introducao geometria

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Page 1: introducao geometria

Gina Maria Bachmann. Departamento de Matemática e Estatística. Geometria. UEPG.

1UNIDADE INTRODUTÓRIA: ETAPAS DA GEOMETRIA

O nosso tema é a demonstração em Geometria, mais especificamente, na Geometria Euclidiana. Logicamente que a Geometria não nasceu com a forma de um sistema dedutivo. Os primeiros passos dados pela Geometria foram graças a um certo senso geométrico inerente ao homem, e algumas necessidades geométricas fundamentais para a vida dos seres humanos. Estes fatores antecedem e muito a percepção da necessidade ou conveniência de uma organização lógica para a Geometria. Para entender melhor os caminhos da Geometria, vamos, de acordo com certos autores, distinguir algumas etapas no seu desenvolvimento. A. Geometria Subconsciente O homem mais primitivo tinha necessidade de algumas noções geométricas, ainda que muito simples. E, para lidar com elas, a ferramenta com que contava era um certo senso geométrico inato. Destas noções, uma das primeiras a se desenvolver foi a de distância. Daqui até aquele local é “mais longe”, “menos longe” ou “a mesma coisa” que daqui até aquele outro local. Envolve noção de linha reta e que é inevitável em qualquer forma de vida inteligente, por mais elementar que seja. A necessidade de demarcar terras levou às figuras geométricas simples, como o quadrado e o retângulo. A construção de muros e moradias despertou a noção de vertical e horizontal. Nesta etapa da Geometria só se consideram questões completas, e o saber geométrico é uma coleção desconexa de noções sobre o espaço físico. B. Geometria Científica Mais tarde, a inteligência humana achou-se capaz de relacionar entre si observações geométricas que embora particulares tivessem em comum propriedades subjacentes – requerendo certa capacidade de abstração. Surgiram então, aos poucos, as leis geométricas que guiavam questões que se adequassem a elas. O nome Geometria Científica para essa fase justifica-se pelo fato de a metodologia empregada – observações, ensaio e erro – lembrar o método científico indutivo moderno, embora de maneira muito simplista. São típicas desta fase as geometrias dos egípcios e dos babilônios antigas. A propósito, é interessante mencionar a tese do historiador grego Heródoto, segundo a qual a Geometria (certamente no que se refere à fase que estamos chamando de científica) teria nascido no Egito, a partir de questões envolvendo medidas de terras. Alias, como é conhecido, etimologicamente, Geometria significa “medida de terra”. É preciso levar em conta que, pela mesma época, os babilônios haviam construído uma bagagem geométrica que, embora no mesmo estágio da egípcia, era superior a esta. No entanto, há um feito da geometria egípcia que, embora expresso na forma de receita, sem nenhuma justificativa ou demonstração, talvez seja o ponto alto desta fase: uma lei para o cálculo do volume de um tronco de pirâmide de bases quadradas. C. Geometria Demonstrativa Para egípcios e babilônios as “verdades geométricas” eram determinadas indutivamente por processos experimentais.

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2 Os gregos, um povo dotado de espírito crítico e criativo, perceberam que este método não era satisfatório para a Matemática em geral. Graças a eles, pela primeira vez se usariam demonstrações em Geometria. Mas é claro que, os primeiros passos da Geometria Demonstrativa nem de longe apresentavam o acabamento e a organização lógica de “Os Elementos” de Euclides (séc. III a. C.) obra que representa, por sua influência ainda não esgotada, o caráter dedutivo da geometria grega. Ao contrário do ocorrido com a Matemática do Egito e Babilônia, não sobreviveram fontes documentais primárias da matemática grega. Os babilônios escreviam em tabulas de argila e os egípcios escreviam em papiros que foram preservados graças ao clima seco do país. Quanto aos gregos, tudo que sabemos é através de fontes indiretas ou de cópias e compilações muito posteriores aos escritos originais. Dessas fontes, a principal é o Sumário Eudemiano. Esse documento consiste em algumas poucas páginas do Comentário sobre Euclides, Livro I, do filósofo neoplatônico Proclo (410-485). Embora tenha vivido dez séculos depois do início da geometria grega, Proclo teve acesso a várias obras gregas que se perderam para nós. Entre elas, conta-se um história da Geometria grega, de seu início até o ano 335 a. C., escrita por Eudemo de Rodes (séc. III a. C.), um discípulo de Aristóteles (daí o nome Sumário Eudemiano). De acordo com Eudemo, os primeiros traços de dedução lógica em Geometria teria surgido na Grécia, com Tales de Mileto, na segunda metade do século VI a. C. De fato, Tales demonstrou os teoremas que lhe são atribuídos: 1) Os ângulos da base de um triângulo isósceles são iguais. 2) Dois ângulos opostos pelo vértice são iguais. 3) Todo diâmetro bissecciona o círculo. 4) Os ângulos inscritos numa semicircunferência são retos. O mérito de Tales não se deve pelo número de teoremas atribuídos, nem pelo conteúdo deles, mas sim pelo fato de ter inaugurado o método dedutivo em Geometria. Mas não foi com Tales que a Geometria alcançou o nível de organização lógica de um sistema dedutivo. Este passo também não seria dado por Pitágoras de Samos (532 a. C.), o grande matemático citado na seqüência pelo Sumário Eudemiano. Na verdade deveria se falar na “Escola Pitagórica” fundada por Pitágoras na segunda metade do século VI a. C. em Crótona, sul da Itália, que cercava suas atividades de muito mistério e segredo, o que torna quase impossível distinguir as contribuições matemáticas de seu líder máximo das de seus discípulos ou seguidores. Inclusive a escola sobreviveu a Pitágoras por cerca de dois séculos. Sem dúvida, a geometria pitagórica constituiu um avanço em relação à de Tales quanto ao aspecto dedutivo. Na obra pitagórica já se notam algumas cadeias de teoremas, com uns deduzidos de outros por raciocínios lógicos. Mas esta obra não constitui um exemplo de sistema dedutivo, pois não partia de um conjunto de axiomas bem explicitados e porque só se ocupava de certos entes, figuras e conceitos privilegiados pelas idéias filosóficas da escola pitagórica. Os pitagóricos ocuparam-se da teoria das retas paralelas, usada por eles para provar que a soma dos ângulos internos de um triângulo é igual a um ângulo raso; mostraram que a pavimentação do plano por meio de polígonos regulares só é possível com o triângulo, o quadrado e o hexágono; estudaram razoavelmente a teoria das proporções, e conheciam pelo menos três poliedros regulares: tetraedro, cubo e o dodecaedro. D. SISTEMAS DEDUTIVOS “OS ELEMENTOS” de Euclides Ainda segundo o Sumário Eudemiano, a primeira tentativa de organizar logicamente a Geometria num sistema dedutivo único, a partir de umas poucas noções básicas e

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3definições iniciais, teria sido feita por Hipócrates de Quio, no século V a. C. Seguiram-se tentativas mais bem sucedidas de Lêon, Teúdio e outros. Mas o ponto culminante dos esforços neste sentido se verificou no século III a. C. com “Os Elementos” de Euclides. Essa obra prima em treze livros contém 465 proposições abrangendo geometria plana e espacial, teoria dos números (livros VII, VIII e IX) e álgebra geométrica grega. Quanto a esta obra, talvez insuperável quanto ao aspecto de influência científica, temos a considerar:

a) “Os Elementos” não são uma obra original, mas sim, uma compilação da matemática elementar da época. Mas isso não contribuiu para deslustrar o autor, até porque esta era a sua proposta. O que se deve considerar é o extremo brilhantismo com que Euclides levou a termo essa tarefa. Além de ofuscar totalmente todas as obras similares anteriores, fazendo com que não restasse nenhum vestígio delas, “Os Elementos” foram considerados, por mais de dois milênios, o modelo por excelência de sistema dedutivo.

b) Não se dispõe de nenhum exemplar de “Os Elementos” que remonte à época de Euclides. As edições modernas derivam de uma edição preparada e revisada por Têon de Alexandria (370 d. C.), quase sete séculos após a morte de Euclides.

c) Segundo Proclo, os gregos antigos entendiam por “elementos” de um estudo dedutivo o conjunto dos teoremas chaves desse estudo. O papel deste teorema seria como o das letras do alfabeto em relação à língua; alias, os gregos denominavam as letras de elementos. Assim, se “Os Elementos” de Euclides superaram plenamente as obras anteriores com as mesmas propostas, isto se deve, em grande parte a uma seleção de teoremas muito mais feliz, o que sem dúvida pressupõe pelo menos um grande talento matemático.

d) A maioria dos filósofos e matemáticos gregos fazia distinção entre axioma e postulado. A distinção mais comum, e a que foi provavelmente assumida por Euclides em seus “Os Elementos”, é a seguinte: axioma é uma verdade evidente por si mesma e comum a todos os campos de estudo; postulado é uma verdade evidente por si mesma, mas específica de algum campo particular de estudo. “Os Elementos” de Euclides assentam-se logicamente em cindo axiomas e cinco postulados, a saber:

A1. Coisas iguais a uma mesma coisa são iguais entre si. A2. Adicionando iguais a iguais, obtém-se resultados iguais. A3. Subtraindo iguais de iguais, obtém-se resultados iguais. A4. Coisas que se podem superpor uma à outra são iguais entre si. A5. O todo é maior que a parte. P1. De qualquer ponto pode-se conduzir uma reta a qualquer ponto dado. P2. Toda reta limitada pode ser prolongada indefinidamente em linha reta. P3. Com qualquer centro e qualquer raio pode-se descrever um círculo. P4. Todos os ângulos retos são iguais. P5. Se uma reta, cortando duas outras, forma ângulos interiores de um mesmo lado

menores que dois ângulos retos, então as duas retas, se prolongadas indefinidamente, encontrar-se-ão na parte em que os ângulos são menores que dois retos.

e) Euclides, seguindo a concepção grega, não se valeu de nenhum conceito primitivo para desenvolver “Os Elementos”. Ponto e reta foram definidos como “aquilo que não tem partes” e “um comprimento sem largura”. Obviamente, essas definições são muito vagas, além de envolverem círculos viciosos. Ocorre que, para os gregos, a Geometria não era nenhum estudo abstrato, mas sim um estudo sistematizado do espaço material idealizado (para eles havia só um espaço e uma geometria).

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4 Assim, as definições de ponto e reta de Euclides simplesmente exprimiam visões idealizadas de coisas como um grão de areia minúsculo e um fio esticado, por exemplo. f) É evidente que uma obra que se manteve em evidência por tantos séculos, como “Os

Elementos” de Euclides, não poderia escapar – como não escapou – ao crivo de inúmeras e profundas análises críticas ao longo do tempo. E é óbvio, também, considerando o pioneirismo da obra e a enormidade dos seus objetivos, que essas análises iriam revelar uma série de falhas lógicas.

E isso de fato veio a se verificar, sendo provável que as mais comuns e mais graves dessas falhas sejam suposições tácitas feitas por Euclides, sem base em nenhum postulado.

Por exemplo, em diversas ocasiões, Euclides admitiu a infinitude da reta, mas seus postulados garantem apenas que a reta não é limitada.

Outro descuido lógico de Euclides consistiu em, sem incluir nenhum postulado sobre continuidade em sua obra, admitir inadvertidamente que o simples fato de duas retas ou duas circunferências (por exemplo) “se cruzarem” garantiria uma interseção não vazia entre elas.

Também é passível de crítica em “Os Elementos” o uso dos princípios de superposição em alguns teoremas de congruência.

É claro que, essas e outras falhas nem de longe chegam a empanar o brilho dessa obra monumental de Euclides.

E.Axiomática Material versus Axiomática Formal A despeito de alguns períodos de considerável abandono (por exemplo, nos séculos XVII e XVIII), o método postulacional ou axiomático, cuja grande inspiração foram os Elementos de Euclides, acabou se impondo de vez na Matemática a partir da segunda metade do século XIX. Mas com uma conotação nova.

Euclides partia do pressuposto de que os conceitos básicos de seu discurso dedutivo já eram conhecidos intuitivamente quando da enunciação dos axiomas e postulados. Isso explica tanto a ausência de conceitos primitivos nos Elementos como o caráter material que permeia esta obra.

Mas, em parte devido à descoberta, na primeira metade do século XIX, da geometria não euclidiana – que mostra a existência de outros espaços e a relatividade do conceito de verdade geométrica – e em parte pela preocupação com o rigor lógico que tomou conta da Matemática na segunda metade do século XIX, verificou-se desde então uma tendência crescente no sentido de retirar do discurso matemático, já a partir do primeiro momento, todo e qualquer vestígio de conteúdo intuitivo.

Como resultado disso, criou-se uma forma de discurso axiomático em que:

i) os axiomas ou postulados, respeitada a consistência lógica, são de livre escolha do matemático, não sendo mais necessário ajustarem-se a qualquer forma de “realidade”;

ii) os axiomas ou postulados são afirmações, sobre um conjunto de termos técnicos do discurso (elementos, relações entre elementos, operações com elementos) termos esses não definidos – trata-se dos conceitos primitivos do discurso.

Nessa modalidade de discurso, dizer que um resultado é verdadeiro não implica nenhuma conotação material, mas simplesmente que este resultado (lógico) é conseqüência lógica do conjunto de axiomas. Os discursos lógicos que seguem essa linha são chamados de axiomáticas formais, em contraposição às axiomáticas materiais, como a dos Elementos de Euclides.

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5 A primeira sistematização formal da Geometria surgiu tão somente em 1899, no magistral FUNDAMENTOS DE GEOMETRIA de David Hilbert (1862-1943), hoje um clássico da Matemática. Tomando como primitivos os conceitos de ponto, reta e plano, e, ainda, com vistas a manifestar as interligações fundamentais entre esses elementos e alguns conceitos básicos, as relações estar em, entre e congruente, e apoiando-se em vinte e um axiomas, divididos em cinco grupos (incidência, ordem, congruência, paralelismo e continuidade), Hilbert construiu formalmente, evitando assim as armadilhas da intuição, um sistema geométrico euclidiano grandemente aprimorado. As falhas lógicas de Euclides, particularmente as suposições tácitas, estavam por fim aceitavelmente preenchidas. Os Fundamentos de Geometria de Hilbert serviram de inspiração, no século XX, a muitos autores de textos de Geometria dirigidos para o ensino médio. Texto extraído de A Demonstração em Geometria, de A. I. Fetissov E. Comentário Para se aprender a jogar algum jogo, tal como dama, trilha, xadrez, etc... temos que, inicialmente aprender suas regras. Um pai, tentando ensinar seu filho jogar damas, dirá algo como: “Este é o tabuleiro de damas e estas são as pedras com que se joga”. “São doze para cada jogador, as pedras são arrumadas no tabuleiro assim”, e arrumará as pedras para o filho. Aí já terá recebido uma enxurrada de perguntas do tipo: “Por que as pedras só ficam nas casas pretas?” “Por que só são doze pedras?”, “Eu acho mais bonito as pedras brancas nas casas pretas e as pretas nas casas brancas, por que não é assim?” etc... Todas estas perguntas têm uma única resposta: porque esta é uma das regras do jogo. Se alguma delas for alterada, o jogo resultante, embora possa ser também muito interessante, não será mais um jogo de damas. Observe que, para ensinar tal jogo, você dificilmente deter-se-ia em descrever o que são as pedras. O importante são as regras do jogo, isto é, a maneira de arrumar as pedras no tabuleiro, a forma de movê-las, a forma de “comer” uma pedra do adversário, etc... Qualquer criança, após dominar o jogo, improvisará tabuleiros com riscos no chão e utilizará tampinhas de garrafa, botões, cartões, etc... como pedras. Ao criar-se determinado jogo é importante que suas regras sejam suficientes e consistentes. Por suficiente queremos dizer que as regras devem estabelecer o que é permitido fazer em qualquer situação que possa vir a ocorrer no desenrolar de uma partida do jogo. Por consistente queremos dizer que as regras não devem contradizer-se, ou sua aplicação levar a situações contraditórias. Geometria, como qualquer sistema dedutivo, é muito parecido com um jogo: partimos com um certo conjunto de elementos (pontos, retas e planos) e é necessário aceitar algumas regras básicas sobre as relações que satisfazem estes elementos, as quais são chamadas axiomas. O objetivo final deste jogo é o de determinar as propriedades características das figuras planas e dos sólidos no espaço. Tais propriedades, chamadas Teoremas ou Proposições, devem ser deduzidas somente a partir de raciocínio lógico a partir dos axiomas fixados ou a partir de outras propriedades já estabelecidas. De fato, existem várias geometrias distintas, dependendo do conjunto de axiomas fixado. A geometria que iremos estudar é chamada de Geometria Euclidiana, em homenagem a Euclides, que a descreveu na sua obra, denominada “Elementos”. Retirado de Geometria Euclidiana Plana. João Lucas Marques Barbosa. Rio: SBM, 1985.