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    KosmosGuia para amantes da natureza e veculo central de formao e colees emCincias naturais

    editado por

    Kosmos, Gesellschaft der Naturfreunde, StuttgartNr. 24. ano de 1927Franckhsche Verlagshandlung, Stuttgart

    BioticaUm panorama sobre as relaes ticas do ser humano com osanimais e as plantaspor Fritz Jahr

    A distino clara entre animal e ser humano, vlida desde o incio de nossacultura europia at o final do sculo XVIII, no pode, hoje, ser mantida. Oseuropeus almejavam, at a Revoluo francesa, uma unificao doconhecimento de mundo religioso, filosfico e cientfico. Entretanto, depoisdessa, sob a presso da grande quantidade de conhecimento, tivemos derenunciar a tal unificao.

    Sempre permanecer um mrito das Cincias naturais da modernidade o fatode ter tornado possvel uma considerao sem preconceitos dos eventos do

    mundo. Hoje ns abdicaramos da procura da verdade se quisssemos rejeitaros resultados obtidos pelas experincias com animais, testes sangneos,serologia e muitos outros. Por outro lado, no podemos negar que justamenteesses triunfos cientficos do esprito humano tomaram do prprio homem suaposio de domnio no mundo como um todo. A Filosofia, que anteriormenteprescrevia suas idias fundamentais s Cincias naturais, precisou ento elamesma construir seus sistemas com base em idias particulares das Cinciasnaturais. Assim, foi apenas uma formulao potico-filosfica das idias deDarwin quando Nietzsche considerou o homem como um estgio inferior emtransio para outro superior, como uma corda estendida entre animal esuper-homem.

    O qu resultou dessa reviravolta? Primeiramente a equivalncia fundamentalentre homem e animal como objeto de estudo da Psicologia. Essa no se limitamais ao homem, mas utiliza os mesmos mtodos no mbito do animal e, assimcomo existe um estudo comparativo anatmico-zoolgico, do mesmo modoso feitas comparaes muito esclarecedoras entre a alma humana e a animal.Inclusive j se percebem os esboos de uma Psicologia das plantas, cujosrepresentantes mais conhecidos so: G. Th. Fechner, no passado, e R. H.Franc, Ad. Wagner e o indiano Bose, no presente. Assim, a Psicologiamoderna leva todos os seres vivos para dentro dos limites de sua pesquisa.Nessas circunstncias, apenas uma conseqncia direta o fato de R. Eisler

    falar, em suma, de uma Biopsicologia (estudo da alma de todos os seres vivos).

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    A partir da Biopsicologia necessrio apenas um passo at a Biotica, isto ,at a aceitao de obrigaes morais no apenas perante os homens, masperante todos os seres vivos. Objetivamente a Biotica no , de modo algum,uma descoberta do presente. Como um exemplo interessante do passado,podemos lembrar a figura de So Francisco de Assis (1182-1226) com seu

    grande amor tambm pelos animais, que em sua acolhedora simpatia para comtodos os seres vivos foi um precursor da exaltao de Rousseau de toda anatureza sculos depois.

    Quando a unidade da viso de mundo europia de desfez, por volta do final dapoca do Barroco, a vida intelectual no continente se encontrou pela primeiravez em condies de se deixar influenciar sem preconceitos por ideriosestranhos. J o esprito aberto de Herder, que tinha na poca talvez a melhorintuio para aquilo que estava por vir, esperava do homem que ele, conformeo exemplo da divindade que tudo penetra com seu sentir, pudesse se transferirpara cada criatura e sentir com ela na medida em que essa o necessita. Essa

    idia j nos remete completamente viso indiana, que justamente estavasendo descoberta a partir da Inglaterra. Mas apenas no Romantismo a ndiaencontra solo fecundo na Europa e em sua mais importante provncia ento: aAlemanha. A doutrina da migrao da alma, desenvolvida na ndia, tambminfluenciou o pensamento das escolas de filsofos indianos, especialmentedos adeptos da sathya. Dessa escola distingue-se a doutrina da Yoga, que tiraas conseqncias mais rigorosas desse iderio. Os adeptos da Yoga nopodem, sob nenhuma circunstncia, viver s custas de outras criaturas;sobretudo, eles no devem matar animais e tambm consumir plantas apenassob determinadas condies. Eles devem ter um leno a tapar a boca paraevitar aniquilar um ser vivo microscpico ao inspirar; por esse mesmo motivo,eles tambm devem filtrar a gua a ser bebida e no podem banhar-se. Atentativa de no arruinar nenhum ser vivo para sua autopreservao leva aindahoje certos cidados indianos a se alimentarem de esterco de cavalos. Senesse contexto citado naturalmente Buda, tambm deve ser frisado quejustamente o fundador do budismo rejeitou os autosacrifcios fanticos dadoutrina da Yoga. Buda prescreve a absteno de alimentos de origem animal,mas permite os vegetais em largas propores. A incorporao por Buda e porsua doutrina da crena na migrao de almas demonstrada a ns europeusde forma muito bela atravs da coleo de jatakas, contos budistas atravsdos quais o prprio Buda teria relatado histrias de suas vidas anteriores. Ele

    relata no ter vivido apenas como homem, mas tambm sob outras formas,como um elefante, uma gazela, um caranguejo, etc. Essas histrias, nas quais transmitida a idia de que o homem tem um parentesco essencial com todasas criaturas, chegam a superar em beleza a experincia de Francisco de Assis.

    Essas linhas de idias desencadearam idias anlogas na vida intelectualeuropia desde o Romantismo, ainda que primeiramente essas tivessem umaforma mais sutil. O telogo Schleiermacher (1768-1834) qualificou como imoralque vida e criao, onde quer que se encontrem, ou seja, tambm no caso deanimais e plantas, sejam destrudas sem que haja para isso um motivojustificado. O mesmo pregado pelo filsofo Krause, um contemporneo de

    Schleiermacher, que ensina que todo ser vivo deve ser respeitado como tal eno pode ser destrudo inutilmente. Pois todos eles, as plantas e os animais,assim como as pessoas, tm igualdade de direitos, ainda que no s mesmas

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    coisas, mas cada um apenas quilo que um pressuposto necessrio aoalcance de sua determinao. O filsofo Schopenhauer, invocandoabertamente o iderio indiano, via como uma qualidade especial de sua tica,sua mola propulsora, o fato de ter reivindicado tambm para o animal osentimento de compaixo. Atravs de Richard Wagner, que fortemente

    influenciado por Schopenhauer e um defensor apaixonado dos animais e danecessidade de sua proteo, essas idias tornaram-se um bem comum paraum crculo maior de pessoas.

    Assim, relativamente aos animais, a reivindicao moral tornou-seincontestvel, pelo menos quanto questo de no faz-los sofrerdesnecessariamente. O mesmo no se d com as plantas. Que ns tenhamostambm perante essas certas obrigaes ticas, deve parecer absurdo paraalguns em um primeiro momento. Mas j Paulo conduziu nossa sensibilidadeem direo aos animais e s plantas. A isso correspondem as partesapoteticas e emocionantes no terceiro ato de Parsifal, de Richard Wagner.

    Com bondade devota o homem respeita pelo menos na Sexta-feira santa o taloe sua flor nas montanhas com passo leve, para no estrag-los. Mas tambmnas reflexes sobre tica vegetal de um filsofo to lcido como Ed. vonHartmann, falecido h vinte anos, encontramos idias anlogas. Em um artigosobre flores, ele escreve sobre uma flor colhida: Ela um organismo ferido demorte cujas cores apenas ainda no esto estragadas, uma cabea aindavivendo e sorridente que foi separada de um corpo. - Quando vejo a rosa emum vaso com gua ou entrelaada em um buqu, ento no consigo evitar aidia repugnante de que o homem matou uma vida em forma de flor para que amorte dessa lhe trouxesse algo com que sua viso pudesse se regozijar, umaviso cruel o suficiente para no sentir a morte intencional sob a aparncia devida.

    A grande maioria, naturalmente, no to sensvel como Ed. von Hartmann.Todos sabem que tambm as plantas so seres vivos que so machucadosquando se corta a flor, mas a idia de que ela tambm se ressinta disso nonos familiar. A conscincia de uma alma da planta no nos foi toradicalmente transmitida. Alm disso, ns sabemos que as flores tambmmurcham e secam junto da planta e, por isso, no temos nenhuma objeo aocorte de flores quando elas foram cultivadas com esse objetivo.

    Ns partimos de pressupostos completamente diferentes do que os dosfanticos indianos, que no aceitam que se toque em qualquer ser vivo.Tambm nossas leis e determinaes de ordem pblica para a proteo deplantas ou flores isoladas em uma determinada regio (por exemplo, dasplantas alpinas) tm como base uma viso completamente diferente: A ordempblica quer preservar as plantas referidas para que essas no sejamaniquiladas na regio e possam, assim, sempre servir de regozijo aos homens.Se uma planta se encontra disponvel em quantidade suficiente, o Estado nopensa em proteg-la por seu valor isolado.

    Tambm nossa viso de proteo aos animais se baseia em pressupostos bem

    diferentes daqueles que guiam o comportamento dos indianos. Se ns lemosno romance de Richard Vo Der heilige Ha como um rapaz intocvel, ouseja, um membro da casta desprezada, nem quer aceitar matar uma cobra

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    venenosa j que tambm as cobras so nossos irmos e irms, ento noconseguimos compreender esse sentimento e, pelo contrrio, consideramoscomo nosso dever matar animais perniciosos quando podemos. Ns tambmdeixamos que animais domsticos sejam mortos por abatedores e animais domato inofensivos sejam alvo de caadores porque queremos consumir carne,

    produto que algumas pessoas em nossa volta acreditam no poder dispensar,enquanto em pases tropicais h alimentos de origem vegetal em abundncia disposio.

    Nosso conceito de proteo aos animais tem um limite no ponto de vista dautilidade, o qual ignorado solenemente pelos indianos. Ns nos satisfazemosem evitar ao menos o sofrimento intil dos animais. Infelizmente, asdeterminaes legais para evitar ou punir tal tortura esto longe de sersuficientes em muitas as culturas.

    Mas ns estamos a caminho do progresso. A proteo dos animais ganha

    cada vez mais espao e mais adeptos e qualquer pessoa digna hoje reage aover um ignorante decepar distraidamente as flores do caminho com a bengalade passeio ou quando crianas as arrancam e as jogam fora sem pensaralguns passos adiante. Nossa educao j fez grandes progressos nesseaspecto, mas temos de chegar a ponto de ter como prumo pra nossas aesao imperativo biotico que diz:

    Respeita todo ser vivo essencialmente como um fim em si mesmo e trata-o, sepossvel, como tal!

    Traduzido por Jos Roberto Goldim/2005