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1 Loteamentos irregulares no MSP: avaliação sócio urbanística Suzana Pasternak Professora Titular da FAU/USP (Observatório das Metrópoles) 1. Conceito É bastante usual a confusão entre conceitos juridicamente e urbanisticamente distintos: loteamentos clandestinos, favelas e loteamentos irregulares. Clandestinos são os que não obtiveram nenhuma aprovação por parte do Poder Público municipal. Como comenta Saule (2008:11), “surgem diante da inércia da Administração Pública em fiscalizá-los”. Já as favelas são fruto de invasão, coletiva ou gradual. Os loteamentos clandestinos são, não raro, fruto da ação de loteador inescrupuloso, que comercializa os lotes indevidamente. Atualmente, em muitas favelas vai existir comercialização da terra. Nas invasões programadas a terra invadida é parcelada. Embora a invasão seja, em princípio, fruto de algum movimento coletivo solidário, e portanto não objeto de compra e venda, não raro a comercialização acontece. Embora similar, como o processo inicial foi de invasão, não se confundindo com loteamento clandestino. A irregularidade do loteamento ocorre quando em razão de irregularidades urbanísticas e jurídicas. As irregularidades jurídicas decorrem de obstáculos para o registro, como incorreções no título de propriedade da gleba. Entre as irregularidades urbanísticas tem- se: O loteador obtém a aprovação do projeto de loteamento pelos órgãos competentes do Município, efetua o registro do loteamento no Cartório de Registro de Imóveis, mas não executa as obras de infra-estrutura necessárias que constavam do projeto aprovado; O loteador não executou vias públicas de circulação e/ou a demarcação de logradouros públicos (implantação de equipamentos urbanos e comunitários e espaços livres de uso público) O projeto de loteamento foi aprovado pelo Poder Público, mas a obra não atende ao traçado oficial do loteamento Combinações diversas entre os itens acima. Sumarizando, tem-se (segundo IPEA,2002: 142) Parcelamento regular, quando está de acordo com a legislação federal, estadual e municipal. O parcelamento só é considerado regular quando - aprovado pela prefeitura - executado segundo o projeto aprovado - registrado no Cartório de Imóveis Parcelamento irregular, quando possui o projeto de parcelamento aprovado, porém está em desacordo com as exigências físicas, jurídicas ou administrativas. As situações de irregularidade podem ser as seguintes: - técnicas são relativas ao cumprimento das diretrizes do parcelamento, uso e ocupação sintetizados no ato de aprovação; - físicas são relativas á implantação do loteamento e às condições dotação de infra-estrutura conforme a respectiva aprovação;

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Loteamentos irregulares no MSP: avaliação sócio urbanística

Suzana Pasternak Professora Titular da FAU/USP (Observatório das Metrópoles)

1. Conceito É bastante usual a confusão entre conceitos juridicamente e urbanisticamente distintos: loteamentos clandestinos, favelas e loteamentos irregulares. Clandestinos são os que não obtiveram nenhuma aprovação por parte do Poder Público municipal. Como comenta Saule (2008:11), “surgem diante da inércia da Administração Pública em fiscalizá-los”. Já as favelas são fruto de invasão, coletiva ou gradual. Os loteamentos clandestinos são, não raro, fruto da ação de loteador inescrupuloso, que comercializa os lotes indevidamente. Atualmente, em muitas favelas vai existir comercialização da terra. Nas invasões programadas a terra invadida é parcelada. Embora a invasão seja, em princípio, fruto de algum movimento coletivo solidário, e portanto não objeto de compra e venda, não raro a comercialização acontece. Embora similar, como o processo inicial foi de invasão, não se confundindo com loteamento clandestino. A irregularidade do loteamento ocorre quando em razão de irregularidades urbanísticas e jurídicas. As irregularidades jurídicas decorrem de obstáculos para o registro, como incorreções no título de propriedade da gleba. Entre as irregularidades urbanísticas tem-se:

• O loteador obtém a aprovação do projeto de loteamento pelos órgãos competentes do Município, efetua o registro do loteamento no Cartório de Registro de Imóveis, mas não executa as obras de infra-estrutura necessárias que constavam do projeto aprovado;

• O loteador não executou vias públicas de circulação e/ou a demarcação de logradouros públicos (implantação de equipamentos urbanos e comunitários e espaços livres de uso público)

• O projeto de loteamento foi aprovado pelo Poder Público, mas a obra não atende ao traçado oficial do loteamento

• Combinações diversas entre os itens acima. Sumarizando, tem-se (segundo IPEA,2002: 142)

• “Parcelamento regular, quando está de acordo com a legislação federal, estadual e municipal. O parcelamento só é considerado regular quando - aprovado pela prefeitura - executado segundo o projeto aprovado - registrado no Cartório de Imóveis

• Parcelamento irregular, quando possui o projeto de parcelamento aprovado, porém está em desacordo com as exigências físicas, jurídicas ou administrativas. As situações de irregularidade podem ser as seguintes: - técnicas são relativas ao cumprimento das diretrizes do parcelamento, uso e ocupação sintetizados no ato de aprovação; - físicas são relativas á implantação do loteamento e às condições dotação de infra-estrutura conforme a respectiva aprovação;

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- jurídicas são relativas à garantia do direito de propriedade, inerentes á forma de aquisição, à destinação e à localização do terreno; - administrativas são relativas às condições de registro do parcelamento e ao seu cadastro. Permitem o controle da ocupação do solo, da circulação e dos serviços urbanos.

• Parcelamento clandestino, quando é executado sem nenhuma licença e está em desacordo com as exigências jurídicas e administrativas, podendo também não cumprir as exigências físicas e técnicas

• Favela: assentamento precário com origem na ocupação irregular de áreas públicas e particulares, de forma gradual ou organizada

• Cortiço: habitação coletiva precária de aluguel. O caráter coletivo é dado pela coabitação de várias famílias. A precariedade habitacional decorre do congestionamento e das condições de insalubridade.”

A pergunta que se faz é: quais os requisitos para aprovação de um projeto de loteamento? E de quem seria a responsabilidade pela aprovação e fiscalização de um parcelamento de uma gleba? “O estabelecimento de normas e procedimentos para o parcelamento do solo urbano é de competência do Município” (Saule, 2008:11), obedecida regras mais gerais de fixação de normas urbanísticas genéricas, padrões mínimos válidos para todo o território nacional colocadas por normas federais, como por exemplo a Lei nº 6.766/79. “A competência exclusiva do Município não se refere apenas à edição de normas para aprovação do loteamento urbano, mas também às regras para regularizá-lo, porque se trata de um assunto de predominante interesse local.” (Saule, 2008:11).

2. Evolução da legislação de parcelamento do solo urbano no Brasil e no município de São Paulo

Blanco (2008:32) inicia o seu histórico sobre lei do parcelamento do solo a partir de 1888. Comenta que a partir da abolição da escravatura inicia-se uma mudança de modelo de produção. A partir daí o Brasil apresenta um grande processo de migração, com a recepção de mais de 3 milhões de imigrantes que chegam como mão de obra assalariada, primeiramente empregando-se com trabalhadores agrícolas. Isso tem efeito indireto na necessidade de solo para moradia dos trabalhadores, agora não mais escravos residindo em senzalas. Mudanças no sistema econômico provocam, a partir da década de 30, crescimento acelerado nas cidades. Mais residentes significa mais moradias. E mais moradias implicam na necessidade de oferta de terrenos. O parcelamento da terra e a compra e venda dos lotes, sem a presença de arcabouço legal, criava condições injustas. Blanco comenta que o Código Civil de 1916 incorporava uma cláusula de arrependimento. Ou seja, mesmo se o comprador pagasse integralmente o combinado, ao final do pagamento quem vendeu podia se arrepender e romper o contrato. O comprador tinha o direito de ressarcimento de todas as prestações pagas, mas tinha que devolver o imóvel, valorizado, e ficar apenas com o dinheiro, sem correção alguma. Evidentemente era uma situação de total favorecimento do vendedor. Além disso, em caso de atraso de

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alguma prestação, o contrato se romperia, e o comprador inadimplente perderia todas as prestações pagas. Esta situação de insegurança faz com que projeto de lei visando regulamentar as relações entre compradores e vendedores fosse apresentado à Câmara dos Deputados, e aprovado em 1937. Saule (2008:7) mostra que, na cidade de São Paulo, bem antes disso, em 1932, a Lei Municipal nº 2.611/23 definiu regras para a abertura de loteamentos. Para se proceder a um arruamento, era necessário apresentar o plano de arruamento com curvas de nível de metro em metro, definindo o traçado das ruas e o seu nivelamento, os espaços livres os sistemas de drenagem. Exigia-se como doação de área pra o Poder Público 20% para vias e 10% para espaços livres. O lote mínimo deveria ter 300m2, com frente mínima de 10 metros. No final da década de 30, as condições de insegurança nas transações comerciais originaram o Decreto Lei n° 58/37, que regulamentou as relações contratuais entre vendedores e compradores de lotes. Este Decreto Lei e o Decreto nº 3.079, de 15 de setembro de 1938, passaram a exigir dos loteadores alguns requisitos mínimos, ou seja, área do lote de 250m2, serviços de água e esgoto, guias nas calçadas, sarjetas, a arruamento e arborização e áreas livres. Mas, como comenta Saule (2008:7), estes dois decretos “não tiveram eficácia para conter a proliferação de loteamentos populares sem condições de habitação adequadas. A proibição de construções de habitações coletivas para a população de baixa renda na região central de São Paulo, por exemplo, foi determinante para a proliferação de loteamentos populares na periferia sem autorização do poder público e sem atender ás exigências da legislação de parcelamento do solo”. Em 1939, dois anos após, editou-se o Decreto Lei n° 4.857, que trata da lei dos registros públicos. É nessa lei que vai se verificar a presença de alguma regulamentação sobre loteamentos. Prevê, ainda, a obrigatoriedade de inscrição do memorial para imóveis urbanos ou rurais e a averbação dos contratos de compra e venda dos terrenos loteados. Também em 1939 efetuam-se mecanismos de proteção ao comprador: se este pagar integralmente as prestações, mas o loteador se recusar a fornecer o título definitivo de propriedade, o comprador terá o direito de mover ação, pela qual o juiz conferirá ao adquirente o título de propriedade. Em 1949, ou seja, só 12 anos depois, o compromisso de compra e venda passa a ter direito real. O decreto lei nº 271 de 1967 dispõe “sobre loteamento urbano, responsabilidade do loteador, concessão de uso e espaço aéreo”. Neste decreto lei algumas modificações forma introduzidas, no sentido de impedir loteamentos sem a infra-estrutura necessária, podendo o loteador ser acusado por crime contra a economia popular, cabendo-lhe uma multa. “A política de uso do solo, ditada pelo município através da lei de zoneamento, coloca uma série de exigências norteadoras de empreendimentos imobiliário, tais com guias e sarjetas, água potável, rede de águas servidas, asfalto e arborização.” (Taschner e Mautner, 1982:82). Até a Lei 6.766/79 a questão urbanística não era o objeto central de tratamento da legislação a nível federal, apesar das leis contemplarem a questão. O foco das leis

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federais concentrava-se na relação negocial. No município de São Paulo a lei 7.805/72 (a chamada Lei de Zoneamento) exigia toda a infra-estrutura e procedimentos complexos de licenciamento para aprovação prévia de loteamentos. A partir desta data foi grande o crescimento da clandestinidade.... Objetivando reverter a situação de deterioração das áreas urbanas, foi instituída a Lei federal nº 6.766/79, que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano. Esta lei dispõe sobre:

a) Modalidades de parcelamento, onde define loteamento (subdivisão de gleba em lotes destinados à edificação, com abertura de vias e logradouros), desmembramento (subdivisão de gleba em lotes destinados á edificação, com aproveitamento do sistema viário, desde que não implique na abertura de novas vias ou modificação das existentes), parcelamento de interesse público, aqueles vinculados à prefeitura ou entidades públicas, ou destinados á regularização de parcelamento de assentamentos. Chama-se desdobro a subdivisão de lote em dois ou mais e remembramento a soma de duas ou mais glebas ou lotes.

b) Requisitos urbanísticos: lote é o terreno servido por infra-estrutura básica, com dimensões que atendam aos índices urbanísticos definidos pelo Plano Diretor ou lei municipal. A infra-estrutura básica é constituída pelos equipamentos urbanos de escoamento de águas pluviais, iluminação pública, esgotamento sanitário, abastecimento de água potável, energia elétrica pública e domiciliar e vias de circulação. Nos parcelamentos em zonas de interesse social deixam de ser parte da infra-estrutura básica a iluminação pública e a pavimentação. É necessário, nos loteamentos e desmembramentos em áreas urbanas, reservar áreas para equipamento comunitário (5%), áreas verdes (15%) e sistema viário (20%). Os lotes devem ter no mínimo 125 m2 e frente mínima de 5 metros. Em áreas de urbanização específica ou em conjuntos de interesse social o lote poderá ser menor, desde que através de legislação estadual ou municipal.

A lei regulamenta também a responsabilidade do loteador e do Poder Público, os elementos de projeto de loteamento e desmembramento, a aprovação e registro do parcelamento do solo, as competências de Município e do Estado, as relações contratuais entre loteador e comprador (inclusive liberando o adquirente do lote do pagamento das prestações no caso do loteamento que não foi registrado ou executado de acordo com o projeto aprovado). A lei tipifica também como crime contra a Administração Pública parcelar solo de forma irregular ou clandestina. Nesse ponto, introduz punição mais severa que a lei de 1967, onde se colocava apenas o pagamento de multa para o loteador. Um dos grandes benefícios trazidos pela Lei do Parcelamento do Solo Urbano foi reconhecer a competência dos Municípios para regularizar os parcelamentos feitos no seu território, além de trazer a possibilidade de parcelamentos especiais para população de renda baixa, E, como comenta Saule (2008:11), a competência exclusiva do Município não se refere apenas à edição de normas para aprovação de loteamentos urbanos, mas também às regras para regularizá-lo. Através de seu Plano Diretor, quando houver, ou de lei municipal específica, os Municípios devem estabelecer a política de regularização de loteamentos irregulares. No Município de São Paulo, até o final da década de 70, o poder municipal utilizou o instrumento de oficialização das vias, o que lhe permitia tributar os imóveis aí

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localizados. “Após a Lei 6.766/79, foi organizado um serviço para regularização maciça, ligado diretamente ao gabinete do prefeito (Serla), objetivando o registro dos loteamentos e a concessão de títulos individuais aos compradores. A base para as exigências técnicas feitas ao loteador era dada pelo Decreto Lei n° 5.764 ou pela legislação municipal de 1981, segundo a data de abertura dos loteamentos (IPEA, 2002:64)”. A partir de 1983 o trabalho de regularização passou a se subordinar ao Parsolo da Sehab. Entre 1986 e 1988 o Parsolo foi praticamente desativado. Durante sua atuação, o Parsolo regularizou apenas 23 loteamentos, com 12.991 lotes, ocupando uma superfície de 835,29 hectares (PMSP/Sehab/Resolo 1997). Em 1989 foi criado o Departamento de Regularização de Loteamentos (Resolo), que a partir desta data tratou da regularização dos casos pendentes e dos novos casos que continuavam a surgir. Em 1981 a Prefeitura Municipal de São Paulo levantou processos relativos a 3.567 loteamentos irregulares e clandestinos, cuja superfície total correspondia a 23% da área do município e a mais de um terço da mancha urbanizada. Na primeira metade de 1980, o parcelamento de novas áreas irregulares foi diminuindo, mas na década de 90 voltou a crescer, sobretudo por meio da compra de terrenos por associações de moradores. Em 1996 o estoque do Resolo correspondia a 2.693 loteamentos em regularização (IPEA, 2000:115). Segundo dados da PMSP e citados no IPEA (2002) até 1999, ou seja, até 10 anos atrás, o Resolo tinha regularizado 47.250 lotes, entre os 147.750 identificados na ocasião (ou seja, 32%). Pelo Relatório Diagnostico dos Loteamentos Irregulares de 2002 ( RESOLO/SEHAB 2002, citado em Caldas, 2009: 79) em 2002 havia 439.412 domicílios , com 1.597.986 moradores, em loteamentos irregulares no município de São Paulo. Ainda segundo Caldas (2009:129), citando dados de Resolo, no período de 2000-2006 foram regularizados 7.250 lotes em 29 loteamentos. Assim, desde o seu início até 2006, Resolo regularizou 54.500 lotes, numa média de 3.206 lotes por ano. Em outubro de 2008, de um total de 3.145 loteamentos com 419.418 lotes, 998 (19%) loteamentos tiveram seus processos encerrados em Resolo. Isto não significa, necessariamente, que já estejam regularizados, mas que foram levados a outras instâncias. Uma estimativa da população cujos lotes, de alguma forma, já tiveram melhoria por intervenção do poder público fornece o dado de 133 mil lote, com 524 mil pessoas. Assim, o estoque de processos em Resolo em fins de 2008 era de 2.147 loteamentos. Nota-se que, se Resolo tivesse registrado todos os loteamentos irregulares do município, pelos dados apresentados, poder-se-ia concluir que entre 1996 e 2008 surgiram mais 452 loteamentos irregulares. Mas a análise da Tabela 1 mostra que a partir do início da década de 90 o cadastro coloca 581 loteamentos, sendo que 520 ainda estavam, em 2008, em situação de regularização. E deve ser notado que em quase metade dos loteamentos não se possui data de implantação. Este número pode estar subestimado. “O procedimento de regularização de loteamentos clandestinos e/ou irregulares é complexo, oneroso e moroso, por vezes conflituoso” (Caldas, 2009:118). Demanda a adequação do traçado físico, a execução de obras de infra-estrutura, o equacionamento dos entrevas fundiários, a inclusão do loteamento nos cadastros municipais e até o registro de sua área junto ao registro de imóveis. Cabe ao poder público, promotor da regulamentação jurídica, obter os alvarás e o licenciamento do parcelamento do solo, das edificações a serem regularizadas e das obras a serem executadas. E, quando

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necessário, do licenciamento ambiental, o que não raro resulta em conflitos. Só após a conclusão das borás e de posse dos licenciamentos é que se realiza o cadastro municipal e o registro imobiliário Com base nos novos critérios e procedimentos adotados nesse período, foi aprovada uma lei específica para regularização (Lei 11.775/95). Entre suas disposições nota-se:

• Caberá ao parcelador o cumprimento de toda e qualquer exigência técnica ou jurídica necessária á regularização do parcelamento;

• Deverá ser comprovada a irreversibilidade do loteamento; • Deverão ser mantidas as exigências técnicas e urbanísticas, incluindo a

exigência de garantia de execução, as quais são dispensadas quando os promotores são “associações de adquirentes de lotes”;

• A prefeitura poderá executar as obras, cobrando do loteador seu valor acrescido de 100%, mais multas;

• Áreas faltantes relativas ao percentual de áreas verdes e institucionais poderão ser localizadas fora dos limites do parcelamento, mas deverão ter o dobro da superfície normalmente exigida;

• Deverá ser autorizado o desdobro do lançamento do IPTU após a expedição do auto de regularização

O Município deve estabelecer uma política de regularização de loteamentos irregulares, que pode incluir a delimitação das áreas com grande concentração de loteamentos irregulares, ou loteamentos irregulares com elevada densidade populacional e transformá-las em Zonas Especiais de Interesse Social – ZEIS, com normas especiais de parcelamento, uso e ocupação do solo e para edificações. Nestas zonas as normas específicas podem auxiliar a regularização. As ZEIS atendem à Lei nº 6.766 (artigo 3º, modificado para melhor atender este conceito pela Lei 9.785/99). Esta Lei nº 9.785, de 29 de janeiro de 1999, altera a Lei nº 6.766/79. Promove um modelo dual para acesso a lotes: um para a classe média, outro para os pobres. De alguma forma, o Poder Público percebeu que uma legislação de parcelamento do solo com muitas exigências era boa no papel, mas excluía parcelas mais pobres da população do acesso legal á terra. E esta exclusão tinha grande impacto na produção do espaço urbano, aumentando a ocupação de espaços precários como favelas, cortiços, loteamentos irregulares e clandestinos e incentivando a periferização cada vez mais distante, dado que lá a compra de uma parcela de terra ainda era viável para camadas mais pauperizadas da população. “As leis são elitistas, cheias, cheias de requisitos técnicos e não refletem a realidade brasileira. Os lotes feitos legalmente são caríssimos. A burocracia é tanta que, em várias cidades, para se aprovar um loteamento leva-se em média de três a cinco anos. A combinação desses fatores fez com que o lugar dos pobres fosse fora do mercado” (Fernandes, 2009: J4). A existência de duas formas de urbanização é ainda objeto de muita discussão política e ética: estamos referendando duas classes de cidadãos? Afinal, se existe uma lei considerada adequada, porque não validá-la para todos, se a Constituição brasileira afirma a igualdade entre cidadãos? Quais seriam as conseqüências destes dois modelos para o espaço urbano? A possibilidade de urbanizar favelas, aberta pela lei, não seria um incentivo à densificação das existentes e à edificação de novas invasões? A Lei nº 9.785/99 institui as Zonas Habitacionais de Interesse Social (ZHIS) como instrumento de regularização fundiária, e estabelece também as zonas de urbanização

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específica para fins de parcelamento do solo urbano. Estas zonas devem ser definidas pelo Plano Diretor ou por leis municipais. As ZHIS podem ser instituídas também como ZEIS – Zonas Especiais de Interesse Social. Outra medida importante é o reconhecimento de regularizações de parcelamentos e de assentamentos como de interesse público, ou seja, os parcelamentos vinculados a planos e programas habitacionais de iniciativa das Prefeituras Municipais e do Distrito Federal. Assim os conjuntos habitacionais executados pelo Poder Público com alguma irregularidade podem ser regularizados e registrados no Cartório de Imóveis. Esta medida possibilitou a regularização de inúmeros conjuntos habitacionais construídos pelo Poder Público. No Brasil, não raro o próprio Estado é responsável pela ilegalidade. As Cohabs só conseguiam construir na periferia, onde a terra era barata, e grande parte dos conjuntos tinha problemas com o a documentação da gleba, e/ou a legislação urbanística e edilícia não foi observada. Nos dois casos, isto impossibilitava o registro A regularização só será permitida em zona urbana ou de expansão urbana. É de competência dos Municípios a regularização de parcelamento do solo feitos ilegalmente dentro do seu território. Em 2007, foi aprovada, pela Câmara dos Deputados, uma nova revisão da Lei de Parcelamento do Solo, o Projeto de Lei n° 3057/00, alterando as Leis 6.766/79 e a 9.785/99. Este projeto de lei aguarda apreciação pelo Senado Federal. Porque se fez necessária uma nova revisão da Lei de Parcelamento do Solo? Segundo Rolnik (2008:42) comenta que “apesar de termos instrumentos de reconhecimento dos direitos de posse, apenas do nosso ordenamento jurídico admitir a regulamentação fundiária, é praticamente impossível fazer regulamentação fundiária. Não se consegue chegar ao final do processo porque, entre outras coisas, nós temos várias ordens jurídicas incidindo sobre o tema”. Há o ordenamento urbanístico, o ambiental, o ordenamento relativo à questão patrimonial e à questão registraria, além da questão dos direitos do consumidor, dado que se trata de compra e venda de uma mercadoria. As leis não têm diálogo entre si, foram produzidas pelas suas respectivas corporações, e não conversam entre si. Outro problema é o próprio texto da lei: uma lei de parcelamento do solo com 140 artigos e 80 páginas, com redação confusa, de certa forma existe para criar dúvidas... Pessoalmente, tenho a maior dificuldade de entendê-la. O ideal seria algo mais direto e simples, com artigos inequívocos e de fácil entendimento para qualquer cidadão. Leis confusas podem ser estratégia para permitir interpretações diversas, tornar obrigatório o acesso a advogados, permitir entendimentos com a fiscalização, dificultar propositalmente processo de regularização de parcelamentos para garantir currais eleitorais, etc As ordenações se desdizem, e estas incongruências são aproveitadas para obstaculizar todo o processo de regularização. Em São Paulo, assentamentos de baixa renda usualmente colidem com áreas de proteção ambiental. Denaldi (2008:71) comenta que entre as dificuldades para a regularização de áreas do tipo favela é que elas não raro ocupam áreas ambientalmente sensíveis, lindeiras a córregos, com alta declividade, em APP (Áreas de Proteção Permanente), APMs (Áreas de Proteção Ambiental) e congêneres. Outro problema é a delimitação do domínio da área, tanto de áreas publicas como privadas. Muitas vezes não se consegue saber a quem pertence a área ocupada.

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Tema urbanístico e tema ambiental, ambos discutem a aprovação e regularização de loteamentos. Há diferença de poderes: a legislação ambiental é estadual, e no caso do Código Florestal, federal. Quem aprova? Um loteamento teria que passar por todas as instâncias, e por elas ser aprovado. No caso do Município de São Paulo, a prefeitura urbanizava uma favela, aprovava o plano de regularização e o enviava para registro em Cartório. O cartório exigia aprovação pela Secretaria do Meio Ambiente, o que significa enviar o processo para o GRAPOHAB (entidade estadual que funciona com balcão único para todos os empreendimentos que necessitam de aprovação de diferentes órgãos estaduais, como Sabesp, CETESB, Corpo de Bombeiros, Eletropaulo, Secretaria do Meio Ambiente, etc). Como coloca o IPEA (2002:71) a iniciativa da criação do GRAPOHAB é controversa, pois segundo a Constituição de 1988 a competência de para aprovação de loteamentos urbanos é municipal. Mas falta autonomia ao Município para promover a regularização. Além disso, existe a questão registrária: desde 2003 há uma proposta de gratuidade do primeiro registro de regularização fundiária de interesse social, proposta à qual os cartórios são contra. Rolnik (2008: 46), comentando esta nova revisão da Lei de Parcelamento do Solo, pergunta claramente: “seria de novo marco regulatório que estamos precisando?” Segundo ela, o que realmente se necessita é um aumento de oferta de terra urbanizada e bem localizada. E isso pode ser conseguido por ordenamento jurídico? A experiência paulistana com ordenamentos jurídicos não tem sido exitosa: a Lei 6.766/79, ao tentar nortear novos loteamentos urbanos, deixou-os com requisitos fora da realidade brasileira. A história dos loteamentos clandestinos mostra que são tolerados e depois anistiados, sem cobrar dos loteadores a infra-estrutura que devem aos moradores e ao município. Obras executadas pelo poder público, para beneficiar os moradores, acabam subsidiando o loteador, valorizando lotes ainda em seu poder. Em 1981, a legislação municipal foi alterada para adaptar-se à lei federal, sendo criada uma categoria de lotes com exigências menores de infra-estrutura (os L3, loteamentos populares, onde pelo menos 70% da área loteada deveria ser ocupada por lotes de 125 a 140 metros quadrados; pode não ter rede de esgoto e projeto completo de águas pluviais, mas execução apenas de captação nos pontos baixos e deverá contar com pavimentação só em vias com declividade maior que 8%). Entretanto, entre 1981 e 1990, apenas 14 processos de aprovação para os L3 tinham sido aprovados pela Sehab. A produção de lotes populares reduziu-se muito a partir da Lei 6.766/79. (IPEA, 2002: 57) Na extrema periferia do município, sobretudo em áreas de proteção aos mananciais - APMs e APPs, em meados da década de 90, a oferta de lotes clandestinos e irregulares vem aumentando. De qualquer forma, “precariedade e irregularidade, em termos de assentamentos urbanos, caminham juntos. A irregularidade, na grande maioria dos casos, é por apresentar padrões muito abaixo dos exigidos por lei: declividade maior que a permitida, lotes menores que a taxa mínima, falta de áreas públicas, falta de infra-estrutura, densidade muito maior que a permitida. Novo círculo vicioso se estabelece: o assentamento é irregular por estar abaixo do padrão estabelecido em lei e, portanto, para tornar-se regular, é necessário investir recursos em desapropriações, remoções e obras. No entanto, para obter financiamento, é necessário que o assentamento seja regular ou pelo menos regularizável, desde a propriedade da terra à aprovação do projeto e sua implantação. Conseqüentemente se pereniza a irregularidade e a precariedade”. (Reffinetti, 2006: 111). As tentativas de regularização de assentamentos precários têm

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esbarrado em leis ambientais. Muitas favelas do Município de São Paulo estão em beira de córregos (cerca de 50% das favelas, que compreendem 72% dos domicílios favelados, segundo Taschner, 2000:287), e a limitação de faixa de preservação de pelo menos 15 metros não edificandi ao logo dos cursos d’água torna-se problemática). Se for realmente importante regularizar as favelas às margens de córrego, seria importante flexibilizar este limite. Caso contrário, tem-se pensar em grandes remoções... De outro lado, permitir implantação de moradias limítrofes a cursos d’água pode trazer sérios problemas ambientais. “Sabe-se que as margens dos rios e córregos devem ser preservadas com suas características originais de flora e fauna, como forma de proteger a qualidade da água, do ecosistema e da vida, mesmo em áreas urbanas. A preservação ambiental, no entanto, deve ser vista em face ás necessidades básicas do cidadão, principalmente no que diz respeito ao direito á moradia, como uma das formas de garantir um dos direitos fundamentais da Constituição, que é a dignidade humana.” (D’Ottaviano e Qualia, 2008:18). Segundo estes autores, mesmo que um bairro esteja implantado sobre uma área de APP, a regularização deve ser encaminhada. O ideal seria que a ocupação se dê de maneira a não prejudicar o meio ambiente, o que pode ser conseguido por implantação de rede de água e esgoto, de água pluviais e educação ambiental. Esta posição de D’Ottaviano e Qualia segue o espírito do Estatuto da Cidade, e é enfatizada por Fernandes (2006: 15-16), que coloca que o reconhecimento judicial de direitos de posse e propriedade continuará aberto aos ocupantes dos assentamentos informais, ainda que em condições onde a sustentabilidade socioambiental seja inadequada. No caso do Estado de São Paulo, os projetos habitacionais de novas unidades em áreas de proteção ambiental (APA, APRM e APP) devem ser, obrigatoriamente, encaminhados para anuência prévia do Estado, emitida pelo GRAPOHABI, atendendo aos parâmetros previstos na legislação urbanística e ambiental. Caso contrário, a aprovação do loteamento não será efetivada. (Caldas, 2009:115). A resolução CONAMA 369/2006 introduziu um noção conceito, de regularização fundiária sustentável em áreas urbanas. Este conceito é ainda muito mal definido e não fornece parâmetros para a classificação do que seria sustentável. Caldas comenta que a regularização de assentamentos demarcados como ZEIS e inseridos em áreas de proteção ou restrição ambiental devem atender às exigências da lei específica das Bacias. E salienta que apesar do “interesse social” caracterizado pelas ZEIS, a questão ambiental atende ao interesse de todos. A MP 469, de abril de 2009, tenta acabar com a oposição social-ambiental, colocando que áreas de interesse social em áreas de preservação podem ser regularizadas, desde que: 1) estejam consolidadas até 31/12/2007 e em área de urbanização consolidada; 2) estudo técnico comprove que esta intervenção implica ema melhoria de condições ambientais em relação à situação irregular anterior. Ou seja, a MP tenta, através da datação, não incentivar a ocupação de mais áreas de proteção. O segundo item é bastante impreciso, e pode permitir sempre a regularização, dado que não é difícil comprovar alguma melhoria ambiental com intervenções. As conseqüências deste entendimento ainda merecem reflexão e larga discussão. A criação de zonas de habitação de interesse social onde já existe infra-estrutura ou onde é possível adensar a população pode ser objeto de definição por lei municipal. O atual modelo de estender cada vez mais a periferia, atravessando a fronteira dos municípios metropolitanos, causa uma extensão irracional e muito cara para as pessoas, que gastam tempo e dinheiro para sua mobilidade e para o poder público, que se vê

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pressionado a colocar infra-estrutura cada vez mais longe. A expansão urbana deve ser objeto de plano municipal, não deveria ser deixada ao bel prazer do loteador, que parcela a gleba que quer, onde quer e quando quer. A terra urbana é mercadoria escassa, que poderia ser objeto de regulamentação especial. Rolnik (2008:47) comenta que na Alemanha, Espanha, Inglaterra ou Itália, a expansão urbana é projetada publicamente, independente da propriedade da terra. E neste projeto define-se o local da creche, do parque, da escola. Na Colômbia só se aprova qualquer empreendimento em área de expansão urbana depois de se ter um plano mais abrangente desta expansão, com previsão de equipamentos públicos. E, em qualquer lugar do país, obriga-se o loteamento em terra de expansão a reservar pelo menos 25% da sua área para habitação de interesse social. Sem dúvida há progressos na legislação e nas práticas urbanísticas. Urbanizar favelas e regularizar loteamentos irregulares deve ser uma exceção, e não uma regra contínua. Tanto favelas como loteamentos irregulares não deveriam se expandir. Já se percebeu que instrumentos “elitistas” diminuem a oferta de lotes legais. Entretanto, regularizar e/ou urbanizar qualquer coisa em qualquer lugar conduz a um tecido urbano bastante comprometido. O principal desafio é o de aumentar a oferta de casas e lotes em áreas urbanizadas e com boa acessibilidade. O programa Minha Casa, Minha Vida, publicado pelo Diário Oficial da União de 26 de março de 2009, como Medida Provisório nº459, deve entrar em vigor a 14 de abril deste ano. No seu capítulo III dispõe de medidas sobre regularização fundiária de assentamentos urbanos. Estes assentamentos só poderão ser regularizados em áreas urbanas, ou seja, dentro do perímetro urbano definido pelo Plano Diretor ou lei municipal específica. No artigo 51, define área urbana consolidada, com densidade demográfica superior a 50 habitantes por hectare, e com pelo menos dois dos equipamentos seguintes de infra-estrutura:

• Drenagem de águas pluviais • Esgotamento sanitário • Abastecimento de água potável • Distribuição de energia elétrica • Limpeza urbana

Define também o que se chama de demarcação urbanística: definição de limites e área de imóvel; legitimação de posse: título de reconhecimento de posse de imóvel objeto de demarcação urbanística, com definição do ocupante e do tempo e natureza da posse; ZEIS: parcela de terra definida pelo Plano Diretor ou lei municipal, destinada à moradia de população de baixa renda e sujeita a regras específicas de parcelamento do solo; assentamentos irregulares: ocupações inscritas em parcelamentos informais ou irregulares, localizadas em áreas públicas ou privadas, utilizadas predominantemente para moradia; regularização fundiária de interesse social: regularização fundiária de assentamentos irregulares ocupados, predominantemente, por população de baixa renda, nos casos de preenchimento dos requisitos de uso capião ou concessão de uso especial para fins de moradia, de imóveis situados em ZEIS ou em áreas declaradas de interesse do serviço público, regularização fundiária de interesse específico, quando não está caracterizado o interesse social.

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No artigo 52, diz que a regularização fundiária observa o princípio de ampliação do acesso à terra urbanizada pela população de baixa renda, com prioridade para sua permanência na área ocupada. O inciso V garante a concessão do título preferencialmente para a mulher. No artigo 53 coloca-se que, observado o disposto nesta Medida Provisória e a Lei 10.257 de 2001, o Município pode dispor sobre o seu procedimento de regularização. A regularização fundiária pode também ser requerida por seus beneficiários, individual ou coletivamente, ou por cooperativas habitacionais, associações de moradores e outras entidades civis. Na sessão II é tratada a regularização fundiária de interesse social. O inciso 1 do artigo 58 coloca que o Município pode admitir a regularização fundiária de interesse social em Áreas de Preservação Permanente ( APPs) ocupadas até 31/12/2007 e inseridas em áreas urbana consolidada, desde que estudo comprove que esta intervenção melhora as condições ambientais em relação à ocupação irregular anterior. O artigo 59 coloca que caberá ao Poder Público, direta ou indiretamente, a implantação do sistema viário e da infra-estrutura básica, prevista na Lei 6.766/79. Em relação aos aspectos jurídicos, o artigo 64 trata da legitimação da posse, que será dada aos moradores não concessionários, foreiros ou proprietários de outro imóvel, urbano ou rural, não tenham ido beneficiários de legitimação de posse concedida anteriormente e o lote ou fração ideal não poderá ser superior a 250 metros quadrados. O artigo 69 especifica ainda que não sejam cobrados emolumentos e custas para o registro fundiário de interesse social. Na sessão III – Da regularização fundiária de Interesse Específico, a MP coloca que esta dependerá de análise do projeto, bem como da emissão de licença urbanística e ambiental.Coloca também que a autoridade licenciadora deverá definir as responsabilidades relativas á implantação do sistema viário, da infra-estrutura básica, dos equipamentos comunitários e das medidas de compensação urbanística e ambiental eventualmente exigidas. Alguns breves comentários sobre esta parte da MP nº 459:

• Embora a MP faça referência ao aumento de oferta de terra urbanizada para moradia popular, não atende a uma demanda antiga dos urbanistas, que seria a destinação de certo percentual de todo loteamento para parcelamento de interesse social. Isto resultaria num aumento de oferta de lotes com infra-estrutura espalhados no tecido urbano, o que diminuiria a segregação sócio espacial nas cidades brasileiras.

• Nada, na MP, fala da requalificação das áreas centrais esvaziadas, e com muitos imóveis desocupados.

• Dar o título de posse preferencialmente à mulher é uma forma de proteção à família. Como fica, entretanto, a situação de mulheres casadas ou unidas estável, onde a Direito da Família prevê o compartilhamento dos bens de raiz? Este item protege as mulheres em união não estável. Acredito que deva existir alguma cláusula de incomunicabilidade, se possível, para uniões estáveis ou casamentos.

• A regularização dos parcelamentos em APP até 2007, dado que estudo técnico comprove melhoria, de um lado acaba provisoriamente com a “briga com os

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ambientalistas”. Mas será que isto não significa piorar problemas ambientais e incentivar ocupações em áreas protegidas?

• A gratuidade do registro de regularizações de interesse social é bem vinda, dado que o pagamento de taxas e emolumentos tem sido um entrave para viabilizar o registro dos direitos legalmente constituídos em favor de populações de baixa renda.

Enfim, o problema da irregularidade e da informalidade é antigo. Resolvê-lo apenas por legislação é utópico. Leis “perfeitas” criam ilegalidade. Leis muito frouxas referendam qualquer “porcaria”. Sem uma oferta de lotes e de imóveis a baixo custo e de boa qualidade São Paulo continuará a ter favelas e a urbanizá-las, a ter loteamentos irregulares e clandestinos e regularizá-los, numa incessante corrida de obstáculos.

3. Loteamentos irregulares no Município de São Paulo: recorte temporal Como já foi dito, em outubro de 2008, de um total de 3.145 loteamentos cadastrados, 998 já tinham seu processo encerrado em Resolo e enviados para outras instâncias registrarias. Assim, no fim de 2008, havia 2147 loteamentos a urbanizar. As informações sobre os loteamentos irregulares são bastante imprecisas. Mesmo o seu número foi de difícil obtenção: os dados fornecidos por Resolo variaram entre 4.631 loteamentos totais até o número do site da Sehab, que dá 1063 loteamentos. Resolveu-se, assim, utilizar os dados de Resolo do banco de dados da Fundação Seade, datando de outubro de 2008. Infelizmente, em quase 50% não consta a data de implantação do parcelamento da gleba. A análise dos dados disponíveis mostra que a grande maioria do total dos loteamentos data dos anos 90, com mais de 17 % do total e 23% dos loteamentos ativos (ainda na regularizados). Como era de se esperar, entre os loteamentos encerrados (já regularizados) predominam os da década de 70. Isto reflete inclusive o trabalho de Resolo, iniciado em 1989. Ente os 998 loteamentos já encerrados e com data de implantação conhecida, quase todos são anteriores aos anos 90. Tabela 1: Loteamentos irregulares, por período de implantação

Abs. % Abs. % Abs %1900-1909 2 0,09 1 0,10% 3 0,10%1910-1919 0 0,00 1 0,10% 1 0,03%1920-1929 5 0,23 3 0,30% 8 0,25%1930-1939 3 0,14 6 0,60% 9 0,29%1940-1949 5 0,23 7 0,70% 12 0,38%1950-1959 32 1,49 41 4,11% 73 2,32%1960-1969 80 3,73 104 10,42% 184 5,85%1970-1979 200 9,32 180 18,04% 380 12,08%1980-1989 316 14,72 111 11,12% 427 13,58%1990-1999 486 22,64 60 6,01% 546 17,36%2000-2005 34 1,58 1 0,10% 35 1,11%sem informação 984 45,83 483 48,40% 1467 46,65%TOTAL 2147 100,00 998 100,00% 3145 100,00%

totalDécada de Implantação ativos encerrados

Fonte: Seade, a partir de tabulação especial de Resolo

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Percebe-se que 807 loteamentos (48% do total de loteamentos com informação da data de implantação) implantaram-se no intervalo entre 1970 e 1989; 518, 35% do total com informação, datam dos últimos 15 anos. O intervalo entre 1970 e 2000 foi o mais importante para a implantação dos loteamentos irregulares. E, dentro deste intervalo, a maior incidência dos lotes irregulares foi nos anos 90, com 55 loteamentos por ano em média. A cidade, na década de 70, ainda crescia a taxa elevada, de 3,66% anuais. Seu crescimento, já naquela década, era fundamentalmente no anel periférico, onde a taxa anual ultrapassava 7%. Na década de 80, o crescimento populacional total desceu para 1,13%, e reduziu-se ainda mais no intervalo entre 1990 e 2000, para 0,92% ao ano. Mas, mesmo nos anos 80, a periferia crescia a taxa de mais de 3% ao ano, e nos anos 90 o centro perdeu população, enquanto que o anel periférico apresentou taxa de 2,71% anuais. Este crescimento, aliado à falta de provisão de moradias populares (o BNH, principal provedor, faliu em 1986) fez com que tanto favelas como loteamentos irregulares tivessem crescimento exponencial nos últimos 30 anos do século XX. Instrumentos urbanísticos bastante elitistas como a Lei de Zoneamento e mesmo a Lei de Parcelamento do Solo de 1979, além da deterioração dos salários na época, tiveram como uma das conseqüências um aumento da irregularidade. Uma rápida visão dos dados da coluna do total de loteamentos mostra que o fenômeno crescia bastante na década de 90. A partir de 2000, o fenômeno parece ter diminuído, tanto que se encontram apenas 35 loteamentos irregulares nos primeiros 5 anos do atual milênio, o que daria uma média de 7 por ano, bem inferior á média da década passada, de 55 loteamentos por ano. Uma das hipóteses para isto seria a menor oferta de glebas no município. Os limites à expansão urbana estão sendo dados pelas condições de acessibilidade. Os loteamentos irregulares estão “pulando a cerca” para os municípios vizinhos, onde a vigilância é menor e a oferta de terra mais barata. Entre os loteamentos ainda por regularizar com informação sobre a data de implantação, percebe-se que predominam os mais recentes, que se implantaram nos anos 90: 486, representando 42% dos loteamentos ativos com data de implantação.

4. Loteamentos irregulares no Município de São Paulo: recorte espacial- temporal

Os dados por local de implantação dos loteamentos irregulares no tecido urbano municipal são também bastante falhos: em apenas 1696 loteamentos (53,94% do total de loteamentos), que reúnem 240.376 lotes (57,31% dos lotes) existe a informação do distrito onde se encontra o loteamento. Alguns ocupam mais de um distrito. Para a análise, utilizou-se a partilha do espaço urbano em anéis, já bastante usada em diversos trabalhos (Pasternak e Bógus, 2004, entre outros). Dentro de cada anel, foi também utilizada a divisão em vetores geográficos, ou seja, dentro de cada anel, separaram-se os distritos norte, sul, leste e oeste.

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Tabela 2 Loteamentos, por período de implantação e anel urbano. MSP, número absoluto e percentual

1905 a 1940 1941 a 1980 1981 a 1990 1991 a 2000 2001 a 2005 sem informacaoanel central 0 0 0 0 0 0 0anel interior 1 7 3 0 0 22 33anel intermediário 5 71 22 6 0 160 264anel exterior 9 239 110 85 2 586 1031anel periférico 8 373 329 405 21 680 1816total 23 690 464 496 23 1448 3144

ANO DE IMPLANTAÇÃO TOTALDISTRITOS

1905 a 1940 1941 a 1980 1981 a 1990 1991 a 2000 2001 a 2005 sem informacaoanel central 0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00%anel interior 4,35% 1,01% 0,65% 0,00% 0,00% 1,52% 1,05%anel intermediário 21,74% 10,29% 4,74% 1,21% 0,00% 11,05% 8,40%anel exterior 39,13% 34,64% 23,71% 17,14% 8,70% 40,47% 32,79%anel periférico 34,78% 54,06% 70,91% 81,65% 91,30% 46,96% 57,76%total 100,00% 100,00% 100,00% 100,00% 100,00% 100,00% 100,00%

DISTRITOS ANO DE IMPLANTAÇÃO TOTAL

1905 a 1940 1941 a 1980 1981 a 1990 1991 a 2000 2001 a 2005 sem informacaoanel centralanel interior 3,03% 21,21% 9,09% 0,00% 0,00% 66,67% 100,00%anel intermediário 1,89% 26,89% 8,33% 2,27% 0,00% 60,61% 100,00%anel exterior 0,87% 23,18% 10,67% 8,24% 0,19% 56,84% 100,00%anel periférico 0,44% 20,54% 18,12% 22,30% 1,16% 37,44% 100,00%total 0,73% 21,95% 14,76% 15,78% 0,73% 46,06% 100,00%

DISTRITOS ANO DE IMPLANTAÇÃO TOTAL

Fonte: Fonte: Seade, a partir de tabulação especial de Resolo Tabela 3 - Lotes, por período de implantação e anel urbano. MSP, número absoluto e percentual

1905 a 1940 1941 a 1980 1981 a 1990 1991 a 2000 2001 a 2005 sem informacaoanel interior 23 373 44 0 0 1605 2045anel intermediário 1577 2950 556 191 0 9646 14920anel exterior 4572 30630 5166 13516 112 48674 102670anel periférico 1684 69161 51691 56061 2069 119117 299783total 7856 103114 57457 69768 2181 179042 419418

ANO DE IMPLANTAÇÃO TOTALDISTRITOS

1905 a 1940 1941 a 1980 1981 a 1990 1991 a 2000 2001 a 2005 sem informacaoanel interior 0,29% 0,36% 0,08% 0,00% 0,00% 0,90% 0,49%anel intermediário 20,07% 2,86% 0,97% 0,27% 0,00% 5,39% 3,56%anel exterior 58,20% 29,70% 8,99% 19,37% 5,14% 27,19% 24,48%anel periférico 21,44% 67,07% 89,96% 80,35% 94,86% 66,53% 71,48%total 100,00% 100,00% 100,00% 100,00% 100,00% 100,00% 100,00%

DISTRITOS ANO DE IMPLANTAÇÃO TOTAL

1905 a 1940 1941 a 1980 1981 a 1990 1991 a 2000 2001 a 2005 sem informacaoanel interior 1,12% 18,24% 2,15% 0,00% 0,00% 78,48% 100,00%anel intermediário 10,57% 19,77% 3,73% 1,28% 0,00% 64,65% 100,00%anel exterior 4,45% 29,83% 5,03% 13,16% 0,11% 47,41% 100,00%anel periférico 0,56% 23,07% 17,24% 18,70% 0,69% 39,73% 100,00%total 1,87% 24,59% 13,70% 16,63% 0,52% 42,69% 100,00%

TOTALDISTRITOS ANO DE IMPLANTAÇÃO

Fonte: Seade, a partir de tabulação especial de Resolo

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As informações das tabelas 2 e 3, referentes a loteamentos e lotes,mostram com clareza:

• A falta de informação sobre o ano de implantação do loteamento prejudica bastante a análise temporal do fenômeno, já que em 1448 loteamentos, 47% do total dos loteamentos e 43% dos lotes, não há dados. Entretanto, devido à falta de informações sistematizadas sobre este tema, resolveu-se proceder a uma análise preliminar mesmo com esta deficiência;

• Não há loteamentos irregulares no anel central, o mais consolidado; • Apenas 1% dos loteamentos (22) e 0,49% dos lotes (2.045) localiza-se no

anel interior. E estes loteamentos datam principalmente do período entre 1940 e 1980. Os distritos com maior número de loteamentos com data de implantação neste anel são Vila Mariana, com 5 loteamentos irregulares e Perdizes, com 4. O distrito de Belém apresenta um total de 5 loteamentos irregulares, mas 3 deles não tem data de implantação conhecida. Um loteamento irregular de Belém data do período 1905-1940, e ainda está em processo de regularização. Há um loteamento irregular em Pinheiros, com 359 lotes, datando do período 1941-1980;

• No anel intermediário o peso dos loteamentos irregulares é um pouco maior que no anel interior. Neste anel localizam-se 264 loteamentos irregulares, 8,40% do total, com quase 15 mil lotes. Neste anel, a maioria dos loteamentos é do período 1941-1980, embora cerca de 8% deles datem da década de 80. Mas é no período 41-80 onde se encontram quase 20% dos lotes irregulares do anel;

• Quase 33% dos loteamentos irregulares (1.031) localizam-se no chamado anel exterior. Neste anel também grande percentual dos loteamentos é anterior aos anos 90 (24%). Cerca de 20% tem data de implantação posterior a 1991. Ou seja, os loteamentos irregulares foram muito presentes entre os anos 40 e 80 no anel exterior, mas continuam se expandindo nos anos 90. Os distritos com maior incidência deste fenômeno no anel exterior são Cangaíba (14.594 lotes), Cidade Ademar (8.727 lotes), Pirituba (5.297 lotes), Sapopemba (12.818 lotes) e Tremembé (17.175 lotes). Estes 5 distritos são responsáveis por quase 60% dos lotes irregulares do anel;

• Como era esperado, a grande maioria – 57,76% - dos loteamentos irregulares (1.816), com 71,48% dos lotes está no anel periférico. Até o ano de 1980, apenas 21% dos loteamentos do anel periférico tinham se instalado. Grande parte dos loteamentos do anel periférico é posterior a 1981 (42%). Muitos loteamentos do anel periférico têm data de implantação desconhecida, embora, por serem mais recentes, a proporção dos sem informação é menor que nos outros anéis. Em relação ao número de lotes, o quadro é semelhante, com 37% dos lotes em período posterior a 1981.

• A evolução temporal por anel é perceptível: no período 1904-1940, os loteamentos irregulares tinham maior freqüência no anel exterior (58% dos loteamentos, com 39% dos lotes). Entre os anéis intermediário e exterior, tinha-se 61% dos loteamentos do período.No período seguinte 1941 a 1980, a periferia aparece com força, com 67% dos loteamentos e 54% dos lotes. A expansão do tecido urbano de São Paulo pode ser lida por estes mapas e esta tabelas. Nesta época, os distritos do anel exterior agregavam 24% dos loteamentos irregulares, com mais de 30% dos lotes. A partir de 1980, a proporção de loteamentos desce no anel exterior e sobe no anel periférico,

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até o período 2001 a 2005, onde 91% dos loteamentos e 95% dos lotes estão no anel periférico

5. Loteamentos irregulares no anel exterior

Pelo volume de loteamentos (1816, 32,79% do total de loteamentos irregulares cadastrados em Resolo, com quase 300 mil lotes, 25% do total de lotes) foi feito um detalhamento de sua localização. Assim, dentro do anel, procurou-se perceber em que vetor se daria a localização preferencial dos lotes irregulares. A maior incidência de lotes irregulares no anel exterior deu-se no período entre 1991 e 2000, com 1352 lotes por ano, bem mais que os 766 anuais no período 1941 a 1980 Nos anos 2000, apenas no vetor norte vão surgir 112 lotes irregulares. Pelos dados da Tabela 4, pode-se perceber que praticamente 2/3 dos lotes irregulares do anel exterior localizam-se nos vetores leste e norte. No sul encontram-se 16% e no oeste, apenas 9% dos lotes. E há nítida variação temporal: no vetor leste, a maioria (50%) tem data de implantação nos anos 40-80. Já a irregularidade no vetor norte é bem mais recente, 37% dos lotes tiveram no de implantação na década de 90. Percebe-se que no período 1905-1940 80% dos lotes irregulares do anel exterior estava no vetor leste, onde ainda eram maioria nos anos entre 1941-1980. Na década de 80, já o vetor norte dominava, embora com presença ainda significativa de lotes irregulares no leste (34%). Nos anos 90 e 2000, a enorme concentração de lotes irregulares no anel exterior localiza-se no norte. Tabela 4 – Lotes irregulares do anel exterior, por vetor de localização e período de implantação

1905 a 1940 1941 a 1980 1981 a 1990 1991 a 2000 2001 a 2005 sem informacaoLESTE 3670 18798 1724 853 0 12572 37617NORTE 26 6604 2800 10481 112 18925 38948SUL 8 3446 346 324 0 12440 16564OESTE 868 1782 296 1858 0 4737 9541anel exterior 4572 30630 5166 13516 112 48674 102670

1905 a 1940 1941 a 1980 1981 a 1990 1991 a 2000 2001 a 2005 sem informacaoLESTE 80,27% 61,37% 33,37% 6,31% 0,00% 25,83% 36,64%NORTE 0,57% 21,56% 54,20% 77,55% 100,00% 38,88% 37,94%SUL 0,17% 11,25% 6,70% 2,40% 0,00% 25,56% 16,13%OESTE 18,99% 5,82% 5,73% 13,75% 0,00% 9,73% 9,29%anel exterior 100,00% 100,00% 100,00% 100,00% 100,00% 100,00% 100,00%

1905 a 1940 1941 a 1980 1981 a 1990 1991 a 2000 2001 a 2005 sem informacaoLESTE 9,76% 49,97% 4,58% 2,27% 0,00% 33,42% 100,00%NORTE 0,07% 16,96% 7,19% 26,91% 0,29% 48,59% 100,00%SUL 0,05% 20,80% 2,09% 1,96% 0,00% 75,10% 100,00%OESTE 9,10% 18,68% 3,10% 19,47% 0,00% 49,65% 100,00%anel exterior 4,45% 29,83% 5,03% 13,16% 0,11% 49,65% 100,00%

DISTRITOS ANO DE IMPLANTAÇÃO TOTAL

DISTRITOS ANO DE IMPLANTAÇÃO TOTAL

DISTRITOS ANO DE IMPLANTAÇÃO TOTAL

Fonte: Seade, a partir de tabulação especial de Resolo

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Uma análise mais detalhada dos distritos com grande concentração de loteamentos e lotes irregulares mostra que estão sobretudo em Cangaíba (14,21% dos lotes) e Sapopemba, a leste (com 12,48% dos lotes), Cidade Ademar,a sul (com 8,50% dos lotes), Tremembé (com 16,73% dos lotes) e Pirituba ( 5,16% dos lotes,ao norte. No Tremembé, 58% dos lotes têm ano de implantação na década de 90. Já em Cangaíba e Sapopemba, a maior proporção se dei no período 1941-1980. Em Cidade Ademar 66% dos loteamentos não apresentaram data de implantação

6. Loteamentos irregulares no anel periférico É no anel periférico onde se alocam a maior proporção dos loteamentos irregulares (1816, ou seja, 57,76% dos loteamentos, assim como grande parte dos lotes ( quase 300 mil, representando 71,48% dos lotes irregulares). Já no período 1941-1980 os loteamentos implantavam-se preferencialmente na periferia: nesta época 54% dos loteamentos irregulares localizavam-se no anel periférico, embora ainda o anel exterior concentrasse parte deste fenômeno , com 35% dos loteamentos. A partir dos anos 80, cada vez mais os loteamentos irregulares alocam-se na periferia distante: na década de 80, 71%; na década de 1990, 82% e na primeira década de 2000, 91%. Comparando a incidência de lotes irregulares no tempo, nota-se que esta incidência foi maior nos anos 90, com 5600 lotes irregulares por ano no período. Entre 1981 e 1990, a incidência foi também alta, de 5165 lotes por ano. Ela desce sensivelmente nos anos 2000, para pouco mais de 424 lotes por ano. A distribuição temporal é semelhante á do anel exterior, onde também nos anos 90 houve a maior incidência do fenômeno Organizando a espacialização destes lotes irregulares por vetor, com o mesmo procedimento efetuado para o anel exterior, pode-se analisar a Tabela 5. Tabela 5 – Lotes irregulares no anel periférico, por vetor de localização e período de implantação

1905 a 1940 1941 a 1980 1981 a 1990 1991 a 2000 2001 a 2005 sem informacaoLESTE 0 31929 16504 20817 1463 47585 118298NORTE 0 7125 3107 16702 420 15386 42740SUL 1684 29338 32025 18500 186 55378 137111OESTE 0 769 55 42 0 768 1634anel periférico 1684 69161 51691 56061 2069 119117 299783

DISTRITOS ANO DE IMPLANTAÇÃO TOTAL

1905 a 1940 1941 a 1980 1981 a 1990 1991 a 2000 2001 a 2005 sem informacaoLESTE 0,00% 46,17% 31,93% 37,13% 70,71% 39,95% 39,46%NORTE 0,00% 10,30% 6,01% 29,79% 20,30% 12,92% 14,26%SUL 100,00% 42,42% 61,95% 33,00% 8,99% 46,49% 45,74%OESTE 0,00% 1,11% 0,11% 0,07% 0,00% 0,64% 0,55%anel periférico 100,00% 100,00% 100,00% 100,00% 100,00% 100,00% 100,00%

DISTRITOS ANO DE IMPLANTAÇÃO TOTAL

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1905 a 1940 1941 a 1980 1981 a 1990 1991 a 2000 2001 a 2005 sem informacaoLESTE 0,00% 26,99% 13,95% 17,60% 1,24% 40,22% 100,00%NORTE 0,00% 16,67% 7,27% 39,08% 0,98% 36,00% 100,00%SUL 1,23% 21,40% 23,36% 13,49% 0,14% 40,39% 100,00%OESTE 0,00% 47,06% 3,37% 2,57% 0,00% 47,00% 100,00%anel periférico 0,56% 23,07% 17,24% 18,70% 0,69% 39,73% 100,00%

DISTRITOS ANO DE IMPLANTAÇÃO TOTAL

Fonte: Seade, a partir de tabulação especial de Resolo Percebe-se, pela Tabela 5, que a maioria dos lotes irregulares do anel periférico situa-se no vetor sul deste anel: 137 mil, representando 46% do total dos lotes periféricos. Mas, apesar da predominância do vetor sul, ela não se dá de forma uniforme no tempo. No início do século XX os lotes irregulares do anel periférico (num total de 1684) alocavam-se todos no sul. Já no período seguinte, de 1941 a 1980, o vetor leste já contribuía fortemente para a expansão periférica dos lotes irregulares, com 46% do total dos lotes. A expansão no vetor sul ainda era forte, com 42% dos lotes, e o norte já surgia, com 10% dos lotes, num total de mais de 7 mil. Na década de 80, novamente o vetor sul lidera a proporção de lotes irregulares, com 62% deles. Nesta década tanto a favelização como os loteamentos irregulares na porção sul do município expandiram-se muito, ocupando áreas de proteção aos mananciais, lindeiras às represas Billings e Guarapiranga. Na década de 90, a distribuição espacial dos lotes irregulares muda: a predominância agora é no vetor leste, com 37% dos lotes, enquanto que no vetor sul localizaram-se 33% dos lotes. E a irregularidade no vetor norte já é considerável, com quase 30% dos lotes, num total de quase 17 mil lotes irregulares. Nota-se a expansão dos loteamentos irregulares na área montanhosa da Cantareira. No anel exterior, acontece coisa semelhante: nos anos 90, onde se deu a maior incidência dos lotes irregulares, a grande maioria deles – 76% - foi no vetor norte. No início do século XXI, os lotes no vetor sul representam apenas 9% do total dos lotes periféricos. A maioria dos lotes situou-se no vetor leste, com 71% dos lotes, num total de 1463. O norte também continua com lotes irregulares, com 420 nos novos lotes aí se alocando. Verificando os distritos com maior proporção de lotes irregulares, tem-se:

• A maior proporção dos lotes irregulares, 12%, está no Grajaú, distrito sul. Mas 21% destes lotes datam de 1941 a 1980 e 45% da década de 80.

• Outros distritos ao sul apresentam também proporção considerável de lotes: Capão Redondo, com 3,10% dos lotes do anel periférico, Jardim Ângela, com 6,36%, Jardim São Luis, com 3,68%, Parelheiros, com 4,64%. Em Capão Redondo também, tal como no Grajaú, a maioria tem data de implantação no período 1941-1980 (38%), assim como no Jardim São Luis, com 32% deste período. No Jardim Ângela o fenômeno foi posterior, com 32% dos lotes datando dos anos 90. E em Parelheiros a incidência dos lotes irregulares divide-se entre os períodos 1941-1980 e 1981-1990.

• No vetor norte, em Brasilândia encontram-se 5,56% dos lotes irregulares do anel periférico. E, neste distrito, a data de implantação privilegiada foi a década de 90, com quase 30% dos lotes irregulares. Em Anhanguera, onde alocam-se 3,62% dos lotes irregulares do anel periférico, tem-se a mesma época de

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implantação: 76% dos lotes irregulares datam dos anos 90. O mesmo vai acontecer em outro distrito do vetor norte, Jaraguá, com 3,23% dos lotes irregulares do anel periférico datando sobretudo da década de 90 ( 25% deles). Estes dados enfatizam o problema dos loteamentos na área da Serra da Cantareira.

• No vetor leste, o distrito com maior proporção de lotes irregulares é Iguatemi, com 5,33% do total do anel periférico, seguido de Lajeado, com 3,85%, Itaquera, com 3,71% e Cidade Líder, com 3,13%. Em Iguatemi a maior incidência data dos anos 90. Já em Cidade Líder a incidência modal foi no período 1941-1980. Em Lajeado, ela reparte-se entre os períodos de 41 a 80 e os anos 90. Infelizmente os dados de Itaquera não permitem análise, com 87% de loteamentos sem informação.

7. Divagações sobre o assunto

Para muitos autores, “a moradia em um loteamento irregular, mesmo em casa adquirida através da compra formal, representa para seus moradores a exclusão da cidade legal” (D’Ottaviano e Quaguia,2008:18). A falta de titulação impede o acesso às fontes de financiamento habitacional, exercício do direito sucessório, acesso à hipoteca e gozo pelo da valorização da propriedade. Além disso, precariedade e ilegalidade têm caminhado juntos. Como coloca Reffinetti (2006:11), a irregularidade, na grande maioria dos casos, se faz pelo loteamento apresentar padrões abaixo do exigido por lei. Para que se torne regular, seria preciso investir recursos em desapropriações e obras. Como estes loteamentos são moradia de pessoas de baixa renda, sem capital disponível, é necessário financiamento. Mas, para obter financiamento, o loteamento deve ser regular, ou pelo menos em condições de regularização. Tem-se assim um círculo vicioso. Serão os novos ordenamentos jurídicos capazes de auxiliar na solução do problema da irregularidade? A atual forma dual de urbanização: a das classes médias e a dos pobres, com as ZEIS, seria a melhor resposta possível a esta situação que de fato existe nas cidades brasileiras? Admitir a regularização de lotes em APPs e APMs (ocupadas até dezembro de 2007 em áreas urbanas consolidadas), colocando o direito à moradia de um segmento populacional como mais importante que a preservação dos cursos d’água é adequado? São itens sobre os quais não há consenso. Que cidade vai emergir destes ordenamentos? Como garantir uma oferta de lotes e de imóveis a baixo custo, com boa localização? Com leis e procedimentos menos elitistas e burocratizados, com certeza. Mas normas muito frouxas podem referendar qualquer coisa. E dois tipos de normas poderão criar uma cidade dividida ainda mais. A enorme quantidade de loteamentos e lotes irregulares- e não estamos incluindo as favelas- no Município de São Paulo- 3144 loteamentos, com quase 420 mil lotes, sendo que 998 loteamentos já conseguiram ser urbanizados, ou pelo menos RESOLO já considerou seu trabalho encerrado, mostra a grandeza do problema. Admitindo que em cada lote morem em média 4 pessoas, tem-se uma população de 1.700.000 habitantes de lotes irregulares, ou seja, cerca de 17% da população municipal.

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Percebeu-se, pelas tabelas apresentadas, que os loteamentos populares desenvolveram-se a partir dos anos 40, ligados à crise do aluguel e à expansão do sistema de ônibus na cidade. Até meados da década de 70, a compra de um lote periférico e a autoconstrução permitiam o acesso à casa própria de grande parte dos trabalhadores paulistanos. E estes loteamentos geralmente eram implantados sem atender á legislação vigente. O intervalo entre 1970 e 2000 foi o mais importante para a implantação dos loteamentos irregulares. E, dentro deste intervalo, a maior incidência se deu na década de 90. Nos anos 70, a redução dos salários, aliada ao aumento o preço da terra e as restrições legais da lei de Zoneamento de 1972 diminuiu a oferta de lotes no município de São Paulo, que cresceu nos municípios da Região Metropolitana. Os loteamentos irregulares foram um bom negócio imobiliário, aproveitando-se da expansão e valorização da terra urbana. Mas, além de problemas ambientais e da dificuldade da extensão das redes de infra-estrutura, a clandestinidade e a irregularidade impedem o registro e a obtenção de escritura pelos compradores. Nos fins de 70, estes compradores iniciam um forte movimento popular pela regularização de parte da cidade que continuava ilegal. A história dos loteamentos clandestinos e irregulares mostra que têm sido tolerados e depois anistiados, sem cobrar dos loteadores a infra-estrutura que devem ao município e aos moradores. Obras são executadas pelo poder público, que acabam beneficiando o loteador, permitindo a valorização dos lotes remanescentes. Percebeu-se que a produção de lotes populares se reduziu bastante a partir de 1980, mas tornou a subir nos anos 90 ( nos anos 80, a produção foi de 5746 lotes por ano, enquanto que nos 90 chegou a 6987 anuais). Em loteamentos periféricos parte das áreas livres, quando existem, é tomada por favelas, complicando ainda mais a situação ambiental e a possibilidade de regularização. Atualmente as famílias não raro se organizam em movimentos por moradia e assim compram terra, por escrituras coletivas, promovendo o parcelamento em lotes individuais e sem atender á legislação. No início do processo, até 1940, encontravam-se igualmente loteamentos irregulares nos anéis intermediário, exterior e periférico. No intervalo 1941-1980 dominavam os loteamentos no anel periférico, mas com forte presença no anel exterior onde se encontravam 35% dos loteamentos. Já a partir dos anos 80, o fenômeno é majoritário no anel periférico, onde se situam 71% dos loteamentos nos anos 80, 82% nos anos 90 e 91% a partir de 2000. Outro ponto importante percebido pela análise temporal – espacial da distribuição dos lotes irregulares foi sua ida para o norte, ocupando as vertentes da Cantareira. Embora a maior parte dos lotes irregulares se encontre no vetor sul, nas datas mais recentes percebe-se a crescente importância da presença de lotes irregulares ao norte. E a diminuição do ritmo de crescimento dos loteamentos irregulares no tecido urbano municipal – entre 2000 e 2005 apenas 23 loteamentos irregulares forma encontrados, ou seja, uma média de menos que 5 por ano, bem menor que a média de 50 loteamentos irregulares na década de 90, é indicador que estes loteamentos irregulares procuram

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terra mais barata e com menos controle, ou seja, caminham para outros municípios da Região Metropolitana.

8. Bibliografia BLANCO, Gabriel – Breve histórico e comentários sobre a Lei de Parcelamento do Sol Urbano (Lei Federal 6766/79 In SAULE JR, N (org) A perspectiva do direito à cidade e da reforma urbana na revisão da lei de parcelamento do solo. São Paulo, Instituto Polis, 2008, p 32-41 CALDAS, Nisimar Martinez Perez - Os novos instrumentos da Política Urbana: alcance e limitações das ZEIS. Tese de doutoramento apresentada à FAU-USP, abril de 2009 DENALDI, Rosana – O tratamento da regularização fundiária na Revisão da lei do Parcelamento do Solo Urbano- aspectos urbanísticos In SAULE JR, N (org) A perspectiva do direito à cidade e da reforma urbana na revisão da lei de parcelamento do solo. São Paulo, Instituto Polis, 2008, p 71-81 DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO nº58 Quarta feira, 26 de março de 2009, sessão 1, Medida Provisória 359 D’OTTAVIANO, M.C. e QUAGLIA,S – O estatuto da Cidade e a regularização urbanística e ambiental: novas possibilidades de inclusão social Trabalho apresentados à reunião da ABEP Associação Brasileira de Estudos Populacionais, Caxambu, 2008 FERNANDES. E - A nova ordem jurídico –urbanística no Brasil In FERNANDES, E& Alfonsin, B (org) Direito Urbanístico Belo Horizonte, Del Rey/Lincoln Institute. 2001, p 3-31 FERNANDES, E – Bolsões de sonhos perdidos Entrevista ao jornal O Estado de São Paulo, 12 de abril de 2009, p J4 IPEA/CGPUR; FAUUSP; IE-NESUR/UNICAMP- Gestão do uso do solo e disfunções do crescimento urbano Vol 4: instrumentos de planejamento e gestão urbana: São Paulo e Campinas. Brasília, IPEA, 2002 MARTINS, Maria Lúcia Reffinetti – Moradia e mananciais: tensão e diálogo na metrópole. São Paulo, FAUUSP/FAPESP, 2006 PASTERNAK TASCHNER, S & MAUTNER, Y- Habitação da Pobreza: alternativas de moradia popular em São Paulo Cadernos Prodeur 5. São Paulo, FAUUSP/FUPAM, 1982 PASTERNAK TASCHNER, S – Degradação ambiental em favelas em São Paulo In TORRES, H & COSTA,H (org) População e meio ambiente: debates e desafios São Paulo, Ed SENAC 2000, p 271-300 ROLNIK, Raquel – As tipologias e os requisitos urbanísticos e ambientais do parcelamento do solo urbano no Projeto de Lei nº 3057/00 In SAULE JR, N (org) A

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perspectiva do direito à cidade e da reforma urbana na revisão da lei de parcelamento do solo. São Paulo, Instituto Polis, 2008, p 42-48 SAULE, Nelson Jr - O Direito à Cidade e a Revisão da Lei do parcelamento do Solo In SAULE JR, N (org) A perspectiva do direito à cidade e da reforma urbana na revisão da lei de parcelamento do solo. São Paulo, Instituto Polis, 2008, p 7-29