sevcencko orfeu extatico na metropole (1)

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}1 {) - ZZ5 CLÊCÓPIAS N°CÓPIAS:12 PASTA: JL_ - NICOLAU SEVCENKO ORFEU EXTÁTICO NA METRÓPOLE São Paulo, sociedade e cultura nos frementes anos 20 I" reimpr esstio Dl\5 LETRAS

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Sevcenko

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  • }1{) - _?~1-. ZZ5 -Z~1-CLCPIAS NCPIAS:12 ~o PASTA:J L_ -

    NICOLAU SEVCENKO

    ORFEU EXTTICO NA METRPOLE

    So Paulo, sociedade e cultura nos frementes anos 20

    I" reimpresstio

    Co~IP.-'\NHIA Dl\5 LETRAS

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    I (

    escassa luminosidade geral definia os ps da cama de ferro, a cadeira exata, a porta e a janela fechadas, a mesa vazia. Pensei com medo onde estou? e compreendi que no sabia. Pensei quem sou? e no pu-de reconhecer-me. O medo cresceu em mim. Pensei: Esta vigilia des-consolada j o Inferno; esta viglia sem destino ser minha eternida-de. Despertei ento, de verdade. Tremendo. 184

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    DA HISTRIA AO MITO E VICE-VERSA DUAS VEZES

    Sol, eu te adoro como os selvagens, de bruos nas torrentes e margens.

    Torna meu corpo moreno, salgado; manda embora a dor que eu trago.

    O Negro, de dentio suntuosa, preto por fora, por dentro rosa.

    Eu sou preto por dentro e rosa por fora, minha metamorfose te peo agora.

    Me muda de cheiro e de cor, assim como mudaste Jacinto em flor.

    Sol, Buffal/o Bill, Barnum no oflcio, tu embriagas mais que do pio o vfcio.

    Tu s palhao, matador de touros, tens as cadeias dum relgio d'ouro.

    Tu s um Negro lutador a boxear equincios e o equador.

    Sol, eu agento tuas pancadas; a fora de teus punhos nas minhas espduas.

    Ainda assim tu s meu favorito, sol, inferno bendito.

    Jean Cocteau, "Batterie"

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    UM JEQUITIBA NO PALCO

    O ano de 1922 se iniciou em So Paulo com um terremoto. A terra tremeu, o pnico se difundiu pela cidade e as idias se desar-voraram. Seria o fim do mundo? Seria um sinal dos tempos? Seria mais uma conseqncia imprevista das invenes modernas? O abalo ssmico foi de grande intensidade, chegando a registrar, no Obser-vatrio da Avenida Paulista, "no grande barmetro de gravidade [sic] [ ... ] a componente vertical de um terremoto, cuja amplitude media 8 cm" .1 O abalo incidiu sobre uma extensa zona, cobrindo uma faixa recurva entre os estados do Rio de Janeiro, So Paulo e Minas, mas, ao que parece, no se pde detectar o seu epicentro ou as suas causas. O que aumentou a sensao geral de mistrio e inquietao nervosa. Ainda mais porque o sinistro ocorreu s qua-tro horas da madrugada, causando alm da forte trepidao do so-lo e paredes, um rudo ensurdecedor. Houve danos materiais de pou-ca monta, no se falou porm de perdas humanas. Assim um repr-ter d'O Estado descreveu o incidente, ele tambm vtima do sobres-salto noturno:

    [ ... ] Passado o impressionante rumor e cessada a trepidao por ele produzida em muros e edifcios, a cidade inteira, no centro como nos bairros, despertou do silncio a que estava entregue, apresentando to-das as ruas, as mais populosas como as menos habitadas, um movi-mento intenso e, dada a hora avanada em que isso se observava, bem como as gerais apreenses, muito interessante. [ ... ]. 2 Mais interessante ainda foi que ao abalo ssmico se seguiu, ime-

    diatamente, um pandemnio de latidos, guinchos e relinchos dos ani-mais da cidade e, ato contnuo, o fragor de milhares de armas de todos os tipos, disparadas por gente que temendo se tratar de assal-to ou invaso, desnorteada por ter ouvido outros disparos ou sim-plesmente por descontrole nervoso, descarregou os cartuchos que tinha s mos. O que aumentou em muito a perturbao geral e fez o reprter fechar a matria com uma perplexa reflexo sobre a abun-dncia de armamento c de gente neurastnica espalhados pela cida-de. Uma m combinao.

    Que os nervos andassem flor da pele no deveria surpreen-der. As condies tumultuosas em que se operava a metropolizao de So Paulo, acrescidas da aguda tenso social e poltica, mais a vertigem irrefrevel das novas tecnologias, eram de monta a deixar todos e cada um dos seus habitantes em palpos de aranha. Se por

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    acaso, apesar disso tudo, algum por si prprio no se achasse ten-so o suficiente, l estavam ento os estimulantes, os esportes, as di-verses mecnicas, os cinemas, os automveis e bondes em fria nas ruas, os vos rasantes dos avies ou as danas de ritmo sincopado, onde qualquer um poderia buscar a sua dose extra de tenso artifi-cial. As emoes se tornaram baratas. Eis como um cronista d'O Estado descrevia o novo panorama psicolgico da cidade.

    Mantegozza teve absoluta razo quando, com um volume de cento e poucas pginas, sem laivos de pessimismo, crismou esse sculo " neu-rtico" . De fato, nervosa hoje toda gente. Multiplicam-se dia a dia as modalidades psicastnicas, que j no se podem conter no estreito crculo denominativo de " neurose", "esgotamento", "neurastenia", "spleen", "surmenage", "et coetera". Cabeas vazias, atordoaes, msculos lassos, receios exagerados, insnias, fobias, so coisas de no-nada em face das constantes preocupaes, verdadeiramente absorven-tes, da sociedade contempornea. Cada indivduo que se encontra um doente da imaginao. [ ... ] De janela a janela, nos clubes e nos passeios, a sua conversa quase que invariavelmente repousa em casos de hiperestesias e idiossincrasias. [ ... ] um nunca acabar de psicoses, a atestar que somos, de fato, um povo neurtico. 3

    O fenmeno, como est dito, era internacional e amplo, foi es-pecialmente acentuado pela Guerra e suscitava um anseio generali-zado de amparo espiritual, miraculoso, que se manifestou das mais diversas formas. Tanto com uma intensificao do culto mstico de Maria, aqui e na Europa, quanto pela nova moda contagiante dos amuletos da sorte, na Europa e aqui.4 De fato, os amuletos ou porte-bonheurs, como eram mais sonoramente chamados, vinham se tornando uma mania, cuja fora adquiriu curiosas propores . Assim, dentre os esforos da Liga Nacionalista e do Centro Acad-mico dos Estudantes de Direito para erigir um monumento cvico a Olavo Bilac, encomendado ao escultor Zadig, algum se lembrou de organizar uma tmbola pblica, "sem nmeros brancos", em que cada comprador de bilhete ganharia o talism "Bliken", uma pequena e estranha figura de feies primitivas em terracota e bron-ze.s Da mesma forma, quando se tratou da fundao de um pio-neiro Instituto de Radioterapia em So Paulo, agregado Faculda-de de Medicina, uma das fontes de captao de recursos foi a ven-da, na prpria redao d'O Estado, de uma outra "mascotte", "o simptico diabinho rural, Saci-Perer" .6 Pelo modo como o cronis-ta anuncia e descreve o objeto e a entidade, v-se logo que ele se dirigia a um pblico que ignorava ou mal conhecia a personagem.

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    No entanto, as vendas foram um sucesso. Alis, o prprio texto fun-dador da moderna fico brasileira, Macunalma (1928), de Mrio de Andrade, baseado na busca obstinada de um amuleto prodi-gioso, o muiraquit.7 Vemos, assim, como esse pendor pelo fetichis-mo mgico se cruza surpreendentemente com as dimenses, tidas por mais nobres, da poltica, do nacionalismo, da cincia e da lite-ratura. Entidades primevas e emoes primitivas preconizando o futuro.

    O alcance macio que ia abrangendo essa nova tendncia era patente e incontroverso. Lia-se n'O Estado j em maio de 1920:

    Tem-se disseminado largamente em todas as classes sociais e com es-pecialidade naquelas que se prezam culminantes, a mania das mascot-tes, que como se chama elegantemente o que em vernculo tem as denominaes de- amuleto ou talism. Trevos pluriflios, figas, n-meros cabalsticos, corcundinhas, sacheis, bonequinhos de l, cora-ezinhos, ncoras, tringulos, gatos, peixes, lcitezinhos, todos so as variadssimas formas que se atribuem aos poderes ocultos e hcnignos ... 8

    Fato que explica o extenso artigo do dr. Franco da Rocha, pu-blicado pel'O Estado (10/ 11/1922), denominado "Psicologia das su-persties", em que o clebre psiquiatra procura analisar a ampla difuso das crendices, inclusive dentre as camadas mais cultas, rela-cionando o fenmeno com uma grande crise espiritual do mundo moderno.

    H pocas de recrudescncia de tendncias msticas. [ ... ] As grandes crises mundiais, como esta que ora tivemos - a Grande Guerra -promovem esse estado de esprito que, de certo modo, assombra os homens severos, educados na rgida moral de outra poca.

    O mais notvel, porm, a lio prtica que o mdico, a partir de Gustave Le Bon, retira da situao, insinuando o seu fabuloso potencial poltico.

    Gustave Le Bon tem razo quando diz que[ .. . ], ao lado da lgica ra-cional existe a lgica mstica e a lgica coletiva, que servem de guia nossa conduta. [ ... ] a f, criada pela sugesto, s se abala por outra sugesto mais forte. [ ... ] O raciocnio no representa papel algum pre-ponderante na propagao de uma crena: uma funo anulada pela afetividade. 9

    O mesmo dr. Franco da Rocha, polgrafo dos mais influentes no perodo, escreveria ainda inmeros outros artigos baseados nessa

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    rea de crescente interesse, a psicologia social, versando sobre te-mas como a agressividade, o boato e, sucesso maior, sobre a psica-nlise. Ele foi o primeiro a dar uma verso da nova disciplina para uso corrente na Revista do Brasil (1919). 10 A curiosidade sobre as teorias de Freud era imensa e, em junho de 1923, o prof. Waclaw Radecki, diretor da Faculdade de Psicologia de Varsvia, em via-gem pela Amrica do Sul, foi convidado para dar um curso na So-ciedade de Medicina. Ele apresentou em So Paulo duas confern-cias sobre os "Mtodos psicanalticos em psicologia", com demons-traes prticas e ambas com entrada franca. 11 No incio de 1922 era o dr. Alberto Seabra quem expunha a psicologia de Frederico Myers e seus estudos sobre a dimenso recndita da mente, a "cons-cincia subliminal", explicando seus efeitos sobre fenmenos como a desagregao da personalidade, a escrita automtica, o sonho, o sonambulismo, a hipnose e os estados de xtase, todos "fenmenos supranormais", "que permitem a comunho das almas" .12Isso tu-do alm de vrios artigos procurando apresentar o sobrenatural co-mo a ltima fronteira e atual desafio da cincia experimental e da tecnologia aplicada: "O novo invento de Edison: comunicao com os mortos", "Espiritismo e cincia", "Intuio espiritual a partir do radium", "Os 'vedores' e 'varinhas mgicas' no Congresso de Psicologia Experimental de Paris" etc. 13 O mais notvel de todos talvez fosse o popular Curso de mdico psiquista, oferecido porre-messa postal e baseado no "hipnotismo e fluidos irradiados do pr-prio mdico" . O curso era dirigido "s pessoas mais ou menos j prticas ou instrudas" e constava dos seguintes livros: Hipnotismo ajortunante, Magnetismo utilitrio, Ocultismo prtico, Medicina mo-derna e Cincias secretas, cada um com mais de quatrocentas pgi-nas e ilustrado. Ao final, os alunos recebiam um diploma, "legali-zado no Registro de Ttulos da Capital Federal" .14

    O que chama a ateno em especial nesse curso o quarto livro da seqncia, o de Medicina moderna, j que o nico naquele con-texto que, estranhamente, no parece conter nenhuma caractersti-ca esotrica. Ledo engano. A palavra "moderno", de recente fluncia na linguagem cotidiana, em particular atravs da presena crescen-te da publicidade, adquire conotaes simblicas que vo do exti-co ao mgico, passando pelo revolucionrio. Assim como os talis-

    . ms so objetos-fetiche, assim tambm a palavra "moderno" se tor-na algo como uma palavra-fetiche que, quando agregada a um ob-jeto, o introduz num universo de evocaes e reverberaes prodi-giosas, muito para alm e para acima do cotidiano de homens e

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    mulheres comuns. Nos termos da nova tecnologia publicitria, essa palavra se torna a pea decisiva para captar e mobilizar as fantasias excitadas e projees ansiosas da metrpole fervilhante. No h li-mite para o seu uso e, embora na sua raiz ela comporte um mero registro temporal, na semntica publicitria ela capitaliza as melho-res energias da imaginao e se traduz, por si s, no mais slido pre-dicado tico em meio vasta expectativa por uma vida melhor. Me-dicina moderna no se ope simplesmente medicina antiga por di-versidade de princpios: ela comporta tecnologias mirabolantes, co-nhecimentos revolucionrios, mtodos inditos, resultados extraor-dinrios que ultrapassam tudo o que se sabia sobre a vida e a mor-te. admirvel, por exemplo, o cone dos anncios das aspirinas do laboratrio Bayer: um grupo de mdicos e enfermeiras em profi-lticos aventais e mscaras brancas, portando estetoscpios e ins-trumentos cirrgicos, exorcismam demnios espavoridos do corpo de um paciente estendido sua frente. O cartaz exorta "os avanos da cincia moderna" e as chamadas da campanha eram, como j foi visto: "Energia", "Potncia", "Eficincia" .15

    O vocbulo "moderno" vai condensando assim conotaes que se sobrepem em camadas sucessivas e cumulativas, as quais lhe do uma fora expressiva mpar, muito intensificada por esses trs am-plos contextos: a revoluo tecnolgica, a passagem do sculo e o ps-guerra. "Moderno" se torna a palavra-origem, o novo absolu-to, a palavra-futuro, a palavra-ao, a palavra-potncia, a palavra-libertao, a palavra-alumbramento, a palavra-reencantamento, a palavra-epifania. Ela introduz um novo sentido histria, alteran-do o vetor dinmico do tempo que revela sua ndole no a partir de algum ponto remoto no passado, mas de algum lugar no futuro. O passado , alis, revisitado e revisto para autorizar a originalida-de absoluta do futuro. Reconstrues histricas das primeiras civi-lizaes orientais, estrelando a diva Theda Bara, no cinema, a mais tecnolgica das artes, so apresentadas ao mesmo tempo como "ex-ticas e modernas" . 16 Modernas porque exticas e exticas porque modernas: escavaes arqueolgicas, turismo, imagens foto e cine-matogrficas, fantasias de abolio do espao e do tempo, s artifi-cialmente podem ser separadas nas imaginaes modernas, forma-das pelas novas tecnologias de comunicao.

    No plano mais imediato, dos hbitos cotidianos e do vesturio, a palavra ''moderno'' se torna a legenda classificatria que distingue tudo o que passa por ser a ltima moda vigente. A mais sofisticada casa de comrcio da cidade, o Mappin Stores, enfatiza o carter mo-

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    derno dos artigos, assinalando com isso que se tratavam de merca-dorias, notadamente artigos de vesturio, recentemente importados, da Inglaterra para os cavalheiros, de Paris para as damas .l7 As al-faiatarias, seguindo essa linha, anunciavam o desenho moderno dos seus figurinos e revendiam por remessa postal catlogos e cursos de "corte moderno europeu" . 18 J a casa importadora Carvalho Fi-lho, no contente em destacar a modernidade de seus artigos, insis-tia em lembrar a seus clientes que se encontrava "sempre na van-guarda" .19 Mas onde a concorrncia se inflamava numa guerra pu-blicitria aberta, era no mercado de veculos automotores, autom-veis, caminhes, motocicletas com ou sem side-car. Studbacker, Re-nault, Briscoe, Paige, Berliet, Ford se digladiavam, opondo ao mo-derno o "supermoderno", a esse o "ultramoderno", ao qual contra-atacava o "revolucionrio" .20 O mercado de acessrios e servios acompanhava o clima belicoso, sendo por exemplo os "pneumti-cos United States tipo moderno multicord da mais alta tecnologia" vendidos na "Cia. Automoderna de peas e complementos" .21 J se, em vez de possuir, o cliente preferia alugar um carro, bastava uma breve "comunicao telefnica" com a "Garage Modema" .22

    Era mais do que o apelo cerrado ao refinamento tecnolgico. Tratava-se acima de tudo da evocao de uma cincia que parecia no ter mais limites nem controles, preconizando a iminente reden-o tecnofabril da humanidade. Dos laboratrios para as indstrias, para o mercado, para as casas, o ciclo do prodgio se acelerava num feitio como que de moto-contnuo inesgotvel. Do ponto de vista local, em So Paulo, grande ncleo consumidor a partir de uma ren-da de cunho basicamente agrcola, a perspectiva era mais esttica, s se tinha acesso ltima etapa do ciclo produtivo tecnolgico. A magia parecia maior. Da o prestgio peculiar de certas simboliza-es de realidades descontextualizadas e que, por isso mesmo, ad-quiriam uma aura de deslumbramento, sendo portanto apropriadas como ndices de discriminao social. Vimos j como o automvel era aqui tudo, menos um utilitrio. Algo semelhante ocorre com os fiambres enlatados do Frigorfico Armour, "o mais moderno da Amrica do Sul", quando ele aqui se instalou em 1921, iniciando um espantoso sistema de abate em srie e processamento mecnico das carnes em escala colossal.23 E o que pensar da "Casa Edison", que evocava o "gnio" por trs das novas tecnologias e se apresen-tava simplesmente como "moderno magazin"?24 Ou o que se pas-saria no misterioso "Gabinete de raios X do dr. Raphael de Bar-ros", sobre quem s ramos informados que "acaba de chegar da

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    Europa"?25 Ao que parecia, havia virtudes no moderno, mas elas no eram para todos. Nem tanto assim. O "saplio Radium", por exemplo: a pequena barra do saponceo irradiava uma aurola de brilho espontneo ao seu redor, idntica quela do mineral radiati-vo descoberto pelos cientistas Marie e Pierre Curie apresentados no quadrinho ao lado, idntica tambm substncia da equipagem te-raputica usada por mdicos no quadrinho seguinte e idntica, por

    1 'I . d . h 26 fim, ao brilho radiante das louas e pane as no u ttmo qua nn o. J algo de mais grave se dava com as lminas azuis "Gilette" ,

    "o processo moderno de barbear". 27 Elas punham fim, de uma vez por todas, dependncia masculina do barbeiro ou a uma longa, fastidiosa e arriscada cerimnia matinal de tesouras e navalhas. Nesse sentido, essa modernidade era um signo concreto de emancipao, de autonomia. Mais grave ainda e de algum modo associado s l-minas azuis foi o advento da vitrola e a drstica transformao de hbitos sociais que ela acarretou. A publicidade a apresentava co-mo " mais moderna" que o gramofone "tradicional" e salientava que, enquanto esse aparelho era destinado audio austera de .pe-ras e repertrio lrico, no recndito dos lares e sob a tutela patnar-cal, a "moderna vitrola" se destinava aos jovens, aos "ritmos mo-dernos" e s danas e bailes excitados, excitantes, longe da casmur-rice adulta e dos entraves familiares. Aqui "moderno" era sinni-mo explcito e recurso concreto de liberdade, libertao.28 Era nes-sa linha que a palavra "moderno" adquiria eventualmente conota-o negativa, significando perda de controle, indisciplina, promis-cuidade -do ponto de vista daqueles "homens severos, educados na rgida moral de outra poca", de que falava o dr. Franco da Ro-cha.29 Na linha inversa, havia ainda as "profisses modernas" ofe-recendo oportunidades a quem rpido se adaptasse s novas tcni-cas e equipamentos; as escolas de lngua com "mtodos modernos" ultra-rpidos de aprendizagem, ou esse prodgio, o manual contbil Secretrio moderno, "indispensvel para se dirigir na vida sem au-xlio de outrem" .3 Era a prpria introduo do princpio do "non ducor duco" no cotidiano do cidado paulista. Esse estmulo ini-ciativa, ruptura de laos, ousadia parecia definitivamente con-sagrado pela modernidade, j que at a vida mais ntima se liberta-va de ameaas pavorosas e sempiternas. "Agora sim- proclamava 0 anncio - pode-se amar vontade, graas aos progressos da cin-cia! Sensacional descoberta!!! A injeo antigonoccica cura a go-norria mais rebelde ... " 31 Se o problema, porm, era de outra na-tureza, nem por isso a cincia haveria de desamparar o orgulho mas-

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    culino. A Wistremund A. S. anunciava uma terapia rpida e infal-vel para a impotncia. "Cura certa; tratamento moderno e garanti-do. Deveis nos pedir agora: hoje sem falta, amanh talvez seja tarde! ! !. .. " 32

    Fica patente por a o papel decisivo que estaria reservado para a expresso "moderno" (ou seu correlato, "o novo") no jogo pol-tico. Ele parecia conter um potencial particularmente explosivo, em especial se assumido como identidade por aqueles que atuavam na oposio ao regime vigente. O que obviamente no demorou a acon-tecer e foi adquirindo dimenses progressivamente cruciais. A con-dio agrria, retrgrada e subalterna do pas no contexto interna-cional, agravada ademais por clamorosas discrepncias sociais, uma estrutura ainda modelada pela sua condio colonial de origem, era particularmente vulnervel mstica semntica de expresses como "moderno" e "novo". Quando um dos arautos da oposio, o jor-nalista Mrio Pinto Serva, verbera da sua custica coluna poltica n'O Estado, apregoando no incio dos anos 20 "a nova era que se anuncia", o que ele presume o inevitvel advento de um modelo estatal caracterizado pela racionalidade administrativa, informao estatstica e mtodos cientficos .

    Hoje ns estamos em So Paulo positivamente legislando no ar, na ignorncia dos fatos fundamentais dos quais deveria decorrer a pres-crio de quaisquer medidas. Todos os nossos conhecimentos sobre o Estado so vagos e flutuantes.33

    Vai nesse esprito tambm o projeto de Jlio de Mesquita Fi-lho de tornar So Paulo o principal centro cientfico da Amrica do Sul. 34 Na mesma linha seguem-se os clamores pela racionaliza-o da poltica fiscal "de maneira a adotar processos e mtodos mais modernos e eqitativos com os usados em outros pases". 35 Ou a exigncia de "um conceito moderno de ao do Estado", nas reas de sade e educao fsica. 36 Os representantes oficiais do PRP he-gemnico, hostilizados pela presso modernizante, reagem nos mes-mos termos, sobretudo nas suas novas geraes. No por acaso que Washington Lus se envolve em processos de racionalizao ad-ministrativa, gerenciamento tecnocientfico, historiografia, museo-logia, cincias sociais, estatsticas e censos, desfiles militares, gins-tica, esportes, corridas, fotografia, cinema, carros e avies.

    Havia, porm, um mbito no qual a questo da modernidade adquiria a sua mxima consistncia simblica e expresso cristali-na. Esse mbito era o das artes, particularmente a msica e as artes

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  • cnicas, vindo depois as artes plsticas, poesia, literatura de fico e ensasmo. A construo de um teatro monumental em So Paulo - que casualmente seria maior e mais ostensivo que o da Capital Federal, inaugurado dois anos antes, em 1909- foi um dos pontos nucleares da administrao de Antnio Prado frente da prefeitu-ra. O Conselheiro encomendou o projeto ao prprio arquiteto da sua famlia, o piemonts Claudio Rossi, que o desenhou e iniciou a construo do prdio em 1908, em associao com o genovs Do-miziano Rossi e Ramos de Azevedo, entregando-o pronto em 1911 _37 De imediato, o Teatro Municipal revelou o seu espetacular potencial cenogrfico, dominando todo o Vale do Anhangaba a partir do topo da colina do Ch. A imprensa se referia a ele como "o arcano da comunidade municipal e o estandarte da nossa cida-de". 38 Seu efeito simblico arquitetnico e urbanstico externo se equiparava ao prodigioso poder de catalisao cultural que emana-va internamente do seu palco. Nesse sentido, o teatro atuava como uma caixa de emisso e repercusso de smbolos sem iguaL Havia outros e mais adequados ambientes para o PRP reunir-se em suas convenes e dar seus jantares e bailes, mas a liderana sabia muito bem por que escolhia sempre o Municipal. Nem s o PRP , alis. Quando o conde Ermelino Matarazzo faleceu, acidentado em meio a um raid automobilstico pelos Alpes italianos, como vimos, foi no Teatro Municipal, ricamente decorado, que se lhe celebraram as exquias e renderam as ltimas homenagens.39

    Eis um balano parcial da programao artstica do teatro, apre-sentado por um dos historiadores da cidade.

    As temporadas lricas organizadas naquele teatro de 1912 a 1926 por Walter Mocchi levaram cena 88 peras de 41 compositores, sendo dezessete italianos, dez franceses, oito brasileiros, quatro alemes e dois russos, compreendendo o repertrio geral das temporadas nada menos de 270 espetculos. Os elencos contavam com as maiores cele-bridades da poca: sopranos Amelita Galli-Curci, Rosina Storchio, Ro-sa Raisa, Claudio Muzio; meio-soprano e contraltos Flora Perini, Ni-ni Frascani, Elvira Casazza e Gabriella Besanzoni; tenores Caruso, Bon-ci, De Muro, Lazaro, Schipa, Pertile, Gigli, Lauri-Volpi, Fleta e Mer-li; bartonos Titta Ruffo, Stracciari, Galetti , Sanmarco, Giraldoni, Granforte, De Luca e Crab, e baixos de Angelis, Pasero, Journet e Cirino. Gabriella Besanzoni, considerada a contralto mais extraordi-nria que atuou entre ns, estreou em So Paulo na temporada oficial de 1918, ao lado de Aurelio Pertile, em Aida, sendo regente da or-questra o maestro Marinuzzi. Beniamino Gigli, ento no limiar da ce-lebridade, estreou no Municipal em 1920, cantando La Gioconda, a pera com a qual iniciara a sua carreira em 1914.40

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    O repertrio das companhias opersticas, dramticas e de ope-retas representava, na sua vasta maioria, a cultura do sculo XIX. Mas, desde o ltimo quartel daquele sculo, o processo de alta pro-fissionalizao das companhias teatrais, empresrios ousados e vi-dos de oportunidades, a transformao da linguagem cnica, com a introduo da eletricidade, os novos meios de transporte rpidos e a formao de um amplo mercado cultural cosmopolita levaram reorganizao das trupes teatrais em autnticas fbricas de espe-tculos.41 Numa entrevista concedida a P. , n'O Estado, o clebre violinista catalo Juan Mann desabafava, "a bem dizer, eu no te-nho residncia fixa. Moro no trem" .42 De fato, fossem concertis-tas, atores, msicos de orquestras ou cantores, esses artistas em trn-sito permanente desenvolvem um sistema de treinamentos e ensaios em exerccios e seqncias de perjormances padronizadas, que po-dem ser recompostos e recombinados, de forma algo semelhante com o que ocorre aos cenrios, figurinos e demais elementos cnicos das montagens. Seria desse sistema preexistente das companhias teatrais, que as grandes companhias cinematogrficas americanas apreende-riam o modelo dos grandes estdios de filmagens em srie. Inclusi-ve o prprio sistema de propaganda e promoo das companhias e suas grandes estrelas.43 Assim, se o repertrio era tradicional, o conjunto da sua montagem, sua dinmica de desempenho cnico, o senso profissional agudo dos seus integrantes, a eficcia precisa e criativa de seu gerenciamento empresarial, suas tcnicas de publi-cidade e star system eram notrios ndices de modernidade propa-gados pelo mundo todo.

    A despeito da bvia precedncia do Teatro Municipal, essas companhias se dividiam ainda pelos demais teatros, entre os quais o Politeama, o Santana, o So Jos, o popular Colombo, no largo da Concrdia, favorito da comunidade italiana. O Teatro Munici-pal mantinha tambm, desde o incio, a tradio das rcitas popula-res, a preos acessveis mesmo para as temporadas lricas, nas mati-ns do domingo. A criao da Sociedade de Cultura Artstica por um grupo de amadores entusiastas, dispostos a colaborar para "o nosso progresso esttico", estimulando "a formao artstica das massas" e o "surto das vocaes locais", introduziu uma srie de concertos populares, oferecidos no Municipal, envolvendo todos os melhores artistas e companhias que se apresentavam em So Paulo, a preos "muito menores do que geralmente dispende uma famHia com o cinema".44

    claro que assim como a riqueza de So Paulo atraa o melhor da pera clssica, muito em breve comearam a chegar os moder-

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    nos, no mesmo nvel de qualidade, ou seja, o melhor do melhor, a nata do circuito cosmopolita. Em 1916, lsadora Duncan, nada mais nada menos, seduz a cidade aos seus ps. Em 1917, os inefveis Ba-ls Russos de Diaghliev, estrelando o deus-danante, Nijinski, com coreografias dele e de Fokine. Em 1918, Kubelick, de novo ele, Ni-jinski, e os Bailados de Ana Pavlovna, estrelados pela prpria. No ano seguinte, Ana Pavlovna retornou em dose dupla e sufocante: no primeiro programa danou O pssaro de fogo, de Stravinski, e La peri, de Paul Dukas. No segundo, se apresentando em conjunto com a Sinfnica Italiana, sob a regncia de Gino Marinnuzzi, num programa que reunia Debussy, Respighi e o "Preldio" e a "Morte de Isolda" de Wagner. Ainda nesse ano de 1919, um inesperado su-cesso de repercusso: Darius Milhaud organizou no Vieux-Colom-bier, em Paris, um espetculo inteiramente dedicado msica bra-sileira, que, alm de apresentar composies de Glauco Velasquez, Alberto Nepomuceno, Henrique Oswald e Milhaud, inclua "tan-gos, maxixes, sambas, caterets ... ".

    Em 1920, essa seqncia prosseguiria com Arthur Rubinstein executando ao piano, entre outros, Poulenc, Prokofiev e Stravins-ki; assim como em 1921, Luba d'Alexandrowska apresentaria, com destaque, Debussy e Ravel; e em 1922 novamente Rubinstein se exi-biria com Cesar Franck, Albeniz, Debussy e Villa-Lobos ... 45

    Em paralelo a esse modernismo musical, coreogrfico e ceno-grfico, as artes plsticas iam compondo seu percurso, com maio-res embaraos diante da carncia de infra-estrutura, estmulos e in-formaes, mas num adensamento igualmente irrefrevel. O incio foi marcante, com uma exposio casual do jovem pintor russo La-sar Segall, ldimo representante da arte alem de Dresden e Berlim, onde estudara e em cujo meio se operou entre 1911 e 1913 a fuso entre as estticas da Freie Sezession e do grupo Die Brcke, cruzan-do a intensidade cromtica fauve, com a distoro expressionista e a geometrizao rigorosa do cubismo da Seo de Ouro.46 No ano seguinte, procedente do mesmo meio germnico, onde estudara de 1910 a 1914, exporia a jovem Anita Malfatti, nos sales da Casa Mappin, numa combinao ecltica de estilos e configurao arts-tica incipiente, porm de ntida matriz moderna. De volta aos estu-dos, agora na lndependent Art School de Nova York, um dos cen-tros de ressonncia da arte francesa durante o interregno da guerra, Anita regressaria com um estilo muito mais atilado, tendo operado ali a fuso entre a sua experincia alem e a influncia francesa in-ternacionalizada. Sua segunda exposio, em fins de 1917, alcana

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    grande repercusso.47 No mesmo ano, outra exposio relevante fo-ra a de Di Cavalcanti, nos sales d'A Cigarra. Eram ilustraes e caricaturas, arte com que ele contribua para as revistas mundanas, inspiradas no art-nouveau e no trao incisivo, sensual, provocante de Beardsley.48 Alis, essas revistas de atualidades, variedades e mo-da, que se tornam requintadas e mais baratas graas s novas tcni-cas, eram elas mesmas fontes populares de renovao artstica. O uso da ilustrao, de preferncia fotografia, dava emprego a in-meros artistas que competiam entre si em modernidade, haurida das revistas europias. O resultado grfico dos trabalhos, tanto na ilus-trao de textos quanto na publicidade, alcanava nveis notveis de elegncia, expressividade, experimentao de cores, economia de recursos, originalidade de concepo e agilidade de trao, em artis-tas como Ferrignac, Umberto della Latta, J. Carlos, Belmonte e o extraordinrio mestre Voltolino .49

    No incio de 1919, Paulo Prado (filho do conselheiro Antnio Prado), em colaborao com o senador Freitas Valle e o cnsul da Frana, toma uma iniciativa da maior importncia, instalando uma Exposio de Pinturas e Esculturas francesas no hall do Teatro Mu-nicipal. A parte de pintura, constando de alguns impressionistas me-nores, era fraca, mas a de escultura era notvel, representada por Bourdelle, Rodin e Laurens, os quais, no interior do Municipal, al-canaram a centralidade que as artes plsticas at ento nunca ti-nham tido na cidade. so de se lembrar que em todos os evP.ntos ar-tsticos referidos, como tambm nesse, era de rigor a presena do presidente do estado, prefeito e respectivos altos escales nas ver-nissages. Mas o patrocnio efetivo de artistas locais era e seria um apangio de patronos abastados. O retorno a So Paulo, em parti-cular de Paulo Prado, premido pela irrupo da Guerra, aps uma longa itinerncia de diletante pela Europa, por designao de sua prpria famlia, iria mudar em definitivo o cenrio poltico e cultu-ral vigente.s1 Era em sua casa e na de Olvia Guedes Penteado-igualmente recm-chegada da Europa pelo incio da Guerra e viva desde 1915 do grande fazendeiro de caf lgncio Penteado- que os jovens interessados em "artes modernas" encontravam as lti-mas revistas, livros, informaes, obras, chegados da Europa, e as portas abertas. S2 No havia ainda um mercado local consistente pa-ra as artes e o principal comprador, o poder pblico, procurava ne-gociar as suas aquisies politicamente, sem maiores compromissos, atendendo com alternncia os diferentes lobbies comunitrios e es-tilsticos da cidade. A crtica era mal-informada, oclusa e compla-

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  • cente ou ento equvoca, como no caso notrio de Monteiro Loba-to, que vituperava as telas de Anita Malfatti com a mesma paixo com que louvava aos cus as esculturas de Brecheret, compondo lob-bies de intelectuais modernistas para promov-las junto s autori-dades. 53

    Os impressionantes acervos trazidos por Paulo Prado e Olvia Penteado comportavam uma mostra da mais atual e significativa arte francesa: esculturas de Brancusi; ilustraes e gravuras de De-rain, Segonzac, Gallanis; pinturas de Matisse, Modigliani, Lhote, Gris, Lger, Braque, Picasso, entre muitos outros.54 Com a restau-rao dos intercmbios mundiais no ps-guerra, as importaes de livros e revistas se tornaram geis, a diminuio dos custos de fretes tornou os preos mais acessveis e circulavam com fluncia a Nou-velle Revue Franoise e a to disputada L 'Esprit Nouveau, com re-produes das imagens mais em evidncia na Frana e suas reas de influncia na Europa. 55 Em 1920, as exposies se acumulam: foi nesse ano que o cronista P . brindou os leitores com a exclama-o "a cidade no pensa em outra coisa seno em arte". s6 No sem razo. Rego Monteiro abriria sua exposio de estilizaes "primi-tivas", inspirada em figuras e temas decorativos indgenas. Logo depois seria aberta visitao pblica a maquete do empolgante Mo-numento s Bandeiras de Brecheret, seguido, pouco mais tarde, do seu projeto para o Monumento dos Andradas. Desses dois artistas, lembremos que Rego Monteiro estudara em Paris de 1911 a 1914, regressando com a Guerra mas tendo j exposto no Salo dos Inde-pendentes, e que Brecheret, imigrante italiano, chegara de Viterbo criana, retornaria para estudos em Roma de 1913 a 1919, tendo uma breve estada em So Paulo em 1920, dirigindo-se depois a Pa-ris, expondo e sendo premiado com o primeiro lugar em escultura no Salo de Outono, em 1921.57 Nova exposio de Anita Malfat-t i, em novembro de 1920, atraindo surpreendentes multides sede do Club Comercial. Aps o:que, a vez do sucesso da mostra do artista suo, recm-chegado da Europa para radicar-se em So Pau-lo, John Graz, apresentando trabalhos em que se fundiam a lingua-gem hbrida do Blaue Reiter de Munique e o tpico paisagismo ps-impressionista de Genebra. 58 O ano terminaria com um ltimo grande destaque, a Exposio de Arte Moderna Japonesa, organi-zada pelo Tosa Art Studio de Yokohama. 59 Era So Paulo receben-do Paris via Japo.

    Em meio a essa fabulosa incidncia de expresses artsticas in-ternacionais e modernas, seria igualmente importante lembrar, em

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    paralelo, o esforo sistemtico e concentrado pelo desenvolvimento de pesquisas sobre cultura popular sertaneja e iniciativas pela ins-taurao de uma arte que fosse imbuda de um padro de identida-de concebido como autenticamente brasileiro. Essa busca pelo po-pular, o tradicional, o local e o histrico no era tida como menos moderna, indicando, muito ao contrrio, uma nova atitude de des-prezo pelo europesmo embevecido convencional e um empenho para forjar uma conscincia soberana, nutrida em razes prprias, ciente da sua originalidade virente e confiante num destino de expresso superior. Naturalmente, nem o deslocamento e a desagregao pro-vocados pela urbanizao vertiginosa, nem a ameaa onmoda re-presentada pela cosmopolitizao macia de So Paulo eram fen-menos indiferentes a essa reao. Introduzir novos laos, a pretexto de resgatar elos, seria uma forma de forjar vnculos simblicos que substitussem nexos sociais e polticos que os novos tempos e suas condies haviam corrodo. Corroso essa que vinha ocorrendo tanto nas relaes entre as pessoas e grupos quanto nas conscincias indi-viduais e nas identidades coletivas. Fixar silhuetas , feies e sortil-gios, dar-lhes almas com forte poder de sugesto, seria uma forma de se confirmar contra a dvida, de seduzir os desgarrados, de atrair os desorientados, de estigmatizar os recalcitrantes. Enfim, seria um modo de unificar sob um signo comum, um vetor de coao ao mes-mo tempo que socialmente dado, instintualmente assumido. Vimos como essa disposio fora exacerbada ao extremo no ps-guerra eu-ropeu e estava inscrita em tom indelvel no seio da expresso "esp-rito novo" , criada por Apollinaire em 1917-8. A luta contra o caos se faria pela Histria e aquela contra a histria, por meio do mito.

    A partir do paroxismo da pregao patritica sobrevindo em 1915, com o incio da cruzada de Bilac na Academia do Largo de So Francisco e a criao da Liga Nacionalista, cunhou-se o que se-ria uma tradio da cultura nacionalista militante, cuja raiz primor-dial e modelo seria a obra Os sertes, de Euclides da Cunha.60 parte o profundo teor crtico ao descaso e irresponsabilidade social criminosa das elites polticas, o que se queria destacar no livro era sobretudo a peculiaridade da cena brasileira e o empenho de se lhe revelar a originalidade como sendo a mais elevada das disciplinas intelectuais ou artsticas. Quando Monteiro Lobato lana o seu Uru-ps, em 1918, "no mais aceso da campanha nacionalista", ele tem a surpresa de ver o seu livro atingir cinco edies sucessivas naquele mesmo ano, fenmeno indito at ento no meio editorial brasilei-ro.61 O que significava, para o crtico Sud Menucci que o resenhou

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  • para O Estado, "uma mostra formal do quanto pode o sentimento nativista em arte", situando o livro como um novo marco para "os modernos" e profetizando que ele influenciaria toda a nova gera-o de escritores.62 Se Euclides havia fixado o retrato de uma figu-ra distante de sertanejo, o "tabaru do norte", revelando-lhe as ca-ractersticas notveis de plasticidade e adaptabilidade ao meio, Lo-bato traou um perfil melanclico do sertanejo do sul, o "caipira'', destacando sua natureza arredia, ablica e resignada, cuja lgubre figura marcaria poca atravs da caricatura do Jeca-Tatu. Lima Bar-reto no seu Triste fim de Policarpo Quaresma e em vrios contos, assim como Amadeu Amaral, mais tarde, no Poltica humana, num esprito semelhante ao de Euclides, ressaltariam que esse sertanejo do sul era vtima do mesmo regime de excluso social, expropriao e penria absolutas que o do norte, apontando as origens da sua condio nas discrepncias da estrutura social e poltica do pas.63 Mas no seria essa a corrente que vingaria. No af da mobilizao nacionalista, a figura do Jeca-Tatu acabaria adquirindo caracters-ticas simpticas e o seu estado de penria seria atribudo a adminis-traes incompetentes, ignorantes ou incapazes de interagir com a realidade nacional e, acima de tudo, presena dominante, usurpa-dora, de estrangeiros no pas, mormente em So Paulo.64

    Figura decisiva na difuso desse novo esprito seria o escritor Afonso Arinos, contraparente dos Prado por casamento (com aso-brinha de Eduardo Prado, irmo do Conselheiro) e que fixou resi-dncia permanente em Paris desde o incio do sculo. A partir de l e em sucessivas visitas, Arinos se constituiria no vrtice do movi-mento de "redescoberta" do Brasil "popular", "folclrico" e "co-lonial". Foi ele quem, da sua perspectiva parisiense, descobriu a di-menso "extica" do passado, dos hbitos e costumes preservados na tradio popular ou rural e da paisagem do pas. E isso tudo muito para a surpresa e a contragosto dos seus contemporneos, at ento fazendo todo o possvel para ocultar, esquecer ou banir essas carac-tersticas no seu empenho neurtico de se mostrarem europeus com-pletos, puros, up-to-date, em francs fluente.65 A sua obsesso "na-tivista" e "primitiva" causava constrangimento geral aos seus con-vivas que, no entanto, dada a posio social de Arinos, engoliam o orgulho e mal toleravam a excentricidade do visitante ilustre. Uma pessoa do seu crculo de relaes, o dr. Miguel Couto, diretor da Faculdade de Medicina de So Paulo, assim descreve um desses an-ticlmax deliberadamente provocados por Arinos e a atmosfera de denso mal-estar que ele deixou.

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    Esse sentimento [nativista] arrancava to profundamente da sua alma que por mais infantil que parecesse a todos infundia respeito; nem ele era capaz de brincar ou consentir que brincassem com estas cousas. Como todo o crente, desejava impor a sua crena fora de propici-la. Dias depois da srie de conferncias sobre lendas e tradies brasi-leiras, numa das quais fez representar em cena aberta o auto da Nau Catarineta, ofereceu no seu palacete alta sociedade paulistana um baile da maior suntuosidade e requintada opulncia, e a meio da noi-te, quando os sales regurgitavam das mais belas damas, cujos alvos colos nus desapareciam sob rocais de prolas ou constelaes de dia-mantes, e homens enfarpelados em irrepreensveis casacas se ombrea-vam, entrou uma turma de legtimos e retintos caboclos, de chapus na cabea e sem colarinhos, para danar o verdadeiro, o clssico, o incorrupto cateret; e ao se retirarem deste quadro, no qual no sei se o poeta das Gergicas ainda acharia que "a prpura d' Assria no altera a brancura das ls", ele prprio, com aquela sua linha finamente aristocrtica, os conduziu at ao topo da escada, apertando a mo de cada um. Neste aperto de mo ia uma renncia ostensiva, um repto, o desprezo do fiel ao chamado respeito humano. 66

    O mesmo dr. Miguel Couto forneceria ainda um quadro mais completo d~ natureza claramente religiosa do sentimento que Afonso Arinos nutria, autntica, aberta e devotadamente, natureza e pa-norama interiores do Brasil, assim como cultura e estilo de vida que ali medravam.

    O serto no era para ele um prazer, um passatempo, um hbito; era a bem-aventurana elsia ou antes uma religio, a que de tempos a tem-pos, movido por mpeto irresistvel, havia de render culto; no ia de ps nus ou de alparcas, empunhando a auriflama ou abordando-se no cajado de peregrino, nem entoava em coro a litania, porque no era Jerusalm o seu destino; porm, jamais cometeu a heresia de compa-recer no grande templo com as mesmas roupas impregnadas do p in-digno das cidades, seno com a sua andaina de ganga, os seus cotur-nos amarelos, o seu chapu de couro de grandes abas e um basto tosco.67

    A expresso mais significativa dessa descrio talvez seja " mo-vido por mpeto irresistvel", porque d conta do contedo pulsio-nal, inconsciente das emoes e motivaes que ligavam inelutavel-mente Arinos aos sertes e seus habitantes, transformando-os em entidades sublimes, de cujo contato e de cuja evocao sua vida se preenchia de significados superiores. Acompanhe-se em particular a memria desse momento em que, numa das suas andanas pelo serto, ele tomado de um sbito estado de xtase, um instante de

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  • revelao e transporte, quando num repente se defronta com uma rvore, uma tpica rvore brasileira, o jequitib (do tu pi yeklti'b).

    Uma vez, numa das suas romarias de longas jornadas, acompanhado de rapsodos e de tocadores, deparou j ao cair da noite um enorme jequitib- a que chamava a catedral das florestas-, em cujo tronco se abrira uma grande cava; ento o bardo Catulo, nela penetrando, declamou plangentemente uma ode herica natureza ma ter, enquanto o violeiro Pernambuco, entre todos os da fama famosssimo, dedilhan-do as primas e o bordo, compunha um hino lua, que vinha tmida, esquiva, vagarosa se esgueirando por trs das frondes do arvoredo . Era demais; descobrindo-se e pedindo silncio, Arinos caiu numa es-pcie de xtase, que durou enquanto no se perdeu alm das serranias o ltimo eco do improviso cerimoniaJ.68

    Tal qual a reao de Arinos, a imagem do rapsodo sertanejo recitando do vo interior do grande jequitib, no meio da selva, sob a lua, em meio msica que ecoa nas montanhas distantes, traz evo-caes to poderosas, a catedral, a caverna, a me, o tero, que de imediato constitui um instante mgico, fora do tempo, nos introdu-zindo numa dimenso transcendente que as palavras j no podem nomear, em que a conscincia cede emoo e preciso silenciar.

    Afonso Arinos morreu em 1916, na Europa. Em So Paulo , desde 1918, em meio grande crise dos "cinco Gs", um amplo gru-po de amadores, ligados Sociedade de Cultura Artstica e aos clu-bes desportivos, inicia planos para uma monumental montagem dramtico-musical da obra pstuma de Arinos, O contratador de diamantes. A notcia se espalha e j no incio de 1919, aps o Car-naval, ela a coqueluche da cidade.

    O contratador de diamantes! No se fala em outra coisa nas rodas ar-tsticas e mundanas da nossa capital. A grande preocupao do mo-mento a representao da bela pea de Afonso Arinos pelo grupo de senhoras, senhoritas, cavalheiros que tomou o compromisso de pr em cena aqueles admirveis quadros do Brasil Colonial, do Brasil das Bandeiras e das minas, do Brasil herico! Todos disputam o prazer e a honra de contribuir para uma obra benemrita, ao mesmo tempo artstica, filantrpica e patritica, para cujo xito se congregaram al-guns dos nossos melhores elementos sociais, o prefeito de So Paulo [Washington Lus] e a Sociedade de Cultura Artstica, e que vai dia a dia recebendo a contribuio de todas as classes sociais de So Paulo.69

    No era apenas a pea em si e o prestgio do nome de Arinos que contavam. Ganhava realce o fato de que a montagem era uma

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    iniciativa da juventude, uma nova gerao de amadores, sem por-tanto mesquinhos interesses pecunirios, e que se dispunha a uma iniciativa integralmente nacional, sem um nico detalhe estrangei-ro, com destaque para a pronncia, genuinamente paulista, em vez das lnguas europias ou do portugus de acento lusitano, que in-clusive os atores profissionais brasileiros assumiam nos palcos. Co-mentando a montagem, o crtico d'O Estado diria:

    Cada qual encontra na prpria novidade da arte a que, para a felici-dade nossa, se entregaram, esse no sei qu de ingnuo e novo, que falta ao profissional e que consegue imprimir, maior parte das cenas d' O contratador, um delicioso sabor de realismo primitivo. Dessa vez o Municipal varreu dos seus vastos sales os vestgios impertinentes da "troupes brouls" [sic] . A atmosfera que nele se respira brasilei-ra, exclusivamente brasileira. As atitudes despidas de afetao, a pro-nncia de certos artistas acentuadamente paulista, juram a autentici-dade do espetculo, produzindo em todos os que ainda no perderam o senso da nacionalidade a que pertencemos, as melhores e mais ele-vadas emoes.

    O texto termina num tom de ameaa to sintomtico quanto muito revelador de que emoes eram essas. "A esses [que no per-deram o senso da nacionalidade] convidamos a que compaream no Municipal. Aos outros, o espetculo no interessa .... " 70

    O tom intirnidatrio procedia. Quando em maio de 1919 foi apresentado o nome dos componentes do elenco e dos patrocinado-res do espetculo, eles compunham uma autntica relao do quem quem na elite plutocrtica paulista, sendo no menos notvel nas excluses, que por sua vez estabeleciam o quem no o . 71 A inten-o maior era mais obviamente a segunda que a primeira, o que re-velava uma sbita necessidade de afirmao, para quem at ento gozava do monoplio incontestado da cena social, mas que agora se ressentia das reviravoltas dramticas acentuadas pelo contexto da Guerra. Por isso mesmo o evento recebeu uma carga de investimen-tos capazes de magnificar o seu impacto, muito acima das anuncia-das intenes de benemerncia para com o Asilo dos Invlidos da Santa Casa e a Sociedade de Cultura Artstica.72 O prefeito Was-hington Lus cedeu o Teatro Municipal, custeou os cenrios, a car-go de Wasth Rodrigues, e outras eventuais despesas gerais. As fa-mlias bancaram os luxuosos figurinos e ensaios. 73 O elenco musi-.al era estupendo, com duas orquestras, uma grande no poo, ou-

    .:.:tra menor no palco. A menor era regida por Francisco Mignone, . caracterizado como "Mestre Plcido", envergando "casaca a Lus

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  • xv de bofes de renda e de cabeleira empoada" .74 A orquestra m;ior, tendo como espala o professor Zacharias Autuori, teria co-mo regente o maestro Francisco Braga, tambm compositor das m-sicas do espetculo e que viria especialmente do Rio, acompanhado do ministro da Viao, representando o presidente da Repblica, mais um squito de altas autoridades do governo federal. E por fim, mas no menos importante, o elemento de choque. Pela primeira vez pisando no palco do Municipal, conforme descri? de um jor-nalista que assistiu os ensaios, "o congado, que est mmto bem mar-cado, foi danado com grande 'entrain' e vai ser fatalmente um ~~s elementos de sucesso da representao, pelo seu sabor caractenstJ-co, tanto mais que os intrpretes so pretos de verdade e danado-res e violeiros autnticos da roa" .75

    A estria foi um sucesso retumbante. A crtica exultava.

    [ .. . ] uma s palavra pode dizer tudo o que foi o espetculo de ontem: estupendo, simplesmente estupendo! [ ... ] ... no foi uma simples festa de arte [ ... ], mas sim uma vitria, ganha pela nossa sociedade, que obteve um trunfo afirmando, ao lado do seu fino gosto [ ... ]a sua cul-tura, a sua raa mesmo [ ... ].76 Afonso Arinos foi alado posio de heri intelectual dos no-

    vos tempos. Dois dias depois, P. dedica a ele a sua colun.a :sc:even-do, sob a efgie do autor, um depoimento sobre a conv1venca que com ele tivera.

    [ ... ] Sempre [ .. . ), quando no discorria sobre o pa~sado da nossa r_a-a, era de coisas roceiras que falava - caadas, v1agens pelo senao fundo casos e pilhrias de caipiras. E ento, com que prazer enterne-cido ~ri nos se no deixava ir, a contar, a contar sempre, incansavel-mente ... Caipiras no havia quem os conhecesse mais e mais os am_as-se que 0 criador do "Joaquim Mironga" . [ ... } ... tudo nos dava a m~presso de ser ele um roceiro transplantado violentamente para ~ ~dade, e, aqui vivendo e vivendo nos meios mais civilizados e. rajjmes, sempre saudoso da "sua" roa e dos "seus" caipiras ... Pans, a mes-ma Paris por mais que ele a amasse e por mais que se adaptasse a to-dos os seus requintes, jamais o fez esquecer o serto brasileiro. E tan-to que, mal se pilhava aqui , Afonso Arinos logo se aprestava a um~ viagem para o serto, e l se afundava dias e dias, meses at no conv-vio das gentes simples e primitivas!77

    De imediato, a Liga Nacionalista, "compreendendo o alto va-lor que a pea de Afonso Arinos tem como instrumento de nossa formao esttica e cvica", decide financiar uma temporada a pre-

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    os populares, a fim de dar a maior divulgao possvel a "essa no-va 'bandeira' que surgiu nos campos de Piratininga" .78 De fato, c-vica a pea era. O entrecho, num resumo extremo, narrava a hist-ria do contratador da prospeco de diamantes do Distrito Diaman-tino do Tijuco, Felisberto Caldeira Brant, de preponderante linha-gem paulista, lder e patriarca tutelar do seu povo, que espuria-mente estorquido pelo ouvidor-geral, mostrando como os polticos parasitas usurpavam o trabalho dos legtimos produtores locais, para favorec-lo aos estrangeiros. No clmax da ao, porm, o heri na-cional conclama revolta o povo da cidade que, ao ouvir-lhe as "vee-mentes palavras" , "se eletriza clera do Contratador e se dispe a enfrentar valentemente os drages dei-rei ... ''. 79 No poderia ser mais explcito o contedo da pea e com endereo certo. Tanto que na rcita popular, o representante da Liga Nacionalista, ao tentar se dirigir platia durante o intervalo, foi alvo de tumultuosa as-suada que abalou sua fala sob gritos e improprios, num confronto escandaloso como nunca se vira no Municipal.80 O que obviamen-te colaborou muito para a repercusso do evento.

    Mas, claro, nada causou tanto escndalo quanto a apresenta-o no palco do Municipal dos referidos "pretos de verdade". interessante observar o contexto e a forma como esses personagens se enquadram no interior da pea. Eis a descrio que P. fez dessa cena-chave, no comeo do segundo ato.

    Estamos no opulento Tijuco, pelos meados do sculo xvm. Ao fun-do, o templo, bem caracteristicamente colonial [ ... ]. A praa movi-menta-se de povo- e um ir e vir de gente, em trajes domingueiros, pitorescos e curiosos. Por entre os largos chapeles dos garimpeiros e os belos costumes dos fidalgos, passam as "crinolines" das senho-ras, em meneios gentis, sorrindo sob chapus minsculos de plumas e flores. [ .. . ] .. . mas, de repente, ao clamor de Aleluia! Aleluia! - ir-rompe em cena uma multido curiosssima. E enquanto os negros, uma poro de negros e negrinhos em trajes bizarros, cada qual com um cocar de penas e com o seu pandeiro - iniciam a "congada", dan-ando e cantando ao toque montono dos atabaques e tambores -, a um canto se aglomera o povo do Tijuco, e l em cima, numa tribu-na, fidalgos e fidalgas gentis, em ademanes graciosos, inclinam os bus-tos curiosamente para a praa em festa ... - Que lindot81 A cidade, a praa, o palcio e a igreja. Os negros e negrinhos

    em trajes bizarros ocupam a praa (Aleluia! Aleluia!) e iniciam o batuque de atabaque, bumbo e pandeiro . Os fidalgos assomam tribuna do pa lcio, atrados pelo ritmo da congada e se inclinam

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  • levemente para olhar com simpatia os celebrantes. O povo da cida-de, reunido num canto, observa embevecido os fidalgos olharem com admirao os msicos e danarinos negros. A platia do teatro as-siste ao povo observando os fidalgos que apreciam a congada "de verdade", dos "negros de verdade". A cena didtica. parte o escndalo, o que mais se comentou sobre a pea foi o extraordin-rio luxo da montagem, algo numa escala que nunca se vira em So Paulo e que causou pasmo at a um ator clebre, com carreira in-ternacional, Chabi Pinheiro, "glria do teatro portugus", que fo-ra prestigiar o evento.82 Na confeco dos figurinos as famlias con-correram entre si e investiram pesado. Mas o mobilirio e os apetre-chos decorativos que eram sumamente suntuosos, hipnotizando a platia numa ostentao de riqueza autntica, que procurava ree-ditar o fastgio da minerao de diamantes na colnia. Conforme registrou um cronista presente pea, "a zona dos diamantes era riqu ssima. O estilo d. Joo v, tanto no mobilirio quanto na pra-taria. As bandejas da poca eram to pesadas que as carregavam dois escravos de libr, tal qual se viu na pea" .83 Reunindo todos esses elementos, pode-se observar ento como o alto prestgio das famlias envolvidas, o renome de Arinos, a fora do Municipal, a riqueza dos figurinos, a suntuosidade do mobilirio e prataria de lei , tudo autenticamente colonial, mais- elemento decisivo de con-traste- a congada "de verdade" e os "pretos de verdade" conver-giam para criar um vnculo simblico profundo entre distino so-cial, sofisticao, passado colonial e raiz cultural popular. Aqueles que se inserissem nessa qudrupla dimenso simblica seriam o que havia de mais elevado, de mais profundo e de mais puro. Os demais nunca foram.

    portanto bastante curioso saber a origem de todo aquele mo-bilirio e prataria luxuosos e de poca, que deram ao espetculo a sua cintilao mgica. Eles procediam do patrimnio dos Prado e dos Penteado.84 Alis, no por acaso, o principal papel feminino era desempenhado por Eglantina Penteado da Silva Prado. 85 Os mesmos Paulo Prado e Olvia Penteado, que patrocinavam, instru-mentavam, estimulavam e promoviam os artistas e intelectuais mo-dernistas, eramfontes vitais da "redescoberta" nativista do Brasil, seu passado colonial e a cultura popular. Ambos recm-chegados da Europa, que era a condio permanente de Arinos, eles iriam exer-cer, a propsito, uma ao catalisadora na transformao da cultu-ra brasileira, ao se comporem com outro personagem crucial, o poeta Blaise Cendrars, apaixonado pela cultura negra. Quando Blaise veio

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    a So Paulo em 1924, sob o patrocnio de Paulo Prado, Olvia Pen-teado o levou, junto a um grupo de artistas, ao Carnaval do Rio de Janeiro e Semana Santa nas cidades histricas de Minas, numa srie de excurses-revelao, que o grupo denominaria "a descoberta-do-Brasil-1924''. 86

    No menos interessante saber que naquele ano de 1918 em que O contratador fora planejado, A. Piccarolo e L. Finnocchi pu-blicaram o seu O desenvolvimento industrial de So Paulo, a partir de dados colhidos junto s Exposies Industriais que se iniciam a partir de 1917 no Palcio das Indstrias no Parque D. Pedro n, es-pecialmente construdo para esse fim (onde ficava, alis, o ateli de Victor Brecheret).87 Suas estatsticas e nmeros revelavam uma pu-jana industrial surpreendente, at ento malconhecida, e que indi-cava como inevitvel o que de fato se tornaria realidade aps 1920: o valor da produo industrial de So Paulo passava a ser superior ao do total das sacas de caf vendidas. 88 O livro revelava, ademais, que a maioria esmagadora dos proprietrios de indstria e dos par-ticipantes das Exposies Industriais eram de origem estrangeira, com predominncia marcada dos italianos. A contrapartida dessa esca-lada industrial, claro, todos conheciam, estava nas ruas: as greves, a agitao social, as conspiraes, a figura soturna do terrorista real e manipulada, o temor onipresente da convulso revolucionria de-sencadeada por aliengenas- "os indesejveis". Mas no eram s os industriais e os operrios que vinham alterar de forma irrevers-vel a estrutura social e o quadro poltico vigentes. Nas reas de ex-panso mais recente da fronteira do caf, o "novo oeste" e a "alta-mogiana", rapidamente se tornando as mais produtivas, predomi-navam os pequenos e mdios fazendeiros, na sua grande maioria de origem imigrante, que foraram o estabelecimento de um mercado de terras livres na zona de expanso, entabulando ao mesmo tempo uma complexa rede de comrcio de excedentes e servios com os mer-cados da capital do estado. A velha ordem social esboroava por to-do lado, assumindo novas configuraes, em especial nos contextos crticos da Guerra e do imediato ps-guerra. Compreendendo, lci-do, todo o potencial poltico dessa reestruturao, Washington Lus compromete a sua plataforma para o governo estadual de 1920 com os novos grupos emergentes. 89 Desde ento, as entidades represen-tativas do grande latifndio cafeeiro tradicional, a Sociedade Rural Brasileira, a Liga Agrcola Brasileira e a Associao Comercial de Santos, seriam alijadas do circuito de tomada de decises e os "go-vernos fortes'' passariam a controlar a situao a partir do apoio

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  • I. !,... : ....

    das "novas classes".90 Sua resposta viria pela criao do Partido Democrtico, em 1926, pelo conselheiro Antnio Prado e pela Re-voluo de 1930.

    no interior desse panorama que se enquadra a cerimnia so-lene de colao de grau dos bacharis da faculdade do largo de So Francisco, em dezembro de 1919, em que o paraninfo, Herculano de Freitas, ladeado pelo governador do estado, Altino Arantes, e o filho do presidente da Repblica e candidato ao governo local con-tra Washington Lus, Oscar Rodrigues Alves, orou um longo arra-zoado preconizando a reao contra as presses pela mudana pol-tica e social.

    Os que pretendem e reclamam reformas nas instituies e pretendem intervir na elaborao das nossas leis, so na sua quase totalidade es-trangeiros. No se lhes pode, sem abatimento da dignidade nacional, conceder o direito de pleitear, entre ns brasileiros, instituies para o Brasil.

    Ele mesmo fixava um diagnstico da crise social e propunha um novo curso de ao profiltica .

    Finalmente se reconhece que a sociedade est atacada de dois gneros contrrios de loucura coletiva: a loucura da riqueza pelos negcios, a loucura da destruio pela anarquia. Ponhamos de permeio, se qui-sermos salvar a sociedade atual, um novo gnero de fanatismo: o fa-natismo da ordem, pela conformidade. Todos que somos dirigentes, todos que temos interesses superiores [ ... ] empreendamos a cruzada amorosa da converso dos novos gentios da sociedade atual [ ... ].91

    nesse contexto tambm que, em 1920, Pinto Pereira cria o slogan "assimilamos ou seremos assimilados", como tema de uma estratgia poltica de "reao pela cultura". 92 O que daria ensejo criao por Sampaio Dria da Reao Nacionalista.

    Os brasileiros esto ameaados a passar, por imprudncia, de senho-res da terra a colonos dos estrangeiros, que vencem. [ ... ]A reao na-cionalista ser, pois, necessariamente, uma reao da cultura pela su-premacia do nacionaJ.93

    O que ecoava a palavra de ordem de Paulo Prado, j em 1917, encetando uma reao de reconquista contra os "Bandeirantes ita-lianos e Conquistadores srios". 94 Contra esse pano de fundo, tal-vez se possa compreender mais profundamente o significado da mon-tagem d'O contratador, seu impacto, seu sucesso, a mudana de cur-so que ele operou no cenrio cultural e o sentido da sua recepo

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    na imprensa: "Bandeirante foi Caldeira Brant , bandeirante soube ser Arinos; e dignos descendentes de bandeirantes foram seus intr-pretes. [ ... )Talvez esse confronto diga tudo" .95 Ter raiz ou no t-las, eis a questo.

    O Contratador surgiu assim, ao mesmo tempo, como cristali-zao e como catalisador de uma fermentao nativista que adqui-ria densidade crescente em direo aos anos 20. Um dos focos dessa fermentao era a Liga Nacionalista, criada em 1917, como j se viu; outro era a Revista do Brasil, fundada em 1916 por um grupo de intelectuais de oposio ao PRP.96 Grandemente estimulada e di-vulgada por essa revista, prosperava uma literatura de regionalismo paulista, dedicada a retratar a cena rural e a cultura caipira. Os au-tores e publicaes se avolumavam, Amadeu Amaral, Monteiro Lo-bato, Valdomiro Silveira, Cornlia Pires, Lencio de Oliveira, Oto-niel Mota, Benedito Otvio, Paulo Setbal, Afonso de Freitas, Eg-dio Martins, Paulo Duarte, dentre muitos outros. Resenhando o li-vro Os caboclos, de Valdomiro Silveira, editado pela Revista doBra-sil, o crtico literrio d'O Estado publicava, no inicio de 1921, um autntico ~anifesto do regionalismo paulista. Depois de demons-trar uma tendncia predominante na Europa e Estados Unidos li-teratura regional e dialetal, ele conclui que

    ele [Valdomiro Silveira], com Amadeu Amaral, Monteiro Lobato e outros, ser, dos primeiros daqueles operrios que forjaro, retempe-rada e dctil, a lngua portuguesa do Brasil [ ... ]. E acrescenta, citando Alusio Azevedo:

    A nossa literatura, para ser alguma coisa, j que forosamente, quan-to a idias gerais, tem de ser o reflexo das grandes literaturas mun-diais, carece de cultivar o pitoresco local. o que fao na minha esfe-ra, estudando e descrevendo o nosso passado. O conto regional a forma inicial daquela literatura de imaginao brasileira. Os romnti-cos deram-lhe um aspecto falso, porque observaram o pas com lentes europias.

    E desfecha a concluso citando Goethe, "o dialeto o elemen-to vital em que a alma respira mais livre" .97

    Depois d'O contratador, aquilo que era uma corrente intelec-tual se transforma numa moda de ampla vigncia social. interes-sante observar como se operam ento os deslizamentos e reagrega-es dos contedos mticos difusos pelo imaginrio social. O livro de Lencio de Oliveira, Vida roceiro, anunciado com uma ilustra-

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    o em que as imagens clssicas do Iluminismo e da Revoluo Fran-cesa, recicladas no Brasil pela maonaria no contexto da proclama-o da Independncia, depois pelo republicanismo, abolicionismo, jacobinismo e radicalismo operrio, reaparecem centralizadas na fi-gura do "caipira". Assim, no anncio do livro, a ilustrao apre-senta um jovem nu, tal como o "bom selvagem", saindo por entre as chamas purificadoras, com os pulsos cerrados exibindo grilhes bravamente rompidos .98 Quem lhe pusera os grilhes, como ele se libertara, de quem?- nada disso sinalizado, mas o smbolo fun-ciona eficazmente, graas ao eco sonoro que ele evoca na memria e no imaginrio pblicos. J o Teatro Boa Vista apresentava a bur-leta Nossa terra, nossa gente, de Joo Felizardo Jr., sobre costumes e ambientes sertanejos, que o crtico de espetculos d'O Estado elo-gia, apesar de estranhar "o luxo com que se apresentou o corpo dos coros, nada consoante simplicidade das moas roceiras" e "o ti-po do vaqueiro caxinguel travestido de cow-boy e cuja roupa de couro e chapu de pano no conseguiram denunciar o vaqueiro da Bahia, trazido para o sul como figura extica" .99

    Nada porm se comparava aos sucessos dos "Saraus regiona-listas", lanados pel'A Cigarra, e assim anunciados: "Um grupo de distintas senhoritas cantar ao violo, vestidas de caipirinhas, al-gumas das nossas melhores canes sertanejas e danaro caterets com acompanhamento de violo, cavaquinho, flauta, chocalhos e reco-reco. [ ... ]Na segunda parte, o brilhante poeta dr. Paulo Set-bal recitar versos sobre cenas da roa de seu livro Alma cabocla, a aparecer breve" .100 O sucesso foi tamanho, que aps sucessivas representaes, esse tipo de evento acaba se tornando uma prtica habitual, em celebraes mundanas, festas beneficentes ou quermes-ses por todos os cantos da cidade, geralmente com a presena de cantadores e violeiros sertanejos "de verdade" , como atrao cen-traJ.101 Como era de se esperar, esse el se passa tambm para o ci-nema . Dentre as vrias opes: Ubirajara, com "enfeites, tabas, ar-cos, flechas e demais ornamentos cedidos pela seo etnogrfica do Museu Nacional" e estrelado por "mais de duzentos ndios"; A cai-pirinha, "nico filme nacional at hoje editado em estilo america-no"; Alma sertaneja, mostrando "pitorescas paisagens do serto", a " vida singela do campo", "seus lnguidos cantares", as "festas do arraial, as danas, at as arraigadas lutas" . 102 Afora a fico, outros filmes tinham carter estritamente documental, como As fes-tas de So Roque, apresentando as cavalhadas, ou Na terra do ouro e da esmeralda, "um film que fala alma brasileira. [ ... ] Os mais

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    recnditos parasos que Deus esqueceu no corao da terra brasilei-ra, que o mar beija e o Cruzeiro vigia! Uma obra clara e forte do Brasil" .103 Nesse gnero, o sucesso mais retumbante foi a exibio do filme rodado pelo general Rondon e sua equipe, da vida e costu-mes dos ndios Coroados, da regio do Alto So Loureno. Era a primeira vez que a populao da cidade podia ver ndios "de verda-de", "elementos aborgines puros, fora do contato das praxes civi-lizadas dos brancos" e que viviam "como os incas e os astecas dos Andes ou do Mxico". O jornal alerta ademais que "todos os qua-dros podem ser apreciados na sua simplicidade, tendo sido feita uma reviso cuidadosa para no ofender a moral". Informa ainda que esse filme tinha sido apresentado pelo coronel Roosevelt no "gran-de teatro de New York, o Carnegie Hall, perante 3 mil assistentes" e que, "a pedido, foi ainda exibido no Strand, na Broadway, du-rante oito dias, tendo alcanado um sucesso extraordinrio". 104 Era o primeiro sucesso da cinematografia brasileira no exterior. Os Es-tados Unidos se curvavam aos nativos do Brasil. O sucesso no Rio e So Paulo foi total.

    Cornlio Pires instaura uma prtica que lhe traria enorme po-pularidade, partindo para viagens a rinces remotos do serto, que eram em seguida relatadas em bem-humoradas conferncias e sa-raus regionalistas, sempre com os teatros lotados e lutas pelos bi-lhetes.105 Artistas e arquitetos paulistas partem para viagens de "es-tudos" pelos interiores, com visitas obrigatrias s cidades histri-cas de Minas e capitais do Nordeste, o que se tornaria um ritual con-firmatrio, do qual retornavam com acervos de "arte colonial" que vendiam rapidamente. 106 P. e outros cronistas se dedicam ao res-gate dos ltimos traos remanescentes das festas populares, cultura e arquitetura tradicional da cidade de So Paulo. 107 A Histria en-tra para a ordem do dia. A Livraria Garraux, na Rua 15 de Novem-bro, decide expor quadros de Benedito Calixto retratando So Pau-lo antigo e atrai uma tal multido que tumultua a circulao do cen-tro.108 Von Ihring promove a paulistanizao do Museu do Ipiran-ga, com "retratos de antigos paulistas, cenas da antiga vida paulis-ta [ ... ], bustos de bandeirantes, esttuas de personagens da Inde-pendncia etc.''. 109 Alexandre Marcondes Machado funde a figura do talo-paulista criada pelo caricaturista Voltolino, com os traos do caipira, do circo e teatro populares, dando origem impagvel personagem do Ju Bananere. uo Oliveira Vianna conjuga o que es-tabelece como as qualidades morais e emocionais do sertanejo pau-lista, com o impulso de liderana que atribui aos bandeirantes e con-

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    clui pelo surgimento de uma nova civilizao meridional, cujo bas-tio seria So Paulo."' O raid de Edu Chaves, a travessia do Atln-tico por pilotos portugueses de avio, o traslado dos restos mortais do casal imperial de volta ao Brasil no supercouraado So Paulo, restabelecem o crculo simblico entre as caravelas portuguesas e a modernidade brasileira, dando incio a um novo ciclo histrico. 112

    O quanto esses deslizamentos, sobreposies e fuses entre tra-dio, nativismo, modernidade e cultura popular eram efeitos deli-berados, o quanto eram contingncias imponderveis das condies de urbanizao, transformao tecnolgica e oscilaes na estrutu-ra scio-econmica, um limiar difcil de distinguir. Esse mesmo emaranhado intrincado de relaes e reaes assinalou a notvel es-cola de msicos que despontou em So Paulo nesse perodo. O pro-fessor Luigi Chiaffarelli, desde que chegara ao Brasil em fins do s-culo XIX, formara geraes de grandes pianistas, com destaque pa-ra trs artistas de talento e reputao internacional: Guiomar No-vaes, Antonieta Rudge e Souza Lima. Outra pianista do mesmo ga-barito, Madalena Tagliaferro, fora formada por seu pai, o maestro Tagliaferro. Tambm fizeram escola os violinistas professores Fran-cisco Chiaffitelli e Torquato Amore.' 13 Mas eram os pianistas quem dominavam a cena, como Eduardo Riesler, interpretando Debussy, ou Helosa de Brito, divulgando o trabalho do compositor Henri-que Oswald, "bem brasileiro pela inspirao e muito moderno pela forma .. . ". 114 A ponto de a crtica forjar a expresso "So Paulo - terra de pianistas" .IIS Isso numa poca que comea a assistir ascenso fulminante do violo e instrumentos tpicos da msica po-pular, alm dos metais estridentes do jazz. A transio de uma for-ma outra, entretanto , teria mais o acesso suave de uma ponte, com ambas as formas convergindo uma na direo da outra, concilian-do audincias, que de um salto cego no escuro. Uma dessas pontes seria a cantora lrica Vera Janocopoulos, divulgando e promoven-do a msica de Villa-Lobos nos palcos paulistas j em 1920 e ressal-tando suas caractersticas populares, brasileiras e modernas."6 O mesmo papel cumpriria a tambm cantora Leonor de Aguiar, recm-chegada dos estudos em Paris e que trouxera para divulgao o mais recente repertrio em voga na capital francesa. 117

    O caso mais peculiar, porm, era o de Guiomar Novaes. Aluna de Chiaffarelli, pequeno-prodgio, foi enviada Frana aos treze anos, em 1909, entrando para o Conservatrio de Paris pelas mos de, nada menos, Faur, Debussy e Moszkowski. Dois anos depois, recebia o grande prmio de piano do Conservatrio, em meio a uma

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    ovao delirante do pblico presente ao concurso. Desde ento pas-sou a dar recitais nos palcos mais concorridos do mundo. Seu re-pertrio bsico e sua sensibilidade eram romnticos, mas, graas ao ambiente de sua formao e o tipo de audincia para quem se apre-sentava, inclua, em regra, uma sesso de modernos nos seus reci-tais, com destaque para Debussy. Ela se tornaria uma divulgadora da moderna msica francesa principalmente nos Estados Unidos, onde fazia suas gravaes e passava longas temporadas. Em maro de 1921 , ela bateu o record de pblico no Carnegie Hall, arrancan-do o seguinte comentrio do crtico de msica do New York Times: ''Nunca a enorme sala do Carnegie Hall, por onde tm passado as maiores celebridades mundiais, as quais tm atrado para ali um nu-meroso e escolhido pblico, esteve to cheia e vibrou com tanto en-tusiasmo" ."8 Guiomar Novaes era, de longe, o maior sucesso ar-tstico brasileiro no exterior. Com essa reputao e o seu virtuosis-mo, os seus concertos no Rio e em So Paulo eram acontecimentos. Mal eram anunciados, os bilhetes se esgotavam em meio inevit-vel refrega entre fs ardorosos que no aceitariam voltar de mos vazias . A pedidos, concertos extras tinham que ser marcados uns aps os outros.119 Eram comuns tumultos s portas dos teatros cau-sados por multides dispostas a entrar a todo custo.2o O mais curi-oso que a presso do pblico terminou por forar a definio de um programa, que se tornaria um padro a confundir-se com a pr-pria imagem da artista. Uma sesso romntica, sobretudo Chopin, uma sesso moderna, com Debussy e Ravel, vrios encore e o gran-de clmax final, imperativamente com a Fantasia sobre o Hino Na-cional Brasileiro de Gottschalk.

    Aos primeiros acordes da Fantasia, o pblico se punha espon-taneamente de p, acompanhava enlevado at ltima nota, quan-do ento explodia em clamor, risos e lgrimas, numa apoteose -em que o palco ficava juncado de flores -, a qual se estendia at que a administrao do teatro apagasse as luzes forando o pblico a sair. Do lado de fora, se formava uma caravana que acompanha-va a artista at a sua casa, repetindo ali a aclamao e a chuva de flores. 121 Por certo, esse curioso fenmeno psicossocial ultrapassa-va os significados particulares da simples msica. Para alm do te-clado, Guiomar Novaes tocara em alguma corda sensvel que, em-balada pela msica, a transformara num smbolo vivo, forte o sufi-ciente para mobilizar contedos emocionais em ardente expectativa de consumao. Que contedos eram esses, difcil sondar. Parte desse poder de deflagrar exploses de emoo, com certeza, vinha

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  • do prestgio de ser uma brasileira, "paulista", como a crtica local insistia, que seduziu as platias mais sofisticadas do mundo. Outra parte, provvel, adviria do seu dialeto romntico, de forte apelo emocional. Outra parte ainda, talvez, derivaria desse peculiar ar-ranjo de linguagens, "clssica", "modema", "brasileira", com essa ltima predominando em carga emotiva e coroando as demais, co-mo se fosse o seu desdobramento lgico ou a sua projeo mais le-gtima. Havia ali algo assim como a autenticao em escala etrea de um destino manifesto. A histria e o presente se fundiam num local que era o futuro e era ao mesmo tempo o Brasil.

    Algo de assemelhado e intercorrente, muito embora envolven-do desgnios mais nitidamente refletidos, se dava com os esforos sistemticos pelo resgate de uma cultura popular evanescente. Uma figura-chave nessa rea do chamado "novo folk-lore" 122 era Ama-deu Amaral, um dos fundadores da Sociedade de Cultura Artstica, que organizava muitos dos concertos de Guiomar Novaes, colabo-rador na fundao tambm da Liga Nacionalista e na criao da Re-vista do Brasi/.123 Um dos projetas que mais o apaixonava era a criao da Associao Paulista de Estudos Populares. O que a dis-tinguiria, segundo ele, de outras instituies ou pesquisadores que estudaram ou estudavam a cultura popular brasileira, seria o intui-to preclaro de definir um padro eminentemente cientfico aos estu-dos, cm vez do carter saudosista, complacente e laudatrio que eles vinham denotando at ento. muito curiosa, entretanto, a noo de cincia que Amadeu Amaral estabeleceria como a meta de um tal programa de estudos. Ele mesmo a revelou nas pginas d'O Estado .

    Vem a propsito[ ... ) uma obra que merecia continuar-se e lanar um golpe de luz sobre o imenso campo de explorao aberto no Brasil a toda a sorte de cientistas jovens, capazes de cooperar no levantamen-to de uma "cincia brasileira". Cincia brasileira? Sim, uma cincia no apenas feita de generalidades aprendidas e de verdades por ou-trem descobertas e alhures verificadas, mas tambm construda com "nossos" recursos, baseada na observao direta e independente das "nossas" coisas, impulsada pelas iniciativas livres da "nossa" razo experimental diante das interrogaes da "nossa" natureza e assim ca-paz de no ser apenas aluna submissa da grande cincia universal e sem ptria ... 124

    "Nossa razo"? Amadeu Amaral sugere se no um desligamen-to, pelo menos uma autonomia do que fosse uma "cincia brasilei-ra", mais legtima aos nossos propsitos por esse seu local~smo as-

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    sumido, do que a opacidade equvoca da "grande cincia universal e sem ptria". Parece uma tomada de posio relativista, mas bem mais do que isso. Primeiro porque negar a universalidade da razo significa negar o seu estatuto ontolgico e cognitivo, o que o autor no leva s ltimas conseqncias. Segundo, porque ele estabelece uma dimenso espacial, geogrfica, "nacional", como categoria n-tica e cognitiva, sem qualquer base de reflexo. A "nossa razo", pois, no tem fundamento racional. No que isso escape a Amadeu Amaral. Ao contrrio, exatamente a que ele pretende chegar. H um limiar claro, at o qual chega a razo. A poltica que o escritor pretende introduzir uma que vai da para diante, no de modo su-perficial como tem ocorrido, mas verticalmente, em profundidade, at onde nada mais se v, s se sente.

    ponto que merece ateno a falta do elemento tradicional na forma-o moral da nossa juventude. [ ... ) H o ensino da histria, h o ensi-no cvico. Trata-se porm de um ensino intelectual, arquitetado, com-binado e transmitido luz de critrios puramente lgicos, racionais, sem dvida, utilssimo, mas de resultados modestos. Dirige-se sobre-tudo inteligncia. [ ... ) As lies passam. [ ... ) As tradies no. Es-tas falam inteligncia de todos atravs do sentimento comum, e quan-do aquela as aceita, as aformoseia, as exalta, no faz seno reforar o ntimo prestgio que elas j exercem no corao. prprio delas infiltrarem-se dentro de ns sem que demos por isso, excitarem a nos-sa imaginao, associarem-se a todos os nossos afetos simpticos e a todas as nossas paixes amveis, aderirem aos nossos hbitos mais ca-ros, e irem assim formando em nosso esprito centros de concepo enrgicos e irradiantes, intimamente engrenados com todas as foras da alma. [ ... ]

    Essas [tradies populares) tm o poder excepcional - trao que nunca ser demais pr em relevo - de serem radicalmente, substan-cialmente identificadoras do indivduo com a sua terra e a sua gente; as emoes e as evocaes que as acompanham, sendo as mais intima-mente pessoais, so ao mesmo tempo profundamente sociais: do-nos o sentimento agudo da nossa personalidade, no que ela tem de mais nosso e mais recndito, e do-nos a percepo do irresistvel enlaa-mento que nos conjuga ao torro nativo, independente de todo racio-cnio, antes de qualquer reflexo, e mesmo contra a nossa vontade. Nada pode pois, ultrapassar o poder, digamos nacionalizador, da Tra-dio.125

    O que Amadeu Amaral sugere, portanto, no que a "razo nacional" se desprenda do que seria a totalidade representada pela "razo universal" , assumindo assim uma perspectiva relativa, cir-

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  • cunscrita, particular. O que ele prope, de fato, que a "razo na-cional" ao se desprender se recomponha como uma totalidade em si mesma, cuja suficincia aos seus prprios olhos decorra da mera existncia de suas tradies, de sua Histria e do seu territrio. Isso no significa renegar a "razo universal", mas submet-la condi-o de uma matria apropriativa, sempre disponvel ante uma deli-berao que parte em primeira instncia da "razo nacional"; da mesma forma como se concebe a precedncia da emoo sobre a conscincia. Nesses termos o "ocaso do Ocidente" de que falava Spengler soa no como o declnio de uma regio , mas como o eclip-se da " razo". A interpretao cultural desse fenmeno, no entan-to, tende a assumir a forma de um diagnstico histrico e geogrfi-co, com indelvel entonao proftica. "Se a Europa o passado glorioso e o presente do mundo, comea a fazer carreira a suspeita de que a Amrica seja o futuro." 126 O fenmeno podia ter eviden-tes caractersticas econmicas e estratgicas, sobretudo em funo da conjuntura da Guerra. Mas em termos culturais ele simbolizaria a ruptura de vnculos at ento assumidos como constitutivos e o advento de uma nova vida e identidade. Mudana de smbolos, mu-dana de identidade, mudana de geraes, mudana tecnolgica, mudana scio-econmica. De forma que, quando Washington Lus assume o governo do estado em 1920, ele naturalmente, como exige o costume, deve conceder uma pera para celebrar a sua posse. S que dessa vez ela se chama La boscaio/a, que significa "A sertane-ja", composta por um brasileiro, paulista, Joo Gomes Jr., sobre temtica caracteristicamente nacional, "onde o autor tenta com su-cesso o debussysmo descritivo" .127 A fuso entre a Histria, o po-pular e o moderno articula o jargo com que a nova identidade da "razo nacional" se apresenta ao pblico das grandes cidades, di-fundida pelo incoercvel poder de seduo das musas, agora tecno-logicamente equipadas.

    O quadro que se compe a essa altura estabelece um drstico contraste com aquele que definira os traos distintivos da cena p-blica no tempo dos primeiros governos civis da Repblica. O pri-meiro desses governos fora o de Prudente de Morais, ainda abalado pelas turbulnciiS militares desencadeadas com a instaurao do no-vo regime. Foi s no mandato seguinte, o do tambm paulista Ro-drigues Alves, que se obteve a estabilizao do regime, das finanas e dos nexos internacionais. A instaurao da nova respeitabilidade republicana foi assinalada pela reforma urbana do Rio de Janeiro , pela modernizao do porto, a campanha saneadora da vacina obri-

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    gatria e a Grande Exposio Nacional, tudo entre 1904 e 1908. Es-se processo, denominado "regenerao" pela imprensa carioca, foi cuidadosamente seguido de acordo com quatro diretrizes fundamen-tais. Foram elas: "a condenao dos hbitos e costumes ligados pe-la memria sociedade tradicional; a negao de todo e qualquer elemento de cultura popular que pudesse macular a imagem civili-zada da sociedade dominante; uma poltica rigorosa de excluso dos grupos populares da rea central da cidade, que ser praticamente isolada para o desfrute exclusivo das camadas aburguesadas; e um cosmopolitismo agressivo, profundamente identificado com a vida parisiense" } 28 Como se v, nada poderia divergir mais da nova ce-na paulista do que esse quadro.

    O que se via em So Paulo nesse momento era uma correria sfrega para escavar razes tradicionais e restabelecer uma "mem-ria" de tinturas coloniais; um empenho pelo resgate e identificao com uma cultura popular, mormente de recorte "sertanejo"; uma busca das reas perifricas ao centro, procura dos espaos livres para corridas e esportes, do pblico para as faanhas e da anima-o popular para o Carnaval e as novas celebraes; e um curioso modernismo parisiense, que ensinava a desprezar a velha Europa moribunda e a amar a pujana da Amrica e a "magia dos trpi-cos". Rodrigues Alves, eleito presidente pela segunda vez, morreu antes da posse em 1919; Rui Barbosa, trs vezes candidato Presi-dncia, morreu sem ser eleito em 1923. Com eles morreu a "Rep-blica dos Conselheiros", reminiscncia tardia da elite monrquica, que gerou a estabilizao interna e a credibilidade externa do novo regime, inspirada na ortodoxia do liberalismo cosmopolitista, na cen-tralidade do indivduo e da Razo universal, contra o radicalismo jacobino, xenfobo e golpista, que permeava as populaes dos gran-des centros urbanos. A rigor, o ltimo dos conselheiros era Ant-nio Prado, cuja metamorfose poltica desde o ps-guerra foi mais que reveladora: articulou a militncia desestabilizadora da Socieda-de Rural Brasileira, apoiou as revolues na Bahia e Rio Grande do Sul, criou o Partido Democrtico e insuflou a revoluo aberta que poria fim ao regime. Extinta a era do indivduo e da palavra, impunha-se a era das massas e da ao. O prestgio mgico de que gozava o termo "moderno" depois da Guerra se transferiria no fi-nal da dcada para a palavra "revoluo". A poltica da mobiliza-o permanente exigia lderes carismticos, smbolos coletivos, f redentora e ao ritualizada. Todas as foras polticas em confron-to, com maior ou menor rapidez, aprenderiam a operar com essas

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  • novas condies. A mudana drstica que se observava na cena pau-lista, portanto, era o prembulo da mudana de um regime que se assentara at ali sobre a gesto autoritria de uma elite esclarecida europeizada. Do seu desmoronamento derivaria uma nova prtica poltica baseada num consenso criado pela saturao de propagan-da nacionalista e popular, controlado por uma categoria de "tcni-cos" que se arrogam o poder de transformar a simbologia da mo-dernidade numa utopia concreta.

    O mesmo fenmeno por certo ocorria no Rio de Janeiro e em outras capitais brasileiras. 129 O pioneirismo de So Paulo talvez se devesse forte tenso social, sobretudo a partir da Guerra, conju-gando as foras emergentes da fronteira agrcola e da economia ur-bana, contra uma elite assentada porm declinante, que suscitou o recurso ao instrumental simblico da Histria, da cultura popular e do modernismo, acabando por fundi-los, dando origem a urna lin-guagem de extraordinrio potencial inclusivo. No Rio de Janeiro, dados o controle da grande imprensa em mos da comunidade por-tuguesa, a concentrao de quartis do Exrcito e Marinha, a me-mria recente das mazorcas jacobinas e a ser ali a sede do governo federal, as resistncias pregao de atitudes militantes e naciona-lismo agressivo eram muito maiores. 130

    Em 1921, por exemplo, em So Paulo, Washington Lus orga-nizou , financiou e realizou uma temporada de concertos sinfnicos, no Teatro Municipal, a preos populares, com um programa varia-do, composto exclusivamente de compositores brasileiros e moder-nos.131 No Rio de Janeiro, no final daquele ano, foi organizada, no salo da Biblioteca Nacional, para um pblico composto da elite da burguesia carioca, uma conferncia sobre "Arte moderna", profe-rida pelo connaisseur francs Jean de Lubecki. Foi a primeira gran-de cerimnia pblica no pas dedicada a aprofundar o significado da esttica moderna. Jean de Lubecki, ao que parece, era tambm um marchand e trouxe uma srie de obras para ilustrar a confern-cia, que poderiam ser negociadas depois. Nove dessas telas foram estampadas na Revista da Semana, editada no Rio e a de maior ven-dagem tanto ali quanto em So Paulo, numa ampla matria de duas pginas. Trs delas so notveis Picassos (impossvel avaliar a au-tenticidade), as demais todas de medocres imitadores de "estilos modernos" diludos, uma das quais, alis, uma gravura, a revista publicou de ponta-cabea. Lubecki certamente usava o j mtico pres-tgio do nome de Picasso como chamariz para vender a moda mo-dernista. O fato que, alm de bom negociante e apesar de alguns

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    deslizes cmicos (Marinetti como lder dadasta - talvez devido a erro de traduo), ele tinha uma compreenso bastante acrisolada dos desenvolvimentos da arte europia. Anuncia o declnio do cu-bismo, define os princpios gerais da esttica da Seo de Ouro e declara o renascimento do neoplatonismo.t32

    Era estarrecedora a diferena, porm, entre o acervo de Jean de Lubecki e os acervos de Antnio Prado e Olvia Penteado, so-bretudo se esses dois fossem reunidos. No entanto, eles jamais os expuseram ao pblico, apenas promoviam apresentaes de artistas nacionais ou radicados no Brasil. Sete semanas aps aquela extensa matria sobre a conferncia de Jean de Lubecki, a Revista da Sema-na publicaria na sua pgina-frontispcio um longo editorial total-mente dedicado capital paulista, assinado por Hermes Fortes e ten-do por ttulo "So Paulo, sentimento e inteligncia". O editorialis-ta se pe a louvar

    o desenvolvimento, a cultura, o requinte, a segurana com que se apa-relha a grande cidade a contribuir com um dos maiores coeficientes para a formao de um pensamento brasileiro, bem mais do que la-tente, porque palpitante em atos, palavras, intenes.

    E saca concluses desafiantes.

    - Inteligncia paulista, inteligncia brasileira ... Por que no, meus amigos? [ .. . ] Pois em So Paulo a arte constitui um estado cultural. E esse estado cultural, de cinco ou seis eleitos, exerce na elite litero-social uma atuao sensibilissima, de sorte que, sem exagerao, j existe, em So Paulo, um culto da arte. 133

    PANORAMAS DO MORRO DOS TSICOS

    o novo ground. O Club de Regatas do Flamengo [ ... ]. Dali partiu a formao das novas geraes, a glorificao do exerccio fsico para a sade do corpo e a sade da alma. Fazer sport h vinte anos ainda era para o Rio uma extravagncia. As mes punham as mos na cabe-a quando um dos meninos arranjava um haltere. Estava perdido. Ra-paz sem pince-nez, sem discutir literatura dos outros, sem cursar as academias -era homem estragado. E o Club de Regatas do Flamen-go foi o ncleo de onde irradiou a avassaladora paixo pelos sports [ ... ]o delrio muscular da rapaziada. As pessoas graves olhavam "aqui-lo" a princpio com susto. O povo encheu-se de simpatia. [ ... ]Ento, de repente, veio outro club, depois outro, mais outro, enfim, uma por-o. O Boqueiro, a Misericrdia, Botafogo, Icara estavam cheios de

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  • (176) Reedy, D. R., "The cohesive influence of Jos Carlos Maritegui on Pe-ruvian an and politics", in Terry, Artists and writers in the evolution of Latin Ame-rica, p. 143.

    (177) Franco, The modem culture of Latin America, p. 86. (178) Forster, M. H., "Latin American vanguardismo: chronology and termi-

    nology", in Forster, Tradition and renewal, essays on twentieth century Latin Ame-rican literature and culture, p. 24.

    (179) Collazos, Los vanguardismos en la America Latina, p. 143. (180) Holloway Jr., "Borges early, conscious mythicization of Buenos Aires",

    p. 28. (181) Holloway Jr., idem, pp. 19-20. (182) Idem, p. 22. (183) Idem, pp. 22-4. (184) Jorge Luis Borges, Discusso, p. 70.

    4. DA HISTRIA AO MITO E VICE-VERSA DUAS