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International Congress of Critical Applied Linguistics Brasília, Brasil – 19-21 Outubro 2015 43 HABILIDADES DO SÉCULO 21: CONSTRUIR O PENSAMENTO CRÍTICO ATRAVÉS DO LETRAMENTO VISUAL Giselda dos SANTOS COSTA [email protected] Instituto Federal do Piauí- IFPI RESUMO: Em nossa sociedade, que é cheia de imagens, representações visuais e experiências visuais de todos os tipos, há, sim, paradoxalmente, ainda um grau significativo de analfabetismo visual. Apesar da importância de desenvolver competências visuais específicas, letramento visual ainda não é uma prioridade nos curriculos escolares (Santos Costa, 2013). Sosa (2009) alega que um grande problema no desenvolvimento do letramento visual é que os professores, também, não sabem como avaliar as imagens, porque eles nunca receberam instrução adequada para essa atividade. Esta comunicação tem como objetivos (1) enfatizar que a integração do letramento visual no currículo escolar pode incentivar o pensamento crítico. O crítico, neste trabalho, passa a ser visto não apenas como análise fundamentada, mas como uma análise procurando descobrir os interesses sociais e políticos na produção das imagens e recepção em relação aos efeitos sociais, culturais, de poder e dominação no contexto de vida dos alunos, e (2) apresentar uma atividade crítica visual agentiva explorando o videoclipe da cantora Beyoncé chamado Pretty Hurts com o objetivo de mostrar não só os benefícios de incluir comunicações visuais nas abordagens multimodais para a aprendizagem de línguas, mas também para mostrar algumas estratégias que podem ser aplicadas nas salas de língua para ensinar os alunos uma forma de codificar e decodificar os artefatos de sua cultura e trabalhar com o fenômeno da agência em sala de aula. Nesta pesquisa, agência é um processo de desenvolvimento pessoal interativo entre agente e ambiente que envolve: autoestima, autoconfiança, exigência pessoal entre outros. Palavras- chave: letramento crítico visual; pensamento crítico; agêncial; affordance modal 1.INTRODUÇÃO Letramento normalmente significa a capacidade de ler e escrever, mas também pode se referir à capacidade de ler vários tipos de sinais semióticos, por exemplo, imagens ou gestos. A proliferação de imagens na nossa cultura: em jornais e revistas, na publicidade, na televisão e na internet, faz letramento visual, a capacidade de “ler” imagens como uma habilidade vital no ensino de línguas. Williams (2007) recomenda que os estudantes tenham mais experiências com letramento visual na escola, pois o desenvolvimento de competências visuais aumenta tanto a capacidades de construção de significado e de pensamento crítico. Os educadores devem ajudar melhorar a “desconexão entre os textos que os estudantes têm em seu contexto escolar e fora da escola” (SERAFINI, 2012, p. 30), para disponibilizar aos alunos as ferramentas de que necessitam para ser um bom leitor de textos visuais e multimodais.

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International Congress of Critical Applied Linguistics

Brasília, Brasil – 19-21 Outubro 2015

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HABILIDADES DO SÉCULO 21: CONSTRUIR O PENSAMENTO CRÍTICO

ATRAVÉS DO LETRAMENTO VISUAL

Giselda dos SANTOS COSTA

[email protected]

Instituto Federal do Piauí- IFPI

RESUMO: Em nossa sociedade, que é cheia de imagens, representações visuais e experiências visuais de todos

os tipos, há, sim, paradoxalmente, ainda um grau significativo de analfabetismo visual. Apesar da

importância de desenvolver competências visuais específicas, letramento visual ainda não é uma

prioridade nos curriculos escolares (Santos Costa, 2013). Sosa (2009) alega que um grande

problema no desenvolvimento do letramento visual é que os professores, também, não sabem como

avaliar as imagens, porque eles nunca receberam instrução adequada para essa atividade. Esta

comunicação tem como objetivos (1) enfatizar que a integração do letramento visual no currículo

escolar pode incentivar o pensamento crítico. O crítico, neste trabalho, passa a ser visto não apenas

como análise fundamentada, mas como uma análise procurando descobrir os interesses sociais e

políticos na produção das imagens e recepção em relação aos efeitos sociais, culturais, de poder e

dominação no contexto de vida dos alunos, e (2) apresentar uma atividade crítica visual agentiva

explorando o videoclipe da cantora Beyoncé chamado Pretty Hurts com o objetivo de mostrar não

só os benefícios de incluir comunicações visuais nas abordagens multimodais para a aprendizagem

de línguas, mas também para mostrar algumas estratégias que podem ser aplicadas nas salas de

língua para ensinar os alunos uma forma de codificar e decodificar os artefatos de sua cultura e

trabalhar com o fenômeno da agência em sala de aula. Nesta pesquisa, agência é um processo de

desenvolvimento pessoal interativo entre agente e ambiente que envolve: autoestima,

autoconfiança, exigência pessoal entre outros.

Palavras- chave: letramento crítico visual; pensamento crítico; agêncial; affordance modal

1.INTRODUÇÃO

Letramento normalmente significa a capacidade de ler e escrever, mas também

pode se referir à capacidade de ler vários tipos de sinais semióticos, por exemplo, imagens

ou gestos. A proliferação de imagens na nossa cultura: em jornais e revistas, na

publicidade, na televisão e na internet, faz letramento visual, a capacidade de “ler” imagens

como uma habilidade vital no ensino de línguas.

Williams (2007) recomenda que os estudantes tenham mais experiências com

letramento visual na escola, pois o desenvolvimento de competências visuais aumenta

tanto a capacidades de construção de significado e de pensamento crítico. Os educadores

devem ajudar melhorar a “desconexão entre os textos que os estudantes têm em seu

contexto escolar e fora da escola” (SERAFINI, 2012, p. 30), para disponibilizar aos alunos

as ferramentas de que necessitam para ser um bom leitor de textos visuais e multimodais.

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Concordamos que integrar a habilidade visual em sala de aula de línguas é um

apoio benéfico para o professor, pois permite que os alunos pensem de forma mais

complexa, uma vez que as novas tecnologias levam a novas formas de informação,

exigindo, assim, um novo vocabulário e novos métodos de interpretação mais crítica. Mas

a nossa realidade educacional é diferente. Spalter e Dam (2008) apontam que a prática de

visualização é negligenciada em nossas salas de aulas, principalmente nos currículos de

ensino de línguas estrangeiras e de maneira geral das escolas, numa época em que o

desenvolvimento de cidadãos letrados visualmente é fundamental.

Por um lado, Spalter e Dam (2008) afirmam que os alunos estão envolvidos em

um ciclo constante de consumir e produzir mídias visuais, mas eles não são visualmente

letrados. Eles não têm as habilidades para compreender como decifrar uma imagem e

tomar decisões éticas sobre a validade e valor da informação. Por outro lado, Sosa (2009)

alega que um grande problema no desenvolvimento do letramento visual é que os

professores, também, não sabem como avaliar as imagens, porque eles nunca receberam

instrução adequada para essa atividade. Segundo Sosa, “as imagens podem ser ferramentas

poderosas, mas os professores muitas vezes se esquecem de explicar e discutir as imagens

com seus alunos por falta de conhecimento”.

Este trabalho é uma tentativa de preencher algumas partes dessa lacuna do como

saber desenvolver experiências de aprendizagem em sala de aula de línguas utilizando os

conceitos do letramento visual crítico. Em primeiro lugar, o artigo começa com uma breve

revisão de literatura sobre o conceito de letramento crítico no ensino de línguas. No

segundo momento, serão abordados o conceito de agência e affordance multimodal. No

terceiro momento, apresentaremos o vídeoclip como um texto multimodal e algumas

perguntas que podem ajudar o professor a construir uma atividade crítica. Em seguida, será

proposta uma atividade crítica e uma técnicas dialógica que podem melhorar o

pensamento crítico dos alunos. Finalmente, o artigo conclui apontando as contribuições da

integração do letramento visual no currículo de ensino de línguas.

2.LETRAMENTO CRÍTICO NO ENSINO DE LÍNGUAS

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Letramento crítico é uma noção relativamente recente no campo da linguagem e

do ensino de língua inglesa. Ele está incluído nas definições mais atuais de letramento e é

promovido como um elemento essencial no mundo atual.

No entanto, existem algumas dificuldades na tentativa de desenvolver o

letramento crítico em sala de aula. Embora não seja difícil encontrar teóricos e discussões

filosóficas/ políticas deste conceito. O próprio termo é interpretado de muitas maneiras

diferentes e muitas vezes é discutido bem abstratamente. Há também uma série de

condições semelhantes como pedagogia crítica, prática crítica, pensamento crítico,

educação para a mídia, consciência de linguagem crítica, e nem sempre fica claro como

esses termos se relacionam com letramento crítico.

O conceito deste termo ganhou campo de pesquisa durante os anos 1980 e 1990,

mas para muitos professores de língua estrangeira ainda não está claro o que uma

abordagem crítica significa na prática. Para alguns, o conceito de letramento crítico deriva

principalmente do trabalho de críticos teóricos do discurso e do seu reconhecimento de que

a linguagem não é um campo neutro. Para outros, as noções de letramento crítico têm suas

origens na Teoria de gêneros textuais e nas análises da Linguística Sistêmico Funcional,

como uma crença de que o simples conhecimento da linguagem e as diversas opções de

texto permitem atingir a coesão social, elemento útil para estudantes de línguas. Para

outros, ainda, a teoria de letramento crítico emerge da noção freireana em relação à

importância de analisar as relações e campos da ideologia, do poder social, cultural e

econômico que envolvem tanto quem ensina quanto quem aprende.

Observamos em nossas leituras que o objetivo do letramento crítico, em qualquer

um destes três conceitos acima, é aumentar a consciência crítica social dos alunos. De

acordo com Freire (2003), a partir do momento em que os alunos se tornam mais

conscientes e críticos, tornam-se mais inclinados a lutar contra os sistemas opressivos em

seu mundo e têm o poder de mudar sua realidade. O lugar mais lógico para que os alunos

encontrem os sistemas sociais, políticos e históricos que dominam o mundo é a sala de

aula. Ao envolver os alunos em textos e diálogos que aguçam sua consciência crítica,

Freire (2003) acreditava que os alunos não só se tornariam criticamente informados, mas

também eticamente comprometidos a transformar a sociedade como um ser agentivo.

3.AGÊNCIA

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A ideia de agência, inicialmente, parece ser uma simples capacidade do indivíduo

para agir, escolher ou decidir. Assim o conceituou Campbell, em conferência de 2003 da

Alliance of Rhetorical Societies (ARS). Para Campbell, agência é “a capacidade de agir,

ter a competência para falar ou escrever de uma forma que será reconhecida ou atendida

por outras pessoas em nossa comunidade”. Embora enfatize a fala e a escrita como

componentes fundamentais para a concepção de agência na teoria retórica, a noção de

Campbell (2003) sobre agência pode ser entendida também em termos mais gerais. Ela

sugere, na conferência em questão, que a própria natureza da ação retórica pareça

promíscua e multiforme, porque pode referir-se à invenção, às estratégias de autoria, à

identidade, à subjetividade, à autonomia, à instituição, às práticas e posições de sujeito,

entre outros.

Giroux (2000), afirma que agência é percebida pela capacidade de indivíduos a

agir de forma independente e fazer suas próprias escolhas e como a sua capacidade de se

engajar em ação social. Segundo Giddens, os agentes são atores que têm a capacidade de

agir "para alcançar os resultados desejados e destinados (1984, p. 15). No entanto, escolhas

e ações são limitados pelo sistema social que os rodeia. Huang (2011) visualizou agência

como ações reflexivas, autoconscientes decorrentes de deliberação e escolha. De acordo

com van Lier (2008), a agência é um evento social moldado por trajetórias históricas e

culturais e exercida por indivíduos, grupos e comunidades.

Esta definição também está de acordo com o argumento de Lantolf e Thorne

(2006) que uma agência nunca é propriedade de um indivíduo em particular; pelo

contrário, é um relacionamento que está constantemente co-construído e renegociado com

os indivíduos e com a sociedade em geral. Agência, portanto, é uma relação de interação

com o mundo social e que os professores e os programas educacionais pode desenvolver

em seus alunos. Agência oferece um potencial de ação que está enraizada no tempo, na

história, no espaço e na cultura (Scollon, 2005).

Em um estudo realizado pela Mercer (2011), a agência foi reconceituada à luz da

teoria da complexidade. A conclusão da pesquisa é que agência é concebida como o

sistema dinâmico complexo, que envolve, motivação, afeto e auto-reflexão como

componentes controladores de sistema agentivo do aluno. Segundo Cooper (2011), agência

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é o processo através do qual os agentes criam significados para agir no mundo e modificam

as suas estruturas em resposta às consequências percebidas de suas ações.

Para os pesquisadores da linguística aplicada crítica, a noção de agência é

essencial, pois alunos que são marginalizados no discurso dominante têm a capacidade de

resistir e contestar essa marginalização. Canagarajah (2005) e Manosuthikit (2008) falam

sobre agência de resistência. De acordo com Manosuthikit (2008), os alunos que

apresentam este tipo de agência empregam uma variedade de estratégias, incluindo o

silêncio, sátira e humor, em seus discursos, para expressar sua oposição sem confrontar

abertamente ao grupo dominante.

Para nossa investigação, agência se reconhece na capacidade do sujeito perceber e

refletir sobre seu comportamento e o comportamento do outro, planejar e executar ações e

modifica-las em respostas às ações percebidas em seu ambiente.

4.AFFORDANCE MODAL

Affordance modal, originário do trabalho de Gibson (1977), é um conceito que

descreve o que é possível expressar e representar facilmente em um modo. Para Gibson,

affordance é termo indica uma oportunidade para a ação que o ambiente oferece ao agente,

independente se o agente faz uso dela ou não.

O que percebemos quando olhamos, ouvimos, cheiramos ou seguramos algo?

Gibson, responde a essa pergunta quando afirma que o que percebemos são os valores e os

significados das coisas. O que percebemos não são necessariamente objetos, mas as

possibilidades de ação que proporcionam algum tipo de comportamento no agente. Em

nosso ponto de vista, affordance é processo interativo entre o indivíduo e seu ambiente,

sendo o ambiente um conjunto de recursos para ações disponíveis ao agente que precisa

perceber as pontencialidades e iniciar a ação ( Figura 1).:

Figura 1 - Conceito de affordance

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Fonte: Adaptado dos estudos de Sahin, E. et al. (2007)

Gunther Kress (2009) explica que modos semióticos têm affordances particulares

que oferecem potencialidades e limitações para a comunicação e representação. Affordance

linguística, por exemplo, normalmente envolve a língua oral e escrita (vocabulário,

pontuação, gramática); o affordance visual inclui imagens estáticas e em movimento ( cor,

vetores, linha, plano); o affordance gestual compreende expressões faciais e linguagem

corporal (movimento e velocidade, posição corporal); o affordance auditivo envolve a

música e efeitos sonoros (volume, tom, ritmo, silêncio, pausa); e o affordance espacial

envolve o layout e organização de objetos no espaço (proximidade, direção, posição no

espaço).

Segundo Santos Costa (2013), na interação, a qualquer momento, os modos de

comunicação têm significados diferentes para cada pessoa, pois os affordances não são os

mesmos para todos os aprendizes, já que dependendo dos objetivos, interesses, intenções e

culturais percebem potencialidades e significados diferentes.

Só recentemente o conceito de affordance foi introduzido nas pesquisas de ensino

de segunda língua e de língua estrangeira. Os investigadores são desafiados a

operacionalizá-lo. Nos estudos atuais, affordance modal é operacionalizado como qualquer

movimento discursivo que fornece informações sociolinguísticas para um aprendiz ou que

tem a intenção de ativar a consciência crítica do aluno a respeito dos fenômenos da

linguagem, principalmente através dos textos multimodais.

5.VIDEOCLIP: UM TEXTO MULTIMODAL

Multimodalidade refere-se a um campo de aplicação, em vez de uma teoria.

Qualquer disciplina pode explorar diferentes aspectos da multimodalidade. Estas

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abordagens estão preocupadas com a construção social e culturalmente situada de

significado, e pode ser aplicado para investigar o poder, a desigualdade e a ideologia nas

interações humanas e artefatos. Segundo Knoblauch et al. (2006), o interesse na

multimodalidade é ativado pelo uso da fotografia digital e vídeo-gravação da comunicação

humana que está se tornando uma prática padrão na pesquisa qualitativa.

A definição de multimodal do Grupo New London (1996) é a combinação de

modos em uma única composição para ter significado. Mas para ser “um modo” é preciso

haver um sentido cultural compartilhado dentro de uma comunidade e todos esses modos

realizam funções sociais e são organizados para fazer sentido. Por exemplo, um gesto, a

entonação de voz e a direção de um olhar fazem parte dos recursos para a construção de

significado.

Como os modos têm diferentes affordances, as pessoas sempre usam modos

diferentes simultaneamente para orquestrar significados ou sentidos. Há uma opinião geral

de que os textos multimodais tentam persuadir através da utilização de várias camadas de

recursos visuais, palavras, sons e outros modos de se comunicar. Kress e van Leeuwen

(1996), por exemplo, argumentam que em textos multimodais o significado é atribuído a

todos os modos implantados, e que uma interpretação unificada torna um argumento coeso

e dá ao leitor “muitas vozes”. Os autores de texto multimodal como o videoclipe, utilizam

muitos modos para reforçar seus argumentos e percebem que vários modos semióticos

contêm possibilidades e limitações únicas que tornam os modos particularmente capazes

de comunicar significados específicos.

O videoclip é um exemplo de multimodalidade. É um texto em que o significado é

construído a partir da combinação de vários sistemas de signos e as imagens é uma

ferramenta valiosa que tem o potencial de estimular e aumentar a formação de um leitor

reflexivo e crítico. O designer cria estruturas de uma história imagética, através do qual ele

expressa ações, eventos, pensamentos, emoções, sentimentos, estilo de vida, humor e

valores. Muitas dessas histórias, no vídeo, aparentemente simples, fazem conexão com

problemas culturais, políticos e sociais da nossa realidade. Além disso, os leitores podem

aprender como textos servem como artefatos sociais, críticos e nunca neutro de ideologia.

Os estudos de Ting Hung (2009) apontam como grandes vantagens dos vídeos a

possibilidade de os alunos não só ouvirem a língua, mas também ver os falantes e a

situação que apoia a aquisição de vocabulário, de forma a melhorar a pronúncia e a

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informação gramatical e cultural. Vídeos contêm pistas visuais, como gestos e expressões

que possibilitam aos alunos irem além do que ouvem. No entanto, é bem claro que as

escolas têm o desafio de olhar para outros modos de expressão, além do escrever, pois o

seu objetivo é preparar cidadãos críticos. Para Kress (2000) a música já não é visto como

uma forma de comunicação, mas como um meio de expressão. Assim, diferentes modos de

expressão implicam diferentes formas de significado. Kalantzis e Cope (2000) discutem a

necessidade da escola mudar suas papéis no sentido de uma educação mais pluralista, e

uma abordagem de multiletramentos poderia ser uma sugestão válida.

6.COMO FAZER PERGUNTAS EM UMA ATIVIDADE CRÍTICA

Um bom questionamento é uma parte vital de habilidades de pensamento crítico.

Uma das melhores coisas que você pode fazer para desenvolver a sua capacidade de pensar

criticamente é tornar-se consciente de aplicar uma série de perguntas para o que você lê,

então quais são as questões, como aprender a questionar? A resposta de alguns

especialistas é que boas perguntas críticas devem ser abertas, não fechadas. Perguntas

abertas deixam espaço para interpretação em diferentes pontos de vista. Elas geralmente

começam com "porque" ou "como", e nunca leva a um "sim" ou "não" como resposta.

Abaixo estão listados alguns exemplos de perguntas abertas. Desta forma, as

questões tornam-se muito flexíveis, permitindo que você aplique-as em vários contextos

diferentes. É importante salientar que estas questões não devem simplesmente ser

memorizadas. Em vez disso, eles devem ser aprendidas gradualmente através da aplicação

ao seu trabalho de sala de aula. Lembre-se, também, que todas estas questões não são

necessariamente aplicáveis a todas as situações que exigem determinados níveis de

pensamento crítico. Veja essa lista de questões na mesma forma que um mecânico vê uma

caixa de ferramentas: todas as ferramentas necessárias estão lá, mas ele sabe qual

ferramenta utilizar para determinado trabalho.

1-Quem ou o que você vê nesta imagem?

2-Quando este vídeo foi criado?

3-O que está acontecendo no vídeo?

4-Onde o vídeo foi produzido?

5-Quem foi o autor do vídeo?

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6-Qual o propósito especial do vídeo?

7-O que está acontecendo nesta imagem?

9-O que a linguagem corporal é mostrada pelas pessoas da imagem?

10-Como isso afeta a sua interpretação do vídeo/ das imagens/?

11-Como você interpreta esta imagem?

12-Por que o autor do vídeo seleciona esses elementos específicos? O que você não vê?

13-Por que o design enfatiza certos elementos e não outros? O que está em foco? É apenas

uma pessoa ou um elemento em foco, ou muitos elementos em foco?

14-Quem poderia ser o público principal?

15-O que te faz dizer isso?

16-Há algo no texto / textos que é deixado para a imaginação do leitor?

17-Como é enfatizado no vídeo a ideia principal?

18-Que contraste que o autor mostra na imagem?

19-Com base no que você sabe, lista três coisas que você pode inferir a partir destas

imagens

20-Que perguntas você faria em relação a essa imagem?

21-Que tipo de comparação de igualdade o autor está mostrando? Explique a metáfora.

22-Qual é a relação entre a imagem e a mensagem de texto exibida?

23-O que é que esta imagem significa para você?

24-Faça um breve resumo do que você sabe sobre as imagens.

25- O que foi deixado de fora da história?

7. DESIGN DE ATIVIDADES: DESENVOLVENDO O PENSAMENTO CRÍTICO

Apresentaremos uma pequena atividade visual explorando o videoclipe chamado

Pretty Hurts (A beleza dolorida, em tradução livre) com o objetivo de mostrar não só os

benefícios de incluir comunicações visuais nas abordagens multimodais para a

aprendizagem de línguas, mas também para mostrar algumas estratégias que podem ser

aplicadas nas salas de língua estrangeira para ensinar os alunos uma forma de codificar e

decodificar os artefatos de sua própria cultura.

Pretty Hurts é uma canção da cantora norte-americana Beyoncé, gravada para o

seu quinto álbum. Foi composta pela própria cantora com o auxílio de Joshua Coleman, Sia

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Furler e Bobby Long, sendo que a sua produção ficou a cargo de Ammo e Knowles. O

lançamento do videoclip foi no dia 24 de abril de 2014 em Nova Iorque com uma duração

de 4:17. A cantora abordou um problema bastante enfrentado pelas mulheres nos dias

atuais: a pressão por se manter sempre nos padrões de beleza imposta pela mídia e as

mulheres se tornam refém dos produtos e serviços que a mesma divulga. Para representar

esse problema social, o vídeo tem seu enredo num concurso de beleza onde todas as

garotas buscam por diversos modos de ganharem a premiação. Bulimia, abuso das drogas e

uso indiscriminado de métodos cirúrgicos são cada vez mais constantes nesse duro

sacrifício pelo prazer puramente material e estético.

O "crítico", neste trabalho, passa a ser visto não apenas como "análise

fundamentada", mas como uma análise procurando descobrir os interesses sociais e

políticos na produção das imagens e recepção em relação aos efeitos sociais, culturais, de

poder e dominação no contexto de vida dos alunos.

Atividade 1:

1- Com base no que você sabe, liste três coisas que você pode inferir a partir desta

imagem.

2- Como você interpreta esta imagem?

3- O que está acontecendo nesta imagem?

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4- O que é que esta imagem significa para você?

5- Que perguntas você faria em relação a essa imagem?

6- Que tipo de comparação de igualdade o autor está mostrando? Explique a metáfora.

Atividade 2

7.1 TÉCNICA DA PIRÂMIDE DISCURSIVA

A Pirâmide discursiva é uma técnica baseada na troca de ideias ou soluções. É uma

atividade oral que envolve os alunos em resolução de problemas em pequenos grupos. Ela

estimula a prática de atos argumentativos em confrontos com ideias e opiniões.

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Este método envolve a duplicação progressiva: os alunos primeiro trabalham

sozinhos, em seguida, em pares, em seguida, em quatro, e assim por diante. Na maioria dos

casos, depois de trabalhar em grupos de quatro, os alunos se reúnem para uma sessão

plenária na qual suas conclusões ou soluções são reunidas ou apresentadas. Jordan (1990)

fornece alguns passos para aplicabilidade desta técnica em sala de aula:

1-O professor produz alguma atividade problema.

2-O professor pede aos alunos individualmente para responder.

3-O professor divide a turma em pares e, em seguida, os alunos discutem seus argumentos

e pontos de vista até entrar em consenso.

4-O professor divide a turma em grupo de quatro e pede que eles façam comparações das

respostas e discutem novamente até encontrar um acordo.

5-O professor pede para cada grupo apresentar as respostas da atividade em curso.

6-Professor dá seu feedback para evitar mal-entendidos.

7.2 UTILIZANDO A TÉCNICA DA PIRÂMIDE DISCURSIVA EM SALA DE

LÍNGUAS

1-Os alunos assistiram o videoclip Pretty Hurts.

2. A professora distribuiu uma atividade crítica visual impressa.

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3. O professor reuniu a sala em pares para discutir as respostas da atividade.

4. Depois que cada estudante teve a oportunidade de partilhar as suas ideias, a dupla se

juntou a outro par, criando um grupo de quatro.

5. No final um representante de cada grupo relata as conclusões do grupo.

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Esta técnica promove o envolvimento dos alunos e ajuda a desenvolver a sua

capacidade de expor as suas ideias. Não só os alunos aprendem a participar mas também

tornam-se conscientes de que suas ideias estão fazendo parte de um grupo. É uma forma

de expandir a variedade de concepções: a cada vez que o grupo se expande, uma nova idéia

é avaliado, melhorando a qualidade do resultado global.

8. UMA RÁPIDA CONCLUSÃO

As análises das respostas dessa atividade não têm por objetivo aprovar ou reprovar,

considerar correta ou errada a resposta do aluno/participante, mas fornecer-lhe feedback

sobre seu senso crítico. A aquisição da criticidade é importante nesse tipo de atividade,

pois os professores não podem dar a interpretação “correta” de um elemento específico

visual, e sim estimular a visão da crítica para que eles possam construir e explanar seus

pontos de vista.

As atividades visuais tornaram os alunos mais conscientes da intencionalidade do

texto e permitiu que eles avaliassem o quanto são influenciados por suas próprias

interpretações visuais enquanto sujeitos de uma determinada cultura. Os alunos

perceberam que representações visuais fornecem uma compreensão que as linguagens

falada ou escrita não podem ser mais vistas como modos centrais na comunicação

humana, mas como um dos modos, entre outros, na construção de sentidos.

Os alunos apreciaram também o fato de que a aula de inglês aceita variedades de

assuntos apresentados nos vídeos, especialmente os temas atuais como tecnologia, família,

drogas, preconceito, terrorismo e sexo. Esse espaço aberto da aula de inglês foi

considerado como ideal para atividades múltiplas e variadas. O resultado é que a

aprendizagem de língua e os conhecimentos globais e locais ocorreram simultaneamente.

A aula de inglês é um contexto interessante para relatar conhecimentos diversos, porque há

poucas restrições sobre o assunto que pode ser abordado durante as atividades de

aprendizagem de uma língua estrangeira.

No caso deste estudo, fizemos uso de práticas ‘localizantes’ em nosso fazer

pedagógico quanto às atividades de letramento visual crítico com este videoclipe. Usamos

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tópicos interessantes sobre questões globais que também se aproximam do saber local das

realidadades dos alunos para ensinar a ouvir, falar, ler, escrever e ver.

O videoclip tem um impacto sobre a motivação e interesse dos alunos. Ele é uma

excelente ferramenta para a demonstração do significado e sentido das cenas cotidianas da

cultura alvo. Este efeito foi amplificado com a combinação de sons e imagens, por vezes,

o texto verbal (sob a forma de legendas) em conjunto com informações socioculturais

sobre os hábitos, tradições, cultura. Reforçamos a importância de o professor ter

conhecimento de que os diferentes modos de imagem, som e movimento podem

influenciar ou não a maneira como o significado se constrói. E tal significado é construído

ao longo da sequência de clipes ou imagens justapostas. Não podemos esquecer que cada

indivíduo tem uma forma única de ver o mundo. A imagem visual é mais uma ferramenta

para ganhar a compreensão do mundo social.

Em termos de letramento visual, os alunos devem ser explicitamente ensinados a

entender, interpretar e questionar aspectos da arte visual e design, pois todos os aspectos da

composição visual têm um viés cultural. Os alunos precisam estar cientes do significado

semiótico, os significados de cor, enquadramento, e posicionalidade, por exemplo, a fim de

compreender os elementos visuais em uma postura crítica. Através de questionamentos,

discussão e pontos de vista, os alunos podem resolver problemas em conjunto e fazer as

leituras de imagens dentro de um contexto sociocultural particular. Na verdade, os

educadores serão negligentes se não ensinar essa compreensão para os alunos. Em suma, a

semiótica não pode ser deixada para os semióticos. Segundo Newfield (2011), desenvolver

letramento visual é um processo lento e multifacetado. Engloba aprender a olhar mais

consciente em manifestações visuais da realidade e dos fenômenos sociais. E não podemos

esquecer que somos processadores visuais, visualizadores, além de leitores.

A fim de preparar os alunos para participar ativamente num mundo socialmente

diversificado, localizado, globalizado e tecnológico, os professores precisam encontrar

novas formas de ensino e aprendizagem e proporcionar oportunidades para os alunos

explorarem, conhecerem e se envolverem criticamente com uma ampla variedade de textos

e diferentes práticas de letramento. Neste estudo, mostramos que os professores não devem

ser apenas usuários de tecnologia, mas, mais do que isso, visto que eles são questionadores

e produtores de tecnologia através de seus designs instrucionais sempre fazendo ligações

com a vida quotidiana dos alunos.

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REFERÊNCIAS

CANAGARAJAH, S. A. Reclaiming the local in language policy and practice. Mahwah, NJ:

Lawrence Erlbaum Associates.2005.

COOPER, M. Rhetorical agency as emergent and enacted. College Composition and

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