ilan brenman - o pó do crescimento

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1 Ilan Brenman O Pó do Crescimento e outros contos Martins Fontes

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CONTOS INFANTO JUVENIL

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Ilan Brenman

O Pó do Crescimento

e outros contos

Martins Fontes

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Um dia, na minha rua...

um menino ganhou um pó mágico e saiu plantando árvore de tudo o que era coisa: de sapato, de pente e escova, de brinquedo e até de lasanha;

uma menina puxou a barba do rabino para ver se era de neve ou de algodão-doce;

uma classe inteira sumiu no dia da prova de matemática da professora Bigodona;

na família Lentilha, a arte da preguiça passou a ser orgulhosamente transmitida de pai para filho.

Ilan Brenman, brilhante contador de histórias, coloca no papel alguns dos contos que ele mesmo criou.

CAPA Projeto gráfico Renata M. Ueda e Katia Terasaka Ilustração Cláudia Scatamacchia

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Ilan Brenman

O PÓ DO CRESCIMENTO E OUTROS CONTOS

Ilustrações de Cláudia Scatamacchia

Martins Fontes São Paulo 2001

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Ilan Brenman nasceu em Israel, Kfar Sabá, no ano de 1973. É filho de pais argentinos. Estudou psicologia na PUC de São Paulo e desde muito cedo começou a trabalhar com crianças. Desse convívio cotidiano com as crianças nasceu o contador de histórias. Atualmente, ele trabalha em uma Organização Não-Governamental num projeto de incentivo à leitura, realiza oficinas ligadas a "contação de histórias" e literatura infanto-juvenil, conta suas histórias em espaços educativos e culturais e faz mestrado de pedagogia na USP. Cláudia Scatamacchia é de São Paulo. Seus dois avós eram artesãos. Cláudia já nasceu pintando e desenhando, em 1946. Quando criança, desenhava ao lado do pai, ouvindo Paganini. Lembra com saudade as três tias de cabelo vermelho que cantavam ópera. Lembra com respeito a influência do pintor Takaoka sobre sua formação. Cláudia recebeu vários prêmios como artista gráfica, pintora e ilustradora. São dela o projeto gráfico e as ilustrações deste livro.

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Ouvir histórias é tão necessário ao homem como

respirar e amar. Agradeço às

pessoas que são o meu ar e

minha paixão, meus pais,

minha irmã e a Tali.

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ÍNDICE .

O pó do crescimento

A barba do rabino 31

A gordura misteriosa

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Sumiço em Cariló 49

Uma história de muita preguiça 83

O cavalampiro 65

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O pó do crescimento

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Esta é a história de um menino de oito anos, chamado André. Ele morava numa casa muito pobre, que só tinha uma sala, um banheiro e uma cozinha. André vivia com a mãe. O pai já havia morrido fazia muitos anos. A mãe de André era costureira, mas o dinheiro que ela ganhava com o trabalho era muito pouco. Às vezes não dava nem para comprar comida. Quando isso acontecia, ela ia até o quintal, cortava grama e fazia uma sopa para o filho. Você já imaginou como deve ser duro para uma criança de oito anos não poder brincar na rua nem ir à escola? Pois era isso que acontecia com o André, porque ele tinha de ficar em casa ajudando a mãe com as costuras. Os dois levavam uma vida muito triste. Um dia a mãe de André acordou ardendo em febre. O menino ficou meio sem saber o que fazer. Mãe, quer que eu chame um médico? — ele perguntou. Ficou louco, meu filho! Como é que nós vamos fazer para pagar um médico? Então eu vou comprar uns remédios! Com que dinheiro, filho?

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Mãe, o que eu faço, então? Filho, você é um menino muito inteligente. Vá até a cidade e tente pedir ajuda a alguém. André ficou com muito medo, pois nunca tinha ido até a cidade. Mas era o único jeito. Sua mãe estava muito doente e ele precisava ajudá-la. Pôs umas roupas na mochila e, com os olhos cheios de lágrimas, foi se despedir da mãe.

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Já quase chegando à cidade, André avistou um bando de crianças, que pareciam estar jogando futebol. Chegando mais perto, ele viu que aquilo que os meninos estavam chutando não era uma bola, era uma tartaruga! André, que adorava os animais e toda a natureza, ficou louco da vida. Era muita crueldade! Ele precisava fazer alguma coisa!

Sem deixar ninguém perceber, o menino foi se aproximando devagarinho, bem devagarinho, e... zap! Ele pegou a tartaruga e saiu correndo. A criançada foi atrás dele, mas André corria muito e conseguiu escapar.

Quando se viu fora de perigo, o menino parou, ofegante, e se encostou numa árvore para descansar. Depois de recuperar o fôlego, olhou para a tartaruga e notou que ela estava totalmente encolhida dentro do casco. Tentou reanimá-la com umas batidinhas leves: toc, toc, toc... mas nem sinal de tartaruga.

Ali perto corria uma riacho. André levou a tartaruga até lá e, com as mãos, jogou um pouquinho de água por cima dela. Nada. A tartaruga continuava encolhida, sem dar sinal de vida.

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— Vai ver que ela levou tanto chute que acabou morrendo — ele pensou. — Vou enterrar a coitadinha.

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André cavou um buraco na terra e já ia colocar a tartaruga lá dentro quando ela esticou as perninhas para fora do casco. O menino levou tanto susto que a jogou para cima. A tartaruga caiu com toda a força no chão e voltou a se encolher.

— Como eu sou burro! — o André pensou. — Ela estava viva! Acho que agora é que eu matei mesmo a coitadinha.

Mas o sentimento de culpa dele não durou muito tempo. Logo a tartaruga foi se esticando de novo para fora do casco, bem devagarinho. André começou a pular de alegria, segurando o bichinho na mão.

— Ela está viva! Ela está viva! — ele gritava. Então uma vozinha disse: — Obrigada, você me salvou! Mas o André nem ouviu, pois ele

continuava pulando e gritando, fazendo a maior barulheira. A voz repetiu um monte de vezes a mesma coisa.

Finalmente o menino sossegou, então, ele ouviu:

— Obrigada, você me salvou! — Quem disse isso? — ele perguntou. — Fui eu, menino. — Eu quem?

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— Eu. Olhe aqui para baixo. André baixou os olhos e não quis

acreditar: a tartaruga estava falando! Levou tamanho susto que quase jogou o bichinho para cima de novo. Mas dessa vez ele se controlou em tempo. Pôs a tartaruga no chão, deu um passinho para trás e perguntou:

— Desde quando tartaruga fala?

— Eu não sou uma tartaruga comum.

— Como assim? — Sou a

tartaruga encantada da Bruxa do Lodo.

— Bruxa do Lodo? — Isso mesmo.

Eu não agüentava mais viver com ela.

— Por quê?

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—Porque a Bruxa do Lodo fazia muita maldade. Ela me obrigava a enfeitiçar as crianças das redondezas, que me seguiam até o castelo da mal-vada. Lá dentro ela agarrava a criança com suas unhas imensas e sujas e lhe enfiava goela abaixo uma poção mágica.

—E aí? — perguntou André, curioso e assustado ao mesmo tempo.

—A poção começava a fazer efeito e, muito lentamente, a criança ia se transformando em animal.

—Mas, que tipo de animal? — perguntou André, que já não conseguia disfarçar seu espanto.

—Animal do ar, da terra ou do mar. Era pomba, coruja, camelo, orangotango, hiena, polvo, golfinho, tubarão... Animais dos mais variados, menino. A maldade era tanta que havia poções que transformavam as crianças em minhocas, baratas, besouros, cobras...

—E o que-que ela fa-fa-fazia com os ani-ni-mais depois? — perguntou André, gaguejando de medo.

—Prendia todos no seu zoológico particular, que ficava atrás do castelo. Havia até uma piscina enorme com os animais aquáticos. Acre-

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dite se quiser, menino, mas havia até uma baleia orca nadando ali. Coitada da Tetê.

— Tetê? — É, a Ester. Era uma menina de

cachinhos dourados, bochechas rosadas e gordinha que só vendo. Assim que a Bruxa do Lodo a viu eu já sabia o que estava para acontecer: a menina seria a orca de estimação que tanto a malvada queria.

— Tartaruga, tenho que ir embora, minha mãe precisa de mim. Termine logo a sua história.

— A maldade daquela bruxa era tanta que resolvi fugir. Mas aqueles meninos me pegaram no meio do caminho e começaram a me chutar de um lado para o outro. Então você me salvou, e agora estou aqui, vivinha. Em agradecimento vou lhe dar um pó mágico.

— Pó mágico? — Isso mesmo. Ponha a mão dentro

do meu casco. Não tenha medo! — Dentro do casco? Écate! — disse

André, com cara de nojo. A tartaruga insistiu tanto que ele

respirou fundo e... enfiou a mão no casco dela. Lá dentro, bem no fundo, sentiu uma coisa que parecia areia.

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Pegou um punhado e puxou a mão, que veio cheia de um pó dourado.

— Pronto, agora vá tirando mais pó e guardando na mochila — disse a tartaruga.

André tirou a roupa de dentro da mochila, levantou a tartaruga, virou-a de ponta-cabeça e começou a chacoalhar. Depois de despejar todo o pó, ele a colocou de novo no chão. A coitadinha estava mais tonta do que um pião.

— Agora me diga, para que serve esse pó? — perguntou André.

— Esse é o pó do crescimento universal. Se você jogar um pouquinho em cima de algum objeto e depois enterrá-lo, em alguns segundos vai nascer uma linda árvore no lugar, carregada de frutos do mesmo tipo do objeto enterrado.

A tartaruga agradeceu mais uma vez, se despediu e foi indo embora devagarinho, até desaparecer no meio do mato.

André ficou um tempo parado, segurando a mochila abarrotada de pó dourado e pensando:

— Será que isso funciona mesmo? Então ele tomou uma decisão: não

iria mais até a cidade. Precisava contar logo aquela história

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maluca à sua mãe. E lá se foi o André correndo de volta para casa.

Quase chegando em casa, o menino viu jogando no chão um par de sapatos velhos. Tirou um pouco do pó dourado da mochila, jogou nos sapatos e os enterrou. Depois de alguns segundos, uma árvore linda e frondosa cresceu ali mesmo, no lugar onde ele tinha enterrado o par de sapatos. E o que a tartaruga tinha dito aconteceu: a árvore se encheu de frutos, e o frutos eram os mais variados tipos de sapatos: alpargatas, galochas, tênis, chinelos, botas, sandálias, sapatos de sola fina, sapatos de sola grossa...

Deslumbrado, André se aproximou da árvore e se pôs a balançar seu tronco. Uma chuva de sapatos caiu no chão. O menino recolheu todos os frutos-sapatos que pôde carregar e foi correndo vendê-los para um sapateiro que morava perto da casa dele. Agora André já podia buscar o médico e comprar os remédios para sua mãe.

Quando viu o filho chegar em casa com o médico, a mãe do André ficou muito feliz e logo quis saber onde ele tinha arrumado o dinheiro. Só que ela não acreditou muito naquela história sem pé nem cabeça. Adultos, e principalmente

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mães, nunca acreditam nesse tipo de história, não é? E volta e meia ela insistia de novo.

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— Filho, deixe de inventar. De onde saiu esse dinheiro todo? Depois que a mãe tomou os remédios receitados pelo médico e começou a melhorar, André resolveu provar que sua história era verdadeira. Pegou uma escova de cabelo da mãe, jogou um pouco de pó dourado nela e foi enterrá-la no quintal. Dali a pouco, a mãe do André olhou pela janela e deu um grito de susto. Bem ali, nos fundos da casa dela, tinha acabado de crescer uma árvore carregada de escovas e pentes. Então era verdade, aquela história toda não era invenção do André! A partir daquele dia, no quintal daquela casa passaram a crescer árvores de tudo o que se pode imaginar: árvore de arroz, feijão, lasanha, pão, carne... Nunca mais André e a mãe dele passaram fome. E não foi só isso. Também cresceram árvores de camiseta, de calça, de saia, de cueca, de calcinha, de short, de meia... Nunca mais eles precisaram comprar roupa. Como não podia deixar de ser, um belo dia o André fez nascer uma árvore de brinquedo. E, quando a mãe não estava por perto, sabem o que ele aprontava? Fazia crescer árvores de bala, de chocolate e de sorvete. Você se lembra da casa de

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doces da história de João e Maria? Pois ela era filhinha perto das árvores de doces do André. Acontece que, com tudo isso, a casinha deles continuava pequena e pobre. André precisava dar um jeito naquilo. Porém, nenhuma idéia lhe vinha à cabeça. Depois de três dias matutando, ele viu uma turma de crianças passando na frente de sua casa. Eureca! André chamou a criançada, contou a história do pó mágico e propôs um jogo: — Ganha um saco de doces quem conseguir inventar o melhor jeito de usar o pó para arranjar uma casa nova! A criançada se entusiasmou. Eu sei! Eu sei! — disse um gordinho, louco de vontade de enfiar o saco de doces inteirinho pela goela. — É só vender todos os objetos e alimentos que as árvores derem. Nada disso, bola-de-manteiga. É melhor enterrar a casa inteira de uma vez — disse outro menino, com cara de malandro sabido. Mas aí eu precisaria de um trator para cavar o buraco — disse André. Você enterra um trator e faz nascer uma árvore de tratores — disse o sabichão.

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— Seu burro! Como ele vai fazer para enterrar o trator? — disse o bola-de-manteiga.

Havia dois meninos menores que ainda não tinham falado nada. Então, o maiorzinho arriscou:

— É só enterrar tijolos. — Mas e para construir a casa? Eu

queria uma pronta — disse André, já meio desanimado da idéia de conseguir uma casa nova.

De repente o menorzinho de todos soltou: — Ora, então o jeito é enterrar dinheiro! O espanto foi geral. Era óbvio!

Como é que ninguém tinha pensado nisso antes? O saco de doces

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foi direto para a mão do menino menor e mais esperto da turma. Terminado o jogo, André se despediu das crianças, entrou em casa, pegou uma nota de dinheiro, jogou um pouco do pó em cima dela e pronto! O resto você já sabe: o menino enterrou a nota e depois de alguns segundos lá estava uma bela árvore milionária. Aí foi só balançar os galhos dela e juntar o dinheiro dentro de uma sacola

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enorme. André e a mãe compraram uma casa ótima e muito bonita, bem pertinho do bairro em que você mora, meu caro leitor.

A primeira coisa que o André fez na casa nova foi instalar um cofre para guardar o que tinha sobrado do pó

dourado e do dinheiro. E lá mãe e filho viveram felizes para... não, a história

não acabou. Fazia umas três semanas que eles

estavam morando na casa nova quando, certa manhã, a campainha tocou: Blim

blom... Blim blom. André foi abrir a porta e levou o maior

susto da vida. Deu com uma mulher toda de preto, com mais de dois metros e vinte, a altura daqueles jogadores de

basquete imensos. O rosto dela era assustador: de seu

nariz escoria uma meleca cor de mostarda que fedia mais que o chulé do André, e olha que o chulé dele era dose de leão. De suas orelhas escorria uma

cera liquida amarelada, como se fizesse um século que aquelas orelhas não viam um cotonete. O cabelo dela era cheio de caspa e seus olhos soltavam chispas de

fogo. E a boca, então? Era inacreditável! Parecia uma mistura de boca de sapo com boca de gorila. André não teve

dúvida: era a Bruxa do Lodo.

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O menino tremia tanto que quase fez xixi nas calças, ainda mais quando a bruxa começou a falar:

— Acho que vou transformar você em pingüim e mandá-lo para o Pólo Sul! — ela ameaçou.

André respirou fundo e parou de tremer. Já sabia o que ia fazer:

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— Bruxa do Lodo, sei o que você quer. Pode entrar na minha casa e levar todo o pó de volta — ele disse, já entrando na casa com a bruxa grudada em seu calcanhar.

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André chegou à frente do cofre, girou a roleta com o segredo, virou a chave e... a porta se abriu. A Bruxa do Lodo salivou ao ver o que estava lá dentro: o pó dourado e muito, muito di-nheiro. Sem titubear, ela entrou no cofre, tirou uma sacolinha e começou a enchê-la com o pó dourado e o dinheiro. De boba aquela bruxa não tinha nada.

André esperou a bruxa terminar a pilhagem e, quando ela estava prestes a sair do cofre, ele deu um pulo, trancou a porta, girou a roleta, tirou a chave, correu até o banheiro e... Pluft! a chave foi embora pela privada.

A Bruxa do Lodo começou a gritar e nunca mais parou:

— Socorro! Socorro! Menino maldito! No início, André e a mãe sentiam

medo daquela gritaria. Mas, com o passar dos dias e das semanas, eles foram se acostumando, e hoje nem ouvem mais nada.

Porém, se andando pelo seu bairro você passar perto da casa do André e ouvir alguém gritando "Socorro! Socorro! Menino maldito!", não tenha medo. Acho difícil a Bruxa do Lodo

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conseguir sair de dentro do cofre. Tomara que eu esteja certo! Entrou por uma porta, saiu pela outra, e o rei, meu senhor, que conte outra. Tiririm Tiririm a história chegou ao fim.

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A barba do rabino

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Num pequeno vilarejo, vivia uma família judia. A mãe, Sara, era costureira; o pai, Isaac, era lenhador. Eles tinham uma filha de quatro anos, Ruth. Sara e Isaac eram muito pobres e não tinham condições de mandar Ruth para a escola.

No vilarejo havia uma pequena sinagoga, muito bonita e bem arrumada, onde toda sexta-feira era celebrado o Kabalat Shabat*. Nessa ocasião o principal rabino da cidade, que era um grande sábio, fazia lindos discursos depois das rezas. Todos tinham grande estima por este rabino.

Toda sexta-feira, então, a família de Ruth ia à sinagoga. Os três se sentavam na primeira fila — o pai no lado dos homens, a mãe e a filha no lado das mulheres. Assim eles podiam ouvir me-lhor os discursos do rabino. Além disso, Isaac sempre dizia: "Se sentarmos na frente, talvez Deus nos enxergue melhor."

A história que vou contar agora aconteceu justamente num Kabalat Shabat. Lá estava Ruth

* Para os rabinos, o dia do descanso (Shabat) é como uma noiva, que deve ser recepcionada com alegria. O Kabalat Shabat, realizado todas as sextas-feiras, é a acolhida do dia do descanso.

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com sua mãe na primeira fila da sinagoga. O rabino já ia dar início à reza, e Ruth, que nunca tinha prestado muita atenção nele, começou a observá-lo. Era um homem alto, gordo, com grandes olhos azuis e uma expressão sempre meio zangada. Mas o que mais impressionou a pequena Ruth foi a longa barba branca do rabino.

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A menina não conseguia tirar os olhos daquele rosto coberto de neve... ou será que era algodão-doce? A reza terminou. O rabino ia começar o discurso, quando Ruth teve um impulso incontrolável: levantou e, sem ninguém perceber, foi até a frente, subiu numa cadeira e... AI, AI, AI! RUTH PUXOU A BARBA DO RABINO! O rabino deu um grito de dor e olhou para Ruth com a cara mais brava do mundo. Mas a menina não se abalou. Apenas deu um sorriso e voltou ao seu lugar. As pessoas não conseguiam acreditar. Imaginem só, uma menininha tinha puxado a barba de um grande sábio! Os comentários se espalharam pela sinagoga inteira. Envergonhados, Sara e Isaac foram embora para casa, levando a filha. Chegando em casa, passaram uma bronca na menina, e ela disse que só queria ver se a barba era de neve ou de algodão-doce. Mas não adiantou explicar, e Ruth acabou indo para o quarto, chorando. Na sexta-feira seguinte, todos foram novamente à sinagoga, para o Kabalat Shabat. O incidente da semana anterior já tinha sido esquecido. Ruth e seus pais sentaram-se na primeira fila,

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como de costume, e a menina foi avisada para ficar bem quieta. Mas, enquanto o rabino fazia as rezas, Ruth não conseguia pensar em outra coisa: barba, neve, algodão-doce, barba, neve, algodão-doce... De repente, a menina não agüentou: saiu correndo na direção do rabino, deu um salto e... puxou a barba dele. O rabino deu um grito, olhou

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para Ruth com a mesma cara brava que ela já conhecia... mas, desta vez, ele esboçou um sorriso que só Ruth conseguiu perceber . Na sinagoga levantou-se o maior falatório: que menina atrevida! Como teve coragem de fazer aquilo de novo? Que falta de educação! As pessoas estavam indignadas. Sara e Isaac não sabiam o que dizer. Mais envergonhados do que nunca, levaram a menina de volta para casa. Passaram-lhe uma bronca maior ainda e, desta vez, acompanhada de um castigo: Ruth ia ficar uma semana sem sua boneca preferida. Na semana seguinte os pais de Ruth pensaram em não ir à sinagoga. Mas, para os judeus do vilarejo, a sinagoga era muito importante, pois representava a esperança de um dia voltar à Terra Prometida, Israel. Além do mais, Sara e Isaac nunca na vida tinham faltado à cerimônia do Kabalat Shabat. Assim, lá foram eles mais uma vez, só que, por precaução, sentaram na fila do meio. Ruth sentou no colo da mãe. Para vigiá-la melhor, Isaac sentou-se na ponta da fileira dos homens. Aliás, não eram só os pais que a vigiavam. Aquele dia, todas as outras pessoas estavam de olho na menina.

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Mas de nada adiantou a vigilância. Num instante em que todos se distraíram, Ruth saiu em disparada e... O rabino parecia já estar esperando aquele momento, até seu grito de dor já não foi tão intenso. No entanto, os outros se revoltaram. Alguns chegavam a exigir que se proibisse a entrada daquela puxadora de barba na sinagoga. Isaac e Sara, vermelhos de vergonha, voltaram para casa decididos a não ir mais à sinagoga para o Kabalat Shabat, pelo menos até Ruth crescer um pouco mais e parar com aquela mania. No Kabalat Shabat seguinte, o rabino fez as rezas, depois o discurso, mas sentiu falta de alguma coisa. Ah, sim! O puxão da barba. O rabino então notou que Ruth não estava na sinagoga. As outras pessoas também notaram e, ao terminar a cerimônia, foram embora felizes e aliviados por não terem assistido à falta de respeito daquela menina. Na semana seguinte, o rabino parecia doente. De fato, ele tinha sido acometido por uma doença misteriosa, que piorava a cada semana. Sua voz foi desaparecendo, ele foi perdendo as forças, até já não conseguir realizar o Kabalat Shabat às sextas-feiras na

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sinagoga. Os melhores médicos da região foram consultados, mas nenhum deles soube explicar o que estava ocorrendo com o rabino. Era uma sexta-feira. O rabino estava tão magro e fraco que nem conseguia andar. A morte parecia prestes a chegar. As pessoas mais próximas, que estavam ao lado de sua cama, perguntaram-lhe qual era seu último desejo. Com as pou-cas forças que lhe restavam, o rabino disse que queria ir à sinagoga para o Kabalat Shabat. Diante das circunstâncias, aquele dia mesmo as pessoas que não costumavam freqüentar a sinagoga compareceram ao Kabalat Shabat. Também os pais de Ruth resolveram voltar à casa de Deus, já que talvez fosse a última vez que poderiam ver o grande rabino. Dessa vez Sara e Isaac sentaram na última fila, para evitar um novo vexame. A sinagoga estava abarrotada. O rabino da barba branca estava sentado ao lado de um outro rabino, mais jovem, que conduzia a cerimônia. Ao ver o rabino tão magro, tão fraco que nem conseguia abrir os olhos, Ruth resolveu ir até ele.

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No meio de tanto aperto, ninguém percebeu sua aproximação. Chegando perto do rabino, Ruth começou a acariciar sua barba e a chorar de tristeza. Muita gente se pôs a gritar, achando que a menina fosse puxar a barba do rabino. Mas, quando algumas pessoas se aproximaram para tirá-la à força de lá, uma coisa incrível

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aconteceu: o rabino abriu os olhos e sorriu. Ruth parou de chorar e subiu no colo dele. Então, falando baixinho, ela lhe explicou que tinha puxado a barba dele para saber se era de neve ou de algodão-doce. O rabino então soltou uma gargalhada. E o rabino ria, ria sem parar. Quando finalmente conseguiu se conter, pediu a todos que fossem para casa, dizendo que assim que pudesse lhes daria uma explicação. Chegamos ao último Kabalat Shabat de nossa história. Sara, Isaac e Ruth foram chamados pelo rabino da barba branca para se sentarem na primeira fila. O rabino fez as rezas e, antes de começar o discurso, pediu que Ruth se aproximasse. A menina olhou para a barba enorme, olhou o para o rabino, e ele balançou a cabeça, dando seu consentimento... Mas dessa vez, em vez de gritar, o rabino começou a falar. Então ele disse que tinha ficado doente de tristeza quando Ruth deixara de ir à sinagoga. Para ele, aquela menina representava a esperança, o futuro. E eram pessoas como ela que Deus mais gostava de ter na sua casa, pessoas que testavam

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suas convicções e sua fé, com muita coragem e alegria.

Ruth voltou a freqüentar a sinagoga com seus pais. De vez em quando ela ficava muito perto do rabino, mas agora sem puxões, pois ela sabia que sua barba não era de...

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A gordura misteriosa

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Comer é uma das melhores coisas do mundo, ainda mais se a comida for um doce delicioso, de preferência doce de leite.

Mas temos de tomar cuidado com o exagero. Comer demais pode provocar aquela dor de barriga que dá vontade de ir voando ao banheiro. Outro problema do exagero é a pança que aumenta, e a gente passa a ser chamado pelo nome de uma grande variedade de animais terrestres e aquáticos: elefante, hipopótamo, baleia...

Daniel era um menino de sete anos que gostava de comer, mas não era de exagerar. A mãe dele tinha muito orgulho daquele filho que comia tão direitinho.

Certo dia, a mãe de Daniel começou a perceber que o filho estava ficando mais gordo; porém, o estranho era que Daniel andava comendo a mesma quantidade de sempre.

A mãe pensou: — Deve ser da idade, ele está em

fase de crescimento. Mas Daniel não parava de engordar.

Muito preocupada, a mãe o levou ao médico. O médico examinou Daniel e disse:

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Este menino está em perfeita saúde, só precisa parar de comer tanto. Mas, doutor, ele não come tanto assim — respondeu a mãe. O médico não deu muita bola para a mãe do Daniel e já mandou chamar o paciente seguinte. Mãe e filho voltaram para casa e o regime começou... Depois de duas semanas de regime, Daniel continuava engordando. Que mistério mais misterioso aquela gordura toda! Se continuasse engordando daquele jeito, Daniel ia acabar estourando. A mãe dele, então, re-

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solveu vigiar cada minuto da rotina do filho, para tentar descobrir o motivo daquela gordura. No dia seguinte, ao acordar, Daniel tomou seu café da manhã como sempre. Depois foi à escola. No recreio comeu apenas uma maçã. Ao voltar para

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casa, na hora do almoço, comeu pouca coisa. Então foi para o quarto fazer lição de casa e... — Não! Não pode ser! — gritou a mãe de Daniel. Ela não podia acreditar no que seus olhos viam: Daniel estava comendo as letras da lição de português! Ele pegou a letra A da palavra AMOR, colocou catchup e... Nhac! Depois pegou o H do CHOCOLATE, o S do SALGADINHO e o G do RE FRIGERANTE. A letra H derreteu na boca do Daniel. O S lhe deu uma sede imensa. Então ele correu para comer o G, que lhe fez uma cosquinha gostosa na língua. Então era isso! A mãe lembrou que a professora andava reclamando que Daniel se esquecia de colocar algumas letras quando escrevia. Ora, esquecia coisa nenhuma, ele COMIA as letras. E comia tantas que estava engordando daquele jeito. Depois daquele flagra, a mãe do Daniel sentou com o filho para explicar que ele não devia ser tão guloso e que era para deixar as letras no

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lugar delas, para que juntas elas formassem as palavras.

Com a ajuda da mãe, Daniel foi emagrecendo até voltar ao peso normal. Mas de vez em quando, sem ninguém ver, Daniel pegava uma letra, colocava catchup e mostarda e... Nhac!

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Sumiço

em Cariló

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T odas as crianças do mundo já

desejaram, pelo menos uma vez na vida, que a escola onde estudam desaparecesse, evaporasse, sumisse do mapa. Esta é a história de uma escola que desapareceu de verdade. É isso mesmo: a escola desapareceu misteriosamente da face da Terra. E tem mais: alunos e professores que estavam dentro dela também desapareceram. Tudo aconteceu numa cidade muito pequena, que fica para lá de Bagdá. O nome dessa cidadezinha é Cariló. A população de Cariló é de aproximadamente 725 habitantes. Porém, há um ano, de repente, sua população diminuiu temporariamente para 700 habitantes. E só agora foi possível saber como sumiram esses 25 habitantes de Cariló.

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Era um dia comum. Em Cariló velhos e jovens conversavam na praça, mães passeavam com seus filhos de um lado para outro e cachorros va-gabundeavam sem destino pelas ruas. A cidade levava sua vidinha tranqüila de sempre. Quando o relógio da praça bateu meio-dia, quase todo o mundo foi para casa almoçar.

Depois do almoço, por volta de uma hora da tarde, 22 crianças chegavam à pequena e única escola de Cariló, onde as esperavam os três professores da cidade.

Decerto você já está fazendo as contas: 22 + 3 = 25. Então devem ser esses os 25 que sumiram! Acertou! Isso mesmo, são esses!

Primeiro, todas as crianças, de todas as casses, foram para a aula de ginástica do professor Armando. Renato, que tinha 7 anos, ficou perto de Tais, que tinha 8:

— Sabe, Taís, depois desta aula eu tenho prova de matemática — disse Renato, preocupado.

— E daí? — perguntou Taís. — Como e daí?! Eu não estudei

nada! Vou tirar zero! — respondeu Renato, meio bravo.

— O que você quer que eu faça? Não vai

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querer que eu faça a prova por você, não é mesmo? — disse Taís.

— Claro que não! O que eu queria mesmo é que acontecesse alguma coisa para não ter prova hoje — respondeu Renato.

— Como assim? — perguntou Taís. — Ué, podia haver um terremoto ou

uma avalanche de neve bem na hora da prova — disse Renato, já imaginando a cena da fuga.

— Mas, Renato, aqui nunca teve terremoto e muito menos neve! — disse Tais, com pena de estar desapontando o amigo

— Eu sei! Só estou dizendo que eu dese- jaria que acontecesse! Mas com certeza não vai acontecer nada; ou melhor, vai acontecer tudo: eu vou tirar ZERO na prova! — disse Renato, prevendo uma tragédia.

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Depois da aula de ginástica Renato foi para a classe dele. Lá já estava a postos a dona Bigodona, professora de matemática, que tinha esse apelido por causa do bigode. Depois que todos os alunos da classe chegaram, a professora Bigodona começou a distribuir as folhas de prova e disse:

— Vocês têm uma hora para fazer tudo. Quem tentar colar vai direto para o poço das almas!

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O poço das almas é uma das mais antigas lendas de Cariló. Ela diz que, quando uma pessoa entra ou é jogada nesse poço, ela volta à superfície transformada em bebê, para sempre.

Essa lenda certamente foi criada pelas mães cariloenses, para pôr medo em criança malcriada.

Bom, vamos voltar à prova de matemática. Ao receber a prova, Renato nem pensou em colar, e vocês já devem imaginar por quê. Ele não sabia responder a nenhuma questão nem resolver nenhum problema. A única saída era começar a rezar:

— Por favor, um terremoto! E nada de terremoto. — Por favor, uma avalanche de neve! E nada de avalanche de neve. O tempo passava. Faltavam cinco

minutos para terminar o prazo. Renato não tinha feito absolutamente nada. Ele já estava se conformando com o zero que ia tirar, quando, de repente, aconteceu o inesperado, o inimaginável.

A escola foi iluminada por uma intensa luz verde, vinda de algum lugar no espaço. As paredes começaram a tremer. As crianças e os professores começaram a flutuar como se não houvesse

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gravidade. Eles flutuavam como os astronautas da TV Imagine só o Renato flutuando ao lado da Bigodona.

Tudo flutuava: cadernos, apagadores, cadeiras. Num primeiro momento as crianças se divertiram muito. Era como se estivessem numa piscina sem água. Os adultos, por sua vez, não estavam entendendo nada.

De repente a luz verde ficou mais forte e o chão começou a se separar da terra. Parecia que a escola estava sendo sugada por aquela luz estranha. Por incrível que pareça, o prédio da escola estava levantando vôo. Isso mesmo! Levantando vôo!

Imagine se um dia você estivesse andando pela rua, olhasse para o céu e visse uma escola voando como um avião. Não seria uma cena estranhíssima? Claro que muita gente adoraria ver sua escola voando, principalmente em dia de prova.

De início, em Cariló ninguém percebeu nada, pois a escola ficava um pouco afastada do centro da cidade. As pessoas só desconfiaram que alguma coisa tinha acontecido quando, no fim da tarde, as crianças começaram a demorar para chegar em casa.

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Quando se confirmou que a escola tinha sumido, as famílias das crianças e dos professores entraram em pânico. Chamaram a polícia, mas não adiantou, pois ninguém sabia nem por onde começar a procurar. Alguns tentavam imaginar uma explicação: — Foi furacão! Foi bruxaria! Foi terremoto! Mas na verdade era um mistério total! Enquanto isso, a escola continuava subindo. Tinha passado da estratosfera e continuava voando, sempre como que atraída pela luz verde.

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Os alunos e os professores tinham se juntado perto de uma janela e observavam o espaço: Ali! É a Lua! — disse um aluno da primeira série. Vejam! É Marte! — disse outro aluno, da terceira série. Logo as crianças se fartaram de ver planetas e começaram a ficar aflitas, pois estavam com medo de nunca mais poder voltar para casa. Os professores tentavam acalmá-las, dizendo que tudo acabaria bem.

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De todos os alunos, Renato parecia o mais triste. Chorando, ele dizia para Tais:

— É minha culpa! — Como assim? — perguntou Taís,

tentando conter as lágrimas. — Eu rezei para acontecer alguma

coisa que acabasse com a prova de matemática — respondeu Renato, desconsolado.

— Você já pensou se acontecesse tudo o que a gente deseja? O mundo não teria mais provas, nem castigo, nem brócolis... porque eu odeio brócolis! — disse Tais.

— Mas é que eu rezei... — murmurou Renato. — Ora, Renato, pode ficar tranqüilo

que não foi sua culpa — disse Taís, em tom de quem sabe o que está falando.

A conversa com a amiga tranqüilizou Renato, mas a escola continuava a sua viagem espacial. Depois de passar por Plutão, último planeta do sistema solar, eles deram de cara com um buraco negro. O desespero foi total. Todos acharam que tinham chegado ao fim. Mas, então, o prédio da escola saiu pelo outro lado do buraco negro, entrando num outro sistema galáctico. Que alívio!

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Aí aconteceu uma coisa estranha: a escola-astronave foi descendo, descendo, até pousar no lugar de onde parecia vir a luz verde. Finalmente, para alegria geral, eles deixaram de flutuar. Estavam de novo em chão firme. Mas onde? Que planeta era aquele? Será que ali morava alguém? De repente... toc, toc, toc... bateram na porta. Que susto! A Bigodona, que era muito corajosa, foi abrir e... Lá estavam uns trinta serzinhos azuis muito estranhos. Eles tinham cauda e eram muito baixinhos, não tinham mais de 25 centímetros de altura. Pareciam uns dragõezinhos. Surpreendentemente, um deles começou a falar: — Verkby brafoju baolifeiu maedrfio... Ninguém entendeu nada! Então o serzinho pegou uma espécie de caixinha preta que um companheiro lhe entregou. Ele pôs a tal caixinha na frente da boca e voltou a falar: — Bem-vindos a Gomart! Pois é, a caixinha era um tradutor universal, capaz de traduzir de qualquer língua para qualquer outra. Graças ao aparelhinho, os seres de Gomart

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poderiam se entender perfeitamente com os professores e alunos da escola de Cariló. Assim, a conversa continuou:

—Quem são vocês? O que estão querendo de nós? Por que nos trouxeram até aqui? — perguntou a Bigodona.

—Nós somos os gomartianos. Trouxemos vocês até

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aqui porque estamos fazendo um estudo sobre as escolas de outros planetas. Já trouxemos para Gomart escolas de Marte, Júpiter, Beta, Centúrion... E vocês acham certo arrancar os outros de suas cidades assim, sem pedir licença? — disse a Bigodona, muito zangada. Claro, claro, não é certo. Só que esse é o único jeito de nós, gomartianos, podermos estudar as escolas das várias galáxias. Nossos discos voadores não conseguem percorrer distâncias muito longas. Por isso inventamos uma luz verde cujos raios são capazes de sugar qualquer escola do universo até Gomart. Tudo bem, entendi. Agora chega de blá-blá-blá. Diga logo o que vocês querem saber e levem-nos de volta para casa

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— disse a Bigodona, já meio cansada. — Pois é isso, queremos saber como funcionam as escolas na Terra — disse o azulzinho. Então a Bigodona começou a contar. E, quanto mais ela contava, mais os gomartianos padeciam espantados. Até que ela interrompeu seu relato e perguntou: O que houve? Algum problema? É que aqui em Gomart é diferente. As crianças adoram fazer prova e odeiam a hora do recreio. O maior castigo para uma criança gomartiana é os pais a mandarem brincar. Há crianças que até choram quando têm muito tempo para brincar. Quando o serzinho azul falou aquilo, abriram-se 22 sorrisos terráqueos. Aquele planeta era o sonho de qualquer criança da Terra. Imagine só, você faz uma malcriação e qual é o castigo? — Vá brincar, e já! E se for coisa muito grave: — Um fim de semana inteirinho no parque de diversões! Que maravilha!

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Só que as crianças estavam morrendo de saudade de casa e dos pais. Estava na hora de encerrar a conversa. Os gomartianos anotaram as informações importantes para seu estudo e logo despacharam a escola de volta para a Terra. Assim que pousaram em Cariló, todos caíram correndo para casa. É claro que na cidade ninguém acreditou naquela história maluca, mas o importante é que os 25 habitantes que faltavam estavam de volta. E o Renato? Depois dessa aventura o Renato começou a estudar um pouco mais para as provas, mas nunca deixou de sentir uma grande alegria ao ouvir o sinal do recreio.

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O cavalampiro

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Gildo era um cavalo selvagem. Nunca ninguém tinha tentado montar nele. Gildo adorava correr livre pelos campos. Os pais dele sempre diziam: — Meu filho, cuidado para não entrar nos campos do conde Drácula. Bom, antes de continuar esta história, vou contar quem é esse tal conde Drácula. O conde Drácula é um vampiro. Isso mesmo, um VAM-PI-RO! Em outros tempos ele era muito temido, mas depois deixou de ser tão perigoso. Afinal, ele tem 1.508 anos, e para um vampiro essa idade é como 90 anos para uma pessoa comum, como eu e você. Pois é, o conde Drácula até já perdeu alguns dentes. Aliás, vou contar um segredo: a verdade é que o conde Drácula usa dentadura. Quer saber como eu descobri esse segredo? Pois foi muito fácil: meu dentista, o dr. Bocão, tem alguns clientes vampiros, entre eles o conde Drácula. Um dia, eu cheguei antes da minha hora ao consultório do dr. Bocão e encontrei o conde na sala de espera. Ele tentava esconder a boca atrás da

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revista que estava lendo, mas eu consegui ver muito bem: ele não tinha os caninos, aqueles dois dentes da frente que os vampiros usam para furar o pescoço dos outros. O conde Drácula era BANGUELA. Aí ele entrou no consultório e, depois de um tempo, saiu com dois dentões novinhos em folha. Depois conversei com o dr. Bocão e ele confirmou minha suspeita: o conde Drácula tinha acabado de colocar uma dentadura. Mas não é só a boca do conde que está dando sinais de velhice. As asas que ele usa para voar quando vira morcego também estão gastas e meio fracas. Assim, o temível conde Drácula já não passa de um vampiro velhinho e cansado. Os hábitos alimentares do conde são iguais aos dos outros vampiros, ou seja, meio nojentos. Os vampiros adoram sugar o sangue das pessoas. O sangue, para um vampiro, é como uma bela macarronada para nós. Muita gente me pergunta se vampiro come sobremesa. Come, sim. Para preparar uma sobremesa bem gostosa, os vampiros primeiro fazem uma pessoa comer bastante açúcar. Depois eles se aproximam dela e... NHAC! Dão-lhe uma mordida no pescoço e sugam seu sangue bem docinho.

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Há uma coisa que todos precisam saber a respeito não só do conde Drácula como de todos os vampiros: quando alguém leva uma mordida de vampiro, imediatamente vira vampiro também. Por isso, aqui vai um conselho: CUIDE BEM DO SEU PESCOÇO! Mas, como eu ia dizendo, o conde Drácula tem muita idade, usa dentadura e suas asas estão gastas, por isso ele já não consegue correr atrás de presas muito grandes. Ele só morde o pescoço de pequenos animais, fáceis de encontrar no seu castelo enorme: ratos, baratas, minhocas e até mosquitos. Já faz muitos e muitos séculos que o conde vive nesse seu castelo enorme. Mas ele não mora sozinho, ainda bem. Imagine como deve ser chato morar num lugar enorme e isolado, sem ter nenhum amigo para conversar. O conde, desde criança, tem um amigo muito especial e fiel. O nome dele é Cabelonstro. O Cabelonstro é uma espécie de animal de estimação do conde. Só que ele não é cachorro nem gato. Ele não é nenhum desses bichos que costumam ser animais de estimação de gente. O Cabelonstro é uma mistura de homem, cachorro são-ber-

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nardo e bicho-papão. Ele anda e fala, como homem. Ele é coberto da cabeça até as pontas do pés por pêlos compridos e grossos, como cachorro. E às vezes ele tem vontade de assustar e comer criancinhas, como bicho-papão.

Muita gente me pergunta por que o conde Drácula nunca mordeu o Cabelonstro. Acontece que, além de eles serem muito amigos, o sangue do Cabelonstro é tão amargo e tão fedorento que não há vampiro que tenha coragem de mordê-lo.

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Bom, agora que já terminei de apresentar o conde Drácula e o Cabelonstro, vamos voltar ao Gildo.

Os pais do Gildo sempre o alertavam para não entrar nos campos do conde.

Mas o cavalinho era um jovem desobediente. Certa manhã, ele acordou e logo foi correndo se encontrar com a Buba, uma egüinha da sua idade. Eles se conheciam desde pequenos e eram muito amigos.

Os dois começaram a brincar de pega-pega pelo campo e, sem perceberem, foram chegando cada vez mais perto do castelo do conde Drácula. Ao se dar conta do perigo, Buba parou de correr. Gildo, que estava um pouco adiante, também parou e perguntou, surpreso:

— O que foi, Buba?

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— Gildo, nós entramos nos campos do conde Drácula!

— Que bobagem, você está com medo? — Estou! Quero voltar para casa! — Pode voltar, eu vou continuar,

não tenho medo de nada nem de ninguém.

— Gildo, você vai se arrepender — disse Buba, fazendo meia volta.

Gildo não deu bola para a amiga e continuou a correr. No castelo, o conde acabava de acordar e, como sempre, a primeira coisa que fez foi pôr os óculos escuros, pois vampiros odeiam a luz do dia. Depois ele foi tomar café da manhã. Na sala, o

Cabelonstro já estava à sua espera. O conde

sentou-se ao seu lado e perguntou:

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— Cabelonstro, o que você preparou hoje para o café da manhã?

— Bem, hoje temos suco de sangue de barata, coalhada de sangue de rato e pão de sangue de minhoca.

— Não agüento mais esse tipo de comida! Queria sugar o sangue de alguém que fosse maior que minha mão!

Mal o conde acabou de falar, ouviu-se um barulho vindo de fora do castelo. O Cabelonstro e o conde se levantaram, foram até a janela e de lá viram o Gildo correndo alegremente. A imagem daquele cavalo apetitoso correndo pelo jardim fez o conde babar de tanta vontade de sugar o seu sangue.

O conde tomou coragem e se transformou num morcego. Com muito esforço, foi voando até o Gildo. Chegando perto dele, o morcego se transformou novamente no conde. Ao ver aquele vampiro horripilante, Gildo ficou paralisado de medo. Antes que ele pudesse fazer qualquer tentativa de fugir, o conde agarrou-lhe o pescoço e lhe deu uma mordida.

Gildo desmaiou na hora. O conde sugou seu sangue até ficar satisfeito, depois transformou-se

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novamente em morcego e voltou feliz da vida para o castelo.

Depois de algumas horas, Gildo acordou e, quando percebeu que tinha sido mordido por um vampiro, voltou correndo para casa. Lá, seus pais e Buba já o esperavam.

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Ao ver o filho, o pai de Gildo perguntou, gritando:

— Meu filho! O que aconteceu com você? — Por quê? —Você já se olhou no espelho? —

perguntou sua mãe, chorando. O cavalinho correu até um espelho

e... que coisa horrível! Gildo tinha se transformado num vampiro de dentes afiados e duas asas negras nas costas.

E agora, o que fazer? Ficar em casa era perigoso, pois vampiro se alimenta de sangue e Gildo não queria ser obrigado a machucar ninguém. Então ele resolveu procurar um jeito de se livrar daquela maldição. Só voltaria para casa depois de curado. Despediu-se dos pais e da Buba e, abrindo as asas, saiu voando sobre o campo.

No meio do caminho Gildo começou a sentir uma vontade incontrolável de fazer xixi. Desceu até uma árvore e... que estranho! Gildo não conseguia fazer xixi de jeito nenhum.

Por sorte, o conde, lá de seu castelo, viu o Gildo tentando fazer xixi, ficou com pena do cavalinho e foi falar com ele:

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—Você é o cavalo que mordi hoje de manhã? —Sou eu mesmo

seu vampiro cara de pum! Viu só o que você me fez!

—Desculpe, é que eu estava morrendo de fome e não agüentava mais comer sangue de rato, de barata...

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Que nojo! Tudo bem, depois a gente fala sobre isso. Agora estou com outros problemas: quero fazer xixi e não consigo! Eu sei. Você agora é um vampiro, ou melhor, um Cavalampiro. E vampiro faz xixi de um jeito diferente. Que jeito é esse? Vamos, diga logo, estou muito apertado! Vampiro faz xixi pelo... cotovelo! Cotovelo? É, Gildo, pelo cotovelo! É só forçar um pouquinho assim e... Gildo fez exatamente como o conde ensinou, só que em vez de cotovelo, ele usou o joelho de uma de suas patas. Ufa... que alívio! O conde já ia voltando para o castelo quando Gildo lhe fez uma pergunta: Conde, como eu faço para ser um cavalo normal de novo? Esse é um segredo guardado a sete chaves. Por favor, me ajude! O conde virou as costas e foi caminhando de volta para o castelo. Muito esperto, Gildo o seguiu e, sem o conde perceber, entrou no castelo também. Lá dentro, Gildo se escondeu atrás da cortina de uma janela da sala.

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Dali a pouco, o conde e o Cabelonstro chegaram, se sentaram e começaram a conversar:

— Sabe Cabelonstro, fiquei com muita pena daquele cavalo que mordi hoje de manhã.

— Por que então você não conta o segredo da cura para ele?

— Você sabe muito bem por quê!

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O Cabelonstro sabia qual era a cura, só que, como ele era fiel ao conde, nunca poderia contar a ninguém. Só o próprio conde poderia revelar o segredo. Acontece que Gildo, sem perceber, tinha deixando uma parte do rabo aparecendo por baixo da cortina. O Cabelonstro viu e, desconfiando que aquele rabo era do tal cavalo mordido pelo conde, resolveu ajudá-lo: Conde, diga uma coisa, qual era mesmo o segredo da cura? Ora, você esqueceu? É, esqueci... é que faz tanto tempo... Como é possível? A cura tem a ver com você... É que estou ficando velho e a memória... Ora, Cabelonstro, como pode ter esquecido que só a sua saliva é capaz de transformar um vampiro no que ele era antes de ser mordido? Pois o segredo da cura está, justamente, em engolir um pouco da sua saliva fedorenta! Cuide dessa memória, Cabelonstro! Você está precisado tomar cálcio. Agora chega de conversa e vamos dormir. E, antes que eu esqueça, vá até a cozinha e pegue um sorvete de sangue de lesma na

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geladeira, por favor. Eu adoro tomar sorvete antes de dormir. Atrás da cortina, Gildo ouviu toda a conversa dos dois. Agora era só pensar num jeito de conseguir a saliva do Cabelonstro. Depois que os dois se recolheram, Gildo saiu do seu esconderijo e começou a procurar o quarto do Cabelonstro. O castelo tinha muitos quartos. Gildo abriu uma porta, abriu mais uma, abriu... ai que medo! Era o quarto do conde! Lá estava ele, deitado dentro de um caixão, dormindo como um bebê. Gildo fechou a porta com cuidado e continuou a procurar. Na frente do quarto do conde havia um outro quarto. Gildo se aproximou, abriu a porta... Pronto! Era o quarto do Cabelonstro! Gildo se aproximou da cama daquela criatura peluda e, bem devagarinho, foi afastando os fios de cabelo que ficavam perto de sua boca. Ainda bem que o Cabelonstro estava dormindo de boca aberta. Gildo enfiou a pata na boca dele, recolheu um pouco de sua saliva e saiu correndo. Vou contar outro segredo. Puxa vida, quanto segredo nessa história! Pois é, lá vai mais um: o Cabelonstro não estava dormindo. Ele percebeu quando o Gildo entrou no quarto e abriu a boca

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de propósito, para ajudá-lo. Que monstro bonzinho! Mas não esqueça que ele gosta de assustar e, às vezes, de comer criancinha. Ninguém é perfeito! Pronto, Gildo conseguiu a saliva do Cabelonstro. Só faltava engolir e... argh, que cheiro horrível! Pior que chulé e pum juntos! Como eu ia dizendo, foi só Gildo engolir aquela meleca de saliva e, como num passe de mágica, seus dentes de vampiro foram sumindo,

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suas asas também e, finalmente, ele voltou a ser um cavalinho normal! Então Gildo voltou correndo para casa, onde foi recebido com beijos e abraços por Buba e seus pais. O cavalinho prometeu que a partir daquele dia ia dar mais ouvidos aos conselhos dos pais. Mas, como vocês podem imaginar, a promessa não durou muito. Porém essa já é uma outra história. Ah! Já ia me esquecendo de contar o que aconteceu com o conde e o Cabelonstro. Os dois continuam até hoje morando no castelo, o conde mordendo aqueles animais nojentos e o Cabelonstro sendo o mais fiel dos amigos.

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Uma história de muita preguiça

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A história que vou lhes contar é sobre a família Lentilha e um dos seus membros mais ilustres: Jaime Lentilha.

A família Lentilha é uma das famílias mais antigas do mundo. Está provado que, no tempo dos faraós, lá no Egito, já existia um Lentilha: era o primeiro-ministro do faraó Titukamon.

Desde aquela época até os dias de hoje, a fortuna da família Lentilha só vem aumentando. E dinheiro que não acaba mais!

E tanto, tanto dinheiro, que há alguns séculos a palavra TRABALHO deixou de fazer parte do vocabulário dessa família. Durante todos esses séculos, nenhum membro da família Lentilha pôs a mão na massa. Todos passavam um tempão sem fazer absolutamente nada.

Um dia, um dos membros dessa família riquíssima, cansado de não fazer absolutamente nada, decidiu criar uma nova arte em homenagem aos Lentilha: a arte da preguiça.

A arte da preguiça foi se aperfeiçoando no decorrer dos séculos. Escolas foram construídas e professores foram treinados para ensinar a arte da preguiça às crianças da família Lentilha, desde muito cedo.

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As escolas e os professores ajudavam no treino das crianças, mas quem realmente as ensinava a serem preguiçosas eram os pais Lentilha. Jaime, que foi, como eu já disse, um dos membros mais ilustres dessa família, era filho de Ricardo Lentilha e Bertina Almôndega Lentilha. Ricardo, como toda a sua família, tinha uma montanha de dinheiro. Ele veio para o Brasil e aqui se casou com Bertina Almôndega. Depois de um ano nasceu Jaime Lentilha. Aí começa a nossa história da preguiça. Desde a época em que Jaime usava fraldas, o senhor Ricardo já vinha tentando ensinar as primeiras lições de preguiça a seu filho. As aulas eram muito simples. Havia, por exemplo, o exercício de mastigação lenta. Esse exercício consistia em morder alimentos, de preferência não sólidos, para não cansar muito, o mais devagar possível. Outro exercício era o de andar sempre a favor do vento, ou seja, a pessoa aprendia a andar sempre na direção em que o vento a levasse, para não cansar muito as pernas. Porém, o mais difícil e importante era aprender a fazer pequenos gestos que representassem frases inteiras. Por exemplo, pôr a língua para fora

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e piscar o olho esquerdo significava: "Preciso ir ao banheiro, estou muito apertado!" Balançar a cabeça e levantar o dedinho da mão direita significava: "Hoje não vou tomar banho, estou com muita preguiça."

Eram milhares de sinais que Jaime teria de aprender, claro que muito lentamente. Acontece que o sr. Ricardo andava muito preocupado com o filho. Além de não aprender os exercícios, Jaime falava muito, brincava muito, tudo muito!

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Com o tempo, o sr. Ricardo foi ficando desesperado. Nunca antes um membro da família Lentilha tinha se comportado daquele jeito. Ele pensou, pensou, pensou, e finalmente teve uma idéia! Jaime iria imediatamente para a Escola Integrada da Preguiça. Nessa escola dava aula o melhor professor de preguiça do mundo: prof. Tarturino Kwala. Se esse professor não conseguisse mudar o Jaime, ninguém mais conseguiria. Jaime foi para a Escola Integrada da Preguiça com três anos de idade. Depois de dez anos de muito estudo, portanto com treze anos, ele voltou para casa. O sr. Ricardo e a dona Bertina Almôndega estavam muito felizes com a volta do filho, que finalmente tinha aprendido a arte da preguiça. Jaime não só aprendeu a arte da preguiça como se tornou um dos melhores preguiçosos da última geração da família Lentilha. Sua técnica era apurada e inovadora, e ele inventava métodos e máquinas para exercer melhor a sua arte. Jaime inventou a máquina de tomar banho para preguiçosos: era um chuveiro com um reservatório de água, acoplado à camiseta. Também inventou

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um método de comer frutas sem esforço: ele se deitava de boca aberta embaixo de uma macieira, por exemplo, até que — pluft! — uma maçã caía em sua boca. E claro que, às vezes, antes lhe caía uma maçã na cabeça. Mesmo assim valia a pena até cair uma em sua boca. De vez em quando dava até para tirar um cochilo de boca aberta. Era uma delícia!

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Jaime se tornou um verdadeiro

mestre na arte da preguiça. E, à medida que ele ficava mais velho, suas habilidades aumentavam. Imagine que ele chegou a inventar uma cueca e uma calcinha para quem tivesse preguiça de ir ao banheiro. Quando dava vontade de fazer xixi, não era preciso sair do lugar. Era só fazer na cueca ou na calcinha, que absorviam o líquido e o transformavam em vapor. Quanto ao cocô... vou deixar cada um imaginar no que ele se transformava.

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Passados mais de trinta anos, Jaime se tornou o homem mais preguiçoso do mundo. Ninguém conseguia vencê-lo nessa estranha arte.

Até os mais velhos Lentilha diziam nunca ter ouvido falar de alguém mais preguiçoso que o Jaime. E olhe que a família tinha mais de 3.000 anos.

Durante muitos anos Jaime foi considerado o ser mais preguiçoso do mundo. Porém, um dia aconteceu algo muito estranho, algo que iria mudar sua vida para sempre.

Era um dia como outro qualquer. De repente, meteram um telegrama por baixo da porta da casa de Jaime. Ele o abriu lentamente e leu as seguintes palavras: "Sou mais preguiçoso do que você! Para provar isso, eu o desafio para o campeonato universal da preguiça! Vai ser amanhã, bem em frente da sua casa!"

Jaime desconfiou de que aquilo fosse alguma brincadeira, mas, por via das dúvidas, preferiu conferir se era verdade.

No dia seguinte ele foi até o lugar marcado, bem em frente da casa dele, e... Não! Incrível! Um ser todo verde, com antenas na cabeça, estava acenando com a mão para Jaime.

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Muito assustado, Jaime se aproximou e perguntou:

— Quem é você? — Eu sou o Preguiçolox

— respondeu o ser. — De onde você veio?

— perguntou Jaime. — Vim de uma

galáxia muito distante e o meu planeta se chama Preguiçolândia — respondeu Preguiçolox.

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O que veio fazer aqui na Terra? Foi você que mandou o telegrama? — perguntou Jaime, já menos assustado. Lá da Preguiçolândia, eu observei o seu planeta por meio de uma superantena e vi que você é o homem mais preguiçoso daqui. Então, decidi desafiá-lo para uma competição. Vamos ver quem é o ser mais preguiçoso do universo — respondeu Preguiçolox, com um ar de "já ganhei". Tudo bem! Eu topo! Como é a competição? — disse Jaime. É simples: nós dois vamos ficar um ao lado do outro, e o primeiro que mexer qualquer parte do corpo perde a competição — disse Preguiçolox. Imediatamente Jaime se pôs ao lado do Preguiçolox. Foram chamados dois juizes, que deram o apito para o início da competição. Jaime e Preguiçolox ficaram imóveis como duas estátuas. Passou o primeiro dia e ninguém se mexeu; passou o segundo, ninguém se mexeu; passou o terceiro... Depois de 34 dias sem comer, sem beber, sem ir ao banheiro, os dois continuavam paralisados.

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Uma platéia foi se formando em volta deles para ver a competição. Depois de 40 dias, já havia mais de 3.000 pessoas assistindo à competição de preguiça. E é claro que todos estavam torcendo para o representante da Terra: Jaime!

Passaram 80 dias e os dois ali, imóveis. Então, de repente... a cara do Preguiçolox foi ficando amarela! Os juizes se aproximaram do ser verde, ou melhor, do ser amarelo e pediram silêncio para a platéia.

E, em meio ao silêncio total, ouviu-se um suave barulho: shhhhhhhh. Acreditem se quiser! O Preguiçolox tinha soltado um pum!

Com isso, Jaime ganhou a competição e foi declarado o ser mais preguiçoso do universo.

Mas, se você pensa que ninguém mais veio disputar com Jaime o posto de homem mais preguiçoso do universo, está muito enganado.

Logo depois da competição com o Preguiçolox, o nosso campeão... Espere um pouquinho! Acho que de tanto escrever sobre preguiça acabou me dando uma preguiça danada! Vou tirar uma soneca! Tchau e até próxima história! Isso, claro, se eu não ficar com preguiça de escrevê-la...

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Coleção Contos da Minha Rua

O Diabo de Cabelo

Branco e outros contos Pierre Gripari

O Gigante de Meias

Vermelhas e outros contos Pierre Gripari

A Bruxa do Armário de Limpeza e outros contos

Pierre Gripari

A Bruxa e o Delegado e outros

contos Pierre Gripari

O Vendedor de Palmadas e outros

contos Pierre Gripari

A Fada da Torneira e outros contos Pierre

Gripari

Um Elefante Ocupa Muito Espaço e outros contos

Elsa Bornemann

O Pó do Crescimento e outros contos Ilan Brenman

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Em todas as ruas de todas as infâncias acontecem histórias fantásticas

. A coleção Contos da Minha Rua reúne autores que souberam imaginar histórias que poderiam ter

acontecido nas ruas da nossa fantasia e contá-las de maneira simples e maravilhosa.

Cada livrinho trará sempre um ou mais contos, ricos de fantasia e de linguagem, para

entretenimento dos pequenos leitores e para o prazer daqueles que têm o raro privilégio de viver

o momento mágico de ler para uma criança.