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219 1 15Nov/95

OS SEM-TERRA O5SEM-TET0 OSSEM-eSCOLA

OSSEM-EMPREÓiO OSSgM-VgRáONHA

C PffPÜTAPO.COMO ANBA O 3BÜ PRBSÍfíaíD PIANTE CMS GRMVJDFS

QuesTtJes ^TROQUEI

^V Vicente Falconi: O missionário da qualidade total ftCUT: Modelos Opostos de Organização & Pontal do Paranapanema luta pela terra r^cT?^' ^Viva as ocupações \ n^^ & Reflexões sobre o s^&Msmo &Luta chega as cidades do México

Custo unitário desta edição: R$ 2,50

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Quinzena N0 219 -15 Nov/95 Trabalhadores

Tendências do Trabalho - M° 253 - setembro/95

A INDúSTRIA AUTOMOBILíSTICA E O FALSO PIONEIRISMO DAS "FóRMULAS MáGICAS"

DE ADMINISTRA çãO

Aindúslna aulomobilisüca já empre- gava, desde os tempos de Henry Ford. quase todas as técnicas

gerenciais da atualidade, incluindo Reengenharia de Processos. Terceirização e Qualidade Total. A afirmação é do consul- tor e professor de Administração da UFRJ. Synval de SantAna Reis Neto. que. em entrevista à TENDÊNCIA DO TRABA- LHO, ressalta à importância de se ter uma perspectiva histórica sobre a gestão empre- sanal. Sem esta perspectiva, os executivos, trabalhadores e pesquisadores em geral tem a impressão de que administrar é aplicar "fórmulas mágicas", em vez de ser um meio de solucionar problemas dentro de um processo de evolução do conhecimento.

TT - Hoje em dia, fala-se em Reengenharia, Qualidade Total, Terceirização e outros modelos de geren- ciamento. Até que ponto cada um deles representa, realmente, uma mudança no conhecimento sobre organização?

SS - Os executivos ficam ávidos em experimentá-los. para que possam conquis- tar o pódium do "grand prix" empresarial de forma definitiva. Na verdade, parece que as idéias convencionais não são mais efi- cientes e esses novos instrumentos seriam a solução para os impasses administrativos.

Mas é preciso que os executivos, administradores, consultores, pesquisado- res, professores e trabalhadores, percebam que as novas idéias não surgem "no vácuo". Elas emergem de um conjunto de condições em que as velhas idéias pare- cem não mais funcionar, como explicam os autores do livro A máquina que mudou o mundo (Editora Campus).

Eles realizaram um estudo detalhado sobre a indústria automobilística, a mãe de todas as indústrias. Foi dela que partiu a grande alavancagem denominada Administração Científica e quem estudar o desenvolvimento científico dessa indús- tria vai chegar a casos com conclusões interessantes, do ponto de vista da história do conhecimento.

TT - Que casos foram esses? SS - Em 1890. na P&L (Panhard e

Levassor), a maior fábrica de automóveis da época os trabalhadores eram seus pró- prios patrões, muitas vezes, trabalhando como empreiteiros independentes. Ou, o que era ainda mais freqüente, proprietá-

Eduardo Refkalefsky

nos independentes de instalações fabris que forneciam componentes ou peças específicas para a P&L. O que era isto senão a hoje tão badalada Terceirização?

Da mesma forma, Henry Ford desen- volveu seu vigésimo projeto denominado modelo T. tateando a sua manufatura para o que ele próprio chamou de "produção de massa". Para alcançar este objetivo, foi desenvolvido um programa de padroniza- ção de medidas no processo e o ciclo de tarefas levava em média 8.56 horas. Após uma visita a um frigorífico. Ford teve a idéia de uma linha de montagem, que aca- bou reduzindo o ciclo de tarefa médio do operário em 2.3 minutos. Em 1920, a Ford atinge 2 milhões de automo\ eis pro- duzidos, com o corte de 2/3 do custo real para o consumidor. O que era isto senão a Reengenharia de Processos''

Na mesma época. Henry Ford. visando seu mercado-alvo. procurou fazer com que seu produto tivesse uma facilidade sem precedentes de operação e manutenção, incluindo no carro um pequeno Kit de fer- ramentas. O proprietário podia, agora, fazer qualquer tipo de reparo. Também acompanhava o veículo um manual, escrito em forma de perguntas e respostas, com 64 páginas, solucionando 140 problemas que poderiam ocorrer. O que era isto senão o Programa de Qualidade Total?

Os três exemplos mostram a importân- cia de se desenvolver uma visão episte- mológica sobre o campo de ação e partir daí desenvolver idéias que possam real- mente contribuir para a construção do conhecimento, tendo como desdobramen- to o enfoque pragmático.

TT - Qual seria a vantagem, então, de se criarem novos nomes para processos já conhecidos?

SS - O homem é movido pelos mitos. Nós necessitamos a todo instante revitali- zar velhas idéias, criar nomes-fantasías para vendermos nossos produtos. Entretanto, o que os empresários conti- nuam buscando é a alavancagem de seu negócio nas mesmas proporções, que Ford conquistou, quando implantou a linha de montagem. Isto é um grande desafio, pois é necessário que se desenvolva, nas empresas, a percepção da Dinâmica dos Paradigmas para se tentar obter o mesmo sucesso do criador do modelo T

TT - Como seria esta dinâmica? SS - Na opinião de Thomas S. Kuhn,

autor de A estrutura das revoluções científi- cas (Editora Perspectiva), "os paradigmas são as realizações cientificas, universal- mente reconhecidas, que durante algum tempo fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade" Os para- digmas atuam como filtros na mente, impe- dem que as pessoas enxerguem através deles. Foi o caso dos suíços, que desenvol- veram o relógio a quartzo e. no entanto, não o patentearam, abrindo caminho para os japoneses dominarem o mercado.

O segredo de conquistas similares às de Henry Ford está na ruptura dos paradig- mas de Administração, com visão transdi- ciplinar, respeitando a história da constru- ção do conhecimento através da Filosofia. Sociologia. Psicologia. Geografia. Paleontologia — enfim, do conhecimento a partir da natureza humana.

TT - Seria uma ruptura com a ciên- cia racional cartesiana?

SS - Não. É comum observarmos criti- cas ao campo da Administração, que se limitaria a uma visão cartesiana-mecamcis- ta. Isto é uma leitura simplória da obra de René Descartes, Discurso sobre o método. Ele analisou os papéis da intuição e da dedução, disse, textualmente, que "todo conhecimento intelectual se desenvolve a partn da intuição de naturezas simples".

Entre algumas naturezas simples e entre algumas intuições. surgem conexões que a inteligência descobre e percorre por meio da dedução. Nas palavras do próprio Descartes, "a dedução, por mais que se prolongue em longas cadeias de racioci- nio, não passa, em última análise, de uma intuição sucessiva das naturezas simples e das conexões entre elas".

A revitalização das empresas passa necessariamente pela atenção a constru- ção do processo ideológico e o estabeleci- mento de uma estratégia que contemple uma vertente pragmática no campo da educação, com respeito à dignidade humana, que possibilite a construção de modelos democráticos.

Com uma sociedade esclarecida, empresas lançam mão de recurso humano qualificado, capaz de construir ao lado do capital o produto competitivo no âmbito da economia globalizada. O

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Quinzena N0 219 -15 Nov/95 Trabalhadores

Revista Exame - N" 22 - 25/outubro/95

0 MISSIONáRIO DA QUALIDADE TOTAL

O consultor mineiro Vicente Falconi é capaz de falar 6 ou mais horas sobre o TQC. Sem aborrecer a platéia apinhada de executivos

José Maria Furtado

Ele não tem uma voz tomtruante. Tampouco tem o carisma do presidente cubano Fidel Castro,

famoso por seus discursos quilométri- cos. Mas fala tanto quanto ele. Talvez seja o único conferencista brasileiro ca- paz de manter a atenção de uma platéia de até 2000 pessoas por mais de 6 horas. Ele é o consultor Vicente Fal- coni Campos, o rajá da qualidade total no Brasil. Nos últimos anos, Falconi foi um dos responsáveis pela gigantes- ca redução de custos nas empresas bra- sileiras - e. por tabela, pelos ganhos de produtividade que lhes permitiram enfrentar a era da globalização. "Sou um missionário fanático pela "qualida- de totaf". diz Falconi. "O Total Quatity Control ainda vai mudar este país".

Na verdade, o TQC. método de apri- moramento da qualidade difundido pelos americanos W Edwards Deming e Joseph Juran e celebrizado pelas empre- sas japonesas, já está mudando o Brasil. A produtividade da economia brasileira cresceu 5% em 1991. 10% em 1992. 18% em 1993 e 11% em 1994. Tudo bem. nem tudo pode ser creditado ao esforço da qualidade total. Mas só a Fundação Christiano Ottoni, da Escola de Engenharia da UFMG, da qual Falconi é um dos principais onentadores, presta consultoria a quase 1100 empre- sas. Juntas, elas faturam aproximada- mente 30% do PIB, algo como 150 bilhões de dólares. Em comum entres elas. há uma busca incessante pela redu- ção de custos. "Se não o fizessem, já estanam falidas", diz Falconi. Os casos da Albrás e da Valesul. produtoras de alumínio e clientes de Falconi, são exem- plares. Há três anos, o preço do alumínio chegou a 2500 dólares por tonelada no mercado internacional. O custo médio da produção era de 1700 dólares por tonela- da. O preço do produto caiu para 1100 dólares. O custo teve de acompanhar. É só ver o balanço dessas empresas. A Albrás, por exemplo. Em 1992. a empre- sa teve prejuízo de 11 milhões de dóla- res. No ano passado, a coluna do lucro registrou ganho de 88,5 milhões de dóla- res. Falconi acredita que, na virada do século, o Brasil terá centenas de Albrás e

Valesul. "ter-ri-vel-men-te" competitivas no mercado internacional.

Como conferencista. Falconi é um fenômeno. Com a fé que transmite e com os pequenos truques que usa, man- tém a atenção dos ouvintes. Nos 10 minutos iniciais, ele trata de ganhar o respeito da platéia. Usa a senedade. De- pois, conquista a simpatia com diversas piadas, sempre em doses homeopáticas. No fundo, falo mesmo se estivesse me dirigindo para cada um em particular", diz ele. Durante suas palestras, Falconi prega papeizinhos na parede, com explicações didáticas, a exemplo do que fazem os japoneses. "Tem de ser assim", diz ele. "Isso dá segurança ao aluno. Depois, ele se sente capaz de fazer sozinho e ensmar na empresa". A difusão dos ensinamentos é o grande segredo do avanço da qualidade total no Brasil. "Quando nós começamos na fun- dação, éramos apenas cinco pessoas", afirma Falconi. "Hoje já somos mais de uma centena de pessoas, todas envolvi- das com o ensino do TQC no pais".

Falconi fica preocupado quando os comparam aos mestres Qrientais ou mesmo ao sumo sacerdote da qualida- de, o americano Deming. "Há uma dis- tância muito grande entre mim e eles", diz. Para Falconi, as empresas brasilei- ras devem seguir o exemplo das mpôni- cas. No Japão, cada uma delas tem seu hino, seu estandarte, seus símbolos. Segundo Falconi, essa "religião" deve ser copiada no Brasil. Difícil será fazer a CUT e outras centrais acreditarem nesses valores. "Esse será o grande acordo nacional, a ser atingido pouco a pouco" diz. "Qualidade traz emprego". Quimera? Bem, a CUT e a CGT já estão negociando com a fundação suas adesões ao TQC. A qualidade total, pa- ra Falconi. é o remédio para quase to- dos os males. "Se não tivermos uma educação fortemente voltada para a competitividade, não vamos suportar", afirma. "Ora, para isso é preciso mudar, e o TQC é essencialmente mudança".

Hoje, 90% das empresas com progra- mas de qualidade têm ou estão criando escolas dentro da fábrica. A militância por TQC transformou Falconi num

homem sem vida familiar, com pouquíssi- mo direito a lazer junto á mulher, Ma- nlda, e à filha Juliana, estudante de admi- nistração de empresas. Outra filha. Cris- tina, casada, mora no Canadá. Durante a semana, ele raramente dorme em casa, localizada às margens da poluída Lagoa da Pampulha. em Belo Horizonte Seu hábitat são os hotéis. De cinco estrelas, e certo, mas mesmo assim a solidão as vezes bate. Até desenvolveu o "método Falconi de combate à solidão": fica sem- pre nos mesmos hotéis "Se você muda sempre, nmguém o reconhece", afirma ele. "Quando o porteiro do hotel me cum- primenta, sinto que estou em casa

Em sua casa, Falconi mantém hábi- tos simples e baratos. Gosta de ver documentários. Caminha pela lagoa e. na hora do almoço, concede-se uma cer- vejinha. Aos domingos, vai almoçar fora. Pelo menos duas vezes por ano. os Falconi pegam um avião, de preferência para os Estados Unidos. Falconi já per- deu a conta do número de passageiros preenchidos. Suas malas guardam tudo de que ele pode precisar numa viagem - e tudo que provavelmente jamais irá precisar. Lá estão, arrumadinhos. os seguintes objetos: remédios, calculado- ra, programação semanal com endereços e contatos, pilhas, régua, lenço, canive- te, umas quarenta canetas de várias cores, rádio, revistas, livros e até lanter- na, para o caso de faltar luz no hotel.

Prolífico — Falconi é um autor pro- lífico. Entre seus leitores de cartein- nha alinham-se empresários como o gaúcho Jorge Gerdau. comandante do grupo Gerdau. Engenheiro metalúrgico, escreveu verdadeiros tratados, geral- mente com outros professores. Um deles, de termodinâmica, ocupa dez volumes. Seus quatro livros sobre qua- lidade total já passaram dos 200.000 exemplares vendidos, com traduções para o espanhol. Há outras traduções em negociação, até para o grego. Em geral, um novo livro sobre qualidade consome dois anos de trabalho "Resumindo-o durante seis meses", diz ele. "Depois, é como se fosse uma des- carga de letras: sai inteiro, de qualquer jeito, escrito à mão".

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Uma secretária digita-o e lhe dá uma cópia. Falconi, em suas andanças e nos fins de semana, faz intermináveis correções e acréscimos, até perceber que o livro está no ponto A seguir, discute-se com os japoneses, "porque eu não posso errar".

Já faz dez anos que Falconi está embrenhado nessa história de qualidade total. Em 1986. o governo Samey con- tratou a fundação para tocar o chamado Programa Nacional de Qualidade. Ele. aposentado e consultor, era um dos mais interessados. Outro era o professor José Martins de Godoy, atual coordenador- geral da fundação e a quem Falconi não se cansa de elogiar como o homem que organizou a retaguarda e cnou as condi- ções para que o programa deslanchasse. Durante uns três anos. os dois viajaram pelo mundo inteiro para ver as diferentes experiências. Falconi encontrou-se com Deming e com Juran. com os quais teve aulas. Os japoneses da Japanese Union of Scientist Engineers. Juse. com quem Falconi c Godoy negociaram apoio á fundação, dizem que Juran. ainda lúcido aos 91 anos de idade, fez mais do que Deming. ja falecido. Através de Juran os japoneses descobriram Abraham Maslo. psicólogo, autor de uma obra fundamen- tal chamada Motivation and Personality. uma teona de tratamento das patologias mentais. "O TQC japonês é uma mistura

dos métodos de qualidade de Juran e Deming com os conceitos e a filosofia de Maslo", diz Falconi. "É um método holisüco, o melhor para o Brasil".

Rendimentos Mixurucas — Por quê? Bem, uma resposta é que, quanto mais os americanos desvalorizam o dólar, mais o Japão exporta. "Eles já estão no terceiro milênio há tempos". Outra é que existem duas vertentes principais sobre qualidade total, a euro- péia e a americana. Na européia, a empresa tende a garanti-la como se fosse um comprador. "Eles normalizam tudo, o fornecedor é muito importante. Daí os certificados ISO 9000". Já os americanos e os japoneses gerenciam suas empresas como vendedores, olhando para a frente. É a visão voltada para o mercado, para as pessoas.

O peregrino brasileiro da qualidade total tem resposta pronta quando provo- cado sobre o TQC. que segundo alguns críticos estaria condenado ao fracasso por ser impossível adaptar a cultura japonesa aos trópicos. "Primeiro: o Japão nem sempre foi uma maravilha de disciplina. Até a década de 50 era uma bagunça. As empresas eram sujas, havia sabotagem por parle dos funcionários. Só melhoraram depois de 1970. Além disso, o método c amencano. No Brasil, o que não for adaptável não usaremos".

A fundação é mal vista pelas empre-

sas de consultoria. Falconi, por sua vez, simplesmente as despreza. "Só sabem dar aula, a coisa mais fácil do mundo", diz. "O que dá a você a capacidade de fazer é o tutorial, é ir lá e fazer junto" As consultorias têm motivos para não gostar do trabalho de Falconi & Cia. É o preço cobrado, baixíssimo

Uma questão de crença, segundo Falconi. "Fiquem os nossos consultores sabendo que nós praticamos o preço mais baixo possível para conquistar 100%demarketshare".

Pessoalmente ele não ganha nada com isso. Seus rendimentos são mixuru- cas. "Não vou morrer rico. Ganho menos que um gerente de uma empresa brasilei- ra de primeira linha", afirma. Os direitos autorais aumentam seus proventos, mas ele diz que o total está longe dos 10.000 dólares por mês. Por uma apresentação em São Paulo, para mais de 380 pessoas, o preço de uma palestra, de um dia intei- ro, é de 79 reais, com direito a almoço no hotel mais um livro de 25 reais Há vezes em que a fundação perde 500 reais. Em outras, ganha. E feita para empatar. Mas. nota Falconi. não se vê japonês na praça oferecendo consultoria em qualidade "Lá no Japão, qualidade é programa nacional, um movimento de cidadania que não pode ser motivo de lucros para poucos. Aqui também tem de ser assim"" U

Jornal do DIAP - Setembro/Outubro de 1995

MERCADO DE TRABALHO MUDA DE PERFIL E EXIGE ESPECIALIZAçãO

O Brasil dispõe de grande oferta de mão-de-obra. mas não possui a qualificação necessária para

atender as exigências do novo perfil das empresas, adaptadas ao avanço tecnoló- gico e ao modelo de globalização da eco- nomia. O nível de escolaridade dos tra- balhadores brasileiros também está em confronto com o mercado de trabalho cada vez mais especializado. E é mais um problema para o país, que busca inte- grar economicamente o primeiro mundo. Diante desse quadro, o governo, as enti- dades sindicais e empresários estão empenhados na melhoria do nível esco- lar e na qualificação profissional.

Poucos são, hoje, os setores que acei- tam trabalhadores que não tenham con- cluído o segundo grau, o que tem contri- buído para o desemprego. A Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar (PNAD), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 1990.

aponta para números preocupantes: 75% da população brasileira com mais de 10 anos de idade tem até sete anos de estu- do. Destes, 22,95% não possuem instru- ção formal e outros 19,21% tem o pri- mário incompleto. São dados como estes que ampliam as ofertas de cursos profis- sionalizantes e ensino básico.

COMPETITIVIDADE

Lançado em maio, pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, o Progra- ma de Educação para a Competiti- vidade - Proeduc -já recebeu consultas de mais de 300 interessados, entre eles sindicatos de trabalhadores e patronais, empresas privadas, prefeituras e univer- sidades, dos mais diversos ramos de tra- balho. Coordenado pela Financiadora de Estudos e Projetos - Finep -, do Mi- nistério da Educação, o Proeduc dispõe de R$ 100 milhões - parte da verba vem do Fundo de Amparo ao Trabalhador

(FAT) - para financiar ações, visando o desenvolvimento'e o aperfeiçoamento do trabalho, através da educação básica.

A coordenação do programa afirma que. com a competição internacional e as mudanças tecnológicas, tomou-se neces- sária a qualificação no trabalho "Em lugar da especialização rígida, busca-se maior flexibilidade, raciocínio lógico e capacida- de de adaptação, de aprender, de tomar decisões, avaliar resultados, de comunica- ção, de identificar e solucionar proble- mas". O programa está aberto a empresas, cooperativas, associações de classe, sindi- catos e escolas, com proposta de ensino básico voltado para o trabalhador.

INICIATIVAS

O Comitê Geaci - Geração de Ação da Cidadania - dos funcionários do Banco do Brasil em Goiânia (GO) tem prestado ajuda as entidades que atuam na profissionalização de crianças de

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jovens pobres, acompanhado do ensino básico. Várias entidades aderiram ao programa e prestam ainda assistência médica e odontológica. Entre os cursos profissionalizantes estão os de marce- naria, padaria e confecção de tapetes. São desenvolvidos ainda projetos de horta comunitária e formação de muti- rões para construção de casas.

No Rio de Janeiro, o Programa de Educação Tecnológica implantou o Projeto Servir, que atende a 140 adoles- centes, de 14 a 17 anos, com o objetivo de democratizar o saber técnico-profis- sionalizante. Durante seis meses, com quatro horas diárias, São oferecidos cur-

sos de eletrônica, eletrotécnica, mecâni- ca e construção civil, oferecendo ofici- nas e laboratórios. Mas com uma exigên- cia: é obrigatória a freqüência escolar.

O ensino à distância ganhou, este ano, R$ 700 milhões dos recursos fede- rais. Verba que até o ano passado era destinada ao ensino fundamental. Através do Ministério da Educação, o governo está distribuindo aparelhos de televisão, videocassetes e antenas para- bólicas às prefeituras municipais, com o objetivo de oferecer programas de capa- citação de professores e alfabetização de adultos, entre outros. Os telecursos tem ganhado ênfase na programação televi-

siva para atender um número maior de trabalhadores em suas casas ou nos locais de trabalho. O Ministério do Trabalho busca intensificar programas de treinamento com as unidades do Sistema Nacional de Emprego (Sine) e outros órgão destinados ao treinamento profissional e alocação de mão-de-obra.

A Universidade de Brasília preside, nos próximos dois anos, o Consórcio In- teruniversitário de Educação Conti- nuada e à Distância (Brasilead), integra- do por 55 instituições envolvidas com pesquisa e desenvolvimento do sistema. O objetivo é levar cursos diretamente aos locais de trabalho e de moradia D

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Alquimia - N° 6 - Outubro/95 - Janeiro/96

PARTICIPAçãO DE FIGURANTE Medida provisória sobre participação nos lucros deixa muitos pontos sem

definição e apresenta vantagens ilusórias aos trabalhadores

Mesmo em termos de Brasil, falar em participação nos lu- cros não é coisa recente. Já em

1919 era apresentado um projeto de lei propondo a participação dos empregados nos lucros das empresas. Outras leis e decretos ficaram décadas pelo caminho ao longo das últimas décadas sem que os empregados pudessem de fato se apro- priar dos dividendos do trabalho que pro- duziram.

No apagar das luzes de 1994, a Medida Provisória 794 do governo fede- ral esboçou de forma tosca e genérica o mecanismo pelo qual o trabalhador poder ter acesso a uma amostra grátis da parte do leão embolsada pelas empresas. Sem ter sido votada pelo Congresso, a 794 é reeditada todos os meses, estando agora na 9* edição.

Tantas edições, porém, não foram suficientes para corrigir falhas - boa parte delas propositais - encaminhar sua apli- cação prática e manter algum controle dos trabalhadores sobre o processo. O princípio em si é altamente louvável. Afinal, nada mais natural e justo que o empregado rechear os bolsos com as ri- quezas geradas pelo seu trabalho e esfor- ço. Mas da forma que foi elaborada e sem sua regulamentação pelo Congresso, a 794 é uma das milhares de leis para inglês ver, que viram letra morta e não dão sinal de vida no holerite.

Problemas - A Medida Provisória refere-se a uma comissão de empregados sem definir a forma de eleição, mandato, garantias aos representantes e relação

Marilane Teixeira

com os sindicatos. Não prevê, embora não restrinja, a participação das entidades de classe dos trabalhadores no processo de negociação.

Para que as negociações se realizem entre a comissão eleita e a empresa, é necessário garantir aos trabalhadores acesso às informações e dados econômi- cos e financeiros das empresas, e a medi- da provisória não prevê mecanismos que assegurem tais acessos. Dessa forma, escancara-se uma enorme brecha para que as empresas distribuam lucros da forma que bem entenderem.

A 794 desvincula salários e ganhos de participação, não podendo substituir nem complementar a remuneração salarial. Ou seja; sobre a participação nos lucros não é recolhido Fundo de Garantia, nem IAPAS, além de não integrar os cálculos para recebimento do 13° salário.

Com o argumento de que o custo da mão-de-obra no Brasil é muito alto - o chamado "custo Brasil" - as empresas adotam cada vez mais o salário variável na forma de abonos, prêmios e outros ganhos sobre os quais não incidem encar- gos trabalhistas. Por isso é importante garantir que os valores a serem pagos em forma de participação nos lucros não ultrapassem a 85% da somatória dos pagamentos aos trabalhadores. Caso isso ocorra a diferença deve ser incorporada aos salários.

Segundo o Decon (Departamento de Economia da FIESP/CIESP), a Medida Provisória deverá colaborar, de forma positiva, para o aumento da produtivida-

de e para o avanço na flexibilização do mercado de trabalho. A remuneração do empregado passa a ser composta de uma parte fixa (salário) e outra variável (parti- cipação nos lucros). Assim, por estranho que possa parecer, a distribuição de lucros acaba aumentando os lucros das empresas, que safam de recolher impos- tos. Com o decorrer do tempo, com a ine- xistência de encargos trabalhistas, a parte variável pode se sobrepor à fixa - para alegria das empresas.

LUCROS X RESULTADOS

O lucro é a diferença entre a receita e a despesa de uma empresa em um deter- minado período (um ano. um semestre etc). Participar em resultado refere-se á produtividade, á qualidade do produto ou à realização de metas previamente pro- gramadas.

A orientação da CUT é priorizar a negociação sobre os "resultados", já que ao negociá-los, na forma de metas, os tra- balhadores teriam maior controle e pode- riam acompanhar o seu cumprimento. Com os lucros isso fica mais difícil: as empresas dispõem de vários recursos para mascarar seus balancetes e o simples aces- so ás informações não seria suficiente.

Por outro lado, priorizar a participa- ção dos trabalhadores pelos resultados também pode implicar em mudanças nas condições de trabalho e riscos, como o aumento do ritmo na produção, além de, em alguns casos, ser extremamente com- plicado acompanhar a concretização das metas estabelecidas.

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Quinzena N0 219 15 Nov/95 Trabalhadores

A definição de metas a partir de um aumento da produtividade deve ser incor- porada aos salários. Caso não haja a incorporação, os trabalhadores ficariam indefinidamente privados de aumento real de salário, já que seriam negociados apenas a reposição de perdas salariais.

Para as empresas, a participação nos lucros é menos eficaz como incentivo do que os sistemas de pagamento sobre resultados, como remuneração direta- mente relacionada com a produção do trabalhador, enquanto a participação nos lucros é remota, exigindo a apuração geral do exercício anual As negociações que vêm sendo feitas vinculam a partici- pação ao cumprimento de metas. Do ponto de vista das empresas tem sido um grande negócio - elas reduzem custos, melhoram a qualidade e aumentam a pro- dutividade.

O que se observa amda é que grande parte dos acordos não está ligada nem á metas ou aos lucros. Nos casos em que os entendimentos são definidos por cate- goria ou setores, com acompanhamento do sindicato, tudo se resume a abonos negociados, com os valores variando de acordo com o número de trabalhadores.

E o caso do acordo das forjarias de São Paulo. O primeiro acordo setorial de participação dos trabalhadores nos resul- tados das empresas foi fechado entre o Sindicato das Indústrias de Forjarias do Estado e metalúrgicos da capital. Osasco e parte do interior paulista - filiado à Força Sindical. O acordo garante prêmios de R$ 150 à R$ 500 em duas parcelas para cerca de 35 mil funcionários, e o valor do abono varia de acordo com o tamanho da empresa.

O primeiro acordo envolvendo empre- sa, sindicato e comissão foi da Mercedez- Benz, que decidiu distribuir R$ 2,2 mil por empregado, a titulo de participação nos resultados. Os critérios para a defini- ção do valor do prêmio foram pouco explicites. Por que R$ 2,2 mil e não R$ 3.5 mil ou R$ 1.9 mil? Esse acordo serviu de parâmetro para negociações na General Motors, Scania e Volkswagem. Em todos esses casos, os valores distri- buídos não guardam qualquer relação entre metas e resultados.

Na campanha salarial dos bancários, além da reposição das perdas, entrou em discussão a proposta de um abono no valor de 80% do salário nominal, a título de participação nos lucros a ser pago imediatamente após a assinatura do acor- do. Também nesse caso, os critérios para se chegar ao valor do abono são obscu- ros, sem vinculo perceptível com a per- formance do setor.

Essa proposta pode servir de exemplo para outras categorias que. como os quí-

micos e plásticos de São Paulo, estão às portas de suas campanhas salariais. Há sempre o risco de a participação nos lu- cros substituir, de alguma forma, o lugar da luta por aumento real ou ganhos de produtividade, o que significa mais um desafio para o movimento sindical.

Nas negociações de participação nos lucros ou resultados por categoria ou ramo de produção, seja nas convenções coletivas ou acordo por setores, devem ser apenas estabelecidas normas e condi- ções gerais para nortear os entendimen- tos por empresa, cabendo à comissão eleita e à empresa a definição do proces- so.

O movimento sindical enfrenta a dis- cussão sobre a participação nos lucros ou resultados em uma conjuntura de grandes transformações do processo produtivo. Hoje estão em pauta mudanças no siste- ma de relações de trabalho (estrutura sin- dical e regras da contratação coletiva), na previdência social, no sistema tributário e nas políticas sociais.

No que diz respeito à participação nos lucros e resultados, é necessário estimu- lar a criação de comissões por empresa, eleitas democraticamente, para que elas apurem os lucros ou resultados e nego- ciem em cada local de trabalho as formas e os valores a serem pagos, sempre com o devido acompanhamento dos sindicatos dos trabalhadores.

EMENDAS À PARTICIPAçãO

O deputado Jair Meneguelli (PT-SP) propõe as seguintes alterações na NÍP que trata da participação nos lucros e resulta- dos:

"As formas de participação devem ser de natureza coletiva, isto é. baseadas no desempenho do conjunto dos traba- lhadores, independentemente das ocupa- ções e funções que exerçam, pois os resultados dependem fundamentalmente do trabalho coletivo de todos os empre- gados".

"A parcela referente ao total da folha de salários não poderá ser inferior a 85% da soma dos pagamentos efetuados aos trabalhadores, corrigidos monetariamente nos respectivos períodos de apuração dos lucros ou resultados".

"E obrigatória a participação dos sin- dicatos nas negociações coletivas de tra- balho".

Já o deputado Wilson Braga (PDT- PB) propõe a inclusão de ganhos econô- micos resultantes da produtividade do trabalho.

MP NO RAMO QUíMICO

Com a MP sobre participação nos lucros não e clara em relação a atuação dos sindicatos, muitas empresas vêm

encaminhando discussão com seus fun- cionários á revelia, sem acompanhamen- to dos representantes dos trabalhadores . Por outro lado, seja por pressão dos diri- gentes sindicais, seja por iniciativa patro- nal, diversos entendimentos vêm sendo feitos entre as partes, com efetiva atua- ção das respectivas entidades representa- tivas.

Para assegurar que os sindicatos ten- ham presença garantida nesse processo, a CNQ, ao lado de outras confederações cutistas, entrou com uma ação de incons- titucionalidade da MP. devido ao seu artigo 2o, que não garante o acompanha- mento das entidades sindicais. O ques- tionamento feito ampara-se no artigo 8o

da Constituição, que determina a partici- pação das entidades sindicais em qual- quer processo de negociação coletiva

No ramo químico, são muitos os casos em que os entendimentos sobre participação nos lucros e resultados são feitos com efetivo acompanhamento das entidades sindicais. A Rhodia. por exem- plo, está implementando a MP em dis- cussão com os sindicatos de químicos nas respectivas regiões de atuação da empresa. Da mesma forma, outras em- presas na região do ABC. São Paulo e Osasco encaminharam negociação com os sindicatos nesse sentido.

Na maioria dos casos, as empresas vêm discutindo participação nos lucros e resultados sem consultar as entidades dos trabalhadores. Em São Paulo. Bayer. Sintofarma e Ciba Geigy. não abriram para o acompanhamento do sindicato. Proctec e Day Brasil, em Osasco (SP) fizeram o mesmo. E no ABC. a Unipar e Poliolefinas, entre outras, atuaram da mesma forma.

Em Porto Alegre (RS) empresas como Copersul, Polisul e Poliolefinas, miciaram os entendimentos com os fun- cionários á revelia do sindicato dos petroquímicos. Já em Duque de Caxias (RJ), a Petroílex também encaminhou o processo à revelia da entidade sindical. A direção da empresa Polibrasil, também fluminense, estuda adaptar sua "política de gerenciamento por desempenho" para as determinações da MP que trata de par- ticipação nos lucros e resultados. Mas, também, sem ouvir o sindicato da cate- goria a respeito.

A Basf teve uma postura das mais intransigentes ao tentar impedir que dois dirigentes sindicais de base, que estão na empresa, concorressem como candidatos para integrarem a comissão de funcioná- rios que discute participação nos lucros e resultados. A multinacional alemã teve que voltar atrás depois de um mandato judicial impetrado pelo smdicalo dos quí- micos do ABC (SP). Q

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Quinzena N0 219 -15 Nov/95

Alquimia N* 6 - Outubro/95 ■ Janeiro/96

IHMHHi

Trabalhadores

MODELOS OPOSTOS DE ORGANIZAçãO CUT reafirma deliberações para se contrapor à proposta do governo

de criar sindicato por empresa, Dernal Santos

Vem aí o debate sobre organi- zação sindical no curso das reformas Ainda não se tem

conhecimento do conteúdo das pro- postas do governo. Mas, segundo Remigio Todeschim. presidente do Sindicato dos Químicos de Petroquí- micos do ABC e tesoureiro da CUT nacional, a julgar pelas provisórias que tratam da desmdexação salarial e da participação nos lucros e resulta- dos das empresas, "existe o claro pro- pósito de aniquilar as organizações sindicais"

Para Remigio Todeschim. "Fer- nando Hennque pretende implemen- tar mudanças que vão de encontro com seu projeto neoliberaT. O objeti- vo, afirma Remi. "ó eliminar as enti- dades sindicais representantes dos trabalhadores num universo, também, mas além dos locais de trabalho. Para isso FHC joga pesado contra a estabilidade dos dirigentes dos sindi- catos e membros de comissões de fábrica nas empresas". O sindicalista observa que "'subserviente, o governo atende às exigências de um setor do empresanado. ao tentar implementar sindicatos por empresa"

A CUT entra nesse debate com autoridade. A partir da segunda meta- de da década de 70. quando foram retomadas grandes mobilizações sin- dicais no país. além das reivindica- ções salariais, esse movimento que deu ongem à Central também nasceu questionando o modelo de organiza- ção sindical vigente até hoje. Em agosto de 1983. uma das deliberações do congresso de fundação da Central foi a declaração de "guerra a estrutura sindical oficial'"

DEMOCRACIA

Ao mesmo tempo, a organização da CUT é sinal inequívoco de rompi- mento com o modelo imposto pelo governo. A direção, por exemplo, é composta por integrantes das chapas concorrentes, levando-se em conta a proporcionalidade dos votos obtidos, em cumprimento e respeito à demo- cracia interna. Através das chamadas estruturas horizontal e vertical, a Central tem seu próprio método de

funcionamento interno e formas de ligação com os 18,3 milhões de traba- lhadores que representa.

A estrutura horizontal diz respeito às direções da Central em diferentes níveis (nacional e estaduais). E para arregimentar as diversas categorias por ramo de atividade instituiu-se a organização vertical, definida no 2o

congresso, em 1986. como Departa- mentos e depois transformada na ple- nária nacional, em 1992. em Confede- rações, CNQ, CNM, CNB e CNTV, são Confederações que reúnem quími- cos e petroquímicos, metalúrgicos, bancários e trabalhadores do vestuário, além de outras no setor de transporte, alimentação, servidores públicos, etc.

Atenta às pretensões do governo, a CUT propõe transformar as entidades filiadas em orgânicas. Isso significa "desencadear um processo de unifica- ção de sindicatos por ramos de ativi- dade, em âmbito regional, estadual e nacional, com reforço à organização por local de trabalho amparada numa legislação mínima", como define a resolução da 7a Plenária. Segundo Remi. "esta iniciativa marca o con- fronto com o objetivo do governo de criar sindicatos por empresa, como forma de fragmentar ao máximo a capacidade de mobilização dos traba- lhadores".

O tesoureiro da CUT nacional observa que tanto a legislação de suporte garantindo a organização nos locais de trabalho como sindicatos por ramo, organizados regional, esta- dual e nacionalmente são experiên- cias já colocadas em prática em paí- ses como Itália, Bélgica, França, Espanha e Alemanha, onde as rela- ções entre capital e trabalho estão em níveis mais civilizados do que por esses lados do continente.

PROPOSTAS DA CUT Rumo à implantação do Sistema

Democrático de Relações do Trabalho, a Central apresenta as seguintes sugestões:

1) ORGANIZAçãO SINDICAL

Alteração do artigo 8o da Cons- tituição, da seguinte forma:

a) Inciso II - fim da umcidade sindical por lei e do enquadramento obngatóno por categonas;

b) Inciso IV - fim da contribuição sindical compulsória;

c) Acrescentar o direito a livre organização, nos termos da Conven- ção 87 da OIT (Organização Interna- cional do Trabalho):

d) Garantir o reconhecimento jurí- dico das centrais sindicais:

e) Direito de representação dos trabalhadores no intenor das empre- sas.

2) JUSTIçA DO TRABALHO

Os artigos 114. 115 e 117 da Constituição devem ser modificados prevendo:

a) Fim do poder normativo da jus- tiça do trabalho:

b) Competência para que ajusriça do trabalho possa atuar como arbitra- gem nos conflitos coletivos de natu- reza econômica, mediante convoca- ção de comum acordo entre as partes e dentro dos limites por estas fixados:

c) Extinção da figura dos juizes classistas em todos os níveis de representação;

3) NEGOCIAçãO COLETIVA

Aprovação de emenda constitucio- nal que acrescente os seguintes direi- tos:

a) Vigência das atuais Convenções e Acordos Coletivos de Trabalho por tempo indeterminado, com alterações mediante negociação da qual partici- pe a entidade sindical que o assinou;

b) Os novos contratos coletivos que vierem a ser assinados também terão vigência por tempo indetermi- nado. Suas cláusulas somente pode- rão ser alteradas mediante novo acor- do entre as partes.

4) LEGISLAçãO ORDINáRIA

Cnação de uma comissão tnparti- te, com representação das centrais sin- dicais, entidades patronais e governo, para elaborar uma proposta de legisla- ção de sustento, que abranja direitos individuais, coletivos e processuais, em substituição à CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). Q

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Quinzena N0 219 -15 Nov/95

Jornal Em Tempo - N" 284 - Outubro/95

Trabalhadores

DEBATENDO A DEMOCRACIA SINDICAL

AT Plenária Nacional da CUT, que terminou em 2 de setembro, foi polarizada por duas discus-

sões uma sobre o sistema democrático de relações de trabalho (incluído aí o fim da unicidade sindical) e outra sobre a organização sindical cutista (abarcan- do o tema do "sindicato orgânico")-

Deliberou ainda um plano de lutas consensual, uma política nacional de formação profissional e o aumento do repasse dos sindicatos à CUT - tema este sobre o qual houve também polê- mica em tomo do cronograma e os pro- cedimentos a ser adotados.

RELAçõES DE TRABALHO

O debate sobre sistema de relações de trabalho provocou a formação de três campos. O primeiro, com 80% dos delegados, integrado basicamente pela Alternativa Sindical Socialista e a Articulação Sindical, defendeu que a CUT deve retomar a iniciativa de pro- por mudanças no sistema disputando com propostas que visem a conquista da liberdade de organização sindical (o fim da unicidade imposta pelo Estado), o direito de organização no local de tra- balho, o fim do poder de intervenção autoritária da Justiça do Trabalho nos conflitos trabalhistas, o fim dos "juizes classistas ". o fim do "imposto sindical" entre outras medidas.

O segundo campo foi conformado pela Corrente Sindical Classista (ligada

Maria Consolação da Rocha

ao PCdoB) e pelos sindicalistas do PCB. Defendeu a "unicidade sindical" e o "poder normativo da Justiça do Trabalho", alicerces do sistema atual. O terceiro foi integrado pelos sindica- listas do PSTU e O Trabalho que decla- rando defender a proposta de sistema democrático não apoiavam a resolução já que levaria a defender mudanças na Constituição Federal.

A resolução aprovada, ao colocar ini- ciativas políticas concretas para a CUT neste terreno, permite retomar a vocação fundadora da Central: a de destruir a estrutura sindical oficial e toda a herança perniciosa do sistema corporativista.

ORGANIZAçãO SINDICAL CUTISTA

Esta definição leva a um segundo desafio: se o Estado deixar de definir como irão se organizar os trabalhadores em sindicatos, qual é a orientação da CUT sobre como deve se organizar sua base'.' Por isso, deve-se fazer simulta- neamente a discussão sobre "organiza- ção sindical cutista".

Este é um debate difícil porque os anos de "convivência pacífica" com a estrutura sindical oficial apagaram a memória do projeto cutista de construir politicamente a unidade da classe tra- balhadora através da estrutura da pró- pria CUT, isto é, com democracia e independência frente ao Estado.

Neste debate conformaram-se dois campos. O primeiro, majoritário, da

~ .,

Articulação Sindical e da Alternativa Sindical Socialista (menos os sindicalis- tas da Força Socialista). Defendeu que a base da CUT devena discuür um projeto cutista por inteiro, isto é, de construção da central desde o local de trabalho até o nível nacional. O segundo, conformado pela CSC, PSTU, PCdoB. OT. e FS posicionou-se contra a visão de uma CUT "orgânica" desde o local de traba- lho (já que trana embutida a burocrati- zação, monoütismo, partidanzação etc.)

Ao contrário dos temores e dos argu- mentos apresentados por esse segundo campo, o debate na Plenária mostrou que é no rumo da construção orgânica da CUT desde o local de trabalho que poderemos dar um combate decidido à burocraüzação e falta de democracia nos sindicatos.

Expressão disso é que, pela pruneira vez, um documento da CUT Nacional anuncia que deverão ser discutidos mecanismos que garantam a composi- ção proporcional entre todas as visões cutistas presentes na categoria no pro- cesso de discussão do sindicato orgâni- co e que esses mecanismos devem ser consagrados no novo sindicato.

Essa batalha não se resolve evidente- mente "no papel". Deverá ser desenvolvi- da concretamente nos sindicatos. Mas para preparar esse caminho, as resoluções da 7a Plenária já foram um bom começo.

Maria Consolação da Rocha é membro da Executiva Nacional da CUT. Q

Boletim do PSTU - Out/95

UM PROGRAMA PARA ACABAR COM O DESEMPREGO O desemprego não é uma calami-

dade natural, não é um fatalis- mo. É verdade que é um pro-

blema mundial mas isso não quer dizer que seja inevitável. Ao contrário. É uma conseqüência do sistema capitalis- ta explorador, em que toda a economia está voltada para garantir mais e mais lucros aos patrões.

Sabemos que para acabar definitiva- mente com o desemprego será necessá- ria uma grande luta nacional e interna- cional que imponha um governo dos trabalhadores e um sistema social - o socialismo - que tenha como objetivo melhorar as condições de vida dos tra- balhadores em vez de garantir os lucros

dos empresários, um sistema em que todos os rumos da economia, da produ- ção, sejam decididos democraticamente pelos trabalhadores, sem patrões ou burocratas. Um sistema em que os avanços da tecnologia sirvam para que todos vivam melhor e não para que os trabalhadores percam seus empregos enquanto os patrões ganham cada vez mais.

Será necessária muita luta para con- quistarmos o socialismo, mas isso não quer dizer que hoje tenhamos que agüentar as demissões, como dizem muitos dirigentes sindicais. Podemos e devemos lutar, agora, para barrar o desemprego. Nós do PSTU acredita-

mos que com a unidade e a mobiliza- ção de todos os trabalhadores é possí- vel para as demissões Por isso apre- sentamos, a todos os companheiros, nossas propostas para acabar com o desemprego e chamamos a lutar, jun- tos, por elas.

I - Se podemos produzir em menos tempo, que se trabalhe menos tempo e haja emprego para todos.

Redução da Jornada de trabalho sem redução de salário.

A taxa de produtividade, é cada dia mais alta. Hoje dois trabalhadores fazem o serviço de 5 ou 6 e o salário não aumentou. Por isso não podemos aceitar mais demissões nem flexibiliza-

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Quinzena N0 219 -15 Nov/95 Trabalhadores

ção ou os chamados bancos de horas. A redução da jornada, sem redução do salário, é a única forma de parar as demissões. Os patrões têm condições de bancar a redução porque seus lucros são cada vez maiores, eles ganham mais e mais com o aumento da produti- vidade, as novas máquinas e tecnolo- gias. Se a jornada fosse reduzida para 40 horas, só nas indústria seriam cria- dos 2 milhões de novos empregos.

2 - Defesa do serviço público e da estabilidade dos servidores. Não à reforma administrativa do FHC.

A reforma administrativa do gover- no vai significar o fechamento de esco- las, de postos de saúde e mais desem- prego. Ela vai atingir os pobres, os tra- balhadores, que são os que usam as escolas públicas e os postos de saúde e não têm acesso aos hospitais de luxo ou escolas particulares. Fernando Henrique quer demitir um milhão de funcionários com a história de que não tem dinheiro e eles não trabalham. É mentira. Os que não trabalham, os marajás, são os administradores e gerentes postos pelos governos de polí- ticos. Queremos concurso público e estabilidade para que o serviço público não seja usado de acordo com a conve-

niência do governo de turno. Fora os administradores e gerentes colocados pelo governo, responsáveis pela cor- rupção. Que os serviços públicos sejam geridos pelos usuários . func lonários e que haja mais verbas para a saúde, edu- cação, previdência e moradia.

3 - Reforma agrária já. Unidade dos trabalhadores da cidade e do campo para dar terra aos camponeses, aumentar a produção de alimentos e fixar o homem no campo.

Todo apoio ás ocupações de terra. O governo que cobre os grandes latifundiá- rios caloteiros, que devem milhões ao Banco do Brasil e outros bancos estatais e invista esse dinheiro na reforma agrána. Que todo latifundiário que não paga suas dívidas seja expropnado e suas terras entregues aos trabalhadores sem terra.

4-0 Estado é responsável pelos desempregados: que nenhum desem- pregado pague transporte, água ou luz e que o seguro desemprego seja pago até que se consiga novo trabalho.

Além disso é preciso que os desem- pregados tenham assistência médica e seus filhos, nas escolas, recebam gra- tuitamente todo o material escolar.

5 - Unidade dos trabalhadores empregados e desempregados:

Em vez de aliança com os patrões, unir todos os trabalhadores, de todas as categonas, os efetivos, os temporários e os terceirizados, os operários indus- triais, os funcionários públicos e os camponeses, para enfrentar as demis- sões.

Que os desempregados continuem fazendo parte do sindicato, sem pagar a mensalidade e com todos os direitos. Chega de jogar um trabalhador contra o outro com a históna de competir ou de vestir a camisa da empresa. Os patrões se unem quando se trata de baixar os salários ou demitir. Necessitamos de unidade na luta contra o desemprego

6 - Exigimos dos governos federal, estadual e municipal que adotem medidas contra o desemprego: sus- pensão do pagamento da dívida exter- na e que o governo aplique um plano de obras públicas, para construir casas, escolas, hospitais e postos de saúde criando empregos. Se não há dinheiro, que sejam cobrados altos impostos aos que se enchem de dinhei- ro com o desemprego e o aumento da produtividade, ás montadoras, aos ban- cos como Bradesco e Itaú, aos milio- nários que estão cada dia mais milio- nários. □

Documento - out/95

O QUE é RáDIO LIVRE? Chico Lobo

Falar do rádio é também falar da informação, da cultura, da comunicação e da própria

existência da vida moderna dos po- vos.

O cientista alemão Hertz desco- briu que as ondas eletromagnéticas que oscilam acima de certa freqüên- cia poderiam se propagar através do ar mas naquele momento (1884) ele jamais poderia imaginar que a sua descoberta iria ter uma utilidade tão grande quanto à polêmica que iria gerar com o monopólio de sua utili- zação no futuro. Ou seja: naquele momento Hertz descobria a existên- cia da "pedra filosofal" cuja utilida- de viria de encontro tanto para dar uma nova grandeza às idéias e as palavras do ser humano, como tam- bém seria uma grande fonte de riqueza e dominação para alguns poucos privilegiados.

E foi exatamente o que aconte- ceu. Outro cientista, o italiano Mar- coni no final do séc. passado desco-

bre a grande utilidade daquelas on- das, o famigerado e desejado. A pos- sibilidade de enviar sinais, sons ou vozes pelo ar a uma grande distân- cia, e depois ser captado e compre- endido por outros povos e permitin- do assim um maior intercâmbio de idéias, cultura, informações, etc... Mas o que Marconi não previa, era a utilidade que danam a sua invenção. Parece que este é o destino de toda grande descoberta. Lembram-se do invento de Santos Dumont? A prin- cipio o avião seria um eficaz meio de transporte seja ele de pessoas, culturas e também de informações. Dumont não imaginaria por exemplo que futuramente o avião teria o papel de ser o transportador de uma das maiores catástrofes do séc, que foi a bomba de Hiroshima. Pois bem o rádio era para ser esse instrumento de auxílio e às transmissões de idéias entre os povos, mas o rádio passou a ser um instrumento de massificação ideológica utilizado sempre por uma

minoria pnvilegiadamente aos pode- res do capital e do estado

Vamos lembrar como o rádio foi utilizado por Hitler na Alemanha. Para disseminar as idéias nazistas, onde sua utilização era o monopólio do Estado que o utilizava enfatica- damente nos longos discursos do "Fuller" com ondas que se propaga- vam tanto no território alemão quan- to em grande parte do planeta. Transmissões essa cuja mensagem levou o povo alemão a um fanatis- mo cego que deu sustentação legíti- ma as loucuras do ditador.

Hoje na modernidade das ondas televisivas, o processo monopolista de sua utilização em nada mudou. Vejamos como a televisão interferiu tanto na tática como na opinião popular na questão da guerra do Golfo Pérsico através da participa- ção da rede de TV americana CNN servindo de porta-voz da idéias para o mundo mostrando em seus edito- riais e reportagens o "Bom lado dos

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Quinzena N0 219 -15 Nov/95 10 Trabalhadores

salvadores americanos e aliados contra as terríveis armadas dos "maldosos soldados iraquianos". Vejam que até agora, os povos do mundo não entenderam nem o por- quê histórico dessa guerra. Tudo que se sabe provem das monopolistas ondas americanas da CNN que atua- ram como um "Diário oficial do Pentágono".

Não precisamos ir muito longe, aqui no Brasil existe uma rede de televisão que tem mais poder do que os três poderes constituídos Capaz de julgar fatos, criar "cultu- ra", e até mesmo eleger presidente simplesmente manipulando a opi- nião pública e criando a imagem do candidato.

Falando em comunicação lem- bramos que ela é o veículo da pro- dução cultural, e é aí que a coisa fica mais complicada, pois quem detém o poder da comunicação, também detém o poder da produção cultural, do poder político e ideoló- gico e aqui no Brasil essa situação se intensifica. Notamos que tudo que se produz culturalmente no Brasil provém da chamada "Ho- llywood brasileira", ricamente insta- lada no Jardim Botânico e de lá parte tudo que conhecemos de músi- ca, teatro, deico, filme, etc... assim como todas as manifestações, que interessam economicamente e ideo- logicamente aos seus proprietários multinacionais. E como sabemos lá não se produz nem se veicula nada que fuja essa regra de interesses dessa minoria privilegiada. Obser- vamos que toda essa produção cul- tural é reproduzida aos quatro can- tos do país por outras poucas e gran- des redes de propriedade de apenas nove abastadas famílias detentoras das concessões de uso dos meios radiofônicos e televisivos do Brasil. Por outro lado, todas as demais ma- nifestações de arte, cultura e infor- mação ficam soterradas no subterrâ- neo, no anonimato ou na clandesti- nidade num obscuro e marginal pro- cesso de decadência cultural e ideo- lógica. As chamadas "verdades e artísticos bens culturais" da socieda- de acabam sendo apenas aquilo que é veiculado monopolisticamente na "Telinha da aldeia Global".

AGORA SIM PODEREMOS FALAR

SOBRE RáDIO LIVRE.

Na contra mão da lei criada pelos políticos defensores do poder mono- polista, surgem do subterrâneo, das minorias discriminadas e das maio-

rias desprivilegiadas uma tecnologia de fundo de quintal capaz de rever- ter o processo de desinformação e centralismo cultural. São as chama- das Rádios Livres que tem uma his- tória que se confunde com a própria invenção do rádio. Grupos de pes- soas interessadas nessa reversão e com um compromisso explícito com a produção cultural "subterrânea e marginal", movimentos populares de base e demais grupos que fazem do uso da palavra, constróem peque- nos e artesanais equipamentos de transmissão de rádio e despojadas de qualquer interesse econômico, tentam a todo custo fazer uso do seu mínimo direito à expressão que ainda é garantido na própria Cons- tituição

Perseguidos pela lei arcaica que através de diversos órgãos de re- pressão mas apoiados pela maior parte da sociedade civil, os radioa- mantes formam a praxe da luta pela democratização dos meios de comu- nicação aqui e em todos os cantos do mundo onde há ditadura das informações, são eles os verdadeiros vanguardistas práticos que lutam pela defesa da pluralidade de idéias e da produção cultural dos subterrâ- neos

As rádios livres possuem diver- sas maneiras de organização. Ora são operadas por grupos e pessoas que se afinam num propósito, ora são iniciativas individuais de cida- dãos que sentem necessitados de fazerem uso de um meio de comu- nicação para se expressarem. Po- rém, o que vemos em todos esses casos são iniciativas de pessoas com uma visão mais global das questões aqui expostas, lutam pelo direito básico do ser humano que é a própria liberdade de expressão, comunicação e manifestação cultu- ral, assim como a necessidade que tem de respirar.

No Brasil, especificamente, esse movimento teve seu momento de grande expressão no começo da década passada com o surgimento de mais de uma centena de emisso- ras livres na cidade paulista de Sorocaba. Um segundo momento foi por ocasião da visita do pensador francês Felix Guatari aqui no Brasil, onde numa série de palestras sobre sua tese de "Revolução molecular" citou a utilização de rádios livres no processo de pulverização do poder de comunicação dos povos. A partir desta época, surgiram e se organiza- ram então diversas rádios livres

politizadas por todo o Brasil, entre elas a rádio Xilik da PUC/SP, Totó ternura da USP ítaca, Tereza dos Bancários de São Paulo, Sempre Livre de Vitóna/ES, Asmática de Florianópolis/SC. Dengue dos Movimentos Populares de São Paulo, entre outras. Hoje outras grandes iniciativas nesse sentido já vem sendo executadas com mais ênfase nesses últimos anos O surgi- mento de grandes projetos de rádios livres podem marcar sua presença nessa história que começou a ser contada há muito tempo. Exemplos como o da casa de cultura Reversão e sua rádio (zona leste da capital paulista) com uma experiência iné- dita e grande participação de mais de 40 pessoas no processo de produ- ção cultural, com uma programação transmitida de um auditório onde passam grupos musicais da região, teatro poesia, dança, palestras, tudo ao vivo e diante dos olhos de deze- nas de espectadores, bem como a manutenção de uma política econô- mica autogestionána quem mantém financeiramente o projeto em pleno funcionamento, são iniciativas que dão ao movimento boas perspecti- vas de crescimento e organização. Outros exemplos são as emissoras livres que atuam dentro da comuni- dade que lutam por interesses popu- lares ou mesmo aquelas que contra- riando os grandes monopólios mani- festam-se de todas as maneiras pos- síveis através de rádios populares a até mesmo as chamadas rádios livres evangélicas.

Ainda hoje, os grandes meios de comunicação discriminam essas ini- ciativas, chamando-as de "rádios piratas" ou até mesmo em "rádios clandestinas" pejorativamente, mas não dizem o quão clandestinas são as concessões de rádio e TV no país, onde sempre a mesma minoria privi- legiada de políticos "bem intencio- nados" criam uma legislação em benefício próprio

Enfim, isso é rádio livre Uma voz do povo para o próprio povo, onde vale a idéia e a cultura dessa população calada e submissa que viveu diante de mandos e desman- dos dos poderosos empresários da comunicação e estadistas supremos. Mas agora acorda para viver o ver- dadeiro e novo de fato numa nova concepção de comunicação aberta, democrática e participativa.

Chico Lobo Rádio XI □

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Quinzena N° 219 -15 Nov/95 11 Trabalhadores Documento - Out/95

0 COMITê PELA LIBERTAçãO DOS PRESOS POLíTICOS DO BRASIL

O Centro de Assessoria Popular (CAP) e o Comitê pela Libertação de Lamia, uniram-se no Comitê pe-

la libertação dos presos políticos. Sediado no Sindicato dos Jornalistas do Rio de Janeiro, este grupo é aberto a pessoas e entidades preocupadas com os direitos humanos e pro- cura mostrar que a pnsão política infeliz- mente não é coisa do passado em nosso país.

Encontram-se nas penitenciárias do CARANDIRU (SP) os membros do M1R (Chileno - Mov. de Esquerda Revolu- cionário) Eduardo Paz e Horácio Paz (Ar- gentinos). Mana Emília Badüla, Sérgio Ur- tubia. Pedro Lembach, Ulises Acevedo e Heman Collante (Chilenos), Cristme Lamont e David Spencer (Canadenses) e o brasileiro Raimundo Rosélio Freire. Eles seqüestraram o empresário paulista Abílio Diniz em 1989 e o dinheiro arrecadado sena enviado para a guerrilha de El Salvador, portanto uma ação política. Contudo tiveram punições de cnme comum (28 e 30 anos), penas altas demais, pois além de tudo o empresário foi bem tra- tado, segundo sua própria declaração.

Autondades de vários países, parlamen- tares, bispos, cardeais e mesmo o primeiro ministro canadense já se manifestaram nesse sentido, pedindo inclusive a expulsão dos estrangeiros e o indulto ao brasileiro o que é prerrogativa da presidência da República e na prática libertação para todos. Nesse senti- do caminha a nossa ação exortando as pes- soas e entidades a enviarem fax para Fernando Henrique Cardoso, a fim de que

André de Paula

ele possa finalmente assumir uma posição humanitária (Fax 061-322-2806), visto que os miristas foram até barbaramente tortura- dos e ficaram incomunicáveis 15 meses, e já gozariam de liberdade condicional caso a condenação fosse por cnme político.

Outros prisioneiros políticos são mem- bros do Movimento Sem-Terra (MST). Pelo simples fato de tentarem promover a justi- ça, ocupando um pedaço de terra para morar e plantar, abastecer a cidade e sobre- viver são muitas vezes torturados, mortos, presos e tem suas plantações queimadas pôr capangas dos grandes fazendeiros ou até mesmo pela segurança do estado burguês, capitalista e explorador, que e a policia.

Em Corumbiara. Rondônia, depois do massacre a que foram submetidos, (tortura- dos, queima de casas, plantações, mortes e desaparecimentos) ainda cinco Sem-Terra estão com pnsão preventiva decretada e o companheiro "Quebra-Mola" preso, pas- mem os senhores

Em Pontal do Faranapanema (SP), um Sem-Terra encontra-se preso e há um recur- so pôr parte da promotora, para que seja decretada a prisão de mais quatorze, sendo a grande liderança Zé Rainha, um deles. No oeste do Paraná nove foram condenados, cumprindo pena de dois anos (serviços a comunidade), pelo simples fato de tentarem promover a Reforma Agrária na prática. Outro caso é o da brasileira Lamia Maruf Hassan, presa no estado de Israel.

Inocente, ela e mais cinco mil palesti-

nos encontram-se apodrecendo nas prisões daquele país. Condenada a pnsão perpétua, está há nove anos presa, acusada de cum- plicidade na morte de um soldado israelen- se. Levando em consideração que o julga- mento foi uma farsa (a defesa era cerceada a todo momento conforme atestam lunstas até de Israel), que estava em uma zona de guerra e numa guerra o conceito de cnme pôr si só é diferenciado obviamente, que cumplicidade jamais poderia ser alvo de condenação perpétua e que há um tratado de paz entre Israel e a OLP. exigimos do governo brasileiro maiores gestões para que ela seja finalmente libertada

Antes vivíamos numa ditadura militar e econômica, hoje a ditadura amda é eco- nômica e o conflito é de baixa intensidade onde o sistema procura esconder o motivo das mortes e pnsões (a velha luta de clas- ses). Tentam imputar as mortes e pnsões, motivações criminosas comuns e infaman- tes como roubo, tráfico de drogas, etc.

Escreva para nós, telefone, venha você também para o comitê O Sindicato dos Jornalistas está situado na rua Evaristo da Veiga, 16 17° andar - Centro - Rio de Janeiro - tel: (021) 240-2022 e fax (021) 240-2852.

André de Paula é advogado, membro da direção

da CMP-RJ (Central dos Movimentos Populares).

e do Comitê Pela Libertação dos Presos Políticos.

tendo sido da Comissão de Direitos Humanos e

Liberdade de Imprensa da ABI LJ

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Jornal do PSTU - N0 70 - 26/10/95 a 05/11/95

PONTAL DO PARANAPANEMA LUTA PELA TERRA

Cecília Turatti e Cláudio Rennó, ambos militantes do PSTU, fo- ram a região de conflitos de ter-

ras no Pontal do Paranapanema, extremo oeste do estado de São Paulo, levando um abaixo-assinado com 368 assinaturas de estudantes da Universidade de São Paulo, contra os pedidos de prisão pre- ventiva dos líderes do MST (Movimento dos Sem Terra) na região. Aqui, eles contam um pouco do viram e a história da luta pela posse daquelas terras.

Quando chegamos, no início da noite de quinta-feira 12 de outubro, nos deparamos com o desmonte do acam-

Claúdio Rennó

pamento da ocupação da Fazenda São Luís e das dependências abandonadas da Cesp, ao lado da usina hidrelétrica de Taquaruçu, em vista da provável intervenção da polícia militar na manhã do dia seguinte, por ordem judicial de reintegração de posse.

Fomos levados para a Fazenda São Bento, principal assentamento da região, com cerca de 600 famílias já assentadas, e lá recebidos nas casas dos colonos, onde tivemos hospedagem e alimentação.

No dia seguinte, conhecemos a fazenda, sua sede majestosa, com pisci- nas e quadras de esportes, e a mansão

com lareiras, construída á época do antigo fazendeiro, agora sede da coope- rativa dos assentados. Também passa- mos por outras fazendas já desapro- pnadas para fins de reforma agrária e outros acampamentos de ocupações.

Constatamos uma situação de extre- ma pobreza na região, tanto dos assen- tados como dos ocupantes. Todos pas- sam por muitas dificuldades, como escassez de alimentos e falta de mate- rial de construção para suas casas, estando a maioria ainda em barracas de lona e plástico. Este ano tem sido muito ruim para a agricultura em geral

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Quinzena N0 219 -16 Nov/95 12 Trabalhadores

- graças ao Plano Real de FHC - e pior ainda para os pequenos agricultores e os novos assentados.

Voltando à Fazenda São Luís: a PM, com cerca de 450 soldados, só apareceu na tarde da sexta-feira e não encontrou ninguém na área reclamada. Todos já estavam às margens da estrada local,

UM POUCO DA HISTóRIA

DO PONTAL Na década de 30. com a industriali-

zação acelerada do governo Vargas, a região do Pontal do Paranapanema. detentora até então de uma das últimas reserv as de mata atlântica do interior do Brasil, foi desmatada. ali se iniciando a cultura do algodão para suprir as indús- trias têxteis de São Paulo. Também se plantava amendoim como alternativa.

Nos anos 40 e 50. tomou-se a maior região produtora de algodão do pais.

atraindo bastante mão-de-obra para tal. Mas como os fazendeiros, sedentos de lucros fáceis a todo preço, não renova- vam as culturas nem cuidavam da terra, esta foi se exaurindo e a produtividade caindo sensivelmente nos anos 60, per- dendo a concorrência com outras regiões. A partir daí, os fazendeiros pas- saram a substituir o plantio de algodão pela criação extensiva de gado. E como o povo de lá diz, "onde entra o boi, sai o homem". Isto é. causando o desemprego em massa dos trabalhadores da região.

Mas na década de 70, com o "milagre econômico" brasileiro, às custas da divi- da externa dos governos militares, ini- ciou-se a construção de várias barragens de usinas hidrelétricas na região, absor- vendo assim a mão-de-obra excedente e atraindo novos contingentes para lá.

Já nos anos 80. com o fim do "mila- gre" e a crise da dívida externa, o ritmo

das obras diminuiu sensivelmente, dis- pensando muitos trabalhadores, que, sem terem para onde ir e sem outras qualificações técnicas e profissionais, ficaram acampados às margens das estradas e começaram a ocupar terras, ainda desorgamzadamente.

Agora, nos anos 90, com o aumento da crise, as obras na região estão prati- camente paradas e um imenso número de trabalhadores, desempregados. Com a cnaçào do MST, eclodiu uma onda de lutas e ocupações de terras, que envol- ve hoje cerca de 6 mil famílias, sendo 3 mil já assentadas em três fazendas e 3 mil acampadas em ocupações de onze fazendas da região (todas terras devo- lutas do Estado, griladas pelos fazen- deiros) e mais milhares cadastrados para novas lutas.

Claudia Rennó 1_J

Jornal do PSTU - N" 70 - 26/10/95 A 05/11/95

"As AMEAçAS NãO VãO ACABAR COM O Nosso MOVIMENTO"

Conversamos com Deolinda Alves de Souza, uma das lideranças das ocupações no Pontal do Paranapanema,

JPSTU - Como está a situa- ção aqui, após as ameaças de prisão preventiva dos

dirigentes do MST? Deolinda - Estamos tomando medi-

das para a defesa dos companheiros, principalmente em relação aos três mais visados: um é o Zé Rainha, outro é o Cláudio e o outro é o Eduardo.

Hoje muitas das pessoas perguntam: a retirada dos trabalhadores das áreas ocupadas foi uma derrota? Não. Como se diz. você tem que dar um passo atrás para dar dois para a frente, e esses dois que você tem que dar. você tem que conquistar. É isso que está se fazendo.

JPSTU - Você tem aparecido na grande imprensa como "a compa- nheira do Zé Rainha, que fica no lugar dele". E assim mesmo?

Deolinda - Não, eu assumi respon- sabilidade pelo fato de eu ter uma traje- tória no movimento. Conheci o Mo- vimento dos Sem Terra em 1985, traba- lhei no Nordeste quatro anos, então tem toda uma trajetória de luta. E agora esses companheiros se preveniram antes que a gente duvidasse do inimigo. E como a gente tem toda uma prática de

Cláudio Rennó

luta, restou a mim contribuir pra que o processo desta luta não fosse em vão e que ela tivesse um resultado concreto.

JPSTU - Essas ameaças mudam a atuação de vocês?

Deolinda - Como nós não temos motivos para ficar clandestinos, nós não temos motivos de dar o nosso di- reito pelo que eles falam, porque eles

"As ameaças não alteram nem

diminuem a nossa atuação no

MST" não têm provas, então os companheiros regressaram e estão fazendo o trabalho normal que devena ser feito. Agora, al- guns cuidados têm que ser tomados, e nós vamos trabalhar em cima desses cuidados, principalmente com relação á vida deles.

Para nós, as ameaças não alteram nem diminuem a atuação dentro do

Movimento dos Sem Terra. Podem prender dez, vinte ativistas, cem. duzen- tos, que eles nunca vão conseguir des- truir o movimento com prisão, e nem tampouco com prisão preventiva. Isso ai é básico pra nos, nós temos clareza disso. Eles não vão conseguir jamais.

JPSTU - Existe um projeto do MST para a área do Pontal do Para- napanema?

Deolinda - Nós temos um projeto de desenvolvimento para esta região, assim como o Movimento também tem interesse de desenvolver no Brasil co- mo um todo. E aqui a gente vê o domí- nio desses latifúndios em relação às terras. Até o próprio gado deles está morrendo de fome, nisso a gente vê a incapacidade e a irresponsabilidade que eles têm. Se eles tratam o que eles di- zem deles dessa forma, imagine um trabalhador que trabalha com eles

Tem animais morrendo de fome, por- que na época da seca eles nem sequer cuidaram de dar a eles o básico de ali- mentação, e isso traz raiva na gente, por- que mesmo sendo deles, a gente ena um carinho. Enquanto morrem duas, três vaca deles, nós temos os nosso filhos, e

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Quinzena N0 219 -15 Nov/95 13 Trabalhadores

se nós quisermos um leite de manhã nós vamos ter que comprar, e para comprar nós temos que trabalhar uma diária para ter esse dinheiro. E o que traz mais raiva ainda é saber que eles dominam tanta terra e nem sequer alugam para os arren- datários trabalharem, porque se os arren- datános trabalham, na verdade tem tra- balho para quem está ai no campo, vai ter que colher o algodão, tem que plantar o milho, plantar o feijão. Enfim, vai ter o trabalho para manter pelo menos o míni- mo, não dina a saúde, mas a alimentação dos filhos.

JPSTU - O que você acha do apoio dos estudantes à luta de vocês?

Inverta - N° 61 -1° a 15° de Out/95

Deolinda - Vocês estudantes têm o nosso respeito, nós temos um carinho imenso por vocês. Cito como um exemplo concreto o impeachment do Fernando Collor de Mello - quem foi que encabeçou? Foram os estudantes. E sem dúvida nenhuma a reforma agrária é uma luta de todos. Envolve os estu- dantes, os assalariados, os bóias-frias, os bancários, os professores, todos aqueles que entendem que a luta da reforma agrária tem que ser defendida, porque resultados concretos ela trará para o bem do movimento e para o bem social

A contribuição de vocês, se pude-

rem, é isso que vocês estão fazendo, vir até aqui, conhecer os trabalhadores. Tem muitos alunos, eu teria dó deles, que vão muito pela mídia, e não pela prática. E essa prática tem que ser reco- nhecida principalmente por vocês. Fica aqui um convite para que no próximo acampamento vocês façam uma cara- vana e venham participar de uma ocu- pação. Quando tiver um processo de ameaças tipo este de pnsão preventiva, vamos juntos nos mobilizar pra que esta questão seja defendida tanto no campo quanto na cidade.

Cláudio Rennó ü

PROLETãRIO-CAMPONêS: NA TERRA, SEM-TERRA, SEM-LUTA, SEM VEZ

Segundo os dados pouco confiá- veis das estatísticas oficiais, existem perto de 3 milhões de

trabalhadores sem terra em vias de se levantarem em armas para conquista- rem o seu direito à vida. à dignidade e a liberdade.

De que necessitam para conquistar estes objetivos legítimos que aspiram estes seres humanos9

-Um pedaço de terra, instrumentos agrícolas mínimos, insumos básicos, meios de escoamento e um mercado para comercializar sua produção.

0 que faz o governo neoliberal do Sr. Fernando Henrique Cardoso9

-Prometeu durante a campanha elei- toral que a Reforma Agrária seria uma prioridade em seu governo - uma das "5 metas", um de seus dedos das mãos.

Quase um ano de governo se com- pletou e cada vez fica mais claro para os trabalhadores, particularmente a sua parcela proletária-camponesa, que somente existe uma maneira de fazer com que este governo a serviço da glo- balização imperialista cumpra a sua promessa: arrancando-lhes ou decepan- do os dedos da mão, a cada meta pro- posta e não realizada.

Não há justificativa para um governo composto por intelectuais, que até ontem posavam de democratas e de esquerda, que sabem o dramático qua- dro do campo brasileiro, onde pouco mais de 10% dos estabelecimentos rurais concentram 80% dos 376.286.577 hectares de terra cultiváveis e cerca de 90% dos estabelecimentos ficam apenas com 20% das terras, com uma dramática subutilização da terra - somente 50

milhões de hectares das terras cultivá- veis são utilizadas. Enquanto isto, 15 milhões de trabalhadores estão desem- pregados, 43 milhões são indigentes e mais de 100 milhões são famintos e sub- nutridos.

O Sr. FHC e seu governo aprofunda ainda mais este quadro de barbárie so- cial e genocídio, programado nos labo- ratórios neoliberais do ""consenso de Washington", entregando as bases es- tratégicas da soberania nacional, finan- ciando os latifúndios. Diante da impu- nidade de suas chacinas, como a de Santa Elina, os latifundiários se armam abertamente para um extermínio em massa, multiplicando o número de "Santa Elina".

O proletário-camponês não deve se iludir quanto a solução de seu dilema. Sem ousadia, heroísmo e a violência necessária para resistir e continuar lu- tando, sua derrota poderá ser iminente. Mirem-se no exemplo de Chiapas do México; toda a simpatia que desfrutam entre os trabalhadores urbanos e da capital (a manifestação de milhões de pessoas contra o governo e em apoio às suas reivindicações) não foi o suficien- te para mudar radicalmente sua situa- ção. Sua atitude enche de orgulho e dignidade os trabalhadores no mundo, mas para conquistar a vitória definitiva é necessário a compreensão da realida- de objetiva, entender-se a contradição que poderá movimentá-la, reconhecer os seu iguais na cidade, unir-se a eles e empolgá-los com o seu exemplo locali- zado e heróico, sem comprometer o grosso de suas forças principais, até que se levantem conjuntamente em

ação una. rebelde e revolucionanamen- le transformem esta realidade de opres- são e genocídio a que todos estão sub- metidos.

É preciso a compreensão que dentro do sistema capitalista no pais. não há solução para os trabalhadores sem terra (o proletário-camponês). Estes hoje. constituem uma massa flutuante, que vive como "Prometeu acorrentado", agrühoado aos rochedos do modo de produção capitalista em seu estagio monopolista, pelas correntes da circu- lação do capital financeiro, da moder- nização constante da tecnologia e do neoliberalismo verde ou neocolomalis- mo ecológico dos monopólios impena- listas; por último da globalização e da privatização da natureza pelos oligar- cas da terra e do capital.

A cada crise cíclica da economia capitalista, o proletário camponês vê aquilo que acredita que seja seu modo de vida anterior (a propriedade indivi- dual), recriado e destruído, oscilando o seu ser social entre o pequeno-burgués (camponês) e o proletário (seja incor- porando-se ao exército industrial de reserva, ou como bóia-fria ou ainda empregado, portanto nas fileiras do proletariado moderno). Quando con- quista um pedacinho de terra, logo a perde diante da soberba do capital monopolista, que se desenvolve sempre da pequena propriedade ou da centrali- zação da mesma, seja pelo monopólio da compra, seja pelo monopólio do financiamento, seja ainda pela expro- priação violenta. O seu destino mani- festo do capitalismo é a extinção e recriação no sentido clássico da sua

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Quinzena N0 219 -16 Nov/96

denominação como camponês: sofri- mento

Portanto é necessário reconhecer que a solução para seu dilema de vida é a revolução social. Somente em uma sociedade socialista, voltada para os interesses fundamentais dos trabalha- dores é possível viver com dignidade. É preciso transformar a história e sua história, assumindo definitivamente uma posição proletária conseqüente. E isto ocorrerá na medida em que busque seus iguais, não caia nas malhas da demagogia das classes dominantes, nem da pequena-burguesia. empolgue

14 Trabalhadores

com seu gesto os seus iguais em sofri- mento, exploração, opressão e miséria. Enfim, que levante-se como classe para si, por conseguinte, em partido político, que instaure o poder revolucionário que cumpra um programa que solucio- ne as necessidades dos trabalhadores do campo e da cidade, que salve as nossas crianças das chacinas, que libere aquilo que existe de mais criativo, pro- dutivo e humano da única classe fecun- da e revolucionária no pais: o proleta- riado. Um bom começo seria unir a greve geral com uma grande atividade na área de conflitos.

Deve-se chamar a atenção para um fato perigoso do encaminhamento da luta: os acampamentos negociados com o governo e onde estão se concentran- do os sem-terra, aguardando os assen- tamentos, cheiram a campo de concen- tração, no estilo nazista, pois os latifun- diários estão se armando sob o bene- plácito do latifundiáno-banqueiro e Ministro de FHC. Tudo cheira a exter- mínio em massa, genocídio.

E agora, quantos dedos devem ser decepados para que a conta de um mentiroso não continue? □

Jornal Inverta - N° 62 -16 a 31/10/95

O MORRO E A ROçA José Nilo Tavares

Dois grandes fenômenos emer- gem, de forma inquietadora para os conformistas e os

conformados, no Brasil de hoje - o domínio crescente dos donos dos morros e dos cortiços nas grandes cidades e a ação pertinaz dos sem- terra no campos e nos sertões. En- volvem milhões de seres humanos que, tradicionalmente, caracteriza- vam-se como pobres diabos semi- escravizados.

Nas metrópoles, a ação represso- ra da polícia e demais autoridades integrantes dos aparelhos de Estado mostra-se ineficaz. Há ganhos mi- núsculos que as verbas públicas es- parramadas pelos meios de comuni- cação procuram maximizar.

E utilizam estatísticas duvidosas do tipo: no mês de maio decresceu em dois por cento o roubo de carros e os assaltos e sequestros reduziram- se em um por cento.

Esquecem-se de dizer, e sempre, que o descrédito da polícia, e das autoridades integrantes dos apare- lhos de Estado, não estimulam nin- guém a procurá-las para denunciar o crime e pedir justiça. Torna-se mais divulgado o fato, que todo mundo conhece, por experiência própria ou pelas evidências manifestas no con- vívio quotidiano, que as autoridades estão profundamente envolvidas no mundo da criminalidade, de formas sutis ou de maneira escandalosa.

Em síntese, quem alimenta a ilu- são de que os aparelhos do Estado conseguirão impor-se sobre os mar- ginais9 No Rio de Janeiro e em São Paulo, por exemplo, estabeleceram

as autoridades municipais a obriga- toriedade do uso de cinto de segu- rança para os condutores de veícu- los. Mas que possibilidade existe para o cumprimento da determina- ção'7 No Rio. os veículos estacio- nam nas calçadas destinadas aos pedestres e nunca se fez nada para coibir este abuso absurdo!

Sim, o domínio do morro se agi- ganta e nós. que participamos, nas grandes cidades, desta experiência, pouca esperança mantemos, em visão realista, da possibilidade de qualquer alteração a curto e médio prazos. Pelo contrário, intuímos que o problema tende a agravar-se, con- siderando a tendência para o aumen- to dos índices de desemprego.

Agora, uma questão. Imaginem esses reis do morro, vivos, inteligen- tes, sofridos, perseguidos pela ser- pente de corrupção que, na verdade, é a chamada corporação pública ofi- cial, unindo-se, por necessidade de preservação, aos miseráveis do campo, aos sem-teto, aos bóias- fnas, às crianças abandonadas, aos desempregados operários, com vivência comunitária. E uma con- juntura em que não existem partidos revolucionários "de enquadramen- to".

Imaginem esses reis do morro que, na verdade, controlam a vida das grandes cidades, sustentam os seus policiais, elegem os seus políti- cos, intimidam os seus grandes comerciais e industriais, unindo-se, em virtude dessas distorções malu- cas que existem no mundo atual, aos pobres do campo.

Na roça, historicamente, até os nossos dias, os latifundiários e seus jagunços, bem armados, com a conivência das autoridades policiais e seus mandados, têm levado a me- lhor. As baixas nas hostes dos ex- plorados são infinitamente maiores que entre os grupos exploradores e a covardia e a truculência têm pre- dominado sobre a revolta humana e a sede de justiça. Mas, até quando? Sena uma insensatez prever que, como nas cidades, os aparelhos de Estado e a corrupção, dia a dia estão perdendo o poder controla- dor9

Aí, sim, eu acredito, estaremos nos limiares da pós-modernidade. Isto é, estaremos ingressando no verdadeiro mundo da ilogicidade, da desumanidade, do "espertentico" (horripilante), como gostaria de di- zer o grande escritor socialista-co- munista, Valle Inclán. E as previsões positivistas, individualistas, regadas ao champanhe, de homens como Kissinger e Roberto Campos, guar- dadas as dimensões, rolariam pela enxurrada que eles próprios, talvez inconscientemente, provocaram.

Repudiando o sorriso de aeromo- ça do Presidente da República ou a "facies" de Carlos Gardel do Mi- nistro da Fazenda, preferimos assu- mir a postura séria de um Berlinguer e dizer bem alto, prenunciando as tempestades que estão por vir: se cuide, minha gente.

José Nilo Tavares é jornalista, pro- fessor universitário e vice-presiden-

te do CEPPES. □

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Quinzena N0 219 -15 Nov/95 15 Trabalhadores Massas - Nov/95

ABAIXO AS PRISõES POLíTICAS

DAS LIDERANçAS DOS SEM-TERRA! LIBERDADE

IMEDIATA PARA DEOLINDA E MáRCIO!

PELA AUTODEFESA, PELOS COMITêS CONTRA A

OPRESSãO POLíTICA E SOCIAL! As pnsòes políticas de Deolinda

Souza e Márcio Barreto, diri- gentes do MST e das ocupa-

ções do Pontal do Paranapanema. são um ataque c uma intimidação ao movi- mento dos sem-terra e aos movimentos operários e popular em geral

Nem bem José Rainha e outras lide- ranças reiniciaram as ocupações no Paranapanema. a Justiça burguesa decretou as prisões. 0 objetivo é deca- pitar o movimento

Primeiramente, o governo tentou cooptar as lideranças do MST para pôr fim às ocupações, numa espécie de tré- gua em favor dos donos da terra. O presidente do Incra lançou a bandeira de "UTl dos sem-terra". que significa negociar migalhas de assentamentos, ainda para um futuro incerto.

Para isso se reuniu com o MST. Pastoral da Terra. CNBB. Contag. OAB. PT. Sociedade Rural Brasileira (de latifundiários) etc. Francisco Graziano procurou montar um grande aparato em tomo do governo para que- brar o ímpeto das ocupações.

Neste quadro, a justiça burguesa procurou dar tempo ao pedido de pri- são de José Rainha, como parte da ten- tativa de conciliação, Uma vez que os sem-terra do Mirante resolveram reo- cupar as terras, o juiz decretou sua pri- são, de sua mulher e outros lutadores.

Tudo indica que o desfecho desse conflito no Pontal não será cor-de-rosa. Os latifundiários exigem do governo mão de ferro, ou então eles mesmos a usarão por conta própria.

É necessário que o movimento ope- rário, popular e camponês saiam em defesa dos líderes ameaçados pelos capitalistas. Nada de prisões! Que as terras que sejam entregues aos campo- neses! Lutemos contra os capitalistas e seu governo!

TODO APOIO àS OCUPAçõES

DO PONTAL Os camponeses sem-terra de

Sandovalina, Pontal de Paranapanema,

reiniciaram as ocupações depois de esgotado o prazo de negociação com o representante do Incra. Sr. Graziano Os fazendeiros grileiros voltaram atrás na sua "disposição"' de receber como indenização apenas as benfeitorias. E iniciaram uma verdadeira campanha de intimidação e terror contra os sem- terra.

Nada disso quebrou a disposição dos camponeses ocuparem a fazenda São Domingos e terras de propriedade da Cesp. O fracasso dos planos do Incra poderá dar lugar a uma selvagem repressão sobre os sem-terra.

Exigimos da CUT. sindicatos e cor- rentes a convocação de plenárias de base para preparar uma resposta em favor dos sem-terra do Pontal. Corumbiara e de todo pais.

PELO APARECIMENTO DOS

OITO CAMPONESES DESAPARECI-

DOS NA CHACINA DE CORUM-

BIARA E PUNIçãO DOS ASSASSINOS

E MANDANTES.

O governo FHC tem feito muita demagogia com a apuração do massa- cre dos sem-terra. O fato e que ainda continuam desaparecidos 8 trabalhado- res e nenhuma punição aos assassinos foi desfechada. E nem será pelo gover- no burguês.

Basta ver que este mesmo compro- vou que as armas usadas para os fuzila- mentos eram particulares, para que os policiais assassinos não fossem identi- ficados. O que também indica a presen- ça de jagunços na matança, evidente- mente pagos pelos fazendeiros da região.

A única maneira de ajustar contas com a burguesia criminosa é consti- tuindo os tribunais populares, represen- tados por delegados de base eleitos diretamente nos locais de trabalho e assembléias. Não basta fazer apenas abaixo-assinados e outros protestos for- mais.

Limitar-se a isso. como tem feito as correntes, e negar-se a uma campanha pelos tribunais populares é cair na impotência. Defendemos utilizar todos os meios de denúncia, mas subordina- dos à tática de mobilização pelos Tribunais Populares.

PELA LIBERTAçãO

DOS PRESOS E FIM DAS

PERSEGUIçõES

O governo Raupp mantém preso Sebastião Pereira, uma das lideranças expressivas dos sem-terra de Corum- biara. E caça por toda a parte o presi- dente de Corumbiara. Adelino Ramos e mais 4 lutadores. Alem de assassmar 9 camponeses e manter desaparecidos outros 8. o governo dos latifundiários mantém encarcerado Sebastião Pereira e continua a perseguição policial a outros líderes.

E necessário que todas as correntes do movimento operário e camponês realizem uma campanha unitária contra a ofensiva dos capitalistas e seu gover- no.

QUE A FAZENDA SANTA ELINA

SEJA IMEDIATAMENTE

ENTREGUE AOS SEM-TERRA QUE

NELA OCUPARAM.

A violenta repressão milítar-jagun- ço contra os ocupantes da fazenda Santa Elina não pós fim ao movimento, como pretendia o governo e os latifun- diários. Logo depois da chacina, os sem-terra se reagruparam em acampa- mento. Mantêm de pé o objetivo de conquistar a terra

O presidente do Incra anunciou que está arrumando uma nova área para assentá-los. Desta forma, o governo espera diminuir o impacto da violên- cia reacionária e evitar novos confron- tos de classe Devemos exigir a expro- pnação sem indenização da Fazenda Santa Elina e sua entrega aos trabalha- dores.

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Quinzena N0 219 -15 Nov/95 X,, ! m

16 Trabalhadores

CONSTITUIR OS COMITêS

CONTRA A OPRESSãO SOCIAL

E POLíTICA

A Tendência pelo Partido Operário Revolucionário (POR) vem analisando que a cnse progressiva do capitalismo e o agravamento da luta de classes obrigará o governo e a burguesia a des- fecharem poderosos ataques repressi- vos sobre as massas. Por outro lado. a

burocracia sindical e os reformistas tendem a se soldarem mais ainda aos interesses dos exploradores, anulando os sindicatos como instrumentos de resistência operária.

Fatos, como de Corumbiara e a ocu- pação militar das refinarias na greve dos petroleiros, vêm comprovando nossa previsão. Em vista disso, o POR tem convocado todas as correntes de esquerda, a vanguarda das lutas e os tra-

balhadores a constituírem uma frente de luta em tomo da constituição dos comi- tês contra a opressão social e política.

Todo apoio aos comitês de luta! Vamos formá-los por todo país! Realizemos uma verdadeira campanha unitária contra a repressão aos sem- terra! Organizemos-nos numa frente de luta antnmperialista e anticapitalista! Organizemo-nos sob a bandeira da aliança operário e camponesa! ü

Análise de Conjuntura Econômica - NEP -13 de Maio -19/10/95

VIVA áS OCUPAçõES Os alimentos desaparecem, os bois aparecem e os trabalhadores se

espremem entre a rodovia e a cerca do latifúndio. José Martins

Os trabalhadores acampados na regiào do Mirante do Pa- ranapanema amontoam suas

famílias na beira de rodovias e de latifúndios que se sucedem a perder de vista.

E todos têm fome. O trigo que viria nas "cestas-basicas" prometi- das pelo governo ainda não tinham chegado Olham para além da cerca e enxergam algumas vacas magras e abandonadas no posto. E o único movimento que. de vez em quando, quebra a imobilidade da terra.

Estão prontos para aumentar em algumas gramas o consumo nacio- nal per capita de carne bovina. "Vamos entrar nas fazendas e matar 200 bois se as cestas não chegarem até amanhã'", dizem os trabalhado- res, conforme relato do jornal Folha de São Paulo de 17/10/95,

Muito longe dali. em Buritis. Minas Gerais, o proprietário de um latifúndio chamado Córrego da Ponte esta preocupado com a recen- te ocupação de um latifúndio vizi- nho. Decide então "povoar'" sua propriedade. Fernando Henrique Cardoso resolveu levar a sério a sua fazenda em Buritis, no noroeste de Minas Gerais. Para sair do "verme- lho", o presidente se associou à Angus Bela Vista Agropecuária Ltda e iniciou a criação de gado brangus na fazenda Córrego da Ponte, a 160 km. de Brasília". Folha de São Paulo 16/10/95.

A Angus Bela Vista Agrope- cuária Ltda. é da família do ex- governador de São Paulo Sr. Abreu Sodré. E o genro do ex-govemador, Sr. Jovelino Mineiro, quem relata "já mandamos para lá 200 bezerras

TRIGO - BRASIL Estrutura de emprego-produção e importação

Item 1.988 1.995 Perda

Área cultivada (ha) 3.467.556 965.900 (-) 2.501.656

Produção (t) 5.846.600 1.638,500 (-) 4.210.000

NT de produtores 144.000 40.000 (-) 104.000

Pessoas empregadas

690,000 195,000 (-) 495,000

Importações (t) 852,000 6,210.000 (+) 5.358.000

brangus (...) A propriedade tem poucos recursos, mas o presidente gosta de gado. é uma das suas pai- xões é a conquista dos cerrados". Folha de São Paulo. idem.

Os 200 bois que os trabalhadores do Mirante do Paranapanema preci- sam para não morrer de fome não têm a mesma sofisticação dos 200 brangus do "conquistador dos cerra- dos", mas uma coisa eles têm em comum: são os habitantes exclusi- vos da grande propriedade territo- rial brasileira, representantes da incapacidade capitalista de se pro- duzir os alimentos necessários à reprodução da população

A pecuária extensiva, do mesmo modo que'a cana de açúcar, é um entrave histórico na estrutura agra- na brasileira. Mas uma nova praga, ate pouco tempo desconhecida, está fazendo mais estragos na produção de alimentos do que faria uma nuvem de bilhões de gafanhotos subindo e descendo pelo território nacional. Veja o que aconteceu com o trigo.

E uma produção praticamente sucateada. Junto com a terra, quase 500 mil trabalhadores ficaram sem emprego. Quase a totalidade do pro- duto está sendo importada "Entre agosto deste ano e julho de 1996 o Brasil irá gastar US$ 1,5 bilhão na importação de trigo, para o abaste- cimento interno" GM. Relatório Safra 95/96.

O arroz, como já vimos, também está sendo sucateado velozmente. O que também custa muito dinheiro gasto em importação. " (...) o Brasil

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Quinzena N0 219 • 15 Nov/95 17 Trabalhadores

gasta anualmente cerca de US$ 400 milhões em importação de arroz" GM. idem.

E o feijão9 "Com 19 municípios a região de Irecê. no nordeste da Bahia, tinha se firmado como o terceiro polo produtor de feijão do pais nos anos 80 e na safra 1991/92. No seu melhor momento colheu cerca de 342 mil tonela- das do produto. Na safra 1994/95. a produção despencou para irrisó- rias 800 toneladas, com quebra de 95% sobre o período anterior. Hoje. ninguém em Irecé arris- ca um prognóstico sobre o que vai ser plantado e muito menos sobre o volume a ser colhido na próxima safra" GM. idem.

O milho e o algodão também não escapam "serão as culturas mais afetadas na safra de verão 1995/96 das regiões norte, noroeste e oeste do Paraná, maior estado produtor de grão do país (...) uma redução de até 30% na área de plantio de milho e de 20% na de algodão, de acordo com avaliações de técnicos de cooperativas situa- das nestas regiões"". GM. idem.

Os exemplos se sucedem com uma regularidade catastrófica. Até pouco tempo, esse "setor moderno" da estrutura agrária brasileira con- centrava e dinamizava as lavouras, as fazendas médias, as agroindús- trias e. de um modo geral, repre- sentava uma significativa partici- pação no Produto Interno Bruto (PIB)

O chamado agrobusiness - que inclui a produção agrícola propria- mente dita. e mais todas as etapas de comercialização, compra e venda de maquinános e insumos. proces- samento ou fabricação, marketing, distribuição, exportação de produtos acabados, etc. é relativamente moderno na estrutura econômica brasileira. E altamente lucrativo. A industria de alimentos, bebidas, cal- çados, cigarros, têxtil, cosméticos, material de higiene e limpeza, etc. fazem parte do chamado agrobusi- ness.

Todas essas operações do agro- business envolveram a vida econô- mica e o enorme crescimento das últimas décadas do interior brasilei-

PRIMEIRQ VAMOS

PLANTAR O HOMEM NO CAMPO»

fü^W ro (e de grandes cidades como Santa Maria. Erexim. Londrina. Campo Grande. Birigui. Rio Preto. Uberlândia. Anápolis. Imperatriz. Altamira. Juazeiro. Crato. Caruaru. Campina Grande e tantas e tantas outras).

E portanto o agrobusiness que centraliza financeiramente e movi- menta a quase totalidade da produ- ção nacional de grãos, carne bovina, suina e aves. frutas, verduras, ovos. leite, açúcar, álcool, etc. Para aten- der esta demanda desenvolvem-se as Cooperativas de produção e comercialização (nas quais se orga- niza a parte mais moderna das pequenas e médias fazendas) É jus- tamente este setor relativamente dinâmico da produção de alimentos que esta sendo atacado pela aquela nova praga popularmente conhecida pelo nome de neoliberalismo.

VENDO A CLASSE MéDIA

DO CAMPO SENDO DESTRUíDA,

JUNTO COM O SUCATEAMENTO

DA PRODUçãO DE GRãOS,

os TRABALHADORES DO CAMPO

SãO OBRIGADOS A ABANDONAR

AS ILUSõES DO CAPITALISMO E

DA PROPRIEDADE PRIVADA.

Agora a previsão é oficial. Na última semana o governo concordou que a safra 95/96 poderá cair até 9%. com relação a última safra. Se o governo admite esta taxa. pode-se esperar que ela será bem mais ele- vada.

O governo diagnostica a causa da queda da produção agrícola nacional; descapitalização do pro- dutor rural. Mas as explicações do que significa o termo descapitaliza- ção são as mais superficiais possí- veis. Por exemplo, de grande parte dos agricultores esta endividada e sem crédito. So constatações desse tipo não são capazes de esclarecer o problema. Por isso. dificilmente haverá uma nova política agrícola que resolva o impasse atual da agri- cultura brasileira.

E o problema econômico se transforma em problema social. Sempre houve uma certa leviandade burguesa e pequeno-burguesa de se separar política agrícola e questão agrária. Não haveria mais. no Bra- sil, uma questão agraria a ser resol- vida, mas apenas a falta de uma boa política agrícola.

Entretanto, o diário Gazeta Mer- cantil, porta-voz mais inteligente dos grandes interesses capitalistas e imperialistas no Brasil, não pode deixar de reconhecer a relação dire- ta entre problema agrícola e questão agrária no Brasil. No editorial de 05/10/95 daquele díáno expnmem- se assim os capitalistas nacionais e internacional.

"Sem dúvida nenhuma, as ocupa- ções de terra que se alastram pelo país. açuladas freqüentemente por grupos radicais, estão relacionadas á crise da agricultura e à sua inevitável conseqüência: o êxodo rural Tudo se agrava em uma fase de desaceleração do crescimento industrial, que vem gerando grande desemprego não só

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Quinzena N0 219 -15 Nov/95

no setores de bens de consumo mas da mesma forma naqueles ligados diretamente à agricultura, como no de produção de máquinas e imple- mentos, defensivos, fertilizantes, etc.

Assim a recuperação da produ- ção deve ser vista também como parte da política de reforma agrária ou de reestruturação fundiária do país".

O problema do governo e dos grandes capitalistas do agrobusiness é achar uma saída para o desmante- lamento da antiga estrutura empre- sarial que explora os trabalhadores e mantém a grande propriedade terri- torial improdutiva. É neste sentido que eles se preocupam com o que vai acontecer às empresas capitalis- tas se houver uma verdadeira refor- ma agrária no Brasil. Agora é o novo presidente do Incra, Sr. Francisco Graziano. amigo de con- fiança do presidente da República e ... do agrobusiness. que descarrega toda essa ansiedade capitalista, em artigo publicado na página 2 do jor- nal O Estado de São Paulo de 15/10/95:

"As entidades ligadas aos movi- mentos de trabalhadores rurais alar- deiam insistentemente que o públi- co da reforma agrária no Brasil é de 12 milhões de pessoas e que. imediatamente, teriam que ser assentados 4.8 milhões de trabalha- dores rurais. Se este fosse o número de sem-terra a serem assentados já, a agricultura viveria um colapso sem precedentes, uma vez que o censo do IBGE mostra que o con- tingente de trabalhadores rurais assalariados do país soma pouco mais de 5 milhões de pessoas.

Uma extraordinária crise se aba- teria sobre o setor empresarial da agricultura devido à falta de braços para o trabalho na lavoura, provo- cando um caos no abastecimento dos grandes centros urbanos e afe- tando sobremaneira os operários. Além disso, imaginar assentar todos os trabalhadores rurais provocaria uma intensa mecanização das ativi- dades produtivas no campo, agra- vando o desemprego e o êxodo rural".

O problema político do Consenso de Washington se resume nisso; há necessidade de se criar estruturas políticas e sociais que sustentem a devastação da nova ordem econômica neoliberal na América Latina. A reforma agrária é então pensada por FHC, como uma necessidade política para se dar

18 Trabalhadores

governabilidade à destruição econô- mica sem limites.

Só pode ser, portanto, uma refor- ma que crie uma numerosa classe média de pequenos e médios fazen- deiros, que não seriam tão importan- tes para se produzir muito mais do que já se produz de alimentos, mas principalmente para caminharem politicamente ao lado dos interesses do que o Sr. Graziano chama de "setor empresarial da agricultura".

Essa é uma equação de difícil solução. Os militares já tentaram esse projeto e não conseguiram. É claro que eles foram bem sucedidos no seu projeto de promover a mais gigantesca expropnação camponesa que se tem conhecimento na história brasileira. Entupiram a cidade de trabalhadores semi-escravos para serem engolidos pela linha de pro- dução da indústria e da agro-indús- tna. Organizaram a estrutura do agrobusiness com muito subsídio estatal, muita repressão política e muita concentração de grandes pro- priedades. Possivelmente expandi- ram a classe média agrária, mas nâo o suficiente para se garantir uma base política capaz de compensar de uma forma estável a predominância do latifúndio, da pecuária extensiva, dos imensos canaviais, da especula- ção do crédito público pelos gran- des proprietários e, finalmente a adaptação passiva da produção nacional de alimentos aos interesses do capital mundializado do chama- do agrobusiness.

Mas como se pensar agora em uma expansão daquela média de fazendeiros, se a própria crise agrí- cola atual está provocando o seu desaparecimento, junto com o suca- teamento da produção do trigo, do arroz, do feijão ...

Os problemas atuais são muito mais dinâmicos para a luta de clas- ses do que na época dos militares Mais uma vez desdobra-se um apro- fundamento da divisão produtiva dentro dos blocos econômicos e, de maneira mais ampla, na economia mundial. O que se passa é uma especialização mais livre e mais pesada da produção de grãos nas áreas e países com maiores vanta- gens comparativas. As decisões de investimentos e localização do que se produz no interior do chamado agrobusiness são cada vez mais ins- táveis e imprevisíveis. As novas condições tecnológicas e de comu- nicações que já invadiram a indús- tria mundial são as mesmas que

levam as instabilidades e destruição da produção agroindustnal em par- tes selecionadas do mundo. As van- tagens comparativas não dizem res- peito apenas à fertilidade do solo, mas, principalmente às facilidades tributárias, ao livre comércio, à liberdade de operações financeiras para o capital, etc.

A produção africana, do norte da África e do Oriente Médio foram as primeiras a serem sucateadas. O vendaval agora se abate sobre o leste europeu, a índia e outras partes da Ásia A próxima vítima, com grandes conseqüências geopolíticas, será a China continental

Na situação atual do Mercosul a Argentina adaptou-se melhor aque- las vantagens para a produção de grãos. E por isso que a produção do tngo foi sucateada no Brasil e 80% das importações brasileiras desse produto estão vindo da Argentina. No limite, o lucro do agrobusiness poderá até aumentar no Brasil, simultaneamente a um sucateamen- to da produção agrícola propria- mente dita.

A superprodução que se concen- tra nos países da Europa Ocidental. Estados Unidos e Canadá não reser- va lugar para a expansão da produ- ção de grãos na América Latina, particularmente no Brasil. Os resul- tados desse movimento já aparecem no NAFTA, provocando o afunda- mento da agricultura mexicana. A conseqüência política mais impor- tante foi a rebelião camponesa de Chiapas

No Brasil, as atuais lutas dos tra- balhadores do campo são movidas por essa nova situação de reprodu- ção do capital e do esmagamento da população trabalhadora mundial.

, Enquanto a burguesia patina no impasse de uma nova política agrí- cola e tenta circunscrever a reforma agrária de acordo com a receita do Consenso de Washington, os traba- lhadores começam a perceber que qualquer objetivo de dividirem a terra e se transformarem em peque- nos e médios fazendeiros não tem nenhum futuro. O processo de expansão do capital está destruindo essa ilusão de uma grande classe média agrária. A própria classe média já existente está sendo des- truída Mas além do latifúndio, que nas condições atuais se transforma em verdadeira peça de museu, os trabalhadores só podem ver uma solução: a destruição da proprieda- de privada e do capital. Q

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Carta Capital ■ Ns 12 -1996

0 QUE é ISSO COMPANHEIRO? Comandada por Gabeira e Genoíno, uma ala da esquerda no Congresso

renega seus dogmas do passado e escandaliza os colegas ortodoxos. Nelson Letaif

Aos olhos do visitante, a bicicle- ta Caloi Barraforte parece tão deslocada em um canto do exí-

guo gabinete 374. no anexo C da Câmara dos Deputados, quando o atual dono de ambos, deputado Fernando Gabeira (PV-RJ), se acha um estranho no ninho da esquerda parlamentar bra- sileira. Pedalando seu primeiro manda- to legislativo. Gabeira chocou ex-com- panheiros de militância política ao votar, na revisão constitucional, com o governo e os neoliberais - antes que se confundem, na opinião de seus críticos - contra os monopólios estatais do petróleo e das telecomunicações, dog- mas ainda venerados pela esquerda ortodoxa local. Para quem soou como música desafinada um artigo do depu- tado, publicado depois em um jornal paulista, justificando suas posições pela ótica dos interesses do consumi- dor, hoje mal atendido pelo Estado.

A cor do gato. "Sou do tempo em que os interesses do cidadão contavam mais do que os do consumidor", encan- daliza-se o deputado Milton Temer (PT- RJ). na sua própria definição um amigo beligerante de Gabeira recorre a mile- nar sabedoria chinesa para esclarecer seu ponto de vista. "Não importa se o gato é preto ou branco e sim que ele pegue o rato'", compara. Traduzindo: ao consumidor interessa ter um telefone bom e barato, por exemplo, mas é indi- ferente se quem o fornece é o Estado ou um particular. Ele lembra que no Chile, onde as telecomunicações foram priva- tizadas, pode-se conseguir rapidamente uma linha telefônica por US$ 10,00, enquanto o morador da Barra da Tijuca. no Rio, para obtê-la, tem de pagar US$ 9 mil. Gabeira não tem dúvida de que Marx, se estivesse vivo, seria hoje con- tra os monopólios estatais, por que eles obstruem as forças produtivas.

Observadas em retrospectiva, as tra- jetórias político-ideológicas individuais de Gabeira e Temer conírontam-se como um modelo e sua imagem invertida dian- te do espelho da história, ao mesmo tempo que projetam luzes sobre as con- tradições presentes da esquerda nacio- nal, ainda perplexa com o fracasso do socialismo real. Nesse sentido, represen-

tam lados opostos de um mesmo parado- xo. O guerrilheiro de ontem é visto pelos colegas moderados de então como o conservador de hoje, e vice versa. Am- bos na casa dos 50 anos atualmente, em junho 1968, a três meses da decretação do Al-5, eles integraram o comitê orga- nizador da memorável Passeata dos Cem Mil contra a ditadura militar, no Rio de Janeiro. Protagonizaram então uma divergência semântica e inocente, que logo se tomana aguda e perigosa

Chefe do setor de pesquisas e docu- mentação do Jornal do Brasil e militante no MR-8, à época uma dissidência extre-

Em vez de O Capital, de Marx, a bíblia

da "esquerda moder- na" é Direita e

Esquerda, de Norberto Bobbio

mada do Partido Comunista Brasileiro, Gabeira liderou o bloco que na passeata e nas discussões preparatórias entoava o refrão "o povo, armado, derruba a dita- dura". Outro refrão semelhante, com a palavra organizado em lugar de armado, era puxado pelo bloco do qual fazia parte Temer, oficial de Marinha cassado pelos militares, então chefe da sucursal da Editora Abril no Rio e comunista de carteirinha. Encarnavam o dilema luta de massas x luta armada como alternativas táticas para a conquista do poder. O con- flito se acirraria no ano seguinte, quando Gabeira, já clandestino, participa do seqüestro do embaixador americano Charles Elbrick. Preso em seguida e incluído numa lista dos ativistas extradi- tados do Brasil como parte do acordo para a libertação de um outro refém, vai viver na Europa até a anistia política, em 1979. Já Temer, livre da perseguição militar, continuou a viver no Rio e tro- cou o PC pelo PT, partido pelo qual se elegeu vereador, deputado estadual e, agora, federal.

Ecos de Gramsci. Com a mesma determinação que exibe em infalíveis caminhadas ou passeios de bicicleta

matinais pelos parques de Brasília, com mais de duas horas de duração, Gabeira evita reuniões com governistas em favor das reformas que ele também apoia. Temer, ao contrário, é um assí- duo participante das articulações entre parlamentares, sindicalistas, estudantes e nacionalistas em geral contrários à quebra dos monopólios e unidos em tomo do que ele chama de "proteção do patrimônio público" O que é muito diferente, ressalta, da defesa do Estado brasileiro como se apresenta hoje - "um instrumento de dominação dos mais fracos pelo setor hegemônico da socie- dade". A margem de Gramsci. ele enxerga o Estado como uma arena de disputa dessa hegemonia.

Quando ao Gabeira atual. Temer o vê como a profecia cumprida do que dizia a seu respeito quando se sentia em desvantagem nas discussões políti- cas dos anos 60: "Você ainda vai aca- bar na direita". Gabeira. que acha uma balela o apego da esquerda a visão segundo a qual petróleo e telecomuni- cações são setores estratégicos da eco- nomia e por isso devem ser mantidos sob controle do Estado, não se lembra dessa advertência, mas se recorda de ter sido várias vezes chamado de "turco burro"' por ele nos embates do passado, ao que retrucava "turco burro é você" - a descendência árabe é um dos raros pontos de contato que restou entre eles. Como resposta á nova investida de Temer, o ex-guemlheiro prefere o con- fronto aberto ao ataque de surpresa. "Ele é um stalinista enrustido", acusa. O que não diria um do outro caso se considerassem inimigos?

Vaga Neoiiberal. A troca de chum- bo, em todo caso, nada têm a ver com disputas interpartidánas, como provam as divisões internas do PT Mais do que isso, o cisma dentro da Democracia Radical, uma facção situada mais à direita do espectro político do partido de Lula, integrada, entre outros, por nin- guém menos que o próprio Temer e seus colegas de bancada, por São Paulo, José Genoíno e Eduardo Jorge Os três esti- veram unidos na oposição ás diretrizes partidárias traçadas pela direção nacio- nal do PT em vários episódios, entre

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Wij' -r a»

Quinzena N0 219 - 15 Nov/95 20 Nacional

eles quando defenderam alianças eleito- rais com o PSDB nas campanhas esta- duais e federal de 1994. Agora, Temer critica seus colegas paulistas por esta- rem engrossando a "vaga neoliberal" ao propagarem reformas que se confundem com aquelas defendidas pelo governo.

Ressalte-se que. em nome da disci- plina partidária, ambos acabaram votando contra as teses que defendiam publicamente, embora às vezes fazendo constar declarações de voto nas quais se justificavam.

Apesar disso, foram chamados a se explicar perante a direção do PT. Eduardo Jorge, porque tmha uma pro- posta alternativa de reforma da Previdência Social, considerada intocá- vel pelo partido. Genoíno. por conta de suas articulações desabadas no sen- tido de arregimentar forças junto à esquerda para negociar as mudanças constitucionais com o governo. Ex- müitante do PC do B e combatente da guerrilha do Araguaia em 1972. Genoíno e hoje um dos principais arau- tos da autoinlitulada esquerda moder- na. Sua bíblia atual e arma de defesa contra a patrulha de seus camaradas é o livro Direita e Esquerda, do pensador italiano Norberto Bobbio. que carrega em uma pasta onde quer que vá.

Descrito como um escritor correto porem sem brilho por um versátil arti- culista da imprensa paulista. Bobbio transformou em best-seller sua pequena tese em que sustenta a validade da dis- tinção política esquerda-díreita nos dias atuais. Para ele. a diferenciação se esta- belece a partir da atitude de uma pes- soa ou grupo perante a desigualdade social lato sensu. sendo de esquerda aqueles que lutam para suprimi-la e de direita quem a considera não só válida como necessária. Como na prática pre- valece a regra da exclusão social, a direita, por defender o status quo. ten- deria ao conservadorismo, enquanto a esquerda, adepta da mudança, seria progressista. É ai que reside a ironia do atual momento político do País, na visão de Genoíno e seus pares. "'A esquerda brasileira está arcando com a defesa de um Estado que ela não criou e que gerou todas as injustiças que estão aí", diz. Nesse sentido, ela estaria sendo conservadora. "A esquerda defende esse Estado e a direita nomeia'", acrescenta.

Jogo de Retranca. Pior do que isso, para Genoíno, é a desastrada falta de realismo político dessa outra esquerda. Na sua opinião, não cabe discutir se vai ou não haver reformas, já que a opinião pública pende a favor delas de forma esmagadora.

O que importa é discutir que tipo de reformas. "A sociedade repudia o empate. O papel das oposições é neu- tralizar a tática do governo e tentar fazer alguns golzinhos no contrataque". defende. Genoíno está convencido de que se tivessem entendido isso desde o começo, elas teriam obtido algumas vitórias, como flexibilizar os monopó- lios estatais através de parcerias com o setor privado - o que considera a melhor solução - e regulamentar as alterações na Constituição não por lei ordinária, cuja aprovação requer maio- ria simples, mas por lei complementar, que exige maioria absoluta.

Recorrendo a mesma analogia fute- bolística de Genoíno. o secretário de Relações Internacionais do PT. Marco Aurélio Garcia, coordenador do grupo que elaborou o programa de Lula na ultima campanha presidencial, chega a conclusões opostas. Segundo ele. o melhor que a esquerda brasileira tem a fazer neste momento, em que esta mais atordoada com o alarido dos vencedo- res do que propriamente com suas der- rotas (fracasso do socialismo real e duas eleições presidenciais perdidas), é montar uma retranca forte para impedir que o adversário jogue. ""O Genoíno esta sendo ingênuo em achar que vai tensionar a base de apoio ao governo, atraindo os insatisfeitos para uma negociação em torno de um projeto alternativo de reformas", afirma Garcia. Ele acredita que o governo só negociaria se houvesse uma força na sociedade que o obrigasse a tanto. Como ela não existe, ""continua a ven- der as jóias da família - Petrobrás. Vale do Rio Doce e outras - para pagar suas dívidas", denuncia.

Fissuras governistas. De todo o modo. assim como existem diferentes nuances na esquerda, o governo não é um bloco tão monolítico como se apregoa. Dois tucanos de plumagem recente, os deputados Domingos Leonellí (BA) e Almino Affonso (SP), vêm tendo participação ativa nos encontros de mobilização da nova esquerda parlamentar, - na qual tam- bém brilha a estrela do senador Roberto Freire (PPS-PE), para quem a bandeira da contra-reforma está sendo carregada pela esquerda ortodoxa num irônico paradoxo. Dono de sólida base eleitoral entre os empregados do polo petroquímico baiano de Camaçan. Leonellí chegou a apresentar uma emenda nesses termos sobre o petró- leo, que nem chegou a ser votada por boicote dos governistas. Não teve dúvidas: votou contra o PSDB. Apesar disso, não teme a ameaça de expulsão

do partido, como sofrem os deputados do PDT que votaram pelo fim dos monopólios, contra as onentações de sua cúpula. "Dissidentes são a bancada do PSDB e o presidente Fernando Henrique Cardoso", ironiza Leonellí. "Eu me limito a seguir o programa do partido''.

Já o ministro da Cultura. Francisco Weffort. um dos fundadores do PT e seu dirigente por largo período, prefe- riu deixar o partido a se tomar um dis- sidente. Antes de sair, tão logo surgiu o Plano Real. defendeu sem êxito junto à cúpula petista a conveniência de apoiá- lo. A decisão sinalizou para Weffort que o PT continua a se comportar como um pequeno partido de denuncia, algo que fazia sentido em 1984. quan- do, com seu apoio, a legenda repudiou o Colégio Eleitoral que sagrou Tancredo Neves o condutor da transi- ção política. Não hoje, quando tem uma bancada expressiva em termos numéricos, administra cidades e esta- dos importantes e se coloca como uma alternativa de poder que por pouco não vingou em duas eleições "Hoje o PT tem a obrigação de fazer outra coisa, o que não significa apoiar o gov emo mas propor alternativas", diz o ministro. Ele acredita, porem, que o partido, a exem- plo do Pais como um todo. está mudan- do e que. daqui a três ou quatro anos. duvidas que hoje se colocam não farão qualquer sentido

Estrutura carcomida. Neste aspec- to, e mais otimista que o deputado Paulo Delgado (PT-MG). um caso a parte na agremiação de Lula, Delgado não saiu nem pretende sair do partido, é um critico contumaz das decisões da cúpula petista, mas. embora se aproxi- me das posições de Genoíno. tem com ele uma divergência básica. "Genoíno disputa a estrutura de poder dentro do PT. que para mim está carcomida", dis- tingue. Ex-sindicalista formado pelo movimento dos professores mineiros e signatário do programa original do par- tido, Delgado acha que as raízes mar- xistas do PT estão rejeitando o elemen- to ONG - de organização não governa- mental, independente - que o adubou desde, sua criação, como fica patente por sua recusa em discutir"" o Estado getulista, corporativo". Por pensar assim em voz alta, o deputado mineiro é alvo ou da indiferença ou de censura de seus pares, embora o senso partidá- rio o tenha levado a votar contra as reformas. A uma crítica recente dirigi- da a ele, reagiu. "Reneguei a Marx, mas não a Darwin; ainda acredito na evolução das espécies"'. Inclusive das esquerdas. Q

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Quinzena N0 219 • 15 Nov/95 21 Nacional Democracia a Revista do IBASE - N" 113 - Out/Nov/95

ALTERNATIVAS à ESQUERDA

Ousadias d'além mar Sônia Aguiar

q sidao^d

uando aquele compenetrado professor de sociologia da Es- cola de Economia da Univer-

sidao^de Coimbra questionou o famo- so teórico da dependência diante de câmeras de televisão de vários países, muita gente deve ter pensado: "mas que ousadia!'" Afinal, o tal teónco era o presidente brasileiro Fernando Henrique Cardoso, então em viagem oficial a Portugal, na qual estava in- cluída a concessão do título de Doutor Honons Causa por essa conceituada universidade. Via satélite, porém, o professor Boaventura de Souza Santos desfiou a trajetória intelectual do soció- logo brasileiro, questionando a sua irre- futável guinada da esquerda para a direita

Três meses depois, sem o peso de tal formalidade, o sociólogo português pôde demonstrar mais claramente por- que se sentia tão seguro para fazer aquela, digamos, provocação ao presi- dente brasileiro Os caminhos da es- querda e as armadilhas da direita num cenário de grandes transformações sociais e globais tem sido alvo de suas reflexões no últimos anos Em debates realizado no início de setembro, no auditório do Jornal do Brasil, numa promoção conjunta com o IBASE, ele analisou os equívocos da esquerda sob o impacto da queda do Muro de Berlim e lançou um desafio: "'A esquerda só tem futuro se for capaz de criar um pensamento alternativo de alternati- vas '

A seguir, um resumo do pensamen- to de Boaventura de Souza Santos, exposto em três horas de debate, do qual participaram o cientista político Wanderley Guilherme dos Santos (como debatedor) e o sociólogo Her- bert de Souza. Betinho (como media- dor)

DESIGUALDADE E EXCLUSãO

Para Boaventura, a primeira grande questão suscitada por esse debate sobre esquerda e direita é a da íua própria complexidade. De Marx a Bobbio, a esquerda sempre se preocupou com o sistema de desigualdade e muito pouco com o sistema de exclusão, mas há hoje consenso de que o mundo está cada vez mais desigual e excludente.

em função das mudanças no capitalis- mo moderno e da trivialização da misé- ria. Há 15 anos, o sujeito via três pes- soas dormindo na rua e não dormia, angustiado. Hoje a gente vê 300 e dorme do mesmo jeito", alerta

"Pensar o novo sempre supõe riscos. O desafio é a reinvenção, a virtude é a ousadia, E o pensamento do

professor Boaventura é cheio de ousadias,

que ele às vezes chama de utopias,"

Betinho

A desigualdade sempre esteve asso- ciada à idéia de inclusão desigual nas relações capital-trabalho e a exclusão a todas as formas de interdição, de rejei- ção, de segregação, como o racismo, os guetos, o sexismo. a loucura, como mostrou o filósofo francês Michel Fou- cault. "Temos de articular políticas de igualdade com políticas de identidade (...) Temos o direito de ser diferentes quando a igualdade nos escraviza: temos direito a ser iguais quando as diferenças nos inferiorizam." — desa- fia o professor português.

TRABALHO E CAPITAL

Neste momento assistimos à meta- morfose do sistema de desigualdade em sistema de exclusão. Um exemplo claro é o crescimento do desemprego, um mecanismo de exclusão das rela- ções capital-trabalho. "Cada vez mais o capitalismo vai ter menos necessidade de explorar toda a gente" — adverte Boaventura. As carreiras vem sendo postas em causa. Analistas especulam que pelo menos metade das profissões que prevalecerão no século 21 ainda nem foram constituídas. Profissionais de 40, 50 anos ficam completamente inúteis, funções funções tornam-se redundantes... Exige-se que o trabalha-

dor tome-se cada vez mais autônomo, cada um responsável por si. enquanto se eliminam as condições de responsa- bilidade e autonomia. Daí o aumento das taxas de suicídio de trabalhadores qualificados.

"'0 trabalho tem que ser objeto de partilha", diz o professor de Coimbra defendendo a redução da jornada de trabalho sem redução do salário, dentro de um projeto de ecodesenvolvimento Ele alerta também para a crise dos sin- dicatos, que não observaram a tempo que a competência técnica ja não é a garantia de rendimentos "Os sindica- tos foram criados para organizar os empregados, não os desempregados "

GLOBALIZAçãO

O sociólogo chama a atenção para os processos cada vez mais globais onde velhas desigualdades coexistem com novas desigualdades A biotecno- logia, por exemplo, representa o impe- rialismo biológico, no qual empresas multinacionais e institutos de pesquisa de países ncos rastreiam a biodiversi- dade de outras nações e fazem a pilha- gem do conhecimento tradicional dos povos indígenas sobre essa biodiversi- dade.

O espaço eletrônico e fonte de rea- propnação de sentido da desigualdade e da exclusão por um discurso de anar- quia, de liberdade, de descentralização associado á Internet No entanto, a desigualdade na disponibilidade dos meios tecnológicos para acesso à rede exclui imensas populações desse fun- damental centro decisóno do capitalis- mo contemporâneo "As auto-estradas da informação não vão passar por todos os países e classes sociais da mesma maneira"

"Dez empresas de telecomunicações garantem hoje 80% do uso do espaço eletrônico. Em breve, as chamadas locais custarão 50% mais enquanto as tarifas internacionais serão reduzidas à metade", prevê o sociólogo Quem não estiver globalizado ficará excluído. Ao mesmo tempo, porém, abrem-se possi- bilidades de contra-hegemonia global, como a subversão da Internet pelos zapatistas (grupo guerrilheiro do México). "Hoje temos coligações inter- nacionais de luta pelos direitos huma-

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nos, dos povos indígenas e pela ecolo- gia. Aqui no Rio vi cartazes contra os ensaios nucleares da França no atol de Mururoa. É uma nova atitude, uma forma de globalizar as lutas" — aponta Boaventura.

ESTADO E SOCIEDADE

Para o professor de Coimbra, a esquerda nunca teve uma relação pru- dente com o Estado. ''Num certo mo- mento quis destruí-lo e em outro tor- nou-se demasiadamente dependente dele." Agora cai na armadilha de uma suposta crise do Estado: "o que está em crise é o Estado provedor da população, não o das empresas. (...) Fala-se até em crise do Estado providência onde nunca houve Estado providência."

0 Ministro Jatene, que propôs a cnação de um novo 1PMF para "socor- rer" a área de saúde, deveria ter ouvido

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Boaventura dizer: "0 mercado de saúde vai criar uma área de acumula- ção de capital sem eliminar a inefi- ciência do Estado nem a do próprio mercado, que depende do Estado Junte-se a isso a corrupção própria da ligação do Estado com o mercado e o custo social será superior ao sistema anterior."

Boaventura defende a intervenção no orçamento do Estado e na política fiscal como duas frentes importantes de atuação das esquerdas: é necessá- rio mais transparência, de modo a dar oportunidade à população de dizer em que seus impostos serão gastos e em que proporção (exem- plo: 50% em educação. 25% em saúde etc). Para ele, esta é a grande oportunidade para reinventar o Estado e para democratizar as rela- ções nos espaços estruturais: domés-

tico, de produção, de cidadania, mundial.

PASSADO E FUTURO

Para o pensador português, a esquer- da precisa recuperar a auto-estima e encontrar uma pluralidade de formas de ação Na sua visão, "a esquerda conhe- ce o presente pela forma como a direita lhe dá a conhecer" Mas ele considera que "a crítica do passado da esquerda não pode ser a crítica que a direita faz da esquerda do passado. Se continuar a ser, não haverá esquerda no futuro." Ao que Betinho complementa: "Acho que nossa cnse é de repetição e quem repete está construindo um passado: de algu- ma maneira está comprometido com a derrota. Já pensar o novo é se compro- meter com ele, porque eu acho que não faz o menor sentido se pensar o novo sem dizer eu estou neste novo". ü

Revista da ADUSP - N° 4 - Outubro/95

REFLEXõES SOBRE O SOCIALISMO E A AUTO-EMANCIPAçãO DOS TRABALHADORES

W "1 m 1991. ainda investido do rj mandato de deputado fede-

JL^J ral, Florestan Fernandes fez palestra no Sindicato dos Metalúr- gicos, em São Bernardo do Campo, para o seu público preferido: os trabalhadores. Durante duas horas e meia, ele debateu com os metalúr- gicos a questão das vias para a emancipação social da classe ope- rária. Ao longo de seus dois man- datos como deputado federal, Flo- restan procurou manter permanen- temente contato com os trabalhado- res, não se limitando às discussões de caráter legislativo. A revista da ADUSP reproduz, pela primeira vez na integra, a intervenção inicial do professor Florestan Fernandes. O texto completo, inclusive o debate, será publicado este ano no livro Em busca do socialismo, pela Editora Xamã.

Existe uma crise profunda em toda a civilização ocidental. Seria algo estranho que essa crise não se refletisse no marxismo. O dialético também sena que a crise atingisse o marxismo. Muitos dos argumentos usados para desqualificar o marxis- mo são mais de natureza capitalista que de natureza operária e não têm uma base objetiva, que poderíamos chamar de lógica ou científica.

Se se toma a melhor enciclopé-

dia que já se publicou em ciências sociais, que não é a mais recente - foi editada no final de 1929 em 15 volumes e trazia uma contribuição internacional de primeira ordem -, sobre a palavra socialismo vem uma discussão a respeito do que é a con- cepção marxista do socialismo. Isso é um ponto de referência muito importante para que se entenda que. no quadro da produção das idéias que conduziram á formação do socialismo, o marxismo foi conside- rado a tendência mais importante. Em torno do socialismo de orienta- ção marxista vai se constituir a social-democracia européia, no iní- cio, e os partidos socialistas que surgiram em diferentes lugares da Europa e, depois, em outras partes.

Aqui tentarei sintetizar a visão originária do socialismo, que consi- derava a classe trabalhadora como a única classe que tinha interesses e potencial de luta política suficiente- mente forte para transformar a ordem social existente e destruir o capitalismo.

E necessário lembrar que a desa- gregação da sociedade feudal pro- duziu a separação do produtor dos meios de produção. Considerando uma área da produção, de tecidos ou de sapatos, por exemplo, vamos supor que existissem trabalhadores

artesãos que produziam em peque- nas oficinas, como costureiras que produziam em suas próprias casas. No fim do mundo feudal, através principalmente de uma acumulação de capital que se dá pela via comer- cial, surgiram recursos e, ao mesmo tempo, pelo desenvolvimento do conhecimento, surgiram técnicas que permitiram uma nova forma de produção

A sociedade feudal era uma sociedade que dispersava o poder dos senhores e permitia que a bur- guesia crescesse e se fortalecesse, através do comércio local, nacional e internacional, ou da exploração de regiões coloniais. Mas o fato é que no fim há um problema mais com- plioado, porque há mais de uma forma de acumulação de riquezas ao longo da sociedade feudal, com o próprio senhor feudal assaltando, cobrando direito de passagem e segurança; com o aparecimento de uma religião que valorizava a auste- ridade, que foi o protestantismo; com a existência do entesouramen- to, que se expande através da acu- mulação de nquezas que procediam da usura, do comércio e das primei- ras grandes tentativas de "coloniza- ção", envolvendo, as navegações, a descoberta da Ásia, América e África. Então, surgiram vánas for-

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Nacional

mas de acumulação de rique- zas, inclusive a dos artesãos.

Entre os mestres artesanais apareceram pessoas que usa- vam os aprendizes ou mestres que não possuíssem recursos para ter suas próprias oficinas ou seus próprios estabelecimen- tos Aqueles mestres, então, acumularam riquezas

Constituiu-se. então, um ser humano com recursos econômi- cos para concentrar em suas mãos riquezas suficientes para comprar os meios de produção e gerar um novo tipo de econo- mia Essa evolução é muito complexa e exigiria um curso de história econômica. Mas os trabalhadores, os produtores diretos, por exemplo os servos, o artesão que trabalhava indivi- dualmente, o artesão que não tinha recursos para gerir um estabelecimento em condições de expandir-se. servem de pilar para uma forma de apropriação que excluía o produtor dos meios de produção.

Formaram-se vários modos de expropriaçào. de onde nasce um no- vo tipo de propriedade, que e a pro- priedade privada moderna. Em tor- no dessa propriedade moderna indi- vidual dos meios de produção é que vai desenvolver-se a produção capi- talista.

Exemplo: um negociante numa cidade inglesa, que conhecia pessoas que produziam um determinado pro- duto em suas casas, criava uma empresa, uma fábrica, e comprava desses trabalhadores suas máquinas. Esses trabalhadores iam vender depois o seu trabalho, como merca- doria, para aquele negociante. De outro lado, toda a gente que morava no campo e se viu expropriada de suas terras vai parar na cidade e ser- vir de mão-de-obra. Emerge o embrião da empresa moderna, na qual há uma concentração dos meios de produção. E uma invenção, den- tro da tecnologia existente, que tor- nou possível criar essa nova maneira de organizar a produção e de subme- ter, através do dinheiro, aquele agen- te econômico fraco á condição de vendedor da sua força de trabalho. Esse agente econômico pode ficar morando no próprio local ou se des- loca e mora em uma cidade, em áreas muito miseráveis, como é des- crito em vários livros, inclusive o de Engels, sobre o trabalhador na In- glaterra em 1844.

Quer dizer, as cidades se diferen- ciavam, há uma concentração maior da população nas cidades, e ocorre, também, a importação simultânea de artífices mais qualificados, por exemplo, franceses e espanhóis, que eram hábeis em certas especialida- des Existe um grande movimento na população e ela cresce tanto por via da migração quanto da reprodu- ção

Esta nova forma de propriedade, ligada ao capital, é o recurso que permite o início do processo capita- lista de produção. O trabalho trans- forma-se em mercadoria, pois o produtor deixa de produzir para si próprio e para a família e passa a vender sua capacidade de trabalho para o proprietário do capital. 0 que. caracterizava o sistema feudal era que quem quisesse um par de sapa- tos iria a um artificie e encomenda- va-o. poderia esperar um ou dois meses, mas obteria o par de sapatos O processo era esse. não havia esto- ques de produtos em todos os ra- mos

Com a nova invenção, o produto cresce em massa e descobre-se um mercado diferente, que iria crescer, aumentar e difundir-se por toda parte em seguida.

Assim se compõe a nova forma de produção, ligando capital e tra- balho entre si. O capitalista, graças a essa nova forma de produção e de

propriedade, passa a adminis- trar uma fábrica. Ele não com- prava a pessoa do trabalhador Mas as horas de trabalho dele. por exemplo. 12 ou 15 horas Nesse período de tempo, o tra- balhador não produzia só aqui- lo que o capitalista estava lhe pagando; ele produzia o equi- valente ao que recebia e mais uma certa quantidade de produ- tos Um exemplo, com 12 ho- ras: em 6 horas ele produzia o equivalente que recebia, nas outras 6 horas, ele produzia o excedente econômico, que fica- va com o capitalista. Essa e a nova forma de exploração o produtor não recebia todo o equivalente por aquilo que pro- duzisse, mas apenas a metade, dois terços ou um terço etc Quando se trata de acumulação simples, o capitalista elevava a exploração, aumentando a jor- nada de trabalho. Em vez de ficar 12 horas trabalhando, ele ficava 16 ou 18 horas. O que ele produzisse a mais pertencia

ao capitalista. A extensão da jorna- da de trabalho permitia intensificar a exploração do trabalho não pago

O capitalismo, no sentido especí- fico, surge quando a acumulação acelerada do capital se dá. Quer di- zer, além do que foi descrito: quan- do a ciência, a tecnologia, a organi- zação da produção fazem com que o indivíduo, em vez de produzir o equivalente ao que ganharia em 6 horas, passe a produzi-lo em três ou quatro horas, e a extração do exce- dente, a mais-valia. expande-se constantemente e o dono do capital se apropria de todo o produto. Essa é a chamada acumulação capitalista acelerada - ela revoluciona a produ- ção moderna. A medida que a técni- ca evolui e multiplica a produtivida- de do produtor direto, o capital cres- ce com maior rapidez.

E isso que caracteriza o apareci- mento do capitalismo em termos históricos e estruturais. O produtor é despojado dos meios de produção, que passam para as mãos do capita- lista. Através da técnica, este utiliza os meios de produção, gerando um produto maior, enquanto o trabalha- dor se vê despojado desse exceden- te. Isso quer dizer que a exploração se localiza ao nível da produção, no qual se dá a espoliação do agente de trabalho sob o capitalismo. E é mui- to importante entender esse esque- ma para se compreender que aquele

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que trabalha está numa situação tal que vai ser sempre explorado, qual- quer que seja o progresso da organi- zação da produção. Pois a acumula- ção simples desaparece, mas fica embutida na acumulação ampliada e acelerada; e esta acumulação atri- buirá ao capital industrial maior dinamismo. Portanto, capital e tra- balho vão ter uma relação dialé- tica entre si. O capital precisa do trabalho assalariado para crescer, e o trabalho assalariado, por sua vez. precisa do capital, porque o trabalhador não tem meios de subsistência e reprodução dele próprio como trabalhador e de sua familia. Dentro dessa estru- tura há um antagonismo entre capital e trabalho que é irredutí- vel, porque a função do capital consiste sempre em exercer uma espoliação, que se tomará cada vez mais concentrada à medida que a tecnologia eleva a produti- vidade.

O trabalhador, por sua vez, especialmente nas condições ori- ginárias da produção capitalista, terá que se contentar com um salário muito baixo, compatível apenas com um padrão de vida paupérrimo. Engels, pela investiga- ção sobre as condições de vida dos operários na Inglaterra em 1844, descobriu as áreas onde viviam os trabalhadores, mais ou menos dis- tantes de outras áreas, praticamente isoladas e segregadas. de modo que os burgueses podiam ir para seus escritórios ou destes para suas man- sões sem ver a miséria que ocasio- navam aos trabalhadores.

Existe uma relação dialética entre o capital e o trabalho que é inevitável. Em qualquer modelo de capitalismo, o capital só cresce es- poliando o agente de trabalho e, por sua vez, o agente de trabalho só po- de se reproduzir e sobreviver na medida em que encontra um merca- do de trabalho, que converte sua força de trabalho em mercadoria. Não é o trabalhador que é a merca- doria; ele não é um escravo nem um servo, em sentido literal. Ele só vende sua força de trabalho. Com essa força de trabalho, o agente ca- pitalista obtém um produto que ultrapassa de muito o que ele paga ao trabalhador.

O que se deve ressaltar é que esse antagonismo irredutível opõe entre si o trabalhador e o capitalista, ad- versários em termos econômicos, políticos e culturais. Essa situação.

naturalmente, foi enfrentada pelos trabalhadores ao tentarem se organi- zar socialmente. Primeiro, criaram as uniões ou as associações, os sin- dicatos. Nem os economistas nem os socialistas conseguiram entendê-las: como é que os trabalhadores desen- volveram essas organizações, às vezes prejudicando seus próprios

Tentarei sintetizar a visão originária do socialismo,

que considerava a classe tra- balhadora como a única classe revolucionária na

sociedade capitalista e a única classe que tinha interesses e potencial de

luta política suficientemente forte para transformar a ordem social existente e destruir o capitalismo,

interesses7 Ao se unirem em asso- ciações e sindicatos, sofriam pressão dos patrões: havia flutuação na ofer- ta (o "não, eu pago um pouco mais para você"); ou. então, os próprios trabalhadores se viam obrigados a se cotizar para manterem a associação; ou eram obrigados a aceitar condi- ções de trabalho em que a remunera- ção era menos vantajosa, exatamen- te para poderem formar o sindicato, porque havia entre os mesmos pro- fissionais qualificações variadas (uns poderiam ganhar mais que outros e. de repente, todos começa- vam a defender os interesses coleti- vos). Tanto os socialistas como, principalmente, os economistas não entenderam isso. Marx e Engels os chamavam proletários, colocaram em primeiro lugar a sua organiza- ção. No início, a reação foi diferen- te, pois o trabalhador não compreen- dia o complexo mecanismo exigido pelas circunstâncias. Quebrava as máquinas, às vezes destruía a pró- pria fábrica. Depois entendeu que o problema não estava na máquina, na fábrica, mas no capitalista e na pro- priedade privada dos meios de pro- dução. Ele tinha que atacar o capita- lista e a relação de exploração im- posta pelo capital. Não podia conse- guir isso individualmente; tinha de

ser coletivamente. Deviam, portan- to, associar-se. Constituem-se, assim, as primeiras formações prole- tárias, que promoviam a luta econô- mica, social e política coletiva e organizada.

Esse esboço é muito sumário, muito superficial, mas contém a essência da concepção marxista do

socialismo. Existe uma base eco- nômica, social e política que não é inventada, é extraída da pró- pria formação e evolução do capital e do trabalho na socieda- de moderna.

Não vou expor a primeira parte do Manifesto Comunista, que é muito importante, onde vêm descritas as etapas da evo- lução das classes. E claro que os trabalhadores são uma classe, os capitalistas são outra e vai haver antagonismos entre elas. Apa- recerão também classes interme- diárias e. destas classes, algumas têm interesse em se unir com o capital ou com os trabalhadores. A única classe, porém, que pos- sui interesse em revolucionar e acabar com a sociedade burgue- sa é a classe trabalhadora. Por isso, a classe trabalhadora é tida

como classe organicamente revolu- cionária. As outras podem participar de uma luta por reformas e até por revoluções; mas, atingidos os seus objetivos, retraem-se. Os trabalha- dores precisam eliminar essa socie- dade e organizar a produção de tal maneira que o capital não prejudi- que mais o produtor.

Agora, quais são os objetivos centrais dos socialistas e daqueles que tomam essa posição'' Existem coisas que não foram citadas, sobre o embrutecimento do trabalhador que, submetido às condições de tra- balho que praticamente brutalizam a pessoa e bloqueiam o desenvolvi- mento da consciência social, impe- dem a aquisição de cultura e a auto- emancipação coletiva de classe. Já nos primeiros trabalhos de Marx e Engels são feitas essas análises da alienação social 0 embrutecimento do trabalhador, a necessidade do trabalhador de tomar consciência de sua situação social e o fato de que essa situação só possa ser alterada pelo próprio trabalhador coletiva- mente. Portanto, ele precisa se orga- nizar em smdicatos, partidos, forjar outras organizações culturais para poder propor uma sociedade de caráter diferente, com uma nova forma de produção, com uma infra-

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estrutura que não seja espoliativa, que assegure a igualdade e a liber- dade como algo generalizado e que envolva a autogestão coletiva dos meios de produção, na qual se con- sagre a construção da democracia (não da democracia apenas para uma minoria, mas a democracia da maioria e, com a evolução socialis- ta, a democracia universal). No manifesto comunista há uma parte que recebeu o título "A Ótica Comunista". Nela, Marx e En- gels expõem a idéia de que os

econômicas, as desigualdades sociais e a subalternização política desapare- çam. Portanto, os trabalhadores pre- cisam se organizar como classe para usar o poder real de classe na luta contra o capital. Esse é o requisito número um para que o trabalhador, que constitui maioria na sociedade, possa modificá-la, utilizando sua força no sentido de uma revolução social.

Não é o trabalhador

o burguês. Daí a necessidade de limitar, primeiro, o poder da bur- guesia na fábrica, na sociedade glo- bal, no Estado, e de disputar, classe a classe, em todos os níveis, com a que exerce o monopólio da riqueza, da cultura e do poder político Por isso, é crucial desenvolver consci- ência social de classe e capacidade de luta política organizada, coisas que estão ligadas entre si. A partir

desse patamar, pode-se falar de movimento socialista e de desa- lienaçáo dos de baixo. Os traba-

comunistas não pretendem cons- qU6 é a mercadoria* de tíãO é lhadores formam, nesse momen

um escravo nem um servo, em sentido literal Ele

só vende sua força de trabalho. Com essa força de

trabalho, o agente capitalista obtém um produto

que ultrapassa de muito o que ele paga ao trabalhador. ZLTXLV^ X

ca não mais para resolver pro O segundo objetivo a que os

truir um partido para dirigir a classe operária. Os comunistas são aqueles que têm uma visão geral das tendências de transfor- mação da economia e da socie- dade e que cooperam com todos os partidos de trabalhadores no sentido da transformação da sociedade e na criação de uma sociedade nova.

E quais são os objetivos que eles salientam como essenciais do socialismo proletário'7 Primeiro, a organização da classe. E claro que. para o trabalhador transfor- mar a sua condição de existência e a sociedade na qual vive. precisa proceder como faz a burguesia, isto é. organizar-se como classe. Esse processo é espontâneo, mas possui componentes que dependem da consciência social dos agentes histó- ricos. O trabalhador precisa com- preender que o sindicato é um meio de luta, mas que é insuficiente e que é necessário inventar outros meios de luta, que são os partidos políticos. Há um momento, como se deve lem- brar no Brasil do passado, por exem- plo, na época getulista, em que o tra- balhador não podia ter capacidade de se organizar autonomamente e pela base. Havia, então, uma tendência de aliar-se com a burguesia, utilizando os conflitos entre os setores da bur- guesia para alcançar objetivos pro- priamente operários. Aí, surge o pelego. o sindicato atrelado, a bur- guesia nacional, tudo isso que já conhecemos. E claro que o quadro difena na Inglaterra, na França, etc. Mas os problemas básicos eram os mesmos. Assim como o capitalista tem uma situação de interesses de classe, o trabalhador também possui uma situação própria de interesses de classe. E essa situação não está con- finada á existência do salário, à melhoria do salário, a ter sindicatos, partidos, etc, mas a mudar a socie- dade de modo que as iniquidades

to, uma classe em si, capaz de lutar por seus objetivos, inde- pendentemente de qualquer liga- ção - associação, submissão, cooptação - com o capital, com a burguesia e com outras classes intermediárias (pequena burgue- sia, estratos médios mais altos, mais ricos, mas que são proprie- tários dos meios de produção)

Por fim. o terceiro e último objetivo dos comunistas é a con- quista do poder. Esta é a etapa

comunistas se propõem é a demoli- ção da supremacia burguesa. Marx e Engels utilizam o conceito de su- premacia e não o de dominação, embora o conceito de dominação seja prevalecente na sociologia. Pa- ra se derrubar essa supremacia bur- guesa, o que é necessário fazer?

Não basta ao trabalhador se de- senvolver como classe, dispor de sindicatos, partidos e organizações culturais, educacionais, de segurida- de, de recreação, etc. próprias. É necessário que ele adquira a cons- ciência social da subalternização. da importância de adquirir todos os direitos concedidos pela cidadania e acabar com o despotismo na fábrica e com o despotismo na sociedade civil, porque esses dois despotismos caminham juntos. Seria ilusório pensar que o despotismo na fábrica é uma contingência da vida burgue- sa, porque ele se reproduz na comu- nidade onde vivem os trabalhado- res. A pessoa é obrigada a usar ôni- bus, ter um meio de transporte no qual vai apinhada e arrisca a vida, é obrigada a ter uma alimentação ruim, não ascender à educação ou a receber uma educação inferior, para si e para os filhos. Tudo isso impede o trabalhador de contar com uma situação de confronto eficiente com

blemas da sua classe, mas para construir uma sociedade nova e um Estado de novo tipo. nos quais a democracia se inicia como demo- cracia da minoria, não como demo- cracia representativa que favoreça os poderosos e subaltemize aqueles que são menos iguais, que são dependentes e vivem em condições de desigualdade social.

E algo importante distinguir entre ocupar o poder e conquistar o poder. Há vários exemplos históri- cos nos quais os trabalhadores, os partidos socialistas ou social-demo- cratas ocuparam o poder. Mas a conquista do poder significa que o movimento social de transformação da ordem existente atingiu seu obje- tivo, a classe capitalista não terá mais condições sociais e políticas de se reproduzir como classe domi- nante e terá que ser reeducada, para viver na sociedade nova e sobrevi- ver dentro dela. Esta é a concepção central de Marx e Engels. São estes os objetivos capitais do socialismo proletário e revolucionário.

Devemos recuperar algumas afir- mações de Marx e Engels, redigidas logo depois da derrota da revolução na Alemanha. Ocorreram revolu- ções na Europa, desencadeadas pela burguesia, a revolução francesa, a revolução inglesa, que se antecipa-

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um grande desânimo entre os revo- lucionános, pois estes, especialmen- te os de extrema-esquerda, pensa- vam que, logo de cara, iriam con- quistar o poder e acabar com todas as desigualdades e injustiças so- ciais, construir um Estado democrá- tico e igualitário etc. Quando desco- briram que isso não era possível, se recolheram a si mesmos, ressenti- dos. Marx diz. numa carta, que eles

para agitar os tra- Q desenvolvimento capitalista ivivar a sua cnns- •«

desigual só pode ser

depois. Voltam à Inglaterra, onde vão experimentar uma situação difícil, a situação amarga da der- rota. A revolução burguesa não alcançou na Alemanha o mesmo êxito que lograra na França, porque na França o setor mais avançado da aristocracia se alia com a burguesia ascendente e os outros setores fo- gem, para retomar mais tarde, che- fiando a reação.

Na Alemanha, a burguesia, ape- sar de ter conquistado representa- ção parlamentar, se mostrou muito covarde e, principalmente, desco- briu que seu aliado principal na revolução, os trabalhadores, repre- sentavam um perigo muito maior para si própria, pois, se os nobres e a Casa Real representavam uma limitação do poder, os trabalhado- res apontavam o fim da burguesia como classe. Orientou-se no senti- do da acomodação e do oportunis- mo no parlamento, traindo a revo- lução e recuando nos propósitos nacionalistas e democráticos que estavam em jogo. Em conseqüência disso, a revolução se esgotou num processo de conciliação entre a aristocracia prussiana e não-prus- siana com a burguesia. A Casa Imperial prevaleceu e a defesa da democracia circunscreveu-se ás relações históricas entre a burgue- sia, a aristocracia, a burocracia e o poder imperial. Max Weber. entre outros sociólogos, dedicou-se a análises sobre o assunto que são muito esclarecedores e merecem nossa atenção (inclusive por causa do papel da burguesia nos anos decisivos, que começam no Brasil com a revolução de 1930).

Marx e Engels, na Inglaterra, vão encontrar um ambiente dramático e

rtárias reforçadas por revoluções socialistas.

se deitam no sofá, esperando que a revolução se faça enquanto eles dor- mem. Mas Marx e Engels empenha- ram-se em outra coisa, depois de algumas vacilaçòes: começaram a estudar as revoluções. Logo escre- veram uma carta à Liga dos Comu- nistas, com o fito de defender os ideais revolucionários e proletários. Convém citar um ou dois trechos dessa carta, que é muito importante, pois trata também da organização política da classe trabalhadora. E o primeiro escrito onde se esboça o programa de um partido dos traba- lhadores de uma perspectiva mar- xista. Nele vem a célebre afirmação, característica desse socialismo revo- lucionário: "Nós não queremos melhorar as classes, nós queremos eliminá-las. Nós não queremos aperfeiçoar a sociedade de classes, queremos supnmi-la".

Essa é a concepção originária de Marx e Engels. Precisamos resgatar essa concepção, porque se ataca o marxismo, dizendo que ele está em crise, que ele morreu. Mas. se se perguntar a uma pessoa o que é o marxismo, ela não sabe, "não estu- dou isso". O Marxismo está enterra- do e a classe trabalhadora está con- denada a ser subalterna na socieda- de capitalista recente, com um me- lhor padrão de vida, mas com pro- fundas desigualdades sociais e cica- trizes insanáveis. Tanto é assim que na Inglaterra, nos EUA, nesses paí- ses "avançados", a proporção de desempregados aumenta o número dos que vivem abaixo da linha de

pobreza. Quais são as perspectivas de resolver esses problemas crôni- cos através da assistência social?

Aceitar esta visão significa com- prometer-se com a idéia de que os trabalhadores não têm condições nem meios para organizar, com suas próprias mãos, suas próprias cabe- ças, uma sociedade nova, diferente da democracia ampliada e que evo- luirá até o comunismo

A civilização engendra a bar- bárie e só através do socialismo é que se pode produzir uma civi- lização sem barbárie. Mesmo nos países avançados enfrenta-se esse dilema, que é estudado por Engels em A origem da família, da propriedade privada e do

ram historicamente a outras revolu- ções burguesas (lembre-se, a revo- lução inglesa se desencadeou pri- meiro; a revolução francesa logo depois; e irão suceder-se outras re- voluções em seguida, na Alemanha, Itália, Espanha e em vários países da Europa, com resultados varia- dos). Marx e Engels, como alemães, voltaram á Alemanha. Marx, que saiu da Alemanha como jornalista, fundou então um jornal e preten deu utilizá-lo balhadores e avivar a sua cons ciência social. Engels. que tinha treino e vocação militares, se engajou militarmente na revolu- enfrentado, COmgldO e elimi- ção E a história acaba com J 4 r A Marx sendo banido da Alemanha tiattO através tte primeiro e Engels foragido, logo reVOlUçõeS naCÍOnalÍSÍaS Ube- Estado/Onde persiste e se multi-

plica a conexão entre civilização e barbárie, como nos países adi- antados, o socialismo é necessá- rio como alternativa para gestar outro tipo de civilização, real-

mente igualitária e democrática. De acordo como o filósofo italiano Delia Volpe, que designa a liberda- de maior como liberdade com igual- dade, é fantasia falar em democra- cia sem a sua existência. A demo- cracia é uma palavra e é preciso saber o que ela significa, quem a aproveita e o que e um Estado capi- talista.

Quando à periferia, aí não há nem o que discutir. O retrato traça- do e tão válido quanto na época em que ele apareceu na Inglaterra, na França ou na Alemanha. É claro que o capitalismo se transformou, as sociedades de classes se modifica- ram, o próprio marxismo sofreu inovações, através de autores como Hilferding, Lêmn. Trótski. Bukhá- rin. Lukács, Gramsci, etc Todos eles mostram como estas transfor- mações podem ser absorvidas pelo marxismo e refinaram a explicação marxista da sociedade e da revolu- ção.

Não se trata de dizer que não há transformações Porém, na periferia, as condições existentes (por exem- plo, no Brasil) se casam com a des- crição do primeiro capitulo do Ma- nifesto Comunista. E em outros paí- ses da América Latina é a mesma coisa. Toda a periferia está sujeita á problemática do desenvolvimento capitalista desigual. E o desenvolvi- mento capitalista desigual só pode ser enfrentado, corrigido e elimina- do através de revoluções nacionalis- tas libertárias reforçadas por revolu- ções socialistas. Q

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Quinzena N0 219 -15 Nov/96 27 Internacional

Jornal do PSTU - N0 69 -17/10 a 26/10/95

LUTA CHEGA àS CIDADES DO MéXICO Luta sindical enfrenta governo de Zedillo

Gustavo Sánchez

Os trabalhadores mexicanos ainda não empregam massi- vamente o recurso da greve

como a principal ferramenta da luta contra os planos anti-operários e entreguistas do governo Zedillo. Apesar disso, ao longo deste ano. houve um fortalecimento da luta sindical contra o plano econômico e pela democratização dos sindicatos.

Depois da impressionante mobi- lização do 1 de maio deste ano. o governo teve que conceder aumen- tos salariais aos sindicatos mais radicalizados para poder conter a ameaça de grandes greves. Embora esses aumentos não tenham signifi- cado uma recuperação do poder aquisitivo, os índices de reposição ficaram acima dos tetos estabeleci- dos pelo governo e as burocracias sindicais. O descontentamento ope- rário continua crescendo frente a uma crise que não para. frente ao aumento ininterrupto das demis- sões, a falência de empresas e a extensão damiséna.

A população, com suas lutas, não dá trégua ao governo e provoca divisões nele e na burguesia. Pra- ticamente de todos os setores sur- gem mobilizações de norte a sul do pais. Até mesmo a classe média e um grande setor da pequena e mé- dia burguesia realizam ações contra a política governamental e, algumas vezes, de forma radical.

PROFESSORES SãO DESTAQUE Nas lutas sindicais vêm desem-

penhando um papel de destaque os professores. Nessa categoria a cor- rente democrática obteve importan- tes vitórias eleitorais em várias seções. Recentemente, mais de 160 mil professores de doze estados do México se mobilizaram, promoven- do paralisações, bloqueios nas estra- das e manifestações, protestando contra o reduzido aumento salarial de maio.

Outro movimento muito impor- tante é o dos trabalhadores do transporte urbano Ruta-100. Mais de 12 mil rodoviários estão há seis meses mobilizados contra a declara- ção de falência da empresa estatal, a ameaça de destruição de seu sindi- cato independente e a prisão de seus principais dirigentes. Durante este período, fizeram dezenas de mobili- zações e podem ser vistos nas ruas da cidade do México pedindo a soli- dariedade do povo trabalhador. Os trabalhadores têm demonstrado grande simpatia com a luta dos rodoviários, o que tem sido um obs- táculo para que o governo leve a cabo seus planos de privatização da empresa e de liquidação do comba- tivo sindicato. O ódio dos trabalha- dores contra o governo da capital do país é tão grande que cada vez se torna mais popular nas manifesta- ções (uma média de três por dia) a

, vr .

Leia e

assine

proposta de derrubada do prefeito da cidade.

Mas estes são apenas exemplos de um fenômeno de lutas sindicais mais extenso. Os trabalhadores da Universidade Nacional preparam uma segunda greve este ano. reivin- dicando aumento salarial, depois de obter bons resultados na primeira. No norte do pais têm ocorrido im- portantes greves nas empresas "ma- quiladoras". que montam produtos com peças importadas para depois exportá-los aos Estados Unidos. Os empregados municipais estão pro- movendo a formação de um novo sindicato nacional. E na estatal Petróleos Mexicanos também está avançando a organização de um sin- dicato de técnicos profissionais. No início de setembro foi realizada, para tanto, uma Convenção Nacio- nal dos petroleiros, da qual partici- param representantes de cinco esta- dos do país.

Enquanto isso. frente a este pa- norama de lutas e crise econômica e no regime político, o governo não conseguiu modificar a legislação trabalhista contida na Constituição nem na Lei Federal do Trabalho. A própria burocracia sindical teme que se aplique tal medida, porque poderia perder o controle do movi- mento operáno e ocorreria uma ace- leração do processo de revolução sindical. □

volucionárío

Fique sempre informado dos acontecimentos históricos e políticos que mar-

caram e marcam nossa luta. Assinaturas: (011) 223-1107

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Quinzena N0 219 -15 Nov/95 ■*■ ■ ,

28 Internacional O Trabalho ■ N 382 -18 a 31/10/95

ARAFAT APROFUNDA ALIANçA COM ISRAEL Nova fase do "acordo de paz" mantém controle de Israel sobre maior

parte da Cisjordânia

Com grande estardalhaço a im- prensa noticiou a assinatura da nova fase do acordo entre a Or-

ganização para a Libertação da Pales- tina (OLP) e o governo de Israel, com aval de Clinton

Neste acordo fica estipulada a divi- são da Cisjordânia. Uma zona "urbana"" ficara sob controle dos palestinos, cor- respondendo a 17% da região, com as grandes cidades. Elas passarão para a administração e policiamento da Autoridade Palestina. São nestas cida- des que se concentram os levantes palestinos contra as forças israelenses.

A cidade de Hebron ficará dividida, com 40% administrados diretamente por Israel Ali vivem 415 judeus e 100 mil palestinos Haverá ainda uma zona

rural sob controle misto, correspon- dendo a 30% do território, com 450 \ilas palestinas. E uma zona sob con- trole israelense correspondendo a 53% da Cisjordânia.

Israel continuará com o controle das reservas hídricas e se compromete a aumentar de 18% para 23% o envio de água aos palestinos. A economia da região e fundamentalmente agropecuá- ria, dependendo da água para desenvol- \er-se O exército israelense controla as fronteiras e poderá intervir em qual- quer parte da Cisjordânia. assim que o governo de Israel determinar.

Desde a assinatura da primeira fase do plano, em 1993. a Faixa de Gaza e a cidade de Jencó passaram a ser respon- sabilidade da Autoridade Palestina, chefiada por Yasser Arafat. da OLP. Sua policia passou a reprimir direta- mente os palestinos que são contra o acordo Já ocorreram mortes nas pri- sões por causa da tortura.

Os jornais receberam ordens de não publicar notícias que ameacem "a unidade palestina", leia-se Arafat e sua Autoridade Palestina. Dos US$ 2.1 bilhões prometidos para investi- mentos em saneamento básico, saúde e habitação para a região só chegaram US$ 42 milhões.

"ELEIçõES"

Pelo acordo, os palestinos elege- rão um conselho de 82 membros com poderes legislativo e executivo, além de um presidente. As eleições

serão financiadas e fiscalizadas pela União Européia. O "parlamento'" elei- to pode sofrer vetos de Israel, se jul- gar que as leis ali aprovadas afetam seus interesses. Não tem portanto nenhuma soberania nos territórios que teoricamente estariam sob controle dos palestinos.

Só serão libertados 1,2 mil palesti- nos de um total de 6 mil encarcerados. O governo de Israel se recusa a libertar os prisioneiros que são acusados de "crime de sangue"" Entre eles. se encontra a brasileira Lamia Maruf Hassan. condenada à pnsão perpétua.

O plano não contém uma vírgula sobre Jerusalém, ocupada pelos israe- lenses em 1967. Não permite o retomo dos palestinos exilados, que vivem em acampamentos miseráveis espalhados pelos países árabes da região. Não trata também do retomo das terras tomadas pelos israelenses.

Arafat diz aos quatro ventos que o caminho para o Estado Palestino está aberto. Com isso ele dá as mãos ao imperialismo, aos sionistas e aos mais reacionários governos dos países da região, para fazer frente à revolução tanto na Palestina, como em todo o Oriente Médio,

Não vai ser este "plano de paz"" que eliminará os conflitos na região. Enquanto existir o Estado de Israel, totalmente financiado pelos EUA e uti- lizado por este como guardião da ordem impenalista na região, não have- rá paz. Esta depende da luta para cons-

truir um Estado laico. democrático e soberano, que englobe os dois povos, judeu e árabe.

CRONOLOGIA

1920 - A Palestina passa a ser um protelorado do Reino Unido, com aval da Liga das Nações (antecessora da ONU).

1936 - Palestinos iniciam grandes revoltas contra a administração britâni- ca, que são esmagadas

1947 - A ONU aprova resolução que divide a Palestina em um Estado judeu e outro árabe Os árabes se recu- sam a aceitar a partilha da Palestina

1948 - Os sionistas, com apoio dos EUA e da URSS. proclamam o Estado de Israel Em sua primeira guerra con- tra os árabes. Israel ocupa a maior parte da Palestina. A Cisjordânia fica com a Jordânia e a Faixa de Gaza com o Egito

1964 - Fundação da Orgam/açào para a Libertação da Palestina (OLP). como representação de lodo o povo palestino Seu programa conclama o povo palestino e os judeus que vivem na região a combater juntos por uma sociedade cujos direitos não dependam da filiação religiosa e da ongem racial

1967 - Durante a guerra dos seis dias, Israel ocupa a Cisjordânia e a Faixa de Gaza.

1978 - Acordo de Camp David entre Israel e Egito.

1987 - Inicia-se a revolta massiva dos palestinos na Cisjordânia e na Faixa de Gaza. conhecida como Intifada.

1988 - Yasser Arafat. pela OLP. declara-se favorável à criação de um Estado Palestino e consequentemente à existência do Estado de Israel. Com isso. a OLP pela primeira vez rompe com sua bandeira tradicional de não divisão da Palestina.

1991 - Começa em Madri (Espan- ha) a conferência pela "paz" no Ori- ente Médio, sem a presença da OLP. mas com representantes dos palesti- nos dos territórios ocupados.

1993 - Depois de negociações secretas era Oslo (Dinamarca), Israel e OLP assinara era Washington acor- do de "paz" que define a "autonomia" dos territórios ocupados. □

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Quinzena N0 219 -16 Nov/95 29 internacional

Fórum Nacional de Monitores - N° 21 - Seteinbro/Outubro/95

Não Fique Atolado na Bósnia Bom, ficamos fora do ar nos últimos dois bole-

tins por motivos técnicos, mas voltamos com tudo. Como vocês sabem, este espaço no FNM

é para aqueles exercícios destinado ao pessoal que diz que tem dificuldade no nosso curso. "O que é Análise de Conjuntura". Encolhemos um tema da conjuntura e exercitamos algumas dicas do curso para ver se fun- ciona

Desta vez resolvi exagerar. Aproveitando que me pediram para fazer um debate sobre a guerra na Bósnia, pensei em usar este complicadíssimo acontecimento conjuntural para testar algumas de nossas afirmações sobre como entender uma conjuntura. Neste espaço vou me ater a duas de nossas afirmações:

1) É preciso identificar e mapear os atores envol- vidos no acontecimento;

2) E preciso inserir o acontecimento na trama de seu desenvolvimento anterior (a foto e o filme, lem- bram-se?)

Dizemos que nossa perplexidade diante de um quadro conjuntural que não compreendemos se asse- melha à de uma pessoa que entra numa sala de cinema c pega o filme no meio. Não viu o que veio antes e os personagens ainda não fazem muito sentido. Nos pro- pomos então a apresentar quem são os personagens e inserir a trama atual na história de seu desenvolvimen- to

Evidente que estes dois procedimentos não serão suficientes para desvendar toda a complexidade de um fenômeno como o conflito na ex-lugoslávia, no entan- to, vamos ver que eles já ajudam bastante a esclarecer alguns de seus aspectos-chave. Vamos lá

Os personagens e a história Todo mundo sabe que a guerra acontece na ex-

lugoslávia. Este pais era, na verdade, uma República Federativa- ou seja, era composto de vánas repúblicas com um certo grau de autonomia, na verdade seis repúblicas; Eslovênia, Croácia, Bósnia-Herzegovina, Sérvia Monlenegro e Macedôma.

Este quebra-cabeça é produto do particular desen- volvimento histórico daquela região, os chamados Bálcãs. No século VII são os eslavos que se fixam nos Bálcãs e sofrem a ação cnstianizadora de Francos e Gregos. São conhecidos como os eslavos do sul, ou "Iugoslavos". No século XIV. pela grande influência dos francos, forma-se a Sérvia.

A região sofreu inúmeras invasões durante os séculos, e a que mais marcou a região foi iniciada em 1521: a invasão dos Turcos Otomanos. que durou até 1867 e foi responsável pela formação de parte da população islâmica.

Os sérvios resistiam aos turcos e prosperaram como camponeses e comerciantes de porcos, protago- nizando varias revoltas, sendo a mais importante aquela de 1824. dirigida por um lider camponês cha- mado Kara George.

Em 1878 são formadas, no declínio da influência turca, as Nações da Sérvia e de Montenegro. Em 1918 uma monarquia unifica a região, que já era dividida entre Sérvia, Montenegro e também Croácia e Eslovênia. Não precisa dizer que. por influência da revolução russa, será fundado na Iugoslávia um partido comunista. Em suas fileiras desde 1920, estará um anti- go sargento do exército austríaco, um croata que acabou prisioneiro e entrou em contato, na Rússia Soviética, com as idéias do bolchevismo; Josip Broz Tito.

Tito começou sua militáncia como organizador e militante sindical, acabou indo para a França perse- guido pela monarquia que, na década de 30, já caia em simpatias pelo nazi-fascismo. Em Paris, ajudou a treinar alguns batalhões de milicianos croatas para lutar na guerra civil espanhola.

Em 1941 o próprio exército da Iugoslávia derruba o monarca, e o país acaba invadido por tropas da Alemanha, Itália e Bulgária A resistência é montada por Tito e seus partisans e por um tal de Draza Mihailovitch e seus "chetniks" (um nacionalista bur- guês). No mesmo ano inicia-se um levante e a guerra

ASSINATURAS Semestral R$ 25,00 Anual R$50,00 Extenor (via aérea) US$ 60,00 (6 meses) e US$ 120,00 (12 meses) O pagamento deverá ser feito em nome do CPV - Centro de Documentação e Pesquisa Vergueiro em cheque nominal cruzado, ou vale postal DESDE QUE SEJA ENDEREÇADO PARA A AGÊNCIA BELA VISTA - CEP: 01390-970 Código da Agência 403.300

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de guerrilhas contra a ocupação nazista. Em 1945, as forças revolucionárias vitoriosas proclamam a República Federativa da Iugoslávia com suas seis repúblicas, que já conhecemos.

Por 45 anos. a federação contornou os problemas nacionais, e houve toda uma ação para que, principal- mente, os sérvios (maior etnia) não pudessem impor seu domínio novamente. Não vamos nos esquecer que eram eles o setor mais poderoso economicamente, antes da guerra. Durante estes anos, as nacionalidades se moveram entre as fronteiras e mesclaram em regiões distintas (algo como um bairro italiano em São Paulo, o número de mineiros em São Bernardo etc).

Quando chegamos à década de 90 e os rescaldos da queda dos regimes do leste se abatia sobre a República Iugoslava e suas próprias contradições, o mosaico de nacionalidades estava da seguinte forma:

- Eslovênia: 90,5% eslavos - Croácia: 78% croatas e 12% sérvios - Sérvia: 66.4% sérvios, 19,6% albaneses (em

Kosovo. 90% albaneses) e outras minorias (magiades. por exemplo)

- Montenegro: 61% montenegrinos e 17,4% muçulmanos

- Macedônia: 64% macedônios e 21% albaneses Bósnia-Erzegovina: 43% muçulmanos. 31,3%

sérvios e 17.3% croatas Os fatos recentes

Com a crise dos regimes do leste, algumas nações européias esperavam tirar vantagens da situação da Iugoslávia A Áustria esperava estreitar relações com seu antigo quintal, a Eslovênia; a Alemanha tinha interesses na Croácia, e a França gostaria de uma Sérvia unificada e sob sua influência. Dai que incenti- vou-se diretamente, por parte da CEE (Comunidade dos Estados Europeus), que se fortalecessem correntes nacionalistas, que exigiam a independência da Eslovênia e Croácia.

Isto de fato ocorreu em 25 de junho de 1991, e teve pronta reação da Sérvia, que desloca suas tropas em apoio a rebeldes sérvios nas regiões da Croácia. Mesmo com os primeiros esforços bélicos dos sérvios contidos, a cnse não se apagou, e o clima era de que. a qualquer momento, poderia estourar uma guerra generalizada

No dia 28 de julho de 1991 uma manifestação de dez mil pessoas pede paz em Saravejo. em meio a um cessar-fogo proposto pela ONU. A Sérvia responde com um ataque que ocupa um terço do território croa- ta.

A CEE propõe sanções contra a Sérvia, incluindo embargo de petróleo e armas, e começa a intervenção de tropas da ONU para proteger áreas em território croata. Estas tropas, cerca de 14 mil soldados chama- dos de boinas azuis, chegam à Croácia em 21 de feve- reiro de 1992.

A Sérvia esperava manter a República Federativa sob seu controle e contava com pesquisas que indica- vam que a maioria da população via com simpatias a manutenção da Iugoslávia, desde que com maior auto- nomia para as repúblicas. Criado o fato consumado da Eslovênia e da Croácia, se fortalecem as posições nacionalistas na Bósnia. que passam a reivindicar também a autonomia do território bósnio. de maioria muçulmana.

No dia 29 de fevereiro de 1992 é realizado um referendum na Bósnia, que é boicotado pela popula- ção servia (cerca de 1/3). No entanto, a maioria acaba aprovando a independência No dia seguinte, primeiro de março, os sérvios se rebelam e proclamam a República Sérvia da Bósnia Herzogovma. Auxiliados pelas tropas sérvias. ocupam 2/3 do território bósnio. A guerra civil se estendia da Croácia para a Bósnia e a capital desta última república, a histórica cidade de Saravejo, é cercada por milícias rebeldes sérvias.

Em 27 de abril a Sérvia, juntamente com Monlenegro, proclama a República Federal da Iugoslávia (RFI). que não é reconhecida pela CEE e pela ONU. Numa tentativa de romper o isolamento

diplomático, os sérvios propõem retirar os soldados sérvios da Bósnia, o que não implicava em romper o apoio dos milicianos sérv ios-bósnios, que representa- vam 80% das forças em ação naquela região

Crescem as sanções da ONU', mas a comunidade mundial se divide sobre como atuar no conflito dos Bálcãs. A presença das tropas da ONU acaba por limi- tar-se a proteger a ajuda humanitária enviada para a região, como por exemplo a tomada do Aeroporto de Saravejo por mais ou menos 1500 boinas azuis.

Devido á mescla e localização das nacionalidades em conflito na Bósnia. ao embargo de armas aos muçulmanos e à indecisão do Conselho de Segurança da ONU a guerra entrou num profundo impasse, que acaba por favorecer as posições ocupadas pela Sérvia

A tática usada pelos lados em conflito (sejam croatas ou sérvios) foi a de ocupar regiões e expulsar os habitantes, colonizando-as com pessoas da nacio- nalidade do invasor. Algumas cidades neste ano evi- denciam bem esta intenção: Srebremca e Zepa, ocu- padas pelos sérvios que expulsam os muçulmanos. Krajina ocupada pelos rebeldes sérvios e letomada pelos croatas recentemente. Estes movimentos milita- res objetivam deslocar massas populares para poder definir as fronteiras nacionais, e provocam atos de carnifictana e atrocidade assombrosas de todos os lados em confronto.

Estima-se que devam existir hoje. na ex- lugoslávia, cerca de 4 milhões c 500 mil refugiados vagando pela região. A maior parte das vitimas da guerra, quase 80%, são civis Só na cidade de Saravejo. desde que começou o cerco, já morreram 10 mil e 500 pessoas.

Avançando um pouco além do que haviam pro- posto, e falando da correlação de forças e das alianças nesta guerra, podemos dizer que hoje existe uma alian- ça entre a Croácia e a Bósnia. contra a Sérvia No entanto, é só olhar o mapa para ver que tanto a Croácia como a Sérvia gostariam muito de ver a Bósnia des- membrada. Há evidências de que existe um acordo secreto contra a Bósnia. Estas suspeitas ficaram refor- çadas num banquete em Londres, no dia 8 de maio de 1995. quando o presidente da Croácia. Franjo Trudjman. desenhou em um guardanapo o que ele ima- ginava que sena o mapa da região dentro de dez anos. O detalhe interessante é que no tal desenho do guarda- napo. a Bósnia desaparece engolida por um "S", onde a Croácia ganha regiões ao sul e a Servia ao norte.

Bem... é isso. Não dá para saber ainda como vai acabar o filme, ele continua rodando, mas parece que fica mais fácil, depois destes dados, para acompanhar seu desenvolvimento

O que fizemos? Descrevemos os personagens, como surgiram, quais são seus interesses, qual a histó- ria que antecede o conflito e fomos encadeando os fatos numa ordem cronológica. Lima análise mais profunda deve. você sabe. desvendar as relações estruturais e procurar compreender os interesses em jogo. Para fazer isto, teríamos que inserir este conflito no quadro da cnse do leste e no momento atual do capitalismo, em especial no contexto da unificação européia, mas isto é uma outra história que você pode ir exercitando

Para finalizar, aquela já famosa lamentação: "Ai, quantos dados... eu nunca vou conseguir fazer isto!" Os dados aqui utilizados são facilmente encontrados naquele seu bom manual de historia geral (que você com certeza já comprou), nos jornais (que você com certeza anda lendo atentamente) e naquelas publica- ções do tipo Manual Abril ou o Anuário Econômico e Geopolitico Mundial (da editora Ensaio), que trazem resumos dos acontecimentos num ano. ou seja, nenhu- ma fonte secreta foi utilizada, não conversei com o croata Trudjaman ou o sérvio Mílosevic. nem com o chanceler muçulmano Muhamed Sacribey e... confes- so, nunca estive na Iugoslávia

Beijos... um chute no patinho... e até a próxima Mauro Q

A QUINZENA divulga o debate do movi- mento, publicando teses, argumentações e réplicas que estejam no mesmo nivel de linguagem e companheirismo, evitando-se os ataques pessoais. Nos reservamos o direito de divulgar apenas as partes signifi- cativas dos textos, seja por imposição de espaço, seja por solução de redação.

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Quinzena N0 219 - 15 Nov/95 30 Cultura

Terra de Homens Valentes Eu venho de uma terra onde o sol abrasa a carne e o latifúndio mata a vida. terra de homens valentes

retirantes sentinelas do dia e da noite acostumados a enfrentar o mato

a onça a cobra e o opressor.

Capazes de definir a história num lamento num gesto de mão cortando o ar num silêncio prolongado

incontrolável. Aprenderam de cor que aqui todos exploram sabem que a vida é um fato relativo

definitiva é só a terra. Homens com facão na mão pra desmatar

pra matar basta o olhar povo sem terra fixa sem mulher fixa para amar que vai de um lugar a outro apenas por caminhar. Homens que amam se o amor não custa caro demais gente que usa revólver para garantir a paz. Povo de vida curta com muitos filhos atrás homens que morrem a pé na estrada que leva ao mar. Eu venho de uma terra grávida de esquecimento...

Paulo Gabriel

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