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Inclusão, colaboração e governança urbanaP e r s P e c t i v a s c a N a D e N s e s

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The University of British ColumbiaCenter of Human Settlements

Projeto Novos Consórcios Públicos para Governança Metropolitana no Brasil (2006-2010)Agência Canadense de Desenvolvimento Internacional – CIDA

Diretor do Projeto Peter BoothroydGerente do Projeto Erika de CastroCoordenador de Campo Maciej John Wojciechowski

Ministério das Cidades Chefe de Gabinete da Secretaria Nacional de Habitação Cid Blanco Junior

Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Dom Walmor Oliveira de Azevedo Grão-Chanceler

Dom Joaquim Giovani Mol Guimarães Reitor

Patrícia Bernardes Vice-reitora

João Francisco de Abreu Pró-reitor de Pesquisa e de Pós-graduação

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coleção Limites da cidade

Inclusão, colaboração e governança urbanaP e r s P e c t i v a s c a N a D e N s e s

_______________________

Erika de Castro Maciej John WojciechowskiOrgaNizaDOres

University of British Columbia

Canada

Observatório das Metrópoles

Editora PUC Minas Belo Horizonte

2010

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Copyright @ The University of British Columbia 2010

Este livro ou parte dele não pode ser reproduzido por qualquer meio sem autorização escrita do Editor. __________________________________________________________________

136 Inclusão, colaboração e governança urbana: perspectivas canadenses / Organizadores: Erika de Castro, Maciej John Wojciechowski. Vancouver: The University of British Columbia; Rio de Janeiro: Observatório das Metrópoles; Belo Horizonte: Ed. PUC Minas, 2010. 200p. – (Coleção Limites da cidade)

Bibliografia.

1. Administração municipal. 2. Política urbana – Regiões metropolitanas. 3. Inclusão social. 4. Crescimento urbano. 5. Sociologia urbana. 6. Planejamento urbano. I. Castro, Erika de. II. Wojciechowski, Maciej John. III. Título

CDU: 352:711 __________________________________________________________________

Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Editora PUC MinasDiretor Geraldo Márcio Alves GuimarãesCoordenação editorial Cláudia Teles de Menezes TeixeiraAssistente editorial Maria Cristina Araújo RabeloRevisão Maria Lina Soares Souza Divulgação Danielle de Freitas MourãoComercial Maria Aparecida dos Santos Mitraud

Editora PUC MinasRua Pe. Pedro Evangelista, 377 | Coração Eucarístico | 30535-490Belo Horizonte/MG | BrasilTel +55 (31) 3319-9904 | Fax +55 (31) 3319-9901www.pucminas.br/editora | [email protected]

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sumário

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Prefácio eNtre O cONfLitO e a cOOPeraçãO Nas áreas metrOPOLitaNas

11

apresentaçãoO PrOjetO NOvOs cONsórciOs PúbLicOs Para gOverNaNça metrOPOLitaNa

21

cONseLhO Da bacia DO riO fraser – caNaDáUm modelo único de governança colaborativa

David marshall

33

DO cONceitO à açãODesenvolvendo governança regional para municípios

Douglas Knight

51

gOverNaNça DemOcrática e cOLabOraçãO iNterjUrisDiciONaL em Países UrbaNizaDOs

Leonora c. angeles

71

gOverNaNça cOLabOrativa Para a sUsteNtabiLiDaDe Da metrO vaNcOUver

hugh Kellas

85

PrOgressO sOciaL e a ParticiPaçãO NOs cONtextOs brasiLeirO e caNaDeNse

jeannie shoveller

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103

cOLabOraçãO iNtermUNiciPaL POr meiO DO agrUPameNtO fOrçaDOUm resumo das experiências recentes em toronto e montreal

Deming K. smith

131

O cONfLitO cOmO OPOrtUNiDaDe NOs PrOcessOs e estrUtUras De gOverNaNça cOLabOrativa em áreas metrOPOLitaNas

maureen maloney

147

O acOrDO De vaNcOUver respostas nos vários níveis de governo para o desafio da exclusão social na cidade de vancouver

Nathan edelson

181caPacitaçãO Para gOverNaNça metrOPOLitaNa

Peter boothroyd

193 sObre Os cOLabOraDOres

197 agraDecimeNtOs

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Prefácio eNtre O cONfLitO e a cOOPeraçãO Nas áreas metrOPOLitaNas

Este não é mais um dos muitos livros que analisam as cidades e as áreas metropolitanas como protagonistas no cenário de globalização. Particularmen-te a partir dos anos 1970, com o colapso do padrão de regulação monetária internacional de Breton Woods, o avanço tecnológico e o esgotamento do modo de regulação do estilo keynesiano-fordista, tornou-se senso comum na literatura mainstream analisar as estratégias de desenvolvimento local desen-cadeadas pelas cidades como um componente intrínseco “da ordem natural”. Prefeitos viraram empreendedores; ao lado das empresas, as cidades também se sentiram obrigadas a se posicionarem na globalização com novos produtos (incentivos fiscais, desregulamentação urbanística) e processos (planejamento estratégico).

Este novo momentum culminou na proliferação de projetos de cooperação internacional com presença significativa das cidades. Na esteira de uma nova agenda urbana incentivada pelas agências multilaterais, vários países conduzi-ram um processo de descentralização, propiciando maior presença de atores e protagonistas locais na montagem de estratégias de desenvolvimento local. Um discurso do desenvolvimento local endógeno enfatizou a proximidade entre governantes e governados, além da capacidade autônoma das cidades de proporcionarem soluções criativas para os desafios que cercam a socieda-de no limiar do século XXI. E, o que mais chamou a atenção, num espaço de tempo relativamente curto, a nova agenda localista conseguiu aglutinar, por razões diferentes, o campo mais progressista de gestores e pensadores quanto às forças conservadoras.

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Passadas mais de três décadas de reestruturação produtiva em pleno processo de globalização financeira, não é exagero afirmar que uma série de dúvidas emergiram sobre a capacidade de a agenda local impulsionar um projeto de desenvolvimento alternativo. Vários autores começaram também a questionar o impacto real do novo modo de regulação sobre as condições de vida das populações de baixa renda. Não é o caso aqui de entrar nos detalhes de um debate extenso e inconclusivo sobre as relações entre o projeto neolocalista, de um lado, e as tendências à fragmentação espacial e à fragilização generali-zada do arcabouço macroinstitucional de regulação, de outro. Cabe destacar, no caso da Europa ocidental, autores como Brenner (2004), que argumentam que, no período pós-1970, um regime que proporciona amplo espaço para a atuação da esfera local e regional, em prol de uma inserção competitiva das cidades e áreas metropolitanas na economia nacional e mundial paulatinamente substitui o keynesianismo espacial – caracterizado pela presença de um Estado nacional que ainda centraliza um conjunto de regras padronizadas, voltadas para a redistribuição de renda e infraestruturas, em prol da construção de um espaço nacional homogêneo. Ainda na visão desse autor, tal transformação gerou uma dinâmica macrorregional altamente instável, com um agravamento das disparidades socioespaciais e econômicas no espaço europeu.

Também na América Latina e no Brasil, iniciou-se um debate crítico so-bre os limites e potencialidades das estratégias urbanas pró-ativas, executadas isoladamente por prefeitos empreendedores (MARICATO, 2000). As formas de planejamento estratégico que se multiplicaram não somente encobriram os conflitos em torno do ambiente urbano, mas também silenciaram os grandes debates sobre o papel das demais escalas territoriais de poder na elaboração de uma estratégia mais ampla de combate à exclusão socioespacial que histo-ricamente marca a trajetória do país.

O livro Perspectivas canadenses, que já representa a quarta obra gerada pelo projeto de cooperação internacional entre Brasil e Canadá intitulado Novos Consórcios Públicos para a Governança Colaborativa, faz um contraponto à vasta literatura que trata a cidade como sujeito empreendedor, destinada a disputar as (pequenas) janelas de oportunidades proporcionadas pela globa-lização.

O conjunto de textos enfatiza a necessidade de uma maior coordenação nos territórios metropolitanos, e busca construir tanto uma reflexão mais consistente sobre as contradições na produção capitalista do espaço urbano e regional, quanto uma estratégia discursiva que combate a fragmentação do

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Prefácio | 9

espaço (nacional, regional, urbano), o municipalismo autárquico e a mercan-tilização das relações interfederativas. Mostra que, tanto quanto no contexto brasileiro, no Canadá, a busca (democrática) por um grau maior de coordena-ção entre entes federativos e atores sociais implica explicitar conflitos sociais (entre classes, escalas territoriais de poder e setores, como, por exemplo, o ambiental e o urbano), primeiro passo indispensável rumo à construção da função social da cidade. De certa forma, a negociação de novas governanças metropolitanas representa a outra face da radicalização da democracia.

Cabe destacar que a produção bibliográfica do projeto Novos Consórcios Públicos, incluindo este livro, busca contribuir para a formação de uma cultura alternativa de projetos de cooperação internacional que articula cidades e áreas metropolitanas. Os governos locais, as autarquias estaduais, os movimentos sociais, os centros universitários e as universidades envolvidas na produção do espaço metropolitano desempenharam papel estratégico na construção social de conhecimento sobre a dinâmica territorial das metrópoles, e sobre os desafios enormes associados à articulação de instituições cooperativas em-basadas nas estruturas sociais.

Nesse sentido, cabe um destaque para a universidade, que foi chamada pelo projeto para ir além do seu papel tradicional de difusor exógeno de co-nhecimentos, apenas olhando para a sociedade como receptáculo passivo da produção acadêmica. As universidades participaram ativamente da produção e discussão dos resultados do projeto, o que não somente gerou uma produção bibliográfica e um conjunto de cursos de capacitação para um público-alvo diferenciado (gestores municipais e estaduais, representantes de movimentos sociais, empresários, etc.), mas também uma mobilização de todos esses ato-res em torno de uma agenda de governança colaborativa e democrática. Isso representa um primeiro ponto de inflexão numa cultura ainda marcada pela concorrência exacerbada entre escalas territoriais de poder, atores e interesses na federação brasileira.

O livro e o projeto Novos Consórcios, portanto, têm uma relevância que transborda as experiências canadenses relatadas, e busca provocar este debate mais amplo sobre os limites e potencialidades de projetos de cooperação em geral, e os que envolvem os agentes locais em particular, na produção e re-produção de uma cidade mais justa e equitativa no atual estágio da economia global financeirizada.

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referências

BRENNER, N. New State spaces. Urban governance and the rescaling of statehood. New York: Oxford University Press, 2004.

MARICATO, E. O planejamento urbano no Brasil: as ideias fora do lugar e o lugar fora das ideias. In: ARANTES O. B.; MARICATO, E.; VAINER, C. O pensamento único das cidades: desmanchando consensos. Petrópolis: Vozes, 2000. Coleção Zero à Esquerda.

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apresentação O PrOjetO NOvOs cONsórciOs PúbLicOs Para gOverNaNça metrOPOLitaNa

A partir do reconhecimento de que as regiões metropolitanas, especial-mente no Brasil, estão enfrentando uma crise sem paralelo na história da urba-nização, em 2006 o Ministério das Cidades, em cooperação com a Universidade de British Columbia (UBC), iniciou o projeto internacional “Novos Consórcios Públicos para Governança Metropolitana” (NPC), com financiamento da Agência Canadense de Desenvolvimento Internacional (Cida), implementado nos quatro anos seguintes.

O projeto NPC surgiu da avaliação da crise nas regiões metropolitanas: tanto no Brasil como no Canadá, a implementação de medidas para melhorar as condições de vida de seus residentes tem sido dificultada pela falta ou inade-quação de mecanismos institucionais capazes de coordenar as ações entre as diversas jurisdições responsáveis pela infraestrutura e desenvolvimento justo e eficiente dos sistemas urbanos metropolitanos.

Como resposta a essa situação, várias formas de cooperação intermunici-pal têm surgido nos últimos tempos em diversas partes do Brasil e do Canadá. A proposta de novas instituições regionais e de novas estratégias tem engajado os diversos níveis de governo envolvidos, as universidades, os centros de pesquisa e as redes acadêmicas, que vêm alocando recursos e demonstrando interesse crescente na abordagem da regionalidade dos assuntos urbanos. No Brasil, um excelente exemplo dessa nova tendência é, sem dúvida, a consolidação

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de novas linhas de pesquisa sobre governança regional pelo Observatório das Metrópoles.1

O projeto NPC conduziu várias atividades relacionadas à governança urbana colaborativa, em 19 municipalidades nas regiões de Belo Horizonte, Fortaleza, Recife, Santarém e Santo André, desenvolvendo e implementando cursos de extensão inovadores sobre o tema, em conjunto com universidades e agências de treinamento institucional.2 Nessas atividades, o projeto NPC utilizou ideias e conceitos que vêm sendo explorados no discurso brasileiro e canadense sobre governança regional, cada vez mais rico e fértil. Ao mesmo tempo, buscou contribuir com esse discurso através da análise de experiências nacionais e internacionais, particularmente algumas experiências canadenses, selecionadas devido ao potencial interesse por parte dos parceiros brasileiros.

O desafio da urbanização

A urbanização é uma característica inerente à época atual, em que, pela primeira vez na história da humanidade, mais de 50% da população do mundo vive em cidades. Isso significa que a maioria dos desafios econômicos, sociais e ambientais do século 21 deverão ser uma prioridade nos grandes centros ur-banos. Tanto o Brasil quanto o Canadá são países altamente urbanizados, com mais de 80% de sua população morando em cidades, principalmente em áreas metropolitanas, o que faz com que o gerenciamento das regiões metropolitanas assuma uma importância significativa na agenda de ambos os países.

A progressão de urbanização para metropolização representa uma nova escala no desafio da governança urbana. Hoje, as áreas metropolitanas depen-dem de formas de gerenciamento que evoluíram a partir de sistemas urbanos obsoletos. A realidade urbana do século 21 requer estruturas e processos de governança preparados para a tarefa de gerenciar conglomerados urbanos gigantescos que desafiam todos os aspectos relacionados à vida urbana, desde a mobilidade de sua população até o acesso à moradia adequada e o gerencia-mento ambiental. O desafio da escala metropolitana é reforçado pela realidade dos efeitos urbanos da mudança climática e pela demanda crescente de formas

1 O Observatório das Metrópoles envolve várias universidades brasileiras, e tem sede na Univer-sidade Federal do Rio de Janeiro.

2 Informações detalhadas sobre o projeto NPC podem ser obtidas no site http://www.chs.ubc.ca/consortia/index.html

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de governo mais participativas e inclusivas, que envolvam tanto o setor pú-blico como o setor privado e a sociedade civil. Todos esses aspectos têm que ser tratados dentro de uma realidade em que predominam problemas sociais endêmicos, persistentes e difíceis de serem resolvidos, como a pobreza urbana, a violência e as drogas, a visível decadência dos serviços e da infraestrutura urbanos, e a emergente hostilidade contra novos imigrantes.

As cidades em geral – e, de forma muito mais aguda, as cidades que com-põem as áreas metropolitanas – não têm demonstrado capacidade de atender a todos esses problemas, ficando clara a necessidade de respostas inovadoras à busca de novas formas e tipos de governo metropolitano. Essas inovações têm que ser adequadas aos seus contextos particulares, o que não implica certamente negar os benefícios de estudos comparativos ou análises de situa-ções nas quais exista uma relativa similaridade. Entretanto, é necessário levar em conta que quaisquer respostas aos problemas metropolitanos são extre-mamente lentas e demoradas. Há uma enorme resistência a mudanças, seja por parte de interesses explícitos na manutenção do status quo – que lhes traz lucro ou prestígio – seja pelo receio de enfrentar novas situações que exigem novas informações e adequada capacitação dos recursos humanos envolvidos no gerenciamento das metrópoles.

Novas ideias e abordagens estão acontecendo, tanto no Canadá quanto no Brasil, envolvendo uma nova visão da administração metropolitana. Um dos mais promissores caminhos para o gerenciamento sustentável das metrópoles passa por novas formas de governança urbana colaborativa, aqui entendida como a abordagem que implicitamente engaja todos os atores metropolitanos de forma democrática, ou seja, um somatório das interações entre a sociedade civil e os governos envolvidos, de forma justa e equânime. Essa abordagem envolve uma dimensão relacional, por implicar a cooperação entre os próprios governos e entre eles e a sociedade civil, e leva à discussão aberta das assimetrias de poder, de conhecimento, de informação e dos recursos disponíveis entre os atores envolvidos.

A despeito do grande desafio implícito na colaboração interinstitutcio-nal, existem exemplos que apontam alguns caminhos e suscitam algumas reflexões em diversas experiências canadenses. No bojo desse desafio, está o intrincado conjunto de relações que devem ser desenvolvidas entre a rede de atores e as agências envolvidas no processo. Essas relações estão muitas vezes impregnadas do contexto e, portanto, apresentam desafios adicionais. Daí a dificuldade de definir políticas de ações generalizadas que possam ser aplica-

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das transculturalmente ou mesmo em diferentes cidades do mesmo país. Em cada uma dessas arenas urbanas, as histórias locais se desenvolvem de forma a criar um caminho próprio que influencia os esforços necessários às mudanças. Portanto, o processo de implementação da governança urbana colaborativa implica desenvolver novas formas de pensar e de implementar iniciativas que estão, muitas vezes, em conflito com sistemas arraigados nas governanças municipais fragmentadas. Nessa situação, novas relações de trabalho, novos entendimentos e novas instituições devem ser criados. Isso é difícil mesmo quando há um arcabouço jurídico propício, capaz de dar legitimidade a novas formas de governança urbana.

A governança urbana colaborativa é a práxis que busca maximizar o bem comum e, assim sendo, é a manifestação prática da compreensão sistêmica da metrópole. As características associadas à ‘boa governança’ são, sem dúvida, implicitamente assumidas para as novas abordagens, seja da parte da sociedade civil, seja da parte dos governos: a governança colaborativa deve ser transparen-te, efetiva, aberta, prestadora de contas, obediente às leis vigentes, aceitando o pluralismo e a diversidade. E acima de tudo, deve estar engajada nas práticas que beneficiem os pobres e os grupos excluídos da metrópole.

a mesa-redonda Governança Metropolitana Colaborativa para Inclusão Social

Como uma importante contribuição ao processo de governança regio-nal, o projeto NPC organizou em Belo Horizonte, nos dia 2 e 3 de Setembro de 2009, uma Mesa-Redonda em que acadêmicos e profissionais trocaram informações, discutiram conceitos e experiências relacionados à Governança Metropolitana Colaborativa para a Inclusão Social, o tema principal do pro-jeto NPC. Participaram brasileiros e canadenses envolvidos no projeto NPC, assim como acadêmicos e outros especialistas com interesse e experiência na análise de instituições metropolitanas e na evolução de seus desafios. O evento ofereceu uma rara oportunidade para brasileiros e canadenses compararem exemplos, perspectivas e abordagens orientadas para melhorar a inclusão so-cial através do fortalecimento da governança metropolitana colaborativa. A Mesa-Redonda foi estruturada de modo a facilitar a discussão e o aprendizado a partir de experiências e conhecimento dos participantes. As apresentações e discussões foram pautadas por três questões: (a) por que a governança colabo-rativa é necessária para alavancar a inclusão social em áreas metropolitanas?;

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(b) que tipo de governança colaborativa e estruturas e processos participativos são mais apropriados e factíveis para se atingir a meta de uma governança mais inclusiva e socialmente mais justa?; (c) como as estruturas e processos de governança colaborativa podem ser criados e reforçados de forma contínua e sustentável?

este livro

Este livro reúne os artigos apresentados na Mesa-Redonda pelos partici-pantes canadenses. Embora a ênfase dos artigos varie, a maioria deles aborda de alguma forma as três questões acima mencionadas, discutindo alguns dos desafios para a governança urbana a partir de experiências canadenses.

A mudança de paradigmas, necessária para construir uma nova aborda-gem do gerenciamento das metrópoles no Brasil e no Canadá, envolve uma combinação de visão, conhecimento, aprendizado e dedicação por parte de todos os atores engajados. Chamamos a esse processo de ‘desenvolvimento da capacitação institucional’ – o mais importante aspecto no processo de mudança, como tem ensinado a experiência do projeto NPC. Este livro apre-senta uma coletânea de artigos que podem ser utilizados para desenvolver essa capacitação, necessária para criar novas formas de governança colaborativa, particularmente no Brasil e no Canadá, mas igualmente em outros países que estão enfrentando os desafios da urbanização.

De maneira geral, ressalta-se a importância de capacitar as lideranças po-líticas, a burocracia governamental, os gestores, os planejadores e a sociedade civil para desenvolver uma visão compartilhada da governança metropolitana, construindo a conscientização e o compromisso necessários para o sucesso da governança urbana colaborativa. Isso só poderá ser obtido pelo estudo cuidadoso dos assuntos envolvidos, desde o planejamento – necessário para enfrentar os desafios na construção de sistemas fiscais adequados e justos – até o desenvolvimento de um sistema de governança inclusivo, engajando todos os atores e agências envolvidos. Depende também do estabelecimento de es-truturas organizacionais de governança colaborativa que possam adaptar-se em resposta a novos desafios e novos condicionantes, que sejam sustentáveis embora altamente flexíveis. Tais organizações não podem ser criadas em um passe de mágica, ou através de processos impositivos e verticais, de cima para baixo. Seu sucesso depende do processo de aprendizado social que ocorre de muitas maneiras: pelo envolvimento contínuo em projetos colaborativos, pela

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capacitação dos recursos humanos e através de pesquisa e coleta de informa-ção que envolva pesquisa participativa – com todos os atores – para ajudar na identificação dos principais problemas.

Coletivamente, os artigos procuram oferecer uma visão dos contextos nos quais algumas experiências de governança metropolitana vêm evoluindo no Canadá, assim como os complexos desafios que enfrentam os esforços colaborativos. Acreditamos que eles serão de interesse para estudantes de governança, assuntos urbanos e políticas urbanas sociais em geral.

Os artigos

Os artigos deste livro descrevem e analisam exemplos de situações em que foi possível criar e implementar processos de governança colaborativa, sem deixar de mostrar como o processo é difícil e complexo – complexidade que se torna ainda maior na medida em que há um grande número de agências e atores envolvidos no processo.

O artigo de Peter Boothroyd traça uma análise comparativa dos pro-cessos de gerenciamento metropolitano no Brasil e no Canadá, referindo-se particularmente às lições aprendidas durante a implementação do projeto NPC. Reconhecendo que há consideráveis sinergias em ambos os países para o desenvolvimento de políticas urbanas que estimulem a colaboração entre os atores, o autor sugere que a construção de novas capacidades institucionais para governança colaborativa pode acontecer por meio de projetos de coope-ração entre os dois países.

Nathan Edelson apresenta o estudo de caso sobre o estabelecimento e operação do Acordo de Vancouver (Vancouver Agreement), celebrado entre o go-verno federal do Canadá, o governo da Província de British Columbia e a cidade de Vancouver, com o objetivo de melhorar as condições de vida da população de baixa renda da área central da cidade, particularmente do bairro Downtown Eastside, próximo à zona comercial e cultural do centro. Como planejador municipal da cidade de Vancouver, Nathan esteve envolvido diretamente na implementação desse acordo, e oferece uma análise dos problemas e desafios encontrados durante sua implementação. O artigo trata claramente dos proble-mas de desigualdade e justiça social – preocupação central do projeto NPC – e está focado em três temas nucleares da governança urbana colaborativa para a inclusão social: as relações intergovernamentais, a inclusão social de grupos

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de baixa renda, e o desenvolvimento da governança participativa em vários grupos comunitários socialmente diversos.

A organização Metro Vancouver (antigamente chamada Distrito Regional da Grande Vancouver) é apresentada no artigo de Hugh Kellas. Essa organiza-ção, originalmente criada em 1967, hoje consiste na federação composta por 22 municipalidades, uma comunidade indígena e um território que ainda não se constituiu como municipalidade (unincorporated area). Em 2005, a população total da Metro Vancouver era de 2,3 milhões de habitantes. A organização é baseada no princípio de ‘federação colaborativa’ e responde a um comitê central (Metro Vancouver Board) composto por representantes de cada uma das munici-palidades (prefeitos e vereadores) e representantes dos demais elementos que a constituem. Suas funções principais são oferecer serviços de infraestrutura, tais como água, lixo sólido e esgotos (e seu tratamento), assim como planejar o gerenciamento do crescimento regional, tendo como meta principal e arcabou-ço das diretrizes de crescimento a criação de uma região sustentável e liveable (adequada às melhores condições de vida para seus residentes). O artigo de Hugh Kellas faz uma análise das relações intergovernamentais envolvidas na operação da Metro Vancouver, focalizando aspectos relevantes para as regiões metropolitanas brasileiras.

As formas de reduzir conflitos – frequentemente característicos do pro-cesso de desenvolvimento colaborativo – são descritas no artigo de Maureen Maloney. A proposta da autora é que o tratamento dos conflitos deve pautar-se nos princípios já bem estabelecidos de formação de consenso, envolvendo a inclusão de todos os participantes, a transparência, a responsividade, a equidade e a responsabilidade mútua dos atores. É importante seguir esses princípios para ‘gerar perspectivas sobre usos e valores múltiplos que podem alavancar o apoio público e privado a iniciativas de governança colaborativa’. Essa abordagem é explorada com um estudo de caso sobre a Estratégia Urbana Aborígene (Urban Aboriginal Strategy) relacionada ao Acordo de Vancouver (também analisado neste volume). Com base nessa análise, são identificados sete fatores que contribuem para o sucesso da governança colaborativa urbana: (1) liderança e tomada de decisões compartilhada; (2) recursos suficientes e compartilha-dos; (3) inclusão social e empoderamento das comunidades envolvidas; (4) burocracias engajadas e flexíveis; (5) aprendizado e compreensão mútuos; (6) transparência e responsabilidade; e (7) elaboração e utilização de mecanismos de gerenciamento e resolução de conflitos nos processos de tomada de decisão. O sucesso na implementação dos processos também depende da capacidade

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de desenvolvimento contínuo de todas as pessoas envolvidas. Isto implica na aquisição de conhecimento, habilidades e atitudes que possam vir a facilitar seu processo de implementação.

O Conselho da Bacia do Fraser (Fraser Basin Council – FBC) é uma orga-nização não governamental criada para promover o desenvolvimento susten-tável (social, econômico e ambiental) da Bacia do Rio Fraser, a maior bacia hidrográfica da Província de British Columbia, e um componente central do ecossistema da região metropolitana de Vancouver. David Marshal analisa a criação do FBC a partir do objetivo principal de facilitar a tomada de decisões de forma colaborativa, visando à sustentabilidade da região, por todos os in-teresses envolvidos: os governos municipais, o governo provincial, o governo federal, as nações indígenas, o comércio, as indústrias e as várias organizações não governamentais que atuam no território da Bacia. O Brasil também tem estabelecido muitos acordos colaborativos em função da proteção de bacias hidrográficas e mananciais, mas não tão participativos quanto o FBC. O artigo discute: (1) o modo como o FBC mudou de um programa a princípio totalmente financiado pelo governo para uma organização sustentável em termos finan-ceiros, sem fins lucrativos; (2) a forma como a colaboração interinstitucional tem sido desenvolvida na busca de soluções integradas para os desafios da sustentabilidade da Bacia do Rio Fraser; e (3) o avanço dos princípios-chave empregados no desenvolvimento dessas colaborações interinstitucionais.

Os processos de desenvolvimento da governança regional no Canadá, com particular ênfase nas tentativas empreendidas na região de Edmonton, capital da Província de Alberta, são examinados no artigo de Douglas Knight. Embora este seja um processo recente – o Comitê da Capital (Capital Region Board) foi criado em 2008 –, o autor apresenta alguns desafios interessantes enfrentados durante a criação do Comitê, que é composto por 25 municipa-lidades e que tem obrigações explícitas e claras em relação aos municípios-membros. O autor situa a discussão na literatura sobre o gerenciamento de mudanças institucionais e mostra como o processo de criação da governança colaborativa em Edmonton se tornou mais difícil devido ao caráter impositivo da iniciativa e também devido à resistência de algumas municipalidades. Como observa o autor, o processo de criar governança regional é complexo, necessita de tempo e do envolvimento de todos os participantes afetados. Entretanto, é ainda muito cedo para dizer qual será a direção da experiência de governança regional em Edmonton.

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Lenora Angeles trata, em seu artigo, do atual debate global sobre a boa governança para áreas urbanas dentro do contexto brasileiro, particularmente em relação aos aspectos de inclusão social e desigualdade nas cidades. O artigo examina o papel da governança colaborativa e dos consórcios públicos à luz das ideias de boa governanca, e argumenta que os conceitos de participação e colaboração que orientaram o projeto NPC têm informado positivamente o discurso das políticas de desenvolvimento da capacitação para governança colaborativa em regiões metropolitanas no Brasil.

Novas ideias relativas às conexões entre governança urbana colaborativa e capacitação das redes sociais de atores para promover a inclusão social são apresentadas no artigo de Jean Shoveller. O ponto central do artigo é a conclu-são de que modelos de desenvolvimento organizacional convencionais, bem estabelecidos, lógicos e racionais, são muitas vezes inadequados para a capaci-tação para o desenvolvimento. Esses modelos não levam em consideração as contínuas trocas (reflexivity) envolvidas nas interações entre os atores sociais e as instituições que acomodam ‘interesses comuns’. Os processos convencionais envolvidos no desenvolvimento tecnocrático, de cima para baixo (top-down developmentalism) são contrários aos processos participativos, que se apoiam em negociação e construção de consenso na obtenção de resultados. Essas ideias são aplicadas ao Consórcio Regional para Promoção da Cidadania Mulheres das Gerais, e oferecem uma excelente explicação para o sucesso do projeto. Concluindo, a autora comenta que o desenvolvimento de redes sociais, um fator muito importante no projeto Consórcio Mulheres das Gerais, se apoia: (a) em uma ampla compreensão dos assuntos considerados; (b) em uma inter-pretação comum do que os participantes das redes desejam obter; (c) na (re)definição e aceitação dos papéis na coordenação compartilhada da busca de metas comuns; (d) na mobilização dos recursos para promoção do objetivo das redes; e (e) no trabalho conjunto para a criação de novos espaços onde as redes operem de forma participativa em assuntos intra e interurbanos.

O artigo de Deming Smith relata duas experiências distintas de colabora-ção intermunicipal no Canadá nas recém-consolidadas áreas metropolitanas de Toronto e Montreal, como resultado da recente fusão/agrupamento das municipalidades. O trabalho apresenta as estruturas políticas e os mecanismos de colaboração municipal nessas regiões metropolitanas antes do agrupamen-to, bem como relatórios sobre as razões pelas quais essas estruturas foram redesenhadas em favor do agrupamento forçado dos municípios em uma megacidade. A eficácia dessas novas megacidades no alcance dos objetivos

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fixados pelo governo da Província também é analisada. O artigo termina com uma avaliação dos impactos desses agrupamentos forçados sobre os aspectos sociais, tais como o envolvimento público na vida cívica, a redistribuição mais equitativa da riqueza, e o acesso aos serviços, entre outros.

Os artigos enfatizam os diversos desafios na criação da governança co-laborativa, que, embora retratados através de diferentes exemplos, tratam de aspectos comuns às dificuldades da cooperação interinstitucional. Fica claro que é importante a promoção de uma ‘cultura de colaboração’, essencial para criar formas eficientes de governança urbana colaborativa. Novas iniciativas de arranjos de governança colaborativa devem envolver o apoio das redes so-ciais e dos vários agentes e agências envolvidas nos sistemas urbanos, devem promover um arcabouço legal desenhado para o gerenciamento bottom-up (de cima para baixo); e finalmente devem enfrentar a necessidade de desenvolver a constante capacitação dos recursos humanos envolvidos nos arranjos insti-tucionais. É preciso também reconhecer que existem desafios adicionais aos arranjos colaborativos focados em assuntos relacionados ao bem-estar social, ao aumento do acesso aos serviços sociais e às políticas socialmente inclusivas. A despeito do rápido crescimento de uma vigorosa sociedade civil, tanto no Brasil quanto no Canadá, ambos os países têm ainda grandes barreiras que impedem a participação dos pobres e dos excluídos no planejamento das me-trópoles. O desenvolvimento de respostas colaborativas exitosas passa pela análise cuidadosa das lições aprendidas nas experiências descritas nos artigos reunidos neste livro e nos demais textos da Coleção Inclusão, Colaboração e Governança Urbana.

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cONseLhO Da bacia DO riO fraser – caNaDáUm modelo único de governança colaborativa

David Marshall

O Conselho da Bacia do Rio Fraser (FBC) é uma organização não gover-namental, sem fins lucrativos, criada em 1997 para atuar nas dimensões de sustentabilidade social, econômica e ambiental na Bacia do Rio Fraser, uma grande bacia hidrográfica na província de British Columbia, Canadá. A FBC trabalha em uma série de questões relacionadas com a sustentabilidade e facilita o processo decisório colaborativo para a sustentabilidade da região em geral, entre os múltiplos interesses: do governo federal, dos governos provinciais e municipais, das First Nations (povos indígenas do Canadá), das empresas e da indústria, e de várias organizações não governamentais. A criação do Conselho foi a culminância de quase 30 anos de evolução da gestão da bacia hidrográfica, do governo de British Columbia (BC) e do governo federal do Canadá.

Este artigo descreve os passos que conduziram à criação da FBC e mostra como o Conselho emprega um modelo de governança colaborativa baseado no consenso, para facilitar a resolução de questões interinstitucionais complexas, e como a organização contribui positivamente para melhorar o bem-estar econômico, social e ambiental dos cidadãos na região.

sobre o conselho da bacia do rio fraser

O Conselho da Bacia do Rio Fraser é uma organização única, que tem como principal objetivo o avanço da sustentabilidade ao longo de toda a Bacia do Rio Fraser – uma área geográfica de 240.000 Km² – e em toda a Colúmbia Britânica. A visão de longo prazo do FBC é a de garantir que a Bacia do Rio Fraser seja um lugar onde o bem-estar social é apoiado por uma economia

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dinâmica e sustentado por um ambiente saudável, um verdadeiro reflexo da sustentabilidade.

A Bacia do Rio Fraser drena mais de 25% das terras de British Columbia, abastece mais de dois terços da população da Província e contribui significa-tivamente para a economia provincial e federal. O Rio Fraser e seus afluentes são um importante recurso de água doce e também fornecem importantes corredores de transporte, posicionando a bacia como um caminho para a Ásia-Pacífico. Além disso, a Bacia do Rio Fraser representa um dos habitat mais importantes do mundo para reprodução do salmão, abrigando cinco espécies de salmão e outras espécies de peixes, entre eles a truta arco-íris e o esturjão branco. É a zona de reprodução aquática mais produtiva de British Columbia. Centenas de espécies de aves e mamíferos habitam a área. A bacia contém 21 milhões de hectares de floresta, metade das terras agrícolas da Província e muitas mineradoras em atividade.

Por milhares de anos, a Bacia do Rio Fraser foi o local onde residiam povos aborígenes de oito diferentes grupos linguísticos. Hoje, 2,7 milhões de residentes de variadas origens consideram a bacia sua morada (BLOMQUIST, 2007).

O resumo da história do FBC apresentado a seguir descreve a transição de um programa de governo financiado para uma organização financeiramente sustentável e sem fins lucrativos.

Um breve histórico do fbc

Ao longo do século passado, vários poluentes degradaram o Rio Fraser na Columbia Britânica, entre eles resíduos industriais e agrícolas, esgoto dos municípios e águas pluviais. Na década de 1970, a saúde do rio declinou rapi-damente devido ao aumento da atividade industrial, à urbanização, bem como ao excesso de pesca (CALBICK et al., 2004). Isto levou ao lançamento de uma série de estudos colaborativos provincial-federais, no final dos anos 1970 e no início de 1980, para avaliar a saúde do Rio Fraser na foz. Em 1985, foi criado o Programa de Gestão do Estuário do Rio Fraser (Fraser River Estuary Manage-ment Program - FREMP) para trabalhar rumo à sustentabilidade da região do estuário do Fraser. Embora o programa tenha avançado na tomada de decisão interinstitucional, especialmente na oportunidade dada às representações das Nações Indígenas, têm-se enfrentado dificuldades em coordenar os mandatos e recursos entre as várias agências envolvidas (SULKIS, 2009).

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Em 1990, em resposta à condição de deterioração do Rio Fraser e à crescente preocupação pública, os prefeitos de Vancouver e de Prince George lançaram um ao outro o desafio de limpar o rio, e, como resultado, cerca de 35 cidades e comunidades na Bacia do Rio Fraser formaram a Coalizão de Cidades do Rio Fraser. A Coalizão participou então do Comitê Executivo da Bacia do Rio Fraser, financiado pelos governos federal e local e encarregado de criar um plano de gestão sustentável da bacia.

Em 1990, o Governo do Canadá identificou a Bacia do Rio Fraser como o grande sistema de água doce que exigia ação prioritária. Como parte do Plano Verde Canadense (Canada’s Green Plan), o Plano de Ação do Rio Fraser (Fraser River Action Plan - FRAP) foi criado em 1991. Copatrocinado pelos Departa-mentos de Meio Ambiente e das Pescas e Oceanos, o FRAP estava voltado para os ecossistemas de toda a bacia hidrográfica, incentivando responsabilidades coletivas e parcerias colaborativas, além de estabelecer metas para a restauração da saúde ambiental da bacia e de envolver a população, para que os cidadãos de British Columbia pudessem compreender melhor como contribuir, com suas ações, para essa restauração.

Em 1992, o financiamento do governo federal para o Plano Verde foi combinado com recursos fornecidos por governos provinciais e locais para criar um Programa de Gestão da Bacia do Rio Fraser (Fraser Basin Management Program - FBMP) para cinco anos (CALBICK et al., 2004).

O FBMP foi construído sobre o trabalho do FRAP, reunindo todas as quatro ordens de governo canadense (federal, provincial, local e Nações Indí-genas), e ainda o setor privado e a sociedade civil, para abordar algumas das questões-chave, identificadas pelo FRAP, para a gestão do rio. Sua inauguração se deu com um acordo formal, em que as partes signatárias concordaram em trabalhar conjuntamente no desenvolvimento de um programa para garantir a sustentabilidade da Bacia do Rio Fraser, e envolver todos os atores no pro-cesso (MARSHALL, 1998). O FBMP foi coordenado pelo Conselho Gestor da Bacia do Rio Fraser (Fraser Bain Management Board - FBMB), constituído por 19 diretores que representavam as quatro ordens de governo (12) e sete dire-tores em geral de várias partes da bacia, entre os quais se incluía uma cadeira imparcial (Tabela 1).

O FBMB era obrigado a tomar decisões por consenso, a estimular a toma-da de decisões com base no consenso em todas as atividades da Bacia do Rio Fraser, e a facilitar o desenvolvimento da tomada de decisão local (CALBICK et al., 2004). Os principais resultados do FBMB foram o Plano Estratégico (1993),

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que incluiu a visão, o mandato e os objetivos do FBMP; o primeiro Relatório sobre o Estado da Bacia do Rio Fraser (1995), que abordou questões-chave sobre a sustentabilidade da bacia; e um plano estratégico para a sustentabilidade da bacia, que se tornou a Carta de Sustentabilidade (1997) (CALBICK et al., 2004; MARSHALL, 1998).

Concluído o seu prazo de cinco anos, o FBMB recomendou a criação de uma organização para supervisionar a implementação da Carta de Sustentabili-dade, reconhecendo que a organização precisava ser independente do governo, mas que o governo precisava fazer parte de sua estrutura de governança. Depois de analisar uma série de modelos de governança, o Conselho recomendou a criação de uma organização sem fins lucrativos – a Sociedade do Conselho da Bacia do Rio Fraser – que teria um conselho de diretores com uma composição semelhante à do FBMB e seria financiada pelos governos federal, provincial e local, bem como por outras fontes de financiamento.

Em 1997, a Sociedade do Conselho da Bacia do Rio Fraser foi registrada como uma sociedade sem fins lucrativos na Lei das Sociedades de British Co-lumbia. Ela é composta por sete membros, que representam as quatro ordens do governo e os interesses não governamentais de setores econômicos, sociais e ambientais (Tabela 1). A sociedade civil é a guardiã legal da Constituição e dos estatutos da Sociedade. A Sociedade definiu um Conselho Executivo, com-posto por 36 membros, que atua como seu braço operacional (CALBICK et al., 2004; MARSHALL, 1998). Os conselheiros representam as quatro ordens de governo e diversas comunidades no entorno da bacia (Tabela 1) (BLOMQUIST et al., 2007). A Sociedade elege os seus agentes (o presidente, o secretário e o tesoureiro) e nomeia os diretores para servirem no Conselho Executivo, por períodos determinados e renováveis.

O FBC aproxima as pessoas na resolução de questões complexas e/ou multi-institucionais na Bacia do Rio Fraser, para tirar partido das oportunida-des, e para reforçar a capacidade das instituições e indivíduos em lidar com as questões emergentes que ameaçam a sustentabilidade da bacia. Ele é o guardião da Carta de Sustentabilidade e exerce o seu mandato de acordo com a visão, os princípios e os objetivos enunciados na Carta (FBC, 1997). A So-ciedade e o Conselho são obrigados a tomar todas as decisões por consenso, o que permite que o governo e o setor privado participem como membros da Sociedade e do Conselho de Administração, sem ter a preocupação de estarem sempre sub-representados num processo de votação. Isso garante o equilíbrio contínuo da representação no Conselho e impede que qualquer

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interesse particular se sobreponha ao interesse da Sociedade (CALBICK et al., 2004; MARSHALL, 1998).

Sendo uma parceria de interesses públicos e privados, o FBC permite uma ampla representação de todos os setores da sociedade e enfatiza uma abordagem integrada voltada para metas sociais, econômicas e ambientais. O forte papel do governo na estrutura de governança do Conselho permite um maior feedback sobre as políticas e programas governamentais do que o conseguem as organizações tipicamente não governamentais. O Conselho se esforça para alcançar seus objetivos, facilitando a cooperação e a ação coletiva em toda a bacia, e atua como catalisador para minimizar a duplicação de esfor-ços, e para facilitar a harmonização e a colaboração entre os diversos interesses (MARSHALL, 1998). Sua gestão é autorregimentada, de acordo com os 12 princípios enunciados na Carta para a Sustentabilidade (ou seja, dependência mútua, accountability, equidade, integração, abordagens adaptativas, esforços coordenados e cooperativos, tomada de decisão aberta e informada, exercício da prevenção, gestão de incertezas, reconhecimento dos direitos, acordos e obrigações existentes, reconhecimento da existência de direitos e posse de terra dos aborígenes – atualmente em definição – e reconhecimento de que a transição rumo à sustentabilidade leva tempo) (FBC, 1997).

O FBC é financiado pelas contribuições dos governos federal, provincial e local na Bacia do Rio Fraser, além de contar com contribuições de empresas, de doadores individuais e de fundações, e com recursos advindos de contratos para realização de programas. Em todas as suas atividades, permanece imparcial, transparente, independente e não político no seu papel principal de defensor da sustentabilidade (FBC, 2004).

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tabela 1 estruturas de governança do Programa de gestão da bacia do rio fraser

e do conselho da bacia do rio fraser

ano 1992 - 1997 1997 - Presente

OrganizaçãoPrograma de gestão da bacia do rio fraser

conselho da bacia do rio fraser

governance bodythe fraser basin management board

conselho da bacia do rio fraser

conselho da bacia do rio fraser

membership of governance body

19 Diretores

• governo do canadá (3)• governo de british columbia (3)• governo local (3)• Nações indígenas (3)• setor não governamental e privado (representando interesses econômicos, sociais e ambientais) (7)

7 membros

• governo do canadá (1)• governo de british columbia (1)• governo local (1)• Nações indígenas (1)• setor econômico (1)• setor social (1)• setor ambiental (1)

36 Diretores

governo (14)• governo do canadá (3)• governo de british columbia (3)• governo local (distritos regionais) (8)

Nações indígenas (8) • Nações indígenas representando interesses linguísticos, geográficos e culturais) (8)

setor Não governamental e Privado (14)• cadeira imparcial• Para o conselho inteiro(3)• regional (representando interesses geográficos e setoriais) (10) • alto do rio fraser (2) • cariboo-chilcotin (2) • thompson (2) • vale do rio fraser (2) • grande vancouver (2)

trabalho atual do fbc

• Muitos dos problemas mais prementes de hoje são, na sua essência, problemas de sustentabilidade. Isso porque as grandes decisões tomadas hoje irão moldar o futuro para as próximas gerações.

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Para encontrar soluções integradas em longo prazo, o FBC trabalha para superar obstáculos e outros desafios por meio da colaboração entre os setores. Ele atua como catalisador e facilitador imparcial e, quando convidado a fazê-lo, aproxima as pessoas para discutir e resolver questões de sustentabilidade. Também conscientiza as pessoas sobre a importância da sustentabilidade; monitora progressos no sentido da sustentabilidade por meio da elaboração de relatórios sobre indicadores-chave; e oferece uma variedade de programas de parceria para ações de sustentabilidade na Bacia do Rio Fraser, em British Columbia e seu entorno.

mostrando que a governança colaborativa funciona

O FBC constatou que a ampla base de colaboração entre as pessoas promove sensibilização em longo prazo, ação compartilhada e soluções sus-tentáveis. Em sua diretoria, as decisões são tomadas por meio do diálogo, da cooperação e do consenso. O FBC trabalha com outras agências, conselhos, comitês e grupos de trabalho dentro e fora da Bacia do Rio Fraser, apoiando-os na concepção de processos colaborativos e compartilhando o seu modelo.

facilitar a resolução dos problemas de hoje

O Conselho da Bacia do Rio Fraser busca reunir pessoas para trabalhar em novos projetos e para encontrar soluções colaborativas para as questões contenciosas sociais, econômicas e ambientais. Quando convidado a fazê-lo, atua como mediador imparcial para realizar reuniões, consultas ou diálogos sobre questões de interesse e para ajudar múltiplos interesses na construção de consenso.

apoiar parcerias e programas para a sustentabilidade

A cada ano, o FBC realiza programas em diversos tópicos da sustentabi-lidade, em parceria com os setores público, privado e organizações sem fins lucrativos. As principais iniciativas incluem gestão do perigo de cheias, redução das alterações climáticas e adaptação a elas, energia limpa, qualidade do ar, peixe e pesca, e planejamento inteligente para as comunidades.

O FBC foi fundamental no lançamento do programa nacional E3 Fleet destinado a promover as melhores práticas na gestão da frota; no Programa do Salmão da Bacia do Rio Fraser (em parceria com a Fundação do Salmão do Pacífico), criado para promover mudanças no comportamento humano em favor das bacias hidrográficas; e no Conselho sobre Manejo das Plantas Nocivas de British Columbia, uma organização independente fundada sobre

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a estrutura de governança colaborativa do FBC e dedicada à criação de parce-rias de trabalho para controlar a propagação de plantas invasoras nocivas. Em cada uma das cinco regiões do FBC, outros programas estão em curso para construir economias locais fortes e comunidades sustentáveis.

Da bacia do rio fraser para o brasil: construindo colaborações de sucesso

Embora as questões metropolitanas no Brasil sejam muito diferentes das questões de governança na Bacia do Rio Fraser, em British Columbia, ambas as regiões podem beneficiar-se de colaborações efetivas e com múltiplos in-teresses. Uma colaboração bem-sucedida exige que as partes compreendam a importância de trabalhar conjuntamente para que as atividades dos seus consórcios sejam geridas de forma responsável e sustentável, enquanto maxi-mizam os benefícios e minimizam os custos. As questões metropolitanas estão se tornando cada vez mais complexas e interligadas, exigindo uma abordagem multidisciplinar e de múltiplos interesses.

Existem fortes razões para colaborar. A experiência do Conselho da Bacia do Rio Fraser é de que as partes geralmente percebem mais vantagens em capitalizar, em termos de custo-benefício, sobre as competências dos outros do que em desenvolver todas as competências internamente. A colaboração efetiva resulta em soluções mais completas e duradouras; reduz a probabi-lidade de conflitos e intervenções posteriores; promove mais harmonia na região; e reforça a confiança da população, tanto no setor público quanto no setor privado.

Princípios-chave para a colaboração eficaz

Os princípios fundamentais para processos eficazes de colaboração são:

transparência e f accountability

equidade e inclusão f

eficiência e eficácia f

responsividade f

imparcialidade f

processo decisório colaborativo. f

Segue a descrição de cada um:

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transparência e accountability

As decisões são tomadas de forma transparente para garantir que as partes tenham acesso às informações sobre decisões e processos de tomada de decisão. As partes intervêm efetivamente pelos interesses que representam e são responsáveis perante os seus constituintes. Os mecanismos e recursos para o feedback em tempo hábil e a comunicação aos constituintes são cruciais e devem ser criados de forma a construir compreensão e comprometimento para minimizar desafios e maximizar as oportunidades.

equidade e inclusão

Todas as partes com interesse significativo nas questões estão envolvidas no processo de tomada de decisão e participam voluntariamente. Os processos de tomada de decisão são abertos, justos e equitativos. Todas as partes têm igual acesso às informações relevantes, além da oportunidade e dos recursos para participar.

eficiência e eficácia

Os processos são eficientes e eficazes para garantir que os resultados sa-tisfaçam às metas e aos objetivos das iniciativas. As soluções para os problemas são testadas para garantir que tenham sentido prático.

responsividade

As decisões e ações realmente abordam as preocupações dos participantes e respectivas regiões. A flexibilidade é ressaltada nos processos, para garantir que os processos de tomada de decisão sejam capazes de se adaptar à mudança das necessidades e circunstâncias.

imparcialidade

O processo é imparcial, e a expressão de diferentes perspectivas é enco-rajada. Os processos de tomada de decisão são concebidos para responder às preocupações de todas as partes. A aceitação da diversidade de valores, interes-ses e conhecimentos das diversas partes envolvidas no processo é essencial.

Processo decisório colaborativo

As decisões são tomadas por consenso, em vez de serem por maioria. O consenso incentiva processos criativos e soluções inovadoras para problemas complexos, proporcionando uma diversidade de conhecimentos e experiências

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para resolver problemas em conjunto. Os processos de construção de consenso também permitem às partes conceberem processos adequados às suas condi-ções e necessidades específicas, e proporcionam um fórum que reúne novas parcerias e fomenta a resolução de problemas de forma cooperativa na busca de soluções inovadoras que maximizem todos os interesses. A colaboração pode melhorar as relações entre as partes e ajudar a criar respeito e uma melhor compreensão de diferentes pontos de vista. Os processos de construção de consenso também podem levar a processos mais bem informados e decisões mais duradouras devido ao comprometimento mútuo (e responsável) com o processo, os resultados e a implementação.

Delineando o arranjo colaborativo

Ao considerar as colaborações, o processo preferido deve ser benéfico para as diferentes partes. Em outras palavras, para garantir um consórcio estável e eficaz, cada participante tem de estar plenamente envolvido na sua concepção e desenvolvimento. Embora o consórcio possa ser concebido de diferentes maneiras, irá exigir o compromisso das partes para o trabalho conjunto.

A concepção do consórcio exige a implementação, se não de todos, de vários dos seguintes passos:

assinatura de um memorando de entendimento, convenção ou acordo f

comprometendo cada uma das partes a trabalhar em conjunto, no me-lhor interesse de desenvolver o consórcio, de maneira a elevar o bem-es-tar social, fortalecer as comunidades e criar oportunidades econômicas;

elaboração de uma visão para o consórcio, no sentido de maximizar as f

oportunidades e minimizar os custos;

definição dos princípios fundamentais em que o consórcio irá operar; f

análise da eficácia dos recursos de gestão existentes, formais e informais, f

para modelos ou processos de governança colaborativa (por exemplo, o Conselho da Bacia do Rio Fraser);

preparação de um plano de ação que descreva as principais prioridades e f

atividades no desenvolvimento da estrutura de governança preferida ou no processo para o consórcio; e

desenvolvimento de mecanismos para medição de desempenho e ava- f

liação dos processos, a fim de garantir a máxima eficácia do consórcio.

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Princípios básicos para trabalhar em conjunto

Trabalhar em conjunto com as outras partes interessadas pode construir confiança e ‘aceitação’, reduzir as incertezas e custos externos, e apoiar uma abordagem mais eficaz e construtiva baseada nos atributos (dinheiro, poder, influência, redes, informações etc.) de cada uma das partes para resolver questões altamente complexas. Para fazer isso, no entanto, o trabalho em conjunto requer que:

todas as partes estejam dispostas a se unirem em boa-fé; f

posições firmes sejam substituídas por perspectivas; f

o diálogo faça parte do espaço de debate; f

“egos sejam deixados de lado” f

haja um interesse comum na busca por um terreno comum e soluções f

em que todos ganham;

existam princípios consensuais para cooperação e colaboração; f

haja um entendimento claro dos papéis e respeito mútuo pelos direitos f

e obrigações existentes;

haja um compromisso com os resultados e as decisões; f

a visão, a missão e os objetivos sejam desenvolvidos de forma clara e f

sejam seguidos;

exista uma liderança dinâmica em todos os níveis do mecanismo de f

tomada de decisão colaborativa.

vale a pena o resultado final

Utilizar uma nova abordagem colaborativa para um velho problema pode ser assustador, mas este é um investimento que extrai o melhor das pessoas e conduz a ganhos em longo prazo. Como resumiu um antigo presidente do Conselho da Bacia do Rio Fraser:

Processos colaborativos reconhecem que emerge um tipo de processo decisório mais eficaz, potente e sustentável quando interesses diversos se aglutinam em torno de valores fundamentais, e quando o consenso e a ação conjunta são preferidos ao confronto e à inércia. ( Jack Blaney, Presidente FBC)

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DO cONceitO à açãODesenvolvendo governança regional para municípios

Douglas Knight

Nos últimos tempos, no Canadá, tem havido um debate crescente sobre as melhores formas de governança para as regiões urbanas. Existem, em todo o país, diferentes formas de colaboração regional intermunicipal, mas nenhu-ma que possa ser considerada como a “melhor prática” ou uma forma que possa ser replicada por outros. Historicamente, as maiores regiões urbanas do Canadá, como Toronto, Montreal e Vancouver, têm crescido como um conjunto de municípios suburbanos adjacentes ao município pólo, no qual estão centralizadas muitas das atividades do terceiro setor e da vida cultural. Os municípios suburbanos oferecem um estilo de vida residencial, tanto para os trabalhadores que desejam escapar de seus escritórios no centro da cidade quanto para aqueles que trabalham nos setores industriais nas periferias dos centros urbanos. Em alguns casos, o município pólo (Toronto e Montreal, por exemplo) absorveu, por fusão ou incorporação, essas comunidades residenciais. Mais recentemente, Montreal foi dividida, em certa medida, em municípios separados por toda a Ilha de Montreal, mas eles mantêm muitos serviços pú-blicos compartilhados. A Cidade de Vancouver, conforme relatado em outro artigo desta coletânea deu suporte a uma agência regional, que coordena as diversas funções-chave municipais entre os mais de 20 municípios na região da Grande Vancouver.

Em muitas outras regiões urbanas menores, no Canadá, os subúrbios surgiram de povoados e vilarejos e se transformaram em pequenas cidades com os seus próprios governos municipais independentes. Isto levou a uma fragmentação acentuada, e cada vez mais disfuncional, do sistema de gover-nança municipal nessas regiões urbanas. Há muitas sobreposições de serviços;

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34 | Do conceito à ação

estruturas ineficientes na prestação dos serviços públicos básicos municipais e uma falta de planejamento da mobilidade e do uso do solo, o que torna os serviços ineficazes para aqueles que se deslocam diariamente para além das fronteiras municipais. As pressões de concorrência econômica, tanto dentro das regiões municipais como entre elas, a frustração dos moradores com au-mentos nas taxas de tributação e serviços menos eficientes, o visível fracasso de planejamento do sistema de transporte e a preocupação do comércio e da indústria com as desvantagens do planejamento municipal incoerente e com o aumento da tributação têm culminado em um crescente interesse, por parte dos governos provinciais e municipais, em analisar formas de cooperação in-termunicipal capazes de ajudar a enfrentar esses sérios problemas urbanos.

Os municípios estão cada vez mais enfrentando problemas de complexi-dade e interdependência em relação à responsabilidade cívica, à eficiência e eficácia do serviço público, à colaboração intergovernamental, à inclusão social, à democracia participativa e à governança, para citar apenas alguns exemplos. Essas questões são complexas, pois envolvem vários atores, em muitos casos, com agendas e perspectivas conflitantes, atuando em uma ampla gama de contextos e culturas, buscando soluções para os problemas que raramente têm respostas claras e simples. Os serviços públicos municipais, tais como abastecimento de água, gestão de resíduos sólidos, transporte, segurança (polícia, bombeiros e serviços de emergência), ordenamento e uso do solo, e lazer, raramente podem ser viáveis uma vez que foram implementados de forma independente dentro dos limites territoriais legais de um município. Os vários problemas sociais que afligem os municípios de maior porte, tais como pobreza, violência, corrupção, injustiça social, exclusão social, e todas as outras questões humanas que afetam a qualidade de vida de todos os resi-dentes de um município, estão sujeitos a fatores que vão muito além do limite administrativo do município.

A partir de uma perspectiva pragmática, os municípios devem trabalhar com seus vizinhos, a fim de prestar serviços de forma eficiente e eficaz aos seus residentes, ou buscar outras opções, como fusões e incorporações, a fim de expandir suas fronteiras administrativas e abarcar espacialmente a origem dos problemas. A colaboração intermunicipal, que inclui a governança regional, é cada vez mais a opção preferencial para muitos municípios. O objetivo deste trabalho é explorar como os municípios desenvolvem arranjos interinstitucio-nais, tais como estruturas de governança regional, a fim de cumprir com as suas responsabilidades cívicas coletivas e individuais. Esta pesquisa vai seguir

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dois caminhos: em primeiro lugar irá apresentar uma breve revisão da teoria de gestão de mudança aplicável ao desenvolvimento da governança colaborativa e da governança regional. Em seguida, apresentará um resumo do processo de governança regional implementado por municípios em uma região urbana na província de Alberta, no Canadá.

entendendo o desenvolvimento da governança regional como um processo de mudança

A criação de qualquer forma de governança intermunicipal regional é um processo de mudança. A mudança é, muito simplesmente, a alteração do status quo. Embora as instituições, como qualquer outra coisa, mudem continuamente, as mudanças planejadas é que estão em foco neste trabalho. De modo específico, as questões de maior relevância para entender a gover-nança regional e explorar a colaboração intermunicipal estão relacionadas aos seguintes aspectos: alteração da estrutura organizacional; mudanças nas pessoas e nos papéis em uma organização; mudanças tecnológicas ou proces-sos de transformação; mudanças culturais, que são mais relevantes quando se examina como os municípios realizam mudanças relativas à colaboração intermunicipal. Para executar efetivamente uma mudança prevista, é impor-tante compreender as forças e as motivações que podem instigar a mudança organizacional, bem como as condições e as estratégias que tanto facilitam quanto dificultam o processo de mudança.

modelos racionais de mudança planejada

Em um mundo perfeitamente racional, a mudança planejada em uma organização seguiria uma série de etapas bem orquestradas. Kurt Lewin (1951) argumentou que a mudança é como um evento episódico que segue três etapas: descongelamento, movimento e re-congelamento. Nesse modelo, o status quo é o estado de equilíbrio. O descongelamento do status quo ocorre quando as forças de condução à mudança são maiores do que as forças de retenção. O recongelamento – ou seja, a retomada do equilíbrio entre as forças de retenção e de condução uma vez ocorrida a mudança – é necessário para sustentar a mudança ao longo do tempo.

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36 | Do conceito à ação

As teorias mais atuais de gestão da mudança planejada (como aquelas apresentadas por John Kotter em 1996) são baseadas em racionalidade e in-cluem, com algumas variações, as seguintes etapas ou fases:1. Mapear o ambiente externo e/ou interno;

2. Identificar a lacuna entre as condições atuais e as desejadas (criar uma visão);

3. Montar uma equipe com autoridade e poder suficientes para conduzir e planejar o processo de mudança;

4. Determinar as estratégias e táticas para alcançar a visão;

5. Identificar as barreiras e os comportamentos que precisam ser desconge-lados;

6. Comunicar a visão com entusiasmo e convicção moral;

7. Tomar medidas abrangentes removendo obstáculos, alterando os sistemas e estruturas para dar apoio à nova visão, capacitando os envolvidos a adotar as novas mudanças por meio de ações inovadoras;

8. Identificar resultados de curto prazo e recompensar as pessoas por sucessos visíveis;

9. Avaliar formalmente o processo de mudança e modificar os planos de acordo com a avaliação;

10. Recongelar os comportamentos e práticas desejadas para incorporar a mudança para uma nova cultura.

Esse modelo de mudança planejada é atraente em um mundo que aprecia a ordem e os sistemas programados e controlados. Existem ambientes orga-nizacionais que contêm pelo menos alguns dos ingredientes que se prestam a processos de mudança orquestrada. O ambiente político em que os municípios se encontram, especialmente em função do ambiente político regional, com vários atores e com forças, interesses e valores assimétricos, provavelmente não será suficientemente estável e racional para se efetuar uma abordagem tão orquestrada de mudança institucional.

Certamente todos esses fatores desempenham um papel em qualquer construção de uma governança intermunicipal regional. Nesse contexto, é necessário desenvolver estratégias para diluir a resistência. Essa abordagem consciente pode ser útil em um processo de gestão da mudança, mas é provável que ainda seja insuficiente em muitos dos casos em questão.

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Knight (1993), em uma meta-análise de vários estudos de diversos pro-cessos de mudança nos sistemas educacionais em todo o Canadá, resumiu as seguintes observações:

mudança:

É facilitada quando há uma identificação pactuada de uma necessidade f

ou de um problema; não importa que a inovação seja “de cima para baixo”, desde que a mudança seja percebida pelos participantes como uma resposta razoável para um problema real;

Requer capacidade e vontade, por parte dos participantes, para resolver f

problemas e entender a situação;

É reforçada pela flexibilidade: o processo deve apoiar adaptações e mo- f

dificações à inovação;

É o processo de aprendizagem adaptativa: os participantes têm a mente f

aberta e constantemente procuram resolver problemas;

Ocorre mais facilmente quando os participantes estão dispostos a ser f

cooperativos;

É mais facilmente aceita quando a resolução do problema é percebida f

como uma base sólida, praticável e controlável;

Exige uma forma de liderança, seja por iniciativa, persistência, compro- f

metimento, determinação ou capacidade de promover a gestão partici-pativa;

É sensível ao contexto, isto é, às circunstâncias locais de natureza f

política, cultural e técnica que afetam o processo de mudança de forma idiossincrática e, portanto, exige uma sensibilidade para esses tipos de problemas.

modelos de complexidade para mudança

Michael Fullan (1999; 2001a; 2001b), entre outros, fala da complexidade da mudança, e da dificuldade – ou mesmo impossibilidade – de controlar o processo de mudança. Fullan (1999, p. 3) escreve: “O consenso, até agora, é de que as estratégias de reforma institucional racionalmente construídas não funcionam. A razão é que essas estratégias nunca são capazes de se adaptar em face da rápida mudança dos ambientes. Além disso, a rápida mudança é

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endêmica e inevitável na sociedade pós-moderna, gerando de forma cíclica dinâmicas cada vez mais complexas”. Fullan continua a dizer “que a maneira antiga de gerir a mudança, em tempos mais estáveis, não funciona mais”. O “Novo Mundo” é mais bem compreendido através das lentes da teoria da complexidade e da teoria evolucionista. Fullan sugere que a teoria da complexi-dade “afirma que a relação entre causa e efeito é difícil de ser detectada, que a mudança (prevista ou não) se desdobra em formas não lineares, que abundam paradoxos, contradições e soluções criativas que surgem da interação sob condições de incerteza, diversidade e instabilidade”. A teoria da evolução das relações nos ajuda a entender como os seres humanos evoluem ao longo do tempo em relação à interação e ao comportamento cooperativo. A premissa dessa teoria é que as culturas cooperativas proporcionam a partilha de conhe-cimento aumentando as probabilidades de alcançar a resolução de problemas. Comportamentos cooperativos, coesão social e relações de apoio tendem a conduzir a sociedades mais saudáveis e a um maior crescimento econômico. Uma sociedade interdependente visa ao bem-estar dos outros como essencial para o bem-estar do indivíduo; um compromisso com o bem comum não só é virtuoso, mas também é bom para o indivíduo. De acordo com Fullan, é provável que uma combinação de fatores políticos, morais e de interesses centrífugos seja necessária para ajudar as pessoas a entender que elas serão beneficiadas por se preocuparem com o bem-estar dos outros:

É o efeito moral de fazer uma diferença positiva nas vidas de todos os cidadãos, que vale a pena lutar dando valor a si mesmo, e porque pode eventualmente ser uma forma superior de vantagem evolutiva para a humanidade. O caminho para a finalidade moral é uma eterna busca porque o pluralismo (centrífugo e centrípeto) é abundante. A indiferença do autointeresse e o compromisso com o bem comum coexistem lado a lado. A teoria da complexidade e da evolução fornecem orientações poderosas para o desenvolvimento futuro. (FULLAN, 1999, p. 11-12)

mudança e estrutura organizacional

Bolman e Deal (1991) sugerem que um processo de mudança requer atenção à estrutura, às necessidades, aos conflitos e às perdas.

Uma grande parte da literatura sobre mudança organizacional enfatiza as questões de planejamento, de resistência humana e de necessidade do uso de incentivos a partir do topo da hierarquia para que todos os níveis inferiores se comportem de maneira diferente. As mudanças, então, falham porque os de

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cima frequentemente enfatizam a racionalidade e subestimam o poder dos níveis inferiores de resistir. A mudança em um nível, inevitavelmente, repercute nos outros, e o nível que é mais ignorado (o do alto escalão) é provavelmente o que mais distorce, ou mina, o esforço. (BOLMAN; DEAL, 1991, p. 401-402)

Todas as instituições, como as municipais, têm estruturas governamentais de cooperação, mas não necessariamente adequadas a acolher a superposição de um arranjo de governança regional. Uma estrutura consiste em uma série de características tais como objetivos, limites, níveis de autoridade, sistemas de comunicação, mecanismos de coordenação e procedimentos distintos. Os objetivos podem ser unitários, plurais ou difusos. Os limites podem ser bem demarcados ou pouco claros. Os mecanismos de coordenação podem ser formais ou informais. No caso da governança regional ou cooperativa, uma nova estrutura é necessária para sobrepor o trabalho de vários municípios. Embora muitas das características dos municípios possam ter algum grau de similaridade, sempre existirão algumas distinções importantes ou pelo menos sutis diferenças entre os municípios de uma mesma região. O desenvolvimento dessa nova estrutura regional é uma tarefa difícil e precisa ser entendida com uma grande sensibilidade e atenção às diferenças individuais, necessidades, objetivos, motivações, culturas e valores. Não são apenas as estruturas orga-nizacionais que diferem de um município para outro. É bem provável que as personalidades, as ambições e as agendas de cada um dos atores individuais, dos prefeitos e dos vereadores, sejam igualmente distintas.

O desenvolvimento de estruturas intermunicipais de governança regional e, consequentemente, de iniciativas de colaboração dentro das cidades-região, é um processo complexo de mudança. Ele requer o desenvolvimento de novas estruturas, que não substituam as estruturas municipais, mas que complemen-tem o que já existe. Essas novas formas de governança regional vão exigir que os agentes da mudança compreendam as várias formas de resistência à mudança e que sejam capazes de identificar as forças que possam orientar o processo de mudança. As motivações dos indivíduos e dos municípios como organismos sociais, para trabalhar cooperativamente no sentido de estabelecer e manter as estruturas de governança regional, precisam ser exploradas e compreendidas como um elemento crítico no processo de mudança. Fullan sugere que o pro-cesso de mudança requer efeito moral, mas seria tolice supor que o valor de um comportamento cooperativo seja, por si só, uma motivação suficientemente poderosa para todos os atores dentro de uma região municipal.

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representação democrática

Os Conselhos Municipais são formados por membros eleitos em um distrito eleitoral para representar os interesses particulares e coletivos dos moradores dessa área. Os interesses das pessoas residentes normalmente irão influenciar cada vereador. Mas os vereadores, como um grupo corporativo, também devem atender ao bem comum de todos os cidadãos municipais, e se aceitarmos a noção de que as necessidades locais e os problemas urbanos – e consequentemente os serviços e programas voltados para a sua resolução – são entrelaçados com os de seus municípios vizinhos, então esses vereadores tam-bém devem trabalhar em prol da região. É aí que mora o perigo. O tamanho da área e a população que cada conselheiro e cada município representam como grupo corporativo, bem como as distâncias implícitas, podem resultar em dis-tâncias ainda maiores na dimensão psíquico-social e gerar um distanciamento do apoio à cultura de coesão, e das estruturas e sistemas cooperativos.

motivação

E assim, há uma necessidade de compreender as múltiplas formas pelas quais os indivíduos podem ser motivados a trabalhar juntos para o bem comum. A governança regional é, voltada para o bem comum, mas não precisa ser in-terpretada como contrária ao interesse próprio ou escolha. A arte da política é, sem dúvida, função da habilidade de negociar, de pintar cenários de ganhos mútuos, e da inteligência necessária para criar novas visões de um mundo melhor para todos. E também da capacidade de compreender a pluralidade de comunidades, a diversidade dos indivíduos e a necessidade de apreciar a complexidade de tudo isso. Embora o conceito de uma visão comum possa agradar a alguns utópicos, ele nem sempre está introjetado na realidade das sociedades cada vez mais heterogêneas.

resistência à mudança

É necessário entender por que as pessoas resistem à mudança e, como Fullan (2001b) sugere, há uma necessidade de redefinir a resistência. Charles Handy, em seu livro A idade da irracionalidade, afirma que, segundo George Bernard Shaw, todo progresso depende do homem irracional. Shaw argumenta que o homem racional se adapta ao mundo, enquanto o irracional persiste em tentar adaptar o mundo a si próprio. Muitas vezes podemos pensar que

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é a pessoa irracional que não pensa como nós, que resiste às mudanças pro-postas porque não entende o que é bom para ela, pelo menos do nosso ponto de vista. Fullan observa que, muitas vezes, preferimos trabalhar com pessoas que concordam com as nossas próprias opiniões, mas podemos fazer isso em detrimento de nós mesmos. É com pessoas que discordam de nós que estamos mais propensos a aprender. Aqueles que resistem à mudança podem realmente ter algo a ensinar àqueles que estão defendendo a mudança. Líderes e defensores de mudanças precisam extrair daqueles que resistem à mudança as razões da resistência e aprender com isso para que a mudança em si seja mais cuidadosa e inteligentemente construída. Talvez uma segunda lição que aprendemos é que pode haver mais força na diversidade do que na unidade ou na singularidade. As noções do bem comum e da escolha não são neces-sariamente antagônicas.

Stephen Robbins e Nancy Langton (2003), de acordo com o modelo racional, descrevem as fontes de resistência individual e organizacional à mu-dança: “Compreender por que os indivíduos e grupos coletivos, incluindo as instituições, resistem à mudança pode ser de grande importância quando um processo de mudança é iniciado”.

Isso nos leva à segunda parte do debate sobre o desenvolvimento da governança regional. Como pode a governança intermunicipal regional ser desenvolvida em uma área onde as autarquias locais têm uma tradição de tra-balho independente? O estudo de caso a seguir examina um processo recente que envolveu 25 municípios da região da capital da província de Alberta, na criação de um conselho formado para trabalhar cooperativamente.

estudo de caso: o conselho regional da capital

fundamentação

O Conselho Regional da Capital (CRC) foi criado pelo governo provincial de Alberta por uma regulamentação de abril de 2008. Esse Conselho foi criado para reunir 25 municípios da região de Edmonton, incluindo a cidade de Ed-monton, para criar uma estrutura de planejamento e coordenação de serviços públicos. O primeiro-ministro da Província decretou que o Conselho teria a seguinte agenda de trabalho em seu primeiro ano de funcionamento:

Fornecer uma abordagem integrada e estratégica para planejar o cresci- f

mento futuro da Região da Capital;

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Identificar os padrões de desenvolvimento global e os principais investi- f

mentos futuros em infraestrutura, de forma a complementar a infrae-estrutura e o uso do solo já existentes na Região da Capital, bem como maximizar os benefícios para a Região da Capital;

Coordenar as decisões na Região da Capital para sustentar o crescimento f

econômico e garantir comunidades fortes e um ambiente saudável.

Esse plano de crescimento incluiria quatro componentes principais: um Plano de Uso do Solo, um Plano de Habitação, um Plano Intermunicipal da Rede de Trânsito e um Plano de Serviços de Informação Geográfica (SIG). Ele estava sendo preparado para ser apresentado ao ministro de Assuntos Municipais até 31 de março de 2009. E, de fato, o plano foi apresentado ao ministro dentro do prazo, embora não tenha sido desenvolvido conforme o esperado: era um plano quase simbólico, para demonstrar a habilidade da região em trabalhar conjuntamente depois de décadas de discussões, divisões e conflitos. No outono de 2009, esse plano foi aceito pelo ministro com a con-dição de que o Conselho continuasse a trabalhar em conjunto para resolver as questões pendentes.

O Conselho é composto por prefeitos, ou seus representantes, de cada um dos 25 municípios da Região de Edmonton. Cada um dos 25 prefeitos tem um voto. As decisões tomadas por votação devem ser apoiadas por não menos que 17 dos 25 representantes do bloco e devem incluir pelo menos 75% da população da Região da Capital. Os tamanhos dos municípios variam desde a cidade de Edmonton, que tem uma população de 766 mil habitantes (2008), até o vilarejo de New Serepta, cuja população é de 417 habitantes. A população total da região, incluindo a cidade de Edmonton, é de 1.094.105 habitantes. A cidade de Edmonton representa aproximadamente 70% do total da população regional. Na sua essência, esse sistema de votação dá a cidade de Edmonton o poder do veto.

Uma fórmula do rateio orçamentário foi pactuada entre os municípios integrantes para financiar projetos de cunho regional. Cada município con-tribui com uma taxa base e o restante do rateio é feito proporcionalmente à população de cada município e em função da avaliação equalizada dos custos totais. Os custos operacionais e de investimento do capital que pode ser ins-tituído no âmbito do Plano Intermunicipal da Rede de Trânsito estão isentos desta fórmula.

O Conselho é apoiado por um pequeno grupo de administração, liderado por um presidente interino e uma Diretoria. A Diretoria, em parceria com o

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Comitê de Governança – formado por seis representantes dos municípios – e o presidente interino, desenvolveu uma estratégia de gestão da mudança para liderar esse novo Conselho de Administração durante o seu primeiro ano de funcionamento, a fim de alcançar os objetivos estabelecidos pelo primeiro-mi-nistro em abril de 2008. Segue-se um breve resumo dessa estratégia, registrada durante uma entrevista entre o autor deste artigo e a diretora do Conselho.

a estratégia de mudança: um enfoque sobre a política pública e relações interpessoais

A estratégia consiste em uma série de etapas ou fases para criar uma estrutura organizacional e de processos que permitiriam ao Conselho tomar decisões que culminariam, no período de um ano, com o desenvolvimento do Plano de Crescimento da Região. Esta não seria uma tarefa fácil, pois a maioria dos municípios tem uma longa história de tentativas fracassadas de trabalhar em conjunto, o que alguns descreveram como estruturas falhas da governan-ça regional. A experiência mais recente, pouco antes do estabelecimento do Conselho Regional da Capital, foi a dissolução da Aliança Regional da Capital de Alberta, depois que a cidade de Edmonton retirou sua adesão voluntária devido à sua frustração por uma aparente falta de progresso no tratamento de questões referentes ao uso do solo e ao planejamento dos serviços de trans-porte. A Região de Edmonton tinha sido alvo de um significativo crescimento econômico e populacional, e essa aparente falta de planejamento regional se tornou um ponto de discórdia para o prefeito de Edmonton. A estratégia foi necessária para reconstruir as relações fragilizadas.

Primeira fase: participação obrigatória e uma nova estrutura regional

A primeira fase dessa nova estratégia foi definida pelo governo provin-cial. A diretoria regional foi estabelecida por meio de regulamentação, com a participação obrigatória de cada um dos 25 municípios da região da capital. A organização voluntária (extinta) da Aliança Regional da Capital de Alberta incluía apenas 21 municípios. Quatro novos atores, que poderiam de alguma forma mudar a dinâmica no lugar, foram adicionados à região. Enquanto os arranjos voluntários são, de longe (globalmente falando), a forma mais comum de governança regional intermunicipal, no caso de Edmonton isso parece não ter sido uma opção adequada para a região, que não tinha uma mentalidade

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de cooperação e de consenso. Por regulamentação do Conselho, também foi criado um mecanismo de voto duplo (17 dos 25 votos e 75% da população). Uma maioria sempre venceria.

O segundo passo dessa estratégia foi a contratação de um presidente inte-rino e de oficiais administrativos sem vínculo com nenhum dos 25 municípios. Era necessário criar um sentimento de imparcialidade. Esse pequeno quadro administrativo estabeleceu um escritório separado dos gabinetes municipais, já em funcionamento.

fase dois: visão e direção

O presidente interino e a Diretoria atuaram no sentido de facilitar um debate para determinar a visão e a finalidade do Conselho. A Diretoria tra-balhou com os membros do Conselho para garantir que haveria uma direção clara capaz de permitir ao Conselho realizar o que o primeiro-ministro tinha solicitado.

Durante esta fase, o foco foi a identificação dos problemas e questões que o Conselho teria de priorizar inicialmente. Pesquisas e entrevistas foram realizadas com os membros do Conselho e com o público em geral de toda a região.

Durante essa fase, o Conselho se dedicou a esclarecer os problemas e iden-tificar quais deles eram fundamentais, urgentes e que, uma vez estabelecido o compromisso, teriam alguma chance de solução. Gastou-se tempo para trazer à tona os problemas reais. A diretora e sua equipe ouviram atentamente o que os dirigentes municipais diziam e tentaram entender o que realmente as pessoas queriam dizer. Sempre que foi necessário, consultores neutros facilitaram os processos de discussão. Os pontos comuns foram identificados, assim como as diferenças de posições e opiniões entre os membros do Conselho e seus respectivos municípios. Deu-se atenção aos detalhes, como a personalidade de cada membro, suas opiniões, a história que os membros tinham um com o outro e a história que os municípios tiveram um com o outro. Para trabalhar nesse ambiente político, era necessário identificar e confrontar as posições pessoais e corporativas dos indivíduos. Também foi importante compreender os protocolos e processos específicos que cada município, dentro de sua própria estrutura organizacional, tinha estabelecido e igualar os protocolos do Conse-lho Regional a esses processos locais. As tarefas foram analisadas em função do tamanho das questões pendentes. Tipos de conflitos foram identificados para

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separar questões pessoais e relacionais das diferenças de fatos e informações, das diferenças de valores e das diferenças de interesses e agendas.

Este foi também o espaço para garantir que os membros entendessem o seu papel como legisladores. O foco dos trabalhos tinha que se concentrar na elaboração da política pública, isto é, nas linhas gerais a serem tomadas e na identificação do problema, e não nas soluções específicas, determinadas, ou individualistas. O trabalho foi feito para estabelecer um conjunto de princí-pios e termos de referência para nortear as discussões. Um mapeamento dos ambientes externos foi realizado para coletar informações e lições aprendidas de outras regiões municipais de todo o mundo. A informação foi coletada por meio de pesquisas realizadas na região para ajudar os membros do Conselho a entender melhor o que seus eleitores locais pensavam sobre as diversas questões. Em alguns casos, os membros eleitos não estavam conscientes do que os seus constituintes priorizavam. A administração foi capaz de utilizar essa informação para influenciar o desenvolvimento de políticas públicas. Foi também nessa época que os setores público e privado foram convidados a fazer apresentações em várias comissões de trabalho para garantir que os membros estivessem bem-informados sobre suas opções. Especialistas locais e nacionais, bem como acadêmicos e profissionais, foram convidados a fazer apresentações para os membros do Conselho.

fase três: estrutura do comitê

Como o Conselho Regional era composto de 25 membros, decidiu-se criar pequenos subcomitês, responsáveis pela elaboração e implementação dos planos específicos, como do uso do solo, do crescimento da região, do sistema de transporte público, de habitação e do SIG. Um comitê especial foi criado para lidar com questões de governança. A Diretoria trabalhou cuida-dosamente com o presidente interino e com outros atores institucionais para selecionar subpresidentes dos comitês. A seleção foi baseada na reputação dos membros já existentes, validada por seus pares, mas havia a possibilidade de fazer alterações nessas posições por meio de reinstituições ou outros meios, quando necessário. Todos os membros do Conselho Regional foram, então, solicitados a se inscrever voluntariamente para qualquer comitê no qual pre-ferissem trabalhar. Novamente, um cuidadoso processo de seleção foi reali-zado para garantir representatividade e transversalidade na composição dos comitês, em função do tamanho e do tipo de município (cidade, vila, vilarejo, distrito). A disposição foi feita de modo que todos os membros do Conselho

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Regional fossem autorizados a participar de qualquer reunião da comissão, como observador. Nessa etapa de desenvolvimento do Conselho Regional, foi fundamental escolher bem os membros dos comitês, dada a personalidade e a história prévia dos membros na região.

Durante essa fase de desenvolvimento de políticas em nível da comissão, uma estratégia de comunicação também foi desenvolvida. Os membros do Comitê compartilharam informações e projetos com todos os membros do Conselho Regional. Uma rede informal foi incentivada, algo que ocorreu de forma quase natural, dada a natureza das dinâmicas políticas da região. Em qualquer grupo dessa natureza, existem aqueles que são descritos como os formadores de opinião, e esses indivíduos foram encorajados a abordar em particular qualquer membro que fosse percebido como potencialmente pro-blemático em questões específicas. Dessa forma, os “incêndios” poderiam ser apagados logo no começo, ou pelo menos poderiam ser controlados antes de se tornarem questões públicas conflitantes.

As propostas de políticas públicas desenvolvidas pelos vários subcomitês foram apresentadas à comissão como um todo, e abertas a debates e modi-ficações. Isto criou uma oportunidade para aprimorar as propostas antes de a versão final ser votada pelo Conselho Regional. Este foi o momento para facilitar sinergias, ou seja, elaborar políticas públicas que excediam as capaci-dades de cada município. Foi também o momento de ser flexível, transparente e inclusivo.

Questões processuais: construindo relacionamentos

Um dos objetivos da diretora e de sua equipe foi o de construir relações entre todos os membros da Diretoria Regional. Embora a diretora entendesse que o mais importante era o desenvolvimento dos planos que o primeiro-ministro havia determinado como prioritários durante o primeiro ano de funcionamento do Conselho Regional, era também importante – se não vital – para o Conselho construir boas e sólidas relações com os municípios, a fim de facilitar o futuro desenvolvimento de políticas públicas e outros planos. Se isso significava que o processo de desenvolvimento de políticas públicas precisava de mais tempo, a diretora estava disposta a sacrificar a plena realização das tarefas. E, de fato, no final do ano, muitos dos planos estavam incompletos, mas o Conselho os tinha realizado de forma cooperativa. A construção das relações não era simplesmente uma questão de ajudar os membros a se conhecerem

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melhor no nível pessoal, porque a maioria dos atores já se conhecia bem. Esta foi mais uma questão de gestão de risco. Havia diferenças evidentes de poder no conjunto de municípios da região. A capacidade de gestão e de investimento municipal varia consideravelmente, devido ao acesso diferenciado às receitas fiscais e a outras fontes de financiamento municipal. Consequentemente, as perspectivas de desenvolvimento econômico variam muito na região. Isso deixa alguns municípios ansiosos para buscar novas oportunidades, enquanto outros podem não estar dispostos a perder a sua vantagem competitiva. Cada um dos prefeitos membros do Conselho tem que prestar contas ao seu eleitorado e nenhum deles quer ser visto como “não atuante” em nome dos melhores interesses do seu próprio município. Alguns dos prefeitos também estavam mais seguros em seu próprio destino político e, portanto, poderiam manter posições mais assertivas com seus eleitores e seu público. Já outros prefeitos tinham dúvidas sobre a reação dos seus constituintes no caso de apoiarem planos que poderiam servir bem a região, mas não necessariamente “o seu próprio quintal”. Pouco tem sido feito na região no sentido de cultivar uma cultura de bem-estar regional e, assim, a reação do público para a atribuição de recursos para projetos que parecem servir a uma parte da região em detri-mento da outra pode ser politicamente inaceitável. Os membros do Conselho Regional precisarão desenvolver um sentimento de confiança entre eles pró-prios e o sentimento de que, com o passar do tempo, os planos resultarão em benefícios para todos. Isto leva tempo e experiência.

Prestando atenção aos detalhes

Durante esse período inicial de desenvolvimento de políticas públicas e construção de relacionamentos, a diretora estava prestando muita atenção aos detalhes, como: 1) Que suposições estavam sendo feitas pelos diversos membros da Diretoria em relação às propostas que estavam sendo discutidas e que poderiam ser mal entendidas? 2) Quando um assunto era uma questão processual e quando era uma questão substancial? 3) Quais eram as questões que refletiam a diferença de valores e/ou de prioridades? 4) Quando uma situação era a expressão da relutância em apoiar uma política específica, em função das preocupações terem enfoque no “como” algo deveria ser feito, e não no “motivo” por que precisava ser feito? A diretora descobriu que, em muitas ocasiões, era necessário voltar à Carta de Princípios para orientar o debate que era obstruído com pequenos detalhes. As habilidades de negociar

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tornaram-se essenciais para garantir o progresso de desenvolvimento das políticas públicas.

a mudança leva tempo

Embora seja ainda demasiado cedo para determinar se o Conselho Re-gional da Capital será bem-sucedido em desenvolver e implementar políticas públicas e planos regionais, e ainda, se será capaz de continuar a trabalhar colaborativa e coletivamente em nome de toda a região, parece haver uma grande vontade, por parte da maioria dos prefeitos e municípios, de traba-lhar dessa forma. Há ainda algumas divergências entre os membros, como ficou evidente na votação do Plano Regional de Crescimento da Capital, tal como apresentado na primavera de 2009. O plano foi aprovado com 19 votos a favor. Seis dos 25 municípios foram contrários ao plano, por razões ainda desconhecidas.

falta de inclusão

É importante notar que, durante todos os trabalhos do Conselho Regio-nal da Capital no seu primeiro ano de operação, não houve nenhum debate público. Embora as reuniões mensais do Conselho fossem abertas ao público, uma parte significativa das decisões foi tomada em reuniões realizadas em espaços reservados e a portas fechadas. A mídia mostrou pouco interesse no funcionamento desse Conselho. O próprio Conselho não se esforçou para incluir as recomendações da população. Embora tenha havido oportunidade para o público se apresentar nas reuniões do Conselho, houve pouco esforço para promover a sua participação. Na melhor das hipóteses, grupos de inte-resses específicos aproveitaram as poucas oportunidades que existiam para expressar suas preocupações.

conclusão

Em uma escala global, está se tornando cada vez mais evidente que a governança regional intermunicipal se torna necessária e fundamental para o bem-estar dos municípios urbanos, bem como para os habitantes e empresas que residem nos espaços urbanos. Ainda não está claro se as formas atuais de governança regional são as melhores para atender às necessidades das regiões

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urbanas. Também não existem experiências suficientes para sugerir como a governança regional deve ser criada. A literatura sobre gestão da mudança está começando a lançar luz sobre as complexidades dos processos colaborativos, mas é nessas complexidades que será necessária uma maior sofisticação e sen-sibilidade para obter um melhor grau de sucesso. A experiência do Conselho Regional da Capital é um bom exemplo de quão complexas essas situações podem tornar-se. A história, cultura e contexto de uma região têm um papel fundamental na compreensão de alguns dos elementos dessas complexidades. Certamente, as personalidades e as agendas políticas dos atores eleitos se somam à dimensão de complexidade – uma dimensão que está constante-mente em processo de mudança e que pode reverter drasticamente o quadro das articulações com as eleições seguintes. O processo de mudança em um contexto político não é um processo racional que pode ser gerenciado passo a passo. Todavia, existem algumas construções macroteóricas que devem ser levadas em conta por aqueles que estão envolvidos na criação de novas formas de governança regional.

A governança regional é uma forma de cultura organizacional geralmente construída entre duas camadas existentes de governo: o governo municipal e o provincial/estadual. A governança regional intermunicipal exige a criação de uma nova dinâmica entre os governos municipais e entre o órgão de ad-ministração regional e o governo provincial ou o governo estadual. A tensão é criada quando uma nova fonte de energia é injetada. Há uma necessidade de compreender as motivações que apoiam esta nova agência – o Conselho Regional. Novas relações são formadas entre todos os atores enquanto novas regras estão sendo definidas. Moradores e contribuintes, empresas e indústria, grupos de interesse e lobistas, a mídia e intelectuais, os partidos políticos e os que não têm voz, eleitos e funcionários do governo são afetados pela agência do governo regional e, portanto, deverão contribuir para a evolução dessa agência.

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gOverNaNça DemOcrática e cOLabOraçãO iNterjUrisDiciONaL em Países UrbaNizaDOs

Leonora C. Angeles

Em contraponto à ascensão de regimes autoritários no mundo e especifica-mente na America Latina, durante a década de 1970, houve um maior interesse acadêmico e político na democracia e nos processos de democratização. Esse discurso no Brasil se consagrou nos anos 90 com a definição do termo “boa governança”. A preocupação na década de 1970 com a participação democrá-tica não foi só uma reação direta aos processos dominantes de planejamento do desenvolvimento impostos de cima para baixo, mas também foi um con-traponto à crescente disseminação de regimes autoritários em grande parte da Ásia, África e América Latina, incluindo o Brasil. Enquanto as liberdades políticas, a democracia e os direitos humanos estavam se fortalecendo, o foco exacerbado da dimensão econômica do desenvolvimento estava sendo gradu-almente substituído por uma idéia de “processo de desenvolvimento desejável em que as estruturas nacionais de tomada de decisões fossem fundamentadas em liberdades cívicas, em que a dissidência pudesse ser livremente expressa, em que os governos pudessem ser alterados pela voz popular, e em que hou-vesse um aumento da participação comunitária na definição e implementação dos objetivos de desenvolvimento” (GUNATILEKE, 1979, p. 3). As lições das organizações de base no Hemisfério Sul exemplificam a importância da parti-cipação popular, como “um processo pelo qual membros de uma comunidade se reúnem para identificar problemas, mobilizar recursos e buscar soluções entre si” (COLLETA, 1979, p. 16).

Tal interesse na participação democrática, apropriação local e emanci-pação de parcerias na década de 1980 coincidiram com o interesse renovado na boa governança e na atuação da sociedade civil, que ganhou importância

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com a consolidação da época do pós-Consenso de Washington, na década de 1990. O termo “boa governança” se originou nos círculos de países-doadores e foi aprovado por acadêmicos, “com o discurso que se orientou, sobretudo, numa análise aprimorada e na compreensão das relações institucionais entre o Estado e a sociedade em diferentes contextos (...) já os discursos das agências financiadoras tinham como foco o aumento da eficácia das políticas públicas e, conceitualmente falando, preparavam o terreno para uma intervenção na elaboração de políticas públicas” (DOORNBOS, 2001, p. 96). O discurso sobre “boa governança” que se originou no início de 1990 surgiu em um período de incerteza, caracterizado pelo fim da Guerra Fria, no qual foi amplamente reconhecido que os ajustes estruturais da década de 1980 não tinham produzido resultados em áreas de desenvolvimento, fracassando especialmente no aten-dimento às populações mais pobres (DOORNBOS, 2001; WOODS, 1999).

A definição de “boa governança”, o conjunto de suas características universais e/ou as normas exigidas para sua execução permanecem como questões ainda abertas ao debate. O Banco Mundial, por exemplo, vê a boa governança como necessariamente ligada ao desenvolvimento, “simbolizada pela política previsível, aberta e fundamentada em decisões claras (ou seja, processos transparentes); uma burocracia impregnada de ética profissional; um braço executivo do governo responsável pelas suas ações, e uma sociedade civil forte e participativa nos assuntos públicos, em que todos os atores atuam no âmbito do Estado de Direito” (Banco Mundial, 1994, p. vii). Portanto, os princípios de boa governança parecem dar a resposta e a diretriz para uma gestão adequada dos programas de ajuste estrutural para a utilização mais eficaz de fundos de desenvolvimento e assim passou a ser associada com boa gestão econômica, entendida como “boas políticas econômicas [combinadas com] instituições fortes” (HERMES; LENSINK, 2001, p. 1). Apesar de existi-rem algumas diferenças no uso do termo governança, uma série de elementos comuns associados com o termo tem surgido. Alguns destes elementos são: 1) accountability; 2) responsabilidade; 3) transparência; 4) participação; 5) “estado de direito”; 6) gestão descentralizada; 7) visão estratégica; 8) gestão de recursos humanos; e 9) eficiência e eficácia (ver Tabela 1).

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tabela 1 características da boa governança

características Descrição

Accountability

tomadores de decisão levam a sério suas funções públicas e de prestação de serviços à comu-nidade, assim como sua responsabilidade pela promoção do bem público. seja na alocação de recursos públicos, seja na busca da equidade, os princípios de accountability obrigam servido-res públicos a adotar critérios explícitos de desempenho e, portanto, promovem a redução da corrupção e garantem aos cidadãos que seus direitos individuais, e os da sociedade em geral, não estão sendo violados.

responsabilidade

instituições e processos responsáveis são aqueles que são capazes de atender às necessidades de todos os membros da sociedade através de políticas cujo objetivo prioritário é o bem estar do cidadão. mecanismos e procedimentos para corrigir práticas abusivas e abrir espaços de ar-ticulação e reivindicação para a comunidade também devem ser incorporados às instituições.

transparênciaa transparência deve fazer parte do livre fluxo de informações. Os interessados devem ter aces-so direto aos processos, instituições e informações. as informações deve ser suficientes para facilitar o entendimento e o monitoramento dos processos de governança.

Participação

membros da sociedade devem ter voz na tomada de decisões, diretamente ou através de repre-sentantes legítimos e/ou instituições que representem seus interesses. Deve haver um sistema que garanta processos deliberativos que reflitam e promovam os ideais de cidadania, através do envolvimento de indivíduos, dos diversos grupos sociais e da representação de lideranças políticas. a maior participação do público promove maior legitimidade e representatividade das políticas públicas.

“estado de Direito”

O arcabouço legal deve ser justo e aplicado de forma imparcial. responsabilidade, transparên-cia e participação se somam para assegurar que as instituições políticas e econômicas estabe-leçam leis justas e legítimas. O estado de Direito garante que as leis são aplicadas uniforme-mente, sem discriminação, para todos os membros da sociedade.

gestão Descentralizada

gestão descentralizada significa que a gestão local tem capacidade para definir e delegar responsabilidades aos vários atores e assegurar o acompanhamento e monitoramento das responsabilidades delegadas.

visão estratégica a visão estratégica é construída quando os gestores públicos e a sociedade compartilham uma perspectiva de longo prazo em relação à governança e ao desenvolvimento, levando em conta a complexidade histórica, cultural e social na qual a mesma se baseia.

gestão de recursos humanos

Deve haver um compromisso com a implementação de um programa de recrutamento, forma-ção, motivação e desenvolvimento de uma força de trabalho institucional local, que ajude os indivíduos a se tornarem mais eficientes, dedicados e membros eficientes do serviço público.

eficiência e eficáciaOs processos e instituições devem produzir resultados que atendam às necessidades dos cida-dãos através do uso apropriado dos recursos disponíveis.

fonte: adaptada de governance for sustainable human Development (UNDP, 1997); World bank (1997), and habitat ii Urban governance index. see also hill et.al. (2006).

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Esses elementos sugerem um retrocesso do discurso sobre democracia, prevalecendo a definição de “boa governança” imposta pela comunidade de países-doadores. Na verdade, a atitude da comunidade dos países-doadores em relação à democracia tem sido, na melhor das hipóteses, cética – uma ati-tude bastante perigosa se considerarmos que é a mesma será posteriormente utilizada para definir as diretrizes de redistribuição social e econômica (por exemplo, SCHMITZ, 1994). A redistribuição social e econômica dos custos, benefícios e recursos é a marca da participação democrática e, portanto, é essencial para implementar formas eficazes de governança colaborativa regio-nal. A negligência do postulado de igualdade social e das metas de alcançar a justiça social no exercício da governança regional esvaziaria os mecanismos interjurisdicionais da governança colaborativa, reduzindo-os a meros instru-mentos de gestão pública distanciados dos direitos dos segmentos mais pobres e marginalizados da sociedade.

A cooperação interjurisdicional é um aspecto do trabalho para garantir uma governança regional melhor e mais eficaz, mas essa forma de cooperação entre os diferentes níveis de governo e de jurisdição não se garante por si só e nem o alcance democrático dos resultados esperados. Em outras palavras, a cooperação interjurisdicional é uma condição necessária, mas não suficiente para a realização da justiça social e igualdade entre os objetivos no curso de governança regional, especialmente na região metropolitana de áreas urbanas. Alguns dos elementos de uma boa governança, por exemplo, podem alcançar as metas de eficiência e eficácia, ao negligenciar a necessidade de combater a injustiça e a desigualdade na distribuição de poder e recursos. A participação direta e indireta pode ser confinada a um grupo reduzido de pessoas privile-giadas, aos ricos, aos que tinham acesso à educação formal e aos poderosos. Governos e processos decisórios podem ser responsáveis, sensíveis e transpa-rentes, mas apenas para as elites.

Devido ao recuo (durante os anos 90) por parte da comunidade inter-nacional no desenvolvimento do discurso sobre democracia e processos de democratização, os avanços na conceituação da democracia cederam espaço, nas discussões de governança urbana, aos interesses da boa governança. Por consequência, três fatores críticos foram priorizados na gestão urbana durante a década de 1990: 1) as políticas de descentralização, incluindo a emergência e aceitação do princípio de subsidiariedade; 2) a democratização dos governos locais e nacionais; e 3) uma maior ênfase no controle local e na participação social na tomada de decisão, resultantes do surgimento de movimentos sociais

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urbanos, indignados com o processo de desenvolvimento econômico unilateral e com a degradação ambiental (UNCHS, 1996).

Talvez, devido às claras manifestações das desigualdades sociais, da violên-cia cotidiana, da injustiça na implementação de políticas públicas e na aplicação elitista do sistema judiciário nas grandes cidades e áreas urbanas, a comunidade internacional tenha reconhecido a importância da atuação da sociedade civil, bem como do governo e de suas capacidades no enfrentamento das desigual-dades e da injustiça. A Conferência Habitat II, em junho de 1996 (UNCHS, 1996), reconheceu que a governança não envolve apenas as instituições formais que gerenciam a prestação de serviços públicos, mas incluem também as ati-vidades do setor privado e da sociedade civil. Essa opinião foi compartilhada pelo PNUD (1997), quando se reconheceu que “a governança inclui o Estado, mas transcende-o, permeando o setor privado e a sociedade civil. Todos os três são fundamentais para sustentar o desenvolvimento humano. O Estado cria o ambiente político e jurídico propício. O setor privado gera emprego e renda. E a sociedade civil facilita a interação social e política – mobilizando grupos para participar de atividades econômicas, sociais e políticas. Em função dos pontos fracos e fortes de cada um desses três grandes atores, o objetivo principal torna-se o fortalecimento da boa governança por meio da promoção da interação construtiva entre os três” (PNUD, 1997).

Para contemplar de forma efetiva o desenvolvimento humano das regiões metropolitanas, a governança colaborativa deve implicar a cooperação entre o Estado, o setor privado e a sociedade civil, bem como entre os diferentes níveis de governo. Essa cooperação é necessária para que os órgãos de gover-nança colaborativa enfrentem os desafios decorrentes dos elevados índices de pobreza, bem como as desigualdades e injustiças sociais crônicas presentes principalmente em áreas urbanas.

exclusão social e injustiça em cidades brasileiras e a nova lei de consórcios públicos

A experiência de urbanização no Brasil é marcada pelo surgimento de grandes cidades, em cujas periferias se concentram os assentamentos informais urbanos (favelas), nos quais os moradores sofrem com problemas de saúde, desemprego, violência urbana, habitação, infraestrutura inadequada, entre outros – problemas que agravam os padrões de exclusão social, a desigualdade e a injustiça. Embora haja diferenciação interna em termos de riqueza e bem-

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estar dentro das favelas (considerando que nem todos os moradores da favela são pobres, e nem todas as pessoas pobres vivem em favelas), há ainda um forte estigma ligado a esses assentamentos informais e a seus residentes (PERLMAN, 2005, p. 1). Os moradores de favelas são estigmatizados como pobres urbanos “ativamente excluídos por um sistema injusto e corrupto que é cúmplice na reprodução da desigualdade e produção da violência”, cuja “permanência e proliferação desafiam a legitimidade do sistema social que o criou e geram uma constante fonte de desconforto e medo” (PERLMAN, 2005, p. 2).

A escala e a proporção de pobreza urbana no Brasil, a violência quotidiana e sua brutalidade, a taxa de criminalidade e a miséria nas áreas de favelas “são tão espetaculares”, que foram elevadas a níveis de sensacionalismo cinema-tográfico. A pobreza encontrada nas favelas tem sido analisada na literatura acadêmica bem como retratada na música e em filmes populares, como Cidade de Deus (City of God), e outros equivalentes brasileiros de Slum dog millionaire (Quem quer ser milionário?). O crescimento da pobreza nas regiões metropo-litanas brasileiras é nitidamente mais acentuado do que nas áreas rurais, em grande parte devido à migração interna. Por exemplo, na região do Nordeste brasileiro, a população urbana pobre aumentou de 6 para 10 milhões, enquanto as populações rurais pobres permaneceram estáveis em 13 milhões entre 1970 e 1988 (ARAÚJOS, 2004, p. 35). A cidade do Rio de Janeiro tem mais de 750 favelas no total, com 1.6 milhões de moradores que buscaram sua solução de moradia nessas comunidades (PERLMAN, 2004, p. 1).

Se a ênfase na boa governança pode ser vista como um recuo do discurso sobre democracia, o renovado interesse pela cidadania e pelo capital social, que também surgiu na década de 1990, pode ser lido como um recuo do interesse em estudos sobre as classes sociais. Na América Latina, a substituição dos anti-gos regimes autoritários pelos governos democráticos fomentou “a cidadania que substituiu as classes como um meio de analisar as lutas políticas e o sofri-mento dos pobres” (ROBERTS, 2003, p. 15). Dentro de círculos acadêmicos e de desenvolvimento internacional, coincidindo com a abertura democrática em meados da década de 1980, o discurso sobre a marginalidade urbana voltou-se para assuntos “menos tóxicos (...) de exclusão social, desigualdade, injustiça e segregação espacial (...). A marginalidade social tornou-se uma discussão de “exclusão social”; a marginalidade cultural tornou-se uma questão sobre “diversidade”; a marginalidade econômica se transformou em “privação de capacidades”, “vulnerabilidades”, direcionada pela conceituação de “qualidade de vida” e “capital social”. A marginalidade política tornou-se um diálogo em

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torno da “voz política, reivindicações de cidadania e direitos humanos”. Esses conceitos, desenvolvidos por ativistas e intelectuais simpatizantes dos pobres urbanos, culparam as estruturas subjacentes do Estado e da sociedade pela pobreza inter-geracional e persistente, fugindo dos conceitos que vinculavam a pobreza a deficiências dos pobres” (PERLMAN, 2005, p. 11).

A exclusão social é um fenômeno definido como “o bloqueio da participa-ção na vida social”, devido à dinâmica de interação social na qual os fatores de agência, cultura, relações de poder e identidades sociais “entram em um jogo de poder, em um ambiente no qual os indivíduos não têm acesso a recursos públicos (...) como resultado eles são capazes de contribuir, mas não podem receber” (KABEER, 1999, apud PERLMAN, 2005, p. 12). A desigualdade e a exclusão social são dois lados da mesma moeda. Desigualdades sociais levam a padrões e práticas de exclusão social nas regiões metropolitanas brasileiras, e vice-versa. Como resultado, os pobres ficam ainda mais excluídos da participa-ção em processos de desenvolvimento social, o que leva a uma marginalização econômica ainda mais acentuada – uma dinâmica que destaca a relação entre pobreza e o volumoso capital social (NARAYAN, 1999, 2000a, 2000b, 2000c). No segundo volume do Atlas da Exclusão Social no Brasil, foram registrados dois períodos de exclusão social no país: o período de “velha exclusão” (1960-1980) com base na falta de educação, analfabetismo e baixa renda entre os migrantes rurais, em especial entre negros e mulheres, e o período da “nova exclusão” (1980-2000), que contempla as populações que nasceram em regi-ões metropolitanas que têm os níveis mais elevados de educação e consumo de bens e serviços urbanos, mas têm problemas de inserção no mercado de trabalho (PERLMAN, 2005, p. 12).

Existem muitas fontes de desigualdade e exclusão social dos pobres e outros grupos marginalizados durante esses dois períodos. Entre elas se des-tacam:1. Domínio político das oligarquias tradicionais que mantêm e agravam os

padrões das desigualdades pela concentração fundiária e pela manipulação das estruturas socioeconômicas (ARAÚJOS, 2004, p. 24).

2. Persistência da pobreza e da concentração de renda, reduzindo as taxas de escolarização exatamente no momento em que o papel da educação se torna mais estratégico para a ascensão social e econômica (ARAÚJOS, 2004, p. 34-35).

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3. Desemprego e subemprego crônico, especialmente entre os moradores das favelas, somando o grande número de jovens que entram no mercado de trabalho a cada ano (PERLMAN, 1976; 2005).

4. Falta de redes de segurança social capazes de fornecer proteção para os doentes e idosos, pessoas que perderam seus empregos ou sofrem desem-prego sazonal e aquelas que sofrem de falta de moradia temporária devido a incêndios ou calamidades naturais.

5. Força policial inepta e corrupta em um sistema de policiamento vinculado a grupos paramilitares violentos, que são vistos como fontes de violência em si mesmos (WACQUANT, 2003).

6. Um sistema judiciário que criminaliza e é incapaz de proteger os direitos civis e constitucionais dos pobres, de resolver suas queixas, e de servir à população de forma eficaz (WACQUANT, 2003).

7. Uma crescente dependência do sistema de encarceramento e um sistema penal notório por sua superlotação, pelos altos níveis de brutalidade, pela falta de alimentos e de outros serviços básicos aos presos (WACQUANT, 2003).

8. Orientação pragmática e reativa do planejamento da cidade, refletindo o ambiente institucional politicamente conservador (ANGOTTI, 2005).

A combinação entre as hierarquias de classe e a estratificação étnico-racial produz discriminação racial, agravada ainda mais pelas desigualdades sociais e injustiças sofridas pelas populações negras nas mãos do sistema de justiça criminal brasileiro.

Sabe-se, por exemplo, que em São Paulo, como em outras grandes cida-des, os negros presos “sofrem de uma vigilância especial por parte da polícia, têm mais dificuldades em obter acesso a representação jurídica e suas penas são mais pesadas (pelos mesmos crimes) em comparação com seus pares brancos. Além disso, uma vez atrás das grades, eles estão sujeitos às condições de encarceramento mais duras e sofrem com a violência carcerária. Aqui, a penalização da pobreza serve para “disfarçar” o problema da cor, portanto reforça a dominação racial, reforçando a censura do Estado... (WACQUANT, 2003, p. 199-200).

Os problemas dos pobres urbanos acima mencionados requerem novas formas de governança metropolitana que permitam mecanismos de coorde-nação e ação cooperativa entre os entes municipais e outros níveis de governo. Grandes oportunidades para aprimorar a governança metropolitana foram fornecidas por uma nova lei brasileira (Lei Federal nº 11.107, abril de 2005)

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que autoriza os governos, em todos os níveis, a formar novos consórcios pú-blicos, ou outros mecanismos inovadores de jurisdição com o intuito de servir melhor ao interesse público.

Os consórcios públicos são arranjos e/ou órgãos institucionais que resul-tam da cooperação entre duas ou mais entidades do setor público e/ou níveis de governo ou jurisdições. Eles são um exemplo de cooperação interjurisdicio-nal, definida como qualquer forma de colaboração, formal ou informal, entre duas ou mais entidades do setor público ou níveis de governo. Podem operar horizontalmente (entre os governos locais dentro de uma região) ou vertical-mente (entre níveis hierárquicos de governo). A ênfase na natureza pública dos consórcios sugere um papel pequeno para o setor privado, portanto os consórcios são diferentes das parcerias público-privadas – nestas, o setor priva-do desempenha um serviço, constrói ou gerencia um empreendimento, entre outros, delegado por um ou mais poderes públicos. É nesse sentido que um projeto bilateral entre Brasil e Canadá chamado “Novos Consórcios Públicos Para Governança Metropolitana no Brasil – NPC” foi implementado durante o período de 2006-2010. O objetivo do Projeto NPC está principalmente ligado a questões de governança metropolitana e inclusão social.

No entanto, a cooperação interjurisdicional pode ocorrer sem arcabouços institucionais formais ou organismos públicos, tais como os consórcios públi-cos, porque a cooperação pode surgir por meio de um acordo mais amplo. Essas estratégias são mais comuns, especialmente na Europa e na América do Norte. Esse tipo de cooperação prevalece na literatura acadêmica, parti-cularmente à luz do interesse em estudos de políticas públicas e cooperação regional, na criação de redes e no fortalecimento institucional em resposta ao estado atual de desarticulação institucional e à natureza da globalização vinculada a economias metropolitanas (FREDERICKSON, 1999). Os analis-tas também exploram algumas das principais barreiras para a cooperação regional, tais como: 1) a autonomia local e a fragmentação, que não permi-tem a colaboração regional; e 2) os impactos dos interesses econômicos que estimulam a concorrência intrarregional e impedem a cooperação (BASOLO, 2003). Apesar dessas grandes barreiras, os níveis substanciais de cooperação existem, muitas vezes, na ausência de contratos formais e, portanto, podem ser facilmente omitidos devido à sua informalidade ou à falta de registros completos que identifiquem a sua presença e localização (NUNN; ROSEN-TRAUB, 1997). Existem três tipos de cooperação no setor público, de acordo com Nunn e Rosentraub (1997): 1) acordos interlocais formais e informais para

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a produção ou prestação de serviços; 2) agências multifuncionais responsáveis por prestar serviços interjurisdicionais; e 3) instituições e projetos gerenciados ou financiados conjuntamente pelas jurisdições distintas, por meio de rateios orçamentários. Os dois últimos tipos mencionados correspondem à natureza dos consórcios públicos de acordo com a nova lei brasileira.

Nunn e Rosentraub (1997) também identificaram diversas dimensões da cooperação interjurisdicional: 1) objetivos / questões – que variam de acordo com a quantidade de resistência política. Usando o objetivo como ponto de re-ferência, a cooperação interjurisdicional pode enfrentar o mínimo de resistência e ser aceita quando traz benefícios mútuos, ou quando há objetivos comuns a serem construídos. Uma resistência maior à cooperação pode ocorrer quando o objetivo é distribuir ou redistribuir os recursos e benefícios; 2) o formato institucional – que varia em termos da quantidade de autonomia local, como no caso das coligações e alianças que garantem maior autonomia local em relação à criação de novos conselhos regionais ou agências do governo, nos quais a autonomia local é menor; 3) abordagem estratégica – que pode variar entre níveis de menor formalidade (via redes e compartilhamento de infor-mações) ou maior formalidade (via governança metropolitana compulsória definida por entes federativos superiores); e 4) resultados – que podem incluir o desenvolvimento econômico, serviços municipais e a melhoria do ambiente físico, sociopolítico, entre outros.

De fato, é difícil identificar quais resultados estão associados com altos níveis de cooperação entre governos e jurisdições. É ainda mais difícil medir o sucesso e os resultados da cooperação interjurisdicional. O cálculo dos resulta-dos deve ser baseado no conhecimento dos objetivos iniciais que incentivaram a tentativa de cooperação por região. Deve-se evitar que o monitoramento do desempenho seja norteado pela crença de que a cooperação é uma panaceia para os problemas da região metropolitana, ou por algum conjunto de noções preconcebidas sobre o que constitui uma boa cooperação (NUNN; ROSEN-TRAUB, 1997). Também é importante notar que o sucesso da cooperação pode ser fundamentado em variáveis locais, peculiares à região específica e, portanto, que não poderá ser replicado (seguindo a mesma abordagem) em outras regiões.

Tais ideias são relevantes para analisar a experiência do Projeto NPC, no que diz respeito ao grau de relativo sucesso ou fracasso no desenvolvimento de novos consórcios públicos nas cinco regiões metropolitanas inicialmente abrangidas pelo projeto – Belo Horizonte, Fortaleza, Recife, Santarém e

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Santo André. Parece que o sucesso da formação de um consórcio público em Belo Horizonte foi apoiado pela percepção reforçada do benefício mútuo por meio da construção de uma estrutura permanente, sob a forma de uma casa de abrigo para mulheres em situação de violência doméstica, para atender às necessidades desse público-alvo dos quatro municípios membros do Consór-cio. Existem também outros fatores de sucesso, como a presença e a atuação de lideranças e a presença de uma equipe técnica competente que se dedicou com empenho a formalizar um protocolo de cooperação.

enfrentamento da exclusão e das desigualdades sociais através da governança colaborativa

Como mencionado anteriormente, a nova lei de consórcios públicos oferece enormes oportunidades para implementar formas mais eficazes de governança regional e metropolitana, para resolver as desigualdades sociais e promover uma maior inclusão social, especialmente por meio de ações diretas nas favelas, localizadas nos limites dos municípios nas regiões metropolitanas. O aproveitamento dessas oportunidades só será possível com a existência de dois fatores cruciais. O primeiro é o reconhecimento dos pontos fortes e do capital social das favelas e de seus moradores, de modo que eles não sejam vistos como problemas, mas sim como parte da solução. Em segundo lugar, é necessário incorporar a riquíssima tradição brasileira de: 1) metodologias de educação popular; 2) elaboração de orçamentos participativos; e 3) imple-mentação da economia solidária. A incorporação desses capitais de conheci-mentos na construção de arranjos colaborativos poderá resultar numa forma de governança regional colaborativa inclusiva e socialmente justa.

Em seu trabalho clássico O mito da marginalidade, Pearlman (1976) de-monstrou como as percepções populares, acadêmicas e governamentais sobre a cultura da favela e de seus moradores – sua desorganização interna, isolamento externo, parasitismo econômico e provincianismo, cultura de pobreza, tradicio-nalismo, apatia política ou radicalismo – não só são empiricamente infundadas, mas também, analiticamente falhas. Essas percepções são igualmente insidiosas e inadequadas em suas implicações políticas, bem como prejudiciais por manter a narrativa moralista de “terceirizar a culpa à vítima”. Assim, essas percepções e concepções de “marginalidade” atingem proporções míticas e se prestam a reproduzir as desigualdades do sistema social. As elites, junto com as classes médias da sociedade brasileira, perpetuam essa ideologia “da marginalidade”,

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apesar de dados empíricos demonstrarem o contrário. Essa perpetuação da marginalidade continua porque tem a sua funcionalidade em:1. Justificar a extrema desigualdade e ofuscar a incapacidade do sistema para

fornecer um mínimo de qualidade de vida para uma grande parte da po-pulação;

2. Preservar a legitimidade e a “justiça” nas “regras do jogo”;

3. Desvalorizar salários e reduzir os custos dos serviços, o que contribui para manter a posição subordinada;

4. Dispor de um bode expiatório para uma grande variedade de problemas da sociedade e permitir que outros se sintam superiores enquanto se legitimam as normas dominantes;

5. “Purificar” a imagem do resto da sociedade, considerando os marginais como fonte de todas as formas de desvio, perversão e criminalidade;

6. Influenciar a autoestima daqueles que foram rotulados como “marginais”, na medida em que eles internalizam os atributos negativos que lhes são atribuídos e culpam sua própria ignorância, preguiça ou inutilidade por falta de êxito na vida e;

7. Dividir o setor popular, impedindo-o de se aglomerar em uma força política unificada (PERLMAN, 1976, p. 250-259, apud PERLMAN, 2005, p. 8-9).

Contrariamente à percepção negativa da marginalidade que se presta às funções mencionadas acima, Perlman, em seu estudo de 1976, observou moradores de favela coerentes, bem-organizados e instrumentalizados racio-nalmente na utilização de seu meio. Eles contribuem muito para o desenvolvi-mento cultural devido ao repasse de conhecimentos e à forma como educam seus filhos e buscam melhorar suas vidas. Politicamente, cultivam relações clientelistas com políticos e se acomodam às regras de governos autoritários, sem demonstrar propensão para o tão esperado radicalismo entre os pobres. Economicamente, trabalham em vários empregos com menor remuneração e mínima segurança. A autora concluiu que as favelas não são marginais, mas estão inexoravelmente integradas na sociedade, ainda que de forma prejudi-cial a seus interesses. Seus moradores não estão separados ou à margem do sistema: estão fortemente ligados a ele de forma rigorosamente assimétrica. Contribuem com seu trabalho, suas esperanças e sua lealdade, mas não se beneficiam dos produtos e serviços do sistema. Eles não são economica e po-liticamente marginalizados, mas são explorados, manipulados e reprimidos; não são social e culturalmente marginais, mas são estigmatizados e excluídos

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de um sistema fechado de classes (PERLMAN, 1976, p. 195). Essa situação persiste ainda hoje (PERLMAN, 2005).

Qualquer forma de cooperação interjurisdicional, como a criação de consórcios públicos, que visa promover a inclusão e a justiça social, teria de reconhecer os atributos e as contribuições das favelas e de seus moradores para a sociedade em geral. Também seria importante reconhecer que os moradores da favela não são mais afetados pelo mito da marginalidade, mas vivem em função de uma “nova marginalidade” – termo que surgiu em círculos acadê-micos do primeiro mundo no final dos anos 90 e que também foi redefinido como “a nova classe baixa”, a “nova pobreza”, a “nova marginalidade”, ou ainda, a “marginalidade avançada”, para descrever a persistência da pobreza nas cidades do primeiro mundo, particularmente entre adolescentes, mães solteiras, imigrantes recém-chegados e antigos moradores de guetos negros.

No Brasil, essa nova marginalidade entre os moradores da favela é carac-terizada pela sua maior participação e acúmulo de custos da violência urbana, da criminalidade e do tráfico de armas e drogas – em grande parte devido à sua falta de proteção integral nos termos da lei, da cumplicidade da polícia e do sistema de justiça penal (PERLMAN, 2005, p. 18). Essa nova realidade da pobreza urbana em cidades brasileiras, como no Rio de Janeiro, deriva de “quatro dinâmicas estruturais” analisadas por Wacquant em cidades do “primeiro mundo” onde a “distinta marginalidade da era pós-industrial era caracterizada por novos constrangimentos econômicos, estigmas sociais, dependências dos welfare states e decadência dos territórios urbanos centrais” (PERLMAN, 2005, p. 18).

A primeira dinâmica é a persistência da desigualdade social, mesmo num contexto de crescimento econômico global e de prosperidade, “em parte devido à eliminação de empregos para trabalhadores não qualificados e à multiplica-ção de empregos para profissionais com formação universitária” (PERLMAN, 2005, p. 18). O segundo fator estrutural é o crescimento absoluto da população desempregada, que ocorre devido à mutação e à demissão de trabalhadores assalariados, a maioria dos quais nunca mais será inserida no mercado de trabalho, e à degradação das condições de trabalho – em que persiste a baixa remuneração, a falta de oportunidades de ascensão, o enfraquecimento dos sindicatos e a erosão do emprego formal. Esses fatores atingem os trabalhado-res pobres que vivem dentro e fora das favelas (PERLMAN, 2005, p. 18-19). A terceira variável é a contenção ou o declínio do welfare state no Brasil, por meio de processos semelhantes aos que vêm acontecendo no Ocidente. A quarta

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variável é a concentração espacial e o estigma dos pobres, que se manifesta “nos preconceitos territoriais e na desvalorização do pertencimento e vida comuni-tária” (PERLMAN, 2005, p. 20, apud WACQUANT, 1996). Perlman adiciona um quinto fator, que é o crescimento das esferas “do medo” e da violência letal, especialmente em bairros-favela atormentados por abuso de drogas e álcool, tráfico de drogas, crime e desespero, que reduzem o nível de capital social ou as normas de confiança e cooperação dentro das comunidades – normas que funcionavam para fortalecer a ajuda mútua e coletiva.

Em uma pesquisa de 2003 realizada nas favelas do Rio de Janeiro, Perlman observou um sério declínio da vida comunitária e do capital social, devido à remoção e à desagregação da antiga ordem social, e, paralelamente, o cres-cimento da violência, exacerbada pela brutalidade das intervenções policiais. Isto é bem observado na drástica diminuição de depoimentos dos residentes de segunda geração com relação à falta de coesão social da comunidade: “Entre as pessoas entrevistadas em 1969, 54% afirmam que a comunidade era ‘muito unida’ e 24% que a comunidade era ‘bastante unida’, em contraste com os depoimentos dos seus filhos, a maioria dos quais (55%) afirma que em sua comunidade ‘falta unidade’” (PERLMAN, 2005, p. 22).

As características acima mencionadas e os fatores por trás da “nova margi-nalidade” moldam os novos padrões de exclusão social no Brasil e representam um enorme desafio para os líderes políticos, urbanistas e ativistas sociais que queiram aproveitar a nova lei de consórcios públicos para fortalecer o desen-volvimento mais eficaz baseado na governança metropolitana colaborativa para enfrentar a exclusão social e a injustiça. Talvez, outros incentivos possam ser usados para atingir esses objetivos no decurso da governança colaborativa. Entre eles estão os estoques de capitais políticos e culturais desenvolvidos entre os moradores das favelas, com a implementação do orçamento participativo e o desenvolvimento da economia solidária.

O orçamento participativo (OP) é praticado com sucesso em 250 cidades e municípios no mundo (BEALL, 2004), inclusive em 130 cidades brasileiras, que adotaram diversas versões dessa política pública entre 1997 e 2000 (CA-BANNES, 2004). Tem-se demonstrado que o orçamento participativo traz efeitos positivos para os moradores de favelas, em termos de oferecer melhores equipamentos e serviços públicos, melhorando a qualidade da governança e da participação popular. Essencialmente, o OP criou meios para propiciar a educação cidadã, trazendo melhorias em infraestruturas e outros serviços vitais para as comunidades pobres, minimizando a corrupção e promovendo

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um amplo debate público (AVRITZER, 2002; BAIOCCHI, 2003a; 2003b; KO-ONINGS, 2004). O orçamento participativo pode ser visto como um exemplo do “poder da democracia deliberativa” (FUNG; WRIGHT, 1999), fundado “no esforço deliberativo de uma nova abordagem política e social centrada nos cidadãos, em função de uma crescente percepção da interdependência e conexão do mundo globalizado” (BEALL, 2004). No Brasil, na experiência de Porto Alegre – talvez a mais conhecida entre as práticas de orçamento participativo – importantes atividades de movimentos sociais surgiram desde o período pós-guerra, incluindo propostas de reformas na governança partici-pativa local, na década de 1970 (ABERS, 1996; 1997; 2000; BAIOCCHI, 2003a; SANTOS 1998).

Por outro lado, a economia solidária refere-se a uma abordagem alterna-tiva de atividades econômicas, incluindo a produção, distribuição, consumo, poupança e crédito, organizados e conduzidos em um espírito de unidade e cooperação, em que os trabalhadores gerenciam coletivamente suas operações. Essa economia alternativa é manifestada por meio de quatro características principais: (1) cooperação; (2) autogestão; (3) viabilidade econômica; e 4) solidariedade. Ao contrário de mega-empresas consolidadas pelas sociedades capitalistas ocidentais, a meta-base das organizações solidárias não é exclusi-vamente a maximização de lucros para acumular riquezas individuais, mas sim a melhoria das condições de vida das pessoas. O bem-estar das pessoas e a qualidade de suas vidas são vistos como as forças matriciais das iniciativas de economia solidária. Sua finalidade é fazer com que as pessoas se transformem em agentes ativos para gerar seu bem-estar. Tais iniciativas representam um exemplo de uma abordagem holística para o desenvolvimento econômico sustentável, pois geram múltiplas fontes de renda ao cultivar laços sociais em suas operações e servem para reforçar a capacidade social coletiva dos seus membros (ESTEVES, 2006).

Atualmente, existem cerca de 15 mil empreendimentos econômicos soli-dários no Brasil, com quase dois milhões de pessoas envolvidas (OSAVA, 2008). Não existe um modelo único de estratégia, já que o modelo econômico pode assumir muitas formas e estruturas como: 1) cooperativas (produção, serviços, consumo, comercialização, crédito de solidariedade); 2) associações populares; 3) grupos informais, 4) autogestão de empresas (antigas empresas capitalistas que faliram e foram recuperadas por seus trabalhadores); 5) clubes e grupos de intercâmbio solidário (utilização ou não de moeda social ou comunitária); 6) redes e associações de comercialização e cadeias produtivas sustentáveis;

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7) moedas locais de negociação, etc. O tipo mais comum de atividade na eco-nomia solidária é a agricultura familiar, mas também existem estratégias nas áreas de alimentação, pesca, artesanato, têxteis e muitos mais.

A ligação entre a prática do orçamento participativo e do crescimento da economia solidária no Brasil não é bem conhecida. No entanto, é plausível esperar que alguma modalidade de orçamento participativo esteja sendo in-troduzida nas operações de organizações associadas com a economia solidária, especialmente em áreas nas quais o orçamento participativo ainda não tenha sido implementado. Certamente, ainda há pouca análise sobre como a lei de consórcios públicos pode capitalizar as experiências do orçamento participativo e da economia solidária para criar consórcios públicos que levem a promover formas de governança regional colaborativa, com vistas a uma abordagem mais efetiva sobre a pobreza urbana, a exclusão e a desigualdade social.

conclusões

A nova lei de consórcios públicos está entre as novas oportunidades para a democratização do planejamento e gestão no nível regional. A democratização da governança metropolitana é ainda mais urgente uma vez que a maioria dos órgãos de governo regional e instituições sofrem de um deficit de representação e participação democrática, especialmente por parte das camadas mais pobres da população, resultando, em muitos casos, na produção de políticas públicas ineficazes. A democracia direta é ainda a exceção, e não a regra nesses órgãos, cujos representantes são nomeados e, portanto, estão distantes dos eleitores diretos, mesmo quando decidem sobre questões que afetam diretamente o público em geral. Este documento não está necessariamente defendendo a aplicação de mecanismos democráticos formais, como a eleição direta dos representantes regionais, entretanto, de forma mais substantiva, defende que a governança democrática e colaborativa deveria estar voltada para a resolução das desigualdades sociais na prevenção da exclusão social nas áreas metropolitanas.

A necessidade de formas mais colaborativas de governança e de coope-ração interjurisdicional é realçada pelo fato de a maioria dos problemas urba-nos – aumento nas taxas de criminalidade, violência, falta de habitação social, poluição, degradação ambiental, desemprego, entre outros – serem comuns a muitos municípios, e suas manifestações extrapolarem, em muitos dos casos, as fronteiras entre os vários municípios e regiões. Esses problemas urbanos

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não respeitam limites geográficos e jurisdições governamentais e, portanto, há uma necessidade de maior cooperação interjurisdicional para alcançar soluções mais eficazes e inclusivas. No entanto, existem vários obstáculos que continuam a impedir a cooperação, a saber: 1) distâncias geográficas; 2) escassez de recursos; 3) desigualdades econômicas entre os municípios; 4) concorrência ruinosa (“a tragédia dos comuns”); e 5) os interesses centrífugos das administrações.

A experiência de colaboração entre Brasil e Canadá por meio da aplicação da metodologia de pesquisa-ação nas regiões piloto do Projeto “Novos Con-sórcios Públicos para Governança Metropolitana” sugere que esses obstáculos podem ser superados se houver vontade e capacidade institucional para con-solidar a governança colaborativa por meio de acordos formais, celebrando a constituição dos consórcios públicos. Ainda existe muito trabalho a ser feito para maximizar os benefícios da nova lei. Entre os desafios está a dificuldade de formar novas filosofias de pensar e trabalhar com os moradores da favela para combater a pobreza urbana. Outro desafio é o de garantir que as lições aprendidas com o orçamento participativo e a economia solidária sejam apro-veitadas para criar uma massa crítica de participação popular, especialmente de moradores da favela, alinhados com equipes técnicas progressistas para que possam, juntos, formar uma opinião pública forte e capaz de exercer pressão sob as elites políticas e sociais, a fim de que se percebam os benefícios da lei de consórcios públicos na promoção de formas colaborativas e democráticas de governança regional urbana.

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gOverNaNça cOLabOrativa Para a sUsteNtabiLiDaDe Da metrO vaNcOUver*

Hugh Kellas

A Região Metropolitana de Vancouver (Metro Vancouver), como a maio-ria das regiões metropolitanas, é constituída e gerenciada por vários níveis de governo e agências estatais, que determinam o uso do solo, o arcabouço de desenvolvimento socioeconômico e o sistema de transporte, entre outros. Alguns desses órgãos governamentais contam com uma formalização da relação interinstitucional, como por exemplo, a Metro Vancouver com os municípios-membros. Já em alguns órgãos, como no caso da Translink (a Autoridade Regional de Transporte), as relações com os níveis de governo são menos formais. Outros órgãos, como, por exemplo, a Autoridade Portuária Regional, têm quase nenhum vínculo institucionalizado com outras agências e órgãos governamentais da região. Este artigo analisa as estruturas e os pro-cessos de órgãos públicos que participam da Metro Vancouver e gerenciam o desenvolvimento regional, além de avaliar suas contribuições para uma governança colaborativa.

a constelação de governos e agências

Em 2008, o Conselho da Metro Vancouver estabeleceu sua Visão de Sustentabilidade Regional: “Alcançar as aspirações da humanidade global – o mais alto índice de qualidade de vida que compreende vitalidade cultural, prosperidade econômica, justiça social e compaixão, todas alimentadas por um meio ambiente bonito e saudável”. Embora a visão do Conselho tenha conseguido captar as aspirações públicas de uma qualidade de vida melhor, não refletiu o desafio da governança em consegui-la.

* Para outras informações sobre a Metro Vancouver, acesse: www.metrovancouver.org

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Como acontece em todas as regiões metropolitanas, uma gama enorme de atividades sociais, ambientais e econômicas cruza as fronteiras municipais. Essa extrapolação da fronteira municipal incorpora regulamentos municipais, provinciais e federais. O futuro da Metro Vancouver será moldado pela cons-telação de governos e agências estatais que em alguns casos colaboram, em outros casos atuam de forma independente, e em outros ainda, trabalham antagonicamente. Este artigo trata dos papéis dos quatro atores-chave insti-tucionais na criação de uma região mais sustentável: 1) a Metro Vancouver e seus municípios membros; 2) o governo provincial de British Columbia; 3) as Autoridades de Uso do Solo e Transporte; e 4) o governo federal e seu papel de administrador de portos e aeroportos.

metro vancouver

A Metro Vancouver é uma federação fundada por 22 municípios, uma Nação Indígena e uma área não incorporada localizada na foz do rio Fraser, na costa oeste do Canadá. A população da região, de 2,3 milhões, mora em municípios que variam em tamanho, desde a cidade de Vancouver, cidade central da região, com mais de 600 mil habitantes, até o caso de algumas vilas com menos de mil habitantes.

Na constituição canadense, os governos locais são os “mecanismos” das províncias para definir suas estratégias de governança e de responsabilidades. Em British Columbia, esse dispositivo constitucional inclui os municípios e distritos regionais, como a Metro Vancouver, que tem o direito de assumir as funções dos governos locais que exigem cooperação em nível regional. Os distritos regionais não são considerados como um nível separado do governo, mas uma federação colaborativa que reúne municípios para fornecer serviços de interesse comum. Em geral, os distritos regionais assumem funções dele-gadas pelos municípios, de acordo com os interesses identificados como de relevância regional, e essas funções são homologadas por meio de legislação provincial.

O modelo de “federação colaborativa” reflete-se nos arranjos de governan-ça interinstitucional da Metro Vancouver. Os políticos são eleitos para as suas Câmaras Legislativas Municipais, que anualmente elegem, entre seus respecti-vos vereadores, os representante do(s) município(s) para o Conselho da Metro Vancouver. No Conselho, cada município tem direito a um voto para cada 20 mil habitantes. Nenhum dos diretores do Conselho da Metro Vancouver pode

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ter mais de cinco votos. Em função disso, um município menor tem direito a um diretor com um voto no Conselho da Metro Vancouver, enquanto um município de grande porte, como a cidade de Vancouver, terá seis diretores e 27 votos. O Conselho da Metro Vancouver atualmente tem 37 diretores, que, em sua maioria, são prefeitos municipais e vereadores sênior. O Conselho elege seu presidente e vice-presidente entre os seus membros-diretores.

Fundada em 1967, a Grande Região Distrital de Vancouver (GVRD), poste-riormente redefinida como o Conselho da Metro Vancouver, teve suas funções largamente ampliadas ao longo dos anos. As funções principais são utilitárias: a Metro Vancouver presta serviços aos municípios, que, por sua vez, prestam serviços aos residentes e às empresas localizadas nos seus respectivos territórios. Isso inclui o abastecimento de água potável a partir das bacias hidrográficas, os sistemas principais de coleta de esgoto e tratamento de resíduos líquidos e a gestão dos resíduos sólidos, incluindo a função de reciclagem e descarte em aterros sanitários ou incineração. Além disso, compete ao Conselho a gestão do crescimento e planejamento regional e, por delegação provincial, a gestão de: 1) qualidade do ar, incluindo licenças industriais; 2) área de mais de 13 mil hectares de bosque em 22 parques regionais; 3) habitação de baixa renda para cerca de 10 mil pessoas; 4) comunicação de emergência e planejamento; e 5) relação trabalhista em nome da alguns municípios-membros. A Metro Van-couver tem 1.400 funcionários, um orçamento anual de CDN $530 milhões e uma despesa anual de construção de CDN $75-100 milhões, dependendo do programa dos fundos de investimento. A receita da Metro Vancouver vem principalmente de taxas cobradas pela oferta de serviços púbicos e de impostos sobre propriedade. O financiamento do governo federal é restrito a contribuições para grandes projetos de investimento.

As funções da Metro Vancouver não permaneceram as mesmas ao longo dos anos. Algumas funções foram consideradas, mas não foram institucio-nalizadas, especialmente a responsabilidade de planejar o desenvolvimento econômico regional. A proposta de financiar hospitais com uma parcela de recolhimento de impostos sobre a propriedade foi devolvida à Província, em troca de um requisito para financiar parcialmente o desenvolvimento do transporte regional. A Província suspendeu os poderes da Metro Vancouver de planejamento regional entre 1983-1995, embora o Conselho continuasse a realizar o planejamento intermunicipal de forma voluntária. A Província dele-gou e redelegou as responsabilidades de transporte entre o governo provincial e o Conselho do Metro Vancouver. Mais recentemente, os poderes de trans-

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porte do Conselho da Metro Vancouver ficaram restritos à responsabilidade pela escolha de seus membros-diretores para a administração da Autoridade Regional de Transporte e Estradas – a TransLink, de 1999 a 2007.

A Metro Vancouver está numa posição de destaque como a única organi-zação política multifuncional atuando exclusivamente com escopo regional. Como tal, ela tem a opção de prestar serviços para toda a região e de articular com outras organizações as necessidades da região. Em 2008, o Conselho da Metro Vancouver aprovou um Arcabouço de Sustentabilidade Regional para guiar suas atividades. Além da visão anteriormente mencionada, o quadro inclui três princípios para orientar os serviços e atividades do Conselho: 1) proteger e melhorar o meio ambiente; 2) garantir a prosperidade contínua; e 3) fortalecer a capacitação comunitária e a coesão social. Esse arcabouço, baseado no conceito de sustentabilidade, norteia as atividades do Conselho em três áreas: a prestação de serviços, o desenvolvimento de planos e regulamentos utilizados na realização de suas funções e o papel de liderança nas questões regionais. O Conselho tem sido cada vez mais ativo nos últimos anos no fo-mento aos diálogos sobre questões regionais, além de expressar seus pontos de vista sobre as ações do transporte provincial e o policiamento na região, e ainda, sobre a necessidade de financiamento federal e provincial para reduzir a falta de moradia e habitação para populações de baixa renda.

governo provincial

A Província de British Columbia tem um papel amplo na formação da Metro Vancouver. Sua legislação para os governos locais fornece o quadro para a Metro Vancouver e seus municípios-membros, incluindo as normas ambientais para o uso do solo, qualidade do ar e água e aprovação dos planos da Metro Vancouver para a gestão de resíduos líquidos e sólidos. Ainda são contemplados fundos de financiamento para escolas e universidades, mora-dia social e outras vertentes do desenvolvimento social. Finalmente, existe o fomento ao desenvolvimento econômico regional por meio de suas políticas fiscais e de infraestrutura. No entanto, os dois papéis fundamentais do gover-no provincial na formação do desenvolvimento da região são a proteção das terras agrícolas e a mobilidade.

Em British Columbia, terras agrícolas estão contidas em uma Reserva Agrícola gerenciada por uma Comissão de Terras Agrícolas, nomeada pelo governo provincial. Fundada em 1972, a Reserva de Terras Agrícolas da Metro

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Vancouver representa 37% da planície desenvolvível. O limite da Reserva ser-viu efetivamente para conter a expansão urbana da região e resultou em um desenvolvimento urbano bem mais compacto do que poderia ter ocorrido. O papel da Comissão de Terras Agrícolas na gestão da Reserva, de resistir à pressão para a conversão de terras agrícolas para o desenvolvimento urbano, é essencial para alcançar os objetivos regionais.

O segundo aspecto fundamental é o desenvolvimento do transporte regional. O modelo de governança do sistema de transporte da Metro Van-couver tem mudado com frequência ao longo dos anos com a partilha de responsabilidades entre a Província e a administração regional por razões políticas e financeiras. A Província tem sido responsável por rodovias, mas a sua participação tem sido, gradualmente, menos ativa na manutenção das principais estradas locais.

Em 1980, foi atribuída à Metro Vancouver a responsabilidade pelos níveis de serviço de trânsito e pelo financiamento dos custos locais de trânsito. Devido a atritos entre a Metro Vancouver e o governo provincial, a responsabilidade pelo sistema de trânsito da região foi reassumida pela Província, em 1983. A Comissão Regional de Trânsito de Vancouver, composta por representantes de governos locais nomeados pelo governo provincial, foi responsável pelos níveis de serviço de trânsito, tarifas e orçamentos.

Em 1999, a Província, a pedido da Metro Vancouver, criou a Autoridade de Transporte da Grande Vancouver (TransLink) para prestar serviços de transporte na região e para ajudar no financiamento de grandes estradas mu-nicipais. O Conselho da Metro Vancouver escolheu o Conselho da TransLink entre seus diretores-membros. Essa estrutura permitiu maior coordenação entre o sistema de transporte e as responsabilidades da Metro Vancouver de gerenciar o crescimento regional e a qualidade do ar. Novamente, o atrito entre a Metro Vancouver e a Província, desta vez em relação às prioridades de desenvolvimento do trânsito ferroviário e à construção de estradas principais, levou a Província a reassumir as responsabilidades. Isso resultou na criação da Autoridade de Transporte do Litoral Sul de British Columbia (também chamado de TransLink) com um Conselho nomeado pelo governo provincial, composto principalmente por representantes do setor privado.

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governo federal

O governo federal, como a Província, desempenha uma série de papéis no desenvolvimento da Metro Vancouver. A política federal de imigração afeta fundamentalmente a taxa de crescimento populacional; a política federal tributária e de investimento em infraestrutura afeta a atividade econômica e o desenvolvimento regional; o nível de financiamento federal afeta a construção de novas unidades de moradia social e a capacidade de efetuar outras ações para reduzir a falta de moradia. Um papel-chave do governo federal que im-pacta diretamente o desenvolvimento regional é a sua responsabilidade em gerenciar os aeroportos e os portos na Metro de Vancouver. Essas funções de “entrada” têm crescido em importância nos últimos anos com o aumento do comércio entre os países da Ásia e a América do Norte.

O aeroporto internacional da Metro Vancouver deverá ter um crescimento significativo: de 17,5 milhões de passageiros anuais, passará para 33,4 milhões de passageiros em 2027. O Porto da Metro Vancouver pretende duplicar o volume de tráfego nas próximas décadas. Isto tem importantes implicações para o desenvolvimento regional, especialmente no que se refere à malha de transporte terrestre, ao uso do solo industrial e à qualidade do meio ambiente. A colaboração entre as agências federais e o governo provincial é essencial para aumentar as instalações portuárias, expandir o sistema rodoviário para a circulação de mercadorias, e atualizar o sistema ferroviário. O papel do governo federal é considerado de interesse nacional e não está sujeito ao controle do governo local.

Processos de coordenação intergovernamental da política pública

A responsabilidade pelo desenvolvimento regional da Metro Vancouver é compartilhada por três níveis de governo e por muitas autoridades distintas. Portanto, a política de desenvolvimento regional eficaz requer um certo grau de colaboração e coordenação. Na experiência da Metro Vancouver, isto requer boas relações interinstitucionais de comunicação, processos formalizados e legislação ou convenções que definam e facilitem as relações políticas.

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Processos de comunicação

A comunicação interinstitucional dos governos na Região da Metro Vancouver é facilitada pelo porte relativamente pequeno da região e pelos valores públicos amplamente compartilhados. Esses fatores orientam a ação governamental em uma direção comum, limitada à área geográfica do Vale do Rio Fraser, delimitado pelas Montanhas Rochosas, pelas fronteiras marítimas e pela fronteira com os Estados Unidos, criando desta forma um sentido de futuro compartilhado. A comunicação informal entre os políticos e funcio-nários por meio de muitas e diferentes organizações fornece a base para uma cooperação mais formal.

A Metro Vancouver tem uma longa história de cooperação intermunicipal, que remonta ao início do século 20, e à participação de conselhos compartilha-dos gerenciando os serviços de abastecimento de água potável e tratamento de esgoto. O planejamento regional é realizado de forma cooperada a partir da década de 1950, com o primeiro plano regional estabelecido em 1966, porém sob uma estrutura organizacional anterior. Hoje, a Metro Vancouver mantém um extenso processo de comunicação e protocolos de tomada de decisões, por meio do qual a informação é amplamente divulgada, criando muitas oportunidades para a contribuição municipal.

Esse processo se baseia em informações que estão sendo divulgadas por meio de canais políticos, administrativos e técnicos, e incluem:

Comunicação política entre os representantes dos municípios, não ape- f

nas entre os membros do Conselho da Metro Vancouver, mas também por meio de 15 conselhos de força-tarefa que incluem diretores-mem-bros do Conselho da Metro Vancouver e vereadores que não fazem par-te da Diretoria. Isto é reforçado por reuniões periódicas do “Conselho dos Conselhos” – reuniões que congregam os 155 prefeitos municipais e vereadores da região para discutir as questões-chave.

Comitês administrativos e comissões técnicas de apoio para executivos f

do nível político. Esses agrupamentos analisam questões regionais e prestam aconselhamentos sobre elas, além de terem, em sua representa-ção, comissões de gestores municipais, diretores de planejamento, coor-denadores municipais, agentes financeiros, entre outros. Eles trazem a informação ao Conselho, mas também relatam as informações de maior relevância para suas próprias organizações.

Participação da União dos Municípios de British Columbia e da Associa- f

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ção Municipal das Planícies Baixas, que reúnem políticos dos governos locais para discutir interesses comuns.

Comunicação social e sessões de consulta ao público. Muitas das ques- f

tões de âmbito regional, devido às alterações em longo prazo, não têm um impacto imediato na vida das pessoas e muitas vezes é difícil atrair o interesse público para elas. O Conselho e suas comissões recebem dele-gações e consultas públicas sobre os principais programas. As iniciativas incluem painéis de referência dos principais interessados, os processos de consulta pública, os diálogos com a comunidade, programas de tele-visão, internet e comunicação via outros meios de comunicação. Essas atividades em grande parte atraem grupos de interesses especiais.

Enquanto a colaboração entre os governos locais é altamente desenvol-vida, a comunicação com o governo provincial e federal é mais difícil e tem recebido menos atenção. Apesar das várias tentativas, não existem estruturas contínuas que reúnam representantes políticos locais, provinciais e federais para discutir questões regionais. A Região de Metro Vancouver não tem uma tradição lobista entre ministros provinciais e federais para obter apoio para seus objetivos e só recentemente tem capacitado seu pessoal para apoiar essa atividade. O fluxo de comunicação com os ministérios provinciais e federais tende a ser desenvolvido em função de questões específicas. Talvez seja por isso que a estratégia de comunicação não tenha sido capaz de fornecer um nível de entendimento que pudesse servir de base para a coordenação política.

Existem poucas estruturas institucionais que reúnem representantes regionais e atores governamentais de alto escalão – na maioria dos casos são equipes técnicas. Alguns exemplos incluem:

Agências para fins especiais, onde há objetivos comuns, como o Conse- f

lho “de Entrada” (Gateway), que representa os governos e as empresas de transporte com interesses em ampliar a capacidade de lidar com o aumento no comércio asiático e a Parceria do Canal da Metro Vancou-ver, que coordena a gestão ambiental entre os órgãos governamentais e a gestão do porto.

Nomeação de um representante para as agências federais ou provinciais, f

incluindo os Conselhos do Aeroporto Internacional de Vancouver e o Porto da Metro Vancouver.

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Legislação e acordos

Embora a comunicação possa proporcionar uma base sólida para a coo-peração, ela não é suficiente para coordenar um acordo preexistente ou para implementar procedimentos compartilhados, resultando em decisões e/ou processos colaborativos. Nesse contexto, precisa-se de um arcabouço legal. A legislação provincial significativamente proporciona a robustez legal para operacionalizar os acordos interinstitucionais da Metro Vancouver. Esse arca-bouço é ainda complementado por acordos estabelecidos em conformidade com a legislação ou voluntariamente entre as instituições.

Para a gestão de serviços públicos, as responsabilidades são compartilha-das em um sistema integrado no qual a Metro Vancouver gerencia o sistema de implementação e fornece os grandes projetos de infraestrutura para os municípios locais. O fato de a legislação exigir da Metro Vancouver aprova-ção do governo provincial para implementação de planos de tratamento de esgoto e gestão de resíduos sólidos e para a preservação de padrões provinciais de água potável exige um extenso diálogo intergovernamental bem como o alinhamento de objetivos municipais, regionais e provinciais.

A Província não precisa aprovar o Plano Estratégico de Gestão do Cres-cimento Regional elaborado pela Metro Vancouver, mas a legislação não garante que os municípios e o Conselho da Metro Vancouver cheguem a um acordo. As disposições da legislação provincial para estratégias de crescimento regional contêm uma série de recursos de apoio a processos colaborativos. Estes incluem:

O desenvolvimento de uma estratégia de crescimento regional, que tem f

a aceitação formal de cada município.

A exigência de “declarações do contexto regional” no plano diretor mu- f

nicipal, que demonstrem como ele é consistente com a estratégia de crescimento regional, ou como será alinhado ao longo do tempo. Essa declaração exige a aprovação do Conselho da Metro Vancouver.

Cláusulas com diretrizes para implementação de resolução de conflitos f

a serem utilizados no estabelecimento de uma estratégia de crescimento regional ou de uma Declaração do Contexto Regional, no caso do Con-selho da Metro Vancouver discordar de um município-membro.

Embora a Metro Vancouver e seus municípios-membros sejam obrigados a chegar a um acordo sobre os planos de uso do solo, existe uma relação muito fraca com o componente legislativo provincial de transporte – necessário para

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a gestão eficaz do crescimento regional. Atualmente, a TransLink é obrigada por lei a fornecer uma oportunidade para a Metro Vancouver comentar so-bre seus planos estratégicos. Ao mesmo tempo, a Metro Vancouver requer a aprovação da TransLink para implementar sua estratégia de crescimento regional. O Conselho de Prefeitos, que é composto – em grande parte – por membros do Conselho da Metro Vancouver, desempenha um papel limitado no estabelecimento de planos estratégicos da TransLink. Não há nenhuma participação local no desenvolvimento da malha rodoviária provincial.

Além de outros requisitos legais, o Conselho estabelece acordos com ou-tras organizações para alcançar objetivos específicos. Estes têm sido utilizados para definir as relações com os altos escalões dos governos e suas agências, nos quais a formalização de relações seria inadequado. Alguns exemplos são:

Acordos de Implementação, com a finalidade de coordenar as ativida- f

des de implementação da estratégia de crescimento regional. Embora previstos na legislação provincial, esses acordos são, essencialmente, as declarações de cooperação voluntária. O Conselho tem um Acordo de Implementação com a Comissão Provincial de Terras Agrícolas.

A Carta entre as Cidades do Porto da Metro Vancouver e o Porto da f

Metro Vancouver, no sentido de nortear a relação entre os municípios e as atividades portuárias. Sendo uma agência federal, o Porto da Metro Vancouver não está sujeito a regulamentação local, mas a Carta estabe-lece um arcabouço de cooperação interinstitucional.

características-chave da gestão metropolitana colaborativa

A governança colaborativa é baseada na premissa de que uma aborda-gem consensual inclusiva irá produzir o melhor resultado para a região. A governança colaborativa bem- sucedida se baseia em três aspectos principais: construção de relações entre as instituições, definição de processos decisórios transparentes fundamentados na legislação ou em acordos legais, fomento de espaços de emancipação de uma liderança política.

as relações contam

A governança colaborativa requer vontade, ou pelo menos parceiros que não sejam muito teimosos. Estabelecer e manter relacionamentos entre as instituições é fundamental para fomentar a governança colaborativa. Isto

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requer um investimento considerável de tempo e recursos, tanto em nível político como em nível pessoal.

Se o consenso é objetivo de uma ação coordenada por um número de instituições independentes, é mais provável que o mesmo seja alcançado se for criado pelo desenvolvimento conjunto e pelo compartilhamento de informações sobre o assunto em questão. Os atores deverão ser envolvidos na determinação da natureza do problema a ser resolvido e na elaboração da ação. Esse processo será facilitado pela consolidação de relacionamentos e canais de comunicação.

A Metro Vancouver tem estabelecido relações de longo prazo entre e com os seus municípios-membros no nível político, administrativo e técnico. Isso garante que nenhuma questão fundamental seja vista como uma surpresa. Além disso, os municípios têm ampla oportunidade de contribuir na elaboração e implementação das políticas públicas. Há uma oportunidade para debater questões de diferentes perspectivas políticas e técnicas, antes de uma decisão ser tomada pelo Conselho da Metro Vancouver.

Entretanto, o Conselho não investiu recursos equivalentes para desenvol-ver um relacionamento com o governo provincial e isto resultou em decisões provinciais que não refletem um consenso regional. Não existem estruturas formais que se ocupem da relação entre a Metro Vancouver e o governo pro-vincial. Embora o Conselho tenha periodicamente convidado os ministros provinciais e os deputados da Assembleia Legislativa para se reunirem com ele, e por mais que tenha discutido questões regionais com os técnicos do governo provincial, isso não foi suficiente para construir uma forte relação interinstitucional. O resultado tem sido ações provinciais unilaterais sem consulta prévia à região. Um exemplo recente é o desenvolvimento de uma grande autoestrada e uma ponte com impactos significativos sobre o uso do solo, transporte e meio ambiente. Houve pouca discussão regional sobre os objetivos e implicações desse projeto. A Província e o Conselho da Metro Vancouver estão criando um Comitê de Relações Institucionais do Premier, no qual terão assento o primeiro-ministro da Província de British Columbia, os principais ministros e os diretores-membros do Conselho da Metro Vancouver, para melhorar a coordenação interinstitucional.

A relação entre o Conselho da Metro Vancouver e o governo federal é mais fraca ainda, com muito pouco contato. Até certo ponto isso reflete a natureza da Constituição do Canadá, em que o governo federal se relaciona diretamente com os governos provinciais e não com os municípios ou regi-

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ões. No entanto, o Conselho está se esforçando cada vez mais para trazer seu ponto de vista regional para a atenção do governo federal, em questões como moradia social.

Um arcabouço para a tomada de decisões é essencial

O processo de governança colaborativa pode resultar em um diálogo sem fim, sem decisão ou ação alguma. Quanto mais difícil a decisão, maior a ten-dência a postergá-la. Enquanto uma decisão de consenso como base é a meta desejável, um arcabouço legislativo ou um acordo legal entre os participantes pode trazer foco e disciplina suficientes para que os processos colaborativos resultem em decisões concretas.

No caso de Metro Vancouver, as disposições da Lei de Governos Locais em relação às estratégias de crescimento regional definem o processo de de-senvolvimento e aprovação de um plano, e também especificam o número de dias que um município ou que a Região Metropolitana de Vancouver têm para analisar, apoiar ou rejeitar uma estratégia proposta ou uma Declaração de Contexto Regional. Com muitos municípios participantes, essas disposições evitam que os opositores desacelerem os processos decisórios ou impeçam a tomada de decisões

No entanto, no que diz respeito ao governo provincial, federal e suas agên-cias, existem áreas críticas de desenvolvimento regional nas quais o arcabouço legislativo não incentiva a colaboração. Um exemplo particularmente flagran-te é a relação entre a Metro Vancouver, que coordena a utilização dos solos urbanos por meio de sua estratégia de crescimento regional, e o Conselho da TransLink (provincialmente nomeado), que elabora as políticas de mobilidade e serviços rodoviários. Regimes anteriores que ligaram o Conselho da Metro Vancouver e o Conselho da TransLink foram substituídos por instituições in-dependentes, com pouco respaldo legislativo. Se os planos das duas instituições começassem a divergir, existiriam poucos recursos de coordenação.

Liderança política é um fator crítico

A liderança política é um elemento essencial na concretização de decisões em processos de governança colaborativa. Considerando a existência de mui-tas instituições envolvidas, muitas vezes com entendimentos diferentes dos problemas e dos objetivos, a liderança política é fundamental para criar um

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consenso e para conduzir processos de discussão para tomada de decisões e ações. A liderança política é particularmente importante para unir os diferentes níveis de governo, onde não existe um quadro legislativo ou convenção que imponha a colaboração.

A Metro Vancouver é desafiada por sua estrutura de governança que, de certa forma, dispersa a liderança política. Uma vez que os diretores-membros do Conselho não são eleitos diretamente, eles necessariamente terão que en-frentar as suas responsabilidades regionais como parte do Conselho da Metro Vancouver e responder às suas responsabilidades locais vinculadas a sua base eleitoral. Na ausência de representantes cujo processo eleitoral se baseie em questões regionais, tem sido difícil para o Conselho resolver importantes questões econômicas e sociais. O Conselho tem sido mais bem-sucedido onde existem lideranças políticas regionais claras, o que resultou na aprovação da atual Estratégia de Crescimento Regional ou na homologação do Plano Es-tratégico de Região Sustentável.

A governança colaborativa é um processo difícil, que exige cuidados permanentes. Em um ambiente metropolitano complexo, ela oferece a opor-tunidade de trazer o máximo de recursos para resolver os difíceis problemas de desenvolvimento regional. Isso requer clareza e disciplina nos processos decisórios fundamentados em relações institucionais e pessoais necessárias para celebrar acordos, pactuar novos arranjos interinstitucionais, fundamen-tar os processos no arcabouço legislativo e fomentar oportunidades para o surgimento de novas lideranças políticas.

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PrOgressO sOciaL e a ParticiPaçãO NOs cONtextOs brasiLeirO e caNaDeNse

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A capacidade de atuar para o progresso social, nos contextos contempo-râneos do Brasil e do Canadá, está profundamente ligada à participação efetiva de amplos segmentos da sociedade nos processos de decisão sobre políticas sociais e de saúde, assim como à participação ativa em outros aspectos de go-vernança e cidadania (advocacia, coordenação, por exemplo). Há tempos que a participação nos processos de decisão é considerada como tendo implicações importantes para o desenvolvimento de intervenções efetivas e sustentáveis na promoção do bem-estar e da saúde em todos os segmentos da população e em várias circunstâncias, inclusive no Brasil e no Canadá (TEMPORÃO, 2009, p. 45). No entanto, as maneiras como compreendemos e exercemos a participação na promoção do progresso social precisam ser apoiadas por uma combinação de informações concretas e de estruturas e mecanismos facilita-dores da governança, e devem basear-se em ações coordenadas de diversos setores e de todas as esferas da administração pública.

O potencial dos esforços de colaboração no Brasil e no Canadá, espe-cialmente quanto às estratégias de governança colaborativa nas respectivas administrações públicas, ainda não foi plenamente alcançado. No que se refere a desigualdade social e saúde, por exemplo, a Comissão Brasileira sobre Deter-minantes Sociais da Saúde relatou recentemente à Presidência da República do Brasil o presente estado da evidência científica, e apresentou como orientação alguns passos (i.e., ações de intervenção) na promoção de saúde e bem-estar social. O relatório notou que, apesar da existência de diversas ações por parte de várias agências federais do Brasil, há relativamente pouca comunicação e/ou coordenação entre o Ministério da Saúde e outros ministérios. Reconhecendo

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que o alto grau de fragmentação e a falta de “programas de governo completo” e reconhecendo que as estratégias utilizadas poderiam aumentar a competi-tividade interministerial (ao invés da colaboração), a Comissão argumentou que “[intervenções] viáveis, efetivas e sustentáveis deveriam ser baseadas em uma ação coordenada dos diversos setores e esferas da administração pública. Elas deveriam contar com a participação de amplos segmentos da sociedade e com o apoio de informação e evidência científica sólidas” (TEMPORÃO, 2009, p. 47).

Ainda há muito a ser feito nesse sentido em muitos países, inclusive no Canadá, onde já é admitido por diversas organizações não governamentais importantes uma grave falta de coordenação entre as jurisdições federal-provincial/territorial-municipal e entre setores (como saúde, planejamento urbano, transporte, comércio e indústria) em todos os níveis jurisdicionais do governo (Associação Canadense de Saúde Pública, 2008). Além disso, a parti-cipação e o engajamento do público têm sido indicados como um campo que exige ação imediata para desenvolver métodos mais efetivos de governança que facilitem intervenções interjurisdicionais e intersetoriais na promoção da saúde e do progresso social (Agência Canadense de Saúde Pública, PHAC, 2007, p. 18). No Canadá, como no Brasil, ainda existe uma fragmentação significativa entre setores tradicionalmente encarregados do progresso social (como saúde, educação) e outros setores dentro da administração pública (finanças, transporte, por exemplo) cujo foco, de maneira direta ou indireta, afeta os fatores determinantes de tal progresso (PHAC, sem data). Até hoje, apesar da aceitação praticamente universal da premente necessidade de me-lhorar as parcerias entre os setores público, privado e voluntário, ainda faltam mecanismos para estimular tais ações (Grupo de Tarefa sobre Disparidades em Saúde, membro do Comitê Federal/Provincial/Territorial de Conselho sobre a Saúde da População e Segurança da Saúde, 2005, p. 6).

Progresso social e governança urbana colaborativa

Alguns dos mais importantes fatores determinantes do progresso social têm sua origem e causam impactos que ultrapassam os limites das fronteiras geográficas e políticas (WHO, 2008). Talvez não haja melhor exemplo disso que nas chamadas “cidades em explosão de crescimento no mundo subde-senvolvido” (DAVIS, 2006, p. 5), onde as tendências econômicas globais (ex.: mercados liberalizados, livre fluxo de capital), crescimento maciço e rápido da população urbana e concomitante redução da população rural, além da

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geografia, têm contribuído para o aumento da desigualdade. Consequen-temente, novas pressões têm sido exercidas sobre a infraestrutura existente (tanto física como social), a qual não tem conseguido, em grande parte, se manter a par das necessidades dos pobres, especialmente aqueles que vivem nas grandes áreas metropolitanas dos países de baixa e média renda (LMICs) (WHITEHEAD; DAHLGREN, 2007, p. 80-83; MORENO; WARAH, 2006, p. 24). Além da longa lista de barreiras que impedem o sucesso das estratégias de governança urbana colaborativa no tratamento de problemas sociais (ex.: escassez de recursos; conflitos políticos; falta de estratégias colaborativas), alguns têm sugerido que um obstáculo mais fundamental está relacionado à capacidade dos atores sociais (inclusive cidadãos e instituições) das princi-pais áreas metropolitanas de participar do mundo social. Levando em conta também o crescimento extraordinário das áreas periféricas que conectam os centros urbanos (ex.: ao longo das rotas de transporte entre São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte), o contexto brasileiro fornece um lugar importante para examinar o potencial de um avanço bastante necessário no tratamento das vulnerabilidades especiais, apresentadas nos contextos geográfico e social, vividas pelos residentes urbanos.

Este capítulo descreve novas ideias relacionadas às conexões entre gover-nança urbana coletiva e a capacidade de redes de atores sociais de promover inclusão social através de participação do cidadão. Enfocando o tema de como possibilitar o trabalho conjunto de atores dentro de uma rede, o autor cita exemplos como o do Consórcio Mulheres das Gerais (CMdG) para ilustrar como certos mecanismos, como um tipo específico de rede no Brasil chamado consórcio público, são capazes de “abrir novos espaços” para a governança urbana coletiva. Aprofundando as discussões sobre estrutura e agência que apa-receram durante o período da Modernidade e indo além dos conceitos dualistas de agência-estrutura (GIDDENS, 1984; LATOUR, 2005), os exemplos citados neste capítulo demonstram como relações sociais e, portanto, a capacidade de agir para conseguir progresso social, podem funcionar, mesmo dentro de um contexto caracterizado por incerteza e complexidade.

Participação e o ator social reflexivo

Como já foi argumentado de maneira convincente pelo pessoal da área da saúde pública, particularmente Louise Potvin (2007, p. 104-105) e seus colegas na Universidade de Montreal, esforços técnico-científicos para a promoção de inclusão e igualdade social estão intimamente ligados às realidades dos

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contextos locais e globais. Tal abordagem questiona pressuposições sobre a previsibilidade e a aceitação do conhecimento universal.

Grande parte da governança e do planejamento urbanos (e muitas outras áreas) estão baseadas na pressuposição de que, sabendo mais, seríamos capa-zes de melhorar nossa habilidade de controlar (i.e., melhorar) as condições sociais. Raramente se tem aceitado a insensatez da dependência excessiva do “progresso” científico e técnico no campo de planejamento e governança urbana – e somente há pouco tempo se tem questionado a capacidade única do conhecimento especializado em controlar desenvolvimento social. As falhas dos métodos racionais de planejamento, aliadas ao caráter restritivo das perspectivas demasiado determinísticas sobre a função da estrutura na condição urbana, têm sido evidenciadas de várias maneiras, inclusive através do aumento da desigualdade social e de saúde, vivida por aqueles que estão na parte de baixo da hierarquia social. Para atender melhor às necessidades daqueles que estão simultaneamente posicionados na periferia das regiões urbanas (assentamentos informais, por exemplo) e nos patamares inferiores da hierarquia social atual (mulheres vivendo em pobreza, por exemplo), pre-cisamos de estratégias de participação na governança urbana colaborativa que reconheçam a imprevisibilidade dos atores sociais e instituições, e que forneçam melhores ferramentas a urbanistas e às comunidades onde eles trabalham, com o objetivo de melhorar consequências imprevistas e/ou indesejadas das intervenções que dependem exclusivamente da “racionalidade científica” e de soluções técnicas.

Cada vez mais, em âmbitos como planejamento urbano e saúde pública (minha disciplina), reflexividade e flexibilidade estão sendo justapostas aos mo-delos racionais/lógicos convencionais. Teóricos e práticos admitem que estão trabalhando em contextos caracterizados por interações e associações entre atores sociais e instituições que estão sempre mudando (i.e., reflexividade). Já não se veem as “soluções de spray”, elaboradas por especialistas, como a melhor/única abordagem dos problemas dentro do contexto global (GREEN; SHOVELLER, 2000, p. 175-176). Enquanto se admite que houve realizações técnicas admiráveis no passado (o estabelecimento de sistemas sanitários, por exemplo), a implementação em grande escala de muitas dessas realizações se mantém desigual entre estratos sociais (e geografia). Além disso, devido aos êxitos de planejamento convencional que enfoca as necessidades básicas do cidadão, novos desafios urbanos estão aparecendo, até mesmo alguns resultan-tes de consequências não planejadas dos ditos sucessos técnicos (por exemplo,

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o crescente impacto de doenças crônicas dentro dos Países de Baixa e Média Renda (“Low- and Middle-Income Countries”- LMICs). No meu ponto de vista, o campo de planejamento urbano em geral, e a governança urbana coletiva em especial, precisam urgentemente de novos mecanismos, estratégias, e espaços que permitam alcançar a participação voltada para o progresso social.

Participação em redes sociotécnicas como um mecanismo para melhorar a governança

A participação pública em redes sociotécnicas (ênfase intencional no com-ponente social) (LEVIN; KNUTSTAD, 2003, p. 18), tal como a desenvolvida pelo Consórcio MdG em Belo Horizonte, representa um mecanismo para melhorar a governança urbana colaborativa – especialmente nos casos em que um problema abrange várias fronteiras, inclusive aquelas de caráter político e geográfico que separam municipalidades/cidades umas das outras (e ainda de maneira mais significativa em regiões metropolitanas, onde as cidades compar-tilham fronteiras geográficas). Através da participação ativa no planejamento, no processo de decisões e na criação de novas intervenções para a promoção da igualdade de gênero, a solução Consórcio MdG representa um modelo que está tendo êxito em lidar com a incerteza que surge no tratamento de proble-mas sociais complexos em um contexto moderno. Em redes sociotécnicas (ex.: Consórcio MdG), o conhecimento é gerado (e continuamente modificado) através de negociações contínuas entre os atores humanos e as instituições e estruturas não humanas (ex.: protocolos, orçamento, estruturas políticas, limites geográficos) – admitindo que os atores “não humanos” também estão profunda e permanentemente ligados aos seus correspondentes humanos.

Se conceituamos a participação como um “processo de tradução multidi-recional” (POTVIN, 2007, p. 119), estratégias mais flexíveis e iterativas para o processo de decisão e governança são necessárias para acomodar os interesses de cada ator e no final traduzi-los em interesses compartilhados entre os ato-res da rede. Novas estruturas e mecanismos de governança podem contribuir para a construção de interesses compartilhados; porém é essencial estabelecer simultaneamente novos espaços sociais que promovam e recompensem a cola-boração e a coordenação entre jurisdições e setores, possibilitando a execução de ações efetivas para acomodar os interesses compartilhados. Segundo Potvin (2007, p. 119-121), a “tradução” dos interesses iniciais em interesses compar-tilhados é conseguida por meio de um processo de negociação. A negociação

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entre os vários atores relevantes (por exemplo: planejadores urbanos; saúde pública; parceiros do setor privado) é necessária para unir as pessoas em torno de interesses comuns (ex.: a meta de igualdade de gênero). Esses processos ocorrem dentro de estruturas sociais e as transformam (ex.: o uso de capital pessoal e profissional; desenvolvimento de novas “regras” para tomar decisões ou algoritmos para indicação de sucesso). Usando termos do Velho Testa-mento: participação produz negociação; negociação produz novas relações e espaços sociais; novos espaços sociais produzem novos atores, novas formas de participação, e possivelmente soluções novas e mais efetivas.

A implementação de participação e de estratégias de governo completo dentro dos modelos existentes de governança urbana coletiva é difícil por-que modelos convencionais não estão preparados para funcionar sujeitos a incertezas. Um ambiente que está sempre em transformação, onde até os programas, as políticas e as infraestruturas institucionais contribuem para a incerteza, representa um desafio às formas tradicionais de governança que tendem ao isolacionismo, e não à colaboração (ex.: competição por recursos entre departamentos do governo; indicadores de sucesso que promovem ini-ciativas fragmentadas e específicas de um departamento, ao contrário de ações que apoiem intervenções “domiciliadas” em outros departamentos). Como Potvin (2007, p. 119-121) argumenta, a probabilidade de lidar efetivamente com a incerteza e a complexidade pode ser favorecida através da participação de vários atores relevantes no processo de negociação de soluções. A participação em redes sociotécnicas, como o Consórcio MdG, pode fornecer oportunidades de empoderamento, permitindo que todos os atores negociem o espaço social para falar e agir com legitimidade, como representantes da rede inteira, em um esforço para atingir os objetivos comuns. Em contextos socioespaciais, como no caso da Região Metropolitana de Belo Horizonte, onde a geografia e estruturas sociais apresentam desafios, o progresso social depende da ca-pacidade de inovação e adaptação, o que requer mecanismos e modelos de governança urbana reflexivos.

Participação e o consórcio mulheres das gerais

Desde 2006, a Região Metropolitana de Belo Horizonte, incluindo as cidades de Belo Horizonte, Betim, Contagem e Sabará, tem se envolvido num processo para lançar o Consórcio Regional de Promoção da Cidadania: Mulheres das Gerais. Esse consórcio (aqui referido como Consórcio MdG) foi

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estabelecido em 2008. As quatro municipalidades que compõem o Consórcio MdG abrangem uma população de 3,2 milhões, dos quais 52% são mulheres. Medidas de desigualdade de gênero na região já foram documentadas (ex.: Relatório do Perfil dos ODMs em Belo Horizonte; Unidade Especial de Crimes Contra Mulheres, Belo Horizonte) e compreendem desigualdades baseadas no gênero, relacionadas à renda, à participação na mão de obra remunerada, e à violência (ex.: ameaça, agressão, agressão sexual). Atores dentro do Con-sórcio MdG planejam, promovem e implementam ações e programas com-partilhados, os quais promovem a inclusão e emancipação de mulheres, em uma abordagem colaborativa e sustentável, para prevenir e combater todas as formas de violência contra mulheres, e para garantir o cumprimento pleno da Lei 11.340/06 – Lei Maria da Penha. Os objetivos específicos são: (1) prevenir a violência contra mulheres; (2) lutar contra a violência contra mulheres; (3) administrar uma Casa Abrigo regional; (4) educar, formar e capacitar para a conscientização sobre gênero em todas as áreas públicas e privadas; (5) adquirir ou administrar recursos para serem compartilhados entre as municipalidades em seu trabalho de prevenção e combate à violência contra mulheres; e (6) entregar propostas públicas compartilhadas onde seja possível, sendo estas ratificadas pelas municipalidades ou suas entidades administrativas diretas.

interpretando a participação como uma ferramenta de progresso social dentro do consórcio mdg

A participação, no contexto de sua promoção de estratégias reflexivas na governança urbana colaborativa, como aquela usada no Consórcio MdG, pode ser descrita como um tipo de rede sociotécnica que reconhece e valora as relações recíprocas simultâneas entre os contextos de decisão e os aspectos “técnicos” de várias alternativas (para discussões mais detalhadas das fundações teóricas de redes sociotécnicas e as origens da teoria ator-rede, consulte os tra-balhos de Bruno Latour e Michel Callon). Redes “sociotécnicas” estão baseadas em uma combinação de relações que ocorrem naturalmente e inter-relações técnicas compartilhadas. Os poucos estudos existentes na literatura da área da governança metropolitana sobre os temas participação e redes sociotécnicas sugerem que redes bem-sucedidas dependem de relações sociais entre indi-víduos dentro das instituições participantes e da capacidade de transformar essas relações em ações.

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Dentro de uma rede sociotécnica, o processo de tradução de interesses individuais a interesses compartilhados (de uma maneira que integre os ato-res heterogêneos com diferentes objetivos para agir coletivamente) pode ser conceituado como um conjunto de quatro processos (POTVIN, 2007, p. 188, retirado da versão original em francês de CALLON; LASCOUMES; BARTHE, 2001): (1) entender e expandir o significado de um problema; (2) desenvolver uma interpretação comum sobre o que os vários atores querem alcançar; (3) (re)definir e aceitar papéis na busca coordenada de um objetivo comum; e (4) mobilizar recursos para desenvolver a causa da rede. Esses processos não seguem um caminho linear e progressivo. Ao contrário, eles ocorrem de maneira iterativa (como ilustrado na Figura 1, que foi adaptada da Figura 7.1 de POTVIN, 2007). Tomando exemplos da experiência do Consórcio MdG, é possível ilustrar como estratégias e mecanismos de governança reflexiva oferecem uma vantagem comparativa na implementação de soluções efetivas para problemas urbanos complexos nas regiões metropolitanas.

figura 1 - Uma ferramenta para entender a participação no consórcio mdg.

entender e expandir o significado de um problema

Em um grupo de atores heterogêneos, cada ator pode ter um entendimen-to diferente de um problema (ex.: desigualdade de gênero). No momento em que cada ator relevante (ex.: grupos comunitários, tecnocratas e/ou políticos

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que controlam recursos requeridos para tratar efetivamente o problema) é identificado, também é identificada sua perspectiva sobre o tema. Além de explorar e entender as perspectivas um do outro, é essencial o desenvolvimento de um significado mais amplo e compartilhado de qualquer problema (ex.: no caso do Consórcio MdG, o problema era desigualdade de gênero e violência contra as mulheres). Entender as distâncias sociais entre os atores de uma rede (e entre cada ator e o tema de interesse) pode exigir que os atores examinem e até mesmo redefinam suas crenças nesse tema. A maximização da importância do novo entendimento compartilhado do problema significa que os diversos atores também têm que aceitar o ajuste entre o entendimento compartilhado e a busca de seus próprios objetivos.

No caso do Consórcio MdG, um grupo heterogêneo (ex.: planejadores urbanos; ONGs; feministas; líderes políticos) identificou igualdade de gênero como uma meta progressiva para a ação coletiva na Região Metropolitana de Belo Horizonte. À medida que cada ator foi sendo identificado dentro da rede (leia consórcio onde se lê rede), também era identificada sua pró-pria perspectiva sobre as prioridades mais importantes no enfoque do tema igualdade de gênero (ex.: violência contra a mulher; educação não sexista; emprego e oportunidades iguais de treinamento). Através de um processo de negociação extenso e intenso, os diversos atores desenvolveram um plano para lançar ações coletivas preliminares, sob um tema unificador com relação à violência contra a mulher, com a condição de que esse tema continuasse ligado a questões mais amplas no tema desigualdade de gênero. Para tal fim, os planejadores urbanos e feministas iniciaram discussões com especialistas em leis, conselhos técnicos, além de políticos municipais nas quatro jurisdições participantes. Em discussões com as partes interessadas sobre a saúde da mu-lher e a juventude, o significado original do tema da violência contra a mulher veio a incluir noções importantes sobre a prevenção de violência, além de elos entre a violência e oportunidades educacionais para mulheres e suas crianças. Embora o Consórcio MdG tenha começado com o objetivo de enfocar planos para o estabelecimento de uma casa abrigo regional, a criação de uma rede de atores sociais muito mais ampla (ex.: feministas; a polícia; sistema educativo) resultou na ampliação do tema, que passou a conter outros temas (que, em alguns casos, passaram a ser essenciais) voltados para a busca de objetivos e interesses de todos os atores envolvidos no consórcio.

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Desenvolver uma interpretação comum sobre o que os atores querem alcançar

Por meio da participação, os atores tentam impor e fixar os papéis e identidades dos outros atores em relação ao tema. Alguns autores se referem a isso como “posicionamento”, através do qual cada ator estabelece para seu próprio entendimento (e para o entendimento dos outros atores que fazem parte da rede) a essência das suas interações um com o outro e de seus pontos de vista sobre o tema. Dessa maneira, identidades dentro da rede de atores tentam tornam-se mais “sólidas”, e vínculos com outros temas ou atores fora da rede (que podem ser vistos como relações que competem) são desfeitos temporária ou permanentemente.

No caso do Consórcio MdG, os atores começaram a desenvolver uma interpretação comum de que suas realizações quanto ao estabelecimento de uma casa abrigo regional (para mulheres maltratadas) fornecia uma importante plataforma a partir da qual se poderia atuar em outras questões relacionadas à igualdade de gêneros. Os atores do consórcio usaram uma combinação de interações interpessoais e institucionais uns com os outros para estabelecer como operariam e para entender o que se poderia esperar de outros atores dentro da rede. Embora a institucionalização política de um consórcio públi-co seja estruturada pela lei federal que define como o projeto NPC deveria ser criado e operado, os processos sociais para a participação nas atividades cotidianas dentro do Consórcio MdG e o capital social requerido para atingir um consenso requeriam tanto a informação técnica ou especializada quanto a confiança e o respeito mútuo entre os atores. No Consórcio MdG, os atores trabalharam juntos quase diariamente por dois anos para chegar a decisões conjuntas sobre como seu consórcio funcionaria. À medida que desenvolviam suas noções compartilhadas de gerenciamento, estabeleciam os arranjos elei-torais e as normas para tomar decisões dentro do consórcio, o que não está claramente explicitado na lei, a não ser em termos gerais. Foi através desse processo de estabelecimento do formato do consórcio que os vínculos entre seus membros se fortaleceram e as ligações entre a rede emergente e o mundo ‘exterior’ (i.e., não-membros) foram (r)estabelecidas.

Outro fator importante que contribuiu para a participação informada dos atores relevantes foi a capacidade de reunir e usar informações específicas das localidades relativas às questões de igualdade de gêneros. Nos âmbitos político,

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burocrático e técnico, a Região Metropolitana de Belo Horizonte deve ser uma das áreas que mais avançou no Brasil modernizado relativamente à igualdade dos sexos. Além da sua capacidade de coletar e analisar dados, as contribui-ções de um pequeno, mas dedicado e poderoso, núcleo de pessoal da linha de frente (muitos dos quais também eram identificados como membros do movimento feminista) foram fatores essenciais para a emergência do Consórcio MdG. O Consórcio MdG depende de relações profissionais de trabalho que se desenvolveram nas fases preliminares da iniciativa e que foram vistas como sendo de benefício mútuo para os burocratas de nível médio e trabalhadores da linha de frente. Por exemplo, os burocratas e tecnocratas estabeleceram, mantêm e usam bancos de dados altamente sofisticados que produzem indi-cadores de igualdade de gênero na Região Metropolitana de Belo Horizonte (ex.: avaliações populacionais relativas à desigualdade de renda entre homens e mulheres). Esses bancos de dados e sua correspondente capacidade analítica são considerados protótipos e modelos para outras jurisdições, inclusive para a secretaria federal responsável pela igualdade da mulher.

O Consórcio MdG também reconhece que a coleta e a análise de dados têm que ser vinculadas à provisão de serviços e a indicadores de sucesso (i.e., medidas de responsabilidade). Esses vínculos são necessários para ir além da retórica de “combater a violência contra a mulher” e estabelecer ações de in-tervenção no mundo real. Portanto, existia (e continua existindo) uma relação iterativa e mutuamente benéfica entre a capacidade do Consórcio MdG de elencar necessidades urgentes e importantes e as suas habilidades locais de lidar com essas necessidades. O Consórcio MdG também tem, consequentemente, a capacidade de coletar e usar dados que ajudem a manter a responsabilidade sobre os fundos que saem dos orçamentos dos respectivos parceiros, com destino ao orçamento do consórcio.

Obviamente, esses tipos de relações simbióticas e mensuravelmente responsáveis também contribuem para a participação informada exigida pela Comissão Brasileira sobre Determinantes Sociais da Saúde. Além disso, esses tipos de mecanismos para informar a participação no processo de decisão também aumentam a longevidade do consórcio, no qual cada parceiro jurisdi-cional (municipal, estadual ou federal) e vários parceiros setoriais (ex.: moradia; planejamento; saúde; legislação) pode ter a certeza de que os impactos de seus investimentos coletivos podem ser empiricamente avaliados. Isso pode também intensificar sentimentos de confiança, previamente estabelecidos, entre os

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parceiros, os quais, na ausência de dados “perfeitos”, podem ficar seguros de que o processo em si tem a capacidade de aumentar a responsabilidade.

(re)definir e aceitar papéis na busca coordenada de um objetivo comum

No momento em que os papéis são (re)definidos e aceitos por cada um dos atores, o grupo começa a se integrar em uma nova rede – cria-se um novo espaço social. Entretanto, nesse novo espaço, os papéis recém-definidos são coordenados e, em alguns casos, reexaminados e novamente redefinidos, através de um processo iterativo de renegociação dos entendimentos comuns sobre o problema, além do desenvolvimento de novas interpretações comuns sobre os objetivos dos atores dentro da rede.

Nesse aspecto, o Consórcio MdG tem alcançado resultados extraordiná-rios em termos da criação de um novo espaço social onde membros da rede assumem a posição de defensores dos direitos da mulher e outras posições “socialmente progressistas”. Apesar do problema específico da violência contra a mulher continuar sendo o tema coletivo primário para a ação, interpretações novas e compartilhadas das causas e impactos dessa violência têm surgido. O Consórcio MdG se uniu com sucesso em torno da questão da violência e, com isso, criou uma fundação a partir da qual pode perseguir, de maneira mais coordenada, o objetivo comum de igualdade de gênero (ex.: ajudando um ao outro, e a outros fora da rede, a entender os elos entre violência e outros pro-blemas, como a educação sexista, a desigualdade de emprego, e a moradia). Algo que começou como uma rede voltada para o estabelecimento de uma casa abrigo regional para mulheres, emergiu como um novo espaço social onde “progressistas sociais”, independentemente de afiliação política, sexo, idade, ou localização geográfica, podem juntar-se na busca de um objetivo comum. Talvez um fator que tenha contribuído para o sucesso da rede se deva ao fato de que a busca de igualdade de gênero não é como outros objetivos, os quais tendem a ser fisicamente “localizados ou situados” e criam símbolos visuais de cooperação (ex.: estradas, administração sanitária), e que podem incitar brigas entre atores. O enfoque na igualdade de gênero não suscitou grande apoio público ou político (ex.: demonstrações nas ruas; lobby maciço para influenciar investimentos em infraestrutura pública) nem provocou grandes e clamorosas reações, às vezes associadas a outros temas mais tocantes.

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mobilizar recursos a fim de levar adiante a causa da rede

O processo de definição de quem pode agir legitimamente como repre-sentante da rede requer negociações intensas dentro da rede e entre os atores. Quanto mais heterogênea e instável for a rede, mais controvérsia e dificuldade ela terá de enfrentar para negociar a representação. Os aspectos hierárquicos de instituições e estruturas frequentemente posicionam os profissionais como os representantes (i.e., porta-vozes) de uma rede, ainda que isto não aconteça sempre. E, apesar da maioria do trabalho de Callon ter enfocado situações em que os especialistas são vistos como proprietários únicos e, portanto, traduto-res dentro de uma rede sociotécnica, Potvin (2007, p. 116-118) apresenta um quadro para entender os tipos de processos tradutores que se desenvolvem entre grupos muito mais heterogêneos de atores (ex.: planejadores urbanos; políticos de governos municipais; ONGs feministas; consultores de moradia e transporte; a polícia e o sistema legal). Dessa forma, os membros do Consórcio MdG – “atores sociais que não compartilham a priori a mesma perspectiva e interesses” (POTVIN, 2007, p. 118) – negociam sua participação e representação de seus esforços conjuntos para tratar a desigualdade de gênero.

A mobilização de todos os atores de uma rede é, de fato, rara. Mais frequentemente, a mobilização é realizada pela ação de alguns poucos porta-vozes com capacidade de mobilizar os recursos que representam. Por exem-plo, dentro do Consórcio MdG, os porta-vozes principais são planejadores de mais projeção e feministas, ainda que políticos (que foram adequadamente informados) também assumam a posição de porta-vozes em ocasiões em que o capital político precisa ser mobilizado para a continuação ou concretização dos objetivos do consórcio. Mesmo assim, para manter sua legitimação, esses porta-vozes continuam a participar de reuniões e discussões frequentes com os membros de vários grupos de atores que eles representam. Por exemplo, o planejador principal se comunica com outros planejadores para assegurar que eles estão a par de e de acordo com as atividades do Consórcio MdG; os porta-vozes das organizações feministas mantêm discussões e oficinas com provedores de serviço da linha de frente e com mulheres que já sofreram vio-lência ou outras formas de discriminação de gênero. Portanto, os mecanismos de governança participativa que têm sido desenvolvidos e implementados dentro do Consórcio MdG refletem um verdadeiro “processo de tradução multidirecional” (POTVIN, 2007, p. 119).

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formas dinâmicas de participação no consórcio mdg: trabalhando juntos em novos espaços

A complexidade e o dinamismo que resultam da participação no Con-sórcio MdG revelam como novas estratégias de governança (ex.: participação em uma rede sociotécnica) podem efetivamente promover o progresso social. Contudo, a sustentabilidade de longo prazo das ações do Consórcio MdG na promoção de igualdade de gênero na Região Metropolitana de Belo Horizonte é garantida pela capacidade de sua rede de continuar trabalhando junto, além da sua capacidade de integrar suas perspectivas e ações às de outras institui-ções. A constante formação e adaptação de uma rede existente representa uma condição necessária, mas não suficiente, para a expansão do número de sócios e do alcance da rede. Entretanto, os êxitos obtidos pelo Consórcio MdG alteraram o contexto, o qual, de muitas maneiras, agora apresenta exigências de ação em outros âmbitos institucionais, onde a prática pode incluir um leque de atores muito mais amplo que o existente hoje no consórcio.

A despeito da rede de atores ser ampla (ex.: incluindo planejadores ur-banos, feministas, expertos legais), não há dúvida de que a maior parte desse trabalho tem sido feito por mulheres (com poucas exceções). A inclusão de homens na rede, especialmente homens poderosos que possam mobilizar recursos e criar ações mais amplas, é necessária para a mobilização de outros tipos de suporte para a igualdade de gênero. Grande parte do êxito do Con-sórcio MdG até hoje tem sido associado a “temas pertinentes a mulheres”, como a violência contra a mulher, temas facilmente estigmatizados como sendo de interesse apenas das mulheres. Uma maneira de começar a expandir o “alcance” da rede é aceitar e insistir que “gênero” não é sinônimo de “mu-lher”. O Consórcio MdG tem o potencial de enfatizar que igualdade de gênero também inclui estratégias para proteger e promover a saúde e o bem-estar social de homens menos influentes (que também são perversamente afetados pelas desigualdades de gênero existentes, devidas a raça, classe, idade, incapa-cidade, ou orientação sexual). Mesmo em relação aos serviços e suporte para mulheres que sofrem violência, também existe uma preocupação sobre acesso igualitário para mulheres marginalizadas (como vem sido demonstrado na implementação de penalidades contra homens negros e pobres que cometem atos de violência contra mulheres).

Tenho que deixar claro que não estou defendendo uma abordagem “neutra em gênero”, a qual ignora, na minha opinião, a maioria das formas pelas quais o gênero, e especificamente as masculinidades, fomentam grande

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parte da violência masculina. Mas, para que o Consórcio MdG alcance com-pletamente o potencial na promoção da igualdade de gênero e o consequente progresso social, deve empenhar-se para se associar a iniciativas já existentes e a novos esforços para reduzir a exclusão social em geral, incluindo apoios voltados especificamentepara homens (o que até agora praticamente não tem sido feito). Um estudo recente sobre as assim chamadas “desigualdades pro-duzidas pelo homem” (Coalizão do Reino Unido sobre Homens e Meninos, UK Coalition on Men and Boys, 2009, p. 154-158) observa que, se o governo falha no desenvolvimento de políticas coesivas, e se a compreensão pública desses assuntos se mantém relativamente pouco articulada, perde-se uma oportunida-de importante. De fato, em ambientes onde vários departamentos de governo (leia setores, como planejamento urbano versus saúde pública versus justiça criminal) competem por recursos escassos, há um risco real de que economias de escala se quebrem, resultando apenas na adoção de soluções genéricas, de grande escala, que poderão possivelmente aumentar as desigualdades que estão tentando mitigar.

Esses tipos de ações ‘inclusivas’ e a ideia de promover a participação mas-culina no processo de decisão sobre igualdade de gênero nunca deveria vir às expensas da provisão de serviços e apoio para mulheres, especialmente para as mulheres vítimas de violência (por exemplo). Contudo, há muitas oportunida-des para novas interações estratégicas entre mulheres e homens ativistas (ex.: a Campanha Laço Branco), algumas organizações profissionais com grande representação masculina (ex.: os líderes de associações de engenheiros, os quais são tradicionalmente compostos principalmente por homens), tomadores de decisão, políticos e o sistema judiciário (o qual exerce influência sobre temas como custódia de crianças, pensão para a mulher, e opções para programas de tratamento). Novos atores podem ser incluídos na rede: homens e mulheres; jovens e velhos; negros e brancos; ricos e pobres; gays e heterossexuais; índios e não índios; novos imigrantes e grupos de imigrantes estabelecidos. A partici-pação nesses novos espaços sociais pode depender, no fundo, da necessidade de abordar crenças estereotípicas sobre “masculinidades” (muito comuns entre os próprios homens), as quais frequentemente ligam independência, individualida-de e autossuficiência ao poder e à virilidade. Ainda que a associação a uma rede não seja uma experiência inerentemente “feminizada”, os tipos de habilidades e atitudes observadas em redes sociotécnicas bem-sucedidas se encaixam melhor com estereótipos de coletividade, interdependência e adaptação mútua, e não com estereótipos de individualidade, impedimento e abordagens competitivas

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do tipo “vencedor-leva-tudo”. Obviamente, a construção de uma sociedade mais justa e humana continua sendo uma obrigação de todos os cidadãos e não deve continuar relegada a outra forma de “trabalho de mulher”.

A necessidade de ter uma capacidade coletiva melhorada para a par-ticipação efetiva em temas intra e interurbanos é óbvia no ambiente con-temporâneo da megacidade que se expande constantemente (em particular no contexto brasileiro). Como os tipos de mecanismos e de abordagens de governança usados no Consórcio MdG podem ser expandidos e adequados a outros cenários e temas ainda está por se determinar. Contudo, baseados nas experiências do Consórcio MdG, mecanismos de governança que promovem a participação em redes sociotécnicas podem abrir novos espaços para ação que são excelentes candidatos para ações efetivas de “governo completo” (de fato, de uma sociedade completa) para o progresso social dentro e através de cenários urbanos.

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cOLabOraçãO iNtermUNiciPaL POr meiO DO agrUPameNtO fOrçaDOUm resumo das experiências recentes em toronto e montreal

Deming K. Smith

O objetivo deste trabalho é fornecer uma visão geral das experiências de colaboração intermunicipal nas recém-consolidadas áreas metropolitanas de Toronto e Montreal, como resultado do recente agrupamento das muni-cipalidades. O trabalho apresenta as estruturas políticas e os mecanismos de colaboração municipal nessas regiões metropolitanas antes do agrupamento, bem como relatórios sobre as razões pelas quais essas estruturas foram rede-senhadas em favor do agrupamento forçado dos municípios em uma mega-cidade. A eficácia dessas novas megacidades no alcance dos objetivos fixados pelo governo da Província também é analisada.

Além de investigar os objetivos provinciais e a racionalidade ao legislar os agrupamentos municipais, o trabalho busca avaliar os impactos desses agrupamentos forçados em outros importantes objetivos sociais, tais como o envolvimento público na vida cívica, a redistribuição mais equitativa da riqueza, o acesso aos serviços etc. Embora não haja grande quantidade de indicadores quantificáveis para fornecer dados em algumas dessas áreas, algumas tendên-cias são identificadas.

Este documento foi elaborado a partir da análise e interpretação de fontes publicadas on line, relacionadas com a governança municipal em Toronto e Montreal. O trabalho conclui que uma investigação adicional é necessária a fim de melhor quantificar o impacto social e político desses agrupamentos.

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toronto

colaboração intermunicipal antes do agrupamento em 1998

A evolução da coordenação intermunicipal formalizada na região metro-politana de Toronto remonta a 1953, quando o então governo da Província de Ontário promulgou o Ato Municipal da Região Metropolitana de Toronto, estabelecendo o primeiro sistema federativo vertical de governança municipal na América do Norte.

Em vez de fundir ou agrupar a cidade de Toronto e municípios adjacentes (como foi feito posteriormente, em 1998), o Ato Metropolitano de Toronto previa a criação de uma nova entidade política regional para prestar serviços a Toronto e a 12 municípios no seu entorno. A Região Metropolitana de Toronto, ou Metro, como veio a ser conhecida, tornou-se o nível superior de governo municipal naquela área. Os limites geográficos em torno dos 13 municípios que integravam a Metro Toronto em 1953 são praticamente os mesmos que delimitam as fronteiras da cidade de Toronto após o agrupamento em 1998.

A literatura que trata deste assunto não dá qualquer indicação de que a criação daquele novo nível de governo tivesse gerado tanta controvérsia quanto o processo de agrupamento que acabou por ser promulgado no fim dos anos 1990. Pelo contrário, parecia haver algum consenso na região de que certo nível de consolidação apresentaria benefícios para Toronto, bem como para os crescentes subúrbios que necessitavam de infraestruturas e serviços prestados pela cidade de Toronto. A cidade de Toronto se beneficiou ainda por ser o ator central de uma economia regional mais forte e desenvolvida.

No início dos anos 1950, os 12 municípios suburbanos estavam crescen-do em um ritmo muito mais rápido do que a cidade de Toronto. Isto porque Toronto tinha esgotado suas áreas com potencial de desenvolvimento, o que saturou sua capacidade de oferta habitacional, resultando no aumento do custo de vida para a mão de obra crescente. Em meados dos anos 1950, havia tantas pessoas morando nas 12 cidades adjacentes quanto dentro da cidade de Toronto (ALEXANDROFF, DATA).

No entanto, o crescimento dos subúrbios se tornou cada vez mais limita-do pelos desafios relacionados com a necessidade de expandir os sistemas de abastecimento e tratamento de esgotos, redes de transporte e outros serviços urbanos de um modo integrado e eficiente. Sem acesso direto ao Lago On-tário para o abastecimento de água e tratamento de esgotos, os 12 subúrbios

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foram forçados a fazer acordos bilaterais com a Cidade de Toronto e entre si, para fornecer esses serviços essenciais. Alexandroff relata que até 1953 foram firmados 163 acordos desse tipo entre os municípios no entorno da cidade de Toronto.

É importante salientar que o crescimento dos subúrbios havia sido inibido pelos efeitos remanescentes da Grande Depressão da década de 1930, que cau-saram graves problemas financeiros para a Toronto suburbana. Essa condição inviabilizou a capacidade dos municípios da região de financiar projetos de me-lhoria da infraestrutura, necessários para acompanhar o crescimento acelerado dos subúrbios no início dos anos 1950. A noção de consolidar a prestação de serviços em uma escala regional se tornou a alternativa lógica para enfrentar esses desafios, considerando a rápida expansão do subúrbio de Toronto para a área rural. Essa abordagem visou catalisar a economia regional de Toronto, para continuar a crescer e prosperar, compartilhando um objetivo entre a cidade e seus subúrbios (Alexandroff and Encyclopedia Britannica Online, Toronto: Evolution of the Modern City).

metro

O Ato Metropolitano de Toronto de 1953 criou um sistema vertical de governança, no qual os municípios mantinham a sua identidade e suas frontei-ras, além de continuarem a exercer uma gama de responsabilidades locais. O órgão de decisão da Metro, Conselho da Metro, era composto por membros eleitos pelos conselhos locais de cada município. Como no modelo usado na Grande Vancouver, os conselheiros atuavam como representantes regionais, sem serem eleitos diretamente pela população para o Conselho da Metro. Afirmou-se que isto asseguraria “um elevado grau de coordenação e uma boa comunicação” entre o nível de governo municipal e a Metro (Encyclopedia Britannica Online).

A criação desse novo nível de governo regional era vista como uma adequação entre não fazer nada, permitindo que os subúrbios de Toronto continuassem crescendo sem planejamento ou coordenação, e agrupar ime-diatamente os 13 municípios, uma medida bem aceita em Toronto, mas não tão popular nos 12 subúrbios (ALEXANDROFF).

No novo sistema, o novo governo metropolitano assumiu a responsabilida-de de fornecer alguns serviços municipais, como por exemplo: abastecimento, tratamento de esgotos, estradas principais e assistência social. Outros serviços eram fornecidos pelos municípios, como por exemplo: parques, programas

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de recreação, ruas locais e centros comunitários. Além disso, alguns serviços municipais eram prestados de maneira compartilhada, como por exemplo: habitação social, creches, limpeza de ruas (Amalgamation in the city of Toronto: a case study, City of Toronto, 2004).

Particularmente, a criação desse novo governo regional também mar-cou o início do planejamento regional, em Ontário. O Conselho Consultivo de Planejamento da Toronto Metropolitana foi estabelecido como o braço planejador da Metro, com a missão de desenvolver planos de uso do solo e transporte para a região (HODGE; ROBINSON, 2001, p. 232).

A Metro Toronto sofreu duas alterações relativamente significativas em sua estrutura de governança, como resultado das recomendações feitas pelas Comissões Reais criadas pela Província nas décadas de 1960 e de 1980. Em 1967, os 13 municípios originais foram consolidados em apenas seis municípios dentro dos limites jurisdicionais da Metro Toronto. Isto incluiu as cidades de Toronto, North York, Scarborough, Etobicoke, York e East York, que foram finalmente agrupadas com a Metro Toronto, a fim de formar a nova Cidade de Toronto em 1998 (Amalgamation in the city of Toronto: a case study, City of Toronto, 2004).

A eleição direta dos representantes políticos para o Conselho da Metro foi introduzida em 1988, por meio da legislação do governo provincial. Isto criou uma estrutura de governança composta de 34 vereadores eleitos. Aparente-mente, a finalidade dessa mudança na estrutura de governança no Conselho da Metro era dar maior independência ao Conselho em relação à cidade de Toronto, a qual, segundo alguns vereadores dos municípios suburbanos, acaba-va dominando os debates da Metro, além de criar mais responsabilidade direta para os eleitores. No entanto, essa mudança levou à diminuição da cooperação entre os municípios de nível inferior e seus representantes políticos, que já não tinham mais assento no Conselho da Metro.

Então, qual foi o sucesso da Metro em exercer o seu mandato? Quais as ações realizadas pela Metro que geraram pontos positivos e negativos? Como já observado, medir os resultados da cooperação interjurisdicional pode ser problemático por uma série de razões, principalmente pelo fato de que a cooperação e o sucesso não são dimensões facilmente mensuráveis (Planning report for the New Public Consortia Action Team, UBC, 2006).

Alexandroff e outros fazem alusão ao fato de que havia disputas territoriais entre a Metro e os municípios de nível inferior. O autor afirma que, embora o novo Governo Metropolitano de Toronto tenha sido constituído sob a noção

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de que os municípios executariam funções “locais”, enquanto o governo me-tropolitano teria responsabilidade sobre questões “regionais”, era evidente que a definição do que é “local” ou “regional” era, por vezes, controversa.

No entanto, tais controvérsias sobre a disputa territorial e jurisdicional fazem parte do cenário político em outras regiões dentro e fora do país. Há consenso na literatura de que essas controvérsias não prejudicaram a Metro no alcance de seus objetivos.

Um artigo da Encyclopedia Britannica sobre a evolução de Toronto afirma:

O Conselho Metropolitano funcionou bem: resolveu muitos dos problemas de abastecimento e tratamento de esgotos; melhorou a rede de transportes, aumentou a capacidade do aeroporto internacional (1962) e expandiu o sistema de metrô; autorizou a construção e renovação de escolas públicas; e introduziu um sistema de parques regionais, na tentativa de controlar o desenvolvimento futuro.

Alexandroff é ainda mais generoso em sua avaliação da Metro como um modelo bem- sucedido de governança metropolitana:

A Metro foi universalmente elogiada por urbanistas como uma experiência bem-sucedida na gestão do crescimento urbano na era do automóvel. Sobre-tudo, alcançou sua meta principal de equipar os municípios com sistemas de abastecimento, tratamento de esgotos, rede viária, sistema integrado de trans-portes públicos, por meio da Comissão de Trânsito de Toronto, fomentando o crescimento desses municípios e evitando a decadência e êxodo do centro da cidade de Toronto.

Finalmente, a repetida citação de Peter Ustinov (1987) − "Toronto é uma espécie de Nova Iorque operada pelos suíços" − parece refletir a opinião ge-ral da cidade de Toronto que se instalou na mente de muitos visitantes, pelo menos, até meados da década de 1990. Alguns poderão discutir até que ponto o governo da Metro foi responsável por essa percepção, mas poucos podem argumentar que ela é destituída de mérito.

A revisão da literatura relacionada a uma avaliação objetiva da Metro Toronto conclui que a Metro foi uma organização eficaz que respondeu às necessidades da região no período em que exerceu a administração. No entanto, essa avaliação não foi capaz de responder a algumas das outras questões fun-damentais relevantes para o Projeto NPC (por exemplo, o nível e a qualidade

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da participação do público nos processos de tomada de decisão, resultados sociais, ambientais etc.).

É evidente que, em meados da década de 1990, o público estava vendo a Metro com uma relevância cada vez menor para as suas vidas. Isso ocorreu porque a maioria das pessoas resolvia suas questões locais no âmbito muni-cipal e porque a área metropolitana de Toronto se tornou muito maior do que o escopo da Metro. A literatura indica que não houve clamor público por qualquer mudança na estrutura de governança regional, além de algumas tentativas isoladas para expansão da Metro com o objetivo de incluir novos municípios da Grande Toronto.

O crescimento da área metropolitana de toronto

Na década de 1990, a abrangência da Metro já não era grande o suficiente para atender às necessidades ou ser de grande relevância para o que tinha se tornado uma aglomeração urbana conhecida como a Área da Grande Toronto (Greater Toronto Area - GTA).

Ao mesmo tempo que as seis cidades que compunham as fronteiras da Metro se desenvolveram, e as áreas verdes começaram a ser preenchidas com unidades habitacionais e propriedades comerciais, a região circundante exterior também continuou a crescer, mas num ritmo ainda mais rápido. Muitas das pressões e questões que precederam a criação da Toronto Metropolitana, no início dos anos 1950, estavam sendo vividas nas regiões do entorno da Metro nos anos 1990, com a diferença de que essas regiões suburbanas incluíam também grandes áreas de terras rurais e agrícolas (2004).

Mais uma vez a forma de facilitar a cooperação e a coordenação in-terjurisdicional entre a Toronto Metropolitana e os subúrbios em rápido desenvolvimento da GTA tornou-se, cada vez mais, um tema importante de discussão e debate para os planejadores e políticos da Metro. Em 1996, Alan Alexandroff escreveu:

A GTA não é um nível de governo ou órgão estatutário com autoridade de qual-quer tipo, mas a utilização do termo sinaliza uma crença de que as economias de todas as cinco regiões (somando ao que se refere à GTA) são cada vez mais interdependentes e integradas. Ao longo dos anos, tem havido preocupações crescentes entre urbanistas, planejadores e alguns políticos que apelam por uma coordenação para esta região.

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Mais uma vez, em referência ao mesmo assunto, o relatório da cidade de Toronto, datado de 2004, declarou:

É reconhecido que Toronto é o coração complexo, interdependente, econômi-co e social da cidade-região. Muitos serviços e questões ultrapassam as atuais fronteiras municipais e deveriam ser abordadas em nível regional, no contexto da gestão de crescimento em longo prazo. A falta de um mecanismo de coor-denação para a tomada de decisões e planejamento em longo prazo se tornou um obstáculo para as perspectivas econômicas de toda a região.

A busca de um mecanismo de coordenação para estruturar em conjunto uma visão comum para a GTA levou o partido socialista de Ontário (NDP), então no governo da Província (1995), a designar uma Força-Tarefa da GTA, liderada por Anne Golden. A principal recomendação do relatório da força-tarefa de Golden (1996) foi que se criasse uma instituição governamental capaz de englobar toda a GTA ou a maior parte dela. Outra recomendação foi que a fusão dos municípios, embora potencialmente desejável, não fosse considerada uma prioridade imediata (SANCTON, 1999).

Todavia, quando esse relatório foi entregue, um novo governo provincial havia sido eleito, trazendo com ele a sua própria visão de governança municipal na região de Toronto.

O agrupamento de 1998 da metro toronto

O Ato da Cidade de Toronto foi introduzido em 1997 pelo governo conservador de Mike Harrys, de Ontário, forçando o agrupamento dos seis municípios da Metro Toronto em uma megacidade, com uma população de 2,5 milhões. Esta foi uma decisão totalmente imposta de cima para baixo pelo governo provincial, sem ser requerida ou solicitada por qualquer um dos seis municípios que constituem a Região Metropolitana de Toronto. Os referendos nos municípios afetados pelo plano provincial da megacidade demonstraram uma forte mensagem de rejeição com uma margem maior do que dois para um. Essa experiência contrasta com a evidência constatada na literatura sobre o processo consensual dos acordos firmados nos anos 1950 que levaram à criação do governo regional da Metro (COX, 2007).

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a racionalidade do agrupamento

No que diz respeito à racionalidade do agrupamento forçado, Andrew Sancton deduz que a posição do governo provincial para forçar o agrupamento dos seis municípios de Toronto foi fraca, na melhor das hipóteses.

Não há nenhum arcabouço teórico que seja totalmente útil para explicar a razão pela qual o governo Harris introduziu a megacidade. Não existem precedentes para um governo central neoliberal utilizar sua autoridade legislativa para descartar os resultados dos referendos locais, de modo a impor um governo municipal no lugar onde atuavam vários entes federados. (SANCTON, 1999)

De fato, nenhum dos estudos de governança na Área da Grande Toronto (GTA), anteriormente encomendados pela Província, enfatizou os problemas dentro da Toronto Metropolitana ou a necessidade de criar uma megacidade. Em vez disso, esses estudos identificaram problemas com a coordenação dos transportes, o planejamento, a gestão de resíduos e o saneamento, entre as regiões dentro da GTA e centraram-se na necessidade de um órgão de coor-denação dos serviços para solucionar essas questões.

A partir da literatura, só podemos concluir que as razões para forçar o agrupamento eram políticas, e não baseadas em princípios de uma boa política pública e de melhoria da governança.

Certo número de críticos na literatura apresentam teorias especulativas, o que faz sentido, sobretudo em função da acentuada polarização política então existente entre o município e o governo provincial.

O governo Harris era geralmente visto como a ala mais de direita do governo provincial no Canadá em tempos modernos. Apesar da oposição no início dos anos 1990, Mike Harris criticou a estrutura e os custos dos governos municipais na Província. Na eleição de 1995, os conservadores propuseram uma plataforma de governo, comprometendo-se com a redução de desper-dícios e ineficiência do setor público, um tema comum entre os políticos conservadores no Canadá.

Os conservadores caracterizaram os dois níveis do sistema hierárquico de governo como ineficientes na sua duplicação de serviços. Eles perceberam a presença excessiva de políticos e burocratas nesse sistema, o que inclusive minou os mecanismos de accountability. Eles também estavam decididos a re-estruturar a relação financeira entre província e município, com a transferência de responsabilidades para os governos municipais, seguida de uma agenda de cortes e redução de custos (COLLIN; TOMAS, 2004). No entanto, pareciam

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ter pouca consideração ou preocupação em saber se o agrupamento forçado iria realmente melhorar a prestação de serviços e a qualidade de vida urbana nas comunidades afetadas.

Alguns especulam que outro motivo político para o agrupamento forçado dos seis municípios em uma megacidade foi que Harris queria aproveitar o mo-mento em que a Metro estava sendo construída para criar um amplo governo na GTA. Embora essa ideia tenha alcançado popularidade, especialmente entre os burocratas e os políticos da Metro e da cidade de Toronto, foi fortemente contestada nas regiões de fora da GTA, onde os conservadores tiveram sua maior base eleitoral na província. Além disso, um amplo governo na GTA teria criado uma forte política urbana contrabalançando o governo provincial, com o qual Harris provavelmente teria dificuldades (ALEXANDROFF).

Outra teoria plausível explica que a razão para esse agrupamento, frequen-temente mencionada na literatura, é a de que houve um esforço deliberado por parte do governo de Harris para eliminar o poder da maioria dominante na Câmara Municipal de Toronto, de tendência esquerdista, forjando um novo conselho com mais representantes conservadores dos subúrbios (SANCTON, 2003). O atual prefeito de Toronto, David Miller, concorda com essa visão. De acordo com Miller, “o agrupamento ocorreu por causa de uma disputa entre o governo de uma cidade moderadamente de esquerda e um governo provincial de direita radical” (COX).

tentando fazer a fusão (o agrupamento) acontecer

A literatura que discute o agrupamento forçado é coerente em caracterizar o processo como sendo composto de desafios, frustrações e grande tumulto. Está fora do escopo deste artigo a descrição desse período em seus detalhes, uma vez que muito tem sido escrito por outros autores sobre esses tempos difíceis para o governo local em Toronto. O objetivo aqui é focalizar os prós e os contras do agrupamento, o que parece estar e não estar funcionando após o ocorrido, além da forma como as novas estruturas e processos de governança contribuem para o progressivo engajamento público e para as políticas.

Um ponto claro na literatura é que, em qualquer avaliação, para saber se o agrupamento tem “funcionado” ou não, a análise fica extremamente obscura pelo fato de a Província ter assumido uma série de responsabilidades sobre a nova megacidade, a partir de sua criação. Essas novas responsabilidades pro-vinciais, os cortes nas transferências da Província para os municípios e o caos

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inerente ao processo de agrupamento fazem com que a análise comparativa dos níveis de serviço “antes” e “depois” seja extremamente desafiadora.

Foram dados aos governos dos sete municípios aproximadamente oito meses para definir a nova estrutura organizacional da megacidade, antes da sua criação em 1º de janeiro de 1998. A ampla gama de serviços municipais pelos quais a nova cidade ficou responsável subestima a complexidade desse processo. A cidade de Toronto tem responsabilidades em matéria de assistência social, polícia, bombeiros, ambulâncias, asilos, creches, albergues, parques e recreação, arte e cultura, desenvolvimento econômico, turismo, estradas, trân-sito, gestão de resíduos, planejamento urbano, abastecimento e saneamento (City of Toronto).

estrutura de governança

A Câmara Municipal da cidade de Toronto é composta pelo prefeito e por 44 vereadores. O prefeito é eleito pela cidade, e cada vereador é eleito para servir um dos 44 distritos da cidade. O processo político de tomada de decisões ocorre por meio de deliberações, reflexões e debates em comissões permanentes, conselhos comunitários e forças-tarefas, incluindo:

Seis comitês permanentes (políticas e finanças, administração, plane- f

jamento e transportes, obras, serviços comunitários, desenvolvimento econômico e parques);

Quatro conselhos comunitários predefinidos geograficamente (Toron- f

to Leste, Toronto Oeste, Toronto Norte e Toronto Sul);

Vários conselhos consultivos (conselho nomeador, conselho de audito- f

ria, conselho orçamentário, conselho de ética e outros, quando necessá-rios) (2004).

O papel dos quatro conselhos comunitários é fornecer recomendações para a Câmara Municipal da cidade em matéria de planejamento e desenvol-vimento local, bem como sobre questões comunitárias, incluindo os planos de tráfego, regulamentos sobre estacionamentos e isenções para determinadas leis municipais.

a coordenação intermunicipal dentro da gta

Uma questão há muito considerada pelos planejadores da Metro Toronto como de grande importância, que ainda não parece estar funcionando, é a falta de um arcabouço institucional ou um mecanismo eficaz para coordenar e

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integrar a cidade de Toronto pós-agrupamento com os municípios limítrofes. A criação do novo agrupamento da nova megacidade de Toronto não resolveu essa questão.

A vontade de uma maior cooperação GTA foi reconhecida pelo governo Harris, que tentou lidar com essa questão por meio da instituição do Painel de Serviços da Grande Toronto – PSGT. Esse painel foi criado em 1999, um ano após o agrupamento da megacidade. O Conselho Diretivo do PSGT foi composto por representantes de cada município e sub-região dentro da GTA, e a ele foi atribuída a responsabilidade – embora pouca – pelo sistema de trân-sito regional GO. A nova cidade de Toronto agrupada apoiou a criação desse painel como “um primeiro passo na direção certa”, mas também queria que a Província definisse um mandato mais forte para implementar a gestão do cres-cimento e a coordenação do transporte regional (City of Toronto, 2004).

O governo provincial se recusou a conceder esses poderes adicionais e, em 2001, dois anos após a sua criação, o mesmo governo eliminou o painel, criando um vazio institucional no nível GTA.

Um relatório de 2004, escrito pelo superintendente do agrupamento da cidade de Toronto, constata que desde o desmantelamento do PSGT, a cidade e as regiões limítrofes continuaram a cooperar em uma série de questões es-pecíficas que vão desde o abastecimento de água, integração de trânsito entre fronteiras até a gestão de resíduos sólidos, embora não existisse qualquer plano de longo prazo ou arcabouço estratégico para orientar essas atividades.

“Há um alto risco de que as ações esporádicas, orientadas para questões isoladas possam resultar em soluções fragmentadas e de curto prazo que, fu-turamente, poderão prejudicar as soluções sustentáveis em longo prazo. Existe uma grave e crescente necessidade de um mecanismo para coordenar a gestão do crescimento em toda a GTA. É essencial que a estrutura de governança da GTA alcance o ritmo do crescimento rápido da cidade-região de modo que seja possível equilibrar as necessidades de toda a região com as demandas específicas de cada uma de suas comunidades” (City of Toronto, 2004).

É importante notar que, desde a introdução do Ato da Cidade de Toronto, em 1997, a cidade de Toronto pode agora entrar em acordo com qualquer go-verno municipal, sem ter que pedir permissão à Província. Isto é muito impor-tante, pois dá à nova cidade muito mais autonomia do que anteriormente.

No entanto, a literatura não indica que tenha sido apresentada uma estru-tura formal que facilite a coordenação intermunicipal entre os municípios da GTA. Há pouca informação que ajude a compreender a natureza das relações

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intermunicipais na região da GTA hoje. O que é subentendido na literatura é que Toronto é o mais motivado dos municípios na coordenação e execução do planejamento e serviços no nível regional.

a eficácia do engajamento da sociedade civil

O site da cidade de Toronto indica que, se um cidadão ou grupo organizado pretende abordar publicamente o conselho, devem fazê-lo por meio do seu conselho comunitário ou em uma reunião da comissão permanente. A Câmara Municipal, como um todo, não permite às delegações abordá-la diretamente. Dado o tamanho relativamente grande da Câmara (45 vereadores eleitos), esse regulamento pode ser prático, mas diminui o acesso e dificulta a apresentação das ideias dos cidadãos. Aqueles que desejam falar sobre questões no nível regional (por exemplo: moradores de rua, qualidade do ar, sistema público de transporte), são encaminhados aos vereadores do conselho comunitário ou reuniões dos comitês permanentes.

Alguns podem caracterizar o engajamento da sociedade civil como super-ficial. O site da cidade indica que, após apresentação da questão ao conselho comunitário, que atua em uma função consultiva para o Conselho Municipal, o assunto pode ser submetido à apreciação do conselho em uma próxima reunião (City of Toronto website).

A relação distante entre o cidadão e o órgão executivo decisório é um dos argumentos utilizados muitas vezes contra o conceito da criação de um governo maior, composto de entes menores e mais acessível ao público.

Já houve exemplos de ações da cidade para promover o engajamento dos cidadãos e da sociedade civil no processo de decisão. Um exemplo recente foi a criação da Equipe Comunitária de Avaliação Ambiental, em 2006, para orientar as políticas públicas de resíduos sólidos da cidade, em consonância com a lei provincial de avaliação ambiental. O conselho nomeou 22 cidadãos para esta comissão.

No entanto, em outras áreas-chave nas quais a participação dos cidadãos poderia ser considerada necessária, o site da cidade não fornece nenhuma informação que esta é uma prioridade para a cidade. Por exemplo, além de fazer uma apresentação ou escrever uma carta ao conselho comunitário ou à comissão orçamentária, parece não haver qualquer outro mecanismo em vigor para incentivar a contribuição ativa do público, especialmente em questões orçamentárias, nas quais, muitas vezes, as prioridades municipais já estão estabelecidas.

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O grau de envolvimento da sociedade civil ou sua alienação nos processos de tomada de decisões são assuntos que requerem mais investigação. Rela-tórios escritos por ou para o município indicam que, embora os servidores públicos estejam conscientes da importância da participação da sociedade civil nos processos decisórios, não existe consenso sobre a melhor estratégia para conseguir essa participação (ROBINSON, 2005).

Robinson também observa que o engajamento dos cidadãos e da sociedade civil tende a ser esporádico, ao invés de sustentável, sendo institucionalizado como parte da cultura da Câmara Municipal. A autora lembra que “as opor-tunidades permanecem limitadas para os cidadãos, no sentido de participar continuamente de atividades ou fóruns com foco regional”. Além disso, a autora lembra que não existem medidas formais de participação cívica ou indicadores utilizados pela cidade para avaliar os progressos no que se refere à participação da sociedade civil.

Finalmente, Robinson observa que as oportunidades de participação dos cidadãos não existem no governo da megacidade, mas, devido à ausência de um local central para buscar informações sobre as oportunidades de envolvi-mento, é necessária a implementação de novos mecanismos.

a atual avaliação da experiência de agrupamento

Conforme mencionado anteriormente, é difícil avaliar o relativo sucesso da nova Toronto em qualquer tipo de análise comparativa. Cortes no financia-mento e o repasse das responsabilidades provinciais para o governo municipal indicam que a cidade tem que oferecer mais serviços do que os oferecidos co-letivamente pela Metro e os seis municípios agrupados, com menos dinheiro para fazê-lo. Isto representou grandes desafios ao longo dos quase dez anos de existência da cidade.

Todavia, se os custos economizados com a redução da burocracia e a elimi-nação da duplicidade de serviços fossem utilizados como critério para medir o sucesso do agrupamento (o principal argumento do governo Harris), teríamos que concluir que ele foi um fracasso para os cidadãos de Toronto. Em 1997, o governo de Harris previu que o agrupamento iria reduzir os custos em US$ 300 milhões por ano, eliminando pessoal e serviços. No entanto, o orçamento da cidade aumentou de US$ 4,2 bilhões em 1998 para US$ 7,8 bilhões em 2007, com um deficit de cerca de US$ 575 milhões previstos para este ano.

Apesar do relatório anual de 2004, escrito pelo superintendente da GTA, ter documentado que os departamentos foram capazes de reduzir 1.104

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empregados em 1998, houve o aumento de 1.646 cargos na folha de pagamento durante os primeiros seis anos e meio de agrupamento (Pittsburgh Post Gazette, Sept. 20, 2004).

Vale lembrar que a harmonização dos 56 acordos coletivos entre os municípios e os sindicatos dos servidores públicos, firmados antes do agru-pamento, aumentou os custos da fusão, contrariamente às afirmações do governo provincial. Naturalmente, porque os sindicatos lutaram para que não houvesse redução salarial e, ainda, insistiram na padronização de seus contratos utilizando como base os maiores valores contratados.

A literatura menciona que o sistema de conselhos comunitários encora-jou o paroquialismo por parte dos membros eleitos para esses conselhos, que estão sendo criticados por direcionar seu foco de forma muito restrita para seus próprios bairros, em detrimento da cidade como um todo.

A descentralização da burocracia em quatro zonas, representadas pelos conselhos comunitários, distanciou ainda mais a sociedade civil do governo central da cidade. A implementação de pesquisas de opinião pública em relação ao agrupamento forçado e seus resultados esperados poderiam avaliar com mais clareza os benefícios da nova estrutura de governança metropolitana. Finalmente, a GTA precisa implementar um mecanismo institucional para a cooperação intermunicipal.

montreal

Antes de 1º de janeiro de 2002, a Ilha de Montreal tinha uma estrutura de governança regional com dois níveis, não muito diferente da que havia em Toronto antes da sua fusão. A ilha tinha 22 municipalidades independentes, incluindo a cidade de Montreal. A estrutura de governança regional para toda a ilha era chamada Comunidade Urbana de Montreal (Montreal Urban Community − MUC).

Em 2002, houve uma legislação do governo provincial, na época liderado pelo Partido Quebecois, que fundiu as 28 municipalidades e a MUC, formando a nova megacidade de Montreal. As funções regionais antes exercidas pela MUC seriam então exercidas ou pela nova cidade de Montreal ou pela nova e enormemente ampliada organização chamada “Comunidade Metropolitana de Montreal” (Montreal Metropolitan Community − CMM), que atenderia a 82 municipalidades na grande área metropolitana de Montreal.

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Essa fusão forçada foi bastante impopular, especialmente nos subúrbios anglófonos de Montreal. Além de não gostarem da ideia de perder seu governo local, os moradores dos subúrbios se sentiram ameaçados pela ideia de serem absorvidos totalmente pela população francófona. Entretanto, a nova legis-lação de Quebec não atingiu somente a área metropolitana de Montreal. Ela implicou na fusão de inúmeras outras regiões metropolitanas da Província. No total, mais de 200 municipalidades suburbanas, anteriormente independentes, foram extintas. Este documento focaliza apenas a experiência de Montreal.

Em abril de 2003, o Partido Quebecois foi derrotado nas eleições pro-vinciais e o Partido Liberal de Quebec assumiu o poder. Uma das principais promessas da campanha do Partido Liberal era realizar referendos junto às municipalidades fundidas para que elas pudessem optar por seu retorno ao status quo anterior à sua fusão forçada. O governo liberal cumpriu sua promessa e, em junho de 2004, foram realizados referendos em 22 das 27 municipalidades anteriormente independentes da Ilha de Montreal.

Como resultado desses referendos, 15 das municipalidades antes indepen-dentes optaram por sair da megacidade. Essas municipalidades recuperaram alguns dos poderes que tinham durante sua independência anterior, mas não todos. Por exemplo, a polícia, os bombeiros e as cortes judiciais continuaram sob o controle de um conselho de aglomeração de toda a ilha, criado pela fusão.

Entretanto, deve-se lembrar que as regras estabelecidas pelo governo provincial para os referendos dificultaram muito a posição dos que eram a favor de desfazer a fusão. A votação não seria decidida por maioria simples: 35% dos eleitores registrados nas municipalidades agrupadas tinham que vo-tar “sim” para voltarem a ser independentes. Em função do tradicional baixo comparecimento às votações municipais, isso criou um limite muito difícil de ser atingido. Se houvesse sido aplicado o padrão 50% mais um dos votos, muitas das outras municipalidades teriam revertido à sua condição anterior de independência (WHELAN) (observação: o voto no Canadá não é obrigatório; a situação só poderia ser revertida se houvesse um comparecimento maciço às urnas, de forma a garantir os 35% reais de eleitores do “sim”, o que é bastante raro em quaisquer eleições).

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conselho da aglomeração

Para acomodar a necessidade de uma estrutura colaborativa de governan-ça entre as 15 municipalidades que recuperaram sua independência e Montreal, em 1º de janeiro de 2006, a governança da Ilha de Montreal foi reestruturada novamente através de legislação provincial apresentada pelo governo liberal. O conselho de aglomeração foi criado como o comitê de governança que permite representatividade para as municipalidades que optaram pela saída da fusão, em nível municipal, e como uma estrutura institucional que pudesse manter e coordenar serviços na ausência de um governo único municipal na Ilha de Montreal. As municipalidades que se retiraram da fusão foram obrigadas a participar desse novo conselho de aglomeração e contribuir financeiramente para ele, assim como para a nova estrutura regional Comunidade Metropoli-tana de Montreal (CMM).

Sob esse ajuste de governança mais recente, a estrutura municipal dentro da cidade é agora composta de 19 bairros e o conselho da aglomeração. A cidade continua a oferecer serviços em toda a área da Ilha de Montreal, incluindo as 15 cidades que retornaram ao seu estado de independência (desmembradas). Os contribuintes nas municipalidades desmembradas recebem uma conta da cidade para pagar por sua porção de serviços compartilhados na Ilha de Mon-treal, e também pelos serviços prestados pelo governo metropolitano (CMM). Embora o conselho da aglomeração, como a Câmara da Cidade e os conselhos de bairros, seja uma das entidades políticas da cidade, é importante enfatizar que ele não é uma entidade supramunicipal (como o MUC). A constituição política do conselho compreende um comitê de 31 membros, constituído pelo prefeito de Montreal e mais 15 membros da Câmara Municipal de Montreal designados pelo prefeito, 14 prefeitos das cidades que retornaram à sua inde-pendência e um representante extra de uma grande municipalidade suburbana (Dollard-Des-Ormeaux), designado pelo prefeito daquela cidade.

Os representantes da Cidade de Montreal detêm 87% do poder dos vo-tos ponderados, deixando os representantes das cidades desmembradas com apenas 13% dos votos no conselho da aglomeração. Essas porcentagens nas votações refletem o tamanho das populações de cada uma das municipalidades da ilha (i.e, Montreal representa 87% da população da ilha – aproximadamente 1,6 milhão contra aproximadamente 200 mil habitantes das municipalidades desmembradas).

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conselhos de bairro

Os 19 conselhos de bairros são responsáveis pelo manejo dos serviços locais dentro dos bairros, entre os quais: ruas locais, coleta de lixo, recreação, parques, cultura, desenvolvimento comunitário, consulta pública e alguns as-pectos de planejamento. Cada bairro tem um prefeito e vereadores eleitos pelos seus residentes. Nesse complexo sistema há vereadores do bairro e vereadores da cidade, cujo número varia de acordo com o tamanho do bairro.

A Câmara da Cidade é composta do prefeito e de 64 membros de cada um dos 19 conselhos de bairro nas cidades fundidas.

O texto a seguir, extraído do website da Cidade de Montreal, ilustra o desenho complexo e confuso dessa estrutura de governança, embora isto não seja a intenção da cidade.

Os 19 conselhos de bairro têm jurisdição local sobre seus respectivos territórios. Isso significa que esses conselhos gerenciam os serviços para os cidadãos residentes no bairro.

O prefeito de cada bairro é eleito através de sufrágio universal do qual participam todos os residentes do bairro. Como Montreal tem agora 19 bairros, há 19 prefeitos de bairro.

Um conselho de bairro é composto por não menos do que 5 conselhei-ros/vereadores. Eles são igualmente conselheiros da cidade e conselheiros do bairro. O número de conselheiros de bairro e da cidade deverá variar, pois depende de cada bairro.

Conselheiros de bairro fazem parte somente do conselho do bairro. Há um total de 45 conselheiros/vereadores da cidade para os 19 conselhos de bairros (Cidade de Montreal).

a comunidade metropolitana de montreal (cmm)

A CMM é o governo regional, muito semelhante ao que foi proposto para o GTA. Compreende 82 municipalidades em 5 áreas fundidas, inclusive a aglomeração de Montreal.

Criada no dia 1º de Janeiro de 2008, a CMM é uma entidade de coorde-nação de planejamento e financiamento, atendendo a 82 municipalidades na região metropolitana da grande Montreal que tem 3,6 milhões de habitantes (a população da megacidade de Montreal depois do desmembramento é de 1,6 milhões).

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A CMM tem jurisdição sobre as seguintes áreas temáticas, muitas das quais são compartilhadas com as municipalidades-membros:

Planejamento territorial f

Desenvolvimento econômico f

Promoção de arte e cultura f

Moradia social f

Infraestrutura, serviços, equipamentos e atividades de importância me- f

tropolitana

Transporte público e a rede de rodovias arteriais metropolitanas f

Planejamento e gerenciamento de resíduos sólidos f

Qualidade do ar f

Saneamento f

Complexidade parece ser a norma em relação às estruturas governamen-tais em Montreal. A CMM é administrada por um conselho composto de 28 membros com prefeitos de 5 municípios fundidos na região e vários membros eleitos (num sistema ponderado de votação) provindos daquela municipalidade, indicados pelos prefeitos locais. O prefeito de Montreal é o presidente.

As reuniões do CMM são públicas e têm uma parte em que os cidadãos podem fazer perguntas ou apresentar informação aos membros do conselho. Com isso, pode parecer que o público tem um acesso razoável ao conselho. Entretanto, não há nada no site da CMM que ajude ou estimule os cidadãos a participarem. Por exemplo, o site não dá nenhuma informação sobre a data da reunião seguinte nem disponibiliza as minutas das reuniões anteriores.

A CMM é financiada por meio de contribuições coletadas das municipa-lidades-membro. O maior item orçamentário dentro do orçamento anual da CMM é o programa da moradia social. Em 2006, foram gastos 50 milhões nesta área, o que corresponde a mais de 50% do orçamento total da organização.

A função da CMM em relação à moradia social é significativa porque contribuiu para estabelecer o direito à moradia e a assistência à moradia como uma responsabilidade regional, ao contrário do sistema anterior, em que os assuntos relativos a moradia eram tratados pelos municípios individualmente (ou ignorados em muitos casos). Antes da fusão e criação da CMM, algumas dessas pequenas mas relativamente ricas municipalidades suburbanas contribuíam pouco para o programa das moradias sociais, e o município de

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Montreal arcava com o maior custo. Hoje em dia, todas as municipalidades da região compartilham esses custos e responsabilidades.

A CMM se orgulha de que seu programa de moradia oferece contribui-ções financeiras para mais de 27 mil famílias na forma de aluguel social, além de aceitar como elegíveis 8.500 famílias para o seu programa de suplemento de aluguel. Além disso, mais de 9.400 novas moradias foram ou estão sendo construídas desde que a CMM foi criada em 2001.

justificativa para a fusão forçada

É interessante notar que o governo provincial de Quebec, a despeito de forte oposição local, impôs a megacidade de Montreal, da mesma forma que o governo de Ontário o fez em relação a Toronto, onde havia forte objeção também. Em contraste ao governo neoliberal conservador de Ontário, o governo do Partido Quebecois era social-democrata. A equidade fiscal e a justiça social eram termos usados pelo governo de Quebec para justificar a fusão enquanto os conservadores de Ontário justificavam a fusão com a busca de eficiência e redução do inchamento da burocracia. No entanto, ambos os governos propuseram legislação fundindo municipalidades em megacidades como uma solução para essas metas de alguma forma opostas.

Deve-se notar ainda que, diferentemente do que ocorreu em Toronto, havia um certo apoio para a fusão em Montreal. O prefeito de Montreal, Pier-re Bourque, era um forte adepto da fusão e tem sido criticado como o fator principal na decisão do governo provincial sobre a legislação de fusão. Bourque alegava que os subúrbios no entorno de Montreal não estavam pagando sua contribuição justa em relação aos custos da cidade de Montreal, a despeito do fato de se beneficiarem significativamente da proximidade dessa grande cidade. Na visão de Bourque, Montreal poderia ser uma potência maior no cenário mundial se tivesse uma população maior e uma base de taxas correspondente (SANCTON, 2003).

Argumenta-se que, devido à disparidade de riqueza entre as municipali-dades, os serviços públicos locais refletem desigualdade e falta de equidade. O amalgamento e a criação de uma nova cidade que assegurasse uma distribuição de riqueza mais igualitária foram considerados a solução para o problema (COLLIN; TOMAS).

Ainda assim, não havia outras forças sociais organizadas que estivessem reivindicando a fusão naquela época. De fato, não havia nenhum relatório de conselhos consultivos ou governamentais até então que estimulassem essa

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ideia. Nas cidades suburbanas da Ilha de Montreal, a noção da fusão com Montreal foi extremamente impopular e inesperada (SANCTON; VENGRO-FF; WHELAN).

Vengroff e Whelan identificam cinco razões-chaves que eles consideram ter influenciado na decisão do governo do Partido Quebecois para a fusão municipal em Quebec:

Primeiro f foi a questão da equidade fiscal: O governo buscou realocar cus-tos e taxas num formato progressivo que fosse mais justo para aqueles que se beneficiavam dos serviços da cidade central (em outras palavras, fazer com que os subúrbios pagassem mais pelos benefícios que usufru-íam de Montreal).

Segundo f , eles desejavam responder às pressões da crescente globalização dando à megacidade um poder mais centralizador na tomada de deci-sões. A megacidade era também considerada uma solução para acabar com a concorrência entre as municipalidades por investimentos, que não beneficiava a nenhuma delas.

Terceiro f , haveria aumento significativo na eficiência através da provisão de serviços de forma abrangente e eliminando a fragmentação.

Quarto f , a consolidação era concebida pelo governo como um mecanis-mo para melhorar a qualidade e a consistência dos serviços em toda a região metropolitana.

Quinto f , havia uma crença de que a clareza de ter uma única autoridade local na ilha faria com que os cidadãos compreendessem mais facilmente o que estava acontecendo e pudessem cobrar dos representantes eleitos.

Uma motivação não mencionada (e totalmente política) também atribuída à decisão do Partido Quebecois de forçar a fusão era a ideia de que, unindo Montreal sob uma clara maioria francófona em um governo único, não ha-veria base para a ruptura de Montreal em resposta a algum exitoso referendo secessionista de Quebec.

Em anos anteriores, discutiu-se muito que, se Quebec se separasse do Canadá, muitos subúrbios predominantemente anglófonos tentariam separar-se de Quebec para continuar pertencendo ao Canadá. A questão linguística/cultural continua sendo um importante fator na fusão, no desmembramento e nos processos improvisados de governança desenvolvidos em Montreal desde 2001.

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efetividade do engajamento público

De acordo com o site da cidade, a política de consulta pública e participa-ção de Montreal objetiva “promover o exercício da democracia participativa, um componente-chave de qualquer democracia representativa... Montreal reconhece os direitos fundamentais do público de influenciar as decisões que o afetem e de participar no desenvolvimento da sua comunidade”.

Um dos princípios norteadores da cidade em sua política de participação e consulta estabelece que a cidade “deve construir parcerias concretas e dura-doras com os membros da sociedade civil com o objetivo de trocar informação e identificar necessidades, definir projetos, programas e políticas e avaliar resultados” (City of Montreal).

O quanto isso realmente se traduz em bons processos públicos de en-gajamento da sociedade civil não está claro na literatura. Entretanto, uma revisão das agendas da câmara-conselho da cidade indica que as reuniões desse conselho começam com uma oportunidade para os membros do público de fazer perguntas aos seus representantes eleitos. Esta é uma estrutura extraor-dinária para governos municipais, especialmente para municípios tão grandes quanto Montreal.

Embora seja duvidoso que um conselho com 65 membros possa ser realmente acessível ou estar em contato com cidadãos em relação a alguns assuntos, Montreal parece ter conseguido tratar disto de uma forma melhor de que outros governos municipais.

avaliação atual da experiência de fusão e desmembramento

É difícil chegar a conclusões em relação ao bom funcionamento do mo-delo de megacidade, em termos de seus objetivos sociais e ambientais e da participação pública em processos de tomada de decisão. Talvez seja muito cedo para uma avaliação desse processo já que os desmembramentos e o subsequente conselho da aglomeração são muito novos.

Alguns aspectos da fusão parecem ser promissores, outros nem tanto. A literatura indica que taxas mais equitativas e a estrutura de serviços hoje existente na Área Metropolitana de Montreal deveriam estar promovendo uma sociedade geralmente mais justa. Com a expansão da base de taxas para incluir os subúrbios mais ricos, uma cidade como Montreal, que tem renda mais baixa do que a média, obviamente leva vantagem. E já que a vasta maioria

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de residentes da Ilha de Montreal mora na cidade, isso resultaria na provisão dos benefícios para a maioria da população.

A criação da Comunidade Metropolitana de Montreal como uma estrutura de governança regional, substituindo a geograficamente menor Comunidade Urbana de Montreal, parece ter criado benefícios sociais tangíveis para a re-gião (por exemplo, compromissos importantes em relação a moradia social, planejamento regional mais amplo etc.). Uma vez que cerca da metade da população da Montreal Metropolitana mora fora das fronteiras jurisdicionais da Comunidade Urbana de Montreal (que basicamente consiste nas Ilhas de Montreal e Leval), ter uma agência regional coordenadora única parece trazer óbvios benefícios.

Entretanto, na Ilha de Montreal ainda existe um número significativo de descontentes com a nova estrutura de governança e de taxação dentro das municipalidades desmembradas. Muitas das insatisfações são mostradas nas reuniões do conselho de aglomeração, nas quais os prefeitos municipais expres-sam sua frustração por seu limitado poder no conselho (eles têm somente 13% dos votos), e o sentimento de que as taxas cobradas deles pela megacidade são desproporcionais ao tamanho ou à riqueza relativa de suas populações.

Os subúrbios desmembrados alegam que, embora tenham 13% da popu-lação, estão pagando cerca de 20% do orçamento do conselho de aglomeração. Também se ressentem com o fato de que os dividendos das taxas pagas por eles não voltam para suas próprias municipalidades, sendo direcionados para projetos de infraestrutura desenvolvidos em Montreal. Eles acusam Montre-al de taxação sem representação porque têm pouca voz e limitado poder de voto junto ao conselho de aglomeração (CBC News stories, November 30 & December 1 and 6, 2006).

Poder-se-ia argumentar que as reclamações dos subúrbios de Montreal refletem simplesmente uma reação típica dos mais abastados porque estão pa-gando taxas para ajudar os menos abastados na sociedade, neste caso, aqueles que moram na cidade de Montreal.

É difícil decifrar o quanto esse tipo de pensamento é função da postura política dos Prefeitos de municípios dos subúrbios com relação às questões da representação e taxação no conselho de aglomeração ou se reflete preocupa-ções legítimas com as perdas e dificuldades inerentes à coexistência como uma pequena minoria dentro de uma estrutura de aglomeração metropolitana.

Uma situação em que o modelo de megacidade falhou para os pequenos subúrbios e seus residentes pode ser exemplificado com a municipalidade

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desmembrada de Cote Saint-Luc. Na cidade, sempre existiu uma unidade de atendimento médico emergencial durante décadas. Entretanto, para raciona-lizar a oferta de serviços através da megacidade, essa pequena unidade médica foi fechada e retirada da cidade, a despeito de grandes protestos e objeção dos residentes de Cote Saint-Luc. Perder o controle de serviços locais importantes como esse parece ser uma razão legítima para os residentes locais se oporem ou nada terem a ver com a fusão.

Mesmo após vários anos, reconhece-se que há problemas com a fusão e as subsequentes estruturas políticas impostas à Ilha de Montreal e suas muni-cipalidades. O Partido Liberal de Quebec está se organizando para mais uma vez apresentar uma legislação para tentar adequar a governança local. A Lei 22, que deverá ser discutida neste outono, está tentando responder às reclama-ções dos subúrbios de desempoderamento junto ao conselho de aglomeração. Supondo que essa lei seja aprovada, Montreal terá a capacidade de aumentar sua base orçamentária através de taxas impostas sobre várias novas áreas, mas em contrapartida deverá abdicar de seu poder sobre o conselho de aglome-ração, o que poderá ser suficiente ou não para satisfazer as preocupações das municipalidades desmembradas.

O fato de que a Província tenha uma vez mais de tentar “consertar” a governança local é sinal de que se reconhece a ineficiência do sistema atual.

Finalmente, deve-se notar que a questão das línguas está subjacente a todas as demais, o que complica as políticas regionais em Montreal. A língua oficial de Montreal é o francês, o que é uma condição explicitamente escrita dentro da legislação provincial que criou as fusões (“Montreal is a French-speaking city” - Bill 170).

Muitas das objeções, mas certamente não todas, das municipalidades que foram forçadas a se fundir na mega Montreal estão relacionadas direta ou indiretamente a esse fato. Os residentes dos subúrbios, predominantemente brancos e anglófonos, são cultural e linguisticamente diferentes da crescente diversidade étnica de Montreal, que tem maioria francófona. A classe social também é um fator nessa alienação entre Montreal e os subúrbios anglófo-nos. Como na maioria das grandes cidades norte-americanas, a Cidade de Montreal tem uma porcentagem maior de moradores mais pobres do que os subúrbios.

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conclusões e lições aprendidas

Uma revisão das experiências de Toronto e Montreal com a cooperação intermunicipal e o agrupamento forçado leva a algumas conclusões e lições fundamentais sobre o que funcionou e o que não funcionou para as megaci-dades e os seus cidadãos.

Em primeiro lugar, não é difícil concluir a partir da literatura que a maneira como Toronto e Montreal, juntamente com seus subúrbios adjacen-tes, foram forçados à junção de cima para baixo, por meio da introdução de legislação pelos seus governos provinciais, criou um ambiente pobre para a cooperação e a coordenação mútua. Após o agrupamento dos municípios, verificaram-se dificuldades tanto para os que cooperavam entre si, quanto para com os respectivos governos provinciais. Se houvesse um maior apoio público à criação desses tipos de megacidades, os resultados teriam sido provavelmente melhores do que os que vemos hoje.

No entanto, não houve real apoio público em qualquer um desses casos. A literatura indica que se os cidadãos tivessem sido consultados e/ou, se tivessem tido a oportunidade de votar sobre a formação das megacidades, te-riam rejeitado tal agrupamento. No entanto, esses mesmos cidadãos têm sido bastante abertos a colaboração e apoio de outras estruturas metropolitanas, além das várias formas de consórcios públicos. A coordenação regional de serviços como trânsito, abastecimento, tratamento de esgotos, policiamento, gestão ambiental e outros serviços essenciais tem sido aceita ao longo da vida metropolitana nas grandes cidades canadenses. Os agrupamentos municipais são bastante normais e publicamente aceitos historicamente, embora nunca efetuados em qualquer lugar numa escala tão grande como os recentes agru-pamentos de Toronto e Montreal.

Parece que a oposição popular ao modelo da megacidade resulta da vontade dos cidadãos de se sentirem ligados aos seus governos municipais. A megacidade é amplamente entendida como sendo desconfortavelmente grande e, de certa forma, mais distante de seus residentes. Embora os sistemas de con-selho de bairro e comunidade introduzidos em ambas as cidades tenham sido concebidos para superar esses sentimentos, não é claro que isso foi alcançado, nos dois casos. Embora os cidadãos possam ter suas preocupações com a sua comunidade ou município, esses organismos não têm o poder de decisão ou outros poderes que os antigos municípios tinham. Portanto, agora o poder é um pouco mais distante para o cidadão médio, assim como sua capacidade de tratar de questões cívicas com esse poder.

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Em um nível mais amplo, o governo da Quebec metropolitana tem abor-dado a questão da cooperação municipal na Área da Grande Montreal, com a criação da Comunidade Metropolitana de Montreal. Essa entidade supra-municipal parece ser, no mínimo, pouco eficaz na coordenação regional de serviços e planejamento. O compromisso com a construção e financiamento de programas e projetos acessíveis de habitação na região é notável.

Por outro lado, Ontário falhou na criação de uma estrutura de cooperação intermunicipal na Área da Grande Toronto, fora da megacidade de Toronto. O órgão que foi criado, o Conselho de Serviços da Grande Toronto, nunca teve autoridade suficiente para ser um organismo regional de relevância, e foi dissolvido após dois anos. A relutância do governo de Ontário em exercer essa autoridade levou a um vácuo no planejamento regional e na coordenação do GTA. Isso pode ser visto como um fracasso da aglomeração, já que uma das razões para a introdução dessa estrutura foi criar uma melhor cooperação na região.

Por outro lado, um processo que poderia ter feito a fusão ter resultados sociais positivos seria um sistema mais equitativo de tributação na região. Os municípios centrais de qualquer região metropolitana incorrem em despesas mais elevadas do que seus vizinhos suburbanos, tanto por causa da infraestru-tura mais desenvolvida, necessária no núcleo da cidade, bem como devido a uma maior despesa com serviços sociais do que costumam ter as comunidades suburbanas.

Já que os subúrbios, no mais das vezes, existem (e muitas vezes prosperam) apenas por causa da presença da cidade central maior, o argumento é que eles deveriam contribuir mais para os custos sociais e de infraestrutura da cidade. Como resultado do agrupamento, os subúrbios contribuem para uma partilha mais justa dos custos municipais. Do ponto de vista da riqueza e distribuição, teríamos de concluir que esses agrupamentos, pelo menos, conduziram as coisas nesse sentido.

Os governos de Ontário e Quebec frequentemente utilizavam o argu-mento do aumento de custos competitivos como justificativa para forçar o agrupamento dos municípios. Essas alegações não foram claramente de-monstradas. Embora alguns serviços municipais tenham sido consolidados e isso tenha resultado em alguma economia, todos os orçamentos municipais aumentaram, gerando opiniões contraditórias sobre o alcance da redução de custos. É também evidente que os custos de transição foram maiores do que o que era esperado pelos proponentes da fusão.

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Infelizmente, ainda hoje, não é possível quantificar se as pessoas em To-ronto ou Montreal estão ou não, de maneira geral, em melhor situação, como resultado das alterações na governança introduzidas na última década. Isto porque a qualidade de vida nas cidades canadenses é fortemente influenciada pelas políticas da alta administração de governo. Cortes nas transferências para as províncias, no financiamento da habitação social, nos subsídios de desemprego e assistência social, elegibilidade e taxas, bem como a falta de índice de assistência social e programas de pensões têm servido para exacerbar problemas como a pobreza e falta de moradia, que estão crescendo em muitas cidades canadenses.

Hoje, alguns têm concluído que, se houve um resultado altamente positivo na fusão das megacidades de Toronto e Montreal, foi que essas duas grandes metrópoles desfrutam hoje de maior influência junto à alta administração, o que não acontecia anteriormente. Se este for o caso – e a maioria dos obser-vadores acreditam que seja –, então presumivelmente esses municípios vão utilizar essa nova força para tentar influenciar políticas que irão contribuir para resolver algumas das questões sociais prementes.

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O cONfLitO cOmO OPOrtUNiDaDe NOs PrOcessOs e estrUtUras De gOverNaNça cOLabOrativa em áreas metrOPOLitaNas

Maureen Maloney

Na colaboração, “em alguns casos, o governo precisa desempenhar o papel de participante ao invés de líder e de aluno ao invés de professor”. (SMITH, 2004, p. 19)

O rápido crescimento da urbanização ao longo das últimas décadas vem aumentando a complexidade e os desafios da governança metropolitana. No passado, os desafios da política pública e as decisões eram frequentemente isolados em uma área individual, atribuídos a um nível de governo ou a um ministério individual para fornecer objetivos, opções, implementação e fiscali-zação. De fato, a organização dos canadenses e de outros governos ocidentais tem girado em torno dessa abordagem. No entanto, essa forma de tomada de decisão “de cima para baixo” não é adequada para grandes áreas metro-politanas. Não são apenas diferentes níveis de governos (federal, provincial e municipal) que, muitas vezes, se sobrepõem na jurisdição sobre essas regiões; há também diferentes ministérios e departamentos dedicados a uma variedade de áreas que abrangem as questões metropolitanas: transporte, obras públicas, planejamento, justiça, indústria e habitação.

As decisões de planejamento urbano e os desafios atuais só podem ser satisfeitos com uma estrutura de coordenação e governança colaborativa projetada para fazer e implementar planos integrados transfronteiriços, a fim de oferecer o serviço ou a infraestrutura adequada a uma determinada área metropolitana. A governança é complicada quando múltiplos governos – mu-nicipal, provincial, federal – estão envolvidos. A tomada de decisão se afunda

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em conflitos em função das diferenças políticas e ideológicas, do entrinchei-ramento dos interesses locais e da tensão entre jurisdições que competem e se sobrepõem. Novas estruturas e processos são necessários para possibilitar a tomada de decisões informada e colaborativa entre os diversos níveis de governo, por meio da participação adequada e verdadeira da sociedade civil e, especialmente, daqueles que são mais intimamente afetados pelos resultados das decisões, especialmente os grupos marginalizados.

Este artigo irá examinar um exemplo de modelo de governança metro-politana introduzido para revitalizar áreas urbanas pobres no Canadá. Ele vai focalizar, em particular, a Estratégia para os Aborígenes Urbanos e o Acordo de Vancouver que se concentraram no Downtown Eastside de Vancouver (DTES), em British Columbia, no Canadá, e o alto percentual de indígenas pobres que vivem nessa área. Para maiores informações, o leitor deve remeter-se ao es-tudo de caso do Acordo de Vancouver. A uma breve descrição do modelo de gestão metropolitana seguir-se-á uma análise dos desafios superados, êxitos obtidos e lições aprendidas.

governança e inclusão da comunidade

Ao tentar abordar questões complexas, a boa governança é, entre outras coi-sas, colaborativa, transparente, inclusiva, sensível, justa e responsável. Suas principais características são inter-relacionadas e se reforçam. Novas formas de governança não são nem de cima para baixo, nem de baixo para cima; nem governamentais, nem não governamentais; nem ambientais, nem socioeconô-micas; nem locais, nem globais. Elas combinam todos esses aspectos, a fim de gerar uma perspectiva multiuso e multivalor, além de alavancar o apoio público e político necessário para tratar questões complexas. (ELLSWORTH, 2000)

Existem indícios crescentes de que a boa governança é um dos pré-requisitos essenciais para que o desenvolvimento econômico sustentável seja alcançado.1 Para os fins desta discussão, nós aceitamos a definição de gover-nança adotada por Graham e Wilson:

Governança não é sinônimo de governo. Em vez disso, é um processo pelo qual sociedades ou organizações tomam as decisões importantes, determi-nam quem será envolvido no processo e como será a prestação de contas.

1 See for example, “Good governance is perhaps the single most important factor in eradicating poverty and promoting development” (Kofi Annan, 1998. Original source unknown).

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Os elementos formais desses processos, acordos, procedimentos, convenções políticas, arranjos institucionais são mais facilmente observados e analisados. Porém, há também uma série de fatores menos tangíveis, tais como história, cultura, tecnologia e tradição – fatores que também influenciam a forma como são tomadas as decisões. (GRAHAM; WILSON, 2004, p. ii)

estudo de caso: a estratégia para os aborígenes Urbanos e o acordo de vancouver

Ciente da fragmentada e descuidada programação e prestação de serviços para indígenas que vivem em áreas urbanas, o governo federal introduziu a Estratégia Urbana para Povos Indígenas (Urban Aboriginal Strategy - UAS), em 1998. A intenção da UAS era, especificamente, resolver, em parceria com as partes interessadas, as graves necessidades socioeconômicas do povo indígena urbano. A UAS foi projetada para melhorar a política de desenvolvimento e coordenação do programa em nível federal e com outros níveis de governo. Vários projetos-piloto foram criados em oito centros urbanos, e mais quatro comunidades urbanas foram adicionadas em janeiro de 2005. Os objetivos desses projetos-piloto foram os seguintes:

responder de forma eficaz às necessidades identificadas pelas comunida- f

des que utilizam os mecanismos disponíveis;

aprimorar o alinhamento dos programas do governo federal a outros f

programas governamentais e não governamentais, em um esforço para responder às prioridades locais;

testar ideias inovadoras de políticas públicas e de programação; f

alcançar um melhor entendimento sobre as melhores práticas e evitar f

formas de operação menos eficazes; e,

melhorar as condições socioeconômicas do povo indígena urbano f

(GRAHAM; WILSON, 2004, p. ii ).

A UAS é uma iniciativa importante que sinaliza a grande vontade do governo federal, em parceria com os governos provincial e municipal, de desenvolver respostas para melhorar as condições socioeconômicas do povo indígena em áreas urbanas. O impulso para essa estratégia foi alimentado por um entendimento de que esses objetivos não serão alcançados sem a força de vontade do governo federal de criar um processo de tomada de decisão compartilhado com os governos provincial e municipal, juntamente com as organizações não governamentais e as organizações de base comunitária.

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Na realidade, a UAS foi mais ambiciosa e abrangente na sua visão do que na sua implementação. As tentativas de fornecer um modelo de governança para coordenar os níveis de governo em questões específicas – por exemplo, habitação ou criminalidade – na área específica de prioridade para aquele centro urbano particular revelaram-se difíceis. Os temas a serem abordados eram complexos, se sobrepunham e invariavelmente exigiam que muitos go-vernos, departamentos e interesses trabalhassem juntos em um ambiente de mudança rápida. Uma ilustração pode ajudar. Ao tentar encontrar soluções para aumento das taxas de criminalidade ou para implementar programas de prevenção do crime, investigadores e gestores políticos inevitavelmente des-cobrem que soluções rápidas (ou seja, mais policiais, mais fiscalização, mais câmeras de vídeo, mais tribunais, mais centros correcionais) podem produzir resultados temporários e em área específica. Essas soluções não só fracassam em longo prazo, mas podem até exacerbar os índices de criminalidade em função do deslocamento de atividades criminosas para as áreas vizinhas. Além disso, a reincidência é maior, contribuindo para algumas das condições que alimentam a atividade criminal (alienação, isolamento, racismo, discriminação, baixa autoestima).

Soluções rápidas são, porém, mais fácil de implementar e são atraentes para os líderes políticos que proporcionam, para um público mal-informado, a confiança infundada de que o governo está tomando medidas para tornar as comunidades mais seguras. Soluções sustentáveis para o crime são muito mais complexas e ligadas a muitas outras áreas: emprego, habitação, dependência de drogas, educação, lazer e identidade. Soluções sustentáveis requerem abor-dagens holísticas e consenso em todos os níveis de governo e nas comunidades dentro de uma grande área metropolitana.

Coordenar os esforços governamentais sobre questões específicas é cer-tamente uma melhoria em relação aos conflitos jurisdicionais. No entanto, a coordenação de esforços governamentais deve ser combinada com os processos plausíveis para tomada de decisão entre todos os níveis de governo, líderes indígenas e sociedade civil. Reconhecendo isto, o governo federal realizou acordos com cinco governos em cinco regiões metropolitanas, no Canadá. Este trabalho analisará um desses acordos – a Estratégia para os Aborígenes Ur-banos (UAS) combinada com o Acordo de Vancouver (VA) –, que foi capaz de orientar o governo com sucesso em seu início, mas parecia incapaz de sustentar o modelo de governança em face das pressões do mercado e da mudança de atores políticos. Este documento irá analisar sucintamente as razões para o sucesso inicial do Acordo e para sua falta de sustentabilidade.

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Em grande medida, o Acordo de Vancouver foi concebido para abordar a visão mais ampla descrita acima: garantir a colaboração na tomada de de-cisões compartilhada para facilitar o trabalho em prol de soluções integradas na construção de comunidades fortes, especialmente comunidades indígenas. O Acordo de Vancouver representou um desenvolvimento muito positivo nos diferentes níveis de governos para trabalhar em conjunto de forma co-laborativa e também para fortalecer o envolvimento da comunidade. Ele foi assinado em março de 2000 pelos governos federal, provincial e municipal e foi projetado para ser um modelo de colaboração conjunto para lidar com o Downtown Eastside (DTES), em Vancouver, o código postal mais pobre do Canadá, com uma grande população de indígenas rigorosamente marginali-zados e desfavorecidos.

O Acordo de Vancouver foi especificamente voltado para transformar as abordagens tradicionais de governança e a prestação de serviços em um modelo mais integrado e mais horizontal, baseado na colaboração e em estratégias progressivas de resolução de conflitos. Em pesquisa junto a uma grande va-riedade de residentes, três objetivos principais foram identificados:1. Aumentar o desenvolvimento econômico no Downtown Eastside;

2. Melhorar a saúde dos moradores;

3. Aumentar a segurança pública.Esses três objetivos seriam cumpridos com quatro estratégias: desenvolvi-

mento econômico e geração de emprego; fechamento e revitalização das áreas de uso de drogas; transformação dos hotéis problemáticos, principalmente os que oferecem ocupações individuais, em lugares limpos e seguros para viver, a fim de oferecer uma comunidade mais segura para os mais vulneráveis, especialmente mulheres, jovens e crianças.

Novo modelo de governança

O modelo de governança para supervisionar as quatro estratégias acima descritas consistia em uma série de comissões hierárquicas, apresentadas aqui em ordem decrescente: uma Comissão Política (composta por um ministro de cada um dos respectivos governos e pelo prefeito de Vancouver); um comitê de gestão composto por nove altos funcionários do governo (três de cada um dos níveis de governo signatários do Acordo); e uma equipe de coordenação, o comitê operacional diretamente responsável pela implementação dos planos estratégicos, que se reúne duas vezes por semana e, também, regularmente

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com os Grupos de Trabalho, instituídos para supervisionar cada estratégia e que inclui membros da comunidade.

Os membros das várias comissões fizeram esforços para consultar os mem-bros da comunidade e receber suas contribuições para os planos desenvolvidos pelos Grupos de Trabalho. Inicialmente, todos os três governos trabalharam em uma abordagem colaborativa e inclusiva na tomada de decisões com a co-munidade. Houve consenso de que uma mudança teria que ocorrer em relação à governança federal, provincial e municipal, ao tratar da criminalidade nas comunidades indígenas e das condições socioeconômicas desses povos.

Os principais fatores para o sucesso

Existem múltiplos desafios em qualquer desenho e implementação de processo baseado em consenso, especialmente neste caso complexo – a Es-tratégia para os Aborígenes Urbanos no DTES –, que envolve questões am-bientais, sociais, culturais e econômicas. Este trabalho irá abordar os principais desafios enfrentados e algumas das formas inovadoras encontradas para lidar com eles dentro da UAS e do VA. O Acordo de Vancouver foi razoavelmente bem-sucedido no cumprimento das atribuições que mais comumente se apresentam para a governança metropolitana: liderança e tomada de decisão compartilhada; inclusão social e empoderamento da comunidade; recursos suficientes e compartilhados; burocracias acopladas e flexíveis; aprendizado e compreensão mútuos; transparência e accountability; e, estruturas e processos de resolução de conflitos (MASON, 2006).

Liderança e tomada de decisão compartilhada

Uma liderança forte daqueles que têm autoridade formal ou legal para tomar a decisão é essencial para o sucesso da governança metropolitana. Em particular, a liderança deve prever a partilha do poder e a tomada de decisão compartilhada. A maioria dos governos e organizações é relutante na melhor das hipóteses – e hostil na pior das hipóteses – à ideia de que eles devem com-partilhar o poder que está dentro de sua competência exclusiva ou jurisdição. Mesmo quando o fazem, as táticas são muitas vezes utilizadas para recuperar o poder ou exercer influência indevida sobre o desfecho do processo. Não fazê-lo exige determinação e empenho por parte da liderança que é conti-nuamente demonstrada durante todo o processo. O Acordo de Vancouver procurou assegurar a tomada de decisão compartilhada por meio da aplicação

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de decisões que exigem o consentimento unânime entre os governos, apesar de uma ampla variação de jurisdição, recursos e autoridade legal. Esta não era uma tarefa pequena a julgar pelo número de ministérios e departamentos que exerciam alguma jurisdição sobre as questões urbanas de povos indígenas urbanos no DTES. Na verdade, o maior obstáculo imediato que os governos enfrentaram no processo decisório colaborativo foi a escala de fragmentação jurisdicional: 12 departamentos federais, 19 ministérios ou órgãos provinciais e 14 secretarias municipais.

Assim, enquanto a cooperação intergovernamental foi a razão de ser do acordo, esforços iniciais de coordenação dos parceiros ocorreram dentro de cada nível de governo. (MASON, 2006, p. 11)

inclusão social e desenvolvimento comunitário

Para engajar com êxito as comunidades marginalizadas, a confiança e a construção de relações são ingredientes-chave. Tanto a UAS como o VA tiveram o objetivo e a intenção de reunir os múltiplos moradores afetados, e outros interessados, em diversas oficinas e em uma variedade de situações. Moradores, especialmente residentes e organizações indígenas deveriam ser amplamente consultados sobre os planos estratégicos, além de ser frequente-mente consultados ao longo do processo de decisão e de execução. O processo deveria garantir que a informação fosse compartilhada e que os moradores pudessem trocar opiniões e perspectivas, entre eles e com os representantes do governo. No entanto, as consultas realizadas foram inadequadas.

Atenção especial deve ser dada às diferenças de poder e cultura. A cul-tura, neste contexto, tem um significado amplo, citando JP Lederach (1995, p. 8-10):2

2 Lederach continua, e capta a essência quando ele escreve sobre a cultura “enraizada nos conhecimentos e esquemas compartilhados, criados e utilizados por um conjunto de pessoas para perceber, interpretar, expressar e responder a realidades sociais”. Assim, ele postula que “a compreensão da conexão do conflito social e da cultura não é apenas uma questão de sensibilidade ou de consciência, mas uma aventura muito mais profunda de descoberta e escavação da arqueologia do conhecimento acumulado e compartilhado que é comum a um conjunto de pessoas”. Quando as pessoas são convidadas a descrever uma cultura diferente da sua, elas tendem a falar de diferenças, não de semelhanças. Para entender outra cultura, não basta simplesmente estudar as diferenças, mas sim experimentá-las. “Compreender outra cultura é um processo contínuo e nada discreto (CLE p.83, number 1). Isto é, em parte, devido ao fato de que pressupostos culturais são crenças tão completamente aceitas dentro de grupos, que não são indicados, questionados ou defendidos. Como é possível diminuir as barreiras culturais? (GYRZBOWSKI; JOHNSON, 2000, p. 74-78).

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Cultura não é simplesmente um aspecto de origem nacional, etnia, gênero, classe socioeconômica, religião, mas é muito maior, referindo-se a como uma pessoa faz sentido no mundo, como uma pessoa faz e expressa significado e percebe o mundo ao seu redor. Consiste no conhecimento acumulado e com-partilhado que existe em virtude do grupo a que uma pessoa pertence e do contexto em que foi criada. Ela engloba tanto a natureza quanto a criação. É a lente por meio da qual olhamos para interpretar o mundo.

É importante reconhecer e aceitar a existência de entendimentos e ex-periências tão diferentes e dos desequilíbrios de poder que geram. Povos e organizações indígenas são, em graus diversos e por várias razões, passíveis de exclusão social. Moradores e organizações indígenas que operam no DTES foram incluídos neste projeto, mas muito mais poderia ter sido alcançado. Con-vites formais para participação ou a participação formal em si não é suficiente. Mais deve ser feito para reequilibrar o poder e as diferenças culturais.

Atenção particular deveria ter sido dada para garantir que os moradores indígenas e outras populações marginalizadas tivessem um engajamento subs-tancial nas atividades essenciais como capacitação e formação de competências, iniciativas de desenvolvimento econômico, bem como para fortalecer, utilizar, celebrar e validar suas experiências de vida durante todo o processo.

Poder-se-ia obter progresso na inclusão social e validação garantindo-se que o conhecimento específico dos habitantes do DTES fosse gravado, do-cumentado e disseminado, e que fosse levado em conta na busca de soluções potenciais e na tomada de decisões. Os conhecimentos indígenas poderiam e deveriam ter sido validados e utilizados por meio de técnicas de mapeamento da comunidade (“bio-mapping”), o que engajaria os moradores da DTES no mapeamento dos pontos fortes e fracos, do passado, presente e futuro de sua comunidade a fim de informar planos para melhoria e prioridade.

Além disso, e muito importante, suas experiências de vida poderiam ter ganhado vozes reais e duradouras por meio de projetos de história oral e de documentários. Um exemplo de um projeto de história oral envolve a coleta e o registro dos depoimentos dos moradores. Cada narrador é fotografado e sua história escrita sobre a fotografia, proporcionando um emocionante pa-norama das histórias coletivas. Esse conhecimento é claramente importante para o planejamento ambiental e social e, naturalmente, como um registro histórico. Contudo, o insumo mais importante está no nível mais profundo de um ser humano, na conexão e no reconhecimento de outras experiências – na validação da experiência vivida por aquelas pessoas cujas experiências estive-

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ram até então marginalizadas e muitas vezes excluídas do processo decisório. Finalmente, e mais importante ainda, as estruturas e os processos devem ser identificados especificamente para promover e institucionalizar a participação das mulheres na tomada de decisões por meio, por exemplo, da formação de um Fórum de Mulheres.

Também devem ser tentadas iniciativas para garantir que os jovens da DTES – outra voz tradicionalmente excluída – sejam também trazidos para o processo. Alguns esforços foram feitos para capacitar os jovens através de oficinas e, em especial, pela participação de jovens aborígenes no projeto Dreamscapes, que fornece um veículo para o jovem articular suas próprias experiências e sonhos por meio da arte e documentário. Além de propiciar ao jovem uma voz, também oferece habilidades e treinamento em artes e na produção de filme.

No futuro, uma tentativa mais sustentada deve ser almejada, para incorpo-rar os jovens na resolução de conflitos e na tomada de decisão colaborativa. Isso será vital para sustentar a dinâmica e para auxiliar as mudanças geracionais.

Encontros de diálogo e outras oportunidades semelhantes deveriam ter ocorrido durante todo o processo para permitir que as relações se desenvol-vessem e para dar voz às perspectivas e às visões de mundo que não eram facilmente acessíveis para os outros, e para permitir o compartilhamento de conhecimentos, técnicas e experiências. Esses processos e atividades formais e informais promoveriam relacionamentos que acabariam por permitir que as pessoas ouvissem e compreendessem as necessidades e interesses de cada um, a fim de assegurar que eles fossem incorporados aos processos decisórios.

Tanto a UAS quanto o VA falharam em propiciar tais diálogos. Os pro-cessos de participação eram escassos e os moradores não foram consultados amplamente ou sistemática e regularmente. Isso aconteceu, em especial, com os residentes indígenas. Alguns participantes explicaram essa falta de compromisso como sendo devida à multiplicidade e fragmentação das or-ganizações e grupos que falavam pelos residentes indígenas. No entanto, havia claramente uma falta de planejamento e foco sobre a melhor forma de envolver os moradores do DTES, especialmente os indígenas, e ouvir as suas opiniões, quando envolvidos. Significativamente, o problema mais importante identificado pelo povo indígena e informado aos participantes do Acordo de Vancouver – a exploração de crianças aborígenes pelo comércio do sexo em Downtown Eastside – não recebeu prioridade alta (MASON, 2006, p. 22-23). Isso pode mudar na medida em que a questão do tráfico humano se tornou

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uma preocupação maior devido aos Jogos Olímpicos realizados em British Columbia, em 2010 (MASON, 2006, p. 20).

recursos suficientes e compartilhados

Modelos de gestão colaborativa frequentemente falham por causa de acordos de financiamento. Os recursos financeiros devem ser claramente defi-nidos no início do acordo de governança. O cofinanciamento é, normalmente, viável apenas em casos nos quais os governos têm a capacidade de levantar receitas semelhantes e possuem jurisdição correspondente, o que é incomum em modelos de governança metropolitana. O acordo de Vancouver lidou com a questão problemática do financiamento, proporcionando acordos flexíveis para o rateio orçamentário, reconhecendo e considerando as diferentes capa-cidades financeiras dos governos participantes. Um ponto digno de nota sobre as modalidades de financiamento foi o fato de que inicialmente nenhum dos novos fundos foi dedicado ao Acordo de Vancouver.

Normalmente, a falta de novos financiamentos é prejudicial para novos modelos de governança, mas no caso do Acordo de Vancouver, isto provou ser um resultado positivo ao invés de uma condição negativa. A falta de novos recursos impediu a concorrência nada saudável entre os diferentes níveis de governo e as organizações da sociedade civil. Ao invés disso, os governos e as organizações trabalharam de forma colaborativa para encontrar meios e mé-todos inovadores de aplicação dos recursos existentes para novos objetivos. No entanto, na medida em que as decisões amadureciam e o tempo passava, essa condição foi vista como restritiva aos resultados potenciais do Acordo. Essa si-tuação foi atenuada em certa medida, quando foi concedido um financiamento adicional de US$ 20 milhões (compartilhado igualmente pelos governos federal e provincial) como parte do processo para os Jogos Olímpicos de Vancouver. Os Jogos Olímpicos também acrescentaram um novo impulso na atração do dinheiro do setor privado, que sempre esteve prevista no acordo.

burocracias engajadas e flexíveis

A implementação é um ingrediente-chave para o sucesso da governança metropolitana, mas é uma área frequentemente esquecida quando são iden-tificados os fatores de sucesso. A implementação é realizada principalmente pelas várias burocracias dos governos participantes. Atenção especial deve ser dada às competências, habilidades e atitudes dos burocratas responsáveis pela

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implementação. O que é necessário é uma burocracia disposta a mudar seu modus operandi, a ouvir soluções daqueles que são mais afetados, a incorporar novas ideias e questões no espaço de trabalho, a mudar a maneira como se inter-relaciona com o público e, especialmente, com aqueles mais afetados pelas suas decisões. Isto é particularmente verdadeiro para os chamados buro-cratas “técnicos” ou “especialistas” que dedicam uma vida ao fornecimento de soluções para problemas técnicos. Em particular, isto requer uma vontade de todos os participantes em compreender que a maioria dos conflitos em política pública não pode ser resolvida somente por informações técnicas. Embora a informação técnica seja uma condição necessária para determinar as soluções, ela não é uma condição suficiente. Todos os participantes devem reconhecer que as decisões de política pública devem também incluir outras informações importantes de natureza econômica, social ou cultural.

aprendizagem e entendimento mútuo

Processos de colaboração bem-sucedidos envolvem a criação de novos conhecimentos. Esse novo conhecimento deve incluir as lições adquiridas ao longo do processo ou o aprendizado gerado a partir de outras experiências. Assim sendo, é importante permitir a reflexão e, se possível, realizar a investi-gação para consolidar essas reflexões em um registro permanente do processo, além de conhecer os desafios e oportunidades e, ainda, para auxiliar a contínua renovação e fortalecimento de tais processos no futuro. Uma burocracia fle-xível é muitas vezes um dos principais beneficiários da aprendizagem mútua, à medida que produz novos conhecimentos, experiências e metodologias de trabalho horizontal com outros governos e departamentos e, em menor me-dida, com líderes comunitários e moradores. Grande parte da aprendizagem e da cooperação mútua depende da interação sustentada entre os participantes. Certamente uma das falhas identificadas no Acordo de Vancouver é relacionada à alta rotatividade de pessoal dos governos provincial e federal, o que inibe a aprendizagem mútua continuada.

transparência e accountability

Processos difíceis e complexos exigem transparência e accountability para serem mantidos ao longo da duração do acordo. Accountability e transparên-cia são responsabilidades compartilhadas. Os governos devem assegurar que exista um fluxo de informação clara dentro de seus próprios departamentos

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de governo, entre os níveis de governos e para todos aqueles envolvidos nos processos, residentes e organizações na área, especialmente os mais margina-lizados, e o público em geral. Os participantes do processo devem agir como condutores para expressar suas preocupações e problemas e os das pessoas e organizações que representam. O governo também deve tomar a iniciativa e se responsabilizar, eventualmente assistido por outras pessoas no processo, pela comunicação com o público em geral. Essa comunicação deve ser facilmente acessível para o público e devem ser disponibilizados os fóruns adequados ou os mecanismos de feedback e avaliação.

Planos e documentação e todas as demonstrações financeiras devem ser facilmente acessadas por todos. Publicações e vídeos devem ser amplamente divulgados.

criando a gestão de conflitos e / ou mecanismos ou processos de resolução

Qualquer modelo de governança metropolitana sustentável exige estrutu-ras de resolução de conflitos e processos adequados para elas serem construídas dentro do sistema. É importante criar processos que sejam culturalmente apropriados, inclusivos e colaborativos para estabelecer canais para o geren-ciamento e solução de conflitos. Tais processos devem, sempre que possível, estar disponíveis para todos os segmentos – comunitário, organizacional e governamental. Deve haver também capacidade para antecipar, acompanhar e avaliar o conflito. Deve-se ressaltar que um modelo processual para tratar os conflitos não é um modelo de imposição de soluções, mas de criação de um mecanismo que permita aos envolvidos identificar o conflito, desenvolver alternativas e utilizar os meios necessários para avançar de uma forma em que se considerem todos os interesses (necessidades, medos, desejos) e para permitir que opções criativas sejam identificadas, exploradas, discutidas e, se houver consenso, implementadas.

Vale enfatizar que as pessoas afetadas pelas decisões devem ser trazidas para o desenvolvimento dos processos de gestão de conflito na primeira oportunidade para assegurar que elas sejam capazes de ajudar a conceber o processo e apropriar-se dele. As decisões são melhores quando todos os afeta-dos estão incluídos no projeto e na implementação do(s) processo(s) e quando têm poder de decisão. Não fazer isso resulta, muitas vezes, no aumento de conflito real ou potencial.

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Deve-se notar que, embora a capacitação para a gestão de conflitos e a construção de mecanismos apropriados sejam ferramentas essenciais para manter a paz, eles são apenas uma condição necessária, mas não suficiente. Também é importante construir a capacidade dos participantes na gestão de conflitos.

A capacitação envolve fornecer às principais organizações e partes inte-ressadas – garantindo a participação equitativa de homens e mulheres – os conhecimentos, aptidões, habilidades e atitudes para gerir ou resolver os conflitos que surgem, por exemplo, na concorrência por recursos escassos ou financiamento. A capacitação então é necessária em todos os níveis: comu-nitário, individual, organizacional e governamental. O processo de tomada de decisão é muito melhor se todas as partes afetadas em um conflito estão envolvidas no treinamento de habilidades para resolução de conflitos.

Workshops de inclusão têm a vantagem adicional de permitir que os atores participantes se engajem em um processo colaborativo e sem riscos que ajudará a construir a base para tomadas de decisões inclusivas, quando questões de importância para eles estão em jogo. Também permitem que eles desenvolvam relacionamentos que irão apoiar o futuro processo decisório colaborativo. Deve-se notar que as diferenças de cultura e condição socioeconômica (muitas vezes mascaradas em termos educacionais) podem ser vistas como obstáculos à participação construtiva e ao diálogo, quando na verdade não são.

Entre as competências, habilidades e atitudes que devem ser desenvolvidas nos participantes se incluem: mapeamento da comunidade e de conflitos; tipos de participação da comunidade na tomada de decisão em políticas públicas; e como avançar de reuniões para informar e captar a opinião do público para processos de tomada de decisão colaborativos. Além disso, os participantes irão desenvolver habilidades que lhes permitam uma participação mais significativa e inclusiva, respeitosa e igualitária em todos os processos. Diferentes tipos de consultas colaborativas devem ser demonstrados e modelados, incluindo a negociação baseada em interesses, e os processos de narração e transformação. Sempre que necessário e aplicável, habilidades e processos indígenas ou de culturas específicas deverão ser incorporados em todas as sessões e materiais de treinamento, especialmente quando se trata de povos e nações indígenas.

Outras metodologias potenciais para desenvolver capacitação incluem: a produção e a divulgação adequada de informação, educação, formação, de-sempenho de papéis e tutoria, seguidas pela aplicação prática das ferramentas, habilidades e capacidades aprendidas para lidar com os conflitos reais que

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surgem nos processos de tomada de decisão. Esses conhecimentos, habilida-des e ferramentas deverão ser produzidos de forma culturalmente adequada e considerando os níveis de educação, conhecimento e habilidades de todos os participantes. Estes podem incluir workshops mistos ou de gênero e/ou grupo específicos, sessões de treinamento, materiais e construção colaborativa de mecanismos para responder ao tipo e intensidade de conflitos que estão ocorrendo. Todos os métodos devem tentar descobrir o modo específico de aprendizagem de todos os participantes. O objetivo geral é aumentar a capaci-dade dos principais intervenientes (representantes governamentais, membros de comunidades e grupos, ONGs, organizações do setor privado e público) homens e mulheres, para usar processos inclusivos de resolução e de preven-ção de conflitos. Outras metodologias a serem empregadas devem, quando apropriado, conjugar treinamento, investigação e coleta de informações para construir a colaboração como um meio de trabalho conjunto com os atores em conflito. O objetivo é criar uma maior consciência e conhecimento da importância dos processos de colaboração para produzir melhores soluções e relacionamentos.

Em conclusão, a tomada de decisão compartilhada requer a capacidade dos participantes para compreender que a arte da colaboração é a busca por opções e resultados que possam contemplar ao invés de comprometer os inte-resses dos participantes. Quando ideologias e valores fundamentais estão em conflito, a arte de construir consenso reside em identificar formas pelas quais os valores e ideologias concorrentes podem coexistir, e não serem cooptados ou ignorados. Nem tal consenso afasta a necessidade de basear as decisões em conhecimentos objetivos e especializados relevantes. Se não, “decisões tomadas podem, na melhor das hipóteses, ser um denominador comum e, na pior das hipóteses, resultados de ignorância coletiva” (LUND, 2003, p. 23).

A UAS e o Acordo de Vancouver não atenderam de forma suficiente à questão do fornecimento de estruturas e processos para lidar com visões con-flitantes do DTES e, particularmente, do futuro para os residentes indígenas. Esta é uma das razões para o descontentamento dos residentes indígenas com os planos estratégicos que foram produzidos. É imprescindível que os modelos de governança metropolitana prestem atenção a tais processos desde o início, a fim de fornecer uma base sólida para a compreensão, cooperação e tomada de decisão. Embora a extensão, grau e intensidade do desafio mudem de conflito para conflito, todos os processos de colaboração devem levar em conta a forma como os conflitos serão identificados e, quando apropriado, serão impedidos,

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geridos ou resolvidos. Se esses desafios não são, ou são inadequadamente, reconhecidos e tratados, antes, durante e após a concepção, implementação e execução dos processos e da tomada de decisão, os resultados serão, na pior das hipóteses, um fracasso total, ou, na melhor das hipóteses, um processo de tomada de decisão muito pobre. Os processos e ações que ocorrem para enfrentar esses desafios serão de real importância e deverão orientar outros modelos metropolitanos de governo. É imperativo que tais processos estejam no centro dos processos de governança, se se deseja enfrentar os desafios de melhorar a natureza e a extensão da colaboração para alcançar resultados de sucesso, melhorar a tomada de decisão colaborativa e comunitária, e avançar na democracia participativa.

referências

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GRAHAM, John; WILSON, Jake. Aboriginal Governance in the decade ahead: towards a new agenda for change. Institute on Governance, 2004.

LUND. What kind of peace is being built. Discussion Paper, 2003.

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SMITH, Ralph. Lessons from the homelessness initiative. In: CANADA. Policy develop-ment and implementation in complex files. Vancouver: Canada School of Public Service, 2004. p. 1-7.

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O acOrDO De vaNcOUverrespostas nos vários níveis de governo para o desafio da exclusão social na cidade de vancouver

Nathan Edelson

Este artigo traz uma visão geral do acordo estabelecido entre o governo do Canadá, a Província de British Columbia e a cidade de Vancouver para trabalhar em conjunto visando melhorar as condições das pessoas de baixa renda de Vancouver, com um primeiro foco no Downtown Eastside. Este é um bairro central da cidade que, por um lado, sofreu um declínio considerável devido às mudanças estruturais na economia, bem como ao crescimento sig-nificativo no número de pessoas com doença mental e dependência de drogas; por outro lado, recebeu um considerável investimento do mercado, devido à sua localização estratégica e ao potencial para lazer.

O artigo contém dados referentes às avaliações realizadas em vários programas iniciados no âmbito do Acordo de Vancouver (VA) e ao funciona-mento do próprio acordo. Dezenas de funcionários de mais de 40 ministérios, departamentos e agências participaram do Acordo de Vancouver. Cada um tem uma perspectiva diferente.1 Muitas das pessoas envolvidas demonstravam

1 Este artigo é escrito a partir de minha experiência como o Planejador Urbano Sênior da Cidade de Vancouver designado para a região de Downtown Eastside. Eu fui responsável pelo plane-jamento do uso do solo e ajudei a desenvolver ou implementar muitas das políticas da cidade relacionadas com habitação, cuidados de saúde, segurança pública, conservação do patrimônio, e melhorias para o engajamento da comunidade. Também presidi a Comissão de Revitalização Econômica do Acordo de Vancouver, que teve um importante papel quanto a desenvolvimento econômico, emprego, artes comunitárias e segurança alimentar. Essas funções me propiciaram o contato com praticamente todas as comunidades e organizações empresariais do bairro, com muitas entidades sem fins lucrativos e com funcionários das agências governamentais que cui-dam dos mais diversos serviços e normas. Embora tivesse contatos com muitos representantes governamentais e líderes políticos, eu não era membro do corpo administrativo nem da cidade nem do Acordo de Vancouver.

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um forte e hábil compromisso com o bairro e especialmente com os desafios enfrentados pela população de baixa renda, assim como pelas empresas e famílias que lutavam para progredir sob condições adversas. Dada a comple-xidade dos problemas da comunidade e a controvérsia em torno de muitos deles, foi difícil fazer com que todos os atores envolvidos convergissem para um mesmo ponto. Os conflitos não eram raros. Muitos resultavam de discor-dância sobre as melhores políticas, normas ou prioridades de financiamento. Alguns eram referentes a tarefas e prioridades dos diferentes departamentos. Outros se deviam a personalidades e diferenças de estilo. Outros ainda eram referentes a quem iria receber crédito ou censura – às vezes em público, às vezes em seus próprios setores.

Dentro desse contexto, em uma série de iniciativas – algumas de impor-tância nacional ou internacional –, a estrutura do VA era capaz de oferecer uma plataforma comum, e os recursos necessários para avançar; em outras, ela não foi capaz de cumprir esses objetivos. Algumas questões foram tratadas dentro do quadro formal do VA; outras foram tratadas por alguns dos parceiros fora do quadro formal, mas “dentro do espírito do Acordo de Vancouver”.

Este artigo contém uma visão geral da estrutura do Acordo de Vancou-ver, o que foi definido inicialmente e algumas alterações nele efetuadas. Traz ainda algumas iniciativas para exemplificar o que funcionou bem e o que não funcionou. Alia Dharssi reuniu a maior parte das referências, forneceu um anteprojeto com a assessoria de Andrew Lawrence. O artigo se beneficiou de conversas com outras pessoas que trabalharam no Acordo e pretende estimular um debate mais aprofundado que possibilite uma avaliação mais clara. A inten-ção é propor um modelo de avaliação útil para solucionar as muitas questões pendentes em Downtown Eastside e em outros bairros de outras regiões frente às forças inter-relacionadas de desenvolvimento desigual – aprofundamento da pobreza e gentrificação.2

2 Gentrificação: diz respeito à expulsão de moradores tradicionais, pertencentes a classes sociais menos favorecidas, de espaços urbanos que subitamente sofrem uma intervenção urbana (com ou sem auxílio governamental) que provoca sua valorização imobiliária.

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contexto

Vancouver é consistentemente classificada entre as melhores cidades do mundo para viver. Tem uma população de quase 600 mil habitantes, em uma região de pouco mais de 2 milhões de pessoas, o que faz dela a maior cidade da província da British Columbia e a terceira maior do Canadá. E a sua inovadora política de ‘primeira moradia’ do Plano da Área Central criou novos bairros de elevada densidade ao longo da magnífica orla e também trouxe muitas famílias de classe média de volta ao centro histórico da cidade.

Uma exceção a esse sucesso foi uma área habitada tradicionalmente por moradores de baixa renda e imigrantes conhecida como Downtown Eastside. Sua população é de 16 mil habitantes, dos quais cerca de 80% vivem abaixo da linha de pobreza do Canadá. A essa população vieram juntar-se, nos últimos anos, cerca de mil pessoas sem-teto. Por muitas décadas, a área foi conhecida como o código postal mais pobre do Canadá. Ao longo dos últimos vinte anos, parte da área sofreu grande declínio com os impactos das mudanças estruturais na economia. Enquanto o comércio legal se mudou do bairro ou entrou em falência, o comércio ilegal de drogas e negócios associados ali se concentrou cada vez mais. Ao mesmo tempo, algumas partes da área receberam investi-mento considerável para conservação do patrimônio e novo desenvolvimento. Com isso, o setor residencial e outros setores que tradicionalmente prestavam serviços a residentes de baixa renda passaram a ser pressionados.

Para entender como o bairro conduziu as questões por ele enfrentadas, é importante ter em vista o seu passado, bem como o seu potencial futuro. Esta área é o núcleo histórico de Vancouver, imediatamente adjacente ao distrito comercial central e à área portuária. Durante décadas, foi o centro do comércio (Victory Square) e da indústria (Strathcon/Oppenheimer) da região. Ela abriga muitos dos edifícios do patrimônio histórico da região e é constituída de várias sobreposições de bairros, incluindo os assentamentos originais da cidade – o europeu (Gastown), o chinês (Chinatown) e o japonês (Oppenheimer). Ao longo do tempo, ela passou também a abrigar muitos outros imigrantes (Strathcona) e aborígenes urbanos.

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figura 1 - mapa da distribuição das comunidades do centro de vancouver.3

Com o desenvolvimento da região, o Downtown Eastside passou a abrigar uma grande classe operária composta de muitos imigrantes e de ca-nadenses que trabalhavam nas fábricas, no porto e nos serviços de apoio da região central. Também abrigava, em caráter sazonal, muitos trabalhadores de indústrias que passavam parte do ano em toda a província em postos de trabalho associados à exploração florestal, pesca e mineração, e parte do ano em quartos de solteiro alugados (em inglês “single room occupancy” – SRO) em muitas das pensões residenciais do bairro. Esses trabalhadores gastavam seus salários na área mais movimentada da cidade beneficiando restaurantes, armazéns e lojas de varejo. A área também tem uma região conhecida como ‘Skid Row’, onde se concentram os bares e que se tornou um ponto para pessoas viciadas em álcool e heroína.

Durante as décadas de 70 e 80, a Associação dos Moradores do Down-town Eastside se organizou e trabalhou em parceria com várias agências de serviços religiosos e sociais para melhorar as condições dos residentes locais, especialmente os aposentados e trabalhadores acidentados. Ela fez muitas campanhas publicitárias para instalar equipamento contra incêndios nos SROs, para construir habitação para pessoas sozinhas e famílias de baixa renda, para impedir que os bares servissem bebida a pessoas alcoolizadas e para criar os Centros Comunitários de Carnegie e muitos outros serviços necessários. Além disso, desempenhou um papel fundamental de apoio à eleição de candidatos à Câmara Municipal e a outros cargos mais altos do governo. E também con-

3 Mapa de Mason, DATA, p. 8.

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seguiu fazer com que a área predominantemente residencial de baixa renda da comunidade passasse a ser identificada como o Downtown Eastside, e não simplesmente como a área abandonada de Skid Row.

A partir do final da década de 1980, a área também começou a ser afetada por importantes mudanças estruturais na economia e na sua força de trabalho. Muitos trabalhos manuais foram mecanizados, os sindicatos conseguiram ga-rantir salários mais altos para os trabalhadores da indústria e do porto, muitos dos quais optaram por viver em casas simples de família fora do centro da cidade ou o ano todo no interior da Província, perto de onde trabalhavam. Chinatown, que foi, durante muitos anos, o único lugar em Vancouver onde os chineses podiam possuir seu imóvel ou comprar muitos dos seus alimentos preferidos e outros produtos, perdeu esse monopólio com a diminuição do racismo, e as pessoas de origem chinesa escolheram outras partes da cidade e região para viver e instalar seus negócios. As lojas de departamento que ser-viam de apoio a muitas das lojas de varejo da área e a restaurantes mudaram-se para o Oeste e para as áreas de shoppings suburbanos. Em meados da década de 90, Woodwards, a última grande loja de departamentos nacional que res-tava na área, faliu. Isto foi parte de uma mudança nos padrões internacionais de varejo, e não uma consequência direta do agravamento das condições de Downtown Eastside. No entanto, no período de um ano, mais de um terço dos estabelecimentos próximos à loja estavam vagos; a maioria deles ainda têm que ser reocupados pelo comércio legal.

Ao mesmo tempo, a agenda política neoliberal começou a reduzir os níveis de bem-estar e outros serviços de saúde, saúde mental, habitação, educação e serviços sociais. Os trabalhadores mais velhos foram substituídos por vários milhares de jovens, muitos dos quais eram viciados em drogas ilícitas. Além disso, muitas das pessoas que foram liberadas por instituições para tratamento de doenças mentais só tinham condições de viver nos SROs do Downtown Eastside, embora a maioria tenha vindo de outras partes da cidade e da pro-víncia sem recursos e sem o apoio adequado da comunidade.

Houve, também, um aumento significativo no mercado de drogas ilícitas, na indústria do sexo, no roubo e no crime violento entre diferentes gangues relacionadas com drogas. A natureza das drogas mudou de uma predominância da maconha e da heroína, que tendem a cansar os usuários, para as injeções de cocaína, metanfetamina e crack. Essas drogas são altamente viciantes e podem contribuir para o comportamento agressivo e a desordem nas ruas. Muitas vezes, elas são tomadas durante o dia e à noite, quando serviços como

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trocas de agulhas estão fechados. Isto resultou em um aumento dramático no compartilhamento de agulhas. Consequentemente, os casos de hepatite, HIV e AIDS atingiram níveis comparáveis aos das regiões mais pobres da África.

No final da década de 1990, o Conselho de Saúde de Vancouver declarou a epidemia de HIV/AIDS “uma crise de saúde pública”. Esse fato, associado com o aumento da criminalidade, a desordem nas ruas e o declínio econômico, se tornou foco da atenção da mídia. Ficou claro que as soluções para essas ques-tões tão complexas estavam além dos recursos e da autoridade da cidade para resolvê-los por conta própria. Como resultado, a Câmara Municipal solicitou formalmente a criação de um Acordo de Vancouver, entre os três níveis de governo para resolver esses problemas. Este estudo de caso irá explorar seus pontos fortes e fracos para ver as lições que esse acordo e iniciativas conjuntas trouxeram para a constituição de consórcios.

Um apelo à ação

À semelhança de outras regiões urbanas desenvolvidas, Vancouver tem sido moldada por forças contraditórias relacionadas ao desenvolvimento rápido e desigual. O centro da cidade teve crescimento rápido, tornando-se um modelo internacional para áreas de alta densidade populacional. Ao mesmo tempo, as mudanças estruturais na economia e em sua força de trabalho reduziram a viabilidade de permanência das antigas empresas comerciais e industriais em Downtown Eastside. Isso foi agravado pela concentração dos nítidos impactos da expansão do tráfico de drogas ilícitas, do crime organizado e da prostituição sobre essa pequena área. Além disso, a agenda neoliberal – aprovada em graus variados por todos os partidos políticos, em todos os níveis de governo – tem desmantelado muito da rede de seguridade social – especialmente se se leva em conta a necessidade crescente.

Essas forças lançaram milhares de pessoas mentalmente doentes de insti-tuições com funcionamento inadequado em comunidades com muito pouco suporte e deixaram muitos jovens sem perspectivas. Na Columbia Britânica, muitas dessas pessoas buscaram refúgio em Downtown Eastside, onde histo-ricamente existiam muitas vagas e aluguéis disponíveis nos SROs. A escolha do bairro se deveu também ao fato de ele ter-se organizado e lutado durante muitos anos para criar um nível superior de serviços sociais e de saúde, além de ter desenvolvido uma “cultura de tolerância e de apoio” que ajudou muitas pessoas a sobreviver e a prosperar em circunstâncias desafiadoras.

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A combinação dessas forças começou a assolar esse pequeno bairro. Em muitos aspectos, o fato mais interessante não é que essas condições tenham declinado, mas que tantas pessoas tenham sobrevivido e sintam um orgulho enorme de morarem nessa comunidade criativa e cheia de vida. Também é importante notar que esta área tem uma localização central e fica ao longo das principais vias para o movimentado centro da cidade de Vancouver e para as atrações turísticas; ela não está escondida na periferia da região. Além disso, graças a políticas bem-sucedidas de “primeira moradia”, milhares de pessoas de renda média optaram por mudar-se para edifícios do patrimônio restaurados, e novos prédios se ergueram nesse “decadente” bairro ou nas áreas adjacentes.

Quando as condições no coração de Downtown Eastside pioraram, hou-ve uma forte resistência da comunidade e um apelo à ação dos trabalhadores aposentados, dos dependentes mais jovens e das agências que estavam se esforçando para atendê-los, bem como de associações empresariais locais, da emergente classe média e de influentes frequentadores do bairro, de turistas e das empresas que lhes prestavam serviços. HIV/AIDS, o mercado aberto de drogas ilícitas, a prostituição visível nas ruas, a criminalidade violenta, lojas vazias e altos índices de roubo de carros e arrombamentos foram assuntos de manchetes diárias nos meios de comunicação locais e, ocasionalmente, inter-nacionais. A própria identidade de Vancouver como um lugar com a melhor qualidade de vida estava ameaçada. Isto resultou em uma forte pressão política sobre os governos para uma resposta mais coordenada.

No entanto, houve consideráveis divergências sobre os objetivos da ação coordenada, e também sobre as iniciativas que deviam ter prioridade, quem devia conduzi-las e como elas deviam ser decididas. Em última análise, isto refletia divergências fundamentais – algumas das quais permaneciam uma década mais tarde – sobre a causa dos “problemas” e a natureza das “solu-ções”. Algumas delas estavam entre os parceiros do governo; outras refletiam a opinião das pessoas que moravam ou trabalhavam na comunidade e das organizações que as representavam. Buscar entendimento entre os parceiros do VA foi – e continua sendo – um grande desafio.

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coordenando os governos

Cada um dos níveis de governo oferece serviços para residentes e em-presários em Downtown Eastside. Frequentemente os três níveis oferecem diferentes serviços às mesmas pessoas, com pouca colaboração e coordenação. Quando existiu colaboração, ela dependeu da iniciativa de indivíduos dentro da estrutura do governo que entendiam como conectar seus próprios sistemas com outros setores do governo. Como consequência, uma quantia considerável de dinheiro foi gasta para cuidar de questões como habitação social, depen-dência de drogas, pobreza e desenvolvimento econômico, mas não de modo estratégico e quase sempre de forma contraditória (MANN, 2006, p. 2-3).

De acordo com uma nota oficial do governo, “o Acordo de Vancouver foi firmado porque os governos do Canadá, de British Columbia e de Vancouver reconheceram que, por meio da coordenação de seus esforços e do trabalho conjunto entre governos, comunidade e grupos empresariais, seria possível alcançar, em longo prazo, soluções sustentáveis para os problemas internos de Vancouver”.

O VA tentou criar um modelo colaborativo ou horizontal para garantir o diálogo permanente entre os três níveis de governo, a fim de melhor atender as regiões de Vancouver, tendo como principal foco os desafios enfrentados pelo Downtown Eastside. Pretendia também que todos os níveis de governo se comprometessem a trabalhar mais efetivamente com empresários e orga-nizações, grupos comunitários e agências (MANN, 2006, p. 2).

modelo de referência para o acordo

Baseado no bem-sucedido Acordo de Parceria de Winnipeg (ver fontes adicionais para mais informações), o VA compartilhava a essência da visão desse Acordo: “o desenvolvimento e implementação de uma estratégia coordenada de apoio a economia sustentável em longo prazo, de desenvolvimento social e comunitário”. No entanto, ao contrário de Vancouver, Winnipeg sofria de desinvestimento em uma parcela significativa de sua área central, e não ape-nas em seus bairros de baixa renda. A cidade também teve a vantagem de ter um ministro muito poderoso em nível federal que foi capaz de garantir um financiamento substancial básico para o acordo. Como resultado, o Acordo de Winnipeg criou uma agência intergovernamental própria – com membros de cada um dos três níveis de governo – para tratar de questões importantes do centro da cidade e de áreas suburbanas. Em algumas situações, ela alavancou

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seus recursos; em outras, ela foi capaz de pagar a maior parte dos custos por conta própria. Esse modelo estabeleceu “relações verticais” entre os três níveis de governo por meio de uma agência independente. Ela dispunha de financia-mento suficiente e de vontade política para não precisar pedir a cooperação de todos os parceiros do governo em muitas de suas iniciativas.

visão geral do acordo de vancouver

O Acordo de Vancouver (VA) é uma iniciativa de desenvolvimento urbano estabelecida em março de 2000, por um prazo inicial de cinco anos, entre os três níveis de governo: o governo federal do Canadá, o governo da Província de British Columbia e o governo municipal da Cidade de Vancouver. A cada parceiro era atribuída uma agência líder para apoiar a coordenação das ações de seu governo. As agências líderes eram Western Economic Diversification Canada, o Ministério Provincial dos Serviços Comunitários e o Departamento de Gestão da Cidade de Vancouver. Dada a importância das questões de saúde e segurança do centro e da área suburbana, o Conselho de Saúde e o Depar-tamento de Polícia de Vancouver foram signatários do acordo.

Os três níveis de governo se comprometeram a “trabalhar juntos, e com as comunidades e empresas de Vancouver, em uma estratégia coordenada para promover e apoiar o desenvolvimento econômico, social e comunitário.4 Diferentemente do Acordo de Winnipeg, o VA inicialmente não foi financiado; destinava-se a realizar o seu trabalho por meio do que tem sido descrito como uma coordenação horizontal entre os três níveis de governo em parceria com a comunidade, o setor privado e as organizações não governamentais.

Em vez de supervisionar mandatos, responsabilidades ou tarefas dos órgãos públicos ou das agências comunitárias envolvidas, ou se tornar uma agência de financiamento com suas próprias prioridades, os governos parti-ram da hipótese de que soluções sustentáveis de longo prazo podem ser mais facilmente alcançadas por meio da coordenação dos esforços do setor público e dos parceiros da comunidade. Dessa forma, o VA objetiva “agregar valor às atividades individuais e colaborativas dos três níveis de governo, por meio do planejamento, implementação, investimento, acompanhamento e avaliação.

4 Vancouver Agreement, “The Agreement”. Disponível em: http://www.vancouveragreement.ca/TheAgreement.htm.

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O VA também tem dado prioridade à identificação de lacunas e sobreposição desnecessária de serviços do governo”.5

Em 2006, o Acordo foi renovado por mais cinco anos, em função dos resultados já obtidos e, também, para ajudar a cumprir os compromissos assumidos junto ao Comitê Olímpico Internacional como parte da tentativa bem-sucedida de Vancouver sediar os Jogos de Inverno de 2010. No entanto, desde a sua renovação, houve uma perda significativa de apoio do governo em termos de financiamento e do número de agentes comprometidos com o Acordo. Este estudo de caso pretende analisar algumas das conquistas e fracassos do VA para compreender melhor os desafios que confrontam esses arranjos.

estrutura do acordo de vancouver

O Acordo de Vancouver possui estruturas de decisão política e burocrática que são modificadas ao longo do tempo de acordo com as experiências, priori-dades emergentes e oportunidades, bem como mudanças de pessoal. O Acordo assinado identifica três comitês formais e uma pequena equipe de apoio: Comitê político: Os governos federal e provincial apontam um Ministro

responsável pelo VA, e o Prefeito de Vancouver representa o governo mu-nicipal. Esse comitê possui responsabilidade irrevogável pelo VA, incluindo a tomada de decisões e a accountability.

Comitê gestor: Cada parceiro do governo é representado por um membro de nível executivo da agência líder para o VA; o líder federal é o Western Economic Diversification Canada, o líder provincial é o Ministério Pro-vincial dos Serviços Comunitários e o líder municipal é o Departamento de Gestão da Cidade de Vancouver. O comitê é responsável pelas relações intergovernamentais, comunicação externa, monitoramento e avaliação, decisões de investimentos e fiscalização sobre atividades operacionais. Ele também pode formar outros comitês e grupos de trabalho, além de delegar autoridade conforme a necessidade, dentro dos parâmetros estabelecidos pelo Comitê Político.

Equipe de coordenação: Esse comitê é composto por representantes de todos os níveis de governo e outros profissionais para apoiar o dia a dia da gestão e coordenação das iniciativas aprovadas no Acordo.

5 Acordo de Vancouver, “Quem está envolvido”. Disponível em: http://www.vancouveragreement.ca/Whos_Involved.htm.

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Unidade de coordenação: É uma pequena secretaria composta por um coordenador executivo e uma equipe que presta apoio na coordenação, comunicação e administração das iniciativas do VA.

Com o tempo, o Comitê de Gestão estabeleceu um Comitê de Gerentes Operacionais para que os gerentes seniores dos ministérios e departamentos relevantes pudessem negociar e coordenar grandes alterações políticas, finan-ciamentos e outros apoios para as iniciativas prioritárias. Alguns Grupos de Trabalho intergovernamentais também foram nomeados para se relacionar com a comunidade e para implementar iniciativas em áreas específicas.

envolvimento da comunidade

Um dos primeiros desafios enfrentados pelo pessoal que trabalhou no Acordo de Vancouver foi levar as pessoas que moravam ou trabalhavam no Downtown Eastside às agências de serviços e organizações que representavam os diversos interesses. Isto ocorreu, por um lado, para verificar suas opiniões sobre o que deveria ser feito e, por outro, para verificar como o acordo deveria ser estruturado de forma a garantir a visão da comunidade, o que fazia parte do processo de tomada de decisão em curso.

No início, “o processo de desenvolvimento dedicou consideráveis recursos e energia às questões de participação do cidadão por meio da consulta à comu-nidade, de ações de desenvolvimento comunitário e da resolução de conflitos. Antes do anúncio do Acordo, foram realizadas consultas à comunidade, sob a forma de seis audiências públicas realizadas em cinco idiomas, e de reuniões com os cinco grupos de representantes da comunidade”. Nos grupos, estavam representados vários segmentos: comunidade de baixa renda; proprietários de negócios e imóveis em Gastown; organizações comunitárias, culturais e de negócios em Chinatown; Conselho Indígena de Vancouver; e prestadores de serviços para as mulheres no Downtown Eastside. Naquela época, foram expressas preocupações sobre aspectos da iniciativa e sobre a evidente falta de consulta pública”.

Por meio dessas consultas iniciais, a maioria dos moradores de baixa renda e das organizações que os atendiam argumentou que o Downtown Eastside era uma bem-sucedida e antiga comunidade de baixa renda que tinha sido oprimida por mudanças além do seu controle. Eles consideravam que a cria-ção de habitações seguras e de outros serviços sociais e de saúde necessários – no bairro e nas vizinhanças arredores – seria a solução para mais moradores

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conseguirem se recuperar e tornar-se independentes. Eles acreditavam que a dispersão dessa população iria contribuir para empobrecer ainda mais os pobres. Não apenas eles seriam reassentados em áreas com serviços e apoios interpessoais limitados, mas também seriam confrontados com uma enorme resistência dos proprietários e empresários que os viam como uma ameaça para a habitabilidade de suas comunidades. Muitas lideranças de Downtown Eastside temiam também que, a menos que se garantisse habitação segura para a população de baixa renda, os investimentos privados e as melhorias na esfera pública iriam simplesmente deslocar os pobres, além de arruinar suas vidas.

Outros, inclusive proprietários de imóveis e negócios, afirmavam que havia uma excessiva concentração de pessoas mais pobres no Downtown Eastside – sobretudo viciados ou pessoas com deficiências mentais – e seu comporta-mento tinha contribuído para o desinvestimento e o declínio da região. Eles achavam que a concentração dessa população cria uma cultura que, além de não permitir a expansão do mercado imobiliário, negócios e atividades culturais nessa estratégica área, aprisiona e vitimiza os pobres. Eles apelaram para as forças de mercado, em combinação com a ação da polícia e dos investimentos do governo, para dispersar uma parcela da população de baixa renda para outras partes da cidade e da região. Como esperado, essa opinião era expressa por muitos dos empresários e moradores, e também era partilhada por algumas das organizações que representavam as famílias de baixa renda e até mesmo algumas das organizações que apoiavam essas políticas.

Após a consulta inicial, um Grupo de Trabalho de Consulta à Comuni-dade foi criado para colher opiniões de residentes locais e outros atores sobre iniciativas específicas. No entanto, ficou provado ser um desafio realizar reuniões contínuas que respondessem aos interesses difusos e envolvessem a comunidade de uma maneira formal nas decisões tomadas pelo VA. Essa situação se agravou pela vulnerabilidade vivida por muitos membros da co-munidade; obviamente por aqueles que sofriam de doenças mentais, vícios e pobreza crescente, e também por empresários e proprietários de imóveis que haviam investido suas economias no bairro.6 Em consequência, organizações da comunidade manifestaram sua insatisfação com seu nível de envolvimento. Além disso, um estudo prévio do VA indicava que “Embora a participação da comunidade estivesse incorporada no Acordo, havia uma ambiguidade estru-tural e operacional sobre como conduzi-la”.7

6 Entrevista com Nathan Edelson.

7 Case Studies of the Regional Mobilization of Population Health. Final Report (2001), 8.3.7.

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Essas queixas podem ter sido devidas às diferenças de expectativas entre os diversos segmentos. Alguns grupos da comunidade deveriam ter um lugar na mesa de negociações do Acordo, mas essa não era a intenção dos governos.8 Em parte, devido a diferenças de prioridades entre os governos, que levavam tempo para entrar em acordo. Também devido às quase inconciliáveis divisões no seio da comunidade. Nessas condições, foi difícil levar a voz da comuni-dade de forma coerente para negociar os interesses e as preocupações dos diferentes grupos.

Questões-chave

Por meio do processo de consulta realizado junto à comunidade e da experiência do pessoal dos três níveis de governo que havia trabalhado na região, foram identificadas questões-chave relacionadas ao desenvolvimento econômico, saúde, segurança e habitação. A Comissão Gestora do Acordo de Vancouver avaliou essas informações e declarou que os governos trabalhariam juntos para alcançar os seguintes resultados:

“crescimento no número, tamanho e diversidade dos negócios locais, f

além da diversificação das oportunidades de emprego;

melhoria dos resultados de saúde para os moradores locais, refletindo f

em maiores possibilidades de escolha e maior capacidade para satisfazer as necessidades básicas;

melhoria da segurança e resolução do impacto negativo do crime; f

melhoria e aumento das opções de alojamento, incluindo aluguel aces- f

sível e alojamento provisório para os pobres”.9

Em resposta às preocupações e aspirações manifestadas pelas comunidades de baixa renda, pelos empresários locais e proprietários de imóveis (o “mercado local”), a equipe desenvolveu um tema que ficou conhecido como “Revitali-zação sem Deslocamento”. O objetivo era ajudar a melhorar a qualidade de vida dos menos favorecidos – especialmente aqueles que sofriam de doenças mentais, vícios, desemprego, habitação inadequada – e, ao mesmo tempo, melhorar o clima para investimentos em negócios e no mercado imobiliário. Esta era uma meta desafiadora que exigiu a integração de todas as grandes

8 Entrevista com Nathan Edelson.

9 Vancouver Agreement, “Uma parceria única para a mudança positiva”. Disponível em: http://www.vancouveragreement.ca/Pdfs/FulKitENG150dpi.pdf.

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iniciativas. Grupos de Trabalho foram criadas para resolver as questões em separado. Cada equipe adaptava os planos políticos existentes ou desenvolvia novos, mas cada plano deveria contribuir para os outros, além de serem in-terdependentes.

O objetivo era desafiador, por causa da localização estratégica da área e pelo fato de ela conter grande parte dos terrenos passíveis de desenvolvimento perto do centro da cidade. Os preços dos imóveis aumentavam à medida que propriedades estavam começando a ser vendidas para o mercado imobiliário e para projetos comerciais. Isso ameaçou as casas de baixa renda. Sem uma intervenção forte do governo – limitações aos direitos de desenvolvimento do mercado por meio do zoneamento de inclusão, legislação especial para normatizar a conversão das ocupações individuais (SROs) e investimentos significativos em habitação social –, grande parte da comunidade de baixa renda seria deslocada. “Para alguns, este pareceu ser um processo ‘natural’, que deveria ser incentivado ou, pelo menos, permitido. Para outros, foi a base do protesto contra muitos dos investimentos do mercado, bem como melhorias na segurança pública e na esfera pública – que eles acreditavam atrair residentes de renda média, clientes e funcionários para a área.

A chave para a consecução dos objetivos da “Revitalização sem Deslo-camento” tinha a ver com o equilíbrio do ritmo da mudança. Assegurar que a habitação a preços acessíveis e o suporte à saúde estivessem disponíveis em um ritmo compatível com o da evolução do mercado era primordial. Algu-mas das habitações deveriam ser implementadas no Downtown Eastside para prover segurança para os residentes e ajudar a estabilizar a vida dos cidadãos em situação de pobreza extrema. Outras habitações e serviços deveriam ser alocados em outras comunidades da cidade e da região, de modo que o Do-wntown Eastside não tivesse um aumento significativo no número de pessoas que enfrentariam grandes mudanças em suas vidas.

O papel do VA foi ajudar a equilibrar e coordenar esses objetivos com-plexos em um ambiente de transformação política e econômica. Uma análise dos pontos fortes e fracos do VA é apresentada nas próximas seções, com foco sobre os temas do financiamento, da liderança, do desenvolvimento da comu-nidade, da colaboração e da tomada de decisões estratégicas, das mudanças de governo, e dos níveis de burocracia.

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financiamento

Como observado anteriormente, o VA foi iniciado sem nenhum financia-mento específico. Este fato foi, ao mesmo tempo, um benefício e uma desvan-tagem. Era mais fácil para os diferentes níveis de governo aprovar o Acordo porque ele não tinha que competir com outros projetos por financiamento e cada parceiro poderia contribuir voluntariamente com base nas estruturas preexistentes e nos recursos disponíveis para eles.10 No entanto, depois que o VA se estabeleceu, a falta de financiamento em longo prazo prejudicou sua capacidade de planejamento e alavancagem de outros recursos.

Esse problema foi parcialmente amenizado quando os governos for-neceram US$ 20 milhões em fundos razoavelmente flexíveis e também por Vancouver se candidatar para as Olimpíadas de Inverno de 2010, em 2003. O compromisso para revitalização do Downtown Eastside integrava o compro-misso de inclusão social na proposta canadense, com o VA oferecendo um mecanismo para alcançar essa solução de forma intergovernamental. Essa alavancagem dos recursos “alterou a dinâmica do Acordo”, aumentando a sua visibilidade pública e colocando maior pressão sobre os diferentes órgãos do governo para cumprir com alguns dos objetivos. Além disso, a conexão do VA com os Jogos Olímpicos também atraiu o patrocínio da Bell Canada, uma companhia de telecomunicações da cidade de Vancouver, do Credit Union e de várias outras empresas privadas (MASON, DATA, p. 18-19).

No entanto, a quantidade relativamente pequena de financiamento – em relação às necessidades do bairro – também contribuiu para mudar o foco do Acordo, das mudanças políticas e dos grandes investimentos dos três níveis de governo para o empenho dos fundos limitados que o VA tinha à sua disposição. Ao longo dos anos seguintes, os preparativos para os Jogos Olímpicos, com a infraestrutura da Vila Olímpica, do centro de convenções e das grandes insta-lações de recreação e transporte, substituíram o Downtown Eastside como a principal prioridade dos governos. Embora as Olimpíadas fornecessem alguns empregos e oportunidades de aquisições para a cidade, sua preparação criou uma crescente pressão sobre as ações de habitação de baixa renda, já que os trabalhadores da construção civil temporários superaram os residentes locais, limitando o estoque de residências com preços acessíveis.

10 Entrevista com Nathan Edelson.

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Liderança política

O Acordo de Vancouver foi inicialmente liderado por oficiais de alto escalão eleitos

em todos os três níveis de governo. Essa liderança serviu para incentivar os fun-cionários a considerar a cooperação com outros departamentos dos governos, em situações em que ela normalmente não aconteceria. Uma análise do Acordo

aponta que: “Foi mencionado, pelos participantes federais e políticos, que a gestão horizontal seria distribuída, pelas responsabilidades, remuneração, por desempenho e nível profissional dos funcionários do sector público: o VA sancionou o que um entrevistado do governo provincial descreveu como ‘a permissão para assumir riscos quando a maioria de nós é avessa ao risco’” (MASON, DATA, p. 21).

A base da cooperação estabelecida pelo VA combinada com a liderança de alto escalão levou à criação da Insite, a primeira injeção de recursos da América do Norte com segurança supervisionada, inaugurada em 2003. Um projeto associado – North American Opiate Medication Initiative (Naomi) – demonstrou que possibilitar aos viciados o livre acesso à heroína ajuda a estabilizar as suas vidas e pode levá-los à recuperação e à abstinência. Ambos os projetos foram inicialmente polêmicos e exigiram considerável discussão pública, educação e debate. Em última análise, ambos se tornaram possíveis por causa de uma liderança política forte e eficaz, e do efetivo compromisso do alto escalão nas três esferas de governo.

O projeto de “injeção supervisionada” foi estabelecido pela Autoridade de Saúde Costeira de Vancouver, em parceria com a cidade de Vancouver, o Departamento de Polícia de Vancouver, a Sociedade de Serviços Comunitários PHS (PHS Community Services Society) e outros na comunidade de Down-town Eastside.11 O projeto foi financiado pelo Ministério da Saúde de British Columbia.12 A polícia da Cidade de Vancouver concordou em supervisionar o local e fazer a segurança. Este é um projeto que poderia ter acontecido sem o VA; no entanto, o impulso para que ele se tornasse realidade veio da liderança política de dois prefeitos e da cooperação do governo federal da época.

Desde a sua criação em 2003, o projeto tem contribuído para reduzir significativamente o número de usuários e as mortes em consequência de over-

11 Vancouver Coastal Health, Insite – Supervised Injection Site, “About Insite.” Disponível em: http://www.vch.ca/sis/about.htm.

12 Vancouver Coastal Health, Insite – Supervised Injection Site, “North America’s first legal super-vised injection site,” Disponível em: http://www.vch.ca/sis/.

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dose, e “os usuários do Insite têm duas vezes mais probabilidade de se tratar da dependência do que os não usuários do Insite”. Além disso, os benefícios do projeto em evitar infecções pelo HIV e as mortes resultantes da doença são calculadas entre US$ 1,50 e US$ 4,02 para cada dólar gasto.13

Desenvolvimento comunitário

As equipes da cidade e da província trabalharam com muitos dos grupos sobre políticas e questões de implementação, antes da criação do VA. Em função do contato próximo com muitas organizações da comunidade, eles assumiram a liderança – ora em cooperação com outros governos, ora apesar da oposição deles – trabalhando com diferentes líderes comunitários na identificação dos principais objetivos dos componentes em cada grupo de interesse e na busca de formas de alcançá-los sem prejudicar os outros na comunidade. Dessa forma, os governos puderam trabalhar com cada clientela, separadamente, e limitar as tensões decorrentes de diferenças entre os grupos.

As principais prioridades para os grupos de interesse foram:

Comunidade de baixa renda – residentes de baixa renda são a maioria f

da população nos bairros do DTES. Esta ‘comunidade’ é composta por um grupo diversificado e muitas vezes se sobrepõem os interesses de grupos como os de aposentados, trabalhadores acidentados, pessoas que sofrem de doença mental ou vícios, povos indígenas, famílias de pais ou mães solteiros, mulheres, refugiados e imigrantes da América Latina e Ásia. Embora cada grupo tivesse necessidades específicas, havia interesses comuns entre eles, como proteção das ocupações (SROs) existentes, desenvolvimento de novas habitações sociais e redesenvolvimento do local da antiga Loja de Departamentos Woodwards, com uma quantidade significativa de moradias e serviços para a população de baixa renda, postos de injeções supervisionadas e apoio para as artes da comunidade;

Gastown – refere-se aos proprietários de imóveis, comerciantes e f

locadores do mercado imobiliário na Gastown histórica. Seus interesses comuns incluem programa de conservação do patrimônio, paisagem urbana e melhorias de iluminação, além de recursos para uma nova página na internet, um plano de negócios e uma via para ligar Gastown à Chinatown e ao porto;

13 http://www.vch.ca/sis/docs/insite_numbers.pdf

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Chinatown – refere-se aos proprietários de imóveis e terra, comerciantes f

e líderes de organizações culturais na histórica Chinatown, na maioria chineses. Muitos pertencem a organizações que fazem parte do Comitê de Revitalização de Chinatown, Associação Comercial de Chinatown e/ou Associação para o Aprimoramento de Negócios de Chinatow. Esses grupos manifestaram interesse na realização de vários grandes projetos de domínio público, planos de marketing e atração de negócios, treina-mento comercial, projeto de trânsito para carros de duas rodas, um pro-grama de conservação do patrimônio focado em edifícios pertencentes a associações familiares e uma revisão de zoneamento. É importante notar que alguns membros expressaram preocupação de que o zonea-mento patrimonial limitará a revitalização econômica da área;

Strathcona f – refere-se aos proprietários de imóveis e terra, comerciantes e outros proprietários de negócios residentes na área leste de Chinatown e Gastown. Muitos desses são membros da Associação para o Aprimo-ramento de Negócios de Strathcona ou da Associação de Moradores de Strathcona. Esses grupos solicitaram elaboração de um plano de negó-cio para a área, de uma página na internet, além de apoio para iniciativas ambientalmente sustentáveis, uma revisão do zoneamento para incenti-var uma maior variedade de habitação e proteção das áreas industriais, e a renovação do parque Oppenheimer.

Funcionários dos governos dos três níveis, por meio do VA ou “no espí-rito do VA”, trabalharam em conjunto para ajudar a alcançar esses objetivos da comunidade. Ao mesmo tempo, o pessoal pediu, mas não exigiu, que os grupos com interesses divergentes tentassem identificar formas para traba-lhar em conjunto com outras pessoas da comunidade que tinham opiniões diferentes.

Esses projetos comuns receberam prioridade para o financiamento, por-que eram vistos como fundamentais na construção de pontes que pudessem acabar com as principais diferenças. Por exemplo, o Comitê de Revitalização do Chinatown – uma coalizão de empresas, associações culturais e familiares em Chinatown – e do Centro Comunitário Carnegie, um importante ponto para moradores de baixa renda, trabalharam em diversas iniciativas comuni-tárias conjuntas. Isto se tornou parte de um processo no qual alguns grupos de Chinatown decidiram mudar a sua oposição a algumas unidades de saúde locais – incluindo a Insite e Naomi – direcionadas para pessoas viciadas em drogas. Outros exemplos incluem iniciativas conjuntas da United We Can – um

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empreendimento social que contrata moradores de baixa renda para reciclagem de garrafas e para outros trabalhos que exigem baixa qualificação – e da Socie-dade para o Aprimoramento de Negócios de Gastown na remoção de graffiti e na limpeza de calçadas. A Associação para o Aprimoramento de Negócios de Strathcona e o Centro Carnegie copresidiram o comitê de planejamento para a renovação do parque Oppenheimer.

colaboração e tomada de decisão estratégica

O VA ajudou a construir relacionamentos entre pessoas de diferentes órgãos do governo, o que resultou em uma maior colaboração e na tomada de decisões estratégicas. Essas relações nem sempre resultaram em uma pro-gramação executada sob os auspícios do VA, mas mudaram a forma como alguns membros dos diferentes órgãos do governo percebiam seu trabalho.14 Assim, foram feitos progressos em direção ao objetivo final do VA – o de au-mentar a colaboração entre os diferentes níveis de governo para avançar no desenvolvimento econômico, social e comunitário, em Vancouver. No entanto, o limitado empenho por parte das principais agências também enfraqueceu a capacidade do VA para fazer diferença em grandes questões da região.

Um estudo de caso sobre o VA, publicado em 2004, concluiu que “quase 80% das entrevistas-chave relataram que o VA tinha influenciado os objetivos da organização e/ou os resultados... Os documentos, porém, não apresentam o quadro total de tempo e esforço empreendido para coordenar as atividades e gerar consenso sobre questões e projetos. Mesmo assim, temas comuns como a cooperação do governo, o trabalho conjunto para objetivos comuns e relacionamentos entre os limites do governo emergiram do estudo”.15 Em alguns casos, os relacionamentos desenvolvidos durante o VA, ou informal-mente “no espírito do VA”, provavelmente vão ser importantes para a criação de programas futuros. Essa experiência tem proporcionado a grande núme-ro de funcionários a expansão de sua rede de contatos em outros governos, bem como exemplos concretos de como eles podem atuar no outro lado das fronteiras burocráticas.

14 Entrevista com Nathan Edelson.

15 In the spirit of the Vancouver Agreement: a governance case study, elaborado pelo Macleod Institute, para Western Economic Diversification Canada, fev. 2004, Disponível em: http://www.wd.gc.ca/images/content/7944a-eng.pdf, iii.

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Ao mesmo tempo, a capacidade do acordo de ter um impacto positivo foi limitada por vários fatores. Alguns envolveram disputas não resolvidas sobre mandatos e crédito; algumas resultaram da falta de vontade para compartilhar a tomada de decisões ou o risco de prejudicar relações de cooperação estabe-lecidas entre governos anteriormente.

equipes de trabalho para saúde e segurança

Dos principais Grupos de Trabalho estabelecidos pelo Comitê de Gestão do VA, aqueles ligados a saúde e segurança tiveram sucesso limitado, afora iniciativas específicas conduzidas pela liderança política. Em parte, isso se deve ao fato de que duas das principais agências para resolução dos problemas no DTES – a Autoridade de Saúde Costeira de Vancouver e a Polícia da Cidade de Vancouver – sentiam que tinham o controle e a grande parte dos recursos necessários para atingir os seus objetivos. Com exceção de alguns projetos, tais como o Insite e um importante estudo sobre as condições das ocupações (SROs), eles não se dedicavam tanto quanto deveriam.

Isso não quer dizer que não existisse cooperação entre os parceiros. Por exemplo, os funcionários da cidade e dos governos seniores trabalharam com a polícia para alterar as leis e para coordenar a investigação contra empresas que, direta ou indiretamente, apoiavam o comércio ilegal de drogas. A polícia escoltou a entrada de funcionários do governo em algumas das ocupações (SROs) em áreas perigosas e bares para que pudessem aplicar a lei e retomar o controle da cidade. Teve também um papel ativo junto ao público no apoio ao desenvolvimento de alguns dos serviços inovadores de saúde.

No entanto, também houve exemplos de equipes de trabalho do VA que inviabilizaram acordos, ou de funcionários de algumas organizações que desenvolveram ações incompatíveis com os acordos. Por exemplo, embora o chefe do departamento de polícia e o departamento como uma organização tenham assinado acordos sobre os quatro princípios básicos dos cuidados de saúde para os viciados, alguns funcionários eram contra essas iniciativas e ex-pressavam isso em reuniões com a comunidade ou na mídia. Houve casos em que fortes medidas de coação foram tomadas contra os desabrigados e outros moradores, o que foi um desafio para os funcionários da cidade, em função da credibilidade com as organizações das comunidades de baixa renda.

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equipe de trabalho para habitação social

Os três níveis de governo trabalharam juntos, durante muitos anos, em estreita colaboração para o fornecimento de habitação para famílias de baixa renda em toda Vancouver. Geralmente, a cidade forneceria terreno a um preço mais baixo e os governos seniores se responsabilizariam pela construção, além de darem subsídios operacionais de várias maneiras sob diferentes programas legais de habitação administrados pelo governo, sociedades sem fins lucrativos ou cooperativas de moradores. Como os governos seniores retiraram fundos desses programas, a cidade aumentou sua contribuição doando terra e capital. Ela também entrou em acordo com empresas privadas e trocou direitos de desenvolvimento da terra por financiamento privado para habitação.

Como os departamentos e ministérios responsáveis por habitação social tiveram relacionamentos duradouros e produtivos, eles hesitavam em colocar o desenvolvimento de novas moradias – no qual foram feitos grandes inves-timentos – sob a gerência do Acordo de Vancouver, onde múltiplos objetivos poderiam ser alcançados. Eles tinham um sistema muito eficaz para a identifi-cação de áreas acessíveis, reunindo acordos de financiamento, contratação para o desenvolvimento e construção com o setor privado e celebrando contratos com organizações sem fins lucrativos para as operações de habitação. Assim, a tendência foi localizar a habitação social em locais onde eles poderiam obter um bom negócio na terra – em vez de espaços que pudessem ser estratégicos para outros objetivos do VA, tais como o desenvolvimento econômico da co-munidade. Eles deram pouca ênfase à contratação de moradores locais para a realização das construções ou para cessão da garagem ou de um segundo andar a empresas sociais (empresas geridas por sociedades sem fins lucrativos, que oferecem preços acessíveis de serviços comerciais e/ou treinamento ou contratação dos moradores locais) ou de serviços saúde.

Como alternativa, os departamentos de habitação trabalharam com o Acordo de Vancouver para ajudar a criar áreas de habitação com atendimento de saúde, para atender a pessoas com vícios ou doenças mentais e outros pro-blemas de saúde. Eles também trabalharam para fornecer treinamento para o pessoal da habitação social e proprietários das ocupações simples (SROs), além de desenvolver a comunidade de serviços, no sentido de lidar com problemas tais como percevejos em edifícios residenciais.

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equipe de trabalho para revitalização econômica e geração de empregos

Em contraste com os departamentos governamentais responsáveis pela habitação, os departamentos responsáveis pela revitalização econômica e pela geração de emprego tinham contato limitado entre eles – especialmente em relação a bairros específicos, como o Downtown Eastside. Uma equipe de trabalho foi formada por representantes do Departamento de Planejamento da Cidade, do Ministério Provincial de Serviços Comunitários e Recursos Huma-nos e pelo Western Economic Development Canadá. Os funcionários dos três governos trabalharam de forma cooperativa para desenvolver, em colaboração com vários grupos na comunidade, o Plano de Revitalização Econômica e a Estratégia para Geração de Emprego do Downtown Eastside.

O Plano Econômico estava focado no crescimento da demanda por bens e serviços produzidos localmente, na capacitação de empresas privadas e de empresas sociais para atender às demandas, e na sua principal atribuição de gerar empregos para os moradores locais. Uma atenção especial foi dada às melhorias da esfera pública e aos investimentos conjuntos, como a remodelação da antiga loja de departamentos Woodwards e a construção da Vila Olímpica. Também foram feitos investimentos em planos de mercado e de negócio para cada uma das Associações Locais para o Aprimoramento de Negócios. A Es-tratégia de Emprego focava em um sistema de gestão e apoio pré-emprego, de formação profissional e de apoio aos residentes com dificuldades em conseguir emprego. Cada um dos governos contribuiu consideravelmente no financiamento e na alocação dos recursos operacionais necessários para a realização desses esforços. A cidade também utilizou seu poder sobre o zone-amento para desenvolver um Programa de Incentivo ao Patrimônio e Acordos de Benefícios para a Comunidade com organizações privadas, para ajudar a estimular o investimento e garantir emprego para os moradores locais. Os três governos ajudaram a formar a iniciativa “Construindo oportunidades de negócios” para coordenar a execução desses planos, com apoio das empresas e da comunidade.

Essas iniciativas foram bem-sucedidas em estimular novos investimentos privados, especialmente em Gastown e Chinatown e, em certa medida, nas zonas industriais de Strathcona/Oppenheimer. O Corredor Hastings conti-nua a ser uma zona com muitas lojas vagas – sobrecarregada pelo aumento dos sem-teto e pela persistência do comércio ilegal de drogas. No entanto, a remodelação da Woodwards, inaugurada em 2010 como Greenway Carrall,

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entre outras ações, tem atraído investimento considerável nas proximidades. “Construindo oportunidades de negócios” foi um esforço para reestruturar as formas de relacionamento entre o setor privado e a comunidade e para atrair novos investimentos e oportunidades de emprego. Essa tentativa enfrentou muitos desafios na sua fase inicial, mas deu passos significativos ao longo do último ano, no sentido de alcançar os grandes objetivos a que se propôs. Infe-lizmente, o seu desempenho limitado e as mudanças de prioridades do governo podem resultar em significativas reduções no seu orçamento, o que poderia ameaçar a eficácia ou até mesmo a sobrevivência dessa abordagem inovadora que reúne os interesses econômicos do setor privado e da comunidade.

mudanças de governo

Todos os três níveis de governo sofreram mudanças significativas como resultado das eleições ocorridas ao longo do funcionamento do VA. Com isso, foram eleitos novos líderes políticos com prioridades diferentes das definidas pelos primeiros signatários do Acordo de Vancouver. Como o Acordo não abrangia outras legislaturas, os novos dirigentes eleitos não eram legalmente obrigados a assumir os compromissos dos signatários anteriores e poderiam ajustar a alocação de recursos de acordo com as suas prioridades (MASON, DATA, p. 19-20; entrevista com Nathan Edelson.). Porém, mesmo se houvesse uma autoridade legislativa, a mudança ocorreria e as prioridades dos novos dirigentes políticos eleitos possivelmente teriam um impacto significativo sobre os níveis de financiamento disponíveis e os tipos de iniciativas apoiadas. Essas mudanças nas prioridades foram realizadas pelo pessoal que trabalhava diretamente com os projetos do VA. Elas também afetaram o trabalho de funcionários de outros departamentos e ministérios não ligados diretamente à estrutura gerencial do VA, mas cujo financiamento ou apoio à política seriam necessários para implementar as iniciativas aprovadas para o VA.

As lideranças da alta administração em cada nível de governo foram fundamentais para a criação do VA e para o seu sucesso. Isso ocorreu porque o Acordo pediu aos funcionários do governo para coordenarem seu trabalho com os seus parceiros de outras agências governamentais – em outras palavras, para mudar a forma de negociar – sem aumento dos recursos financeiros ou humanos utilizados. Na prática, isso significava que os funcionários tinham que incorporar o VA à sua já longa lista de atividades.

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O sucesso inicial do VA ocorreu em parte porque os funcionários da alta administração, em cada um dos níveis governamentais, agiram como “patroci-nadores políticos” do acordo, pressionando para torná-lo uma prioridade logo nos primeiros anos de implementação (MASON, DATA, p. 19-23; entrevista com Nathan Edelson; MATAS, 2009). No entanto, as mesmas pessoas que haviam defendido o acordo perderam o poder em consequência das eleições subsequentes, ou foram transferidas para outras funções.

Outro problema foi que o VA era voluntário. Com exceção de um pequeno número de itens de maior prioridade, não havia prazos estabelecidos dentro de cada ministério ou departamento para a realização dos compromissos. Em caso de desacordo entre diferentes agências governamentais ou entre os funcionários no âmbito dessas agências, os mecanismos para resolução de conflitos eram limitados.16

tomada de decisão em diferentes níveis

O aparato organizacional do VA foi criado num esforço para agilizar a tomada de decisões sobre questões estratégicas entre os três níveis de governo, bem como a Polícia de Vancouver e a Autoridade de Saúde. O fator-chave foi a oportunidade dada aos governantes seniores para se reunirem regularmen-te e formar relações de confiança durante um longo período de tempo. Isto ocorreu paralelamente em diferentes graus na Comissão de Coordenação e níveis de equipe de tarefas e permitiu uma série de soluções inovadoras para os problemas que somente uma organização não poderia resolver por conta própria. Quando havia um alinhamento político e governamental para apoiar os objetivos, os recursos estavam disponíveis e a visão de como proceder era comum, o aparelho VA era capaz de desenvolver e iniciar a implementação de iniciativas inovadoras – como a Insite, Naomi e o Projeto Mobile Access para profissionais do sexo – em um período razoável de tempo.

No entanto, esse tipo de alinhamento foi um desafio para alcançar e mais difícil ainda para manter. Isso se deveu em parte a mudanças na liderança política e nos partidos políticos. Também resultou de mudanças na equipe da alta administração e menor apoio de alguns que não faziam parte do alinha-mento do “acordo original”. Acordos de longo prazo também foram difíceis de alcançar e, em alguns casos, foi mais desafiador garantir a renovação do

16 Entrevista com Nathan Edelson.

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financiamento ou o apoio regulatório para projetos de sucesso como aqueles mencionados acima do que iniciar programas.

Outro desafio surgiu do fato de que o processo hierárquico de aprova-ção, que era essencial para as principais iniciativas, foi também aplicado em projetos menores. A maioria dos projetos foi iniciada por Grupos de Trabalho, como resultado de consultas a moradores locais, empresários, organizações comunitárias e/ou organizações sem fins lucrativos. Muitos dos projetos ino-vadores foram apresentados com base no desenvolvimento da comunidade, voltados para as ideias geradas por organizações específicas ou coligações; eles não eram necessariamente sujeitos a uma chamada, proposta formal ou concurso. Sempre eram feitos esforços para estimular os grupos a trabalhar em parceria com outro. Isso permitiu reduzir a competição entre organiza-ções rivais por financiamento e eliminar o tempo que alguns grupos teriam que gastar com o preenchimento de candidaturas e poucas probabilidades de ser bem-sucedido. No entanto, é interessante notar que alguns membros da comunidade consideraram que o processo não foi tão transparente e objetivo quanto deveria ser.

Independentemente de quem teve a ideia ou de ser necessário um concur-so público, garantir o apoio da comunidade para a iniciativa poderia levar um tempo considerável por causa das diferenças entre os interesses da comunidade. Além disso, alguns membros do Grupo de Trabalho tiveram que obter autori-zação de seus supervisores antes que pudessem concorrer, por meio de uma recomendação por parte da comunidade ou de outros membros da equipe.

Uma vez que o Grupo de Trabalho chegasse a um acordo, o Comitê de Coordenação revisava suas recomendações. Às vezes, o Comitê questionava se o projeto proposto podia ser coordenado com iniciativas de outros Grupos de Trabalho, de outro governo ou de programas comunitários com os quais estavam familiarizados. Isto significou ainda mais discussões e acordos. Todos os pedidos então tinham que ser aprovados pelo Comitê de Gestão. Muitas vezes, esta foi uma aprovação de rotina, mas levava mais tempo para garantir o quorum de gestores que tiveram outras grandes responsabilidades dentro de suas próprias organizações. Além disso, esses gestores e membros da Co-missão Coordenadora estavam mais estreitamente ligados aos oficiais eleitos. Em alguns casos, isso ajudou a evitar polêmicas desnecessárias. Em outras circunstâncias, serviu para tornar desnecessariamente lentos os processos de aprovação e para expor mais a tomada de decisões às manchetes do dia.

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Todas as decisões de financiamento eram revisadas pela equipe de comu-nicações do VA. Se o projeto era visto como significativo, tinha de ser comu-nicado da forma combinada, para garantir que todos os três níveis de governo receberiam crédito pela iniciativa. No entanto, o processo de garantir acordo sobre os comunicados de imprensa também contribuía para a ineficiência do processo de aprovação. Geralmente, eles eram escritos por um oficial de comunicações do VA, mas eram revisados pelos oficiais de comunicação dos diferentes níveis de governo, cada um dos quais deveria pedir aprovação para os oficiais seniores de seus próprios governos. Frequentemente, os resultados eram comunicados sem criatividade e credibilidade. Além disso, a data do anúncio era prevista para cair em uma data em que os representantes dos três níveis de governo pudessem estar presentes. No caso de alguns projetos, meses se passaram antes que tal data estivesse disponível.

Finalmente, depois que a estrutura do VA aprovava um projeto, pelo me-nos alguns dos fundos tinham que passar por procedimentos administrativos dos ministérios ou departamentos que os forneciam. Mesmo nos ministérios diretamente envolvidos com o VA, isso podia levar um tempo adicional sig-nificativo, uma vez que o financiamento e os requisitos regulamentares e de procedimentos de aprovação nesses ministérios eram muitas vezes padroniza-dos. Com algumas exceções para as iniciativas consideradas de alta prioridade pelo Comitê de Política – mesmo no nível da cidade, onde o prefeito estava no cargo – o VA não tinha o nível de apoio político ou mandato administrativo para eliminar ou acelerar significativamente esses processos de aprovação.

Por causa da maneira como foi instituído o processo de aprovação, a quan-tidade de tempo que levava para garantir um financiamento era considerável e imprevisível. Isso serviu para frustrar os parceiros da comunidade – tanto as organizações sem fins lucrativos quanto os empresários – que queriam iniciar logo os projetos inovadores para tratar de questões sérias. Isto por sua vez, minou o apoio do público e o apoio dos líderes políticos ao Acordo de Vancouver.

resultados / resolução

O sucesso da VA pode ser medido a partir de categorias como iniciativas inovadoras, liderança, envolvimento da comunidade e relações entre diferentes agências governamentais.

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Não há dúvida de que o VA desenvolveu e conquistou um amplo apoio, no governo e na comunidade, para o conceito de “Revitalização sem desloca-mento” como um tema primordial para os esforços de todos os governos em Downtown Eastside. Ele foi bem-sucedido no apoio a abordagens inovadoras de cuidados de saúde, habitação e outros serviços de apoio para pessoas viciadas ou doentes mentais e para profissionais do sexo; na cooperação sem precedentes entre a polícia e outras organizações; e também no apoio considerável para a revitalização econômica direcionada a geração de trabalho para os residentes locais, contratos para as empresas locais e novos recursos para melhorias da es-fera pública, das artes da comunidade e da preservação do patrimônio. Também contribuiu para garantir compromissos de projetos inclusivos para o centro da cidade como parte da proposta de Vancouver para sediar os Jogos Olímpicos de 2010 e de restauração da antiga loja de departamentos Woodwards como uma peça central para a revitalização do bairro.

Infelizmente, apesar dos seus sucessos, o ímpeto do VA foi significativa-mente enfraquecido ao longo do seu segundo mandato de cinco anos. Isto pode ser atribuído à ineficiência de sua estrutura, à insuficiente cooperação entre as principais agências, à má comunicação com a comunidade e, especialmente, às mudanças políticas em todos os três governos.

As mudanças nos três níveis de governo resultaram numa diminuição do apoio ao VA, que fica evidente quando se analisam os padrões de gastos do governo. Por exemplo, quando os liberais de British Columbia assumiram o governo em 2001, eles tomaram várias decisões reduzindo significativamente a ajuda para as pessoas de baixa renda em toda a província. Isto teve impactos devastadores sobre o Downtown Eastside, no momento em que a moradia e os serviços de apoio eram demandados por mais pessoas necessitadas de abrigo e de cuidados de saúde.

O novo governo eliminou o Plano de Habitação de British Columbia, o que interrompeu a viabilização de milhares de habitações sociais. Seis projetos de habitação que tinham sido aprovados pelo governo anterior no Downtown Eastside foram cancelados. No final de 2006, estimou-se que Vancouver tinha cerca de 3.200 unidades de habitação social (LAIRD, 2007). Por volta de 2009, o número de pessoas sem-teto na região metropolitana de Vancouver saltou de 200 para quase 3 mil, mais da metade na cidade de Vancouver, e muitas estavam no Downtown Eastside. Ainda, o novo governo aprovou a Lei de Emprego e Assistência, em 2002, o que tornava muito difícil para os solteiros de baixa renda e casais com filhos obterem ou manter o bem-estar. Como re-

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sultado da lei, o número de pessoas que receberam assistência social caiu para 42% (EBY; MISURA et al. 2006). Ao mesmo tempo, os pacientes continuaram a ser liberados de instituições para doentes mentais e os financiamentos para serviços de apoio da comunidade foram substancialmente reduzidos.

O Partido Conservador assumiu a liderança de um governo federal minoritário em 2006. Sua liderança acreditava numa distinção mais clara das responsabilidades de cada ministério do governo federal, bem como das res-ponsabilidades de cada um dos níveis de governo. Esses desafios filosóficos colocados para o VA estavam promovendo maior integração e coordenação entre os ministérios e departamentos de todos os níveis de governo. O lado positivo foi que os conservadores permitiram que a Província assumisse o con-trole de vários programas relacionados à geração de emprego, o que facilitou a coordenação dos programas de bem-estar. Eles tinham também considerável apoio financeiro para projetos de infraestrutura ligados aos Jogos Olímpicos de 2010, incluindo instalações desportivas, centros de convenções e a Vila Olímpica, assim como os grandes investimentos em trânsito e transporte. Muitos desses projetos estavam vinculados a empregos e apoio a empregos para os Povos Indígenas e outras pessoas que tinham tido problemas para empregar-se. Por outro lado, eles se recusaram a ampliar o compromisso de financiamento do Acordo de Vancouver e permitiram menos flexibilidade às iniciativas de cada ministério – especialmente o da Diversificação Econômica. Tornou-se um grande desafio garantir investimentos na esfera pública, para artes e outras iniciativas que desempenharam um papel-chave na comunidade, bem como para o desenvolvimento econômico. O governo federal também se opôs a alguns programas inovadores para pessoas com dependência de drogas ilegais, inclusive o Insite e o Naomi. Isto levou à diminuição dos serviços e a questões judiciais que poderiam resultar em novas interrupções de programas, ao invés da expansão dos programas de saúde, o que era apontado por muitos pesquisadores e prestadores de serviços como fundamental para Vancouver e outras regiões.

A cidade de Vancouver também sofreu diversas mudanças no seu Con-selho. Todos os Conselhos apoiaram os serviços de saúde inovadores e forne-ceram espaço e recursos para habitação social. Eles também apoiaram o uso de licenças de desenvolvimento da cidade para garantir empregos e conseguir oportunidades para moradores e empresários do centro da cidade. No entanto, um Conselho começou a questionar o princípio de “Revitalização sem desloca-mento” e iniciou algumas ações que, se tivessem sido promulgadas, poderiam

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ter acelerado o desenvolvimento imobiliário por meio de mudanças de zonea-mento e de outros investimentos, sem assegurar a área de habitação de baixa renda. Em 2008, um novo Conselho foi eleito em 2008 com um mandato forte para trabalhar com os governos para acabar com os sem-teto e fazer muito mais para criar habitação para alugar a preços acessíveis em toda a cidade. Apesar de suas equipes de pessoal terem permanecido estáveis por mais de uma década, o novo Conselho produziu outras mudanças na administração e, pelo menos no início, uma abordagem mais centralizada, e de certa forma mais demorada, para a tomada de decisões dos funcionários, inclusive sobre o financiamento de iniciativas menores, que anteriormente tinha sido delegado a outros dentro da organização. Resta ver se essas mudanças resultarão numa estratégia mais focada em iniciativas prioritárias ou numa redução da habili-dade da cidade de responder, em tempo hábil, às demandas da comunidade por iniciativas inovadoras.

Lições aprendidas

O VA constituiu uma estrutura de colaboração que poderia ser utilizada em outras iniciativas. A colaboração gerada pelo VA introduziu inovações sig-nificativas em muitas áreas de programas. Muitas dessas ideias foram geradas por processos comunitários, embora muitas vezes os líderes comunitários não entendessem as ligações entre suas ideias e as iniciativas financiadas e imple-mentadas. Isso se deveu, em parte, ao conflito entre os objetivos comunitários e, em parte, à lentidão e à frequente falta de transparência do processo de tomada de decisões.

No centro desses conflitos, estão as questões da habitação e dos serviços de saúde para os de baixa renda – essenciais para estabilizar a vida (e diminuir o comportamento destrutivo) das pessoas que sofrem de doenças mentais ou são viciadas em drogas ilícitas. Até que essas questões sejam resolvidas, os conflitos continuarão. Infelizmente, por diversos anos, a prioridade do gover-no provincial, que tem a responsabilidade principal pelos cuidados de saúde e pela habitação, foi a de cortar os gastos desses serviços. Isto teve um impacto devastador sobre o Downtown Eastside e reduziu a confiança do público na capacidade dos governos de trabalhar em conjunto ou com a comunidade para melhorar as condições de vida, dentro do espírito da “Revitalização sem deslocamento”.

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Baseando-se nas políticas previamente estabelecidas por meio do Acordo de Vancouver e nos Compromissos de Inclusão para as Olimpíadas (Inclusive Olympic Commitments), a Província demonstrou um interesse renovado por essas questões, visto que aumentou o subsídio para habitação popular, formou um novo Ministério de Habitação e Desenvolvimento Social, abriu vários novos abrigos de emergência e facilidades específicas para doentes mentais, adquiriu e renovou quase vinte hotéis residenciais e comprometeu-se a construir 12 novos projetos de habitação social. Alguns céticos acreditavam que essas iniciativas seriam postas em prática antes das eleições provinciais e visavam evitar críticas internacionais durante os Jogos Olímpicos de 2010. Os orçamentos futuros da província irão revelar se essas e outras iniciativas serão cortadas devido à queda significativa na receita provincial causada pela recente crise internacional ou ampliadas para atender às necessidades de uma crescente comunidade de baixa renda na Província.

Além das implicações das mudanças nas prioridades políticas, há impor-tantes lições a serem aprendidas com a estrutura do Acordo de Vancouver. Por um lado, ele contava inicialmente com significativo envolvimento de gestores e de políticos, o que lhe permitiu experimentar uma série de inovações impor-tantes e criar, dentro de vários ministérios e departamentos, uma atmosfera de criatividade e cooperação. Por outro lado, ele não conseguiu dinamizar e delegar a tomada de decisões para as iniciativas menores, que deveriam ser implementadas em tempo hábil. Ele também não foi capaz de reestruturar fun-damentalmente muitas das estruturas existentes de financiamento do governo para torná-las mais sensíveis às necessidades prementes da comunidade.

A chave para a melhoria da eficiência reside na delegação de autoridade. Os funcionários de áreas importantes nos três níveis de governo precisam ter autonomia e recursos suficientes para trabalhar uns com os outros, em parceria com a comunidade, para desenvolver planos de políticas e orçamentos. Estes devem incluir, de forma clara e bem-articulada, opções para os casos nos quais o consenso não é possível.

Esses planos de projeto devem ser comunicados aos dirigentes seniores em um processo aberto e transparente. O pessoal competente e os líderes co-munitários também devem ter a oportunidade de falar diretamente com esses dirigentes para que possam ter uma melhor noção do compromisso com as suas

escolhas, ponderando benefícios e desvantagens, para uma melhor compreensão da razão de decisões importantes. Uma vez que os planos políticos importantes são aprovados pelos administradores e funcionários relevantes eleitos, a im-

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plementação de decisões específicas deverá ser transferida para os Grupos de Trabalho, com apoio (e não controle) do comitê de coordenação.

Existem potenciais benefícios em envolver mais dirigentes seniores em diferentes decisões, pois eles trazem uma experiência profunda e possuem maior conhecimento sobre como diferentes projetos podem ser coordenados. Esses benefícios potenciais têm que ser pesados, diante dos custos significati-vos dos atrasos na tomada de decisões, na implementação e, enfim, no apoio político e comunitário.

Uma vez que os três governos, em parceria com a comunidade, cheguem a um acordo sobre uma direção política, o financiamento para projetos espe-cíficos deve ser entregue de forma eficaz com relação ao prazo e aos custos. Isso exige flexibilidade no processamento de pedidos de financiamento e uma racionalização das exigências de comunicação por parte de todos os parceiros governamentais relevantes.

Finalmente deve haver mais esforço e honestidade no processo de relações públicas. O Acordo de Vancouver busca responder a questões importantes – muitas delas contenciosas, nenhuma dessas com respostas óbvias. Muitos dos comunicados de imprensa ou são ignorados ou são vistos com descrença pelo público, devido à falta de detalhamento nessas questões complexas. O acordo intergovernamental e cada um de seus governos e parceiros comunitários precisam ter uma oportunidade de ser reconhecidos formalmente pelos su-cessos alcançados. Mas precisam também de habilidade para criar alternativas e soluções possíveis para que o público possa entender melhor as razões das escolhas que estão sendo feitas. Essas mensagens precisam ser comunicadas de uma forma mais envolvente e mais ágil, para atrair o interesse da mídia, dos líderes comunitários e do público em geral. Elas devem contribuir para angariar o apoio do público, e não o ceticismo com relação ao Acordo. Devem também ser uma oportunidade para os governos discutirem publicamente as diferenças políticas, para que sejam debatidas no domínio publico, de maneira racional e respeitosa.

Apesar de suas limitações e frustrações, o Acordo de Vancouver apoiou, de forma direta e indireta, o surgimento de um grande número de inovações. Acima de tudo, ele demonstrou que os três níveis de governo poderiam real-mente trabalhar juntos de forma eficaz em diversas áreas prioritárias. O desafio consiste em racionalizar a sua eficiência enquanto se aumenta a transparência. A alternativa deveriam ser os acordos bilaterais para iniciativas específicas ou um processo no qual um nível de governo é responsável pelo trabalho com a

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comunidade para estabelecer as prioridades de financiamento, e os outros níveis de governo concordam em dar prioridade a essas iniciativas. Essas abordagens têm algumas vantagens para acelerar o desenvolvimento de planos políticos e a implementação de ações estratégicas, mas podem não ter a habilidade de assegurar o financiamento necessário e as mudanças políticas para grandes iniciativas que exigem o engajamento dos três níveis de governo.

referências

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caPacitaçãO Para gOverNaNça metrOPOLitaNa

Peter Boothroyd

A evolução da capacidade da sociedade de governar a si própria não tem acompanhado o ritmo de crescimento urbano propiciado pela industrializa-ção, pela produtividade agrícola e pelos meios de transporte motorizados, especialmente os automóveis. Como as cidades crescem em metrópoles que extrapolam os limites jurisdicionais dos governos locais – fronteiras que, em muitos casos, foram estabelecidas séculos antes –, elas se defrontam com crescentes desafios para uma gestão equilibrada entre eficiência, equidade, inclusão social, participação e sustentabilidade.

A conurbação (ou seja, a expansão urbana) intensifica a necessidade de os governos locais colaborarem – uns com os outros, com outros níveis de gover-no, com agências para fins especiais, com outras instituições governamentais (responsáveis pela saúde, educação, serviços públicos, transporte etc.), e com grupos da sociedade civil compostos por pessoas que, diariamente, cruzam as fronteiras locais para fins de trabalho, estudo, compras e lazer.

Por exemplo, a região metropolitana de Vancouver é governada por uma série de atores do governo e de outras instituições governamentais (ver Quadro 1). Suas decisões são influenciadas, em graus diversos, por uma ampla gama de organizações da sociedade civil que possuem diferentes – e muitas vezes conflitantes – objetivos sociais, econômicos ou ambientais.

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Quadro 1 – Quem governa a região de vancouver?

• 22 municípios.• metro vancouver,responsável por serviços de abastecimento de água, esgoto, disposição de

resíduos sólidos, grandes parques, habitação social, relações de trabalho e planejamento regional do uso do solo.

• Província de british columbia, com departamentos e agências responsáveis pela administração local, saúde, educação, silvicultura, serviço público, meio ambiente etc.

• governo do canadá, responsável, entre outras coisas, por ferrovias, portos, pesca, defesa e povos indígenas.

• a gências para fins especiais criadas pela Província, incluindo: ♦ 11 conselhos escolares; ♦ 2 universidades; ♦ autoridade de saúde costeira de vancouver; ♦ “transLink” (agência regional de trânsito e estradas); ♦ comissão de terras agrícolas; ♦ autoridade de água e energia de british columbia.• agências para fins especiais criadas pelo governo federal, incluindo: ♦ autoridade portuária; ♦ autoridade aeroportuária; ♦ 6 grupos de Povos indígenas.• Programas de coordenação intergovernamental para prestação de serviços sociais e proteção

ambiental.

A necessidade da governança colaborativa apresenta desafios para líderes do governo, gestores e planejadores, que vão além das dificuldades em lidar com uma jurisdição única. Para responder a esses desafios de forma eficaz, os agentes do governo precisam desenvolver competências em áreas como a resolução de conflitos, resolução de problemas entre vários atores, planeja-mento participativo e desenvolvimento institucional multilateral. Para ajudar os governos a desenvolver essas habilidades, instituições como universidades e agências de formação governamental precisam fortalecer a sua própria ca-pacidade de oferecer capacitação.

Este artigo descreve uma iniciativa entre Brasil e Canadá para aprimorar a governança das regiões metropolitanas brasileiras e, em seguida, identifica as lições aprendidas na construção da capacidade institucional. Essas lições apon-tam possibilidades para universidades e outras instituições contribuírem para a governança, promovendo aprendizagem internacional mútua, pesquisa-ação e cursos de extensão inovadores. O artigo se inicia com uma discussão sobre o papel central que a colaboração desempenha na governança metropolitana, as formas que pode tomar e as implicações para a capacitação.

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a necessidade da governança metropolitana

Dentro de uma região metropolitana, cada governo local (município, bairro ou distrito), compreensivelmente, procura maximizar o seu controle sobre o planejamento e o ordenamento territorial, as prioridades de serviços e as finanças públicas. A menos que instituições metropolitanas – de algum tipo – sejam criadas para moldar o desenvolvimento de acordo com o interesse de toda a região urbana, o interesse próprio da localidade e a competição entre as localidades podem levar a uma “corrida ao fundo” (ou, na linguagem de alguns ecologistas, à “tragédia dos comuns”). Cada localidade será tentada a:

exteriorizar a poluição da água e do ar; f

encorajar a urbanização de terras agrícolas ou ecologicamente vulne- f

ráveis;

competir pela atração de indústrias, por meio da redução dos impostos f

sobre a propriedade, da redução das exigências ambientais, do subsídio aos serviços, ou mesmo da cessão de terreno;

desencorajar o assentamento de pessoas pobres ou que tenham necessi- f

dades especiais; e,

evitar o pagamento de instalações comuns que não são de necessidade f

imediata.

Se uma localidade dá um passo na contramão da cooperação, como exposto acima, isto irá levar as outras a fazerem o mesmo. Isto cria um ciclo vicioso, que poderá resultar em consequências como:

necessidades sociais não atendidas, especialmente em localidades mais f

pobres;

ineficiência dos serviços públicos (água, esgoto, eletricidade, transpor- f

te), que têm a obrigação de atender a área urbanizada que avança sobre a área rural, criando subúrbios distantes; e/ou,

crescimento dos assentamentos informais. f

Para evitar a ocorrência desse ciclo vicioso, ou atenuar as suas consequ-ências, os governos local, estadual e federal têm, ao longo dos últimos sessenta anos ou mais, tomado vários tipos de iniciativas para reforçar a governança em escala regional.

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comparação entre iniciativas canadenses e brasileiras

Em países como o Canadá, onde os municípios não têm status consti-tucional, iniciativas de cima para baixo anexavam, a princípio, municípios rurais limítrofes às cidades urbanas. Esta foi uma estratégia comum no início da expansão urbana. Mais tarde, com o ritmo de urbanização acelerado e com cidades se expandindo até as fronteiras da próxima cidade, os governos províncias fundiram governos urbanos em unidades maiores, por meio de um processo conhecido como amalgamação (ver Quadro 2 para uma visão geral da experiência canadense).

Quadro 2 - amalgamação: uma tradição canadense.

Quando a federação canadense foi formada em 1867, a responsabilidade pelo governo local foi designada para o poder provincial. Os municípios ainda são vistos como “criaturas” das províncias. cada província decide como, quando e onde se estabelecem os municípios de diferentes tipos (municípios, distritos, aldeias, vilas, cidades etc.).

Para atender a expansão decorrente do rápido crescimento urbano, gerado pelas descobertas de petróleo na década de 1950, a Província de alberta amalgamou edmonton com as cidades adjacentes (e usou a mesma medida para calgary).

a Província de manitoba converteu a Winnipeg metropolitana e seus 13 municípios em uma única Winnipeg “Unicity”, em 1972.

a província de Nova escócia uniu halifax aos três municípios vizinhos em 1996.

a província de Ontário, em várias ocasiões (a mais recente em 1998), autorizou fusões para lidar com o crescimento de toronto.

a província de Quebec criou uma mega montreal em 2002 por meio de sua fusão com 27 municípios vizinhos, na tentativa de melhorar a equidade fiscal. alguns anos mais tarde, um novo governo de Quebec permitiu que antigos municípios fossem reconstituídos por meio de referendos locais.

De tempos em tempos, os governos provinciais ainda têm autorizado, quando constitucionalmente permitido, anexações e amalgamações como forma de enfrentar os desafios do crescimento metropolitano e as demandas por coordenação, normas comuns e economias de escala. Embora a contínua expansão das cidades ofereça alguns benefícios, a medida gera também alguns custos de organização: o governo civil se torna mais distante do povo e perde a flexibilidade e a eficiência que a pequenez permite. Este é o dilema que se en-contra no coração do debate “centralização versus descentralização” em todos os níveis – em nível internacional, entre os países e na maneira como pesam os

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prós e contras de tratados obrigatórios; em nível nacional, entre os governos centrais e seus estados ou províncias; em nível provincial, entre os governos provinciais e as suas cidades, e localmente, entre os governos municipais e os bairros na busca de influenciar o seu próprio desenvolvimento.

Um tipo de resposta para o enigma de descentralização-centralização no nível da região urbana foi a criação de um segundo nível de governo com abrangência metropolitana, a fim de fornecer serviços para toda a região e, ao mesmo tempo, manter alguma forma de governo na maioria dos níveis locais. Há pouco mais de cinquenta anos, essa medida foi amplamente adotada no Canadá, começando com a criação da Região Metropolitana de Toronto, numa aclamada iniciativa por parte do Governo de Ontário, em 1953 (Quadro 3).1

Quadro 3 – vida e morte da toronto metropolitana (metro toronto).

em 1953, a Província de Ontário criou a toronto metropolitana, um novo nível do governo que permitiu a 13 governos locais continuar a prover serviços locais enquanto as funções da região como um todo foram colocadas nas mãos da metro. Os serviços locais incluíam proteção contra incêndios, livrarias e vias locais. as funções regionais incluíam o planejamento do uso do solo, trânsito, estradas arteriais, tratamento de esgotos, tratamento da água, grandes parques, asilos e, eventualmente, policiamento. Outras províncias se estabeleceram utilizando estruturas similares.

em 1967, os 13 municípios foram reduzidos a seis.

até 1998, os níveis mais baixos do governo enviaram representantes para o nível superior. entre 1988 e 1998, os conselheiros da toronto metropolitana foram eleitos de forma direta. Prefeitos dos seis municípios-membros também faziam parte do conselho da metro toronto.

em 1998, o novo governo neoliberal de Ontário substituiu a estrutura de dois níveis para uma única – cidade de toronto –, numa tentativa de reduzir os custos do governo. a ação foi altamente impo-pular em toronto. atualmente, são eleitos 44 representantes para o conselho da metro, agrupados em quatro conselhos distritais (“comunitários”).

1 De estrutura semelhante à Metro Toronto, a Metro Winnipeg foi criada pela Província de Manitoba em 1960 (e abolida em 1972). Os conselheiros de nível mais elevado foram eleitos de forma direta, para que fossem incentivados a ter uma perspectiva regional.

O Distrito Regional da Grande Vancouver (agora “Metro Vancouver”) foi criado pela província de British Columbia em 1967. Os diretores da Metro Vancouver são eleitos indiretamente, ou seja, pelos conselhos dos municípios-membros.

Atualmente, Montreal possui quatro níveis: o Communauté Métropolitaine de Montréal (que compreende 82 municípios), o núcleo que é regido pelo Conselho da Aglomeração de Montreal (representando16 dos municípios), sendo liderado pela cidade de Montreal, na qual existem 19 distritos com competências em vários assuntos locais.

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Nas décadas mais recentes, Ontário e algumas outras províncias voltaram a utilizar a amalgamação como a solução para as necessidades de governança nas suas regiões metropolitanas.2 Nas megacidades que criaram, a necessidade de uma verdadeira responsabilidade local é atendida, ou tenta ser atendida, por meio da eleição de conselheiros por bairro, e não como um todo, e por meio da formação de conselhos distritais que gozam de um nível modesto de tomada de decisão. A colaboração ainda é necessária entre as unidades de governo locais que representam as diferentes partes da cidade. Assim, persiste a necessidade de colaboração entre o governo local e os níveis superiores de governo, os conselhos com propósitos especiais e a sociedade civil.

Como ilustra o exemplo de Toronto, não existe uma resposta fixa para a questão de que tipo de estrutura de governo metropolitano colaborativo permite melhor equilíbrio na gestão entre os objetivos de eficiência, equidade, inclusão social, participação e sustentabilidade. A resposta dada em qualquer momento depende da ponderação de:

Quais objetivos serão favorecidos (por exemplo, normas comuns de ser- f

viços regionais versus controle local);

Como as estratégias para atingir vários objetivos serão concebidas – por f

exemplo, a meta de eficiência pode ser concebida como mais bem aten-dida por meio dos governos maiores trabalhando com economias de escala ou por meio dos governos menores que são mais flexíveis, experi-mentais e mais horizontais;

Quais interesses – e de quem – são considerados prioritários (das cidades f

centrais ou dos subúrbios, das comunidades ricas ou das pobres, dos residentes estabelecidos ou dos recém-chegados, do poderoso interesse por trás das cenas ou dos grupos locais de bairro, das pessoas com ne-cessidades especiais ou dos já acomodados, dos interesses comerciais ou dos proprietários).

Mesmo em países nos quais os governos seniores têm poder constitucional para formular e impor as estruturas governamentais nas regiões metropolita-nas (se necessário, contra a vontade popular local, como em Toronto), deve-se

2 Para uma análise das forças que favorecem as recentes amalgamações diante da alternativa do governo metropolitano em dois níveis, veja: Andrew Sancton “Why municipal amalgamations? Halifax, Toronto, Montreal”. Documento preparado para uma conferência sobre “Relação Municipal, Provincial e Federal no Canadá”, do Instituto de Relações Intergovernamentais da Universidade Queen’s, maio 9-10, 2003.

http://www.queensu.ca/iigr/conf/Arch/03/03-2/Sancton.pdf

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valorizar a construção de capacidades para identificar as opções estruturais e avaliar os prós e contras em relação aos valores políticos e à teoria da organi-zação. Infelizmente, nesses países, a avaliação das formas de governança tende a ser restrita ao discurso das elites.

Poderia argumentar-se que em países como o Brasil, onde os municí-pios são constitucionalmente reconhecidos, existem maiores necessidades e oportunidades de aprendizagem social sobre as estruturas de governança metropolitana do que em países como o Canadá.

No Brasil, os municípios têm o poder de formar instituições colaborativas, como os consórcios, de baixo para cima. Os governos estaduais e o governo federal podem tomar e tomam suas próprias iniciativas para organizar, legislar e estabelecer agências regionais com um fim específico (por exemplo, para tratamento de água) e controles (por exemplo, para proteção de bacias hidro-gráficas), mas eles não podem reduzir os poderes municipais. A inviolabilida-de dos municípios no Brasil oferece estabilidade, o que, por sua vez, ajuda a compreensão política e a organização. O engajamento político no Brasil, por exemplo, nos movimentos sociais e orçamentos participativos, é muito mais forte do que no Canadá, onde o governo local é estruturado de forma incon-sistente, preterindo o local e enfraquecendo-o em relação aos outros níveis federativos (estadual e federal) e às suas numerosas agências.

Se a mobilização política no Brasil é direcionada para a criação de ins-tituições que facilitem a cooperação interinstitucional, então os resultados dos sistemas de governança metropolitana podem trazer, ao mesmo tempo, os benefícios buscados por centralizadores em todo o mundo (coordenação, economias de escala, normas comuns equitativas, partilha justa) e as intenções de descentralizadores em toda parte (receptividade, flexibilidade, resiliência, inovação). Os municípios poderiam colaborar para atender às necessidades de forma mais eficiente, igualitária e estável do que qualquer um deles poderia fazer por conta própria – como quatro municípios na região metropolitana de Belo Horizonte têm demonstrado, com a formação do consórcio público “Mulheres das Gerais”, que atua na proteção e apoio às mulheres vítimas de violência doméstica.

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contribuir para a governança metropolitana por meio da parceria internacional

O Consórcio Mulheres das Gerais é um produto do projeto “Novos Consórcios Públicos para Governança Metropolitana (NPC)”, que integrou brasileiros e canadenses na construção de capacidades em governança me-tropolitana.3

Esse projeto de quatro anos começou em 2006 com a coordenação do Ministério das Cidades do Brasil e da Universidade de British Columbia. Foi financiado pela Canadian International Development Agency (Cida). Traba-lhando com os gestores municipais em cinco regiões brasileiras, o projeto apoiou o desenvolvimento de estruturas interinstitucionais inovadoras (parti-cularmente os consórcios públicos, conforme a Lei Federal nº 11.107, de 2005) a fim de reforçar a inclusão social e, então, gerar e divulgar conhecimentos sobre os fatores e estratégias que contribuem para a construção de instituições de colaboração eficazes.4

Principais lições aprendidas

Para ser sucinto, a principal lição sobre governança aprendida durante o projeto foi que a formação de consórcios para reforçar a inclusão social é possível, mas muito difícil.

3 http://www.chs.ubc.ca/consortia/ Os parceiros originais do projeto foram cinco grandes cidades (Belo Horizonte, Fortaleza, Recife, Santarém e Santo André), cinco ministérios e duas universidades no Estado de São Paulo. A parceria se expandiu ao longo do tempo para incluir municípios adicionais nas regiões (nas quais os cinco municípios originais eram centrais), vários departamentos em nível estadual e outras universidades.

Os parceiros canadenses foram o Distrito Regional da Grande Vancouver, o Departamento de Planejamento da Cidade de Vancouver, o Conselho da Bacia do Rio Fraser e o Instituto de Reso-lução de Conflitos da Universidade de Victoria. Também os estagiários da Aliança da Juventude pelo Meio Ambiente (Environmental Youth Alliance) apoiaram o planejamento do consórcio nas cinco regiões e a equipe do Centro de Estudos da Cidade-região da Universidade de Alberta contribuiu com sua expertise.

4 Cursos de extensão sobre governança metropolitana foram elaborados e realizados pela Pon-tifícia Universidade Católica de Minas Gerais, pela Universidade Federal do ABC, pela Escola do Legislativo da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, pela Escola do Legislativo da Câmara Municipal de Belo Horizonte, pela Agência de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte, pela Secretaria de Estado de Desenvolvimento Regional e Política Urbana (Sedru) de Minas Gerais, e pela Prefeitura de Belo Horizonte. Em cada caso, houve cooperação com outras instituições parceiras do projeto no Brasil e no Canadá.

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A possibilidade foi demonstrada pelo sucesso do consórcio Mulheres das Gerais. O consórcio está em condições de operar de forma igualitária os equipamentos públicos (abrigos de curto e longo prazo) que estão localizados em um município, mas que agora estão explicitamente acessíveis às mulheres dos outros três. O consórcio também é responsável por coordenar e gerenciar ações municipais de combate e prevenção à violência contra as mulheres (por exemplo, estabelecer programas de educação não sexista, ações de sensibili-zação da polícia e funcionários de hospitais).

Uma série de fatores contribuiu para o sucesso do consórcio: o compro-misso dos prefeitos, dos secretários-chave e de outros funcionários dos quatro municípios envolvidos; incentivo de grupos da sociedade civil preocupados com a equidade de gênero e a proteção das mulheres; o apoio organizacional e as ideias (por exemplo, acerca da tomada de decisões por consenso) da equipe canadense do projeto NPC; a vontade das várias pessoas que participaram de centenas de reuniões durante dois anos; a decisão de começar pequeno (com apenas quatro dos 34 municípios da região metropolitana); e, o fato de que as apostas não eram altas porque esse consórcio, em particular, requer que os municípios-membros abram mão de relativamente pouco poder e contribuam com uma soma orçamentária tímida.

Os desafios para a formação dos consórcios apareceram na experiência de Minas Gerais, bem como nas menos exitosas, mas ainda assim valiosas experi-ências das outras quatro regiões. Nessas regiões, a colaboração intermunicipal para atender a necessidades específicas foi reforçada em vários graus, mas os esforços do projeto não foram suficientes para a formação de consórcios5. Os desafios encontrados incluem as lideranças e as prioridades políticas descon-tinuadas (por exemplo, como resultado das eleições), mudanças no pessoal-chave, rigorosos requisitos legais para a criação de um consórcio de acordo com a lei de 2005 e uma percepção dos municípios de que as vantagens da colaboração são muitas vezes superadas pelas desvantagens.

O projeto NPC tentou não se envolver na formação de consórcios que pudessem i) atender a necessidades financeiramente intensas, tais como trân-sito ou gestão de resíduos, ii) prestar serviços em toda região metropolitana, ou iii) assumir a responsabilidade de diversos setores. Em outras palavras, os

5 As outras quatro cidades centrais, além de Belo Horizonte, inicialmente identificaram as seguin-tes questões para atenção do projeto NPC: trabalho decente (Santo André); violência urbana (Recife); recuperação da bacia hidrográfica na área urbana (Fortaleza); saneamento ambiental (Santarém).

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parceiros do projeto não buscaram criar no Brasil instituições metropolitanas que tivessem funções semelhantes às das instituições de segundo nível impostas pelas províncias canadenses em suas áreas metropolitanas. Outros podem estar dispostos a considerar a possibilidade de assumir a difícil tarefa de construir autoridades amplamente metropolitanas de baixo para cima, mas a evidência do projeto NPC, e de outros, leva à conclusão de que a governança metropo-litana integrada na escala da região metropolitana como um todo precisará tanto de iniciativas de baixo para cima quanto de cima para baixo.

Essa conclusão não nega o valor do consorciamento de baixo para cima, apesar dos custos de transação, como uma abordagem eficiente e eficaz na prestação de serviços específicos por vários municípios de uma mesma região metropolitana. De fato, os resultados substantivos do projeto NPC sugerem que o consorciamento pode ser útil para promover a governança colaborativa inovadora dentro das regiões metropolitanas, mesmo que não seja, tão clara-mente, uma abordagem promissora para propiciar a governança colaborativa integradora das regiões metropolitanas. Essa sugestão é tão relevante para o Canadá, onde a governança inovadora valoriza os mandatos, como para o Brasil, onde as soluções de governança integradora ainda estão sendo buscadas. Essas sugestões podem interessar também a outros países.

Lições aprendidas sobre desenvolvimento de capacidades

As lições aprendidas, por meio do projeto NPC, no que diz respeito ao desenvolvimento de capacidades são:

Apesar de, e obviamente devido a, diferenças constitucionais entre f

países como o Canadá e o Brasil, a aprendizagem mútua pode ocorrer. Por exemplo:

• O Canadá tem muito a aprender com o Brasil sobre os métodos criati-vos de colaboração que os governos podem utilizar junto à sociedade civil para aumentar a inclusão social relacionada à participação no orçamento municipal, à proteção das mulheres em risco, à preparação de grupos da sociedade civil para o engajamento político (como é feito pelas Escolas do Legislativo ‒ municipal e estadual) etc.

• O Brasil pode aprender com as experiências canadenses em relação à: i) tomada de decisão baseada em consenso (como no Conselho da Bacia do Rio Fraser); e ii) formação de dois níveis (no caso de Montreal, quatro níveis) na estrutura de governança metropolitana.

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• Juntos, canadenses e brasileiros podem criar novos conhecimentos sobre as estratégias para reforçar a colaboração (por exemplo, por meio de grupos de pesquisa-ação, como os criados pelo projeto NPC em cinco regiões do Brasil), e sobre técnicas para uma compreensão mais aprofundada das necessidades de colaboração, dos desafios e dos fatores de sucesso (por exemplo, por meio dos cursos de extensão desenvolvidos pelos parceiros do NPC até o final do projeto).

Adotar uma perspectiva de pesquisa-ação em um projeto de desenvolvi- f

mento internacional oferece a motivação e a oportunidade de trabalhar para a mudança institucional (numa localidade) em curto prazo, en-quanto se aprendem lições da experiência que podem ser valiosas para muitas localidades ao longo do tempo.

Universidades, Escolas do Legislativo e outras instituições de forma- f

ção podem desempenhar um papel importante na geração de conhe-cimentos relevantes para a governança (por exemplo, contribuindo para o campo da pesquisa-ação) e na divulgação de conhecimentos (por exemplo, por meio da organização e realização de cursos de extensão). Mais especificamente, eles podem contribuir para a geração e dissemi-nação de conhecimento útil para avaliar, criar e reforçar a colaboração das instituições de governança metropolitana. Talvez eles possam dese-nhar programas que integrem a investigação e a educação no campo da resolução de problemas. As instituições encarregadas da capacitação e formação precisarão ser fortalecidas para poder atingir seu potencial de capacitação.6

O aprendizado sobre governança metropolitana colaborativa pode ser f

estimulado e enriquecido por estudos de caso (impressos e em formato de vídeo), e simulações em cursos de extensão.7

6 Para continuar o trabalho do projeto NPC e de parcerias internacionais similares, a Universi-dade de British Columbia iniciou com o UN Habitat o Intercâmbio UBC-UN Habitat (UBC-UN Habitat Exchange). Habitat Exchange será um espaço para gerar e compartilhar conhecimentos necessários para criar assentamentos humanos socialmente inclusivos e sustentáveis. Irá apoiar o reforço das capacidades de governos, sociedade civil, universidades e agências de formação, por meio de um portal na internet e do desenvolvimento de capacidades por meio de cursos que integrem de forma criativa a resolução de problemas, a educação e a pesquisa.

7 As publicações de estudos de caso e ensaios, filmes diversos e simulações produzidas para cursos de extensão do projeto NPC estão disponíveis gratuitamente para programas de capacitação e iniciativas como o Habitat Exchange. Para uma visão geral de alguns trabalhos produzidos pelo NPC, ver também: Erika de Castro e Maciej John Wojciechowski. Inclusão, colaboração e governança urbana. Perspectivas brasileiras. Vancouver: University of British Columbia; Rio de Janeiro: Observatório das Metrópoles; Belo Horizonte: Editora PUC Minas, 2010.

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conclusão

Conceber governos para gerir as vantagens da centralização ou as vanta-gens da descentralização ainda se apresenta como uma tensão contínua, em todos os níveis. Com as cidades crescendo em metrópoles, essa tensão torna-se aguda para a governança urbana. Os valores do localismo, tradicionalmente defendidos e promovidos pelos municípios, precisam ser equilibrados com os valores do regionalismo, o que só pode ser capitalizado pelas autoridades metropolitanas emergentes.

A forma como as autoridades metropolitanas são estruturadas e refor-muladas em relação aos municípios varia de país para país, dentro dos países e ao longo do tempo. Os resultados refletem culturas políticas que evoluem lentamente, bem como os caminhos trilhados há décadas ou séculos em função das escolhas constitucionais. Eles também refletem as decisões, oportunistas ou por princípios, tomadas por governos efêmeros, com prioridades e interesses que dependem de tempo.

É improvável que algum dia venha a existir um modelo único de governan-ça metropolitana universalmente aceito. Haverá sempre um fluxo e, portanto, a necessidade de capacidade para avaliar as opções estruturais e planejar estra-tégias consistentes de governança e gestão. Nas democracias, essa capacidade deve ser ampliada tanto quanto possível, por meio do intercâmbio de ideias, das lições aprendidas e, ainda, por meio de ações conjuntas de investigação, que a cooperação internacional pode contribuir para realizar.

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sObre Os cOLabOraDOres

erika de castroPesquisadora associada e gerente de projetos internacionais junto ao Centro de Assentamentos Humanos da Escola de Planejamento Regional e Comunitário da Universidade de British Columbia. Desde a última década, Erika tem gerenciado projetos internacionais no Brasil, relacionados ao desenvolvimento ambiental, governança urbana e inclusão social. Atuou no Brasil por 20 anos como urbanista social antes de se mudar para a cidade de Vancouver no Canadá, onde continuou o trabalho social e voluntário na área de saúde pública, imigração, moradia social e equidade de gênero.

maciej john WojciechowskiGraduado em planejamento urbano e regional e mestre em desenvolvimento econômico local pela University of Waterloo – Canadá (2002). Desde 2003 atua como consultor de projetos no Brasil do Centro de Assentamentos Humanos da University of British Columbia (UBC/CHS). Durante os últimos quatro anos (2006-2010) exerceu o papel de coordenador nacional de campo do projeto bilateral Brasil-Canadá “Novos Consórcios Públicos para Governança Metropolitana”. e-mail: [email protected]

Leonora angelesÉ professora da School of Community and Regional Planning (Scarp), do Centre for Women’s and Gender Studies (CWGS) e pesquisadora do Centre for Human Settlements (CHS), da University of British Columbia (UBC), Canadá. Formada em Ciências Políticas nas Filipinas, fez seu doutorado na Queens’ University, Canadá. Suas pesquisas envolvem a análise das perspectivas feministas em desenvolvimento

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internacional, políticas sociais, gênero e globalização. Leonora está envolvida em projetos de pesquisa aplicada e capacitação no Brasil, no Vietnã e outros países asiáticos, voltados para desenvolvimento internacional e comunitário, políticas sociais, planejamento participativo e governança, pesquisa-ação participativa e políticas de redes internacionais feministas, movimentos de mulheres e assuntos agrários, particularmente no sudeste asiático.

Peter boothroydÉ professor emérito na School of Community and Regional Planning (Scarp) e no Centre for Human Settlements (CHS), da University of British Columbia (UBC), Canada. Peter é planejador social e comunitário, e seu trabalho visa entender e ampliar o potencial do planejamento como contribuição para a sustentabilidade e equidade social. Antes de se juntar à UBC, trabalhou como assessor de políticas urbanas, planejamento social, avaliação de impactos sociais e desenvolvimento comuni-tário local e regional. Nos últimos 15 anos, Peter liderou projetos de capacitação em planejamento na Tailândia, no Vietnã e no Brasil, financiados pela Agência Canadense de Desenvolvimento Internacional (Cida). Através dessas experiências, ele se tornou cada vez mais interessado no papel que as universidades podem desempenhar no desenvolvimento internacional.

Nathan edelsonFoi, durante 15 anos, planejador sênior do Departamento de Planejamento da cidade de Vancouver. Seu trabalho estava focado no centro da cidade, onde se encontra um dos bairros considerados mais problemáticos, o Downtown Estside. Ele trabalhou também no Plano da Área Central, em políticas de uso do solo ligadas a preservação histórica e desenvolvimento social. Foi um dos fundadores e Diretor Executivo da Little Mountain Neighbourhood House.

hugh KellasÉ planejador e trabalhou nos últimos 15 anos como administrador do Depar-tamento de Política e Planejamento da Metro Vancouver, uma federação de 21 municipalidades envolvida na prestação dos serviços metropolitanos para os 2,3 milhões de habitantes da região. Suas atividades incluíam o planejamento da infra-estrutura regional (abastecimento, drenagem, esgoto, lixo sólido), o planejamento do crescimento da região, a gerência de qualidade do ar e as políticas regionais de moradia social. Grande parte do seu trabalho no Metro Vancouver consistiu no estabelecimento de consenso entre as municipalidades e outras organizações responsáveis pelo desenvolvimento metropolitano.

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Douglas KnightTem experiência em administração, pesquisa e ensino e trabalhou no Centro de Estudos da Cidade-Região de Edmonton. Sua experiência inclui a superinten-dência de diversos sistemas de escolas públicas, e ensino em diversos programas de extensão em universidades. Douglas trabalhou no Programa de Supervisão e Desenvolvimento de Liderança, Educação Executiva da Escola de Administra-ção, Universidade de Alberta, desenvolvendo cursos para funcionários da cidade de Edmonton, do governo do Northwest Territories, do governo provincial e federal. Também esteve envolvido em programas da Faculdade de Educação nas Universidades de Alberta, de Moncton, de Royal Roads e de Athabasca. Douglas é geógrafo e educador, e fez seu doutorado em administração educacional da Universidade de Alberta.

maureen maloneyÉ professora da Faculdade de Direito da University of Victoria desde 1981. Foi diretora da Faculdade de 1990 a 1993. Nomeada titular em Leis e Políticas Públicas, é atualmente diretora do Institute for Dispute Resolution e membro da Ordem dos Advogados da British Columbia, da Inglaterra e do País de Gales. Maureen tem feito pesquisas, trabalhado em projeto internacionais e publicado nos campos de políticas públicas, políticas relativas a mulheres e grupos minoritários, e exten-sivamente nas áreas de resolução de disputas e direitos humanos internacionais, resolução de disputas e administração da justiça e justiça restaurativa. Também é membro do International Centre for Criminal Law Reform and Criminal Justice Policy. Internacionalmente, Maureen esteve envolvida em projetos na África do Sul, Brasil, China, Guatemala, Camboja e Iraque. Ela foi Vice-Ministra Provincial (de 1993 a 2000) e Procuradora-Geral da Província de British Columbia (de 1997 a 2000).

David marshallEngenheiro, é diretor executivo da Comissão da Bacia do Rio Fraser (FBC) desde 1993. Essa Comissão interinstitucional tem 36 membros que representam entidades situadas na Bacia do Rio Fraser (municipalidades, nações indígenas, ONGs, grupos comunitários, governos provincial e federal, setor privado, etc.). Quando estava na administração na FBC, ele recebeu do Canadian Heritage Rivers System um Prêmio de Mérito por Conservação dos Rios Nacionais em 1998. O trabalho de David envolve participação no gerenciamento de mananciais e da zona costeira, avaliação ambiental e desenvolvimento de turismo sustentável. Ele tem participa-do em projetos no Caribe, Indonésia, Filipinas, Rússia, Tailândia, China e Coreia do Sul. David administrou cursos na Universidade de Simon Fraser, nas áreas de Avaliação Ambiental e Impactos Sociais, e publicou trabalhos sobre avaliação ambiental, sustentabilidade e gerenciamento de mananciais.

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jeannie shovellerÉ professora na School of Population and Public Health da Universidade de British Columbia. Sua pesquisa é voltada para o tema de redução de desigualdades sociais, especialmente em relação aos serviços de saúde, com ênfase na investigação dos impactos de gênero. Jeannie ganhou o prêmio da Fundação Michael Smith para Pesquisa de Saúde por seus trabalhos na área de saúde pública. Ela faz parte da Comissão de População e Saúde Pública do Instituto Canadense de Pesquisa de Saúde, órgão que propõe as estratégias e prioridades para a agenda de pesquisa no campo dos estudos populacionais e serviços públicos no Canadá. Também está envolvida em pesquisas sobre a participação da sociedade civil em políticas de saúde, inclusive no sistema de saúde do Brasil.

Deming smithÉ um ativista comunitário muito envolvido com as áreas de políticas sociais e ambientais. É bacharel em ciências políticas. Foi, durante 20 anos, analista de políticas de transportes e coordenador do programa de transporte público em agências de governos locais, como a TransLink, a Distrito da Grande Vancouver (hoje Metro Vancouver), e a BC Transit, além de ter contribuído com muitas ONGs. Atualmente, é administrador de uma ONG que promove a sustentabilidade dos transportes públicos em Vancouver.

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agradecimentos

O Projeto NPC agradece a todos aqueles que apresentaram artigos du-rante a Mesa-Redonda e que contribuíram para este volume. Gostaríamos também de estender nossos agradecimentos ao pessoal de apoio e aos demais participantes da Mesa-Redonda, que, de várias maneiras, contribuíram para o sucesso do evento e para a realização deste livro.

A Secretaria Municipal de Planejamento de Belo Horizonte e a Secretaria de Desenvolvimento Urbano do Estado de Minas Gerais contribuíram com o apoio profissional, essencial para a realização da Mesa-Redonda. Tanto o evento quanto esta publicação contaram com o apoio financeiro da Agência Canadense para o Desenvolvimento Internacional (Cida).

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Projeto gráfico, diagramação e montagem de capa Cássio Ribeiro | [email protected]

Impressão e acabamento Gráfica Editora Del Rey Ind. Comércio Ltda.

Belo Horizonte MGJulho de 2010

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