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OPINIÃO ANÁLISE INFORMAÇÃO Futôbol-arte vira convers áe nostálgicos EDUARDO GALEANO Durante um mês, eu e milhões de outros simples mortais estamos tomados pelo futebol. Não nada de incomwn nisso. Desde pequeno, como todos os uruguaios, quis ser jogador de futebol. Por absoluta falta de talento, não tive outro remédio do que tomar-me escritor. E eu gostaria, em algum dia de glória, de escrever com a coragem de Obdulio Varella, a graça de Garrincha, a beleza de Pele e a objetividade de Diego Maradona. No meu país, o futebol é a única religião sem ateus e, pelo que me consta, axé mesmo os raros uruguaios que o depreciam publicamente cultivam o esporte em segredo. A fúria de alguns fiscais faz com que eles mascarem esse amor inconfessável. Eles dizem que o futebol é o culpado por tudo, pois, sem ele, os pobres fariam a revolução social e todos os analfabetos seriam doutores. Mas, no fundo da alma, todo uruguaio - e todo brasileiro, argentino, colombiano - que se respeite acaba sucumbindo à tentação do ópio do povo. Verdade seja dita: esse espetáculo formoso, essa festa para os olhos é também um negócio lucrativo. Não droga que mova fortunas tão imensas nos quatro cantos do mundo. Um jogador talentoso é uma mercadoria muito valiosa, que se negocia conforme as leis de mercado. A lei de mercado é a lei do sucesso. cada vez menos espaços para a improvisação. O resultado importa cada vez mais. A arte, cada vez menos. Joga-se para ganhar, ou para não perder. Não mais pela alegria de dar alegria. Ano após ano, o futebol está esfriando. A paixão de jogar por jogar, a liberdade de divertir-se e divertir, a diabrura inútil e genial tomaram-se temas de conversas nostálgicas. O futebol sul-americano é o que mais sofre com essa mentalidade. Lei de mercado, lei do mais forte. Na desigual organização do mundo, o futebol da América do Sul é uma indústria de exportação. Os países perderam o direito de se desenvolver para si mesmos. Jogadores de seleções como as do Uruguai, Brasil e Argentina se conhecem no avião, às vésperas de uma competição importante. Em termos de tanta dúvida, seguimos acreditando que a Terra é redonda e se parece muito com a bola que rola magicamente nos estádios. Mas o futebol também mostra que esta Terra não é tão redonda quanto pensamos. Eduardo Galeano, 49, é escritor Foltf de Sáo Paulo - 27.06.90

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• OPINIÃO • ANÁLISE • INFORMAÇÃO

Futôbol-arte vira convers

áe nostálgicos EDUARDO GALEANO

Durante um mês, eu e milhões de outros simples mortais estamos tomados pelo futebol. Não há nada de incomwn nisso. Desde pequeno, como todos os uruguaios, quis ser jogador de futebol. Por absoluta falta de talento, não tive outro remédio do que tomar-me escritor. E eu gostaria, em algum dia de glória, de escrever com a coragem de Obdulio Varella, a graça de Garrincha, a beleza de Pele e a objetividade de Diego Maradona.

No meu país, o futebol é a única religião sem ateus e, pelo que me consta, axé mesmo os raros uruguaios que o depreciam publicamente cultivam o esporte em segredo. A fúria de alguns fiscais faz com que eles mascarem esse amor inconfessável. Eles dizem que o futebol é o culpado por tudo, pois, sem ele, os pobres fariam a revolução social e todos os analfabetos seriam doutores. Mas, no fundo da alma, todo uruguaio - e todo brasileiro, argentino, colombiano - que se respeite acaba sucumbindo à tentação do ópio do povo.

Verdade seja dita: esse espetáculo formoso, essa festa para os olhos é também um negócio lucrativo. Não há droga que mova fortunas tão imensas nos quatro cantos do mundo. Um jogador talentoso é uma mercadoria muito valiosa, que se negocia conforme as leis de mercado.

A lei de mercado é a lei do sucesso. Há cada vez menos espaços para a improvisação. O resultado importa cada vez mais. A arte, cada vez menos. Joga-se para ganhar, ou para não perder. Não mais pela alegria de dar alegria. Ano após ano, o futebol está esfriando. A paixão de jogar por jogar, a liberdade de divertir-se e divertir, a diabrura inútil e genial tomaram-se temas de conversas nostálgicas.

O futebol sul-americano é o que mais sofre com essa mentalidade. Lei de mercado, lei do mais forte. Na desigual organização do mundo, o futebol da América do Sul é uma indústria de exportação. Os países perderam o direito de se desenvolver para si mesmos. Jogadores de seleções como as do Uruguai, Brasil e Argentina se conhecem no avião, às vésperas de uma competição importante.

Em termos de tanta dúvida, seguimos acreditando que a Terra é redonda e se parece muito com a bola que rola magicamente nos estádios. Mas o futebol também mostra que esta Terra não é tão redonda quanto pensamos.

Eduardo Galeano, 49, é escritor Foltf de Sáo Paulo - 27.06.90

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Quinzena

Exame - 27.06.90

FALTA SINTONIA FINA NESSE DIÁLOGO

As empresas usam instrumentos arcaicos e levam um baile dos sindicatos na hora de se comunicar com seus funcionários, revela uma pesquisa

Até 1987 os quadros de aviso das fábricas do grupo Braspar, uma hol- ding de quatro empresas com sede no Rio de Janeiro que atua principal- mente no setor têxtil, serviam de cam- po de pouso para moscas. Só em épo- ca de dissídio ou quando havia mu- danças significativas na economia os quadros exibiam um ou outro comuni- cado. O estilo, mesmo nesses casos, era impessoal e formal, e não havia direito a resposta. Em 1987, com o início de um processo de moderniza- ção, a comunicação com os emprega- dos foi eleita uma das prioridades. Agora, tudo o que se passa na empre- sa, desde a entrada e a saída de fun- cionários até resultados, tem espaço garantido nos quadros de aviso. Além disso, a companhia passou a utilizar- se também de reuniões informais e permitiu um acesso maior dos funcio- nários aos níveis superiores. Não é por coincidência que ela vem regis- trando nesse período quedas na rotati- vidade de pessoal, no número de ho- ras extras, no absenteísmo e no índice de acidentes de trabalho.

Com as mexidas em seus esquemas de comunicação, a Braspar tomou-se uma exceção no universo empresarial brasileiro, como revela uma pesquisa da seção carioca da Associação Bra- sileira de Recursos Humanos, ABRH. A entidade, que reúne profissionais na área, ouviu 37 companhias estatais, privadas, nacionais e múltis, como Es- so. Pão de Açúcar, White Martins, Mesbla e Atlantic. O objetivo: fazer um diagnóstico da comunicação entre empresas e empregados. As conclu- sões colhidas no trabalho da ABRH não são das mais estimulantes. O principal canal de comunicação utili- zado pelas empresas ainda é o tradi- cional quadros avisos, que 38% dos entrevistados consideram eficaz e 51% razoavelmente eficaz. Outros

meios, a exemplo de circuito interno de TV, caixas de sugestões e grupos e informais de representantes, não têm muito ibope com os empregados.

Na verdade, as empresas ainda as- sumem uma postura formal e hierar- quizada na hora de conversar com os trabalhadores. A maior parte das rei- vindicações dos funcionários chega à direção pelos gerentes e supervisores, segundo a pesquisa. Mensagens anô- nimas, que garantem maior liberdade de expressão, são utilizadas por ape- nas 8% dos entrevistados. Já as in- formações da diretoria são transmiti- das, na maioria das vezes, por comu- nicados escritos, reuniões ou pela hie- rarquia formal. Só em quarto lugar aparece o quadro de avisos {veja qua- dros nesta páquina). "O que fica evi- dente na pesquisa, é que os empresá- rios ainda estão com a cabeça na dé- cada passada, pois utilizam instru- mentos formais de comunicação", diz Carlos Alberto Leite Barbosa, presi- dente da ABRH-RJ. "Eles não sabem comunicar-se com o público interno." Enfim, na maioria das vezes, as em- presas se dão mal nos embates verbais com os sindicatos quando o público é formado por operários.

NOVAS TECNOLOGIAS - Mas como manter o diálogo com os empre- gados? E claro que não existe uma fórmula acabada, à semelhança de uma bula de remédio, para determinar o meio de comunicação a ser utilizado diante desta ou daquela necessidade. Instrumentos não faltam: house or- gans, reuniões, painéis eletrônicos, sistemas de alto-falantes e programas de rádio e vídeo. Qualquer um é aces- sível às empresas. O importante é sa- ber o momento certo de sintonizá-lo. Mais: como mandam as regras da de- mocracia, é bom ouvir os maiores in- teressados nessa história, ou seja, os empregados. No segundo semestre a

ASSMATURAS: lndiv'dual 20 BTNs (6 meses) e 40 BTNs (12 meses) Entidades sindicais e outros 25 BTNs (6 meses) e 50 BTNs (12 meses) Exterior (via área) US$ 30,00 (6 meses) e US$ 60,00 (12 meses) O pagamento deverá será feito em nome do CPV - Centro de Documentação e Pesquisa Vergueiro em che- que nominal cruzado, ou vale postal DESDE QUE SEJA ENDEREÇADO PARA A AGÊNCIA DO CORREIO IPIRANGA - CEP 04299 - Códiqo da Agência 401901

QUINZENA - Publicação do CPV - Caixa Postal 42.761 - CEP 04299 - Sáo Paulo - SP Fones (011) 571 7726 ou 571 2910

Braspar fará uma pesquisa para des- cobrir quais meios de comunicação seus 5 000 funcionários gostariam de ver na empresa. Algumas decisões, norém, já foram tomadas.

Lançar mão de novas tecnologias, a exemplo do que fez a Braspar, é uma saída para dinamizar os sistemas de comunicação interna. Mas, como mostra a pesquisa, a maioria das em- presas ainda rejeita formas mais arro- jadas de trocar informações com os funcionários. Uma parcela de 16% do universo pesquisado não quer em hi- pótese alguma a presença de uma co- missão de fábrica dentro de seus mu- ros. Outros 24% aceitam a idéia, mas sem vínculo com o sindicato. A maior parte, 35%, responde com um vago "estamos estudando o assunto". E a reação de quem quer evitar o proble- ma. O receio vem da facilidade que os sindicalistas têm de comunicar-se com os trabalhadores. "Os sindicatos usam uma linguagem direta e clara para transmitir suas mensagens", fiz Bar- bosa. "Os comunicados das compa- nhias têm uma visão da chefia que nem sempre é acessível ao operário." Não é de estranhar, portanto, que as empresas mantenham a rigidez quando o assunto é abrir o jogo com os fun- cionários. "Para uma informação che- gar aos escalões inferiores, ela desce diversos degraus hierárquicos", afir- ma. "Isso alimenta a burocracia e im- pede avanços na produtividade."

COMUNICAÇÃO INFORMA- TIZADA - Há outro dado preocu- pante. Muitos trabalhadores nem se- quer sabem quais os produtos fabrica- dos e comercializados pela companhia da qual são funcionários. "Eles co- nhecem, no máximo, um ou outro item, mesmo porque trabalham na fá- brica", diz Barbosa. Trata-se de uma constatação que se choca com os con- ceitos mais modernos de gestão^

A QUINZENA divulga as questões políticas de fundo em debate no movimento, contudo colo- ca algumas condições para tanto. Publicamos os textos que contenham teses e argumenta- ções estritamente políticas, evitando os ata- ques pessoais; serão publicadas as réplicas que estejam no mesmo nivel de linguagem e com- panheirismo. Nos reservamos o direito de di- vulgarmos apenas as partes significativas dos textos, seja por imposição de espaço, seja por solução de redação.

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• Quinzena

Atualmente os funcionários não são encarados como mera peça ou equi- pamento. As empresas de ponta pro- curam tomá-los uma espécie de par- ceiro do negócio através de esquemas de participação e valorização. "Quanto mais um trabalhador percebe sua importância no processo de pro- dução, mais motivado ele estará para o trabalho", diz.

Eis aí uma das mais importantes funções da comunicação interna. In- formar os funcionários do que aconte- ce na empresa é um dos primeiros passos para fazer dele um aliado. A Esso, terceira distribuidora de petró- leo do Brasil, parece acreditar nisso. Hoje seu principal canal de comunica- ção é a informática. Com 1 500 fun- cionários espalhados pelo país, a em- presa se utiliza de sua rede de com- putadores para transmitir as mensa- gens mais urgentes e de interesse ge- ral. Um aumento salarial, por exem-

plo, logo é anunciado em todas as te- linhas. A informação rapidamente se multiplica. Quando o assunto é mais específico, como a promoção de um funcionário, merece registro nos qua- dros de aviso. Novidades restritas a um ou outro setor são divulgadas em reuniões com grupos de pessoas liga- das a essa área.

Dessa forma, os houses organs fi- cam responsáveis pela abordagem de assuntos mais gerais e pela divulgação da cultura da empresa. "O ideal seria que a comunicação fosse ^ace a face", diz Jean-Claude Jaubert, diretor de re- cursos humanos. "Mas, diante dessa impossibilidade, devemos utilizar adequadamente cada meio de informa- ção." A Esso mantém ainda em seu centro de treinamento, em Teresópo- lis, um curso cujo objetivo é divulgar para os funcionários os principais pontos de sua filosofia empresarial. "Desde nossa chegada ao Brasil te- mos preocupação em manter um diá-

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segundo as empresas

logo aberto com os empregados", diz Jaubert "Procuramos inclusive asse- gurar entre chefe e subordinado um relacionamento o mais franco possí- vel." Há vários motivos para que exemplos como o da Esso não se mul- tipliquem no Brasil. Primeiro, o país possui uma tradição de excessiva centralização no mundo dos negócios. Segundo, os empresários ainda não se deram conta da importância do envol- vimento dos funcionários nos negó- cios da companhia. "As empresas precisam conscientizar-se de que seu futuro está na economia de mercado", diz Barbosa, da ABRH-RJ. "Sem um ambiente aberto e um bom relaciona- mento com os trabalhadores, elas não terão condições de^. competir nesse mercado."

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Tendências do Trabalho - Maio/90

TENDÊNCIA DO MOVIMENTO SINDICAL PARA OS PRÓXIMOS TRÊS ANOS DEPENDE, FUNDAMENTALMENTE, DA CONSTITUIÇÃO. O futuro das relações sindicais no Brasil, para os próximos três anos,

independe, em sua linha básica, dos resultados do Plano Brasil Novo. A resultante do governo Collor certamente influenciará na liderança

das centrais sindicais, entretanto, as variáveis do atual cenário político e econômico funcionarão como atores coadjuvantes. O oue realmente vem determinando as estratégias sindicais é a Nova Constituição.

A fim de um melhor entendimento do atual desenvolvimento do sindicalismo, suas estratégias e táticas, trazemos, abaixo, matéria com Luiz Emani da Costa e Silva, Gerente de Recursos Humanos da Braspérola-NE e negociador dos Acordos Coletivos da empresa.

Sob a ótica de que a Nova Constituição é determinante das estratégias sindicais, inicia Luiz Emani, o alto poder de fogo dos sindicatos vai ser alimentado pelas conse- qüências da atual política salarial.

Luiz Ernani não tem dúvidas em afirmar que o retorno do recurso para efeito sus- pensivo das decisões dos Tribunais Re- gionais traria efeitos somente na política econômica, não se constituindo em freio inibidor dos movimentos grevistas.

O vetor da evolução do movimento sin- dical, parcialmente condicionado pelos fa- tores do cenário acima citado, é a luta peja^

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hegemonia do movimento sindical travada entre a CUT e CGT.

No cenário sindical, prossegue ele, a luta entre as centrais sindicais tem um di- visor de águas determinante para o seu futuro: 1993. Neste ano, o Congresso a ser eleito assumirá poderes constituintes podendo rever toda a atual Constituição.

Assim, duas alternativas deverão ser adotadas pelo Congresso: ou restabelece o sindicato plural, vigente no país até o go- verno Vargas, ou mantém a unicidade sin- dical, o que é pouco provável.

Na primeira hipótese, a central sindical mais forte assumirá a liderança factual do movimento sindical, levando as outras centrais sindicais a reboque. Na segunda hipótese, somente uma central sindical po- derá existir.

Uma luta de corpo a corpo, já se iniciou entre a CUT e a CGT visando a conquista de cada sindicato para que cada central chegue mais forte em 1993.

FORTALECIMENTO DE MASSAS CRÍTICAS

Como subproduto da luta entre a CUT e a CGT, diz ele, teremos uma quantidade maior de trabalhadores e assalariados ca- da vez mais politizados e mais conscien- tes, Impactados pelas mensagens dos sindicatos.

A massa critica dos trabalhadores de- verá tornar-se mais ativa e reflexiva, au- mentando os conflitos internos que se agudizarão nas empresas, exigindo novas posturas gerencias e um nível mais profis- sional e menos amadorista dos empresá- rios e seus negociadores na gestão das relações sindicais.

Luiz Ernani observa que a administra- ção amadorista da massa critica dos as- salariados pode levar ao aumento das ten- sões conflitivas no clima organizacional, influindo na rotatividade, no absenteísmo, no desperdício, no índice de rejeição pelo CQ e na perda da qualidade.

RECOMPOSIÇÃO HISTÓRICA DOS SALÁRIOS

Inevitavelmente, a grande força impul- sionadora das negociações sindicais será a recomposição dos salários, acredita Luiz Ernani. Muitas categorias não repuseram desde o IPC real de janeiro de 1989 até as perdas do Plano Brasil Novo {]& repassa- dos, inclusive, para as prestações do SFH).

O Plano Brasil Novo, ao estabelecer a livre negociação salarial entre as empre- sas e empregados para recuperar perdas passadas, simplesmente criou um podero- so determinador de greves.

De um lado, os sindicatos lutarão até o fim pela reposição não só das perdas já citadas mas, sobretudo, das perdas do IPC de março e abril do corrente ano. De outro lado, é absolutamente impossível às empresas e ao próprio govemo atenderem as reposições totais dos IPCs, a curto e médio prazo.

O impasse e o conflito entre capital e trabalho, entre empresas e assalariados, tenderão radicalizar-se, num contexto his- tórico em que ambas as partes já estão assimilando seus erros passados e o pro- cesso de negociações apresenta avanços no amadurecimento.

PROJETO POLÍTICO DA TOMADA DO PODER

Em 1981, relata Luiz Ernani, em Belo Horizonte, 5.000 sindicatos filiados à CUT traçaram um projeto político de tomada do poder pelas vias constitucionais. Esse projeto foi reforçado no 39 Congresso da CUT, realizado em setembro de 1988. A estratégia geral do projeto configurou-se em três grandes linhas de ação:

(i) a nível social, buscar, então, a for- mação das associações de bairros e co- munidades eclesiais de base. Hoje a CUT controla a maior parte de comunidades po- pulares do país;

(ii) a nível político, a formação e conso- lidação do Partido dos Trabalhadores com uma ideologia clara e um programa defini- do com grande poder de apeto tanto para as camadas populares quanto para a clas- se média; e

(iii) a nível sindical, utiliza-se estrategi- camente da relação insatisfatória entre empregados e empregadores.

Essa estratégia objetiva criar e alimen- tar a consciência de -que por mais que as empresas façam, as condições de traba- lho, de remuneração e de relações inter- nas serão sempre insatisfatórias e que a única saída é a luta.

Os bolsões de insatisfação que são criados formam o espaço de manobra para a atuação política dos sindicatos. Faz parte dessa estratégia convencer os as- salariados que os empregadores só ce- dem quando pressionados.

As conseqüências práticas são a greve prévia e as negociações radicalizadas. A atuação da dimensão sindical da CUT for- talece as bases do PT. Para consolidar esta estratégia foi que Lula desistiu de concorrer a cargos eletivos nas próximas eleições, constata o negociador.

PRÓXIMOS OBJETIVOS POLÍTICOS A CUT e demais correntes que a ela

adere na hora "da luta" já definiu seus marcos-objetivos até 1993:

1) A eleição do máximo de parlamenta- res para o próximo Congresso Nacional que terá poderes constituintes;

2) Formação de um bloco parlamentar com ideologia dita "progressista" cujo prin- cipal objetivo é influenciar na reforma da Constituição, na legislação regulamentado- ra de dispositivos constitucionais de inte- resse dos trabahadores que até hoje não foram regulamentados; e

3) Finalmente, o PT se prepara para fa- zer o próximo Presidente ou o "Primeiro- Ministro", caso o plebiscito resulte em Parlamentarismo.

ESPÉCIES EM EXTINÇÃO Conforme Luiz Ernani, nos próximos

anos, para não dizer meses, duas espé- cies que estiveram muito presentes no ce- nário sindical sairão de circulação tenden- do à extinção: o chefe e a empresa pater- nalista e o dirigente sindical pelego e co- ootador.

O paternalismo não tem mais lugar na empresa moderna. A massa critica de tra- balhadores já exigem uma relação profis- sional e contratualista. As empresas ten- derão a repelir os radicalismos de líderes extremados do mesmo modo que os as- salariados se distanciarão de chefias tipo "tapinha nas costas".

A expressão "vestir a camisa da casa", prossegue ele, está adquirindo novo signi- ficado: de uma dedicação cega aos valo- res da empresa para uma relação de leal- dade com base na troca. Os assalariados não aceitarão mas o desrepeito a seus di- reitos por "amor à empresa" e por "amiza- de à chefia".

A futura relação empresa-empregado será baseada no respeito recíproco, na troca, na observância dos direitos e na administração da compatibilização das di- ferenças. Do lado dos trabalhadores, a massa crítica rejeitará os líderes pelegos que se compõem com a empresa em troca de favores e regalias deixando de defender os interesses dos trabalhadores.

As empresas não podem incentivar re- lações pelegas sob pena de pagarem um alto custo; quando os empregados perde- rem a confiança nas lideranças de seus di- rigentes farão greves por vontade própria.

Contudo, deve interessar, às empre- sas, a existência de um sindicato forte que se constitua em canal confiável de comu- nicação com as bases. Isto quer dizer que as empresas abdiquem de sua liderança sobre os empregados.

O FUTURO DAS CENTRAIS SINDICAIS Pela análise do cenário atual, diz Luiz

Ernani, a CUT reúne mais condições de superar a CGT, conquistando definitiva- mente a hegemonia do sindicalismo brasi- leiro, devido às seguintes variáveis:

- está melhor organizada nas comuni- dades;

- prepara quadros profissionais no seu Centro de Treinamento, em Cajamar;

- possui um programa mais identificado com as aspirações populares;

- está conseguindo administrar melhor suas divergências ideológicas internas;

- tem uma liderança de cúpula mais cristalizada e centralizada;

- planeja objetivos de curto, médio e longo prazos;

- recebe apoio intemacbnal estratégico e de outras naturezas; e

- tem sustentação política parlamentar. Mesmo que o Plano Brasil Novo dê os

resultados esperados, ressalta ele, há to- da uma perda salarial a ser compensada e esta será a principal bandeira da CUT, se- cundada pelas reivindicações para ganhos

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Quinzena Trabalhadores reais e de produtividade.

A CGT está enfrentando, no momento, problemas sérios de difícil solução:

- a liderança de Joaquinzão sobre um número significativo de sindicatos é in- contestável;

- enfrenta uma cisão formal com a saí- da do MR-8 e de outros grupos coligados;

- seu último presidente está composto com o poder e, de certa forma, compac- tuando com perdas salariais de março e abril;

- seu chamado Sindicalismo de Re- sultados não se fundamenta num progra- ma ideológico transparente; e

- seu poder está mais diluído, enfra- quecendo sua eficácia de comando.

Das reflexões, finaliza Luiz Ernani, po- de-se tirar as seguintes conclusões para os próximos três anos:

- espera-se um período de muita tur- bulência nas relação capital X trabalho;

- o sindicalismo se fortalecerá intensifi- cando sua ação como agente de mudança social;

- as empresas necessitam agir produ- tivamente preparando seu corpo hierárqui- co para gerir a massa critica dos empre- gados;

- o momento exige uma ação mais pro- fissional por parte das empresas;

- a gestão dos conflitos tornou-se ins- trumento essencial da função gerencial.

Folha de São Paulo - 20.06.90

TENDÊNCIAS DAS GREVES DURANTE ESTE ANO

Segundo Luiz Ernani, a tendência obs movimentos grevistas passará por dois pontos: antes e após as eleições de outu- bro.

Até o mês de outubro, não se tem dúvi- da de que ocorrerão mais greves do que no primeiro quadrimestre do ano.

Observa-se contudo, que de um lado a CGT é o governo e sua própria liiosofla a leva a negociar antes de decretar a gre- ve. Do outro lado o projeto polüico da CUT e do PT funcionará como moderardor de greves selvagens porque não interessa ao PT o grevismo puro e simples que se re- fletirá na perda dos votos nas eleições.

Entretanto, se for realmente necessário ou se a realidade assim o demonstrar, ad- verte, a CUT fará greves para não perder a liderança dos trabalhadores.

Após as eleições, porém, as greves deverão pipocar, porque se espera a nor- malização das atividades econômicas e a cicatrização das feridas do Plano Collor. A tendência é a realização de greves por

empresa. Já, as greves gerais por categoria de-

verão se esvaziar, quer peto medo do de- semprego, quer por políticas próprias de reposições espontâneas que serão prati- cadas por inúmeras empresas. As empre- sas de grande porte, de modo geral, pode- rão repor as perdas com maior velocidade e um menor tempo, ao contrário das em- presas médias e pequenas.

Não é conveniente às grandes empre- sas permanecerem atreladas às pequenas e terem seus negócios conturbados por causa de um espírito corporativista sindical que cada vez mais perde sentido, salienta ele.

E necessário que os empregadores profissionalizem as negociações em suas emoresas oara enfrentar o embate sindical que será inevitável, friza. Nenhum empre- gador poderá mais dizer, com base no sentimento de uma pseudo-segurança: "Na minha empresa, jamais haverá gre- ves".

O fracasso do pacto Artur Ribeiro Neto

Nada mais previsível do que o fra- casso do acordo entre empresários, governo e trabalhadores para conge- lar temporariamente preços e salá- rios. O surpreendente, isto sim, é o engajamento do governo nesse tipo de estratégia antiinflacionária, tais eram os indícios de sua inviabilidade.

O governo e a corrente sindical li- derada por Luiz Antônio de Medeiros, naturalmente, vão insistir na sua fac- tibilidade, apontando a intransigência da CUT como a responsável pelo malogro da idéia. Estão no seu papel. O primeiro porque minimiza o novo fracasso e inventa um culpado para as inconsistências de sua política econômica. Ademais, o simples sur- gimento da proposta de "trégua" já serviu para desviar a atenção do de- sastre da reforma administrativa. É um ganho de curto prazo, por certo: a nova derrota também vai cobrar seu preço em termos de erosão da credi- bilidade do governo. De qualquer forma, tem a sua funcionalidade no atual momento.

Ua parte de Medeiros, há um re- forço na munição para a disputa po- lítica interna ao movimento sindical.

E uma oportunidade particularmente positiva para enfatizar a diferença entre a sua orientação e a de seus ad- versários da CUT.

O problema é que, ao negar-se a cooperar com o governo, a CUT tam- bém desempenha o seu papel. Seria surpreendente que, numa circunstân- cia em que o fracasso da estratégia antiinflacionária se toma cada vez mais nítido e o governo experimenta um crescente desgaste junto à popu- lação, a CUT aceitasse arcar com o ônus de compartilhar, por altruísmo ou elevação espiritual, decisões com a atual equipe econômica. O oposi- cionismo rende mais dividendos polí- ticos no curto prazo, sobretudo quan- do há uma eleição a ser disputada nos meses seguintes.

Afora as estratégias de cada uma das partes é difícil acreditar que um acordo dessa natureza fosse obedeci- do na ausência de constrições legais. Até mesmo porque aquele que elevas- se primeiro os preços, por exemplo, teria vantagens comparativas frente a seus competidores. De qualquer for- ma, seja auais forem as considera- ções de inviabilização da proposta de trégua possa suscitar, o fato é que não há ingênuos nesse jogo.

Folha de Sâo Paulo - 21.06.90

Um jogo de equívocos

Newton Rodrigues

Reuniões sem atas dão nisso aí: cada um dos figurantes de mais uma tentativa de pacto tripartite (centrais sindicais, em- presários e governo) vai atirar sobre os outros, ou o outro, a responsabilidade pelo fracasso. Os prazos de trégua ofere- cidos pela ministra Zélia, segundo a divul- gação feita à farta no dia em que parecia certo o entendimento, eram em alguns ca- sos extremamente curtos, de apenas 15 dias. Coincidentemente, ao extinguir-se, em julho, nem mesmo o Congresso pode- ria agir, em vista de estar em recesso.

Por mais que se deseje encontrar no CUT um bode expiatório, a verdade é que o jogo de equívocos foi generalizado. Compreende-se que fosse impossível ao governo anular demissões e disponibilida- des já decretadas, pelo receio de um efeito dominó. Não menos difícil era, por sua vez, a posição da CUT em aceitar que cerca de cem mil servidores, já atingidos pela con- fusa reforma administrativa, passassem a bois-de-piranha. Quando as negociações se incentivaram, as listas preparadas para sair no "Diário Oficiar não haviam tido curso. Sustá-las, enquanto se desenvqk

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Quinzena mãÊífM

Trabalhadores viam conversações, seria, sem dúvida, mais encorajador que as demissões em massa que foram desencadeadas para re- dução imediata de quadros na administra- ção pública.

As negociações fracassaram, antes de tudo, por falta de confiança entre os inter- locutores. Ainda na terça-feira, em xingo, em irado discurso, o presidente Fernando Collor insistiu em que cumprirá, "até a últi-

ma vfrgula", o que prometera fazer, e nisso se inclui a dispensa ou o congelamento de 360 mil servidores, sem o estabelecimento de critérios seletivos racionais e com re- duções drásticas de vencimentos, no caso dos atingidos pela disponibilidade.

Por mais que se procure tapar o sol com a peneira, e em que pese a existência de uma Constituição, os mecanismos de decisão permanecem ineficazes e pouco

representativos, havendo completo des- compasso entre os três poderes. A hipóte- se de uma lei salarial imposta pelo des- gastado Congresso é pura ficção eleitorei- ra, pois o veto presidencial inviabiliza qual- quer projeto do gênero. O impasse históri- co entre a sociedade e as instituições es- tá, outra vez em processo de aguçamento, como se verá em seguida.

Folha de São Paulo - 20.06.90

Funcionalismo tem participação crescente na composição da CUT

CRESCI PARTICIPAÇÃO DO FUNCIONALISMO NA CUT

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O dirigente Luiz Antônio de Me- deiros representa um grande sindicato, enquanto a CUT representa centenas, entre os quais muitos ligados ao fun- cionalismo, que não pode ser respon- sabilidado pelo déficit publico.

Com este argumento, o presidente da CUT, Jair Meneguelli, tentou justi- ficar ontem as diferenças de compor- tamento entre eles e Medeiros nas ne- gociações com o governo e os empre- sários.

A presença do funcionalismo na CUT é marcante. A participação de entidades da categoria nos congressos da central passou de 68, em 1984, pa- ra 185, em 1988, com um crescimento de 172%. Para o assessor da CUT,

Flavio Pachalski, esses números re- fletem o crescimento da organização sindical no setor pdblico, que antes era impedida ou dificultada pelo go- verno.

A CUT afirma representar 1.400 entidades com 18 milhões de traba- lhadores, mas está recadastrando os sindicatos para se adaptar à Constitui- ção de 88. Por esse critério, a central conta até agora com 1.069 filiadas - 656 urbanas e 13 rurais, divididas em 26 ramos de atividades.

Na área urbana, os ramos que mais reúnem sindicatos são os da saúde (79), educação (75), metalúrgicos (55), comunicação e publicidade (50), funcionalismo público (48), constru-

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ção civil (45), financeiro (42), comer- ciários (33), vestuário (33), transpor- tes (33), alimentação (30).

Embora o funcionalismo apareça com apenas 48 sindicatos, devem ser considerados os sindicatos da educa- ção e saúde (154) que atuam basica- mente no setor público, além do setor financeiro, onde são refletidos os inte- resses dos empregados dos bancos estatais. (Roberto Camargo)

Folha de São Paulo - 27.06.90

Sindicalistas prevêem maiores perdas salariais Sindicalistas de tendências ideológicas

diferentes acreditam que a medida provisó- ria que regula a reposição das perdas sa- lariais trará um dos maiores arrochos sala- riais dos últimos anos. Também acusam o governo de impedir a realização da livre negociação, como ele próprio vem defen- dendo. A MP deve insuflar mais greves em todo o país, disseram os sindicalistas.

"Ao implantar esta MP o governo passa a tutelar a livre negociação", afirmou José Firmo, 52, vice-presidente da Federação dos Metalúrgicos de São Paulo. Segundo ele, a equipe econômica do governo tenta ignorar as perdas ocorridas antes da pu- blicação da MP.

Para Francisco Canindé Pegado do Nascimento, 34, presidente da Confedera- ção Geral dos Trabalhadores (CGT) - li- gada ao ministro do Trabalho, Antônio Ro- gério Magri - "o impacto desta MP para o trabalhador é o mais negativo possível. Isso não é política salarial. É imposição salarial", afirmou.

Para Cláudio de Camargo Crê, presi- dente do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco (SP), "esta MP é mais uma brin- cadeira ao Collor (presidente Fernando

Collor)". Crê disse que repor perdas só na data-base é insuficiente.

Pegado disse que a MP vai gerar insa- tisfação entre os trabalhadores que acu- mulam perdas salariais e esperam há me- ses que o governo ou o Congresso Nacio- nal estabeleça política salarial que recom- panha estas perdas. Ao anunciar a MP, Pegado afirmou que o governo "está apostando na inoperância do Congresso, que entra em recesso em poucos dias".

Ele disse que "a MP é mais um incenti- vo à retomada dos movimentos de mobili- zação". "Ou vamos engolir a MP ou va-

mos para as ruas", disse Heguiberto Na- varro, 43, diretor da Central Única dos Trabalhadores (CUT).

O presidente da CUT, Jair Meneguelli, 42, afirmou ontem em Belo Horizonte (MG) que a ministra da Economia Zélia Cardoso de Mello, não sabe do que está falando quando propõe a livre negociação salarial. "O governo está bricando de livre nego- ciação". Ele defendeu também reposição automática das perdas e afirmou que não aceita discutir outro índice para a reposi- ção que nâo seja os 188% calculados pelo Dieese.

Para Dieese, salário real pode ter queda A medida provisória que regula as

perdas salariais, anunciada ontem pelo governo, poderá provocar uma queda ainda maior no salário real, segundo análise preliminar do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese). O Diesse deve calcular hoje, com base nas ins- truções da MP, as reposições referen-

tes a cada mês de dissídio. Segundo Antônio José Corrêa do Prado, 32, coordenador de produção técnica do departamento, a MP tem cinco pontos negativos para a classe trabalhadora.

O primeiro ponto é que ela permite a recomposição das perdas somente na data-base. Para Prado, quem já acu- mulava perdas desde o ano passado, e

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continuou acumulando após o Plano Collor, observou grande redução do valor do salário real e sò vai poder re- compor as perdas na próxima data-ba- se. "e tiverem que tentar a livre nego- ciação, o farão em um ambiente reces- sivo", disse.

Outro ponto é que a MP reintroduz o cálculo das perdas pela média obtida entre a data-base e a imediatamente anterior. "A tradição é que se calcule a perda integral c não se calcule a média, ainda mais que o cálculo será feito sobre um período de aceleração inflacionária", afirmou Prado.

No artigo 5e, a MP diz que será utilizada uma estimativa do índice de Preços ao Consumidor (IPC) do mês posterior para se calcular o valor do

salário efetivo (que é o salário acres- cido da reposição das perdas). Não se usa mais o IPC do mês anterior como índice de reajuste. "Não está claro como serão corrigidos eventuais erros da estimativa do IPC futuro", disse.

Outra dúvida não esclarecida pela MP é como ficam as recomposições para servidores públicos, aposentados e pensionistas. Como é que os apo- sentados, por exemplo, vão negociar suas perdas?", questinou Prado.

O quinto ponto negativo da MP, segundo o diretor do Dieese, é que o artigo S- anula acordos ou convenções entre empregados e empregadores que estabeleçam reposições contrárias ao estabelecido pela MP. "Isso restringe a livre negociação", afirmou.

Prado disse que a MP vai criar uma séne diversificada de recomposições salariais. Elas irão variar de empresa para a empresa. As diferenças vão de- pender da freqüência com que é feito o pagamento, do número de funcioná- rios horistas e mensalistas de cada empresa e também das antecipações salariais já concedidas.

Segundo Prado, a MP vai criar pa- râmetros para o julgamento de dissí- dios. Mas deverá nivelar as recompo- sições de perdas salariais bem abaixo de índices como os 166% estimados pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), referentes às perdas de março, abril e maio.

Caderno de Resoluções do I Congresso Nacional da CSC

esc ingressa na CUT 1 - O II Congresso Nacional da Corrente Sindical Classista, realizado nos dias 9,10 e 11 de março, na Universidade Federal do Rio de Janeiro, aprova por unanimidade a proposta do Secretário Nacional da CSC de integração dos sindicatos à Central Única dos Trabalhadores (CUT). Os dirigentes e ativistas sindicais presentes ao II Congresso devem defender junto às suas entidades a filiação à CUT; 2 - Que a Corrente Sindical Classista continua uma tendênncia no interior da Central Única dos Trabalhadores, com fisionomia política e organizativa próprias, compromissada em acatar e encaminhar as resoluções aprovadas democraticamente pelas instâncias da CUT; 3 - Que a filiação imediata (ou não) das entidades sindicais à CUT leve em conta as particularidades e a situação política de cada uma delas, informando a direção da CSC eleita nesse congresso que se manterá articulada.

OS OBJETIVOS DA CSC Ao aprovar a unificação orgânica

com a Central Única dos Trabalhado- res, a Corrente Sindical Classista tem em vista os seguintes objetivos ime- diatos: a) Fortalecer a Central Única dos Tra- balhadores, ampliando sua represen- tatividade sindical e assegurando-lhe um perfil político mais pluralista; b) Ampliar o poder de mobilização dos trabalhadores da CUT, defenden- do a articulação das lutas econômicas com as grandes questões políticas de- terminantes; c) Defender que a central participe ativamente do processo que busca forjar a unidade das forças de esquer- da e do campo democrático para uma ampla união do povo que enfrente os graves problemas estruturais que en- travam o desenvolvimento indepen- dente e progressista da nação; d) Isolar e derrotar o sindicalismo rea- cionário e patronal, em particular o denominado "sindicalismo de resulta- dos", que é o sustentáculo do grande capital e da oligarquia financeira in- ternacional no movimento operário.

Esses objetivos, no entendimento da CSC, colocam as tarefas mais ge- rais da CUT num rumo político neces- sário.

Entretanto, a CSC considera de completa atualidade os princípios democráticos aprovados em seu I Congresso Nacional, que estabele- cem a base da orientação do sindica- lismo classista em nosso país.

Assim, o processo de integração da CSC na CUT não significa a "dilui- ção" teórico e política das posições da corrente. Ao contrário, ele tem como pressuposto a defesa e o debate mais profundo das perspectivas para o mo- vimento operário no Brasil do ponto de vista de uma central sindical com as características resultantes da unifi- cação proposta

Neste sentido, declinamos abaixo os princípios programáticos da CSC; 1 - A participação ativa nas lutas econômicas, salariais, por melhores condições de trabalho, tendo como di- retriz permanente a politização des- sas lutas; 2 - Ter como referência os objetivos

fundamentais do proletariado, de combate frontal à exploração capita- lista e ao regime burguês, por com- preender que só a liquidação do capi- talismo de maneira radical abrirá o caminho para uma nova sociedade, o socialismo; 3 - Lutar contra a dominação impe- rialista em nosso país, assim como contra o sistema do latifúndio, consi- derando que estas são as duas ques- tões básicas que bloqueiam o desen- volvimento econômico independente, o progresso e a justiça social; 4 - Defender uma prática sindical de massas, com base na democracia sindical que respeita as instâncias do movimento; não exclusivistas do pon- to de vista ideológico, partidário e re- ligioso. Uma ação sindical decidida- mente unitária que assegura o livre debate de opiniões, posições políticas e idéias; 5 - Defesa da liberdade e autonomia sindical, livre da tutela ou interferên- cias do Estado e dos patrões, que te- nha sua prática voltada para a organi- zação independente e enraizada dos trabalhadores a partir das bases, seja nas empresas ou nos locais de tra- balho; 6 - Ajudar na construção do caminho que leve o movimento operário sindi- cal dos nossos dias rumo a uma cen- tral unitária, ampla, do conjunto do sindicalismo não apelegado, que au- xilie o processo de elevação da cons- ciência política dos trabalhadores ur- banos e rurais; 7 - Manter relacionamento indepen- dente e solidário com o movimento sindical internacional, porém não se vinculando organicamente a nenhuma das centrais mundiais existentes atualmente (FSM, CIOLS, CMT); que apoie a luta dos trabalhadores contra a opressão em qualquer parte do mundo e defenda a luta de libertação nacional e social travada pelos povos.

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Quinzena Trabalhadores

Voz da Unidade - 02.05.90

O pão nosso atômico Margaret Presser

As entidades de defesa do consumi- dor na Inglaterra estão em estado de alerta. Cientistas fazem pesquisas mas as divergências ainda são muitas. Re- portagens, artigos, anúncios, até livros já foram escritos sobre este que já está sendo considerado o tema do ano: a ir- radiação de alimentos. O objetivo é no- bre: retardar o amadurecimento das frutas e combater fungos e bactérias. Os meios são no mínimo assustadores: emissões de cesio-137 e cobalto-60, dois elementos altamente radiativos. (Veja box.)

Os projetos de lei tramitam no Par- lamento, enquanto a sociedade se mo- biliza. Isto na Inglaterra, porque no Brasil, silenciosamente, a irradiação de alimentos foi aprovada em 1985, atra- vés da portaria n9 9, de 8 de março, pela Divisão Nacional de Vigilância Sanitária de Alimentos (Dinal), do Mi- nistério da Saúde.

Aqui, podem ser irradiados os se- guintes alimentos: arroz, barata, cebola, feijão, milho, trigo, farinha de trigo, especiarias (canela, coentro, cominho, cravo, gengibre, louro, orégano, pi- menta-da-jamaica, mostarda em pó e pimenta-do-reino), mamão, morango, peixe e produtos de peixe. Os objetivos são os mais diversos: no caso da batata, a irradiação inibe a brotação durante o armazenamento; no caso do morango, ela prolonga o período de armazena- mento, "pela eliminação parcial de or- ganismos causadores de deterioração", como diz a lei.

Tudo isso ainda não saiu do papel, no Brasil, apenas porque o país não tem um irradiador próprio para alimentos, apesar de já possuir tecnologia e pes- soal especializado para isso. O que não deixa de ser estranho, considerando-se a verdadeira apologia da irradiação feita pelas pessoas interessadas em sua aplicação. Uma delas é Rachel Elisa- beth Domarco, pesquisadora do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Ce- na), da Universidade de São Paulo. O Cena estuda a irradiação de alimentos desde 1968 em seus laboratórios de Pi- racicaba, a cerca de 200 quilômetros da capital.

"O alimento irradiado não é prejudi- cial para o consumidor", garante Ra- chel, que trabalha no Cena desde 1971 e é formada em Economia Doméstica. Falando em nome da equipe que pes- quisa a irradiação no Cena, ela conta que "na Inglaterra e na Holanda, os alimentos servidos em hospitais são ir- radiados porque os doentes têm resis- tência baixa e a irradiação esterüiza a comida".

O poderoso lobby antiirradiação in- glês, ao que parece, não sabe disso ou

JíÍ

O QUE É RALHATIVIDADE

O cobalto e o césio-137 constituem, junto com outros elementos, o chama- do "lixo atômico". São os resíduos das usinas nucleares, formados a par- tir do urânio.

Nas usinas nucleares, o urânio é o combustível usado para produção de energia elétrica. Como é um elemento instável, isto é, o núcleo de seu átomo (daí o nome energia nuclear) possui excesso de nêutrons, o urânio emite radiações, eliminando esses nêutrons e outras partículas, na tentativa de se estabilizar. Enquanto não conseguir is- so, continuará ativo, radiativo porque emite radiações.

Essas explosões constantes, que li- beram a energia necessária para a usi- na, deixam "restos", que formarão outros elementos. Dependendo do nú- mero de prótons {outra partícula do

núcleo do átomo) que possuírem esses resíduos serão cobalto, césio-137, nió- bio, estrondo, bário ou outros ele- mentos.

Sendo também instáveis, esses resí- duos continuarão radiativos, um pro- cesso de busca de equilíbrio nuclear pode demorar até centenas de anos pa- ra se completar. No caso do césio-137, a meia-vida é de 33 anos (são necessá- rios 33 anos para metade de sua massa de desintegrar); a meia-vida do cobalto é de 53 anos.

Durante esse período, os elementos radiativos existem sob a forma de uma barra, que entra na chamada "pilha atômica" da qual se utilizou o urânio. Através de um processo físico-quínúco, eles podem ser isolados para serem utilizados na agricultura l por exemplo Na medicina, bombas de cobalto e cé- sio são utilizadas no tratamento de câncer. (MJ>.)

prefere considerar outros fatores. Por exemplo: o tratamento destrói a maior parte das vitaminas do alimento; no processo de irradiação, que é feito no produto embalado em plástico, ocorre a contaminação do alimento por substân- cias tóxicas e cancerígenas oriundas das embalagens. A própria Organização Mundial de Saúde reconheceu o perigo em 1966 e recomendou alguns testes a respeito, que até hoje não foram con- cluídos.

FALTA DEBATE Uma das poucas vozes que se ergue-

ram no Brasil para discutir o assunte foi a Cacilda Lanuza, atriz e ecologista veterana, presidente de um dos primei- ros grupos ambientalistas do país. o Grupo Seiva.

Ela denunciou justamente a falta de conhecimento e debate que há sobre o assunto no Brasil. "A população não conhece, a classe médica não sabe, nem a científica, nem a classe política e mesmo a imprensa está totalmente alheia a isso", declarou Cacilda recen- temente.

E quando o assunto é irradiação o debate envolve também uma questão fundamental — e que geralmente inte- ressa a poucos: a segurança no traba- lho. Ligada diretamente a ela, outra, em Goiânia em 1987, com césio-137: a contaminação do ambiente.

Em 1988, um vazamento do cé sio-137 num centro de irradiação de alimentos em Atlanta, Geórgia (Estados Unidos), contaminou a água usada para refrigeração. Uma reportagem recente na revista inglesa Green denuncia pro- blemas em vários países que adotam a radiação em alimentos. A República Federal Alemã aprovou a irradiação em 1957, mas retirou a permissão no ano seguinte. Em 1968, a Food and Drug Administration (FDA), órgão encarre- gado de proteger a saúde dos america- nos, também chegou a cancelar a per- missão de irradiação, após resultados alarmantes de testes em animais.

Em 1975, um estudo na índia de- monstrou anormalidades cromossômicas em crianças subnutridas alimentadas com trigo irradiado. Também a Austrá- üa é citada pela Green: "Em 1979, 61 toneladas de camarão tóxico, podre, voltaram para os restaurantes australia- nos, depois de serem 'limpos' pela irra- diação". O caso mais recente é ameri- cano: "Em 1988, descobriu-se que rou- pas e marmitas de trabalhadores esta- vam contaminadas com césio-137, de- pois de um acidente numa usina norte- americana de irradiação de alimentos"

QUEM FISCALIZA? No Brasil, onde a fiscalização

principalmente em se tratando de ali- mentos — não conta com a plena con- fiança dos consumidores, a verificação da dosagem exata de césio e cobalto ir- radiados deverá ser uma preocupação constante dos grupos de defesa do con- sumidor que tenderão a se formar quando a irradiação for uma realidade no mercado brasileiro. a^

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Segundo Paulo Cravero, da equipe técnica da Radiação da Secretaria Esta- dual de Saüde de São Paulo, a fiscali- zação de alimentos irradiados será tare- fa da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen). Por enquanto, seu de- partamento fiscaliza apenas a esteriliza- ção de material descartável e a utiliza- ção de equipamentos que emitem radia- ção (como as máquinas de raios X).

Para Luís Eduardo Melo, técnico da Dinal em Brasília, não há motivo para pânico. "A própria natureza contém energia nuclear", destaca ele, valendo- se de um argumento que bem serviria para justificar a bomba atômica.

Enquanto os técnicos garantem que a irradiação não deixa qualquer resíduo no alimento e destrói fungos e bacté- rias, além de controlar insetos, mem- bros de entidades como a Coalition against Food Irradiation e Friends of Earth lembram que a irradiação de ali- mentos é uma maneira de tomar o lixo atômico menos assustador.

O próprio termo irradiação iria se tomando mais familiar e inofensivo, na medida em que fosse associado à ali- mentação e trazido para dentro de casa. Segundo a potaria do Dinal, "os rótulos dos alimentos irradiados deverão trazer a expressão 'alimento tratado por pro- cesso de irradiação'". Também poderia ser adotada a sutil proposta que circula no Parlamento inglês: o símbolo tradi- cional de radiação impresso em verde- claro — a irradiação ecológica.

PRÓS

• Ampliar o tempo de vida de muitos alimentos. • Retardar o amadurecimento natural das frutas, permitindo uma seleção maior ao longo do ano. • Pode substituir o atual método de fumigação usado em ervas e especiarias que pode causar câncer. • Memora o sabor e a textura de alguns alimentos.

CONTRAS

• Vitamina A, Complexo B.C.DeE são danificadas ou destruídas. Aminoácidos essenciais são afetados. • O botulismo (envenenamento alimentar produzido por alimentos mal enlatados ou conservados, através de uma neurotoxina) não pode ser evitadcuSâo necessários níveis muito altos de exposição, em alguns alimentos, para tratar de bactérias como a salmonela. • A irradição pode causar alterações desagradáveis de cor, aroma e textura. Isso pode conduzir ao uso de mais aditivos. Descobriu-se que 19 entre 27 frutas comuns eram impróprias para o

processo de irradição. • Toma o alimento fresco mais suscetível a contaminação e levará ao aumento do uso de embalagem plástica. Poderá ocorrer a migração de substâncias tóxicas e cangerígenas da embalagem para o alimento durante o processo de irradiação. • Resíduos de pesticidas podem se tornar prejudiciais quando irradiados. • Radiação causa mutações. Pesquisas mostram que alguns esporos de fungos irradiados se tornam mais poderosos produtores de aflatoxlnas venenosas e é possível que variedades mais virulentas de salmonela podem se desenvolver como resultado de mutação. • Em testes, ratos alimentados com uma dieta de trigo irradiado mostraram evidência de danos ao sistema imunológico. • Alimentos "passados" ou contaminados podem ser facilmente disfarçados. O jornal The Sunday Times denuncia um caso de alimentos do mar irradiados para eliminar sinais de salmonela antes de serem levados para a Inglaterra.

Fonte: Green Magazine. Londres, fevereiro de 1990. |

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Voz especial- 13.06.90

A CONTRA-REFORMA AGRÁRIA Se os trabalhadores rurais cobraram, nos últimos cinco anos, que o Plano Nacional de Reforma Agrária de Sarney nunca saiu do papel - apenas 10% de suas metas foram cumpridas - o quadro agora parece muito pior. Esgotados, praticamente, os primeiros 100 dias do governo Collor, a Reforma Agrária ainda não conseguiu chegar ao papel. Na verdade a "Nova República" só desapropriou 4 milhões, 400 mil hectares (10,9%) da meta e assentou menos de 7% das 1 milhão e 400 mil famílias programadas. Mas o "Brasil Novo" não tem nem ao menos planos ou metas. Em compensação, tem um ministro da Agricultura publicamente ligado à UDR e uma nova Secretaria Nacional de Reforma Agrária, acéfala e sem estrutura até hoje. Por Cynthia Peter

O primeiro indicador dos rumos poucos promissores que parecem desenhados para a Reforma Agrária no Governo Collor remonta a época da campanha eleitoral. Enquanto Luís Inácio Lula da Silva se preocupava em tranqüilizar os mais nervosos, explicando detalhadamen- te que sua vitória não significaria sinal verde para a inva- são generalizada das térrea, nem para a expropriação sumária e imediata de todos os latifúndios brasileiros, Fernando Collor de Mello passava uma mensagem bem mais objetiva De fato, ele não prometeu fazer Reforma Agrária Limitou-se a informar que assentaria 500 mil fa-

mílias, e não disse como. Foi eleito. Fiel à sua estratégia de impressionar os "descamisa-

dos", ele indicou, inicialmente, um populista para o Minis- tério da Agricultura: Joaquim Roriz, ex-govemador de Brasília, notório pelos assentamentos urbanos que pro- moveu. Paralelamente, no bojo da reforma administrati- va o presidente esvaziou o Ministério, retirando-lhe a Cobal, a CFP, e a Cibrazem, e criou uma nova Secreta- ria a da Reforma Agrária.

Roriz, como todo mundo sempre soube, tinha preten- sões políticas. Num Ministério vazio, o único Ibope a ser faturado era mesmo a Reforma Agrária e ele não se fez de rogado. Esqueceu a campanha de Collor e começou a anunciar uma meta de 4 milhões de famílias assentadas em cinco anos. Procurou o Movimento Sindical dos Tra- balhadores Rurais, conversou, em Belo Horizonte, com D. Luciano Mendes de Almeida secretário-geral da CNBB - Conferência Nacional dos Bispos Brasileiros, abriu as portas do Ministério para grupos comprometidos com a Reforma^, e possivelmente concluiu que seria mais simples candidatar-se ao governo de Brasília Pelo menos, mais viável, apesar dos riscos de ter argüida sua elegibilidade.

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Quinzena

UM BUFÓLATRA NO MINISTÉRIO Collor, ao que consta, lavou as mãos, interessado em

assegurar uma vitória eleitoral no Distrito Federal. Mas, aparentemente, não lavou com tanta água assim, O se- gundo indicado para o Ministério da Agricultura foi um até então ilustríssimo desconhecido, Antônio Mano Ca- brera, ligado ao irmão do presidente, Leopoldo Collor. No dia seguinte à indicação, os jornais publicaram uma pe- quena e elucidativa biografia. Cabrera é grande proprietá- rios rural, apaixonado por búfalos às raias do desequilí- brio, promotor de alguns dos milionários leilões que fi- nanciaram a UDR durante a Constituinte, ex-defensor da candidatura de Ronaldo Caiado e eficiente cabo eleitoral de Collor na região de São José do Rio Preto, São Pau- lo.

O novo ministro rapidamente corrigiu a rota de Roriz, retomando o discurso do presidente em campanha: as- sentar 500 mil famílias em cinco anos, quando o mínimo que o movimento sindical dos trabalhadores rurais admi- te, nesse prazo, é 2 milhões de famílias - um número muito abaixo das necessidades reais de um país onde subsistem, pelo menos, 7 milhões de famílias sem terra ou com terra insuficiente. Mas Cabrera foi além. Em sua primeira entrevista, anunciou a criação de um Conselho Nacional de Política Fundiária, "com a participação de todos os interessados na Reforma Agrária". Inclusive dos interessados em não realizá-la, é o que se deduz, de vez que a UDR tem assento garantido no novo fórum.

A segunda providência do Ministério da Agricultura, muito naturalmente, foi nomear seu secretário-executivo, que exerce as funções do antigo secretário-geral, e é a segunda pessoa mais forte na hierarquia ministerial. Não tão natural foi a escolha do ministro do Brasil Novo recair sobre um velho quadro da ditadura militar, Lourenço Viei- ra da Silva. Ex-secretário da Agricultura no Maranhão por dois governos e ex-presidente do Incra, Lourenço é acu- sado de envolvimento na grilagem de terras no estado e no País, por Victor Asselin, no livro Grilagem: corrupção e violência em terras de Carajás. Segundo essa fonte, ele foi autor da Portaria 055/75, que legalizou a grilagem de terras no Brasil ao propor que toda a documentação de terras griladas (ou de quem adquirira terras griladas) fos- se apresentada ao Incra para ser substituída por novos tí- tulos regularizados.

NEPOTISMO NO INCRA Lourenço Vieira da Silva, até as vésperas de sua indi-

cação, havia presidido a Associação Nacional dos De- fensivos Agrícolas, representando, portanto, os poderosos interesses multinacionais que dominam o setor de agro- tóxicos. Chegando ao Ministério, retomou seu antigo in- teresse pela questão agrária. E indicou seu primo e fiel colaborador José Reinaldo Vieira da Silva, para ocupar interinamente a presidência do Incra, em lugar de Mário Pegoraro, demitido por corrupção.

E José Reinaldo, possivelmente, quem vai instruir a resposta do Ministério da Agricultura ao requerimento da Câmara dos Deputados, encaminhado por iniciativa do Deputado Vicente Bogo (PSDB-RS), pedindo informa- ções sobre as licitações oe terras públicas e seus benefi- ciários. É que a Constituição de 88, dados os notórios escândalos e favorecimentos ilícitos havidos no setor du- rante a gestão do Lourenço Vieira da Silva no Incra, in- cluiu nas Disposições Transitórias um artigo prevendo a revisão de todas as concessões, vendas, doações, etc de

áreas superiores a 3 mil hectares. Enquanto não é acionado, o presidente interino do In-

cra dedica-se a arte de demitir, tão ao gosto do novo go- verno. As demissões recaem sistematicamente sobre quadros tradicionalmente comprometidos com a Reforma Agrária, no caquético procedimento de caça às bruxas que vem fazendo vítimas no Incra já desde a Nova Re- pública. A isso acrescentada a devolução de funcionários que trabalhavam no órgão requisitados de outros, o Incra atravessa, hoje, fase de completa desestruturação e pa- ralisação. Vale lembrar que o órgão é responsável, jus- tamente, pela execução da Reforma Agrária.

PROPOSTAS ESCAPITAS Além da rearticulação conservadora em nível institu-

cional, a Reforma Agrária enfrenta, ao mesmo tempo, uma bem montada estratégia diversionísta, encabeçada pelo próprio ministro da Agricultura. Respaldado por um poderoso esquema de marketing na imprensa escrita e televisionada, Antônio Cabrera não se cansa de lançar propostas que, sob o disfarce de mecanismos de viabili- zação da Reforma, não passam de sugestões escapistas à verdadeira redistribuição da propriedade fundiária no País.

O Movimento Sindical dos Trabalhadores Rurais, nes- te sentido, produziu documento subscrito pela Confede- ração Nacional dos Trabalhadores na Agricultura e por suas 24 Federações estaduais, denunciando a manipula- ção dos conceitos de Reforma Agrária e criticando uma a uma as proposições oficiais. Em síntese, o documento classifica as propostas ministeriais em dois grandes gru- pos: as que visam manter nas mãos dos grandes proprie- tários o controle das ações fundiárias e agrárias even- tualmente implementadas e as que têm por objetivo des- cartar a utilização do instrumento constitucional da desa- propriação por interesse social para fins da Reforma Agrária.

No primeiro grupo estariam enquadradas as seguintes medidas anunciadas pelo ministro: criação do Conselho Nacional de Política Fundiária (com a participação da UDR, CNA, SBR etc); entrega da implantação e gestão dos projetos de assentamentos às cooperativas (leia-se Organização das Cooperativas do Brasil, que mantém estreitas relações com o empresariado privado de coloni- zação); recadastramento dos proprietários rurais (permi- tindo que reclassifiquem suas áreas como produtivas e portanto, insusceptíveis de desapropriação, além de pro- telar a deflagração do processo desapropriatório); subor- dinação da política agrária à política agrícola, como item.

No segunao grupo, os traoalhadores rurais incluíram: implementação da Bolsa Nacional de Arrendamento Ru- rais (que contemplará os proprietários de terras ociosas com uma renda adicional); rigor na aplicação do ITR (uti- lizando-se a taxação das terras improdutivas como subs- tituto da desapropriação); utilização dos 2,5 milhões de hectares desapropriados por Samey que ainda não foram destinados a projetos de assentamento (apropriando-se de atos do governo anterior, enquanto as metas deste permanecem indefinidas); liberação do FGTS para aqui- sição de terras por trabalhadores rurais sem terras (a maioria deles conta com valores irrisórios nesta conta, quando não se trata de comprar terras, mas de redistri- buí-las); substituição da colonização na Amazônia pela colonização no cerrado do Planalto Central (colonização não é Reforma Agrária).

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JOGO DE PALAVRAS» A sessáo de apresentação deste documento, resultado

de um encontro ampliado do Conselho de Representan- tes da Contag - Confederação dos Trabalhadores na Agricultura não rendeu os frutos planejados por Cabrera. Numa sessão algo tumultuada, os trabalhadores cobra- ram-lhe as freqüentes declarações de que não desapro- priará áreas de conflito. Com a desenvoltura que lhe é peculiar, o ministro tem reafirmado que não desapropria- rá áreas "invadidas" para desestimular esta tática, e de- clara solenemente que a Reforma Agrária resolverá o problema dos conflitos no campo.

O que Cabrera não explica é como pretende resolver a questão das 968 áreas de conflito de terras que existem hoje no País, já ocupadas e com produção, e onde os trabalhadores rurais constumam morrer como moscas. Somente este ano já foram assassinados sete líderes li- gados aos trabalhadores rurais, e a violência no campo assume novas caracteristicas: não satisfeitos com a tra- dicional impunidade que cerca esses crimes, seus man- dantes e executores agora utilizam a técnica do seqües- tro, facilitando sua descaracterização como mortes gera- das na luta pela terra.

O ministro falou à Contag, mas mandava recado ao Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra. Isto porque, na verdade, o movimento sindical também apoia e promove as ocupações, mas Cabrera insiste em estabelecer uma diferença entre essas ações e as dos Sem-Terra, por ele consideradas como invasões. O ministro, naturalmente, não investe à toa nesta filigrana conceituai. Também es- se jogo de sinais serve a um objetivo bem definido: divi- dir o movimento dos trabalhadores. Como subproduto, serve, ainda, para incompatibilizar os trabalhadores rurais com a opinião pública.

_ E JOGO DE CENA Na verdade, o primeiro ato público de algum peso a

ocupar os gramados do poder, este ano, foi o encerra- mento do II Congresso Nacional dos Sem-Terra, em maio. Com discursos bastante contundentes, os partici- pantes deixaram claro que não têm a menor esperança de que este governo realize qualquer tipo de Reforma Agrária. A palavra de ordem do Movimento - "Ocupar, Resistir, Produzir" - ecoou alto e bom som sob o helicóp- tero de Collor, e, sem dúvida, desagregou os ministros do Trabalho e da Agricultura.

Logo no dia seguinte, Antônio Rogério Magri e Antô- nio Cabrera fizeram uma súbita, inesperada e cordial visi- ta à Contag, marcada por iniciativa deles, de última ho- ram e sem pauta definida. Vários confeitos foram atira- dos aos sindicalistas, entre eles uma proposta de regu- lamentação do trabalho rural eventual (dos bóias-frias) e o "início da Reforma Agrária". Os dirigentes da Contag não engoliram. Se a proposta de Magri desagradou - já existe regulamentação, mais benéfica que a sugerida, só que não é cumprida -, a de Cabrera soou como um sar- casmo.

A alegada deflagração da Reforma Agrária - em Boca de Cardoso, Pará, atende apenas uma das inúmeras áreas reivindicadas poucos das antes por 12 dirigentes sindicais da região, e, ainda por cima, reduz-se a um me- ro projeto de assentamento, em área há muitos anos de- sapropriada. Ou seja, o ministro tentou fazer figura com o chapéu alheio ou, objetivamente, quis engambelar os

sindicalistas e a opinião pública, apresentando como Re- forma Agrária uma ação pontual de assentamento. O mi- nistro ignorou completamente - mas a Contag pretende lhe cobrar - os 5 milhões de hectares cujos processos de desapropriação já estão prontos, no Incra, mas que, ape- sar da pressão dos trabalhadores, não motivaram o go- verno a atuar.

MÁS PERSPECTIVAS O governo, igualmente, não dá sinais de ter a menor

preocupação com o andamento da Lei Agrária, em trami- tação no Senado (proposta da Contag apresentada por Fernando Henrique Cardoso) e na Câmara. Esta lei é da máxima importância para os trabalhadores rurais, uma vez que definirá o conceito de propriedade produtiva, e poderá recuperar, portanto, pelos menos parcialmente a grande perda havida para a luta pela Reforma Agrária quando a Constituinte tornou as terras produtivas insus- ceptíveis de desapropriação.

Evidentemente, nem o governo nem os anti-reforma estão desatentos a este fato. Simplesmente preferiram tentar um golpe, e introduzir a definição de propriedade produtiva na Lei Agrícola. Esta, naturalmente sofreu vá- rias peripécias anti-regimentais na Comissão de Agricul- tura, a fim oe ser aprovada sob forma paltável aos inte- resses dos representantes dos latifundiários. O ministro Cabrera anunciou que está atento à Lei Agrícola, e que se o Congresso não aprovar um texto de 'interesse ge- ral", o governo tomará a iniciativa de regulamentar a questão.

Esta postura preocupa extremamente os trabalhadores rurais, mas não é de se estranhar, num governo que, an- tes mesmo de sua posse, acenava com a conveniência de governar através de leis delegadas. O autoritarismo civil, de qualquer forma, parece inclinado a dar uma res- posta pior do que o regime militar - que criou o Estatuto da Terra - à demanda por Reforma Agrária no País. A al- ternativa que resta, portanto, aos trabalhadores rurais é ampliar e aprofundar sua organização, de modo a maxi- mizar seus canais de pressão política e de massa sobre o Congresso e o governo. Sem isso, a Reforma Agrária, seguramente, estará sepultada pelos próximos cinco anos.

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Quinzena Trabalhadores Jornal do Brasi - 27.06.90

Osmarino denuncia à polícia quem quer matá-lo Marcelo Auler

Dizem que a história não se repete, mas no estado do Acre, território onde a violência prospera, tudo é possível. Há dois anos o seringueiro Chico Men- des enviou às autoridades a lista de pessoas que tramavam sua morte. Não foi levado a sério e acabou baleado em dezembro de 1988. Ontem, o sucessor de Mendes, Osmarino Amâncio Rodri- gues, presidente do sindicato dos Tra- balhadores Rurais de Brasiléia, apre- sentou sua carta-denúncia.

O documento, de nove laudas, foi entregue ao superintendente da Polícia Federal no Acre, Luís Gonzaga Neto, e ao secretário de Segurança do estado, Carlos Alberto Silva. Pelo correio, o dossiê será remetido para o presidente Fernando Collor, o ministro da Justiça, Bernardo Cabral, e o diretor-geral da Polícia Federal, Romeu Tuma. Osmari- no relata as informações que recebeu sobre o atentado que estariam armando contra ele, envolvendo policiais, fazen- deiros, esquadrão da morte e políticos, como o candidato ao governo do esta- do, pelo Partido Liberal, deputado fe- deral Rubens Branquinho.

Policiais — O líder seringueiro basi- camente usou denuncias feitas pelos próprios policiais. A exceção foi a transcrição do depoimento de José Adalberto, ex-peão da Fazenda Paraná, propriedade de Dali Alves da Silva, preso em Rio Branco com seu filho Darci, acusados da morte de Chico

Mendes. Osmarino diz que se as inves- tigações de crimes contra seringueiros — atualmente paradas - prosseguirem, "vão provar que os verdadeiros culpa- dos pelos assassinatos e atentados não são apenas esses bois-de-piranha que estão presos".

A primeira citação refere-se ao pró- prio secretário de Segurança, Carlos Alberto da Silva, que, no dia 11 de maio, mandou procurar Osmarino de- pois de ter sido infomardo, como admi- tiu a dois advogados, que ele seria as- sassinado naquele dia. Uma semana antes, o delegado Saulo, do 52 Distrito Policial de Rio Branco, alertara pes- soalmente Osmarino para plano de as- sassiná-lo. No documento, o líder se- ringueiro acrescenta: "Ele revelou que alguns políticos estavam envolvidos e citou os nomes de Adalberto Aragão (ex-prefeito de Rio Branco), Rubens Branquinho, João Tezza (deputado es- tadual do PFL) e João Branco (ex-pre- sidente local da UDR e ex-diretor do jornal O Rio Branco na época da morte de Chico Mendes). O organizador seria Gastão Mota (um ex-seringalista), en- carregado de identificar-me para os pistoleiros que fariam o serviço: um deles se chama Adão (segurança do Aragão) e outro é Damião, um policial civil".

Outra confirmação foi feita ao esta- giário de direito Jülio César Costa, pelo também policial de nome Ayala. Nessa versão, o assassinato ocorreria depois

das eleições. Ayala fez a denúncia "porque tinha se afastado do grupo do esquadrão".

Reunião - O ex-peão Adalberto de- nunciou que, no carnaval de 1989, Mir- co Soares, Vanderlei Viana (então pre- feito de Xapuri, hoje candidato a de- putado pelo PRN e cunhado de Darli), Magalhães (escrivão de polícia), João Carvalho, Benedito Rosa e parentes de Darli reuniram-se para discutir a fuga de Alvarino, irmão de Darli, também procurado pela Justiça.

O relato acrescenta que o advogado de Darli, Rubens Lopes Torres, consi- dera que seus clientes "não têm ne- nhuma chance do ponto de vista legal", motivo pelo qual sua família e outros fazendeiros passaram a pensar em ou- tros meios. Adalberto, segundo o do- cumento, garante que NCz$ 800 mil "foram investidos no julgamento do re- curso contra o pronunciamento dos réus, no Tribunal de Rio Branco" Ainda assim, o recurso foi derrotado por dois votos a um. Denunciou ainda, que nos ültimos três meses, 15 pessoas chegaram a Fazenda Paraná, entre pa- rentes de Darli e pistoleiros. Os alvos prioritários, segundo ele, são Ilzamar Gadelha Mendes, viúva de Chico Men- des, e o irmão dele, José Alves Mendes Neto, o Zuza. Falou que também ouviu na Fazenda Paraná que Branquinho, Aragão e outros fazendeiros projetaram matar Osmarino depois das eleições.

Integração - Julho/90

MANIFESTO DAS POPULAÇÕES ATINGIDAS POR BARRAGENS NO VALE DO JEQUITINHONHA

Hoje, Dia Mundial do Meio Ambiente, quando se celebra a harmonia e a integra- ção do homem com a natureza, buscando a preservação da vida, nós atingidos por barragens protestamos o abuso e a desti- tuição da natureza, assim como o desres- peito ao pequeno produtor. O homem do campo que sempre lavrou a terra como parceira de trabalho, hoje assiste em nome do progresso, seus costumes e culturas serem ameaçados de várias formas e aqui na nossa região mais especificamente, através das barragens. Essas barragens trazem atrás de si muito sofrimento, injus- tiça e conflitos sociais. O progresso pro- metido por elas só vem prejudicando o pe- queno produtor. Não somos contra o de- sevolvimento da região mas exigimos que esse progresso beneficie a todos e que não somente nós paguemos o preço e so- fremos suas conseqüências em detrimento de uma minoria beneficiada.

O governo do Estado, através da CE- MING, que vem construindo várias destas barragens, tem agido da seguinte forma para com os atingidos: 1. Não tem cumprido suas promessas; 2. Não tem informado com honestidades

manipulando informações importantes; 3. Impôs suas propostas, sem levar em

conta as propostas dos atingidos;

4. Tem agido com injustiça nas negocia- ções feitas até agora, não pagando as terras e benfeitorias de acordo com seu valor real. Diante disso, queremos esclarecer a

população nossa situação, nossa ansie- dade frente ao futuro que nos aguarda, nossa luta em favor da terra, pois ela é vi- da para nós. Exigimos nossos direitos de nela viver e trabalhar para tirar nosso

sustento. Com a nossa expulsão da terra, as periferias das cidades são mais atingi- das, e deixamos de produzir alimentos, o que causa o aumento do custo de vida na cidade.

Pedimos o apoio da população no sen- tido de se unir a nossa luta, que não é só nossa, mas de todos os brasileiros.

Salinas, 05 de junho de 1990.

ATINGIDOS POR BARRAGENS

Calha uzinho Setúbal Santa Rita Salinas Caraíbas Ira pé Graças Berizal

SINDICATOS DE TRABALHADORES RURAIS DE Turmallna Francisco Badaró Araçuaí Rubellta Riacho dos Machados Salinas

João Pinheiro

ENTIDADES Comissão Pastoral da Terra - CPI FUNDAJÚ - Fundo de Ajuda Comunitá- ria CAMPO - Centro de Assessoria aos Movimentos Populares do Vale do Jequitinhonha

FETEMG Paróquia Santo Antônio - Salinas Paróquia Santo Antônio - Grão Mogol Paróquia Nossa Senhora da Conceição - Rio Pardo CRABE - Comissão Nacional Provisória dos Atingidos por Barragens

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METALÚRGICOS DO ABC PAULISTA

A proposta salarial apresentada pelo Grapo 19 da FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Pau- lo) ao Departamento dos Metalúrgicos da CUT, representante de cerca de 400 mil trabalhadores ao ABC e inte- rior, foi aprovada por cerca de 4 mil trabalhadores de São Bernardo do Campo, que participaram da assem- bléia da categoria na sexta-feira, dia 29.06. .

Os metalúrgicos do ABC e interior, com data-base em abril, terão reajuste de 51,54%, descontadas as antecipa- ções e aumento real, e os funcionários das montadoras de veículos (60 mil no ABC) terão 59,11%, incluindo 5% de aumento real concedido em fevereiro.

Embora inferior aos 84,32% - refe- rentes ao IPC de março - reivindica- dos depois que a FIESP recusou o pe- dido inicial de 166,89%, o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema, Vicentinho, considera o acordo razoável e defen- deu a sua aprovação durante a assem- bléia. No entanto, a decisão não foi unânime. Os trabalhadores da Ford e Macisa realizarão novas assembléias nas fábricas em virtude das demissões que sofreram.

Em Santo André, caca de 22 mil dos 25 mil metalúrgicos que estavam em greve, voltaram ao trabalho em 28 de junho, com reajuste salarial de, no mínimo, 48% caso a FIESP apresen- tasse proposta menor. Tal acordo foi fechado entre o Sindicato dos Meta- lúrgicos de Santo André e nove im- portantes empresas de autopeças da região (Cofap, Isam, LMN, Ótis, Mo- lins, KS Pistões, Brosol, TRW e Ea- ton). A proposta foi aprovada em as- sembléia dia 27.06, com a participa- ção de 9 mil metalúrgicos, no entanto, os metalúrgicos de Santo André acompanharão o restante da categoria do ABC e interior paulista, com o reajuste de 51,54% apresentado pela FIESP no dia posterior.

METALÚRGICOS DE SÃO PAULO

Os metalúrgicos de São Paulo, Osasco e Guarulhos rejeitaram, no dia 29.06, a proposta da FIESP de anteci- pação salarial de 15%. As greves da categoria realizadas até agora conse- guiram, em muitos casos, reajustes superiores ao oferecido pela FIESP, a exemplo dos dados divulgados no dia 25 pelo sindicato, 150 mil trabalhados de 500 empresas da capital, tiveram, em junho, antecipações em tomo de 20%.

As greves continuam. Um levanta- mento do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, indica paralisações em 21 empresas que contam com a adesão de 15.673 trabalhadores. As principais empresas paralisadas são: Indústrias ViUares (4,5 mil funcionários), Ford Caminhões (2,5 mil), Sofunge (2,4 mil)eProbel(l^mil).

Em Osasco, os 180 funcionários da Dorma fecharam acordo com a empre- sa, com uma antecipação de 15% em junho, retornando ao trabalho, no dia 29. Segundo o Sindicato dos Metalúr- gicos de Osasco em 2.7, continua a paralisação dos 300 funcionários da Nortof.

O Sindicato dos Metalúrgicos de Guarulhos informou dia 29.06, parali- sações em seis empresas da região, que tiveram adesão de 2,4 mil traba- lhadores. As principais empresas afe- tadas são Mannesmann - em greve desde o dia 19 - Belzer e Corona.

METAL LEVE-SP Os 4 mil trabalhadores da Metal

Leve, aceitaram a proposta da empre- sa, numa assembléia realizada no dia 26 de junho. Segundo o Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, os funcio- nários receberão antecipações de 20% em junho e 12,5% em julho, além do abono de Cr$ 5 mil e estabilidade por 2 meses.

EMBRAER-SP Terminou dia 22.06 a greve na

EMBRAER - Empresa Brasileira de Aeronáutica em São José dos Campos. Após uma greve de 16 dias, a EM- BRAER e o Sindicatos dos Metalúrgi- cos da região, firmaram um acordo parcial, com aumento de 75,33% aos 12,6 mil funcionários da empresa, es- calonado entre maio e setembro, além

de dois abonos em julho e outubro. A empresa se comprometeu a não demi- tir funcionários em razão da greve.

METALÚRGICOS - CAMPINAS Durante o mês de junho, foram

mais de dez metalúrgicos que tiveram greve por reajuste salarial. A média obtida por esses trabalhadores foi de 25% de antecipação, abonos e acordos que chegaram a aumentos de até 50%, segundo Eiieser Mariana da Cunha, que em setembro assume a presidência do Sindicato dos Metalúrgicos de Campinas, SP.

Nesse mesmo período, houve a dis- pensa de quase 1,5 mil trabalhadores na base do sindicato, que reúne 70 mil metalúrgicos em 18 municípios.

METALÚRGICOS DE MINAS Foi encenada no dia 29 de junho, a

greve dos metalúrgicos de Minas Ge- rais, em greve durante 14 dias, reivin- dicando 166% de resposição salarial. Em assembléia realizada no dia ante- rior, os trabalhadores decidiram acei- tar a proposta apresentada pela Fede- ração das Indústrias do Estado de Mi- nas Gerais (FIEMING). Os metalúrgi- cos terão 20% de antecipação salarial retroativos a 1- de junho e 10% em julho.

METALÚRGICOS GAÚCHOS A greve dos metalúrgicos de Ca-

xias do Sul, RS, completou dez dias no dia 29 de junho. Cerca da metade dos 30 mil trabalhadores da categoria continuam paralisados. Em audiência no dia 28, o juiz Ledur da 1- Junta de Conciliação e Julgamento, sugeriu o pagamento de 105% de reajuste sobre os salários de maio, mais 7% de pro- dutividade, estabilidade por dois me- ses e o desconto da metade dos dias parados. A proposta agradou os me- talúrgicos, que reivindicam 188%. A próxima audiência está marcada para 13 de julho.

PETROLEIROS Os petroleiros de todo o País volta-

ram ao trabalho dia 22 de junho, após uma semana de greve em protesto contra as demissões. O comando na- cional de greve considerou insusten- tável manter a greve até o julgamento pelo TRT, no dia 2 de julho, da ação de cumprimento do acordo coletivo

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assinado no ano passado com a Petro- brás, garantindo estabilidade no em- prego até setembro.

Com o fim da greve, a empresa rei- niciou o processo de demissões. No mesmo dia da volta ao trabalho, fun- cionários do edifício-sede da Petro- brás, Rio, foram dispensados por tele- grama e convocados para rescindir seus contratos de trabalho na segunda- feira. Até o dia 23 a Petrobrás havia demitido 1.700 dos 2.017 funcionários que estão na lista de cortes. A Refina- ria de Paulima, em Campinas, SP, foi uma das mais atingidas com a parali- sação. O diretor do Sindicato dos Pe- troleiros de Campinas e membro do comando de greve, Wilson Santa Rosa revelou, no entanto, que os emprega- dos das refinarias de Paulima, Canoas (RS) e do setor de produção de Macaé (Bacia de Campos) só voltaram ao trabalho na tarde do dia 22, depois que a direção da empresa garantiu não punir os grevistas.

Segundo o presidente do Sindicato dos Petroleiros do Rio, os petroleiros voltaram ao trabalho "em estado de greve". A Refinaria Alberto Pasquali- ni, em Canoas, RS, também retomou sua produção, os trabalhadores aceita- ram a proposta da Petrobrás de sus- pensão de três demissões, garantia de que nenhum grevista será punido e negociação do desconto dos oito dias de paralisação.

ELETRICITÁRIOS Após 15 dias em greve, os 100 mil

eletricitános do país vão receber um adicional (abono) de salário de cerca de 50% em duas parcelas, referentes a perdas acumuladas em março e abril, porém, esse índice não será incorpo- rado aos salários, mas servirá como base de cálculo do valor restituido. Além disso, a empresa deu garantia total de emprego aos eletricitános até 31 de outubro.

No dia 5 de julho, o grupo Hetro- brás e os trabalhadores vão iniciar ne- gociações para recuperação de perdas salariais. Os eletricitános reivindicam um reajuste de 84%. A concessão de reajustes pela administração direta e estatais está proibida.

Terminou dia 21.06 a greve dos eletricitários de Fumas Centrais Elé- tricas em São Paulo. Em assembléia realizada no sindicato, cerca de 500

dos 650 trabalhadores da empresa es- tatal decidiram aceitar a proposta de antecipação salarial. A proposta foi apresentada pela Eletrobrás, que é a holding do setor energético.

BRINQUEDOS - SP A greve dos 7 mil funcionários da

fabricante de brinquedos Estrela, foi considerada "abusiva" pelo TRT de São Paulo. Este determinou o paga- mento de um reajuste de 26,5% com 60 dias de estabilidade - a mesma proposta feita anteriormente pela em- presa e rejeitada pelos grevistas, que reivindicavam 166%. Foram realiza- das cinco assembléias e em todas os trabalhadores rejeitaram a proposta da empresa, porém o Sindicato "conse- guiu" que os trabalhadores retomas- sem ao trabalho no dia 26, no turno da tarde. Não se sabe sob que argumento, conforme informou o membro da As- sociação dos Trabalhadores dos Brin-

quedos e Instrumentos Musicais - ATBIM.

CANAVIEIROS - SP Os 5 mil cortadores de cana da re-

gião de Leme, SP, voltaram ao traba- lho dia 15 de junho, depois de 14 dias de paralisação. Eles aceitaram o rea- juste salarial de 22% concedido em julgamento do dissídio da categoria pelo TRT de São Paulo. Sandoval Al- ves Brito, diretor do sindicato dos ca- navieiros da região, disse que a enti- dade vai tentar estabelecer negocia- ções com as usinas e fazendas para conseguir avançar no índice de rea- juste. Seu objetivo é repor as perdas de 84% de março e de 44% de abril.

Curtas

ELEIÇÕES SINDICAIS Em eleições realizadas no final do

mês de maio para renovação da direto- ria do Sindicato dos Eletricitário de Minas Gerais, o candidato da Chapa 1, Enio Soares Dutra, representando o PCB e o PT, venceu com 5.401 votos, contra os 1.418 dados à chapa 2.

No Sindicato dos Metalúrgicos de Ouro Branco - MG, quem assume a direção da entidade é Rogério Tanure, que concorreu pela Chapa 1, apre- sentada pelo PCB e independentes. Tanure recebeu 1.866 votos contra os 1.519 dados à chapa de oposição.

A atual diretoria do Sindicato da Construção Civil de São Caetano do Sul, SP, foi reeleita para mais um mandato de três anos. A chapa 1, lide- rada por Edson Luiz Bemardes e apoiada pela CUT, obteve 991 votos contra 197 da chapa de oposição en- cabeçada por Francisco Cava Paris.

Com uma diferença de mais de mil votos, a chapa 1 (CUT), venceu as eleições no Sindicato dos Comerciá- rios do Rio Grande do Norte, presidi- da pelo atual vice-presidente Eduardo Martins de Moura.

AUMENTO SUSPENSO Marcelo Pimentel, ministro do Tri-

bunal Superior do Trabalho - TST, concedeu, no dia 19 de junho, medida cautelar à Rede Globo de Belo Hori- zonte contra o aumento de 84,32% autorizado pelo TRT aos funcionários da emissora.

DENÚNCIA O Presidente do Sindicato dos Ga-

rimpeiros de Mato Grosso, Marconüio Macedo Neto, denunciou que cerca de 800 garimpeiros estão sendo obriga- dos a trabalhar em regime forçado pela Cooperativa Mista de Produtores de Ouro de Araes, em Nova Xavanti- na, MT. A Cooperativa, a 645 Km de Cuiabá, é responsável pela expulsão de aproximadamente 5 mil garimpei- ros do município, nos últimos 5 anos. O Sindicato alega que os garimpeiros estão trabalhando 24 hs por dia para a cooperativa e que o garimpo não ofe- rece qualquer segurança, já tem cau- sado a morte de várias pessoas du- rante a extração de ouro.

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BRASIL EM DADOS FreiBetto

O Brasil é o 59 país do mundo em extensão territorial, o 6e em população (141 milhões e 400 mil habitantes) e figura entre os dez países mais beneficiados por recursos naturais. 73,6% dos brasileiros vivem em cidades e 36,4% na zona rural. Somos a 8? economia do bloco ca- pitalista e possuímos o IO9 PIB do mundo. Entre os anos 40 e 70, o Brasil cresceu a uma média de 7% ao ano. Nos 80, 2%. Mas está situado como o 52% PIB per capi- ta do mundo, igual ao do Senegal e abaixo da Malásia Segundo relatório do Banco Mundial, no Brasil de 1988 os 20% mais pobres recebiam apenas 2% da renda na- cional, enquanto os 10% mais ricos recebiam 50,6%.

O nosso país é o I9 exportador mundial de açúcar, ca- fé e soja o 2^ em minério de fenro; o 39 em aço; o 8y em carros e material bélico. E importamos apenas 6% do valor de nosso PIB, o que é considerado um índice ex- celente. Metade dos domicílios possuem luz elétrica e 70% dispõem de água encenada. A rede de esgotos be- neficia menos de 15% das moradias. 52,8% dos traba- lhadores brasileiros ganham até 2 salários mínimos e somente 38,8% têm carteira assinada O salário-mínimo brasileiro é dos menores da América Latina.

Da população maior de 15 anos, 20% são analfabetos e 10% concluíram o I9 grau. Em educação, somos a 74§

nação do mundo, abaixo da Tunísia. O nível argentino é ^ vezes maior do que o nosso. 20 milhões de brasileiros não sabem ler nem escrever. Nosso consumo de papel lornal - utilizado pela ONU para medir o nível cultural de

um país - caiu de 2270 quilos por habitante, em 1970, para 2027 em 1983, abaixo da Líbia (2130), da Mongólia (2103), do Peru (2560) e da Bulgária (4630). O consumo norte-americano é de 45.675 quilos, 22 vezes maior do que o brasileiro. O índice de alfabetização no Brasil de 1989 era semelhante ao dos Estados Unidos em 1889. Em nosso país, só 15% dos adolescentes freqüentam a escola, enquanto no Vietnã o índice sobe para 44%.

Em 1960, havia no país 320 bancos privados, em 1986, restavam 46. Em 1989, o lucro bruto dos oito maio- res bancos privados nacionais somavam 27 bilhões e 400 milhões de cruzeiros - equivalente ao valor de tudo que foi produzido no país naquele ano. 1,7% das empre- sas - públicas, privadas e multinacionais - monopoliza mais da metade de todo o mercado industrial brasileiro. Estão sob controle do capital privado monopolista e oli- gopolista as indústrias automobilística de higiene e lim- peza, plásticos e borracha auto-peças, bebida e fumo, in- formática e distribuição de petróleo e derivados.

Na zona rural, 10% das propriedades detêm cerca de 79% da área total, há 12 milhões de trabalhadores sem terra e, entre 1987 e 1989, houve 2028 conflitos no cam- po e foram mortas 322 pessoas na luta pela terra. Em 1989, 10 índios foram assassinados, 57 foram vítimas de violências policiais e 870 contraíram epidemias próprias dos brancos. Entre 1984 e 1989 foram assassinadas, somente no Rio de Janeiro, 1.081 crianças, sendo 894 por armas de fogo.

Em tempo: os banqueiros internacionais exigem que o governo Collor pague, ainda este ano, os juros da dívida externa no valor de 5,6 bilhões de dólares.

Frei Betto é teólogo e escritor

OO-08/06/90

Economista defende o "choque produtivo." Cecília Plese

ü professor Alofsio Mercadante, assessor econômico do Partido dos

1 rabalhadores, arrancou aplausos da platéia conservadora que participou ontem do seminário Brasil Meeting, promovido pelo World Economic Fó- rum ao propor que o projeto de rcin- serção da economia brasileira no mer- cado internacional seja baseado na adoção de um choque produtivo que privilegia os setores voltados para a fabricação de bens de consumo de massa, e na articulação de uma solu- ção negociada, de ampliação de seu volume de comércio exterior. Isso, in- clusive, na área de importações, que lhe permita selecionar os parceiros externos que lhe convém, e enfrentar os interesses dos banqueiros interna-

cionais - que coníiitam com os do país.

Mercadante repudiou enfaticamente a tese neoliberal defendida pelos pre- sentes, segundo a qual o crescimento econômico de qualquer país em de- senvolvimento - entre os quais o Bra- sil - passa pela promoção de ajustes que se baseiam no princípio de que os mercados organizam as Nações e atri- buem as perspectivas de modernização e de aumento da eficiência produtiva aos projetos de abertura da economia e privatização das estatais.

Segundo o economista, esse discur- so sõ vale para os países que são membros dos megablocos econômicos, pouco significando para os países do Terceiro Mundo e da América Latina. Ele classificou as críticas endereçadas pelos países desenvolvidos às condi-

ções pouco atraentes para os investi mentos estrangeiros que existem no Brasil de campanha terrorista, visando a criação de condições mais favorá- veis para a sua instalação no país "Os mega-blocos estão se constitui n do em instância supranacional de de finição de política econômica, e de terminando programas de investimen- tos em reconversão produtiva em pai ses cujas condições históricas são di ferentes das nossas", assinalou, citan do como exemplos Espanha e Portu gal.

Argumentou que as novas tecnolo^ gias - que atuam como molas propul soras da formação de tais blocos estão acabando com as vantagens comparativas dos países em desenvoJ vimento, "a ponto de uma nação como a brasileira - que em 89 registrou > maior saldo de balanço comercial em relação ao PIB em todo o mundo continuar como grande exportadora de capitais e não receptora, e ainda ser vítima de uma crise cambial"

DIVIDA EXTERNA "Enquanto o fantasma da dívida

externa continuar existindo, o País não deve contar com o ingresso de di- nheiro novo para investimentos" sentenciou. Sabendo disso, os adeptos

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Quinzena

do discurso neoliberal querem apro- veitar a oportunidade para trocar títu- los de alto risco dessa dívida por parte do patrimônio produtivo estratégico do País — uma operação meramente contábil e que não resolve nossos problemas", frisou.

No entender de Mercadante, a mo- dernização da estrutura produtiva do Brasil e a reformulação do papel do Estado implicam adoção de um novo projeto de redistribuição de renda, ri- queza e poder que a elite nacional não tem condições de implementar, mas que garantirá o sucesso das esquerdas nas próximas eleições.

A reação positiva dos participantes do debate às colocações apresentadas por Mercadante não contribuiu, po- rém, para que revissem suas posições anteriores. Tanto no decorrer dos tra- balhos do Brasil Meeting, quanto du- rante os almoços bilaterais em que fo- ram discutidas as perspectivas de in- vestimentos estrangeiros no País nos próximos anos, as conclusões foram bastante pessimistas.

RESTRIÇÕES Segundo o presidente do Clube dos

Empresários Brasil/Portugal, José Francisco de Araújo Lima, as restri- ções feitas ao ambiente econômico brasileiro repousam na carga fiscal gravosa que recai sobre os resultados totais dos investimentos feitos, e que varia de 68% a 80%; na falta de esta- bilidade política e econômica (que precisaria existir por dois anos — no mínimo — para encorajar os investido- res) e no tratamento dado a cada dólar aplicado no Brasil, que penaliza o in- vestidor (para investir aqui, uma em- presa estrangeira precisa adquirir o correspondente ao valor aplicado em ouro, pelo mercado paralelo, depositar esse lastro no Banco Central e receber sua contrapartida em dólares pelo câmbio oficial, o que provoca perdas desestimulantes).

Com o objetivo de contornar esse obstáculo, ele propôs ao presidente do BC, Ibrahim Eris, que faculte ao in- vestidor estrangeiro a compra desse mesmo ouro no mercado internacio- nal, ou sua conversão em moeda forte pelo câmbio livre — uma sugestão que Eris ficou de estudar.

Apesar do otimismo generalizado com que os primeiros resultados do Plano Collor vêm sendo recebidos pelas matrizes das multinacionais, elas ainda preferem esperar para ver se o processo terá efetivamente caráter du- radouro, acrescentou Lima. De acordo com o moderador das discussões sobre Brasil-Oceano Pacífico, Claude Smadja, empresários japoneses que- rem saber se o processo de conversão da dívida externa vai se transformar

em elemento gerador de investimen- tos, ao mesmo tempo em que acompa- nham com interesse o programa de privatização, especialmente no setor de siderúrgica.

"Existe o consenso de que a libe- ralização econômica do País é irrever- sível" admitiu. "Mas o empresariado ainda quer avaliar quando o projeto de Collor vai sair do plano das intenções e ser aplicado na prática, alterando a mentalidade burocrática existente e definindo regras claras para a vinda de novas indústrias, inclusive no seg- mento automobilístico" destacou Li- ma. Paralelamente, porém, os japone- ses acham que o Brasil deve voltar sua tenção para o Sudeste asiático e passar a encará-lo como sua principal fonte potencial de suprimento tecno- lógico.

FATOR CHAVE "A redução da inflação e um passo

importante para a retomada do cresci- mento e o retomo dos investimentos, mas ainda insuficiente para atrair no- vos capitais" disse o presidente do World Economic Fórum, Klaus Sch- wab. O fator chave que detonará o processo é da descentralização e o da liberalização. O Brasil não precisa apenas de um tratamento de choque, mas de algo que o empurre para o sé- culo XXI rapidamente", assinalou. "Se, dentro de cinco meses, o Plano Collor não der sinais de êxito, as companhias aqui instaladas começarão a se retirar gradativamente do País e ele entrará em processo de morte len- ta" previu.

OS REFLEXOS DE UM PLANO FALIDO

De todas as grandes medidas anun- ciadas pelo governo Collor até agora, nenhuma conseguiu ser efetivamente implantada. O combate à inflação não passou de um combate aos salá- rios e ao emprego. A inflação já dá mostras de estar voltando com toda a força, enquanto o governo e os políti- cos se apressam em discutir uma "re- posição das perdas". Tudo igual a outros planos passados. Quando se percebe que a vaca foi pro brejo, co- meçam a falar em "trégua", "acordo nacional" etc. Tudo isto é a última cortina de fumaça para coisas que fin- giam ser uma coisa, quando na reali- dade eram outras totalmente diferen- tes. Os planos fingem que vieram para debelar a inflação, quando na realida- de são sempre uma torma de rebaixar ainda mais os salários. Os preços, na realidade, nunca caem. Um pouco antes da decretação dos Planos, os preços em geral sobem até às nuvens. Os salários são brecados. Durante dois ou três meses, os preços aparen- tam ter diminuído. Na verdade, o que deveria ser aumentado durante os pri- meiros meses dos Pianos já foi au- mentado um pouco antes. Aumentos que não foram incorporados aos salá- rios. Os Planos duram enquanto esta gordura é queimada. Quando a gordu- ra dos aumentos começa a desapare-

cer, os Planos começam também a se- rem arquivados. Com o Plano Collor aconteceu desta mesma maneira. A discussão atual de "reposição de per- das" é uma tentativa do governo e dos patrões de sair do fracasso da estabili- zação proposta pelo Plano Collor, sem perder os ganhos que os preços tive- ram frente aos salários desde o mês de março.

O combate ao déficit público também foi outra meta perdida pelo novo governo. As despesas do gover- no com funcionários públicos, com saúde, educação etc, sempre aparecem como o grande peso nas contas do go- verno. E são estes itens que são ata- cados, diminuindo-se os investimentos públicos em áreas prioritárias para a economia. No entanto, atacar estes itens significa um tiro no alvo errado e que tem a desastrosa conseqüência de desestruturar ainda mais o funcio- namento de importantes setores da produção nacional. Destes setores, o que acaba sendo mais prejudicado, em função da sua grande dependência das encomendas do setor público, é aquele ligado ao desenvolvimento da in- fraestrutura da economia - transporte, energia, comunicações, construção pesada etc. Junto com a perda de di- namismo, do setor produtor de máqui- nas e equipamentos, é o próprio de-v

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senvolvimento tecnológico nacional que acaba também se enfraquecendo.

Na verdade, as grandes despesas públicas, que realmente provocam o crônico déficit público da economia brasileira, são despesas dirigidas para o setor financeiro parasitário. Segun- do dados publicados na semana pas- sada nos Estados Unidos, alguns ban- cos brasileiros figuram entre os 20 maiores do mundo, se for adotada a relação entre rentabilidade e patrimô- nio líquido dos bancos. Para o capital aplicado os bancos brasileiros são os que têm uma taxa de retomo mais ele- vada em todo o mundo. De onde vem este auspicioso resultado dos bancos brasileiros? Será que o Itaú, o Brades- co, Bamerindus etc, são mais eficien- tes do que o City Bank, do que o Loyds Bank de Londres, do que o Mitsubishi do Japão? É claro que não. Perto dos grandes bancos internacio- nais, os bancos brasileiros não passam de pequenos agiotas, sem qualquer capacidade de concorrência e mesmo de existência no mercado financeiro internacional. É exatamente a agiota- gem dos bancos nacionais que explica seus auspiciosos resultados operacio- nais, seus elevados lucros comparados com seus minúsculos patrimônios lí- quidos. Mas é uma agiotagem oficial, garantida pelas inúmeras facilidades e recursos com que o governo e o Ban- co Central premiam estes parasitas travestidos de empresários responsá- veis, se é que isto pode existir. Estas despesas públicas não aparecem à luz do dia, a grande imprensa e os eco- nomistas bajuladores jamais atacam esta verdadeira sangria dos recursos públicos. E por isso que o governo atual faz tanto carnaval com demis- sões, com corte de despesas sociais etc, exatamente para esconder a ativi- dade dos parasitas no sangue ao te- souro público e, ao mesmo tempo, não consegue nem de longe mostrar sinais, pelo menos, de que o déficit público esteja sendo diminuído.

A privatização das empresas es- tatais é outra meta que está longe de ser atingida pelo govemo Collor. Ne- nhuma estatal ainda foi privatizada por este governo. O problema é que este governo não tem autoridade mo- ral para executar um programa de pri- vatização em que o país não saísse perdendo, e muito, com este progra-

ma. Lá, as estatais são vendidas para a chamada iniciativa privada nacional, com regras muito claras da operação. O resultado é que as estatais acabam sendo vendidas por um preço de mer- cado relativamente justo. E o dinheiro da operação acaba sendo também sig- nificativo para os cofres públicos, ajudando com isto a diminuir o déficit público. Aqui, ao contrário, só existe uma regra: o cambalacho. A privatiza- ção na América Latina significa dar de graça as estatais, para algum gran- de grupo nacional ou internacional, além de mais algum dinheiro público para garantir ao setor privado benefi- ciado um lucro a mais com a opera- ção. Não entra dinheiro nenhum para os cofres públicos. Apenas, sai, tudo

em nome da "modernização" e dos "novos ventos que sopram na econo- mia mundial". O govemo atual ainda não se organizou o suficiente, pelo pouco tempo desde que tomou posse, para executar este cambalacho no Brasil. É por isso que nenhuma estatal foi privatizada até o momento.

Continuaremos na próxima semana examinando outras grandes metas não atingidas pelo Plano Collor.

Extraído do texto "Análise de Conjuntura" "Situação Econômica Brasileira", Boletim Semanal do 13 de Maio - Núcleo de Edu- cação Popular. ASSINATURAS: Rua Dona Avelina, 55

Vila Mariana - CEP 04111 São Paulo - SP

DO-22.06.90

Estados Unidos querem assumir estatais brasileiras

Outros setores, como o de informação tecnológica, mineração e aviação,

também interessam aos americanos

Dalva Ueharo

OS EUA querem ter capital majori- tário nas empresas estatais que serão privatizadas pelo govemo brasileiro. Essa proposta foi feita pelo secretário do comércio dos Estados Unidos, Ro- bert Mosbacherj aos integrantes do governo, mas não recebeu resposta direta. Segundo Mosbacher, o gover- no argumentou que este é um pro- cesso que precisa ser negociado e demora alguns anos.

No discurso feito para empresários que integram a Associação das Câ- maras Americanas de Comércio no Brasil, durante almoço realizado em São Paulo, Mosbacher falou sobre o assunto. "Gostaríamos de surgerir ao govemo brasileiro", disse, "que consi- derasse como adoção de medidas graduais mediante as quais investido- res estrangeiros pudessem adquirir 51% ou mais do capital da compa- nhia."

"Isso se aplicaria", acrescentou "não apenas a companhias estatais a serem privatizadas, mas também em outros setores industriais com restri- ções de capital, entre os quais os de informação tecnológica, mineração e

aviação. A infusão de capital pode ser a diferença entre a vida e a morte pa- ra uma empresa que enfrenta dificul- dades."

Mosbacher elogiou o govemo Col- lor pelo programa implantando no País, de 'mercados abertos e governo limitado, eliminação da maior parte das barreiras não-tarifárias, diminuir gastos do govemo, acabar com todos os subsídios e estimular o investimen- to estrangeiro".

Na sua avaliação, o retomo à de- mocracia e o avanço para a liberaliza- ção comercial oferecem grandes opor- tunidades. Os dois países, destacou, têm um comércio anual de US$ 13 bilhões, e 300 das 500 maiores em- presas norte-americanas atuam no Brasil. E poderia haver muito mais.

Mosbacher reiterou que o presiden- te Bush está empenhado em estabe- lecer uma nova parceria a longo prazo com toda a América Latina e, como alta prioridade, fortalecer os laços econômicos com o Brasil. "Se dese- jarmos manter nossa influência, as companhias norte-americanas terão de competir e ter uma visão mais pro- funda das potencialidades do merca- do no Brasil e em outros países vizi- nhos. Isso obrigatoriamente faz parte de uma abordagem mais agressiva por parte dos EUA no comércio mun- dial." m*

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TELECOMUNICAÇÕES

As oportunidades constatadas no Brasil, por ele e os empresários que integram sua comitiva, foram as áreas de telecomunicações, serviços finan- ceiros, computadores, plásticos, ener- gia eólica e na indústria aeroespacial. Segundo Mosbacher, foram identifi- cadas grandes oportunidades em te- lecomunicações, existem interesses mútuos, mas as negociações nâo tive- ram resultado final. Ocorrerão outras visitas, além dessas.

Mosbacher declarou ainda que esta época é promissora para o Brasil e EUA estarem trabalhando junto, por- que estão desmoronando as barreiras políticas e econômicas no mundo, preparando o cenário para um cresci- mento de prosperidade sem prece- dentes. Ele citou os blocos que estão se formando EUA/Canadá e México, Japão, unificação da Europa e as no- vas democracias na Europa Oriental.

O secretário de Comércio dos EUA disse que os acontecimentos na Eu- ropa Oriental nos últimos anos au- mentaram o interesse dos EUA na América Latina. "Mas, nós vemos o Novo Mundo como uma oportunidade, não como um obstáculo. Quando pensamos sobre o assunto, o que são os EUA e o Brasil, senão duas nações que cresceram para a grandeza em uns poucos e breves séculos, supe-

rando um desafio após outro?"

Mosbacher enfatizou que o Brasil se industrializou rapidamente nos úl- timos 40 anos, contando hoje com uma sólida mescla de indústria e agricultura, inclusive sofisticados seto- res financeiros químicos e aeronáuti- cos. Ele reafirmou que uma economia bem-sucedida deve ter pouca interfe- rência do governo, inflação e taxas de juros baixos, regulamentos claros, previsíveis e não intromissores para negócios, investimentos, comércio e direitos de propriedade intelectual.

RECONSTRUÇÃO O secretário de Comércio norte-

americano disse também estar im- pressionado pelo ato de privatizar as indústrias governamentais incluindo aço, petroquímica e fertilizantes. "Há indicações que as empresas estran- geiras, vão receber autorização para participar desse processo de privati- zação, por meio de investimento dire- to e de conversão da dívida."

Mosbacher afirmou que a recons- trução econômica brasileira não vai ser rápida nem indolor. Na sua opi- nião, o sucesso depende da coragem. A Polônia acertou o alvo e reduziu a inflação sensivelmente; o Paraguai liberou as taxas de câmbio, cortou a inflação e dobrou as exportações e o México reduziu a inflação de três

dígitos para 20% em um ano, atraindo bilhões em capital novo e capital de fuga.

Ressaltando que os EUA podem ter importante papel no futuro cresci- mento do Brasil, Mosbacher disse que os EUA devem manter o mercado aberto para os produtos agrícolas, in- dustrializados e serviços e a decisão de encerrar a Super 301, relacionada com a investigação dos métodos de licença de importação do Brasil, foi positiva

Ele observou também que as con- versações comerciais no âmbito do Gatt caminham satisfatoriamente, com o Brasil aprovando ampliação do acordo para produtos agrícolas e ser- viços e reconhecendo patentes. Para ele, o malogro do ciclo do Uruguai implicaria em perda de mercados para as companhias brasileiras no Exterior.

Mosbacher disse esperar que os problemas que o Brasil vem enfren- tando devido à suspensão de linhas de crédito para a exportação por parte do Eximbank sejam resolvidas rapi- damente e que o banco volte a se tomar ativo no Brasil. Até se chegar a um acordo, ele afirmou que existem outros bancos e fontes de investimen- tos privados para essa linha de crédi- to.

Cenário - Junho/90

Trabalhador tem 12 % do Pib (e não sabe) Imagine uma peça de ficção, no

melhor estilo de um Júlio Cortazar, em que os trabalhadores de um pais imaginário descobrem que possuem uma fortuna incalculável. Mas que es- ses recursos, entregues ao Príncipe para guarda das economias, estão sen- do desviados para finalidades perdulá- rias, em benefício de poucos. Essa hi- potética história não passaria de mais uma leitura do "realismo fantástico", não fosse a bizzarra semelhança com a realidade brasileira. A verdade é que os trabalhadores brasileiros têm vul- tuosos recursos, algo em tomo de US$ 40 bilhões, ou 12% do Produto Inter- no Bruto (PIB), dispersos nos emara- nhados das poupanças compulsórias e "voluntárias", que financiam um mundo de interesses distantes dos seus.

O cálculo da parcela da poupança financeira bruta, que por direito ad- quirido pertence ao trabalhador, é uma daquelas tarefas quase impossíveis, tanto são as duplas contagens, infor- mações desencontradas, mudanças nos

prazos de arrecadação e diferentes rentabilidades. Talvez somente mais difícil do que descobrir o verdadeiro valor da poupança do assalariados seja identificar o real destino da apli- cação dos recursos, que possuem duas alocações distintas: uma, retórica, ou- tra, na prática.

E possível afirmar, por exemplo, que somente o patrimônio do FGTS, da ordem de US$ 15,6 bilhões, é su- perior ao PIB de uma meia dúzia de países da América Latina. Somente no sistema Pis/Pasep, os trabalhadores te- riam "engaiolados" recursos da ordem de US$ 8,3 bilhões. Na previdência social, o ativo imobilizado e o patri- mônio construído em nome de um Estado pretensamente benficiário são incalculáveis. E mais uns US$ 15 bi- lhões, pertencentes a uma casta dos assalariados, estariam estocados nos fundos de pensão. São poupanças dis- tintas, regidas por regras diferentes, em nome de planos atuariais de previ- dência complementar incompreensí- veis à esmagada maioria dos trabalha-

dores. Todos têm em comum apenas o mesmo contribuinte, o trabalhador, e os principais beneficiários no curto prazo, a máquina do Estado e a acu- mulação de capital do setor privado.

Essa espécie de "república sindi- calista", constituída por numerários mantidos longe do alcance dos seus mantenedores, é o país real no meio de um imenso faz-de-conta especula- tivo. Esse dinheiro, proveniente do suor do assalariado, constitui a pou- pança pior remunerada do mercado (até o ano passado, o FGTS pagava juros de somente 3%, ou seja, metade dos pagos pela caderneta de poupan- ça). São aplicações sem nenhuma transparência. Recursos "imexíveis" - para utilizar a terminologia do minis- tro Rogério Magri —, invisíveis, man- tidos, propositalmente, desagregados, de forma a evitar a percepção do ta- manho real da fatia do bolo do traba- lhador.

Na lógica capenga do Welfare Sta- te brasileiro, quem paga a maior parte da previdência do aposentado e»

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ííSSíííííJWíííííííííííí; mm Quinzena Economia

a pseudo-assistência médica da popu- lação é o assalariado de baixa renda, já que os empresários e detentores maiores da riqueza se escondem atrás do biombo de um sistema tributário generoso com a pessoa jurídica.

E o resultado de tanto dinheiro acumulado são aposentadorias cada vez mais humilhantes e filas crescen- tes na porta dos hospitais.

E certo, por exemplo, que uma par- cela ínfima dos contribuintes do sis- tema Pis/Pasep tenha sequer sonhado que as economias amealhadas em no- me de um futuro menos dramático es- tejam hoje financiando a expansão do megalomaníaco Projeto Jari.Ou menos ainda que o dinheiro do FGTS, arre-

cadado a título da nobre causa da construção e financiamento da casa própria, esteja servindo para cobrir buracos orçamentários deixados pela inadimplência de alguns usineiros mi- liardários do Nordeste.

Mas, se estivéssemos realmente num conto do "realismo fantástico", os trabalhadores acordariam para o fato de que são donos desse dinheiro. Descobririam que com somente uma fração dessa quantia acumulada seria possível comprar todas as empresas negociadas em Bolsa de Valores, além de privatizar, pela via democrática, uma expressiva parcela das estatais produtivas. Constatariam que com o lucro desses empreendimentos seja

possível comprar hospitais e adminis- trar profissionalmente a saúde e a melhora da qualidade de vida da cole- tividade. Constituiriam um fundo com parte desses recursos para pagamento de aposentadorias dignas. E dariam transparência à alocação de cada cen- tavo dos recursos arrecadados.

Essa peça de ficção seria uma leitu- ra obrigatória para todos aqueles em- penhados na modernização das rela- ções entre o capital e o trabalho, e serviria como modelo de inspiração e reflexão para todos os assalariados

E já seria muito, perto do que hoje existe.

Jornal do Brasi - 06.06.90

Brasileiros ficam ainda mais pobres

Renda per capita' será a mais baixa desde Delfim Netto

O brasileiro vai chegar ao final do primeiro ano do governo Collor mais pobre que no último ano do governo Samey. Diante do crescimento médio da população, de 2% ao ano, a dimi- nuição na tenda per capita dos brasi- leiros ocoireria mesmo na hipótese inicial do Ministério da Economia de que o Brasil fecharia o ano com um PIB (Produto Interno Bruto) de tama- nho igual ao registrado no fim de

1989, da ordem de US$ 485 bilhões. A redução do PIB em pelos menos 2% em 1990, segundo revisão atualmente feita nas previsões da equipe econô- mica, significa que o empobrecimento médio da população será ainda maior.

A tendência de queda na produção industrial, conforme diferentes indica- dores, levou a equipe comandada pela ministra Zélia Cardoso de Mello a re- formular sua previsão inicial de cres- cimento zero do PIB neste ano. Proje- ções feitas pelos técnicos governa- mentais, com base nestas estatísticas, demonstraram que a diminuição do

PIB em 90 será inevitável. A dúvida é sobre a quanto montará essa queda, a primeira no PIB em seis anos.

A última vez que o Brasil experi- mentou queda em seu PIB foi em 1983, quando a recessão provocada pela política econômica do então mi- nistro Delfim Netto resultou em redu- ção de 3,4% no PIB e 5,6% na renda per capita. Em 1989, último ano do governo Samey, o PIB cresceu a 3,6% e a renda/jer capita, 1,5%. Em compensação, a inflação totalizou 1.764,87% no ano, a maior da histó- ria. (T£.)

Zero Hora-20.05.90

Com o mínimo só dd para comer

Nos cinqüenta anos de existência do salário mínimo no Brasil, nunca os trabalhadores ganharam tão pouco. Instituído para atender as despesas básicas de alimenta- ção, habitação, vestuário, higiene e transporte do traba- lhador e sua família, o mínimo deixou de cumprir suas fi- nalidades constitucionais. Apenas os gastos com alimen- tação já absorvem praticamente todo o mínimo de Cr$ 3.674,06 em vigor.

Pelos levantamentos do Departamento Intersindical de Estudos e Estatísticas (Dieese), o salário mínimo consti- tucional deveria ser de Cr$ 26.285,00 em abril, ou seja, mais de sete vezes o valor que está em vigor hoje. Este piso seria a remuneração mínima para cobrir as despe- sas mensais dos trabalhadores com alimentação (55%), habitação (20%), vestuário (8%), higiene (10%) e trans- porte (7%).

Na verdade, desde de 1940 que o piso nacional de salários não cumpre com estas exigências dos trabalha- dores. Mesmo em 1959, quando o mínimo teve o seu maior reajuste (veja no gráfico), a remuneração recebida

não cobria as despesas previstas na Constituição. Mas foi mesmo a partir de 1964 que o salário começou a cair mais acentuadamente até atingir apenas 25,43% do seu valor original no último mês de abril. ■

142,5144,08

100

35,4

SALÁRIO DE FOME VarlaçOo do natárlo mtnlmo reaf

1940 = 100

51 87 33.34 37,7440,86

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Dl! Julho Julho Agosto Janeiro Março Maio Julho Janeiro Junho Março Abril 1940 1951 1956 1959 1986 1987 1987 1989 1989 1990 199P

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Como deveria ser

O salário mfnimo necessário para atender as despesas do trabalhador e sua famflia, segundo a Constituição.

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Jfn Abf Jul Oíii J«n Abr 1949 19U9 1939 1989 1990 1990

hilário vigente

Wí.Sh S.l) vc/cs l'NS .W,(.l 7.13 ve/e.% l'NS

i 1)01,81 6,68 vc/cs l'NS 1.852.61 7,43 vezes l'NS 2.474.37 6.48 vc/cs TOS 3.323,01 5.M6 vc/cs I^S 4.813.26 6.11 vc/cs \'HS 8.863,51 6.9 vezes PNS

13.423.37 6.7 vc/cs 1'N.S 25.086,52 6,8 vc/cs VNS 26.285.0(1 .7,1 vc/cs l'NS

UM DOS MAIS BAIXOS DO CONTINENTE

O Brasil foi o segundo país da América Latina a instituir o salário mfnimo, dois anos depois do Uru- guai. Contudo, a remuneração paga ao trabalhador brasileiro é uma das mais baixas do Continente, abaixo apenas do Peru e Equador.

Com a queda dos preços a partir do final do ano passado, o salário mfnimo em dólar vem declinando su- cessivamente. Os pequenos ganhos reais (acima da inflação) concedidos ao salários pelo governo Sarney acabaram sucumbindo a pressão dos ativos financeiros. Assim, o sa- lário mfnimo que chegou a corres- ponder a US$ 56,52 em março caiu em abril para US$ 47,71 voltando aos nfveis de dezembro/janeiro.

Política Nacional

Linha Direta- 15.06.90

"Podemos ganhar o governo do Rio"

Otimistas quanto às chances de conquistar o governo do Rio de Janeiro, o candidato do PT no Estado, Jorge Bittar, diz que a direita está desorganizada e sem condições de concorrer empe de igualdade com a esquerda. Por isso, na reta final da campanha, ele prevê um confronto com o candidato do PDT, Leonel Brizola. Acha que são boas suas perspectivas de vitória, sobretudo depois da excelente votação de Lula no segundo turno as eleições presidenciais do ano passado.

LD - Qual a situação no PT do Rio em relação às próximas eleições?

Jorge Bittar — Nós estamos com ex- pectativa muito positiva, poque hoje o PT tem um enraizamento muito grande nos movimentos populares, sindical e estudantil, no rio. Temos um Partido organizado em praticamente todos os municípios do Estado e que tem obtido resultados eleitorais crescentes desde 86; inclusive, com o excelente resulta- do eleitoral que tivemos no primeiro e no segundo turnos das eleições presi- denciais do ano passado. Outro aspecto importante é que a direita está muito desgastada em virtude de ter se articu- lado, sem exceção, em tomo do gover- no Moreira Franco que foi um fracasso

tanto administrativo quanto político. A direita hoje não tem nenhum grande quadro hoje no Rio para disputar as eleições. Isso nos dá uma probabilidade muito grande de que o segundo turno venha ser disputado por Leonel Brizola e eu.

LD — Você arriscaria um palpite sobre o número de deputados que o Partido deve eleger no Rio?

Jorge Bittar - É muito difícil fazer esse tipo de prognóstico porque vai de- pender do nosso desempenho nas elei- ções majoritárias, mas seguramente ele- geremos cinco deputados federais e de oito a dez estaduais. O PT disputa as eleições no Rio para ganhar. Temos notado uma receptividade crescente em

todos os segmentos sociais, inclusive nas áreas mais populares. Acho que já no primeiro tumo conseguiremos uma posição muito boa e, se chegarmos ao segundo, teremos uma chance enorme de conquistar o governo do Rio.

LD - O PT penetra nos redutos eleitorais de Leonel Brizola?

Jorge Bittar — Esse é um dos pontos mais positivos. Nos tradicionais redutos brizolistas, como a zona oeste da cida- de do Rio, Baixada Fluminense, favelas e região de São Gonçalo, o PT tem tido uma penetração crescente. Também te- mos que considerar que a grande vota- ção de Lula nas eleições de 89 aumen- tou nosso potencial nas áreas popula- res. Fora isso, ainda deveremos ampliar nossa penetração nesse e em outros segmentos, com as coligações que es- tamos fazendo. Estamos acertados com o PSB que, inclusive, indicou o candi- dato a vice-govemador, o filólogo An- tônio Houaiss; e em entendimentos com o PV, que poderá apresentar a candi- datura de Fernando Gabeira a deputado federal e com o PCB.

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Poittíea Nacional

Folha de Sáo Paulo - 19.06.90

Direção do PT é 4autoritária\ diz Bicudo Emanuel Neri

Excluído do Diretório Nacional do PT, do qual fazia parte desde a funda- ção do partido, o advogado Hélio Bi- cido, 67, acusa a direção petista de ser "autoritária e antidemocrática". Can- didato a deputado federal por São Paulo, Bicudo não quis indicar os res- ponsáveis pela exclusão, no inicio deste mês, durante o Encontro Nacio- nal do partido. Mas deu algumas pis- tas. "A única pessoa autorizada a di- zer porque eu saí é o Lula", afirma. O deputado Luís Inácio Lula da Silva, 44, presidente nacional do PT, está no exterior. Bicudo pertencia à Executiva Nacional do PT.

"Eu só não digo que está havendo caça às bruxas no PT porque não me considero uma bruxa", diz Bicudo. Ex-secretário de Negócios Jurídicos da Prefeitura paulistana. Bicudo afir- ma que começou a cair em desgraça no PT em maio do ano passado. Na época, uma manobra da Articulação, corrente que controla o partido, impe- diu que ele fosse reeleito para a presi- dência do PT paulistano. Bicudo inte- grava a Articulação mas, naquele epi- sódio, contou apenas com o apoio de

Gazeta Uercantí - 26.06.90

Futebol frustra plano de Collor

Claudia Kucfc

O futebol nunca esteve afastado da pdftica no País, principalmente quando joga a Seleção Brasileira numa Copa do Mundo. Desta vez não foi diferente. O governo Collor, com seu marketing de "vencedor" já tinha uma programação para administrar uma possível vitória na Itália, onde o presidente foi assistir à estréia do Brasil (venceu), para voltar numa eventual final.

O objetivo, como ficou demonstrado em todas as de- clarações presidenciais em tomo da Copa, era associar o espírito guerreiro da Seteçáo do técnico Sebastião Laza- roni e do jogador Dunga, ao estilo Collor. A derrota dian- te da Argentina domingo frustrou os planos do Palácio do Planalto, conforme reconhecem seus próprios assesso- res.

tendências mais à esquerda no PT e da prefeita Luiza Erundina.

"Hoje eu sou considerado um trânsfuga da Articulação", afirma Bi- cudo. Por discordarem do "autorita- rismo" da Articulação, segundo Bicu- do, outros petistas também foram "marginalizados" e excluídos do Di- retório Nacional. Ele cita Erundina, o vereador Eduardo Supiicy e o cien- tistas político Francisco Weffort. Pro- curados pela Folha, Weffort e Erun- dina não foram encontrados. Supiicy, 48, diz não ter sido ouvido sobre a chapa da Articulação para o Diretório. Mas não pretendia continuar na dire- ção do partido por estar em campanha para o Senado.

Supiicy também se queixa do pro- cesso de escolha dos membros do Di- retório nacional. "Seria bom tomar esse processo mais aberto", declara. Para ele, o Diretório nem sempre é composto de nomes representativos. "Se esse fosse o critério, a Erundina jamais poderia ficar de fora". Apesar da exclusão. Bicudo afirma que não pretende sair do PT. "Não vou sair. Mas pretendo lutar por restabeleci- mento da democracia interna".

Ele se queixa ainda de ter sido "marginalizado" na campanha presi- dencial de Lula. Segundo Bicudo, o coordenador da campanha de Lula, Wladimir Pomar pediu que ele "mos- trasse currículo" para trabalhar na campanha. "Não convém dizer o que eu respondi para ele", diz. Bicudo foi candidato em 1986 ao Senado por São Paulo e obteve 2,4 milhões de votos.

PUNIO ADMITE TER HAVIDO ERRO

O deputado Plínio Sampaio, can- didato do PT ao governo paulista, reconheceu ter havido erros na ex- clusão de Hélio Bicudo do Diretório Nacional. "Mas há um certo exage- ro quando ele fala de autoritaris- mo .

O secretário-geral do PT, José Dirceu, não quis se manifestar on- tem sobre as acusações feitas por Hélio. "Não participei do processo de escolha do Diretório Nacional", disse. O deputado Luiz Gushiken, ex-presidente do PT, não foi locali- zado pela Foíba.

IMAGEM DE VENCEDOR 'O título seria um empurrão que falta para consolidar

a popularidade do governo, firmar a imagem de vencedor e de mudanças nas expectativas pessimistas, com refle- xos até no apoio do Congresso", desabafa inconsolável, ontem, uma das lideranças políticas govemamentais. Na oposição, deputados como José Genoíno, do PT, Ibsen Pinheiro {líder do PMDB), Sigmaringa Seixas, do PSDB, ou o próprio ex-govemador Leonel Brizola, mesmo tor- cendo pela vitória brasileira, já alertavam quanto à possí- vel exploração política pelo governo do título de cam- peão, a exemplo do que fez o presidente Emílio Garras- tazu Mediei em 1970.

Brizola, candidato novamente ao governo do Rio, não perdeu tempo e logo depois do jogo com a Argentina, já associava o autoritarismo reinante na Seleção Brasileira com o do governo, prometendo futuros CIEPS com áreas bem maiores para o esporte, visando formar novos cra- ques.

Enquanto isso, a equipe econômica do governo tam- bém lamentava a derrota na Copa não só pelo aspecto esportivo, mas também pelo aumento do descontente

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Quinzena Política Nacional

mento e da frustração da população, com reflexos no Plano Collor. No Ministério do Trabalho, a preocupação é com as lideranças sindicais, que poderiam se aproveitar do descontentamento dos trabalhadores para pressionar mais o governo e as greves.

O Planalto, que durante a Copa recebeu a visita dos tricampeões do mundo, de 1970 para dar sorte à Seleção que estava na Itália, também planejara cuidadosamente uma vinda festiva da Seleção de Lazaroni a Brasília, se ganhasse a Copa, talvez até com Collor chegando junto com eles de Roma.

TRIUNFO E DETERMINAÇÃO Domingo, no intervalo do jogo com a Argentina que o

Brasil dominava totalmente, o presidente deu entrevista à TV Manchete confiante na vitória, nunca se esquecen- do de associar a certeza do triunfo com a determinação do time de Lazaroni igual ao do seu governo em comba- ter a inflação. Durante o jogo ele sempre incentivava os ataques brasileiros repetindo lema de sua campanha - "vamos lá minha gente". A Seleção perdeu e arrasado junto com os amigos que assistiam à partida pela TV, Collor não quis voltar a falar, agora de uma equipe derro- tada.

O Brasil está fora da Copa e o governo volta a confiar apenas em suas medidas, números e atuação, para con- servar a popularidade e vencer os obstáculos políticos.

Voz da Unidade - 27.06.90

Combater a recessão A Comissão Executiva Nacional do PCB — Partido Comunista Brasileiro apreciou

a situação uacionai e propõe medidas para enfrentar a crise combatendo a recessão.

A situação econômica brasileira é grave. As medidas de estabilização adotadas pelo governo parecem dar sinais de esgotamento. Grande parte dos recursos retidos através da redu- ção da liquidez, principal instrumento utilizado contra a inflação, já voltou às mãos dos antigos donos, por diver- sas vias, exceção apenas dos peque- nos poupadores. Corre-se o risco de uma perigosa retomada da espiral in- flacionária, agora associada à reces- são, à ausência de política industrial, de investimentos e salarial, tomando- se mais crítica a gestão da economia.

A agudização desse quadro - ge- rando o descrédito popular em relação às iniciativas governamentais — tam- bém pode levar à desorganização eco- nômica e ao perigoso agravamento da miséria e da marginalidade. Políticas fortemente recessivas, como as que vêm sendo propostas por autoridades econômicas e setores ligados ao go- verno, descarregando todo o ônus do combate à inflação sobre os assalaria- dos, somente tendem a agravar as ten- sões políticas e sociais.

Três meses após a posse do novo presidente eleito, num contexto em que o Estado de Direito democrático não está plenamente consolidado, lon- ge estamos de uma saída duradoura para a crise brasileira. O novo gover- no vem sendo incapaz de estabilizar a economia. A pretexto de "domar" a inflação, optou por uma linha de com- portamento que revela descompromis- so com a consolidação das instituições democráticas: sistematicamente não levado em consideração princípios e dispositivos constitucionais. Chaman- do a si todo o poder de iniciativa e

decisão, abusando da adoção de me- didas provisórias, o presidente Fer- nando Collor procura colocar em con- dição subalterna o Congresso Nacio- nal, o Judiciário, os partidos políticos e a sociedade civil.

A natureza da crise brasileira não permite uma solução de confronto. O governo não pode, nos marcos da de- mocracia e pressionado pelas aspira- ções da maioria da população, impor a ferro e fogo o seu projeto de moderni- zação da economia brasileira à con- corrência internacional e anulação da capacidade de intervenção do Estado no processo produtivo, reduzindo-o às suas "funções mínimas" e mais essen- ciais. Ele esbarra na resistência da so- ciedade e em demandas econômico- sociais que não podem ser eliminadas sem o seu atendimento real.

Na verdade, três grandes contradi- ções têm permeado o comportamento da economia brasileira: forte transfe- rência de renda do País para o exte- rior, do setor público para o privado, e dos salários para os lucros e juros. A inflação, num processo de reali- mentação continua, é resultado e cau- sa ao mesmo tempo do conflito gerado por perversos mecanismos, por não promover uma nova política de ren- das. As pressões inflacionárias volta- ram a surgir exatamente porque os "perdedores" com o choque de liqui- dez vêm retomando gradativamente suas posições anteriores, daí porque a questão dos salários voltou a ser tra- tada como "epicentro" da política de estabilização econômica.

Podemos constatar que a política do novo governo, num primeiro mo- mento, conseguiu apenas estancar a

transferência de rendas para o exterior e do setor publico para o privado, mas este aspecto inicial vem sendo diluído pela liberação seletiva do dinheiro re- tido em favor dos grandes grupos em- presariais e pode ser inteiramente anulado pela retomada do pagamento do serviços da dívida externa. A polí- tica de "livre negociação" dos salá- rios e de liberação dos preços consa- gra o princípio do combate à inflação contendo a demanda via arrocho nos salários.

Longe de querer o aprofundamento da crise — quanto pior, pior mesmo —, a oposição deve agir sem delongas no sentido de sustar esse processo. Suas conseqüências seriam mais elevados custos sociais e um generalizado des- crédito de largas parcelas da popula- ção em relação à democracia. Uma saída para a crise de caráter democrá- tico e progressista exige no seu bojo uma nova política de rendas, que re- duza as altas margens de lucro dos setores oligopolizados e de todos aqueles beneficiários da transferência de renda para o exterior, das escor- chantes taxas de juros e da transferên- cia de renda do setor público para o privado. Trata-se, efetivamente, de elevar a massa salarial na participação relativa da distribuição do produto na- cional bruto, juntamente com a carga tributária, modificando o atual perfil da distribuição de renda, que sucateia o setor público e rebaixa os níveis de renda da população.

As forças democráticas e progres- sistas têm possibilidade de influir no equacionamento da crise brasileira, formulando alternativas estratégicas, que levem em conta as necessidades de modernizar o País e integrá-lo à economia mundial de forma soberana e competitiva. Apoiadas nessas alter- nativas, as ações do mundo do traba- lho e da cultura podem viabilizar pro- postas capazes de estabilizar a eco- nomia e permitir a retomada de cres- cimento com mais justiça social.

O controle exclusivo e despótico do governo sobre a vida nacional não é uma fatalidade. A nova Constitui-»

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ção, o Congresso Nacional e Judiciá- rio, o processo eleitoral em curso e os novos governos estaduais a serem eleitos, os partidos políticos e a socie- dade civil muitos são os atores políti- cos capazes de impregnar a vida na- cional de um sentimento de renovação

democrático e pluralista, que abra as portas do progresso com respeito aos direitos da cidadania. É com esse ob- jetivo que os comunistas, como força de oposição ao atual governo central, propõem a discussão de um programa de saída da crise sem arrocho e sem

recessão, destacando a necessidade de um novo reagrupamento das forças democráticas e progressistas para pressionar o governo e obrigá-lo, no âmbito do Congresso Nacional, a re- ver sua política.

O PCB, na sua condição de partido de oposição ao governo Collor, apresenta ao conjunto da sociedade brasileira as seguintes propostas mínimas para ampla discussão, no sentido de uma saída duradoura para a crise em que o País está mergulhado.

• Dívida externa - Nas atuais condições, a dívida é impagável. Além da realização de uma renegociação, estabelecendo-se a mo- ratória durante o processo e incorporando o conceito de deságio cobrado no mercado secundário internacional. Nas negociações deve-se buscar um significativo alonga- mento dos prazos de pagamentos, reduzir e fixar os juros, eliminar spreeds e comis- sões e ter a contrapartida de novos finan- ciamentos para novos investimentos. • Investimentos - Discussão de um pro- grama de fortes investimentos em infra- estrutura (energia, comunicação e trans- portes), nas áreas sociais (saúde, educação, habitação e saneamento básico) e em ciên- cia e tecnologia. Tendo em vista a insufi- ciência de recursos do Estado, há necessi- dade de uma responsável divisão de áreas com o setor privado tanto nacional como internacional. Essa divisão deverá ser feita com democracia e transparência, a partir de um plano global e setorial de desenvolvi- mento. O Congresso deverá ser o centro político e representante maior da sociedade para regular e controlar esse novo modelo de investimento econômico e social. • Política industrial e tecnológica - Seu objetivo deve ser a melhoria das condições materiais de vida da população e a retoma- da do crescimento econômico, da produção e do emprego. Ela deve visar a moderniza- ção da indústria nacional através da incor- poração dos avanços tecnológicos e cientí- ficos, de forma a promover o aumento da produtividade e da competividade. Deve também romper a atrofia de um cresci- mento industrial altamente oligopolizado, atrasado tecnologicamente, cujo mercado se limita a uma parte apenas da população.

Três são, portanto, as questões que de- vem orientar uma nova etapa do desenvol- vimento industrial: 1) abertura seletiva das fronteiras comerciais, obrigando a indústria a se desenvolver tecnologicamente e a ad- ministrar preços oligopólicos mais reais, e redução das limitações e trâmites, mas mantendo taxa de importação adequada de forma a se implantar uma competitividade sem maior sucateamento; 2) a expansão do mercado interno, por meio de uma nova equação de rendas; 3) um realista e con- centrado esforço de desenvolvimento tec- nológico que tenha em conta nossas poten- cialidades, assegurando-se incentivos à pesquisa nas universidades e centros de desenvolvimento tecnológico públicos e privados.

Uma saída duradoura para a crise

• Reforma tributária - Aplicando os preceitos constitucionais, estabelecer uma ampla reforma tributária de caráter direto, permanente e progressivo sobre a renda, guiando-se por uma estratégia econômica que dê tratamento diferenciado ao capital produtivo e atinja fortemente o capital es- peculativo. Somente assim se enfrentará de forma duradoura a queda sistemática da carga tributária líquida verificada nos últi- mos vinte anos e o Estado poderá retornar sua capacidade de investimento. • Reforma agrária - São duas as princi- pais metas que tal reforma deva prosseguir: 1) alterar radicalmente as condições de vida de milhões de marginalizados que vegetam oprimidos no campo ou engrossam a popu- lação favelada do País; 2)criar uma agri- cultura de consumo interno moderna, alta- mente produtiva, capaz de assegurar uma produção abundante com preços de ali- mentos acessíveis à população e propician- do aos beneficiários da reforma um nível de rendas compatível com a sustentação de uma vida digna.

O alcance dessas metas e a eliminação da violência no campo passam necessaria- mente pela desapropriação de imóveis ru- rais improdutivos e a garantia de assistência técnica, facilidade de crédito, escoamento da produção, armazenamento e preços mí- nimos compensadores. A reforma agrária deve ser realizada através de um programa coordenado com ampla participação das entidades sindicais representativas dos tra- balhadores rurais. • Lucros - A causa básica da inflação bra- sileira reside nas altas taxas de lucros (que se expressam via preços) praticadas na eco- nomia. Além de criar uma superexploração do trabalho, os superlucros exarcebam o processo inflacionáiio, que traduz grande conflito distributivo. Surgem, portanto, duas linhas mestrase estratégicas: controle de preços (não se leia congela meto) que tenha como parâmetro uma taxa de lucros que poderia ser chamada civilizada, espe- cialmente naqueles setores altamente oligo- polizados, formadores de preços, que exer- cem a inelasticidade política da oferta e que têm grande efeito multiplicador, e tributa- ção direta, permanente e progressiva, a partir do limite acordado. • Salários - Contrariando a lógica da livre negociação salarial defendida pelo governo, a política de rendas aqui propostas procu- rará resgatar o salário mínimo e o salário médio da economia brasileira, em franco declínio desde 1980. Assim, a exemplo do setor público, os salários representam o se- gundo ganhador da nova equação de rendas e, de igual maneira, a nova política salarial será objeto de entendimento, cabendo ao Congresso Nacional legislar sobre a ques-

tão. Ao salário mínimo devem estar garanti-

dos correção integral pela inflação passada e os ganhos de produtividade do período, acrescidos de um diferencial que lhe possi- bilite dobrar seu valor real em um espaço de cinco anos, a partir do momento inicial do acordado.

Igualmente, ao salário médio serão ga- rantidos a correção integral pela inflação passada e os ganhos de produtividade, acrescidos de um diferencial que permita à massa salarial ocupar, em período a ser de- terminado nas negociações, a mesma posi- ção relativa que ocupava, em 1980, na dis- tribuição funcional do produto nacional bruto. • Defesa do emprego - Assegurar meca- nismos para defesa do emprego e recicla- gem da mão-de-obra, além dos já citados investimentos nos setores geradores do emprego. • índice de preços - Nenhuma economia funciona sem a existência de um índice ofi- cial de inflação. Por isso, é preciso que o governo o estabeleça, de forma democráti- ca e transparente, permitindo-se captar as reais variações de preços ocorridas na eco- nomia. O novo índice deve ter a participa- ção das entidades representativas da socie- dade civil, pois será a partir dele que se terá a base do cálculo das variações dos valores monetários. • Reforma democrática do listado - Deve ser concebida em consonância com a valorização das prerrogativas da sociedade, enfeixadas na condição de plena cidadania para o conjunto da população. Providências racionalizadoras e a busca da eficiência de- vem ser tomadas em conexão com os pressupostos democráticos, para que o Es- tado volte a ser público, condição indis- pensável para que o acesso à decisões (e aos seus eventuais benefícios) deixe de ser pri- vilégio de grupos privados e se converta em processo pluralista condizente com a demo- cracia. Uma séria reorganização do Estado não tem nada a ver com o irresponsável terrorismo que alardeia centenas de milha- res de demissões e não toca nas carências de serviços que podem ser resolvidos por reciclagem e realocação de funcionários. É necessário acabar com o duplo emprego, demitir os que recebem salário sem traba- lhar, aposentar os que têm esse direito, mas não fazer do servidor público o bode ex- piatório.

Para que se possa redefinir democrati- camente o papel do Estado na economia brasileira e a sua relação com a sociedade dvil, o Congresso Nacional deve ter ativa participação no processo de privatização que o governo já desenha.

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Quinzena Política Nacional Veja - 31.01.90

Eficiência é poder Educação, poupança e compromisso com o progresso fazem as

potências, diz o historiador que prevê o destino do império americano

Elio Gaspari

Quando os editores da Random House disseram ao professor Paul Kennedy, da Universidade de Yaie, que iam rodar 9 mil volumes de seu livro /Ascensão e Queda das Grandes Potências, ele assus- tou-se. Seria o seu oitavo livro, mas ja- mais haviam lhe oferecido tamanha tira- gem. Foi uma explosão. 0 livro atingiu o mercado americano no meio da campa- nha presidencial de 1988, e um de seus capítulos, intitulado "Os Estados Unidos: o problema do número um em declínio relativo", chocou o país, Ele prenunciava que por trás dos sorridentes Ronaldo Reagan e George Bush havia os ingre- dientes políticos e econômicos de um fim jlB-Jesta. A tiragem do livro subiu a 250 mil cópias, ficou 34 semanas na lista dos mais vendidos, foi traduzido em onze países. A edição brasileira, lançada em julho passado, ficou quinze semanas na lista dos mais vendidos da VEJA.

Aos 44 anos, Kennedy tornou-se uma celebridade. Por algum tempo um dos caminhos mais curtos para a notoriedade foi atacar suas previsões. "O teto caiu em cima da minha cabeça", conta. Ele pró- prio talvez tenha sido quem mais se sur- preendeu com o sucesso de seu livro, so- bretudo porque acha que não disse nada de muito novo. "Não temos que esperar o ano 2000 para perceber que os Estados Unidos precisam de uma perestroika", informa. Enquanto no mundo político Kennedy é visto como uma ave de mau agoro, nos meios acadêmicos é festejado como um caso exemplar de autor bem- sucedido que continuou levando a mes- ma vida pacata num campus universitá- rio. Continua caçando documentos em arquivos públicos, almoçando às pressas para não chegar atrasado à aula e escre- ver um novo livro - Preparando o Século XXI.

Ele falou a VEJA não só do declínio das grandes potências mas também dos países que nem a isso chegaram e identi- ficou como causa do atraso precisamente o pedaço da platéia que mais reclama: a elite.

Veja - Como estudioso das grandes potências, o que o senhor acha do outro lado da moeda, a História dos países que, mesmo dispondo de largas extensões territoriais e de grande população, nunca conseguem levantar a cabeça?

Kennedy - Num determinado período da História, certos países têm mais poder que outros, mas esse poder relativo não é necessariamente conseqüência do tama- nho ou da população.

Não é conseqüência sequer da exis- tência de matérias-primas em seu solo. As nações tornam-se potências em fun- ção de algo que chama de eficiência na-

cional relativa. Dou-lhe quatro bons exemplos. Portugal, no século XVI, era uma potência mundial, mas não era grande nem populoso. O mesmo sucedeu com a Holanda no século XVII, com a In- glaterra no século seguinte e sucede hoje com o Japão. O que é o Japão compara- do com o Brasil? Muitos dos Estados do seu país são maiores que o Japão.

Veja - O senhor tem uma idéia do que aconteceu com a América Latina? Quan- do Hernán Cortês chegou ao topo do pla- nalto mexicano, ele achou uma cidade maior que Londres. Como é que ela per- deu o bonde?

Kennedy - Quando os conquistadores portugueses chegaram à índia e à China, também encontraram grandes cidades, palácios e fortalezas, em muitos casos maiores que os da Europa. Você pode di- zer que o impacto do Qcidente sobre es- sas civilizações retardou o desenvolvi- mento econômico e o progresso, mas se- ria uma explicação muito simples. Algu- mas dessas cidades tinham desenvolvido seu comércio, suas finanças e sua ciência. O México, para ficar no seu caso, não ti- nha feito nada disso..

Veja - Se olharmos para as tabelas estatísticas do início dos anos 60, é fácil verificar que alguns países andaram pou- co e outros andaram muito. O senhor consegue estabelecer alguma tendência geral para definir esse atraso e esse avan- ço?

Kennedy - Acho que podemos listar quatro grandes fatores. O primeiro é o sistema de ensino e, nele, o estudo da Matemática. Se você vai à Coréia e a Tai- wan - países que avançaram -, encontra uma grande rede pública de ensino. Um garoto coreano de 16 anos sabe mais Matemática que um americano de 20. O segundo fator é a força do sistema finan- ceiro e a capacidade de poupar. O ter- ceiro é a ação política e social. Uma so- ciedade avança quando está comprome- tida com o progresso e não com o obs- curantismo, como o Irã do aiatolá, ou o ímpeto consumista do fim do Império Romano, dos holandeses do século XVIII e dos americanos de hoje, que vivem do crédito, gastando em equipamentos ja- poneses, casas milionárias, Rolls Rovces e Mercedes. O quarto elemento é a posição geográfica. A Inglaterra teve vantagens por ser uma ilha, enquanto a União So- viética, com 13 000 quilômetros de fron- teiras, dois terços do território congelado e grandes desertos no sul, tem uma geo- grafia perversa.

Veja - Bem, mas a gente desceu da ár- vore há milhões de anos e há regiões que nunca conseguiram desatoiar. O senhor acha que elas nunca desatolarão?

Kennedy - Em História nunca diga nunca. É comum que apareçam concep- ções segundo as quais o mundo está

perfeitamente arrumado, mas elas não sobrevivem. Para os imperialistas do sé- culo XIX, o mundo estava ordenado. Em primeiro lugar vinham os anglo-saxões, em segundo, os europeus latinos, em ter- ceiro, os eslavos, depois, os árabes e na penúltima camada eles colocavam os amarelos, situados à frente apenas dos africanos. Qs japoneses eram retratados como ignorantes, incapazes até mesmo de enxergar. Esse preconceito existia nos anos 30 do nosso século, quando os ja- poneses já estavam fabricando os maio- res navios do mundo e alguns dos me- lhores aviões. Eu acho que se alguém olha hoje para sociedades latino-ameri- canas, como a brasileira a mexicana, e se pergunta o que elas precisam para pro- gredir, a primeira coisa que se deve es- quecer são os preconceitos raciais e étni- cos.

Veja - E depois de esquecer os pre- conceitos?

Kennedy - E preciso ver se essas so- ciedades querem desenvolver seus siste- mas educacionais, se elas querem investir no aprendizado da Matemática, da Ciên- cia, da Literatura. Depois, é preciso saber se essas sociedades querem se tornar na- ções de poupadores, abandonando os déficits. Se a elite desses países quer aceitar uma visão dos seus próprios paí- ses sem o consumo conspícuo em que se atiraram. Olhem para o Japão. Os maio- res industriais daquele país vivem auste- ramente. Não ganham salários altos, tra- balham cinqüenta horas por semana e se vestem sobriamente. Eles não estão in- teressados em publicidade pessoal, con- somem seu tempo aperfeiçoando suas empresas, obcecados com o treinamento dos funcionários. Já a elite argentina e, de certa forma, a brasileira ganham di- nheiro, mas não reinvestem na economia. Compram apartamentos em Nova York e depositam o que sobra na Suíça. Essa é a grande diferença entre essas elites e a asiática.

Veja - Admita uma hipótese: amanhã, quando começar a jornada de trabalho de Osaka, um fenômeno paranormal terá provocado uma mudança pela qual a fá- brica de carros da Honda amanhecerá sem operários japoneses, mas com me- talúrgicos brasileiros, e a Suzuki sem a diretoria japonesa, com diretores tam- hém brasileiros- Qual terá feito pior ne- gócio?

Kennedy- A que ficou com a diretoria brasileira. Vou lhe dar um exemplo. Eu fui criado numa região da Inglaterra cuja principal atividade econômica era a construção naval. Havia muitas greves, muita luta sindical. Os industriais não in- vestiram em equipamento, não treinaram seus empregados nem gastaram com educação. A indústria deteriorou e a re- gião tornou-se uma área de desemprego. Nos últimos anos os japoneses entraram e investiram pesadamente. Botaram lá a maior fábrica de carros Nissan da Euro- pa. Chegaram com dinheiro, puseram anúncios nos jornais, chamaram os tra- balhadores, criaram programas de trei- namentos, sistemas de incentivo, passa- ram a reunir-se com eles em busca de idéias, investiram nas comunidades. Hoje não há greves na região e o nível de pro- dutividade da fábrica é mais alto que o i

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indústria automobilística inglesa e ameri- cana no país.

Veja - A seu ver, quais sio as princi- pais doenças de uma elite?

Kennedy - A primeira, e a maior, é a arrogância. Não querer aprender, não querer ouvir. Achar que sabe toda a ver- dade. Essa é a receita mais fácil para o desastre. Leva à bancarrota na União So- viética, na Alemanha, nos Estados Uni- dos, no Brasil ou na Argentina. Eles estão sempre ouvindo, sempre anotando. O professor Henry Kissinger vai a Tóquio e fala por horas e horas. Todo mundo diz que ele disse isso ou aquilo, mas nin- guém nota que nunca se reporta o que os japoneses dizem. Eles perguntam o tem- po todo e quando você acha que chegou a sua vez de perguntar vê que eles ficam constrangindos em responder. Eu acho que eles se consideram superiores, mas a verdade é que não são arrogantes.

Veja - E o segundo pecado? Kennedy - A gratificação barata, o su-

cesso fácil. Veja o caso da Bolsa de Nova York. As pessoas estão olhando para se- mana que vem. Você vai à Alemanha e encontra industriais trabalhando com o olho em 1995, calculando o que deverão fazer para aumentar sua participação no mercado. No caso dos Estados Unidos, as empresas estão jogando no lucro ime- diato. Um empresário inventa uma técni- ca nova e logo a vende. Embolsa 10 mi- lhões de dólares e vai viver na Flórida.

Veja - Mas a economia americana vai bem e não há sinais visíveis de crise. Por que o senhor insiste em achar que os Estados Unidos vivem um processo de dedínio?

Kennedy - Quando eu falei do declínio americano, disse que estava olhando para o futuro, para daqui a vinte anos, pelos menos. Quero discutir essa questão no ano 2010, quando terei 65 anos. Olhando- se com doze meses de distância, não se pode ver grande coisa. Mesmo assim, a base do meu raciocínio é que há no mun- do de hoje um conjunto de tendências cuja persistência resultará no declínio dos Estados Unidos. Os fatores que existiam no ano passado continuam aí. Os pro- blemas na União Soviética agravaram-se. O Japão continua ampliando sua capaci- dade tecnológica e financeira. A China continua dobrando seu produto interno bruto a cada sete anos.

Veja - Os Estados Unidos pioraram? Kennedy - Eu acho que os desafios

fundamentais de uma sociedade são edu- cação e a qualidade da vida que se leva nela e acredito que em relação a isso a sociedade americana passa por um pro- cesso de erosão. 0 sistema financeiro e a tecnologia estão perdendo terrenos en- quanto aumenta o consumismo e conti-' nua-se poupando pouco.

Veja - Que impacto o senhor acha que terá sobre o mundo subdesenvolvido es- se vendaval de liberalismo econômico, descentralizado e antiestatai?

Kennedy - Boa parte desse liberalismo é de natureza ideológica. A questão não é tão simples. É verdade que há empresas estatais que não funcionam porque não há competição e, em alguns casos, a pri- vatização funciona. Veja o caso da Brltish Airways. Era um horror. Privatizaram-na e agora está boa. Mas não se pode fazer

isso com os sitemas de aposentadoria dos trabalhadores, com -os serviços de saúde e com diversos serviços públicos. Os banqueiros e os políticos, por razões ideológicas, dizem que desestatizar e descentralizar é um santo remédio. No fundo, trata-se de uma ingenuidade. Vo- cê não pode achar que todo mercado é bom e todo governo é mau. Com o sinal trocado, é o mesmo equívoco do leninis- mo, para o qual todo governo é bom e todo mercado é mau.

Veja - Em sua defesa, os liberais que pregam a canibalização do Estado sus- tentam que as suas idéias, quando foram colocadas em prática, resultaram em su- cesso.

Kennedy - Quando eu encontro esses conservadores americanos querendo o mínimo de governo possível, peço-lhes que me expliquem o sucesso da Alema- nha Ocidental. A Alemanha tem mais controles, mais impostos, mas leis sociais e sindicatos mais fortes que os Estados Unidos. Lá, os sindicatos têm assento nas diretorias das empresas. Pois bem: a economia alemã é mais próspera e mais eficiente que a americana. O sucesso econômico não tem nada a ver com a parcela de intervenção do governo. Os

jlernàes_DOupam e ^pr isso têm iuros baixos. Além disso, eles estudam, perse- guem o progresso.

Veja - Então é inútil mexer no Estado? Kennedy - Você pode liberalizar tudo.

Pode vender o Tesouro Nacional, pode até privatizar o correio. Nada disso tem importância se você não mexe na pou- pança, no nível da educação, na qualida- de da gerência, dos produtos. Essa briga ideológica de mais governo ou menos governo, mais mercado ou menos mer- cado não passa de um tiroteio sobre um alvo errado.

Veja - A atual crise da dívida do Ter- ceiro Mundo é um problema dos países devedores ou dos bancos credores?

Kennedy- Se um país tomou dinheiro emprestado para colocá-lo na sua infra- estrutura, a dívida foi boa. Os Estados Unidos, no passado, endividaram-se até o pescoço com os ingleses e com isso construíram seu poderio econômico. Se você olhar para o que os Estados Unidos estão fazendo agora, tomando dinheiro para pagar déficits, verá que é mau negó- cio. Quando os países subdesenvolvidos tomaram dinheiro para cobrir déficits, cometeram um erro, e os bancos que emprestaram sabendo disso cometeram outro.

Veja - O senhor não acha que os Esta- dos Unidos estão desguarnecendo a sua retaguarda na América Latina?

Kennedy- Há diversos sinais sugerin- do a possibilidade de que em quinze anos os japoneses suplantem a influência americana na região. Eles temem um surto protecionista nos Estados Unidos e sabem que se tiverem uma fábrica japo- nesa num país como o Brasil os seus produtos, do ponto de vista do mercado, serão brasileiros, e não japoneses.

Veja - Mas ainda não começou qual- quer onda de Investimentos japoneses na América Latina.

Kennedy - E preciso que se entenda que os investidores japoneses não estão ávidos em busca de lugares para Investir.

Quem está ávido é o Interessado no In- vestimento. Se as economias latino- americanas não puderem oferecer o que as fábricas japonesas precisam, até mes- mo em mão-de-obra, esse processo não se dará. Ninguém vai botar dinheiro na América Latina porque vocês estão re- clamando do peso do serviço da dívida. O que se tem que oferecer são incentivos, treinamento, liberdade comercial.

Veja - Pelo que o senhor (fiz o século XXI será do império japonês.

Kennedy- Eu não falaria em século. 0 império inglês durou 100 anos, mas o americano durou só sessenta. O próxi- mo ninguém sabe quanto dura.

Veja - Chegará a vez do Japão? EMMÉt - Não sai. É um país Deaue-

no, bem organizado, mas nunca se sabe quando esses processos revertem. Já ti- vemos o caso de Portugal, da Holanda. Não sei o que acontecerá se a China con- tinuar a crescer.

Veja - Mas agora, com o retrocesso político, a China andou para trás.

Kennedy - Eu não disse que ela se tornou mais democrática. Disse que ela vem crescendo. São duas coisas diversas. E ela está crescendo, há multo tempo. Cresceu até mesmo durante o período da revolução cultural. Temos que olhar para Deng Xiaoping como olhamos para Luís XIV. Luís XIV não queria que a França fi- casse mais democrática, queria é que fi- casse mais forte. E quando seu reinado acabou ela estava, de fato, multo mais forte.

Veja - O que o senhor acha da tese se- gundo a qual a História acabou, como conseqüência do triunfo do sistema de- mocrático ocidental?

Kennedy - Você pode escrever que a sociedade, o governo, a História ou a ciência acabaram. Faz efeito, mas é preci- so primeiro definir governo, história, ciência ou seja lá o que for que você acha que acabou. No caso dessa discussão do fim da História, acho que ela parte de uma definição perversa do conceito. Para mim, história é mudança e continuidade. E há mudanças de sobra. Veja o que está acontecendo com as mulheres, o que está acontecendo na URSS, na Europa do Leste. Quantas vezes já se disse que a ideologia acabou?

AS MUDANÇAS QUE AS ELEIÇÕES DE 89 REVELAHAM NO

INÍORDESTE

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Notícias Aliadas

♦ Dez anos de

' SEMDERO LUMIMOSO

Robin Kirk

Quando o Sendero Luminoso anun- ciou o início de sua guerra contra o Estado peruano, em 17 de maio de 1980, botando fogo nas umas da dis- tante localidade de Chuschi, poucos imaginavam que este grupo se con- verteria num dos principais protago- nistas do processo político nojjaís,

Há dez anos atrás, o Sendero era uma seita maoísta clandestina liderada por Abimael Guzmán, então professor de filosofia na Universidade de Hua- manga, no departamento andino de Ayacucho. Guzmán, conhecido como o Presidente Gonzalo, acredita que no Peru estão dadas as condições para uma revolução maoísta, baseada na estratégia de cercar a capital do país a partir do campo.

Sua existência e presença é sentida desde as palavras-de-ordens pintadas nas paredes e muros da capital até os freqüentes black-outs que deixam praticamente às escuras esta cidade de oito milhões de habitantes.

"A destruição da infra-estrutura nacional é parte de um plano que bus- ca deixar o Estado de joelhos", afirma o jornalista Gustavo Gorriti, autor de um livro sobre o Sendero Luminoso. "Quase todos neste país têm a sensa- ção de que uma poderosa força obscu- ra tem a capacidade de deixar a cidade nas trevas todas as vezes que dese- jar", acrescenta.

O acesso a muitas zonas do país é limitado ou impossível, resultado da presença do Sendero Luminoso. Por exemplo, a capital do departamento andino de Huánuco recentemente fi- cou isolada depois que os sendenstas destruíram as cinco pontes que ligam esta cidade à costa.

O CAPITAL DE SENDERO Alguns grupos humanitários pagam

quotas para o Sendero para poder continuar distribuindo a sua ajuda em alimentação para a população. No vale do Alto Huallaga, os produtores de coca pagam impostos aos guerri- lheiros.

"Apesar de ser impossível calcular o quanto a guerrilha arrecada no Alto Huallaga, estima-se entre US$ 30 a US$ 60 milhões ao ano", diz Gorriti. Este dinheiro serve para sustentar as atividades da organização guerrilhei- ra, atuante em 75 por cento do país.

"Os sendenstas apoiam economi- camente os familiares de seus compa- nheiros tombados nas batalhas, man- têm seus armamentos, compra medi- camentos, imprimem propaganda e mantêm um grupo de dirigentes que se dedica às atividades políticas", afirma o jornalista.

Em resposta, o governo tem lança- do uma infrutífera mas intensa e vio- lenta guerra de contra-insurgência que tem colocado um quarto do território do país sob o estado de emergência e portanto sob o controle militar. As perdas causadas pelo Sendero apro- funda a grave crise econômica em que passa o país.

Segundo cifras da Comissão de Violência do Senado, o Peru já desti- nou 18 bilhões de dólares - o equiva- lente a sua dívida externa - no com- bate à guerrilha. Este montante inclui tanto os fundos especiais para o Exér- cito e a Polícia Nacional como os custos de reconstrução das 1300 torres de alta tensão atingidas na última dé- cada.

Junto com as estradas, pontes e boa parte da infra-estrutura do país, o Sendero Luminoso tem feito dos cen- tros de pesquisas outro de seus alvos. Por exemplo, o Centro Internacional da Batata e o Instituto de Educação Rural de Ayaviri foram dinamitados no ano passado. A algumas semanas atrás, foi a vez do banco de sêmen de animais da Universidade Nacional Agrária ser atingida pela guerrilha.

Mas segundo o especialista Carlos Ivan Degregori, os senderistas não procuram simplesmente criar o caos.

"Sendero considera que a moderni- dade é um produto da penetração im- perialista. Todo o moderno é estran- geiro. Para eles a modernidade é uma árvore do mal, que está contaminada pelo mal desde a sua raiz e que por- tanto deve ser cortada para se recons- truir desde suas bases", afirma.

Em março, a imprensa peruana es- peculou sobre uma possível divisão nas fileiras do Sendero, fato que po- deria levar a um confronto fatal as duas facções. Na prisão limenha de Canto Grande, onde os acusados de senderistas estão concentrados num pavilhão especial, tem se desenvolvi- do disputas entre as duas linhas. Uma prioriza a luta política, o trabalho nas organizações de massa e a outra, a

luta militar, buscando o golpe de Es- tado através de ações violentas.

Mas o analista Raul Gonzáles con- sidera que as disputas no interior de Sendero fazem parte da ideologia maoísta. "Em um movimento como o Sendero Luminoso as divisões não são possíveis - garantiu — simplesmente porque uma linha liquida a outra. A luta entre duas linhas é vital para se manter pura a doutrina maoísta".

"A presença do Sendero está cres- cendo no país. Tem conseguido de- sestabilizar gabinetes, derrubar altas autoridades e sacudir o sistema demo- crático", diz Gonzáles. No entanto, Gonzáles acredita aue o Sendero atra- vessa por graves problemas. Não obstante o número de atentados ter aumentado, o analista afirma que tra- ta-se de ações meramente terroristas. "Agora estão se limitando a cometer assassinatos e sabotagens, deixaram, em troca, de ocupar povoados e de atacar prisões para libertar seus com- panheiros. Ao seu modo de ver fra- cassaram em alcançar os objetivos que traçaram em 1980".

Tampouco puderam organizar o exército guerrilheiro com que sonha- ram e contam apenas com colunas mi- litares incapazes de defender os terri- tórios sob o seu controle. Mas, o que é mais importante, fracassaram na tentativa de reproduzir no Peru o mo- delo chinês dos anos 30.

NOVOS TROPEÇOS Os camponeses têm migrado em

massa para as cidades, deixando des- povoadas muitas regiões da serra. Nos últimos meses o Sendero tem sofrido reveses. Seus quadros militares, des- locados para a capital para boicotar as eleições presidenciais foram captura- dos. A paralisação armada que convo- caram para 28 de março, em Lima, foi um fracasso.

"Um grupo maoísta, cuja base so- cial são os camponeses, que enfrenta a necessidade de crescer na cidade por- que não pode fazê-lo no campo tem profundos problemas estratégicos. Aí reside a sua crise central", garante Gonzáles.

No entanto, uma das características do Sendero Luminoso é a sua habili- dade para superar as crises adversas e desparatar as previsões sobre o seu iminente colapso. Algumas semanas antes de seu aniversário, o órgão por- ta-voz do grupo, O Diário, voltou a circular e membros do Sendero deixa- ram um cachorro morto nas escadarias do Jurado Nacional das Eleições, no momento que acontecia os preparati- vos para o segundo turno das eleições presidenciais.

Robin Kirk - jornalista norte-americano que trabalha em Lima.

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Notícias Aliadas -10.05.90

URUGUAI: CRISE DE CONVIVÊNCIA

QUEM TEM MEDO DO GOVERNO POPULAR

SAMUEL BLIXEN

No elegante bairro de Carrasco, uma das zonas mais privilegiadas da costa que cerca a capital uruguaias, a sujeira se amontoa nas esquinas formando montanhas de lixo. Os vizinhos ostensivamente alimentam tais lixóes que contrastam com a suntuosidade de suas residências.

O lixo em Carrasco e em outras zonas da cidade ressurgiram logo depois que a prefeitura de Montevidéo mobilizara todos os recursos materiais da comunidade para por em prática uma operação de limpeza que se apoiou no trabalho de brigadas voluntárias de moradores.

Montevidéo continua sujo e isto, em par- te, pela guerra que se desencadeou depois que a Frente Ampla assumiu o governo desta capital onde vive mais da metade da população do país. O prefeito socialista 7a- baré Vazquez administra a cidade com um forte conteúdo popular.

MEDIDAS POPULARES Em seus primeiros meses de gestão,

Vazquez abaixou o preço do transporte co- letivo público, implantou uma campanha de vacinação em massa de 30 mil crianças, iniciou a luta contra a corrupção na prefeitu- ra e agilizou os trâmites burocráticos. Tam- bém decretou um aumento extra dos salá- rios dos trabalhadores do município, cedeu terras para as cooperativas de moradias, suspendeu os processos de desalojamento das ocupações de casas, estabeleceu um sistema de sorteio público para conceder cargos públicos e propôs um mecanismo de participação popular na gestão do governo.

Todas as medidas favorecem direta- mente aos interesses da população de me- nor poder aquisitivo.

Mas também colocou em prática uma po- lítica de arrecadação e fiscal que atinge com fortes impostos os moradores mais abasta- dos. Assim, os impostos de moradia foram fixados segundo porcentagens diferencia- das para os bairros residenciais ricos e para os bairros operários; as casas desocupadas foram penalizadas com 300 por cento de aumento nas contribuições e os terrenos baldios com 400 por cento. Os impostos pa- ra os automóveis foram discriminados se- gundo o caráter suntuário ou utilitário. Os orçamentos da prefeitura foram reestrutura- dos a fim de dirigir recursos para obras niti- damente sociais.

Estas medidas prejudicam a 10 por cento da população de Montevidéo. em particular os proprietários.

Adorados por uns e odiados por outros, Vazquez não está disposto a fazer conces- sões, nem sequer no seio oa Frente Ampla, onde alguns dirigentes preferem uma certa flexibilidade na condução da comunidade.

A RESPOSTA DE LACALLE A atitude do presidente Luis Alberto La-

calle e do partido do governo ficou clara desde o dia que Vazquez determinou o re- baixamento do preço dos transportes da ca- pital. Lacalie advertiu que não estava dis- posto a permitir que os cidadãos se con- vertessem em reféns de um choque entre concepções políticas opostas. Para o go- verno central, a política da prefeitura da ca- pital é duplamente perigosa: é antagônica no plano ideológico e social, e deixa em evi- dência o caráter anti-popular das medidas de ajuste social.

O conservador Lacalie está em uma en- cruzilhada. Disposto a cumprir os compro- missos com o Banco Mundial e o FMI, apro- vou um pacote de leis destinadas a abater drasticamente o déficit público e reduzir o tamanho do aparelho estatal. A aplicação do ajuste econômico significou um aumento dos preços, aumento do desemprego e o auge do trabalho informal. A redução do aparelho estatal e a política de privatização provocará demissões de cerca de 12 mil trabalhadores estatais.

As últimas pesquisas revelam que 79 por cento dos uruguaios não respaldam a políti- ca de ajuste do presidente enquanto que 68 por cento aprovam a gestão do prefeito Vazquez.

Lacalie não pode aceitar a forma em que se desenvolve a convivência de um governo nediberal com uma prefeitura socialista por- que põe em risco toda uma estratégia de condução baseada na exigência de sacrifí- cios da população para se superar a crise econômica. Deste ponto de vista, Lacalie se soma com nuanças à agressiva campanha da direita para sabotar o governo do prefeito de Montevidéo.

Quando Vazquez solicitou a redução dos Impostos para os combustíveis, pensando em subsidiar o transporte público, LacaUe se opôs. Vazquez reagiu aumentando os im- postos para os setores mais abastados para obter 5 milhões de dólares mensais que re- quer a redução das passagens. Os legisla- dores de ultra-direita qualifícaram a decisão do prefeito de "aventura demagógica mar- xista-leninista".

O prefeito então decretou a nova política

tributária que atinge os proprietários de resi- dências desocupadas. O presidente de uma frente de proprietários qualificou os impostos de expropriação e o deputado ultra-direitista Daniel Garcia Pintos disse que Tabaré Vaz- quez "ataca duro e igual".

Vazquez propôs aumentar em 80 por cento a arrecadação municipal e obter du- rante o ano 112 milhões de dólares. "Pre- tendemos - explicou que por cada dólar que se investia antes, se invista agora quatro dólares em obras e serviços." Isto para melhorar a iluminação da cidade, consertar as ruas, instalar refeitórios populares e cen- tros de saúde nos bairros e solucionar o problema da moradia promovendo a cons- trução de complexos habitacionais. "Minha política - esse, - não é de entrar em cho- que com o governo central nem tributar a população indiscriminavelmente". Essa dife- rença é a causa dos ataques que sofre ante cada uma das medidas tomadas.

A prefeitura se propôs a erradicar 10011- xões endêmicos e em apenas uma jornada de trabalho voluntário foram tiradas das ruas 80 toneladas de lixo. Porém, em certas zo- nas da cidade, aqueles mais atingidas pelos impostos, os moradores se negaram a cola- borar e o lixo voltou a crescer.

A campanha de vacinação em massa de 30 mil crianças se converteu em uma ex- cepcional mobilização de moradores que vi- sitaram casa por casa. Mas em muitas mo- radias os integrantes das barricadas foram rechaçados, revelando-se a polarização po- lítica que está gerando a convivência.

O próprio presidente da república, inco- modado pelo aumento de salários que Vaz- quez decretou para os funcionários da pre- feitura (32 por cento contra 24 que o gover- no determinava para as atividades priva- das), advertiu sobre o perigo que supõe a "existência de duas atitudes de governo no país".

O confronto de duas concepções tem outras implicações a longo prazo. O carisma de Vazquez, seu estilo franco, suas origens humildes e seu temperamento aprazível fo- ram em boa medida elementos decivisos da vitória da Frente Ampla em Montevidéo.

Agora, a decisão com que está aplicando a sua política social o converte em um firme candidato para a presidência da república nas ainda distantes eleições de 1994.

Mais ainda, se o prefeito está demons- trando que é possível uma fórmula alternati- va para resolver os problemas econômicos e sociais do país sem sacrificar as necessi- dades populares. E esta é uma possibilidade inaceitável para os interesses que só consi- deram viável as propostas do FMI.

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TIE, ns 4 - Julho/HO

'Não há garantia de emprego para ninguém7

Nos últimos tempos, Jens Huhn, sociólogo alemão que trabalha para a TIE em Amsterdã, tem feito várias passagens ao Leste para conversar com os trabalhadores. Nesta entrevista, ele fala de suas impressões sobre a nova fábrica da GM, em Eisenach, e das dificuldades colocadas para o movimento sindical na Alemanha Oriental.

TIE-Informa: Jens, fale um pou- co da fábrica de Eisenach.

Jens Huhn: Eisenach fica perto de Kassel, junto à fronteira com a Ale- manha Ocidental. Agora, há 10 mil pessoas produzindo o Wartburg, carro de classe média um pouco melhor do que o Trabant, também de fabricação alemã-oriental. O proprietário é o go- verno da Alemanha Oriental.

TIE-I: Como funciona isso? Jens: O estado é proprietário de

todas as fábricas, montadoras e auto- peças. Você pode considerar toda a indústria da Alemanha Oriental como uma grande companhia, chamada Kombinat. A direção, o planejamento, o processo decisório, tudo é centrali- zado pelo estado. Nenhum trabalhador tem qualquer participação neste pro- cesso.

TIE-I: Como é a atuação dos sindicatos?

Jens: A estrutura sindical é forte, mas os sindicatos nunca a utilizaram. Eles poderiam fazer propostas de in- vestimentos, ou participação nos ren- dimentos, digamos que tanto para fins sociais, como para salários e investi- mentos. Estas propostas não seriam automaticamente aceitas, mas, com certeza, o governo as levaria em con- ta. Só que as lideranças sindicais eram completamente corruptas; membros extremamente fiéis ao partido, nunca fariam nada contra as diretrizes do governo, inteiramente dedicadas à li- nha do partido. Nunca propuseram nada que representasse alguma pertu- bação da ordem vigente.

TIE-I: Como funcionava o pro- cesso decisório?

Jens: O processo decisório se dava da seguinte maneira: havia um plano de cinco anos para a indústria como um todo, que formava o quadro geral que os diretores e gerentes do Kombi- nat tinham que concretizar. Então, re- digiam um plano de trabalho para ca- da fábrica em separado, levando em conta as propostas do sindicato para a fábrica, e isto resultava num plano fi- nal, para a fábrica e para o Kombinat inteiro. Na prática, existia uma empre- sa automobilística. E agora isto foi abandonado. Assim que conseguiram

mais autonomia, os diretores e geren- tes a nível de fábrica fizeram grandes esforços para atrair sócios para a for- mação de "joint ventures". No caso da fábrica de Wartburg, em Eisenach, quem se interessou foi a GM.

TIE-I: De que maneira a GM se propôs a participar do negócio?

Jens: A GM chegou e fez a se- guinte proposta: manteremos a fábrica antiga em funcionamento e vocês po- dem continuar a produção para cobrir as encomendas de carros Wartburg que receberam recentemente da Polô- nia, por exemplo, e, pelo que entendi, também de alguns países do Terceiro Mundo, como o Iraque. Até agora, a GM garante que a fábrica pode conti- nuar com esta produção. Mas, no futu- ro, a produção do Wartburg será substituída pela produção de um carro como o Kadett ou o Omega. A GM diz que isto manterá seis mil empregos em Eisenach.

TIE-I: Quer dizer que só seis mil dos 10 mil trabalhadores poderão ficar na fábrica?

Jens: Não, eles vão fechar a fábri- ca velha, o que faz sentido porque ela está situada no meio da cidade. Uma poluição incrível, uma fábrica muito velha, muito insalubre. Então, a GM vai abrir uma fábrica nova nas redon- dezas, um pouco mais longe de Eise- nach. Mas, ainda existe um problema, um problema de meio-ambiente. A lo- calização é num vale muito pequeno, cercado por florestas, que seriam des- truídas, e isto teria impacto imediato sobre o clima da região. Então, fize- ram algumas adaptações nos planos para a fábrica nova. Será um pouco melhor, uns filtros aqui e ali. E assim silenciaram os protestos ecológicos na região.

TIE-I: Sim, mas e os seis mil empregos?

Jens: A GM não ofereceu qualquer garantia de que os trabalhadores virão da antiga fábrica de Wartburg. O grosso da mão-de-obra da nova fábri- ca será de pessoas completamente no- vas, da região. Assim, não existe qualquer garantia de emprego para ninguém. Quando a velha fábrica de Wartburg for fechada, o que não vai demorar muito, pode ser que todos

O EMPURRÃO VINDO DO LESTE

A GM, maior produtor de carros do mundo, está planejando, para até meados da década, aumentar em 25% sua capacidade de montagem de veículos na Europa, atin- gindo dois milhões de unidades, incluindo a abertura de fábricas de montagem na Eu- ropa do Leste. A informação é do presi- dente da empresa, Roger Smith.

O primeiro paso é a inauguração de uma linha de montagem de carros na Alemanha Oriental. Segundo o presidente da multina- cional, a montagem da Unha Opel Vec- tra/Vauxhall Cavallier terá início em outu- bro, na Alemanha Oriental, a partir de uma "joint venture" com a fábrica de automó- veis Eisenach, que atualmente produz o modelo Wartburg.

Na primeira etapa, a GM vai produzir 10 mil carros por ano em Eisenach. As carrocerias serão fornecidas pela Opel (nome da GM na Alemanha Ocidental) de Russelsheim, perto de Frankfurt, para a montagem final pela Opel-AWE, na Ale- manha Oriental. A Opel-AWE é a "joint venture" criada em Eisenach, da qual a GM é a principal acionista. Para uma etapa posterior, a GM está estudando a viabilida- de de realizar a montagem total dos veícu- los em Eisenach, com um volume de até 150 mil carros por ano.

A GM já selecionou cerca de 200 re- vendedores na Alemanha Oriental. A em- presa afirma que, até o final do ano, con- tará com distribuidores em seis países da Europa do Leste.

L

seus funcionários sejam demitidos. TIE-I: Por que não contratam os

trabalhadores antigos? Jens: A GM quer introduzir os

métodos mais modernos de trabalho, e tem medo de que isto possa levar a uma resistência enorme por parte dos atuais trabalhadores de Wartburg, que estão acostumados com um ritmo de produção e de prática de trabalho mais tranqüilos. Assim, a GM quer pessoas completamente novas, que não tenham estes hábitos antigos, tradicionais. A GM já contratou uma série de jovens supervisores da velha fábrica de Wartburg, e acho que talvez estes se- jam treinados para se tomarem os fu- turos líderes das equipes, para ajudar a GM a implantar os mais modernos métodos de trabalho. O presidente do comitê de empresa (organismo sindj- cal que lembra as comissões de fábri- ca no Brasil — NDR) da Opel de Rus- selsheim foi até Eisenach para visitar três pessoas da fábrica, e ele está apoiando esta medida.

TIE-I: Mas por quê? Isto não es- tá colocando em perigo os empregos em Russelsheim?

Jens: Parece que eles estão vendo isso como a única maneira da GM conseguir penetrar no mercado da Eu- ropa Oriental. O comitê de empresa de Russelsheim começou a negociar com

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o sindical de Eisenach e com a dire- ção da GM e a direção de sua própria fábrica, para conseguir aproveitar o que for possível. O que acontece com a Alemanha Oriental é que ela, certa- mente, não se transformará numa es- pécie de país do Terceiro Mundo, a longo prazo. Porque será parte inte- grante da Grande Alemanha, que não quer ter uma região atrasada como o Mezzogiomo, no sul da Itália. Todos os empresários e funcionários do go- verno da Alemanha Ocidental estão dizendo que a Alemanha Oriental vai começar no nível de Portugal, mas, dentro de cinco a oito anos, estará no nível da Alemanha Ocidental.

TLE-I: Isto é diferente nos outros países da Europa Oriental?

Jens: Sim, completamente. As em- presas têm amplo campo para explora- ção em outros países, como a União Soviética, a Romênia etc. Talvez, a Tchecoslováquia também seja uma exceção, porque tem uma tradição muito longa de produção de carros. E interessante saber que, na fabricação do Skoda, eles também empregam pri- sioneiros e soldados.

TIE-I: Que futuro você imagina para o movimento sindical na Ale- manha Oriental?

Jens: O futuro do movimento sin- dical da Alemanha Oriental é se trans- formar em parte do movimento sindi- cal da Alemanha Ocidental. A Alema- nha Oriental terá sua sede regional do IG Metall (federação nacional dos metalúrgicos alemães-ocidentais - NDR) e o IG Metall terá suas repre- sentações em cada um desses estados. O problema do IG Metall será conse- guir lideranças, porque boa parte da população, especialmente na zona ru- ral é muito conservadora.

TIE-I: Você acha que vai ser fá- cil para o IG Metall atuar com a velha guarda de sindicalistas?

Jens: Não, não é fácil para o IG Metall trabalhar diretamente com a antiga burocracia sindical, porque os

membros da Alemanha Oriental po- dem não gostar disso. Então, o IG Metall também terá de recrutar gente nova nas fábricas. Eles precisam des- tas pessoas. E entre elas existe gente muito boa, progressistas.

TIE-I: O que os trabalhadores alemáes-orientais, de um modo ge- ral, sabem sobre o mundo capitalis- ta? Eles só conhecem os exemplos da Suécia e da Alemanha Ociden- tal, ou também estão ao par da si- tuação do Brasil e de outros países da América Latina?

Jens: Para eles, a primeira referên- cia é a Alemanha Ocidental. A ques- tão do Terceiro Mundo é complicada. Para muitos trabalhadores, as pessoas do Terceiro Mundo são as que ficam andando pelas universidades, são os privilegiados, pagos pelo governo da Alemanha Oriental e pelo Partido co- munista. E agora está ocorrendo uma enorme onda de racismo, especial- mente contra cubanos e africanos. Então, eles não estão nem aí com a situação das pessoas do Terceiro Mundo que estão em seu próprio país, porque vêem isso como parte do anti- go sistema governante da Alemanha Oriental. Eles os odeiam. Não é intei- ramente sem motivo. Muitos estudan- tes do Terceiro Mundo recebiam tanto quanto os estudantes da Alemanha Oriental, viviam nas melhores casas etc.

TIE-I: Sim, mas se você falar so- bre o capitalismo no sentido de que ele gera desemprego, que em mui- tos países capitalistas existem mui- tas pessoas sem ter onde morar, são analfabetas etc, então qual é a rea- ção deles?

Jens: As pessoas das áreas mais remotas, longe dos centros urbanos, não acreditariam se você dissesse isso a elas. Diriam: "Essa é a velha propa- ganda do partido, é uma falsa imagem do capitalismo". Outros diriam: "Está certo, mas não é meu problema, por- que eu vou arrumar um emprego, eu vou poder trabalhar. Se eu não achar

um emprego na Alemanha Orientai, no futuro arrumo um na Alemanha Ocidental. E vou ter uma casa e ga- nhar a vida decentemente. Sim, o ca- pitalismo tem problemas, o capitalis- mo não tem futuro, mas eu, pessoal- mente, terei um futuro no capitalis- mo". É claro que eles têm uma visão crítica, mas não a aplicam à sua pró- pria situação. Com freqüência, esta é a atitude dos trabalhadores numa fá- brica ocidental. Se você perguntar a um deles sobre demissões, ele dirá: "Eu? Nunca". Ou: "Na minha fábri- ca? Lá não. Talvez na fábrica ao lado, mas não lá". É exatamente a mesma atitude.

URSS FACILITA A VIDA PARA OS CAPITALISTAS

A União Soviética anunciou que preten- de implantar Zonas Econômicas Especiais semelhantes às que já foram criadas na China. Segundo o Comitê Estatal de Pla- nejamento, as ZEEs terão o objetivo de atrair "joint ventures" e empresas ociden- tais, oferecendo concessões como contratos a longo prazo, aluguéis baixos, redução ou isenção de impostos, taxas alfandegárias e serviços a baixo custo.

As primeiras duas zonas devem ser im- plantadas em Vyborg, ao norte de Lenin- grado, e Nakhodka, o principal porto de comércio exterior do extremo oriente so- viético. As empresas ocidentais estão espe- cialmente interessadas na ZEE de Nakhod- ka, devido à sua proximidade dos mercados japoneses e à abubdância de matérias-pri- mas na região. Pretende-se atrair para lá empresas de reparos de navios, manufatura de máquinas e unidade de montagem de aparelhagem eletrônica.

Há planos para a implantação de outras ZEEs no Mar Negro, na Ucrânia e na Fe- deração Russa Central. Também existe uma proposta, que tem o apoio de dois impor- tantes economistas, pró-reformas, de transformar toda a Armênia soviética numa grande Zona Econômica Especial.

J

Traduzido do "Internacional Labour Reports".

Jornal do Brasil - 16.06.90

UMA REVIRAVOLTA INFORME ECONÔMICO

Eis os principais pontos do programa econômico para a União Soviética, apre- sentado pelo governo do presidente Mi- khail Gorbachev: • venda de 60% das propriedades do Es- tado ao longo dos próximos anos; • aumento generalizado de preços, per- manecendo sob controle os preços de ali- mentos; • liberação dos preços de bens de con- sumo; • desvalorização do rubb;

• criação de um fundo estatal para seguro- desemprego; • introdução de um sistema de indexação de salários e preços; • aumentar os juros da poupança; • proteger pensionistas, aposentados, po- bres e estudantes dos aumentos de pre- ços; • imposto extra sobre empresas e grupos altamente lucrativos; • permitir aos soviéticos a posse de di- nheiro em moeda estrangeira forte; • permitir que estrangeiros comprem 100% das ações de estatais privatizadas; • criar zonas francas para atrair investi- mento externo.

A idéia é que o plano entre em vigor a partir de janeiro de 1991. Alguns críticos o

consideram muito tímido e muito atrasado; outros, exagerado e apressado.

Chama a atenção comentário de Gor- bachev a propósito desse plano: "E uma reviravolta comoleta, igual à produzida pela Revolução de Outubro de 1917." Essa re- volução, como se sabe, introduziu o atual socialismo soviético. Se o novo plano é uma "reviravolta"...

Em todo caso, dá para perceber que os soviéticos debatem alguns assuntos muito parecidos com os nossos. O que eles não tinham lá era a inflação (o preço do pão, subsidiado é claro, não muda desde 1950), Mas ao que parece, estão preparando uma bela inflação, com indexação e tudo.

Page 30: Futôbol-arte - cpvsp.org.br · Mas, no fundo da alma, todo uruguaio - e todo brasileiro, argentino, colombiano - que se respeite acaba sucumbindo à tentação do ópio do povo

i-24.05.90

Uma rosa para Noel Este ano registra o 809 aniversário

do nascimento de Noel Rosa, um dos mais criativos compositores da nossa canção popular. Em seus breves 26 anos de existência (morreu vitimado pela tuberculose, em 4 de maio de 1937), Noel teve uma produção vasta e marcante, que até hoje influencia os caminhos do samba e da marcha de carnavalesca (é dele, com Braguinha, "As pastorinhas").

Nascido de uma família de classe média, chegou a estudar Medicina, mas abandonou o curso em favor da

música. Certa vez, numa entrevista, disse que gostava de compor as can- ções "que nos embriagam, que vão de alma em alma, comunicando uma mesma religiosa emoção".

Sua produção foi registrada em dis- cos por Aracy de Almeida, Cartola, Francisco Alves, Caetano Veloso, Paulinho da Viola, Martinho da Viola, Chico Buarque, Beth Carvalho, João Nogueira, Maria Bethânia e tantos outros artistas do primeiro time da música brasileira.

Neste ano, uma variada programa- ção deve registrar os 80 anos de nas- cimento do "poeta da vila". A Classe

faz, aqui, a sua homenagem ao grande criador Noel Rosa, reproduzindo al- gumas letras de suas canções.

FILOSOFIA

O mundo me condena E ninguém tem pena falando sempre mal do meu nome Deixando de saber se eu vou morrer de sede ou se vou morrer de fome.

Mas a filosofia hoje me auxilia a viver indiferente assim Nesta solidão sem fim vou fingindo que sou rico para você gostar de mim.

Não me incomodo que você me diga que a sociedade é minha inimiga Pois vivendo neste mundo sigo escravo do meu samba muito embora vagabundo.

Quanto a você, da aristocracia, que tem dinheiro mas não compra a alegria, há de viver eternamente sendo escrava dessa gente

GAGO APAIXONADO

Mu-mu-mulher tu me fi-fizeste um estrago Eu de nervosos estou-tô fi-ficando gago Não po-posso com a cru-crueldade da saudade Que-que mal-maldade, Vi-vivo sem afago Tem pe-pena deste mo-moribundo Que-que já virou va-va-vaga-gabundo Só-só-só por-porque sou so-sofri-frido Tu-tu-tu-tu-tu-tu-tu-tu-tu-tem Um co-coração fin-fingido

Teu-teu co-coração em entregaste E de-depois de mim me toma-maste Tu-tua falsi-si-sidade é pro-profunda Tu-tu-tu-tu-tu-tu-tu-tu-tu vai fi-fí-fi-ficar corcundal

TRÊS APITOS

Quando o apito da fábrica de tecidos vem ferir os meus ouvidos eu me lembro de você.

Mas você anda sem dúvida bem zangada ou está interessada em fingir que não me vê.

Você que atende ao apito de uma chaminé de barro Por que não atende ao grito tão aflito da buzina do meu carro?

Você no inverso sem meia vai ao trabalho Não faz fé com agasalho Nem no frio você crê.

Mas você é mesmo artigo que não se limita: quando a fábrica apita faz reclame de você.

Nos meus olhos você lê Como eu sofro cruelmente Com ciúme de gerente impertinente que dá ordens a você.

Sou de sereno poeta muito soturno vou virar guarda noturno e você sabe porque.

Mas você não sabe que enquanto você faz pano Faço junto do piano estes versos pra você.

COISAS NOSSAS

Queria ser pandeiro Pra sentir o dia inteiro A tua mão na minha pele a batucar Saudade do violão e da palhoça, Coisa nossa, coisa nossa

O samba, a prontidão e outras bossas São nossas coisas, são coisas nossas (estribilho)

Malandro que não bebe, que não come, que não abandona o

samba pois o samba mata a fome Morena bem bonita lá da roça Coisa nossa, coisa nossa (estribilho)

Baleiro, jomaleiro, motomeiro, condutor e passageiro, prestamista e vigarista E o bonde que parece uma carroça Coisa nossa, muito nossa (estribilho)

Menina que namora na esquina E no portão rapaz casado com dez filhos e sem tostão Se o pai descobre o truque dá uma

Coisa nossa, (estribilho)

coca muito nossa

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