guia de estudos - 2013

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ISSN: 2318 6003 UFRGSMUNDI: Guia de Estudos Marina de Oliveira Finger Willian Moraes Roberto Organizadores Porto Alegre, v. 1, nov. 2013 UFRGSMUNDI Porto Alegre v.1 p.1-303 2013

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Page 1: Guia de Estudos - 2013

ISSN: 2318 6003

UFRGSMUNDI:

Guia de Estudos

Marina de Oliveira Finger

Willian Moraes Roberto

Organizadores

Porto Alegre, v. 1, nov. 2013

UFRGSMUNDI Porto Alegre v.1 p.1-303 2013

Page 2: Guia de Estudos - 2013

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Editor Chefe

Paulo Visentini (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil)

Comitê Editorial

Analúcia Danilevicz Pereira (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil)

André Reis da Silva (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil)

Érico Esteves Duarte (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil)

Henrique de Castro (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil)

Luiz Augusto Faria (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil)

Jacqueline Haffner (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil)

José Miguel Martins (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil)

Marco Aurélio Cepik (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil)

Sônia Ranincheski (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil)

Conselho Editorial

Larissa Monteiro (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil)

Luíza Gimenez Cerioli (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil)

Diogo Ives (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil)

Marcelo Kanter (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil)

Marina de Oliveira Finger (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil)

Willian Moraes Roberto (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil)

Renata Schmitt Noronha (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil)

Contato

Núcleo Brasileiro de Estratégia e Relações Internacionais (NERINT)

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Instituto Latino-Americano de Estudos Avançados

Campus do Vale, Prédio 43322

Av. Bento Gonçalves, 9500, CEP 91509-900, Porto Alegre, RS

Page 3: Guia de Estudos - 2013

3

Sobre a Revista

UFRGSMUNDI: Guia de Estudos é uma publicação acadêmica produzida

com o apoio do Centro Estudantil de Relações Internacionais (CERI-UFRGS), do

UFRGSMUN e do Núcleo Brasileiro de Estratégia e Relações Internacionais

(NERINT). O objetivo do periódico é popularizar o estudo das Relações

Internacionais entre alunos da graduação e do Ensino Médio. Os artigos são

inéditos e escritos em língua portuguesa por alunos de graduação da UFRGS, de

acordo com os temas escolhidos pelo Conselho Editorial do periódico. A escolha

das temáticas se dá dentro de parâmetros como a relevância dessas para as

Relações Internacionais e a proximidade dessa com a realidade dos alunos de

Ensino Médio.

Page 4: Guia de Estudos - 2013

4

Apoio:

Arte da Capa: Lucas Barbosa

Edição da Capa: Paula Moizes, Jordy Passa e Fernanda Zaffari

Qualquer parte desta publicação pode ser reproduzida, desde que citada

a fonte.

DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO

(CIP)Responsável: Biblioteca Gládis Wiebbelling do Amaral, Faculdade de

Ciências Econômicas da UFRGS

UFRGSMUNDI/ Universidade Federal do Rio Grande do Sul,

Faculdade de Ciências Econômicas, Curso de Relações Internacionais. –v. 1

(2013). –Porto Alegre:CERI/UFRGSMUN/NERINT/UFRGS, 2013-

Anual.

ISSN 2318 6003

1. Ciência Política. 2. Relações internacionais. 3. Política

internacional. 4. Diplomacia.

CDU 327

Page 5: Guia de Estudos - 2013

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Volume 1, 2013

Editorial

.......................................................................................................................................7

Conselho de Segurança das Nações Unidas Histórico: A ocupação de Angola e as agressões da África do Sul (1984).......................................................................................................................................9

Bruna Contieri, Bruna Lersch, Jéssica Höring, Willian Moraes Roberto

Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas: Políticas de imigração e proteção aos direitos do imigrante....................................................................................................................................48

Bernardo Prates, Giulia Barão, Júlia Tocchetto, Matheus Machado Hoscheidt, Victor Merola

Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente: transição energética...............................................................................................................95

Luciana Costa Brandão, Othon Veloso Schenatto, Eduardo Dondonis, Michelle Baptista, Leonardo Weber, Lucas Santos

Conferêndia de Bandung ................................................................................157

Giovana Esther Zucatto, João Arthur da Silva Reis, Marília Bernardes Closs, Natália Regina Colvero Maraschin, Osvaldo Alves

Organização dos Estados Americanos: Redução da oferta de drogas na América Latina: o caso da plantação de coca.................................................................................................................... 194

André França, Bruna Coelho Jaeger, Giordano Bruno Antoniazzi Ronconi, Guilherme Simionato, Luísa Saraiva

Page 6: Guia de Estudos - 2013

6

Organização Mundial do Comércio: Protecionismo, desenvolvimento e segurança alimentar: negociações acerca dos subsídios agrícolas.................................................................................................................................227

Camille Remondeau, Giovana Esther Zucatto, Mariana M. S. Bom, Renata Schimitt Noronha

Corte Internacional de Justiça: Corpo Diplomático e Consular dos Estados Unidos em Teerã (Estados Unidos v. Irã).................................................................................................................................245

André da Rocha, Fernanda Graeff Machry, Luíza Leão Soares Pereira, Michelle

Gallera Dias

Agência de Comunicação.................................................................................272

Jade Knorre, Paula Moizes, Sarita Reed, Vinicius Fontana

Page 7: Guia de Estudos - 2013

7

Editorial

O UFRGSMUNDI, Simulação das Nações Unidas para Secundaristas do Rio

Grande do Sul, teve sua origem na ação de um grupo de estudantes da UFRGS que

desejavam democratizar a tradicional simulação em inglês UFRGSMUN, voltada

para universitários. A seleção de escolas, a maioria pública, bem como todo

planejamento para a simulação realizada em português, foi feita pela equipe

organizadora de estudantes. Isso resultou, com a primeira edição, no

engajamento de professores e alunos secundaristas, com enorme entusiasmo.

Sempre foi difícil aos professores de história, geografia, filosofia, artes,

idiomas e sociologia, entusiasmarem seus estudantes a partir dos tradicionais

manuais escolares. A simulação, entretanto, permitindo que cada um buscasse

entender um país em profundidade, a ponto de defendê-lo como delegado,

mudou completamente a situação, pois era necessário buscar conhecimentos e

informações em diversas áreas. Sem perceberem, se tornavam multidisciplinares,

como o campo das relações internacionais.

Os conteúdos aborrecidos das disciplinas isoladas ganharam novo

significado quando associados a problemas da guerra e da paz, prosperidade e

miséria, entre outros. O exercício permitiu a descoberta de outra realidade por

detrás dos clichês jornalísticos e das informações da internet, sempre

acompanhadas de imagens sensacionalistas. A iniciativa despertou talentos e

projetos futuros para muitos estudantes secundaristas. O sucesso do evento,

inclusive, gerou um problema: a cada ano o número dos que desejam participar é

maior.

Assim, esta iniciativa dos alunos de relações internacionais da UFRGS

demonstra, mais do que uma visão empreendedora, a solidariedade que prepara

Page 8: Guia de Estudos - 2013

8

os futuros estudiosos do tema. E assim agindo desencadeiam um fenômeno

multiplicador, pois a experiência é repassada a colegas secundaristas e seus

familiares. A política internacional deixa, desta forma, de ser domínio de um

grupo de experts, para se popularizar. E somente assim os avanços logrados pelo

Brasil no cenário internacional serão irreversíveis.

Prof. Dr. Paulo Fagundes Visentini

Coord. acadêmico do UFRGMUNDI

Page 9: Guia de Estudos - 2013

UFRGSMUNDI

UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 9-47, 2013 9

Conselho de Segurança Das Nações Unidas Histórico

A ocupação de Angola e as agressões da África do Sul (1984)

Bruna Contieri1

Bruna Lersch2

Jéssica Höring3

Willian Moraes Roberto4

1. Histórico

1.1. O Império português

Angola é um país localizado na costa ocidental do continente africano.

Sua história está inserida no contexto da colonização da África por países

europeus – mais especificamente no contexto de colonização portuguesa –, a qual

é resultado do processo de expansão marítima que marca a época moderna na

Europa5. Portugal foi pioneiro nesse novo empreendimento marítimo visto sua

ótima posição geográfica – na ponta oeste da Europa, projetando-se em direção

1 Estudante do 1º semestre de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e do 3º semestre de Relações Internacionais da ESPM-RS. 2Estudante do 3º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). 3Estudante do 5º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). 4Estudante do 5º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). 5 Nesse período, a economia europeia começava a desenvolver-se e utilizava-se cada vez mais a moeda, diferentemente do antigo período feudal. A burguesia foi consolidando-se como importante classe e aliou-se ao Rei, o que possibilitou a formação dos Estados Nacionais através da centralização do poder nas mãos de um monarca. Essas transformações, aliadas a inovações tecnológicas que surgiam, tais como a bússola e a caravela, possibilitaram a superação das barreiras medievais para o desenvolvimento econômico. A partir daí, os Estados começaram a enviar expedições marítimas a fim de ampliar seus mercados e de encontrar novas fontes de metais preciosos.

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ao Oceano Atlântico e ao norte da África – e devido a sua centralização precoce6.

A constituição do Império Colonial Português iniciou-se em 1415 e, em 1456,

Portugal dá inicio ao povoamento do continente africano. A partir daí, lançam-se

as bases para a expansão do domínio português, com o estabelecimento de

entrepostos comerciais na costa ocidental africana. No final do século XV, o Cabo

das Tormentas –ponto mais ao sul do continente africano – é contornado,

abrindo caminho para a colonização da costa oriental africana.

Quando os portugueses desembarcaram na África, o continente era

constituído por inúmeros reinos e sociedades distintos, os quais possuíam

culturas, sistemas políticos e econômicos particulares. Angola, por exemplo,

formou-se como o resultado da união de dois desses reinos: Ndongo e Matamba

(CAVAZZI DE MONTECUCCOLO, 1965). Nesse sentido, Portugal, assim como as

outras potências europeias, passou séculos aproveitando-se de conflitos étnicos e

estimulando uns contra os outros com o objetivo de enfraquecer a unidade

interna dos países africanos e, dessa forma, facilitar a sua dominação e presença

nesses territórios.

Portugal estava interessado em Angola como um mercado abastecedor

de escravos para suas outras colônias como, por exemplo, o Brasil, que

vivenciava o ciclo da cana de açúcar e posteriormente da mineração, atividades

6 A centralização precoce de Portugal e a formação de seu Estado Nacional devem ser entendidas no contexto da Guerra de Reconquista e posterior Revolução de Avis. A Guerra de Reconquista foi um processo que ocorreu na Península Ibérica, entre o século VIII e o século XV, com o objetivo de expulsar os árabes que estavam nessa região. Enquanto os reinos que, apenas em 1469, dariam origem à Espanha, estavam envolvidos na Reconquista, Portugal, que antes era um condado do reino de Leão, tornou-se independente, sob o comando de D. Afonso Henriques. Em 1383, com a morte de D. Fernando, Castela tenta incorporar Portugal, mas uma revolta portuguesa expulsa os partidários de Castela do país e proclama um novo rei, dando inicio a dinastia de Avis. Mais uma vez, Portugal afirma-se como Estado Nacional. A partir daí, pôde concentrar seus esforços para investir em empreendimentos como a expansão marítima.

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UFRGSMUNDI

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dependentes de mão de obra escrava. Além disso, Portugal também teve

motivações e incentivos religiosos para expandir-se a ultramar, pois o clero

desejava converter outros povos ao cristianismo e assim aumentar sua

influência7.

A partir do século XIX, com a independência do Brasil, Portugal

aumentou sua presença em suas colônias africanas para compensar a perda de

recursos que antes eram provenientes de sua colônia americana. A crescente

industrialização portuguesa também foi um incentivo ao aumento da exploração

nessas regiões como forma de obter matérias-primas. Além disso, outras

potências europeias como Inglaterra, França, Alemanha e Itália apresentavam um

interesse cada vez maior em explorar outros territórios, também em busca de

matérias-primas, configurando, dessa forma, uma forte concorrência a Portugal e

pressionando-o a controlar mais fortemente suas colônias e afirmar, perante

esses outros países, a sua posição de domínio nessas áreas.

Em 1884 ocorreu a Conferência de Berlim, encontro proposto por

Portugal, com o objetivo de redefinir as possessões coloniais africanas entre as

potências imperialistas da época. Esse evento demarca uma nova fase do

imperialismo europeu em busca de colônias, dessa vez centrada no continente

africano e asiático. A divisão da África resultante da Conferência foi totalmente

arbitrária, se dando de acordo com os interesses europeus, sem respeitar os

diferentes traços étnicos, culturais, sociais e políticos dos países africanos, o que

resultou em inúmeros conflitos internos e guerras civis.

Nesse período, Angola ia se tornar a principal colônia portuguesa na

África, pois se descobriu que era rica em jazidas minerais de petróleo, diamantes

7Aumentar a influência e o domínio da Igreja Católica sobre essas regiões era uma forma de fortalecer em dobro a presença europeia na África, uma vez que o poder católico estava assentado na Europa.

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e ferro. A agricultura também começou a gerar retornos à metrópole, tendo como

principais produtos comerciais o café, o algodão e o fumo8. Assim sendo, para

manter um controle mais rígido de sua colônia, Portugal estruturou o país

conforme seus interesses, mantendo uma elite de aristocratas, religiosos e

funcionários, enquanto a massa de trabalhadores estava na base da pirâmide

social.

No início do século XX, Portugal deixou de ser uma monarquia e tornou-

se uma República. Este evento inaugurou um período caracterizado por uma

forte instabilidade de governos em Portugal, o que incentivou movimentos

nacionalistas e proporcionou uma maior autonomia às colônias em função da

desestruturação do quadro burocrático da metrópole (VISENTINI, 2012).

1.2. O contexto do século XX: as Grandes Guerras e a Guerra Fria

Este mesmo século XX foi marcado por acontecimentos que abalaram e

modificaram profundamente as relações internacionais. As duas grandes guerras

foram caracterizadas por conflitos entre as ambições imperialistas das potências

e resultaram em danos significativos para todos os países envolvidos. Após as

guerras, segue-se a decadência da influência europeia no sistema internacional,

visto que muito embora importantes países europeus tenham saído vitoriosos,

estes tiveram suas economias abaladas devido aos gastos de guerra, ficando

impossibilitados de retomar suas antigas posições hegemônicas (HOBSBAWM,

1994).

8A abolição da escravatura em Angola já vigorava desde 1878. Logo, vários experimentos agrícolas foram feitos a fim de encontrar um produto que substituísse os escravos na pauta de exportação da colônia (VISENTINI, 2012).

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Nesse contexto, os EUA, que conseguiram manter-se fortes durante as

duas grandes guerras, surgiram como credores dos países europeus, tornando-os

dependentes do capital estadunidense para a reconstrução de suas economias. A

URSS, apesar de ter sofrido grandes perdas humanas e altos gastos durante os

conflitos mundiais, também ganhou importância após a IIª Guerra Mundial por

ter sido peça fundamental para a vitória dos aliados, adquirindo influência

diplomática internacionalmente. Além disso, foi sua economia interna forte e

relativamente fechada em relação à economia mundial que fez com que

conseguisse manter certa estabilidade econômica, assumindo uma posição

vantajosa em relação aos países europeus, que estavam totalmente fragilizados.

Com sua ascensão, EUA e URSS constituíram blocos distintos entre si, os

quais defendiam ideologias divergentes, uma capitalista, sob a hegemonia dos

EUA, e a outra socialista, mantida pela URSS. Era o início da Guerra Fria, período

no qual o Sistema Internacional tornou-se bipolar, isto é, dominado por duas

grandes potências, as quais se ameaçavam mutuamente e utilizavam sua

influência em Estados do Terceiro Mundo para atacar-se indiretamente, haja

vista o perigo de uma guerra nuclear num conflito direto entre os dois blocos.

Após a IIª Guerra Mundial, os países europeus, incluindo Portugal,

direcionaram todos os seus esforços para a sua reconstrução interna, baseada no

capital estadunidense,tornando a exploração efetiva das colônias cada vez mais

inviável do ponto de vista econômico9. Dessa forma, a presença das metrópoles

9Os EUA financiaram a reconstrução, após a IIª Guerra Mundial, dos países aliados europeus por meio de um plano econômico conhecido como “Plano Marshall”, criado em 1947. Essa ajuda consistia basicamente em empréstimos financeiros. O “Plano Marshall” pode ser entendido, no contexto da Guerra Fria, como uma forma de fortalecer o capitalismo e a hegemonia estadunidense. Embora Portugal não tenha se envolvido diretamente na II° Guerra Mundial, teve sua economia desestruturada, pois exportava para os países envolvidos e, devido ao conflito, essas exportações caíram, afetando a economia portuguesa. Nesse sentido, Portugal insere-se no “Plano Marshall” de reconstrução europeia.

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nas colônias tornou-se cada vez menor, assim, os países africanos tiveram a

oportunidade de radicalizar seus movimentos nacionais e anticoloniais. Os EUA e

a URSS, mesmo defendendo ideologias diferentes, adotavam um posicionamento

parecido ao ser contra o colonialismo, seja alegando a livre determinação dos

povos, como os americanos, seja opondo-se ao “imperialismo capitalista”, no caso

soviético.

Durante a Guerra Fria ocorre a “Era das Independências”(HOBSBAWM,

1994), na qual os países africanos lutaram, por meio de movimentos populares,

por sua descolonização10. Considerando a constante concorrência entre as duas

grandes potências do período, era de extrema importância que elas

conseguissem o maior número possível de zonas de influência no mundo, pois

estariam legitimando, internacionalmente, os seus modos-de-produção. Dessa

forma, EUA e URSS apoiavam os processos de independência dos países africanos

e, após a independência efetiva, ofereciam ajuda para estruturá-los internamente.

Esse tipo de “ajuda para o desenvolvimento” era o modo de manter um elo de

dependência financeira e burocrática entre esses novos e frágeis países e as

potências centrais.

Outro aspecto fundamental desse período é que quando os países

africanos conseguiam conquistar sua independência em relação às antigas

metrópoles, iniciavam-se disputas domésticas para decidir quem seriam as elites

dirigentes que governariam a política nacional, visto que esses países possuíam

inúmeras contradições internas resultantes dos primeiros processos de

10“Era das Independências” é um termo criado pelo autor Eric Hobsbawn (1994) para referir-se aos processos de descolonização que ocorreram ao longo do século XX, não só na África, mas também na Ásia e Oceania.

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UFRGSMUNDI

UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 9-47, 2013 15

colonização e acentuadas com a divisão arbitrária do continente prevista na

Conferência de Berlim. Tudo isso resultou em processos de independência

marcados por conflitos internos e posteriores guerras civis.

1.3. O processo de independência de Angola

Ao contrário da grande maioria das outras nações africanas que tiveram

sua independência nas décadas de 1950 e 1960, Angola teve o seu desligamento

da metrópole tardiamente. Tal fato deveu-se ao governo fascista de Antônio

Salazar, que não abriu mão dessa fonte de recursos e postou-se contra a maré,

mantendo seus domínios também no restante da África portuguesa. O processo

de independência de Angola começou na década de 1960, estendendo-se até a

década de 1970 quando, em vez de acontecer a celebração da paz e da

estabilidade, os conflitos de independência deram lugar à Guerra Civil.

Havia três grupos armados de oposição às forças de Portugal: MPLA

(Movimento pela Libertação de Angola), a FNLA (Frente Nacional pela Libertação

de Angola) e a UNITA (União pela Independência Total de Angola). O primeiro, de

orientação socialista e dirigido por Agostinho Neto, era o grupo mais bem

articulado e o que liderou o processo durante boa parte do período. Teve apoio de

países do bloco socialista, em especial da URSS e de Cuba. A FNLA caracterizou-se

por ser bastante personalista, tendo foco o líder Holden Roberto. Era

anticomunista declarada e racista (contra brancos). Quanto à UNITA, foi formada

por um membro que se desligou da FNLA, Jonas Savimbi. Era bastante fraca

militarmente, porém, teve, durante bastante tempo, o apoio dos Estados Unidos e

da África do Sul. Sua posição ideológica flutuava de acordo com a ajuda externa.

Houve a fusão dos dois últimos movimentos quando da dissolução da FNLA,

agindo todos sob o nome de UNITA (VISENTINI, 2012).

A Guerra Popular de Libertação do Povo Angolano teve seu início em 1961,

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Conselho de Segurança Das Nações Unidas Histórico: A ocupação de Angola e as agressões da África do Sul (1984)

16 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 9-47, 2013

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tendo sido treze anos de disputa entre os três movimentos de libertação e o

governo português. O conflito foi, em sua maior parte, liderado pelo MPLA, exceto

quando da prisão de Agostinho Neto – período de turbulência interna do

movimento, quando mesmo a URSS cessa com seu auxílio, voltando a concedê-lo

no momento de sua soltura em 1964, quando Cuba também passa a apoiá-lo.

Nesse mesmo ano de 1964 houve, por meio da Organização da Unidade Africana,

o apoio da Zâmbia, que possibilitou a abertura de uma nova base militar; e da

Tanzânia, que foi intermediária na recepção das armas chinesas e soviéticas ao

MPLA (VISENTINI, 2002).

O conflito estendeu-se até um episódio ocorrido em Portugal conhecido

como Revolução dos Cravos, em 1974, que incorreu na queda do regime ditatorial

fascista de Antônio Salazar e, consequentemente, rompeu as principais amarras

da colônia com a metrópole. Consequência disso vai ser a assinatura do Protocolo

de Alvor pelos três movimentos de independência e pelo governo de Portugal. Tal

acordo estabelecia as condições para o desligamento da colônia, que tinha ficado

marcado para o final do ano seguinte, em 11 de novembro de 1975.

Entretanto, a declaração de paz não trouxe paz e a guerra acabou se

estendendo. Um governo de transição formado pelos três grupos e uma

representação de Portugal foi criado, mas devido às grandes diferenças

ideológicas entre os membros este não se sustentou. Os apoios externos

continuam e agora passam a atuar diretamente no conflito, o deixando com

características de um conflito do âmbito da Guerra Fria, o que é fortalecido

quando os cubanos também passam a combater ao lado do MPLA em Angola11. A

11 Os cubanos entrarão em Angola através da Operação Carlota em 1975, como será descrito adiante.

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UFRGSMUNDI

UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 9-47, 2013 17

luta passa a se travar, então, basicamente, entre o MPLA e os outros dois

movimentos.

1.4. O papel da África do Sul

A partir de 1976, já depois da declaração de independência, a guerra em

Angola recebe um novo apoiador aos movimentos contrários ao MPLA – que é o

grupo que obteve sucesso na unilateral declaração de independência.12Este

apoiador é a África do Sul, país apoiador do Ocidente na Guerra Fria e detentor do

controle da infraestrutura regional- herdada da colonização britânica-,o qual

tinha também sob sua dependência os países vizinhos em função da sua

superioridade econômica. Tal apoio sul-africano objetivava mudar a situação

vivida pelo governo desde o fim do colonialismo português na África Austral, que

causou a quebra do chamado “Cord~o Sanit|rio” –Estados vizinhos que antes

apoiavam o regime racista de uma minoria branca, o Apartheid.

O Apartheid, regime de segregação racial, começou a ser institucionalizado

a partir da ascensão ao poder do National Party em 1948, mesmo tendo sido

elaborado anos antes13. Tal política baseava-se na ideia que só seria possível a

coexistência da minoria branca com a maioria negra no país se a segunda se

submetesse à primeira, caso contrário causaria o suicídio da raça branca.

De forma sintetizada, o sistema era composto pelo Pequeno Apartheid e

pelo Grande Apartheid. O primeiro era caracterizado por discriminações

corriqueiras, para a utilização de diversos estabelecimentos, como, por exemplo,

12Houve a declaração da República Popular de Angola pelo MPLA e da República Democrática de Angola pela UNITA. A segunda não obteve reconhecimento de nenhum país, enquanto foi a primeira que prevaleceu externamente. 13 Na formulação de seus intelectuais e na exploração dos políticos, a história do Apartheid tem início pouco antes de 1948. No entanto, a da segregação antecede essa data em muito e não são poucos os analistas que localizam suas raízes no século XIX (PEREIRA, 2007).

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Conselho de Segurança Das Nações Unidas Histórico: A ocupação de Angola e as agressões da África do Sul (1984)

18 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 9-47, 2013

1

8

restaurantes, estádios, praias, sistemas de transporte público, etc. Isto é, havia

diferenças estabelecidas de acordo com a cor da pele para a utilização desses

sistemas, coexistindo num mesmo espaço, bancos de ônibus para brancos e

outros somente para negros, por exemplo. Já o Grande Apartheid consistia nos

grandes pilares legislativos que não eram tão visíveis, mas significavam um

distanciamento ainda maior entre os dois povos. Alguns exemplos dessas leis são:

Group Areas Act (Lei de Áreas de Grupos), de 1950, que dava permissão ao

governo de tirar à força quem não estivesse na terra considerada adequada por

este; Prohibition of Mixed Marriages (Proibição de Casamentos Mistos), de 1949,

que proibia o casamento entre as ditas raças diferentes; Immoralityact (Lei de

Imoralidade), de 1927-1959, que vetava relações sexuais entre brancos e não-

brancos.

Com as independências das ex-colônias portuguesas, o Primeiro Ministro

da África do Sul à época, John Vorster, temendo a possibilidade de ocorrer uma

insurreição negra generalizada na África contra regimes de brancos, formula uma

política chamada de déténte, que consistia na busca da solução dos conflitos na

região por meios pacíficos. Segundo Wolfgang Dopcke (2008),

A exposição das fronteiras da África do Sul e da Namíbia a Estados [que adotavam políticas potencialmente antiapartheid] provocou Pretória a apresentar uma nova iniciativa na política regional, a chamada déténte, que governou as relações internacionais na África Austral entre meados de abril de 1974 e o final de 1975. O raciocínio central desta abordagem foi o de que a nova situação de segurança da África do Sul necessitava uma resolução pacífica dos conflitos correntes na África Austral (Namíbia e Rodésia do Sul [atual Zimbábue, desde 1979]), senão os conflitos iriam [aumentar]. (...) os movimentos anticoloniais poderiam se radicalizar e a maioria dos africanos chegaria a apoiar estes movimentos radicais e “comunistas” (DOPCKE,2008).

Page 19: Guia de Estudos - 2013

UFRGSMUNDI

UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 9-47, 2013 19

Com a déténte, Vorster objetivava alcançar alternativas para os planos

internacionais de emancipação de territórios, bem como formar governos com

participação também da maioria negra, embora liderados pelas elites brancas

(PEREIRA, 2007). Entretanto, foi a própria África do Sul que acabou por

promover o fracasso definitivo desta política ao invadir Angola em setembro de

1976.Houve, por parte da África do Sul, não só o começo do que Wolfgang Dopcke

(2008) chama de tradição de interferência repressiva no subcontinente, como

também a subestimação das forças do MPLA e da presença soviética e cubana em

território angolano.

Vale lembrar que a presença de um regime socialista alinhado à União

Soviética tão perto da África do Sul era extremamente indesejada não só porser

uma ameaça à governança da elite branca e ao sistema capitalista em si como

também pelo apoio que Angola prestava aos movimentos de oposição sul-

africanos, em especial, à SWAPO (Organização dos Povos do Sudoeste Africano)14.

2. Desenvolvimento da questão

2.1. As guerras com a África do Sul: guerra em larga escala na África Austral

2.1.1. A Estratégia Total da África do Sul e a invasão a Angola

O colapso do império português na África, por volta de 1975, com as

independências de Angola e Moçambique, trouxe mudanças importantes na

din}mica regional do Sul da África. Isso acabou rompendo com o “cord~o

sanit|rio de regimes brancos” que se encontravam ao redor da África do Sul e

que antes a protegiam de incursões vindas do resto do território, além de

garantir relativo apoio a esse tipo de governo (PEREIRA, 2012). Dessa forma, a

14 A SWAPO é o movimento de libertação da Namíbia, território ainda ocupado pela África do Sul.

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0

ascensão de governos de cunho marxista, que se opunham aos regimes racistas,

colocou a África do Sul em uma posição em que esta passou a sentir-se ameaçada.

Após uma política externa que

não logrou resultados efetivos, o

primeiro-ministro Vorster deixou o

cargo em 1978. Em seu lugar, após

novas eleições, Pieter Willem Botha

assume como o novo Primeiro-

Ministro, dando início a Era Botha. Seu

governo caracteriza-se por ser

responsável por uma grande ascensão

dos militares, os quais passaram a

influenciar o processo de formulação

política (BRANCO, 2003). Tal

fenômeno é responsável pela

mudança da política externa da

África do Sul para algo mais violento

e intervencionista.

Botha considerava

que a África do Sul estava ameaçada

e cercada por regimes hostis. Por

isso, e considerando que a abordagem que buscava o diálogo - détente, tentada

por Vorster, havia falhado, o atual Primeiro-Ministro resolve recuperar o

conceito de Assalto Total que fora criado em 1973. Esse conceito, criado pelos

militares, apresentava a África do Sul cercada por inimigos que empunham

Mapa da região do Sul da África. Em verde,

África do Sul, regime do Apartheid. Com as independências

de Angola e Moçambique, somados a Botswana e Zâmbia,

criou-se países antiapartheid e contra a África do Sul.

Zimbabwe, independente em 1979, também se oporá a

África do Sul. Namíbia é território dependente, e ocupado

pela África do Sul à época.

Fonte:http://3.bp.blogspot.com/--

oU2j5A6jAE/TfpxeWZ9M0I/AAAAAAAABnU/3nAUBFUdj

MA/s400/southern_africa_map3.JPG

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UFRGSMUNDI

UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 9-47, 2013 21

contra ela uma guerra ideológica, visando a mudar suas ideias e valores, e

utilizando-se de todos os meios disponíveis que possuíam – militares, políticos,

diplomáticos, religiosos, culturais, econômicos e sociais. Assim, a África do Sul

estaria envolvida em uma Guerra Total (BRANCO, 2003).

A criação de um grupo de países chamados Estados da Linha de Frente

reforçou a ideia do cerco à África do Sul. Motivadas pelas recentes

independências no sul da África, em 1976, no âmbito da Organização da Unidade

Africana (OUA), Angola, Moçambique, Botswana, Tanzânia e Zâmbia criam esse

grupo que objetivava coordenar esforços, recursos e estratégias para apoiar os

movimentos de libertação na área – como na Namíbia, Rodésia, África do Sul,

Moçambique e Angola15.

Diante disso, um ano depois, em 1977, utilizando-se do conceito de

Assalto Total, os militares da África do Sul formulam uma nova doutrina militar, a

Estratégia Total Nacional (ETN), a qual será adotada formalmente na Era Botha

como a política externa sul-africana. Segundo a ETN, seria necessária à África do

Sul uma ação coordenada e interdependente em todos os campos de atividade

para proteger-se. A África do Sul aprofundaria sua veia intervencionista, visando

a desestabilizar os países por ela considerados inimigos, como os Estados da

Linha de Frente (PEREIRA, 2012).

No fim dos anos 1970, Botha resolve aplicar a ETN primeiramente via

setor econômico, criando a Constelação de Estados da África Austral, a qual

visava a usar a forte economia sul-africana para dominar a região. Estando em

uma organização econômica com a África do Sul, seus vizinhos não poderiam ser

15A Namíbia era um território ocupado pela África do Sul desde 1915, possuindo também um regime racista ligado a sua “ocupante”. A Rodésia do Sul, atual Zimb|bue, também possuía regime racista. Os outros grupos dentro dos países citados eram todos grupos de libertação nacional, que lutavam contra esses tipos de governo racistas e segregacionistas.

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agressivos para com ela, visto que precisariam de sua economia para se

sustentar. Essa era uma tentativa de reconstruir o cordão sanitário em favor da

África do Sul que se rompeu após 1975. Botswana, Lesoto, Suazilândia, Malawi e

Zâmbia, muito dependentes economicamente da África do Sul, não tiveram outra

opção senão aceitar. Entretanto, Angola, Moçambique e Tanzânia resistiram e não

aderiram ao plano sul-africano.

Em 1979, a Rodésia do Sul, ainda governada por Ian Smith, líder de um

regime também racista, estava à beira de uma troca de regime. Pressionada pela

comunidade internacional, a África do Sul esperava a entrada de um novo

governo eleito constituído de negros moderados, e então os apoiava visto que

pretendia que esses, após chegarem ao poder, entrariam na Constelação Sul-

Africana. Nesse ano, Margaret Tatcher, primeira-ministra da Grã-Bretanha,

convoca as partes conflitantes do país, que já discutiam o fim do regime racista há

anos, e, através do Acordo da Casa Lancaster, concordam em realizar eleições16.

Entretanto, o resultado das eleições levou à vitória de Mugabe, representante dos

negros mais radicais, indo contra as expectativas da África do Sul. O país passa a

partir dali a se chamar de Zimbábue e não mais de Rodésia do Sul, e em 1980 ele

rejeita participar da Constelação de Estados da África Austral, sendo esse mais

um golpe aos planos da África do Sul.

O fim do plano econômico da ETN da África do Sul virá em 1980, com a

formação da SADCC (Conferência de Coordenação para o Desenvolvimento do Sul

Africano) pelos Estados da Linha de Frente. Segundo eles, era impossível

16 Aqui vale destacar que o motivo da África do Sul apoiar uma das possibilidades de mudança, ao invés de defender a permanência do regime racista similar ao dela, é o medo de que acontecesse na Rodésia do Sul o mesmo que aconteceu em Angola e Moçambique, ou seja, uma independência radical e turbulenta (BRANCO, 2003).

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combater as políticas da África do Sul e continuar cooperando com ela

economicamente. A SADCC, assim, seria uma organização econômica entre os

Estados que se opunham a África do Sul para livrarem-se da dependência para

com essa e se fortificarem entre si para poderem combate-la de melhor forma.

Para crescerem sem a África do Sul, a SADCC propunha a construção de

corredores regionais – ferrovias e rodovias que passassem por dentro de vários

dos países membros – para que a produção destes pudesse ser escoada

(BRANCO, 2003). Isso criaria uma infraestrutura independente da África do Sul,

visto que este é o país que herdou o sistema de ferrovias e rodovias coloniais.

Sentindo-se ainda mais ameaçada, a África do Sul deixa de lado sua

tentativa econômica de realizar a ETN e parte para uma abordagem mais

agressiva. Adota então, desde 1980, uma política de Desestabilização

Generalizada para com os Estados da Linha de Frente. Suas ações se tornam mais

militarizadas, focando na contra insurgência17. A partir daí,

A África do Sul (passa) a fazer incursões sistemáticas nos países vizinhos,

dando assistência de combate a grupos antigovernamentais, como no caso da

UNITA [...]. Também (faz) parte [...] o apoio financeiro e logístico para

treinamento e concessão de armamentos e a garantia de acolhida no território

sul-africano de grupos que (lutarem) contra os Estados da Linha de Frente – a

UNITA, em Angola, a RENAMO, em Moçambique [...]. Outro instrumento de ação

estratégica (é) a sabotagem. (São) inúmeros os atos contra alvos econômicos e

militares nos Estados da Linha de Frente realizados por comandos sul-africanos,

bem como o envolvimento em golpes militares ou tentativas de golpes [...]. Por

17Medidas de contra insurgência são ações tomadas pelos governos para acabarem com as atividades de grupos insurgentes que se levantam contra as políticas do regime em questão. Os insurgentes visam a destruir ou minimizar a autoridade política de uma região, enquanto os contra insurgentes objetivam proteger essa autoridade e diminuir o poder dos insurgentes.

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fim, [...] (há) ações militares, atentados e ataques contra o CNA e a SWAPO18, mas

também contra campos de refugiados e simpatizantes dos movimentos em quase

todos os Estados da Linha de Frente. A ideia, portanto, (é) a de neutralizar esses

países no que diz respeito à sua postura antiapartheid (PEREIRA, 2012).

Os principais países atingidos são Moçambique e Angola. Moçambique,

além de estar apoiando o CNA, é um território estratégico para a SADCC, pois

possui três dos cinco corredores de transportes regionais em construção. A

destruição destes está ligada a tentativa de inviabilizar os planos econômicos e

políticos da SADCC. São desferidos ataques ao território moçambicano tanto por

parte das Forças de Defesa Sul-Africanas (SADF) quanto pela RENAMO, apoiada

pela África do Sul (BRANCO, 2003).

Quanto a Angola, a África do Sul, utilizando-se do território que ocupava

da Namíbia, realiza em 1981 a chamada Operação Protea. Utilizando como

justificativa para sua aç~o o direito de “perseguiç~o” – o qual permite adentrar

em território vizinho quando em perseguição a invasores de seu território –, a

África do Sul adentra no sudeste de Angola, em suposta perseguição aos

membros da SWAPO, os quais possuíam base e eram apoiados por Angola

(GEORGE, 2005). Entretanto, após destruir certo número de bases da SWAPO,

5.000 soldados sul-africanos permaneceram no local ocupando essa região de

Angola até hoje, mesmo sob constante represália e condenação internacional.

18 O CNA (Congresso Nacional Africano) e o SWAPO (Organização do Povo do Sudoeste da África) são os grupos de negros libertários da África do Sul e da Namíbia, respectivamente, assemelhando-se ao MPLA em Angola e ao FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique) em Moçambique. A UNITA e a RENAMO (Resistência Nacional Moçambicana) são ambos grupos antigovernamentais, na Angola e em Moçambique respectivamente, apoiados pela África do Sul.

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Desde a invasão a Angola, a África do Sul vem apoiando a UNITA para

ambas lutarem em território angolano contra as forças do MPLA, da SWAPO e de

Cuba. Nos seis primeiros meses após a Operação Protea, as forças da África do Sul

mataram mais de 600 guerrilheiros e tomaram vastas quantidades de

equipamento militar, repassadas para a UNITA. Durante 1982 e 1983, apesar de

um aumento na ajuda soviética às forças que lutam ao lado de Angola, a UNITA

expandiu seus ataques, os quais hoje vão desde pequenas incursões até assaltos

em grande escala (GEORGE, 2005).

Recentemente, em 1983, a África do Sul, ainda entrincheirada em Angola,

realizou uma nova série de violentos ataques durante a Operação Askari.

Inicialmente planejada como uma pequena incursão, a operação

expandiu-se até envolver quatro unidades mecanizadas de 500 homens que

cruzariam Angola para atacar concentrações da SWAPO – identificadas através de

reconhecimento aéreo –, enquanto unidades menores patrulham a fronteira para

interceptar qualquer guerrilha que tente infiltrar-se no território da Namíbia. As

forças terrestres seriam apoiadas por caças-bombardeiros Mirage e Impala

(GEORGE, 2005).

A operação começou em 6 de Dezembro de 1983, e menos de uma

semana depois, Botha surpreendeu a todos oferecendo a retirada de tropas de

Angola caso esta expulsasse as forças da SWAPO de seu território. Entretanto, no

dia 20 de Dezembro de 1983, com a negação de Angola, o Conselho de Segurança

das Nações Unidas passou a Resolução 546 demandando a saída da África do Sul

da Angola imediatamente, bem como pagamento de reparações ao país invadido.

A África do Sul não se retirou e as negociações que ocorriam por trás – como se

ver| na sess~o “1.3” – complicaram-se.

Nesta sessão de 6 de Janeiro de 1984, o Conselho de Segurança das

Nações Unidas novamente se reúne para tentar resolver os problemas das

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investidas da África do Sul em Angola. Há três dias, em 3 de janeiro de 1984,

ignorando a Resolução 546 e todas as outras já passadas por este órgão, a África

do Sul, ainda sob a Operação Askari, realiza forte investida contra a cidade

angolana de Cuvelai, onde perto há campos de treinamento das forças da SWAPO.

Apesar das fortes chuvas que já transformaram o campo de batalha em um

pântano, a batalha continua e as forças angolanas responderam em ajuda a

SWAPO com seus próprios tanques T-55, provenientes da URSS. Têm-se dito que

as forças sul-africanas supostamente já mataram mais de 300 soldados da

SWAPO, de Angola e de Cuba, e sofreram uma perda de mais de 20 soldados. É

necessária uma resposta a esse combate feroz que já dura três dias, bem como a

esse problema que se estende desde 1981 com a ocupação sul-africana do

sudeste de Angola.

2.1.2. A Questão da Namíbia

É necessário explicitar todo o problema por trás da ocupação da África

do Sul no território da Namíbia, ação também condenada pela comunidade

internacional há anos. A história das ocupações na Namíbia começa em 1884

quando a Alemanha a transforma em sua colônia. Criou-se um regime

segregacionista, extremamente discriminatório para com os negros que ali

habitavam, algo semelhante ao próprio Apartheid. Entretanto, de 1904 a 1907 os

nativos tentam expulsar os alemães, mas acabam sendo massacrados. Somente

em 1915, durante a Primeira Guerra Mundial, é que a África do Sul, apoiada pela

Grã-Bretanha e França, expulsará a Alemanha. Após a expulsão, as tropas sul-

africanas ficam estacionadas no território namibiano.

Em 1919, após o fim da guerra e com a criação da Liga das Nações, essa

passa o território da Namíbia para a África do Sul como um mandato de proteção.

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Suas instituições políticas criadas são incorporadas às da África do Sul, havendo

representantes da Namíbia no Parlamento sul-africano, indicando uma

dominação real da África do Sul sobre tal território. Porém, a partir de 1966,

forma-se o grupo SWAPO, e os negros passam a querer a independência e a

libertação da África do Sul, que nega. A ONU, no mesmo ano, começa a condenar a

presença sul-africana na Namíbia e em 1969 o Conselho de Segurança da ONU

passa as primeiras resoluções, Resolução 264 (1969) e 269 (1969), declarando

ilegal as ações da África do Sul (BRANCO, 2003).

Sob pressão, a África do Sul em 1975 cede e há a realização de uma

conferência nacional, sem a presença da SWAPO. Forma-se um grupo político, o

DTA, apoiado pela África do Sul. Um ano depois, em 1976, o Conselho de

Segurança passa a resolução 385 (1976), reforçando uma opinião da Corte

Internacional de Justiça que considerou necessária a imediata remoção de tropas

da África do Sul da Namíbia, e demanda a realização de eleições. Em 1978 as

eleições acontecem e o chefe do grupo DTA assume o governo na Namíbia.

Porém, a África do Sul continua mantendo presença na região e alguns anos

depois passa a usar este território como base para lançar seus ataques contra a

Angola, no escopo da Estratégia Total Nacional. Essa presença continuada

enfraquece o governo criado em 1978, que em 1983 é dissolvido, voltando a

África do Sul a governar o território da Namíbia. O Conselho de Segurança

responde em 1983 com uma nova resolução, Resolução 532 (1983), condenando

a contínua ocupação da África do Sul (BRANCO, 2003). Hoje, 1984, o problema

continua sem ser resolvido, e a Namíbia continua sendo base para as ações da

África do Sul em Angola. A África do Sul insiste que sua retirada dali deve ser

acompanhada de contrapartidas da Angola, segundo a Política de Ligação, como

se verá a seguir.

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Conselho de Segurança Das Nações Unidas Histórico: A ocupação de Angola e as agressões da África do Sul (1984)

28 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 9-47, 2013

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8

2.1.3. A Política de Ligação e as Ações Prévias da ONU

A África do Sul diz-se disposta a sair de Angola e da Namíbia caso receba

uma contrapartida por parte do governo angolano. Essa seria a expulsão das

tropas da SWAPO do território de Angola, bem como a expulsão das tropas

cubanas ali presentes. Essa ideia é baseada na Política de Ligações, trazida pelos

EUA quando esse passou a tentar mediar o conflito diretamente entre as partes.

Em 1978, o Conselho de Segurança havia passado a Resolução 435

(1978), que demandava mais uma vez a saída da África do Sul da Namíbia. Já ali, a

África do Sul expressou-se dizendo que não era contra a independência da

Namíbia, porém não aceitaria a Resolução 435 (1978) porque ela não abarcava a

principal causa de perigo para a África do Sul: a presença de bases da SWAPO em

Angola e o apoio que essas tropas tinham de Cuba e do governo angolano. Se

simplesmente saísse da Namíbia, a África do Sul ficaria exposta e aberta ao perigo

de guerrilhas que queriam derrubar o regime do Apartheid.

Em 1981, os EUA agem para mediar o conflito e reforçam a posição da

África do Sul, a apoiando e criando oficialmente a Política de Ligação – saída da

África do Sul da Namíbia e Angola ocorrendo apenas se Angola expulsasses

tropas da SWAPO e de Cuba do seu território. Assim, com a formulação

estadunidense, a independência da Namíbia e a presença dos cubanos em Angola

tornaram-se conflitos ligados diplomática e politicamente (PEREIRA, 2012).

Angola e Cuba responderam em 1982 com uma declaração conjuntura, numa

espécie de “revers~o da política de ligaç~o”, pois demandavam a independência

da Namíbia, eleições e a saída da África do Sul dali antes da retirada de Cuba de

Angola. Mesmo com as diferenças, nota-se que parece haver uma aceitação de

ambos os lados de que a resolução para ambos os conflitos – ocupação em Angola

e Namíbia – está realmente ligada (GEORGE, 2005).

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UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 9-47, 2013 29

Quanto às ações tomadas pela comunidade internacional e pela ONU no

combate as ações da África do Sul, vale ressaltar alguns acontecimentos. Em

1962 a ONU cria o Comitê Especial Contra o Apartheid, em clara condenação das

práticas desse regime. No mesmo ano, a Assembleia Geral consegue aprovar um

pedido ao Conselho de Segurança para que expulsassem a África do Sul da ONU,

vetado pela França, Grã-Bretanha e EUA. No ano seguinte, cria-se um embargo –

proibição de comércio – voluntário de venda de armas à África do Sul (BRANCO,

2003).

Em 1976, a Assembleia Geral apoia uma resolução condenando as

práticas racistas e a política dos Bantustões na África do Sul e no mesmo ano o

Conselho de Segurança aprova a Resolução 387 (1976) condenando as incursões

da África do Sul em Angola durante o período de sua guerra civil. No ano seguinte

a Resolução 417 (1978) condena oficialmente a África do Sul pela primeira vez

como racista. A ONU também proclama o período entre 1978-1979 como o Ano

da Luta contra o Apartheid.

Em 1979, Resolução 447 (1979) e Resolução 454 (1979) do Conselho de

Segurança condenam novamente as incursões sul-africanas em Angola, bem

como a Resolução 475 (1980) no ano seguinte, que já demonstrava a ligação

entre a utilização do território da Namíbia pela África do Sul para desferir

ataques em Angola. Mesma condenação à África do Sul sucede-se após sua nova

invasão e ocupação do sudeste de Angola em 1981 com a Operação Protea,

ocorrendo o mesmo com a Resolução 545 (1983), durante a Operação Askari.

2.2. A Guerra Civil de Angola como palco da Guerra Fria

A guerra civil de Angola, por seus desdobramentos e intervenções –

diretas ou indiretas – das Grandes Potências, foi um dos cenários da Guerra Fria.

A atuação das duas potências em Angola ocorreu devido ao medo, por ambos os

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Conselho de Segurança Das Nações Unidas Histórico: A ocupação de Angola e as agressões da África do Sul (1984)

30 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 9-47, 2013

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lados, que os interesses da potência rival predominassem no continente africano,

seja por meio da ascensão de algum partido que não satisfizesse sua agenda

política, ou meramente por uma questão de prestígio e demonstração de poder e

influência nesse sistema.

Até o momento da aprovação da operação IA Feature19 em julho de 1975

pela administração Ford, os EUA não estavam preocupados com a situação em

Angola20: a agenda estadunidense estava voltada para outras questões, como, por

exemplo, as negociações do acordo SALT II21, as guerras no Oriente Médio, a

ascensão do comunismo na Ásia, a situação econômica interna, etc. Ao mesmo

tempo, entretanto, os EUA tinham um compromisso com os países aliados na

África Subsaariana de evitar a ascensão de governos comunistas, os quais

atuariam como fator desestabilizador na região, havendo a possibilidade de

acabar com a política da détente entre a África do Sul e os países da Linha de

Frente.

O lançamento da IA Feature tinha um contexto muito mais amplo,

envolvendo a capacidade de liderança dos Estados Unidos no sistema

internacional, cujo prestígio decaíra com o fracasso estadunidense em conter o

comunismo no Vietnã, havendo a possibilidade dos países duvidarem de sua

19Operação da CIA que dava suporte aos movimentos UNITA e FNLA, por meio de recursos econômicos e instrutores militares para treinamento das guerrilhas. A IAFeature previu o envio de 14 milhões de dólares à resolução do conflito - US$ 8 milhões foram destinados para armas e aviões que as transportariam de Kinshasa a Angola, US$ 2,75 milhões para encorajar Mobutu a enviar mais armas a FNLA e UNITA e US$ 2 milhões que seriam destinados a Roberto e Savimbi para cobrir os custos de operação (GLEIJESES, 2003, p. 294). 20Desde 1961 a CIA esteve patrocinando Holden Roberto, mas com recursos pouco significativos, os quais aumentariam de US$ 6.000,00 ao ano para US$ 10.000,00 mensais, em 1974 (GLEIJESES, 2003, p. 279). 21Os tratados SALT I e II (do inglês, Negociações sobre Limites para Armas Estratégias) foram os resultados de duas rodadas de negociações que tinham como objetivo limitar os armamentos com capacidade nuclear dos EUA e da URSS.

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habilidade em conter a expansão comunista. Desse modo, a humilhação dos EUA

na Ásia fortaleceu a oposição à política de détente com a URSS22, exigindo uma

postura mais forte diante do bloco soviético, tornando Angola o palco para a

reafirmação dos interesses dos Estados Unidos (GLEIJESES, 2003).

Durante a guerra civil, os Estados Unidos deram suporte ativo a FNLA e UNITA, e depois da independência se referiam ao governo do MPLA como uma marionete da União Soviética e de Cuba (SOMERVILLE, 1986, p. 181, tradução nossa).

A União Soviética passa a prover suporte militar modesto ao MPLA

apenas no final dos anos 1961, sendo este frequentemente paralisado em

decorrência do espírito da détente e das negociações SALT II (GLEIJESES, 2003).

De acordo com um memorando do Departamento de Estado dos EUA, no

momento da independência, o MPLA havia recebido do bloco soviético

equipamentos militares no valor de US$ 81 milhões, enquanto que os EUA e a

África do Sul haviam contribuído com US$ 78 milhões, sem contar os recursos

enviados pela China, França, Inglaterra, etc. (GLEIJESES, 2003, p. 350).

Os soviéticos intervieram em Angola lentamente e relutantemente. Sua ajuda ao MPLA começou no início de 1975, depois de Pequim ter enviado instrutores e armas para a FNLA de Roberto. Em agosto, apesar das evidências de aumento no suporte externo a FNLA e UNITA, Brejnev rejeitou a proposta de Cuba [que oferecera enviar suas tropas]. Até a metade de outubro de 1975 a guerra permaneceu largamente uma luta entre Angolanos, e o MPLA estava vencendo (…). [Porém,] com o encorajamento de Washington, a África do Sul invadiu Angola. Cuba respondeu enviando tropas [através da Operação Carlota]. [O]s sul-africanos foram forçados a recuar, e os Estados Unidos sofreram uma derrota humilhante (GLEIJESES, 2003, p. 389, tradução nossa).

22A détente foi a política externa dos Presidentes dos EUA Richard Nixon e Gerald Ford em relação à URSS, prevendo um abrandamento nas relações com esta, sendo caracterizada por uma série de negociações e acordos, dentre eles SALT I e II e os acordos de Helsinki.

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32 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 9-47, 2013

3

2

A Operação Carlota é que faria a URSS participar ativamente da guerra civil

em Angola. Esta operação foi a grande intervenção cubana, pautada numa força

de 30.000 soldados presentes neste território entre novembro de 1975 e março

de 1976. A decisão foi tomada após a intervenção sul-africana apoiada pelos EUA,

que fez com que Cuba respondesse enviando tropas de imediato a Angola, mesmo

sem consultar a URSS. Objetivava auxiliar a FAPLA (Forças Armadas Populares de

Libertação de Angola) no combate às guerrilhas e incursões e garantir que o

MPLA fosse o único partido presente em Luanda no dia da Independência. Foi

essa operação que significou a vitória do MPLA na Segunda Guerra de Libertação

Nacional23 e a retirada das tropas sul-africanas temporariamente (GEORGE,

2005). Depois do sucesso da Operação Carlota, durante todo o conflito, os

soviéticos forneceriam os equipamentos e recursos necessários – tanto a FAPLA

quanto aos soldados cubanos, enquanto Cuba entraria com as tropas. Além disso,

Cuba teria maior independência diante da URSS e fortaleceria sua imagem no

cenário internacional (GEORGE, 2005; GLEIJESES, 2003).

Apesar do sucesso da Operação Carlota em Angola, e da aprovação da

Emenda Clark 24em Dezembro de 1975, a qual impossibilitava os EUA de prover

qualquer tipo de ajuda a movimentos militares ou paramilitares de Angola, os

Estados Unidos continuaram apoiando as guerrilhas, desta vez dando suporte à

UNITA, principalmente através da África do Sul. O fiasco estadunidense diante do

23A Segunda Guerra de Libertação começa com a invasão das tropas sul-africanas em outubro de 1975 e termina com a retirada das tropas da África do Sul em fins de março de 1976 (GLEIJESES, 2003, p. 300). 24 Um dos grandes problemas da Operação IA Feature, e que resultou na Emenda Clark, era a possibilidade deste tipo de operação piorar a imagem dos EUA, já bastante crítica em decorrência da Guerra do Vietnã e suas intervenções em diversos conflitos internacionais. Além disso, havia o receio de que aumentando a participação dos Estados Unidos, assim também o faria a URSS.

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sucesso da Operação Carlota e a intervenção soviética no Afeganistão, a qual

rompeu com a détente entre EUA e URSS, Fria, foram alguns dos motivos para que

o governo dos EUA retomasse seu apoio à guerrilha liderada por Savimbi

(GEORGE, 2005).

Ao longo de 1979, uma série de revoluções e golpes militares derrubaram diversos regimes apoiados pelo Ocidente – especialmente no Irã e Nicarágua – causando alarme em Washington, que temia a expansão da influência soviética nessas áreas. Quando as tropas soviéticas invadiram o Afeganistão no Natal, a administração Carter abandonou a détentee condenou a invasão, descartando o Tratado SALT II, recentemente assinado pelas partes. Como uma nova geração de líderes ocidentais emergiu – guiados por Margaret Thatcher e Ronald Reagan – os governos ocidentais adotaram uma política mais conflituosa diante do bloco soviético (GEORGE, 2005, p. 139, tradução nossa).

2.3. A Intervenção Cubana: o ideal do internacionalismo

A política cubana de intervenção era denominada internacionalismo. Esta

política dependia muito dos esforços dos líderes da Revolução Cubana, Che

Guevara e Fidel Castro, em exportar a revolução socialista. Inicialmente o

internacionalismo era mais focado no combate às ditaduras na região do Caribe –

como, por exemplo, Nicarágua, Panamá e República Dominicana –, numa posição

não apenas anti-imperialista, mas também, anti-estadunidense. Entretanto, ao

mesmo tempo em que os EUA provocariam o isolamento de Cuba, este se

afastaria dos EUA e expandiria suas ações a África, em busca de aliados e apoio

internacional, onde atuaria dando suporte a movimentos de libertação nacional

(GEORGE, 2005). O internacionalismo diz respeito à missão incumbida aos países

socialistas de expandir a revolução socialista e combater os resquícios de uma

sociedade excludente e baseada nas diferenças de classe. A expansão da

revolução leva os Estados a serem solidários uns com os outros. O

internacionalismo cubano nasceu das ideias de Che Guevara:

A ideologia de Guevara foi inspirada no Manifesto Comunista de Karl

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Marx e Friedrich Engels, publicado em 1848. Incitando os proletários a derramar sua nacionalidade e lutar por uma causa comum contra a opress~o da divis~o de classes, o ‘Internacionalismo Prolet|rio’ de Marx foi refinado por Lenin, o qual introduziu o conceito de luta contra o imperialismo, criando a ideologia Marxista-Leninista a qual inspirou muitos movimentos de libertação nacional. Incorporando os conceitos da solidariedade internacional com outras nações e a constante luta pela revolução, o ‘Internacionalismo Prolet|rio’ foi constantemente descrito por um escritor soviético como ‘a teoria Marxista-Leninista em todas as suas partes constituintes’. A emergência de um bloco socialista controlado pela União Soviética depois da Segunda Guerra Mundial reforçou o conceito de solidariedade entre estados socialistas e isso teve grande importância quando a Guerra Fria dividiu o mundo em esferas de influência Ocidental e Soviética (GEORGE, 2005, p. 17, tradução nossa).

A presença cubana na África começou no início da década de 1960, com o

apoio a FLN – do francês, Frente de Libertação Nacional – e treinamento de

guerrilhas na Argélia, desdobrada posteriormente na intervenção cubana ao

Congo25. Além disso, a África n~o era o “jardim” dos EUA, como acontecia com a

América, o que facilitaria a atuação cubana e o surgimento de grupos de

libertação nacional. Foi em Brazzaville, no Congo, que Guevara teve os primeiros

contatos com o MPLA. De pronto, Cuba ofereceu suporte ao movimento,

mantendo relações desde então (GEORGE, 2005; SOMERVILLE, 1986).

A decisão em intervir em Angola por meio da Operação Carlota, sem aviso

prévio à URSS, significou uma Cuba mais atenta aos seus interesses26. A vitória da

25 Localizado no coração da África, uma intervenção no Congo era vista por Che Guevara como o plano perfeito de expansão das guerrilhas (GEORGE, 2005) 26 Como já explicitado, a entrada da África do Sul na guerra foi o estopim para a intervenção cubana: Castro sabia do potencial das tropas sul-africanas e as possibilidades que tomassem Luanda e expandissem suas políticas segregacionistas e anticomunistas a outros países africanos. A URSS até então estava mais interessada no desenrolar da política de détente que no seu ideal internacionalista,

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operação traria maior independência a Cuba diante da URSS e fortaleceria sua

imagem de luta contra o imperialismo. Entretanto, apesar dos esforços cubanos

em não parecer uma força intermediária ou uma marionete entre a URSS e

Angola, a dependência que tinha do bloco soviético era evidente, como demonstra

Edward George:

Os cubanos eram, de certa forma, uma força proxy [ou seja, que intermediava as relações] dos soviéticos na África. No fim, Moscou era o aliado mais importante de Cuba, e a missão cubana avançou os interesses soviéticos na região, ajudando no treinamento dos movimentos de libertação, armados e supridos por Moscou, e obtendo novos aliados africanos para o bloco socialista. Apesar de Cuba não ser membro do Pacto de Varsóvia, suas forças (armadas e treinadas por militares soviéticos) estenderam o poder soviético na África subsaariana (GEORGE, 2005, p. 275 –276, tradução nossa).

Seguindo o início da retirada da África do Sul após a derrota na Segunda

Guerra de Libertação, as tropas cubanas ficariam concentradas nas principais

cidades, dentro ou perto de Luanda, com vistas a proteger a capital política e

econômica e o principal porto para as operações militares e econômicas. Além

disso, à medida que a guerra adentrou a década de 1980, cada uma das dezessete

capitais provinciais receberia apoio de pelo menos um regimento cubano.

2.4. A situação interna em Angola

A herança colonial em Angola marcou a sociedade em seus termos

econômicos, políticos e sociais. De todas as colônias portuguesas, essa era a que

apresentava a maior densidade de brancos e a menor organização política da

população (GLEIJESES, 2003, p. 233). Os grupos de libertação nacional que

surgiriam por volta da década de 1960 entraram em conflito entre si, muitas

vezes motivados por questões étnicas.

tanto que numa tentativa anterior de enviar tropas (agosto de 1975), a URSS já havia se posicionado contrária (GEORGE, 2005).

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Diferentemente do regime sul-africano, Portugal não necessitava de uma

legislação que apoiasse a estrutura racista existente, porque esta era reiterada

pelas diferenças de classe, de acordo com o domínio da técnica, dos meios de

produção e das melhores terras pelos portugueses (SOMERVILLE, 1986, p.72). A

divisão entre assimilados, mestiços e indígenas provocou um distanciamento

entre a população de origem angolana, porque os mestiços eram vistos como a

elite não-branca do país e colaboradores do regime português (GLEIJESES, 2003;

SOMERVILLE, 1986)27.

A independência de Angola e ascensão do MPLA como partido político

dominante não foi seguida de interrupção nos conflitos irregulares no país. Estes

eram por vezes fruto da situação interna no país, principalmente no que diz

respeito à situação econômica. O autor Keith Somerville (1986, p. 122) destaca

três formas de dissidência política no período que sucedeu a independência em

Angola: surgimento de facções dentro dos partidos; oposição da pequena

burguesia frente às políticas governamentais e resistência camponesa à

organização política do MPLA nas áreas rurais; guerrilha e propaganda

internacional empreendida pela UNITA. Estes desafios pautaram as políticas do

MPLA para a reconstrução nacional e coesão interna; dos três, o maior desafio foi

o combate aos partidos dissidentes, principalmente a UNITA.

Durante o regime que Portugal manteve no país, as colocações nos cargos

governamentais, nas instituições e nos próprios estabelecimentos nacionais

ficavam a cargo dos portugueses. Dessa forma, a retirada de Portugal trouxe

desafios ao MPLA para a administraç~o do país: “noventa por cento dos

27 Essa divisão entre os negros angolanos teria fim somente em 1961, oitenta e três anos depois do fim oficial da escravidão (SOMERVILLE, 1986, p. 72).

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Portugueses que viviam em Angola em Abril de 1974 já haviam deixado o país em

Novembro de 1975, levando consigo 'quase tudo que fazia o sistema

governamental e a economia do país funcionar'. O país foi privado dos

trabalhadores qualificados, incluindo profissionais da saúde” (GLEIJESES, 2003,

p. 381, tradução nossa). A economia angolana foi um dos setores mais

prejudicados, especialmente em decorrência da destruição de importantes

sistemas de infraestrutura durante a guerra de libertação e domínio dos mesmos

pelas guerrilhas. Herança da escravidão, a agricultura, importante fonte de

recursos num país onde a maioria da população vivia nas regiões rurais também

sofria com a falta de qualificação e mão-de-obra para o trabalho agrícola

(SOMERVILLE, 1986). Outro grande desafio era o problema da produção e

distribuição de alimentos e habitação28. As dificuldades econômicas e logísticas

permaneceram durante a primeira metade da década de 1980. A guerrilha e as

incursões da África do Sul tinham como alvo as regiões de produção agrícola, as

instalações de comunicação e transporte, e não eram raros os conflitos entre o

MPLA e a UNITA ocorrerem em áreas de produção de alimentos29.

O MPLA sempre sofreu com a existência de dissidentes dentro do partido.

Em maio de 1977 o governo de Agostinho Neto sofreu uma tentativa de golpe de

Estado pelo ex-Ministro do Interior Nito Alves, com apoio de algumas seções das

Forças Armadas, demonstrando os resquícios da sociedade excludente criada por

Portugal: além do problema da falta de oferta de alimentos, os dissidentes

também discutiam a presença de mestiços nos principais cargos do governo.

Desse modo, para combater as dissensões internas, o falecimento de Agostinho

28 A falta de moradias era um dos maiores problemas em Luanda, onde a população atingira 1,5 milhão de habitantes em 1980, quase o dobro da realidade em 1975, devido ao retorno de refugiados de países vizinhos, contabilizando 350.000 só do Zaire (SOMERVILLE, 1986, p. 60). 29 Importantes bases da economia angolana atingidas foram a indústria de diamantes em Luanda Norte e a região de Cabinda, onde se dava a extração de recursos minerais (SOMERVILLE, 1986).

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Neto em 1979 levou o partido à escolha mais consensual possível, Eduardo dos

Santos, até então Ministro do Planejamento, como sucessor e Presidente do

Partido, o que permitiu que em 1980 o MPLA já tivesse atingido a coesão interna

que lhe era necessária, contando com 20.000 membros (SOMERVILLE, 1986).

Assim que conseguiu conter as rupturas internas, a maior dificuldade do

governo passou a ser o combate às guerrilhas da UNITA, que com o apoio

concreto da África do Sul fortaleceu sua posição na região sul do país. Apesar da

derrota na Segunda Guerra de Libertação Nacional, a UNITA conseguiu sobreviver

aos anos 1980, quando as incursões sul-africanas se intensificaram, assim como

seu apoio à própria UNITA. A estratégia inicial era incitar as guerrilhas nas áreas

da região centro-sul e as camadas mais pobres, por meio de uma política

tribalizante, a se posicionarem contra o governo do MPLA (SOMERVILLE, 1986).

A situação interna em Angola antes da Operação Protea era de uma UNITA

atuante em áreas limitadas. A consequência da Operação foi que a África do Sul

conseguiu uma localização no sul de angola – Província de Cunene –, de onde

podia dar suporte às ações da UNITA e dirigir ataques da SADF contra as tropas

da FAPLA e da SWAPO. A presença sul-africana permitiu que a UNITA se

espalhasse para regiões mais ao norte, de importância econômica pela produção

de café (SOMERVILLE, 1986, p. 64). No final de 1984, as forças militares da UNITA

eram estimadas em 60.000, das quais 26.000 constituíam as forças regulares e as

demais 34.000 as forças de guerrilhas, utilizadas nas áreas controladas pela

FAPLA (SOMERVILLE, 1986).

3. Posicionamento dos países

Os Estados Unidos da América têm como um de seus princípios básicos

a defesa da livre determinação dos povos. Sendo assim, apoiou efetivamente o

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processo de independência de Angola de sua metrópole, Portugal. Atualmente, os

EUA estão imersos em um contexto pós Guerra do Vietnã, no qual há uma grande

comoção popular após os inúmeros protestos que exigiram a sua saída do

conflito. Em 1975 o país retirou totalmente as tropas americanas do território

vietnamita, dando fim à guerra após inúmeras derrotas e incontáveis perdas

humanas.

No início da Guerra Civil Angolana, também em 1975, os EUA assumiram

uma postura mais branda em relação ao conflito, pois já estavam desgastados

militarmente e sem apoio popular. Além disso, os EUA tinham outras

preocupações como, por exemplo, consolidar e manter suas áreas de influência

no Oriente Médio, enfraquecendo a presença socialista na região e garantindo a

exploração de áreas petrolíferas e o domínio de territórios estratégicos.

Entretanto, com o acirramento da Guerra Fria e das disputas entre EUA e

URSS, a Guerra Civil Angolana ganhou relevância internacional. Pressionados

pelo desembarque de tropas cubanas, organizadas pela URSS, em Angola, os EUA

acabaram por adotar uma atuação mais definida no conflito, como forma de deter

o avanço socialista no território. Sendo Assim, os EUA passaram a apoiar a

coligação FNLA-UNITA por acreditar ser a mais preparada para assumir o

controle de Angola e instaurar um governo democrático, pois tem seus princípios

alinhados ao bloco capitalista. Não reconhecem o MPLA como representantes

legítimos do país, opondo-se a sua ideologia marxista-leninista, a qual estava

vinculada com o bloco socialista, e a sua política unipartidária.

A União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) assume uma

postura contrária ao que chama de “imperialismo capitalista”. Portanto, foi

totalmente favorável à independência de Angola, apoiando o processo e

auxiliando na transição de governos. Juntamente com Cuba, foi o país que mais

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deu suporte ao MPLA, fornecendo armamento, organizando tropas e concedendo

apoio financeiro.

A URSS reconhece como única organização legítima em Angola, o MPLA,

de tendência marxista-leninista. Considera os outros partidos como organizações

sem ideologia que apenas representam os interesses externos neocolonialistas.

Acusa a coligação FNLA-UNITA de ser responsável por internacionalizar o

território angolano, ou seja, permitir que potências estrangeiras que, segundo a

URSS, ainda mantém interesses imperialistas, assumam o controle e intervenham

na organização do país.

A República Socialista Soviética da Ucrânia, sendo parte integrante da

URSS e, portanto, alinhada ao bloco socialista, crê numa Angola independente,

estruturada sob a autoridade do MPLA, único partido capaz de administrar o país

e formular uma política adequada que afaste as intervenções imperialistas e

atente às necessidades internas.

O Reino Unido, enquanto membro da OTAN, mantém-se próximo à

política do bloco capitalista, opondo-se a tomada de poder pelo MPLA. No

contexto pós IIª Guerra Mundial, o Reino Unido, parte integrante dos aliados,

encontrava-se defasado economicamente, momento em que os EUA conseguiram

aumentar sua influência política em relação a seus alinhados. Essa relação fica

mais clara ao observar a abstenção do Reino Unido em resoluções do Conselho de

Segurança da ONU como, por exemplo, as resoluções 454 de 1979 e 475 de 1980,

ambas sobre a intervenção da África do Sul, aliada estadunidense, no território

angolano.

A Holanda, país integrante do bloco capitalista e membro da

Organização do Atlântico Norte (OTAN) – aliança militar de caráter capitalista

liderada pelos EUA, cujo objetivo é conter o avanço do bloco socialista - acredita

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que o conflito interno em Angola deve ser solucionado para que o país, agora

independente, possa estabelecer um governo próprio, com políticas particulares.

Para isso, a Holanda apoia a UNITA como representante autêntico do país e como

sendo o partido que deve liderar o novo Estado.

Atualmente governado por Hosni Mubarak, o Egito aproxima-se cada vez

mais dos Estados Unidos, aumentando, inclusive, a participação de capital

estrangeiro estadunidense em sua economia. Essa aproximação atual é um dos

reflexos dos Acordos de Paz de Camp David, assinado em 1979, o qual prevê a

normalização das relações entre Israel e Egito, após trinta anos de hostilidades.

Ao pacificar as relações com Israel, importante aliado norte-americano, o Egito

não teve mais obstáculos ao estreitamento de sua aliança com os EUA, firmando

uma política externa mais próxima do bloco ocidental e distanciando-se da

influência soviética que caracterizava o período anterior.

Tendo enfrentado uma violenta guerra civil entre 1978 e 1979, a

Nicarágua atravessa agora uma profunda crise econômica, resultante desse

conflito. Além disso, o movimento revolucionário sandinista, que detém o

controle político do país e implementou medidas de caráter socialista, está

enfrentando uma dura oposição por parte de um grupo guerrilheiro – “Os

Contras” – apoiado pelos EUA. Esse contexto político se reflete na política externa

do país, sendo possível observar uma postura contrária a ocupação do território

angolano pela África do Sul, a partir do voto favorável da Nicarágua à condenação

das práticas sul-africanas, prevista na resolução 545 de 1983, do Conselho de

Segurança da ONU.

Inserido num mundo bipolar em plena Guerra Fria, o Peru esteve sob

forte influência norte-americana, sendo instaurado, na década de 1970, o

chamado “Estado de Segurança Nacional” como estratégia de defesa

anticomunista. Atualmente, o país está passando por processos de

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redemocratização, tendo sido aprovada uma nova Constituição em 1979 e novas

eleições em 1980. No entanto, o Peru ainda sofre com um conflito entre o

governo, que adota medidas liberais, e uma organização guerrilheira de ideologia

comunista, chamada Sandero Luminoso. Porém, embora haja divergências e

disputas políticas internas, as práticas do atual governo peruano, sob a

presidência de Morales Bermúdez, são de tendências capitalistas, influenciando

uma política externa mais alinhada ao bloco ocidental.

Intimamente ligada a Angola durante sua luta de libertação, a República

Popular da China apoiou, em algum momento, cada um dos três movimentos de

libertação. O suporte ao MPLA se deu logo no início da guerra de libertação,

quando este país ainda mantinha seus laços com a União Soviética devido ao

regime socialista de ambos. Quando houve a ruptura político-ideológica entre

China e a potência socialista - embora as duas tivessem o mesmo regime,

possuíam características distintas entre elas -, a FNLA foi a detentora do apoio

chinês. Mais tarde, quando da dissolução da FNLA e sua fusão com a UNITA, a

China dá apoio a esta última, já que foi sob o nome de UNITA que a coligação

prosseguiu. Vale ressaltar que o apoio nem sempre foi com envio de tropas,

instrutores ou dinheiro, podendo ser apenas político-diplomático. Recusou-se a

reconhecer o governo do MPLA quando da independência, o que faz com que as

relações diplomáticas entre os dois países sejam muito recentes, já que a China

apenas reconheceu o governo oficial do MPLA no dia 12 de janeiro de 1983.

Ex-colônia francesa localizada no noroeste da África, Burkina Fasovive

um dos vários regimes militares de sua história independente, tendo o capitão

Thomas Sankara dado um golpe militar no ano passado, 1983, e mudado o nome

do país- que antes se chamava República do Alto Volta. Na questão da

intervenção sul-africana na Guerra Civil em Angola, o país não a apoia - posição

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esta que se confirmou com seu voto a favor da resolução 477 de 1979, que

versava sobre a condenação da África do Sul.

Embora estivesse do lado ocidental capitalista no conflito da Guerra Fria,

a República Francesa não teve intervenção direta no conflito com envio de

tropas próprias, muito embora tenha participado por meio de coação que

resultou na atuação de soldados marroquinos ou no envio de dinheiro para a

oposição ao MPLA.Sua posição de alinhamento parcial aos Estados Unidos e ao

bloco capitalista de uma forma geral pôde ser observada e confirmada quando da

sua abstenção na votação da resolução 447 de 1979, que condenava a

intervenção da África do Sul no território angolano. Vale lembrar que um voto

contrário por parte da França, por ser um membro permanente do Conselho de

Segurança das Nações Unidas, implicaria no veto automático da resolução

ocasionando, então, um enorme custo político.

Sendo um Estado recém-formado, a República da Índia ganhou

soberania frente à Inglaterra no ano de 1947 e, desde então, têm adotado

políticas externas que variam do não-alinhamento (que quer dizer a opção por

não-adesão a nenhum dos blocos da Guerra Fria) com Nehru, na década de 1960,

à aproximação com a URSS a partir da ascensão ao poder de Indira Gandhi na

década de 1970. Atualmente, a Índia vive um período conturbado no qual, após

ter deixado o poder por três anos e ter retornado em 1980, Indira foi assassinada

em outubro de 1984, não tendo se envolvido no conflito com Angola. As duas

posições que, alternadamente, foram adotadas pelo país se comprovam com a sua

condenação à invasão sul-africana por meio da votação a favor da resolução 477

de 1979- já que a ingerência deste país não condiz nem com os preceitos

socialistas pregados pela União Soviética e menos ainda com os objetivos de

liberdade política almejados pelos países não-alinhados.

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Arquipélago do Mar Mediterrâneo, a República de Malta tornou-se

independente do Reino Unido em 1964 e adotou o regime republicano

recentemente, em 1974. Em 1979, teve seu território, pela primeira vez, livre de

bases militares estrangeiras. Atualmente, com a ascensão recente ao poder de

Mifsud Bonnici, a aproximação com o bloco socialista - que era levada pelo seu

antecessor, o Primeiro- Ministro Mintoff - está incerta, bem como uma possível

maior interação com a Comunidade Econômica Europeia. Como esperado, devido

ao seu histórico de alinhamento com o socialismo, Maltafoi contra a invasão sul-

africana em Angola e aprovou a Resolução 477 de 1979.

A República Islâmica do Paquistão tornou-se independente do Reino

Unido junto com a Índia em 1947, ambos sendo ex-colônias britânicas no sul da

Ásia. Juntamente com a Birmânia (atual Mianmar), a Índia e outros países do

Terceiro Mundo, foi criador do Movimento dos Países Não-Alinhados em 1955,

que tinha como alguns de seus preceitos a autodeterminação dos povos,

manutenção da soberania e a oposição à colonização- motivo pelo qual mais

tarde, em 1979, viria a votar a favor da condenação da intervenção sul-africana

em Angola no Conselho de Segurança da ONU. Com a deposição e sentença de

pena de morte ao presidente que governou de 1971 a 1977, Zulfikar Ali Bhutto, o

general Zia-ul-Haq toma o poder, tornando-se o terceiro presidente militar do

Paquistão. O país passa, então, por um aumento da influência islâmica devido à

substituição de leis seculares pela sharia- leis baseadas nos preceitos

muçulmanos- no código legal.

Tendo recém declarado, unilateralmente, sua independência sob o nome

de República do Zimbábue, a antiga Rodésia do Sul – que era, até então,

controlada pela Inglaterra – foi alvo da política externa sul-africana no que diz

respeito à manipulação de seu governante. Sabendo que a manutenção de Ian

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Smith no poder, considerado um representante radical das ideologias

segregacionistas (similar ao Apartheid) pelo bloco socialista, seria inviável, a

África do Sul achou por bem pressioná-lo para que deixasse o cargo em favor de

um negro moderado, a fim de que o poder não fosse alcançado pelo lado radical

anti-segregacionista. Com a falha de suas intenções, em 1980 chega ao poder

Robert Mugabe que, se declarando parte dos Estados da Linha de Frente, está

alinhado aos movimentos de libertação africanos e, consequentemente, é contra a

postura intervencionista da África do Sul no continente.

4. Referências

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UFRGSMUNDI

UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 9-47, 2013 47

Resumo

O Conselho de Segurança é o órgão primário das Nações Unidas, responsável pela

manutenção da paz e da segurança internacionais. De acordo com a Carta da ONU, as resoluções do

Conselho de Segurança são as únicas que apresentam caráter vinculante, isto é, obrigatório a todos os

membros das Nações Unidas. Nesse sentido, em havendo qualquer ameaça à paz ou à segurança

internacionais, é responsabilidade do Conselho de Segurança coordenar a resolução do conflito. O

artigo a reunião histórica do Conselho de Segurança, do dia 6 de janeiro de 1984, em que se discutiu a

questão das invasões da África no Sul no território de Angola. Esse problema vem na esteira da

independência angolana, conquistada em 1975, e do período de guerra civil que a seguiu, a qual

acabou envolvendo o país na própria Guerra Fria, visto que diversos outros países começaram a

interferir no desenrolar da situação. É nesse contexto de mudanças regionais que a África do Sul,

possuidora de um regime racista e segregacionista, o Apartheid, encabeça diversas investidas

violentas contra seus vizinhos, incluindo Angola. Em 1984, após diversas condenações da comunidade

internacional, a África do Sul continuava ocupando o território no sudeste de Angola e usava ainda do

território da atual Namíbia para realizar seus ataques, ação também condenada. Na data dessa

reunião, após recentes ataques sul-africanos, o Conselho de Segurança mais uma vez se reúne para

tentar traçar algum plano efetivo e, assim, pôr um fim ao complicado conflito na região do Sul da

África.

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Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas: Políticas de imigração e proteção aos direitos do imigrante

48 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 48-93, 2013

Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas

Políticas de imigração e proteção aos direitos do imigrante

Bernardo Prates30

Giulia Barão31

Júlia Tocchetto32

Matheus Machado Hoscheidt33

Victor Merola34

O Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas é o órgão dentro do

sistema ONU responsável por promover e proteger os direitos humanos ao redor

do mundo, bem como lidar com suas violações. A fim de cumprir seu mandato, o

CDH pode emitir recomendações em todas temáticas de direitos humanos. Seu

corpo é formado por até 47 membros, todos eleitos diretamente pela Assembleia

Geral. Esse Conselho foi criado em 2006 para substituir a antiga Comissão sobre

Direitos Humanos e, muito embora suas recomendações não possuam caráter

obrigatório, as decisões do CDH influenciam políticas e direcionam opiniões nos

tópicos relacionados a direitos humanos em todo mundo.

30Estudante do 3º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). 31 Bacharel em Relações Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) 32 Estudante do 5º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). 33 Estudante do 5º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). 34 Estudante do 5º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

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UFRGSMUNDI

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Em sua 23ª Sessão Ordinária, seus delegados abordarão aspectos de

Políticas de Imigração e Proteção aos Direitos do Imigrante na atualidade. Para

tanto, os representantes nacionais devem compreender as principais razões que

motivam os grandes fluxos migratórios internacionais, como o refúgio de regiões

de conflito ou a busca por melhores condições econômicas. Ademais, os

delegados discutirão o estado atual das legislações que garantem ou restringem

os direitos de imigrantes, ora através da privação do acesso ao mercado de

trabalho, ora dificultando o acesso à justiça. Mais do que isso, deve-se

compreender as motivações que fomentam essas restrições, propondo soluções

inteligentes que adéquam os atuais tratamentos internacionais aos padrões

mínimos de respeito aos direitos humanos.

1. Histórico

A Reconquista da Península Ibérica foi um dos primeiros passos para a

independência portuguesa e está estreitamente ligada com o primeiro dos

maiores fluxos de migração de pessoas no planeta. Com a Revolução de Avis, no

século XIV, Portugal estava, finalmente, unificada. A centralização de poder de

que a estrutura monárquica desfrutava e a concentração de poder econômico nas

classes dominantes permitiram a organização das expedições ultramarinas e a

consequente conquista do Novo Mundo. Esse novo continente foi o destino de

vários europeus em busca de melhores condições de vida e de escravos africanos

que foram forçados a emigrar de seus países de origem (PRADO JR, 2011).

Pela primeira vez na história, ocorreu um deslocamento maciço de

pessoas ao redor do globo, diferente da migração tribal ou familiar em porção

reduzida. O eixo padrão das navegações, assim, foi deslocado do Mediterrâneo

para o Oceano Atlântico, este sendo o palco de intensos fluxos migratórios e

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Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas: Políticas de imigração e proteção aos direitos do imigrante

50 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 48-93, 2013

transporte de bens do século XVI até o XIX. Trinta anos após Cristovão Colombo

chegar à América, os espanhóis chegaram nas Filipinas pelos Oceanos Índico e

Pacífico, completando a primeira fase da Globalização, ou seja, a conquista

“completa” do mundo pelos europeus (SERIACOPI, 2005).

Do final do século XVIII até o final da Segunda Guerra Mundial em 1945,

a maior parte dos migrantes fugia de conflitos como a independência dos Estados

Unidos, as Guerras Napoleônicas, as duas Guerras do Ópio, a Guerra da Criméia, a

Unificação Italiana e a Alemã, a Guerra dos Balcãs, a Primeira Guerra Mundial, a

Guerra Civil Russa, a Guerra Civil Espanhola e a própria Segunda Guerra Mundial.

Foram os principais conflitos armados que obrigaram as pessoas a saírem de

suas terras de origem para buscar refúgio em outras partes do globo. Forças

políticas como o totalitarismo e o antissemitismo também foram um vetor para

motivar o deslocamento. Esses acontecimentos eram paralelos ao aumento do

crescimento vegetativo no Velho Continente, isto é, pessoas que não moravam em

regiões de conflito e decidiram ir para outro continente em busca de estabilidade

política e econômica. O trânsito de pessoas nesse intervalo de tempo foi o mais

intenso comparado com os anteriores, e em torno de 70 milhões de pessoas

estavam fora do seu país de origem no final da Segunda Guerra Mundial, com

uma boa parcela sendo considerada imigrante forçado. Esse grande processo de

migração teve seu fim apenas em 1945 (PAIVA, 2011).

O período da Guerra Fria, assim como o que a sucedeu imediatamente foi

um período de reorganização de enormes contingentes populacionais sob novas

jurisdições estatais devido inicialmente à instalação do regime comunista e, por

fim, devido ao esfacelamento da Iugoslávia e da União Soviética. Além disso, no

continente africano os processos migratórios forçados devido a conflitos civis, e

voluntários em busca de melhores condições de vida têm sido um fenômeno

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constante desde o século passado. Não obstante a gravidade desses

deslocamentos, as migrações só tornaram-se prioridade na agenda da ONU nos

últimos anos, quando passou-se a reconhecer a potencialidade de conflitos, mas

também de oportunidades advindas da tendência migratória trazida pela

revolução tecnológica e pela ordem econômica da globalização (ONU, 2011).

Por globalização, compreende-se a ordem econômica do período pós-

Guerra Fria, com a abertura comercial, econômica e financeira da maior parte dos

países do mundo, conforme os preceitos do liberalismo econômico propalados

pelo Consenso de Washington (MARTINE, 2005). O novo arranjo institucional

para a circulação de bens e capital corresponde ao período da história mundial

em que diferentes povos e nações têm maior contato, e possibilidades de

comunicação facilitadas pelos avanços tecnológicos no setor dos transportes,

telecomunicações, navegação na internet (MARTINE, 2005).

Diante desse cenário seria de se esperar que os fluxos migratórios

aumentassem no mínimo proporcionalmente ao crescimento populacional, ou em

outras palavras, que a mobilidade do capital humano estivesse tão liberalizada

quanto a dos outros bens de produção. Mas o que vemos é exatamente o

contrário. Enquanto fluxos de bens, mercadorias e capital ao redor do mundo e

entre países muito distantes crescem anualmente a taxas vigorosas, a mobilidade

humana diminuiu, quando comprada a períodos anteriores do século XX

(MARTINE, 2005). Isso é reflexo da grande inconsistência do nosso atual modelo

econômico: liberam-se as mercadorias, restringe-se a circulação de pessoas.

O panorama dos fluxos migratórios contemporâneos ajuda a

compreender melhor essa situação. No ano 2010, calcula-se que mais de 60% dos

migrantes dirigiam-se de países subdesenvolvidos a países industrializados, um

número relevante se considerarmos que em 1960 a maioria dos migrantes fazia o

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caminho inverso. No mesmo ano, migrantes internacionais representavam 3,1%

da população mundial total, 10,3% da população nas regiões mais desenvolvidas

e apenas 1,5% da população nos países menos desenvolvidos. As regiões

industrializadas tiveram o maior aumento no estoque de imigrantes entre 1990 e

2010, um acréscimo de 45 milhões, ou 55% (ONU, 2011).

Isso nos leva a deduzir as principais causas de migração de nossos dias: a

conscientização dos indivíduos sobre as diferenças de prosperidade, taxas de

salário, estabilidade política e econômica entre os países e o fato de

vislumbrarem uma possibilidade de, ao migrar, conquistar esses melhores

padrões de vida (SOLIMANO, 2010). Paradoxalmente, os mesmos países que

aumentam gradativamente o controle sobre a imigração são aqueles que mais

dependem de mão-de-obra pouco qualificada advinda de outros países. Assiste-

se, portanto, ao conflito crescente entre a dependência econômica dos países

ricos frente à força de trabalho estrangeira para a ocupação de cargos de baixa

qualificação profissional e manifestações de descontentamento de determinadas

autoridades e populações locais com o afluxo de imigrantes (SOLIMANO, 2010).

Além da Europa e dos Estados Unidos, é importante notar que a Ásia tem

se tornado destino de maior número de migrantes, atraídos, sobretudo pelas

possibilidades de negócios nas economias emergentes da região, como Índia e

China. Ambos os países também são responsáveis pelo afluxo de imigrantes em

outras regiões, como o continente africano e a Oceania. É interessante notar que,

nesse caso, o catalisador da migração não é a busca por melhores condições de

vida, mas as possibilidades de lucro e de negócios – outro padrão da migração

contemporânea. Relatório da ONU (ONU, 2011) aponta também a permanência

dos deslocamentos massivos no continente africano, que o tornam a principal

preocupação da comunidade internacional quando a questão são os refugiados

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de guerra, os indivíduos apátridas e a violência contra as mulheres ocorrida

nesses deslocamentos (ONU, 2011).

Dentre as principais preocupações das Nações Unidas na temática da

migração está o tratamento dado aos imigrantes nos países de destino, bem como

a integração social e econômica dos imigrantes (ONU, 2011). A dificuldade de

lidar com essas questões começa pela diversidade de legislações nacionais que

versam sobre o tratamento dos imigrantes, assim como os limites de intervenção

das agências internacionais num setor que é, por excelência, associado à

soberania estatal, qual seja o controle das fronteiras e a jurisdição nacional sobre

quem pode, e em que condições, ingressar no país. Um problema adjacente é o da

imigração ilegal, cujos números, oficialmente desconhecidos, tendem a aumentar

na medida em que se torna mais difícil ingressar legalmente nos países

desenvolvidos (SOLIMANO, 2010). Por se tratar de um fenômeno global, a

migração não pode ser tratada unilateralmente. Países-membros na ONU tem

feito esforços cooperativos em busca de soluções comuns.

Os mais otimistas acreditam que a migração pode ter efeitos benéficos

tanto para os países de origem dos migrantes tanto para aqueles que os recebem.

Um dos benefícios diz respeito à troca cultural, ao aprendizado mútuo entre

indivíduos com panoramas de vida diferentes. Outro benefício estaria nas

possibilidades de crescimento econômico, na realização de negócios, ou de

capacitação profissional, de fornecimento de mão-de-obra específica para algum

setor, uma verdadeira troca de capacidades entre povos e nações diferentes

(WEINSTEIN, 2002).

Desafiam essa visão positiva a crescente xenofobia de alguns países, os

preconceitos ocidente-oriente reavivados após os atentados de 11 de setembro

de 2011 e a “Guerra ao Terror” que lhe seguiu, o recrudescimento de legislações

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nacionais que versam sobre imigrantes, além do alarme de grupos populacionais

contra a potencial competitividade de imigrantes a postos de trabalho em seus

países. Certamente essas são dificuldades que contrastam com o atual nível de

circulação de capital e informação, e que precisam ser contestadas em busca de

soluções cooperativas acerca das migrações internacionais.

2. Desenvolvimento da questão

A proteção dos direitos humanos dos imigrantes vem ganhando maior

destaque no cenário internacional devido ao aumento dos fluxos migratórios e ao

conflito de opiniões entre os países sobre a questão. Além disso, há também

conflito de interesse internamente nos Estados, entre as diversas classes sociais.

Os trabalhadores, de um modo geral, veem seus empregos ameaçados pela mão

de obra estrangeira, enquanto os empregadores veem na imigração uma

oportunidade de contratar mão de obra abundante e barata. Muito embora o

fenômeno da fuga de cérebros35 venha crescendo, a maioria dos fluxos de

migrantes ainda é composta por trabalhadores de baixa qualificação.

Atualmente, estima-se que haja 214 milhões de migrantes no mundo

inteiro. Para fins de comparação, a população brasileira é de cerca de 190

milhões de habitantes. Pouco mais de toda essa população, portanto, migra nos

dias de hoje. O percentual de migrantes, porém, tem continuado estável em

comparação com a população mundial. Apesar de, em números absolutos, a

população de migrantes ter crescido, sua parcela em relação à população mundial

35 Fuga de cérebros (em inglês, brain drain) é o fenômeno do deslocamento de profissionais ou pessoas altamente qualificadas de um país para outro, geralmente devido a melhores salários ou condições de vida (ÖZDEN, 2005, p. 2).

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cresceu pouco36. É importante salientar, contudo, que os fluxos migratórios são

concentrados mundialmente, de modo que, nessas regiões, os efeitos sociais,

econômicos e políticos se tornam relevantes e recorrentes no diálogo entre as

nações (IOM, 2013).

Entre as causas da emigração, existem, principalmente, motivos

econômicos e políticos. No primeiro caso, a emigração é vista como uma

oportunidade de receber maiores salários em países mais desenvolvidos ou, até

mesmo, fugir de uma situação de desemprego. No segundo, enquadram-se

aqueles definidos internacionalmente como refugiados, que saem de seus países

de origem fugindo de perseguição política, religiosa, racial ou apenas por fazerem

parte de um grupo social desprivilegiado. Há também outras razões que

fomentam a migração, como a busca por serviços de educação com melhor

qualidade, mas esses não são tão significativos para o regime internacional de

proteção aos direitos dos migrantes. No âmbito da presente sessão do Conselho

de Direitos Humanos, será dada ênfase às migrações motivadas pela busca por

melhores salários e/ou condições de vida, uma vez que o regime de proteção

internacional de refugiados é estabelecido, principalmente, sob a jurisdição do

Alto Comissariado das Nações para os Refugiados (ACNUR).

Bustamante (2002, p. 339) aponta que os imigrantes sofrem de dois

tipos de vulnerabilidade, isto é, uma condição social desvantajosa em relação aos

nacionais o país receptor. Primeiramente, a vulnerabilidade estrutural deriva da

dificuldade dos imigrantes poderem participar no sistema político local. A

vulnerabilidade cultural, por sua vez, deriva de uma série de elementos culturais

36 Passou de 2,9%, há uma década, para 3,1% atualmente, crescendo apenas 0,2 pontos percentuais.

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de significado degradante, como estereótipos e preconceitos que fomentam

sentimentos de xenofobia e discriminação.

Quando se trata da proteção aos direitos dos imigrantes, muitos países

reconhecem oficialmente essa questão como de grande relevância e preocupam-

se em discuti-la, como demonstra a própria decisão da Assembleia Geral de criar

o Diálogo de Alto Nível sobre Migração Internacional e Desenvolvimento em

2006. Existe uma contradição, entretanto, entre a quantidade de resoluções nessa

matéria e os compromissos realmente vinculantes assumidos pelos Estados,

como convenções, leis e medidas adotadas nacionalmente para proteger os

imigrantes. Apesar da Resolução 53/115 da Assembleia Geral pedir aos Estados

que assinem e ratifiquem a “Convenç~o Internacional sobre a Proteç~o dos

Direitos de todos Trabalhadores Migrantes e Membros de suas Famílias”, os

países desenvolvidos como os da Europa e os Estados Unidos, grandes receptores

mundiais de imigrantes, não a assinaram. De acordo com Bustamante (2002, p.

347), essa convenç~o foi o “mais abrangente corpo de normas j| produzido no

contexto das Nações Unidas sobre o tema”.

Os direitos humanos de imigrantes podem ser analisados em duas

categorias principais: os direitos civis e políticos e os direitos sociais e

econômicos. Enquanto os direitos civis e políticos estão relacionados à liberdade

de expressão e associação, direitos de participação direta e indireta na política,

representação, acesso igualitário à justiça etc., os direitos econômicos e sociais

abarcam o direito a salários iguais por funções iguais, direito à saúde, ao lazer, à

previdência social, bem como direito de acesso ao mercado do trabalho e

proteção dos direitos do trabalhador (VIOLA, 2007, p. 56-57).

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2.1. Direitos civis e políticos

Há raras convenções internacionais que discutem de maneira geral a

questão dos direitos civis. Grande parte dos tratados aborda esses direitos de

maneira fragmentada, defendendo o direito à família, à propriedade privada, ao

reconhecimento jurídico etc. De acordo com Tiburcio (2001, p. 110), os únicos

mecanismos relativamente efetivos que tratam de maneira abrangente dos

direitos civis de imigrantes são a Convenção de Havana sobre Direitos de

Estrangeiros (1928) e o Código de Direito Internacional Privado, também de

192837. Devido ao caráter excessivamente protetivo desses mecanismos, eles não

foram assinados nem ratificados por um número significativo de países.

Nos dias de hoje, o direito de ser reconhecido como pessoa perante a lei

é um dos direitos civis mais básicos internacionalmente. Muito embora, na

maioria das vezes, os imigrantes possam ser oficialmente reconhecidos como

portadores de direitos, eles possuem limitações na capacidade de exercer alguns

direitos. No Brasil, por exemplo, embora imigrantes sejam sujeitos frente à lei, a

Constituição lhes nega a propriedade de companhias de mídia, restringindo sua

capacidade de exercer alguns direitos específicos (Ibidem, p. 115).

Diversos documentos internacionais, vinculantes ou não, também

estabelecem o direito de vida em família38. As políticas imigratórias, entretanto,

tendem a oscilar no nível de facilitação da reunificação de famílias de imigrantes.

37 Esses dois dispositivos, apesar de serem bastante protetivos em relação aos estrangeiros, não tiveram mais do que 15 ratificações cada um (OAS, 2013a, 2013b). O Pacto de Direitos Civis e Políticos, por sua vez, foi muito mais amplamente aceito, excedendo 160 ratificações (UN, 2013a). 38 Declaração Universal dos Direitos Humanos, Convenção Europeia (1950), Pacto de Direitos Civis e Políticos, Convenção Americana, Carta Africana (1981), Convenção sobre os Direitos da Criança (1989).

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Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas: Políticas de imigração e proteção aos direitos do imigrante

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A Convenção sobre os Direitos da Criança (1989)39 é a única que garante o

direito de adoção e o direito de reunificação familiar. Essa Convenção enfatiza

que os Estados devem permitir a reunificação de famílias ao garantir vistos e que,

no caso de os pais de uma criança serem expulsos de um país, seu filho deve ser

informado de seus paradeiros.

Em uma análise extensa de decisões de cortes internacionais sobre a

questão, Tiburcio (2001, p. 125) conclui que um estrangeiro expulso de um país

que não o de sua nacionalidade apenas poderá alegar direito à reunificação

familiar se seus familiares são nacionais do Estado onde haverá a reunificação. De

maneira geral, porém, o tratamento dado a crianças adotadas ainda é

determinado na esfera doméstica. Na África do Sul, para exemplificar, apenas

nacionais podem adotar crianças sul-africanas, ocorrendo o mesmo nas Filipinas.

No Reino Unido, ademais, menores estrangeiros adotados conquistam

automaticamente nacionalidade britânica e direito de residência (Ibidem, p. 135).

Assim, existe uma lacuna de instrumentos que protejam de forma clara o direito à

reunificação familiar de imigrantes.

Ainda hoje, imigrantes não possuem direito de aquisição de propriedade

privada em muitos países, bem como não podem herdar bens em território

estrangeiro. Geralmente, as convenções internacionais apenas permitem aos

estrangeiros gozar dos direitos sobre suas propriedades no exterior, mas não a

aquisição de outras. A Convenção Americana, por sua vez, permite a aquisição de

propriedade privada apenas para satisfazer as necessidades básicas de

subsistência (Ibidem, p. 144).

39 Essa convenção foi ratificada por 193 países (UN, 2013b).

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Quando se trata de direitos políticos, existe um grande debate sobre o

que essa categoria engloba. Enquanto alguns autores consideram direitos

políticos apenas o direito de votar e se eleger a cargos políticos, outros

consideram também o direito de se tornar servidor público e/ou possuir

liberdade de discurso político. É bastante comum que os Estados, além de

impedirem o acesso de imigrantes a direitos políticos, ainda os punam por

reivindicar participação na vida política local. (Ibidem, p. 183). De forma

parecida, a Corte Europeia de Direitos Humanos decidiu diversas vezes que os

Estados são livres para expulsar estrangeiros por questões de política pública ou

segurança nacional, indicando que imigrantes podem ser expulsos por

praticarem atividades políticas. Essa mesma opinião é compartilhada com outros

autores que consideram que estrangeiros não devem participar da vida política

do país onde residem, pois eles ainda estariam mais “conectados” ao seu país de

nacionalidade. Na França, por exemplo, estrangeiros podem ser expulsos por

atuarem na vida política local, em caso de serem líderes de organizações de

imigrantes ou de se envolverem no futuro do Saara Ocidental. Nesse país, os

estrangeiros são impostos a uma condição de “neutralidade política”, e a quebra

dessa condição pode conduzir à expulsão (Ibidem, p. 186).

No que tange ao direito de votar e de ser eleito, os Estados são unânimes

em garanti-los apenas para seus nacionais. Grécia, Hungria, Índia, Cuba,

Dinamarca, Israel, Mônaco, Noruega, Polônia, Portugal, Suécia, Suíça, Tailândia,

Turquia, Reino Unido e Estados Unidos são exemplos de países, entre outros, que

restringem o direito de voto apenas para seus cidadãos nacionais. Um número

ainda maior de países permite apenas aos nacionais, também, o direito de ser

eleito para cargos políticos no âmbito estadual, municipal e/ou federal. A vida

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Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas: Políticas de imigração e proteção aos direitos do imigrante

60 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 48-93, 2013

política dos imigrantes em seu país de residência, portanto, ainda é bastante

restrita e limitada.

As convenções internacionais e as legislações domésticas tendem a

limitar aos nacionais o acesso a cargos públicos, tanto de natureza civil quanto

militar. Países como Brasil, Argentina, Portugal, Polônia e Noruega, entretanto,

possuem uma abordagem menos danosa ao imigrante, pois permitem sua eleição

a cargos eminentemente técnicos. A discriminação de estrangeiros para tomada

de cargos públicos é uma prática comum em diversos países sob o argumento de

que existe uma natureza política nesses empregos que deve ser resguardada

apenas para nacionais (Ibidem, p. 190-191, 193-194).

2.2. Direitos sociais e econômicos

O tema de direitos humanos é especialmente relevante quando se trata

da proteção dos direitos do imigrante. Quando uma pessoa sai de seu país de

origem, de onde é nacional e possui todos direitos de cidadão, emerge a questão

de como os mesmos direitos serão aplicados ao emigrante em seu país de

destino. Direitos sociais e econômicos, ambos dentro do âmbito dos direitos

humanos, são, bem como os civis e políticos, essenciais para que o imigrante seja

acolhido de forma que possua as condições necessárias de vida e, especialmente,

de trabalho.

Os direitos sociais são aqueles que dizem respeito à integração do

imigrante na sociedade em que chega, tanto sobre a relação com os nacionais do

país quanto sobre o acesso à saúde (atendimento médico assegurado, por

exemplo), à educação e à segurança (VIOLA, 2007, p. 57). Na maioria das vezes, a

legislação nacional é que prevê quais os direitos dos imigrantes nesses âmbitos.

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UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 48-93, 2013 61

No Brasil, por exemplo, o SUS (Sistema Único de Saúde) se aplica aos

estrangeiros, desde que tenham residência permanente no Brasil (MINISTÉRIO

DA SAÚDE, 2002). Na Alemanha, uma vez que os direitos sociais geralmente são

vinculados ao mercado de trabalho, apenas os trabalhadores imigrantes são

também cobertos pelo seguro saúde (SAINSBURY, 2006, p. 234).

Geralmente, a grande “linha divisória” que se forma para a quest~o da

proteção de direitos não é entre cidadãos e imigrantes, mas entre imigrantes

temporários e residentes permanentes – aqueles que têm residência fixa no país

para onde emigraram, de acordo com os critérios que cada país estabelece.

Segundo Kondo (2001), os imigrantes com residência permanente têm amplo

acesso a serviços sociais40. Para os imigrantes irregulares, por sua vez, os direitos

sociais são, geralmente, negados (Ibidem, p. 234-235)41. Neste ponto vale

salientar a posição de Bustamante (2002, p. 345): é princípio de Direitos

Humanos que todas as pessoas possuem os mesmos, independente de sua

regularidade no país.

Os direitos econômicos que um cidadão qualquer necessita em qualquer

sociedade são, basicamente, acesso ao mercado de trabalho, salários dignos e

seguro desemprego. (VIOLA, 2007, p.57). Se os imigrantes puderem usufruir

totalmente dos direitos econômicos e sociais, a igualdade entre eles e os

nacionais é aumentada, no sentido de ambos terem acesso às mesmas

oportunidades. Isso é positivo do ponto de vista de que se deve preservar os

direitos humanos de qualquer pessoa, independente de sua nacionalidade.

40Vale notar que o mesmo autor também salientou que nos EUA a maioria dos direitos sociais são limitados mesmo para residentes permanentes, enquanto na Suécia eles são concedidos a todos que tem domicílio neste país (KONDO, 2001, p.235). 41Kondo (2001) faz tal afirmação referente a todos os Estado de Bem-Estar Social, aqueles em que o governo mais interfere na sociedade, concedendo saúde e educação gratuitas, por exemplo.

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Geralmente, residentes permanentes têm direito de estabelecer negócios, mas, de

país para país, varia a existência ou não de restrições para a ocupação de certos

cargos. Em geral, as maiores e mais frequentes restrições são para cargos que

envolvem a segurança e a defesa nacional. Em alguns países, o mesmo se aplica

para cargos públicos (KONDO, 2001, p. 237-238).

O artigo 22 da Declaração Universal dos Direitos Humanos42 – que trata

de muitos outros direitos essenciais à dignidade humana, como direito à

instrução, à liberdade, à vida, entre outros - e o Pacto Internacional de Direitos

Econômicos, Sociais e Culturais43 protegem os direitos econômicos e sociais. O

Pacto acima citado obriga os Estados que o ratificarem a garantir direitos sociais,

econômicos e de moradia para todos os imigrantes que morarem em seu país. Ele

garante, entre questões com especial relevância para os imigrantes que buscam

trabalho no exterior, o direito ao trabalho, a um salário digno e não

discriminatório, condições de trabalho adequadas, entre outros. Este pacto foi

adotado pela Assembleia Geral da ONU em 1996 e ratificado por 160 países44.

Vale destacar que o artigo 2º(3) do citado Pacto impõe uma restrição para a regra

de n~o discriminaç~o: “Os países em desenvolvimento, levando devidamente

em consideração os direitos humanos e a situação econômica nacional, poderão

42Artigo XXII: Toda pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e à realização, pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade. Íntegra da DUDH disponível em: http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm. 43Documento integral disponível em:http://www.oas.org/dil/port/1966%20Pacto%20Internacional%20sobre%20os%20Direitos%20Econ%C3%B3micos,%20Sociais%20e%20Culturais.pdf. Último acesso em 17 de fevereiro de 2013. 44 A lista dos países pode ser encontrada em http://treaties.un.org/Pages/ViewDetails.aspx?src=TREATY&mtdsg_no=IV-3&chapter=4&lang=en. Último aceso em 17 de fevereiro de 2013.

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determinar em que medida garantirão os direitos econômicos reconhecidos

no presente Pacto àqueles que não sejam seus nacionais.” A justificativa seria

evitar que não nacionais ocupassem setores importantes das economias

emergentes.

Segundo Tiburcio (2001, p.146), o principal problema da implementação

dos direitos econômicos e sociais é a dependência de políticas governamentais

nesses âmbitos, não sendo um problema meramente legislativo. O direito de

trabalhar, por exemplo, é muito mais complexo que qualquer direito civil ou

político, pois envolve custos reais para o Estado em conceder trabalho para os

imigrantes. Em geral, quase todos os países impõem restrições para o exercício

de certas profissões por estrangeiros. Tiburcio (2001, p.150) acredita na ideia de

que o direito ao trabalho é assegurado a todos sob o direito internacional, sem a

possibilidade de discriminação, a menos que esta tenha motivos de segurança

nacional, políticas públicas, moral e saúde pública. Assim, se um Estado impõe

restrições, estabelece preferências para trabalhadores nacionais ou proíbe certas

profissões aos estrangeiros, de forma não justificada pelos motivos citados, ele

estará violando o direito internacional45.

O direito à educação, parte fundamental dos direitos sociais, garante que

todos tenham acesso a instalações educacionais e a uma educação suficiente e de

qualidade. O Estado, portanto, teria o dever de proporcionar e fiscalizar uma

educação de qualidade para todos os que vivem em seu país. (Ibidem, p.158).

Após um levantamento de legislações internacionais, Tiburcio (2001, p. 161)

conclui que a tendência da maioria dos países é assimilar estrangeiros regulares

45A título de exemplo, Tiburcio (2001, p. 155-156) assinala 19 Estados relevantes em que só nacionais tem direito a trabalhar o tem preferências neste âmbito. Estes são Argélia, Cabo Verde, China, Congo, Cuba, Dinamarca, Honduras, Índia, Itália, Jordânia, Libéria, Luxemburgo, Mônaco, Países Baixos, Nicarágua, Portugal, Espanha, Taiwan e Emirados Árabes Unidos.

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aos nacionais quando se trata do direito à educação46. Segundo o autor, ademais,

o direito internacional garante o acesso de crianças a escolas primarias (Ibidem,

p. 161 e 163).

O essencial a se ter em mente ao analisar esses direitos, principalmente

os econômicos, é que a visão de quem não os concede é que garanti-los pode ser

retirar o emprego de seus próprios nacionais. Assim, o descontentamento interno

pode ser grande, impactando em questões eleitorais. A concessão de direitos

sociais, por sua vez, também pode trazer problemas para o cidadão do Estado

que recebe o imigrante, uma vez que, por exemplo, um sistema de saúde público

pode tornar-se insuficiente para toda demanda nacional somada à dos

imigrantes. Outro aspecto negativo alegado é que, ao se dar melhores condições

de vida legalmente estabelecidas ao imigrante, sem dúvida o fluxo de pessoas

para esse país tenderá a aumentar, maximizando os efeitos negativos

supracitados. Não há dúvida de que a dignidade humana deve ser preservada,

mas sendo a questão da imigração muito controversa, as políticas devem ser

introduzidas com cautela.

3. Ações internacionais prévias

Apesar de sua relevância desde os períodos anteriores ao intenso

processo de globalização vivido atualmente, o tema da migração internacional foi

deixado de lado durante muito tempo. Nem mesmo a Organização Internacional

46 O autor constatou esse fato para os seguintes países: Austrália, Áustria, Argentina, Bélgica, Brasil, Cabo Verde, Chile, Congo, Costa Rica, Cuba, Dinamarca, França, Gana, Irlanda, Israel, Itália, México, Paraguai, Peru, Polônia, Portugal, Espanha, Suécia, Suíça, Tailândia, Turquia e Estados Unidos. Em outros países esse direito pertence apenas para nacionais (apesar de, na prática, às vezes, estrangeiros gozarem das mesmas oportunidades): Canadá, China, Hungria, Grécia, Índia, Jordânia, Luxemburgo, Mônaco, Nicarágua e Taiwan.

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do Trabalho, a agência mais antiga com a possibilidade de abordagem do assunto,

abordava o tópico em seu plano de ação principal na data de sua criação em

1919, juntamente com a Liga das Nações (NEWLAND, 2005, p.1).

Fora do sistema das Nações Unidas, em 1951, é fundada a Organização

Internacional para a Migração (OIM), com o objetivo inicial de ajudar famílias a

retornarem aos seus respectivos lares na Europa Ocidental após o caos da

Segunda Guerra Mundial (IOM, 2013). Desde então, a organização evolui para, em

1989, ter sua Constituição revisada, estabelecendo funções de proteção e auxílio

a indivíduos no processo de migração e em seu estabelecimento no país

estrangeiro. Apesar de sua ampla missão, a agência não possui poder político ou

fundos suficientes para atuar ativamente no cenário internacional (NEWLAND,

2005, p.8). Atualmente, ela possui projetos demasiadamente específicos e de

gama limitada, centrados apenas em questões regionais.

Em 1994, as Nações Unidas organizaram, no Cairo, a Conferência

Internacional sobre População e Desenvolvimento. Esta tinha o objetivo de

elucidação de uma estratégia que os países deveriam seguir ao lidarem com

diversos tópicos importantes e relacionados entre si, como sustentabilidade e

equidade de gênero. Na ocasião, foi adotado um Programa de Ação, no qual o

tópico da migração internacional é mencionado especificamente no capítulo X

(ONU, 2013a). Apesar de ser um marco por sua inclusão em algo concreto, a

migração estava perdida dentro de uma miríade de outros assuntos. Desta forma,

ainda estava por ser visto algum fórum de discussão que daria ao tema um

tratamento exclusivo.

Com a virada do milênio e a crescente globalização, a questão ressurge

com mais força dentro do sistema ONU e além. O então Secretário-Geral das

Nações Unidas, Kofi Annan, demonstra sua preocupação com o assunto e, em

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2002, ordena a criação de uma comissão independente que fizesse

recomendações de como fortalecer a governança sobre migração internacional,

ou seja, como os países poderiam conjuntamente regular este processo. Com isso,

em 2003, é lançada a Comissão Global para a Migração Internacional (GCIM)

(NEWLAND, 2005, p.2).

Apesar do novo consenso quanto à necessidade desta governança, ocorre

uma falta de coordenação entre as diversas agências e organizações

internacionais. Muito disso se dá pela relutância dos países em aceitar uma

autoridade que está acima deles ditando regras em um assunto tão delicado

como a migração, no qual existem tantas divergências (NEWLAND, 2005, p.3).

Tratados de larga escala que centralizariam este processo, desta forma, acabam

não sendo ratificados, fazendo com que haja lacunas entre as diversas funções da

governança, fragmentadas em diversas agências (NEWLAND, 2005, p.7).

Como exemplo deste fenômeno, apenas pequenos avanços foram feitos

dentro e fora do sistema ONU quanto ao tópico da migração internacional. A

relativamente passiva OIT reacende o debate com a Conferência Internacional do

Trabalho em 2004, cujo tema foi migração. O Conselho de Direitos Humanos, cujo

objetivo é lidar com violações de direitos humanos através de mecanismos

temáticos, decide apontar um Relator Especial para os Direitos Humanos dos

Imigrantes em 1999. O Banco Mundial passa a preocupar-se crescentemente com

a análise de dados coletados sobre imigração. O Acordo Geral de Comércio em

Serviços (GATS), dentro da Organização Mundial do Comércio (OMC), apesar de

não conferir direitos a indivíduos migrantes, exige que governos reduzam suas

barreiras e facilitem o acesso aos seus mercados. A Iniciativa de Berna, em 2001,

e o Processo de Haia, em 1999, são lançados como fóruns de discussão sobre

migração entre Estados, no primeiro caso, e atores da sociedade civil global

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(ONGs), no segundo. A Assembleia Geral da ONU, desde 2002, tem coletado dados

importantes e monitorado tendências migratórias em sua Divisão Populacional.

Ela convoca anualmente reuniões com outras agências da ONU para discutir

esses dados (NEWLAND, 2005, p.8-12).

Essa última, notavelmente, declarou a necessidade do debate entre os

países membros das Nações Unidas através de um Diálogo de Alto Nível sobre

Migração Internacional e Desenvolvimento, que viria a acontecer em 2006 (ONU,

2013b). Tal evento foi mais um marco para a construção de uma futura

governança, visto que este abordava específica e exclusivamente o tópico da

migração internacional. Um segundo Diálogo de Alto Nível está marcado para o

ano de 2013 (ONU, 2013c).

De todos estes esforços e da crescente percepção do impacto que a

migração internacional tem sobre o mundo globalizado, é criado pelos países

membros das Nações Unidas, no ano de 2007, o Fórum Global sobre Migração e

Desenvolvimento (FGMD). Este conta também com a participação ampla de

membros da sociedade civil global. O fórum tem como objetivo estabelecer o

diálogo informal entre governos e todos outros atores envolvidos na migração,

para que estes possam identificar problemas e lacunas existentes na governança,

estabelecer parcerias e cooperações e, por fim, estruturar uma agenda e apontar

prioridades sobre migração e desenvolvimento. O próximo FGMD dos anos de

2013-2014 ocorrerá em Estocolmo, na Suécia (GFMD, 2013).

4. Posicionamento dos países

Desde o fim das práticas de Apartheid até o começo dos anos 2000,

África do Sul demonstrou uma chamada política de “portas abertas”, período

quando se facilitou a entrada de imigrantes africanos, especialmente aqueles

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oriundos do sul da África, membros da Comunidade para o Desenvolvimento da

África Austral (do inglês, SADC). Em 2005, os membros da SADC, onde se inclui o

próprio governo de Pretória, assinaram o Protocolo sobre Facilitação do

Movimento de Pessoas, documento que dispensaria o porte de visto para entrada

nos países-membros. Até o momento, entretanto, apenas Moçambique o ratificou.

Atualmente, o governo sul-africano preocupa-se com o sentimento público de

que os imigrantes possam roubar os empregos de nacionais e piorar a qualidade

dos serviços sociais providos pelo Estado (KABWE-SEGATTI; LANDAU, 2008, p.

130-132). Cada vez mais trabalhadores do Zimbábue e da Namíbia, por exemplo,

veem na economia sul-africana oportunidades de melhores salários que os de

seus países de origem. Ao mesmo tempo, por outro lado, o governo reconhece a

necessidade de atrair trabalhadores altamente qualificados para atuarem nas

indústrias, considerando que a fuga de cérebros sul-africanos para países com

melhores salários vem reduzindo a qualificação da sua mão-de-obra

(HAMMERSTAD, 2011, p. 4; CRUSH; WILLIAMS, 2005, p. 30).

A Alemanha é o segundo país europeu que mais recebe imigrantes (IOM,

2013a). A Chanceler Angela Merkel, em declaração à imprensa, demonstrou

posiç~o de certa forma xenofóbica ao observar que “o multiculturalismo falhou

completamente”, alegando que os imigrantes deveriam integrar-se mais aos

cidadãos alemães. O comentário surgiu junto com o crescente sentimento anti-

imigração na Alemanha. Merkel afirmou, posteriormente, que a Alemanha precisa

de imigrantes, mas os imigrantes precisam fazer algo para integrar-se na

sociedade, adotando os valores e a cultura alemães (BBC NEWS, 2013). A

imprensa e a elite alemãs, por sua vez, afirmam que a indústria nacional conta

com muitos trabalhadores qualificados imigrantes e que eles são essenciais para

a economia do país (THE WEEK, 2013). Um estudo demonstrou que a maioria

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dos estrangeiros viria à Alemanha devido aos benefícios sociais concedidos (BBC

NEWS, 2013). O país ratificou o Pacto Internacional de Direitos Econômicos,

Sociais e Culturais (PIDESC) e o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos

(PIDCP) (UN TREATY COLECTION, 2013a; Idem, 2013b). Concernente ao respeito

dos direitos sociais e econômicos, a Alemanha ratificou a Carta Social Europeia

(CSE) (COUNCIL OF EUROPE, 2013). Na Alemanha, ademais, cidadãos com etnia

germânica oriundos da Europa Oriental adquirem cidadania imediata (TIBURCIO,

2011).

A Arábia Saudita tem graves preocupações sobre os desafios associados

ao fenômeno migratório. Cerca de um terço da força de trabalho do país é

formada por estrangeiros, que chegaram ao país principalmente na segunda

metade do século XX, devido ao crescimento da indústria petrolífera

(PAKKIASAMY, 2004). A posição saudita está alinhada com os demais países do

Conselho de Cooperação do Golfo, que pretendem diminuir a dependência

econômica da força de trabalho internacional, e capacitar a população nacional

para ocupação de mais postos de trabalho qualificados. Não obstante,a economia

saudita ainda depende, em grande parte, da força de trabalho internacional e os

imigrantes são tratados segundo a legislação nacional, podendo adquirir

cidadania saudita desde 2004, devido aos esforços do Comitê Saudita de Direitos

Humanos e da Associação Nacional de Direitos Humanos, constituídas em 2003

(PAKKIASAMY, 2004).

Recentemente, o governo da Argélia vem implementando políticas no

sentido de controlar imigração e emigração irregular, ao invés de melhorar as

condições de seus trabalhadores no exterior. Essa iniciativa foi fomentada por

pressões da UE devido ao excesso de argelinos imigrantes na Europa e também

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70 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 48-93, 2013

pela associação dos contrabandistas da Argélia com organizações terroristas

(BARTOLOMEO; JAULIN;PERRIN, 2010, p. 9).

A Argentina tem cerca de 4% da sua população total de imigrantes.

Muitos desses estrangeiros são atraídos pelo fato de o país possuir bons padrões

de qualidade de vida47. Como signatária do MERCOSUL, a Argentina também

permite o livre trânsito de pessoas oriundas de países do bloco. A Lei de

Migrações (2003) busca atender e respeitar os direitos humanos de imigrantes

sem distinção entre estes e o resto da população. Além disso, ela procura

regularizar a situação dos estrangeiros que vivem no território argentino,

contribuindo para troca cultural entre os povos para fortalecer o vínculo entre as

nações da região e tentando alcançar o desenvolvimento econômico com o

auxílio dos novos moradores.

O passado da Austrália demonstra como a migração enriqueceu sua

sociedade e contribuiu fortemente para o crescimento econômico e para a

produtividade. Quase metade da população australiana é composta por

migrantes ou por filhos destes. O país continua recebendo grandes quantidades

de migrantes que ingressam por vias legais no país e é capaz de controlar a

pequena proporção de pessoas que chegam irregularmente em suas fronteiras

por vias aéreas ou marítimas (IOM, 2013b).

Em 2009, na Bélgica, criaram-se novas regras de imigração,

regularizando muitos imigrantes. Através dessas, imigrantes que tenham

trabalhado ao menos durante dois anos e meio ou que tenham vivido no país por

cinco anos ou mais podem pedir autorização de residência (DE STANDAARD,

47 O IDH argentino é o segundo maior da América Latina, perdendo apenas para o Chile.

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2011). Desde o início de 2012, contudo, o governo expulsou mais de mil

imigrantes desempregados, a fim de cortar despesas e conter a crise. Cidadãos

franceses, húngaros e italianos são os mais visados. Não há motivos legais claros,

uma vez que cidadãos europeus teoricamente poderiam viver na Bélgica

(ESQUERDA.NET, 2013). Para repatriar imigrantes ilegais, a Bélgica concluiu

acordos com os países de origem (um acordo a nível da União Europeia, que trate

do retorno dos imigrantes ilegais, está para ser concluído) e espera realizar mais

acordos deste tipo. O governo belga indica que um imigrante ilegal pode escolher

entre repatriação voluntária ou forçada, assumindo que seu país de origem tenha

condições de receber o imigrante de volta (FEDERAL PUBLIC SERVICE FOREIGN

AFFAIRS, 2013). O atual primeiro-ministro, Eliodi Ruppo, tem orientação

esquerdista e é filho de imigrantes italianos (LICHFIELD, 2011). O país ratificou o

PIDESC, o PIDCP e a CSE.

O Brasil tornou-se um destino cada vez mais procurado pelos imigrantes

depois da crise financeira de 2007-2008. Atualmente, há em torno de 4,4 milhões

de estrangeiros habitando o território brasileiro. O país já ratificou o acordo de

livre trânsito de trabalhadores entre os países do MERCOSUL, mas ainda não

assinou a Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de todos os

Trabalhadores Migrantes e Membros de suas Famílias (1990). Desde 2009, o

Governo estuda a criaç~o de um “Estatuto dos Estrangeiros” pelo prisma dos

direitos humanos para garantir a igualdade de tratamento entre nacionais e

estrangeiros, diminuindo as práticas abusivas que ocorrem com os trabalhadores

ilegais no país e promovendo a melhora das relações com seus parceiros.

Botsuana também vem mudando sua política anterior de portas abertas

devido ao número excessivo de imigrantes zimbabuenses indocumentados que

chegaram ao país nas últimas décadas. O fluxo de imigrantes do país vizinho

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promoveu uma onda de xenofobia no país, exigindo uma abordagem mais

restritiva e exclusivista e dificultando os procedimentos de visto (LEFKO-

EVERETT, 2004).

A Bulgária, como Estado-membro da ONU compromete-se com o

tratamento igualitário entre imigrantes e não-imigrantes conforme os princípios

de proteção aos direitos humanos. É de grande preocupação para o governo

búlgaro a questão dos indivíduos apátridas e dos imigrantes ilegais, sobretudo na

Europa oriental (BULGÁRIA, 2012). Dessa forma, o país se dispõe a trabalhar

ativamente em nível nacional, regional e internacional no endereçamento dessas

questões, buscando soluções de longo-prazo tomadas a partir da cooperação

multilateral e, sobretudo, regional, no seio da União Europeia(BULGÁRIA, 2012).

No Canadá, cerca de 18% da população é imigrante, compondo uma

significativa força de trabalho originária, principalmente, da Ásia. O objetivo do

Canadá é atrair indivíduos altamente qualificados a fim de aumentar capital

humano no seu território. Nesse sentido, suas políticas migratórias para

aceitação de novos indivíduos buscam manter um padrão de admissão conforme

critério de qualificação da mão-de-obra, esforçando-se para gerir políticas de

inserção dos novos habitantes no país.

Com sua abertura econômica nas últimas três décadas, a República

Popular da China tornou-se não somente uma importante fonte de emigrantes

como também um destino para migrantes do mundo todo. É estimado que 35

milhões de chineses estejam empregados em outros países. Os principais

destinos de migrantes chineses são Estados Unidos, Canadá, Japão e Cingapura

(IOM, 2013b). Ao mesmo tempo, um número crescente de estrangeiros escolhe

morar na China, tendo o país atualmente 600 mil residentes estrangeiros. Esta

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recente corrente migratória tem levado o país a reforçar a patrulha de suas

fronteiras e a fortalecer suas políticas trabalhistas.

O status de Tigre Asiático tornou a República da Coreia (Coreia do Sul)

em um destino popular para a população do Sudeste Asiático. Atualmente,

famílias resultantes do casamento de coreanos com imigrantes encontram

problemas de assimilação e proteção. Além disso, o crescimento recente de

populações norte-coreanas no país é significativo.

Em Cuba, menos de 0,2% dos habitantes são estrangeiros. Sendo Cuba

um país primordialmente de emigrantes, em geral suas leis objetivam

regulamentar a viagem de seus cidadãos para o exterior. Nos últimos anos, a

nação tem reformado sua rígida política migratória. No final de 2012, por

exemplo, o governo retirou a necessidade de autorização de saída da ilha seus

cidadãos, bem como dispensou a exigência da Carta Convite48.

Os Emirados Árabes Unidos estão fortemente comprometidos com os

princípios da Declaração Universal dos Direitos Humanos, e determinados a

melhorar seu histórico de tratamento doméstico das questões humanitárias, a

fim de fazer diferença no nível internacional (EAU, 2013). Os Emirados Árabes

acreditam que povos e nações precisam de conexões e trocas crescentes, como

pré-requisito para o desenvolvimento, a estabilidade e a prosperidade, e por isso

o tratamento digno dos imigrantes e a receptividade à força de trabalho

estrangeira é um dos compromissos da política externa do país (EAU, 2013). A

cidade de Dubai é um exemplo ilustrativo dos princípios que atualmente

orientam a cultura política dos Emirados Árabes Unidos, uma combinação da

48 A Carta Convite é um resumo do porque está convidando a pessoa, seus motivos, o tempo da permanência e o lugar a onde ficará a pessoa convidada, é um documento de boa fé para a Imigração ou para as autoridades de fronteira.

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permanência de certos preceitos islâmicos tradicionais com a atualização e

modernização necessárias para a plena integração no sistema internacional

(DUBAI, 2012).

A Espanha tem legislações avançadas concernentes aos imigrantes e sua

regularização, como a possibilidade de se registrar no Padrão Municipal, uma

espécie de censo das municipalidades, onde os moradores se inscrevem para ter

acesso aos serviços de saúde e educação gratuitos. A Lei do Arraigo Social,

também, permite ao imigrante em situação regular trazer sua família para a

Espanha depois de um ano (ESTADÃO, 2013b). Mariano Rajoy, primeiro-ministro

espanhol que faz parte do Partido Popular Conservador, tem uma postura rígida

em relação aos imigrantes e afirma que a Espanha, que vem sofrendo com o

desemprego, não tem mais espaço para os mesmos. Um dos movimentos do

primeiro-ministro foi retirar o direito de cuidados de saúde aos imigrantes,

devido à recessão do país. (THE GUARDIAN, 2013; EXPATICA, 2013). O país

também ratificou o PIDESC, o PIDCP e a CSE (UN TREATY COLECTION, 2013a;

Idem, 2013b; COUNCIL OF EUROPE, 2013).

Os Estados Unidos da América têm cerca de 35 milhões de imigrantes

em seu território, sendo a maior parte constituída de asiáticos e latino-

americanos. Os EUA é o país com o maior número de imigrantes no mundo, e os

hispânicos são os maiores propulsores de seu crescimento populacional. Desde

sempre, as leis relativas aos imigrantes foram bastante rígidas quanto à entrada

ilegal no país e quanto à admissão de novos migrantes e suas famílias, política

que se tornou mais evidente ainda no período da Guerra Fria. Após os atentados

de 11 de setembro de 2001, houve uma maior intransigência com o tráfego de

migrantes em direção a seu território, principalmente de populações

muçulmanas. Nos dias de hoje, com a recessão econômica, o atual presidente,

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Barack Obama, busca reformar o sistema migratório norte-americano propondo

intensificar a legalização de parte dos estrangeiros que já habitam o seu país.

A Federação Russa é o país europeu que mais recebeu imigrantes em

2010 (IOM, 2013a). Na Rússia, nos últimos anos, o governo tem simplificado as

regras de entrada e de residência para os profissionais altamente qualificados e

tem tornado mais difícil para outros estrangeiros. Desde o ano passado, por

exemplo, imigrantes com salários inferiores a 2 milhões de rublos ao ano

precisariam realizar um teste de russo para permanecer no país. Outras leis

também conferem tratamento diferenciado para imigrantes com renda maior que

2 milhões de rublos. Existe uma lei de responsabilidade dos proprietários de

imóvel que pode punir os proprietários dos apartamentos em que imigrantes

residam ilegalmente. No início de 2013, pela primeira vez, foi proposto que tal lei

fosse aplicada para conter a imigração ilegal (GAZETA RUSSA, 2013). Vladmir

Putin, presidente da Rússia, já foi acusado pelos ultranacionalistas russos por não

defender o país dos imigrantes (GAZETA DO POVO, 2013), mas sua atitude é de

endossar o reforço da legislação imigratória (VOZ DA RÚSSIA, 2013). Defensores

dos direitos humanos condenam o racismo e a xenofobia na Rússia desde o fim

da União Soviética. Vale salientar que há um grande fluxo de imigrantes do

Cáucaso russo e da Ásia Central para as grandes cidades russas fugindo da

miséria em suas regiões de origem (GAZETA DO POVO, 2013). O país ratificou o

PIDESC, o PIDCP e a CSE (UN TREATY COLECTION, 2013a; Idem, 2013b;

COUNCIL OF EUROPE, 2013).

A França é famosa pela xenofobia de seus habitantes, principalmente da

extrema direita, em relação aos estrangeiros. Sarkozy, ex-presidente, inflamava

esta posição com opiniões xenofóbicas e anti-imigração. Vale ressaltar o polêmico

caso envolvendo a expulsão de ciganos residentes na França em 2010 –

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estimativas indicavam que mais de 15.000 viviam na França, de origem

principalmente búlgara e romena. Em seu “Discurso de Grenoble”, de julho de

2010, Sarkozy deixou claro que os ciganos estariam “na mira do governo francês”

o qual vinha “intensificando projetos polêmicos de medidas repressivas contra os

estrangeiros em geral” (FERNANDES, 2010). Hollande, por sua vez, presidente

desde maio de 2012, de caráter socialista, assumiu o governo com uma política

mais humanística e prometeu mudar a situação, lutando contra o xenofobismo e

outras formas de discriminação (SUL 21, 2013). A França ratificou o PIDESC, o

PIDCP e o CSE (UN TREATY COLECTION, 2013a; Idem, 2013b; COUNCIL OF

EUROPE, 2013).

O Gabão é um Estado-nação multicultural e que recebe anualmente

grande fluxo de imigrantes provenientes, sobretudo, de países vizinhos. Dessa

forma, a migração internacional é uma das grandes preocupações da política

externa do país e também a causa de muitos desafios socioeconômicos e políticos

domésticos (UNHRC, 2012). O Governo do Gabão tem trabalhado intensamente

junto ao Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados com relação à

situação de milhares de refugiados provenientes de guerras civis em países

vizinhos, com destaque para aqueles provenientes da República do Congo

(UNHRC, 2012). A República do Gabão acolhe muitos indivíduos apátridas,

refugiados e imigrantes em busca de melhores condições de vida, e tem

trabalhado junto às agência das ONU para solucionar casos de imigração ilegal,

assim como atuar de acordo com s princípios de direitos humanos e os princípios

da Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados (Genebra, 1951), esforços

desafiadores para um país africano que, por si só, já tem de enfrentar as

dificuldades econômicas e sociais domésticas remanescentes do período colonial.

Entre os países do Centro-Sul Asiático, a Índia é o principal destino de

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migrantes internacionais. Por outro lado, os níveis de emigração indiana vêm

aumentando dramaticamente, com grandes fluxos migratórios com destino a

países vizinhos, Europa e América do Norte (IOM, 2013c). Entretanto, o destaque

se dá para os Países do Oriente Médio, onde os indianos trabalham

principalmente com contratos temporários em projetos de infraestrutura. Fluxos

de estudantes vindos da Índia também são notáveis, sendo o maior grupo de

estudantes estrangeiros nos EUA, caracterizando um fenômeno de “fuga de

cérebros”. O Paquistão é de uma situação similar à indiana, abrigando muitos

imigrantes de países fronteiriços e sendo fonte de largas quantidades de

trabalhadores para o ramo da construção civil de países árabes. Entretanto, a

diferença mais significativa se dá na menor qualificação de seus trabalhadores

em geral. Sri Lanka também é uma importante fonte de mão-de-obra para o

Oriente Médio, porém imigrantes deste país dirigem-se a postos de trabalhadores

domésticos no mercado de trabalho estrangeiro. Isto, consequentemente, implica

uma feminização de sua migração (IOM, 2013b).

Na Itália, o presidente Giorgio Napolitano tem tentado promover

reformas a fim de conceder cidadania às crianças de pais estrangeiros que

nascem na Itália. O presidente acrescentou que tal visão é amplamente

compartilhada por políticos e italianos. Ele reconhece a importância dos

imigrantes para economia do país e afirma que, sem eles, seria mais difícil para o

país pagar suas dívidas. Ele clama por uma Itália que recebe bem os imigrantes

que buscam trabalho, bem como os refugiados (AFRICA NEWS, 2013a; Idem,

2013b). Perto de um milhão de africanos vive na Itália, mais ou menos um quarto

da população imigrante total. A maioria dirigiu-se à região norte do país, atrativa

pela sua indústria e comércio. A crise que assola a Itália, contudo, também afeta

os imigrantes, que têm visto os custos dos impostos aumentarem e empregos

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diminuírem, pois cidadãos italianos agora têm estado dispostos a ocupar

empregos que antes apenas imigrantes o fariam – nas fazendas, por exemplo

(DAVIES, 2012). Em 2009 o Human Rights Watch acusou a Itália de violar os

direitos humanos de imigrantes oriundos da Líbia (ESTADÃO, 2013a). Vale ainda

lembrar a grande onda de africanos guinando para a Itália em consequência da

Primavera Árabe de 2011, devido a sua proximidade ao norte da África. Foi

noticiado que a pequena ilha de Lampedusa, com um controle costeiro fraco, teria

recebido mais de 35.000 refugiados até abril de 2012, oriundos da Líbia e da

Tunísia, os quais buscavam melhores oportunidades de trabalho. Muitos fugiram

da Líbia temendo serem abusados pelo regime de Qadaffi, preferindo arriscar a

vida – devido aos perigos do trajeto e a possibilidade de serem mandados de

volta – para chegar à Europa. Alguns africanos não alcançaram seu destino, tendo

sido, ao invés disso, transferidos a um centro de refugiados na Sicília. O Ministro

das Relações Exteriores italiano, durante visita à Líbia, alegou que as soluções

para o problema de imigração deveriam ocorrer no país de origem. A Itália temia

receber uma quantidade de imigrantes com a qual simplesmente não pudesse

lidar (ZAROUG, 2012). O país já ratificou o PIDESC, o PIDCP e a CSE (UN TREATY

COLECTION, 2013a; Idem, 2013b; COUNCIL OF EUROPE, 2013).

No Japão, há mais de dois milhões de estrangeiros registrados, vindos

principalmente da América do Sul, descendentes de colonos enviados

principalmente para o Brasil no início do após a Primeira Guerra, e do restante da

Ásia. Esses trabalham em cargos mais laboriosos, com destaque à indústria

automobilística e na atuação como trainees. O envelhecimento da população tem

sido um fator determinante para a revisão das estritas políticas migratórias do

país e a adoção de uma estratégia de inclusão do estrangeiro na sociedade

japonesa (IOM, 2013b).

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Dentro do contexto da Associação de Nações do Sudeste Asiático

(ASEAN), ambas Malásia e Tailândia são países de origem e destino de

migrantes, inclusive um do outro. Por serem dois dos países mais desenvolvidos

dentro da Associação, e pela facilidade de circulação que esta proporciona, são

considerados muito atraentes para mão-de-obra qualificado de moradores do

Sudeste Asiático, assim como para chineses. Da mesma forma, muitos de seus

nacionais procuram emprego em outros países com ritmo acelerado de

crescimento econômico da região, notavelmente Cingapura e Brunei. São

signatários da Declaração da ASEAN sobre a Proteção e Promoção dos Direitos

dos Trabalhadores Migrantes de 2007, que protege migrantes da ASEAN e

ressalta os direitos fundamentais e a dignidade de cada um destes indivíduos.

O México, por sua vez,tem cerca de 1% de imigrantes em seu território,

sendo um tradicional polo de emigrantes para os Estados Unidos da América.

Aproximadamente 10% desse fluxo, em torno de 11 milhões de pessoas, não está

propriamente regularizado. O governo mexicano reúne seus esforços para

impedir o tráfico sexual e o tráfico de crianças via sequestro. Com a crise

financeira de 2008, houve um retorno significativo de parte da população

mexicana em território americano de volta para sua terra natal.

A Nigéria está localizada em uma das regiões africanas que mais

recebem fluxos migratórios, isto é, a África Ocidental, corredor de passagem

entre o norte do continente e a região subsaariana e entreposto para aqueles que

buscam migrar para o continente americano. Um estudo do Alto Comissariado

para Refugiados demonstra que o fluxo de migração intra-regional entre os

países da África Ocidental é dez vezes maior que o fluxo direcionado para a

Europa, um dos destino preferenciais de migrantes provenientes de outras partes

do mundo (UNHCR, 2008). Por causa disso, a Nigéria possui um órgão

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especializado, o Serviço Nigeriano de Imigração, criado em 1958, responsável

pelo endereçamento dos desafios trazidos pelos processos migratórios

contemporâneos, pautados por uma visão securitária (NIGÉRIA, 2011). As

principais causas desse intenso movimento migratório são os conflitos civis e as

diferenças de prosperidade entre os países. Para muitos africanos, a migração se

tornou uma estratégia de sobrevivência, e a região ocidental do continente é uma

das mais procuradas devido à relativa estabilidade e crescimento econômico,

como é o caso da República da Nigéria. Ao mesmo tempo, contudo, a Nigéria

também é origem de muitos emigrantes que vão buscar melhores condições de

vida na Europa ou na América do Norte (UNHCR, 2008). Sendo assim, tanto os

processos de imigração quanto os de emigração são pontos nevrálgicos de sua

política externa. O Governo Nigeriano tem intensa cooperação na questão

migratória com os Estados-membros da Comunidade Econômica dos Países da

África Ocidental (ECOWAS), com os quais partilha os princípios de proteção aos

direitos humanos e de segurança regional; e recentemente desenvolveu-se o

diálogo Euro-Africano sobre imigração, destinado ao enderaçamento dos desafios

relacionada à emigração africana para a Europa (UNHCR, 2008).

A proteção aos direitos humanos é considerada pela Polônia como um

dos pilares das relações internacionais contemporâneas, assim com o a base do

sistema jurídico polonês. A história polonesa envolve períodos de emigração

massiva, sobretudo ao longo do século XX, durante a Segunda Guerra Mundial e a

Guerra Fria, de modo que a questão da diáspora polonesa é um tópico

fundamental na agenda de política externa do país (POLÔNIA, 2012). Por meio do

Senado e do Ministério de Relações Exteriores, o Governo Polonês mantêm-se em

contato com famílias de emigrantes vivendo em outros países, auxiliando esses

cidadãos de diversas formas, inclusive perante os Governos de outros países. Ao

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mesmo tempo, a Polônia é destino de imigrantes de países vizinhos da Europa

oriental, sobretudo da região balcânica, em busca de condições sociais mais

favoráveis. Com relação aos imigrantes, a Polônia segue a política da União

Europeia, que é rígida com relação aos imigrantes ilegais, mas defende e acolhe

indivíduos estrangeiros qualificados em busca da cidadania polonesa,

importantes para a economia nacional (POLÔNIA, 2012). A República da Polônia

é signatária dos principais documentos da ONU associados ao tratamento de

imigrantes e refugiados, os quais são regidos pela ideia de tratamento

equivalente a nacionais e imigrantes, sob os princípios da tolerância, igualdade,

solidariedade e respeito pelas diferenças.

O Reino Unido destaca-se por não fazer parte do Espaço Schengen49, o

que dificulta a entrada de imigrantes europeus no país. O primeiro-ministro

David Cameron, do Partido Conservador, possui uma postura severa em relação

aos imigrantes, impondo um sistema burocrático para a entrada no país. Nos

últimos dois anos, os conservadores tornaram muito mais difíceis a entrada e o

estabelecimento no país dos estudantes, trabalhadores estrangeiros e suas

famílias. A imigração é impopular entre os britânicos, mais do que em qualquer

outro grande país europeu. Para exemplificar, 62% da população acha que a

presença de imigrantes dificulta a busca por empregos, em comparação aos 45%

que é a média europeia (THE ECONOMIST, 2013). O país ratificou o PIDESC, o

PIDCP e a CSE (UN TREATY COLECTION, 2013a; Idem, 2013b; COUNCIL OF

EUROPE, 2013).

Desde sua ascensão a membro da UE, a Romênia possui suas fronteiras

abertas para nacionais de países da Área Econômica Europeia. O excesso de

49Acordo entre países da UE que remove a necessidade de passaporte e controles aduaneiros para cidadãos europeus irem de um país para o outro deste espaço.

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imigrantes romenos tem levantado sentimentos xenofóbicos em países como a

França, mas a entrada na União Europeia também levou o governo da Romênia a

se preocupar com a entrada de imigrantes que queiram adentrar a linha

Schengen (CHINDEA et al, 2008, p. 44-45).

Nas tentativas de se tornar um membro da União Europeia, a Turquia

deveria alterar sua atual política de vistos pouco restritiva para uma muito mais

rigorosa. Muitos países europeus se preocupam com a possível entrada em massa

de turcos para a Europa Ocidental caso a Turquia entrasse na linha Schengen. O

governo de Ancara, entretanto, frisa que a entrada na União Europeia

estabilizaria o país e o tornaria mais próspero, diminuindo os fluxos emigratórios

para a Europa que procuram melhores condições de vida (KIRISCI, 2003).

A República de Uganda reconhece os princípios contidos na Agenda

para o Gerenciamento Internacional da Migração, acordada por diversos países-

membros da ONU em Berna, 2004. Nesse documento, fica evidenciada a

relevância do fenômeno migratório para as relações internacionais

contemporâneas e a necessidade da cooperação multilateral para o tratamento

dessas questões, que são, por natureza, transfronteiriças, e dizem respeito ao

atual estágio da economia mundial, coma internacionalização do mercado de

trabalho (UNGA, 2006). Dentre as medidas propostas pelo Governo de Uganda

está a criação de um marco regulatório internacional, assim como um serviço de

informação sobre o tratamento legal devido aos imigrantes em nível nacional,

regional e internacional (UNGA, 2006). A República da Uganda é receptiva a

imigrantes, sobretudo os que representam força de trabalho qualificada, e ao

mesmo tempo mantêm contato ativo com ugandenses emigrados que podem

contribuir para o crescimento socioeconômico do país graças às experiências

adquiridas em outros Estados-nação, investindo inclusive na repatriação de

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alguns desses cidadãos por meio do programa “Retorno de Nacionais Africanos

Qualificados” - RQAN (UNGA, 2006). Em suma, o Governo de Uganda tem,

fundamentalmente, uma visão positiva da migração, a qual a associa com

potencialidades de desenvolvimento econômico, se tratada com a devida atenção.

Os princípios que guiam a postura da República da Zâmbia com relação

aos imigrantes são a segurança nacional e internacional e o desenvolvimento

socioeconômico sustentável. Da mesma forma que muitos outros países africanos

a Zâmbia vê na migração internacional e na internacionalização da força de

trabalho tendências favoráveis ao seu desenvolvimento econômico. Para isso,

criou, ligado ao Ministério das Relações Exteriores, o Departamento de

Imigração, a fim de facilitar o acesso de pessoas buscando entrar no país por

interesses comerciais, de investimento e turismo (ZÂMBIA, 2013). A República da

Zâmbia é membro da Organização Internacional para a Migração (IOM) e defende

que o gerenciamento adequado da agenda de migração internacional deve

começar com a avaliação do tratamento recebido pelos imigrantes nos países de

destino. Além disso, por se tratar de um problema global (IOM, 2011), o Governo

da Zâmbia defende que a cooperação é o instrumento primordial para lidar com

os liames da migração, e por isso tem trabalho em associação com a IOM, com o

Alto Comissariado da ONU para refugiados, assim como com os países-membros

do Mercado Comum da África Oriental e Austral (COMESA) na solução de

problemas como o tráfico de pessoas, os estatuto de refugiados de guerra e a

migração forçada (IOM, 2011).

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Resumo

O Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas é o órgão dentro do sistema ONU

responsável por promover e proteger os direitos humanos ao redor do mundo, bem como lidar com

suas violações. A fim de cumprir seu mandato, o CDH pode emitir recomendações em todas temáticas

de direitos humanos. Seu corpo é formado por até 47 membros, todos eleitos diretamente pela

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Assembleia Geral. Esse Conselho foi criado em 2006 para substituir a antiga Comissão sobre Direitos

Humanos e, muito embora suas recomendações não possuam caráter obrigatório, as decisões do CDH

influenciam políticas e direcionam opiniões nos tópicos relacionados a direitos humanos em todo

mundo. O presente artigo orienta os delegados sobre a discussão acerca de aspectos de políticas de

imigração e proteção aos direitos do imigrantena atualidade. Para tanto, se busca compreender as

principais razões que motivam os grandes fluxos migratórios internacionais, como a busca por

melhores condições econômicas. Ademais, os discute-se o estado atual das legislações que garantem

ou restringem os direitos de imigrantes, ora através da privação do acesso ao mercado de trabalho,

ora dificultando o acesso à justiça. Mais do que isso, tenta-se compreender as motivações que

fomentam essas restrições, propondo soluções inteligentes que adequem os atuais tratamentos

internacionais aos padrões mínimos de respeito aos direitos humanos.

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Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente: Transição energética

94 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 94-155, 2013

Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente

Transição energética

Luciana Costa Brandão50

Othon Veloso Schenatto51

Eduardo Dondonis52

Michelle Baptista53

Leonardo Weber54

Lucas Santos55

O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) é a

principal autoridade das Nações Unidas responsável pelas questões ambientais,

regionais e globais. Entre os principais objetivos do PNUMA, estão: manter o

contínuo monitoramento do meio ambiente global, alertar os povos sobre

problemas e ameaças ao meio ambiente e recomendar medidas que melhorem a

qualidade de vida das pessoas sem comprometer os recursos naturais das

gerações futuras.

50 Estudante do 5º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) 51 Estudante do 5º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) 52 Estudante do 3º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) 53 Estudante do 3º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) 54 Estudante do 5º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) 55 Estudante do 5º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

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UFRGSMUNDI

UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 94-155, 2013 95

Com sede em Nairóbi, no Quênia, o PNUMA conta ainda com seis

escritórios regionais espalhados por todos os continentes. Suas reuniões são

compostas por 58 membros eleitos pela Assembleia Geral das Nações Unidas,

tendo o mandato de cada membro duração de quatro anos. Mesmo que o

cumprimento de suas recomendações não seja obrigatório, o PNUMA tem uma

forte pressão moral frente a todos os países das Nações Unidas.

Para esta simulação, estarão presentes 25 representantes de países de

grande relevância no cenário internacional e o enfoque se dará sobre a temática

das possíveis alternativas para uma Transição Energética.

1. Histórico

Ao longo da história, muitas formas de energia foram utilizadas pelo

homem para sua sobrevivência. A madeira, uma das mais antigas fontes de

energia conhecidas pela humanidade, foi extremamente importante durante o

Império Romano e, posteriormente, durante a Idade Média (TESSMER, 2002).

Proveniente de árvores e arbustos, a madeira era utilizada para produzir calor,

afastar animais, além de contribuir para a agricultura e a produção de objetos e

ferramentas.

O uso da madeira como fonte energética levou a uma contínua derrubada

de florestas, resultando no esgotamento deste recurso. Essa falta de recursos

arruinou a agricultura romana e seu modelo econômico, sendo um dos fatores

responsáveis pelo fim do Império Romano. Já na Grã Bretanha, onde a madeira

também era muito utilizada até o século XVI, em um período anterior à Revolução

Industrial, sobraram tão poucas árvores que os britânicos foram forçados a

buscar uma nova fonte de combustível: o carvão mineral.

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Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente: Transição energética

96 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 94-155, 2013

Ao longo dos séculos XVI, XVII e XVIII, o carvão vegetal - a madeira - foi

substituído pelo carvão mineral como fonte principal de energia. Esse processo

constituiu o que ficaria conhecido como Transição Energética56 da madeira para

o carvão, inaugurando a Era do Carvão - e dos combustíveis fosseis. A mudança

no tipo de combustível que era utilizado pela sociedade acarretou também

mudanças econômicas e políticas.

Nesse sentido, a estrutura das sociedades antigas e medievais começou a

se transformar na medida em que as máquinas foram substituindo a força

humana. Essas máquinas eram movidas pelo carvão e, a partir da segunda

metade do século XVIII, começaram a ser comercializadas por toda a Inglaterra:

com seu território rico em jazidas de carvão mineral, ela se tornava o berço da

Revolução Industrial.

A Inglaterra, como pioneira na Transição Energética, tornou-se a Grande

Potência57 do século XVIII e XIX. Ela não só tinha um território abundante no

combustível da época, o carvão, como também dominava a tecnologia para

construir máquinas e indústrias que utilizavam este combustível. Com base nisso

foi capaz de manter colônias ao redor do mundo, administrando o Império

56 A Transição Energética pode ser entendida como um processo de mudança das principais fontes energéticas utilizadas pelas civilizações. Essa transformação ocorre, de modo geral, acompanhada de outras transições e outras modificações na sociedade e na estrutura produtiva de uma economia, com o surgimento de novas tecnologias e novos hábitos de consumo. A Transição Energética pode ocorrer devido ao esgotamento do modelo energético anterior e/ou pela sua superação por meio da invenção e descoberta de novas alternativas (OLIVEIRA & BRANDÃO, 2011). A passagem da utilização da madeira para o carvão e, depois, do carvão para o petróleo, são dois exemplos de Transições Energéticas que ocorreram nos últimos séculos. 57 A ideia de Grande Potência está relacionada com a capacidade de um Estado exercer maior influência sobre os demais, o que dependeria do poder acumulado por ele. O tamanho do país (do território e da população), o controle sobre os recursos naturais, a grandeza da economia, a capacidade política e a forçam militar seriam os principais critérios para determinar as Grandes Potências (WALTZ, 1979). A Inglaterra teria sido uma das principais Grandes Potências do século XVIII e XIX; já no século XX, esta posição viria a ser ocupada pelos Estados Unidos da América.

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Britânico e exercendo também forte influência política sobre os demais países

europeus.

A Transição Energética da madeira para o carvão e a ascensão da

Inglaterra como potência mundial ocorreu junto com a passagem para a era

moderna e o início do capitalismo industrial. Isso significa dizer que agora o lucro

não era mais adquirido através do comércio, e sim através da produção de

mercadorias. Com o advento das máquinas a vapor, essas mercadorias passaram

a ser produzidas em menos tempo e com menor custo, resultando em um grande

aumento da produtividade. Paralelo a isso, uma grande massa de camponeses

perdeu suas terras, migrando para as cidades, o que resultou em um grande

aumento da população urbana58. A consequência deste fenômeno é uma leva de

homens desempregados e salários muito baixos: como havia muita gente

precisando de trabalho os donos das indústrias poderiam oferecer salários

baixíssimos e mesmo assim alguém estaria disposto a trabalhar jornadas de mais

de 12 horas!

Uma das principais inovações industriais da Era do Carvão foi a invenção

do motor a vapor, o qual representou uma grande alavanca para o progresso da

humanidade, principalmente na área dos transportes. A invenção das

locomotivas e navios a vapor facilitou o transporte de pessoas e mercadorias,

diminuindo o tempo e o custo de locomoção. Canais e ferrovias foram

construídos para suprir as novas demandas e o comércio expandiu muito devido

58A partir do século XVI, parte dos senhores feudais passaram a cercar suas terras, com a finalidade de arrenda-las como pastagem para a criação de ovelhas, e logo expulsam os camponeses. Este processo ficaria conhecido como "política de cercamentos", uma das principais causas da urbanização e industrialização do século XVIII. Na Inglaterra é conhecido pelo termo enclosures. Para saber mais, ver: http://www.usp.br/fau/docentes/depprojeto/c_deak/CD/4verb/cercamentos/index.html (USP, 2006).

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Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente: Transição energética

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às vantagens que essas novas condições proporcionavam. Em 1825 foi

construída, na Inglaterra, a primeira estrada de ferro, consolidando no país a

infraestrutura da Era do Carvão (BRASIL ESCOLA, 2013b). A partir daí, o carvão e

o ferro59 seriam os materiais mais importantes para as nações que quisessem se

inserir na era industrial.

Apesar do progresso proporcionado pela industrialização, é importante

atentar também para os problemas ambientais e de saúde derivados da

exploração e utilização do carvão. Os trabalhadores das minas corriam sérios

riscos de saúde durante a exploração de jazidas, tendo a expectativa de vida

diminuída. Além disso, os centros urbanos começaram a apresentar problemas

ambientais desconhecidos até então, devido à concentração de indústrias e à

poluição liberada pela queima do carvão. A liberação de gases tóxicos e o

aumento na quantidade descartada de resíduos sólidos são alguns problemas que

devem ser mencionados (FONTOLAN, 2010).

Outra transição energética começou a se moldar por volta de 1850,

quando as primeiras reservas de petróleo foram descobertas nos Estados Unidos

da América. O petróleo é, assim como o carvão, um combustível fóssil. Com o

desenvolvimento do motor a combustão interna e com a utilização do aço na

indústria tem-se a Segunda Revolução Industrial, na segunda metade do século

XIX. O motor a combustão interna diferenciava-se do seu antecessor, o motor a

vapor, por permitir a utilização do petróleo como combustível. Na mesma época,

59 A utilização do ferro nos processos industriais e de construção de infraestrutura só foi possível devido ao desenvolvimento de técnicas para separar o carvão do coque, material carbonífero obtido a partir da queima do carvão. Este processo de separação é chamado de coqueficação e foi sua descoberta que permitiu "a ampliação e o aperfeiçoamento da fabricação de ferro, o que constituiu num avanço enorme para a siderurgia, e em uma instância maior, boa parte da Revolução Industrial" (SANTIAGO, 2012).

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a invenção de um processo de baixo custo para produzir aço60 permitiu que

países como Estados Unidos e Alemanha industrializassem suas sociedades com

mais facilidade.

Essa fase foi marcada por um intenso aumento nos fluxos de comércio,

devido ao desenvolvimento das telecomunicações61. Com base no uso intenso do

petróleo houve também o desenvolvimento das indústrias química, elétrica e

siderúrgica (O’SULLIVAN; SHEFFRIN, 2003). Além disso, houve uma nova

explosão populacional que, juntamente à transformação econômica pelas quais o

mundo passava naquela época, aumentou a demanda pela nova fonte de energia,

o petróleo. Assim, o petróleo era utilizado como combustível para os transportes,

movendo os recém inventados automóveis, e também como matéria prima para

produzir alguns dos mais famosos produtos industrializados do século XX: o

plástico e o asfalto. Iniciava-se a Era do Petróleo (PAREJO, 2006).

A utilização do novo combustível não se limitava aos produtos civis. Na

verdade, ele teve grande impacto na indústria militar, principalmente durante o

conflito da Segunda Guerra Mundial. Devido à invenção dos novos motores à

combustão interna, as nações beligerantes substituíram o uso dos trens por

caminhões, que, além de serem mais fáceis de movimentar, não dependiam de

60O "Processo de Bessemer" recebe este nome devido ao seu criador, Henry Bessemer, que descobriu um método barato e acessível em larga escala para transformar o ferro-gusa em aço (MIT, 2003; WELLECK, 1919). Diversos países, como Estados Unidos e Alemanha, detinham em seu território acesso apenas a esta matéria prima e a possibilidade de utilizá-la na industrialização e construção de infraestruturas permitiu que estas nações desenvolvessem melhor sua economia e estrutura produtiva, inserindo-se nas negociações internacionais econômicas e políticas. Pode-se dizer que houve, à época, uma expansão do sistema e do mercado internacional. 61 As invenções no ramo das telecomunicações, como o telégrafo, o telefone e o rádio, serão as responsáveis pelo aumento no fluxo de informação entre países e empresas. As mensagens agora podiam ser enviadas para diferentes continentes em minutos. Antes dessas invenções a mesma mensagem demoraria semanas ou talvez até meses para chegar ao seu destino. Essa "revolução nas comunicações" significou também que compras e acordos comerciais poderiam ser fechados com muito mais rapidez, iniciando a formação de um mercado mundial.

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ferrovias caras para transportar os suprimentos e os soldados. O resultado disso

é, em primeiro lugar, que a Segunda Guerra Mundial foi um conflito muito mais

veloz que as guerras anteriores. Em segundo lugar, demonstrou-se o quão

importante seria, para qualquer nação que quisesse exercer influência no século

XX, dominar o petróleo e suas tecnologias (YERGIN, 1992).

Nesse sentido, os Estados Unidos mostraram-se pioneiros no uso do

petróleo e suas empresas tornaram-se grandes conglomerados62, passando a

dominar grande parte do mercado mundial de petróleo. Ter petróleo era

importante para os EUA, pois significava segurança energética, e era importante

para as empresas, pois significa lucro. Desse modo, o interesse estatal e o

interesse privado nos Estados Unidos iriam, por muitas vezes, andar lado a lado,

com o governo dos EUA defendendo as grandes multinacionais do petróleo em

disputas internacionais.

Nesse novo modelo energético centrado no petróleo, outros atores

internacionais tornavam-se importantes. Além das multinacionais e grandes

corporações petrolíferas de capital norte-americano, havia também aquelas com

origem em outros países, como a holandesa Shell e a britânica BP, ou, British

Petroleum. Entretanto, novos Estados também ganhavam importância, como os

países do Oriente Médio. Irã e Arábia Saudita,por exemplo, tornaram-se do dia

para a noite centros de grande atração e interesse das potências mundiais,

principalmente Inglaterra e Estados Unidos. Isso aconteceu porque seus

territórios eram extremamente ricos em reservas de petróleo e, durante todo o

62O conglomerado é uma forma de organização empresarial em que diversas empresas organizam-se em grandes corporações, dominando as variadas etapas produtivas de um setor ou, até mesmo, de múltiplos setores. A StandardOil, de Rockefeller, foi a primeira delas e daria origem a diversas outras ao longo do século XX, tais como a ExxonMobil, uma das maiores multinacionais do ramo petrolífero (GERBASE & BRANDÃO, 2012; YERGIN, 1992).

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século XX, o controle sobre estas reservas era sinônimo de poder (YERGIN,

1992). Assim, a questão da distribuição geográfica desigual das reservas

petrolíferas, ou seja, sua escassez em certos países e abundância em outros,

torna-se um ponto de debate e disputa internacional.

Gráfico 1: Produção e consumo de petróleo por região do globo, de 1986

a 2011 - em milhões de barris por dia.

Fonte: BP Statistical Review of World Energy, 2012

Em alguns casos, essa discrepância entre quem produzia e consumia

petróleo e quem detinha as reservas levou a conflitos armados. Ao longo do

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Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente: Transição energética

102 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 94-155, 2013

século XX, diversas guerras63 foram travadas tendo a ganância pelo petróleo

como um dos motivos, especialmente na região do Oriente Médio (KANASHIRO,

2002). Já em outros casos, a divergência de interesses foi resolvida através de

embates econômicos. Um dos mais relevantes ocorreu com a organização dos

maiores exportadores de petróleo na chamada Organização dos Países

Exportadores de Petróleo (OPEP). Estes puderam utilizar a grande influência que

tinham sobre as reservas do combustível para controlar sua produção e,

consequentemente, os preços do petróleo no mundo todo. As implicações desse

padrão foram as diversas Crises do Petróleo, que começaram em 1956 (SARKIS,

2006) e atingiram o auge em 1973.

Uma alternativa ao modelo dos combustíveis fósseis surgiu na segunda

metade do século XX, com a energia nuclear. Esta era considerada por alguns

como uma potente fonte de energia que não emitia gases poluentes à atmosfera.

Assim, diversos países desenvolveram as tecnologias necessárias e começaram a

utilizar esse tipo de energia64. O seu problema é que, apesar de gerar grande

quantidade de energia, as usinas eram caras e deixavam resíduos altamente

tóxicos, além da possibilidade de causar grandes acidentes (como o de Chernobyl,

na Ucrânia, em 1986, e o de Fukushima, no Japão, em 2011).

No final do século XX os movimentos contrários à utilização do petróleo e

do carvão surgiam em maior quantidade e também se fortaleciam no cenário

internacional como atores de peso. Centrados na ideia de proteção ao meio

ambiente, iam contra o uso de combustíveis fósseis e não-renováveis. Alguns iam

também contra o uso de energia nuclear, enquanto outros viam neste recurso

63 Alguns exemplos que valem ser citados são a Guerra do YomKippur (1973), a Guerra Irã-Iraque (1980-1988) e a Guerra do Golfo (1991). 64 Para regularizar o uso da energia nuclear foi fundada em 1957 a Agência Internacional de Energia Atômica. Para saber mais: <http://www.iaea.org/About/about-iaea.html> (AIEA, 2013).

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uma solução de curto prazo (LOVELOCK, 2006; ORSI, 2007). O Clube de Roma65,

por exemplo, focou sua pesquisa em temas ambientais e alertou para o

esgotamento dos recursos ambientais, como o petróleo, devido ao uso

desenfreado destes (MEADOWS et al, 1972). A comunidade internacional

também passou a prestar mais atenção ao assunto, criando várias conferências

para tratar do tema, como a Conferência de Estocolmo (1972) e a Rio-92 (ou

ECO-92, em 1992). Além disso, várias Organizações Não-Governamentais (ONGs)

surgiram para promover a proteção e respeito ao meio ambiente e aos animais,

como o Greenpeace e a Earth Watch.

O alerta para o esgotamento do modelo energético baseado no petróleo

estava dado. Além das preocupações ambientais, que temiam o esgotamento da

natureza devido às consequências do uso de combustíveis fósseis, havia também

o temor de uma crise econômica generalizada, caso o petróleo viesse a esgotar-se

em quantidade, como alguns cientistas previam. A partir do final do século XX,

então, começava-se a pensar em alternativas para o modelo energético atual,

baseado no petróleo, e a possibilidade de uma nova Transição Energética, para

um modelo que não fosse mais dependente de combustíveis fósseis, antes sim,

sustentável.

2. Desenvolvimento da questão

2.1. O Esgotamento do atual modelo energético

Nossa sociedade, nos dias atuais, funciona a partir de um modelo

energético baseado nos combustíveis fósseis. Isso significa que o petróleo, o

65 O Clube de Roma é um grupo de cientistas fundado em 1968 provenientes, em sua maioria, de países desenvolvidos. Eles publicaram um relatório chamado “Os Limites do Crescimento” alertando que o crescimento econômico não poderia seguir indefinidamente, já que um dia os recursos naturaischegariam ao fim por terem sido explorados além dos limites.

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Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente: Transição energética

104 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 94-155, 2013

carvão mineral e o gás natural são materiais que fazem parte da vida da maioria

dos indivíduos ao redor do planeta. Quando se fala em combustíveis, estamos

falando do material utilizado para mover automóveis, aviões, navios, etc. Mas

estamos falando principalmente da matriz energética de um país.

A matriz energética é o conjunto de fontes e matérias-primas que são

utilizadas para gerar a energia utilizada pelas pessoas no seu dia-a-dia. Além dos

meios de transporte, a energia está presente em praticamente todas as ações que

desempenhamos. Durante o último século e ainda hoje, vivemos baseados em um

modelo energético de combustíveis fósseis, centralizado no petróleo. Ou seja: ao

analisarmos a matriz energética mundial veremos que a maior parte da energia

consumida pelos seres humanos - 83% - é gerada a partir de combustíveis de

origem fóssil, como petróleo, gás natural e carvão (REPSOL, apud IEA 2011).

Gráfico 2: A demanda mundial de energia primária em 2009 e

perspectivas para 2035

Fonte: REPSOL (http://www.repsol.com)

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No Brasil, grande parte das residências tem sua energia elétrica

abastecida por usinas hidrelétricas (BRASIL, 2010a). No entanto, a realidade

brasileira é uma exceção. Nos outros países, a energia que chega aos lares é

muitas vezes provenientede usinas termoelétricas (EIA, 2011, p.12), nas quais a

matéria-prima utilizada é, principalmente, o carvão: um combustível fóssil, não-

renovável e extremamente poluente.

Gráfico 3: Geração de energia elétrica por tipo de combustível ao redor

do mundo, de 2008 até perspectivas para 2035

Fonte: EIA, 2011

Além disso, os combustíveis fósseis são muito utilizados nas indústrias,

tornando-se elemento essencial do processo de produção dos bens que

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Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente: Transição energética

106 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 94-155, 2013

consumimos66. Quando compramos, por exemplo, um sapato novo, estamos na

verdade pagando não só pelo tecido e pelo salário das pessoas que trabalharam

naquele produto, mas estamos pagando também pela energia utilizada para

produzi-lo, para ligar as máquinas envolvidas na fabricação do calçado – e isso

acontece com todos os produtos ao nosso redor.

Um terceiro aspecto do modelo energético atual é que além de

combustível e fonte de energia o petróleo também é uma matéria-prima utilizada

diretamente na fabricação de muitos produtos (NOGUEIRA, 1985). O mais

conhecido deles é o plástico, utilizado na fabricação de garrafas PET, móveis,

equipamentos, carros, etc. Torna-se, assim, muito difícil encontrar algum objeto

ou praticar alguma ação durante o dia em que o petróleo não esteja envolvido

direta ou indiretamente. Essa presença constante do material em todos os

aspectos da vida humana é o que torna o modelo energético atual tão especial – e

o seu esgotamento, tão preocupante.

Vários cientistas questionam a sustentabilidade do modelo energético

atual, baseado nos combustíveis fósseis. Se o petróleo é utilizado em todas as

atividades da nossa vida e não é um bem renovável, a possibilidade de

esgotamento do recurso deve ser considerada como possível horizonte: até

quando poderemos contar com ele? Até quando as reservas de petróleo

existentes fornecerão a quantidade necessária do combustível? E quando elas

começarem a se esgotar, ele vai ficar muito caro? Se o petróleo ficar mais caro,

todas as outras coisas que dependem dele também vão custar mais. Serão os

cientistas e as empresas capazes de desenvolver novas tecnologias para explorar

66 De acordo com o relatório da Agência Internacional de Energia (2011) os combustíveis fósseis como petróleo, carvão e gás natural respondem por quase 78% da energia utilizada nas indústrias ao redor do mundo. Nos países em desenvolvimento, a porcentagem de carvão – o mais poluente dos três materiais – é ainda maior, ultrapassando 30%.

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UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 94-155, 2013 107

novas áreas de petróleo ainda não alcançadas pelo homem? Por quanto tempo

esse tipo de investimento será economicamente viável, ou seja, trará lucros para

aqueles que extraem e produzem petróleo?

Nesse caso, a Segurança Energética de praticamente todos os Estados

ficaria em risco (MACHADO et al, 2011). Para Buzan e Waever, todo conceito de

segurança está inevitavelmente ligado à percepção de uma ameaça a algum

objetivo (DHENIN, 2009). No caso da segurança energética, a principal ameaça

seria não se ter os suprimentos energéticos necessários para o funcionamento do

país (em especial o petróleo e o gás natural) garantidos, ou mesmo a

possibilidade de ter eles interrompidos abruptamente. Essa interrupção pode se

dar tanto por fatores econômicos quanto políticos. A questão aqui é que se um

país depende inteiramente de petróleo para manter as atividades da sua

economia e da sua sociedade funcionando, se acontecer qualquer problema

envolvendo este combustível – se ele ficar muito caro ou se esgotar – então toda a

organização deste país estará em perigo. Do mesmo modo, se um país importa

sua energia de regiões instáveis, por conflitos políticos ou militares, ele também

tem sua segurança energética ameaçada. Se algo acontecer no país fornecedor e

este país cortar a exportação de petróleo, o país que importa e depende do

combustível terá problemas para suprir suas demandas nacionais, sejam elas

industriais ou energéticas. Ainda, devemos considerar que os países

fornecedores de combustíveis podem interromper suas exportações, criando

instabilidades nos países importadores, para pressionar esses países a fazer algo

que eles queiram67.

67 A segurança energética de um país vai estar ligada a dois fatores: o primeiro está ligado a quanto o país importa de energia e de quantos países depende para importar, e o segundo diz respeito à quantidade de fontes internas de suprimento energético. Para aumentar sua segurança

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Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente: Transição energética

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Uma das teorias mais divulgadas a respeito de uma possível crise de

escassez permanente de petróleo é o modelo do Pico de Hubbert. Segundo a

fórmula deste modelo, conhecendo o número de reservas e a velocidade da

extração, é possível prever uma data para o esgotamento do petróleo (ROSA;

GOMES, 2004). Hubbert realizou o cálculo para as reservas dos Estados Unidos,

prevendo que a produção de petróleo neste país chegaria ao seu pico máximo por

volta de 1970 e, a partir daí, entraria em longo e desacelerado declínio

(OLIVEIRA, 2005). As previsões mostraram-se corretas. Tal teoria, no entanto,

não é aceita por todos. Os órgãos associados ao governo norte-americano, por

exemplo, questionam sua validade. Aqueles que argumentam a favor da teoria,

por outro lado, alegam que o pico máximo da produção mundial de petróleo já

teria ocorrido por volta de 2005 e, portanto, o atual modelo energético já estaria

em sua fase de declínio (ROSA; GOMES, 2004).

Estimativas indicam, por exemplo, que nas taxas atuais de exploração

dos combustíveis fósseis, em menos de 50 anos as reservas de petróleo serão

completamente consumidas, as de gás natural em cerca de 60 anos, e as de

carvão mineral em até 120 anos (EREC, 2007). Obviamente é difícil de ter certeza

a respeito dessas previsões, principalmente quando se leva em conta que novas

tecnologias podem ser inventadas para facilitar o acesso a novos tipos de

reservas ou que podem ocorrer mudanças nos padrões de consumo e no nível de

preços do combustível (OLIVEIRA, 2011).

internacionalmente, os países podem buscar um número maior de países fornecedores, dependendo menos de cada fornecedor em particular. Já para diminuir sua dependência de importações de combustíveis, os países podem criar políticas internas de diminuição do consumo de energia e de aumento da produção interna de energia, bem como a diversificação dessa produção (WINZER, 2011).

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Outra preocupação em relação ao atual modelo energético – e esta é de

especial importância para este comitê – é o questionamento a respeito da

sustentabilidade ambiental dos combustíveis fósseis. Grande parte da

comunidade científica alega que a utilização exacerbada dos combustíveis fósseis

é uma das principais causas do aquecimento global68 (IPCC, 2007). “A maior

parte do aumento observado na média da temperatura global desde metade do

século XX se deve, muito provavelmente, ao aumento observado das

concentrações de Gases do Efeito Estufa antropogênicos” (IPCC, 2007, p.5-6). O

dióxido de carbono (CO2) é um destes gases e a sua emissão, principalmente

proveniente da queima dos combustíveis fósseis, aumentou rapidamente nos

últimos anos (UNEP, 2009, p. 8).

68 O aquecimento global é a intensificação de um fenômeno natural desempenhado pelo planeta Terra chamado de “Efeito Estufa”. O efeito estufa é respons|vel pela manutenç~o da temperatura propícia à existência de vida na Terra. Gases como o CO2 (dióxido de carbono) estão relacionados a este efeito. No entanto, a emissão desenfreada destes gases provocada pelos seres humanos, muito além dos níveis naturais, tende a superaquecer o planeta, causando o aquecimento global. Combustíveis fósseis, como o carvão e o petróleo, quando queimados para gerar energia liberam enormes quantidades destes gases na atmosfera, intensificando o problema do aquecimento global.

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Figura 4: Tendências na variação das temperaturas e na concentração

atmosférica de CO2, 1850 – 2010.

Fonte: PNUMA, 2012.

O aquecimento global é um problema de ordem ambiental com

consequências severas para a vida na Terra. Entre alguns de seus principais

resultados está a mudança dos ciclos das marés e dos ventos. As estações de

chuva e de seca tornam-se mais instáveis e a temperatura média do planeta tende

a aumentar, causando o derretimento de geleiras, o desaparecimento do Ártico e

o aumento das áreas cobertas por desertos. Ameaça-se, também, o aumento do

nível dos mares, podendo causar destruição em diversas cidades costeiras, como

o Rio de Janeiro. A maior incidência de desastres ambientais, como ciclones

tropicais, tempestades e tornados, também é associada ao aquecimento global

(PNUMA, 2012; UNEP, 2009).

Os combustíveis fósseis para gerarem energia (seja em uma usina que

gera energia elétrica ou no motor dos carros) precisam passar por um processo

de combustão: ou seja, eles são queimados. Este processo químico libera energia,

utilizada por nós, mas também libera na atmosfera diversos gases poluentes,

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como o CO e o CO2 (monóxido e dióxido de carbono). Estes e outros gases são

responsáveis pelo aumento do aquecimento global (RADOVIC, 2006).69 Para se

ter uma noção da gravidade e extensão do problema do aquecimento global,

estima-se que os impactos ambientais e mudanças de ecossistemas advindos com

as mudanças climáticas já causem cerca de 150 mil mortes por ano (EREC, 2007).

Além disso, a queima dos combustíveis fósseis também gera desgaste

ambiental na esfera local. Em cidades grandes, como São Paulo, a grande

concentração de indústrias e o congestionamento de carros e motos tende a

prejudicar a qualidade do ar. Esta organização da sociedade e da economia

centrada na utilização do petróleo e do carvão tende a gerar poluição local

(UNION OF CONCERNED SCIENTISTS, 2002). Os moradores, não raro,

apresentam problemas respiratórios graves advindos da má qualidade do ar

respirado (MMA, 2013) e fenômenos como inversão térmica ou chuva ácida

podem ocorrer com mais frequência (NERY, 2013; BRASIL ESCOLA, 2013;

NATIONAL GEOGRAPHIC SOCIETY, 2013).

Ademais, acidentes envolvendo navios petroleiros e o despejo de águas

utilizadas no resfriamento das termoelétricas acabam tendo enormes impactos

sobre os ecossistemas aquáticos. O derramamento de óleo nos mares e oceanos é

um acontecimento extremamente nocivo para os animais e demais seres que ali

vivem, e que tem ocorrido cada vez com mais frequência, ainda que possam ser

prevenidos com a utilização de melhores práticas (COHEN, 1990; GREENPEACE,

2011; GLOBO, 2011). No caso das termoelétricas, a água utilizada nestas

69 O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) reúne milhares de cientistas do mundo todo e é especialista em pesquisas relacionadas ao aquecimento global. Em seus relatórios consta que a Terra passa por um aumento da temperatura que foge dos padrões históricos e naturais, tendo-se 95% de certeza que estas alterações climáticas são causadas pela atividade humana (BRASIL, 2010b).

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indústrias é superaquecida (pois o processo não é completamente eficiente) e, ao

ser despejada de volta nos rios, lagos ou mares com uma temperatura acima do

normal, acaba prejudicando a vida nestas localidade, modificando as correntes e

atrapalhando o ciclo de migração e reprodução de diversas espécies. Na maioria

das vezes as companhias e usinas acabam não arcando com os custos para

recuperação do ecossistema marinho e estes podem levar décadas para se

recuperar ou até mesmo ficarem danificados para sempre (UNION OF

CONCERNED SCIENTISTS, 2002; INATOMI; UDAETA, 2005).

Todos estes problemas levam os atuais líderes políticos, cientistas e

muitos empres|rios a buscarem soluções “sustent|veis” para seus países e

indústrias. O grande passo nesta direção seria uma transição energética para

uma matriz sustentável. Ou seja, os combustíveis fósseis e principalmente o

petróleo deixariam de ser os principais combustíveis utilizados no mundo,

passando a ocupar uma pequena parcela do consumo de energia ou até mesmo

extinguindo-se o uso dos mesmos. No seu lugar, fontes de energia alternativa

seriam utilizadas, energias que não se esgotassem no longo prazo – renováveis –

ou que não poluíssem a atmosfera. No entanto, este processo desagrada a muitos.

Países que têm sua matriz energética baseada nos combustíveis fósseis e que

necessitam do acesso mais barato a estes materiais para promover o

desenvolvimento de sua nação demonstram grande resistência em abandonar o

atual modelo. Além disso, as companhias multinacionais do ramo petrolífero

teriam seus interesses econômicos afetados perante a possibilidade de abandono

da utilização dos combustíveis fósseis.

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2.2. Alternativas para a transição energética

Os pesquisadores e cientistas do IPCC (Painel Intergovernamental sobre

Mudanças Climáticas)70 apontam para os perigos da Mudança Climática e

concordam que a transição para fontes alternativas de energia, com impactos

ambientais menores, se faz fundamental (IPCC, 2007). Fontes alternativas de

energia são aquelas que ainda representam pequeno percentual na matriz

energética mundial, em contraste com as fontes tradicionais - no caso, os

combustíveis fósseis. Entre as mais conhecidas temos a energia nuclear, a energia

hidrelétrica, a solar, a eólica, a geotérmica, a maremotriz, os biocombustíveis e a

biomassa. Ao se pensar nessas fontes de energia alternativas, é preciso atentar

para dois fatores (CYWINSKI, 2010):

· se a fonte é renovável ou não-renovável - ou seja, se é possível se utilizar

dela indefinidamente, ou se seu uso se limita apenas à quantidade disponível de

matéria-prima no ambiente;

· e se é sustentável ou não - aqui devemos levar em conta se os impactos

causados pela utilização da fonte de energia compromete ou ameaça

significativamente o meio ambiente e a vida humana, bem como o

desenvolvimento futuro, e se seu uso é economicamente viável.

Quando se pensa em transição energética, é preciso que se tenha em

mente que existem grandes diferenças entre as necessidades dos países

70 O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) é um organismo científico estabelecido em 1988 para prover o PNUMA e outras agências da ONU com informações técnicas e confiáveis a respeito do fenômeno das Mudanças Climáticas, suas causas e consequências, bem como possibilidades de mitigação. Fazem parte do IPCC diversos cientistas do mundo inteiro, que contribuem voluntariamente desenvolvendo relatórios técnico-científicos, com a intenção de montar uma base de informações sem posicionamento político, ainda que politicamente relevante (IPCC, 2013; THE ROYAL SOCIETY, 2005). O mais recente relatório de avaliação do IPCC foi lançado em 2007 (IPCC, 2007).

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114 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 94-155, 2013

desenvolvidos e os países em desenvolvimento. Os países desenvolvidos são os

maiores consumidores de energia, utilizando-a para garantir um nível de bem-

estar alto para seus cidadãos. Já os países em desenvolvimento possuem uma

demanda crescente por energia, já que eles almejam melhorar significativamente

a qualidade de vida de seus habitantes. No mundo em desenvolvimento, existem

diversas regiões que nem mesmo recebem energia elétrica, e a extensão de

serviços básicos como esse, bem como o aumento da produção nesses países faz

com que necessariamente seu consumo de energia cresça. É importante lembrar

que no ano de 2000 a ONU estabeleceu oito objetivos para o milênio71, e para a

sua consecução, é fundamental que diversos países possam consumir mais

energia.

Assim, a discussão sobre a transição da matriz energética de

combustíveis fósseis para fontes sustentáveis de energia deve levar em conta

essa necessidade dos países em desenvolvimento de aumentar a produção de

energia. Como as tecnologias para produção de energias alternativas são

dominadas pelos países desenvolvidos, e em geral são muito caras, a não ser que

sejam criadas parcerias entre os países desenvolvidos e os em desenvolvimento,

é muito provável que estes se utilizem das tecnologias mais baratas, atualmente

as de combustíveis fósseis, para suprir suas necessidades energéticas. As leis de

propriedade intelectual, que atrapalham e aumentam os custos da difusão de

tecnologias dos países desenvolvidos para os países em desenvolvimento

também contribuem para uma maior dificuldade de transição energética por

esses países. Assim, uma cooperação maior entre países desenvolvidos e em

71 Os oito objetivos são: erradicar a pobreza extrema e a fome, atingir o ensino básico universal, promover a igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres, reduzir a mortalidade infantil, melhorar a saúde materna, combater o HIV/AIDS, malária e outras doenças, garantir a sustentabilidade ambiental, e estabelecer uma parceria mundial para o desenvolvimento.

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desenvolvimento é necessária para que se consiga fazer uma transição para

fontes alternativas de energia, permitindo o desenvolvimento sustentável dos

países mais pobres.

As energias renováveis em geral apresentam impactos ambientais muito

menores que as produzidas com combustíveis fósseis. Geralmente as tecnologias

para sua produção são muito caras, o que implica em altos custos iniciais, os

quais impossibilitam muitos países de fazerem investimentos nessas áreas. Após

esses custos iniciais, entretanto, em geral é muito barato para se produzir

energia. A seguir, segue uma lista com os principais tipos de energia alternativa e

seus impactos ambientais, bem como seus custos e principais características.

A energia nuclear é obtida através da fissão de átomos de urânio, reação

que libera muita energia, mas também produz lixo radioativo, que oferece muitos

riscos de contaminação. Por se utilizar do urânio, que é um recurso finito, não

pode ser considerado como fonte de energia renovável. Utilizada desde a

segunda metade do século XX, é considerada por muitos países como uma

alternativa viável para substituir os combustíveis fósseis. De fato, a energia

nuclear libera muito poucos gases do efeito estufa e produz uma grande

quantidade de energia, e diversos países, como a França, obtém grande parte de

sua energia elétrica através da energia nuclear.

Muitos países, como a Alemanha e o Japão, decidiram desativar gradual e

completamente suas usinas de energia nuclear. Ainda, poucos países dominam as

tecnologias de produção de energia nuclear, e o desenvolvimento autônomo de

tecnologias por parte de países que não as possuem é visto com suspeita, como

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Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente: Transição energética

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no atual caso do Irã72, que poderia estar desenvolvendo tais tecnologias com fins

militares73, assim ameaçando a segurança regional e global.

A energia hidrelétrica é uma fonte renovável de energia que oferece

grandes oportunidades de expansão pelo mundo. Estima-se que menos de um

terço do potencial hídrico mundial seja explorado. Embora não tenha grandes

impactos sobre o efeito estufa, os impactos ambientais de usinas hidrelétricas

também são altos, uma vez que elas desviam para sempre o curso dos rios e

alteram o seu fluxo, alagam grandes áreas, e alguns estudos apontam que sob a

água de vales alagados são produzidas grandes quantidades de gás metano, que

afeta a camada de ozônio. Ainda, deve-se considerar a difícil tarefa de realocar as

comunidades das áreas que serão alagadas. Uma alternativa de menor impacto

são usinas de menor porte.

A captação da luz do sol através de células fotovoltaicas e sua utilização

para geração de energia elétrica ou para aquecimento oferece um potencial

gigantesco para substituir parte da matriz energética atual. A energia solar é uma

energia renovável, sustentável e que, apesar de ter um custo inicial alto, tem um

custo de captação muito baixo. Seus principais custos são os de produção das

tecnologias de captação de energia solar, que utilizam metais raros. Uma vez

instalada a tecnologia, os custos de manutenção são mínimos. Embora

72 O Irã vem desenvolvendo um programa de energia nuclear desde 1995. Porém, desde 2005, os Estados Unidos e Israel afirmam que o programa nuclear iraniano não é destinado apenas para fins pacíficos, tentando colocar sanções contra o país através do Conselho de Segurança da ONU. 73Para evitar que a energia atômica fosse utilizada para fins militares, foi criada a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), que fiscaliza a utilização de materiais radioativos na produção de energia. O Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (ou Tratado de Não Proliferação, como é chamado) também tem o mesmo intuito, assegurando que armas nucleares (como as usadas em Hiroshima e Nagasaki, na Segunda Guerra) não serão mais produzidas pelos países que o assinaram e, ainda, busca promover o desarmamento, ou seja, a destruição das armas ainda existentes.

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atualmente os custos das tecnologias de captação de energia solar sejam muito

altos, diversos países desenvolvidos, como o Japão e a Alemanha, dão grandes

subsídios para as pesquisas relacionadas à energia solar. Estima-se que em 2015

a energia elétrica solar já possa ser produzida com menos custos que a energia

produzida com combustíveis fósseis, especialmente devido ao aumento constante

nos preços do petróleo (UNCTAD, 2010). Os problemas mais comuns associados

à energia solar são a inconstância da incidência de sol durante o dia e a

ocorrência de fenômenos climáticos como chuvas e nuvens que podem

atrapalhar a sua captação. A energia solar pode ter um grande impacto positivo

nas áreas rurais e regiões periféricas aonde as redes convencionais de energia

elétrica não chegam.

Estima-se que em 2008 a energia dos ventos já gerava mais de 1,5% da

energia elétrica global, e o seu potencial de expansão é muito grande (UNCTAD,

2010). A energia eólica é uma fonte de energia renovável que não produz gases

do efeito estufa e com impactos ambientais mínimos Os rápidos avanços na

produção de aerogeradores (nome dos geradores de energia eólica) têm feito seu

custo cair rapidamente desde o começo do século XXI. Os principais custos são os

de instalação dos aerogeradores, custo que pode alcançar cifras gigantescas,

enquanto os custos de manutenção são muito baixos. A captação de energia

eólica não gera nenhum tipo de resíduo e as terras que ela ocupa podem ser

utilizadas para outros fins, como a agricultura. A instalação de parques eólicos

deve levar em conta a incidência dos ventos sobre a região. China, Estados Unidos

e Alemanha lideram a produção de energia eólica no mundo.

Biocombustíveis são combustíveis fabricados a partir de plantas, em

geral milho, cana-de-açúcar, sorgo, mamona, soja, beterraba, dentre outras, que

podem substituir os combustíveis fósseis. A produção de biocombustíveis pode

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118 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 94-155, 2013

garantir uma maior segurança energética por parte dos países, que assim não

dependeriam tanto da importação de combustíveis fósseis. Entretanto, existem

diversos efeitos negativos que derivam da produção de biocombustíveis. A sua

produção exige que diversas plantações e diversos produtos que antes eram

direcionados para a alimentação de parte da população vá para a produção de

biocombustíveis. Tal medida faz com que os preços dos alimentos aumentem, o

que tem efeitos principalmente sobre a segurança alimentar da população mais

pobre 74. Além disso, a produção de biocombustíveis faz pressão sobre o uso da

água e da terra, e ela pode contribuir para a expansão das áreas de agricultura,

contribuindo para o aumento do desmatamento. A produção dos

biocombustíveis, como o etanol e o biodiesel, é altamente concentrada em poucos

países, como o Brasil e os Estados Unidos. Os biocombustíveis ainda são

produzidos em pequena quantidade, não tendo um impacto significativo na

matriz energética mundial.

Já a biomassa é um recurso natural renovável que consiste na matéria

orgânica de plantas, cuja queima produz energia. A produção de biomassa pode

ser feita através de lixo orgânico residencial ou industrial, como restos de

alimentos, serragem, bagaço de cana, ou mesmo de restos não aproveitados de

colheitas (casca de arroz, por exemplo). A biomassa também tem uma liberação

de gás carbônico nula, pois tem um ciclo parecido com o dos biocombustíveis – o

gás carbônico liberado na queima é reabsorvido pelas plantas que depois

fornecerão a matéria-prima para a biomassa. Ela é utilizada em larga escala nos

74 Em 2007, o aumento nos preços do petróleo proporcionou uma expansão na produção de biocombustíveis. Assim, parte da safra de alguns alimentos foi utilizada para produzir biocombustíveis, causando uma diminuição na quantidade de alimentos disponível, aumentando seus preços, e colocando mais de 100 milhões de pessoas pobres em situação de insegurança alimentar, uma vez que, com os preços mais altos, poderia comprar menos alimentos.

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países em desenvolvimento (na África subsaariana, por exemplo, corresponde a

aproximadamente 90% do consumo de energia primária), porém de maneira

ineficiente. Por exemplo, os países em desenvolvimento utilizam muita madeira,

que é um tipo de biomassa, o que causa uma devastação das florestas. Entretanto,

outros tipos de biomassa, como os restos de alimentos, podem ser muito

eficientes para a produção de energia, sem causar grandes impactos ambientais.

A energia maremotriz é gerada através da correnteza do mar. Os estudos

relacionados a tal tipo de energia ainda estão em um estágio inicial, o que

impossibilita sua utilização em larga escala. Já a energia geotérmica é gerada

através do calor do interior da Terra. Em algumas partes do planeta, a crosta

terrestre possui uma espessura fina, fazendo com que ao se perfurar a terra

apenas algumas centenas de metros seja possível aproveitar o calor do magma

terrestre para diversos fins, dentre eles gerar energia elétrica. Essa é uma fonte

de energia renovável com poucos impactos ambientais. Entretanto, seu uso se

limita apenas a algumas regiões, em especial àquelas com atividade vulcânica

forte.

3. Ações Internacionais Prévias

Tendo percebido os efeitos nocivos de um modelo energético baseado no

uso do petróleo e seus derivados, os países nas últimas décadas têm tentado

cooperar, a fim de encontrar novas fontes de energia. Por meio de tratados

internacionais, tentam-se abandonar práticas degradantes e encontrar outras

que proporcionem um desenvolvimento sustentável. A seguir, encontram-se

algumas das conferências e convenções mais significativas para a preservação do

meio ambiente.

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Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente: Transição energética

120 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 94-155, 2013

3.1. Conferência de Estocolmo (1972)

A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano

(conhecida como Conferência de Estocolmo) ocorreu no ano de 1972, em

Estocolmo, capital da Suécia. Dela participaram 113 países, além de instituições

governamentais e não governamentais. Pela primeira vez na história o meio

ambiente foi inserido na agenda internacional como um tópico de relevância,

necessário de ser debatido (SOHR, 2010).

Entre as décadas de 60 e 70, a humanidade passou a perceber os limites

do planeta, a finitude dos recursos naturais. Os países passaram a incentivar

políticas de desenvolvimento menos degradantes – buscava-se o crescimento

sem a exploração inconsciente e insustentável. Assim, na Conferência de

Estocolmo, produziu-se a Declaração sobre o Meio Ambiente Humano, cujos

princípios de responsabilidade deveriam nortear as políticas ambientalistas dos

governos que a assinassem. Além disso, dessa conferência também resultou um

Plano de Ação que convocava os países, a ONU e outras organizações

internacionais a cooperarem a fim de solucionarem problemas ambientais (SÃO

PAULO, 1997).

Durante os dias de discussão, pôde-se perceber um conflito de

perspectivas entre países em situações socioeconômicas distintas. Se, por um

lado, os países desenvolvidos pregavam medidas preventivas imediatas a fim de

evitarem-se desastres naturais, por outro, os países em desenvolvimento

alegavam que certas medidas poderiam encarecer, e até mesmo retardar, seu

desenvolvimento (SÃO PAULO, 1997). A verdade é que o cumprimento das

propostas de proteção e cooperação internacional foi bem mais difícil do que se

supunha. A incerteza quanto à real gravidade dos problemas ambientais, o

desnível de desenvolvimento entre os países e os objetivos traçados – muitas

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vezes inatingíveis – podem ser considerados como elementos que levaram a isso

(PASSOS, 2009).

Ainda assim, a Conferência de Estocolmo foi de grande importância, na

medida em que direcionou, pela primeira vez, a atenção das nações aos

problemas ecológicos. Foi em 1972, por exemplo, que surgiu um organismo

institucional da ONU dedicado ao meio ambiente: o PNUMA. Desde então, o

número de tratados, acordos e convenções referentes a esse assunto têm sido

cada vez maiores – reflexo da sensibilização das sociedades (PASSOS, 2009).

3.2. Convenção de Viena para a Proteção da Camada de Ozônio (1985)

Ocorrida em Viena, capital da Áustria, a Convenção para a Proteção da

Camada de Ozônio contou com a presença de dezenas de países. Tinha como

objetivo proteger o meio ambiente – assim como a própria saúde humana – dos

efeitos maléficos provenientes de modificações na camada de ozônio (DUNOFF ;

RATNER; WIPPMAN, 2006).

Sabendo-se que tais modificações eram causadas por atividade do ser

humano, essa convenção propunha uma redução, ou até mesmo efetiva

eliminação, das emissões de substâncias danosas à atmosfera.

3.3. Protocolo de Montreal (1987)

Como desfecho da Convenção de Viena, foi criado no ano de 1987 em

Montreal, no Canadá, o Protocolo sobre Substâncias que destroem a Camada de

Ozônio. Esse protocolo tinha como meta substituir as substâncias que haviam

sido constatadas como reagentes do ozônio (O3): os clorofluorcarbonetos (CFC).

Os CFCs foram amplamente utilizados na indústria entre as décadas de 70 e 80 –

principalmente em manufaturas de espuma, aerossóis, bombinhas para asma,

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esterilizantes e fluidos refrigerantes para geladeiras e ar condicionado

(PROTOCOLO DE MONTREAL, 2011). O consumo desses gases se dava

principalmente nos países desenvolvidos (onde se encontrava 88% do consumo

global), havendo um rápido crescimento nos países em desenvolvimento - a

China, por exemplo, usava 20% mais CFC a cada ano (DUNOFF & RATNER &

WIPPMAN, 2006). Entre os efeitos da destruição da camada de ozônio – e a

consequente maior exposição dos indivíduos aos raios ultra-violata (UV) – estão

o melanoma maligno (câncer de pele), catarata, enfraquecimento do sistema

imunológico e o envelhecimento precoce.

Tendo em vista tais efeitos nocivos, o Protocolo de Montreal propunha,

portanto, uma diminuição gradativa do consumo dos gases CFC em todo o

planeta ao longo da década de 90, além da cooperação entre os países para

atingir esse objetivo. O receio dos países em desenvolvimento que se pôde

observar na Conferência de Estocolmo de que aquele tratado atrasasse seu

desenvolvimento foi amenizado pelo Art. 5º do protocolo: esse artigo concedia

uma extensão de dez anos no prazo de cumprimento das cláusulas do protocolo

para países em desenvolvimento e incentivava a cooperação entre estes e os

países desenvolvidos (UNEP, 1987).

Entretanto, devido às características químicas dos CFCs, estudos feitos

seis meses após o tratado demonstraram que o buraco na camada de ozônio

continuava crescendo em ritmo acelerado. Com isso, em 1990, adicionou-se uma

importante emenda ao protocolo adiantando o prazo de eliminação do uso de

gases CFC para 2001. Também foi criado o Fundo Multilateral para a

Implementação do Protocolo de Montreal (FML), que tinha como princípio

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prestar auxílio aos países em desenvolvimento a fim de que atingissem suas

metas75 (DUNOFF; RATNER; WIPPMAN, 2006).

Os objetivos do Protocolo foram cumpridos e a manutenção das

negociações internacionais têm sido exitosas. Para muitos autores, o Protocolo de

Montreal é tido como o mais bem sucedido tratado internacional de todos os

tempos.

3.4. Cúpula da Terra (1992) e as Conferências das Partes (COP)

A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o

Desenvolvimento – conhecida como Cúpula da Terra, ECO-92 ou Rio-92 – se deu

em 1992, na cidade do Rio de Janeiro, Brasil. Reafirmando os princípios da

Conferência de Estocolmo, tinha como objetivos: a avaliação da gestão ambiental

dos signatários daquele tratado; a transferência de tecnologias não-poluentes a

países subdesenvolvidos; e o estabelecimento de novos níveis de cooperação

entre os países, os setores-chaves da sociedade e os indivíduos – até mesmo para

prever ameaças ambientais e prestar socorro em casos de emergência (SÃO

PAULO, 1997; ONU, 1992).

Foi na Cúpula da Terra que se consagrou o conceito de ‘desenvolvimento

sustent|vel’ – segundo o Princípio 4 da Declaraç~o do Rio, “para alcançar o

desenvolvimento sustentável, a proteção ambiental constituirá parte importante

do processo de desenvolvimento e n~o pode ser considerado isoladamente deste”

(ONU, 1992). Além disso, na conferência foram assinados cinco documentos: a

Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Agenda 21, os

75 Administrado por um Comitê Executivo e abastecido pelos países desenvolvidos, o Fundo contava ainda com a colaboração de agências internacionais como o PNUMA, PNUD, Banco Mundial, entre outros.

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Princípios para a Administração Sustentável das Florestas, a Convenção da

Biodiversidade e a Convenção sobre Mudanças no Clima.

A Convenção sobre Mudanças no Clima – também conhecida como

Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima – buscava

estabilizar a concentração dos gases agravantes do efeito estufa na atmosfera.

Pela cooperação por meio de pesquisas científicas, difusão de tecnologias, etc., os

países desenvolvidos deveriam prestar auxílio aos países em desenvolvimento,

principalmente àqueles mais vulneráveis aos impactos de mudanças climáticas.

As Conferências das Partes (COP) são encontros periódicos de países que

assinaram dois dos tratados da Cúpula da Terra: de Biodiversidade e sobre

Mudanças no Clima – a COP sobre biodiversidade ocorre a cada dois anos desde a

ECO-92, e a sobre mudanças climáticas anualmente desde então. As COP são

responsáveis por manter a implementação das convenções, sob sua revisão e

avaliação permanentes.

Uma das Conferências das Partes de maior relevância foi a COP 3,

ocorrida em Quioto, Japão, em 1997, contanto com a presença de 166 países –

nessa conferência, assinou-se o tratado que ficou conhecido como Protocolo de

Quioto. Esse protocolo contava com compromissos mais rígidos quanto à redução

dos gases agravantes do efeito estufa e responsáveis pelo aquecimento global –

em especial o dióxido de carbono (CO2), metano (CH4) e o óxido nitroso (N2O).

Esse compromisso, no entanto, não era homogêneo, havendo distinções entre as

metas de redução de diferentes países. As Partes do chamado Anexo I (países

desenvolvidos) deveriam reduzir suas emissões dos poluentes devidos no

mínimo 5% abaixo do nível constatado em 1990, entre 2008 e 2012 – os países

em desenvolvimento não detinham metas fixadas (UN, 1998). Apesar da adesão

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da imensa maioria dos países, o Protocolo de Quioto não foi ratificado justamente

pelo maior emissor de poluentes do mundo: os Estados Unidos da América.

Outras COP relevantes e famosas foram a Cúpula Mundial sobre

Desenvolvimento Sustentável (conhecida como Rio+10), ocorrida em

Johanesburgo, África do Sul, em 2002 e a Conferência das Nações Unidas sobre

Desenvolvimento Sustentável (conhecida como Rio+20), ocorrida novamente no

Rio de Janeiro, Brasil, em 2012.

4. Posicionamento dos Países

País mais rico do mundo árabe, a ARÁBIA SAUDITA tem sua economia

baseada essencialmente na extração de petróleo – sendo o segundo país em

reservas (possui 17% das reservas mundiais) e o maior exportador de petróleo

do planeta (EUA, 2013). Membro da OPEP76 desde sua fundação, a Arábia Saudita

tem papel de liderança nessa organização. Por outro lado, o governo saudita

também tem demonstrado grande interesse em investir em fontes renováveis de

energia – devido à enorme quantidade de horas que o país sofre exposição ao sol,

a produção de energia solar tem tido bastante destaque.

Sendo uma das maiores economias do Oriente Médio, os EMIRADOS

ÁRABES UNIDOS (EAU) têm a sétima maior reserva de petróleo do planeta. As

76 Alguns países reunidos neste comitê são membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo

(OPEP) e, portanto, compartilham determinados interesses políticos afins, posicionando-se em conjunto em

alguns fóruns internacionais e cooperando entre si, de modo a terem maior poder de barganha perante as

outras nações e conquistar seus objetivos com mais facilidade. A OPEP foi criada em 1960 e tem por objetivo coordenar a política petrolífera de seus países membros, desenvolvendo estratégias de produção e

exportação. Pelo controle dos preços de venda do produto, há uma menor concorrência entre os países

membros da organização, o que proporciona maior lucratividade a todos. Os membros da OPEP têm 75% das reservas de petróleo do planeta e são responsáveis por cerca de 40% das exportações mundiais. Os

atuais doze membros da OPEP são: Angola, Arábia Saudita, Argélia, Catar, Emirados Árabes Unidos, Equador, Irã, Iraque, Kuwait, Líbia, Nigéria e Venezuela.

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exportações de petróleo e gás natural têm um papel importante em sua

economia, principalmente em Abu Dhabi, emirado mais rico do país. Por outro

lado, nos últimos anos, os EAU têm feito esforços a fim de diminuir

consideravelmente a utilização do carbono e transitar para novas formas de

geração de energia – tendo sido relativamente bem sucedidos. Em março de

2013, passou a funcionar a primeira grande usina solar do país (Shams1), um dos

maiores projetos de energia solar do mundo. Até 2020, os EAU têm como meta

produzir cerca de 7% de sua energia através de fontes renováveis (VEJA, 2013).

Segundo maior produtor de petróleo da OPEP, o IRÃ possui cerca de 10%

das reservas de petróleo do planeta – também tem uma enorme reserva de gás

natural, sendo superado apenas pela Rússia (EUA, 2013). Atualmente, o Irã tem

sido altamente criticado pelo desenvolvimento de seu programa nuclear de

geração de energia – muitos países (principalmente os EUA, Israel e países

europeus) têm acusado o Irã de estar, na verdade, desenvolvendo tal tecnologia

para uso de guerra, como na fabricação de bombas atômicas. O governo iraniano

alega que o programa nuclear tem fins pacíficos e que, no momento, é a melhor

alternativa quanto a fontes energéticas.

Também membro da OPEP desde sua fundação em 1960, o IRAQUE é o

quinto país com maiores reservas de petróleo do planeta. Sua economia está

intimamente atrelada à sua venda para outros países – o petróleo chega a mais de

80% do total de suas exportações (o maior comprador de petróleo iraquiano são

os EUA) (EUA, 2013). Além disso, assim como a Arábia Saudita, o Iraque tem

tentado investir na energia solar nos últimos tempos – tendo comprado milhares

de lanternas solares de empresas alemãs.

Historicamente, ISRAEL importa quase a totalidade de sua energia, na

forma de carvão, gás natural e petróleo. Isso está para mudar, pois grandes

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reservas de petróleo e de gás natural foram descobertas em território israelense,

podendo até transformar o país de importador para exportador de gás natural

(EIA, 2013). Nesse sentido, o Estado de Israel deve posicionar-se contra qualquer

medida que afete a soberania de Israel sobre seus recursos naturais e energéticos

ou o seu desenvolvimento econômico baseado na exploração de combustíveis

fósseis. Apesar disso, Israel também é pioneiro em pesquisa e desenvolvimento

de energia solar (VAGG, 2013), devendo buscar fortalecer seus laços econômicas

com aqueles Estados interessados em importar tais tecnologias.

A ÁFRICA é o continente que reúne o maior número de países em

desenvolvimento do mundo e, por causa disso, a situação energética deles é mais

primitiva, ou seja, ainda usam meios de produção de energia que já foram total

ou parcialmente substituídos em outras regiões. Por isso, boa parte das

populações não tem acesso à eletricidade e ainda usa a queima de biomassa como

fonte principal. Alguns países africanos, como Angola e Nigéria, encontraram

elevado crescimento econômico nos últimos anos através da exportação de bens

primários (principalmente petróleo e produtos agrícolas) e agora se encontram

entre a necessidade de melhorar a distribuição energética no território (o que

seria mais barato usando fontes convencionais, como petróleo e biomassa) e a

transição para meios renováveis e sustentáveis. Uma das soluções usada por

alguns países, ainda em fase de “teste”, é a energia solar, a qual pode ser instalada

em vilas afastadas dos centros urbanos.

Detentora do maior PIB africano, a ÁFRICA DO SUL usa basicamente

carvão, petróleo e biomassa como fonte energética. A empresa pública Eskom

produz 95% da eletricidade do país e ainda exporta energia para países vizinhos,

pelo que recebe críticas, devido à insuficiência que a África do Sul já enfrenta,

agravada por uma crise de abastecimento em 2008 (ALL AFRICA, 2012). Por isso,

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o governo vem criando novas leis para incentivar a participação privada no setor,

e ao mesmo tempo diversificar a matriz, com destaque para a energia eólica e

solar.

A ANGOLA é um país membro da OPEP e o nono maior exportador de

petróleo do mundo. O alto crescimento econômico dos últimos anos foi baseado

na alta do preço dos hidrocarbonetos, visto que sua produção responde por 85%

do PIB do país (EUA, 2013). Mais da metade da energia é gerada pela queima de

biomassa e um terço pelo petróleo. Desde 2009, o governo vem investindo em

energia solar fotovoltaica para regiões agrárias.

BOTSUANA, por sua vez, tem sua matriz energética composta pelo uso de

petróleo, biomassa e carvão. Menos da metade da população tem acesso à energia

elétrica e o projeto de prover esse serviço às vilas distantes através de energia

solar ainda não teve resultados significativos. O país não produz petróleo e

importa hidrocarbonetos e eletricidade principalmente da África do Sul

(MBENDI, 2013).

A LÍBIA, 15° maior exportador de petróleo do mundo e membro da OPEP,

gera a eletricidade do país majoritariamente através do petróleo, visto que possui

as maiores reservas do continente. O país possui um vasto potencial para o uso

de energia solar, devido à sua posição geográfica. Após a Primavera Árabe e a

intervenção internacional no país, parte da infraestrutura voltada para a

exportação de petróleo foi destruída, e a reconstrução, assim como os novos

contratos, vêm se firmando com empresas europeias, os tradicionais destinos das

exportações.

Assim como Botswana, aNAMÍBIA é um país altamente dependente da

importação de energia elétrica proveniente da África do Sul, e utiliza

principalmente petróleo, biomassa e carvão. Apesar das hidrelétricas

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corresponderem a mais de 60% da produção doméstica de eletricidade do país,

sua participação no todo é pequena, já que cerca de 80% da energia total usada

vêm de fora do país (ALL AFRICA, 2012; IRENA, 2013). Por isso, o governo

começou a considerar a expansão da capacidade de hidrelétricas, assim como

investir em energia solar e nuclear. Entretanto, ainda não há nenhum projeto

efetivo sendo implementado.

Outro país membro da OPEP e sexto maior exportador de petróleo do

mundo, a NIGÉRIA, gera 85% de sua energia primária através da queima de

biomassa, sendo o restante suprido por petróleo e gás natural (IRENA, 2013).

Para lidar com o aumento da demanda por energia e o desejo de levá-la às áreas

rurais, o governo pretende manter a primazia das fontes não-renováveis, mas

buscando aumentar gradualmente o uso de outras alternativas. O país tem

potencial para o uso de energia solar, e há políticas de incentivo do uso de etanol

e biodiesel adicionados ao combustível convencional.

O SUDÃO, historicamente um grande exportador de petróleo, vem

empreendendo recentemente e com relativo sucesso propostas de transição

energética para uma matriz mais sustentável. Por meio de parcerias com a Líbia e

o Egito, busca-se aumentar a construção de infraestrutura para produção e

distribuição de energias alternativas na região (AFRICA 21, 2013). Além disso, o

país já começou a utilizar etanol, pretende expandir a produção do combustível

alternativo, em parceria com o Brasil (BAHIA ENERGIA, 2013) e tem planos de

diversificar ainda mais sua matriz energética com a criação de usinas para

produção de energia nuclear (HERBERT, 2012). Apesar disso, a exportação de

petróleo continua sendo uma fonte importante de lucros para o Sudão, onde

grande parte da economia se organiza ao redor da infraestrutura de transporte

do combustível fóssil e de plataformas portuárias de exportação. No entanto, a

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grande maioria do petróleo exportado pelo Sudão está localizado no território do

SUDÃO DO SUL, que conquistou a sua independência e tornou-se soberano sobre

seus recursos energéticos em 2011 (REBOUÇAS, 2013; EXAME, 2012). Apesar da

abundância em jazidas de petróleo, o Sudão do Sul é um país pobre, carente de

infraestrutura e de energia elétrica. Desse modo, ações que dificultassem a

exportação de petróleo feita pelo Sudão do Sul seriam extremamente prejudiciais

não só para a economia do país recém fundado, mas principalmente para as

condições de vida da sua população.

O maior membro da OPEP na América Latina, a VENEZUELA, ainda é muito

dependente da produção de petróleo. Além de ser o país com as maiores reservas

de petróleo e gás natural do continente, a Venezuela também apresenta uma

grande capacidade hidrelétrica, capaz de gerar 20 mil megawatts/hora de

eletricidade. No entanto, uma transição energética para fontes de energia

renováveis aparece como um obstáculo à economia venezuelana, pois a

companhia PdVSA (Petróleo de Venezuela S.A), estatal responsável pela

exploração e produção de petróleo no país, é a empresa que mais emprega

trabalhadores, além de contar por 50% da arrecadação do governo e quase 80%

da renda advinda das exportações (EUA, 2013). Nesse sentido, uma transição

energética mundial que diminuísse a demanda pelo petróleo venezuelano

afetaria seriamente a economia do país, não sendo uma opção muito desejável.

O BRASIL é um país que apresenta potencial de liderança na transição

energética para os países emergentes, sendo o precursor do uso de energias

renováveis na América Latina. Com inúmeras bacias hidrográficas, o país

apresenta o maior potencial hidrelétrico na sua região. Já são 403 usinas em

operação e 25 em construção, atendendo aproximadamente a 40% da oferta

interna de energia do país (BARSA, 2013). Ademais, o Brasil é o país mais

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avançado, do ponto de vista tecnológico, na produção e no uso do etanol como

combustível. O país ainda apresenta um grande potencial solar pouco explorado

devido à cara tecnologia exigida para produção de células fotovoltaicas. No

entanto, a exploração e produção de combustíveis fósseis, especialmente o

petróleo e o gás natural, também ocupa um papel importante na economia

brasileira, especialmente após a descoberta das reservas no pré-sal. Pode-se

dizer que o Brasil posiciona-se de modo favorável à adesão de energias

sustentáveis, desde que isso não interfira na soberania brasileira sobre seus

recursos petrolíferos.

Com o intenso crescimento econômico da ÍNDIA, a demanda interna por

energia tem aumentado, colocando o país no 4º lugar de maior consumidor

energético no mundo (GOMES; CHAMON; LIMA, 2012). Entretanto, o consumo

energético per capita indiano ainda é o menor dentre os países emergentes,

indicando uma forte desigualdade econômica e social entre a população. A

pobreza e a dificuldade de acesso a tecnologias modernas dificultam a transição

para fontes limpas de energia, ainda que haja incentivos do governo para

promover energias sustentáveis, como a biomassa e os bicombustíveis, os quais

já têm uma participação relevante na matriz energética indiana. A Índia

posiciona-se defendendo, como prioridade, o desenvolvimento de sua nação e a

redução da pobreza, e deve ser contra qualquer cláusula que possa prejudicá-la

economicamente.

A REPÚBLICA POPULAR DA CHINA pode ser considerada a maior

consumidora mundial de energia como também a maior emissora de CO2. Isso se

dá pela grande população chinesa, a maior do mundo, aliado ao recente

crescimento econômico do país. Possuidor da terceira maior reserva de carvão

no mundo, o desenvolvimento chinês tem sido baseado, principalmente, em

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combustíveis fósseis. Apesar disso, grande parte da população chinesa ainda não

tem acesso à energia, principalmente no meio rural. Desse modo, o principal

objetivo do governo chinês é levar o acesso à energia para estas camadas menos

favorecidas. A inclusão energética da população rural se dá, por vezes, baseada

em combustíveis fósseis, mas também há espaço para projetos de fornecimento

de energias renováveis, principalmente hidrelétrica, solar e eólica. Recentemente

a China finalizou a construção da maior hidrelétrica do mundo, desde 2005, a

capacidade instalada de energias renováveis tem aumentado de tal forma que

hoje os chineses são os maiores produtores mundiais de turbinas eólicas e

painéis solares. Ainda assim, a China preocupa-se prioritariamente o

desenvolvimento de sua nação e a soberania sobre seu território e seus recursos

naturais e energéticos, defendendo a ideia de que os principais responsáveis

pelos danos ambientais são os países desenvolvidos e, portanto, eles que devem

comprometer-se em reduzir as emissões.

Por ser o maior país em extensão territorial do planeta, a RÚSSIA é

extremamente rica em recursos naturais – nos últimos tempos, tem sido

chamada de “superpotência energética”. Seu modelo energético é baseado

principalmente nas usinas termelétricas (67%), hidrelétricas (17%) e nucleares

(15%) – havendo grande mobilização do governo a fim de aumentar o uso dos

dois últimos tipos de usina, além do uso da energia geotérmica (EUA, 2013). Isso

não significa, no entanto, que o país esteja disposto a diminuir a exploração de

combustíveis fósseis: a Rússia tem a maior reserva de gás natural e uma das

maiores de petróleos do mundo. Gás natural e petróleo, juntamente com metais e

madeira, compõem mais de 80% das exportações russas para outros países (EUA,

2013). É de se esperar que a Rússia defenda a utilização dos combustíveis fósseis

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e a manutenção de um modelo econômico baseado nesse tipo de energia, tendo

como prioridade manter suas exportações e seu desenvolvimento econômico.

Na UCRÂNIA,onde ocorreu o acidente na usina nuclear de Chernobyl em

1986, 40% da energia elétrica ainda advém de usinas nucleares. O acidente em

Chernobyl contaminou radioativamente uma área enorme na Ucrânia, na

Bielorrússia e na Rússia, causando a evacuação de 116 mil pessoas de áreas

próximas, além de matar 30 pessoas e causar múltiplos impactos na saúde das

populações que viviam à volta da usina (WORLD NUCLEAR ASSOCIATION, 2012).

Apesar disso, a Ucrânia pretende continuar investindo em tal fonte de energia,

ainda que buscando aprimorar a segurança e eficiência de sua produção. O país

considera tais investimentos necessários para aumentar sua segurança

energética e diminuir sua dependência das fontes de energia da Rússia, de quem

importa grandes quantidades de petróleo e gás natural (WORLD NUCLEAR

ASSOCIATION, 2012). A concretização de parcerias para desenvolver energias

renováveis é uma oportunidade importante para a Ucrânia, que espera basear

20% da sua oferta de energia em fontes renováveis até 2030 (BLACK ; VEATCH).

Ainda que não seja membro da OPEP, o CAZAQUISTÃO tem sua economia

baseada essencialmente na exportação do petróleo. O país possui uma enorme

riqueza em recursos naturais – principalmente petróleo e gás natural, no mar

Cáspio –, chegando o petróleo a representar cerca de 60% de suas exportações

(EUA, 2013). Apesar de seu enorme potencial para fontes de energia mais

sustentáveis (eólica, solar, biocombustíveis, etc.), o governo cazaque afirma que

buscará fontes alternativas de energia somente quando elas se tornarem

economicamente mais vantajosas. Assim, o Cazaquistão deve se posicionar

defendendo a manutenção do modelo energético baseado nos combustíveis

fósseis, mas também buscar parcerias com países desenvolvidos que sejam de

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seu interesse e lhe permita ter ganhos com a transição energética para

combustíveis sustentáveis.

A TURQUIA possui uma matriz energética de grande dependência dos

combustíveis fósseis: 65,3% de sua geração de energia provêm de tal fonte (EUA,

2013). O fato de não ser uma grande produtora desses combustíveis faz com que

a Turquia precise importar cerca de 40% de seu petróleo e 65% de seu gás

natural da Rússia – o que lhe cria um grande laço de dependência para com este

país (BHALLA, GOODRICH ; ZAIHAN, 2009). Além disso, o território turco é de

grande relevância para os países europeus, tendo em vista que é rota do oleoduto

Baku-Tbilis-Ceyhan (BTC), que leva petróleo proveniente do Mar Cáspio ao Mar

Mediterrâneo – diminuindo a também enorme dependência da Europa para com

as importações de petróleo e gás natural russas (BHALLA; GOODRICH ; ZAIHAN,

2009). Por sua localização estratégica (seu território se estende tanto pela Ásia

como pela Europa) e sua identidade cultural singular (é um país islâmico

fortemente ocidentalizado), a Turquia deve buscar se posicionar como líder

regional e importante mediador para as relações entre os países árabes, o Irã, a

Europa e os EUA.

Devido a sua riqueza de recursos naturais e sua posição estratégica no

leste Asiático, a INDONÉSIA é um importante exportador de petróleo, carvão e gás

natural. Na sua matriz energética há a intensa dependência de carbono; porém, o

país já mostra sinais de ascensão à transição para uma energia limpa. As apostas

para que a transição ocorra são as usinas geotérmicas que já têm um papel de

destaque ao país que, com seu potencial, pode se tornar uma superpotência

mundial de energia geotérmica de acordo com o relatório 2011 Global Status

Report. Os biocombustíveis também têm chamado a atenção do governo do país,

o qual lançou em 2006 o primeiro plano nacional de biocombustíveis. Além disso,

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UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 94-155, 2013 135

também há incentivo governamental à diminuição dos combustíveis fósseis,

como visto em 2012 com o projeto “Vis~o 25/25”, o qual propõe uma

participação de 25% de fontes renováveis na sua matriz energética até 2025

(WILCOX, 2012).

No MÉXICO, 75% da sua energia é derivada de fontes fósseis, sendo a

principal delas o petróleo (EUA, 2013). Na última década, a devastação social e

ecológica têm influeciado o país a mirar uma transição energética. Em 2010, por

exemplo, a explosão de uma plataforma de petróleo - pertencente a empresa

britânica British Petroleum - no Golfo do México, resultou em um dos maiores

derramamentos de petróleo no mar registrados até então (GLOBO, 2010). Em

2012 foi aprovado no país uma Lei Geral de Mudanças Climáticas que direcionam

as melhores práticas para uma transição à energia verde (MESR, 2013). No

entanto, as relações econômicas do México com os países fornecedores de

petróleo continuam sendo de extrema importância, e uma transição energética

para fontes alternativas poderia prejudicar seriamente os interesses políticos e a

economia do México.

O PARAGUAI passou por recentes conflitos políticos internos com a

deposição de Fernando Lugo em 2012. Desde então, as relações do Paraguai com

os países da região, especialmente Venezuela e Brasil, estão estremecidas. Em

relação à matriz energética, grande parte do consumo de energia no Paraguai

ainda advém de fontes extremamente poluentes, como o carvão mineral e a lenha

(LA NACION, 2012). A transição energética para uma matriz sustentável seria

benéfica ao Paraguai, principalmente se viesse acompanhada de propostas

modernizadoras de sua infraestrutura. Além disso, o país também é um grande

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exportador de energia baseada em fontes renováveis, como a hidrelétrica77, e

poderia se beneficiar de incentivos a investimentos neste setor.

A União Europeia é um bloco econômico e político regional formado por

27 países europeus. Assim, busca harmonizar as políticas destes Estados-

membros em diversas áreas, entre as quais está a questão energética e ambiental.

O principal objetivo da União Europeia para as próximas décadas é promover

uma transição energética que esteja em maior consonância com os desafios

ambientais e de mudança climática. A "Estratégia Energia 2020" busca reduzir as

emissões de carbono através de um aumento da eficiência e desenvolvimento de

novas tecnologias, incluindo a nuclear, focando na parceria com países

emergentes e em desenvolvimento (EUROPA, 2013).

O REINO DA DINAMARCA é líder na União Europeia no uso e defesa de

energias renováveis. O país tenta desenvolver um plano conjunto para a que a

União Europeia fique livre de combustíveis fósseis até 2050. Ainda, o país espera

que até 2020 cerca de 30% de sua matriz energética seja composta por fontes de

energia renováveis, especialmente energia eólica, mas também solar,

biocombustíveis e energia maremotriz (DINAMARCA, 2012). Em 2011, a

Dinamarca foi a maior produtora de energia eólica per capita do planeta,

atendendo cerca de 28% de sua demanda por energia elétrica. O país também

possui reservas de petróleo e de gás natural que são capazes de suprir as

necessidades do país por mais alguns anos, momento em que ele deverá recorrer

às importações de tais fontes de energia (DINAMARCA, 2012).

77A usina hidrelétrica de Itaipú é um exemplo de empreendimento construído em parceria com o Brasil de onde o Paraguai exporta grande quantidade de energia. No entanto, espera-se que ocorra uma revisão no acordo entre os dois países, de modo que seja mais favorável ao Paraguai. Para saber mais, acesse: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/59702-paraguai-diz-que-nao-cedera-energia-a-brasil.shtml

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Em consonância com a União Europeia, a SUÉCIA tem mostrado na última

década um grande empenho em promover uma transição energética em seu país

para uma matriz limpa e sustentável. Suas políticas defendem a remoção dos

subsídios que o governo oferece para exploração de combustíveis fósseis e

também a criaç~o de impostos e taxas “ambientais”, ou seja, cobrando mais caro

daquelas indústrias e empresas que poluem o meio ambiente. O modelo sueco

tem se mostrado de sucesso para uma sociedade desenvolvida com um grande

consumo de energia per capita, sendo que a participação das energias renováveis

na sua matriz energética passou de 33% em 1990 para 48% em 2010, com metas

de ultrapassar os 50% nos próximos anos (SUÉCIA, 2012). Desse modo, a Suécia

tem muito com o que contribuir para o debate, compartilhando experiências

neste processo de transição.

A REPÚBLICA FEDERAL DA ALEMANHA possui uma matriz energética muito

dependente da importação de combustíveis fósseis e de urânio. Cerca de 70% da

sua energia é importada, porém o país está fazendo grandes esforços para

substituir sua matriz energética por energias renováveis e aumentar sua

segurança energética (MORRIS; PEHNT, 2012). O governo decidiu que até 2050 a

matriz energética deve ser composta principalmente de energias renováveis e

geradas no próprio país. Em 2011, mais de 20% de sua energia elétrica já era

produzida através de fontes de energia renováveis (MORRIS ;PEHNT, 2012). A

Alemanha tem realizado grandes investimentos para desenvolver tecnologias de

energia renovável e para tornar a produção de energia com combustíveis fósseis

mais eficiente, e é um dos grandes exportadores de tais tecnologias, com mais de

380 mil pessoas trabalhando no setor de energias renováveis. Desde o desastre

nuclear de Fukushima, o país anunciou que vai desativar todas as suas usinas

nucleares até 2022 (MORRIS ;PEHNT, 2012).

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A segunda maior economia da Europa, a REPÚBLICA FRANCESA é também a

maior produtora e consumidora de energia nuclear do mundo. Ainda que existam

planos de mudar esta situação durante a administração do presidente François

Hollande e promover uma transição energética para uma matriz mais

sustentável, mais de 75% da energia elétrica na França é gerada a partir de

reatores nucleares. O projeto do atual governo é reduzir essa porcentagem para

50% até 2025 (ROSE ;DOUET, 2012). Além disso, o país é também muito

dependente da importação de combustíveis fósseis, especialmente do Oriente

Médio. Sua grande capacidade de P&D (Pesquisa & Desenvolvimento) e o

domínio das tecnologias necessárias para construção de equipamentos como

painéis solares, turbinas eólicas e, principalmente, reatores nucleares, colocam a

França em uma posição favorável para aqueles países que buscam cooperação na

implantação de equipamentos para produção de energia sustentável.

O país que já ocupou a posição de maior potência do globo na época em

que o carvão era a principal fonte de energia, o REINO UNIDO busca, atualmente,

promover uma transição da sua matriz energética para energias mais

sustentáveis. Nesse sentido, o Reino Unido formulou em 2009 o "Plano de

transição para uma economia de Baixo Carbono" (Low Carbon Transition Plan,

tradução livre) que visa reduzir as emissões de CO2 em 18% até 2020 e adaptar

sua matriz energética para que 40% da energia utilizada na geração de

eletricidade venha de fontes não poluentes (CARUS, 2009). A estratégia inglesa se

baseia em compensar os cidadãos por utilizar serviços "verdes" e também

oferecer incentivos e crédito para empresas e setores específicos realizarem a

transição. Além disso, foca-se muito também em aumentar a eficiência na

produção de combustíveis fósseis e nas usinas nucleares, desativando aquelas

que se mostram antieconômicas (ELETROBRAS, 2012). Apesar disso, o Reino

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Unido ainda é muito dependente de combustíveis fósseis e é importante destacar

que algumas das maiores petrolíferas do mundo são de capital inglês, como a

British Petroleum, também conhecida por BP, o que cria uma forte pressão no

governo inglês para que o petróleo continue sendo elemento chave da economia

mundial.

Sendo um país de economia muito desenvolvida, o JAPÃO é um grande

consumidor de energia no cenário mundial, estando entre os três maiores

consumidores e importadores de petróleo. Ainda que seu território não seja rico

em reservas de combustíveis fósseis, a matriz energética japonesa é muito

dependente desse tipo de energia, que tem uma participação de mais de 60% no

consumo total do país. Isso significa que a segurança energética do Japão

depende muito da importação desse tipo de combustível de outros países, - o

Japão importa 84% da energia que consome – principalmente da Arábia Saudita e

dos Emirados Árabes Unidos (EIA, 2012). O país é também um grande

consumidor de energia nuclear, embora após o acidente ocorrido na usina de

Fukushima, em 2011, a utilização deste tipo de energia tenha sido contestada,

existindo o projeto de eliminar a utilização de energia nuclear até 2030

(KAKUCHI, 2013; GIRALDI, 2012). Alguns analistas, no entanto, argumentam que

esse tipo de ação seria insustentável e prejudicaria muito a economia japonesa.

Nesse sentido, uma transição energética para uma matriz mais limpa poderia

favorecer o país, que é um dos líderes em P&D e produção de equipamentos do

setor de energia solar e eólica.

O CANADÁ é o quinto maior produtor de energia no mundo, possuindo

grandes reservas de urânio, de petróleo, de gás natural e de carvão. Seu principal

parceiro comercial são os Estados Unidos da América, para quem vende cerca de

98% de suas exportações de energia (NATIONAL ENERGY BOARD, 2011). É o

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maior produtor mundial de urânio, exportando-o para a Ásia, para a Europa e

para a América Latina, fora os Estados Unidos. O setor energético correspondeu

em 2011 a praticamente 7% do total de riquezas produzidas no país. O país

possui também grandes usinas hidrelétricas, que produzem quase 60% da

energia elétrica do país. Outras fontes utilizadas no país são energia de fontes

termais (geotérmica), solar, eólica e maremotriz (NATIONAL ENERGY BOARD,

2012).

Os ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA são os maiores consumidores de energia

do planeta. Mais de 80% da sua matriz energética depende de combustíveis

fósseis (petróleo em primeiro lugar, seguido de gás natural, e de carvão). Energia

nuclear, hidrelétrica e de outras fontes renováveis complementam a matriz do

país. Em 2008, o país era responsável por 25% do consumo global de petróleo, o

que o torna o segundo país que mais lança gases de efeito estufa na atmosfera,

ficando atrás apenas da China (BANCO MUNDIAL, 2009). O país produz grandes

quantidades de carvão e de petróleo. Entretanto, pelo seu alto consumo, ele

importa grandes quantidades de tais fontes de energia, especialmente petróleo

do Oriente Médio, do Canadá e do México, o que faz com que ele se preocupe

bastante com sua segurança energética (EIA, 2012). Grandes empresas de origem

norte-americana dominam diversas áreas de produção de petróleo ao redor do

mundo, fazendo com que os interesses dos Estados Unidos tenham uma

relevância importante no mercado mundial de energia. O país é o maior produtor

de biocombustíveis do mundo. Durante o mandato do presidente Barack Obama,

colocou-se a meta de que até 2025 cerca de 25% da energia elétrica do país

venha de fontes de energia renováveis, e que 80% das emissões de gases do

efeito estufa sejam eliminadas até 2050 (EUA, 2013b).

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5. Questões para refletir

a) Que tipo de ações podem ser acordadas neste Comitê para incentivar

uma transição energética para uma matriz baseada em energias limpas?

b) Uma das grandes dificuldades apontadas pelos países em

desenvolvimento quando se fala em adotar energias alternativas é o desafio do

desenvolvimentismo. Ou seja, para desenvolver sua nação economicamente e

proporcionar qualidade de vida melhor para seus habitantes, muitos países têm

de utilizar combustíveis fosseis, por serem uma fonte energética mais

economicamente viável - mais barata e mais acessível.

Nesse sentido há um conflito entre preservar o meio ambiente e fornecer

melhores condições de vida para as pessoas. Como esse desafio pode ser

superado? Que ações os Estados podem tomar para minimizar esse antagonismo?

c) Qual o papel do setor privado (empresas e multinacionais) na

transição energética? É possível e/ou desejável desenhar um acordo que preveja

a participação deste setor da economia quando se fala em transição energética?

Quais atitudes ou incentivos os Estados poderiam ter em relação ao setor privado

para facilitar sua colaboração com os planos de uma transição energética para

uma matriz limpa e sustentável?

d) Muitas regiões do planeta ainda não têm acesso à praticamente

nenhuma fonte de energia. Como este Comitê pode garantir que a inserção destas

áreas se dê por meio da utilização de fontes de energia não-poluentes? Quais

ações podem ser tomadas para incentivar os Estados destas regiões,

especificamente, a adotarem modelos limpos?

e) Qual seria a melhor composição para uma nova matriz energética?

Quais combustíveis fariam parte dessemix de energia? Seriam somente fontes de

energia limpas e sustentáveis ou ainda há espaço para os combustíveis fósseis? É

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possível desenhar um modelo universal ou as realidades regionais são

demasiadamente diferentes e particulares exigindo adaptações?

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YERGIN, Daniel. O Petróleo: uma história de ganância, dinheiro e poder. São Paulo: Scritta, 1992

Resumo

O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) é uma agência da

Organização das Nações Unidas (ONU) voltada para a promoção de ações globais relacionadas ao

desenvolvimento sustentável e à proteção ambiental. Criado em 1972, o programa atua em diversas

áreas relacionadas a economia verde, ecossistemas terrestres, governança ambiental e assuntos

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UFRGSMUNDI

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atmosféricos. Neste artigo irá se discutir o tema transição energética. Durante a sua existência, o

homem utilizou diferentes matérias-primas como fontes principais de energia. Tais matérias-primas

estavam na base do funcionamento da economia mundial, e o controle de tais matérias primas foi e é

uma grande fonte de poder entre os Estados. A partir do final do século XIX, o petróleo se torna tal

matéria prima. Entretanto, o uso amplo e disseminado de petróleo tem causado diversos impactos

ambientais alarmantes. As mudanças na composição da atmosfera causadas pela emissão de gases

derivados da queima do petróleo estão provocando o efeito chamado Aquecimento Global. Tal efeito

ameaça transformar significativamente o clima de diversas regiões do planeta, alterando os ciclos de

chuva, provocando aumento no nível do mar e ameaçando diversos ecossistemas, bem como a vida

humana. Além disso, o petróleo é uma matéria-prima não renovável, e estima-se que as reservas

existentes terminem até o final do século XXI. Assim, a discussão sobre ações para que ocorra a

transição de um modelo energético baseado em produtos de petróleo para fontes de energia

alternativas e sustentáveis, com impactos ambientais menores (como energia hidrelétrica, eólica,

solar, dentre outras) é de extrema importância.

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Conferência Afro-Asiática (Bandung, 1955)

156 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 156-192, 2013

Conferência Afro-Asiática (Bandung, 1955)

Giovana Esther Zucatto78

João Arthur da Silva Reis79

Marília Bernardes Closs80

Natália Regina Colvero Maraschin81

Osvaldo Alves82

Em Bandung todas as nações chegaram juntas, as nações escuras da África e as [sic]da Ásia.

Alguns deles eram budistas, alguns muçulmanos, alguns cristãos, alguns adeptos de Confúcio, alguns

ateus. Apesar dessas diferenças religiosas, eles chegaram juntos. Alguns eram comunistas, alguns

socialistas, alguns capitalistas. Apesar de suas diferenças econômicas e políticas, chegaram juntos. Todos

eles eram negros, brancos, vermelhos ou amarelos.

Malcolm X

A Conferência Afro-asiática de 195583

, ou, como é mais comumente

conhecida, a Conferência de Bandung, foi um encontro entre líderes de 29 países

que se originou da iniciativa dos Premiês do Paquistão, do Ceilão, da Índia, da

78 Estudante do 5º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). 79 Estudante do 5º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). 80 Estudante do 5º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). 81 Estudante do 3º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). 82 Estudante do 5º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). 83 O presente guia está escrito no tempo presente de março de 1955, pouco antes do início da Conferência Afro-Asiática de Bandung.

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Indonésia e da Birmânia –países que compõem o chamado Grupo de Colombo. A

Conferência de 1955 reuniu Presidentes, Premiês, Reis e demais chefes de Estado

por sete dias na cidade de Bandung, na Indonésia. Os países lá reunidos eram

extremamente heterogêneos, apresentando profundas diferenças sociais,

políticas e culturais. Contudo, partilhavam semelhanças históricas: a maior parte

foi colonizada por potências europeias, tendo seu povo submetido pela

dominação estrangeira. Ao mesmo tempo, a despeito das diferenças econômicas,

esses países se encontravam em situação de subdesenvolvimento - uns mais,

outros menos -, e procuravam maneiras de possibilitar seu crescimento sem

aumentar suas dependências, política e econômica, das potências centrais.

Em um mundo bipolarizado pela Guerra Fria, as nações, reunidas em

Bandung, queriam melhor compreender e assegurar seu papel em um sistema

internacional no qual não precisariam, necessariamente, estar ligados a uma ou

outra superpotência. Ansiavam por encontrar maneiras de se fortalecerem

mutuamente: o objetivo maior de todos os líderes era buscar a cooperação, nas

mais diversas áreas, com os outros países ali presentes. As diferenças ideológicas

também marcaram presença, pontuando os diferentes discursos e opiniões sobre

qual seria a maneira mais positiva de se buscar o desenvolvimento nacional e a

cooperação internacional.

Apesar de não ter sido a única conferência a reunir tais países, a

Conferência de Bandung é um ponto de inflexão na história dos países africanos,

asiáticos e da história contemporânea como um todo. Bandung é o embrião do

Terceiro Mundo e do movimento neutralista que busca a Terceira Via dentro da

bipolaridade. Seu significado histórico e seu pioneirismo marcam uma parte

importante da Guerra Fria e seu legado até hoje guia aqueles que buscam o

desenvolvimento independente das grandes potências mundiais.

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Conferência Afro-Asiática (Bandung, 1955)

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1. Histórico

O ponto inicial para se compreender os fatores políticos envolvidos na

Conferência de Bandung está muito antes de sua realização. São fatores

estruturais profundos, como o Imperialismo europeu, que buscava, nos

continentes africano e asiático, matérias-primas e mercados para a manutenção e

expansão do sistema capitalista nas metrópoles coloniais. Além disso, deve-se

considerar a emergência de uma nova configuração do equilíbrio de poder

mundial, que, a partir de 1947, passa a ser um equilíbrio bipolar, onde, de um

lado, está a potência capitalista, os Estados Unidos da América, e, do outro, a

potência socialista, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.

Os Estados Unidos saíram fortalecidos da Segunda Guerra Mundial por

terem sua indústria nacional aquecida devido às vendas de armas e de material

de guerra para os países envolvidos no conflito, além de não terem sofrido com

um conflito dentro de suas próprias fronteiras durante a guerra. Enquanto isso,

seus aliados europeus tiveram de passar por um processo de reconstrução após o

conflito, que destruíra parte significativa de suas indústrias e de suas produções

agrícolas. Portanto, com o fim da guerra, a economia norte-americana passa a se

modernizar de maneira mais rápida que os demais países. Para poder exportar

mais seus produtos, os Estados Unidos tinham interesse no desmantelamento dos

velhos Impérios coloniais, situados na periferia do sistema capitalista, pois se

tornariam potenciais mercados consumidores.

Os Estados Unidos, então, empreendem uma série de esforços para liderar

uma nova ordem econômica mundial. Ainda durante a Segunda Guerra, sediam a

Conferência de Bretton Woods, em 1944, que determinou a criação das

instituições dessa nova ordem econômica. No imediato pós-guerra, os EUA

providenciaram as capacidades econômicas necessárias para o resgate

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econômico dos países capitalistas europeus, por meio do que chamam de Plano

Marshall.

Por outro lado, após 1945, diversos países, sobretudo do leste europeu -

que fora libertado da ocupação nazista por tropas russas do Exército Vermelho-

gradualmente passaram a implantar regimes socialistas ligados à Moscou.

Formava-se uma grande zona de influência russa, em oposição à nova ordem

capitalista do pós-guerra.

Não demorou muito para que os dois sistemas entrassem em choque. Já

em 1947, os Estados Unidos declararam a Doutrina Truman, pela qual deixaram

claro que não aceitariam a transformação de mais algum país sob sua influência

em um país socialista. Em 1949, os Estados Unidos e os países da Europa

Ocidental, assinaram a criação da Organização do Tratado do Atlântico Norte

(OTAN): aliança de defesa mútua, que estabelecia o envolvimento de todos os

membros em auxílio a um membro, caso este fosse atacado.

Os Estados Unidos ainda promoveram organizações e acordos de defesa

mútua em diferentes regiões do globo, o que demonstrava sua intenção de

realizar uma espécie de cerco aos países comunistas. Em 1954, quando os EUA

entravam nos conflitos na Indochina, criava-se, também, a OTASE - Organização

do Tratado da Ásia do Sudeste-, que reunia, além dos Estados Unidos, Austrália,

Nova Zelândia, Grã-Bretanha, França, Filipinas, Tailândia e Paquistão.

Em 1955, surgiria o Pacto de Bagdá. O Pacto de Bagdá iniciou como um

acordo de defesa mútua entre Iraque e Turquia, que logo passou a reunir o Irã, o

Paquistão e a Grã-Bretanha. Pouco tempo depois, também começou a receber o

apoio direto dos Estados Unidos, fortalecendo a aliança ideológica com os países

do ocidente (HOURANI, 2006, p. 475).

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Conferência Afro-Asiática (Bandung, 1955)

160 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 156-192, 2013

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, surge, também, uma nova

organização cujo objetivo era evitar a eclosão de um novo conflito de escala

mundial: a Organização das Nações Unidas (ONU), que preza por princípios

universalistas como o de resolução pacífica de controvérsias e de

autodeterminação dos povos. A ONU também prima pela descolonização gradual

dos países afro-asiáticos, e, dentro desses princípios universalistas, a organização

clama pelo processo de descolonização de todos os povos que ainda são

subjugados por forças imperialistas.

Ao estabelecer a criação de uma Assembleia Geral, a qual devia ser

formada por todos os Estados soberanos membros da Organização, a ONU dá voz

a todos os países, fundando uma nova forma de convivência entre as nações. Pela

composição democrática, inclusiva e participativa da Assembleia Geral, lá os

países afro-asiáticos podem unir-se para clamar suas vontades e tentar garantir

que novas políticas fossem efetivamente implantadas para lidar com a questão da

descolonização.

Os atuais Estados africanos e asiáticos possuem histórias diversas, e

diversas também são as maneiras como ocorreram as formações de suas

comunidades políticas. Entretanto, a alavanca para suas aproximações

estratégicas no ano de 1955 é o conjunto de deficiências dentro do sistema

capitalista mundial: essas são tão profundas que instigaram países tão diferentes

a buscar uma aproximação. Tanto os países da África como os da Ásia foram

envolvidos por políticas de domínio realizadas por potências estrangeiras, que

mantinham estes Estados subdesenvolvidos e sem a possibilidade de

conquistarem a sua independência.

Na África, o processo de subjugação começou primeiro, iniciando-se

marginalmente no continente ainda no século XV, com a instalação de algumas

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culturas primárias, como o açúcar, e com o estabelecimento de relações

comerciais com reinos africanos. À época, iniciou, também, o lucrativo processo

do tráfico de escravos, os quais primeiramente são enviados aos países europeus,

mas que irão encontrar nas colônias latino-americanas seu principal destino nos

três séculos que viriam a seguir. Segundo Diallo (2009), o processo de

colonização africana foi responsável pela destruição de toda a estrutura social

africana e, portanto, pelo aniquilamento dos processos de desenvolvimento

internos.

Um dos primeiros conflitos que ocorria no começo do processo de

descolonização africana foi a Guerra da Argélia. Já em 1945, uma rebelião em

território argelino fora brutalmente reprimida por tropas coloniais francesas. Em

1954, iniciava-se uma nova luta por emancipação, desta vez mais organizada

fortalecida pelo exemplo de movimentos nacionais de independência vitoriosos e

de apoio internacional ao desmantelamento dos regimes coloniais. A Frente

Nacional de Libertação (FNL) tomava a frente na organização do movimento de

independência. A França intensificou a repressão ao novo movimento de luta

argelino e iniciou-se uma guerra fortemente violenta em 1955. As tropas

francesas utilizavam amplamente métodos de tortura e de guerra psicológica

para quebrar a moral e a resistências das forças envolvidas na luta

anticolonialista (GALEANO, 2001, p. 153). Os países árabes no norte do

continente africano também passaram por movimentos de libertação nacional.

Em 1945, foi fundada a Liga Árabe, por Arábia Saudita, Egito, Iraque,

Jordânia, Líbano, Síria e Iêmen. Apesar da aproximação e do auxílio dos países da

Liga Árabe entre populações árabes, a Liga fracassara em um dos seus primeiros

desafios, com o conflito que sucedeu a criação do Estado de Israel em 1948.

Mesmo com o apoio da Liga, os palestinos não conseguiram fazer frente a Israel

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Conferência Afro-Asiática (Bandung, 1955)

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durante o conflito, o que levou a uma grande diáspora e gerou o início do

problema dos refugiados palestinos.

Na Ásia, os movimentos de libertação estão divididos entre os de caráter

socialista e os de caráter nacionalista. Entre as potências imperialistas envolvidas

no continente, está a França, que saíra bastante enfraquecida da guerra mundial e

que precisava, então, ter sob seu controle absoluto seu vasto Império colonial -

que ia das colônias africanas, passando por possessões no Oriente Médio, até as

suas colônias na região da Indochina, no Sudeste Asiático. O palco dos conflitos

era o atual Vietnã, e, em 1954, após a batalha de Dien Bien Phu, os franceses

veem-se finalmente derrotados (VISENTINI, 1988, p. 42). Ainda em 1954, são

assinados os Acordos de Paz de Genebra, que dividem o Vietnã em Norte e Sul e

oficializavam a saída das tropas francesas do teatro de operações vietnamita. É

importante, ainda, ressaltar o auxílio que os comunistas vietnamitas obtiveram

da China e da URSS, entre assessores militares e equipamento para que pudesse

ser travada a luta contra a potência colonialista. A partir desse ponto, o Vietnã do

Sul passa a receber assessoria militar mais intensa do governo norte-americano,

no embrião de um futuro conflito contra o Vietnã do Norte (República

Democrática do Vietnã), comunista.

A Grã-Bretanha buscava uma forma gradual de se retirar dos seus amplos

territórios coloniais, mas, ao mesmo tempo, manter sua influência sobre os

futuros novos países. Dentro deste contexto, em meio aos movimentos por

independência, a Índia se separava da Inglaterra em 1947. O líder deste

movimento foi Mahatma Gandhi, cujas ideias consistiam na pregação da não

violência e na desobediência civil como forma de luta contra a ingerência

britânica. Logo antes da independência formal, em meio aos protestos, as tropas

inglesas deixam a Índia, e emerge uma série de conflitos que viriam a dividir o

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país em dois: Índia e Paquistão. A situação delicada que envolve a independência

provoca a reaproximação da Grã-Bretanha com a Índia, e o país logra manter um

determinado grau de influência sobre sua ex-colônia. Apesar da manutenção de

laços com a Grã-Bretanha, a Índia independente logo demonstra uma série de

políticas próprias que irão aproximá-la com os movimentos nacionais de outros

países que também buscam uma terceira via.

Já na China uma guerra civil opôs os nacionalistas (Partido Kuomitang),

liderados por Chiang Kai-Shek e que contavam com amplo apoio norte-

americano, aos comunistas (Partido Comunista Chinês), que tinham, entre suas

lideranças, Mao Zedong e Zhou En-Lai. A guerra civil sobreveio ao conflito

mundial e à expulsão dos japoneses do país e demonstrava as profundas

diferenças entre os dois grupos que disputavam o poder (REIS Fº, 1982, pág. 89).

Em 1949, os comunistas derrotaram o Kuomitang e alçavam-se ao poder. O

Kuomitang invadiria a ilha chinesa de Taiwan, onde instalaram um governo

paralelo, com o nome de República da China. É este governo que mantém a

representação chinesa na ONU e que conta com a ajuda, sobretudo norte-

americana, para continuar a luta contra o governo comunista chinês de Pequim.

Além disso, foi na Ásia onde ocorreu um conflito que poderia ter

encadeado uma nova guerra mundial: a Guerra da Coreia. (FRIEDRICH, 2011).

Desde o fim da Segunda Guerra, a Coreia está dividida em dois países. Em 1950, a

Coreia do Norte, com auxílio soviético, invadia a Coreia do Sul, com a intenção de

unificar a península. O conflito escalaria com o envolvimento de uma ampla

coalizão das Nações Unidas, lideradas por um general norte-americano, Douglas

MacArthur. Do lado dos norte-coreanos, a China entra na guerra pra prestar apoio

através de seu Exército Popular. Após a guerra, a península segue dividida entre a

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Conferência Afro-Asiática (Bandung, 1955)

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Coreia do Norte, comunista, e a Coreia do Sul, que a partir de então passa a

receber amplo apoio dos países capitalistas.

A situação afro-asiática demonstra uma polarização entre dois sistemas

diversos, em um contexto de libertação nacional e eclosão de novos conflitos. Os

países precisam de estabilidade, ao mesmo tempo em que começam a construir

uma nova realidade pós-independência. Muitos, após o grande período de

dominação estrangeira, não mais querem construir suas políticas interna e

externa a partir de um alinhamento com uma nova potência. Inicia-se uma nova

fase de pragmatismo e de busca de novas formas de inserção no sistema

internacional e de desenvolvimento: uma terceira via.

2. Desenvolvimento da questão

Na Conferência de Bandung, diversas questões diretamente ligadas às

realidades dos países presentes vêm à tona. É preciso entender, antes de tudo, a

questão chave que motiva a realização da Conferência: a maior parte dos países

convidados a participar em Bandung foram colônias de potências europeias,

alguns deles, inclusive, ainda atravessam em 1955 o processo de descolonização.

Os movimentos que eclodiram em várias colônias visando à

independência nacional foram possibilitados por alguns fatores. O primeiro deles

é o enfraquecimento dos grandes impérios ultramarinos europeus, uma vez que

as metrópoles, envolvidas nos conflitos mundiais da Primeira e Segunda Grandes

Guerras, foram aos poucos perdendo a capacidade de administrar diretamente

suas colônias distantes, já que estavam totalmente mobilizadas para a guerra.

Cabe notar que muitas colônias foram palcos de conflitos, estando seus destinos,

mais tarde independentes, ligados à sorte da guerra localmente. O que importa

perceber aqui é que os movimentos emancipatórios se fortaleceram com o fim

das Guerras Mundiais e, somados à ascensão de líderes locais, desembocaram em

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UFRGSMUNDI

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diversas nações independentes, com ânsias de consolidar suas soberanias e por

fim aos séculos de submissão às potências europeias.

Entram em voga, assim, diversas outras questões relativas ao passado e

ao futuro dessas nações agora independentes: os direitos humanos e a

autodeterminação - por tanto tempo lhes negados -, as disputas por territórios

que ainda encontravam-se pendentes, os caminhos para o desenvolvimento

nacional e a busca pela inserção internacional. Na Conferência de Bandung, os

líderes desses países, uns emancipados há mais tempo, outros ainda concluindo o

processo, juntam-se para encontrar soluções próprias para problemas próprios.

2.1. As vias para o desenvolvimento nacional

Os movimentos independentistas variaram em caráter nos diversos

países: desde revoluções socialistas radicais até movimentos mais moderados, de

escopo estatal ou clamando por princípios mais universalistas. Mesmo com essas

várias diferenças político ideológicas, os países que se reúnem em Bandung

convergem em dois pontos: estão todos, de sua maneira, lutando pela

independência nacional de seus países e concordam que se deveria buscar uma

nova via, menos desigual, para o desenvolvimento econômico e social de todos.

Duas visões dividemos países em Bandung: há a opinião majoritárias

daqueles que acreditam que o “desenvolvimento” ser| possível na

interdependência com a economia mundial, e aquela dos líderes comunistas, que

pensam que abandonar o capitalismo resultará na reconstrução – com a, se não

atrás da, URSS – de um mundo socialista. Os líderes capitalistas do Terceiro

Mundo [...] acreditam que a construção de uma sociedade desenvolvida

independente implica um grau de conflito com os países ocidentais dominantes.

(AMIN apud HERRERA, 2006. p. 455. Tradução própria)

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Conferência Afro-Asiática (Bandung, 1955)

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Os países que seguem a terceira via não configuram um movimento

unificado, divergindo entre si em diversos pontos. Muitos líderes desses países

veem com preocupação a penetração do capital internacional em seus territórios

e entendem que é necessário fazer restrições à participação do mesmo na

economia nacional. Outro ponto sensível é a questão das alianças e parcerias com

as superpotências. Os países que não se alinham com o bloco capitalista ou com o

socialista, estão

“[...]preocupados em preservar a independência

reconquistada, eles se recusavam a entrar no jogo militar

internacional e serem usados como base para o cerceamento

aos países socialistas que a hegemonia norte-americana

tentava impor. No entanto, eles também acreditavam que

negar a inserção no militarismo do Atlântico não implicava

necessariamente ser colocado sob a proteção dos adversários

do Ocidente – no caso, a URSS.”(AMIN apud HERRERA, 2006. p.

455.)

Surge, em meio à discussão sobre capitalismo, socialismo ou mesmo uma

“terceira via”, um novo questionamento: a absorç~o dos Estados b|lticos pela

União Soviética com o fim da II Guerra Mundial,ou a sovietização do Leste

europeu s~o um exemplo de “colonialismo” (ARON, 1955)? Muitos defendem que

expansão soviética no Leste Europeu e na Ásia Central seriam uma forma de

neocolonialismo, com Moscou se impondo sobre os países subjugados de

maneira parecida com a que os países imperialistas ocidentais dominaram as

suas colônias.

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UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 156-192, 2013 167

2.2. Direitos humanos e autodeterminação dos povos

No início do século XX, os ideais de autodeterminação dos povos

(capacidade de uma nação se autogovernar e ter sua soberania completamente

preservada), que estiveram na base do processo de unificação da Alemanha e da

Itália, começaram a se difundir para o Leste Europeu e para as colônias. No

entanto, o estímulo a essas ideias era bastante limitado e abarrotado de

preconceito, uma vez que “era bom conceder a autodeterminaç~o aos povos da

Europa Oriental, porque eram europeus e [...] civilizados; mas não era bom

estender esses princípios ao Oriente Médio, África ou Ásia” (KENNEDY, 1989, p.

374-5). Mesmo assim, o ano de 1941 é marcado pelo fortalecimento dos

movimentos nacionalistas da chamada periferia do mundo, com a queda

gradativa dos impérios colonialistas na Ásia e na África, além da “mobilizaç~o das

economias e do recrutamento de mão de obra de outros territórios dependentes,

[...] influências da Carta do Atlântico84 e o declínio da Europa” (KENNEDY, 1989,

p. 375).

Ao mesmo tempo, os horrores da Segunda Guerra Mundial,

especialmente as atrocidades cometidas pelo nazismo, colocaram a questão dos

direitos humanos em evidência. A criação da ONU e a Declaração Universal dos

Direitos Humanos possibilitaram certa institucionalização nas lutas pelos direitos

fundamentais e pela igualdade em diversas partes do mundo. Nos países

periféricos, o colonialismo e a exploração com o qual a população local convivia

há séculos – suprimindo elementos culturais locais e impondo costumes

84 Carta assinada, em 1941, pelo Primeiro-Ministro inglês, Winston Churchill, e pelo presidente dos Estados Unidos, Franklin Roosevelt. O acordo discorre sobre acordos estabelecidos pelos dois países para o pós-Segunda Guerra Mundial, expondo suas crenças na autodeterminação dos povos, na urgência do fim das barreiras comerciais mundiais e na liberdade dos mares, entre outros pontos. Posteriormente, demais países assinaram a Carta.

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ocidentais – se tornaram elementos explosivos, que vieram a se combinar com os

anseios de autodeterminação, configurando-se como elementos essenciais e

comuns aos diferentes processos de luta por independência. A partir daí,

conceitos distintos de emancipação nacional vão orientar os diversos

movimentos nacionalistas que regeram as mudanças no sistema internacional,

transformando um mundo repleto de impérios coloniais num mundo novo,

composto por inúmeros jovens países que buscam seu espaço no cenário global.

2.3. Os nacionalismos

Os movimentos de busca pela autodeterminação dos povos e de luta pela

descolonização são alavancados por um fator essencial: os nacionalismos

africanos e asiáticos. Segundo Branco (2009), o nacionalismo é uma identidade

comum de um povo, que advêm das suas semelhanças étnicas, linguísticas,

religiosas e, sobretudo, que tem origem em um mito fundador da sociedade.

Hobsbawm (1990, apud Branco, 2009), por sua vez, completa afirmando que o

nacionalismo de um povo surge atrelado às ideias de cidadania e de participação

das massas na ingerência governamental.

Os nacionalismos que impulsionaram os movimentos descolonizatórios

estão fortemente atrelados ao desmoronamento da superioridade do homem

branco, ao amadurecimento de movimentos de libertação nacional – que até

então eram incipientes e que ganharam força no fim da Segunda Guerra Mundial-

e à crescente mobilização e consciência anticolonial dos povos dominados. Houve

grande apoio da União Soviética e da República Popular da China no último

aspecto (VISENTINI, 2007). Dentre todas as formas de nacionalismo e de

identidade cultural, destacam-se as seguintes: pan-africanismo, pan-arabismo e

pan-islamismo; os três são conceitos de cunho social, político e filosófico que

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proclamam a unidade territorial entre Estados que se aproximam em

determinados aspectos.

2.3.1. Pan-africanismo, pan-islamismo e pan-arabismo

O pan-africanismo tem sua origem no século XIX, tendo, após a Segunda

Guerra Mundial, a sua propagação máxima. O conceito busca a união dos povos

africanos ao redor da luta por melhores condições sociais da população e

reafirmação do continente como ator importante internacional. O pan-

africanismo pode ser identificado em diversos outros movimentos de negritude,

regionalistas e federalistas da África, que, em última instância, tinham as mesmas

metas: uma África unida e independente, com uma organização política,

econômica e social em prol do desenvolvimento africano (DIALLO, 2011).

Importa saber também que o pan-africanismo é clamado fora da África,

especialmente em países que já passaram pelo sistema escravocrata, como o

Brasil.

O pan-arabismo, por sua vez, tem origem no desmantelamento do

Império Turco-Otomano e visavaàunião dos povos árabes em um único Estado

Nação, sob um governo central para a consolidaç~o da “Grande Naç~o Árabe”

(FERABOLLI, 2005, p.8). Afinal, a comunidade árabe compartilhava a mesma

história e a mesma cultura. De certa maneira, o pan-arabismo é contrário a uma

presença dominante do Ocidente no Oriente Médio e tem como seu principal

porta-voz o presidente egípcio Gamal Abdel Nasser. Como o pan-africanismo, o

pan-arabismo se fortaleceu nas ideias de autodeterminação dos povos e na busca

pela independência política. Uma das principais consolidações do pan-arabismo

foi a criação da Liga Árabe em 1945.

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Por fim, o pan-islamismo é a ideia que professa a união dos Estados

islâmicos. É importante diferenciá-lo do pan-arabismo: enquanto a base do pan-

arabismo é a identidade étnica, o pan-islamismo é baseado na identidade

religiosa dos países. Um dado que é facilmente confundido são os países com a

maior população islâmica: Indonésia, Paquistão, Bangladesh, Índia e Irã são os

Estados com o maior número de cidadãos que professam o Islã, e nenhum desses

países é árabe.

2.4. Problemas regionais

2.4.1. A questão Palestina

A região da Palestina, com o término da Primeira Guerra Mundial,

encontrava-se sob a dominação do Império Britânico, que apoiava a migração de

judeus para a região e a criação de um país para os mesmos. Em 1948, sob os

auspícios da ONU, é organizado um plano para criar um país israelense e um

palestino, entretanto, os segundos se sentiram espoliados com esse acordo, o que

aumentou a tensão entre os dois grupos divergentes e levou Israel a declarar sua

independência unilateralmente. No mesmo ano, os países da Liga Árabe, não

reconhecendo a independência de Israel e as suas novas fronteiras, iniciaram a

Primeira Guerra Árabe-Israelense. O conflito foi vencido facilmente por Israel

(apoiado pelos Estados Unidos e outras potências ocidentais), estendendo seus

domínios originais previstos pelo acordo da ONU(MIDEASTWEB, 2006). A seguir,

inicia-se o processo de tomada das terras palestinas e expulsão das pessoas que

lá habitam. Centenas de milhares de palestinos já se refugiaram em países

vizinhos, resultando em uma verdadeira diáspora, fazendo do povo palestino

uma nação sem território.

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UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 156-192, 2013 171

2.4.2. Irian Jaya Ocidental

Irian Jaya Ocidental é um conjunto de ilhas localizado no arquipélago

indonésio e que é alvo de disputas entre Indonésia e Holanda. As relações entre

essas duas nações remonta ao período das grandes navegações, quando as

potências europeias chegaram ao Pacífico. A Holanda explorou diretamente a

região através da Companhia Holandesa das Índias Orientais, estabelecendo lá

sua colônia. Durante a Segunda Guerra Mundial, o Japão dominou o arquipélago,

expulsando aos poucos os holandeses e acabando por incentivar, mesmo que

indiretamente, os movimentos de emancipação. Ao fim da guerra, os

nacionalistas declararam a independência da Indonésia, a qual não foi

reconhecida pela Holanda que tentou reestabelecer seu mandato local. As

tensões se agravaram e um conflito teve início, apenas tendo fim em 1949, após

grande pressão internacional pelo reconhecimento holandês da independência

da Indonésia. A região de Irian Jaya Ocidental, no entanto, não foi reconhecida

como parte do novo Estado. Atualmente, Indonésia e Holanda ainda se

encontram em impasse acerca de Irian Jaya Ocidental, com a segunda negando-se

a reabrir as negociações.

3. Ações Internacionais Prévias

Com o final da Segunda Guerra Mundial e com o início da Guerra Fria e

da luta de vários povos por independência, ocorrem importantes mudanças no

cenário internacional e surge, entre os países da África e da Ásia, uma noção de

integração e de busca de autonomia. Nesse contexto, os líderes desses dois

continentes passam a se engajar em iniciativas, tanto sob o escopo da ONU como

de maneira independente, na forma de reuniões, que vão aos poucos definindo os

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Conferência Afro-Asiática (Bandung, 1955)

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princípios e a organização do que viria a ser a Conferência de Bandung (KOCHER,

2005).

No final do ano de 1945, os Estados-membros da Liga das Nações se

reuniram na Conferência de São Francisco para criar a Organização das Nações

Unidas. Na Carta da ONU, assinada pelos 51 países fundadores, os objetivos da

organização ficam assim definidos: defender os direitos fundamentais do ser

humano e a igualdade entre nações, garantir a paz mundial, buscar mecanismos

para promover o progresso social e econômico para todos os povos e criar

condições para a manutenção da justiça e do direito internacional (CONHEÇA...,

2013). Para que a ONU pudesse exercer suas múltiplas funções, foram criados

seis comitês principais; um deles, o Conselho de Tutela85, é responsável pela

supervisão e administração de territórios tutelados. O regime de tutela busca

assegurar a igualdade de tratamento entre os membros das Nações Unidas e tem

como finalidade básica fomentar o desenvolvimento político, econômico e social

das regiões sob sua gerência para que essas áreas possam estruturar governos

próprios e atingir a independência (CARTA DAS NAÇÕES UNIDAS, 1945).

Quase simultaneamente à criação da ONU é realizado o Quinto Congresso

Pan-Africano86, em Manchester, Inglaterra. “Neste congresso, pela primeira vez,

durante toda a história do movimento pan-africano, os representantes africanos

eram os mais numerosos e os debates envolveram, essencialmente, a libertação

da África colonizada” (CHANAIWA; KODJO, 2010, p. 897). Dirigindo-se às

potências coloniais, esses representantes demandavam a total independência de

grupos étnicos submetidos ao controle das potências europeias, o fim da

85 Os outros cinco órgãos principais que compõem as Nações Unidas são o Conselho de Segurança, o Conselho Econômico e Social, a Corte Internacional de Justiça e o Secretariado. 86O pan-africanismo nasceu como um movimento em favor da luta dos negros contra a exploração e o domínio dos brancos e em prol da libertação (CHANAIWA & KODJO, 2010).

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discriminação baseada em raça e em sexo e a libertação da África do domínio

político e econômico dos imperialismos estrangeiros. Esse encontro transformou

o pan-africanismo em uma ideologia nacionalista e unificadora do continente

africano. A independência política passa a ser vista como a primeira etapa para os

povos atingirem a total emancipação econômica, cultural e psicológica

(CHANAIWA ;KODJO, 2010).

Já em 1948, a Assembleia Geral da ONU aprovou a Declaração Universal

dos Direitos Humanos (DUDH), documento que estabelece direitos individuais,

civis, sociais, econômicos e culturais, inalienáveis, indivisíveis e iguais para todos

(SANCHEZ, 2008). Após as tragédias humanitárias ocorridas na primeira metade

do século XX, principalmente durante a Segunda Guerra Mundial (temos o

Holocausto como principal exemplo), a comunidade internacional buscou

elaborar um documento que promovesse uma relação amistosa entre os povos e

estimulasse o respeito universal e efetivo dos direitos e liberdades fundamentais

do homem. Alguns dos mais importantes artigos da DUDH colocam os indivíduos

como livres e iguais – independentemente da etnia, sexo ou de qualquer outro

fator –, estabelecem a liberdade de opinião e de expressão, defendem que a

vontade do povo seja a base da autoridade do governo e que essa seja exprimida

através de eleições honestas e com sufrágio universal, e definemque todos têm

direito à educação e a condições de vida dignas (DUDH, 1948). Mesmo sem valor

de coerção, a declaração é base para o direito internacional relativo aos direitos

humanos.

Menos de uma década após a aprovação da DUDH, em 1954, ocorre outro

fato de importância direta para a formaç~o do chamado “espírito de Bandung”: a

assinatura do Acordo Sobre Comércio e Transporte entre Índia e China.

Esboçando as principais estruturas da proposta de nãoalinhamento, os Cinco

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Conferência Afro-Asiática (Bandung, 1955)

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Princípios de Coexistência Pacífica (o Pan Shila) figuravam no preâmbulo do

acordo e tinham como elementos centrais o respeito mútuo à integridade

territorial e à soberania dos países, a não agressão, a não intervenção em

assuntos internos, o estabelecimento de igualdade e benefícios mútuos e a

coexistência pacífica (VISENTINI, 2004). Esses pontos eram tidos como

orientação primordial para as relações entre países com diferentes sistemas

sociais e sua difusão para o mundo todo era vista como necessária para garantia

da paz (KOCHER, 2005). Posteriormente, esses princípios foram ratificados

também pelos líderes da Birmânia e da Indonésia (VISENTINI, 2004).

Também em 1954 é realizada a Conferência de Colombo, que reuniu

Ceilão, Birmânia, Índia, Indonésia e Paquistão com o objetivo de discutir assuntos

de interesse comum. Entre os elementos de importante repercussão

internacional apresentados nesse encontro estão a noção de comunismo e

anticomunismo como uma justificativa inconsistente para intervenção, um

acordo para condenar qualquer interferência externa em assuntos nacionais e,

por fim, a manifestação de uma posição de neutralismo no contexto mundial.

Ainda em Colombo foi debatida a sugestão de realização de uma

conferência de nações afro-asiáticas, apresentada pelo primeiro ministro

indonésio, Ali Sastroamidjojo, em 1953.Aprovada a proposta, os chefes de Estado

se engajaram na organização de uma reunião para estudar as questões

vinculadas a essa iniciativa (OPCIÓN..., 2005). Nesse encontro preparatório, que

teve lugar em Bogor, Indonésia, os “Cinco de Colombo” se colocaram como

anfitriões da conferência que será realizada em Bandung, e que terá como

objetivos:

Fomentar a boa vontade e compreensão entre as nações da Ásia e África;

estudar e favorecer os seus interesses mútuos e comuns para estabelecer e

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UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 156-192, 2013 175

promover a amizade e relações de boa vizinhança; examinar os problemas que

interessam especialmente aos povos da Ásia, por exemplo, os problemas que

afetam a soberania nacional como o racismo e o colonialismo; apreciar a posição

da Ásia e da África e dos seus povos no mundo contemporâneo, bem como a

contribuição que eles podem dar ao fortalecimento da paz e cooperação

internacional (ASIANS..., 1954)

As decisões dos governantes reunidos em Borgor receberam grande

atenção da comunidade internacional, especialmente das nações africanas e

asiáticas. Com essas ações, pode-se perceber a tomada de consciência, por parte

dos povos africanos e asiáticos, do papel que potencialmente poderiam

desempenhar no contexto internacional. Mais do que o fim do monopólio das

relações internacionais por parte das grandes potências, essas atitudes

representam um novo comportamento dos países do Terceiro Mundo,visando

uma política independente e uma união entre países. Como afirmado por Nehru,

primeiro ministro indiano, “a abertura da primeira conferência afro-asiática

impactou todo o mundo com o significado de que, enfim, os países asiáticos e

africanos [...] haviam despertado” (OPCIÓN..., 2005).

4. Posicionamento dos países

De maneira geral, podem-se estabelecer três grandes grupos de interesse

que tenderão a se formar na Conferência. O primeiro é o bloco mais neutralista,

que visa ao fortalecimento de uma posição de equilíbrio entre as duas

superpotências. O segundo grupo é mais favorável ao bloco capitalista, e,

sobretudo, aos Estados Unidos. Por fim, está o bloco vinculado ao socialismo e a

uma aproximação da URSS. Essa classificação, embora ajude a visualizar com

mais clareza a correlação de alinhamentos de interesses na conferência, é muito

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Conferência Afro-Asiática (Bandung, 1955)

176 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 156-192, 2013

geral, sendo necessário um estudo mais concentrado em cada um dos países

(BIDET, 1955).

Em 1949 é fundada a República Popular da China, após uma guerra

civil de mais de vinte anos. Por fim, o Partido Comunista Chinês derrotara o

Kuomintang, partido nacionalista. Sob a liderança de Mao Zedong, o país

embarcou em uma série de profundas reformas sociais, coletivizando terras e

promovendo a criação de indústria de base. A China conhece muito bem as

mazelas do colonialismo, já que sofreu por quase um século da exploração

europeia e japonesa. Além disso, enfrentou uma árdua guerra contra os

japoneses, entre 1931 e 1945, e a guerra civil, que deixou marcas profundas.

Dessa forma, a soberania sobre seus interesses internos é algo prioritário para o

governo chinês. O país tem fortes laços econômicos com a União Soviética, e

chegou a lutar contra os Estados Unidos na Guerra da Coreia, dessa forma

estando alinhado ao bloco socialista. Porém, após o fim da Guerra na Coreia (que

terminou em um empate)e da Guerra na Indochina, a China quer certa

acomodação internacional (VISENTINI, 2008, p.53). Portanto, sua posição será

mais de aproximação com os novos países independentes do que de confrontação

aberta e irrestrita ao bloco capitalista. De qualquer forma, o papel da China é de

grande importância, devido a seu tamanho e potencial, e seu representante,

ZhouEn-Lai, é um dos diplomatas mais conhecidos e habilidosos do mundo.

Afinal de contas, a China decide se colocar como a “voz do Terceiro Mundo”.

Em 1954, teve fim a Guerra da Indochina, conflito onde a França perdeu

suas colônias no sudeste asiático. Dentre essas colônias, havia o Vietnã, que

ganhou sua independência, mas foi dividido em dois países após a Conferência de

Genebra. Ao norte do paralelo 17, a República Democrática do Vietnã,

governada por Ho Chi Minh, líder revolucionário que derrotou a França,

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implantava-se um modelo socialista. Portanto, em 1955, o país passa por uma

série de transformações, com a implantação de reformas agrárias e da

industrialização. O país tem uma série de parcerias com a República Popular da

China, que inspira seu modelo de reformas socialistas, e com a União Soviética, da

qual também recebeu auxílio. Dessa forma, o país tenderá a se alinhar com o

bloco socialista, embora preze pela sua independência e pela unidade do país

acima de tudo (VISENTINI, 2008).

Muito diferente é a situação ao sul do paralelo 17, onde o Vietnã do Sul

sofre forte influência dos Estados Unidos, que lhe presta forte auxílio econômico,

através do plano Vietnã Livre, um auxílio de 250 mil dólares de ajuda anual

(VIZENTINI, 2008). Ngoh Dinh Diem, o primeiro ministro, promove uma

repressão contra os comunistas em seu país, e conta com ajuda dos Estados

Unidos nesse processo. Pode-se esperar, portanto, que este país seja favorável ao

alinhamento com o bloco capitalista (VISENTINI, 2008).

De todos os países da Conferência de Bandung, chama atenção o Reino

da Tailândia, único país asiático que nunca foi colonizado. Isso se deveu

basicamente ao fato de seu território ter ficado entre a Indochina francesa e a

Birmânia inglesa, o que a transformou em um estado-tampão87 entre os dois. A

despeito disso, o reino sofreu influência ocidental e perdeu alguns territórios

para os ingleses e os franceses. Desde 1932, o país se tornara uma monarquia

constitucional. Após a Segunda Guerra Mundial, a Tailândia se converteu em

aliada dos Estados Unidos, tornando-se país-membro da OTASE. Dessa forma, é

esperado um alinhamento com os países que apoiam o bloco capitalista.

87Estado-tampão é uma expressão utilizada para denominar um estado que se localiza no meio de duas zonas em oposição.

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Também uma ex-colônia francesa, o Reino do Laos estava em uma

guerra de libertação nacional liderada pela guerrilha comunista, conhecida como

Pahet Lao, até os acordos em Genebra, quando foi reconhecido como um reino

plenamente independente. Porém, quem passou a governar o país foi uma

monarquia constitucional, e o Pahet Lao continuou a enfrentar o governo. Para

conseguir resistir à insurgência comunista, o Laos se tornou extremamente

dependente dos Estados Unidos, que bancam cem por cento dos gastos militares

do novo país(VISENTINI, 2008). Por conta disso, e também devido à sua aliança

com o reino da Tailândia, o Laos alinha-se com o bloco capitalista.

O Reino do Camboja foi colônia francesa até 1953, quando obteve a

independência. Embora o país também enfrente uma guerrilha comunista, o

Khmer-Issarak, esta não chega a ser ameaça direta ao regime. Seu primeiro-

ministro, NorodomS ihanuk, foi rei até um mês antes da conferência, quando

abdicou de ser rei para se tornar primeiro ministro. Este, além de representante

do Camboja em Bandung, é uma figura de enorme importância na história

cambojana e um convicto neutralista (VISENTINI, 2008). Tendo relações com

vários países, tanto socialistas quanto capitalistas, o Camboja terá uma firme

posição em favor do neutralismo, e não de um alinhamento com nenhum dos dois

blocos da bipolaridade.

A Birmânia se tornou independente do domínio inglês em 1948 e

passou a ser uma democracia. O país tem problemas internos com conflitos entre

diferentes etnias, o que levou o primeiro-ministro, U Nu, a se apoiar em um

projeto de federalismo budista, buscando usar essa religião como uma

ferramenta política para unir as diversas etnias do país (RIBEIRO, 2012). Com

uma política fortemente nacionalista e neutralista, o país é um dos líderes da

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Conferência de Bandung, e sua experiência com conflitos étnicos internos pode

servir para ajudar a mediar as diversas tendências presentes.

Sem dúvida alguma, a Indonésia é uma das principais lideranças da

Conferência de Bandung. Na realidade, a própria ideia de realizar o evento partiu

do seu ministro de Relações Exteriores. Ainda um país muito jovem, tendo

adquirido sua independência dos Países Baixos em 1949, a Indonésia ainda tem o

território da Papua Ocidental ocupado pelo seu antigo colonizador. Sua posição é

muito pautada pela revolução anticolonial e pelo apoio às independências

nacionais, e, embora o seu presidente, Sukarno, seja do Partido Comunista da

Indonésia, o país é neutralista, não sendo alinhado ao bloco socialista (PITT,

2011).

As Filipinas haviam, primeiramente,sido uma colônia da Espanha, mas

no século XIX passaram ao domínio estadunidense. Em 1946, após a Segunda

Guerra Mundial, o país obteve a independência, embora tenha se mantido muito

dependente dos Estados Unidos. O governo de Ramon Magsaysay, que foi eleito

com apoio norte-americano, é um sólido aliado do bloco capitalista e membro da

OTASE. Portanto, um alinhamento com o bloco capitalista é esperado.

O Japão, embora nunca tenha sido uma colônia, foi ocupado pelos

Estados Unidos depois da Segunda Guerra Mundial, até 1952. A história japonesa

na realidade é bastante singular, e é diametralmente oposta à da maioria dos

países da conferência. No século XIX o país passou por um processo de

modernização e crescimento chamado de Restauração Meiji, que impediu que o

país fosse colonizado, e, ao invés disso, se tornasse ele próprio uma potência

colonial, conquistando diversos territórios. Tal situação chegou ao extremo na

época da Segunda Guerra Mundial, quando o país, alegando combater o

imperialismo europeu e promover a integração na Ásia, invadiu uma série de

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países. Por fim, o país perdeu a guerra e passou a ser ocupado pelos Estados

Unidos. No momento, o primeiro-ministro, IchiroHatoyama, busca adquirir mais

independência dos Estados Unidos e se aproximar da União Soviética e da China

(MAGNO, 2010). Nesse sentido, o Japão adota uma postura neutralista.

O Egito, apesar de ser oficialmente independente da Inglaterra desde

1932, só conseguiu sua soberania nacional com a derrubada da monarquia de

Faruk que reinava com apoio inglês em 1952, através do golpe de estado

encabeçado pelo coronel Gamal Abdel Nasser (VISENTINI, 2007, p.102), que

tornou o país uma república. Nasser é conhecido pelo grande estadista

nacionalista que é, por sua forte eloquência contra o colonialismo, e pela defesa

do pan-arabismo e pan-africanismo(MAZRUI; WONDJI, 2010). O presidente é

responsável por reformas sociais, pelo combate a grupos islâmicos e pela

instituição de um regime laico e modernizador no Egito, além da promoção da

reforma agrária, de melhoramentos na educação e no saneamento egípcios

(VISENTINI, 2012a, p.29). O peso egípcio - por sua importância geopolítica e

geoestratégica, principalmente pela questão do Canal do Suez – é enorme e seu

chefe de Estado, autodeclarado socialista, é um dos nomes mais importantes da

corrente terceiro-mundista.

A Líbia, do século XIX à Segunda Guerra Mundial, foi colônia italiana. A

partir de 1945, entretanto, seu território ficou a cargo de tropas britânicas e

francesas, que reconduziram o rei Idris I ao trono, atual governante do país. Em

24 de dezembro de 1951, a Líbia se tornou um país independente (VISENTINI,

2012b, p.34). Hoje, encaixa-se a Líbia no grupo de países aliados ao Ocidente,

especialmente aos Estados Unidos e à Grã-Bretanha. O país tem bases norte-

americanas e britânicas em seu território atualmente.

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A década de 50 é um período de conturbação histórica na Etiópia: tendo

como chefe de Estado um Imperador que havia promulgado Constituição que lhe

dava poderes divinos e, recém libertado da dominação italiana por tropas

francesas e inglesas durante a Segunda Guerra Mundial, o país passa por um

processo de modernização e reformas políticas. Em 1952, a Eritreia é integrada à

Etiópia como estado federado (VISENTINI, 2012b, p.169). Haile Selassie, atual

governante etíope, é considerado o Deus da religião rastafári e é famoso pelo seu

protesto contra o uso de armas químicas por parte da Itália no povo etíope.

Dentre os demais países, a Etiópia posiciona-se na ala neutralista e

independentista e é preocupada em condenar o colonialismo, apesar de uma

maior concordância com algumas potências, como com a Grã-Bretanha.

A Costa do Ouro atualmente vive uma transição política: o país sofre

com o domínio da Grã-Bretanha desde 1896, quando a potência interviu na

região por fins comerciais e incorporou o território. O comando britânico teve um

caráter progressivamente repressivo, o que culminou na situação atual do país,

com um crescente ganho de consciência nacional em relação ao seu domínio

colonial e situação social. Hoje, o Partido da Convenção para o Povo (CPP)

organiza uma oposição que tem crescido fortemente no Estado (VISENTINI,

2012b, p.91). A Costa do Ouro, entretanto, ainda é hoje uma colônia britânica,

porém o CPP obteve significativas vitórias nos últimos anos: em 1951, o partido

obteve a grande maioria das cadeiras parlamentares do país e, no ano seguinte, o

líder do partido, Kwame Nkrumah, foi eleito o Primeiro Ministro quando ainda

estava preso no país pela administração britânica, preocupada com o carisma do

líder. Nkrumah é um dos grandes nomes da luta contra o colonialismo: adepto da

ideologia da desobediência civil, o Primeiro Ministro proclama o pan-africanismo

e se considera marxista. Sua história e seu inconformismo anticolonial inspiram

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inúmeras independências africanas e o Primeiro Ministro é hoje um chefe de

Estado nacionalista e governa buscando a industrialização e a melhora das

condições sociais do povo da Costa do Ouro.

A República do Líbano conquistou sua independência em 1943 e, desde

então, o país continuou a sofrer grande influência ocidental, principalmente da

França. A república libanesa posiciona-se na ala mais pró-ocidental e preocupa-se

em condenar o comunismo soviético.

Em 1920, a Liga das Nações transformou a monarquia árabe da Síria em

um mandato francês. Anteriormente, o país já havia sido diretamente dominado

pela potência europeia, conforme o acordo Sykes-Picot88. Em 1943, entretanto, a

Síria conquistou sua independência total, depois de sua população – estimulada

pela atmosfera que o fim da Primeira Guerra Mundial trouxe - ter se engajado em

uma luta anticolonial contra a França. A partir de então, o país se tornou um

importante ator internacional no Oriente Médio. (GUIMARÃES; ROBERTO, 2012).

Em 1954, o país sofrera com um golpe nacionalista, o que o torna, hoje, um aliado

egípcio no pan-arabismo e da corrente neutralista.

O moderno Reino da Arábia Saudita foi estabelecido em 1932. O Estado

é governado pela dinastia Saud89, que desenvolveu um nacionalismo de oposição

à penetração europeia na região, evitando que o país sucumbisse ao colonialismo.

Ao mesmo tempo, estabeleceu uma aliança que perdura até hoje com os Estados

Unidos, concedendo à empresa petrolífera norte-americana Standard Oil o direito

de comercializar o petróleo extraído em seu território (VISENTINI, 2012a, p.36).

88Acordo assinado em 1916 entre França e Grã-Bretanha acerca das esferas de influência que ambos dividiriam no Oriente Médio. 89Família oriunda do deserto, que se apoia no Wahabismo – a primeira seita fundamentalista islâmica (VISENTINI, 2012a, p.36).

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Portanto, o regime monárquico conservador da dinastia Saud posiciona-se na ala

favorável aos Estados Unidos e que se opõe fortemente ao nasserismo egípcio.

Da mesma maneira, o Irãtem hoje uma monarquia aliada ao ocidente,

especialmente aos Estados Unidos. Xá Reza Pahlevi, chefe de Estado iraniano,

possui o maior e melhor exército dos países muçulmanos,– posicionado a sul da

fronteira soviética- e tem um governo de acelerada modernização econômica,

laico, autoritário e anti-islâmico (VISENTINI, 2012a, p. 38). Em 1953, o Primeiro-

Ministro Mossadeg, responsável pela nacionalização do petróleo, foi derrubado

por um golpe articulado pela CIA90 mostrando a influência dos EUA no Estado

persa. O Irã recentemente assinou o Pacto de Bagdá e, quanto a sua política

externa, segue a linha pró-Ocidente.

Em 1947, a Índia conquistou sua independência da Grã-Bretanha, após

crescente reação interna e pressão externa (VISENTINI, 2011, p. 43), com a luta

de independência encabeçada pelo Partido do Congresso Nacional Indiano,

partido liderado por Mahatma Gandhi até sua morte. A partir de então, o

Primeiro-Ministro passou a ser Jawaharlal Nehru, com a constituição laica e

republicana publicada em 1950. Nehru é um dos grandes nomes da ala

neutralista e terceiro-mundista: segundo Mukherjee (2008), Nehru tem uma

forte e marcante concepção de política externa indiana independente e constrói

uma alternativa internacional que foge de qualquer tipo de colonialismo ou

imperialismo. Jawaharlal Nehru é um crítico enfático às alianças militares

guiadas pelos interesses da União Soviética e dos Estados Unidos, tais como a

OTASE e o Pacto de Bagdá, além de ser um dos grandes líderes da luta contra o

desarmamento das grandes potências. Dessa maneira, Nehru é o grande nome da

90 Central IntelligencyAgency, (Agência Central de Inteligência) dos Estados Unidos.

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transição da política externa indiana neutralista para o chamado “neutralismo

positivo”, em que o Primeiro Ministro n~o só se mantém fora das alianças

militares, mas que também trabalha contra qualquer forma de dependência

colonial para a África e para a Ásia. É importante destacar que a Índia tem hoje

importantes tratados de cooperação com a União Soviética.

Juntamente com a Índia, o Paquistão conquista sua independência com

o fim do Império Colonial das Índias britânicas em 1947. O país é hoje a junção

das regiões muçulmanas do subcontinente indiano, e seu território é separado

pela Índia. O Paquistão fazia parte da Índia, porém diferenças, como a religiosa,

foram motivos para o povo paquistanês demandar sua separação. Enquanto o

Partido do Congresso Nacional Indiano foi o grande propulsor da independência

indiana e professava a religião hinduísta, a Liga Muçulmana foi criada em 1906 e

buscava preservar os direitos dos islâmicos. Em função da separação dos dois

Estados, disputas territoriais existem hoje entre Índia e Paquistão acerca das

regiões da Caxemira e Jammu, culminando na guerra Indo-Paquistanesa em

1948. Diferentemente da Índia, o Paquistão construiu sua política com uma maior

inclinação para a cooperação com o Ocidente e uma menor preocupação

independentista. Apesar de tal fato, o Estado paquistanês trabalha durante a

Guerra-Fria para um equilíbrio entre as duas grandes potências e, portanto, pode

ser inserido na corrente neutralista.

Após ter sido território de monarquia indiana, colônia portuguesa e

holandesa e, posteriormente, cedido como colônia à Coroa britânica, o Ceilão

obteve sua independência em 1848 (CIA, 2013). Seu atual Primeiro Ministro é Sir

John Kotelawala, militar que subiu ao poder em 1953. Inserido no contexto da

Guerra Fria, Kotelawala preocupa-se em condenar o que chamava de

colonialismo soviético. Ademais, o Primeiro Ministro busca combater as

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dependências coloniais afro-asiáticas, encaixando-se na ala que busca a via

independente de política externa.

A Turquia moderna foi criada em 1923, a partir dos restos do

desmembrado Império Turco-Otomano, com Mustafa Kemal, líder da

independência nacional turca, como primeiro presidente da República. Kemal

empreendeu uma série de reformas sociais e políticas na Turquia (CIA, 2013).

Após a Segunda Guerra Mundial, a Turquia passou a delinear-se como um Estado

com uma política externa pró-Ocidente, aderindo em 1952 à OTAN e,

recentemente, ao Pacto de Badgá. O Estado é hoje um eloquente crítico ao

comunismo soviético e a seu expansionismo.

Após ter sido parte do império Otomano e ocupado pela Grã-Bretanha,

oReino do Iraque obteve sua independência em 1932, tornando-se um Estado

monárquico livre, mas ainda com fortes influências britânicas. O atual rei, Faiçal

II, subiu ao trono em 1939 - com ajuda britânica -, quando ainda não possuía a

idade necessária para reinar. Hoje o reino é um importante aliado de sua antiga

metrópole no Oriente Médio e é membro do Pacto de Bagdá desde fevereiro de

1955. O Reino Hachemita da Jordânia, por sua vez, também passou pelo

domínio da Grã-Bretanha, sob o status de Mandato britânico, até 1946, quando a

monarquia ganhou o caráter que tem hoje. Igualmente, é uma dinastia

conservadora pró-inglesa, em que o atual Rei Hussein destaca-se por sua

rivalidade com os sauditas (VISENTINI, 2012a, p.38).

O Reino Mutawakkilita do Iêmen, ou simplesmente Iêmen,

conquistou sua independência do Império Otomano em 1918. Seu

atual rei, Ahmad ibnYahya, se tornou governante em 1948. Durante a década de

30, o país passou por alguns conflitos territoriais internos e por certas

divergências com a Arábia Saudita. O Iêmen posiciona-se na ala neutralista: além

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de Ahmad ser um importante aliado de Nasser e de seu nacionalismo

independentista, o país tem graves discordâncias com a Grã-Bretanha em função

da soberania de Aden91, que hoje é colônia britânica e é reivindicada pelo Reino

do Iêmen.

O Sudão, que desde o fim do século XIX é palco de disputas territoriais

entre egípcios, franceses e ingleses, passou à condição de "condomínio anglo-

egípcio" no início do século XX. Por volta de 1950, despontou no país um forte

movimento nacionalista, que, em 1953, estabeleceu um governo autônomo

(VISENTINI, 2012b, p.60) e, em 1954, elegeu um parlamento formado apenas por

sudaneses. Apesar dessas alterações no comando nacional, o país ainda mantém

o status de colônia. O atual governante do Sudão é Ismail Al-Azhari, que se coloca

a favor de uma política de independência total de seu Estado e defendendo os

movimentos de libertação africanos. O Sudão possui hoje estreitas relações com a

Índia – a título de exemplo, os sudaneses receberam o auxílio dos indianos para a

condução das eleições para o parlamento de 1954. A experiência colonial comum

levou à convergência de visões acerca de assuntos internacionais e ambos veem

suas relações como um modelo de cooperação entre Estados neutralistas.

(LARGE;PATEY, 2011).

A Libéria tem um processo de formação único na História, já que foi

fundado por escravos libertos. No início do século XIX, os Estados Unidos

decidiram enviar seus escravos alforriados para o continente africano. Entre

1821 e 1847, grupos de escravos libertos migraram para a África Ocidental,

criando uma colônia. O problema é que a região já era habitada por povos locais,

e disputas entre os seus habitantes originais e os recém-chegados marcaram a

91 Cidade portuária e suas imediações. A região é colônia britânica desde 1937.

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História do país. Em 1847, a colônia ficou independente, passando a se chamar

Libéria. Dessa época em diante, o país foi governado pela minoria dos chamados

Americano-Liberianos, que haviam colonizado o país. Embora fossem apenas 5%

da população, conseguiram permanecer no governo, e mantinham uma relação

de grande dependência dos Estados Unidos. Na prática, era quase uma colônia. A

situação mudou radicalmente em 1944, quando William Tubman foi eleito para a

presidência. Ele empreendeu um processo de modernização do país, atraindo

investimentos, aumentando a produção e integrando o país por meio de

ferrovias. Também adotou uma identidade africana para o país, chamando

representantes dos povos originais africanos para o governo. Além do mais,

incentivou a promoção da cultura africana (SURET-CANALE & BOAHEN, 2010, p.

223-226). Dessa forma, se espera que a Libéria assuma uma

posição neutralista na Conferência de Bandung.

O Reino do Afeganistão corresponde à parte do território da Ásia

Central que fez parte das disputas imperialistas entre os impérios inglês e russo

durante o século XIX, o chamando “Grande Jogo”. O Tratado de Rawalpindi

marcou o fim dos conflitos diretos da nação afegã com as potências e

transformou o Afeganistão em um Estado soberano independente. Desde então,

os reis afegãos empreendem políticas de modernização nacional, com ênfase na

educação igualitária e destaque para a abolição da escravidão em 1923, além de

buscar o fim do isolamento internacional do país. É importante ressaltar que o

Reino do Afeganistão não está alinhado a nenhuma das ideologias que dividem o

mundo atualmente, vindo a defender uma posição neutra na Conferência de

Bandung, onde será representado pelo senhor Abdul Rahman Pazhwak.

Governado por uma Monarquia e com o início de um tipo de experiência

democrática, o Nepal chega a Bandung com um novo rei, Mahendra Bir Bikram

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Shah, que assumiu o trono após a morte de seu pai, o rei TribhuvanShah, em

março de 1955. A maior parte do reinado de Tribhuvan havia sido na verdade

como um rei fantoche, pois o poder de fato repousava na figura do primeiro-

ministro, que era da dinastia rival Rana. A dinastia Rana havia ascendido ao

poder com apoio britânico. O Nepal por essa época era visto como parte de uma

zona de separação dos territórios britânicos (Índia) da China. Essa situação muda

em 1951 quando, após um breve exílio, Tribhuvan volta ao Nepal, com apoio

indiano. Dessa maneira, havia interesses indiano e chinês na política interna

nepalesa: o interesse da Índia deveu-se à intervenção chinesa no Tibete, em

1950; a China, por sua vez, buscava aumentar sua influência e controle sobre a

província tibetana, que faz fronteira com o Nepal, e esse movimento causou

alguma preocupação nas autoridades indianas. A Índia busca, então, através do

fortalecimento da dinastia Shah, fortalecer um governo que fosse seu aliado na

região. Junto com a conquista do poder real por Tribhuvan, emergiu o Congresso

Nepalês, partido formado por correntes que lutavam por participação política e

que sustentou o retorno do rei ao país. Aliado à Índia, o Nepal é um ator

neutralista e incorpora o discurso não-alinhado nas suas relações exteriores.

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Resumo

A Conferência Afro-Asiática ou Conferência de Bandung foi a primeira manifestação do

Terceiro Mundo, com a ideia de não-alinhamento e concepção crítica do papel dos países centrais nas

ex-colônias. Ela aconteceu em 1955, a partir da iniciativa de Indonésia, Índia, Paquistão, Ceilão (atual

Sri Lanka) e Birmânia, contando com a participação de representantes de 23 países asiáticos e 6

países africanos. A Conferência inseriu-se no contexto da Guerra Fria, onde as duas grandes potências

do pós-guerra buscavam expandir suas áreas de influência nos países periféricos. Por outro lado,

crescia o sentimento de necessidade de autonomia nacional nesses mesmos países, que por décadas –

e até séculos – foram assolados pelo colonialismo europeu. Os representantes, assim, discutirão as

alternativas à dominação – ideológica, política e econômica – das potências, as possibilidades de

integração e cooperação entre eles, afastando o espectro do neocolonialismo de Estados Unidos e

União Soviética.

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UFRGSMUNDI

UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 193-224, 2013 193

Organização dos Estados Americanos (OEA)

Redução da oferta de drogas na América Latina: o caso da plantação de coca

André França92

Bruna Coelho Jaeger93

Giordano Bruno Antoniazzi Ronconi94

Guilherme Simionato95

Luísa Saraiva96

A OEA foi fundada em 1948 para alcançar, como estipula o Artigo 1º da

Carta, “uma ordem de paz e de justiça, para promover solidariedade, intensificar

a colaboraç~o, defender a soberania, a integridade territorial e a independência”,

através dos pilares de democracia, direitos humanos, segurança e

desenvolvimento, os quais se apoiam mutuamente por meio de uma estrutura

que inclui diálogo político, inclusão, cooperação, instrumentos jurídicos e

mecanismos de acompanhamento. A OEA mantém a preocupação permanente

quanto ao problema das drogas no continente americano. Levando em conta os

efeitos devastadores que os narcóticos podem causar à sociedade, a busca por

92Estudante do 5º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). 93Estudante do 5º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). 94Estudante do 5º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). 95Estudante do 5º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). 96Estudante do 5º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

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Organização dos Estados Americanos (OEA): Redução da oferta de drogas na América Latina: o caso da plantação de coca

194 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p.193-224, 2013

soluções conjuntas entre os Estados para a redução da oferta de drogas é um

tópico majoritário e em constante debate na OEA. A fim de garantir que tais

soluções sejam alcançadas, a OEA criou em 1986 a Comissão Interamericana para

o Controle do Abuso de Drogas (CICAD) da Secretaria de Segurança

Multidimensional da OEA, na qual mantém o Observatório Interamericano sobre

Drogas (OID), bem como seções de Redução da Oferta de Drogas, de

Fortalecimento Institucional e Programas Integrados, entre outras.

1. Histórico

Mais do que uma mera planta utilizada para fins medicinais e para

hábitos alimentares, a coca é um símbolo cultural dos povos indígenas da região

andina, fazendo parte de diversos rituais sociais e religiosos. Até hoje

amplamente consumida em países como Bolívia, Peru e Colômbia, o uso da folha

de coca e seu valor simbólico atravessam os milênios. As primeiras evidências

arqueológicas de seu uso datam de 2.500 a.C. (EL PAÍS, 2011); diversos povos

pré-Colombianos veneravam a folha como milagrosa e os Incas afirmavam que o

Deus Sol havia a criado para matar a sede, acabar com a fome e fazer com que os

homens esqueçam o cansaço (FERREIRA & MARTINI, 2001).

Com a dominação do Império Espanhol sobre as Américas Central e do

Sul, a Igreja Católica buscou proibir o consumo da folha por considerá-la com

“propriedades sat}nicas” (EL PAÍS, 2011). No entanto, por ser indispensável

como suplemento aos índios agora explorados nas minas de outro e prata, esta

determinação não vingou. A coca passou a ter um papel fundamental na

economia colonial espanhola, pois dela dependia a produtividade dos

trabalhadores, tendo em vista suas propriedades químicas energizantes, as quais

possibilitavam que os mineradores tivessem uma jornada de trabalho mais longa

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UFRGSMUNDI

UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 193-224, 2013 195

e com menos comida. Sua fama de substância energizante chegou à Europa no

século XIX, quando produtos como vinhos tintos tratados com folhas de coca

tornaram-se populares, inclusive entre a nobreza (CESENA, 2011).

Devido à sua difusão, ocorre um aumento de pesquisas científicas acerca

da folha de coca. Em 1859, pela primeira vez se isola o

alcaloidebenzoilmetilecgonina, a cocaína. Esta passou a ser amplamente utilizada

como medicamento, tendo como grande propagador de sua fama Sigmund Freud

(FERREIRA & MARTINI, 2001). O psicanalista escreveu, em 1884, um artigo

intitulado Über Coca, propagando os benefícios da cocaína e a denominando

“subst}ncia m|gica”:

“estimulante, afrodisíaco, anestésico local, assim como

indicado no tratamento de asma, doenças consuptivas,

desordens digestivas, exaustão nervosa, histeria, sífilis e

mesmo o mal-estar relacionado a altitudes” (FREUD apud

FERREIRA & MARTINI, 2001, p. 97).

Apesar disso, o boom de popularidade da coca nos países europeus e da

América do Norte se inicia com a invenção da Coca-Cola (1866), que

originalmente continha cocaína em sua fórmula. Seus efeitos revigorantes

fizeram a fama do refrigerante. Os avanços no refino da substância e a ausência

de legislação e regulamentação governamental permitiram à indústria criar

diversos produtos à base de coca: cigarros, balas, pó e até líquidos injetáveis. No

final do século XIX, o hábito de cheirar cocaína se dissemina e se torna popular

entre os trabalhadores, a quem era fornecida como forma de dar energia para os

trabalhos braçais (MEDCLICK, 2010).

No primeiro quarto do século XX, os diversos casos de dependência e a

divulgação de estudos científicos sobre os malefícios da cocaína fizeram diminuir

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196 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p.193-224, 2013

seu uso. Surgem as primeiras regulamentações e restrições legais, como o

primeiro acordo internacional antidrogas – a Convenção Internacional do Ópio,

de 1912 –, o Harrison Act, de 1914, nos EUA, e o Decreto-lei Federal nº 4.292, de

6 de julho de 1921, no Brasil (FERREIRA & MARTINI, 2001).

Mesmo assim, um novo boom de consumo de cocaína volta a ocorrer na

década de 1970, passando a ser a droga “da moda”. É o momento dos grandes

cartéis de droga colombianos de Medellín e de Cáli, que tornaram famosos

traficantes como Pablo Escobar. Apesar da fama, os cartéis de droga não se

restringiram à Colômbia, espalhando-se por outros países das Américas. Os

Estados Unidos figuravam como um dos principais destinos da cocaína.

O auge dos cartéis de droga nos anos 1980 causou diversos problemas

sociais profundos, com reflexos até os dias atuais. A dominação de grandes áreas

pelo tráfico diminuiu fortemente o poder do Estado. Dessa forma, a população se

viu afastada dos mais diversos bens e serviços públicos, a lei foi substituída pelas

determinações dos chefes dos cartéis e os diversos âmbitos do poder público

foram corrompidos – de juízes a políticos e policiais.

Nesse contexto, os Estados Unidos instituíram a Guerra às Drogas, termo

cunhado pelo então presidente Richard Nixon. Iniciou-se uma política de

financiamento de programas governamentais de combate ao tráfico de drogas,

treinamento de tropas estrangeiras e intervenção militar – no caso do Panamá,

em 1989. A lógica da Guerra às Drogas é o de liquidar o tráfico através da

violência, com ataques diretos aos traficantes e às milícias. Com efeito, milhares

de civis moradores das áreas dominadas pelo tráfico, que acabam por ficar no

meio do enfrentamento, são mortos.

Em 1999, dentro do contexto da Guerra às Drogas, os Estados Unidos

lançam o Plano Colômbia: uma legislação americana específica para auxiliar o

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UFRGSMUNDI

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combate ao tráfico e às guerrilhas especificamente na Colômbia. O plano inclui

milhões de dólares para programas de desenvolvimento social e econômico;

porém, grande parte dessa verba se destina apenas ao treinamento e

modernização dos equipamentos do exército e da polícia colombiana. Apesar de

ter diminuído em 50% a área de plantio de coca na Colômbia, após 10 anos do

plano, 95% da cocaína que chega aos Estados Unidos ainda tem origem naquele

país, segundo estudo do Departamento de Defesa americano. O Plano Colômbia

se mostrou muito mais eficaz em desmantelar os movimentos guerrilheiros

locais, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, que haviam se ligado ao

tráfico como forma de se auto sustentar, do que em controlar a produção da folha

(FELIPE, 2012). Entretanto, críticos afirmam que dentre os principais motivos

para a implementação do Plano está o desejo norte-americano de criar bases

militares próprias na América do Sul, a fim consolidar sua área de influência na

região.

Os poucos resultados obtidos nas tentativas de reduzir o consumo de

drogas nos Estados Unidos e na Europa levaram ao questionamento das

estratégias da Guerra às Drogas e de medidas como o Plano Colômbia. Com um

saldo relevante de mortes de civis, passou-se a debater outras formas de abordar

os problemas relacionados às drogas. Atualmente, no âmbito acadêmico e da

mídia, confrontam-se aqueles que lutam pela descriminalização e/ou legalização

das drogas, os que propõem grandes iniciativas de cunho social nas comunidades

fragilizadas pelo tráfico e aqueles que defendem a manutenção das políticas

atuais.

Longe de se alcançar um consenso, o que se percebe é que o continente

americano encontra-se em um momento chave de possível mudança de

abordagem do problema das drogas nas suas diversas áreas: ambiental, social,

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Organização dos Estados Americanos (OEA): Redução da oferta de drogas na América Latina: o caso da plantação de coca

198 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p.193-224, 2013

cultural, moral, de saúde e de segurança pública. Cabe, então, à Organização dos

Estados Americanos reavaliar as medidas até então tomadas e buscar uma forma

de combinar respeito e valorização das culturas indígenas dos Andes e

desestímulo ao consumo da cocaína, diferentemente da maioria das abordagens

já citadas, as quais ignoravam os nativos e suas necessidades tanto econômicas

como culturais. Com o recente reconhecimento pela Organização das Nações

Unidas do direito ao povo boliviano de mascar a folha de coca em seu território,

um novo vigor é dado ao debate e fortificam-se posições até então inviáveis

politicamente.

2. Desenvolvimento da questão

2.1. A OEA e o combate à oferta de drogas

O problema mundial das drogas é um fenômeno complexo e dinâmico

que envolve custos políticos, econômicos, sociais e ambientais. É causado por

diversos fatores e apresenta um desafio a todos os países. Devido à sua extensão,

este problema precisa ser abordado de uma forma abrangente, equilibrada,

multidisciplinar e exige, com isso, a responsabilidade comum e compartilhada de

todos os Estados, visto que o problema do narcotráfico transborda as fronteiras

dos países, atingindo todos simultaneamente. Além disso, esta questão é um

desafio global que pode afetar negativamente a saúde pública, a segurança eo

bem-estar de toda a humanidade. As drogas também podem enfraquecer as bases

do desenvolvimento sustentável, dos sistemas jurídicos, da estabilidade política e

das instituições econômicas e democráticas. Neste contexto, a OEA reconhece a

importância dos esforços para enfrentar o problema mundial das drogas, embora

admita a necessidade de reforçar e melhorar as estratégias e ações relacionadas a

este assunto (CICAD, 2011).

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UFRGSMUNDI

UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 193-224, 2013 199

Possuindo uma preocupação permanente quanto ao problema das

drogas, a OEA busca soluções conjuntas entre os Estados para a redução da oferta

de drogas, sendo este, então, um tópico importante e em constante debate na

organização. A fim de garantir que tais soluções sejam alcançadas, a OEA criou

a Comissão Interamericana para o Controle do Abuso de Drogas (CICAD) da

Secretaria de Segurança Multidimensional da OEA, na qual mantém a Seção de

Redução da Oferta para concentrar seus esforços na formação de forças policiais

responsáveis pela redução da produção, distribuição e disponibilidade de drogas

ilícitas. A cada ano, mais de mil pessoas são capacitadas pela CICAD para o

enfrentamento das drogas.Ainda, a CICAD mantém o Observatório

Interamericano sobre Drogas(OID), o qual é encarregado de estatísticas,

informações e pesquisas relacionadas ao assunto.

Além disso, a OEA adotou em 2010 a Estratégia Hemisférica sobre

Drogas (CICAD, 2010), a qual considera que, para enfrentar o fornecimento, são

necessárias a criação e a melhora dos mecanismos de coleta e análise de dados, a

fim de desenvolver avaliações que facilitem o criação de políticas públicas nesta

área (CICAD, 2010). Para tanto, é preciso que se realizem estudos e pesquisas que

contribuam para a identificação precoce e o monitoramento de tendências.

Também, é preciso levar em conta o impacto das drogas sobre o meio ambiente.

Ainda, programas nacionais de redução da oferta de drogas de origem natural -

tais como a cocaína - devem incluir medidas de desenvolvimento alternativo,

integral e sustentável para a população, de acordo com a situação de cada país

(CICAD, 2011). Todos esses esforços, deixam clara a necessidade de esforços

conjuntos, baseados na confiança mútua e no compartilhamento de

responsabilidades.

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Organização dos Estados Americanos (OEA): Redução da oferta de drogas na América Latina: o caso da plantação de coca

200 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p.193-224, 2013

2.2. A folha da coca, as suas propriedades medicinais e a questão cultural

A planta da coca, pertencente à família Erythroxylaceae, é nativa da

região andina sul-americana. Além de desempenhar um papel importante na

cultura tradicional dos Andes, a planta também apresenta um significativo cultivo

comercial, principalmente na Bolívia e no Peru. A folha da coca conta com 14

alcaloides, mas apenas um deles é mundialmente conhecido e responsável pelo

preconceito contra a planta: a cocaína. Contudo, o teor do alcaloide “cocaína”

presente na folha é baixo - entre 0,25% e 0,77% - e a produção da droga requer

um processo químico complexo. Portanto, o ato de mascar ou beber chá da folha

de coca não provoca os efeitos psíquicos da cocaína, pelo contrário, a folha possui

importantes propriedades medicinais benéficas para o corpo humano quando

exposto a altas altitudes, evitando dores de cabeça, tonturas e enjoos, não

causando de modo algum a dependência química (SILVA, 2006). Dessa forma,

principalmente nos últimos anos, governos de países sul-americanos – como

Bolívia, Peru e Venezuela – têm defendido o uso tradicional da folha de coca, bem

como o uso do seu extrato para a confecção de muitos outros produtos.

A folha de coca é usada tradicionalmente como estimulante para superar

o cansaço e a fome. Historicamente, a coca também foi muito utilizada em casos

de fraturas ósseas devido a seu elevado teor de cálcio e, também, para combater

hemorragias, visto que contém substâncias que contraem os vasos sanguíneos

(SILVA, 2006). Além disso, ela produz uma sensação de vigor com um efeito

parecido ao de beber uma xícara de café. O uso da planta pelas comunidades

indígenas é ainda mais abrangente, sendo ela utilizada para tratamento de

malária, úlcera, asma, problemas no sistema digestivo, além de ser afrodisíaca e

auxiliar a busca pela longevidade. Ainda, a folha de coca, mastigada ou consumida

como chá, é rica em propriedades nutricionais que constituem os outros 13

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UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 193-224, 2013 201

alcaloides da planta, tais como nutrientes minerais (cálcio, fósforo e potássio),

vitamínicos (B1, B2, C e E), proteínas e fibras (FUERTES, 2006).

Quanto ao seu uso na esfera cultural religiosa dos povos andinos, a

planta é utilizada, principalmente, para rituais, meditação e adoração a deuses.

Há indícios de que a planta da coca seja cultivada na América do Sul há pelo

menos quatro mil anos, desde as civilizações pré-colombianas. O mascar da folha

de coca é mais comum em comunidades indígenas da região andina,

especialmente na cadeia montanhosa, onde o consumo da coca faz parte da

cultura local, da mesma forma que o consumo do chimarrão no estado brasileiro

do Rio Grande do Sul. Assim, a planta da coca deve ser considerada um grande

símbolo da identidade cultural e religiosa de muitos povos sul-americanos, um

legado deixado por seus ancestrais, de forma que a coca se converte em

suprimento central e espiritual das comunidades andinas.

No que diz respeito à função comercial da planta da coca, destaca-se o

setor alimentício de chás, biscoitos, pães, entre outros; produtos os quais são

amplamente disponíveis nas lojas da região andina e de grande procura,

principalmente turística. Além disso, a coca é utilizada industrialmente na

produção de cosméticos e do refrigerante Coca-Cola, o qual continha cocaína em

sua fórmula original antes da criminalização da droga. Atualmente, grandes

empresas – tais como Enaco AS, Agwa de Bolívia e Coca Shop -, principalmente no

Peru e na Bolívia, mantêm um elevado comércio de diversos produtos feitos a

partir da folha da coca. Por outro lado, a comercialização da folha de coca vai

além da venda de produtos inovadores, visto que se trata também de preservar

as antigas culturas andinas e suas formas de vida. Destaca-se que há uma grande

parcela de pequenos produtores locais que dependem da produção e da venda da

folha da coca como agricultura familiar.

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Organização dos Estados Americanos (OEA): Redução da oferta de drogas na América Latina: o caso da plantação de coca

202 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p.193-224, 2013

Nos últimos anos, tem havido um significativo movimento liderado pela

Bolívia com o fim de promover e expandir os mercados legais para a folha de

coca. O movimento é amplamente apoiado pelos governos da Venezuela, Peru e

tem como figura máxima o presidente boliviano Evo Morales, ex-líder sindical

dos cocaleros (trabalhadores nas plantações de coca) no país, eleito

democraticamente em 2005.

A folha da coca foi penalizada em 1961 ao ser incluída na lista de

substâncias sob controle internacional na Convenção Antidrogas(ONU, 1971). Em

julho de 2011, a Bolívia decidiu retirar-se da Convenção Única sobre

Entorpecentes da ONU(ONU, 1961), argumentando que o documento veta o

mascar da folha de coca – a prática denominada acullico. Em janeiro de 2012, o

país solicitou sua readmissão à Convenção, com a condição de despenalização do

acullico (PRENSA LATINA, 2013). Dos 184 países que assinaram a Convenção,

somente 15 se opuseram à readmissão da Bolívia, sendo eles Estados Unidos,

Canadá, Inglaterra, Rússia, Suécia, México, Reino Unido, Irlanda, Japão, Alemanha,

Finlândia, Portugal, Israel, Holanda, França e Itália, alegando que os motivos

apresentados distorcem o espírito do acordo que obrigou os países a erradicar o

hábito de mascar coca (RACISMO AMBIENTAL, 2013).

Apesar disso, em janeiro de 2013, a ONU reconheceu o direito dos

bolivianos de mascarem a folha da coca, dentro das fronteiras do país, sob o

argumento de que é uma prática cultural de grande importância para fins

medicinais e rituais indígenas (CARTA CAPITAL, 2013). Em seu intenso esforço

para conseguir entrar novamente na Convenção com a introdução dessas

mudanças, a Bolívia contou com o apoio da União de Nações Sul-americanas

(UNASUL), da Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América (ALBA), do

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UFRGSMUNDI

UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 193-224, 2013 203

Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) e do Fórum Permanente de Assuntos

Indígenas das Nações Unidas. O presidente Evo Morales chamou atenção ao fato

de que a mudança significa também a descriminalização dos produtores da folha

de coca, que deixam de ser encarados como narcotraficantes (CBDD, 2013). A

Nova Constituição do Estado Plurinacional da Bolívia, de 2007, é a única no

continente a estabelecer que “a folha da coca é patrimônio cultural, recurso

natural renovável da biodiversidade e fator de coesão social, que em seu estado

natural não é um narcótico. A revalorização, produção, comercialização e

industrializaç~o devem ser regulamentadas por lei.” (PUCMINAS, 2007).

Nesse sentido, esse reconhecimento do direito do povo boliviano a

mascar a folha de coca por parte da ONU abriu um precedente importante: até

que ponto deve-se preservar tradições culturais que possam vir a ser usadas

como matéria-prima de narcóticos? Com a retomada desse debate, espera-se

encontrar um ponto de equilíbrio entre a diminuição da oferta das drogas e

preservação de tradições milenares, as quais ainda são vitais para a vida das

populações, visto sua importância econômica.

2.3. A cocaína, os seus efeitos e o narcotráfico

A cocaína, alcaloide derivado da planta da coca, por sua vez, é utilizada

como droga. O seu uso continuado pode causar efeitos devastadores à saúde, tais

como dependência química, hipertensão arterial e distúrbios psiquiátricos. A

produção da droga é realizada através da extração da planta, a qual passa por um

processo químico, chamado refinamento, que inclui a utilização de

solventes como álcalis, ácido sulfúrico, querosene, entre outros (OBID, 2007).

Segundo o Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas (OBID),

o uso recorrente da cocaína é sucedido por constante agitação, irritabilidade,

Page 204: Guia de Estudos - 2013

Organização dos Estados Americanos (OEA): Redução da oferta de drogas na América Latina: o caso da plantação de coca

204 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p.193-224, 2013

ansiedade, excitabilidade, insônia, alteração na capacidade de atenção e

ulceração nas mucosas nasais, além de, diferentemente de outros narcóticos, a

cocaína provocar uma dependência psíquica devido aos seus efeitos

estimulantes. Como a cocaína tende a perder sua eficácia ao longo do tempo de

uso, fato este denominado “toler}ncia { droga”, o usu|rio tende a utilizar

progressivamente doses mais altas buscando obter, de forma incessante e cada

vez mais inconsequente, os mesmos efeitos sentidos na primeira dose. Dosagens

muito frequentes e excessivas provocam alucinações, ansiedade, agressividade e

paranoia (OBID, 2007). Este ciclo torna o usuário cada vez mais dependente, de

modo a resultar em problemas sérios não só no que tange à sua saúde, mas

também a suas relações interpessoais.

Mesmo sendo uma droga ilícita na maior parte do mundo, a

popularidade da cocaína é muito grande, apesar de seu valor ser considerado

elevado. Nesse contexto, surge uma nova variante mais barata da cocaína: o

crack, que é uma mistura de pasta de cocaína com bicarbonato de sódio. Os

efeitos do crack são quase imediatos, levam cerca de quinze segundos para

chegar ao cérebro e seu efeito tem a duração de aproximadamente quinze

minutos, o que pode levar a obsessão pelo seu uso repetidas vezes (OBID, 2007).

A cocaína e o crack hoje são considerados dois dos maiores causadores de danos

sociais, principalmente pelas questões que estão vinculadas ao tráfico e à

destruição física e moral do indivíduo.

Apesar de incialmente a droga ter sido utilizada devido às suas

propriedades anestésicas, hoje é consensual entre a comunidade médica que os

elevados efeitos autodestruidores do consumo de cocaína são plenamente

justificativos para sua proibição (BAHLS, 2002). Mesmo sendo a folha da coca

legalizada em alguns países da região andina, o refinamento é proibido. Este,

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normalmente, é realizado nos Estados Unidos, maiores consumidores do mundo

não apenas de cocaína, mas de drogas em geral (CARTA MAIOR, 2011). A

produção, distribuição e venda da cocaína são restritas e ilegais na maioria dos

países, tal como regulamentado pela Convenção Única sobre Entorpecentes

(ONU, 1964) e pela Convenção das Nações Unidas Contra o Tráfico Ilícito de

Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas(ONU, 1971). Contudo, o crime

organizado domina o comércio de cocaína e opera em larga escala. A cocaína

cultivada e processada na América Latina é contrabandeada principalmente para

Estados Unidos e Europa. As principais rotas estão na região caribenha e no

México, bem como através do Chile.

Nesse sentido, nasce o debate entre os que pensam que o combate as

drogas deve focar-se na diminuição do consumo de cocaína, preservando, desse

modo, a cultura da folha da coca a fim de que essa atenda às necessidades dos

povos andinos, e os que pensam que o problema reside na oferta da planta,

possibilitando a produção do narcótico. Aqui reside um ponto importante para

entender os debates, visto que, por exemplo, os Estados Unidos, maiores

consumidores mundiais de cocaína, acusam a Bolívia e suas plantações de coca

como negligentes quanto ao problema do narcotráfico, enquanto o país andino

afirma serem necessárias políticas públicas no próprio território norte-

americano a fim de diminuir o consumo da cocaína.

2.4. Os desafios para a conciliação

Devido à grande complexidade que envolve o tema do cultivo da folha da

coca, aliando-se às significativas questões do combate à oferta de drogas no

continente, é preciso reconhecer e destacar os tópicos mais sensíveis que

abrangem tais temas; como a matéria ambiental, a controvérsia da produção

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Organização dos Estados Americanos (OEA): Redução da oferta de drogas na América Latina: o caso da plantação de coca

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alimentar, os clamores e objeções quanto a uma legalização mais abrangente do

acullico, assim como as considerações sociais quanto à pobreza e à cultura.

Os problemas quanto à questão do meio-ambiente se dão devido ao fato

de que, principalmente na Colômbia, a produção de cocaína acaba resultando em

desmatamentos, bem como em contaminação do solo e da água na sua porção

amazônica (AMBIENTE BRASIL, 2009). A situação é agravada porque no país

existe um intenso combate ao cultivo da coca e à oferta da cocaína, o qual é

fortemente financiado e incentivado pelos Estados Unidos através do Plano

Colômbia. Dessa forma, estima-se que, dos 1600 km² de plantações de coca na

Colômbia que existiam nos anos 1990, atualmente a área já foi reduzida em cerca

de 75%97.

Além disso, a plantação da coca alcança uma extensa área territorial na

região andina, o que muitas vezes acaba sendo alvo de críticas, tais como o

argumento de que se cultiva coca onde se poderiam produzir outros alimentos

significativos para uma grande população pobre, mas que, por outro lado,

proporcionariam um rendimento aproximadamente sete vezes menor aos

produtores locais (PSICOTROPICUS, 2012). Apesar da defesa do uso tradicional

da folha de coca, a ONU, através de seu Programa de Desenvolvimento

Alternativo do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes (UNODOC),

incentiva a transição para outros cultivos. Principalmente na Colômbia, a ONU

atua em comunidades com forte presença de narcotraficantes e grupos armados

97Segundo um estudo realizado pelo país, para adubar o solo pobre das regiões de selva, a plantação de coca usa até dez vezes mais agrotóxicos do que outros cultivos. Enquanto que, segundo o mesmo estudo, cada hectare (10.000 m²) de plantação resulta em aproximadamente 7,4 kg da droga para ser vendida no varejo e para refiná-la são necessários 647 kg de cimento, 912 litros de gasolina, 8 litros de ácido sulfúrico, 11 litros de amoníaco, além de outros produtos químicos que acabam sendo despejados nos rios ou no solo (SINCHI, 2009).

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que produzem e comercializam a cocaína, através da prevenção do cultivo ilícito

da planta de coca, oferecendo alternativas para o plantio de cultivos lícitos, como

do cacau e do café orgânico.

Além disso, argumenta-se que na Bolívia a extensão do cultivo superaria

em muito as necessidades culturais locais para a utilização da planta, visto que,

segundo estimativas, cerca de 90% da plantação acabaria sendo dirigida à

produção de cocaína, tornando o país o segundo maior produtor mundial da

droga (EXAME, 2012). Por outro lado, também há movimentos sociais que

defendem o uso tradicional da folha, como a Coordenação Latino-americana de

Organizações do Campo, a qual prega: "não às falsas soluções do capitalismo

verde, agricultura campesina já!" (VERMELHO, 2013).

Dessa maneira, tal debate torna-se recorrente: apesar da ONU ter

reconhecido o direito do acullico na Bolívia, acusa-se o país de não incentivar

outros cultivos que não o da coca. Contudo, a Bolívia luta atualmente pela

legalização total e pelo direito de exportar folha de coca, assim como outros

produtos feitos a partir do seu extrato. Esse movimento vem enfrentando

resistência massiva pelos países mais conservadores, os quais alegam que o

aumento das plantações pode ser destinado à produção de cocaína (PRENSA

LATINA, 2013).

Há uma grande parcela da população andina dependente do cultivo da

folha de coca para a manutenção de sua economia, ordem social e práticas

culturais, a qual é fortemente afetada pela proibição da sua principal forma de

sustento. Famílias que tradicionalmente viveram do cultivo da folha de coca são

empurradas para a miséria e muitas vezes acabam assumindo o risco da

ilegalidade para garantir sua sobrevivência.

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208 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p.193-224, 2013

As ações de combate às drogas e ao narcotráfico devem se desenvolver

de maneira não agressiva às identidades culturais locais e, assim, o desafio que se

coloca é o de conjugar esse processo sem desrespeitar as práticas e o modo de

vida nativo da região. Portanto, é preciso que se repense a questão da coca e da

cocaína, tendo em vista o aprimoramento do convívio social entre culturas com

valores antagônicos dentro de uma realidade onde a ordem econômica é

dominante.

3. Ações Internacionais Prévias

A Comissão Interamericana para o Controle do Abuso de Drogas (CICAD)

representa o principal projeto da Organização dos Estados Americanos no

combate à produção, ao tráfico e ao consumo de drogas ilícitas no continente. A

CICAD foi criada em 1986 pela Assembleia Geral da OEA como um fórum político

para fortalecer as capacidades dos países de lidar com o problema das drogas e

estabelecer a cooperação multilateral no âmbito interamericano. Com esse

objetivo, as sessões regulares da CICAD e seus relatórios anuais discutem planos

de ação para o fortalecimento das instituições dos países (governo, exército,

polícia); medidas para o controle e redução da produção e distribuição de drogas;

combate à lavagem de dinheiro; e a evolução feita pelos países no combate aos

narcóticos. Além disso, a CICAD também conduz pesquisas sobre essas

substâncias nocivas à saúde, bem como desenvolve e estabelece padrões

mínimos para a legislação das drogas ilícitas (SECRETARIA GERAL DA OEA,

2006).

A Estratégia Antidrogas no Hemisfério é um documento resultante das

discussões da CICAD durante a Cúpula de Miami de 1996. Esse documento com

caráter recomendatório, não obriga legalmente o seu cumprimento, tem como

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objetivo definir uma pauta de cooperação multilateral entre os países do

continente americano para a adoção de medidas para reduzir a produção e

demanda por drogas, além de visar a implementação de medidas de controle a

ambas (BORBA, 2009). Para reduzir essa demanda, a Estratégia apoia pesquisas e

programas de prevenção, tratamento, reabilitação e reinserção social.

A Estratégia Hemisférica sobre Drogas (HemisphericDrugStrategy) é

uma resolução aprovada no âmbito da 47ª sessão da CICAD, a qual determina os

princípios que devem guiar as políticas nacionais dos membros da OEA e os

projetos desenvolvidos pela comissão para o combate eficaz das drogas no

continente americano. A estratégia apresenta cinco principais áreas de relevância

para o combate às drogas: fortalecimento institucional, redução da demanda,

redução da oferta, medidas de controle e cooperação internacional (CICAD,

2009).

No âmbito do fortalecimento institucional, determina-se que os países

devem estabelecer políticas nacionais antidrogas e realizar avaliações periódicas

sobre seus avanços. Em relação à redução da demanda, a estratégia ressalta a

necessidade de programas preventivos direcionados para os grupos vulneráveis,

programas de tratamento e de reabilitação para as os usuários de drogas, além de

parcerias governamentais com instituições de ensino para a realização de

pesquisas sobre o assunto.

Para a redução da oferta, os Estados devem seguir algumas diretrizes

como desenvolvimento de pesquisas sobre o assunto e implementação de

medidas rigorosas de combate à produção de drogas. Em relação às medias de

combate, os Estados devem fortalecer suas agências nacionais que atuam no

combate ao tráfico de drogas, aumentar a fiscalização em seu território e

desmantelar as organizações criminosas que atuam no tráfico de drogas. Além

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210 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p.193-224, 2013

disso, a cooperação internacional, por meio do compartilhamento de

informações, pesquisas e trabalhos conjuntos, é uma das diretrizes fundamentais

para o fortalecimento da CICAD e para o combate as drogas no continente

(CICAD, 2009).

Nesses cinco âmbitos estratégicos, é enfatizada a necessidade de

pesquisas prévias sobre qual a melhor forma de atuação na localidade em

questão. Também é ressaltada a necessidade dos países reavaliarem

periodicamente os resultados de suas políticas nacionais antidrogas,

promoverem atualizações nas suas estratégias de abordagem e compartilharem

os dados com os demais membros da OEA.

Projetos de educação preventiva e ação comunitária são considerados

fundamentais para conscientizar as comunidades sobre o uso de drogas, e

recebem forte apoio da CICAD. Para reduzir a oferta de drogas, são desenvolvidos

projetos nas comunidades voltados para o desenvolvimento de opções

econômicas “lícitas, vi|veis e sustent|veis”, tais como o projeto Saúde e Vida nas

Américas (SAVIA), o qual oferece assistência à Colômbia, Equador, Peru e

Uruguai para a implementação de políticas locais de controle de drogas, por meio

da formação de equipes locais (CICAD, 2012).

4. Posicionamento dos países

A Argentina sofre, recentemente, um aumento no narcotráfico e, devido

a isso, tem intensificando medidas de combate às drogas. Recentemente, foi

criado um sistema de vigilância aérea especialmente para o combate ao

narcotráfico (ANTONELLI, 2012). O país incentiva tais medidas regionalmente.

Quanto ao caso da folha de coca, no âmbito jurídico do país, ela não é considerada

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ilegal(lei 23737), visto que o país possui cerca de 500 mil pessoas que usam

folhas de coca no seu dia-a-dia.

Barbados entrou para a rota do tráfico internacional de drogas,

principalmente de cocaína, em 2010 quando facções venezuelanas, como as

FARCS aliaram-se a grupos nacionais. A ilha de Barbados atualmente é uma das

principais portas de entrada de drogas para a região do Caribe, elemento que

contribuiu fortemente para o aumento de dependentes químicos no país e a

elevação dos índices de violência em seu território. Barbados alinha sua posição

de combate ao tráfico de drogas as decisões da OEA, e esforça-se para melhorar

suas capacidades de combate ao tráfico em seu território. Portanto, novos

mecanismos de monitoramento do tráfico nos países e medidas conjuntas de

combate ao tráfico de drogas no âmbito da Organização dos Estados Americanos

são apoiadas por Barbados.

Belize está se tornando recentemente a mais nova rota do tráfico de

cocaína para os Estados Unidos pelos cartéis mexicanos. Com menores

capacidades de monitoramento pelo Estado, Belize está sendo usada como base

para chegada de drogas de avião ou por lancha – evitando as patrulhas

mexicanas. A presença de grandes traficantes tem se refletido no aumento da

insegurança pública e na adiç~o de Belize na “lista negra” de países rota de tr|fico

feita pelo governo dos EUA. Em conjunto com outros países da América Central,

Belize tem seguido o governo estadunidense – através de suas agências

internacionais anti-drogas – no combate ao tráfico. Recebe anualmente apoio

financeiro para a área de defesa; além de receber treinamento e servir de base

para as Forças Armadas americanas para ações marítimas na região.

A Bolívia tem se destacado como um país que defende a prática do

acullico(mastigação da folha de coca) como fator cultural dos povos andinos. O

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governo da Bolívia busca a descriminalização da plantação de coca tanto no

âmbito regional como internacional, argumentando que a folha faz parte da

tradição dos povos indígenas da região (EL REVOLUCIONARIO, 2012). O

presidente Evo Morales apoia a cultura da coca desde seu primeiro mandato e

lutou contra a criminalização da folha de coca feita pela ONU (CARTA CAPITAL,

2012). Em 2013, a organização reconheceu a cultura da coca dentro dos

territórios bolivianos. Agora, o governo tem a intenção de exportar folhas de coca

(PORTAL BRAGANÇA, 2012).

Já o Brasil possui leis que proíbem tanto a produção quanto o uso da

folha de coca dentro de seu território. As iniciativas, ações e programas

brasileiros contra o narcotráfico são conhecidas internacionalmente. Isso se deve

ao fato do Brasil ser um dos maiores consumidores de drogas e de possuir

fronteiras com os grandes produtores de cocaína (Colômbia, Peru e Bolívia).

Embora em Bahamas o combate ao narcotráfico tenha se intensificado,

reside outro problema no país: o fato de este ser um paraíso fiscal, ou seja, um

lugar que possibilita a entrada de grandes somas de dinheiro sem uma devida

fiscalização de suas origens. Vários países acreditam que uma grande parcela do

dinheiro obtido pelo narcotráfico seja enviado para o paraíso fiscal das Bahamas

(DIÁLOGO, 2012).

O Chile vê a plantação da folha de coca como incentivo à produção de

cocaína. Por isso, o uso da folha de coca é considerado ilegal em seu país. Como

exemplo, recentemente, o país prendeu um boliviano que transportava folhas de

coca (AGENCIA DE NOTICIA FIDES, 2012). Contudo, no norte do país, existem

mais de 10 mil pessoas que praticam a mastigação de coca.

A postura do Canadá é semelhante à dos Estados Unidos e à do México. O

país se posicionou contra a proposta da Bolívia na ONU de permitir a produção e

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o uso da folha de coca. Também em ações da OEA, o país mostra uma postura

diferente da dos países sul-americanos (OPINIÓN, 2012), principalmente quando

se trata da folha de coca. Dessa forma, percebe-se que o país não concorda com a

ideia da folha de coca ser um elemento cultural dos povos andinos.

A produção de cocaína na Colômbia é uma das maiores do mundo. O

governo já está há muito tempo em constante luta contra as Forças Armadas

Revolucionárias da Colômbia (FARC), uma organização que se financia por meio

da produção da cocaína. Recentemente, a guerrilha e o governo se propuseram a

conversar em Cuba (REDETV, 2012). Lá, as FARC propuseram a legalização da

maconha, da folha de coca e da papoula como um dos planos para a

reorganização das terras. Cabe lembrar que a Colômbia já foi alvo dos planos

estadunidenses de erradicação do narcotráfico e de plantações de coca em 2000.

A presidente da Costa Rica vê a “Guerra Contra as Drogas” como

infrutífera e acredita que a legalização de matérias primas seria um passo mais

eficiente para a diminuição do crime (INFO DROGAS COSTA RICA, 2012). No

entanto, a Costa Rica ainda mantém seu sistema legal: a produção e o uso de

qualquer droga é considerado ilegal.

Recentemente readmitida na OEA, Cuba possui poucos problemas

quanto ao combate interno do tráfico de drogas (PRENSA LATINA, 2012). Pelos

discursos do ex-presidente Fidel e do presidente Raul Castro, a visão de Cuba

quanto ao narcotráfico é de ser uma forma de os Estados Unidos interferirem em

outros países militarmente.

El Salvador é considerado pelos EUA como um dos grandes produtores

de cocaína na América Central, além de ser um importante entreposto nas rotas

do tráfico. O país proíbe o cultivo da planta e busca policiar suas fronteiras para

evitar o fluxo da cocaína. Nesse sentido, El Salvador considera importante a

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214 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p.193-224, 2013

integração dos países caribenhos, a fim de se unirem contra os males comuns,

dentre eles, o narcotráfico. Em busca disso, o atual presidente Fones restabeleceu

relações diplomáticas com Cuba, as quais foram rompidas na década de 50 (AFP,

2009).

Os Estados Unidos se destacam como um dos maiores combatentes do

narcotráfico no continente americano. A política dos Estados Unidos é baseada na

erradicação do problema pela raiz: a produção. Dessa forma, existem atualmente

diversos planos de mobilização e de criação de bases militares estadunidenses

em países latino-americanos. O exemplo mais característico seria o Plano

Colômbia, que começou em 2000 e tinha como objetivo enviar soldados

estadunidenses para a região de controle das FARC. O país sempre mostrou uma

postura rígida quanto à folha de coca e se manteve fora de qualquer decisão

relacionada ao uso legal da folha (OPINIÓN, 2012).

Também andino, o Equador considera o consumo de folhas de coca

como ilegal, apesar de ter povos indígenas que possuam a cultura da coca. O país

tem programas de monitoramento de plantações ilícitas de coca.

A posição de Granada mostra-se bastante proativa frente à erradicação

de plantações de folhas de coca no seu território. Recentemente, foi destruído um

cultivo de dez mil plantações de matas da folha pelas Forças Armadas do país

(Inforiente 2013). Em suas leis, o Governo proíbe a plantação de folhas de coca

em seu território. O país é considerado ponto de intercâmbio de drogas dos

países produtores para os Estados Unidos.

A Guiana tem procurado combater o narcotráfico que sai do país e vai

para a Europa, por meio de controles portuários e fronteiriços. O país recebeu

ajuda do Brasil na questão de vigilância e monitoramento. O Sistema de Vigilância

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da Amazônia (SIVAM) auxilia a monitorar áreas fronteiriças e assim diminuir o

tráfico de drogas.

Em 2012, o presidente da Guatemala propôs a legalização de drogas

naturais, reconhecendo que a guerra contra as drogas não diminui o tráfico na

área mesmo com todos os recursos que o país recebeu dos EUA

(TCHEBURAHKIN, 2012).

O Haiti é visto como ineficaz em seu programa antidrogas, embora o

consumo de drogas seja pequeno no país. O governo visa a uma fiscalização, visto

que o Haiti é um ponto de transação de drogas dos países produtores para os

consumidores e, por isso, é considerado como zona estratégica do narcotráfico.

Em Honduras, aumentou a presença militar estadunidense no combate

às drogas, visto que a área costeira do país é um ponto estratégico de envio de

drogas. A cooperação do país com os Estados Unidos implica uma forte ação

armada em suas zonas de narcotr|fico, indicando o car|ter agressivo da “guerra

{s drogas” (FRANK, 2012).

O Panamá faz parte da tradicional rota de narcotráfico de cocaína com

destino aos EUA. Ainda, a renda adquirida através da venda da droga nos EUA

volta para o Panamá para lavagem de dinheiro, visto que o país é um importante

paraíso fiscal da América Latina. Já a folha de coca chegou ao Panamá a partir de

1888 com a construção do Canal do Panamá, obra a qual deixava os

trabalhadores em más condições de saúde, tendo então chegado um grupo de

médicos bolivianos ao país, os quais disseminaram o uso medicinal da planta.

Atualmente, o Panamá adota uma postura de abstenção, ou seja, prefere não se

posicionar abertamente quanto à questão de legalização da folha de coca.

A Venezuela vem apresentando certos desencontros diplomáticos com a

Colômbia devido aos movimentos das FARC entre suas fronteiras. O uso da coca é

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comum no país, visto que há comércio de coca com a Bolívia e o presidente Hugo

Chávez mostrava-se a favor de uma integração regional sem a presença dos

Estados Unidos. Para Chávez, os Estados Unidos usam o narcotráfico na América

do Sul como uma forma imperialista de dominação regional, pensamento que

continua vigente, tendo em vista que o presidente Maduro é discípulo de Chávez.

Por isso, o país possui uma postura mais à favor de organizações regionais como

a Aliança Bolivariana para as Américas (ALBA) e a União das Nações Sul-

Americanas (UNASUL) do que a OEA.

Embora na Jamaica o uso mais comum de drogas seja o da maconha pra

fins culturais e religiosos, esta e outras são consideradas ilegais pelo governo.

Recentemente, houve grandes apreensões de drogas no país, intensificando a

atuação do governo no combate às drogas (DIÁLOGO, 2012).

A situação no México atinge altos níveis de violência do narcotráfico. O

país possui umas das taxas de homicídio relacionadas ao tráfico de drogas mais

altas do mundo. Em 2012, o governo começou a discutir o tema de legalização de

drogas, visto que a “guerra contra os cartéis” n~o estava diminuindo ao consumo

(DUFF, 2012).

Em 2012, foram apreendidas sete toneladas de drogas na Nicarágua,

indicando a forte atuação do governo frente ao narcotráfico. Isso se deve ao

aumento do narcotráfico no país. Embora não existam grandes instalações de

produção, o país serve como rota de passagem das drogas e por isso tem pouca

tolerância no uso de qualquer droga (ESTADÃO, 2012).

Paraguai, da mesma forma que o Brasil, considera a folha de coca como

a matéria prima da cocaína e, por isso, ilegal. Devido às suas fronteiras, as

movimentações de drogas em seu território são altas.

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País andino e de cultura cocalera, o Peru apresenta altos níveis de

produção e consumo, tanto da folha de coca quanto da cocaína. Milhões de seus

habitantes usam a folha de coca em seu dia-a-dia. Contudo, há, da considerável

produção de cocaína no país, uma grande movimentação da droga para fora do

país (TERRA, 2012).

Uma das maiores preocupações da República Dominicana é controle do

tráfico de drogas. O país já apreendeu toneladas de cocaína em 2012, mostrando

a forte atuação do governo frente ao narcotráfico. Cabe lembrar que o país serve

de ponto de transação entre os produtores e a Europa (DIÁLOGO, 2012).

Outro local de crescente importância é o Suriname. Sua exportação da

cocaína e de outras drogas para os Estados consumidores é crescente. Tal

corredor de passagem para as drogas tem recebido grande importância

recentemente.

Trinidad e Tobago apresentam baixos índices de consumo de cocaína e

derivados da coca. Em 2011, o país decretou estado de emergência, com a

intenção de impedir que a onda de violência relacionada às drogas, iniciada em

março do mesmo ano, aumentasse. O governo vê que medidas como a apreensão

de armas são eficazes para diminuir o tráfico de drogas na região (FIESER, 2012).

O governo do Uruguai legalizou a venda de maconha em 2012, indicando

uma postura diferente ao tratamento de drogas consideradas naturais (ATEU,

2012). O país, como Bahamas, é considerado um paraíso fiscal sul-americano

para o narcotráfico.

5. Referências

AFP (Agence France-Presse). El Salvador and Cuba reestablish democraticties. 01/06/2009. Disponível em:

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Organização dos Estados Americanos (OEA): Redução da oferta de drogas na América Latina: o caso da plantação de coca

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Resumo

A Organização dos Estados Americanos (OEA) foi fundada em 1948 para alcançar, como

estipula o Artigo 1º da Carta, “uma ordem de paz e de justiça, para promover solidariedade,

intensificar a colaboraç~o, defender a soberania, a integridade territorial e a independência”, através

dos pilares de democracia, direitos humanos, segurança e desenvolvimento, os quais se apoiam

mutuamente por meio de uma estrutura que inclui diálogo político, inclusão, cooperação,

instrumentos jurídicos e mecanismos de acompanhamento. A OEA mantém a preocupação

permanente quanto ao problema das drogas no continente americano. Levando em conta os efeitos

devastadores que os narcóticos podem causar à sociedade, a busca por soluções conjuntas entre os

Estados para a redução da oferta de drogas é um tópico majoritário e em constante debate na OEA. A

fim de garantir que tais soluções sejam alcançadas, a OEA criou em 1986 a Comissão Interamericana

para o Controle do Abuso de Drogas (CICAD) da Secretaria de Segurança Multidimensional da OEA, na

qual mantém o Observatório Interamericano sobre Drogas (OID), bem como seções de Redução da

Oferta de Drogas, de Fortalecimento Institucional e Programas Integrados, entre outras. Entretanto, o

esforço pela redução da oferta de drogas no continente não pode deixar de lado o caso da plantação

de coca, o qual deve ser considerado como uma questão cultural, principalmente devido aos hábitos

dos povos indígenas de países como Peru e Bolívia. As propriedades da folha de coca são

medicinalmente reconhecidas como analgésico natural e redutor dos males da altitude, além do

mascar da folha ser uma tradição enraizada nessas sociedades, não possuindo propriedades que

causem danos à saúde. Neste mês, a ONU reconheceu o direitos dos bolivianos de mastigarem a folha

da coca, dentro das fronteiras do país, sob o argumento de que é uma prática cultural. Por outro lado,

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224 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p.193-224, 2013

estima-se que na Bolívia cerca de 90 por cento da plantação acaba sendo dirigido à produção de

cocaína, tornando o país o terceiro maior produtor mundial da droga. Ainda, a imensa extensão total

das plantações ocupam espaços que poderiam ser usados para a produção de alimentos, mas que,

contudo, dariam um rendimento de aproximadamente sete vezes menor aos produtores. Assim,

percebe-se a importância do debate no âmbito da OEA, o qual deve levar em conta o grande problema

social e à saúde que drogas como a cocaína causam, mas sem deixar de lado as tradições culturais do

povo latino-americano.

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Organização Mundial do Comércio

Protecionismo, desenvolvimento e segurança alimentar: negociações acerca dos subsídios agrícolas

Camille Remondeau98

Giovana Esther Zucatto99

Mariana M. S. Bom100

Renata Schmitt Noronha101

A Organização Mundial do Comércio (OMC) é um foro de negociações

multilaterais acerca do comércio internacional. A ela os governos levam suas

preocupações e desavenças comerciais para que sejam negociadas soluções.

Entretanto, embora seja esta a sua principal função, as atribuições da OMC não se

limitam à negociação de regras para o comércio internacional, incluindo também

a implementação dos acordos comerciais existentes e a resolução de

controvérsias comerciais.

Os tratados da OMC102 são bastante complexos, uma vez que incluem um

detalhado sistema de redução de tarifas comerciais, mas é possível sublinhar

alguns princípios que lhes são basilares: a proibição de discriminação comercial,

98 Estudante do 5º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). 99 Estudante do 5º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). 100 Estudante do 9º semestre de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). 101 Estudante do 5º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). 102Tratados do sistema da OMC são: o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT), o Acordo sobre Aspectos de Direito da Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPS, da sigla em inglês) e o Acordo Geral sobre Comércio de Serviços (GATS, da sigla em inglês).

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Organização Mundial do Comércio: Protecionismo, desenvolvimento e segurança alimentar: negociações acerca dos subsídios agrícolas

226 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 225-242, 2013

a liberalização gradual do comércio, a concorrência justa e a promoção do

crescimento econômico. A proibição de discriminação comercial subdivide-se em

duas obrigações: a cláusula da Nação Mais Favorecida e a regra de Tratamento

Nacional. Pelo princípio da Nação Mais Favorecida, cada Membro da OMC é

obrigado a conceder a todos os outros Membros tratamento equivalente àquele

concedido à nação mais favorecida por ele nas relações comerciais. Já a

disposição do Tratamento Nacional proíbe que os Estados façam discriminações

entre produtos nacionais e importados.

A criação da OMC data de janeiro de 1995, mas o sistema de regras que

lhe é inerente é muito mais antigo: data de 1948, com a entrada em vigor do

Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT, da sigla em inglês). Trata-se de um

tratado internacional que regula o comércio mundial e cujo texto foi pouco

modificado desde que passou a vigorar. Os princípios do GATT constituem o

centro das obrigações do sistema da OMC. As negociações deste foro organizam-

se em "rodadas". A rodada mais recente é a Rodada de Doha, lançada em 2001 e

ainda em execução. O foco das negociações está na redução do déficit de

desenvolvimento, dando especial atenção a temas relevantes para os países em

desenvolvimento, como acesso a mercados e agricultura103.

1. Histórico

O comércio internacional, que adquire maiores proporções na era

mercantil e aprofundado nos séculos seguintes, trouxe à tona a concorrência

entre as nações exportadoras de produtos manufaturados e até mesmo de

103Declaração Ministerial de Doha, WT/MIN(01)/DEC/1, adotada em 14 de novembro de 2001.

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gêneros primários. Os governos passaram a buscar maneiras de proteger e

fortalecer a produção interna, principalmente a agrícola, que se manteve como a

base econômica da maioria dos países. Na Inglaterra, por exemplo, vigorou

durante parte do século XIX a Lei dos Cereais, que se baseava em medidas

protecionistas, as quais incentivavam a exportação e limitavam as importações

de cereais caso o preço dos mesmos caísse. A Lei dos Cereais é uma das

legislações mais famosas no que tange ao fortalecimento da produção agrícola

nacional, e só foi revogada após ampla pressão dos parlamentares britânicos em

defesa do livre comércio mundial.

Já no século XX, diversos países exportadores de produtos agrícolas,

grande parte deles nações em desenvolvimento, passaram a buscar a igualdade

no mercado internacional. Houve uma maior defesa do livre comércio como

forma de garantir a comercialização justa de seus produtos, debate que foi

central na Rodada Uruguai do GATT – a qual originou a OMC. Paralelamente,

outros tantos países desenvolveram políticas protecionistas e, em muitos casos,

aumentaram os seus subsídios aos agricultores. Pode-se citar como exemplos de

países os Estados Unidos da América e as nações que fazem parte da União

Europeia, além do Grupo de Cairns, do qual fazem parte tanto países

desenvolvidos como em desenvolvimento.

O governo norte-americano sempre foi um expoente na concessão de

subsídios aos agricultores. Com o advento do New Deal, em resposta à crise de

1929, foram criados diversos meios de incentivo à produção agrícola, como

medidas de apoio às commodities, controle da produção, barreiras à importação,

ordens de marketing para limitar a concorrência, e seguros agrícolas. Quando

Ronald Reagan assumiu o governo, em 1981, a proposta da gestão era diminuir a

concessão de subsídios. Entretanto, a produção agrícola e, especialmente, as

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Organização Mundial do Comércio: Protecionismo, desenvolvimento e segurança alimentar: negociações acerca dos subsídios agrícolas

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finanças rurais, atravessavam um período conturbado, de modo que o Congresso

norte-americano teve que fazer o inverso do defendido pela administração e

aumentar o apoio à agricultura (Edward, 2009). Nem mesmo a Rodada Uruguai

do GATT conseguiu derrubar os subsídios agrícolas nos EUA. De acordo com

Edwards (2009), os parlamentares aumentaram o apoio aos agricultores através

dos subsídios, sendo que, em 2008, aprovaram uma lei que prevê que o governo

comprará o excesso de açúcar importado que possa pressionar o preço do açúcar

nacional.

Os países europeus, por sua vez, sempre foram enfáticos na importância

de proteger a produção agrícola interna, vindo a realizar políticas que faziam o

preço do produto nacional ser até três vezes maior que o valor do similar

importado. A Rodada Uruguai do GATT influenciou a forma como a União

Europeia tratava a produção agrícola de seus países. Influenciada pela busca do

livre-mercado, realizou reformas na Política Agrícola Comum (PAC). Tais

mudanças constituíram basicamente uma redução dos subsídios dados aos

preços dos produtos primários, o que os levou, gradativamente, até os preços

internacionais, além de um deslocamento do montante de recurso, que vieram a

ser economizados (BRUM, 2002).

Em contrapartida ao protecionismo excessivo dos países centrais, 18

nações em desenvolvimento (além de países desenvolvidos como a Austrália e a

Nova Zelândia) criaram, em 1986, o Grupo do Cairns. Os países uniram-se em

busca da liberalização do mercado de produtos agrícolas, lutando pela

diminuição da concessão de subsídios agrícolas nas nações mais desenvolvidas e

pela remoção de tarifas e barreiras alfandegárias que dificultavam o acesso a

esses mercados por parte dos produtos oriundos de países em desenvolvimento.

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Além disso, reafirmaram que “[...] seria necess|rio perseguir os seguintes

objetivos básicos: a) inclusão de todas as medidas que afetassem negativamente

o comércio agrícola; b) rápida e substancial redução nos níveis de apoio para a

agricultura que distorcem o mercado internacional; c) estabelecimento de novas

regras ou disciplinas no GATT para assegurar a liberalização do comércio

agrícola; d) acordo sobre medidas específicas para reduzir as barreiras de acesso;

e) redução de subsídios e todas as outras medidas que têm efeitos negativos

sobre o comércio agrícola mundial; f) tratamento diferenciado e mais favorável

aos países em desenvolvimento”. (DA SILVA, 2002)

A iniciativa do Grupo do Cairns reflete a luta das nações em

desenvolvimento para se tornarem competitivas num mercado bastante

controlado por países que já possuem as suas economias maduras, que se

recusam a abrir seus mercados e que, ironicamente, forçam a entrada de seus

produtos em economias infantes. Assim sendo, é possível perceber dois lados

opostos e conflitantes nas negociações da OMC: países desenvolvidos, baseados

em políticas internas de concessão de subsídios e proteção dos mercados, e

países em desenvolvimento, que buscam espaço para seus produtos no mercado

internacional, o qual ainda está longe de uma situação de concorrência plena.

2. Desenvolvimento da questão

A discussão dos subsídios agrícolas tem grande repercussão no sistema

mundial a partir do encontro de 2008 da Rodada de Doha, quando cresce o

número de países em desenvolvimento dentro da OMC e, sendo assim, sua

respectiva participação nas negociações. Como muitos desses apresentam

vantagens comparativas na produção agrícola e grande parte da população pobre

do mundo vive em áreas rurais, parece lógico que o acesso ao mercado de

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Organização Mundial do Comércio: Protecionismo, desenvolvimento e segurança alimentar: negociações acerca dos subsídios agrícolas

230 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 225-242, 2013

produtos agrícolas emerja como um tema central nas negociações de comércio

internacional (ELIOR, 2006).

A título de definição legal, subsídios consistem em contribuições

financeiras ou apoio à renda ou à manutenção preços, feitos pelo governo ou

agencias governamentais, que confiram benefício a um beneficiário específico,

causando dano material à indústria doméstica do país que deseja exportar ao

mercado subsidiado.104 Em outras palavras, existirá um subsídio quando o

governo do Estado A decidir apoiar a indústria doméstica produtora de milho,

por exemplo, conferindo-lhes um apoio a preço no valor de 40. Se a indústria

doméstica de A conseguia antes vender milho no mercado doméstico ao preço de

100; subsidiado, o produto passará a ser vendido no mercado pelo preço artificial

de 60. Isso gera implicações sérias para as indústrias de outros Estados que,

capazes de produzir e transportar milho ao preço de 80 costumavam exportar

seu produto para o mercado interno de A, eis que, de repente, elas, mesmo sendo

mais eficientes em termos econômicos, perdem competitividade no mercado

subsidiado de A.

A questão dos subsídios é pautada ainda pelas regras contidas no Acordo

de Agricultura da OMC, o qual possui três pilares: (1) o acesso a mercados com a

redução de barreiras ao comércio entre membros da OMC; (2) os subsídios

domésticos (apoio interno a produtores, incluindo programas de garantia de

preços para produtores agrícolas), que podem ser permitidos dentro de um

limite que não distorça o comércio internacional; e (3) os subsídios à exportação,

104Artigo VI, Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT); Artigo 1.1, Acordo de Subsídios e Medidas Compensatórias (SCM).

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os quais são proibidos exceto se arrolados na lista de compromissos do país105,

caso em que deverão ser diminuídos.

Sob um olhar pouco crítico, a questão dos subsídios agrícolas pode

parecer simples e claramente bipolarizada entre Países Desenvolvidos e Países

em Desenvolvimento – isto é, entre países que costumam apoiar financeiramente

sua produção agrícola interna e países que, grandes produtores agrícolas,

desejam ver seu produto ingressar no mercado interno daqueles primeiros.

Contudo, há outro ponto importante a ser considerado nas discussões: a

segurança alimentar. Não é à toa que a OMC possui uma lista que separa os Países

Menos Desenvolvidos dos países em desenvolvimento.106 Os Países Menos

Desenvolvidos muitas vezes têm o seu abastecimento alimentar dependente da

importação de produtos agrícolas aos preços baixos artificiais gerados pelos

subsídios.107 Dessa forma, a redução dos subsídios agrícolas deve, além de

equilibrar os interesses contrastantes de Países Desenvolvidos e Países em

Desenvolvimento, levar em conta a necessidade de os Países Menos

Desenvolvidos realizarem os ajustes necessários para adaptar o seu

abastecimento alimentar a um mercado internacional com preços mais altos,

protegendo as suas populações das excentricidades do mercado de commodities.

Os países desenvolvidos defendem uma liberalização do comércio

internacional que contemple uma diminuição nas barreiras tarifárias e subsídios

de manufaturados, mas mantêm um protecionismo sobre seus produtos pouco

105 Para países desenvolvidos, corte de 26% no volume ou no valor das exportações subsidiadas e para países em desenvolvimento, corte de 14% no volume ou corte de 24% no valor das exportações subsidiadas. 106 Lista disponível em: http://www.wto.org/english/thewto_e/whatis_e/tif_e/org7_e.htm. 107 OMC, Decisão Ministerial sobre Medidas contra Possíveis Efeitos Negativos do Programa de Reformas sobre Países Menos Desenvolvidos e Países em Desenvolvimento Importadores de Alimentos. Disponível em: http://www.wto.org/english/docs_e/legal_e/35-dag.pdf

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competitivos. Assim, seus manufaturados podem ter maior e mais fácil acesso a

grandes mercados consumidores – como, por exemplo, o Brasil e a Índia – e não

há perda na produção interna dos commodities. Por outro lado, o hemisfério Sul

defende a redução dos subsídios agrícolas no mercado europeu e norte-

americano. Estes países, além de apresentarem vantagens como melhor

infraestrutra e melhor maquinaria, recebem ajuda financeira por parte do

governo, tornando seus produtos mais baratos. Assim, para o pequeno produtor

local brasileiro, por exemplo, torna-se muito difícil competir nesse mercado.

A questão dos subsídios agrícolas é complexa, pois a política interior de

cada país reflete na estrutura econômica e social de outro. No caso dos países em

desenvolvimento, a questão é ainda mais complicada (ELIOR, 2006). Eles exigem

a diminuição dos subsídios na produção de produtos primários, mas defendem

sua proteção nas indústrias nascentes. Conforme representante da Oxfam (ONG

dedicada a incentivar as ações de desenvolvimento e de combate à pobreza) Amy

Barry, “n~o é nada razo|vel e altamente destrutivo esperar que os países em

desenvolvimento operem sem nenhuma proteção contra indústrias estrangeiras

fortes" (FOLHA, 2004).

Em vista de tais diferenças, deve-se ressaltar que a moldura normativa

criada pelos diversos acordos da OMC não gera obrigações idênticas para países

desenvolvidos e em desenvolvimento. O Acordo sobre Agricultura108, por

exemplo, claramente coloca que os países desenvolvidos devem reduzir o seu

suporte a produtores agrícolas domésticos em 20% num período de 6 anos,

enquanto que os países em desenvolvimento devem reduzir o seu suporte a

108 Acordo sobre Agricultura foi negociado durante a rodada Uruguai e entrou em vigor em 1995.

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produtores agrícolas domésticos em 13% num período de 10 anos. Os países

menos desenvolvidos, por sua vez, são isentos da obrigação de reduzir o seu

apoio aos produtores agrícolas domésticos109.

3. Ações Internacionais Prévias

O primeiro documento com alguma referência aos subsídios agrícolas foi

o Acordo Geral de Tarifas e Comércio de 1947 (GATT). No artigo XVI do mesmo,

fica especificado que se houver danos causados por subsídios, as partes devem

negociar a possibilidade de limitações buscando a melhor satisfação de seus

interesses. Além disso, incentiva os países contratantes a evitar o uso de

subsídios à exportação de produtos primários e determina uma data limite (1º de

janeiro de 1958) para cessar o uso de subsídios diretos ou indiretos à exportação

de produtos não primários. Relacionando este artigo com o artigo VI referente ao

antidumping e deveres compensatórios e com o artigo XXIII referente à anulação

ou prejuízo, foi criado o Código de Subsídios durante a Rodada Tóquio em 1979.

Em 1986, começaram as negociações da Rodada do Uruguai, que

duraram até 1994 e tiveram como principal resultado a criação da OMC e do

órgão de solução de controvérsias. Dois dos acordos mais importantes em

relação aos subsídios agrícolas foram criados durante essa rodada: o Acordo

sobre Subsídios e Medidas Compensatórias e o Acordo sobre Agricultura.

O Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias (ASMC) substituiu

o Código de Subsídios e acrescentou uma série de informações importantes que

não existiam no predecessor. É considerado um grande avanço na

regulamentaç~o desse assunto, pois apresenta uma definiç~o para “subsídio” e o

109 Acordo sobre Agricultura, Artigo 15.

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Organização Mundial do Comércio: Protecionismo, desenvolvimento e segurança alimentar: negociações acerca dos subsídios agrícolas

234 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 225-242, 2013

conceito de subsídio específico. O ASMC define subsídio como uma contribuição

financeira, feita por um país ou órgão público dentro do território do país

membro e que confira benefícios. A partir desse acordo, os subsídios são

divididos em “proibidos”, isto é, aqueles que apresentam o objetivo de

desencorajar o comércio internacional e privilegiar os bens domésticos, e

“acion|veis”, ou seja, aqueles que s~o permitidos e só podem ser retirados após a

apresentação de provas de que danos foram causados. A especificidade dos

subsídios é dividida em quatro categorias, sendo elas: empresarial, industrial,

regional e proibido.

O ASMC disciplina o uso de subsídios e regula as ações dos países para

detê-los, já que os países podem recorrer ao Órgão de Solução de Controvérsias

da OMC para remover os subsídios ou reparar seus danos por meio das medidas

compensatórias. Também estabelece os recursos que os Membros da OMC

podem utilizar contra subsídios danosos e os procedimentos a serem seguidos

nesse sentido, além de conter regras procedimentais a serem seguidas pelos

Membros da OMC que desejem aplicar medidas compensatórias (a via unilateral)

e mecanismos de ataque contra determinados tipos de subsídios na OMC (a via

multilateral). De acordo com o ASMC, os países desenvolvidos e em

desenvolvimento apresentam diferentes níveis de tratamento e de exigências.

Por exemplo, o tempo limite exigido para redução de subsídios proibidos é

menor para os países desenvolvidos. Quanto menor seu nível de

desenvolvimento, mais favorável será o tratamento em relação a subsídios.

Ademais, buscando a fiscalização e organização das regras presentes no acordo,

foi criado um comitê específico, que deve ser notificado regularmente pelos

membros quanto aos subsídios.

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UFRGSMUNDI

UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 225-242, 2013 235

Já o Acordo sobre Agricultura é um dos acordos mais importantes que

constituem a OMC, tendo também cláusulas referentes aos subsídios agrícolas. O

acordo sustenta a necessidade de estabelecer um sistema de trocas agrícolas

orientadas pelo mercado, reconhecendo, ao mesmo tempo, a importância de se

levar em conta temas não diretamente comerciais (non trade concerns) como a

segurança alimentar e a proteção ambiental (ABRAMOVAY, 2002). Seu principal

objetivo é trazer mais estabilidade ao comércio internacional e, por meio do

Comitê de Agricultura criado com o acordo, analisar anualmente o crescimento

normal do comércio agrícola mundial no contexto dos compromissos de

exportação de subsídios. Com foco nas reduções dos subsídios à exportação, o

documento apresenta tratamentos diferenciados para os países em

desenvolvimento, além de prever uma flexibilidade limitada em relação ao tempo

para o cumprimento das exigências.

A qualidade polêmica da questão dos subsídios agrícolas e o relativo

insucesso das negociações refletem-se na quantidade de casos levados por Países

Membros ao Órgão de Solução de Controvérsias, o órgão "jurídico" da OMC. No

período entre 2001 e 2012, isto é, no período da mais recente das rodadas de

negociações da OMC – a Rodada de Doha –, seis casos sobre subsídios agrícolas

foram levados ao Órgão de Solução de Controvérsias.

Em 2001, começou a Rodada Doha, que teve como principal foco de

discussões o papel do comércio internacional como promotor de

desenvolvimento e de reduç~o da pobreza. Como afirma Sandra Polónia Rios, “o

mandato de Doha afirma o compromisso dos países membros da OMC com

negociações abrangentes com vistas a melhorias substantivas em acesso a

mercados, redução com vistas à eliminação de todas as formas de subsídios às

exportações e redução substancial em medidas de apoio interno que distorcem o

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Organização Mundial do Comércio: Protecionismo, desenvolvimento e segurança alimentar: negociações acerca dos subsídios agrícolas

236 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 225-242, 2013

comércio”. Questões envolvendo barreiras e subsídios agrícolas foram muito

discutidas e foi difícil chegar a um consenso devido às opiniões divergentes entre

países desenvolvidos e em desenvolvimento.

4. Posicionamento dos países

O Brasil tem dirigido esforços à obtenção de condições mais justas no

comércio agrícola, buscando a extinção dos subsídios à exportação e diminuição

substancial dos subsídios domésticos (apoio interno), pautando seu

posicionamento pelo objetivo de consolidar o acesso de produtos agrícolas

brasileiros aos mercados, notadamente europeu e norte-americano. A postura

brasileira contra os subsídios agrícolas fortaleceu-se com posição de liderança

assumida pelo país no G-20 e a vitória sobre os Estados Unidos em contencioso

sobre os subsídios norte-americanos à produção de algodão110.

Os Estados Unidos, por sua vez, embora tenham concordado em reduzir

seus subsídios agrícolas ao teto de US$ 17 bilhões/ano ao invés dos US$22,5

bilhões da oferta anterior, consideram que o insucesso das negociações acerca

dos subsídios agrícolas se deve à intransigência dos países em desenvolvimento,

que, em troca das concessões agrícolas, não estão dispostos a realizar as

concessões desejadas na área de abertura de mercados para bens não

agrícolas111. Os EUA já tiveram os seus subsídios agrícolas acionados três vezes

perante o Órgão de Soluções de Controvérsias da OMC. Os níveis de apoio aos

produtores, no entanto, diminuíram substancialmente desde a década de 1980,

110Ministério das Relações Exteriores, Balanço de Política Externa 2003/2010. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/temas/balanco-de-politica-externa-2003-2010 111ICTSD, More Die than Do for Doha Round?. Disponível em: http://ictsd.org/downloads/bridges/bridges11-4.pdf

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UFRGSMUNDI

UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 225-242, 2013 237

alcançando a faixa de 9% da renda agrícola total112. Entre os produtos mais

subsidiados estão o milho e o algodão.

O Canadá, país que faz parte do G-20 e é o maior parceiro comercial dos

Estados Unidos, já manifestou a sua insatisfação com a política de subsídios deste

último, tendo inclusive iniciado um contencioso no Órgão de Solução de

Controvérsias da OMC para discutir a concessão de subsídios agrícolas aos

produtores de milho nos EUA. O Canadá busca promover a concorrência justa

através da eliminação dos subsídios às exportações e redução substancial dos

subsídios domésticos113.

Sendo três dos países que mais se beneficiam dos subsídios pagos pela

Política Agrícola Comum da União Europeia (PAC), França (com €10,3 bilhões ou

19% dos pagamentos), Alemanha (com €7,3 bilhões ou 13,3%) e Itália (com

10,6%)114 opõem-se às propostas de reformas do sistema de subsídios da PAC,

argumentando que é importante conservar a competitividade da agricultura

europeia.115 Os produtores agrícolas da Holanda também se beneficiam dos

pagamentos da Política Agrícola Comum, tendo o percentual de ajuda agrícola

recebido por este país aumentado em 17% entre 2009 e 2010116.

112OECD, United States - Agricultural Policy Monitoring and Evaluation 2011. Disponível em: http://www.oecd.org/document/62/0,3746,en_2649_37401_48710270_1_1_1_37401,00.html 113OMC, Canada - Trade Policy Regime, WT/TPR/S/179 . 114Ministério da Agricultura da República Francesa, Les Dépenses del' Union Européenne em faveur de l'agriculture dês Etats membres en 2009 et 2010. Disponívelemhttp://agriculture.gouv.fr/IMG/pdf/3_CP2010-U-E-3.pdf 115Germany Opposes Attempts to Reform EU Agricultural Subsidies Petra Bornhöft, Christoph Schult and Christian Schwägerlhttp://www.spiegel.de/international/europe/0,1518,737662,00.html 116Ministério da Agricultura da República Francesa, Les Dépenses del' Union Européenne em faveur de l'agriculture dês Etats membres en 2009 et 2010. Disponívelemhttp://agriculture.gouv.fr/IMG/pdf/3_CP2010-U-E-3.pdf

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Organização Mundial do Comércio: Protecionismo, desenvolvimento e segurança alimentar: negociações acerca dos subsídios agrícolas

238 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 225-242, 2013

A Ucrânia possui um baixo índice de apoio interno aos produtores

agrícolas – apenas 3% contra a média de 30% dos países desenvolvidos. O país se

comprometeu, quando da sua entrada na OMC, à não utilização de subsídios a

exportações agrícolas117.

A China anunciou, no início de 2012, que aumentará a intensidade do

seu programa de subsídios agrícolas, o qual continuará, porém, dentro do limite

máximo permitido pela OMC. O país, que ainda enfrenta preocupações no tocante

à segurança alimentar, possuindo certa dependência de importações de

alimentos, pretende tornar-se autossuficiente em produtos estratégicos como

algodão, arroz, trigo e milho118.

O Quênia é contra os subsídios agrícolas estabelecidos pelos países

europeus. Esses subsídios prejudicam o crescimento da economia queniana, que

depende principalmente das exportações, tanto para União Europeia, quanto

para os Estados Unidos, para se desenvolver. Com problemas ligados aos

subsídios à exportação do açúcar, o país já participou como terceiro em

reclamações à UE no órgão de solução de controvérsias da OMC.

Inspirado no Brasil, o Mali estuda a possibilidade de denúncia aos EUA

no órgão de solução de controvérsias da OMC por conta dos subsídios ao algodão.

Os países do Oeste Africano são contrários a essas medidas, que diminuem o

preço pago aos agricultores africanos, deixando-os em uma situação de pobreza.

Chade e Benin, países, assim como Mali, exportadores de algodão,

opõem-se aos subsídios aplicados pelos Estados Unidos e União Europeia que

117OECD, Agricultural Policies in Non-OECD Countries. Disponível em: http://www.oecd.org/dataoecd/11/56/40354956.pdf 118ICTSD, China to Boost Farm Subsidies for Science and Technology. Disponível em: http://ictsd.org/i/news/bridgesweekly/124690/

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UFRGSMUNDI

UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 225-242, 2013 239

têm por efeito distorcer o comércio internacional, já tendo inclusive enviado

proposta à OMC para que os mencionados países congelassem seus subsídios a

níveis baixos119.

A Grécia é um país favorável aos subsídios, sendo auxiliada pela União

Europeia, da qual faz parte. Os agricultores gregos têm direito a uma dedução

fiscal anual calculada como uma porcentagem da receita de exportação. Por causa

desse problema, o país já participou de discussões na OMC com os Estados

Unidos. Além disso, a Grécia também terá que devolver os subsídios agrícolas

concedidos pela União Europeia por terem sido utilizados de forma irregular.

O governo das Filipinas defende a redução dos subsídios agrícolas nos

países desenvolvidos, mas apoia o uso de mecanismos especiais em países em

desenvolvimento para impulsionar suas economias e criar uma chance de

crescimento. Fazendo parte do G-20, luta pelos direitos dos países em

desenvolvimento.

A Tailândia conta com subsídios para seus agricultores e por isso não

pode ser totalmente contra essas medidas. Porém, em busca de seus interesses

nacionais, luta pela abertura dos mercados para produtos de exportação.

Enquanto defende a redução dos subsídios agrícolas nos países desenvolvidos,

implanta tarifas altas para produtos importados e recebe auxílio para os

agricultores nacionais.

A Indonésia é parte do Grupo Cairns, que luta pela supressão total dos

subsídios às exportações agrícolas vigentes nos países desenvolvidos. O

Paraguai também faz parte desse grupo, participando inúmeras vezes no órgão

119ICTSD, Cotton: African Exporters Seek Subsidy Freeze. Disponível em: http://ictsd.org/i/news/bridgesweekly/118590/

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Organização Mundial do Comércio: Protecionismo, desenvolvimento e segurança alimentar: negociações acerca dos subsídios agrícolas

240 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 225-242, 2013

de solução de controvérsias da OMC contra os Estados Unidos e a União Europeia.

Seus principais motivos de debate foram os subsídios ao algodão e ao açúcar.

O Egito faz parte do G-20, grupo que luta pela redução dos subsídios,

principalmente durante a Rodada Doha. Porém, internamente, o país utiliza

subsídios para produtos específicos em busca de uma maior estabilidade

econômica e política.

Comprometido com os direitos dos países em desenvolvimento, o

Equador é contrário aos subsídios agrícolas. O principal ponto focado pelo país é

que esses subsídios estabelecidos pelos países desenvolvidos prejudicam os em

desenvolvimento e que a comunidade financeira internacional deveria tomar

medidas práticas em relação a este problema.

Os fazendeiros espanhóis e ingleses recebem milhões de euros em

subsídios agrícolas, sendo os mais beneficiados os do Reino Unido. Este tipo de

auxílio à produção agrícola praticado na Europa desde os anos 60 é duramente

criticado pelos países da América Latina, que acusam os europeus de impedirem

o crescimento dos países em desenvolvimento fechando seus mercados. Tanto o

Reino Unido, quanto a Espanha não participaram de nenhum conflito

envolvendo subsídios agrícolas no órgão de solução de controvérsias da OMC.

6. Referências

BORNHÖFT, Petra et al. Guarding the Pork Barrel: Germany Opposes Attempts to Reform EU Agricultural Subsidies. Spiegel Online International, 2011. Disponível em: <http://www.spiegel.de/international/europe/guarding-the-pork-barrel-germany-opposes-attempts-to-reform-eu-agricultural-subsidies-a-737662.html>.

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UFRGSMUNDI

UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 225-242, 2013 241

BRASIL. Balanço de Política Externa 2003/2010. Ministério das Relações Exteriores. Disponível em: <http://www.itamaraty.gov.br/temas/balanco-de-politica-externa-2003-2010>.

FOLHA de São Paulo Online. Entenda a polêmica em torno dos subsídios agrícolas na OMC. São Paulo, 2004. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/bbc/ult272u33826.shtml>.

FRANÇA. LesDépenses de l’UnionEuropéenneenfaveur de l’agriculturedesEtatsMembresen 9 et 1 . União Europeia, 2010. Disponível em: <http://agriculture.gouv.fr/IMG/pdf/3_CP2010-U-E-3.pdf>.

ICSTD (International Centre for Trade and Sustainable Development).China to boost farm subsidies for science and technology.Fevereiro de 2012.Disponívelem: <http://ictsd.org/i/news/bridgesweekly/124690/>.

__________. Cotton: African Exporters Seek Subsidy Freeze. Novembro de 2011. Disponível em: <http://ictsd.org/i/news/bridgesweekly/118590/>.

__________. More Die than Do for Doha Round? Julho de 2007. Disponível em: <http://ictsd.org/downloads/bridges/bridges11-4.pdf>.

OECD (Organization for Economic and Co-operation and Development). Ukraine. Agricultural Policies in non-OECD countries. 2007. Disponível em: <http://www.oecd.org/agriculture/agricultural-policies/40354956.pdf>.

__________. United States – Agricultural Policy Monitoring and Evaluation 2011. 2011. Disponível em: <http://www.oecd.org/unitedstates/unitedstates-agriculturalpolicymonitoringandevaluation2011.htm>.

Resumo

A Organização Mundial do Comércio (OMC) é um foro de negociações multilaterais acerca

do comércio internacional ao qual os governos levam suas preocupações e desavenças comerciais e

que também implementa acordos já existentes. As negociações da OMC são chamadas de rodadas,

durante as quais é lançada uma agenda de temas que serão discutidos entre os membros para

firmarem acordos. A última rodada, de Doha, lançada em 2001 e ainda em execução, foca na redução

do déficit de desenvolvimento, dando especial atenção a temas relevantes para os países em

desenvolvimento, como acesso a mercados e agricultura, refletindo um crescimento do número de

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Organização Mundial do Comércio: Protecionismo, desenvolvimento e segurança alimentar: negociações acerca dos subsídios agrícolas

242 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 225-242, 2013

países subdesenvolvidos e em desenvolvimento dentro da OMC. É nesse contexto que esse guia

discute a questão dos subsídios agrícolas, que consistem em uma forma de apoio monetário,

concedido por uma entidade (geralmente governamental) a outra (produtores agrícolas), no sentido

de fomentar o desenvolvimento de uma atividade, visando maior competitividade no mercado

internacional assim como a proteção do mercado interno. Dessa maneira, os países desenvolvidos

defendem uma liberalização do Comércio Internacional, uma diminuição nas barreiras tarifárias e

subsídios de manufaturados, mas com um protecionismo de seus produtos pouco competitivos. Já o

hemisfério Sul defende a redução dos subsídios agrícolas no mercado europeu e americano que já

possuem uma melhor infra-estrutra e melhor maquinaria, tornando-se muito difícil competir nesse

mercado injusto com a manutenção da ajuda governamental. Apesar da clara bipolarização dessa

questão, é preciso ainda considerar-se a segurança alimentar, de forma que a redução dos subsídios

agrícolas deve, além de equilibrar os interesses contrastantes de Países Desenvolvidos e Países em

Desenvolvimento, levar em conta a necessidade de os Países Menos Desenvolvidos realizarem os

ajustes necessários para adaptar o seu abastecimento alimentar a um mercado internacional com

preços mais altos, protegendo as suas populações das excentricidades do mercado de commodities.

Page 243: Guia de Estudos - 2013

UFRGSMUNDI

UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 243-269, 2013 243

Corte Internacional De Justiça

Corpo Diplomático e Consular dos Estados Unidos em Teerã (Estados Unidos v. Irã)

André da Rocha Ferreira120

Fernanda Graeff Machry121

Luíza Leão Soares Pereira122

Michelle Gallera Dias123

1. O Comitê

A resolução pacífica de conflitos é um dos princípios da Organização das

Nações Unidas, estabelecido no Art. 2(3) de sua Carta. Num esforço para

promover tal prática, foi criada a Corte Internacional de Justiça, quando do

estabelecimento da própria Organização das Nações Unidas, na Conferência de

São Francisco, em 1945.

Previamente, no sistema da Liga das Nações, já existia um tribunal

internacional permanente, a Corte Permanente de Justiça Internacional,

considerada a antecessora da atual Corte. O Estatuto da Corte Internacional de

Justiça é, inclusive, baseado no Estatuto da Corte Permanente (Art. 92 da Carta da

ONU).

120 Estudante do 7o semestre de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) 121 Estudante do 9o semestre de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) 122 Estudante do 9o semestre de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) 123 Estudante do 7º semestre de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

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Corte Internacional De Justiça: Corpo Diplomático e Consular dos Estados Unidos em Teerã (Estados Unidos v. Irã)

244 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 243-269, 2013

A CIJ teve sua primeira audiência pública em 18 de abril de 1945 e

recebeu seu primeiro caso no ano seguinte, trazido pelo Reino Unido contra a

Albânia (Caso Canal de Corfu).

1.1. Organização da corte

A Corte é composta de 15 juízes (Art. 3(1) do Estatuto da CIJ), eleitos

pela Assembleia Geral e pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas para um

mandato de nove anos (Art. 13 do Estatuto da CIJ). Não pode haver na

composição da Corte, ao mesmo tempo, mais de um juiz da mesma nacionalidade

(Art. 3(1) do Estatuto da CIJ). Além disso, o Estatuto da CIJ prevê que as partes de

uma disputa têm direito a ter um juiz da sua nacionalidade na composição da

Corte (Art. 31 do Estatuto da CIJ); se não houver, a parte poderá escolher um juiz

ad hoc.

No entanto, é importante ressaltar que os juízes da CIJ não representam

seus países de origem, e sim são independentes (Art. 2 do Estatuto da CIJ). Eles

são eleitos com base em seu conhecimento jurídico, portanto devem representar

sua visão pessoal sobre o direito internacional em relação às questões em pauta.

1.2. Competência da corte: quem podemos julgar

A Corte tem dois tipos de competência para emitir julgamentos: a primeira

chama-se contenciosa, entre Estados, e a segunda, consultiva, exercida em relação

a pedidos feitos por órgãos da própria ONU ou de suas agências especializadas

(Estatuto da CIJ, Art. 34, para. I e II).

A competência contenciosa busca estabelecer a paz e a segurança

internacionais através resolução pacífica de controvérsias. Ao invés de utilizar o

conflito armado como recurso em uma questão de disputa de fronteiras, por

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UFRGSMUNDI

UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 243-269, 2013 245

exemplo, basta que os Estados concordem em submeter a questão à Corte, que

resolve a questão de maneira imparcial e com base no Direito Internacional. Este

tipo de decisão da Corte é de cumprimento obrigatório aos Estados que se

submeteram à jurisdição dela.

Outro ponto fundamental no Direito Internacional que se aplica à

jurisdição da Corte é o consentimento. Como, nas relações internacionais, todos

os Estados são iguais perante a lei, soberanos, e ninguém pode ordená-los a fazer

algo sem seu consentimento, a Corte somente julgar casos quando os Estados

envolvidos tiverem consentido a ela124.

Esse consentimento pode se dar das seguintes maneiras: através de um

acordo entre as partes que submetem o caso; por meio de uma cláusula incluída

em tratados, dizendo que quaisquer disputas jurídicas advindas de sua aplicação

poderão ser submetidas à Corte; através de uma declaração feita anteriormente e

depositada junto ao Secretário Geral da ONU; e através de um mecanismo

chamado fórum prorrogatorum, segundo o qual um Estado que comparece

perante a Corte, em procedimentos contra si, aceita tacitamente a jurisdição

desta.

Já a competência consultiva é especial e serve para esclarecer pontos de

direito que surjam em relação a órgãos da ONU ou a agências especializadas.

Apesar de não serem obrigatórias, ao contrário das decisões emitidas em relação

à competência contenciosa, tem um grande peso em decisões tomadas

124 Ao contr|rio do Direito interno, em que a relaç~o é ‘vertical’ – o Legislativo “manda” e os demais tem que obedecer à lei –, no Direito Internacional todos os Estados s~o iguais, em raz~o da “igualdade soberana entre os Estados”. Consequentemente, ninguém pode “mandar” neles a n~o ser que eles tenham previamente consentido a agir ou deixar de agir de uma certa forma.

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Corte Internacional De Justiça: Corpo Diplomático e Consular dos Estados Unidos em Teerã (Estados Unidos v. Irã)

246 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 243-269, 2013

posteriormente e são frequentemente citadas como tendo sido esclarecedoras de

pontos fundamentais do Direito Internacional.

2. Histórico

Em 1979, durante uma manifestação o prédio da Embaixada dos Estados

Unidos da América em Teerã foi invadido por um grupo de estudantes. Nenhuma

força de segurança iraniana foi enviada para intervir ou abrandar a situação,

embora tenha havido pedidos de ajuda da Embaixada às autoridades iranianas. O

corpo diplomático e consular, além do staff não-estadunidense, bem como

visitantes, foi feito refém durante a ação. Com a exceção de 13 pessoas que foram

libertadas nos dias 18 e 20 de novembro de 1979, os demais permaneceram

reféns. Em 29 de novembro de 1979, os Estados Unidos iniciaram procedimentos

na Corte Internacional de Justiça, alegando que a República Islâmica do Irã

violara inúmeras obrigações legais impostas pela Convenção de Viena sobre

Relações Diplomáticas de 1961, pela Convenção de Viena sobre Relações

Consulares de 1963, pelo Tratado de Amizade, Relações Econômicas e Direitos

Consulares entre Irã e Estados Unidos de 1955, pela Convenção de Prevenção e

Punição de Crimes contra Pessoas que Gozam de Proteção Internacional,

incluindo Agentes Diplomáticos, de 1973, pela Carta das Nações Unidas e pelo

costume internacional.

3. Desenvolvimento da questão

3.1. Fatos principais

No dia 4 de novembro de 1979, por volta das 10h30min, a Embaixada dos

Estados Unidos da América em Teerã foi invadida por centenas de manifestantes.

Durante a invasão, oficiais, seguranças e visitantes foram feitos reféns. Apesar

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UFRGSMUNDI

UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 243-269, 2013 247

dos pedidos de ajuda da Embaixada estadunidense ao Governo iraniano,

nenhuma força de segurança foi enviada para aliviar a situação, persuadir os

manifestantes a terminar com a ação ou resgatar os reféns.

Os manifestantes continuaram a manter no mínimo 50 reféns, na sua

maioria agentes diplomáticos e membros do staff administrativo e técnico da

Embaixada, embora tenham libertado 13 reféns nos dias 18 e 20 de novembro de

1979.

Na manhã de 5 de novembro de 1979, os Consulados dos Estados Unidos

em Tabriz e Shiraz foram invadidos, novamente sem qualquer ação de proteção

por parte do Governo iraniano. Devido à suspensão das operações dos

Consulados desde fevereiro, nenhum oficial estadunidense foi feito refém nessa

invasão.

No dia 29 de novembro de 1979, os Estados Unidos da América iniciaram

os procedimentos contra a República Islâmica do Irã na Corte Internacional de

Justiça. Na mesma data, os Estados Unidos fizeram o requerimento para

indicação de medidas provisórias para preservar os direitos de seus nacionais à

vida, liberdade, proteção e segurança; o direito à inviolabilidade, imunidade e

proteção dos oficiais diplomáticos e consulares; e os direitos à inviolabilidade e

proteção de seus edifícios diplomáticos e consulares. Os Estados Unidos pediram

que a Corte indicasse que:

(a) o Governo do Irã libertasse imediatamente todos os reféns de

nacionalidade norte-americana e facilitasse a saída imediata e

segura do Irã dessas pessoas e dos demais oficiais

estadunidenses em condições dignas e humanas.

(b) o Governo do Irã retirasse da Embaixada estadunidense todas

as pessoas não autorizadas pelo Encarregado dos Estados

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Corte Internacional De Justiça: Corpo Diplomático e Consular dos Estados Unidos em Teerã (Estados Unidos v. Irã)

248 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 243-269, 2013

Unidos no Irã e restaurasse o controle das instalações aos

Estados Unidos.

(c) o Governo do Irã assegurasse que todas as pessoas ligadas à

Embaixada norte-americana e ao Consulado deveriam ser

protegidas e a elas concedida total liberdade dentro da

Embaixada e liberdade de movimento necessária dentro do

Irã para realizar suas funções diplomáticas e consulares.

(d) o Governo do Irã não julgaria qualquer pessoa ligada a

Embaixada ou ao Consulado dos Estados Unidos e evitaria

qualquer ação para implementar qualquer julgamento.

(e) o Governo do Irã não agisse nem permitisse qualquer ação

que pudesse ameaçar as vidas, a segurança ou o bem-estar

dos reféns. (CIJ, 1979b, p.12)

Apesar de o Governo do Irã não ter sido representado na audiência, no

dia 15 de dezembro de 1979, a Corte indicou as seguintes medidas provisórias:

A. (i) O Governo da República Islâmica do Irã

deveria imediatamente assegurar que os edifícios da

Embaixada, da Chancelaria e dos Consulados dos Estados

Unidos sejam restaurados ao controle exclusivo das

autoridades dos Estados Unidos, e deveria assegurar sua

inviolabilidade e eficaz proteção como estabelecido pelos

tratados entre os dois Estados e pelo direito internacional

geral;

(ii) O Governo da República Islâmica do Irã

deveria assegurar a libertação imediata, sem qualquer

exceção, de todas as pessoas de nacionalidade norte-

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UFRGSMUNDI

UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 243-269, 2013 249

americana que estão mantidas na Embaixada dos Estados

Unidos da América ou no Ministério das Relações Exteriores

no Teerã, ou tem estado mantidas reféns em qualquer lugar,

e proporcionar total proteção a todas essas pessoas, de

acordo com os tratados em vigor entre os dois Estados, e

com o direito internacional geral;

(iii) O Governo da República Islâmica do Irã

deveria, a partir deste momento, proporcionar a todo corpo

diplomático e consular dos Estados Unidos total proteção,

privilégios e imunidades que lhes são conferidos segundo os

tratados em vigor entre os dois Estados e segundo o direito

internacional geral, incluindo imunidade de qualquer forma

de jurisdição penal e liberdade e instrumentos para deixar o

território do Irã.

B. O Governo dos Estados Unidos da América e o

Governo da República Islâmica do Irã não deveriam tomar

qualquer ação e deveriam assegurar que nenhuma ação seja

tomada que possa agravar a tensão entre os dois países ou

tornar a disputa existente mais difícil de solucionar. (CIJ,

1979c p. 21)

No dia 9 de dezembro de 1979, uma carta enviada pelo Governo do Irã à

Corte alegava que esta não poderia, nem deveria, julgar o caso, pois a questão dos

reféns era apenas um “aspecto marginal e secund|rio de todo o problema”

envolvendo as atividades entre ambos os países nos últimos 25 anos. Além disso,

alegava que a Revolução Islâmica era uma questão de soberania nacional do Irã.

(CIJ, 1979c, p. 15-16) A Corte recebeu outra carta do Governo do Irã no dia 16 de

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Corte Internacional De Justiça: Corpo Diplomático e Consular dos Estados Unidos em Teerã (Estados Unidos v. Irã)

250 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 243-269, 2013

março de 1980, a qual continha basicamente a mesma posição apresentada na

carta anterior sobre o caso.

O Presidente da Corte indicou, em 24 de dezembro de 1979, a data limite

de 15 de janeiro de 1980 para a apresentação do Memorial dos Estados Unidos e

18 de fevereiro de 1980 para o Contra-Memorial do Irã. O Memorial dos Estados

Unidos foi arquivado no dia acordado, enquanto o Contra-Memorial não foi

entregue e nenhum pedido de extensão do prazo foi realizado.

Em 7 de abril de 1980, os Estados Unidos interromperam as relações

diplomáticas com o Governo iraniano, além de proibir as exportações dos

Estados Unidos para o Irã. Mais tarde, novas medidas econômicas foram

anunciadas pelos Estados Unidos contra o Irã.

4. Alegações das partes da disputa

4.1. Alegações dos estados unidos

4.1.1. Responsabilidade do Irã pelos atos cometidos na Embaixada

Em seu memorial, os Estados Unidos afirmam que o governo do Irã se

omitiu ao não prover a devida segurança ao seu corpo diplomático e às

instalações da embaixada. Ademais, o requerente alega que o réu foi omisso

quando não cooperou a contento para minimizar ou solucionar a questão

(Memorial dos Estados Unidos, p.156).

Buscando atribuir ao Irã a responsabilidade pelo seqüestro de seus

diplomatas, os Estados Unidos procuraram estabelecer duas modalidades de

responsabilização: a primeira é pela omissão, já que o governo iraniano não teria

dado necessário suporte e segurança ao corpo diplomático estadunidense.

Ademais, os Estados Unidos alegam que, em momento algum, após a invasão da

embaixada, o réu tomou as medidas necessárias para minimizar os supostos

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UFRGSMUNDI

UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 243-269, 2013 251

crimes cometidos pelos estudantes ou sequer deu o suporte necessário para que

alguns direitos básicos, como livre comunicação, fossem respeitados.

O segundo tipo de atribuição de responsabilidade feito pelo governo dos

Estados Unidos diz respeito à posição que os estudantes tiveram, de fato, na

invasão. Os Estados Unidos alegam que o Estado iraniano é responsável não

apenas por ter se omitido antes e no decorrer da invasão de suas obrigações

internacionais. Segundo o governo estadunidense, as atitudes das autoridades do

réu levam a crer que os estudantes estavam agindo em nome do governo e

representando os interesses deste, devendo a invasão ser tratada como um ato

do governo de Teerã (Memorial, p. 154). Para dar suporte a tais acusações, o

requerente faz referências aos discursos do líder espiritual Ayatollah Khomeini e

a alguns discursos dos líderes da Guarda que cercava a embaixada (Memorial, p.

127).

4.1.2. Alegadas violações a normas de direito internacional

Os Estados Unidos alegam que o Irã violou diversas normas contidas na

Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, tanto por omissão, pois o

governo iraniano nada fez para impedir o ataque à embaixada, de modo a falhar

no cumprimento de suas obrigações perante os Estados Unidos, quanto por

comissão, através de apoio, incentivo e patrocínio dos atos dos estudantes. Estes

invadiram as dependências da missão diplomática dos Estados Unidos em Teerã

e fizeram reféns seus agentes diplomáticos e funcionários, os quais permanecem

detidos e impedidos de deixar a Embaixada e de se comunicar com o governo dos

Estados Unidos. Além disso, o governo do Irã é acusado de aprovar o confisco,

revista e publicação de documentos da Embaixada, e de apoiar a ameaça de

utilizá-los como evidência em procedimento legal (Memorial, p. 165). Ainda, os

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Corte Internacional De Justiça: Corpo Diplomático e Consular dos Estados Unidos em Teerã (Estados Unidos v. Irã)

252 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 243-269, 2013

Estados Unidos alegam que o Irã está tratando sua missão diplomática de forma

discriminatória, visto que nenhuma outra embaixada foi submetida a tais

condições.

É, também, a alegação dos Estados Unidos que o Irã ameaçou violar a

imunidade diplomática de seus agentes, ao manifestar a intenção de submeter os

reféns a julgamento ou de utilizá-los como testemunhas perante algum tipo de

tribunal internacional ou júri (Memorial, p. 163). O governo estadunidense

argumenta que tais violações já estariam ocorrendo, através do apoio do governo

iraniano às acusações criminais contra os reféns, sua aprovação da detenção e

interrogatório dos mesmos e sua declaração de que os reféns serão submetidos a

julgamento e obrigados a testemunhar.

Afirmam os Estados Unidos, ainda, que o Irã violou diversas normas

contidas na Convenção de Viena sobre Relações Consulares de 1963. De acordo

com o requerente, foram violadas as obrigações de proteger as instalações

consulares (Arts. 27, 31 e 33), conceder instalações consulares (Art. 28),

assegurar a liberdade de ir e vir dos cônsules e funcionários do consulado (Art.

34), garantir a liberdade de comunicação com o governo estadunidense (Art. 35)

e com os nacionais dos Estados Unidos (Art. 36), bem como a obrigação de não-

discriminação de um consulado em relação aos demais (Art. 72).

Os Estados Unidos alegam que o Irã se omitiu do cumprimento de suas

obrigações perante a Convenção de Prevenção e Punição de Crimes contra

Pessoas que Gozam de Proteção Internacional, incluindo Agentes Diplomáticos,

de 1973 (Convenção de Nova York), visto que os estudantes responsáveis pelos

ataques à embaixada americana não foram submetidos a processo criminal e nem

foram extraditados. Além disso, os Estados Unidos sustentam que o Irã não foi

apenas omisso, mas também conivente com a prática de tais atos, tendo dado

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UFRGSMUNDI

UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 243-269, 2013 253

suporte moral e financeiro aos estudantes. Dessa forma, o Irã teria violado os

Artigos 4 e 7 da Convenção de Nova York.

Por fim, quando da invasão da embaixada estadunidense em Teerã,

foram feitos reféns dois nacionais estadunidenses, indivíduos privados que não

trabalhavam ou exerciam funções na missão diplomática e no consulado. A

alegação dos Estados Unidos é que o Irã violou o Tratado de Amizade, Relações

Econômicas e Direitos Consulares entre Irã e Estados Unidos de 1955, por ter

falhado em garantir a segurança e a proteção às quais indivíduos faziam jus. Além

disso, ter-lhes-ia sido negado o direito de comunicação com seu próprio governo

e com seus oficiais consulares, previsto nos Artigos II e XIX do referido tratado.

4.2. Alegações do Irã

O Irã não submeteu memorial escrito à Corte Internacional de Justiça,

tampouco compareceu à audiência pública para apresentar seus argumentos.

Contudo, o governo iraniano enviou à Corte duas cartas, em 09 de dezembro de

1979 e 16 de março de 1980, em que argumenta que a Corte não deve conhecer

do caso, devido ao seu conteúdo político. Alega o Irã que a invasão da embaixada

é uma pequena parte de um contexto político maior, e que a questão está no

escopo da soberania iraniana.

Assim, embora o Irã não tenha apresentado memorial, é importante levar

consideração os argumentos contidos nessas cartas, pois se relacionam com a

jurisdição da Corte, visto que esta apenas pode julgar aspectos jurídicos de

disputas.

5. Questões jurídicas envolvidas

5.1. Jurisdição da corte - Podemos julgar o caso?

5.1.1. O que podemos julgar?

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Corte Internacional De Justiça: Corpo Diplomático e Consular dos Estados Unidos em Teerã (Estados Unidos v. Irã)

254 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 243-269, 2013

No presente caso, estamos diante de uma situação em que uma das partes

(no caso, o Irã) não compareceu perante a Corte. Essa hipótese encontra

regulação no Artigo 53 do Estatuto da CIJ, que determina que, nesse caso, a Corte

deve observar se possui jurisdição para julgar a questão posta, isto é, se pode

decidir sobre o caso.

O Artigo 36 (2) do Estatuto da CIJ estabelece que a Corte tem competência

para julgar disputas a respeito: (a) da interpretação de tratados; (b) de qualquer

questão de direito internacional; (c) da existência de qualquer fato que possa

constituir uma violação de obrigação internacional; ou (d) da natureza e extensão

da reparação a ser feita pela violação de uma obrigação internacional.

Desse modo, para estabelecer sua jurisdição sobre uma determinada

disputa, a Corte deve observar se esta se enquadra dentro das hipóteses

mencionadas.

5.1.2. Podemos julgar um caso se o Conselho de Segurança estiver agindo a

respeito?

O Conselho de Segurança da ONU, na Resolução 457, de 4 de dezembro de

1979, endereçou a questão da invasão da Embaixada, instando os governos dos

Estados Unidos e do Irã a buscar uma solução para o conflito. Na Resolução, o

Conselho de Segurança decidiu que iria continuar a se ocupar da questão.

Posteriormente, uma Comissão foi formada com o objetivo de realizar uma

missão de investigação e de ouvir ambas as partes, visando a uma solução

pacífica do conflito. A questão posta aqui é, assim, se a Corte pode julgar um caso

em que o Conselho de Segurança esteja agindo, e se a existência da Comissão é

um obstáculo à jurisdição da Corte.

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UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 243-269, 2013 255

O Artigo 12(1) da Carta das Nações Unidas estabelece que, durante o

exercício das funções do Conselho de Segurança a respeito de determinada

questão, a Assembleia Geral não poderá fazer recomendações sobre o assunto, a

não ser que assim requeira o Conselho. No entanto, não há na Carta nenhuma

norma que diga o mesmo sobre a Corte Internacional de Justiça, a qual é definida

como o órgão judicial principal das Nações Unidas (Artigo 92 da Carta e Artigo 1º

do Estatuto da CIJ). Ao Conselho de Segurança, por sua vez, cabe a função de

manter a paz e a segurança internacionais.

Ademais, a solução pacífica de conflitos é um dos princípios das Nações

Unidas, como estabelecido no Artigo 2(3) da Carta. As formas em que essa

solução pode ocorrer estão listadas no Artigo 33(1) da Carta e são: negociação,

inquirição, mediação, conciliação, arbitragem, acordo judicial, recurso a agências

regionais, ou outros à escolha das partes.

No caso Plataforma Continental do Mar Egeu (Grécia v. Turquia), a Corte

determinou que a existência de uma negociação não eliminava a sua jurisdição,

visto que o Artigo 33 da Carta enumera as formas de solução sem estabelecer

hierarquia entre elas.

5.2Atribuição de responsabilidade - O Irã é responsável pelos atos dos

manifestantes?

Os sistemas jurídicos, de um modo geral, desenvolvem métodos para que

seja feita a atribuição de responsabilidade para atos ilícitos. Em outras palavras,

o que os ordenamentos jurídicos procuram é atribuir ao ato de alguém uma

conexão, uma causalidade, com alguma situação em que a regra fora infringida.

Tal imputação de responsabilidade, no Direito nacional de cada país, é

comumente dividida em penal e civil e pode gerar sanções em até mesmo ambos

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Corte Internacional De Justiça: Corpo Diplomático e Consular dos Estados Unidos em Teerã (Estados Unidos v. Irã)

256 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 243-269, 2013

os campos; o Direito Internacional, no entanto, não faz essa cisão, mantendo

apenas a atribuição de responsabilidade a Estados (ou Organizações

Internacionais, como a ONU), que violaram alguma obrigação que tinham junto

ao direito internacional, tais como tratados de que são signatários, em uma só

área (HARRIS, 2010). Na opinião consultiva Interpretação de Tratados de Paz

com a Bulgária, a Hungria e a Romênia, por exemplo, a Corte Internacional de

Justiça ponderou que qualquer recusa de um estado cumprir com uma obrigação

imposta por um tratado, envolve um caso de responsabilidade internacional.

A atribuição de responsabilidade a Estados é de suma importância para o

direito internacional, de modo que a Comissão de Direito Internacional da

ONU125 definiu este como sendo um dos 14 tópicos a serem codificados nos

trabalhos da Comissão já em sua primeira sessão no ano de 1949. Até o ano de

1974, a Comissão havia adotado dois Capítulos de artigos relacionados ao tema: o

primeiro trazia quatro artigos acerca dos princípios da responsabilidade de

estados em atos internacionalmente ilegais; já o segundo continha dispositivos

que faziam referência aos atos e como estes atos se relacionavam com a pessoa

do Estado (CDI, 1974). Estes artigos, conhecidos em português como Projeto

Crawford, embora não constituam um tratado internacional, são considerados

uma cristalização do costume internacional, o qual, assim como os tratados, é

uma fonte de direitos e obrigações perante o Direito Internacional126.

125 Mais informações sobre a Comissão podem ser obtidas acessando http://www.onu.org.br/a-onu-em-acao/a-onu-e-o-direito-internacional/ (ultimo acesso em 21/01/2012) e no site oficial da Comissão, disponível em ingles http://www.un.org/law/ilc/ (ultimo acesso em 22/01/2012). 126 As fontes do Direito Internacional são determinados materiais e procedimentos a partir dos quais as normas internacionais são estabelecidas. O Artigo 38 do Estatuto da CIJ estabelece quais são essas fontes: (a) tratados internacionais; (b) costume internacional; (c) princípios gerais de direito; e (d) meios subsidiários, como decisões judiciais e obras de estudiosos renomados. Embora o texto do

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UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 243-269, 2013 257

Conforme o Projeto Crawford e a opinião majoritária da doutrina acerca

do tema, existem dois fatores necessários para que um ato ou omissão de um

governo seja caracterizado como contrário ao Direito Internacional: em primeiro

lugar é necessário que o ato ou omissão em questão sejam imputáveis a um

Estado ou Organização Internacional; em segundo lugar, este ato ou omissão

deve ser contrário a alguma obrigação internacional deste estado. Além de estar

contido no Artigo 2 do Projeto Crawford, a Corte Permanente de Justiça

Internacional, predecessora da atual Corte Internacional de Justiça, já havia

delineado semelhante entendimento no caso Fosfatos no Marrocos (Itália v.

França). Na oportunidade, a Corte definiu que se um determinado ato é atribuível

a um Estado e este ato fere um tratado com outro Estado, tal situação geraria

imediatamente um caso de responsabilidade internacional entre os dois estados.

Está claro, portanto, que a imensa maioria da doutrina aponta para a necessidade

destes dois elementos para a caracterização de um ato como ilícito aos olhos do

Direito Internacional.

Portanto, é necessário verificar com que extensão os atos praticados pelo

governo iraniano interferiram na invasão da embaixada estadunidense. Ou seja, a

análise é se a ação do governo através de seus agentes (sejam eles quais

forem127) possui nexo causal com a tomada do prédio e do seqüestro dos

cônsules estadunidenses.

Como referido acima, tanto atos como omissões podem gerar a

responsabilidade de um Estado perante o Direito Internacional. Desse modo,

artigo, não estabeleça hierarquia entre as três primeiras, tratados e costume são considerados as fontes mais importantes, sem que um prevaleça sobre o outro. 127 É regra de caráter consuetudinário no Direito Internacional, também codificada no Projeto Crawford em seu Artigo 4º, que a conduta de qualquer órgão ou pessoa representando um Estado gera responsabilidade para este Estado.

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258 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 243-269, 2013

para que ocorra a atribuição a um Estado de um ato internacionalmente ilegal,

não é necessário que este Estado tenha uma posição ativa na questão; essa

responsabilidade pode existir simples omissão do governo em evitar que o

evento ilegal ocorresse. Famoso precedente traçado pela Corte Internacional de

Justiça se deu no caso Canal de Corfu(Reino Unido v. Albânia). Nesse caso em

particular, dois navios de bandeira do Reino Unido colidiram com minas

marinhas, enquanto navegavam pelo Canal de Corfu, causando mortes de alguns

tripulantes. O incidente se deu em águas albanesas e, a partir deste fato, a Corte

concluiu que havia informações suficientes para que Albânia soubesse – ou

tivesse o dever de saber – da presença destas minas no local e que a não-retirada

destas fazia da ré Albânia responsável pelas mortes dos marinheiros britânicos.

Concluiu a Corte: “Em realidade, as autoridades albanesas nada tentaram para

prevenir o desastre. Estas graves omissões envolvem a responsabilidade

internacional da Alb}nia.” (CIJ, 1949, p. 22-23).

A responsabilidade por omissão, no entanto, não se dá em razão de

qualquer inatividade por parte do governo. Ela ocorre quando este deixa de atuar

em algo que era de seu dever de agir e não o fez (SMITH, 2003), como, por

exemplo, retirar as minas submarinas no caso da Albânia. No presente caso, cabe

analisar se de fato o governo do Irã foi omisso na iminência de uma invasão e se

este também foi comissivo durante a ocorrência do seqüestro. Deste modo, é

possível definir se a omissão é atribuível ou não ao governo iraniano, que é

aspecto fundamental para determinação de ilegalidade de um determinado ato.

O princípio que reveste a afirmação dos Estados Unidos é consagrado,

inclusive, no Projeto Crawford, cujo Artigo 8º faz expressa referência ao tema. O

artigo prevê dois tipos de imputabilidade por atos de pessoas, ou grupo de

pessoas, que agem de fato, e não formalmente, em nome de um Estado. Uma delas

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faz menção a situações em que este grupo de pessoas exerce a autoridade de um

governo. O outro tipo de imputação de responsabilidade ao Estado por atos de

grupo de pessoas é quando este grupo de pessoas está agindo em nome deste

Estado. É deste modo que vê o requerente a relação entre os estudantes e o

governo de Teerã: eles, apesar de não serem agentes oficiais do governo,

estavam, de fato, como se agentes do Estado fossem.

Em realidade, este modo de atribuição de culpabilidade, nada mais é que

uma complementação daquele que diz que qualquer ato de órgão ou agente do

Estado gera responsabilidades para este. Nos comentários ao artigo oitavo, há a

qualificação destes agentes como auxiliares do Estado (CDI, 1974). A motivação

desta regra são as ocasiões em que governos contratam pessoas ou companhias

para serviços de caráter militar. Além da contratação de pessoas, a

ratiodestaregra também consiste na maneira com que certos governos atuam

para atingir aos seus fins. Ao invés de utilizarem agentes formalmente ligados ao

estado, os governos usam de meio alternativos aos formais, como mandando

voluntários para outros países com o objetivo de realizar “missões”.

Muito embora este seja um instituto de Direito Internacional que suscite

pouca controvérsia entre os estudiosos, ele não pode ser aplicado em qualquer

situação. Em realidade, a própria Comissão de Direito Internacional deixa claro

que é extremamente necessário estabelecer uma clara conexão entre o grupo de

pessoas e o Estado para que este seja aplicado. Ou seja, o standard de prova

exigido para que se impute ao Estado responsabilidade a atos de terceiros é

bastante rigoroso, devendo estar claro que há, de fato, uma atuação do grupo de

pessoas em nome do Estado, através de uma ordem direta, por exemplo.

Nota-se, portanto, que a atribuição de responsabilidade é processo

complexo e com variadas etapas, sendo necessária atenção em todas estas etapas

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Corte Internacional De Justiça: Corpo Diplomático e Consular dos Estados Unidos em Teerã (Estados Unidos v. Irã)

260 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 243-269, 2013

sob pena de um Estado ser responsabilizado injustificadamente. No presente

caso, deve-se prestar especial atenção, pois, à primeira vista, em nenhum

momento houve ação direta de agentes do estado iraniano. Por isso, devem-se

verificar cuidadosamente os fatos no intuito de estabelecer se há e em que

medida há responsabilidade do réu pelo incidente na embaixada estadunidense.

5.3. Violações ao direito das relações diplomáticas

Se considerarmos que (1) podemos julgar o caso e (2) a conduta é

atribuível ao Irã, quais violações foram possivelmente cometidas?

5.3.1. As relações diplomáticas e o Direito Internacional

A diplomacia é o modo pelo qual os Estados estabelecem ou mantêm

relações mútuas, comunicam-se um com o outro e realizam negociações políticas

e legais, através de seus agentes autorizados, isto é, os diplomatas. Geralmente,

há o estabelecimento de uma missão diplomática permanente, mais conhecida

como embaixada, de um país no território de outro. Na embaixada, o governo do

Estado acreditante (aquele que envia a missão diplomática) realiza suas funções

estatais no território do Estado acreditado (aquele que recebe a missão

diplomática) (BROWNLIE, 2008).

Quando é estabelecida uma missão permanente, o Estado acreditado

deve tomar algumas medidas para possibilitar o exercício das funções

diplomáticas do Estado acreditante. Um exemplo desse tipo de medida é a

garantia da inviolabilidade da missão diplomática e dos diplomatas, bem como a

garantia da imunidade destes, conceitos que serão desenvolvidos a seguir

(HARRIS, 2010).

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UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 243-269, 2013 261

As normas de Direito Internacional que regulam as relações diplomáticas

resultam da prática dos Estados, estabelecida ao longo do tempo. Essa prática

pode ser observada através do conteúdo de legislações nacionais e decisões

judiciais (BROWNLIE, 2008). Hoje em dia, essas normas já foram, em sua grande

maioria, codificadas e estão contidas na Convenção de Viena sobre Relações

Diplomáticas, adotada em 1961, na Conferência das Nações Unidas sobre

Intercâmbio e Imunidades Diplomáticas.

Essa convenção contém, entre outras, normas relacionadas à imunidade,

inviolabilidade e proteção das dependências da missão diplomática, da

propriedade relativa ao funcionamento da missão e dos agentes diplomáticos

representando um Estado (HARRIS, 2010). São justamente essas normas que os

Estados Unidos alegam ter sido violadas pelo Irã na invasão da Embaixada

Americana em Teerã. Elas estão contidas, como veremos a seguir, em diversos

artigos da Convenção, cada um deles referindo-se a um aspecto da obrigação do

Estado acreditado, no caso o Irã, de garantir a imunidade, inviolabilidade e

proteção dos agentes diplomáticos e da missão diplomática do Estado

acreditante, no caso os Estados Unidos.

5.3.2. Alegadas violações à Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas

A Convenção estabelece, em seu Artigo 22, a inviolabilidade das missões

diplomáticas. Isso significa que as dependências da missão estão protegidas de

interferência externa, o que é fundamental para o seu estabelecimento e

funcionamento (BROWNLIE, 2008). Elas não podem ser invadidas, e agentes do

Estado acreditado não podem adentrar nelas sem autorização. O Estado

acreditado tem o dever de proteger as dependências da missão de qualquer

intrusão ou dano e de evitar qualquer perturbação de sua paz e dignidade.

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Corte Internacional De Justiça: Corpo Diplomático e Consular dos Estados Unidos em Teerã (Estados Unidos v. Irã)

262 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 243-269, 2013

Ademais, a Convenção determina a inviolabilidade dos arquivos e

documentos da missão, conforme o Artigo 24, isto é, estes não podem ser

acessados por pessoas não autorizadas. O Estado acreditado tem a obrigação de

assegurar essa inviolabilidade, bem como de conceder instalações para o

funcionamento da missão (Artigo 25), garantir a liberdade de movimentação dos

membros da missão em seu território (Artigo 26) e garantir a liberdade de

comunicação e a inviolabilidade da correspondência da missão (Artigo 27). Além

disso, a missão diplomática deve ser tratada de forma não-discriminatória

(Artigo 47), isto é, o Estado acreditado deve tratar da mesma forma todas as

missões nele instaladas. Há a obrigação, ainda, de facilitar a partida, de seu

território, de pessoas com direito a imunidades e privilégios (Artigo 44).

O Artigo 29 da Convenção de 1961 estabelece a obrigação do Estado

acreditado de garantir a inviolabilidade dos agentes diplomáticos do Estado

acreditante, bem como dos demais funcionários da Embaixada, conforme o Artigo

37 da mesma Convenção. Essas pessoas não podem ser sujeitas a qualquer tipo

de prisão ou detenção, e o Estado acreditado, no caso o Irã, deve tratá-los com

todo o respeito, tomando todas as medidas necessárias para evitar ataques à sua

pessoa, liberdade ou dignidade.

A Convenção de 1961 também prevê a imunidade jurisdicional dos

agentes diplomáticos (Artigo 31). Isso significa que os agentes diplomáticos não

podem ser processados e julgados por tribunais locais, isto é, são imunes à sua

jurisdição (BROWNLIE, 2008; HARRIS, 2010). Além disso, os diplomatas não são

obrigados a fornecer evidência, como testemunhas, em nenhum tipo de

procedimento (Artigo 31, parágrafo 2). Essa imunidade estende-se também aos

funcionários das missões e suas famílias, bem como às famílias dos agentes

diplomáticos.

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UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 243-269, 2013 263

5.3.3. Alegadas violações à Convenção de Viena sobre Relações Consulares

Além da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, os Estados

Unidos alegam violações por parte do Irã à Convenção de Viena sobre Relações

Consulares, adotada em 1963, devido às invasões dos consulados estadunidenses

nas cidades iranianas de Tabriz e Shiraz, que ocorreram de forma similar à

invasão da embaixada em Teerã.

As funções dos cônsules são, em princípio, diferentes das funções dos

agentes diplomáticos. Por exemplo, eles não gozam da mesma imunidade

jurisdicional à qual os agentes diplomáticos têm direito. A função consular está

historicamente associada ao desenvolvimento do comércio internacional e aos

interesses econômicos dos Estados. Embora suas origens remontem à Grécia

Antiga, a figura do cônsul somente veio a se estabelecer no século XX (ROBLEDO,

2008) e suas funções, atualmente, são bastante variadas. Elas incluem a proteção

dos interesses do Estado acreditante e de seus nacionais, o desenvolvimento de

relações econômicas e culturais, a emissão de passaportes e vistos, o registro de

nascimentos, óbitos e casamentos, e a supervisão de embarcações e aeronaves do

Estado acreditante (BROWNLIE, 2008).

5.3.4. Alegadas violações à Convenção de Nova York de 1973

A Convenção sobre a Prevenção e Punição de Crimes contra Pessoas que

Gozam de Proteção Internacional, incluindo Agentes Diplomáticos, também

conhecida como “Convenç~o de Nova York” foi adotada pela Assembleia Geral

das Nações Unidas em 1973. Essa convenção faz parte de uma série de tratados

“anti-terroristas”, negociados no }mbito da ONU, e inclui-se no regime jurídico

dos privilégios e imunidades diplomáticas e consulares (WOOD, 2008).

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Corte Internacional De Justiça: Corpo Diplomático e Consular dos Estados Unidos em Teerã (Estados Unidos v. Irã)

264 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 243-269, 2013

A Convenção de Nova York prevê a obrigação extraditar ou processar

pessoas acusadas de cometer sérios ataques contra diplomatas, devendo os

Estados signatários cooperar na prevenção e punição de tais crimes (WOOD,

2008).

5.3.5. Alegadas violações ao Tratado de Amizade, Relações Econômicas e Direitos

Consulares entre os Estados Unidos e o Irã, de 1955

Em 1955, os Estados Unidos e o Irã assinaram o Tratado de Amizade,

Relações Econômicas e Direitos Consulares, a fim de promover relações

amigáveis entre os dois países e seus povos. Através desse tratado, os dois países

são obrigados a garantir a proteção e a segurança dos nacionais de um deles

presentes no território do outro. Em seu Artigo II, parágrafo 4, o tratado

estabelece que os nacionais de uma das partes contratantes devem receber

proteção e segurança constantes quando no território da outra parte, bem como

tratamento humano e razoável, no caso de se encontrarem detidos ou sob

custódia.

Com base nos fundamentos que foram apresentados, os Estados Unidos

alegam que o Irã, através de suas ações e omissões, violou o Direito Internacional

e deve ser responsabilizado por tais violações. Diante do que foi exposto, a Corte

deve analisar as alegações do Autor, procurando aplicar as normas jurídicas

internacionais aos fatos apresentados, de forma a decidir se tais violações

realmente ocorreram.

Page 265: Guia de Estudos - 2013

UFRGSMUNDI

UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 243-269, 2013 265

5.4. Obrigação de reparar o dano

Se for estabelecido pela Corte que o Irã de fato cometeu violações a suas

obrigações perante o Direito Internacional, é necessário estabelecer o direito dos

Estados Unidos de receber reparação por tais infrações.

É um princípio amplamente reconhecido que um Estado que viola uma

norma internacional fica obrigado a reparar o dano causado. A Corte Permanente

de Justiça Internacional, no caso Fábrica em Chorzów (Alemanha v. Polônia),

estabeleceu que “a violaç~o de uma norma envolve uma obrigaç~o de prestar

reparaç~o da forma adequada”. No caso Canal de Corfu (Reino Unido v. Alb}nia),

a Corte Internacional de Justiça decidiu que um Estado responsabilizado por um

ato ilícito internacional deve pagar a devida compensação ao Estado que sofreu o

dano.

Tal reparação, de acordo com a Corte, deve, na medida do possível,

apagar as conseqüências do ato ilícito e restabelecer a situação anterior ao seu

cometimento (caso Fábrica emChorzów). Essa reparação pode ser feita de

diversas formas: através de medidas que visem a restabelecer a situação

existente antes do ato ilícito, por meio de compensação pecuniária

correspondente aos danos sofridos, ou até mesmo por um pedido formal de

desculpas.

No presente caso, os Estados Unidos pedem compensação pelos danos

sofridos pelo Estado e seus cidadãos. Porém, devido ao caráter contínuo da

situação, que ainda não foi resolvida, não é possível estabelecer, no momento, o

modo como essa reparação deve ser feita e nem a extensão do dano a ser

reparado, razão pela qual os Estados Unidos pedem que isso seja decidido num

momento futuro. Assim, por ora, basta que a Corte estabeleça se há ou não o

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Corte Internacional De Justiça: Corpo Diplomático e Consular dos Estados Unidos em Teerã (Estados Unidos v. Irã)

266 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 243-269, 2013

direito à reparação, com base na existência ou não de violações a normas de

Direito Internacional.

6. Dos pedidos

Os Estados Unidos pedem à Corte para julgar e declarar:

“(a) que o Governo do Ir~ ao tolerar, encorajar e falhar em prevenir e

punir a conduta descrita nos fatos já mencionados, viola suas obrigações legais

internacionais com os Estados Unidos como estabelecido nos:

- Artigos 22, 24, 25, 27, 29, 31, 37 e 47 da Convenção de Viena sobre

Relações Diplomáticas,

- Artigos 28, 31, 33, 34, 36 e 40 da Convenção de Viena sobre Relações

Consulares,

- Artigos 4 e 7 da Convenção para Prevenção e Punição de Crimes contra

Pessoas que Gozam de Proteção Internacional, incluindo Agentes Diplomáticos,

- Artigos II (4), XIII, XVIII e XXI do Tratado de Amizade, Relações

Econômicas e Direitos Consulares entre Estados Unidos e Irã, e

- Artigos 2 (3), 2 (4) e 33 da Carta das Nações Unidas.

(b) que nos termos do exposto nas obrigações legais internacionais, o

Governo do Irã está sob uma obrigação imediata de assegurar a libertação de

todos os nacionais estadunidenses atualmente detidos nos edifícios da

Embaixada dos Estados Unidos em Teerã e assegurar que todas as pessoas e

todos os nacionais norte-americanos em Teerã sejam permitidos de deixar o Irã

com segurança;

(c) que o Governo do Irã deve pagar aos Estados Unidos, por sua conta e

no exercício dos seus direitos diplomáticos de proteção aos seus nacionais,

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UFRGSMUNDI

UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 243-269, 2013 267

reparação pelas violações às obrigações legais internacionais do Irã aos Estados

Unidos, em um montante determinado pela Corte; e

(d) que o Governo do Irã submeta às autoridades competentes àqueles

responsáveis por crimes cometidos contra os edifícios e o staff da Embaixada dos

Estados Unidos e contra os edifícios dos seus Consulados.” (CIJ, 1979a, p. 8)

7. Referências

A) Documentos internacionais

Carta das Nações Unidas e Estatuto da Corte Internacional de Justiça, 1945. Disponível (em português) em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-1949/D19841.htm

Convenção de Viena sobre Relações Consulares, 1963. Disponível (em português) em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D61078.htm

Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, 1961. Disponível (em português) em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/Antigos/D56435.htm

Convenção sobre a Prevenção e Punição de Crimes contra Pessoas que Gozam de Proteção Internacional, incluindo Agentes Diplomáticos, 1973. Disponível (em português) em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D3167.htm

Tratado de Amizade, Relações Econômicas e Direitos Consulares entre os Estados Unidos e o Irã, 1955. Disponível (em inglês) em: http://www.iilj.org/courses/documents/1955USIranTreatyofAmityetcprovisions.pdf

B) Jurisprudência

CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA. Aegean Sea Continental Shelf (Greece v. Turkey), ICJ Reports, 1978.

Page 268: Guia de Estudos - 2013

Corte Internacional De Justiça: Corpo Diplomático e Consular dos Estados Unidos em Teerã (Estados Unidos v. Irã)

268 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 243-269, 2013

CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA. Corfu Channel (United Kingdom of Great Britain and Northern Ireland v. Albania), ICJ Reports, 1949.

CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA. Interpretation of Peace Treaties with Bulgaria, Hungary and Romania (Advisory Opinion), ICJ Reports, 1950.

CORTE PERMANENTE DE JUSTIÇA INTERNACIONAL. Factory at Chorzów (Germany v. Poland), 1927.

CORTE PERMANENTE DE JUSTIÇA INTERNACIONAL. Phosphates in Morocco (Italy v. France), 1938.

C) Documentos

COMISSÃO DE DIREITO INTERNACIONAL. II Yearbook of International Law Commission, 1974.

COMISSÃO DE DIREITO INTERNACIONAL, Draft Articles on the Responsibility of States for Internationally Wrongful Acts with commentaries, 2001.Disponível (em inglês) em: http://untreaty.un.org/ilc/texts/instruments/english/commentaries/9_6_2001.pdf

D) Doutrina

BROWNLIE, Ian. Principles of Public International Law. Oxford: Oxford University Press, 2008.

COMISSÃO DE DIREITO INTERNACIONAL, II Yearbook of International Law Commission, 1974.

HARRIS, David. Cases and Materials on International Law. London: Sweet & Maxwell, 2010.

ROBLEDO, Juan Manuel Gómez. The Vienna Convention on Consular Relations. United Nations Audiovisual Library of International Law, 2008.

Page 269: Guia de Estudos - 2013

UFRGSMUNDI

UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 243-269, 2013 269

SMITH, Patricia. Omission and Responsibility in Legal Theory. Legal Theory, vol. 9, 2003.

WOOD, Michael. Convention on the Prevention and Punishment of Crimes against Internationally Protected Persons, including Diplomatic Agents. United Nations Audiovisual Library of International Law, 2008.

Resumo

A Corte Internacional de Justiça é um seis órgãos principais da Organização das Nações

Unidas, e seu principal órgão jurídico. Ela foi estabelecida na Conferência de São Francisco, em 1945,

e seu Estatuto é baseado do Estatuto da Corte Permanente de Justiça Internacional. É composta por

15 juízes, eleitos pela Assembleia Geral e pelo Conselho de Segurança da ONU, que agem de maneira

imparcial e independente em relação a seus países de origem, representando não as posições políticas

destes, mas sua interpretação individual sobre o Direito Internacional. Através de sua competência

para julgar disputas entre nações, e somente nações, a Corte funciona como um meio de resolução

pacífica de controvérsias, uma alternativa ao uso da força, cuja limitação é um dos principais objetivos

da ONU. Apenas as disputas entre Estados podem ser julgadas pela Corte, uma vez que eles são,

tradicionalmente, os principais sujeitos de Direito Internacional. O caso aqui proposto é um dos mais

importantes já julgados pelo tribunal: o caso do Corpo Diplomático e Consular dos Estados Unidos em

Teerã - comumente chamado de "Reféns em Teerã" -, trazido pelos Estados Unidos contra o Irã. A

situação a ser julgada diz respeito à invasão por manifestantes da Embaixada americana na capital

iraniana e dos Consulados americanos nas cidades de Tabriz e Shiraz, em novembro de 1979. Na

discussão, vamos analisar a possibilidade da Corte julgar esse caso, a responsabilidade do Irã pelos

atos dos manifestantes e as normas que regulam as relações diplomáticas e consulares entre os

países.

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Agência de Comunicação

270 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 270-303, 2013

Agência de Comunicação

Jade Knorre128

Paula Moizes129

Sarita Reed130

Vinicius Fontana131

1. Introdução

Na cobertura de um acontecimento, o jornalista é quem reúne as

informações mais importantes a fim de apresentá-las ao público em forma de

notícia. Desse modo, este trabalho pretende guiar o sujeito no campo do

jornalismo, mostrando parte do universo da profissão, assim como alguns de

seus veículos. Considerando que se constitui em um ofício que se aperfeiçoa não

só com a teoria, mas também com o exercício do dia-a-dia, os textos aqui

apresentados servem de base para pôr em prática as habilidades jornalísticas.

O aluno será introduzido primeiramente ao universo do jornalismo,

mostrando-se o papel do jornalista na sociedade e alguns elementos básicos da

profissão. As seções seguintes apresentam os veículos que serão colocados em

prática na simulação das Nações Unidas: jornalismo impresso, radiojornalismo,

fotojornalismo e webjornalismo.

128Estudante de Comunicação Social – habilitação Jornalismo, 5º semestre, Universidade Federal do Rio Grande do Sul 129Estudante de Comunicação Social – habilitação Jornalismo, 5º semestre, Universidade Federal do Rio Grande do Sul 130Estudante de Comunicação Social – habilitação Jornalismo, 8º semestre, Universidade Federal do Rio Grande do Sul 131Estudante de pós-graduação em Jornalismo Esportivo, Universidade Federal do Rio Grande do Sul

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UFRGSMUNDI

UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 270-303, 2013 271

2. A profissão

O jornalismo é uma forma de comunicação, útil, em sociedade. Todos os

acontecimentos mundiais e opiniões que eles estimulam constituem o material

básico para o jornalismo. É partir disso que o jornalista irá interpretar os fatos e

informá-los para a sociedade. O papel de “informar” (BOND, 1959) do jornalista

consiste em noticiar sobre todos os acontecimentos, questões úteis e

problemáticas socialmente relevantes. A informação deve ser exata e, na medida

do possível, imparcial.

O ideal de imparcialidade é alcançado pelo jornalista que quer evitar

erros, tendenciosidade, preconceitos e sensacionalismo. A prática da

imparcialidade talvez nunca seja plenamente alcançada por conta de uma série

de fatores, mas ela deve ser buscada. Os jornalistas tardaram a descobrir que as

notícias nunca poderiam ser objetivas, ou seja, o espelho da realidade. A

objetividade pode ser uma meta, mas não uma meta alcançável. Grande parte dos

jornalistas busca ser o espelho da realidade descrevendo fatos verificáveis e

verificados, citando fontes credíveis e contrastando fontes (SOUZA, 2005: 36).

O jornalismo é uma profissão atrativa. Os mitos por trás da profissão, a

sua imagem pública, entre outros fatores fazem do jornalismo uma profissão

cobiçada. Porém, ser um bom jornalista é difícil. A profissão exige grandes

capacidades profissionais, assim como muito conhecimento e uma boa cultura

geral. Atenção à atualidade, domínio dos assuntos, compromissos éticos,

capacidade de relacionamento interpessoal, capacidade de comunicação na

língua materna e em línguas estrangeiras e aptidãona obtenção de informação

correta são apenas algumas das habilidades enumeradas por Souza (2005) que

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Agência de Comunicação

272 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 270-303, 2013

um bom jornalista deve ter. Para muitos, o jornalismo não é apenas uma

profissão, mas um estilo de vida, por exigir tanto do profissional.

As qualidades de um bom jornalista não ficam por aqui. Um

bom jornalista deve ser curioso, persistente, imaginativo e

ousado. Deve estar disposto a desafiar estereótipos, expor

mitos e mentiras (SOUZA, 2005: 29).

A fim de transmitir uma informação precisa e independente, o jornalismo

precisa de liberdade por parte do Estado e da própria empresa jornalística.

Segundo Bond (1959: 2), “uma imprensa livre n~o pode estar sujeita a qualquer

press~o, seja ela governamental ou social”. Assim, o jornalista com liberdade de

expressão é capaz de redigir um texto livre de pressões externas e o mais

próximo da realidade.

Publicando uma matéria imparcial, o jornalista estará exercendo a sua

funç~o de “orientar” (BOND, 1959). Nossa sociedade est| cada vez mais

complexa, assim, um assunto pode se desdobrar em vários. Desse modo, o

cidadão precisa ser guiado através do emaranhado de informações que o

rodeiam. É papel do jornalista fazer com que chegue ao público não só a notícia,

mas também explicações, interpretações e contextualizações “orientados no

sentido de ajudar o indivíduo a compreender melhor o que lê ou ouve” (BOND,

1959).

Souza (2005) aponta outro significado para o conceito “informar” no

jornalismo. Ele assinala que a principal função do jornalismo, inserida dentro do

conceito de “informar”, é a vigil}ncia e o controle dos poderes. Um jornalista deve

publicar as ações dos agentes de poder, assim como analisar essas ações, expor o

contexto em que se praticam e explicar as suas consequências possíveis. Desse

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UFRGSMUNDI

UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 270-303, 2013 273

modo, significa igualmente “trazer para o espaço público os assuntos socialmente

relevantes que poderiam passar despercebidos” (SOUZA, 2005: 11).

Além isso, o jornalismo também se dedica a entreter o público. O jornal, o

rádio e a televisão buscam através do entretenimento atrair os leitores, ouvintes

e telespectadores. O público precisa de uma distraç~o para suportar os “efeitos

desestabilizantes desta abertura ao mundo” (WOLTON, 2007) que o jornalismo

proporciona. Logo, a solução para fisgá-lo consiste em levá-lo a programas de

qualidade a partir dessa necessidade da banalidade. A diversidade que o

jornalismo apresenta é a própria condição para que o mesmo desempenhe seu

papel de abertura ao mundo.

A variedade também está presente no jornalismo nas aptidões que ele

engloba. Uma grande diversidade de pessoas, com as mais diferentes

competências, é atraída para a profissão do jornalismo, pois ela faz uso dessa

diversidade de talentos. O jornalismo, como um todo, é “uma modalidade de

comunicaç~o social rica e diversificada” (SOUZA, 2005: 12). Em sua extens~o, o

jornalismo não compreende apenas os campos do jornal e da revista, como

também do rádio, da televisão, da revista especializada, do jornal comercial, entre

outros. O jornalismo que se faz na imprensa regional e local é diferente do que se

faz nos grandes jornais e revistas. O jornalismo esportivo é diferente do

internacional, assim como o jornalismo alemão é diferente do jornalismo

brasileiro. São diferenças que fazem os jornalismos diferentes entre si, no

conteúdo, na forma de contar as histórias e de debater as problemáticas (SOUZA,

2005).

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Agência de Comunicação

274 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 270-303, 2013

3. Elementos Básicos

3.1. Pauta

A pauta é um projeto de cobertura de um acontecimento. É o exercício

mais importante que todo aspirante a jornalista deve fazer, segundo Pinto (2009:

59). Para sugerir uma pauta, é necessário seguir etapas. Primeiro, deve-se

examinar se o acontecimento escolhido é uma notícia (ver seção Valores-notícia).

Em seguida, o jornalista deve hierarquizar as informações de sua pauta,

determinando qual será o assunto principal a ser tratado. O profissional precisa

também prever as etapas da apuração, de forma com que sejam listadas todas as

fontes possíveis (ver seção abaixo) que serão usadas na notícia. Por último, é

necess|rio que se antecipe ao m|ximo a ediç~o do material, “[...] imaginar como

será a reportagem, que título ela terá, se há boas imagens para acompanhá-la,

etc” (PINTO, 2009: 59).

3.2. Fontes de informação

Qualquer entidade que possua dados suscetíveis de serem usados pelo

jornalista na sua profissão pode ser considerada uma fonte de informação. Essas

fontes podem ser classificadas de acordo com sua proveniência (internas ao

órgão informativo, externas e mistas) ou de acordo com seu estatuto (oficiais

estatais, oficiais não estatais, oficiosas e informais). Podem ser fontes pessoas,

livros, documentos, entre outras, mas o principal meio de obtenção de

informação são as entrevistas pessoais. Visto a enorme quantidade de fontes

possíveis, é dever do jornalista selecionar as melhores.

As fontes humanas devem ser escolhidas pela sua qualificação para falar

sobre algum assunto, pela sua competência e credibilidade, pela oportunidade e

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UFRGSMUNDI

UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 270-303, 2013 275

pertinência do contato e, obviamente, pela sua disponibilidade para falarem com

o jornalista (SOUZA, 2005: 49).

Quando se trata de um assunto que apresenta muitas variáveis, as fontes

devem sempre ser contrastadas. A relação dessas fontes com o jornalista é de

negociação, na maioria das vezes. O entrevistado tenta divulgar o que lhe

interessa e omitir o que não lhe interessa. O jornalista competente busca fugir

dos significados iniciais que a fonte dá a um acontecimento, mas, acima de tudo, o

profissional deve saber aproveitar as informações que a fonte lhe d| e “as pistas

para encontrar novas informações que a fonte lhe sugere” (SOUZA, 2005: 51).

Além disso, o jornalista deve respeitar, quando possível, o pedido que algumas

fontes podem fazer de não serem identificadas e até mesmo de não divulgar o

que lhe foi dito.

3.3. Valores-notícia

Há dois sentidos para o que é notícia. Em seu sentido amplo, ou lato

sensu, a notícia seria o material de trabalho do jornalista no geral. Segundo

Traquina (2005), é difícil definir fora de seu contexto histórico que tipo de

acontecimento possui valor para o jornalista, porém, ele estabelece alguns

fundamentos do que seria objeto de uma notícia. Se há algum dos seguintes

requisitos, o acontecimento possui potencial para ser objeto de uma cobertura

por parte da imprensa. É o que ele chama de valores-notícia. Resumidamente, são

os seguintes:

Notoriedade: noticia-se algo sobre uma pessoa ou órgão de grande

importância social. Ex: presidentes, cientistas, autoridades oficiais, times

de futebol, universidades.

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Agência de Comunicação

276 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 270-303, 2013

Relevância: são fatos que possuem importância direta na vida das

pessoas. Ex: aumento das passagens de ônibus, novos direitos.

Notabilidade: algo grande em si, fácil de ser percebido por todos. Ex:

manifestações públicas, acidentes de grandes proporções, grandes

espetáculos.

Inesperado: quando determinada coisa foge do padrão. Ex: ataques

terroristas, falecimento de alguma celebridade jovem.

Conflito: quando há violência física ou simbólica,disputas. Ex: troca de

ofensas entre autoridades, brigas em estádios de futebol.

Infração: alguma infração à lei. Ex: desvio de dinheiro, condutas

repreensíveis no trânsito.

A escolha dos assuntos que serão abordados por um jornal segue

critérios como estes, chamados por alguns autoresde critérios de noticiabilidade.

Souza (2005) ainda cita outros valores-notícia, como proximidade, momento do

acontecimento, continuidade e até negatividade. Há muitas listas de valores-

notícia, mas todas elas têm utilidade na construção da agenda do jornal.

Segundo Benetti (2008), o discurso jornalístico possui cinco elementos a

serem considerados: “quem diz e para quem?”, “para que dizer?”, “o que é dito?”,

“em quais condições?” e “a forma de dizer”. Quando o jornalista produz algo, seja

para a televisão, para o rádio, para a internet ou jornal impresso, o profissional

deve ter em conta a responsabilidade que possui ao veicular algo. Ele deve levar

em consideração os valores-notícia, porém não pode levar algo ao extremo. O

jornalismo deve trabalhar para sociedade, para a melhoria dela como um todo,

não devendo favorecer particulares ou a si mesmo. Ao profissional urge ter em

mente que a informação deve ter relevância social, não podendo ser dada a todo

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UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 270-303, 2013 277

custo, respeitando a privacidade alheia, o sigilo de suas fontes e, principalmente,

o seu público, não impelindo-o constrangimentos e difundindo inverdades.

Dito isso, tem-se a base para discutir o concreto, o material jornalístico

em si. Basicamente, há três grandes gêneros jornalísticos por excelência: a

notícia, a reportagem e a entrevista.

3.4. Notícia

A notícia, em seu sentido textual, é geralmente um texto curto, que visa à

informação precisa e mais instantânea possível. Aquele fato narrado quase em

cima da hora pelo rádio, a matéria que é veiculada pelos portais de notícia

instantaneamente, o jornal na televisão, todos são exemplos de notícias. Ela deve

possuir o caráter de imediatismo, sendo que o tempo a ser transcorrido entre o

fato e a publicação deve ser o menor possível, sob pena de que todos já saibam o

que aconteceu e a matéria deixe de ser interessante.

Os veículos jornalísticos, ao longo do tempo, criaram rotinas para prever

o imprevisto e o inesperado. Segundo Traquina (2005), o jornalista deve estar

atento para os movimentos insólitos, estando preparado para agir perante a mais

adversa das situações.

3.5. Reportagem

Traquina (2005: 47) aponta que, para prender um tipo de atenção que

demanda tempo e vontade de ler, não apenas de se informar, a reportagem

necessita de “a) realismo gr|fico; b) criaç~o de ambientes, com a utilizaç~o de

palavras concretas e a descrição detalhada para transmitir a sensaç~o de que “se

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Agência de Comunicação

278 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 270-303, 2013

est| ali”; e c) a utilizaç~o de met|foras, […] úteis para a dramatizaç~o do

acontecimento”.

3.6. Entrevista

A entrevista é considerada um gênero jornalístico apenas quando é

publicada isoladamente ou como parte importante de um texto. A entrevista,

como gênero, deve ser distinguida da entrevista enquanto técnica de obtenção de

informações. Esse modelo consiste em expor as respostas dadas por um

entrevistado às perguntas de um entrevistador, segundo Souza (2005: 172).

4. Jornalismo Impresso

4.1. Histórico

A imprensa surge na Europa nos fins da Idade Média. O panorama

sociocultural da Europa feudal era, segundo Marques de Melo (2003: 35), “(...) do

mais sombrio isolamento rural, onde a ignorância predominava entre servos e

propriet|rios”. As produções culturais, a leitura e a escrita confinaram-se aos

bispados, abadias e mosteiros. No século XI originam-se as feiras, que consolidam

a emergência de um novo grupo social nas cidades. O comerciante passa, então, a

querer melhorar sua produção e a qualidade de seu produto, procurando

desenvolver-se intelectualmente, buscando assim, formas de ampliar sua

atividade mercantil. Para que os jovens pudessem aprender sobre o comércio

emergente, foram criadas as escolas leigas por ricos comerciantes. O comércio

traz a necessidade da comunicação escrita e surge uma classe letrada

independente da Igreja.

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UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 270-303, 2013 279

A criação das primeiras universidades é que vai consolidar a formação

dessa nova elite intelectual europeia. Segundo Marques de Melo (2003: 40), “[...]

a efervescência cultural que estimula essas entidades, acentuaria a produção de

livros manuscritos [...]”. A produç~o de livros manuscritos também cresce na

medida em que se fortifica o Renascimento italiano. A procura de livros era

tamanha que os copistas não davam conta de todos os pedidos. Surge então um

comércio editorial. A necessidade da imprensa começa a emergir, também. O

preço do livro manuscrito é elevado, e a imprensa torna-se uma necessidade

social na Europa. Ela vem para atender a inúmeras necessidades: satisfazer as

universidades e movimentos renascentistas, atividades da nascente burguesia,

organizações administrativas eà Igreja. A informação como necessidade das

atividades trazidas pela urbanização gera a imprensa periódica.

A introdução da imprensa na colônia portuguesa acontece só em 1808,

com a vinda família real e a criação de academias, bibliotecas, instituições

científicas, entre outras atividades culturais. O atraso dessa implementação da

imprensa no Brasil se dá por diversos fatores. Um deles é que a natureza feitorial

da atividade desenvolvida pelos portugueses leva em consideração apenas os

interesses comerciais, deixando de lado o desenvolvimento e aperfeiçoamento da

colônia. Não havia ambiente propício para o desenvolvimento de escolas,

bibliotecas, universidades e a imprensa. A predominância do analfabetismo

também ajudou para o atraso da implantação da imprensa no Brasil. Não existia

um público que tinha interesse em livros, assim, não existia a necessidade social

de uma imprensa. A predominância da vida rural no Brasil colônia, precariedade

da burocracia estatal, um mercado interno fraco e o reflexo da censura e do

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Agência de Comunicação

280 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 270-303, 2013

obscurantismo português no Brasil também levaram ao surgimento da imprensa

no país só em 1808.

A primeira fase autêntica da imprensa brasileira surge com a

necessidade da imprensa para mobilizar a opinião da população brasileira em

favor da Independência e contra a dominação lusa (SODRÉ, 1983). Um tipo de

periódico característico da imprensa pós-Independência é o pasquim. Ele

interessava o público popular e refletia o ambiente agitado da época.

A imprensa no II Império é dividida por Sodré (1983) em três fases:

conciliação, agitação e reformas. Na fase de conciliação (1840), a imprensa se

aproxima com a literatura, com a publicação de romances e folhetins nos jornais.

Na fase da agitação, ocorre a retomada do debate político, nas campanhas de

abolição e República. Em 1870, na fase das reformas, acontecem avanços

tecnológicos, como a criação do telégrafo e do telefone. É nesse período em que

as primeiras agências internacionais de notícias surgem no país.

No período da República a imprensa adquire um caráter comercial. O

processo de urbanização e crescimento dos centros urbanos favorece a circulação

de informações. Nesse período de transformações, a imprensa conheceu

múltiplos processos de inovação tecnológica que permitiram o uso da ilustração.

A qualidade da impressão também melhora. A imprensa começa a se tornar uma

grande empresa, com o crescimento da profissionalização nas imprensas. O

conteúdo dos jornais começa a mudar, aparecendo os artigos, crônicas, entrevista

e reportagens.

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UFRGSMUNDI

UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 270-303, 2013 281

Só em 1970, o jornalismo da Indústria Cultural consolida-se no Brasil.132

A produção cultural da época fica sob o estreito controle do Estado. Para

incentivar o conglomerado empresarial da Indústria Cultural, o regime cria

instituições. Uma colaboração efetiva do regime militar na expansão dos grupos

privados é observada. Consolidam-se organizações como Globo, Abril, Folha e

Estadão. É neste período em que a empresa jornalística passa a ter predomínio

sobre o jornal, e seu conteúdo fica subordinado à lógica empresarial. Assim, a

notícia passa a ser mercadoria.

4.2 O estilo

Ojornalismo impresso impõe o domínio da língua e da sua gramática,

assim como algumas técnicas de redação. Dominar a língua escrita é

imprescindível para um redator. Para isso, é necessário que se pratique a escrita

e leia muito. Apesar disso, saber escrever não é o bastante. É preciso que o texto

fisgue o leitor, mas sem deixar de lado o principal objetivo: manter informados os

leitores. Souza (2005: 90) classifica algumas “regras que fazem do texto

jornalístico um texto informativo capaz de chegar a um grande número de

pessoas”. Uma boa notícia é escrita de forma clara, sem dúvidas ou ambiguidades.

A linguagem do texto também deve ser simples, por exemplo: “entre dois

sinônimos deve preferir-se o mais comum” (SOUZA, 2005: 90). Ao receber a

pauta, o jornalista irá receber também o número de caracteres que seu texto

pode ter, ou seja, o espaço que ele poderá ocupar no jornal. Esse espaço deve ser

respeitado pelo profissional. Além disso, o jornalista deve selecionar as

132 Termo que designa a situação cultural da sociedade capitalista industrial.

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Agência de Comunicação

282 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 270-303, 2013

informações de sua notícia, deixando de lado as evidências e irrelevâncias

informativas, de modo que o essencial do texto seja imediatamente

compreendido. O autor também destaca que um texto jornalístico deve ser

cativante e agradável, de forma que tenha ritmo para prender o leitor até a última

frase.

O jornal diário e a ideia de síntese consagraram um método de fazer

notícia chamado “método da pir}mide invertida”. Fundamentalmente, consiste

em colocar as informações mais importantes no topo do texto e as

complementares abaixo. Assim, o redator consegue tornar sua matéria mais

sintética, dando de início ao leitor o que é considerado como basilar,

teoricamente prendendo a atenção do receptor para as descrições que vêm

posteriormente.

O primeiro parágrafo, considerado de fundamental importância, é o que

os jornalistas chamam de lide. Para se fazer um bom lide, deve ser possível,

somente com as informações deste, responder às seguintes perguntas: quem?,

onde?, quando?, como? e por que?. Traquina (2005) destaca que a linguagem

jornalística, em especial a notícia, deve possuir certos traços que ajudam na

compreens~o, como “a) frases curtas; b) par|grafos curtos; c) palavras simples;

d) sintaxe direta e econômica; e) a concisão; e f) a utilização de metáforas para

incrementar a compreens~o do texto” (p. 46). Outro elemento importante de uma

notícia é o título. Ele deve ser objetivo e curto, de forma que o leitor compreenda

o que será tratado na notícia logo no título.

Exemplo de notícia de impresso, publicada no Jornal do Comércio em

05/04/2013:

Aumento da passagem é suspenso na Capital

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UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 270-303, 2013 283

Uma liminar do Tribunal de Justiça do Estado (TJ/RS) concedida aos

vereadores do P-Sol no fim da tarde desta quinta-feira suspendeu o aumento das

passagens em Porto Alegre. Com isso, o preço da tarifa de ônibus retorna para R$

2,85 e o de lotação para R$ 4,25 até as 19h desta sexta-feira. A decisão foi

anunciada enquanto ocorria uma manifestação no Centro da cidade contra o

reajuste válido desde o dia 25 de março, que passou a tarifa para R$ 3,05 e R$ 4,50,

respectivamente.

“A prefeitura não irá recorrer da decisão. Se o tribunal afirma que é esse o

valor, nós acolheremos”, afirmou o vice-prefeito, Sebastião Melo (PMDB), ao

receber a intimação das mãos dos vereadores do P-Sol Pedro Ruas e Fernanda

Melchiona, na Câmara Municipal. “A prefeitura deve agora informar esta decisão

para as empresas de ônibus”, afirmou Ruas.

A ação cautelar foi ajuizada contra o município de Porto Alegre, a

Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) e o Conselho Municipal de

Transporte Urbano (Comtu). As três partes precisam assinar o documento. A

Associação dos Transportadores de Passageiros (ATP) de Porto Alegre informou,

por meio de sua assessoria, que seguirá a decisão que a EPTC e o Comtu tomarem.

5. Radiojornalismo

5.1. Histórico

Há uma série de polêmicas acerca da origem do rádio. Segundo

Rodrigues (2008), a versão oficial é de que a primeira transmissão radiofônica foi

realizada pelo cientista italiano Gugliemo Marconi em 1895. Porém, também há

relatos de que, em 1893, o padre gaúcho Landell de Moura teria efetuado a

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Agência de Comunicação

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transferência de voz por um canal, dois anos antes de Marconi, tornando-se o

inventor extraoficial do veículo.

Conforme Rodrigues (2008), a primeira transmissão civil que se tem

notícia no Brasil ocorreu no dia 6 de abril de 1919, a partir de um estúdio

improvisado na Ponte d'Uchoa, no Recife, pelo radiotelegrafista Antônio Joaquim

Pereira, colocando em funcionamento a Rádio Clube de Pernambuco. Porém, o

fato teve pouca repercussão na época, sendo que a Rádio Clube não funcionava

regularmente, apenas de forma experimental. Foi nos anos 20 que o rádio

demonstrou seu potencial como difusor da cultura e da informação. A primeira

radiotransmissão massiva, considerada como oficial, foi realizada por Roquete

Pinto, considerado o pai da radiocomunicação no Brasil. Em 1922, ele foi

responsável pela famosa transmissão do discurso do presidente Epitácio Pessoa

para a cidade do Rio de Janeiro por meio de uma antena instalada no alto do

Corcovado, em plenas comemorações ao Centenário da Independência. Ele

também criou a primeira emissora com funcionamento regular do país: a Rádio

Sociedade do Rio de Janeiro, no final de 1922.

A partir dessa data, o rádio não parou mais de crescer. Em 1931 o

Governo Vargas permite a exploração comercial das emissoras. Assim, o veículo

cresce de modo a tornar-se o meio oficial de interlocução entre o Estado e a

Naç~o. Surgem os famosos programas de notícias “Voz do Brasil”, em 1935, e

“Repórter Esso” em 1941, além de diversas transmissões esportivas em tempo

real. J| em 1942, nascem as novelas do r|dio, sendo “Em Busca da Felicidade” a

pioneira, atingindo grandes índices de audiência.

O rádio, juntamente com o jornal impresso, foi um dos veículos de

comunicação hegemônicos até a década de 50. Nessa época, surgia um novo jeito

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de transmitir informação, que em breve estaria em todos os lares: a televisão.

Segundo Prata (2008), foi um momento de crise na radiodifusão, já que aquele

dispositivo aliava o som com a imagem. Contudo, ao contrário das previsões

apocalípticas, a radiofonia permaneceu no cenário da comunicação, inclusive

expandindo suas fronteiras com a melhora na tecnologia. Agora, com a internet, o

rádio passa por uma reinvenção que, segundo Ferraretto, não irá extingui-lo, e

sim explorar as possibilidades trazidas pela web. É o que está ocorrendo com a

difusão de radiowebs e podcasts (ver seção Adaptações do jornalismo impresso,

radiofônico e televisivo à internet), sem prejuízo perceptível à antiga transmissão

por ondas eletromagnéticas. Conforme Ferraretto (2007: 13), o rádio deve:

Buscar complementação nas possibilidades oferecidas pelas

tecnologias que [...] vão sendo introduzidas a cada dia. Acima

de tudo, é necessário recordar aquilo que o faz um veículo

diferente dos demais: a possibilidade de acompanhar o ser

humano em simultaneidade a quaisquer de suas atividades,

oferecendo seja informação, seja entretenimento.

Ou seja, para os que pensavam que a radiofonia iria morrer, ela está

crescendo dentro das novas plataforma e reinventando-se, ficando mais moderna

e adaptado aos tempos multimídia. Seja nos modernos IPhones ou nos

antiquados rádio-relógios, sempre há o charme, a confidencialidade e o

compromisso com o ouvinte que o rádio conquistou em cerca de um século de

história.

5.2. Características do radiojornalismo

A voz, instrumento de comunicação humana por excelência. Enquanto os

demais animais trinam, sibilam e até mesmo imitam, o homem desenvolveu e

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Agência de Comunicação

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aprimorou dispositivos fonéticos para melhor interagir com os demais. Por meio

da fala é possível expressar um sentimento, contar uma história, emitir uma

opinião, além de diversos outros tipos de exposição. A voz possui um

determinado alcance nas situações comuns, limitado pela distância, entre o som

emitido e o ouvido. Contudo, imagine a capacidade da voz de forma ilimitada,

podendo ser ouvida em qualquer canto do mundo, desde que se tenha um

receptor adequado. Eis então o rádio, definido por Meditisch (2001) como sendo

o meio de comunicação que transmite informação sonora em tempo real – se não

for feito de som e não for instantâneo, então não é rádio.

O rádio é um dos primeiros veículos massivos de comunicação, utilizado

por jornalistas em ampla escala devido à praticidade e à instantaneidade de suas

informações. Segundo o censo de 2010 (Fundação Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística – IBGE, 2011), atualmente considera-se que 100% dos

brasileiros tenham acesso à radiofonia através de alguma plataforma, seja

celular, internet ou o próprio. Há 300 milhões de receptores de ondas

radiofônicas no país (IBGE, 2011), o que transforma este veículo no mais

difundido dentro do território brasileiro. Com todo o poder de difusão da

informação trazido pelo rádio, como o jornalista constrói as notícias e quais são

as técnicas para melhor aproveitamento do potencial de tal meio de

comunicação?

Jornalismo e rádio possuem uma estreita relação: o comunicador utiliza-

se das potencialidades do meio para divulgar notícias, opiniões, transmitir

eventos, realizar entrevistas, etc. Enfim, as possibilidades são imensas. A

radiodifusão comporta desde matérias longas, como as reportagens e os

documentários, até programas com matérias curtas e concisas. Cada um dos

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UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 270-303, 2013 287

gêneros jornalísticos possuem peculiaridades já abordadas neste trabalho.

Contudo, há determinadas diretrizes para a produção de conteúdo que se

mantêm como base geral para uma comunicação eficaz e franca entre emissor e

ouvinte.

5.2.1. Linguagem

Primeiramente, Meditisch (1999) ressalta que a “linguagem do r|dio é

apresentada [...] como a composição de palavra falada, música, ruídos e silêncios”

(p.121). Ou seja, o silêncio pode conter tanta significação quanto uma frase,

portanto, é necessário que o jornalista possua ideias articuladas e não deixe

grandes espaços para não angustiar ou frustrar o ouvinte. O que mais prende a

atenção do público, muitas vezes, não somente o que se diz, mas a forma que se

diz. Segundo Jung (2004), o segredo de um bom locutor está em criar um padrão

espontâneo de fala, sem impostar a voz como os garbosos narradores de outrora.

Porém, isso não significa desleixo. O emissor deve quebrar um pouco o ritmo de

fala para manter a atenção do ouvinte, mostrando que acredita e se importa com

o conteúdo que está sendo repassado. Falar com calma as palavras, articular

todos os fonemas, destacar palavras-chave e impor ritmo à voz, são boas

estratégias para não transformar uma notícia em algo monótono.

5.2.2. Redação

Pode não parecer, mas escrever é uma das tarefas mais importantes do

jornalista de rádio, além de ser uma das mais desafiadoras. O texto para ser lido

em voz alta possui características distintas do de leitura visual. Ele deve ser

simples, conciso, ter frases curtas, ser próximo da fala e, principalmente, feito

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Agência de Comunicação

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para que o leitor entenda. Klöckner (1997) e Nucci (2006), em seus respectivos

manuais, apontam regras simples, mas que funcionam para a tal tipo de redação:

Preferir sempre a ordem direta: “O médico disse que o paciente deve ser

operado” ao invés de “o paciente dever| ser operado, disse o médico”;

Valorizar a pontuação, destacando sua função fonética, fazendo frases curtas

e com vírgulas suficientes para respirar. Evitar construções longas e sem

pontuaç~odo tipo: “o acusado foi ontem até a DELEGACIA DE POLÍCIA DO

QUARTO DISTRITO para prestar depoimento à delegada FULANA DE TAL

sobre o crime ao qual ele respondia”;

Outra dica é colocar barras após o ponto final e duas ou três no final do

par|grafo: “O VATICANO anunciou hoje o início do Conclave./ A informaç~o

foi dada pela assessoria oficial do País.//”;

Escrever números, nomes próprios e palavras de destaque por extenso e em

caixa-alta: “O jogador NEYMAR, do SANTOS, marcou QUARENTA E DOIS gols

na temporada passada” ao invés de “o jogador Neymar, do Santos, marcou

42 gols na temporada passada”;

Abrir siglas, a não ser que já seja consagrada pelo uso. “O MINISTÉRIO

PÚBLICO DA UNIÃO” ao invés de “o MPU”; “o INSS” ao invés de “o

INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL”;

Se for um programa ao vivo, principalmente os de longa duração, retome

algumas ideias para o ouvinte relembrar ou até mesmo para situar o

receptor que chegou “atrasado na conversa”;

A capacidade de improviso é importante, porém o fundamental é preparar-

se para evitar ruídos (falhas) na comunicação;

Exemplo de notícia para rádio:

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LOC- Médicos, técnicos e assistentes sociais do INSS paralisaram as

atividades no Rio Grande do Sul./ Conforme levantamento do Sindicato dos

Trabalhadores Federais da Saúde, Trabalho e Previdência, cerca de NOVENTA

POR CENTO das agências não abriram hoje./ A categoria exige a abertura de

concurso público para VINTE MIL vagas, além de gratificação por desempenho e

fim do fator previdenciário./ Segundo o presidente do Sindicato, GIUSEPE FINCO,

a paralização deve terminar na QUINTA-FEIRA.///

6. Fotojornalismo

6.1. Histórico

Na metade do século XIX, a fotografia ganhou espaço em meio à crise de

confiança que atingia as imagens manuais. Desenhos e gravuras, em suas funções

documentais, não mais convenciam os cidadãos da sociedade industrial em

expansão. A fotografia se adaptou melhor a realidade da nova época por

assegurar o contato com o referente, além de ser produzida de forma

relativamente mais rápida que as imagens feitas à mão.

A imagem fotográfica ficou estreitamente ligada à mídia impressa entre

os anos 1920 e a Guerra do Vietnã (ROUILLÉ, 2005). No período anterior a virada

do século XX, no entanto, o valor informativo da fotografia era ínfimo, já que as

máquinas ainda não estavam aptas a captar o instante. O longo tempo de

exposição necessário para a captação da imagem fazia com que apenas coisas ou

estados de coisas fossem fotografados. Não havia a possibilidade de fotografar

movimentos. Outra conjunção que dificultava a inserção da fotografia na área da

informação era a impossibilidade de reproduzir as imagens em grandes

quantidades. Avanços técnicos possibilitaram, por volta de 1900, que o instante

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Agência de Comunicação

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pudesse ser capturado e, a partir daí, eventos inesperados, guerras, atividades

esportivas e outros tipos de acontecimento puderam ser fotografados. Pouco

tempo depois, surgiram também as primeiras câmeras fotográficas de pequeno

porte, que tornaram a atividade mais ágil e prática. Mas os progressos técnicos da

câmera precisavam ainda se aliar a algum tipo de procedimento que aumentasse

imensamente a capacidade de difusão das imagens. Após décadas de pesquisa,

verificou-se um avanço nas técnicas de heliogravura133 e do ofsete134, o que

tornou possível, enfim, a reprodução industrial de fotografias através da

tipografia. Apoiado na aliança entre a imagem instantânea e a tipografia, o

fotojornalismo se estabelece na metade de 1920 (ROUILLÉ, 2005).

6.2. Componentes da imagem

O fato da imagem fotográfica se diferenciar das anteriores por ser

tecnológica, imagem-máquina, fez com que acentuassem em demasia o seu

caráter automático. Por muito tempo, acreditou-se que a fotografia era uma

perfeita impressão do real, ou seja, a influencia do homem no processo era

subestimada. Só que o fotógrafo não mostra sem se mostrar (ROUILLÉ, 2005). As

fotos, sempre singulares e subjetivas, se constroem através das escolhas que o

fotógrafo faz entre os diversos elementos de composição de uma imagem. Abaixo,

resumimos alguns desses componentes:

133 Processo pelo qual se grava uma fotografia em uma placa de metal utilizando-se

uma camada de gelatina sensibilizada. 134

Técnica de impressão em que imagens passam de uma chapa metálica para uma

bobina de borracha e daí para o papel.

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UFRGSMUNDI

UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 270-303, 2013 291

O enquadramento, de acordo com Sousa (2004), é o espaço da realidade

visível representado na fotografia. Ao enquadrar uma cena, o fotógrafo deve

priorizar o que é importante para sua composição, retirando de quadro

elementos que possam desviar o olhar para áreas de menor importância. São

diversas as denominações e as tipologias dos planos de enquadramento. Aqui,

vamos considerar quatro tipos de planos:

Os planos gerais são abertos e tem como principal função ambientar o

observador, mostrando uma localização. São utilizados frequentemente para

imagens de paisagens e eventos de massa como protestos e shows.

Os planos de conjunto são como os gerais, porém mais fechados. Esse

tipo de enquadramento permite a distinção clara de indivíduos ou outros

elementos.

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Agência de Comunicação

292 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 270-303, 2013

Já nos planos médios, o ambiente não é facilmente identificado. De

forma geral, pode-se dizer que esse plano caracteriza-se pela ação da parte

superior do corpo do personagem, da cintura para cima.

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Outro tipo de plano considerado médio é o chamado plano americano,

no qual o personagem é enquadrado dos joelhos para cima.

O grande plano, por sua vez, enfatiza detalhes como um cadeado, uma

flor ou partes do corpo humano.

O ângulo que a câmera forma com a superfície quando a foto é tirada

também influencia bastante a produção de sentidos de uma imagem.

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Agência de Comunicação

294 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 270-303, 2013

Quando a altura da câmera e a do objeto fotografado é a mesma, tem-se o

ângulo normal.

Chamamos ângulo picado quando a tomada é feita de cima para baixo.

Essa angulação tende a desvalorizar o elemento fotografado.

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Já quando a foto é tirada de baixo para cima, o ângulo utilizado é o

contrapicado, que tende a valorizar/exaltar o motivo fotografado.

Um dos princípios mais reconhecidos da fotografia é a regra dos terços.

A técnica consiste em dividir uma imagem retangular em nove quadros, sendo

traçadas duas linhas imaginárias na horizontal e outras duas na vertical.

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Agência de Comunicação

296 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 270-303, 2013

Os pontos de cruzamento dessas linhas são polos de atração visual

(SOUSA, 2004). De acordo com a regra, o assunto principal da fotografia deve ser

posicionado sob uma dessas áreas a fim de se formar uma composição

harmoniosa e agradável de se ver. Outra questão importante é que ao posicionar

o tema de destaque fora do centro da imagem, obriga-se o espectador a mover

seu olhar pela fotografia. Isso faz com que ele apreenda melhor o contexto e o

ambiente no qual o assunto principal está inserido.

É importante ressaltar que existem diversos outros métodos de se

fotografar além da regra dos terços. Como apontado por Sousa (2004), a

composição é, de alguma maneira, instintiva.

Nas imagens que ilustram entrevistas, o fotógrafo geralmente busca

evidenciar os detalhes do entrevistado que contribuam para a representação da

sua personalidade. Assim como em outros tipos de fotografia, o ideal é que o

fotojornalista varie as posições, o enquadramento, a iluminação e os pontos de

vista (SOUSA, 2004).

7. Webjornalismo

7.1. Histórico

As primeiras pesquisas sobre rede mundial de computadores, ou seja, a

Internet, surgiram na Guerra Fria. No início, ela era usada apenas para fins

militares ou por estudantes e pesquisadores, até que começaram a comercializá-

la, possibilitando ao usuário comum o uso da rede em suas próprias casas. Em

1991, o engenheiro inglês Tim Bernes-Lee desenvolveu a World Wide Web, o que

possibilitou a utilização de uma interface gráfica e a criação de sites visualmente

interessantes e mais dinâmicos. Com a interface WWW, aumentou

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consideravelmente o número de servidores conectados ao sistema e a Internet

alcançou a população em geral, revolucionando o mundo e principalmente a

comunicação. Aos poucos a tecnologia se desenvolveu e facilitou cada vez mais o

envio e recebimento de mensagens, principalmente por meio do email e chats de

conversa.

Em 2004, surgiu a primeira rede social, o Orkut. A partir de 2005,

surgiram os sites que abrigam vídeos enviados por colaboradores e que logo se

tornaram uma febre, como o YouTube e Google Video. No mesmo ano apareceram

também os primeiros blogs. Com o passar dos anos as redes sociais foram

mudando, se reinventando e se adaptando a realidade da sociedade. Assim,

surgiu o Facebook, o Twitter, entre outros.

Entre tantas novidades, fez-se necessário ao jornalismo uma adaptação

às novas plataformas. Assim como as redes sociais facilitam na divulgação das

notícias, a webauxilia na pesquisa e na busca de informações noticiosas. A

internet exige atualmente uma comunicação multimídia, o que levanta

questionamentos por parte de comunicadores sobre a continuidade do

jornalismo e a convergência de mídias.

7.2. Características do jornalismo online

Independentemente de suas múltiplas definições, o jornalismo online

apresenta algumas características específicas em relação a aspectos que quase

sempre existiram nas mais diversas mídias, em diversos graus. Segundo

Mielniczuk (2001), as características mais interessantes do jornalismo online são:

instantaneidade, interatividade, perenidade (memória, capacidade de

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Agência de Comunicação

298 UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 270-303, 2013

armazenamento de informação), programação, hipertextualidade, personalização

de conteúdo, customização.

O grau de instantaneidade do jornalismo online é o mais alto entre as

mídias, seguido pelo rádio. A capacidade de transmitir instantaneamente um fato

é o que mais impressiona na web: é muito rápido, fácil e barato inserir ou

modificar notícias nesse suporte. Apesar disso, algumas falhas podem ser

detectadas por conta da rapidez com a qual as notícias são escritas. Muitas vezes

a informação deixa de ser apurada da maneira mais completa e, em alguns casos,

a falta de uma conferência anterior a publicação online provoca a existência de

inúmeros erros de português.

A instantaneidade permitiu que se desenvolvesse a interatividade entre

os usuários da web. As mídias tradicionais sempre tiveram algum tipo de troca de

opiniões, como nas seções de cartas de jornais e TVs e nos telefonemas para

programas de rádio, mas nessa nova fase a interatividade atinge seu ponto

máximo. É possível navegar mais facilmente e escolher para que direção a leitura

vai seguir, tudo isso de forma mais automatizada com a ajuda dos hiperlinks.

“Esta estrutura narrativa exige uma maior concentração do leitor, mas esse é o

objetivo do webjornalismo: um jornalismo feito por meio da interação entre

emissor e receptor” (CANAVILHAS, 2001). O leitor pode também enviar

formulários com comentários sobre uma notícia e ver suas observações

colocadas imediatamente à disposição de outros leitores.

Outro ponto interessante na web é o arquivamento de material: ele pode

ser guardado indefinidamente e o custo de armazenamento de informação é

baixo. Além disso, na web é possível guardar grande quantidade de informação

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UFRGSMUNDI, Porto Alegre, v. 1, p. 270-303, 2013 299

em pouco espaço e essa informação pode ser recuperada rapidamente com

ferramentas de busca rápida.

6.3. Adaptações do jornalismo impresso, radiofônico e televisivo à internet

O estilo de texto para a internet deve ser curto, na ordem direta, com

palavras-chave destacadas. O estilo deve ser informal, porque a internet é um

meio de comunicação individual e pessoal, e também porque isso capta a atenção

do leitor e deixando-o informado em poucas linhas sobre as notícias. Devido à

instantaneidade da internet, o leitor pode trocar facilmente o site ou mudar de

página através dos hiperlinks, caso não se sinta satisfeito com conteúdo do texto

ou até mesmo com o tamanho do texto.

A plataforma mais utilizada para transmitir notícias curtas e rápidas são

os sites e as redes sociais como o Twitter (onde se pode escrever no máximo 140

caracteres) ou o Facebook, usadas principalmente por empresas de comunicação

que já se adaptaram ao jornalismo multimídia. Há também os blogs, plataformas

que permitem o uso de textos mais longos com utilização de hiperlinks, fotos e

arquivos audiovisuais e sonoros.

Assim como o jornalismo impresso, as rádios tem se adaptado cada vez

ao sistema da web. É possível transformar uma rádio tradicional em radioweb,

fazendo com que ela ganhe um alcance muito maior em suas transmissões. Assim

como é possível criar uma radioweb de qualidade, tendo apenas a internet como

plataforma, usando os podcasts: arquivos de áudio digital, em geral no formato

MP3, que podem ser descarregados diretamente para os tocadores de mídias. No

caso da mídia televisiva, até mesmo os maiores sites jornalísticos já publicam

matérias em vídeo. No Brasil, o portal de notícias G1, da Rede Globo, dedica uma

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seção inteira aos vídeos exibidos nos telejornais da emissora, além de transmitir,

ao vivo, a programação da Globo News.

A internet permite a utilização conjunta de várias linguagens,

diferentemente do jornalismo tradicional. Na web, o jornalismo pode usar de

diversos tipos de mídia e de formatos de arquivos de computador, como o texto e

hipertexto, áudio e imagem estática (fotos) e em movimento (vídeo). Todo esse

desenvolvimento da Internet deixa margem para discussões sobre o futuro das

mídias convencionais. Para Jenkins (2009), esses múltiplos suportes midiáticos

da internet e o fluxo de conteúdos que se dá por meio deles podem ser

entendidos como convergência, mas essa palavra deve ser usada com cautela.

“Convergência é uma palavra que consegue definir transformações tecnológicas,

mercadológicas, culturais e sociais, dependendo de quem está falando e do que

imaginam estar falando” (JENKINS, 2009: 29). Ou seja: quem faz a mudança s~o

as pessoas, a convergência não ocorre por meio de aparelhos, por mais

sofisticados que sejam; ela ocorre dentro dos consumidores e em suas interações

sociais com outros.

8. Referências

BOND, F. Fraser. An Introduction to Journalism. Nova Iorque: The Macmillan Co., 1959.

CANAVILHAS, João Messias. Webjornalismo: considerações gerais sobre jornalismo na web. Portugal: Universidade da Beira Interior, 2001. Disponível em: <http://www.bocc.ubi.pt/pag/_texto.php3?html2=canavilhasjoao-webjornal.html>.Último acesso em: 01/04/2013.

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Resumo Em 2013, pela primeira vez o UFRGSMUNDI conta com uma Agência de Comunicação. Ela

servirá como um exercício de apuração e difusão de informações sobre a conjuntura dos comitês da simulação. A proposta é que sejam desenvolvidas matérias que serão publicadas em um blog, que será atualizado constantemente, e em um jornal, que será lançado ao final do projeto. A Agência de Comunicação irá abordar os veículos de jornalismo impresso, radiojornalismo, webjornalismo e fotojornalismo. No blog, as postagens serão concisas, uma vez que o tempo de apuração e redação será menor. Além de textos e fotos, na página da Agência também serão postados áudios de entrevistas com os delegados. Já as matérias produzidas para o jornal serão mais longas e elaboradas. Assim, os participantes terão a oportunidade de trabalhar com três diferentes mídias e perceber as particularidades de cada uma delas. O principal meio de coleta de informações será através das

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entrevistas. Os repórteres poderão abordar os participantes dos comitês a fim de obter fontes para suas matérias. Acompanhando, estarão os fotógrafos, que serão responsáveis por registrar o andamento das sessões para ilustrar as matérias. Ao final das entrevistas, os repórteres devem editar as gravações e redigir seus textos que serão publicados no blog e no jornal. Podendo ser rotativas, as funções de repórter e fotógrafo serão imprescindíveis para a cobertura completa e verídica do UFRGSMUNDI.