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CADERNO CRH, Salvador, v. 23, n. 59, p. 301-321, Maio/Ago. 2010 301 Inaiá M. M. de Carvalho, Suzana Pasternak, Lúcia M. Bógus Este artigo se propõe a discutir os impactos do processo de globalização sobre as grandes metrópoles brasileiras com base em uma análise comparativa da trajetória recente de São Paulo e Salvador, que oferece ricos elementos para essa discussão. Partindo da literatura atual sobre esse tema, ele analisa até que ponto os fenômenos associados ao referido processo estari- am levando a maiores transformações na estrutura social e urbana dessas aglomerações. Cons- tata, com esta análise, que elas apresentam certa estabilidade ao lado de algumas mudanças, cuja diversidade e complexidade não vêm sendo contempladas pelas formulações teóricas mais correntes. PALAVRAS-CHAVE: metrópoles, globalização, transformações metropolitanas, São Paulo, Salvador. DOSSIÊ TRANSFORMAÇÕES METROPOLITANAS: São Paulo e Salvador Inaiá Maria Moreira de Carvalho * Suzana Pasternak ** Lúcia Machado Bógus *** INTRODUÇÃO Os impactos do processo de globalização sobre as grandes metrópoles têm despertado um significativo interesse e provocado discussões en- tre os estudiosos da questão urbana. O presente trabalho apresenta algumas reflexões sobre essa questão, com base em uma análise comparativa da trajetória recente de duas cidades que oferecem ri- cos elementos para a referida discussão: São Paulo, a mais populosa e importante metrópole brasileira, considerada por alguns como a “cidade global” do país, e Salvador, a terceira maior capital, que se des- taca pela sua história e sua cultura e apresenta ca- racterísticas típicas do Brasil menos desenvolvido. Como se sabe, das últimas décadas do sécu- lo XX aos primeiros anos deste novo milênio, o avanço tecnológico, a transnacionalização cada vez maior das atividades econômicas e a emergência de novos padrões de organização da produção e de um espaço global de acumulação tiveram amplas consequências sobre os vários territórios. Confor- mou-se uma nova geografia que qualifica e desqualifica os diversos espaços em função de flu- xos mundializados, nos quais cidades, polos e re- giões tendem a integrar uma imensa rede, onde gran- des empresas aproveitam vantagens locacionais e valorizam seus capitais em um número crescente de áreas e atividades, produzindo profundas mu- danças na divisão territorial do trabalho. Esses fe- nômenos estariam interferindo direta e decisivamen- te no desenvolvimento das grandes cidades, trans- formando algumas delas em locais estratégicos para a gestão global da economia, concentrando o poder econômico, a sede das grandes corporações, o con- trole dos meios de comunicação e os serviços de * Doutora em Sociologia. Professora do Mestrado em Po- líticas Sociais e Cidadania da Universidade Católica do Salvador e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal da Bahia-UFBA. Pesqui- sadora do Centro de Recursos Humanos CRH/UFBA des- sa Universidade. Bolsista de produtividade em pesquisa do CNPq e coordenadora do núcleo do INCT/Observató- rio das Metrópoles de Salvador. Estrada de São Lázaro, 197. Cep: 40.210-730. Federação. - Salvador - Bahia - Brasil. [email protected] ** Doutora em Saúde Pública. Professora titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Coordenadora do núcleo do INCT/Observatório das Metrópoles de São Paulo e bolsista de produtividade de pesquisa do CNPq. [email protected] *** Doutora em Arquitetura e Urbanismo. Professora ti- tular da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Editora da revista Cadernos Metrópoles e bolsista de pro- dutividade em pesquisa do CNPq. [email protected].

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Este artigo se propõe a discutir os impactos do processo de globalização sobre as grandesmetrópoles brasileiras com base em uma análise comparativa da trajetória recente de SãoPaulo e Salvador, que oferece ricos elementos para essa discussão. Partindo da literatura atualsobre esse tema, ele analisa até que ponto os fenômenos associados ao referido processo estari-am levando a maiores transformações na estrutura social e urbana dessas aglomerações. Cons-tata, com esta análise, que elas apresentam certa estabilidade ao lado de algumas mudanças,cuja diversidade e complexidade não vêm sendo contempladas pelas formulações teóricasmais correntes.PALAVRAS-CHAVE: metrópoles, globalização, transformações metropolitanas, São Paulo, Salvador.

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TRANSFORMAÇÕES METROPOLITANAS:São Paulo e Salvador

Inaiá Maria Moreira de Carvalho*

Suzana Pasternak**

Lúcia Machado Bógus***

INTRODUÇÃO

Os impactos do processo de globalizaçãosobre as grandes metrópoles têm despertado umsignificativo interesse e provocado discussões en-tre os estudiosos da questão urbana. O presentetrabalho apresenta algumas reflexões sobre essaquestão, com base em uma análise comparativa datrajetória recente de duas cidades que oferecem ri-cos elementos para a referida discussão: São Paulo,a mais populosa e importante metrópole brasileira,considerada por alguns como a “cidade global” do

país, e Salvador, a terceira maior capital, que se des-taca pela sua história e sua cultura e apresenta ca-racterísticas típicas do Brasil menos desenvolvido.

Como se sabe, das últimas décadas do sécu-lo XX aos primeiros anos deste novo milênio, oavanço tecnológico, a transnacionalização cada vezmaior das atividades econômicas e a emergência denovos padrões de organização da produção e deum espaço global de acumulação tiveram amplasconsequências sobre os vários territórios. Confor-mou-se uma nova geografia que qualifica edesqualifica os diversos espaços em função de flu-xos mundializados, nos quais cidades, polos e re-giões tendem a integrar uma imensa rede, onde gran-des empresas aproveitam vantagens locacionais evalorizam seus capitais em um número crescentede áreas e atividades, produzindo profundas mu-danças na divisão territorial do trabalho. Esses fe-nômenos estariam interferindo direta e decisivamen-te no desenvolvimento das grandes cidades, trans-formando algumas delas em locais estratégicos paraa gestão global da economia, concentrando o podereconômico, a sede das grandes corporações, o con-trole dos meios de comunicação e os serviços de

* Doutora em Sociologia. Professora do Mestrado em Po-líticas Sociais e Cidadania da Universidade Católica doSalvador e do Programa de Pós-Graduação em CiênciasSociais da Universidade Federal da Bahia-UFBA. Pesqui-sadora do Centro de Recursos Humanos CRH/UFBA des-sa Universidade. Bolsista de produtividade em pesquisado CNPq e coordenadora do núcleo do INCT/Observató-rio das Metrópoles de Salvador.Estrada de São Lázaro, 197. Cep: 40.210-730. Federação.- Salvador - Bahia - Brasil. [email protected]

** Doutora em Saúde Pública. Professora titular da Faculdadede Arquitetura e Urbanismo. Coordenadora do núcleo doINCT/Observatório das Metrópoles de São Paulo e bolsistade produtividade de pesquisa do CNPq. [email protected]

*** Doutora em Arquitetura e Urbanismo. Professora ti-tular da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,Editora da revista Cadernos Metrópoles e bolsista de pro-dutividade em pesquisa do CNPq. [email protected].

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ponta (Sassen, 1991; Veltz, 1996; Borja; Castel,1996; Marcusen; Kenpen, 2000).

Analisando as transformações em curso, daperspectiva de uma sociedade “pós-industrial”, apartir das considerações teóricas de Sassen, algunsautores têm considerado que a globalização estariaproduzindo profundas mudanças na estruturaprodutiva, social e urbana dessas metrópoles. Res-saltam, entre elas, a perda da relevância das ativi-dades industriais e do proletariado industrial, ocrescimento do terciário e do emprego em serviçose a substituição da estrutura de classes sociais noespaço urbano, ampliando as desigualdades, asdistâncias e a segregação, com tendência a umapolarização social e urbana.

Embora essas considerações se reportem àexperiência de países desenvolvidos, ou, mais pre-cisamente, a algumas das suas “cidades globais”,elas têm pautado o debate sobre o desenvolvimentoe as transformações das últimas décadas nas metró-poles da América Latina e do Brasil onde, até opresente, ainda influenciam estudiosos eplanejadores. Contudo, investigações efetuadas emcidades da Europa, do Brasil e de outros países daAmerica Latina não têm confirmado a existência detendências universais no que tange ao seu desen-volvimento, nem às teses de polarização entre osmais ricos e mais pobres ou a uma tendência àdualização do espaço urbano. É verdade que as gran-des cidades tendem a ser tocadas pelo processo demundialização da economia e pelos impactos deledecorrentes. Todavia esse envolvimento dependeda natureza e do alcance desse processo (que não éúnico nem converge para um só modelo de cida-de), que é mediado por um conjunto dedeterminantes nacionais ou locais e tem sua dinâ-mica definida pela continuidade e pela transforma-ção. Aí o pré-existente condiciona a existência donovo, que, em muitos casos, já começara a se esbo-çar no passado. As trajetórias recentes de São Pauloe de Salvador são bem ilustrativas a esse respeito,como será visto nas análises que se seguem.

UM POUCO DE HISTÓRIA

Com cerca de 10.970.942 habitantes, segun-do a projeção de população para 2010, São Pauloé o núcleo de maior região metropolitana do país,com 39 municípios e quase 20 milhões de mora-dores. Na metrópole paulista concentra-se quase ametade dos residentes no Estado. A Grande SãoPaulo integra com Tóquio, Seul, Cidade do Méxi-co, New York e Mumbai o rol das 6 maiores aglo-merações humanas do planeta.

A Vila de São Paulo foi fundada em 1554por padres jesuítas, que aí estabeleceram um colé-gio, no âmbito de uma política catequizadora emrelação aos índios. Alocaram o colégio numa coli-na, entre os rios Tamanduateí e Anhangabaú. Atémeados do século XIX, a cidade tinha pouca im-portância para a economia brasileira, centrada nocultivo da cana de açúcar no Nordeste e na explo-ração do ouro no eixo Minas Gerais – Rio de Janei-ro. Mas, já no século XVII, a vila despontava comolocal de partida das entradas e bandeiras, expedi-ções que desbravaram territórios para escravizarindígenas, garantir posse de terras e procurar mi-nérios preciosos.

“No fim do século XVI, a cidade de SãoPaulo continha mais ou menos 120 casas, amonto-adas no alto do morro” (Morse, 1970, p. 32). Avida rural era mais importante: o local preferencialde moradia era a fazenda; a casa da cidade era meroalojamento para visitas temporárias. O planaltopaulista tinha sua base econômica na agriculturade subsistência. O descobrimento do ouro, nosfins do século XVII, em nada auxiliou o desenvol-vimento da vila. Pelo contrário, muitos paulistasmigraram para as zonas de mineração. De outrolado, rotas fluviais e terrestres foram se desenvol-vendo entre São Paulo, Minas Gerais e Mato Gros-so, fazendo de São Paulo um entreposto comerci-al. Em 1765, a população foi estimada em 6 a 7 milhabitantes, incluindo aí os escravos (1970). Em1836, a população da cidade alcançava cerca de 22mil habitantes.

A posição econômica da cidade mudou coma expansão da cultura do café na província de São

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Paulo. A primeira zona a ser favorecida pela pro-dução intensiva do café foi o vale do Paraíba, tri-butária do Rio de Janeiro. Dado o rápido e cons-tante aumento das plantações de café após a Inde-pendência, a lavoura cafeeira expandiu-se para onoroeste da capital. Essa nova região apresentavacertas vantagens em relação ao vale do Paraíba: nãoera montanhosa, possuía grandes faixas de terrasroxas, extremamente favoráveis à plantação do café.Para a cidade de São Paulo, a importância dessedeslocamento territorial da cafeicultura foi crucial:um vasto e rico interior agrícola tornava-se tributá-rio da capital e de seu porto, Santos. A partir de1867, ano em que foi implantada a primeira ferro-via na cidade, interligando Santos e Jundiaí, seusvales foram sendo atravessados por ferrovias. Acapital aumentou sua população para cerca de 32mil moradores em 1870, dos quais um terço eraescravo. Entroncamento ferroviário, sede de umaprovíncia em plena expansão, a cidade passavapor uma importante transformação urbanística,social e econômica.

São Paulo, na virada do século, propiciou aacumulação de capitais e atraiu um intenso fluxode migrantes europeus. “Os novos barões do cafénão se orientavam pela visão de uma escravocraciaagrária, por si suficiente, de tipo colonial” (Morse,1970, p.161). Para suas necessidades de mão deobra, incentivaram um sistema de parcerias comimigrantes europeus para o trabalho nas fazendasde café. Estima-se que, entre 1888 e 1900, passa-ram por São Paulo quase 900 mil imigrantes, dosquais 70% eram provenientes da Itália. Os dadospopulacionais da cidade mostram um forte cresci-mento populacional; em 1872, a população da ci-dade era de 23.243 pessoas; já em 1886, esse nú-mero dobrava para 44.030 moradores; em 1890, acifra crescia para 64.934 habitantes, que chegarama 192.409 em 1893, numa taxa total de crescimen-to de 10,6% anuais no período. Segundo Morse(1970, p.2239), um grande percentual dessa po-pulação era constituído de estrangeiros: entre 1872e 1886, a proporção de estrangeiros passou de 8%para 25% do total. Como explicar que os migrantesrurais tenham se mudado para a cidade? De um

lado, o colono era livre e assalariado. Depois decumprida sua obrigação para com o proprietáriode terras que tinha subvencionado sua vinda, es-tava livre para se mudar, já que não possuía terras.De outro, muitos desses imigrantes, mesmo sub-vencionados, acabaram por permanecer na capi-tal. Estima-se que apenas dois quintos acabarampor ir para a agricultura na década de 1890. Em1890, São Paulo chegou a 239.820 residentes.

Nesse momento de intensos fluxos migra-tórios, a cidade viveu seu primeiro surto industri-al, baseado principalmente nas indústrias têxteise alimentícias. Nos anos 1920, a indústria paulistapassou por um grande processo de expansão, jáiniciado por ocasião da Primeira Guerra. O colap-so das linhas de comércio internacional propiciouo início do processo de substituição de importa-ções, voltado para a produção nacional de bens decapital e de consumo para o mercado interno. Aconsequência dessa industrialização em larga es-cala foi um intenso crescimento demográfico, queaumentou a demanda por moradia e terra, provo-cando uma carestia geral com inflação, além doaparecimento de um proletariado urbano e de umanova elite, já não mais ligada ao café, ao comércioou finanças.

A expansão da rede de transportes coleti-vos e o surgimento do ônibus por, volta de 1924,permitiu que novas áreas fossem loteadas, expan-dindo-se o perímetro urbano. Assim, se, num pri-meiro momento, a expansão da cidade para áreasmais distantes do centro se deu a partir de subúr-bios ferroviários, na década de 30, ampliaram-seos caminhos servidos por ônibus. A ocupação dosolo ligou-se ao famoso tripé casa própria –autoconstrução – loteamento de periferia, criandoum tecido urbano rarefeito e pouco denso: em 1960,a densidade demográfica bruta registrava apenas24,6 hab./ha, índice que atingiu 70,8 hab./ha em2004. A cidade já apresentava zonas bem defini-das: zonas de moradia burguesa nos maciços, ebairros populares nas baixadas dos rios e ao longodas ferrovias. A expansão da periferia pela metró-pole ocorreu principalmente a partir da década de70, quando inúmeros loteamentos foram abertos

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nas periferias dos municípios limítrofes, amplian-do a própria periferia da cidade. A políticahabitacional praticada pela COHAB nos anos 70 einício de 80 reiterou a periferização dos morado-res de baixa renda, com a construção de grandesconjuntos habitacionais em áreas limítrofes da ca-pital, que serviram de ponta de lança para favelase loteamentos, regulares e irregulares. O territóriometropolitano, cada vez mais, estruturou-se porum sistema rodoviário. Esse último, que possibili-tou a ocupação de áreas cada vez mais distantesdos centros urbanizados em locais desprovidos dosmais básicos equipamentos urbanos, foi um dosresponsáveis pelo chamado padrão periférico queainda domina a organização física da metrópole.De outro lado, nota-se a verticalização das zonascentrais e a consolidação do centro-sudoeste dacidade como polo privilegiado, onde se concen-tram comércio, serviços e bairros residenciais dealta renda. Além disso, a descentralização das ati-vidades industriais e o espraiamento da moradiapopular de baixa renda expandiram a áreaurbanizada da metrópole (a área urbanizada ocu-pava 874km2 em 1962 e sobe para 2.139km2 em2002). Em 1950, a cidade de São Paulo tinha maisde 2 milhões de habitantes e cresceu mais de 5%nas décadas de 50 e 60, atingindo quase 6 mi-lhões de moradores em 1970.

“No início dos anos 40, a área que hoje com-preende a Região Metropolitana compreendia ape-nas 11 municípios, sendo que 85% da populaçãoda região residiam na capital. Entre 1940 e 1980, apopulação da Região Metropolitana passou para12,6 milhões de habitantes, crescendo a uma taxamédia anual da ordem de 5,3% no período. ARegião também sofreu grande expansão territoriale dos 11 municípios iniciais atingiu os anos 90com 39” (Bógus; Véras, 2000, p.111). Esse cresci-mento foi associado a um decréscimo da participa-ção da população da capital na metrópole, quepassou de 73% em 1970 para 62% em 1991, 58%em 2000 e cerca de 50% em 2010, passando a es-trutura metropolitana de São Paulo a ser caracteri-zada pela agregação, em um conjunto urbano con-tínuo e interligado, de áreas pertencentes a diver-

sos municípios; pela escala de vários milhões depopulação residente e (ou) exercendo atividadesnessa área; e pelo desenvolvimento de um sistemacomplexo de polos de concentração de atividadessecundárias e terciárias vinculadas a distintos ra-mos de atividade econômica (Bógus; Pasternak,2009, p.8). Além do município de São Paulo, ondese concentram sedes de bancos, grandes empresasnacionais e internacionais, serviços especializadose a residência de possuidores de grandes fortunas(estima-se que 60% dos milionários brasileiros re-sidam nesse município) e de categorias médias, ametrópole passa a agregar um amplo conjunto demunicípios. Como assinalam Bógus e Pasternak(2009), alguns são de tipo popular, servindo de re-sidência principalmente para trabalhadores doterciário não especializado, trabalhadores agrícolase operários da construção civil; outros do tipo ope-rário industrial, com diversidade elevada de operá-rios da indústria moderna, ou operários tradicio-nais, onde se concentram operários da indústriatradicional; alguns são municípios da elite indus-trial, redutos tradicionais das indústrias metalúrgicae automobilística, área importante de serviços liga-dos à indústria e eixo de expansão de moradias daelite; e, finalmente, alguns municípios têm aindauma base agrícola, sediando importantes reservasecológicas e florestas da região metropolitana.

Já Salvador, com cerca de 2.948.733 de habi-tantes, segundo a projeção de população para 2010,constitui a terceira maior cidade brasileira e con-centra quase 80% da população de uma RegiãoMetropolitana com 3.799.588 moradores. Fundadapelos colonizadores portugueses em 1549, Salva-dor sediou o governo geral do Brasil até 1763 comoa mais importante cidade do país. Mas, com a trans-ferência da capital do país para o Rio de Janeiro, odeclínio da base exportadora local, a concentraçãoindustrial no centro-sul e o predomínio econômicodessa região no processo de desenvolvimento bra-sileiro, Salvador foi afetada negativamente e experi-mentou um longo período de estagnação econômi-ca e populacional. Esse período se estendeu quaseaté a metade do século XX, quando a cidade passoua ser atingida por intensas transformações.

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Na década de 1950, a descoberta e a explo-ração de petróleo em municípios de sua área deinfluência (por algumas décadas a principal res-ponsável pela produção nacional) estimulou ocrescimento populacional e urbano da cidade e dealguns municípios que hoje compõem a sua re-gião metropolitana. Na década de 1960, essa re-gião foi privilegiada com investimentos industri-ais decorrentes de políticas nacionais de desen-volvimento regional e, dos anos 1970 para 1980,os esforços do governo federal para complementara matriz industrial brasileira, com a produção deinsumos básicos e bens intermediários, levaram àimplantação de uma indústria de beneficiamentode cobre e de um grande Polo Petroquímico emum dos municípios dessa região metropolitana(Carvalho; Corso, 2008).

Esses e outros investimentos tiveram umimpacto extraordinário sobre a velha capital baiana,convertendo a indústria no foco dinâmico da eco-nomia regional e modernizando e dinamizando essaeconomia, a ponto de, entre as décadas de 1970 e1980, a região metropolitana de Salvador alcançartaxas de crescimento do PIB superiores às do Bra-sil. Salvador e os municípios circunvizinhos expe-rimentaram um enorme crescimento populacional,e a estrutura social da região também se transfor-mou, com uma ampliação e diversificação das clas-ses médias e a emergência de um moderno (embo-ra reduzido) proletariado industrial. Mas, comoessas transformações incidiram sobre um merca-do de trabalho marcado por uma superoferta demão de obra de baixa qualificação, reforçada pelaatração de significativos fluxos migratórios, per-sistiu a vinculação de uma grande parcela da forçade trabalho a ocupações precárias e de baixa remu-neração, impactando sobre as condições de pobre-za e sobre as condições habitacionais de uma gran-de parte da população.

Como seria de esperar, essas mudanças tam-bém levaram a transformações radicais no tecidourbano, ocorridas de forma bastante rápida eabrupta nas décadas de 1960 e 1970, quando oBrasil como um todo se tornou predominantementeurbano. Elas foram marcadas pela realização de

grandes obras públicas que acompanharam e ante-ciparam os vetores de expansão urbana, assim comopor outras medidas governamentais que amplia-ram e consolidaram o denominado “padrão peri-férico” de desenvolvimento urbano. Comprometi-da com uma modernização excludente e com osinteresses do capital imobiliário, a Prefeitura deSalvador, que detinha a maioria das terras do mu-nicípio, transferiu essa propriedade para (muitopoucas) mãos privadas; promoveu uma grandeexpansão do sistema viário e, entre outras provi-dências, extirpou do tecido urbano mais valoriza-do um conjunto significativo da população pobre,transferindo seus moradores para a periferia maisdistante e desvalorizada.

Essas e outras iniciativas, juntamente com asintervenções do capital imobiliário, redirecionarama expansão da cidade e seus padrões de ocupação,levando à conformação de um espaço urbano onde,partindo do centro tradicional, configuram-se trêsvetores de expansão bastante diferenciados: a orlamarítima, ao Norte, local privilegiado de moradiadas classes altas e médias onde se concentram ri-queza, investimentos públicos, equipamentos eserviços urbanos, pontos de atração turística e osinteresses do capital imobiliário; o “Miolo” (assimdenominado por estar situado no centro geográfi-co do município), que começou a ser ocupado comimplantação de conjuntos habitacionais para as“classes médias baixas”, e cuja maior parte dasterras (consideradas como “não edificáveis” porsua extrema declividade), passou a ser objeto deloteamentos populares e ocupações ilegais, comuma disponibilidade de equipamentos e serviçosbastante reduzida e uma população predominan-temente pobre; finalmente, o Subúrbio Ferroviá-rio, que teve a sua ocupação inicialmente impulsi-onada pela implantação de uma linha de trens, eque, com a expansão da cidade, passou a sediarum conjunto de loteamentos populares e ocupa-ções ilegais, para onde foram transferidos, inclusi-ve, moradores de áreas centrais remanejados pelaPrefeitura. Trata-se de uma das áreas mais caren-tes e problemáticas da cidade, concentrando umapopulação bastante pobre e sendo marcada pela

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precariedade habitacional, pelas deficiências deinfraestrutura, equipamentos e serviços e, maisrecentemente, por altos índices de violência.

A Região Metropolitana de Salvador foi cons-tituída a partir da implantação de novas e moder-nas atividades econômicas em municípios de baseagrícola, localizados no entorno da capital baiana,envolvendo a extração de petróleo no municípiode Candeias, a instalação de uma refinaria em SãoFrancisco do Conde e de um terminal marítimoem Madre de Deus, a implantação do PóloPetroquímico em Camaçari e a crescente urbaniza-ção de Simões Filho e Lauro de Freitas, contribu-indo para uma diferenciação significativa no âmbi-to da região. Conurbado com Salvador, Lauro deFreitas também tem concentrado moradores dosestratos altos e médios nos seus numerososloteamentos e condomínios fechados. Embora aRMS não apresente nenhuma concentração operá-ria, os trabalhadores da indústria moderna têm umapresença um pouco mais expressiva nos municí-pios que se desenvolveram a partir da exploraçãodo petróleo e da indústria petroquímica, comoCamaçari. Os demais municípios se caracterizamprincipalmente pela moradia das classes popula-res e de trabalhadores agrícolas, devendo ser res-saltado que, com a elevada concentraçãopopulacional em Salvador, cinco deles tinhammenos de cinquenta mil habitantes no ano 2000.

AS TRANSFORMAÇÕES DAS ÚL TIMASDÉCADAS

Privilegiadas pela dinâmica e pelas caracterís-ticas do processo de desenvolvimento brasileiro, queconcentrou no seu território a produção, a riqueza eas melhores oportunidades de trabalho e subsistên-cia, as grandes metrópoles nacionais foram especial-mente penalizadas a partir dos anos 80, com o esgo-tamento do padrão de desenvolvimento até entãoimplementado. Com o agravamento da crise econô-mica e da crise fiscal do Estado e uma intensa acele-ração do processo inflacionário – mais tardiamenteque em outros países – o governo brasileiro termi-

nou por aderir, nos anos 1990, às recomendações doConsenso de Washington, aprofundando a inserçãodo Brasil no processo de globalização, com a realiza-ção de uma abertura econômica abrupta e rápida,um processo de reestruturação produtiva, um am-plo programa de privatizações, uma redução do pa-pel econômico e de regulação e das responsabilida-des sociais do Estado e uma grande ênfase nos meca-nismos de mercado.

Essas medidas agravaram significativamen-te o quadro social do país, em um período marca-do por taxas de crescimento oscilantes e reduzi-das, pela deterioração das condições de trabalho erenda da população e por uma acentuação dasdesigualdades sociais e espaciais, com impactosespecialmente adversos sobre as grandes regiõesmetropolitanas, onde o mercado de trabalho eramais dinâmico e estruturado.

Diversos estudos têm demonstrado como,dos anos 1990 aos primeiros anos de 2000, ocorreuuma verdadeira desestruturação do mercado de tra-balho no país e nessas regiões metropolitanas, coma destruição de milhares de postos de trabalho, prin-cipalmente no setor industrial, a fragilização e re-dução da importância relativa do núcleo estruturado(ou seja, do contingente de ocupados com vínculoempregatício formalizado e cobertura social), a pro-liferação de velhas e novas formas precárias decontratação e ocupação da mão de obra e um extra-ordinário crescimento do desemprego. (Carvalho,2006; Borges, 2003; Pochman, 2008; CEPAL/PNUD/OIT, 2008; Pasternak, 2009).

O impacto dessas transformações vem sen-do analisado pelos pesquisadores do Observató-rio das Metrópoles,1 a partir da polêmica sobre osefeitos da reestruturação produtiva sobre a estru-tura de classes e sobre a apropriação do espaçourbano desenvolvida a partir das já mencionadasdiscussões de Sassen (1998) e da sua hipótese

1 O INCT/Observatório das Metrópoles é uma rede de pes-quisadores brasileiros, coordenada pelo Instituto de Pes-quisa e Planejamento Urbano e Regional da UniversidadeFederal do Rio de Janeiro, que vem realizando, desde 1998,um amplo conjunto de estudos sobre a conformação etransformações de algumas das principais metrópoles dopaís, a saber: Belém, Natal, Fortaleza, Recife, Salvador, Riode Janeiro, Belo Horizonte, São Paulo, Curitiba, Porto Ale-gre, Goiânia e a aglomeração urbana de Maringá.

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sobre os nexos estruturais existentes entre as mu-danças em curso na economia e a intensificaçãoda dualização social. Nesse processo, em que oSetor Terciário estaria assumindo predominânciafrente a processos simultâneos de modernização erelativa retração no emprego do Setor Secundário,haveria igualmente uma reconfiguração e um enco-lhimento das classes médias, tendo em vista asmudanças na estrutura produtiva e nos padrõesorganizacionais e tecnológicos. Algumas ocupaçõestípicas das classes médias estariam em declínio,outras se desqualificariam, e surgiriam novas pro-fissões ligadas à expansão das funções de gestão(Sassen, 1998). A estrutura social, alicerçada na in-dústria da informação, em especial nas grandesmetrópoles, estaria assentada, de um lado, na exis-tência de profissionais altamente qualificados e bemremunerados e, de outro, em um contingente detrabalhadores menos qualificados e de não menorimportância, como secretárias, faxineiros e trabalha-dores de manutenção, configurando uma estruturasocial no formato de ampulheta. Essa imagem, quenão encontra unanimidade junto aos pesquisado-res, estaria em contraposição à de um ovo, que re-presenta a predominância das camadas médias eoperárias na estrutura social e a presença reduzidados estratos superiores e inferiores dessa estrutura.

Com pressupostos e metodologia semelhan-tes foi possível analisar e, de certa forma, compa-rar o impacto das mudanças econômicas contem-porâneas sobre a estrutura social de São Paulo ede Salvador, assim como sobre o seu espaço urba-

no, como será visto posteriormente. Trata-se, comofoi assinalado, de duas metrópoles bastante dis-tintas em termos de trajetória, escalas, estruturasprodutivas e condições ocupacionais. Mas, alémdas características comuns às grandes cidades bra-sileiras, é exatamente essa diversidade que as tor-na representativas da múltipla realidade das me-trópoles do país.

São Paulo possuía, em 2000, 17,8 milhõesde habitantes e uma população ocupada de 7,12milhões de habitantes (taxa de ocupação de 40%),enquanto Salvador apresentava, no mesmo ano,uma população total de 3 milhões de pessoas euma população ocupada de 1,11 milhão (taxa deocupação de 37%). As taxas de incrementodemográfico também foram distintas no período1991–2000, com São Paulo crescendo a uma taxade 1,49% ao ano e Salvador atingindo 2,16% anu-ais. Uma semelhança entre as duas metrópoles foio menor crescimento no núcleo metropolitano (SãoPaulo com 0,81% anuais e Salvador com 1,85%anuais) do que nos outros municípios da metró-pole. O crescimento periférico foi dominante nasduas metrópoles, com taxas sempre maiores quena capital: a periferia de São Paulo com 2,55%anuais e a de Salvador com 3,59% ao ano.

Capital do Estado mais desenvolvido dopaís e considerada por alguns como a sua “cidadeglobal”, São Paulo comanda uma região metropoli-tana com uma estrutura produtiva poderosa ediversificada, como já foi visto, onde se destaca opeso das atividades industriais e dos serviços

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especializados. Só o município de São Paulo con-centra em torno de 12% do PIB nacional, 13% doPIB de serviços e 10% do PIB industrial. Já Salva-dor se caracteriza como uma cidade de baseterciária, com características econômicas mais mo-destas e uma participação no PIB em torno de 1%,como a tabela I deixa patente, ainda que essa dife-rença deva ser relativizada pela dimensãopopulacional. (São Paulo possui 11 milhões dehabitantes e Salvador 2,5 milhões).

Ainda que a queda relativa da produção e doemprego industrial ou o aumento da informalidadesejam comuns às duas cidades (assim como a ou-tras metrópoles brasileiras), não se poderia espe-rar que os impactos dos fenômenos associados aoprocesso de globalização sobre realidades tão dife-renciadas pudessem ser iguais. São Paulo, maisindustrializada e desenvolvida, foi afetada princi-palmente na configuração do seu mercado de tra-balho, com o setor terciário assumindo uma gra-dual predominância nas últimas décadas do sécu-lo XX, frente a processos de modernização e relati-va retração dos postos de trabalho no setor indus-trial, assim como a certa desconcentração dessetipo de atividade, com a transferência de empresaspara outras regiões do estado e do país. Nesse pro-cesso, observou-se também a reconfiguração dasclasses médias, em razão de mudanças na estrutu-ra produtiva e nos padrões organizacionais etecnológicos, além do surgimento de novas profis-sões ligadas à expansão das funções de gestão.

Dados da RAIS (Relação Anual de Informa-ções Sociais do Ministério do Trabalho), que co-brem o período de 1991 a 2000, atestam a reduçãodo trabalho formal nas metrópoles de São Paulo eRio de Janeiro, as maiores do país, onde o impactoda reestruturação produtiva parece ter sido maisintenso (a taxa de crescimento dos empregos for-mais de São Paulo no período foi de -0,28% aoano, e a do Rio de Janeiro, de -0,87% anuais), in-clusive porque, nessas metrópoles, o mercado detrabalho era mais bem estruturado. Se, em 1991,os empregados com carteira de trabalho constituí-am 62% dos empregados, em 2000, esse percentualfoi de apenas 51%. Ao longo desse período, a

RMSP perdeu atividades industriais (a proporçãode trabalhadores industriais entre os ocupados caiude 27,35 em 1991 para 24,01% no ano 2000) eampliou o emprego em serviços, tanto entre os tra-balhadores do terciário especializado (que passoude 15,19% para 19,34%) como dos trabalhadoresnão especializados (que subiram de 13,71% para16,16%).Entre os trabalhadores do secundário, aperda maior foi entre os da indústria tradicional,que representavam 9% do total dos ocupados em1991, passando a 4,6% no ano 2000.

As tabulações dos empregos formais (RAIS/CEMPRE) mostram as mesmas tendências de per-da de emprego industrial e ganho de empregos nosetor de serviços. Entre os 4.749.100 empregosformais na metrópole em 1991, 35,22% estavamno setor industrial, 11,03% no comércio e 45,23%nos serviços. Já em 2000, com 4.630.809 empre-gos formais, esses percentuais eram 25,34%,15,12% e 59,26%. Dados de 2007 (6.160.103 em-pregos formais) confirmam essa tendência da per-da de empregos na indústria. Nesse ano, os em-pregos industriais representaram apenas 23,71%do total de empregos formais na metrópole paulista.Mesmo o número absoluto de empregos industri-ais formais na Grande São Paulo, em 2007, com-putava cerca de 212 mil empregos a menos que em1991, embora, entre 2000 e 2007, perceba-se certarecuperação. De outro lado, os empregos no co-mércio dobraram entre 1991 e 2007, tendo aumen-tado a uma taxa de 6,43% ao ano no período 2000–2007, taxa 54% maior que o aumento do total deempregos formais no mesmo período. Os empre-gos em serviços tiveram incremento absoluto de859 mil postos de trabalho. A taxa de aumentodos empregos em serviço foi de 3,97% anuais en-tre 2000 e 2007, maior que no período 1991–2000,quando alcançou 2,60 % anuais. Dessa forma, atendência observada nos anos 90, de perda deempregos industriais e ganho no comércio e emserviços, se mantém nos anos 2000.

A evolução dos empregos formais de Salva-dor, no período 1991 a 2000, mostra tendênciassemelhantes em outro patamar: diminuição da pro-porção dos empregos na indústria (perda de 28%

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em São Paulo e 24% em Salvador), aumento dosempregos no comércio (36,4% em São Paulo e23,9% em Salvador) e nos serviços (31% em SãoPaulo e 13,5% em Salvador). Embora na mesmadireção, em São Paulo as mudanças na estruturado emprego formal foram mais intensas, tal comona população ocupada. A perda de empregos in-dustriais teve maior intensidade, assim como oganho nos serviços. Já na década de 2000, perce-be-se recuperação relativa dos empregos industri-ais formais na metrópole baiana: passaram a repre-sentar 17,05% do total de empregos formais nessametrópole. Em números absolutos, a metrópole deSalvador compensou sua perda de quase 11 milpostos de trabalho na indústria nos anos 90 com oganho de quase 52 mil empregos industriais for-mais entre 2000 e 2007. A taxa de incremento deempregos industriais foi de 5,98% nesse período,1,6 vezes a taxa de crescimento do total de empre-gos, mostrando uma recuperação dos postos detrabalho na indústria. Nesse ponto, Salvador dife-re profundamente de São Paulo. Por outro lado,mais da metade do ganho de 204 mil empregosformais em Salvador e 1,53 milhões em São Paulo,no período 2000 a 2007, é devida ao aumento deempregos no setor de serviços.

Apesar do incremento das atividades doSetor Terciário, muitas vezes associado a uma per-da de qualidade da ocupação, a metrópole paulistanão reduziu suas taxas de desemprego, que per-sistiram elevadas: segundo dados da FundaçãoSEADE, no ano de 2000, a taxa de desemprego dapopulação de 15 anos e mais era de 17,7%. Nadécada de 1990, marcada pela abertura e pelareestruturação produtiva, São Paulo acusou perda

de quase 120 mil postos formais de trabalho, con-forme os dados da Tabela 3. A recuperação eco-nômica que se deu a partir de 2005 é atestada pelojá citado incremento absoluto de 1,53 milhões deempregos formais no período 2000–2007.

Não foi exatamente essa a trajetória de Sal-vador, cuja região apresentara certo dinamismo nadécada de 1980, com a implantação do PoloPetroquímico de Camaçari. Apesar desse dinamis-mo, ela terminou por ser penalizada, na medidaem que os efeitos adversos da abertura e dareestruturação produtiva se somaram ao abando-no das políticas nacionais de desenvolvimentoregional, à extrema concentração da riqueza esta-dual em alguns poucos municípios da RegiãoMetropolitana, ao perfil da moderna indústriabaiana e à conformação e fragilidade anterior de suaestrutura ocupacional.2 Ainda que a RMS tenhaapresentado um saldo positivo de empregos formaisentre 1991 e 2000 – com o ganho de mais 113 mil

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2 Salvador é capital da Bahia, um estado de base agrícolabastante populoso e relativamente menos desenvolvi-do, com diversas zonas estagnadas ou deprimidas, ca-rente de cidades de porte médio mais dinâmicas no seuinterior, que pudessem absorver as levas de migrantesda sua (ainda) numerosa população rural.

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postos de trabalho, saldo este que continua positi-vo entre 2000 e 2007, com ganho de 204 mil postosde trabalho formal –, a capital baiana e os princi-pais municípios do seu entorno experimentaramuma verdadeira desestruturação do seu mercado detrabalho (Borges, 2003), com profundos reflexossobre as suas condições sociais e urbanas.

A terceirização também avançou em ramosimportantes da economia urbana, como os servi-ços financeiros e de utilidade pública (Carvalho;Almeida; Azevedo, 2001). Para a metrópole comoum todo, a proporção dos trabalhadores ocupa-dos no setor secundário, entre 1991 e 2000, pas-sou de 21% para 19,4% do total de ocupados,mantendo a proporção de trabalhadores da indús-tria moderna em torno de 4% dos de ocupados e ode operários da indústria tradicional em torno de3% desse total. Entre os trabalhadores do secun-dário, só houve redução significativa na propor-ção de operários dos serviços auxiliares.

Contudo a precariedade ocupacional se gene-ralizou, atingindo, inclusive, segmentos antes prote-gidos, como os trabalhadores mais escolarizados eexperientes, e a proporção de contribuintes à pre-vidência diminuiu. Segundo estimativas dePasternak (2009), entre 1991 e 2000, a taxa deinformalidade passou de 29,7% para 37% na capi-tal baiana, e o desemprego, antes mais restrito, afe-tou intensamente os segmentos mais desfavorecidosdo mercado de trabalho, como os jovens, as mu-lheres, os negros e os trabalhadores de menor es-colaridade, chegando a 25% da PEA. Ademais, noano 2000, o Censo Demográfico constatou que 28%dos ocupados na Região Metropolitana de Salva-dor tinham rendimento médio mensal, em todos ostrabalhos, de até um salário mínimo; que a parcelados moradores em condições de pobreza chegava a46% e a daqueles em condições de indigência a23,1%, verificando-se tanto um processo de inten-sificação da pobreza e da indigência como umareconcentração da renda na área entre 1991 e 2000.Se, em 1991, os mais pobres detinham 2,7% darenda, em 2000, eles se apropriaram de apenas 1,7%,enquanto a parcela dos mais ricos passou de 45,7%para 48,3% da renda total.

Com os dados obtidos nas pesquisas doObservatório das Metrópoles, pode-se observarmelhor a estrutura sócio-ocupacional das duas me-trópoles no período considerado e suas transfor-mações. Para verificar a procedência ou não das te-ses da global city na realidade brasileira, foi elabora-da uma hierarquia sócio-ocupacional, com a cons-trução de um conjunto de categorias a partir dasvariáveis censitárias de ocupação, segundo a Clas-sificação Brasileira de Ocupações (CBO), criada deacordo com as diretrizes da Classificação Internaci-onal Uniforme de Ocupações (CIUO) da Organiza-ção Internacional do Trabalho (OIT). Os dadoscensitários são os únicos disponíveis no Brasil, comcapacidade simultânea de comparabilidade no tem-po e no espaço, contemplando dados do mundodo trabalho. Como pontos de referência, foramutilizados o sistema de classificação das profissõesna França, adotado pelo Institut Nationald’Économie et Statistique (INSEE), e o primeirotrabalho comparativo realizado entre Paris e Riode Janeiro (Preitecelle; Ribeiro, 1998).

Essas pesquisas têm como ponto de partidauma concepção multidimensional da estruturação doespaço social, o que permite alcançar uma compre-ensão mais refinada das eventuais posições sociaisque os grupos de indivíduos ocupam e detectar asmúltiplas escalas de hierarquização no espaço.

As categorias sócio-ocupacionais, através dasquais é possível captar a segmentação social nasmetrópoles brasileiras, foram construídas a par-tir de alguns princípios gerais que se contrapõeme que estão na base da organização da sociedadecapitalista, tais como: capital e trabalho, grandee pequeno capital, assalariamento e trabalhoautônomo, trabalho manual versus não-manuale, atividades de controle e de execução. Tambémfoi levada em consideração a diferenciação entresetores da produção, como o Secundário e oTerciário, e, finalmente, entre os ocupados noSetor Secundário, foi feita uma distinção a partirda inserção dos trabalhadores nos segmentosmodernos ou tradicionais da indústria.(Mammarella, 2007, p. 157)

Como as Tabelas 4 e 5 deixam patente, aGrande São Paulo se diferencia das metrópolesbrasileiras pela maior concentração de ocupadosdas categorias superiores e médias, dos trabalha-dores do secundário e dos profissionais de nível

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superior. O peso das categorias médias fica em voltade 30% da população ocupada nas duas metrópo-les, mas a Região Metropolitana de Salvador apare-ce com características marcantes de uma metrópolemais empobrecida, com percentuais relativos me-nores nas categorias superiores e maiores nas cate-gorias populares urbanas, além de uma maior pro-porção de trabalhadores agrícolas, concentrados nosmunicípios menos desenvolvidos da sua periferia.

Com o avanço da urbanização, as duas me-trópoles reduzem significativamente a participaçãodesses últimos trabalhadores, tendo também emcomum um aumento proporcional dos profissio-

nais de nível superior. Mas a estrutura ocupacionalde Salvador apresenta uma maior estabilidade quea de São Paulo, (pois as únicas categorias que apre-sentaram uma mudança significativa na décadaanalisada foram os profissionais de nível superi-or, com aumento, e os trabalhadores agrícolas, comredução), que ganha uma proporção mais signifi-cativa de trabalhadores do terciário especializadoe não especializado.

No núcleo metropolitano – as cidades deSalvador e São Paulo –, a estrutura sócio-ocupacional apresenta maiores diferenças: tanto em1991 como em 2000, o município de São Paulo

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tem proporção maior de categorias superiores queSalvador e proporção menor de categorias popula-res urbanas. Mas nota-se que, na capital paulista,há perda de dirigentes, ganho de profissionais denível superior e ligeira perda de pequenos empre-gadores, enquanto que, em Salvador, há certa ma-nutenção dos dirigentes, ganho dos profissionaisde nível superior e dos pequenos empregadores,resultando num ganho significativo das camadassuperiores que não se observa em São Paulo, ondea expansão relativa foi dos trabalhadores do terciárionão especializado. A capital de São Paulo perde tra-balhadores do secundário, especialmente os da in-dústria moderna e tradicional. Alguns estudos in-dicam que as indústrias tradicionais saíram da me-trópole e da capital em grande número, o que expli-ca a perda de 52% na proporção de ocupados nes-sas indústrias na capital (a proporção de ocupadospassou de 8,59% em 1991 para 4,45% no ano 2000).Isso acontece em menor escala em Salvador.

Analisando as informações a partir de trêsgrandes grupos – superior, reunindo dirigentes,profissionais de nível superior e empregadores;médio e popular, com os trabalhadores manuais:comércio, serviços especializados e nãoespecializados e operários industriais – pode-seconcluir que, na década de 90, a metrópole de SãoPaulo não apresentou mudanças muito significati-vas na sua estrutura hierárquica. As categoriassuperiores tiveram um pequeno aumento relativo,passando de 10,85% do total de categorias para11,84%, assim como os trabalhadores manuais,que passaram de 56,25% para 59,50%. Já a parti-cipação das categorias médias sofreu uma leve re-dução de 32,03% para 28,15%, números que esta-riam indicando certa tendência à polarização soci-al. Foram os profissionais de nível superior osmaiores responsáveis pelo aumento relativo dascategorias superiores na década estudada, tanto nametrópole como um todo como no núcleo e nosdemais municípios metropolitanos. Tanto profis-sionais autônomos como empregados de nível su-perior tiveram um crescimento de mais de 20% nadécada no contexto metropolitano.

De outro lado, o grupo dos dirigentes teve

uma perda relativa de mais de 20%, tanto no nú-cleo como nos demais municípios, associada prin-cipalmente ao decréscimo dos grandes emprega-dores. A redução desse grupo em números abso-lutos foi de quase 36 mil pessoas, em um total de90 mil, ou seja, uma redução de praticamente 40%.Podem-se esboçar algumas hipóteses para explicaresse fenômeno, hipóteses essas não mutuamenteexclusivas: sua saída da metrópole, sua reduçãopor falência, fusão ou venda de empresas (na dé-cada de 1990, muitas fecharam, sobretudo as deporte médio). Além disso, observa-se que uma partedesses dirigentes está se deslocando do núcleo paraoutros espaços da região metropolitana, onde semultiplicam os condomínios residenciais fechados.

A estrutura ocupacional de Salvador, anali-sada igualmente a partir dos 3 grandes grupos,mostra também uma estabilidade entre 1991 e 2000,com as categorias superiores por volta de 9%, asmédias variando de 30,08% em 1991 para 30,33%no ano 2000 e as categorias populares urbanas porvolta de 61%. Para as categorias superiores, foramos profissionais de nível superior os responsáveispelo aumento na década. Diferentemente de SãoPaulo, há ligeiro aumento dos dirigentes, mais acen-tuado na periferia que no núcleo, o que talvez sejaexplicado pela expansão dos condomínios fecha-dos, principalmente na orla de Lauro de Freitas. Opeso das classes médias na estrutura social perma-nece significativo, associado, entre outros fatores,ao peso dos funcionários públicos na sua composi-ção. Comparando a renda dessas camadas médiasde Salvador com as de São Paulo, verifica-se que,em Salvador, essa renda não ia além de 3,63 salári-os mensais per capita em 2000, frente aos 5,24 salá-rios registrados em São Paulo na mesma época.3

3 Contudo, ao contrário do que se poderia esperar, a pro-porção de contribuintes da previdência era relativamen-te maior em Salvador (62,3%) que em São Paulo (58%),provavelmente pelo peso dos funcionários públicos nametrópole baiana. As categorias analisadas anteriormentetambém apresentam outras diferenças entre as duas regi-ões. Em decorrência das transformações recentes de Sal-vador, suas categorias dirigentes estão mais próximas dos“cânones modernos”, sendo relativamente mais jovem,com uma maior proporção de mulheres e de não -brancose, curiosamente, auferindo uma renda média per capitade 16 salários mínimos, superior à dos dirigentes paulistas(com 14 salários). Entre esses últimos, a proporção dedirigentes nascidos no exterior chega a 31%, pela presen-

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As categorias populares urbanas em Salva-dor experimentaram também uma pequena perdana década, passando de 20,9% dos ocupados em1991 para 19,38% no ano 2000. Entre os trabalha-dores do secundário, há perda significativa dosoperários dos serviços auxiliares, diferentementede São Paulo, onde são os únicos trabalhadoresdo secundário com aumento significativo. E tantoem São Paulo como em Salvador, os prestadoresde serviços especializados (garçons, vigilantes,cozinheiros, além de trabalhadores de comunica-ção, TV e telefone, marceneiros, carpinteiros e se-melhantes) foram os principais responsáveis peloaumento notado, de 8,87% em 1991 para 11,46%no ano 2000. Em Salvador, não se nota, como emSão Paulo, o aumento da base da pirâmide: a pro-porção de trabalhadores não especializados foi de21,82% do total de ocupados em 1991, passando a19,96% no ano 2000, pois a retração do mercado detrabalho se refletiu principalmente em um aumentodo desemprego, mais elevado na metrópole baianaque em todas as demais metrópoles brasileiras.

Salvador é uma metrópole extremamentedesigual, com ilhas de afluência em meio a umagrande pobreza, onde 1,2% de uma elite de gran-des empregadores, dirigentes do setor público eprivado, e de 6,55% de profissionais de nível su-perior convivem com uma porção de 20% de tra-balhadores do terciário não especializado. Em SãoPaulo, a uma elite de 1,37% e de 7,83% de profis-sionais de nível superior corresponde uma pro-porção de 16,16% de trabalhadores do terciárionão especializado, embora seja ela a única das gran-des metrópoles brasileiras onde o aumento dessacategoria de trabalhadores foi paralelo ao cresci-mento dos profissionais de nível superior e a umapequena perda do peso das categorias médias,mantendo certa tendência à polarização, apesar darelativa estabilidade da estrutura social.

São Paulo, como região mais industrializa-

da e desenvolvida, possui 40,35% dos trabalha-dores manuais urbanos no setor secundário,32,50% ocupados no terciário e 27,16% no terciárionão especializado. Já Salvador tem apenas 31,89%dos seus trabalhadores manuais urbanos no setorsecundário, 35,26% no terciário e 32,85% noterciário não especializado. No âmbito do setorsecundário, as diferenças são ainda mais significa-tivas, pois, enquanto em São Paulo 11,94% dostrabalhadores manuais urbanos se encontram naindústria moderna e 10,63% na construção civil,em Salvador esses números atingem 6,7% e13,13%, respectivamente. Entre os ocupados noterciário não especializado de Salvador, os empre-gados domésticos chegam a 16,15%, enquanto emSão Paulo esse percentual não vai além de 12,14%,sendo provavelmente esse um dos motivos queexplicam a situação bem mais precária desses tra-balhadores na metrópole baiana.4

Há diferenças entre os perfis das distintascategorias em São Paulo e Salvador, mas tambémpontos comuns. A grande distinção aparece entreas categorias dentro de cada metrópole. As desi-gualdades constituem uma marca básica das me-trópoles brasileiras, maiores no Nordeste que noSudeste. A renda média da elite baiana é maiorque a da elite paulista, levantando a hipótese, refe-rendada pela proporção de migrantes recentes nes-sa elite, que executivos e outros trabalhadores deelevada qualificação venham sendo atraídos poraltos salários e bonificações para trabalhar na in-dústria e serviços modernos da região metropoli-tana de Salvador.

A partir dos dados apresentados, pode-sesupor, também, que talvez a maior e mais rica me-trópole brasileira tenha sido mais intensamenteatingida pelos efeitos adversos das transformações

ça dos executivos das multinacionais, embora essa pro-porção em Salvador também não seja desprezível, com12% desses profissionais nascidos fora do Brasil. As cate-gorias médias são igualmente mais jovens, femininas, ecom 69% de não -brancos em Salvador (em São Paulo,elas são pouco mais de 25%). O nível de escolaridade ésemelhante (10 anos de estudo, em média), apesar dagrande diferença em termos de remuneração.

4 Nas duas metrópoles, as mulheres representam mais de70% dos ocupados no terciário não especializado. Outrascaracterísticas desses trabalhadores, porém, são bastantediferenciadas. Em Salvador, os contribuintes da previ-dência não chegam a 9%, enquanto em São Paulo elesrepresentam 82% dessa categoria de trabalhadores. Nametrópole paulista, 53% são brancos (e, sobretudo, nor-destinos) e sua escolaridade média era de 6,03 anos deestudo no ano 2000, enquanto, na metrópole baiana, osbrancos não representavam mais que 14% e a escolarida-de média era de 5,29 anos. A maior diferença, porém, seencontrava na sua renda média per capita: 1,61 saláriosmínimos em Salvador e 2,14 salários em São Paulo.

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econômicas da última metade do século XX, umavez que o seu mercado de trabalho era mais bemestruturado e que a indústria foi especialmente afe-tada pela reestruturação produtiva, no decorrerdessas transformações; que a estrutura ocupacionalmanteve certa estabilidade, tanto em São Pauloquanto em Salvador, ainda que associada a algu-mas novas tendências como: i) um avanço comumda profissionalização, com um significativo aumen-to dos profissionais de nível superior; ii) um pro-cesso de terciarização, com forte incremento dostrabalhadores do terciário especializado e não es-pecializado em São Paulo, enquanto em Salvadoros trabalhadores do terciário especializado regis-travam uma pequena expansão, mas os efeitos doajuste e da reestruturação produtiva se manifesta-ram, sobretudo, no extraordinário aumento dodesemprego; iii) uma desproletarização relativa, comum aumento dos operários dos serviços auxiliarese perda dos trabalhadores da indústria tradicionale moderna em São Paulo, e uma menor reduçãodos trabalhadores do secundário em Salvador, ondesua participação já era tradicionalmente mais res-trita; iv) um relativo decréscimo do peso dos diri-gentes (grandes empregadores, principalmente) emSão Paulo, enquanto em Salvador ele se tornavaum pouco mais expressivo; v) uma ampliação donúmero de trabalhadores não especializados (am-bulantes, biscateiros e empregados domésticos) emSão Paulo, enquanto em Salvador o seu peso sem-pre foi mais significativo.

Concluindo essas observações, vale lembrarque, nos primeiros anos deste novo milênio e, es-pecialmente a partir de 2005, a economia brasilei-ra recuperou certo dinamismo e o processo dedesestruturação e precarização do mercado de tra-balho que marcou a década de noventa se inter-rompeu, registrando-se um crescimento da ocupa-ção e do emprego formal e certa redução do de-semprego. Embora ainda não haja uma avaliaçãomais precisa dos impactos desse fenômeno sobrea estrutura social, há indícios de que teria ocorri-do alguma melhoria das condições de ocupação esubsistência da população, favorecendo, sobretu-do, aquelas metrópoles com maior capacidade deatrair os novos investimentos. As taxas de deso-cupação das duas metrópoles caíram a partir de2005: a de Salvador ainda se mantém elevada, masreduziu-se de 17,3 em 2005 para 14,2 em 2008; ade São Paulo também se reduziu, partindo de pa-tamar menos elevado em 2005 (13,4) e alcançando9,0 em 2008.

Com o próximo Censo de 2010, esses im-pactos poderão ser mais bem avaliados, assim comoa persistência (ou não) das tendências apontadasanteriormente. Ainda assim, a partir de dados dasPNADs (Pesquisas Nacionais de Amostra por Do-micílios) de 2001 a 2008, podem-se compatibilizaras variáveis pesquisadas para as grandes categori-as sócio-ocupacionais, com o cuidado de não secompararem informações censitárias de 1991 e2000 com os dados das PNADs de 2001 a 2008,

oãSedsanatiloporteMseõigeR.8002e4002,1002,lanoicapuco-oicósopurgrop,adapucooãçalupoP-6alebaTmegatnecropme,rodavlaSeoluaP

sianoicapuco-oicóSsopurG oluaPoãSedMR rodavlaSedMR1002 4002 8002 1002 4002 8002

setnegiriD 4,1 8,0 9,0 7,0 5,0 4,0roirepuslevínedsianoissiforP 8,6 4,7 1,8 7,4 3,4 3,6

serodagerpmesoneuqeP 7,2 7,2 3,2 7,2 2,2 6,1seroirepussairogetaC 9,01 9,01 3,11 1,8 0,7 3,8

saidémsairogetaC 2,03 9,92 2,03 8,62 7,62 2,72oiráicretodserodahlabarT 6,81 8,02 0,12 7,91 4,12 9,02oirádnucesodserodahlabarT 5,22 0,12 2,22 2,02 1,91 6,91

odazilaicepseoãnoiráicretodserodahlabarT 2,71 7,61 7,41 4,32 0,42 9,22sanabrusiaunamsairogetaC 3,85 5,85 9,75 3,36 5,46 4,36

serotlucirgA 7,0 7,0 6,0 7,1 9,1 2,1.ERPMEC/SIARadsodaD:etnoF

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devido a problemas metodológicos na construçãodas variáveis envolvidas.

Nota-se que, para a Região Metropolitana deSão Paulo, a tendência de perda de dirigentes obser-vada na década de 90 se mantém no início dos anos2000: em números absolutos, essa perda atingiu, entre2001 e 2007, mais de 16 mil ocupados, o que signi-fica mais de 17% dos dirigentes. Em 2008, tanto opeso relativo como o número absoluto desses diri-gentes tornou a crescer, reduzindo-se a perda no pe-ríodo para menos de 10 mil. A profissionalizaçãotambém se mantém como tendência: o peso relativodos profissionais de nível superior aumenta em maisde 1 ponto percentual no intervalo entre 2001 e 2008,o que significa um incremento de quase 32% dessesprofissionais em 7 anos. As camadas médias mostra-ram-se relativamente estáveis, em torno de 30% dototal de ocupados, evidenciando certo aumento rela-tivo e absoluto em 2008, quando alcançaram 32% dototal de ocupados. Em 1991 eram 32%, e tinham sereduzido para 28% em 2000, pelos dados censitários.Entre as categorias manuais urbanas, a tendência aoseu aumento relativo não se manteve: seu peso seestabilizou em torno de 58% dos ocupados. No ano2000, esse peso foi de 59,5%. A terciarização, ouseja, o incremento dos trabalhadores do terciário, fortedurante a década de 90, manteve-se. Entre 2001 e2008, o aumento absoluto de trabalhadores doterciário na metrópole foi de 420 mil, dos quais 253mil entre 2008 e 2006. A recuperação da economiaapós 2005 refletiu-se nesse incremento de ocupaçõesterciárias, mostrando com clareza a mudança do per-fil econômico da metrópole. A perda de ocupaçõesno secundário da década de 1990 inverte-se: em 2001,os trabalhadores do secundário representavam 22,5%do total de ocupados, percentual que se reduziu para20,3% em 2003, tornando a subir para 21,2% em2006 e se estabilizando em 22,2% em 2008. Em nú-meros absolutos, entre 2001 e 2008, nota-se um gan-ho de 428 mil ocupados no secundário. Da mesmaforma, muda a tendência de aumento da base da pi-râmide evidenciada nos anos 90: o peso relativo dostrabalhadores do terciário não especializado reduz-se de 17,2% dos ocupados em 2001 para 14,7% em2008, embora ,em números absolutos, perceba-se um

incremento de 83 mil ocupados nessa categoria. As-sim, nas categorias superiores, as tendências se man-têm e, nas manuais urbanas, mantém-se aterciarização, mas não a desproletarização e o ganhona base da pirâmide.

A estrutura social de Salvador apresentadistribuição relativa das categorias manuais urba-nas maior que a paulista, com cerca de 63% dapopulação ocupada nessa categoria, enquanto que,em São Paulo, seu peso relativo fica em torno de58%. E, dentro das categorias manuais urbanas,durante os anos 2000, notou-se um peso decres-cente dos trabalhadores do secundário, que repre-sentavam 20,2% do total de ocupados em 2001 e18,3% em 2008, embora com crescimento do nú-mero absoluto em 81 mil trabalhadores. O pesorelativo dos trabalhadores do terciário não especi-alizado se mantém em 23% do total de ocupados,com aumento de 97 mil no período. A metrópolede Salvador mostra, como a paulista, tendência àterciarização: em 2001, o percentual de trabalha-dores do terciário foi de 19,7%, e sobe a 21% em2007, atingindo 20,9% em 2008, com incrementode 110 mil trabalhadores no período 2001–2008.Esse aumento de terciários foi 43%, superior aoincremento de 35% do total de ocupados. Assim,entre as tendências notadas nos ano 90, mantém-sea ligeira perda de trabalhadores do secundário, commanutenção relativa da base da pirâmide, mas sur-ge tendência à terciarização, ausente dos anos 90.

Em relação às categorias médias, há manu-tenção do peso relativo, com oscilação em tornode 27% do total de ocupados. E, nas categoriassuperiores, uma estranha oscilação entre os diri-gentes, que representavam 0,7% do total de ocu-pados em 2001, chegam a 2006 com o mesmopercentual, que cai para 0,4% em 2008. Em núme-ros absolutos, os 9.500 dirigentes em 2001 sobempara 11.400 em 2006 e diminuem para 7.200 em2008. O dado difere fortemente do censitário de1991 e 2000, que apresenta 1,2% da populaçãoocupada como dirigente. De outro lado, a tendên-cia à profissionalização se mantém, com aumentodo peso relativo dos profissionais de nível superi-or de 4,7% para 5,1% do total de ocupados.

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Assim, as duas metrópoles apresentam emcomum, nos anos 2000, tendência à profissionalizaçãoe à terciarização. Em Salvador, mais que em SãoPaulo, percebe-se leve desproletarização. E, nasduas, nos anos 2000, não se pode falar em aumen-to da base da pirâmide social, apesar de esse au-mento ter sido visível em São Paulo na década de90. As camadas médias permanecem estáveis.

AS TRANSFORMAÇÕES SOCIOESPACIAIS

A partir das colocações teóricas sobre a ten-dência à dualização social e urbana das grandesmetrópoles, diversos autores têm polemizado a res-peito dos impactos das transformações em apreçosobre os padrões de apropriação e utilização do solourbano, e, no caso do Brasil e de outros países lati-no-americanos, sobre a persistência do modelo cen-tro-periferia que marcou a sua urbanização. A ques-tão básica, conforme Marcuse e Van Kempem (2000),é se há algo distinto nas cidades atuais em relaçãoàs cidades de ontem. O que haveria de novo nascidades (particularmente na estrutura intraurbana)e qual seria a repercussão das mudanças na econo-mia e na estrutura social em termos de um possívelaumento das desigualdades? Embora reconheçamque a globalização não produz, diretamente, umdeterminado padrão espacial, os autores levantama hipótese de que as transformações a ela associa-das estariam levando a uma nova ordem urbana,com a concentração espacial de uma nova pobreza,de um lado, e de atividades altamente especializadase internacionalizadas, de outro, com o aumento dasdivisões espaciais, das fronteiras e dos muros físi-cos e sociais entre as classes e a constituição decidades cada vez mais fracionadas e segregadas.

A tese de que os processos de globalizaçãoe de terciarização provocariam um aumento dapolarização social e da desigualdade espacial temsido contestada por autores como Preteceille (1995)ou Hamnett (1994), apontando que, em Paris eLondres, a evolução se deu de outra maneira.Maldonado (2000) também assinala que, em Ma-dri, o resultado das mudanças foi a elevada

profissionalização das categorias sociais, com umcrescimento das camadas médias e uma reduçãodas desigualdades. Apesar dessa polêmica, há umconsenso na literatura de que as transformaçõescontemporâneas, com as mudanças nas formas deprodução, o declínio da intervenção estatal, asnovas tecnologias e distintas relações de poder in-fluenciam os padrões de urbanização e a morfologiadas cidades.

Utilizando-se a metodologia do Observató-rio das Metrópoles, (cuja base é uma tipologiasocioespacial que classifica de forma hierárquicaas diversas áreas que compõem o espaço metropo-litano) e comparando-se o que foi observado em1991 e em 2000, essa influência foi analisada paraSão Paulo e para Salvador.5 Essa tipologia foiconstruída com base nos dados censitários sobre aocupação da população economicamente ativa, con-siderando a distribuição das categorias ocupacionaisapresentadas anteriormente no espaço de cada me-trópole, utilizando-se, como recorte territorial, áre-as definidas por uma agregação dos setorescensitários utilizados no Censo de 2000 pelo IBGE:as Áreas de Expansão Domiciliar (AEDS).

5 Essa tipologia foi construída com base nos dadoscensitários sobre a ocupação da população economica-mente ativa, considerando a distribuição das categoriasocupacionais apresentadas anteriormente no espaço decada metrópole, utilizando-se, como recorte territorial,áreas definidas por uma agregação dos setores censitáriosutilizados no Censo de 2000 pelo IBGE: as Áreas de Ex-pansão Domiciliar (AEDS).Para São Paulo, essa tipologia abrange 12 tipos de áreasem 2000, que foram agrupadas em 5 grandes tipos: áreasdo tipo superior, que apresentam 31% dos ocupados emcategorias superiores; áreas médias, que tinham 11%dos seus ocupados residentes nas categorias superiores,33% nas ocupações médias e 55% como trabalhadoresmanuais urbanos; áreas operárias, com 35% dos seus ocu-pados como trabalhadores do secundário, 22% em ocupa-ções médias e apenas 4% como categorias superiores; áre-as populares, com 35% dos seus ocupados como traba-lhadores do terciário não especializado e operários da cons-trução civil e apenas 2,7% nas categorias superiores; e20% nas ocupações médias e áreas agrícolas, com 12% deseus trabalhadores em ocupações agrícolas. Em Salvador,a composição das áreas superiores, médias e populares ésimilar à de São Paulo. Pelas especificidades da metrópolebaiana, contudo, que não possui uma classe operária sig-nificativa nem espaços urbanos com essa composição, atipologia também abarca áreas do tipo popular inferior,que se destacam pela elevada concentração de prestadoresde serviços não qualificados, trabalhadores domésticos,ambulantes e biscateiros, e, em municípios da região me-tropolitana, áreas classificadas como popular agrícola oupopular operário agrícola; nesse último caso, trata-se demunicípios pequenos, de base popular agrícola, que, nasua (reduzida) população ocupada, englobam também tra-balhadores da indústria do petróleo.

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Como seria de esperar, pela própria nature-za da estrutura urbana, no que tange aos padrõesde apropriação e utilização do território e à confor-mação metropolitana, as transformações foram me-nos evidentes, pois as características do processode urbanização do Brasil levaram à constituição demetrópoles bastante desiguais e segmentadas.

Em São Paulo, as áreas superiores ficaramconcentradas como uma mancha no centro dametrópole, percebendo-se uma hierarquia descen-dente dos tipos socioespaciais conforme a distân-cia em relação a essa mancha, quebrada apenaspor algumas “manchas” superiores menores nazona oeste e por uma pequena “mancha” superiora leste. As áreas superiores geralmente estão cir-cundadas por áreas médias, também localizadasprincipalmente na capital. Essa organização doespaço corresponde ao modelo tradicional de se-gregação espacial, que é a de círculos concêntri-cos, com as camadas de alta renda residindo noscírculos mais centrais e as camadas de menor ren-da nos círculos contíguos, em direção à periferia.No caso de São Paulo, essa estrutura espacial ain-da se mantém de maneira bastante acentuada, em-bora comece a apresentar uma mistura social cres-cente. Vale ressaltar, conforme Villaça (1997), quea estrutura social desigual presente nas cidadesbrasileiras impediu que esse modelo de segrega-ção em círculos concêntricos fosse dominante,prevalecendo, para as áreas de elite, o modelo de“setores de círculo”, instalados numa mesma dire-ção a partir do centro principal de cada cidade.Ainda segundo Villaça (1998), as localizações as-sim produzidas são privilegiadas pela instalaçãode infraestrutura urbana e por outros atributos quegarantem o seu caráter de exclusividade e refor-çam a segregação.

A partir da lógica de estruturação espacialresponsável por sua configuração, registra-se, naRMSP, a presença de municípios tradicionalmen-te ligados à produção fabril, como Diadema, SantoAndré e São Bernardo a sudeste, Osasco a oeste,Guarulhos a leste e Cajamar ao norte. Nesses mu-nicípios, é marcante, ainda hoje, a presença degrandes áreas operárias, ainda que a maior parte

da periferia seja ocupada por áreas do tipo popu-lar e agrícola popular.

Em Salvador, os processos que levaram àexpansão da capital baiana e à constituição de suaregião metropolitana também produziram umaapropriação do espaço bastante desigual. Na OrlaMarítima de Salvador e do município de Lauro deFreitas, concentram-se os espaços superiores emédio superiores, em uma mancha praticamentecontínua, interrompida por alguns raros espaçosde tipo popular. Os espaços médios estão princi-palmente no centro e em áreas de ocupação maisantiga, assim como em poucos trechos do Miolo edo Subúrbio Ferroviário. Nesses dois vetores e nosdemais municípios da região metropolitana, en-contram-se os espaços de base popular ou popu-lar agrícola.

Em ambas as metrópoles, esse padrão deocupação se manteve ao longo da década passada,embora essa relativa persistência seja paralela aalgumas transformações em menor escala, na me-dida em que diversas áreas apresentaram tendên-cias a: i) elitização, com um aumento das categori-as superiores entre os seus residentes; ii)profissionalização, com o crescimento dos profis-sionais de nível superior; iii) terciarização, comuma maior presença de trabalhadores do setorterciário; iv) desproletarização ou proletarização,com a redução ou um aumento dos ocupados nosetor secundário; e v) popularização, com umaampliação do contingente de trabalhadores doterciário não especializado.

Confirmando a tendência a uma maior ex-clusividade e autossegregação das camadas de maisalta renda, elas permanecem ou se deslocam paraas áreas mais valorizadas da metrópole, aumen-tando essa valorização e impondo limites à entra-da de outros segmentos com menor poder aquisi-tivo. Observa-se, também, o deslocamento de par-te dessas camadas de alta renda para condomíniosfechados nas novas fronteiras de expansão do ca-pital imobiliário na periferia. Com isso, as áreassuperiores vêm se elitizando nas diversas metró-poles brasileiras (Lago; Mammarella, 2009), aindaque, em algumas delas, se observe a verticalização,

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com a substituição de antigas mansões por prédi-os de apartamentos que atraem, de modo crescen-te, moradores das classes médias. Os espaços mé-dios, por seu lado, vêm apresentando múltiplastendências, como a terciarização, aprofissionalização e a desproletarização. Os espa-ços operários, bastante significativos em São Pau-lo, mas praticamente inexistentes em Salvador, vêmapresentando tendências à terciarização e àpopularização. Já os espaços populares geralmen-te mantêm a sua composição, ainda que algunsdeles venham atraindo moradores das classes mé-dias e outros tenham se deteriorado com adesestruturação do mercado de trabalho, o cresci-mento do desemprego, a ampliação das carências,a expansão do tráfico de drogas e o crescimento daviolência, experimentando o que Waquant (2008)qualifica como um processo de “descivilização”.

Apesar da tendência à elitização das áreassuperiores, o maior espraiamento das camadasmédias e superiores no território metropolitano vemampliando a sua diversificação social. Embora nãose possa dizer que o padrão centro-periferia estejasuperado, metrópoles como São Paulo e Salvadortornaram-se mais segmentadas e, de certa forma,um pouco menos segregadas em termos espaciais,ainda que a proximidade física entre as diversasclasses possa estar associada a uma maior distân-cia social, como os condomínios fechados deixampatente. A isso se somam algumas outras mudan-ças, observadas em vários estudos sobre as de-mais metrópoles da América Latina (Ribeiro, 1999;Mattos, 2004; Duhau, 2005; Veiga, 2005; Bayon,2008; Lago; Mammarella, 2009), em que sobressa-em:§ O decréscimo e o esvaziamento de antigas áreas

centrais, como o centro histórico de Salvador ede São Paulo, com o deslocamento de áreas tra-dicionais de negócios e a constituição de novascentralidades, algumas associadas à proliferaçãode artefatos de grande impacto na estruturaçãodo espaço urbano, como complexos empresari-ais, grandes centros do comércio e serviços oucentros de convenções, como se observa nas ave-nidas Faria Lima e Berrini em São Paulo ou na

Avenida Tancredo Neves e em suas adjacênciasem Salvador.

§ A difusão de novos padrões habitacionais e in-vestimentos imobiliários destinados às camadasde alta e média renda, com destaque para os con-domínios horizontais fechados, que vêm seexpandindo em áreas como Barueri, Santana doParnaíba e Cotia, na região metropolitana de SãoPaulo, ou na orla marítima de Lauro de Freitas,na de Salvador. São condomínios implantadosgeralmente em áreas antes mais afastadas e ocu-padas pelas camadas populares ou por ativida-des agrícolas, mas com uma segmentação agoramais acentuada, que se expressa por meio dedispositivos explícitos de separação física e sim-bólica, como cercas, muros e sofisticados apara-tos de segurança, cujo objetivo é proteger seusmoradores da violência e de outras mazelas dagrande cidade.

§ Uma expansão das metrópoles para as bordas epara o periurbano, com o espraiamento da mo-radia das camadas de mais baixa renda para áre-as cada vez mais afastadas, associada não ape-nas ao crescimento da população como às trans-formações do mercado de trabalho, que tem le-vado os trabalhadores da base da pirâmide àbusca de menores custos com habitação.

§ Uma afirmação crescente da lógica e dos interes-ses do capital imobiliário na produção e repro-dução metropolitanas, alterando a paisagem e ascondições urbanas, entre outros motivos, pelaincorporação do discurso sobre as cidades glo-bais e do empreendedorismo urbano a ele asso-ciado. Em Salvador, esse fenômeno tem se exa-cerbado, a ponto de a Prefeitura local terencampado um conjunto de 22 projetos de in-tervenção “doados à cidade” por empresas dosetor imobiliário ou fundações a elas associadas,com o pomposo título de “Salvador a CapitalMundial”. Não por acaso essas intervenções seconcentram na Orla Marítima e em algumas ou-tras áreas de especial interesse do referido setor.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Partindo das discussões teóricas sobre oimpacto da globalização nas grandes regiões me-tropolitanas e com base na trajetória recente de SãoPaulo e de Salvador, o presente artigo tenta res-ponder a quatro questões básicas. Há algo distintona evolução da estrutura social das duas metrópo-les brasileiras – São Paulo e Salvador? Qual o im-pacto da reestruturação dos sistemas produtivosinduzidos pelas inovações tecnológicas e pelasexigências de um mundo globalizado nessas me-trópoles? Qual a relação entre as transformaçõesna estrutura social e as alterações no padrão desegmentação espacial do espaço intrametropolitanode São Paulo e Salvador? As mudanças sociais eespaciais nas duas metrópoles caminham no mes-mo sentido?

Como foi visto, a estrutura social das duasmetrópoles difere bastante: a de São Paulo apre-senta cerca de 10% nas categorias superiores, 30%nas médias e 58% nas categorias populares urba-nas; a de Salvador, 8% nas superiores, 27% nasmédias e 63% nas categorias populares urbanas.Esses perfis têm se mantido nas duas décadas es-tudadas, associados a algumas novas tendências.Nas duas metrópoles, há um avanço naprofissionalização, bem mais intenso em São Pau-lo do que em Salvador, com um significativo au-mento dos profissionais de nível superior; umadesproletarização relativa, com perda dos trabalha-dores da indústria tradicional em São Paulo, com-pensada pelo incremento de operários nos servi-ços auxiliares entre 1991 e 2000; mais recentemen-te, essa tendência diminuiu, com uma recupera-ção dos empregos formais no secundário; em Sal-vador, também ocorreu uma redução dos trabalha-dores no secundário, embora sua participação naestrutura ocupacional tenha sido sempre mais res-trita; entre 1991 e 2000, ocorre um decrescimentorelativo e absoluto dos dirigentes em São Paulo e amanutenção do seu peso relativo em Salvador, mas,na década de 2000, essa tendência se inverte, mos-trando como a recuperação econômica após 2005teve efeitos distintos nas duas metrópoles; entre

1991 e 2000, anos de crise, São Paulo apresentauma ampliação do número e do peso relativo dostrabalhadores do terciário não especializado. Apósa crise dos anos 2000, essa tendência se inverte:Salvador apresenta um peso relativo maior dessestrabalhadores (23%, contra 15% na metrópolepaulista em 2007). Aliás, esse peso relativo semantém estável desde 1991.

Nas duas metrópoles, as camadas médiasrepresentam percentual grande, maior em São Pauloque em Salvador. Não se percebe evidência de re-dução de seu peso relativo em nenhuma das duasmetrópoles, como tem afirmado a literatura sobreglobalização. Na metrópole paulista, a reestruturaçãoprodutiva é notada pela redução dos trabalhado-res do secundário e aumento do terciário e dosempregos em serviços. Mas os dados das PNADsdesmentem a hipótese de uma polarização cres-cente, pois não se percebeu aumento na base dapirâmide social e nem do extremo topo. Em Sal-vador, o emprego formal também avançou nos anos2000, com a criação de mais de 200 mil postosentre 2000 e 2007, sendo 56% deles nos serviçose 25% na indústria. Mas, apesar do aumento donúmero absoluto de trabalhadores do secundário,entre 2001 e 2007, há perda do seu peso relativo.Assim, nas duas metrópoles, percebe-se tendên-cia à desproletarização.

São Paulo, a maior e a mais rica metrópolebrasileira, foi intensamente atingida tanto pelosefeitos adversos das transformações econômicas daúltima década do século XX como pela recupera-ção dos anos 2000. Com uma estrutura produtivabastante complexa, um mercado consumidor am-pliado pela dimensão e renda da sua população euma maior disponibilidade de serviços produti-vos, São Paulo tem se beneficiado da referida recu-peração, persistindo como um importante centroindustrial e concentrando crescentemente os ser-viços superiores. Em 2008, por exemplo, ali esta-vam localizadas 41,6% das sedes das 100 maioresempresas do Brasil e 61% das sedes dos 100 mai-ores bancos.

Se as mudanças na estrutura ocupacionalforam diferenciadas e complexas, a estrutura só-

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cio-espacial apresentou uma maior inércia. Mas,na trajetória recente, tanto em São Paulo como emSalvador, houve um avanço de alguns processos,como o esvaziamento dos centros históricos, ummaior isolamento das elites (em São Paulo, 70%dos dirigentes concentravam-se nas áreas superio-res no ano 2000) e a manutenção de um padrão decrescimento periférico, com camadas populares re-sidindo cada vez mais longe; de outro lado, apesardo isolamento das elites e da localização cada vezmais longínqua das camadas pobres, percebe-semaior mistura social no resto das áreas. Como sevê, o paradigma das cidades globais, marcadas pelamaior polarização social e uma crescente dualizaçãodo espaço, parece muito pouco adequado para ana-lisar e compreender as transformações atuais dasmetrópoles brasileiras.

(Recebido para publicação em julho de 2009)(Aceito em agosto de 2010)

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Inaiá M. M. de Carvalho, Suzana Pasternak, Lúcia M. Bógus

TRANSFORMATIONS MÉTROPOLITAINES: SaoPaulo et Salvador

Inaiá Maria Moreira de CarvalhoSuzana Pasternak

Lúcia Machado Bógus

Cet article se veut d’ouvrir une discussion àpropos des impacts du processus de mondialisation surles grandes métropoles brésiliennes, fondée sur l’analysecomparative de la trajectoire récente de Sao Paulo et deSalvador qui apporte de riches informations à cettediscussion. À partir de la littérature actuelle concernantce sujet, on examine dans quelle mesure les phénomènesassociés à ce processus mèneraient à de plus amplestransformations au sein de la structure sociale et urbainede ces agglomérations. Grâce à cette analyse, on en arriveà la constatation qu’elles présentent une certaine stabilitéà côté des quelques changements dont la diversité et lacomplexité ne sont pas prises en considération dans lesformulations théoriques les plus courantes.

MOTS-CLÉS: métropoles, globalisation, mondia-lisation,transformations métropolitaines, São Paulo, Salvador.

METROPOLITAN TRANSFORMATIONS: São Pauloand Salvador

Inaiá Maria Moreira de CarvalhoSuzana Pasternak

Lucia Machado Bógus

This paper aims to discuss the impacts of theglobalization process on Brazilian metropolises basedon a comparative analysis of the recent trajectory ofSão Paulo and Salvador, which provides richinformation for this discussion. Starting from thecurrent literature on this topic, the paper analyzes theextent to which the phenomena associated with thisprocess are leading to greater changes in the social andurban structures of these agglomerations. It is noted,with this analysis, that they present some stability nextto some changes, whose diversity and complexity arenot being addressed by the most current theoreticalformulations.

KEYWORDS: cities, globalization. metropolitantransformations São Paulo, Salvador.

Inaiá Maria Moreira de Carvalho – Doutora em Sociologia pela Universidade de São Paulo.P rofessora doMestrado em Políticas Sociais e Cidadania da Universidade Católica do Salvador e do Programa de Pós-Gradu-ação em Ciências Sociais da Universidade Federal da Bahia - UFBA. Pesquisadora do Centro de RecursosHumanos - CRH/UFBA. Bolsista de produtividade em pesquisa do CNPq e coordenadora do núcleo do INCT/Observatório das Metrópoles de Salvador. Suas pesquisas abordam temas como mercado de trabalho, transfor-mações urbanas, pobreza e políticas sociais. Entre os seus trabalhos mais recentes que enfocam a questão dascidades estão os livros Como Anda Salvador (Rio de Janeiro, Letra Capital, 2009) e 2ª edição, atualizada eampliada (Salvador, EDUFBA, 2008) organizados em colaboração com Gilberto Corso Pereira, e os artigosGlobalização, Metrópoles e Crise Social no Brasil (EURE, Santiago, 2006), Dinâmica Metropolitana e Segrega-ção Socioespacial (Caderno CRH, n. 50, Salvador, 2007) e Dinâmica de una Metropoli Periferica en Brasil(Estudios Demograficos y Urbanos, México, 2010) os dois últimos em colaboração com Gilberto Corso Pereira.Suzana Pasternak – Doutora em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo, tem curso de especializaçãoem Urbanismo pela Université Paris I (Pantheon- Sorbonne) e em Saúde Pública pela Universidade de SãoPaulo. Professora titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, coordenadora do núcleo do INCT/Obser-vatório das Metrópoles de São Paulo. Bolsista de produtividade de pesquisa do CNPq. Tem experiência na áreade Planejamento Urbano e Regional com ênfase em Fundamentos do Planejamento, atuando principalmentenos seguintes temas: favela, habitação popular, estudos urbanos. Entre as suas publicações mais recentesestão a coletânea Como Anda São Paulo (Rio de Janeiro, Letra Capital, 2009) que organizou com Lúcia Bógus,e o artigo e capítulos do livro Dinâmica espacial da la desigualdad (Ciudades, Puebla, 2008), Análisecomparativa da questão de habitação nas metrópoles (Rio de Janeiro, Revan, 2007) e A favela que viroucidade (Rio de Janeiro, Mauad X, 2008).Lúcia Maria Machado Bógus – Doutora em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo. Profes-sora titular da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Editora da revista Cadernos Metrópoles. Bolsista deprodutividade em pesquisa do CNPq. Tem experiência na área de Demografia, com ênfase em políticas públi-cas, planejamento urbano e análises populacionais, atuando principalmente nos seguintes temas: migração,urbanismo, desigualdade social, cidade e distribuição espacial da população. Coordenadora do núcleo do INCT/Observatório das Metrópoles em São Paulo e entre as suas publicações mais recentes estão as coletâneas ComoAnda São Paulo (Rio de Janeiro, Letra Capital, 2009) que organizou com Suzana Pasternak, e Desigualdade e aQuestão Social, com L. E. Wanderley e M. Wanderley, os artigos Dinâmica espacial de la desigualdad (Ciudades,Puebla, 2008) e como Anda São Paulo (São Paulo, Caderno Metrópoles, 2006) em colaboração com SuzanaPasternak assim como capítulo do livro Segregação Urbanas (Coimbra, Ed. Almadina, 2009).