hipertexto novembro/dezembro 2010

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Cultura Filme antecipa a guerra do Rio hi per exto t Porto Alegre, novembro/ dezembro 2010, Ano 12 – Nº 83 Jornalismo da Famecos 5 estrelas no Guia do Estudante Versão online: www.eusoufamecos.com.br O argentino que criou os Homens de Perto Autor de mais de 30 espetáculos, Néstor Monasterio diz que o teatro deve ir ao encontro do público, inclusive na periferia. Página 10 Páginas 6 e 7 Tropa de Elite 2 exibe leniência dos políticos Luiz Eduardo Soares Exército subiu os morros no ataque aos traficantes Tropas das Forças Armadas e das polícias Federal, Militar e Civil utilizaram armamento pesado na tomada da Vila Cruzeiro e do Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro Néstor se exilou no Brasil 25 anos atrás Samuel Maciel/ Hiper Natália Otto/ Hiper Antônio Scorza/ AFP Antônio Scorza/ AFP

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Edição de novembro e dezembro de 2010 do jornal Hipertexto, produzido pelos alunos de Jornalismo da Famecos (Faculdade de Comunicação Social - PUCRS).

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Page 1: Hipertexto Novembro/Dezembro 2010

Cultura

Filme antecipaa guerra do Riohiper

extot Porto Alegre, novembro/ dezembro 2010, Ano 12 – Nº 83

Jornalismo da Famecos5 estrelas no

Guia do Estudante

Versão online: www.eusoufamecos.com.br

O argentino que criouos Homensde PertoAutor de maisde 30 espetáculos,Néstor Monasterio diz que o teatro deve ir ao encontro do público, inclusive na periferia.

Página 10

Páginas 6 e 7

Tropa de Elite 2 exibe leniência dos políticos

Luiz Eduardo Soares

Exército subiu os morros no ataque aos traficantes

Tropas das Forças Armadas e das polícias Federal, Militar e Civil utilizaram armamento pesado na tomada da Vila Cruzeiro e do Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro

Néstor se exilou no Brasil 25 anos atrás

Samuel Maciel/ Hiper

Natália Otto/ Hiper

Antônio Scorza/ AFP

Antônio Scorza/ AFP

Page 2: Hipertexto Novembro/Dezembro 2010

abertura

2 Porto Alegre,novembro/dezembro 2010hiperextot

hipersiderPor Pedro Henrique Tavares

Foto Bruno Todeschini/ Hiper

Campeão

O Espaço Experiência encerra o ano de 2010 com uma taça no armário. Por seu trabalho, o Espaço recebeu o prêmio Inovação em Educação, concedido pelo Sindicato do Ensino Privado do Rio Grande do Sul (SINEPE/RS).

Au revoir

Foi um ano de muita amizade com um de nossos mais ilustres intercambistas. Mas infelizmente, Jean-Baptiste Houriez está voltando para a Europa. Com ele, embarca nossa colega Marina Mazzini, que vai passar uma temporada no Insti-tuto de Comunicação de Paris.

De novo

Pouco se fala, mas não é a pri-meira vez que vazam documentos sigilosos do governo americano, como este episódio envolvendo o site Wikileaks. Durante o go-verno Nixon, o New York Times publicou papéis secretos sobre a guerra do Vietnã.

RRPP Nacional

Quatro trabalhos do Curso de Relações Públicas da Famecos foram premiados no 28º Prêmio da Associação Brasileira de RRPP-São Paulo. As pesquisas acadêmicas receberam láurea nas categorias Monografia: Empresas Públicas e Privadas; Monografia: Valorização Profissional; e Ação Estratégica em Relações Públicas: Publicação Institucional.

Três perguntas para... Débora de Oliveira*

Qual foi o impacto de mudar do Grupo Sinos para grandes emissoras como Band e RBS?

Foi uma mudança e tanto, porque a gente, no Interior, é vista como a filha da casa. Mas quando tu chegas aqui as pessoas não têm nenhuma identificação contigo. Elas querem uma resposta imediata. No meu caso, eu era a primeira mulher. Por isso, não tinha nem com quem ser comparada. Tinha que ser a primeira, e a primeira que desse certo.

Qual o maior desafio de ser mulher no jornalismo esportivo que é um espaço dominado por homens?

Nós ainda temos muitos desafios, pois é um mercado que ainda não está totalmente aberto. Tenho quatro anos de RBS, sendo seis de televisão em 12 de carreira. Agora vou começar o programa novo (Diretoria F.C.) com o Maurício Saraiva. Estamos sempre sendo testados.

Qual próxima ambição na carreira?Eu sou muito tranquila. As coisas sempre foram acontecendo

para mim, sempre fui feliz aonde eu estava. Hoje eu estou super feliz aqui. Se houver propostas novas será um processo natural.

* Jornalista e repórter da RBSTV.

Reflexão

Um grande evento, como o show de Paul McCartney mobilizou a capital, não é à toa que faltaram táxis no dia do espetáculo. A Copa de 2014 vem aí e o contingente será muito maior. Alô, planejamento!

Vencedores: professores e alunos do Espaço Experiência

Por Fernando Soares

Faltou pouco para que Ana Cecília Nunes e Marcelo Fontoura transformassem um projeto fictício em realidade. Os estudantes de jornalismo da Faculdade de Comu-nicação Social (Famecos) da Ponti-fícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) alcançaram a condição de finalistas do Prêmio Santander de Empreendedorismo 2010. Com a ideia de uma agência

de notícias jornalística, os colegas superaram mais de três mil concor-rentes, em todo o país, e chegaram à etapa derradeira do concurso, em São Paulo, no final de novembro.

Mesmo sem ganhar os R$ 50 mil oferecidos pelo banco ao pri-meiro colocado e assim abrir a própria empresa, a dupla enfrentou um longo caminho para chegar até a final. “Tudo começou com uma pro-posta de duas páginas. Ao passar da primeira fase, montamos um proje-

to mais elaborado, com 20 páginas. Parecia que estávamos fazen-do uma monografia”, lembra Ana Cecília, que cursa o oitavo se-mestre da graduação. “Sempre tivemos em mente a competitivida-de do mercado.”

Eles contam que, para elaborar a pro-posta, foi necessária mais do que a ajuda do orientador, o profes-sor da Famecos André Pase. A confecção do projeto só foi possível

graças às leituras sobre adminis-tração, economia e marketing e o auxílio de profissionais ligados à publicidade. As noites em claro, onde trabalharam incessantemen-te, também foram fundamentais para o sucesso da empreitada. “Foi tudo muito diferente do que estávamos acostumados. Saímos da nossa zona de conforto”, resume Marcelo, estudante do sétimo se-mestre do curso. Ele relata que um dos maiores percalços encontrados para a efetivação da iniciativa foi a burocracia.

“Independente de termos saído vitoriosos ou não, ganhamos visão estratégica e uma importante visibi-lidade”, diz Ana Cecília, que ao en-trar na faculdade imaginava seguir carreira na editora de cultura de algum veículo. Os alunos garantem que, ao empreender, o profissional pode obter resultados tão ou mais satisfatórios do que nas mídias tradicionais, como internet, jornal, rádio e televisão. “Você é o seu próprio patrão, tem liberdade para pensar seus projetos e os ganhos fi-nanceiros podem ser bem maiores”, conclui a futura jornalista.

Alunos da Famecos chegam à final

Vívian Lengler/ Hiper

Ana Cecília e Marcelo Fontoura

Da disciplina de Assessoria

Um ônibus que se chama Sorrisão. É com essa unidade móvel de saúde que a Faculdade de Odontologia da PUCRS oferece serviço de atendimento odontológico a comunidades da periferia da Capital. Sob a supervisão dos professores Helenita Correa Ely e Denis Mar-celo Dockhorn, o veículo está equipado com consultórios e sala de raios-X e disponibiliza atendimento gratuito às áreas carentes de Porto Alegre.

O projeto é uma possibilidade de aprendizado para os residentes do curso de Odontologia, pois proporciona aos estudantes conhecer a realidade da saúde coletiva. Eles trabalham como bolsistas do Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde), concebido pelo governo. As ativida-des são desenvolvidas durante todo o ano, divididas entre o período letivo e os meses de férias escolares. “Para aprimorar e continuar oferecendo um serviço de qualidade à comu-nidade, anualmente são realizadas avaliações pelo corpo docente da universidade”, explica a professora Ely.

Moradores dos bairros Tijucas, Jardim Carvalho e Jardim Protásio Alves estão aptos a serem atendidos para tratamentos odontológi-cos preventivos e curativos. Os horários devem ser agendados nas próprias UFS dos locais.

Sorrisão oferece serviço odontológico nas vilas

Unidade Móvel da PUCRS atende a comunidade

Terças e quartas-feirasJardim Protásio Alves e Tijucas (em frente ao UBS do Morro Santana)Responsáveis: Tatiana Sturmer Badalotti e Leni-se IrigoenHorário: 8h às 16h30minAgendamento: através da USF local.

Sexta-feiraJardim Carvalho (em fren-te à USF local)Responsável: Andrea Fon-toura RecchiHorário: 8h às 16hAgendamento: atendimen-to preferencial às crianças da Escola General Ibá Ilha Moreira e as urgências.

PROGRAMAÇÃO

Daniel Marcílio/ Famecos

Alunos da Faculdade de Odontologia participam

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faculdade

3Porto Alegre, novembro/dezembro 2010 hiperextot

Por Sabrina Ribas

Além de renovar os quadros políticos do país e permitir que cada cidadão manifestasse sua escolha através do voto, o processo eleitoral de 2010 também serviu como labo-ratório. A eleição possibilitou que os alunos das disciplinas de Marketing Político do curso de Relações Pú-blicas da PUCRS observassem em tempo real e com muito mais inte-resse os processos de construção da imagem dos políticos.

As disciplinas, ministradas pelo professor Nelson Fossatti, ganharam uma nova metodologia no início deste ano. Agora, além de os alunos estudarem os conceitos envolvidos na comunicação políti-ca, utilizam peças da dramaturgia para colocar em prática o que aprenderam.

O professor Fossatti criou um país fictício, o “País das Magnólias”, que estaria passando pelo processo de eleição de um novo presidente. Os habitantes desse país são per-sonagens fictícios, e têm origem em histórias infantis e fábulas que todos conhecem. Figuras como a “Bruxa Má”, “Pinóquio” e o “Lobo Mau” são alguns dos candidatos das turmas da manhã e noite, do segundo semestre.

Os alunos escolheram seus can-didatos e estabeleceram como seria a campanha eleitoral de cada um, desde o planejamento das ações, definição de estratégias de campa-nha, construção da imagem, escolha do slogan do candidato, pesquisas de opinião e eleitorais, entre outros processos.

De acordo com o professor,

durante o semestre, os futuros relações-públicas se dividem em co-missões responsáveis por diferentes partes do processo eleitoral, como as comissões de Comunicação, Campanha, Eleições e a Organiza-dora do Debate.

Esta última comissão define e prepara a etapa mais emocionante da eleição, o debate dos candida-tos, que na turma da noite ocorreu em 25 de outubro. Os candidatos “Lobo Mau” e “Bruxa Má” expuse-ram suas ideias, apresentaram as equipes dos seus governos, depois questionaram-se sobre as propostas e responderam perguntas, tudo em clima de debate, sem perder o foco, embora em alguns momentos fosse dificil conter o riso provocado pelas situações ficticias.

A aluna Ana Elba de Abreu, que deu vida à candidata “Bruxa Má”, disse que a vivência e a ex-periência das situações facilitam o aprendizado. “Foi muito diferente e interessante, pois tivemos a oportu-nidade de sentir realmente como se organizam os partidos políticos nos bastidores”, completa Ana.

Com a política transformada em espetáculo, realidade que tem se apresentado nas últimas décadas, cada vez mais os profissionais que atuam na área devem estar prepa-rados para construir com credibili-dade a imagem do seu candidato.

Segundo Fossatti, essa novida-de na apresentação da disciplina acompanha uma tendência da Famecos em aproximar a teoria da prática. “Os alunos realmente se sentiram motivados e buscaram soluções criativas, necessárias ao aprendizado”, completa.

O que hoje conhecemos como marketing político já era utilizado por faraós, imperadores e outros líderes há, pelo menos, quatro mil anos antes da era cristã. De acordo com o professor da Universidade Metodista de São Paulo, Roberto Gondo Macedo, a preocupação com a imagem dos políticos teve papel importante ao longo da história, e sempre priorizava ações de persu-asão e negociação.

Ações de marketing político também estiveram presentes na Alemanha de Hitler, passando a ideia de um líder acima dos homens. O general americano Dwight Eise-

nhower foi o primeiro a contratar uma agência publicitária para auxiliá-lo na campanha presidencial de 1952. Ele comandara o exército americano durante a Segunda Guerra e acabou sendo eleito e reeleito presidente pelo Partido Republicano.

No Brasil, pesquisas mostram aprovação de 73% dos brasileiros em relação a Lula, considerado um dos maiores fenômenos de marke-ting eleitoral dos últimos tempos. Depois de oito anos de governo, ele já compete com Juscelino Kubits-check e Getúlio Vargas ao posto de presidente mais popular da história.

Dramaturgia ensina marketing político Disciplina de Relações Públicas usa personagens das fábulas infantis como exercício

Planejar imagem e açõesvem do tempo dos faraós

Fotos Júlia Ramos/ Hiper

Professor Fossatti e a Bruxa Má no debate com os alunos do curso de RRPP

Debate eleitoral entre o Lobo Mau e a Bruxa Má mobilizou as turmas de Marketing Político

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4 Porto Alegre, novembro/dezembro 2010hiperextot

Opinião

hiper extotJornal mensal dos alunos do Curso de Jornalismo da Faculdade de Comunicação Social (Famecos), da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).

Avenida Ipiranga 6681, Jardim Botânico, Porto Alegre, RS, Brasil. Site: http:// www.pucrs.br/ famecos/ hipertexto/ 045/ index.php

Reitor: Ir. Joaquim ClotetVice-reitor: Ir. Evilázio Teixeira

Diretora da Famecos: Mágda CunhaCoordenador de Jornalismo: Vitor NecchiProdução dos Laboratórios de Jornalismo Gráfico e de Fotografia.Professores Responsáveis: Celso Schröder, Elson Sempé Pedroso, Ivone Cassol, Juan Domingues, Luiz Adolfo Lino de Souza e Tibério Vargas Ramos.

Estagiários matriculados e voluntáriosEdição e diagramação: Fernanda Grabauska,

Leonardo Pietrowski, Luísa Silveira e Marja Camargo.Editores de Fotografia: Bolívar Abascal Oberto, Bruno Todeschini e Lívia Stumpf.Redação: André Vitor Pasquali, Bruna Suptitz, Brunna Weissheimer, Cairo Fontana, Clareana Ferreira, Daniela Boldrini, Fernanda Keller, Fernando Severo, Marco Antônio de Souza, Natália Otto, Pedro Henrique Tavares, Rafael Sanchez, Sabrina Ribas, Suzy Scarton e Walter Ferrera.Repórteres Fotográficos: Aya Kishimoto,

Bolívar Oberto, Bruno Todeschini, Camila Cunha, Daniela Grimberg, Daniela Kalicheski, Fábio Henrique Gonçalves, Felipe Dalla Valle, Gabriel Ludwig, Gabrielle Toson, Guilherme Santos, Isabella Sander, Jéssica Barbosa, Jonathan Heckler, Julia Ramos, Júlia Tarragó, Lívia Auler, Lívia Stumpf, Luiza Lorentz, Mariana Amaro, Mariana Fontoura, Mauricio Krahn, Maria Helena Sponchiado, Nicole Pandolfo, Pedro Sampaio, Raquel Damo, Samuel Maciel, Thiago Couto, Vanessa Freitas e Vivian Lengler.

Apoio cultural: Zero Hora. Impressão: Pioneiro, Caxias do Sul. Tiragem 5.000Versão online: www.eusoufamecos.com.br

EDITORIAL

hiperextot

CRÔNICA

Pense na dor de seus paisPor Suzy Scarton

A crônica, em sua essência, é um texto leve, que em geral aborda algum fato do cotidiano. Espera-se que seja simples e divertida, com ocasionais toques de humor. Mas como seguir os padrões quando o dia a dia apresenta fatos mais obs-curos que, entretanto, não devem passar despercebidos?

Em 14 de novembro, o jornal Zero Hora dominical publicou reportagem de causar desconforto. Não por ser mal escrita ou es-catológica, mas por ser um retrato da ver-dade. Provavelmente, a grande maioria dos jovens que leu não se sentiu tocado, mas seus pais, com certe-za, sim. Não só toca-dos, como aflitos, temerosos que seus filhos pudessem topar com o mesmo caminho de tantos outros adolescentes que partem antes do tempo. A reportagem refletia os horrores atuais do trânsito, e apre-sentava fotos dos quartos intactos dos jovens que foram tragados pe-los acidentes, mantidos pelos pais. Fotos da ausência, fotos de algo que não mais existe. Não tenho filhos, mas posso afirmar com certeza que não existe pai ou mãe que tenha lido aquela matéria sem temer pela vida dos seus que frequentemente se arriscam no trânsito, seja como motoristas, seja como caroneiros.

Relacionando isso com um tema infinitamente menos com-plexo, é o mesmo que ir a uma locadora – creio que ainda existam pessoas que o façam, entre nós – e alugar um filme. Qualquer um, sem grandes exigências. A pessoa vai para casa e pretende assistir até o fim, afinal, é extremamente

frustrante não saber o final de um filme. A vida de um filho é um filme que acontece diante dos olhos dos pais. Eles acompanham desde a produção, as primeiras falas, obser-vam a criança escolher seu elenco, convidando pessoas a participar da sua vida. Nenhum pai espera ver o filme da vida de seu filho ser in-terrompido por alguma razão, seja qual for. Simplesmente não está nos planos. Eles querem assistir à evolução de menino a homem, de

menina à mulher, a escolha da profissão, do companheiro, o nascimento dos netos. O único meio de isso não acontecer é caso os pais partam antes, mas essa é a ordem natural das coisas. É o esperado. Nenhum pai espera que seu

filho tenha seus sonhos interrompi-dos e a vida abreviada subitamente.

As estradas nos feriados não podem virar sinônimo de sen-tenças de morte. Feriados precisam continuar sendo o equivalente de pausa, de diversão. O carro deve permanecer como um instrumento de auxílio da vida moderna, não uma arma. Viagens com os ami-

gos, idas a festas de madrugada. Espera-se que essas ocasiões sejam vírgulas na história de cada jovem, e não seus pontos finais. Nenhum pai espera se despedir de seu filho e perceber, horas depois, que foi a última vez que o viu sorrir. É uma reviravolta inesperada na trama, que definitivamente não é bem recebida pelo público.

Espera-se que uma crônica seja leve e efêmera. Mas ela pode ser séria, quando necessário. E essa é, na verdade, um apelo. Se não por si mesmos, pense em seus pais. Coloque-se no lugar de seu pai e imagine-se diante de seu próprio quarto, fitando restos de vida que não volta mais. A dor de saber que tudo que resta são memórias, foto-grafias nas paredes, a cama intacta. Um momento congelado no tempo. Pense no vazio insubstituível que sua ausência vai causar. Se não por si, faça por seus pais. Se beber, não dirija. Se seu amigo beber, não pegue carona com ele, e não o deixe dirigir sozinho. Viva devagar, sem pressa nas ruas, nas estradas. Certamente, ninguém quer ser re-duzido, de repente, a um número, uma estatística, ou a uma fotografia de um quarto vazio na página de um jornal de domingo.

Reprodução

“A vida de um filho é um filme

que acontece diante dos olhos

dos pais.”

Por Clareana Ferreira

Depois de ter se negado a atender 117 pedidos de en-trevistas, o ex-secretário de Segurança do Rio de Janeiro Luiz Eduardo Soares está nas páginas do Hipertexto. Não é uma entrevista exclu-siva, mas é aquele lance de sorte que sempre acompanha os grandes repórte-res. A estagiária Natália Otto já mostra ter estre-la. Muito antes de acontecer a virada na segu-rança no Rio, ela se escalou para assistir uma pa-lestra de Soares na Faculda-de de Direito da UFRGS, onde ele falou aquilo que, depois, todos os jornalistas do País saíram à procura.

Assim é com a análise e as reflexões de Luiz Eduardo Soares, autor dos livros que originaram os filmes Tropa de Elite 1 e 2, que Hipertexto fecha as edições de 2010. Além da violência que se abateu sobre o Rio de Janei-ro, outro destaque da edição é a entrevista com o ator e diretor argentino Néstor Monasterio. Sem meio termo, Monasterio faz considera-ções sobre o teatro gaúcho e não poupa, inclusive, os arquitetos que projetaram algumas casas de espetáculos de Porto Alegre.

Ao longo de 2010, o time

de estudantes de jornalismo da PUCRS que faz esse jornal esteve engajado na busca pela abordagem diferencia-da. Por ser um jornal men-sal, a temporalidade de seus assuntos é uma preocupação constante. Como falar sobre fatos de grande importância sem se transformar em um

eco das demais publicações? Na busca pela exce-lência, tanto por parte dos alunos quanto dos pro-fessores, o Hiper-texto conseguiu reportagens im-portantes que di-vidiram espaço com pautas ex-

clusivas e de assuntos va-riados.

A preocupação com o lixo urbano, o crescimento da efervescência cultural da noi-te porto-alegrense, a derrota brasileira na Copa do Mun-do, as eleições, a vida dos trabalhadores das minas de carvão no interior do Estado foram alguns dos muitos as-suntos que tiveram destaque nas edições deste ano.

Para os próximos repórte-res e fotógrafos que virão, a turma do primeiro e segundo semestres de 2010 deseja que os futuros jornalistas possam ter a mesma garra e olhar diferenciado sobre as coisas do mundo. E para os leitores que nos acompanham, um Feliz Natal, ótimo Ano Novo e uma boa leitura.

Um olhardiferenciado

É aquele lance de sorte que sempre acompanha os grandes repórteres.

Page 5: Hipertexto Novembro/Dezembro 2010

solidariedade

5Porto Alegre, novembro/dezembro 2010 hiperextot

Por Isabele Sonda

Criado em 1967, em um dos momentos mais duros da repressão da ditadura militar aos movimentos estudantis de protestos, o Projeto Rondon foi concebido para quebrar o clima de confronto nos grandes centros universitários do país. Com um apelo social, “aproximar o jovem à realidade brasileira”, e uma bandeira nacionalista, “inte-grar para não entregar”, o projeto atravessou todo o regime de exce-ção, até a democratização, sendo desativado somente em 1989. Dezesseis anos depois, em 2005, o Rondon voltou a ser implementado. Retomou uma trajetória de sucesso, baseada na generosidade e volunta-riado do jovem brasileiro, indepen-dente da época. Em 2011, mais um grupo de acadêmicos conhecerá a rotina de áreas carentes das regiões Norte e Nordeste do país.

A proposta, apesar de ter per-dido visibilidade, obteve um cresci-mento inesperado nos últimos anos (cerca de 40%) quanto à procura de instituições de ensino interessadas em participar. Em 2009, o órgão responsável pela organização e pla-nejamento recebeu 227 propostas, enquanto que neste ano, o número chegou a 327. Segundo dados do Ministério da Defesa, o projeto chegou a envolver 1.600 estudantes e professores em fevereiro de 2010.

A ideia surgiu durante a realiza-ção de um trabalho de sociologia na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, no Rio de Janeiro, res-ponsável pela concepção ideológica da ditadura de direita nacionalista em implantação após o golpe mili-tar que derrubou o presidente João Goulart em 1964. Durante uma discussão sobre o tema “O Militar e a Sociedade Brasileira”, um dos especialistas em Ciências Sociais presentes, o professor Wilson Cho-eri, hoje com 50 anos de magistério, ex-reitor da Universidade Federal do Rio e diretor do emblemático Colégio Dom Pedro II, criticou a fal-ta de assistência dada pelo regime de exceção à educação e levantou a importância dos universitários conhecerem o Brasil “como de fato ele o é”.

Choeri argumentou na época que este tipo de conhecimento seria

necessário não apenas para que o aluno tivesse uma melhor formação acadêmica, mas também para que pudesse vir a se tornar um cidadão mais consciente e crítico perante o mundo. Ele, contudo, foi desafiado pelo comandante da Escola de Es-tado Maior, general Bina Machado, a não esperar por uma atuação do Estado, e sim, a desenvolver o projeto. Para tanto, o professor decidiu elaborar o I Seminário de Educação e Segurança Nacional, onde explicou uma série de pla-nos que pretendia tornar viável a realização do evento. Entre eles, constava a organização de viagens de estudantes a outros Estados do Brasil durante o período de férias. Os oficiais acabaram abraçando a ideia. As viagens dos alunos pelo Brasil passaram a ser feitas por aviões Búfalo da Força Aérea, com acentos laterais de metal, utilizados em ações militares.

Hoje, o Projeto Rondon conta com o auxílio de professores, re-presentantes do Departamento de Estudos e Cooperação do Ministé-rio da Defesa (DEPEC), de diversos Ministérios (entre os quais o de Integração Nacional) e até com a Secretaria-Geral da Presidência da República para que haja maior di-vulgação e melhoria nas propostas que o projeto oferece aos voluntá-rios. As ações são orientadas por um comitê, criado em janeiro de 2005 e denominado de COS (Co-mitê de Orientação e Supervisão), composto por representantes dos Ministérios de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Edu-cação, Integração Nacional, Meio Ambiente, entre outros.

Para 2011, o projeto propõe viagens às regiões Norte e Nor-deste do Brasil, com a intenção de provocar os alunos a presenciarem e aprenderem com as diferenças sociais e culturais. Serão desen-volvidas atividades para auxiliar as comunidades e reduzir as desi-gualdades sociais nos Estados. Na região Sul, participam do projeto a Unisinos, faculdades de Taquara, Ulbra, UNISC (Santa Cruz), PU-CRS, UFRGS e Feevale. Os alunos viajam entre os dias 14 de janeiro e 7 de fevereiro e atuarão nos estados do Pará, Sergipe, Rio Grande do Norte e Tocantins.

Rondon voltaa mobilizaros estudantes

Universitários retomam as viagens para conhecerem os problemas sociais

O Projeto Rondon começou em 1967 com pouco mais de 30 estudantes e dois professores, e chegou a contar com a participação de mais de 350 mil voluntários e até 13 mil professores durante o regime militar. Embora desativado em 1989, fim do governo Sarney, seus ideais continu-avam tão intensos na vida daqueles que participaram como voluntários que os próprios professo-res ligados ao mo-vimento decidiram planejar o “ressurgi-mento” do projeto, o qual apenas voltaria a funcionar no go-verno do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2005.

Desenvolvida em meio ao perí-odo ditatorial com o lema “Integrar para não entregar”, a proposta não foi bem aceita pelos militares da época e sofreu grande pressão para que fosse extinta. O país vivia uma das épocas mais conturbadas da história, onde todo e qualquer material de divulgação precisava necessariamente ser revisado pe-los agentes do governo. Enfim, foi concedida a autorização para o pro-fessor Wilson Choeri implementar sua proposta. Sua primeira viagem com cerca de 30 alunos pelo Brasil durou um mês. Passada a realização dessa primeira operação, também chamada de PR/O, o projeto apenas tendeu a evoluir. No ano seguinte

(1968), o movimento já contava com reconhecimento tanto da população quanto do governo. E o Estado decidiu torná-lo perma-nente e integrando ao Ministério do Interior.

As universidades passaram a se envolverem no projeto. A

PUCRS chegou a montar um campus avança-do em Benjamin C o n s t a n t , n o Alto Solimões, Amazonas, com atividades per-m a n e n t e s d e atendimento so-cial, educacional e na área de saú-de. Possuía, in-

clusive, um barco ambulatório para atender as populações ribeirinhas com estudantes e professores dos cursos de Medicina e Odontologia.

Falta de alunos interessados, perda contínua da participação de professores, divulgação deficiente, redução no repasse de verbas e acusações de desvios de recursos financeiros foram minando o Proje-to Rondon com a redemocratização do país, até sua extinção em 1989. A esperança de que voltasse um dia parecia cada vez mais distante.

Uma das voluntárias do projeto e supervisora dos capacitadores das equipes, Gisele Brasil, explica que o problema estava presente em diver-sos fatores, dentre os quais a falta de tempo dos professores, o salário

baixo e principalmente o fato de que o conceito de conhecimento foi, aos poucos, se degradando. “O conheci-mento foi sendo transformando em uma espécie de bem material: o li-vro, o papel, o tátil são considerados como únicas formas de obtenção de cultura, enquanto, na verdade, todas as nossas experiências são formas de conhecimento e apren-dizagem.” As pessoas que até então não haviam participado do Rondon acreditavam se tratar de apenas de um plano de viagem e não de uma ação solidária ou de um modo de adquirirem cultura.

Relançado em 2005, o movi-mento já não possuía o mesmo apoio e reconhecimento dos es-tudantes, ainda que mantivesse a grande maioria de seus valores des-de sua idealização. Com as univer-sidades se envolvendo novamente, os alunos buscaram compreender a importância do projeto. Alunas de Jornalismo da PUCRS, Liane Fraga e Jéssica de Souza, contam que um dos motivos pelos quais decidiram participar foi pela pro-posta de crescimento que o projeto oferece. “Quis me tornar voluntária pela troca de experiências que o Rondon oferece. Você adquire ou-tros conhecimentos, outras ideias. Enfim, testamos novos desafios e limites”, explica Liane. “Me inscrevi porque minha amiga me convidou e acabei gostando. O projeto tem um grande valor humanístico, o que fez com que continuasse envolvida”, complementa Jéssica.

Para mais informações acesse: www.defesa.gov.br/projetorondon ou

http://projetorondon.org.

br/estados.asp

Foto Divulgação

Projeto extinto em 1989 ressurge no governo Lula 16 anos depois

Oportunidade dos acadêmicos se conscientizarem das carências sociais do Brasil

Divulgação

Page 6: Hipertexto Novembro/Dezembro 2010

6 Porto Alegre,novembro/dezembro 2010hiperextot

caos na segurança

“A narrativa tem papel importante na construção da paz”

O escritor Luiz Eduardo Soares falou sobre o caos enfrentado pela segurança pública no Rio de Janeiro

Autor de “A Elite da Tropa” discute situação do Rio e a segurança pública em seminário de Direito na UFRGS

SEMANAS ANTES dos tanques de guerra invadirem favelas no Rio, no entanto, no dia 8 de novembro, Soares esteve em Porto Alegre, no Salão Nobre da Faculdade de Direito da UFRGS. Ao seu lado, o jornalista e especialista em direitos humanos Marcos Rolim e o profes-sor da universidade Domingos Sa-vio Dresch da Silveira discutiram o tema Elite da tropa: tráfico de dro-gas, milícias e segurança pública.

Conhecido por suas críticas fortes ao que denominou “a banda podre” da polícia, Luiz Eduardo Soares foi secretário nacional de Segurança Pública em 2003 e se-cretário de Segurança Pública do estado do Rio de Janeiro entre 1999 e 2000. Autor de vasta e respeita-da bibliografia sobre segurança e criminologia, tornou-se conhecido pelo público brasileiro graças ao sucesso dos filmes Tropa de Elite e Tropa de Elite 2, baseados nos best-sellers nacionais dos quais foi co-autor, Elite da Tropa e Elite da Tropa 2.

Mesmo falando a um público majoritariamente da área do Direito e, assim, familiarizado com termi-nologias mais complexas, Soares carregou sua palestra na UFRGS da mesma forma com que redige seus livros: com lirismo e simplicidade. Suas obras usam de recursos literá-rios para tratar de temas delicados, de forma a aproximá-los de todos os leitores, especialistas ou não”, aponta. “A narrativa tem um papel importantíssimo na construção da paz”.

“É preciso, sempre, compreen-der antes de julgar”, Soares afirma mais de uma vez durante seu dis-curso. Por esta razão, livros como Elite da Tropa, sobre a polícia do

Rio de Janeiro, e Cabeça de Porco (escrito em co-autoria com o rapper MV Bill e seu empresário, Celso Athayde, e que mais tarde originou o documentário Falcão – Meninos do Tráfico), sobre a realidade dos jovens envolvidos no narcotráfico, trazem relatos colhidos na fonte, sem qualquer juízo de valor.

“Somos levados ao mundo inte-rior dos policiais, aos seus valores, em choque com nossos princípios”, comenta Soares. Em Elite da Tro-pa, tanto no primeiro quanto no segundo volumes, são comuns os relatos de assassinatos e torturas conduzidos pelos narradores. “O real é soberano, o evento reina e se opõe sobre nós. Às vezes, somos for-çados a viver situações indecisíveis que traem nossos valores”, pondera.

O esforço em compreender as ações da polícia levou Luiz Edu-ardo a desenvolver suas críticas a respeito da instituição. A violência e a corrupção da instituição se tor-naram temas de debates por todo o país ao serem representadas, res-pectivamente, nos filmes Tropa de Elite e Tropa de Elite 2. “A polícia do Rio de Janeiro está em proces-so de degradação”, diz Soares. De acordo com ele, a má remuneração dos profissionais faz com que es-tes busquem o aumento da renda trabalhando na segurança privada – o que é ilegal, mas encarado com vista grossa pelas autoridades. “Sob manto da omissão e da negligência, ocorrem práticas malignas”, expli-ca. “Se não reinventarmos a polícia do Rio de Janeiro, não temos futuro para a política de segurança públi-

UPPS: “O difícil não é mudar, é sustentar”

Por Natália Otto

Na semana em que o Rio de Janeiro queimou, Luiz Eduardo Soares, grande nome da segurança pública no país, se calou. O co-autor de Elite da Tropa e Elite da Tropa 2 conta em seu blog que, desde o dia 21 de novem-bro, início dos conflitos entre a polícia e os traficantes cariocas, até o dia da ocupação do Morro do Cruzeiro, no dia 27, recebeu nada menos do que 117 pedidos de entrevista. No texto publicado na internet, ele explica os motivos de sua abstenção e responde perguntas frequentes.

“A experiência literária é fundamental, capaz

de avanços sociológicos revolucionários.”

“A polícia do Rio de Janeiro está em processo de degradação.”

“Se não reinventarmos a polícia do Rio de

Janeiro, não tempos futuro para a polícia de

segurança pública.”

“Às vezes, somos forçados a viver

situações indecisíveis que traem nossos

valores.”

“É preciso, sempre, compreender antes de

julgar.”

Natália Otto/ Hiper

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hiperextotPorto Alegre, novembro/dezembro 2010 7

Por Fernando Soares

Desde setembro último, criminosos promoviam ações violentas no Rio de Janeiro. Nas últimas duas semanas de novembro, a situação se agravou. Arrastões se multiplica-ram e diversas cabines da Polícia Militar foram metralha-das. Carros e ônibus em chamas pipocaram na paisagem da cidade palco da final da Copa do Mundo de 2014 e sede das Olimpíadas de 2016.

Os atentados seriam uma represália à implantação de Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) nas favelas cario-cas e à transferência de oito líderes do Comando Vermelho para presídios federais. Desde 23 de novembro, a Polícia Militar passou a coordenar ações em 18 favelas. Foram

apreendidas grandes quantidades de drogas e armas. Ao todo, estima-se que o prejuízo para o tráfico com a retenção de entorpecentes chega aos R$ 50 milhões.

O governo fluminense detectou que os mentores dos ataques eram integrantes do núcleo que comandava o tráfico no Complexo do Alemão. Com essa descoberta, foi montada uma estratégia objetivando a tomada da Vila Cruzeiro, favela-símbolo do local. Com a iniciativa, os ban-didos ficaram acuados e, muitos deles, recorreram aos mais inusitados meios para fugir. Poucos se entregaram com o ultimato dado pela polícia e a troca de tiros permanecia.

Exército, Marinha e Polícia Federal foram recrutados para auxiliar na retomada do Complexo do Alemão pelo Estado. Foram isolados 44 pontos do local para que 800

homens agissem. A reconquista do espaço, no final de sema-na de 28 de novembro, foi simbolizada com o hasteamento de bandeiras do Brasil e do Rio de Janeiro. O secretário de Segurança do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, revelou que os atentados anteciparam em um ano o plano de ocupação do complexo para instalação das UPPs .

A ajuda da população foi fundamental para que peças-chave da criminalidade carioca fossem capturadas. O nú-mero de telefonemas para o Disque-Denúncia foi recorde.

Após três décadas de abandono dos governantes, que resultaram na expansão da criminalidade, a tomada do centro-nervoso do tráfico do Rio representou um impor-tante marco para a pacificação social e garantia do direito à segurança no Brasil.

RIO DIZ BASTA À CRIMINALIDADE

ca”, sentencia. A violência policial é outro tema

constante em suas obras: em um ano, a média de mortos na “guerra” contra o tráfico nas favelas do Rio é de 1000 baixas. “E qual a cor e a classe das vítimas?”, Soares indaga. “É inegável dizer que há uma sele-tividade. E esta brutalização parte, principalmente, da criminalização da favela”. Além da violência, as milícias policiais surgiram para “tiranizar as populações mais vul-neráveis”. Trata-se de organizações criminosas formadas por membros da polícia que, ao combater o tráfi-co de determinada região, tomam para si o território antes dominado pelos traficantes. Os membros vão além do tráfico de entorpecentes, comandando o comércio de vários bens de consumo, desde alimentos até gatos de televisão a cabo.

Na contramão da violência e da corrupção, estão as Unidades de Polícias Pacificadoras, as UPPs. Mostradas pela mídia como o es-topim para os conflitos iniciados no Rio durante a última semana de novembro, as UPPs são polícias comunitárias instituídas dentro das comunidades mais vulneráveis, nas quais os policiais permanecem, a fim de combater a formação de qua-drilhas e conter o tráfico. Até agora, existem 13 UPPs instaladas no Rio de Janeiro, e têm sido bem vistas por especialistas e pela população em geral.

“O difícil não é mudar, e sim manter”, sustenta Soares, ele mes-mo um defensor das UPPs. “Este é o grande desafio da vida humana. A tendência é a solução e a disso-lução”. Para o especialista, para que as UPPs se tornem políticas de segurança pública efetivas, é necessário que elas não fiquem à margem da polícia. “Enquanto (as UPPs) forem introduções tópicas, partes menores de práticas mais abrangentes, temo que o esforço será inútil”, sentencia ele.

O estudo do crime é outra temática recorrente nas obras de Luiz Eduardo Soares. Em Cabeça de Porco é abordado com grande destaque a questão do estigma de “criminoso” que recai sobre os jo-vens das favelas que, mesmo tendo cometendo apenas alguns delitos no passado, são eternamente re-metidos a esta condição. “É preciso exorcizar esse nosso espírito defen-sivo”, defende Soares. “No sistema vigente hoje, o crime é o momento definidor da vida de quem o co-mete, amarra o sujeito ao seu ato. Não pensamos na possibilidade de que ele, hoje, esteja mais longe de cometer um ato infracional do que

qualquer um de nós”, reflete.Os arquétipos sociais e os ma-

niqueísmos sustentados pela mídia reforçam a ideia de que o criminoso é o que foi. “Para combater estes maniqueísmos é necessário relatos, histórias de um indivíduo, empa-tia”, explica Soares, invocando mais uma vez o poder da literatura e da narrativa. “Construímos narrativas fingindo ser o que fomos, e ficamos presos a elas. Precisamos de novas narrativas coletivas”, afirma.

Luiz Eduardo dá o exemplo de um jovem que é internado em uma prisão. Lá dentro, o ambiente envia a ele uma mensagem: você é sujo, um lixo, um erro. “Estas imagens voltam e reiteram uma persuasão, uma construção de personagem de fora para dentro”, explica ele. “Este jovem, que não sabe direito quem é. Como ele narra para si mesmo a sua história?”, indaga. Mas Soares reforça: este não é um discurso paternalista, de caridade. “Não se trata de benevolência”, diz o ex-secretário de segurança, “e sim de um reconhecimento da comple-xidade de nossas mudanças”.

“Precisamos de novas narrativas coletivas”

Ocupação em dois tempos: nas fotos, o primeiro dia da operação policial na Vila Cruzeiro

Fotos Antônio Scorza/ AFP

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Patrimônio

8 Porto Alegre, novembro/dezembro 2010hiperextot

Alfândega recupera visual dopassado

Por Walter Ferrera

A praça da Alfândega, um dos pontos de encontro mais impor-tantes da cidade de Porto Alegre, conhecida também por abrigar artesãos e engraxates, muito em breve estará de cara nova, voltan-do a ser como era nas décadas de 1930 e 1940. Com o Projeto Mo-numenta, programa do Ministério da Cultura que visa a recuperação e preservação do patrimônio his-tórico garantindo também o seu desenvolvimento sócio-econômico, a praça, que abriga desde 1955 a Feira do Livro, a partir do segundo semestre de 2011 voltará a ser um forte referencial turístico da cidade.

Dentre as modificações que

serão realizadas estão a diminuição dos canteiros que visa facilitar o trânsito de pessoas e destacar os pés de jacarandás, a restauração da es-tátua de bronze do general Osório, situada no centro da praça e regu-larização total do pavimento. “Além dos monumentos restaurados, a Praça estará com o calçamento em pedra portuguesa regularizado, com mais iluminação ao nível do pedestre, acessibilidade melhorada, passeios mais largos e painéis con-tendo informações sobre a história da Praça”, complementa Briani Bicca, 63, arquiteta e urbanista que atua como coordenadora do Projeto Monumenta em Porto Alegre.

A atividade comercial ao redor da praça é uma característica que

também será contemplada, ao contrário do que costumeiramente acontece em projetos de reurba-nização de pontos históricos, em que comerciantes são remanejados para longe, o programa prevê a manutenção desses espaços obede-cendo parâmetros econômicos de sustentabilidade e sócio-culturais. “Tudo isso para que a praça seja apreciada pela população e pelos artesãos e engraxates, que a usem intensamente, ela que é o seu local de trabalho e de vivência, como parte que é do Centro Histórico de Porto Alegre”, diz Briane. Um des-ses engraxates atende pelo nome de Julio Lopes, um senhor de 61 anos, com mais de 20 deles dedicados a esse ofício e que também atende

como líder da Associação dos En-graxates da Praça da Alfândega, ele vê com otimismo tais mudanças e acredita que a reestruturação fisica proporcionará maior visibilidade ao seu trabalho e de seus colegas.

Os artesãos que ali expõem e co-mercializam a sua arte diariamente na Feira de Artesanato, terão opor-tunidade semelhante. Atualmente muitos disponibilizam de barracas móveis patrocinadas por um Banco Estatal, o Monumenta que tem o BID – Banco Interamericano de desenvolvimento, como parceiro, deve providenciar barracas mais modernas e padronizadas, de for-ma que seja reforçado a identidade artística da feira. Antes mesmo que o espaço fique pronto, muitos

artesãos já passaram por oficinas de qualificação profissional, onde a árvore Jacarandá, elemento da nossa flora responsável por acen-tuar a identidade visual da praça, serve como fonte de inspiração. “O jacarandá significa a transformação, o futuro e a permanência dos arte-sãos na feira da praça da alfândega”, resume Antonio Ferreira, 52 anos, mais conhecido como “Kashowpa” ,um dos participante das oficinas, e que há 22 anos se dedica a arte do artesanato.

Com o encerramento da 56ª edi-ção da Feira do Livro, as obras que devem mudar a cara da Praça da Al-fândega recomeçam, com previsão de término para aproximadamente novembro de 2011.

Daniel Marcílio/ Hiper

Dentre as modificações previstas, está a restaura-ção da estátua de bronze do General Osório a cavalo

Feira do Livro vendeu mais de 400 mil obrasPor Bruna Suptitz

Entre livros e pedras soltas nas calçadas. Os visitantes da 56ª Feira do Livro de Porto Alegre, que ocorreu entre 29 de outubro e 15 de novembro, dividiram a atenção entre os lançamentos, autores e os tapumes na Praça da Alfândega. Nem mesmo as obras de restauração do centro histórico atrapalharam esta que é a maior feira de livros a céu aberto das Américas.

A Feira do Livro de Porto Alegre completou 56 anos em 2010. Des-de sua primeira edição, em 16 de novembro de 1955, idealizada pelo jornalista Say Marques, o objetivo do evento é de levar o livro à popula-

ção, oferecendo descontos atrativos. E essa diferença pode ser notada nos números oficiais divulgados no dia 17 de novembro pela Câmara Rio-grandense do Livro. De acordo com o presidente da Câmara, João Carneiro, a meta de vender 400 mil livros foi superada. Ao todo, 411.519 exemplares foram comercializados durante a Feira.

Os dias quentes e o tempo bom durante a realização da Feira (choveu ou ventou apenas em dois dos 18 dias do evento) são apontados como os principais res-ponsáveis pelo resultado positivo obtido em relação às vendas, neste ano. E, ao contrário da política adotada na edição anterior da Feira,

onde os trabalhos de restauração da Praça da Alfândega coordenados pelo Projeto Monumenta foram interrompidos para receber os estantes, este ano livros e obras estiveram juntos.

A tradição do PatronoO patrono desta edição da Feira

do Livro é uma figura conhecida por seu empenho em manter viva a história e a cultura do povo rio-grandense. Paixão Côrtes nasceu em Santana do Livramento, em 1927. É agrônomo, folclorista, compositor, radialista e pesquisador da cultura brasileira. Ícone da cultura gaúcha, foi modelo do monumento Laçador, erguido em 1958 em Porto Alegre.

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Feira do Livro completou 56 anos em novembro de2010

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esporte

9Porto Alegre, novembro/dezembro 2010 hiperextot

Inter em Abu Dhabi

Reprodução

Torcedores colorados esperam ansiosos pela batalha em busca do bicampeonato mundial nos Emirados Árabes

Por Suzy Scarton

Todo torcedor sonha com a oportunidade de testemunhar seu time sendo campeão mundial. E os do Internacional terão a chance, em dezembro próximo, de acom-panhar o time na luta pelo título de bicampeão mundial. A estreia do colorado será dia 14 de dezembro, no estádio Mohammed Bin Zayed, em Abu Dhabi, nos Emirados Ára-bes, e a final será dia 18.

Apesar dos altos custos da viagem, vários torcedores estão ansiosos para que chegue o tão es-perado dia da viagem. O estudante de publicidade e propaganda da Famecos, Bernard Bergmann, parte para Dubai no dia 12 de dezembro, e permanecerá até o dia 21. “Desde 2006, eu alimentava a ideia de acompanhar o Internacional na final do Mundial. Até que, há uns quatro meses, meu primo veio com a ideia de irmos para Abu Dhabi. Viajamos ano passado para o Rio de Janeiro, a fim de ver o Inter jogar contra o Flamengo pela Copa do Brasil. Então, quando ele sugeriu irmos para os Emirados, já tinha um pacote pronto de uma agên-cia de viagens, o que barateou, e muito, o preço da nossa viagem, se comparado a outros pacotes de outras empresas. É um sonho a ser realizado, e com certeza, vale a pena o dinheiro investido.”

Os amigos viajarão sozinhos, porém esperam encontrar vários conhecidos, com o mesmo pro-pósito: testemunhar a batalha do

Internacional em busca do título de bicampeão. “Todo brasileiro, ainda mais com a mesma paixão por um time, que se encontra em um país tão distante do nosso, se ajuda. Creio que encontraremos outros colorados lá, e poderemos nos apoiar e torcer juntos.”

As agências de turismo estão oferecendo pacotes de viagem pra Abu Dhabi, para que os gaúchos que quiserem viajar até lá para apoiar seu time possam ter mais conforto e tranqüilidade. Lauro Strazzabosco Dorneles, da Hot Media, uma empresa de tecnologia, conta como procedeu: “Comprei particular, sem pacote, por ter algu-ma experiência em viagens para o exterior e dominar línguas estran-geiras. Montamos mini grupos de 3 pessoas cada um deles. Compramos as passagens pela internet, em companhias aéreas de mercado, no nosso caso, KLM (Holanda).

Também, reservamos hotel triplo para cada mini grupo, com café da manhã.

Fizemos os vistos direto com empresas de Dubai, e conseguimos os ingressos no site da FIFA, tudo isso com cartão de crédito.” Dorne-les ainda forneceu uma regalia aos seus clientes: “Iremos, de quebra, ao show do Guns N’ Roses em Abu Dhabi dia 16. Conheceremos o par-que temático da Ferrari, e tudo foi comprado com cartão e via inter-net”. A data de saída é dia 11/12 e o retorno é dia 22 do mesmo mês. As passagens estão em torno de 3.500 reais, e o ingresso para dois

jogos será 150 reais.Bergmann, que também vibrou

com o Inter em 2006, demonstra ter bastante convicção da vitória do Internacional no próximo campeo-nato: “Estava na Goethe chorando e quase tendo um ataque do coração vendo a final contra o Barcelona pelo telão. Em muitas outras oca-siões, o Internacional sempre mos-trou muita força, ainda mais com a torcida ao lado. Por mais difícil que seja, acredito que o Internacional vai ganhar. Se não, ficarei triste, óbvio, mas ao mesmo tempo eu vou estar num dos lugares mais bonitos da modernidade e além de ver os dois jogos do Inter, vou po-der conhecer a cidade. Acho muito válido o conhecimento de outras culturas e costumes tão diferentes dos nossos.” Inter conquistou a Copa do Mundo de Clubes da FIFA em 17 de dezembro de 2006, contra o time espanhol Barcelona.

Reprodução

Estreia do colorado será dia 14, na futurista Abu Dhabi, nos Emirados Árabes

D’Alessandro é a aposta do time

Por Brunna Weissheimer Em um dos campeonatos brasi-

leiros mais disputados dos últimos anos, o Fluminense fez a melhor campanha e conquistou a taça. O clube foi o recordista na liderança, permanecendo 23 rodadas na pon-ta. No entanto, no decorrer de 2010 três times tiveram chances reais de ser campeão até a última rodada. A disputa entre Fluminense, Co-rinthians e Cruzeiro proporcionou mais emoção à era dos pontos corridos.

Apenas o Flu dependia exclu-sivamente do seu resultado, uma vitória simples, para levar o título após 38 rodadas. Tanto o time pau-lista quanto o mineiro precisavam de uma combinação de resultados, ou seja, necessitavam ganhar seus jogos e ainda torcer pelo insucesso dos concorrentes. O Cruzeiro até venceu o jogo contra o Palmeiras, na Arena do Jacaré, por 2 a 1, e ficou com o vice-campeonato. No Serra Dourada, o Corinthians não

cumpriu seu papel e apenas empa-tou em 1 a 1 com o Goiás e terá que jogar a pré-Libertadores.

Emerson fez o gol da vitória do Fluminense sobre o Guarani no En-genhão, na última rodada dia 5 de dezembro, e acabou com o jejum de 26 anos sem títulos do Brasileirão para o tricolor das Laranjeiras. O meia argentino Conca, que jogou todos os 38 jogos do campeonato, foi destaque pelo seu desempenho e figura sempre nas listas de melho-res jogadores do campeonato.

Outro importante personagem no triunfo tricolor foi Muricy Ra-malho. O técnico recusou o convite de treinar a Seleção brasileira para continuar o trabalho no clube ca-rioca, e foi recompensado com seu tetracampeonato nacional em cinco anos. Vale lembrar que o Flumi-nense quase foi rebaixado no ano passado. Com chances mínimas, escapou apenas na última rodada. Este ano, o clube projetou uma as-censão histórica que culminou com o título brasileiro.

Muricy comandou o tricolor carioca

Fluminense é o campeão brasileiro

Por Brunna Weissheimer O G3 acabou virando realmente

G4. O Independiente conquistou a Copa Sul-Americana e garantiu a vaga do Grêmio na pré-Liber-tadores de 2011. O rival gaúcho Internacional já está classificado, por ser o atual campeão, junto com o Santos, que ganhou a Copa do Brasil de 2010, mais Fluminense, Cruzeiro e Corinthians, que forma-vam o até então G3 do Brasileirão. Se o Goiás conseguisse vencer sua primeira competição internacional, tiraria a vaga do quarto colocado no campeonato nacional, ou seja, o lugar do Grêmio.

Depois de perder na semifinal da Copa do Brasil para o próprio Santos e para o Goiás na Sul-Americana ainda na fase de chaves, o Grêmio perdeu a confiança e amargou a zona do rebaixamento no Campeonato Brasileiro. Com a chegada do ídolo Renato Gaúcho, agora como técnico, o time prota-gonizou uma arrancada impressio-nante, com 72% de aproveitamento no segundo turno, 10% a mais do

que o campeão Flu.A final entre Independiente e

Goiás foi dramática. O time esme-raldino tinha a vantagem feita no Serra Dourada: dois a zero. Mas os argentinos conseguiram reverter para 3 a 1 no Estádio Libertadores da América, em Avellaneda, região metropolitana de Buenos Aires. A partida foi para a prorrogação, mas só se decidiu nos pênaltis, na madrugada desta quinta-feira, 9 de dezembro, com a vitória dos argentinos por 5 a 3. O sofrimento da torcida gremista terminou em foguetes na capital e no interior.

Para voltarem à Libertadores, os tricolores gaúchos não precisaram torcer para um time de vermelho, camiseta tradicional do Rei das Copas, como é conhecido o Inde-pendiente, por ter vencido sete Libertadores e outros dez títulos internacionais. O time jogou de azul marinho, sua primeira camiseta de 1905. Grêmio e Corinthians dispu-tam a chamada pré-Libertadores, uma fase eliminatória. O tricolor já conhece seu adversário: o Liverpo-ol, do Uruguai, em janeiro.

Grêmio na Libertadores

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10 Porto Alegre, novembro/dezembro 2010hiperextot

Cultura

Por Rafael Marantes

Nascido em Buenos Aires, Ar-gentina, em 19 de janeiro de 1952, Néstor Monasterio teve que fugir de seu país aos 25 anos por causa da ditadura no seu país. O ator e diretor veio para o Brasil, onde se casou e teve três filhos. O avô da Virgínia e do Joaquim estudou um pouco de engenharia, sociologia e teatro. Ele é um dos responsáveis pelo êxito Homens de Perto e Homens de Perto 2, que voltará a cartaz em 2011, após grande sucesso nesse ano. Monasterio, que já diri-giu mais de 30 espetáculos, fala que existe público para vários tipos de peças teatrais, “é preciso achar o seu público”. Nessa entrevista, o diretor também critica a falta de teatros em bairros de Porto Alegre, a maioria é na área central, e reclama da cons-trução dos palcos de concreto em vez de tablado de madeira.

Como é a produção teatral no estado?

Como eu vejo? Vejo muito pou-co, eu trabalho demais. Em linhas gerais, teve uma mudança drástica nas décadas de 60, 70. Tinha um tipo de produção. Primeiro os grupo que trabalhavam nas décadas de 70, 80 tinham um objetivo como artis-tas e um inimigo comum. Ou seja, pequenas revoluções para realizar. Depois de 1984, 85 começam a ficar meio perdidos, mas ainda fica uma boa produção de trabalho. Quando aparecem as leis de incentivo, de alguma maneira alguém te diz que “qualquer um pode montar seu es-petáculo e tu és livre pra fazer o que quiser”. Isso é uma tragédia! Tem um grupo argentino, do compositor Johann Sabatian Mastropiero que diz que sempre compôs mediocri-dades, quando por encomenda. Ao estar livre para compor o que quisesse, nunca compôs uma nota sequer. Ou seja, às vezes, a liberda-de total, como se tem agora, para criar, é muito relativa. Com as leis de incenti-vo, tu passas por um duplo filtro. Primeiro, pelas comissões que escolhem se tu tens direito ao incentivo ou não. Depois, tu vais para o filtro das empresas. Então, tu acabas sendo um animal muito domesticado. E outra coisa, a gente tem uma série

de projetos para realizar espetá-culos. Acabam financiando a inte-gridade do espetáculo. A maioria

deixou de se preocupar com o público, se p r e o c u p a m apenas com a pastinha. En-tão, tu fazes uma boa pasta, uma boa defe-sa do teu pro-jeto. Monta, faz duas, três apresentações de compromis-

so e já está tudo pago. Pronto, tu não tens mais interesse pelo público. Claro que não é tudo assim, mas

isso basicamente deixa um buraco. Por outro lado, começam a aparecer outros grupos profissionais que dependem do público e passam a ser rotulados como comerciais. Mas, qualquer coisa que possa ser vendida é comercial.

O que o senhor acha das escolas de teatro aqui de Porto Alegre?

A maior instituição de ensino de teatro que a gente tem é o De-partamento de Artes Dramáticas (DAD) da UFRGS. E não é muito bom, porque as pessoas que ensi-nam são muito acadêmicas, tiveram pouco contato com o público, com a prática mesmo. Então, a primeira coisa que ensinam é tudo o que tu não podes fazer! Quero dizer, eles

já começam atando as mãos dos jovens. Depois, claro, temos outras escolas, formada por gente do meio. O Teatro Escola de Porto Alegre (Tepa) é muito bom. São atores que ensinam como atuar. Tem outras es-colas também muito boas, cada uma com sua maneira de ensinar, mas todas com um objetivo parecido.

Muita gente sai do Rio Grande do Sul para Rio e São Paulo, buscando emprego. Existe mercado gaúcho?

Tem uma história que eu sem-pre conto. Uma vez o dono de uma empresa mandou dois sapateiros para a África. Um tempo depois, um deles ligou e dizia ‘chefe, isso aqui é horrível, ninguém usa sa-patos!’ Logo depois, ligou o outro:

‘chefe, isso aqui é uma maravilha! Ninguém tem sapatos!’ Quero dizer é tudo ponto de vista, jeito de ver a situação. Todo mundo quer ir pra Globo. Ah, a Globo! Então temos 500 pessoas saindo do estado, mais 1000 saindo de Santa Catarina, mais 2000 do Paraná, mais 5000 de São Paulo, todo mundo querendo emprego na Globo. Essa gente toda passa por um grande funil. Só uns três ou quatro conseguem entrar na Malhação. E os outros? Se a pessoa entrou por ser bonita, ela não pare-cer mais tão bonita, ela estará fora. Enquanto isso, o Paulinho Mixaria enche teatros. “Mas, o Paulinho Mixaria?” Sim, porque ele faz o que o público quer ver. Ele achou seu público e faz sucesso.

Em Dois Irmãos, tem um grupo de teatro que fala com o sotaque alemão da região, faz peças sobre coisas de alemão e é um tremendo sucesso! A gente não pode dizer que eles nãos são bem-sucedidos só por-que aqui não ouvimos falar deles. Lá, todo mundo sabe quem eles são. Então, tem espaço para todo mundo aqui, é só cada um achar seu público e não querer fazer peças de autores famosas que o grande público não entende porque não adquiriu esse tipo de conhecimento.

Quanto aos espaços, os tea-tros existentes são adequados?

Horríveis. Temos bons teatros como São Pedro, Bourbon, do Sesi. O que falta são mais espaços públi-cos nos bairros mais distantes. Uma vez, no final de uma apresentação de “Homens de Perto”, veio um casal e nos cumprimentou apressados, disseram que tinham que ir logo porque já ia sair o último ônibus para a Restinga. Isso nos emocio-nou e nos deixou pensando, por que não tem um teatro na Restinga? Te-mos bons espaços públicos como o Renascença, mas todos estão muito centralizados. Tem que haver uma descentralização dos teatros. É uma tragédia a centralização. Quando constroem um teatro novo chamam um arquiteto, o que é outra tragé-dia! Eles criam palco com todas as dimensões erradas e ainda fazem os palcos de concreto. Quero dizer, tu já tentaste dançar no concreto? Sapatear no concreto? Cair no concreto? Tablado existe há 2000 anos e eles ainda não descobriram! O próprio Renascença tem o palco de concreto, mas a gente depois de muita briga conseguiu colocar um tablado de 10 centímetros de ma-deira em cima. Esse é o problema, temos que descentralizar os palcos e não fazê-los em concreto.

Faltam bons palcos e teatros nos bairrosENTREVISTA / NÉSTOR MONASTERIO

“Quando constroem um teatro novo

chamam um arquiteto, o que é outra tragédia! Eles criam palco com

todas as dimensões erradas e ainda fazem os palcos de concreto”.

Diretor de teatro comentou sobre a precariedade dos locais para performances na cidade

Samuel Maciel/ Hiper

Page 11: Hipertexto Novembro/Dezembro 2010

cultura

11Porto Alegre, novembro/dezembro 2010 hiperextot

Jaíne de Almeida Martins/ JM

Por Marja Camargo

PORTO ALEGRE ESPEROU 17 ANOS por sua chance de ver Sir Paul McCartney se apresentar. Em 1993, Curitiba e Rio de Janeiro receberam o ex-beatle em apresentações que lotaram estádios. Depois de muitos boatos sobre o show em solo gaúcho, seguidos de um frenesi pela compra dos ingressos, o dia finalmente chegou. Dia 7 de novembro ficará marcado na memória das mais de 50 mil pessoas que assistiram àquele espetáculo.

Em uma época na qual os hits surgem e somem com incrível rapidez, existe algo de mágico no fato de um artista reunir três gerações que aguardavam para vê-lo e ouvi-lo com o mesmo entusiasmo. Se alguém ali presente não compreendia a beatlemania até então, passou a entender a sua força quando o coro acompanhou o ídolo em All My Loving, a primeira música dos Fab Four incluída no setlist. Com 68 anos de idade e quase 50 de carreira, a energia de Paul é a mesma da

época dos Beatles. Ele canta e toca com aquele entusiasmo jovial dos primeiros shows do quarteto de Liverpool durante as quase três horas de apresentação. E ninguém queria que acabasse.

Além do repertório bem escolhido, que procurou incluir as várias etapas da trajetória de Macca, a simpatia do músico foi outro ponto forte. Não que o público precisasse de mais do que a presença do ídolo para ficar extasiada. No entanto, Paul fez mais. Interagiu nos momentos apropriados, brincou com a plateia e com a banda – afinadíssima após quase uma década tocando junto com ele.

Uma hora e meia antes de subir ao palco, o ex-você-sabe-o-quê pediu que lhe ensinassem algumas expres-sões em português. Até ousou falar algumas frases mais complexas, como quando dedicou a composição My Love à sua falecida esposa e companheira de Wings, Linda. Os momentos mais emocionantes, contudo, ficaram por conta das homenagens a John Lennon e

George Harrison. Lennon foi lembrado com Here Today, escrita por Paul logo após a morte do amigo e também com Give Peace a Chance. Essa última foi acompanhada pelo forte coral dos fãs, em uma bela prova de que, ao contrário do que os ídolos declararam, o sonho não acabou. Para o tributo a George, a música escolhida foi Something, que fez Macca trocar o baixo e o piano pelo ukelele na introdução. Ao longo daqueles três minutos, o telão mostrou imagens do grupo que transformou aqueles quatro talentosos rapazes em fenômenos da cultura pop.

O final foi apoteótico, com direito a fogos de artifício durante Live and Let Die e ao astro prontamente ecoando os gritos de “Ah, eu sou gaúcho!” que vieram dos espectadores. Com um “Obri-gado, Porto Alegre! Até a próxima,” ele se despediu. Ficou a certeza de que aqueles momentos entrariam para história de vida de todos que tiveram a oportuni-dade de ver e ouvir pessoalmente o mais importante artista em atividade.

Paul McCartney esbanja simpatia em show histórico

Por Rafael Marantes

NO ANO DE 1891, Frank We-dekind escandalizou a sociedade alemã ao escrever a peça “O Des-pertar da Primavera”. Polêmica, ousada, provocadora, a obra-prima mantém até hoje um frescor admi-rável, no brilhantismo dos diálogos e nas fortes emoções das cenas.

A peça, já transformada em premiado musical de rock da Bro-adway, foi remontada recentemente pela terceira vez pelo diretor gaúcho Zé Adão Barbosa. “É um texto vivo que marcou época e com questões atualizáveis”, disse Francisco dos Santos Gick, assistente de direção e ator. O enfoque do espetáculo é o universo de um grupo de adoles-centes que desmascara seus medos, angústias e principalmente a desco-berta de sua sexualidade.

O projeto, que foi a primeira peça da escola,teve 16 atores, a maioria iniciantes no teatro profis-sional. O grande destaque da peça foi o iniciante Guilherme Zanella que, como Moritz, supera a expec-

tativa que se tem em relação ao ator inexperiente e atinge o espectador, com sua angústia e melancolia.

Os figurinos cuidadosos e a atuação do grupo levaram o pú-blico a lotar os teatros São Pedro e Renascença, no final de outubro e inicio de novembro, para problemá-ticas sociais de 1891 e motivadoras de dramas ainda atuais. Suicídio, gravidez na adolescência, aborto fatal, a masturbação, o homosse-xualismo, a relação familiar e a escola formam as cenas que pren-deram a platéia nas duas horas do espetáculo.

O Despertar da Primavera foi o resultado do projeto “Montagem teatral Avançada” da Casa de Tea-tro, escola de atuação de Zé Adão. Diferente da montagem musical, que já teve uma versão brasileira, o diretor gaúcho não mexeu na construção dos personagens jovens, deixando o expressionismo de Frank Wedekind apenas para os persona-gens adultos. Natália Karam, que fez a protagonista Wendla, diz que a Casa de Teatro “é um ambiente

muito bom para Porto Alegre. Zé Adão e Jeffie juntaram em um único lugar várias formas de cultura. E tem o café, muito frequentado por pessoas do ramo artístico”. O ator Guilherme Zanella completa que “no café, justamente por ser cheio de ar-tistas, a gente sempre ‘corre o risco’ de conseguir um emprego na área”.

Casa de TeatroA Casa de Teatro foi fundada

em março de 2010, pelos atores Zé Adão Barbosa e Jeffie Lopes, junto com o empresário Everson Karnopp, responsável pelo Café Bertoldo, que fica na casa. Os sócios pretendiam criar um espaço de ensino das artes cênicas, com um bar e café que proporcionasse a reunião e a confraternização da classe artística de todas as áreas (música, dança, cinema, artes plásticas e literatura). A escola oferece cursos para todas as idades, com aulas de atuação teatral, para TV e cinema, além de workshops de dança, musical, cria-ção de quadrinhos, para direção de teatro intensivos de verão.

O despertar da primavera

Casa de Teatro abriga montagem de Frank Wedekind

Ex-Beatle tocou por três horas para os milhares de fãs que foram ao estádio Beira-Rio

Prédio no Bom Fim abriga o Café Bertoldo e a Casa de Teatro

Fã mostra o ingresso para assistir ao ex-Beatle

Roberto Stone Poitevin/ JM

Page 12: Hipertexto Novembro/Dezembro 2010

Porto Alegre, novembro/dezembro 201012 ponto final hipertexto

Puros pregam vida sem sexo

CrônicaPor Idiana Tomazelli

O ESPELHO é considerado um aliado da beleza feminina, mas também pode repre-sentar um inimigo mortal. Não é novidade que há muito os padrões atuais escantearam os quilinhos a mais em troca de mulheres magras e de corpos desenhados. O problema, contudo, não reside nessa preferência.

Enquanto há cerca de 300 milhões de obesos no mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), outras tantas pessoas sofrem do mal contrário. Para elas, a magreza se torna obsessão, e seus corpos viram instrumento de uma experiência cruel: privações de comida, vômitos forçados e rotina de exercícios mais intensa do que o normal.

Os transtornos alimentares mais comuns são a bulimia e a anorexia. A primeira

atinge de 3 a 7% da população mundial – é difícil estabelecer esse índice, uma vez que comumente a doença não é reconhecida por quem a tem. Já a anorexia é mais grave: a taxa de mortalidade varia entre 15 e 20% – a maioria por ataque cardíaco.

É preciso, no entanto, estar consciente de que esses distúrbios também carregam um fator psicológico muito forte. Anoréxicos e bulímicos frequentemente têm a imagem distorcida de si mesmos – se acham gordos, acima do peso, ainda que pesem menos de 50 kg. Além disso, muitos têm tendências suici-das, devido à associação desses transtornos com a depressão e a baixa autoestima. Para essas pessoas, a doença não é considerada dessa forma, mas sim um estilo de vida.

Na Inglaterra, um estudo indica que as internações causadas por essas doenças aumentaram 80% nos últimos dez anos,

atingindo cada vez mais crianças e pré-adolescentes. Meninas de 3 a 6 anos, atual-mente, já se preocupam em manter a forma e se inspiram em modelos e atrizes para evitar o engorde.

Talvez poucos tenham se dado conta, mas temos uma questão latente de saúde pública, uma problemática social. No Brasil, não é um tema que paute discussões relevantes, tampouco integra as conversas em círculo familiar. Atrevo-me a dizer até que virou um tabu, ignorado pelas pessoas que prova-velmente pensam ser imunes ao problema.

Mais frequente em meninas, anorexia e bulimia andam de mãos dadas com uma mente doentia pela magreza. Na Internet, comunidades em redes sociais estimulam as práticas de low food (pouca comida) e no food (nenhuma comida, privação total), numa espécie de competição onde cada dia

a mais significa uma vitória. Pulseiras ver-melhas e roxas para identificar as “irmãs de causa”, colocadas na mão dominante para lembrar a “mensagem” nos momentos de fraqueza e desespero – ao abrir a porta da ge-ladeira com essa mão, por exemplo, a menina desistiria de comer quando visse o adereço.

Aos pais, todo cuidado se faz necessário, visto que o desejo por esse estilo de vida também leva os que sofrem desse distúrbio a mentir, enganar, esconder pratos de comida. Evitar se sentar à mesa em horários comuns de refeição é só um dos indicativos. Psicólogos e nutricionistas vêm indicando em artigos, em revistas e na Internet os riscos e os sintomas. Artistas internacionalmente reconhecidos e que venceram a doença se engajam em cam-panhas contra anorexia e bulimia. É preciso se informar. Infelizmente, essas doenças po-dem estar bem debaixo de nosso nariz.

Fome por opção

Por Ian Linck

O emocore ficou para trás. A nova mo-dinha que todos adoram odiar é o chamado happy rock, ou seja, rock feliz, uma espécie de mutação, uma versão mais alegre do emo. Bandas como Hori, Cine e Restart são responsáveis por essa nova onda de rock leve e inofensivo, além de alavancar as vendas de calças jeans coloridas e de óculos retrô por todo o Brasil. Os lojistas agradecem.

O visual espalhafatoso, de fato, é a pri-meira coisa que chama atenção nessas ban-das. Cabelinhos alisados e espevitados, brinco na orelha, calças jeans apertadas e tênis de skatista são herança do movimento emocore, se é que podemos chamá-lo de movimento. A diferença são as cores berrantes e alegres, que se refletem na parte musical, com refrões pegajosos, melodias simples e letras alegres, bobas e pobres de conteúdo, que geralmente falam de festinhas e relacionamentos amoro-sos para um público de classe média. Rebel-des na medida certa, sem ofender ninguém.

Como boa parte dos fenômenos adoles-centes que já conhecemos, a receita para o sucesso é apostar no visual e não tanto no conteúdo. Afinal de contas, o público-alvo é composto de maneira geral por garotas de 11 a 16 anos frequentadoras de shoppings, um público que, salvo exceções, não é assim tão exigente na parte lírica. Mas vamos dar um desconto a esses rapazes. Eles têm cerca de 18 anos de idade e uma carreira longa pela frente. Ou seja, têm muito o que amadurecer ainda.

Meu palpite para o futuro deles? Das duas uma: ou eles irão crescer, amadure-cer, criar vergonha na cara e passar a fazer música para adultos, ou vão desaparecer daqui a alguns anos, substituídos por outro fenômeno pop e serão lembrados com um certo constrangimento pelas suas fãs, depois que elas crescerem. Já vimos isso acontecer com Menudo, boy bands, RBD, entre outros tantos. Portanto, você, garotinha de 11 a 16 anos que hoje se veste como um arcoíris e frequenta shows dessas bandas: pense bem antes de fazer aquela tatuagem da família Restart, viu? Vai por mim.

Felizes até demais O novo rock despojou-se da rebeldia:

agora é bem-comportado e colorido

Bruno Todeschini/ Hiper