joaquim gonçalves ledo
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Os caminhos de Joaquim Gonçalves Ledo no processo de independência.
Diogo Chiuso
INTRODUÇÃO
Embora hajam inúmeras obras dedicadas ao estudo das figuras de D. Pedro I e de José
Bonifácio de Andrada, não há conhecimentos mais detalhados sobre a vida e obra de
Joaquim Gonçalves Ledo, que ainda se apresenta como uma incógnita no processo da
Independência do Brasil. No entanto, sendo na época o líder incontestável da maçonaria,
além de exercer um enorme prestígio perante a opinião pública através da imprensa, faz-se
necessário conhecer melhor o perfil e as ações desta importante figura histórica para
entendermos de forma clara o processo de independência. Este trabalho pretende esboçar
algumas informações e traços característicos apontados como pertencentes à personalidade
de Ledo. Talvez seja uma forma pretenciosa de iniciar a reconstrução desta personagem
histórica sem a qual torna-se impossível o perfeito entendimento da nossa constituição como
País.
Palavras chaves: Joaquim Gonçalves Ledo, Maçonaria, Independência do Brasil.
1. Perfil
Joaquim Gonçalves Ledo nasceu na cidade do Rio de Janeiro a 11 de dezembro de 1781. Filho
primogênito do rico comerciante Antônio Gonçalves Ledo e de D. Antônia Maria Reis Ledo. Segundo
o historiador Max Fleiuss, era “dotado de inteligência rutilante e precoce”. Aos 14 anos partiu para
Portugal afim de completar o curso secundário para poder ingressar na Faculdade de Direito de
Coimbra.
Já em Portugal, Ledo encontra um clima de agitação revolucionária propagado pelos ideais da
Revolução Francesa, que culminou na efervecência da Revolução do Porto, em 1820. Com o Rei no
Brasil e a Inglaterra efetivamente exercendo o poder em Portugal – já que o comando do exército
estava a cargo do general inglês Willian Carr Beresford, além da intromisão na administração e no
comércio do Reino –, iniciou-se um movimento de “regeneração” da nação portuguesa que pretendia
reaver o poder político e promulgar uma constituição. Tal movimento contava com oficiais do Exército
e maçons, embora o Alvará Real de 1818 houvesse proibido o funcionamento de sociedades secretas,
que expressavam abertamente seus ideais republicanos, a maçonaria se organizava em encontros
clandestinos com o intuito de discutir ideias de caráter republicano e, inspirados pela Queda da
Bastilha, havia quem estivesse disposto à dissolução da monarquia. Tais ideias chegaram no Brasil,
conforme informava em correspondência de janeiro de 1821, o ministro de Portugal em Londres, D.
José Luis de Souza, ao ministro de Negócios Estrangeiros, Tomás António de Vila-Nova Portugal:
“Como nas críticas circunstâncias, em que nos achamos, nada se deve ocultar do
Soberano, cumpre-me acrescentar, que as pessoas observadoras da tática revolucionária
estão persuadidas, que as sociedades secretas tendo em vista promover a separação dos
dois Reinos, e privar o Trono do apoio do Exército, e da povoação fiel de Portugal,
obstaram a que se consolidasse a união dos dois Reinos pelo modo, que fica dito. (...)
Na verdade custa conceber como se poderá conservar uma Monarquia no Brasil,
faltando-lhe o poderoso apoio daquele Exército, e dos seus súditos europeus; e quando
a esta diminuição de força se unem as circunstâncias de estar o Brasil na impossibilidade
de formar imediatamente outro Exército, que possa suprir àquele; achar-se a Monarquia
neste caso privada da aliança, e auxílio das Potências Européias, que não podem ter
influência nos habitantes de um Reino tão distante, rodeada de povos revolucionados,
contendo em si uma povoação heterogência de todas as Nações, de todas as cores,
sendo a branca a mais escassa, e finalmente achando-se o País minado de sociedades
secretas, que de inteligência com as de Portugal, e de outros países, trabalham
incessantemente na dissolução da Monarquia”. 1
O ambiente de liberalismo revolucionário influenciou tanto o jovem brasileiro que, frente ao
apelo de José Bonifácio de Andrada aos estudantes de Coimbra para que se organizassem em um
batalhão acadêmico contra as forças napoleônicas que pretendiam invadir Portugal, posicinou-se
contrário a defender a pátria portuguesa em função de serem “opressores da sua terra de nascimento”.
Tal assertiva é atribuída a uma carta dirigida a seu irmão, Custódio Gonçalves Ledo, que na
época era estudante de medicina em Londres. Alguns historiadores, sobretudo José Feliciano de
Oliveira, atribui a negativa para incorporar o batalhão de estudantes organizado por José Bonifácio,
1- Correspondência publicada na tese de doutoramento “Maçonaria, Sociedade Ilustrada e Independência”, de Alexandre Mansur de
Barata, apresentada na Universidade Estadual de Campinas em junho de 2002. (p. 237);
2 – Aslan, Nicola. Biografia de Joaquim Gonçalves Lêdo. Rio de Janeiro, Editora Maçônica, 1947. (p. 34-35, tomo I)
como uma mera covardia do estudante fluminense. No entanto, é oportuno analisar a última frase da
supracitada carta, que exprime, de pronto, os planos de Ledo de partir brevemente de Portugal:
“(...) acompanhado de mais amigos, irei organizar no Brasil a primeira
Loja que será o centro da propaganda liberal do Brasil”.2
Já iniciado na maçonaria em Portugal, Ledo regressa ao seu país e segundo Teixeira Pinto, no
livro “Maçonaria na Independência do Brasil” (p. 14-15):
“Regressou, trazendo no bolso um diploma de maçom e no cérebro a
ideia de Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Foi isso que o levou a aceitar um
emprego com o modesto salário de 33$000 mensais [na Contadoria do Arsenal
de Guerra]. Mas tentado nas suas ideias, verificamos que foi por cálculo que ele
escolheu esse emprego. Ele sabia que nesse lugar poderia conseguir a adesão de
novos elementos e utilíssimos elementos para levar adiante os seus ideais
republicanos.”
2. Ações Políticas
A loja maçônica que Ledo prometia organizar foi aberta no Rio de Janeiro em 1815.
Denominada Comércio e Artes, era dedicada a propósitos estritamente políticos. Duas características
importantes devem ser mencionadas. Primeira, tal Loja trabalhava de forma clandestina; depois,
embora funcionasse nos moldes da ordem Grande Oriente Lusitano, já havia a intenção de acabar com
uma ligação mais direta com os maçons portugeses, e esta iniciativa é atribuída a Ledo, já expressando
um tipo de personalidade que pretendia a dissolução dos laços que uniam Brasil e Portugal. Por outro
lado, não há, entretanto, prova documental de que a Loja tenha sido fundada por Ledo e, segundo
Nicola Aslan, na sua biografia sobre o jornalista fluminense, “os arquivos, inutilizados quando das
perseguições aos Maçons, depois de fracassada a Revolução Pernambucana, não deixaram o mínimo
vestígio das atividades de Joaquim Gonçalves Ledo” (p. 50, tomo I). Isto quanto à sua fundação, pois é
inquestionável que ele exercia a liderança política entre os maçons, tanto na loja Comércio e Artes
quanto no jornal que criara com o padre Januário da Cunha Barbosa: o Revérbero Constitucional
Fluminense. O primeiro número do jornal data de 15 de setembro de 1821 e, segundo Hélio Viana,
“(...) figurava entre os jornais mais bem escritos dessa época de geral descuido na linguagem impressa”.
Já na opinião do Príncipe Regente, também segundo Hélio Viana, publicada no livro “D. Pedro I,
jornalista”:
“Afinal avistei o Revérbero, que me sega (sic) pelas suas luzes e que me
encanta pelas belas ideias, bom estilo e método de falar e seriedade. (...) o único que fala
português é o Revérbero, e que fala com amor à Pátria, porque em tudo diz a verdade”.
(pp.42-43).
Os textos do Revérbero Constitucional sempre atacaram o despotismo apoiando-se no
liberalismo e nas divisas da Revolução Francesa: Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Durou treze
meses, e segundo Nelson Werneck Sodré, em “A História da Imprensa no Brasil”, chegou a ser
composto com 16 páginas e atacava os órgãos que defendiam os interesses lusos, e o seu forte eram os
artigos doutrinários que evoluiam acompanhando o processo da independência até a fase que culminou
com a proclamação do Ipiranga. A linha editorial exaltava um governo liberal e combatia fortemente as
medidas emanadas de Lisboa.
Enquanto na imprensa Ledo discutia a liberdade e já ensaiava coros à independência, na
maçonaria ele liderava as conspirações, conforme informa Assis Cintra, em “O Homem da
Independência”:
“O chefe de polícia, em ofício de 4 de dezembro de 1821, informava o
ministro do príncipe, que a ordem de prisão de Gonçalves Ledo, seus Maçons e
oficiais brasileiros da tropa, provocaria a revolução em toda a parte: --“... é a
informação exata que transmito, Sr. Conselheiro, mas permita V. Ex. que diga
ser impossível agir sem tropas fiéis, pois a maioria esta filiada aos conspiradores,
sendo conveniente mandar buscar outras no reino, pois o movimento de
independência é por demasia generalizado pela maldita obra dos maçons
astuciosos com a chefia de Gonçalves Ledo.
(...) é de fonte segura que a Maçonaria pretende fazer a independência
em meado do ano vindouro de 1822. É de uma larga prudência que o príncipe
aproveite com austúcia para dirigir a Maçonaria e torcer-lhe a ação nefasta.”
( p. 89)
3. O dia do Fico
São comumente atribuídas a José Joaquim da Rocha e José Mariano de Azevedo Coutinho, as
ações que resultaram na permanência do Príncipe Regente no Brasil. Alguns autores, classificados por
Nicola Aslan como “andradólatras”, ligam-os a José Bonifácio. No entanto, Assim Cintra no livro “O
Homem da Independência” (p. 150-151), publica uma carta de 13 de dezembro de 1821, onde José
Joaquim da Rocha comunica Gonçalves Ledo sobre a realização de operações idealizadas na Loja
Comércio e Artes. Eis a carta:
Ilmo. Sr. Joaquim Gonçalves Ledo:
“Por esta comunico particularmente a V. S. que demos cumprimento à
incumbência da Loja, eu e o irmão José Mariano, entendemo-nos com o presidente do
Senado e da Câmara. E que o mesmo fez objeção do auxílio imprescindível de S. Paulo
e de Minas, sem o que o Ato não se fará com êxito, por causa das tropas portuguesas.
Pedro Dias e Paulo Barbosa, que são nossos, e que V. S. conhece muito bem, se
ofereceram para a comissão em S. Paulo e em Minas.
Pedro Dias tem parentes em S. Paulo de muita influência, que são os Pais
Leme, e disse que, apesar de saber que José Bonifácio não é partidário da nossa causa,
por julgar que a independência nestes tempos é desunião do Brasil, promete, com a
amizade de Martim Francisco por mim e com grande prestígio desse Andrada sobre o
irmão e sobre a câmara de S. Paulo, trazê-lo para o nosso lado e até, para a nossa
Maçonaria.
É o que tenho a comunicar em caráter privado e o que faremos longamente
em caráter oficial, em relatório, que eu e e José Mariano estamos fazendo para ser lido
em sessão dessa Loja.
José Joaquim da Rocha
O presidente do Senado e da Câmara era José Clemente Pereira, que a princípio não
concordava a permanência do Príncipe no Brasil, mas depois aderiu à campanha e apresentou a
representação que contrariava a decisão do decreto nº. 125 das Cortes Reunidas de Lisboa - que
ordenava a Dom Pedro o retorno imediato à Portugal “para iniciar uma viagem pela Europa com o
intuito de ser instruído e preparar-se para quando assumisse o Reino Português”2. Tal representação
tinha o apoio das províncias de São Paulo e Minas Gerais.
Os fatos que precederam o Fico iniciam-se nas já citadas conspirações maçônicas que
pretendiam a independência nos moldes republicanos. Mas em função da impossibilidade de uma
guerra da independência por falta de tropas para conter uma investida militar portuguesa, optou-se
pela cooptação do Príncipe para evitar um confronto desproporcional, já que, embora D. Pedro se
posicionasse fiel ao Rei em diversas cartas enviadas a Portugal, deixava livre a especulação de que era
simpático ao movimento para a sua permanência.
3 –Segundo Octávio Tarquínio de Souza, em “A Vida de D. Pedro I”: “Depois da participação nos sucessos de 26 de fevereiro, depois
do exercício da regência, depois de chefe de estado e de família, volveria (D. Pedro) à condição de tutelado por professores, de aprendiz
sob a guarda de gente de confiança. Fernando Tomás, um dos maiorais das Cortes, dissera, em discurso de 20 de setembro, que o
Soberano Congresso não dava ao príncipe “as suas opiniões, mas sim suas ordens”, e que poderia declarar-lhe: “não és digno de
governar, vai-te”. Isto concedendo antes que D. Pedro tinha talentos e desejos, faltando-lhe, porém, estudos.” (p. 280)
Ficou, então, a cargo do coronel Francisco Maria Veloso Gordilho de Barbuda, guarda-roupa
do Príncipe, a tarefa de sondá-lo a respeito. Primeiramente ele hesitou em considerar a hipótese. Mas, ,
no dia seguinte, cogitou a possibilidade de ficar desde que viessem representações das províncias
solicitanto que ele não partisse. Foram, então, enviados com a missão de informar e obter o apoio das
províncias de São Paulo e Minas Gerais ao movimento do Fico, Pedro Dias Pais Leme e Paulo
Barbosa, respectivamente.
Pais Leme chegou a S. Paulo a 23 de dezembro e logo procurou os irmãos Andrada para
informá-los da disposição de D. Pedro em ficar no País e entregar-lhes a carta de José Joaquim da
Rocha solicitando uma posição da Província de São Paulo. Em "Brasil-Reino", Melo Morais escreve:
“José Bonifácio estava doente, de erisipela [infecção cutânea nos membros
inferiores], fora da cidade. Apesar da chuva copiosa que caia naquela noite, Pedro Dias
foi à chácara onde estava José Bonifácio. A visita de Pedro Dias, e naquela hora da noite,
o surpreendeu. O conteúdo da carta e as explicações dadas pelo emissário o puseram em
agitação, e, ao amanhecer o dia, transportou-se para a cidade, convocou a Junta, expôs o
negócio e propôs que se escrevesse ao Príncipe, pedindo que não partisse para Portugal,
enquanto não chegasse ao Rio uma deputação que a Província de S. Paulo ia mandar
para explicar a Sua Alteza os motivos do pedido. José Bonifácio, doente como estava,
ditou ali mesmo o ofício de 24 de dezembro, o qual, tirado a limpo, e depois de ligeira
discussão foi assinado.”(p. 87)
Antes, D. Pedro escrevia ao pai a 15 de dezembro:
“Hoje soube que por ora não fazem representação sem que venham as
procurações de Minas e São Paulo, e que a representação é deste modo, segundo ouço:
“Ou vai, nós declaramos independentes; ou fica então, continuamos a estar
unidos, e seremos responsáveis pela falta de execução das ordens do congresso; e
demais tanto os ingleses-europeus, como americanos-ingleses, nos protegem na nossa
independência no caso de ir Sua Alteza.”
Torno a protestar às cortes e a V. M. que só a força será capaz de me fazer
faltar ao meu dever, o que será o mais sensível do mundo.
Concluo dizendo: sou fiel e honrado…”
A representação ao Príncipe fora redigida pelo Frei Francisco Sampaio e assinada pelos
representantes das províncias. Gerson Brasil diz, em “A Revolução Brasileira de D. Pedro I”, que “o
Frei se estendeu por muitas páginas, num estilo pomposo, grandiloqüente, por certo na convicção de
que, ao fazê-lo, não estava na posição de redator de um manifesto popular, e sim numa oração sacra
no púlpito da igreja de S. Antônio”. À parte esta personalíssima opinião, Frei Sampaio no extenso
documento citou Jason, o herói da mitologia grega, além do Abade de Condillac, o economista Jean
Sismondi e Pedro, O Grande, da Rússia.
Em 9 de janeiro de 1822, ao meio dia, D. Pedro recebeu a representação das mãos do
deputado-geral, José Clemente Pereira, que na ocasião proferiu um discurso cuja redação é atribuída a
Gonçalves Ledo. A Divisão Militar Auxiliar portuguesa protestou, o que causou um confronto com as
tropas brasileiras no Rio, já impregnadas com o ideal separatista. O general Jorge Avilez representou
“contra os pertubadores da ordem pública”, solicitando que fossem imediatamente presos. Mas D.
Pedro, em resposta, disse que as bases “juradas da Constituição garantiam o direito de petição, não lhe
sendo lícito agir em contrário”. Houve insubordinação por parte do general Avilez que, segundo D.
Pedro, em carta ao Rei em 12 de janeiro de 1822, comunicou falsamente aos seus soldados ter sido
demitido do cargo de chefe da tropa, o que causou comoção e um motim entre os militares. O
Príncipe resolveu destituir os comandantes por insubordinação, e também os soldados que
espontaneamente pediram baixa, com a justificativa de que “tropa sem disciplina não serve para
nada”. Procedeu, então, o embarque desses militares para Portugal.
Os episódios do Fico marcam o abandono da maçonaria, liderada por Ledo, da ideia inicial do
Brasil tornar-se independente e constituir-se como República. Diz, Nicola Aslan na “Biografia de
Joaquim Gonçalves Ledo”: “(…) sob a esclarecida direção de Ledo, vislumbraram que tudo seria
muito mais fácil se conseguissem fazer D. Pedro entrar no jogo”. (p. 137 – Tomo I)
Foram as consequências do Dia do Fico: a expulsão da Divisão Auxiliadora do general Avilez
acusado de insubordinação; e a demissão dos ministros portugueses. No lugar deles nomeou-se
ministros brasileiros, entre eles José Bonifácio de Andrada e Silva.
4. Os caminhos da Independência
Após o Fico, Gonçalves Ledo passou a defender abertamente a independência do Brasil. Em
um artigo de 30 de abril no Revérbero Constitucional Fluminense, publicou uma incitação ao Príncipe
Regente para a fundação de um Império:
“Principe! Rasguemos o véu dos mistérios; rompamos a nuvem que encobre o
sol, que deve raiar na esfera brasileira; forme-se o livro que nos deve reger, e sobre as
bases já por nós juradas, em grande pompa seja conduzido e depositado sobre as aras
do Deus de nosso país.
Aí, diante do Altíssimo, que te há de ouvir e punir, se fores traidor, jura
defendê-la e guardá-la à custa de teu próprio sangue; jura identificar-te com ela; o Deus
dos cristãos, a Constituição brasileira e Pedro, eis os votos de todos os brasileiros.
Ó dia de glória! quanto és belo, até mesmo lobrigado por entre as névoas do
futuro! Príncipe, só assim baquearão de uma vez os cem dragões que rugem e
procuram devorar-nos.
Não desprezes a glória de ser o fundador de um novo Império. O Brasil de
joelhos te amostra o peito, e nele, gravadas em letras de diamante, o teu nome.
Não te assustem os pequenos princípios. Ah! se visses como é pobre a nascente
dos dois gigantes da América, e como depois levam aos mares mais guerra do que
tributos!
Príncipe, as nações todas têm um momento único, que não torna quando
escapa, para estabelecerem os seus governos. O Rubicon passou-se; atrás fica o
inferno; adiante está o templo da imortalidade. Redire sit nefas [O retorno seria nefasto
– Horácio]”
Para Octávio Tarquínio, no seu “A Vida de D. Pedro I”, através do Revérbero Constitucional
Fluminense, Ledo e Januário “com os tropos de sua linguagem intrumescida, sopravam a ambição de
D. Pedro, animando-o a dar passos decisivos” (p. 327).
Dos maçons, o próximo passo foi a proposição do brigadeiro Domingos Alves Branco Muniz,
em sessão do dia 10 de maio de 1822 na loja Comercio e Artes, de conferir o título de Protetor e
Defensor Perpétuo do Brasil ao Príncipe. Ledo e Januário, segundo Varnhagen, em “História da
Independência”, adotaram a idéia e redigiram o discurso a ser pronunciado por José Clemente Pereira
no Senado da Câmara no dia 13 de maio. Consta na Ata do Senado da Câmara do dia 13 de maio, a
seguinte resolução:
“(…) E sendo apresentada à Sua Alteza Real a expressada representação do Povo e
Tropa pelo Senado da Câmara, Houve o mesmo Senhor por bem declarar – QUE
ACEITAVA E CONTINUARIA A DESEMPENHAR COMO ATÉ AQUI O
TÍTULO, QUE O POVO E A TROPA DESTA CORTE LHE CONFERIRAM. – E
logo, sendo esta declaração de Sua Alteza Real Publicada de uma das varandas do Paço
pelo Juiz de For a e Presidente do Senado da Câmara, foi a mesma aplaudida pelo
Povo e Tropa.
Aditamento:
“Declarou Sua Alteza Real, depois de assinar a ata supra, que não assinava
Protetor do Brasil – porque este não precisava de sua proteção e a si mesmo se
protegia. – Era ut supra.
Já obtendo um contato mais direto com D. Pedro, Ledo redige, em 20 de maio de 1822, a
“Representação do Povo do Rio de Janeiro”, à qual foram apensadas mais de mil assinaturas,
solicitando a convocação de uma Assembléia Geral Legislativa do Brasil, e expondo a necessidade de
se fazer independente na administração e nas leis. Na parte final volta a falar em independência e,
como dizia Tarquínio, “soprava a ambição de D. Pedro”. Eis alguns excertos:
“(…)Sim, o Brasil podia dizer a Portugal: ‘Desde que o sol abriu o seu Túmulo
e dele me fez saltar para apresentar-me ao ditoso Cabral, a minha fertilidade, a minha
riqueza, a minha prosperidade tudo te sacrifiquei, tudo te dei; e tu que me destes?
Escravidão e só escravidão. Cavava o seio das minhas montanhas, penetrava no certo
do meu solo, para te mandar o ouro, com que pagava às nações estrangeiras a tua
conservação e as obras que decora sua majestosa capital.
(…) O Brasil, portanto, composto de elementos tão diversos dos de Portugal,
carece de uma administração própria, de uma legislação bebida na natureza de suas
necessidades e ciscunstâncias, e não de uma legislação versátil, sem base e sem
interesse, como são todas aquelas que se operam de longe, e debaixo da inspiração
poderosa de legisladores parciais, sem adesão ao lugar que legislam, e sem o medo do
raio vingador da pública opinião, que daqui não pode feri-los senão frio e sem vigor.
(…) Que se convoque já nesta Corte uma assembléia geral das províncias do
Brasil, representadas por um número competente de Deputados, que não poderão ser
menos de cem, nomeados por novos eleitores paroquiais, eleitos pelo povo, com
poderes especiais para este fim, cujas atribuições sejam: deliberar em sessão pública
sobre as justas condições, com que o Brasil deve permanecer unido a Portugal –
examinar se a constituição, que se está fazendo nas Cortes Gerais de Lisboa, é no seu
todo adaptada ao Brasil; e sobre as bases ali decretadas, e aqui juradas, estabelecer as
emendas, reformas e alterações, com que a mesma constituição deve ser recebida e
jurada no Brasil.
(…) A natureza não formou satélites maiores que seus planetas. A América
deve permanecer à América, a Europa à Europa; porque não debalde o Grande
Arquiteto do Universo meteu entre elas o espaço imenso que as separa. O momento
para estabelecer-se um perdurável sistema, e ligar todas as partes do nosso grande
todo, é este. Desprezá-lo é insultar a Divindade, em cujos decretos ele foi marcado, e
por cuja lei ele apareceu na cadeia do presente.
(…) Tu já conheces os bens e os males que te esperam e à tua prosperidade.
Queres? ou não queres? Resolve, Senhor!4
A convocação da Assembléia Constituinte, incitada pelo discurso de Ledo no Conselho dos
Procuradores dirigido a D. Pedro, causou uma indisposição com o ministro José Bonifácio. Primeiro
por ter sido um discurso diverso daquele aprovado previamente pelo ministro Andrada; depois, pela
idéia mesma de convocar uma Constituinte, o que lhe causou profunda irritação, expressa na pitoresca
frase: “Hei de enforcar os constitucionalistas na Praça da Constituição”. No entanto, os maçons viram
a necessidade de se aproximar do ministro, em função da influência que este exercia junto ao Príncipe
Regente. Para tanto, convidaram-no para integrar a maçonaria, oferecendo-lhe o título de grão-mestre
da loja Grande Oriente do Brasil, a nova ordem maçônica que estava sendo fundada no País.
4 - Aslan, Nicola. Biografia de Joaquim Gonçalves Lêdo. Rio de Janeiro, Editora Maçônica, 1947. (p. 227-236, tomo II)
Embora Bonifácio considerasse a maçonaria “um ajuntamento de pessoas suspeitas e
perturbadoras do sossego e da segurança pública”, Ledo apostava que o velho Andrada mudasse de
opinião depois de conhecer melhor a instituição. No entanto, Teixeira Pinto, no livro “Maçonaria e
Independência do Brasil”, defende que Ledo “sabia que José Bonifácio aceitara o convite para (…)
melhor controlar e reduzir ao mínimo a ação da maçonaria” (p. 46).
Com os ânimos aparentemente menos aflorados, criou-se, então, por iniciativa de José
Bonifácio, proferindo um discurso redigido por Ledo, o Conselho de Procuradores Gerais, convocado
no Decreto de 16 de fevereiro de 1822 e com o intuito de assessorar o Príncipe e discutir a
convocação da Constituinte. Ledo e José Mariano de Azeredo Coutinho - que também era maçom -
eram os representantes do Rio de Janeiro.
Defende-se que a criação do Conselho de Procuradores Gerais tenha sido uma forma de José
Bonifácio tentar conter os liberais. Por outro lado, é uma incógnita a sua atitude, pois convergia com
ideias que ele tanto se opunha. Seria precipitado, no entanto, atribuir tal mudança à sua inserção na
maçonaria, pois o Conselho dos Procuradores pretendia convocar uma Assembléia Constituinte e
Bonifácio dizia que “o país achava-se em estado febril, (…) e era impossível encontrar 100 homens
aptos para as funções de legisladores.” 5. Contudo, há uma teoria que se apoia nas palavras de D.
Lucas José Orbes, maçom partidário de Ledo e, na época, Procurador Geral da Provincia Cisplatina –
notas traduzidas do castelhano por Silveira Brasil e publicadas no livro “Reminicências do Império”:
“…a representação de 3 de julho, escrita com energia por Ledo, foi
apresentada ao Príncipe, apenas com três assinaturas: a minha, a do José Mariano e a do
Ledo que a redigiu. O ministério, com o Conselheiro Andrada à frente, exasperou-se e
foi preciso muita astúcia e mesmo uma enérgica e oportuna ameaça de revolução no sul
para conseguirmos vencer a má vontade dessa gente. O Príncipe está na suposição de
que temos entendimentos com Buenos Aires e que esta nos fornecerá homens, dinheiro
e armamentos para a proclamação de uma República das províncias do Sul. Eis porque
conseguimos o decreto da Assembleia Constituinte, imediatamente, no próprio dia da
petição. Este decreto é a nossa Independência ou melhor, Separação. Ainda ontem
éramos escravos! Hoje somos livres!”
5 – O Grito do Ipiranga
Em 13 de agosto de 1822, D. Pedro ausentou-se do Conselho de Estado em função de uma
viagem às pressas para São Paulo para por um ponto final nos conflitos causados pela Bernarda de
Francisco Ignácio – que era uma cisão entre duas forças políticas da Província. De um lado os
Andrada e seus aliados; de outro, Francisco Ignácio de Queirós e o presidente da junta de governo,
5 - Ofício de José Bonifácio, de 26 de maio de 1822, enviado a Mareschal, publicado no livro “Movimento da Independência”, de
Oliveira Lima – p.249-250.
João Carlos Augusto de Oeynhausen. Há quem aponte uma suposta conspiração dos maçons contra
os Andrada, tendo Ledo, como um dos líderes da maçonaria, a atacar diretamente José Bonifácio.
Ainda assim, o ministro contava com um enorme prestígio perante o Príncipe, que, posicionando-se a
favor das suas forças políticas, extinguiu a junta de governo paulista e deslocou-se até São Paulo para
equacionar definitivamente a questão. Ficou decidida a criação de uma junta provisória e Martim
Francisco Ribeiro de Andrada, que havia sido demitido do cargo de secretário da Fazenda da
Província, acabou nomeado ministro da Fazenda do Reino.
Em Portugal, as Cortes Gerais de Lisboa estavam completamente descontentes com as últimas
ações de D. Pedro no Brasil. A decisão de contrariar o decreto n.º 125, que resolvia pelo retorno
imediato do Príncipe a Portugal, tornou impossível o entendimento entre deputados portugueses e
brasileiros nas Cortes. Os brasileiros passaram a ser impedidos de se pronunciar, e o estopim da crise
talvez tenha sido o “Cumpra-se”, que era um decreto de José Bonifácio, assinado pelo Príncipe em
maio de 1822, determinando que as deliberações emanava das Cortes Gerais de Lisboa só teriam
execução mediante concordância e ordem da Regência. Tal ato efetivava uma margem de soberania ao
Brasil e os portugueses tomaram-no como insubordinação – assim como a representação por parte de
Ledo, liderando os liberais, para que fosse convocada uma Assembleia Constituinte.
No Brasil, a convocação para a constituinte serviu para acentuar a crise entre Bonifácio e
Ledo, criando efetivamente dois grupos políticos distintos. Em contrapartida, havia algo que, de certa
forma, os unia: a insensatez das Cortes reunidas em Lisboa, que pretendia rebaixar o Brasil novamente
à colônia, restringindo direitos e liberdades. Tal assertiva é reconhecida até mesmo por alguns
portugueses, como no caso do jornalista Firmino Pereira, no artigo “D. Pedro IV”, publicado na
Enciclopédia Portuguesa Ilustrada:
“D. Pedro colocava-se em completa dissidência com a autoridade do pai e a
decisão das cortes. A sua rebeldia era evidente. Pelos brasileiros contra os portugueses.
Sonhava um império, lembrando-se das palavras do pai: “Se não me puderes conservar
a coroa, guarda-a para ti”. Ele preparava o caminho para a guardar para si, lisonjeando
os brasileiros, maltratando os portugueses (…).
Enquanto essas coisas se passavam, o governo de Lisboa, com suas
imbecilidades, apressava o movimento separatista do Brasil. Além disso, o congresso
não fazia senão ferir e ofender D. Pedro, já dirigindo-lhe afrontas, já privando-o dos
rendimentos que legitimamente lhe pertenciam. Esta atitude irritou mais o príncipe,
que não era homem para se deixar humilhar. Se em Lisboa outro tivesse sido o
procedimento do governo e das cortes, é possível que D. Pedro não entrasse no
caminho das violências. Assim foi para diante, obrigado pela força das circunstâncias.
Independência ou Morte, gritou ele desesperado…”6 6 – Lemos, Maximiliano. Enciclopédia Portuguesa Ilustrada. Porto – Lemos & Cia. – citado por Nicola Aslan em “Biografia de Joaquim
Gonçalves Lêdo”. (p. 222, tomo I).
Convém relatar que há uma corrente, sustentada pelo historiador Aníbal Gama, de que a
Independência do Brasil não foi proclamada no dia 7 de setembro. Como provas ele aponta as
divergências das narrativas do fato ocorrido às margens do córrego do Ipiranga. Nos relatos do Padre
Balchior e, também, do irmão da marquesa de Santos, Francisco de Castro Canto de Melo, eles não
citam o brado “Independência ou Morte”; já o coronel Manuel Marcondes de Oliveira Melo, o faz em
dois depoimentos totalmente distintos e conflitantes, prestados 40 anos depois do fato ocorrido. Mas
a evidência final, segundo Gama, é a carta de D. Pedro ao pai, datada de 22 de setembro de 1822,
onde o Príncipe despeja desaforo às cortes, mas ainda se despede do Rei como “um súdito que muito
o venera”. Na mesma carta, D. Pedro, é oportuno lembrar, escreve ao pai: “(…) Triumfa e triunfará a
independência brasílica”; e deixa-nos uma pista dizendo: “(…) embora se cometam todos os atentados
que em clubes carbonários forem forjados, a causa santa não retrogradará…”
Carbonários era a forma como os monarcas se referiam aos membros das sociedades secretas,
e citando a causa santa, deixa-nos uma ligação direta com os acontecimentos recentes da Europa, após
a queda de Napoleão. Com o Tratado de Paris pretendia-se reorganizar a geografia européia, que havia
sofrido consideráveis mudanças após as conquistas do Império Francês. Porém, ainda se vivia a
efervecência dos ideais liberais, sobretudo entre os maçons, que mantinham seus ideais republicanos e
anti-monarquistas absorvidos da Revolução Francesa – culminando nas Revoluções de 1948, de
caráter republicano e socialista. Assim, numa contra-ofensiva às ideias revolucionárias defendida pelos
liberais, surgiu a Santa Aliança. “Organizada por Alexandre I da Rússia, por influência da baronesa de
Krudener, a cujo misticismo se atribui, geralmente, a ideia de estabelecer entre os soberanos da
Europa uma fraternidade cristã”7. Tratava-se, portanto, de um bloco de potências monarquicas de
acordo com os preceitos da “Justiça, Caridade Cristã e Paz” quer pretendiam abafar os movimentos
liberais. Um dos primeiros signatários da Santa Aliança era o sogro de D. Pedro, o imperador da
Áustria, Francisco I.
Obviamente que uma independência nos moldes republicanos não atraía D. Pedro, que
sempre pretendeu herdar o Reino na sua integridade. Além disso, eram alinhados à Santa Aliança os
países que detinham forças para ajudá-lo a manter a soberania do Reino Unido de Portugal e Algarves.
Para não nos desviarmos do assunto e prosseguir a nossa análise, é interessante apontar apenas
para mais uma informação: ainda na carta de 22 de setembro, ele diz ao pai que está ciente que “Vossa
Magestade está positivamente preso, escravo”, referindo-se a forma como D. João VI estava isolado
politicamente - e enclausurado em seu castelo - após fazer um juramento a uma Constituição que
ainda não exitia, condição imposta pelos deputados das Cortes Gerais de Lisboa, a quem o Príncipe
referia-se como “os carbonários”.
6 – Pós-Independência
7 – Souto Maior, Armando. História Geral. Companhia Editora Nacional, São Paulo, 1972. (p. 353)
Após o Grito do Ipiranga, a sessão do dia 9 de setembro na loja Grande Oriente foi palco de
um discurso de Gonçalves Ledo, inspirado nas manifestações populares que clamavam pela
independência. Relata a ata da sessão:
“(…) dirigiu à Aug:. Assembléia um enérgico, nervoso e fundado discurso, ornado
naquela eloqüência e veemência oratória, que são peculiares ao seu estilo sublime,
inimitável e nunca assaz louvado, e havendo nele com as mais sólidas razões
demonstrado que as atuais políticas e circunstâncias de nossa pátria, o rico, fértil e
poderoso Brasil, demandavam e exigiam imperiosamente que a sua categoria fosse
inabalavelmente firmada com a nossa Independência e da Realeza Constitucional na
pessoa do Aug:. Príncipe Perpétuo Defensor Constitucional do Reino do Brasil. Foi a
moção aprovada por unânime e simultânea aclamação, expressada com ardor do mais
puro e cordial entusiamo patriótico”.8
Na sessão posterior, do dia 15 de setembro, Ledo propôs a aclamação de D. Pedro a Rei
Constitucional do Brasil e no dia seguinte publicou anonimamente o texto que segue:
“Cidadãos!
A liberdade identificou-se com o terreno americano: a Natureza nos grita
Independência; a Razão o insinua, a Justiça o determina, a Glória o pede; resistir é
crime, hesitar é de covardes; somos homens, somos brasileiros. Independência ou
Morte! Eis o grito de Honra, eis o brado nacional, que dos corações assoma aos lábios
e rápido ressoa desde as margens do corpulento Prata, quase a tocar o gigantesco
Amazonas. A impulsão está dada, a luta encetou-se, tremam os tiranos, a vitória é
nossa. Coragem! Patriotismo! O grande Pedro nos defende: os destinos do Brasil são
os seus destinos. Não consistamos que outras províncias mais do que nós se mostrem
agradecidas. Eis, um passo, e tudo está vencido. Aclamemos o digno herói, o
magnânimo Pedro, nosso primeiro Imperador Constitucional. Este feito glorioso
assombre a Europa, e, recontado por milhares de cidadãos em todos os climas do
universo, leva à posteridade o festivo anúncio de Independência do Brasil.”9
O próximo passo foi dado por José Clemente Pereira, presidente do Senado e da Câmara,
expedindo no dia 17 de setembro, ofício às províncias, determinando a aclamação do primeiro
Imperador do Brasil para o dia 12 de outubro de 1822, data em que D. Pedro completava 24 anos de
8 – Aslan, Nicola. Biografia de Joaquim Gonçalves Lêdo, Editora Maçônica, Rio de Janeiro. (p. 230, tomo I)
9 – Ibdem. (p. 244, tomo I)
idade. Mas José Bonifácio se insurgiu contra a exigência de que o Imperador, a exemplo do seu pai,
deveria jurar e defender uma Constituição que ainda não existia. Segundo Octávio Tarquínio, em “A
Vida de D. Pedro I”:
“(…) D. Pedro deveria incontinenti jurar obediência à Constituição a ser feita
pela futura Constituinte, ou como dizia a circular: – “prestando o mesmo Senhor
previamente juramento de jurar, guardar, manter e defender a Constituição que fizesse
a Assembléia Constituinte e Legislativa”.
“(…) A redundante, a pleonástica redação de José Clemente mostrava bem o
intento de subordinar por completo a ação do príncipe à futura obra dos
constituintes.” (p. 46, tomo II)
No dia 12 de outubro, além de comemorar seus 24 anos, D. Pedro I foi aclamado Imperador
Constitucional do Brasil. Nascia um Império! Ledo e o Padre Januário da Cunha Barbosa, publicaram
a última edição do Revérbero Constitucional Fluminense no dia 8 de outubro, informando ao público
que alí se encerrava aquela publicação, já que “o seu intuito era proclamar a independência e nada
havia mais o que desejar”.
O Brasil, então, mal saía de uma união para se tornar independente de Portugal, já entrava
numa disputa política que traria problemas insolúveis para a construção do país. Depois da “cláusula
do juramento prévio”, José Bonifácio passou a se insurgir fortemente contra os maçons. Espalhou-se
boatos de que na maçonaria trama-se a distituição dos Andrada do ministério para que ascendessem
ao poder Ledo, José Clemente Pereira e os seus correligionários. Foi o que justificou a suspensão das
atividades maçônicas através de decreto imperial, culminando nos alvarás de prisão daqueles que eram
apontados como conspiradores.
Antes, porém, houve o episódio do pedido de demissão do ministro José Bonifácio, que
Vasconcelos Drummond narra da seguinte maneira:
“(...) [José Bonifácio] veio a saber que o príncipe, no seu entusiasmo pela
maçonaria, aceitara a condição de assinar três folhas de papel em branco para ser eleito
Grão-Mestre. O príncipe assinou com efeito três folhas de papel em branco e as
entregou a Ledo, José Clemente e Nobrega. Guardou disso em segredo, como de tudo o
mais que concerne a sua eleição clandestina de Grão-Mestre.
(...) José Bonifácio, ciente de tudo isso, teve com o Imperador uma explicação no
dia 26 de outubro e concluiu pedindo a sua demissão. Martim Francisco fez outro tanto.
O Imperador hesitou primeiro e acabou por confessar que havia dado três assinaturas
em branco às pessoas acima indicadas. Reconheceu que eram judiciosas as reflexões de
José Bonifácio, que havia errado, cometido grande falta, mas entrava em dúvida acerca
dos meios de reaver as três assinaturas em branco que tão inconsideravelmente havia
prestado. ‘Não há senão um meio, respondeu José Bonifácio. Mande V. Magestade
chamar a sua presença esses três indivíduos e ordene-lhes que entreguem logo as três
assinaturas em branco nas mãos de V. M. Se eles não obedecerem, mande-os recolher à
fortaleza da Lage, e manifeste ao país as causas deste seu procedimento. Desembaraçado
de tão afrontosa tutela, poderá então governar livremente e nomear os ministros que
bem possam server ao país e a V. M., porque, quanto a mim e meu irmão, tendo sido
encetada a confiança recíproca que existia, já nada podemos fazer. Nós nos retiramos,
mas salve V. M. a sua dignidade, a sua dinastia e a integridade do Brasil, comprometidas
com tais manejos’.
(...) No dia seguinte, 27, mandou chamar a S. Cristóvão a José Clemente, Ledo e
Nobrega, os quais correram apressados ao chamado, julgando que era para formarem o
novo ministério. A Ilusão durou pouco tempo. O Imperador lhes falou duramente e
ordenou a restituição das assinaturas em branco, em falta do que iriam dalí mesmo para
a fortaleza da Lage e a nação seria informada das causas da prisão.
(...) Segundo minha lembrança, foi neste mesmo dia, 27, e em seguida a este ato,
que o Imperador, como Grão-Mestre, mandou cessar os trabalhos e fechar as lojas
maçônicas.10
No dia 28 de outubro, o Imperador concede a demissão dos Andrada. No entanto, os
escolhidos para a substituição nos ministérios se negavam a assumir os cargos. Reuniu-se, então,
através do Apostolado - que era o núcleo da Nobre Ordem dos Cavaleiros de Santa Cruz, uma
organização nos moldes maçônicos - os partidários de José Bonifácio, que saíram às ruas com abaixo-
assinados, exigindo a reintegração dos ministros demitidos. Após receber as representações com mais
de dez mil assinaturas, o Imperador se dirigiu à casa de Bonifácio, mas o encontrou no caminho, em
meio a uma multidão. Ele insistia na volta dos Andrada aos ministérios, mas, segundo ainda as
Anotações de A. M. V. Drummond à sua Biografia (p. 54), “(...) O imperador conhecia bem o carater
firme de José Bonifácio, mas sabia ao mesmo tempo, que o venerando ancião era, por extremo,
sensível às demosntrações de afeto popular. Preparou ele mesmo essa demonstração, e não lhe custou
muito, porque era a vontade quase unânime dos habitantes do Rio de Janeiro.”
Também relata o acontecimento, José Honório Rodrigues:
“Na crise de 28-30 de outubro de 1822, quando José Bonifácio pediu demissão e
voltou ao ministério, depois de grandes manifestações populares, foi [José Joaquim da]
Rocha um dos principais articuladores das demonstrações, dos aplausos, dos avulsos,
das folhas soltas e cartazes que louvavam os Andradas e acusavam de tudo a [Joaquim
10 - Anotações de A. M. V de Drummond à sua Biografia. Typografia de G. Leuzinger & Filhos. Rio de Janeiro, 1890. (p. 52)
Gonçalves] Ledo, [Luís Pereira da] Nóbrega [de Sousa Coutinho] e José Clemente
[Pereira]”.11
Com a volta de José Bonifácio ao poder, deu-se início ao que se chama de Bonifácia, uma
devassa que culminou no processo dos “conspiradores republicanos”. Após o triunfo dos Andrada e o
fechamento da maçonaria, iniciou-se “perseguição a Francisco Xavier Ferreira, Joaquim Gonçalves
Ledo, João Soares Lisboa, Januário da Cunha Barbosa, Diogo Antônio Feijó.”12
“(...) José Bonifácio de fato reassumiu o ministério três dias depois da renúncia.
Sua primeira providência foi abrir uma devassa contra os inimigos, acusando-os de
conspirar para implantar no Brasil a República. Os conspiradores seriam justamente os
seis autores do documento que fora pedida a instalação da Constituinte brasileira.
Avisados a tempo, Ledo e Soares Lisboa fogem para Buenos Aires. Januário, que tinha
ido em missão oficial a Minas, é preso e deportado para o Havre junto com José
Clemente Pereira e Luis Pereira da Nobrega. Aos outros envolvidos na suposta
conspiração republicana, determina-se que passem a viver a vinte léguas da Corte.”13
No processo, algumas das testemunhas disseram que à época que precedeu o dia do Fico,
“Joaquim Gonçalves Ledo e Januário da Cunha Barbosa ofereceram um jantar para Antonio Carlos
Ribeiro de Andrada, quando da sua passagem pelo Rio de Janeiro a caminho de Lisboa como
deputado às Cortes representando a Província de São Paulo, onde se discutiu um meio mais rápido de
enviar o Príncipe Regente de volta para Portugal e a melhor forma de governo que convinha ao Brasil.
Naquele jantar, conforme por exemplo, o testemunho de José Joaquim da Rocha, fundador do Clube
da Resistência, Ledo e Januário rogaram a Antonio Carlos que “nas Cortes fizessem todas as
diligências para fazer retirar desta Cidade o Imperador, pois que era um tigre filho de outro tigre, e que
só ausentando-se Ele, seria feliz este país”. 14
Ledo, ainda antes de decretada a sua prisão, refugia-se em São Gonçalo, na fazenda do amigo
Belarmino Ricardo Siqueira. De lá redige uma representação ao Imperador reclamando da perseguição
que sofria. Dizia:
“(...) Como é que, não lhe tendo (recorro ao seu alto testemunho) feito jamais a
menor prática de intriga, nem soltado uma palavra que atacasse pessoas venerandas;
como é que, não abusando nunca do acesso que a bondade de V.M. franqueava ao meu
11 - Rodrigues, José Honório. Independência: revolução e contra-revolução. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1975. (p. 93)
12 – Viotti da Costa, Emilia. “José Bonifácio: mito e história”. In: Da Monarquia à República – momentos decisivos. São Paulo: Editora
da Unesp, 1999, p. 69.
13 - Lustosa, Isabel. O Nascimento da Impresa Brasileira. Jorge Zahar Editora. Rio de Janeiro, 2004. (p. 35-36)
14 – Mansur Barata, Alexandre. Tese de doutoramento apresentada na Universidade Estadual de Campinas em junho de 2002. (p. 254);
emprego; como é que, digo, surpreendendo a boa fé de V. M. conseguimos derramar
cizânia e discórdia e tornar-nos fautores de uma nova forma de governo, contrário ao
mesmo que havíamos trabalhado, e de que fui eu quem deu a V. M. a primeira
felicitação? Basta só acusar? Basta só vociferar? Com tal arte, Senhor, nada há que se não
possa prescrever. Terei eu a virtude plástica de formar repúblicas? Possuirei o princípio
regenerativo de todos os acontecimentos, que na prática, se requer, para se eles
coordenarem?
(...) não é no largo de S. Francisco de Paula que se apura a verdade, que se
exercita o foro, açulando a plebe contra o cidadão indefeso: se me permite ainda uma
vez mais, ficamos em anarquia, que eu desejo remover dos meus lares.
(...) Eu desafio os meus inimigos para que me acusem pelos meios que o direito
tem estabelecido; entretanto, dou a todos eles, e a quantos me ousarem suspeitar, por
desmentidos solenes e publicamente de quantas inculpações me fizerem.
(...) A falta deste procedimento deve induzir-nos a crer a inexistência do delito
no conceito de V. M. e então o castigo dos caluniadores deve servir de satisfação à
minha inocência ofendida.”15
Não adiantou o apelo ao Imperador. O processo ocorreu na Corte, ao passo que Ledo, com a
ajuda dos irmãos da maçonaria, tomou refúgio embarcando num navio para Buenos Aires. José
Bonifácio enviou - segundo Nelson Werneck Sodré, em a “História da Imprensa no Brasil” (p. 76) -
Antonio Manuel Correia da Câmara, “serviçal do governo, aventureiro recompensado com funções
diplomáticas” para seguir Ledo na Argentina. Depois, solicitou ao governo daquele país que Ledo
fosse preso e deportado. O pedido fora negado e segundo Assis Cintra, em “O Homem da
Independência”: “D. Tomás Zoniga [procurador geral do Estado Cisplatino] apresentou os mais
claros documentos do procedimento de Ledo em relação aos interesses do Brasil. A imprensa de
Buenos Aires de 9 a 10 de maio de 1823, fez o mesmo ao governo brasileiro, com extenso relatório
que el señor Joaquim Gonçalves Ledo és un apreciable caballero de irrepensible comportamiento. (pp.
55-56).
Sobre o tema, diz Nicola Aslan16:
(...) Através da correspondência do serviçal bonifaciano [Antonio Manuel
Correia da Câmara], verificava-se, também, que não faltou a Ledo o amparo, e a
proteção da Maçonaria portenha ao Irmão perseguido. O próprio consul informava a
José Bonifácio:
15 – Aslan, Nicola. Biografia de Joaquim Gonçalves Lêdo. Rio de Janeiro, Editora Maçônica, 1947. (p. 278-282, tomo II)
16 –Ibidem. (p. 56)
“Devo previnir desde já a V. Excia. que de modo algum conte com a expulsão
dos dois facínoras ... (Barão do Rio Branco, Revista do Instituto Histórico e Geográfico,
tomo 79, p. 288); estes malvados têm a maior proteção da Grande Loja Carbonária de
Buenos Aires; como o farei provar a V. Exma. logo que tenha a honra de lhe beijar a
mão.”
Antonio Correia da Câmara
7 – O retiro de Ledo
Não sofreu com o exílio apenas os liberais-republicanos. Pouco tempo depois, também o
grupo dos Andrada fora acusado de conspiração. Reunidos na Nobre Ordem dos Cavaleiros da Santa
Cruz, também chamada de Apostolado17 (oportuno ressaltar novamente que o termo “Apostolado”
era conferido apenas ao núcleo da Ordem), passaram a discutir um projeto para Constituição
Brasileira. Embora o Imperador incorporasse à Nobre Ordem, viu na discussão sobre o projeto de
Constituição uma restrição ao seu poder. Era o motivo para que fossem interrompidas as atividades
do Apostolado e se desse a demissão de José Bonifácio do ministério. O grupo passou, naquele
momento, a fazer oposição ao governo, e, posteriormente, os irmãos Andrada também foram
exilados.
D. Pedro I acabou por promulgar a mesma Constituição, apenas acrescentando o Poder
Moderador, que lhe dava poder irrestrito para aprovar leis. Tornou-se então um absolutista, nas
palavras de Vasconcelos Drummond:
"Passada a coroação, começou o Imperador a sofrer desta moléstia dos políticos
protegidos pela fortuna e que acaba por dar cabo a deles. A proporção que a moléstia
crescia, o Imperador se persuadia que era ele o autor de tudo o que se tinha feito.
Persuadia-se que era um homem de gênio, a quem os acontecimentos se curvavam,
porque era produção sua. Chegou ao ponto de dizer, por ocasião da saída de José
Bonifácio do ministério: – Que o velho se vá com Deus, que eu já lhe tirei tudo o que
ele sabia.
17 – Alguns historiadores referem-se à Nobre Ordem como uma Loja Maçônica, mas segundo Nicola Aslan, apoiado por alguns outros
historiadores maçônicos, não tinha reconhecida a qualidadede de maçonaria, embora fosse composta por alguns maçons. Já Cipriano
Barata, em seus manuscritos, apontava o Apostolado como uma criação da Santa Aliança no Brasil.
Inchado com tais idéias, vendo que o Brasil todo lhe obedecia e, como por
encanto, tinha a sua voz feito mudar todas as condições sociais da vida dos brasileiros,
começou a pensar que era já tempo do seu engrandecimento pessoal.”18
É importante ressaltar o que nos informa Assis Cintra, em “Revelações Históricas para o
Centenário”:
D. Pedro fazia jornalismo sob vários psedônimos, e escreveu na publicação “A
Hora da Verdade”:
“(…) Quem fez a Independência? Falais em Maçonaria? Mas ela conspirou até 1822 sem
poder fazer anda, e se quis alguma coisa foi preciso recorrer a D. Pedro, e sem ele nada
se faria. Quem fez a Assembléia Constituinte? Foi o Imperador D. Pedro, contra a
vontade de seus próprios ministros e do seu próprio pai. Nem a Maçonaria, nem Ledo,
nem o Clemente, nem o Andrada, nem ninguém seria capaz de fazer o que o Imperador,
que é brasileiro de coração, quis fazer. (…) A Maçonaria sem D. Pedro era o Nada. Ó
flumenenses, ó brasileiros patriotas, rememorai o sucedido e vinde dizer se há razão para
se atacar o príncipe que quebrou os grilhões da pátria, que é nossa.”
Talvez, Ledo e os maçons, assim como José Bonifácio e seus apartidários, de alguma forma,
subestimaram D. Pedro quando delegaram poder demais a ele, algo que colocou em risco a
Independência do Brasil. No entanto, o absolutismo do Imperador pouco durou e, além do seu
isolamento político, ocorreu em Portugal, na mesma época, a usurpação do trono da sua filha, Maria
da Glória, pelo príncipe D. Miguel. Isto o fez abdicar do Império Brasileiro para insulgir-se na
tragetória que o consagrou como D. Pedro IV, o libertador de Portugal.
Devido a menoridade do filho, D. Pedro II (que assumia o Império por hereditariedade),
estabeleceu-se a Regência, época em que os exilados voltaram ao Brasil, entre eles Joaquim Gonçalves
Ledo. O cenário político foi apossado por extrema agitação e disputa pelo poder, e “as divergências se
acentuavam dia por dia. A ausência de D. Pedro I, como denominador comum e poder moderador,
fazia suscitar as ambições de todos que se julgavam com o direito ao poder”.19
Ao voltar do exílio, Ledo assume o mandato de deputado pela Província do Rio de Janeiro e,
segundo Nicola Aslan, passa a ter “uma postura mais equilibrada e independente”. Aliou-se a
Bernardo Vasconcelos, fez oposição à Regência e foi muito criticado, “impopularizou-se
18 - Annaes da Bibliotheca Nacional. Anotações de A. M. V de Drummond à sua Biografia. Typografia de G. Leuzinger & Filhos. Rio
de Janeiro, 1890. (p. 59)
19 – Novelli Júnior. Feijó, um Paulista Velho. Edições GRD, Rio de Janeiro, 1922. (p. 120) – citado por Nicola Aslan na Biografia de
Joaquim Gonçalves Ledo, página 149.
profundamente, sendo atacado com a maior veemência pela imprensa liberal, que contra ele argüiu as
mais graves acusações, não compreendendo esta viravolta rápida de opiniões do liberal de há pouco,
com as tendências absolutamente republicanas, para o amigo do despódico monarca”.20
No livro “No Limiar da História, Assis Cintra publica no capítulo intitulado “A Glória de um
esquecido” (pp. 88-89), uma das últimas cartas de Ledo a José Clemente Pereira, que versa sobre o
falecimento de José Bonifácio de Andrada e algumas considerações políticas:
(…) José Bonifácio perseguiu-me tenazmente e implacavelmente porque o meu
prestígio popular fazia-lhe mal. E por isso tributou-me o mais infernal ódio que uma
criatura humana pode ter. Combateu-me por todos os meios possíveis, confiscou-me
propriedades, expulsou-me de minha pátria, caluniou-me, chamou-me de vendido aos
inimigos de Buenos Aires, tirou de sua inteligência a mais ferina sátira a minha reputação
de homem, fez-me todo o mal que pôde, mas morreu agora e a última pá de terra jogada
pelo coveiro levará o meu último ressentimento e nada mais direi sobre este grande
espírito que se apagou.
E penso e quero e rogo que você esqueça também todos os males que eles nos
fez e vá à Maçonaria dizer algumas palavras sobre este ilustre brasileiro, que no governo
não soube vencer-se a si próprio, ao seu orgulho desmedido, à sua vaidade e ao seu
temperamento despódito; mas que nem por isso deixou de prestar serviços ao país, com
sua grande inteligência. E lembre-se você do que dizia em Roma: - De mortius nihil
bene… que do morto não se fale senão o que tinha de bom.
(…) Meu amigo, estou enojado de política. Fiz o que pude pela pátria. Hoje farei
o que puder pelo meu sossego, cultivarei a terra, nossa abençoada mãe, que não tem
intrigações da política e dos reis. Mas não direi, como respondeu José Bonifácio aos
juízes, que me arrependi por ter trabalhado pela Independência. A Independência não
fui eu, não fomos nós, não foi José Bonifácio, nem D. Pedro I, que a fez. Foi a vinda de
D. João VI ao Brasil, foi o decreto de 16 de dezembro de 1815, foi a estupidez das
cortes portuguesas querendo recolonizar o Brasil, foi a vontade popular exigindo do
Príncipe a Assembléia Constituinte (facho luminoso de toda a história da Independência,
fato culminante), foi enfim a fatalidade do tempo. A Independência de um povo não
pode ser feita por um só homem… - É obra da opinião pública que é soberana, que é
invencível quando lateja a Consciência nacional na ânsia de liberdade, aniquilando
déspotas e tiranos…”
20 – Taunay, Afonso d’E. Grandes vultos da Independência Brasileira. Cia Melhoramentos de S. Paulo, São Paulo, 1922. (p. 47).
Ledo realmente retirou-se do cenário político e depois da maçonaria. Informa Auryno Maciel,
que ele “desposara D. Ana Carolina de Araújo Ledo [em 1833] e, aborrecido com a política de
partidos e com os homens interesseiros, recolhera-se à sua fazenda do Sumidouro, no Município de
Santo Antonio de Sá, hoje Santana de Macacú, Estado do Rio”.21
Joaquim Manoel de Macedo a respeito de Ledo escreveu em “Ano Biográfico Brasileiro”:
“Joaquim Gonçalves Ledo fulgurou na tribuna parlamentar. Orava como
escrevia, com precisão, eloqüência, estilo florido e por assim dizer assetinado; era orador
de primorosa cortesia e de encantadora forma; as palavras lhe saíam pronunciadas quase
com exagerado requinte de pureza na acentuação das sílabas, e sem precipitar-se; ao
contrário, suficientemente pausado no discurso, corria-lhe este dos lábios, como doce e
plácido arroio, por entre margens cobertas de flores”. 22
Já o Barão do Rio Branco, registrando a data de falecimento de Ledo, em suas “Efemérides
Brasileiras”, diz:
“Foi o principal diretor do partido liberal fluminense, em 1821 e 1822, emulou
José Bonifácio e tornou-se naquele tempo uma das mais belas e simpáticas figuras de
nossa política, pelo ardor patriótico com que promoveu a agitação da independência e o
estabelecimento do regime constitucional entre nós.
Seus artigos no Revérbero Constitucional inflamaram o entusiasmo de todas as
classes sociais do Rio de Janeiro e tiveram imenso eco em todo o Brasil. Foi Ledo quem
inspirou todas as grandes manifestações populares daqueles dois anos na nossa capital,
quem resolveu o Governo a convocar a Constituinte e quem redigiu alguns dos
documentos políticos, como o manifesto de 1º de agosto de 1822, dirigido por D. Pedro
aos povos do Brasil. O processo, mandado instaurar contra ele e seus amigos por José
Bonifácio, levou-o a emigrar para Buenos Aires e, por isso, não tomou parte nos
trabalhos da Constituinte. De 1826 a 1831 foi deputado da oposição liberal e um dos
melhores oradores da Câmara.”23
Ledo foi, sem dúvida, uma figura importantíssima na concretização da Independência do
Brasil. Passou os seus últimos dias como fazendeiro e redigiu uma autobiografia narrando as suas
memórias políticas. Porém, numa de suas últimas cartas destinadas a um sobrinho, relatou que após o
falecimento de sua esposa, desiludido, queimou todos os seus documentos. Conclui, Isa Ch’an: 21 - Maciel, Auryano. Gonçalves Ledo, o Homem da Independência. Tip. Da Livraria Fonseca, Maceió, 1923.
22 – Ano Biográfio Brasileiro, Tipografia e Litografia do Imperial Instituto Artístico, Rio de Janeiro, 1876. (Citado por Nicola Aslan na
Biografia de Gonçalves Ledo, p. 178).
23 - Citado por Nicola Aslan na Biografia de Gonçalves Ledo, tomo II, p. 179.
“Faleceu como quis, praticamente ignorado por todos os seus antigos
correligionários, depois de ter queimado antes todos os documentos que possuia sobre a
Independência, para que seu nome fosse esquecido”. 24
Morreu um ano depois da esposa, no dia 19 de maio de 1847, com 66 anos de idade. Em 1921,
o diretor do Museu Paulista requisitou pela imprensa um retrado de Joaquim Gonçalves Ledo para ser
colocado no Monumento do Ipiranga, que viria a saudar a Independência do Brasil. Foi encontrado
apenas um. Mas, ainda hoje, dúvida-se que aquele é mesmo o rosto de um dos beneméritos da
independência brasileira, cuja vida parece ter se apagada pelo tempo.
Seu desejo era ser esquecido. Porém, para compreendermos a nossa história, é imperativo que
ele seja lembrado.
24 - Ch’an, Isa. Achegas para a História da Maçonaria no Brasil. Edição do Autor, 2 volumes. São Paulo, 1968. (p. 180)
Referências Bibliográficas:
Drummond, A. M. Vasconcelos de. Anotações de A. M. V de Drummond à sua Biografia. Rio de
Janeiro: Typografia de G. Leuzinger & Filhos, 1890.
Aslan, Nicola. Biografia de Joaquim Gonçalves Lêdo. Rio de Janeiro: Editora Maçônica, 1947.
Ch’an, Isa. Achegas para a História da Maçonaria no Brasil. São Paulo: Edição do Autor, 2 volumes,
1968.
Leite, Renato Lopes. Republicanos e libertários: pensadores radicais no Rio de Janeiro, 1822. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1999.
Lustosa, Isabel. O Nascimento da Impresa Brasileira. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2004.
Mansur Barata, Alexandre. Tese de doutoramento apresentada na Universidade Estadual de Campinas
em junho de 2002.
Rodrigues, José Honório. Independência: revolução e contra-revolução. Rio de Janeiro: Francisco
Alves, 1975.
Tarquínio de Souza, Octávio. A Vida de D. Pedro I. Belo Horizonte: Itatiaia, 1988.
Taunay, Afonso d’E. Grandes vultos da Independência Brasileira. São Paulo: Cia Melhoramentos de S.
Paulo, 1922.
Viotti da Costa, Emilia. “José Bonifácio: mito e história”. In: Da Monarquia à República – momentos
decisivos. São Paulo: Editora da Unesp, 1999.