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15/04/2014 1 * HOLSTON, James. A Cidade Modernista. São Paulo: Cia das Letras, 1993 A Cidade Modernista*: 1. Premissas e Paradoxos 2. Utopia Arquitetônica 3. As Intenções Ocultas do Projeto Universidade Federal de Santa Catarina Programa de Pos Graduação em Geografia Disciplina de Planejamento Regional e Urbano Professor Elson Pereira Apresentação: Arlete Moraes Março de 2014 *A Cidade Modernista: 1. Premissas e Paradoxos Brasília: “...seu projeto e sua construção tinham a intenção de criar essa nova era, transformando a sociedade brasileira.” Holston (1993) analisa duas premissas 1 principais: 1) o plano de uma nova cidade pretendia criar uma nova ordem social, segundo a própria imagem, tomando por base os valores que inspiraram o projeto; 2) é a projeção dessa mudança em um contexto do desenvolvimento nacional. Em que a cidade venha a ser um modelo de práticas sociais radicalmente diferentes. “... contudo, que, como a ocupação da cidade recém-construída se fez segundo o que ditava a prática da sociedade brasileira, essas premissas engendraram uma série de processos sociais que, de modo paradoxal mas inequívoco, vieram a destruir as intenções utópicas de seus idealizadores.” p.12 1 Refere-se ao que elas pretendem, a sua coerência interna, aos instrumentos e condições que trazem a realidade, e as interpretações e processos sociais que elas despertam.

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15/04/2014

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* HOLSTON, James. A Cidade Modernista. São Paulo: Cia das Letras, 1993

A Cidade Modernista*:

1. Premissas e Paradoxos

2. Utopia Arquitetônica

3. As Intenções Ocultas do Projeto

Universidade Federal de Santa Catarina

Programa de Pos Graduação em Geografia

Disciplina de Planejamento Regional e Urbano

Professor Elson Pereira

Apresentação: Arlete Moraes

Março de 2014

*A Cidade Modernista: 1. Premissas e Paradoxos

Brasília: “...seu projeto e sua construção tinham a intenção de criar essa

nova era, transformando a sociedade brasileira.”

Holston (1993) analisa duas premissas1 principais:

1) o plano de uma nova cidade pretendia criar uma nova ordem social,

segundo a própria imagem, tomando por base os valores que inspiraram o

projeto;

2) é a projeção dessa mudança em um contexto do desenvolvimento

nacional. Em que a cidade venha a ser um modelo de práticas sociais

radicalmente diferentes.

“... contudo, que, como a ocupação da cidade recém-construída se fez

segundo o que ditava a prática da sociedade brasileira, essas premissas

engendraram uma série de processos sociais que, de modo paradoxal mas

inequívoco, vieram a destruir as intenções utópicas de seus idealizadores.”

p.12

1 Refere-se ao que elas pretendem, a sua coerência interna, aos instrumentos e

condições que trazem a realidade, e as interpretações e processos sociais que elas

despertam.

15/04/2014

2

*Objetivos do texto:

*1. o estudo de caso de uma capital modernista construída para

o Brasil;

*2. a questão de como deveria ser um estudo antropológico do

modernismo e do mundo moderno.

*Objetivos da pesquisa:

*1. prover o levantamento etnográfico das consequências que

tiveram as premissas fundadores de Brasília no desenvolvimento

de suas ordens e desordens sociais;

*2. fazer uma análise das motivações e decorrências desses

preceitos de planejamento.

*A Cidade Modernista: 1. Premissas e Paradoxos

*Brasília é provavelmente, sua mais completa realização prática

*A Cidade Modernista: 1. Premissas e Paradoxos

Situa Brasília como um exemplo dos princípios da arquitetura e planejamento

urbano modernista.

A concordância existente entre modernismo e os projetos de ideologia

desenvolvimentista.

“Este ponto é importante sobretudo em países do Terceiro Mundo, onde a

estética modernista exerce fascínio sobre os mais diversos governos,

independentemente de sua orientação política. Para explicar esse

inusitado fascínio, sugiro algumas afinidades entre o

modernismo, enquanto estética de apagamento e reinscrição, e a

modernização enquanto ideologia do desenvolvimento pela qual os

governos, quaisquer que sejam suas tendências políticas, tentam reescrever a

história de seus países.” p.13

Brasília como exemplo de um tipo comum de projeto de desenvolvimento

baseado num paradoxo. Retratando a imagem de um futuro imaginário e

desejado, representou a negação das condições existentes na realidade

brasileira.

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*Antropologia e Modernismo

*Holston dá a sua concepção de modernismo que é caracterizado

como: as vanguardas europeias, isto é, dadaísmo, surrealismo,

construtivismo etc, que surgiram no contexto do capitalismo,

colocando-se contra este e a sociedade burguesa.

*A preocupação é com a constituição de um campo de pesquisa em

que a antropologia possa dar sua contribuição para a crítica da

modernidade.

“minha intenção era tomar o modernismo para além de seu âmbito

usual da arte e da literatura, e de suas interpretações geralmente

internas no campo da crítica especializada, mostrando como ele

termina por se relacionar a determinadas práticas sociais e desse

modo se torna uma força no mundo social.” p.14

*Antropologia e Modernismo

* Ideia subversiva:

*O de que aquilo que se considera como a ordem natural das

pessoas e das coisas não é natural ou dado, mas construído

culturalmente e relativo;

*O de justapor o familiar e o estranho numa descrição sistemática

da diversidade cultural do mundo é erodir os preconceitos do

primeiro, fazendo aumentar o respeito pelo segundo;

*O de que arranjos institucionais diferentes podem preencher

funções similares;

*O de que a cultura, a história e a produção da verdade são

domínios entrecortados por relações de poder;

* Ideias, em suma, que relativizam os fundamentos do “natural” e

do “real” onde quer que exista a pretensão de aponta-los como

tais.

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*Antropologia e Modernismo

*Um dos efeitos sociais do urbanismo modernista é a despolitização

dos que não são planejadores, uma vez que sua organização política

se torna irrelevante, se não inoportuna nas decisões sobre o

desenvolvimento urbano.

*Holston, pretendia em sua análise sobre Brasília, um contradiscurso

teria de demonstrar que o delírio do poder no planejamento global

cria, ele próprio, condições nas quais urbanistas tropeçam e, em

consequência, condições para a sua própria subversão.

*Na arquitetura e no urbanismo, o modernismo começa a se distanciar

das normas e formas de vida burguês, a qual ele tenta subverter

propondo ao mesmo tempo um futuro radicalmente diferente e um

meio para se chegar até ele.

*Antropologia e Modernismo

*A arquitetura modernista pretende ser um movimento internacional

que faz o desenvolvimento nacional avançar ao construir novas

cidades, as quais por sua vez, transformam a vida cotidiana.

*Desafio metodológico para Holston: captar a formação da ordem

social de Brasília, e a estrutura de eventos que se movimentam, com

os processos relacionais no espaço e no tempo, ou seja processos nos

quais as estruturas e valores de cada unidade analítica se definem

num único comprometimento com os processos de unidades cognatas.

*Problema da pesquisa: entender de que modo as pretensões do

modernismo de Brasília estão ligadas a praticas sociais e portanto se

tornam forças do mundo social.

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*Antropologia e Modernismo

*Contexto para os problemas da pesquisa: * 1. aqueles em que Brasília adquiriu legitimidade enquanto empreendimento

nacional, estabelecendo em termos de sua validação e uma comunidade de

especialistas para elaborá-los;

* 2. aqueles nos quais o modernismo se impôs como modelo dominante da cidade

moderna e do desenvolvimento por meio da urbanização;

* 3. aqueles em que as ambições brasileiras encontraram realização num projeto

modernista, vinculando concepções de desenvolvimento próprias do primeiro, do

segundo e do terceiro mundos;

* 4. aqueles em que o sistema de poder político, institucional e econômico

mobilizaram tais ambições para estabelecer algumas restrições estruturais do

projeto.

*Enfim, é importante caracterizar os instrumentos de

mudança e de organização social de Brasília, e como eles

se caracterizam em processos sociais.

*A ideia de Brasília

*Cidade acrópole em meio a uma enorme extensão vazia.

*Distrito Federal:

*5771Km2 no centro do Planalto Central;

*Redor 2 milhoes de Km2 de cerrado;

*Sem variação significante entre 1000 e 1300 m acima do nivel do mar;

*Vasto platô que representa 23% da área do país;

*1980 abrigava apenas 6% da população;

*Densidade populacional média da região inferior a 1 hab/Km2 ;

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*A ideia de Brasília

*A ideia é de uma mitologia do Novo Mundo onde são mobilizados os

elementos religioso, político e econômico. Elementos que estão

presentes no imaginário social desde o século XVII. A fundação de

Brasília como um instrumento de desenvolvimento politico e

econômico.

*Em 1922, uma pedra fundamental foi simbolicamente colocada no

lugar onde hoje existe um cidade satélite.

*Em 1955 a ideia de Brasília passou a fazer parte do programa da

campanha presidencial de JK (meta-síntese, Plano de Metas para o

desenvolvimento do país) e segundo Holston, correspondia às teorias

formuladas na década de 50 pela CEPAL (Comissão Econômica para a

América Latina, órgão da ONU) e o ISEB (Instituto Superior de Estudos

Brasileiros). Quando do anúncio da ideia, muitos se opuseram,

contudo foi criada uma campanha para legitimação combinando

mitologia do Novo Mundo e teoria do desenvolvimento.

*A ideia de Brasília

*Brasília foi concebida para criar um novo tipo de sociedade, todavia

foi habitada por outra, que já havia no Brasil, neste sentido

estabelece-se uma contradição entre o novo e o antigo.

*JK deu prioridade a construção de Brasília, pois argumentava que a

construção da capital daria origem tanto a integração nacional como

ao desenvolvimento regional. Também sustentava que Brasília iria

produzir um novo espaço nacional, marco decisivo do país como uma

grande nação.

*No plano de JK as inovações deveriam criar uma inversão no

desenvolvimento conduzindo o restante do país a empenhar-se nas

inovações trazidas por Brasília.

*Tratava-se de um projeto de colonização em que as intenções dos

eixos de desenvolvimento, os vetores da consolidação politica e os

meios de progresso, ou seja a nação imaginária é representada no

mapa a seguir:

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Distância de Brasília e as capitais dos Estados.

*A ideia de Brasilia

*1056 – decisão de transferir a capital para Brasília anunciada por JK;

*No governo JK foi criada uma verdadeira mitologia acerca da

construção de Brasília, por exemplo, temos a fixação da data de

inauguração cidade, estabelecida em Lei Federal de 01.10.57 como

sendo o dia 21 de abril de 1060;

*Oposição:

* 1. dos céticos quanto a capacidade do governo em construir uma cidade

no meio do nada;

* 2. dúvidas sobre a possibilidade da capital ficar pronta no mandato de JK;

* 3. Projeto era uma loucura do ponto de vista econômico, pois aumentaria

a inflação e perderia do controle.

* 4. O Planalto Central como lugar irreal, habitado no máximo por índios,

assim inadequado para a sede do governo federal;

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* Inauguração da nova Capital : 21

de abril de 1960

*Os instrumentos de mudança

“Os blocos de apartamentos de uma superquadra são todos iguais: a mesma

fachada, a mesma altura, as mesmas facilidades, todos construídos sobre

pilotis, todos dotados de garagem e construídos com o mesmo material, o que

evita a odiosa diferenciação de classes sociais, isto é, todas as famílias vivem

em comum, o alto funcionário público, o médio, o pequeno.

Quanto aos apartamentos, há uns maiores e outros menores em números de

cômodos, que são distribuídos respectivamente, para famílias conforme o

número de dependentes. E por causa de sua distribuição e inexistência de

discriminação de classes sociais, os moradores de uma superquadra são

forçados a viver como que no âmbito de uma grande família, em perfeita

coexistência social, o que redunda em benefício das crianças que vivem,

crescem, brincam e estudam num mesmo ambiente de franca camaradagem,

amizade e saudável formação. [...] E assim é educada, no Planalto, a infância

que construirá o Brasil de amanhã, já que Brasília é o glorioso berço de uma

nova civilização.” (Brasília, 1963 [65-81]: 15 apud Holston, 1993: 28)

Descrição de uma “perfeita coexistencia social”

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*Os instrumentos de mudança

Brasília:

*Premissa utópica: a concepção e a organização de Brasília deveriam

transformar a sociedade brasileira2;

*Discurso utópico: comparação implícita com as condições existentes,

e de sua negação, também implícita.

Resto do Brasil:

Sociedade estratificada em classes sociais;

Acesso aos serviços e equipamentos urbanos é distribuído

diferentemente conforme as classes;

Organização residencial e arquitetura são marcas primárias da

situação social;

2 negada a distribuição desigual de vantagens em função das diferentes classes sociais.

De raça, de emprego, de riqueza e de família.

*Os instrumentos de mudança

Intenções dos planejadores para mudar a sociedade brasileira, baseada

em 5 proposições modernistas para redefinir as funções-chave da vida

urbana:

1. Organizar a cidade em zonas exclusivas e homogêneas, por meio de

tipologia de funções urbanas e formas de construção;

2. Concentrar a função do trabalho em relação aos assentamentos de

dormitórios;

3. Novo tipo de arquitetura e organização residenciais;

4. Criar uma cidade verde, uma cidade no parque;

5. Impor novo sistema de circulação de trafego.

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*A negação da negação

* O desenvolvimento social de Brasília é impulsionado pelas tensões e

contradições entre as duas sociedades: projetada para criar um tipo

de sociedade, no entanto foi construída e habitada por outro

(contradição do que era pretendido):

*Rejeição das intenções desfamiliarizadoras;

*Ausência de congestionamento de trafego;

*Sem agitação nas ruas (vaivém direto entre casa e trabalho)

* Rejeitar a negação dos padrões estabelecidos da vida urbana, os

brasilienses reafirmaram processos sociais e valores culturais que o

desenho urbanístico pretendia construir.

* No Plano Piloto as condições urbanas e as oportunidades de emprego

distinguem-se das existentes nas cidades-satélites.

*A existência de cidades-satélites subverte a intenção dos

planejadores, reproduzindo a distinção entre o centro e a periferia.

*A Cidade Modernista: 2. Utopia Arquitetônica

Brasília uma cidade produto dos CIAM (Congresso Internacional de

Arquitetura Moderna).

De 1928 até meados da década de 1960, os CIAM constituíram o

mais importante fórum internacional de debates sobre a arquitetura

moderna.

Os encontros e as publicações dos CIAM firmaram um consenso

entre os profissionais de todo o mundo a respeito dos problemas

essenciais da arquitetura, dando especial atenção aos da cidade

moderna.

Brasil estava representado nesses congressos desde 1930 por Lucio

Costa e Oscar Niemeyer.

Corporifica em sua forma e organização a premissa de

transformação social dos CIAM, ou seja a arquitetura e o urbanismo

modernos são meios para a criação de novas formas de associação

coletiva, de hábitos pessoais e de vida cotidiana.

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Brasília: exemplo mais completo já construído das doutrinas

arquitetônicas e urbanísticas apresentadas pelos manifestos dos

CIAM.

Carta de Atenas os objetivos do planejamento urbano são definidos

a partir de quatro funções: moradia, trabalho, lazer e circulação.

Posteriormente aumentou para cinco, incluindo um centro público

de atividades administrativas e cívicas.

“O que distingue o zoneamento modernista dos que o precederam

é a ideia de que a vida urbana pode ser entendida, para fins de

planejamento, em termos dessas quatro ou cinco funções, e o que

é mais importante, que estas deveriam ser organizadas em setores

mutuamente excludentes dentro da cidade.” (HOLSTON, 1993: 38)

*O pedigree de Brasília

Lucio Costa, plano piloto de Brasília

Plano Piloto: ilustração perfeita de como o zoneamento dessas funções pode

gerar uma cidade.

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Lucio Costa, croqui em perspectiva de Brasília

Le Corbusier, uma cidade contemporânea para três milhões de

habitantes, croqui em perspectiva

“Correndo de norte a sul, de leste a oeste, formando os dois grandes eixos

da cidade, haverá grandes artérias para o trafego de alta velocidade em um

única direção” (Le Corbusier, 1971: 164 apud Holston, 1993: 38)

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Comparação de Brasília com os projetos de duas cidades ideais de

Le Corbusier:

1. Cidade Contemporânea para três milhões de habitantes de 1922

2. A Cidade Radiosa de 1930.

Similaridades entre ambas e Brasília, tais como:

o cruzamento de vias expressas;

unidade de moradia com aparência e altura uniforme;

agrupadas em superquadras residenciais com jardins e

dependências coletivas;

prédios administrativos, financeiros e comerciais em torno de

um cruzamento central;

zona de recreação rodeando a cidade, etc.

*O pedigree de Brasília

Le Corbusier, uma cidade contemporânea para três milhões de

habitantes, perspectiva, 1992.

“A ‘cidade’ vista da grande via expressa arterial. A esquerda e a

direita, os edifícios administrativos. Ao fundo, os museus e

universidades. Vê-se o conjunto de arranha-céus banhado em luz e

ar” (Le Corbiusier, 1937: 36 apud Holston, 1993:40)

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“Uma rua correndo sozinha ao longo de um grupo recortado de

habitações (seis de dois andares). Os recortes criam uma impressão

arquitetônica única , um eco distante das típicas ‘ruas-corredor’.

Toda janela de cada apartamento (dois de cada lado) dá para o

parque” (Le Corbiusier, 1937: 36 apud Holston, 1993:40)

Le Corbusier, uma cidade contemporânea para três milhões de

habitantes, perspectiva, 1992.

Vista aérea da Asa Sul, Brasília.

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Vista aérea do cruzamento dos Eixos Residencial

e Monumental, Plataforma e Terminal

Rodoviário; e setores de Diversão, em Brasília.

Eixo Monumental, vista do Congresso e da

Esplanada dos Ministérios a partir do Supermo

Tribunal de Justiça na Praça dos Três Poderes,

Brasília.

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Vista dos setores residenciais da Asa Sul, Brasília.

Vista de prédios de apartamentos e playground

da Superquadra 108 Sul, Brasília.

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Vista aérea das Superquadras 308, 307, 108 e

107 da Asa Sul, Brasília.

*O pedigree de Brasília

*Lucio Costa e Oscar Niemeyer são discípulos de Le Corbusier:

*1930 a 1945: analisaram a obra de Le Corbusier e tornaram-na

fundamento da arquitetura moderna no Brasil;

*Conferências de Le Corbusier em São Paulo – 1929 e no Rio de

Janeiro - 1936

Segundo projeto

de Le Corbusier

para o Ministério

da Educação e

Cultura do Rio de

Janeiro, 1936

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*O pedigree de Brasília

*Traz consigo o modernismo soviético com tradição de

arquitetura e urbanismo distinta, mas relacionada com os

CIAM, em função dos objetivos revolucionários.

*Posições sociais e políticas:

*Critica radical da sociedade privada e das relações baseadas no

dinheiro;

*Desenvolvimento de novos tipos de edificações, que os russos

chamavam de “condensadores sociais”;

*Concepção da unidade de habitação como parte dos serviços

públicos;

*Liberação das mulheres frente a servidão doméstica;

*Organização combinada dos prédios de apartamentos e unidades

de vizinhança

*O pedigree de Brasília

*“... Brasília foi planejada por um liberal de centro-esquerda:

*seus prédios foram desenhados por um comunista

*sua construção foi feita por um regime desenvolvimentista

*a cidade consolidou-se sob uma ditadura burocrático-

autoritária, cada qual reivindicando uma afinidade efetiva

com a cidade.” p. 46

*O que revela o sinal invertido do modernismo.

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*O projeto modernista

“Pegue um avião. Voe sobre nossas cidades do século

XIX, sobre aqueles imensos sítios incrustados com fileiras

e fileiras de casas sem coração, marcados por canyons

de ruas sem alma. Olhe para baixo e julgue por si

mesmo. Afirmo que tais coisas são os signos de uma

trágica desnaturalização do trabalho humano. São prova

de que os homens, subjugados pelo titânico crescimento

da máquina, sucumbiram às maquinações de um mundo

impulsionado pelo dinheiro.” (Le Corbusier 1967 [1933]:

341apud Holston, 1993: 47)

*A cidade dos CIAM é concebida como uma cidade da salvação. É

apresentada como um plano para a libertação frente à "trágica

desnaturalização do trabalho humano" produzida nas e pelas

metrópoles da sociedade industrializada.

* De acordo com a doutrina dos CIAM, tal cidade constitui uma

solução para as crises urbana e social atribuídas à dominação

irrefreada dos interesses privados no âmbito público da cidade,

na acumulação da riqueza e no desenvolvimento da indústria.

*Todos os movimentos de vanguarda associados aos CIAM estavam

empenhados na resolução da crise em que o capitalismo

industrial lançou a organização metropolitana e a sociedade das

metrópoles.

*O projeto modernista

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*A partir de 1922, as diversas vanguardas tentaram unificar suas

posições sobre a arte moderna e sobre a metrópole (Tafuri

1976: 95, notas 61, 95).

*Com um internacionalismo que iria ter ramificações políticas,

chegaram a sintetizar teorias como a anarquia dadaísta, a

decomposição construtivista e a ordem do De Stij1 em uma

frente única por meio de manifestos conjuntos, exposições e

convenções.

*produziu uma convergência de posições no que diz respeito ao

novo tipo de cidade.

*O projeto modernista

*O projeto modernista

*Elementos do CIAM:

1) sua base anticapitalista e igualitária

2) seu uso da metáfora da máquina e sua racionalidade totalizadora

3) sua redefinição das funções sociais da organização urbana

4) seu desenvolvimento de tipologias de construção e de convenções

de planejamento como um meio de mudança social

5) sua descontextualização e o determinismo ambiental

6) sua confiança na autoridade estatal para alcançar o planejamento

total

7) suas técnicas de choque

8) sua fusão de arte, política e vida cotidiana.

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*A doutrina dos CIAM atribui a crise metropolitana à interação de dois

fatores:

*Primeiro, aponta o fracasso da tentativa de planejar cidades de

acordo com as exigências e consequências da máquina e da produção

industrial.

*Segundo, ataca a instituição da propriedade privada como o principal

impedimento para um planejamento abrangente.

*Analisando a interação destes dois fatores, os CIAM propunham um

argumento baseado no desenvolvimento histórico das cidades sob o

capitalismo para justificar suas sugestões urbanísticas.

*Considerando o modo pelo qual essas sugestões renegam o contexto

histórico de sua própria aplicação, trata-se sem dúvida de uma

fundamentação contraditória.

*O projeto modernista

*A Carta de Atenas atribui esse desenvolvimento desorientado

ao predomínio dos interesses privados sobre os assuntos

coletivos.

*Na visão dos CIAM (Le Corbusier 1957: art. 72), a causa

secundária e determinante da crise urbana é o controle que os

interesses da propriedade privada exercem sobre o

desenvolvimento da cidade.

*A cidade modernista planejada surge como instrumento de

política governamental com o controle do fluxo e

organização populacional e com a ordenação do espaço

urbano, mas que parte das seguintes pretensões: sua base é

anticapitalista e igualitária e se baseia na confiança na

autoridade estatal como meio de alcançar o planejamento em

conjunção com a arte, com a política e com a vida cotidiana.

*O projeto modernista

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*O urbanismo dos CIAM propunha resolver a crise urbana

do capitalismo adotando os argumentos racionais e

técnicos da legislação relativa à saúde pública, no

contexto de uma estratégia abrangente de obras

públicas e de bom governo.

*Estratégia em direções:

*1. considerando a cidade planificada inteira como um

domínio público empreendido pelo Estado;

*2. propondo distribuir a todos os habitantes os

benefícios da organização coletiva com base em um

amplo plano de urbanização;

*3. nova concepção à estratégia de obras públicas.

*O projeto modernista

*Em correspondência as redefinições, os arquitetos

desenvolveram uma série igualmente revolucionária de

tipos de edifícios e de estruturas urbanas.

*O projeto modernista

Somos contrários a tipos de edifícios pré-revolucionários como o

prédio de apartamentos criado pela especulação imobiliária, a

residência privada, o "clube de aristocratas" etc., todos

produtos de circunstâncias sociais, técnicas e econômicas pré-

revolucionárias, mas apesar disso ainda servindo como modelo

para os edifícios atualmente em construção na URSS:

[propomos, em seu lugar] novos tipos de habitação comunal,

novos tipos de clubes, palácios do trabalho, novas fábricas etc.,

que de fato deveriam ser os condutores e condensadores da

nova cultura. (Kopp 1970: 94)

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*A estratégia modernista da desfamiliarização tem como

objetivo tornar estranha a cidade.

*Consiste na tentativa de impor uma nova ordem urbana

por meio de um conjunto de transformações que negam

as expectativas anteriores a respeito da vida urbana.

*Os modernistas consideravam a cidade capitalista como

algo organizado, social e arquitetonicamente, pelas

discriminações entre o público e o privado, e por um

sistema de distribuição de riqueza, que teria de ser

totalmente modificado.

*O projeto modernista

*Em reação a isto, a nova ordem urbana se baseava em duas

espécies de transformação, uma institucional e outra

arquitetônica.

*1. consiste no deslocamento das instituições tradicionalmente

centradas no domínio privado da organização social - como

propriedade, residência, organização doméstica, educação,

puericultura e saúde - em direção a uma nova esfera pública de

serviços coletivos, residências, associações, clubes e conselhos

administrativos sob a guarda do Estado.

*2. consiste em transformar a natureza da cidade capitalista por

intermédio de tipos de construção, formas urbanas e convenções

arquitetônicas que negam o sistema pelo qual essa distinção é

representada. As paredes de vidro, por exemplo, são uma destas

convenções de desfamiliarização.

*O projeto modernista

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*A Cidade Modernista: 3. As Intenções Ocultas do Projeto

A importância do plano piloto, versão de Lucio Costa (1957) como um

dos documentos mais influentes do urbanismo deste século.

Lucio Costa se inscreveu no concurso do Governo Federal para

planejar a capital federal.

Regulamento:

1. um layout básico da cidade indicando suas principais

estruturas e organização espacial

2. exposição de motivos

3. planejamento agrícola do Distrito Federal

4. Política de recursos naturais;

5. suprimento de agua

6. fontes de energia

7. ocupação e propriedade da terra

8. oportunidades de emprego

Croquis para o Plano Piloto de Lucio Costa

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*A Cidade Modernista: 3. As Intenções Ocultas do Projeto

No plano piloto não havia nenhuma explicação acerca da natureza

radical da arquitetura a ser construída na nova capital e o concurso

estabelecia conforme afirma Holford que se buscava a “ideia

arquitetônica da forma e do caráter da Nova Capital” Cf. p.69

No projeto de Lúcio Costa, não havia nenhuma linha de desenho

técnico, nenhuma maquete, mapas demográficos etc.

Enquanto

que no dos irmãos Roberto era apresentado com várias plantas,

projeções estatísticas, etc.

Com o comentário de Costa que havia gastado apenas 25 cruzeiros, na

compra de papéis para realizar os croquis houve muita desconfiança

quanto ao vitorioso.

*A Mitologia do Projeto *A vinculação entre um projeto urbanístico e um programa de

mudança social é traço básico do planejamento em grande

escala na arquitetura moderna

*1. a arquitetura do plano conscientemente corporifica formas novas e

desejadas de vida social;

*2. relação entre arquitetura e sociedade é concebida de forma

instrumental.

*Paradoxo - Brasília, enquanto plano para uma sociedade

modernista, constitui um projeto oculto:

*Enquanto o plano sugere alguns de seus aspectos, suas asserções

básicas permanecem tácitas;

*Não explica a capital ter uma arquitetura radical em relação a outras

cidades;

*Falta descrição da estrutura social pretendida para Brasília;

*Há poucas indicações de como Brasília seria ocupada ou sobre as

formas de organização social

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*A Cidade Modernista: 3. As Intenções Ocultas do Projeto

“...o plano sugere que a fundação de um capital é um ato

civilizatório.

Dá forma e identidade a um meio geográfico não civilizado (o Planalto

Central), que será dominado e ocupado por uma raça de heróis, os

quais, por sua vez, estão ao mesmo tempo revivendo seu passado:

‘Trata-se de um ato deliberado de posse, de um gesto de sentido

ainda desbravador, nos moldes da tradição colonial’.

Como mito de criação, a construção da capital funciona como um

evento ordenador para uma região inteira e, por extensão, para todo o

país.” (cf. p.74)

É presente a questão de desistoricização: “Para desistoricizar as

origens da cidade, Costa emprega três artifícios retóricos: a origem do

plano é naturalizada (ou seja, apresentada como espontânea),

universalizada (isto é, válida para qualquer lugar) e idealizada (ou

seja, incorporada em formas geométricas ideais).” p.77

*A Agenda Oculta

* Segundo Holston haveria um conjunto de intenções ocultas no Plano Piloto

que derivam das concepções de Lúcio Costa e Oscar Niemeyer quanto ao

papel da arquitetura e do arquiteto e que têm como base a ideologia do

desenvolvimentismo.

*Um exemplo seria a mudança social proporcionada pelas superquadras que

são frutos dos experimentos de moradias coletivas na história da arquitetura

moderna. A padronização das residências no Plano Piloto representa uma

tentativa de transformar a sociedade brasileira por meio do urbanismo

arquitetônico.

* “O ponto chave do internacionalismo modernista era o de que a teoria e

a tecnologia da cidade modernista ofereciam um meio já pronto de salvar o

mundo subdesenvolvido do caos e das iniquidades da revolução industrial

europeia. A salvação exigia que se implementasse uma política nacional de

desenvolvimento urbano no qual as cidades modernistas serviriam como

modelos e os nódulos do desenvolvimento regional. A construção de cidades

novas, sobretudo capitais iria estimular a tecnologia, estabelecer redes de

comunicação, integrar regiões vastas, atrasadas e repletas de recursos

inexplorados, além de organizar coletivamente as relações sociais de modo a

maximizar os benefícios potenciais daquela máquina.” p.89

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*A Agenda Oculta

*Desenvolvimento regional e integração nacional eram temas centrais do plano de governo JK e afirma que existiu uma espécie de consenso entre os arquitetos modernistas e JK.

* Intenções utópicas do empreendimento, porque Brasília não levaria apenas o Brasil Central alcançar os níveis de desenvolvimento do Sudeste, como também todo o país alcançaria o nível de desenvolvimento de Brasília, em função da cidade ser vista como exemplo de desenvolvimento, de engenharia viária, moradia, pesquisa tecnológica, educação, serviços médicos, técnicas de planejamento governamental etc.

*“Brasília era vista como uma inovação em todas as áreas de desenvolvimento, de engenharia viária, moradia, pesquisa tecnológica, educação, serviços médicos, técnicas de planejamento governamental e assim por diante. Em todas essas projeções, Brasília funcionava como um projeto utópico...” (Cf. p.92) JK afirmava que a imagem de Brasília estaria colocada para o futuro.

*As Inversões do Desenvolvimento

em Brasilia *Desenvolvimento social:

*1. a teoria moderna põe em cheque o entendimento comum:

cidades são vistas como os produtos ou artefatos, ou habitat

passivos, de suas sociedades, de modo que alterações na forma

urbana são entendidas como dependentes, em ultima instância, de

mudança na organização social. Invertendo esta visão: a ideia

modernista é a de um exemplo ou enclave, ou cabeça-de-ponte,

ou projeto de mudança irradiador, que cria uma nova sociedade

com base nos valores que motivaram sua concepção arquitetônica.

*2. se os urbanistas pudessem controlar o desenvolvimento social

mediante a implantação de um novo tipo de cidade, acreditava-se

ser possível generalizar essas inovações pelo território nacional e

impelir a sociedade rumo a um futuro planejado.

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*O Centro Exemplar

* Definida como aquele centro de autoridade que espelha,

em sua própria organização social e arquitetônica, a

estrutura do cosmos que por outro lado, transmite essa

estrutura para as área rurais.

*JK entendia que a nova capital, com sua inovações,

espelharia um plano abrangente de desenvolvimento

nacional, que o pais inteiro iria imitar.

*A Arquitetura Social de Niemeyer

* “Em 1955, antes da construção de Brasília, Niemeyer (1980) descreveu a moderna

arquitetura brasileira como tendo de enfrentar o mesmo tipo de contradição que

Lúcio Costa anteriormente havia assinalado: a de que os modernistas brasileiros

estavam, em termos técnicos, capacitados para fazer uma arquitetura que ‘pertencia

logicamente’ a condições políticas, econômicas e sociais ainda não desenvolvidas no

Brasil.” p.95

* Pelo que pude apreender Niemeyer (ver citações p.96), justifica a questão da

integração dos arquitetos no Estado como um forma de inverter o negativa em

positivo. A prática da arquitetura moderna em países do Terceiro Mundo produziria

saltos de desenvolvimento e inovação arquitetônica por meio de uma paradoxal

liberdade de experimentação.

* “Embora seja questionável a sugestão de que, em uma sociedade socialista, o projeto

modernista obteria o sucesso pretendido, a afirmação indica que para Niemeyer

Brasília era justamente esse oásis de desenvolvimento utópico no interior do Brasil.

Assim, quando, Niemeyer (1983) atribui à invasão da sociedade capitalista a posterior

corrupção do oásis, ele está na verdade apontando para o fracasso da imbricação entre

o político e o estético que subjaz à inversão do desenvolvimento que pretendia.” p.100

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*Modernismo e Modernização * “Em que medida Kubitschek esposava ou mesmo reconhecia as intenções

de mudança social de seus arquitetos no planejamento da nova capital? E, se as intenções do governo eram diferentes, ou mesmo opostas, às dos arquitetos neste aspecto básico, por que o governo aceitou o plano piloto modernista e a arquitetura de um notório comunista?” p.100

*“se a ligação de Kubistschek com os arquitetos de Brasília pode ser descrita como uma orquestração de intenções basicamente harmoniosa e ocasionalmente dissonante, esse relacionamento complexo e por vezes contraditório revela por que o governo teria de preferir uma cidade modernista aos princípios barrocos ou neoclássicos de urbanismo e de arquitetura, típicos das capitais dos estados brasileiros. A explicação depende essencialmente, da afinidade entre o modernismo e modernização.”

*Haveria então uma contradição: “A questão a explicar é a de como ‘capitalistas e comunistas’ puderam ver nos mesmos símbolos a expressão de suas ideias. Ou, para formulá-la de outro modo. Por que o modernismo na arquitetura brasileira significa mudança rumo igualitarismo, ao coletivismo e ao socialismo para um grupo, enquanto aponta para o desenvolvimento nacionalista para outro?” p.101

*Modernismo e Modernização

*Como o modernismo era a força inovadora na arquitetura e no

urbanismo, os desenvolvimentistas viram uma afinidade eletiva

entre o design modernista e seu próprio projeto de

modernização. Holston argumenta que a resposta está “na

natureza polissêmica do símbolo arquitetônico, na maneira

pela qual pode possuir vários significados e usos distintos

relacionados entre si.” p.102.

*“...na retórica do desenvolvimento utilizada pelo governo, a

arquitetura era saudada como o símbolo mais visível do

progresso, da industrialização, da independência e da

identidade nacional do Brasil como uma nação em via de se

modernizar.” p. 102

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*A Contrabrincadeira

* A análise de Brasília enquanto instrumento para as inversões

do desenvolvimento sugere a motivação e o efeito pretendido

na tarefa de construir uma cidade modernista em um país de

desenvolvimento como o Brasil: tratava-se de suscitar não

apenas o desenvolvimento regional e nacional que se baseasse

nessas inovações, possibilitando um salto no próprio processo

de desenvolvimento.