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JORNAL N.*^/^/^BIBLIOTECA f* de São Miguel Paulista OUTRA MORTE MISTERIOSA. DE QUEM SERÁ A CULPA? Jorge Alves dos Santos, 28 anos, foi espancado barbaramente por dois estranhos quando con- versava com seu amigo "Paraíba". Curiosa- mente, foi ele quem acabou na cadeia, acu- sado de vagabunda- gem, quando retornava do Pronto Socorro Ti- de Setúbal. Encontrado dias de- pois por seus amigos, na Delegacia de Itaim Paulista, estava desa- cordado e estendido no chão. Mas a mui- to custo foi liberado pelos policiais. No Hospital Municipal do Tatuapé, morreu de traumatismo craniano, deixando órfão três fi- lhos de suas três mu- lheres. Ainda assim a policia continua insis- tindo: "Jorge era ape- nas um vagabundo". Páginas 4 e 5 Três filhos de Jorge, agora órfãos Em São Miguel houve Paz, Justiça e Liberdade-Veja quando na página 2 Na última página um ensaio fotográfico sobre São Miguel Paulista ENTRE NA BRIGA PELA SUA SAÚDE AÇÃO POPULAR E MAIS EFICIENTE '^ DO QUE AÇÃO y * DO GOVERNO Conselho comunitário: um presente que assusta Um decreto confuso, Desconfiadas, as pessoas que deixa mil dúvidas Páginas temem em participar

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Page 1: JORNAL - cpvsp.org.br

JORNAL —N.*^/^/^— BIBLIOTECA f* de São Miguel Paulista

OUTRA MORTE MISTERIOSA.

DE QUEM SERÁ A CULPA? Jorge Alves dos Santos, 28 anos, foi espancado barbaramente por dois estranhos quando con- versava com seu amigo "Paraíba". Curiosa- mente, foi ele quem acabou na cadeia, acu- sado de vagabunda- gem, quando retornava do Pronto Socorro Ti- de Setúbal.

Encontrado dias de- pois por seus amigos, na Delegacia de Itaim Paulista, estava desa- cordado e estendido no chão. Mas só a mui- to custo foi liberado pelos policiais.

No Hospital Municipal do Tatuapé, morreu de

traumatismo craniano, deixando órfão três fi- lhos de suas três mu- lheres. Ainda assim a policia continua insis- tindo: "Jorge era ape- nas um vagabundo".

Páginas 4 e 5

Três filhos de Jorge, agora órfãos

Em São Miguel já houve Paz, Justiça e Liberdade-Veja quando na página 2

Na última página um ensaio fotográfico sobre São Miguel Paulista

ENTRE NA BRIGA PELA SUA SAÚDE

AÇÃO POPULAR

E MAIS EFICIENTE

'^ DO QUE AÇÃO y*

DO GOVERNO

Conselho comunitário: um presente que assusta Um decreto confuso, Desconfiadas, as pessoas que deixa mil dúvidas Páginas temem em participar

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Nesta briga dos guaianases, o começo de São Miguel Paulista

Fugindo da escravidão, um grupo de índios fundou Ururai', uma aldeia onde havia paz, justiça e muita liberdade.

Na Igreja, nas vilas e-jardins, nas fábricas - em toda parte, a gente de São Miguel se organiza e se levanta em defesa de seus direitos. Aqui é uma assembléia, ali um abaixo assinado, mais adiante uma greve.

Mas não se assuste. Lutar por justiça e liberdade é uma tradição de 420 anos por estes lados. Falando sério, este bairro que hoje fervilha de nordestinos, mineiros, paranaenses e - até - paulistas, nasceu sob o signo do combate de um povo oprimido por um lugar ao sol. A história está aí para comprovar.

"Nos primeiros tempos de São Paulo de Piratinin- ga - conta o Sylvio Bomtempi em seu livro "O Bairro de São Miguel Paulista" - pequeno número de guaianases afeiçoaram-se aos jesuítas e alguns moradores brancos". E tudo teria prosseguido muito bem não fosse a transfe- rência dos habitantes de Santo André da Borda do Cam- po para São Paulo, em 1560, através de pedido do padre Manoel da Nóbrega ao governador geral Mem de Sá. Es- sa gente, ao que tudo indica, chegou às redondezas do Colégio disposta a escravizar os índios. Trouxe até um pe- lourinho, onde seriam castigados os que não se submetes- sem ao trabalho forçado. Mas os seus planos não deram tão certo.

Diante dessa situação,- muitos guaianases resolve- ram deixar a vila, rumo ao campo e à liberdade. Prefe- riam a vida selvagem à submissão. Assim, nas nascentes do Anhembi - margem esquerda do Tietê - instalaram a sua aldeia de Ururaí, de onde só voltaram a São Paulo em julho de 1562, integrando um exército de sete ou oito aldeias que, em vão, atacou os homens do Colégio.

Em 1580, já agora reconciliada com os jesuítas, a aldeia de Ururaí experimentava um crescimento sur- preendente. Ao redor da igreja, lavouras e mais lavouras onde os índios plantavam o necessário para sua subsis- tência. Cinco anos depois, já com o nome de aldeia de São Miguel, ainda se podia ver homens livres trabalhan- do para a comunidade. Mas, desde 1563, os brancos vi- nham realizando investidas na região, na tentativa de se apoderarem das lavouras indígenas. Muitos índios aca- baram sendo levados para o sertão e até para o Rio de Janeiro, a fim de trabalharem no transporte de carga - com a conivência das mesmas autoridades que haviam baixado lei que assegurava o direito de vida livre ao po- vo de Ururaí.

Com a saída dos jesuítas da região, em 1640, a situação dos índios de São Miguel piorou. Em 1653, com a notícia da descoberta de pedras preciosas na região, eles estiveram ameaçados de transferência definitiva pa- ra o litoral. A partir de 1660, viram suas sesmarias serem repartidas entre os colonos portugueses, sem o menor respeito pelos seus direitos. Multiplicavam-se as fazendas, os bandeirantes avançavam, levando índios para o traba- lho de mineração - e tudo isso rendia bons resultados pa- ra a Coroa portuguesa. Muito dinheiro e poder.

Segundo Sylvio Bomtempi, São Miguel atingiu a plenitude como bairro no século XVIII, apesar da desor- dem administrativa que se acentuava. Com a proclama- ção da República, em 1889, passaram a ser sentidos os efeitos do desenvolvimento de. São Paulo, motivada pe- la cultura cafeeira, intensificada com a imigração. Em

1891, o bairro ganhou autonomia, através de decreto do governador Américo Brasiliense de Almeida Melo, pas- sando à condição de distrito. As antigas olarias cederam lugar às primeiras indústrias, a população passou a cres- cer acelaradamente.

Grande problema, à época era o transporte urbano- que, aliás, perdura até hoje. Foi, então, que surgiu a li- nha de ônibus Penha-São Miguel, em 1930, como grande novidade, pois até aquele ano o transporte de pessoas era feito através de estrada de ferro em conexão com os bondes. Dois anos depois, a instalação de uma variante da Estrada de Ferro Central do Brasil facilitaria ainda mais as condições para a instalação da Nitro-Química Brasileira, marco definitivo da fase industrial de São Miguel. Foi a Nitro quem precipitou a migração de ope- rários, principalmente nordestinos, para o bairro, na es- perança de conseguir um dos quatro mil empregos ofe- recidos pela fábrica.

Só no período da Segunda Guerra Mundial che- garam a São Miguel 189. 949 migrantes. E mais, muito mais nos anos seguintes. Como conseqüência disso, co- meçou a febre de loteamentos, avultaram-se os proble- mas de saneamento, de transporte... enfim, o resto to- do mundo sabe.

Hoje, tomado por indústrias poluidoras e quase um milhão de pessoas sobrecarregadas de dificuldades, São Miguel mostra uma face bastante diferente do tem- po em que era apenas uma aldeia de índios. Mas, como os guainases de ontem, seu povo baiano, mineiro, para- naense e - até paulista continua insistindo por melhores dias. E, certamente, vencerá.

O JORNAL, órgão laboratório dos •alunos do 69 semestre matutino de jornalismo.

Departamento de Jornalismo e Editoração.

Escola de Comunicações e Artes - Universidade de São Paulo. •

Professores Responsáveis: Dulcília H. S. Buitoni, Jomar José Costa Morais, José Coelho Sobrinho.

Participaram desta edição os alunos: Bernardo Alps, Cleide Frasco Marrese, Fátima Ugatti Cortezão.

Agradecemos aos alunos: Aurora de Oliveira Pinto, Frederico Pessoa da Silva

José Guilherme Rodrigues Ferreira, Newton César Villaça Cassiolato, Zulma Nazaré Moreira Vizeu pela colaboração nas pesquisas realizadas,

janeiro de 80

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AFINAL, O QUE É O CONSELHO COMUNITÁRIO?

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Talves você já tenha ouvido falar no Conselho Comunitário Regional, mas tal- vez nSo.

Ele foi criado no dia 12 de setembro do ano passado e é uma tentativa do governo de reunir os mais diferentes movimentos populares dentro de um mes- mo Conselho, que daria sua opinião so- bre os problemas mais urgentes da região — falta de esgoto, água, luz, asfalto, etc. — e discutiria sobre o orçamento. As- sim, o governo poderia saber melhor e quais são os problemas que precisam ser resolvidos.

Existe, porém, uma grande dúvida: até que ponto este Conselho realmente representará os interesses populares? não será ele apenas mais um instrumen- to a serviçp de políticos?

Esta questão é levantada pelas assis- tentes sociais da Supervisão Regional de Serviço Social, que está emitindo os con- vites, e pelas próprias entidades convi- dadas, que agora se perguntam: devemos ou não participar deste Conselho Comu- nitário Regional?

O QUE DIZ O DECRETO

O decreto fala da necessidade de se criar canais de comunicação entre 6 povo e o governo. Os Conselhos Comunitários seriam criados em cada uma das Regiões Administrativas do Município e formados pelas "forças comunitárias" atuantes den- tro de cada região.

Mas o que seriam estas "forças co- munitárias "?

0 decreto diz que são as associações de classe, os clubes de serviço, as enti- dades sociais, os movimentos sociais religiosos e as sociedades amigos de bair- ro.

Porém, essa classificação dá margem a muita dúvida. Dentro da categoria en- tidades sociais, por exemplo, existem des- de sociedades de amparo à velhice e à criança abandonada até Rotary, Lions e lojas maçònicas. Não dá pra entender como é feita a divisão por categorias e, além disso, é muito discutível dizer que estas instituições representam mesmo os interesses do povo.

Há também o problema do número de representantes que cada categoria terá no Conselho. Segundo o decreto, os representantes serão escolhidos, obe- decendo à seguinte proporção:

a) associações de classe: 2 represen- tantes.

b) clubes de serviços: 2 representan-. tes

c) entidades sociais: 2 representantes d) movimentos sociais religosos: 6 re-

presentantes. e) sociedades amigos de bairro: 3 re-

presentantes Aqui aparece uma outra questão.

No caso dos movimentos sociais religio- sos, por exemplo, 6 pessoas seria um número representantivo para toda esta categoria, que engloba desde a Igreja Ca- tólica, batista, presbiteriana até os centros espíritas e terreiros de umbanda? Essa es- colha não seria mais justa se levasse em consideração o trabalho que cada institui- ção realiza dentro da comunidade?

O decreto diz: "caberá ao Conselho participar das discussões sobre o orça- mento-programa e criar instrumentos para a participação da comunidade". Mas ele poderá tomar alguma decisão? Até que ponto o Conselho não será usado pelo governo como o único meio da popula- ção poder reclamar?

DESCONFIANÇA GERAL

As opiniões sobre o Conselho Comu- nitário Regional são muito variadas, mas já se pode notar que a maioria das pessoas vê o assunto com muita desconfiança.

Isso pode ser comprovado em qual- quer discussão sobre o decreto e estas são algumas das idéias que costumam aparecer:

— Se o governo estivesse interessado em estimular de verdade a participação

popular, deveria deixar que o povo se organizasse e escolhesse quem deve par- ticipar ou não. O governo quer é o povo organizado com faixas e cartazes em fren- te da Prefeitura pra reivindicar. Assim, não dá pra garantir maioria de gente boa nesse Conselho Comunitário. Vai ter uma caretada de entidades paternalistas e assistenciais. Mas se dér pra participar como perturbação a. gente vai. Vai pra bagunçar o coreto, (membro de uma das Sociedades Amigos de Bairro do Jardim Robru). '

— Pra participar desse Conselho nós precisamos saber qual a finalidade. Co- mo a gente não sabe eu falei: vamos si- lenciar esse assunto? Não é ser contra nem fazer oposição. E silenciar. Eles chegam na gente através de um pequeno folheto de papel. Esses mentores, se tivessem interesse mesmo, deviam marcar uma hora e o pessoal da Associação ia lá ouvir e ser ouvido. Assim, eu acho que só podemos silenciar, (membro da Socie- dade Amigos, de Bairros do Parque Cru- zeiro do Sul).

— A Igreja não pode se envolver, não pode se deixar»enrolar. Este decreto quer tirar o único espaço que o povo tem para adquirir alguma consciência a crítica. Ele quer acabar com o movimen- to popular. Este Conselho é uma ara- puca. Se a Igreja participar vai legitimar

o sistema, isto é, vai perder terreno por- que este Conselho vai ser um fator de alienação deste povo. (irmã pertencente à Igreja católica).

— O Conselho Comunitário não terá poder decisório. A alegação de falta de verba será uma boa desculpa para barrar os projetos aprovados. Tudo indica que o governo Criou o Conselho para poder des- carregar responsabilidades. Mas, mesmo assim acredito que devemos participar para conhecer o funcionamento do Con- selho e saber qual a sua finalidade, (pa- dre da Igreja católica).

— O debate sobre o Conselho Comu- nitário esía ocorrendo em todas as Su- pervisões Regionais de Serviço Social. Na reunião geral das Supervisões foram levantadas muitas questões sobre o decre- to. Uma das coordenadoras da Coordena- doria do Bem-Estar Social colocou o Conselho como uma alternativa para os movimentos populares e a Supervisão Regional como apenas um ponto de re- ferência para as entidades, sem exercer qualquer tipo de manipulação. Para ela, neutralidade implica não tomar decisões, não se envolver. Mas a gente é quem vai distribuir os convites, e isso já é uma for- ma de comprometimento. Nós é que tere- mos de dar todos os esclarecimentos a respeito do Conselho, (assistente social da Supervisão Regional de Serviço Social).

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UM HOMEM MORRE A MINGUA: QUEM É O CULPADO? o b

Um fato, duas versões Uma das coisas que chama a aten-

ção nos acontecimentos relatados é a opi- nião da'polícia em contraste com a dos médicos do pronto-socorro que atende- ram Jorge.

Segundo o Dr. Marco Aurélio, dire- tor-substituto do P.S. Tide Setúbal; Jorge não estava bêbado pois, o exame físico onde constava a verificação de taxa alcoó- lica, nada acusou. "Ele estava até que bem consciente," Já o relatório da polícia acusa Jorge de embriagues profunda, não constando os métodos utilizados para que se fizesse essa afirmação.

Pernambuco, dono de um outro fer- ro-velho onde Jorge havia trabalhado an- tes, confessou que Jorge gostava de tomar um aperitivo com os amigos, o que não prova o estado de embriagues de que a polícia tanto falou.

Seu Paraíba e seu filho, que estive- ram com ele naquela tarde de agosto, rea- firmam que Jorge não tinha posto um go- le na boca naquele dia. Eles tinham ape- nas tomado um sorvete, porque fazia mui- to calor.

DIA 26 - 14horas: FERRO-VELHO

Jorge conversava com Paraíba (Sr. Eronides Felipe Alves), que era dono do ferro-velho, e o filho deste. Fazia muito calor e eles tomaram sorvete juntos. Pa- raíba que estava muito gripado, resolveu ir para sua casa pois, o sorvete não lhe ti- nha feito bem. Sua criança permaneceu no local com Jorge.

DIA 26 - 14.15 horas: FERRO- VELHO

Adelmo, também conhecido como alemão, ia passando pelo ferro-velho quando Jorge o chamou para bater um papo. Nisso apareceram dois rapazese duas moças, que entraram no terreno do ferro- velho para fazer uma "obrigação". Jorge chamou a atenção dos rapazes, dizendo

JORGE ALVES.DOS SANTOS, 28 ANOS, MORADOR DE SAO MIGUEL PAULISTA, MORREU NO DIA 28 DE AGOSTO DO ANO PASSADO, NO HOSPITAL MUNICIPAL DO TATUAPÉ, EM CONSEQÜÊNCIA DAS VÁRIAS PAULADAS QUE RECEBEU DE DOIS ESTRANHOS, ENQUANTO VIGIAVA O FERRO-VELHO ONDE TRABALHAVA.

que ali não era lugar para aquilo. Houve muita discussão e troca de insultos. Ale- mão resolveu procurar uma viatura da po- lícia na avenida mais próxima. Quando voltou encontrou Jorge todo machucado. 0 filhinho do Paraíba que chegou a pre- senciar o fato correu para casa para cha- mar seu pai.

DIA 26 14,30 horas: FERRO- VELHO

Paraíba, surpreso com os aconteci- mentos, correu da sua casa para o ferro- velho. Viu que Jorge precisava de curati- vos e atendimento médico e chamou um táxi para que o levasse. Jorge foi sozinho para o Pronto Socorro Tite Setúbal pois, eles acharam que ele estava em condições.

Um amigo de todos . Jorge veio para São Miguel há cerca

de dois anos, procedente de Caçapava, no Vale do Paraíba. Apesar de ter feito mui- tas amizades em São Miguel ninguém sabe nada sobre o seu passado e seus pais não puderam ser avisados de seu falecimento. Não possuía documento, sabemos o nome de seus pais apenas por intermédio de seu depoimento quando deu entrada no pron- to-socorro.

Sua especialidade era cortar carros velhos, serviço para o qual era muito re- quisitado. Também fazia o serviço de guarda noturno do ferro-velho do "Paraí- ba", onde dormia dentro de um "bauzi- nho", uma velha caçamba frigorífica de camionete. Tinha três mulheres no outro lado da linha da (FEPASA) e um filho com cada uma. Todas três moram no mes- mo quarteirão e sabem da existência das outras. No bairro todo ele era conhecido e querido. "Aos domingos ele vinha de caminhão e levava toda a criançada para passear. Também nos locais onde traba- lhava era estimado." No enterro do Jorge foram mais de 20 carros, "parecia até en- terro de rico."

DIA 26 15 horas: PRONTO SO- CORRO TIDE SETÚBAL

Jorge chegou ao pronto-socorro em pJena consciência e deu todas as informa- ções necessárias. Segundo o médico Mar- co Aurélio, diretor-substituto da unidade, Jorge recebeu uma medicação correta. "Foram feitas as devidas suturas e aplica- do Benzectacil". "Foi recomendado para que ele voltasse ao P.S. caso sentisse algu- ma coisa". Jorge passou também no plan- tão de polícia do P.S., onde informou que tinha sido agredido por dois desconheci- dos.

DIA 26 19 horas: 509 DISTRITO POLICIAL DO ITAIM PAULISTA

Os amigos de Jorge preocupados com a sua demora, foram até o P.S. e não o encontraram lá. Foram até a delegacia de São Miguel e também não o encontra- ram. Resolveram então, procurá-lo na De- legacia de Itaim. Jorge estava jogado no chão, e, segundo Luís Gonçalves da Sil- va, "para passar, o pessoal precisava pu- lar por cima dele." Ninguém soube infor- mar como Jorge foi parar ali. A polícia dizia que "o vagabundo estava bêbado". Depois da insistência de João, Luís, Pa-

raíba e Alemão, a polícia disse: "então peguem e leve". Jorge foi levado dali pa- ra a casa de Luís. Lá sua esposa pode limpá-lo da sujeira do chão da sala-de-es- pera da delegacia. Jorge passou a noite no "bau" onde sempre dormia. Para/ba declarou que Jorge estava "muito verme- lho e com a boca aberta", no momento em que o encontraram.

DIA 27 de manhã: FERRO-VELHO

Os amigos de Jorge, vendo que seu estado tinha piorado,- conseguiram uma ambulância que o transportou de volta ao P.S. Depois de vários exames, os médi- cos constataram que ele deveria ser enca- minhado para o Hospital Municipal do Tatuapé.

DIA 28: HOSPITAL MUNICIPAL DO TATUAPÉ

Jorge morreu em decorrência de traumatismo crânio-encefálico, segundo a certidão de óbito assinada pelo médico le- gista Geraldo Modesto Medeiros. 0 dire- tor do Hospital, Antonip Francisco Gut- tila, do Tatuapé, não atendeu aos repórte- res deste jornal, dizendo ser anti-ético dar qualquer informação sobre úm paciente que já tenha morrido.

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Os amigos de Jorge ficaram vários dias tentando encontrá-lo. Só depois de muitos telefonemas tiveram a informação de que Jorge tinha sido transferido do P.S. para o Hospital do Tatuapé. Eles não tinham sido informado antes. Depois vie- ram a saber que nem no Hospital do Ta- tuapé ele estava. Jorge estava morto, no IML, e ia ser enterrado como indigente.

DIA 4 de setembro: 12 horas : CE- MITÉRIO DA SAUDADE

Depois de muita luta e muita pape-

lada, os amigos de Jorge (Luís, Manoel, João, Pernambuco e Paraíba) consegui-

ram uma autorização para fazer o enterro de Jorge. "Iam enterrá-lo como indigente,

nem documento ele tinha, nós não pode- ríamos deixar que isso acontecesse". Foj

feita uma vaquinha para se pagar as despe- sas do enterro que saiu da casa do Luís. Mais de 20 automóveis acompanharam o féretro. Os restos mortais de JORGE AL- VES DOS SANTOS foram enterrados no lado direitq da gaveta n9 7, terreno 93 • quadra 34 do Cemitério da Saudade.

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INAMPS: MUDOU ALGUMA COISA, MAS AINDA HA MUITO POR FAZER

Pacientes, médicos e funcionários do Posto do INAMPS no Tatuapé revelaram a existência de diversas melhorias no atendimento e nos serviços do Instituto. Os pacientes já não se queixam muito das grandes filas e da burocracia que infernizavam a vida dos que precisavam recorrer aos serviços do antigo INPS. Todos dizem que alguma coisa melhorou. Mas o Instituto continua sem condições de atender' rapidamente e de maneira satisfatória os milhares de pacientes que o procuram. Mais ainda;esse atendimento está sendo feito basicamente por casas de saúde e laboratórios particulares que têm no lucro sua principal finalidade, em detrimento da qualidade do serviço. Os médicos e funcionários continuam pessimamente remunerados, obrigados a fazer,diversos bicos para sobreviver. E o INAMPS, o mais rico órgão do governo, vive no prejuízo, à beira da falência, dizem os ministros. Mas onde vai parar o dinheiro que eles descontam no salário de todo mundo?

Dois aspectos chamaram a atenção na pesquisa que fizemos junto a pacientes, médicos e funcionários do Posto do INAMPS, do Tatuapé: o primeiro foi a cor- dialidade existente entre médicos e funcionários, todos preocupados em dar um pouco mais de si ao sem núme- ro de pacientes que procuram aquele posto. É o médico dermatologfsta, Dr. Armando Ferreira da Silva quem diz: "Acho muito bom o inter-relaciõnamento entre paciente e médico e entre este e o funcionário. Não há, pratica- mente, grandes problemas. Às vezes, a gente tem que repetir uma explicação duas ou três vezes, até que o pa- ciente perceba o que deve ser feito, mas no fim dá tudo certo."

O segundo aspecto foi a diminuição da papelada e o fim das. grandes filas de espera: "Já deu prá notar que muita coisa mudou e o pessoal anda querendo mudar mais ainda. Primeiro mudaram o nome, agora é INAMPS: Instituto de Assistência Médica da Previdência Social. Depois melhorou o problema das filas, pois não é mais aquele horror de chegar de madrugada para conseguir uma vaguinha. Antes, havia até gente que fazia dinheiro vendendo o lugar para os mais necessitados", conta uma antiga funcionária. 'Também não há mais necessidade de tanto documento e tanta ficha para ser atendido", acres- centa outra funcionária.

Apolinário dos Santos, morador do Itaim Paulista que foi ao Posto do Tatuapé acompanhando seu neto, diz porque os serviços melhoraram: "Isso só aconteceu depois que muita gente começou a reclamar daquela pouca vergonha. Bem antigamente, quando era IAPI, também não tinha tanta fila nem tanta papelada. A coi- sa piorou quando teve a tal unificação. A gente come- çou a precisar de correr de um lado para outro feito bo- bo. E o problema é que não dá para saber porque tanta coisa continua errada e o que eles fazem com essa dinhei- rada que descontam do salário de todo mundo".

EXAMES DE LABORATÓRIO: UM SÉRIO PROBLEMA

Ninguém entende porque tem que andar tanto pa- ra fazer um exame de urina ou outro qualquer. Esse foi o

caso de Monoelito dos Santos, de 22 anos, que mora no Jardim Carolina, também em Itaim Paulista e foi ser atendido no Tatuapé, sem saber para onde terá que ir fa- zer os exames que precisa. "A última vez que eu estive aqui me mandaram para o Hospital Bandeirantes, que fi- ca na Liberdade. Aí, gasto uma hora e meia.de ônibus até o -Parque D. Pedro, e de lá vou de a pé até a Liberda- de, porque não vou gastar mais uma condução. Não dá, não há condição", Novo ainda, Manoelito não sabe que ali mesmo, naquele Posto do Tatuapé, que foi o antigo IAPI (Instituto de Aposentadoria e Pensão dos índustriá- rios), já teve um bom laboratório que fazia todos os exa- mes solicitados pelos médicos.

O urologista Mário Marrese, há mais de 17 anos trabalhando no Instituto fala sobre aquele tempo: "Tí- nhamos um bom laboratório e três médicos. Mas com o negócio dos convênios com os laboratórios de fora, o nosso foi desativado por falta de funcionários e mate- rial... E ninguém entende dessa geografia dos laborató- rios, como é o caso do doente que mora em S. Miguel, vem ^o Tatuapé e é mandado para um laboratório em Santo Amaro. Isso acontece em todos os postos do INAMPS. É desumano para com o paciente."

Pior ainda, muitos desses exames são considerados desnecessários e a culpa é do próprio INAMPS, cuja polí- tica favorece essa situação. A coisa funciona mais ou me- nos assim: em primeiro lugar o médico ganha mal e pre- cisa trabalhar em vários lugares para sobreviver. Além disso, nas quatro horas que ele passa no INAMPS tem que atender uma quantidadç enorme de pacientes, pois pior seria deixá-los sem atendimento. Com pouco tempo para examinar cada doente, p médico precisa pedir exa- mes disso e daquilo para poder se sentir mais seguro do que vai fazer. "Uma boa e demorada consulta evitaria esse problema e alguns dos exames de laboratórios não seriam necessários", explica o dr. Marrese.

PESSOAL: OUTRO PROBLEMA "Mas para isso o INAMPS precisaria contratar mais

médicos e dar a eles um salário que permitisse uma dedi- cação maior, em vez de pagar às empresas particulares" diz uma médica da Secretaria da Saúde.

Nos poucos centros de saúde de São Miguel Paulista, onde o pessoal trabalha em condições pre- cárias, é nó Posto do INAMPS do Tatuapé, on- de a maioria dos habitan- tes da Regional de São Mi- guel são atendidos, os pa- cienta sofrem com as inú- meras deficiências do ser- viço, que acabam enco- brindo a dedicação de mé- dicos e funcionários. Às vezes, eles trabalham até depois do expediente para que os mais necessitados não fiquem sem atendi- mento, e nada recebem por essas horas extras.

há vários anos para ser chamada pelo INAMPS para ocu- par uma vaga e que tem direito por concurso. O INAMPS prefere pagar os serviços - péssimos muitas vezes - dos tubarões da medicina.

"E aí entra roubalheira grossa", diz um funcio- nário do INAMPS que pede para seu nome não ser divul- gado. "Essas empresas visam o lucro e fazem tudo para gastar menos - mesmo à custa da saúde do paciente - e ganhar mais". É operação que não precisa. Gasta um pedaço de esparadrapo e diz que gastou um rolo. Faz um exame e cobra dois e vai por aí.... Agora mesmo, uma dessas casas de saúde, muito conhecida, teve seu convênio cortado por essas irregularidades. Fica na Zo- na Oeste. Agora eles vokaram a trabalhar com o INAMPS, por que? "Correu dinheiro grosso lá, parece que uns 10 milhões", é o que dizem pelos corredores.

PARA COMPRAR COMIDA E isso não é tudo. Mesmo os serviços criado para

beneficiar os mais necessitados geram distorções, cor- rupção e problemas de todo tipo. é O caso da distribui- ção gratuita de remédios, principalmente nos centros de saúde. Uma funcionária de um deles conta: "O que ocor- re não está em nenhum gibi. Alguns pacientes pegam os remédios e vendem para farmacêuticos inescrupulosos de pequenas farmácias de bairro. É que muitos precisam mais de uni prato de comida e não vacilam em deixar de tomar o remédio que o médico receita, para trocá-lo por algum alimento. "Para isso só existe uma solução: dar condição à população para que ela possa comprar os re- médios e tudo o mais que necessita", saliente, a assisten- te social de um centro de saúde da Zona Leste.

Quanto ao INAMPS, a solução só pode vir com a reformulação de toda a política de ação social do gover- no. Isso significa: reforçar a rede de assistência do pró- prio Instituto, ao invés de pagar as casasde saúde parti- culares; remunerar melhor seus funcionários e médicos para que o atendimento seja mais. elevado; criar mais postos, hospitais e laboratórios do próprio INAMPS, que não visariam o lucro e sim atender às necessidades de seus beneficiários.

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GOMEÇA A BRIGA PELA SAÚDE Em Cangaíba, uma Associação Popular

luta por melhores condições de vida

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"Eles fazem o que querem e ninguém abre a boca, porque pobre já está acostumado a sofrer". É seu Pedro, um animado e bem falante chofer de praça quem fala, guiando o fusca da frota em que trabalha e explicando o porquê do abandono de São Miguel Paulista. Para ele, o povo nem sabe os direitos que tem. "E, isso vai conti- nuar assim, se o pessoal não se unir para brigar...", lem- bra enquanto se despede do passageiro em frente à Igre- ja de Bom Jesus de Cangaíba.

Ali, nos fundos da igreja, uma realidade parece desmentir as palavras do chofer: médicos, donas de casa e estudantes unem-se para discutir os problemas de saúde do bairro, apontar suas soluções, reivihdicare, sem per- der tempo, já vão ajudando a população com'um ambu- latório onde atendem, esclarecem e encaminham os que procuram os seus serviços. A Associação formou-se de- pois de muitas reuniões nas casa dos moradores, quando estes entenderam que era preciso se organizar para defen- der a saúde da comunidade. Antes de sua criação, um grupo de médicos, residentes e estudantes se reuniram para ver a melhor forma de ajudar, é a psicóloga Maria Aparecida de Laia quem conta:

"Tudo começou há quatro anos,quando o Bispo da Região. Leste, dom Angélico, convidou o pessoal para formar a Pastoral de Saúde. No início, o trabalho era in- formar a população das causas que levam às doenças e à falta de saúde de um modo geral-: como evitar as doenças transmissíveis e o porque da falta de saúde na região.

Com tanta gente doente e tanta desatenção do governo, o povo cansou de esperar e partiu na defesa de seus interesses, reivindicando um

posto do INAMPS, centros de saúde do Estado, casas melhores para morar, salário que dê para comprar os alimentos necessários e todas as outras coisas que ajudam a manter uma vida sadia. Para isso, foi criada a Associação Popular de Saúde, que reúne moradores da Zona Leste, estudantes, médicos e todos os que querem a melhoria das condições de vida da população. A Associação promove cursos e palestras, com filmes, que mostram porque saúde é coisa rara na região. E, aos sábados à tarde mantém um plantão de ambulatório nos fundos da Igreja de Bom Jesus de Cangaíba.

Mas logo se viu que não dava para ficar nisso. A saúde não depende apenas de médico e remédio. Ela está liga- da a outros problemas que a comunidade enfrenta no seu dia-a-dia, como salário, alimentação, habitação, falta de água e esgoto e, principalmente, educação.'

Sentiu-se que esse era um problema que interessava a todos e não podia ser resolvido apenas pelos jovens que se uniram para ajudar a população. Mais ainda: que só a união dessa população poderia levar a alguma coisa, prin- cipalmente para conseguir melhorias para a região. Outro fato contribuir para a criação da Associação, segundo a psicóloga: "muita gentequeria ajudar, participar dos tra- balhos, mas ficava constrangida por não ser católica - e as reuniões se realizavam na igreja. Foi então que as reu- niões passaram para as casas, com palestras,.discussões, etc. Criaram-se boletins de saúde, projetaram-se filmes, audio-visuais, enfim, tudo para atingir também, os que não sabem ler". Agora todos participam: crentes, católi- cos, espíritas. Testemunhas de Jeová e outros. "O pro- blema não é-de religião, pois o que faz a união é a carên- cia que é sentida por todos", explica Messias, um mora- dor do Jardim Robru, onde lidera ump Associação de Amigos de Bairro. "É o próprio pessoal dos bairros que convida a entidade para fazer as reuniões em suas casas", completa Laia.

A ASSOCIAÇÃO É DO POVO A Associação Popular de Saúde funciona, assim,

para os moradores, mas com o trabalho deles mesmos.

Ela não tem lucro e sobrevive às castas de mensalidades de Cr$ 10,00, para quem pode pagar. Organiza cursos de saúde,,faz atendimento lá no salão da igreja e, agora, também está trabalhando junto com as Sociedades Ami- gos de Bairro da região. "Mas enquanto a gente vai fa- zendo as coisas, sem esperar cair do céu, a gente não es- quece de lutar para que o governo cumpra a sua parte e traga para a região o que precisámos", diz um membro da Associação.

Em Cangaíba, como em toda a região de São Mi- guel, não existe um único posto do INAMPS e a popula- ção tem que se deslocar até o Tatuapé. "Também luta- mos por mais centros de saúde - conta Laia -, pois o que temos aqui é péssimo e nos outros lugares nem mesmo o péssimo existe".

Para lutar por essas coisas a própria população já está se reunindo, discutindo e reivindicando seus direitos. Vários bairros estão se Unindo para conseguir centros

de saúoe, muito necessários à população, principalmente por causa da vacinação e do leite distribuído. Alguns já conseguiram, outros irão conquistá-los e, desse modo, darão força para aqueles que ainda não tentaram lutar pelo que têm direito.

Essa é uma briga que todo mundo está começando a comprar. Talvez seja a briga da qual seu Pedro, do taxi, falava. Quem sabe ele e muitas outras pessoas irão se jun- tar ao pessoal da Associação' Popular de Saúde quando dela tomarem conhecimento.

Page 7: JORNAL - cpvsp.org.br

O JORNAL.

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