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HISTÓRIA DA DISCIPLINA DIDÁTICA GERAL EM UMA ESCOLA DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES: (RE) APROPRIAÇÃO DE DISCURSOS ACADÊMICOS NOS ANOS DE 1980 E 1990 por Josefina Carmen Diaz de Mello Dissertação apresentada à Faculdade de Educação Universidade Federal do Rio de Janeiro Como Requisito Parcial à Obtenção do Título de Mestre Orientadora: Profª Dra Alice Ribeiro Casimiro Lopes Setembro, 2002 SUMÁRIO

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HISTÓRIA DA DISCIPLINA DIDÁTICA GERAL EM UMA

ESCOLA DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES:

(RE) APROPRIAÇÃO DE DISCURSOS ACADÊMICOS

NOS ANOS DE 1980 E 1990

por

Josefina Carmen Diaz de Mello

Dissertação apresentada à Faculdade de Educação

Universidade Federal do Rio de Janeiro

Como Requisito Parcial à Obtenção do Título de Mestre

Orientadora: Profª Dra Alice Ribeiro Casimiro Lopes

Setembro, 2002SUMÁRIO

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INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 08

CAPÍTULO I – HISTÓRIA DAS DISCIPLINAS ESCOLARES................................ 16

1.1 – O campo do currículo ............................................................................ 17

1.1.1 – O conceito de currículo ................................................................. 17

1.1.2 – O currículo como seleção cultural ................................................. 18

1.1.2.1 – O conceito de ‘tradição seletiva’ ....................................... 18

1.1.2.2 – Currículo como Tradição Inventada ................................. 20

1.1.3 – O currículo escrito e o currículo em ação para Ivor Goodson........ 22

1.2 – O Campo da História do Currículo ........................................................ 25

1.3 - A História das Disciplinas Escolares (HDE) ........................................... 28

1.3.1 - Padrões de estabilidade e mudança ...............................................33

1.3.2 – A História das Disciplinas Escolares: André Chervel e Juliá .......... 38

CAPÍTULO II – O HIBRIDISMO NA CONSTITUIÇÃO DE UMA DISCIPLINA

ESCOLAR .................................................................................................................45

2.1 – Hibridismo em tempo de globalizações ................................................... 47

2.2 – O que é Hibridismo? .............................................................................. 52

2.3 – Articulação dessas perspectivas teóricas ................................................. 59

CAPÍTULO III – CAMPO ACADÊMICO DA DIDÁTICA – ALGUMAS REFLEXÕES

............................................................................................................ 62

3.1 – Campo Acadêmico da Didática .............................................................. 63

3.2 – Breve Histórico da Didática no Brasil .................................................... 69

3.2.1 – A ênfase na eficiência social – o tecnicismo .................................. 69

3.2.2 – Perspectivas Críticas – O Movimento da Didática Crítica e os

principais autores brasileiros no campo da Didática .................................................... 78

CAPÍTULO IV – CARACTERIZAÇÃO DA INSTITUIÇÃO CARMELA DUTRA

(ANOS 80 A 90) ........................................................................................................92

4.1 A construção social da vida na escola ........................................................ 95

2

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4.2 – A cultura da escola: seus saberes e suas práticas ..................................... 97

4.3 – Um pouco da história do Colégio Estadual Carmela Dutra .................. 101

4.3.1 – O curso de Formação de Professores de 1ª a 4ª séries ................. 108

4.3.2 – Curso de Estudos Adicionais ............................... ..................... 110

4.3.3 – A estrutura física e funcionamento do Carmela Dutra ............... 110

4.3.4 – Atividades sócio-afetivas da Escola Carmela Dutra .................... 114

4.3.5 – As publicações do Carmela Dutra .............................................. 118

4.3.6 – As linguagens presentes no Carmela Dutra ................................. 121

4.3.7 – A comunidade de Madureira e a Escola Carmela Dutra .............. 122

4.3.8 - O professor, a professora ........................................................... 123

4.3.9 – O professorando do Carmela Dutra .............................................125

CAPÍTULO V – A HISTÓRIA DA DISCIPLINA DIDÁTICA NO COLÉGIO

CARMELA DUTRA ............................................................................................... 129

5.1 – A trajetória da pesquisa ........................................................................ 131

5.2 – Eixos teóricos para análise ................................................................... 137

5.2.1 – A concepção da disciplina Didática na instituição – percepção dos

professores de Didática ............................................................................................ 137

5.2.2 – O currículo escrito da disciplina Didática .................................... 148

5.2.3 – Os padrões de estabilidade e mudança ........................................ 162

5.2.4 – Processos de hibridização na construção da disciplina Didática ...

165

CONCLUSÕES ....................................................................................................... 172

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 177

LISTA DE ANEXOS ................................................................................................183

3

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“Tudo o que era guardado a chave,

permanecia novo por mais tempo ...

mas meu propósito não era

conservar o novo e sim,

renovar o velho”

(Walter Benjamim)

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AGRADECIMENTOS

À minha orientadora, Alice Ribeiro Casimiro Lopes, pela atenção, competência,

segurança e apoio carinhoso, sempre presentes em sua atitude e que tanto estímulo nos

proporcionou na longa caminhada de elaboração dessa dissertação.

Aos meus professores do curso de Mestrado da UFRJ, especialmente, Ana

Canen e Antônio Flávio Barbosa Moreira, aos quais devo, de alguma forma, o

aprendizado de muito do que foi construído nesta dissertação.

Às companheiras de pesquisa do NEC (Núcleo de Estudos de Currículo), Maria

Margarida Gomes, Rosanne Evangelista Dias e Rozana Gomes de Abreu, sempre

presentes e interlocutoras de minhas idéias, pelo estímulo e sugestões valiosas que

clarificaram a redação do texto de minha dissertação.

À companheira, Ângela Maria de Oliveira, pela força, pelas conversas, pela

atenta revisão do resumo em inglês.

À Rosária Maria de Castilhos Saraiva, amiga sempre presente, pelo incentivo,

pelas trocas nas quais um projeto comum se destaca nas nossas falas – o de educar.

À equipe do Colégio Carmela Dutra, nas pessoas do seu diretor, professor

Geraldo Ribeiro, da sua diretora-adjunta, professora Leiza, da sua Coordenadora da

Equipe de Didática, professora Maria Teresa Colatino e da sua Coordenadora Geral de

Estágio Supervisionado, professora Alice do Nascimento Ancelmo – pela ilimitada e

afetuosa disponibilidade e atenção dispensadas a esta pesquisadora, tornando este

trabalho possível de ser realizado.

A todas as professoras de Didática Geral do Colégio Carmela Dutra pelas

valiosas informações, carinho e atenção dispensados, sem os quais não seria possível

vencer essa etapa da nossa pesquisa.

À minha família, especialmente, minha mãe Laura, meus filhos Nilo Rafael e

Nilo Felipe, meu marido Nilo, pelo incentivo e compreensão de muitas de minhas

ausências, em prol deste trabalho.

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RESUMO

Esta pesquisa investiga o currículo escrito da disciplina Didática Geral numa

escola pública de formação de professores dos anos de 1980 e 1990, numa perspectiva

sócio-histórica, procurando entender os discursos acadêmicos presentes na construção

dessa disciplina na instituição pesquisada. Examinamos que a reapropriação das

contribuições teóricas das perspectivas da Escola Nova, do tecnicismo e da pedagogia

crítica nos documentos e nas falas dos professores entrevistados, aparecem de forma

hibridizada. Para essa análise, tomamos como referência a perspectiva teórica de

hibridismo de Canclini, com interpretações de Beatriz Sarlo e o discurso sobre currículo

como construção social e a História das Disciplinas Escolares, segundo Ivor Goodson e

André Chervel. Procuramos demonstrar que os objetivos, conteúdos e discursos dos

sujeitos, não só se apropriam das diferentes perspectivas teóricas de currículo da época,

como também apresentam novas configurações dessas perspectivas, ressignificando

práticas e fins sociais que correspondem à cultura organizacional da instituição.

Palavras – chave:

CURRÍCULO COMO CONSTRUÇÃO SOCIAL – DIDÁTICA – ESCOLA DE

FORMAÇÃO DE PROFESSORES – DISCURSO HIBRIDIZADO

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ABSTRACT

This research investigates the written curriculum of the discipline “Didatics” in

a state teacher education school according to the social historical perspective in the

decade 1980s and 1990s. We examine the academic discourses in the construction of

the discipline. We support the argument that the appropriation of the theoretical

contribution of the “New School” perspectives, the technicism and the critical

pedagogy in the documents and in the speech of the interviewed teachers appear in a

hybridized way. We take as a basis for the analysis the theoretical perspective of

hybridism from Canclini and Beatriz Sarlo and the discourses about the curriculum as

social construction and the study of school subjects from Ivor Goodson and André

Chervel. We demonstrate that the objectives, the contents and the subjects’ discourses,

not only appropriate the different theoretical perspectives of the curriculum in course,

but also present new configurations of the perspectives redesigning practices and social

purposes which correspond to the organizational culture of the institution.

Key – Words:

CURRICULUM AS SOCIAL CONSTRUCTION – DIDATICS – TEACHER

EDUCATION SCHOOL – HYBRIDIZED DISCOURSE

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I – INTRODUÇÃO

A novidade deste passado vem da possibilidadede poder encontrá-lo, a partir de chaves

com as quais desejamos abrir o futuro. As imagenstrazidas até nós são revificadas (...) As chaves com as quais desejo

reabrir o passado estão carregadas de sonhos, de projetos quefazem do presente um terreno para um alto investimento.1

Todo trabalho de pesquisa tem uma história que explica a forma como o objeto

de estudo foi construído, com suas lacunas e contribuições. Nossa pesquisa e o seu

resultado não fogem a esse pensamento. Em vários momentos, os caminhos que

percorremos, os espaços em que estivemos presentes nesse trabalho estiveram sujeitos a

determinações que, muitas vezes, fugiram da nossa vontade como pesquisadores. Muito

do que vimos, coletamos, conversamos, selecionamos já foram antes inscritos na nossa

história social, cultural e profissional.

Sendo professora de Didática, sobretudo de Didática Geral, e trabalhando com

formação de professores desde meados da década de 80, vivenciamos os impasses, as

críticas, a polêmica em torno do campo da Didática. A questão da formação de

professores quase que esgotou a crítica em todos os sentidos e direções do conteúdo das

disciplinas pedagógicas que licenciam o aluno para dar aula. Dentro delas, a disciplina

Didática Geral foi alvo de discussões nessas duas últimas décadas. Chegou-se mesmo a

questionar sua identidade e a propor-lhe outro(s) objeto(s) de estudo, tal o hiato que os

programas dessa disciplina passaram a incluir.

É nessa tendência que os profissionais da área de Didática Geral têm se

dedicado a rever o trabalho em sala de aula, seus estudos e o papel da Didática Geral na

Formação de Professores. Nesse nosso percurso de tentar definir nosso objeto de

trabalho, nos deparamos com o interesse latente por um estudo mais detalhado sobre o

impacto que a disciplina Didática Geral poderia ainda estar causando nos cursos que

formam professores. Lembramo-nos que na última década, ao iniciar nossos cursos de

Didática Geral, passamos a incluir no nosso planejamento, uma avaliação diagnóstica

na qual estávamos interessados em saber dos futuros mestres suas expectativas quanto a

1 LINHARES, Célia. “Caminhos de medo e esperança”. In: LINHARES, C. & NUNES, C. Trajetórias de Magistério: Memórias e Lutas pela reinvenção da Escola Pública. RJ:Quartet Ed., 2000:23.

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essa disciplina. A cada início desse curso ficava evidente o alto grau de expectativa

desses alunos quanto ao possível “milagre” a que essa disciplina se destinava: ensinar a

dar aula ou ajudar o professor a transmitir os conhecimentos – essas eram as sínteses

da maior parte das respostas. Sentíamos, ao longo desses anos e à frente da Didática

Geral, como era difícil desmitificar esse imaginário. Nos dias atuais, como ainda pensar

que a Didática Geral vai dar conta de toda essa perplexidade, insegurança e desafios

cotidianos a que somos submetidos com nossos alunos, trazendo para a sala de aula

culturas e saberes tão diferentes dos nossos, professores?

Esses e outros questionamentos já então nos inquietavam para um posterior

estudo: por que a Didática Geral tomou a forma que tem hoje nos cursos que formam

professores? Será que o processo de construção e reconstrução da disciplina Didática

Geral, num dado estabelecimento de ensino, acontece de forma diferente? Como essa

disciplina lidou, reinterpretou as perspectivas escolanovistas, tecnicistas e críticas dos

anos 70 e 80? Que mecanismos a instituição utilizou para manter esta ou aquela forma

de trabalhar a Didática Geral no seu currículo? Qual é a “cara” dessa Didática hoje no

currículo dessa instituição? Ou seja, em que medida o conteúdo mais crítico dessa

disciplina repercute na formação de um professor também mais crítico? Como o grupo

de professores “dialogou” com essas perspectivas presentes nesse período? Como isso

tem-se evidenciado no currículo escrito da instituição?

Estas foram as questões que nos moveram inicialmente. Resolvemos, então,

voltar no tempo, mergulhar no passado e procurar entender até que ponto o

conhecimento do passado ainda faz parte do presente que nos afeta e que, para Nunes

(1992), como educadores, voltar na história faz dela, nesse percurso, não só nossa

mestra, mas também nossa própria vida.

Investigar a história da disciplina escolar Didática Geral numa instituição de

ensino, numa perspectiva histórica, permite, a nosso ver, o entendimento dos processos

de pensamento, de conflitos, de organização e de ação de que ela se apropriou para

definir a prática curricular, considerando o contexto social vivido. O levantamento

histórico das propostas de ensino, dos guias curriculares de uma disciplina, dos

conhecimentos incluídos e excluídos que indicam a tendência para uma direção ou

outra, aliado aos processos de hibridização2 presentes no seu discurso, possibilita o

2 Para Canclini (1998), pelos processos de hibridização, os discursos perdem suas marcas originais e novas coleções são formadas. A hibridização pressupõe não apenas a mistura difusa de discursos e práticas, mas sua tradução e recontextualização.

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entendimento da função que a disciplina escolar desempenha ou desempenhou na

construção social do conhecimento e da sua própria história na instituição.

Identificamos, assim, a disciplina escolar como um processo social que se constrói por

intermédio de lutas e conflitos, no qual diferentes concepções, ideologias, tradições

entram em conflito fazendo com que certos conteúdos se incorporem à prática

pedagógica, porque são reconhecidos como socialmente válidos. Por outro lado, outros

conhecimentos são excluídos, desconsiderados, por não entendê-los como válidos.

Neste trabalho não buscamos avaliar se esta ou aquela forma como a disciplina

se configurou na instituição é certa ou errada, ou que deveria ou não ser feita. O

trabalho se concentrou na compreensão da lógica do processo de construção da

disciplina escolar, em relação às discussões que envolveram a sua construção no campo

acadêmico, buscando entender o processo de apropriação dos discursos do campo

acadêmico da Didática Geral pela escola. Há muitos trabalhos e pesquisas no campo da

Didática Geral com enfoque em se saber como o campo da Didática se constituiu.

Porém, muito poucos ou quase raros entraram numa escola para estudar a construção

dessa disciplina no contexto institucional.

Salientamos, assim, como objetivo central, reconstruir a história da disciplina

escolar Didática Geral numa instituição de ensino, entendendo essa disciplina como

(re)apropriando, de forma híbrida, os discursos acadêmicos da Didática. Procuramos

entender a disciplina escolar como uma produção híbrida da instituição escolar. Como

período de investigação, escolhemos o período dos anos de 1980 a 1990.

Articulamos, assim, dois eixos teóricos: História do Currículo (HC) e das

Disciplinas Escolares (HDE) e os processos de hibridização da cultura. Em segundo

plano, procuramos manter certo diálogo com os estudos sobre instituições escolares,

visando caracterizar a instituição investigada como um espaço próprio de constituição

da disciplina..

Dentre os estudos de história das disciplinas escolares, dialogamos com Ivor

Goodson, André Chervel e Dominique Juliá. Na análise dos processos de hibridização

da cultura, trabalhamos com Canclini, Dussel, Tiramonti e Birgin. Na análise das

instituições escolares, nos debruçamos sobre autores como Nóvoa e Canário.

Partimos, assim, do princípio teórico de que o currículo escrito não é neutro e

que, apesar de o currículo escrito, pré-ativo ter força sobre o currículo em ação,

precisamos reconhecer que, novos processos tendem a se construir e reconstruir no

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contexto escolar. Não desconsideramos, com essa afirmativa, as influências que esse

currículo escrito exerce sobre a definição dos caminhos da disciplina para a atuação na

sala de aula, assim como os critérios que apontaram a seleção dos conteúdos. Investigar

a construção social do currículo, tanto na sua prescrição quanto na sua interação torna-

se, assim, importante. O currículo escrito e o currículo em ação dependem, portanto, do

contexto social em que o conhecimento é concebido. Consideramos, portanto, que a

história do currículo não é linear e que a disciplina não é monolítica. Ou seja, cada

disciplina tem uma história relacionada com o contexto, necessidades e fins sociais de

um momento histórico vivido e que foram considerados por determinados

conhecimentos construídos para esses fins sociais maiores que, então, foram exigidos

nesse tempo.

Decidimos investigar a história da disciplina Didática no Colégio Estadual

Carmela Dutra, na zona norte do município do Rio de Janeiro. A escolha se deu pelo

fato de que nossa história como professora-pesquisadora esteve ligada a essa instituição

de alguma forma. Temos livre acesso à escola por já ter feito outra pesquisa nesse

Colégio e também por trabalhar com alguns professores desse estabelecimento em outra

instituição.

Nesse sentido, tanto o currículo escrito (formal) em forma de propostas,

manuais ou guias curriculares constituíram um importante documento de análise e,

principalmente, o Manual do professor e o Manual do aluno, resoluções, exercícios e

provas dos alunos na disciplina,caderno de planos, caderno de aluno, recurso didático

utilizado pelo professor de Didática Geral (transparências) e livros usados na época –

permitiram o estudo da prática e construção da disciplina na instituição pesquisada.

Buscamos argumentar assim que, todo esse processo de (re)apropriação desses

discursos não se fez de forma neutra. Consideramos que a disciplina escolar Didática

Geral é uma produção híbrida na instituição pesquisada, tendo percorrido, no seu

interior, um caminho marcado por interesses, ideologias, conflitos que se originaram

dentro e fora do espaço escolar. As lideranças, os recursos, o prestígio, as tradições, a

cultura e o clima organizacional da instituição são algumas das questões que

interferiram nessa construção da disciplina no Colégio.

No nosso estudo foi bastante significativa a representatividade dos sujeitos que

viveram a história da Didática na instituição, no período demarcado. Thompson (apud

Louro, 1991) referencia o critério “idade” dizendo que esse critério pode permitir uma

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reconstituição histórica mais rica. Ele afirma que as pessoas mais velhas em geral

mostram-se mais dispostas a falar de fatos pouco louváveis de sua vida passada do que

na época em que os viveram. Ou seja, entrevistamos os professores mais antigos e que

permaneceram há mais tempo na instituição por conta de que viveram, vivenciaram,

lutaram frente aos conflitos e disputas no interior da instituição. Esses dados são

importantes porque consideramos que o problema da representatividade numa pesquisa

oral sobre o passado é relevante.

O período dos anos 80 foi por nós considerado como o mais significativo para

tratar do objeto de nosso estudo porque foi o período de confronto entre os ideários

“tradicional” e “crítico”. Com base nessa premissa, selecionamos, principalmente, o

Manual do Professor de 1980, para nossa análise.

Tínhamos em mãos uma entrevista semi-estruturada, mas nos propusemos a

fazer também um trabalho apoiado em história de vida, por exemplo, ressaltando os

testemunhos das cinco ex-alunas do Colégio que lá voltaram como professoras de

Didática. Trabalhamos com a análise das informações obtidas e sua comparação com

outras fontes documentais, a fim de obter um grau maior de fidedignidade para os

propósitos da pesquisa.

Assim, a partir da explicitação do caminho percorrido, procuramos indicar como

se realizou o trabalho de campo. Este não se desenvolveu em etapas rígidas, isto é,

durante o tempo de permanência no Colégio o nosso referencial de análise foi sendo re-

elaborado, reavaliado e refletido sobre o “evidente”, como já assinalamos. Reiteramos

que, o fato de se ter penetrado numa situação real e de se ter como objeto de estudo a

disciplina Didática Geral, nos fez voltar na nossa própria história de vida como

professora dessa disciplina durante dezoito anos, até a presente data. Naturalmente que

isso nos levou a um envolvimento com os sujeitos pesquisados.

Esse envolvimento, longe de comprometer a objetividade, foi para nós fator

fundamental para o conhecimento de determinadas forças existentes na realidade

escolar, na cultura organizacional da instituição, que talvez não pudéssemos desvendá-

las, caso fosse mantida uma postura de suposta neutralidade frente ao grupo estudado.

Aceitamos essa situação, às vezes ambígua, às vezes muito familiar, como inerente ao

nosso trabalho. De um lado, o que nos impulsionava era a busca do conhecimento

respaldado sobre uma teoria, os referenciais de análise, a objetividade, a isenção. De

outro lado, existia (e existe ainda latente) a nossa história de vida, as nossas

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representações, os nossos “conceitos” a cruzarem o processo de análise.

Nesse sentido, queremos expressar o fato de que, certamente, não demos conta

do que acreditávamos poder analisar, mas nossa preocupação foi estarmos atentos a

alguns pressupostos assumidos, como por exemplo, o fato de que a metodologia não

pode ser, simplesmente, reduzida aos procedimentos técnicos de levantamento de

dados, mas revela a postura política do pesquisador diante do objeto a ser investigado.

Na verdade, o que sentimos ao partirmos para nossas análises é a certeza de que

o processo de produzir conhecimento é rico e construtivo porque nos impulsiona a

descobrir onde se “esconde” a nossa sensibilidade para captar a realidade ou parte dela.

Esse processo nos obriga a refletir e rever nossa postura diante da educação, nossos

preconceitos, nossas contradições, nossa “verdades”. Enfim, nos faz visualizar que essa

realidade vivida e observada é multifacetada, sendo impossível conhecê-la por inteiro.

Na nossa análise consideramos como questões para o estudo: a visão dos

professores entrevistados no que se refere à posição e status da disciplina Didática

Geral no currículo da instituição. Queríamos saber: Qual a concepção da disciplina

Didática no currículo da instituição, na percepção dos professores que vivenciaram a

sua construção na instituição? A segunda questão envolveu o currículo escrito da

disciplina Didática Geral, no sentido de se entender que conteúdos foram considerados

mais relevantes e os que foram excluídos, no período histórico demarcado da pesquisa.

Nossa terceira questão focou os padrões de estabilidade presentes na instituição que

mantiveram ou modificaram o status da disciplina no currículo desse Colégio. Como

quarta questão, consideramos a necessidade de compreender os processos de

hibridização que permearam os discursos dessa disciplina, ao longo desse tempo, na

instituição.

Organizamos o trabalho da seguinte maneira: no primeiro capítulo explicitamos

como o conhecimento da História do Currículo e das Disciplinas Escolares pode nos

ajudar a entender o currículo escrito da disciplina Didática Geral, como essa disciplina

se constrói na instituição, explicando como os conhecimentos selecionados nessa

disciplina se transformam no que realmente são, descrevendo os mecanismos sociais

que permeiam essa construção.

No segundo capítulo, focalizamos o processo de hibridização presente na

constituição da disciplina, procurando entender as conseqüências pedagógicas para a

definição de sua identidade no currículo da instituição, tanto na forma, quanto no

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conteúdo. As questões teóricas sobre hibridismo são importantes nesse estudo na

medida em que nos ajudaram a compreender o currículo de Didática não só como um

híbrido de conteúdos diversos da área de Didática pertencentes a perspectivas teóricas

também diversas, como também possibilitou identificar os processos de hibridização

presentes nos diferentes discursos oficiais: MEC, SEE (Secretaria Estadual de

Educação) e que chegam à instituição escolar via direção e supervisão pedagógica.

No terceiro capítulo, realizamos algumas reflexões sobre o campo acadêmico da

Didática no Brasil, focalizando pistas através de autores brasileiros, a fim de entender

as relações entre a Didática como disciplina escolar na instituição e a Didática no

campo acadêmico. No quarto capítulo, realizamos um breve histórico do Colégio

Estadual Carmela Dutra dos anos 70 a 90, utilizando como fonte histórica,

principalmente, o documento “Escola Normal Carmela Dutra – Breve história” (1995)

de autoria da professora Izabel Klausner. Nesse capítulo focalizamos a cultura

organizacional da escola relacionando-a com a documentação e interpretações feitas

pela escola, triangulando com testemunhos de professores que viveram na época.

No quinto capítulo, procuramos traçar a história da disciplina Didática Geral no

Carmela Dutra traçando um paralelo entre a Didática proposta nos anos 80, a que foi

construída no período demarcado e a atual, mostrando como essa Didática aí se

constituiu e que rumo tomou. Explicitamos a metodologia utilizada na pesquisa, os

procedimentos de seleção do material, escrito e oral, as categorias do estudo, assim

como os critérios utilizados na seleção dos profissionais entrevistados. Analisamos,

ainda, os documentos coletados, cruzando com as falas e histórias de vida dos sujeitos.

As conclusões referentes ao processo pelo qual a disciplina escolar Didática

Geral foi construída na instituição foram focalizadas nas conclusões, analisando-se os

discursos acadêmicos que foram (re)apropriados pela disciplina no colégio, assim como

os processos e mecanismos presentes que influenciaram na escolha por determinado

discurso que hoje se configura na definição e prática dessa disciplina no currículo da

instituição.

Assim, objetivamos com este trabalho, construir mais um caminho de

possibilidades para as futuras pesquisas em História das Disciplinas Escolares, numa

instituição específica de ensino. Precisamos estar apaixonados e preparados para viver

essa aventura de mergulhar nos arquivos, descobrir fontes ainda não exploradas e, às

vezes, renunciar à estabilidade teórica, não no sentido de abandonar a teoria, mas no

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sentido de não perder a dimensão do que é fundamental na nossa leitura, a compreensão

da teoria e a essência da evidência com que trabalhamos.

CAPÍTULO I

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HISTÓRIA DAS DISCIPLINAS ESCOLARES

O passado é inacabado, no sentido de queo futuro o utiliza de inúmeras maneiras.

Daí a possibilidade, e para nós exigência, de que cadageração reescreva a ou as histórias daqueles que a antecederam.3

A perspectiva sócio-histórica que assumimos neste trabalho, com a intenção de

explicar as transformações ocorridas na disciplina escolar Didática numa instituição

escolar específica, foi apontada pelos autores de “Knowledge and Control: new

directions for the Sociology of Education”, obra organizada e editada por Michael

Young, em 1971. Essa importante obra foi o marco inicial da corrente que ficou

conhecida como a nova sociologia da educação (NSE), a primeira corrente sociológica

voltada para a discussão do currículo. A NSE coloca em questão o porquê de

determinado conhecimento ter sido selecionado para ser transmitido na escola.

Apesar de algumas diferenças de enfoque dos autores de K & C, a idéia de

conhecimento como construção social e relativa é comum entre os autores dessa obra.

O artigo específico de Young nos indica que o que conta para a NSE não é saber qual

conhecimento é verdadeiro ou falso, mas sim saber o que conta como conhecimento.

Esse texto tem como foco central o conhecimento escolar entendido como socialmente

construído.

Foi a partir das questões que a NSE levantou, que os programas de pesquisa

sobre conhecimento escolar passaram a valorizar a investigação histórica e os estudos

das disciplinas escolares. O projeto da NSE apontava para a necessidade de novas

pesquisas com o propósito de se examinar como as disciplinas são socialmente

construídas, mas não chegou a ser desenvolvido à época da sua criação. Young (1977)

já sinalizava para a escassez de estudos empíricos que explicitavam suas idéias e a de

seus seguidores, afirmando que essa lacuna poderia ser preenchida por estudos

históricos. Por intermédio desses estudos seria possível encaminhar a investigação para

o entendimento de que formas de conhecimento privilegiadas foram sendo construídas

ao longo do tempo, quais as que foram refutadas e do porquê de certos fatores

3 NUNES, Clarice. História da Educação: Espaço do Desejo. In: EM ABERTO. Brasília: Inep, março1991, pp.37 – 45.

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interagirem no sistema escolar, influenciando-o mais para uma direção e não, para

outra. Sinalizou-se, então, que os estudos de currículo, enquanto realizados por

historiadores da educação, não privilegiavam o enfoque curricular da problemática.

A partir dessas idéias, objetivamos neste capítulo, situar a origem dos estudos de

currículo e neste, a História das Disciplinas Escolares. Discutiremos o conceito de

currículo, de currículo escrito, “pré-ativo” na concepção de Goodson (1995), a

concepção de disciplina, a diferença entre disciplina acadêmica e disciplina escolar. A

seguir, salientamos o currículo como seleção cultural (Williams, 1961), o conceito de

tradição seletiva e o currículo como tradição inventada (Hobsbawn, 1985), o currículo

em ação para Goodson, o campo da História do Currículo e a posição da História das

Disciplinas Escolares nesse campo, com base nos estudos de Goodson (1995, 1997) e

Chervel (1990).

Finalmente, para entender esse processo de construção de determinado currículo

e legitimação de uma dada disciplina desse currículo, focalizamos fatores internos e

externos à escola que acabam por neutralizar, resistir, estabilizar ou provocar formas de

mudança no currículo: padrões de estabilidade e mudança. Sugerimos, ao final,

contribuições teóricas da HDE para a pesquisa por nós desenvolvida.

1.1 - O campo do Currículo

1.1.1 – O conceito de currículo

A fonte mais antiga de “curriculum” provém de Glasgow, em 1633 e segundo

o Oxford English Dictionary. Goodson (1995:31) cita Hamilton, relacionando a idéia

de currículo à de disciplina e que seria proveniente do calvinismo, com origem em

1509: “... o senso de disciplina ou ordem estrutural absorvido no currículo procedeu

não tanto de fontes clássicas quanto das idéias do John Calvin”. Para Goodson

(1995:32), a palavra currículo viria da palavra latina Scurrere, correr e refere-se a

curso (ou carro de corrida). Assim, o conceito de currículo como seqüência

estruturada ou “disciplina” teria sua origem no calvinismo: “o currículo como

disciplina aliava-se a uma ordem social onde ‘os eleitos’ recebiam um prospecto de

educação avançada, e os demais recebiam um currículo mais conservador” (ibid).

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Ele faz, assim, uma primeira relação entre conhecimento e controle e que

funcionaria em dois níveis: o do contexto social e da “forma” com que este

conhecimento é interpretado. Com a institucionalização do currículo e o sistema de

sala de aula surge a matéria escolar. A “classe e o currículo” se transformam em

“sala de aula” e “matéria escolar”.

Desde sua introdução no campo pedagógico, a palavra currículo ganhou

várias definições (Santos e Paraizo. Hoje ainda existem múltiplos significados que

lhe são atribuídos. Para Santos & Moreira (1995:47): “Conhecimento escolar e

experiência de aprendizagem representam os dois sentidos mais usuais da palavra

currículo, desde a incorporação desse termo ao vocabulário pedagógico”.

O que estuda o campo do currículo? Para Forquin (1993:22), currículo é

fundamentalmente “... um conjunto contínuo de situações de aprendizagem

(“learning experiences”) às quais um indivíduo vê-se exposto ao longo de um dado

período, no contexto de uma instituição de educação formal.” Taylor e Richards

(1979:11) situam que o currículo “é o meio pelo qual o ensino se cumpre. Sem um

currículo o ensino não teria veículo nenhum através do qual transmitir suas

mensagens, encaminhar suas significações, transmitir seus valores.” Para Williams

(1984), o currículo é definido como o produto de uma seleção no interior da cultura.

Isso corresponde a um conjunto de ênfases e omissões que expressam o que se tem

como válido e legitimado de ser ensinado na instituição escolar, num determinado

período histórico. Ou seja, entendemos que o currículo nessa perspectiva, não pode

ser considerado como neutro ou à parte dos sujeitos que o criam.

1.1.2 – O currículo como seleção cultural

1.1.2.1 – O conceito de ‘tradição seletiva’

Raymond Williams (1961) desenvolve o conceito de ‘seleção cultural’ como

‘tese’ original de suas pesquisas em história da cultura. Ele conclui que a cultura da

tradição seletiva é um elemento de conexão entre cultura vivida (cultura de uma época

e de um lugar determinado) e a cultura de um período (cultura de todo tipo). Primeiro,

ele defende que toda educação realiza uma combinação entre coisas que se enfatizam e

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outras que se omitem. A cultura seria, nesse sentido, o objeto de e para a seleção. Ao

mesmo tempo, ele diz que corresponde a escolhas culturais fundamentais e, como tal,

passa a ser o instrumento gerador dessas mesmas escolhas. Estaria presente, portanto, a

ambivalência desse conceito: “seleção na cultura e seleção em função da cultura”.

Nesse processo, Williams (ibid) questiona a lógica de condução da memória coletiva

que permite ao homem conservar vivos certos aspectos da herança do passado. Essa

“cultura documentária” seria limitada pela “estrutura da sensibilidade” característica de

um lugar e de um tempo e que, na realidade, é o que se transmite entre os grupos

sociais.

O que acontece é que alguns aspectos dessa cultura do passado estariam ‘vivos’

no presente e ainda carregados de sentido. Apesar dos anos passarem, (re)interpretações

são feitas das conexões da cultura vivida (e que só é acessível a quem vive esta época e

lugar no momento) e da que se tem de períodos anteriores registrados. Esse fenômeno

passaria pelo processo de “tradição seletiva”, que possibilita descobrir as memórias

dessa cultura que ficaram registradas. Trata-se de um processo que não é realizado

exclusivamente pela educação, mas ela tem papel significativo nesse processo. Para

Williams (ibid.), o conteúdo da educação, que se modifica ao longo do tempo, é fruto

de escolhas sociais. A cultura que ficou mostra que a palavra ‘seletiva’ é mais

significativa que a ‘tradição’. A ‘tradição’ seria o passado relevante e a ‘seletiva’

indicaria “a forma em que, de todo um campo possível de passado e presente,

escolhem-se como importantes determinados significados e práticas, ao passo que

outros são negligenciados e excluídos.” (Gramsci, citado por Apple, 1982:15). A

‘tradição’ seria, portanto, inventada, construída, reconstruída. Não, necessariamente, o

que foi selecionado é o melhor, se pensarmos que quando analisamos o passado

estamos interpretando o presente e o questionamento parte de: quem seleciona essa

cultura? Para quem ela é selecionada?

A partir do conceito de “tradição seletiva” é que se interpreta a seleção da

cultura e isso não depende só da motivação intrínseca dos envolvidos. Estão presentes

nesse processo, relações de força ‘vivas’ no presente e/ou movimentos de opinião que

acabam por prevalecer e que determinam esse “processo contínuo de seleção e re-

seleção dos ancestrais.” (Williams, 1961:52).

Ou seja, a tradição cultural “não é só seleção, é também interpretação” (Forquin,

1993:34). Para Apple (1989), não está definido quem faz essa seleção cultural para o

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currículo escolar, porque o currículo é produto de lutas contínuas, de acordos, de

conflitos e alianças.

Sendo assim, a cultura ou o conhecimento dominante hegemônico não nos é

imposto autoritariamente. Eles são incorporados ideologicamente como algo de muito

valor e que resultou dessas lutas ao longo do tempo. Logo, não são tão facilmente

desconstruídos. Considera-se, na verdade, a elaboração do currículo como um processo

que inventa tradição já que, com freqüência, emprega-se esta linguagem quando se

justapõem ‘disciplinas tradicionais’ ou ‘matérias tradicionais’ contra inovações cujos

temas estejam integrados ou centralizados na criança. Passamos a discutir a visão de

currículo como ‘tradição inventada’.

1.1.2.2 – Currículo como Tradição Inventada

O termo ‘tradição’, tal como é usado atualmente, é na verdade um produto dos

últimos duzentos anos na Europa, pois não existia a noção geral de tradição nos tempos

medievais. (Giddens, 2000). Para esse autor, a idéia de que a tradição é impermeável à

mudança é um mito. Ela evolui ao longo do tempo, mas pode ser alterada ou

transformada de maneira bem repentina. Para Giddens (ibid:51): “ uma tradição

completamente pura não existe.” Todas as tradições são inventadas. Além disso, para

ser tradicional, uma determinada prática não precisa ter existido por séculos. A

persistência ao longo do tempo não é o que define precisamente a tradição. O ritual e a

repetição, sim. As tradições são sempre propriedades de grupos ou comunidades que

compartilham crenças e sentimentos coletivos estruturados no presente pelo próprio

passado dessas mesmas comunidades. Hobsbawn (1985) em mostra que muitas formas

de comportamento que tendemos a acreditar que são provenientes de tempos

imemoriais foram, de fato, estabelecidas recentemente. Goodson (1995:78) referindo-se

a Hobsbawn diz que “a elaboração do currículo pode ser considerada um processo pelo

qual se inventa teradição.” Para Hobsbawn (1985:01):

Tradição inventada significa um conjunto de práticas e ritos: práticas

normalmente regidas por normas expressas ou tacitamente aceitas; ritos ou

natureza simbólica - que procuram fazer circular certos valores e normas de

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comportamento mediante repetição, que automaticamente implica em

continuidade com o passado. De fato, com um passado histórico apropriado.

Ou seja, tradições e costumes inventados não são genuínos, são fabricados,

construídos, reconstruídos e usados como meios de poder. Por exemplo, reis, sacerdotes

e outros vêm há muito inventando tradições que lhes convenham e que legitimem sua

posição superior. Goodson exemplifica, nesse sentido, o currículo escolar como

“invenção de tradição” (1995:27). As prioridades políticas e sociais são predominantes,

nesse sentido.

O currículo como “tradição inventada” não é algo que se considere como pronto

de uma vez por todas. Como tradição ele define um tipo de verdade – ele fornece uma

estrutura para a ação que pode até permanecer por muito tempo sem ser questionada.

Determinada seleção de conhecimentos pode até vir beneficiando, ao longo do tempo,

determinados grupos dominantes. Isso ocorre por ser o currículo acadêmico abstrato,

livresco, fragmentado, hierarquizado e centrado mais no desempenho escrito do que no

oral.

Para Lopes (1997), qualquer conhecimento hoje sofreu inegavelmente esse

processo de seleção, passando pelo crivo de gerações e gerações. Trata-se de uma

seleção mascarada por interesses de determinados grupos sociais permeados por

relações de poder em determinado contexto. Está, assim, implícito o caráter humano

dessa cultura. Concordamos com a idéia de que esse processo de seleção não é filtrado

apenas por conhecimentos eruditos ou científicos. Esse processo é fruto de origens e

reconstruções diversas. Se considerarmos que a elaboração de um currículo pode ser

vista como um processo que inventa tradição, a história dos conflitos curriculares do

passado precisa, portanto, ser retomada. Com ela, a relação oriunda entre conhecimento

e controle na forma simbólica das disciplinas escolares.

Existe uma certa tendência a considerar as disciplinas como definitivas no

currículo, sem se considerar todo o processo histórico no qual se constrói uma

disciplina ao longo do tempo. Tende-se a naturalizá-las, sem sequer se questionar os

processos de seleção cultural responsáveis por sua inclusão no currículo.

A noção de conteúdo do currículo está sempre visível nesse processo. Falar em

conteúdo é se reportar à disciplina e vice-versa. Concordamos com Goodson (1997:23)

quando, ao se referir a Williams, destaca a sua preocupação com a construção social

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dos conteúdos específicos. Na verdade o termo ‘currículo’ está fortemente vinculado à

idéia de ‘conteúdo a ser apresentado para fim de estudo’.

Goodson (ibid) relata que a origem da palavra ‘currículo’ surgiu com a palavra

‘classe’ e na época em que a escolarização estava se tornando uma atividade de massa,

quando, então, inaugurou o currículo prescrito e seqüenciado em níveis ou estágios. Foi

a partir daí que a idéia de disciplina surge denotando uma relação homóloga com

‘currículo’. Pensar em conteúdos é pensar em disciplinas, é pensar em currículo, mas

não é só pensar em se deter na descrição estática do passado. É também compreender

porque essas disciplinas, esses conteúdos, esse currículo se organiza desta ou daquela

forma, com esta ou aquela forma de ensinar.

Entender essa lógica é ponto de partida para a possibilidade de se entender que

formas o currículo toma na prática e por que essa ou aquela forma é vista, ou não, como

válida. Passamos, assim, à discussão do currículo na sua forma escrita e do currículo em

ação.

1.1.3 – O currículo escrito e o currículo em ação para Ivor Goodson

Goodson (1995:17) afirma que há conflitos em torno da definição de currículo

escrito e que esses conflitos mostram

(...) uma prova visível, pública e autêntica da luta constante que envolve as

aspirações e objetivos da escolarização(...) O currículo escrito não passa de um

testemunho visível, público e sujeito a mudanças, uma lógica que se escolhe para,

mediante sua retórica, legitimar uma escolarização... o currículo escrito estabelece a

lógica e a retórica da matéria(...) o que aparece é apenas o aspecto mais tangível(...)

Goodson, assim, valoriza a idéia de currículo pré-ativo (currículo como matéria

de ensino) e de currículo escrito. O currículo escrito, na sua forma pré-ativa, oferece um

roteiro que legitima seu discurso a tal ponto que ele fica vinculado à padronização de

recursos, à atribuição de status, à padronização de exames e interesses de carreira. O

entendimento dos conflitos em torno dessa definição pré-ativa de currículo escrito pode

ajudar a entender melhor que, essa definição pré-ativa não só é constitutiva da própria

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construção de currículo, como também podemos compreender até que ponto essa

definição aponta para determinados valores e objetivos que tendem a estabelecer

“...parâmetros para a ação e negociação interativa no ambiente da sala de aula e da

própria escola.” (Goodson, 1995:21)

A distinção entre currículo escrito e currículo em ação não pode ser, portanto,

ignorada. O currículo escrito é algo a ser ressaltado e defendido num determinado

período e contexto histórico-social. É o currículo planejado e que expressa as intenções

da escolarização. O currículo escrito, em confronto com interesses e conflitos, pode se

efetivar ou não, em currículo em ação. Para Goodson (ibid:32), a relação que se

estabelece entre conhecimento e controle na definição de currículo funciona em dois

níveis: “Em primeiro lugar, existe o contexto social em que o conhecimento é

concebido e produzido. Em segundo lugar, existe a forma em que este mesmo

conhecimento é ‘traduzido’ para uso em ambiente educacional particular ... as salas de

aula.”

Dessa visão, entende-se que, às vezes, as perspectivas defendidas, tanto no nível

macro quanto no micro de um sistema de ensino, embora não sejam opostas, se inter-

relacionam. O que se viabiliza no campo curricular é um certo distanciamento entre o

que se pretende e o que realmente acontece em sala de aula.

Sendo assim, tanto o currículo formal quanto o currículo em ação precisam ser

investigados. O importante para se estudar o currículo formal (proposta de disciplinas

com seus planejamentos, os guias curriculares, os projetos políticos-pedagógicos) é

enfatizarmos a necessidade da história social desse currículo, procurando entender a

época em que ele aconteceu, que ligações foram feitas com o contexto social da época e

que lhe deram um determinado ‘tom’. Estudar essa perspectiva de currículo não pode

ser com os olhos de hoje. Esse ‘tom’, essa proposta cultural, precisa ser entendida

dentro do recorte histórico em que ela se manifestou, no diálogo que ela fez com a

cultura do seu tempo. Investigar essas contingências, a partir da análise histórica, é uma

forma de se identificar os ‘jogos de interesses’ a que esse currículo foi submetido. Ao

invés disso, ignorar a história e a construção social favorecerá a “... mistificação e

reprodução do currículo tradicional, tanto na forma como no conteúdo.” (Goodson,

1995:27)

No que se refere ao currículo real, o currículo em ação, temos a realidade de que

nem sempre as escolas aceitam ou reproduzem passivamente os discursos ditados pelos

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órgãos oficiais ou pelas escolas de formação. Vemos sempre esses discursos

caminhando em diferentes direções, ainda que influenciados por instâncias externas à

escola. A cultura própria das escolas, as tradições, as propostas tendem a não se

concretizar da forma que foram pensadas. Esses discursos se imbricam, se

interpenetram na prática das instituições e acabam sendo ‘contaminados’ pela cultura

escolar, pela sua rotina, pelo seu cotidiano. Acabam se tornando diferentes daquilo que

se idealizou à princípio. Vão se tornando produtos ‘híbridos’4. Até chegar a essa nova

forma, os discursos passam por lutas entre grupos interessados em novas formas de

organização. Por outro lado, esses mesmos grupos resistem a mudanças que possam

desviar de seus valores, crenças, interesses e privilégios até então conquistados no seu

meio. A construção, desenvolvimento e integração dos enfoques citados possibilitam a

apreensão da estrutura e ação no estudo do currículo e, ao se desenvolver uma

perspectiva construcionista social, se assume abandonar o enfoque único posto sobre

currículo como prescrição e que a estrutura e a ação podem ser associados ao

conhecimento de currículo. Ou seja, conhecimento e currículo precisam ser

apresentados como provisórios e passíveis de construção. A definição pré-ativa de

currículo parece estabelecer dois significados para o currículo: no currículo escrito

existem critérios, intenções que acabam por atender a uma avaliação pública da

escolarização e que seria externa ao conhecedor. Ao mesmo tempo, acabamos por criar

novas formas ao interpretarmos, ao darmos sentido com nossas ações a essa definição

pré-ativa. O currículo, portanto, não tem uma história linear, causal e, igualmente, não

pode ser entendido apenas como conceituação formulada pelo macro-sistema. É preciso

abordar as (re)elaborações no âmbito micro educacional combinadas com as propostas

macro-sociais, (re)interpretando-as a partir da análise do cotidiano da instituição

escolar. Este foco é importante neste estudo porque as instituições escolares possuem,

conforme já sinalizamos aqui, uma cultura que lhes é própria, composta pela interseção

de diferentes culturas que ‘convivem’ no espaço escolar.

Goodson (1987:03) destaca, nessa linha de reflexão, a importância de se

considerar nessa análise de currículo, os níveis macro e micro porque:

(...)Concentrar a atenção no micronível de grupos ligados a alguma

matéria de alguma escola, não é negar a importância fundamental das

4 Essa questão de “hibrido” e hibridismo será desenvolvida no capítulo II.

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mudanças econômicas de macronível ou das mudanças de idéias intelectuais,

dos valores dominantes ou dos sistemas educacionais.

Por conseguinte, é importante associar a importância do caráter histórico-social

deste estudo em todos os níveis: no pré-ativo, no interativo e, em todas os níveis, tanto

no micro quanto no macro. Essa conexão não só melhora o entendimento da política

curricular, como também nos alerta para o fato de que não se deve abandonar os

estudos sobre prescrição como formulação social. Pelo contrário, é importante

visualizar o aspecto histórico do currículo, tanto na sua prescrição quanto na sua

interação. Ao situarmos o campo da História do Currículo nesse estudo, estaremos

coletando subsídios para esse entendimento.

1.2- O campo da História do Currículo (HC)

Durante muito tempo, os autores ligados à área do currículo tentaram definir o

que seria o campo de atuação da História do Currículo. A própria forma de expressão

desse campo traz diversas interpretações entre duas temáticas: a história e o currículo.

Goodson (1988) defende que os estudos históricos não dão conta da

compreensão do currículo no cotidiano escolar. Os estudos no campo da HC têm se

realizado considerando algumas temáticas centrais como: história do pensamento

curricular, história de reformas e propostas curriculares, história dos currículos de

cursos específicos e História das Disciplinas Escolares (HDE).

No primeiro tema, temos Barry Franklin (1991) que defende uma perspectiva de

especificidade da HC em relação à história da educação: a história do pensamento

curricular e do desenvolvimento das teorias curriculares, programas e métodos.

Segundo esse autor, essas temáticas são pertinentes ao campo da história da educação.

Para Franklin (1991), a HC seria similar à história da medicina, da psicologia ou da

sociologia. Autores como Dewey, Bobbit, Tyler e Kliebard analisam diferentes

confrontos, avanços e hiatos (lacunas) do pensamento curricular ao longo do tempo,

visto que essa linha é o ramo da HC que mais se desenvolveu nos Estados Unidos pelos

estudos feitos por esses autores.

Na segunda linha de estudos, Franklin desenvolveu estudos que relacionavam a

história do pensamento curricular à análise da implementação de reformas curriculares.

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O autor procurou entender como se articulava no pensamento dos autores do

movimento da eficiência social, a idéia de controle social. Ele agregou à essa análise da

penetração desse pensamento aos efeitos provocados pelas reformas curriculares nos

sistemas de ensino. Esse segundo núcleo que integra a história do pensamento

curricular com o estudo da implementação de reformas curriculares em sistemas de

ensino também é bastante desenvolvido por autores americanos.

Já na linha que se preocupa com a história dos currículos em curso, situamos

Popkewitz (1993) com a preocupação em analisar os discursos educativos, as formas

como o currículo constrói identidades e subjetividades, desconstruindo relações com o

poder. Nessa perspectiva, os estudos partem da investigação no nível micro, em estudos

de caso, possibilitando a compreensão dos elementos fundantes que orientaram

determinados caminhos percorridos pelo currículo em ação.

Autores como Davis (1976) e Franklin (1977) polemizam quanto ao objeto de

estudo da História do Currículo. Davis defende que o objeto de estudo da área de

História de Currículo deveria ser a evolução de um curso ou de uma disciplina escolar.

Franklin contesta esse enfoque, afirmando que o objeto currículo é dotado de uma

dinâmica que os trabalhos feitos pela História da Educação (enfoques voltados para a

evolução das grades curriculares, programas e métodos) não chegam a captar e ainda

considera História do Currículo apenas a história do pensamento curricular e do

desenvolvimento das teorias curriculares.

Essa especificidade do campo da História do Currículo vem a ser melhor

definida por Kliebard (1992). Esse autor e Franklin acabam abandonando a polêmica

sobre a distinção entre História da Educação e do Currículo, opinando que a maneira

mais construtiva de ajudar a reformular os problemas da área com base na História,

passa pela postura de se considerar a História do Currículo numa perspectiva crítica e

não, necessariamente de que a História do Currículo simplesmente aponte soluções

práticas imediatas para problemas específicos na área.

Para Franklin, os praticantes da História do Currículo deveriam ser indivíduos

cujo treinamento básico seja em currículo e não, historiadores educacionais que

aconteceram de estar interessados na natureza de um curso dentro das escolas. Ele vê “a

história do currículo como uma especialidade do campo do currículo, distinta da

história da educação” (In: Goodson, 1998:17). Em direção contrária a Franklin, Chervel

(1990) e Goodson (1998), autores de estudos sócio-históricos, focalizam que a história

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do currículo busca compreender como e por que determinado conhecimento é ensinado,

ou não, em dado momento histórico. Toda essa discussão sobre currículo interessa neste

estudo na medida em que consideramos que entender a história de uma disciplina

escolar numa instituição específica demanda entender, em grande parte, o seu currículo

e a lógica através da qual os fatos se constituíram na instituição pesquisada.

Consideramos, portanto, que a história do currículo compreende não só a história do

pensamento curricular, mas também a própria história do ensino de uma disciplina

relacionada ao desenvolvimento curricular.

Nos anos oitenta, os estudos focalizando a HDE ganharam ênfase,

principalmente nos Estados Unidos e Europa. Esses estudos têm procurado

compreender a diferente valorização das disciplinas escolares no currículo. Goodson,

como um dos principais historiadores das disciplinas, tem buscado integrar em seus

trabalhos as conclusões de outros autores do campo. Interessa a esse autor, entender

como determinadas áreas de conhecimento são transformadas em disciplinas escolares

e o processo pelo qual uma disciplina muda seu enfoque ao longo do tempo.

Goodson (1997:26) aponta que os estudos sobre as disciplinas escolares

avançam “... no sentido de examinar a relação entre o conteúdo e a forma da disciplina

escolar, e de analisar as questões da prática e dos processos escolares.”. Ou seja, essas

orientações apontam para uma abordagem mais ampla no que se refere ao estudo das

disciplinas escolares e do currículo.

Neste trabalho focalizamos, essencialmente, questões que envolvem a ‘seleção’

(como? por que tal conhecimento foi selecionado?) da disciplina Didática do curso de

formação de professores numa instituição e a posição, o status dessa disciplina no

currículo do curso. Os estudos de Goodson não contemplam uma instituição específica,

mas ele sugere que, à medida que a investigação for explorando a forma como a

disciplina escolar se relaciona com os parâmetros da prática escolar, passa a ser

necessário empreender mais investigações sobre “... a caixa negra do currículo escolar”

(ibid:93).

Na verdade, a disciplina escolar cria um ethos no qual a história das forças

sociais que oficializa e apóia os padrões curriculares, pode ser estudada e analisada.

Podemos, portanto, considerar que os currículos escolares de determinada instituição

escolar partem do pressuposto de que certas áreas do conhecimento são mais válidas e

legítimas que outras. Segundo Goodson (1990:32), as opções feitas passam por uma

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lógica processual “onde grupos dominantes indeterminados exercem controle sobre

grupos presumivelmente subordinados na definição do conhecimento escolar.” Apesar

de a escola ter autonomia relativa na definição do currículo da instituição, ela resiste,

luta quando percebe que está havendo um afastamento de valores, crenças e, até,

privilégios dos grupos que têm voz no interior da instituição. Desse modo, haverá

sempre um determinado grupo buscando formas de fazer com que ela predomine. O que

temos de comum e que tem persistido ao longo do tempo na HC é que “... a organização

disciplinar é a que tem sido hegemônica na história do currículo.” (Lopes & Macedo,

1999:01). Passamos a seguir, a discutir o significado e âmbito da HDE.

1.3 – A História das Disciplinas Escolares

Ivor Goodson e colaboradores têm discutido a questão das mudanças sofridas

pelas disciplinas escolares e sua relação com determinados fatores ligados ao contexto

social. Muitos ainda consideram que as matérias ou disciplinas escolares são estáveis ao

longo do tempo. Na verdade, sob uma mesma denominação, diferentes conteúdos vão

sendo ensinados nesse período.

Ao investigarmos os caminhos percorridos pelas disciplinas, Goodson

(1990:230) cita sugestão feita em 1968 por Musgrove – as matérias escolares devem ser

examinadas “... tanto dentro da escola quanto na nação em geral, como sistemas sociais

sustentados por redes de comunicação por recursos materiais e por ideologias.” Ele

ressalta ainda que, no interior de uma determinada instituição escolar ou na própria

sociedade, faz-se necessário examinar as matérias escolares como comunidades de

pessoas que ora compartilham, ora competem entre si, criando-lhes um senso de

identidade que lhes é própria.

Para Moreira (2000)5, a história das disciplinas tem sido bem trabalhada aqui no

Brasil. Especialistas têm procurado entender o rumo das diferentes disciplinas. Por

exemplo, o que levou em determinado momento, a Matemática a voltar-se mais para a

chamada Matemática Moderna e, mais tarde, voltar-se para a tradicional. Ou o que

5 Entrevista feita com o professor Antônio Flávio Barbosa Moreira ao Jornal do Brasil, publicada no caderno Educação e Trabalho, do dia 22/10/2000.

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levou a uma Geografia mais física e o que levou, depois, a uma Geografia mais

econômica. A compreensão dos fatores que interferem nisso é muito importante.

Desse modo, a origem de uma determinada disciplina não segue os mesmos

padrões do nascimento de outras. A forma como se estabelecem está em constante

transformação e variação, visto que é produto da união de diferenciados grupos, unidos

por interesses e tradições comuns. Ivor Goodson tenta entender como as disciplinas não

são monolíticas, são espaços de tensão, de conflitos, de disputas por hegemonia.

Segundo esse autor, uma disciplina surge no currículo, a princípio, para responder a

uma necessidade social de imediata de existência e, para que ganhe prestígio, vai

buscando um caminho, uma tradição mais acadêmica, abstrata, mais distanciada do

cotidiano, da realidade. Há sempre nesse caminho de criação, recriação e valorização

das disciplinas, conflitos e lutas por financiamentos, recursos, prestígio de

determinados grupos, lideranças e interesses políticos.

Se observarmos disciplinas como Ciências, o caminho é um pouco esse. Para

Goodson (1995:114) ela surge para explicar o cotidiano e “... as experiências dos alunos

sobre natureza, ambiente familiar, vida e ocupações do dia a dia... a ciência das coisas

comuns dava, na prática, bons resultados com os alunos”. Depois, ao se estabelecer o

tipo mais adequado de educação científica para as classes superiores, a ciência foi para

as classes superiores e a ciência foi excluída do currículo elementar. Quase vinte anos

depois, reapareceu no currículo muito diferente da ciência das coisas comuns. Como

matéria escolar ela foi redefinida, tornando-se mais pura, mais abstrata. Passou a se

aproximar, então, do que se ensina na universidade e, assim, tornou-se mais complexa.

Inversamente para Goodson (1990:249), o estabelecimento da Geografia “foi um

processo prolongado, doloroso e ferozmente contestado não é uma história da tradução

de uma disciplina acadêmica, planejada por grupos ‘dominantes’ ”.

A história da disciplina Geografia apresenta um processo inverso ao que ocorre

com outras disciplinas porque foi nas escolas elementares que ela “... foi rapidamente

vista como fornecendo possibilidades utilitárias e pedagógicas na educação de crianças

da classe operária”, até que anos mais tarde, “... a ‘geografia elementar’ foi adicionada

à lista principal de ‘matérias de aula ‘ a serem objeto de exame das Escolas

Elementares” (Goodson, 1990:237). As razões que levaram essa disciplina a entrar no

currículo foram portanto, muito mais por questões sociais do que lógicas.

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Entendemos, portanto, que cada disciplina tem uma história relacionada com as

necessidades de um momento vivido e o seu estabelecimento está em constante

dinamismo, pois é união de diferenciados grupos, unidos por interesses e tradições

comuns. A lógica processual é assumir inicialmente uma necessidade social de

existência para, num movimento posterior, legitimar-se como uma tradição acadêmica.

O modelo desenvolvido por Layton é ponto de partida para que possamos

entender o dinamismo constante por que passa uma disciplina. No primeiro estágio,

Layton mostra a disciplina Ciências que, ao entrar no currículo, se justificou por

argumentos como a utilidade na resolução de problemas práticos de vida e pela

pertinência.

No segundo estágio, Layton explica que um corpo de especialistas treinados na

área orientam a seleção e organização da disciplina Ciências na direção da lógica

interna da disciplina, afastando-se diretamente dos interesses dos alunos. O fator

‘utilidade’, que deu origem a essa disciplina ficou em segundo plano.

No terceiro estágio, a disciplina passa a contar com um corpo de profissionais

capacitados para definir o campo da disciplina em função de valores, regras e critérios

que direcionam a seleção e organização dos conteúdos. A seleção e organização do

conhecimento passa, portanto, a ser definida pelo grupo de pesquisadores do campo.

Esse modelo de Layton tem-se mostrado útil para o estudo das disciplinas

escolares, no sentido de que aponta para um movimento mais geral e constante e a que

Goodson se refere: uma disciplina no currículo, no caminho de sua legitimação, segue

uma lógica processual que vai de uma necessidade inicial mais pedagógica e utilitária

para uma tradição mais acadêmica. Surgiu, assim, uma Ciência ligada à elite

universitária: o conceito de “ciência laboratorial pura”. Essa versão foi definida nas

universidades. Para Goodson (1995:61) surge, assim, uma “ciência que estava em

harmonia com a ordem social.”. Ou seja, a disciplina mudou de um ensino prático para

um ensino mais acadêmico.

Goodson (1983:03), no campo da história das disciplinas, cita o modelo de

Layton e desenvolve, assim, três hipóteses para que se possa entender a evolução de

uma matéria no currículo. São elas: a) as disciplinas não são entidades monolíticas, mas

sim constantemente mutáveis, resultantes de amálgamas de subgrupos e tradições.

Esses grupos, dentro da própria disciplina, influenciam e mudam fronteiras e

prioridades; b) durante o processo, a consolidação de uma disciplina no currículo segue

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o caminho de uma tradição pedagógica utilitária para uma tradição mais acadêmica; c)

as disciplinas escolares envolvem conflitos e lutas por status, espaços, recursos e

interesses.

As próprias disciplinas mostram que em diferentes momentos da sua construção,

elas sofrem, em sua forma e conteúdo, mudanças que diferenciam um currículo de

outro. Essa diferenciação é legado de uma longa tradição e reflete, também, a divisão

entre trabalho manual e intelectual. Essa organização em disciplinas tem sido

hegemônica na história do currículo e essa divisão aponta para uma maior valorização

de disciplinas acadêmicas, no lugar das que se consideram úteis.

O estabelecimento de uma determinada disciplina estaria, portanto, em

constante movimento porque o que parece unir os sujeitos afins envolvidos é um

projeto comum existencial. A seguir, esse projeto acaba por legitimar-se como uma

tradição acadêmica. A distância entre sua origem e o produto finalizado é percorrida

por lutas e conflitos, negociações por financiamentos e até interesses políticos.

Concordamos com Lopes & Macedo (2002:75) quando consideram que uma

disciplina escolar não é simplesmente uma ‘tradução’ de um corpo de conhecimentos

legitimados para o âmbito escolar. Essas autoras defendem que as disciplinas escolares

diferem das disciplinas de referência (científicas ou acadêmicas), “... embora possam

fazer parte de um mesmo mecanismo simbólico por meio do qual são reduzidos, por um

lado, os objetivos sociais da educação, por outro, as finalidades do conhecimento”.

A disciplina escolar, assim como a disciplina científica e a acadêmica são

construídas social e politicamente. A disciplina escolar, foco do nosso estudo, seria a

concretização de objetivos sociais previamente considerados e tem história própria.

Podemos inferir que a disciplina aparece tão forte como escolar em função da

disciplinarização6 que atua como mecanismo de controle, de espaço, de horário, de tudo

o que ocupa tempo e espaço na grade escolar. Lopes & Macedo (ibid:80) consideram,

ainda, que as disciplinas escolares “... respondem a objetivos sociais da educação,

segundo rumos de institucionalização próprios”. Elas argumentam que a tentativa de se

integrar um conjunto de disciplinas, por meio de temas, acabam por desconstruir a

identidade entre disciplina científica e disciplina escolar.

6 Sobre o processo de disciplinarização ver LOPES, A. R. C. Conhecimento escolar: ciência e cotidiano. RJ: Editora UERJ, 1999.

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Na escola, a disciplina não é obrigatoriamente igual à disciplina acadêmica.

Para Lopes (1996:69), além de se considerar que o contexto escolar é muito diferente

do contexto universitário e que “... a tradução de uma disciplina universitária em

matéria escolar exige considerável adaptação., ainda temos presentes, segundo Lopes

(1999, 2001), os processos de disciplinarização, de transposição didática e de

recontextualização para entendermos essa transformação. A autora complementa ainda,

que há matérias escolares que dificilmente podem ser chamadas de disciplinas e até não

fazem qualquer interligação de sua disciplina-base ou até não têm essa disciplina-base.

É esse exatamente o caso da Geografia aqui citado e o caso, no Brasil, de EPB (Estudos

de Problemas Brasileiros) e de Moral e Cívica que surgiram como disciplinas e não

correspondem a nenhum campo científico. Lopes & Macedo (1999) citam outros

exemplos de disciplinas escolares sem referência nas disciplinas científicas. Nesse caso,

segundo as autoras, “... são estabelecidos objetos de ensino próprios às disciplinas

escolares, tais como ‘Educação Sexual’, ‘Educação para o Trânsito’, ‘Educação e

Sociedade’, que se constituem como integrações de diferentes especificações científicas

ou não”.

A compreensão do processo de construção e implementação de determinado

currículo depende, portanto, de algumas considerações a serem feitas a fatores externos

e internos à instituição escolar que, de uma forma ou outra mantêm o sistema educativo

a funcionar, fornecendo parâmetros “... e talvez, de fato, ‘coerções’ para os que estão

envolvidos na construção e promoção das disciplinas escolares” (Goodson, 1997:44).

Estamos nos referindo aos padrões de estabilidade e mudança, processos presentes na

construção das disciplinas escolares.

1.3.1– Padrões de estabilidade e mudanças curriculares

No que se refere aos padrões de estabilidade e mudança curriculares, precisamos

investigar os aspectos internos e externos que caminham paralelamente à construção da

disciplina. Existem prioridades sociais e políticas, diferentes expectativas e tratamento

de membros de comunidades disciplinares (Goodson, 1997) e que exercem na prática

diferentes valores, papéis, interesses e identidades. Goodson se refere à comunidade

disciplinar não como um grupo homogêneo, mas como um movimento social que se

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desenvolve nos períodos em que se intensifica o conflito e discussão sobre currículo.

Assim, as escolas tanto refletem, como se afastam das definições do currículo oficial.

Não basta somente entender que lógica norteia os critérios de seleção e organização dos

conteúdos de uma disciplina no currículo. Precisamos também considerar que existem

outras lógicas de organização curricular que caminham paralelas a esses critérios – a

própria organização disciplinar do currículo na qual as disciplinas são vistas como

ocupando um espaço e tempo revelam um ‘determinado’ modelo escolar que

sacramentou, ao longo do tempo, “... certas permanências estruturais na organização do

ensino e do currículo” (Goodson, citado por Nóvoa, 1997:11). Nesse sentido, podemos

dizer que o currículo é estável.

A manutenção e consagração simbólica das disciplinas escolares no currículo

seria um dos elementos a que Goodson (1997) se refere como “padrões de

estabilidade”. Embora essa organização por disciplinas seja criticada no sentido de que

essa forma de organização não abarca os fins sociais, ainda assim ela é amplamente

aceita. Nesse aspecto, a disciplina escolar tem sido considerada mais no sentido de um

campo de saber delimitado, igualando-se à disciplina científica. O controle estatal, as

prioridades sociais e políticas, as intenções de manutenção ou ruptura com uma

determinada cultura no interior de um sistema de ensino, são alguns dos aspectos que

impõem uma retórica que tanto se aproxima no sentido de reproduzir o sistema vigente,

quanto se afasta em direção à transformação.

Sob essa perspectiva, concordamos com Lopes & Macedo (2002:83), “... a

disciplina escolar é uma instituição social necessária...”. Na realidade, podemos

considerar que esse não é um esquema neutro e burocrático de controle de ensino, mas

um esquema de conservação e estabilidade. Os fatores internos ideológicos remetem a

uma ideologia cultural que se revela por intermédio do clima institucional e que nem

sempre são acompanhados pelas mudanças organizacionais. Goodson (1997:4)

argumenta que “A estruturação do ensino em disciplinas representa, simultaneamente,

uma fragmentação e uma internalização das lutas pela estatização da educação”. A

legitimação das disciplinas “... como a base dos currículos do ensino secundário é,

talvez, o princípio mais bem sucedido na história da ação curricular.” (ibidem). Ou seja,

as disciplinas são, talvez, a maior invenção da estabilidade curricular a que nos estamos

referindo e Goodson considera que há pouca probabilidade de haver inovações reais na

matriz disciplinar dos currículos escolares a curto prazo.

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Entendemos, assim, que apesar dos discursos defendendo a articulação

horizontal ou vertical de conteúdos e de ser verdade que existe uma forte predisposição

da presença da matriz disciplinar no currículo de uma instituição, essas mesmas

disciplinas escolares não são estáveis. No cotidiano, os sujeitos envolvidos não

percebem que a disciplina se transforma, varia, ao longo do tempo, tanto no conteúdo,

quanto na sua forma. Para Goodson (1997:29), “quando o ‘interno’ e o ‘externo’ estão

em conflito (ou dessincronizados), a mudança tende a ser gradual ou efêmera. Uma vez

que a harmonização simultânea é difícil, a estabilidade ou conservação curricular é

comum.” e a “... mudança organizacional tem de ser acompanhada de uma mudança

institucional, de modo a assegurar a ‘mudança fundamental’” (Goodson, 1997:31).

Goodson (1997:28) cita a classificação feita por John Meyer da divergência que

haveria, nesse caso, entre as “categorias institucionais” e as “mudanças

organizacionais”. Isto significa que, se a mudança um determinado nível não acontece

(ou é mal sucedida), então a mudança do outro nível poderá ser inadequada, mal

sucedida ou efêmera.

Meyer se reporta ao “institucional” como ligado à “ideologia cultural” e que é

confrontado com o “organizacional”. O “institucional” estaria associado a níveis de

ensino, tipos de escola, funções educacionais e tópicos curriculares. O “organizacional”

está “protegido dentro de estruturas únicas e tangíveis, como as escolas e as salas de

aula.” (Meyer, apud Goodson, 1997:28). Sendo assim, é improvável que a mudança

organizacional, sem apoio no nível institucional, venha a se modificar mesmo a longo

prazo.

Goodson se refere à questão do interno e externo referendando o que John

Meyer (In: Goodson, 1997:27-28) caracteriza como categorias presentes no campo da

educação: institucionais e organizacionais. A disciplina se situa no ponto de interseção

dessas duas forças mencionadas: internas e externas, práticas institucionalizadas e

organizacionais. Os fatores internos como os próprios alunos, professores, a equipe

técnico-administrativa-pedagógica, a própria estrutura física e organizacional da

instituição escolar acabam por funcionar, na maior parte das vezes , como um forte

mecanismo interno de estabilidade curricular. Em função do limite desses fatores que

acabam sendo impostos, os sujeitos sociais tendem a naturalizar essa situação,

ignorando todo o processo histórico-social que envolve o conhecimento e o sentido de

sua própria formação. A divisão do plano de curso de acordo com o nível escolar, a

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divisão dos horários pelas diferentes disciplinas nas grades curriculares, o regulamento

e marcação do cronograma de exames e promoções, as próprias instruções e orientações

do Manuais Escolares consagram a já referida fragmentação e uma internalização das

lutas pela estatização da educação.(Goodson, 1997:34).

Santos (1990:21), ao abordar o tema, sinaliza o fato de que os estudos e

pesquisas na área da história das disciplinas escolares representam uma reação a

estudos que se baseiam em teorias que consideram, em suas análises dos fenômenos

educacionais, somente a estrutura econômica, política e social. Desconsideram fatores

internos como o surgimento de novos grupos de liderança intelectual, de grupos

acadêmicos de prestígio na formação de profissionais, entre outros. O que acontece,

dentro de um determinado sistema de ensino, orienta-se, muitas vezes, por caminhos

ditados por interesses de determinados grupos, ora por interesses financeiros da

instituição, ora por conhecimentos de interesse particular dos profissionais que detêm

determinados cargos de chefia.

Como fatores externos responsáveis pela estabilidade do currículo consideramos

os interesses científicos, políticos e profissionais das comunidades curriculares, os

objetivos e a função social da escola, as políticas e reformas governamentais, os exames

nacionais e o próprio livro didático.

Dessa forma, entendemos que o argumento de Goodson (1997) se baseia na

idéia de que o sistema foi assim concebido para assegurar a estabilidade e dissimular as

relações de poder que sustentam o conjunto de ações curriculares. Logo, investigar os

padrões de estabilidade no currículo de uma instituição permite-nos compreender não

só a trajetória da disciplina, como também os fins sociais da instituição pesquisada e

dos mecanismos internos e externos paralelos à instituição.

Em relação aos fins sociais, a valorização dada ou não ao processo de produção

de diplomas e sua relação com as disciplinas no currículo escolar é outra prova concreta

sobre como a instituição tem caminhado na direção de legitimar um currículo que se

aproxime o mais possível das disciplinas acadêmicas. Os espaços disciplinares que

então surgem tendem a se distanciar do conhecimento escolar, da cultura em que se

insere a instituição. Por outro lado, esses espaços trazem determinados conteúdos e

disciplinas que podem permitir a habilitação dos alunos ao recebimento de diplomas ou

garantir status aos professores. Isso tem sido um padrão de estabilidade curricular. Para

Lopes & Macedo (ibid:83), a disciplina escolar

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... traduz conhecimentos que são entendidos como legítimos de serem

ensinados às gerações mais novas, organizam o trabalho escolar, a forma como

professores diversos ensinarão(...) orientam como os professores são formados,

como os exames são elaborados, como os métodos de ensino são constituídos,

como se organiza o espaço e tempo escolares

A própria organização do currículo por disciplinas no primeiro segmento do

ensino fundamental, mesmo quando apresenta uma proposta oficial de integração

curricular, tende a manter uma estrutura disciplinar clássica. Ou seja, apesar de as

propostas curriculares discursarem sobre uma integração curricular, concordamos que a

disciplina escolar é um padrão de estabilidade curricular e que por mais que se

proponham inovações na matriz curricular, essas tenderão a uma organização

tradicionalmente disciplinar. Não podemos esquecer que a disciplina também é um

padrão de mudança: as mudanças acontecem dentro da lógica disciplinar.

Em função do limite imposto pelos fatores externos e internos, os sujeitos

sociais envolvidos nesses processos tendem a naturalizar essa situação, ignorando o

processo histórico-social que envolve o conhecimento e o sentido de sua própria

formação, acabando por selecionar conteúdos e métodos em detrimento de outros.

Goodson (1997:31) sugere, assim, que se precisa olhar para a disciplina como

“...um bloco num mosaico cuidadosamente construído durante os quatrocentos anos (ou

mais) ... Só aí poderemos começar a entender o papel da disciplina escolar no que diz

respeito a objetivos sociais mais amplos...”. Para esse autor, a fragmentação provocada

pela disciplinarização isola os seus componentes no próprio espaço de cada disciplina e

dificulta maiores diálogos sobre os fins sociais do ensino, o que serve, desta forma,

para a estabilidade da fragmentação.

Ao analisar o papel da disciplina, podemos entendê-la melhor se analisamos,

paralelamente, como as forças de estabilidade e mudança atuam nesse processo. A

influência de editoras e livros didáticos, as fundações ou instituições de amparo à

pesquisa, os intelectuais na área, tudo isso influencia o estabelecimento ou não de

mudanças curriculares. Estão subjacentes a essas forças critérios que orientam a seleção

e a organização dos conteúdos escolares, associados a relações de poder, controle social

e ideologia. Nessa ótica, Moreira (1998) questiona como a linguagem especializada das

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comunidades acadêmicas tendem a se tornar mais restritas e fechadas, na medida em

que se tornam mais poderosas e ortodoxas, mesmo construindo esses critérios de

isolamento da disciplina à base de conflitos, acordos e negociações. Isso só confirma a

idéia de Goodson (1995) ao apontar que as disciplinas não são entidades monolíticas,

mas sim amálgamas mutáveis de distintos e discordantes subgrupos e tradições.

Santos (1998:159) analisa os trabalhos de Larry Cuban e a possibilidade de

grupos envolvidos poderem levar a mudanças curriculares ou, no sentido contrário,

apontar para um caminho de estabilidade curricular. Cuban “cita grupos e indivíduos,

dentro do sistema escolar (professores, alunos, diretores e especialistas) como

responsáveis pelas mudanças, na medida em que escolhem entre alternativas ou em que

criam suas próprias alternativas no campo do currículo.”

Observamos, na realidade, que existe um constante processo de busca por

transgressão que se mantém neutralizado por todas essas questões, submetendo o

currículo, como argumenta Goodson, a um sistema pré-concebido para assegurar

padrões de estabilidade e para dissimular as relações de poder que sustentam o conjunto

de ações curriculares. Na realidade, trata-se do ‘jogo de interesses’ que já citamos neste

trabalho. É um jogo “entre as forças pró-estabilidade e pró-mudança que consagra

padrões e modelos que autorizam novas compreensões da ausência/presença de certas

disciplinas escolares no currículo de ensino básico e secundário.” (Nóvoa, In: Nóvoa,

1997:12). Dessa forma, a história de uma disciplina escolar pode ser contada como a

história das forças sociais que a trouxeram para o currículo.

1.3.2 – A História das Disciplinas Escolares: André Chervel e Dominique Juliá

Segundo Henriques (1996), a origem remota das disciplinas freqüentemente é

identificada na divisão curricular da Antigüidade em dois blocos: o trivium, que

compreendia a gramática, a retórica e a lógica e o quadrivium, englobando a aritmética,

a geometria, a astronomia e a física, que tinham a finalidade de aguçar o intelecto e

levar a mente humana sobre o mundo material.

Para Chervel (1990:178), apesar da dificuldade de se definir a origem do

vocábulo disciplina, até o fim do século XIX o termo disciplina e a expressão

disciplina escolar referiam-se simplesmente “... à repressão das condutas prejudiciais à

sua boa ordem e aquela parte da educação dos alunos que contribui para isso.” O autor

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registra que, em sua acepção de “conteúdo de ensino” a palavra terá uso corrente já nas

primeiras décadas do século XX, para suprir a necessidade de um termo genérico que

designasse diferentes ordens de ensino até entãoconsiderads simplesmente como

objetos, ramos, partes, matérias de ensino ou faculdades.

Para André Chervel (1990:87), a história dos conteúdos é o componente central

em torno do qual a disciplina se constitui como disciplina. Para ele, a finalidade da

escola se confronta com a própria história do ensino e o estudo da instituição depende,

em grande parte, da história das disciplinas.

Segundo Juliá (2002:38), “A história dos conteúdos de ensino foi concebida

durante muito tempo como um processo de transmissão direta de saberes construídos

fora da escola...”. Por outro lado, ele argumenta que:

a história das disciplinas escolares deve ser, para ser realmente

operatória, partir mais dos fenômenos e dos mecanismos ‘internos’ à escola do

que aplicação de explicações externas, e pouco convincentes, sobre essas

mesmas escolas.

A escola é, portanto, tanto para Juliá, quanto para Chervel o foco de estudo da

HDE. Além disso, o papel da escola não se limita ao exercício das disciplinas escolares,

mas a um complexo de finalidades que combinam e conferem à escola sua função

‘educativa’. Ainda para Juliá (ibid:44), seria importante fazer um estudo de semântica

histórica comparada com o termo disciplina para que se possa definir com precisão o

“seu estatuto de historicidade” e também entender que as modificações no sentido dessa

palavra estão, quase sempre, ligadas “... aos momentos de crise ou de mudanças

profundas...”. Juliá sinaliza que o termo disciplina escolar foi progressivamente

imposto no sentido atual (matérias de ensino), embora ela provenha do latim disciplina

que, na idade clássica, possui muitos sentidos.

Num primeiro momento, o termo disciplina passa a significar uma “matéria de

ensino suscetível de servir de exrecício intelectual” (Chervel, 1990:179). Após a

Primeira Guerra Mundial, o termo é usado no sentido de “matérias de ensino”, fora de

qualquer referência às exigências da formação de espírito. Para Chervel, todas as

definições são vagas, restritas, todas elas encobrem o uso banal do termo e ele acaba

por definir que “ A disciplina é aquilo que se ensina e ponto final.” (idem:177). Pouco a

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pouco, o termo perde sua força e termina por tornar-se uma rubrica que designa as

diferentes matérias de ensino, significado que permanece atualmente.

Dos diversos componentes de uma disciplina escolar, Chervel (1990) prioriza a

exposição pelo professor ou pelo “manual de um conteúdo de conhecimentos” e

enfatiza que a primeira tarefa do que pesquisa sobre disciplinas escolares é estudar os

conteúdos explícitos na denominada vulgata (manuais da disciplina que registram o

corpus de conhecimentos da disciplina, o que permanece, o que varia - a bíblia da

disciplina).

A instauração e funcionamento de uma disciplina caracterizam-se, conforme

Chervel, por sua lentidão e segurança. A estabilidade dessa disciplina é alcançada por

um ajuste que põe em comum experiências pedagógicas bem-sucedidas e eficazes na

execução de finalidades impostas. Essas finalidades, generalizadas e reproduzidas,

tendem a legitimar-se. Ainda assim, Chervel considera que o papel da disciplina é mais

amplo. Ela se impõe ao colocar esses conteúdos harmonizados com as finalidades

previstas e com os resultados de aprendizagem esperados. Ou seja, a função da

disciplina consiste em “... colocar um conteúdo de instrução a serviço de uma

finalidade educativa” (ibidem:188). Portanto, podemos entender que o papel da escola

não se limita ao exercício das disciplinas escolares, mas a um complexo de finalidades

que se combinam e conferem à escola sua função educativa. Para ele, a finalidade da

escola se confronta com a própria história do ensino e o estudo desta depende em parte

da história das disciplinas. Chervel não é autor de currículo, mas aponta que a História

do Currículo busca compreender o que acontece no passado de (re) construção de uma

disciplina na instituição escolar. Goodson é autor de currículo, mas não focaliza a

instituição escolar nos seus estudos. Um dos principais pontos que esses dois autores

têm em comum é o fato de considerarem que a disciplina escolar não é dependente do

desenvolvimento histórico do campo científico de referência (disciplina de referência).

Segundo Chervel (1990:188), a instituição escolar combina finalidades que a

sintetizam como espaço de função educativa e de ensino, em cada momento histórico

de sua constituição: “as disciplinas escolares estão no centro desse dispositivo. Sua

função consiste em cada caso em colocar um conteúdo de instrução a serviço de uma

finalidade educativa.” Para esse autor, a distinção entre “finalidade real” e “finalidade

de objetivo” é fundamental para que se possa entender o que acontece no processo de

(re) construção de uma disciplina numa instituição escolar. Todas as finalidades de

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ensino não estariam inscritas nos textos. Os textos a que Chervel se refere seriam “...a

série de textos oficiais programáticos, os discursos ministeriais, leis, ordens, decretos,

acordos, instruções, circulares, fixando os planos de estudo, os programas, os métodos,

os exercícios, etc. O estudo das finalidades começa evidentemente pela exploração

deste corpus.” (Chervel, ibid). Chervel também questiona se essas finalidades inscritas

nos textos seriam “de fato” reais.

Definir “finalidades reais” passa pela resposta à questão ‘por que a escola ensina

o que ensina?’ e não, exatamente, à questão que freqüentemente formulamos: ‘ que é

que a escola deveria ensinar para satisfazer os poderes públicos?’ Ou seja, as

finalidades reais, na perspectiva de Chervel, significam passar pela consulta e exame da

literatura produzida pela instituição à época estudada: relatórios, projetos de reforma,

manuais de didática, prefácios de manuais, debates, palestras, discursos proferidos, atas

de reuniões e encontros, vídeos dos eventos produzidos. Chervel considera que é essa a

literatura que, tanto quanto os programas oficiais, pode esclarecer o professor sobre sua

função. Esse estudo, na sua visão, deve ser orientado “... simultaneamente sobre os dois

planos, e utilizar uma dupla documentação, a dos objetivos fixados e a da realidade

pedagógica.” (idem: 191).

As “finalidades de objetivo” seriam oriundas de textos oficiais, de uma

estipulação oficial, de um decreto, resolução, parecer, circular. Enfim, são finalidades

“definidas pelo legislador”. Essas finalidades visam, freqüentemente, corrigir um estado

de coisas, modificar ou suprimir certas práticas, “... do que sancionar oficialmente uma

realidade.” (idem:90). As “finalidades reais” demandam um interesse da comunidade

escolar em tornar as “finalidades de objetivo” reais, verdadeiras, concretizadas no dia a

dia escolar. É preciso considerar e estudar a interação no espaço escolar e investigar a

“dupla documentação” a que Chervel se refere quando define as “finalidades reais”.

Segundo Juliá (2002: 50):

(.. ) não é porque a finalidade de uma disciplina é explicitamente

indicada nos textos normativos que ela, por conseguinte, existe no ensino real

das salas de aula ... é necessário , em cada caso, tentar discernir a distância

entre os objetivos enunciados e o ensino realizado.

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Juliá concorda nesse sentido com Chervel ao observar a necessidade de se estar

atento, em nossas análise, aos textos oficiais que utilizamos e, em cada caso, diferenciar

a distância entre os objetivos enunciados e o ensino realizado.

Para este estudo, a perspectiva de Chervel passa a ter importância a partir deste

enfoque porque não podemos nos basear unicamente em textos oficiais da instituição

para descobrir as finalidades de ensino. Nesse sentido, o currículo escrito (formal) em

forma de propostas, guias curriculares ou Manuais, decretos, pareceres, circulares,

resoluções, jornais da instituição - constitui documento importante de análise para este

estudo. Os programas de disciplina, diários de classe, planos de aula, provas, cadernos

de aluno - permitem o estudo da prática pedagógica e a evolução da disciplina

pesquisada.

Juliá (2002:44) complementa algumas das idéias de Chervel quando propõe três

pólos igualmente importantes para que se entenda a constituição de uma disciplina.

Esse autor diz que se deve evitar: tentar recuperar “a todo custo” as origens de uma

disciplina (ela tanto se define por suas finalidades, quanto por seus conteúdos); pensar

que uma disciplina não é ensinada porque ela não aparece nos programas escolares;

pensar que a disciplina que nos parece como a mais tradicional não tenha sido

submetida a transformações constantes, tanto em suas finalidades, quanto em seus

conteúdos e métodos – essas idéias devem ser evitadas. Para Juliá (2002: 51) há uma

“interação constante entre esses três pólos que concorrem na constituição de uma

disciplina e estaríamos incorrendo em graves erros se quiséssemos ignorar ou

negligenciar qualquer um deles.”

Juliá considera que essas idéias permitem mensurar até que ponto a história das

disciplinas escolares é um campo de estudos em plena expansão. Sua sugestão para

captar o funcionamento exato de uma disciplina é tratar “... em um mesmo movimento,

as finalidades, as práticas reais de ensino (com as exposições didáticas e os exercícios)

e vida cotidiana das salas de aula (para conhecer as apropriações que os alunos fizeram

das lições recebidas).” (Juliá, 2002:68)

Já para Chervel (1990), a grande inovação na HDE é o fato de se poder

encontrar na própria escola o princípio de uma investigação e de uma descrição

histórica específica, e não fora dela, externa. O núcleo desse estudo é constituído pela

história da “função educacional e docente”, desde que se considere que uma disciplina

escolar comporta, além das práticas docentes, as grandes finalidades que presidiram sua

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constituição. Na perspectiva desse autor, “o estudo dos ensinos efetivamente

dispensados é tarefa essencial do historiador de disciplinas” (ibid:192), no sentido de

estudar os conceitos explícitos do ensino disciplinar. Os conteúdos explícitos e baterias

de exercícios constituem o núcleo da disciplina. Para ele, não é raro verificar-se que os

conteúdos de ensino se transformam, enquanto as finalidades permanecem “imutáveis”.

O pesquisador de HDE se vê diante de três problemas ao adotar, na sua pesquisa, a idéia

de que as disciplinas de ensino são irredutíveis. O primeiro seria investigar a sua gênese

(como a escola age para produzir a disciplina?); o segundo seria a sua função (para que

serve?); o terceiro envolveria o seu funcionamento (como a disciplina funciona? quais

são seus resultados?)

Chervel define a disciplina escolar como sendo o

fruto de um diálogo secular entre os mestres e os alunos.... é o código

que duas gerações, lentamente, minuciosamente, elaboraram em conjunto para

permitir a uma delas transmitir à outra uma cultura determinada. (1990:222)

No nosso estudo, investigar como a disciplina Didática se apropriou de

discursos acadêmicos e se constituiu na instituição dos anos 80 a 90 demanda voltar ao

passado e tentar entender que cada época tem um conjunto de disposições, uma forma

de pensamento que constitui o ethos da instituição. Isso demanda, primordialmente, a

função de se tentar compreender e analisar a reformulação (ou não) da disciplina na

instituição, em face de suas características históricas ao longo desse recorte de período.

Nosso foco é na instituição de formação de professores, no embate entre as finalidades

e objetivos utilitários e acadêmicos dessa disciplina, nos padrões de estabilidade e

mudança presentes nesse período de tempo na instituição pesquisada.

Essa tem sido uma das principais funções dos estudos feitos em HDE.

Entendemos, assim, que os conteúdos escolares surgem com uma preocupação muito

prática e utilitária e que, com o passar do tempo, eles vão se tornando cada vez mais um

conteúdo rigoroso, abstrato e sistemático, sempre na luta por prestígio acadêmico. Essas

hipóteses demandam, na visão de Goodson, uma constante reformulação diante das

características históricas dos diferentes sistemas educacionais. No nosso estudo, esse

processo se constituiu de forma similar e pretendemos dialogar com as hipóteses

levantadas por Goodson e Chervel, desenvolvendo no capítulo V, sobre “A História da

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Disciplina Didática Geral no Colégio Estadual Carmela Dutra”, a história social dessa

disciplina na instituição, sua consolidação no currículo, os discursos acadêmicos que

reapropriou nesse período, como também tem trabalhado e lutado por readquirir o

status e mais espaço para ser reconhecida e legitimada no currículo da instituição.

Concomitante a essa luta, percebemos também, uma sensibilização e mudança nas

ações de seus sujeitos, cada vez mais ligadas à modificação das características dos

alunos que têm procurado a instituição nos últimos tempos.

Propomo-nos a reunir algumas evidências em torno de algumas questões

pertinentes a esse estudo que nos permitissem dialogar com algumas perspectivas de

Goodson e Chervel no sentido de com preender que: a História do Currículo não se

limita apenas à história do pensamento curricular, mas também à própria história da

disciplina escolar na instituição pesquisada. O discurso na disciplina Didática Geral é

nosso foco de estudo. Nesse processo de construção da disciplina escolar Didática geral

na instituição, múltiplos discursos são apropriados, fazendo dessa disciplina um híbrido.

Sendo assim, passaremos a desenvolver as questões relativas aos processos de

hibridização presentes nos discursos atuais e sua relação com o objeto de nosso estudo.

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CAPÍTULO II

O HIBRIDISMO NA CONSTITUIÇÃO DE UMA DISCIPLINA ESCOLAR

Uma parte de mim é todo mundo:Outra parte é ninguém, fundo sem fundo.

Uma parte de mim é multidão:Outra parte estranheza é solidão.Uma parte de mim pesa, pondera:

Outra parte delira.Uma parte de mim almoça e janta:

Outra parte se espanta.Uma parte de mim é permanente:

Outra parte se espanta.Uma parte de mim é só vertigem:

Outra parte linguagem.Traduzir-se uma parte na outra parte:

Que é questão de vida e morte.Será arte?7

Este capítulo pretende entender e refletir sobre os discursos presentes na

construção da disciplina Didática na instituição pesquisada, investigando algumas das

questões teóricas como o processo de hibridização que permeia esses discursos.

Somos sujeitos de uma determinada época da história e tendemos a

experienciar a educação da forma em que vivemos essa mesma época. Cada sujeito

em cada época percebe e fixa cada realidade vivida com seu modo de ser, de agir, de

pensar. Cada sujeito interpreta seu tempo e sua realidade dotando-a de significações,

fazendo e desfazendo, inventando e reinventando tudo o que é presente, mas difícil de

aceitar ou confrontar. O currículo é uma forma materializada e simbólica dessa

interpretação. Ainda segundo Goodson (1997), o currículo escrito orienta,

decisivamente, a prática de sala de aula e é uma forma de representação pública do

7 FERREIRA GULLAR - Traduzir-se . Poema que encerrou o raciocínio do professor mexicano Nestor García Canclini no Museu de Arte Moderna, no 1º Encontro Artelatina no Rio de Janeiro, para debater a produção artística na moldura do pensamento teórico latino-americano, no dia 5 de novembro de 2000. Este poema saiu publicado no Jornal do Brasil do dia 12 de novembro de 2000.

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que foi escolhido pelos sujeitos que dele participaram, usando uma linguagem que

tende a tornar legítima as práticas escolares então selecionadas. E as palavras também

têm história e são impregnadas de significações resultantes de lutas, negociações,

conflitos até chegarem na sua forma “dita”, escrita.

Ou seja, nessa perspectiva não podemos ver o currículo como uma simples

prescrição, mas numa direção de algo que se constrói coletivamente e a princípio, até

como uma prescrição, a seguir no nível de processo e ação decisória. Todo esse

processo envolve uma lógica que rege modelos e valores vividos, lutas, conflitos,

negociações, “idas e vindas”. Esse processo é sempre criativo porque tende a

(re)produzir novas formas de “ver” a realidade vivida, novas formas de cultura mais

apropriadas à época atual. A tendência humana nesse processo de interpretação,

representação e (re)construção dessa realidade é de misturar um valor considerado

então como “velho” a outro dito mais moderno ou atual , denominado “novo”.

Estamos vivendo numa sociedade global, complexa e contraditória na qual

vemos os meios de comunicação e transporte transformando o mundo num shopping

center global, desfazendo as fronteiras entre o velho e o novo, o campo e a cidade, o

nacional e o regional. Todo esse movimento sugere que duvidemos da idéia de uma

cultura pura, não contaminada por outras manifestações presentes. Isso nos indica um

processo de hibridização, no qual elementos culturais de diferentes origens se

misturam e se redefinem em novas sínteses. Essas novas sínteses mostram-se como

produtos eficazes de serem representados como homogêneos ou uniformes da

totalidade da cultura – é o fenômeno da hibridização. Não pretendemos naturalizar ou

assinalar esse fenômeno como ‘óbvio’ nos dias atuais, mas queremos entender como

esse fenômeno, em sua complexidade, chega a repercurtir e pode nos ajudar a analisar

os discursos presentes na disciplina Didática de uma instituição específica.

Objetivamos, no nosso estudo, articular o contexto macro (tão valorizado pela NSE) e

o contexto micro (a instituição escolar), sem deixar de considerar a perspectiva

histórica como foco comum e com a intenção primordial de problematizar os

processos de hibridização que permeiam os discursos na disciplina Didática e assim,

entendê-los. Segundo Dussel (2002:03),

a problematização questiona o pensamento, gestos e atitudes de tudo

aquilo que parece natural e tenta redefiní-los como parte das transformações

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de uma prática que enfrenta dificuldades e obstáculos, a fim de que as diversas

soluções práticas nos pareçam racionais.

No nosso entender, trata-se de conceber o ‘novo’ sujeito definindo códigos e

discursos que são mais apropriados para lidar com o fenômeno. É esse o ponto que

nos interessa refletir neste capítulo. Argumentamos que o hibridismo e seus processos

acompanham toda a lógica dessa construção, formando uma “nova” configuração do

discurso “novo” e ”velho”, das ídéias “novas’ e “velhas”, dos comportamentos e

identidades dos indivíduos que fazem a história.

Com base nestas reflexões, este capítulo será organizado focalizando,

inicialmente, o fenômeno globalização e uma possível conseqüência de estar

contribuindo para uma nova identidade – híbrida. Para Santos (2002) há

“globalizações” e, sendo assim, esse reconhecimento pode ter como resultado variadas

formas de relações e a identidade híbrida seria uma delas. A seguir, focalizamos a

relação entre as concepções de cultura popular e culta e de hibridização em autores da

contemporaneidade como Hall (1997), Canclini (1990, 1997), Dussel, Tiramonti &

Birgin (1998) e Dussel (2002), além de Sarlo (2000). A seguir, consideramos as idéias

de Garcia Canclini e Beatriz Sarlo, que se complementam, de forma reflexiva e crítica,

nos processos de hibridização na sociedade atual. Depois, focalizamos o pensamento de

Canclini especificando a sua classificação quanto aos processos de hibridização: o

descolecionar, o desterritorializar e os poderes oblíquos.

Desenvolvemos esses processos considerando a disciplina escolar como um

híbrido, refletindo sobre como essa categoria hibridismo pode nos auxiliar a entender os

discursos explícitos e implícitos na história da disciplina Didática Geral, em uma

instituição escolar. No final, apresentamos algumas articulações das perspectivas

teóricas de HDE e de hibridismo de serem concretizadas neste estudo.

2.1 – Hibridismo em tempo de “globalizações”

Autores como Hall (1997), Giddens (1990, 2000) e Santos (2002) lembram que

a globalização não é um fenômeno recente, nem é um fenômeno que se dá “aqui

dentro”, influenciando aspectos íntimos e pessoais de nossas vidas ou até que não existe

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uma idéia única denominada globalização, mas ‘globalizações’, respectivamente. O que

é importante para o nosso argumento é que a relação espaço-tempo traduz cada vez

mais e em tempo recorde, o impacto que a globalização traz para a formação da

identidade do indivíduo. Quanto mais a vida social se torna regulada pela imagem e

pelos sistemas de comunicação, mais as identidades se deslocam de tempos, histórias,

tradições específicas e parecem estar libertas da sua tradição, mas para Giddens

(2000:53): “ao contrário, ela continua a florescer em toda parte em versões diferentes.”

Para esse autor as tradições evoluem ao longo do tempo e podem ser alteradas,

reinventadas ou transformadas num tempo ínfimo e uma tradição completamente pura é

algo que não existe. A globalização, enquanto um complexo de processos e forças de

mudança, altamente contraditório e desigual, tende a desfazer os limites da distância e

da relação espaço-tempo, tornando o encontro do global e do local tão imediato, quanto

intenso.

Para Hall (1997:71), o uso do termo ‘globalização’ é dado, por “conveniência” a

“um complexo de processos e forças de mudança”. A globalização implica um

movimento de distanciamento da idéia sociológica de ‘sociedade’ como um sistema

bem delimitado. Esse autor considera que a globalização traz um novo interesse pelo

local, por intermédio do impacto do global. Ou seja, a tendência em direção à

“homogeneização global” tem feito ressurgir um poderoso ‘renascimento’ da etnia, do

nacionalismo, das raízes primeiras de ser humano. Hall considera esse fato “uma virada

bastante inesperada dos acontecimentos” (ibid:105). Na verdade, os apegos irracionais

ao local, à tradição e às raízes tendem a ser substituídos por identidades mais racionais.

Geralmente se concorda que a globalização explora a diferenciação global no sentido de

que ela estaria deteriorando culturas locais e criando um mundo de vencedores e

perdedores. Não se trata, portanto, de “substituir” o local e sim de se pensar numa nova

articulação entre o “global” e o “local”. O fenômeno da migração explica isso. Hall

(1997:85) diz que “a proliferação das escolhas de identidade é mais ampla no ‘centro’

do sistema global que nas suas periferias”. Por outro lado, as sociedades de periferia

têm estado abertas às influências culturais ocidentais de uma forma cada vez mais

rápida. E daí o impacto da compressão espaço-tempo ter o efeito de relativizar as novas

identidades culturais que surgem dessa fusão.

Os grupos da periferia impulsionados pela pobreza, seca, fazem um movimento

(não planejado) para fora, para o centro acarretando migrações contínuas e de grande

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escala. No mundo inteiro isso vem acontecendo. Como conseqüência disso, temos uma

mudança dramática na ‘mistura étnica’ da população no mundo. (Hall, 1997:88)

Dessa forma, globalização para Santos (2002: 26) não tem só dimensão

econômica, mas também política, social e cultural. Trata-se de “um fenômeno

multifacetado com dimensões econômicas, sociais, políticas, culturais, religiosas e

jurídicas interligadas de modo complexo.” Globalização é vasto campo de conflitos

entre grupos sociais, não é só um processo linear. Existe uma idéia falsa de que ela é

também um processo consensual. Pelo contrário, é um vasto e intenso campo de

conflitos entre grupos sociais. Esse autor define uma linha de análise na qual mostra a

complexidade dos processos sociais presentes e maquiados no conceito de globalização

e que o faz concluir que “não há globalização e sim globalizações”.(ibidem:55).

Sendo assim, trata-se de elucidar as relações de poder que impregnam e

permeiam a produção tanto de homogeneização como de diferenciação resultantes do

processo de globalizacão(ões). Estão presentes paralelamente os processos de

hibridização como conseqüência do confronto ou diálogo dessas tendências

homogeneizantes e particularizantes. No domínio das práticas sociais e culturais

situam-se trocas desiguais entre o global e o local. As lutas e conflitos entre esses

grupos se desenvolvem no sentido de se tentar legitimar as idéias, valores, tradições

desses grupos, “... em torno da igualdade da diferença e da diferença na igualdade.”

(ibidem:60) Essa representação se traduz na prática em produtos híbridos nos quais, de

diferentes formas, estão presentes elementos de cada uma das tendências conflitantes.

Essa elucidação é importante e não só dual para que possamos analisar

criticamente os processos de hibridização que resultam desse confronto como também

para situar que esses dois fenômenos (homogeneizar e particularizar) não conduzem,

necessariamente, a algo novo ou a uma cultura global ou a algo negativo. Na realidade,

eles estão presentes e não se trata de se tentar “... assimilar um tipo de conflito a outro e

em experenciar um conflito de certo tipo como se ele fosse de outro tipo.” (ibidem:60).

Na verdade, a intensificação dramática de corrida em busca de trabalho, da

comunicação entre as pessoas, do intercâmbio de idéias, da velocidade voraz da

informação acabou por originar convergências e hibridizações entre as diferentes

culturas nacionais e em todos os campos e áreas de vida de que o homem faz parte –

desde um estilo de habitação até hábitos alimentares. Para Garcia Canclini (1998), a

hibridização refere-se aos fenômenos difusos da cultura em virtude de o mundo estar se

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tornando cada vez mais complexo e fragmentado. Pelos processos de hibridização, os

discursos perdem suas marcas originais com muita velocidade. Tudo isso repercute em

outras formas simbólicas de representação e o currículo é um dos campos onde essa

lógica se manifesta.

Os processos de hibridização são considerados como manifestações difusas

entre diferentes tradições culturais que estão presentes no dia de hoje e que resultam da

velocidade dos processos de comunicação, da expansão urbana, da migração territorial

de grupos sociais e da inclusão de diversas linguagens. Todas essas manifestações

acabam se tornando fontes criativas que produzem novas formas de linguagens e de

cultura, a partir desses processos híbridos.

Hall (1997) declara ser de opinião oposta de que a mistura entre diferentes

culturas enfraqueceria e destruiria a sua própria cultura. Nicola e Infante (1995:97) dão

sentido contrário: híbrido vem do grego hybris que significa ‘ultraje’: para os gregos

“...a miscigenação violava as leis naturais; era, portanto, ultrajante”. Hall defende a

mistura, a transformação que advém de novas combinações de culturas e idéias. Ao

mesmo tempo, Hall considera que esse efeito pluralizante sobre as identidades ainda

permanece contraditório: algumas identidades ainda tentam recuperar sua “origem”

anterior que sentem como “perdidas”, outras aceitam que as identidades estão sujeitas

ao plano da história e da diferença e que seria improvável elas se tornarem outra vez

unitárias ou “puras”. Essa dicotomia (Tradição x Tradução) está se tornando cada vez

mais evidente num quadro global da sociedade no mundo. Hall (1997) exemplifica que

no livro Versos Satânicos, de Salman Rushdie (1991), Rushdie defende fortemente o

‘hibridismo’ ao apresentar no seu romance o fenômeno da migração, o Islã e o profeta

Maomé com a sua secular consciência de um ‘homem traduzido’. Esse livro celebra o

“hibridismo”, a impureza, a mistura, a transformação, “... que vêm de novas e

inesperadas combinações de seres humanos, culturas, idéias, políticas, filmes, músicas.”

(Hall, 1997:100).

Por outro lado, há quem defenda a reconstrução de identidades purificadas, para

se restaurar a coesão, o “fechamento” e a tradição, frente ao hibridismo e ao que é

diferente. Para Giddens (2000:51):

(...) A idéia de que a tradição é impermeável à mudança é um mito. As

tradições evoluem ao longo do tempo, mas podem também ser alteradas ou

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transformadas de maneira bastante repentina. Se posso me expressar assim,

elas são inventadas e reinventadas.

Com isso, parece ficar clara a idéia de que uma tradição completamente pura é

algo que não existe e que as tradições são sempre propriedades de grupos sociais, de

comunidades se considerarmos a perspectiva de que ela pode ser reinventada.

Concordamos com Giddens no que se refere a considerar que a tradição talvez seja o

conceito mais elementar do conservadorismo, visto que os conservadores acreditam que

ela embute uma sabedoria acumulada. Ao longo da história do homem na terra,

maneiras tradicionais de fazer as coisas tendem a persistir, ou a ser restabelecidas, em

todas as áreas da vida, na própria vida cotidiana, nas instituições, no cotidiano escolar.

Temos a família, a sexualidade ainda fortemente impregnadas de tradição e costume.

Sob o impacto da globalização ou “globalizações”, percebemos que na

contemporaneidade, não só as instituições públicas, mas também a vida cotidiana estão

se libertando do domínio da tradição. Reiteramos que não entendemos isso como algo

negativo ou que a ‘saudosa’ tradição desaparece. Ao contrário, ela continua a florescer

em toda parte em formas, versões diferentes. Mas essa compreensão nos afasta, cada

vez mais, da tradição por nós representada da maneira tradicional. O hibridismo

representa um dos fenômenos novos produzidos na era da modernidade.

Ou seja, é possível considerarmos o currículo como um híbrido nesta

perspectiva se reconhecermos que o próprio processo de seleção e organização desse

currículo se entrelaçam, se misturam e acabam por produzir outra coisa diferente. Nesse

percurso já houve uma recontextualização que, segundo Bernstein (1996 & 1998) houve

formas de se reposicionar, selecionar e refocalizar determinadas representações

pedagógicas. Seja pela palavra oral ou escrita, pelo visual ou espacial, pela própria

atitude ou postura assumidas. Isso é o mesmo que dizer que os textos e contextos

chamados “originais” se misturaram, se condensaram, se reelaboraram e acabaram por

produzir outros textos e contextos um tanto diferentes dos seus “originais”. Para Santos

(2002:75) seria o mesmo que dizer que as identidades híbridas “... devem orientar-se

pela seguinte pauta transidentitária e transcultural : temos o direito de ser iguais

quando a diferença nos interioriza e a ser diferentes quando a igualdade nos

descaracteriza.”

Com base nessa teorização, discutimos posteriormente o conceito de hibridismo

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com base em Canclini (1998), Dussel, Tiramonti e Birgin (1998), Dussel (2002) e Sarlo

(2000), defendendo que os processos de hibridização projetam novas formas de análise

e matizes nos diferentes discursos que vivenciamos na atualidade, abrindo

possibilidades para um entendimento crítico de outros espaços, textos e contextos a que

nos propomos. Nesse sentido, sugerimos algumas articulações com essas perspectivas

teóricas.

2.2 - O que é hibridismo?

Para Dussel, Tiramonti e Birgin (1998,) a hibridização é um termo da moda na

teoria social. Para estas autoras, sempre houve hibridização, este não é um fenômeno

novo. Podemos encontrar discursos híbridos na educação desde que a escola surgiu. A

diferença desse fenômeno hoje estaria na velocidade com que isso acontece. Elas

defendem a noção de currículo como um híbrido, se pensarmos nesse currículo como

“...o resultado de uma alquimia que seleciona a cultura e a traduz para um ambiente

particular, com uma clientela também particular” (ibidem:134). Os discursos

curriculares também têm sido estudados como híbridos que combinam distintas

tradições e movimentos disciplinares, construindo coalizões que dão lugar a consensos

particulares. Ou seja, é possível considerarmos o currículo como um híbrido nesta

perspectiva, se reconhecermos que os processos de seleção e organização desse

currículo se entrelaçam, se misturam e acabam por produzir outra coisa diferente.

Essas autoras discutem as reformas curriculares contemporâneas em termos de

reterritorialização, com base em Canclini (1998). Canclini emprega esse conceito para

sublinhar que a pós-modernidade latino-americana está implicando na perda das

relações tradicionais da cultura com os territórios geográficos e sociais e na

relocalização parcial do velho e do novo. Nessa reterritorialização está implícita,

segundo as autoras, o processo de hibridismo que opera por intermédio da

movimentação de diferentes discursos dentro de um âmbito particular. Articula não só

modelos externos, e ao fazê-lo, repete um dos movimentos tradicionais feitos na

periferia em direção ao centro. Ou seja, a impossível e sempre falida cópia do original.

Nessa nova representação de idéias, conceitos e imagens, essas novas articulações e

séries discursivas tendem por criar novos sentidos. As autoras denominam esses

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movimentos de “a reterritorialização do campo curricular”. Três dinâmicas inter-

relacionadas acompanham esses movimentos: a hibridização dos discursos, o desenho

dos novos mapas de relações ora surgindo entre o centro (global) e o local (periferia do

sistema) e o novo regime de verdade que surge dessas trocas (ibidem:134).

Daí que a hibridização “supõe, portanto, um processo de tradução que põe essas

novas experiências e sentidos em relação com os que estavam antes disponíveis”

(Dussel, Tiramonti & Birgin, 1998:135). Essa hibridização interrompe as hierarquias

estabelecidas dos discursos, construindo uma nova forma de representação, não

necessariamente mais democrática. Os diversos discursos que têm moldado as políticas

de descentralização em países da América Latina introduziram novos ingredientes e os

têm combinado com tradições diversas, inclusive contraditórias, no campo

curricular.(ibid:138).

Dussel (2002) exemplifica esse movimento citando a Reforma Geral da

educação espanhola, a experiência colombiana da Nova Escola e a reforma curricular

Argentina quando retomaram alguns elementos prévios das tradições e experiências

nacionais e locais nos seus novos discursos. Para Dussel (ibid:12), a hibridização

Não é a panacéia que acabará com a desigualdade, nem tampouco a

culpa de todos os males.Trata-se de um bom indicador do novo território em

que se dá a luta: um território mais móvel, mais estável, menos localizado e

mais despojado de tradições e passados, que rapidamente se deixam de lado.

Ainda segundo Dussel, Tiramonti & Birgin (1998), a descentralização tem

envolvido a construção das pessoas pobres como “necessitados”, “carentes” com um

deslocamento que produz toda uma série de novas hierarquias e que naturaliza a figura

do “necessitado” abstraindo-o do âmbito do direito e da política diária.

Por outro lado, o incluir do “necessitado” no discurso da descentralização nos

mostra como o hibridismo opera construindo novas linguagens para as experiências

sociais e individuais. Nesse sentido, temos um altíssimo impacto no currículo vivido.

Surgem, então, estratégias para reformar um campo de relações sempre em

mudança. Na reconstrução dos territórios educacionais, os programas de reforma têm

que interagir com saberes e imagens particulares e com construções também

particulares sobre a autoridade e o poder. Os resultados são discursos híbridos que

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mobilizam tradições históricas, políticas atuais e modelos externos em formas

específicas e produtivas.

Para Canclini (1990), os processos de hibridização em suas manifestações

acabam se tornando fontes criativas que produzem novas formas de linguagens e de

cultura. Ou seja, o processo de descolecionar nos sistemas culturais da atualidade seria

organizar conjuntamente o novo e o velho, o culto e o popular, rompendo, assim, com

uma organização histórica de bens culturais elaborados e hierarquizados da

modernidade.

Haveria, segundo Canclini (1998), três processos-chave para explicar a

hibridização: a) a quebra e a mistura das coleções que organizam os sistemas culturais

(descolecionar); b) a desterritorialização dos processos simbólicos; c) a expansão dos

gêneros impuros.

Os processos de quebra e mescla de coleções organizadas sintetizam a idéia de

descolecionar. Nada mais é do que a grande dificuldade de abranger o que antes

definíamos sob a fórmula de “cultura urbana”, ou com as noções de culto, popular e

massivo. Essa dificuldade levanta uma problemática: a explicação da organização da

cultura por intermédio de referências às coleções de bens simbólicos. Coleções foram,

na Europa Moderna e mais tarde na América Latina, um dispositivo para organizar os

bens simbólicos em grupos separados e hierarquizados. Conhecer uma certa

organização já era uma forma de possuir, que diferenciava quem não identificava essa

organização da coleção em questão.

Contrapondo-se a isso, hoje os próprios museus e bibliotecas expõem os

diferentes tipos de artes culta e popular em diferentes salas, ao mesmo tempo,

rompendo, assim, essas organizações. Bibliotecas privadas misturam diferentes

produções, outras ordens híbridas se criam. Os próprios livros são organizados de

formas antes não previstas e ficamos circundados por cópias xerox. Videocassetes,

videoclipes e videogames também rompem com essas classificações, favorecendo

relações intensas e esporádicas e enfraquecendo o sentido histórico do homem no

planeta. Para Canclini, não há possibilidade de retorno nesse processo de descolecionar.

Ele inclui nessas estratégias descolecionadoras a assimetria entre países centrais e

dependentes, entre consumidores de diferentes classes de uma mesma sociedade.

O segundo processo citado por Canclini (1998) que explica a hibridização é a

desterritorialização dos processos simbólicos. As buscas mais radicais sobre o que

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significa estar entrando e saindo da modernidade, assumem as tensões na

desterritorialização. Desterritorialização é a perda da relação natural da cultura com os

territórios geográficos e sociais. Reterritorialização é o conjunto de relocalizações

territoriais relativas e parciais das velhas e novas produções simbólicas. A organização

da modernidade passa a se configurar, nesse processo, em antagonismos políticos como

colonizadores versus colonizados, cosmopolitas versus nacionalistas.

O modelo vigente se torna insuficiente para explicar o funcionamento do

sistema industrial, financeiro e cultural, cuja sede não está mais em uma só nação. A

noção de comunidade cai por terra, assim como a oposição entre centro e periferia.

Torna-se cada vez mais visível a implosão do terceiro mundo no primeiro e o fenômeno

da desterritorialização das noções entre centro e periferia. Os próprios processos de

reterritorialização não chegam a apagar conflitos e precisam ser analisados em conexão

com as práticas sociais e econômicas, nas disputas pelo poder local e na competição

para aproveitar alianças com poderes externos.

O terceiro processo referido por Canclini (1998) diz respeito aos gêneros

impuros. Ele apresenta dois gêneros como constitucionalmente híbridos, como lugares

de interseção entre o visual e o literário, o culto e o popular, o artesanal e a produção

industrial: o grafite e as histórias em quadrinhos. O grafite é um gênero

constitucionalmente híbrido. É um meio sincrético e transcultural. É um modo

marginal, desinstitucionalizado, efêmero que junta a palavra e a imagem com um estilo

descontínuo e incapaz de assumir novas relações entre o público e o privado, entre a

vida cotidiana e a política. As histórias em quadrinhos relacionam cultura icônica e

literária, geram novas ordens e técnicas narrativas, combinam originalmente tempo e

imagens e permitem leituras cruzadas.

Hoje, a partir desses processos de hibridização, as culturas são de fronteira:

todas as artes se desenvolvem em relação com outras artes. As diferentes culturas

perdem relação exclusiva com seu território, mas ganham em comunicação e

conhecimento.

Canclini (1998) aponta, ainda, que para se entender por que certas maneiras de

fazer política, baseadas na autonomia dos processos simbólicos e na renovação

democrática do culto e popular, tendem a fracassar. Canclini (1998:346) destaca que “O

incremento dos processos de hibridação torna evidente que captamos muito pouco do

poder se só registramos os confrontos e as ações verticais.”. Na verdade, o autor aponta

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que as relações de poder se” entrelaçam” umas com as outras e o que dá eficácia a essas

relações não é o fato de uma se superpor á outra e sim, “a obliqüidade que se estabelece

na trama” (ibidem). A obliqüidade que se estabelece permite repensar o vínculo entre

cultura e poder. Ou seja, buscam-se mediações nessa obliqüidade, tentando gerir os

conflitos que daí surgem. Na realidade, tenta-se criar uma ordem diferente que, às vezes

dão origem à “práticas transformadoras inéditas”. Nessa perspectiva, fica evidente o

que há de oblíquo, simulado e distinto na interação entre culturas ou diferentes

discursos.

Sarlo (2000:104) descreve de forma metafórica os três processos citados por

Canclini ressaltando o hibridismo como o fenômeno responsável pela reconfiguração

dos níveis culturais e que traz novos significados para um ‘novo’ tipo de cidadão da

‘nova’ sociedade eletrônica:

Também ficaram soltos os valores liberados num processo de

transformação de identidades populares tradicionais, cujas fisionomias já

tinham sido desbastadas pelos processos de modernização. A cultura da mídia

converte a todos em membros de uma sociedade de iguais. Aparentemente, não

há nada mais democrático do que a cultura eletrônica, cuja necessidade de

audiência a obriga a digerir, sem interrupções, fragmentos culturais de origens

as mais diversas.

A autora ressalta o poder, a velocidade e o uso desenfreado de imagens que

embotam a nossa capacidade de reter conteúdos. A descrição feita do shopping center

produz uma imagem que ilustra muito bem o processo de hibridação cultural e o

“descolecionar” a que Canclini se refere. Essa imagem ilustra a nova cultura que aí se

apresenta como sendo o protótipo dos processos de descolecionar e de desterritorializar.

Essa imagem, hoje, se contrapõe à paisagem do “centro” porque desaparece por

completo no shopping a geografia urbana e ele passa a ser considerado como um

exemplo do nomadismo contemporâneo: qualquer pessoa que foi a um shopping apenas

uma vez, pode usar qualquer outro em qualquer parte do mundo, independente da

língua e costumes.

A autora se refere ao shopping como uma máquina perfeita, com uma lógica

aproximativa, como um “tabuleiro para a deriva desterritorialização.”. Ou seja, essa

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“extraterritorialidade” do shopping conquista todos os grupos sociais: pobres, ricos,

jovens e não exige nenhum visto ou passaporte especial. Em outras palavras, estamos

diante da imagem viva da desterritorialização a que Canclini se referiu para explicar os

processos de hibridização. Senão, vejamos:

Dentro de um shopping, ninguém se importaria em saber se determinada

ala, onde se encontra a loja procurada, é paralela ou perpendicular a uma rua

qualquer, no exterior; acima de tudo, o que não se pode esquecer é em que

prateleira está a mercadoria desejada. No shopping, não só se anula o sentido

de orientação interna, como também desaparece a geografia urbana.

(Sarlo, 2000:16)

A imagem do shopping center aliada a da TV interativa que, com o controle

remoto e o poder do zapping, inauguram uma nova cultura baseada na velocidade

desses meios de comunicação em detrimento da capacidade do indivíduo de reter seus

conteúdos. A imagem do shopping e do zapping revogam e, ao mesmo tempo

exacerbam, a noção de velocidade e do “novo” na cultura eletrônica do tempo em que

estamos vivendo. Para Sarlo (ibidem:57) essa é a imagem que ilustra a nova cultura:

Imagens demais e um dispositivo relativamente simples,o

controle remoto, tornaram impossível o grande avanço interativo das

últimas décadas, que não foi resultado de um desenvolvimento

tecnológico da parte das grandes corporações e sim, dos usuários

comuns e correntes. Trata-se, é claro, do zapping.

Sarlo (ibidem:57) define o zapping como o produto do uso do controle remoto

pelo indivíduo, “... provocando a maior acumulação possível de imagens de alto

impacto por unidade de tempo e, paradoxalmente, baixa quantidade de informação

indiferenciada, a velocidade do meio é superior à nossa capacidade de reter seus

conteúdos.”.

Para Sarlo (2000), “hibridização”, “mestiçagem”, “reciclagem”, “mescla” são

palavras que definem esse fenômeno. Ainda segundo essa autora, a escola perde nessa

competição com os meios de comunicação de massa porque não sabe o que fazer para

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ser mais atraente do que a cultura audiovisual. Ou seja, a escola perde para o shopping

center e para o zapping. A autora caracteriza esses elementos na nova cultura

contemporânea sinalizando que não se trata de fazer relação com o passado, mesmo

porque as culturas populares não escutam mais a voz das tradicionais:

O hermetismo das culturas camponesas, inclusive a miséria e o

isolamento das comunidades indígenas, rompeu-se;os índios aprenderam

rapidamente que, se quiserem ser ouvidos na cidade, devem usar os mesmos

meios pelos quais eles ouvem o que se passa na cidade. Vestidos com seus

trajes tradicionais modernizados pelo náilon e o jeans,calçando tênis e

protegendo seus chapéus com sacos plásticos, eles protestam na praça pública,

mas chamam a televisão para que a manifestação seja vista. É preciso

descartar qualquer idéia que relacione o que está acontecendo com o que

aconteceu no passado:se é certo que dificilmente se pode evocar a época em

que as culturas populares viviam em universos absolutamente fechados, o que

hoje se passa tem uma aceleração e uma profundidade desconhecidas.

(Sarlo,2000:101)

Entender esse processo vai muito além de simplesmente rotular o que é

científico, o que é popular, o que é universal, o que é massivo. Sob o enfoque do

hibridismo aqui discutido carecemos de mais interpretações e reinterpretações porque

não deixa de ser um retorno a um passado que não está feito, mas que continua sendo

refeito. Refeito porque na verdade como podemos olhar com os olhos isentos

“culturais” de hoje uma cultura escolar de uma época passada?

2.3 – Articulação dessas perspectivas teóricas

Na HDE todo esse movimento já faz sentir o processo de hibridização presente

nessa ida ao passado e volta ao presente: é toda uma movimentação de diferentes

discursos dentro de um âmbito particular, de uma época específica e que repete um dos

movimentos tradicionais nomeados por Dussel, Tiramonti & Birgin (1998) como

impossíveis de se tirar uma cópia do original porque esse ir e vir, essa remontagem

discursiva acaba por criar novos sentidos.

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Pretendemos analisar, no capítulo IV, como essa compreensão da hibridização

pode ser transportada para a historia do currículo e da disciplina Didática Geral no

Colégio Carmela Dutra. Queremos, na prática, entender como ver o ato de

descolecionar no currículo; como ver o ato de desterritorializar no currículo; como ver a

formação de gêneros impuros e até pensar que outras categorias estariam presentes

nessa hibridização.

Ou seja, em todos os discursos das Secretarias, das propostas desenvolvidas pelo

MEC na rede, estarão sempre presentes os processos de hibridização aqui discutidos: a

cultura das escolas, as tradições, as propostas, os discursos acadêmicos, os variados

tipos de chamamento da mídia não se concretizam do jeito exato com que foram

pensados. Eles se imbricam, se interpenetram, se misturam, se mesclam na prática da

instituição e acabam sendo contaminados pela própria cultura escolar, por sua rotina,

seu cotidiano e tendem a se tornar diferentes daquilo que foram pensados; vão se

tornando produtos híbridos.

O ato de “descolecionar” no currículo ou na HDE pode nos levar a compreender

o porquê de “tais” conteúdos terem sido selecionados e ensinados numa “coleção” de

outros conteúdos que, por sua vez também foram reorganizados e mesclados com

conteúdos científicos e do senso comum. Podemos investigar o que se considerava, na

época da disciplina estudada, os discursos acadêmicos de diferentes matrizes teóricas.

Esse processo de descolecionar pode ser expandido para além dos conteúdos da

disciplina. Podemos também considerar os seus fins sociais assim como os objetivos, os

princípios pedagógicos e metodológicos.

Como ver o ato de “desterritorializar” na HDE? Podemos ver o desterritorializar

na história de uma disciplina escolar quando esta se apropria de propostas curriculares

de outros países e de outros contextos sociais. Para (re) afirmar sua identidade, a

disciplina precisa interagir com outros saberes e imagens que lhes são disponibilizados,

além daqueles que lhes são particulares. Os resultados dessa mixagem são discursos

híbridos que mobilizam tradições históricas, políticas atuais a nível macro e micro,

além de modelos externos a que a disciplina escolar acaba sendo submetida e

reinterpretada. Podemos constatar na HDE uma reconfiguração do campo da disciplina

estudada, do seu caráter, do reposicionamento dos sujeitos existentes como os

professores, os alunos, os pais e a equipe técnico-administrativa-pedagógica.

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A formação dos gêneros impuros pode ser investigada na HDE no que se refere

à inter-relação de teorias ou tendências pedagógicas, a combinação de autores com

perspectivas diferentes e que permitem leituras cruzadas.

A análise de poderes oblíquos a que Canclini se refere como um dos processos

de hibridização pode ser investigada na HDE através do (re)posicionamento das

relações de poder presentes entre os sujeitos envolvidos no campo ou área da disciplina:

desde os Centros de Pesquisa, passando pelas produções científicas publicadas nas

revistas científicas até as propostas, pareceres, resoluções emitidas pelas Secretarias e

repassadas aos professores por sua equipe.

Na realidade, essas relações de poder estão, aparentemente, concentradas nos

grandes grupos que subordinam a arte e a cultura ao mercado, os que disciplinam o

trabalho e a vida cotidiana. Canclini observa que existe uma multipolaridade de

iniciativas sociais, tomadas de diversos territórios, em que todos artistas e os meios

massivos montam suas obras. O incremento de processos de hibridização mostra que só

percebemos e registramos os confrontos e as ações verticais. O que dá eficácia nessas

relações entre o culto e o popular “é a obliqüidade que se estabelece na trama”

(Canclini, 1998:346). Ou seja, como podemos discernir entre os vários jogos de poder

que se estabelecem numa trama senão optar por perder “... a relação exclusiva com seu

território, mas ganhar em comunicação e conhecimento.”?

O autor sugere que há ainda outro modo pelo qual a obliqüidade dos circuitos

simbólicos permite repensar os vínculos entre cultura e poder – a busca de mediações,

de “vias diagonais para gerir os conflitos. Quando não conseguimos mudar o

governante, nós o satirizamos” (ibid:349). O maior interesse para a política de se

considerar a problemática, o impasse ou o conflito não reside na eficácia pontual de

certos bens ou mensagens, mas no fato de que os aspectos teatrais e rituais do social

tornam evidente o que há de oblíquo, simulado e distinto em qualquer interação.

Portanto, entendemos que é possível analisar as práticas teóricas e políticas da

hibridização, a fim de assinalar os limites e as possibilidades que esses processos

inauguram, visto que a hibridização “opera , então, através de mobilizar discursos

distintos dentro de um campo particular.”

Sendo assim, por intermédio do processo de hibridização na HDE podemos

compreender e identificar a disciplina estudada como um híbrido de diferentes campos

científicos e investigar o que constitui esse processo.

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CAPÍTULO III

CAMPO ACADÊMICO DA DIDÁTICA - ALGUMAS REFLEXÕES

“ A descoberta do passado, para os homens do Renascimento, partiu de um sentido de identidade.

Eles julgaram encontrar cada vez mais semelhanças entre o seu momento e o distante passado.” 8

Este capítulo objetiva situar os discursos acadêmicos dominantes de Didática,

no período dos anos 80 a 90, visando analisar sua apropriação pela disciplina escolar

Didática Geral na instituição pesquisada. Nosso objetivo é entender as relações entre a

Didática Geral na instituição como disciplina escolar e a Didática no campo acadêmico.

A evolução das disciplinas, em qualquer campo científico, percorre caminhos

com derivações e revoluções (Kuhn, 1976). Ao longo desses processos, se produzem

mudanças que envolvem conflito, forçando os profissionais ligados a essas disciplinas a

reformularem a trama de compromissos estabelecidos em sua prática científica. O

interessante nessas “revoluções” é a análise, que pode ser feita, dos fatores ideológicos

nos momentos de crise. Ou seja, ao definir e estabelecer as fronteiras de um campo de

conhecimento, a comunidade acadêmica não opera somente em torno da dimensão

cognitiva. Ficam implícitas, também, nessas escolhas, perspectivas valorativas e

8 NUNES, Clarice. O passado sempre presente. SP: Cortez Ed., 1992, p.10.

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afetivas. Alguns autores se posicionam com relação à organização do conhecimento em

disciplinas.

Musgrave (1979) considera as disciplinas como organizadas segundo teorias de

aceitação com conceitos reconhecidos no campo. Goodson (1983) defende que a

disciplina escolar é diferente da disciplina científica e da disciplina acadêmica e que a

disciplina é introduzida no currículo escolar segundo critérios de pertinência e

utilidade. Apesar disso, a disciplina escolar é, muitas vezes, identificada e analisada

com a disciplina acadêmica ou com a disciplina científica. Ao criticar essa concepção,

Lopes (1996:190) aponta que “As disciplinas são também concebidas como

equivalentes às ciências de referência didatizadas. Nesse sentido, a disciplina deveria

seus conteúdos à academia e seus métodos à pedagogia ...”

Para Lopes & Macedo (200278), os estudos históricos das disciplinas

acadêmicas, cientificas e escolares demonstram que os contextos universitário e escolar

são “... diferenciados, não havendo, portanto, relação necessária entre as disciplinas

acadêmicas e escolares.”

Destacamos neste trabalho, portanto, que a construção da disciplina Didática

aconteceu social e politicamente de forma conflituosa, contestada e respondendo a

objetivos sociais da educação de acordo com o contexto sócio-econômico-político da

época e segundo posturas, crenças peculiares próprias não só no contexto acadêmico,

quanto no da instituição pesquisada.

Neste capítulo, partimos da relação entre disciplina acadêmica e disciplina

escolar. Focalizamos o campo acadêmico da Disciplina Didática. A seguir, faremos um

breve histórico da Didática no Brasil focalizando as perspectivas teóricas nesse campo e

os principais autores brasileiros que contribuíram para o campo da Didática no Brasil.

Finalizaremos situando a importância do movimento do Tecnicismo, o Movimento da

Didática Crítica dos anos 80 e as tendências das pesquisas dessa área nos últimos anos.

3.1 – Campo acadêmico da Didática

O campo das Ciências da Educação não está imune às crises, lutas e

transformações pela dominação dos campos de saber. Veiga Neto (1998) se reportando

a J. Amariglio, explica que retratar um saber como uma disciplina delimitada é uma

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estratégia discursiva de um determinado grupo com intenção de tornar hegemônico o

discurso desse saber. Demarcar até onde vai essa ou aquela disciplina é o mesmo que

estudar seus limites. Ao mesmo tempo pode ser uma forma de “revelar as fronteiras

dentro das quais cada uma conserva a sua, por assim dizer, declarada identidade e a

partir das quais tal identidade desaparece.” (ibid:122).

Analisar o que diz a Didática sobre o mundo e sobre si mesma – e sobre o que é

capaz de fazer – poderá nos revelar o quanto ela quer e pode afirmar a sua própria

cientificidade. A compreensão desse processo de busca de identidade e dos fatores que

atuam na definição co campo acadêmico da Didática nos leva a estudo histórico sobre

as formas que ela tem assumido , desde a sua origem e no curso de sua evolução.

Apesar de o termo didática ser usado desde a Antiguidade, a Didática só se

impôs como um campo de conhecimento autônomo a partir da obra Ratke denominada

“Deliberação sobre o método renovado de estudos”, quando , então, fez amadurecer a

concepção de Didática de Comenius, e esse autor pode publicar, logo após, a sua

“Didática Magna” (Gasparin, 1994).

Segundo Davini (1996), a inclusão da Didática como disciplina no campo da

educação corresponde à tradição européia ampliando-se ao contexto latino– americano.

Esta autora nos diz, ainda, que nos países anglo-saxões esta incorporação não é

apreciada, porque é considerada em grande parte uma aplicação da psicologia da

educação. Entretanto, nos últimos anos, a definição disciplinar de Didática ainda tem

provocado alguma polêmica. Nesse sentido, a história da Didática é essencialmente

diferente da história de outras áreas do conhecimento. Para Soares, (1986:39):

Desde o seu primeiro momento, a Didática organizou-se como um corpo de

doutrina, de prescrição. Lembre-se que Comênio definiu sua ‘Didática Magna’,

que inaugurou a disciplina, como ‘um artifício universal para ensinar tudo a

todos’. A partir daí, a Didática – em sua produção intelectual e em seu ensino –

outra coisa não tem sido se não um conjunto de normas, recursos e

procedimentos que devem (deveriam?) informar e orientar a atuação dos

professores.

Ou seja, essa disciplina definiu-se a priori com um conjunto de normas que

orientam uma prática. Ela não se constituiu “... por uma conquista progressiva de

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autonomia, através de pesquisas e reflexão que conduzissem à identificação e

delimitação de sua especificidade.” (ibidem: 40). Assim, desde o período clássico

grego, a Didática se impôs como um corpo de conhecimento autônomo. Alguns traços

básicos marcaram o seu controvertido desenvolvimento e que vão desde a questão de

base normativa, passando pela expressão da tecnocracia até um movimento contrário no

qual a Didática, hoje, busca explicitamente diferenciar-se de seu papel mais técnico.

Tomando Comenius como o primeiro sistematizador da Didática, verificamos

que o que ele sinalizou em sua obra continua até hoje na sua perspectiva teórica se

afirmando nesse campo do conhecimento: um objeto de ensino e, de forma mais

enfática, a um método de ensinar tudo a todos. A partir daí, surge a polêmica em torno

da delimitação epistemológica da Didática: seria o campo da Didática um campo de

conhecimento?

No século XIX, a obra de Herbart também apontou o desenvolvimento dos

passos formais do ensino, enfatizando a instrução como transmissão de saber. Apesar

das diferenças entre esses dois marcos históricos do campo da Didática, suas

perspectivas configuraram o discurso da Didática no campo acadêmico em íntima

ligação com a concretude de regras de ação para o ensino, conforme passos e meios. Ou

seja, a normatividade não se desligava do problema das finalidades da Educação, nem

de projetos de construção de um mundo de valores e também e também do otimismo

pedagógico de uma sociedade mais justa e humana.

A influência do ideário da Escola Nova, nas primeiras décadas do século XX,

marcaram um novo enfoque no desenvolvimento do campo acadêmico da Didática.

Essa fase foi marcada pela psicologia da época, passando a reconhecer a realidade

psíquica da infância. Segundo Passos & Veiga (1994), nesse período o campo da

Didática desloca-se da disciplina e da instrução para centrar-se no desenvolvimento do

sujeito da aprendizagem.

No período pós-guerra e com a expansão da industrialização, o critério

normativo não foi abandonado. Ao contrário, foi exacerbado, mas sem ligação com o

debate ideológico. De acordo com a matriz histórica da disciplina, as propostas que

surgiram significaram o reforço da certeza metódica. Estavam baseadas na

“objetividade”, na neutralidade política, na eliminação simbólica do sujeito e dos fatos

da consciência. Configurou-se como uma mistura da Psicologia comportamentalista

com a perspectiva voltada para a eficiência.

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Logo a seguir, a debilidade teórica e política de tais propostas foram rompidas.

As obras de pensadores da Teoria Crítica como Adorno, Horkheimer e Marcuse,

associadas à teoria de Bourdieu, além da análise das “relações de poder” desenvolvida

na obra de Foucault, trouxeram a negação de se recorrer ao método lógico de redução a

elementos. Para Davini (1996) essa nova fase recuperou a dimensão da subjetividade na

organização da experiência, trazendo como novo paradigma o papel da ideologia e seus

usos.

De todos os marcos definidores do campo acadêmico da Didática, a maior

ênfase sempre foi dada ao método. Desde a inauguração do campo acadêmico dessa

disciplina, a Didática fundamentou no método sua positividade teórica.

Essa disciplina, a partir de Comênio, se constituiu no âmbito da organização das

regras que orientam o método para tornar o ensino eficaz. O termo “método”, na obra

de Comênio (1994:144, apud Gasparin) é ressaltado com confiança absoluta: “... o

método adequado para cada coisa é infalível, contanto que usado por quem o domine

completamente.”. Consideramos a ambivalência do termo método no mesmo campo

semântico nas palavras “didática” e “arte”. Conforme Gasparin (1994) focaliza, essa

ambivalência seria resultado e conseqüência da fase de transição vivida no século XVI

– um momento histórico , também dúbio, no qual a educação possuía uma função social

e religiosa ao mesmo tempo. Assim, Comênio passa a afirmar uma lógica característica

da didática (a necessidade da existência de um método de ensino) que acaba por ser

entendida como uma prescrição de um determinado tipo de método que deve ser

seguido em todas as circunstâncias. Na verdade, Gasparin (1997) critica a interpretação

dada pelos autores brasileiros dizendo que a Didática em Comênio nada mais é do que a

(...) manifestação de uma nova necessidade dos homens no desenvolvimento do

processo de produção de suas vidas. Ela se tornou a expressão da nova forma

de ensinar o novo conteúdo social que se propunha como resultado da nova

forma de trabalho, da nova forma de fazer ciência. Ela é, portanto,

conseqüência e expressão educacional de uma nova forma de vida. (1997:117)

Para Candau (1996:28), na definição dada por Comênio, “... a Didática é

apresentada como um artifício universal, onde nem o sujeito, nem o objeto são

estruturantes do método didático.”. Talvez daí tenha surgido a concepção que tem

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percorrido os séculos ao se fazer a leitura no campo da Didática, já que o entendimento

prescritivo a respeito do método ainda persiste nas representações dos professores. Ou

seja, quem trabalha com a Didática parece estar buscando um método capaz de ensinar

tudo a todos. Concordando com Gasparin (1997), a Didática nasceu para ser científica e

o método era sua forma de alcançar a cientificidade.

Quanto ao objeto. de estudo da Didática temos no campo várias discussões.

Soares (1986:10) critica a ambigüidade paradoxal presente na consideração do objeto

de estudo da Didática, ao longo da sua história - o processo ensino-aprendizagem. Diz

ela:

(...) o objeto da Didática é, ou deve ser realmente este (...) o ensino é um

fenômeno independente de aprendizagem, com características próprias, com

uma especificidade que o torna legítimo como objeto de estudo e pesquisa; o

objeto de estudo de Didática será, talvez, antes o ensino que o processo ensino-

aprendizagem.

Ou seja, segundo Soares, à Didática se tem atribuído um objeto de estudo

paradoxalmente amplo e restrito, ao mesmo tempo: ora é a aula, ou o ensino como

acontecimento, ou a prática pedagógica, ou o trabalho docente, ou a prática social. A

própria seleção e organização dos conteúdos dessa disciplina não abandonou o critério

normativo, embora defendamos que um mínimo acordo precisa ser feito com a nova

perspectiva da Didática Crítica: a presença de critérios básicos de ação propostos pela

Didática co-existindo com a reflexão e a compreensão da totalidade no particular,

indicando a presença de conhecimentos compartilháveis por todos os envolvidos para se

atingir aos fins sociais propostos.

Sendo assim, não basta só selecionar e organizar cientificamente o conteúdo

escolar. É necessário “vivenciar e trabalhar um novo processo de seleção e organização

de conteúdos que são instrumentos de um fazer educativo politicamente definido.”

(ibidem:81).

Para Oliveira (1993), toda essa discussão em torno do objeto e conteúdo da

Didática não pode ser considerada nos limites dessas classificações ou nomeações, sob

pena de se cair não só num reducionismo da naturalização da história dessa disciplina,

como também num formalismo, contradição ou fragmentação enquanto campo de

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conhecimento. Para Veiga (1994), ao longo do percurso histórico da disciplina Didática

tem-se enfoques dicotômicos que vão do tradicional ao histórico-crítico e, em todos

eles, não há um conceito absoluto que satisfaça a todos e nem há consenso quanto ao

objeto da Didática. Essa busca da legitimidade pela Didática foi acompanhada, entre a

segunda metade dos anos 50 e a primeira metade dos anos 70, por um discurso

unificador: a suposta neutralidade científica do conteúdo das diferentes propostas

didáticas então vigentes. Ou seja, esse foi um período em que o Estado impôs os

critérios de legitimidade da produção científica no campo acadêmico da Didática.

Nesse período, sob o lema de uma “educação para o desenvolvimento” e a influência do

movimento da tecnologia educacional, o campo da Didática busca a racionalização, a

eficiência e a produtividade do ensino. Para isso, as relações entre método de ensino,

método de aprender e método de organização da matéria de ensino são elementos

estruturantes do campo dessa disciplina.

Sendo assim, analisamos, especialmente no nosso estudo, a perspectiva da

Escola Nova e do tecnicismo. Com efeito, é sabido que o movimento da Educação

Nova foi constituído de um amálgama de diferentes vertentes, sem um projeto político-

pedagógico mais orgânico que as unisse. Segundo Garcia (1994) esse amálgama tinha

duas correntes: o pragmatismo americano que desembocou no behaviorismo dos anos

70, e, por outro lado, o avanço da psicologia genética acerca da aprendizagem e do

desenvolvimento infantil. Quanto ao tecnicismo, no final dos anos 60, a lei 5692/71

reorganizou todo o sistema de ensino dentro dos critérios de racionalidade,

produtividade e eficiência. Foi a crise de legitimidade vivida pela Didática “e,

sobretudo, pela Didática Geral” (Garcia, 1994:173).

Para Candau (1996:29) essas perspectivas estão marcadas por um formalismo

lógico: uma idéia de “um método que vai resolver todos sos problemas que pode ser

aplicado em qualquer situação, com qualquer sujeito, com qualquer conteúdo”. Isso

estaria no “inconsciente coletivo” dos que trabalham com a Didática. Houve, portanto,

fragmentação do próprio objeto de estudo do campo acadêmico da Didática. A

disciplina Didática Geral saiu perdendo com esse processo de fragmentação. Surge,

então, o tempo no qual se abre para a hegemonia da sociologia no discurso e nos

conteúdos da Didática Geral. Afirmam-se novas lideranças no interior do campo da

Didática, o discurso sobre o ensino e prática pedagógica transformam-se, inicia-se a

fase da Didática Crítica.

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Segundo Garcia (1994:154), esse foi um princípio vivido pela Didática da época

que exercia o papel “... de dissimular e até mesmo reforçar o contexto político e

econômico desses anos.” A partir dos meados da década de 1970 esse movimento

adquire mais maturidade. Acontece, então, o Primeiro Encontro Nacional de

Professores de Didática que surge como a primeira iniciativa de organização dos

profissionais do campo da Didática, realizado em entre 12 e 17 de junho de 1972, sob o

patrocínio da Universidade de Brasília. Segundo Garcia (ibidem), os professores de

Didática levantaram, então, a necessidade de se promover estudos que viessem a

resultar, principalmente, na definição exata do campo de estudo da Didática. Nesse

encontro, o questionamento da identidade da Didática tornou oficial o movimento de

crise que iria culminar uma década depois no I Seminário “A Didática em Questão”.

Esse movimento de valorização e redefinição da Didática dos anos 80 teve um forte

tom crítico, “... mas não abandonou a especificidade de suas questões nucleares.”

(Libâneo, 1998:62).

Segundo Garcia (1994), a crise da Didática é apenas a repercussão de uma crise

maior: o agravamento do clima de censura imposto às universidades na primeira metade

dos anos 70, no qual, ou se aderia ao discurso oficial, ou se estava sujeito a uma série de

dificuldades na vida pessoal e profissional em nome da instauração da ordem e do

perigo comunista. A partir dos meados dos anos 70, em virtude do início do período de

distensão e abertura gradual do regime político instaurado em 1964 e dos primeiros

sinais de falência do chamado “milagre econõmico”, o discurso educacional iniciou sua

transformação. Isto veio a atingir em cheio a hegemonia do discurso liberal no campo

da Didática.

Paralelamente às iniciativas renovadoras, a escola tomou outro

redirecionamento com as reformas promovidas no sistema educacional, no período

1968/1971. O ideário renovador tecnicista foi-se difundindo. A partir de 1978 ( Passos

& Veiga, 1994), iniciam-se as manifestações em torno de uma teoria crítica da

educação e que, evidentemente, refletiu-se na disciplina Didática Geral. Destacamos, a

seguir, essas duas fases que marcaram a trajetória da disciplina Didática Geral no

campo acadêmico.

3.2 – Breve Histórico da Didática no Brasil

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3.2.1 – A ênfase na eficiência social – o tecnicismo

Na perspectiva dos eficientistas sociais, as decisões administrativas e políticas

eram centralizadas e, ao mesmo tempo, separava-se o processo de concepção e controle

do processo de execução. Esse sistema visava à racionalização e à eficiência na

formação dos recursos humanos que o modelo econômico à época exigia. O modelo da

“pedagogia por objetivos” tem suas raízes no movimento “utilitarista” na educação. Isso

ocorreu paralelo ao auge da aplicação do enfoque taylorista na indústria (Garcia, 1994).

Esse modelo mostra suas possibilidades para aumentar a qualidade e quantidade da

produção industrial. Os princípios do taylorismo influenciaram a educação americana e

outros espaços do social. Eram quatro princípios básicos da Administração Cientifica

ou taylorismo: o primeiro introduz o cronômetro nas oficinas com a intenção de se

chegar ao tempo necessário para operações variadas. Assim, esse princípio estabelece a

separação das especialidades do trabalhador do processo de trabalho.

O segundo estabelece a separação entre o trabalho de concepção e o de

execução. O terceiro contempla uma relação “íntima e cordial” entre o operário e a

hierarquia da fabrica, anulando a existência da luta de classes no interior do processo de

trabalho. O quarto princípio resume-se na divisão “eqüitativa” do trabalho: divisão de

responsabilidades entre a direção e o operário. A “qualidade” e “quantidade” da

educação passou a ser campo para esse modelo. Afinal, esta seria uma concepção

“rentável e eficientista” da qualidade da educação.

Ou seja, haveria possibilidades de se diagnosticar quantitativamente o êxito da

“empresa escolar”. O que ocorria nas fábricas foi, da mesma forma, buscado na escola

– a objetivação do trabalho pedagógico. Além disso, uma nova relação homem X

trabalho passou a ter significado nessa sociedade desse tempo, instalando-se na escola a

divisão do trabalho em nome de uma produtividadae que passou a ser exigida.

Para Sacristán (1995), esse modelo dá início a um novo modelo de gestão

educacional como se fosse um negócio, uma “planta industrial”. Os esquemas

tayloristas de organização do processo industrial encontram uma tradução direta nos

esquemas de organização didática do processo de ensino-aprendizagem.

O enfoque do papel da Didática a partir dos princípios da pedagogia tecnicista

procura situar uma opção não-psicológica, limitando-se à tecnologia educacional. A sua

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preocupação fundamental é com a eficácia e eficiência do processo de ensino. Nessa

concepção, os conteúdos de Didática estão centrados no planejamento formal, na

elaboração de materiais instrucionais e na racionalização.

A preocupação é com a operacionalização e o controle. O processo em si é

valorizado porque ele define o que os professores e alunos devem fazer, quando e como

o farão. Este momento histórico da Didática é o início de sua maior discussão:

desvinculação entre teoria e prática.

Para Sacristán (ibidem), com o tecnicismo surge o novo paradigma para

responder à preocupação da escola de enfrentar as exigências sociais através de

objetivos que meçam o ensino-aprendizagem. Segundo Sacristán há uma grande

preocupação por parte da escola de responder às exigências sociais de seu tempo e um

certo afã e obsessão de encontrar procedimentos de avaliação possíveis de se

determinar em que medida os objetivos traçados previamente estão sendo alcançados.

Para esse autor, essa perspectiva está apoiada num modelo distante do campo da teoria

didática. A pedagogia por objetivos está, portanto, preocupada em ter um “apoio

científico na forma de entender a ciência, por partir de paradigma psicológico, por

configurar toda uma técnica para programar o ensino e por configurar todo um modelo

de educação.” (ibidem, 1995:10)

Diaz Barriga (1992:.61) também critica esse modelo : “A noção de objetivos se

apresenta como um elemento da proposta da tecnologia educativa para a educação, com

o objetivo de contribuir para a sistematização das atividades educativas e com uma

suposta cientificidade”. Ou seja, considerando as críticas dos dois autores, essa

pedagogia por objetivos tem amparo no eficientismo social que vê a escola e o currículo

como instrumentos para se conseguir os produtos que a sociedade e o sistema de

produção necessitam num dado momento histórico.

Na pedagogia dos objetivos, entretanto, silenciam-se as questões sociais e

políticas na determinação dos altos índices de evasão e repetência na escola, a baixa

produtividade do ensino. Ignora-se a relação entre escola e sociedade. Desvincula-se a

teoria da prática pedagógica concreta na abordagem dos problemas pedagógicos. A

ênfase é em soluções eminentemente formais e técnicas dos problemas do ensino, tendo

como pressuposto a tão repetida “neutralidade” que deve embasar uma perspectiva

“verdadeiramente” científica que a Pedagogia e a Didática, supostamente, devem ter no

tratamento daqueles problemas.

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Tal pedagogia teve origem em Bobbit e Ralph Tyler. Para Bobbit o currículo é

fator primordial no processo ensino-aprendizagem e, por isso, ele precisa ser

cientificamente planejado. Segundo esse autor, a elaboração de currículos precisa

envolver a descoberta de habilidades, atitudes, hábitos, conhecimentos de que os

indivíduos dependem em suas vidas, assim como a conseqüente definição dos objetivos

a serem perseguidos e dos meios a serem empregados. A idéia de Bobbit da “eficiência

social” se apresenta ainda hoje com grande ênfase.

Tyler, em sua obra “Princípios básicos do currículo”, já definia que os objetivos

nada mais eram do que “os enunciados que indicam os tipos de troca que se buscam no

aluno; a forma mais útil de enunciar objetivos consiste em expressá-los em termos de

conduta que se pretende gerar no aluno” (Tyler, 1979:47).

Por essa pedagogia, o fracasso escolar e a crise dos sistemas educacionais são

vistos como fracassos de eficiência de uma sociedade competitiva, altamente

tecnologizada, cujos valores fundamentais são de ordem econômica. Esse modelo tem a

missão básica de tecnologizar o processo educativo sobre as chamadas “bases

científicas”. É um modelo que tem ressaltado o valor dos objetivos no ensino, mais que

o valor dos do ensino. A sua preocupação é técnica, com o como fazer. Não há

preocupação maior de uma discussão ideológica.

Com o auge do enfoque da eficiência social no Brasil, nos anos 70, as obras de

autores como Robert Mager (1977), Benjamim Bloom (1972), Norman Gronlund

(1975) e James Popham (1978) eram as mais lidas e relidas nos meios educacionais de

todos os níveis.9 a Mager (1977), no seu livro clássico sobre elaboração de objetivos de

ensino explica no prefácio que:

Este livro é destinado aos que desejam saber como anda o ensino que

administram a aos que desejam desenvolver os instrumentos básicos com os

quais possam medir as finalidades do ensino. Mostra como reconhecer e

elaborar itens de teste através dos quais se pode determinar se um objetivo de

ensino foi alcançado.

9 No início da década de 80, esta pesquisadora, ao terminar sua graduação e ingressar no Mestrado da UFRJ, já tinha como referencial e leitura obrigatória esses autores.

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Popham (1978:01) na Introdução de seu livro clássico Como avaliar o ensino

destaca:

O aprimoramento dos educadores na avaliação de seu trabalho de

ensino é um dos imperativos do momento presente. Este livro é constituído de

seis instruções programadas (...) Depois de completar os seis programas deste

livro, você estará mais habilitado a lidarcom problemas relativos à avaliação

do ensino, quer no âmbito da sala de aula ou noutras situações educacionais.

As competências dadas pelos programas serão importantes para os indivíduos

que estejam se preparando para ensinar em qualquer nível de ensino.

Gronlund (1975) no Prefácio de seu livro A formulação de objetivos

comportamentais para as aulas sinaliza:

Este livro tem por objetivo servir de guia prático para a redação de

objetivos Instrucionais para o ensino e a aprendizagem. A técnica que aqui se

descreve enfatiza a formulação de objetivos instrucionais como resultados de

aprendizagem (...) Essa abordagem se apóia na hipótese de que o ensino e a

avaliação eficientes requerem uma concepção clara do que se deseja como

resultado da aprendizagem.

Num artigo de Benjamim Bloom (1968) ele diz:

Um problema básico para uma estratégia de aprendizagem para o

domínio é o de encontrar meios de reduzir o tempo requerido pelos

estudantes mais lentos até um ponto que mão seja proibitivamente longa

e difícil a tarefa para esses estudantes menos capazes (...). Contudo,

mesmo se as mudanças marcadas não são obtidas nas aptidões dos

indivíduos, é altamente provável que condições de aprendizagem mais

efetivas podem reduzir a quantidade de tempo necessário para aprender

um assunto até o domínio por todos os estudantes ...

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Nesses exemplos, fica claro o terreno fértil que o tecnicismo encontrou no

campo do ensino e, especificamente, da Didática. A necessidade de formar as pessoas

para os diferentes níveis de hierarquia empresarial passou a exigir da escola, na opinião

dos pioneiros no campo do currículo, uma organização mais eficiente calçada nos

princípios trazidos pelo tecnicismo.

Para Sacristán (1995), a racionalidade implica partir de objetivos e este modelo

da pedagogia por objetivos é mais tecnicista do que tecnológico. Ou seja, ele explora e

extrapola exageradamente a interpretação da técnica a partir de âmbitos não educativos,

sem respeitar determinadas limitações impostas pelo objetivo que se quer alcançar.

Esse modelo nasceu tendo como pano de fundo o setor e fim industrial e militar,

acabando por se instalar no ensino em geral, não sendo exclusivo da educação.

Para Sacristán (ibid) esse modelo tem a intenção de anular todas as suas

próprias possibilidades e de enfatizar os seus defeitos. Sacristán ainda argumenta que,

nessa pedagogia, a instituição escolar é criada e mantida pela sociedade para lhe

retornar benefícios, daí que não se deva estranhar que essa mesma sociedade dê uma

atenção mais cuidadosa ao cultivo de valores relacionados à eficiência e à rentabilidade

como algo desejável a si mesmo. Esses valores passam a ser valores básicos numa

sociedade fortemente tecnificada.

Desde a década de 60 que a Tecnologia Educacional trouxe a ênfase nos meios,

propondo-se a planejar em todas as áreas da sociedade e propagando que todo esse

processo de planejamento se baseia em conhecimentos científicos e visando a sua

produtividade, isto é, o alcance dos objetivos propostos de forma eficiente e eficaz.

Implica nesse enfoque a exigência de trabalhadores qualificados, com um certo nível

tecnológico, capazes de fazer da educação um instrumento de progresso técnico e

científico.

Segundo Horta (1994:215), discutindo o planejamento no Estado

intervencionista:

A caracterização do planejamento como categoria histórica do processo

de controle social, isto é, como instrumento de realização ‘controlada’ da

História, traz para o centro da discussão o problema da escolha dos objetivos

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(fins e valores) para cuja realização se conta com o processo de controle social

consistente no planejamento.

Ou seja, as decisões ligadas com a escolha, delimitação e abrangência dos

objetivos (valores) podem, nessa perspectiva , serem vistas como um problema de

natureza técnica ou política. Considerando-se a concepção de planejamento enquanto

instrumento do Poder do Estado, Horta (ibidem:220) sinaliza que o planejamento torna-

se, então, funcional, acabando por se utilizar “... do plano como instrumento para fazer

valer seu próprio projeto sob o discurso de integração dos elementos na vida social

existente”. Para esse autor, o planejamento se apresenta, assim, com um caráter mítico,

justificado ideologicamente com uma concepção específica de “técnica” e do “técnico”

que tende a se constituir à base da tecnocracia.10 O planejamento educacional ganha

cada vez mais importância como um mecanismo de intervenção do Estado em

educação: é considerada uma tarefa de “técnicos”, longe do campo de atuação

específica dos “educadores”. À época no Brasil, no fnal dos anos 60 e início de 70, é

retomada a expansão econômica e o desenvolvimento industrial. Para Horta (ibidem)

duas funções da educação se acentuaram: a formação profissional e a elaboração e

difusão da ciência e da técnica.

Segundo Candau (1996:17), “O modelo político reforça o controle, a repressão e

o autoritarismo. A educação é vinculada à Segurança Nacional.”. Nessa perspectiva, a

formulação de objetivos instrucionais, as diferentes taxionomias, a construção de

instrumentos de avaliação, as diferentes técnicas (ensino por módulos e instrução

programada) e recursos didáticos, modelos sistêmicos, habilidades de ensino e

determinadas metodologias passam a constituir o conteúdo básico dos cursos de

Didática. No campo do currículo tudo passa a fazer uma associação à racionalidade

instrumental. Segundo Silva (1999), o currículo nessa perspectiva é visto como um

processo de racionalização de resultados, cuidadosamente especificados e medidos.

Nesse modelo de currículo, os alunos devem ser processados como um produto fabril.

Ou seja, a escola e o currículo têm que dar uma resposta eficiente ao que a sociedade

pede dela. Para isso, portanto, o currículo deveria viver para alcançar tais objetivos e

10 Trata-se da eliminação de qualquer problemática relacionada com os fins, pela absolutização dos meios, e a negação da dimensão política, denominado este processo por Horta (1994) como sendo de submissão do processo decisório aos critérios da racionalidade técnica.

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seu desenvolviemnto fundamentava-se, principalmente, nas idéias de padronização e

eficiência.

Essa justificativa do sucesso desse modelo consegue ser lógica, na medida em

que se pensarmos que a chamada “pedagogia por objetivos” ou “ensino baseado em

objetivos” é uma resposta coerente com a idéia de que a escola deve ser uma instituição

útil aos valores predominantes vigentes na nossa sociedade e guiados por critérios de

eficiência (valor este básico nas sociedades industrializadas).

Para Diaz Barriga (1992:17) referindo-se à influência de Tyler nesse modelo: “É

necessário precisar que a concepção que esse autor tem do ‘social’ no currículo, está

fundada em uma epistemologia funcionalista”. Ou seja, num ou noutro autor o que

podemos sintetizar desse modelo no momento histórico então vivido pelo tecnicismo é

a urgência que se teria de se ensinar tudo aquilo que se pudesse aprender de forma mais

rápida. Para Sacristán (1995) isso seria o mesmo que dizer que as pessoas têm de

aprender a fazer e que se pode analisar em atividade o que um trabalhador faria em

tarefas. Ou seja, se a educação tem que preparar para a vida, então o currículo pode

tentar preparar o indivíduo para essas atividades.

Dessa forma, nesse modelo a educação fica caracterizada como um treinamento

que facilita a formação de hábitos necessários às atividades humanas em uma sociedade

industrial. Segundo Diaz Barriga (1992,) a partir da década de 70, esse modelo passou a

ser cobrado no sentido de se organizar os programas escolares centrados nos objetivos

comportamentais. A elaboração técnica desses objetivos passa a ser privilegiada

tomando como referência os critérios que Robert Mager estabelece: comportamento

observável alcançado pelo aluno, critério utilizado para o alcance desse comportamento

e o padrão mínimo aceitável para se considerar que o objetivo tenha sido alcançado.

Portanto, o paradigma da “pedagogia por objetivos” nasce como um modelo

puramente tecnocrático e eminentemente instrumental. Diaz Barriga critica esse

modelo: “Quando este esquema é utilizado num programa escolar acaba se esquecendo

que num grupo escolar todo processo de aprendizagem assume particularidades

específicas”. (ibidem: 24). É um modelo reducionista e que considera a sociedade, o

homem como algo dado, homogêneo e estático.

A Didática tecnicista trouxe propostas didáticas que significaram o reforço da

certeza metódica – de acordo com a matriz histórica da disciplina – baseada na

objetividade, na neutralidade política, na eliminação simbólica do sujeito e dos fatos da

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consciência. Esse paradigma se apoiou, por um lado, nas conclusões da Psicologia

comportamentalista e, por outro lado, na expansão da planificação, voltada para a

eficiência na qual a realidade é confundida com as estatísticas.

Autores brasileiros como Dalila Sperb, Luiz Alves de Mattos, Zélia Domingues

Mediano, Romanda Gonçalves, Claudino Pilleti, Clódia Maria Turra, Oyara Peterson

Esteves, Ângela Reis e Vera Joullié, Irene Mello de Carvalho e Imídeo Giuseppe Nérici

traziam em seus livros o entendimento clássico de currículo e de Didática como toda

aprendizagem planejada, supondo assim, uma ênfase no planejamento curricular como

atividade racional centrada em três elementos: objetivos, conteúdos ou matérias e

métodos ou processos. Essa perspectiva do tecnicismo educacional foi respaldada com

livros de Benjamim Bloom e Robert Mager, principalmente.

Ainda na primeira fase da década de 70, tentou-se redefinir a Didática

procurando se evidenciar não só a dificuldade quanto à delimitação dessa disciplina

como um campo autônomo, como também quanto à tentativa de se propor um modelo

de situação didática. A partir de 1974, época em que se inicia o momento de distensão e

gradual abertura do regime político autoritário até então instalado, surgiram estudos

empenhados em fazer a crítica da educação dominante. Foram estudos centrados em

questionar a concepção tecnicista e eficientista de educação. Tais estudos foram

denominados por Saviani (1988:17) de “teorias crítico-reprodutivistas”. Essas teorias

foram incorporadas pela Didática.

Essas teorias causaram forte impacto na Didática, que passou a negar a

dimensão técnica e caiu no pólo oposto de enfatizar a dimensão política. Só que esse

novo discurso ficou reduzido ao ato de “discutir sobre” e “falar sobre”. O discurso da

Didática no campo acadêmico assumiu perspectivas sociológicas, filosóficas e

históricas, deixando para segundo plano a sua dimensão técnica e humana. Para Candau

(1988:19) foi “a afirmação da impossibilidade orientada de uma prática pedagógica que

não seja social e politicamente orientada, de uma forma implícita ou explícita”. A

História, Sociologia e Filosofia da Educação passam a ser focalizadas de forma mais

crítica nas escolas de formação de professores. Essa nova postura crítica, segundo

Veiga (1994:64), fez com que os professores procurassem

(...) rever sua própria prática pedagógica, a fim de torná-la mais

coerente com a realidade sócio-cultural. A Didática é questionada. Em sem

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precisar perder sua característica instrumental e técnica, necessária à

formação profissional, os movimentos em torno da revisão da referida

disciplina apontam para a busca de novos rumos.

De maneira geral, na década de 80, foi um momento histórico no qual as

reflexões de caráter político-social passaram a ter nova configuração, em todas as áreas

do conhecimento. Essas reflexões visavam tanto explicar o campo do conhecimento e

estruturas vigentes como encontrar novas alternativas aos impasses delas derivados.

Iniciam-se, assim, as manifestações em torno de uma teoria crítica da educação, o que,

evidentemente, refletiu-se no campo acadêmico da Didática. Passaremos, então, a

discutir os novos discursos que passaram a pautar a trajetória da disciplina Didática no

Brasil.

3.2.2 – Perspectivas Críticas – O Movimento da Didática Crítica e os

principais autores brasileiros no campo da Didática.

Tenta-se redefinir o campo da Didática evidenciando-se não só a dificuldade

quanto à delimitação dessa disciplina como um campo de estudo autônomo, como

também quanto à proposta de um modelo de situação didática. A partir desses estudos e

do impacto de obras que começaram a surgir nos anos 70 com essa perspectiva como

Sociedade sem Escolas, de Illich, A Reprodução, de Bourdieu e Passeron, La escuela

capitalista, de Baudelot e Establet, Ideologia e aparelhos ideológicos do estado, de

Althusser – os discursos se tornam consensuais naquilo que diz respeito às relações que

se estabelecem entre escola e a realidade de nossa sociedade. Para Saviani (1994), as

teorias dos autores acima citados não contêm uma proposta pedagógica. Elas se

empenham tão-somente em explicar o mecanismo de funcionamento da escola tal como

está constituída.”. Por outro lado, Saviani (1988 b:15-16), diz que

Esta visão crítico-reprodutivista desempenhou um papel importante em

nosso país, porque de alguma forma, impulsionou a critica ao regime

autoritário e à pedagogia autoritária desse regime, a pedagogia tecnicista.

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A partir dessa constatação, Saviani (1988 b) levanta a questão central da teoria

crítica, que ele passa a denominar de “concepção histórico-crítica” no lugar de

dialética. Nessa concepção ele procura reter o caráter crítico de articulação com as

condicionantes sociais. E assim foi emergindo e tomando forma essa essa nova proposta

pedagógica. Seu texto “Escola e democracia: para além da curvatura da vara” tentou

mostrar como se configuraria uma proposta que não fosse nem tradicional nem

escolanovista.

José Carlos Libâneo cunhou a expressão “pedagogia crítico-social dos

conteúdos” para nomear uma tendência pedagógica que acabou por se firmar na década

de 80, colocando as tarefas da escola pública sob um enfoque polêmico e desafiante.

Num debate coletivo realizado em Niterói (RJ), em dezembro de 1985, o autor retoma o

papel da educação escolar na formação cultural e científica, explicita a gênese dos

conteúdos escolares e sua dimensão crítico-social, com a intenção de aprofundar e

compreender os princípios básicos da proposta em questão. Num artigo que foi

publicado pela revista ANDE, Libâneo (1986:05) explicita essa corrente:

(...) uma das propostas pedagógicas que vem sendo formulada é a da

‘Pedagogia Crítico-Social dos Conteúdos’, também denominada de ‘Pedagogia

Histórico-Crítica’ Ela se situa no quadro das concepções progressistas por

entender que a educação não é simplesmente um processo de adaptação ao

meio social vigente, mas um processo que ajuda os indivíduos a porem questão

as condições presentes de sua vida cotidiana geradas pelo modo de

organização da produção em nossa sociedade.

Libâneo situa a contribuição da pedagogia crítico-socail dos conteúdos no

sentido de se entender que, sob essa perspectiva, é fundamental o papel social e político

de difusão de cultura a todos pela escola pública. Nesse enfoque, favorece-se a atuação

dos indivíduos nas suas práticas de vida cotidiana e das lutas pela transformação social.

Ou seja, a pedagogia crítico-social dos conteúdos parte do princípio de que a

atividade na escola se insere no conjunto “... das mediações que compõem a totalidade

das práticas sociais” (ibid). Para entendermos essa dimensão trazida pela pedagogia

crítico-social dos conteúdos, precisamos entender os seus fundamentos. A questão aqui

é: Como as várias tradições e concepções vêem a cultura, a realidade social? Ora como

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ajustamento à ordem social estabelecida, ora como uma realidade social que se

transforma permanentemente. Por causa disso, a formação cultural aqui discutida

também é mutável, considerando-se as próprias exigências sociais e históricas de cada

época vivida. Daí surge o caráter de criticidade da educação escolar que, para Libâneo

(ibidem:09) está exatamente em “... reconhecer sua subordinação aos condicionantes

objetivos da estrutura sócio-econômica e a partir daí determinar o sentido da formação

cultural.”.

Os conteúdos críticos aqui considerados e na perspectiva de Libâneo são críticos

menos por formarem alunos contestadores e mais “... por colocarem os indivíduos em

condições de participar nas tarefas sociais e profissionais” (ibidem:11). Ou seja, a

dimensão crítica apontada por Libâneo faz ver que os conteúdos têm sua fonte no

desenvolvimento da prática social na qual se manifestam contradições e interesses de

grupos hegemônicos.

Para José Carlos Libâneo (1984, 1994, 1998), a Didática tem fundamentação na

teoria pedagógica que, por sua vez, se constitui no processo. Logo, o objeto de estudo

da Didática é o estudo do ensino, para conhecer as leis objetivas e as condições de sua

manifestação e pela investigação dos fatores reais condicionantes das relações entre

docência e aprendizagem. Estão presentes no processo de ensino as seguintes

dimensões: a política, a histórico-social, a científica e a técnica. Haveria também uma

relação dialética entre conteúdos/métodos, entre ensino e aprendizagem e entre direção

e auto-atividade.

A Didática, nessa perspectiva, entra em íntima relação com a pedagogia,

articula-se com os conteúdos-métodos em função dos quais os objetivos sócio-

pedagógicos são postos em ação na prática educativa. Os conteúdos escolares passam a

ser mais que expressões do conjunto dos bens culturais. Eles passam a englobar

conceitos, idéias, leis, generalizações contidos nos livros didáticos, nas aulas, nas

leituras e exercícios feitos em sala.

Ou seja, os conteúdos implicam métodos, estes, conteúdos e a dimensão crítica

sinaliza que esses conteúdos têm sua fonte no desenvolvimento em permanente

construção da prática social. Já a dimensão social sinaliza para o fato de que os

indivíduos vão se percebendo como co-autores ativos do estar em sociedade e da sua

própria humanização. Daí esses conteúdos conterem a dimensão crítico-social, visto

que fica evidente a relação conteúdos-métodos no processo de formação cultural do

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indivíduo. A seleção e organização do conhecimento nesse enfoque deixa de ser linear.

Essa seleção passa a implicar uma referência concreta à realidade escolar e,

conseqüentemente, em questões do tipo: Quem define os conteúdos? Ou como trabalhar

com conteúdos críticos nas diferentes séries do ensino fundamental?

Os estudos de Saviani (1986, 1988a e b) e de Libâneo (1983, 1986) conferem à

Didática uma contribuição no sentido de clarificar o papel político da educação, da

escola e do ensino. O que ratificamos neste estudo é a visão do homem como produtor

histórico de todas as suas formas de vida e, como tal, assumir uma posição crítica não

basta só ficar no nível da compreensão do que a coisa construída é, num exato momento

histórico. Precisamos também perguntar: “O que há por trás, politicamente, de uma

suposta fachada de neutralidade?”. Em outras palavras, que “cara” tem o currículo e a

disciplina Didática nele inserida, numa instituição que forma professores? Que “cara”

tem esses elementos enquanto apoiados numa perspectiva crítica? Que conseqüências

advêm desse fato para a instituição e para a formação de futuros professores? Essas são

algumas das inquietudes que nos toma ao querer entender como todas essas concepções

de Didática foram reinterpretadas na instituição pesquisada.

Nos últimos anos a definição disciplinar de Didática tem provocado novos

questionamentos no seu campo de atuação. Algumas questões que hoje começam a ser

pesquisadas no campo da Didática tiveram a sua origem no recorte deste estudo: os

anos 80 em que o Movimento da Didática Crítica teve início. Questões como: “Como a

Didática é trabalhada hoje pelos professores no atual contexto escolar? Que processos

podem ter influenciado o senso comum para se dizer quais conhecimentos dessa

disciplina deveriam ser selecionados ou não? Por quê?” - todas essas são questões que,

para serem analisadas, compreendidas e refletidas passam, obrigatoriamente, pela

origem e evolução do pensamento crítico. E por que o professorado, na sua prática

pedagógica, se sente tão impotente em abraçar uma postura crítica? Por que esse

mesmo professorado prefere simplesmente negar essas questões, transferindo-as para

outras instâncias ou racionalizando-as? Para Apple (1997):

(... )o papel do trabalho educacional crítico, modos bem sucedidos de

contrapor-se...não podem ser inteiramente articulados ao nível teórico. Eles

começam e terminam, de muitas maneiras, no nível da prática educacional...

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Eles são aprendidos pelo engajamento em atividades diárias, sérias e

comprometidas.

O início da década de 1970 presencia ainda, sob a orientação do movimento da

tecnologia educacional, o Primeiro Encontro Nacional de Professores de Didática que

dá continuidade e amplia em âmbito nacional a primeira iniciativa de organização dos

profissionais da área da Didática. Existem poucos documentos11 que registram esse

encontro. Mas dez anos se passaram antes que os professores de Didática se reunissem

novamente em âmbito nacional.

A professora Magda Becker Soares (1986) passa a defender a tese de que não há

uma Didática geral na acepção tradicional do termo. Ao contrário, há didática dos

conteúdos específicos. Não existe qualquer relação entre a Didática Geral e as

disciplinas do conteúdo. A Didática, ao contrário de outras áreas de conhecimento que

se constituem atarvés de uma conquista progressiva, definiu-se logo de início como um

conjunto de princípios e normas de orientação de uma prática. Ou seja, começou por

onde as outras áreas terminaram. A Didática não é uma técnica fruto de uma ciência.

Ela tem-se fundamentado em modelos teóricos pré-estabelecidos, não construídos a

partir da pesquisa e da análise da prática para a qual pretende prescrever.

Ainda para esta autora, a Didática fundamentar-se-ia em uma linha de pesquisas

que vem buscando analisar e descrever a aula como fenômeno que apresenta certas

peculariedades, independentemente do contexto em que se dá e da diversidade de

conteúdos que nela se desenvolvem. Ou seja, esta autora propõe uma Didática que

estude a aula, tal como ela ocorre e trancorre.

A professora Vera Maria Candau (1988) passa a propor uma Didática

Fundamental cujo objeto de estudo seja o processo ensino-aprendizagem com as

seguintes dimensões: técnica, humana, sócio-política e organicamente articuladas. Ela

defende também a contextualização da prática pedagógica, a relação teoria-prática, o

compromisso com a transformação social, a necessidade de explicitação das diferentes

metodologias e a articulação do pensar sobre a Didática com a Didática vivida no

11 Alguns textos apresentados no evento foram publicados pela Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, RJ, v.59, nº 129, jan./mar., 1973. Entre eles as conclusões do evento sob o título de “I Encontro Nacional de professores de Didática: Conclusões”, e a Comunicação de Amélia Domingues de Castro sob o título “Redefinição da Didática”.

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cotidiano da prática educativa. Para Candau, a Didática tem por objeto a prática

pedagógica.

A crise da Didática como parte da crise de legitimidade que atingiu a pedagogia

foi um fato destacado e presente no discurso não só de Vera Maria Candau como

também outros profissionais da área que passaram a liderar esse movimento. Dentre

eles também destacamos os professores Maria Rita Neto Sales Oliveira, Luiz Carlos de

Freitas e José Carlos Libâneo. Estes profissionais consideraram que efetivamente a

crítica ao positivismo e ao psicologismo puseram em questão as bases científicas da

pedagogia, instaurando uma discussão sobre a possibilidade de fato da existência da

pedagogia como uma ciência da educação.

Para a professora Maria Rita Neto Sales Oliveira (1993) o objeto da Didática é o

ensino, meio através do qual os atores da situação pedagógica se relacionam com o

mundo e com os homens e que se concretiza na aula. Ela propõe uma Didática que

tenha um caráter crítico e que supere a contradição entre princípios e formas de

operacionalização do processo de ensino. Para ela, as dimensões do ato didático passam

a ser a histórica, a antropológica, a ideológica, a epistemológica. Além disso, o

compromisso com a transformação social continua presente.

Nas palavras de Luiz Carlos de Freitas (1987), a crise da Didática fez parte da

própria crise da pedagogia porque, de um lado, tem-se a descaracterização da pedagogia

enquanto ciência e, de outro lado, a crise da pedagogia, diluída nos conteúdos escolares.

Esse autor defende a necessidade de explicação de um projeto histórico claro, a

necessidade de conscientização da escola de ter uma teoria orientando professores e de

uma nova forma de administrar essa escola. Ele diz também que a pedagogia teria como

subsídios uma teoria educacional e uma teoria pedagógica (a Didática) e que os estudos

nessa área devem partir da identificação de problemas significativos, já que estes

podem conter, na sua forma embrionária, elementos da própria teoria pedagógica.

Observa-se nessa rápida retrospectiva histórica que se vem fazendo neste

trabalho, que existem possibilidades de análise que caminham para a compreensão dos

impasses vividos pelo campo da Didática nesses anos.

Importante salientar que nosso objetivo não é fazer uma história do campo

acadêmico da Didática, mas de mapear os principais discursos acadêmicos dos anos 80

e 90 que influenciaram o campo. Seus desdobramentos na história de uma escola de

formação de professores é parte fundamental deste estudo.

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Concluímos, assim, que o período que vai da segunda metade de 1970 à

primeira década de 1980 caracteriza o saber no campo da Didática segundo Santos

(1998:21) por críticas como: “... a não cientificidade do campo; às visões parciais na

abordagem do ensino pela didática...”.

No campo epistemológico, as contribuições representam um distanciamento do

positivismo e clamam pela compreensão dos fenômenos sociais. No político, o novo

paradigma destaca o papel da ideologia e suas características como premissa

metateórica e como justificativa entre as relações de poder e dominação.

No metodológico, a Teoria Crítica abandona a prescrição técnica do realismo

ingênuo e abraça a hermenêutica. Esta propõe a interpretação e reinterpretação dos

processos que caracterizam a vida da aula, reconstruindo os significados e intenções do

indivíduo, que nem se observam diretamente, nem podem ser quantificados. Ou seja,

principalmente na década de 70 e no início dos anos 80, o modelo tradicional de

Ciência começou a sofrer um forte ataque das novas concepções, com grandes reflexos

tanto na educação de forma geral, quanto na Didática. De uma forma particular, é o

momento em que surgem as indagações do tipo – Educação ou Didática, para quê? para

quem? Ou o que é educação/ Didática? Tudo isto trouxe à tona a discussão a respeito da

autonomia da Didática, seus pressupostos e seu campo de atuação.

A construção da Didática a partir dos anos 80 esteve, portanto, fortemente

marcada pelo que se chamou perspectiva crítica, transformadora ou progressista.

Segundo Candau (2000:150):

Desenvolveu-se uma corrente de idéias, enfoques, inquietudes,

propostas e buscas plurais e algumas vezes em confronto, mas dentro de

uma perspewctiva comum. Ideologia, poder, currículo oculto, alienação,

conscientização, reprodução, contestação do sistema capitalista, classes

sociais, emancipação, resistência, relação teoria-prática,educação

como prática social, o educador como agente de tranformação,

articulação do processo educativo com a realidade, são preocupações e

categorias que perpassam a produção dominante na área.

Toda a discussão sobre esse período da Didática Crítica implica voltar no tempo

e trazer uma gama de informações que os trabalhos então produzidos retrataram na

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área. Passamos a um breve estudo do campo da pesquisa na área da Didática a partir

dos anos 80 e a influência dos discursos de Currículo no campo da Didática, em virtude,

especialmente, do trabalho de Moreira (1998) e Santos. Focalizamos também alguns

impasses na delimitação do campo das disciplina Didática e Currículo, que ora se

aproximam, ora se afastam.

A pesquisa em Didática iniciou-se com a criação da pós-graduação em

Educação nas grandes universidades, dentro do novo regime instituído pela Reforma

Universitária, logo no início dos anos 70. A partir daí são criadas também as primeiras

pós-graduações no campo da Didática. Garcia (1994:147) destaca que :

Assim, a pesquisa em Didática, que nas décadas anteriores era ainda

pouco numerosa e incipiente nos seus procedimentos, agora, sob o signo

do positivismo, amplia-se significativamente e alcança uma sofisticação

não antes imaginada.

Os testemunhos de nomes ligados à Didática e à pesquisa em Didática como

Vera Maria Candau e Marli André, em entrevistas relatadas por Garcia (ibidem)

confirmam a direção das pesquisas tomadas pelo campo da Didática a partir desse

período. Candau relembra que o Mestrado na área de métodos e técnicas de ensino da

PUC/RJ, que começou a funcionar em 1970: “...tinha muita ênfase também na pesquisa,

e claro, na pesquisa experimental. Você tinha que fazer estatística e tal, tal, tal.” André

(1992) confirma as palavras anteriores. No seu relato escrito “A evolução do ensino da

didática” ela traça a história do ensino e da pesquisa na área de métodos e técnicas de

ensino do curso de pós-graduação da PUC/RJ, recorrendo aos programas das disciplinas

metodologia didática I e II e às teses defendidas no programa entre os anos de 1970 e

1986. Sua análise confirma a predominância da perspectiva instrumental-tecnológica

nos conteúdos trabalhados naquelas disciplinas e o uso do método experimental na

pesquisa, no período de tempo que vai de 1970 a 1977, aproximadamente. A partir daí

e, efetivamente, sob o movimento da tecnologia educacional, a pesquisa em Didática

conhece um grande impulso, afirmando-se como um instrumental que buscava a

racionalização e a eficiência do processo de ensino, baseadas em princípios científicos

oriundos das ciências do comportamento humano. Segundo Garcia (1994), esse impulso

da pesquisa em Didática deveu-se a fatores, principalmente, institucionais. Na medida

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em que o financiamento de pesquisas versavam sobre questões de ensino, também se

privilegiava uma abordagem experimental do objeto de pesquisa, visto que o Estado, à

época, interpretava e solucionava os problemas educacionais à luz dos princípios da

tecnologia educacional e dessa ideologia no campo.

Nesse momento, a maioria das reflexões sobre esse campo do saber foi

divulgada e aprofundada em fóruns específicos como os seminários: A Didática em

Questão, os Encontros Nacionais de Didática e Prática de Ensino (ENDIPEs)12 e as

reuniões da Associação Nacional de Pesquisa em Educação (Anped)13. As ações que

então se desencadearam receberam diferentes denominações: movimento A Didática

em Questão, movimento do Repensar a Didática da década de 1980, movimento da

Revisão Crítica da Didática da década de 1980 e movimento de Revitalização da

Didática.14.

A opção por situar a produção científica no campo da Didática com base nos

eventos acima referidos deveu-se, especialmente, ao fato de o movimento ter-se

constituído em instância responsável por um número significativo de reflexões e

produções realizadas nessa área nos últimos vinte anos em nosso país. Entrando em

contato com o que se pensou e o que se pensa sobre a Didática nessas duas décadas,

buscamos compreender não só a forma pela qual se constituiu esse saber, como também

o fato de nos aproximar da contemporaneidade dessa área no âmbito do pensamento

educacional brasileiro produzido no referido período deste estudo. Além dissso, pôde

12 O ENDIPE é promovido por pesquisadores e docentes de Didática e Prática de Ensino e não há nenhuma entidade oficial ou universidade responsáveis por sua promoção. É realizado a cada dois anos, em diferentes capitais do país, com apoio das universidades e faculdades, com recursos financeiros das agências finaciadoras de pesquisa oficiais (tipo CNPq, CAPES, FINEP, órgãos financiadores de pesquisa do Estado e das Universidades) e com o dinheiro arrecadado das inscrições. Foram realizados até o presente 10 encontros. O XI ENDIPE está previsto para realizar-se no correr deste ano em Goiânia, no período de 26 a 29 de maio de 2002. Os encontros são realizados em estados que contam, em suas instituições de formação de educadores, com sólida base de ensino, pesquisa e produção científica na área, capacidade de mobilização de pesquisadores em âmbito nacional e participação de docentes em eventos científicos como a ANPEd (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação) e o próprio ENDIPE. Em razão disso, tem sido praxe em todos os 10 encontros já realizados que as comissões locais de realização do evento contem com membros que têm efetiva participação no GT de Didática da ANPEd e nos ENDIPEs.13 Nesta parte do estudo, optamos como fonte pela literatura produzida nos seminários e nos encontros, fundamentalmente. O ideário da Didática divulgado no âmbito da Anped é o mesmo que foi divulgado nos referidos encontros.14 Na V Reunião da Anped, em março de 1982, criou-se o grupo de metodologia e Didática que atribuiu ao trabalho que realizava a seguinte denominação: Movimento de Revitalização da Didática. Os interesses desse grupo em torno da Didática não estavam descolados ou justapostos aos interesses expressos nos seminários A Didática em Questão e nos Encontros Nacionais de Didática e Prática de Ensino . Esse grupo constituiu-se em mais uma instância de reflexão sobre a Didática.

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nos ajudar a entender como essas perspectivas de Didática foram entendidas,

compreendidas, interpretadas na instituição aqui estudada.

Para Maria Rita Neto Sales Oliveira, ao apresentar o tema “20 anos de

ENDIPE”, no X ENDIPE15 ela interpreta o campo pedagógico instituído pelos

ENDIPES ao longo desses vinte anos, reconhecendo-o como um espaço de posições

estruturadas de forma bastante complexa e do qual um de seus eixos temáticos – a

posição da Didática e seus agentes – tem ocupado um espaço ao longo desse tempo.

Ela levanta a hipótese de que no interior de cada uma dessas temáticas (as outras

seriam: a posição da Prática de Ensino e seus agentes; a posição da Arte e

Conhecimento sobre a Formação de Professores e seus agentes; a posição do Currículo

e seus agentes) – os agentes ocupam posições diferentes no interior de cada uma dessas

temáticas. Oliveira (2000) tomou como fontes para esse estudo o material do IV ao IX

ENDIPE e documentos da ANPEd (releitura da história da ANPEd, a história dos GTs).

A autora sinaliza que, em função das condições de tempo, deixou de incluir vinte e dois

trabalhos divulgados nos Anais. O estudo feito se limitou a sessenta e dois trabalhos

selecionados entre conferências, mesas-redondas e simpósios.

A autora destaca que, na constituição dos ENDIPEs, não há como negar a

importância das características do contexto social mais amplo em que os encontros

ocorrem: nas décadas de 80 e 90. Neste caso, nos anos 80, os movimentos sociais

ganham força pela luta operária, pela luta dos professores e, particularmente, pela

reconquista da participação nas definições da política educacional pela recuperação da

escola pública e pela democratização do ensino. Os ENDIPEs têm representado um

espaço em que os educadores se unem nessa luta de poder, desde a década de 80, para

superar a crítica meramente ideológica da educação. Na continuidade desse movimento,

nos anos 90 os ENDIPEs ocuparam um espaço

... em que se questiona o postulado do caráter impositivo dos valores do

neoliberalismo, supostamente entendidos como constituintes e constitutivos da

sociabilidade e subjetividade humana ‘convocadas’ para se colocarem

15 X ENDIPE – realizado na UERJ/RJ, no período de 29/5 a 01/6/2000. A professora Maria Rita Oliveira fez parte de uma Mesa Redonda Especial com outros expositores, no dia 30/5/2000, de 19 às 21h, tendo como tema “20 anos de ENDIPE” e no qual colocou como objetivo fundamental identificar as propriedades da produção teórico-prática na área de ensino e que tem nos ENDIPES o referencial básico de estudo e compreensão.

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disponíveis para aceitar a lógica da racionalidade econômica das reformas

educacionais da época. (Oliveira, 2000:164)

Oliveira (ibidem:164) divide as características dessa produção em três grandes

momentos: O primeiro momento ela denomina de construção de uma síntese

consensual, o segundo de expressão e consolidação de dissensos e o terceiro de um

novo consenso.

No primeiro momento ela destaca a análise feita considerando os primeiros

Encontros de Didática e Prática de Ensino até o V ENDIPE, realizado em Belo

Horizonte, em 1989. No primeiro momento “... haveria divergências e indefinições

sobre os objetos de estudo e conteúdos das áreas, mais particularmente para o caso da

Didática àquela época, enquanto um campo de conhecimento próprio e mesmo como

uma das disciplinas do currículo das licenciaturas”. Enfim, os estudos apresentam

diferentes posições em torno dessas duas grandes correntes. Elas se diferenciam de

acordo com a aproximação ou afastamento que atribuem ao ‘saber sistematizado’ ou ao

‘saber na prática”.

O segundo momento vem acompanhado da análise da produção do VI (1991) e

VII ENDIPEs. A constatação feita foi de que nessa produção haveria a consideração do

‘trabalho docente’ como objeto de estudo das áreas da Didática e da Prática de Ensino.

As discussões sobre o tema do VII ENDIPE ocorreram em torno da questão da

“produção” ou “construção” do conhecimento.

A autora destaca o fato de que para além das diferentes posições sobre o objeto

de estudo das áreas Didática e Prática de Ensino, em particular, o que existe é um

grande consenso. Aqui ela se refere à luta em defesa da legitimidade do saber didático

pedagógico e o começo da luta pela especificidade e importância do papel dos

processos de educação e de ensino, do movimento de recuperação da escola pública, de

democratização da escola pública e da transformação social. A partir daí, um novo

consenso parece se estabelecer nas produções da área. O VIII e o IX ENDIPEs parecem

vir a indicar mais do que uma fragmentação, um primeiro momento de um novo

consenso. A maioria das questões discutidas nesses Encontros refere-se à formação de

professores. Segundo Oliveira (ibidem:171) “... a tendência dominante se referiria

exatamente à importância de se construir uma concepção de professor com uma forte

conotação político-técnica.”. Trata-se aqui da discussão da profissionalização docente.

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A autora finaliza seu estudo destacando que em toda essa produção ao longo

desse tempo e por mais paradoxal que seja, os estudos produzidos ainda parecem muito

distantes da sala de aula e parecem caminhar para uma discussão acrítica em defesa da

formação do professor reflexivo, parecendo se deixar o aluno para segundo plano na

escola. A autora cita que no estudo feitonos dois últimos ENDIPEs o maior número de

citações feitas refere-se ao livro coordenado por António Nóvoa, Os professores e sua

formação, publicado em Lisboa, pela Editora Dom Quixote, em 1992 – o que evidencia

“... um consenso em torno da concepção de ensino enquanto prática reflexiva...”

(ibidem:174). A professora Selma Garrido Pimenta (2000) confirma este dado no

estudo feito sobre os trabalhos produzidos no GT de Didática da ANPEd no período de

1996 a 1999. Ela conclui na análise feita que são evidentes os avanços teóricos no

tratamento sempre (palavra usada pela autora) do objeto de estudo da Didática: o ensino

como prática social concreta e que os conceitos de professor reflexivo e epistemologia

da prática docente aparecem e se destacam nas pesquisas do período em análise.

Percebemos, à princípio, que a (re)construção da Didática nos últimos anos

realoca e atualiza a perpectiva de uma visão mais contextualizada do processo

pedagógico. Para Candau (2000:155): “... hoje, o desafio é, tendo presente a

especificidade da Didática, trabalhar a articulação com diferentes áreas do

conhecimento.” A autora leva em consideração que todo esse moviemnto de

(re)construção da Didática a levou muitas vezes a uma perda de especificidade, quando

então, os cursos de Didática passaram a se limitar a um elenco de temas também

trabalhados por outras disciplinas. Em lugar do diálogo frutífero entre os campos,

disciplinas ou espaços interdisciplinares, assistimos freqüentemente, ao debate pela

segregação de terrítórios. É o que acontece quando o tema da discussão é Didática e

Currículo e que passamos a discutir.

Para Severino (1998:98), referindo-se aos discursos de Didática e Currículo, nas

falas específicas de José Carlos Libâneo e Antônio Flávio Barbosa Moreira,

respectivamente, em textos produzidos sobre as confluências e divergências entre os

campos de saber da Didática e de Currículo – ele diz estarmos diante de uma

“problemática difícil”. Severino faz uma crítica às falas dos colegas no sentido de que

suas falas acabam por deixar transparecer o viés positivista que eles mesmos condenam,

a partir do momento em que os colegas “... não se remetem, em nenhum momento, a

uma possível colaboração da filosofia da educação...” (ibidem:99) no sentido de que a

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elucidação dos limites dessas duas áreas vai além de se tentar reconhecer que o único

conhecimento válido para os homens é o conhecimento científico.

Na visão de Moreira (1998:34) “... os limites entre as duas disciplinas se

mostram tênues e facilmente transponíveis.” A partir daí o autor passa à discussão do

que vem a ser uma disciplina e cita uma das hipóteses de Goodson sobre os conflitos,

acordos, negociações por que passa uma comunidade científica de uma disciplina para

fazer valer a sua retórica e discurso, visto que segundo Moreira (1998 apud Goodson

1995) “... as disciplinas não são entidades monolíticas, mas sim amálgamas mutáveis de

distintos e discordantes subgrupos e tradições.”. O campo do Currículo estaria voltado

mais especificamente para questões relacionadas à seleção e organização do

conhecimento escolar e a Didática focaliza o ensino como seu objeto de estudo.

Moreira sugere o diálogo entre os dois campos pela construção coletiva de rompimento

de barreiras, de interferência, no sentido de se tentar “... generalizar exatamente nos

pontos onde as generalizações parecem mais impossíveis de serem feitas.” (1998:47).

Esse programa de interferência sugerido pelo autor envolveria a participação das duas

comunidades não só em investigações da prática pedagógica, passando pela retomada

do diálogo com a escola e desencadeando “... um intenso diálogo entre os

pesquisadores dos dois campos e deles com outros especialistas.”. Moreira (2000)

sugere que cabe aguardar uma proposição mais clara dos contornos do campo do

currículo e de seu objeto de estudo.

Para Santos e Oliveira (1998), as disciplinas Currículo e Didática possuem papel

especial nos currículos de vários pontos em comum: a área do Currículo está

predominantemente voltada para questões relacionadas à seleção e à organização do

conteúdo escolar; a área da Didática está centrada em diferentes aspectos relacionados

ao processo de ensino-aprendizagem. Do ponto de vista histórico, a área da Didática

“... vem trazendo contribuições de fundamentos para as discussões no campo do

currículo.” (ibid:27), pelo fato de ser mais antiga que a do Currículo. Para as autoras, as

temáticas comuns nos campos da Didática e Currículo são três: estudos sobre o

processo de produção do conhecimento escolar, o papel da transposição didática; a

questão da formação do professor; a questão da cultura escolar. As autoras argumentam

que as áreas do currículo e da Didática se constituíram paralelamente em campos

distintos, “... da mesma forma que conteúdo e forma têm sido tratados como coisas

distintas”.

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As preocupações comuns compartilhadas nessas áreas possibilita que se abra

mais um canal para este estudo no sentido de entendermos a trajetória da Didática na

instituição pesquisada.

CAPÍTULO IV

CARACTERIZAÇÃO DA INSTITUIÇÃO CARMELA DUTRA

(ANOS 80 A 90)

Confidência de Carmelita16

Há muitos anos trabalho no Carmela.16 Encontramos o registro desta poesia feita por uma ex-aluna do Colégio, no número especial de comemoração do jubileu de ouro aberto no dia 15 de julho de 1995 e que se estendeu por todo o ano, até o dia 22 de junho de 1996, quando o Colégio completou 50 anos. O título da publicação é Carmela Dutra – uma escola que forma e informa em forma de amor, Esse informativo é datado de setembro de 1995.

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Principalmente estudei no Carmela.Por isso sou teimosa, orgulhosa, amorosa.

Cinqüenta por cento de amor por estas paredes.Cinqüenta por cento de amor pela educação.

E esta força que surge quando penso em desistirE a vontade de recomeçar que me faz seguir em frente

vêm da Carmela dos antigos professores, dos eternos mentores.E o hábito de lutar, que tanto me consome,

É doce herança carmelita.Da Carmela recebi prendas diversas que hoje lhe ofereço:

Este amor ao trabalho, da professora Adélia; Esta disciplina, que vem da dona Lea;

Esta organização, esta dedicação...Tive dificuldades, decepções, tristeza.

Hoje sou uma professora que sabe;Carmela também me deu felicidade.

E isto é o que interessa!OBS: Este poema é uma paródia de “Confidência de Itabirano, de CarlosDrummond de Andrade. Como itabirana, senti vontade de copiar o ilustre

conterrâneo. Perdoe-me o poeta, mas esta escola merece! (Ângela Reis de Melo)

Tudo o que acontece na escola, do ponto de vista do aluno, é aprendizagem e

socialização. Esses processos tendem a ser coletivos, na medida em que a instituição

escolar possui padrões ou tendências também coletivas, embora eles se efetuem em

cada indivídulo de forma singular. Sob essa perspectiva, ao aceitar a determinação que

a cultura exerce sobre a escola, ao reconhecer que esta reúne, organiza, manipula e

procura repassar um corpo de conhecimentos, condutas, valores, relações, crenças,

mitos e hábitos, historicamente produzidos no seio de uma sociedade, estamos dando

conta de uma parte do papel que ela desempenha, mas não de todo.

Nossa atenção se volta, agora, para dentro da escola e sobre a importância de

atentarmos para o que acontece no seu interior. A escola é ela mesma uma totalidade

complexa, dentro da qual ocorrem processos e fenômenos objetivos como a interação

entre as pessoas, o uso do material didático, a forma como o currículo é interpretado e

organizado na instituição. Para Nóvoa (1999:16), “As escolas são instituições de um

tipo muito particular.” Elas “... constituem uma territorialidade espacial e cultural,

onde se exprime o jogo dos atores educativos internos e externos...”.

Sendo assim, podemos estudá-la como um elemento difuso e entendê-la com

explicações que estão escritas fora de seus muros ou podemos detalhar cada um de seus

componentes, sem situá-la na totalidade mais ampla do social. Em ambos os casos a

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estaremos reduzindo. Assim, procuraremos trabalhar nos dois planos. Segundo Nóvoa

(1999), o fato de se isolar a ação pedagógica dos contextos sociais tem sido um

problema nas pesquisas educacionais feitas nos últimos anos. Esse autor defende a

impossibilidade de se isolar a ação pedagógica dos universos sociais que envolvem a

escola.

A ação desenvolvida pelos sujeitos no interior da instituição escolar não se faz

desligada da sua forma de existir, constituindo-se mesmo um dos indicadores que

expressam a dinâmica da instituição em seu conjunto. Percebemos, então, a necessidade

de revelar determinados aspectos ou traços dessa realidade onde foi realizado este

estudo e que, articulados, lhe dão uma identidade própria.

Para isso, mergulhamos na história da instituição de formação de professores

denominada Colégio Estadual Carmela Dutra, que nasceu com a Lei Orgânica do

Ensino Normal, em 1946, passando pela Lei 5692/71 que acabou por descaracterizar a

escola normal como uma agência de formação de professores de 1ª a 4ª séries do atual

Ensino Fundamental. É extremamente difícil perceber o movimento entre esses

momentos diferentes no caso da instituição aqui focalizada.

A reconstrução desses diferentes momentos da instituição foi feita com a

finalidade de fundamentar a análise pretendida neste estudo no sentido de que os

estudos sobre a escola, como lugar de formação, pode nos ajudar a compreender a

trajetória de sua história. Conhecer esses elementos da cultura organizacional da escola

se faz necessário para que se compreenda a articulação entre a história da disciplina

Didática nessa instituição e os processos de hibridização que acompanharam os

discursos de que essa disciplina se apropriou ao longo dos anos 80 e 90. Abordar a

história da disciplina escolar Didática na instituição, entendendo-a como nível meso

(Nóvoa:10) diferente do nível macro de onde são encaminhadas todas as propostas,

ordens, resoluções e pareceres, e igualmente diferente do nível micro da sala de aula,

fornece os subsídios necessários ao entendimento de como a escola reinterpreta o

currículo oficial, os pareceres e resoluções que regulamentam a disciplina Didática no

currículo da instituição.

Nossa preocupação se volta, então, para a escola e para a disciplina Didática. Ao

longo dos estudos no campo da história do currículo e da história das disciplinas têm

sido poucas as pesquisas nessa perspectiva. Trabalhos desenvolvidos por Sacristán

(1995) e Nóvoa (1999) sinalizam para essa necessidade de se pesquisar as decisões no

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âmbito curricular para além da sala de aula. Seria necessário olhar para esse processo

dentro da escola.

Para Ezpeleta & Rockwell (1989) e Nóvoa (1999) o espaço da escola é especial

e diferente do da empresa, da fábrica. Na escola seus sujeitos apropriam-se dos

“conteúdos educativos”. O conteúdo escolar abriria caminhos para outras

compreensões. Ou seja, esses conteúdos quando integrados na própria experiência

trazem sempre a possibilidade de se reconstruírem fora do âmbito escolar. Esses

conteúdos tomam formas diferentes e de acordo com os interesses implicados nessas

relações entre os sujeitos envolvidos, eles se redefinem permanentemente segundo as

questões, conflitos, embates, disputas em cada período e lugar. Essa é a importância de

se situar a história da instituição aqui estudada. Afinal, é essa história que contribuiu,

de alguma forma, para o caráter, as formas de atuação e de relação de seus sujeitos,

para a “cara” que a instituição tem nos dias atuais.

Queremos entender como se dá essa articulação entre a história da disciplina

Didática, de como essa disciplina se apropriou dos discursos acadêmicos no período

considerado e de como é valorizada no currículo da instituição nos dias atuais. Sendo

assim, este capítulo irá focalizar a importância e a construção social da vida da escola

no cotidiano. O estudo deste capítulo está centrado numa das características

organizacionais citadas por Nóvoa (1999:25) – a “estrutura social da escola”, que faz

emergir um clima afetivo-social responsável pela orientação e mediação da “vida” no

interior dessa instituição.

Portanto, será focalizado o conceito de escola interagindo com o contexto social

e de como essa história é feita no seu cotidiano de vida escolar. A seguir, procuraremos

entender a cultura da escola; os espaços no seu interior, o visível e o invisível , os

espaços construídos no espaço-escolar, os usos feitos nesses espaços, os saberes e as

práticas desenvolvidas pelos sujeitos neles existentes. Finalmente, mergulharemos um

pouco na história no clima afetivo-social do Colégio Carmela Dutra tentando refletir

sobre a relação dessa cultura maior que envolve a instituição e a cultura nela

(re)construída e da qual faz parte o currículo, o professor, o futuro professor e a

disciplina Didática.

4.1 – A construção social da vida na escola

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A instituição escolar não é campo neutro, puramente receptivo. Ela possui uma

dimensão própria na qual conflitos, decisões curriculares, pedagógicas e políticas são

tomadas. Até o presente momento, os estudos sobre a cultura organizacional da escola

são escassos no Brasil. Segundo Canário (1992), só se tem abordado a escola como

parte de um macro sistema e seria importante passar a investigar a escola como uma

unidade de produção. Ou seja, passar a se estudar esse universo da cultura que se forma

dentro da instituição escolar, como se estabelece o ensino no seu interior e o papel de

seus atores.

É importante que a escola, nessa perspectiva, seja vista não apenas como uma

fonte de informações para estudo, mas sim como uma parte ativa, singular e

participante dessa investigação. Sendo assim, a escola não reproduz simplesmente as

intenções dos órgãos centrais do estado, mas também constrói e reconstrói diferentes

conhecimentos, relações, intenções, identidades e cultura que lhes é própria. A sugestão

do autor Rui Canário (1999:166) é de que se considere nos estudos sobre a escola as

duas lógicas conflitantes que nela aparecem: uma lógica de cientificidade (usada nos

estudos sobre os variados aspectos da escola) e uma lógica de normatividade (esta faz

parte da escola). A diferença entre essas duas formas de pensar é, às vezes, confusa. Ou

seja, o conhecimento produzido pela escola precisa ser considerado pelo pesquisador

como uma nova descoberta e que vai além de encará-la como um “prolongamento da

administração central”. A concepção de uma organização social, “inserida num

contexto local, com uma identidade e cultura própria”, corresponde a uma mudança de

perspectiva que redefine a natureza das relações e a distribuição das relações de poder

entre o macro e o meso (a escola). Desse ponto de vista, a instituição escolar aparece

como um “construído” social, na qual a ação e interação dos sujeitos envolvidos é

elemento decisivo para que possamos entender a lógica do seu funcionamento.

Para Sacristán e Gómez (1998) isso estaria ligado à função educativa da escola

contemporânea: mais do que transmitir informação, transmitir ou intercambiar idéias, a

escola possui uma função que vai além dos seus muros e que é determinada pelas

relações sociais construídas no seu cotidiano. Esse novo “modo de fazer” é função da

escola porque resulta do intercâmbio de um tipo de relações sociais vivenciadas na

aula, na escola, nas próprias experiências de aprendizagem e que tornam por

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transformar essas próprias práticas pedagógicas e sociais, reconfigurando-as e tornando-

as peculiares àquela instituição específica.

Na visão de Goodson (1995:118) seria lembrar que não se deve ignorar “... os

processos internos ou a ‘caixa preta’ da escola.” Para Goodson, a história do currículo é

uma via de penetrarmos nessa ‘caixa preta’ da escola, fazendo-nos voltar

particularmente para cada sala de aula e cada escola pensando-as como “autônomas’.

Enquanto pensadas como tal tem-se buscado ingredientes de práticas bem sucedidas e

“... os diferenciais de sucesso tornam-se decisivos.”(ibidem:113). Good & Weinstein

(1999:96) defendem que “há escolas que marcam a diferença... As pesquisas sobre a

eficácia de ensino têm fornecido dados imprescindíveis sobre o modo como os

processos escolares afetam os resultados dos alunos.”.

Para Ezpeleta e Rockwell (1989:58):

na verdade, cada escola é produto de uma permanente construção

social. Em cada escola, interagem diversos processos sociais: a reprodução de

relações sociais, a criação e tranformação de conhecimentos, a conservação ou

destruição da memória coletiva, o controle e a apropriação da instituição, a

resistência e a luta contra o poder estabelecido, entre outros.

Observamos, assim, que a história de uma instituição é feita no seu cotidiano.

Trata-se, na realidade, de uma relação cotidiana em contínua construção, reconstrução e

negociação frente a determinadas circunstâncias. Nessas, os interesses e histórias

imediatas e mediatas da instituição, da comunidade e dos sujeitos envolvidos, entram

em confronto, em conflito.

Consideramos que a heterogeneidade é inerente às atividades da vida cotidiana

e, como tal, a busca de uma determinada organização que dê sentido a este estudo não

pode ser buscada numa lógica linear de análise. Quando tentamos buscar uma certa

organização que dê sentido às nossas análises, já estamos tentando entender o processo

que impulsiona os sujeitos a agirem do jeito que o fazem. Sentimos, portanto,

necessidade de, a partir do estudo da história dessa instituição, identificar algumas de

suas características organizacionais e das lideranças existentes como por exemplo a

relativa autonomia que deteve e detém, a estabilidade dos professores na instituição, a

participação dos pais e comunidade nas decisões da escola, o reconhecimento público

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dos órgãos superiores, da mídia e da própria comunidade em que está inserida, além do

apoio que chega a conseguir da Secretaria de Educação. Segundo Brunet (1988, In:

Nóvoa, 1999:30), a escola como espaço sócio-cultural, “produz uma cultura que lhe é

própria e que exprime os valores, idéias e crenças que os membros da organização

compartilham.”.

4.2 – A cultura da escola: seus saberes e suas práticas

Para compreendermos o processo de socialização e de construção do cotidiano

na instituição escolar, é necessário analisar em cada instituição como se cria e se

desenvolve a estrutura de relações sociais e das práticas acadêmicas desenvolvidas.

Para Gómez (1998:21) o objetivo primordial da atividade educativa é que o aluno

reconstrua a sua cultura, a partir de sua experiência com a realidade, e não que,

simplesmente, adquira essa cultura. A cultura seria, então, “o conjunto de significados e

condutas compartilhados, desenvolvidos através do tempo por diferentes grupos de

pessoas como conseqüência de suas experiências comuns, suas interações sociais e seus

intercâmbios com o mundo.” (Gómez, 1998:92).

Ou seja, a escola como espaço sociocultural, onde os sujeitos estão envolvidos

num complexo emaranhado de relações sociais que incluem confrontos, negociações,

conflitos, resistências, acordos, concessões, exclusões, práticas, normas individuais e

coletivas – que configuram a vida na instituição – acaba por produzir “uma cultura que

se reveste do mesmo caráter dinâmico, heterogêneo, contraditório, produtor e

reprodutor de normas, valores, maneira de ser e estar dos sujeitos.” (Ezpeleta &

Rockwell, 1989:60).

Para Sacristán (1996:34): “A cultura escolar é uma caracterização, uma

reconstrução da cultura, feita em razão das próprias condições nas quais a escolarização

reflete suas pautas de comportamento, pensamento e organização.” Segundo Sacristán,

nesse enfoque precisa-se explicitar os mecanismos diferenciados que envolvem os

conceitos de ‘cultura’ e ‘currículo’ na escolarização. A cultura estaria relacionada a

conteúdos, processos ou tendências ‘externos’ à escola. O currículo estaria relacionado

a conteúdos e processos ‘internos’. A denominada “cultura curricularizada” segundo

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Sacristán (ibid:35), precisa ser incorporada à “... própria prática educativa como

elemento constituinte da explicação da cultura escolar”.

O processo de apropriação dessas relações no interior da instituição torna-se

central para a compreensão da construção social da escola. As práticas e os saberes

presentes no cotidiano escolar acabam por determinar a forma de vida na instituição e

orientam o jogo de disputas e interesses no seu dia a dia. Esse jogo revela os diferentes

sentidos dessas relações entre os sujeitos envolvidos. Nóvoa (1995) refere-se a uma

“zona de visibilidade” e “zona de invisibilidade” de todo esse processo que reconfigura

a cultura escolar. Estariam presentes nesse processo alguns elementos da cultura

organizacional da escola “... sistematizados numa zona de invisibilidade (bases

conceituais e pressupostos invisíveis) e uma zona de visibilidade (manifestações verbais

e conceituais; manifestações visuais e simbólicas; manifestações comportamentais).”

(ibid:30).

Os valores, crenças, interesses, saberes e práticas se delineiam a partir de

pressupostos invisíveis dessa cultura organizacioanl. Os fins, o currículo, a linguagem, a

arquitetura, os rituais, as normas e inclusive os procedimentos operacionais utilizados

pela escola co-existem em função de torná-la real, como instituição escolar, em

contínua interação com a comunidade em que se insere. Nessa construção cotidiana,

entram também em jogo não só o interesse dos pais em obter uma educação gratuita e

da melhor qualidade para seus filhos, como também os interesses profissionais dos

professores: as promoções e prestígio que venham a surgir nesse processo. Toda a vida

interna da escola se organiza em função desse ethos rededefinindo-se papéis e perfis

sociais de cada sujeito inserido nessa vida interna. São as ações e relações vividas por

esses sijeitos no interior da instituição que tornam por delibnear a “cara” da escola e o

fato dela existir.

As práticas desenvolvidas pelos sujeitos e seus saberes respectivos manifestam-

se no dia a dia da instituição às vezes de forma até contraditória do que foram a

princípio definidas ou supostas, mas não deixam de, por essa mesma razão,

corresponderem a uma construção específica concreta, singular, dinâmica. Conhecer e

interpretar essa dinâmica e a relação que esses elementos representam para a cultura

organizacional da escola torna-se fundamental para que se possa pesquisar as propostas

curriculares oficiais e, a partir daí, entender como uma determinada disciplina desse

currículo foi (re)construída pela escola ao longo do tempo.

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Abordar a História de uma disciplina escolar em uma instituição educacional

demanda entender como a escola reinterpreta esse currículo e/ou essa disciplina e os

transforma em produtos de uma construção social. Os significados sociais dos

elementos constitutivos desse currículo e/ou dessa disciplina variam de época para

época e se entrelaçam no tempo. Os estudos a partir da história curricular de uma

instituição de ensino possibilitam o entendimento dessa cultura organizacional da

escola, de como os sujeitos envolvidos representam essa cultura e de como se organiza

o conhecimento escolar. Além disso, a análise da história da disciplina escolar na

instituição sinaliza que relações sociais, contextuais influenciaram sobremaneira num

determinado período histórico demarcado. Nesse sentido,

A escola é construção social, acumula uma história institucional e uma

história social que lhe dão existência cotidiana. Por isso, pode-se falar de

mudanças ou situações ‘imprevistas’ com a mesma freqüência com que se

observa que as mudanças ‘previstas’ não encontram seu lugar na escola.

(Ezpeleta & Rockwell, 1989:73)

Na perspectiva de Goodson isso não seria, exatamente, o ‘construcionismo

social’ e nem poderíamos argumentar que a ‘prática é tudo o que interessa’?. Sendo

assim,

Uma fase culminante no desenvolvimento de uma perspectiva social

construcionista seria desenvolver estudos que integrassem, neles próprios,

estudos sobre construção social, tanto em nível pré-ativo como no nível

interativo. (Goodson, 1995:79)

Ou seja, precisamos buscar nas pesquisas sobre história das disciplinas escolares

enfoques integradores para esse tipo de estudo. Isso seria o mesmo que relacionar e

aproximar estudos sobre ação e estudos sobre contexto. A análise da instituição escolar

pode ser, portanto, o caminho para uma melhor compreensão da natureza social do

currículo e disciplinas de uma instituição.

Goodson (1992, In: Nóvoa, 1992:71) mostra que nas suas investigações

empreendidas nas escolas, “... a consistência do discurso dos professores sobre as suas

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próprias vidas relativamente ao processo de interpretação da sua linha de conduta e

prática tem sido notável.” Podemos interpretar, portanto, que a história de vida dos

professores, aliada à sua interação na prática pedagógica do espaço escolar, pode nos

ajudar a compreender a trajetória do currículo e/ou da disciplina escolar numa

determinada instituição. O estilo de vida do professor dentro e fora da escoal, as

experiências de vida e o ambiente sócio-cultural do professor são alguns dos

argumentos defendidos por Goodson no sentido de se utilizar dados sobre a história de

vida desses professores para clarificar a predominãncia de determinados paradigmas

atuais na educação. Até a questão “... do ‘stress’ do professor, em minha opinião,

deveria ser convenientemente estudada através da perspectiva das histórias de vida, e

bem assim o problema do ensino eficaz e a questão das inovações empreendidas...”

(Goodson, 1992: 75).

Entender toda essa dinâmica da escola, seus conflitos, suas escolhas, suas

exclusões, demanda compreender a lógica que rege o processo em que essa cultura

escolar se constrói e reconstrói, identificar que cultura é essa e que currículo se insere

nessa cultura. Podemos também dizer que a especificidade dessa cultura é capaz de

produzir uma disciplina como um híbrido. Neste estudo, sentimos a necessidade de, a

partir do estudo da instituição pesquisada, identificar não só as lideranças existentes e o

prestígio da equipe de professores de Didática da instituição, como também a

articulação e participação da equipe de direção com todo o corpo docente, pais e

comunidade nas decisões escolares. Além disso, o reconhecimento público recebido

através de menções honrosas e prêmios das autoridades torna por oficializar todo o

apoio que recebe das autoridades. Nesse sentido, as características organizacionais da

instituição ficam claramente demarcadas através das histórias orais daqueles que

participaram ativamente da sua construção e que tivemos oportunidade de entrevistar

para este estudo.

Acreditamos que as ações desenvolvidas pelos sujeitos que fizeram a história da

instituição e da disciplina Didática não se fizeram desligadas da forma de existir da

escola. Essas ações tornaram se constituem em um dos indicadores que expressam a

dinâmica da instituição em seu conjunto. Percebemos, outrossim, a necessidade de

revelar determinados traços ou aspectos dessa realidade onde foi realizado o estudo e

que, articulados, lhe dão uma identidade própria.

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A reconstrução desses elementos foi feita tentando-se incorporar a dimensão

histórica do tempo delimitado do estudo à análise do cotidiano na instituição, seus

conteúdos e suas práticas. Para tanto, pesquisamos os arquivos da escola, analisamos

documentos, participamos de todas as atividades primordiais durante doze meses

seguidos, servimo-nos de observações, conversas informais e entrevistas realizadas na

escola. Afinal,

Os arquivos não guardam apenas sonhos. Corporificam na sua

existência e na sua organização um poder multifacetado, quer individual (do

titular, do doador), quer instituciona, com o qual medimos nossa força de

intervenção. (Nunes, 1991:38)

4.3 – Um pouco da história do Colégio Estadual Carmela Dutra

Carmela Dutra – Uma escola que forma e informa em forma de amor17

O Colégio Estadual Carmela Dutra está atualmente situado no subúrbio de

Madureira, na região da zona norte do Rio de Janeiro, onde o curso de Formação de

professores é o mais procurado da região e do estado (para 2002 há 400 vagas para

8000 inscritos). A “Escola Carmela Dutra”, como é carinhosamente conhecida e

denominada por todos, até hoje, na escola (confirmado pelas falas nas entrevistas dadas

a esta pesquisadora) e pela própria comunidade (ver Anexos 1, 2 e 3), pertence à

Secretaria Estadual de Educação (SEE) e foi criada pelo decreto nº 8546, de 22 de

junho de 1946, quando tinha, como Presidente da República o general Eurico Gaspar

Dutra. Foi criada com o nome de Escola Normal Carmela Dutra (ENCD). Em 1973

passou a ser denominada de Centro Interescolar de Educação e Comunicação Carmela

Dutra (CIECCD). Em 1974 passou a denominar-se de Centro Interescolar Carmela

Dutra (CICD). Em 1982 tomou oficialmente a denominação de Colégio Estadual

Carmela Dutra.

17 Este slogan acompanha a escola desde a sua fundação em 1946. Esta frase faz parte do principal mural da escola, está afixada nos corredores da escola e é lema sempre presente nos jornais e informativos da escola. Ver Anexo 3.

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A patronesse da Escola Normal Carmela Dutra, Dona Carmela Dutra, era

professora da então Prefeitura do Distrito Federal , tendo sido professora e vice-diretora

do atual Colégio Estadual Orsina da Fonseca e casada com o então Presidente da

República. Seu nome foi dado à instituição por ter-se destacado em vida por três

qualidades até hoje mencionadas na escola: a religiosidade, o espírito progressista e a

bondade. Esta última lhe valeu o cognome de “D. Santinha”.

A Escola Normal Carmela Dutra surge no mesmo ano da Lei Orgânica do

Ensino Normal, promulgada em 2 de janeiro de 1946. essa lei fixou as normas que

deveriam orientar qualquer ensino normal no território nacional. A partir dela, as

diretrizes para o ensino normal seriam centralizadas pelo governo federal:

“Promover a formação do pessoal docente necessário às escolas

primárias; Habilitar administradores escolares destinados às mesmas

escolas; Desenvolver e propagar os conhecimentos e técnicas relativas

à educação da infãncia.”18

Segundo Martins (1996), com o fim da 2ª Guerra Mundial e a derrota do

fascismo e do nazismo, o processo de redemocratização do país parece se configurar

junto à esperança na possibilidade de mudanças efetivas nas relações sócio-políticas-

culturais com a elaboração de uma nova Constituição e que acabam por refletir na área

educacional, intensificando-se os debates e discussões nessa área. Surge, assim, o

pensamento de uma educação democrática que assegurasse, entre outros, o respeito

pelas diferenças individuais, o exercício dos direitos civis e políticos, o relevo ao ensino

da ciência, a moderação do dogmatismo na escola.19 Ainda segundo Martins

(1996:141):

O cumprimento desses objetivos exigia a formação de professores preparados

técnica e culturalmente, que cultivassem a responsabilidade,os hábitos de

cooperação e autogoverno e desenvovessem a capacidade de crítica

construtiva... Aconselhava-se o destaque de figuras humanitárias e

18 Decreto – lei nº 8530, de 02 de janeiro de 1946. Lei Orgânica do Ensino Normal.19 Conclusões do IX Congresso Educacioanl Brasileiro. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Rio de Janeiro. Centro Brasileiro de Pesquisas educacionais. 5(14):259-260, ago, 1945.

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progressistas, defensoras dos direitos humanos e da moral, nos diferentes

programas.

Nessa nova conjuntura e com o nome de sua patronesse assim justificada, a

Escola Normal Carmela Dutra começa a funcionar no início de 1947, em Madureira, no

número 31 da Avenida Ministro Edgard Romero. A ENCD ficou como anexo do

Instituto de Educação da rede oficial do antigo Distrito Federal até a data de 31 de julho

de 1953, quando obteve sua autonomia. Até 1982 a Escola contou com a administração

de doze diretores. Da primeira direção, em 1947 até os dias atuais a ENCD contou com

a administração de vinte e três diferentes diretores. Há que se ressaltar que, só a partir

de 1987, “... a direção passou a ser escolhida por eleição direta entre os membros que

constituem a grande família Carmelita: alunos, professores, funcionários e pais de

alunos”20

Em dezembro de 1949 ocorreu no Teatro Municipal a festa de formatura da

primeira turma de professorandos da ENCD: vinte e oito moças e dois rapazes. A partir

de 6 de março de 1967 a sede da ENCD foi transferida para o número 491 da mesma

avenida, onde permanece até hoje. O seu primeiro curso ginasial foi extinto em 1962,

voltando a funcionar em agosto de 1967 para ser novamente extinto em 1971.

A ENCD passou a funcionar, experimentalmente, em 1973 com outros cursos

além do ginasial e Formação de Professores de 1º Grau, de 1ª a 4ª séries, passando a ser

denominada Centro Interescolar de Educação e Comunicação Carmela Dutra

(CIECCD). A partir de 1974, a Escola passou à denominação de Centro Interescolar

Carmela Dutra (CICD) iniciando, nesse ano, o Curso de Estudos Adicionais.21.

Em 1975, o colégio possuía uma escola de demonstração, a escola da rede

oficial de 1º Grau Astolfo de Rezende, onde os professorandos podiam “observar a

aplicação de bons métodos e técnicas de ensino”22. Em 1982, tomou oficialmente a

20 Informação coletada no jornal da Escola datado de setembro de 1995, página 02, intitulado “ Carmela Dutra – uma escola que forma e informa em forma de amor”, ano 1, nº 01.21 Curso criado em 1974, para professores com o curso Normal (1ª a 4ª) e que dava direito a esses professores, conforme definido no Art.30,”a” =1º, da Lei 5692/1971, de lecionar em turmas de 5ª e 6ª séries do Ensino Fundamental. As áreas criadas foram Comunicação e Expressão, Estudos Sociais e Ciências.22 Encontramos o registro dessa exaltação no Documento mimeografado de 91 folhas intitulado “Escola Normal Carmela Dutra – breve históra”, de autoria da professora Izabel klausner, 2ª edição, 1995. Essa publicação interna da Escola foi escrita inicialmente pela professora Izabel Klausner, que trabalhou na ENCD no período de 1953 até o ano de sua morte, 1995. Seu último desejo, segundo membros de sua família declarado no prefácio dessa obra, era terminar essa publicação para homenagear os cinqüenta anos da ENCD. Nessa publicação encontramos informações releveantes sobre a trajetória da instituição desde

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denominação de Colégio Estadual Carmela Dutra (CECD) como parte do plano de

homogeneização de nomenclaturas da SEE para os estabelecimentos do então 2º Grau

da rede oficial de ensino do Estado do Rio de Janeiro.

A década de 80 foi marcada na instituição por muitas mudanças administrativas.

O cargo de diretor da instituição passou a ser feito por indicação do governo do estado

que havia então assumido. A escola “inchou”, chegando a ter 750 professores e a

maioria com carga horária reduzida. No final da década de 80, o CECD estava com um

grande contingente de turmas. No ano de 1987 foram organizadas cinqüenta turmas,

obrigando a SEE a alugar outro colégio para abrigar o número excessivo de alunos. Em

1989 essa experiência foi encerrada pelos problemas ocorridos de falta de integração

entre o Anexo e o CECD.23. Esse fato mostrou uma certa “tendência” nessa década da

revalorização do magistério, movimento este que, na década de 80, surgiu para

contrapor os efeitos que a Lei 5692/71 havia trazido para as Escolas Normais.

Começaram a surgir, então, movimentos gerais de mobilização de professores e alunos

para a reformulação dos cursos de Formação de Professores.

Segundo Martins (1996), esse movimento e esforço empreendidos não chegaram

a atingir de modo significativo os Cursos de Formação de professores para o ensino

básico. Nos anos 90, esses cursos se desconfiguraram e a profissão “professor” tornou-

se profundamente desvalorizada. Em contrapartida, e a partir daí, o Colégio Estadual

Carmela Dutra conseguiu superar suas deficiências na área administrativa,

principalmente. Essas deficiências, no final da década de 80, eram devidas ao fato de na

direção do colégio não haver mais pedagogos. Nas entrevistas feitas com professores

dessa época, todos apontaram as dificuldades do colégio na época como decorrente de

indicações políticas de técnicos para o cargo de direção do colégio. A partir da 1ª

eleição de diretor para o Colégio, iniciou-se a retomada dos objetivos do Colégio, como

uma escola de formação de professores. Iniciou-se o prestígio social e projeção na

que foi fundada, além de sinopses dos cursos existentes no colégio, a estrutura física e funcionamento da Escola, a nomeação de todo o seu corpo docente desde a década de 50, seu corpo disente ao longo do tempo, suas festas de formatura e outras “ atividades sócio-afetivas” ao longo desse período, uma pequena história dos órgãos de Comunicação e Expressão da ENCD, a história de Madureira, anexos como jornais, notícias, fotos, declarações de autoridades e curiosidades da instituição por todos esses 50 anos.23 A Escola Atenas foi alugada, em Madureira, pela SEE para acolher parte da clientela do CECD, transformando-se em seu Anexo. O Anexo teve problemas de integração com o corpo principal de professores do CECD porque a maioria de seus professores havia chegado em 1987, sem conhecimento dos planejamentos das disciplinas do Curso de formação de professores, havendo falta de supervisores, orientadores e outros profissionais.

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mídia quando, em 1991 o Colégio Estadual Carmela Dutra acabou sendo notícia do

notícia do Jornal do Brasil (24/10/1991) quando então foi publicado que

Apesar dos baixos salários dos professores, da falta de laboratórios bem

equipados e de boas bibliotecas ... o Carmela Dutra de Madureira,

apresentou um desempenho razoável no último vestibular da

Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), superando

tradicionais colégios particulares como o São Vicente de Paula, do

Cosme Velho e o Anglo Americano, de Botafogo. ... E o mais

interessante é que este colégio estadual é uma escola de formação de

professores que prepara normalistas sem nenhuma pretensão de treinar

vestibulandos...

Diante do cenário caótico das escolas públicas de ensino na década de 90 – falta

de professores, merenda escolar, material didático, pouca infra-estrutura e

principalmente, escassez de verbas – o Colégio Estadual Carmela Dutra sobreviveu

nessa data a esses retrocessos com quase 3000 (apenas 30 homens) alunos matriculados

e se distinguindo das demais escolas nesta última década, não pelo que ensina, mas pelo

que tem aprendido de uma realidade difícil que passou a enfrentar no início da década

de 90: a quantidade de alunas grávidas nas salas de aula.

Segundo a revista Época (fevereiro de 2000)24, no mapa social do Rio de

Janeiro, Madureira tornou-se uma espécie de capital da gravidez na adolescência. São

registrado, no bairro de Madureira, os maiores índices de gestantes na flor da idade-

3535 meninas de 10 a 19 anos entraram em trabalho de parto em 1998. O Sistema

Único de Saúde (SUS) registrou, só em 1998, 700 mil partos de garotas até 19 anos.

Segundo o último Censo publicado no O Globo (09/05/2002 – RETRATOS DO

BRASIL): “Brasileiras têm filho mais cedo”, dos 15 aos 19 anos o número de mães

cresceu. Enquanto em 1991, em cada grupo de mil mulheres de 15 a 19 anos, 80 tinham

um filho, em 2000 são mais de 90 por grupo de mil.

A Escola Normal Carmela Dutra optou por enfrentar este problema, que já é

nacional, sem esperar providências da administração pública. O seu atual diretor prof.

Geraldo Ribeiro, na instituição desde 1976 e como diretor eleito desde 1991, diante do

24 Ver Anexo 1 e 2.

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crescente número de casos de meninas que ficavam grávidas e optavam por abandonar

os estudos, resolveu montar uma creche em 1995 para os filhos das alunas

professorandas, com recursos próprios, visto que as autoridades do estado e a própria

SEE se abstiveram de qualquer ação no sentido de resolver a situação. Com o dinheiro

de rifas, festas, bailes de calouros, venda de canecas da escola com emblemas, com a

ajuda de pais, da comunidade e comércio da redondeza, conseguiram construir a Creche

Fada Joaninha que começou atendendo aos filhos das normalistas e hoje também atende

aos filhos de funcionárias da escola.

Assim, a escola montou o Maternal e acabou por construir outra unidade, ao

lado do pátio, onde funciona o Carmelinha, já com a sua primeira turma de 4ª série do

Ensino Fundamental se formando. Há dois anos a SEE passou a subsidiar uma parte dos

recursos financeiros que mantêm a Creche Fada Joaninha e o Carmelinha. Funcionando

todos os dias da semana, de manhã e à tarde, as crianças permanecem na escola

somente durante o tempo em que as mães estão em aula. Duas vezes por semana,

quando o estágio é realizado, elas ficam o dia inteiro. Hoje a creche conta com quase

400 alunos e 22 professores.

Essa experiência é inovadora no país. Com isso, o Colégio Estadual Carmela

Dutra incorpora não só uma função social maior como instituição que forma

educadores, como também lhe tem trazido prestígio, respeito, credibilidade,

notoriedade e prêmios de gestão do atual governo do estado. Atualmente é considerada

como instituição modelo e foi a única escola de Formação de Professores a receber três

prêmios, em nível nacional e estadual, de gestão escolar e que foram concedidos pelo

Conselho Nacional de Secretaria Educacional (CONSED), pela União Nacional de

Dirigentes Municipais Educacionais (UNDIME), pela Organização das Nações Unidas

para a Educação e Cultura para a Educação e Cultura (UNESCO) e pela Fundação

Roberto Marinho.

Esses prêmios são resultados do projeto de educação do estado do Rio de

Janeiro, chamado Nova Escola e que foi lançado pela SEE em 2000. O discurso desse

projeto é de valorizar as escolas públicas e melhorar a qualidade de ensino.25. Pelo

projeto, através dos resultados obtidos, as escolas podem ser classificadas em cinco 25 A SEE/RJ, visando à melhoria da qualidade de ensino na rede pública estadual, lançou em 2000, o programa Nova Escola onde se destaca a avaliação do desempenho das escolas e preconiza a avaliação contínua das escolas, veiculando a alocação de recursos financeiros à performance do desempenho apresentado na escola. Políticas como essa se inserem nos processos de conferir à educação modelos baseados em princípios de mercado.

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níveis. A cada um deles é estabelecida uma bonificação diferenciada, que varia de

R$ 100,00 a R$ 500,00 para professores e de R$50,00 a R$ 250,00 para funcionários.

A avaliação é feita tendo por base o desempenho das escolas, considerando-se: o

desempenho escolar, gestão de cada unidade (obtida através de visitas às escolas,

entrevistas e padrões de qualidade pré-estabelecidos) e indicadores de eficiência dos

colégios (números sobre evasão escolar, repetência, abandono, distorção idade/série).

Os avaliadores do programa Nova Escola consideraram, com base nesses critérios, a

Escola Normal Carmela Dutra a instituição modelo e padrão, tendo ficado em 1º lugar

nesse projeto. O projeto político-pedagógico da escola que, sob o ponto de vista social e

comunitário, se destacou pelos seus dois grandes feitos: a Creche Fada Joaninha e o

Carmelinha.

Naturalmente que políticas como essa se inserem nos processos de conferir à

educação modelos baseados nos princípios de mercado. Além disso, em termos

práticos, para boa parte dos professores trata-se apenas de uma das formas de aumentar

seus vencimentos. Em entrevista feita à Folha Dirigida (24/02/2001), a professora Nilda

Teves afirma que o professor não tem nada para comemorar e que o governo

simplesmente está tratando a educação como uma empresa de médio porte, onde a

produtividade é a razão final.

É importante destacar que a Escola Normal Carmela Dutra tem alcançado essa

notoriedade e até mesmo os prêmios citados muito mais pela ação dos sujeitos

envolvidos e que construíram e reconstróem um presente que se volta para outros fins

sociais, diferentes daqueles pensados inicialmente, e que vêm sendo legitimados

socialmente. Também não estamos afirmando que tais prêmios garantam a qualidade da

escola. Sinalizamos que todas essas ações tendem a apontar para uma nova forma

encontrada pela escola de lidar no seu cotidiano com os desafios que se defronta na

contemporaneidade, na sua relação com a comunidade.

Para Sacristán (1996) poder-se-ia considerar que essa é a nova forma

encontrada pela instituição, na virada do milênio, de pensar a cultura escolar como um

meio de realização pessoal, na medida em que ela serve à auto-realização, está

relacionada ao prazer, participação e “... a tudo aquilo que se liga à compreensão da

experiência humana com fins não utilitaristas, uma cultura cada vez mais importante

para o consumo, embora fora das instituições escolares.” (idem:55). Essa cultura

construída no interior da escola parece estar deslocando o sentido acadêmico dominante

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da cultura “curricularizada” para uma obrigação institucional mais afetiva e solidária de

se devolver à escola a sua função educativa: o desafio de construir relações dialógicas

no espaço escolar que impulsionem a sua aprendizagem e escolarização, construindo,

ao mesmo tempo, um sentimento de envolvimento pessoal nas tarefas cotidianas

exigidas pela escola. Esse é o papel que a Escola Normal Carmela Dutra parece ter

assumido nos anos 90, contando hoje com 230 professores, funcionando em três turnos

e com quase 3000 alunos.

4.3.1 – O curso de Formação de Professores de 1ª a 4ª séries

A ENCD começou a funcionar em 1947 com a 1ª série do Curso Normal, hoje

curso de Formação de Professores do Ensino Fundamental, de 1ª a 4ª série. Esse curso é

até hoje desenvolvido em três séries, funcionando basicamente a 1ª série, no primeiro

turno do colégio; a 2ª série no segundo turno e a 3ª série, no terceiro turno. Até 1997 o

acesso à escola era através de concurso público. A partir desse ano foi abolido o

concurso e o critério passou a ser ordem de chegada, jovens que morem o mais próximo

da escola e oriundos de famílias pobres, com renda mínima comprovada.

O Curso de Formação de Professores (CFP) tem sua estrutura curricular

originada dos Pareceres emitidos pela SEE. No ano de 1980 a grade curricular estava

definida num total de 26 disciplinas e de 182 créditos. As disciplinas dividiam-se em

Formação Geral (Núcleo comum) e Formação Especial (Instrumental e Profissional). A

penúltima grade curricular que vigorou até o ano de 2000, foi com base no Parecer

144/97, onde divide as disciplinas em Formação Geral e Formação Profissionalizante. A

última passou a vigorar no ano de 2001, considerando o Parecer nº 1/99 e a resolução

02/99 e que estabelece o curso a ser realizado em quatro anos., com disciplinas para

uma Base Nacional Comum, disciplinas para uma Parte Diversificada e disciplinas de

Formação Profissional e num total de 120 créditos.

Ao longo dos anos 80 até os dias atuais, foram oferecidas disciplinas eletivas

como: Psicologia do Excepcional, Cultura Brasileira, Comunicação Escrita na Escola

de 1º Grau, Prática de Laboratório e Rítmica, Métodos e Técnicas de Alfabetização.

Visando implementar a relação entre teoria e prática, a atual matriz curricular

permite que os tempos destinados à prática pedagógica sejam distribuídos

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proporcionalmente entre as docências dos Conhecimentos Didático-Pedagógicos

assinalados, garantindo também o aproveitamento de todos os Projetos pertinentes a

todas as disciplinas do curso.

Na última década o CECD tem estado à frente na preferência da comunidade

escolar com o número de alunos inscritos. Neste último ano de 2001, o CFP tinha 49

turmas distribuídas em três turnos. Encontramos do documento “Escola Normal

Carmela Dutra – breve histórico” (1995:13) que o Curso de Formação de Professores

“... é, como não poderia deixar de ser, o mais importante curso do CECD, pois o

colégio tem como finalidade básica preparar alunos para o exercício do magistério de 1º

Grau de Ensino, de 1ª a 4ª séries.”.

4.3.2 – Curso de Estudos Adicionais

Os Estudos Adicionais como definidos no Art.30. “a”, parágrafo 1º, da lei

5692/71, funcionaram pela primeira vez em 1974 no Centro Interescolar Carmela Dutra

(CICD). A regulamentação dos Estudos Adicionais, no nível de 2º grau à época, foi

obtida através do Parecer nº 1375/73 do Conselho Estadual de Educação, que aprovava

“os currículos dos Cursos de Formação de Professores de 1ª a 4ª série de 1º Grau e de

Estudos Adicionais realizados pela Divisão de Ensino Normal da Secretaria de

Educação”, cujos currículos já haviam merecido a aprovação do Instituto de Pesquisas

Educacionais do então Estado da Guanabara. Foram, então, oferecidas no CICD, 450

vagas, distribuídas pelas áreas de Comunicação e Expressão (180), Estudos Sociais (90)

e Ciências (180). A partir de 1976 os Estudos Adicionais inauguraram duas novas áreas:

Jardim de Infância e Alfabetização. A partir de 1978, não foram mais oferecidas as três

primeiras áreas que inauguraram o curso de Estudos Adicionais: “A extinção das

referidas áreas deveu-se ao baixo nível de conhecimento apresentado, de um modo

geral, pelas candidatas ao Curso de Estudos Adicionais.”

De 1978 a 1982, os Estudos Adicionais se restringiram à Área do Pré-Escolar,

compreendendo os cursos de Jardim de Infância e Alfabetização, e com regulamentação

inspirada no Parecer 1600/75. Em 1983, voltaram as duas áreas: Pré-escolar e

Alfabetização.

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4.3.3. – A estrutura física e funcionamento do Carmela Dutra

O espaço físico da escola exprime o seu processo de construção social. Essa

construção foi tarefa prioritária de algumas administrações que lideraram a escola. Essa

história compõe-se de duas etapas: antes e depois da atual gestão do professor Geraldo

Ribeiro. A partir de sua gestão, que se iniciou em 1991, foram acrescentadas no andar

térreo, além da Creche Fada Joaninha e o Carmelinha, uma quadra coberta de desportos

para aulas de Educação Física, danças e festas, o auditório “Geraldo Ribeiro” para 1000

pessoas, cantina com refeitório, cozinha e dispensa “Carmelícias” e no andar superior,

sala de Multimeios, Sala da equipe de Didática, sala de Centro Cultural, Sala de

Educação Religiosa.

A escola possui uma grande área de terreno e suas dependências distribuem-se

em dois pavimentos: o térreo e o andar superior. No térreo, localizam-se também:

espaço do curso Supletivo; gabinete da diretoria, com duas saletas e banheiro; secretaria

com duas salas interligadas por dois banheiros; sala de expedição de diplomas; sala do

núcleo do pessoal; saleta para mecanografia com banheiro, sala de secretaria do Curso

de Estudos Adicionais, sala de leitura e biblioteca, depósito do almoxarifado, sala do

laboratório de Ciências, loja da Cooperativa, sala de arquivo morto, sala de Educação

física, pátio de recreação, salão de dança, três vestiários, residência do zelador. Além

disso, o térreo possui uma rampa e escada que ligam o andar térreo ao superior (ver foto

no Anexo 1 e notícia). No andar superior, encontram-se concentradas as salas de aula e

outras dependências como dezessete salas de aula com varanda, sala de Artes Plásticas,

sala para trabalhos de alunos, sala de professores com banheiros, espaço da

Coordenação de Turnos, sala de Supervisão Pedagógica e Orientação Educacional, sala

de Informática com computadores, espaço reservado para a Inspetoria, sala do centro

Cultural, Sala de Didática, sala para Educação Religiosa e quatro vestiários. Cada sala

está associada aos nomes próprios daqueles que se destacaram na instituição.

A negociação em torno da ampliação do espaço físico da escola na gestão do

professor Geraldo Ribeiro implicou, às vezes, interesses opostos. Em determinados

momentos houve necessidade de se negociar com a comunidade no sentido até de

proteger a escola contra conflitos entre as facções existentes nas favelas que circundam

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o terreno da instituição. Esses conflitos são tão violentos que, às vezes, os líderes dessas

facções interditam todo o comércio e a área, ordenando também o fechamento do

Colégio Estadual Carmela Dutra, de uma Universidade que fica próxima e de outros

pequenos colégios próximos. A superposição de um grande outdoor à frente de toda a

quadra de esportes (e de frente para a avenida principal) foi negociada e colocada pela

própria comunidade, com a intenção de proteger e resguardar o Colégio contra a

violência e conflitos entre as duas facções consideradas mais violentas do Rio de

Janeiro. Fez parte dessa negociação o uso desse espaço pela comunidade aos sábados e

domingos para lazer. Apesar dessas dificuldades, o Colégio consegue manter uma “boa

vizinhança” e mantém um diálogo frutífero com a comunidade. A Associação de Apoio

à Escola (AAE) tem um papel muito importante nessa mediação. Essa parceria foi uma

conquista do professor Geraldo Ribeiro na sua gestão. Nas entrevistas dadas a esta

pesquisadora pelo diretor do Colégio e diretora-adjunta, os diretores declararam que

essa associação é uma aliada do Colégio Carmela Dutra, que tem um estatuto,

presidente (o diretor do Colégio Carmela Dutra) e está registrada em cartório. A AAE

do Colégio Carmela Dutra foi a líder que mobilizou todas as outras escolas de formação

de professores do Rio de Janeiro no movimento contra o término da formação de

professores. Essa associação é atuante, participa de todas as tomadas de decisão do

Colégio desde a parte financeira até a pedagógica.

A escola funciona em três turnos sendo que o terceiro turno á para as turmas de

3ª série e Estudos Adicionais. O corpo discente sempre foi representado, basicamente,

pelo sexo feminino. Os rapazes forma admitidos desde a criação da ENCD até 1949,

quando foi suspenso o seu ingresso. Em 1962 voltou-se a admitir o ingresso de rapazes.

Esse dado é interessante na medida em que nos faz refletir e lembrando que contraria o

senso comum o fato de a primeira escola normal do Brasil, na sua fase inicial não

recebeu uma só mulher. Villela (1992:33) comenta que essa escola foi criada em 1835,

em Niterói, mas só passou a admitir mulheres em 1880, quando o número de mulheres

ultrapassou o de homens. Até essa data “... a Escola Normal de Niterói não formou

nenhuma professora primária.” Mesmo em 1880 essa experiência de co-educação na

Escola Normal de Niterói foi cercada de cuidados pelo diretor da escola. O fato é

relatado por Villela (ibid) e foi retirado de uma carta dirigida ao chefe da instrução

pública da época:

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Além do extenso relato sobre a circulação vigiada de alunos e alunas

dentro da escola, o diretor de Niterói ainda afirmava que o seu esquema de

vigilância era muito superior ao do diretor da escola de Pernambuco (que

mandara levantar uma parede pelo centro da sala em frente à cadeira do

professor, para que homens e mulheres não se comunicassem).

Naturalmente que esse fato contrasta com o que ocorre hoje nas escolas que

formam professores. Paraíso (1998), se reporta aos estudos de Louro (1997) sobre o

sexismo e a homofobia na prática educativa para explicar esse processo de ausência de

rapazes no curso de formação de professores. Louro problematiza a “dita” naturalidade

da heterossexualidade da escola: “se a identidade heterossexual fosse, efetivamente,

natural (...), por que haveria a necessidade de tanto empenho para garantí-la?” No caso

do Colégio Carmela Dutra acresce o detalhe do seu diretor ser homem. A construção de

gênero é realizada nas múltiplas instâncias sociais e “dentre essas várias instâncias está

a escola que, ao longo de sua história e na sua configuração atual, também tem criado e

recriado formas de produção de sujeitos generificados.” (Louro, 1995:174). Na

realidade esse processo de feminização do magistério, segundo Louro (ibid) coincidiu

também com um processo de maior controle do Estado sobre as pessoas que

trabalhavam em magistério e no qual a mulher-professora representava o magistério

mais como uma atividade de entrega.

Segundo Louro (1995:180): “A esperança de trabalhadoras dóceis, dedicadas e

pouco reivindicadoras é construída e estimulada por esses discursos.” Porém, se

considerarmos que a construção de gêneros é um processo histórico-social supomos que

essa construção está em constante transformação e constatamos que, muitas dessas

práticas que antes eram apontadas como produtoras de homens e mulheres, estão sendo

modificadas nos dias atuais. Paraíso (ibid:07) sugere que seja feita a introdução do tema

sexualidade no currículo, problematizando as diferentes formas de prazeres das pessoas,

as diferentes opções sexuais sem que isso seja “... considerado tema proibido, podendo

inclusive questionar a pretendida naturalidade da heterossexualidade.”.

Concordamos que o currículo não é fixo, nem imutável. Constatamos, também,

que os sujeitos do Colégio Carmela Dutra vivem esse currículo e não são sempre

passiveis a ele. A questão da sexualidade já faz parte do currículo de formação de

professores desse colégio (Ver Anexo 7). A foto do jornal é do Colégio Carmela Dutra e

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a Educação Sexual, que faz parte dos temas tranversais dos novos PCNEMs

(Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio), já foi incluída no currículo

através de um dos projetos desenvolvidos no Colégio: “Sexualidade e Cidadania”,

orientado pela professora de Musicoterapia. Esse tema é tratado não só nas aulas de

Biologia, mas também nas aulas de História, Geografia, Filosofia, Língua Portuguesa e

Música. Cruzamos esse dado com o fato do Colégio ser dirigido por um homem, que,

para os que convivem o cotidiano da instituição as suas qualidades são as mesmas

daquela “professorinha” das escolas normais do passado que aqui nos referimos, mas,

com alguns ‘quesitos’ a mais - amor e espírito de equipe. A fonte para esta análise,

entre outras, encontramos no número extra dos quarenta e sete anos de aniversário do

Colégio Carmela Dutra, datado de 26/06/1993 – o jornal “Professando”. Esse

documento traz um editorial que ressalta o espírito de grupo da escola e na página 7 e 8

dessa publicação são ressaltadas as qualidades do professor-diretor nas falas de alunos e

professores. E o amor é ressaltado. Trabalhamos com esse material, tentando não cair

num dos estereótipos sexistas que atribui um “dom natural” para ser professora. Mesmo

que na relação (pesquisadora que ‘estou’/ professora que ‘sou’) esteja se construindo

uma certa facilidade que facilita esta análise.

Esses documentos não são tudo, mas para Macedo e Mourão Sá (1999:73) os

documentos “para a educação precisam ser considerados na sua mais ampla acepção:

escritos, ilustrados, transmitidos pelas imagens, pelo som ou por qualquer outra

maneira.”. Sendo assim, no concreto desse estudo, o diário contato com esses

documentos e depoimentos configura aos nossos olhos um processo que envolve

sujeitos ativos que já não recebem ou internalizam tão passivamente “modelos” ou

estereótipos do passado. Os sujeitos deste estudo nos parece ser sujeitos que respondem,

transformam, recriam. São essas transformações diárias que podem “... contribuir para a

produção de uma sociedade menos desigual.” (Louro, 1995:182).

4.3.4 – Atividades sócio-afetivas do Colégio Carmela Dutra

Encontramos na publicação da professora Izabel Klausner, intitulada “Escola

Normal Carmela Dutra – breve história”26, datada de 1995, registros sobre as atividades

26 Este documento mimeografado, de autoria da professora mais antiga do colégio (de 1953 a 1995),

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sócio-afetivas do Colégio Estadual Carmela Dutra. Está dito nesse documento que “A

vida sócio-afetiva do Colégio Estadual Carmela Dutra sempre foi intensa contando

com uma série de comemorações cívicas, desportivas, artísticas e sociais durante o ano

letivo, de acordo com um calendário previamente planejado e, às vezes, com

oportunidades que surgiram no decorrer do ano” (1995:68).

Todas essas atividades envolvem, de um modo especial, as equipes de

professores de Educação Física, Educação Artística, Música (a escola tem um coral de

professores), Língua Portuguesa, Supervisão Pedagógica, Orientação Educacional, além

da sempre presente participação dos alunos. Ao longo de todo o ano letivo, entre outras

comemorações feitas pela escola, destacam-se: a incorporação dos novos alunos da 1ª

série do CFP, a festa da Páscoa, Torneio de Ping-pong organizado pela equipe de

Educação Física, Coral de Professores, festa Junina e Julina, Festa do Folclore, Festa de

Aniversário do Colégio Estadual Carmela Dutra, dia das Mães Normalistas, Semana da

Normalista, Festival de Música Infantil, Festa de Formatura, Festa do Dia do Mestre,

festa de Natal.

Existem também outros eventos que acontecem durante todo o ano letivo e que

acontecem desde 1974 como: o Sábado Esportivo, o Primeiro Sábado Jovem (atividade

com temas livres, atuais e polêmicos e que envolve todos os alunos do Colégio). Esse

evento inclui, além da palestra, lanche comunitário e música. No documento de

Klausner (1995:68) encontramos registrado o objetivo dessa atividade: “... para

desenvolver atitudes no aluno de valorização da vida”. Selecionamos alguns dos temas

registrados nesse documento como: “Jovem, para onde vais?” (1992), “Droga, caminho

sem volta” (1992), “Sexualidade e maternidade Precoce” (1992).

Acontecem também concertos no colégio quando o coral de professores e o

Orfeão se apresentam. São desenvolvidas atividades de Teatro, Balé e Dança Rítmica.

O Orfeão é constituído por alunos, “apresenta-se em concertos, solenidades públicas,

Izabel Klausner, e numa 2ª edição, foi escrito pela autora com a intenção de homenagear os 50 anos da criação da Escola Normal Carmela Dutra. Poucos meses antes do aniversário do Colégio, essa professora veio a falecer e sua mãe e irmãos terminaram de escrever as últimas folhas, oferecendo, então, à Direção do Colégio em sua memória. Nesse documento constam: dados biográficos da autora, uma breve história do Colégio e de toda a sua diretoria desde que foi criada, os cursos existentes no Colégio, a estrutura física e funcionamento do CECD, a listagem de todos os professores homenageados na instituição ao longo de sua história,dos alunos que se destacaram, os orientadores, autoridades e homenagens das festas de formatura, a história dos órgãos de comunicação e expressão do CECD, a história do bairro em que está inserido – Madureira e alguns anexos como: notícias de jornal sobre o colégio, fotos e ilustrações de alguns dos momentos históricos vividos pelo CECD e uma última sessão de curiosidades e realidades. O documento consta de 120 páginas.

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programas culturais no rádio e na televisão, em colégios, navios, Clube Militar, Casa da

Moeda e Teatro Municipal –sempre na Semana da Música” (ibid:76). O Teatro foi outra

forma de expressão artística que se manifestou em 1977. Já foram representados

inúmeros textos literários de autores desde Carlos Drummond de Andrade, passando

por Fernando Sabino até Ferreira Gullar. A Dança Rítmica constitui uma disciplina

eletiva na grade curricular do curso de formação de professores, “que reprova por

freqüência e rendimento e que é feita fora do horário do aluno.” (ibid:77). Tanto a

dança rítmica, como o balé preparam alunas que se apresentam em festas na escola.

Excursões também fazem parte das atividades sociais do Colégio, assim como a festa

do Folclore (grande evento no qual “as professoras de Didática consideram a freqüência

dos alunos para avaliá-los” (ibid:70).

A Semana da Normalista tem programação variada, quando acontecem na

semana torneios de vôlei e handball, o baile da Normalista, o festival da Canção,

gincanas, oficinas pedagógicas variadas e apresentação do Coral e de danças. Outro

evento marcante no Colégio são as festas de Formatura e que compreende a Festa do

Adeus, a Missa e o Culto Protestante, a Colação de Grau e o baile. A Festa do Adeus é

sempre realizada no recinto do colégio e “e provoca grandes emoções entre formandas,

familiares e professores.” (ibid:60). A Colação de Grau tem ocorrido em lugares

diversos, desde a Escola Nacional de Música, Teatro Municipal, Maracanãzinho, ou no

Auditório do Rio Centro. As manifestações religiosas “abrangem missa, culto

protestante, cerimônia israelita e prece espírita e, a partir de 1985, cultos ecumênicos.”

(Ibid:63). Quanto ao baile o documento registra que

As festas de formatura do CECD são sempre encerradas com uma

manifestação de alegria representada por um grandioso baile de gala, onde as

professorandas se apresentam em bonitos vestidos em cores que representam as

suas diferentes turmas. ( Klausner, 1995:66)

Outro evento que mobiliza todo o colégio é o aniversário do diretos do colégio,

professor Geraldo Ribeiro e que, num intervalo de tempo pequeno quase coincide com

o aniversário do Colégio. O professor aniversaria no princípio do mês de junho e o

aniversário do colégio é no final do mesmo mês. O Colégio realiza as duas festas em

momentos diferentes. Nessas festas e na festa de confraternização de final de ano (Festa

113

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de Natal) há almoço de confraternização, concurso de bolos, “uma parte afetiva de

congraçamento de professores e funcionários, uma parte religiosa e uma parte musical,

muito apreciada.” (ibid:72).

Como pesquisadora e tendo participado durante doze meses consecutivos de

todas essas atividades na instituição, não desconsideramos a nossa própria trajetória

pessoal e profissional, pois estivemos nesse período igualmente imersos nessa história.

Tentamos compreender essa cultura organizacional no interior da instituição, composta

por elementos vários, “que condicionam tanto a sua configuração interna, como o estilo

de interações que estabelece com a comunidade. Definidos numa perspectiva

antropológica, estes elementos integram aspectos de ordem histórica, ideológica,

sociológica e psicológica.” (Nóvoa, 1997:30).

Os elementos citados por Nóvoa podem ser visualizados, principalmente, na

zona de visibilidade a que ele se refere e por conta dessas manifestações que envolvem

o verbal, o conceitual e o comportamental, principalmente. As manifestações verbais e

conceituais a que Nóvoa se refere (ibid:31) integram tudo o que se relaciona com a

linguagem da instituição pelos diferentes grupos, direção ou professores e que

justificam suas ações. Temos, então, os chamados “heróis” e as “histórias” da

instituição. Trata-se, segundo Nóvoa (ibid) dos indivíduos que, pelas mais variadas

razões, entraram na história ou “lenda” da instituição. No Colégio Carmela Dutra, o seu

atual diretor personifica uma “idéia-força organizacional ou um mito na dupla acepção

do termo” (Nóvoa, 1997:31) porque os registros, os feitos e a vida organizacional da

instituição fluem desse profissional que, por todos os motivos até aqui enumerados,

fazem dele a matriz dessa cultura da instituição. À frente da direção desde 1991, essa

segunda parte da história do CECD, tem como característica fundamental a energia e

dinamismo desse gestor. As manifestações comportamentais referem-se ás atividades

normais da instituição, além da “série de rituais e de cerimônias que fazem parte da

vida organizacional” (ibid:32). Todas as atividades aqui descritas remetem “fortemente

para o nível de participação dos atores internos e externos.”

Consideramos, portanto, que, na medida em que essa cultura organizacional

desempenha um importante papel de integração, passa a ser “também um fator de

diferenciação.”. As atividades mencionadas traduzem os projetos da instituição e

continuam em processo tentando buscar novas formas de “dizer” e de exprimir seus fins

114

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sociais. Todas essas atividades traduzem o “clima” da instituição. Para Brunet

(1997:125),

São atores no interior de um sistema que fazem da organização aquilo

que ela é. Por isso, é importante compreender a percepção que estes

têm da sua atmosfera de trabalho, a fim de se conhecerem os aspectos

que influenciam o seu rendimento.

Percebemos, assim, um clima aberto que, segundo Brunet (ibid:130), “descreve

um meio de trabalho participativo, no qual o indivíduo tem um reconhecimento próprio,

no quadro de uma estratégia de desenvolvimento do seu potencial.”. Sendo assim,

consideramos o clima do Colégio Estadual Carmela Dutra um clima do tipo

participativo porque os sujeitos estão motivados pela participação e unidos em seus

esforços para atingir os fins sociais da instituição. De fato, “... o clima de uma escola é

multidimensional e os seus componentes estão interligados. Os efeitos do clima são

múltiplos e importantes e, neste sentido, a avaliação do clima deve constituir um

momento prévio de mudança” (ibid:138).

4.3.5 – As publicações do Carmela Dutra

O Colégio Estadual Carmela Dutra sempre veiculou notícias e informações

formais e notícias da Direção, Corpo Docente e do Corpo Discente através de avisos,

circulares, comunicados, convites, manuais para professor e aluno e jornais da escola.

As comunicações se fazem, principalmente, pelo jornal mural “Intercâmbio”, criado em

1983 e utilizado até hoje.

Os jornais da escola tiveram os títulos de “Alvorada”, com pouco tempo de vida

e “Professando”, criado na década de 70 e que foi até 1995 a “voz” do Carmela Dutra.

Foram editados pela Direção da instituição, tendo à frente uma comissão de alunos e

um professor responsável pela sua organização final. A partir desse ano surgiu um novo

jornal colorido denominado CARMELA DUTRA, resultante de esforços do Diretor

geral professor Geraldo Ribeiro. Esse primeiro número trouxe aspectos históricos do

colégio e realizações empreendidas pela atual diretoria na estrutura física da escola,

especialmente destacando a creche Fada Joaninha e a escolinha do Pré-escolar para

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observações dos alunos estagiários. A escola conta também com a revista ÔNIX, desde

1956, produção do Grêmio Cultural e Desportivo Clóvis Monteiro.

Além dessas publicações mais sociais, a escola contou no final da década de 70

e início da de 80, com publicações mais técnicas como o Manual do Professor e o

Manual do Aluno. O Manual do Professor foi publicado na própria escola de 1975 a

1985, assim como o Manual do Aluno que vigorou de 1978 até 1984. Esses manuais

tiveram a orientação da Supervisão e colaboração dos professores da escola e dos

alunos.

O Manual do Professor27 traz todas as informações da instituição dividida em

três blocos: no primeiro bloco situa o Carmela Dutra como um todo (desde o

organograma, funcionamento da secretaria, o Serviço de Orientação Pedagógica e

Inspetoria) e apresenta um artigo pedagógico da atualidade para estudo e reflexão. No

segundo bloco o Manual explicita o sub-título “Que profissional nos propomos formar”

onde vêm caracterizados os objetivos do curso de Formação de Professores do 1º Grau

(1ª a 4ª séries), “Quem é o nosso aluno” (onde aparece o número de alunos reprovados

em cada série, tanto no CFP quanto no Curso de Estudos Adicionais) e “Estamos

funcionando sob o sistema de crédito” (onde são esclarecidas as normas gerais do

sistema de crédito, adotado desde 1977 na instituição, o fluxograma desse sistema, a

grade curricular do CFP de 1ª a 4ª séries e do de Estudos Adicionais). No terceiro bloco

constam: o Conselho de Classe (objetivos e organização), o calendário letivo e o

planejamento de ensino das diferentes disciplinas do curso.

O Manual do Aluno reproduzia uma parte das informações sobre a escola e

outras específicas para o corpo discente como: horários, calendário, hino e estrutura da

escola, conselhos de como estudar.

Ao longo dos dois documentos, a Escola procurava informar ao professor e

aluno o regime didático estabelecido. Além desse tipo de orientação aqui explicitada,

havia, entretanto, no Manual do Aluno uma série de disposições relativas à conduta a

ser seguida pelos alunos no que diz respeito ao uso do uniforme, os responsáveis pelo

“controle das turmas”, ao cumprimento do horário, à pontualidade às aulas, ao uso da

caderneta, à utilização do tempo vago e intervalo entre as aulas, às saídas antecipadas

das aulas, à conservação do prédio. A justificativa da necessidade de todos esses

“lembretes” aparece em função de que “Somos um grupo. Nosso trabalho é comum.

27 Ver Anexo 4

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Temos um compromisso com as normas da escola que escolhemos.” (Manual do Aluno

– Carmela Dutra, 1984). Esses dizeres aparecem como visando uma garantia de um

convívio saudável e de uma preocupação expressa de que compete ao aluno,

principalmente, a responsabilidade pela desobediência às normas definidas pela

instituição.

A leitura desses manuais apontou para um aspecto que pode ser importante ao

situarmos este estudo ao longo desses vinte anos da construção da disciplina Didática

na instituição. Não há em nenhum deles qualquer referência à conduta a ser seguida

pelos professores no que se refere ao cumprimento do horário, à freqüência às aulas ou

a um compromisso oficial efetivo com o trabalho a ser realizado. Percebe-se, assim, que

o fato de se considerar “um grupo” com um trabalho “comum”, o “compromisso”

assumido com a escola na época parecia ser unilateral. Quando muito expressam por si

a existência de um projeto desarticulado com o trabalho de grupo ou de equipe. Na

verdade, esses exemplos mostram timidamente que a escola nos anos 80 era um espaço

até certo ponto limitado ao cumprimento de normas da então gestão, que era indicada

pelo então governo e SEE, sem chegar a ter apresentado na época um projeto que

pudesse expressar as necessidades e os interesses de todos os grupos por ela envolvidos.

Quando muito revelam, de maneira formal, determinações que deveriam ser seguidas

por professores e alunos.

Tal fato, a partir dos documentos analisados e das entrevistas feitas com

professores que vivenciaram esses acontecimentos no período dos anos 80, reforçam a

hipótese de que não havia um clima aberto. O clima da instituição era fechado, que

corresponde a um “ambiente de trabalho considerado pelos seus membros como

autocrático, rígido e constrangedor, onde os indivíduos não são considerados, nem

consultados.” (Brunet, 1997:130). Não havia um compartilhar de idéias. Um grande

número de professores que lecionavam Didática nesse período não chegaram a lembrar

do uso. Os que o fizeram exaltaram a iniciativa de então e consideraram que mais não

chegou a ser feito em função do tipo de liderança autocrática imposta sofrida na época.

Alguns desses professores, como a diretora-adjunta e ex-professora de Psicologia e

Orientadora Educacional, chegaram a não medir esforços para se transferir do Colégio.

Em função do espírito de grupo, com os colegas docentes, que já existia na época,

conseguiram conviver com essas diferenças e presenciar a “virada” da escola com a

primeira eleição que foi feita após essas lideranças autocráticas (de 1982 a 1987), no

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final do ano de 1987. Iniciou-se, assim, a nova fase na instituição. Hoje, a instituição

vive o seu cotidiano envolvida com projetos que atingem e envolvem todos os setores

da escola e voltados para funções sociais maiores, que ultrapassam os muros da

instituição.

4.3.6 – As linguagens presentes no Carmela Dutra

A expressão dos sentimentos artísticos tem sido representada na escola por

diversos meios que têm constituído, ao longo do tempo, “... marcos indeléveis nas

atividades complementares, entre outros: a banda, o orfeão, o teatro, o coral de

professores a alunos, o balé e a dança rítmica.” (Klausner, 1995:75).

A banda da ENCD atuou durante muitos anos constituída por um grupo de

alunos que se renovava no decorrer dos anos letivos; fazia muito sucesso e levava o

nome de Banda Frederico Trotta, em homenagem ao então deputado estadual do MDB

que era professor, advogado, escritor com vinte livros publicados sobre poesia, contos,

educação, história, direito e política. Encontramos em Klausner (1995:76) o registro de

que esse personagem “era devotado à educação, tendo elaborado inúmeras leis, entre

elas as que criaram as escolas normais Júlia Kubitscheck, Azevedo Amaral e Heitor

Lira, além da lei que oficializou o Dia do Mestre”.

O orfeão da ENCD, fundado em 1951, foi oficializado em janeiro de 1953 com

o nome do seu patrono, maestro Villa-Lobos. Durante muitos anos o orfeão, constituído

de alunas, apresentou-se em concertos, solenidades públicas, programas culturais no

rádio e na televisão, em colégios, navios, Clube Militar, Casa da Moeda e Teatro

Municipal. Conquistou vários prêmios e até o de melhor orfeão do Brasil. Esse prêmio

foi organizado pelo Conservatório Nacional de Canto Orfeônico, patrocinado pelo

jornal “O Globo”. Esse orfeão esteve em plena atividade até o início da década de 80.

A partir de então, foi desativado.

Outra forma de expressão artística que se manifestou no Carmela Dutra foi o

teatro e o Coral dos Professores. Este surgiu em 1981 para homenagear a então diretora

da instituição. Até hoje esse coral continua funcionando e se apresentando em festas na

escola, às vezes em tom oficial.

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O balé e a dança rítmica são outras importantes manifestações no campo da arte

na ENCD. Esta tem aparecido na grade curricular como uma disciplina eletiva e

definida como “conteúdo obrigatório, na grade curricular do CFP, que reprova por

freqüência e rendimento e que é feita fora do horário do aluno.”

O projeto “Sexualidade e Cidadania”, orientado pela professora de

Musicoterapia é o fio condutor de todas as atividades paradidáticas da instituição. As

alunas gestantes têm sessões de musicoterapia de uniforme, o professor de Biologia dá

orientação sexual, o de Psicologia acompanha discussões em grupo entre as alunas. O

de Música orienta sessões de Musicoterapia e o de Didática supervisiona e assessora

todo o trabalho.

4.3.7 – A comunidade de Madureira e o Colégio Carmela Dutra

Tudo começou em 1816, quando a região era a Fazenda do Campinho,

de propriedade de Lourenço Madureira, e arrendada mais tarde a Francisco

Inácio Coutinho, que fez fortuna plantando mandioca e milho e depois ganhou

o primeiro processo de posse da terra. (Klausner,1995:79)

Encontramos esse relato no documento “Escola Normal Carmela Dutra – breve

história”, além de outras informações sobre o bairro de Madureira e sua comunidade.

Até 1893 o acesso à região de Madureira era feito exclusivamente em lombo de

burro, a partir da estação de Cascadura, quando então já havia sido instalada pela

Central e suas marias-fumaças. O progresso chegou rapidamente. A estação de trem foi

construída em 1896 e a sugestão de ser denominada Domingos Lopes foi indicada pelo

próprio e que acabou por indicar o nome de Madureira à atual região, numa

homenagem ao então fazendeiro Lourenço Madureira.

Os bondes elétricos chegaram em 1928, quando já existia a Escola de Samba

Portela. Até 1978 Madureira conservava ainda muitas casas antigas, algumas

construídas em 1915, conforme inscrições que resistiram ao tempo – como a da fachada

do número 62 da rua Antônio Badajós, que cruza a Adelaide Badajós, nome de família

importante naquela época.

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A vocação comercial de Madureira tem duas causas principais: a primeira foi a

construção, na década de 30, de um grande mercado que funcionou até 1962 e onde está

situada hoje a sede da Escola de Samba Império Serrano. A partir dessa data esse

grande mercado passou a funcionar na Avenida Ministro Edgard Romero, vizinho da

escola Carmela Dutra. O mercado foi o responsável pela criação do hábito de fazer

compras em Madureira e numa época em que ninguém falava ou pensava em

supermercados.

A outra causa foi a construção do viaduto Negrão de Lima, obra que possibilitou

a integração viária do bairro, ligando os dois lados da linha ferroviária. Segundo o

jornal O GLOBO (30/07/1978): “A partir da década de 60, Madureira passou a ser um

pólo natural de atração de bairros vizinhos.”

Esse bairro é o pólo principal da zona norte e como fica perto da Avenida Brasil,

que liga a outros bairros da baixada, também muito procurado pelos comerciantes e

donos de indústria pelos negócios lucrativos que a oferta baixa de preço dos utensílios

oferece na região. Madureira é junto ao bairro denominado “Saara”, no centro da

cidade, considerado pólo de compra de mercadoria dos sacoleiros e da maior parte de

profissionais autônomos como camelôs. Em Madureira, esses trabalhadores encontram

o preço mais baixo do mercado e podem, assim, comprar a mercadoria e revender com

bom lucro. Junto a esse aspecto, existe o fato da região ter empobrecido e de ter

aumentado o número de favelas ao seu redor. Existem períodos do ano em que os

líderes dessas favelas entram em guerra e conflitos e interditam todo o comércio da

região, inclusive as escolas. Nos últimos anos isso tem acontecido mais freqüentemente,

o que tem provocado grandes prejuízos, não só para o comércio como para todas as

pessoas que circulam e têm afazeres pela região.

A Escola Normal Carmela Dutra na época de sua criação, em 1946, localizava-

se na Avenida Ministro Edgard Romero número 31, em Madureira, subúrbio da zona

norte da cidade do Rio de janeiro. Em 1967 a escola foi transferida para o número 491

da mesma avenida onde funciona até hoje.

4.3.8 – O professor

120

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Um dos pólos importantes na construção dessa história da instituição é o

professor. Nossa intenção nesta etapa deste estudo é a de evidenciar algumas

características do corpo docente ao longo desse tempo e, mais especificamente, do

grupo de Didática que atua concretamente em sala de aula. Essas características se

referem às atividades desenvolvidas, à formação profissional recebida no nível de 2º e

3º graus, à experiência profissional e ao tempo de exercício na escola. Do total de 230

professores na instituição, trinta estão em sala ministrando aulas de Didática e Prática

de Ensino. Importa ressaltar que os dados disponíveis foram coletados com base em

entrevistas feitas com a direção e a equipe responsável pelos arquivos do Núcleo do

Pessoal. O objetivo, então, era o de se fixar no grupo de professores de Didática que

passaram pela escola e indicar alguns traços desse professorado e não, de se demonstrar

se esses professores teriam um nível de qualificação desejável.

Em primeiro lugar, verificamos que um pouco menos da metade de todo o grupo

de professores da escola exerce o magistério em outros estabelecimentos de ensino. No

caso do grupo de professores de Didática, dos trinta professores em exercício em sala

de aula somente quatro exercem o magistério em outras instituições. Um elemento a ser

destacado na instituição é o fato de que não existe um alto índice de rotatividade de

professores. Dos trinta professores de Didática na instituição, cinco estão há mais de

vinte anos na escola; nove estão entre 15 a 19 anos ; sete estão entre nove e quatorze

anos em exercício na instituição; outros sete estão entre cinco e oito anos e dois

professores, somente há dois anos. Até o momento do registro destes dados, duas

professoras aposentadas estavam retornando à escola como “Amigos da Escola”28. Uma

delas, já na faixa de setenta anos, foi aceita pela direção para trabalhar ministrando

aulas de recuperação de Didática da Matemática. Essa professora formou-se no

Carmela Dutra em 1951, trabalhou como professora de Didática da Matemática e de

Didática Geral. A outra professora, já quase chegando aos setenta anos, trabalhou

durante quinze anos com a Didática no Carmela Dutra e voltou para ajudar na

Supervisão Pedagógica da escola.

Do grupo de Didática, os trinta professores fizeram o curso Normal e Pedagogia

desse grupo de professores, foram ex-alunos da escola. Desse grupo ainda, onze

professores estão há mais de trinta anos no magistério e oito há mais de vinte anos. O

28 “Amigos da Escola” é um projeto lançado pelo governo federal no qual pessoas da comunidade escolar ou ligados à escola por algum motivo podem ter acesso à mesma oferecendo espontaneamente e gratuitamente seus serviços, seu trabalho, sem nenhum vínculo empregatício ou função remunerada.

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número restante atua no magistério na faixa de cinco a dezenove anos. Estes dados

revelam que, em tese, existe um número expressivo no corpo docente de professores de

Didática, não só com experiência, formação específica em magistério, como também

ligados afetivamente à instituição e demonstrando uma preocupação de fazer desta

permanência a mais longa possível.

No que se refere à atualização desses professores, notamos que a maior parte

ainda procura cursos de atualização fora do seu horário, embora justifiquem, ao mesmo

tempo, que muita dessa atualização é trazida à escola pela equipe de supervisores,

orientadores educacionais, oficinas feitas para os professores e palestras com pedagogos

de renome na área. Nesse aspecto, a escola foi uma das escolhidas para o projeto do

jornal O DIA, denominado “Quem lê, sabe mais”. No ano de 2001, quando esta

pesquisadora ainda estava em campo participando das atividades da escola e fazendo

entrevistas, pudemos participar de um dia inteiro em que a escola foi aberta até para a

comunidade para oferecer oficinas e palestras variadas. Autores da área de educação,

como Vera Maria Candau e Gaudêncio Frigotto tiveram suas palestras e oficinas muito

procuradas e concorridas.

Destacamos que, do grupo de Didática considerado, há um total de quatro

professores que ingressaram na instituição nos anos 70 e permanecem até hoje

ministrando aula de Didática. Registramos que, através de entrevistas feitas, seis

professores que ingressaram nos anos 80 na instituição, permanecem até hoje com a

disciplina Didática. Nesse grupo há duas professoras que exercem a função de

supervisoras pedagógicas na instituição e que, antes de estarem nessa função, foram

durante oito anos professoras de Didática. Uma delas chegou a ser ex-aluna do curso

Normal da instituição, quando terminou o curso em 1963.

Da década de 90, há cinco professores de Didática que permanecem até hoje em

sala com essa disciplina. Das duas professoras que estão há dois anos na escola no

grupo de Didática, uma delas foi ex-aluna da escola, tendo terminado o curso Normal

em 1960.

4.3.9 – O professorando do Carmela Dutra

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Encontramos registros nos periódicos produzidos na instituição sobre o ritual

que começou a cercar o concurso de ingresso na Escola Normal Carmela Dutra. O

processo de ingresso a essa Escola a partir do ano de sua criação envolvia um complexo

ritual seletivo: as alunas eram preparadas em cursos de admissão ou por professoras

particulares. O grau de seletividade das provas de ingresso nas Escolas Normais

públicas do então Distrito federal era muito grande. Segundo Cabral (In: Martins,

1996), em 1947 na Escola Normal Carmela Dutra, então subordinada ao Instituto de

Educação, as 536 candidatas inscritas foram reprovadas, o que levou à abertura de um

novo concurso, quando então, passaram apenas 30 candidatas. A formação de

professores primários era um ponto de referência positivo na época para o Brasil porque

nesse período a profissão de professora era uma das poucas opções para o universo

feminino e, além disso, ao se formar a professoranda já tinha emprego garantido na rede

pública de ensino.

Dos cinco professores de Didática que foram alunos da escola nos anos 50 e 60,

todos são unânimes em declarar, em entrevistas a esta pesquisadora, que os alunos hoje

são muito diferentes dos alunos dos anos 50, 60, 70 e 80. O discurso geral é de que falta

aos alunos de hoje maior base nos conteúdos mínimos ao chegar à escola de formação,

falta vontade do aluno hoje de estar numa escola de formação de professores. Os

professores de Didática declararam que fazem na primeira semana de aula com o 1º ano

normal um diagnóstico para saber os motivos pelos quais os alunos escolheram o

Colégio Estadual Carmela Dutra. A maior parte não procura a escola porque quer ser

professor, mas porque todos na região e no estado sabem que o ensino do colégio é o

melhor no Estado. Eles dizem que não querem ser professores porque vêem a profissão

professor ainda muito desvalorizada no mercado de trabalho. Na opinião de alguns

desses professores, ao chegarem ao final do 3º ano Normal, um número razoável desses

alunos descobre a “vocação” pela sala de aula e chega a mudar de idéia. Em uma

entrevista publicada no jornal “Professando”, sob o título “Normalista ontem, hoje e

sempre” e comemorativa dos 47 anos do Colégio Estadual Carmela Dutra, uma de suas

professoras mais antigas foi entrevistada e declarou que conhece bem o normalista de

hoje e o de ontem, porque começou a lecionar no Carmela Dutra na década de 50 e que

quando alguém faz comparação, em termos de qualidade, ela afirma que:

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... esta comparação só pode ser feita se o trabalho e feito em sala de

aula. Com todo respeito a toda e qualquer profissionalização de 2º grau, a

Escola Normal é uma escola diferente. O normalista é um aluno diferente.

Essa afirmativa da professora entrevistada e que está na escola desde os anos 50,

transparece uma visão positivista de aluno de escola Normal.

Um aspecto ressaltado pelo grupo de Didática, em relação aos alunos do

Carmela Dutra no passado e nos dias atuais é o fato de que o que os faz diferentes hoje

é a forma de acesso à escola atualmente: não existe mais prova de seleção, os critérios

são estabelecidos pela SEE e a escola tem pouca participação nessa seleção. Esses

critérios associam idade, carência de recursos para pagar os estudos, morar perto da

escola. Aliado a esse fator, o grupo de professores referiu-se também, e considerando

positivo, ao senso crítico presente na atitude dos alunos que têm ingressado na escola na

última década. Não são tão reprimidos como os alunos da escola no passado porque

falam o que pensam, têm menos medo de falar, de se posicionar, têm mais liberdade.

No passado os alunos falavam pouco, não davam opinião, não respondiam livremente.

O próprio fato de a escola aceitar moças grávidas e dar condições a elas de

continuar os estudos foi um dos fatores que, na opinião dos professores, caracteriza a

diferença fundamental entre o professorando de antes dos anos 90 e o de hoje – por

outro lado, de domínio de habilidades fundamentais como o domínio da leitura e de

orientação familiar que a cada dia estaria mais ausente do seio familiar porque todos

precisam se ausentar de casa para trabalhar e continuar sobrevivendo.

No passado do Colégio Estadual Carmela Dutra pudemos constatar que, através

deste estudo, a preocupação com a qualidade da formação de alunos-mestres foi uma

tônica constante ao longo do tempo aqui considerado. Em muitos depoimentos, artigos

de jornais e revistas produzidos por alunos e professores, a instituição parece ser

considerada como uma extensão de sua casa porque até encontramos relatos de ex-

alunos com grande saudade da escola, como também afirmando ser um sonho voltar ao

Carmela Dutra como professora do curso Normal.

A edição do jornal do Colégio “Professando” e que publica um editorial da

professora Maria Lucia Néri, traduz esse espírito e o clima do início dos anos 90 e que,

não deixa de ser um produto do imaginário social construído pelos sujeitos presentes na

instituição nesse período de tempo.

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Como nosso objeto de estudo é a história da disciplina Didática na instituição,

acreditamos que esse levantamento tenha nos ajudado a delinear a trajetória dessa

disciplina, quando tentamos, então, analisar, compreender e refletir sobre a contribuição

de cada sujeito aqui considerado, para que a disciplina Didática tenha a posição,

prestígio e credibilidade na instituição nos dias de hoje. Naturalmente que, com um

número significativo de professores presentes na área e nas duas décadas sinalizadas,

essa análise poderá nos ajudar a entender a lógica seguida pelo processo histórico

ocorrido na instituição. Esse ponto será tematizado e analisado no próximo capítulo

deste estudo.

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CAPÍTULO V

A HISTÓRIA DA DISCIPLINA DIDÁTICA GERAL NO COLÉGIO ESTADUAL

CARMELA DUTRA

Na nossa Carmela a busca de sempre:- Caminhos abertos em direção ao outro...- Caminhos abertos para descobrir o belo,

- Onde quer se esconda ou revele...- Caminhos abertos em todas as direções...

- Caminhos abertos em prol da Educação.29

Procuramos, ao longo do presente estudo, identificar uma possível articulação

entre os três campos teóricos aqui desenvolvidos: o hibridismo, o estudo das instituições

escolares e a história das disciplinas escolares. Precisamos, entretanto, refletir sobre o

fato de que existem alguns pontos, impasses e contradições, que devem ser detidamente

analisados se quisermos buscar as reais razões de considerarmos que a disciplina

escolar Didática Geral, no Colégio Estadual Carmela Dutra, é uma produção híbrida

dessa instituição.

Uma vez caracterizada a instituição passamos à análise da história da disciplina

escolar Didática Geral no Carmela Dutra, situando historicamente no período

demarcado a sua consolidação no currículo, os discursos que reapropriou do campo

acadêmico nesse período, as lutas e negociações feitas no interior da instituição para

legitimar seu status no currículo do curso e os processos que permearam os discursos e

ações dos sujeitos na instituição.

29 Esta mensagem consta na capa do Manual do Professor do Carmela Dutra de 1982. Nos Manuais encontrados na instituição (de 1980 a 1986) estão inscritas mensagens da equipe de Supervisão Pedagógica e professores que elaboraram esses Manuais.

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Optamos por organizar este capítulo em quatro seções. A primeira trata da

trajetória da pesquisa na instituição, como se iniciou e as dificuldades encontradas. A

segunda parte focaliza a seleção dos entrevistados e as entrevistas realizadas. A terceira,

trata dos eixos teóricos selecionados para análise. Destacamos nesta terceira seção as

questões propostas para este estudo, a saber: a concepção da disciplina Didática Geral

na instituição, pelos professores de Didática, o currículo escrito da disciplina

Didática Geral, os padrões de estabilidade e mudança presentes e os processos de

hibridização na construção da Didática Geral na instituição. A última seção deste

capítulo aborda algumas conclusões parciais.

Cabe assinalar que todo o processo de observação, de exploração do campo,

participação nas atividades do Colégio durante todo o período da pesquisa foi orientado

por alguns pressupostos que se constituíram em pano de fundo do trabalho, para não se

cair em uma perspectiva meramente descritiva dos fatos e fenômenos identificados.

O primeiro pressuposto é o de que a escola, como instituição social, se articula à

história, ao contexto social em que está inserida e expressa, de certa forma, os projetos

sócio-políticos de uma dada sociedade, mas possui uma especificidade como agência

educativa, com fins, objetivos, estrutura e organização que lhe são peculiares. A

instituição escolar se insere num movimento de tensão com a sociedade. Isso acontece

na medida em que se compreende a história de como seus objetivos foram estabelecidos

e inseridos no currículo e que permanecem ainda hoje “... como uma espécie de

relíquia.” (Goodson, 1995:28). Nesse sentido, a instituição escolar está continuamente

em processo de reflexão e ação.

O segundo pressuposto é o de que a disciplina escolar Didática ocupa um lugar

histórico de destaque no currículo de formação de professores e, no entanto, a análise

do seu papel no currículo de formação de professores tem suscitado uma discussão

intensa ao longo de sua construção no campo acadêmico. Nesse sentido, essa

problemática só pode ser adequadamente compreendida se for historicizada.

O terceiro pressuposto relaciona-se ao fato de que, embora a escola não receba

a imposição das finalidades feitas pela sociedade, sem resistência, podemos, ainda

assim, pensar que é por essas finalidades que se elaboram as políticas educacionais e se

selecionam os conteúdos. Nesse sentido, é que se criam as disciplinas e se realiza a

transformação histórica da escola.

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5.1 - A Trajetória da pesquisa

A escolha pela investigação da disciplina Didática no Colégio Estadual Carmela

Dutra deu-se pelo fato de esta pesquisadora já ter feito uma pesquisa no local deste

estudo e, por isso, ter livre acesso à instituição. Além disso, ao ter participado de uma

outra pesquisa30, nossa curiosidade foi aguçada para voltar a essa instituição e optamos,

então, por esse Colégio para desenvolver nossa futura pesquisa de dissertação.

Nosso quadro teórico, no começo do trabalho, era um esboço pouco estruturado

em dois eixos: a discussão teórica da Didática a partir dos anos 80, tendo como núcleo

principal a investigação de como o tecnicismo marcou a história da disciplina na

instituição e os programas de Didática ao longo dos anos 80 a 90, numa instituição de

formação de professores. Foi necessário, então, começar o trabalho empírico (agosto a

dezembro de 1999) através de uma observação exploratória, para que as questões a

serem investigadas brotassem e fossem melhor encaminhadas. Fomos muito bem

recebidos pela Direção e equipe.

Essa fase exploratória foi de agosto a dezembro de 1998 (quatro meses) e nos

permitiu, então, definir melhor algumas questões iniciais, bem como os procedimentos

adequados à investigação das questões. Coletamos alguns documentos como o Manual

do Professor (de 1980 a 1986), alguns decretos, Pareceres (23/90 e 130/96) que

regulamentam a grade curricular, o discurso de posse do diretor à época da inauguração

da escola, Regimento e Histórico da Instituição datado de 1995, numa 2ª edição.

Adquirimos também textos de Didática usados em aulas (de 1979 a 1995), apostilas de

Didática (dos anos 80 e 90), o Manual do Aluno (1984).

Esse primeiro contato foi feito através de conversa informal, quando foram

feitas algumas anotações consideradas relevantes para o estudo como: finalidades da

instituição, finalidades da Didática no curso de formação de professores, os conteúdos e

projetos desenvolvidos em Didática e na instituição, formas e critérios de avaliação

utilizados pela equipe de Didática. Em todos esses contatos estávamos munidos de

30 Em 1998, uma das professoras orientadoras dessa pesquisa, demonstrou grande vontade de fazer essa pesquisa no Colégio Estadual Carmela Dutra porque dizia ela que essa escola era a única de formação de professores que mantinha o padrão “nobre” na formação de professores para o Ensino Fundamental, porque tinha como líder um bom gestor.

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gravador e com a autorização dos sujeitos, conseguimos gravar todas as reuniões,

Conselho de Classe e algumas conversas com os professores.

Nessa primeira etapa de nossa pesquisa, participamos de três reuniões

pedagógicas lideradas pela equipe de Didática e de um Conselho de Classe. Tivemos

nossa primeira dificuldade: conseguimos o Manual do Professor de 1980 a 1983.

Apesar de terem sido feitos até o ano de 1987, o arquivo da escola perdeu os outros

números, assim como o Manual do aluno dos outros anos, por causa de uma enchente

que destruiu grande parte do arquivo. Nesse material perdido havia originais de prova

de Didática, projetos realizados na disciplina, planejamentos e programas bimestrais e

semanais da disciplina. Conseguimos grande parte desse material perdido na nossa

volta à instituição, em maio de 2000, quando fomos, então, à casa de uma das

professoras mais antigas do colégio que lecionou Didática na instituição e que, até hoje,

permanece na instituição em outra função. Nesse processo, e segundo Juliá (2002: 64):

“A raridade das fontes não deve desencorajar, mas incitar à investigação, pois, como

escrevia Arnaldo Momigliano, as fontes não são encontradas a menos que se lhas

busque.”

Na nossa volta à instituição, para dar continuidade ao nosso trabalho (de maio

de 2000 a julho de 2001), não podemos deixar de registrar a forma carinhosa com que

fomos recebidos pela equipe de Didática, tendo sob sua liderança a professora Maria

Teresa Colatino. Deixamos, então, com a professora Teresa nosso projeto de

dissertação com cópias para todos os professores da equipe de Didática e direção. Antes

de estarmos diretamente no grupo, queríamos “ganhar tempo” para que todos lessem e

pudéssemos explicar nosso trabalho, além de sermos bem aceitos pelo grupo de

professores. Ao assistirmos a primeira reunião pedagógica do grupo de Didática e

explicarmos o motivo de nossa estada no colégio, foi feito um discurso de boas-vindas à

nossa pessoa pela chegada à instituição. Todos que leram o projeto demonstraram

muito interesse pela pesquisa e uma das professoras, tomando a palavra nos agradeceu

dizendo:

Finalmente alguém de’ fora’ se interessou pelo Carmela Dutra, não só

para fazer estágio! O Colégio é muito procurado com essa finalidade ou

para se ver a sua creche. Finalmente, o Colégio foi procurado para se

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fazer uma pesquisa de nível de mestrado. Era só isso que faltava para

ficarmos de vez na história!

E todos aplaudiram. Sentimos, então, não só o trabalho que nos esperava, como

a responsabilidade de fazê-lo bem, porque as expectativas já nos pareciam ser muito

grandes. Sentimos, a partir desse “desabafo” (foi assim que percebemos a fala da

professora), que o nosso trabalho como pesquisador criterioso havia começado

‘naquele’ exato momento. Percebemos que precisaríamos de um bom conhecimento

teórico da metodologia da pesquisa histórica e nossa capacidade de observação,

reflexão, análise e habilidade de lidar com o outro seria testada no dia a dia daquele

colégio. Afinal, tratava-se de um estudo baseado, principalmente, nas memórias dos

sujeitos que vivem e viveram a disciplina Didática Geral na instituição. Para Kenski

(1994:48), os estudos baseados em memórias dos sujeitos mostram que, nesses relatos

... o sujeito busca construir uma identidade pessoal que, em alguns

casos, não é exatamente a mesma que ele possuía no passado (e nem

sempre ele sabe disso!). O que ocorre é que geralmente no momento em

que as pessoas vão relatar situações de suas vidas, elas aproveitam para

‘passar a limpo’ o passado e construir um todo coerente em que se

mesclam situações reais e imaginárias.

No processos de ida e vinda, durante os dezesseis meses que permanecemos na

instituição, entre os dados levantados do campo e o esforço compreensivo de avançar

para além das situações por nós consideradas como “evidentes”, nos comprometemos

com a natureza da pesquisa. Utilizamos a observação, complementada por entrevistas

com os professores que trabalham(ram) com a disciplina Didática Geral, no período

demarcado, com o diretor, diretora-adjunta e supervisoras. Esses instrumentos foram

complementados com a análise de documentos e arquivos do colégio.

Durante o segundo semestre de 2000 e o primeiro de 2001, acompanhamos o

cotidiano da instituição. A observação processou-se durante todos os momentos,

possibilitando verificar a recorrência e a relevância de determinados aspectos e

situações nos diálogos com os sujeitos da pesquisa: diretores e supervisores, professores

de Didática, alguns funcionários como: bibliotecária, secretário geral, responsável pelo

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núcleo do colégio e até o responsável pelo “Carmelícias”, lanchonete e restaurante

“self-service” do Colégio. Nesse nosso ‘mergulho’ no clima e ‘vida’ da instituição,

tentamos “nos proteger” para não nos perdermos num mundo dinamicamente crescente

de dados que nos chegavam a cada contato. Para Nóvoa (1999:16): “As escolas são

instituições de um tipo muito particular, que não podem ser pensadas como uma

qualquer fábrica ou oficina...”. Para esse autor é possível articular a reflexão sobre as

escolas com a ação nas escolas.

O mais difícil foi manter esse estranhamento o tempo todo, visto o clima afetivo

e amoroso sempre presente em todos os espaços por onde cruzávamos dentro da

instituição. Principalmente, quando começaram a nos denominar de a mais nova

“carmelita”31 do colégio. Essa foi, na realidade, a maior dificuldade, o maior desafio

que encontramos na pesquisa: estranhar para manter o rigor científico de nossas

observações e escutas, dos nossos sentidos, da nossa vigilância face a tudo que surgia de

“novo”, principalmente diante do “velho”. Para Nunes (1991:37), “A história é uma

aventura que nos mobiliza no sentido de construir um conhecimento que não aparte a

imaginação do rigor.” Ou seja, é o que essa pesquisa nos proporcionou, momentos em

que testamos nossa capacidade de reflexão e interpretação,mas, nem por isso deixaram

de estar carregados de emoção.

Nesse período de tempo e após termos concluído as observações, realizamos as

entrevistas. Foi um total de vinte e três entrevistados: dezoito professores de Didática,

três professores da equipe técnico-administrativa Diretor, diretor-adjunto e secretário e

duas supervisoras pedagógicas (que nunca lecionaram Didática). Entrevistamos os

professores de Didática e os dois diretores com a intenção de registrar, também,

histórias de vida, visto que vivenciaram a partir dos anos 80 as lutas e conflitos da

disciplina na instituição. Para Louro (1991:22) “... história oral é mais do que entrevista

ou, pelo menos entrevistas tomadas no seu conceito mais restrito. Ela envolve histórias

de vida, o que talvez constitua sua fonte mais rica, depoimentos ... e entrevistas semi-

estruturadas.”

Goodson também sinaliza, em seus estudos, que quando os professores falam

sobre problemas de matérias de ensino, gestão escolar ou organização das escolas,

“... eles trazem, constantemente, dados sobre suas próprias vidas.” (Goodson, 1992, In:

31 Essa forma de se comunicar na instituição é devida só àqueles que o grupo considera como fazendo parte da “família do Carmela Dutra”

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Nóvoa, 1992:70). Sendo assim, elaboramos duas entrevistas: uma para os professores de

Didática e a outra para os dois diretores, secretário e supervisoras que nunca lecionaram

Didática na instituição.32.

Realizamos uma seleção de sujeitos a serem entrevistados que pudesse

representar a equipe de profissionais ligados à disciplina Didática Geral e que, nos

diferentes momentos históricos, participaram da construção da disciplina na instituição.

Nosso critério foi, portanto, o maior número de anos na instituição com a disciplina

Didática Geral, o maior número de anos na instituição e professores que, mesmo

estando em outra função atualmente ou aposentados, lecionaram Didática Geral nos

anos 80, na instituição.

A determinação inicial era de que conversaríamos com, no máximo, quinze

professores de Didática. Entretanto, esse número foi ampliado, pois tivemos

oportunidade de contatar outros professores de Didática, dos anos 70 e 80, que já

haviam se aposentado. Conhecemos esses professores num dos eventos (almoço com

baile no Ginástico Português) que acontecem a cada semestre e que reúne os antigos

professores de Didática do Carmela Dutra que já se aposentaram, com outros que estão

trabalhando em outros lugares e alguns dos atuais que lecionam Didática no Colégio

Carmela Dutra. Esses professores têm em comum o fato de que todos foram ou são

professores de Didática do Carmela Dutra, demonstram muito orgulho por esse fato e

encontram-se, pelo menos, duas vezes ao ano desde a década de 80, fora do espaço

físico do colégio.

Assim, esse número de entrevistados foi ampliado para vinte e três

entrevistados. O critério para essa seleção envolveu os aspectos mencionados acima e

que consideramos relevantes consideramos relevantes e pertinentes ao objeto da

pesquisa. Separamos os sujeitos da nossa pesquisa e formamos três blocos. Nos três

blocos, o critério comum para nossa análise foi o fato de todos terem lecionado

Didática Geral na instituição, em algum dos períodos demarcados por nosso estudo.

Num primeiro bloco, alocamos professores de Didática Geral que chegaram nos anos

70 ao colégio, no segundo bloco, consideramos os que chegaram à instituição nos anos

80 e no terceiro, os que chegaram na década de 90. Com a intenção de melhor se

visualizar o critério estabelecido, para fim didático de análise, montamos o quadro

abaixo:

32 Ver Anexo 5 e 6.

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PeríodoNº de profs

que chegaram à Instituição

Total de anos lecionando Didática

Geral

Nº de anos na instituição

Nº de anos no

magistério

Ex--aluno

Anos 70 6

3 profs/ 27 a1 prof/ 8 a1 prof/ 5 a1 prof/ 1 a

3 profs/ 27 a2 profs/ 25 a1 prof/ 01 a

3 profs/ 37 a1 prof/ 39 a1 prof/ 42 a1 prof/ 29 a

1

Anos 80 7

3 profs/ 14 a2 profs/ 16 a1 prof/ 15 a1 prof/ 8 a

3 profs/ 15 a2 profs/ 14 a1 prof/ 16 a1 prof/ 13 a

1 prof/ 42 a1 prof/ 39 a1 prof/ 38 a1 prof/ 35 a1 prof/ 34 a2 profs/ 14 a

3

Anos 90 5

2 profs/ 9 a1 prof/ 8 a1 prof/ 7 a1 prof/ 6 a

2 profs/ 9 a1 prof/ 7 a1 prof/ 6 a1 prof/ 6 a

2 profs/ 18 a1 prof/ 37 a1 prof/ 19 a1 prof/ 14 a

1

Quadro nº 1 – Dados retirados das entrevistas feitas com os 18 professores que

lecionaram a disciplina Didática Geral na instituição ao longo do período delimitado

para o estudo.

Consideramos no quadro o período a partir dos anos 70, tendo em vista que há

professores que estão na instituição desde 1973, 1974 e 1978 e permanecem até hoje.

Além disso, num período histórico delimitado, temos que considerar que as mudanças

não acontecem de forma estanque. No nosso caso, o movimento da Escola Nova

iniciou-se nos anos 60 e, além disso, esse período foi paralelamente acompanhado de

iniciativas renovadoras sob o ideário renovador- tecnicista que se estendeu até o início

dos anos 70.

O quadro nos indica que o grupo de professores dos anos 80 possui a média

maior de tempo lecionando a disciplina Didática na instituição, além de ter, também, o

maior número de anos na instituição e de anos no magistério. Estão aliados nesse bloco

a média de professores com mais tempo no magistério na instituição e lecionando

Didática. Além disso, temos o fato de haver professores da disciplina que foram ex-

alunos da instituição. Este bloco, apesar de ser o mais significativo em termos

quantitativos, não desconsideramos os outros grupos.

133

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Partimos, a seguir, para nossas análises, considerando as questões de estudo que

foram construídas com na interpretação dos dados coletados e no referencial teórico

adotado.

5.2 – Eixos teóricos para análise:

Acreditamos que a forma como as questões são percebidas pelos sujeitos,

constitui um material importante para a compreensão, não só de suas ações no interior

da instituição, como também do próprio clima institucional, da história da disciplina

Didática no curso de formação de professores e a própria história de cada sujeito que

ajudou a construir essa história. Optamos, para essa interpretação, pela análise cruzada,

na qual procuramos tratar a evidência oral como fonte de informações, pois para

Thompson (1992), devemos ter sempre em mente que a entrevista é uma forma de

discurso e um testemunho. Como testemunho, há informações que podem ser avaliadas

e também computadas.

Consideramos, a princípio, nossa interpretação verdadeira porque selecionamos

modelos de evidência coerentes e que vêm de mais de um ponto de vista dos

entrevistados. Utilizamos as fontes orais conjuntamente com outras fontes como os

manuais (professor e aluno), textos, apostilas e provas de Didática Geral, pareceres,

grades, periódicos, jornais da escola, jornais com notícias do Colégio da época do

estudo, caderno de plano de professora de Didática de 1982, transparências de aula de

Didática Geral de 1982. Analisamos com a intenção de não nos distanciarmos de

entender, neste caso específico, de todas as questões abordadas no estudo. As

interpretações e idéias desvendadas pelas questões englobam os professores

entrevistados dos três blocos, conforme o quadro nº 1, na seção anterior.

5.2.1 – A concepção da disciplina Didática Geral na instituição, na

percepção dos professores de Didática Geral– presente e passado

A primeira questão de estudo é identificar a maneira como o professor de

Didática Geral percebe a disciplina no currículo, o que os professores da equipe de

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Didática pensam das mudanças na Didática Geral ao longo do período demarcado.

Nesta questão de estudo incluímos o posicionamento desses professores quanto à

importância da atualização na área, o diálogo com as políticas da SEE (Secretaria

Estadual de Educação) e a participação nas atividades e, especialmente, nas reuniões de

equipe do Grupo de Didática na instituição.

O primeiro grupo de professores de Didática Geral (anos 70) considera a

disciplina Didática Geral importante e fundamental no currículo do curso de formação

de professores. Os cinco professores, que viveram o final dos anos 70 e anos 80, são

unânimes em declarar que Didática foi uma disciplina forte, líder, atuante, fundamental,

a “menina dos olhos” do currículo do Colégio Carmela Dutra.

As falas dos professores desse grupo privilegiam as idéias a que Goodson (1983,

1990, 1997) se refere de que a disciplina não é monolítica, de que ela passa por

conflitos, lutas e negociações na instituição para se (re)afirmar e que quando o ‘interno’

e ‘externo’ estão em desarmonia, essa mudança é lenta. Percebe-se nas falas que os

grupos em conflito na instituição tendem a lançar mão de sua autonomia relativa para

fazer ouvirem sua voz na instituição, quando percebem que os grupos em contraposição

tentam afastar a disciplina de seus valores tradicionais:

Didática é fundamental... Quando cheguei no Carmela a Didática era a

‘menina dos olhos’... Nos anos 80 começou a decadência. No auge, a Didática

levava as outras disciplinas… No início do governo Brizola, houve mudança

nos critérios de escolha da administração e daí começou a queda da Didática

na escola. Aqui no Carmela, hoje está se tentando retomar e revalorizar a

Didática... Antes, ela era respeitada. E por que isso? Por questões políticas!!...

(Professora A– leciona Didática há 27 anos no Carmela e ex-aluna)

A Didática era uma disciplina forte. Era um grupo muito grande na

escola. Tínhamos uma prática que fazíamos questão de não deixar nos nossos

centros de estudo... Chegaram pessoas que não tinham competência... Foi aí

que começou a época da queda dessa disciplina no Carmela e eu quis sair

logo... ( Professora B – trabalhou 8 anos no Carmela, lecionou durante 2 anos a

disciplina Didática e hoje trabalha no Instituto de Educação)

135

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Graças a Deus tivemos momentos que não foram duradouros... os

tempos eram outros, os recursos eram outros... Didática pra mim, no currículo

do Carmela Dutra, é vida! Ela ainda é a equipe maior. Hoje aqui na escola ela

é valorizada, até porque tem grande peso, é muito grande, muito integrada.

(Professora C – há vinte e cinco anos no Carmela, tendo lecionado Didática

durante cinco anos. Hoje é professora encarregada de Multimeios da instituição.)

O segundo grupo de professores de Didática (anos 80) percebe a disciplina

Didática como essencial, como o alicerce, “carro-chefe”, porém, “tem que ser

valorizada”, “precisa de renovação”, “era mais o que eu ensinava”, “hoje é mais o que o

aluno aprende”. A visão desse segundo grupo é uma visão não tão naturalizada como a

do primeiro. É bem acentuada a visão dos professores desse grupo como uma visão

reconhecida de que, apesar do longo tempo de descrédito que a disciplina teve na

instituição nos anos 80, ainda assim, eles acreditam que isso está mudando.

As falas dos professores desse grupo para explicar essa trajetória estão

associadas, não só a conflitos vividos no campo acadêmico da disciplina (questões de

forma e conteúdo), como também à própria desvalorização da profissão professor,

como também a novas finalidades sociais que surgiram com a lei 5692/71. Tais

posicionamentos acabam assumindo para a Didática dos anos 80, como disciplina

essencial na instituição, uma identidade totalmente des-centrada de um projeto

educativo claro que a defina como a disciplina-base orientadora da ação dos docentes.

As falas desses professores nos levam a interpretar que eles viveram um grande conflito

nesse período descrito e que, apesar de ainda o estarem vivendo, com menos

intensidade, eles tentam valorizar a disciplina Didática na instituição.

Com base em Goodson (1995 a:17), os conflitos existentes em torno da

“definição de currículo escrito proporcionam uma prova visível, pública e autêntica da

luta constante que envolve as aspirações e objetivos de escolarização.”. Percebemos,

nessas falas as mudanças que se estabeleceram nas relações entre esses indivíduos no

grupo e como elas se modificaram ao longo do tempo, em função das relações de poder

presentes, delimitando territórios de atuação que até então atendiam a demandas sociais

da época. As “questões políticas”, as “pessoas que não tinham competência”, os

recursos que “eram outros”, tudo isso parece nos indicar que há predominância, nesse

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grupo de professores, da idéia de que a valorização da disciplina Didática Geral no

interior da instituição estaria ligada a propostas no nível macro que foram

(re)interpretadas e a que o grupo resistiu , considerando-se a cultura escolar ‘própria’

dessa instituição.

Goodson (1997) também prevê que o estudo sobre a disciplina escolar tende a

examinar a relação entre o conteúdo e a forma da disciplina. As bases desse

pensamento de Goodson, nos fazem entender porque a disciplina é vista por esse grupo

como válida no currículo na medida em que aparece nesses discursos como vinculada á

idéia de “conteúdo a ser apresentado para fim de estudo” (ibid:23). Chervel (1990)

também aponta que esse é o papel mais amplo da disciplina na instituição: com lentidão

a disciplina vai se estabelecendo na instituição, na medida em que objetiva o seu

conteúdo para servir a uma finalidade da instituição. Essas falas nos indicam que é essa

a idéia que esse grupo parece objetivar. Eis mais algumas falas significativas:

... a professora vê a disciplina Didática como essencial no curso de

formação de professores, é ela que norteia, não tem como fugir.

Didática é o alicerce!

(Professora D – leciona há 16 anos Didática no colégio e ex-aluna)

A Didática já está um pouco arcaica, está precisando de uma

renovação, de novos métodos...Eu acho que atualmente a disciplina Didática é

valorizada aqui no Carmela. Quando eu cheguei aqui, não! A nossa luta era

essa.E nós sempre lutamos contra isso.

(Professora E – lecionando Didática há 16 anos, no magistério há 42 anos e ex-aluna)

Em 1988, o Claudino Pilleti era o livro básico. Ele imperava no

Carmela Dutra. A postura em relação à Didática era extremamente tecnicista.

A direção do colégio era de técnicos, portanto, a Didática ficou em segundo

plano. Isso aqui passou a ser uma escola que simplesmente preparava para o

vestibular. E essa postura ficou porque era o pessoal mais antigo da Didática

que incorporou e se submeteu, não procurou crescer...O defeito não é da

Didática, não... é do professor de um modo geral que não lê, que não pesquisa

(Professora F – lecionou Didática na instituição durante 8 anos,está no

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magistério há 35 anos e atualmente é a Coordenadora Pedagógica da equipe de

Didática)

Não acho que a disciplina seja valorizada, mas quando o grupo de

Didática se coloca, ela tem um certo reconhecimento. Antes mesmo de

87, quando eu cheguei aqui, já falavam que o professor de Didática

tinha outra conotação: mais valorização do curso, da profissão e até

hoje eu sinto aqui no Carmela que os professores de Didática se

empenham em fazer um bom trabalho.

(Professora G – lecionando na instituição a disciplina Didática, há 14 anos.)

Vejo a Didática não valorizada no Carmela Dutra. Quando eu cheguei

aqui, era pior.Mas eu soube que já tinha sido melhor. Antes, a escola e o

currículo da escola, funcionavam em torno da Didática. Me foi passado que

nesse tempo era muito bom! Mas quando eu cheguei já não era assim. Era uma

disciplina que ensinava bobagens: apagar o quadro, não podia sentar em cima

da mesa, era só isso! Agora está melhorando, até porque é o próprio grupo que

faz isso. Essa melhora vem de uns três anos pra cá. O próprio grupo de

Didática não quer mais ser o centro, porque esse grupo é formado de

professores mais velhos de idade.

(Professora H – lecionando Didática há 14 anos na instituição)

O terceiro grupo de professores de Didática (anos 90) situa a disciplina nesse

período como “voltando às suas raízes”, “puxando as outras disciplinas”, “disciplina de

conscientização”. A visão desse grupo não é a de negar os conteúdos como produtos de

uma tradição seletiva do passado (Williams, 1984); pelo contrário, precisa-se

“aprofundar” esses conteúdos porque eles se tornaram “superficiais”. A idéia é de

reconstrução do status da disciplina no currículo, mas que precisa atender, segundo

Goodson (1997), a certas exigências, tanto de estruturas quanto de conteúdos que

atendam às necessidades da sociedade atual. Nesse sentido, esses interesses

desencadeiam processos de diálogo e de conflito, interferindo na organização do

currículo.

138

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Acima das divergências se sobrepõe, na visão desse grupo, o espírito de

valorização de todo o trabalho que está sendo feito pelo grupo de Didática no momento,

ainda que cercado de conflitos. Os depoimentos que se seguem são ilustrativos:

Vejo a Didática no currículo deficitária no seguinte ponto de vista.... os

conteúdos mudaram. Faz falta um conhecimento um pouco mais aprofundado.

Até certo ponto, essa disciplina está sendo superficial. Mas o Carmela é um

colégio que luta! E contra a maré!... E é raro, porque essas raízes ‘aqui’ ainda

estão voltadas para a ‘formação’! São raízes ainda de uma ‘escola’ (ênfase

dada pela professora)! mas ela vai melhorar, entendeu? Ela vai voltar às suas

raízes. O que mais marcou essa mudança da Didática nos anos 80 foi

justamente esse afastamento das suas raízes...

(Professora I – lecionando Didática há oito anos na instituição e há 37 anos no

magistério)

É uma disciplina de grande importância... a Didática é uma disciplina

de conscientização e aqui no Carmela eu sinto como uma disciplina valorizada

até pela direção da escola: o carinho, o apoio e o apreço com que somos

tratados demonstra isso.

(Professora J – lecionando Didática há dois anos, no magistério há 27 anos e ex-aluna)

Eu vejo a Didática como ela deveria ser – puxando as outras

disciplinas, quase que encaminhando, mas ainda não estamos conseguindo ser

a ‘tal’ disciplina que move as outras... Mas de 95 pra cá isso está mudando... a

gente acordou pra isso... o grupo começou a formular novas propostas. A gente

sente um desejo muito grande do grupo de acertar, de encontrar um caminho e

que a Didática seja o mais importante no curso Normal. Eu penso que ela é

valorizada, sim, na instituição... a escola dá espaço e não nos impede de fazer

alguma coisa, só que isso depende muito de nós.

(Professora L – lecionando Didática há sete anos no Carmela e no magistério há 19

anos)

139

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É notório, portanto, que a trajetória da disciplina Didática na instituição passou

por períodos de auge, queda e retomada. Fica claro que nesses momentos houve

prioridades políticas e sociais predominantes nesses períodos e que criaram novas

tradições dentro da instituição, acabando por afetar o rumo da disciplina na instituição.

A disciplina deixou de ser a “rainha” do currículo dos anos 80 e reinicia uma nova fase

de valorização. Como analisa Goodson (1995a), o currículo escrito é um exemplo de

tradição, mas não como algo pronto que se seleciona lá do passado. É, sim, algo que se

defende, se constrói e acaba por encontrar novas formas para se legitimar na instituição.

O grupo de professores dos três blocos que foram entrevistados é unânime em

ressaltar a importância da disciplina Didática Geral durante toda a sua trajetória na

instituição: uma disciplina básica, importante, fundamental, “carro–chefe”, “eixo

principal”, a “menina dos olhos” do currículo da instituição da década de 70 e início de

80. O grupo vê as mudanças na disciplina ligadas, não só à mudança da política

administrativa no país e estado e à implantação da Lei 5692 (que tornou o curso

profissionalizante e voltou-se para a profissionalização do técnico), como, na década de

80, a direção do Colégio passou a ser exercida por técnicos, sem sequer terem o ensino

superior. Além disso, o grupo destacou o fato de que o nível e expectativas, quanto ao

curso de formação de professores, dos alunos que passaram a procurara o Colégio

mudaram, consideravelmente. O grupo de professores entrevistados considera que essas

mudanças ocorreram, paralelamente, à falta de diálogo com a SEE e de incentivo, por

parte desta, de proporcionar atualização e encontros para os professores das escolas

normais. Presenciamos o testemunho do grupo de professores de Didática, em todas as

reuniões e COCs de que participamos uma crítica permanente à SEE de que esta não

viabiliza qualquer tipo de integração entre as Universidades e os cursos que são abertos

nesses espaços. Os professores das escolas normais não têm acesso ou qualquer tipo de

incentivo para freqüentar esses cursos. Constatamos nas falas dos entrevistados que

somente seis professores, de todo o grupo, chegaram a participar de algum Congresso,

Encontro de Educação ou Endipe nesse período demarcado por nossa pesquisa.

Foram ressaltadas as reuniões da equipe de Didática que ocorrem desde os

anos 70. O grupo de professores é unânime em dizer que essas reuniões sempre

aconteceram. A finalidade dessas reuniões foi quase sempre a de estudar porque dava

mais segurança ao grupo de Didática. No período do início da década de 80, essas

reuniões chegaram a acontecer para planejar. Nos dias atuais, elas acontecem para

140

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troca, discussões de temáticas atuais relevantes. Nos dois últimos anos ela têm ocorrido,

principalmente, para discutir a matriz curricular nova que define a reestruturação do

curso Normal que passa para quatro anos.

O grupo vê essas mudanças na disciplina como decorrentes, também, do

desprestígio da profissão-professor que ocorreu paralelo nesse período. O “desmonte”

administrativo sofrido pela escola foi o pano de fundo dessa crise e acabou por afetar

toda sua estrutura e organização. A partir dos anos 90, os professores revelam que se

iniciou a fase de retomada e valorização da Didática no currículo, pelo incentivo a um

diálogo maior e de preocupação com a área afetiva e social.

Essa retomada da disciplina na instituição ocorreu a partir, principalmente, da

eleição do professor Geraldo Ribeiro para a direção. As falas das duas principais

lideranças na instituição, a coordenadora do grupo de Didática (desde 1988 na

instituição e durante oito anos como professora de Didática Geral) e a do diretor da

instituição, professor Geraldo Ribeiro (na instituição desde 1976, trabalha no Carmela

Dutra há 25 anos. Iniciou no Colégio como professor de Geografia, atuou na Supervisão

do Colégio e está à frente da direção do Colégio há 12 anos) – ilustram a construção

histórica da disciplina Didática Geral na instituição, durante todo esse período.

Durante o período da Lei 5692/71, com o tecnicismo, aqui deixou de ser

Escola Normal Carmela Dutra e passou a ser Colégio Estadual Carmela Dutra. A

direção deixou de ser uma direção de pedagogos... O novo supervisor tinha vindo de

uma escola técnica, a Visconde de Mauá, e portanto, a Didática ficou em segundo

plano. Isso aqui passou a ser uma escola que, simplesmente, preparava o aluno para

fazer o vestibular... Quando eu cheguei aqui em 1988, havia um programa com postura

tecnicista, que já havia chegado aqui muito defasado porque a discussão já estava

sendo outra. E a minha grande indignação e surpresa era que eu trabalhava no

município do Rio de Janeiro, como orientadora educacional e tínhamos reuniões

maravilhosas com a nossa coordenadora Regina Leite Garcia. Tínhamos, então,

acesso a todo aquele material voltado para a educação das classes populares...

Encontrar uma escola de formação de professores, o Carmela, nessa situação... Aqui

dentro do Carmela, a SEE ‘nunca, nunca’ (ênfase dada pela professora na sua fala)

ofereceu nada nesses treze anos, em termos de atualização consistente... Ano passado

(2000), fizemos uma reunião para marcar, para os professores de todas as disciplinas

141

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do Colégio. Colocamos aquela mesa ali com um big lanche, com dinâmica, com

discussões, com dramatização, colocamos a importância da Didática Geral, e aí os

professores desabrocharam para a Didática... passaram a nos ver de outra forma.

(Coordenadora Pedagógica da equipe de Didática e há cinco anos nessa

função)

A disciplina Didática hoje no currículo nem entra na grade

Curricular da 1ª série, mas nós a colocamos até como uma sondagem

de aptidão... E a Didática é fundamental! Eu valorizo muito!... mas

sinto que no grupo essa disciplina não é valorizada... esses que vêm

de uma formação mais acadêmica, eles não valorizam... acham que

Didática é cortar e colar papel e que não leva à nada, não acrescenta

nada! Sempre foi assim!... Eu acho até que agora está sendo mais

respeitada, porque há até uma imposição... Os trabalhos de Didática

têm que ser divulgados, têm que ser mostrados pra todo mundo...

para todos sentirem realmente que a Didática existe e que ela é

fundamental. Na década de 70 as professoras de Didática eram as

mais antigas da escola, se sentiam as ‘rainhas’ da escola, paradas no

tempo e no espaço. As coisas só começaram a mudar na década de 90

prá cá. E eu devo essa mudança ao afetivo, a um diálogo maior..

(Diretor Geral – Professor Geraldo Ribeiro)

Esse conflito de se tentar legitimar a Didática na instituição envolveu ações e

negociações entre os que participaram desse processo e dessa história no sentido de

deixar claro que nos diferentes momentos históricos vividos pela instituição, houve

prioridades políticas e sociais que, então, foram predominantes e que criaram novas

tradições dentro da instituição, como a abertura a um maior diálogo, uma atenção maior

ao afetivo da escola pelo social.

Nessas falas convém destacar a lógica processual a que Goodson se refere

(1983), no campo da história das disciplinas escolares, de que cada disciplina assume, à

princípio, uma necessidade social de existência para, a seguir, legitimar-se como uma

142

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tradição acadêmica. Na história da disciplina escolar Didática Geral no Colégio

Carmela Dutra, ela surgiu e se manteve distante do status acadêmico, assumindo

inicialmente, uma necessidade social de existência centrada no “saber fazer” para, mais

tarde, já no final dos anos 90, legitimar-se como uma tradição acadêmica.

A fala da coordenadora pedagógica aponta que a disciplina Didática Geral

permaneceu à parte das discussões teóricas da filosofia, sociologia que já na década de

80 aconteciam no meio acadêmico. Essa disciplina só vem a reaparecer na instituição,

no final da década de 90, tornando-se mais contextualizada, após lutas e conflitos por

status, espaços, recursos e interesses na instituição. Ela se redefine, no currículo da

instituição e na virada do milênio, como uma disciplina ligada ao afetivo, a um diálogo

maior. Assim, aspectos internos e externos caminham paralelamente à constituição da

disciplina Didática Geral na instituição pesquisada. Com base em Goodson (1997),

conforme destacamos no capítulo I do nosso trabalho, a disciplina se situa no ponto de

encontro dessas duas forças mencionadas pelos entrevistados: forças internas e

externas, práticas institucionalizadas e organizacionais. Enquanto os fatores internos

como os professores, a equipe técnico-administrativo-pedagógica, a própria cultura

organizacional da instituição, as reuniões da equipe de Didática para discutir o

planejamento, tendem a manter o status da disciplina no currículo, da forma que lê foi

estabelecido. As discussões acadêmicas, os objetivos e função social da escola, as

mudanças administrativas acabam entrando em conflito com o que já está oficializado

na instituição.

Assim, a Didática dos anos 70 e 80, como “rainha” na instituição e ponto de

referência para toda a escola, começa a readquirir nos anos 90 essa tradição por meio de

ações como a da equipe de Didática liderando as reuniões pedagógicas na instituição,

divulgação e exposição dos trabalhos de Didática para que todos saibam que... a

Didática existe e é fundamental . Nesse sentido, Goodson (1995a:27) aponta que “a

elaboração do currículo pode ser considerada um processo pelo qual se inventa

tradição.”.

As três fases da Didática no período demarcado no Colégio Carmela Dutra estão

bem claras nas falas dos professores entrevistados: 1ª fase: Didática “Menina dos

olhos”; Didática “Rainha” (anos 70 e início da década de 80); 2ª fase: Didática

“Esfacelada”, perdendo as suas “raízes” (anos 80); 3ª fase: Didática Integradora,

Amorosa, Afetiva (anos 90). Podemos “ver” essa tradição a que Goodson se refere

143

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nesse processo de “altos e baixos” na instituição.

Em síntese, houve uma luta para se fazer crer que essa é a visão do Carmela

Dutra que se quer e que, por isso, a torna a melhor oficialmente. Percebe-se ainda

impregnado nas falas dos professores de Didática Geral entrevistados e que vivenciaram

todo esse processo histórico da disciplina na instituição que, até os dias atuais, ainda se

luta, dialoga, negocia e até se “impõe” para se fazer crer que essa visão de Carmela

Dutra como uma boa escola, como a melhor escola, deve ser mantida. A descoberta da

disciplina Didática Geral como uma disciplina de “altos e baixos” , mas com uma

história de lutas, conflitos e contradições parece ser motivo de orgulho para esses

sujeitos que viveram essa história. A posição da Didática geral saindo do “saber-fazer”

e redefinir-se, nos tempos atuais, nessa instituição, tornando essa disciplina melhor,

mais humana, mais social, mais amorosa, tende a se associar a um projeto político

comum existencial que une os atores sociais dessa instituição – atender a futuros

professores, respeitando e buscando caminhos para minimizar suas dificuldades, mantê-

los o tempo da sua escolarização no espaço escolar, respeitando-os e aceitando-os com

suas limitações, mas procurando despertar neles o sentido do amor, da vida, da

solidariedade, da paixão em ensinar e à Didática Geral é dada uma posição, atualmente,

que a aponta como a disciplina que faz os professores “desabrocharem”.

O incentivo de pressões sofridas no passado para uma Didática com essa “cara”,

parece não ter ameaçado a sua tortuosa trajetória na instituição e de se tentar defini-la

como uma disciplina acadêmica, assim como as outras disciplinas do currículo no

passado. Pelo contrário, o fato de essa disciplina estar voltada, atualmente, para uma

função social maior, parece garantir à Didática a sua legitimação no currículo da

instituição.

5.2.2 – O currículo escrito da disciplina Didática Geral

A segunda questão de estudo pretende investigar os discursos acadêmicos

(re)apropriados pela disciplina Didática no período de ‘crise’ dos anos 80. Queremos

compreender o que foi reapropriado do discurso da Escola Nova, Tecnicista e Crítica no

currículo escrito da disciplina na instituição.

144

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Para essa análise, consideramos não só os discursos dos professores nas

entrevistas, como também o Manual do professor do ano de 1980, o Manual do aluno

de 1984, textos trabalhados em sala de aula com os alunos nesse período, provas

aplicadas, agendas de reuniões pedagógicas, transparências de aula de Didática do ano

de 1982 e caderno de plano de professora de Didática de 1982.

As respostas às entrevistas foram selecionadas, interpretadas, analisadas e

cruzadas com o documento Manual do Professor e os outros documentos, considerando-

se também o pensamento de Goodson (1995, 1997) quanto à importância do currículo

pré-ativo e o seu significado ao se definir que a noção de conteúdo do currículo está

sempre presente no processo de organização das disciplinas no currículo da instituição.

Além disso, analisar o currículo na sua forma escrita, nos possibilita entender a lógica

que cerca os critérios de seleção e exclusão dos conteúdos na disciplina e até que ponto

o contexto social é “traduzido” na forma com que se apresenta esses conteúdos da

disciplina.

No texto do Manual do Professor (1980)33 é possível identificar que um ou outro

discurso aparece de roupagem nova. A partir dos meados dos anos 70, o enfoque da

Didática, segundo Veiga (1996: 39) era “... o de trabalhar no sentido de ir além dos

métodos e técnicas, procurando associar escola-sociedade, teoria-prática, conteúdo-

forma...” Iniciava-se, assim, o esmorecer da Didática Tecnicista quando, ainda Veiga

(1996) acentua que o formalismo didático era marcante pela exigência de planos bem

elaborados e a Didática sendo exigida “... como estratégia para o alcance dos produtos

previstos para o processo ensino-aprendizagem” (ibidem:36).

A reapropriação dessas diferentes perspectivas teóricas da teoria de currículo, no

documento Manual do Professor e nas falas dos professores entrevistados, se expressa

pelas novas coleções que são formadas na associação dessas perspectivas nos discursos

produzidos. Conforme destacamos no capítulo II deste trabalho, para Canclini (1990),

os processos que permeiam as manifestações humanas tendem a hibridizar os discursos

que daí resultam, organizando uma “nova” configuração do discurso e idéias “novas” e

“velhas”.

Surgem novas formas de linguagem e cultura que tendem a desarticular e

contrapor o “velho” discurso, relocalizando-o em novas finalidades educacionais,

deslocando, portanto, uma relação anterior considerada mais fixa ou imutável. Essa

33 Ver Anexo 4

145

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relocalização desses discursos não deve ser considerada ou interpretada como negativa

ou desnatural. A “nova” forma de ver, sentir, interpretar nada mais é do que o diálogo

construído desses atores a fim de conviver harmoniosamente com os discursos e

orientações que passam, então, a ser valorizados.

Encontramos na fala de alguns professores aspectos relacionados ao currículo

escrito, que manifestam esse fenômeno:

A Didática, antigamente, mesmo que estivesse ligada a coisas muito

tradicionais, procurava dar alguma coisa ao aluno. Hoje em dia, a maioria dos

professores de Didática dá muito superficial... hoje isso não é mais conteúdo...

hoje é construtivismo, que o aluno vai construir o conhecimento... O

construtivismo é mais um modismo, porque eu já fazia isso com meus aluninhos

há trinta anos atrás. Até pra reformular a grade, como foi no ano passado,

parece que a SEE vem, camufla aquilo tudo, muda os nomes, muda os lugares,

mas na verdade é aquilo tudo que nós discutimos....

(Professora E)

Antigamente não se falava em globalização de ensino, mas já se fazia

isso, só que não estava no papel.... mas o professor primário já aplicava... a

gente já trabalhava com música que hoje em dia está muito ressaltado no

currículo... só que não tinha tanto apoio e livros como se tem agora. O que eu

sinto é que, agora, a gente tem tantos recursos e mais informações pra

trabalhar coisas que nós já trabalhávamos, com menos recursos.

(Professora C)

Quando o aluno pergunta como dar aquela aula eu digo: ‘faça do jeito

que você aprendeu’ Como você aprendeu? Aí eu vejo que foi do modo

tecnicista. Eu vou questionar o quê? Nós também somos tecnicistas quando

apresentamos! Só muda os nomes: áreas de conhecimento, atividade,

146

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integração ... tudo dentro da linha, no fundo está vindo na mesma linha de

definição, de arrumação da nova maquiagem.

(Professora N – desde 1992 na instituição, lecionando Didática Geral)

Toda essa mudança que eles chamam de mudança, eu não acho que é

mudança. É uma retomada daquela época com outro nome! Eu estou fazendo

um curso que eu estou vendo tudo isso:em cada aula eu volto no tempo e vejo

que foi exatamente aquilo que eu aprendi! ...naquela época eu aprendi Paulo

Freire, Freinet, na faculdade. Ainda se falava, em 1973... Tudo o que eles dizem

agora que é novidade, pra mim não é! O discurso agora é interdisciplinaridade,

habilidades e competências, problematização, contextualização ... eu já vi tudo

isso com outro nome, as mesmas coisas com outros apelidos. Então, quando eu

vejo falar sobre a interdisciplinaridade, meu Deus! Eu lembro do meu professor

lá dos anos 60! Ele já me ensinou isso!

(Professora O – desde 1986 na instituição, ex-aluna, lecionou Didática Geral durante

sete anos, há oito anos é supervisora pedagógica do Colégio)

A possibilidade de mudança nas diretrizes, conteúdos e fins sociais da disciplina

Didática nesse período de tempo aqui demarcado, apontam para o confronto entre

presente e passado. O confronto entre a perspectiva tecnicista e a perspectiva crítica do

currículo acaba configurando padrões de estabilidade no currículo do curso de

formação de professores em prol da perspectiva tecnicista, na medida em que as falas

dos entrevistados e os conteúdos do Manual ficam condicionados aos seus princípios.

Por outro lado, o discurso de “mudança”, “transformação” pode ser um

interpretado como um padrão de mudança. Nesse sentido, Goodson (1990:232) sinaliza

que “teorização macro-sociológica é muito diferente de se estudar grupos sociais

ativamente em ação em instâncias históricas particulares.”

Esse autor (1998:67) aponta, também, para o fato de que devemos abandonar a

idéia do currículo como simples prescrição e considerarmos o currículo “como

construção social, primeiramente em nível da própria prescrição, mas depois também

em nível de processo e prática.”

147

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Além das falas, o texto do Manual do professor é indicativo da forma como o

currículo, constituído de forma arbitrária, traduz-se como um produto de relações

sociais mutáveis, contraditórias, em que se inserem as dimensões micro educacional,

combinadas com as propostas macro-sociais. No Manual do professor (ver Anexo 4, p.

10), estão descritos dez objetivos do curso de formação de professores do Colégio

Carmela Dutra e que se repetem em todos os manuais, até o ano de 1987. Situamos, a

seguir três desses objetivos, que expressam a associação de perspectivas diferentes

presentes no documento.

Objetivos do curso de formação de professores de 1º grau, de 1ª a 4ª série, em nível

de 2º grauFORMAR EDUCADORES PARA ATUAR NO

MAGISTÉRIO DE 1º GRAU, DE 1ª A 4ª SÉRIE

SELEÇÃO DE CONTEÚDOS

Desenvolvendo-lhes o pensamento crítico-

reflexivo e a criatividade, de modo a

permitir-lhes viver num mundo em

constantes transformações; Desenvolvendo-

lhes conhecimentos, habilidades técnicas

específicas, indispensáveis ao seu bom

desempenho no processo ensino-

aprendizagem, levando-os a valorizar os

aspectos bio-psico-social na formação do

educando; Conscientizando-os de que,

atuando no magistério, serão agentes de

mudanças na comunidade.

Planejamento: tipos, definição, aspectos

a serem considerados na montagem do

currículo. Outros tipos de plano: curso,

diário, unidade, de atividade. Objetivos:

instrucional, Hierarquização/

Operacionalização de Obj.

(Fonte: Manual do Professor/ Programa da Disciplina Didática Geral, 3ª série, 1º e 2º

bimestres/ Colégio Carmela Dutra/ 1980 – Ver Anexo 4)

Percebe-se nesses objetivos selecionados, uma tendência a salientar uma

concepção de homem e mundo voltadas para a formação do homem, do ser humano e

sua realização em sociedade. Alguns objetivos traçados fazem referência ao

“desenvolvimento do pensamento crítico reflexivo” e conscientização “para atuar como

agentes de mudança no magistério e comunidade”. Esta idéia fica reduzida à noção de

148

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adaptação do indivíduo ao processo de trabalho e que se pode aí determinar o sentido

dado pela pedagogia tecnicista (Veiga, 1996).

Para Canclini (1998) a hibridização se refere aos fenômenos prolixos,

redundantes, que ocorrem na nossa cultura pelo fato de o mundo estar se tornando cada

vez mais complexo. Esse fenômeno deixa marcas nos discursos que se constróem

nessas propostas: os diferentes discursos acadêmicos configurados, no texto dos

objetivos do Manual, apresentam diferentes matizes teóricas. Temos presentes nesses

discursos, princípios preconizados para o aluno, embora estejam redigidos descrevendo

a ação do professor. Alguns objetivos retratam concepções escolanovistas, tecnicistas e

tradicionais.

Na perspectiva tecnicista, o mundo, a realidade é um fenômeno objetivo. O

segundo objetivo do quadro caracteriza essa idéia. O mundo já está construído e a

consciência do homem é formada em suas relações com o mundo concreto, por relações

acidentais que o homem estabelece com o meio ou controladas cientificamente através

da educação. A positividade do discurso de mudança, de criticidade e ser reflexivo

estão aí incorporados, sinalizando uma perspectiva de uma Didática Crítica

contextualizada e socialmente comprometida com a formação do educador, mas

acabam reduzidas à noção de método, de idealização do processo ensino-aprendizagem.

Nesse texto, identificamos perspectivas escolanovistas, em maior medida. Os

objetivos de número 1, 2, 3, 4 e 7 (Ver Manual do professor) situam o conhecimento, a

escola e o professor como, respectivamente, um instrumento social, catalizadora das

energias necessárias ao seu auto-desenvolvimento e o professor teria a tarefa de

desenvolver a aptidão do educando no sentido de levá-lo à auto-realização. Ao mesmo

tempo, o objetivo número seis fala em “proporcionando-lhes uma cultura geral que

possibilite o exercício dessa função”. Ou seja, parece haver uma forma de vinculação

com o mundo produtivo, a partir do nosso entendimento de que para exercer a função

de professor, é necessária uma cultura geral e preparação para o exercício da função,

considerando que, nos anos 80, o curso Normal já estava passando por uma

reformulação e se tornando um curso profissionalizante.

Trata-se de um discurso mesclado de perspectivas teóricas diferentes e de

diferentes matrizes teóricas. O que não quer dizer que o fenômeno da hibridização seja

negativo, ou que esteja desvirtuando de discursos teóricos clássicos originais.

Reafirmamos que esse é mais um texto de uma orientação curricular que se

149

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desenvolveu, estabelecendo uma re-alocação com outros discursos que surgiram no

campo acadêmico da Didática. Por outro lado, essa mesclagem de discursos no Manual

nos permite entender que a disciplina Didática passava por conflitos, então, na

instituição e que colocava seus fins sociais em jogo e que essa foi a forma encontrada

para esse ‘dizer’ no manual.

Com base em Goodson (1997), concluímos que esse discurso configura

padrões de mudança ao incluir o discurso de “transformação”, na própria mudança

curricular, mas também, expressa padrões de estabilidade ao reduzir esse discurso à

idéia de “como fazer”, quando ressalta nos objetivos o “desenvolvendo-lhes técnicas”

(objetivo de número 5) e nos conteúdos listados são salientados aspectos como

“montagem”, “operacionalização de objetivos”. Nesse sentido, a concepção de

eficiência e eficácia é incorporada nesse documento, como uma tradição da perspectiva

tecnicista e, ao mesmo tempo, é realocada junto a princípios da perspectiva crítica.”.

Goodson (1995a) destaca que por mais que se tente ignorar as definições pré-

ativas de currículo, consideradas por alguns como “um legado do passado”, não

podemos deixar de considerar que “passado e presente entram em colisão” (ibidem:20).

Ainda nos objetivos, a visão de mundo não-estático, de um mundo onde a

existência da transformação indica que a realidade é resultado da interação do homem

com o ambiente que o circunda, também pode ser indício de perspectiva escolanovista.

Ou, dependendo do outro sentido dessa “mudança”, ela pode ser fruto da perspectiva

crítica: o sentido de “mudança” é interprenetado pela visão de mundo cujo espaço é

atravessado por conflitos estabelecidos entre os grupos dessa mesma comunidade. Na

nossa análise, há idéias, intenções subjacentes nesse discurso aparentemente

transformadoras. Não podemos afirmar que o termo “mudança” teria significado

“transformação”, ou melhor, que teria surgido como uma forma de denúncia e não-

concordância com o projeto histórico então vigente. Na realidade, existem vários

projetos para “mudar” uma sociedade. Esses projetos vão desde projetos de

aperfeiçoamento da sociedade até projetos de contestação dessa própria sociedade.

Essa ambigüidade, esta imbricação e interpenetração de perspectivas teóricas

no documento focalizado é que nos incita a tentar explicitar com maior clareza os

vários projetos históricos aí, misturados (Freitas, 1987), hibridizados. Isso nos leva a

considerar a disciplina Didática Geral, na sua forma pré-ativa, um híbrido e que se

configura e reduz por essa mesclagem, a uma visão pragmática do processo ensino-

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aprendizagem. Identificamos também esse deslocamento, o descolecionar em algumas

falas de professores que participaram da elaboração do Manual:

... Excluir conteúdos?... Você vê: as técnicas de ensino não são mais

aquelas, mas existem as técnicas, então você não pode excluir o

conteúdo” técnicas”! Você tem que falar sobre elas dando uma visão do

que era feito anteriormente do que se pode fazer hoje... porque o tempo

mudou! E hoje eu dou diferente dos anos 80. Naquela época era mais

rígido, era tudo errado... se não apagasse o quadro daquela forma eu

teria que abaixar a nota... Eu não acho isso relevante. Hoje eu digo que

se você apagar diferente, você não está infringindo nenhuma lei.... É a

importância do que você enfoca... E naquela época se exagerava... mas

eu não sentia isso... Só mais tarde eu pensei: mais importante é eu exigir

que ela tenha uma atitude decente em sala, que ela saiba se sentar”

(Professor M -2ª professora mais antiga, leciona há 15 anos Didática, ex-aluna da

escola)

A defesa do discurso da mudança na fala da professora sinaliza que a definição

do currículo faz parte da história (Goodson, 1997). Concordando ainda com Goodson

(1997), isso não significa afirmar uma relação direta entre a definição pré-ativa do

currículo escrito e a sua interação no cotidiano escolar. Nesse sentido, a fala da

professora corrobora um dos pressupostos defendidos por Goodson ao estudarmos a

HDE e que, na reconstrução da disciplina Didática na instituição pesquisada acabou por

ser subsumido na fala da professora. Goodson (1997), referindo-se a alguns pontos de

vista dos trabalhos realizados por Robert Nisbet, reconhece que qualquer estudioso de

mudança e inovações curriculares, ao deparar com crises em algum estudo desse tipo,

observa que o resultado dessas crises nunca é um modo genuinamente novo de agir.

Geralmente, sobrevive-se à crise e, conseqüentemente, há um regresso ao familiar e ao

tradicional. Para Goodson (1997:31), “A mudança organizacional tem de ser

acompanhada por uma mudança da categoria institucional (...) Em suma, a mudança

fundamental exige a ‘invenção’ de (novas) tradições.” Segundo Goodson (1997:20):

O currículo escrito fixa freqüentemente parâmetros importantes para

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a prática na sala de aula ( nem sempre, nem em todas as ocasiões,

nem em todas as salas de aula, mas ‘freqüentemente’.)

O grupo de professores entrevistados consideraram os conteúdos “técnicas de

ensino” e “planejamento” os mais importantes da disciplina Didática Geral. Alguns

depoimentos do grupo ressaltam a importância dada a esse conteúdo, ao longo de todo o

tempo da Didática Geral no currículo: “muito importante”, “planejamento não pode

tirar”, “o professor tem que ter um roteiro de planejamento”, “enfatizar o valor do

planejamento”.

Alguns testemunhos ilustram a importância do conteúdo na disciplina Didática

Geral:

O conteúdo mais importante é planejamento!

(Professora D)

O mais importante conteúdo eu considero o planejamento... sempre, sempre foi

importante. Desde a época em que eu estudei aqui: o professor fazia seu plano

e o diretor dá a rubrica.

(Professora J)

Trabalhar toda a técnica de planejamento, passo a passo, porque tudo na nossa

vida tem que se planejar, enfatizar’muito’ isso, enfatizar o valor do

planejamento. E Didática valoriza muito isso.

(Professora C)

É necessário o caderno de plano, seja nos moldes que for, mas o professor deve

fazer plano. Acho importante você ensinar que a professora tem que registrar

todo o seu trabalho (caderno de plano), que ela tem que ter um planejamento,

que tem que ter um roteiro, seguir uma norma.Então tudo isso é importante. Ela

não pode dizer que tem tudo na cabeça. Afinal, ninguém tem tudo na cabeça!

(Professora F)

O que eu excluiria dos conteúdos seria a ‘regra’ do planejamento.Ele tem que

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existir! Mas não de uma forma tão esquematizada, fechada. Eu acho que isso

tem que ter uma nova visão. O professor tem que ter um roteiro, um

planejamento, mas sem uma regra específica.

(Professora L)

Ou seja, esses discursos ressaltam princípios permanentes da disciplina

Didática Geral na instituição: o de defender um princípio básico da perspectiva

tecnicista – o da eficácia e eficiência, ao dizer que não pode excluir o conteúdo

“técnicas”., ao dizer que “tem que seguir passo a passo”. Esses testemunhos reiteram o

outro princípio defendido por Goodson (1995:78) na HDE: “... o currículo escrito, sob

qualquer forma – cursos de estudo, manuais, roteiros ou resumos – é um exemplo

perfeito sobre invenção de tradição.” Em síntese, esses discursos deixam claro a sua

defesa quanto ao conteúdo “técnicas de ensino” e “planejamento”, que apesar do

tempo em que eram mais valorizados, apesar da evolução dos conceitos evidenciadas

nas falas, o currículo manteve os assuntos “técnicas de ensino” e “planejamento” como

estáveis. Os professores encontraram formas, mistificações, que continuam a legitimá-

los até os dias atuais.

A questão para Goodson é que o currículo escrito, como exemplo perfeito de

tradição, acaba por se reconstruir não exatamente como algo pronto e que se selecionou

lá do passado. Ou seja, a história da Didática Geral no Colégio Carmela Dutra é a

história de como seus objetivos e projetos foram estabelecidos e inseridos no currículo

de formação de professores e foram reinterpretados como uma espécie de algo

preservado no seu passado como imutável, como um legado histórico que, ao longo de

todo o tempo, auges, quedas, retomadas, novos auges de sua história, permaneceu

imutável e que, de alguma forma preserva a imagem do Carmela Dutra como uma boa

escola de formação de professores pois, o Carmela Dutra apresentou

“... um desempenho razoável no último vestibular da Universidade

Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), superando tradicionais colégios

particulares, como o São Vicente de Paulo,do Cosme Velho, e o Anglo-

Americano, de Botafogo.”

(Ver Anexo 2)

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As falas dos professores que viveram essa história da Didática Geral no

Carmela Dutra, a leitura do Manual do professor e dos recortes dos jornais, aliados ao

exame da provas aplicadas nessas duas décadas (80 e 90), o olhar curioso no caderno de

plano (datado de 1982) da professora de didática, no caderno de aula (1995) de Didática

de uma aluna, o manuseio de apostilas datadas de 1982 e 1984, de textos didáticos lidos

pelos professores como “O compromisso do Educador”, de Regina Leite Garcia

(Palestra realizada no dia 7 de novembro de 1984) ou “A formação do educador na

construção da democracia”, datado de maio de 1989 (I Encontro Estadual Pró-

Formação do Educador no Teatro da UFF), de outros textos da década de 90, até o

espanto de depararmos com transparências “marrom” (descobrimos que elas ficam

“marronzadas pelo tempo”) que foram usadas e guardadas (1983 e 1984) – todos esses

documentos em mãos nos impulsionaram a voltar no tempo com a intenção de

incorporar a energia vivida por todos aqueles sujeitos e “olhar” para esses documentos,

entendê-los, respeitando a época em que foram produzidos.

Por mais que tenha sido difícil essa tarefa, nós nos propomos a analisá-los com

os olhares de hoje. Repetimos que esta análise tem base empírica, logo lançamos mãos

desses documentos no sentido de que eles também fazem parte do cenário vivido por

todos esses sujeitos na época delimitada.

Ao manusear esses documentos e tentar fazer uma análise cruzada com as falas

dos entrevistados, percebemos, em vários momentos, as vozes desses sujeitos e a forma

com essas vozes e como esse discurso escrito também conformou a prática deles na

época. O Manual do aluno (1984) traz os mesmos objetivos do Manual do Professor,

que aqui analisamos. Observamos que são os mesmos objetivos de todos os Manuais do

professor (de 1980 a 1986). Além disso, o Manual do aluno é todo organizado de forma

esquemática (com quadros e setas) e ele situa, do princípio ao fim, as

responsabilidades, deveres, cuidados, obrigações, para com todos à sua volta. Esse

material ressalta a importância de algumas tradições como o uso do uniforme.

Para Goodson (1997), pensar a organização de uma disciplina, por que ela se

organiza desta ou daquela forma é o que a faz mais legítima, mais válida. Encontramos

várias páginas do Manual ressaltando o aspecto de tradições importantes na vida do

aluno da época e nas quais a Didática Geral tinha o seu papel de manutenção:

UNIFORME

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ORGULHE-SE DO SEU UNIFORME. ELE REPRESENTA A SUA ESCOLA...

ELE É A TRADIÇÃO NA CARREIRA QUE VOCÊ ESCOLHEU...

A leitura desse manual nos passou uma idéia de mundo como uma realidade

exterior ao homem e de um modelo educativo que precisa ser mantido para a

manutenção da estrutura da instituição e funcionamento da sociedade. Percebemos,

nessa leitura, uma visão tradicional de mundo. Por outro lado, nos pareceu também uma

visão de mundo na qual a realidade é considerada um fenômeno objetivo e que o

mundo já está construído, o homem é que estabeleceria suas relações com esse mundo

concreto, de maneira controlada. Essa visão já nos leva para uma visão mais tecnicista

de educação.

O caderno de planos da professora de Didática Geral34, os conteúdos escritos

nas transparências, as provas de Didática Geral fizeram-nos concluir que esses

documentos foram produzidos e definidos para serem, de verdade, parâmetros para ação

e negociação na instituição (Goodson, 1995). No caderno de plano da professora

encontramos todas as folhas, com anotações do conteúdo a ser dado, transcritas de

forma esquemática (palavras sintéticas, setas, traços, esquemas, roteiros) e enfatizando

a “forma” como os alunos deveriam fazer ou ler os exercícios, se portar em sala, no

estágio, sempre dando orientações esquemáticas de como eles deveriam fazer tudo.

As provas consultadas seguem as mesmas características: todas de múltipla

escolha, em média com 25 questões (somente com duas questões críticas) e verificando

os conteúdos referentes, predominantemente, a questões ligadas a método, a regras de

ação para o ensino e eficiência e englobando os assuntos sobre “elaboração de objetivos

comportamentais” e “tipos de planejamento de ensino”. As questões críticas geralmente

tratam de comentários sobre a atitude da professora diante de situações problemáticas

em sala de aula.

Ao cruzarmos com as falas, os objetivos do Manual do professor e todos esses

documentos nos deixam transparecer que, segundo Chervel (1990), a função da 34 A atual Coordenadora Geral de Estágio Supervisionado, desde 1976 no Colégio e tendo lecionado durante oito anos Didática Geral na instituição (de 1976 a 1984), nos cedeu seu caderno de planos, quando então lecionou para turmas de 2º e 3º anos do curso de formação de professores. Esse caderno está datado de 1982. estivemos em sua casa, e deparamos com um material riquíssimo que complementou nossas análises: transparências de aulas que usou no período de 1981 a 1983, alguns manuais de professor, O manual do aluno, números do jornal “Professando”, exemplares de provas de 1977 a 1987, alguns textos trabalhados na disciplina nesse período.

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disciplina Didática Geral no período dos anos 80 era de apresentar um conteúdo a

serviço de uma só finalidade:

Desenvolvendo-lhes conhecimentos, habilidades e técnicas específicas,

indispensáveis ao seu bom desempenho no processo ensino-aprendizagem,

levando-os a valorizar as aspectos bio-psico-sociais na formação do educando

(Ver Anexo 8 – objetivo número 5, pg.10)

Para Chervel (1990) e Juliá (2002), o papel da escola vai além da existência

das disciplinas escolares. Na prática, esse papel está ligado a finalidades maiores que

conferem à instituição escolar a sua função “educativa”. Para Chervel (ibid), os

manuais registram o que permanece e o que varia da disciplina e a distinção entre

“finalidade real” e “finalidade de objetivo” é fundamental para que possamos entender

o que acontece nesse processo de construção. O que importa é que, em cada época, o

que se visualiza em todo esse processo é que a disciplina incorpora finalidades reais e

finalidades de objetivo. A disciplina Didática Geral, no Carmela Dutra, possui

finalidades de ensino, de objetivo (as que estão nas leis, nos seus programas, nos seus

exercícios). Nos Manuais do professor, no seu prefácio, no material utilizado em

reuniões pedagógicas, no caderno de planos, nas provas aplicadas podemos encontrar as

finalidades reais. Concordando com Juliá (2002) de que não pretendemos recuperar “a

todo custo” as origens da Didática Geral no Carmela , na análise feita do manual

impresso. Essas duas finalidades nos parecem distanciadas, considerando que à época

da implantação da Lei 5692/71, a escola normal passou a ser uma das habilitações

profissionais de 2º grau, perdendo a sua identidade como agência de formação de

professores de 1ª a 4ª séries. Nessa época, Saviani (1980:60) apontava os objetivos que

deveriam nortear o processo de formação dos educadores. São eles:

a) desenvolver nos alunos uma aguda consciência da realidade em que vão

atuar;

b) proporcionar-lhes uma adequada fundamentação teórica que lhes permita

uma ação coerente;

c) proporcionar-lhes uma satisfatória instrumentalização técnica que lhes

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possibilite uma ação eficaz.

Essas finalidades de objetivo propostas por Saviani estão distanciadas dos

objetivos do Manual do professor de 1980 (e que se mantiveram no manual até 1987)

porque nestes, apesar da natureza dos conteúdos da Didática Geral ter mudado

(predominância de conteúdos ligados ao “como fazer”, com predominância de

perspectiva tecnicista), seus objetivos estão distanciados das discussões da época

quando já se discutia a unidade indissolúvel entre teoria e prática educativa e o

conhecimento era visto como uma atividade inseparável da prática social, além desse

conhecimento não se basear no acúmulo de informações, mas sim na reelaboração

mental que deve se traduzir em forma de ação, sobre o mundo social. As finalidades de

objetivo discutidas e divulgadas já apresentavam perspectivas e discussões da escola

crítica, enquanto as finalidades reais do Carmela Dutra deixam transparecer uma

associação aos princípios da escola nova e tecnicista. Neste sentido, as provas dessa

época, com vinte e cinco questões, a maior parte dela (vinte e três questões)

focalizavam, predominantemente, conteúdos ligados à perspectiva tecnicista ( ver

Anexo 18 – Prova de Didática Geral de 1982). Selecionamos, também para ilustrar esse

distanciamento uma fala da atual Coordenadora de Didática do Carmela Dutra e na qual

deixa transparecer a leitura “real” que era feita na instituição pelo grupo de professores

de Didática:

Eu encontrei aqui no Carmela Dutra, em 1988, um grupo de Didática

bastante tradicional que usava o livro do Claudino Pilleti como básico.

Ele imperava no Carmela Dutra e havia no Carmela uma postura,

em relação à Didática, extremamente tecnicista. E em 1988,

já não era nada disso! Eu já lia no Município textos da

Regina Leite Garcia, da Zaia Brandão, do Libâneo...

Hoje, eu quero ler Perrenoud!

( Professora F)

Assim, os textos didáticos selecionados de Regina Leite Garcia e do I Encontro

Estadual Pró-Formação do Educador (realizado na UFF, em 1988), que encontramos

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como material de Seminários e reuniões no Colégio, focalizam a Didática no campo

acadêmico, mas numa visão crítica, colocando em questão o papel da ideologia na

educação e fazendo uma reflexão sobre seus erros.

No entanto, mesmo esses professores lendo esses textos, participando desses

encontros que já inauguram uma nova Pedagogia, a leitura que faziam parecia não

permitir, ainda, um diálogo com a cultura do Colégio Carmela Dutra. Havia jogos de

interesses, na própria administração da escola da época, quando era, então, dirigida por

técnicos da SEE, sem nem terem curso superior.

Sendo assim, podemos entender melhor esse distanciamento do currículo

escrito e do currículo em ação. A sua história não pode ser vista de uma forma linear e,

conseqüentemente, a da disciplina escolar também Sempre haverá um certo

distanciamento entre os objetivos traçados e o que acontece.

5.2.3 – Os padrões de estabilidade e mudança

A terceira questão de estudo é identificar os padrões de estabilidade e mudança

que circundam a disciplina Didática na instituição. A disciplina escolar por si só

existindo no currículo já é um padrão de estabilidade e de mudança. Esse padrão pode

estar ligado a fatores externos e internos, como já discutimos aqui. No caso da

disciplina escolar Didática no Carmela, discutimos alguns aspectos internos e externos

que caminharam paralelamente à construção da Didática na instituição, no capítulo

anterior.

As mudanças curriculares se desenvolvem por meio das disciplinas. Encontramos

na instituição um total de sete grades curriculares, de 1980 até hoje. Ao consultarmos os

Pareceres e Grades curriculares de 1980, 1985, 1990, 1994, 1995, 1997 e 2000,

observamos que as disciplinas de Formação Geral se mantêm tradicionalmente

presentes e a disciplina Didática permanece praticamente inalterada na sua carga ao

longo dos vinte anos que separam a primeira grade considerada, da última.

Em 1980, o Conselho Estadual do Rio de Janeiro, através do Parecer 440/80

estabeleceu modificações na estrutura do curso normal. Esse documento chamou a

atenção para a perda de identidade das antigas escolas normais ocorridas a partir de

1971. Enfatizou também a necessidade de uma assistência pedagógica contínua ao

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corpo docente desses cursos e a necessidade de modificação dos critérios utilizados

para a seleção de candidatos.

Quanto ao currículo propriamente dito, indicou que o curso deveria estar voltado

para oferecer condições

para o conhecimento e análise crítica dos problemas educacionais

brasileiros e, particularmente da realidade regional onde o curso se desenvolve,

conduzindo o futuro professor à compreensão das circunstâncias sociais do

presente para evitar que a escola eduque para uma realidade que deixou de

existir.

Essa análise nos revela, contudo, que o dado novo, de fato, configurou-se através

da introdução de determinadas disciplinas chamadas “instrumentais” A Didática Geral

aparece como disciplina profissionalizante, pois, a partir da proposta do CEE, o Colégio

Carmela Dutra introduziu mudanças na estrutura curricular, tendo em vista adequar-se à

nova orientação formulada pelo sistema de ensino. Nesse sentido, o currículo

estabelecido para o curso de formação de professores foi redimensionado e estruturado.

Considerando a grade curricular, o que podemos observar é a nítida separação

entre os conteúdos de educação geral e os de formação especial (estes se subdividem

em instrumental e profissional), revelando no nível de organização das disciplinas do

curso, a separação entre os pólos da teoria e da prática educacional. Ao lado desse

aspecto, a grade indica também que contemplou-se a formação especial (106 horas) em

detrimento da educação geral (76 horas), embora determinadas disciplinas como a

História e Estudos Sociais tenham a função de dotar o aluno de uma formação básica.

Esses dados são importantes pra o conhecimento da orientação dada pela

instituição quanto ao seu currículo no que se refere às prioridades do curso. Mais uma

vez, conforme discutimos na seção anterior, chamamos a atenção para a distância entre

o currículo escrito e o currículo em ação. Na realidade, os setores técnicos da escola à

época reordenaram a distribuição da carga horária e redimensionaram algumas

disciplinas do ponto de vista do conteúdo. Nesse sentido, a disciplina Didática Geral

constitui exemplo do que afirmamos, na medida em que a estrutura dessa área ainda

não revela, de forma consistente, a busca de alternativas mais eficazes para a

concretização dos objetivos de ensino, discutidos na seção anterior.

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Enfim, o que existe é uma distância entre o currículo formal e o real, pois um

plano, uma grade curricular por si mesma, não indica concretamente a direção de um

curso. Sendo assim, Goodson (1997) sugere olhar para a disciplina como um mosaico

que foi construído há mais de quatrocentos anos. A mudança curricular se desenvolve

pela própria posição da disciplina no currículo. Estão presentes nessa variação, nessa

posição e status da disciplina no currículo, determinados critérios que orientam a

seleção e organização dos conteúdos escolares que vêm associados a relações de poder,

controle social e ideologia.

Quando observamos as grades dos anos seguintes, percebemos que a variação da

carga horária dessa disciplina fica entre 7 a 9 aulas semanais, só sendo

consideravelmente alterada nas duas últimas grades (de 1997 e 2000), que passa para 10

horas semanais. Nas sete grades aqui analisadas, percebe-se que, nas duas primeiras, há

uma divisão clara e nítida entre Formação Geral e Formação Profissionalizante

(Especial). Nesse caso, podemos inferir que a sua quase imutabilidade ao longo desse

tempo pode estar confirmando um campo de estratégias de conservação do seu “status”

enquanto uma disciplina básica na formação profissionalizante. Com base em Goodson

(1997), esse fato é fundamentado na idéia de que as disciplinas são a maior invenção da

estabilidade curricular e que há poucas possibilidades de haver inovação na grade

disciplinar a curto prazo. Além disso, as novas disciplinas que são criadas (eletivas) se

direcionam no sentido de atender aos fins sociais da educação. O caso da Musicoterapia

no currículo atual do Carmela Dutra é um deles. Assim, “a matriz disciplinar persiste

como instrumento de organização e controle, independente do discurso de integração.”

(Macedo & Lopes, 1999:02)

Nessa análise, consideramos também como um padrão de estabilidade da

disciplina Didática Geral no currículo, a manutenção do quadro de professores (ver

Quadro 1 deste estudo) de Didática Geral ao longo dos anos 70, 80 e 90. Outro fator que

consideramos como um padrão de estabilidade na instituição é o fato de,

principalmente nos anos 80, qualquer professor de outra disciplina poderia dar aula de

Didática. Era muito comum faltar professor para Didática e quem chegava à escola, era

encaminhado para a disciplina de Didática. Didática era essencial, disciplina básica,

portanto, não poderia faltar professor. Além disso, sinalizamos também as reuniões e a

criação da sala de Didática como fatores de manutenção da estabilidade da disciplina

que se mantêm até hoje. Desde os anos 70, as reuniões de Didática, na sala de Didática

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são “sagradas”. Discutimos esse aspecto na primeira subseção deste capítulo. As falas

dos professores mostram isso:

Eu nunca pensei em ser professora de Didática. Isto estava fora de

cogitação, entendeu? Mas eu me vi dentro da Didática e eu era professora de

Artes! Passei no concurso para Artes! Não tem nada a ver! Cheguei no

Carmela e fui direto pra Didática. E acabei gostando. E estou até hoje na

equipe de Didática.

(Professora D)

Sempre houve reuniões com o grupo. Elas sempre ocorreram. E

sempre foi o mesmo esquema. A equipe de Didática é uma equipe que sempre

discutiu muito.

(Professora H)

Sempre tiveram aqui essas reuniões de Didática. Houve só mudança na

dinâmica, porque antes só se brigava e se acusavam uns aos outros.

(Professora E)

Na minha época já tinha essas reuniões de Didática todo mês. Havia

um horário comum para todos que era o horário comum. As reuniões eram para

troca de sugestões, planejamento

(Professora C)

Nesse processo, observamos as lutas travadas pelo grupo de Didática na busca

de espaço e prestígio para manterem as reuniões de equipe ao longo de todo esses

tempo e de preservarem o espaço da sala de Didática, onde normalmente se encontram

para reuniões, trocas de idéias, ficar nos intervalos de aula, ou lanchar.

Além disso, a permanência da maior parte dos professores de Didática Geral na

instituição ao longo do período demarcado por este estudo, constitui um padrão de

estabilidade.

Outro padrão de estabilidade presente na instituição é o que denominamos de

invenção de uma tradição sem conflitos marcantes ou profundos como característica da

escola e baseada num dos aspectos internos da escola e que, não só sustenta essa

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estabilidade, como também ao mesmo tempo funciona como mecanismo de mudança –

o clima organizacional.

5.2.4 – Processos de hibridização na construção da disciplina Didática

A quarta questão deste estudo é identificar que processos de hibridização estão

presentes nos discursos da disciplina Didática na instituição e que foram

(re)apropriados do campo acadêmico da Didática.

No texto do Manual do Professor é possível identificar que um ou outro discurso

aparece de “maquiagem” nova. A partir dos meados dos anos 70, o enfoque da

Didática, segundo Veiga (1996: 39) era “... o de trabalhar no sentido de ir além dos

métodos e técnicas, procurando associar escola-sociedade, teoria-prática, conteúdo-

forma...” Iniciava-se, assim, o esmorecer da Didática Tecnicista quando, ainda Veiga

(1996) acentua que o formalismo didático era marcante pela exigência de planos bem

elaborados e a Didática sendo exigida “... como estratégia para o alcance dos produtos

previstos para o processo ensino-aprendizagem” (ibidem:36).

A reapropriação dessas diferentes perspectivas teóricas da teoria de currículo, no

documento Manual do Professor e nas falas dos professores entrevistados, se expressa

pelas novas coleções que são formadas na associação dessas perspectivas nos discursos

produzidos. Os discursos aqui analisados são desterritorializados, distanciados das

questões que os produziram e configurados em novas questões, novos fins educacionais.

O resultado disso é a produção de uma nova configuração da perspectiva então

considerada “original” e agora não tão “enquadrada” nos seus princípios teóricos

originais.

A positividade dos discursos quanto à percepção da disciplina Didática Geral na

instituição pelo grupo de professores de Didática Geral, do currículo escrito dessa

disciplina e formas de trabalhar essa disciplina na instituição, estão presentes nessas

falas. Determinados princípios mais críticos, mais tecnicistas estão hibridizados e

surgem nessas falas subsumidos em idéias e posturas que, de uma forma ou de outra,

procuram valorizar a forma, a importância dessa disciplina no curso e o tempo à frente

dessa disciplina na instituição. Selecionamos algumas falas que ilustram os processos

de hibridização, procurando entender de que forma eles favorecem uma maior

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compreensão da reapropriação dos discursos acadêmicos da Didática Geral na

instituição:

Isso que se fala hoje aqui na escola, de interdisciplinaridade, dizendo

que é moderno, não é não! Já se fazia, então, e muito! Podia até ter outro nome,

que eu não sei qual era!

(Professora A)

Todos os conteúdos de Didática são importantes. O que eu acho muito

interessante e importante é o conteúdo Projeto-político-pedagógico. Não tem

cem por cento de novidade. Já houve época em isso se fazia no Carmela Dutra:

senta pai, senta mãe, senta professor, senta todo mundo e aí o que vamos fazer?

(Professor L)

Quando cheguei aqui, usava-se o livro do Claudino Pilleti. Hoje já não

se usa mais! Achamos mais interessante estarmos pegando várias abordagens,

do Libâneo, Paulo Freire, e até do Nérici. Daí, montamos uma apostila e que

hoje consideramos que já não está mais atendendo às necessidades, mas

naquele momento foi interessante.

(Professora N)

Ou seja, essas falas mostram discursos de matizes teóricas distinta, produzindo

novas formas de linguagem. Na fala das professoras A e L, observamos o processo do

descolecionar a que Canclini (1990) se refere, no sentido de que encontraram novas

formas de expressar a organização criativa de juntar o passado com o presente, o velho

com o novo, o tradicional e o moderno. Simplesmente, essas duas primeiras falas

reorganizam, naquilo que já conheciam, com outro nome, uma nova coleção.Para

Canclini (1990),

Segundo Sarlo (2000:119) esse descolecionar estaria ligado à efemeridade da

cultura em que nos inserimos, daí ser impossível restaurar uma autenticidade:

Ninguém é responsável pela perda de uma pureza original que as

163

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culturas populares, desde o início da modernidade, nunca tiveram... as culturas

populares não podem pensar suas origens a não ser a partir do presente.

Canclini (1998) e Sarlo (2000) contam como um fator do descolecionar e formar

novas coleções, a velocidade dos processos de comunicação e a interatividade de novos

discursos eletrônicos. O ato de descolecionar objetivado nessas falas sinaliza a

mesclagem de objetivos e conteúdos da disciplina Didática Geral. Podemos adiantar

que há conteúdos que se mesclam numa “coleção” de outros conteúdos e que tendem a

serem reorganizados com conteúdos científicos, do senso comum, entre o que se

considerava culto e popular.

A terceira fala (Professora N) sinaliza a presença de dois gêneros como

constitucionalmente híbridos (Canclini, 1998). Essa fala aponta para o que Canclini

denomina de “gêneros impuros”. A citação da bibliografia utilizada confirma a

oficialização do “velho” em detrimento do “novo”. Enquanto o “novo” é apresentado

na forma de se referir aos conteúdos e bibliografia. O discurso da Professora N, retrata a

inter-relação de teorias, pela combinação de autores com perspectivas diferentes. Nesse

discurso, cruzam-se perspectivas tradicionais com progressistas.discurso se opõem à

concepção do que seria o “novo”. Nem por isso esse discurso deixa de ser válido ou

antinatural

Esta é uma forma de como ver a formação de gêneros impuros na evolução

desta disciplina: na bibliografia dos Manuais consultados, listam-se livros que variam

entre 1975 e 1998, com autores representantes de tendências diversas como: Irene

Mello de Carvalho (O processo didático), Imídio G. Nérici (Introdução à Didática

Geral), Clódia Turra e outros (Planejamento de Ensino e Avaliação), Vera Maria

Candau (A Didática em Questão), Danilo Gandin (Planejamento Participativo) esses

autores indicam enfoques tecnicistas mesclados com princípios escolanovistas,

tecnicistas e críticos. Algumas outras falas dos entrevistados podem explicitar os

processos a que Canclini (1998) se refere:

Aqui não uso livro em sala de aula porque essa disciplina é uma colcha

de retalhos. Vamos explorando os assuntos, usando mais textos. Eu só uso o

livro do Gandin e do Nérici.

(Professora G)

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Desse ano eu não tiraria nenhum conteúdo.... ah! Sim!, nós pensamos em tirar

alguns: Carl Rogers era um e o que aconteceu? No concurso, Carl Rogers

estava lá! Então, houve mudança! Voltou o “velho”! Somos obrigados a

mudar!, a reformular! Volta o Rogers! Skinner eu nunca isolei, apesar de

ninguém gostar dele! Mas a gente vê Skinner em todas as situações, em todas as

escolas. Não existe escola tradicional funcionando ainda? Então, existe e

funciona!

(Professora H)

Há uma diferença, sim, da Didática dos anos 80 e a de hoje no

Carmela. E essa diferença, de uma certa maneira acaba provocando um

equilíbrio. A gente tem por parte dos profs que são formados há mais

tempo, alguns que são altamente resistentes às inovações. Por outro

lado, você tem os mais jovens ansiando por inovações mas ainda, de

certa maneira, faltando ainda a ele um visão um pouco mais mais

realista; ele acha que tudo é simples e fácil de ser resolvido. De uma

certa maneira, essa troca de um com o pé mais calcado no chão e o

outro com o ímpeto da mudança, do não conformismo tem dado um

certo equilíbrio de alguma maneira. O mais jovem está provocando o

outro a sair do marasmo e procurando se adaptar às novas

circunstâncias, porque na verdade o mundo todo está mudando e a

gente tem que mudar também, senão a gente não acompanha... e aí isso

provoca um certo equilíbrio. Acaba, de certa forma, o mais experiente

às vezes mostrando para o outro que não é assim tão rápido, não pode

ser assim tão impulsivo. Por outro lado, o novo também mostra que é

possível fazer! Que tem que fazer, que tem caminhos pra se fazer. Nós

temos muitos professores bem jovens, recém-formados, já formados

quando se falava nesses processos de mudança, do fracasso da 5692.

Então, já se sabendo que alguma coisa viria e iria mexer pra provocar

uma mudança. Eu acho, então, que isso tem dado um certo equilíbrio.

165

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(Professora N – Chegou à escola em 1987 como professora, foi orientadora educacional

e atualmente, desde 1999, exerce a função de diretora- adjunta).

A última fala aqui transcrita deixa claro que todos esses conflitos, lutas e

contradições apontam para o verdadeiro sentido, hoje, do que foi denominado no

Manual do Professor de 1980, de uma escola de formação de indivíduos “para atuar

como agentes de mudança no magistério e comunidade”. Parece-nos que a escola levou,

e ainda não terminou a contagem desse tempo, vinte anos para traduzir o que a

Professora E declara tão naturalmente. Ela quase que naturaliza a presença, do novo,

da ambigüidade, do cruzamento do “velho” com o “novo” como “males” ou “bens”

necessários entre os pares para que se preserve a imagem defendida na instituição. Esse

testemunho mostra que o hibridismo se faz presente nas falas e ações dos sujeitos

envolvidos na instituição. Esse processo de hibridização já saiu do papel do manual dos

anos 80. Hoje esse processo é permanente, não só nas falas, como nas ações e decisões

tomadas por seus sujeitos. Os discursos já estão perdendo suas marcas originais, já se

misturam, convivem na tentativa de diálogo, troca e outros discursos se constituem.

Ou seja, são as diferenças do novo e do velho, do antigo e do moderno, do

passado e presente, do real e do ideal que se completam e que acabam por indicar os

caminhos e impulsionar a transformação para o “diferente” que se deseja. Esta é uma

forma de descolecionar segundo Canclini (1998), porque acaba por se estabelecer uma

nova de organização e relações na instituição e de diálogo entre as disciplinas em que

não cabe mais dizer “já não é mais do nosso tempo” e os fins sociais da instituição já

não são mais os mesmos. Para Sarlo (2000:101) esse testemunho traduz o fenômeno da

“mestiçagem”,da “mescla”, da “hibridização”.

Podemos entender, portanto, que, mesmo os anos passando, reinterpretações são

feitas e aspectos do passado continuam ‘vivos’ no presente e, ainda, carregados de

sentido para os sujeitos que vivem essa história. Trata-se do embate de tradições,

tradição daquilo que se vive e do que ficou registrado na memória. Surgem, assim,

novas versões diferentes de tradições, sob o impacto dos processos de hibridização.

A evidência do currículo escrito hibridizado no Manual do professor por nós

analisado, é claramente “mesclado” se considerarmos que essas diferentes perspectivas

nele presentes acabam por se interpenetrar também na prática da instituição, na sua

rotina, nos seus rituais, nas ações cotidianas dos atores sociais envolvidos na instituição.

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Acabam fatalmente se tornando duplamente diferentes do que foram pensadas. Seria

um tanto simplista dizer que esse currículo analisado é preponderantemente tecnicista

ou escolanovista ou crítico.

Atualmente os professores dessa disciplina procuram sinalizar que existem

autores diferentes, com encaminhamentos diferentes, desde Imídeo Nérici até Libâneo,

para um mesmo assunto estudado. Se iniciamos dizendo que o currículo escrito é um

híbrido, naturalmente que, diante das evidências aqui analisadas, só podemos afirmar

que este currículo aqui focalizado mantém um tecnicismo hibridizado com tendências

escolanovistas e críticas.

Concluímos que o significado que até hoje permanece nessa reapropriação é o

fato de que o professorado, na sua prática pedagógica, ainda se sente impotente em

abraçar uma postura totalmente crítica. Ele prefere negar todas essas questões

transferindo-as para outras instâncias. Acreditamos que mergulhar na história do

currículo ou na história de uma disciplina escolar exige-nos a reflexão de se tentar

explicar e compreender que esta mistura, alquimia, interpenetração, esse hibridismo

acaba ocorrendo no sentido mesmo de se tentar superar velhos problemas lógicos até

então não refletidos ou confrontados.

Argumentamos que o discurso presente no documento analisado se expressa

ressignificando a proposta do movimento do Tecnicismo dos anos 70 e da Didática

Crítica dos anos 80, seus objetivos, conteúdos e fins sociais a que vieram. E que, até

hoje, a proposta do “novo”, da “nova realidade” acaba por provocar a reconfiguração de

diferentes mentalidades, desejos e práticas sociais a fim de responder aos desafios do

momento.

Além disso, o currículo, o Manual não são vistos ainda como meras prescrições.

Os discursos no Manual dos anos 80 e as falas dos professores entrevistados no ano

2001 expressam de forma hibridizada, não somente uma perspectiva tecnicista dos anos

80.

A Didática é reflexo, senão impulsionadora desse espírito porque os

entrevistados são unânimes em afirmar que a Didática Geral está retomando a sua

posição no currículo de uma disciplina integradora das outras disciplinas. Os fins

sociais a que a escola serve acabam por influenciar a disciplina e esta, para progredir,

teve que superar suas origens pedagógicas eminentemente tecnicistas e teóricas, bem

como as dificuldades originadas por sua preocupação com questões formais e técnicas.

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O incentivo de pressões para uma Didática mais social e humana parecem não ameaçar

a sua tortuosa trajetória de se tentar definí-la como uma disciplina acadêmica como

outras disciplinas do currículo no passado. Pelo contrário, o fato de estar atualmente

voltada para uma função mais social parece garantir à Didática sua legitimação no

currículo da instituição.

CONCLUSÕES

Didática ... é a disciplina que tem a possibilidade de juntar as outras em torno de si. Ontem não era assim.

Ontem era uma disciplina isolada. Eu acho até que pouco valorizada pelas outras... era uma disciplina à parte.

Não sentia essa importância que sinto hoje, dentro da escola, pelo grupo de professores. É muito difícil trabalhar Didática,

é a responsabilidade, os desafios, o novo a cada dia... então nóstemos que estar sempre nos adequando...

Por isso mesmo muito gostoso de se trabalhar.Para quem gosta de desafios!35

Desde o princípio do nosso trabalho, sabíamos que seria um desafio tentar

escrever a história ligada à memória institucional ou pessoal, sem ser descritiva dos

depoimentos e documentos dos sujeitos que dela participaram. Escrever essa história

vai além da sensação de alegria que sentimos ao deparar, em vários momentos do nosso

estudo, com documentos que sequer havíamos cogitado encontrar.

Escrever essa história é dialogar com certas marcas do passado e tentar dialogar

com as memórias dos sujeitos, das suas lembranças. A lógica das lembranças é a

mesma lógica da emoção. Como a memória é atemporal e seletiva, ela envolve não

apenas lembranças, mas também, silêncios e esquecimentos. Nesse sentido, essas

memórias traduzidas nas falas dos entrevistados, não podem ser consideradas como 35 Testemunho de uma das professoras mais antigas da equipe de Didática. No colégio desde 1976.

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simplesmente verdades.

Elas servem pouco como História, mas muito mais como memória para serem

refletidas e analisadas porque elas nos dizem muito do homem ou da situação vivida

não apenas do passado, mas, principalmente, do presente. Esse é o princípio do diálogo

que tentamos construir durante todo o nosso trabalho com os documentos e as falas dos

atores sociais envolvidos.

Procuramos, assim, estabelecer um diálogo com o passado, procurando lidar

com a objetividade, interelacionando-a com a subjetividade. Não há receitas para

solucionar o que daí pode ocorrer. Não dizemos ou escrevemos o que temos de

escrever, pensando que o nosso relato fecha todo o processo histórico vivenciado.

Apenas queremos dizer que nos envolvemos, nos entregamos nesses relatos, mas

tentando sempre estar vigilantes.

Quando coletamos os dados sobre o nosso objeto de pesquisa – a história da

disciplina escolar Didática Geral no Carmela Dutra – em históricos, manuais, grades,

discursos, textos e materiais didáticos, não apenas buscamos organizar, listar ou ordenar

esses dados, mas nos esforçamos para dialogar com eles, no sentido de desvelar que

ações sociais determinaram a sua origem. Interessou-nos vivenciar o diálogo com esses

documentos pelos sujeitos que viveram essa época.

Tentamos mostrar que o clima aberto, sempre presente na cultura da instituição

pesquisada, não era apenas um adendo ao contexto social vivido, mas um fator

intrínseco cultural presente no seu interior, que não segue uma ordem lógica, mas

contém uma dimensão social maior que tende a afetar o currículo da instituição. Sendo

assim, legitimam-se e oficializam–se determinados projetos presentes na instituição que

justificam determinadas produções de processos de seleção, inclusão/exclusão e

interesses de certos grupos e idéias presentes no seu interior.

Essa cultura escolar se expressa não só no discurso dos entrevistados, como na

própria aparência do espaço físico do Colégio, nas disciplinas, nos projetos da

instituição e no modo como todos se relacionam na instituição, desde o dono da

cantina, o secretário, a bibliotecária, o professor, a comunidade, o aluno.

A disciplina Didática Geral foi construída a partir dos anos 80 na instituição,

tanto social quanto politicamente de forma conflituosa e em função de objetivos sociais

desse tempo e segundo posturas próprias, não só do campo acadêmico, quanto na

própria instituição. A invenção sistemática de tradição está presente na disciplina

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escolar Didática Geral nesse período e se configura numa sobreposição de variados

discursos, interesses e práticas que foram se consolidando, algumas vezes

sucessivamente, outras simultaneamente.

Os discursos sobre a percepção da Didática Geral na instituição dos anos 80 a

90, parecem um amálgama de perspectivas escolanovistas, tecnicistas e críticas. Por

esse motivo, essa disciplina não é uma entidade monolítica, o próprio grupo de Didática

constante na instituição desde os anos 70, lutou e ainda está mudando os rumos da

disciplina Didática no currículo da instituição. A seleção dos conteúdos e métodos

realizados pela escola, nesse período de tempo pesquisado, refletiu o conflito e debate

entre os conteúdos considerados relevantes para a época vivida, na opinião da grande

maioria que viveu as três fases da Didática na instituição.

Buscamos detectar, nos diferentes períodos, da disciplina Didática Geral, a sua

própria identidade na percepção do grupo de professores de Didática. Constatamos que

a disciplina Didática esteve sempre relacionada com as necessidades de um momento

histórico vivido, lutou para legitimar-se como uma tradição acadêmica desde os anos 70

e início de 80, mas acabou assumindo-se como uma necessidade social de existência

no contexto e cultura da instituição. O grupo de atores definiu a disciplina Didática nos

períodos de 70 como a “Rainha” e “Menina dos olhos” no currículo da instituição. Nos

anos 80, como a “Didática Esfacelada” e nos anos 90, como a “Didática Amorosa”,

“Didática Integradora”. Sua forma e conteúdo sofreram mudanças no currículo. O que a

estabeleceu como tal no currículo foi o “projeto comum existencial”. Por isso, a

disciplina é diferente no contexto escolar e no campo acadêmico. Ela se moldou aos

objetivos sociais da instituição visto que o clima aberto afetivo está presente em todos

os espaços e momentos da instituição e que se viabiliza por meio do seu projeto social

maior – a creche “Carmelinha” que integra todas as disciplinas na instituição.

Nesse sentido, consideramos a disciplina Didática como uma produção híbrida

da instituição, não só pelos discursos presentes nos seus guias e manuais, nas falas dos

entrevistados, como também pela cultura peculiar da instituição, o discurso acadêmico

e as propostas e projetos que se misturam no clima da instituição e se transforma nos

anos 90 na “Didática Amorosa”, uma diferente da que se havia pensado nos anos 70 e

80. Parece que essa percepção atual da Didática na instituição quer descartar qualquer

idéia que relacione o que está acontecendo, com o que aconteceu no passado.

O Colégio Carmela Dutra optou por uma finalidade social mais imediata e

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dentro do seu contexto social e cultural de conflitos que reconfigura e desterritorializa

seu espaço, procurando desfazer a noção de centro e periferia quando disponibiliza seu

espaço físico para que a mãe normalista que esteja em aula, possa amamentar seu filho

na creche, ao lado do pátio interno do colégio. Essas operações de hibridização tiveram

um capítulo importante no ambiente escolar no qual a Didática Geral se construiu e

que, ao sentir a perda de uma “pureza” original ou de um conteúdo mais “profundo”,

tendem a voltar no passado e exaltar a tradição da disciplina e dos alunos que eram “tão

educados”. Muitas dessas falas entraram em contradição ao se definirem como a favor

dessa Didática Geral, mais centrada no aluno, ou aquela Didática mais centrada no

método. Na realidade, o que constatamos é que, embora os discursos apareçam com

“roupagem” diferente, com “roupagem” nova, acaba sendo uma continuação de uma

tradição anterior.

Porém, as mudanças e/ou rupturas, embora temporárias, de certa forma

acabaram por trazer inovações no interior da disciplina. Em muitas falas foi possível

observar que determinados objetivos de ensino, combatidos em um determinado

período, acabaram se tornando em finalidades reais em outro momento. A mudança é

lenta., pois se desenvolve dentro do padrão disciplinar.

Ressaltamos que foi possível sentir a valorização constante da disciplina

Didática na instituição, por parte de seu diretor, professor Geraldo Ribeiro. Ele

vivenciou as mudanças na instituição desde 1976, como professor, supervisor e diretor,

atualmente. A Didática “Rainha” , do início dos anos 80 era legitimada no currículo

como a disciplina que ocupava uma posição estável e visível no currículo. Professores

de outras disciplinas ocuparam a Didática , quando da falta de professores desta

disciplina.

A manutenção da grade curricular e do conteúdo “Planejamento” continuam

presentes até hoje. Esse conteúdo foi citado pelos três grupos de professores

entrevistados.

Percebemos, assim, que o processo de construção da Didática no currículo não é

linear e contínuo. A reapropriação dos discursos acadêmicos é permeada de

descontinuidade, avanços e retrocessos. O próprio diretor da instituição, ao valorizar a

disciplina Didática na sua gestão, criou no ano de 2000 essa disciplina na grade

curricular porque ao passar para quatro anos, no currículo do curso de formação de

professores essa disciplina está ausente.

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Como padrões de estabilidade curricular observamos, além da manutenção da

grade curricular e a distribuição de professores para lecionar Didática, o fato da

estabilidade visível do grupo de professores de Didática na instituição desde os anos 70.

Constatamos ainda, nos depoimentos e conversas com os sujeitos em todos os

espaços da instituição que a manutenção do clima aberto da instituição tende a ser

possível, principalmente, pela manutenção de seu líder, o diretor Geraldo Ribeiro. Esse

gestor já está na sua sexta gestão (desde 1991) e vem sendo re-eleito por todos na

instituição e comunidade, sem votos contrários. Esse acaba por se constituir como um

padrão de estabilidade curricular na instituição. Por outro lado, a manutenção do clima

aberto a partir dos anos 90 também é padrão de mudança, ao mesmo tempo. A direção

da instituição à frente de projetos como a creche “Caremelinha” e “Sexualidade e

Cidadania”, garante mudanças na forma e conteúdo das disciplinas do currículo, pois se

voltam para conteúdos mais ligado a questões sociais.

Consideramos também os encontros sistemáticos da equipe de Didática (e na

sala de Didática – a única disciplina que tem sala própria) como um dos mecanismos

de estabilidade da disciplina no currículo da instituição. Essas reuniões acontecem

desde os anos 70 e são defendidas como um momento muito importante para estudo e

reflexão.

Ao longo desta pesquisa, pudemos constatar como a construção dos discursos é

importante para consolidar a identidade de uma disciplina numa instituição. Esses

discursos, na realidade, embasam todo o ethos da instituição e não podem ser vistos

como elementos principalmente subjetivos. Na realidade, elas tendem a construir

condições objetivas.

Por meio desse estudo, tentamos expressar o que coletamos e concluímos ao

voltar no tempo para entender como a disciplina Didática Geral se configurou no

Colégio Carmela Dutra. Na medida em que avançávamos em nosso estudo, deparamos

com muitas questões que ainda nos parecem sem resposta: como a escola enfrentará as

recentes mudanças na sua grade curricular, na forma de propostas, com a passagem do

curso para quatro anos? Como ela irá dialogar com essa nova estrutura, considerando a

criação e proposta do curso normal superior e com as mudanças decorrentes do ensino

médio?

Todas essas questões por um momento nos deixam em alerta e com novas

indagações. Todas elas nos levam para a análise e exploração de questões da prática e

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dos processos escolares. Sem essa reflexão não podemos entender ou discutir currículo

ou ensino, o que nos leva a reconhecer que o estudo sobre a HDE constitui um ponto de

partida para clarear essas questões.

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LISTA DE ANEXOS

ANEXO

1- Notícia do JORNAL DO BRASIL “Carmela Dutra supera deficiências e tem

sucesso!

2– Reportagem da revista Época (fev/2000) “De mãos dadas para a vida”

3- Murais fixos da escola Carmela Dutra

4- MANUAL DO PROFESSOR – CARMELA DUTRA – 1980

5 – Roteiro de entrevista com professor de Didática

6 – Roteiro de entrevista com Diretor/ Diretor-Adjunto/ Supervisor e Secretário

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ANEXO 1

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ANEXO 2

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ANEXO 2

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ANEXO 3

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ANEXO 4

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ANEXO 5

Roteiro para entrevista com professores de Didática Geral

Nome:_______________________________________Formação:_________________

Tempo no magistério: __________ Tempo que leciona Didática: desde __________

1) Como você vê a Didática no currículo? Você acha que a Didática é uma disciplina valorizada da instituição? Por quê? Sempre foi assim?

2) Como é laborado o programa de Didática Geral? Sempre foi assim? O que mudou?

3) Que livros os professores usam(vam) em Didática? Que livros são indicados para os alunos ? Você participa(ou) de algum ENDIPE ou de algum Congresso?

4) E as reuniões com o grupo de professores de Didática? Sempre ocorreram? Houve mudança na sua dinâmica? O que mudou? Por quê?

5) Recebem orientação da Secretaria Estadual de Educação(SEE)? O que é feito com essa orientação? Chega a ser cumprida? Por quê? Você acha que essas ordens influenciam o rumo da Didática Geral no Colégio?

5) Que conteúdos você considera mais importantes em Didática Geral? Por quê? Eles sempre foram importantes? Quais os que você excluiria? Por quê?

7) E os alunos de hoje mudaram? Em que eles são diferentes do passado? Você

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considera isso no seu trabalho em sala de aula?

ANEXO 6

Roteiro de entrevista com diretor/diretor-adjunto

Nome: _________________________________________ Formação: ______________

Início no Carmela: ________ Anos no Carmela:________ Na direção: ___________

A instituição

1) Como você vê o Carmela Dutra entre as outras instituições que formam

professores?

Sempre foi assim? O que mudou? A que você deve essa mudança?

2) Qual a finalidade hoje do Carmela Dutra? Essa finalidade bate com a da SEE? Por

quê? O que é feito com a orientação da SEE?

A Didática

1) Como você vê a Didática no currículo? É valorizada?

Sempre foi assim? O que mudou? Por quê?

2) Os professores de Didática dos anos 70 e 80, você vê diferença? Qual? Por quê/

3) Há professores de Didática que foram alunos? Quais? Você sente diferença nesses

professores na relação deles com a instituuição?

4) E os alunos hoje?

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Os Projetos da Instituição1) Fale sobre as realizações feitas na sua gestão (Creche, Carmelícias, Carmelinha,

Outdoor, Informática, Festas – Segurança e Família).

2) Como você encontrou a instituição?

3) Qual o projeto mais importante? Que prêmios a escola já ganhou? Quais os critérios

para essa escolha?

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