holston - legalizando o ilegal

30
7/21/2019 Holston - Legalizando o Ilegal http://slidepdf.com/reader/full/holston-legalizando-o-ilegal 1/30 LEGALIZANDO O ILEGAL: propriedade e usurpação no Brasil(*)  James Holson Como podemos pensar o direito se o sistema jurídico não objetiva resolver os conflitos, se é um meio de perpetuar e obscurecer as disputas em vez de resolvê-las?  Neste ensaio, revelarei o poder de uma tradição desestabilizadora: o sistema jurídico  brasileiro não objetiva nem resolver os conflitos de terra de maneira justa, nem decidir sobre seus méritos leais através de procedimentos judiciais! "eus arumentos enfatizam a norma e a intenção pelas #uais, no $rasil, a lei da terra, nos seus pr%prios termos, é tão confusa, indecisa e disfuncional! & possível suspeitar #ue as causas dessas características não sejam somente incompetência e corrupção, mas a força de um conjunto de intenç'es subjacentes (s suas construção e aplicação, intenç'es essas bem diferentes da#uelas voltadas para as resoluç'es das disputas! )ssim, arumento #ue a lei  brasileira produz reularmente, nos conflitos de terra, procedimentos e confusão irresol*veis+ #ue essa irresolução jurídico-burocrtica (s vezes d início a soluç'es etrajudiciais+ e #ue essas imposiç'es políticas, inevitavelmente, terminam por lealizar alum tipo de usurpação! &m suma, a lei de terra no $rasil promove conflito, e não soluç'es, por#ue estabelece os termos através dos #uais a rilaem é lealizada de maneira consistente! ., por isso, um instrumento de desordem calculada, através do #ual  prticas ileais produzem lei, e soluç'es etraleais são introduzidas clandestinamente no processo judicial! Nesse conteto repleto de paradoos, a lei é um instrumento de manipulação, complicação, estrataema e violência, através do #ual todas as partes envolvidas - dominadoras ou subalternas, o p*blico e o privado - fazem valer seus interesses! ) lei define, portanto, uma arena de conflito na #ual as distinç'es entre o leal e o ileal são temporrias e sua relação é instvel! /ara clarear essas #uest'es, analisarei um caso de fraude de terra na formação da  periferia de 0ão /aulo!(!) "eus objetivos nessa anlise são, em primeiro luar, oferecer uma etnorafia de um conflito de terra notvel por suas muitas dimens'es+ em seundo luar, entender a relação entre a lei e a sociedade #ue ele revela+ e, em terceiro luar, tecer consideraç'es a respeito de aspectos da antropoloia da lei #ue ele problematiza! &sse caso ilustra o sinificado fundamental da ilealidade nas ocupaç'es de terras no $rasil, bem como os camin1os #ue liam as complicaç'es leais ( leitimação dos direitos sobre a terra usurpada! &le também nos mostra as raízes 1ist%ricas dessas

Upload: raulub

Post on 05-Mar-2016

245 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

Sociología jurídicaBrasil

TRANSCRIPT

Page 1: Holston - Legalizando o Ilegal

7/21/2019 Holston - Legalizando o Ilegal

http://slidepdf.com/reader/full/holston-legalizando-o-ilegal 1/30

LEGALIZANDO O

ILEGAL: propriedade eusurpação no Brasil(*)

 

James Holson

Como podemos pensar o direito se o sistema jurídico não objetiva resolver osconflitos, se é um meio de perpetuar e obscurecer as disputas em vez de resolvê-las?

 Neste ensaio, revelarei o poder de uma tradição desestabilizadora: o sistema jurídico brasileiro não objetiva nem resolver os conflitos de terra de maneira justa, nem decidir sobre seus méritos leais através de procedimentos judiciais! "eus arumentosenfatizam a norma e a intenção pelas #uais, no $rasil, a lei da terra, nos seus pr%priostermos, é tão confusa, indecisa e disfuncional! & possível suspeitar #ue as causas dessas

características não sejam somente incompetência e corrupção, mas a força de umconjunto de intenç'es subjacentes (s suas construção e aplicação, intenç'es essas bemdiferentes da#uelas voltadas para as resoluç'es das disputas! )ssim, arumento #ue a lei

 brasileira produz reularmente, nos conflitos de terra, procedimentos e confusãoirresol*veis+ #ue essa irresolução jurídico-burocrtica (s vezes d início a soluç'esetrajudiciais+ e #ue essas imposiç'es políticas, inevitavelmente, terminam por lealizar alum tipo de usurpação! &m suma, a lei de terra no $rasil promove conflito, e nãosoluç'es, por#ue estabelece os termos através dos #uais a rilaem é lealizada demaneira consistente! ., por isso, um instrumento de desordem calculada, através do #ual

 prticas ileais produzem lei, e soluç'es etraleais são introduzidas clandestinamenteno processo judicial! Nesse conteto repleto de paradoos, a lei é um instrumento de

manipulação, complicação, estrataema e violência, através do #ual todas as partesenvolvidas - dominadoras ou subalternas, o p*blico e o privado - fazem valer seusinteresses! ) lei define, portanto, uma arena de conflito na #ual as distinç'es entre oleal e o ileal são temporrias e sua relação é instvel!

/ara clarear essas #uest'es, analisarei um caso de fraude de terra na formação da periferia de 0ão /aulo!(!) "eus objetivos nessa anlise são, em primeiro luar, oferecer uma etnorafia de um conflito de terra notvel por suas muitas dimens'es+ em seundoluar, entender a relação entre a lei e a sociedade #ue ele revela+ e, em terceiro luar,tecer consideraç'es a respeito de aspectos da antropoloia da lei #ue ele problematiza!&sse caso ilustra o sinificado fundamental da ilealidade nas ocupaç'es de terras no$rasil, bem como os camin1os #ue liam as complicaç'es leais ( leitimação dosdireitos sobre a terra usurpada! &le também nos mostra as raízes 1ist%ricas dessas

Page 2: Holston - Legalizando o Ilegal

7/21/2019 Holston - Legalizando o Ilegal

http://slidepdf.com/reader/full/holston-legalizando-o-ilegal 2/30

 prticas, j #ue sua compleidade, tit2nica mas sinular, nos leva através de nada menos#ue 344 anos de 1ist%ria #ue dão sentido (s disputas atuais! 5esse modo, encontramosas relaç'es estruturantes entre terra e lei, #ue sustentam os conflitos, desde odesenvolvimento da política fundiria portuuesa, pensada para ser um instrumento decolonização, até as tentativas imperiais e republicanas de utilizar a reforma da

 propriedade da terra para trazer imirantes europeus livres para o $rasil!(")  &ssainvestiação também revela #ue as rilaens de terras atuais repetem vel1os es#uemas,com uma diferença: os pobres 1oje competem reularmente nas arenas leais das #uaiseles tin1am sido ecluídos-não por#ue a lei est aora mais preocupada com a justiça oucom soluç'es, mas por#ue eles aprenderam, muito em função das disputas de terra, ausar as complicaç'es da lei para obter vantaens etraleais!

) razão para desenterrar essa 1ist%ria complea não é somente analítica! 6sconflitos de terra são também, eplicitamente, disputas sobre o sentido da 1ist%ria,

 por#ue op'em interpretaç'es diverentes a respeito da oriem dos direitos de propriedade! 6 centro nevrlico desses casos é a busca por um título, a busca pelas

oriens #ue justificam ou des#ualificam aleaç'es! )ssim, loo descobri #ue a disputaem #uestão não fazia sentido a menos #ue fosse retraçada ao lono do tempo!7itiantes, advoados, juízes, moradores e rileiros: todos estudam a enealoia doconflito para basear seus arumentos atuais sobre a autoridade da 1ist%ria - #ue, nestecaso, começa em 894! &les operam seundo uma premissa, bsica para os direitos de

 propriedade em muitas sociedades, #ue diz o seuinte: precedentes 1ist%ricos conferemleitimidade! ;odavia, não necessariamente! <ma posição alternativa, adotada, por eemplo, por muitos militantes da =reja Cat%lica nas disputas de terra, arumenta #ue anecessidade presente des#ualifica precedentes! No entanto, como veremos, as partes emdisputa adotam mais comumente uma estratéia 1istoricizante: elas se utilizam da lei

 para conferir (s suas aleaç'es oriens 1ist%ricas críveis! Na maioria das vezes,contudo, elas emerem de maneira altamente ambíua, e muitas são deliberadamentefalsas!

0e a procura por oriens tem o objetivo de descobrir precedentes capazes de justificar um conjunto de aleaç'es #ue subvertem um outro conjunto de aleaç'es,então min1a pes#uisa sobre oriens também tem l suas intenç'es corrosivas! "ostro o#uanto estão tomados por uma ficção jurídica, não somente para des#ualificar o apelo (1ist%ria #ue é neles feito, mas também para #uestionar a#uilo #ue ainda é um princípio,na antropoloia jurídica, e #ue ree a idéia de lei e sua eplicação como função: a lei,como instituição, est baseada na sua função de manter as condiç'es necessrias ( vida

social! 0eja considerando-a em termos de coesão, como consta na literatura mais antia,seja, por outro lado, em termos de 1eemonia e resistência, como aparece nos escritosmais recentes, a lei responde a necessidades sociais principalmente resolvendo conflitose reforçando a conformidade (s normas, no mais das vezes seundo noç'es do #ue édireito, justo e bom+ e sua inaptidão para tanto é o resultado de alum fator estran1o (sua natureza, como incompetência, corrupção ou política!(#)  Neste ensaio, estouespecialmente atento a esse *ltimo ponto e (s conse#>ências te%ricas implicadas naeclusão de tudo o #ue é desareador do modelo eplicativo!

/ara lembrar um eemplo clssico, 0c1apera 8@9: vA eplica por #ue eleeclui, de seu manual da lei de ;sBana, as violaç'es, abusos, e muitos subterf*ios

utilizados para evitar a lei, aleando #ue os nativos talvez ficassem ressentidos com ainclusão da#uilo #ue constitui, no final, abusos e não partes da lei! . claro #ue

Page 3: Holston - Legalizando o Ilegal

7/21/2019 Holston - Legalizando o Ilegal

http://slidepdf.com/reader/full/holston-legalizando-o-ilegal 3/30

Page 4: Holston - Legalizando o Ilegal

7/21/2019 Holston - Legalizando o Ilegal

http://slidepdf.com/reader/full/holston-legalizando-o-ilegal 4/30

 população residem violando seja leis de propriedade, seja leis de moradia LolniM et al>,8@@4, p! @9A =nvadindo ou comprando a terra, a maioria das pessoas parece entender o

 paradoo central de sua situação: a ilealidade de seus lotes faz com #ue a terra sejaacessível (#ueles #ue não têm como paar pelos preços mais altos, de aluuel ou venda,das residências leais! "ais sinificativo ainda, essa ilealidade, eventualmente, incita (

confrontação com autoridades leítimas, em meio ( #ual, depois de uma lona batal1a,os moradores normalmente conseuem lealizar as suas precrias reivindicaç'es pela propriedade! ) moradia ileal é uma maneira comum e seura através da #ual a classetrabal1adora pode an1ar o acesso leal ( terra e ( moradia, acesso esse #ue, de outromodo, não seria possível! )ssim, uma relação fundamental entre usurpação elealização caracteriza o desenvolvimento da periferia: a usurpação inicia o povoamentoe desencadeia o processo de lealização da propriedade da terra!

. importante acrescentar #ue essa relação se cristalizou no começo dacolonização brasileira como uma estratéia das elites fundirias e dos especuladoresimobilirios, #ue dela se serviram para arrancar an1os incalculveis! 5urante séculos

eles a usaram não somente para ampliar seus ne%cios comerciais, mas também paraconsolidar uma enorme concentração de propriedades! Na verdade, um dos objetivosdeste ensaio é demonstrar #ue a lei da terra brasileira foi montada para ser c*mplicedessa prtica, e não um obstculo a ela! )ssim, por toda parte no $rasil, e especialmenteentre as mel1ores famílias, encontramos propriedades #ue, apesar de serem lealmenteassentes, são, no fundo, usurpaç'es lealizadas!

6 carter leal da propriedade depende, inicialmente, de como ela foi alienadaou ad#uirida, o #ue #uer dizer, basicamente, através de venda ou de invasão! 0eundo alei, parcelas do territ%rio urbano s% podem ser lealmente definidas depois desubdivididas em lotes! )s leislaç'es Oederal e "unicipal reulam os loteamentosurbanos especialmente a 7ei Oederal DGDDP8@G@A, estabelecendo características físicas,as #uais incluem o taman1o mínimo do lote, liaç'es com serviços p*blicos, e espaçoslivres para a circulação do trfico e para atividades comunitrias! &stabelecem tambémnormas burocrticas, #ue estipulam os procedimentos para o reistro das subdivis'es ealienaç'es da terra! &ssas normas, por sua vez, estão fundadas numa din2mica dea#uisição da terra #ue envolve, necessariamente, uma série de procedimentos

 burocrticos, estabelecidos no C%dio Civil $rasileiro C%dio Civil, 8@@4, art! 9I4A,através do #ual a propriedade é ad#uirida pelo reistro do título de transferência noCart%rio de =m%veis! 5esse modo, todas as transaç'es relacionadas com a propriedadedevem ser reistradas a fim de serem obtidos os direitos leais relevantes! &sses

reistros são reulados pela 7ei dos Leistros /*blicos D489P8@GIA, a #ual define asformalidades #ue constituem o sistema brasileiro de cart%rios - sistema privado,labiríntico e corrupto!()0eu enorme poder burocrtico vem do C%dio Civil art! 9IIA,o #ual afirma #ue as transaç'es envolvendo bens im%veis não transferem a propriedade,ou os direitos sobre ela, a não ser a partir da data na #ual são reistradas nos livros doscart%rios+ ou seja, como diz o ditado, #uem não reistra, não possui! ) posse definitivada terra urbana, portanto, depende de um documento lealmente reistrado - a escritura- de um lote num loteamento lealmente reistrado! Qual#uer coisa a menoscompromete a posse!

)s pessoas compram lotes em #uatro tipos de loteamentos, #ue eralmente

aparecem lado a lado na mesma vizin1ança: o leal, o irreular, o clandestino, e orilado! 6 mais raro dos #uatro tipos, o loteamento leal, est de acordo com todas as

Page 5: Holston - Legalizando o Ilegal

7/21/2019 Holston - Legalizando o Ilegal

http://slidepdf.com/reader/full/holston-legalizando-o-ilegal 5/30

Page 6: Holston - Legalizando o Ilegal

7/21/2019 Holston - Legalizando o Ilegal

http://slidepdf.com/reader/full/holston-legalizando-o-ilegal 6/30

cart%rio pode, ele mesmo, estar baseado em documentos falsos e irreulares de um outrocart%rio!

6 caso a seuir ilustra esse estrataema! =nvasores 1 muito ocupam uma rea deE@ 1ectares ao lono de uma marem do rio ;ietê, na periferia do norte de 0ão /aulo!

&m 8@G, F vendeu a terra para z, #ue reistrou a transação no GR Cart%rio de Notas de0ão /aulo! &sse cart%rio lavrou a escritura de transferência com base no reistro de propriedade feito na#uele mesmo mês no 8GR Cart%rio de =m%veis de 0ão /aulo! &sse*ltimo reistro afirma #ue a terra pertenceu a um casal nascido na década de 8D4,casado em 8@4 em 0antos, #ue morava em 8@D em Suarul1os, e #ue a vendeuna#uele mesmo ano, através de procuração judicial, para F! 6 problema é #ue, em 8@D,o casal j estava morto 1avia muitas décadas, de acordo com as certid'es de %bito!Cavando mais fundo, encontramos a fraude oriinal: 4 8GR Cart%rio baseou seu reistronum documento lavrado em 8@D no cart%rio de uma pe#uena cidade do estado do!/aran, o #ual atesta #ue um certo apresentou-se como portador de uma procuração

 judicial do casal para vender a terra para F - #ue era, por sinal, um advoado! Creio #ue

os processos levarão muitos anos para concluir #ue z e a 1erança do casal foramfraudados por e F, #ue com isso an1aram muito din1eiro+ tudo isso, é claro, contanto#ue z não fizesse parte da fraude ou #ue as aleaç'es do vel1o casal não se revelemileítimas - as #uais, devo dizer, não confiuram possibilidades muito remotas! &m todocaso, aposto #ue, dadas as complicaç'es jurídicas embutidas em todas essas

 possibilidades, os invasores terminarão com a posse da rea - isto se puderem mobilizar-se em torno do pedido de lealização da ocupação aleando interesses sociais, como é

 previsto na Constituição!

"esmo #ue o intrépido pes#uisador sobreviva ( caça dos papéis, é muitas vezesdifícil determinar, em meio (s muitas camadas de complicaç'es, #uem é o proprietriodo #ue! . por isso #ue, como aparece no pr%imo eemplo, essas disputas sãoimpossíveis de serem resolvidas nos ;ribunais! )o contrrio, ficam circulando sem

 parar através do sistema burocrtico, esperando impossíveis evidências maisconclusivas! Não é preciso repetir: a confusão vai ao encontro dos interesses dosrileiros, j #ue esses casos são muitas vezes resolvidos através de manobras políticas eetrajudiciais - como acordos peri%dicos - através das #uais as instituiç'es eecutivas ouleislativas do overno intervêm para declarar #ue o sistema jurídico est em c1e#ue e,assim, des#ualificam certas aleaç'es de propriedade em favor de outras! &ssasintervenç'es terminam inevitavelmente lealizando usurpaç'es e, dessa forma,evidenciam prticas ileais e etraleais nos pr%prios domínios da lei! )lém disso, sua

ocorrência por demais fre#>ente na 1ist%ria dos povoamentos no $rasil vem inspirandomuitas operaç'es de terras ileais! Como um deputado da assembléia constituinte de0ão /aulo de 8@I9 lembrou aos seus coleas, durante o debate em torno da emenda #uedaria título leítimo (#ueles #ue tivessem pao impostos da propriedade ao &stado, 1uma vel1a correlação entre fazer e transredir a lei: ) política de terras de 0ão /aulo,alertou ele, tem sempre sido a de tentar evitar futuras rilaens lealizando rilaensanteriores &stado de 0ão /aulo 8@I9, E, p! EEA, apontando assim para o carter poucoconceitual, não-cate%rico e temporrio, da distinção entre o leal e o ileal nessecampo de muitas conse#>ências sociais! 0uas observaç'es, todavia, talvez por#uesimplesmente epun1am o #ue era de costume, não tiveram #ual#uer efeito nasdeliberaç'es do conresso!

,m -aso de .rila.em

Page 7: Holston - Legalizando o Ilegal

7/21/2019 Holston - Legalizando o Ilegal

http://slidepdf.com/reader/full/holston-legalizando-o-ilegal 7/30

/ara compreender a vitalidade dessa política de terras e sua import2ncia naformação da periferia, analiso, a seuir, um eemplo de rilaem no Kardim dasCamélias, bairro com cerca de G mil pessoas, situado no distrito de 0ão "iuel /aulista,na periferia do etremo nordeste da cidade de 0ão /aulo! &sse bairro, #ue s% veio a sedesenvolver intensamente depois de 8@D@, é caso típico das reas mais novas e pobres

da periferia urbana, nas #uais os mirantes ou os fil1os dos mirantesA, eralmenteempreados nas ocupaç'es mais mal-remuneradas dos setores de serviços e comércio,constroem suas pr%prias casas!(!!) ) partir de uma minuciosa pes#uisa de domicíliorealizada em 8@G@, Caldeira 8@3, pp! D4-G4A estimou! as seuintes condiç'es demoradia para um total de aproimadamente @44 domicílios e 3!D94 pessoas: D4 por cento desses domicílios eruiam-se em lotes comprados, ED por cento aluavam suasacomodaç'es, 8E por cento moravam em casas emprestadas eralmente por seus

 parentesA, e I por cento ocupavam lotes cedidos! 6s *ltimos são eralmente os capanasdas imobilirias, #ue recebem material de construção e um terreno em troca de seusserviços de seurança! Quando fiz meu trabal1o de campo, #uase dez anos depois, umamudança sinificativa nas condiç'es de moradia tin1a ocorrido: se em 8@G@ não 1avia

#ual#uer terra invadida, em 8@ centenas de pessoas tin1am ocupado ilealmentevrias reas no Kardim das Camélias! &ssa invasão no bairro, como muitos ac1amavam, desencadeou uma série de 1ostilidades entre a#ueles #ue compraram seusterrenos e a#ueles #ue simplesmente os ocuparam - conflitos #ue evidenciaram aimport2ncia da titularidade da propriedade como cateoria de auto-estima, e cujasconse#>ências políticas dividiram os pobres seundo facç'es antaJnicas!

6 caso envolveu E4G famílias #ue compraram seus lotes entre 8@D@ e 8@GE masnunca conseuiram seus títulos leais definitivos por#ue esses lotes tin1am sidovendidos de maneira fraudulenta! =sso constitui, nunca é demais lembrar, apenas

 pe#uena parte de toda rilaem e de suas complicaç'es leais #ue atormentam mais demeio mil1ão de famílias da periferia da zona leste de 0ão /aulo! &pon1o, a seuir, acronoloia da disputa de terras desde a época em #ue os moradores se viram nelaenleados, e depois analiso as vrias aleaç'es de propriedade, cujas contradiç'estornaram-nas judicialmente insol*veis! )s complicaç'es remontam ao século TU=!

&m 8@D@, um 1omem c1amado Lafael Sarzouzi, o turco, ou o libanês, comoera c1amado pelos moradores, apareceu no então pouco 1abitado Kardim das Camélias!)través de sua imobiliria, a )dis )dministração de $ens 0!)!, ele abriu uma série deestradas de terra, construiu no local um escrit%rio, dividiu a terra em onze lotes deDVE4m, e começou a vendê-los! &le eibia aos interessados um plano de urbanização do

 bairro e documentos #ue comprovavam o reistro das terras no cart%rio competente! <mcontrato muito atraente era oferecido por ele aos compradores: estipulava prestaç'esmensais durante período #ue variava de dois a dez anos+ obriava a imobiliria afornecer, além de cada recibo das prestaç'es, documento de #uitação depois do *ltimo

 paamento! Com esses recibos e o documento de #uitação em mãos, o comprador podiaentão reistrar sua compra e transferir a titularidade do im%vel para o seu nome! Noentanto, uma das muitas coisas #ue a )dis não disse a seus clientes foi #ue, embora asassinaturas do contrato fossem recon1ecidas em tabelionato, seu plano de arruamento eloteamento não tin1a sido aprovado pelas autoridades competentes - e nem poderia! 6

 plano não s% violava as posturas municipais de planejamento, mas também - o #ueconstitui fato mais rave - subvertia outro plano para a mesma rea, aprovado desde

8@E3 em nome de Kosé "iuel )cMel!

Page 8: Holston - Legalizando o Ilegal

7/21/2019 Holston - Legalizando o Ilegal

http://slidepdf.com/reader/full/holston-legalizando-o-ilegal 8/30

 No início de 8@G4, os 1erdeiros de Nadime "iuel )cMel, irmão de Kosé "iuel,moveram processo contra a )dis para reaver os lotes #ue a *ltima dizia serem seus! ))dis contra-atacou com uma ação na #ual afirmava #ue ela tin1as todos os direitosleítimos de propriedade desde 8@9, e seus predecessores, desde 8@4, devido a umrande tratado de terra #ue incluía os referidos lotes! ) )dis entrou com pedido de

indenização, aleando #ue a empresa de )cMel tin1a de fato usurpado seus direitos, nãos% ao se basear no plano de loteamento de 8@E3, como também ao vender cerca de G4lotes! )rdilosamente, a )dis joou com a burocracia judiciria, tanto #ue as acusaç'es eas contra-acusaç'es ficaram circulando pelo sistema jurídico por muitos anos sem#ual#uer resultado! ;odo esse tempo, no entanto, não foi desperdiçado: a empresaapropriou-se do restante da rea e ainda vendeu EII lotes, parte dos #uais rebatizou como nome de Uila ;irol! & não parou nisso! ) )dis também vendeu duas randes reas paras%cios #ue, por sua vez, as subdividiram para a venda sob o nome de Kardim 6riental eKardim &liane! ) rea tin1a aora #uatro nomes e #uatro planos de loteamentodiferentes, os #uais desdobravam-se em distintos planos de localização de lotes, ruasirreulares e taman1os de lote abaio do padrão - tudo isso facilitando a venda do

mesmo terreno a mais de um interessado! 6 plano de 8@E3 j estava completamentedesfiurado! Coeistiam muitas camadas de planejamentos contradit%rios entre si, alémde um n*mero crescente de terceiros #ue reivindicavam a mesma propriedade! & 1aviamais! /ara fazer frente (s #ueias de )cMel, a )dis e seus associados deflararamcampan1a de intimidação: capanas foram contratados, não s% para demolir construç'es, desmanc1ar cercas e remarcar os lotes seundo suas medidas, mas também

 para desencorajar o acesso da#ueles #ue não tin1am neociado com seus patr'es!

6s moradores reairam de muitas maneiras! "uitos contrataram advoados #ueestavam no bairro oferecendo seus serviços e #ue, não raro, desapareciam assim #uerecebiam o adiantamento! )luns foram enanados por ambulantes #ue se diziamrepresentantes das imobilirias ou mesmo da /refeitura! 6utros simplesmente inorarama situação, acreditando #ue seus lotes estavam em dia com a lei! &, finalmente, 1aviacerca de oitenta pessoas #ue, percebendo as muitas irreularidades por todo lado,oranizaram em 8@GE a 0ociedade )mios de $airro para coletivamente defender seusdireitos! <m rupo de advoados da <niversidade de 0ão /aulo, a =reja Cat%lica e

 partidos políticos de es#uerda, todos con1ecidos por suas atuaç'es junto a oranizaç'es populares, foram procurados pela associação para darem suas orientaç'es! &ssa açãoconjunta mostrou-se duradoura, como o atesta o fato de um desses advoados estar, até1oje, envolvido com o caso!

) partir do momento em #ue a disputa se tornou jurídica, o estado de 0ão /aulointerveio, afirmando #ue a terra era de fato sua, e com base nisso eiiu, em 8@GE, adevolução dos onze lotes se#>estrados! Com isso, )cMel moveu em 8@GI novo processo,desta vez contra a )dis e o &stado, eiindo todos os E4G lotes sobre os #uais julavater direito! ) resposta do &stado veio em 8@G9, #uando simplesmente os se#>estrou!0eundo essa mesma ação de se#>estro, e até #ue fosse resolvida a disputa sobre as

 propriedades, os moradores eram obriados a depositar o restante das prestaç'es em juízo! =sso implicava #ue, ao final das prestaç'es, não l1es era dado #ual#uer comprovante de propriedade, o #ue, além de os impedir de vender lealmente seusterrenos, também impedia a reularização dos loteamentos e das construç'es! Noentanto, não tive notícia de #ual#uer morador #ue tivesse interrompido o paamento de

suas prestaç'es!(!")  "uito pelo contrrio, todos a#ueles #ue con1eci pessoalmentesaldaram suas dívidas em juízo!

Page 9: Holston - Legalizando o Ilegal

7/21/2019 Holston - Legalizando o Ilegal

http://slidepdf.com/reader/full/holston-legalizando-o-ilegal 9/30

&m conse#>ência da ação do &stado, a )dis não estava mais recebendo as prestaç'es! No entanto, como a ação de se#>estro de maneira aluma a restrinia, a )discomeçou a mandar avisos de despejo aos moradores, numa tentativa de receber delesrandes somas de din1eiro ( vista! Ooi nesse período #ue a associação dos moradores eseus representantes aprenderam a manipular o sistema jurídico, antecipando-se (s aç'es

de despejo e mesmo complicando as atividades da )dis no Kardim das Camélias,c1eando ao ponto de anular suas iniciativas! )té então nen1um advoadorepresentando os moradores tin1a conseuido vencer os rileiros! No mel1or dos casos,eles encontravam saídas etraleais através das #uais seus clientes, tomados pelo

 p2nico, paavam para cancelar as aç'es de despejo+ no pior dos casos seus clientes eramde fato despejados! Contrastando com essa situação, o advoado da associação tin1aconvencido seus membros a conter seus receios até o dia de seu comparecimento no;ribunal! & então, em cada audiência, ele desafiava a )dis a provar definitivamente a

 propriedade das terras, o #ue era impossível de ser feito em #ual#uer inst2ncia! &letambém arumentava #ue os moradores não tin1am desonrado seus contratos ouinvadido as terras, mas eram compradores bem-intencionados, #ue estavam em dia com

suas dívidas, e #ue, mesmo em juízo, paavam suas prestaç'es! 6 resultado dessa e deoutras tticas foi #ue a )dis se viu forçada a adiar e até mesmo a retirar seus processos!

 No fim, e depois de astar uma considervel #uantia de din1eiro com taas judiciais, elafoi derrotada em todos os casos! )demais, em 8@I, a associação denunciou a )dis (/refeitura por ter deturpado o plano de loteamento de 8@E3+ a administração municipalentão eiiu da empresa #ue custeasse um novo levantamento da rea e um plano dereularização da mesma! Como previsto pela associação, o novo plano foi reularizado,mas não pJde ser reistrado em nome da )dis! &sse fato comprometeu publicamente osarumentos de propriedade da )dis! )lém disso, a reularização desmembrou, paraefeito de cobrança de impostos, cada lote seundo suas mais precisas medidas elocalização - o #ue constituiu importante recon1ecimento dos direitos e deveres dosmoradores! Lesultou desses périplos jurídicos #ue a associação aprendeu não s% adesarmar seus inimios através de manobras leais como também a construir umimpressionante dossiê com documentos oficiais #ue sustentam suas reivindicaç'es!

&ssa 1abilidade com as reras do joo foi, para a#ueles protaonistas vindos dasclasses mais baias, con#uista fundamental! 0erviu para contrariar a norma seundo a#ual, mesmo #uando bem representados, os pobres perdem as disputas comespeculadores imobilirios e com os bar'es da terra! 6 sucesso da associação, nessecaso, deveu-se muito (s 1abilidades de seu presidente e de seu advoado, sobretudo desua inovadora concepção tanto da lei - como uma fonte de estratéias -#uaneo do

sistema leal-tomado como um joo de tticas a ser dominado e eplorado! ) partir dessa abordaem, eles conseuiram superar uma série de posturas essencialistas #uevêm, 1 muito, caracterizando a atitude reverente, alienada e subordinada dos pobresdiante da lei! &ssas posturas aceitam a evidente eploração do sistema leal, praticada

 pelas elites e pela burocracia, como alo acidental, deturpação da#uilo #ue é, em simesmo, um corpo de princípios de justiça a ser venerado, de procedimentos definidos ede relaç'es sacramentadas #ue devem ser seuidos ( risca, de um con1ecimentocompleo e de aiomas morais feitos para as elites letradas e compreendidas somente

 por elas, ou mesmo - no caso de movimentos revolucionrios ou milenaristas - deideoloias políticas a serem prontamente rejeitadas!(!#) )pesar de não constituir umavit%ria definitiva, o sucesso da associação até a#ui conseuido denota uma nova relação

 perante a lei da#uelas suas vítimas tradicionais, uma relação #ue podemos definir comooportunismo estratéico, j #ue considera a justiça um recurso #ue funciona, não de

Page 10: Holston - Legalizando o Ilegal

7/21/2019 Holston - Legalizando o Ilegal

http://slidepdf.com/reader/full/holston-legalizando-o-ilegal 10/30

acordo com princípios fios, mas seundo as circunst2ncias! 5e fato, esse inovaçãoredistribui para as classes mais baias a estratéia jurídica utilizada pela elite brasileiradurante o período colonial!

) intervenção do overno federal no Kardim das Camélias completou o

imbr%lio jurídico da disputa! &le também se dizia o proprietrio das terras, #ueconsiderava patrimJnio federal, além de não recon1ecer a leitimidade das transaç'es edos procedimentos judiciais relativos ( rea nos #uais não tivera participação! 6overno federal, dessa maneira, neava a maior parte da 1ist%ria do conflito ao lonodos *ltimos séculos! 0ua intervenção obstruiu e tornou confusa toda a ação judicialanterior #ue objetivava deiar clara a titularidade das terras: seuindo suas deliberaç'es,foram interrompidas as demarcaç'es e todos os processos jurídicos em andamento, alémde proibida toda epropriação, lealização e reularização das terras através dasadministraç'es municipal e estadual! )té #ue, em 8@G9, o caso c1eou ao 0upremo;ribunal Oederal 0;OA, o *nico tribunal com poderes para jular o conflito entre osoverno federal e estadual! /ara iniciar o processo, todavia, o 0;O tin1a #ue, antes de

mais nada, avaliar cada aleação separando os interesses de propriedade p*blicosda#ueles privados! 6 fato é #ue, com isso, o caso ainda 1oje se arrasta no 0;O por faltade evidências, fontes e, provavelmente, iniciativa para decidir #ual, entre as muitasaleaç'es de propriedade, é a mais fundamentada!

Com o passar dos anos, as partes envolvidas optaram por estratéiasetrajudiciais! &m 8@I, a )dis e a empresa de Nadime "iuel )cMel assinaram umacordo para a anulação dos processos em #ue se acusavam! )cMel concedeu os E4G lotesem disputa para a )dis, a #ual, por sua vez, concedeu um n*mero e#uivalente para)cMel em outras reas do Kardim das Camélias! )s lideranças do bairro consideram oacordo nada mais #ue um pacto de ladr'es, #ue visa estabelecer uma frente unida contraas cada vez mais intensas atividades dos invasores na rea! "esmo assim, e um anodepois, a 0ociedade )mios de $airro assinou um acordo com ambos! &la aceitava ostermos de seu acordo de 8@I se, em troca, a )dis e )cMel suspendessem as ameaças dedespejo, prometessem não mais processar os membros da associação, concordassem#ue a#ueles #ue tin1am completado seus paamentos em juízo 1aviam cumprido seucontrato, e aceitassem uma série de outras eiências #ue asseuravam um mínimo detran#>ilidade aos moradores! $aseadas nessas concess'es, as três partes concordaramsobre a viabilidade da saída etrajudicial, a c1amada solução amivel! & por #ue cada

 parte aceitou o acordo? ) )dis e )cMel #ueriam o mimo possível de recon1ecimentode suas aleaç'es de propriedade, en#uanto #ue os moradores #ueriam definir, de

maneira ine#uívoca, os donos da terra para os #uais pudessem paar suas prestaç'es e,em troca, receber o título de propriedade definitivo! 6s moradores #ueriam paar+ defato, sua moralidade assim eiia e, para eles, os distinuia dos invasores! ) #uestãoera: paar para #uem?

6 acordo recon1ecia #ue a solução amivel implicava #ue tanto o overno do&stado #uanto 4 Oederal renunciassem aos seus interesses de propriedade na disputa!;odavia, o &stado neou o pedido e aproveitou a oportunidade para instruir o

 procurador eral a formar uma comissão como objetivo de analisar o problema dasdisputas de terra em toda a periferia da zona leste da cidade! &ssa comissão de

 procuradores do &stado reuniu-se periodicamente durante todo o ano de 8@D,

concluindo, seundo os dizeres do procurador eral, #ue a j ca%tica situação jurídicada rea, abandonada por tantos anos aos ímpetos dos rileiros, tornou-se praticamente

Page 11: Holston - Legalizando o Ilegal

7/21/2019 Holston - Legalizando o Ilegal

http://slidepdf.com/reader/full/holston-legalizando-o-ilegal 11/30

insol*vel dada a sua compleidade processual, caracterizada pelo simples fato de #ueum n*mero enorme de antios reivindicantes e seus descendentes aleam ter asevidências jurídicas #ue comprovam suas aleaç'es! 5ada a impossibilidade da saída

 judicial, a comissão propJs uma solução através de aç'es político-administrativasreidas por um decreto presidencial, no #ual o overno federal renunciaria aos seus

interesses em favor do &stado de 0ão /aulo! 6 &stado, por sua vez, e #uando possível,renunciaria aos seus direitos em favor dos acordos amiveis, como a#ueles doKardim das Camélias+ e, #uando tal atitude não fosse possível, desapropriaria a terra emdisputa e a concederia aos seus moradores!(!$) 

)pesar dos overnadores "ontoro e Quércia terem assinado o compromisso deformar uma comissão estadual e federal para tratar dos detal1es dessa proposta, não1ouve #ual#uer ação, partindo de #ual#uer inst2ncia, no sentido de implement-la!Quando peruntados a esse respeito, os moradores lamentam a falta de vontade políticae a corrupção! No entanto, não parecem muito surpresos, sobretudo depois de vinte anosde confusão! ) associação dos moradores continua tentando acordos amiveis entre

novos rileiros e novos 1abitantes da reião, além, é claro, de lançar mão de outrasestratéias! &n#uanto isso, por toda 0ão /aulo, e de fato por todo o país, as transaç'esfraudulentas sobrevivem sob a proteção das compleidades processuais, o #ue implicadizer, sob a proteção da lei!

,ma /is0ria de ori.ens d12ias

Casos similares a esse suerem #ue a lei brasileira est carreada de muitasirresoluç'es! )pesar de focalizar, neste ensaio, a lei de terra e sua burocracia, min1aeperiência no $rasil mostra #ue essa é uma característica fundamental de todo osistema jurídico! =nfelizmente, não encontrei pes#uisas sobre esse problema conceituaiem outras reas do direito, apesar da insistência de 5a"atta sobre a import2ncia crucial#ue tem a ambi>idade na sociedade brasileira!(!%) &m todo caso, #uero deiar claro oseuinte: apesar de estar tratando de #uest'es advindas especificamente de conflitos deterras concretos, pretendo dar um carter mais amplo (s min1as conclus'es!

6 sistema jurídico brasileiro apresenta irresoluç'es ad hoc através das #uais todotipo de pessoa, das mais diversas reputaç'es, procura vantaens utilizando-se deestrataemas para interferir na burocracia #ue é facilmente manipulvel! ;odavia, comouma construção do direito, esse sistema, em seus pr%prios termos, é por demaisinoperante, contradit%rio e confuso para ser fruto somente da corrupção, incompetência

e manipulaç'es individuais! &ssas disfunç'es previsíveis, a meu ver, indicam um modode irresolução mais sistêmico! =sso nos suere #ue o sistema jurídico incorpora1abilmente intenç'es de perpetuar as irresoluç'es judicirias através de complicaç'esleais! . por essa razão #ue a lei facilita os estrataemas e a fraudulência! No entanto,como j vimos, não é somente o mau uso, ou a utilização inescrupulosa da lei, #ue eraessa complicação! 6 uso correto da lei também cria compleidade processual

 praticamente insol*vel e de fato invariavelmente o faz em conflitos importantes!

)pesar dessa irresolução jurídica certamente promover e beneficiar a corrupção,creio #ue ela traz conse#>ências mais profundas para a sociedade brasileira: airresolução é também um instrumento de dominação atualizado pelo sistema jurídico+

ou seja, os princípios da lei no $rasil produzem, sistematicamente, irresoluç'es parauma sociedade na #ual a irresolução é um princípio de ordem! Claro #ue essa

Page 12: Holston - Legalizando o Ilegal

7/21/2019 Holston - Legalizando o Ilegal

http://slidepdf.com/reader/full/holston-legalizando-o-ilegal 12/30

ambi>idade jurídica não leva necessariamente ( incerteza administrativa! H paísesmais ou menos bem overnados #ue também têm sistemas jurídicos - como são os casosda cornnzon law americana e brit2nica - #ue produzem irresoluç'es!(l') )lém disso, 1no $rasil outros meios de dominação e as soluç'es judiciais não são de tododescon1ecidas! ;odavia, no caso brasileiro, #uanto mais importante é a disputa,

especialmente #uando 1 terras envolvidas, menor é a possibilidade de tais soluç'es! )sclasses dominantes utilizam-se da lei para evitar as decis'es dos tribunais, sempresujeitas (s incertezas da justiça! 0eu procedimento seue o camin1o das manobras

 jurídico-burocratas, as #uais são elaboradas no sentido de manter os conflitos sob ocontrole das teias da burocracia até #ue uma solução etrajudicial, política e oportuna

 possa ser arantida! 6 julamento, no ;ribunal, de um impasse entre elites, seriaconsiderado um ato de desespero, de conse#>ências muito temidas por elas, j #uesinifica #ue suas redes de poderes e favores se esotaram - ou seja, #ue não foi

 possível dar um jeitin1o - e, sendo assim, estariam sujeitos ( derrota! No entanto, a idaao ;ribunal contra a#ueles #ue a elite domina é uma oportunidade para esta mostrar seu

 poder de controle sobre o processo judicial, #ue, eralmente, 1umil1a os pobres ao

forç-los a aceitar julamentos ou procedimentos or#uestrados de antemão! 6 fato de osmoradores do Kardim das Camélias e seu advoado terem aprendido a manipular esse

 processo, a fim de evitar decis'es e desenvolver saídas etrajudiciais, sinifica nadamais, nada menos, #ue eles estão redefinindo a arena jurídica! Não estão mudando asreras do joo, mas simplesmente utilizando-as para fazer frente ( eclusividade #uedelas tin1am os participantes mais poderosos! )ssim, as complicaç'es da lei não sãoevocadas eclusivamente para fins fraudulentos, mas também com o intuito de trazer oconflito para a arena jurídica, numa tentativa de mantê-lo irresoluto mas contido, edessa maneira controlando-o, embora de maneira fril, até #ue se constitua a vontade

 política necessria ( solução! )o perpetuar o conflito, portanto, a irresolução jurídico- burocrtica pode ser considerada politicamente funcional - embora sem #ual#uer conotação funcionalista!(l) 

/ara demonstrar a força da irresolução dentro da lei, tentarei separar os fios doenleado conjunto de aleaç'es de propriedade de terra no Kardim das Camélias! 0uas1ist%rias nos levam (s fundaç'es coloniais do $rasil e revelam o rau impressionanteseundo o #ual tanto a ocupação territorial #uanto a lei da terra desenvolveram-se a

 partir da necessidade de lealizar direitos usurpados - primeiro para avolumar asfortunas dos colonos brasileiros em detrimento da#ueles liados a /ortual, e maistarde, ap%s a independência, para consolid-las! W medida #ue retraçamos no passado osarumentos dos pr%prios litiantes, percebemos #ue o assim c1amado rileiro não é a

*nica parte envolvida #ue utiliza a lei para construir oriens 1ist%ricas! ;ornase, destamaneira, etremamente difícil determinar #ue oriem, entre todas a#uelas apresentadas,é a menos #uestionvel!(!) 

Os &undamenos do direio 3 propriedade do .o4erno &ederal: sesmarias e

5ndios

6 overno federal afirma #ue as terras do Kardim das Camélias l1e pertencem por#ueestão dentro das fronteiras do antio aldeamento indíena de 0ão "iuel e Suarul1os,estabelecido a partir de uma concessão de terra real em 894 e oficialmente etinto em894! &ncontrei dois arumentos #ue embasam a afirmação! <m deles diz #ue a 7ei de

;erras imperial de 894 e a leislação seuinte incorporaram os aldeamentos indíenasao patrimJnio nacional! ;odas as Constituiç'es Oederais, ( eceção da primeira, de

Page 13: Holston - Legalizando o Ilegal

7/21/2019 Holston - Legalizando o Ilegal

http://slidepdf.com/reader/full/holston-legalizando-o-ilegal 13/30

8@8, reafirmam essa incorporação! ) Constituição Lepublicana de 8@8 anea as terrasindíenas ao patrimJnio de cada estado, decisão revertida em 8@I3! 6 seundoarumento do overno federal recon1ece #ue a primeira Constituição transferiu aosestados a partir de 8@8 direitos sobre os antios aldeamentos indíenas, declaradosabandonados - e por isso constituindo terra devoluta -+ no entanto, também afirma #ue

as terras em #uestão nunca pertenceram a essa cateoria! )o contrrio, o arumentoestabelece #ue o overno federal manteve a propriedade por#ue, desde o século TU==, e pautado por uma série de intervenç'es eecutivas e jurídicas, vem arrendando essasterras a não-índios!

"uitos arumentos contrrios foram apresentados! )luns afirmam #ue osestados ad#uiriram direitos reais sobre as terras indíenas em 8@8, o #ue não pode ser anulado por Constituiç'es posteriores! 6utros sustentam #ue o overno federal, apesar de ter interesses nas propriedades, não tem de fato os direitos sobre elas por#ue, afinal,ele nunca discriminou, como eiido, as terras indíenas remanescentes das

 propriedades privadas! 0eja como for, o importante a ser notado nessa situação é #ue

todas as partes envolvidas têm arumentos juridicamente plausíveis, o #ue vemdificultando 4 trabal1o até mesmo do 0upremo ;ribunal Oederal! 6 impasse é umaconse#>ência direta do caos jurídico #ue o $rasil p%s-colonial 1erdou do sistema

 portuuês de concess'es de terras reais! 6 aldeamento indíena de 0ão "iuel é partedessa 1erança! )ssim, a fim de compreender o poder das complicaç'es jurídico-

 burocrticas e o conjunto de aleaç'es no Kardim das Camélias, temos #ue investiar essa 1erança!

<ma das premissas fundantes do colonialismo portuuês est no ato dedescobrimento ou con#uista do emissrio real, o #ual incorporou a terra ao patrimJnio

 pessoal do rei! &ssa incorporação estabeleceu as bases leais para a política imperial dedominação da ColJnia, constituída a partir da criação de uma elite fundiria! 5essamaneira ficaram definidos os poderes e os direitos do Lei, #ue deveria distribuir asterras aos seus s*ditos com o duplo objetivo de eploração econJmica e cristianização!&sse *ltimo projeto fora assumido pela Coroa #uando o /apa ordenou 5om Koão =ll"estre da 6rdem de Cristo em 89EE, fazendo dele o responsvel pela propaação da féentre os povos descobertos ao lono das eploraç'es marítimas européias! Lesultoudisso #ue a Coroa portuuesa apossou-se de todo o territ%rio descoberto por Cabral em8944 e estabeleceu uma oranização jurídico-política através do Leimento de ;omé de0ouza, de 893, seundo o #ual distribui terras para empreendimentos comerciais ereliiosos!

) fim de reular essa distribuição, os portuueses emprearam um sistemamedieval de concessão de terras con1ecido como sesmarias! No final do século T=U, aCoroa tin1a elaborado uma série de mecanismos leais para forçar o cultivo de terrasinabitadas, improdutivas ou abandonadas! ;ais medidas foram consolidadas nassesmarias e incorporadas nas ordenaç'es nas #uais, por sua vez, pautavam os overnostanto de /ortual #uanto de suas colJnias! 6 objetivo central da Coroa era conciliar aocupação das terras com sua utilização arícola! /or esse motivo, a leislação imperialautorizava a epropriação das terras improdutivas, tornando-as concess'es não-1ereditrias em troca de uma #uantia e#uivalente a um seto da produção anual! 6taman1o das concess'es era limitado ( capacidade de cultivo dos colonos+ e o tempo de

usufruto dos direitos sobre elas era limitado, findo o #ual as sesmarias não cultivadas

Page 14: Holston - Legalizando o Ilegal

7/21/2019 Holston - Legalizando o Ilegal

http://slidepdf.com/reader/full/holston-legalizando-o-ilegal 14/30

retornavam ( Coroa! )mbas restriç'es estavam destinadas a causar muito conflito no$rasil!

&ssa política, vinda para as )méricas com as instruç'es reais de 893, tornou-seo *nico meio leal de fiar pessoas na terra! &ssas pessoas eram fundamentais para os

 projetos de lavouras comerciais e instrução reliiosa, ambos baseados na ariculturasedentria, a #ual constituía alternativa cristã aos 1bitos nJmades dos brbaros paãos!/or esses motivos, a Coroa autorizou seus representantes no Novo "undo a distribuir sesmarias somente (#ueles #ue tin1am condiç'es de desenvolvê-las seundo essasorientaç'es! =sso, todavia, introduziu uma mutação na política! ) fim de atrair taiscolonizadores e, em especial, para iniciar as plantaç'es de cana-de-aç*car movidas atrabal1o escravo, a Coroa ofereceu enerosos incentivos e etinuiu as restriç'es1ereditrias e os paamentos anuais eceto, é claro, o dízimo divinoA #ue incidiamsobre as concess'es de terras! )lém disso, e apesar das lavouras ainda seremfundamentais, seu sentido modificou-se! No $rasil colonial, a terra tin1a pouco valor!Contribuía para tanto não s% a abund2ncia, mas também, e sobretudo, a enorme

#uantidade de capital #ue era necessrio ( sua eploração lucrativa, j #ue esta dependiado fornecimento de escravos #ue era, por sua vez, dispendioso e compleo! ) produçãode aç*car, ado, e mais tarde café, dependia da constante incorporação de novosescravos e terras! /or esse motivo a Coroa muitas vezes utilizou suas concess'es desesmarias para arantir futuros investimentos na produção destinada ( eportação, emvez de asseurar sua efetiva ocupação! )ssim, a terra podia ser leitimamente possuídasem ser imediatamente cultivada ou ocupada, bastando, para tanto, #ue fossefuturamente utilizada- o #ue, obviamente, constituíaumaperversão dos objetivosoriinais da lei da sesmaria!

) partir dessas mudanças, os representantes da Coroa utilizaram-se dasconcess'es reais para repartir o $rasil em enormes latif*ndios! )s concess'es usuais de84, E4 e até 844 léuas #ue correspondem aproimadamente a 3IE, D e 3!I3E#uilJmetros #uadrados, respectivamenteA, de acordo com um observador da época, eramtão randes #ue era possível nelas perder de vista =tlia citado em 7ima 8@, p! 9A!&ssa distribuição consolidou seus beneficiados, #ue se tornaram uma classe dominantearistocrtica, escravaista e orientada para o comércio! &m 8EE, no ano daindependência, a instituição das sesmarias j 1avia produzido uma perversão: depois detrês séculos de colonização, o país era uma terra sem povo e um povo sem terra!(!) 

)lém disso tudo, o sistema de sesmarias tin1a muitas conse#>ências jurídicas

#ue persistiram por um bom tempo! ) primeira era com relação ao papel do overno,#ue leitimava a propriedade privada como alo subtraído do domínio p*blico! &sse papel foi se modificando ( medida #ue também ia se transformando a noção da propriedade das sesmarias! =nicialmente parte do patrimJnio real, elas foram cedidas aosinteressados sob a forma de concess'es administrativas com direito de usufruto! Não1avia mercado imobilirio por#ue a terra não podia ser nem vendida e nem comprada! 61istoriador das leis de terra LuF Cirne 7ima arumenta #ue a posse das sesmarias pelaCoroa começou a ser vista sob um prisma distinto depois #ue eiiu, em 8D@9, umimposto anual, o foro, baseada na lei de propriedade comum 8@, pp! 38-3IA! 5epoisdisso, as sesmarias foram radativamente sendo pensadas menos como restriç'esadministrativas sobre a apropriação da terra por indivíduos privados ou por entidades

 p*blicas e mais como alienaç'es de propriedades subtraídas do domínio real, sobre as#uais os beneficiados tin1am direitos de propriedade comuns, direitos #ue eram

Page 15: Holston - Legalizando o Ilegal

7/21/2019 Holston - Legalizando o Ilegal

http://slidepdf.com/reader/full/holston-legalizando-o-ilegal 15/30

simbolizados na sua obriação de paar os impostos da propriedade! &ssa transformaçãoconceitual não foi completada até #ue a Constituição de 8E3 arantiu a propriedade

 privada e a 7ei de ;erra de 894 consolidou seus fundamentos jurídicos e de mercado!6s *ltimos estabeleciam, primeiro, #ue os beneficiados pelas concess'es poderiamre#uerer ao overno o recon1ecimento de sua condição de proprietrios+ e, seundo, #ue

da#uele momento em diante as terras p*blicas s% poderiam ser ad#uiridas mediante acompra!

) seunda conse#>ência do sistema de sesmarias foi a confusão jurídica, a #ualtornou-se uma estratéia de dominação dos dois lados do )tl2ntico! ) Coroa distribuiumuitas concess'es de terra sem fronteiras definidas, o #ue produziu infindveis litíios eviolência em torno de direitos contestados!ER 6s debates no Conresso em 8E3 arespeito da leislação da terra nos mostram #ue aluns juristas suspeitavam #ue a Coroadeliberadamente concedia sesmarias pouco definidas não por inor2ncia nem por faltade mapas precisos do territ%rio e muito menos devido ( carência de técnicas de

 pes#uisa, mas para manter os aricultores nervosamente briando entre si, em vez de

 briar contra a Coroa 5ean,8@G8, p! D4GA! "as não ficou s% nisso! 6s pr%prios brasileiros desenvolveram mais ainda as estratéias de confusão jurídica, atinindoníveis de elaboração nunca dantes vistos! ;endo se apossado das mel1ores terras, a eliterural atravessou o século TU=== não somente aumentando suas ri#uezas, mas tambémaprendendo a dominar o sistema de distribuição de terras, tornando o seu acesso cadavez mais difícil para os outros! 0em d*vida, seus meios não ecluíam de forma alumaa violência! No entanto, e talvez mais importante, ela controlou a distribuição da terracriando taman1a compleidade na leislação sobre as sesmarias #ue somente a#ueles#ue j estavam no poder podiam domin-la! 0ua estratéia não foi a de near a lei -como é fre#>entemente assumido nas afirmaç'es de #ue o $rasil sempre foi terra semlei! )o contrrio, o intuito era criar um ecesso de leis, de modo a aplicar minuciosamente o fundamento jurídico ;euto-Lomano seundo o #ual a lei não temlacunas!("!)  &ssas mesmas elites mandavam seus fil1os para a <niversidade deCoimbra, em /ortual, onde estudavam 5ireito! )o retornarem, iam completar os altoescal'es das carreiras políticas e jurídicas, o #ue ocorreu tanto antes #uanto depois da=ndependência!EE Como juízes, leisladores, políticos, administradores e dirientes de&stado, essas elites formavam os #uadros dos overnos locais e dos tribunais,arranjavam leis para impor perdas (s propriedades de seus oponentes, manipulavam asreras #ue incidiam sobre a 1erança, obtin1am concess'es a mais através de discretos elonín#uos contatos familiares - através dos #uais também arranjavam casamentos - eapossavam-se de terras, fossem elas devolutas, estivessem elas sob disputa! &m suma, a

elite tin1a aprendido a complicar o sistema jurídico e disso tirar vantaens! 7ima 8@, p! 3DA conclui #ue, depois de um século subordinando as transferências de terra (srestriç'es jurídicas e aos procedimentos administrativos, essa eli te criou, com sucesso,uma trama invencível da inconruência dos tetos, da contradição dos dispositivos, dodefeituoso mecanismo das repartiç'es e ofícios de overno, tudo reunido numamontoado constranedor de d*vidas e tropeços!

6 destino do aldeamento indíena de 0ão "iuel é um caso ilustrativo! Oormado pelos nativos Suaianases por volta de 89D4, ele foi loo transformado pelos jesuítas emum modelo de aldeia, de acordo com as propostas contidas nas Leras de Soverno! &m894, os jesuítas obtiveram uma sesmaria para a aldeia de mais ou menos EG4

#uilJmetros #uadrados, transformando a rea numa reserva oficial de índioscristianizados! 0uas intenç'es eram não s% separar os convertidos e demarcar as terras

Page 16: Holston - Legalizando o Ilegal

7/21/2019 Holston - Legalizando o Ilegal

http://slidepdf.com/reader/full/holston-legalizando-o-ilegal 16/30

necessrias ( aricultura - fundamental para o ensino civilizat%rio -, como também obter a arantia leal da Coroa para #ue a concessão proteesse os índios da escravidão e suasterras da invasão por colonos da vila de 0ão /aulo, #ue rapidamente se epandia!=ntenç'es somente não bastaram: os índios acabaram perdendo tanto sua terra #uantosua liberdade! &ssas perdas, não surpreendentemente, ocorreram sob a cobertura da lei!

)prendemos, através desse epis%dio, de #ue maneira as complicaç'es e asambi>idades jurídicas servem (s prticas ileais e ainda como essas prticas redundamem mais leis!

) escravização dos índios cristianizados foi um travestimento jurídico! 6overno local arroou a si o controle sobre suas atividades seculares e depois criouambi>idades jurídicas e complicaç'es processuais com relação (s responsabilidadessobre o trabal1o coletivo, complicaç'es e ambi>idades estas #ue terminaram

 permitindo sua efetiva servidão!("#) "otivado pelo ouro, pela an2ncia e epansão, ooverno também usurpou terras indíenas através da lealização de atos ileais!/rimeiro vieram os confiscos eneralizados de terra! 5epois, no começo do século

TU==, o overno local cedeu sesmarias lealmente a colonizadores, sesmarias estas,todavia, #ue incluíam ilealmente terras indíenas! ;ais irreularidades, como eramdescritas pelos funcionrios do overno, ficaram sem solução durante meio século até8DD4, #uando a C2mara "unicipal conseuiu autorizar-se a distribuir terra dentro dasreas proibidas aos colonizadores desde #ue estes não fossem prejudicados$omtempi, 8@G4, p! D3A! )pesar dessa contradição, estavam assim juridicamentereularizadas as concess'es irreulares e sendo criadas mais alumas! &m 8DG@, odesembarador sindicante e ouvidor eral Koão da Loc1a /itta veio a 0ão /aulo emdiliência de correição - como era c1amado o procedimento - para tratar dedescompassos entre a lei da letra e a lei da prtica! ) fim de resolver o problema deterra, ele simplesmente reescreveu a primeira para encaiar a seunda! /ara tanto, foioficialmente recon1ecido a#uilo #ue a C2mara "unicipal j tin1a usurpado, ou seja, suaautoridade sobre a aldeia indíena e o direito de distribuir a terra nela contida sem#ual#uer restrição estavam aora juridicamente assentadas! 6 desembarador aindaordenou #ue a C2mara recol1esse um imposto anual de todos os invasores da aldeia!Oicavam assim reularizados os se#uestros de terras p*blicas, tornados desse modoarrendamentos, e transformada a condição dessas pessoas, de simples invasores, emarrendatrios juridicamente recon1ecidos! &sses arrendamentos, os c1amadosaforamentos, conferiam aos beneficiados o pleno ozo do im%vel, tornando-o alienvele transmissível aos 1erdeiros! Como eram muito mais facilmente arranjados do #ue asconcess'es reais, e além disso, como deram início a um mercado privado de direitos

sobre a terra, eles possibilitaram ao Consel1o dispor, rpida e judicialmente, do restantedas terras indíenas - todas, vale lembrar, supostamente inviolveis pelo título desesmaria #ue, então, ainda valia!

5e tempos em tempos a Coroa atentava para essa contradição aparente, massempre protelava soluç'es a favor de medidas temporrias #ue indiretamenterecon1eciam a validade desses aforamentos! 0ua declaração de 8G4I, decretando #uesomente seus representantes tin1am a autoridade para recol1er os foros, é um eemplodisso! Quando, em 8GII, a Coroa finalmente anulou o controle da C2mara "unicipalsobre a reserva e ordenou #ue a terra fosse devolvida aos aboríenes, a C2mara apeloudizendo #ue ao lono de mais de um século ela 1avia acumulado suporte jurídico para

sua política de terras junto a numerosas administraç'es reionais, coloniais e reais!Como todo bom rileiro, a C2mara apresentou seu dossiê de documentos títulos de

Page 17: Holston - Legalizando o Ilegal

7/21/2019 Holston - Legalizando o Ilegal

http://slidepdf.com/reader/full/holston-legalizando-o-ilegal 17/30

sesmarias, recibo de impostos, levantamento de terra, aforamentos e outrosA parasustentar sua posição e através de complicaç'es processuais conseuiu travar o litíioaté 8G39! Ooi #uando deu um desfec1o ( sua causa, afirmando #ue a apropriação deterras indíenas era irrevovel por#ue 1avia poucos índios remanescentes para reavê-las!

5urante o reime de sesmarias, a elite brasileira desenvolveu 1abilidades parausar a lei, o overno e a burocracia, a fim de criar uma trama invencível de reulaç'esda terra 7ima, 8@, p! 3DA! &sse imbr%lio paralisou as aç'es judiciais da Coroa noconflito de terras, permitindo a efetiva leitimação, por parte das autoridades locais, de

 prticas ileais #ue iam ao encontro de seus interesses! 5essa maneira, a complicação jurídica se tornou uma arma contra as imposiç'es portuuesas, além de constituir ummeio eficaz de assalto ao patrimJnio real! /ortanto, #uando, em 8EE, o Consel1o de)pelaç'es no Lio de Kaneiro aboliu a política de sesmarias e suspendeu o aforamento deterras da Coroa, ele estava apenas formalizando a etinção da#uilo #ue j estava 1aviamuito subvertido e usurpado!

O &undameno do direio 3 propriedade de A-6el: posse e direios do in4asor

) ancestralidade das aleaç'es de família )cMel sobre o Kardim das Camélias pode ser retraçada desde o conturbado período marcado pela abolição das sesmarias!/ara uma eração inteira, e até a 7ei de ;erras de 894, não 1ouve acordo possível arespeito de um substituto leal para a alienação de terras p*blicas! Na sua ausência, oefeito da decisão do Consel1o de )pelaç'es foi o de obscurecer mais ainda o carter dasocupaç'es com mais uma rossa camada de complicaç'es: ela não s% tornou a invasãoileal o *nico meio de obter terra, como também automaticamente transformoua#uisiç'es posteriores em atos de usurpação! 5esde os prim%rdios da colonização, asinvas'es de terras da Coroa constituíam prticas comuns de colonos #ue, se por um ladonão tin1am os recursos eiidos para pleitear sesmarias, por outro conseuiamsobreviver com culturas de subsistência e em meio (s circunst2ncias mais adversas!5adas as dimens'es continentais do país e as vastas faias de terra não cultivadas e emdisputa no interior das reas reservadas (s plantaç'es, as invas'es eram uma alternativasempre presente, tolerada, e até inorada- a não ser #uando aluém conseuia umaconcessão #ue incluía a terra invadida! )s posses, assim, tornavam possível a condiçãode colonos livres (#ueles #ue não podiam participar da economia comercial, e aindaserviam de trunfo para os imirantes mais pobres-os 1abitantes das fronteiras, osmeeiros e os pe#uenos aricultores-contra o reime dos latifundirios!("$) 

5urante o período colonial, a invasão de terras tin1a um status jurídico ambíuo!)pesar de serem consideradas ileais, as posses eram, seundo costume, recon1ecidascomo leítimas se fossem cultivadas intensamente durante um lono período de tempo -e con#uanto apresentassem uma produção evidente e reular! 5esta maneira, osinvasores produtivos ozavam de certos direitos consuetudinrios! E9 &stes derivam daidéia j presente na 7ei das 0esmarias de /ortual medieval, seundo a #ual toda

 propriedade tem uma função social e todo proprietrio tem a obriação de produzir alum benefício social, seja na forma de alimentos, seja através de colonização! )pesar dessa justificativa eplicar o interesse do overno por dar um título leal (#ueles #ueocupavam a terra ileal mas produtivamente, em especial as terras p*blicas, e mesmo se

isso ameaçava os direitos da#ueles #ue as ocupavam leal mas improdutivamente, até1oje persistem ambi>idades a respeito do #ue seja uma posse produtiva ou

Page 18: Holston - Legalizando o Ilegal

7/21/2019 Holston - Legalizando o Ilegal

http://slidepdf.com/reader/full/holston-legalizando-o-ilegal 18/30

improdutiva, invasão e propriedade! &ssas ambi>idades se manifestam seundo vriasformas jurídicas e culturais as #uais, nunca é demais lembrar, vão constituindo o solofértil sobre o #ual vicejam os perenes conflitos de terra! 6s ;ribunais coloniaiseralmente determinavam #ue os direitos dos invasores sobre as terras cultivadas

 podiam ser concretizados se seus pedidos fossem reistrados e os impostos e taas

 paos dentro de um período especificado! ) essência dessa decisão era converter a possenuma sesmaria ou num aforamento! ;odavia, para muitos invasores, tais despesas eram proibitivas+ ocorria então #ue procedimentos favorveis fre#>entemente tin1am efeitos perversos: os invasores eram epulsos das terras ou, no mínimo, viam-sedefinitivamente na ilealidade! &ra por isso #ue os invasores mais modestosdificilmente almejavam a lealização de suas posses! )s elites latifundirias, por suavez, não encontravam dificuldades em bancar a conversão, o #ue, numa estratéiaefetiva para aumentar suas propriedades, as encorajava a invadir mais terras p*blicas!&las podiam assim tirar vantaens das ambi>idades contidas nos incentivos ao cultivodas terras, aneando randes reas (s suas propriedades, as #uais eram posteriormentelealizadas! )ntecipando dessa maneira um novo mecanismo de lealização, posterior (

etinção das sesmarias, os invasores da elite reivindicavam posses enormes, maiores até#ue as concess'es reais, e marcavam seu empen1o nas atividades arícolas com umacarroça e um curral, #uando muito! Nas terras mais afastadas, os invasoresreivindicavam o #uanto sua imainação permitia+ nas reas mais povoadas, a pretensãoia até onde conseuiam lev-la!("') &sses invasores da elite assim consararam umaestratéia fundamental e duradoura de a#uisição de terra no $rasil: como ausurpaçãoeralmente dava início ( lealização, elas confirmaram a invasão de terra como umamaneira seura de obter direitos leais de propriedade!

&pansão econJmica, avidez e ambição familiar moviam o arrebatamento deterras, o #ual se tornou uma batal1a campal #uando novos piratas de terras apareceram

 para competir com os latifundirios j estabelecidos! )s reas não viiadas estavamsujeitas a invas'es: com isso, todas as partes envolvidas contratavam capanas paradefender suas posiç'es e anear outras! 6s pe#uenos proprietrios #ue de fato 1aviam seestabelecido em suas posses eram ameaçados como intrusos e delas epulsos!Completando o círculo vicioso, os destituídos eram recrutados como capanas! Naausência de #ual#uer meio leal para estabelecer títulos de propriedade, os assassinatostornaram-se rotina na mesma proporção em #ue as reivindicaç'es de terras conflituosas

 permaneciam sem #ual#uer tipo de apreciação!(") 

5urante esse período, os arrebatadores de terra refinaram suas técnicas de

manipulação da lei, o #ue identifi#uei acima como sendo a marca reistrada darilacm: envolvendo as terras invadidas no #ue pareciam ser transaç'es leítimas,davam a elas uma fac1ada de lealidade! 6 objetivo duplo dessa técnica é montar umdossiê de documentos #ue atestam, em cada caso, o #ue seria uma transação leal sefosse baseada em direitos de propriedade leítimos e, desse modo, envolver o maior n*mero possível de pessoas nesse aparente recon1ecimento das aleaç'es do usurpador!) #uantidade de vers'es desse estrataema é tão rande #uanto a variedade dedispositivos a respeito da terra! /ara envolver a propriedade numa teia de transaç'esleítimas, o invasor pode paar os impostos da sua posse, vender uma de suas partes,doar uma fração a uma oranização reliiosa, pedir seu levantamento, us-la comoarantia em um empréstimo, dei-la como 1erança, ou d-=a como dote! 0eus 1erdeiros

e s%cios continuariam a 1onrar essa transaç'es, tomando o cuidado de paar em dia osimpostos e taas! "ais importante ainda, eles deverão sem demora reistr-las nos

Page 19: Holston - Legalizando o Ilegal

7/21/2019 Holston - Legalizando o Ilegal

http://slidepdf.com/reader/full/holston-legalizando-o-ilegal 19/30

livros da par%#uia mais pr%ima, a #ual em muitos luares servia de cart%rio! ;odos os papéis acumulados nessas transaç'es - recibos, promiss%rias, procuraç'es,levantamentos, acordos, contabilidade etc! - eram utilizados para provar #ue o &stado ea =reja as 1aviam sancionado! . uma técnica, como vemos, #ue re#uer umcon1ecimento jurídico considervel! 0ua utilização dissimula, no interior de uma teia de

aleaç'es leítimas, a usurpação e a fraude! 6 objetivo é sobrecarrear essa teia comrelaç'es sociais a tal ponto #ue, e mesmo com a passaem do tempo, seudesmantelamento se torna impossível, de maneira tal #ue a leitimação, por um decretodo eecutivo ou um ato do leislativo, se torna inevitvel! Nesse tipo de complicação, afraude encontra na lei seu c*mplice!

&ntre 8EE e 894, os pais de Sabriela Oernandes estabeleceram uma rande posse dentro da aldeia indíena de 0ão "iuel! Quando Sabriela se casou comOelisbino 0antana, recebeu deles E3I 1ectares dessa rea como dote! 5esde 8D,#uando Sabriela morreu, essa propriedade constava do reistro da par%#uia local eestava lealizada seundo os termos da 7ei de ;erras de 894!(") 0eus #uatro fil1os

1erdaram, cada um, uma parte iual do todo! &m 8@E3 um deles vendeu sua parte deD4,GI 1ectares a Kosé "iuel )cMel e seu s%cio! No mesmo ano, o primeiro comprou a

 parte do seundo, desenvolveu um plano para lotear a terra em cerca de mil lotes,reistrou o loteamento aprovado como Kardim das Camélias, e colocou os terrenos (venda! 6 empreendimento não deu certo! Com certeza, poucos compradores foramatraídos, j #ue na época 0ão "iuel /aulista era um sub*rbio de 0ão /aulo, distante eisolado, sem empreos e transporte! Ooi somente na década de 8@I4 #ue a situaçãomudou! =nd*strias por ali se instalaram e lin1as de trem e Jnibus foram criadas! Nesse

 período de crescimento do local, Kosé "iuel vendeu E4G de seus lotes ao seu irmão Nadime "iuel, o #ue foi reistrado em 8@I9 no GR Cart%rio de =m%veis de 0ão /aulo!

/ercebemos assim como, na oriem da propriedade de )cMel, est a venda deterras indíenas invadidas e a leitimação das aleaç'es dos invasores! 0ua 1ist%riademonstra #ue, apesar de seus títulos e reistros, as aleaç'es de )cMel não diferemda#uelas dos outros litiantes, j #ue revela uma estratéia perante a lei #ue, na suaessência, é compartil1ada por todos: uma mistura de costume, fraude e complicação

 jurídica #ue torna a mera posse da terra - resultante de concessão, arrendamento,invasão, proclamação, e até mesmo compra - uma propriedade! 0e a 1ist%ria de )cMelevidencia a import2ncia do costume nessa estratéia, a #ue epon1o a seuir revela afraude!

Os &undamenos do direio de propriedade da Adis e do Esado de 7ão8aulo

)s oriens das aleaç'es da )dis no Kardim das Camélias, comuns (s outrasreivindicaç'es no estado de 0ão /aulo, constituem o centro nevrlico de um dos casosde terra mais not%rios e compleos na 1ist%ria brasileira, o #ue, de fato, não deia de ser uma distinção! Orente ( sua compleidade sem limites, não posso afirmar #ue o entendo

 por inteiro, tampouco seria prudente dirimir de erros e distorç'es a anlise de seuscontornos #ue a seuir epon1o e analiso! ;odavia, uma coisa é certa: não 1 versãoisenta de distorção, j #ue essas mesmas distorç'es estruturam o uso da lei ao lono dos

 processos! )s manipulaç'es da lei foram buriladas no intuito de criar vers'es m*ltiplas

e plausíveis, apesar de incompletas e discordantes entre si! . com relação a essasmesmas vers'es #ue tanto a noção de verdade jurídica desaparece, #uanto a

Page 20: Holston - Legalizando o Ilegal

7/21/2019 Holston - Legalizando o Ilegal

http://slidepdf.com/reader/full/holston-legalizando-o-ilegal 20/30

 possibilidade de resolução sure dependente de imposiç'es políticas conjunturais! )eemplo dos outros litiantes, o arumento principal da )dis é de fundo eneal%ico:ela justifica sua aleação apresentando uma rvore eneal%ica, supostamente leítima,#ue remonta a 8@4 através de sete eraç'es de direitos de propriedade, cada #ualasseverado por documentos reistrados, os #uais, por sua vez, referem-se a outros

documentos mais antios #ue dariam oriens leítimas (s suas aleaç'es! No entanto,#uando eaminamos essa enealoia de propriedade, torna-se evidente #ue a )dis eseus predecessores vêm desde 1 muito criando oriens as #uais, apesar de nuncainteiramente falsas, são sempre ilícitas!(") 

Quando o overno imperial promulou a primeira lei detal1ada de terra no$rasil, em 894, sua intenção era não s% estabelecer os meios leais para reular ostítulos de terras e prevenir invas'es do territ%rio p*blico como também utilizar a políticade terras para atrair imirantes europeus para o $rasil, de início como trabal1adoreslivres para substituir os escravos nas plantaç'es e mais tarde como colonos livres

 proprietrios de suas terras! Com essa finalidade, em 8@4 4 primeiro overno

republicano concedeu ao enen1eiro Licardo "edina 94 mil 1ectares de terrasdevolutas, divididas em duas partes iuais, cada #ual em uma das marens do rio ;ietê,no leste de 0ão /aulo! ) parcela meridional dessa enorme concessão incluía 0ão "iuel/aulista e, de fato, o #ue é 1oje a Xona 7este da cidade! 6 contrato de "edinaapresentava uma série de condiç'es: ele tin1a #ue fundar, num período de dois anos,uma colJnia arícola com 944 famílias de cada lado do rio ;ietê+ fazer um levantamentoda rea a fim de discriminar as terras devolutas da#uelas j ad#uiridas por outros e sobreas #uais ele não tin1a direitos+ e paar um preço fio pelas primeiras, as #uais podiarevender aos imirantes! 6 não cumprimento de #ual#uer uma dessas condiç'esrescindia % contrato! Nesse caso, todavia, o beneficiado ficaria com a metade das terrascedidas seundo os termos do contrato e a outra metade seria restituída ao overno! &m8@8, "edina transferiu sua concessão, com todas as suas condiç'es, para o $anco&volucionista - do #ual era o fundador e #ue era um dos muitos precrios bancos deempreendimentos imobilirios #ue pipocaram com a nova política de terra! 6 banco nãoconseuiu colonizar as reas no tempo eiido e com isso perdeu o contrato! &leconseuiu, no entanto, fazer um levantamento da parcela mais ao sul e c1eou aoferecer paamento por ela, mas não discriminou, dentro dessa parcela, e muitosinificativamente, as terras devolutas da#uelas #ue não 4 eram! Nessas condiç'es, em8@E o overno republicano concedeu ao banco o título de E9 mil 1ectares! )pesar dissoestabelecer os direitos de propriedade do banco, estes ficavam subordinados a todas ascondiç'es estipuladas na concessão oriinal!

<m ano mais tarde, o $anco &volucionista 1ipotecou esse título condicional ao$anco de Crédito Leal do $rasil, o #ual ficou definitivamente com o título #uando o

 primeiro foi ( falência em 8@44! )pesar do $anco de Crédito Leal também ter falido em8@4@, seu presidente, &uênio Hanold, comprou o título em leilão realizado durante ali#uidação do banco! Uendeu-o em 8@8G para a /redial, uma compan1ia imobiliria!

 Nesse interreno, todavia, outros credores do $anco &volucionista entraram com processos pedindo as partes das propriedades do banco #ue l1es cabiam! 6 estado de0ão /aulo também interveio, aleando #ue ele, e não o banco falido, e de acordo com aConstituição de 8@8, detin1a as terras devolutas em #uestão! 6 caso foi para o0upremo ;ribunal Oederal! ;odavia, sua decisão, em 8@E, mais pareceu complicar do

#ue resolver a disputa: apesar de o 0upremo reafirmar a validade dos direitos do $anco&volucionista, neando #ue a Constituição os 1avia esvaziado, contudo, ela estabeleceu,

Page 21: Holston - Legalizando o Ilegal

7/21/2019 Holston - Legalizando o Ilegal

http://slidepdf.com/reader/full/holston-legalizando-o-ilegal 21/30

com base na clusula da rea#uisição, constante no contrato inicial de 8@4, #ue o estadode 0ão /aulo tin1a direitos sobre a metade dos E9 mil 1ectares! ) Corte definiu o&stado, e não a <nião, o beneficiado com a devolução da propriedade, arumentando,

 para tanto, #ue na época em #ue o banco rompeu o contrato j estava em vior aConstituição #ue determinava #ue as terras devolutas eram dos estados! )ssim, o

0upremo ;ribunal Oederal recon1ecia #ue o banco e o &stado tin1am, cada um, direitosobre 8E!944 1ectares, os #uais estavam sujeitos ( mesma condição oriinal, #ual seja, adiscriminação das terras devolutas da#uelas #ue não o eram!

) sentença erou, entre outros, dois efeitos importantes! /rimeiro, ela deu ofundamento oriinrio aos interesses de propriedade do estado de 0ão /aulo em luarescomo o Kardim das Camélias! 0eundo, o recon1ecimento do título do banco por partedo 0upremo, e apesar desse ficar valendo apenas para a metade da rea totalanteriormente compreendida, permitiu aos seus 1erdeiros continuar a usar esse mesmotítulo em transaç'es bancrias e comerciais! /or#ue as terras nunca foram claramentediscriminadas e por#ue 1avia muitos 1erdeiros, o título foi envolvido - sempre de

maneira ambíua, (s vezes de modo fraudulento - em in*meras transaç'es! )ssim, em8@9, #uando a /redial vendeu-o para Naib Kafet, um e-presidente da )dis, constavano contrato uma clusula #ue dizia o seuinte: o vendedor não é responsvel por #ual#uer perda de direitos! Nesse mesmo espírito, em 8@DD Kafet vendeuo paraSarzouzi, #ue por sua vez, em 8@D, e assim #ue se tornou seu *nico acionista,transferiu-o para a )dis!

5essa maneira, ao lono de todo um século, um sem-n*mero de bancos, firmasimobilirias e terceiros estiveram utilizando-se desse título para completar vriastransaç'es de propriedades - alumas envolvendo o pr%prio título juntamente comoutras tantas terras de fato, mas todas, fundamentalmente, comprometidas por suanatureza condicional! 6s neociantes desse #uase fetic1e dependeram de duas coisas

 para levar adiante sua transação: seu ac*mulo de complicaç'es e fraudes! ) força dessetítulo vem de sua compleidade, a #ual impossibilita aos ;ribunais resolver uma dasdisputas sem resolver todas as outras! Como isso é praticamente impossível, nuncadeclaram o esotamento da validade do título! . dessa maneira #ue se multiplicam asoportunidades para a prtica da rilaem! ) *nica solução é reularizar, através deintervenção etrajudicial, todo 1ectare citado no título, de tal forma #ue esse mesmotítulo perde seu poder j #ue, assim, ficam sem objeto, a saber, terras devolutas ou de

 posse duvidosa! ) comissão de procuradores do &stado convocada em 8@D paraeaminar o problema c1eou eatamente a essa conclusão - recomendando nada menos

#ue um decreto presidencial para resolver as disputas de terras no Kardim das Camélias!)o investiar a perpetuação do título do $anco &volucionista, encontrei

dezesseis tipos diferentes de fraudes! )lumas são ritantes, como a falsificação dedocumentos, adulteração de marcas de divis'es, corrupção de funcionrios e destruiçãode reistros! 6utras são sutis, estrataemas de lono prazo #ue se utilizam da lei paraestabelecer precedentes a favor do rileiro! /or eemplo, um rileiro se utiliza dedocumentos falsos, relativos a um pedaço de terra, para abrir um processo para reaver sua posse+ um c*mplice, todavia, faz as vezes de ocupante ileal! &le se defende demaneira pouco convincente e é epulso da terra! Lesultam disso tudo muitas aç'es no;ribunal e uma série de precedentes constituindo uma espécie de jurisprudência, a #ual

o rileiro apresentar mais tarde para sustentar suas aleaç'es de propriedade! ) fraudemais impressionante, contudo, talvez ten1a ocorrido justamente #uando tudo começou!

Page 22: Holston - Legalizando o Ilegal

7/21/2019 Holston - Legalizando o Ilegal

http://slidepdf.com/reader/full/holston-legalizando-o-ilegal 22/30

)o eecutar a 1ipoteca do $anco &volucionista, o $anco de Crédito Leal aleou ter ad#uirido com isso um im%vel especificado em uma carta de adjudicaçãoetrajudicial! 6 problema é #ue a 1ipoteca s% podia se referir a possíveis direitos sobre1ectares ideais, e não a direitos reais sobre terras discriminadas - um detal1e #ue, demin1a perspectiva, condena tanto as aleaç'es de propriedade da <nião #uanto as do

&stado! No entanto, a referida carta incluía um levantamento #ue definia uma rea deE8!D44 1ectares! &ssa transformação mica do ideal em real é um eemplo de um tipode trapaça envolvendo a 1ipoteca um tanto #uanto comum entre rileiros bemrelacionados! 5e um jeito ou de outro, o rileiro acaba obtendo documentos #ue l1e dãodireito sobre terras ideal ou vaamente definidas! &le então as 1ipoteca a um parceirocomo arantia de um empréstimo #ue, deliberadamente, não é cumprido! Como aeecução da 1ipoteca re#uer um inventrio de bens, o parceiro contrata um inspetor para

 produzir um levantamento da propriedade 1ipotecada, o #ual, todavia, é impossível deser verificado em função de sutis omiss'es técnicas! &sse levantamento torna-se partede uma carta de acordo privado ou de leilão para a li#uidação da dívida, a partir da #uala neociação é resolvida juridicamente! Como os documentos são aora parte de um

 procedimento judicial, os rileiros têm pouca dificuldade para obter a escritura dasterras - terras estas #ue talvez nem eistam mas #ue foram por eles definidas a partir deuma rede de operaç'es perfeitamente leais! Nos documentos da )dis e de seus

 predecessores, esse tipo de al#uimia envolvendo 1ipotecas, cartas de acordos elevantamentos aparece sistematicamente na oriem de suas aleaç'es!

9ornando le.al o ile.al

/assados 344 anos de colonização, uma coisa é certa: no Kardim das Caméliasnão 1 ninuém #ue ten1a um título de propriedade isento de ambi>idades - o #ue,alis, ocorre em muitas reas do $rasil! Lesulta disso, e apesar das vrias aleaç'escontrrias, #ue não 1 um *nico, indiscutível proprietrio de #uem os moradores podemreceber uma escritura incontestvel para #ual#uer um desses E4G lotes de cuja 1ist%riade disputa a#ui nos ocupamos! Cada litiante no conflito, no intuito de encontrar umaoriem #ue sustente sua aleação, utilizou-se da lei para criar uma versão dessa 1ist%ria!&ssas oriens são invenç'es de lei+ literalmente: ficç'es jurídicas! 6 overno central deinício criou para os índios de 0ão "iuel um santurio lealmente inviolvel e depois,através de suas vrias encarnaç'es - colonial, imperial e federal -, lealizou suausurpação! /arece indiscutível #ue, apesar de Yo overno federal ter, com isso,ad#uirido interesses dominiais na rea, tais interesses não são leítimos por#ue elenunca c1eou a discriminar as terras indíenas residuais de outros tipos de propriedade!

)ssim o overno federal não tem o título reistrado e com isso - numa dessasreviravoltas da 1ist%ria #ue nos surpreendem de maneira aradvel - não pode provar sua titularidade nos termos de sua pr%pria 7ei dos Leistros /*blicos! ) situação doestado de 0ão /aulo é parecida: seus interesses permanecem presos (s condiç'es nãocumpridas no contrato de 8@4 de "edina, o #ue também o deia sem um reistro!)pesar de as aleaç'es da família )cMel e da )dis estarem calcadas em títulos ereistros, estes têm procedência duvidosa! )s aleaç'es dos )cMel advêm da venda deterras indíenas invadidas e da lealização das posses dos invasores! =ronicamente, estes*ltimos são os #ue mais têm recon1ecimento oficial, #ue aparece nos recibos deimpostos, reistros p*blicos e documentos de tribunais - tudo por#ue esses invasoressão, afinal, os fraudadores mais 1beis e ambiciosos! ) perunta, todavia, persiste: #ue

aleação tem mais méritos leais?

Page 23: Holston - Legalizando o Ilegal

7/21/2019 Holston - Legalizando o Ilegal

http://slidepdf.com/reader/full/holston-legalizando-o-ilegal 23/30

<ma resposta definitiva parece ser impossível, não s% por causa da import2nciada ilealidade em cada uma das aleaç'es, mas também devido ( relação instvel #ue1 entre o leal e o ileal! 5e fato, se por um lado nosso estudo 1ist%rico mostrou #ue ausurpação é uma das principais forças motrizes da ocupação territorial brasileira, por outro lado ele também revelou #ue a pr%pria lei da terra se desenvolveu, em rande

medida, a partir da necessidade de lealizar invas'es! &sse desenvolvimento redundounuma densa massa de compleidades jurídicas, por sua vez erada como uma estratéia para iniciar manobras etrajudiciais visando precipitar a lealização das invas'es, etambém para, ao lono desse processo, interferir em outras reas da lei e da burocracia!5urante o período colonial, os direitos sobre a terra tornaram-se arena de contestação dadominação portuuesa, na #ual esses mesmos direitos eram complicados ao ponto detorn-los inativos! &ra, pois, um meio de atinir a autonomia da colJnia! No entanto,essa forma de resistência também era de 1eemonia local: as complicaç'es jurídicassustentavam os conflitos de terra para a elite #ue tin1a todas as vantaens etrajurídicase #ue podia lealizar o ileal! )ssim como ocorre 1oje, as invas'es ajudavam os mais

 pobres a an1ar acesso ( terra, j #ue, de acordo com os direitos consuetudinrios, eram

recon1ecidos como proprietrios leítimos se fossem produtivos! )pesar dessa misturade lei e costume ajudar os mais 1umildes, ela também permitia, e numa proporçãomaior, aos rileiros camuflar suas fraudes dentro de uma rede de transaç'es leítimas! )apropriação ileal, assim, tornou-se um meio bsico de a#uisição de terras+ ailealidade, uma dimensão fundamental da oranização social brasileira, perpassando-a

 por inteiro!

)o lono destes séculos, portanto, as irresoluç'es or#uestradas pela pr%pria leiincentivaram as invas'es de terras, j #ue também criaram a confiança na sualealização! No decorrer desse processo, prticas ileais produzem lei, soluç'esetraleais são incorporadas no processo judicial, e a lei é confirmada como um canalde desordem estratéica! Lesultou disso #ue a ilealidade e a irresolução jurídico-

 burocrtica tornaram-se a norma nos casos envolvendo terras! Nessas circunst2ncias, alei difere completamente das noç'es americanas de reulação neutra e imperativa, ou deseparação da lei e da sociedade, na #ual a seunda produz a primeira mas é, todavia,controlada por ela! No conteto brasileiro, a lei asseura uma norma diferente: amanutenção do priviléio para a#ueles #ue possuem poderes etraleais para manipular a política, a burocracia e a pr%pria 1ist%ria! Nesse sentido, a irresolução jurídica é ummeio de dominação efetivo, embora perverso! )tualmente, o campo jurídico modifica-se, não através de reformas leais - a respeito das #uais, infelizmente, 1 pouco a dizer -, mas através de movimentos sociais populares! 0uas aç'es coletivas, durante as duas

*ltimas décadas, produziram um crescimento eneralizado, apesar de instvel, da idéiado direito a direitos - acesso ( Kustiça -, o #ual est transformando, numa fre#>ênciacada vez maior, os brasileiros pobres em estrateistas jurídicos! No lapso de umaeração, aluns aprenderam a usar as complicaç'es da lei para intricar os conflitos deterras a seu favor! 0em d*vida, tais iniciativas povoam com novas forças éticas, políticase mesmo pessoais uma instituição antia e opressiva! &sses novos atores, no entanto,estão mais propensos a reproduzir o sistema do #ue a mud-lo! 0e os moradores doKardim das Camélias an1am a causa, isso se dar por#ue terão derrotado 4 mestre do

 joo! &m muitos sentidos, eles j foram vitoriosos ao utilizar a lei em vez de seremvítimas dela! Contudo, ao aprender a erar irresolução leal, eles aceitam a premissa do

 joo seundo a #ual a irresolução permite aos mais poderosos transformar o ileal em

leal - um poder #ue ainda l1es falta! &ventualmente o sistema jurídico podertransformar-se, pressionado por esse tipo de enajamento: uma participação ampliada,

Page 24: Holston - Legalizando o Ilegal

7/21/2019 Holston - Legalizando o Ilegal

http://slidepdf.com/reader/full/holston-legalizando-o-ilegal 24/30

ou mesmo universal, talvez dificulte demais as soluç'es etra judiciais para os conflitos judiciais, fazendo com #ue esse uso privileiado da lealização do ileal, e o tipo dedominação #ue se atualiza junto com ele, termine de vez! & se eiste a esperança de #uetal transformação j esteja em curso, os seus desdobramentos são ainda inc%nitos: asduradouras distopias da lei são tanto constitutivas #uanto sintomas de um interreno

m%rbido!

Noas

ZA&ste artio foi previamente publicado como ;1e misrule of laB: land and usurpation in $razil!Comparative Studies in Society and History. II 3A pp! D@9-GE9, 8@@8!

8! /arte de um estudo mais amplo sobre a terra, trabal1o, lei e movimentos sociais no $rasil, este ensaio baseia-se num trabal1o de campo e de ar#uivos de dois anos, realizado entre 8@G e 8@@4, financiado por um Oullbri1t HaFs OacultF Lesearc1 )Bard, um C=&0 Oullbri1t Leional )Bard, e pela <niversitF of 0out1ern California! )radeço (s pessoas do Kardim das Camélias por sua inestimvel ajuda na coleta eanlise dos dados apresentados neste artio! ) )ntJnio $enedito "ararido, advoado da associação de

 bairro, Kosé Noueira 0ouza, seu presidente durante meu trabal1o de campo, e a ;eresa Caldeira, coleaantrop%loa, meus aradecimentos especiais!

E! &m outras publicaç'es, mostro com mais detal1es #ue as periferias urbanas brasileiras devem suaformação (s políticas de terra elaboradas para reular o fornecimento de trabal1o, o #ue era feito atraindo,fiando e disciplinando um tipo desejado de força de trabal1o Holston 8@@: caps! D-+ e Holston s!d!A&sse reulamento estabelece não somente padr'es bsicos de miração e assentamento, mas também ascondiç'es nas #uais ocorrem os conflitos de terras, e #ue constituem o foco deste ensaio!

I! "uitos estudos antropol%icos reiteram esse princípio! &le aparece ao lono do espectro te%rico, t%picoe reional, como uma ênfase, por eemplo, na manutenção do controle social através do costume ou dacoerção "alinoBsMi 8@ED, Ladcliffe-$roBn 8@IIA, na resolução de desarranjos sociais 7leBllFn eHoebel 8@38A, para refrear abusos SlucMman 8@99A, na produção de coerência social através do conflito

SlucMman 8@9DA, na mediação de disputas Sulliver 8@DIA, no incentivo ao compromisso e ao e#uilíbrioNader 8@D@A, e na eliminação da ambi>idade 7eac1 8@GGA! <ma eceção é o polêmico masnelienciado artio de 7eac1 8@DIA, no #ual ele arumenta, contra os funcionalistas malinoBsMianos eos funcionalistas anti-malinoBsMianos, #ue na sociedade primitiva a lei serve para proteer priviléios!

3! "esmo $arnes 8@D8, pp! 8@IA, em um de seus primeiros estudos da lei como alo politicamenteativo, conclui #ue apesar de as instituiç'es jurídicas onde não 1 tribunaisA !!! de fato fornecerem asreras através das #uais ocorrem as disputas políticasA !!! a lei, todavia, pode ser vista como um conjuntoduradouro e consistente de reras aplicadas imparcialmente!

9! /or eemplo, ensaios recentes suerem #ue os sistemas jurídicos criam conflitos 0tarr e Collier 8@A+#ue a leislação é uma arena de disputas entre facç'es, e #ue a lei nativa contesta a dominação colonialUincent 8@@A+ #ue a assim c1amada lei dos costumes é uma invenção do colonialismo Co1n 8@@ e

"oore 8@@A+ #ue as disputas podem ser diriidas e utilizadas para a promoção da 1armonia, por umaestratéia política específica Nader 8@@A+ e #ue o discurso jurídico pode introduzir 1ierar#uia emrelaç'es a princípio iuais Sreen1ouse 8@@A+ ver também 0antos 8@ sobre a lei como discursoA!

D! )pesar das características eorficas e demorficas da periferia estarem em constante mutação,estimo sua população atual em 9,9 mil1'es de pessoas, o #ue corresponde a um pouco mais da metade dototal de moradores do município de 0ão /aulo 0eade 8@@: tabela 8E!89A! ) intensidade da taa deepansão da periferia pode ser captada nos seuintes dados: a rea urbana da Srande 0ão /aulo cresceu9I por cento entre 8@GG e 8@G "etrJ 8@@4, p! 8DA, en#uanto a população da reião periférica de 0ão"iuel /aulista, nas décadas de 8@94, 8@D4 e 8@G4, reistrou taas de crescimento anual de 89,E por cento, 8I,D por cento e D,D por cento respectivamente, sendo #ue os mesmos dados para o municípiocomo um todo foram 9,D por cento, 3, por cento e I,G por cento durante as mesmas décadas Caldeira8@3, pp! IA!

G! )presento uma descrição etnorfica das formas e processos da ilealidade, condensados neste ensaio,em Holston 8@@, pp! E9G-E@@ e Holston s!d!, para as periferias ileais de $rasília e 0ão /aulo

Page 25: Holston - Legalizando o Ilegal

7/21/2019 Holston - Legalizando o Ilegal

http://slidepdf.com/reader/full/holston-legalizando-o-ilegal 25/30

respectivamente! )naliso o sinificado político da moradia ileal e seu papel na mobilização de pessoas#ue se alutinam em oranizaç'es populares no intuito de lealizar suas propriedades e obter serviçosurbanos!

! <tilizo o termo cart%rio no seu sentido jurídico, o #ual se refere a todo escrit%rio dotado de prerroativas leais para reistrar documentos #ue atestam transaç'es entre pessoas e empresas,

autenticando-os e dotandoos de recon1ecimento p*blico! ;odo ato ou acordo, a fim de ad#uirir sinific2ncia jurídica, deve ser reistrado em cart%rio - daí a noção de uma ordem social reida por  papéis, lacres, carimbos e selos! Uer 0ilva 8@DGA e Orança 8@GGA para distinç'es terminol%icas+ $atal1a8@3, pp! 8I-EDA para uma anlise 1ist%rica do sistema de reistros p*blicos+ e $atal1a 8@3, pp! 399-3DDA e Lodriues 8@G, pp! 344-34@A para estudos sobre os reistros imobilirios especificamente!

@! )pesar das incertezas com relação ( etimoloia, o uso de rilo e conatos relativos ( terra parecederivar da analoia com os 1bitos do inseto 1omJnimo: um título vlido de um invasor, apesar de

 produzir bastante barul1o, é tão difícil de localizar #uanto o é um rilo insetoA! ) analoia vem desde acriação do mercado de bens imobilirios para terras p*blicas, depois de 894!

84! "ostrei em outro teto Holston sal!A #ue tais documentos não são necessariamente destituídos devalor, j #ue eles podem ser utilizados para provar as boas intenç'es das vítimas das fraudes, o #ue, entre

os pobres, l1es confere um status jurídico crucial para as mobilizaç'es políticas em torno das disputas deterras!

88! Uer Caldeira 8@3A para uma detal1ada etnorafia do Kardim das Camélias, e também Caldeira 8@DA para uma discussão a respeito de sua oranização política!

8E! ) disposição dos moradores em paar suas prestaç'es, mesmo ao lono desse período conturbado,não é resultado apenas do consel1o de seu advoado, #ue visava asseurar a condição de compradores

 bem intencionados dessas pessoas perante os tribunais! &ssa disposição advém iualmente da import2ncia#ue esses trabal1adores dão ( distinção social e moral #ue decorre da propriedade!

8I! . importante lembrar vrias eceç'es com relação a essa postura eralmente alienada dos pobres perante a lei! <ma delas envolve as leis trabal1istas e seus tribunais especiais, os #uais foram fundados

 para serem uma das bases do &stado corporativo de Uaras! )través desses tribunais, os sindicatos, fortese oficiais, de fato conseuiram defender os trabal1adores nas disputas trabal1istas! )pesar desses serviçosestarem aora se epandindo, eles se mantêm, em sua maioria, disponíveis somente através dossindicatos, aos #uais pertence somente uma minoria de trabal1adores! 6utra eceção, embora menosrelevante para os dias atuais, é, todavia sinificativa do ponto de vista 1ist%rico! &m um estudo sobre as*ltimas décadas de escravidão no $rasil, C1aloub 8@@4A mostra #ue os escravos, nas disputas com osseus sen1ores, utilizaram de maneira estratéica o sistema jurídico! 6 autor nos revela uma série de casosnos #uais os escravos obtiveram sucesso nos tribunais, an1ando liberdade, trocando de sen1or,deslocando membros de sua fam"ia, mel1orando suas condiç'es, e protestando contra puniç'es! H

 parcas informaç'es a respeito de outras reas da lei nas #uais os pobres pudessem estar envolvidos,embora também 1aja uma carência de pes#uisas não orientadas por concepç'es de lei essencialistas eclassistas!

83! ;ele de Oeres 0abino, procurador eral do estado de 0ão /aulo, para 7eonel Koão Carval1o deCastro, diretor da 0ecretaria do /atrimJnio Oederal!

89! Uer seu clssico estudo de 8@G@, Carnavais, malandros e heróis.

 8D! )radeço ao /rof! "! S! 0mit1 por essa observação! 8G! "in1a concepção de direito não é reificada, funcionalista ou conspirativa! )o associar o direito aintenç'es, objetivos, ambiç'es e motivos, não o estou evocando como aluma entidade supra-individual,ou como um sujeito 1ist%rico coletivo! )o contrrio, refiro-me a tetos muito específicos, reras,

 procedimentos e instituiç'es, todos liados ( reulação das relaç'es e aç'es sociais! &nfim, trata-se deuma concepção baseada na consideração das intenç'es! )s intenç'es (s #uais me refiro não pairam no ar,e muito menos se escondem em alum luar+ pelo contrrio, são imputveis a atores específicos, entre os

#uais estão leisladores, juízes, advoados, litiantes, rileiros e criminosos! &nfatizo, dessa maneira, nãouma eplicação funcionalista, mas uma eplicação intencional! ) primeira caracteriza-se por considerar 

Page 26: Holston - Legalizando o Ilegal

7/21/2019 Holston - Legalizando o Ilegal

http://slidepdf.com/reader/full/holston-legalizando-o-ilegal 26/30

as aç'es individuais como derivaç'es de padr'es de comportamentos areados, cujas conse#>ências sãosupostamente benéficas ou auto-reuladas+ a seunda eplica o comportamento focalizando asconse#>ências intentadas sem nelienciar, todavia, as não intencionais!

8! &sses arumentos são apresentados em vrios documentos jurídicos, como títulos, reistros, atas detribunais, acordos reistrados em cart%rio e relat%rios técnicos! )radeço especialmente a )ntJnio

$enedito "ararido por meter aberto seu ar#uivo com esses documentos! Consultei também os ar#uivosda 0ociedade )mios de $airro do Kardim das Camélias e os estudos de 1ist%ria local, como o de$omtempi 8@G4A! 8@! 5e acordo com o parecer de Sonçalves C1aves, publicado anonimamente na#uele ano, 1avia poucoterrit%rio para ser distribuído e #ue não estava sujeito 3[(s invas'es dos índios! Lesulta disso #ue 1aviamuitas famílias pobres, #ue vaavam sem rumo, ( mercê dos favores e capric1os dos sen1ores de terras, e#ue nunca tin1am como obter seu pedaço de terra, no #ual pudessem estabelecer-se de vez permanentescitado em Oaoro 8@G9, p! 34GA! E4! "ostra disso é o fato de #ue as primeiras concess'es não raro utilizavam como unidade de medida oalcance de uma flec1a atirada por um arco! Uer $omtempi 8@G4, p! 9EA para outros eemplos!

E8! /or eemplo, em aluns luares e em alumas condiç'es, mas não em outras, a leislação eiia, em8G8I, #ue as concess'es fossem aprovadas pela C2mara "unicipal, em 8G9I #ue fosse feito umlevantamento prévio das terras, e em 8@G9 #ue estasa terras não poderiam eceder a rea mimaestipulada! 6 princípio seundo o #ual a lei não tem fal1as ou omiss'es consta na introdução do C%dioCivil atual, artio 3!

EE! Uiotti 8@9, p! EA nota #ue, ao lono do século TU===, cerca de 8!G44 brasileiros passaram por Coimbra!

EI! /or eemplo, em 89@@ a Coroa elaborou um princípio contradit%rio a respeito da liberdade de índiosconvertidos, #ue dizia o seuinte: Ne1umas pessoas irão (s ditas povoaç'es aldeamentosA sem licença econsentimento dos reliiosos #ue l estiverem nem terão entios por não se enanarem parecendo-l1es#ue servindo aos moradores podem ficar cativos nem se poderão servir delles por mais tempo do #ue dois

mezes! Quando os jesuítas protestaram contra a flarante compra e venda desses índios, em 8D8E aC2mara de 0ão /aulo fez com #ue o desembarador )ntão de "es#uita de 6liveira proibisse asautoridades reliiosas de proceder contra os moradores #ue vendiam índios forros por#ue, ainda #uefosse criminosa tal prtica, a competência para coibi-=a era da justiça secular! 6u seja, apesar derecon1ecida a autoridade reliiosa, ficava também estabelecido o seu poder, pelo menos nesses casos, asaber, nen1um! Citados em $omtempi, 8@G4, pp! 3D, 3A!

E3! Leferida ( terra, posse sinifica posse física estabelecida de vrias maneiras, como ocupação ecivilização, e sua definição difere da de propriedade! 6 C%dio Civil $rasileiro, baseado no 5ireitoLomano e nas teorias de =1erin e 0avinF, juristas alemães, tem enfatizado 1istoricamente essa distinção!&m randes lin1as, a lei brasileira considera a propriedade um poder jurídico ou um conjunto de direitos,os #uais incluem o uso, a eploração, alienação e indenização, e #ue não tem #ue ser eercido paracontinuar vlido! K a posse é vista como um poder fatual, #ue deve ser efetivamente eercido! )

 propriedade inclui a posse como seu efeito, mas a causa da posse não é sempre a propriedade! 6u seja,um ladrão tem a posse mas não tem a propriedade dos bens roubados, um in#uilino tem a posse mas não é

 proprietrio do im%vel, e assim por diante! Com relação ( sua a#uisição, o C%dio Civil atual art! 3@Aclassifica a posse como justa #uando não é violenta, clandestina ou precria e injusta na situaçãoinversa! Uer Nascimento 8@DA, 7even1aen 8@EA e Uiana 8@9A para discuss'es em torno dessasdistinç'es! No #ue toca ( posse de terra, toda a leislação civil e as Constituiç'es do $rasil estabeleceramcondiç'es nas #uais os posseiros podem ad#uirir direitos de propriedade sobre as posses #ue ocupamcontínua e produtivamente! &ssa possibilidade de converter a posse em propriedade vem 1 muito temposendo, como eplico a seuir, uma fonte da endêmica violência da terra no $rasil!

E9! &sses direitos não devem ser confundidos com a lei de costumes desenvolvida nas colJnias africanas,a #ual também constitui uma cateoria residual das prticas jurídicas indíenas inoradas pelos overnoscoloniais Uer "oore 8@@A! )o contrrio, para /ortual e suas colJnias, o costume era juridicamente

definido pela leislação! /arte da reforma jurídica do mar#uês de /ombal, a 7ei da $oa Lazão, de 8GD@,definia os direitos consuetudinrios pelos seuintes re#uisitos: conformidade com as boas raz'es !!! #ue

Page 27: Holston - Legalizando o Ilegal

7/21/2019 Holston - Legalizando o Ilegal

http://slidepdf.com/reader/full/holston-legalizando-o-ilegal 27/30

constituem o espírito das leis de meu LeiA, não-contradição entre essas leis, e idade superior a cem anoscitado em 7ima, 8@, p! 93A! &ra un2nime a opinião de #ue a prtica de invadir e ocupar terras para ocultivo ia ao encontro do critério de nacionalidade e lonevidade+ o mesmo não ocorria, no entanto,#uando essa mesma prtica era pensada de acordo com a reulação seundo a #ual a terra no $rasil s%

 podia ser ad#uirida mediante a concessão de sesmaria! 0obre a 7ei da $oa Lazão, ver "iranda 8@E, pp!D-G8A e Orança 8@GG, pp! 98-E8A!

ED! &m 839, o presidente da província de "inas Serais, uma das rei'es mais povoadas, reistrou #ue33 por cento de suas terras eram aleadas como posses, ID por cento como sesmarias, e E4 por centoauardavam serem distribuídas citado em 5ean, 8@G8, p! D84A! 5ean revela um aspecto interessante:também a etinção da primoenitura, na década de 8I4, pode ter estimulado as reivindicaç'es, j #ue1avia se tornado possível para os proprietrios de terras deiar latif*ndios para cada e todo fil1o! &ra

 preciso conseuir posses para os descendentes, e cabia (s epediç'es a realização de tais tarefas!

EG! Não ten1o con1ecimento de #ual#uer estimativa do n*mero de assassinatos durante esse período! Noentanto, um artio recentemente publicado no New Yor !imes E@!48!8@@8A alea #ue, entre 8@D3 e 8@@4,8!D44 pessoas foram reistradas mortas por violência relacionada a conflitos rurais de terra, emborasaibamos #ue 1 muitos outros não reistrados! 5esses 8!D44 casos, somente 8G foram a julamento, dos#uais somente um resultou numa condenação: a de dezembro de 8@@4, pelo assassinato de C1ico "endes,

foco de uma enorme cobertura por parte da mídia internacional! &m seu relat%rio de 8@ sobre o $rasil,a )nistia =nternacional conclui #ue desde 8@4 mais de 8!444 pessoas foram mortas em conflitos de terrasrurais, I por cento das #uais por atiradores contratados )mnestF =nternacional, 8@, pp! 84-=8A!

E! &ssa lei estabelecia os meios para lealizar as posses e ao mesmo tempo os eliminava como base parareivindicaç'es futuras! &m resumo, ela eiia #ue todo invasor reistrasse sua petição e paasse as taasde validação! ) lei também convertia posses não cultivadas e posses invalidadas em terras devolutas, nãoreivindicadas, tornando assim a ocupação dessas terras um ato criminoso! &m sua maior parte, ) 7ei de;erras de 894 não tin1a como ser implementada e era, portanto, um fracasso, j #ue os proprietrios ainutilizavam através de complicaç'es jurídicas e fraude! Uer Carval1o 8@8A, 5ean 8@G8A e 7ima8@A+ para uma comparação interessante com o <!0! Homestead )ct de 8DE, ver Uiotti 8@9, p! GA!

E@! ) suposta enealoia das aleaç'es da )dis tornou-se #uase folcl%rica no Kardim das Camélias devido

a uma carta aberta #ue circulou em 8@GE entre os moradores, no aue da violência liada ( terra! 0emd*vida, não era sua intenção parecer burlesca: seundo um diapasão jurídico, apresentava inicialmenteuma 1ist%ria detal1ada de seus direitos de propriedade e depois lamentava #ue eles estavam sendocaluniados por rileiros #ue operavam na rea! &la alertava os moradores contra os títulos falsos #ue osautênticos rileiros apresentam e uria-os a verificar as oriens de seus direitos leítimos noscart%rios competentes!

BIBLIOGA;IA

)mnestF =nternational "#$%%&, 'eport on (razil. 7ondres, )mnestF =nternational /ublications!

$)LN&0, K! )! 7aB as politicallF active: an ant1ropoloical vieB, in) Studies in the sociology of law.

SeoffreF 0aBer, ed!, pp! 8DG-@D, Canberra, )ustralian National <niversitF /ress!

$);)7H), \ilson de 0ouza Campos! "#$%*&, Comentários + ei de 'egistros -/licos, vols. #0, 10 e IR,ed! rev! e ampl! Lio de Kaneiro, Oorense!

$6";&"/=, 0Flvio! 8@G4A, 2 /airro de S3o 4iguel -aulista) 5 aldeia de S3o 4iguel de 6rura7 na

história de S3o -aulo. 0ão /aulo, /refeitura "uncipal de 0ão /aulo!

C)75&=L), ;eresa /ires do Lio! 8@3A, 5 pol7tica dos outros) 2 cotidiano dos moradores da periferia

e o 8ue pensam do poder e dos poderosos. S3o /aulo, &ditora $rasiliense!

 ]]]]]]]]]]]]]]]]]]]]]]]]]]]] 8@DA , &lectoral strules in a nei1bor1ood on t1e perip1erF of 0ão/aulo! -olitics 9 Society, 89 8A pp! 3I-DD

Page 28: Holston - Legalizando o Ilegal

7/21/2019 Holston - Legalizando o Ilegal

http://slidepdf.com/reader/full/holston-legalizando-o-ilegal 28/30

C)LU)7H6, Kosé "urilo de! "#$%#&, "odernização frustrada: a política de terras no =mpério!  'evista

 (rasileira de História, março 8@8, pp! I@-9G! 

CH)76<$, 0idneF! 8@@4A, :is;es da i/erdade. 0ão /aulo, Compan1ia das 7etras!

C6HN, $ernard 0! 8@@A, 7aB and t1e colonial state in =ndia! =n: HistorF and poBer in the study of 

law) New directions in legal anthropology. Kune 0tarr and Kane O! Col1er eds! pp! 8I8-9E! =t1aca,Cornell <niversitF /ress!

Código Civil (rasileiro. 8@@4A! Notas e índices de Kuarez de 6liveira! 0ão /aulo, &ditora 0araiva!

5a");;), Loberto! 8@@8A, Carnival, hustlers, and heroes.  Notre 5ame, <niversitF of Notre 5ame/ress!

5&)N, \arren! 8@G8A, 7atifundia and land policF in nineteent1-centurF $razil!  Hispanic Historical 

 5merican 'eview. 98 3A pp! D4E-E9!

&0;)56 5& 0^6 /)<76! 8@I9A, )nais da 5ssem/l<ia Constituinte. 0ão /aulo, =mprensa 6ficial!

O)6L6, LaFmundo! 8@G9A, 6s donos do poder) =orma>3o do patronato político /rasileiro. E ed!, 0ão/aulo, &ditora da <niversidade de 0ão /aulo!

OL)N_), Lubens 7imoni! ?nciclop<dia Saraiva do @ireito. &d! 8@GG! 0ão /aulo, &ditora 0araiva!

S7<C`")N, "a! 8@99A, !l1e Audicial process among the (arotse of Northern 'hodesia. "anc1ester,"anc1ester <niversitF /ress!

 ]]]]]]]]]]]]]]]]] 8@9DA, Custom and conflict in 5frica. 6ford, $asil $lacMBell!

SL&&NH6<0&, Carol K! 8@@A, =nterpretin )merican litiiousness!  Bn) History and power in the studFof law) New directions in legal anthropology. Kune 0tarr and Kane O! Col1er, eds!, pp! E9E-GI! =t1aca,Cornell <niversitF /ress!

S<77=U&L, /1ilip H! 8@DIA, Social control in an 5frican society. $oston, $oston <niversitF /ress!

H670;6N, Kames! 8@@A, !he modernist city) )n ant1ro pological criti8ue of$rasilia! C1icao,<niversitF of C1icao /ress!

 ]]]]]]]]]]]]]]]] 8@@8A, )utoconstruction in BorMin-class $razil! Cultural anthropology. D 3A, pp!33G-3D9!

 ]]]]]]]]]]]]]]]]]] s!d! ;1e illeal perip1erF: social movements and t1e politics of propertF in 0ão/aulo!

7&)CH, &dmund! 8@DIA, 7aB as a condition of freedom!  Bn) !he concept of freedorn in anthropology.

5avid $idneF, ed!, pp! G3-@4! ;1e Haue, "outon! 

 ]]]]]]]]]]]]]]] 8@GGA, Custom, law, and terrorist violence. &dinburo, &dinbur1 <niversitF /ress!

7&U&NH)S&N, )ntJnio Kosé de 0ouza! 8@EA,  -osse, possessória e usucapi3o. 0ão /aulo, &ditora)tlas!

7="), LuF Cirne! 8@A,  -e8uena 1ist%ria territorial do $rasil: 0esmarias e terras devolutas.  3a  ed!8@93! $rasília, &scola de )dministração Oazendria!

77&\&77N, `arl e H6&$&7, &! )! 8@38A, !he Cheyenne way) Conflict and case law in primitive

 Aurisprudence. Norman, <niversitF of 6Mla1oma /ress!

")7=N6\0`=, $ronislaB! 8@EDA, Crime and custom in savae society. 7ondon, `ean /aul!

Page 29: Holston - Legalizando o Ilegal

7/21/2019 Holston - Legalizando o Ilegal

http://slidepdf.com/reader/full/holston-legalizando-o-ilegal 29/30

"&;L Compan1ia do "etropolitano de 0ão /auloA 8@@4A,  -es8uisa 2@#% "-es8uisa origens e

destino #$%&) 'egi3o metropolitana de S3o -aulo, s7ntese das inforrna>;es. 0ão /aulo, "etrJ!

"=L)N5), /ontes de! 8@EA, =ontes e evolu>3o do direito civil /rasileiro. Lio de Kaneiro: /imenta de"ello C!

"66L&, 0allF OalM! 8@@A, HistorF and t1e redefinition of custom on`ilimanjaro!=n: Historyandpowerintlae study of law) New directions in legal anthropology. Kune 0tarr and Kane O!Col1er, eds!, pp! EGG-I48! =t1aca, Cornell <niversitF /ress!

 N)5&L, 7aura! 8@D9A, ;1e ant1ropoloical studF of laB! 5merican 5nthropologist. DG D, EA pp! I-IE!

 ]]]]]]]]]]]]]8@D@A, 0 tFles of court procedure: to maMe t1e balance!  Bn) aw in culture and society.

7aura Nader, ed!, pp! D@-@8! C1icao, )ldine /ublis1in CompanF!

 ]]]]]]]]]]]]]8@@A, ;1e croBn, t1e colonists, and t1e course of Xapotec villae laB! =n:  History and 

 power in the studF of law) New directions in legal anthropology. Kune 0tarr and Kane O! Collier, eds!, pp! IE4-33! =t1aca, Cornell <niversitF /ress!

 N)0C="&N;6, ;upinamb "iuel Castro do! 8@DA, /os se e propriedade. Lio de Kaneiro, )ide&ditora!

L)5C7=OO&-$L6\N, )! L! 8@IIA, /rimitive laB!  Bn) ?ncyclopedia of the Social Sciences. @, pp!E4E-D! Nova orM, "acmillan CompanF!

L65L=S<&0, 0ilvio! 8@GA, @ireito das coisas. Uol! 9 de @ireito Civil. 0ão /aulo, &ditora 0araiva!

L67N=`, La#uel, `6\)L=`, 7*cio e 06"&`H, Nadia, eds! 8@@4A, S3o -aulo) Crise e mudan>a. 0ão/aulo, $rasiliense!

0)N;60, $oaventura de 0ousa! 8@A, 6 discurso e o poder) ?nsaio so/re a sociologia da ret%rica Aur7dica! /orto )lere, 0erio )ntonio Oabris &ditor!

0CH)/&L), =saac! 8@99A,  5 Hand/oo of !swana law and custom! E[ ed!, 8@I! 7ondres, 6ford<niversitF /ress!

0&)5& Oundação 0istema &stadual de )nlise de 5adosA! "#$%$&, @ados do munic7pio de S3o -aulo.

0ão /aulo, 0eade!

0H=L7&, Lobert \eaver! "#$%&. 5ntropologia Aur7dica. 0ão /aulo, &ditora 0araiva!

0=7U), 5e /lcido e! "#$D&, :oca/ulário Eur7dico, * vols., E ed!, Lio de Kaneiro, Oorense!

0;)LL, Kune, and C677=&L, Kane O! "#$%$&, =ntroduction: dialoues in leal ant1ropoloF!  Bn)

 Hostory and power in the study of law) New directions in legal anthropology. Kune 0tarr and Kane O!

Collier, eds!, pp. #F1%. =t1aca, Cornell <niversitF /ress!

U=)N), "arco )urélio 0! "#$%G&, @as al;es possessórias. 0ão /aulo, &ditora 0araiva!

U=NC&N;, Koan! "#$%$&, Contours of c1ane: ararian laB in colonial <anda, 8@9-8@DE! =n:  History

and power in the study of law) New directions in legal anthropology. Kune 0tarr and Kane O! Col1er,eds!, pp! #GFD. =t1aca, Cornell <niversitF /ress!

U=6;;= 5) C60;), &milia! "#$%G&, !he (razilian empire) 4yths and histories. C1icao, <niversitF of C1icao /ress!

;radução: Koão Uaras

Page 30: Holston - Legalizando o Ilegal

7/21/2019 Holston - Legalizando o Ilegal

http://slidepdf.com/reader/full/holston-legalizando-o-ilegal 30/30

) versão final da tradução é produto de um processo pouco usual, pois contoucom a revisão do autor e de um dos protaonistas da 1ist%ria, o advoado )ntJnio$enedito iUlararido! ) eles meus sinceros aradecimentos! N!;!A