jose augusto hartmann - departamento de história · em livro organizado pelo historiador francês...

83
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ JOSÉ AUGUSTO HARTMANN CLERO SECULAR E ELITE LOCAL: O CASO DO VIGÁRIO LOURENÇO JUSTINIANO FERREIRA BELLO CURITIBA 2009

Upload: vuongtuyen

Post on 27-Nov-2018

227 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

JOSÉ AUGUSTO HARTMANN

CLERO SECULAR E ELITE LOCAL: O CASO DO VIGÁRIO LOURENÇO

JUSTINIANO FERREIRA BELLO

CURITIBA

2009

Page 2: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

JOSÉ AUGUSTO HARTMANN

CLERO SECULAR E ELITE LOCAL: O CASO DO VIGÁRIO LOURENÇO

JUSTINIANO FERREIRA BELLO

Monografia apresentada à disciplina de Estágio Supervisionado em Pesquisa Histórica como requisito parcial à conclusão do Curso de História, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná.

Orientador: Profº Drº Carlos Alberto Medeiros Lima

CURITIBA

2009

Page 3: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

AGRADECIMENTOS

Ao professor Carlos A. M. Lima, pela orientação, pelos livros e apoio. Pelas

aulas de História da América, que inspiraram a continuidade de estudo no tema.

Aos professores pelas excelentes exposições.

A minha esposa, Kelly, pelo incentivo e carinho.

Aos meus pais e irmãos, Celso, Maria Ângela, Celso Maurício e César, pelo

incentivo em minha vida.

Aos meus colegas e amigos da turma de 2006, pelo harmonioso convívio

nas aulas e apoio nos estudos e na realização dos trabalhos.

A todos os meus amigos e familiares pelo incentivo.

Page 4: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

Às vezes o carro parava para minha tia falar com as comadres, que vinham alegríssimas dar duas palavras com a senhora. E os meninos de camisa comprida tomando a bênção à

madrinha.

José Lins do Rego

Page 5: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES

FIGURA 1 – GENEALOGIA DE LOURENÇO JUSTINIANO FERREIRA BELLO..66 QUADRO 1 – QUANTIDADE DE AFILHADOS POR PADRINHO ENTRE 1857 E 1868 NA IGREJA MATRIZ DE NOSSA SENHORA DA PIEDADE DO CAMPO LARGO..................................................................................................................69

Page 6: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO .................................................................................................7

2. CAPÍTULO I: IGREJA E ESTADO NO BRASIL ......................................14

2.1. A FORMAÇÃO DA RELAÇÃO ENTRE IGREJA E ESTADO NO BRASIL ..................................................................................................................................................15

2.2. A QUESTÃO RELIGIOSA ............................................................................27

3. CAPÍTULO II: A POSSE DA TERRA.........................................................39

3.1. A LEGISLAÇÃO SOBRE TERRAS.............................................................49

4. CAPÍTULO III: RELAÇÕES ENTRE O CLERO SECULAR BRASILEIRO E A SOCIEDADE. ...................................................................................... 60

4.1. AS RELAÇÕES SOCIAIS DO VIGÁRIO LOURENÇO JUSTINIANO FERREIRA BELLO. ...............................................................................................................62

5. CONCLUSÃO ................................................................................................74

6. FONTES ..........................................................................................................76

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..........................................................78

Page 7: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

7

1. INTRODUÇÃO

A Independência do Estado brasileiro em relação à Portugal acabou por

acarretar mudanças nas instituições que haviam na antiga América Portuguesa. Por

outro lado, isso não significa que haverá, em todas essas instituições, uma drástica

ruptura com suas organizações anteriores ao evento da Independência, ao menos

de imediato. Um bom exemplo disso é a manutenção do regime monárquico, regido

pelo herdeiro português. Outra característica da nova Coroa brasileira é a tentativa

de manter sua ligação com a Igreja, instituição que mantinha uma próxima relação

com a Coroa portuguesa, caracterizada, sobretudo, pelo regime do Padroado. Mas

se essa relação já trazia consigo alguns desajustes, após a Independência, a Coroa

brasileira, apesar dos interesses que tal relação proporcionava para ambas

instituições, travará graves conflitos com a Sé romana e mesmo com parte do clero

nacional.

Aqui, buscar-se-á analisar essa relação que se desenvolveu após a

Independência do novo Estado americano, verificando os conflitos diretos entre

Coroa e Sé. Entretanto, não dever-se-á, neste trabalho, deixar de tomar cuidado

com a análise das relações do clero brasileiro com a Coroa e, também, com a Santa

Sé. É o clero local que poderá nos apontar respostas para muitas das perguntas

que formularemos.

Transitaremos pelas relações desse clero com aquelas instituições, Sé e

Estado, para verificarmos como eram, aquelas, sustentadas em sua base. Pelo

menos a princípio, porém, não nos interessamos por declarar o clero brasileiro como

representante da Igreja romana ou do Estado brasileiro. Até porque, já inicialmente,

surgirá uma aparente divisão do clero entre apoiadores de um ou outro. Buscar-se-á

compreender esse clero, o Estado e a Igreja, no que tange essas relações, nos

conflitos do século XIX, em que se envolveram as duas instituições. Destacamos,

entretanto, que tal clero pode não se encontrar como base de sustentação,

unicamente, de um desses estabelecimentos. Para que possamos realizar esse

trânsito, buscaremos num caso, do vigário da freguesia de Campo Largo, no Paraná,

Page 8: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

8

as relações que travava. Não realizaremos uma análise da trajetória desse vigário,

porém, trataremos de atingir a rede social em que se envolvia ou criava.

Logo, o seguinte trabalho parte do objetivo de apresentar um panorama de

relações sociais no Império brasileiro a partir de uma análise local. Sua

fundamentação é depositada na análise de um processo movido pelo vigário da

freguesia de Nossa Senhora da Piedade do Campo Largo, Lourenço Justiniano

Ferreira Bello, na recente província do Paraná, criada em 1853, contra a moradora,

dona Joaquina Vieira de Souza, pela legitimação da propriedade de um terreno

anexo à Igreja Matriz da freguesia. O processo decorre no início da década de 1870,

período de disputas entre a Sé e o Estado brasileiro que serão analisadas ao longo

dessa pesquisa1.

Ao pensarmos sobre um caso envolvendo um vigário de uma pequena

freguesia na província do Paraná e uma moradora da mesma freguesia, podemos

perceber as exigências e interesses da Sé e do Estado brasileiro para exercer

predomínio de autoridade sobre tal sociedade. Ao mesmo tempo, pode-se verificar

como as intenções de exercer tal predomínio de autoridade não transcorrem, na

prática das relações sociais, de maneira coesa. Verificamos que o clero divide-se no

Brasil. De um lado, aqueles que apóiam a influência estatal. São pessoas

relacionadas às ideias “reformistas”. Desejam liberdade de participação política, as

vezes o fim do celibato, ou liberdade para participar de organizações não

eclesiásticas, como a maçonaria. Por outro, o clero “europeizado” ou “romanizado”.

Alinhados com as normas “conservadoras” da Santa Sé. Combatem os “erros

modernos”, isto é, todas as formas de aproximação de clérigos com assuntos

seculares. Há, ainda, a possibilidade de encontrar um clero que não se adeque a

nenhuma dessas duas posições. Isto foi verificado neste trabalho. Assim, dentro da

própria Igreja no Brasil, encontraremos clérigos afinados com os dois lados

contenciosos, a Igreja romana e o Estado brasileiro, ou, ainda, a nenhum deles

exatamente. É mesmo possível que não se consiga perceber um clero brasileiro que

seja totalmente submisso ao Padroado régio ou à “romanização”.

1 Ação Judiciária Interdicto Quode In Aut Dam. Curitiba, 1870. Arquivo Público do Paraná, PB045 PI6939 266. p.2.

Page 9: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

9

Metodologicamente buscou-se não seguir pauta que previamente

direcionasse as conclusões. Ao se tratar do Império Ultramarino Português, e, tão

logo, do Brasil Colônia, António Manuel Hespanha apontou para o desajuste do

centralismo como método historiográfico, analisado por alguns historiadores, que

viam em categorias como a de “Estado” um centro de transmissão geral e coeso de

suas estratégias, renunciando, que estavam então, à categorias de “redes”2. Nesse

texto, o jurista e historiador português, defende uma análise em que não se limite à

uma interpretação onde grandes categorias expliquem todas as relações. A

formação de práticas sociais ocorre em um âmbito complexo, que envolve vários

autores.

Em sentido parecido, a abordagem microhistórica também questionava

grandes categorias para pautar explicações sobre formações de práticas sociais e

culturais. Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um

seminário para analisar o tema, realizado em 1991, pensou-se sobre a abordagem

microhistórica, iniciada na Itália desde o final dos anos 1970. Revel foi responsável

pelo estudo “Microanálise e construção do social”, o primeiro capítulo do livro3.

Nesse texto o historiador aponta para essa nova abordagem epistemológica como

um questionamento da História Social realizada até então, vista, pelo autor, como

um conjunto de trabalhos monográficos que seriam como que peças que se

completam de um quebra-cabeças de uma História totalizante. Para Revel a

abordagem microhistórica, em oposição a isso, realizaria uma análise que negaria

critérios em “termos simples, de força/fraqueza, autoridade/resistência,

centro/periferia, [...] [para] deslocar a análise para os fenômenos de circulação, de

negociação, de apropriação em todos os níveis”4. Logo, essa nova abordagem,

aponta o historiador, mostrou-se mais eficaz na construção do objeto, em sua forma,

pois “a experiência mais elementar, a do grupo restrito, e até mesmo do indivíduo, é

2 HESPANHA, António Manuel. A constituição do Império Português: revisão de alguns enviesamentos correntes. In: BICALHO, Maria Fernanda; FRAGOSO, João; GOUVÊA.(org.). O Antigo Regime nos Trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI – XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. 3 REVEL, Jacques (org.). Microanálise e construção do social. In: ______. Jogos de escala: a experiência da microanálise. Trad.: Dora Rocha. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1998. p. 15-38. 4 Ibid., pp. 29-30.

Page 10: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

10

a mais esclarecedora porque é a mais complexa e porque se inscreve no maior

número de contextos diferentes”.5 Neste trabalho não realizaremos um estudo

específico de microhistória. Não analisaremos aqui trajetórias de indivíduos ou

grupo. Entretanto, desejamos não realizar uma explicação por via de grandes

modelos. Receberá predominância, neste estudo, as relações locais do clero,

verificado pela figura do vigário Lourenço Justiniano. Buscaremos perceber se há

existência de relações em alguma rede social que caracterize relações de alguma

elite local.

No que se refere à abordagem metodológica, no Brasil também presenciou-

se a relativização de termos totalizantes. Em 2001 publicou-se o livro de organização

de João Fragoso, Maria Fernanda Bicalho e Maria de Fátima Gouvêa, “O Antigo

Regime nos Trópicos”, que reuniu artigos de vários historiadores6. Na “Introdução”,

os historiadores que organizaram tal trabalho, da Universidade Federal do Rio de

Janeiro e da Universidade Federal Fluminense, expõem que:

“O que este livro propõe de diferente é uma rediscussão – a partir de novos parâmetros conceituais e de novas perspectivas teóricas – de algumas teses acerca das relações econômicas e das práticas políticas, religiosas e administrativas imperiais. Ele busca responder a algumas questões que Vêm sendo colocadas pelas pesquisas e pela experiência docente de seus autores: como desfazer uma interpretação fundada na irredutível dualidade econômica entre metrópole e a colônia? Como esquecer que, ao lado dos – e, às vezes, simultaneamente aos – conflitos entre colonos e a Coroa, inúmeras foram as negociações (grifo nosso) que estabeleceram e ajudaram a dar vida e estabilidade ao Império? Como tecer um novo ponto de vista, ou um novo arcabouço teórico e conceitual que, ao dar conta da lógica do poder no Antigo Regime, possa explicitar práticas e instituições presentes na sociedade colonial?”7

Essa abordagem, que culminou nesse livro, pensando o Império Atlântico

Português, trouxe uma maneira de construir a história do Brasil que privilegiou as

relações locais e suas redes relacionais, em detrimento de uma abordagem

5 Ibid., p. 32. 6 BICALHO, Maria Fernanda; FRAGOSO, João; GOUVÊA, Maria de Fátima (orgs.). O Antigo Regime nos Trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI – XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. 7 Ibid., pp. 21-22.

Page 11: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

11

totalizante, onde grandes categorias se sobrepõem às relações dos sujeitos, reais

formadores do objeto historiográfico.

No contexto dessas novas abordagens, Maria Fernanda Martins, em texto

publicado em 2007, analisou as relações na Corte brasileira do Segundo Império por

redes de relações locais8. A historiadora defende que a sustentação do poder

central, no Império do Brasil, estava estabelecida em relações familiares e de poder

nas províncias. Assim, explica que “além das relações que se estabeleciam na

Corte, a análise dessas redes [de poder local] demonstra ainda como a alta cúpula

do poder imperial encontrava-se ligada às oligarquias regionais, fosse por linhagem

direta ou por uma eficiente política de casamentos (grifo nosso)”9.

Com base nessas importantes formas de construção de um objeto

historiográfico para o Brasil, o seguinte trabalho abordará esses registros na

formulação de sua problemática. Iniciando com uma análise institucional de Igreja e

Estado no Brasil, seguindo com uma verificação de problemas envolvendo a posse

da terra no Brasil pós-Independência e, finalmente, deparando-se com as relações

entre o clero secular brasileiro e a sociedade, lendo-se, aqui, uma possível relação

de elite local.

Os objetivos deste trabalho são os de abordar as relações locais do poder

estatal e eclesiástico, contudo, não definindo os envolvidos como unicamente

pertencentes a tais grupos, mas indivíduos que tramitam entre grupos sociais

diversos e têm interesses particulares. Ainda assim, esses interesses particulares

são desenvolvidos dentro dos grupos com os quais dialogam, o que pode, então,

contribuir, também, na construção de um objeto de uma história das relações

Estado-Igreja-Sociedade.

O enfoque temporal dado ao Segundo Império pretende analisar as relações

abordadas de um Estado e clero pós-Independência, apoiados em idiossincrasias

dessas duas instituições que culminariam na Questão Religiosa. Pretende-se saber

como essas instituições, o Estado e a Igreja, desenrolavam suas práticas através de

8 MARTINS, Maria Fernanda Vieira. A grande família e a dinâmica das redes: as relações de sociabilidade e parentesco. In:______. A velha arte de governar: um estudo sobre política e elites a partir do Conselho de Estado (1842-1889). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2007. p. 167-252. 9 Ibid., p. 185.

Page 12: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

12

seus membros, que não necessariamente são duros em relação às orientações

superiores, em contato com outros personagens sociais.

Buscar-se-á, através do processo de autoria do vigário, informações a

respeito das transferências de bens para a instituição eclesiástica, o que, neste

trabalho, é lido como informação que permite análise a respeito das relações entre

instituição eclesiástica e elites locais. As primeiras informações que constam são de

autoria do vigário, que informa que o terreno em questão foi devoluto e, então,

“concedido a elle [...] por carta de data passada pela Camara Municipal desta Capital

[Curitiba] em 1º de Maio de 1860”.10 Em oposição, a ré irá apresentar sua defesa

indicando que o terreno é de sua propriedade, por posse da família de seu marido.

Nesse ponto a questão é em relação a qual é o tema da legislação citada pelas

partes. Será questionado e analisado como o terreno da igreja vai ser tratado no

âmbito da legislação. Logo que era recente a legislação a respeito de bens de mão-

morta.

Outras informações pertinentes, que puderam ser verificadas pela fonte

principal analisada, dizem respeito ao modo como a formação da freguesia era vista

na época do processo. Tal dado tornou-se fundamental à análise do tratamento para

o terreno, uma vez que as terras onde fora edificada a freguesia do Campo Largo

eram doação de uma única pessoa para a exata função de formação de uma

freguesia. Há bibliografia a respeito da inserção socioespacial das paróquias, e, na

execução do trabalho, serão coletados os posicionamentos tomados em relação a

isso.

Serão analisadas as relações do Autor do processo com outros agentes

sociais, uma vez que isso aparece nos róis de testemunhas e procuradores, e serve,

no âmbito desta pesquisa, para verificar o tipo de apoio social que os membros da

instituição estavam conseguindo angariar nessa época. Existindo a possibilidade de

compreender aspectos do papel atribuído ao padre pelas elites locais, buscou-se

verificar as relações que travava. Procurou-se verificar se há referências à hierarquia

eclesiástica no processo e, logo, se o padre é referido como alguém que fala pela

comunidade paroquial. Quando se refere às relações locais do vigário, são as

10 Ação Judiciária Interdicto Quode In Aut Dam. Op.Cit., p. 2.

Page 13: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

13

testemunhas e procuradores em Curitiba que delega. Entre eles a figura de

Generoso Marques dos Santos, seu advogado nesse processo, eleito como

deputado provincial pela primeira vez em 1866, pelo Partido Liberal, que continuará

influente na política do estado do Paraná já após a proclamação da República,

sendo, após tal mudança de regime, sete vezes senador.11

A pesquisa também objetiva entender as relações entre Sé e Império do

Brasil no que tange as questões dos “erros modernos”, das relações sociopolíticas

de clérigos, através da figura do padre Lourenço Justiniano, mas, também, da

maçonaria; o que levará ao ápice do conflito entre o Império brasileiro e a Sé. O que

se busca é entender como se situava a relação entre essas Instituições, não

igualando simplesmente a Sé e a Igreja no Brasil. Esse aspecto iniciará o trabalho,

afim de que se possa situar a pesquisa em um terreno seguro, ou seja, esclarecidas

as posições institucionais que são privilegiadas neste trabalho.

Por fim, construir uma história do Brasil Imperial, repleto de disputas,

contradições e especificidades que teve, sem entende-lo como algo uno, coeso e de

instituições que se sobrepunham aos homens que o davam sentido.

11 TOURINHO, Luis Carlos Pereira. Toiro Passante III: tempo de República Velha. Curitiba: Rocha, 1990. p. 409-419.

Page 14: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

14

2. CAPÍTULO I: IGREJA E ESTADO NO BRASIL

Muitos autores, de grande influência na historiografia, miraram a formação

da sociedade brasileira através de impressões marcantes para sua constituição.

Temas como a escravidão, sua importância para a formação social, econômica e

cultural; do latifúndio, da formação de elites locais, da ação da Igreja e do Império

português ou brasileiro, são fundamentais na construção de uma história do Brasil.

O texto iniciado visará recolher parte de algumas dessas exposições para

que possam ser observadas com a contribuição da análise que segue, empenhada,

que está, no tratamento de relações que envolveram pessoas de uma freguesia na

recém formada província do Paraná a partir de um processo judicial. Isto pois, essas

relações envolveram não somente o vigário local e uma moradora, autor e ré desse

processo, mas, também, outras figuras, que poderão enriquecer nosso estudo.

O vigário da freguesia e, posteriormente, vila de Nossa Senhora da Piedade

do Campo Largo, Lourenço Justiniano Ferreira Bello, assumiu a paróquia, de acordo

com o Livro Tombo da mesma, em 8 de março de 184812, designado pelo Bispo de

São Paulo, Dom Antonio Joaquim de Mello, considerado o primeiro bispo brasileiro

da dioscese. Conduzia a paróquia a vários anos quando, em 1870, iniciou uma

disputa judicial com dona Joaquina Vieira de Souza, moradora da freguesia, e seu

marido, Francisco Borges de Sampaio, ausente, havia vários anos, na freguesia de

Soledade, no extremo Sul do país, pela posse de um terreno em frente à Igreja.

Essa disputa foi encerrada no mesmo ano, após a decisão do Juiz Municipal da

cidade de Curitiba, Augusto Lobo de Moura. Porém, antes de aprofundarmo-nos

nesse caso, temos por necessidade, verificar alguns relatos historiográficos acerca

da formação do clero brasileiro e suas relações com a Sé, com o Estado e com a

sociedade.

12 Livro Tombo da Paróquia de Nossa Senhora da Piedade. Campo Largo. Vol. 2, p. 13.

Page 15: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

15

2.1. A Formação da Relação entre Igreja e Estado no Brasil

O clero secular no Brasil esteve como braço do Estado na organização de

uma burocracia de registros de nascimentos, casamentos, óbitos e outros registros,

como os de posse. Decorrência de um processo de aproximação realizado pelo

Estado português ao adequar a antiga Ordem dos Templários em Portugal aos

interesses do Estado.13 Essa relação entre o Estado português e a Igreja é abalada

no decorrer do século XIX. Por um lado, o processo de “romanização”, analisado

nesses termos pela exposição do sociólogo Sérgio Miceli14, combateu aquilo que

chamou de “erros modernos”; o liberalismo, o racionalismo, a liberdade de religião, a

maçonaria, a separação entre Igreja e Estado e outras secularizações. De acordo

com Ivan Aparecido Manoel, a Igreja, nesse processo, visava recuperar um prestígio

perdido após a Idade Média:

“A reconquista da condição de centro de referência para a humanidade indica o sentido reacionário da política católica daquele período. Recuperar o lugar central do mundo significava que o vetor do movimento católico não era em direção a um futuro que suplantasse o momento presente, mas um futuro que readquirisse as características da Idade Média, mais especificamente entre os séculos VIII e XIV.”15

Esse “centro de referência” referir-se-ia a um projeto de “recristianização”

que a Sé notava como necessário perante a uma descristianização decorrente dos

“erros modernos”. Tal tarefa privilegiaria, segundo o autor, “(...) uma estratégia

centrada apenas na própria Igreja, assentando no trabalho discursivo a maior parte

da responsabilidade pela recristianização da humanidade.”16 Pode-se verificar,

então, segundo Manoel, que no período de “(...) 1800 a 1903 - pontificaram papas

13 Sobre a Ordem dos Templários em Portugal ver: TORRES-LONDOÑO, Fernando. Paróquia e comunidade na representação do Sagrado na Colônia. Paróquia e comunidade no Brasil: perspectiva histórica. São Paulo: Paulus, 1997. p. 51-90. p. 55. 14 MICELI, Sérgio. A elite eclesiástica brasileira. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. 1988

15 MANOEL, Ivan Aparecido. A Ação Católica brasileira: notas para estudo. Acta Scientiarum, Human and

Social Sciences. Franca, v. 21, p. 207-215, 1999. Disponível em:

<http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/ActaSciHumanSocSci/article/viewFile/4207/2872>. Acesso em:

24/05/2009. 16 Ibid., p. 209.

Page 16: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

16

como Gregório XVI e Pio IX, cuja direção pastoral foi fechar a possibilidade de

qualquer contato entre a Igreja e o 'século'.”17

Por outro lado, a Independência do Estado brasileiro conotou uma mudança

naquilo que havia sido firmado para a adequação da Ordem dos Templários ao

Estado português e as práticas do Padroado. O Estado brasileiro não representava

aquele que havia abarcado a antiga Ordem; o português. Assim, as tentativas de

reafirmação do pacto entre o Estado brasileiro e a Sé tornam-se conflituosas e,

finalmente, infrutíferas, pelo menos no primeiro momento após a independência.

Isso, pois, a Sé não aceitou legitimar a Coroa brasileira como sucessora da

portuguesa, em relação a proteção da Ordem de Cristo. Decorre disso, porém, que

mantém-se o Padroado no Brasil, apesar da Santa Sé. Somente em 1827 Roma

confirmaria a manutenção do padroado no Brasil.18

Posta, a situação, desse modo, o conflito estava gerado nesse momento em

que, após um envolvimento direto entre o clero e a Coroa portuguesa no período

colonial, em decorrência do Padroado, o Estado, a que a Igreja deveria aceitar as

indicações de seus representantes sobre tal jurisdição, já não era mais o mesmo

após as Independências, não somente no Brasil, mas nos países americanos de

origem Ibérica. Isso abria um espaço para uma nova organização, o que, ao final,

não acabou com o Padroado no Brasil e nem caracterizou uma ruptura radical com

aquela organização. Porém, mesmo com a manutenção desse sistema, as

mudanças internas na Igreja e no Estado geraram esse conflito.

Na América Latina, as independências acarretaram um conflito quanto a

orientação do Estado nas práticas da Igreja. O historiador Leslie Bethell afirma que,

na América espanhola:

“Ambos os contendores nas lutas de independência [a coroa ibérica e os separatistas americanos] (...) (1808-1825) sempre se preocuparam em buscar o apoio ideológico e econômico da Igreja católica. [Porém,] Desde o início a maior parte da hierarquia da Igreja defendeu a causa realista. O patronato real, derivado das concessões pontifícias aos Habsburgos no século XVI, reforçadas pelo regalismo dos Bourbons no século XVIII,

17 Ibid., p. 208. 18 BETHELL, Leslie. A Igreja e a Independência da América Latina. In: ______. História da América Latina: da Independência a 1870. 2ªed. Trad.: Maria Clara Cescato. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Brasilia: Fundação Alexandre de Gusmão, 2009. v.3. p. 267-273. p. 273.

Page 17: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

17

concedia à coroa o direito de nomear bispos que se tornavam dependentes dela e ficavam subordinados ao poder real. Seja como for, a esmagadora maioria desses bispos eram peninsulares e se identificavam com os interesses da Espanha. Além disso, tinham consciência da ameaça que a revolução e a ideologia liberal representavam para a posição estabelecida da Igreja.”19

Desta maneira, assim como no Brasil, o clero dos demais países latino-

americanos foi, no período colonial, gerido pelo Estado. Nesses países, expõe o

autor, o “baixo clero, especialmente o secular, era constituído, predominantemente,

de criollos e, portanto, embora apresentasse divisões, do mesmo modo que o

conjunto da elite criolla, se mostrou mais inclinado a apoiar a causa de um governo

autônomo hispano-americano e até mesmo a independência.”20 Enquanto isso, a

posição da Sé é de apoio à Coroa ibérica. Nesse período “o papado manteve sua

tradicional aliança com a coroa espanhola – e sua oposição à revolução liberal.”21

Cabe lembrar que nos países de colonização espanhola da América Latina o sistema

adotado após suas independências foi a república, e não outra monarquia, como no

caso brasileiro. Entretanto, a ascensão de um governo liberal na Espanha tornou-se

um dos principais fatores para que a Igreja tomasse “uma postura política mais

neutra”.22 Após as independências um conflito de alçadas sobreveio:

“O desejo de muitos liberais, além de afirmar a supremacia do Estado secular e defender a liberdade de pensamento, era em grande parte reduzir o poder temporal e a influência da Igreja, que consideravam o principal obstáculo à modernização política, social, econômica do período pós-independência. As propriedades da Igreja, seu capital, renda, influência educacional e privilégios jurídicos, tudo foi objeto de ataque. De seu lado, a Igreja, à medida que sofria a influência das idéias ultramontanas, sobretudo no papado de Pio IX, resistiu cada vez mais, mobilizando em sua própria defesa as forças conservadoras da sociedade hispano-americana, inclusive forças populares. Em conseqüência, o conflito entre o Estado liberal e a Igreja Católica passou a ser, nas décadas intermediárias do século XIX – e durante algum tempo depois –, uma questão política central em toda a América espanhola, sobretudo no México, onde, na década de 1850 e na de 1860, deu origem a violento confronto e a uma guerra civil de grandes proporções.”23

19 Ibid., p. 267. 20 Id. 21 Ibid., p. 268. 22 Id. 23 Ibid., p. 271.

Page 18: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

18

No Brasil, aponta Bethell, “a maioria do clero [...] apoiou a facção brasileira

contra os portugueses [...] [encontrava-se, ainda, a presença de padres] entre os

republicanos e os liberais extremados”.24 Mas a principal característica do processo

de independência sobre o clero no Brasil, foi a grande participação política dos

membros da Igreja após tal evento. Por esse caráter, Leslie Bethell escreveu que:

“A transição do Brasil de colônia portuguesa a império independente foi marcada pela continuidade tanto nas questões eclesiásticas quanto nas outras de qualquer tipo. A natureza relativamente pacífica do movimento em favor da independência e a sobrevivência da monarquia permitiram que, ao contrário da América espanhola, a Igreja do Brasil – seu pessoal, seus bens e seu prestígio – emergisse relativamente pouco prejudicada, embora, mesmo no Brasil, as primeiras décadas do século XIX tenham testemunhado uma diminuição no número de membros do clero secular e mais particularmente do regular, quando as ordens religiosas entraram num período de declínio.”25

Em oposição destacavam-se os planos do Estado e Sé no Brasil na década

de 1860. Enquanto a Santa Sé realizava um projeto de afirmação da autoridade

papal em contraposição aos “erros modernos”, o poder imperial do novo Estado, no

Brasil, reafirmava a autoridade sobre a Igreja, já conquistada pela Coroa portuguesa.

Ocorria que as relações políticas dentro desse Estado apresentavam elementos,

como o liberalismo e a maçonaria, que iam a desencontro com o projeto eclesiástico

romano. Logo, deve-se ter em vista as diferenças entre a Sé e a Igreja brasileira. O

novo contexto, em que se deu as relações entre Igreja e Estado no Brasil

independente, teve fundamentais bases na nova posição da Igreja. Segundo o

sociólogo Sérgio Miceli:

“A postura doutrinária da Santa Sé [no século XIX] se consolidou através das encíclicas Quanta Cura e Syllabus Errorum (1864) que condenaram drasticamente os chamados ‘erros modernos’, a saber, o racionalismo, o socialismo, o comunismo, a maçonaria, a separação entre a Igreja e o Estado, as liberdades de imprensa, de religião, em suma ‘o progresso, o liberalismo e a civilização moderna’”.26

24 Ibid., p. 272. 25 Ibid., pp. 272-273. 26 MICELI, Sérgio. Op. Cit.

Page 19: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

19

Em 1870 já havia 24 anos do papado de Pio IX27, caracterizado pelo

combate aos “erros modernos”. Foi nesse contexto que “os órgãos centrais da Igreja

não pouparam esforços na promoção do papa, chegando ao extremo de proclamar o

dogma da infabilidade papal por ocasião do primeiro Concílio Vaticano (1870)”28.

Essa promoção esteve inserida no movimento de “romanização”. Segundo Marcelo

dos Reis Tavares, em sua dissertação de mestrado,

“[...] o catolicismo praticado fora dos círculos de domínio da Santa Sé, não era, ou pelo menos não era considerado pela hierarquia católica, como plenamente romano. Esse fato explica o conjunto de ações concretas da Igreja no decorrer do século XIX, no sentido de resguardar os seus direitos e transmutar as práticas católicas tanto no Velho, quanto no Novo Mundo, eivadas que estavam de um espírito nacional e liberal”29.

Contribuindo para essa impressão, expõe o historiador Kenneth Serbin que a

participação política do clero secular, que já era muito importante no período

colonial, ganhou mais destaque após 1822. Escreve esse historiador que:

“Os padres continuavam essenciais na sociedade. Depois da independência, alcançaram grande poder político regional, especialmente no interior. As paróquias faziam os registros de propriedade da terra, a base do poder no campo. Para o brasileiro médio, Deus era o supremo juiz regulador da sociedade. Os padres ainda intervinham como árbitros morais nos assuntos mais pessoais e delicados. A administração pública baseava-se em divisões territoriais eclesiásticas, e as eleições, realizadas nas igrejas paroquiais, eram eventos sagrados cuidadosamente regulados pelo clero. Padres participavam do registro dos eleitores e das juntas eleitorais, da coleta de estatísticas e do aconselhamento de juízes de paz novatos ou ineptos. O Brasil era uma sociedade elitista, distante da democracia. Ainda assim, o clero desempenhou um papel democratizante, ajudando a introduzir os brasileiros em novos conceitos como Constituição, leis, partidos políticos e voto.”30

27 Biografia do Papa Pio IX. Disponível em: <http://www.vatican.va/news_services/liturgy/saints/ns_lit_doc_20000903_pius-ix_it.html>. Acesso em: 06/04/2009. 28 MICELI, Sérgio. Op. Cit., p. 12. 29 TAVARES, Marcelo dos Reis. Entre a Cruz e o Esquadro: o debate entre a Igreja Católica e a Maçonaria na imprensa francana (1882-1901). 136f. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de História, Direito e serviço Social, Universidade Estadual Paulista, Franca, 2006. p. 14. 30 SERBIN, Kenneth P. Padres, Celibato e Conflito social: uma história da Igreja Católica no Brasil. Trad.: Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. pp. 65-66.

Page 20: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

20

Assim, que nos eventos que levaram à independência do Estado brasileiro

em relação ao português:

“Padres encabeçaram a agitação política [...]. A mudança política e os sentimentos nacionalistas instigaram-nos a agir. Brechas no sistema colonial permitiam que o debate sobre cidadania, a abolição da escravidão e a liberdade de imprensa surgisse na arena política pela primeira vez. A literatura abordou temas políticos, e as tensões étnicas e sociais entraram em ebulição. Leitores ávidos, os padres acumulavam livros e absorviam idéias polêmicas. A avassaladora influência da Revolução Francesa e da ideologia liberal, o exemplo do clero pró-revolucionário na França, atritos com os portugueses e a resistência a atitudes autoritárias de dom Pedro I levaram muitos padres a rebelar-se contra a coroa portuguesa e depois contra o governo imperial. Inspirados pelo Iluminismo, inimigos da tirania, esses clérigos deram liderança ideológica a movimentos políticos. A maçonaria, que em muitos aspectos se assemelhava às irmandades, foi um canal para disseminar a dissidência e formar movimentos. A idéia de ascensão social vista na república norte-americana agradou aos clérigos brasileiros. Muitos dentre os padres rebeldes tinham a menor remuneração e o menor prestígio no clero. Como outros desprivilegiados mas talentosos membros da sociedade, eles estavam frustrados com a falta de oportunidades de progredir. Muitos padres acabaram pegando em armas.”31

Em novembro de 1875, escreveu o vigário da Candelária, no Rio de Janeiro,

que o Brasil, um país nascente, “[...] subjugado pelas ordens régias tardias e

contraditorias, de uma metropole milhares de leguas distante, que não tinha nem

podia obter pleno conhecimento das necessidades dos povos sujeitos á sua tutella,

soffria sempre as contrariedades das urgentes necessidades [...]”,32reforçando o

raciocínio do apoio de clérigos à independência, ainda que já passados mais de

cinquenta anos, porém, ainda, nos desenlaces da Questão Religiosa. Mas, para

além das relações, apresentadas pelo autor, de padres com os movimentos pela

independência, a participação de clérigos em ordens maçônicas e na política parece

que foi bastante disseminada. Serbin explica que a participação de padres na

política “começou nas cortes portuguesas (corpo representativo) de 1821-22. [Onde

dos] [...] oitenta deputados eleitos, 23 eram bispos ou padres. Na assembléia

Constituinte brasileira de 1822-23, dos cem representantes 22 eram padres [...]. Nas

31 Ibid., p. 66-67. 32 HONORATO, Manoel da Costa. Memoria Historica da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Candelaria D'Esta Côrte. Revista Trimestral do Instituto Historico Geograpfico Ethnographico do Brasil. Rio de Janeiro. Tomo XXXIV. B.I.Guarnier, 1876. p. 5-96. p. 54.

Page 21: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

21

vinte legislaturas eleitas do Império, duzentas cadeiras foram ocupadas por padres

na Câmara dos Deputados.”33 O mal-estar entre aqueles que se relacionavam tão

diretamente na política e aqueles que defendiam o projeto aqui chamado de

“romanização”, que exigia a não-separação entre Estado e Igreja ao mesmo tempo

que uma preocupação dos clérigos para com, somente, o campo espiritual, pode ser

verificado na figura do padre e regente Feijó. Sobre esse influente padre, Serbin

retrata que:

“Feijó trabalhou como professor e, como outros membros do clero, fundou um jornal. Em 1821, foi eleito representante nas cortes de Lisboa. Cinco anos depois, elegeram-no para a Assembléia Geral, onde comparecia em trajes laicos [em desacordo com as normas tridentinas]. Como ministro da Justiça (1831-32), Feijó estabilizou o clima político na esteira da abdicação de dom Pedro I criando a Guarda Nacinal. Em 1833, foi nomeado senador. Feijó recusou a indicação do governo para tornar-se bispo de Mariana em 1835. Atingiu o ápice do poder político como regente de 1835 a 1837, governando em nome do imperador menino dom Pedro II durante um dos mais turbulentos períodos da história brasileira. Feijó é lembrado como um dos heróis da unidade nacional brasileira. Em 1842, ele participou de uma malograda rebelião contra o governo central que lhe impôs fim à carreira política.”34

Serbin situa o regente Feijó como representante do clero reformador, em

oposição ao clero conservador, sustentado nas regras do Concílio de Trento e

“romanizador”. Entre as posições de Feijó e, em alguma medida, do clero

reformador, ele “queria [...] que o governo brasileiro nomeasse bispos e que os

presidentes das províncias escolhessem os vigários e os padres paroquiais. Todas

essas idéias não condiziam com a centralização e a uniformidade ultramontanas.”35

Dessa maneira, podemos verificar, como afirma Kenneth Serbin, que:

“Formaram-se dois campos [na Igreja do Brasil]. De um lado estavam os conservadores, ultramonarquistas, reacionários e ultramontanos (ferrenhos partidários do papado e da centralização da autoridade eclesiástica); do outro, os liberais, revolucionários nacionalistas, republicanos e galicanos (defensores de estreitas relações entre Igreja e Estado e da maior soberania nacional nos assuntos religiosos).”36

33 Ibid., p. 67. 34 Ibid., pp. 70-71. 35 Ibid., p. 75. 36 Ibid., p. 70.

Page 22: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

22

Cabe aqui relativizar alguns conceitos. Serão expostos em algumas citações

deste trabalho os conceitos “jansenistas”, “galicanos” e “ultramontanos”. Em

comunicação realizada no colóquio “Espaço Atlântico de Antigo Regime: poderes e

sociedades”, realizado em novembro de 2005, na cidade de Lisboa, o historiador

Evergton Sales Souza, ao tratar desses termos, mais especificamente do

“jansenismo” na América portuguesa, faz uma exposição das relações desses

movimentos com a Coroa portuguesa de D.José I, de seu ministro, o Marquês de

Pombal, e suas relações com os jesuítas e a Sé.37 Trata-se, entretanto, de

problemas característicos dos séculos XVII e XVIII. Aqui, porém, não encontramos

exposições suficientes para que afirmemos categoricamente a relação entre esses

movimentos e o problema verificado no século XIX, caracterizado, de um lado, pelo

combate aos “erros modernos” e pela participação político-social, do outro, ainda

que verifique-se caracterizado elementos “regalistas” em ambos contextos.

O autor da comunicação, ao tratar do “jansenismo” no Império Português,

expõe seu caráter específico:

“Tratou-se de um jansenismo tardio, pois não apareceu senão nos anos 1760, isto é, mais de um século após o início das controvérsias jansenistas nos Países Baixos espanhóis e em França. Não foi simples cópia do jansenismo francês, ou daquele da Itália da segunda metade do século XVIII. Ainda que os jansenistas portugueses não escondessem sua admiração a respeito de alguns autores jansenistas da França, da Itália ou de outras partes da Europa, e que seu pensamento fosse fundamentalmente influenciado por eles, o jansenismo no mundo português traz a marca indelével de um contexto histórico e religioso específico.”38

Logo, os termos propostos, de “jansenismo” e “galicanismo” não serão, aqui,

sustentados no problema que se está analisando, por tratarem de um tema

específico: ideias referentes à organização eclesiástica e real, porém acusadas de

serem trazidas de outras partes para Portugal, principalmente da França, no século

37 SOUZA, Evergton Sales. Jansenísmo e reforma da Igreja na América Portuguesa. In: COLÓQUIO ESPAÇO ATLÂNTICO DE ANTIGO REGIME, 2005, Lisboa. Disponível em: <http://cvc.instituto-camoes.pt/eaar/coloquio/comunicacoes/marcia_maria_menendes_motta.pdf>. Acesso em: 01/10/2009. 38 Ibid., p. 3.

Page 23: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

23

XVIII. No tema deste trabalho, esses termos surgem como facilitadores da

compreensão acerca dos planos de Estado e Igreja. Outros termos, entretanto,

mantêm um significado pertinente ao que se está verificando aqui. Trata-se do

“regalismo”, “ultramontanismo” e da “romanização”. Para o problema aqui analisado,

do mal-estar gerado pelas posições, muitas vezes, antagônicas de Roma e Rio de

Janeiro, Sérgio Miceli expõe que: “No caso dos países latino-americanos e

sobretudo no Brasil, a política expansionista da Santa Sé em fins do século passado

[XIX] e começo do atual [XX] adotou uma postura marcadamente patrimonialista,

sem abrir mão das metas de ‘romanização’”.39

Sobre o caráter da Igreja no Brasil, o historiador Thales de Azevedo afirma

que:

“No Brasil, parece haver ocorrido, durante o período colonial, uma crise de identificação, a Igreja e o Estado, confundidos nas ordens institucional e jurídica, tinham dificuldade em se distinguir e os seus choques eram expressões dessa ambigüidade. No império essa ambigüidade assume a modalidade de crise de competência, de conflito jurídico em que se disputava, as duas instituições já distintas historicamente, qual deveria assumir o poder e a hegemonia sobre a outra”40.

Segundo Thales de Azevedo, o período colonial é marcado pela confusão

entre a Igreja e o Estado português. O autor defende que as navegações

portuguesas foram caracterizadas pela continuidade do movimento de Reconquista

Ibérica, isto é, um avanço da sociedade cristã para o sul. Para isso,

“Uma das providências adotadas com tais fins é a utilização dos bens e das vultuosas rendas da poderosa Ordem dos Templários, que a Sé Apostólica abolira em começos do século XIV, e com tais recursos instituir, em meados da centúria seguinte, com a permissão do papado por uma bula de 1418, a Ordem de Cristo, sob o grão-mestrado perpétuo (grifo nosso) do rei lusitano, com poderes de administração e governo e também jurisdição espiritual sobre todas as regiões a partir de então conquistadas em África e nas chamadas Índias”41

39 MICELI, Sérgio. Op.Cit., p. 13. 40 AZEVEDO, Thales de. Igreja e Estado em Tensão e Crise: a conquista espiritual e o padroado na Bahia. São Paulo: Ed. Ática, 1978. p. 21 (nota de rodapé). 41 Ibid., p. 26.

Page 24: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

24

Do mesmo modo, J.H. Elliot percebeu no desenvolvimento das navegações

portuguesas uma continuação da Reconquista Ibérica.42 O historiador destaca que

com a Reconquista procurou-se aumentar os limites da fé cristã, do mesmo modo

que o território das Coroas Ibéricas. Todavia esse movimento para o sul não foi

concluído com os limites da Península Ibérica, levando os reinos ali constituídos à

prosseguirem nesse sentido.

“A Reconquista – o grande movimento dos reinos cristãos da Península Ibérica para o sul, para regiões mantidas pelos mouros – ilustra um pouco a ampla gama de possibilidades nas quais se poderiam buscar precedentes. Travada ao longo da fronteira que dividia o Cristianismo do Islã, a Reconquista foi uma guerra que ampliou os limites da fé, também uma guerra em busca de expansão territorial, conduzida e regulamentada, mesmo que nem sempre controlada, pela coroa espanhola e pelas grandes ordens religioso-militares, que no processo obtinha vassalos junto com vastas áreas de terra. Foi uma típica guerra de fronteira, numa tática de ataques rápidos e específicos em busca de saques fáceis, oferecendo oportunidades de lucro com resgates e escambos, e de recompensas mais tangíveis, como honra e fama. Foi uma migração de pessoas e de rebanhos em busca de novos lares e novas pastagens. Foi um processo de povoamento e colonização controladas, com base na fundação de cidades às quais era concedida ampla extensão territorial sob garantia real.”43

Para Elliot, os motivos portugueses para a expansão ao sul iam além da

“aquisição de novos mercados e de novas fontes de suprimento de corantes, ouro,

açúcar e escravos.”44

“[...] as aventuras ultramarinas de Portugal no século XV também eram guiadas por outros interesses, às vezes contraditórios. A nobreza, golpeada pelas desvalorizações da moeda que reduziram o valor de seus censos e rendimentos fixos, procurava no ultramar novas terras e novas fontes de riqueza. Os príncipes da nova casa real combinavam em graus variados o instinto aquisitivo com o fervor de cruzada, uma sede de informações geográficas e um desejo de perpetuar seus nomes.”45

42 ELLIOT, J.H. A Conquista Espanhola e a Colonização da América. In: BETHELL, Leslie. História da América Latina: América Latina Colonial. 2ªed. Trad.: Maria Clara Cescato. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Brasilia: Fundação Alexandre de Gusmão, 2009. v.1. p. 135-194. 43 Ibid., p. 135 e 138. 44 Ibid., p. 140. 45 Ibid., pp. 140-141.

Page 25: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

25

Por outro ângulo, Luiz Felipe de Alencastro percebe o expansionismo

português como preventivo em relação à uma Castela ameaçadora de sua

independência, e uma Holanda como importante região de comércio e de

navegações destacadas, logo, concorrendo pela posse de novos territórios.46 Sua

ação preventiva consistia, então, em aumentar sua marinha e alinhar seu comércio

com a Inglaterra, que, assim, reconhecia suas posses e independência de Castela.

Logo, a motivação portuguesa para seu expansionismo encontrava-se em ocupar

primeiro os territórios que poderiam vir a ser descobertos após os tratados de

Alcaçovas e Tordesilhas, quando fora pactuado fronteiras de terras à serem

descobertas. Isso acabou, também, contraditoriamente às intenções portuguesas,

por impulsionar os espanhóis ao mar, pondo, assim, em risco as teóricas

possessões de Portugal. Internamente, uma vez que as receitas da Coroa

portuguesa se baseavam na tributação da circulação de riquezas, os rendimentos do

além-mar aumentaram muito as riquezas circulantes em Portugal e, logo, as receitas

da Coroa. Este é um dos importantes motivos expostos por Luiz Felipe de Alencastro

para o expansionismo português. Além disso, a Coroa participou diretamente dos

lucros das expedições ao tornar-se investidora, através de feitorias nas Colônias.

Consequentemente, a Coroa portuguesa estimulou o comércio ultramarino e

manteve intocadas as instituições de Antigo Regime organizadas no seu reino. A

Inquisição também contribuiu decisivamente para as expedições, segundo o autor.

Isso pois, a burguesia portuguesa, investidora das navegações, era em grande parte

composta por Cristãos-Novos, judeus, que não podiam investir em títulos.

Acabavam, então, por, em grande medida, reinvestir nas expedições. Assim, a

Inquisição teve papel fundamental para que o lucro das expedições não fosse

desviado para a compra de títulos, mas reinvestido. A lógica das expedições,

segundo Alencastro, funcionou da seguinte maneira:

“[...] o Estado extrai suas receitas do comércio exterior, estimulando, por sua vez, a expansão marítima (a): esta lhe assegura territórios e mercados além-mar, os quais, cedidos ou entreabertos ao comércio inglês, servem de penhora à aliança luso-britânica (b): garantida desta forma a independência

46 ALENCASTRO, Luiz Felipe de. A economia política dos descobrimentos. In: ______. A descoberta do homem e do mundo. São Paulo: Cia. das Letras, 1998. p. 193-207.

Page 26: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

26

de Portugal legitima por sua vez a monarquia, permitindo que o aparelho de Estado se sobreponha às instituições e às estruturas metropolitanas e coloniais (c).” 47

Ainda que o comércio e a expansão portuguesa tenham recebido o

investimento da burguesia, não pode-se desconsiderar a importância das rendas da

Ordem de Cristo para a formação da marinha portuguesa e suas expedições. As

novas possessões portuguesas justificavam-se pela catequização, assim como as

caravelas levavam a Cruz de Malta em seus estandartes. Elliot aponta para uma

Península Ibérica onde havia se constituído um

“[...] humanismo do Renascimento e uma religião revivescente com fortes nuances escatológicas [que] forneciam idéias e símbolos que podiam ser explorados para projetar novas imagens da monarquia, como a de líder natural numa grande empresa coletiva – a missão divina de eliminar os últimos resquícios do domínio mouro e de purificar a Península de quaisquer elementos de contaminação, um prelúdio da difusão do evangelho aos recantos mais longínquos da terra (grifo nosso).”48

Como grão-mestre da Ordem de Cristo e com o início do Padroado, o rei

ganhou o poder de “indicar os candidatos a todos os benefícios e cargos dos cleros

secular e regular, a impor censuras e outras penalidades eclesiásticas e a exercer os

poderes ordinários nos limites de suas jurisdições”49. A Igreja em Portugal pode ser

analisada, nesse período, como “instrumentum regni da tradição constantiniana e do

padroado, enquanto (...) a missão eclesiástica era definidamente profética e mística,

inspirada de universalismo por Santo Inácio”50. Logo, recebeu uma importância

social significativa, enquanto instituição, para a inclusão nas sociedades portuguesas

de além-mar. No Brasil, coube “à Igreja [até a República] fazer a expressa

regulamentação das relações sociais e até dos trâmites seculares, como o registro

dos nascimentos, a legitimação da propriedade, a posse da terra [...]”51, como expõe

Azevedo.

47 Ibid., p. 203-204. 48 ELLIOT, J.H. Op.Cit., p. 144. 49 AZEVEDO, Thales de. Op. Cit., p. 26. 50 Ibid., p. 50. 51 Ibid., p. 86-87.

Page 27: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

27

Para o historiador, esse caráter é modificado após a Independência. O autor

aponta para o seguinte:

“A Independência e o Império determinaram uma modificação substancial na problemática nas relações entre Estado e Igreja. Não que as posições relativas se alterem no quadro institucional de poder e dominação (grifo nosso). Porém, as novas idéias – trabalhando desde há muito as mentes numa e noutra esfera – haviam criado uma nova consciência, seja nos políticos e estadistas, seja nos eclesiásticos em geral, – a consciência de suas específicas identidades.”52

Ainda assim, a Independência não denotou uma laicização radical do novo

Império. A distinção entre as duas instituições, expõe Azevedo, não impediu de

“continuar o Estado desejoso e interessado em subordinar a religião e seu aparato

pastoral em instrumentos de seus desígnios”53. Isso ocorrendo principalmente com o

clero secular, mais próximo do Estado.

2.2. A Questão Religiosa

Entretanto, a Sé romana e o Estado independente do Brasil assumem

posições diversas que os levarão a uma situação conflituosa, ainda que de

resultados limitados no Brasil. Thales de Azevedo explicita que dada a

Independência o papado é “cedo procurado pelo imperador para que lhe confirme as

prerrogativas do padroado”54, o que não ocorre, forçando o imperador a confirmá-las

“por arbítrio próprio”55.

Segundo Frederick B. Pike, essas posições diversas entre Sé e Coroa

repercutirão, também, no próprio clero:

52 Ibid., p. 122. 53 Id. 54 Ibid., p. 123. 55 Id.

Page 28: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

28

“Quando o Brasil se proclamou independente de Portugal, em 1822, a maioria do clero, como freqüentemente aconteceu na América espanhola, tinha inclinações liberais e estava pronta a aceitar os padrões regalistas nas relações entre a Igreja e o Estado. Na década de 1870, porém, alarmados pelos novos acontecimentos que consideravam uma séria ameaça para a Igreja e encorajados pelo tom ultramontano do Syllabus de 1864 e outros pronunciamentos papais, certos prelados brasileiros decidiram que só poderiam defender o catolicismo deixando de ser servos do Estado e desafiando diretamente a linha de ação política do governo, que consideravam injuriosa.”56

Concomitantemente a independência, os anos de meados do século XIX são

de forte anticlericalismo em Portugal. Segundo o historiador português Fernando

Catroga:

“Sabe-se que a chamada questão italiana e as deliberações do Concílio Vaticano I, articuladas com a crise social e política que a Comuna e a vitória da III República Francesa, laica e anticlerical, simbolizaram, condicionaram um novo empolamento da questão religiosa. E, recorde-se, para além da contra-ofensiva doutrinal (neotomismo), saíram de Roma incentivos para que essa campanha recebesse uma tradução organizada. Foi neste contexto que surgiu, entre nós [portugueses], a Associação Católica (1872), liderada pelo conde de Samodães, facto que, ligado às provas da crescente penetração das ordens religiosas no País, não deixou de incomodar os meios políticos mais fiéis à tradição anticongreganista do liberalismo português. Como resposta, nasceu em Coimbra um movimento a favor da fundação de associações liberais, sob o impulso de alguns mações e positivistas. O seu programa era claro: apelava para o revigoramento de uma frente liberal ampla, programaticamente baseada na defesa das leis secularizadoras de Pombal e do liberalismo, condição que consideravam fundamental para que não voltassem a perigar os alicerces do sistema representativo”57

Pode-se perceber que a aceitação da Cúria romana às decisões do poder

estatal brasileiro em relação a liberalismos, envolvia não somente questões internas

ao Brasil ou da relação pontual entre as duas instituições. O Estado brasileiro, que

presenciava grande influência de maçons na sua estrutura, inseria-se no contexto do

anticlericalismo que a Igreja tentava combater em Portugal, outras nações da Europa

e América Latina, expandindo sua presença e autoridade. O historiador Kenneth

56 PIKE. Frederick B. O Catolicismo na América Latina de 1848 aos Nossos Dias.In:______ Nova História da Igreja: a Igreja na sociedade liberal e no mundo moderno. Tomo II. Trad.: Almir Ribeiro Guimarães e Floriano de Souza Fernandes. Petrópolis – RJ: Vozes, 1976. p. 119-175. p. 141. 57 CATROGA, Fernando. O Laicismo e a Questão Religiosa em Portugal (1865-1911). Disponível em: http://analisesocial.ics.ul.pt/documentos/1223029596W8bRF8ng3Ap22XN2.pdf. Acesso em: 31/05/2009.

Page 29: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

29

Serbin descreve a “romanização” como um mecanismo que “[...] nasceu dos

esforços da Igreja para reafirmar seu poder e influência em meio às grandes

mudanças produzidas pelo mundo moderno. Surgiu após os generalizados ataques

da Revolução Francesa contra o clero e os privilégios, bens e doutrina da Igreja.”58

No Brasil, tomada a posição de manter o Padroado, pelo Estado, verificou-se

uma boa relação entre alguns clérigos e o poder estatal. Os chamados “erros

modernos”, em destaque a maçonaria eram, inclusive, encontrados no seio da

Igreja, o que culminará na “Questão Religiosa”, como afirma Marcelo dos Reis

Tavares:

“O estopim da Questão Religiosa foi a expulsão do padre e maçom Almeida Martins pelo bispo do Rio de Janeiro D. Pedro Maria de Lacerda. Numa festa organizada pelo Grande Oriente do Lavradio em 2 de março de 1872, em comemoração à Lei do Ventre Livre, o padre proferiu um discurso em homenagem ao Visconde do Rio Branco, presidente do Conselho de Ministros e Grão-mestre da maçonaria brasileira.”59

Os acontecimentos que levaram à “Questão Religiosa” apontam para a

proximidade entre integrantes do clero brasileiro e da política do Estado nacional

brasileiro. Reforçado pela presente atuação de clérigos no âmbito político-imperial,

como pode-se verificar nas legislaturas do vigário do Campo Largo. O Padre

Lourenço Justiniano Ferreira Bello foi deputado da Assembléia Provincial do Paraná

nos biênios de 1858-59, 60-61, 62-63, 64-65, 66-67 e 68-69. Seu irmão, João Batista

Ferreira Bello, além de vigário na freguesia de São José dos Pinhais e na cidade de

Curitiba, também foi deputado da mesma Assembléia e Delegado Especial do

Inspetor Geral da Instrução Pública da Corte no Paraná, nomeado em 187960.

Dados que apontam relações com o poder estatal desses representantes do clero

secular mesmo após o frágil encerramento da Questão Religiosa. Deve-se aqui

esclarecer que isso não significa um anticlericalismo por si, mesmo porque poderiam

buscar defender os interesses da Igreja no âmbito estatal. O que aqui destacamos é

a participação secular de elementos eclesiásticos.

58 SERBIN, Kenneth P. Op.Cit., p. 79. 59 TAVARES, Marcelo dos Reis. Op.Cit., p. 35. 60 NEGRÃO, Francisco. Genealogia Paranaense. v. 3. Curitiba: Impressora Paranaense, 1926. p. 598.

Page 30: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

30

No ano de 1864, por exemplo, entre as decisões publicadas do Império do

Brasil, pode-se verificar o pagamento de côngruas ao vigário Lourenço Justiniano, o

que evidencia na prática a notória regra do Padroado nessa década. O vigário

Lourenço Justiniano Ferreira Bello é obrigado, nesse ano, a devolver 50$000 para o

Estado, referentes ao pagamento de côngrua de dois meses, maio e junho do

mesmo ano, nos quais encontrava-se, segundo o documento, doente e ausente da

paróquia. Previa a legislação que funcionários eclesiásticos não recebessem

estando ausentes de suas atividades paroquiais, o que fatalizava a devolução.61

Segundo o cônego Manoel da Costa Honorato, vigário da paróquia de Nossa

Senhora da Candelária, no Rio de Janeiro, as côngruas anuais, escrevia em 1875,

eram de até 600$000, o que era pouco para todas as funções da igreja segundo

esse vigário.62

Desse modo, entre a Sé e o Estado dividia-se o clero em conservador e

reformista, cada braço puxado para um lado: o da Igreja e do Estado.

“Durante o Segundo Reinado (1840-89), a reforma clerical criou tanto afinidades eletivas como conflitos entre a construção do Estado brasileiro e a renovação da Igreja. Um clero eficaz era almejado pela Igreja e pelo Estado, mas cada qual tinha em mente um propósito. A Igreja queria padres melhores para ser viável, enquanto o Estado desejava que os padres atuassem como agentes de controle social, especialmente no campo, onde eles tinham influência sobre o povo lado a lado com os coronéis. Um clero europeizado sintonizado com os bispos e com a elite brasileira era o que mais convinha a esses objetivos. Contudo, as desgastantes tensões entre Igreja e Estado freqüêntemente conduziram a táticas diferentes. A Igreja enfatizou os aspectos romanizadores da reforma, mas o governo imperial procurou controlar o clero por meio do persistente padroado.”63

Pudemos, então, como já foi visto, observar que distinguia-se pelo menos

dois cleros no Brasil do Segundo Reinado. Segundo José Manuel Sanz del Castillo

os elementos como o “movimento liberal”, a “maçonaria e as novas correntes de

61 Decisões do Governo da Republica dos Estados Unidos do Brazil. Rio de Janeiro, Typographia nacional, 1964, 428p. Disponível em: http://books.google.com.br/books?id=Zm5QAAAAMAAJ&pg=RA1-PA225&lpg=RA1-PA225&dq=%22louren%C3%A7o+justiniano+ferreira+bello%22&source=bl&ots=TwJhNf7rhL&sig=mnuN6xgW4aQuC00z9b0OFeKYUqo&hl=pt-BR&ei=mKtjSvGZF823twe17vzrDw&sa=X&oi=book_result&ct=result&resnum=1. Acesso em: 19/07/2009. 62 HONORATO, Manoel da Costa. Op.Cit., p. 14. 63 SERBIN, Kenneth P. Op.Cit., p. 83.

Page 31: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

31

pensamento iluminista de raízes francesas tentaram, durante a época do Império,

criar novo cenário político, social, cultural, um Brasil moderno, transformando as

velhas estruturas e instituições do Brasil Colonial.”64 Como representante dessas

instituições arcaicas, a Igreja Católica no Brasil “foi objeto de contínuas retaliações

em relação à sua autonomia, e ameaçada desde a óptica hierárquica de sofrer uma

reforma regalista na primeira metade do século XIX”65. Serbin, sobre isso, escreve

que:

“O governo imperial influenciou na reforma mudando, coibindo e até eliminando certos grupos de padres. Seu intuito era restringir o poder dos bispos e ganhar o controle de propriedades da Igreja, em parte para poder custear a formação de padres diocesanos [seculares]. Regalistas, maçons e facções políticas anticlericais reforçaram a demanda pelo controle da Igreja. Católico recalcitrante, o imperador dom Pedro II exerceu plenamente as prerrogativas régias do padroado. Por exemplo, refreou o crescimento organizacional da Igreja e proibiu a publicação do Sílabo de Pio IX. Seu governo promulgou regulamentações minuciosas sobre a conduta do clero e outras questões religiosas.”66

Por outro lado, da parte da Igreja, “Bispos formados na França e em Roma

no colégio Pio latino-americano fundado em 1854 voltaram ao Brasil com uma

mentalidade romanizada e ultramontana que foi se espalhando nos meios

eclesiásticos”67. Decorre daí a formulação dos dois cleros. Nesse contexto, José

Manuel Sanz del Castillo expõe que o clero reformista buscava uma formação nos

“padrões tridentinos”:

“reformulação das atividades e estatutos das Irmandades, Confrarias e Ordens Terceiras, sujeitando-as à autoridade do bispo e seus representantes; estímulo à vinda de novas congregações religiosas; fortalecimento e expansão do número de dioceses e paróquias, aumentando suas atribuições e competências especificamente religiosas, fortalecendo assim a presença e influência da Igreja hierárquica no meio da população cuja religiosidade se tenta reformar; criação de escolas paroquiais e colégios de congregações religiosas estrangeiras; maior coesão entre os

64 CASTILLO, José Manuel Sanz del. O Movimento da Reforma e a “Paroquialização” do Espaço Eclesial do Século XIX ao XX. In:TORRES-LONDOÑO, Fernando. Paróquia e Comunidade no Brasil: perspectiva histórica. São Paulo: Paulus, 1997. p. 91-130. p. 101. 65 Id. 66 SERBIN, Kenneth P. Op.Cit., p. 84. 67 CASTILLO, José Manuel Sanz del. Op.Cit., p. 101.

Page 32: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

32

membros do episcopado, que reorganizam administrativamente suas dioceses seguindo as orientações e normas da cúria romana e o modelo das dioceses européias”68

Segundo Kenneth Serbin: “Em 1870 havia cinqüenta brasileiros estudando

na Cidade Eterna, onde foram preparados para tornar-se reitores de seminário,

professores de teologia e bispos em sua terra natal. Esses padres acentuadamente

europeizados compuseram a vanguarda da romanização.”69 Se o clero reformador

buscava uma formação nos padrões tridentinos, do outro lado o “clero encontrou

fortes resistências dos padres liberais, que, nos núcleos urbanos, se dedicavam a

tarefas culturais e políticas, assim como dos padres tradicionais do meio rural,

acostumados a ser funcionários mal pagos do Estado, mas dedicados em geral a

trabalhos que nada tinham que ver com a atividade pastoral”.70

Além disso, outras questões envolviam os clérigos no Brasil. O vigário da

Candelária em 1875, além de exaltar a figura de Dom Pedro II, o que pode-se

verificar nas passagens que seguem:

“Os monarchas da terra, semelhantes ao sol, que apezar de achar-se collocado em distancia quasi infinita, não póde occultar de quantos para elle se voltam suas manchas nem os seus beneficos raios, são attentamente olhados pelos subditos, que de suas acções tomam a norma de seu procedimento, e felizes julgam-se quando vêm que o soberano acompanha-os nas crenças piedosas, herdadas de seus antepassados.” “N'esta parte principalmente nós os brasileiros podemos dizer que somos felizes, porque até hoje os successores de Santa Isabel têm-nos dado o melhor religioso exemplo e Deus ha de permittir que cada vez mais os sentimentos de seus antepassados se há de perpetuar no throno do Imperio americano.”71

Defende o patrimônio da paróquia, atrelando, para isso, essa propriedade ao

uso público, e, então, à proteção da Coroa. Escreveu esse vigário que “[...] a igreja

matriz é de serventia publica, razão pela qual não soffre a condição de propriedade

de quem quer que seja.”72

68 Ibid., p. 104. 69 SERBIN, Kenneth P. Op.Cit., p. 80. 70 CASTILLO, José Manuel Sanz del. Op.Cit., p. 104. 71 HONORATO, Manoel da Costa. Op.Cit., p. 79. 72 Ibid., p. 94.

Page 33: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

33

Partindo do processo envolvendo o vigário de Campo Largo, Lourenço

Justiniano Ferreira Bello, que reclama o recebimento de um terreno devoluto junto

da Igreja matriz da freguesia na década de 1870 que recebera uma construção de

uma moradora local, que alegava ser seu o terreno, presenciamos um profundo

exemplo das relações locais do clero secular com a sociedade, a justiça e o poder

estatal local no período anterior a Questão Religiosa. O vigário, que mantém uma

estreita relação com a política provincial e, mesmo, com proeminentes elementos

civis, o que nos leva a crer que faça parte do clero reformista ou, mesmo, de

nenhum dos dois, porém ligado, diretamente à uma elite local, assume uma atitude

patrimonialista, ao iniciar a contenda judicial pelo terreno anexo à Matriz. Essa

disputa e qualificação veremos melhor adiante, ao tratarmos da questão da terra e

das relações entre o clero e a sociedade. No momento é preciso retornar à Questão

Religiosa. Ao iniciarmos o capítulo segundo poderemos verificar com mais cautela a

destinação dos bens de mão-morta e analisarmos os casos da Candelária e da

Piedade do Campo Largo.

Ao partirmos da definição de que havia dois cleros no Brasil, em relação às

disputas entre Igreja e Estado, não devemos esquecer que, por outro lado, tentamos

aqui verificar os atores sociais a partir de suas relações locais.

A Questão Religiosa, no entanto, é um tema que se deve considerar ao

estudar o Segundo Império do Brasil. Para isso destacada parte da historiografia

brasileira se debruçou sobre o assunto73. A importância do tema encontra-se,

também, no fato de estar envolvida nas relações do Estado com a Igreja, o que

remete à própria formação do Estado brasileiro e mesmo do Estado português.

Se o século XIX é caracterizado pela “romanização” proposta pela Sé,

fundamentada pelas encíclicas Quanta Cura e Syllabus Errorum, como afirma o

autor de “A elite eclesiástica brasileira”74, no Brasil, como já vimos, se percebe que

alguns “erros modernos”, principalmente a maçonaria, está presente na vida social

de alguns integrantes da própria Igreja. A Questão Religiosa é iniciada com a

73 Ver: BARROS, Roque S. M. de. A Questão Religiosa. In: HOLLANDA, Sérgio Buarque de. História Geral da Civilização Brasileira. v. 4. Tomo II: o Brasil monárquico. 4ª ed. São Paulo: Difel, 1985. p. 338-365. 74 MICELI, Sérgio. Op. Cit., p.12.

Page 34: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

34

interdição de padres ligados a Ordens maçônicas pelos bispos de Olinda e Belém75.

A maçonaria também esteve presente em grande medida no Estado brasileiro, ainda

que proibida em alguns momentos. Mas sua presença entre integrantes do Estado é

clara, por exemplo, na figura do Visconde do Rio Branco76. Assim, o posicionamento

dos bispos de Olinda e Belém, ainda que defendido pelo Papa77, ao não respeitar as

regras do Padroado, recebeu um caráter emblemático para o problema da união

Igreja-Estado, na década de 187078.

Sobre a importância da maçonaria no que encaminhou o conflito que

culminou na Questão Religiosa, Frederick Pike expõe que:

“A causa imediata da crise nas relações entre a Igreja e o Estado foi a disputa sobre a maçonaria. Desde o século XVIII os padres brasileiros tinham a tendência a considerar favoravelmente a maçonaria. Grande número deles filiaram-se às várias lojas estabelecidas no país. Várias condenações papais da maçonaria não foram publicadas no Brasil, porque os funcionários do Estado, freqüentemente apoiados pelo clero, não consideravam o movimentos como uma ameaça.” “Na segunda metade do século XIX, contudo, havia sinais de que a franco-maçonaria brasileira, do mesmo modo que em algumas das repúblicas da América espanhola, estava assumindo uma atitude mais virulentamente anticlerical e talvez caminhando para uma posição anticatólica. Em 1873 a preocupação com a situação levou o bispo Vital Maria Gonçalves de Oliveira, de Pernambuco, jovem frade capuchinho educado na França e recentemente sagrado, a denunciar a influência maçônica em sua diocese. Em resposta a uma comunicação feita ao Vaticano sobre o assunto, o bispo Vital recebeu um breve papal autorizando-o, se acontecesse o pior, a 'excomunhão da Ordem maçônica' e a supressão das Irmandades religiosas que estavam sob controle maçônico. Sem pedir a sanção imperial do breve papal, conforme exigiam os procedimentos legais, o bispo Vital publicou o conteúdo dele e como resultado defrontou-se, juntamente com outro bispo que lhe tinha dado apoio, com as acusações de ter violado a constituição e o código penal.”79

Os bispos D.Vital e D. Antônio de Macedo Costa, de Olinda e Belém

respectivamente, foram, segundo Roque Spencer de Barros, “no Brasil, os mais

legítimos representantes das teses que, inerentes ao catolicismo, encontraram

75 Ver: CASTILLO, José Manuel Sanz del. Op.Cit., p. 97. 76 MICELI, Sérgio. Op. Cit., p. 79. 77 Biografia do papa Pio IX. Apostolado Veritatis Splendor: exortae in ista. Disponível em: <http://www.veritatis.com.br/article/4497>. Acesso em: 20/04/2009. 78 Sobre os bispos ligados à Questão Religiosa ver: CASTILLO, José Manuel Sanz del Op.Cit., p. 97-98. 79 PIKE, Frederick B. Op.Cit., p. 141

Page 35: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

35

expressão acabada no Pontificado de Pio IX.”80 A formação de ambos foi, segundo o

autor, realizada na Europa, de onde retornam como bravos defensores das

chamadas “doutrinas ultramontanas”. Logo, encontram-se em aberto combate aos

“erros modernos”. Roque Spencer afirma que esses prelados, donos dessas

“convicções não poderiam, de forma alguma, aceitar as espúrias alianças entre a

Maçonaria e a Igreja, entre o catolicismo e o liberalismo que o negava ou

desfigurava.”81 Suspenso, pelo bispo de Olinda, D. Vital, o padre maçom Almeida

Martins, houve rápida reação da Maçonaria. Segundo Roque Spencer “[...] durante

todo o transcorrer da questão religiosa, as autoridades maçônicas insistiram sempre

que sua incompatibilidade era apenas o jesuitismo, com o ultramontanismo, em uma

palavra, com o 'neocatolicismo', nunca com o que entendiam ser a catolicidade

legítima.”82 Decorre disso, porém, que tais afirmações da Maçonaria brasileira,

buscando apresentar uma identidade que não a distinguisse da “catolicidade

legítima”, somando “[...] a afirmação de que a Maçonaria brasileira era diferente da

européia em nada mudava a questão: não eram os maçons liberais, não lutavam

pela liberdade de consciência?”83, questiona o historiador Roque Spencer, logo,

divergia do catolicismo defendido por sua mais alta representatividade, o Papa,

considerado, agora, infalível.

Desse modo, a Questão é iniciada em Pernambuco, em 1872, com as ações

de D. Vital, agindo para “restabelecer a ortodoxia católica ao menos em sua diocese,

[para o que] o bispo de Olinda propôs-se a proceder com o maior rigor contra os

católicos-maçons, levando-os a optar entre a Igreja e a Maçonaria.”84 O autor desse

capítulo da “História geral da civilização brasileira”, acentua para o fato de que “a

questão envolvia aspectos graves e importantes, precisamente por causa do sistema

de união entre a Igreja e o Estado.”85 Podemos analisar melhor o teor dessa

afirmação através da seguinte:

80 BARROS, Roque S. M. de. Op.Cit., p. 338. 81 Id. 82 Ibid., p. 339. 83 Ibid., p. 340. 84 Id. 85Ibid., p. 341.

Page 36: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

36

“[...] se ser católico não fosse condição para o exercício de inúmeros direitos fundamentais, na esfera civil, a exclusão de uma Irmandade religiosa ou a própria excomunhão seria um assunto interno da Igreja, sem qualquer efeito civil. Num regime, contudo, em que não vigoravam o registro civil, o casamento civil, os cemitérios secularizados, em que ser católico era condição para bacharelar-se pelas escolas superiores e nelas lecionar, para exercer cargos públicos ou fazer parte da representação nacional, é claro que tal assunto, necessariamente, teria de ultrapassar a vida interna da Igreja e repercutir em cheio no domínio temporal.”86

O conflito entre Igreja e Estado assumiu, no desenrolar da Questão

Religiosa, um dramático tom sobre a união das duas instituições. As Irmandades,

entre as quais D. Vital suspendeu a do Santíssimo Sacramento, ao desobedecer sua

ordem para exortar um membro a abjurar a Maçonaria ou excomungá-lo,87

“[...] eram associações mistas, instituídas ao mesmo tempo pelo Estado e pela Igreja, um velando pela sua parte civil, outra pela parte espiritual. Mas onde estava, exatamente, o limite entre o temporal e o espiritual? Vago e incerto, a quem competiria estabelecê-lo? À Igreja ou ao Estado? Se à Igreja, firmar-se-ia o primado desta, que poderia fazê-lo avançar até onde entendesse; se ao Estado, estabelecer-se-ia a supremacia do poder temporal, que poderia igualmente avançar até o ponto que quisesse. Os bispos não poderiam aceitar a última tese; o poder civil nunca admitiria a primeira.”88

A Questão sustentava-se, sobretudo, nessa “crise de competência”, como

afirmou Thales de Azevedo89, o que se pode verificar, pela afirmação de Roque

Spencer de Barros, na

“[...] própria doutrina do beneplácito régio que se punha em questão. As bulas, encíclicas e constituições apostólicas de condenação da maçonaria não haviam recebido o placet imperial, não tendo, por conseguinte, do ponto de vista do Estado, qualquer valor no País. [...] O bispo, por sua vez, não poderia mesmo respeitar, a não ser acomodando-se, o famoso placet imperial, direito contestado e repudiado pela Igreja”90

O caso de Pernambuco deixou de representar “um único foco de rebelião”91

para tornar-se uma “ameaça de um conflito que se generalizava”92 com a inserção

86 Id. 87 Ibid., p. 340. 88 Ibid., p. 342. 89 AZEVEDO, Thales de. Op. Cit., p. 21. 90 BARROS, Roque S.M. de. Op.Cit., p. 342. 91 Ibid., p. 351.

Page 37: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

37

da crise entre o Império e o Bispo de Belém na cena. “Essa generalização do

conflito, já a previa, aliás, antes disso, o governo, que compreendia não bastar a

punição dos bispos para resolver a questão, já que estes, ainda presos,

continuariam a exercer sua autoridade sobre o clero sob sua jurisdição.”93 D. Vital e

D. Antônio serão, então, presos em 1874. Nesse contexto, o Império do Brasil irá

enviar o Barão de Penedo à Santa Sé para negociar sobre a questão das

competências, porém, não sobre a questão dos bispos presos: “Para o poder civil,

uma coisa era o procedimento dos bispos, ato já cumprido e, no seu entender,

sujeito às leis penais do País, outra o objetivo da Missão, que se destinava a evitar,

para o futuro, a repetição de atos semelhantes.”94 Visava, o Imperador, impor a lei e

não permitir que novas ações da Igreja contrárias a Constituição se repetissem. Por

outro lado não tinha interesse em que se separassem as duas instituições, Igreja e

Estado. Roque Spencer expõe uma carta de D. Pedro II endereçada ao conselheiro

de Estado Caxias:

“[...] escrita no próprio dia da anistia, [onde] vê-se que o Imperador continuava recalcitrante, convencido da culpabilidade dos bispos. E nela se encontra este trecho esclarecedor: “Faço votos para que as intenções do Ministério sejam compensadas pelos resultados do ato de anistia, mas não tenho esperança disto. Nunca me agradaram os processos, mas só vi e vejo dois meios de solver a questão dos bispos: ou uma energia letal e constante que faça a Cúria Romana recear as consequências do erro dos bispos, ou uma separação, embora não declarada, entre o Estado e a Igreja, o que sempre procurei e procurarei evitar, enquanto não o exigir a independência, e, portanto, a dignidade do Poder Civil.”95

A condenação dos dois bispos em 1874, para Roque Spencer, “significava a

oposição radical do Estado brasileiro às teses fundamentais do pontificado de Pio IX

e à maré montante do ultramontanismo.”96 Somente com a anistia dos bispos em

1875, a Cúria Romana e o Império brasileiro puderam, ainda que de maneira

artificial, superar a “crise de competência” que se instalou. Ficava, porém, como

92 Id. 93 Id. 94 Ibid., p. 354. 95 Id. 96 Ibid., p. 362.

Page 38: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

38

afirma o historiador, um mal-estar que só poderia acabar com a separação entre as

duas instituições; o que não era desejado por nenhuma delas.97

97 Ibid., p. 365-364.

Page 39: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

39

3. CAPÍTULO II: A POSSE DA TERRA

A historiadora Raquel Glezer aponta para o ano de 1850 como marco da

“modernização” no Império do Brasil.98 Esse é também o ano da promulgação da Lei

de Terras, ainda que seu regulamento se realize somente em 185499, que rege sobre

a propriedade das terras doadas e devolutas, “isto é, as que não tinham proprietário

ou posseiro, e que não pertenciam ao patrimônio imperial, provincial ou

municipal”.100 Ainda assim, até 1916, indica a autora, continuaram predominando as

legislações civis portuguesas, de Antigo Regime.

Glezer destaca algumas diferenças do Império brasileiro para outros países

americanos, que se tornavam independentes de Espanha. Uma dessas diferenças é

a “manutenção do sistema de Padroado [no Brasil], pelo qual a Igreja Católica

atuava como um dos braços do Estado”.101 Nesse contexto, em relação às terras da

Igreja, a autora expõe que houve somente uma pequena interferência sobre suas

propriedades após 1850:

“Comprovando a continuidade relativa do Antigo Regime entre os anos de 1850 e 1920, temos o exemplo das corporações religiosas: a sobrevivência e continuidade dos bens de ‘mão-morta’ dos conventos, recolhimentos, confrarias e irmandades. O Império brasileiro nunca emitiu legislação de desamortização dos bens de ‘mão–morta’ (grifo nosso), e as propostas liberais foram tímidas aproximações: taxas pesadas em propriedades urbanas e na escravaria, como todos os proprietários em mesma situação, mas nunca nos bens ‘rústicos’ – as grandes propriedades rurais–; controles quanto ao funcionamento dos conventos e recebimento de noviços, mas nunca a determinação de encerramento das atividades, ou a apropriação dos bens e venda em hasta pública.”102

98 GLEZER, Raquel. Persistências do Antigo Regime na Legislação sobre Propriedade Territorial Urbana no Brasil: o caso da cidade de São Paulo (1850-1916). Revista Complutense de História da América, São Paulo, v. 33. p. 197-215, 2007. p. 198. 99 LIMA, Ruy Cirne. Pequena História Territorial do Brasil: sesmarias e terras devolutas. 4ªed. Brasília: ESAF, 1988, p. 51. 100 GLEZER, Raquel. Op.Cit., p. 208. 101 Ibid., p. 200. 102 Ibid., p. 207.

Page 40: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

40

Assim, mais uma vez é indicada a aproximação das duas instituições,

Estado e Igreja, no Brasil, mesmo após a Independência e do combate realizado

pela Cúria aos erros do “século”. Raquel Glezer evidencia a situação, já verificada

anteriormente, onde o “Império Brasileiro manteve o Catolicismo como religião oficial

e o sistema de Padroado, pelo qual a Igreja Católica ficava ligada ao Estado, através

do pagamento aos seus padres e da indicação para o preenchimento de cargos

religiosos, em capelas, capelas curadas, freguesias, paróquias e bispados.”103 Por

outro lado, da parte da Igreja cabia “o registro de nascimentos, batismos,

casamentos, mortes, o de testamentos e inventários, além do de propriedades –

atividades de Estado.”104 Desse modo, mantinha-se uma relação de dependência

onde: “As corporações religiosas também estavam vinculadas ao Padroado, e

dependiam do Estado para autorização de funcionamento, recebimento de

candidatos (as), e, especialmente, para a venda de ‘bens de mão-morta’”,105 nunca

desamortizados, como já vimos.

Os bens eclesiásticos no Brasil eram inalienáveis após a Independência, o

que podemos verificar já pela lei de nove de dezembro de 1830 onde se instituiu

“nullos e de nenhum efeito em Juizo, ou fóra delle todas as alienações e contractos

onerosos, feitos pelas ordens regulares, sobre bens moveis, immoveis e semoventes

de seu patrimonio; uma vez que não haja precedido expressa licença do

Governo”106. Nesse ponto, fica clara a relação de controle pelo Estado dos bens da

Igreja. Além disso, em decretos do mesmo dia, são considerados devolutos e, assim,

exigido o recolhimento de terrenos de posseiros particulares não utilizados ou

registrados107, o que aponta para a política de extensão de autoridade e regulação

da Coroa. Entretanto, ficando inalienáveis esses bens, fazer de uma propriedade

bem da Igreja podia representar sua manutenção.

103 Ibid., p. 202. 104 Id. 105 Id. 106 BRASIL. Lei de 9 de dezembro de 1830. Disponível em: <http://arisp.files.wordpress.com/2009/04/lei-de-9-de-dezembro-de-1830-clbr.pdf>. Acesso em: 26/05/2009 as 12:17. p.1. 107 Ibid., p.2.

Page 41: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

41

Se os bens da Igreja eram controlados pelo Estado e intocados, por outro

lado a questão da propriedade da terra no Brasil não estava tão clara no período

pós-Independência. Podemos verificar que as discussões para a implementação da

Lei de Terras, que trataria da regularização fundiária e da imigração européia ao

Brasil, não ocorreram de maneira rápida e consensual. Claudia Christina Machado e

Silva em sua dissertação de mestrado108, expõe que o debate parlamentar sobre a

Lei de Terras acabava por não envolver somente a regularização fundiária mas,

também, um importante tema para as elites rurais brasileiras, a disponibilidade de

mão-de-obra. Isso contribuiu para um debate prolongado, que levou as discussões

sobre a Lei de Terras até a década seguinte, de 1850.

“Dessa forma, a preocupação dos legisladores na década de 1840 não se dirigia aos progressos e à modernização, mas – como verificamos por várias vezes – 'à única e verdadeira indústria do país: a agricultura.'Sendo assim, o que preocupava as elites políticas naquele momento não era a política de povoamento e sua influência cultural para o país, mas a garantia de que nas lavouras de café não faltaria mão-de-obra.”109

A preocupação em manter mão-de-obra para os cafezais, principalmente,

paulistas e, também, mineiros, contribui para que as discussões acerca da Lei de

Terras opusesse, em relação à sua instituição, os Liberais, que reascendiam ao

poder na década de 1840, predominantemente ligados às oligarquias regionais, e os

Conservadores, defensores de maior centralismo imperial. Segundo Claudia

Machado e Silva os liberais permaneceram no poder entre 1844 e 1848. Nesse

período entrou em discussão no Senado o projeto para a Lei de Terras, em 1845. As

primeiras argumentações foram realizadas pelo senador pelo Partido Liberal paulista

Paula e Souza, que defendeu a distinção das matérias terra e colonização. O

discurso realizado pelo senador liberal encontrava-se com os interesses da elite

agrária paulista, para os quais a organização fundiária presente era adequada.

Grande parte dos Liberais, portanto, expõe a autora, representantes das elites

108 SILVA, Claudia Christina Machado e. O Processo Legislativo: O histórico da Lei de Terras. Escravidão e grande lavoura: o debate parlamentar sobre a Lei de Terras (1842 – 1854). 138 fls. Dissertação (Mestrado em História) – Departamento de História – Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2006. pp. 89-127. 109 Ibid., p. 127

Page 42: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

42

paulistas, concordava que uma lei agrária não era assunto urgente. 110

As relações locais, em oposição ao centralismo monárquico, do Partido

Liberal, acabaram por predominar na Lei de Terras, pelo menos quanto ao

financiamento da imigração, abolindo-se, então, o imposto territorial, que visava

esse financiamento. Tal imposto era considerado prejudicial à produção nas

Províncias. Contudo, o imposto de chancelaria, mantido no texto aprovado da Lei,

cobrado para a expedição de título de propriedade, pode-se justificar pela garantia

de reconhecimento da propriedade, o que interessava àquelas elites.111

O terreno em disputa pelo vigário Lourenço Justiniano e dona Joaquina

Vieira de Souza em 1870 na freguesia de Campo Largo, constava de “noventa

palmos de extensão”112, tratava-se, assim, não de uma grande propriedade rural,

mas de um central terreno urbano. A disputa é estabelecida em termos de efetiva

posse do terreno. Isso considerado através da construção. Os argumentos do vigário

para exercer posse do terreno são os de que havia sido abandonado pela família da

ré há mais de vinte e cinco anos. A Lei de Terras versava que não se poderia exercer

posse, tornando-se devoluto o terreno não perturbado por 10 anos.113 O vigário

também afirmará o seguinte: “Que tendo [...] há pouco mais de dois meses mandado

dar começo dos trabalhos de edificação, alguns dias depois começou também D.

Joaquina Vieira de Souza a fazer levantar no referido terreno alicerces para edificar,

contra a vontade e sem consentimento”114 dele. Esse é o principal argumento que

levará o autor a solicitar em juízo a demolição da obra que dona Joaquina iniciou no

terreno após ter, o vigário, tomado posse, depositado material para iniciar construção

e registrado-o para si na Câmara Municipal em 1860. Tal argumentação sobrepor-se-

a em relação a da senhora Joaquina Vieira, de que o terreno pertenceu por gerações

à família de seu marido, o que aponta para a importância sobressalente da tomada

de posse para a propriedade da terra nesse período. Se, por um lado, a Lei de

Terras, promulgada em 18 de setembro de 1850, dispõe a proibição de aquisição de

110 Ibid., p. 90-91

111 Ibid., p.125. 112 Ação Judiciária Interdicto Quode In Aut Dam. Op.Cit., p. 2. 113 BRASIL. Lei nº 601 de 18 de setembro de 1850. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L0601-1850.htm. Acesso em: 20/05/2009 às 18:50. 114 Ação Judiciária Interdicto Quode In Aut Dam. Op.Cit., p. 2.

Page 43: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

43

terras devolutas senão por compra, por outro permite revalidação de algumas

posses, como pode-se verificar no parágrafo 4º do artigo 3º, onde lê-se que são,

também, terras devolutas: “As que não se acharem occupadas por posses, que,

apezar de não se fundarem em titulo legal, forem legitimadas por esta Lei.115

Segundo o jurista Ruy Cirne Lima: “Errata com relação ao regime das sesmarias, a

Lei de 1850 é, ao mesmo tempo, uma ratificação formal do regime de posses.”116

O vigário Lourenço Justiniano afirmará: “Que tendo sido julgado devoluto, foi

concedido a elle [...] por carta de data passada pela Camara Municipal desta Capital

[Curitiba] em 1º de Maio de 1860, um terreno constando de noventa palmos de

extensão para edificar no pátio da matriz da dita freguesia de Campo Largo”117.

Pode, então, soar contraditório que o vigário tenha recebido em concessão um

terreno devoluto, uma vez que as terras devolutas, a partir da promulgação da Lei de

Terras deveriam ser vendidas. Deve-se, porém, levar em consideração as

possibilidades previstas para a confirmação de propriedade da posse e, decorrente

disso, a autoridade das câmaras municipais nesse assunto. O vigário apresenta,

então, sua carta de posse do terreno, recebida da Câmara Municipal de Curitiba. Tal

posse, como ele mesmo afirma em sua defesa, recebeu após pagar imposto, como

também se previa na Lei de Terras, porém não apresenta nada referente à compra.

Nesse contexto, a Câmara Municipal afirma, em documento solicitado pela

acusação, que havia “presente o recibo do Procurador da Camara pelo qual mostrou

ter pago a quantia de nove mil reis imposto marcado pelas posturas.”118 Constava

também, nesse documento, as informações que seguem; de que “[...] attendendo a

Camara ser justo lhe mandar passar a presente carta”119, de propriedade do terreno,

em 1860, o vigário deve num “praso de um anno levantar as paredes externas do

edifício [...] em estado de receber o madeiramento superior, e em quanto assim não

fizer ou não desistir do terreno [...] pagará a multa annual de 12$000 reis”120, porém,

não há referência, nesse texto, sobre a possibilidade de perda da posse.

115 BRASIL. Lei nº 601 de 18 de setembro de 1850. Op.Cit.§ 4º do Art. 3º. 116 LIMA, Ruy Cirne. Op.Cit., p. 65. 117 Ação Judiciária Interdicto Quode In Aut Dam. Op.Cit., p. 2. 118 Ibid., p. 3. 119 Ibid., p. 4. 120 Id.

Page 44: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

44

Por outro lado, em âmbito regionalizado, a câmara municipal não tinha livre

acesso para concluir a condição de um terreno devoluto e realizar sua concessão. O

economista Sebastião Neto Ribeiro Guedes explica que em 1854 criou-se o órgão

responsável pela distribuição das terras devolutas, a Repartição Geral das Terras

Públicas.121 Esse órgão estendia-se do ministério dos Negócios do Estado à sua

sucursal provincial, subordinada ao presidente da província. Guedes explicita que:

“O processo de medição e demarcação de terras particulares dependia diretamente do presidente de província, que deveria exigir que os juízes (de direito, municipais, de paz) e os delegados e subdelegados informassem sobre a existência de terras devolutas em suas jurisdições. De posse dessas informações, o presidente de província nomeava um juiz comissário de medição.”122

Nesse mesmo ano de 1854 publica-se o Decreto nº 1.138, conhecido como

registro paroquial de terras, ou registro do vigário. A partir desse decreto, para

legitimar posse pacífica deveria-se registra-la junto a respectiva paróquia. Destaca-

se, portanto, na análise que nos cabe aqui realizar, que Lourenço Justiniano, apesar

das facilidades que poderia lhe conferir a proximidade da paróquia, não havia

realizado registro do terreno que, considerado devoluto, lhe foi concedido pela

Câmara de Curitiba em 1860, e que iniciaria disputa na década seguinte com dona

Joaquina Vieira, que afirmava ser de sua propriedade.

A argumentação da defesa de dona Joaquina baseia-se não somente no seu

principal argumento, de que, como esposa de quem poderia legalmente responder, o

senhor Francisco Borges de Sampaio, tornar-se-ia nulo o processo, logo que ele não

foi citado onde deveria se encontrar; na freguesia de Soledade, em São Pedro do

Rio Grande do Sul, e sendo ela incapaz juridicamente para responder por esses

bens. Sua argumentação também afirma que “por morte de Gertrudes Maria Vas,

mãe do marido da ré, coube a elle, na partilha da successão, uma parte ou lanço de

uma casa, no valor de 51:340 reis, cabendo outra parte, de igual valor, a Manuel

Borges de Sampaio, irmão do marido da ré, e incluindo-se outra de 47:320 reis, na

121 GUEDES, Sebastião Neto Ribeiro. Análise comparativa do processo de transferência de terras públicas para o domínio privado no Brasil e EUA: uma abordagem institucionalista. Revista de Economia, Curitiba, v. 32, n.1, p. 7-36, jan./jun.2006. 122 Ibid., p. 32.

Page 45: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

45

meação do pae do marido da ré.”123 Francisco Borges, posteriormente teria

comprado as outras duas partes, de seu pai e de seu irmão, tornando-se o único

dono da casa que havia construída no terreno e, assim, também, do próprio terreno,

em posse da família desde 1827. Sobre esse tipo de propriedade de terra, a

historiadora Muriel Nazzari escreveu que:

“Os direitos de propriedade sobre a terra tornaram-se mais rígidos e exclusivos no século XIX, à medida que decrescia a disponibilidade de terras e crescia seu valor. No século XVII, a terra era livremente legada e recebida em doações e as famílias só uma vez ou outra cuidavam de sua titulação; embora os títulos fossem apresentados por ocasião do inventário, não se atribuía valor monetário algum à terra. Contudo, as benfeitorias feitas sobre a terra, quer a família possuísse ou não o respectivo título, eram consideradas bens e devidamente avaliadas.”124

Retornando ao processo de Campo Largo, acaba, porém, por predominar o

discurso da acusação, de que o terreno já não tinha construção e não era utilizado a

mais de vinte e cinco anos.

Outra argumentação para refutação da acusação, utilizada pela defesa da

ré, foi a de que o título de propriedade, concedido ao vigário pela Câmara Municipal

de Curitiba, não poderia ter validade, uma vez que o terreno em questão não tratava-

se de um terreno municipal, porém um terreno “pertencente á capella de Nossa

Senhora da Piedade á qual foi doado o campo que faz parte esse terreno pelo

capitão João Antonio da Costa, em 13 de maio de 1819, para formar o seu

patrimônio, declarando o doador que quem quisesse arranchar-se nesse campo o

poderia fazer 'sem pensão alguma e nem depender de licença de ninguém'”.125 Além

disso, argumenta a defesa, que não somente, “na povoação, hoje villa, do Campo

Largo onde está a capella á que foi feita a referida doação, os moradores teêm

edificado suas casas sem pedir licença á camara municipal nem á qualquer outra

autoridade”126, como o próprio vigário “tem construído casas e cercado terrenos no

123 Ação Judiciária Interdicto Quode In Aut Dam. Op.Cit., p. 13. 124 NAZZARI, Muriel. O Crescimento do Individualismo. In:______. O Desaparecimento do Dote: mulheres, famílias e mudança social em São Paulo, Brasil, 1600-1900. Trad.: Lólio Lourenço de Oliveira. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, pp. 156-157. pp.151-170. 125 Ação Judiciária Interdicto Quode In Aut Dam. Op.Cit., p. 13. 126 Ibid., p. 14.

Page 46: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

46

referido Campo do mesmo modo que os outros moradores, isto é, sem licença de

autoridade alguma”127.

Em referência a doação do Campo pelo capitão João Antônio da Costa,

devemos verificar como se deu a formação da freguesia. Sobre o tema, escreveu

José Carlos Veiga Lopes que em 1814 o tenente Joaquim Lopes de Santa Ana

Cascais

“[...] deu, sem título algum, para Nossa Senhora da Piedade um rincão de campo no bairro do Campo Largo, para ser edificado um povoado, onde também ele morava; provavelmente herdou terras do pai Domingos Lopes Cascais, pois as que comprara dos herdeiros de Antônio Lopes Teixeira havia vendido; Domingos Lopes Cascais era casado Joana Gonçalves de Siqueira, filha de Ana de Melo Coutinho ou Ana Coutinho ou Ana Gonçalves Coutinho, casada com Pedro de Siqueira Cortes, e que havia recebido terras no Campo Largo de seu tio Antônio Luís Tigre”.128

Em 1819, ainda segundo o mesmo autor, o terreno foi a venda em praça

pública, após a morte de Cascais no ano anterior. Foi, então, adquirido pelo capitão

João Antônio da Costa por 40$200 e, imediatamente, doado à Nossa Senhora da

Piedade.129 Falecido em 1827 João Antônio da Costa, em 1828 “a povoação foi

elevada a capela curada, sendo nomeado capelão o padre José Joaquim Ribeiro da

Silva. As divisas com a freguesia de Palmeira eram pelo rio Tortuoso mas o padre

deu um jeito e ficou com as terras do Tamanduá e São Luís”.130

A freguesia do Tamanduá, acima citada, representou fator de disputa entre

as freguesias de Palmeira e Campo Largo. O donatário, capitão Antônio Luís Tigre

tinha a posse de uma fazenda denominada Tamanduá, além da sesmaria do Rio

Verde, porém não a havia recebido em sesmaria, segundo conta José Carlos

Lopes.131 No “relatório do presidente da Província do Paraná”, Zacarias de Góes e

Vasconcellos, de 15 de julho de 1854, expõe o presidente que Antonio Luíz Tigre

edificou a capela de Tamanduá para Nossa Senhora do Carmo. Elevada essa

127 Id. 128 LOPES, José Carlos Veiga. Aconteceu nos Pinhais: subsídios para as histórias dos municípios do Paraná Tradicional do Planalto. Curitiba: Progressiva, 2007. p. 178-179. 129 Ibid., p. 179. 130 Ibid., p. 181. 131 Ibid., p. 70.

Page 47: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

47

povoação a freguesia em 1813, porém a Igreja, posteriormente, foi transferida para a

freguesia de Palmeira.132 José Carlos Lopes afirma que “a primeira capela do

Tamanduá foi construída em madeira pelos frades carmelitas, em 1709, executores

da vontade do capitão Tigre.”133 Em 1731 fez a doação da capela de Nossa Senhora

da Conceição do Tamanduá, para a qual, segundo afirma, com provisão do bispo D.

Francisco de São Jerônimo, ergueu uma capela de pedras. 1731 foi também o ano

da morte de sua esposa, Ana Rodrigues de França, que deixou “todos os seus bens

para a capela”.134 O autor também expõe que os herdeiros do capitão Tigre, morto

em 1838, doaram a capela para o convento do Carmo em São Paulo, após o

falecimento do procurador da fazenda tenente-coronel Manuel Rodrigues da Mota.

Em 1772, Nossa Senhora da Conceição do Tamanduá “possuía 64 vacuns, 90

eqüinos, 1 macho de sinal, um escravo macho, duas fêmeas, 9 administrados, 3

administradas, 10 filhos dos ditos.”135

Em 1813 a capela do Tamanduá foi elevada à freguesia, para o que havia

solicitado o bispo de São Paulo em 1811.136 Nessa data o bispado de São Paulo era

dirigido por Dom Mateus de Abreu Pereira. Dom Mateus também assumiu

interinamente o governo da capitania de São Paulo por quatro vezes. Esse bispo de

São Paulo, de ativa participação política, além de defensor da permanência do

príncipe regente no Brasil, nos eventos que precediam a Independência, assim

como o padre Antônio Feijó, defendia a necessidade da formação de uma Igreja

nacional.137

Em 1816, D. Manuel “ordenou ao vigário colado da freguesia de Tamanduá,

que logo e sem demora fizesse entregar aos religiosos do Carmo da cidade de São

Paulo todas as terras e bens pertencentes à capela”, o que foi feito em 1818.138

132 VASCONCELLOS, Zacarias de Góes e. Relatório do Presidente da Província do Paraná de 15 de Julho de 1854. Arquivo Público do Paraná. 148 fls. Disponível em: http://www.arquivopublico.pr.gov.br/arquivos/File/pdf/rel_1854_a_p.pdf. Acesso em: 15/01/2009. 133 LOPES, José Carlos Veiga. Op.Cit., p. 70. 134 Ibid., p. 71. 135 Ibid., p. 72. 136 Id.

137 SOUZA, Ney de (org.). Dom Mateus de Abreu Pereira: quarto bispo de São Paulo (1796-1824). Catolicismo em São Paulo: 450 anos da presença da Igreja Católica em São Paulo. São Paulo : Paulinas, pp.212-239. 138 LOPES, José Carlos Veiga. Op.Cit., p. 73-74.

Page 48: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

48

Nesse mesmo ano de 1818, o padre Antônio Duarte Passos, vigário de Tamanduá,

mudou a paróquia para a freguesia de Palmeira. Posteriormente, em 1832, o vigário

de Nossa Senhora da Piedade do Campo Largo, José Joaquim Ribeiro da Silva,

defendia, em sessão na Câmara de Curitiba, que os limites de sua paróquia

abarcavam a freguesia de Tamanduá. Iniciados os debates acerca dos limites das

freguesias de Palmeira e Campo Largo, acabou por, em 1833, prevalecer os limites

propostos por Ribeiro da Silva, privilegiando a capela de Campo Largo.139

Doadas as terras pelo capitão João Antônio da Costa em 1819 a posse dos

terrenos na freguesia de Campo Largo não necessitava de registros, o que parece

continuar mesmo após a Lei de Terras, como indica a defesa da ré. Os moradores

mantinham a prática de posse por medição e ocupação, o que foi feito pelo vigário

Lourenço Justiniano nesse caso. No decorrer do processo não pode-se verificar

menção sobre a necessidade de compra de terrenos, ainda que o próprio padre

afirme que o terreno em litígio foi considerado devoluto. No processo, as

argumentações transitam em torno da legítima posse; se a família de dona Joaquina

ocupava efetivamente o terreno ou se encontrava-se abandonado, pertencendo,

então, ao vigário, que o mediu, iniciou construção e o registrou junto a Câmara

Municipal. Argumentou-se, portanto, da ocupação da Paróquia, e de seu

representante, o vigário Lourenço Justiniano. Parece, desse modo, ter-se aceito os

termos da doação realizada pelo capitão João Antônio, pois não considerou-se uma

posse ilegítima, mas validada, como, então, pode ser verificado nos termos da Lei

de Terras que versa sobre o que são as terras devolutas:

“§1º As que não se acharem applicadas a algum uso publico nacional, provincial, ou municipal. § 2º As que não se acharem no dominio particular por qualquer titulo legitimo, nem forem havidas por sesmarias e outras concessões do Governo Geral ou Provincial, não incursas em commisso por falta do cumprimento das condições de medição, confirmação e cultura. § 3º As que não se acharem dadas por sesmarias, ou outras concessões do Governo, que, apezar de incursas em commisso, forem revalidadas por esta Lei. § 4º As que não se acharem occupadas por posses, que, apezar de não se fundarem em titulo legal, forem legitimadas por esta Lei.

139 Ibid., p. 73 -78.

Page 49: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

49

Entretanto, pesa a informação dada pelo vigário de que o terreno foi

devoluto.140 De acordo com o afirmado pela acusação, o terreno litigado não

encontrava-se em domínio de ninguém até a posse do vigário em 1860. Logo, uma

aparente contradição surge: não deveria tal terreno ter sido vendido em praça

pública, logo que considerado devoluto? Por outro lado nenhuma reclamação de

necessidade de compra do terreno é apontada pela defesa, mesmo após a primeira

decisão, quando saem derrotados. Levanta-se, assim, a necessidade de uma

análise mais detalhada da legislação de terras no Brasil.

3.1. A Legislação sobre Terras

A distribuição de terras no Brasil independente é regulada pela “Resolução de 17 de

julho de 1822, [que] pondo termo ao regime das sesmarias no Brasil, sancionava

apenas um fato consumado: – a instituição das sesmarias já havia rolado fora da

órbita de nossa evolução social.”141 Em Rio Claro142, o historiador Warren Dean, por

outro lado, expõe que eram as sesmarias, “concedidas pelo vice-rei ou o

governador, [...] os únicos títulos de posse de terra reconhecidos pelos tribunais, até

a Lei da Terra em 1850.”143 Isso, porém, não indica que outras formas de exercício

de propriedade não fossem realizadas, o que se evidencia com o próprio fim das

concessões de sesmarias em 1822. Logo, as posses representam, pelo menos até a

Lei de Terras, a única forma de tomar propriedade desde tal Resolução. Como

afirma Sebastião Guedes:

“A política de terras no Brasil possui também dois momentos. Um primeiro, que durou de 1822 a 1850, caracterizou-se pela ausência de regulação sobre a terra pública e pelo crescimento vertiginoso das posses. O segundo momento compreende o período posterior à aprovação da Lei de Terras

140 BRASIL. Lei nº 601 de 18 de setembro de 1850. Op.Cit 141 LIMA, Ruy Cirne. Op.Cit., p. 47. 142 DEAN, Warren. A expropriação da terra. Rio Claro: um sistema brasileiro de grande lavoura 1820-1920. Trad.: Waldívia Portinho. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1977. p. 19-37. 143 Ibid., p. 28.

Page 50: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

50

(1850), caracterizado pela tentativa de implementação de uma efetiva política de terras que realizasse a necessária conversão do regime sesmarial em propriedade privada plena”144

A especulação com as terras concedidas, no modelo anterior à

Independência, tornou-se uma prática corrente. No Rio Claro, das terras concedidas,

Warren Dean verificou que a metade dos donatários jamais fixou residência em suas

propriedades.145 Pelo contrário, iniciou-se um processo de venda e doação de lotes

menores que apontam para o caráter lucrativo do recebimento de sesmaria, ou, pelo

menos, do ganho de influência social ou política na região da propriedade. Warren

Dean relaciona esse caráter especulativo à formação de propriedades senhoriais:

“Fora de qualquer dúvida, a posse de vastos tratos de terra dava prestígio, daí porque seu proprietário considerava de seu direito exercer comando e auferir deferência. Tais sentimentos podem ser caracterizados como senhoriais, mas eram engendrados por ações que destinavam a aumentar o acesso a riquezas, e, em decorrência, a alcançar lucros monopolísticos num mercado ativo e capitalista.”146

Sobre esse caráter, Roberto Smith afirma que “Possivelmente esses são

aspectos que se superpõem a necessidade de terras para a expansão da cana, do

algodão, de culturas de subsistência e o alçar vôo do café, após a chegada da

Família Real, com a distribuição indiscriminada de terras [sesmarias]. Se aceita essa

hipótese, é possível pensar que, na época, a distribuição para finalidades

improdutivas fosse ao encontro dos requisitos de expansão da agricultura [...].”147

Seja qual a específica função da posse de grandes propriedades, ou seu

efeito, pudemos verificar que a distribuição de sesmarias, no período anterior a

Independência caracterizou-se pela formação de senhorios. Uma das possibilidades

para manutenção da propriedade senhorial, ainda que de realização pouco frequente

no Brasil, foi a instituição do morgadio. A prática do morgadio, proveniente da

144 GUEDES, Sebastião Neto Riberio. Op. Cit., p. 24. 145 DEAN, Warren. Op.Cit., p. 30. 146 Ibid., p. 28. 147 SMITH, Roberto, A Transição no Brasil: a absolutização da propriedade fundiária. In:______. Propriedade da Terra e Transição: estudo da formação da propriedade privada da terra e transição para o capitalismo no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1990. p. 237-338. p. 294-295.

Page 51: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

51

nobreza portuguesa, foi instituída no Brasil Colônia, sendo abolida somente alguns

anos após os episódios da separação. O cientista político Luiz Alberto Moniz

Bandeira, sobre essa relação, expõe que

“As instituições feudais, que Portugal, já na etapa do mercantilismo, transmitiu à colônia sofreram adaptação e, conseqüentemente, transformações, e ela, na sua formação, não podia reproduzir fielmente a estrutura econômica, social e política da metrópole. Mas mentalidade feudal, com seus valores – honra, espírito de cavalaria, coragem e generosidade, entre outros – permaneceu e cristalizou-se, na classe dominante da colônia, em decorrência, inclusive, das funções militares atribuídas aos sesmeiros, na maioria fidalgos da Casa Real ou funcionários do reino, que se tornaram não só proprietários das terras e dos meios de produção, como, também, detentores da autoridade civil e da força armada, e acumulando às vezes à funções de juizes e vereadores. Eles eram vassalos do rei (vassi dominici), que desfrutavam de sua proteção particular e, constituindo uma rede de fidelidade, lhe deviam fornecer grande das tropas, para a defesa da colônia, quer contra os índios quer contra os estrangeiros.”148

A instituição do morgadio visava, então, a formação e manutenção de uma

casa senhorial, pois a propriedade do morgado não poderia ser fragmentada após a

morte do senhor que a possuía. Um herdeiro era designado à assumir essa

propriedade senhorial. Luiz Alberto Bandeira explica, em relação a instituição do

morgadio que:

“A instituição do morgadio, vinculando um conjunto de propriedades, subordinando-os a uma disciplina jurídica que não permitia nem a alienação em vida nem a repartição por morte e, concedendo à primogenitura o direito de herança, foi estabelecida em Portugal, durante a Idade Média, a fim de reforçar socialmente a nobreza e evitar o seu empobrecimento. No Brasil, o Parlamento proibiu a instituição do morgadio, em 1835, e os morgados existentes foram extintos 1837.”149

Os motivos para a formação do morgadio, precedidos pela lei da

primogenitura, são apresentados por José Flávio Pereira e Lupércio Antônio Pereira,

resgatando Adam Smith, da seguinte maneira:

148 BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. Aspectos feudais da colonização do Brasil. Revista Espaço Academico. n. 52, set. 2005. Disponível em: http://www.espacoacademico.com.br/052/52bandeira.htm. Acesso em: 14/10/2009. 149 Id.

Page 52: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

52

“Na concepção smithiana, a lei de primogenitura foi adotada na Europa medieval como resposta às desordens e à insegurança que se seguiram à queda do Império Romano. Segundo ele, com a queda do Império Romano sobreveio uma época de desordem generalizada na Europa e os únicos agentes capazes de oferecer alguma segurança aos habitantes do campo eram os grandes proprietários das terras. Assim, a terra deixou de ser considerada mero 'meio de subsistência' e passou a ser concebida também como instrumento de poder e proteção. Naquela 'época de desordem', todo grande proprietário de terras passou a ser 'uma espécie de príncipe secundário' e 'seus rendeiros eram seus súditos'. Como cada grande senhor podia fazer 'guerra a seu talante' contra seus vizinhos e até contra seu soberano, a insegurança era geral, de modo que 'a proteção que seu proprietário tinha condições de oferecer aos que nela moravam, dependia da extensão da terra'. Assim, a divisão da grande propriedade poderia colocar em risco a segurança dos seus moradores, que ficavam sujeitos às incursões de vizinhos belicosos. Por isso, continua o autor da Riqueza das Nações, 'a lei de primogenitura veio a implantar-se gradualmente na sucessão das propriedades rurais, pela mesma razão pela qual geralmente se implantou na sucessão das monarquias', isto é, para que o poder do grande proprietário, e conseqüentemente a segurança que ele oferecia, não se enfraquecesse por divisões. Para evitar essa divisão, adotou-se a norma de que a grande propriedade da nobreza fosse herdada apenas por um dos filhos, o mais velho, com precedência para o sexo masculino na linha de sucessão. Assim, impondo a sucessão linear ao invés da sucessão democrática, a primogenitura impedia que a grande propriedade fosse partilhada entre os herdeiros.”150

Mesmo desconsiderando a análise smithiana exposta pelos dois autores

sobre as razões medievais para a formação da lei de primogenitura e do morgadio,

interessa-nos aqui perceber o desejo de manter, através dessa prática, a

propriedade senhorial indivisa. Para isso, o morgadio complementa a lei da

primogenitura pois: “[...] Se esta [lei da primogenitura] impedia a partilha dos

domínios por meio da herança, aquele [o morgadio] bloqueava a partilha por meio da

alienação, legado ou doação.”151 A propriedade da terra representava, desde a

implementação do regime de sesmarias no Brasil, uma posição social de prestígio.

André João Antonil, sobre os senhores de engenho na Bahia, escreveu que:

“O ser senhor de engenho é título a que muitos aspiram, porque traz consigo o ser servido, obedecido e respeitado de muitos. E se for, qual deve ser (grifo nosso), homem de cabedal e governo, bem se pode estimar no

150 PEREIRA, José Flávio; PEREIRA, Lupércio Antônio. Instituições jurídicas, propriedade fundiária e desenvolvimento econômico no pensamento de José da Silva Lisboa (1829). História. v. 25. n. 2. Franca, 2006. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-90742006000200010&script=sci_arttext. Acesso em: 14/10/2009. 151 Id.

Page 53: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

53

Brasil o ser senhor de engenho, quanto proporcionalmente se estimam os títulos entre os fidalgos do Reino.”152

Podemos então questionarmo-nos sobre os motivos da doação realizada

pelo capitão João Antônio da Costa. Quais os motivos que o levaram a fazer a

doação de sua propriedade recém adquirida para Nossa Senhora da Piedade? O fim

do morgadio ainda na década de 1830 não caracterizará o fim das heranças e

práticas para manter a propriedade indivisa, até porque essa não foi a prática mais

disseminada na América portuguesa. Se o morgadio, para vigorar, precisava da

confirmação da Coroa, maneiras mais práticas eram utilizadas nos Trópicos. Sobre

isso, Warren Dean expõe que:

“O governo do Brasil independente mostrou-se incapaz de formular uma lei da terra em substituição ao regime de doações reais. Os reivindicantes de Rio Claro, embaraçados, tiveram de recorrer a formas improvisadas de reconhecimento. Combinavam seus interesses com outros, vendendo lotes a terceiros que então, deveriam sustentar a alienação original. O imposto pago por essas transações era apresentado como prova de aprovação oficial. Em Rio Claro, um dos posseiros mais importantes, Manuel Paes de Arruda, fortaleceu sua posição doando parte de sua posse para a construção da sede do município. A Câmara municipal de Piracicaba declarava, em 1835, em relatório ao presidente da província que já não havia terras públicas na região. Na verdade, elas tinham sido todas usurpadas.”153

No caso de Nossa Senhora da Candelária, no Rio de Janeiro, o cônego

Manuel da Costa Honorato, em exposição no Instituto Histórico e Geográfico

Brasileiro no ano de 1875, expõe como práticas de doações podiam representar uma

proteção da propriedade e não sua perda. Remete-se, para isso, ao caso dos

doadores da capela da Candelária:

“Em 1634 a ermida de Nossa Senhora da Candelaria foi elevada ao gráo de parochia, sendo, portanto, a segunda freguezia creada no Rio de Janeiro com uma área immensa, porque os povos estavam espalhados em todo o terreno habitavel.”

152 ANTONIL, André João. Do Cabedal que há de ter o Senhor de um Engenho Real. Cultura e Opulência do Brasil. p. 28-29. p. 28. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000026.pdf. Acesso em: 14/10/2009 as 15:33. 153 DEAN, Warren. Op.Cit., p. 31.

Page 54: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

54

“Entretanto não agradou aos fundadores e proprietarios da ermida de Nossa Senhora da Candelaria a creação da parochia em um templo que tinham fundado como sua propriedade particular, porque d'essa fórma passaria elle para o dominio do Estado sob a immediata inspecção do parocho. Portanto resolveram fazer doação da ermida á santa casa da misericordia o que effectuaram por escriptura publica de 4 de Julho de 1639, sendo provedor da misericordia o capitão-mór, governador do estado, Salvador Corrêa de Sá e Benevides.”154

Uma das práticas mais comuns para manutenção de uma propriedade era a

doação das terras para a criação de uma paróquia ou propriedade de serventia

pública, caracterizando um bem de mão-morta. Realizada a doação, as terras não

poderiam ser vendidas. Como exposto acima nos argumentos de Raquel Glezer, os

bens da Igreja permaneceram intocados mesmo após a Independência. Logo, tanto

na Candelária, onde os fundadores da capela de Nossa Senhora da Candelária

haviam-na construído, tendo sua posse, como em Rio Claro, onde a doação para

sede do município visou manter o uso de Manuel Paes de Arruda, verificamos

práticas para manutenção de uma propriedade sem divisão não caracterizadas pelo

morgadio. Nas primeiras décadas do século XIX o regime de sesmarias contribuirá

para que pequenas posses não reconhecidas sejam eliminadas, e, para isso,

tomadas por sesmeiros. Segundo Warren Dean:

“Por volta de 1820, muitos dos moradores de Rio Claro foram subitamente expulsos por algumas poucas pessoas com suficiente dinheiro e influência política para conseguir títulos de posse sob a forma de sesmarias. A expropriação do valor adicional representado pela limpeza da terra e o cultivo anterior significava um ato inicial de acumulação de capital. Cedo, pessoas ainda mais ricas e influentes começaram a reunir recursos suficientes para a exploração agrícola em larga escala. Rio Claro tornara-se, na expressão local, uma 'frente pioneira', ou seja, passara a fazer parte do perímetro da economia costeira capitalista e voltada para a exportação.”155

Não se desconsidera, então, a utilidade econômica que as propriedades

podiam proporcionar. A atividade capitalista não eliminava necessariamente o caráter

senhorial, e vice-versa. Por outro lado, muitas vezes a propriedade da terra não

154 HONORATO, Manoel da Costa. Op.Cit., p. 12. 155 DEAN, Warren. Op.Cit., p 37.

Page 55: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

55

interessava em grande propriedade, mas podia-se ganhar mais pela sua subdivisão,

como podemos verificar por texto do próprio Warren Dean:

“Em 1855, quando houve o primeiro registro geral de terras, muitas declarações mostraram três ou mais donos sucedendo o sesmeiro original, de mais ou menos 30 anos antes. Muitos dos proprietários anteriores nunca haviam morado em Rio Claro, eram expeculadores que visavam ao lucro decorrente de novas subdivisões. Muitos dos proprietários, na paróquia de Rio Claro, que indicaram a data de aquisição de suas terras, haviam-nas recebido menos de seis meses atrás. A rapidez das transferências por compra excedia a das heranças. No mesmo registro de 1855, apenas 20 por cento dos que declararam a procedência de seus títulos indicaram herança ou doação. Ainda que algumas das declarações de compra ou troca fossem, na verdade, ajustes entre co-herdeiros, aparentemente, havia mais compras do que doações.”156

Nesse contexto, Muriel Nazzari, expõe que também podia ocorrer a

subdivisão da terra em benefício da posse daqueles que a habitavam:

“A preponderância de pequenos proprietários em nossa amostra do século XIX [na província de São Paulo] pode indicar, também, que o privilégio de ter propriedade privada vinha sendo conseguido cada vez por um número maior de famílias. A maioria delas era provavelmente de descendentes daqueles relacionados nos censos de meados do século XVIII como pessoas que trabalhavam a terra mas não eram seus donos, pois a maioria delas havia nascido na freguesia em que viviam ou em uma freguesia próxima. Nos anos intermediários haviam adquirido a terra em que trabalhavam. João Soares Camargo, por exemplo, adquiriu sua terra mediante a prova de que ela estava em sua posse e era cultivada desde 1838.”157

A prosperidade dos herdeiros também não era garantida. Nazzari expõe que:

“Outros pequenos proprietários podem ter decaído socialmente, sendo

descendentes de famílias mais prósperas cujas propriedades foram sendo

sucessivamente subdivididas por intermédio de herança.”158 Logo, o risco que a

subdivisão podia acarretar pode contribuir para que concluamos que o interesse em

manter a propriedade indivisa tinha elementos não somente senhoriais, mas,

também, econômicos.

156 Ibid., p. 31. 157 NAZZARI, Muriel. Op.Cit., p. 159. 158 Ibid., p. 159-160.

Page 56: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

56

Por se tratar de um terreno urbano, do caso do litígio aqui analisado, não

podemos concluir que houve intenção de usufrui-lo, por alguma das partes, para fins

senhoriais ou de grande plantação. Essas considerações, no entanto, podem ser

levantadas quando se questiona a figura do doador da paróquia, o capitão João

Antônio da Costa. Imediatamente após arrematar a propriedade do Campo Largo,

como já foi verificado, fez a doação do terreno para que ali se pudesse iniciar a

freguesia. Vimos como a doação para uma capela podia representar o desejo de

manter uma propriedade indivisa, mantendo seus laços senhoriais sobre uma

propriedade que seus herdeiros teriam de cultivar sem dividí-la. Poderíamos,

mesmo, supor que há algum parentesco entre o capitão João Antônio da Costa e

pessoas assentadas no Campo Largo, como Gertrudes Maria Vas, sogra de dona

Joaquina Vieira de Souza e que tinha a posse inicial do terreno, ou outras pessoas

que permaneciam no Campo, como o vigário Lourenço Justiniano. Cabe registrar

que, feita a doação, ficou responsável por zelar pela capela o capitão Jerônimo José

Vieira.159

Em relação ao processo de 1870, o documento principal de análise deste

estudo, o processo judicial envolvendo o vigário Lourenço Justiniano e dona

Joaquina Vieira de Souza, traz, como uma das principais interpretações legais,

principalmente pela acusação, texto do jurista português Mello Freire. Utiliza-se as

referências desse jurista no que se refere à propriedade por posse. O vigário

Lourenço Justiniano, na figura de seu procurador, advogado Generoso Marques dos

Santos, argumenta contra a posse alegada pela defesa de dona Joaquina, que:

“A intenção de possuir, que a autora tentará provar o que seria com effeito sufficiente para a continuação de sua posse mesmo faltando a carta o elemento essencial da occupação, se a casa existisse ainda porque nesta hypothese teria applicação o preceito do art. 3º § 11 [...]. Tendo, porém, sido a casa completamente destruída cessara a faculdade de exercer a autora sua posse, não podendo permanecer no lugar e deixando este ao uso público. É o que nos diz Mello Freire – Inst. Jur. Civ. L. §3º §2º §7º ibi.”160

159 LOPES, José Carlos Veiga. Op.Cit., p. 181. 160 Ação Judiciária Interdicto Quode In Aut Dam. Op.Cit., p. 48.

Page 57: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

57

A jurisprudência acatada pela corte, origina-se, ou debruça-se sobre as

legislações anteriores a Lei de Terras. Márcia Maria Menendes Motta, afirmou, que:

“Ao assumir a tarefa de refletir sobre o tema do direito civil, e portanto, sobre o fundamento da propriedade, Mello Freire produziu três volumes de suas Notas de Uso Pratico e Criticas, organizado por Lobão na primeira segunda do século XIX. [...] destacam-se, no primeiro volume, as reflexões de Mello Freire sobre Sesmarias [...] e sobre o Costume; e no terceiro volume, suas ilações sobre as diferenças entre posse e domínio. [...] as interpretações de Freire nos ajudam a refletir sobre a questão do direito a terra em Portugal, de fins do século XVIII.”161

Porém, as interpretações legadas por Mello Freire, ainda no século XVIII,

contribuíram para que se julgasse sobre a posse de terra, também, no Brasil

independente. A autora classifica o jurista Pascoal José de Mello Freire como o

maior intérprete de um “racionalismo”, representado, em Portugal, pelo Marquês de

Pombal, e que visava implantar uma “ratio scripta”. Isso ficará patente quando

publica, entre 1778 e 1793, “A História Iuris Civilis Lusitani” e “Instituitiones Iuris

Civilis Lusitani”.162 Nesse contexto será promulgada a Lei da Boa Razão, que

buscava, segundo a autora, além de atingir aquele caráter racional, sustentar o

direito nacional, e da Coroa portuguesa, em oposição ao direito romano. Márcia

Maria Motta afirma, então, que “de uma forma ou de outra a Lei da Boa Razão foi

uma continuidade na ruptura (ou se desejarem, uma ruptura na continuidade), posto

que a partir de 1769, tornava-se expressa em lei à obrigatoriedade de utilização do

direito pátrio, em detrimento do romano.”163

As obras citadas de Mello Freire foram, como nos expõe a autora,

organizadas na primeira metade do século XIX por outro importante jurista

português, Manoel d’ Almeida e Sousa de Lobão. É pela edição de Lobão que

Márcia Maria Motta expõe que Mello Freire verifica as dificuldades em definir posse

e propriedade da terra, como entes distintos, nos domínios portugueses. Mello

161 MOTTA, Márcia Maria Menendes. Sesmarias: uma história luso-brasileira (séculos XVIII/XIX). In: COLÓQUIO ESPAÇO ATLÂNTICO DE ANTIGO REGIME, 2005, Lisboa. Disponível em: <http://cvc.instituto-camoes.pt/eaar/coloquio/comunicacoes/marcia_maria_menendes_motta.pdf>. Acesso em: 01/10/2009. 162 Ibid., p. 12-13. 163 Ibid., p. 12.

Page 58: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

58

Freire, buscava sobrepor leis “racionais” às práticas de uso comum, tão presentes

nas legislações de Antigo Regime, ainda que sem apresentar uma posição radical

quanto a liberdade.164 Por outro lado:

“Práticas e direitos antigos que muitas vezes se pautavam na noção de uma posse imemorial eram acionados nos crescentes processos de contestação contra o não menos crescente processo de individualismo agrário. Resistências e protestos tornavam-se a marca dos camponeses que procuravam se defender contra a vedação dos maninhos e aforamento de terras, antes utilizadas em comum.”165

Se Portugal enfrentava uma crise agrícola no século XVIII, quando a

regularização fundiária e a propriedade privada passaram a ser entendidas como

maneiras de combate à essa crise, no Brasil a questão da propriedade da terra

recebia contornos diferentes. Mello Freire como representante das ideias

reformadoras em Portugal, verifica que era necessário uma mudança nos costumes

para regular a propriedade. No Brasil, no entanto, a Coroa portuguesa encontrava

um entendimento sobre a propriedade diferente, como nos aponta a Márcia Maria

Motta:

“No entanto, em fins do século XVIII a Coroa Portuguesa tinha problemas ainda não menos graves a enfrentar nos seus esforços de estabelecer princípios jurídicos claros para a questão da apropriação da terra. No território do Ultramar, na colônia brasileira, havia se instituído exatamente um sistema jurídico fundamentado na lei de Sesmarias de D. Fernando, e expressava a face mais visível da dificuldade em se definir posse e propriedade em áreas ainda objeto de expansão. O desconhecimento sobre a forma como ela era operada nas colônias e seus múltiplos significados eram visíveis nas análises dos memorialistas, como Bernardo de Mello e Vandelli. No entanto, o imaginário social havia consagrado a noção de que nas terras livres coloniais era possível a instituição da propriedade privada, sem os problemas oriundos de práticas e costumes antigos, considerados causadores dos males da agricultura em Portugal.”166

A acusação de Generoso Marques, utilizando-se das interpretações de Mello

Freire, argumenta que, no caso do terreno em litígio:

164 Ibid., p. 13-14. 165 Ibid., p. 15. 166 Ibid., p. 16.

Page 59: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

59

“O abandono [do terreno pela família da ré] em tal caso é presumido, a coisa possuída, a casa, tendo perecido, não podia continuar a possuir se não ocupando novamente o terreno. Ao contrário, não sendo este sua propriedade, mesmo para força do documento constando da certidão da fl16 voltara á condição de todo o mais terreno pertencente ao patrimonio da Padroeira da Freguesia. E como a prescrição entre presentes é de dez annos (Ord. L.º 4 A. 3º § 1º e A. 19 §3º Consol. Das 2ªs notas ao art. 1322) fôra bastante este tempo de occupação pelo público para que o terreno reportasse a elle.167

Podemos verificar, então, como continuam as legislações portuguesas

vigorando mesmo no Brasil independente. Generoso Marques conclui sua exposição

datada de 24 de julho de 1870, afirmando que pertencendo “o terreno ao patrimonio

da Padroeira, ficava sujeita á clausula da doação feita pelo Cap. João Antonio da

Costa, e portanto pertencia áquelle que primeiro o occupasse, começando a

edificar.”168 Essas argumentações serão aceitas pela corte. O processo, iniciado em

12 de junho de 1870, terá sua última linha acrescentada em 28 de outubro do

mesmo ano, em acordo com a jurisprudência portuguesa do século XVIII.

167 Ação Judiciária Interdicto Quode In Aut Dam. Op.Cit., p. 48. 168 Id.

Page 60: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

60

4. CAPÍTULO III: RELAÇÕES ENTRE O CLERO SECULAR BRASILEIRO E A SOCIEDADE.

No que se refere as relações entre o clero brasileiro e a sociedade, cabe

retomar algumas contribuições historiográficas consagradas sobre o tema.

Inicialmente buscamos a análise proposta por Gilberto Freyre, que apontou para a

relação de proximidade entre o padre local e o senhor de engenho no período

colonial. Freyre descreveu um “patriarcalismo torto dos clérigos”169, caracterizado

por uniões conjugais. Nas “notas ao capítulo V” de “Casa Grande e Senzala”, o autor

expôs que “'ter filhos foi dos fenômenos interessantes da vida dos padres e vigários

do século passado' [XIX], (...) atividade parapatriarcal de sacerdotes brasileiros,

homens notáveis pela inteligência, altos serviços e brilho das posições.”170 Esses

sacerdotes encontravam-se em relação com “homens abastados” e suas famílias, e,

muitas vezes, formando novas famílias. Logo, Freyre defende a existência de uma

influência primordial dos eclesiásticos na formação da vida social brasileira,

resultado da sua proximidade com as populações locais e das famílias dos “homens

abastados”. Freyre escreveu que

“A igreja que age na formação brasileira, articulando-a, não é a catedral com o seu bispo a que se vão queixar os desenganados da justiça secular; nem a igreja isolada e só, ou de mosteiro ou abadia, onde se vão acoitar criminosos e prover-se de pão e restos de comida mendigos e desamparados. É a capela de engenho. Não chega a haver clericalismo no Brasil. Esboçou-se o dos padres da Companhia para esvair-se logo, vencido pelo oligarquismo e pelo nepotismo dos grandes senhores de terras e escravos.”171

Por outro lado, se a Igreja busca uma moralização em meados do século

XIX, caracterizada pela “romanização”, exposta pelas encíclicas de 1864, e o Estado

169 FREYRE, Gilberto. Casa grande e Senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. São Paulo: Global. 2004. p. 534. 170 Ibid., p. 565-566. 171 Ibid., p. 271.

Page 61: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

61

brasileiro manter e/ou aumentar seu controle sobre o clero nacional, é necessário

verificar como se comportou a Igreja no Brasil diante das duas posições opostas que

verificamos pela historiografia analisada no primeiro capítulo; da Sé e do Império,

sob a luz da historiografia retomada agora.

Outra análise fundamental sobre as relações sociais no Brasil, e,

consequentemente, de elementos da Igreja e do Estado, é a do “Homem Cordial” de

Sérgio Buarque de Holanda. Em sua análise, o historiador apresenta a existência,

enfatizando idealmente, uma confusão entre os espaços Público e Privado na

formação da sociedade brasileira. Aqui, as relações, os negócios, aproximam-se das

relações de parentesco. É característico, no Brasil, segundo Buarque, o predomínio

do “tipo primitivo da família patriarcal”172, onde prevalece um “convívio mais

familiar”173. Essa explicação de Sérgio Buarque permite ter um princípio para a

análise das relações locais, onde, na apresentação do historiador, o Estado não

interferia nos bens da capela, e a Igreja se ocupava de suas funções sem interferir

na ordem social interna do Estado.

Relacionando as abordagens de Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de

Holanda acerca da formação patriarcal da sociedade e as relações de uma Igreja

nesse contexto, verificamos que os dois autores apontam para a importância de

relações familiares na formação da sociedade brasileira. Gilberto Freyre chama de

“Capela de Engenho” esse local, inserido na propriedade latifundiária que

caracteriza as relações entre Igreja e sociedade na formação do Brasil.

Outro aspecto importante, destacado por Gilberto Freyre, refere-se a

formação patriarcal, que segundo o autor, permanece no Império. É através desse

poder local, que o patriarcalismo constitui, que as redes familiares se formam e

buscam manter influência na Corte, extrapolando o âmbito regional. Maria Fernanda

Martins expõe que em seu trabalho:

“ao se privilegiar as famílias como base para análise do papel e da atuação dos poderes locais, bem como das redes que os ligavam ao poder central, pretende-se ressaltar o fato de que essas redes desconheciam os limites

172 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Cia das Letras. 1995, p. 145. 173 Ibid., p. 148.

Page 62: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

62

provinciais, formando uma extensa teia que, em geral, permitia a manutenção de uma certa unidade familiar”174.

Como o clero secular se posicionava frente essas relações familiares e de

poder local deve ser, aqui, analisado pela figura do vigário Lourenço Justiniano.

4.1. As relações sociais do vigário Lourenço Justiniano Ferreira Bello.

Apresentado pelo historiador Francisco Negrão como um político “militante e

de prestígio”175, a árvore genealógica de Lourenço Justiniano pode apresentar um

exame de suas relações, o que fizemos seguindo a exposição de Negrão. Lourenço

Justiniano insere-se na sexta geração do Capitão João Rodrigues de França.

Negrão explica, no terceiro volume de sua “Genealogia Paranaense”, que os doze

capítulos desse texto referem-se aos descendentes do Capitão-mor João Rodrigues

de França.176

A patente de Capitão-mor de Paranaguá foi outorgada à Rodrigues de

França em 1707. Exerceu o governo dessa Capitania até sua morte, em 1715.

Francisco Negrão relata que João Rodrigues de França foi “[...] morador em Santos,

onde era estabelecido. Possuia varias fazendas de criação nos Campos Geraes e

nos de Curityba e S. José e as minas de ouro de Arassatuba em S. José, d'onde

retirou muito ouro”.177 Homem de influência na Corte, Negrão afirma que por “[...]

possuir grandes cabedaes, procurou educar e instruir seus filhos, dos quaes fez

ordenar na carreira Ecclesiastica a seis d'eles”178. Vale lembrar que teve doze filhos,

dos quais cinco eram mulheres. Desse modo, apenas um de seus filhos homens não

seguiu pela carreira eclesiástica, o sargento-mor Christóvão Pinheiro Rodrigues de

174 MARTINS, Maria Fernanda. Op. Cit., p. 188. 175 NEGRÃO, Francisco. Op.Cit., p. 398. 176 Ibid., p. 567. 177 Ibid., p. 3-4. 178 Ibid., p. 4.

Page 63: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

63

França. Podemos, então, verificar a importância da carreira eclesiástica para uma

família de grandes posses. Num contexto diferente, porém pertinente, a França do

século XVIII, tratando de “alianças” entre nobres, ou, mais especificamente,

casamentos entre nobres que visavam a manutenção da posse nobiliárquica, e

“mésalliances”, ou alianças impuras, entre nobres e burgueses, visando um

incremento de capital, Jean-Claude Bologne comenta sobre a prática realizada pela

nobreza francesa em adotar “com exagero a solução eclesiástica para o problema

dos filhos supranumerários, para não dividir o seu patrimônio até ao infinito.”179 Pelo

menos no Brasil, segundo podemos perceber pela genealogia exposta por Francisco

Negrão, buscou-se muito, entre os abastado proprietários de terras, direcionar seus

filhos para as carreiras eclesiástica e militar. Fora o fato de ter entre seus sete filhos

homens seis eclesiásticos, o único restante dedicou-se à carreira militar, assim como

o pai. Poderemos verificar a continuação dessa prática na sequência da análise

genealógica. Também entre as mulheres a incidência de casamento com militares

será facilmente perceptível. Sérgio Buarque, na História Geral da Civilização

Brasileira, defende que “a ocupação favorita da gente graúda e uma das mais

respeitáveis, fora sempre em S. Paulo a carreira das armas”.180 Defende, também, o

historiador, que a carreira militar, assim como a clerical, exercia “poderoso atrativo

sobre os filhos das famílias mais distintas pelo nascimento e pela fortuna”.181

Buarque destaca o prestígio que essas duas profissões podiam conceder aos seus

empregados. Destacará, então, como podiam proporcionar empregos seguros “num

ambiente que ainda não desenvolveu uma estrutura burocrática moderna de cunho

permanente.”182

“Se é isto fato verdadeiro a propósito dos militares, que em todo caso se expõem a perigos, adversidades e injustiças, não o é menos no caso dos clérigos. Na prática, aliás, a posição do clero no Brasil colonial e até certo ponto durante o Império, equivalia sem grande diferença à dos funcionários do Governo, desde que este se obrigava a pagar-lhes as côngruas

179 BOLOGNE, Jean-Claude. Alianças e Mésalliances. História do casamento no Ocidente. Trad.: Isabel Cardeal. Lisboa. Temas e Debates, 1999. p. 217-246. p. 223. 180 HOLANDA, Sérgio Buarque. São Paulo. In:______ História Geral da Civilização Brasileira.Tomo II. v.2. 8ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004. p. 413-472. p. 451. 181 Id.

182 Id.

Page 64: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

64

competentes derivadas dos rendimentos da Ordem de Cristo. Ao lado disso era costume perceberem os párocos suas 'conhecenças' de taxa variável, segundo o tempo e o lugar, com o que suprimiam a deficiência das côngruas. Reminiscências dos primitivos dízimos pessoais, que deviam os paroquianos aos pastores para a honesta subsistência destes, a cobrança das conhecenças foi causa de inúmeras polêmicas, onde não raro se envolviam os prelados e que motivaram as constantes desinteligências surgidas em S. Paulo entre o bispo D. Mateus Pereira e vários governadores.” 183

Contudo, entre a exposição de Bologne e de Negrão, verificamos que a

carreira eclesiástica no Brasil não representava um desligamento do mundo material

que envolvia sua família. O filho de Rodrigues de França, padre José Rodrigues de

França “foi Capellão da egreja da Conceição do Tamanduá durante alguns annos.

Possuia numerosa escravatura e bens nos Campos Geraes, em S. José, Tamanduá

e no Palmital. Foi vigário de Santos.”184 Antes, porém, de se ordenar, de acordo com

Francisco Negrão, ainda quando estudante em Coimbra, teve um filho, João

Chrisostomo.185 O percurso do padre José Rodrigues de França lembra-nos mais a

Igreja apresentada por Gilberto Freyre, as ligações com as famílias abastadas e os

demais “fenômenos interessantes da vida dos padres e vigários do século

passado”186.

Ao referirmo-nos à constância de casamentos das mulheres, aqui

verificados, com militares, a historiadora Mary del Priori aponta para o controle dos

casamentos pelos pais no Brasil do século XIX. A autora destaca uma “mentalidade”

que propiciava uma “rede de solidariedade, deveres e obrigações mútuas”187. Desse

modo, o “consentimento dos mais velhos continuava [nos núcleos urbanos, como

São Paulo] abençoando as uniões e cabia ao pai decidir e determinar o futuro dos

filhos sem lhes consultar, 'de sorte que' – explica o escritor Alcântara Machado –

'casamentos se fazem às vezes sem que os nubentes se tenham jamais visto',

sendo comum a união de parentes para preservar fortuna e linhagem.”188

183 Id.

184 NEGRÃO, Francisco. Op.Cit., p. 565. 185 Id.

186 FREYRE, Gilberto. Op. Cit., p. 565-566. 187 DEL PRIORI, Mary. Casamentos arranjados, casamentos por interesse.In:______. História do amor no Brasil. São Paulo: Contexto, 2005. p. 156-180. 188 Id.

Page 65: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

65

Outro registro importante refere-se às relações entre os capitães, além da

quantidade de terras que possuíam. O Capitão Antônio Luiz Tigre, aqui já abordado,

grande proprietário de terras nos campos de Curitiba, foi, assim como João

Rodrigues de França, outro grande proprietário na mesma localidade, testamenteiro

do “Capitão-Mór e ex-Administrador e descobridor das Minas do Sul e ex-

Governador Militar da praça de Santos, Agostinho de Figueiredo”189. Novamente em

relação aos casamentos, cabe destacar que o já referido Capitão Antônio Luiz Tigre

casou-se com a última filha de Rodrigues de França, Anna Rodrigues de França.

Quando morreu sua esposa, como já vimos, fez doação de sua propriedade para a

capela de Tamanduá, assim como os herdeiros fizeram após a morte do Capitão.

A genealogia de Lourenço Justiniano ramifica-se pela segunda filha do

Capitão Rodrigues de França, Maria de Ascenção. Falecida em 1742, em

Paranaguá, deixou, segundo Negrão “fazendas de criação de gado nos campos do

termo de Curityba.”190 Casou-se duas vezes, primeiro com o Capitão Francisco

Rodrigues Godinho, “negociante de fazendas em Paranaguá”191, com quem, entre

outros dois filhos, teve Francisca Pinheiro, que segue a ramificação que culminará,

aqui para nós, em Lourenço Justiniano Ferreira Bello. Posteriormente casou-se com

o Capitão-mor André Gonçalves Pinheiro, “pertencente entre uma das principais

famílias de Paranaguá, conforme se vê de sua Patente de Capitão-Mór, passada por

Rodrigo Cezar Menezes, General do Senado de S. Paulo”192, foi ainda, esse capitão,

“Provedor dos Reaes Quintos do ouro da Fundição da Villa e Comarca de

Paranaguá”193. Desse casamento teve outros nove filhos; sete mulheres e dois

homens que se tornaram padres. Francisca Pinheiro, neta da esposa do Capitão

Rodrigues da França, de mesmo nome dela, também se casou duas vezes. Primeiro

com Domingos Machado, com quem teve Domingos Machado Pereira, que

interessa-nos pela genealogia que seguimos, e, em segundas núpcias com Capitão

Virissimo Gomes da Silva, integrante do Regimento de Ordenanças de Paranaguá e

189 NEGRÃO, Francisco. Op.Cit., p. 4. 190 Ibid., p. 7. 191 Id.

192 Id.

193 Ibid., p. 7-8.

Page 66: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

66

Comandante da Companhia da Barra Grande desde 1733.194 Casado com Francisca

Xavier, Domingos Machado Pereira teve, entre outros filhos, o Tenente Domingos

Machado Pereira Filho, que casou-se com Anna Maria da Rocha. Dos sete filhos que

tiveram, a última, Balbina Maria do Nascimento casou-se com o Capitão Joaquim

José Ferreira Bello. É desse casamento que será gerado nosso observado o vigário

Lourenço Justiniano Ferreira Bello. Lourenço teve oito irmãos, quatro mulheres, um

padre, como ele, dois capitães e um que Francisco Negrão não informa profissão,

por talvez ser morto ainda enquanto criança. Vejamos essa genealogia no quadro

abaixo:

FIGURA 1 – GENEALOGIA DE LOURENÇO JUSTINIANO FERREIRA BELLO FONTE: O autor (2009

194 Ibid., p. 372.

Cap. João Rodrigues de França

Francisca Pinheiro

Maria de Ascenção Cap. Francisco Rodrigues Godinho

Casou-se em segundas núpcias com André Gonçalves Pinheiro

Francisca Pinheiro Domingos Machado

Casou-se em segundas núpcias com o capitão Virissimo Gomes da Silva

Domingos Machado Pinheiro Francisca Xavier

Ten. Francisco Machado Pereira Filho Anna Maria da Rocha

Cap. Joaquim José Ferreira Bello Maria Balbina do Nascimento

Padre Lourenço Justiniano Ferreira Bello

Page 67: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

67

Pudemos verificar como Lourenço Justiniano pertencia a uma importante

família da região da capitania de Paranaguá. De sua geração, dois de seus irmãos

foram capitães, o que, como já vimos, propiciava algum prestígio social, e outro foi

padre, além de deputado, assim como o próprio Lourenço. Entretanto, o padre

Lourenço Justiniano não foi “somente” vigário de Campo Largo, região de

estabelecimento de propriedades de sua família, como também cônego, e, assim,

pertencendo ao cabido de São Paulo. Desse modo, Lourenço Justiniano, como

vigário capitular, chegou a assumir interinamente o bispado de São Paulo após a

morte de D. Manuel de Andrade em 1847.195 Logo, Lourenço Justiniano gozou de

elevado prestígio na Igreja da província de São Paulo e, posteriormente, do Paraná.

Os seis biênios para os quais foi conduzido à Assembleia Provincial corroboram seu

prestígio, político, porém, também, social.

Sua influência na freguesia do Campo Largo também pode ser verificada

na quantidade de vezes em que foi convidado para ser padrinho. Lourenço

Justiniano aparece como padrinho em vários batismos realizados na Paróquia de

Nossa Senhora da Piedade. Entre todos os batismos localizados nos livros 4 e 5 dos

Assentos de Batismo de Campo Largo, 2619, realizados entre os anos de 1857 e

1868, 92 foram realizados na capela do Tamanduá e 2491 na Matriz de Nossa

Senhora da Piedade. Em 1857 foram sessenta e cinco registros de batismos, em

1858 duzentos e treze, em 1859 são duzentos e quarenta e nove, em 1860 duzentos

e cinquenta e um, em 1861 duzentos e quarenta e oito, em 1862 duzentos e trinta e

oito, em 1863 duzentos e quatorze, em 1864 cento e quarenta e cinco, em 1865

foram cento e vinte e oito, em 1866 duzentos e sessenta e um, em 1867 trezentos e

vinte e dois e em 1868 duzentos e oitenta e cinco. Nesses doze anos, Lourenço

Justiniano aparece como padrinho em trinta e duas vezes.

São pais de seus afilhados: Pedro José da Cunha e Leocádia Maria do

Rodo, em 1857; João Barbosa Godoi e Joaquina Cardosa em 1858; Felipe Miller e

Francisca de Assunção Santos, Diogo Ponto de Azevedo Portugal e Vitalina Ferreira

de Azevedo em 1859; José Maria de Paula Montes e Francisca da Costa Portella,

alferes Manoel Antonio da Andrade e Maria das Merces Andrade, Lucio José Ferreira

195 SOUZA, Ney de (org.). Op. Cit., p. 297.

Page 68: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

68

e Aldina de Souza, além de outros dois pais incógnitos, com mães chamadas Maria

e Antonia Maria em 1860; em 1861, o Tenente José Ferreira Pinto e Francisca de

Paula Ribas, Antonio Ferreira de Albuquerque e Aureliana da Costa Portella; Pedro

Ferras de Oliveira Franco e Placidina Alves de Jesus e um pai incógnito e mãe Maria

Gertrudes Vas. Não localizamos parentesco específico dessa senhora com a sogra

de dona Joaquina Vieira, ré no processo movido por Lourenço em 1870, dona

Gertrudes Maria Vas, apesar da semelhança dos nomes, que nos leva mesmo a crer

na possibilidade de ser a mesma pessoa.

Maria Gertrudes Vas teve uma filha chamada Luiza, com esse pai

incógnito, que tornou-se afilhada de Lourenço Justiniano. No processo que envolvia

dona Joaquina e o vigário Lourenço Justiniano, é citado um irmão de Francisco

Borges de Sampaio, Manuel Borges de Sampaio, porém, também nesse documento,

não há referência ao nome de seu pai. Contudo, a divisão da casa que havia no

terreno em litígio, após a morte de dona Gertrudes, foi realizada entre Francisco

Borges de Sampaio, seu irmão e seu pai, não constando nada que se refira à Luiza,

ou, mesmo alguma filha do casal ou de dona Gertrudes.

Em 1862, o vigário Lourenço Justiniano tornou-se padrinho de filhos de

Joaquim Antonio Coelho e Ana de Matos Cordeira, além de Francisco Gabriel e

Francisca Maria Padilha. Em 1863; José de Lima e Maria Eufrásia, e de um pai

incógnito e Balduina Alves de Brito. Em 1864; Francisco João de Chaves e Ana de

Paula Farias, alferes Joaquim Pinto Ribeiro Nunes e Zeferina Maria Cordeira,

Prudente José do Nascimento e dona Laura de Lima Borges, Francisco de Paiva

Rocha e Maria do Céu e Souza, e, alferes João Soares da Silva e dona Francisca de

Paula Teixeira. No ano de 1866; tenente José Ferreira Bello, seu irmão e futuro

capitão, e Geraldina da Mota Bandeira e Silva Bello, João Ferreira da Silva e Maria

Gertrudes da Conceição, e pai incógnito e Laurinda Soares de Lima. Em 1867;

Prudente Domingos Ferreira e Felicidade da Costa Portella, João José Ferreira e

Generosa Coleta Guimarães, Antonio Ferreira de Albuquerque e Aureliana da Costa

Portella, e Manoel João Fernandes e Leocádia do Espírito Santo. No último ano

Page 69: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

69

desse registro, 1868, um pai incógnito e Maria Francelina Labre. Na maioria das

vezes, a madrinha que o acompanha foi Maria da Luz Ferreira Bello.196

A quantidade de vezes que Lourenço Justiniano foi padrinho destaca-se

gravemente dos demais padrinhos da região. Entre os padrinhos que mais vezes

foram convidados, destacam-se aqueles que tinham algum cargo militar. Sem contar

Lourenço Justiniano, o padrinho mais vezes solicitado foi o Capitão Pedro Martins

Saldanha, vinte e três vezes. Ainda assim, somente duas pessoas, sem contar o

vigário, foram padrinhos de mais de vinte crianças, porém nenhum atingiu trinta,

como o fez Justiniano. Padrinhos de dez ou mais crianças, encontrou-se somente

dezoito. Desses, onze são apresentados como militares e sete não. Se

considerarmos o fato de ser lembrado para padrinho um sinal de prestígio social,

podemos concluir que os militares levavam vantagem, perdendo, nesses doze anos,

para apenas uma pessoa, o vigário Lourenço Justiniano Ferreira Bello. Cabe

destacar que entre os escolhidos por dez ou mais pais, um dos padrinhos foi

Ildefonso Ferreira Bello, um evidente parente do vigário de Campo Largo.

Além dos padrinhos com apenas um afilhado ou que não se podia definir

corretamente, o número de padrinhos e afilhados segue, para o mesmo registro

citado acima, na seguinte tabela:

QUADRO 1 – QUANTIDADE DE AFILHADOS POR PADRINHO ENTRE 1857 E 1868 NA IGREJA

MATRIZ DE NOSSA SENHORA DA PIEDADE DO CAMPO LARGO

QUANTIDADE DE AFILHADOS POR PADRINHO

NÚMERO DE PADRINHOS

2 197

3 106

4 58

5 41

6 28

7 26

196 Assentos de batismos. Campo Largo, 1857-1868. Paróquia de Nossa Senhora da Piedade do Campo Largo, livros 4 e 5.

Page 70: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

70

8 15

9 8

10 5

11 3

12 2

13 2

14 2

15 1

16 1

21 1

23 1

32 1 FONTE: O autor (2009) FIGURA 2.

Podemos verificar como à medida em que aumentam os números de

afilhados diminuem os de padrinhos. Padrinhos com quinze ou mais afilhados são

encontrados em número bastante restrito. Desses há somente um padrinho para 15,

16, 21, 23 e 32 afilhados, o que aponta para o restrito número de pessoas iguais

procuradas pelos pais. Padrinhos com menos de dez afilhados transitam em torno

de 479 no total, enquanto aqueles com mais de dez, em torno de 27. Acima de

quinze o número se restringe ainda mais. São somente cinco padrinhos que atingem

tão alto número de afilhados. Logo, a prática mais comum era, provavelmente, de

escolher pessoas mais próximas, por isso a diversidades de padrinhos. Porém,

algumas pessoas são procuradas por muitos pais. Vimos que eram, na maioria das

vezes pessoas ligadas a atividade militar. Vimos também que os militares gozavam

de algum prestígio naquela sociedade. Portanto, as pessoas mais procuradas para

serem padrinhos eram distintas pelo prestígio social.

Essas relações de compadrio foram analisadas por parte da historiografia

brasileira. Retomamos, aqui, artigo de pesquisadores da Universidade de Ouro

Page 71: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

71

Preto, que verificaram relações de compadrio na Vila Rica de fins do século XVIII.197

Segundo esses historiadores, a importância do estudo de compadrio destaca-se pela

possibilidade de atingir as relações sociais perante as elites locais de uma

determinada localidade, uma vez que “o compadrio consistia em um dos elementos

de estruturação das redes sociais que organizavam a vida cotidiana.”198 Os registros

de batismo, depositados nos assentos batismais, e que representavam, segundo os

autores, um dos únicos documentos escritos que registravam as divisões sociais de

uma determinada localidade, são de fundamental importância para podermos

verificar a existência de

“uma hierarquia complexa, pois [que] envolvia não só a situação econômica ou política, como também a ‘qualidade’ da pessoa, identificada simbolicamente através de sua condição social (livre ou forra); sua cor (branca, parda, cabra ou negra); sua condição de nascimento (legítima, ilegítima ou abandonada); sua naturalidade (portuguesa, colonial ou africana); e sua dignidade ou título nobiliárquico civil, eclesiástico e militar, expressos nas formas de tratamento: Ilustríssimo, Reverendíssimo, Dom, Dona, Capitão, Tenente, Sargento Mor etc.”199

Esses autores verificaram quatro integrantes de elite local de Vila Rica no

final do século XVIII que eram, também, autoridades. Analisaram, assim, dois

governadores de Minas, um tenente-coronel e um contratador, no período que vai de

1777, o primeiro batismo, até 1789, o último. Desses, o governador Dom Luís da

Cunha Menezes será o que mais afilhados terá, contabilizando um total de vinte e

três entre os anos de 1783 e 1787, na Paróquia de Nossa Senhora do Pilar do Ouro

Preto.200 Os demais, porém, também terão numeroso número de afilhados. Ainda

que se destaquem os quatro senhores analisados, a prática de compadrio entre

muitos afilhados para um mesmo padrinho demonstra-se comum. Os autores

197 VENÂNCIO, Renato Pinto. SOUZA, Maria José Ferro de. PEREIRA, Maria Teresa Gonçalves. O Compadre Governador: redes de compadrio em Vila Rica de fins do século XVIII. Revista Brasileira de História. v.26. n. 52. São Paulo, 2006. p. 273-294. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-01882006000200012&script=sci_arttext>. Acesso em: 24/06/2009. 198 Ibid., p. 274. 199 Ibid., p. 277. 200 Ibid., p. 278.

Page 72: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

72

chegam a afirmar que a “análise do comportamento dos demais governadores

mostra que a prática de compadrio com autoridades era recorrente.”201

Outra questão levantada por esses autores diz respeito a pais incógnitos.

Segundo os autores:

“Essas ocorrências diziam respeito aos filhos nascidos de relações pré ou extraconjugais. Embora tais arranjos fossem relativamente correntes na sociedade da época — o Tenente Coronel Freire de Andrada era, ele mesmo, fruto de um deles —, parece ter havido atitudes bastante distintas entre os membros da elite. Os governadores não aceitaram apadrinhar criança alguma que tivesse nascido fora de famílias legalmente constituídas; o contratador e o tenente coronel adotavam um comportamento mais flexível.”202

Resgatando o caso de Campo Largo, verificamos que o vigário Lourenço

Justiniano, padrinho mais vezes solicitado no período analisado, mesma época em

que, além de vigário, foi deputado da Assembleia Provincial, aceitou alguns casos de

pais incógnitos, incluindo, possivelmente, daquela que seria sogra da ré no processo

movido por ele em 1870.

O compadrio representava, muitas vezes, uma maneira de se ligar ao poder

político. Segundo o artigo analisado:

“Caso o parentesco espiritual [compadrio] envolvesse a autoridade máxima da capitania, o compadre podia ter acesso ao rei, no sentido de conquistar graças e mercês, ou, mais simplesmente, ter uma petição sua atendida. Porém, os compadres menos poderosos serviam de intermediários do governador junto à população livre e pobre, transferindo parte da ascendência que tinham sobre ela à autoridade reinol. Dessa forma era criada uma rede política e social que podia começar entre humildes ex-escravas e terminar em famílias reais européias.”203

Desse modo, as relações de compadrio visavam uma proteção contra

possíveis transtornos, o que é destacado pelos autores na figura de Tiradentes, que

diferentemente do Tenente Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada, que

201 Ibid., p. 279. 202 Ibid., p. 281. 203 Ibid., p. 287.

Page 73: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

73

“embora filho e compadre de governadores, não escapou de ser perseguido politicamente e exilado. De qualquer forma, por mais amargo que fosse esse destino, era ele melhor do que a forca. Sintomaticamente, na documentação analisada, nenhum membro da elite de Vila Rica elegeu o Alferes Joaquim José da Silva Xavier como padrinho.”

O destino do Tiradentes pode facilmente ser considerado pior que do Tenente

Coronel.

Caso iniciado e desenrolado já na segunda metade do século XIX, o

processo movido por Lourenço Justiniano evidencia as relações sociais do vigário

com parte da elite política da província do Paraná. Seu procurador e advogado em

Curitiba, o doutor Generoso Marques dos Santos se relaciona com abastados

cidadãos dessa província. Segundo Francisco Negrão, Generoso Marques foi genro

do Coronel Benedito Enéas de Paula, deputado provincial em mais de sete biênios

entre 1858 e 1881, além de tesoureiro provincial, camarista e presidente da Câmara

Municipal de Curitiba e Coronel da Guarda Nacional. Generoso Marques também

exerceu vários cargos importantes no Paraná do Império, tanto na Assembleia

Provincial, como na Câmara Municipal de Curitiba, onde chegou à presidência.204

Desse modo, Lourenço Justiniano Ferreira Bello mostra-se para nós muito

mais como um membro de elite local do município de Curitiba e da freguesia de

Campo Largo do que um vigário inserido nos debates do conflito Estado e Igreja no

Brasil. Ainda que não descartemos a possibilidade de Justiniano defender algum

partido naquela questão, até porque envolvia-se diretamente com o âmbito estatal e

membros do Partido Liberal, verificamos que despontava na freguesia como uma

figura prestigiosa. O processo que moveu contra dona Joaquina ainda pode nos

demonstrar como a preocupação patrimonialista transitava por seus interesses e

ações. É claro que tal preocupação também estava presente na Igreja do século XIX

devido ao avanço liberal, como vimos anteriormente. Todavia, ao ligarmos os dados

que buscamos acerca do vigário Lourenço Justiniano, percebemos que destacava-

se pelas relações que mantinha nos âmbitos político e social. O fato de Justiniano

ganhar um litígio contra uma moradora local caracteriza uma demonstração do

poder que detinha através das relações sociais que mantinha.

204 NEGRÃO, Francisco. Op.Cit., p. 119-120.

Page 74: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

74

5. CONCLUSÃO

Iniciado um processo envolvendo um vigário de uma pequena freguesia,

porém de grandes campos e pertencente a uma nova capital provincial do Império,

contra uma moradora local, em 1870, pudemos verificar a atuação de vários

elementos que compunham essa sociedade e que se ligavam através de redes de

relações sociais à diversas esferas de poder. Os debates levados por Generoso

Marques dos Santos, advogado do vigário Lourenço Justiniano Ferreira Bello e

Bento Fernandes de Barros, advogado de dona Joaquina Vieira de Souza,

transcorrerão todos no ano de 1870, quando o Juiz de Paz do município de Curitiba

julgará procedente a acusação do vigário Lourenço e condenará a ré a demolir

construção que iniciou no terreno litigado e pagar as custas do processo; que

finalizaram em 154$100, em 16 de novembro de 1870.

Talvez a importância do terreno litigado esteja em sua localização central

na freguesia de Campo Largo. Cabe lembrar que no próprio processo informa-se

que praticava-se nessa época a posse de terrenos naquela freguesia livremente,

seguindo a carta de doação do Capitão João Antônio da Costa.

Ao iniciarmos este trabalho verificamos, por intermédio da historiografia

analisada, a existência de dois cleros no Brasil. Vimos como o Estado Português

havia abarcado a antiga Ordem dos Templários e que, desde então, o rei português

passou a designar o clero de acordo com sua iniciativa. A formação do sistema de

Padroado no Brasil foi afetada quando em 1822 legitimou-se esse novo Estado

independente de Portugal. Em um primeiro momento, a Santa Sé romana não

confirmou a manutenção do sistema de Padroado para a nova Monarquia. Apesar

disso, manteve-se no Brasil tal sistema, que foi legitimado posteriormente pela Igreja

romana.

Pela mesma época Roma realizava um processo de legitimação de sua

autoridade. Visava combater os chamados “erros modernos”, como a maçonaria. No

Brasil, entretanto, muitos clérigos e integrantes do Estado pertenciam a ordens

combatidas, o que revelava um desalinhamento de integrantes da Igreja no Brasil

Page 75: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

75

com a Sé. Esse problema culminou na Questão Religiosa que opôs a Coroa

brasileira a Igreja romana. Passado, porém não resolvido, em sua integridade o mal-

estar desse conflito, via-se, pelo menos, claramente um clero com posições

contraditórias: defensores do “regalismo” e defensores da “romanização”.

Essa posição e oposição dualista, entretanto, pode não corresponder a

realidade prática. Isso foi verificado com maior clareza quando abordamos os temas

do último capítulo. Antes disso, porém, no segundo capítulo desse trabalho,

analisamos a questão da terra e essa legislação no Brasil novecentista.

A jurisprudência da terra no Brasil, assim como também a civil, do século

XIX, é caracterizada pela manutenção das legislações portuguesas. Os bens da

Igreja, os bens de mão-morta, ficam inalienados no período, o que aponta para uma

atitude não agressiva da Coroa frente a Igreja. Essa jurisprudência permanece

mesmo após a Lei de Terras de 1850-1854. Anteriormente, logo após a

Independência, a Coroa brasileira extinguiu as concessões de sesmarias e a prática

do morgadio, que já era pouco utilizado no Brasil. Contudo, isso não acabou com

tentativas de manter terras indivisas após herança. Para isso, uma das práticas, que

já era utilizada, mesmo antes do fim do morgadio, foi a realização de doações de

terras para formação de capelas. Nesse interregno, da Independência a Lei de

Terras, a posse foi a maneira mais usual de adquirir propriedade, o que não foi

encerrado com a promulgação da Lei. Nesse capítulo também destacamos que a

grande propriedade não caracterizava apenas a possibilidade de obter altos

rendimentos, mas, ainda, a possibilidade de ascensão e de prestígio social.

No último capítulo partimos das análises de Gilberto Freyre e Sérgio

Buarque de Holanda para percebermos como relações locais, muitas vezes,

interessavam mais a membros do clero que a disputa entre “regalistas” e

“romanizadores”. Vimos a importância dos casamentos e das relações de compadrio

para ascensão social ou manutenção de um padrão elevado de prestígio e proteção.

Percebemos, assim, na figura do vigário de Campo Largo, Lourenço Justiniano,

como um clérigo podia estar mais interessado em aumentar sua rede relacional,

através do compadrio, a se dedicar a uma das duas causas litigantes; do Estado e

da Sé. Presente nas esferas eclesiástica e estatal, podemos localiza-lo mais próximo

a sua causa, uma propriedade na freguesia onde gozava de grande prestígio.

Page 76: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

76

6. FONTES

Ação Judiciária Interdicto Quode In Aut Dam. Curitiba, 1870. Arquivo Público do

Paraná, PB045 PI6939 266. 1870. 74 páginas.

Assentos de batismos. Campo Largo, 1857-1868. Paróquia de Nossa Senhora da

Piedade do Campo Largo, livros 4 e 5.

Biografia do papa Pio IX. Apostolado Veritatis Splendor: exortae in ista. Disponível

em: <http://www.veritatis.com.br/article/4497>. Acesso em: 20/04/2009.

Biografia do Papa Pio IX. Disponível em:

<http://www.vatican.va/news_services/liturgy/saints/ns_lit_doc_20000903_pius-

ix_it.html>. Acesso em: 06/04/2009.

BRASIL. Lei de 9 de dezembro de 1830. Disponível em:

<http://arisp.files.wordpress.com/2009/04/lei-de-9-de-dezembro-de-1830-clbr.pdf>.

Acesso em: 26/05/2009 as 12:17.

BRASIL. Lei nº 601 de 18 de setembro de 1850. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L0601-1850.htm. Acesso em: 20/05/2009.

Decisões do Governo da Republica dos Estados Unidos do Brazil. Rio de

Janeiro: Typographia nacional, 1964, 428p. Disponível em:

http://books.google.com.br/books?id=Zm5QAAAAMAAJ&pg=RA1-PA225&lpg=RA1

PA225&dq=%22louren%C3%A7o+justiniano+ferreira+bello%22&source=bl&ots=TwJ

hNf7rhL&sig=mnuN6xgW4aQuC00z9b0OFeKYUqo&hl=pt

BR&ei=mKtjSvGZF823twe17vzrDw&sa=X&oi=book_result&ct=result&resnum=1.

Acesso em: 19/07/2009.

Page 77: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

77

HONORATO, Manoel da Costa. Memoria Historica da Igreja Matriz de Nossa

Senhora da Candelaria D'Esta Côrte. Revista Trimestral do Instituto Historico

Geograpfico Ethnographico do Brasil. Rio de Janeiro. Tomo XXXIV. B.I.Guarnier,

1876. p. 5-96.

Livro Tombo da Paróquia de Nossa Senhora da Piedade. Campo Largo. Vol. 2

NEGRÃO, Francisco. Genealogia Paranaense. v. 3. Curitiba: Impressora

Paranaense, 1926. p. 598.

TOURINHO, Luis Carlos Pereira. Toiro Passante III: tempo de República Velha.

Curitiba: Rocha, 1990. p. 409-419.

VASCONCELLOS, Zacarias de Góes e. Relatório do Presidente da Província do

Paraná de 15 de Julho de 1854. Arquivo Público do Paraná. 148 fls. Disponível em:

<http://www.arquivopublico.pr.gov.br/arquivos/File/pdf/rel_1854_a_p.pdf. Acesso em:

15/01/2009.

Page 78: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

78

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALENCASTRO, Luiz Felipe de. A economia política dos descobrimentos. In: ______.

A descoberta do homem e do mundo. São Paulo: Cia. das Letras, 1998. p. 193-

207.

ANTONIL, André João. Do Cabedal que há de ter o Senhor de um Engenho Real.

Cultura e Opulência do Brasil. p. 28-29. Disponível em:

http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000026.pdf. Acesso em:

14/10/2009.

AZEVEDO, Thales de. Igreja e Estado em Tensão e Crise: a conquista espiritual e

o padroado na Bahia. São Paulo: Ed. Ática, 1978. p. 21 (nota de rodapé).

BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. Aspectos feudais da colonização do Brasil. Revista

Espaço Academico. n. 52, set. 2005. Disponível em:

<http://www.espacoacademico.com.br/052/52bandeira.htm>. Acesso em:

14/10/2009.

BARROS, Roque S. M. de. A Questão Religiosa. In: HOLLANDA, Sérgio Buarque

de. História Geral da Civilização Brasileira. v. 4. Tomo II: o Brasil monárquico. 4ª

ed. São Paulo: Difel, 1985. p. 338-365.

BETHELL, Leslie. A Igreja e a Independência da América Latina. In: ______.

História da América Latina: da Independência a 1870. 2ªed. Trad.: Maria Clara

Cescato. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Brasilia: Fundação

Alexandre de Gusmão, 2009. v.3. p. 267-273.

Page 79: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

79

BICALHO, Maria Fernanda; FRAGOSO, João; GOUVÊA, Maria de Fátima (orgs.). O

Antigo Regime nos Trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI – XVIII).

Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.

BOLOGNE, Jean-Claude. Alianças e Mésalliances. In:______. História do

casamento no Ocidente. Trad.: Isabel Cardeal. Lisboa. Temas e Debates, 1999. p.

217-246.

CASTILLO, José Manuel Sanz del. O Movimento da Reforma e a

“Paroquialização” do Espaço Eclesial do Século XIX ao XX. In:TORRES-LONDOÑO,

Fernando. Paróquia e Comunidade no Brasil: perspectiva histórica. São Paulo:

Paulus, 1997. p. 91-130.

CATROGA, Fernando. O Laicismo e a Questão Religiosa em Portugal (1865-1911).

Disponível em:

<http://analisesocial.ics.ul.pt/documentos/1223029596W8bRF8ng3Ap22XN2.pdf>.

Acesso em: 31/05/2009.

DEAN, Warren. A expropriação da terra. Rio Claro: um sistema brasileiro de grande

lavoura 1820-1920. Trad.: Waldívia Portinho. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1977.

DEL PRIORI, Mary. Casamentos arranjados, casamentos por interesse.In:______.

História do amor no Brasil. São Paulo: Contexto, 2005. p. 156-180.

ELLIOT, J.H. A Conquista Espanhola e a Colonização da América. In: BETHELL,

Leslie. História da América Latina: América Latina Colonial. 2ªed. Trad.: Maria

Clara Cescato. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Brasilia:

Fundação Alexandre de Gusmão, 2009. v.1. p. 135-194.

FRAGOSO, João. BICALHO, Maria Fernanda. GOUVÊA, Maria de Fátima (orgs.). O

Antigo Regime nos Trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI – XVIII).

Rio de Janeiro : Civilização Brasileira, 2001.

Page 80: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

80

FREYRE, Gilberto. Casa grande e Senzala: formação da família brasileira sob o

regime da economia patriarcal. São Paulo: Global. 2004.

GLEZER, Raquel. Persistências do Antigo Regime na Legislação sobre Propriedade

Territorial Urbana no Brasil: o caso da cidade de São Paulo (1850-1916). Revista

Complutense de História da América, São Paulo, v. 33. p. 197-215, 2007.

GUEDES, Sebastião Neto Ribeiro. Análise comparativa do processo de transferência

de terras públicas para o domínio privado no Brasil e EUA: uma abordagem

institucionalista. Revista de Economia, Curitiba, v. 32, n.1, p. 7-36, jan./jun.2006.

HESPANHA, António Manuel. A constituição do Império Português: revisão de alguns

enviesamentos correntes. In: BICALHO, Maria Fernanda; FRAGOSO, João;

GOUVÊA.(org.). O Antigo Regime nos Trópicos: a dinâmica imperial portuguesa

(séculos XVI – XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.

HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Cia das Letras. 1995.

______. São Paulo. In:______ História Geral da Civilização Brasileira.Tomo II. v.2.

8ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004. p. 413-472.

LIMA, Ruy Cirne. Pequena História Territorial do Brasil: sesmarias e terras

devolutas. 4ªed. Brasília: ESAF, 1988, p. 51.

LOPES, José Carlos Veiga. Aconteceu nos Pinhais: subsídios para as histórias dos

municípios do Paraná Tradicional do Planalto. Curitiba: Progressiva, 2007.

MANOEL, Ivan Aparecido. A Ação Católica Brasileira: notas para estudo. Acta

Scientiarum, Human and Social Sciences. Franca, v. 21. p. 207-215, 1999.

Disponível em:

Page 81: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

81

<http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/ActaSciHumanSocSci/article/viewFile/4

207/2872>. Acesso em: 24/05/2009.

MARTINS, Maria Fernanda Vieira. A grande família e a dinâmica das redes: as

relações de sociabilidade e parentesco. In:______. A velha arte de governar: um

estudo sobre política e elites a partir do Conselho de Estado (1842-1889). Rio de

Janeiro: Arquivo Nacional, 2007. p. 167-252.

MICELI, Sérgio. A elite eclesiástica brasileira. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.

1988.

MOTTA, Márcia Maria Menendes. Sesmarias: uma história luso-brasileira (séculos

XVIII/XIX). In: COLÓQUIO ESPAÇO ATLÂNTICO DE ANTIGO REGIME, 2005,

Lisboa. Disponível em: <http://cvc.instituto-

camoes.pt/eaar/coloquio/comunicacoes/marcia_maria_menendes_motta.pdf>.

Acesso em: 01/10/2009.

NAZZARI, Muriel. O Crescimento do Individualismo. In:______. O Desaparecimento

do Dote: mulheres, famílias e mudança social em São Paulo, Brasil, 1600-1900.

Trad.: Lólio Lourenço de Oliveira. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, pp. 156-

157.

PEREIRA, José Flávio; PEREIRA, Lupércio Antônio. Instituições jurídicas,

propriedade fundiária e desenvolvimento econômico no pensamento de José da

Silva Lisboa (1829). História. v. 25. n. 2. Franca, 2006. Disponível em:

<http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-

90742006000200010&script=sci_arttext>. Acesso em: 14/10/2009.

PIKE. Frederick B. O Catolicismo na América Latina de 1848 aos Nossos

Dias.In:______ Nova História da Igreja: a Igreja na sociedade liberal e no mundo

moderno. Tomo II. Trad.: Almir Ribeiro Guimarães e Floriano de Souza Fernandes.

Petrópolis – RJ: Vozes, 1976. p. 119-175. p. 141.

Page 82: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

82

REVEL, Jacques (org.). Microanálise e construção do social. In: ______. Jogos de

escala: a experiência da microanálise. Trad.: Dora Rocha. Rio de Janeiro: Fundação

Getúlio Vargas, 1998. p. 15-38.

SERBIN, Kenneth P. Padres, Celibato e Conflito social: uma história da Igreja

Católica no Brasil. Trad.: Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras,

2008.

SILVA, Claudia Christina Machado e. O Processo Legislativo: O histórico da Lei de

Terras. Escravidão e grande lavoura: o debate parlamentar sobre a Lei de Terras

(1842 – 1854). 138 fls. Dissertação (Mestrado em História) – Departamento de

História – Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do

Paraná, Curitiba, 2006. p. 89-127.

SMITH, Roberto, A Transição no Brasil: a absolutização da propriedade fundiária.

In:______. Propriedade da Terra e Transição: estudo da formação da propriedade

privada da terra e transição para o capitalismo no Brasil. São Paulo: Brasiliense,

1990. p. 237-338.

SOUZA, Evergton Sales. Jansenísmo e reforma da Igreja na América

Portuguesa. In: COLÓQUIO ESPAÇO ATLÂNTICO DE ANTIGO REGIME, 2005,

Lisboa. Disponível em: <http://cvc.instituto-

camoes.pt/eaar/coloquio/comunicacoes/marcia_maria_menendes_motta.pdf>.

Acesso em: 01/10/2009.

SOUZA, Ney de (org.). Dom Mateus de Abreu Pereira: quarto bispo de São Paulo

(1796-1824). Catolicismo em São Paulo: 450 anos da presença da Igreja Católica

em São Paulo. São Paulo : Paulinas, pp.212-239.

TAVARES, Marcelo dos Reis. Entre a Cruz e o Esquadro: o debate entre a Igreja

Católica e a Maçonaria na imprensa francana (1882-1901). 136f. Dissertação

Page 83: jose augusto hartmann - Departamento de História · Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um seminário para analisar o tema, realizado em 1991,

83

(Mestrado em História) – Faculdade de História, Direito e serviço Social,

Universidade Estadual Paulista, Franca, 2006.

TORRES-LONDOÑO, Fernando. Paróquia e comunidade na representação do

Sagrado na Colônia. In:______. Paróquia e comunidade no Brasil: perspectiva

histórica. São Paulo: Paulus, 1997. p. 51-90.

VENÂNCIO, Renato Pinto. SOUZA, Maria José Ferro de. PEREIRA, Maria Teresa

Gonçalves. O Compadre Governador: redes de compadrio em Vila Rica de fins do

século XVIII. Revista Brasileira de História. v.26. n. 52. São Paulo, 2006. p. 273-294.

Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-

01882006000200012&script=sci_arttext>. Acesso em: 24/06/2009.