eacute designada por shuttlecock ou volantepena

de badminton devido agrave semelhanccedila com este objeto

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FIGURA 2 Representaccedilatildeo tridimensional do modelo de Hartle-Hawking (no boundary proposal) A base corresponde a uma semiesfera a 4 dimensotildees e a estrutura que apresenta o tempo como uma direccedilatildeo distinta das espaciais corresponte a um Universo em expansatildeo

Hawking tambeacutem estudou outros problemas como o das maacutequinas do tempo e questotildees

relacionadas com a cosmologia e a formaccedilatildeo de estruturas no Universo Com o seu carate-

riacutestico humor Hawking afirmou natildeo ser possiacutevel viajar no tempo Para tal sugeriu organizar

uma festa convidando pessoas do futuro a se juntarem a ele e dado que ningueacutem apa-

receu concluiu entatildeo que viagens no tempo natildeo satildeo possiacuteveis na realidade Outra prova

prende-se com o facto de natildeo termos recebido ainda turistas do futuro numa clara alusatildeo

iroacutenica agrave procura turiacutestica desenfreada que assistimos nos dias de hoje

Mais recentemente ele pronunciou-se sobre questotildees de interesse geral como as im-

plicaccedilotildees do desenvolvimento da inteligecircncia artificial e a necessidade e inevitabilidade

da exploraccedilatildeo espacial Mostrou-se reticente acerca dos desenvolvimentos no domiacutenio da

inteligecircncia artificial classificando-o como possivelmente perigoso para a nossa civiliza-

ccedilatildeo pois apesar dos potenciais benefiacutecios comportam seacuterios riscos agrave continuidade da hu-

manidade Relativamente agrave exploraccedilatildeo espacial Hawking encarava as viagens espaciais

quer pelo seu interesse cientiacutefico quer como forma de preservar a humanidade de riscos

de destruiccedilatildeo devido a guerras nucleares ou epidemias devido a viacuterus geneticamente mo-

dificados

O fiacutesico Stephen Hawking legou-nos uma extraordinaacuteria contribuiccedilatildeo cientiacutefica e huma-

na Deixou um extraordinaacuterio exemplo de resiliecircncia dedicaccedilatildeo ao conhecimento e agrave socie-

dade Fisicamente debilitado e ldquopresordquo a uma condiccedilatildeo rara a esclerose lateral amiotroacutefica

que lhe foi diagnosticada aos 21 anos a sua mente foi das mais livres dos nossos tempos

concebeu hipoacuteteses conjunturas e teorias pensou a sociedade de hoje e a do futuro

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RochaO que eacute importante dizer sobre as rochas

A M Galopim de Carvalho Universidade de Lisboa

Rochas e pedras satildeo a mesma coisa Praticamente a resposta eacute sim Pedra eacute aquilo

que se apanha do chatildeo para dar uma pedrada

Qualquer pessoa mesmo a menos letrada diraacute que as pedras

bull natildeo satildeo fabricadas ou feitas por gente (a ciecircncia diz que satildeo entidades naturais)

bull que natildeo se amolgam (a ciecircncia diz que satildeo riacutegidas)

bull que geralmente natildeo se esboroam nem se esfarela (a ciecircncia diz que satildeo coesas)

bull que fazem mossa onde quer que batam (a ciecircncia diz que satildeo duras) Para o cidadatildeo

comum pedra (do grego peacutetra) eacute pois uma entidade natural riacutegida coesa e dura que se

apanha do chatildeo

Apanhamos uma pedra do chatildeo mas quando estudamos falamos quase sempre de ro-

chas Num modo de falar corrente podemos dizer que as pedras satildeo bocados de rocha

Todos falamos de rocha como sinoacutenimo de pedra com base num conhecimento comum

empiacuterico vulgar ligado agrave experiecircncia quotidiana mesmo do mais iletrado dos cidadatildeos Dize-

mos rochedo quando o afloramento de rocha eacute grande e apelidamos de rochoso um terreno

com a rocha agrave vista Rocha eacute um galicismo que entre noacutes se sobrepocircs ao termo ldquorocardquo bem

mais antigo talvez preacute-romano Cabo da Roca ou ldquoFocinho da Rocardquo no dizer dos homens do

mar deve o seu nome a esta versatildeo arcaica da palavra rocha

O conceito atual de rocha e os vaacuterios conhecimentos com elas relacionados percorreram

uma caminhada tatildeo longa quanto a do Homo sapiens caminhada de que temos testemunhos

na Preacute-histoacuteria e variadiacutessimos relatos escritos desde a Antiguidade

Na sua giacuteria proacutepria entendiacutevel entre pares os profissionais falam de rochas dizendo que

satildeo sistemas quiacutemicos mono ou polifaacutesicos (ou seja com um ou mais minerais) resultantes

do equiliacutebrio termodinacircmico atingido pelos seus constituintes em determinados ambientes

Entendendo-se por constituintes os elementos quiacutemicos incluiacutedos nos respetivos minerais

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Por outras palavras acessiacuteveis ao comum das gentes pode entatildeo dizer-se que as rochas

satildeo corpos naturais formados por associaccedilotildees mais ou menos estaacuteveis de minerais compatiacute-

veis entre si e com o ambiente onde foram gerados e que satildeo elas as rochas que constituem

a capa riacutegida da Terra que por essa razatildeo recebeu o nome de litosfera (FIGURA 1)

FIGURA 1 Modelado Graniacutetico na Serra da Estrela (fonte banco de imagens da Casa das Ciecircncias)

Antes de prosseguir esclareccedila-se que no jargatildeo proacuteprio da mineralogia e da geoquiacutemica

os minerais satildeo considerados fases no sentido fiacutesico-quiacutemico da palavra Com efeito neste

sentido uma fase eacute uma porccedilatildeo de mateacuteria quiacutemica e estruturalmente homogeacutenea e uma

qualquer espeacutecie mineral eacute isso mesmo

Por convenccedilatildeo na sistemaacutetica em sedimentologia entre as rochas sedimentares cabem

certos materiais natildeo consolidados como os barros as areias soltas as cascalheiras e ainda

outros de natureza natildeo mineral como os carvotildees foacutesseis e o petroacuteleo (oacuteleo de pedra) Cha-

mar rochas ou pedras a estes materiais agraves vezes tatildeo afastados da imagem vulgar de ldquocoisa

dura riacutegida e coesardquo decorre do conceito geoloacutegico de rocha no qual se inclui o modo de

ocorrecircncia e o respetivo processo de formaccedilatildeo (petrogeacutenese)

A mecacircnica das rochas (disciplina que estuda certas propriedades das rochas como resis-

tecircncia ao esmagamento agrave traccedilatildeo agrave torccedilatildeo agrave flexatildeo porosidade permeabilidade e outras)

define-as como entidades sempre riacutegidas e coesas e duras como tambeacutem se diz vulgarmen-

te com capacidade de suportar cargas e que na eventualidade de terem de ser escavadas ou

removidas haacute que usar tecnologias com explosivos Este conceito corresponde aliaacutes agrave ideia

mais divulgada de rocha como atraacutes se referiu Eacute o bedrock dos autores ingleses

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FIGURA 2 Processo de meteorizaccedilatildeo fiacutesica essencialmente por corrosatildeo eoacutelica em rochas sedimentares (arenitos) (fonte banco de imagens da Casa das Ciecircncias)

Aleacutem das muitas que conhecemos na Terra jaacute estudaacutemos rochas do nosso sateacutelite natural

nomeadamente basaltos e anortositos trazidos da sua superfiacutecie Mercuacuterio Veacutenus e Marte satildeo

tambeacutem planetas rochosos e igualmente rochosos ou pedregosos satildeo ainda os nuacutecleos dos co-

metas e muitos dos asteroides de que temos conhecimento pelos meteoritos caiacutedos na Terra

Quando se apelidam as rochas de magmaacuteticas sedimentares (FIGURA 2) ou metamoacuterficas

natildeo se estaacute apenas a rotulaacute-las para efeitos de arrumo ou arquivo muito menos se estatildeo a

criar novos vocaacutebulos para sobrecarga dos estudantes ou do cidadatildeo em geral Estes adjeti-

vos acrescentados agrave palavra rocha informam de imediato sobre a sua origem

bull magmaacutetica ou sedimentar qualquer delas em resultado de processos naturais faacuteceis de

entender

bull metamoacuterfica em consequecircncia de um outro processo muito menos ao alcance da vivecircncia

do vulgo mas que se explica sem grandes dificuldades

Apelidam-se de metamoacuterficas as rochas que posteriormente a uma primeira formaccedilatildeo

como magmaacuteticas ou sedimentares foram submetidas a pressotildees eou a temperaturas no

interior da crosta que lhes modificaram a composiccedilatildeo eou a textura

Foi atraveacutes do estudo das rochas que desvendaacutemos o essencial dos acontecimentos geo-

loacutegicos que marcaram a histoacuteria deste laquoPlaneta Azulraquo no qual a vida encontrou condiccedilotildees

para despertar e onde evoluiu ao ponto de se interrogar sobre essa mesma histoacuteria

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Os conhecimentos diretos de que hoje dispomos relativos agraves rochas da Terra limitam-se

aos que se obtecircm pelo estudo das que afloram agrave superfiacutecie das recolhidas em dragagens

nos fundos marinhos e das retiradas da profundidade quer em minas quer atraveacutes de son-

dagens Esta profundidade que natildeo excede 3 km no primeiro caso e 11 km no segundo

(na peniacutensula de Kola) pode considerar-se insuficiente se comparada com as trecircs a quatro

dezenas de quiloacutemetros de espessura meacutedia da crosta continental

Eacute jaacute muito o conhecimento que temos desta capa (a crosta ou crusta como alguns dizem e

escrevem) mais superficial do nosso planeta Temo-lo atraveacutes das rochas que constantemente

vemos e pisamos muitas delas geradas em zonas profundas trazidas agrave superfiacutecie pelos en-

rugamentos de origem tectoacutenica geradores das montanhas e subsequentemente postas a

descoberto pela erosatildeo

Outras rochas proacuteprias de muito maiores profundidades inclusive do manto inferior como eacute

o caso dos xenocristais e dos xenoacutelitos (do grego xenos estranho e lithos pedra) isto eacute cris-

tais e fragmentos de materiais liacuteticos gerados nessas regiotildees e que ascendem agrave superfiacutecie na

sequecircncia de atividade vulcacircnica englobados ou encravados nos produtos magmaacuteticos que ali

se formaram ou por ali passaram Na ilha da Madeira por exemplo satildeo frequentes os xenoacutelitos

oliviacutenicos que ascenderam ateacute agrave superfiacutecie no seio das lavas envolvidas no processo vulcacircnico

que originou esta e muitas outras ilhas

As rochas a que temos acesso mais ou menos direto representam uma parcela importante

da diferenciaccedilatildeo da Terra e agrave semelhanccedila da aacutegua do ar e dos seres vivos satildeo o resultado de

imensas transformaccedilotildees numa vasta e complexa rede de inter-relaccedilotildees ocorridas ao longo

dos tempos neste laquoplaneta vivoraquo pleno ainda de energia interna (sob a forma de calor) a que

se adiciona toda a que lhe chega do exterior isto eacute a radiaccedilatildeo solar Como escreveu Maurice

Mattauer ldquoas pedras nascem vivem e morrem como noacutes elas tecircm uma idade e uma histoacuteriardquo

Petrologia e litologia satildeo duas disciplinas que estudam as rochas ou as pedras Se bem que

os eacutetimos petra (latim) e lithos (grego) sejam sinoacutenimos petrologia e litologia encerram con-

ceitos diferentes ainda que relacionados entre si

bull A petrologia eacute um ramo da geologia com dimensatildeo de ciecircncia de vastos recursos nos campos

da fiacutesica da quiacutemica e naturalmente tambeacutem da matemaacutetica em busca do conhecimento da

origem natureza constituiccedilatildeo e evoluccedilatildeo da Terra no acircmbito do Sistema Solar e do Universo

bull A litologia outro ramo da geologia eacute habitualmente entendida como a disciplina que estuda

as rochas num campo praacutetico Serve a geologia de engenharia tendo em vista a implantaccedilatildeo

de grandes edifiacutecios e outras obras volumosas cujas fundaccedilotildees exigem o conhecimento dos

terrenos A litologia daacute igualmente respostas agrave pedologia (o estudo dos solos) e agrave induacutestria

extrativa de rochas ornamentais usadas na arquitetura na cantaria ou na estatuaacuteria e de

rochas industriais exploradas como importantes mateacuterias-primas para a construccedilatildeo civil a

ceracircmica o vidro o cimento a cal e a induacutestria quiacutemica

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Software educativo em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Ana C Conceiccedilatildeo

DMUniversidade do Algarve

O conceito F-Tool foi desenvolvido em 2012 com o objetivo de proporcionar uma

aprendizagem interativa em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Em particular eacute possiacutevel

explorar de forma integrada as noccedilotildees de domiacutenio contradomiacutenio existecircncia de zeros

existecircncia de extremos e de pontos de inflexatildeo invertibilidade derivabilidade reta

tangente ao graacutefico num ponto simetrias em relaccedilatildeo aos eixos e agrave origem A utilizaccedilatildeo

dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adaptaccedilatildeo de

alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e

do simples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular)

No ensino da matemaacutetica e em particular no estudo de funccedilotildees a recomendaccedilatildeo da utiliza-

ccedilatildeo de software educacional tem como objetivo o sanar das dificuldades que os alunos pos-

suem em associar as representaccedilotildees algeacutebricas com as diversas representaccedilotildees numeacutericas

eou graacuteficas De facto o caraacuteter estaacutetico das representaccedilotildees matemaacuteticas muitas vezes

dificulta a construccedilatildeo do significado afetando substancialmente a correta interpretaccedilatildeo dos

conceitos A criaccedilatildeo de modelos interativos visuais com o sistema de aacutelgebra computacional

Mathematica permite aos alunos explorar conceitos de elevada complexidade e rapidamen-

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te adquirir uma compreensatildeo mais profunda dos conteuacutedos Obviamente a utilizaccedilatildeo de sof-

tware educacional natildeo deve ser vista como um substituto para o ensino com ldquopapel e laacutepisrdquo

deve ser devidamente combinada com outros meacutetodos de ensino

O conceito F-Tool foi desenvolvido em 2012 com o objetivo de proporcionar uma apren-

dizagem interativa em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Os aplicativos computacionais

implementados com base neste conceito utilizam as capacidades de caacutelculo numeacuterico e

simboacutelico do Mathematica de forma a permitir estudar dinacircmica e interativamente e em

tempo real conceitos e propriedades fundamentais do preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial

FIGURA 1 Imagem ilustrativa da F-Exponential

O conceito F-Tool em sala de aula permite uma abordagem dinacircmica de diversos concei-

tos relacionados com o estudo de funccedilotildees e promove novas formas de raciocinarpensar

avaliar ensinar e aprender As F-Tool foram concebidas como ferramentas de aprendiza-

gem ativa ou seja a sua utilizaccedilatildeo adequada propicia um contexto de ensino-aprendiza-

gem onde alunos e professores satildeo igualmente convidados a contribuir Aleacutem disso tecircm

uma interface muito intuitiva que permite que ateacute mesmo o utilizador mais inexperiente

sem qualquer conhecimento anterior em software educacional possa comeccedilar a usar to-

dos os recursos de uma forma eficiente e autoacutenoma As F-Tool natildeo satildeo um objeto estaacutetico

mas sim um programa a ser executado com o qual se interage em tempo real Em parti-

cular atraveacutes da alteraccedilatildeo dinacircmica dos valores dos paracircmetros que definem cada classe

eacute possiacutevel obter informaccedilatildeo analiacutetica rigorosa apresentada em aritmeacutetica exata ou apro-

ximada bem como informaccedilatildeo visual estaacutetica e natildeo-estaacutetica De igual modo escolhendo

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estrategicamente de entre as vaacuterias opccedilotildees de funccedilotildees disponiacuteveis no painel esquerdo eacute

possiacutevel apreender de forma mais eficaz e consequente muitas das relaccedilotildees existentes

entre as vaacuterias funccedilotildees e respetivas transformaccedilotildees (FIGURA 1) As F-Tool utilizam um

coacutedigo de cores para diferenciar as vaacuterias funccedilotildees apresentadas Este coacutedigo eacute explicitado

na legenda do canto inferior esquerdo do painel central

Qual das figuras pode representar o graacutefico de uma funccedilatildeo e o graacutefico da sua derivada de 1ordf ordem

FIGURA 2 Exemplo de questatildeo de escolha muacuteltipla utilizando diversas opccedilotildees do painel esquerdo das F-Tool

Apesar de ser um software educacional dinacircmico e interativo pode tambeacutem ser utilizado

na construccedilatildeo de questotildees de avaliaccedilatildeo de escolha muacuteltipla (FIGURA 2) e de resposta aberta

ficando o docente automaticamente com a resposta ao selecionar no painel esquerdo as

opccedilotildees relacionadas com a questatildeo

A utilizaccedilatildeo dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adapta-

ccedilatildeo de alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e do sim-

ples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular) De facto

incluindo as F-Tool em ficheiros no Computable Document Format (CDF) eacute possiacutevel criar

fichas de trabalho dinacircmicas e interativas motivando os alunos e tornando o estudo mais

interessante

Acreditamos que o conceito F-Tool ao dotar professores e estudantes com novas fer-

ramentas para explorar alguns conceitos fundamentais da matemaacutetica desenvolveraacute po-

sitivamente o processo de ensino e de aprendizagem das aacutereas de preacute-caacutelculo e caacutelculo

diferencial

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018046

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O Aroma das Plantas Luiacutes Gaspar Pedro

Ana Cristina Figueiredo

Joseacute Gonccedilalves Barroso

CESAM CBV Universidade de Lisboa

Quando nos festejos dos Santos Populares colocamos a matildeo sobre o manjerico

provocamos a rutura de estruturas microscoacutepicas Ao fazecirc-lo libertam-se compostos

quiacutemicos que aderem agrave palma da nossa matildeo que depois percecionamos pelo nosso

olfacto Os aromas satildeo misturas complexas de dezenas de compostos volaacuteteis

carateriacutesticos de uma determinada planta

O aroma o que eacute

O aroma de muitas plantas eacute constituiacutedo por diversos compostos quiacutemicos volaacuteteis que

tecircm a capacidade de estimular os nossos recetores olfactivos A quantidade e a diver-

sidade deste tipo de compostos presentes nas plantas satildeo responsaacuteveis pelos aromas

carateriacutesticos Eacute relativamente faacutecil reconhecer o aroma dos coentros ou do manjerico e

distingui-los de outros aromas como o da rosa ou do cravinho

Na composiccedilatildeo da fraccedilatildeo volaacutetil de uma planta aromaacutetica encontram-se regra geral

compostos como os mono- e sesquiterpenos e os fenilpropanoacuteides (FIGURA 1) entre ou-

tros Satildeo todos eles compostos quiacutemicos com ponto de ebuliccedilatildeo relativamente baixo que

volatilizam agrave temperatura ambiente e contribuem de forma mais ou menos notoacuteria para o

aroma carateriacutestico de cada espeacutecie

FIGURA 1 Exemplos de compostos que constituem a fraccedilatildeo volaacutetil de diversas espeacutecies aromaacuteticas monoterpenos (α-pineno timol) sesquiterpenos (β-cariofileno germacreno D) e fenilpropanoacuteides (eugenol)

α-Pineno Timol β-Cariofileno Germacreno D Eugenol

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Estruturas secretoras

Os compostos que constituem a fraccedilatildeo aromaacutetica de uma planta satildeo regra geral sinteti-

zados e acumulados em estruturas secretoras microscoacutepicas Entre os diversos tipos de

estruturas secretoras as mais frequentes satildeo os tricomas os canais e as bolsas (FIGURA 2)

FIGURA 2 Exemplos de estruturas secretoras observadas em microscopia oacuteptica A - Tricoma de Geranium robertianum (s - secretado acumulado no espaccedilo sub-cuticular coloraccedilatildeo com reagente de Nadi) B - canal secretor de Crithmum maritimum (setas coloraccedilatildeo com tricloreto de antimoacutenio) e C - bolsa secretora de Citrus sp (coloraccedilatildeo com Vermelho Sudatildeo III)

Os tricomas glandulares satildeo estruturas externas com origem em ceacutelulas epideacutermicas

que apresentam diversos graus de complexidade desde tricomas com apenas trecircs ceacutelulas

uma das quais a secretora ateacute tricomas com mais de uma dezena de ceacutelulas secretoras

As bolsas e os canais secretores satildeo estruturas internas constituiacutedas por ceacutelulas glandu-

lares que delimitam o luacutemen o espaccedilo para onde satildeo secretados os compostos depois de

produzidos nas ceacutelulas secretoras Os canais satildeo estruturas alongadas que percorrem o

corpo da planta por vezes com ramificaccedilotildees enquanto as bolsas satildeo estruturas mais ou

menos isodiameacutetricas

Os oacuteleos essenciais

Um oacuteleo essencial eacute obtido por hidrodestilaccedilatildeo ou por destilaccedilatildeo por arrastamento de va-

por (FIGURA 3) No caso particular dos citrinos o oacuteleo essencial pode ainda ser obtido

por expressatildeo (processo mecacircnico que promove a libertaccedilatildeo do secretado acumulado no

interior das estruturas secretoras neste caso bolsas)

Tanto na hidrodestilaccedilatildeo como na destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor o secretado eacute

removido das estruturas secretoras e arrastado pelo vapor de aacutegua Depois de condensar

por arrefecimento o oacuteleo essencial separa-se da aacutegua podendo ser facilmente recolhido

devido agrave sua imiscibilidade com a aacutegua

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41FIGURA 3 A - Sistema de hidrodestilaccedilatildeo com aparelho de Clevenger e B - sistema de destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor

Anaacutelise de oacuteleos essenciais

Para analisar um oacuteleo essencial recorre-se frequentemente agrave cromatografia gasosa (CG)

para quantificaccedilatildeo dos componentes e agrave CG acoplada agrave espectrometria de massa (CG-

-EM) para a correspondente identificaccedilatildeo dos constituintes Por CG-EM os diversos com-

ponentes que constituem o oacuteleo essencial satildeo separados uns dos outros e ao chegarem ao

espectroacutemetro de massa satildeo bombardeados por eletrotildees o que leva a que as moleacuteculas

fragmentem formando-se diferentes iotildees de acordo com padrotildees preferenciais O con-

junto dos fragmentosiotildees constituem o espectro de massa que eacute carateriacutestico de cada

moleacutecula A integraccedilatildeo das aacutereas dos picos que surgem no cromatograma obtido por CG

(FIGURA 4A) permite a quantificaccedilatildeo relativa dos diversos componentes do oacuteleo essencial

A anaacutelise por CG-EM possibilita a identificaccedilatildeo desses compostos por comparaccedilatildeo dos

espectros de massa (FIGURA 4B) e dos iacutendices de retenccedilatildeo com os de amostras padratildeo

FIGURA 4 A - Aspeto parcial de um cromatograma obtido por CG carateriacutestico de um oacuteleo essencial com alguns dos ldquopicosrdquo identificados B - espectro de massa obtido por CG-EM de um dos componentes maioritaacuterios o timol

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Paisagens da Islacircndia Formase Processos (III)Fernando Carlos LopesCITEUC Universidade de Coimbra

A Islacircndia eacute famosa natildeo soacute pelos seus vulcotildees mas tambeacutem pelos seus glaciares e pela

sua sinuosa e escarpada linha de costa

Atualmente os glaciares cobrem cerca de 10 da superfiacutecie islandesa e 60 destas

aacutereas geladas assentam sobre sistemas vulcacircnicos ativos Esta combinaccedilatildeo de gelo e vul-

canismo torna a Islacircndia o local ideal para cheias repentinas (joumlkulhlaups) resultantes de

aacutegua que escorre por baixo dos glaciares devido agrave fusatildeo provocada pelas erupccedilotildees subgla-

ciares Atualmente existem 4 grandes calotes glaciares localizadas nas regiotildees elevadas

e vulcanicamente ativas do centro e sul da ilha a partir das quais divergem numerosas liacuten-

guas glaciarias Vatnajoumlkull (8100 km2) situado no centro leste Langjoumlkull (925 km2) si-

tuado no centro oeste Hofsjoumlkull (925 km2) situado na zona central da ilha Myrdalsjoumlkull

(600 km2) situado no sul da ilha Apesar da Islacircndia ter cerca de 24 Ma a sua paisagem soacute

foi moldada por glaciares nos uacuteltimos 5 milhotildees de anos Os seus glaciares de tipo alpino

(ou de montanha) avanccedilaram e recuaram condicionados pelas variaccedilotildees regionais e locais

do clima de que resultaram espetaculares morfologias Como jaacute se referiu anteriormente

as variaccedilotildees da carga glaciar sobre a litosfera provocadas pelas fases de gelo e degelo

teratildeo desempenhado papel importante na atividade vulcacircnica da ilha

Com um comprimento de cerca de 4970 km a linha de costa da Islacircndia eacute de um modo

geral muito recortada e escarpada marcada por promontoacuterios cabos peniacutensulas fiordes

e enseadas pontilhada de leixotildees por entre os quais se aninham praias de areia negra de

contornos suaves A accedilatildeo do mar sobre as inuacutemeras escoadas de lava que fluiacuteram ateacute agrave

costa ao longo da evoluccedilatildeo geoloacutegica da ilha e ali solidificaram sobre os aparelhos vulcacirc-

nicos implantados na zona litoral e sobre os vales deixados pelo recuo dos glaciares criou

paisagens de uma beleza surreal

FIGURA DA PAacuteGINA ANTERIOR Leixatildeo Hvitserkur noroeste da Islacircndia (fonte pixabay)

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Parte III - Paisagens controladas pelos glaciares e paisagens costeirasVales glaciares e fiordes

Vales glaciares vales suspensos lagos glaciares e cascatas ciacuterculos glaciares moreias

e fiordes satildeo formas carateriacutesticas das paisagens islandesas criadas pelos seus glacia-

res alpinos Os vales glaciares com o seu carateriacutestico perfil em ldquoUrdquo satildeo a forma mais

comum de paisagem originada pela erosatildeo glacial (FIGURA 1) No interior destes vales os

rios concentram o seu poder erosivo na zona mais baixa originando um perfil carateriacutestico

em ldquoVrdquo O poder erosivo dos glaciares eacute muito superior ao dos rios porque a sua energia

potencial resulta natildeo soacute do declive do terreno mas tambeacutem do peso do gelo A erosatildeo faz-

-se essencialmente ao longo das zonas laterais do canal criando um vale com vertentes

alcantiladas e fundo aplanado Vales suspensos satildeo vales escavados por glaciares tributaacute-

rios Como estes glaciares levam menos gelo o seu poder erosivo eacute menor que o do glaciar

principal ficando suspenso nas vertentes do glaciar principal quando o gelo recua Cons-

tituem exemplos notaacuteveis pela sua beleza e dimensatildeo os vales glaciares de Borgarvirki

(FIGURA 2) e de Akureyri (ou Eyjafjoumlrethur) no noroeste da ilha Este uacuteltimo vai desembocar

num fiorde que eacute mais longo da Islacircndia

FIGURA 1 Esquema 3D (sem escala) da evoluccedilatildeo de uma paisagem glaciar com formaccedilatildeo de vales glaciares vales glaciares suspensos ciacuterculos glaciares lagos glaciares e cascatas

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FIGURA 2 Aspeto do vale glaciaacuterio de Borgarvirki observado a partir da fortaleza de Borgarvirki

Se as condiccedilotildees forem favoraacuteveis os glaciares podem erodir abaixo do niacutevel do mar Quan-

do o glaciar recua o oceano invade estas depressotildees criando um fiorde Alguns dos fiordes

islandeses como o de Akureyri e o de Nordfjord (nordeste da ilha) possuem centenas de

metros abaixo do niacutevel do mar O fiorde de Nordfjord abrange parcialmente uma antiga cal-

deira vulcacircnica Nas faleacutesias do seu flanco oriental (falesias de Raudubjoumlrg) afloram rioacutelitos

conferindo agraves arribas uma carateriacutestica cor avermelhada)

Como se referiu anteriormente (Parte I) a orientaccedilatildeo da maioria dos vales glaciares e

fiordes segue de perto a orientaccedilatildeo dos principais lineamentos tectoacutenicos

Moreias

Em termos de aspetos deposicionais relacionados com glaciares as moreias satildeo de lon-

ge os mais abundantes Satildeo acumulaccedilotildees de fragmentos rochosos transportados pelos

glaciares quer na regiatildeo frontal (moreia frontal) lateral (moreia lateral) a meio (moreia

mediana) e no fundo (moreia de fundo)

Durante o uacuteltimo maacuteximo glaciar (haacute cerca de 20 000 anos) a Islacircndia estava quase

toda coberta por glaciares que se estendiam ateacute agrave costa e para aleacutem dela Foram encon-

tradas moreias frontais dessa eacutepoca a cerca de 130 km a offshore da costa ocidental e a

cerca de 150-230 m abaixo do niacutevel de mar atual

Eacute possiacutevel encontrar nos vales glaciares islandeses quer moreias antigas resultantes

da uacuteltima glaciaccedilatildeo quer moreias recentes e atuais Estas uacuteltimas estatildeo relacionadas com

as 4 grandes calotes glaciares existentes como eacute o caso das moreias do glaciar Vatna-

joumlkull que se podem observar em pleno no setor sudeste da ilha

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Lagoas glaciares e icebergues

Outra das paisagens magniacuteficas moldadas pelos glaciares satildeo as lagoas glaciares Estas

lagoas formam-se na extremidade dos glaciares que descem das calotes glaciares Satildeo

alimentadas pelo desgelo natural dos glaciares e nela flutuam pequenos e grandes iceber-

gues que se separam da frente do glaciar (FIGURA 3)

FIGURA 3 Esquema 3D (sem escala) da formaccedilatildeo de icebergues numa lagoa glaciar

O exemplo mais notaacutevel deste tipo de lagoas na Islacircndia eacute a lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten consi-

derada uma das maravilhas naturais do paiacutes Fica situada no sudeste da ilha na extremidade

do glaciar Breiethamerkurjoumlkull uma das liacutengua glaciares da calote de Vatnajoumlkull (FIGURA 4)

FIGURA 4 Icebergues na lagoa glaciar de Joumlkulsaacuterloacuten Ao fundo vecirc-se a frente do glaciar Breiethamerkurjoumlkull As faixas negras nos icebergues satildeo niacuteveis de cinza vulcacircnica

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A lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten eacute o ponto mais baixo da Islacircndia com zonas agrave cota de -200 m Na

baiacutea da lagoa tem-se acesso a uma paisagem de outro mundo com icebergues de dimen-

sotildees variadas que flutuam ateacute ao mar ficando alguns deles encalhados na margem de uma

praia de areia vulcacircnica Alguns icebergues exibem faixas negras correspondentes a niacuteveis

de cinzas vulcacircnicas provenientes de antigas erupccedilotildees (FIGURA 4) Outros exibem duas

tonalidades branco leitoso e azul claro A faixa azul corresponde agrave porccedilatildeo do icebergue

que se tornou recentemente emersa

A lagoa teraacute sido formada em 1934-35 pelo contiacutenuo recuo do glaciar Vatnajoumlkull e teraacute

duplicado de tamanho nos uacuteltimos 15 anos Dada a taxa atual de recuo do glaciar Vatna-

joumlkull um profundo fiorde iraacute desenvolver-se no local onde hoje existe a lagoa

As costas escarpadas

As costas escarpadas e recortadas satildeo sem duacutevida as mais dominantes Ocorrem deste o

oeste ao leste da ilha passando pela regiatildeo norte incisas por numerosos fiordes e peque-

nas enseadas e salpicadas por leixotildees Eacute notaacutevel pela sua forma de dragatildeo e pelas lendas

que o envolvem o leixatildeo de Hvitserkur (IMAGEM DA PAGINA 42) situado na costa leste da

Peniacutensula de Vatnsnes no noroeste da Islacircndia

Os fiordes mais profundos localizam-se na costa norte constituindo bons portos natu-

rais Um destaque especial vai para o fiorde ao longo do qual se estende a cidade de Aku-

reyri (fiorde de Akureyri ou Eyjafjoumlrethur) considerado o mais longo do paiacutes

Praias de areia Negra

As praias de areia negra em geral de reduzida extensatildeo podem ser constituiacutedas por i) de-

poacutesitos resultantes da abrasatildeo das arribas ii) moreias e depoacutesitos fluviais resultantes dos

rios glaciares com contornos suaves e lagoas glaciares protegidas por extensas barras

arenosas iii) depoacutesitos de tefra provenientes de erupccedilotildees freaacuteticas

As do primeiro tipo ocorrem um pouco por toda a linha de costa como resultado da accedilatildeo

do mar sobre as arribas As do segundo tipo ocorrem dominantemente entre Djuacutepivogur a

sudeste e Oumllfusaacute a sudoeste com destaque para a praia de Reynisfjara na costa sul As

da terceira categoria podem ser observadas na ilha de Heimaey arquipeacutelago de Vestman-

naeyja regiatildeo sul da Islacircndia

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018048

IMA

GE

M E

M D

ES

TAQ

UE

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Eu crio as minhas obras de arte de peque-

nos pedaccedilos de papel com espirais que co-

nectam e ligam os elementos a uma grande

estrutura Na obra de origami acabada a

que chamo Voltinhas estas espirais vivem

e trabalham Forccedilas de tensatildeo e fricccedilatildeo

contrapotildeem-se agrave gravidade e mantecircm a

forma estaacutevel Nas minhas criaccedilotildees procu-

ro estar perto da natureza Quando criamos

ou estudamos modelos de papel na macro

escala podemos entender melhor as for-

mas criadas pela natureza na micro escala

A minha obra de origami na capa o trabalho

intitulado ldquoInverno num parque de Lisboardquo e

o capsiacutedeo do viacuterus Canine parvovirus um viacute-

rus contagioso que ataca sobretudo os catildees

e outros caniacutedeos tecircm a mesma estrutura

geomeacutetrica do pequeno rombicosidodecae-

dro um poliedro com simetria icosaeacutedrica

Essa obra invoca simbolicamente o Ano

da Biologia Matemaacutetica 2018 O origami eacute

uma arte de dobragem do papel com uma

forte componente geomeacutetrica que permite

a construccedilatildeo de formas complexas e tem

atraiacutedo o interesse de matemaacuteticos pelas

suas propriedades geomeacutetricas e algeacutebricas

Krystyna Burczyk

Os viacuterus satildeo responsaacuteveis por inuacutemeras

doenccedilas no homem nos animais e nas plan-

tas e as curas e prevenccedilotildees satildeo ainda mui-

tas vezes problemaacuteticas Desenvolvimen-

tos recentes das aplicaccedilotildees da matemaacutetica

agrave virologia nomeadamente das teorias de

grupos de grafos de tesselaccedilatildeo ou de re-

ticulados mostraram por exemplo que as

restriccedilotildees estruturais agraves formas dos viacuterus

satildeo maiores do que antes se pensava e

permitiram a construccedilatildeo de novos modelos

para o desenvolvimento de terapias anti-

-virais Os capsiacutedeos virais que envolvem

os genomas dos viacuterus por razotildees de eco-

nomia geneacutetica tem muitas vezes uma si-

metria icosaeacutedrica Ora esta simetria natildeo eacute

cristalograacutefica em trecircs dimensotildees ie natildeo

eacute compatiacutevel com reticulados perioacutedicos

o que motivou os matemaacuteticos a desen-

volverem novas estruturas no contexto de

grupos de Coxeter natildeo-cristalograacuteficos que

encontraram aplicaccedilatildeo natildeo soacute na virologia

mas tambeacutem noutras estruturas molecula-

res da quiacutemica do carbono

Joseacute Francisco RodriguesUniversidade de Lisboa

Origami e Viacuterusin imagemcasadascienciasorg

Imagem de Canine Parvovirus gerada em VMD Autor Alexandre Lopes Magalhatildees

Page 33: JUNHO 2018 V6 /02 · 2018-09-26 · Matilde Viegas, Maria João Ramos, Pedro Alexandrino Fernandes Stephen Hawking e a sua contribuição para a física teórica Orfeu Bertolami,

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FIGURA 2 Representaccedilatildeo tridimensional do modelo de Hartle-Hawking (no boundary proposal) A base corresponde a uma semiesfera a 4 dimensotildees e a estrutura que apresenta o tempo como uma direccedilatildeo distinta das espaciais corresponte a um Universo em expansatildeo

Hawking tambeacutem estudou outros problemas como o das maacutequinas do tempo e questotildees

relacionadas com a cosmologia e a formaccedilatildeo de estruturas no Universo Com o seu carate-

riacutestico humor Hawking afirmou natildeo ser possiacutevel viajar no tempo Para tal sugeriu organizar

uma festa convidando pessoas do futuro a se juntarem a ele e dado que ningueacutem apa-

receu concluiu entatildeo que viagens no tempo natildeo satildeo possiacuteveis na realidade Outra prova

prende-se com o facto de natildeo termos recebido ainda turistas do futuro numa clara alusatildeo

iroacutenica agrave procura turiacutestica desenfreada que assistimos nos dias de hoje

Mais recentemente ele pronunciou-se sobre questotildees de interesse geral como as im-

plicaccedilotildees do desenvolvimento da inteligecircncia artificial e a necessidade e inevitabilidade

da exploraccedilatildeo espacial Mostrou-se reticente acerca dos desenvolvimentos no domiacutenio da

inteligecircncia artificial classificando-o como possivelmente perigoso para a nossa civiliza-

ccedilatildeo pois apesar dos potenciais benefiacutecios comportam seacuterios riscos agrave continuidade da hu-

manidade Relativamente agrave exploraccedilatildeo espacial Hawking encarava as viagens espaciais

quer pelo seu interesse cientiacutefico quer como forma de preservar a humanidade de riscos

de destruiccedilatildeo devido a guerras nucleares ou epidemias devido a viacuterus geneticamente mo-

dificados

O fiacutesico Stephen Hawking legou-nos uma extraordinaacuteria contribuiccedilatildeo cientiacutefica e huma-

na Deixou um extraordinaacuterio exemplo de resiliecircncia dedicaccedilatildeo ao conhecimento e agrave socie-

dade Fisicamente debilitado e ldquopresordquo a uma condiccedilatildeo rara a esclerose lateral amiotroacutefica

que lhe foi diagnosticada aos 21 anos a sua mente foi das mais livres dos nossos tempos

concebeu hipoacuteteses conjunturas e teorias pensou a sociedade de hoje e a do futuro

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RochaO que eacute importante dizer sobre as rochas

A M Galopim de Carvalho Universidade de Lisboa

Rochas e pedras satildeo a mesma coisa Praticamente a resposta eacute sim Pedra eacute aquilo

que se apanha do chatildeo para dar uma pedrada

Qualquer pessoa mesmo a menos letrada diraacute que as pedras

bull natildeo satildeo fabricadas ou feitas por gente (a ciecircncia diz que satildeo entidades naturais)

bull que natildeo se amolgam (a ciecircncia diz que satildeo riacutegidas)

bull que geralmente natildeo se esboroam nem se esfarela (a ciecircncia diz que satildeo coesas)

bull que fazem mossa onde quer que batam (a ciecircncia diz que satildeo duras) Para o cidadatildeo

comum pedra (do grego peacutetra) eacute pois uma entidade natural riacutegida coesa e dura que se

apanha do chatildeo

Apanhamos uma pedra do chatildeo mas quando estudamos falamos quase sempre de ro-

chas Num modo de falar corrente podemos dizer que as pedras satildeo bocados de rocha

Todos falamos de rocha como sinoacutenimo de pedra com base num conhecimento comum

empiacuterico vulgar ligado agrave experiecircncia quotidiana mesmo do mais iletrado dos cidadatildeos Dize-

mos rochedo quando o afloramento de rocha eacute grande e apelidamos de rochoso um terreno

com a rocha agrave vista Rocha eacute um galicismo que entre noacutes se sobrepocircs ao termo ldquorocardquo bem

mais antigo talvez preacute-romano Cabo da Roca ou ldquoFocinho da Rocardquo no dizer dos homens do

mar deve o seu nome a esta versatildeo arcaica da palavra rocha

O conceito atual de rocha e os vaacuterios conhecimentos com elas relacionados percorreram

uma caminhada tatildeo longa quanto a do Homo sapiens caminhada de que temos testemunhos

na Preacute-histoacuteria e variadiacutessimos relatos escritos desde a Antiguidade

Na sua giacuteria proacutepria entendiacutevel entre pares os profissionais falam de rochas dizendo que

satildeo sistemas quiacutemicos mono ou polifaacutesicos (ou seja com um ou mais minerais) resultantes

do equiliacutebrio termodinacircmico atingido pelos seus constituintes em determinados ambientes

Entendendo-se por constituintes os elementos quiacutemicos incluiacutedos nos respetivos minerais

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Por outras palavras acessiacuteveis ao comum das gentes pode entatildeo dizer-se que as rochas

satildeo corpos naturais formados por associaccedilotildees mais ou menos estaacuteveis de minerais compatiacute-

veis entre si e com o ambiente onde foram gerados e que satildeo elas as rochas que constituem

a capa riacutegida da Terra que por essa razatildeo recebeu o nome de litosfera (FIGURA 1)

FIGURA 1 Modelado Graniacutetico na Serra da Estrela (fonte banco de imagens da Casa das Ciecircncias)

Antes de prosseguir esclareccedila-se que no jargatildeo proacuteprio da mineralogia e da geoquiacutemica

os minerais satildeo considerados fases no sentido fiacutesico-quiacutemico da palavra Com efeito neste

sentido uma fase eacute uma porccedilatildeo de mateacuteria quiacutemica e estruturalmente homogeacutenea e uma

qualquer espeacutecie mineral eacute isso mesmo

Por convenccedilatildeo na sistemaacutetica em sedimentologia entre as rochas sedimentares cabem

certos materiais natildeo consolidados como os barros as areias soltas as cascalheiras e ainda

outros de natureza natildeo mineral como os carvotildees foacutesseis e o petroacuteleo (oacuteleo de pedra) Cha-

mar rochas ou pedras a estes materiais agraves vezes tatildeo afastados da imagem vulgar de ldquocoisa

dura riacutegida e coesardquo decorre do conceito geoloacutegico de rocha no qual se inclui o modo de

ocorrecircncia e o respetivo processo de formaccedilatildeo (petrogeacutenese)

A mecacircnica das rochas (disciplina que estuda certas propriedades das rochas como resis-

tecircncia ao esmagamento agrave traccedilatildeo agrave torccedilatildeo agrave flexatildeo porosidade permeabilidade e outras)

define-as como entidades sempre riacutegidas e coesas e duras como tambeacutem se diz vulgarmen-

te com capacidade de suportar cargas e que na eventualidade de terem de ser escavadas ou

removidas haacute que usar tecnologias com explosivos Este conceito corresponde aliaacutes agrave ideia

mais divulgada de rocha como atraacutes se referiu Eacute o bedrock dos autores ingleses

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FIGURA 2 Processo de meteorizaccedilatildeo fiacutesica essencialmente por corrosatildeo eoacutelica em rochas sedimentares (arenitos) (fonte banco de imagens da Casa das Ciecircncias)

Aleacutem das muitas que conhecemos na Terra jaacute estudaacutemos rochas do nosso sateacutelite natural

nomeadamente basaltos e anortositos trazidos da sua superfiacutecie Mercuacuterio Veacutenus e Marte satildeo

tambeacutem planetas rochosos e igualmente rochosos ou pedregosos satildeo ainda os nuacutecleos dos co-

metas e muitos dos asteroides de que temos conhecimento pelos meteoritos caiacutedos na Terra

Quando se apelidam as rochas de magmaacuteticas sedimentares (FIGURA 2) ou metamoacuterficas

natildeo se estaacute apenas a rotulaacute-las para efeitos de arrumo ou arquivo muito menos se estatildeo a

criar novos vocaacutebulos para sobrecarga dos estudantes ou do cidadatildeo em geral Estes adjeti-

vos acrescentados agrave palavra rocha informam de imediato sobre a sua origem

bull magmaacutetica ou sedimentar qualquer delas em resultado de processos naturais faacuteceis de

entender

bull metamoacuterfica em consequecircncia de um outro processo muito menos ao alcance da vivecircncia

do vulgo mas que se explica sem grandes dificuldades

Apelidam-se de metamoacuterficas as rochas que posteriormente a uma primeira formaccedilatildeo

como magmaacuteticas ou sedimentares foram submetidas a pressotildees eou a temperaturas no

interior da crosta que lhes modificaram a composiccedilatildeo eou a textura

Foi atraveacutes do estudo das rochas que desvendaacutemos o essencial dos acontecimentos geo-

loacutegicos que marcaram a histoacuteria deste laquoPlaneta Azulraquo no qual a vida encontrou condiccedilotildees

para despertar e onde evoluiu ao ponto de se interrogar sobre essa mesma histoacuteria

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Os conhecimentos diretos de que hoje dispomos relativos agraves rochas da Terra limitam-se

aos que se obtecircm pelo estudo das que afloram agrave superfiacutecie das recolhidas em dragagens

nos fundos marinhos e das retiradas da profundidade quer em minas quer atraveacutes de son-

dagens Esta profundidade que natildeo excede 3 km no primeiro caso e 11 km no segundo

(na peniacutensula de Kola) pode considerar-se insuficiente se comparada com as trecircs a quatro

dezenas de quiloacutemetros de espessura meacutedia da crosta continental

Eacute jaacute muito o conhecimento que temos desta capa (a crosta ou crusta como alguns dizem e

escrevem) mais superficial do nosso planeta Temo-lo atraveacutes das rochas que constantemente

vemos e pisamos muitas delas geradas em zonas profundas trazidas agrave superfiacutecie pelos en-

rugamentos de origem tectoacutenica geradores das montanhas e subsequentemente postas a

descoberto pela erosatildeo

Outras rochas proacuteprias de muito maiores profundidades inclusive do manto inferior como eacute

o caso dos xenocristais e dos xenoacutelitos (do grego xenos estranho e lithos pedra) isto eacute cris-

tais e fragmentos de materiais liacuteticos gerados nessas regiotildees e que ascendem agrave superfiacutecie na

sequecircncia de atividade vulcacircnica englobados ou encravados nos produtos magmaacuteticos que ali

se formaram ou por ali passaram Na ilha da Madeira por exemplo satildeo frequentes os xenoacutelitos

oliviacutenicos que ascenderam ateacute agrave superfiacutecie no seio das lavas envolvidas no processo vulcacircnico

que originou esta e muitas outras ilhas

As rochas a que temos acesso mais ou menos direto representam uma parcela importante

da diferenciaccedilatildeo da Terra e agrave semelhanccedila da aacutegua do ar e dos seres vivos satildeo o resultado de

imensas transformaccedilotildees numa vasta e complexa rede de inter-relaccedilotildees ocorridas ao longo

dos tempos neste laquoplaneta vivoraquo pleno ainda de energia interna (sob a forma de calor) a que

se adiciona toda a que lhe chega do exterior isto eacute a radiaccedilatildeo solar Como escreveu Maurice

Mattauer ldquoas pedras nascem vivem e morrem como noacutes elas tecircm uma idade e uma histoacuteriardquo

Petrologia e litologia satildeo duas disciplinas que estudam as rochas ou as pedras Se bem que

os eacutetimos petra (latim) e lithos (grego) sejam sinoacutenimos petrologia e litologia encerram con-

ceitos diferentes ainda que relacionados entre si

bull A petrologia eacute um ramo da geologia com dimensatildeo de ciecircncia de vastos recursos nos campos

da fiacutesica da quiacutemica e naturalmente tambeacutem da matemaacutetica em busca do conhecimento da

origem natureza constituiccedilatildeo e evoluccedilatildeo da Terra no acircmbito do Sistema Solar e do Universo

bull A litologia outro ramo da geologia eacute habitualmente entendida como a disciplina que estuda

as rochas num campo praacutetico Serve a geologia de engenharia tendo em vista a implantaccedilatildeo

de grandes edifiacutecios e outras obras volumosas cujas fundaccedilotildees exigem o conhecimento dos

terrenos A litologia daacute igualmente respostas agrave pedologia (o estudo dos solos) e agrave induacutestria

extrativa de rochas ornamentais usadas na arquitetura na cantaria ou na estatuaacuteria e de

rochas industriais exploradas como importantes mateacuterias-primas para a construccedilatildeo civil a

ceracircmica o vidro o cimento a cal e a induacutestria quiacutemica

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Software educativo em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Ana C Conceiccedilatildeo

DMUniversidade do Algarve

O conceito F-Tool foi desenvolvido em 2012 com o objetivo de proporcionar uma

aprendizagem interativa em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Em particular eacute possiacutevel

explorar de forma integrada as noccedilotildees de domiacutenio contradomiacutenio existecircncia de zeros

existecircncia de extremos e de pontos de inflexatildeo invertibilidade derivabilidade reta

tangente ao graacutefico num ponto simetrias em relaccedilatildeo aos eixos e agrave origem A utilizaccedilatildeo

dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adaptaccedilatildeo de

alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e

do simples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular)

No ensino da matemaacutetica e em particular no estudo de funccedilotildees a recomendaccedilatildeo da utiliza-

ccedilatildeo de software educacional tem como objetivo o sanar das dificuldades que os alunos pos-

suem em associar as representaccedilotildees algeacutebricas com as diversas representaccedilotildees numeacutericas

eou graacuteficas De facto o caraacuteter estaacutetico das representaccedilotildees matemaacuteticas muitas vezes

dificulta a construccedilatildeo do significado afetando substancialmente a correta interpretaccedilatildeo dos

conceitos A criaccedilatildeo de modelos interativos visuais com o sistema de aacutelgebra computacional

Mathematica permite aos alunos explorar conceitos de elevada complexidade e rapidamen-

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te adquirir uma compreensatildeo mais profunda dos conteuacutedos Obviamente a utilizaccedilatildeo de sof-

tware educacional natildeo deve ser vista como um substituto para o ensino com ldquopapel e laacutepisrdquo

deve ser devidamente combinada com outros meacutetodos de ensino

O conceito F-Tool foi desenvolvido em 2012 com o objetivo de proporcionar uma apren-

dizagem interativa em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Os aplicativos computacionais

implementados com base neste conceito utilizam as capacidades de caacutelculo numeacuterico e

simboacutelico do Mathematica de forma a permitir estudar dinacircmica e interativamente e em

tempo real conceitos e propriedades fundamentais do preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial

FIGURA 1 Imagem ilustrativa da F-Exponential

O conceito F-Tool em sala de aula permite uma abordagem dinacircmica de diversos concei-

tos relacionados com o estudo de funccedilotildees e promove novas formas de raciocinarpensar

avaliar ensinar e aprender As F-Tool foram concebidas como ferramentas de aprendiza-

gem ativa ou seja a sua utilizaccedilatildeo adequada propicia um contexto de ensino-aprendiza-

gem onde alunos e professores satildeo igualmente convidados a contribuir Aleacutem disso tecircm

uma interface muito intuitiva que permite que ateacute mesmo o utilizador mais inexperiente

sem qualquer conhecimento anterior em software educacional possa comeccedilar a usar to-

dos os recursos de uma forma eficiente e autoacutenoma As F-Tool natildeo satildeo um objeto estaacutetico

mas sim um programa a ser executado com o qual se interage em tempo real Em parti-

cular atraveacutes da alteraccedilatildeo dinacircmica dos valores dos paracircmetros que definem cada classe

eacute possiacutevel obter informaccedilatildeo analiacutetica rigorosa apresentada em aritmeacutetica exata ou apro-

ximada bem como informaccedilatildeo visual estaacutetica e natildeo-estaacutetica De igual modo escolhendo

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estrategicamente de entre as vaacuterias opccedilotildees de funccedilotildees disponiacuteveis no painel esquerdo eacute

possiacutevel apreender de forma mais eficaz e consequente muitas das relaccedilotildees existentes

entre as vaacuterias funccedilotildees e respetivas transformaccedilotildees (FIGURA 1) As F-Tool utilizam um

coacutedigo de cores para diferenciar as vaacuterias funccedilotildees apresentadas Este coacutedigo eacute explicitado

na legenda do canto inferior esquerdo do painel central

Qual das figuras pode representar o graacutefico de uma funccedilatildeo e o graacutefico da sua derivada de 1ordf ordem

FIGURA 2 Exemplo de questatildeo de escolha muacuteltipla utilizando diversas opccedilotildees do painel esquerdo das F-Tool

Apesar de ser um software educacional dinacircmico e interativo pode tambeacutem ser utilizado

na construccedilatildeo de questotildees de avaliaccedilatildeo de escolha muacuteltipla (FIGURA 2) e de resposta aberta

ficando o docente automaticamente com a resposta ao selecionar no painel esquerdo as

opccedilotildees relacionadas com a questatildeo

A utilizaccedilatildeo dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adapta-

ccedilatildeo de alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e do sim-

ples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular) De facto

incluindo as F-Tool em ficheiros no Computable Document Format (CDF) eacute possiacutevel criar

fichas de trabalho dinacircmicas e interativas motivando os alunos e tornando o estudo mais

interessante

Acreditamos que o conceito F-Tool ao dotar professores e estudantes com novas fer-

ramentas para explorar alguns conceitos fundamentais da matemaacutetica desenvolveraacute po-

sitivamente o processo de ensino e de aprendizagem das aacutereas de preacute-caacutelculo e caacutelculo

diferencial

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018046

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O Aroma das Plantas Luiacutes Gaspar Pedro

Ana Cristina Figueiredo

Joseacute Gonccedilalves Barroso

CESAM CBV Universidade de Lisboa

Quando nos festejos dos Santos Populares colocamos a matildeo sobre o manjerico

provocamos a rutura de estruturas microscoacutepicas Ao fazecirc-lo libertam-se compostos

quiacutemicos que aderem agrave palma da nossa matildeo que depois percecionamos pelo nosso

olfacto Os aromas satildeo misturas complexas de dezenas de compostos volaacuteteis

carateriacutesticos de uma determinada planta

O aroma o que eacute

O aroma de muitas plantas eacute constituiacutedo por diversos compostos quiacutemicos volaacuteteis que

tecircm a capacidade de estimular os nossos recetores olfactivos A quantidade e a diver-

sidade deste tipo de compostos presentes nas plantas satildeo responsaacuteveis pelos aromas

carateriacutesticos Eacute relativamente faacutecil reconhecer o aroma dos coentros ou do manjerico e

distingui-los de outros aromas como o da rosa ou do cravinho

Na composiccedilatildeo da fraccedilatildeo volaacutetil de uma planta aromaacutetica encontram-se regra geral

compostos como os mono- e sesquiterpenos e os fenilpropanoacuteides (FIGURA 1) entre ou-

tros Satildeo todos eles compostos quiacutemicos com ponto de ebuliccedilatildeo relativamente baixo que

volatilizam agrave temperatura ambiente e contribuem de forma mais ou menos notoacuteria para o

aroma carateriacutestico de cada espeacutecie

FIGURA 1 Exemplos de compostos que constituem a fraccedilatildeo volaacutetil de diversas espeacutecies aromaacuteticas monoterpenos (α-pineno timol) sesquiterpenos (β-cariofileno germacreno D) e fenilpropanoacuteides (eugenol)

α-Pineno Timol β-Cariofileno Germacreno D Eugenol

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Estruturas secretoras

Os compostos que constituem a fraccedilatildeo aromaacutetica de uma planta satildeo regra geral sinteti-

zados e acumulados em estruturas secretoras microscoacutepicas Entre os diversos tipos de

estruturas secretoras as mais frequentes satildeo os tricomas os canais e as bolsas (FIGURA 2)

FIGURA 2 Exemplos de estruturas secretoras observadas em microscopia oacuteptica A - Tricoma de Geranium robertianum (s - secretado acumulado no espaccedilo sub-cuticular coloraccedilatildeo com reagente de Nadi) B - canal secretor de Crithmum maritimum (setas coloraccedilatildeo com tricloreto de antimoacutenio) e C - bolsa secretora de Citrus sp (coloraccedilatildeo com Vermelho Sudatildeo III)

Os tricomas glandulares satildeo estruturas externas com origem em ceacutelulas epideacutermicas

que apresentam diversos graus de complexidade desde tricomas com apenas trecircs ceacutelulas

uma das quais a secretora ateacute tricomas com mais de uma dezena de ceacutelulas secretoras

As bolsas e os canais secretores satildeo estruturas internas constituiacutedas por ceacutelulas glandu-

lares que delimitam o luacutemen o espaccedilo para onde satildeo secretados os compostos depois de

produzidos nas ceacutelulas secretoras Os canais satildeo estruturas alongadas que percorrem o

corpo da planta por vezes com ramificaccedilotildees enquanto as bolsas satildeo estruturas mais ou

menos isodiameacutetricas

Os oacuteleos essenciais

Um oacuteleo essencial eacute obtido por hidrodestilaccedilatildeo ou por destilaccedilatildeo por arrastamento de va-

por (FIGURA 3) No caso particular dos citrinos o oacuteleo essencial pode ainda ser obtido

por expressatildeo (processo mecacircnico que promove a libertaccedilatildeo do secretado acumulado no

interior das estruturas secretoras neste caso bolsas)

Tanto na hidrodestilaccedilatildeo como na destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor o secretado eacute

removido das estruturas secretoras e arrastado pelo vapor de aacutegua Depois de condensar

por arrefecimento o oacuteleo essencial separa-se da aacutegua podendo ser facilmente recolhido

devido agrave sua imiscibilidade com a aacutegua

A B CS

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41FIGURA 3 A - Sistema de hidrodestilaccedilatildeo com aparelho de Clevenger e B - sistema de destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor

Anaacutelise de oacuteleos essenciais

Para analisar um oacuteleo essencial recorre-se frequentemente agrave cromatografia gasosa (CG)

para quantificaccedilatildeo dos componentes e agrave CG acoplada agrave espectrometria de massa (CG-

-EM) para a correspondente identificaccedilatildeo dos constituintes Por CG-EM os diversos com-

ponentes que constituem o oacuteleo essencial satildeo separados uns dos outros e ao chegarem ao

espectroacutemetro de massa satildeo bombardeados por eletrotildees o que leva a que as moleacuteculas

fragmentem formando-se diferentes iotildees de acordo com padrotildees preferenciais O con-

junto dos fragmentosiotildees constituem o espectro de massa que eacute carateriacutestico de cada

moleacutecula A integraccedilatildeo das aacutereas dos picos que surgem no cromatograma obtido por CG

(FIGURA 4A) permite a quantificaccedilatildeo relativa dos diversos componentes do oacuteleo essencial

A anaacutelise por CG-EM possibilita a identificaccedilatildeo desses compostos por comparaccedilatildeo dos

espectros de massa (FIGURA 4B) e dos iacutendices de retenccedilatildeo com os de amostras padratildeo

FIGURA 4 A - Aspeto parcial de um cromatograma obtido por CG carateriacutestico de um oacuteleo essencial com alguns dos ldquopicosrdquo identificados B - espectro de massa obtido por CG-EM de um dos componentes maioritaacuterios o timol

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Paisagens da Islacircndia Formase Processos (III)Fernando Carlos LopesCITEUC Universidade de Coimbra

A Islacircndia eacute famosa natildeo soacute pelos seus vulcotildees mas tambeacutem pelos seus glaciares e pela

sua sinuosa e escarpada linha de costa

Atualmente os glaciares cobrem cerca de 10 da superfiacutecie islandesa e 60 destas

aacutereas geladas assentam sobre sistemas vulcacircnicos ativos Esta combinaccedilatildeo de gelo e vul-

canismo torna a Islacircndia o local ideal para cheias repentinas (joumlkulhlaups) resultantes de

aacutegua que escorre por baixo dos glaciares devido agrave fusatildeo provocada pelas erupccedilotildees subgla-

ciares Atualmente existem 4 grandes calotes glaciares localizadas nas regiotildees elevadas

e vulcanicamente ativas do centro e sul da ilha a partir das quais divergem numerosas liacuten-

guas glaciarias Vatnajoumlkull (8100 km2) situado no centro leste Langjoumlkull (925 km2) si-

tuado no centro oeste Hofsjoumlkull (925 km2) situado na zona central da ilha Myrdalsjoumlkull

(600 km2) situado no sul da ilha Apesar da Islacircndia ter cerca de 24 Ma a sua paisagem soacute

foi moldada por glaciares nos uacuteltimos 5 milhotildees de anos Os seus glaciares de tipo alpino

(ou de montanha) avanccedilaram e recuaram condicionados pelas variaccedilotildees regionais e locais

do clima de que resultaram espetaculares morfologias Como jaacute se referiu anteriormente

as variaccedilotildees da carga glaciar sobre a litosfera provocadas pelas fases de gelo e degelo

teratildeo desempenhado papel importante na atividade vulcacircnica da ilha

Com um comprimento de cerca de 4970 km a linha de costa da Islacircndia eacute de um modo

geral muito recortada e escarpada marcada por promontoacuterios cabos peniacutensulas fiordes

e enseadas pontilhada de leixotildees por entre os quais se aninham praias de areia negra de

contornos suaves A accedilatildeo do mar sobre as inuacutemeras escoadas de lava que fluiacuteram ateacute agrave

costa ao longo da evoluccedilatildeo geoloacutegica da ilha e ali solidificaram sobre os aparelhos vulcacirc-

nicos implantados na zona litoral e sobre os vales deixados pelo recuo dos glaciares criou

paisagens de uma beleza surreal

FIGURA DA PAacuteGINA ANTERIOR Leixatildeo Hvitserkur noroeste da Islacircndia (fonte pixabay)

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Parte III - Paisagens controladas pelos glaciares e paisagens costeirasVales glaciares e fiordes

Vales glaciares vales suspensos lagos glaciares e cascatas ciacuterculos glaciares moreias

e fiordes satildeo formas carateriacutesticas das paisagens islandesas criadas pelos seus glacia-

res alpinos Os vales glaciares com o seu carateriacutestico perfil em ldquoUrdquo satildeo a forma mais

comum de paisagem originada pela erosatildeo glacial (FIGURA 1) No interior destes vales os

rios concentram o seu poder erosivo na zona mais baixa originando um perfil carateriacutestico

em ldquoVrdquo O poder erosivo dos glaciares eacute muito superior ao dos rios porque a sua energia

potencial resulta natildeo soacute do declive do terreno mas tambeacutem do peso do gelo A erosatildeo faz-

-se essencialmente ao longo das zonas laterais do canal criando um vale com vertentes

alcantiladas e fundo aplanado Vales suspensos satildeo vales escavados por glaciares tributaacute-

rios Como estes glaciares levam menos gelo o seu poder erosivo eacute menor que o do glaciar

principal ficando suspenso nas vertentes do glaciar principal quando o gelo recua Cons-

tituem exemplos notaacuteveis pela sua beleza e dimensatildeo os vales glaciares de Borgarvirki

(FIGURA 2) e de Akureyri (ou Eyjafjoumlrethur) no noroeste da ilha Este uacuteltimo vai desembocar

num fiorde que eacute mais longo da Islacircndia

FIGURA 1 Esquema 3D (sem escala) da evoluccedilatildeo de uma paisagem glaciar com formaccedilatildeo de vales glaciares vales glaciares suspensos ciacuterculos glaciares lagos glaciares e cascatas

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FIGURA 2 Aspeto do vale glaciaacuterio de Borgarvirki observado a partir da fortaleza de Borgarvirki

Se as condiccedilotildees forem favoraacuteveis os glaciares podem erodir abaixo do niacutevel do mar Quan-

do o glaciar recua o oceano invade estas depressotildees criando um fiorde Alguns dos fiordes

islandeses como o de Akureyri e o de Nordfjord (nordeste da ilha) possuem centenas de

metros abaixo do niacutevel do mar O fiorde de Nordfjord abrange parcialmente uma antiga cal-

deira vulcacircnica Nas faleacutesias do seu flanco oriental (falesias de Raudubjoumlrg) afloram rioacutelitos

conferindo agraves arribas uma carateriacutestica cor avermelhada)

Como se referiu anteriormente (Parte I) a orientaccedilatildeo da maioria dos vales glaciares e

fiordes segue de perto a orientaccedilatildeo dos principais lineamentos tectoacutenicos

Moreias

Em termos de aspetos deposicionais relacionados com glaciares as moreias satildeo de lon-

ge os mais abundantes Satildeo acumulaccedilotildees de fragmentos rochosos transportados pelos

glaciares quer na regiatildeo frontal (moreia frontal) lateral (moreia lateral) a meio (moreia

mediana) e no fundo (moreia de fundo)

Durante o uacuteltimo maacuteximo glaciar (haacute cerca de 20 000 anos) a Islacircndia estava quase

toda coberta por glaciares que se estendiam ateacute agrave costa e para aleacutem dela Foram encon-

tradas moreias frontais dessa eacutepoca a cerca de 130 km a offshore da costa ocidental e a

cerca de 150-230 m abaixo do niacutevel de mar atual

Eacute possiacutevel encontrar nos vales glaciares islandeses quer moreias antigas resultantes

da uacuteltima glaciaccedilatildeo quer moreias recentes e atuais Estas uacuteltimas estatildeo relacionadas com

as 4 grandes calotes glaciares existentes como eacute o caso das moreias do glaciar Vatna-

joumlkull que se podem observar em pleno no setor sudeste da ilha

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Lagoas glaciares e icebergues

Outra das paisagens magniacuteficas moldadas pelos glaciares satildeo as lagoas glaciares Estas

lagoas formam-se na extremidade dos glaciares que descem das calotes glaciares Satildeo

alimentadas pelo desgelo natural dos glaciares e nela flutuam pequenos e grandes iceber-

gues que se separam da frente do glaciar (FIGURA 3)

FIGURA 3 Esquema 3D (sem escala) da formaccedilatildeo de icebergues numa lagoa glaciar

O exemplo mais notaacutevel deste tipo de lagoas na Islacircndia eacute a lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten consi-

derada uma das maravilhas naturais do paiacutes Fica situada no sudeste da ilha na extremidade

do glaciar Breiethamerkurjoumlkull uma das liacutengua glaciares da calote de Vatnajoumlkull (FIGURA 4)

FIGURA 4 Icebergues na lagoa glaciar de Joumlkulsaacuterloacuten Ao fundo vecirc-se a frente do glaciar Breiethamerkurjoumlkull As faixas negras nos icebergues satildeo niacuteveis de cinza vulcacircnica

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A lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten eacute o ponto mais baixo da Islacircndia com zonas agrave cota de -200 m Na

baiacutea da lagoa tem-se acesso a uma paisagem de outro mundo com icebergues de dimen-

sotildees variadas que flutuam ateacute ao mar ficando alguns deles encalhados na margem de uma

praia de areia vulcacircnica Alguns icebergues exibem faixas negras correspondentes a niacuteveis

de cinzas vulcacircnicas provenientes de antigas erupccedilotildees (FIGURA 4) Outros exibem duas

tonalidades branco leitoso e azul claro A faixa azul corresponde agrave porccedilatildeo do icebergue

que se tornou recentemente emersa

A lagoa teraacute sido formada em 1934-35 pelo contiacutenuo recuo do glaciar Vatnajoumlkull e teraacute

duplicado de tamanho nos uacuteltimos 15 anos Dada a taxa atual de recuo do glaciar Vatna-

joumlkull um profundo fiorde iraacute desenvolver-se no local onde hoje existe a lagoa

As costas escarpadas

As costas escarpadas e recortadas satildeo sem duacutevida as mais dominantes Ocorrem deste o

oeste ao leste da ilha passando pela regiatildeo norte incisas por numerosos fiordes e peque-

nas enseadas e salpicadas por leixotildees Eacute notaacutevel pela sua forma de dragatildeo e pelas lendas

que o envolvem o leixatildeo de Hvitserkur (IMAGEM DA PAGINA 42) situado na costa leste da

Peniacutensula de Vatnsnes no noroeste da Islacircndia

Os fiordes mais profundos localizam-se na costa norte constituindo bons portos natu-

rais Um destaque especial vai para o fiorde ao longo do qual se estende a cidade de Aku-

reyri (fiorde de Akureyri ou Eyjafjoumlrethur) considerado o mais longo do paiacutes

Praias de areia Negra

As praias de areia negra em geral de reduzida extensatildeo podem ser constituiacutedas por i) de-

poacutesitos resultantes da abrasatildeo das arribas ii) moreias e depoacutesitos fluviais resultantes dos

rios glaciares com contornos suaves e lagoas glaciares protegidas por extensas barras

arenosas iii) depoacutesitos de tefra provenientes de erupccedilotildees freaacuteticas

As do primeiro tipo ocorrem um pouco por toda a linha de costa como resultado da accedilatildeo

do mar sobre as arribas As do segundo tipo ocorrem dominantemente entre Djuacutepivogur a

sudeste e Oumllfusaacute a sudoeste com destaque para a praia de Reynisfjara na costa sul As

da terceira categoria podem ser observadas na ilha de Heimaey arquipeacutelago de Vestman-

naeyja regiatildeo sul da Islacircndia

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018048

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Eu crio as minhas obras de arte de peque-

nos pedaccedilos de papel com espirais que co-

nectam e ligam os elementos a uma grande

estrutura Na obra de origami acabada a

que chamo Voltinhas estas espirais vivem

e trabalham Forccedilas de tensatildeo e fricccedilatildeo

contrapotildeem-se agrave gravidade e mantecircm a

forma estaacutevel Nas minhas criaccedilotildees procu-

ro estar perto da natureza Quando criamos

ou estudamos modelos de papel na macro

escala podemos entender melhor as for-

mas criadas pela natureza na micro escala

A minha obra de origami na capa o trabalho

intitulado ldquoInverno num parque de Lisboardquo e

o capsiacutedeo do viacuterus Canine parvovirus um viacute-

rus contagioso que ataca sobretudo os catildees

e outros caniacutedeos tecircm a mesma estrutura

geomeacutetrica do pequeno rombicosidodecae-

dro um poliedro com simetria icosaeacutedrica

Essa obra invoca simbolicamente o Ano

da Biologia Matemaacutetica 2018 O origami eacute

uma arte de dobragem do papel com uma

forte componente geomeacutetrica que permite

a construccedilatildeo de formas complexas e tem

atraiacutedo o interesse de matemaacuteticos pelas

suas propriedades geomeacutetricas e algeacutebricas

Krystyna Burczyk

Os viacuterus satildeo responsaacuteveis por inuacutemeras

doenccedilas no homem nos animais e nas plan-

tas e as curas e prevenccedilotildees satildeo ainda mui-

tas vezes problemaacuteticas Desenvolvimen-

tos recentes das aplicaccedilotildees da matemaacutetica

agrave virologia nomeadamente das teorias de

grupos de grafos de tesselaccedilatildeo ou de re-

ticulados mostraram por exemplo que as

restriccedilotildees estruturais agraves formas dos viacuterus

satildeo maiores do que antes se pensava e

permitiram a construccedilatildeo de novos modelos

para o desenvolvimento de terapias anti-

-virais Os capsiacutedeos virais que envolvem

os genomas dos viacuterus por razotildees de eco-

nomia geneacutetica tem muitas vezes uma si-

metria icosaeacutedrica Ora esta simetria natildeo eacute

cristalograacutefica em trecircs dimensotildees ie natildeo

eacute compatiacutevel com reticulados perioacutedicos

o que motivou os matemaacuteticos a desen-

volverem novas estruturas no contexto de

grupos de Coxeter natildeo-cristalograacuteficos que

encontraram aplicaccedilatildeo natildeo soacute na virologia

mas tambeacutem noutras estruturas molecula-

res da quiacutemica do carbono

Joseacute Francisco RodriguesUniversidade de Lisboa

Origami e Viacuterusin imagemcasadascienciasorg

Imagem de Canine Parvovirus gerada em VMD Autor Alexandre Lopes Magalhatildees

Page 34: JUNHO 2018 V6 /02 · 2018-09-26 · Matilde Viegas, Maria João Ramos, Pedro Alexandrino Fernandes Stephen Hawking e a sua contribuição para a física teórica Orfeu Bertolami,

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RochaO que eacute importante dizer sobre as rochas

A M Galopim de Carvalho Universidade de Lisboa

Rochas e pedras satildeo a mesma coisa Praticamente a resposta eacute sim Pedra eacute aquilo

que se apanha do chatildeo para dar uma pedrada

Qualquer pessoa mesmo a menos letrada diraacute que as pedras

bull natildeo satildeo fabricadas ou feitas por gente (a ciecircncia diz que satildeo entidades naturais)

bull que natildeo se amolgam (a ciecircncia diz que satildeo riacutegidas)

bull que geralmente natildeo se esboroam nem se esfarela (a ciecircncia diz que satildeo coesas)

bull que fazem mossa onde quer que batam (a ciecircncia diz que satildeo duras) Para o cidadatildeo

comum pedra (do grego peacutetra) eacute pois uma entidade natural riacutegida coesa e dura que se

apanha do chatildeo

Apanhamos uma pedra do chatildeo mas quando estudamos falamos quase sempre de ro-

chas Num modo de falar corrente podemos dizer que as pedras satildeo bocados de rocha

Todos falamos de rocha como sinoacutenimo de pedra com base num conhecimento comum

empiacuterico vulgar ligado agrave experiecircncia quotidiana mesmo do mais iletrado dos cidadatildeos Dize-

mos rochedo quando o afloramento de rocha eacute grande e apelidamos de rochoso um terreno

com a rocha agrave vista Rocha eacute um galicismo que entre noacutes se sobrepocircs ao termo ldquorocardquo bem

mais antigo talvez preacute-romano Cabo da Roca ou ldquoFocinho da Rocardquo no dizer dos homens do

mar deve o seu nome a esta versatildeo arcaica da palavra rocha

O conceito atual de rocha e os vaacuterios conhecimentos com elas relacionados percorreram

uma caminhada tatildeo longa quanto a do Homo sapiens caminhada de que temos testemunhos

na Preacute-histoacuteria e variadiacutessimos relatos escritos desde a Antiguidade

Na sua giacuteria proacutepria entendiacutevel entre pares os profissionais falam de rochas dizendo que

satildeo sistemas quiacutemicos mono ou polifaacutesicos (ou seja com um ou mais minerais) resultantes

do equiliacutebrio termodinacircmico atingido pelos seus constituintes em determinados ambientes

Entendendo-se por constituintes os elementos quiacutemicos incluiacutedos nos respetivos minerais

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Por outras palavras acessiacuteveis ao comum das gentes pode entatildeo dizer-se que as rochas

satildeo corpos naturais formados por associaccedilotildees mais ou menos estaacuteveis de minerais compatiacute-

veis entre si e com o ambiente onde foram gerados e que satildeo elas as rochas que constituem

a capa riacutegida da Terra que por essa razatildeo recebeu o nome de litosfera (FIGURA 1)

FIGURA 1 Modelado Graniacutetico na Serra da Estrela (fonte banco de imagens da Casa das Ciecircncias)

Antes de prosseguir esclareccedila-se que no jargatildeo proacuteprio da mineralogia e da geoquiacutemica

os minerais satildeo considerados fases no sentido fiacutesico-quiacutemico da palavra Com efeito neste

sentido uma fase eacute uma porccedilatildeo de mateacuteria quiacutemica e estruturalmente homogeacutenea e uma

qualquer espeacutecie mineral eacute isso mesmo

Por convenccedilatildeo na sistemaacutetica em sedimentologia entre as rochas sedimentares cabem

certos materiais natildeo consolidados como os barros as areias soltas as cascalheiras e ainda

outros de natureza natildeo mineral como os carvotildees foacutesseis e o petroacuteleo (oacuteleo de pedra) Cha-

mar rochas ou pedras a estes materiais agraves vezes tatildeo afastados da imagem vulgar de ldquocoisa

dura riacutegida e coesardquo decorre do conceito geoloacutegico de rocha no qual se inclui o modo de

ocorrecircncia e o respetivo processo de formaccedilatildeo (petrogeacutenese)

A mecacircnica das rochas (disciplina que estuda certas propriedades das rochas como resis-

tecircncia ao esmagamento agrave traccedilatildeo agrave torccedilatildeo agrave flexatildeo porosidade permeabilidade e outras)

define-as como entidades sempre riacutegidas e coesas e duras como tambeacutem se diz vulgarmen-

te com capacidade de suportar cargas e que na eventualidade de terem de ser escavadas ou

removidas haacute que usar tecnologias com explosivos Este conceito corresponde aliaacutes agrave ideia

mais divulgada de rocha como atraacutes se referiu Eacute o bedrock dos autores ingleses

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FIGURA 2 Processo de meteorizaccedilatildeo fiacutesica essencialmente por corrosatildeo eoacutelica em rochas sedimentares (arenitos) (fonte banco de imagens da Casa das Ciecircncias)

Aleacutem das muitas que conhecemos na Terra jaacute estudaacutemos rochas do nosso sateacutelite natural

nomeadamente basaltos e anortositos trazidos da sua superfiacutecie Mercuacuterio Veacutenus e Marte satildeo

tambeacutem planetas rochosos e igualmente rochosos ou pedregosos satildeo ainda os nuacutecleos dos co-

metas e muitos dos asteroides de que temos conhecimento pelos meteoritos caiacutedos na Terra

Quando se apelidam as rochas de magmaacuteticas sedimentares (FIGURA 2) ou metamoacuterficas

natildeo se estaacute apenas a rotulaacute-las para efeitos de arrumo ou arquivo muito menos se estatildeo a

criar novos vocaacutebulos para sobrecarga dos estudantes ou do cidadatildeo em geral Estes adjeti-

vos acrescentados agrave palavra rocha informam de imediato sobre a sua origem

bull magmaacutetica ou sedimentar qualquer delas em resultado de processos naturais faacuteceis de

entender

bull metamoacuterfica em consequecircncia de um outro processo muito menos ao alcance da vivecircncia

do vulgo mas que se explica sem grandes dificuldades

Apelidam-se de metamoacuterficas as rochas que posteriormente a uma primeira formaccedilatildeo

como magmaacuteticas ou sedimentares foram submetidas a pressotildees eou a temperaturas no

interior da crosta que lhes modificaram a composiccedilatildeo eou a textura

Foi atraveacutes do estudo das rochas que desvendaacutemos o essencial dos acontecimentos geo-

loacutegicos que marcaram a histoacuteria deste laquoPlaneta Azulraquo no qual a vida encontrou condiccedilotildees

para despertar e onde evoluiu ao ponto de se interrogar sobre essa mesma histoacuteria

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Os conhecimentos diretos de que hoje dispomos relativos agraves rochas da Terra limitam-se

aos que se obtecircm pelo estudo das que afloram agrave superfiacutecie das recolhidas em dragagens

nos fundos marinhos e das retiradas da profundidade quer em minas quer atraveacutes de son-

dagens Esta profundidade que natildeo excede 3 km no primeiro caso e 11 km no segundo

(na peniacutensula de Kola) pode considerar-se insuficiente se comparada com as trecircs a quatro

dezenas de quiloacutemetros de espessura meacutedia da crosta continental

Eacute jaacute muito o conhecimento que temos desta capa (a crosta ou crusta como alguns dizem e

escrevem) mais superficial do nosso planeta Temo-lo atraveacutes das rochas que constantemente

vemos e pisamos muitas delas geradas em zonas profundas trazidas agrave superfiacutecie pelos en-

rugamentos de origem tectoacutenica geradores das montanhas e subsequentemente postas a

descoberto pela erosatildeo

Outras rochas proacuteprias de muito maiores profundidades inclusive do manto inferior como eacute

o caso dos xenocristais e dos xenoacutelitos (do grego xenos estranho e lithos pedra) isto eacute cris-

tais e fragmentos de materiais liacuteticos gerados nessas regiotildees e que ascendem agrave superfiacutecie na

sequecircncia de atividade vulcacircnica englobados ou encravados nos produtos magmaacuteticos que ali

se formaram ou por ali passaram Na ilha da Madeira por exemplo satildeo frequentes os xenoacutelitos

oliviacutenicos que ascenderam ateacute agrave superfiacutecie no seio das lavas envolvidas no processo vulcacircnico

que originou esta e muitas outras ilhas

As rochas a que temos acesso mais ou menos direto representam uma parcela importante

da diferenciaccedilatildeo da Terra e agrave semelhanccedila da aacutegua do ar e dos seres vivos satildeo o resultado de

imensas transformaccedilotildees numa vasta e complexa rede de inter-relaccedilotildees ocorridas ao longo

dos tempos neste laquoplaneta vivoraquo pleno ainda de energia interna (sob a forma de calor) a que

se adiciona toda a que lhe chega do exterior isto eacute a radiaccedilatildeo solar Como escreveu Maurice

Mattauer ldquoas pedras nascem vivem e morrem como noacutes elas tecircm uma idade e uma histoacuteriardquo

Petrologia e litologia satildeo duas disciplinas que estudam as rochas ou as pedras Se bem que

os eacutetimos petra (latim) e lithos (grego) sejam sinoacutenimos petrologia e litologia encerram con-

ceitos diferentes ainda que relacionados entre si

bull A petrologia eacute um ramo da geologia com dimensatildeo de ciecircncia de vastos recursos nos campos

da fiacutesica da quiacutemica e naturalmente tambeacutem da matemaacutetica em busca do conhecimento da

origem natureza constituiccedilatildeo e evoluccedilatildeo da Terra no acircmbito do Sistema Solar e do Universo

bull A litologia outro ramo da geologia eacute habitualmente entendida como a disciplina que estuda

as rochas num campo praacutetico Serve a geologia de engenharia tendo em vista a implantaccedilatildeo

de grandes edifiacutecios e outras obras volumosas cujas fundaccedilotildees exigem o conhecimento dos

terrenos A litologia daacute igualmente respostas agrave pedologia (o estudo dos solos) e agrave induacutestria

extrativa de rochas ornamentais usadas na arquitetura na cantaria ou na estatuaacuteria e de

rochas industriais exploradas como importantes mateacuterias-primas para a construccedilatildeo civil a

ceracircmica o vidro o cimento a cal e a induacutestria quiacutemica

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Software educativo em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Ana C Conceiccedilatildeo

DMUniversidade do Algarve

O conceito F-Tool foi desenvolvido em 2012 com o objetivo de proporcionar uma

aprendizagem interativa em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Em particular eacute possiacutevel

explorar de forma integrada as noccedilotildees de domiacutenio contradomiacutenio existecircncia de zeros

existecircncia de extremos e de pontos de inflexatildeo invertibilidade derivabilidade reta

tangente ao graacutefico num ponto simetrias em relaccedilatildeo aos eixos e agrave origem A utilizaccedilatildeo

dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adaptaccedilatildeo de

alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e

do simples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular)

No ensino da matemaacutetica e em particular no estudo de funccedilotildees a recomendaccedilatildeo da utiliza-

ccedilatildeo de software educacional tem como objetivo o sanar das dificuldades que os alunos pos-

suem em associar as representaccedilotildees algeacutebricas com as diversas representaccedilotildees numeacutericas

eou graacuteficas De facto o caraacuteter estaacutetico das representaccedilotildees matemaacuteticas muitas vezes

dificulta a construccedilatildeo do significado afetando substancialmente a correta interpretaccedilatildeo dos

conceitos A criaccedilatildeo de modelos interativos visuais com o sistema de aacutelgebra computacional

Mathematica permite aos alunos explorar conceitos de elevada complexidade e rapidamen-

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te adquirir uma compreensatildeo mais profunda dos conteuacutedos Obviamente a utilizaccedilatildeo de sof-

tware educacional natildeo deve ser vista como um substituto para o ensino com ldquopapel e laacutepisrdquo

deve ser devidamente combinada com outros meacutetodos de ensino

O conceito F-Tool foi desenvolvido em 2012 com o objetivo de proporcionar uma apren-

dizagem interativa em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Os aplicativos computacionais

implementados com base neste conceito utilizam as capacidades de caacutelculo numeacuterico e

simboacutelico do Mathematica de forma a permitir estudar dinacircmica e interativamente e em

tempo real conceitos e propriedades fundamentais do preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial

FIGURA 1 Imagem ilustrativa da F-Exponential

O conceito F-Tool em sala de aula permite uma abordagem dinacircmica de diversos concei-

tos relacionados com o estudo de funccedilotildees e promove novas formas de raciocinarpensar

avaliar ensinar e aprender As F-Tool foram concebidas como ferramentas de aprendiza-

gem ativa ou seja a sua utilizaccedilatildeo adequada propicia um contexto de ensino-aprendiza-

gem onde alunos e professores satildeo igualmente convidados a contribuir Aleacutem disso tecircm

uma interface muito intuitiva que permite que ateacute mesmo o utilizador mais inexperiente

sem qualquer conhecimento anterior em software educacional possa comeccedilar a usar to-

dos os recursos de uma forma eficiente e autoacutenoma As F-Tool natildeo satildeo um objeto estaacutetico

mas sim um programa a ser executado com o qual se interage em tempo real Em parti-

cular atraveacutes da alteraccedilatildeo dinacircmica dos valores dos paracircmetros que definem cada classe

eacute possiacutevel obter informaccedilatildeo analiacutetica rigorosa apresentada em aritmeacutetica exata ou apro-

ximada bem como informaccedilatildeo visual estaacutetica e natildeo-estaacutetica De igual modo escolhendo

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estrategicamente de entre as vaacuterias opccedilotildees de funccedilotildees disponiacuteveis no painel esquerdo eacute

possiacutevel apreender de forma mais eficaz e consequente muitas das relaccedilotildees existentes

entre as vaacuterias funccedilotildees e respetivas transformaccedilotildees (FIGURA 1) As F-Tool utilizam um

coacutedigo de cores para diferenciar as vaacuterias funccedilotildees apresentadas Este coacutedigo eacute explicitado

na legenda do canto inferior esquerdo do painel central

Qual das figuras pode representar o graacutefico de uma funccedilatildeo e o graacutefico da sua derivada de 1ordf ordem

FIGURA 2 Exemplo de questatildeo de escolha muacuteltipla utilizando diversas opccedilotildees do painel esquerdo das F-Tool

Apesar de ser um software educacional dinacircmico e interativo pode tambeacutem ser utilizado

na construccedilatildeo de questotildees de avaliaccedilatildeo de escolha muacuteltipla (FIGURA 2) e de resposta aberta

ficando o docente automaticamente com a resposta ao selecionar no painel esquerdo as

opccedilotildees relacionadas com a questatildeo

A utilizaccedilatildeo dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adapta-

ccedilatildeo de alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e do sim-

ples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular) De facto

incluindo as F-Tool em ficheiros no Computable Document Format (CDF) eacute possiacutevel criar

fichas de trabalho dinacircmicas e interativas motivando os alunos e tornando o estudo mais

interessante

Acreditamos que o conceito F-Tool ao dotar professores e estudantes com novas fer-

ramentas para explorar alguns conceitos fundamentais da matemaacutetica desenvolveraacute po-

sitivamente o processo de ensino e de aprendizagem das aacutereas de preacute-caacutelculo e caacutelculo

diferencial

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O Aroma das Plantas Luiacutes Gaspar Pedro

Ana Cristina Figueiredo

Joseacute Gonccedilalves Barroso

CESAM CBV Universidade de Lisboa

Quando nos festejos dos Santos Populares colocamos a matildeo sobre o manjerico

provocamos a rutura de estruturas microscoacutepicas Ao fazecirc-lo libertam-se compostos

quiacutemicos que aderem agrave palma da nossa matildeo que depois percecionamos pelo nosso

olfacto Os aromas satildeo misturas complexas de dezenas de compostos volaacuteteis

carateriacutesticos de uma determinada planta

O aroma o que eacute

O aroma de muitas plantas eacute constituiacutedo por diversos compostos quiacutemicos volaacuteteis que

tecircm a capacidade de estimular os nossos recetores olfactivos A quantidade e a diver-

sidade deste tipo de compostos presentes nas plantas satildeo responsaacuteveis pelos aromas

carateriacutesticos Eacute relativamente faacutecil reconhecer o aroma dos coentros ou do manjerico e

distingui-los de outros aromas como o da rosa ou do cravinho

Na composiccedilatildeo da fraccedilatildeo volaacutetil de uma planta aromaacutetica encontram-se regra geral

compostos como os mono- e sesquiterpenos e os fenilpropanoacuteides (FIGURA 1) entre ou-

tros Satildeo todos eles compostos quiacutemicos com ponto de ebuliccedilatildeo relativamente baixo que

volatilizam agrave temperatura ambiente e contribuem de forma mais ou menos notoacuteria para o

aroma carateriacutestico de cada espeacutecie

FIGURA 1 Exemplos de compostos que constituem a fraccedilatildeo volaacutetil de diversas espeacutecies aromaacuteticas monoterpenos (α-pineno timol) sesquiterpenos (β-cariofileno germacreno D) e fenilpropanoacuteides (eugenol)

α-Pineno Timol β-Cariofileno Germacreno D Eugenol

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Estruturas secretoras

Os compostos que constituem a fraccedilatildeo aromaacutetica de uma planta satildeo regra geral sinteti-

zados e acumulados em estruturas secretoras microscoacutepicas Entre os diversos tipos de

estruturas secretoras as mais frequentes satildeo os tricomas os canais e as bolsas (FIGURA 2)

FIGURA 2 Exemplos de estruturas secretoras observadas em microscopia oacuteptica A - Tricoma de Geranium robertianum (s - secretado acumulado no espaccedilo sub-cuticular coloraccedilatildeo com reagente de Nadi) B - canal secretor de Crithmum maritimum (setas coloraccedilatildeo com tricloreto de antimoacutenio) e C - bolsa secretora de Citrus sp (coloraccedilatildeo com Vermelho Sudatildeo III)

Os tricomas glandulares satildeo estruturas externas com origem em ceacutelulas epideacutermicas

que apresentam diversos graus de complexidade desde tricomas com apenas trecircs ceacutelulas

uma das quais a secretora ateacute tricomas com mais de uma dezena de ceacutelulas secretoras

As bolsas e os canais secretores satildeo estruturas internas constituiacutedas por ceacutelulas glandu-

lares que delimitam o luacutemen o espaccedilo para onde satildeo secretados os compostos depois de

produzidos nas ceacutelulas secretoras Os canais satildeo estruturas alongadas que percorrem o

corpo da planta por vezes com ramificaccedilotildees enquanto as bolsas satildeo estruturas mais ou

menos isodiameacutetricas

Os oacuteleos essenciais

Um oacuteleo essencial eacute obtido por hidrodestilaccedilatildeo ou por destilaccedilatildeo por arrastamento de va-

por (FIGURA 3) No caso particular dos citrinos o oacuteleo essencial pode ainda ser obtido

por expressatildeo (processo mecacircnico que promove a libertaccedilatildeo do secretado acumulado no

interior das estruturas secretoras neste caso bolsas)

Tanto na hidrodestilaccedilatildeo como na destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor o secretado eacute

removido das estruturas secretoras e arrastado pelo vapor de aacutegua Depois de condensar

por arrefecimento o oacuteleo essencial separa-se da aacutegua podendo ser facilmente recolhido

devido agrave sua imiscibilidade com a aacutegua

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41FIGURA 3 A - Sistema de hidrodestilaccedilatildeo com aparelho de Clevenger e B - sistema de destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor

Anaacutelise de oacuteleos essenciais

Para analisar um oacuteleo essencial recorre-se frequentemente agrave cromatografia gasosa (CG)

para quantificaccedilatildeo dos componentes e agrave CG acoplada agrave espectrometria de massa (CG-

-EM) para a correspondente identificaccedilatildeo dos constituintes Por CG-EM os diversos com-

ponentes que constituem o oacuteleo essencial satildeo separados uns dos outros e ao chegarem ao

espectroacutemetro de massa satildeo bombardeados por eletrotildees o que leva a que as moleacuteculas

fragmentem formando-se diferentes iotildees de acordo com padrotildees preferenciais O con-

junto dos fragmentosiotildees constituem o espectro de massa que eacute carateriacutestico de cada

moleacutecula A integraccedilatildeo das aacutereas dos picos que surgem no cromatograma obtido por CG

(FIGURA 4A) permite a quantificaccedilatildeo relativa dos diversos componentes do oacuteleo essencial

A anaacutelise por CG-EM possibilita a identificaccedilatildeo desses compostos por comparaccedilatildeo dos

espectros de massa (FIGURA 4B) e dos iacutendices de retenccedilatildeo com os de amostras padratildeo

FIGURA 4 A - Aspeto parcial de um cromatograma obtido por CG carateriacutestico de um oacuteleo essencial com alguns dos ldquopicosrdquo identificados B - espectro de massa obtido por CG-EM de um dos componentes maioritaacuterios o timol

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Paisagens da Islacircndia Formase Processos (III)Fernando Carlos LopesCITEUC Universidade de Coimbra

A Islacircndia eacute famosa natildeo soacute pelos seus vulcotildees mas tambeacutem pelos seus glaciares e pela

sua sinuosa e escarpada linha de costa

Atualmente os glaciares cobrem cerca de 10 da superfiacutecie islandesa e 60 destas

aacutereas geladas assentam sobre sistemas vulcacircnicos ativos Esta combinaccedilatildeo de gelo e vul-

canismo torna a Islacircndia o local ideal para cheias repentinas (joumlkulhlaups) resultantes de

aacutegua que escorre por baixo dos glaciares devido agrave fusatildeo provocada pelas erupccedilotildees subgla-

ciares Atualmente existem 4 grandes calotes glaciares localizadas nas regiotildees elevadas

e vulcanicamente ativas do centro e sul da ilha a partir das quais divergem numerosas liacuten-

guas glaciarias Vatnajoumlkull (8100 km2) situado no centro leste Langjoumlkull (925 km2) si-

tuado no centro oeste Hofsjoumlkull (925 km2) situado na zona central da ilha Myrdalsjoumlkull

(600 km2) situado no sul da ilha Apesar da Islacircndia ter cerca de 24 Ma a sua paisagem soacute

foi moldada por glaciares nos uacuteltimos 5 milhotildees de anos Os seus glaciares de tipo alpino

(ou de montanha) avanccedilaram e recuaram condicionados pelas variaccedilotildees regionais e locais

do clima de que resultaram espetaculares morfologias Como jaacute se referiu anteriormente

as variaccedilotildees da carga glaciar sobre a litosfera provocadas pelas fases de gelo e degelo

teratildeo desempenhado papel importante na atividade vulcacircnica da ilha

Com um comprimento de cerca de 4970 km a linha de costa da Islacircndia eacute de um modo

geral muito recortada e escarpada marcada por promontoacuterios cabos peniacutensulas fiordes

e enseadas pontilhada de leixotildees por entre os quais se aninham praias de areia negra de

contornos suaves A accedilatildeo do mar sobre as inuacutemeras escoadas de lava que fluiacuteram ateacute agrave

costa ao longo da evoluccedilatildeo geoloacutegica da ilha e ali solidificaram sobre os aparelhos vulcacirc-

nicos implantados na zona litoral e sobre os vales deixados pelo recuo dos glaciares criou

paisagens de uma beleza surreal

FIGURA DA PAacuteGINA ANTERIOR Leixatildeo Hvitserkur noroeste da Islacircndia (fonte pixabay)

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Parte III - Paisagens controladas pelos glaciares e paisagens costeirasVales glaciares e fiordes

Vales glaciares vales suspensos lagos glaciares e cascatas ciacuterculos glaciares moreias

e fiordes satildeo formas carateriacutesticas das paisagens islandesas criadas pelos seus glacia-

res alpinos Os vales glaciares com o seu carateriacutestico perfil em ldquoUrdquo satildeo a forma mais

comum de paisagem originada pela erosatildeo glacial (FIGURA 1) No interior destes vales os

rios concentram o seu poder erosivo na zona mais baixa originando um perfil carateriacutestico

em ldquoVrdquo O poder erosivo dos glaciares eacute muito superior ao dos rios porque a sua energia

potencial resulta natildeo soacute do declive do terreno mas tambeacutem do peso do gelo A erosatildeo faz-

-se essencialmente ao longo das zonas laterais do canal criando um vale com vertentes

alcantiladas e fundo aplanado Vales suspensos satildeo vales escavados por glaciares tributaacute-

rios Como estes glaciares levam menos gelo o seu poder erosivo eacute menor que o do glaciar

principal ficando suspenso nas vertentes do glaciar principal quando o gelo recua Cons-

tituem exemplos notaacuteveis pela sua beleza e dimensatildeo os vales glaciares de Borgarvirki

(FIGURA 2) e de Akureyri (ou Eyjafjoumlrethur) no noroeste da ilha Este uacuteltimo vai desembocar

num fiorde que eacute mais longo da Islacircndia

FIGURA 1 Esquema 3D (sem escala) da evoluccedilatildeo de uma paisagem glaciar com formaccedilatildeo de vales glaciares vales glaciares suspensos ciacuterculos glaciares lagos glaciares e cascatas

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FIGURA 2 Aspeto do vale glaciaacuterio de Borgarvirki observado a partir da fortaleza de Borgarvirki

Se as condiccedilotildees forem favoraacuteveis os glaciares podem erodir abaixo do niacutevel do mar Quan-

do o glaciar recua o oceano invade estas depressotildees criando um fiorde Alguns dos fiordes

islandeses como o de Akureyri e o de Nordfjord (nordeste da ilha) possuem centenas de

metros abaixo do niacutevel do mar O fiorde de Nordfjord abrange parcialmente uma antiga cal-

deira vulcacircnica Nas faleacutesias do seu flanco oriental (falesias de Raudubjoumlrg) afloram rioacutelitos

conferindo agraves arribas uma carateriacutestica cor avermelhada)

Como se referiu anteriormente (Parte I) a orientaccedilatildeo da maioria dos vales glaciares e

fiordes segue de perto a orientaccedilatildeo dos principais lineamentos tectoacutenicos

Moreias

Em termos de aspetos deposicionais relacionados com glaciares as moreias satildeo de lon-

ge os mais abundantes Satildeo acumulaccedilotildees de fragmentos rochosos transportados pelos

glaciares quer na regiatildeo frontal (moreia frontal) lateral (moreia lateral) a meio (moreia

mediana) e no fundo (moreia de fundo)

Durante o uacuteltimo maacuteximo glaciar (haacute cerca de 20 000 anos) a Islacircndia estava quase

toda coberta por glaciares que se estendiam ateacute agrave costa e para aleacutem dela Foram encon-

tradas moreias frontais dessa eacutepoca a cerca de 130 km a offshore da costa ocidental e a

cerca de 150-230 m abaixo do niacutevel de mar atual

Eacute possiacutevel encontrar nos vales glaciares islandeses quer moreias antigas resultantes

da uacuteltima glaciaccedilatildeo quer moreias recentes e atuais Estas uacuteltimas estatildeo relacionadas com

as 4 grandes calotes glaciares existentes como eacute o caso das moreias do glaciar Vatna-

joumlkull que se podem observar em pleno no setor sudeste da ilha

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Lagoas glaciares e icebergues

Outra das paisagens magniacuteficas moldadas pelos glaciares satildeo as lagoas glaciares Estas

lagoas formam-se na extremidade dos glaciares que descem das calotes glaciares Satildeo

alimentadas pelo desgelo natural dos glaciares e nela flutuam pequenos e grandes iceber-

gues que se separam da frente do glaciar (FIGURA 3)

FIGURA 3 Esquema 3D (sem escala) da formaccedilatildeo de icebergues numa lagoa glaciar

O exemplo mais notaacutevel deste tipo de lagoas na Islacircndia eacute a lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten consi-

derada uma das maravilhas naturais do paiacutes Fica situada no sudeste da ilha na extremidade

do glaciar Breiethamerkurjoumlkull uma das liacutengua glaciares da calote de Vatnajoumlkull (FIGURA 4)

FIGURA 4 Icebergues na lagoa glaciar de Joumlkulsaacuterloacuten Ao fundo vecirc-se a frente do glaciar Breiethamerkurjoumlkull As faixas negras nos icebergues satildeo niacuteveis de cinza vulcacircnica

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A lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten eacute o ponto mais baixo da Islacircndia com zonas agrave cota de -200 m Na

baiacutea da lagoa tem-se acesso a uma paisagem de outro mundo com icebergues de dimen-

sotildees variadas que flutuam ateacute ao mar ficando alguns deles encalhados na margem de uma

praia de areia vulcacircnica Alguns icebergues exibem faixas negras correspondentes a niacuteveis

de cinzas vulcacircnicas provenientes de antigas erupccedilotildees (FIGURA 4) Outros exibem duas

tonalidades branco leitoso e azul claro A faixa azul corresponde agrave porccedilatildeo do icebergue

que se tornou recentemente emersa

A lagoa teraacute sido formada em 1934-35 pelo contiacutenuo recuo do glaciar Vatnajoumlkull e teraacute

duplicado de tamanho nos uacuteltimos 15 anos Dada a taxa atual de recuo do glaciar Vatna-

joumlkull um profundo fiorde iraacute desenvolver-se no local onde hoje existe a lagoa

As costas escarpadas

As costas escarpadas e recortadas satildeo sem duacutevida as mais dominantes Ocorrem deste o

oeste ao leste da ilha passando pela regiatildeo norte incisas por numerosos fiordes e peque-

nas enseadas e salpicadas por leixotildees Eacute notaacutevel pela sua forma de dragatildeo e pelas lendas

que o envolvem o leixatildeo de Hvitserkur (IMAGEM DA PAGINA 42) situado na costa leste da

Peniacutensula de Vatnsnes no noroeste da Islacircndia

Os fiordes mais profundos localizam-se na costa norte constituindo bons portos natu-

rais Um destaque especial vai para o fiorde ao longo do qual se estende a cidade de Aku-

reyri (fiorde de Akureyri ou Eyjafjoumlrethur) considerado o mais longo do paiacutes

Praias de areia Negra

As praias de areia negra em geral de reduzida extensatildeo podem ser constituiacutedas por i) de-

poacutesitos resultantes da abrasatildeo das arribas ii) moreias e depoacutesitos fluviais resultantes dos

rios glaciares com contornos suaves e lagoas glaciares protegidas por extensas barras

arenosas iii) depoacutesitos de tefra provenientes de erupccedilotildees freaacuteticas

As do primeiro tipo ocorrem um pouco por toda a linha de costa como resultado da accedilatildeo

do mar sobre as arribas As do segundo tipo ocorrem dominantemente entre Djuacutepivogur a

sudeste e Oumllfusaacute a sudoeste com destaque para a praia de Reynisfjara na costa sul As

da terceira categoria podem ser observadas na ilha de Heimaey arquipeacutelago de Vestman-

naeyja regiatildeo sul da Islacircndia

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018048

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Eu crio as minhas obras de arte de peque-

nos pedaccedilos de papel com espirais que co-

nectam e ligam os elementos a uma grande

estrutura Na obra de origami acabada a

que chamo Voltinhas estas espirais vivem

e trabalham Forccedilas de tensatildeo e fricccedilatildeo

contrapotildeem-se agrave gravidade e mantecircm a

forma estaacutevel Nas minhas criaccedilotildees procu-

ro estar perto da natureza Quando criamos

ou estudamos modelos de papel na macro

escala podemos entender melhor as for-

mas criadas pela natureza na micro escala

A minha obra de origami na capa o trabalho

intitulado ldquoInverno num parque de Lisboardquo e

o capsiacutedeo do viacuterus Canine parvovirus um viacute-

rus contagioso que ataca sobretudo os catildees

e outros caniacutedeos tecircm a mesma estrutura

geomeacutetrica do pequeno rombicosidodecae-

dro um poliedro com simetria icosaeacutedrica

Essa obra invoca simbolicamente o Ano

da Biologia Matemaacutetica 2018 O origami eacute

uma arte de dobragem do papel com uma

forte componente geomeacutetrica que permite

a construccedilatildeo de formas complexas e tem

atraiacutedo o interesse de matemaacuteticos pelas

suas propriedades geomeacutetricas e algeacutebricas

Krystyna Burczyk

Os viacuterus satildeo responsaacuteveis por inuacutemeras

doenccedilas no homem nos animais e nas plan-

tas e as curas e prevenccedilotildees satildeo ainda mui-

tas vezes problemaacuteticas Desenvolvimen-

tos recentes das aplicaccedilotildees da matemaacutetica

agrave virologia nomeadamente das teorias de

grupos de grafos de tesselaccedilatildeo ou de re-

ticulados mostraram por exemplo que as

restriccedilotildees estruturais agraves formas dos viacuterus

satildeo maiores do que antes se pensava e

permitiram a construccedilatildeo de novos modelos

para o desenvolvimento de terapias anti-

-virais Os capsiacutedeos virais que envolvem

os genomas dos viacuterus por razotildees de eco-

nomia geneacutetica tem muitas vezes uma si-

metria icosaeacutedrica Ora esta simetria natildeo eacute

cristalograacutefica em trecircs dimensotildees ie natildeo

eacute compatiacutevel com reticulados perioacutedicos

o que motivou os matemaacuteticos a desen-

volverem novas estruturas no contexto de

grupos de Coxeter natildeo-cristalograacuteficos que

encontraram aplicaccedilatildeo natildeo soacute na virologia

mas tambeacutem noutras estruturas molecula-

res da quiacutemica do carbono

Joseacute Francisco RodriguesUniversidade de Lisboa

Origami e Viacuterusin imagemcasadascienciasorg

Imagem de Canine Parvovirus gerada em VMD Autor Alexandre Lopes Magalhatildees

Page 35: JUNHO 2018 V6 /02 · 2018-09-26 · Matilde Viegas, Maria João Ramos, Pedro Alexandrino Fernandes Stephen Hawking e a sua contribuição para a física teórica Orfeu Bertolami,

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Por outras palavras acessiacuteveis ao comum das gentes pode entatildeo dizer-se que as rochas

satildeo corpos naturais formados por associaccedilotildees mais ou menos estaacuteveis de minerais compatiacute-

veis entre si e com o ambiente onde foram gerados e que satildeo elas as rochas que constituem

a capa riacutegida da Terra que por essa razatildeo recebeu o nome de litosfera (FIGURA 1)

FIGURA 1 Modelado Graniacutetico na Serra da Estrela (fonte banco de imagens da Casa das Ciecircncias)

Antes de prosseguir esclareccedila-se que no jargatildeo proacuteprio da mineralogia e da geoquiacutemica

os minerais satildeo considerados fases no sentido fiacutesico-quiacutemico da palavra Com efeito neste

sentido uma fase eacute uma porccedilatildeo de mateacuteria quiacutemica e estruturalmente homogeacutenea e uma

qualquer espeacutecie mineral eacute isso mesmo

Por convenccedilatildeo na sistemaacutetica em sedimentologia entre as rochas sedimentares cabem

certos materiais natildeo consolidados como os barros as areias soltas as cascalheiras e ainda

outros de natureza natildeo mineral como os carvotildees foacutesseis e o petroacuteleo (oacuteleo de pedra) Cha-

mar rochas ou pedras a estes materiais agraves vezes tatildeo afastados da imagem vulgar de ldquocoisa

dura riacutegida e coesardquo decorre do conceito geoloacutegico de rocha no qual se inclui o modo de

ocorrecircncia e o respetivo processo de formaccedilatildeo (petrogeacutenese)

A mecacircnica das rochas (disciplina que estuda certas propriedades das rochas como resis-

tecircncia ao esmagamento agrave traccedilatildeo agrave torccedilatildeo agrave flexatildeo porosidade permeabilidade e outras)

define-as como entidades sempre riacutegidas e coesas e duras como tambeacutem se diz vulgarmen-

te com capacidade de suportar cargas e que na eventualidade de terem de ser escavadas ou

removidas haacute que usar tecnologias com explosivos Este conceito corresponde aliaacutes agrave ideia

mais divulgada de rocha como atraacutes se referiu Eacute o bedrock dos autores ingleses

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FIGURA 2 Processo de meteorizaccedilatildeo fiacutesica essencialmente por corrosatildeo eoacutelica em rochas sedimentares (arenitos) (fonte banco de imagens da Casa das Ciecircncias)

Aleacutem das muitas que conhecemos na Terra jaacute estudaacutemos rochas do nosso sateacutelite natural

nomeadamente basaltos e anortositos trazidos da sua superfiacutecie Mercuacuterio Veacutenus e Marte satildeo

tambeacutem planetas rochosos e igualmente rochosos ou pedregosos satildeo ainda os nuacutecleos dos co-

metas e muitos dos asteroides de que temos conhecimento pelos meteoritos caiacutedos na Terra

Quando se apelidam as rochas de magmaacuteticas sedimentares (FIGURA 2) ou metamoacuterficas

natildeo se estaacute apenas a rotulaacute-las para efeitos de arrumo ou arquivo muito menos se estatildeo a

criar novos vocaacutebulos para sobrecarga dos estudantes ou do cidadatildeo em geral Estes adjeti-

vos acrescentados agrave palavra rocha informam de imediato sobre a sua origem

bull magmaacutetica ou sedimentar qualquer delas em resultado de processos naturais faacuteceis de

entender

bull metamoacuterfica em consequecircncia de um outro processo muito menos ao alcance da vivecircncia

do vulgo mas que se explica sem grandes dificuldades

Apelidam-se de metamoacuterficas as rochas que posteriormente a uma primeira formaccedilatildeo

como magmaacuteticas ou sedimentares foram submetidas a pressotildees eou a temperaturas no

interior da crosta que lhes modificaram a composiccedilatildeo eou a textura

Foi atraveacutes do estudo das rochas que desvendaacutemos o essencial dos acontecimentos geo-

loacutegicos que marcaram a histoacuteria deste laquoPlaneta Azulraquo no qual a vida encontrou condiccedilotildees

para despertar e onde evoluiu ao ponto de se interrogar sobre essa mesma histoacuteria

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Os conhecimentos diretos de que hoje dispomos relativos agraves rochas da Terra limitam-se

aos que se obtecircm pelo estudo das que afloram agrave superfiacutecie das recolhidas em dragagens

nos fundos marinhos e das retiradas da profundidade quer em minas quer atraveacutes de son-

dagens Esta profundidade que natildeo excede 3 km no primeiro caso e 11 km no segundo

(na peniacutensula de Kola) pode considerar-se insuficiente se comparada com as trecircs a quatro

dezenas de quiloacutemetros de espessura meacutedia da crosta continental

Eacute jaacute muito o conhecimento que temos desta capa (a crosta ou crusta como alguns dizem e

escrevem) mais superficial do nosso planeta Temo-lo atraveacutes das rochas que constantemente

vemos e pisamos muitas delas geradas em zonas profundas trazidas agrave superfiacutecie pelos en-

rugamentos de origem tectoacutenica geradores das montanhas e subsequentemente postas a

descoberto pela erosatildeo

Outras rochas proacuteprias de muito maiores profundidades inclusive do manto inferior como eacute

o caso dos xenocristais e dos xenoacutelitos (do grego xenos estranho e lithos pedra) isto eacute cris-

tais e fragmentos de materiais liacuteticos gerados nessas regiotildees e que ascendem agrave superfiacutecie na

sequecircncia de atividade vulcacircnica englobados ou encravados nos produtos magmaacuteticos que ali

se formaram ou por ali passaram Na ilha da Madeira por exemplo satildeo frequentes os xenoacutelitos

oliviacutenicos que ascenderam ateacute agrave superfiacutecie no seio das lavas envolvidas no processo vulcacircnico

que originou esta e muitas outras ilhas

As rochas a que temos acesso mais ou menos direto representam uma parcela importante

da diferenciaccedilatildeo da Terra e agrave semelhanccedila da aacutegua do ar e dos seres vivos satildeo o resultado de

imensas transformaccedilotildees numa vasta e complexa rede de inter-relaccedilotildees ocorridas ao longo

dos tempos neste laquoplaneta vivoraquo pleno ainda de energia interna (sob a forma de calor) a que

se adiciona toda a que lhe chega do exterior isto eacute a radiaccedilatildeo solar Como escreveu Maurice

Mattauer ldquoas pedras nascem vivem e morrem como noacutes elas tecircm uma idade e uma histoacuteriardquo

Petrologia e litologia satildeo duas disciplinas que estudam as rochas ou as pedras Se bem que

os eacutetimos petra (latim) e lithos (grego) sejam sinoacutenimos petrologia e litologia encerram con-

ceitos diferentes ainda que relacionados entre si

bull A petrologia eacute um ramo da geologia com dimensatildeo de ciecircncia de vastos recursos nos campos

da fiacutesica da quiacutemica e naturalmente tambeacutem da matemaacutetica em busca do conhecimento da

origem natureza constituiccedilatildeo e evoluccedilatildeo da Terra no acircmbito do Sistema Solar e do Universo

bull A litologia outro ramo da geologia eacute habitualmente entendida como a disciplina que estuda

as rochas num campo praacutetico Serve a geologia de engenharia tendo em vista a implantaccedilatildeo

de grandes edifiacutecios e outras obras volumosas cujas fundaccedilotildees exigem o conhecimento dos

terrenos A litologia daacute igualmente respostas agrave pedologia (o estudo dos solos) e agrave induacutestria

extrativa de rochas ornamentais usadas na arquitetura na cantaria ou na estatuaacuteria e de

rochas industriais exploradas como importantes mateacuterias-primas para a construccedilatildeo civil a

ceracircmica o vidro o cimento a cal e a induacutestria quiacutemica

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Software educativo em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Ana C Conceiccedilatildeo

DMUniversidade do Algarve

O conceito F-Tool foi desenvolvido em 2012 com o objetivo de proporcionar uma

aprendizagem interativa em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Em particular eacute possiacutevel

explorar de forma integrada as noccedilotildees de domiacutenio contradomiacutenio existecircncia de zeros

existecircncia de extremos e de pontos de inflexatildeo invertibilidade derivabilidade reta

tangente ao graacutefico num ponto simetrias em relaccedilatildeo aos eixos e agrave origem A utilizaccedilatildeo

dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adaptaccedilatildeo de

alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e

do simples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular)

No ensino da matemaacutetica e em particular no estudo de funccedilotildees a recomendaccedilatildeo da utiliza-

ccedilatildeo de software educacional tem como objetivo o sanar das dificuldades que os alunos pos-

suem em associar as representaccedilotildees algeacutebricas com as diversas representaccedilotildees numeacutericas

eou graacuteficas De facto o caraacuteter estaacutetico das representaccedilotildees matemaacuteticas muitas vezes

dificulta a construccedilatildeo do significado afetando substancialmente a correta interpretaccedilatildeo dos

conceitos A criaccedilatildeo de modelos interativos visuais com o sistema de aacutelgebra computacional

Mathematica permite aos alunos explorar conceitos de elevada complexidade e rapidamen-

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te adquirir uma compreensatildeo mais profunda dos conteuacutedos Obviamente a utilizaccedilatildeo de sof-

tware educacional natildeo deve ser vista como um substituto para o ensino com ldquopapel e laacutepisrdquo

deve ser devidamente combinada com outros meacutetodos de ensino

O conceito F-Tool foi desenvolvido em 2012 com o objetivo de proporcionar uma apren-

dizagem interativa em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Os aplicativos computacionais

implementados com base neste conceito utilizam as capacidades de caacutelculo numeacuterico e

simboacutelico do Mathematica de forma a permitir estudar dinacircmica e interativamente e em

tempo real conceitos e propriedades fundamentais do preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial

FIGURA 1 Imagem ilustrativa da F-Exponential

O conceito F-Tool em sala de aula permite uma abordagem dinacircmica de diversos concei-

tos relacionados com o estudo de funccedilotildees e promove novas formas de raciocinarpensar

avaliar ensinar e aprender As F-Tool foram concebidas como ferramentas de aprendiza-

gem ativa ou seja a sua utilizaccedilatildeo adequada propicia um contexto de ensino-aprendiza-

gem onde alunos e professores satildeo igualmente convidados a contribuir Aleacutem disso tecircm

uma interface muito intuitiva que permite que ateacute mesmo o utilizador mais inexperiente

sem qualquer conhecimento anterior em software educacional possa comeccedilar a usar to-

dos os recursos de uma forma eficiente e autoacutenoma As F-Tool natildeo satildeo um objeto estaacutetico

mas sim um programa a ser executado com o qual se interage em tempo real Em parti-

cular atraveacutes da alteraccedilatildeo dinacircmica dos valores dos paracircmetros que definem cada classe

eacute possiacutevel obter informaccedilatildeo analiacutetica rigorosa apresentada em aritmeacutetica exata ou apro-

ximada bem como informaccedilatildeo visual estaacutetica e natildeo-estaacutetica De igual modo escolhendo

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estrategicamente de entre as vaacuterias opccedilotildees de funccedilotildees disponiacuteveis no painel esquerdo eacute

possiacutevel apreender de forma mais eficaz e consequente muitas das relaccedilotildees existentes

entre as vaacuterias funccedilotildees e respetivas transformaccedilotildees (FIGURA 1) As F-Tool utilizam um

coacutedigo de cores para diferenciar as vaacuterias funccedilotildees apresentadas Este coacutedigo eacute explicitado

na legenda do canto inferior esquerdo do painel central

Qual das figuras pode representar o graacutefico de uma funccedilatildeo e o graacutefico da sua derivada de 1ordf ordem

FIGURA 2 Exemplo de questatildeo de escolha muacuteltipla utilizando diversas opccedilotildees do painel esquerdo das F-Tool

Apesar de ser um software educacional dinacircmico e interativo pode tambeacutem ser utilizado

na construccedilatildeo de questotildees de avaliaccedilatildeo de escolha muacuteltipla (FIGURA 2) e de resposta aberta

ficando o docente automaticamente com a resposta ao selecionar no painel esquerdo as

opccedilotildees relacionadas com a questatildeo

A utilizaccedilatildeo dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adapta-

ccedilatildeo de alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e do sim-

ples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular) De facto

incluindo as F-Tool em ficheiros no Computable Document Format (CDF) eacute possiacutevel criar

fichas de trabalho dinacircmicas e interativas motivando os alunos e tornando o estudo mais

interessante

Acreditamos que o conceito F-Tool ao dotar professores e estudantes com novas fer-

ramentas para explorar alguns conceitos fundamentais da matemaacutetica desenvolveraacute po-

sitivamente o processo de ensino e de aprendizagem das aacutereas de preacute-caacutelculo e caacutelculo

diferencial

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018046

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O Aroma das Plantas Luiacutes Gaspar Pedro

Ana Cristina Figueiredo

Joseacute Gonccedilalves Barroso

CESAM CBV Universidade de Lisboa

Quando nos festejos dos Santos Populares colocamos a matildeo sobre o manjerico

provocamos a rutura de estruturas microscoacutepicas Ao fazecirc-lo libertam-se compostos

quiacutemicos que aderem agrave palma da nossa matildeo que depois percecionamos pelo nosso

olfacto Os aromas satildeo misturas complexas de dezenas de compostos volaacuteteis

carateriacutesticos de uma determinada planta

O aroma o que eacute

O aroma de muitas plantas eacute constituiacutedo por diversos compostos quiacutemicos volaacuteteis que

tecircm a capacidade de estimular os nossos recetores olfactivos A quantidade e a diver-

sidade deste tipo de compostos presentes nas plantas satildeo responsaacuteveis pelos aromas

carateriacutesticos Eacute relativamente faacutecil reconhecer o aroma dos coentros ou do manjerico e

distingui-los de outros aromas como o da rosa ou do cravinho

Na composiccedilatildeo da fraccedilatildeo volaacutetil de uma planta aromaacutetica encontram-se regra geral

compostos como os mono- e sesquiterpenos e os fenilpropanoacuteides (FIGURA 1) entre ou-

tros Satildeo todos eles compostos quiacutemicos com ponto de ebuliccedilatildeo relativamente baixo que

volatilizam agrave temperatura ambiente e contribuem de forma mais ou menos notoacuteria para o

aroma carateriacutestico de cada espeacutecie

FIGURA 1 Exemplos de compostos que constituem a fraccedilatildeo volaacutetil de diversas espeacutecies aromaacuteticas monoterpenos (α-pineno timol) sesquiterpenos (β-cariofileno germacreno D) e fenilpropanoacuteides (eugenol)

α-Pineno Timol β-Cariofileno Germacreno D Eugenol

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Estruturas secretoras

Os compostos que constituem a fraccedilatildeo aromaacutetica de uma planta satildeo regra geral sinteti-

zados e acumulados em estruturas secretoras microscoacutepicas Entre os diversos tipos de

estruturas secretoras as mais frequentes satildeo os tricomas os canais e as bolsas (FIGURA 2)

FIGURA 2 Exemplos de estruturas secretoras observadas em microscopia oacuteptica A - Tricoma de Geranium robertianum (s - secretado acumulado no espaccedilo sub-cuticular coloraccedilatildeo com reagente de Nadi) B - canal secretor de Crithmum maritimum (setas coloraccedilatildeo com tricloreto de antimoacutenio) e C - bolsa secretora de Citrus sp (coloraccedilatildeo com Vermelho Sudatildeo III)

Os tricomas glandulares satildeo estruturas externas com origem em ceacutelulas epideacutermicas

que apresentam diversos graus de complexidade desde tricomas com apenas trecircs ceacutelulas

uma das quais a secretora ateacute tricomas com mais de uma dezena de ceacutelulas secretoras

As bolsas e os canais secretores satildeo estruturas internas constituiacutedas por ceacutelulas glandu-

lares que delimitam o luacutemen o espaccedilo para onde satildeo secretados os compostos depois de

produzidos nas ceacutelulas secretoras Os canais satildeo estruturas alongadas que percorrem o

corpo da planta por vezes com ramificaccedilotildees enquanto as bolsas satildeo estruturas mais ou

menos isodiameacutetricas

Os oacuteleos essenciais

Um oacuteleo essencial eacute obtido por hidrodestilaccedilatildeo ou por destilaccedilatildeo por arrastamento de va-

por (FIGURA 3) No caso particular dos citrinos o oacuteleo essencial pode ainda ser obtido

por expressatildeo (processo mecacircnico que promove a libertaccedilatildeo do secretado acumulado no

interior das estruturas secretoras neste caso bolsas)

Tanto na hidrodestilaccedilatildeo como na destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor o secretado eacute

removido das estruturas secretoras e arrastado pelo vapor de aacutegua Depois de condensar

por arrefecimento o oacuteleo essencial separa-se da aacutegua podendo ser facilmente recolhido

devido agrave sua imiscibilidade com a aacutegua

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41FIGURA 3 A - Sistema de hidrodestilaccedilatildeo com aparelho de Clevenger e B - sistema de destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor

Anaacutelise de oacuteleos essenciais

Para analisar um oacuteleo essencial recorre-se frequentemente agrave cromatografia gasosa (CG)

para quantificaccedilatildeo dos componentes e agrave CG acoplada agrave espectrometria de massa (CG-

-EM) para a correspondente identificaccedilatildeo dos constituintes Por CG-EM os diversos com-

ponentes que constituem o oacuteleo essencial satildeo separados uns dos outros e ao chegarem ao

espectroacutemetro de massa satildeo bombardeados por eletrotildees o que leva a que as moleacuteculas

fragmentem formando-se diferentes iotildees de acordo com padrotildees preferenciais O con-

junto dos fragmentosiotildees constituem o espectro de massa que eacute carateriacutestico de cada

moleacutecula A integraccedilatildeo das aacutereas dos picos que surgem no cromatograma obtido por CG

(FIGURA 4A) permite a quantificaccedilatildeo relativa dos diversos componentes do oacuteleo essencial

A anaacutelise por CG-EM possibilita a identificaccedilatildeo desses compostos por comparaccedilatildeo dos

espectros de massa (FIGURA 4B) e dos iacutendices de retenccedilatildeo com os de amostras padratildeo

FIGURA 4 A - Aspeto parcial de um cromatograma obtido por CG carateriacutestico de um oacuteleo essencial com alguns dos ldquopicosrdquo identificados B - espectro de massa obtido por CG-EM de um dos componentes maioritaacuterios o timol

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Paisagens da Islacircndia Formase Processos (III)Fernando Carlos LopesCITEUC Universidade de Coimbra

A Islacircndia eacute famosa natildeo soacute pelos seus vulcotildees mas tambeacutem pelos seus glaciares e pela

sua sinuosa e escarpada linha de costa

Atualmente os glaciares cobrem cerca de 10 da superfiacutecie islandesa e 60 destas

aacutereas geladas assentam sobre sistemas vulcacircnicos ativos Esta combinaccedilatildeo de gelo e vul-

canismo torna a Islacircndia o local ideal para cheias repentinas (joumlkulhlaups) resultantes de

aacutegua que escorre por baixo dos glaciares devido agrave fusatildeo provocada pelas erupccedilotildees subgla-

ciares Atualmente existem 4 grandes calotes glaciares localizadas nas regiotildees elevadas

e vulcanicamente ativas do centro e sul da ilha a partir das quais divergem numerosas liacuten-

guas glaciarias Vatnajoumlkull (8100 km2) situado no centro leste Langjoumlkull (925 km2) si-

tuado no centro oeste Hofsjoumlkull (925 km2) situado na zona central da ilha Myrdalsjoumlkull

(600 km2) situado no sul da ilha Apesar da Islacircndia ter cerca de 24 Ma a sua paisagem soacute

foi moldada por glaciares nos uacuteltimos 5 milhotildees de anos Os seus glaciares de tipo alpino

(ou de montanha) avanccedilaram e recuaram condicionados pelas variaccedilotildees regionais e locais

do clima de que resultaram espetaculares morfologias Como jaacute se referiu anteriormente

as variaccedilotildees da carga glaciar sobre a litosfera provocadas pelas fases de gelo e degelo

teratildeo desempenhado papel importante na atividade vulcacircnica da ilha

Com um comprimento de cerca de 4970 km a linha de costa da Islacircndia eacute de um modo

geral muito recortada e escarpada marcada por promontoacuterios cabos peniacutensulas fiordes

e enseadas pontilhada de leixotildees por entre os quais se aninham praias de areia negra de

contornos suaves A accedilatildeo do mar sobre as inuacutemeras escoadas de lava que fluiacuteram ateacute agrave

costa ao longo da evoluccedilatildeo geoloacutegica da ilha e ali solidificaram sobre os aparelhos vulcacirc-

nicos implantados na zona litoral e sobre os vales deixados pelo recuo dos glaciares criou

paisagens de uma beleza surreal

FIGURA DA PAacuteGINA ANTERIOR Leixatildeo Hvitserkur noroeste da Islacircndia (fonte pixabay)

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Parte III - Paisagens controladas pelos glaciares e paisagens costeirasVales glaciares e fiordes

Vales glaciares vales suspensos lagos glaciares e cascatas ciacuterculos glaciares moreias

e fiordes satildeo formas carateriacutesticas das paisagens islandesas criadas pelos seus glacia-

res alpinos Os vales glaciares com o seu carateriacutestico perfil em ldquoUrdquo satildeo a forma mais

comum de paisagem originada pela erosatildeo glacial (FIGURA 1) No interior destes vales os

rios concentram o seu poder erosivo na zona mais baixa originando um perfil carateriacutestico

em ldquoVrdquo O poder erosivo dos glaciares eacute muito superior ao dos rios porque a sua energia

potencial resulta natildeo soacute do declive do terreno mas tambeacutem do peso do gelo A erosatildeo faz-

-se essencialmente ao longo das zonas laterais do canal criando um vale com vertentes

alcantiladas e fundo aplanado Vales suspensos satildeo vales escavados por glaciares tributaacute-

rios Como estes glaciares levam menos gelo o seu poder erosivo eacute menor que o do glaciar

principal ficando suspenso nas vertentes do glaciar principal quando o gelo recua Cons-

tituem exemplos notaacuteveis pela sua beleza e dimensatildeo os vales glaciares de Borgarvirki

(FIGURA 2) e de Akureyri (ou Eyjafjoumlrethur) no noroeste da ilha Este uacuteltimo vai desembocar

num fiorde que eacute mais longo da Islacircndia

FIGURA 1 Esquema 3D (sem escala) da evoluccedilatildeo de uma paisagem glaciar com formaccedilatildeo de vales glaciares vales glaciares suspensos ciacuterculos glaciares lagos glaciares e cascatas

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FIGURA 2 Aspeto do vale glaciaacuterio de Borgarvirki observado a partir da fortaleza de Borgarvirki

Se as condiccedilotildees forem favoraacuteveis os glaciares podem erodir abaixo do niacutevel do mar Quan-

do o glaciar recua o oceano invade estas depressotildees criando um fiorde Alguns dos fiordes

islandeses como o de Akureyri e o de Nordfjord (nordeste da ilha) possuem centenas de

metros abaixo do niacutevel do mar O fiorde de Nordfjord abrange parcialmente uma antiga cal-

deira vulcacircnica Nas faleacutesias do seu flanco oriental (falesias de Raudubjoumlrg) afloram rioacutelitos

conferindo agraves arribas uma carateriacutestica cor avermelhada)

Como se referiu anteriormente (Parte I) a orientaccedilatildeo da maioria dos vales glaciares e

fiordes segue de perto a orientaccedilatildeo dos principais lineamentos tectoacutenicos

Moreias

Em termos de aspetos deposicionais relacionados com glaciares as moreias satildeo de lon-

ge os mais abundantes Satildeo acumulaccedilotildees de fragmentos rochosos transportados pelos

glaciares quer na regiatildeo frontal (moreia frontal) lateral (moreia lateral) a meio (moreia

mediana) e no fundo (moreia de fundo)

Durante o uacuteltimo maacuteximo glaciar (haacute cerca de 20 000 anos) a Islacircndia estava quase

toda coberta por glaciares que se estendiam ateacute agrave costa e para aleacutem dela Foram encon-

tradas moreias frontais dessa eacutepoca a cerca de 130 km a offshore da costa ocidental e a

cerca de 150-230 m abaixo do niacutevel de mar atual

Eacute possiacutevel encontrar nos vales glaciares islandeses quer moreias antigas resultantes

da uacuteltima glaciaccedilatildeo quer moreias recentes e atuais Estas uacuteltimas estatildeo relacionadas com

as 4 grandes calotes glaciares existentes como eacute o caso das moreias do glaciar Vatna-

joumlkull que se podem observar em pleno no setor sudeste da ilha

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Lagoas glaciares e icebergues

Outra das paisagens magniacuteficas moldadas pelos glaciares satildeo as lagoas glaciares Estas

lagoas formam-se na extremidade dos glaciares que descem das calotes glaciares Satildeo

alimentadas pelo desgelo natural dos glaciares e nela flutuam pequenos e grandes iceber-

gues que se separam da frente do glaciar (FIGURA 3)

FIGURA 3 Esquema 3D (sem escala) da formaccedilatildeo de icebergues numa lagoa glaciar

O exemplo mais notaacutevel deste tipo de lagoas na Islacircndia eacute a lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten consi-

derada uma das maravilhas naturais do paiacutes Fica situada no sudeste da ilha na extremidade

do glaciar Breiethamerkurjoumlkull uma das liacutengua glaciares da calote de Vatnajoumlkull (FIGURA 4)

FIGURA 4 Icebergues na lagoa glaciar de Joumlkulsaacuterloacuten Ao fundo vecirc-se a frente do glaciar Breiethamerkurjoumlkull As faixas negras nos icebergues satildeo niacuteveis de cinza vulcacircnica

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A lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten eacute o ponto mais baixo da Islacircndia com zonas agrave cota de -200 m Na

baiacutea da lagoa tem-se acesso a uma paisagem de outro mundo com icebergues de dimen-

sotildees variadas que flutuam ateacute ao mar ficando alguns deles encalhados na margem de uma

praia de areia vulcacircnica Alguns icebergues exibem faixas negras correspondentes a niacuteveis

de cinzas vulcacircnicas provenientes de antigas erupccedilotildees (FIGURA 4) Outros exibem duas

tonalidades branco leitoso e azul claro A faixa azul corresponde agrave porccedilatildeo do icebergue

que se tornou recentemente emersa

A lagoa teraacute sido formada em 1934-35 pelo contiacutenuo recuo do glaciar Vatnajoumlkull e teraacute

duplicado de tamanho nos uacuteltimos 15 anos Dada a taxa atual de recuo do glaciar Vatna-

joumlkull um profundo fiorde iraacute desenvolver-se no local onde hoje existe a lagoa

As costas escarpadas

As costas escarpadas e recortadas satildeo sem duacutevida as mais dominantes Ocorrem deste o

oeste ao leste da ilha passando pela regiatildeo norte incisas por numerosos fiordes e peque-

nas enseadas e salpicadas por leixotildees Eacute notaacutevel pela sua forma de dragatildeo e pelas lendas

que o envolvem o leixatildeo de Hvitserkur (IMAGEM DA PAGINA 42) situado na costa leste da

Peniacutensula de Vatnsnes no noroeste da Islacircndia

Os fiordes mais profundos localizam-se na costa norte constituindo bons portos natu-

rais Um destaque especial vai para o fiorde ao longo do qual se estende a cidade de Aku-

reyri (fiorde de Akureyri ou Eyjafjoumlrethur) considerado o mais longo do paiacutes

Praias de areia Negra

As praias de areia negra em geral de reduzida extensatildeo podem ser constituiacutedas por i) de-

poacutesitos resultantes da abrasatildeo das arribas ii) moreias e depoacutesitos fluviais resultantes dos

rios glaciares com contornos suaves e lagoas glaciares protegidas por extensas barras

arenosas iii) depoacutesitos de tefra provenientes de erupccedilotildees freaacuteticas

As do primeiro tipo ocorrem um pouco por toda a linha de costa como resultado da accedilatildeo

do mar sobre as arribas As do segundo tipo ocorrem dominantemente entre Djuacutepivogur a

sudeste e Oumllfusaacute a sudoeste com destaque para a praia de Reynisfjara na costa sul As

da terceira categoria podem ser observadas na ilha de Heimaey arquipeacutelago de Vestman-

naeyja regiatildeo sul da Islacircndia

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018048

IMA

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Eu crio as minhas obras de arte de peque-

nos pedaccedilos de papel com espirais que co-

nectam e ligam os elementos a uma grande

estrutura Na obra de origami acabada a

que chamo Voltinhas estas espirais vivem

e trabalham Forccedilas de tensatildeo e fricccedilatildeo

contrapotildeem-se agrave gravidade e mantecircm a

forma estaacutevel Nas minhas criaccedilotildees procu-

ro estar perto da natureza Quando criamos

ou estudamos modelos de papel na macro

escala podemos entender melhor as for-

mas criadas pela natureza na micro escala

A minha obra de origami na capa o trabalho

intitulado ldquoInverno num parque de Lisboardquo e

o capsiacutedeo do viacuterus Canine parvovirus um viacute-

rus contagioso que ataca sobretudo os catildees

e outros caniacutedeos tecircm a mesma estrutura

geomeacutetrica do pequeno rombicosidodecae-

dro um poliedro com simetria icosaeacutedrica

Essa obra invoca simbolicamente o Ano

da Biologia Matemaacutetica 2018 O origami eacute

uma arte de dobragem do papel com uma

forte componente geomeacutetrica que permite

a construccedilatildeo de formas complexas e tem

atraiacutedo o interesse de matemaacuteticos pelas

suas propriedades geomeacutetricas e algeacutebricas

Krystyna Burczyk

Os viacuterus satildeo responsaacuteveis por inuacutemeras

doenccedilas no homem nos animais e nas plan-

tas e as curas e prevenccedilotildees satildeo ainda mui-

tas vezes problemaacuteticas Desenvolvimen-

tos recentes das aplicaccedilotildees da matemaacutetica

agrave virologia nomeadamente das teorias de

grupos de grafos de tesselaccedilatildeo ou de re-

ticulados mostraram por exemplo que as

restriccedilotildees estruturais agraves formas dos viacuterus

satildeo maiores do que antes se pensava e

permitiram a construccedilatildeo de novos modelos

para o desenvolvimento de terapias anti-

-virais Os capsiacutedeos virais que envolvem

os genomas dos viacuterus por razotildees de eco-

nomia geneacutetica tem muitas vezes uma si-

metria icosaeacutedrica Ora esta simetria natildeo eacute

cristalograacutefica em trecircs dimensotildees ie natildeo

eacute compatiacutevel com reticulados perioacutedicos

o que motivou os matemaacuteticos a desen-

volverem novas estruturas no contexto de

grupos de Coxeter natildeo-cristalograacuteficos que

encontraram aplicaccedilatildeo natildeo soacute na virologia

mas tambeacutem noutras estruturas molecula-

res da quiacutemica do carbono

Joseacute Francisco RodriguesUniversidade de Lisboa

Origami e Viacuterusin imagemcasadascienciasorg

Imagem de Canine Parvovirus gerada em VMD Autor Alexandre Lopes Magalhatildees

Page 36: JUNHO 2018 V6 /02 · 2018-09-26 · Matilde Viegas, Maria João Ramos, Pedro Alexandrino Fernandes Stephen Hawking e a sua contribuição para a física teórica Orfeu Bertolami,

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FIGURA 2 Processo de meteorizaccedilatildeo fiacutesica essencialmente por corrosatildeo eoacutelica em rochas sedimentares (arenitos) (fonte banco de imagens da Casa das Ciecircncias)

Aleacutem das muitas que conhecemos na Terra jaacute estudaacutemos rochas do nosso sateacutelite natural

nomeadamente basaltos e anortositos trazidos da sua superfiacutecie Mercuacuterio Veacutenus e Marte satildeo

tambeacutem planetas rochosos e igualmente rochosos ou pedregosos satildeo ainda os nuacutecleos dos co-

metas e muitos dos asteroides de que temos conhecimento pelos meteoritos caiacutedos na Terra

Quando se apelidam as rochas de magmaacuteticas sedimentares (FIGURA 2) ou metamoacuterficas

natildeo se estaacute apenas a rotulaacute-las para efeitos de arrumo ou arquivo muito menos se estatildeo a

criar novos vocaacutebulos para sobrecarga dos estudantes ou do cidadatildeo em geral Estes adjeti-

vos acrescentados agrave palavra rocha informam de imediato sobre a sua origem

bull magmaacutetica ou sedimentar qualquer delas em resultado de processos naturais faacuteceis de

entender

bull metamoacuterfica em consequecircncia de um outro processo muito menos ao alcance da vivecircncia

do vulgo mas que se explica sem grandes dificuldades

Apelidam-se de metamoacuterficas as rochas que posteriormente a uma primeira formaccedilatildeo

como magmaacuteticas ou sedimentares foram submetidas a pressotildees eou a temperaturas no

interior da crosta que lhes modificaram a composiccedilatildeo eou a textura

Foi atraveacutes do estudo das rochas que desvendaacutemos o essencial dos acontecimentos geo-

loacutegicos que marcaram a histoacuteria deste laquoPlaneta Azulraquo no qual a vida encontrou condiccedilotildees

para despertar e onde evoluiu ao ponto de se interrogar sobre essa mesma histoacuteria

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Os conhecimentos diretos de que hoje dispomos relativos agraves rochas da Terra limitam-se

aos que se obtecircm pelo estudo das que afloram agrave superfiacutecie das recolhidas em dragagens

nos fundos marinhos e das retiradas da profundidade quer em minas quer atraveacutes de son-

dagens Esta profundidade que natildeo excede 3 km no primeiro caso e 11 km no segundo

(na peniacutensula de Kola) pode considerar-se insuficiente se comparada com as trecircs a quatro

dezenas de quiloacutemetros de espessura meacutedia da crosta continental

Eacute jaacute muito o conhecimento que temos desta capa (a crosta ou crusta como alguns dizem e

escrevem) mais superficial do nosso planeta Temo-lo atraveacutes das rochas que constantemente

vemos e pisamos muitas delas geradas em zonas profundas trazidas agrave superfiacutecie pelos en-

rugamentos de origem tectoacutenica geradores das montanhas e subsequentemente postas a

descoberto pela erosatildeo

Outras rochas proacuteprias de muito maiores profundidades inclusive do manto inferior como eacute

o caso dos xenocristais e dos xenoacutelitos (do grego xenos estranho e lithos pedra) isto eacute cris-

tais e fragmentos de materiais liacuteticos gerados nessas regiotildees e que ascendem agrave superfiacutecie na

sequecircncia de atividade vulcacircnica englobados ou encravados nos produtos magmaacuteticos que ali

se formaram ou por ali passaram Na ilha da Madeira por exemplo satildeo frequentes os xenoacutelitos

oliviacutenicos que ascenderam ateacute agrave superfiacutecie no seio das lavas envolvidas no processo vulcacircnico

que originou esta e muitas outras ilhas

As rochas a que temos acesso mais ou menos direto representam uma parcela importante

da diferenciaccedilatildeo da Terra e agrave semelhanccedila da aacutegua do ar e dos seres vivos satildeo o resultado de

imensas transformaccedilotildees numa vasta e complexa rede de inter-relaccedilotildees ocorridas ao longo

dos tempos neste laquoplaneta vivoraquo pleno ainda de energia interna (sob a forma de calor) a que

se adiciona toda a que lhe chega do exterior isto eacute a radiaccedilatildeo solar Como escreveu Maurice

Mattauer ldquoas pedras nascem vivem e morrem como noacutes elas tecircm uma idade e uma histoacuteriardquo

Petrologia e litologia satildeo duas disciplinas que estudam as rochas ou as pedras Se bem que

os eacutetimos petra (latim) e lithos (grego) sejam sinoacutenimos petrologia e litologia encerram con-

ceitos diferentes ainda que relacionados entre si

bull A petrologia eacute um ramo da geologia com dimensatildeo de ciecircncia de vastos recursos nos campos

da fiacutesica da quiacutemica e naturalmente tambeacutem da matemaacutetica em busca do conhecimento da

origem natureza constituiccedilatildeo e evoluccedilatildeo da Terra no acircmbito do Sistema Solar e do Universo

bull A litologia outro ramo da geologia eacute habitualmente entendida como a disciplina que estuda

as rochas num campo praacutetico Serve a geologia de engenharia tendo em vista a implantaccedilatildeo

de grandes edifiacutecios e outras obras volumosas cujas fundaccedilotildees exigem o conhecimento dos

terrenos A litologia daacute igualmente respostas agrave pedologia (o estudo dos solos) e agrave induacutestria

extrativa de rochas ornamentais usadas na arquitetura na cantaria ou na estatuaacuteria e de

rochas industriais exploradas como importantes mateacuterias-primas para a construccedilatildeo civil a

ceracircmica o vidro o cimento a cal e a induacutestria quiacutemica

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Software educativo em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Ana C Conceiccedilatildeo

DMUniversidade do Algarve

O conceito F-Tool foi desenvolvido em 2012 com o objetivo de proporcionar uma

aprendizagem interativa em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Em particular eacute possiacutevel

explorar de forma integrada as noccedilotildees de domiacutenio contradomiacutenio existecircncia de zeros

existecircncia de extremos e de pontos de inflexatildeo invertibilidade derivabilidade reta

tangente ao graacutefico num ponto simetrias em relaccedilatildeo aos eixos e agrave origem A utilizaccedilatildeo

dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adaptaccedilatildeo de

alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e

do simples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular)

No ensino da matemaacutetica e em particular no estudo de funccedilotildees a recomendaccedilatildeo da utiliza-

ccedilatildeo de software educacional tem como objetivo o sanar das dificuldades que os alunos pos-

suem em associar as representaccedilotildees algeacutebricas com as diversas representaccedilotildees numeacutericas

eou graacuteficas De facto o caraacuteter estaacutetico das representaccedilotildees matemaacuteticas muitas vezes

dificulta a construccedilatildeo do significado afetando substancialmente a correta interpretaccedilatildeo dos

conceitos A criaccedilatildeo de modelos interativos visuais com o sistema de aacutelgebra computacional

Mathematica permite aos alunos explorar conceitos de elevada complexidade e rapidamen-

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te adquirir uma compreensatildeo mais profunda dos conteuacutedos Obviamente a utilizaccedilatildeo de sof-

tware educacional natildeo deve ser vista como um substituto para o ensino com ldquopapel e laacutepisrdquo

deve ser devidamente combinada com outros meacutetodos de ensino

O conceito F-Tool foi desenvolvido em 2012 com o objetivo de proporcionar uma apren-

dizagem interativa em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Os aplicativos computacionais

implementados com base neste conceito utilizam as capacidades de caacutelculo numeacuterico e

simboacutelico do Mathematica de forma a permitir estudar dinacircmica e interativamente e em

tempo real conceitos e propriedades fundamentais do preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial

FIGURA 1 Imagem ilustrativa da F-Exponential

O conceito F-Tool em sala de aula permite uma abordagem dinacircmica de diversos concei-

tos relacionados com o estudo de funccedilotildees e promove novas formas de raciocinarpensar

avaliar ensinar e aprender As F-Tool foram concebidas como ferramentas de aprendiza-

gem ativa ou seja a sua utilizaccedilatildeo adequada propicia um contexto de ensino-aprendiza-

gem onde alunos e professores satildeo igualmente convidados a contribuir Aleacutem disso tecircm

uma interface muito intuitiva que permite que ateacute mesmo o utilizador mais inexperiente

sem qualquer conhecimento anterior em software educacional possa comeccedilar a usar to-

dos os recursos de uma forma eficiente e autoacutenoma As F-Tool natildeo satildeo um objeto estaacutetico

mas sim um programa a ser executado com o qual se interage em tempo real Em parti-

cular atraveacutes da alteraccedilatildeo dinacircmica dos valores dos paracircmetros que definem cada classe

eacute possiacutevel obter informaccedilatildeo analiacutetica rigorosa apresentada em aritmeacutetica exata ou apro-

ximada bem como informaccedilatildeo visual estaacutetica e natildeo-estaacutetica De igual modo escolhendo

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estrategicamente de entre as vaacuterias opccedilotildees de funccedilotildees disponiacuteveis no painel esquerdo eacute

possiacutevel apreender de forma mais eficaz e consequente muitas das relaccedilotildees existentes

entre as vaacuterias funccedilotildees e respetivas transformaccedilotildees (FIGURA 1) As F-Tool utilizam um

coacutedigo de cores para diferenciar as vaacuterias funccedilotildees apresentadas Este coacutedigo eacute explicitado

na legenda do canto inferior esquerdo do painel central

Qual das figuras pode representar o graacutefico de uma funccedilatildeo e o graacutefico da sua derivada de 1ordf ordem

FIGURA 2 Exemplo de questatildeo de escolha muacuteltipla utilizando diversas opccedilotildees do painel esquerdo das F-Tool

Apesar de ser um software educacional dinacircmico e interativo pode tambeacutem ser utilizado

na construccedilatildeo de questotildees de avaliaccedilatildeo de escolha muacuteltipla (FIGURA 2) e de resposta aberta

ficando o docente automaticamente com a resposta ao selecionar no painel esquerdo as

opccedilotildees relacionadas com a questatildeo

A utilizaccedilatildeo dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adapta-

ccedilatildeo de alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e do sim-

ples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular) De facto

incluindo as F-Tool em ficheiros no Computable Document Format (CDF) eacute possiacutevel criar

fichas de trabalho dinacircmicas e interativas motivando os alunos e tornando o estudo mais

interessante

Acreditamos que o conceito F-Tool ao dotar professores e estudantes com novas fer-

ramentas para explorar alguns conceitos fundamentais da matemaacutetica desenvolveraacute po-

sitivamente o processo de ensino e de aprendizagem das aacutereas de preacute-caacutelculo e caacutelculo

diferencial

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O Aroma das Plantas Luiacutes Gaspar Pedro

Ana Cristina Figueiredo

Joseacute Gonccedilalves Barroso

CESAM CBV Universidade de Lisboa

Quando nos festejos dos Santos Populares colocamos a matildeo sobre o manjerico

provocamos a rutura de estruturas microscoacutepicas Ao fazecirc-lo libertam-se compostos

quiacutemicos que aderem agrave palma da nossa matildeo que depois percecionamos pelo nosso

olfacto Os aromas satildeo misturas complexas de dezenas de compostos volaacuteteis

carateriacutesticos de uma determinada planta

O aroma o que eacute

O aroma de muitas plantas eacute constituiacutedo por diversos compostos quiacutemicos volaacuteteis que

tecircm a capacidade de estimular os nossos recetores olfactivos A quantidade e a diver-

sidade deste tipo de compostos presentes nas plantas satildeo responsaacuteveis pelos aromas

carateriacutesticos Eacute relativamente faacutecil reconhecer o aroma dos coentros ou do manjerico e

distingui-los de outros aromas como o da rosa ou do cravinho

Na composiccedilatildeo da fraccedilatildeo volaacutetil de uma planta aromaacutetica encontram-se regra geral

compostos como os mono- e sesquiterpenos e os fenilpropanoacuteides (FIGURA 1) entre ou-

tros Satildeo todos eles compostos quiacutemicos com ponto de ebuliccedilatildeo relativamente baixo que

volatilizam agrave temperatura ambiente e contribuem de forma mais ou menos notoacuteria para o

aroma carateriacutestico de cada espeacutecie

FIGURA 1 Exemplos de compostos que constituem a fraccedilatildeo volaacutetil de diversas espeacutecies aromaacuteticas monoterpenos (α-pineno timol) sesquiterpenos (β-cariofileno germacreno D) e fenilpropanoacuteides (eugenol)

α-Pineno Timol β-Cariofileno Germacreno D Eugenol

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Estruturas secretoras

Os compostos que constituem a fraccedilatildeo aromaacutetica de uma planta satildeo regra geral sinteti-

zados e acumulados em estruturas secretoras microscoacutepicas Entre os diversos tipos de

estruturas secretoras as mais frequentes satildeo os tricomas os canais e as bolsas (FIGURA 2)

FIGURA 2 Exemplos de estruturas secretoras observadas em microscopia oacuteptica A - Tricoma de Geranium robertianum (s - secretado acumulado no espaccedilo sub-cuticular coloraccedilatildeo com reagente de Nadi) B - canal secretor de Crithmum maritimum (setas coloraccedilatildeo com tricloreto de antimoacutenio) e C - bolsa secretora de Citrus sp (coloraccedilatildeo com Vermelho Sudatildeo III)

Os tricomas glandulares satildeo estruturas externas com origem em ceacutelulas epideacutermicas

que apresentam diversos graus de complexidade desde tricomas com apenas trecircs ceacutelulas

uma das quais a secretora ateacute tricomas com mais de uma dezena de ceacutelulas secretoras

As bolsas e os canais secretores satildeo estruturas internas constituiacutedas por ceacutelulas glandu-

lares que delimitam o luacutemen o espaccedilo para onde satildeo secretados os compostos depois de

produzidos nas ceacutelulas secretoras Os canais satildeo estruturas alongadas que percorrem o

corpo da planta por vezes com ramificaccedilotildees enquanto as bolsas satildeo estruturas mais ou

menos isodiameacutetricas

Os oacuteleos essenciais

Um oacuteleo essencial eacute obtido por hidrodestilaccedilatildeo ou por destilaccedilatildeo por arrastamento de va-

por (FIGURA 3) No caso particular dos citrinos o oacuteleo essencial pode ainda ser obtido

por expressatildeo (processo mecacircnico que promove a libertaccedilatildeo do secretado acumulado no

interior das estruturas secretoras neste caso bolsas)

Tanto na hidrodestilaccedilatildeo como na destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor o secretado eacute

removido das estruturas secretoras e arrastado pelo vapor de aacutegua Depois de condensar

por arrefecimento o oacuteleo essencial separa-se da aacutegua podendo ser facilmente recolhido

devido agrave sua imiscibilidade com a aacutegua

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41FIGURA 3 A - Sistema de hidrodestilaccedilatildeo com aparelho de Clevenger e B - sistema de destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor

Anaacutelise de oacuteleos essenciais

Para analisar um oacuteleo essencial recorre-se frequentemente agrave cromatografia gasosa (CG)

para quantificaccedilatildeo dos componentes e agrave CG acoplada agrave espectrometria de massa (CG-

-EM) para a correspondente identificaccedilatildeo dos constituintes Por CG-EM os diversos com-

ponentes que constituem o oacuteleo essencial satildeo separados uns dos outros e ao chegarem ao

espectroacutemetro de massa satildeo bombardeados por eletrotildees o que leva a que as moleacuteculas

fragmentem formando-se diferentes iotildees de acordo com padrotildees preferenciais O con-

junto dos fragmentosiotildees constituem o espectro de massa que eacute carateriacutestico de cada

moleacutecula A integraccedilatildeo das aacutereas dos picos que surgem no cromatograma obtido por CG

(FIGURA 4A) permite a quantificaccedilatildeo relativa dos diversos componentes do oacuteleo essencial

A anaacutelise por CG-EM possibilita a identificaccedilatildeo desses compostos por comparaccedilatildeo dos

espectros de massa (FIGURA 4B) e dos iacutendices de retenccedilatildeo com os de amostras padratildeo

FIGURA 4 A - Aspeto parcial de um cromatograma obtido por CG carateriacutestico de um oacuteleo essencial com alguns dos ldquopicosrdquo identificados B - espectro de massa obtido por CG-EM de um dos componentes maioritaacuterios o timol

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Paisagens da Islacircndia Formase Processos (III)Fernando Carlos LopesCITEUC Universidade de Coimbra

A Islacircndia eacute famosa natildeo soacute pelos seus vulcotildees mas tambeacutem pelos seus glaciares e pela

sua sinuosa e escarpada linha de costa

Atualmente os glaciares cobrem cerca de 10 da superfiacutecie islandesa e 60 destas

aacutereas geladas assentam sobre sistemas vulcacircnicos ativos Esta combinaccedilatildeo de gelo e vul-

canismo torna a Islacircndia o local ideal para cheias repentinas (joumlkulhlaups) resultantes de

aacutegua que escorre por baixo dos glaciares devido agrave fusatildeo provocada pelas erupccedilotildees subgla-

ciares Atualmente existem 4 grandes calotes glaciares localizadas nas regiotildees elevadas

e vulcanicamente ativas do centro e sul da ilha a partir das quais divergem numerosas liacuten-

guas glaciarias Vatnajoumlkull (8100 km2) situado no centro leste Langjoumlkull (925 km2) si-

tuado no centro oeste Hofsjoumlkull (925 km2) situado na zona central da ilha Myrdalsjoumlkull

(600 km2) situado no sul da ilha Apesar da Islacircndia ter cerca de 24 Ma a sua paisagem soacute

foi moldada por glaciares nos uacuteltimos 5 milhotildees de anos Os seus glaciares de tipo alpino

(ou de montanha) avanccedilaram e recuaram condicionados pelas variaccedilotildees regionais e locais

do clima de que resultaram espetaculares morfologias Como jaacute se referiu anteriormente

as variaccedilotildees da carga glaciar sobre a litosfera provocadas pelas fases de gelo e degelo

teratildeo desempenhado papel importante na atividade vulcacircnica da ilha

Com um comprimento de cerca de 4970 km a linha de costa da Islacircndia eacute de um modo

geral muito recortada e escarpada marcada por promontoacuterios cabos peniacutensulas fiordes

e enseadas pontilhada de leixotildees por entre os quais se aninham praias de areia negra de

contornos suaves A accedilatildeo do mar sobre as inuacutemeras escoadas de lava que fluiacuteram ateacute agrave

costa ao longo da evoluccedilatildeo geoloacutegica da ilha e ali solidificaram sobre os aparelhos vulcacirc-

nicos implantados na zona litoral e sobre os vales deixados pelo recuo dos glaciares criou

paisagens de uma beleza surreal

FIGURA DA PAacuteGINA ANTERIOR Leixatildeo Hvitserkur noroeste da Islacircndia (fonte pixabay)

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Parte III - Paisagens controladas pelos glaciares e paisagens costeirasVales glaciares e fiordes

Vales glaciares vales suspensos lagos glaciares e cascatas ciacuterculos glaciares moreias

e fiordes satildeo formas carateriacutesticas das paisagens islandesas criadas pelos seus glacia-

res alpinos Os vales glaciares com o seu carateriacutestico perfil em ldquoUrdquo satildeo a forma mais

comum de paisagem originada pela erosatildeo glacial (FIGURA 1) No interior destes vales os

rios concentram o seu poder erosivo na zona mais baixa originando um perfil carateriacutestico

em ldquoVrdquo O poder erosivo dos glaciares eacute muito superior ao dos rios porque a sua energia

potencial resulta natildeo soacute do declive do terreno mas tambeacutem do peso do gelo A erosatildeo faz-

-se essencialmente ao longo das zonas laterais do canal criando um vale com vertentes

alcantiladas e fundo aplanado Vales suspensos satildeo vales escavados por glaciares tributaacute-

rios Como estes glaciares levam menos gelo o seu poder erosivo eacute menor que o do glaciar

principal ficando suspenso nas vertentes do glaciar principal quando o gelo recua Cons-

tituem exemplos notaacuteveis pela sua beleza e dimensatildeo os vales glaciares de Borgarvirki

(FIGURA 2) e de Akureyri (ou Eyjafjoumlrethur) no noroeste da ilha Este uacuteltimo vai desembocar

num fiorde que eacute mais longo da Islacircndia

FIGURA 1 Esquema 3D (sem escala) da evoluccedilatildeo de uma paisagem glaciar com formaccedilatildeo de vales glaciares vales glaciares suspensos ciacuterculos glaciares lagos glaciares e cascatas

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FIGURA 2 Aspeto do vale glaciaacuterio de Borgarvirki observado a partir da fortaleza de Borgarvirki

Se as condiccedilotildees forem favoraacuteveis os glaciares podem erodir abaixo do niacutevel do mar Quan-

do o glaciar recua o oceano invade estas depressotildees criando um fiorde Alguns dos fiordes

islandeses como o de Akureyri e o de Nordfjord (nordeste da ilha) possuem centenas de

metros abaixo do niacutevel do mar O fiorde de Nordfjord abrange parcialmente uma antiga cal-

deira vulcacircnica Nas faleacutesias do seu flanco oriental (falesias de Raudubjoumlrg) afloram rioacutelitos

conferindo agraves arribas uma carateriacutestica cor avermelhada)

Como se referiu anteriormente (Parte I) a orientaccedilatildeo da maioria dos vales glaciares e

fiordes segue de perto a orientaccedilatildeo dos principais lineamentos tectoacutenicos

Moreias

Em termos de aspetos deposicionais relacionados com glaciares as moreias satildeo de lon-

ge os mais abundantes Satildeo acumulaccedilotildees de fragmentos rochosos transportados pelos

glaciares quer na regiatildeo frontal (moreia frontal) lateral (moreia lateral) a meio (moreia

mediana) e no fundo (moreia de fundo)

Durante o uacuteltimo maacuteximo glaciar (haacute cerca de 20 000 anos) a Islacircndia estava quase

toda coberta por glaciares que se estendiam ateacute agrave costa e para aleacutem dela Foram encon-

tradas moreias frontais dessa eacutepoca a cerca de 130 km a offshore da costa ocidental e a

cerca de 150-230 m abaixo do niacutevel de mar atual

Eacute possiacutevel encontrar nos vales glaciares islandeses quer moreias antigas resultantes

da uacuteltima glaciaccedilatildeo quer moreias recentes e atuais Estas uacuteltimas estatildeo relacionadas com

as 4 grandes calotes glaciares existentes como eacute o caso das moreias do glaciar Vatna-

joumlkull que se podem observar em pleno no setor sudeste da ilha

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Lagoas glaciares e icebergues

Outra das paisagens magniacuteficas moldadas pelos glaciares satildeo as lagoas glaciares Estas

lagoas formam-se na extremidade dos glaciares que descem das calotes glaciares Satildeo

alimentadas pelo desgelo natural dos glaciares e nela flutuam pequenos e grandes iceber-

gues que se separam da frente do glaciar (FIGURA 3)

FIGURA 3 Esquema 3D (sem escala) da formaccedilatildeo de icebergues numa lagoa glaciar

O exemplo mais notaacutevel deste tipo de lagoas na Islacircndia eacute a lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten consi-

derada uma das maravilhas naturais do paiacutes Fica situada no sudeste da ilha na extremidade

do glaciar Breiethamerkurjoumlkull uma das liacutengua glaciares da calote de Vatnajoumlkull (FIGURA 4)

FIGURA 4 Icebergues na lagoa glaciar de Joumlkulsaacuterloacuten Ao fundo vecirc-se a frente do glaciar Breiethamerkurjoumlkull As faixas negras nos icebergues satildeo niacuteveis de cinza vulcacircnica

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A lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten eacute o ponto mais baixo da Islacircndia com zonas agrave cota de -200 m Na

baiacutea da lagoa tem-se acesso a uma paisagem de outro mundo com icebergues de dimen-

sotildees variadas que flutuam ateacute ao mar ficando alguns deles encalhados na margem de uma

praia de areia vulcacircnica Alguns icebergues exibem faixas negras correspondentes a niacuteveis

de cinzas vulcacircnicas provenientes de antigas erupccedilotildees (FIGURA 4) Outros exibem duas

tonalidades branco leitoso e azul claro A faixa azul corresponde agrave porccedilatildeo do icebergue

que se tornou recentemente emersa

A lagoa teraacute sido formada em 1934-35 pelo contiacutenuo recuo do glaciar Vatnajoumlkull e teraacute

duplicado de tamanho nos uacuteltimos 15 anos Dada a taxa atual de recuo do glaciar Vatna-

joumlkull um profundo fiorde iraacute desenvolver-se no local onde hoje existe a lagoa

As costas escarpadas

As costas escarpadas e recortadas satildeo sem duacutevida as mais dominantes Ocorrem deste o

oeste ao leste da ilha passando pela regiatildeo norte incisas por numerosos fiordes e peque-

nas enseadas e salpicadas por leixotildees Eacute notaacutevel pela sua forma de dragatildeo e pelas lendas

que o envolvem o leixatildeo de Hvitserkur (IMAGEM DA PAGINA 42) situado na costa leste da

Peniacutensula de Vatnsnes no noroeste da Islacircndia

Os fiordes mais profundos localizam-se na costa norte constituindo bons portos natu-

rais Um destaque especial vai para o fiorde ao longo do qual se estende a cidade de Aku-

reyri (fiorde de Akureyri ou Eyjafjoumlrethur) considerado o mais longo do paiacutes

Praias de areia Negra

As praias de areia negra em geral de reduzida extensatildeo podem ser constituiacutedas por i) de-

poacutesitos resultantes da abrasatildeo das arribas ii) moreias e depoacutesitos fluviais resultantes dos

rios glaciares com contornos suaves e lagoas glaciares protegidas por extensas barras

arenosas iii) depoacutesitos de tefra provenientes de erupccedilotildees freaacuteticas

As do primeiro tipo ocorrem um pouco por toda a linha de costa como resultado da accedilatildeo

do mar sobre as arribas As do segundo tipo ocorrem dominantemente entre Djuacutepivogur a

sudeste e Oumllfusaacute a sudoeste com destaque para a praia de Reynisfjara na costa sul As

da terceira categoria podem ser observadas na ilha de Heimaey arquipeacutelago de Vestman-

naeyja regiatildeo sul da Islacircndia

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018048

IMA

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Eu crio as minhas obras de arte de peque-

nos pedaccedilos de papel com espirais que co-

nectam e ligam os elementos a uma grande

estrutura Na obra de origami acabada a

que chamo Voltinhas estas espirais vivem

e trabalham Forccedilas de tensatildeo e fricccedilatildeo

contrapotildeem-se agrave gravidade e mantecircm a

forma estaacutevel Nas minhas criaccedilotildees procu-

ro estar perto da natureza Quando criamos

ou estudamos modelos de papel na macro

escala podemos entender melhor as for-

mas criadas pela natureza na micro escala

A minha obra de origami na capa o trabalho

intitulado ldquoInverno num parque de Lisboardquo e

o capsiacutedeo do viacuterus Canine parvovirus um viacute-

rus contagioso que ataca sobretudo os catildees

e outros caniacutedeos tecircm a mesma estrutura

geomeacutetrica do pequeno rombicosidodecae-

dro um poliedro com simetria icosaeacutedrica

Essa obra invoca simbolicamente o Ano

da Biologia Matemaacutetica 2018 O origami eacute

uma arte de dobragem do papel com uma

forte componente geomeacutetrica que permite

a construccedilatildeo de formas complexas e tem

atraiacutedo o interesse de matemaacuteticos pelas

suas propriedades geomeacutetricas e algeacutebricas

Krystyna Burczyk

Os viacuterus satildeo responsaacuteveis por inuacutemeras

doenccedilas no homem nos animais e nas plan-

tas e as curas e prevenccedilotildees satildeo ainda mui-

tas vezes problemaacuteticas Desenvolvimen-

tos recentes das aplicaccedilotildees da matemaacutetica

agrave virologia nomeadamente das teorias de

grupos de grafos de tesselaccedilatildeo ou de re-

ticulados mostraram por exemplo que as

restriccedilotildees estruturais agraves formas dos viacuterus

satildeo maiores do que antes se pensava e

permitiram a construccedilatildeo de novos modelos

para o desenvolvimento de terapias anti-

-virais Os capsiacutedeos virais que envolvem

os genomas dos viacuterus por razotildees de eco-

nomia geneacutetica tem muitas vezes uma si-

metria icosaeacutedrica Ora esta simetria natildeo eacute

cristalograacutefica em trecircs dimensotildees ie natildeo

eacute compatiacutevel com reticulados perioacutedicos

o que motivou os matemaacuteticos a desen-

volverem novas estruturas no contexto de

grupos de Coxeter natildeo-cristalograacuteficos que

encontraram aplicaccedilatildeo natildeo soacute na virologia

mas tambeacutem noutras estruturas molecula-

res da quiacutemica do carbono

Joseacute Francisco RodriguesUniversidade de Lisboa

Origami e Viacuterusin imagemcasadascienciasorg

Imagem de Canine Parvovirus gerada em VMD Autor Alexandre Lopes Magalhatildees

Page 37: JUNHO 2018 V6 /02 · 2018-09-26 · Matilde Viegas, Maria João Ramos, Pedro Alexandrino Fernandes Stephen Hawking e a sua contribuição para a física teórica Orfeu Bertolami,

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Os conhecimentos diretos de que hoje dispomos relativos agraves rochas da Terra limitam-se

aos que se obtecircm pelo estudo das que afloram agrave superfiacutecie das recolhidas em dragagens

nos fundos marinhos e das retiradas da profundidade quer em minas quer atraveacutes de son-

dagens Esta profundidade que natildeo excede 3 km no primeiro caso e 11 km no segundo

(na peniacutensula de Kola) pode considerar-se insuficiente se comparada com as trecircs a quatro

dezenas de quiloacutemetros de espessura meacutedia da crosta continental

Eacute jaacute muito o conhecimento que temos desta capa (a crosta ou crusta como alguns dizem e

escrevem) mais superficial do nosso planeta Temo-lo atraveacutes das rochas que constantemente

vemos e pisamos muitas delas geradas em zonas profundas trazidas agrave superfiacutecie pelos en-

rugamentos de origem tectoacutenica geradores das montanhas e subsequentemente postas a

descoberto pela erosatildeo

Outras rochas proacuteprias de muito maiores profundidades inclusive do manto inferior como eacute

o caso dos xenocristais e dos xenoacutelitos (do grego xenos estranho e lithos pedra) isto eacute cris-

tais e fragmentos de materiais liacuteticos gerados nessas regiotildees e que ascendem agrave superfiacutecie na

sequecircncia de atividade vulcacircnica englobados ou encravados nos produtos magmaacuteticos que ali

se formaram ou por ali passaram Na ilha da Madeira por exemplo satildeo frequentes os xenoacutelitos

oliviacutenicos que ascenderam ateacute agrave superfiacutecie no seio das lavas envolvidas no processo vulcacircnico

que originou esta e muitas outras ilhas

As rochas a que temos acesso mais ou menos direto representam uma parcela importante

da diferenciaccedilatildeo da Terra e agrave semelhanccedila da aacutegua do ar e dos seres vivos satildeo o resultado de

imensas transformaccedilotildees numa vasta e complexa rede de inter-relaccedilotildees ocorridas ao longo

dos tempos neste laquoplaneta vivoraquo pleno ainda de energia interna (sob a forma de calor) a que

se adiciona toda a que lhe chega do exterior isto eacute a radiaccedilatildeo solar Como escreveu Maurice

Mattauer ldquoas pedras nascem vivem e morrem como noacutes elas tecircm uma idade e uma histoacuteriardquo

Petrologia e litologia satildeo duas disciplinas que estudam as rochas ou as pedras Se bem que

os eacutetimos petra (latim) e lithos (grego) sejam sinoacutenimos petrologia e litologia encerram con-

ceitos diferentes ainda que relacionados entre si

bull A petrologia eacute um ramo da geologia com dimensatildeo de ciecircncia de vastos recursos nos campos

da fiacutesica da quiacutemica e naturalmente tambeacutem da matemaacutetica em busca do conhecimento da

origem natureza constituiccedilatildeo e evoluccedilatildeo da Terra no acircmbito do Sistema Solar e do Universo

bull A litologia outro ramo da geologia eacute habitualmente entendida como a disciplina que estuda

as rochas num campo praacutetico Serve a geologia de engenharia tendo em vista a implantaccedilatildeo

de grandes edifiacutecios e outras obras volumosas cujas fundaccedilotildees exigem o conhecimento dos

terrenos A litologia daacute igualmente respostas agrave pedologia (o estudo dos solos) e agrave induacutestria

extrativa de rochas ornamentais usadas na arquitetura na cantaria ou na estatuaacuteria e de

rochas industriais exploradas como importantes mateacuterias-primas para a construccedilatildeo civil a

ceracircmica o vidro o cimento a cal e a induacutestria quiacutemica

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Software educativo em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Ana C Conceiccedilatildeo

DMUniversidade do Algarve

O conceito F-Tool foi desenvolvido em 2012 com o objetivo de proporcionar uma

aprendizagem interativa em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Em particular eacute possiacutevel

explorar de forma integrada as noccedilotildees de domiacutenio contradomiacutenio existecircncia de zeros

existecircncia de extremos e de pontos de inflexatildeo invertibilidade derivabilidade reta

tangente ao graacutefico num ponto simetrias em relaccedilatildeo aos eixos e agrave origem A utilizaccedilatildeo

dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adaptaccedilatildeo de

alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e

do simples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular)

No ensino da matemaacutetica e em particular no estudo de funccedilotildees a recomendaccedilatildeo da utiliza-

ccedilatildeo de software educacional tem como objetivo o sanar das dificuldades que os alunos pos-

suem em associar as representaccedilotildees algeacutebricas com as diversas representaccedilotildees numeacutericas

eou graacuteficas De facto o caraacuteter estaacutetico das representaccedilotildees matemaacuteticas muitas vezes

dificulta a construccedilatildeo do significado afetando substancialmente a correta interpretaccedilatildeo dos

conceitos A criaccedilatildeo de modelos interativos visuais com o sistema de aacutelgebra computacional

Mathematica permite aos alunos explorar conceitos de elevada complexidade e rapidamen-

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te adquirir uma compreensatildeo mais profunda dos conteuacutedos Obviamente a utilizaccedilatildeo de sof-

tware educacional natildeo deve ser vista como um substituto para o ensino com ldquopapel e laacutepisrdquo

deve ser devidamente combinada com outros meacutetodos de ensino

O conceito F-Tool foi desenvolvido em 2012 com o objetivo de proporcionar uma apren-

dizagem interativa em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Os aplicativos computacionais

implementados com base neste conceito utilizam as capacidades de caacutelculo numeacuterico e

simboacutelico do Mathematica de forma a permitir estudar dinacircmica e interativamente e em

tempo real conceitos e propriedades fundamentais do preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial

FIGURA 1 Imagem ilustrativa da F-Exponential

O conceito F-Tool em sala de aula permite uma abordagem dinacircmica de diversos concei-

tos relacionados com o estudo de funccedilotildees e promove novas formas de raciocinarpensar

avaliar ensinar e aprender As F-Tool foram concebidas como ferramentas de aprendiza-

gem ativa ou seja a sua utilizaccedilatildeo adequada propicia um contexto de ensino-aprendiza-

gem onde alunos e professores satildeo igualmente convidados a contribuir Aleacutem disso tecircm

uma interface muito intuitiva que permite que ateacute mesmo o utilizador mais inexperiente

sem qualquer conhecimento anterior em software educacional possa comeccedilar a usar to-

dos os recursos de uma forma eficiente e autoacutenoma As F-Tool natildeo satildeo um objeto estaacutetico

mas sim um programa a ser executado com o qual se interage em tempo real Em parti-

cular atraveacutes da alteraccedilatildeo dinacircmica dos valores dos paracircmetros que definem cada classe

eacute possiacutevel obter informaccedilatildeo analiacutetica rigorosa apresentada em aritmeacutetica exata ou apro-

ximada bem como informaccedilatildeo visual estaacutetica e natildeo-estaacutetica De igual modo escolhendo

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estrategicamente de entre as vaacuterias opccedilotildees de funccedilotildees disponiacuteveis no painel esquerdo eacute

possiacutevel apreender de forma mais eficaz e consequente muitas das relaccedilotildees existentes

entre as vaacuterias funccedilotildees e respetivas transformaccedilotildees (FIGURA 1) As F-Tool utilizam um

coacutedigo de cores para diferenciar as vaacuterias funccedilotildees apresentadas Este coacutedigo eacute explicitado

na legenda do canto inferior esquerdo do painel central

Qual das figuras pode representar o graacutefico de uma funccedilatildeo e o graacutefico da sua derivada de 1ordf ordem

FIGURA 2 Exemplo de questatildeo de escolha muacuteltipla utilizando diversas opccedilotildees do painel esquerdo das F-Tool

Apesar de ser um software educacional dinacircmico e interativo pode tambeacutem ser utilizado

na construccedilatildeo de questotildees de avaliaccedilatildeo de escolha muacuteltipla (FIGURA 2) e de resposta aberta

ficando o docente automaticamente com a resposta ao selecionar no painel esquerdo as

opccedilotildees relacionadas com a questatildeo

A utilizaccedilatildeo dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adapta-

ccedilatildeo de alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e do sim-

ples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular) De facto

incluindo as F-Tool em ficheiros no Computable Document Format (CDF) eacute possiacutevel criar

fichas de trabalho dinacircmicas e interativas motivando os alunos e tornando o estudo mais

interessante

Acreditamos que o conceito F-Tool ao dotar professores e estudantes com novas fer-

ramentas para explorar alguns conceitos fundamentais da matemaacutetica desenvolveraacute po-

sitivamente o processo de ensino e de aprendizagem das aacutereas de preacute-caacutelculo e caacutelculo

diferencial

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O Aroma das Plantas Luiacutes Gaspar Pedro

Ana Cristina Figueiredo

Joseacute Gonccedilalves Barroso

CESAM CBV Universidade de Lisboa

Quando nos festejos dos Santos Populares colocamos a matildeo sobre o manjerico

provocamos a rutura de estruturas microscoacutepicas Ao fazecirc-lo libertam-se compostos

quiacutemicos que aderem agrave palma da nossa matildeo que depois percecionamos pelo nosso

olfacto Os aromas satildeo misturas complexas de dezenas de compostos volaacuteteis

carateriacutesticos de uma determinada planta

O aroma o que eacute

O aroma de muitas plantas eacute constituiacutedo por diversos compostos quiacutemicos volaacuteteis que

tecircm a capacidade de estimular os nossos recetores olfactivos A quantidade e a diver-

sidade deste tipo de compostos presentes nas plantas satildeo responsaacuteveis pelos aromas

carateriacutesticos Eacute relativamente faacutecil reconhecer o aroma dos coentros ou do manjerico e

distingui-los de outros aromas como o da rosa ou do cravinho

Na composiccedilatildeo da fraccedilatildeo volaacutetil de uma planta aromaacutetica encontram-se regra geral

compostos como os mono- e sesquiterpenos e os fenilpropanoacuteides (FIGURA 1) entre ou-

tros Satildeo todos eles compostos quiacutemicos com ponto de ebuliccedilatildeo relativamente baixo que

volatilizam agrave temperatura ambiente e contribuem de forma mais ou menos notoacuteria para o

aroma carateriacutestico de cada espeacutecie

FIGURA 1 Exemplos de compostos que constituem a fraccedilatildeo volaacutetil de diversas espeacutecies aromaacuteticas monoterpenos (α-pineno timol) sesquiterpenos (β-cariofileno germacreno D) e fenilpropanoacuteides (eugenol)

α-Pineno Timol β-Cariofileno Germacreno D Eugenol

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Estruturas secretoras

Os compostos que constituem a fraccedilatildeo aromaacutetica de uma planta satildeo regra geral sinteti-

zados e acumulados em estruturas secretoras microscoacutepicas Entre os diversos tipos de

estruturas secretoras as mais frequentes satildeo os tricomas os canais e as bolsas (FIGURA 2)

FIGURA 2 Exemplos de estruturas secretoras observadas em microscopia oacuteptica A - Tricoma de Geranium robertianum (s - secretado acumulado no espaccedilo sub-cuticular coloraccedilatildeo com reagente de Nadi) B - canal secretor de Crithmum maritimum (setas coloraccedilatildeo com tricloreto de antimoacutenio) e C - bolsa secretora de Citrus sp (coloraccedilatildeo com Vermelho Sudatildeo III)

Os tricomas glandulares satildeo estruturas externas com origem em ceacutelulas epideacutermicas

que apresentam diversos graus de complexidade desde tricomas com apenas trecircs ceacutelulas

uma das quais a secretora ateacute tricomas com mais de uma dezena de ceacutelulas secretoras

As bolsas e os canais secretores satildeo estruturas internas constituiacutedas por ceacutelulas glandu-

lares que delimitam o luacutemen o espaccedilo para onde satildeo secretados os compostos depois de

produzidos nas ceacutelulas secretoras Os canais satildeo estruturas alongadas que percorrem o

corpo da planta por vezes com ramificaccedilotildees enquanto as bolsas satildeo estruturas mais ou

menos isodiameacutetricas

Os oacuteleos essenciais

Um oacuteleo essencial eacute obtido por hidrodestilaccedilatildeo ou por destilaccedilatildeo por arrastamento de va-

por (FIGURA 3) No caso particular dos citrinos o oacuteleo essencial pode ainda ser obtido

por expressatildeo (processo mecacircnico que promove a libertaccedilatildeo do secretado acumulado no

interior das estruturas secretoras neste caso bolsas)

Tanto na hidrodestilaccedilatildeo como na destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor o secretado eacute

removido das estruturas secretoras e arrastado pelo vapor de aacutegua Depois de condensar

por arrefecimento o oacuteleo essencial separa-se da aacutegua podendo ser facilmente recolhido

devido agrave sua imiscibilidade com a aacutegua

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41FIGURA 3 A - Sistema de hidrodestilaccedilatildeo com aparelho de Clevenger e B - sistema de destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor

Anaacutelise de oacuteleos essenciais

Para analisar um oacuteleo essencial recorre-se frequentemente agrave cromatografia gasosa (CG)

para quantificaccedilatildeo dos componentes e agrave CG acoplada agrave espectrometria de massa (CG-

-EM) para a correspondente identificaccedilatildeo dos constituintes Por CG-EM os diversos com-

ponentes que constituem o oacuteleo essencial satildeo separados uns dos outros e ao chegarem ao

espectroacutemetro de massa satildeo bombardeados por eletrotildees o que leva a que as moleacuteculas

fragmentem formando-se diferentes iotildees de acordo com padrotildees preferenciais O con-

junto dos fragmentosiotildees constituem o espectro de massa que eacute carateriacutestico de cada

moleacutecula A integraccedilatildeo das aacutereas dos picos que surgem no cromatograma obtido por CG

(FIGURA 4A) permite a quantificaccedilatildeo relativa dos diversos componentes do oacuteleo essencial

A anaacutelise por CG-EM possibilita a identificaccedilatildeo desses compostos por comparaccedilatildeo dos

espectros de massa (FIGURA 4B) e dos iacutendices de retenccedilatildeo com os de amostras padratildeo

FIGURA 4 A - Aspeto parcial de um cromatograma obtido por CG carateriacutestico de um oacuteleo essencial com alguns dos ldquopicosrdquo identificados B - espectro de massa obtido por CG-EM de um dos componentes maioritaacuterios o timol

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Paisagens da Islacircndia Formase Processos (III)Fernando Carlos LopesCITEUC Universidade de Coimbra

A Islacircndia eacute famosa natildeo soacute pelos seus vulcotildees mas tambeacutem pelos seus glaciares e pela

sua sinuosa e escarpada linha de costa

Atualmente os glaciares cobrem cerca de 10 da superfiacutecie islandesa e 60 destas

aacutereas geladas assentam sobre sistemas vulcacircnicos ativos Esta combinaccedilatildeo de gelo e vul-

canismo torna a Islacircndia o local ideal para cheias repentinas (joumlkulhlaups) resultantes de

aacutegua que escorre por baixo dos glaciares devido agrave fusatildeo provocada pelas erupccedilotildees subgla-

ciares Atualmente existem 4 grandes calotes glaciares localizadas nas regiotildees elevadas

e vulcanicamente ativas do centro e sul da ilha a partir das quais divergem numerosas liacuten-

guas glaciarias Vatnajoumlkull (8100 km2) situado no centro leste Langjoumlkull (925 km2) si-

tuado no centro oeste Hofsjoumlkull (925 km2) situado na zona central da ilha Myrdalsjoumlkull

(600 km2) situado no sul da ilha Apesar da Islacircndia ter cerca de 24 Ma a sua paisagem soacute

foi moldada por glaciares nos uacuteltimos 5 milhotildees de anos Os seus glaciares de tipo alpino

(ou de montanha) avanccedilaram e recuaram condicionados pelas variaccedilotildees regionais e locais

do clima de que resultaram espetaculares morfologias Como jaacute se referiu anteriormente

as variaccedilotildees da carga glaciar sobre a litosfera provocadas pelas fases de gelo e degelo

teratildeo desempenhado papel importante na atividade vulcacircnica da ilha

Com um comprimento de cerca de 4970 km a linha de costa da Islacircndia eacute de um modo

geral muito recortada e escarpada marcada por promontoacuterios cabos peniacutensulas fiordes

e enseadas pontilhada de leixotildees por entre os quais se aninham praias de areia negra de

contornos suaves A accedilatildeo do mar sobre as inuacutemeras escoadas de lava que fluiacuteram ateacute agrave

costa ao longo da evoluccedilatildeo geoloacutegica da ilha e ali solidificaram sobre os aparelhos vulcacirc-

nicos implantados na zona litoral e sobre os vales deixados pelo recuo dos glaciares criou

paisagens de uma beleza surreal

FIGURA DA PAacuteGINA ANTERIOR Leixatildeo Hvitserkur noroeste da Islacircndia (fonte pixabay)

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Parte III - Paisagens controladas pelos glaciares e paisagens costeirasVales glaciares e fiordes

Vales glaciares vales suspensos lagos glaciares e cascatas ciacuterculos glaciares moreias

e fiordes satildeo formas carateriacutesticas das paisagens islandesas criadas pelos seus glacia-

res alpinos Os vales glaciares com o seu carateriacutestico perfil em ldquoUrdquo satildeo a forma mais

comum de paisagem originada pela erosatildeo glacial (FIGURA 1) No interior destes vales os

rios concentram o seu poder erosivo na zona mais baixa originando um perfil carateriacutestico

em ldquoVrdquo O poder erosivo dos glaciares eacute muito superior ao dos rios porque a sua energia

potencial resulta natildeo soacute do declive do terreno mas tambeacutem do peso do gelo A erosatildeo faz-

-se essencialmente ao longo das zonas laterais do canal criando um vale com vertentes

alcantiladas e fundo aplanado Vales suspensos satildeo vales escavados por glaciares tributaacute-

rios Como estes glaciares levam menos gelo o seu poder erosivo eacute menor que o do glaciar

principal ficando suspenso nas vertentes do glaciar principal quando o gelo recua Cons-

tituem exemplos notaacuteveis pela sua beleza e dimensatildeo os vales glaciares de Borgarvirki

(FIGURA 2) e de Akureyri (ou Eyjafjoumlrethur) no noroeste da ilha Este uacuteltimo vai desembocar

num fiorde que eacute mais longo da Islacircndia

FIGURA 1 Esquema 3D (sem escala) da evoluccedilatildeo de uma paisagem glaciar com formaccedilatildeo de vales glaciares vales glaciares suspensos ciacuterculos glaciares lagos glaciares e cascatas

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FIGURA 2 Aspeto do vale glaciaacuterio de Borgarvirki observado a partir da fortaleza de Borgarvirki

Se as condiccedilotildees forem favoraacuteveis os glaciares podem erodir abaixo do niacutevel do mar Quan-

do o glaciar recua o oceano invade estas depressotildees criando um fiorde Alguns dos fiordes

islandeses como o de Akureyri e o de Nordfjord (nordeste da ilha) possuem centenas de

metros abaixo do niacutevel do mar O fiorde de Nordfjord abrange parcialmente uma antiga cal-

deira vulcacircnica Nas faleacutesias do seu flanco oriental (falesias de Raudubjoumlrg) afloram rioacutelitos

conferindo agraves arribas uma carateriacutestica cor avermelhada)

Como se referiu anteriormente (Parte I) a orientaccedilatildeo da maioria dos vales glaciares e

fiordes segue de perto a orientaccedilatildeo dos principais lineamentos tectoacutenicos

Moreias

Em termos de aspetos deposicionais relacionados com glaciares as moreias satildeo de lon-

ge os mais abundantes Satildeo acumulaccedilotildees de fragmentos rochosos transportados pelos

glaciares quer na regiatildeo frontal (moreia frontal) lateral (moreia lateral) a meio (moreia

mediana) e no fundo (moreia de fundo)

Durante o uacuteltimo maacuteximo glaciar (haacute cerca de 20 000 anos) a Islacircndia estava quase

toda coberta por glaciares que se estendiam ateacute agrave costa e para aleacutem dela Foram encon-

tradas moreias frontais dessa eacutepoca a cerca de 130 km a offshore da costa ocidental e a

cerca de 150-230 m abaixo do niacutevel de mar atual

Eacute possiacutevel encontrar nos vales glaciares islandeses quer moreias antigas resultantes

da uacuteltima glaciaccedilatildeo quer moreias recentes e atuais Estas uacuteltimas estatildeo relacionadas com

as 4 grandes calotes glaciares existentes como eacute o caso das moreias do glaciar Vatna-

joumlkull que se podem observar em pleno no setor sudeste da ilha

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Lagoas glaciares e icebergues

Outra das paisagens magniacuteficas moldadas pelos glaciares satildeo as lagoas glaciares Estas

lagoas formam-se na extremidade dos glaciares que descem das calotes glaciares Satildeo

alimentadas pelo desgelo natural dos glaciares e nela flutuam pequenos e grandes iceber-

gues que se separam da frente do glaciar (FIGURA 3)

FIGURA 3 Esquema 3D (sem escala) da formaccedilatildeo de icebergues numa lagoa glaciar

O exemplo mais notaacutevel deste tipo de lagoas na Islacircndia eacute a lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten consi-

derada uma das maravilhas naturais do paiacutes Fica situada no sudeste da ilha na extremidade

do glaciar Breiethamerkurjoumlkull uma das liacutengua glaciares da calote de Vatnajoumlkull (FIGURA 4)

FIGURA 4 Icebergues na lagoa glaciar de Joumlkulsaacuterloacuten Ao fundo vecirc-se a frente do glaciar Breiethamerkurjoumlkull As faixas negras nos icebergues satildeo niacuteveis de cinza vulcacircnica

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A lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten eacute o ponto mais baixo da Islacircndia com zonas agrave cota de -200 m Na

baiacutea da lagoa tem-se acesso a uma paisagem de outro mundo com icebergues de dimen-

sotildees variadas que flutuam ateacute ao mar ficando alguns deles encalhados na margem de uma

praia de areia vulcacircnica Alguns icebergues exibem faixas negras correspondentes a niacuteveis

de cinzas vulcacircnicas provenientes de antigas erupccedilotildees (FIGURA 4) Outros exibem duas

tonalidades branco leitoso e azul claro A faixa azul corresponde agrave porccedilatildeo do icebergue

que se tornou recentemente emersa

A lagoa teraacute sido formada em 1934-35 pelo contiacutenuo recuo do glaciar Vatnajoumlkull e teraacute

duplicado de tamanho nos uacuteltimos 15 anos Dada a taxa atual de recuo do glaciar Vatna-

joumlkull um profundo fiorde iraacute desenvolver-se no local onde hoje existe a lagoa

As costas escarpadas

As costas escarpadas e recortadas satildeo sem duacutevida as mais dominantes Ocorrem deste o

oeste ao leste da ilha passando pela regiatildeo norte incisas por numerosos fiordes e peque-

nas enseadas e salpicadas por leixotildees Eacute notaacutevel pela sua forma de dragatildeo e pelas lendas

que o envolvem o leixatildeo de Hvitserkur (IMAGEM DA PAGINA 42) situado na costa leste da

Peniacutensula de Vatnsnes no noroeste da Islacircndia

Os fiordes mais profundos localizam-se na costa norte constituindo bons portos natu-

rais Um destaque especial vai para o fiorde ao longo do qual se estende a cidade de Aku-

reyri (fiorde de Akureyri ou Eyjafjoumlrethur) considerado o mais longo do paiacutes

Praias de areia Negra

As praias de areia negra em geral de reduzida extensatildeo podem ser constituiacutedas por i) de-

poacutesitos resultantes da abrasatildeo das arribas ii) moreias e depoacutesitos fluviais resultantes dos

rios glaciares com contornos suaves e lagoas glaciares protegidas por extensas barras

arenosas iii) depoacutesitos de tefra provenientes de erupccedilotildees freaacuteticas

As do primeiro tipo ocorrem um pouco por toda a linha de costa como resultado da accedilatildeo

do mar sobre as arribas As do segundo tipo ocorrem dominantemente entre Djuacutepivogur a

sudeste e Oumllfusaacute a sudoeste com destaque para a praia de Reynisfjara na costa sul As

da terceira categoria podem ser observadas na ilha de Heimaey arquipeacutelago de Vestman-

naeyja regiatildeo sul da Islacircndia

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018048

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Eu crio as minhas obras de arte de peque-

nos pedaccedilos de papel com espirais que co-

nectam e ligam os elementos a uma grande

estrutura Na obra de origami acabada a

que chamo Voltinhas estas espirais vivem

e trabalham Forccedilas de tensatildeo e fricccedilatildeo

contrapotildeem-se agrave gravidade e mantecircm a

forma estaacutevel Nas minhas criaccedilotildees procu-

ro estar perto da natureza Quando criamos

ou estudamos modelos de papel na macro

escala podemos entender melhor as for-

mas criadas pela natureza na micro escala

A minha obra de origami na capa o trabalho

intitulado ldquoInverno num parque de Lisboardquo e

o capsiacutedeo do viacuterus Canine parvovirus um viacute-

rus contagioso que ataca sobretudo os catildees

e outros caniacutedeos tecircm a mesma estrutura

geomeacutetrica do pequeno rombicosidodecae-

dro um poliedro com simetria icosaeacutedrica

Essa obra invoca simbolicamente o Ano

da Biologia Matemaacutetica 2018 O origami eacute

uma arte de dobragem do papel com uma

forte componente geomeacutetrica que permite

a construccedilatildeo de formas complexas e tem

atraiacutedo o interesse de matemaacuteticos pelas

suas propriedades geomeacutetricas e algeacutebricas

Krystyna Burczyk

Os viacuterus satildeo responsaacuteveis por inuacutemeras

doenccedilas no homem nos animais e nas plan-

tas e as curas e prevenccedilotildees satildeo ainda mui-

tas vezes problemaacuteticas Desenvolvimen-

tos recentes das aplicaccedilotildees da matemaacutetica

agrave virologia nomeadamente das teorias de

grupos de grafos de tesselaccedilatildeo ou de re-

ticulados mostraram por exemplo que as

restriccedilotildees estruturais agraves formas dos viacuterus

satildeo maiores do que antes se pensava e

permitiram a construccedilatildeo de novos modelos

para o desenvolvimento de terapias anti-

-virais Os capsiacutedeos virais que envolvem

os genomas dos viacuterus por razotildees de eco-

nomia geneacutetica tem muitas vezes uma si-

metria icosaeacutedrica Ora esta simetria natildeo eacute

cristalograacutefica em trecircs dimensotildees ie natildeo

eacute compatiacutevel com reticulados perioacutedicos

o que motivou os matemaacuteticos a desen-

volverem novas estruturas no contexto de

grupos de Coxeter natildeo-cristalograacuteficos que

encontraram aplicaccedilatildeo natildeo soacute na virologia

mas tambeacutem noutras estruturas molecula-

res da quiacutemica do carbono

Joseacute Francisco RodriguesUniversidade de Lisboa

Origami e Viacuterusin imagemcasadascienciasorg

Imagem de Canine Parvovirus gerada em VMD Autor Alexandre Lopes Magalhatildees

Page 38: JUNHO 2018 V6 /02 · 2018-09-26 · Matilde Viegas, Maria João Ramos, Pedro Alexandrino Fernandes Stephen Hawking e a sua contribuição para a física teórica Orfeu Bertolami,

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Software educativo em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Ana C Conceiccedilatildeo

DMUniversidade do Algarve

O conceito F-Tool foi desenvolvido em 2012 com o objetivo de proporcionar uma

aprendizagem interativa em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Em particular eacute possiacutevel

explorar de forma integrada as noccedilotildees de domiacutenio contradomiacutenio existecircncia de zeros

existecircncia de extremos e de pontos de inflexatildeo invertibilidade derivabilidade reta

tangente ao graacutefico num ponto simetrias em relaccedilatildeo aos eixos e agrave origem A utilizaccedilatildeo

dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adaptaccedilatildeo de

alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e

do simples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular)

No ensino da matemaacutetica e em particular no estudo de funccedilotildees a recomendaccedilatildeo da utiliza-

ccedilatildeo de software educacional tem como objetivo o sanar das dificuldades que os alunos pos-

suem em associar as representaccedilotildees algeacutebricas com as diversas representaccedilotildees numeacutericas

eou graacuteficas De facto o caraacuteter estaacutetico das representaccedilotildees matemaacuteticas muitas vezes

dificulta a construccedilatildeo do significado afetando substancialmente a correta interpretaccedilatildeo dos

conceitos A criaccedilatildeo de modelos interativos visuais com o sistema de aacutelgebra computacional

Mathematica permite aos alunos explorar conceitos de elevada complexidade e rapidamen-

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te adquirir uma compreensatildeo mais profunda dos conteuacutedos Obviamente a utilizaccedilatildeo de sof-

tware educacional natildeo deve ser vista como um substituto para o ensino com ldquopapel e laacutepisrdquo

deve ser devidamente combinada com outros meacutetodos de ensino

O conceito F-Tool foi desenvolvido em 2012 com o objetivo de proporcionar uma apren-

dizagem interativa em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Os aplicativos computacionais

implementados com base neste conceito utilizam as capacidades de caacutelculo numeacuterico e

simboacutelico do Mathematica de forma a permitir estudar dinacircmica e interativamente e em

tempo real conceitos e propriedades fundamentais do preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial

FIGURA 1 Imagem ilustrativa da F-Exponential

O conceito F-Tool em sala de aula permite uma abordagem dinacircmica de diversos concei-

tos relacionados com o estudo de funccedilotildees e promove novas formas de raciocinarpensar

avaliar ensinar e aprender As F-Tool foram concebidas como ferramentas de aprendiza-

gem ativa ou seja a sua utilizaccedilatildeo adequada propicia um contexto de ensino-aprendiza-

gem onde alunos e professores satildeo igualmente convidados a contribuir Aleacutem disso tecircm

uma interface muito intuitiva que permite que ateacute mesmo o utilizador mais inexperiente

sem qualquer conhecimento anterior em software educacional possa comeccedilar a usar to-

dos os recursos de uma forma eficiente e autoacutenoma As F-Tool natildeo satildeo um objeto estaacutetico

mas sim um programa a ser executado com o qual se interage em tempo real Em parti-

cular atraveacutes da alteraccedilatildeo dinacircmica dos valores dos paracircmetros que definem cada classe

eacute possiacutevel obter informaccedilatildeo analiacutetica rigorosa apresentada em aritmeacutetica exata ou apro-

ximada bem como informaccedilatildeo visual estaacutetica e natildeo-estaacutetica De igual modo escolhendo

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estrategicamente de entre as vaacuterias opccedilotildees de funccedilotildees disponiacuteveis no painel esquerdo eacute

possiacutevel apreender de forma mais eficaz e consequente muitas das relaccedilotildees existentes

entre as vaacuterias funccedilotildees e respetivas transformaccedilotildees (FIGURA 1) As F-Tool utilizam um

coacutedigo de cores para diferenciar as vaacuterias funccedilotildees apresentadas Este coacutedigo eacute explicitado

na legenda do canto inferior esquerdo do painel central

Qual das figuras pode representar o graacutefico de uma funccedilatildeo e o graacutefico da sua derivada de 1ordf ordem

FIGURA 2 Exemplo de questatildeo de escolha muacuteltipla utilizando diversas opccedilotildees do painel esquerdo das F-Tool

Apesar de ser um software educacional dinacircmico e interativo pode tambeacutem ser utilizado

na construccedilatildeo de questotildees de avaliaccedilatildeo de escolha muacuteltipla (FIGURA 2) e de resposta aberta

ficando o docente automaticamente com a resposta ao selecionar no painel esquerdo as

opccedilotildees relacionadas com a questatildeo

A utilizaccedilatildeo dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adapta-

ccedilatildeo de alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e do sim-

ples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular) De facto

incluindo as F-Tool em ficheiros no Computable Document Format (CDF) eacute possiacutevel criar

fichas de trabalho dinacircmicas e interativas motivando os alunos e tornando o estudo mais

interessante

Acreditamos que o conceito F-Tool ao dotar professores e estudantes com novas fer-

ramentas para explorar alguns conceitos fundamentais da matemaacutetica desenvolveraacute po-

sitivamente o processo de ensino e de aprendizagem das aacutereas de preacute-caacutelculo e caacutelculo

diferencial

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018046

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O Aroma das Plantas Luiacutes Gaspar Pedro

Ana Cristina Figueiredo

Joseacute Gonccedilalves Barroso

CESAM CBV Universidade de Lisboa

Quando nos festejos dos Santos Populares colocamos a matildeo sobre o manjerico

provocamos a rutura de estruturas microscoacutepicas Ao fazecirc-lo libertam-se compostos

quiacutemicos que aderem agrave palma da nossa matildeo que depois percecionamos pelo nosso

olfacto Os aromas satildeo misturas complexas de dezenas de compostos volaacuteteis

carateriacutesticos de uma determinada planta

O aroma o que eacute

O aroma de muitas plantas eacute constituiacutedo por diversos compostos quiacutemicos volaacuteteis que

tecircm a capacidade de estimular os nossos recetores olfactivos A quantidade e a diver-

sidade deste tipo de compostos presentes nas plantas satildeo responsaacuteveis pelos aromas

carateriacutesticos Eacute relativamente faacutecil reconhecer o aroma dos coentros ou do manjerico e

distingui-los de outros aromas como o da rosa ou do cravinho

Na composiccedilatildeo da fraccedilatildeo volaacutetil de uma planta aromaacutetica encontram-se regra geral

compostos como os mono- e sesquiterpenos e os fenilpropanoacuteides (FIGURA 1) entre ou-

tros Satildeo todos eles compostos quiacutemicos com ponto de ebuliccedilatildeo relativamente baixo que

volatilizam agrave temperatura ambiente e contribuem de forma mais ou menos notoacuteria para o

aroma carateriacutestico de cada espeacutecie

FIGURA 1 Exemplos de compostos que constituem a fraccedilatildeo volaacutetil de diversas espeacutecies aromaacuteticas monoterpenos (α-pineno timol) sesquiterpenos (β-cariofileno germacreno D) e fenilpropanoacuteides (eugenol)

α-Pineno Timol β-Cariofileno Germacreno D Eugenol

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Estruturas secretoras

Os compostos que constituem a fraccedilatildeo aromaacutetica de uma planta satildeo regra geral sinteti-

zados e acumulados em estruturas secretoras microscoacutepicas Entre os diversos tipos de

estruturas secretoras as mais frequentes satildeo os tricomas os canais e as bolsas (FIGURA 2)

FIGURA 2 Exemplos de estruturas secretoras observadas em microscopia oacuteptica A - Tricoma de Geranium robertianum (s - secretado acumulado no espaccedilo sub-cuticular coloraccedilatildeo com reagente de Nadi) B - canal secretor de Crithmum maritimum (setas coloraccedilatildeo com tricloreto de antimoacutenio) e C - bolsa secretora de Citrus sp (coloraccedilatildeo com Vermelho Sudatildeo III)

Os tricomas glandulares satildeo estruturas externas com origem em ceacutelulas epideacutermicas

que apresentam diversos graus de complexidade desde tricomas com apenas trecircs ceacutelulas

uma das quais a secretora ateacute tricomas com mais de uma dezena de ceacutelulas secretoras

As bolsas e os canais secretores satildeo estruturas internas constituiacutedas por ceacutelulas glandu-

lares que delimitam o luacutemen o espaccedilo para onde satildeo secretados os compostos depois de

produzidos nas ceacutelulas secretoras Os canais satildeo estruturas alongadas que percorrem o

corpo da planta por vezes com ramificaccedilotildees enquanto as bolsas satildeo estruturas mais ou

menos isodiameacutetricas

Os oacuteleos essenciais

Um oacuteleo essencial eacute obtido por hidrodestilaccedilatildeo ou por destilaccedilatildeo por arrastamento de va-

por (FIGURA 3) No caso particular dos citrinos o oacuteleo essencial pode ainda ser obtido

por expressatildeo (processo mecacircnico que promove a libertaccedilatildeo do secretado acumulado no

interior das estruturas secretoras neste caso bolsas)

Tanto na hidrodestilaccedilatildeo como na destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor o secretado eacute

removido das estruturas secretoras e arrastado pelo vapor de aacutegua Depois de condensar

por arrefecimento o oacuteleo essencial separa-se da aacutegua podendo ser facilmente recolhido

devido agrave sua imiscibilidade com a aacutegua

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41FIGURA 3 A - Sistema de hidrodestilaccedilatildeo com aparelho de Clevenger e B - sistema de destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor

Anaacutelise de oacuteleos essenciais

Para analisar um oacuteleo essencial recorre-se frequentemente agrave cromatografia gasosa (CG)

para quantificaccedilatildeo dos componentes e agrave CG acoplada agrave espectrometria de massa (CG-

-EM) para a correspondente identificaccedilatildeo dos constituintes Por CG-EM os diversos com-

ponentes que constituem o oacuteleo essencial satildeo separados uns dos outros e ao chegarem ao

espectroacutemetro de massa satildeo bombardeados por eletrotildees o que leva a que as moleacuteculas

fragmentem formando-se diferentes iotildees de acordo com padrotildees preferenciais O con-

junto dos fragmentosiotildees constituem o espectro de massa que eacute carateriacutestico de cada

moleacutecula A integraccedilatildeo das aacutereas dos picos que surgem no cromatograma obtido por CG

(FIGURA 4A) permite a quantificaccedilatildeo relativa dos diversos componentes do oacuteleo essencial

A anaacutelise por CG-EM possibilita a identificaccedilatildeo desses compostos por comparaccedilatildeo dos

espectros de massa (FIGURA 4B) e dos iacutendices de retenccedilatildeo com os de amostras padratildeo

FIGURA 4 A - Aspeto parcial de um cromatograma obtido por CG carateriacutestico de um oacuteleo essencial com alguns dos ldquopicosrdquo identificados B - espectro de massa obtido por CG-EM de um dos componentes maioritaacuterios o timol

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Paisagens da Islacircndia Formase Processos (III)Fernando Carlos LopesCITEUC Universidade de Coimbra

A Islacircndia eacute famosa natildeo soacute pelos seus vulcotildees mas tambeacutem pelos seus glaciares e pela

sua sinuosa e escarpada linha de costa

Atualmente os glaciares cobrem cerca de 10 da superfiacutecie islandesa e 60 destas

aacutereas geladas assentam sobre sistemas vulcacircnicos ativos Esta combinaccedilatildeo de gelo e vul-

canismo torna a Islacircndia o local ideal para cheias repentinas (joumlkulhlaups) resultantes de

aacutegua que escorre por baixo dos glaciares devido agrave fusatildeo provocada pelas erupccedilotildees subgla-

ciares Atualmente existem 4 grandes calotes glaciares localizadas nas regiotildees elevadas

e vulcanicamente ativas do centro e sul da ilha a partir das quais divergem numerosas liacuten-

guas glaciarias Vatnajoumlkull (8100 km2) situado no centro leste Langjoumlkull (925 km2) si-

tuado no centro oeste Hofsjoumlkull (925 km2) situado na zona central da ilha Myrdalsjoumlkull

(600 km2) situado no sul da ilha Apesar da Islacircndia ter cerca de 24 Ma a sua paisagem soacute

foi moldada por glaciares nos uacuteltimos 5 milhotildees de anos Os seus glaciares de tipo alpino

(ou de montanha) avanccedilaram e recuaram condicionados pelas variaccedilotildees regionais e locais

do clima de que resultaram espetaculares morfologias Como jaacute se referiu anteriormente

as variaccedilotildees da carga glaciar sobre a litosfera provocadas pelas fases de gelo e degelo

teratildeo desempenhado papel importante na atividade vulcacircnica da ilha

Com um comprimento de cerca de 4970 km a linha de costa da Islacircndia eacute de um modo

geral muito recortada e escarpada marcada por promontoacuterios cabos peniacutensulas fiordes

e enseadas pontilhada de leixotildees por entre os quais se aninham praias de areia negra de

contornos suaves A accedilatildeo do mar sobre as inuacutemeras escoadas de lava que fluiacuteram ateacute agrave

costa ao longo da evoluccedilatildeo geoloacutegica da ilha e ali solidificaram sobre os aparelhos vulcacirc-

nicos implantados na zona litoral e sobre os vales deixados pelo recuo dos glaciares criou

paisagens de uma beleza surreal

FIGURA DA PAacuteGINA ANTERIOR Leixatildeo Hvitserkur noroeste da Islacircndia (fonte pixabay)

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Parte III - Paisagens controladas pelos glaciares e paisagens costeirasVales glaciares e fiordes

Vales glaciares vales suspensos lagos glaciares e cascatas ciacuterculos glaciares moreias

e fiordes satildeo formas carateriacutesticas das paisagens islandesas criadas pelos seus glacia-

res alpinos Os vales glaciares com o seu carateriacutestico perfil em ldquoUrdquo satildeo a forma mais

comum de paisagem originada pela erosatildeo glacial (FIGURA 1) No interior destes vales os

rios concentram o seu poder erosivo na zona mais baixa originando um perfil carateriacutestico

em ldquoVrdquo O poder erosivo dos glaciares eacute muito superior ao dos rios porque a sua energia

potencial resulta natildeo soacute do declive do terreno mas tambeacutem do peso do gelo A erosatildeo faz-

-se essencialmente ao longo das zonas laterais do canal criando um vale com vertentes

alcantiladas e fundo aplanado Vales suspensos satildeo vales escavados por glaciares tributaacute-

rios Como estes glaciares levam menos gelo o seu poder erosivo eacute menor que o do glaciar

principal ficando suspenso nas vertentes do glaciar principal quando o gelo recua Cons-

tituem exemplos notaacuteveis pela sua beleza e dimensatildeo os vales glaciares de Borgarvirki

(FIGURA 2) e de Akureyri (ou Eyjafjoumlrethur) no noroeste da ilha Este uacuteltimo vai desembocar

num fiorde que eacute mais longo da Islacircndia

FIGURA 1 Esquema 3D (sem escala) da evoluccedilatildeo de uma paisagem glaciar com formaccedilatildeo de vales glaciares vales glaciares suspensos ciacuterculos glaciares lagos glaciares e cascatas

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FIGURA 2 Aspeto do vale glaciaacuterio de Borgarvirki observado a partir da fortaleza de Borgarvirki

Se as condiccedilotildees forem favoraacuteveis os glaciares podem erodir abaixo do niacutevel do mar Quan-

do o glaciar recua o oceano invade estas depressotildees criando um fiorde Alguns dos fiordes

islandeses como o de Akureyri e o de Nordfjord (nordeste da ilha) possuem centenas de

metros abaixo do niacutevel do mar O fiorde de Nordfjord abrange parcialmente uma antiga cal-

deira vulcacircnica Nas faleacutesias do seu flanco oriental (falesias de Raudubjoumlrg) afloram rioacutelitos

conferindo agraves arribas uma carateriacutestica cor avermelhada)

Como se referiu anteriormente (Parte I) a orientaccedilatildeo da maioria dos vales glaciares e

fiordes segue de perto a orientaccedilatildeo dos principais lineamentos tectoacutenicos

Moreias

Em termos de aspetos deposicionais relacionados com glaciares as moreias satildeo de lon-

ge os mais abundantes Satildeo acumulaccedilotildees de fragmentos rochosos transportados pelos

glaciares quer na regiatildeo frontal (moreia frontal) lateral (moreia lateral) a meio (moreia

mediana) e no fundo (moreia de fundo)

Durante o uacuteltimo maacuteximo glaciar (haacute cerca de 20 000 anos) a Islacircndia estava quase

toda coberta por glaciares que se estendiam ateacute agrave costa e para aleacutem dela Foram encon-

tradas moreias frontais dessa eacutepoca a cerca de 130 km a offshore da costa ocidental e a

cerca de 150-230 m abaixo do niacutevel de mar atual

Eacute possiacutevel encontrar nos vales glaciares islandeses quer moreias antigas resultantes

da uacuteltima glaciaccedilatildeo quer moreias recentes e atuais Estas uacuteltimas estatildeo relacionadas com

as 4 grandes calotes glaciares existentes como eacute o caso das moreias do glaciar Vatna-

joumlkull que se podem observar em pleno no setor sudeste da ilha

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Lagoas glaciares e icebergues

Outra das paisagens magniacuteficas moldadas pelos glaciares satildeo as lagoas glaciares Estas

lagoas formam-se na extremidade dos glaciares que descem das calotes glaciares Satildeo

alimentadas pelo desgelo natural dos glaciares e nela flutuam pequenos e grandes iceber-

gues que se separam da frente do glaciar (FIGURA 3)

FIGURA 3 Esquema 3D (sem escala) da formaccedilatildeo de icebergues numa lagoa glaciar

O exemplo mais notaacutevel deste tipo de lagoas na Islacircndia eacute a lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten consi-

derada uma das maravilhas naturais do paiacutes Fica situada no sudeste da ilha na extremidade

do glaciar Breiethamerkurjoumlkull uma das liacutengua glaciares da calote de Vatnajoumlkull (FIGURA 4)

FIGURA 4 Icebergues na lagoa glaciar de Joumlkulsaacuterloacuten Ao fundo vecirc-se a frente do glaciar Breiethamerkurjoumlkull As faixas negras nos icebergues satildeo niacuteveis de cinza vulcacircnica

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A lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten eacute o ponto mais baixo da Islacircndia com zonas agrave cota de -200 m Na

baiacutea da lagoa tem-se acesso a uma paisagem de outro mundo com icebergues de dimen-

sotildees variadas que flutuam ateacute ao mar ficando alguns deles encalhados na margem de uma

praia de areia vulcacircnica Alguns icebergues exibem faixas negras correspondentes a niacuteveis

de cinzas vulcacircnicas provenientes de antigas erupccedilotildees (FIGURA 4) Outros exibem duas

tonalidades branco leitoso e azul claro A faixa azul corresponde agrave porccedilatildeo do icebergue

que se tornou recentemente emersa

A lagoa teraacute sido formada em 1934-35 pelo contiacutenuo recuo do glaciar Vatnajoumlkull e teraacute

duplicado de tamanho nos uacuteltimos 15 anos Dada a taxa atual de recuo do glaciar Vatna-

joumlkull um profundo fiorde iraacute desenvolver-se no local onde hoje existe a lagoa

As costas escarpadas

As costas escarpadas e recortadas satildeo sem duacutevida as mais dominantes Ocorrem deste o

oeste ao leste da ilha passando pela regiatildeo norte incisas por numerosos fiordes e peque-

nas enseadas e salpicadas por leixotildees Eacute notaacutevel pela sua forma de dragatildeo e pelas lendas

que o envolvem o leixatildeo de Hvitserkur (IMAGEM DA PAGINA 42) situado na costa leste da

Peniacutensula de Vatnsnes no noroeste da Islacircndia

Os fiordes mais profundos localizam-se na costa norte constituindo bons portos natu-

rais Um destaque especial vai para o fiorde ao longo do qual se estende a cidade de Aku-

reyri (fiorde de Akureyri ou Eyjafjoumlrethur) considerado o mais longo do paiacutes

Praias de areia Negra

As praias de areia negra em geral de reduzida extensatildeo podem ser constituiacutedas por i) de-

poacutesitos resultantes da abrasatildeo das arribas ii) moreias e depoacutesitos fluviais resultantes dos

rios glaciares com contornos suaves e lagoas glaciares protegidas por extensas barras

arenosas iii) depoacutesitos de tefra provenientes de erupccedilotildees freaacuteticas

As do primeiro tipo ocorrem um pouco por toda a linha de costa como resultado da accedilatildeo

do mar sobre as arribas As do segundo tipo ocorrem dominantemente entre Djuacutepivogur a

sudeste e Oumllfusaacute a sudoeste com destaque para a praia de Reynisfjara na costa sul As

da terceira categoria podem ser observadas na ilha de Heimaey arquipeacutelago de Vestman-

naeyja regiatildeo sul da Islacircndia

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018048

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Eu crio as minhas obras de arte de peque-

nos pedaccedilos de papel com espirais que co-

nectam e ligam os elementos a uma grande

estrutura Na obra de origami acabada a

que chamo Voltinhas estas espirais vivem

e trabalham Forccedilas de tensatildeo e fricccedilatildeo

contrapotildeem-se agrave gravidade e mantecircm a

forma estaacutevel Nas minhas criaccedilotildees procu-

ro estar perto da natureza Quando criamos

ou estudamos modelos de papel na macro

escala podemos entender melhor as for-

mas criadas pela natureza na micro escala

A minha obra de origami na capa o trabalho

intitulado ldquoInverno num parque de Lisboardquo e

o capsiacutedeo do viacuterus Canine parvovirus um viacute-

rus contagioso que ataca sobretudo os catildees

e outros caniacutedeos tecircm a mesma estrutura

geomeacutetrica do pequeno rombicosidodecae-

dro um poliedro com simetria icosaeacutedrica

Essa obra invoca simbolicamente o Ano

da Biologia Matemaacutetica 2018 O origami eacute

uma arte de dobragem do papel com uma

forte componente geomeacutetrica que permite

a construccedilatildeo de formas complexas e tem

atraiacutedo o interesse de matemaacuteticos pelas

suas propriedades geomeacutetricas e algeacutebricas

Krystyna Burczyk

Os viacuterus satildeo responsaacuteveis por inuacutemeras

doenccedilas no homem nos animais e nas plan-

tas e as curas e prevenccedilotildees satildeo ainda mui-

tas vezes problemaacuteticas Desenvolvimen-

tos recentes das aplicaccedilotildees da matemaacutetica

agrave virologia nomeadamente das teorias de

grupos de grafos de tesselaccedilatildeo ou de re-

ticulados mostraram por exemplo que as

restriccedilotildees estruturais agraves formas dos viacuterus

satildeo maiores do que antes se pensava e

permitiram a construccedilatildeo de novos modelos

para o desenvolvimento de terapias anti-

-virais Os capsiacutedeos virais que envolvem

os genomas dos viacuterus por razotildees de eco-

nomia geneacutetica tem muitas vezes uma si-

metria icosaeacutedrica Ora esta simetria natildeo eacute

cristalograacutefica em trecircs dimensotildees ie natildeo

eacute compatiacutevel com reticulados perioacutedicos

o que motivou os matemaacuteticos a desen-

volverem novas estruturas no contexto de

grupos de Coxeter natildeo-cristalograacuteficos que

encontraram aplicaccedilatildeo natildeo soacute na virologia

mas tambeacutem noutras estruturas molecula-

res da quiacutemica do carbono

Joseacute Francisco RodriguesUniversidade de Lisboa

Origami e Viacuterusin imagemcasadascienciasorg

Imagem de Canine Parvovirus gerada em VMD Autor Alexandre Lopes Magalhatildees

Page 39: JUNHO 2018 V6 /02 · 2018-09-26 · Matilde Viegas, Maria João Ramos, Pedro Alexandrino Fernandes Stephen Hawking e a sua contribuição para a física teórica Orfeu Bertolami,

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te adquirir uma compreensatildeo mais profunda dos conteuacutedos Obviamente a utilizaccedilatildeo de sof-

tware educacional natildeo deve ser vista como um substituto para o ensino com ldquopapel e laacutepisrdquo

deve ser devidamente combinada com outros meacutetodos de ensino

O conceito F-Tool foi desenvolvido em 2012 com o objetivo de proporcionar uma apren-

dizagem interativa em preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial Os aplicativos computacionais

implementados com base neste conceito utilizam as capacidades de caacutelculo numeacuterico e

simboacutelico do Mathematica de forma a permitir estudar dinacircmica e interativamente e em

tempo real conceitos e propriedades fundamentais do preacute-caacutelculo e caacutelculo diferencial

FIGURA 1 Imagem ilustrativa da F-Exponential

O conceito F-Tool em sala de aula permite uma abordagem dinacircmica de diversos concei-

tos relacionados com o estudo de funccedilotildees e promove novas formas de raciocinarpensar

avaliar ensinar e aprender As F-Tool foram concebidas como ferramentas de aprendiza-

gem ativa ou seja a sua utilizaccedilatildeo adequada propicia um contexto de ensino-aprendiza-

gem onde alunos e professores satildeo igualmente convidados a contribuir Aleacutem disso tecircm

uma interface muito intuitiva que permite que ateacute mesmo o utilizador mais inexperiente

sem qualquer conhecimento anterior em software educacional possa comeccedilar a usar to-

dos os recursos de uma forma eficiente e autoacutenoma As F-Tool natildeo satildeo um objeto estaacutetico

mas sim um programa a ser executado com o qual se interage em tempo real Em parti-

cular atraveacutes da alteraccedilatildeo dinacircmica dos valores dos paracircmetros que definem cada classe

eacute possiacutevel obter informaccedilatildeo analiacutetica rigorosa apresentada em aritmeacutetica exata ou apro-

ximada bem como informaccedilatildeo visual estaacutetica e natildeo-estaacutetica De igual modo escolhendo

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estrategicamente de entre as vaacuterias opccedilotildees de funccedilotildees disponiacuteveis no painel esquerdo eacute

possiacutevel apreender de forma mais eficaz e consequente muitas das relaccedilotildees existentes

entre as vaacuterias funccedilotildees e respetivas transformaccedilotildees (FIGURA 1) As F-Tool utilizam um

coacutedigo de cores para diferenciar as vaacuterias funccedilotildees apresentadas Este coacutedigo eacute explicitado

na legenda do canto inferior esquerdo do painel central

Qual das figuras pode representar o graacutefico de uma funccedilatildeo e o graacutefico da sua derivada de 1ordf ordem

FIGURA 2 Exemplo de questatildeo de escolha muacuteltipla utilizando diversas opccedilotildees do painel esquerdo das F-Tool

Apesar de ser um software educacional dinacircmico e interativo pode tambeacutem ser utilizado

na construccedilatildeo de questotildees de avaliaccedilatildeo de escolha muacuteltipla (FIGURA 2) e de resposta aberta

ficando o docente automaticamente com a resposta ao selecionar no painel esquerdo as

opccedilotildees relacionadas com a questatildeo

A utilizaccedilatildeo dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adapta-

ccedilatildeo de alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e do sim-

ples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular) De facto

incluindo as F-Tool em ficheiros no Computable Document Format (CDF) eacute possiacutevel criar

fichas de trabalho dinacircmicas e interativas motivando os alunos e tornando o estudo mais

interessante

Acreditamos que o conceito F-Tool ao dotar professores e estudantes com novas fer-

ramentas para explorar alguns conceitos fundamentais da matemaacutetica desenvolveraacute po-

sitivamente o processo de ensino e de aprendizagem das aacutereas de preacute-caacutelculo e caacutelculo

diferencial

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018046

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O Aroma das Plantas Luiacutes Gaspar Pedro

Ana Cristina Figueiredo

Joseacute Gonccedilalves Barroso

CESAM CBV Universidade de Lisboa

Quando nos festejos dos Santos Populares colocamos a matildeo sobre o manjerico

provocamos a rutura de estruturas microscoacutepicas Ao fazecirc-lo libertam-se compostos

quiacutemicos que aderem agrave palma da nossa matildeo que depois percecionamos pelo nosso

olfacto Os aromas satildeo misturas complexas de dezenas de compostos volaacuteteis

carateriacutesticos de uma determinada planta

O aroma o que eacute

O aroma de muitas plantas eacute constituiacutedo por diversos compostos quiacutemicos volaacuteteis que

tecircm a capacidade de estimular os nossos recetores olfactivos A quantidade e a diver-

sidade deste tipo de compostos presentes nas plantas satildeo responsaacuteveis pelos aromas

carateriacutesticos Eacute relativamente faacutecil reconhecer o aroma dos coentros ou do manjerico e

distingui-los de outros aromas como o da rosa ou do cravinho

Na composiccedilatildeo da fraccedilatildeo volaacutetil de uma planta aromaacutetica encontram-se regra geral

compostos como os mono- e sesquiterpenos e os fenilpropanoacuteides (FIGURA 1) entre ou-

tros Satildeo todos eles compostos quiacutemicos com ponto de ebuliccedilatildeo relativamente baixo que

volatilizam agrave temperatura ambiente e contribuem de forma mais ou menos notoacuteria para o

aroma carateriacutestico de cada espeacutecie

FIGURA 1 Exemplos de compostos que constituem a fraccedilatildeo volaacutetil de diversas espeacutecies aromaacuteticas monoterpenos (α-pineno timol) sesquiterpenos (β-cariofileno germacreno D) e fenilpropanoacuteides (eugenol)

α-Pineno Timol β-Cariofileno Germacreno D Eugenol

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Estruturas secretoras

Os compostos que constituem a fraccedilatildeo aromaacutetica de uma planta satildeo regra geral sinteti-

zados e acumulados em estruturas secretoras microscoacutepicas Entre os diversos tipos de

estruturas secretoras as mais frequentes satildeo os tricomas os canais e as bolsas (FIGURA 2)

FIGURA 2 Exemplos de estruturas secretoras observadas em microscopia oacuteptica A - Tricoma de Geranium robertianum (s - secretado acumulado no espaccedilo sub-cuticular coloraccedilatildeo com reagente de Nadi) B - canal secretor de Crithmum maritimum (setas coloraccedilatildeo com tricloreto de antimoacutenio) e C - bolsa secretora de Citrus sp (coloraccedilatildeo com Vermelho Sudatildeo III)

Os tricomas glandulares satildeo estruturas externas com origem em ceacutelulas epideacutermicas

que apresentam diversos graus de complexidade desde tricomas com apenas trecircs ceacutelulas

uma das quais a secretora ateacute tricomas com mais de uma dezena de ceacutelulas secretoras

As bolsas e os canais secretores satildeo estruturas internas constituiacutedas por ceacutelulas glandu-

lares que delimitam o luacutemen o espaccedilo para onde satildeo secretados os compostos depois de

produzidos nas ceacutelulas secretoras Os canais satildeo estruturas alongadas que percorrem o

corpo da planta por vezes com ramificaccedilotildees enquanto as bolsas satildeo estruturas mais ou

menos isodiameacutetricas

Os oacuteleos essenciais

Um oacuteleo essencial eacute obtido por hidrodestilaccedilatildeo ou por destilaccedilatildeo por arrastamento de va-

por (FIGURA 3) No caso particular dos citrinos o oacuteleo essencial pode ainda ser obtido

por expressatildeo (processo mecacircnico que promove a libertaccedilatildeo do secretado acumulado no

interior das estruturas secretoras neste caso bolsas)

Tanto na hidrodestilaccedilatildeo como na destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor o secretado eacute

removido das estruturas secretoras e arrastado pelo vapor de aacutegua Depois de condensar

por arrefecimento o oacuteleo essencial separa-se da aacutegua podendo ser facilmente recolhido

devido agrave sua imiscibilidade com a aacutegua

A B CS

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41FIGURA 3 A - Sistema de hidrodestilaccedilatildeo com aparelho de Clevenger e B - sistema de destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor

Anaacutelise de oacuteleos essenciais

Para analisar um oacuteleo essencial recorre-se frequentemente agrave cromatografia gasosa (CG)

para quantificaccedilatildeo dos componentes e agrave CG acoplada agrave espectrometria de massa (CG-

-EM) para a correspondente identificaccedilatildeo dos constituintes Por CG-EM os diversos com-

ponentes que constituem o oacuteleo essencial satildeo separados uns dos outros e ao chegarem ao

espectroacutemetro de massa satildeo bombardeados por eletrotildees o que leva a que as moleacuteculas

fragmentem formando-se diferentes iotildees de acordo com padrotildees preferenciais O con-

junto dos fragmentosiotildees constituem o espectro de massa que eacute carateriacutestico de cada

moleacutecula A integraccedilatildeo das aacutereas dos picos que surgem no cromatograma obtido por CG

(FIGURA 4A) permite a quantificaccedilatildeo relativa dos diversos componentes do oacuteleo essencial

A anaacutelise por CG-EM possibilita a identificaccedilatildeo desses compostos por comparaccedilatildeo dos

espectros de massa (FIGURA 4B) e dos iacutendices de retenccedilatildeo com os de amostras padratildeo

FIGURA 4 A - Aspeto parcial de um cromatograma obtido por CG carateriacutestico de um oacuteleo essencial com alguns dos ldquopicosrdquo identificados B - espectro de massa obtido por CG-EM de um dos componentes maioritaacuterios o timol

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Paisagens da Islacircndia Formase Processos (III)Fernando Carlos LopesCITEUC Universidade de Coimbra

A Islacircndia eacute famosa natildeo soacute pelos seus vulcotildees mas tambeacutem pelos seus glaciares e pela

sua sinuosa e escarpada linha de costa

Atualmente os glaciares cobrem cerca de 10 da superfiacutecie islandesa e 60 destas

aacutereas geladas assentam sobre sistemas vulcacircnicos ativos Esta combinaccedilatildeo de gelo e vul-

canismo torna a Islacircndia o local ideal para cheias repentinas (joumlkulhlaups) resultantes de

aacutegua que escorre por baixo dos glaciares devido agrave fusatildeo provocada pelas erupccedilotildees subgla-

ciares Atualmente existem 4 grandes calotes glaciares localizadas nas regiotildees elevadas

e vulcanicamente ativas do centro e sul da ilha a partir das quais divergem numerosas liacuten-

guas glaciarias Vatnajoumlkull (8100 km2) situado no centro leste Langjoumlkull (925 km2) si-

tuado no centro oeste Hofsjoumlkull (925 km2) situado na zona central da ilha Myrdalsjoumlkull

(600 km2) situado no sul da ilha Apesar da Islacircndia ter cerca de 24 Ma a sua paisagem soacute

foi moldada por glaciares nos uacuteltimos 5 milhotildees de anos Os seus glaciares de tipo alpino

(ou de montanha) avanccedilaram e recuaram condicionados pelas variaccedilotildees regionais e locais

do clima de que resultaram espetaculares morfologias Como jaacute se referiu anteriormente

as variaccedilotildees da carga glaciar sobre a litosfera provocadas pelas fases de gelo e degelo

teratildeo desempenhado papel importante na atividade vulcacircnica da ilha

Com um comprimento de cerca de 4970 km a linha de costa da Islacircndia eacute de um modo

geral muito recortada e escarpada marcada por promontoacuterios cabos peniacutensulas fiordes

e enseadas pontilhada de leixotildees por entre os quais se aninham praias de areia negra de

contornos suaves A accedilatildeo do mar sobre as inuacutemeras escoadas de lava que fluiacuteram ateacute agrave

costa ao longo da evoluccedilatildeo geoloacutegica da ilha e ali solidificaram sobre os aparelhos vulcacirc-

nicos implantados na zona litoral e sobre os vales deixados pelo recuo dos glaciares criou

paisagens de uma beleza surreal

FIGURA DA PAacuteGINA ANTERIOR Leixatildeo Hvitserkur noroeste da Islacircndia (fonte pixabay)

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Parte III - Paisagens controladas pelos glaciares e paisagens costeirasVales glaciares e fiordes

Vales glaciares vales suspensos lagos glaciares e cascatas ciacuterculos glaciares moreias

e fiordes satildeo formas carateriacutesticas das paisagens islandesas criadas pelos seus glacia-

res alpinos Os vales glaciares com o seu carateriacutestico perfil em ldquoUrdquo satildeo a forma mais

comum de paisagem originada pela erosatildeo glacial (FIGURA 1) No interior destes vales os

rios concentram o seu poder erosivo na zona mais baixa originando um perfil carateriacutestico

em ldquoVrdquo O poder erosivo dos glaciares eacute muito superior ao dos rios porque a sua energia

potencial resulta natildeo soacute do declive do terreno mas tambeacutem do peso do gelo A erosatildeo faz-

-se essencialmente ao longo das zonas laterais do canal criando um vale com vertentes

alcantiladas e fundo aplanado Vales suspensos satildeo vales escavados por glaciares tributaacute-

rios Como estes glaciares levam menos gelo o seu poder erosivo eacute menor que o do glaciar

principal ficando suspenso nas vertentes do glaciar principal quando o gelo recua Cons-

tituem exemplos notaacuteveis pela sua beleza e dimensatildeo os vales glaciares de Borgarvirki

(FIGURA 2) e de Akureyri (ou Eyjafjoumlrethur) no noroeste da ilha Este uacuteltimo vai desembocar

num fiorde que eacute mais longo da Islacircndia

FIGURA 1 Esquema 3D (sem escala) da evoluccedilatildeo de uma paisagem glaciar com formaccedilatildeo de vales glaciares vales glaciares suspensos ciacuterculos glaciares lagos glaciares e cascatas

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FIGURA 2 Aspeto do vale glaciaacuterio de Borgarvirki observado a partir da fortaleza de Borgarvirki

Se as condiccedilotildees forem favoraacuteveis os glaciares podem erodir abaixo do niacutevel do mar Quan-

do o glaciar recua o oceano invade estas depressotildees criando um fiorde Alguns dos fiordes

islandeses como o de Akureyri e o de Nordfjord (nordeste da ilha) possuem centenas de

metros abaixo do niacutevel do mar O fiorde de Nordfjord abrange parcialmente uma antiga cal-

deira vulcacircnica Nas faleacutesias do seu flanco oriental (falesias de Raudubjoumlrg) afloram rioacutelitos

conferindo agraves arribas uma carateriacutestica cor avermelhada)

Como se referiu anteriormente (Parte I) a orientaccedilatildeo da maioria dos vales glaciares e

fiordes segue de perto a orientaccedilatildeo dos principais lineamentos tectoacutenicos

Moreias

Em termos de aspetos deposicionais relacionados com glaciares as moreias satildeo de lon-

ge os mais abundantes Satildeo acumulaccedilotildees de fragmentos rochosos transportados pelos

glaciares quer na regiatildeo frontal (moreia frontal) lateral (moreia lateral) a meio (moreia

mediana) e no fundo (moreia de fundo)

Durante o uacuteltimo maacuteximo glaciar (haacute cerca de 20 000 anos) a Islacircndia estava quase

toda coberta por glaciares que se estendiam ateacute agrave costa e para aleacutem dela Foram encon-

tradas moreias frontais dessa eacutepoca a cerca de 130 km a offshore da costa ocidental e a

cerca de 150-230 m abaixo do niacutevel de mar atual

Eacute possiacutevel encontrar nos vales glaciares islandeses quer moreias antigas resultantes

da uacuteltima glaciaccedilatildeo quer moreias recentes e atuais Estas uacuteltimas estatildeo relacionadas com

as 4 grandes calotes glaciares existentes como eacute o caso das moreias do glaciar Vatna-

joumlkull que se podem observar em pleno no setor sudeste da ilha

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Lagoas glaciares e icebergues

Outra das paisagens magniacuteficas moldadas pelos glaciares satildeo as lagoas glaciares Estas

lagoas formam-se na extremidade dos glaciares que descem das calotes glaciares Satildeo

alimentadas pelo desgelo natural dos glaciares e nela flutuam pequenos e grandes iceber-

gues que se separam da frente do glaciar (FIGURA 3)

FIGURA 3 Esquema 3D (sem escala) da formaccedilatildeo de icebergues numa lagoa glaciar

O exemplo mais notaacutevel deste tipo de lagoas na Islacircndia eacute a lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten consi-

derada uma das maravilhas naturais do paiacutes Fica situada no sudeste da ilha na extremidade

do glaciar Breiethamerkurjoumlkull uma das liacutengua glaciares da calote de Vatnajoumlkull (FIGURA 4)

FIGURA 4 Icebergues na lagoa glaciar de Joumlkulsaacuterloacuten Ao fundo vecirc-se a frente do glaciar Breiethamerkurjoumlkull As faixas negras nos icebergues satildeo niacuteveis de cinza vulcacircnica

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A lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten eacute o ponto mais baixo da Islacircndia com zonas agrave cota de -200 m Na

baiacutea da lagoa tem-se acesso a uma paisagem de outro mundo com icebergues de dimen-

sotildees variadas que flutuam ateacute ao mar ficando alguns deles encalhados na margem de uma

praia de areia vulcacircnica Alguns icebergues exibem faixas negras correspondentes a niacuteveis

de cinzas vulcacircnicas provenientes de antigas erupccedilotildees (FIGURA 4) Outros exibem duas

tonalidades branco leitoso e azul claro A faixa azul corresponde agrave porccedilatildeo do icebergue

que se tornou recentemente emersa

A lagoa teraacute sido formada em 1934-35 pelo contiacutenuo recuo do glaciar Vatnajoumlkull e teraacute

duplicado de tamanho nos uacuteltimos 15 anos Dada a taxa atual de recuo do glaciar Vatna-

joumlkull um profundo fiorde iraacute desenvolver-se no local onde hoje existe a lagoa

As costas escarpadas

As costas escarpadas e recortadas satildeo sem duacutevida as mais dominantes Ocorrem deste o

oeste ao leste da ilha passando pela regiatildeo norte incisas por numerosos fiordes e peque-

nas enseadas e salpicadas por leixotildees Eacute notaacutevel pela sua forma de dragatildeo e pelas lendas

que o envolvem o leixatildeo de Hvitserkur (IMAGEM DA PAGINA 42) situado na costa leste da

Peniacutensula de Vatnsnes no noroeste da Islacircndia

Os fiordes mais profundos localizam-se na costa norte constituindo bons portos natu-

rais Um destaque especial vai para o fiorde ao longo do qual se estende a cidade de Aku-

reyri (fiorde de Akureyri ou Eyjafjoumlrethur) considerado o mais longo do paiacutes

Praias de areia Negra

As praias de areia negra em geral de reduzida extensatildeo podem ser constituiacutedas por i) de-

poacutesitos resultantes da abrasatildeo das arribas ii) moreias e depoacutesitos fluviais resultantes dos

rios glaciares com contornos suaves e lagoas glaciares protegidas por extensas barras

arenosas iii) depoacutesitos de tefra provenientes de erupccedilotildees freaacuteticas

As do primeiro tipo ocorrem um pouco por toda a linha de costa como resultado da accedilatildeo

do mar sobre as arribas As do segundo tipo ocorrem dominantemente entre Djuacutepivogur a

sudeste e Oumllfusaacute a sudoeste com destaque para a praia de Reynisfjara na costa sul As

da terceira categoria podem ser observadas na ilha de Heimaey arquipeacutelago de Vestman-

naeyja regiatildeo sul da Islacircndia

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Eu crio as minhas obras de arte de peque-

nos pedaccedilos de papel com espirais que co-

nectam e ligam os elementos a uma grande

estrutura Na obra de origami acabada a

que chamo Voltinhas estas espirais vivem

e trabalham Forccedilas de tensatildeo e fricccedilatildeo

contrapotildeem-se agrave gravidade e mantecircm a

forma estaacutevel Nas minhas criaccedilotildees procu-

ro estar perto da natureza Quando criamos

ou estudamos modelos de papel na macro

escala podemos entender melhor as for-

mas criadas pela natureza na micro escala

A minha obra de origami na capa o trabalho

intitulado ldquoInverno num parque de Lisboardquo e

o capsiacutedeo do viacuterus Canine parvovirus um viacute-

rus contagioso que ataca sobretudo os catildees

e outros caniacutedeos tecircm a mesma estrutura

geomeacutetrica do pequeno rombicosidodecae-

dro um poliedro com simetria icosaeacutedrica

Essa obra invoca simbolicamente o Ano

da Biologia Matemaacutetica 2018 O origami eacute

uma arte de dobragem do papel com uma

forte componente geomeacutetrica que permite

a construccedilatildeo de formas complexas e tem

atraiacutedo o interesse de matemaacuteticos pelas

suas propriedades geomeacutetricas e algeacutebricas

Krystyna Burczyk

Os viacuterus satildeo responsaacuteveis por inuacutemeras

doenccedilas no homem nos animais e nas plan-

tas e as curas e prevenccedilotildees satildeo ainda mui-

tas vezes problemaacuteticas Desenvolvimen-

tos recentes das aplicaccedilotildees da matemaacutetica

agrave virologia nomeadamente das teorias de

grupos de grafos de tesselaccedilatildeo ou de re-

ticulados mostraram por exemplo que as

restriccedilotildees estruturais agraves formas dos viacuterus

satildeo maiores do que antes se pensava e

permitiram a construccedilatildeo de novos modelos

para o desenvolvimento de terapias anti-

-virais Os capsiacutedeos virais que envolvem

os genomas dos viacuterus por razotildees de eco-

nomia geneacutetica tem muitas vezes uma si-

metria icosaeacutedrica Ora esta simetria natildeo eacute

cristalograacutefica em trecircs dimensotildees ie natildeo

eacute compatiacutevel com reticulados perioacutedicos

o que motivou os matemaacuteticos a desen-

volverem novas estruturas no contexto de

grupos de Coxeter natildeo-cristalograacuteficos que

encontraram aplicaccedilatildeo natildeo soacute na virologia

mas tambeacutem noutras estruturas molecula-

res da quiacutemica do carbono

Joseacute Francisco RodriguesUniversidade de Lisboa

Origami e Viacuterusin imagemcasadascienciasorg

Imagem de Canine Parvovirus gerada em VMD Autor Alexandre Lopes Magalhatildees

Page 40: JUNHO 2018 V6 /02 · 2018-09-26 · Matilde Viegas, Maria João Ramos, Pedro Alexandrino Fernandes Stephen Hawking e a sua contribuição para a física teórica Orfeu Bertolami,

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estrategicamente de entre as vaacuterias opccedilotildees de funccedilotildees disponiacuteveis no painel esquerdo eacute

possiacutevel apreender de forma mais eficaz e consequente muitas das relaccedilotildees existentes

entre as vaacuterias funccedilotildees e respetivas transformaccedilotildees (FIGURA 1) As F-Tool utilizam um

coacutedigo de cores para diferenciar as vaacuterias funccedilotildees apresentadas Este coacutedigo eacute explicitado

na legenda do canto inferior esquerdo do painel central

Qual das figuras pode representar o graacutefico de uma funccedilatildeo e o graacutefico da sua derivada de 1ordf ordem

FIGURA 2 Exemplo de questatildeo de escolha muacuteltipla utilizando diversas opccedilotildees do painel esquerdo das F-Tool

Apesar de ser um software educacional dinacircmico e interativo pode tambeacutem ser utilizado

na construccedilatildeo de questotildees de avaliaccedilatildeo de escolha muacuteltipla (FIGURA 2) e de resposta aberta

ficando o docente automaticamente com a resposta ao selecionar no painel esquerdo as

opccedilotildees relacionadas com a questatildeo

A utilizaccedilatildeo dos aplicativos computacionais associados a este conceito motivou a adapta-

ccedilatildeo de alguns elementos de avaliaccedilatildeo permitindo a inclusatildeo de questotildees com caraacuteter mais

conceptual e desviando um pouco o foco da mera aplicaccedilatildeo mecacircnica de foacutermulas e do sim-

ples caacutelculo numeacuterico (para uma geraccedilatildeo dependente da maacutequina de calcular) De facto

incluindo as F-Tool em ficheiros no Computable Document Format (CDF) eacute possiacutevel criar

fichas de trabalho dinacircmicas e interativas motivando os alunos e tornando o estudo mais

interessante

Acreditamos que o conceito F-Tool ao dotar professores e estudantes com novas fer-

ramentas para explorar alguns conceitos fundamentais da matemaacutetica desenvolveraacute po-

sitivamente o processo de ensino e de aprendizagem das aacutereas de preacute-caacutelculo e caacutelculo

diferencial

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018046

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O Aroma das Plantas Luiacutes Gaspar Pedro

Ana Cristina Figueiredo

Joseacute Gonccedilalves Barroso

CESAM CBV Universidade de Lisboa

Quando nos festejos dos Santos Populares colocamos a matildeo sobre o manjerico

provocamos a rutura de estruturas microscoacutepicas Ao fazecirc-lo libertam-se compostos

quiacutemicos que aderem agrave palma da nossa matildeo que depois percecionamos pelo nosso

olfacto Os aromas satildeo misturas complexas de dezenas de compostos volaacuteteis

carateriacutesticos de uma determinada planta

O aroma o que eacute

O aroma de muitas plantas eacute constituiacutedo por diversos compostos quiacutemicos volaacuteteis que

tecircm a capacidade de estimular os nossos recetores olfactivos A quantidade e a diver-

sidade deste tipo de compostos presentes nas plantas satildeo responsaacuteveis pelos aromas

carateriacutesticos Eacute relativamente faacutecil reconhecer o aroma dos coentros ou do manjerico e

distingui-los de outros aromas como o da rosa ou do cravinho

Na composiccedilatildeo da fraccedilatildeo volaacutetil de uma planta aromaacutetica encontram-se regra geral

compostos como os mono- e sesquiterpenos e os fenilpropanoacuteides (FIGURA 1) entre ou-

tros Satildeo todos eles compostos quiacutemicos com ponto de ebuliccedilatildeo relativamente baixo que

volatilizam agrave temperatura ambiente e contribuem de forma mais ou menos notoacuteria para o

aroma carateriacutestico de cada espeacutecie

FIGURA 1 Exemplos de compostos que constituem a fraccedilatildeo volaacutetil de diversas espeacutecies aromaacuteticas monoterpenos (α-pineno timol) sesquiterpenos (β-cariofileno germacreno D) e fenilpropanoacuteides (eugenol)

α-Pineno Timol β-Cariofileno Germacreno D Eugenol

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Estruturas secretoras

Os compostos que constituem a fraccedilatildeo aromaacutetica de uma planta satildeo regra geral sinteti-

zados e acumulados em estruturas secretoras microscoacutepicas Entre os diversos tipos de

estruturas secretoras as mais frequentes satildeo os tricomas os canais e as bolsas (FIGURA 2)

FIGURA 2 Exemplos de estruturas secretoras observadas em microscopia oacuteptica A - Tricoma de Geranium robertianum (s - secretado acumulado no espaccedilo sub-cuticular coloraccedilatildeo com reagente de Nadi) B - canal secretor de Crithmum maritimum (setas coloraccedilatildeo com tricloreto de antimoacutenio) e C - bolsa secretora de Citrus sp (coloraccedilatildeo com Vermelho Sudatildeo III)

Os tricomas glandulares satildeo estruturas externas com origem em ceacutelulas epideacutermicas

que apresentam diversos graus de complexidade desde tricomas com apenas trecircs ceacutelulas

uma das quais a secretora ateacute tricomas com mais de uma dezena de ceacutelulas secretoras

As bolsas e os canais secretores satildeo estruturas internas constituiacutedas por ceacutelulas glandu-

lares que delimitam o luacutemen o espaccedilo para onde satildeo secretados os compostos depois de

produzidos nas ceacutelulas secretoras Os canais satildeo estruturas alongadas que percorrem o

corpo da planta por vezes com ramificaccedilotildees enquanto as bolsas satildeo estruturas mais ou

menos isodiameacutetricas

Os oacuteleos essenciais

Um oacuteleo essencial eacute obtido por hidrodestilaccedilatildeo ou por destilaccedilatildeo por arrastamento de va-

por (FIGURA 3) No caso particular dos citrinos o oacuteleo essencial pode ainda ser obtido

por expressatildeo (processo mecacircnico que promove a libertaccedilatildeo do secretado acumulado no

interior das estruturas secretoras neste caso bolsas)

Tanto na hidrodestilaccedilatildeo como na destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor o secretado eacute

removido das estruturas secretoras e arrastado pelo vapor de aacutegua Depois de condensar

por arrefecimento o oacuteleo essencial separa-se da aacutegua podendo ser facilmente recolhido

devido agrave sua imiscibilidade com a aacutegua

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41FIGURA 3 A - Sistema de hidrodestilaccedilatildeo com aparelho de Clevenger e B - sistema de destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor

Anaacutelise de oacuteleos essenciais

Para analisar um oacuteleo essencial recorre-se frequentemente agrave cromatografia gasosa (CG)

para quantificaccedilatildeo dos componentes e agrave CG acoplada agrave espectrometria de massa (CG-

-EM) para a correspondente identificaccedilatildeo dos constituintes Por CG-EM os diversos com-

ponentes que constituem o oacuteleo essencial satildeo separados uns dos outros e ao chegarem ao

espectroacutemetro de massa satildeo bombardeados por eletrotildees o que leva a que as moleacuteculas

fragmentem formando-se diferentes iotildees de acordo com padrotildees preferenciais O con-

junto dos fragmentosiotildees constituem o espectro de massa que eacute carateriacutestico de cada

moleacutecula A integraccedilatildeo das aacutereas dos picos que surgem no cromatograma obtido por CG

(FIGURA 4A) permite a quantificaccedilatildeo relativa dos diversos componentes do oacuteleo essencial

A anaacutelise por CG-EM possibilita a identificaccedilatildeo desses compostos por comparaccedilatildeo dos

espectros de massa (FIGURA 4B) e dos iacutendices de retenccedilatildeo com os de amostras padratildeo

FIGURA 4 A - Aspeto parcial de um cromatograma obtido por CG carateriacutestico de um oacuteleo essencial com alguns dos ldquopicosrdquo identificados B - espectro de massa obtido por CG-EM de um dos componentes maioritaacuterios o timol

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Paisagens da Islacircndia Formase Processos (III)Fernando Carlos LopesCITEUC Universidade de Coimbra

A Islacircndia eacute famosa natildeo soacute pelos seus vulcotildees mas tambeacutem pelos seus glaciares e pela

sua sinuosa e escarpada linha de costa

Atualmente os glaciares cobrem cerca de 10 da superfiacutecie islandesa e 60 destas

aacutereas geladas assentam sobre sistemas vulcacircnicos ativos Esta combinaccedilatildeo de gelo e vul-

canismo torna a Islacircndia o local ideal para cheias repentinas (joumlkulhlaups) resultantes de

aacutegua que escorre por baixo dos glaciares devido agrave fusatildeo provocada pelas erupccedilotildees subgla-

ciares Atualmente existem 4 grandes calotes glaciares localizadas nas regiotildees elevadas

e vulcanicamente ativas do centro e sul da ilha a partir das quais divergem numerosas liacuten-

guas glaciarias Vatnajoumlkull (8100 km2) situado no centro leste Langjoumlkull (925 km2) si-

tuado no centro oeste Hofsjoumlkull (925 km2) situado na zona central da ilha Myrdalsjoumlkull

(600 km2) situado no sul da ilha Apesar da Islacircndia ter cerca de 24 Ma a sua paisagem soacute

foi moldada por glaciares nos uacuteltimos 5 milhotildees de anos Os seus glaciares de tipo alpino

(ou de montanha) avanccedilaram e recuaram condicionados pelas variaccedilotildees regionais e locais

do clima de que resultaram espetaculares morfologias Como jaacute se referiu anteriormente

as variaccedilotildees da carga glaciar sobre a litosfera provocadas pelas fases de gelo e degelo

teratildeo desempenhado papel importante na atividade vulcacircnica da ilha

Com um comprimento de cerca de 4970 km a linha de costa da Islacircndia eacute de um modo

geral muito recortada e escarpada marcada por promontoacuterios cabos peniacutensulas fiordes

e enseadas pontilhada de leixotildees por entre os quais se aninham praias de areia negra de

contornos suaves A accedilatildeo do mar sobre as inuacutemeras escoadas de lava que fluiacuteram ateacute agrave

costa ao longo da evoluccedilatildeo geoloacutegica da ilha e ali solidificaram sobre os aparelhos vulcacirc-

nicos implantados na zona litoral e sobre os vales deixados pelo recuo dos glaciares criou

paisagens de uma beleza surreal

FIGURA DA PAacuteGINA ANTERIOR Leixatildeo Hvitserkur noroeste da Islacircndia (fonte pixabay)

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Parte III - Paisagens controladas pelos glaciares e paisagens costeirasVales glaciares e fiordes

Vales glaciares vales suspensos lagos glaciares e cascatas ciacuterculos glaciares moreias

e fiordes satildeo formas carateriacutesticas das paisagens islandesas criadas pelos seus glacia-

res alpinos Os vales glaciares com o seu carateriacutestico perfil em ldquoUrdquo satildeo a forma mais

comum de paisagem originada pela erosatildeo glacial (FIGURA 1) No interior destes vales os

rios concentram o seu poder erosivo na zona mais baixa originando um perfil carateriacutestico

em ldquoVrdquo O poder erosivo dos glaciares eacute muito superior ao dos rios porque a sua energia

potencial resulta natildeo soacute do declive do terreno mas tambeacutem do peso do gelo A erosatildeo faz-

-se essencialmente ao longo das zonas laterais do canal criando um vale com vertentes

alcantiladas e fundo aplanado Vales suspensos satildeo vales escavados por glaciares tributaacute-

rios Como estes glaciares levam menos gelo o seu poder erosivo eacute menor que o do glaciar

principal ficando suspenso nas vertentes do glaciar principal quando o gelo recua Cons-

tituem exemplos notaacuteveis pela sua beleza e dimensatildeo os vales glaciares de Borgarvirki

(FIGURA 2) e de Akureyri (ou Eyjafjoumlrethur) no noroeste da ilha Este uacuteltimo vai desembocar

num fiorde que eacute mais longo da Islacircndia

FIGURA 1 Esquema 3D (sem escala) da evoluccedilatildeo de uma paisagem glaciar com formaccedilatildeo de vales glaciares vales glaciares suspensos ciacuterculos glaciares lagos glaciares e cascatas

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FIGURA 2 Aspeto do vale glaciaacuterio de Borgarvirki observado a partir da fortaleza de Borgarvirki

Se as condiccedilotildees forem favoraacuteveis os glaciares podem erodir abaixo do niacutevel do mar Quan-

do o glaciar recua o oceano invade estas depressotildees criando um fiorde Alguns dos fiordes

islandeses como o de Akureyri e o de Nordfjord (nordeste da ilha) possuem centenas de

metros abaixo do niacutevel do mar O fiorde de Nordfjord abrange parcialmente uma antiga cal-

deira vulcacircnica Nas faleacutesias do seu flanco oriental (falesias de Raudubjoumlrg) afloram rioacutelitos

conferindo agraves arribas uma carateriacutestica cor avermelhada)

Como se referiu anteriormente (Parte I) a orientaccedilatildeo da maioria dos vales glaciares e

fiordes segue de perto a orientaccedilatildeo dos principais lineamentos tectoacutenicos

Moreias

Em termos de aspetos deposicionais relacionados com glaciares as moreias satildeo de lon-

ge os mais abundantes Satildeo acumulaccedilotildees de fragmentos rochosos transportados pelos

glaciares quer na regiatildeo frontal (moreia frontal) lateral (moreia lateral) a meio (moreia

mediana) e no fundo (moreia de fundo)

Durante o uacuteltimo maacuteximo glaciar (haacute cerca de 20 000 anos) a Islacircndia estava quase

toda coberta por glaciares que se estendiam ateacute agrave costa e para aleacutem dela Foram encon-

tradas moreias frontais dessa eacutepoca a cerca de 130 km a offshore da costa ocidental e a

cerca de 150-230 m abaixo do niacutevel de mar atual

Eacute possiacutevel encontrar nos vales glaciares islandeses quer moreias antigas resultantes

da uacuteltima glaciaccedilatildeo quer moreias recentes e atuais Estas uacuteltimas estatildeo relacionadas com

as 4 grandes calotes glaciares existentes como eacute o caso das moreias do glaciar Vatna-

joumlkull que se podem observar em pleno no setor sudeste da ilha

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Lagoas glaciares e icebergues

Outra das paisagens magniacuteficas moldadas pelos glaciares satildeo as lagoas glaciares Estas

lagoas formam-se na extremidade dos glaciares que descem das calotes glaciares Satildeo

alimentadas pelo desgelo natural dos glaciares e nela flutuam pequenos e grandes iceber-

gues que se separam da frente do glaciar (FIGURA 3)

FIGURA 3 Esquema 3D (sem escala) da formaccedilatildeo de icebergues numa lagoa glaciar

O exemplo mais notaacutevel deste tipo de lagoas na Islacircndia eacute a lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten consi-

derada uma das maravilhas naturais do paiacutes Fica situada no sudeste da ilha na extremidade

do glaciar Breiethamerkurjoumlkull uma das liacutengua glaciares da calote de Vatnajoumlkull (FIGURA 4)

FIGURA 4 Icebergues na lagoa glaciar de Joumlkulsaacuterloacuten Ao fundo vecirc-se a frente do glaciar Breiethamerkurjoumlkull As faixas negras nos icebergues satildeo niacuteveis de cinza vulcacircnica

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A lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten eacute o ponto mais baixo da Islacircndia com zonas agrave cota de -200 m Na

baiacutea da lagoa tem-se acesso a uma paisagem de outro mundo com icebergues de dimen-

sotildees variadas que flutuam ateacute ao mar ficando alguns deles encalhados na margem de uma

praia de areia vulcacircnica Alguns icebergues exibem faixas negras correspondentes a niacuteveis

de cinzas vulcacircnicas provenientes de antigas erupccedilotildees (FIGURA 4) Outros exibem duas

tonalidades branco leitoso e azul claro A faixa azul corresponde agrave porccedilatildeo do icebergue

que se tornou recentemente emersa

A lagoa teraacute sido formada em 1934-35 pelo contiacutenuo recuo do glaciar Vatnajoumlkull e teraacute

duplicado de tamanho nos uacuteltimos 15 anos Dada a taxa atual de recuo do glaciar Vatna-

joumlkull um profundo fiorde iraacute desenvolver-se no local onde hoje existe a lagoa

As costas escarpadas

As costas escarpadas e recortadas satildeo sem duacutevida as mais dominantes Ocorrem deste o

oeste ao leste da ilha passando pela regiatildeo norte incisas por numerosos fiordes e peque-

nas enseadas e salpicadas por leixotildees Eacute notaacutevel pela sua forma de dragatildeo e pelas lendas

que o envolvem o leixatildeo de Hvitserkur (IMAGEM DA PAGINA 42) situado na costa leste da

Peniacutensula de Vatnsnes no noroeste da Islacircndia

Os fiordes mais profundos localizam-se na costa norte constituindo bons portos natu-

rais Um destaque especial vai para o fiorde ao longo do qual se estende a cidade de Aku-

reyri (fiorde de Akureyri ou Eyjafjoumlrethur) considerado o mais longo do paiacutes

Praias de areia Negra

As praias de areia negra em geral de reduzida extensatildeo podem ser constituiacutedas por i) de-

poacutesitos resultantes da abrasatildeo das arribas ii) moreias e depoacutesitos fluviais resultantes dos

rios glaciares com contornos suaves e lagoas glaciares protegidas por extensas barras

arenosas iii) depoacutesitos de tefra provenientes de erupccedilotildees freaacuteticas

As do primeiro tipo ocorrem um pouco por toda a linha de costa como resultado da accedilatildeo

do mar sobre as arribas As do segundo tipo ocorrem dominantemente entre Djuacutepivogur a

sudeste e Oumllfusaacute a sudoeste com destaque para a praia de Reynisfjara na costa sul As

da terceira categoria podem ser observadas na ilha de Heimaey arquipeacutelago de Vestman-

naeyja regiatildeo sul da Islacircndia

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IMA

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Eu crio as minhas obras de arte de peque-

nos pedaccedilos de papel com espirais que co-

nectam e ligam os elementos a uma grande

estrutura Na obra de origami acabada a

que chamo Voltinhas estas espirais vivem

e trabalham Forccedilas de tensatildeo e fricccedilatildeo

contrapotildeem-se agrave gravidade e mantecircm a

forma estaacutevel Nas minhas criaccedilotildees procu-

ro estar perto da natureza Quando criamos

ou estudamos modelos de papel na macro

escala podemos entender melhor as for-

mas criadas pela natureza na micro escala

A minha obra de origami na capa o trabalho

intitulado ldquoInverno num parque de Lisboardquo e

o capsiacutedeo do viacuterus Canine parvovirus um viacute-

rus contagioso que ataca sobretudo os catildees

e outros caniacutedeos tecircm a mesma estrutura

geomeacutetrica do pequeno rombicosidodecae-

dro um poliedro com simetria icosaeacutedrica

Essa obra invoca simbolicamente o Ano

da Biologia Matemaacutetica 2018 O origami eacute

uma arte de dobragem do papel com uma

forte componente geomeacutetrica que permite

a construccedilatildeo de formas complexas e tem

atraiacutedo o interesse de matemaacuteticos pelas

suas propriedades geomeacutetricas e algeacutebricas

Krystyna Burczyk

Os viacuterus satildeo responsaacuteveis por inuacutemeras

doenccedilas no homem nos animais e nas plan-

tas e as curas e prevenccedilotildees satildeo ainda mui-

tas vezes problemaacuteticas Desenvolvimen-

tos recentes das aplicaccedilotildees da matemaacutetica

agrave virologia nomeadamente das teorias de

grupos de grafos de tesselaccedilatildeo ou de re-

ticulados mostraram por exemplo que as

restriccedilotildees estruturais agraves formas dos viacuterus

satildeo maiores do que antes se pensava e

permitiram a construccedilatildeo de novos modelos

para o desenvolvimento de terapias anti-

-virais Os capsiacutedeos virais que envolvem

os genomas dos viacuterus por razotildees de eco-

nomia geneacutetica tem muitas vezes uma si-

metria icosaeacutedrica Ora esta simetria natildeo eacute

cristalograacutefica em trecircs dimensotildees ie natildeo

eacute compatiacutevel com reticulados perioacutedicos

o que motivou os matemaacuteticos a desen-

volverem novas estruturas no contexto de

grupos de Coxeter natildeo-cristalograacuteficos que

encontraram aplicaccedilatildeo natildeo soacute na virologia

mas tambeacutem noutras estruturas molecula-

res da quiacutemica do carbono

Joseacute Francisco RodriguesUniversidade de Lisboa

Origami e Viacuterusin imagemcasadascienciasorg

Imagem de Canine Parvovirus gerada em VMD Autor Alexandre Lopes Magalhatildees

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O Aroma das Plantas Luiacutes Gaspar Pedro

Ana Cristina Figueiredo

Joseacute Gonccedilalves Barroso

CESAM CBV Universidade de Lisboa

Quando nos festejos dos Santos Populares colocamos a matildeo sobre o manjerico

provocamos a rutura de estruturas microscoacutepicas Ao fazecirc-lo libertam-se compostos

quiacutemicos que aderem agrave palma da nossa matildeo que depois percecionamos pelo nosso

olfacto Os aromas satildeo misturas complexas de dezenas de compostos volaacuteteis

carateriacutesticos de uma determinada planta

O aroma o que eacute

O aroma de muitas plantas eacute constituiacutedo por diversos compostos quiacutemicos volaacuteteis que

tecircm a capacidade de estimular os nossos recetores olfactivos A quantidade e a diver-

sidade deste tipo de compostos presentes nas plantas satildeo responsaacuteveis pelos aromas

carateriacutesticos Eacute relativamente faacutecil reconhecer o aroma dos coentros ou do manjerico e

distingui-los de outros aromas como o da rosa ou do cravinho

Na composiccedilatildeo da fraccedilatildeo volaacutetil de uma planta aromaacutetica encontram-se regra geral

compostos como os mono- e sesquiterpenos e os fenilpropanoacuteides (FIGURA 1) entre ou-

tros Satildeo todos eles compostos quiacutemicos com ponto de ebuliccedilatildeo relativamente baixo que

volatilizam agrave temperatura ambiente e contribuem de forma mais ou menos notoacuteria para o

aroma carateriacutestico de cada espeacutecie

FIGURA 1 Exemplos de compostos que constituem a fraccedilatildeo volaacutetil de diversas espeacutecies aromaacuteticas monoterpenos (α-pineno timol) sesquiterpenos (β-cariofileno germacreno D) e fenilpropanoacuteides (eugenol)

α-Pineno Timol β-Cariofileno Germacreno D Eugenol

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Estruturas secretoras

Os compostos que constituem a fraccedilatildeo aromaacutetica de uma planta satildeo regra geral sinteti-

zados e acumulados em estruturas secretoras microscoacutepicas Entre os diversos tipos de

estruturas secretoras as mais frequentes satildeo os tricomas os canais e as bolsas (FIGURA 2)

FIGURA 2 Exemplos de estruturas secretoras observadas em microscopia oacuteptica A - Tricoma de Geranium robertianum (s - secretado acumulado no espaccedilo sub-cuticular coloraccedilatildeo com reagente de Nadi) B - canal secretor de Crithmum maritimum (setas coloraccedilatildeo com tricloreto de antimoacutenio) e C - bolsa secretora de Citrus sp (coloraccedilatildeo com Vermelho Sudatildeo III)

Os tricomas glandulares satildeo estruturas externas com origem em ceacutelulas epideacutermicas

que apresentam diversos graus de complexidade desde tricomas com apenas trecircs ceacutelulas

uma das quais a secretora ateacute tricomas com mais de uma dezena de ceacutelulas secretoras

As bolsas e os canais secretores satildeo estruturas internas constituiacutedas por ceacutelulas glandu-

lares que delimitam o luacutemen o espaccedilo para onde satildeo secretados os compostos depois de

produzidos nas ceacutelulas secretoras Os canais satildeo estruturas alongadas que percorrem o

corpo da planta por vezes com ramificaccedilotildees enquanto as bolsas satildeo estruturas mais ou

menos isodiameacutetricas

Os oacuteleos essenciais

Um oacuteleo essencial eacute obtido por hidrodestilaccedilatildeo ou por destilaccedilatildeo por arrastamento de va-

por (FIGURA 3) No caso particular dos citrinos o oacuteleo essencial pode ainda ser obtido

por expressatildeo (processo mecacircnico que promove a libertaccedilatildeo do secretado acumulado no

interior das estruturas secretoras neste caso bolsas)

Tanto na hidrodestilaccedilatildeo como na destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor o secretado eacute

removido das estruturas secretoras e arrastado pelo vapor de aacutegua Depois de condensar

por arrefecimento o oacuteleo essencial separa-se da aacutegua podendo ser facilmente recolhido

devido agrave sua imiscibilidade com a aacutegua

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41FIGURA 3 A - Sistema de hidrodestilaccedilatildeo com aparelho de Clevenger e B - sistema de destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor

Anaacutelise de oacuteleos essenciais

Para analisar um oacuteleo essencial recorre-se frequentemente agrave cromatografia gasosa (CG)

para quantificaccedilatildeo dos componentes e agrave CG acoplada agrave espectrometria de massa (CG-

-EM) para a correspondente identificaccedilatildeo dos constituintes Por CG-EM os diversos com-

ponentes que constituem o oacuteleo essencial satildeo separados uns dos outros e ao chegarem ao

espectroacutemetro de massa satildeo bombardeados por eletrotildees o que leva a que as moleacuteculas

fragmentem formando-se diferentes iotildees de acordo com padrotildees preferenciais O con-

junto dos fragmentosiotildees constituem o espectro de massa que eacute carateriacutestico de cada

moleacutecula A integraccedilatildeo das aacutereas dos picos que surgem no cromatograma obtido por CG

(FIGURA 4A) permite a quantificaccedilatildeo relativa dos diversos componentes do oacuteleo essencial

A anaacutelise por CG-EM possibilita a identificaccedilatildeo desses compostos por comparaccedilatildeo dos

espectros de massa (FIGURA 4B) e dos iacutendices de retenccedilatildeo com os de amostras padratildeo

FIGURA 4 A - Aspeto parcial de um cromatograma obtido por CG carateriacutestico de um oacuteleo essencial com alguns dos ldquopicosrdquo identificados B - espectro de massa obtido por CG-EM de um dos componentes maioritaacuterios o timol

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Paisagens da Islacircndia Formase Processos (III)Fernando Carlos LopesCITEUC Universidade de Coimbra

A Islacircndia eacute famosa natildeo soacute pelos seus vulcotildees mas tambeacutem pelos seus glaciares e pela

sua sinuosa e escarpada linha de costa

Atualmente os glaciares cobrem cerca de 10 da superfiacutecie islandesa e 60 destas

aacutereas geladas assentam sobre sistemas vulcacircnicos ativos Esta combinaccedilatildeo de gelo e vul-

canismo torna a Islacircndia o local ideal para cheias repentinas (joumlkulhlaups) resultantes de

aacutegua que escorre por baixo dos glaciares devido agrave fusatildeo provocada pelas erupccedilotildees subgla-

ciares Atualmente existem 4 grandes calotes glaciares localizadas nas regiotildees elevadas

e vulcanicamente ativas do centro e sul da ilha a partir das quais divergem numerosas liacuten-

guas glaciarias Vatnajoumlkull (8100 km2) situado no centro leste Langjoumlkull (925 km2) si-

tuado no centro oeste Hofsjoumlkull (925 km2) situado na zona central da ilha Myrdalsjoumlkull

(600 km2) situado no sul da ilha Apesar da Islacircndia ter cerca de 24 Ma a sua paisagem soacute

foi moldada por glaciares nos uacuteltimos 5 milhotildees de anos Os seus glaciares de tipo alpino

(ou de montanha) avanccedilaram e recuaram condicionados pelas variaccedilotildees regionais e locais

do clima de que resultaram espetaculares morfologias Como jaacute se referiu anteriormente

as variaccedilotildees da carga glaciar sobre a litosfera provocadas pelas fases de gelo e degelo

teratildeo desempenhado papel importante na atividade vulcacircnica da ilha

Com um comprimento de cerca de 4970 km a linha de costa da Islacircndia eacute de um modo

geral muito recortada e escarpada marcada por promontoacuterios cabos peniacutensulas fiordes

e enseadas pontilhada de leixotildees por entre os quais se aninham praias de areia negra de

contornos suaves A accedilatildeo do mar sobre as inuacutemeras escoadas de lava que fluiacuteram ateacute agrave

costa ao longo da evoluccedilatildeo geoloacutegica da ilha e ali solidificaram sobre os aparelhos vulcacirc-

nicos implantados na zona litoral e sobre os vales deixados pelo recuo dos glaciares criou

paisagens de uma beleza surreal

FIGURA DA PAacuteGINA ANTERIOR Leixatildeo Hvitserkur noroeste da Islacircndia (fonte pixabay)

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Parte III - Paisagens controladas pelos glaciares e paisagens costeirasVales glaciares e fiordes

Vales glaciares vales suspensos lagos glaciares e cascatas ciacuterculos glaciares moreias

e fiordes satildeo formas carateriacutesticas das paisagens islandesas criadas pelos seus glacia-

res alpinos Os vales glaciares com o seu carateriacutestico perfil em ldquoUrdquo satildeo a forma mais

comum de paisagem originada pela erosatildeo glacial (FIGURA 1) No interior destes vales os

rios concentram o seu poder erosivo na zona mais baixa originando um perfil carateriacutestico

em ldquoVrdquo O poder erosivo dos glaciares eacute muito superior ao dos rios porque a sua energia

potencial resulta natildeo soacute do declive do terreno mas tambeacutem do peso do gelo A erosatildeo faz-

-se essencialmente ao longo das zonas laterais do canal criando um vale com vertentes

alcantiladas e fundo aplanado Vales suspensos satildeo vales escavados por glaciares tributaacute-

rios Como estes glaciares levam menos gelo o seu poder erosivo eacute menor que o do glaciar

principal ficando suspenso nas vertentes do glaciar principal quando o gelo recua Cons-

tituem exemplos notaacuteveis pela sua beleza e dimensatildeo os vales glaciares de Borgarvirki

(FIGURA 2) e de Akureyri (ou Eyjafjoumlrethur) no noroeste da ilha Este uacuteltimo vai desembocar

num fiorde que eacute mais longo da Islacircndia

FIGURA 1 Esquema 3D (sem escala) da evoluccedilatildeo de uma paisagem glaciar com formaccedilatildeo de vales glaciares vales glaciares suspensos ciacuterculos glaciares lagos glaciares e cascatas

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FIGURA 2 Aspeto do vale glaciaacuterio de Borgarvirki observado a partir da fortaleza de Borgarvirki

Se as condiccedilotildees forem favoraacuteveis os glaciares podem erodir abaixo do niacutevel do mar Quan-

do o glaciar recua o oceano invade estas depressotildees criando um fiorde Alguns dos fiordes

islandeses como o de Akureyri e o de Nordfjord (nordeste da ilha) possuem centenas de

metros abaixo do niacutevel do mar O fiorde de Nordfjord abrange parcialmente uma antiga cal-

deira vulcacircnica Nas faleacutesias do seu flanco oriental (falesias de Raudubjoumlrg) afloram rioacutelitos

conferindo agraves arribas uma carateriacutestica cor avermelhada)

Como se referiu anteriormente (Parte I) a orientaccedilatildeo da maioria dos vales glaciares e

fiordes segue de perto a orientaccedilatildeo dos principais lineamentos tectoacutenicos

Moreias

Em termos de aspetos deposicionais relacionados com glaciares as moreias satildeo de lon-

ge os mais abundantes Satildeo acumulaccedilotildees de fragmentos rochosos transportados pelos

glaciares quer na regiatildeo frontal (moreia frontal) lateral (moreia lateral) a meio (moreia

mediana) e no fundo (moreia de fundo)

Durante o uacuteltimo maacuteximo glaciar (haacute cerca de 20 000 anos) a Islacircndia estava quase

toda coberta por glaciares que se estendiam ateacute agrave costa e para aleacutem dela Foram encon-

tradas moreias frontais dessa eacutepoca a cerca de 130 km a offshore da costa ocidental e a

cerca de 150-230 m abaixo do niacutevel de mar atual

Eacute possiacutevel encontrar nos vales glaciares islandeses quer moreias antigas resultantes

da uacuteltima glaciaccedilatildeo quer moreias recentes e atuais Estas uacuteltimas estatildeo relacionadas com

as 4 grandes calotes glaciares existentes como eacute o caso das moreias do glaciar Vatna-

joumlkull que se podem observar em pleno no setor sudeste da ilha

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Lagoas glaciares e icebergues

Outra das paisagens magniacuteficas moldadas pelos glaciares satildeo as lagoas glaciares Estas

lagoas formam-se na extremidade dos glaciares que descem das calotes glaciares Satildeo

alimentadas pelo desgelo natural dos glaciares e nela flutuam pequenos e grandes iceber-

gues que se separam da frente do glaciar (FIGURA 3)

FIGURA 3 Esquema 3D (sem escala) da formaccedilatildeo de icebergues numa lagoa glaciar

O exemplo mais notaacutevel deste tipo de lagoas na Islacircndia eacute a lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten consi-

derada uma das maravilhas naturais do paiacutes Fica situada no sudeste da ilha na extremidade

do glaciar Breiethamerkurjoumlkull uma das liacutengua glaciares da calote de Vatnajoumlkull (FIGURA 4)

FIGURA 4 Icebergues na lagoa glaciar de Joumlkulsaacuterloacuten Ao fundo vecirc-se a frente do glaciar Breiethamerkurjoumlkull As faixas negras nos icebergues satildeo niacuteveis de cinza vulcacircnica

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A lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten eacute o ponto mais baixo da Islacircndia com zonas agrave cota de -200 m Na

baiacutea da lagoa tem-se acesso a uma paisagem de outro mundo com icebergues de dimen-

sotildees variadas que flutuam ateacute ao mar ficando alguns deles encalhados na margem de uma

praia de areia vulcacircnica Alguns icebergues exibem faixas negras correspondentes a niacuteveis

de cinzas vulcacircnicas provenientes de antigas erupccedilotildees (FIGURA 4) Outros exibem duas

tonalidades branco leitoso e azul claro A faixa azul corresponde agrave porccedilatildeo do icebergue

que se tornou recentemente emersa

A lagoa teraacute sido formada em 1934-35 pelo contiacutenuo recuo do glaciar Vatnajoumlkull e teraacute

duplicado de tamanho nos uacuteltimos 15 anos Dada a taxa atual de recuo do glaciar Vatna-

joumlkull um profundo fiorde iraacute desenvolver-se no local onde hoje existe a lagoa

As costas escarpadas

As costas escarpadas e recortadas satildeo sem duacutevida as mais dominantes Ocorrem deste o

oeste ao leste da ilha passando pela regiatildeo norte incisas por numerosos fiordes e peque-

nas enseadas e salpicadas por leixotildees Eacute notaacutevel pela sua forma de dragatildeo e pelas lendas

que o envolvem o leixatildeo de Hvitserkur (IMAGEM DA PAGINA 42) situado na costa leste da

Peniacutensula de Vatnsnes no noroeste da Islacircndia

Os fiordes mais profundos localizam-se na costa norte constituindo bons portos natu-

rais Um destaque especial vai para o fiorde ao longo do qual se estende a cidade de Aku-

reyri (fiorde de Akureyri ou Eyjafjoumlrethur) considerado o mais longo do paiacutes

Praias de areia Negra

As praias de areia negra em geral de reduzida extensatildeo podem ser constituiacutedas por i) de-

poacutesitos resultantes da abrasatildeo das arribas ii) moreias e depoacutesitos fluviais resultantes dos

rios glaciares com contornos suaves e lagoas glaciares protegidas por extensas barras

arenosas iii) depoacutesitos de tefra provenientes de erupccedilotildees freaacuteticas

As do primeiro tipo ocorrem um pouco por toda a linha de costa como resultado da accedilatildeo

do mar sobre as arribas As do segundo tipo ocorrem dominantemente entre Djuacutepivogur a

sudeste e Oumllfusaacute a sudoeste com destaque para a praia de Reynisfjara na costa sul As

da terceira categoria podem ser observadas na ilha de Heimaey arquipeacutelago de Vestman-

naeyja regiatildeo sul da Islacircndia

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018048

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Eu crio as minhas obras de arte de peque-

nos pedaccedilos de papel com espirais que co-

nectam e ligam os elementos a uma grande

estrutura Na obra de origami acabada a

que chamo Voltinhas estas espirais vivem

e trabalham Forccedilas de tensatildeo e fricccedilatildeo

contrapotildeem-se agrave gravidade e mantecircm a

forma estaacutevel Nas minhas criaccedilotildees procu-

ro estar perto da natureza Quando criamos

ou estudamos modelos de papel na macro

escala podemos entender melhor as for-

mas criadas pela natureza na micro escala

A minha obra de origami na capa o trabalho

intitulado ldquoInverno num parque de Lisboardquo e

o capsiacutedeo do viacuterus Canine parvovirus um viacute-

rus contagioso que ataca sobretudo os catildees

e outros caniacutedeos tecircm a mesma estrutura

geomeacutetrica do pequeno rombicosidodecae-

dro um poliedro com simetria icosaeacutedrica

Essa obra invoca simbolicamente o Ano

da Biologia Matemaacutetica 2018 O origami eacute

uma arte de dobragem do papel com uma

forte componente geomeacutetrica que permite

a construccedilatildeo de formas complexas e tem

atraiacutedo o interesse de matemaacuteticos pelas

suas propriedades geomeacutetricas e algeacutebricas

Krystyna Burczyk

Os viacuterus satildeo responsaacuteveis por inuacutemeras

doenccedilas no homem nos animais e nas plan-

tas e as curas e prevenccedilotildees satildeo ainda mui-

tas vezes problemaacuteticas Desenvolvimen-

tos recentes das aplicaccedilotildees da matemaacutetica

agrave virologia nomeadamente das teorias de

grupos de grafos de tesselaccedilatildeo ou de re-

ticulados mostraram por exemplo que as

restriccedilotildees estruturais agraves formas dos viacuterus

satildeo maiores do que antes se pensava e

permitiram a construccedilatildeo de novos modelos

para o desenvolvimento de terapias anti-

-virais Os capsiacutedeos virais que envolvem

os genomas dos viacuterus por razotildees de eco-

nomia geneacutetica tem muitas vezes uma si-

metria icosaeacutedrica Ora esta simetria natildeo eacute

cristalograacutefica em trecircs dimensotildees ie natildeo

eacute compatiacutevel com reticulados perioacutedicos

o que motivou os matemaacuteticos a desen-

volverem novas estruturas no contexto de

grupos de Coxeter natildeo-cristalograacuteficos que

encontraram aplicaccedilatildeo natildeo soacute na virologia

mas tambeacutem noutras estruturas molecula-

res da quiacutemica do carbono

Joseacute Francisco RodriguesUniversidade de Lisboa

Origami e Viacuterusin imagemcasadascienciasorg

Imagem de Canine Parvovirus gerada em VMD Autor Alexandre Lopes Magalhatildees

Page 42: JUNHO 2018 V6 /02 · 2018-09-26 · Matilde Viegas, Maria João Ramos, Pedro Alexandrino Fernandes Stephen Hawking e a sua contribuição para a física teórica Orfeu Bertolami,

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Estruturas secretoras

Os compostos que constituem a fraccedilatildeo aromaacutetica de uma planta satildeo regra geral sinteti-

zados e acumulados em estruturas secretoras microscoacutepicas Entre os diversos tipos de

estruturas secretoras as mais frequentes satildeo os tricomas os canais e as bolsas (FIGURA 2)

FIGURA 2 Exemplos de estruturas secretoras observadas em microscopia oacuteptica A - Tricoma de Geranium robertianum (s - secretado acumulado no espaccedilo sub-cuticular coloraccedilatildeo com reagente de Nadi) B - canal secretor de Crithmum maritimum (setas coloraccedilatildeo com tricloreto de antimoacutenio) e C - bolsa secretora de Citrus sp (coloraccedilatildeo com Vermelho Sudatildeo III)

Os tricomas glandulares satildeo estruturas externas com origem em ceacutelulas epideacutermicas

que apresentam diversos graus de complexidade desde tricomas com apenas trecircs ceacutelulas

uma das quais a secretora ateacute tricomas com mais de uma dezena de ceacutelulas secretoras

As bolsas e os canais secretores satildeo estruturas internas constituiacutedas por ceacutelulas glandu-

lares que delimitam o luacutemen o espaccedilo para onde satildeo secretados os compostos depois de

produzidos nas ceacutelulas secretoras Os canais satildeo estruturas alongadas que percorrem o

corpo da planta por vezes com ramificaccedilotildees enquanto as bolsas satildeo estruturas mais ou

menos isodiameacutetricas

Os oacuteleos essenciais

Um oacuteleo essencial eacute obtido por hidrodestilaccedilatildeo ou por destilaccedilatildeo por arrastamento de va-

por (FIGURA 3) No caso particular dos citrinos o oacuteleo essencial pode ainda ser obtido

por expressatildeo (processo mecacircnico que promove a libertaccedilatildeo do secretado acumulado no

interior das estruturas secretoras neste caso bolsas)

Tanto na hidrodestilaccedilatildeo como na destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor o secretado eacute

removido das estruturas secretoras e arrastado pelo vapor de aacutegua Depois de condensar

por arrefecimento o oacuteleo essencial separa-se da aacutegua podendo ser facilmente recolhido

devido agrave sua imiscibilidade com a aacutegua

A B CS

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41FIGURA 3 A - Sistema de hidrodestilaccedilatildeo com aparelho de Clevenger e B - sistema de destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor

Anaacutelise de oacuteleos essenciais

Para analisar um oacuteleo essencial recorre-se frequentemente agrave cromatografia gasosa (CG)

para quantificaccedilatildeo dos componentes e agrave CG acoplada agrave espectrometria de massa (CG-

-EM) para a correspondente identificaccedilatildeo dos constituintes Por CG-EM os diversos com-

ponentes que constituem o oacuteleo essencial satildeo separados uns dos outros e ao chegarem ao

espectroacutemetro de massa satildeo bombardeados por eletrotildees o que leva a que as moleacuteculas

fragmentem formando-se diferentes iotildees de acordo com padrotildees preferenciais O con-

junto dos fragmentosiotildees constituem o espectro de massa que eacute carateriacutestico de cada

moleacutecula A integraccedilatildeo das aacutereas dos picos que surgem no cromatograma obtido por CG

(FIGURA 4A) permite a quantificaccedilatildeo relativa dos diversos componentes do oacuteleo essencial

A anaacutelise por CG-EM possibilita a identificaccedilatildeo desses compostos por comparaccedilatildeo dos

espectros de massa (FIGURA 4B) e dos iacutendices de retenccedilatildeo com os de amostras padratildeo

FIGURA 4 A - Aspeto parcial de um cromatograma obtido por CG carateriacutestico de um oacuteleo essencial com alguns dos ldquopicosrdquo identificados B - espectro de massa obtido por CG-EM de um dos componentes maioritaacuterios o timol

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Paisagens da Islacircndia Formase Processos (III)Fernando Carlos LopesCITEUC Universidade de Coimbra

A Islacircndia eacute famosa natildeo soacute pelos seus vulcotildees mas tambeacutem pelos seus glaciares e pela

sua sinuosa e escarpada linha de costa

Atualmente os glaciares cobrem cerca de 10 da superfiacutecie islandesa e 60 destas

aacutereas geladas assentam sobre sistemas vulcacircnicos ativos Esta combinaccedilatildeo de gelo e vul-

canismo torna a Islacircndia o local ideal para cheias repentinas (joumlkulhlaups) resultantes de

aacutegua que escorre por baixo dos glaciares devido agrave fusatildeo provocada pelas erupccedilotildees subgla-

ciares Atualmente existem 4 grandes calotes glaciares localizadas nas regiotildees elevadas

e vulcanicamente ativas do centro e sul da ilha a partir das quais divergem numerosas liacuten-

guas glaciarias Vatnajoumlkull (8100 km2) situado no centro leste Langjoumlkull (925 km2) si-

tuado no centro oeste Hofsjoumlkull (925 km2) situado na zona central da ilha Myrdalsjoumlkull

(600 km2) situado no sul da ilha Apesar da Islacircndia ter cerca de 24 Ma a sua paisagem soacute

foi moldada por glaciares nos uacuteltimos 5 milhotildees de anos Os seus glaciares de tipo alpino

(ou de montanha) avanccedilaram e recuaram condicionados pelas variaccedilotildees regionais e locais

do clima de que resultaram espetaculares morfologias Como jaacute se referiu anteriormente

as variaccedilotildees da carga glaciar sobre a litosfera provocadas pelas fases de gelo e degelo

teratildeo desempenhado papel importante na atividade vulcacircnica da ilha

Com um comprimento de cerca de 4970 km a linha de costa da Islacircndia eacute de um modo

geral muito recortada e escarpada marcada por promontoacuterios cabos peniacutensulas fiordes

e enseadas pontilhada de leixotildees por entre os quais se aninham praias de areia negra de

contornos suaves A accedilatildeo do mar sobre as inuacutemeras escoadas de lava que fluiacuteram ateacute agrave

costa ao longo da evoluccedilatildeo geoloacutegica da ilha e ali solidificaram sobre os aparelhos vulcacirc-

nicos implantados na zona litoral e sobre os vales deixados pelo recuo dos glaciares criou

paisagens de uma beleza surreal

FIGURA DA PAacuteGINA ANTERIOR Leixatildeo Hvitserkur noroeste da Islacircndia (fonte pixabay)

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Parte III - Paisagens controladas pelos glaciares e paisagens costeirasVales glaciares e fiordes

Vales glaciares vales suspensos lagos glaciares e cascatas ciacuterculos glaciares moreias

e fiordes satildeo formas carateriacutesticas das paisagens islandesas criadas pelos seus glacia-

res alpinos Os vales glaciares com o seu carateriacutestico perfil em ldquoUrdquo satildeo a forma mais

comum de paisagem originada pela erosatildeo glacial (FIGURA 1) No interior destes vales os

rios concentram o seu poder erosivo na zona mais baixa originando um perfil carateriacutestico

em ldquoVrdquo O poder erosivo dos glaciares eacute muito superior ao dos rios porque a sua energia

potencial resulta natildeo soacute do declive do terreno mas tambeacutem do peso do gelo A erosatildeo faz-

-se essencialmente ao longo das zonas laterais do canal criando um vale com vertentes

alcantiladas e fundo aplanado Vales suspensos satildeo vales escavados por glaciares tributaacute-

rios Como estes glaciares levam menos gelo o seu poder erosivo eacute menor que o do glaciar

principal ficando suspenso nas vertentes do glaciar principal quando o gelo recua Cons-

tituem exemplos notaacuteveis pela sua beleza e dimensatildeo os vales glaciares de Borgarvirki

(FIGURA 2) e de Akureyri (ou Eyjafjoumlrethur) no noroeste da ilha Este uacuteltimo vai desembocar

num fiorde que eacute mais longo da Islacircndia

FIGURA 1 Esquema 3D (sem escala) da evoluccedilatildeo de uma paisagem glaciar com formaccedilatildeo de vales glaciares vales glaciares suspensos ciacuterculos glaciares lagos glaciares e cascatas

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FIGURA 2 Aspeto do vale glaciaacuterio de Borgarvirki observado a partir da fortaleza de Borgarvirki

Se as condiccedilotildees forem favoraacuteveis os glaciares podem erodir abaixo do niacutevel do mar Quan-

do o glaciar recua o oceano invade estas depressotildees criando um fiorde Alguns dos fiordes

islandeses como o de Akureyri e o de Nordfjord (nordeste da ilha) possuem centenas de

metros abaixo do niacutevel do mar O fiorde de Nordfjord abrange parcialmente uma antiga cal-

deira vulcacircnica Nas faleacutesias do seu flanco oriental (falesias de Raudubjoumlrg) afloram rioacutelitos

conferindo agraves arribas uma carateriacutestica cor avermelhada)

Como se referiu anteriormente (Parte I) a orientaccedilatildeo da maioria dos vales glaciares e

fiordes segue de perto a orientaccedilatildeo dos principais lineamentos tectoacutenicos

Moreias

Em termos de aspetos deposicionais relacionados com glaciares as moreias satildeo de lon-

ge os mais abundantes Satildeo acumulaccedilotildees de fragmentos rochosos transportados pelos

glaciares quer na regiatildeo frontal (moreia frontal) lateral (moreia lateral) a meio (moreia

mediana) e no fundo (moreia de fundo)

Durante o uacuteltimo maacuteximo glaciar (haacute cerca de 20 000 anos) a Islacircndia estava quase

toda coberta por glaciares que se estendiam ateacute agrave costa e para aleacutem dela Foram encon-

tradas moreias frontais dessa eacutepoca a cerca de 130 km a offshore da costa ocidental e a

cerca de 150-230 m abaixo do niacutevel de mar atual

Eacute possiacutevel encontrar nos vales glaciares islandeses quer moreias antigas resultantes

da uacuteltima glaciaccedilatildeo quer moreias recentes e atuais Estas uacuteltimas estatildeo relacionadas com

as 4 grandes calotes glaciares existentes como eacute o caso das moreias do glaciar Vatna-

joumlkull que se podem observar em pleno no setor sudeste da ilha

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Lagoas glaciares e icebergues

Outra das paisagens magniacuteficas moldadas pelos glaciares satildeo as lagoas glaciares Estas

lagoas formam-se na extremidade dos glaciares que descem das calotes glaciares Satildeo

alimentadas pelo desgelo natural dos glaciares e nela flutuam pequenos e grandes iceber-

gues que se separam da frente do glaciar (FIGURA 3)

FIGURA 3 Esquema 3D (sem escala) da formaccedilatildeo de icebergues numa lagoa glaciar

O exemplo mais notaacutevel deste tipo de lagoas na Islacircndia eacute a lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten consi-

derada uma das maravilhas naturais do paiacutes Fica situada no sudeste da ilha na extremidade

do glaciar Breiethamerkurjoumlkull uma das liacutengua glaciares da calote de Vatnajoumlkull (FIGURA 4)

FIGURA 4 Icebergues na lagoa glaciar de Joumlkulsaacuterloacuten Ao fundo vecirc-se a frente do glaciar Breiethamerkurjoumlkull As faixas negras nos icebergues satildeo niacuteveis de cinza vulcacircnica

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A lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten eacute o ponto mais baixo da Islacircndia com zonas agrave cota de -200 m Na

baiacutea da lagoa tem-se acesso a uma paisagem de outro mundo com icebergues de dimen-

sotildees variadas que flutuam ateacute ao mar ficando alguns deles encalhados na margem de uma

praia de areia vulcacircnica Alguns icebergues exibem faixas negras correspondentes a niacuteveis

de cinzas vulcacircnicas provenientes de antigas erupccedilotildees (FIGURA 4) Outros exibem duas

tonalidades branco leitoso e azul claro A faixa azul corresponde agrave porccedilatildeo do icebergue

que se tornou recentemente emersa

A lagoa teraacute sido formada em 1934-35 pelo contiacutenuo recuo do glaciar Vatnajoumlkull e teraacute

duplicado de tamanho nos uacuteltimos 15 anos Dada a taxa atual de recuo do glaciar Vatna-

joumlkull um profundo fiorde iraacute desenvolver-se no local onde hoje existe a lagoa

As costas escarpadas

As costas escarpadas e recortadas satildeo sem duacutevida as mais dominantes Ocorrem deste o

oeste ao leste da ilha passando pela regiatildeo norte incisas por numerosos fiordes e peque-

nas enseadas e salpicadas por leixotildees Eacute notaacutevel pela sua forma de dragatildeo e pelas lendas

que o envolvem o leixatildeo de Hvitserkur (IMAGEM DA PAGINA 42) situado na costa leste da

Peniacutensula de Vatnsnes no noroeste da Islacircndia

Os fiordes mais profundos localizam-se na costa norte constituindo bons portos natu-

rais Um destaque especial vai para o fiorde ao longo do qual se estende a cidade de Aku-

reyri (fiorde de Akureyri ou Eyjafjoumlrethur) considerado o mais longo do paiacutes

Praias de areia Negra

As praias de areia negra em geral de reduzida extensatildeo podem ser constituiacutedas por i) de-

poacutesitos resultantes da abrasatildeo das arribas ii) moreias e depoacutesitos fluviais resultantes dos

rios glaciares com contornos suaves e lagoas glaciares protegidas por extensas barras

arenosas iii) depoacutesitos de tefra provenientes de erupccedilotildees freaacuteticas

As do primeiro tipo ocorrem um pouco por toda a linha de costa como resultado da accedilatildeo

do mar sobre as arribas As do segundo tipo ocorrem dominantemente entre Djuacutepivogur a

sudeste e Oumllfusaacute a sudoeste com destaque para a praia de Reynisfjara na costa sul As

da terceira categoria podem ser observadas na ilha de Heimaey arquipeacutelago de Vestman-

naeyja regiatildeo sul da Islacircndia

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018048

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Eu crio as minhas obras de arte de peque-

nos pedaccedilos de papel com espirais que co-

nectam e ligam os elementos a uma grande

estrutura Na obra de origami acabada a

que chamo Voltinhas estas espirais vivem

e trabalham Forccedilas de tensatildeo e fricccedilatildeo

contrapotildeem-se agrave gravidade e mantecircm a

forma estaacutevel Nas minhas criaccedilotildees procu-

ro estar perto da natureza Quando criamos

ou estudamos modelos de papel na macro

escala podemos entender melhor as for-

mas criadas pela natureza na micro escala

A minha obra de origami na capa o trabalho

intitulado ldquoInverno num parque de Lisboardquo e

o capsiacutedeo do viacuterus Canine parvovirus um viacute-

rus contagioso que ataca sobretudo os catildees

e outros caniacutedeos tecircm a mesma estrutura

geomeacutetrica do pequeno rombicosidodecae-

dro um poliedro com simetria icosaeacutedrica

Essa obra invoca simbolicamente o Ano

da Biologia Matemaacutetica 2018 O origami eacute

uma arte de dobragem do papel com uma

forte componente geomeacutetrica que permite

a construccedilatildeo de formas complexas e tem

atraiacutedo o interesse de matemaacuteticos pelas

suas propriedades geomeacutetricas e algeacutebricas

Krystyna Burczyk

Os viacuterus satildeo responsaacuteveis por inuacutemeras

doenccedilas no homem nos animais e nas plan-

tas e as curas e prevenccedilotildees satildeo ainda mui-

tas vezes problemaacuteticas Desenvolvimen-

tos recentes das aplicaccedilotildees da matemaacutetica

agrave virologia nomeadamente das teorias de

grupos de grafos de tesselaccedilatildeo ou de re-

ticulados mostraram por exemplo que as

restriccedilotildees estruturais agraves formas dos viacuterus

satildeo maiores do que antes se pensava e

permitiram a construccedilatildeo de novos modelos

para o desenvolvimento de terapias anti-

-virais Os capsiacutedeos virais que envolvem

os genomas dos viacuterus por razotildees de eco-

nomia geneacutetica tem muitas vezes uma si-

metria icosaeacutedrica Ora esta simetria natildeo eacute

cristalograacutefica em trecircs dimensotildees ie natildeo

eacute compatiacutevel com reticulados perioacutedicos

o que motivou os matemaacuteticos a desen-

volverem novas estruturas no contexto de

grupos de Coxeter natildeo-cristalograacuteficos que

encontraram aplicaccedilatildeo natildeo soacute na virologia

mas tambeacutem noutras estruturas molecula-

res da quiacutemica do carbono

Joseacute Francisco RodriguesUniversidade de Lisboa

Origami e Viacuterusin imagemcasadascienciasorg

Imagem de Canine Parvovirus gerada em VMD Autor Alexandre Lopes Magalhatildees

Page 43: JUNHO 2018 V6 /02 · 2018-09-26 · Matilde Viegas, Maria João Ramos, Pedro Alexandrino Fernandes Stephen Hawking e a sua contribuição para a física teórica Orfeu Bertolami,

NO

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41FIGURA 3 A - Sistema de hidrodestilaccedilatildeo com aparelho de Clevenger e B - sistema de destilaccedilatildeo por arrastamento de vapor

Anaacutelise de oacuteleos essenciais

Para analisar um oacuteleo essencial recorre-se frequentemente agrave cromatografia gasosa (CG)

para quantificaccedilatildeo dos componentes e agrave CG acoplada agrave espectrometria de massa (CG-

-EM) para a correspondente identificaccedilatildeo dos constituintes Por CG-EM os diversos com-

ponentes que constituem o oacuteleo essencial satildeo separados uns dos outros e ao chegarem ao

espectroacutemetro de massa satildeo bombardeados por eletrotildees o que leva a que as moleacuteculas

fragmentem formando-se diferentes iotildees de acordo com padrotildees preferenciais O con-

junto dos fragmentosiotildees constituem o espectro de massa que eacute carateriacutestico de cada

moleacutecula A integraccedilatildeo das aacutereas dos picos que surgem no cromatograma obtido por CG

(FIGURA 4A) permite a quantificaccedilatildeo relativa dos diversos componentes do oacuteleo essencial

A anaacutelise por CG-EM possibilita a identificaccedilatildeo desses compostos por comparaccedilatildeo dos

espectros de massa (FIGURA 4B) e dos iacutendices de retenccedilatildeo com os de amostras padratildeo

FIGURA 4 A - Aspeto parcial de um cromatograma obtido por CG carateriacutestico de um oacuteleo essencial com alguns dos ldquopicosrdquo identificados B - espectro de massa obtido por CG-EM de um dos componentes maioritaacuterios o timol

A B

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Paisagens da Islacircndia Formase Processos (III)Fernando Carlos LopesCITEUC Universidade de Coimbra

A Islacircndia eacute famosa natildeo soacute pelos seus vulcotildees mas tambeacutem pelos seus glaciares e pela

sua sinuosa e escarpada linha de costa

Atualmente os glaciares cobrem cerca de 10 da superfiacutecie islandesa e 60 destas

aacutereas geladas assentam sobre sistemas vulcacircnicos ativos Esta combinaccedilatildeo de gelo e vul-

canismo torna a Islacircndia o local ideal para cheias repentinas (joumlkulhlaups) resultantes de

aacutegua que escorre por baixo dos glaciares devido agrave fusatildeo provocada pelas erupccedilotildees subgla-

ciares Atualmente existem 4 grandes calotes glaciares localizadas nas regiotildees elevadas

e vulcanicamente ativas do centro e sul da ilha a partir das quais divergem numerosas liacuten-

guas glaciarias Vatnajoumlkull (8100 km2) situado no centro leste Langjoumlkull (925 km2) si-

tuado no centro oeste Hofsjoumlkull (925 km2) situado na zona central da ilha Myrdalsjoumlkull

(600 km2) situado no sul da ilha Apesar da Islacircndia ter cerca de 24 Ma a sua paisagem soacute

foi moldada por glaciares nos uacuteltimos 5 milhotildees de anos Os seus glaciares de tipo alpino

(ou de montanha) avanccedilaram e recuaram condicionados pelas variaccedilotildees regionais e locais

do clima de que resultaram espetaculares morfologias Como jaacute se referiu anteriormente

as variaccedilotildees da carga glaciar sobre a litosfera provocadas pelas fases de gelo e degelo

teratildeo desempenhado papel importante na atividade vulcacircnica da ilha

Com um comprimento de cerca de 4970 km a linha de costa da Islacircndia eacute de um modo

geral muito recortada e escarpada marcada por promontoacuterios cabos peniacutensulas fiordes

e enseadas pontilhada de leixotildees por entre os quais se aninham praias de areia negra de

contornos suaves A accedilatildeo do mar sobre as inuacutemeras escoadas de lava que fluiacuteram ateacute agrave

costa ao longo da evoluccedilatildeo geoloacutegica da ilha e ali solidificaram sobre os aparelhos vulcacirc-

nicos implantados na zona litoral e sobre os vales deixados pelo recuo dos glaciares criou

paisagens de uma beleza surreal

FIGURA DA PAacuteGINA ANTERIOR Leixatildeo Hvitserkur noroeste da Islacircndia (fonte pixabay)

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Parte III - Paisagens controladas pelos glaciares e paisagens costeirasVales glaciares e fiordes

Vales glaciares vales suspensos lagos glaciares e cascatas ciacuterculos glaciares moreias

e fiordes satildeo formas carateriacutesticas das paisagens islandesas criadas pelos seus glacia-

res alpinos Os vales glaciares com o seu carateriacutestico perfil em ldquoUrdquo satildeo a forma mais

comum de paisagem originada pela erosatildeo glacial (FIGURA 1) No interior destes vales os

rios concentram o seu poder erosivo na zona mais baixa originando um perfil carateriacutestico

em ldquoVrdquo O poder erosivo dos glaciares eacute muito superior ao dos rios porque a sua energia

potencial resulta natildeo soacute do declive do terreno mas tambeacutem do peso do gelo A erosatildeo faz-

-se essencialmente ao longo das zonas laterais do canal criando um vale com vertentes

alcantiladas e fundo aplanado Vales suspensos satildeo vales escavados por glaciares tributaacute-

rios Como estes glaciares levam menos gelo o seu poder erosivo eacute menor que o do glaciar

principal ficando suspenso nas vertentes do glaciar principal quando o gelo recua Cons-

tituem exemplos notaacuteveis pela sua beleza e dimensatildeo os vales glaciares de Borgarvirki

(FIGURA 2) e de Akureyri (ou Eyjafjoumlrethur) no noroeste da ilha Este uacuteltimo vai desembocar

num fiorde que eacute mais longo da Islacircndia

FIGURA 1 Esquema 3D (sem escala) da evoluccedilatildeo de uma paisagem glaciar com formaccedilatildeo de vales glaciares vales glaciares suspensos ciacuterculos glaciares lagos glaciares e cascatas

AO

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FIGURA 2 Aspeto do vale glaciaacuterio de Borgarvirki observado a partir da fortaleza de Borgarvirki

Se as condiccedilotildees forem favoraacuteveis os glaciares podem erodir abaixo do niacutevel do mar Quan-

do o glaciar recua o oceano invade estas depressotildees criando um fiorde Alguns dos fiordes

islandeses como o de Akureyri e o de Nordfjord (nordeste da ilha) possuem centenas de

metros abaixo do niacutevel do mar O fiorde de Nordfjord abrange parcialmente uma antiga cal-

deira vulcacircnica Nas faleacutesias do seu flanco oriental (falesias de Raudubjoumlrg) afloram rioacutelitos

conferindo agraves arribas uma carateriacutestica cor avermelhada)

Como se referiu anteriormente (Parte I) a orientaccedilatildeo da maioria dos vales glaciares e

fiordes segue de perto a orientaccedilatildeo dos principais lineamentos tectoacutenicos

Moreias

Em termos de aspetos deposicionais relacionados com glaciares as moreias satildeo de lon-

ge os mais abundantes Satildeo acumulaccedilotildees de fragmentos rochosos transportados pelos

glaciares quer na regiatildeo frontal (moreia frontal) lateral (moreia lateral) a meio (moreia

mediana) e no fundo (moreia de fundo)

Durante o uacuteltimo maacuteximo glaciar (haacute cerca de 20 000 anos) a Islacircndia estava quase

toda coberta por glaciares que se estendiam ateacute agrave costa e para aleacutem dela Foram encon-

tradas moreias frontais dessa eacutepoca a cerca de 130 km a offshore da costa ocidental e a

cerca de 150-230 m abaixo do niacutevel de mar atual

Eacute possiacutevel encontrar nos vales glaciares islandeses quer moreias antigas resultantes

da uacuteltima glaciaccedilatildeo quer moreias recentes e atuais Estas uacuteltimas estatildeo relacionadas com

as 4 grandes calotes glaciares existentes como eacute o caso das moreias do glaciar Vatna-

joumlkull que se podem observar em pleno no setor sudeste da ilha

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Lagoas glaciares e icebergues

Outra das paisagens magniacuteficas moldadas pelos glaciares satildeo as lagoas glaciares Estas

lagoas formam-se na extremidade dos glaciares que descem das calotes glaciares Satildeo

alimentadas pelo desgelo natural dos glaciares e nela flutuam pequenos e grandes iceber-

gues que se separam da frente do glaciar (FIGURA 3)

FIGURA 3 Esquema 3D (sem escala) da formaccedilatildeo de icebergues numa lagoa glaciar

O exemplo mais notaacutevel deste tipo de lagoas na Islacircndia eacute a lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten consi-

derada uma das maravilhas naturais do paiacutes Fica situada no sudeste da ilha na extremidade

do glaciar Breiethamerkurjoumlkull uma das liacutengua glaciares da calote de Vatnajoumlkull (FIGURA 4)

FIGURA 4 Icebergues na lagoa glaciar de Joumlkulsaacuterloacuten Ao fundo vecirc-se a frente do glaciar Breiethamerkurjoumlkull As faixas negras nos icebergues satildeo niacuteveis de cinza vulcacircnica

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A lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten eacute o ponto mais baixo da Islacircndia com zonas agrave cota de -200 m Na

baiacutea da lagoa tem-se acesso a uma paisagem de outro mundo com icebergues de dimen-

sotildees variadas que flutuam ateacute ao mar ficando alguns deles encalhados na margem de uma

praia de areia vulcacircnica Alguns icebergues exibem faixas negras correspondentes a niacuteveis

de cinzas vulcacircnicas provenientes de antigas erupccedilotildees (FIGURA 4) Outros exibem duas

tonalidades branco leitoso e azul claro A faixa azul corresponde agrave porccedilatildeo do icebergue

que se tornou recentemente emersa

A lagoa teraacute sido formada em 1934-35 pelo contiacutenuo recuo do glaciar Vatnajoumlkull e teraacute

duplicado de tamanho nos uacuteltimos 15 anos Dada a taxa atual de recuo do glaciar Vatna-

joumlkull um profundo fiorde iraacute desenvolver-se no local onde hoje existe a lagoa

As costas escarpadas

As costas escarpadas e recortadas satildeo sem duacutevida as mais dominantes Ocorrem deste o

oeste ao leste da ilha passando pela regiatildeo norte incisas por numerosos fiordes e peque-

nas enseadas e salpicadas por leixotildees Eacute notaacutevel pela sua forma de dragatildeo e pelas lendas

que o envolvem o leixatildeo de Hvitserkur (IMAGEM DA PAGINA 42) situado na costa leste da

Peniacutensula de Vatnsnes no noroeste da Islacircndia

Os fiordes mais profundos localizam-se na costa norte constituindo bons portos natu-

rais Um destaque especial vai para o fiorde ao longo do qual se estende a cidade de Aku-

reyri (fiorde de Akureyri ou Eyjafjoumlrethur) considerado o mais longo do paiacutes

Praias de areia Negra

As praias de areia negra em geral de reduzida extensatildeo podem ser constituiacutedas por i) de-

poacutesitos resultantes da abrasatildeo das arribas ii) moreias e depoacutesitos fluviais resultantes dos

rios glaciares com contornos suaves e lagoas glaciares protegidas por extensas barras

arenosas iii) depoacutesitos de tefra provenientes de erupccedilotildees freaacuteticas

As do primeiro tipo ocorrem um pouco por toda a linha de costa como resultado da accedilatildeo

do mar sobre as arribas As do segundo tipo ocorrem dominantemente entre Djuacutepivogur a

sudeste e Oumllfusaacute a sudoeste com destaque para a praia de Reynisfjara na costa sul As

da terceira categoria podem ser observadas na ilha de Heimaey arquipeacutelago de Vestman-

naeyja regiatildeo sul da Islacircndia

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018048

IMA

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Eu crio as minhas obras de arte de peque-

nos pedaccedilos de papel com espirais que co-

nectam e ligam os elementos a uma grande

estrutura Na obra de origami acabada a

que chamo Voltinhas estas espirais vivem

e trabalham Forccedilas de tensatildeo e fricccedilatildeo

contrapotildeem-se agrave gravidade e mantecircm a

forma estaacutevel Nas minhas criaccedilotildees procu-

ro estar perto da natureza Quando criamos

ou estudamos modelos de papel na macro

escala podemos entender melhor as for-

mas criadas pela natureza na micro escala

A minha obra de origami na capa o trabalho

intitulado ldquoInverno num parque de Lisboardquo e

o capsiacutedeo do viacuterus Canine parvovirus um viacute-

rus contagioso que ataca sobretudo os catildees

e outros caniacutedeos tecircm a mesma estrutura

geomeacutetrica do pequeno rombicosidodecae-

dro um poliedro com simetria icosaeacutedrica

Essa obra invoca simbolicamente o Ano

da Biologia Matemaacutetica 2018 O origami eacute

uma arte de dobragem do papel com uma

forte componente geomeacutetrica que permite

a construccedilatildeo de formas complexas e tem

atraiacutedo o interesse de matemaacuteticos pelas

suas propriedades geomeacutetricas e algeacutebricas

Krystyna Burczyk

Os viacuterus satildeo responsaacuteveis por inuacutemeras

doenccedilas no homem nos animais e nas plan-

tas e as curas e prevenccedilotildees satildeo ainda mui-

tas vezes problemaacuteticas Desenvolvimen-

tos recentes das aplicaccedilotildees da matemaacutetica

agrave virologia nomeadamente das teorias de

grupos de grafos de tesselaccedilatildeo ou de re-

ticulados mostraram por exemplo que as

restriccedilotildees estruturais agraves formas dos viacuterus

satildeo maiores do que antes se pensava e

permitiram a construccedilatildeo de novos modelos

para o desenvolvimento de terapias anti-

-virais Os capsiacutedeos virais que envolvem

os genomas dos viacuterus por razotildees de eco-

nomia geneacutetica tem muitas vezes uma si-

metria icosaeacutedrica Ora esta simetria natildeo eacute

cristalograacutefica em trecircs dimensotildees ie natildeo

eacute compatiacutevel com reticulados perioacutedicos

o que motivou os matemaacuteticos a desen-

volverem novas estruturas no contexto de

grupos de Coxeter natildeo-cristalograacuteficos que

encontraram aplicaccedilatildeo natildeo soacute na virologia

mas tambeacutem noutras estruturas molecula-

res da quiacutemica do carbono

Joseacute Francisco RodriguesUniversidade de Lisboa

Origami e Viacuterusin imagemcasadascienciasorg

Imagem de Canine Parvovirus gerada em VMD Autor Alexandre Lopes Magalhatildees

Page 44: JUNHO 2018 V6 /02 · 2018-09-26 · Matilde Viegas, Maria João Ramos, Pedro Alexandrino Fernandes Stephen Hawking e a sua contribuição para a física teórica Orfeu Bertolami,

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Paisagens da Islacircndia Formase Processos (III)Fernando Carlos LopesCITEUC Universidade de Coimbra

A Islacircndia eacute famosa natildeo soacute pelos seus vulcotildees mas tambeacutem pelos seus glaciares e pela

sua sinuosa e escarpada linha de costa

Atualmente os glaciares cobrem cerca de 10 da superfiacutecie islandesa e 60 destas

aacutereas geladas assentam sobre sistemas vulcacircnicos ativos Esta combinaccedilatildeo de gelo e vul-

canismo torna a Islacircndia o local ideal para cheias repentinas (joumlkulhlaups) resultantes de

aacutegua que escorre por baixo dos glaciares devido agrave fusatildeo provocada pelas erupccedilotildees subgla-

ciares Atualmente existem 4 grandes calotes glaciares localizadas nas regiotildees elevadas

e vulcanicamente ativas do centro e sul da ilha a partir das quais divergem numerosas liacuten-

guas glaciarias Vatnajoumlkull (8100 km2) situado no centro leste Langjoumlkull (925 km2) si-

tuado no centro oeste Hofsjoumlkull (925 km2) situado na zona central da ilha Myrdalsjoumlkull

(600 km2) situado no sul da ilha Apesar da Islacircndia ter cerca de 24 Ma a sua paisagem soacute

foi moldada por glaciares nos uacuteltimos 5 milhotildees de anos Os seus glaciares de tipo alpino

(ou de montanha) avanccedilaram e recuaram condicionados pelas variaccedilotildees regionais e locais

do clima de que resultaram espetaculares morfologias Como jaacute se referiu anteriormente

as variaccedilotildees da carga glaciar sobre a litosfera provocadas pelas fases de gelo e degelo

teratildeo desempenhado papel importante na atividade vulcacircnica da ilha

Com um comprimento de cerca de 4970 km a linha de costa da Islacircndia eacute de um modo

geral muito recortada e escarpada marcada por promontoacuterios cabos peniacutensulas fiordes

e enseadas pontilhada de leixotildees por entre os quais se aninham praias de areia negra de

contornos suaves A accedilatildeo do mar sobre as inuacutemeras escoadas de lava que fluiacuteram ateacute agrave

costa ao longo da evoluccedilatildeo geoloacutegica da ilha e ali solidificaram sobre os aparelhos vulcacirc-

nicos implantados na zona litoral e sobre os vales deixados pelo recuo dos glaciares criou

paisagens de uma beleza surreal

FIGURA DA PAacuteGINA ANTERIOR Leixatildeo Hvitserkur noroeste da Islacircndia (fonte pixabay)

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Parte III - Paisagens controladas pelos glaciares e paisagens costeirasVales glaciares e fiordes

Vales glaciares vales suspensos lagos glaciares e cascatas ciacuterculos glaciares moreias

e fiordes satildeo formas carateriacutesticas das paisagens islandesas criadas pelos seus glacia-

res alpinos Os vales glaciares com o seu carateriacutestico perfil em ldquoUrdquo satildeo a forma mais

comum de paisagem originada pela erosatildeo glacial (FIGURA 1) No interior destes vales os

rios concentram o seu poder erosivo na zona mais baixa originando um perfil carateriacutestico

em ldquoVrdquo O poder erosivo dos glaciares eacute muito superior ao dos rios porque a sua energia

potencial resulta natildeo soacute do declive do terreno mas tambeacutem do peso do gelo A erosatildeo faz-

-se essencialmente ao longo das zonas laterais do canal criando um vale com vertentes

alcantiladas e fundo aplanado Vales suspensos satildeo vales escavados por glaciares tributaacute-

rios Como estes glaciares levam menos gelo o seu poder erosivo eacute menor que o do glaciar

principal ficando suspenso nas vertentes do glaciar principal quando o gelo recua Cons-

tituem exemplos notaacuteveis pela sua beleza e dimensatildeo os vales glaciares de Borgarvirki

(FIGURA 2) e de Akureyri (ou Eyjafjoumlrethur) no noroeste da ilha Este uacuteltimo vai desembocar

num fiorde que eacute mais longo da Islacircndia

FIGURA 1 Esquema 3D (sem escala) da evoluccedilatildeo de uma paisagem glaciar com formaccedilatildeo de vales glaciares vales glaciares suspensos ciacuterculos glaciares lagos glaciares e cascatas

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FIGURA 2 Aspeto do vale glaciaacuterio de Borgarvirki observado a partir da fortaleza de Borgarvirki

Se as condiccedilotildees forem favoraacuteveis os glaciares podem erodir abaixo do niacutevel do mar Quan-

do o glaciar recua o oceano invade estas depressotildees criando um fiorde Alguns dos fiordes

islandeses como o de Akureyri e o de Nordfjord (nordeste da ilha) possuem centenas de

metros abaixo do niacutevel do mar O fiorde de Nordfjord abrange parcialmente uma antiga cal-

deira vulcacircnica Nas faleacutesias do seu flanco oriental (falesias de Raudubjoumlrg) afloram rioacutelitos

conferindo agraves arribas uma carateriacutestica cor avermelhada)

Como se referiu anteriormente (Parte I) a orientaccedilatildeo da maioria dos vales glaciares e

fiordes segue de perto a orientaccedilatildeo dos principais lineamentos tectoacutenicos

Moreias

Em termos de aspetos deposicionais relacionados com glaciares as moreias satildeo de lon-

ge os mais abundantes Satildeo acumulaccedilotildees de fragmentos rochosos transportados pelos

glaciares quer na regiatildeo frontal (moreia frontal) lateral (moreia lateral) a meio (moreia

mediana) e no fundo (moreia de fundo)

Durante o uacuteltimo maacuteximo glaciar (haacute cerca de 20 000 anos) a Islacircndia estava quase

toda coberta por glaciares que se estendiam ateacute agrave costa e para aleacutem dela Foram encon-

tradas moreias frontais dessa eacutepoca a cerca de 130 km a offshore da costa ocidental e a

cerca de 150-230 m abaixo do niacutevel de mar atual

Eacute possiacutevel encontrar nos vales glaciares islandeses quer moreias antigas resultantes

da uacuteltima glaciaccedilatildeo quer moreias recentes e atuais Estas uacuteltimas estatildeo relacionadas com

as 4 grandes calotes glaciares existentes como eacute o caso das moreias do glaciar Vatna-

joumlkull que se podem observar em pleno no setor sudeste da ilha

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Lagoas glaciares e icebergues

Outra das paisagens magniacuteficas moldadas pelos glaciares satildeo as lagoas glaciares Estas

lagoas formam-se na extremidade dos glaciares que descem das calotes glaciares Satildeo

alimentadas pelo desgelo natural dos glaciares e nela flutuam pequenos e grandes iceber-

gues que se separam da frente do glaciar (FIGURA 3)

FIGURA 3 Esquema 3D (sem escala) da formaccedilatildeo de icebergues numa lagoa glaciar

O exemplo mais notaacutevel deste tipo de lagoas na Islacircndia eacute a lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten consi-

derada uma das maravilhas naturais do paiacutes Fica situada no sudeste da ilha na extremidade

do glaciar Breiethamerkurjoumlkull uma das liacutengua glaciares da calote de Vatnajoumlkull (FIGURA 4)

FIGURA 4 Icebergues na lagoa glaciar de Joumlkulsaacuterloacuten Ao fundo vecirc-se a frente do glaciar Breiethamerkurjoumlkull As faixas negras nos icebergues satildeo niacuteveis de cinza vulcacircnica

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A lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten eacute o ponto mais baixo da Islacircndia com zonas agrave cota de -200 m Na

baiacutea da lagoa tem-se acesso a uma paisagem de outro mundo com icebergues de dimen-

sotildees variadas que flutuam ateacute ao mar ficando alguns deles encalhados na margem de uma

praia de areia vulcacircnica Alguns icebergues exibem faixas negras correspondentes a niacuteveis

de cinzas vulcacircnicas provenientes de antigas erupccedilotildees (FIGURA 4) Outros exibem duas

tonalidades branco leitoso e azul claro A faixa azul corresponde agrave porccedilatildeo do icebergue

que se tornou recentemente emersa

A lagoa teraacute sido formada em 1934-35 pelo contiacutenuo recuo do glaciar Vatnajoumlkull e teraacute

duplicado de tamanho nos uacuteltimos 15 anos Dada a taxa atual de recuo do glaciar Vatna-

joumlkull um profundo fiorde iraacute desenvolver-se no local onde hoje existe a lagoa

As costas escarpadas

As costas escarpadas e recortadas satildeo sem duacutevida as mais dominantes Ocorrem deste o

oeste ao leste da ilha passando pela regiatildeo norte incisas por numerosos fiordes e peque-

nas enseadas e salpicadas por leixotildees Eacute notaacutevel pela sua forma de dragatildeo e pelas lendas

que o envolvem o leixatildeo de Hvitserkur (IMAGEM DA PAGINA 42) situado na costa leste da

Peniacutensula de Vatnsnes no noroeste da Islacircndia

Os fiordes mais profundos localizam-se na costa norte constituindo bons portos natu-

rais Um destaque especial vai para o fiorde ao longo do qual se estende a cidade de Aku-

reyri (fiorde de Akureyri ou Eyjafjoumlrethur) considerado o mais longo do paiacutes

Praias de areia Negra

As praias de areia negra em geral de reduzida extensatildeo podem ser constituiacutedas por i) de-

poacutesitos resultantes da abrasatildeo das arribas ii) moreias e depoacutesitos fluviais resultantes dos

rios glaciares com contornos suaves e lagoas glaciares protegidas por extensas barras

arenosas iii) depoacutesitos de tefra provenientes de erupccedilotildees freaacuteticas

As do primeiro tipo ocorrem um pouco por toda a linha de costa como resultado da accedilatildeo

do mar sobre as arribas As do segundo tipo ocorrem dominantemente entre Djuacutepivogur a

sudeste e Oumllfusaacute a sudoeste com destaque para a praia de Reynisfjara na costa sul As

da terceira categoria podem ser observadas na ilha de Heimaey arquipeacutelago de Vestman-

naeyja regiatildeo sul da Islacircndia

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018048

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Eu crio as minhas obras de arte de peque-

nos pedaccedilos de papel com espirais que co-

nectam e ligam os elementos a uma grande

estrutura Na obra de origami acabada a

que chamo Voltinhas estas espirais vivem

e trabalham Forccedilas de tensatildeo e fricccedilatildeo

contrapotildeem-se agrave gravidade e mantecircm a

forma estaacutevel Nas minhas criaccedilotildees procu-

ro estar perto da natureza Quando criamos

ou estudamos modelos de papel na macro

escala podemos entender melhor as for-

mas criadas pela natureza na micro escala

A minha obra de origami na capa o trabalho

intitulado ldquoInverno num parque de Lisboardquo e

o capsiacutedeo do viacuterus Canine parvovirus um viacute-

rus contagioso que ataca sobretudo os catildees

e outros caniacutedeos tecircm a mesma estrutura

geomeacutetrica do pequeno rombicosidodecae-

dro um poliedro com simetria icosaeacutedrica

Essa obra invoca simbolicamente o Ano

da Biologia Matemaacutetica 2018 O origami eacute

uma arte de dobragem do papel com uma

forte componente geomeacutetrica que permite

a construccedilatildeo de formas complexas e tem

atraiacutedo o interesse de matemaacuteticos pelas

suas propriedades geomeacutetricas e algeacutebricas

Krystyna Burczyk

Os viacuterus satildeo responsaacuteveis por inuacutemeras

doenccedilas no homem nos animais e nas plan-

tas e as curas e prevenccedilotildees satildeo ainda mui-

tas vezes problemaacuteticas Desenvolvimen-

tos recentes das aplicaccedilotildees da matemaacutetica

agrave virologia nomeadamente das teorias de

grupos de grafos de tesselaccedilatildeo ou de re-

ticulados mostraram por exemplo que as

restriccedilotildees estruturais agraves formas dos viacuterus

satildeo maiores do que antes se pensava e

permitiram a construccedilatildeo de novos modelos

para o desenvolvimento de terapias anti-

-virais Os capsiacutedeos virais que envolvem

os genomas dos viacuterus por razotildees de eco-

nomia geneacutetica tem muitas vezes uma si-

metria icosaeacutedrica Ora esta simetria natildeo eacute

cristalograacutefica em trecircs dimensotildees ie natildeo

eacute compatiacutevel com reticulados perioacutedicos

o que motivou os matemaacuteticos a desen-

volverem novas estruturas no contexto de

grupos de Coxeter natildeo-cristalograacuteficos que

encontraram aplicaccedilatildeo natildeo soacute na virologia

mas tambeacutem noutras estruturas molecula-

res da quiacutemica do carbono

Joseacute Francisco RodriguesUniversidade de Lisboa

Origami e Viacuterusin imagemcasadascienciasorg

Imagem de Canine Parvovirus gerada em VMD Autor Alexandre Lopes Magalhatildees

Page 45: JUNHO 2018 V6 /02 · 2018-09-26 · Matilde Viegas, Maria João Ramos, Pedro Alexandrino Fernandes Stephen Hawking e a sua contribuição para a física teórica Orfeu Bertolami,

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Parte III - Paisagens controladas pelos glaciares e paisagens costeirasVales glaciares e fiordes

Vales glaciares vales suspensos lagos glaciares e cascatas ciacuterculos glaciares moreias

e fiordes satildeo formas carateriacutesticas das paisagens islandesas criadas pelos seus glacia-

res alpinos Os vales glaciares com o seu carateriacutestico perfil em ldquoUrdquo satildeo a forma mais

comum de paisagem originada pela erosatildeo glacial (FIGURA 1) No interior destes vales os

rios concentram o seu poder erosivo na zona mais baixa originando um perfil carateriacutestico

em ldquoVrdquo O poder erosivo dos glaciares eacute muito superior ao dos rios porque a sua energia

potencial resulta natildeo soacute do declive do terreno mas tambeacutem do peso do gelo A erosatildeo faz-

-se essencialmente ao longo das zonas laterais do canal criando um vale com vertentes

alcantiladas e fundo aplanado Vales suspensos satildeo vales escavados por glaciares tributaacute-

rios Como estes glaciares levam menos gelo o seu poder erosivo eacute menor que o do glaciar

principal ficando suspenso nas vertentes do glaciar principal quando o gelo recua Cons-

tituem exemplos notaacuteveis pela sua beleza e dimensatildeo os vales glaciares de Borgarvirki

(FIGURA 2) e de Akureyri (ou Eyjafjoumlrethur) no noroeste da ilha Este uacuteltimo vai desembocar

num fiorde que eacute mais longo da Islacircndia

FIGURA 1 Esquema 3D (sem escala) da evoluccedilatildeo de uma paisagem glaciar com formaccedilatildeo de vales glaciares vales glaciares suspensos ciacuterculos glaciares lagos glaciares e cascatas

AO

S O

LH

OS

DA

CIEcirc

NC

IA

45

FIGURA 2 Aspeto do vale glaciaacuterio de Borgarvirki observado a partir da fortaleza de Borgarvirki

Se as condiccedilotildees forem favoraacuteveis os glaciares podem erodir abaixo do niacutevel do mar Quan-

do o glaciar recua o oceano invade estas depressotildees criando um fiorde Alguns dos fiordes

islandeses como o de Akureyri e o de Nordfjord (nordeste da ilha) possuem centenas de

metros abaixo do niacutevel do mar O fiorde de Nordfjord abrange parcialmente uma antiga cal-

deira vulcacircnica Nas faleacutesias do seu flanco oriental (falesias de Raudubjoumlrg) afloram rioacutelitos

conferindo agraves arribas uma carateriacutestica cor avermelhada)

Como se referiu anteriormente (Parte I) a orientaccedilatildeo da maioria dos vales glaciares e

fiordes segue de perto a orientaccedilatildeo dos principais lineamentos tectoacutenicos

Moreias

Em termos de aspetos deposicionais relacionados com glaciares as moreias satildeo de lon-

ge os mais abundantes Satildeo acumulaccedilotildees de fragmentos rochosos transportados pelos

glaciares quer na regiatildeo frontal (moreia frontal) lateral (moreia lateral) a meio (moreia

mediana) e no fundo (moreia de fundo)

Durante o uacuteltimo maacuteximo glaciar (haacute cerca de 20 000 anos) a Islacircndia estava quase

toda coberta por glaciares que se estendiam ateacute agrave costa e para aleacutem dela Foram encon-

tradas moreias frontais dessa eacutepoca a cerca de 130 km a offshore da costa ocidental e a

cerca de 150-230 m abaixo do niacutevel de mar atual

Eacute possiacutevel encontrar nos vales glaciares islandeses quer moreias antigas resultantes

da uacuteltima glaciaccedilatildeo quer moreias recentes e atuais Estas uacuteltimas estatildeo relacionadas com

as 4 grandes calotes glaciares existentes como eacute o caso das moreias do glaciar Vatna-

joumlkull que se podem observar em pleno no setor sudeste da ilha

AO

S O

LH

OS

DA

CIEcirc

NC

IA

46

Lagoas glaciares e icebergues

Outra das paisagens magniacuteficas moldadas pelos glaciares satildeo as lagoas glaciares Estas

lagoas formam-se na extremidade dos glaciares que descem das calotes glaciares Satildeo

alimentadas pelo desgelo natural dos glaciares e nela flutuam pequenos e grandes iceber-

gues que se separam da frente do glaciar (FIGURA 3)

FIGURA 3 Esquema 3D (sem escala) da formaccedilatildeo de icebergues numa lagoa glaciar

O exemplo mais notaacutevel deste tipo de lagoas na Islacircndia eacute a lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten consi-

derada uma das maravilhas naturais do paiacutes Fica situada no sudeste da ilha na extremidade

do glaciar Breiethamerkurjoumlkull uma das liacutengua glaciares da calote de Vatnajoumlkull (FIGURA 4)

FIGURA 4 Icebergues na lagoa glaciar de Joumlkulsaacuterloacuten Ao fundo vecirc-se a frente do glaciar Breiethamerkurjoumlkull As faixas negras nos icebergues satildeo niacuteveis de cinza vulcacircnica

AO

S O

LH

OS

DA

CIEcirc

NC

IA

47

A lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten eacute o ponto mais baixo da Islacircndia com zonas agrave cota de -200 m Na

baiacutea da lagoa tem-se acesso a uma paisagem de outro mundo com icebergues de dimen-

sotildees variadas que flutuam ateacute ao mar ficando alguns deles encalhados na margem de uma

praia de areia vulcacircnica Alguns icebergues exibem faixas negras correspondentes a niacuteveis

de cinzas vulcacircnicas provenientes de antigas erupccedilotildees (FIGURA 4) Outros exibem duas

tonalidades branco leitoso e azul claro A faixa azul corresponde agrave porccedilatildeo do icebergue

que se tornou recentemente emersa

A lagoa teraacute sido formada em 1934-35 pelo contiacutenuo recuo do glaciar Vatnajoumlkull e teraacute

duplicado de tamanho nos uacuteltimos 15 anos Dada a taxa atual de recuo do glaciar Vatna-

joumlkull um profundo fiorde iraacute desenvolver-se no local onde hoje existe a lagoa

As costas escarpadas

As costas escarpadas e recortadas satildeo sem duacutevida as mais dominantes Ocorrem deste o

oeste ao leste da ilha passando pela regiatildeo norte incisas por numerosos fiordes e peque-

nas enseadas e salpicadas por leixotildees Eacute notaacutevel pela sua forma de dragatildeo e pelas lendas

que o envolvem o leixatildeo de Hvitserkur (IMAGEM DA PAGINA 42) situado na costa leste da

Peniacutensula de Vatnsnes no noroeste da Islacircndia

Os fiordes mais profundos localizam-se na costa norte constituindo bons portos natu-

rais Um destaque especial vai para o fiorde ao longo do qual se estende a cidade de Aku-

reyri (fiorde de Akureyri ou Eyjafjoumlrethur) considerado o mais longo do paiacutes

Praias de areia Negra

As praias de areia negra em geral de reduzida extensatildeo podem ser constituiacutedas por i) de-

poacutesitos resultantes da abrasatildeo das arribas ii) moreias e depoacutesitos fluviais resultantes dos

rios glaciares com contornos suaves e lagoas glaciares protegidas por extensas barras

arenosas iii) depoacutesitos de tefra provenientes de erupccedilotildees freaacuteticas

As do primeiro tipo ocorrem um pouco por toda a linha de costa como resultado da accedilatildeo

do mar sobre as arribas As do segundo tipo ocorrem dominantemente entre Djuacutepivogur a

sudeste e Oumllfusaacute a sudoeste com destaque para a praia de Reynisfjara na costa sul As

da terceira categoria podem ser observadas na ilha de Heimaey arquipeacutelago de Vestman-

naeyja regiatildeo sul da Islacircndia

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018048

IMA

GE

M E

M D

ES

TAQ

UE

48

Eu crio as minhas obras de arte de peque-

nos pedaccedilos de papel com espirais que co-

nectam e ligam os elementos a uma grande

estrutura Na obra de origami acabada a

que chamo Voltinhas estas espirais vivem

e trabalham Forccedilas de tensatildeo e fricccedilatildeo

contrapotildeem-se agrave gravidade e mantecircm a

forma estaacutevel Nas minhas criaccedilotildees procu-

ro estar perto da natureza Quando criamos

ou estudamos modelos de papel na macro

escala podemos entender melhor as for-

mas criadas pela natureza na micro escala

A minha obra de origami na capa o trabalho

intitulado ldquoInverno num parque de Lisboardquo e

o capsiacutedeo do viacuterus Canine parvovirus um viacute-

rus contagioso que ataca sobretudo os catildees

e outros caniacutedeos tecircm a mesma estrutura

geomeacutetrica do pequeno rombicosidodecae-

dro um poliedro com simetria icosaeacutedrica

Essa obra invoca simbolicamente o Ano

da Biologia Matemaacutetica 2018 O origami eacute

uma arte de dobragem do papel com uma

forte componente geomeacutetrica que permite

a construccedilatildeo de formas complexas e tem

atraiacutedo o interesse de matemaacuteticos pelas

suas propriedades geomeacutetricas e algeacutebricas

Krystyna Burczyk

Os viacuterus satildeo responsaacuteveis por inuacutemeras

doenccedilas no homem nos animais e nas plan-

tas e as curas e prevenccedilotildees satildeo ainda mui-

tas vezes problemaacuteticas Desenvolvimen-

tos recentes das aplicaccedilotildees da matemaacutetica

agrave virologia nomeadamente das teorias de

grupos de grafos de tesselaccedilatildeo ou de re-

ticulados mostraram por exemplo que as

restriccedilotildees estruturais agraves formas dos viacuterus

satildeo maiores do que antes se pensava e

permitiram a construccedilatildeo de novos modelos

para o desenvolvimento de terapias anti-

-virais Os capsiacutedeos virais que envolvem

os genomas dos viacuterus por razotildees de eco-

nomia geneacutetica tem muitas vezes uma si-

metria icosaeacutedrica Ora esta simetria natildeo eacute

cristalograacutefica em trecircs dimensotildees ie natildeo

eacute compatiacutevel com reticulados perioacutedicos

o que motivou os matemaacuteticos a desen-

volverem novas estruturas no contexto de

grupos de Coxeter natildeo-cristalograacuteficos que

encontraram aplicaccedilatildeo natildeo soacute na virologia

mas tambeacutem noutras estruturas molecula-

res da quiacutemica do carbono

Joseacute Francisco RodriguesUniversidade de Lisboa

Origami e Viacuterusin imagemcasadascienciasorg

Imagem de Canine Parvovirus gerada em VMD Autor Alexandre Lopes Magalhatildees

Page 46: JUNHO 2018 V6 /02 · 2018-09-26 · Matilde Viegas, Maria João Ramos, Pedro Alexandrino Fernandes Stephen Hawking e a sua contribuição para a física teórica Orfeu Bertolami,

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FIGURA 2 Aspeto do vale glaciaacuterio de Borgarvirki observado a partir da fortaleza de Borgarvirki

Se as condiccedilotildees forem favoraacuteveis os glaciares podem erodir abaixo do niacutevel do mar Quan-

do o glaciar recua o oceano invade estas depressotildees criando um fiorde Alguns dos fiordes

islandeses como o de Akureyri e o de Nordfjord (nordeste da ilha) possuem centenas de

metros abaixo do niacutevel do mar O fiorde de Nordfjord abrange parcialmente uma antiga cal-

deira vulcacircnica Nas faleacutesias do seu flanco oriental (falesias de Raudubjoumlrg) afloram rioacutelitos

conferindo agraves arribas uma carateriacutestica cor avermelhada)

Como se referiu anteriormente (Parte I) a orientaccedilatildeo da maioria dos vales glaciares e

fiordes segue de perto a orientaccedilatildeo dos principais lineamentos tectoacutenicos

Moreias

Em termos de aspetos deposicionais relacionados com glaciares as moreias satildeo de lon-

ge os mais abundantes Satildeo acumulaccedilotildees de fragmentos rochosos transportados pelos

glaciares quer na regiatildeo frontal (moreia frontal) lateral (moreia lateral) a meio (moreia

mediana) e no fundo (moreia de fundo)

Durante o uacuteltimo maacuteximo glaciar (haacute cerca de 20 000 anos) a Islacircndia estava quase

toda coberta por glaciares que se estendiam ateacute agrave costa e para aleacutem dela Foram encon-

tradas moreias frontais dessa eacutepoca a cerca de 130 km a offshore da costa ocidental e a

cerca de 150-230 m abaixo do niacutevel de mar atual

Eacute possiacutevel encontrar nos vales glaciares islandeses quer moreias antigas resultantes

da uacuteltima glaciaccedilatildeo quer moreias recentes e atuais Estas uacuteltimas estatildeo relacionadas com

as 4 grandes calotes glaciares existentes como eacute o caso das moreias do glaciar Vatna-

joumlkull que se podem observar em pleno no setor sudeste da ilha

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Lagoas glaciares e icebergues

Outra das paisagens magniacuteficas moldadas pelos glaciares satildeo as lagoas glaciares Estas

lagoas formam-se na extremidade dos glaciares que descem das calotes glaciares Satildeo

alimentadas pelo desgelo natural dos glaciares e nela flutuam pequenos e grandes iceber-

gues que se separam da frente do glaciar (FIGURA 3)

FIGURA 3 Esquema 3D (sem escala) da formaccedilatildeo de icebergues numa lagoa glaciar

O exemplo mais notaacutevel deste tipo de lagoas na Islacircndia eacute a lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten consi-

derada uma das maravilhas naturais do paiacutes Fica situada no sudeste da ilha na extremidade

do glaciar Breiethamerkurjoumlkull uma das liacutengua glaciares da calote de Vatnajoumlkull (FIGURA 4)

FIGURA 4 Icebergues na lagoa glaciar de Joumlkulsaacuterloacuten Ao fundo vecirc-se a frente do glaciar Breiethamerkurjoumlkull As faixas negras nos icebergues satildeo niacuteveis de cinza vulcacircnica

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A lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten eacute o ponto mais baixo da Islacircndia com zonas agrave cota de -200 m Na

baiacutea da lagoa tem-se acesso a uma paisagem de outro mundo com icebergues de dimen-

sotildees variadas que flutuam ateacute ao mar ficando alguns deles encalhados na margem de uma

praia de areia vulcacircnica Alguns icebergues exibem faixas negras correspondentes a niacuteveis

de cinzas vulcacircnicas provenientes de antigas erupccedilotildees (FIGURA 4) Outros exibem duas

tonalidades branco leitoso e azul claro A faixa azul corresponde agrave porccedilatildeo do icebergue

que se tornou recentemente emersa

A lagoa teraacute sido formada em 1934-35 pelo contiacutenuo recuo do glaciar Vatnajoumlkull e teraacute

duplicado de tamanho nos uacuteltimos 15 anos Dada a taxa atual de recuo do glaciar Vatna-

joumlkull um profundo fiorde iraacute desenvolver-se no local onde hoje existe a lagoa

As costas escarpadas

As costas escarpadas e recortadas satildeo sem duacutevida as mais dominantes Ocorrem deste o

oeste ao leste da ilha passando pela regiatildeo norte incisas por numerosos fiordes e peque-

nas enseadas e salpicadas por leixotildees Eacute notaacutevel pela sua forma de dragatildeo e pelas lendas

que o envolvem o leixatildeo de Hvitserkur (IMAGEM DA PAGINA 42) situado na costa leste da

Peniacutensula de Vatnsnes no noroeste da Islacircndia

Os fiordes mais profundos localizam-se na costa norte constituindo bons portos natu-

rais Um destaque especial vai para o fiorde ao longo do qual se estende a cidade de Aku-

reyri (fiorde de Akureyri ou Eyjafjoumlrethur) considerado o mais longo do paiacutes

Praias de areia Negra

As praias de areia negra em geral de reduzida extensatildeo podem ser constituiacutedas por i) de-

poacutesitos resultantes da abrasatildeo das arribas ii) moreias e depoacutesitos fluviais resultantes dos

rios glaciares com contornos suaves e lagoas glaciares protegidas por extensas barras

arenosas iii) depoacutesitos de tefra provenientes de erupccedilotildees freaacuteticas

As do primeiro tipo ocorrem um pouco por toda a linha de costa como resultado da accedilatildeo

do mar sobre as arribas As do segundo tipo ocorrem dominantemente entre Djuacutepivogur a

sudeste e Oumllfusaacute a sudoeste com destaque para a praia de Reynisfjara na costa sul As

da terceira categoria podem ser observadas na ilha de Heimaey arquipeacutelago de Vestman-

naeyja regiatildeo sul da Islacircndia

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018048

IMA

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Eu crio as minhas obras de arte de peque-

nos pedaccedilos de papel com espirais que co-

nectam e ligam os elementos a uma grande

estrutura Na obra de origami acabada a

que chamo Voltinhas estas espirais vivem

e trabalham Forccedilas de tensatildeo e fricccedilatildeo

contrapotildeem-se agrave gravidade e mantecircm a

forma estaacutevel Nas minhas criaccedilotildees procu-

ro estar perto da natureza Quando criamos

ou estudamos modelos de papel na macro

escala podemos entender melhor as for-

mas criadas pela natureza na micro escala

A minha obra de origami na capa o trabalho

intitulado ldquoInverno num parque de Lisboardquo e

o capsiacutedeo do viacuterus Canine parvovirus um viacute-

rus contagioso que ataca sobretudo os catildees

e outros caniacutedeos tecircm a mesma estrutura

geomeacutetrica do pequeno rombicosidodecae-

dro um poliedro com simetria icosaeacutedrica

Essa obra invoca simbolicamente o Ano

da Biologia Matemaacutetica 2018 O origami eacute

uma arte de dobragem do papel com uma

forte componente geomeacutetrica que permite

a construccedilatildeo de formas complexas e tem

atraiacutedo o interesse de matemaacuteticos pelas

suas propriedades geomeacutetricas e algeacutebricas

Krystyna Burczyk

Os viacuterus satildeo responsaacuteveis por inuacutemeras

doenccedilas no homem nos animais e nas plan-

tas e as curas e prevenccedilotildees satildeo ainda mui-

tas vezes problemaacuteticas Desenvolvimen-

tos recentes das aplicaccedilotildees da matemaacutetica

agrave virologia nomeadamente das teorias de

grupos de grafos de tesselaccedilatildeo ou de re-

ticulados mostraram por exemplo que as

restriccedilotildees estruturais agraves formas dos viacuterus

satildeo maiores do que antes se pensava e

permitiram a construccedilatildeo de novos modelos

para o desenvolvimento de terapias anti-

-virais Os capsiacutedeos virais que envolvem

os genomas dos viacuterus por razotildees de eco-

nomia geneacutetica tem muitas vezes uma si-

metria icosaeacutedrica Ora esta simetria natildeo eacute

cristalograacutefica em trecircs dimensotildees ie natildeo

eacute compatiacutevel com reticulados perioacutedicos

o que motivou os matemaacuteticos a desen-

volverem novas estruturas no contexto de

grupos de Coxeter natildeo-cristalograacuteficos que

encontraram aplicaccedilatildeo natildeo soacute na virologia

mas tambeacutem noutras estruturas molecula-

res da quiacutemica do carbono

Joseacute Francisco RodriguesUniversidade de Lisboa

Origami e Viacuterusin imagemcasadascienciasorg

Imagem de Canine Parvovirus gerada em VMD Autor Alexandre Lopes Magalhatildees

Page 47: JUNHO 2018 V6 /02 · 2018-09-26 · Matilde Viegas, Maria João Ramos, Pedro Alexandrino Fernandes Stephen Hawking e a sua contribuição para a física teórica Orfeu Bertolami,

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Lagoas glaciares e icebergues

Outra das paisagens magniacuteficas moldadas pelos glaciares satildeo as lagoas glaciares Estas

lagoas formam-se na extremidade dos glaciares que descem das calotes glaciares Satildeo

alimentadas pelo desgelo natural dos glaciares e nela flutuam pequenos e grandes iceber-

gues que se separam da frente do glaciar (FIGURA 3)

FIGURA 3 Esquema 3D (sem escala) da formaccedilatildeo de icebergues numa lagoa glaciar

O exemplo mais notaacutevel deste tipo de lagoas na Islacircndia eacute a lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten consi-

derada uma das maravilhas naturais do paiacutes Fica situada no sudeste da ilha na extremidade

do glaciar Breiethamerkurjoumlkull uma das liacutengua glaciares da calote de Vatnajoumlkull (FIGURA 4)

FIGURA 4 Icebergues na lagoa glaciar de Joumlkulsaacuterloacuten Ao fundo vecirc-se a frente do glaciar Breiethamerkurjoumlkull As faixas negras nos icebergues satildeo niacuteveis de cinza vulcacircnica

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A lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten eacute o ponto mais baixo da Islacircndia com zonas agrave cota de -200 m Na

baiacutea da lagoa tem-se acesso a uma paisagem de outro mundo com icebergues de dimen-

sotildees variadas que flutuam ateacute ao mar ficando alguns deles encalhados na margem de uma

praia de areia vulcacircnica Alguns icebergues exibem faixas negras correspondentes a niacuteveis

de cinzas vulcacircnicas provenientes de antigas erupccedilotildees (FIGURA 4) Outros exibem duas

tonalidades branco leitoso e azul claro A faixa azul corresponde agrave porccedilatildeo do icebergue

que se tornou recentemente emersa

A lagoa teraacute sido formada em 1934-35 pelo contiacutenuo recuo do glaciar Vatnajoumlkull e teraacute

duplicado de tamanho nos uacuteltimos 15 anos Dada a taxa atual de recuo do glaciar Vatna-

joumlkull um profundo fiorde iraacute desenvolver-se no local onde hoje existe a lagoa

As costas escarpadas

As costas escarpadas e recortadas satildeo sem duacutevida as mais dominantes Ocorrem deste o

oeste ao leste da ilha passando pela regiatildeo norte incisas por numerosos fiordes e peque-

nas enseadas e salpicadas por leixotildees Eacute notaacutevel pela sua forma de dragatildeo e pelas lendas

que o envolvem o leixatildeo de Hvitserkur (IMAGEM DA PAGINA 42) situado na costa leste da

Peniacutensula de Vatnsnes no noroeste da Islacircndia

Os fiordes mais profundos localizam-se na costa norte constituindo bons portos natu-

rais Um destaque especial vai para o fiorde ao longo do qual se estende a cidade de Aku-

reyri (fiorde de Akureyri ou Eyjafjoumlrethur) considerado o mais longo do paiacutes

Praias de areia Negra

As praias de areia negra em geral de reduzida extensatildeo podem ser constituiacutedas por i) de-

poacutesitos resultantes da abrasatildeo das arribas ii) moreias e depoacutesitos fluviais resultantes dos

rios glaciares com contornos suaves e lagoas glaciares protegidas por extensas barras

arenosas iii) depoacutesitos de tefra provenientes de erupccedilotildees freaacuteticas

As do primeiro tipo ocorrem um pouco por toda a linha de costa como resultado da accedilatildeo

do mar sobre as arribas As do segundo tipo ocorrem dominantemente entre Djuacutepivogur a

sudeste e Oumllfusaacute a sudoeste com destaque para a praia de Reynisfjara na costa sul As

da terceira categoria podem ser observadas na ilha de Heimaey arquipeacutelago de Vestman-

naeyja regiatildeo sul da Islacircndia

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018048

IMA

GE

M E

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ES

TAQ

UE

48

Eu crio as minhas obras de arte de peque-

nos pedaccedilos de papel com espirais que co-

nectam e ligam os elementos a uma grande

estrutura Na obra de origami acabada a

que chamo Voltinhas estas espirais vivem

e trabalham Forccedilas de tensatildeo e fricccedilatildeo

contrapotildeem-se agrave gravidade e mantecircm a

forma estaacutevel Nas minhas criaccedilotildees procu-

ro estar perto da natureza Quando criamos

ou estudamos modelos de papel na macro

escala podemos entender melhor as for-

mas criadas pela natureza na micro escala

A minha obra de origami na capa o trabalho

intitulado ldquoInverno num parque de Lisboardquo e

o capsiacutedeo do viacuterus Canine parvovirus um viacute-

rus contagioso que ataca sobretudo os catildees

e outros caniacutedeos tecircm a mesma estrutura

geomeacutetrica do pequeno rombicosidodecae-

dro um poliedro com simetria icosaeacutedrica

Essa obra invoca simbolicamente o Ano

da Biologia Matemaacutetica 2018 O origami eacute

uma arte de dobragem do papel com uma

forte componente geomeacutetrica que permite

a construccedilatildeo de formas complexas e tem

atraiacutedo o interesse de matemaacuteticos pelas

suas propriedades geomeacutetricas e algeacutebricas

Krystyna Burczyk

Os viacuterus satildeo responsaacuteveis por inuacutemeras

doenccedilas no homem nos animais e nas plan-

tas e as curas e prevenccedilotildees satildeo ainda mui-

tas vezes problemaacuteticas Desenvolvimen-

tos recentes das aplicaccedilotildees da matemaacutetica

agrave virologia nomeadamente das teorias de

grupos de grafos de tesselaccedilatildeo ou de re-

ticulados mostraram por exemplo que as

restriccedilotildees estruturais agraves formas dos viacuterus

satildeo maiores do que antes se pensava e

permitiram a construccedilatildeo de novos modelos

para o desenvolvimento de terapias anti-

-virais Os capsiacutedeos virais que envolvem

os genomas dos viacuterus por razotildees de eco-

nomia geneacutetica tem muitas vezes uma si-

metria icosaeacutedrica Ora esta simetria natildeo eacute

cristalograacutefica em trecircs dimensotildees ie natildeo

eacute compatiacutevel com reticulados perioacutedicos

o que motivou os matemaacuteticos a desen-

volverem novas estruturas no contexto de

grupos de Coxeter natildeo-cristalograacuteficos que

encontraram aplicaccedilatildeo natildeo soacute na virologia

mas tambeacutem noutras estruturas molecula-

res da quiacutemica do carbono

Joseacute Francisco RodriguesUniversidade de Lisboa

Origami e Viacuterusin imagemcasadascienciasorg

Imagem de Canine Parvovirus gerada em VMD Autor Alexandre Lopes Magalhatildees

Page 48: JUNHO 2018 V6 /02 · 2018-09-26 · Matilde Viegas, Maria João Ramos, Pedro Alexandrino Fernandes Stephen Hawking e a sua contribuição para a física teórica Orfeu Bertolami,

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A lagoa de Joumlkulsaacuterloacuten eacute o ponto mais baixo da Islacircndia com zonas agrave cota de -200 m Na

baiacutea da lagoa tem-se acesso a uma paisagem de outro mundo com icebergues de dimen-

sotildees variadas que flutuam ateacute ao mar ficando alguns deles encalhados na margem de uma

praia de areia vulcacircnica Alguns icebergues exibem faixas negras correspondentes a niacuteveis

de cinzas vulcacircnicas provenientes de antigas erupccedilotildees (FIGURA 4) Outros exibem duas

tonalidades branco leitoso e azul claro A faixa azul corresponde agrave porccedilatildeo do icebergue

que se tornou recentemente emersa

A lagoa teraacute sido formada em 1934-35 pelo contiacutenuo recuo do glaciar Vatnajoumlkull e teraacute

duplicado de tamanho nos uacuteltimos 15 anos Dada a taxa atual de recuo do glaciar Vatna-

joumlkull um profundo fiorde iraacute desenvolver-se no local onde hoje existe a lagoa

As costas escarpadas

As costas escarpadas e recortadas satildeo sem duacutevida as mais dominantes Ocorrem deste o

oeste ao leste da ilha passando pela regiatildeo norte incisas por numerosos fiordes e peque-

nas enseadas e salpicadas por leixotildees Eacute notaacutevel pela sua forma de dragatildeo e pelas lendas

que o envolvem o leixatildeo de Hvitserkur (IMAGEM DA PAGINA 42) situado na costa leste da

Peniacutensula de Vatnsnes no noroeste da Islacircndia

Os fiordes mais profundos localizam-se na costa norte constituindo bons portos natu-

rais Um destaque especial vai para o fiorde ao longo do qual se estende a cidade de Aku-

reyri (fiorde de Akureyri ou Eyjafjoumlrethur) considerado o mais longo do paiacutes

Praias de areia Negra

As praias de areia negra em geral de reduzida extensatildeo podem ser constituiacutedas por i) de-

poacutesitos resultantes da abrasatildeo das arribas ii) moreias e depoacutesitos fluviais resultantes dos

rios glaciares com contornos suaves e lagoas glaciares protegidas por extensas barras

arenosas iii) depoacutesitos de tefra provenientes de erupccedilotildees freaacuteticas

As do primeiro tipo ocorrem um pouco por toda a linha de costa como resultado da accedilatildeo

do mar sobre as arribas As do segundo tipo ocorrem dominantemente entre Djuacutepivogur a

sudeste e Oumllfusaacute a sudoeste com destaque para a praia de Reynisfjara na costa sul As

da terceira categoria podem ser observadas na ilha de Heimaey arquipeacutelago de Vestman-

naeyja regiatildeo sul da Islacircndia

Artigo completo em rcecasadascienciasorgrceappart2018048

IMA

GE

M E

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TAQ

UE

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Eu crio as minhas obras de arte de peque-

nos pedaccedilos de papel com espirais que co-

nectam e ligam os elementos a uma grande

estrutura Na obra de origami acabada a

que chamo Voltinhas estas espirais vivem

e trabalham Forccedilas de tensatildeo e fricccedilatildeo

contrapotildeem-se agrave gravidade e mantecircm a

forma estaacutevel Nas minhas criaccedilotildees procu-

ro estar perto da natureza Quando criamos

ou estudamos modelos de papel na macro

escala podemos entender melhor as for-

mas criadas pela natureza na micro escala

A minha obra de origami na capa o trabalho

intitulado ldquoInverno num parque de Lisboardquo e

o capsiacutedeo do viacuterus Canine parvovirus um viacute-

rus contagioso que ataca sobretudo os catildees

e outros caniacutedeos tecircm a mesma estrutura

geomeacutetrica do pequeno rombicosidodecae-

dro um poliedro com simetria icosaeacutedrica

Essa obra invoca simbolicamente o Ano

da Biologia Matemaacutetica 2018 O origami eacute

uma arte de dobragem do papel com uma

forte componente geomeacutetrica que permite

a construccedilatildeo de formas complexas e tem

atraiacutedo o interesse de matemaacuteticos pelas

suas propriedades geomeacutetricas e algeacutebricas

Krystyna Burczyk

Os viacuterus satildeo responsaacuteveis por inuacutemeras

doenccedilas no homem nos animais e nas plan-

tas e as curas e prevenccedilotildees satildeo ainda mui-

tas vezes problemaacuteticas Desenvolvimen-

tos recentes das aplicaccedilotildees da matemaacutetica

agrave virologia nomeadamente das teorias de

grupos de grafos de tesselaccedilatildeo ou de re-

ticulados mostraram por exemplo que as

restriccedilotildees estruturais agraves formas dos viacuterus

satildeo maiores do que antes se pensava e

permitiram a construccedilatildeo de novos modelos

para o desenvolvimento de terapias anti-

-virais Os capsiacutedeos virais que envolvem

os genomas dos viacuterus por razotildees de eco-

nomia geneacutetica tem muitas vezes uma si-

metria icosaeacutedrica Ora esta simetria natildeo eacute

cristalograacutefica em trecircs dimensotildees ie natildeo

eacute compatiacutevel com reticulados perioacutedicos

o que motivou os matemaacuteticos a desen-

volverem novas estruturas no contexto de

grupos de Coxeter natildeo-cristalograacuteficos que

encontraram aplicaccedilatildeo natildeo soacute na virologia

mas tambeacutem noutras estruturas molecula-

res da quiacutemica do carbono

Joseacute Francisco RodriguesUniversidade de Lisboa

Origami e Viacuterusin imagemcasadascienciasorg

Imagem de Canine Parvovirus gerada em VMD Autor Alexandre Lopes Magalhatildees

Page 49: JUNHO 2018 V6 /02 · 2018-09-26 · Matilde Viegas, Maria João Ramos, Pedro Alexandrino Fernandes Stephen Hawking e a sua contribuição para a física teórica Orfeu Bertolami,

IMA

GE

M E

M D

ES

TAQ

UE

48

Eu crio as minhas obras de arte de peque-

nos pedaccedilos de papel com espirais que co-

nectam e ligam os elementos a uma grande

estrutura Na obra de origami acabada a

que chamo Voltinhas estas espirais vivem

e trabalham Forccedilas de tensatildeo e fricccedilatildeo

contrapotildeem-se agrave gravidade e mantecircm a

forma estaacutevel Nas minhas criaccedilotildees procu-

ro estar perto da natureza Quando criamos

ou estudamos modelos de papel na macro

escala podemos entender melhor as for-

mas criadas pela natureza na micro escala

A minha obra de origami na capa o trabalho

intitulado ldquoInverno num parque de Lisboardquo e

o capsiacutedeo do viacuterus Canine parvovirus um viacute-

rus contagioso que ataca sobretudo os catildees

e outros caniacutedeos tecircm a mesma estrutura

geomeacutetrica do pequeno rombicosidodecae-

dro um poliedro com simetria icosaeacutedrica

Essa obra invoca simbolicamente o Ano

da Biologia Matemaacutetica 2018 O origami eacute

uma arte de dobragem do papel com uma

forte componente geomeacutetrica que permite

a construccedilatildeo de formas complexas e tem

atraiacutedo o interesse de matemaacuteticos pelas

suas propriedades geomeacutetricas e algeacutebricas

Krystyna Burczyk

Os viacuterus satildeo responsaacuteveis por inuacutemeras

doenccedilas no homem nos animais e nas plan-

tas e as curas e prevenccedilotildees satildeo ainda mui-

tas vezes problemaacuteticas Desenvolvimen-

tos recentes das aplicaccedilotildees da matemaacutetica

agrave virologia nomeadamente das teorias de

grupos de grafos de tesselaccedilatildeo ou de re-

ticulados mostraram por exemplo que as

restriccedilotildees estruturais agraves formas dos viacuterus

satildeo maiores do que antes se pensava e

permitiram a construccedilatildeo de novos modelos

para o desenvolvimento de terapias anti-

-virais Os capsiacutedeos virais que envolvem

os genomas dos viacuterus por razotildees de eco-

nomia geneacutetica tem muitas vezes uma si-

metria icosaeacutedrica Ora esta simetria natildeo eacute

cristalograacutefica em trecircs dimensotildees ie natildeo

eacute compatiacutevel com reticulados perioacutedicos

o que motivou os matemaacuteticos a desen-

volverem novas estruturas no contexto de

grupos de Coxeter natildeo-cristalograacuteficos que

encontraram aplicaccedilatildeo natildeo soacute na virologia

mas tambeacutem noutras estruturas molecula-

res da quiacutemica do carbono

Joseacute Francisco RodriguesUniversidade de Lisboa

Origami e Viacuterusin imagemcasadascienciasorg

Imagem de Canine Parvovirus gerada em VMD Autor Alexandre Lopes Magalhatildees

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Imagem de Canine Parvovirus gerada em VMD Autor Alexandre Lopes Magalhatildees

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