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BILL CROWDER Saindo das cinzas A presença de Deus no sofrimento de Jó SÉRIE DESCOBRINDO A PALAVRA

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A presença de Deus no sofrimento de Jó.Autor: Bill Crowder Série: Descobrindo a Palavra

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BILL CROWDER

Saindodas cinzasA presença de Deus no sofrimento de Jó

I S B N 978-1-60485-845-7

9 7 8 1 6 0 4 8 5 8 4 5 7

SÉRIE DESCOBRINDO A PALAVRA

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Introdução

Saindo das cinzas:A presença de Deus no sofrimento de Jó

A “lei da colheita” é fácil de entender.Cada semente produz sua mesma espécie. Como o apóstolo Paulo escreve à igreja

da Galácia no primeiro século, “Não vos enganeis: de Deus não se zomba; pois aquilo que o homem semear, isso também ceifará” (Gálatas 6:7).

a mesma ideia foi expressa muito antes no livro de Jó. Um dos amigos de Jó, insinuando que ele, de alguma forma, merecia as calamidades que o tinham assolado, perguntou, “lembra-te: acaso, já pereceu algum inocente? E onde foram os retos destruídos?

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Segundo eu tenho visto, os que lavram a iniquidade e semeiam o mal, isso mesmo eles segam” (JÓ 4:7,8).

O que ocorre na verdade, é que a lei da colheita pode ser uma das ideias mais equivocadas de todas. Unicamente por esta razão, espero que as páginas seguintes escritas por Bill Crowder, professor de ensino bíblico e autor de livros e textos devocionais de Ministérios Pão Diário, sejam amplamente lidas e incitem interesse renovado em uma das mais antigas e importantes histórias da Bíblia.

Mart DeHaan

Ministérios Pão Diário

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Sumário

1 Perguntas difíceis, respostas evasivas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5

2Um coração em pedaços . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

3Uma guerra em duas frentes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15

4A sabedoria adquirida mediante a dor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25

5Lições de vida . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29

Título original : Out of the AshesFoto da capa: iStockPhotoImagens internas: (p.1) StockPhoto; (p.5) NadjibAktouf / Stock.xchng; (p.9) John Nettleship / Stock.xchng; (p.15) MurisKuloglija Kula / Stock.xchng;(p.25) Troy Stoilkovski / Stock.xchng; (p.29) J. Purymski / Stock.xchngCódigo: FJ166ISBN: 978-1-60485-845-7

Exceto se indicado o contrário, as citações bíblicas são extraídas da Edição Revista e Atualizada de João F. de Almeida © 1993, Sociedade Bíblica do Brasil. Todos os direitos reservados.

© 2014,2015 Ministérios Pão Diário . Todos os direitos reservados.PORTUGUESE

Impresso no Brasil

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Perguntas difíceis, respostas evasivas

Com ironia mordaz Woody allen declarou, “a vida é repleta de miséria, solidão e sofrimento, e tudo

isso acontece cedo demais.” allen não estava nos dizendo algo que já não soubéssemos. Dor e sofrimento estão entrelaçados em nossa experiência humana. O sofrimento irrompe globalmente por meio de guerras, terremotos, tsunamis, enchentes, tufões. Expressa-se pessoalmente: em perda de um relacionamento, da saúde, de um filho, de um casamento, de um emprego. O sofrimento nos toca de formas para as quais geralmente não estamos preparados. apossa-se de nós com uma dor

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que não conseguimos definir. afeta-nos de maneira física, emocional, relacional e espiritual. No sofrimento, lutamos contra um inimigo sem nome, sem rosto, sem coração. E esse inimigo evoca questões às quais temos respostas inadequadas.

Contudo, por mais difíceis que sejam, essas mesmas questões incitam nossa busca por respostas melhores. lemos livros. Consultamos pensadores, filósofos, teólogos e mestres. Discutimos e debatemos explicações sobre o sofrimento. Mas não importa o quão altas sejam nossas expectativas ou quão promissoras sejam estas fontes, elas nos deixam com perguntas sem respostas — mistérios enlouquecedores que ou nos afastam de Deus ou nos aproximam dele.

Nas páginas deste livreto, podemos examinar apenas algumas das questões que rodopiam como um ciclone em torno desta difícil discussão. O que é o sofrimento? De que maneira reagimos quando o sofrimento chama o nosso nome? Como Deus pode ser encontrado nos momentos mais escuros da vida?

Não há melhor ponto de partida para examinar o sofrimento do que as experiências de um homem chamado Jó. sua história é contada no livro mais antigo da Bíblia.

Jó vivia na terra de Uz na época mais remota registrada na história da humanidade. Ele é apresentado como um homem que vivia em comunhão com Deus e é descrito como “íntegro e reto,” um homem “…que se desviava do mal” (Jó 1:1). Ele buscava fazer o que era correto e agradar a Deus. Entretanto, uma rápida série de acontecimentos catastróficos abalou seu

No sofrimento, lutamos contra um inimigo sem nome, sem rosto, sem coração. E esse inimigo evoca questões às quais temos respostas inadequadas.

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mundo e ameaçou esse relacionamento com o senhor.

Este relato nos diz que o livro mais antigo da Bíblia destaca o denominador comum da experiência humana — o problema da dor e

sofrimento. ainda que a história de Jó seja familiar para muitos, tem mais a dizer do que poderíamos imaginar. Mais sobre nosso mundo, mais sobre nós e mais sobre Deus.

No sofrimento, lutamos contra um inimigo sem nome, sem rosto, sem coração. E esse inimigo evoca questões às quais temos respostas inadequadas.

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Um coração em pedaços

Há algumas lições que preferimos manter teóricas e abstratas. Porém, desta forma elas jamais

podem ser integralmente compreendidas. O professor Howard Hendricks disse certa vez que não existem cursos de natação por correspondência, nem ensino à distância sobre o sofrimento. Esta experiência é profunda e inescapavelmente individual. ao sermos pressionados pelo sofrimento, o que é isto que experimentamos que contribui para a penosa dificuldade de toda a situação? a seguir vemos várias percepções relacionadas a experiência de Jó.

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O sofrimento parece algo misterioso (Jó 1:1-12)O prisioneiro no campo de concentração de auschwitz durante a segunda Guerra Mundial, Primo levi, descreveu uma época quando, amontoado em seu barracão e ressecado pela sede, esticou o braço pela janela para apanhar um pedaço de gelo que hidratasse um pouco sua boca seca. Porém, antes que pudesse molhar seus lábios rachados, um guarda pegou o pedaço de gelo e o empurrou, afastando-o da janela. Chocado com tal insensibilidade, levi perguntou ao guarda o porquê de tal atitude. E este respondeu: “aqui não há porquês.”

algumas vezes, a vida parece ser da mesma forma. É como se sofrêssemos sem resposta plausível ao nosso por quê, somente o silêncio que parece escarnecer ao responder porque não. Jó deve ter se sentido dessa forma quando adentrou no crisol do sofrimento. Ele não tinha a menor ideia do cenário espiritual para sua vida. Na verdade, Jó está fora do palco na cena de abertura de sua história. O livro de Jó 1 fala de uma reunião de seres angelicais diante do trono de Deus, incluindo satanás, quando acontece algo notável: “Perguntou ainda o senHor a satanás: Observaste o meu servo Jó? Porque ninguém há na terra semelhante a ele, homem íntegro e reto, temente a

Devido à queda da raça humana mediante seu pecado, o sofrimento é uma experiência comum a todas as pessoas. Enquanto experimentamos o sofrimento em graus e formas diferentes, esta condição é uma experiência humana universal. Por essa razão as histórias de perseverança são tão poderosas.

Algumas vezes, é assim que a vida parece. É como se sofrêssemos sem resposta plausível ao nosso por quê, apenas o silêncio parece escarnecer ao dizer porque não.

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Deus e que se desvia do mal. Então, respondeu satanás ao senHor: Porventura, Jó debalde teme a Deus?” (Jó 1:8,9).

Deus questiona satanás, nosso inimigo espiritual, sobre o que ele tem observado em homens e mulheres na terra, ressaltando e enaltecendo o seu servo Jó. apesar disso,

satanás revida o comentário de Deus. Ele questiona as motivações de Jó para amar a Deus: Por que ele não deveria servi-lo? satanás insinua. Você deu tudo a ele! E assim Deus concede permissão a satanás para testar a fé do seu servo. Ele está prestes a passar por uma enorme prova e o sofrimento será o princípio para testar a pureza da devoção de Jó e de seu relacionamento com Deus.

Este diálogo entre Deus e satanás mostra claramente que nossa vida está conectada ao reino espiritual eterno. Mas também demonstra que Jó estava completamente inconsciente da razão de seu sofrimento — ele conhecia

Algumas vezes, é assim que a vida parece. É como se sofrêssemos sem resposta plausível ao nosso por quê, apenas o silêncio parece escarnecer ao dizer porque não.

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apenas o sofrimento. a causa era um mistério. Como o autor Os Guinness coloca, “a vida não é simplesmente difícil. a vida acaba sendo injusta, e mundanamente injusta de forma aterrorizante. Depois disso, o chão já não parece mais tão firme.”

Conforme o ataque repentino de dor, luto e perda o absorvia, o coração de Jó batia com perguntas que não tinham respostas.

O sofrimento causa o sentimento de opressão (Jó 1:13-19)Em Hamlet de shakespeare, Claudius diz: “Quando surgem as tristezas, elas não vêm como simples espiões, mas em batalhões.” Com certeza, isso ocorreu com Jó; um mensageiro após o outro veio trazendo-lhe notícias de perdas devastadoras.

sucedeu um dia, em que seus filhos e suas filhas comiam e bebiam vinho na casa do irmão primogênito, que veio um mensageiro a Jó e lhe disse: Os bois lavravam, e as jumentas pasciam junto a eles; de repente, deram sobre eles os sabeus, e os levaram, e mataram aos servos a fio de espada; só eu escapei, para trazer-te a nova. Falava este ainda quando veio outro e disse: Fogo de Deus caiu do céu, e queimou as ovelhas e os servos, e os consumiu; só eu escapei, para trazer-te a nova. Falava este ainda quando veio outro e disse: Dividiram-se

O que dizer ao sofredor: “Não sei…” “Sinto muito…” “Também não entendo…” “Amo você…” “Deus ainda se preocupa.”

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os caldeus em três bandos, deram sobre os camelos, os levaram e mataram aos servos a fio de espada; só eu escapei, para trazer-te a nova. também este falava ainda quando veio outro e disse: Estando teus filhos e tuas filhas comendo e bebendo vinho, em casa do irmão primogênito, eis que se levantou grande vento do lado do deserto e deu nos quatro cantos da casa, a qual caiu sobre eles, e morreram; só eu escapei, para trazer-te a nova (Jó 1:13-19 NEGRitOs aCREsCENtaDOs).Os rápidos relatos de perdas devastadoras

despedaçaram o coração de Jó. Os servos praticamente tropeçaram uns nos outros conforme chegavam com mais notícias ruins. Na época de Jó, a riqueza era medida em termos de servos e propriedades. ambos foram armas no ataque ao coração de Jó. Primeiro, foi a perda dos bois e das jumentas, e a morte dos servos (1:14,15). Depois, chegou a notícia de que “fogo de Deus caiu do céu,” consumindo as ovelhas de Jó e mais de seus servos (1:16). Em seguida, veio a mensagem de que invasores caldeus haviam roubado os camelos e matado ainda mais servos (1:17). a cada anúncio, as investidas cresciam à medida que as perdas tornavam-se cada vez maiores. Porém, a maior perda veio quando o mensageiro chegou com a notícia dilacerante de que os filhos e filhas de Jó tinham morrido (Jó 1:18,19).

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Quando ondas de angústia nos cobrem, sejam simples espiões ou batalhões inteiros, seu peso abrupto e sua natureza implacável podem ser sufocantes. O sofrimento simplesmente toma conta de nós.

O sofrimento é individual (Jó 2:13)sentaram-se com ele na terra, sete dias e sete noites; e nenhum lhe dizia palavra alguma, pois viam que a dor era muito grande (Jó 1:13-19). a investida final de satanás foi na saúde de Jó (2:1-8). após isso,

Jó sentou-se no pó coçando dolorosas feridas, atônito pela virada que sua vida tinha dado. a esposa de Jó e seus amigos estavam com ele, mas na verdade ele estava sozinho em sua dor — sozinho, mas com a presença de seu Deus.

simone Weil, uma filósofa francesa do século 20, escreveu: “a aflição faz que Deus pareça estar distante por um tempo, mais ausente do que um homem morto, mais ausente do que a luz na escuridão total de uma cela. Um tipo de horror inunda toda a alma.”

O sentido de isolamento em épocas de sofrimento ganhou voz na lamentação pesarosa que saiu dos lábios de Cristo na cruz: “…Eli, Eli, lamá sabactâni? […] Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” (MatEUs 27:46). Esse também deve ter sido o clamor do coração de Jó, enquanto se sentava sobre o pó afligido por suas grandes perdas.

através dos milênios, a natureza e as causas do sofrimento não mudaram. Para alguns, o sofrimento nunca se aproximará dos horrores da experiência de Jó. Para outros, pode, na verdade, excedê-los. Mas em cada caso, nosso sofrimento é unicamente nosso e sentimos o seu peso porque ele é misterioso, opressor e em última análise, vivenciado individualmente.

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Uma guerra em duas frentes

Historiadores de guerra atribuem a perda de adolf Hitler na segunda Guerra Mundial, em

grande parte, à sua decisão de atacar a Rússia enquanto ainda envolvido em sua guerra contra a inglaterra. Os líderes militares alertam com relação à tentativa de lutar em duas frentes — quase sempre acaba mal. a divisão de recursos, energia, estratégia e atenção fazem a guerra em duas frentes ser virtualmente invencível.

Jó enfrentou a desagradável probabilidade de haver guerra em duas frentes. sua guerra não era uma luta sobre a terra ou uma batalha

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travada com armas. a sua era uma batalha espiritual travada no panorama emocional de seu coração ferido. a primeira batalha foi contra seus “amigos” — sobre a sua integridade. O segundo e o mais doloroso conflito foi com o Deus em quem confiava e servia.

O que é interessante na história de Jó é a maneira como é contada. Geralmente nos concentramos no sofrimento pelo qual Jó passou. Foi algo tão horripilante que desafia o entendimento. No entanto, as Escrituras relatam estas tragédias em apenas dois capítulos (1–2) do livro de Jó, e dedica os 40 capítulos restantes ao relato da luta livre de Jó com seus amigos e com Deus sobre a razão de seu sofrimento.

Com amigos como estes… assim que a notícia da tragédia chegou a Jó, ele reagiu com profunda fé e confiança: “…Nu saí do ventre de minha mãe e nu voltarei; o senhor o deu e o senhor o tomou; bendito seja o nome do senhor!” (Jó 1:21). Entretanto, essas palavras poderosas de confiança em breve desvaneceriam para um tom obscuro e mais doloroso. O primeiro empurrão em direção ao precipício do desespero veio da esposa de Jó que, sem dúvida, também estava sofrendo a perda de seus filhos.

Assim como os amigos de Jó, nós tendemos a falar demais quando tentamos consolar o sofredor. Em momentos de sofrimento deveríamos resistir à tentação de “falarmos por Deus” mesmo se nossas intenções são motivadas pelo bem. No crisol do sofrimento, as palavras geralmente não são suficientes.

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Com um cinismo raivoso ela encorajou o marido dizendo: “…amaldiçoa a Deus e morre” (2:9). Embora tenha recusado, a introdução do discurso de Jó no capítulo 3 mostra o peso do seu sofrimento e o efeito dele sobre a sua fé e determinação: “Depois disto, passou Jó a falar e amaldiçoou o seu dia natalício” (Jó 3:1).

a fé resplandecente de Jó foi subjugada pelo luto e sofrimento que invadiram sua vida. seu grito de lamento alcançou um timbre doloroso ao declarar: “Por que se concede luz ao miserável e vida aos amargurados de ânimo, que esperam a morte, e ela não vem? Eles cavam em procura dela mais do que tesouros ocultos” (Jó 3:20,21).

Em vez de morte o que chegou foi uma experiência de noite mais escura — angústias e temores que lhe roubaram até mesmo a esperança de paz (vv.22-26).

Como se a dor já não fosse insuportável, a canção de lamento de Jó é recebida com cinismo e julgamento. Enquanto ele permanecia diante dos espectadores que o observavam, incapaz e talvez sem vontade de encobrir sua dor e luto, sobrevieram-lhe ondas de acusações não de simpatia, de condenação não de consolo — exatamente

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como as tragédias dos dias anteriores. O “conselho” de sua esposa foi apenas o começo.

Por sete dias, os amigos de Jó (Elifaz, Bildade e Zofar) sentaram-se silenciosamente e observaram sua agonia (Jó 2:13). No oitavo dia, eles liberaram uma tempestade de críticas (Jó 4–31). as ondas seguiram um padrão semelhante: acusação e reação de Jó. Os três amigos aplicaram seu exame teológico à experiência de Jó. sua tática? Cada um deles acusou Jó de falta de integridade em afirmar uma vida justa. Você deve estar escondendo algum pecado terrível, eles disseram. afinal de contas, Deus não pune o inocente. Quando Jó defendeu firmemente sua inocência e refutou as acusações, seus amigos atacaram ofensivamente o homem já ferido emocional, espiritual e fisicamente. Os implacáveis ataques deixaram todos fracos e esgotados devido a uma guerra que no fim provou ser inútil.

após sua esposa e os três amigos próximos o terem acusado, inacreditavelmente, um quarto colega, Eliú, lançou seu ataque (Jó 32–37). assim como os outros, Eliú viu no sofrimento de Jó a evidência de que ele tinha desagradado Deus. Na verdade, seus argumentos alcançaram novos patamares (ou afundaram em inferiores). O livro de Jó 32:2 descreve sua profunda indignação. as violentas acusações

As pessoas, ao lidar com alguém que esteja passando pelo sofrimento, adotam tipicamente uma de duas abordagens:

filosófica — tentam dar respostas.

pastoral — procuram dar consolo. .

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de Eliú trouxeram à tona a aparente contradição entre as alegações de inocência de Jó e o sofrimento que certamente era julgamento divino.

Este argumento é tragicamente familiar. trata-se de um ponto de vista que pode emergir quando as pessoas sofrem. É o lugar onde as acusações dos “consoladores” de Jó estavam enraizadas. isso é geralmente chamado de Doutrina de Retribuição — que Deus apenas recompensa os justos e sempre julga/pune o perverso.

Esta pressuposição, exposta no livro de salmos 34 e 37, é a justificativa para a batalha implacável que os três amigos travaram contra Jó. Rebater estas investidas era uma batalha perdida, travada em terreno desconhecido com recursos inadequados. Esta era uma guerra que Jó não poderia vencer, fato comprovado por sua reação às acusações de Eliú… o silêncio.

A esposa de Jó é geralmente tratada como uma pessoa descrente. Mas como qualquer um de nós teria reagido em seu lugar? Ela, assim como Jó, tinha perdido seus filhos e seus bens. Agora, era forçada a ver seu marido sofrer com doença e enfermidade.

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a guerra de Jó começou com um ataque implacável vindo da família e dos amigos, mas havia uma segunda frente.

Onde está Deus? Durante o combate verbal com seus amigos, Jó defendeu sua integridade e afirmou sua inocência. Mas sua defesa também continha uma ofensa, no momento em que ele mesmo fez suas próprias acusações. No entanto, o alvo de Jó não era sua esposa e amigos. Jó mirou no próprio Deus, atacando-o com suas próprias questões, dúvidas, preocupações e até mesmo acusações. suas réplicas estão revestidas de raiva e escárnio.

a transparência de Jó é parte daquilo que faz sua história tão acessível e relevante. sentimos seu luto e sua dor; começamos a entender a profundidade de sua aflição e confusão e o porquê de ele sentir-se dessa forma. Como resultado, os lamentos de Jó ressoam com os nossos atordoados gritos.

as lutas de Jó carregam com elas, pelo menos, três questionamentos implícitos — questões que provavelmente, quando sofremos, estão na ponta da língua.

Uma questão sobre o medo ao Deus do consolo

“…ainda assim todas as minhas dores me apavoram, porque bem sei que me não terás por inocente” (Jó 9:28). lutamos com nossos sofrimentos e o Deus que parece

permiti-los e encontramos nosso coração contaminado pelo medo paralisante. algumas vezes, em vez de encontrar

Algo está terrivelmente errado no universo e não sabemos o que fazer. Isto é […] amplificado quando vemos o fraco, o inocente e o jovem sofrerem.

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consolo em nosso relacionamento com Deus, questionamos esse relacionamento. Repentinamente não temos nenhuma base

sólida a partir da qual escalar para fora do abismo de nossa dor, e nos perguntamos por que o Deus do consolo permitiria sermos tão afligidos.

Uma questão sobre a injustiça ao Deus de justiça

“Eis que clamo: violência! Mas não sou ouvido; grito: socorro! Porém não há justiça” (Jó 19:7). Quanto mais misterioso nosso sofrimento

e quanto mais desproposital, mais injusto parece. algo está terrivelmente errado no universo e não sabemos o que fazer. Esta é uma reação compreensível ao sofrimento e é amplificada quando vemos o fraco, o inocente e o jovem sofrerem. assim como Jó, nos perguntamos como podemos

Algo está terrivelmente errado no universo e não sabemos o que fazer. Isto é […] amplificado quando vemos o fraco, o inocente e o jovem sofrerem.

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acreditar na possibilidade de justiça quando a vida parece irreversivelmente injusta.

Uma questão sobre a fraqueza ao Deus da força

“Deus é quem me fez desmaiar o coração, e o todo-Poderoso, quem me perturbou” (Jó 23:16). Quando o sofrimento é avassalador, ele

nos faz lembrar de como somos pequenos e de quão grande o mundo é. Nesses momentos precisamos desesperadamente da força do senhor, mas ao mesmo tempo parece que o próprio senhor está permitindo exatamente essas coisas que sugam nossa vitalidade. ao sermos confrontados com a nossa fraqueza nos momentos em que a força é mais necessária, as palavras aterrorizantes de Jó se fazem ouvir em nosso coração.

as declarações de Jó soam como acusações, elas emolduram as suas decepções, suspeitas e dúvidas; e os seus questionamentos (assim como os nossos) ficam sem solução — até ele entrar na presença do Deus vivo.

Em hebraico, o versículo 5 diz literalmente: “Onde você estava (Jó), quando eu (Deus) estabelecia a terra?”

As pessoas dos tempos bíblicos geralmente acreditavam que sofrimento e doença estavam diretamente conectados ao pecado pessoal. Nos evangelhos, os discípulos de Jesus perguntaram: “…Mestre, quem pecou, este ou seus pais, para que nascesse cego?” (João 9:2).

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Jó queria confrontar Deus; ele solicitou uma audiência; queria que suas perguntas fossem respondidas. E Deus apareceu (Jó 38:1)! Quando Deus falou claramente, por meio de

um redemoinho, a Jó que o acusava, indignado e frustrado por estar sofrendo, Ele o desafiou com suas próprias perguntas:

Onde estavas tu, quando eu lançava os fundamentos da terra? Dize-mo, se tens entendimento. Quem lhe pôs as medidas, se é que o sabes? Ou quem estendeu sobre ela o cordel? sobre que estão fundadas as suas bases ou quem lhe assentou a pedra angular, quando as estrelas da alva, juntas, alegremente cantavam, e rejubilavam todos os filhos de Deus?” (Jó 38:4-7). Jó foi colocado face a face com o Criador

cuja mente é inescrutável e cujos propósitos e sabedoria refletem-se na majestade de sua criação. Que direito tinha Jó de questionar

Em hebraico, o versículo 5 diz literalmente: “Onde você estava (Jó), quando eu (Deus) estabelecia a terra?”

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a sabedoria do Criador? Ele acusará o autor da vida? Ele proclamará seu mérito na presença do Deus santo?

a experiência de Jó espelha a experiência do líder de louvor asafe, que não tinha respostas para suas lutas até entrar no santuário e na presença de Deus (salMO 73:17). Na presença de Deus, Jó descobriu que mesmo sem respostas, sem alívio do seu sofrimento, ele tinha tudo que precisava porque Deus havia dado de si mesmo a Jó:

“Então, respondeu Jó ao senHor: Bem sei que tudo podes, e nenhum dos teus planos pode ser frustrado. Quem é aquele, como disseste, que sem conhecimento encobre o conselho? Na verdade, falei do que não entendia; coisas maravilhosas demais para mim, coisas que eu não conhecia. Escuta-me, pois, havias dito, e eu falarei; eu te perguntarei, e tu me ensinarás. Eu te conhecia só de ouvir, mas agora os meus olhos te veem. Por isso, me abomino e me arrependo no pó e na cinza” (Jó 42:1-6). sem explicar o mistério ou apaziguar a dor, Deus lembrou

Jó de que o seu poder e sabedoria estavam infinitamente além da compreensão de Jó.

a solução para o sofrimento e para as dúvidas que ele levanta não está no debate. Encontra-se no aprender a descansar na graça de Deus e confiar no seu poder — mesmo quando o sofrimento é misterioso e avassalador.

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A sabedoria adquirida mediante a dor

Temporadas de sofrimento são difíceis, mas não deveriam ser desperdiçadas. O sofrimento pode

nos instruir e informar. Como disse o escritor britânico Benjamin Disraeli: “Observar muito, sofrer muito e estudar muito são as três colunas da aprendizagem.”

O sofrimento não é um mestre bem-vindo, mas o que Jó aprendeu em sua jornada na escuridão de perdas, luto e dor?

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O sofrimento é inevitável (Jó 2:13)“Porque a aflição não vem do pó, e não é da terra que brota o enfado. Mas o homem nasce para o enfado, como as faíscas das brasas voam para cima” (Jó 5:6,7). Carl sandburg escreveu o que ele declarava

ser o poema mais curto da literatura inglesa: “Nascer. inquietar-se. Morrer.”

Ralph Waldo Emerson escreveu: “aquele que ainda não contemplou a casa da Dor, viu apenas metade do universo. assim como a água salgada cobre mais de dois terços da superfície do globo, o sofrimento invade o homem em ventura.”

independentemente da motivação de Elifaz, o temanita, para pronunciar as palavras de Jó 5:6,7 — seja com intenção de consolar ou acusar — contudo, são verdadeiras. O sofrimento é uma parte inevitável do viver em um mundo corrompido pelo pecado, “como as faíscas das brasas voam para cima”. Em um mundo destruído, o sofrimento é a regra, não a exceção. a presença do sofrimento, e não sua ausência, define a normalidade.

Deus está vivo “Porque eu sei que o meu Redentor vive e por fim se levantará sobre a terra” (Jó 19:25). De que maneira reagimos aos nossos sofrimentos e perdas

inevitáveis? Com fatalismo? Realismo? Dúvida? Desespero? Fé? Uma combinação disso tudo? Nosso coração e mente ficam geralmente divididos entre estas opções. algumas vezes nos desesperamos no fatalismo; algumas vezes afirmamos

Em um mundo destruído, o sofrimento é a regra, não a exceção.

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nossa fé em meio a gritantes dúvidas. ao invés de Jó duvidar da existência de Deus, seu sofrimento o levou a confirmá-la.

apegarmo-nos à nossa confiança na veracidade e no poder de Deus, especialmente quando as circunstâncias desafiam a nossa compreensão, pode elevar nossas experiências de sofrimento para algo mais e maior. algo mais valoroso porque Ele está presente.

Deus está ciente “Mas ele sabe o meu caminho; se ele me provasse, sairia eu como o ouro” (Jó 23:10). Deus não apenas está vivo, mas está

totalmente consciente dos desafios que enfrentamos. Em Cristo, Deus é “…tentado

A palavra hebraica traduzida como “Redentor” aqui é gaal. Nos livros históricos do Antigo Testamento gaal é utilizada para referir-se a alguém que comprará de volta uma propriedade que esteja no penhor ou comprar um amigo ou parente que tenha sido vendido como escravo.

Em um mundo destruído, o sofrimento é a regra, não a exceção.

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em todas as coisas, à nossa semelhança…” (HEBREUs 4:15). Ele conhece os propósitos que nossa dor pode cumprir. Jó aprendeu que Deus está ciente do caminho de nosso sofrimento; afinal, não é tão aleatório. temporadas escuras da vida podem ser ferramentas nas mãos de Deus para nos moldar conforme sua vontade.

Deus não desperdiça nada, incluindo as temporadas de sofrimento que nos ensinam tanto sobre a vida, sobre nós mesmos e sobre nosso Pai celestial.

Deus é confiável “…e disse: […] o senHor o deu e o senHor o tomou; bendito seja o nome do senHor!” (Jó 1:21). No final, a primeira reação de Jó foi sua melhor resposta.

Pronunciada em fé, provou ser a pura verdade. a fidelidade de Deus é uma das lições que melhor se aprende no crisol do sofrimento. a inescrutável sabedoria e fidelidade de Deus são âncoras firmes nas tempestades mais turbulentas da vida.

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Lições de vida

Opoeta grego da antiguidade, Ésquilo, fundamentou sua filosofia do

aprendizado no duro solo do sofrimento. Ele escreveu as palavras que Robert Kennedy citou à multidão em indiana em 4 de abril de 1968, ao anunciar o assassinato do Dr. Martin luther King, Jr.:

Mesmo durante nosso sono, a dor que não se pode esquecer cai gota a gota sobre o coração, até que, em nosso próprio desespero, contra a nossa vontade, vem a sabedoria por meio da tremenda graça de Deus.

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“sabedoria por meio da tremenda graça de Deus.”sabedoria a um alto custo. Em outros contextos, a

sabedoria que Jó adquiriu pode parecer banalidade ou até mesmo clichê — lugar-comum; mas quando sofremos, ela torna-se a corda de segurança na qual aprendemos a nos agarrar.

Elie Wiesel estava entre os prisioneiros do campo de concentração em auschwitz forçados a assistir à execução de um rapaz. assim que o menino morreu, uma voz engasgada soluçava atrás dele: “Onde está Deus? Onde está Deus?”. Com apenas 15 anos, o coração de Wiesel só encontrava uma resposta: “Deus está lá, pendurado naquela forca.”

Há algo verdadeiro na observação de Wiesel. Em uma análise final, a cruz é a resposta de Deus ao problema do sofrimento. Na cruz, Deus entrou em sofrimento conosco e o redimiu para sempre. Peter Kreeft disse acertadamente: “Jesus é a lágrima de Deus.”

Henri Nouwen concluiu que Deus nos liberta não pela remoção do sofrimento, mas por compartilhar dele conosco. Jesus é “Deus que sofre conosco,” mais claramente visto na cruz de Cristo. talvez seja por isso que George Macleod escreveu:

O brilhante filósofo, Fredrick Nietzsche, ateu, passou os últimos anos de sua vida num hospital psiquiátrico. É avassalador e horrível demais viver num mundo sem redenção, sem graça e sem misericórdia.

Na cruz, Deus entrou em sofrimento conosco e o redimiu para sempre.

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Jesus não foi crucificado em uma catedral entre duas velas, mas em uma cruz entre dois ladrões; sobre o amontoado de lixo da cidade;

em um cruzamento tão cosmopolita que precisaram escrever seu título em hebraico, grego e latim; no tipo de lugar onde pessoas cínicas têm conversas indecentes e soldados apostam. Foi ali que Ele morreu. E foi por isso que Ele morreu.

a realidade do salvador sofredor como o “Deus que sofre conosco” incitou John stott a dizer: “Nunca poderia por mim mesmo crer em Deus, se não fosse pela cruz. O único Deus em que creio é aquele que Nietzsche ridicularizou como ‘Deus sobre a cruz.’ No atual mundo de dor, como alguém poderia adorar um Deus que fosse imune ao sofrimento?”

Deus nos ama com amor eterno. Os cristãos podem compreender isto com esperança e confiança, e podem oferecer

Na cruz, Deus entrou em sofrimento conosco e o redimiu para sempre.

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este amor ao mundo sofredor mais do que somos capazes de imaginar. Não oferecemos credos ou ideologias, teorias ou teologias. Na verdade, oferecemos Jesus: “O Deus que sofre conosco.”