incentivos e motivação no orçamento empresarial

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Incentivos e Motivação Por Carlos Alexandre Sá Quando uma empresa contrata um funcionário, não tem como prever todas as situações que poderão ocorrer ao longo desta relação e nem explicitar em contrato como cada uma destas possíveis situações será resolvida de forma a que seus os interesses sejam atendidos. É por isto que estes contratos são chamados de contratos incompletos. Por outro lado, é irrealista supor que os interesses dos funcionários e os da empresa são os mesmos. A começar pelo fato de o horizonte da empresa ser diferente do horizonte de seus principais executivos. Um bom projeto com um prazo de maturação muito longo poderá ser preterido em benefício de um projeto pior, mas que produza resultados imediatos simplesmente porque, no primeiro caso, os frutos do empreendimento somente serão colhidos quando os executivos responsáveis por sua aprovação não estiverem mais na empresa para usufruir seu sucesso. O passado recente está cheio de exemplos de conflitos entre executivos e acionistas. Enquanto os acionistas estão interessados nos lucros, os executivos podem estar interessados em sua participação nestes lucros. Estes conflitos não se restringem aos altos escalões da empresa. Um funcionário que receba um salário fixo poderá estar muito mais interessado em garantir seu emprego do que em assumir riscos para melhorar o lucro da empresa. Estes descompassos entre os interesses das partes interessadas, sejam elas acionistas, executivos, empregados, fornecedores ou credores constituem uma área de pesquisa em finanças corporativas denominada conflito de agentes. Uma das formas de fazer com que funcionários e executivos trabalhem para que os objetivos dos acionistas sejam alcançados é monitora-los de perto. No entanto isto pode ser caríssimo ou simplesmente inviável. Daí os programas de incentivos adotados pelas empresas. A função dos incentivos é alinhar os interesses dos agentes com os interesses da 1

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Incentivos e Motivação

Por Carlos Alexandre Sá

Quando uma empresa contrata um funcionário, não tem como prever todas as situações que poderão ocorrer ao longo desta relação e nem explicitar em contrato como cada uma destas possíveis situações será resolvida de forma a que seus os interesses sejam atendidos. É por isto que estes contratos são chamados de contratos incompletos.

Por outro lado, é irrealista supor que os interesses dos funcionários e os da empresa são os mesmos. A começar pelo fato de o horizonte da empresa ser diferente do horizonte de seus principais executivos. Um bom projeto com um prazo de maturação muito longo poderá ser preterido em benefício de um projeto pior, mas que produza resultados imediatos simplesmente porque, no primeiro caso, os frutos do empreendimento somente serão colhidos quando os executivos responsáveis por sua aprovação não estiverem mais na empresa para usufruir seu sucesso.

O passado recente está cheio de exemplos de conflitos entre executivos e acionistas. Enquanto os acionistas estão interessados nos lucros, os executivos podem estar interessados em sua participação nestes lucros. Estes conflitos não se restringem aos altos escalões da empresa. Um funcionário que receba um salário fixo poderá estar muito mais interessado em garantir seu emprego do que em assumir riscos para melhorar o lucro da empresa. Estes descompassos entre os interesses das partes interessadas, sejam elas acionistas, executivos, empregados, fornecedores ou credores constituem uma área de pesquisa em finanças corporativas denominada conflito de agentes.

Uma das formas de fazer com que funcionários e executivos trabalhem para que os objetivos dos acionistas sejam alcançados é monitora-los de perto. No entanto isto pode ser caríssimo ou simplesmente inviável. Daí os programas de incentivos adotados pelas empresas. A função dos incentivos é alinhar os interesses dos agentes com os interesses da empresa e economizar no custo do monitoramento. É, em outras palavras, colocar os interesses particulares dos agentes para trabalhar em benefício dos interesses da empresa. Os incentivos trazem ainda como efeitos benéficos o fato de ajudarem a reter os bons profissionais, livrar-se dos maus e ensinar aos funcionários a lidar com as incertezas.

São vários os problemas com os quais se defronta uma empresa ao projetar um sistema de incentivos. O primeiro deles é criar metas observáveis e um sistema e avaliação de desempenho que possa ser medido com precisão e que possa, inclusive, ser auditado. Um exemplo da dificuldade de avaliação objetiva do desempenho seria o caso de um Departamento Jurídico. Seria a relação entre causas defendidas e causas ganhas um bom indicador de seu desempenho? Neste caso, qual o critério para se classificar uma causa como ganha ou perdida? Um bom acordo conseguido em uma causa perdida é uma causa ganha? Um prazo dilatado para se pagar uma indenização de uma causa que se sabia perdida desde o início é uma causa perdida? Uma solução possível nestes casos seria motivar este departamento a atuar como agente de prevenção remunerando-o pela redução do contencioso da empresa.

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Outro problema que pode surgir é o risco moral2727. O risco moral surge quando a impossibilidade de se monitorar o comportamento de um agente o induz a adotar um comportamento oportunista. Um exemplo de risco moral seria o caso de uma empresa que remunerasse seus vendedores pagando-lhes apenas uma comissão sobre as vendas. Este vendedor poderia ser estimulado para vender muito sem se preocupar com o risco de crédito de seus clientes. Uma solução possível neste caso seria condicionar o pagamento da comissão ao recebimento do pagamento por parte do cliente e, ainda, à aplicação de um redutor sobre a comissão diretamente proporcional à inadimplência na carteira do vendedor. Quanto maior a inadimplência, maior o redutor e menor a comissão a receber. Outro exemplo ocorre quando operários remunerados por produção são levados a produzir muito sem se preocupar com a qualidade. Além disto, estes operários podem se negar a colaborar com companheiros de equipe para não subtrair tempo de sua produção. A solução neste caso poderia ser a aplicação de um redutor diretamente proporcional ao número de peças rejeitadas pelo controle de qualidade associada ao condicionamento da comissão à realização de uma produção mínima da equipe.

Existe ainda a possibilidade do efeito carona2828. No contexto que estamos discutindo, o efeito carona surge quando o agente, sentindo que o resultado de seu esforço não é observado, não se empenha para aumentar sua eficiência. Seria o caso de um departamento com muitos funcionários e no qual cada um dos elementos da equipe tem a percepção que se ele for o único a se esforçar, isto não vai melhorar em nada o desempenho da sua unidade. Como todos têm a mesma percepção, ninguém se esforça. Este comportamento oportunista é observado em algumas repartições públicas. Uma das soluções possíveis para este problema seria o pagamento de um bônus pelo desempenho do grupo.

Em vários dos exemplos descritos acima, observamos a ocorrência do chamado ato de dois efeitos. Este fenômeno ocorre quando o objetivo do esquema de premiação é bom mas traz como consequência um ou mais efeitos indesejáveis. Um exemplo seria uma empresa que premiasse um departamento por manter seus custos fixos abaixo dos limites fixados no orçamento aprovado. Isto poderia induzir os funcionários a inflacionarem o orçamento ou então a cortarem custos de atividades que seriam essenciais no longo prazo, mas cujos efeitos não fossem sentidas no curto prazo (educação, treinamento e desenvolvimento pessoal, por exemplo). O sistema de incentivos deve procurar identificar estes efeitos indesejáveis para procurar neutraliza-los.

Por tudo o que foi dito acima, percebe-se que um sistema de incentivos não é, de forma alguma, um ato de liberalidade da empresa. Muito pelo contrário, trata-se de constatar que a relação empregado/empregador é regida por contratos incompletos e que, por isso, existe a necessidade de alinhar os interesses dos funcionários com os interesses da empresa. Os incentivos visam alcançar este objetivo sem ter que incorrer em elevados custos de monitoramento.

Quando se trata do orçamento empresarial, um sistema de incentivos e motivação bem estruturado pode ser um aliado precioso tanto no processo de redução de custos quanto na execução do orçamento. Nestes casos, os sistemas mais bem A primeira parte é condicionada à realização das metas corporativas. A ideia subjacente é criar sinergia

2727 Tradução de “moral hazard”, fenômeno estudado em Teoria dos Jogos.2828 Tradução de “free riding” , fenômeno estudado em Teoria dos Jogos. A diferença entre o perigo moral

e o efeito carona é que, no primeiro caso, o esforço não é observado e no segundo, o que não é observado é o resultado do esforço.

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entre os diversos departamentos, motivando-os a colaborar uns com os outros na perseguição de um objetivo comum. A segunda parte diz respeito às metas setoriais. No entanto, esta parcela da bonificação deve ser condicionada ao cumprimento do orçamento setorial. Isto significa que não basta atingir as metas. É preciso que as metas sejam atingidas dentro dos custos que foram acordados. Em outras palavras, não basta fazer a coisa certa; é preciso fazer certo as coisas.

Carlos Alexandre Sá é professor e consultor

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