hermenêutica do cotidiano - ma odila leite

Upload: rodrigo-queiroz

Post on 29-Oct-2015

58 views

Category:

Documents


1 download

TRANSCRIPT

  • TRABALHOS ;dai,MEMORIA

    11

    ~ -

    ~H,.~I

  • HERMENUTICA DO QUOTIDIANONA mSTORIOGRAFIA CONTEMPORNEA.

    Resumo

    Esteensaioabordaaspossibilidadesdahermenuticadecriticaro processo.depolitizaodocotidianoe dedocumentar

    necessidadessociaisforadeparmetrosobjetivistas.Trata-sedeenfatizara crticadocotidianosobumvispolmico,naculturacontemporneae osnovos

    caminhosmetodolgicasqueabre,quandopostaemdilogocomo historismo,oneomarxismoe a desconstruofilosficaparapesquisartemasrelativosao informal,

    sdiferenas, especificidadehistrica.

    Palavras-chave

    Quotidiano;hermenutica;historismo;

    neomarxismo;desconstruofilosfica.

    MariaOdilaSilvaDia/'

    Abstract

    This is an essayon thecritical role of

    hermeneuticsin contemporaryculture and

    its methologicalpossibilitiesfor

    documentingthepolitics and social

    necessities01ever)'daylife. Througha

    dialogue with historical relativism,neomarxismand continentaldeconstruction

    philosophythis essa)'emphasisesthe

    polemical confrontationbetweenthe

    historically Imiqueand scientijicand

    technologicalknowledge.

    Keywords

    Daily life; hermenewics;historical

    relativism;neomarxism;philosophicdeconstruction.

    Agradeo a Paulo Teixeira lumalti, autor de Didrios Polticos de Caio Prado Jnior: /945 (So Paulo,Brasiliensc, 1998),pela cuidadosarevisodestetexto.

    .. Professora do Programa de Estudos Ps-Graduados em Histria da PUC-SP e Professora Titular Aposentadado Depanamentode Histria da FFLCH da USP.

    Proj. Histria, So Pall/o, (/7), no~~/998 223

  • A hermenutica afilosofiadonossomundo,noqualo serseapresenra.fObaformadoenfraquecimenll1oudadiuoluo.A te.fe"noexistem

    fallJ.f,.fOmenteinterpretaes"temum.fentidoredulivodeperdadarealidade,que umapeloe.fsencialparaa hermenutica.

    Gianni Vattimo

    A sociedade transparente

    a que O.fconceill1s,as sen.wlies,asfun(ies .fe tomam indecidveis,ao

    me.fmotempoque a filo.fOfia, a arte e a cincia, indi.fcernveis,comose

    partilha.f.fema me.fma.WJmbra,que .fee.ftendeatral's de sua naturezadiferentee no cessa de acompUlIIu-/os.

    Gilles Deleuze e Felix Guattari

    O que a filosofia?

    o estudodocotidianoabarcaumafrenteampladereasmultidisciplinareseenvolveumaestratgiadequestionamentose decrticadacultura.Atualmente,representanashumanidadesumaconflunciaimportantede perspectivastransdisciplinaresdo co-nhecimentocontemporneo.A nfasenahistoricidadee nadiferenasoparmetrosbsicosa partirdosquaisos estudiososvmprocedendoa umaamplarevisodossistemasexplicativosabstratosnascinciashumanas.

    Trata-sedeumaposturaimpertinentededemandadosfundamentosepistemolgicosdo conhecimento,dascinciase da tecnologiano sentidodeconstatarum trusmo- odequepoucotmavercomasobrevivnciadossereshumanosnavidadetodoodia.Essequestionardeexplicaesintelectualistas,desistemastericos,dosfundamentosepistemolgicosdo conhecimentonareadashumanidades,quese reafirmahoje,quandoantevemoso sculoXXI, nascedeumainquietaosalutar,nosentidodecobrardeleso quetrazemparaa vidaconcretadesereshumanosemsociedade.

    Ao seentrecruzarem,asreasdesaberaprofundaramassuaspossibilidadesdeindagarosfundamentosdoconhecimentonascinciashumanas:sistemasdeexplicaoracionalizantes,voltadosparao estudodemacroestruturas,apartirdeDurkheimeWe-ber,reforadospelainflunciadeummarxismodogmatizantepassaramaserrcpensndos,desdeadcadade60dosculoXX, porautorescomoJacquesDerrida,MichclFoucuult,ClaudeLefort,JrgenHabermas,GianniVattimo,RichardRorty,FelixGuattarieGillesDeleuze,que,namedidadoseuescrutnio,abriramnovoscaminhosnacontracorrentedosgrandessistemasdeexplicaodalinguagemedopensamento.'A preocupaode

    ThomasKuhnaodemonstrarquealgumasrevoluescientficasseinseremdentrodecertosparadigmas

    224 Proj. Histria, So Paulo, (17), novo1998

    ".1!.!t'~'~l

    elaboraro sentidoderupturas,fissuras,diferenas,possibilidadesdenovosmodosde

    ser,apropsito,recrudesceuointeressenumaperspectivadeconhecimentopropriamentehistorista,distanciadadosconceitosdascinciasexatas.NodizerdeGilIesDeleuze:

    H noesexataspor natureza,quantitativas,equacionais,e que nllo t~msentidoseno

    por suaexatido:estas,um filsofoou um escritors podeutiliz-Iaspor metfora,o que muito ruim por que elas pertencems cinciasexatas.Mas h tambmnoesfunda-mentalmenteinexatase, no entanto,absolutamenterigorosas,dasquais os cientistasno

    podemprescindir.}

    A filosofiadascincias,devassandoimplicaesideolgicasdoconfrontodaso-

    ciedadecomsistemasdepensamentoabstrato,maissensvelstemporalidadeshistri-cas,tambmabriuumanovavertentevoltadaparao estudodahistoricidadedopen-

    same!1tocientfico.Osestudiososdesvendaramrelatividadeserupturasnoprocessodeinvenode certosparadigmas,aprofundaramquestesrelativasa problemas

    epistemolgicosdosmtodosempregadospeloscientistaserelacionaramacoexistnciadediferentessistemaslgicoscomastransformaesdasconjunturasdepocaemque

    surgiram.)Elaboraramassimumvispolmico.o qualtemdivididoospensadoresnasuniversidades,estabelecendocamposirredutveisdepesquisaquetendema dialogarcadavezmenosentresi.ParaRichardRorty,a filosofiaanalticae osqueprocuram

    explicaescientficas,deumlado,e osqueduvidamdapossibilidadedechegaraidiasfundadorasou certezascientficas,deoutro,somananciaisqueconvivemna

    pluralidadedopensamentoatual.A tendnciaantipositivistadopensamentonasceunaAlemanha,emfinsdosculo

    passado,abrindotrilhasnovasdepesquisaparaashumanidades,namedidaemquesevoltoucontraaspectosabstratos,fundantesdocientificismo,daepistemologiaedopen-samentometafsicodossculosXVII eXVIII. SeusinSlrumentosbsicosdeindagao

    quenrmIrlltl1lC"podem '1'1 lugicIUlK'UIC' vCl1Hnulol. Inllollu/hl nu hllll'l&u tln~ (.'\l'lIdl'" ti rkllll'ntll 1111I""nlln.n"r 1111,rtorlen VIIIII",,,, GIIIIII1\ /IIr rlll/ "1"",,lr""1I 111I11I111\"~,),,11111""I'~III. 11111',",IIYI'res!, 19'.12,117

    Delcuze, G. e Guallari, F. CIIIIVtr.,,,..IJe.

  • ,o'

    ~'!~'. ",i

    partiam do conceito do relativismocultural,da historicidadedo conhecimentoe da""

    revisodasidiasdetempo,temporalidadee durao.4 ' .'Nas primeirasdcadasdo sculoXX, as possibilidadesiconoclastasda posturado

    historismorecrudesceramcom o movimentomodernista,mostrando-secada vez mais "j~!:.::.promissoras. '.

    O enfoquehistoristaganhouumnovoalentoaosevoltarparaaimbricaotransdis-i'.ciplinardascinciashumanas.A Histria,quesurgiracomodisciplinadestinadaare-forar projetosculturaishegemnicos- da igreja,do Estado-nao- viria a serumdosprincipaisesteiosdasfrentescrticasdopensamentocontemporneo.O relativismo,aodocumentarasdiversidadeshistricas,nuanouastemporalidadesdasculturas,a his-toricidadedo conhecimento,necessariamenteconcretoe apropriadoparadocumentardiferenas,tornando-seumdoseixoscentraisdacrticadaculturacontempornea:his-torismo,neomarxismo,desconstruofilosficae certascorrentesdafilosofiadalin-guagemconstituramfontesimportantesdoprocessodedevassamentodo cotidianoede interpretaodaculturanomundoatual.

    O adventodamodernidadeassinalourupturanoscostumese nosvaloresviven-ciadospelossujeitoshistricos.O conceitodocotidiano,sobeSseprismaespecfico,pareceimplicarcontradiocomo prpriotermoqueindica,deimediato,paramuitos,umaidiaderotina,de Jazer,defatosencadeadosnumplanodecontinuidade,campodnncccssidndl'c darcpetillo,:\rcareservadaaoconsumo,culturadominante.Entre-tanto,plU" "IRunspl'nsndorl'sdenossaconlemporancidade,o conceitosugere,antes,IIImJanc;a,rupllllUS,thssoluC;110til-culturas,possihilidadesdenovosmodosde ser,Gianni

    VnllilllUilll'nlilkunulIIundol'onlcmporllneuumprocessoIIInplodecontaminallopelcullurnocidC'nlul.MaislIo qUl'urnargidaorgnni/aotecnoJgicamundialnosdepara.moscumurnaimensaconstruoderunase vestgios.P:u:aelea hermenuticaquebuscao desocultamentodasdiferenase deculturas,asquaisteriamdesertraduzidasumasparaasoutras,temumanovatarefanacontemporaneidade.Emvezdeparticipardofimdomundodametafsica,tema missodeinterpretaro processocontemporneodedissoluodosseresedasparticularidadesculturais.sO convviounscomosoutros

    deremanescentesdeoutrosmodosdevidaemmeioa umprocessotecnolgicoavas-saladordere-europeizaodo mundodeixaaosantroplogose historiadoreso desafio

    4 Holanda.S, B,de,R//IIke,SiloPaulo,lica,1979,44-5;Iggers,G,G, TheGmllat,c/lllcepliollofHi.flory.Middlctown,Conn"WeslcyanUniverityPress,1968,

    Vnttimo, G. The Tr/JIupart!nl Sociely. Cambridge, Polily Press, 1992, 115ss.

    226 Proj. Histria, So Paulo, (17), nov. 1998

    deinterpretarindciosqueficaramdemanifestaesdevidae sociabilidadeagoracon-taminadas.Um recursoimportanteparaapreenderessesremanescentes concentrar

    atenonacoexistnciademltiplastemporalidades.Trata-sedeumaspectoimportantea serressaltado,poisdiz diretamenterespeito

    tendnciadoshistoriadoresdetrabalharcomumamultiplicidadedetemposhistricos,

    especialmentenumcontextoderpidatransformaocomooquetemosvivenciado:acrticadocotidiano,tantonoBrasilcomonoexterior,relaciona-seintimamentecomofenmenodeurbanizaoedemassificao,quetransformouassociedades,nosltimos

    quarentaanos.Essavertentedahistoriografiacontempornearedefiniusuaposturaperanteotempo

    linearinspirado.notempoabsolutodosmatemticosoudosfilsofosfenomenolgicos.Oshistoriadorespassarama abordardeprefernciaumapluralidadedeeixosdetem-

    poralizaesassimtricas.Os historiadoresdonossocotidianotrabalham,necessariamente,comumamulti-

    plicidadede temposcoexistentesnamesmaconjunturahistrica,naqualdiscernemduraessimultnease reconstituema imbricaodetemporalidadesplurais. essaumaabordagempromissoraparaa crticadoqueseconvencionouchamardeglobali-

    zaono mundoatuale tambmmuitoinstiganteno contextodo conhecimentode

    especificidadesdonossoPas,ondesesucedemregionalismoseconmicose culturaisemdescompassosdemltiplastemporalizaes.6

    QllOtidianoe crticadamodemidade

    110mUlldo da opillio pblica. dos mass media, do "polilesmo"

    webuiatw de uma organizao lcllica e porellcialmenreI/Jtal da exisrllcia,

    que se pode enc/mlrar unUl leori/, da ,'udade, no como correspondncia,

    nUlScomo inlerprelao. Uma larefa quea hermenulicaainda eSl por

    fazer a de I/ma arlicl/lao mai.rexplcila de.flenos.w desrino.do faI/J

    dela mesmaperlencer modemidade(mesmodefinida em lermos delIiilismo e de esquecimelllOdos seres).

    Gianni Vattimo

    A sociedadeIranspar/!lIIe

    6 Heidegger, M. L'lr/! elle lemps.Paris, Gallimard, 1964,33-5; Merleau-Ponty,M. FenomenologiadaPerupo, Silo Paulo, Martins Fontes, 1996; Koselleck, R. Fulures pasl. On lhe Semanlics of His-/tIrical Time, Cambridge, MIT Press, 1985; Ricoeur, P. Temps el rcil. Paris, Seuil, 1983, 3vols,;

    Nunes, B. O lempo na narralim, So Paulo, tica. 1995.

    Proj. Hislria, So Paulo, (17), nov. 1998227

  • Situa-se,porvoltade1960,naEuropa,o despertardaatenodospensadoresparaocampodoestudodocotidiano.JeanPaulSartre,MerleauPonty,HenryLefebvre,JeanBaudiiUard,PierreBourdieu,AgnesHeller,ClaudeLefort,JrgenHabermas,MichelFoucault,MikhailBakthine,GianniVattimo,GillesDeleuzeeFelixGuattarisoalgunsdentreospioneirosdahermenuticacontemporneadocotidiano.

    ParaHenriLefebvre(1972),cotidianoe modernidadeseconfundiamnumacrise

    agudadacultura,demodoquemalpodiamoshomensdistinguirentreo cotidianocomovidaoucomoproduodeformas.Segundoesseautor,aslinguagensdacivili-zaocontempornea(meiosdecomunicao,culturadeconsumo,cinema,informtica),manipuladaspelapublicidadeepelaculturademassa,passaramaconfundirsignificadoesignificante.Poroutrolado,o cotidiano,almdeumaproduodaculturademassa,eratambmdesejo,demodoquesepoderiaconceituarcomoocampoouespaomesmodeumapossvelrevoluocultural:"Apesardosesforosparainstitucionaliz-Io,ocotidianoescapa;suabaseseoculta,escapando influenciadasformas".7

    MicheldeCerteau,no livroA invenodocotidiano(1975),argumentouqueoimportantenoerapropriamenteoestudodarepressoedodisciplinamentodoquotidia-no,talcomoforaelaboradonaobradeMichelFoucault,maso esmiuardasprticasdesobrevivncia,queseconfiguravamcomofontesderesistncia,intercalando-secomo

    tticase subterfgiospossveisdeumcotidianoimprovisado,sempreemprocessodeserre-inventado.EmoposioalienaodohomemnaculturademassaevigilnciadopoderestudadaporFoucault,escolheucomoobjetodeestudo,justamente,aresistn-cia aodisciplinadorae massificadoradosmeiosdecomunicaodamassa.Nessasuaobra,o autorsepropsa exumarformassubreptcias,queassumiamcriatividadenasociedadecontempornea,dispersasemmil estratgiasdesobrevivncia,sempreatuantes,pormdifceisdeseremapreendidassobumaaparnciacadavezmaisho-mogneademassificao.K

    Ao estudarO sensoprtico(1980),PierreBourdieutambmenfatizouessabifur-caonecessriadeperspectivasparao estudodasrupturasdavidamoderna,emqueescrutinouaoposiodooralaoescrito,dotericoaoprtico.Nesselivro,oantroplogobuscouumcaminhoquepermitisseaoestudiosoumpontodeentroncamentoentreaanlisedasestruturasobjetivaseoestudodaexperinciadosagentessociais.Pormeio

    7 Lebtevn::.H. La vida quotidianaen el mundll mlldernll.Madri. Alianza . t984. 227. 221.

    8 Certeau.M. de. L' inventillndu qUlltidien.Paris. Union Gneraled'ditions. 1975.v. I. 14.

    228 Proj. Histria, So Paulo, (17), novo1998

    deumconhecimentoperspectivista,quistranscenderapolaridadequeopunhaumaooutrosujeitoe objeto.A certaalturadeseutexto,apelouparaanoodascorrelaes

    nalgicadalinguagemdeWittgenstein,queadmitianaprticadasregraslingsticas,comotambmnaprticadoscostumes,a possibilidadedainvenoedamudana,pormeiodetransformaesdoconsensodeumgrupocultural.9

    AgnesHeller,emseulivroSociologiadavidaquotidiana,fezumestudocrtico-filosficodaspossibilidadesdetransformaesnomundocomunista,confrontando-secomo fenmenodaalienaodoshomensnaculturacontempornea.Discerniudois

    plosirredutveisdopensamento,queaalienaodohomemmodernomanteriadistn-ciaumdooutroe queameaariama possibilidadederealizaodoshomensnavidadetododia:oconhecimentodefundo,quedizrespeitoaogenricodanaturezahumana,deumlado,e,deoutro,o conhecimenlocontingencialdasexperinciasvividas.No

    chegouemseulivroa vislumbrarsoluoparaestedrsticoimpassedaesferadoco-nhecimento,queentrevianassociedadescomunislasassimcomonomundoocidentaldecomunicaode massas:o deumabismoentreduasmaneirasdeapreensodomundonascinciashumanas,cujaresoluonologrousuperar."Noexisteumamu-ralhachinesaentreasobjetificaesgenricasemsi eparasi (enemsequerentreo

    homemparticulare o individual),tampoucoexisteumamuralhaentreasformasdeatividadee depensamentocotidiano,queatuamnosentidodo desenvolvimentodogenricoemsi e asquefundamentamasobjetivaesgenricasparast'. Ocupou-seemabrirperspectivasmultissistmicas,buscandomudanasdemtodoe deconcei-tuao,capazesdepropiciarnovoscaminhosdecompreensoparaosimpassesdaso-ciedadeno seuaspectocotidiano.Ao criticara ilustrao,opsconceitosgenricoscomoimperativocategrico,progressoe naturezahumanasprticasquotidianasdaburguesia,pormnochegouaalcanarummododeinterpretaodialticodessabre-chadeorigemcapitalistae metafsica.1O

    9 Bourdieu,P. Le .

  • Politizaodocotidiano

    o poder tinha pouca capacidade de "resoluo", como se diria em termos

    de fotografia; ele MO era capaz de praticar uma anlise individualizante e

    exaustivado corpo social. Ora, as mudanas econmicasdo sculo XVIII

    tornaram necessriofazer circular os efeitos do poder por canais cada vez

    mais sui;." chegandoat aos prprios indivduos, seus corpo.r,seus gestos

    cada um de seus desempenhoscotidianos.

    Michel Foucault

    Microfsica do poder

    Atualmente,aculturademassatemo campodocotidianocomofrenteestratgicade atuao.Signos,queeramantesda esferade autoridadesnormativascomoa da

    IgrejaoudoEstado,passarama serveiculadoscomintensidademaiorpelaculturadecomunicao.Osmeiosdecomunicaodifundirampadresnormativose valoresho-

    mogeneizadoresdavida,queacabaramincorporados vidadosconsumidoresdapu-blicidade,dateleviso,daimprensa.11

    Nessesentido quesepodedizerquevivemoshojeumsistemade dominaocadavezmaistotalizanteehegemnico.Impe-sedifusamente,a cadainstantedavida

    humana,enquantonossculosXVIII e sobretudonosculoXIX eracanalizadopelasinstituiesnacionais,instrumentosideolgicosda lutadosburguesespelopoder,de

    formamaisespaadae menosonipresente.12Os'burguesesquelutaramnaInglaterraenaFranapeloacessoli participaopoltica(direitodevoto,assentonoParlamento)

    contaramcomumamargemmaiorde autonomia,na medidaem queo processo

    hegemnico,aindanoseuvira ser,eramenoselaboradodoquehoje,certamentemaispolarizadoemfocosdeautoridadeoficial,amplamentereconhecidos.

    O normativoentoaindamal institucionalizadono Estado-naoconsistiaem

    parmetrosbemdelineados,pormmenosabrangentes,noseumododedisseminao

    e,nessesentidopreciso,demenoralcance,secomparadosaospadresdehomogenei-zaodaculturacontemporneademassas.

    11 BaudriUard,1.Lu societdeconsommatioll.Paris,DenoeJ,J970;BaudriIJard,Jean.A significaodapublicidade.10:Lima,L. C. (ed.)Teoriada culturademassa.Rio de Janeiro,Paz e Terra,1990,273;Habermas,1.Le discoursphilosophiquedeIa modemit.Paris,Gallimard,1988.

    12 Habermas,J. Mudanaestruturalda e.iferapblica.Rio deJaneiro,TempoBrasileiro,1984,60e 169;Babermas.1.COII/Iaissallceetintrt.Paris,Gallimard,1976,capo8. .

    230Proj. Histria, So Paulo, (/7), noVo/998

    "~~

    '"

    A hermenuticadocotidianonascinciashumanasparte,atualmente,deumenfo-

    quedecrticadaculturae dametafsicatradicional,queconsistenoesforodetrans-cenderdualidadescomosujeito-objeto,natureza-cultura,concreto-abstrato.Essa umatarefaqueseimpeaosfilsofos,tantoquantoaoshistoriadoresdocotidiano.

    As histriassociale daculturaseconstituramtendocomobasejustamenteessas

    dualidades,hajavistaa influnciadeDurkheim,(deMauss)e deWebersobreo grupodosAnnales,umdosfulcrosprincipaisdeproduodahistoriografiasocialedacultura.

    De certaforma, precisotersempreemmentequeo prprioconceitodo cotidiano

    tambmtemsuaprpriahistoricidadee,senomundocontemporneoganhouumsentidoestratgicodehomogeneizaodoscostumesehbitos,precisamenteporquepassou.a ocuparo planoideolgico,que,tinhamnosculopassado,asinstituiesnacionais,entoreaestratgicade atuaode umpoderporconstruir,queseconsolidavaeinstitua.

    Nonosreferimosaostrabalhosdehistriadaculturadecunhomaisconservador,

    quetmumacessodiretoeaomesmotempobastanteambguojuntoaograndepblico.Existeumahistriadocotidianoinfelizmenteatmaisvisveldoquea correntecrtica

    aquiabordada,quevemrepetindochavese esteretiposdo passadoapresentadosaopblicocomomercadoriafolclorizadae vendvel.Osprotagonistasdessavertentede

    pesquisa,queadquiriramprestgioemmeioscinciashumanaseaopblicoleitordaatualidade,notmcompromissocomumescrutniocrticodaculturacontempornea.A mercantilizaodessegnerohistoriogrficoumadasexplicaesparaapersistncia

    decertaslinhasdapesquisadahistriaculturale docotidiano,asquaisreforamasrepresentaese osesteretiposdaculturadominante.

    Nacontra-modessatendnciapoucoinovadora,vemseelaborandoumavertente

    devanguarda,polmicae engajada,queestudao cotidianoproblematizandoconceitos

    herdadosdopensamentotraticionalemostrandoo impasseemqueseencontram.Nessesentidovemtrabalhandote.eseconflitosqueclamamporumahermenuticaradical:

    a politizaodoprivado,d relaesdegnero,deumapluralidadedesujeitose dediferentesprocessoshistriosdeconstruodassubjetividades. esseumcaminhobastante"fecundo,quetorno visvela historicidadedevaloresconsideradosestanques

    comonaturezae cultura,p blicoe privado,sujeitoe objeto,razo,emoes,paixes,

    dualidadesquetmporce o suahistoricidade,a qual,porm,o pensamentocontem-

    porneovemprocurandotr nscender.A hermenuticadocotidianodependeemgrande

    partedessedesafiodateori doconhecimento,poispressupeformasdeapreensoda

    Proj. Histria, So Paulo, (171.nov./998 23/

  • experinciadevidaemsociedade,ques ganhamsentidocoma dissoluodessasdualidades.

    Ao documentara inserodossujeitoshistricosnoconjuntodasrelaesdepoder,

    essavertentedepesquisacontribuiparahistoricizaresteretiposedesmistific-Ios,poisatravsdoesmiuardasmediaessociais,podetrabalhara inserodesujeitoshistri-

    cosconcretos,homensou mulheres,no contextomaisamploda sociedadeemqueviveram. oquepermite,dentrodamargemdeconhecimentopossvel,areconstituiodaexperinciavivida,emcontraposio reiteraodepapisnormativos.O perspec-

    tivismofacultoua reconstruodetemasestratgicosdocotidiano,a partirdopresente,no mundoatual,emqueseconfiguramde formaideolgicae bastanteabrangente(famlia,sexualidade,amorromntico),parareconstitu-Iosnoplanodahistria,de

    modoqueparecemrelativizadosnotempo,perdendoaconotaouniversal,queo valor

    ideolgicoIhesconferia.A reconstituiodasexperinciasvividas,namedidaemquepapisinformaisforamfocalizadose iluminados,propiciaramaanlisedaambigidadee mesmodafluidezdessasprticas,costumes,estratgiasdesobrevivncia.

    Temporalidadedos cOllceitos

    algo CIII//(/querer traar linha., numa correl/le ince.,.wnte,desenharnela

    figuras c/J/L,i.'tente.,.Parece que entre esta realidade e a compreell.,ono

    exi.'tefilTIIUl cllI/gruel/lede captao,j que o conceito separa o que no rio

    da ,'ida apareceunido... o rio da ,'ida temum carter .,ingular.Nele cada

    onda nascee de.wparece.Estadificuldade li maisautnticoproblemadomtodoiJis/rico, desdeque Hegel IIpS(I conhecimentoatravs da rawo,

    prprio da poca da Ilu.flruo ao da naturezado mundo his/rico humano.

    Ma.,. li pmblema tem .

  • fontes,comeoua perseguir,pacientemente,a historicidadedosconceitosdoPassado,estabelecendoumapontecrticaentreosconceitoscontemporneoseosdesuasfontes.

    Historicidadedoconhecimento

    ofato dafala humanaser (Jcasional no uma impeifeiofortuita; i aprpria expre.rsolgica da virtualidade viva da fala, quejoga com uma

    tmalidade de sentidosempoder exprimi.lo na sua (ntegra. Todafa/Qhumana Jinita, de modo que traz uma infinidade de sentidospor elaborar

    e por interpretar. por estemotivo que o fenmeno llermenuticos Pode.rer entrevis((J luz destafinitude fundamental do ser, que de carter

    puramente ling(stico.

    Georg GadamerTrath and metllod

    Dentrodessecontextoo conhecimentohistricotendeparao configurativoe o

    perspectivista;neleumtemaconstrudoapartirdopontodevist~dohistoriadorque,imersoemsuacontemporaneidade,consegueiluminarumfragmentodo passadopormciodasfontcs,entabulandocomelasumdilogo.Essedilogo,quegradativamente

    Sl'inlensificanumcrcsccndodc indagacs,dependemuitodaconscinciapossvel,quI.'o hisloriadorpoderlaborardesuaprpriainseronomundoatual.H muitose

    dil (IU~11IlIslria nCl'cssariumcnlepurtl' do conhccimento do presente. Entretanto, apesar

    dI' fundUllIl'nlarsesohreumexcrcfclOcr(tlCodohistoriador,desituar-senasuacon-

    Icmpornnl'idade,deqUl'parll'maspl'rguntasc questes,queeledirigea suasfontes,navcrdade,o conhCCllllen(ohistrico~maisdoqueo estudodopresente,poiscons-

    (ri.senamedidadodilogoestabelecidoentreo historiadore fragmentosdopassado,quevoseampliandonamedidaemqueaquelediversificasuasquestes.O processocrticodeconstruodessedilogo feitodoconfrontodosconceitoscontemporneoscomos conceitosembutidosnassuasfontes.A ampliaodaspossibilidadesdessedilogodependedacolocaodequestesaptasa ampliaremo seualcance.

    o queseentende,desdeDilthey,porhistoricidadedoconhecimento.GeorgGada-merelaborouumconceitoj presentenaobradeDilthey,sobrea especificidadedo

    conhecimentohistrico,comosejada fusode perspectivasde conhecimentona

    metforadeumalinhanumhorizonte,quesedeslocasempre.Essametforadizrespeitoaoconhecimentorelativista,estabelecidopelohistoriadornacrticadesuasfO!1tes.Pers-pectivasempreprovisriae relacional,queseestabeleceentrea conscinciado histo-

    234Proj. Histria, So Paulo, (17), no\l, 1998

    ~--'

    ~

    '

    " :t;,,:!

    .

    ;

    .itf..

    h

    .

    :.

    '

    .

    '

    T~...'.1,'):::~:r.

    }~."''1

    i

    ;.,.~

    riador,nasuacontemporaneidade,e as fontesdo passado.coligidase interrogadasatravsdeumprocessodialgicodecompreenso.Trata-sedeumconhecimentoes-sencialmentelimitadopelastemporalidadese queseprojetanumamultiplicidadede

    prismas.15ReinhardKoselleckrefere-sea essecampodeelaboraodeconhecimentoscomoaoestudodacontemporaneidndedonocontemporneo.16

    Nascinciasdo homem,aocontrriodoqueocorrenascinciasexperimentaisou

    objetivistas,o pesquisador aomesmotemposujeitoe objetodoconhecimento,demodoqueaoseproporaconstruirumtemahistrico,recortarumobjetodeestudoere-invent-Io,dentrodecertomtodooucritriosdeinterpretaodopassado.temsempreemmenteahistoricidadedeverdades,instituies,dogmas,antigamentetidoscomoirrefutveisecujamudanapodereconstruiratravsdasgeraese dopassardotempo.

    Possibilidadesdeapreensodaexperinciavivida

    A.r.rimcomo a.r coi.,".r,a.r unidadesde nossaexperinciado mundo, que so

    con.rtitudaspor .rllll adequaoe seu significado, se manifestamna

    linguagem.da me.rmaforma tudo o que recebemoscomo herana nos fala

    novamellleatravs da fIOS.,"compreensoe de nos.," interpretao.A

    natureZCIling.rticade.rteaflorar na linguagem a mesnliJ de nossa

    experincia'do mundoem geral... a prpria centralidadeda linguagem

    atravs de sua relao com a totalidadedos seres.quefaz a mediaopara

    o homem e para o mundo de sua natureza Jinita e histrica.

    Georg GadamerTruth afld melhod

    A.r.,imc(lJlcebenlO.,a litlguagem luzdiJsidia.,de "expresso", defOTllIiJsimblica.decomunicaomunciadora.de "mc/JIifestaoda vidavivida"

    oude "eslruturao"da vida.

    MartinHeideggerL'treetle temps

    Antesdemaisnada,cumprelembrarquea herrnenuticadoconcretosebaseiaemumateoriado conhecimentoquereconhecea prpriahistoricidadedoconhecimento.Ao aderiraoslimitesdesuaprpriahistoricidade,podeo historiador,emvezdelidar

    IS Gadamer, G. Trutll and met/lOd.New York, Crossroad, 1984,p. 269.

    16 Koselleck, R. Future.'pa.'t, pp. 89, 98.

    Proj. Histria, So Palllo, (17), no\l, /998 235

  • coma confirmaono passadodeprincpiostericospreestabelecidos,aspirara umacompreensomaisconcretadaexperinciahumana,queexerceumpapeliconoclastaoudeexorcismodemitosoudogmas,depretensavalidezuniversal.

    A partirda desmistificaode verdadesabsolutas quepodemoscolocaroproblemadahistriadocotidianoedesuahistoricidadenotempo,mostrandoa unila-teralidadee fluidezdoscostumestidoscomouniversaiseapreendidosatravsdare-presentaocomoseconstitussemobjetosdeumsujeitodistanciadoeneutro.11

    Nessesentidoe a partirdeumprismarelativista,a hermenuticado cotidiano

    contribuiuparadocumentardiferenas,delinearformaesespecficasdeclassessociaisnasmaisdiversassociedades.Osqueadotaramessaposturadeestudoassumiramde

    certaformaaperdadacontinuidade,queentreteciaaurdiduradeinterrelaespassado,presenteefuturo.Fatoquehmuitorenunciamossperspectivaslineares,aconceitosfixos,acategoriasabstratas,taiscomonacionalidade,progresso,mesmoaoconceitode

    classessociaisperse,enquantocategorias-, paraaceit-Iasdenovo,revistas,enquantoprocesso;movimentohistrico,notempo,a delineara diversidadedasmaisvariadasconjunturassociais.

    Crticadoconhecimento,perspectivismoehistoriografiaseentrecruzame seinter-relacionampois,hmaisdeumsculo,nalentaelaboraodeumahermenuticado

    cotidiano.O perspectivismodoconhecimentoumfenmenotransdisciplinarqueenlaanumcamponicoantroplogos,socilogos,historiadores,crticosliterriose filsofos.

    Perseguea adequaodosparmetrosconceituaisdoscientistassociaispossibilidadedeapreenderexperinciasvividasporsereshumanosemsociedade.

    Opor racionalidadeformalcertaconcretudedosocial o impasseatualdashu-manidades,quesecomprometeramcoma crticadossistemasexplicativosabstratos.Nareadafilosofiadascincias,voltaram-seosestudiososparao examedahistorici-

    dadedosprocessosde invenodosparadigmasdoconhecimento,comoaprocuraropontoemqueo sabereatecnologiasedesviaramdosmananciaisdavida,contribuindoparaasestratgiasdopoderemseusdisparatesmaisextremadosIR.

    Os filsofosdo conhecimentoprocuraram,porsuavez,traaros limitesda lin-guageme dopensamento,buscandoascoordenadasdoconhecimentonodia-a-diadossereshumanos,emvezdebeberdosfundamentosdametafsica.Trataramdeaprofundara fenomenologiadapercepoe derompercomtradiesepistemolgicasqueimpu-nhamumsujeitocognoscenteuniversale abstrato,dotadodecertascategoriasinatas

    doconhecimento,asquaisdelimitavamdeantemototloo processodoconhecimento.A hermenuticadocotidianodependedeumavertentedeexercciocrtico,quese

    pretendeconcretae noredutiva.Acompanhou-aumprocessoderelativizaodecon-ceitosherdadosedecrticadoaparatoconceitualeepistemolgicodascinciashumanasemgeral,quej sepodiadiscernirnaobradeNietzsche,principalmentenaGenealogiadamoral,vertentedahermenuticaquepartedacrticadateoriaparaabuscadesentidosrelativizados,provisrios,temporrios.

    bemverdadequenosacostumamos,a exemplodoshomensdosfinsdosculoXVIll, queperdiamo rumodasutopias,aprocuraro universalnoparticular,o quenoslevaacultivarasminciase a elaborarasmediaesentrepormenoressignificativoseprocessossociaismaisamplos.O interessepeloparticular,entretanto,norestringeaamplitudedotema,poisfocalizarasexperinciasdevidadehomensemulheres,aindaquede ngulosparticularizados,significaumespraiarde olharessobrepaisagensaperderdevista.

    Antesde precisaro viscrticoa quenos filiamos, prudenteresvalarpeloproblemadaperspectivado conhecimento.Ao delineartemas,ao configurarassuntosrelativossexperinciasdevidaemsociedade,nosdefrontamos,antesdemaisnada,como problemadaspossibilidadesdo conhecimento(quenosoferecemessestemasporconstruir):formas,categorias,sistemas,regras,valores,limitesdalinguagem,modosdeintelecodeconceitos,mltiplastemporalidadesacoexistirem,nveisdeindagaes,processosdeinterpretao.19

    A motivaodesteensaiopartiudeumareflexosobreasdificuldadesformaisdedescrevercomprecisonoqueconsistea interpretaodocotidiano.Trata-sedecampoantigoquevemsendopercorridohquaseumsculoe queprocuramosapreender,11partirdenossaperspectivacontempornea,comopossibilidadesdemudananotempo,maisdoquepermannciasestruturais.A micro-histria,emboraofereacontornosbem17 Rony,R. Phi/(ls(lphyandlhemirror(lInalure.Princeton,PrincetonUniversityPress,1980,165.

    18 "CommeIa comprehensionnOestensonsensexistenlieJquele savoir-d'trede I'trel lui-mme,lesprsuppossontologiquesdetouteconnaissancehistoriquetranscendentessenliellementI'idederi-gueurpropreauxsciencesexactes.La mathmatiquen'estpasplusrigoureusequeI'histoire,elleestsimplementplustroitequecelle-cienregardaudomainedesfondementsexistenciauxqui lui im-ponent".(Heidegger,M., L'lreelle lemps,p. 190.)

    19 "L'hommesemanifestecommeI'tantqui parle, celanesignifiepasqu'iIl'a enpropreIa possibilitde s'exprimerparsonsmaisquecettantestsur1emodedu dcouvrementdu mondeetdeI'tre-l lui mme"(Heidegger,M., L'lreet le temps,p.204).

    236Proj. Histria, So Paulo, (17), noVo/998 Proj. Histria, So Paulo, (17), novo1998 237

  • f. ." !.,..'}'_:

    concretose delimitados,abre-separaprocessossociaisbastanteamplos.Diz respeitoa ';f

  • mesmasa medidadesuaprpriatemporalidade."ExistemportantoemqualquerpontodoUniversoinumeravelmentemuitastemporalidades",escreviaem1807.23

    Cadapocatemo seuprpriocentrodegravidade,diriaRankealgunsanosdepois.Era tambmdecertaformao quepretendiaexporMaxWeberquandoestudavaa ra-

    cionalidadee osvaloresdediferentesculturas,queexistiamnoemrelaoumacomas outras,masemtornoda suarelatividadede sentido,constituindonexosparasiprpriase cadaumadelas."~

    ParaDilthey,captarpormenoressignificativosou estruturasde sentimentos,porintermdiodacompreenso,pareciao processoespecficomaisapropriadoparaascin-

    ciasdoespritodoshomens.Explorandomudanas,movimentosdotempo,diferenase umadiversidadedecircunstncias,entreviapossibilidadesdeapreendero expressivo,decaptarestruturasdesemidosingular,conexesdevivncia.2sA compreensodasparticularidadesdavidadoshomensemsociedades setornavapossvelporqueseestruturavamemformasculturaisobjetificadas,comofamlia,comunidade,sociedadecivil,nao,religio,arte,filosofia.Essasunidadesvitaismantinhamsuacontinuidadenavidadassociedadese tinhamdesercompreendidasnoatravsdalgica,masdeumentendimentoespecfico.emcujomagoresidiaanoodequeoshomenstambmeram,comoessasobjetificaesculturais,sereshistricose finitos."Nopodemosen-quadraresteespritoobjetivonumsistemadeidias,masencontrara basedesuarea-lidadenahistria".A singularidadedasexperinciasdevida quepassavaa fazersentidoparao historiador.26

    A buscademodosdeapreendero contextohistricodasexperinciasdocotidianoconduziuosfilsofosaduvidaremdealgumasdascategoriasinatasdafilosofiadeKant.Afinal,ascategoriasinatasdoconhecimentoexistiriamtalcomoKantasdefinira?Essas

    categoriasinatasordenavamavidahumanaouiludiamoshomens?Seriapossvelcaptara experinciadoshomenssema mediaodascategoriasinatasdoconhecimento,dalgicaouda linguagem,comohaviamsonhadoos romnticos?

    Foi apartirdaprpriahistoricidadedohomem,quefilsofoscomoDiltheyexpli-caramapossibilidadedeapreensodasexperinciasde vida- nahistoricidadedo sujeitoenahistoricidadedoobjeto,finalmentedestaformaprojetadosnotempoetranscendidos

    23 Meinecke,F. EI his/ori.fIno)' sugene.ris.Mxico,Fondodeculturaeconomica,1982,p. 368.

    24 Holanda,S. B. de.,Ranke;Iggers,GeorgG., TheGermanconcep/ion01his/ory,p. 80.

    25 Dilthey,w., EI MundoHis/orico,p. 235.

    26 Idem,ibidem,pp.97,179,237.

    240Proj. Histria, So Paulo, (17), /WV.1998

    nasuadualidadeintelectualistaoumetafsica.A historiografia(principalmentealem)redescobriuo sentidodospormenoressignificativose a importnciadesuahermenu-tica,namedidaemquenasobrasdeNietzsche,DiltheyeSimmel,foramseconfigurandocomoelementosnecessriosparaapreenderestilosdevida,formamentisou formassociais.Foramessesos caminhosquepredispuseramhistoriadoresda culturacomoBurckhardt,nosculopassado,e HuizingaouNorbertEliasnasprimeirasdcadasdosculoXX, a reviverformasouestilosdevida.Atualmente,os historiadoresdaarte

    criticamo exageradoformalismodoshistoriadores,quesededicarama reconstituiroespritodeumapoca.Partemdopressupostodequeao ater-se temporalidadedasimagense depormenoresdasobrasdearte,podeo historiadormelhorcaptarasespe-cificidadesdoprocessocriativodecadapoca,emcerradodilogocoma prpriacon-temporaneidade,comosea buscadeumaharmoniadatotalidadeocultasssemaisdoquerevelasse.27

    Entretanto,nosneokantianos,perpetuava-seacrenaemcertascategoriasracionais,

    lgicasdoconhecimentoe,pois,nasdualidadesdoesprito.GeorgSimmelelegiacomoprincipalobjetodo estudoda culturaa elaboraodasdualidadesentresujeitoenatureza.Ao abordarformasdainteraoindivduoecultura,essesocilogoesmiuavaasintersubjetividadesdocotidianonumsentidoreificante,quej apontavaparaarazodeserde umahermenuticado cotidiano:"a fixidezdaforma,o estarcoagulado,aexistnciapetrificadaomodocomooespritoconvertidoassimemobjetoseopevivacidadequeflui,asuaauto-responsabilidadeinterior,dinmicadastensesdaalmasubjetiva".28A tragdiadaculturaerajustamenteo desequilbrioentreo objetoe osujeitodacultura.Todavia,aotratardaculturafeminina,enfatizoua dualidadeformaldomundoobjetivodoshomense subjetivodasmulheres.Paraeleasmulheresfaziampartede umaculturacomplementar,definida margemda culturamasculina,maisobjetificada.Emumensaiosobreo sentidodaaventuranavidadetododia,interpretavao ldico,comopossibilidadesexistenciaisdesubversodacultura,comorupturatem-porriadospadresdominantes,queacabavamnecessariamenteporrestabelecerosvalo-restradicionaisdacultura.29

    27 Damisch, H. The origin olperspec/ive. Cambridge,MIT Press, 1995, 14-18;Francastcl, P./magem, vl.rllo

    e imagillalJ. Lisboa, Ed. 70, p. 53.

    28 Simmel, G. EI conceptoy Ia tragediade Ia cultura. In: Sobre Ia aventura.En.fUYOSfilosficos. Barcelona,

    Peninsula, 1988, p. 204.

    29 Ibidem, p. 15.

    ~,+Proj. Histria, So Paulo, (17), novo1998 241

    1~'.;m,',-

    ~

  • Na obradeWalterBenjamin,crticosensveldacrisedaculturadops-guerra,amesmarestriodualidaderacionalistatambmestpresente,particularmentenomodo

    comoseops dualidadesujeitoe objetodacultura,assimcomoscategoriasda

    estticadeKant:abstraoeintuio,liberdadeenecessidade,espritoenatureza,formaematria.3OA flexibilidadedoseuestiloensasticocompensavacertarigidezconceitual,demodoquesetornouumpioneirodainterpretaodospormenoressugestivosdavida

    urbanae dosmeandrosdepequenosaspectosdo dia-a-dia,a partirdosquaissabiadiscemiras relaescomfenmenosmaisabrangentesda culturado capitalismoeuropeu.31WalterBenjamininaugurouummtodonovodeabordagemdocotidiano,ao

    privilegiaro estudodoconcretoe doparcialemdetrimentodoabstratoedototal.EmseuensaiosobreaspassagensdeParis,concentrousuaatenonosfragmentose nospormenoressignificativos,poisaseuver,o verdadeirosentidodaculturamanifestava-se

    noparticulare nonatotalidade.WalterBenjamincomparouo trabalhodohistoriadoraodeumcatadordepapis,oucoletorde lixos,umcolecionadordefragmentos,outambmaodeumarquelogo,detetiveoujornalista.A elecabiadiscemiro significado

    noscacos,nosfragmentos,poisa verdadeeraque"nemrestaramvestgiosdospor-menoresnotodoquepermanece vista".32AcusadoporTheodorAdomodeserpoucodialtico,retrucariaquesomentedeforaa obradeartepareciaterapenasumaforma

    oua dialticaapenasummtodo.33

    A obradosintelectuaisdaescoladeFrankfurtrepresentouumpassoimportante

    noprocessoderevisodascondiesqueofereciao marxismoparaa interpretaodavidacultural,poisinaugurouo desdobramentodenovasperspectivasnoconhecimento

    dinltico.Tevemaistardeumpapeldedestaquenaconstituiodeummtodofeministadosestudossociaise paraa prpriahermcnuticildocotidiano.

    O histricoaparecenaobradeWalterBenjamincomoruptura,fissuradoprocessodecontinuidade.Noo processo,maso momentoderuptura que dialticoe ele

    somentepodesercaptadopelohistoriadornaapreensodeumasbitaconstelaoou

    30 Ibidem.p. 277.

    31 Benjamin, W. Paris. Capitale du X/Xe siecle. In Essais 2. 1935-t94O.Pnris, Denoel, 1983,p. 38.

    32 Idem,ibidem,p.47.

    33 Idem,ibidclI1,pp.49e 53:Jay,M. Lu illlllgilklcitlldiale/ica.Vila histriadeIa eseueladeFratllifur/.Madri, Taurus,1986;Matos,O. C. F. Os an:atltJsdoinleiramen/eou/m.A e.teolade Fralllifurl.Amelancoliae a RevolutJ.SoPaulo,Brnsiliense,1989.

    242 Proj. Hislria, So Paulo. (17). nov. 1998

    ':.5;:

    configuraode imagensmomentneas,emqueseentreva mnada,semprenumafissuradoprocessodecontinuidadehistrica.A relaodopresentecomo passado

    puramentetemporale contnua,porma do passadocomo momento dialtica:esteserevelaatravsdeimagens."Somenteasimagensdialticassogenuinamentehistri- ;~cas,poisnosetratadeimagensarcaicas".34 1I

    A interpretaodopormenorcomominiaturadotodofoi importanteparaarevisodoconceitodetotalidadedeGeorgLukcs.O predomniodastotalidadescedeulugar

    aoprimadodaindividualidadehumanae o aspectoconfigurativodahermenuticacon-temporneapassouaserumtraofundamentaldoseumtodo.

    A dialticadopormenore doglobal,dasrelaesentreasminciase o conjunto

    doprocessosocialdeumapocaimplicavaumaatitudeabertaparaa possibilidadede

    apreensodepapisinformais,queescapavamaospapisprescritos,sinstitucionali-zaes,situadosenquantoexperinciahistricavividapelosagenteshistricosnumespaointermedirioentreanormae a ao:o estudodamultiplicidadedemediaese deelosdesvendoua margemderesistnciapossvel,a improvisao,a capacidadeeventualdemudana,detransformao,o quepolitizouo cotidiano.Acenou-semais

    paraa liberdadedocontingencialdoqueparautopiasabstratas.O historiadorpassouaconstruiro seutextonojogoentrepormenoressignificativos

    e processosglobais,emcorrespondncias,sntesese reacertosdeperspectiva,quere-dundaramnahistoriografiacontempornea,naconstruodenarrativasexplicativas,em

    queseelaboravaadialticaentrea materialidadesociale a semntica,perseguindo-sea historicidadedossignose dosconceitos.

    Paraoestudiosodocotidianoresultaramemcaminhopromissoresteabrirdenovos

    horizontesdeanlise,o trabalhara maisnopoderaurdiduradeinterrelaesentreomicrosocialesuaintegraonospanoramasmaisglobaisdacultura.

    Ler naselltrelillhas

    A e.feri/urada diferella o tecidodo raslmquepermite diferenaentreo e.tpaoe o tempoarticular-.te,aparecercomotalna ullidadedeuma

    experillcia(deummesmovividoa parlir de umme.flnocorpoprprio).bequesDerrida

    Grama/ologia

    34 Benjamin,op.cit.,pp. t97,204-5.

    Proj. Histria, So Paulo. (17). novo1998

    243

  • A buscadeumsentidoimplcitonasentrelinhasdeumtextodiz respeitoa umtateardahermenuticasempreforadocontextoobjetivista.Emverdade,paraoshisto-riadoresabuscadosentidosefariaatravsdanarrativaedaprprialinguagem;evitando

    na medidado possvellanarmode conceitose fundamentaesintelectualistas,chegariaacaptarpormeiodeindcios,traos,vestgios,noa representaodevaloresmasasuasingularidadeemrelaoaumatotalidadesempreevasivae ausente.Fala-semuitonohistorismocomoummododeinterpretaroprocessohistricoavessoateorias.

    Interpretar,defato,consistenumesforodohistoriadordelibertar-sedeumateoriaoumodoracionaldepensarquesomenteteriaaplicaonascinciasdanatureza.Entre-tanto,nuncasepodeprescindirdadiscussodequestestericas,poisnosedeixaumateoriado conhecimentoporoutrasemcontnuaatividadedeconscientizaoecrtica.

    Nashumanidades atravsdo processodecompreensoqueo pensamentoselibertadanecessidadede referentese deoperaesda lgica,comofundamentodaepistemologiamoderna.A narrativaemsi umprocessodeconhecimentoqueenvolvea desconstruodefundamentosdafilosofiatradicional.Interpretare desconstruirso

    tendnciasdo pensamentocontemporneoqueabarcammuitasafinidadesinovadoras.O historiadorjamaispoderiadesvendarosentidodassingularidadessignificativas,escre-viaDilthey,apoiando-senumaidiaqualquerfundamentadora.35

    O historiador,quandofaladanecessidadedelibertar-sedateoria,refere-se in-tenodeeludiro representativoedeir almdoestudoderepresentaesideolgicas.

    Paratantoejustamenteatravsdaprprianarrativaqueseenveredaporumcaminho

    filosficorduo,~mbuscadodesocultamentodonodito,doindizvel.A experinciavivida,nodizerdeClaudeLefort,seabrigarianoocodarepresentaoe foradopen-samento(entendendo-seporesteumraciocniodedutivoe intelectualista).36ParaDilthey,apreenderexperinciasvividasimplicavaumaleituradosdocumentosdedicadaprocuraderefernciasvitaisemvezderepresentaesobjetivas.37Essepensadorficavaa meiocaminhodatarefaa quesepropunhapois,emmaisdeumapassagemdesuaobra,mostra-sedecertaformaaindapresoaopensamentoracional,conquantobuscassedes-vencilhar-sede seuspressupostosparaa interpretaohistrica.Muitoa propsito,

    35 Dilthey, op. cit., p. 209.

    36 Lefort. C. Les formes de l'hisloire. Paris, Gnllimard, 277.

    37 Dilthey, op. cit., p. 155.

    244 Proj. Histria, So Pau/o, (17), noVo1998

    escreveuDerrida,emsuaobraGramatologia:"Istosignificaria,talvez,queno sair

    deumapocao poderdesenharasuac1ausura".38Voltar-separao mundodavidaoudo vivido(Lebenswelt)e parao processoda

    compreensopressups,noperododecercadequarentaanosentreaspocasemqueviveramDiltheyeHeidegger,umsinuosopercursodedemoliodeconceitosfilosficose metafsicos,entreosquaiso doprprioreferentea quedeformaambguaaindasereferiaDilthey,emmeioaoprocessodedesvendamentodeummtodoespecficoparaashumanidadesoucinciasdoesprito:"entreascinciasdoespritoe ascinciasdanaturezanosetrataunicamentedeumadiferenanaposiodo sujeitoemrelao

    aoobjeto...entreo objetoe eu,existeumarelaodevida".39Essarelaode vidaimplicavanaconscinciadahistoricidadedosujeitoe doprprioconhecimento.

    Conhecimentoe temporalidadeestavaminexoravelmentearticuladosumaooutro;erano transcorrerdo tempoquesepoderiaapreendersingularidadesnahistria,tra-balhandonoseudevirexperinciasespecficase nicas.O processodecompreenso

    envolveuacaptaodeconexesdesentido,nemsempreevidentesnumtextosaturadodereferenciaisobjetivistas,a queo autorchegarapormeiodeoperaesdedutivasde

    pensamento.A hermenuticadepormenoressignificativosdemandavajustamentea rennciaa

    pontosdeapoioemteoriasracionalizantese portantoumabuscado indeterminadoedo indeterminante.

    A prpriavidaseapresentaatravsdeummodoespecficodarelaodeumtodocomsuaspartes.E quandoapontamosabstratamenteestasrelaescomocategorias,resultaquenestemtodo(abstrato)o nmerodascategoriasnotemlimiteenemsuasrelaespodemserreduzidasa umaformalgica.Temoscomotaiscategoriaso significado,o valor,ofim, o desenvolvimento,o ideal.Entretanto,a tramado correrda vida s6 podeserapreendidaatravsdacategoriadosentidodaspartessingularesdavidacomrespeitocompreensodo todO.40

    A partirdeumjogoderelaesentreaspartesdeumtodo queo historiadorchegariaaapreenderurdidurasdesentido,emcertosmomentosdeiluminao..'Gcorg

    38 Derridn, J. GramalOlogia. So Pnulo, Perspectivn,1973,p. 15.

    39 Dilthey, op. cit., p. 140.

    40 Dilthey, op. cit., p. 257.

    41 Idem, ibidcm. p. 237.

    ,.

    Proj. Histria, So Pau/o, (17), noVo1998245

    I

  • Gadamer,quaseumsculodepois,tambmentendiao processodecompreensocomoumeventosemelhanteaoeventoesttico,peculiaraomomentodeapreensodeumaobradearte.42Porsignificadodiramoshojesignificao,poisacompreensoconsistejustamentenaquebraderelaesentresignificantee significado.43O conhecimentose

    dnotempoatravsdaapreensopelosujeitodeunidadesdesentidoqueelenocaptacomoumobjetoaquesechegariaporetapasdepensamentoracional.A apreensodeumasignificaoouunidadedesentidoa partirdesingularidadessefazporumdis-

    cernimentosubjetivo,dentrode umprocessohermenutico,emquesujeitoe objetocompartilhamdaexperinciadeumaperspectivaourelaotemporal."O fluxodaex-

    perinciatemo carterdeumaconscinciauniversaldehorizonte."44Situar-senopre-sente parteintrnsecadoprocessohermenutico.DeNietzschea Husserlo conceito

    dehorizontetemsidoempregadoparaexpressarsejaa estreitezadesualinha,sejaanecessidadedeexpandi-Iaouo abrir-senoprocessodeconhecimento.4s

    Narrare horizontesopalavrascarregadasde sentidofilosfico,emboranometafsico.O horizonte parteessencialdoconhecimentohistriconosentidodeim-

    plicarum conhecimentoperspectivistae saturadodaconscinciada temporalidade.Trata-sedo pontodeentroncamentoentreo presentedohistoriador,a suaexpectativadefuturoeo focopossveldefragmentosdopassadoqueodilogoentresuaexperinciacontemporlneae suasfontespermitediscemir,a partirdeumtodoinvisvel,deumpassadoemsi inacessvel.

    Ora,horizonte,almdetermosaluradodeconscinciahistrica,dizrespeitonaohrudeHeideggerO sa r o tempo linhafugidiaqueseparao conhecimentoftico

    dascontingnciasedosl'ventossingulares,pertinentesespecilicidadedohistrico,do

    seroudo todo,que sempreinvisvele ocultoe doqualatravsda interpretaosetemapenasvislumbres.46

    A temporalidadeea linguagemsoaspossibilidadesdeacessosignificao.ParaHeidegger,a linguagem partedosereconstituia nicaportadeacessoa umsentido

    ousignificao.Acessoparcial,namedidaemquenaelaboraodalinguagemcomo

    42 Gadamer,G., op.cil., pp.86,113,424.

    43 Idem,ibidem,pp.372-5.

    44 Idem,p. 217.

    45 Idem,p. 2t7.

    46 Heidegger,M., L'i/re e//e /emps,pp. 139,276.

    246Proj. Histria, So Paulo, (17), noVo1998

    ?fi;''l"'(;l

    moradadoseresta nicapossibilidadededesvendamentodosentidoocultodo todo

    oudooutro.O serdalinguagemoua moradadoser,trabalhadopelasensibilidadedo

    historiador,chegaa momentosderevelao,"eventosdecompreenso".Assim,o todonuncasereveladeformadefinitivae acabada.Nos momentosde

    revelao,osintrpretesatingemo queseconvencionaindicarcomoumametforada

    dobranalinhadohorizonte,espaoessequeseparao ntico(contingnciasdafinitude

    dohomem)doontolgico,ouseja,adobraoufissuraindicariaummomentodoprocesso

    decompreensooudesvendamentodoconhecimento.47Heideggerretomariaa metfora

    dadobraparaindicarasdificuldadesdesuperarasforasdafinitudedo homeme a

    necessidadedoserdeserelacionarcomsuafacticidade,suadisperso,suadescontinui-

    dade,suafaltadesentido.J, segundoDerrida,rupturaoucesuraseriaummomento

    designificaoemquesedispensariao significante,quecomotaldeixariadeexistir.48

    Derrida,emsuaobraGramat%gia,enfatizaa necessidadedeterclaramenteem

    contaa diferenaentreo ente- a especificidadedohistricoou contingencial- eoser,enquantototalidadedesentido.ParaDerrida:"O horizontedo saberabsoluto o

    apagamentodaescriturano logos,a reassunodorastronaparsia,a reapropriao

    dadiferena,a consumaodo quedenominamos,emoutrolugar,a metafsicado

    prprio".49 L9~O sero outroeo outroestinexoravelmenteinacessvelaoente."A dissimulao

    doser'comotal',comeoudesdesempree nenhumaestruturado entedelaescapa."

    A dobra umapossibilidadedeseanulara diferenaentresignificantee significado.

    Contudo,paraDerrida,o conceitodecisivodediferenaentreo enteeo sernodeveria

    serpensadodeumgoles.Osderivadosdessadiferenapoderiamserbuscadosatravs

    do rastroqueconduzao processodediferncia.Rastro,difernciaseriamrecursos

    provisriosdadesconstruo."Esta(adiferncia)spode,contudo,serpensadanasua

    maiorproximidadesobumacondio:quesecomecedeterminando-acomodiferena

    ntico-ontolgicaantesderiscarestadeterminao."scl

    47 Deleuze,G. e Guanari,F., Conversatjes,p. 139.

    48 Derrida,1.,Gramalil/ogia,pp.27-8.

    49 Idem,ibidem,p.32.O tennoparusiarefere-senestecontexto11presenadoser.

    50 Idem,p. 29e 57.

    Proj. His/ria, So Paulo, (/7), novo1998 247

  • Seriaprecisono caminhode desconstruopensaro rastroantesdo ente:"o

    movimentodo rastro sempreocultado,produz-secomoocultaodesi. Quandoooutroanuncia-secomotalapresenta-secomodissimulaodeSi".51

    Trata-sedeumrecursoa queo intrpreterecorrenumprimeiromomentodopro-cessodedesconstruodoconceitometaffsicodeexperincia.

    . Tal recursoseriaumaformadepensamentoracionala serdescartadadepois,nocorrerdoprocessodecompreenso:..."semumrastroretendoo outro,comooutrono

    mesmo,nenhumadiferenafariasuaobrae nenhumsentidoapareceria.Portanto,no

    setrataaquideumadiferenaconstitufda,mas,antes,detodadeterminaodecontedo,

    domovimentopuroqueproduzadiferena".52O rastrotema vercoma apreensodaexperinciavividanotempo.

    Em outrapassagem,Derridavoltaa ressaltara importnciadorastronoprocessodedesconstruo,namedidaemqueelequeabreapossibilidadedeumconhecimento

    novodocotidianonomundocontemporneo.

    o quevemafirmarmaisumavez,quenohorigemabsolutado sentidoemgeral.Orastro a diferncia,queabreo aparecere a significao.Articulandoo vivosobreono-vivoemgeral,origemdetodarepetio,origemdaidealidade,eleno maisideal

    doquereal,nomaisinteligvelquesensvel,nomaisumasignificaotransparentequeumaenergiaopacae nenhumconceitodametafsicapodedescrev-lo.53

    Existedecertaformaumdilogo,quepodemosestabelecerentreDerrida,Heideg-

    gere Diltheye quenosapontaoscaminhosparadecifraro processodeinterpretao

    deumaexperinc1avivida,nasuasingularidadee notempo.ParaDilthey,captarex-

    perinciassingularesdavidaconstituiumexercciode interpretaopelohistoriadordeprocessosde individuao:

    A soluodesteproblema o dado singular,que abarcadopela induo.O dado algo

    individual e assimconsideradoduranteo processo.Contm,portanto,um momento,quetomapossvel a captaodo todonasuadeterminaoindividual.Este mtodode imerso

    no singular,na medidada comparaodestesingularcomoutros,vai ganhandopropores

    Proj. Histria, So Paulo, (17), noVo1998

    cadavezmaiselaboradaseassima tarefadacompreensonosconduzaprofundezascadavezmaioresdomundoespiritual.54

    Seriao queDerridadenominariadedifernciaouprocessodeindividuao.

    A diferenainauditaentreo aparecendoe o aparecer(entreo mundoe o vivido) acondiodetodasasoutrasdiferenas,detodososoutrosrastros,e elaj umrastro.Assim,esteltimoconceito absolutamentee dedireito"anterior"a todaproblemticafisiolgicasobrea naturezadoengrarnaoumetafisicasobreo sentidodapresenadequeo rastrosed,destaforma,a decifrar (o rastro) a difernciaqueabreo aparecere asignificao...e nenhumconceitodametafsicapodedescrev-Io.55

    DeacordocomDilthey,acompreensoumprocessonecessariamenteincompletopoisnuncapodepartirdeumaregrageral;aderea circunstnciasquemudamcon-tinuamentenotempoecujainterpretaodizrespeitosensibilidadedointrpreteparaojogodospormenoresedaspartesemrelaoaumtodo,sempreparcialmenteoculto.

    O dadoumasucessodepalavras.Cadaumadelasdeterminada-indeterminada.Contmemsi todaumadiversidadedesignificado.Osmeiosderelaosintticadessaspalavrassotambmmultfvocos,dentrodecertoslimites.Destemodo,surgeo sentido,namedidaemqueo indeterminadotoma-sedeterminado,medianteaconstruo(dosentido).E igual-menteo valordacomposiodosmembrosdotodo,que compostoporfrases, tambmmultvoco,dentrodecertoslimitese seestabelecea partirdotodo.56

    A compreenso,assimcomoadesconstruodeDerrida,consisteemprocessosdeinterpretaocarregados"demximatensoquenuncapodemrealizar-seporcom-pleto".57Derridacomentao processodedesconstruoque,tateante,aomesmotempoenfrentae habitaasestruturasdefora(dopensamentometaffsico):

    Os movimentosdedesconstruonosolicitamasestruturasdefora.S sopossveiseeficazes,sajustamseusgolpessehabitamestasestruturas.Seashabitam,deumacertamaneira,poissempresehabita,e principalmentequandonemsesuspeitadisso.Operandonecessariamentedo interior,emprestandodaestruturaantigatodososrecursosestratgicose econmicosdasubverso,emprestando-osestruturalmente,isto,sempoderisolarseus

    54 Dilthey, op. cit., p. 237.

    55 Derrida, op. cit., p. 79.

    56 Dilthey, op. cit., p. 245.

    57 Idem, ibidem, p. 251.

    I ~..I.:;.

    L~li.

    249Proj. Histria, So Paulo, (17), noVo1998

    51 Idem,p. 57.

    52 Idem,p. 76.

    53 Idem,p. 80.

    248

  • elementose seustomos,o empreendimentode desconstruo sempre,de umcertomodo,arrebatadopeloseuprpriotrabalho.58

    Da mesmamaneira,a finitudedoconhecimentofazcomquea interpretaode- .,

    pendadaapreensodasexperinciasdevidanoseucursotemporal.O momentoouas'5experinciasnuncasocaptadosnoprprioserda vida.O momento uminstante'

    recordadoe noa correntedo rio quepassa.Ao capt-Io,a atenoporassimdizer "congelaesseelementofluidoessencialparao conceitodetemporalidadeoudurao.59Poroutrolado,adverteDilthey,o historiadornuncadeverecorrera umateoriadameraidealidadedotempo.Seriarender-seaoatemporal,aogenrico,quiloquenovivido.

    Nosso comportamentocom relaoao futuro ativo e livre. Aqui, junto categoriaderealidadequeemergeno presente,surgeapossibilidade.Nos sentimosdepossede infinitas

    possibilidades.Deste modo, esta vivnciado tempodeterminaem todasas direesocontedode nossavida. 60

    Trata-sedeumtrusmolembrarquenoexisteexperinciatalcomoefetivamentefoi vivida.Ela sempredescritamedianteparmetrospreestabelecidosdepensamento.

    Todavia,elespodemserosdaepistemologiaracionalclssicaoupodemserdadosporumaexperinciadepensamentoforadosditamestradicionaisdaepistemologia. esse

    IJhim~caminhoquesubjazasexpresseslerentreaslinhas,decifraronodito,procurar

    tornarvisvelo oculto,interpretaro indizvel."Ao final",escreveWiugenstein,"parapermanecersilencioso nccessriofalar.Mascomquepalavras?"

    Estratgiasderesistncia,prticasediferenas:o aparell/ementeimperceptvel

    E qlle haja disjunoentre ~'ere dizer,que os doi.f estejamseparadosporum afa.vtamento.uma di.vtnciairredutvel. .vignijicaapenas isto: no se

    re.wlver o problema do clmhecimento(ou melhor do saber) invocandouma

    correspondncia.nemuma conformidade.Ser preciso buscar em outro

    lugar a razo que I/.Velllrecruzae os tece um no outro. como se

    o Ilrquivo fo.vseatra~'es.fUdopor ulI/a grandefalha, quepe, de UII/ lado,

    58 Derrida.op.cit.,p. 30.

    59 Dilthcy.op.cit..p. 219.

    60 Idem,ibidem.p. 218,

    250Proj. Histria, So Paulo, (17), noVo1998

    \...

    a forma dI/ visvel. de outro, a forma do enuncivel. ambas irredutveis.

    E fora dasformas. numa outra dimenso, que passa o fio

    que as costura uma outra e ocupa o entre-dois.

    GiIlesDeleuzee Felix Guattari

    Conversaes

    Vislumbrarpapisinformaisno lugare emvezdepapisnormativosquerdizerinterpretarporentreaslinhasdedocumentosimersosnaideologiadominante,indcios

    demodosdeser,quesomentepodemsercaptadosporummododeconhecimentomuitodiversodoconhecimentoobjetivo.A fimdequeo historiadorpossaolharpara

    prticassociaisforadosparmetrosdaideologiadominanteoudocumentarnecessidadessociaisdesujeitosoprimidosausentesdocursodahistrianarradapelaselitesmister

    recorrer interpretaodevestgiose indciosnasentrelinhasdedocumentosmuitas

    vezesescritosporautoridadesmoldadaspelopensamentometafsicoracional.Na leitura

    deprocessoscriminaisademaisdaformaodosprocessose dosconceitosjurdicos,

    freqentemente, o pormenorimperceptvele secundrioqueinteressaaohistoriador:a identificaodeumatestemunha,porvezesanalfabeta,ouumamenodepassagem

    nodepoimentoa umpontodesociabilidadenavizinhana...

    A histriadosoprimidosnonasceuporumpassede mgica.Dar voza uma

    multiplicidadedesujeitospressupstodoumprocessohermenuticodedesvendamentodoomissoe dooculto.

    O sujeitodoconhecimentohistricoserelacionacomseusupostoobjetodeco-

    nhecimentodemododialticoe participante.ParaDilthey,o sujeitodoconhecimento

    fazunidadecomseuobjetoemtodoo decorrerdoprocessodeobjetificao.61"Pode

    o eu medir-secomoutros?Comocompreendemoso estranho?,,62Ou emseuensaiosobre"AsorigensdaHermenutica":

    Como possvel que uma conscinciaconfiguradaindividualmentepOSSd,mediantese-

    melhantereproduo,elevaruma individualidadeestranhae de ndole completamentedi-ferente,ao nvel do pensamentoobjetivo?Que tipo de processo este,to aparentemente

    diferentedos demaisprocessosde conhecimento?63

    61 Dilthey,op.cit..p.215.

    62 Idem.ibidem,p. 250.

    63 Idem.p. 322.

    Proj. Histria. So Palllo. (17), noVo1998 251

  • Juntosforasdecoesoe defuncionalidadequecaracterizamumapocanosseusaspectocomuns,quelhedoorganicidade,surgemsempreaspectosdissonantes,sujeitosmarginalizadosqueestonacontracorrentedeseutempo.

    Quandoemmeiodeumapocasurgealgonovo,criativo,procedentedeoutrosentimentodevida,comeao movimentodestinadoa trazertemposnovos...Comesteelementocria-tivocomeaumanovarelaoentrea vida,asrefernciasvitais,a experinciadavidaea formaodasidias.64

    o momentoemquecomeama atuarforasderesistncia,"tendnciasantagni-cas"ouforasdetransformao,quelutampordarumanovaformavida.6s

    Penso,porexemplo,nadificuldadededarvozsescravase mulheresforrasque,nosfinsdosculoxvm emMinasouemSoPaulo,circulavamgnerosdeprimeiranecessidadenumcomrcioclandestino,quealimentavaescravosfugidos.Osdocumentosdacmaramunicipalpoucotmaoferecersobreo contrabandooumesmosobrepreosclandestinos.Entretanto,soinmerasas indicaesdetransgressodenormase deevasodofisco,assimcomoregistrosdemulta.

    Emqualquertemadascinciassociais precisosondaro abismoentreasnormase oscostumes.Darvoza sujeitosathojeemudecidosimplicaredescobrirsuastem-poralidades.H umamultiplicidadedetemposassimcomohumapluralidadedesu-jeitosquea lei e a normaignoram.Dar voz, fazerfalaressessujeitosannimosesilenciadosdo passadodepende,intrinsecamente,do processodedemoliodo pen-samentonormativo,metafsico,fundante.ParaClaudeLefort,todaprticasocialvemnecessariamenteescondidapelodiscursoideolgico.Urgeportantorefazero percursodeformaodessediscursoparadesvendarindciosdavidanaprprialeituradohis-toriador,noslimitesextremosdaquala interpretaotalveznosdesvendariaumespaoentreo conhecimentoea ideologia.66A releituradeMarxpressupehojeir aoencontrodarepresentaodesuateoriapelosquevieramdepoiseencararcertaindeterminaodesuaobra,indeterminaoquenosdesafiaa olharasprpriascoisaseo ladodeforade seupensamento:"eludiro sistemaquetraza prpriadefinioe contmemsimesmoo ndicedesuaverdade".67

    64 Idem,p. 202.

    65 Idem,p.211,235,208.

    66 Lefort,C. Lesformesde /,his/(Jire,pp.259-263.

    67 Idem,ibidem,p. 259.

    252 Proj. Hist6ria, So Paulo, (17), noVo1998

    A relaodoshomensconsigomesmosestariaescamoteadanainvisibilidadedahistria,nadiferenadostempos.dasprticassociaise dodiscursoideolgico.Seria

    precisoqueo historiadordesistissedeapreendero passadonapuradimensodaob-

    jetividade,parainterrogaraspossibilidadesdeumaexperinciaqueexcedeos limitesdosacontecimentosequesomenteainterpretaopodealcanarnocorrerdeseuprprio

    engendramentonotempo.ClaudeLefortnosremetea Heideggerquandoserefereaoestadodeobnubilaonticaemqueseencontrao homemquandointerrogaa repre-

    sentaodaexperinciaequerapreend-Iaforadopensamentoedosconceitosmetafsi-coso" quandoo homemtemdeaprenderaexistirnosemnome,nonodito.,,68Pensara ideologia,concluiLefort,nonosgaranteumsabersobrea ideologia.Os discursos

    participamda instituiodo social,masno processode seudevirseusmeandroseincongrunciaspossibilitamsvezescaptaradesarticulaodopodere dalei:"contrao seupoder,podemossomentetentarcontornarsuassinuosidades,a complicao,asviasdeexteriorizaoe deperdadopensamento,foradopensamento;tentardiscernir,

    atravsdainterpretao,naplenitudedarepresentao,aquie aliumvazioealgomaisnoseuOCO,,69,ouseja,buscara experinciahistricanasuatemporalidadea fim de

    poderapreenderseuviraserjuntamentecomosprpriosdiscursosqueo acompanhame fazempartedesuahistria.

    O conceitoderesistncia hegemoniado podersubentendea historicidadede

    prticase estratgiasdesobrevivncia margemdoprocessodedominao.Trata-sedeesmiuaraspossibilidadesdopesquisadorvir a document-Ias.Essascondiesdevidamarginaisaonormativosurgemcomopapisinformaisimprovisados,queo his-toriadorouantroplogoentrevnosindciosdeseuacontecer.Movimentossociaisim-

    perceptveisderesistnciasnormas,quenocasodahistriadaescravidoaparecemcomoa resistnciaaoritmodotrabalhofeitorizado,nacirculaoclandestinadeescra-

    vospelasestradasempontosdeencontrofurtivosemranchos,tavernas,fontespblicas.Nosetratadevinculardiretamentemovimentosespordicose subreptcios11atuallodeindivduos.Muitasvezes,o movimentoderesistnciaimplicasociabilidades,articu

    laesintersubjetivas,maisdoqueumdiscursoentreindivduosconscientes:"Se'C'xlNlrsujeito,umsujeitosemidentidade.A subjetivaocomoprocessoumllindividullllu,

    68 Idem,p.273.Idem,p. 277.

    69 Idem.p. 284.

    Proj. Hist6ria, So Paulo, (17), novo1998253

    ".,.i

  • pessoalou coletiva,deumou devrios.H individuaesde tiposujeito...mash

    tambmindividuaesdetipoacontecimento,semsujeitos:umvento,umaatmosfera,

    umahoradodia,umabatalha",70Pensamosnosmotinsqueagitaramo sertodoSo :.~Franciscoem1736envolvendocontrabandistas,sonegadoresdeimpostoemrevolta.~f>contraautoridadesdecobrana,ou numsurtomessinicoderezadeiros,noepisdio' ,.,'Paude colher,naBahia,em 1934;emlugarde indivduosconscientizados,trata-se''''freqUentementedegruposquesoatradospelaspossibilidadesdecompartilharsonse ,.danasemfestividadesqueacompanhamprocissesoueventosinstitucionais.Ao afir-

    marumritualdesobrevivnciatornam-setransgressoresdoqueasautoridadesentendemcomolei ousistemadecontrole.

    GillesDeleuzesereferea essassituaeslimitederesistnciacomospossibili-dadesdo anmaloe do outrode engendraragenciamentos,linhasde fuga,desen-cadeandosociabilidadesnovas,desterritorializaes,reterritorializaese comoa umapolticadafeitiaria:

    esta poltica se elabora em agenciamentosque no so nem os 1=Iafamlia, nem os da

    religio, nem os do Estado. Eles exprimiriamantesgrupos minoritriosou oprimidos,ouproibidos ou revoltados,ou semprena borda das instituiesreconhecidas,mais secretos

    ainda por seremextrnsecos,em sumaanmicos... por acompanhar-se,em suas origenscomo em suaempreitada,por uma rupturacom as instituiescentrais,estabelecidasouque buscamse estabelecer.71

    A possibilidadede documentarmovimentosinformais,improvisados,dependemuitodaintensidadecomqueoshistoriadoresbuscamindciosforaounasentrelinhas

    dostextosmaisconsolidadospelopensamentodarepressoou daordemdominante.

    No bastadevassarospreconceitos,asopiniesquecaracterizame classificamessesmomentos,A hermenuticainstiga exploraodospormenoresnosentidoderecons-

    tituiro tododoseumovimentomesmoquesejadissonanteno quadrogeraldapocaemquesepassa.Esseprocessode pesquisade vestgiosdependeda articulaodecaminhosimprevisveisparare-inventaro quese foi, de modoquesejanovamenteinteligvelnacontemporaneidadedohistoriador,

    70 DclcUlC,G. c Gualtari,F., C/Jtlv~rsaf/jes,p. 142.

    71 D.:ICU1C,G. c Gualtari,I'. Mil platlJ.r.Capitali.rmoe e,rquizof~nia.Rio deJanciro,Ed. 34, 1997,v.4,p lU

    '~4Proj. Histria.SoPaulo,(17),nov.1998

    A resistnciasomenteseconfiguraforadodiscursopolticoestabelecido,poiscon-

    sisteemmovimentosespontneosderevoltaoudereivindicaodecondiesdeso-brevivnciado cotidianodegruposquenemsempreestoorganizadosinstitucional-mente,porumpartidopolticoouporumaconscinciantidadeclassesocial.

    Todaumamicropolticadasfronteirascontraamacropolticadosgrandesconjuntos.Sabe-seaomenosque a queascoisassepassam,nafronteiraentreas imagense os sons,a ondeasimagenstomam-seplenasdemaise ossonsfonesdemais.72

    Sofenmenosdarbitadapolitizaodocotidiano,dasfamlias,dasrelaesde

    gnero,dasvizinhanase dassociabilidadesquesemovimentam,derepente,foradospadresprevistospelosistemadecontrolesocialno qualvivem.Muitasvezes,nahistriadoBrasil-colnia,tinhamavercommomentosdecarestiaemqueaquebradaleieracondiodesobrevivncia.O comrciolocalclandestinoemmomentosdeex-

    ploraodosatravessadoresouo movimentodecontrabandodegnerosparaalimentarescravosfugidos.Nemsemprepossveldarvozntidaaosquesepronunciarampoisfreqentementeerammovimentosespontneos,improvisadose queduraramnotempoo necessrioparasobreviveraumaconjunturadecobranaoudesecaoudeimposioderitmosde trabalhoaosquaisnoestavamhabituados.Foucaultassinalavaqueosprocessosdesubjetivaonadatinhama vercoma vidantima,masa "operaopelaqualindivduosoucomunidadesseconstituemcomosujeitos, margemdossaberesconstitudosedospoderesestabelecidos,podendodarlugaranovossaberesepoderes",73ParaDeleuzeeraimportanteesclarecerquenoraroessasnovassubjetividadespartiamdosexcludossociais,"O sujeitonascenaqueixatantoquantonaexaltao".74

    Hermenuticadasdiferenas

    limiar ~fibra ~lIIre/I.rdoi.r,.rimbio.reou pa.r.rugemde helerogneos.

    as.rimque operamo.r,n/.rf~iticeiros,no segund/luma ordem I/gica, mas

    .regundocompatibilidade.rou c(l/~ri.rlnciasal/gicas. A razo disso simples.

    que ningum.nem me.mwDeu.r.pode dizer de antemOose duas dobras

    iro enfileirar-seou fazer fibra, se lal mulliplicidade passar ou no a lal

    72 Deleuze,G. e GuaUari,E, Conversaf(j~s.p.61.

    73 Idem,ibidem.p.188.

    74 Idem,p. 189.

    Proj. Hislria. So PaI/1o,(/7), nOV.1998 255

  • outra,ouSttaistltmtntoshtttrtJgntostntrarotmsimbiost,faroumamultiplicidadtCOnsi.fttnttou dt co-funcionamtntoapta transformao.

    Gilles Deleuzee Felix Guatlari

    Mil plats

    nomnimoprecipitadaa crticaquesefaz histriadocotidianocomoa uma

    tendnciapordemaisrelativistadoconhecimento.quetendea dispersare a reduzirafragmentosascinciassociais.

    Afinal,aspossibilidadesdere-descobrimentodeverdadesouracionalidadesparciais

    novasdependemintrinsecamentedacapacidaderenovadoradesteesforode interpre-tao.apartirdemicrotemasoumicro-histriasdosocial.poissomentenamedidaem

    queforemexploradosnovosfocosouconfiguraesdeestudodetemasparticulares,

    especficosdavidasocialnodia-a-diadasdiferentessociedades quepoderemosfi-

    nalmenterenovaro quesetemcomopanoramamaisglobaldasociedade(oudacultura).

    Nessepasso,poderemoseventualmenteatravsdeensaioscomparativoschegaranovos

    consensossobreracionalidadesou verdadesparciais.Abrem-seaquiaspossibilidadesparaumprocessoderedefiniodapoltica.

    No entanto, precisolembrarquesetratadeumglobalsemprecontextualizado.

    histricoe porisso.decertaforma.local.nodizerdePierAldo Rovatti.75O passado continuamentere-interpretado.A buscadeumanovaglobalidadenoalmejaneces-sariamentenovossistemas.novasverdadestotalizantes.pormeventualmentea re-in-

    venodeverdadesparciais,denovasphronesis,ouracionalidadesprticas.76

    Noexistemnahistoriografiatradiese legadosfixosdopassado.Acertarapers-pectiva.trabalhara maisnopoderaurdiduradeinterrelaesentremicrossociale sua

    integraonospanoramasmaisglobaisdaculturapareceo caminhopossvelparare-

    discutirorelativismoeaspossibilidadesdere-articularconsensosparciais."fragmentos"

    detotalizaes.quepossamviracoexistir,dialogar.buscarnovasregras.novastradues

    desuasdiferenas,re-inventar.quemsabe.umalinguagemmultissistmica,compatvelcompluralidadese diferenas.

    75 Rovatli,P. A. "TransfonnazioninelcorsodeIesperienza".In VaUimo,G. e Rovaui,P. A. /I ptllsitroDebole.Milo, Feltrinelli,1990,p. 39.

    76 Bernslein,R. J. Be)'ondobjectMsmand relativiotm.Scitnce,Hermentuticsandpraxis. Philadelphia,PennsylvaniaUniverislyPress,1985,p. 223.

    256Proj. Histria, So Paulo, (17), novo1998

    ~~-.

    ~i!.

    l

    ~..-:....,....

    Paratantoseafiguraeminentementepromissoraa tendnciaa nosvoltarmosparaumconhecimentomultidisciplinardasexperinciasvividasnocotidianodesociedadesdopassado.

    Faceculturademassa,cadavezmaistotalizanteedominadora.oportunosomar

    emconjuntoosesforosdasdiferentesdisciplinasacadmicas,parainterpretaredocu-mentardiferenase construirpontosde vistaplurais.Hoje,a teoriacrticado co-nhecimentoe a crticadasepistemologiastradicionaiscontestamo real.o sujeito.o

    objeto,asnoesdegneroherdadaspelacultura,a construodaperspectiva.o ob-jetivismo.o contexto.a linguagem,a noodetempolineare a prpriaestruturanar-

    rativa. nessavanguardadascinciashumanasqueseposicionaahistriadoquotidia-no.aopassoqueantesdoimpactodamodemidadee daintegraodenossasociedade

    no capitalismocontemporneo,o cotidianofoi vistocomocampodasprticasda

    tradio,dospapisnormativose culturaistransmitidospelaculturatradicional.rea

    preferidapelosantroplogos,comocampodepermannciasedeatuaodascategoriasdo inconscienteprofundodeculturasmilenarese dasestruturasfamiliares,derepro-duo,entotidascomouniversais;entreviam-senelepapissociaiseculturaisnorma-tivos,slidose duradouros.

    J no mundocontemporneo,houveumarupturadacontinuidadehistricadas

    tradies,demodoqueo cotidianosetransformounoprincipalalvodaalienaodohomem,namaisestratgicaesferadeatividadedosistemadedominaodaculturademassaoudosatuaissistemasdecOlltrole,nodizerdeDeleuze.Porisso,poro campo

    doscostumesdodia-a-diaterpassadopormudanasaceleradas,a crticadocotidianoassumiuumpapelestratgico.

    Em suascrticas,a historiografiado cotidianotemdocumentadopapissociais

    eminentementedemarcadosporcondicionamentosculturais,porminstveis,emfrancoprocessodetransformaoe deimprovisaodenovosparmetrosparasituaesim-previstas.A palavrapapisfoi substitudadeprefernciaporexpressescomoes-

    tratgiasou atitudes,que melhorconotavampossibilidadesde improvisaodemudanase deresistncia.

    Nossacontemporaneidadedesafiao conhecimentoinstitucionalizadoembuscadareinveno,sobretudonoplanopoltico,denovosmeiosdeconvvioedereajustamentodevaloressociais,tnicos,diferenciados,minoritrios,emconfrontocomo sistema

    centralizadode massificao,queconhecemose quenoscercaemnossodia-a-dia.

    Trata-sedeumaesperanademocrticadepositadanasobrevivnciademltiplasdife-

    Proj. Histria, So Pau/o, (17), noVo1998 257

  • -'.~

    ""

    ~, apesardasexignciashomogeneizantesdeorganizaesmultinacionais,.oras.

    . cotidianoconstituiatualmenteumareadeestudosvoltadaparaa apreensodas..rerenas,paraa documentaodeespecificidades.Procuraabarcaro conhecimento

    dentrodasnecessidadesconcretasdossereshumanosemsociedade,facea totalidadeshegemnicas,culturamassificada.

    Nessesentido,a hermenuticadocotidiano,emvezdefragmentar,participaemcheiodabuscadeconhecimentosnovosparaseressociais,concretose poisdiferen-ciados,culturalmentediversos.No esseumdesafioadstritoaospasessocialistas,queserevoltaramcontraa heranastalinista.O historiadordomicrossocialnascidadese nasdiferentesregiesbrasileirassevsvoltascomumconfrontomaisimediato

    entrenossasrealidadese as dassociedadescapitalistasdo primeiromundo,no seuconviverdemltiplastemporalidadessimultneas.O devassardosmeandrosdosritmos

    dessasdiferentestemporalidadesaparececomoumdosprincipaistrunfosdahermenu-ticacontemporneado cotidiano.

    258 Proj. Histria, So Paulo, (17), IIOV.1998