23? - cpvsp.org.br · mônica lopes ledo ferreira joselina da silva (jô) ... prova que não tem...

52
tfBW •m^fmfr ísfF 23? Rap : O novo comportamento dos jovens da periferia A infância do candomblé ONG combate desnutrição no Ceará

Upload: doanxuyen

Post on 18-Jan-2019

217 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: 23? - cpvsp.org.br · Mônica Lopes ledo Ferreira Joselina da Silva (Jô) ... Prova que não tem receio de discutir publicamente suas idéias. Vamos encontrar aqui reportagens distintas

tfBW

•m^fmfr

ísfF

23?

Rap : O novo

comportamento

dos jovens da

periferia

A infância do candomblé

ONG combate desnutrição no Ceará

Page 2: 23? - cpvsp.org.br · Mônica Lopes ledo Ferreira Joselina da Silva (Jô) ... Prova que não tem receio de discutir publicamente suas idéias. Vamos encontrar aqui reportagens distintas

O CEAP - Centro de Articulação de Populações Marginalizadas é uma entidade sem fins lucrativos que atua na luta contra a violação dos direitos da criança e do

adolescente, das mulheres e das populações negras marginalizadas socialmente. Na luta que trava contra todas as formas de discriminação, o CEAP se baseia em

estudos, pesquisas e análises, e desenvolve ações através de seus projetos e programas. Fundado em 1989, o CEAP está aberto a consultas para apoios e

assessorias desde que limitados aos segmentos aqui identificados.

DIREÇÃO

Presidente : Éle Semog Secretário : Joselina da Silva (Jô) Secretário Executivo : Ivanir dos Santos Tesoureiro : Willmann da Silva Andrade

ADMINISTRAÇÃO

Elza Parreira (coordenadora) Rosângela de Souza Regina Célia Teodoro de Carvalho Graça Andiara das Graças Silva Paulo Cézar Muniz Barreto Yeda Costa Ferreira Maristela de Sousa Barros Fátima Lúcia das Neves

PROGRAMA RACIAL

Jorge Damião Venâncio da Costa (coordenador) Arcélio Faria José Mônica Lopes ledo Ferreira Joselina da Silva (Jô) Raimundo Santa Rosa ( Vibrações Positivas) Ana Paula Macedo (Vibrações Positivas) Big Richard (Articulação do Rap) Débora Xavier

PROGRAMA DE MULHERES

Geni de Oliveira (coordenadora) Neusa das Dores Josina Maria da Cunha

CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO - CEDOM

Jorge Barros (coordenador) Luiz Cláudio de Oliveira Alessandra Gomes Coutinho Otair Fernandes de Oliveira Ana Rosa Morais Thereza Velloso Marilene de Paulo Alexandre Alves Bezerra

NÚCLEO DE COMUNICAÇÃO

Carlos Nobre (coordenador) Ana Angélica Basthi (repórter)

PROGRAMA DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES -PCA

Márcia Florpncio Ana Paula Palmieri Lobo Michele Ivana dos Santos Rosevelt Anderson Lemos Lima Francisca Virgínia Soares Wallace da Silva Camargo Marcelo Brás Morais dos Reis Giovani Harvey Nara Teresinha Matos dos Santos Cida Michelle Gueraldi

COLABORADORES

Lígia Dabul Ana Maria Conceição Marisa Brandão Tânia Maria Moreira Sales Aideé Valério de Souza Maitê Barros Rubens Thomás de Almeida Gésia de Oliveira Luiz Sérgio (Lula) - MG Flávio Jorge - SP João Batista Felix Antônio Carlos (Tônico) Benedita da Silva (Bené) Tânia Coelho Tim Lopes Rosane de Sousa Rosângela de Souza (Rosinha) Mareia Frazão do Nascimento Grace Mattos Sidney Resende Jorge Fernandes Maria da Penha Moraes César (Grumilá) Willman da Silva Andrade Cínthia Érica Mariana

CAMPANHAS

• Da Lei do Ventre Livre ao Menor Abandonado

• Não Matem Nossas Crianças

• Contra a Esterilização de Mulheres

• Abolição do Trabalho Infantil

Page 3: 23? - cpvsp.org.br · Mônica Lopes ledo Ferreira Joselina da Silva (Jô) ... Prova que não tem receio de discutir publicamente suas idéias. Vamos encontrar aqui reportagens distintas

EDITORIAL O Centro de Articulação de Populações

Marginalizadas (CEAP) desde 1989 vem se tornando pioneiro em publicações reflexivas sobre a

situação de crianças e adolescentes no Brasil. Suas publicações têm levado entidades de Direitos Humanos nacionais e internacionais a tomarem posições contra o extermínio de menores, contra o trabalho infantil e a prostituição de meninas. Essas entidades, com isso, cobram a instituição de políticas públicas para a infância violentada. Dentro desta linha, apresentamos mais uma contribuição do CEAP para as discussões sobre crianças e adolescentes: a revista PI XOTE. É, talvez, a primeira publicação no gênero no país porque se baseia essencialmente em reportagens sobre o tema que aborda, abrindo espaço para que diferentes setores da sociedade civil acompanhem o ritmo ágil da linguagem jornalística. Destacamos, neste primeiro número, a excelente entrevista do Juiz de Menores Infratores da capital, Siro Darlan, que, na certa, irá causar impacto pelo tom forte que impregna suas palavras. Poucas vezes, um integrante do Judiciário se abriu tanto. Prova que não tem receio de discutir publicamente suas idéias. Vamos encontrar aqui reportagens distintas que abordam contextos tradicionais (extermínio de menores) e outras quase inexistentes (meninos no candomblé), revelando,assim, que a situação de crianças e adolescentes abrange realidades diferenciadas. Este é o caso do movimento Rap, que vem crescendo nas metrópoles, numa nova forma de organização dos jovens marginalizados. Por outro lado, torna-se preocupante o crescimento de menores no tráfico, fenômeno que merece profunda reflexão de todos. Enfim, PI XOTE é um campo aberto. Não é uma publicação fechada em si mesma. Pode mostrar as chagas sociais como também revelar experiências bem sucedidas na área de atendimento às crianças e adolescentes do país. Esperamos contar com a colaboração de todos aqueles envolvidos na luta pela melhoria da situação de nossas crianças.

IVANIR DOS SANTOS Secretário Executivo do CEAP

SUMÁRIO ENTREVISTA

O juiz dos menores

GENOCÍDIO

#22 A barbárie continua

FOME

E|38 Combate a desnutrição no Ceará

JL.B.V.P-

NEGRITUDE

14 H A infância dos Orixás

COMPORTAMENTO

Rap, a nova onda

SOBREVIVÊNCIA

Menores no tráfico

EXPEDI PIXOTE é uma publicação do Núcleo de Comunicação do Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (CEAP). Rua da Lapa 200 / 809 - Centro, Rio de Janeiro. Cep.: 20.021 Telefones : (021) 224 6771 / 252 2302. Fax: (021)232 6249 Projeto e prod. gráfica : Sérgio Papi. Impressão, acabamento e fotolitos: CBAG Colaboraram nesta edição : Carlos Fonseca e Wilson Alves (fotografias); Paulo Rodrigues (ilustração). Tiragem ; 3.000 exemplares. Julho de 1993. Publicação trimestral. Assinaturas : (021) 224 6771 /252 2302

Page 4: 23? - cpvsp.org.br · Mônica Lopes ledo Ferreira Joselina da Silva (Jô) ... Prova que não tem receio de discutir publicamente suas idéias. Vamos encontrar aqui reportagens distintas

Silêncio no gabinete. O juiz da

segunda Vara de Menores do Rio de Janeiro, Siro

Darlan, assina rápido uma pilha de papéis que sua

secretária deixou na mesa. É uma rotina na

vida do juiz que concede quase 500 decisões

judiciais por mês. Darlan olha tenso para o

relógio.O bate papo de duas horas

e meia com a repórter ameaça

interromper outros compromissos.Uma

audiência o aguarda na sala ao lado. Mais um

menino praticara um ato infracional na rua.

Siro Darlan O JUIZ QUE

DEFENDE O ESTATUTO

DA CRIANÇA

Por ANA ANGÉLICA BASTH!

Harlan é responsável pelo destino de centenas de adolescentes capturados diariamente pela polícia. É um homem de fala mansa e seguro em cada palavra. Tem a tranqüilidade

de quem quase foi padre na adolescência. Nesta entrevista exclusiva, o magistrado surpreende ao despir-se de preconceitos. Revela-se um homem extremamente preocupado com as injustiças sociais no país. Não mede palavras, todavia, para criticar outros juizes despreparados para exercerem o cargo. E faz uma denúncia : existem defensores públicos pregando o extermínio de menores. De todas as críticas que recebeu até hoje, Darlan se sente magoadíssimo com seu colega Liborni Siqueira, juiz da l5 Vara de Menores do Rio." Esse nosso relacionamento conflituoso é prejudicial", confessa Darlan. Há dois anos no cargo, ele comemora a redução nos números da delinqüência juvenil

no Estado:" setenta por cento de nossos meninos estão recuperados ". Mas endurece ao comentar o papel da sociedade civil nesse processo:" é melhor para a população identificar o pivete como inimigo número um, porque não tem ninguém por ele ". Para Darlan, os menores roubam por que tem fome." Os meninos ", explica," vão à rua em busca de pão, pedem comida e não dão. Os meninos acabam roubando ". Filho de uma família nordestina que migrou para o Rio de Janeiro, Darlan chegou à Cidade Maravilhosa em 1952, com apenas um ano, no colo da mãe. Igual aos meninos de rua, o juiz foi criado sem pai, mas foi à luta e conseguiu se tornar um magistrado de prestígio. Nessa entrevista, ele fala sobre o convite que recebeu para ser espião dos estudantes durante a ditadura militar, briga entre os juizes, promoção no poder judiciário e revela suas propostas em relação aos menores de rua.

PAGINA 4

Page 5: 23? - cpvsp.org.br · Mônica Lopes ledo Ferreira Joselina da Silva (Jô) ... Prova que não tem receio de discutir publicamente suas idéias. Vamos encontrar aqui reportagens distintas

PIXOTE

Eraldo Platz / ÊNFASE

PAGINA 5

Page 6: 23? - cpvsp.org.br · Mônica Lopes ledo Ferreira Joselina da Silva (Jô) ... Prova que não tem receio de discutir publicamente suas idéias. Vamos encontrar aqui reportagens distintas

" A Vara de Menores dá um desgaste muito grande para o juiz porque o expõe cruelmente. O juiz tem que tomar posições antipáticas. "

Siro Darlan

A formação como magistrado

" Eu me formei em Direito na UERJ e fiz logo concurso para juiz, e passei. Durante dois anos fiz " clínica geral", ou seja, fui juiz cível, família, fazenda pública e de menores, substituindo Campos Neto. Quando o juiz não é titular da vara, passa pelo exercício dessa clínica. Cobre sempre as férias do titular. Mas em toda a minha vida sempre tive ligação com a juventude. Por causa disso, resolvi um dia ser juiz de menores. Nessas andanças por Varas, vi também que, via de regra, a justiça servia sempre aos interesses da elite política, jurídica e intelectual. É essa mesma elite que faz as leis e faz cumprir as leis, e os juizes, em geral, vem de uma classe privilegiada."

Promoção no poder judiciário

" Na carreira de juiz, existem promoções por dois critérios: por antigüidade e por merecimento. Nas duas vezes em que fui promovido foi por antigüidade. Não é que eu não tenha merecido, mas provavelmente não tenho o tipo de merecimento necessário para o judiciário. A promoção por merecimento implica muitas vezes em se estar pedindo favores aos desembargadores. Ou mesmo, estar apresentando essas ou aquelas qualidades, e eu não concordo com esse tipo de avaliação. Merecimento, você tem ou não tem, não precisa ficar mostrando."

Complicações na Vara de Menores

" Confesso para você que a 2- Vara de Menores não é muito atraente para um juiz que quer fazer carreira. Essa Vara dá um desgaste muito grande para o juiz porque o expõe cruelmente à opinião pública. Juiz de Menores tem que tomar muitas posições antipáticas. Ele está o tempo todo batendo de frente contra interesses que tem que contrariar por um dever funcional. Por exemplo, ao fazer-se simpático a esse ou aquele governo, você também não pode deixar de reclamar quando falta escola para crianças, hospitais para crianças, quando falta uma retaguarda para esses meninos drogados, prostituídos...você tem que cumprir bem sua função, não pode transigir, ficar fazendo acordo. Assim, você não está agindo com seriedade."

As funções do juiz

" A função do juiz de Direito é diferente da função do juiz de Menores. O juiz de Direito só tem que dizer a lei. O juiz de Menores tem que mostrar as diferenças sociais. Veja só, quando a gente se depara com aquele ser humano desprezado por todas as camadas sociais, temos que atuar também na área social. Eu lido com aqueles que são mais cruelmente agredidos porque, via de regra, são pessoas indefesas. São crianças negras e pobres, em sua maioria, que reúnem em si, todas as tendências de crueldade de uma determinada sociedade."

PAGINA 6

Page 7: 23? - cpvsp.org.br · Mônica Lopes ledo Ferreira Joselina da Silva (Jô) ... Prova que não tem receio de discutir publicamente suas idéias. Vamos encontrar aqui reportagens distintas

PIXOTE

" Eu lido com aqueles que são mais agredidos porque são indefesos. São crianças que reúnem em si todas as tendências de crueldade da sociedade. "

Siro Darlan Reprodução do Álbum de Família

PAGINA 7

Page 8: 23? - cpvsp.org.br · Mônica Lopes ledo Ferreira Joselina da Silva (Jô) ... Prova que não tem receio de discutir publicamente suas idéias. Vamos encontrar aqui reportagens distintas

Btf^ M Algumas pessoas dizem que sou muito bonzinho. Ora, eu acredito sempre no ser humano. "

Siro Darlan Carlos Fonseca

Menino sem pai

" Quando falo assim, é porque eu também tenho uma história reveladora da minha vida. Eu não conheci meu pai. Só vim a conhecê-lo quando tinha 10 anos. Minha mãe se separou do meu pai e veio com quatro filhos para o Rio de Janeiro. Somos de João Pessoa, na Paraíba. Cheguei aqui com um ano e meio. Meu irmão mais novo tinha apenas quatro meses. Minha mãe veio ao Rio como a maioria dos nordestinos. Minha mãe foi uma " cabra macho, sim sinhô ". Porque ela enfrentou todas as adversidades de uma cidade grande e conseguiu criar e educar os quatro filhos. Todos muito bem na vida profissional."

Apostando na recuperação

" Quando eu aposto na recuperação de um menino, às vezes até acho que exagero. Por isso sou até criticado, algumas pessoas dizem que sou muito bonzinho, benevolente. Qra, eu acredito sempre no ser humano. Eu acho que o ser humano tem condições de mudar o seu

O Juiz, ao andar pelas ruas, encontra sempre cenas como esta.

rumo por esforço próprio. O menino quer que você diga : eu acredito em você, eu gosto de você, eu quero te ajudar. Se uma pessoa ouve uma mensagem positiva, como eu sempre ouvi, um dia a pessoa muda, sai daquele estado. Eu, por exemplo, tive a oportunidade de ter uma educação classe A, embora sendo pobre. Eu me lembro que estava no 39 ano primário, fazendo travessuras e fui expulso do Colégio Santo Agostinho. Minha mãe foi até o diretor, implorou e disse que eu ia mudar. Estava com oito anos, era 1958. A partir dessa oportunidade, eu mudei. Passei a ser um dos melhores da turma, com notas excelentes. E eu estudava graças a uma bolsa que os

PAGINA 8

Page 9: 23? - cpvsp.org.br · Mônica Lopes ledo Ferreira Joselina da Silva (Jô) ... Prova que não tem receio de discutir publicamente suas idéias. Vamos encontrar aqui reportagens distintas

" Dentro da unidade que eu servia, vi muitos civis sendo torturados. Fui convidado para atuar na área de espionagem. Recusei. "

Siro Darlan Eraldo Platz / ÊNFASE

Ávida no seminário

" Meu comportamento no Santo Agostinho, a partir daquela " expulsão ", era tão bom que fui

convidado para estudar no seminário, em Ribeirão Preto (SP). Estudar para ser padre. Quer dizer, sempre tive pessoas que me ajudaram. Por exemplo, para ir ao colégio, precisava de um enxoval, minha mãe não tinha condições de comprar. Os próprios padres arrumaram uma família que me apadrinhou: compraram todo o enxoval, desde a cueca até o paletó. Além disso, me mandavam uma mesada todo o mês. Era uma coisa pequena, mas dava para uma bala. Fiquei quatro anos no Seminário São José, em Ribeirão Preto, e depois larguei porque não tinha vocação para ser padre."

O convite para espião

" Aos 16 anos, trabalhava num laboratório farmacêutico em Botafogo, após concluir meus estudos no Santo Agostinho, quando tive que me afastar por causa do serviço militar. Eu entrei no Exército num ano terrível: era 1968. Naquela época, eu estudava à noite, e de dia eu servia no quartel, e cheguei a ser repressor de

O juiz de Menores tem que mostrar as diferenças sociais.

estudante. O Exército saía às ruas com cassetetes para reprimir passeatas. Eu nunca saí, sempre procurava alguma atividade dentro do quartel justamente para não entrar em conflito. E dentro da unidade que servia, vi muitos civis sendo torturados. Eu não tomava nenhuma posição porque era muito difícil. Tinha que me proteger. Evitava as reuniões acadêmicas e de organizações. Não podia me envolver. Naquela época, já ajudava em casa com o que eu ganhava. Tinha uma certa responsabilidade. Não poderia assumir certas posições. Quando saí do Exército, passei a participar da vida acadêmica. Em várias ocasiões, para se ter uma idéia, fui convidado para atuar na área de espionagem por causa dessa minha vida ambígua. Recusei."

PAGINA 9

Page 10: 23? - cpvsp.org.br · Mônica Lopes ledo Ferreira Joselina da Silva (Jô) ... Prova que não tem receio de discutir publicamente suas idéias. Vamos encontrar aqui reportagens distintas

Eu tenho sofrido com as ações do meu colega Liborni Siqueira. São 7 representações que ele fez contra mim. Todas julgadas improcedentes."

Siro Darlan

Eraldo Platz / ÊNFASE

Disputa de Varas

" Eu tenho sofrido constantemente com as ações do meu colega da '\- Vara de Menores (Liborni Siqueira) que cuida dos menores carentes. São agressões expressas em 7 representações que ele fez contra mim no Conselho de Magistratura. Todas julgadas improcedentes. Representação é quando um juiz é submetido a um julgamento administrativo visando ser punido. O juiz, neste caso, pode ser advertido ou demitido. Este procedimento, além de ser covarde, passa também por uma premissa mentirosa, falsa.Tanto é assim, que todas as representações foram julgadas improcedentes. Eu acredito que ele fez essas representações por uma questão de vaidade. Ele é um homem altamente vaidoso e até a criação da 2- Vara de Menores, há quatro anos, era o juiz absoluto na questão do menor. Eu sou o segundo juiz dessa Vara. Aqui, quando cheguei, fiquei com as piores instalações. Se você for no gabinete do juiz da 1^ Vara (Liborni) encontra luxo. Até é natural porque um juiz recebe políticos, juizes e até o próprio público, que merece ser bem recebido. Ficamos isolados no terceiro andar enquanto o 19 e o 2Q andares pertencem à 1§ Vara."

A miséria das ruas do Rio costuma indignar o Juiz, que é oriundo de família pobre.

PAGINA 10

Page 11: 23? - cpvsp.org.br · Mônica Lopes ledo Ferreira Joselina da Silva (Jô) ... Prova que não tem receio de discutir publicamente suas idéias. Vamos encontrar aqui reportagens distintas

" Quando se diz que há impunidade do menor, é uma falsidade. Faz parte de uma política de desmoralização do Estatuto da Criança."

Siro Darlan

Esvaziamento de Vara

Falsa impunidade

" Esse relacionamento com a 1- Vara é profundamente prejudicial. Como é que a gente pode falar de união, se nós, juizes, não estamos unidos? Como é que a gente pode falar para as ONGs trabalharem unidas, com mais eficiência ? Como poderemos falar para o adolescente que ele tem que respeitar a lei se nós não damos o exemplo ? Infelizmente, eu estou sendo esvaziado com relação ao número de funcionários na Vara. Não é proposital. Vários dos meus projetos estão indo para o brejo por falta de funcionários. Nos últimos 4 meses, eu perdi 16 comissários de menores e 8 assistentes sociais. Alguns morrem, outros se aposentam. Eu tenho um projeto " Conversando com os meninos " que só posso dar continuidade quando o Tribunal de Justiça me recompor os quadros que perdi."

Arquivo CEAP * *-•

'9

" Todo o adolescente detido em flagrante deve ser encaminhado ao Ministério Público para que se dê início a uma ação sócio-educativa. Quando se diz que há impunidade do menor, é uma falsidade. Faz parte de uma política de desmoralização do Estatuto da Criança e do Adolescente. Não há impunidade. O artigo 112 do ECA estabelece medidas sócio-educativas para todos os adolescentes que praticam atos infracionais. Prestação de serviços à comunidade é uma das medidas que mais aplico, juntamente com a liberdade assistida. Infelizmente, em algumas ocasiões, eu também aplico a internação. Veja só, eu não acredito em nenhuma medida repressiva, e a internação é a mais repressiva de todas quando se quer ressocializar e educar. Muitas vezes, optamos pela internação para proteger o menino, porque ele se

envolve tanto com a 0^ criminalidade, que acaba

^ sendo morto."

Setenta por cento dos casos atendidos pelo Juiz estão recuperados.

PAGINA 11

Page 12: 23? - cpvsp.org.br · Mônica Lopes ledo Ferreira Joselina da Silva (Jô) ... Prova que não tem receio de discutir publicamente suas idéias. Vamos encontrar aqui reportagens distintas

" Faltam instrumentos para o Estatuto da Criança. Sem a população participando, o Estatuto fica sem instrumentos."

Siro Darlan

Os números da recuperação

O time sem bola

" Setenta por cento dos meninos atendidos aqui estão recuperados. Fiz um levantamento dos meninos que estiveram aqui e constatamos apenas uma passagem. Ou seja, não voltaram a delinquir. Com a entrada em vigor do ECA, houve uma queda acentuada no número de meninos envolvidos em atos delituosos. Em 1990, era 3.620, caiu para 2.560 em 1991 e manteve-se estável em 1992 com 2.665. Isso em números relativos não representa nada. Mas se levarmos em conta que a recessão e o desemprego aumentaram nesse triênio, a redução da delinqüência infantil no Rio de Janeiro é significativa. O trombadinha, o pivete, tem que ser a grande atração do Rio, o inimigo n91 da sociedade, porque se a sociedade civil identificar o seu verdadeiro inimigo, aí vamos partir para uma guerra social maior. Se você identificar que o seu inimigo está no político corrupto, no banqueiro que te rouba a cada vez que você entra no banco, no comerciante, aí não interessa para a mídia nem para as elites que nos governam. É melhor que toda a população identifique como inimigo número 1, o pivete, porque este não tem ninguém por ele."

Com a entrada em vigor do Estatuto, houve uma queda no

número de menores delinqüentes.

PÁGINA 12

EraldoPlatz/ÊNFASE

" Faltam instrumentos para o Estatuto da Criança e do Adolescente entrar em vigor em toda a sua plenitude. Sem o Conselho Tutelar, ainda não instalado, que é a população participando da política de defesa e do direito, o Estatuto fica sem instrumentos. Falta ainda, a instalação do Conselho Municipal e Estadual de Defesa da Criança e do Adolescente. É a mesma coisa quando você monta um excelente time de futebol e não dá a bola. Veja só, o Estatuto é reconhecido no mundo inteiro como uma legislação avançadíssima e adequada para o nosso povo. Mas faltam os instrumentos. Mesmo na área da justiça, ele não está sendo bem executado. A gente se esforça, mas há toda uma estrutura muito conservadora. Por exemplo, os juizes - não que eles sejam maus profissionais - foram preparados para serem

juizes criminais. Eles carregam na cabeça a seguinte fórmula : matou, roubou, estuprou - cadeia. É uma equação matemática. Não há nem curso ou preparação para o juiz executar o ECA. Olhe que essas pessoas têm o dever de defender essa legislação. Dizem eles :" ah, esses pivetes tem é que ir para a cadeia, tem é que matar!", ou seja, estão

| . repetindo a fala de alguns 1; ignorantes. Não são culpados.

Não tiveram uma formação adequada."

Page 13: 23? - cpvsp.org.br · Mônica Lopes ledo Ferreira Joselina da Silva (Jô) ... Prova que não tem receio de discutir publicamente suas idéias. Vamos encontrar aqui reportagens distintas

PIXOTE

" Às vezes, ando pela rua e vejo um menino com um saco de cola. Eu troco a cola por um sanduíche tranqüilamente.' *

Siro Darlan

Meninos no tráfico

A fome dos meninos

" Registramos casos isolados de meninos que eram chefes de quadrilhas e que trabalhavam como gerentes de boca de fumo. Muitos estão convivendo conosco. E eles dizem :" não quero mais saber dessa vida ". O retrato maior da recuperação é o menor conhecido como " Babilônia ". Ele estava internado no Instituto Padre Severino, na Ilha do Governador. O sociólogo Herbert de Sousa, o Betinho, secretário-executivo do Ibase, fez uma visita ao Padre Severino, e Babilônia mostrou-lhe algumas poesias num caderno. Olhe que não são poesias de segunda categoria. Tem também o caso de um menino que era chefe de boca de fumo, onde ganhava 500 mil cruzeiros por semana. Hoje está trabalhando aqui conosco."

" Às vezes, ando pela rua e vejo um menino com um saco de cola. Eu troco a cola por um sanduíche tranqüilamente. Oitenta por cento dos atos infracionais são crimes contra o patrimônio. Eles vão à rua a procura de opção. Pedem, não dão, e eles roubam. O artigo 23 do Código Penal diz que não há crime quando se pratica um roubo em estado de necessidade, em legitima defesa. Isso seria uma análise mais técnica. Mas nenhum jurista aprofunda isso aí. Mas existe, está na lei. Não adoto este artigo, pois se eu aplicasse, não estaria aplicando medidas sócio-educativas."

Sidney Motta/ÊNFASE

A fome e a falta de opções, segundo Siro

Darlan, leva os meninos para a rua.

PAGINA 13

Page 14: 23? - cpvsp.org.br · Mônica Lopes ledo Ferreira Joselina da Silva (Jô) ... Prova que não tem receio de discutir publicamente suas idéias. Vamos encontrar aqui reportagens distintas

^&$£ m^ cada vez mais freqüente a presença de crianças e adolescentes iniciados no candomblé. Eles são tratados como integrantes da comunidade religiosa.

Baixada Fluminense. Três horas da madrugada de um fim de semana, no final do verão. O xirê, a roda do candomblé, a religião afro mais cultuada na periferia pela população de baixa renda, está cada vez mais animado. Os adeptos, em trajes multicoloridos, não parecem cansados apesar de as roupas estarem empapadas de suor. Ao contrário. Seus corpos demonstram estar com as energias triplicadas.

A coreografia, em passos lentos ou não, o corpo fazendo ondulações suaves, é ritmado pelos toques e pelos cânticos.

Vagner Alexandre de Souza, o Vaguinho de

Logun, 11 anos, representa as gerações

futuras das casas de candomblé.

PAGINA 14

Page 15: 23? - cpvsp.org.br · Mônica Lopes ledo Ferreira Joselina da Silva (Jô) ... Prova que não tem receio de discutir publicamente suas idéias. Vamos encontrar aqui reportagens distintas

PAGINA 15

Page 16: 23? - cpvsp.org.br · Mônica Lopes ledo Ferreira Joselina da Silva (Jô) ... Prova que não tem receio de discutir publicamente suas idéias. Vamos encontrar aqui reportagens distintas

O barracão está tomado de expectadores. No canto, num estrado acima do chão, estão três atabaques. É a orquestra do candomblé regida

por três homens vestidos de branco. Para a surpresa de alguns expectadores, um jovem de 14 anos, no estrado, acompanha com naturalidade a dança dos adeptos na roda. Alguns adultos incorporam o orixá que solta o ilá. O rapaz não se assusta. Interiormente vibra com a chegada do santo. Ele já pertence aquele mundo de grande significado simbólico. Tem uma função hierárquica no terreiro. Ele é um alabê. O rapaz puxa um canto, e os adeptos, na roda, repetem emocionados:

Sdn òbe sons òbe Àdabà kò r 'orbi ejo Laoróyé Sónsó òbe

Ao lado de centenas de adolescentes e crianças da Baixada Fluminense, o alabê faz parte de um fenômeno religioso-cultural cada vez mais entranhado no candomblé. Desde cedo, menores já são iniciados ou estão em vias de se iniciar nessa milenar religião trazida por vários grupos étnicos africanos, durante o processo escravocrata. Neste caso, além de jovens em formação, que convivem com o processo de formação ocidental (estudo, trabalho, respeito aos mais velhos, brincadeiras no quarteirão etc), são também jovens que detém uma cidadania afro-brasileira, que lhes permite incorporar uma determinada visão sobre as relações do homem africano com o mundo.

Eles se identificam muito com o orixá e aprendem que a cultura negra é rica e bonita.

Jaime Silva / ÊNFASE

Crianças como Beatriz de Obaluayê, nove anos, já estão inseridas na complexa hierarquia do culto.

PAGINA 16

Page 17: 23? - cpvsp.org.br · Mônica Lopes ledo Ferreira Joselina da Silva (Jô) ... Prova que não tem receio de discutir publicamente suas idéias. Vamos encontrar aqui reportagens distintas

PIXOTE

ndependente da religião, os meninos e Nossa Senhora das Candeias, em Miguel I meninas das casas de santo da região

metropolitana do Rio de Janeiro são crianças normais em seu cotidiano. A

maioria freqüenta escolas públicas, trabalha para completar a renda familiar e cometem as mesmas traquinagens que qualquer outra criança. Nas casas de santo, por exemplo, no recesso dos rituais, usam as dependências do barracão para brincar de esconde - esconde. Mas na hora das obrigações ritualísticas se equiparam aos adultos na responsabilidade com o culto. Descendente da linha direta do tradicional e reverenciado candomblé da Casa Branca, em Salvador, a yalorixá Arionites Conceição Chagas, chamada mãe Nitinha pelos seus seguidores, sacerdotisa-mor da comunidade / terreiro

Os meninos e meninas das casas de santo são crianças normais

em seu cotidiano.

Couto, Nova Iguaçu, tem extremo cuidado com a juventude do terreiro, os futuros alicerces de preservação da cultura afro-brasileira. Lá os meninos convivem sem traumas com os adultos. Existem casos, pela hierarquia do candomblé, nos quais o menor, por ser antigo no santo, é respeitado pelos adultos. Os garotos André Barbosa de Almeida, 17, Antônio Luis Chagas, 15, e Vagner Alexandre de Sousa, 11, formam um trio de ogãs mirim muito afinado com os preceitos e as tarefas religiosas. O trio, segundo Roberto Jorge Barreto, que tem 19 anos de iniciação, ogã mais antigo do terreiro, é considerado como patrimônio da casa, ou seja, os futuros mantenedores dos preceitos da religião dos orixás. Os meninos, porém, não deixam de ser vistos como crianças nos momentos certos. " Na hora dos afazeres

religiosos, os tratamos como integrantes da comunidade religiosa, que tem funções específicas ", destaca Roberto.

Jaime Silva/ÊNFASE

Anderson de Ogum, nove

anos,expressa o orgulho da cidadania

afro - brasileira.

PAGINA 17

Page 18: 23? - cpvsp.org.br · Mônica Lopes ledo Ferreira Joselina da Silva (Jô) ... Prova que não tem receio de discutir publicamente suas idéias. Vamos encontrar aqui reportagens distintas

Jaime Silva / ÊNFASE

Vaguinho não vê a hora de iniciar as aulas de toques no atabaque.

ilho natural de Mãe Nitinha, Antônio Chagas, diz que não se sente um privilegiado em relação aos irmãos de santo de sua idade por ser parente da

sacerdotisa máxima do Terreiro Nossa Senhora das Candeias, fincado há mais de trinta anos em Nova Iguaçu. " Eu faço tudo que os meus

irmãos fazem ", justifica ele. Já Vagner Alexandre de Sousa, o Vaguinho, cuja cabeça é regida pelo orixá Logunede, está impaciente nas coisas do santo. Ele não vê a hora de iniciar as aulas de toques no atabaque, onde é preciso muita sensibilidade, bons ouvidos e coordenação dos movimentos. "Não vejo a hora de estar ali em cima e tocar para o pessoal dançar", diz o garoto. " Eles - garante o professor Roberto - se identificam muito com o orixá. Isso facilita bastante durante o aprendizado. Gostam de estar no terreiro, são dedicados e aqui aprendem muitas coisas dentro da linha afro que os impede, por exemplo, de serem racistas. Aprendem aqui que a cultura negra é rica e bonita."

PÁGINA 18

Page 19: 23? - cpvsp.org.br · Mônica Lopes ledo Ferreira Joselina da Silva (Jô) ... Prova que não tem receio de discutir publicamente suas idéias. Vamos encontrar aqui reportagens distintas

PIXOTE

Em geral as crianças e adolescentes são iniciadas - ou passam a freqüentar o candomblé - por problemas de doenças. Também porque os pais os

levam para conhecer a casa onde praticam a religião. Muitos adeptos pedem ainda aos sacerdotes para iniciar os filhos, e em muitos casos, as crianças iniciadas são filhos dos próprios pais e mães de santo, que os

" Com estas crianças estamos fazendo o resgate de

nossa cultura africana ", diz Mãe Beata.

colocam desde cedo no aprendizado da religião. Em outros casos, as crianças e adolescentes já estão inseridos na complexa hierarquia do candomblé, com cargos importantes no culto. Isso, por exemplo, já ocorre na comunidade / terreiro Omi Oju Aro, também em Miguel Couto, dirigida por Beatriz Moreira Costa, a Mãe Beata de lemanjá. Segundo Mãe Beata, existem crianças que já são alakoro,

afora outros com cargos de ekede, ogã e alabê. Têm também crianças em processo de iniciação ou noviços na religião chamados yaôs " Com estas crianças, estamos fazendo um resgate das nossas raízes africanas ", diz Mãe Beata, também poetisa e escritora de histórias infantis. É muito comum ver no terreiro, Mãe Beata contando histórias para os netinhos.

Jaime Silva / ÊNFASE

Mãe Beata de lemanjá não

cansa de contar

histórias de seus

antepassados para os

meninos iniciados

numa cultura milenar.

PAGINA 19

Page 20: 23? - cpvsp.org.br · Mônica Lopes ledo Ferreira Joselina da Silva (Jô) ... Prova que não tem receio de discutir publicamente suas idéias. Vamos encontrar aqui reportagens distintas

5S lém da responsabilidade religiosa, a casa de Mãe Beata, muitas vezes, se transforma em creche quando a comunidade faz festas públicas ou

o fato dos menores verem, por exemplo, o sacrifício de animais como um componente para facilitar a relação com o sagrado." As crianças vêem que do couro do animal sacrificado, fazemos os atabaques, com as penas das aves fazemos adereços para o orixá, e a carne é distribuída para a comunidade ". Na visão de Mãe Beata, cada criança iniciada

organiza atividades recreativas ou culturais para traz para o terreiro uma dupla os moradores em torno do terreiro e militantes do Movimento Negro. Os filhos de santo da casa costumam levar seus filhos às festas e as crianças ficam sob os cuidados de toda a comunidade. Em muitos casos, são muito comuns os pedidos para que essas crianças sejam também iniciadas no culto, conta Adaílton Moreira Costa, Pai Pequeno do Omi Oju Aro, iniciado no culto ainda pequeno, em Salvador, e importante personagem religioso da casa. Adaílton, cuja cabeça é regida pelo orixá Ogum, conta que eles trabalham com os meninos da casa quase que antropologicamente. Nas suas palavras : " O que a cultura ocidental vê como negativo no candomblé, aqui, por exemplo, os meninos e meninas acham natural e com uma função fundamental no conjunto das práticas ritual ísticas" Adaílton cita

responsabilidade : como filho de santo e filho natural. Ou seja, ela vê os menores como adeptos e como netos, que precisam de carinho e proteção quando necessário. Em muitos casos, conta a sacerdotisa do candomblé, os pais naturais da criança acreditam que elas estão muito mais protegidas no terreiro do que em outros espaços públicos, como creches, por exemplo. " Temos muita preocupação com as nossas crianças porque, quando adultos, são elas que irão dar continuidade a cultura afro, porque adquiriram um referencial negro em suas vidas ", conclui ela.

r As nossas crianças ... são elas que irão dar continuidade a cultura ...

i PAGINA 20

Page 21: 23? - cpvsp.org.br · Mônica Lopes ledo Ferreira Joselina da Silva (Jô) ... Prova que não tem receio de discutir publicamente suas idéias. Vamos encontrar aqui reportagens distintas

PIXOTE

A língua do terreiro

Barracão - Salão no qual se tornam responsáveis pelas relações realizam as festas e rituais da casa públicas da casa. São escolhidos de candomblé. pelos sacerdotes ou pelo orixá

incorporado. Em muitos Alabê - Tocador de atabaques. candomblés, o ogã submete-se à Pode ser também aquele que puxa o iniciação. cântico, enquanto os adeptos repetem o refrão. Em alguns Alakoro - Sacerdote especial do terreiros, pode ser identificado como culto ao orixá Ogum. qualquer um dos tocadores.

Xirê - Ordem em que são tocadas. Atabaque - Tambores altos e cantadas e dançadas as invocações estreitos, afunilados, de um só aos orixás no inicio das cerimônias couro, utilizados para acompanhar festivas ou internas. Exu é o primeiro os cânticos nos rituais, e dar ritmo e invocado e enviado para chamar os compasso às danças dos orixás. orixás.

Há - O grito do orixá quando desce à Hierarquia - No candomblé, quem é terra. Muitas vezes, pela força mais velho na iniciação, deve ser energética que transborda garganta respeitado pelos mais novos. A afora, assusta alguns expectadores antigüidade no santo é fator do culto. fundamental nas relações com os

demais integrantes do culto. Iniciação - Processo complexo. dramático e dialético de iniciação de Ekede - Mulheres que não uma pessoa nos mistérios e incorporam o orixá, cuja função é preceitos da religião, implicando acompanhar o iniciado na recolhimento, obrigações incorporação, limpando o seu suor. ritualísticas, entre outros. Durante o vestindo-lhe roupas, e processo, o iniciado toma acompanhado-o nos passos da conhecimento dos fundamentos de dança. seu orixá e da religião.

Yaô - Noviço no candomblé, aquele Oqã - Título dado a simpatizantes ou que saiu recentemente de um adeptos do candomblé que se processo de iniciação.

PAGINA 21

Page 22: 23? - cpvsp.org.br · Mônica Lopes ledo Ferreira Joselina da Silva (Jô) ... Prova que não tem receio de discutir publicamente suas idéias. Vamos encontrar aqui reportagens distintas

EXTERMÍNIO

DE MENORES

A BARBÁRIE

CONTINUA

Madrugada de 20 de dezembro de 1992. Faltam cinco dias para o Natal. A cidade ingressa num período de festas e comemorações. As esperanças para um ano novo cheio de prosperidade, mobilizam ricos e pobres como os moradores da favela Mandala, embaixo do viaduto Noel Rosa, no bairro de Sampaio, no Rio de Janeiro. Eles festejam o aniversário do Grêmio Recreativo Carnavalesco Escovão do Riachuelo. Inesperadamente, ouve-se disparos. Seriam fogos ? A notícia chega rápida. Seis rapazes foram assassinados a sangue frio na favela.

*éÊà* MATEtfl T NOSSAS;

CRIANÇA

umentou em 38.6 %

o índice de menores exterminados no Rio em 1992.

Crianças encenam a própria crucificação em manifestação contra os

crimes de extermínio, no centro do Rio.

PAGINA 22

Page 23: 23? - cpvsp.org.br · Mônica Lopes ledo Ferreira Joselina da Silva (Jô) ... Prova que não tem receio de discutir publicamente suas idéias. Vamos encontrar aqui reportagens distintas

PIXOTE

Sidney Motta/ ÊNFASE

PAGINA 23

Page 24: 23? - cpvsp.org.br · Mônica Lopes ledo Ferreira Joselina da Silva (Jô) ... Prova que não tem receio de discutir publicamente suas idéias. Vamos encontrar aqui reportagens distintas

424 menores foram assassinados em 92, aumentando as estatísticas em 38 %, em relação ao ano passado.

Um morador assiste ao crime e acusa policiais do 3 Q BPM (Méier). Abre-se inquérito, faz-se diligências, e tudo termina como em outros extermínios :

nenhum assassino foi preso. Em janeiro de 1993, mais de trezentas cartas de entidades internacionais de Direitos Humanos chegam ao Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (CEAR), em solidariedade aos parentes das vítimas do Mandala. Cópias são também enviadas para as autoridades estaduais e federais exigindo que o crime não fique impune. O mundo pede respeito ao direito inalienável do ser humano : estar vivo. Pelo número de vítimas, o Caso Mandala pode ser um "Acari" urbano, com corpos. No extermínio de 11 jovens de Acari, há três anos, os corpos até hoje não foram encontrados. Em março de 1993, políticos de várias tendências, se apropriaram de urrrsuposto estudo da Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância e Adolescência), onde se diz que cinco mil menores foram assassinados no Brasil, nos últimos três anos. Os números, e um vídeo sobre os meninos de rua, foram exaustivamente exibidos durante a campanha de TV da Frente Parlamentarista, que atribuiu esse genocídio às mazelas do Presidencialismo. Os menores, segundo os parlamentaristas, foram mortos a tiros, facadas, machadadas e outras formas de extermínio.

O Caso Mandala é apenas um reduzido espelho da problemática do extermínio de menores no Rio de Janeiro. Em 1993, após protelar durante três meses a divulgação dos dados, a Secretaria de Polícia Civil revelou que 424 menores foram assassinados em 92, aumentando as estatísticas em 38 % com relação ao ano anterior. Em 1991, inicio de governo, o número ficou em 306 crianças e adolescentes assassinados. As vítimas preferenciais são jovens entre 15 e 17 anos, na maioria homens (84 %) e negros (56.4 %) que, na polícia, são classificados de negros e pardos. A média de assassinatos de adolescentes brancos é de 24.3 %. E a polícia não conseguiu identificar a cor de 19.3 % das vítimas em 1992.

Arquivo CEAP

Os180 mil jovens negros do Estado são as vítimas preferidas dos assassinos.

PAGINA 24

Page 25: 23? - cpvsp.org.br · Mônica Lopes ledo Ferreira Joselina da Silva (Jô) ... Prova que não tem receio de discutir publicamente suas idéias. Vamos encontrar aqui reportagens distintas

PAGINA 25

Page 26: 23? - cpvsp.org.br · Mônica Lopes ledo Ferreira Joselina da Silva (Jô) ... Prova que não tem receio de discutir publicamente suas idéias. Vamos encontrar aqui reportagens distintas

GE^O

Cresce a cada dia a participação de traficantes de drogas e grupos de extermínio no total dos assassinatos.

egundo o relatório policial, dos 424 exterminados ano passado, 13 % são

^_7 mulheres sendo 12 % delas, entre 10 e 14 anos e 4 %, entre zero e nove

anos. Em 1991, por exemplo, quando foram exterminados oficialmente 306 menores, uma análise do Centro de Documentação (Cedom) do Ceap alertava que, do total de meninas exterminadas, cerca de 40 % delas eram negras. Outro fenômeno já diagnosticado em pesquisas anteriores do Cedom, aparece com mais nitidez nos dados de 1992, ou seja, cresce a cada dia a participação de traficantes de drogas e grupos de extermínio no total dos assassinatos. Pela primeira vez, a polícia reconhece a existência de profissionais especializados em matar menores. Os 180 mil jovens negros do Estado são vítimas preferidas dos assassinos. Este grupo deixa a escola ainda no curso primário e quando chega aos 15 anos, busca trabalho para complementar a renda familiar. Os traficantes matam em média 14 jovens por mês.

Em setembro do ano passado, quatro rapazes foram mortos a tiros na favela de Pilares. O mais novo era adolescente de 14 anos. Moradores acusaram os policiais da 24ê DP (Encantado) como responsáveis pelas mortes. Cotidianamente, a imprensa vem publicando assassinatos de jovens, cujos acusados são policiais. Uma pesquisa do Cedom em 1990, revelava por exemplo, que 59 % das 426 vítimas de extermínio não tinham ligações com atividades criminosas.

Crianças saem às ruas em passeata pelo direito à vida.

Arquivo CEAP

PAGINA 26

Page 27: 23? - cpvsp.org.br · Mônica Lopes ledo Ferreira Joselina da Silva (Jô) ... Prova que não tem receio de discutir publicamente suas idéias. Vamos encontrar aqui reportagens distintas

Cotidianamente , a imprensa vem publicando notícias sobre assassinatos de jovens, cujos acusados são policiais.

análise do relatório de 92, realizada pelo Cedom, indica ainda que 70 %

/m. dos assassinatos são atribuídos ao tráfico de drogas e aos grupos de

extermínio, enquanto a polícia dá apenas 8 % para homicídios e 3 % para a disputa entre quadrilhas. A análise aponta também que as mortes foram causadas por crimes individuais (5 %), origens indefinidas (83 %) e confrontos com a polícia (10 %). O Ceap ainda não divulgou suas análises sobre o extermínio de menores em 1992, mas já discorda da estimativa oficial. Segundo o sociólogo Jorge Barros, coordenador do Cedom, a capital concentrou 60 % das ocorrências, enquanto a polícia registrou 46.5 %. O Cedom prevê que a Baixada Fluminense fique com mais de 30 % das ocorrências, enquanto a polícia estabelece apenas 31 %. Segundo Barros, Duque de Caxias, Niterói e São Gonçalo continuam sendo as cidades recordistas em ocorrências de extermínio de menores.

O Cedom, informa Barros, prepara o primeiro relatório nacional sobre extermínio de menores. Segundo o sociólogo, a preocupação não é garantir um número global de assassinatos em todos os estados, mas " definir a proporção do fenômeno em cada estado e região. As fontes das polícias, são os registros de ocorrências nas delegacias, enquanto a nossa, são os recortes de jornais ", esclarece ele. A publicação, segundo ele, está prevista para julho.

Meninos de rua sofrem o assédio constante de policiais, que são acusados de algumas dessas mortes.

PAGINA 27

Page 28: 23? - cpvsp.org.br · Mônica Lopes ledo Ferreira Joselina da Silva (Jô) ... Prova que não tem receio de discutir publicamente suas idéias. Vamos encontrar aqui reportagens distintas

Mundo cobra justiça na chacina A chacina na favela Mandala

escandalizou o mundo. Centenas de cartas chegaram ao Centro de Articulação de Populações

Marginalizadas (Ceap), pedindo justiça pela morte de seis menores e garantia de vida para o único sobrevivente : Valdeci Rodrigues. As entidades de Direitos Humanos internacionais se impressionaram com a impunidade e exigiram providências urgentes às autoridades brasileiras. O ministro da Justiça, Maurício Corrêa e o vice- governador e secretário de Polícia Civil do Rio, Nilo Batista, receberam cópias de todos os documentos exigindo o fim da impunidade dos grupos de extermínio. Estados Unidos, México, Inglaterra, França, Alemanha, Espanha, Austrália, Finlândia e até Israel mandaram cartas para o Ceap. Todos expressando indignação com a rotina das chacinas de menores, como a do Caso Mandala. As cartas reforçam ainda o fato de os suspeitos - como geralmente acontece - sejam policiais militares. As entidades internacionais temem pela vida de Valdeci - único sobrevivente e pede a

aplicação de medidas eficazes para pôr um fim no assassinato de menores no Rio . Foram assassinados : Carlos Henrique Moreira (14), Carlos André dos Santos (14), Antônio Carlos Oliveira (16), Alexandre Silva Neves (18), Carlos Henrique de Sousa Santos (18) e Márcio Pacheco de Oliveira

(17). Valdeci Rodrigues (16 ), apesar de baleado, conseguiu escapar. Eles foram obrigados a deitar no chão antes de serem mortos a tiros. O alvo visado era a cabeça dos rapazes. A Anistia Internaciona, Brasil Network, Christian Aid e a Defense for Children International lembram que o Brasil é um dos países signatários da Declaração Universal dos Direitos Humanos. O documento mundial afirma que todo o indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal. Determina ainda que ninguém poderá ser submetido à tortura nem à tratamento desumano e degradante. Se as elites brasileiras cumprissem os princípios universais de Direitos Humanos, nenhum menor teria sido exterminado. Se, pelo menos, fosse cumprido o Estatuto da Criança e do Adolescente, muita coisa poderia ter sido revertida.

As entidades internacionais se impressionaram com a impunidade e exigiram providências urgentes das

autoridades brasileiras.

PAGINA 28

Page 29: 23? - cpvsp.org.br · Mônica Lopes ledo Ferreira Joselina da Silva (Jô) ... Prova que não tem receio de discutir publicamente suas idéias. Vamos encontrar aqui reportagens distintas

PIXOTE

Porquê o extermínio não acaba m 1991, o novo secretário de

E Polícia Civil, Nilo Batista, resolveu encampar as propostas de campanha do governador: atacar

de frente os grupos de extermínio, uma doença endêmica que sistematicamente corrói a imagem do Brasil no exterior. Leonel Brizola, que assumia pela segunda vez o Poder Executivo, elegera Elias, um menino de rua, como símbolo do novo governo. Como ensaio geral, Nilo Batista criou a Central de Denúncias, órgão integrado por policiais e promotores, destinado a receber denúncias contra exterminadores. O secretário de Polícia Civil, vice-governador e secretário de justiça, se empenhava para que a sociedade civil também condenasse o extermínio. No final de 1991, o novo governo recolheu frutos. Pela primeira vez, segundo as estatísticas da Polícia Civil, houve significativa redução no número de menores exterminados, que ficou em torno de 306 contra 426 em 1990, último ano do governo de Moreira Franco, condenado por dois relatórios da Anistia Internacional sobre extermínio de menores e adultos.

Jaime Silva / ÊNFASE

Mas o quê ocorreu em 1992 ? O extermínio voltou ao patamar do governo Moreira Franco, declaradamente antidemocrático, raivoso, e que prometera acabar com a violência urbana no Estado em apenas seis meses. Uma das razões se encontra justamente dentro do governo Brizola : soltaram muitos fogos em 1991 - e houve efetivamente o recuo dos exterminadores - mas não deram continuidade à política de Direitos Humanos. Pelo contrário, houve um total esvaziamento desta política. O Serviço de Homicídios da Baixada, destinado a apurar crimes de extermínio, serve hoje apenas como abrigo de testemunhas de crimes praticados por grupos de extermínio. Um dos policiais destacados para a política de Direitos Humanos, o delegado Hélio Luz, com fama de incorruptível, pediu demissão do cargo de Diretor do Departamento de Polícia da Baixada Fluminense - que controla mais de 20 delegacias da região - atirando em todas as direções. Ou seja, para o delegado o governo nunca se empenhara em combater os grupos de extermínio, pois lhe faltara homens e viaturas. Dissera ainda que os policiais são cheios de vícios e fingiam que

apuravam os crimes. Um delegado chegado a Luz chegara a dizer que faltara

; combate direto aos exterminadores. Em abril / maio desse ano, a política entrou em colapso: escandalosas reportagens mostravam o enriquecimento ilícito de policiais da cúpula. Quando o Procurador- Geral da Justiça abriu inquérito para investigar os policiais, a cúpula encenou uma demissão que não se concretizou. Na verdade, o governo pouco esteve preocupado em combater os grupos de extermínio.

PAGINA 29

Page 30: 23? - cpvsp.org.br · Mônica Lopes ledo Ferreira Joselina da Silva (Jô) ... Prova que não tem receio de discutir publicamente suas idéias. Vamos encontrar aqui reportagens distintas

LCD>^

PAGINA 30

Page 31: 23? - cpvsp.org.br · Mônica Lopes ledo Ferreira Joselina da Silva (Jô) ... Prova que não tem receio de discutir publicamente suas idéias. Vamos encontrar aqui reportagens distintas

PIXOTE

ovimento musical da juventude da periferia das metrópoles cresce e revela um novo estilo de comportamento dos marginalizados. Roupa larga, boné na cabeça e muitos cordões de prata. Essa aparência relaxada acompanha uma galera muito especial que sai à rua a procura de uma identidade. Pergunte a este jovem, na maiora negro e morador das áreas carentes : você está satisfeito com a sua realidade ? A resposta é rápida : NÃO. Um contingente expressivo de adolescentes dos bairros de periferia das metrópoles brasileiras está dizendo não à violência policial, à miséria e ao preconceito racial através de um movimento ainda tímido, mas que já invadiu São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Minas Gerais, Ceará, Campo Grande e Porto Alegre. E promete revolucionar o modo de vida do jovem carente a partir dos 14 anos. Preparem-se : o Rap está aí!

PAGINA 31

Page 32: 23? - cpvsp.org.br · Mônica Lopes ledo Ferreira Joselina da Silva (Jô) ... Prova que não tem receio de discutir publicamente suas idéias. Vamos encontrar aqui reportagens distintas

_ ritmo falado, ágil, f ^k cortante e contagiante ^"y vem conquistando a \^p cada dia adolescentes

e já preocupa a rapaziada do funk. Se, nos bailes funks, em geral, predomina a exteriorização da vida dura através da violência, no movimento Rap a ordem é também de muita briga, mas contra as injustiças sociais.Pelo crescimento do movimento no Brasil, a garotada vem encontrando respostas pára a sua ansiedade. " Nós temos que trabalhar a semana toda e estudar à noite. O Rap fala do nosso descontentamento e dá um toque nas pessoas ", revela Mark, um dos vocalistas da banda paulista FNR (Força N Radical). E tem mais : o Rap exprime a vontade desses jovens carentes em garantir seus direitos e ter perspectiva de um futuro melhor, numa sociedade que não sabe e nem quer fazer nada por eles. Grande parte dos adolescentes aponta para " As cores da violência ", de

Dennis Hopper como uma das películas difusoras do movimento Rap no Brasil. O filme, com trilha sonora feita pelas bandas de Rap de Los Angeles, conta a história de gangs de rua norte- americana, e aponta para a discriminação racial da sociedade americana contra os negros. MV Michel e MV Bill (MV quer dizer" Mensageiro da Verdade") afirmam que foram muito influenciados pelas imagens fortes e cruas do filme de Hopper. " Comprei rapidinho a trilha sonora. Eu queria mais informação além da exibida no filme ", destaca MV Michel. Ele e Bill, há dois anos, fundaram a banda

" Geração Futura " e hoje comandam um apimentado programa na Rádio Comunitária da Cidade de Deus, no Rio de Janeiro. O programa chamado "Consciência Negra", é claro, só toca Rap. Não é fácil ser rapper. Neguinho precisa correr atrás de muito informação e formar uma dupla com um

DJ (Disc-Jóquei). Enquanto o DJ mete o som na caixa, o vocalista desperta o público para as questões sociais como o extermínio de menores, as carências da comunidade, o racismo e outras mazelas que atingem indiscriminadamente as populações periféricas brasileiras. A maioria dos rappers prefere criar um código próprio de identidade. O nome pode vir acompanhado da sigla MC (Mestre de Cerimônia), encarregado de animar o baile no ritmo do Rap. Em alguns casos, utilizam as matrizes norte-americanas como o Ice Blue (São Paulo). O " Geração Futura ", por exemplo, optou somente pela sigla MV para se diferenciar das outras bandas." Esses grupos MC não tem consciência nenhuma ", ataca MV Bill, batizado pelos pais como Alex Pereira Barbosa.

PAGINA 32

Page 33: 23? - cpvsp.org.br · Mônica Lopes ledo Ferreira Joselina da Silva (Jô) ... Prova que não tem receio de discutir publicamente suas idéias. Vamos encontrar aqui reportagens distintas

PIXOTE

São Paulo é a capital do Rap no Brasil. O estado bate o recorde no número de bandas e na organização do

movimento. Lá, existem mais de 400 bandas, sem contar com as chamadas 10 posses (união de vários grupos em torno de um objetivo) espalhadas pela Grande São Paulo, a maior região metropolitana do país. Segundo Solimar Carneiro, coordenadora do projeto Rap no Gelédes (Instituto da Mulher Negra), as posses estão divididas em determinadas áreas carentes e exprimem a união de vários grupos de Rap em torno de um objetivo. " A posse se desenvolveu em São Paulo em função da facilidade que a moçada tem de obter os produtos lançados nos Estados Unidos", explica Solimar.

Os jovens das posses têm acesso a vídeos quase que ao mesmo tempo que os jovens americanos. A fantástica evolução do Rap, em São Paulo, por exemplo, nasceu da nescessidade dos rappers se organizarem enquanto movimento. Antes das posses, os grupos se reuniam na Praça Roosevelt, Centro de São Paulo, e eram preconceituosamente incomodados pela polícia. " Quando os meninos nos

A fantástica evolução do Rap

em São Paulo nasceu da

nescessidade dos rappers se

organizarem enquanto

movimento

procuraram há dois anos, já traziam essa manifestação cultural", assegura Solimar. O projeto Rap em São Paulo, reúne hoje 12 bandas, promove cursos e seminários de formação política e capacitação

profissional e musical. Faz parte do Programa de Direitos Humanos e Igualdade Racial do Gelédes. Tem até uma revista feita para rapper chamada " Pode Crê ". O primeiro número saiu em abril passado com 3 mil exemplares. São Paulo tem outros motivos para se considerar a capital do Rap. Por iniciativa da Secretaria Municipal de Educação, 65 escolas da periferia trocam experiências entre rappers e os estudantes. As posses pretendem ainda aumentar seu raio de ação para outros bairros da capital. A posse reúne 200 jovens interessados em discutir a melhor forma de exercer a cidadania. Eles querem, em breve, tomar de assalto as gravadoras para impor o Rap como estilo musical. Não está fora dos planos ainda rádios, bailes e shows. Igual ao fenômeno do axé music. Para se ter uma idéia, o primeiro disco de Rap do Brasil foi produzido em São Paulo.

PAGINA 33

Page 34: 23? - cpvsp.org.br · Mônica Lopes ledo Ferreira Joselina da Silva (Jô) ... Prova que não tem receio de discutir publicamente suas idéias. Vamos encontrar aqui reportagens distintas

^>

Wo Rio de Janeiro, o movimento ainda está embrionário, com pequenos grupos se

movimentando, mas sem ter ainda um rosto que o identifique com maior precisão. Alguns grupos, porém, já fazem sucesso nas primeiras páginas dos cadernos culturais da grande imprensa, afiadas em descobrir novos comportamentos dos jovens negros urbanos. E as apostas na expansão do movimento Rap carioca já começaram : o primeiro disco independente carioca chamado " Tiro Inicial", com produção de Renato Júnior, está para sair a qualquer momento, segundo Jorge Damião, coordenador do Programa Racial do Ceap, e Big Richard, um dos articuladores do movimento carioca. A primeira Associação dos Grupos de Rap do Rio de Janeiro foi fundada há quatro meses e reúne 15 bandas. Muitas bandas tocam em diversos locais, numa busca incansável por espaço, mas ainda desconhecem o trabalho da Associação.

Mas isso não é problema para os rappers organizados. Eles acreditam que, em breve, o movimento será tão forte e participativo como ocorre em São Paulo. O disco " Tiro Inicial", que deve custar em torno de US$ 3.500, numa produção independente entre os rappers e o Ceap, pode desencadear o movimento carioca, já no segundo semestre de 93, data prevista para o lançamento do LP, que tem como

carro-chefe um rap que homenageia as chamadas " Mães de Acari", mulheres

que há três anos procuram os corpos dos filhos exterminados na Baixada Fluminense. O disco conta com as bandas " Geração Futura", " Consciência Urbana "," Nat "," Damas do Rap "," Poesia sobre Ruínas " e " Gabriel o Pensador", e sairá pelo selo Radical Records.

ja>^c s\wa , ÈNF^E

O disco " Tiro Inicial", uma produção independente dos rappers cariocas, patrocinada pelo Ceap, vai dar uma grande força para o movimento no Rio.

PAGINA 34

Page 35: 23? - cpvsp.org.br · Mônica Lopes ledo Ferreira Joselina da Silva (Jô) ... Prova que não tem receio de discutir publicamente suas idéias. Vamos encontrar aqui reportagens distintas

PIXOTE

Menor revoltado (Banda Geração Futura)

No momento do aperto segurou a maior barra Pensava que o caminho Da verdade era roubar Nunca pegou um caderno Nem sabia o que era estudar Quando era pego por PMs Apanhava como um cão Entrava na porrada E viajava no opalào Enquanto esse menor Morria de frio Montão de babaca Ia dançar no Rock in Rio Vendia amendoim Para defender seu pão Tomava banho na Lagoa E dormia sem colchão Costumava ir a praia Pra botar terror Roubava turistas e quem vinha do exterior Passava horas na pracinha Sentado cheirando cola Gostava também de ir Pro campo jogar bola Menor abandonado É menor revoltado.

PAGINA 35

Page 36: 23? - cpvsp.org.br · Mônica Lopes ledo Ferreira Joselina da Silva (Jô) ... Prova que não tem receio de discutir publicamente suas idéias. Vamos encontrar aqui reportagens distintas

As Ladys do Rap rapaziada rapper que se cuide. Começa a chegar ao Brasil o movimento de mulheres rappers com o estilo feminino

inconfundível das cantoras norte-americanas como as belas do-" In Vogue ". Elas detestam imitar a moda masculina e se auto definem como mulheres comuns. Em São Paulo, as " Lady Rap " estão no mercado há quatro anos, trabalham também como DJs e arrasam quando chegam aos bailes. Os meninos se assustam porque elas demostram qualidades" inimagináveis. Chris, vocalista do Lady Rap, conta que não foi nada fácil provar para a galera que a mulher canta e compõe muito bem a música de protesto dos jovem da periferia. Ela diz que a banda sempre procura impor a condição da mulher negra nas letras das músicas. Para Chris, a maioria dos rappers é machista e, em muitos casos, os grupos paulistas " passam imagens distorcidas de mulheres nas letras ". " Chegam a chamar a mulher de promíscua", reclama Chris. As mulheres, porém, não ficam paradas. Respondem a altura as estocadas dos homens, como no rap "Mãe Solteira".

O pau em cima do macho é direto : Mãe solteira falta de pudor total/Pai onde fica faz e tchau / Mulher que trai se trata a pau / Quando o homem pula a cerca ele é o machão / Se ela vai, não sai mais da lama / Ele lava, tá pronto, deita em outra cama . Milhares de adolescentes deliram ao ouvir essa dura relação que mantém com seus parceiros. Na verdade, elas se identificam com essa letra por reproduzir com fidelidade as frustações e os desencontros entre os casais jovens. Se, em São Paulo, as rappers enfrentam dificuldades com os homens, no Rio, as mulheres tem pouco a reclamar, como as garotas

Jaime Silva/ ÊNFASE

do " Damas do Rap ". As sete meninas fundaram a banda há um ano, e vem obtendo apoio dos rapazes do ramo. Já foram até escaladas para participarem do primeiro disco independente carioca. No entanto, nas letras, as cariocas seguem o raciocínio feminino. As Ladys e as Damas, por exemplo, fazem questão de frisar a discriminação da mulher negra nas letras. " Estou lendo um livro sobre a conscientização da mulher negra para dizer o que pensamos ", conta Ed Willer, coreógrafa e compositora do " Damas do Rap ".

As cariocas do " Damas do Rap" (abaixo) e as paulistas do " Lady Rap " (ao lado): feminismo radical.

1 %

PAGINA 36

Page 37: 23? - cpvsp.org.br · Mônica Lopes ledo Ferreira Joselina da Silva (Jô) ... Prova que não tem receio de discutir publicamente suas idéias. Vamos encontrar aqui reportagens distintas

PIXOTE

Jaime Silva/ ÊNFASE

PAGINA 37

Page 38: 23? - cpvsp.org.br · Mônica Lopes ledo Ferreira Joselina da Silva (Jô) ... Prova que não tem receio de discutir publicamente suas idéias. Vamos encontrar aqui reportagens distintas

Mães de crianças desnutridas recebem orientação no Instituto de Prevenção a Desnutrição, no Ceará.

NG se destaca no atendimento a desnutridos graves mas corre risco de ver experiência acabar. IPREDE

COMBATE DESNUTRIÇÃO NO CEARÁ

PAGINA 38

Page 39: 23? - cpvsp.org.br · Mônica Lopes ledo Ferreira Joselina da Silva (Jô) ... Prova que não tem receio de discutir publicamente suas idéias. Vamos encontrar aqui reportagens distintas

PIXOTI

Por lei, o poder público é o responsável pela saúde da população. Os demais órgãos da sociedade neste caso,

tendem a caminhar a reboque das iniciativas governamentais. Às vezes, os papéis se invertem. Como classificar, por exemplo, a atuação de uma ONG (Organização Não Governamental) na melhoria da saúde infantil ? A proposta pode estar no Iprede (Instituto de Prevenção a Desnutrição e a Excepcionalidade) do Ceará, no Nordeste. Mantido por verbas da Unicef, sindicatos e doações várias, o Iprede vem se destacando pela qualidade de seu atendimento aos desnutridos graves do Ceará. O Instituto atende, mensalmente, mais de 2.500 crianças desnutridas. Mais do que isso : os bebês são recuperados para uma vida sadia e as mães saem com noções básicas de cozinha popular. O Iprede tem uma equipe de 104 nutricionistas, pediatras, assistentes sociais, enfermeiros, entre outros, que vem sustentando o prestígio

da entidade. O Instituto, todavia, apesar de sua incontestável atuação neste campo, nunca apareceu nas estatísticas oficiais de atendimento aos desnutridos. Em outubro passado, porém, seus dados passaram a ser computados no Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan) da Secretaria Estadual de Saúde do Ceará. Para a surpresa dos técnicos do Sisvan, o Iprede superou em atendimento todas as 20 unidades públicas do Ceará no atendimento aos desnutridos. As tabelas de setembro passado do Sisvan mostram dados curiosos. Por exemplo, dos 20 postos de saúde da rede pública (municipal, estadual e federal), mais da metade deles não registra atendimento a crianças desnutridas, tornando assim, setembro, um mês atípico. Ouando as estatísticas do Iprede pela primeira vez são computadas em outubro, esses postos que não registraram atendimentos, passam então a registrá-los.

SETEMBRO / 92 - Tabela de distribuição percentual de crianças segundo o estado nutricional, por faixa etária, atendidas em diferentes unidades de saúde de Fortaleza.

0e 0 a 6 meses De 7 a 24 meses De 25 a 36 meses Total de 0 a 36 meses Unidades de

saúde N D D D Total N D D D rota! N D D D Total N D D D Total 1 II III 1 II III 1 II III I 1 III

Hosp. Alberto Sabin 90.1 06.9 02.8 00.2 100 74.3 19.2 05.5 00.9 100 64.2 28.6 06.5 00.6 100 75.9 18.4 05.1 00.7 100 CS César Caís CS Darcy Vargas 97.5 02.0 00.5 00.0 100 93.4 04.7 01.9 00.0 100 100 00.0 00.0 00.0 100 96.4 02.7 00.9 00.0 100 CS Lineu Jucá 97.7 01.6 00.8 00.0 100 93.0 06.3 00.8 00.0 100 92.7 07.3 00.0 00.0 100 94.9 04.4 00.7 00.0 100 CS Luiza Távora CS Gulomar Arruda 89.7 03.4 02.3 04.6 100 73.8 12.3 12.3 01.5 100 96.6 02.0 00.0 01.4 100 86.8 06.0 04.9 02.2 100 CS F. Távora 97.3 02.7 00.0 00.0 100 92,3 06.2 01.5 00.0 100 76.9 23.1 00.0 00.0 100 93.5 05.9 00.7 00.0 100

CS Flávio Marcílio CS Maciel de Brito 96.7 03.3 00.0 00.0 100 90.8 05.3 03.9 00.0 100 100 00.0 00.0 00.0 100 94.7 03.8 01.4 00.0 100 CS N. de Alencar PAM 435 95.2 04.4 00.3 00.0 100 74.3 23.5 02.2 00.0 100 83.5 12.8 03.7 00.0 100 83.1 15.1 01.8 00.0 100 CS Messejana CS Pedro Sampaio CS Grac. Muniz CS Eud. Barroso 51.7 30.5 17.9 00.0 100 53.6 20.2 26.2 00.0 100 45.3 25.3 23.9 05.5 100 48.8 25.2 23.1 02.9 100 CS Nami 95.1 04.9 00.0 00.0 100 87.8 11.6 00.3 00.3 100 83.8 14.5 01.7 00.0 100 88.7 10.5 00.6 00.1 100 CS Galba Araújo CS J. Paracampos CS Argeu Hebster PAM 433

Todas as unidades 90.3 06.8 02.7 00.3 100 77.6 16.5 05.5 00.5 100 69.5 19.9 08.9 01.8 100 79.4 14.3 05.5 00.8 100

FONTE : SISVAN (Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional). N quer dizer doenças comuns que afetam crianças. Q significa desnutrição, que pode ser do tipo I, II e III. Utiliza-se o Indicador peso / idade através do critério de Gomez, para a classificação do estado nutricional das crianças.

PAGINA 39

Page 40: 23? - cpvsp.org.br · Mônica Lopes ledo Ferreira Joselina da Silva (Jô) ... Prova que não tem receio de discutir publicamente suas idéias. Vamos encontrar aqui reportagens distintas

çON^1

OUTUBRO/92

Chama a atenção, ainda no mês de outubro, a grande estréia do Iprede nas estatísticas do Sisvan. Nas desnutrições

mais graves - a do tipo III - o Instituto, em volume de atendimento, supera todos os postos públicos. Na faixa de zero a seis meses, o Iprede ganha com 34,7 % dos atendimentos, e sobe para 44,2 % quando se trata de desnutrição grave. Na faixa seguinte - de sete a 24 meses - a ONG também bate os demais postos, totalizando 57,6 % dos atendimento a desnutridos graves, a grande marca de atuação da entidade. O Iprede vence ainda todos os postos na faixa de 24 a 36 meses. Outro dado curioso chama a atenção nas tabelas do Sisvan nos meses de outubro, novembro e dezembro : enquanto o poder público preferencialmente atende a desnutrições mais leves (tipos I e II), o Iprede se destaca nas do tipo III, a mais grave, que deixa as crianças somente com pele e osso.

Tabela de distribuição percentual de crianças segundo o estado nutricional, por faixa etária, atendidas em diferentes unidades de saúde de Fortaleza.

DeO a 6 meses De 7 3 24 meses De 25 a 36 neses Total de 0 a 36 meses Unidades de

saúde N D D D Total N D D D Total N D D D Total N D D D Total 1 II III 1 II III 1 II III 1 II III

Hosp. Alberto Sabin 88,6 07.3 03.7 00.4 100 75.3 18.2 06.0 00.4 100 68.2 24.0 07.4 00.5 100 77.3 16.5 05.7 00.4 100 CS César Cais CS Darcy Vargas 100 00.0 00.0 00.0 100 85.7 13.0 01.3 00.0 100 97.0 01.5 01.5 00.0 100 95.8 03.6 00.6 00.0 100 CS Lineu Jucá 88.8 05.6 03.1 02.5 100 80.8 12.3 06.2 00.7 100 80.4 09.8 07.8 02.0 100 84.4 08.9 00.5 01.7 100 CS Luiza Távora 95.8 0.08 03.4 00.0 100 86.7 08.0 05.3 00.0 100 92.2 4.7 01.6 01.6 100 91.7 04.4 03.3 00.6 100 CS Guiomar Arruda 90.9 06.8 00.0 02.3 100 60.0 20.0 18.5 01.5 100 89.5 07.9 02.6 00.0 100 76.9 12.9 08.8 01.4 100 CS F. Tâvora 98.3 01.7 00.0 00.0 100 80.9 17.6 01.5 00.0 100 50.0 35.7 14.3 00.0 100 85.2 12.2 02.1 00.0 100 CS Flávio Marcílio CS Maciel de Brito 96.9 03.1 00.0 00.0 100 96.7 02.2 00.0 01.1 100 91.7 00.0 08.3 00.0 100 96.6 02.6 00.4 00.4 100 CS N. de Alencar PAM 435 96.4 03.6 00.0 00.0 100 75.6 23.9 00.3 00.3 100 77.2 19.7 02.4 00.8 100 83.3 15.9 00.5 00.3 100 Iprede 04.8 16.3 34.7 44.2 100 02.0 12.3 57.6 28.1 100 02.7 13.4 58.0 25.9 100 02.8 13.5 52.1 31.6 100 CS Pedro Sampaio CS Grac. Muniz 94.2 05.8 00.0 00.0 100 64.0 30.0 06.0 00.0 100 85.0 15.0 00.0 00.0 100 80.3 17.2 02.5 00.0 100 CS Eud. Barroso 47.9 31.1 21.0 00.0 100 34.2 34.2 29.9 01.7 100 38.6 36.1 25.3 00.0 100 40.0 34.0 25.5 00.5 100 CS Nami 90.8 07.6 01.7 00.0 100 85.6 12.0 02.0 00.4 100 81.5 17.7 00.8 00.0 100 85.8 12.4 01.6 00.2 100 CS Galba Araújo CS J. Paracampos CS Argeu Hebster PAM 433 96.3 03.1 00.2 00.4 100 78.9 18.4 02.0 00.7 100 89.0 09.7 01.3 00.0 100 88.1 10.3 01.1 00.5 100

Todas as unidades 82.9 08.5 05.8 02.8 100 65.7 18.5 12.3 03.5 100 64.1 20.8 12.9 02.1 100 71.3 15.6 10.2 02.9 100

FONTE : SISVAN (Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional). N quer dizer doenças comuns que afetam crianças. D significa desnutrição, que pode ser do tipo I, II e III. Utiliza-se o indicador peso / idade através do critério de Gomez, para a classificação do estado nutricional das crianças.

PAGINA 40

Page 41: 23? - cpvsp.org.br · Mônica Lopes ledo Ferreira Joselina da Silva (Jô) ... Prova que não tem receio de discutir publicamente suas idéias. Vamos encontrar aqui reportagens distintas

PIXOTE

Em novembro, por exemplo, neste tipo de atendimento, o Iprede venceu todos os demais postos de saúde em todas as

faixas etárias com 52.6 %,33.1 % e 35.7 % respectivamente. Esse fenômeno se repete em dezembro. O Instituto foi fundado em 1986, tem sede própria, na Rua Prof. Carlos Lobo, n915, Cidade dos Funcionários, Fortaleza. Os fundadores foram profissionais de saúde que estavam alarmados com os altos índices de desnutrição no Ceará, e entre eles, se destacam seis mulheres. O objetivo principal era (e é) atender crianças desnutridas através do internamente intensivo com a finalidade de recuperar a saúde infantil, abalada pela fome e condições sanitárias precárias.

Nesta foto vemos o estado em que muitos bebês chegam ao setor de nutrição do Instituto.

Na foto da página ao lado, enfermeira do Iprede atende com cuidados especiais, uma criança desnutrida.

Acervo do Iprede

NOVEMBRO / 92 - Tabela de distribuição percentual de crianças segundo o estado nutricional, por faixa etária, atendidas em diferentes unidades de saúde de Fortaleza

Unidades de saúde

I DeO a 6 meses De 7, 3 24 meses De 25 a 36 meses Total de 0 a 36 meses

N D D D Total N D D D Fotal N D D D Total N D D D Total 1 II III 1 II III 1 II III 1 II III

Hosp. Alberto Sabin 86.2 07.8 04.9 01.0 100 73.7 18.2 07.5 00.6 100 65.7 24.6 09.1 00.7 100 76.2 16.1 07.0 00.7 100 CS César Cais CS Darcy Vargas CS Lineu Jucá 92.7 04.2 02.6 00.5 100 79.0 16.0 04.4 00.6 100 79.6 18.5 01.9 00.0 100 85.2 11.0 03.3 00.5 100 CS Luiza Távora 98.0 01.3 0.07 00.0 100 86.6 10.7 2.7 00.0 100 88.5 11.5 00.0 00.0 100 91.8 07.1 01.1 00.0 100 CS Guiomar Arruda CS F. Tâvora

88.9 95.0

06.3 05.0

03.2 00.0

01.6 100 00.0 100

88.1 88.7

09.9 09.7

02.0 00.0 01.6 00.0

100 100

100 70.0

00.0 20.0

00.0 10.0

00.0 00.0

100 100

91.7 90.8

06.1 07.9

01.7 01.3

00.4 00 0

100 100

CS Flávlo Marcílio CS Maciel de Brito 94.5 03.1 02.5 00.0 100 94.8 03.7 01.6 00.0 100 94.3 05.7 00.0 00.0 100 94.6 03.6 01.8 00.0 100

CS N. de Alencar PAM 435 Iprede

95.1 05.2

03.7 17.0

01.2 25.2

00.0 100 52.6 100

71.4 02.1

25.6 18.2

03.0 00.0 46.6 33.1

100 100

71.3 01.3

24.8 12.3

03.2 50 6

00.6 35.7

100 100

76.8 02.5

20.4 16.8

02.7 43.6

00.1 37.1

100 100

CS Pedro Sampaio CS Grac. Muniz 99.1 00.0 00.9 00.0 100 85.5 12.6 01.9 00.0 100 79.2 20.8 00.0 00.0 100 89.0 09.7 01.3 00.0 100

CS Eud. Barroso 75.0 04.2 00.0 20.8 100 390 41.5 19.5 00.0 100 69.7 00.0 30.3 00.0 100 58.2 18.4 18.4 05.1 100 CSNaml CS Galba Araújo CS J. Paracampos

95.8 04.2 00.0 00.0 100 86.9 12.3 00.4 00.4 100 91.3 08.7 00.0 00.0 100 90.3 09.3 00.2 00.2 100

98.7 00.0 01.3 00.0 100 100 00.0 00.0 00.0 100 95.7 04.3 00.0 00.0 100 98.3 00.9 00.9 00.0 100 CS Argeu Hebster PAM 433 97.2 02.3 00.4 00.1 100 98.6 00.9 00.4 00.1 100 98.6 01.0 00.4 00.0 100 98.1 01.4 00.4 00.1 100

Todas as unidades 88.8 04.4 02.9 03.9 100 71.1 14.6 09.7 04.5 100 78.9 09.6 08.5 03.0 100 78.7 10.1 07.2 04.0 100

FONTE : SISVAN (Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional). N quer dizer doenças comuns que afetam crianças. Q, significa desnutrição, que pode ser do tipo I, II e III. Utiliza-se o indicador peso / idade através do critério de Gomez, para a classificação do estado nutricional das crianças.

PAGINA 41

Page 42: 23? - cpvsp.org.br · Mônica Lopes ledo Ferreira Joselina da Silva (Jô) ... Prova que não tem receio de discutir publicamente suas idéias. Vamos encontrar aqui reportagens distintas

A experiência pioneira do Iprede pode acabar por falta de verbas.

Segundo Guirlanda Benevides Braga, diretora-administrativa do Iprede, mensalmente são atendidas 2.500

crianças de várias regiões do Ceará. Ao chegarem aos ambulatórios do Instituto, o bebê é internado, e a mãe fica sob os cuidados de uma equipe multidisciplinar que lhe ensina noções de farmácia, produção de alimentos baratos e ricos em proteínas e cuidados higiênicos. As mães saem com uma receita caseira, adequada ao seu poder aquisitivo, para manter o padrão nutricional do filho. A recuperação dos desnutridos, segundo Guirlanda, tem demonstrado ser positiva nos

últimos sete anos. Em geral, as crianças, depois de quatro meses, mostram recuperação, e dificilmente retornam ao estágio nutricional anterior. Esse trabalho de peso, no entanto, corre o risco de acabar, de acordo com os dirigentes da entidade, que, há três meses, vieram ao Rio de Janeiro pedir auxílio. Com o orçamento mensal em torno de CR$ 1 bilhão, o Iprede, mantido por verbas do Unicef, sindicatos e doações várias, não tem conseguido acompanhar a loucura da economia. Já houve atraso nos pagamentos dos funcionários e a tendência - se não receberem recursos - é piorar daqui para frente.

DEZEMBRO / 92 - Tabela de distribuição percentual de crianças atendidas em diferentes unidades de

segundo o estado nutricional, por faixa etária, saúde de Fortaleza.

Unidades de saúde

DeC a 6 meses De 7 a 24 meses De 25 a 36 meses Total de 0 a 36 meses

N D D D Total N D D D Total N D D D Total N D D D Total 1 II ili 1 II III I II III 1 II III

Hosp. Alberto Sabín 87,7 06.9 04.0 01.4 100 66.8 23,0 10.1 00.1 100 61,1 29.3 09.3 00.3 100 71.4 19.9 08.2 00.5 100

CS César Cais CS Darcy Vargas CS Lineu Jucá 96.8 01,1 01.1 01.1 100 74.0 20.8 04.2 00.1 100 70.6 23.5 05.9 00.0 100 83.6 12.5 03.0 00.9 100

CS Luiza Távora CS Gulomar Arruda CS F. Távora

98.9 89.1

01.1 06.5

00.0 03.3

00.0 01.1

100 100

96.7 80.6

01.3 14.5

01.3 04.8

00.7 00.0

100 100

100 66.7

00.0 33.3

00.0 00.0 00.0 00.0

100 100

98.3 84.7

00.9 11.0

00.6 03.7

00.3 100 00 6 100

CS Flávio Marcílio CS Maciel de Brito 98.8 01.2 00.0 00.0 100 99.3 00.0 00.7 00.0 100 92.9 07.1 00.0 00.0 100 98.8 00.9 00.3 00.0 100

CS N. de Alencar PAM 435 Iprede

96.4 05.3

03.1 20.3

00.4 23.3

00.0 51.1

100 100

78.1 01.7

19.3 02.6 19.9 48.7

00.0 29.7

100 100

78.9 00.8

17.5 19.3

03.5 00.0 42.9 37.0

100 100

83.9 02.3

14.0 19.9

02.1 43.0

00.0 100 34.9 100

CS Pedro Sampaio CS Grac. Munlz CS Eud. Barroso CSNami

91.5 47.3 91.9

06.8 36.5 07.3

01.7 16.2 00.8

00.0 00.0 00.0

100 100 100

87.0 45.6 85.0

13.0 00.0 33.8 20.6 12.6 01.4

00.0 00.0 01.0

100 100 100

82.4 37.5 84.6

17.6 26.3 11.0

00.0 00.0 12.5 23.8 01.5 02.9

100 100 100

88.5 43.2 86.7

10.7 32.0 10.7

00.8 16.2 01.3

00.0 100 08.6 100 01.3 100

CS Galba Araújo CS J. Paracampos CS Argeu Hebster PAM 433 94.4 05.2 00.3 00.0 100 83.4 14.4 02.0 00.2 100 90.8 08.1 01.1 00.0 100 89.2 09.6 01.2 00.1 100

Todas as unidades 81.9 10.2 04.7 03.1 100 65.2 18.6 12.0 04.2 100 62.6 19.1 09.1 09.1 100 70.2 15.9 09.0 04.9 100

FONTE : SISVAN (Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional). H quer dizer doenças comuns que afetam crianças. Q, significa desnutrição, que pode ser do tipo I, II e III. Utiliza-se o indicador peso / Idade através do critério de Gomez, para a classificação do estado nutricional das crianças.

PAGINA 42

Page 43: 23? - cpvsp.org.br · Mônica Lopes ledo Ferreira Joselina da Silva (Jô) ... Prova que não tem receio de discutir publicamente suas idéias. Vamos encontrar aqui reportagens distintas

PIXOTK

11 Lambedor" e sucesso na cozinha experimental

A cozinha experimental de Iprede vem se tornando a mais preciosa contribuição da entidade para gerar

alimentos alternativos para as famílias de baixa renda, cujos filhos foram internados na instituição. As mães aprendem receitas criativas e baratas, baseadas em produtos da região, que podem substituir alimentos caros e enlatados de difícil aquisição nos supermercados. Um dos grandes sucessos da cozinha experimental da ONG é um expectorante chamado " lambedor", uma porção de guaco,alva e hortelã que estanca a corisa e expulsa o catarro. Quando as mães e os bebês recebem alta, já deixam a entidade com uma série de receitas alternativas cujos produtos podem ser adquiridos sem custos altos. É o caso, por exemplo, das ervas medicinais, abundantes na região, que devido a qualidade de suas propriedades nutricionais, podem ser uma arma para combater a desnutrição. O Iprede também mantém funcionando uma farmácia viva. Nela, nas dependências da entidade, as mães são treinadas para produzir remédios caseiros através dos produtos da flora. Na horta comunitária, aprendem ainda noções sobre hortifrutigranjeiros, a manipulação dos produtos agrícolas, sua importância alimentar e utilidade no combate às doenças infantis.

Acervo do Iprede

Além do expectorante " lambedor ", segundo Guirlanda, " ensinamos também o preparo da tintura do alecrim e a fazer uma pomada muito útil para a cicatrização. Explicamos como fazer uma tintura antiparasitária e o preparo de chás e infusões ". Um dos objetivos do treinamento é estimular as mães a fazerem hortas nos quintais de suas casas.Para isso, recebem orientações no preparo de mudas, canteiros, plantio e colheita. Neste treinamento, as mulheres são também estimuladas a manterem o aleitamento para prevenir doenças que possam atingir os bebês. Aprendem habilidades manuais para a confecção de brinquedos de sucata, substituindo, assim, brinquedos caros e industrializados. O Iprede quer, com isso, estimular as mães, mais à frente, a se transformarem em agentes multiplicadores de informação.

Mães são treinadas numa cozinha experimental.

PAGINA 43

Page 44: 23? - cpvsp.org.br · Mônica Lopes ledo Ferreira Joselina da Silva (Jô) ... Prova que não tem receio de discutir publicamente suas idéias. Vamos encontrar aqui reportagens distintas

çO^

O mapa da fome Percentual de famintos por região

• :•

C. OESTE 05,18% Vv^

^ 1 \\

í SUDESTE 25,2%

PAGINA 44

Page 45: 23? - cpvsp.org.br · Mônica Lopes ledo Ferreira Joselina da Silva (Jô) ... Prova que não tem receio de discutir publicamente suas idéias. Vamos encontrar aqui reportagens distintas

PIXOTí:

O Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) alerta : quase três milhões crianças de zero a dois anos sofrem de

desnutrição em todo o país. Ainda não foi revelado o número exato de menores famintos espalhados no território nacional. A pesquisa do Ipea exclui crianças e adolescentes entre três e dezessete anos. Mas revela um panorama alarmante da fome no Brasil. Trinta e dois milhões de brasileiros, entre adultos e crianças (o equivalente à população da Argentina) morrem de fome no país. São nove milhões de famílias que não consomem absolutamente nada. O Brasil produziu nos últimos sete anos cerca de 60 milhões de toneladas de grãos e joga fora anualmente 14 milhões de toneladas : 30% das verduras produzidas aqui vão para a lata do lixo. Engana-se quem acredita que a fome só atinge uma reduzida parcela da população durante a seca nordestina. Metade dos famintos " vivem " nas principais cidades brasileiras. Veja a seguir o mapa da fome, dividido por regiões

SUDESTE - A pesquisa do Ipea aponta as duas maiores metrópoles, Rio de Janeiro e S. Paulo, como líderes em mendigos concentrados nas capitais. O Rio de Janeiro dispara : dos 1.703.824 miseráveis do estado, 1.172.334 estão na capital e na Baixada Fluminense, o que representa um índice de 68,8 %. Em seguida vem São Paulo, com 2.128.238, dos quais 39,61% estão na capital e 38.03 % nas cidades periféricas. Minas Gerais tem 3.471.834 mendigos : 44,74 % " vivem " na zona rural enquanto 44,24 % estão na zona urbana. Espírito Santo surge com 678.556 indigentes : 62,02 % em área agrícola e 37,98 % nas cidades. O sudeste contribui com 25,20 % do total de mendigos espalhados no país.

SUL - Dos trinta e dois milhões de mendigos, o sul representa 12,89 % do total. O Rio Grande do Sul possui 1.534.895 indigentes, dos quais 57,07 % estão no campo e 28,21 % em zonas urbanas. O Ipea não registrou nenhum caso de mendicância na capital catarinense. Dos 664.375 miseráveis no estado, 36,36 % estão nas cidades e 63,64 % na zona rural. O Paraná tem 1883.043-r 59,91 % no campo e 32,25 % nas cidades.

NORDESTE - Dos 41,5 milhões de habitantes da região, 17 milhões vivem em condições de miséria e transformam o nordeste em líder no número de famintos no Brasil. Segundo o Ipea . a região contribui sozinha com 54,57 % do total de indigentes. O estado mais atingido pela fome é a Bahia. Existem 4.331.264 famintos no estado : 59,90 % na zona rural e 31,44 % nas cidades periféricas. O Ceará aparece com 3.034.518 miseráveis, dos quais 58,13 % no campo e 25.92 % nas zonas urbanas. Dos nove estados nordestinos. Maranhão e Piauí respondem pelo maior índice de mendicância na zona rural; 74,41 % e 70,28 % respectivamente O Maranhão concentra 2.034.066 e no Piauí 1.515.266 enfrentam o mesmo problema. Rio Grande do Norte. Paraíba. Pernambuco. Alagoas e Sergipe somam 6.084 miseráveis sobreviventes na região

NORTE - A região contribui com 2,16 0/o do total de indigentes no país. O Para apresenta 429 871 mendigos : 30,57 % na capital e 69.43 -o em cidades periféricas Os outros cinco estados da região ( Amazonas. Rondônia. Acre Roraima e Amapá) são os únicos no pais a concentrarem toda a população de miseráveis nas cidades periféricas O Ipea não registra nenhum caso na zona agrícola Amazonas apresenta 122.411 indigentes. Acre 43.134, Amapá 12.887. Rondônia 74 052 e Roraima : 2.849.

CENTRO - OESTE - Nenhum estado na região como mostra a pesquisa do Ipea, possui indigentes nas capitais. Mato Grosso do Sul tem 310.858, dos quais 67,51 % estão em zonas urbanas e 3 49 0'o no campo. Mato Grosso registra 273.465 casos ; 39.92 % nas cidades e 60.08 % na zona rural. Goiás é o estado de maior número de indigentes na região : 930.806 (48,73 % nas cidades e 51.27 % no campo) e Brasília é o único estado que, de acordo com o Ipea, não apresenta nenhum indigente, nem no campo, nem na capital: todos os 125.468 mendigos estão concentrados nas cidades periféricas. A região representa 5,18 % do total de indigentes em todo o país.

PAGINA 45

Page 46: 23? - cpvsp.org.br · Mônica Lopes ledo Ferreira Joselina da Silva (Jô) ... Prova que não tem receio de discutir publicamente suas idéias. Vamos encontrar aqui reportagens distintas

MENORES AMPLIAM

PARTICIPAÇÃO NO TRÁFICO

elatório policial calcula que 5 mil menores atuam no narcotráfico no Rio. Miséria, pobreza e falta de políticas públicas são as causas.

PAGINA 46

Page 47: 23? - cpvsp.org.br · Mônica Lopes ledo Ferreira Joselina da Silva (Jô) ... Prova que não tem receio de discutir publicamente suas idéias. Vamos encontrar aqui reportagens distintas

Ele está atento. Franzino, de bermuda colorida, nu da cintura para cima, chinelos, o menino se esconde próximo

à entrada de uma favela encravada numa encosta da Zona Sul do Rio de Janeiro. Ele avista viaturas policiais se deslocando em alta velocidade para a comunidade. Com tranqüilidade, ele risca um fósforo, acende o pavio e solta um foguete que põe em alerta toda a favela. O foguete é o código para avisar ao pessoal da boca de fumo que os homens estão chegando para uma nova batida nos domínios do tráfico de drogas. Os marginais sacam. Se movimentam, escondem as armas ou somem como fantasmas pela complicada geografia da favela, cheia de becos e entradas inimagináveis. O menino deixa o posto de observação e volta a ser mais um menor carente circulando pela favela.

Paulo Rodrigues

PIXOTE

Quando os policiais chegam, o movimento já está esvaziado. Esse trabalhador mirim do tráfico de drogas é conhecido na gíria policial como " fogueteiro ". Ou seja , é o encarregado que avisa aos traficantes sobre a iminente chegada da polícia na favela usando fogos. Em geral, o garoto recebe de CR$ 500 mil a cr$ 1 milhão (preços de abril de 1993) por semana para cumprir essa função. Filho de mãe solteira com mais cinco filhos, que passa o dia todo dando duro nas casas de madame, enquanto os meninos circulam pela favela em busca de opções de trabalho inexistentes. Ele não pode estudar por vários motivos : tem que ajudar a família, não existem escolas ou faltam vagas nos cursos. A fragilidade da subsistência das populações marginalizadas, as sucessivas políticas econômicas recessivas, a falta de trabalho nas metrópoles, por exemplo, empurram cada vez

mais estes meninos para os braços do narcotráfico. Eles já ocupam posições até de mando na hierarquia da distribuição e comercialização de drogas nos morros e favelas cariocas.

11 Mãe solteira com mais cinco filhos, ela passa o dia todo dando duro nas casas de madame, enquanto os meninos perambulam pelas favelas sem nenhuma atenção."

PAGINA 47

Page 48: 23? - cpvsp.org.br · Mônica Lopes ledo Ferreira Joselina da Silva (Jô) ... Prova que não tem receio de discutir publicamente suas idéias. Vamos encontrar aqui reportagens distintas

A primeira explicação para a presença de meninos e meninas no tráfico, está diretamente relacionada com a inexistência de políticas públicas para a infância nestes locais.

Eles já tem nomes bastante conhecidos nas reportagens policiais. São os " vapores "," aviões "," olheiros ",

" fogueteiros "," gerentes " e " chefes de segurança " das bocas de fumo que sempre estão necessitando de novos braços para dar continuidade aos seus negócios milionários, cujos clientes em geral são os chamados " bacanas " da classe média e da pequena burguesia da Zona Sul. Se, nas casas de madame as mães desses menores são humilhadas, nos morros, por exemplo, são comuns cenas onde o bacana viciado estaciona o carrão do ano implorando a venda de papelotes de cocaína. Aqui, as hierarquias se invertem, tornando, por conseguinte, as relações entre marginalidade e normalidade no Rio de Janeiro, completamente ambíguas e polivalentes no mando de poder. É muita comum para nós, moradores do Rio de Janeiro, essas relações complicadas do ponto de vista de classe. Mas não é para os estrangeiros que, de vez em quando, são surpreendidos pela complexidade dos grupos marginalizados em cena. Causou assombro no mundo inteiro a fotografia da menina Carla, do morro Santa Marta, sorridente,empunhando uma pistola, há quatro anos. Os estrangeiros também foram surpreendidos com a presença ousada de Fábio Conceição, o "Brasileirinho ", risonho no meio do chamado " Triunvirato do Pó ", na favela da Rocinha, há cinco anos. Tanto Carla como Brasileirinho foram mortos em confrontos com a polícia.

A primeira explicação para a presença de meninos e meninas no tráfico de drogas está diretamente relacionada com a inexistência de políticas públicas para a infância nestes locais. Por volta dos treze anos (ou menos), os meninos favelados já são obrigados a cair no mundo para complementar a renda familiar. Os pais em geral, ganham trocados, em serviços subalternos, sem carteira assinada. Dos 4.8 milhões de pessoas economicamente ativas do Grande Rio (região metropolitana do Estado), dois milhões recebiam no máximo, dois salários mínimos que o governo federal descaradamente reconhece ser insuficiente para a sobrevivência de uma família com dois dependentes. Em geral, esses trabalhadores, por não disporem de casas, são moradores de barracos, casas insalubres nas favelas. Por falta de perspectivas profissionais e educacionais, os meninos passam o dia inteiro vagando na comunidade, tornando-se presa fácil do narcotráfico. Mas a complexidade aqui também salta aos olhos. Os traficantes que mandam, começaram como seus funcionários mirins, ou seja, se iniciaram no tráfico ainda menores, e foram galgando posições na hierarquia até se tornarem modelos vitoriosos de sucesso profissional para as novas gerações de adolescentes. O processo de reprodução do sucesso profissional no tráfico, na verdade, parece ser a única via de ascensão nestas comunidades carentes.

PAGINA 48

Page 49: 23? - cpvsp.org.br · Mônica Lopes ledo Ferreira Joselina da Silva (Jô) ... Prova que não tem receio de discutir publicamente suas idéias. Vamos encontrar aqui reportagens distintas

Os traficantes constróem uma rede de relações e comportamentos que não podem ser rompidos, sob a pena de punição grave, ou seja, a morte.

Aliás, o caminho para a profissionalização no narcotráfico é natural. Por vários motivos . Entre eles : os ganhos acima

de qualquer outro tipo de profissão subalterna (servente,biscateiro,ascensorista etc). Mesmo que este dinheiro esteja manchado de sangue é com estes cruzeiros que os menores impedem que suas famílias passem fome. É com ele que pode comprar um par de tênis, um bermudão colorido, freqüentar bailes e tirar um sarro com a namorada. Com o tempo, percebem claramente que inexistem as fronteiras entre o legal e o ilegal.O ilegal fica certo se propicia a sustentação dele e da família. Alguns estudiosos lembram também as regras e códigos da favela quando tentam explicar o fenômeno. Como a favela é um mundo à parte, específico, seus habitantes mais poderosos (no caso, os traficantes) constróem uma rede de relações e comportamentos que nunca são rompidos sob a pena de punição grave, no caso, a morte.É muito comum corpos dos chamados "caguetes" aparecerem mortos em valões. Ou seja , constróem uma sociedade paralela , e representam o símbolo de status e ascensão social que todos querem conquistar. O sonho de muitos meninos, um dia, é ser o todo poderoso chefe da boca, enquanto as meninas, sonham algum dia , casar com os chefões do

narcotráfico.Uma reportagem do jornal O DIA, publicado em 21 de março passado, com base em relatório da DRE (Divisão de Repressão a Entorpecentes), estimou que o narcotráfico emprega diariamente 10 mil pessoas no Rio de Janeiro, quase o número da indústria naval (12 mil operários), sendo a metade integrada por menores, nas trezentas bocas de fumo espalhadas pelas comunidades carentes. O próprio diretor da DRE, delegado Antônio Nonato da Costa, reconhece a encruzilhada da juventude da favela." O jovem da favela não tem muita opção e é empurrado para o movimento. Às vezes, o olheiro ganha mais do que o pai que trabalha o mes inteiro ", disse o policial.

PAGINA 49

Page 50: 23? - cpvsp.org.br · Mônica Lopes ledo Ferreira Joselina da Silva (Jô) ... Prova que não tem receio de discutir publicamente suas idéias. Vamos encontrar aqui reportagens distintas

Os cargos mirins no narcotráfico Vapor barato, um mero serviçal do narcotráfico Foi encontrado na ruína de uma escola em construção Aqui tudo parece que ainda é construção e já é ruína Tudo é menino e menina no olho da rua O asfalto, a ponte, o viaduto ganindo para a lua E o cano da pistola que as crianças mordem Refletem todas as cores da paisagem da cidade Que é muito mais bonita e muito mais intensa do que no cartão postal

(CaetanoVeloso, em " Fora de Ordem")

Vapor - O menor que vende droga (cocaína ou maconha) ao consumidor. Também é chamado de vapozeiro ou vasco. Recebe ordens diretamente do gerente do dia.

Avião - Tem o mesmo sentido de vapor.

Olheiro - O menor que se situa em pontos estratégicos na comunidade para detectar a chegada de policiais, estranhos ou potenciais inimigos do narcotráfico.

Soldado - Braço armado dos narcotraficantes - menores ou adultos - que protege a boca e dá cobertura aos consumidores de drogas.

Foqueteiro - O menor encarregado de soltar foguetes para avisar aos traficantes sobre a iminente chegada da polícia. Em muitas favelas, as meninas já se incorporaram a essa mão de obra.

Movimento - Local, posição ou adjetivação para o tráfico de drogas nas comunidades carentes. Tem o mesmo sentido de boca de fumo, embora abranja a variedade de atuação do tráfico nas favelas.

Branco - Cocaína.

Preto - Maconha.

PAGINA 50

Page 51: 23? - cpvsp.org.br · Mônica Lopes ledo Ferreira Joselina da Silva (Jô) ... Prova que não tem receio de discutir publicamente suas idéias. Vamos encontrar aqui reportagens distintas

Mídia Ceap

O Pioneirismo ESGOTADA ESGOTADA

Extermínio de crianças e adolescentes no Brasil Primeira publicação do gênero no Brasil. Trata-se do primeiro estudo sistematizado sobre o fenômeno do extermínio.

The kiiling of children and adolescents in Brasil A bíblia internacional sobre extermínio de menores. Fonte de consulta obrigatória de entidades internacionais de Direitos Humanos.

Publicações periódicas

^pgoTE

^al SIM DA VIDA — A Esterilização em Massa de Mulheres

«i»

Revista PIXOTE Jornal SIM DA VIDA

O programa " Vibrações Positivas ", que vai ao ar pela Rádio Imprensa FM, Rio de Janeiro, aos domingos, das 14 às 16 horas, é o porta-voz radiofônico da comunidade negra carioca. Música afro, reggae, axé music e sucessos dos artistas negros internacionais. Mais : debates, jornalismo, informações sobre a comunidade negra e popular. Mais uma iniciativa do Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (Ceap).

O Sucesso

ESGOTADA Police Estimates Undrrate Murders Related to Organizaded in Rio Publicação que virou fonte de consulta dos participantes da Rio-92

Jornal 13 de Maio

A resposta fundamentada à

política racista do prefeito do Rio. Esgotado

em uma semana.

ESGOTADO

\mmMM O Nazifascismo <Sr César Mala

'.virr^iiii^s-í^iiih1

unicef I,'íI

As Meninas e a Rua Um detalhado levantamento sobre meninas e adolescentes.

Page 52: 23? - cpvsp.org.br · Mônica Lopes ledo Ferreira Joselina da Silva (Jô) ... Prova que não tem receio de discutir publicamente suas idéias. Vamos encontrar aqui reportagens distintas